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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRODE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO
MARCOS ANTONIO ESQUEF MACIEL
TÍTULO:
DESENHO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTISMO.
As relações sociais de produção e o ensino do Design no Brasil
Niterói
2009
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1
MARCOS ANTONIO ESQUEF MACIEL
DESENHO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTISMO.
As relações sociais de produção e o ensino do Design no Brasil
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor em
Educação. Área de Concentração: Trabalho e Educação.
Orientador: Prof. Dr. RONALDO ROSAS REIS
Niterói
2009
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MARCOS ANTONIO ESQUEF MACIEL
DESENHO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTISMO.
As relações sociais de produção e o ensino do Design no Brasil
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor em
Educação. Área de Concentração: Trabalho e Educação.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ronaldo Rosas Reis
Universidade Federal Fluminense
(Presidente)
Prof. Dr. José dos Santos Rodrigues
Universidade Federal Fluminense
Prof
a.
Dr
a
. Eunice Schilling Trein
Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Franklin Trein
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Prof
a.
Dr
a
. Regina Coeli Martins Paes Aquino
Instituto Federal Fluminense
Profª. Drª. Anita Handfas
Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Suplente)
Profª Dr. Maria Inês do Rego Monteiro Bomfim
Universidade Federal Fluminense
(Suplente)
1
Ao meu estimado, saudoso, mas sempre presente avô, Abdala Esquef, pelo seu
apoio e carinho, e por ter sempre me mostrado, à sua maneira e no seu empirismo, uma
visão polissêmica do mundo.
À minha querida e saudosa avó-mãe “Tita”, por ter acreditado sempre; e,
sobretudo, pelo extremo carinho em que me acolheu, e pela presença marcante desde os
primeiros momentos de minha vida.
Aos meus tios Paulo e Rosa, a quem sempre vou agradecer pelo carinho e apoio.
E à Denise, Mateus e Laís, pessoas muito importantes em minha vida, pelo apoio
e pela compreensão dos muitos momentos em que estive “ausente” ao “desenhar” e
“construir” cada uma das partes deste trabalho.
2
AGRADECIMENTOS
A Deus por me ter dado condições favoráveis para chegar onde
cheguei.
A Ronaldo Rosas Reis meu orientador, sempre preciso, competente
e seguro, pelo grande apoio e suas reflexões críticas.
Aos professores do doutorado pelo apoio, brilhantismo e sabedoria
dedicados a nós, alunos.
Aos colegas do doutorado pelo espírito companheiro em todos os
momentos.
A Direção e amigos do Instituto Federal Fluminense pela
compreensão e apoio.
A Vânia Bernardo – pela gentileza da revisão, e seu apoio, dados nesta
Tese.
1
“Quanto ao ‘sonho’, o que se deve dizer é que sem sonhos
políticos realistas não existe nem pensamento revolucionário,
nem ação revolucionária. Os que ‘não sonham’ estão engajados
na defesa passiva da ordem capitalista ou na contra-revolução
prolongada.”
Florestan Fernandes
“Os produtos necessitam de algo mais do que apenas função e
ergonomia, eles necessitam de poesia.”
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“O design é algo mais que apenas o objecto. E não é apenas o
redesenhar um produto num estilo novo. Os produtos
correspondem às nossas necessidades e desejos e têm um
impacto directo na qualidade das nossas vidas. Quanto melhor
for o produto, mais tempo durará. Isso é bom para o ambiente. O
design do futuro terá de levar isto em consideração, combinando
a funcionalidade com a emoção o uso físico e psicológico de
um produto – de forma inovadora e mais significativa”.
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1
RESUMO
O horizonte temático discutido nesta tese de doutorado, cujo título é
DESENHO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTISMO. As relações sociais de
produção e o ensino do Design no Brasil”, feita no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense, busca analisar, dialeticamente, as
relações sociais de produção do Design e do seu ensino no Brasil. Nessa perspectiva, a
tese se volta, de um lado, para a formação profissional do designer no Brasil, e, de
outro, voltado para o seu trabalho à luz das políticas econômicas de Estado e das
propostas empresariais, no contexto do desenvolvimento recente do país. Em busca de
compreender essas relações sociais de produção, um conjunto de temas foi premente.
Assim, encontram-se refletidos os conceitos de trabalho, de arte e de concepção de
homem considerando as premissas analíticas do método materialista histórico e
dialético. Bem como, as categorias “valor”, “reificação” e “trabalho”, “trabalho de arte”,
“estética, Design e mercadoria”. Ademais, estão presentes análises relativas à
subordinação do caráter do trabalho de Design e das contradições, e possíveis
digressões desta área de conhecimento em relação ao Sistema Capital, historicizando
criticamente o desenvolvimento das forças produtivas relacionando os interesses
estratégicos da classe dominante na formação do Design. Também examinamos as
características fundantes de um Design brasileiro, fazendo conhecer algumas das
principais diretrizes presentes no ideário empresarial industrial brasileiro, apreendendo a
ideologia estética de classe acerca do Desenho Industrial, tendo como objetivos
específicos a compreensão das suas ações táticas na esfera econômica e estratégias
políticas para assegurar e manter a sua hegemonia em face do pensamento de outras
frações da burguesia. Dentre outros aspectos, procuramos refletir sobre um pouco
provável controle humanista da tecnologia numa sociedade capitalista, e também sobre
as rarefeitas chances dos atuais e futuros designers elaborarem objetos mais duradouros
e ajustados às verdadeiras necessidades humanas em meio às imposições
mercadológicas em que vivemos. E, nesse sentido, em que pese levarmos em
consideração as assimetrias, contradições e limites, que prejudicam um compromisso de
um Desenho Industrial voltado para uma postura projetual em que não se perca como
parâmetro a real qualidade existencial do homem, faz-se premente ressaltar a
necessidade de nos empenharmos para que a experiência pedagógica se imponha
mediante uma axiologia de caráter humanista e transformador.
Trabalho de Design, Valor, Ideologia
2
ABSTRACT
The range of topics discussed in this doctoral thesis, entitled “INDUSTRIAL DESIGN
AND DEVELOPMENTALISM. The social relations of production and the teaching of
Design in Brazil”, undertaken at the Post-Graduate Education, Fluminense Federal
University, seeks to analyze, dialectically, the social relations of production Design and
its teaching in Brazil. Accordingly, the argument turns, on the one hand, for the training
of the designer in Brazil and, on the other hand, for his dedication to his work in the
light of the economic policies of state and business proposals in the context of recent
development of the country. Seeking to understand these social relations of production,
a set of themes is urgent. Thus, the concepts of work, art and design of man are
reflected, considering the analytical assumptions of the historical, dialectical and
materialistic method. As well, the categories “value”, “reification” and “work”, “work
of art”, “aesthetics, design and merchandise”. Moreover, there are reviews of the
subordination of the character of the work of Design and its contradictions, and the
possible digression in this area of research related to the Capital System, critically
historicizing the development of productive forces linking the strategic interests of the
ruling class in the formation of Design. We also examined the characteristics of
founding a Brazilian Design, by making known some of the main guidelines present in
the Brazilian industrial business ideas, learning the aesthetic ideology of class
concerning the industrial design, aiming at a specific understanding of their tactical
actions in the economic and political strategies to ensure and maintain its hegemony in
the face of the thought of other fractions of the bourgeoisie. Among other things, we
reflect upon an unlikely human control technology in a capitalist society, and also upon
the tenuous chances of current and future designers to draw objects that are more
durable and adjusted to the real human needs in the midst of the imposition of
marketing in which we live. In this sense, despite taking into account those gaps,
contradictions and limitations that impair the commitment of an Industrial Design
oriented approach of projecting that does not lose as a parameter the actual quality of
the existential man, it is urgent to emphasize the need to strive for an educational
experience imposed by an axiology of a humanistic and transforming character.
Work of Design, Value, Ideology
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... p.1
CAPÍTULO 1: TRABALHO, DESIGN E MERCADORIA ............................................... p.8
1.1 Trabalho, arte e concepção de homem ................................................................................ p.9
1.1.1 A técnica, o conhecimento ............................................................................................. p.11
1.1.2 Da Revolução Industrial à Bauhaus ............................................................................... p.17
1.2 Valor, valor de troca .......................................................................................................... p.30
1.2.1 O evangelho da mercadoria ............................................................................................ p.33
1.3 Design, Estética e Mercadoria ........................................................................................... p.37
1.3.1 Design e fetichismo dos objetos ..................................................................................... p.45
1.3.2 A “teia fetichista” do mercado ....................................................................................... p.52
CAPÍTULO 2: DESIGN E CAPITALISMO ..................................................................... p.57
2.1 O trabalho de Design e o modo de produção capitalista: questões de subordinação e do
caráter do trabalho ................................................................................................................... p.57
2.1.2 Subordinação Formal do trabalho ao capital .................................................................. p.64
2.1.3 A ciência aplicada e a maquinaria: O trabalho subsumido de forma real ao capital
.................................................................................................................................................. p.66
2.1.4 Produtividade e improdutividade do trabalho ................................................................ p.71
2.2 O campo profissional do Design ....................................................................................... p.80
2.2.1 Design: arte & técnica. Entre razão e sensibilidade ....................................................... p.95
CAPÍTULO 3: O DESIGN NO BRASIL: MATRIZES E DETERMINANTES
HISTÓRICOS ...................................................................................................................... p.115
3.1 A industrialização brasileira ............................................................................................ p.119
3.1.1 O caso brasileiro ........................................................................................................... p.121
3.2 A questão do nacional-desenvolvimentismo: possibilidades de um Design brasileiro
................................................................................................................................................ p.130
3.2.1 “Traços” de Desenho Industrial brasileiro antes do “Design” ..................................... p.144
3.3 O Design no Brasil .......................................................................................................... p.153
3.4 A formação do designer no Brasil ................................................................................... p.167
3.4.1 Os pioneiros .................................................................................................................. p.172
3.4.2 O Design mesclado ao ensino de Arquitetura .............................................................. p.174
3.4.3 A Escola Técnica de Criação ........................................................................................ p.175
3.4.4 Do Instituo de Belas Artes à ESDI ............................................................................... p.179
2
CAPÍTULO 4: A IDEOLOGIA DA ESTÉTICA DO DESIGN NO BRASIL ............... p.191
4.1 Considerações preliminares ............................................................................................. p.192
4.2 O pensamento da CNI: “Design para Competitividade Industrial no Brasil” ................. p.199
4.2.1 Profundas mudanças à vista .......................................................................................... p.208
4.2.2 Novamente a Competitividade ..................................................................................... p.211
4.3 Principais recomendações da CNI para uma política de promoção do Design brasileiro p.214
4.4 Os números da Gestão do Design na indústria brasileira ................................................ p.218
4.5 Indicadores de Competitividade – Design ....................................................................... p.220
4.6 Programas de apoio e fomento ao Design brasileiro ....................................................... p.229
CAPÍTULO 5: CONSOLIDADNDO OS MARCOS DA TESE E O PROBLEMA
INCONCLUSO DO “BOM DESIGN.............................................................................. p.252
5.1 As relações sociais de produção do Design .................................................................... p.252
5.2 O Design no Brasil .......................................................................................................... p.259
5.3 Design e ideologia .......................................................................................................... p.265
5.4 Um problema inconcluso: o “bom Design”. Considerações finais. ................................ p.271
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. p.275
1
INTRODUÇÃO
“O capital não é uma coisa física, mas uma relação
social”.
David Harvey (2006)
Como atividade originada no nascedouro mesmo da moderna indústria
capitalista na passagem do século XVIII para o século XIX, o Desenho Industrial (ou
Design)
1
, ao contrário de outras atividades baseadas na confluência de um conjunto de
processos empíricos a partir de técnicas medievais, logrou atingir a maturidade do
conhecimento científico e estético precocemente, isto é, ainda no primeiro quarto do
século XX
2
. Nessa medida é de certo modo estranho que o reconhecimento da sua
importância estratégica para a competitividade e a sobrevivência das indústrias de bens
de consumo somente tenha ocorrido de forma ampliada há pouco mais de duas décadas
3
.
Tal aspecto da breve história do Desenho Industrial torna mais estranho ainda esse
despertar tardio quando tomamos em consideração a extraordinária expansão do
consumo global de bens como automóveis, móveis, geladeiras, televisões, máquinas de
lavar, roupas, calçados etc., observada logo a seguir dos anos de chumbo da Segunda
Guerra Mundial, em 1945.
De fato, um breve passar de olhos sobre a literatura histórica é suficiente para
revelar que no período denominado por Hobsbawm como a “Era de Ouro” (1995, p.
253-281) ocorreu, especialmente nos países capitalistas desenvolvidos – mas não apenas
–, uma proliferação de exemplos nos quais a presença potencializadora do Design no
consumo de artefatos industriais mostrar-se-ia notável. Se por um lado o interesse tardio
pelo Design como fator estratégico pode ser explicado em decorrência da violenta crise
dos anos de 1970 que interrompeu o ciclo virtuoso da economia capitalista do pós-
1 Adotamos aqui Design e Desenho Industrial bem como, respectivamente, designer e desenhista
industrial como sinônimo. Cf. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e também Houaiss
Dicionário da Língua Portuguesa.
2
Conforme veremos no corpo da Tese, o surgimento da Bauhaus, em 1919, foi o marco de um processo
de experimentações e aproximações dessa atividade em toda a Europa que resultaria na criação de um
corpus teórico-prático e um modelo pedagógico que seria seguido mundialmente elevando-a à categoria
de uma área de conhecimento.
3
É importante
ressaltar que esse reconhecimento tardio deu-se apenas entre os empresários das indústrias
de transformação ou de bens de consumo, posto que nas indústrias de base especificamente as que
produzem máquinas e equipamentos industriais tal reconhecimento faz parte da própria condição de
existência das mesmas. Isso porque, segundo a lógica do capitalismo, o Design de maquinaria para o
emprego na indústria visa assegurar a produção de mais-valia para o capital (MARX, 1983), significando
isso o desenvolvimento permanente de Design de máquinas produtoras cada vez mais eficientes e
econômicas.
2
guerra e, por conseguinte, do consumo de bens de duração limitada; por outro lado, a
então falta de interesse pode ser atribuída às limitações ou mesmo à ausência de
elementos determinantes da superestrutura do Sistema para provocar, nos diversos
segmentos da classe média consumidora, o desejo de adquirir bens mais sofisticados
e/ou ergonomicamente mais avançados. Dentre os principais elementos da
superestrutura que determinariam a partir de meados dos anos de 1980 uma significativa
mudança na cultura do consumidor global, situam-se os meios de comunicação de
massa, especialmente as redes de televisão e as agências de publicidade, e o surgimento
de um número extraordinário de escolas de formação de desenhistas industriais.
No Brasil e nos demais países industrializados de economia dependente, embora
não seja de todo certo afirmar que o Design tenha despontado a partir da
institucionalização do termo, e nessa medida ainda tenha enfrentado algumas
incompreensões, principalmente no tocante à sua nomenclatura de origem estrangeira
4
, a
atividade do “desenhista industrial” existia informalmente com algumas outras
denominações bastante tempo
5
. Datam de fins da década de 1950 e da primeira
metade anos de 1960, na cidade do Rio de Janeiro, as primeiras iniciativas
governamentais no sentido de tornar oficial a formação do desenhista industrial e de
promover o Design como elemento estratégico para o crescimento econômico junto às
indústrias que surgiam na esteira da política desenvolvimentista do Estado brasileiro. De
fato, ainda no governo de Juscelino Kubistchek, as indústrias deram os primeiros passos
para institucionalizar a formação do profissional de Design no Brasil. A necessidade de
qualificação e formação de pessoal especializado ajustava-se tanto às propostas de
melhorar o aparato tecnológico da indústria brasileira, quanto ao de aperfeiçoar o
sistema educacional e os centros de pesquisa. Dessa maneira, o governo “impunha” à
indústria a buscar a qualificação de seus quadros a fim de atender as novas demandas do
mercado que certamente surgiriam. No entanto, somente no final do ano de 1962, com a
criação e implantação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), em definitivo,
em 1963, no então Estado da Guanabara, a formação profissional de designers de nível
acadêmico teve início efetivamente. A ESDI procurou estabelecer compromissos com a
4 Ver nota 1, cabendo acrescentar que embora maciçamente adotado, o significado original do vocábulo
(Design) não se encaixa perfeitamente em nosso idioma. No caso brasileiro, em particular, observou-se
que a instituição do Design como atividade em vel acadêmico se processou sob fortes influências e
conceitos estrangeiros (BONSIEPE apud DE MORAES, 2006, p.30).
5 Dentre outras, “desenhista de fábrica”, “desenhista técnico”, “desenhista projetista” etc. cuja formação
técnica e profissional era realizada sem a exigência do nível médio de escolaridade.
3
ideologia industrialista, tendo como diretriz norteadora a “possibilidade de que o
desenvolvimento dos meios e processos produtivos pudessem significar o progresso em
seu sentido mais original e democrático: mais e melhor para todos”, declara Pedro Luiz
Pereira de Souza (2008)
6
. De forma a compensar a inexistência em nosso país de
diretrizes curriculares para essa área, a ESDI buscou na metodologia adotada por uma
importante instituição de ensino alemã, a Escola de Ulm
7
, sua inspiração necessária
para montar seu primeiro currículo. Salienta-se que a metodologia de Ulm priorizava os
enfoques matemático e tecnológico mediante os quais buscava um Design
“monocromático” composto pela “estética da máquina ou estética mecânica”,
procurando estabelecer, dessa forma, uma formação educacional para um Design Clean,
funcional, objetivo, equilibrado, sem “adereços” (Souza, 2000, p.66-72). Aponta-se, que
o princípio educativo da união entre ensino e pesquisa e a metodologia de trabalho que
inspiraram o modelo curricular adotado pela ESDI, foi seguido pela maioria dos cursos
superiores de Desenho Industrial de nosso país. Ademais, tal modelo serviria ainda de
base para a formulação das bases epistemológicas de subáreas de conhecimento –
‘desenho industrial’, ‘programação visual’ e ‘desenho de produto’ –, no âmbito da
grande área das agências de fomento à pesquisa
8
.
Se foi a partir dessas breves observações inaugurais em torno do tema geral
“Desenho industrial e desenvolvimentismo no Brasil” que a nossa motivação para
investir numa tese de doutorado ganhou força, foi também a partir de então que se fez
presente a exigência de pensar essa relação específica à luz da totalidade das relações
sociais de produção do desenho industrial, nelas incluindo o ensino formal do
profissional dessa atividade. Assim, de imediato, um conjunto de questões articuladas
ganhou o primeiro plano das nossas preocupações, a saber:
Qual a relação entre o desenvolvimento capitalista brasileiro e o ensino de
Design no Brasil?
– Que linhas de ruptura e continuidade estão postas na dinâmica do processo das
relações sociais produtivas da formação de designers no Brasil com o desenvolvimento
industrialista brasileiro?
Em que medida o desenvolvimento das forças produtivas no Brasil têm
implicado uma reformulação da formação do desenhista industrial?
A partir delas, procuramos estabelecer as seguintes premissas orientadoras:
6 Professor e ex-diretor da ESDI. Autor do livro ESDI: Biografia de uma idéia”. Extraído do texto:
Continuidade de uma idéia democrática”, de sua autoria.
7 No corpo da Tese apresentamos e aprofundamos outras considerações sobre a Escola de Ulm.
8 Cf. CNPq http://www.cnpq.br/areas/tabconhecimento/6.htm
4
1) Não obstante o esforço de alguns setores da economia industrial e
governamentais, a formação de designers no Brasil estaria relegada a um plano
secundário, tendo em vista a importação de produtos estrangeiros, a uma transposição e
nacionalização desses produtos, ou seja, para reestilizar o que vem de fora do país, haja
vista o perfil de alguns empresários e gerentes industriais de nem sempre considerarem
o Design como atividade fundamental. Nesse sentido, existem aqueles que acham que é
muito mais barato copiar ou fabricar, sob licença de patentes originais, do que contratar
profissionais específicos para exercerem funções ligadas ao desenvolvimento de
produtos industriais próprios;
2) O modelo racional de Ulm, na época, se prestou em países ainda em
desenvolvimento industrial, como no caso brasileiro, como um instrumento eficaz de
redução da dependência tecnológica de países do mundo dito desenvolvido. Não
obstante, considerando a mimese dos conceitos (ideológicos e estéticos) pedagógicos
estrangeiros que predominaram em diversas instituições de ensino de Design no Brasil,
vindos, sobretudo da Escola de Ulm, houve um desenvolvimento “forçado” no Design
brasileiro sob forte presença de um caráter racional-funcionalista de valores simbólicos,
estéticos e dogmáticos que prejudicou um melhor desenvolvimento e integração desse
(Design brasileiro) em nosso país. Nesse sentido, em que medida esse aspecto
permanece como verdadeiro considerando a necessidade de adaptação e adequação do
Design que vem importado ao estilo brasileiro, ou às condições específicas de consumo
apresentadas no Brasil.
Com base nessas premissas, formulamos uma hipótese orientadora para o
estudo: se o Desenho Industrial representa hoje para a indústria de transformação ou de
bens de consumo um fator estratégico determinante para a sua competitividade e
expansão dos negócios, parte disso se deve fundamentalmente ao processo de formação
profissional do desenhista industrial. A fim de reforçar a ideia que organiza a hipótese
formulada, é importante sublinhar que entendemos tal processo de formação
profissional como constituinte das relações sociais de produção do Design, sendo
necessário, nesse sentido, apreendê-las levando-se em conta a sua real dimensão em
face do embate Capital-Trabalho e os respectivos interesses em disputa no campo
ideológico. Desse modo, constituímos um recorte temático para a tese voltado, de um
lado, para a formação profissional do designer no Brasil; de outro, para o seu trabalho à
luz das políticas econômicas de Estado e das propostas empresariais, no contexto do
desenvolvimento recente do país. Assim, definimos como objetivo geral discutir em que
medida as relações sociais de produção do Design no Brasil, seja como atividade
profissional do desenhista industrial, seja como atividade de ensino e formação desse
profissional, têm se processado em face do desenvolvimento das forças produtivas em
contextos e períodos demarcados pelas políticas econômico-desenvolvimentistas de
nosso país. De um modo mais específico, nossa intenção é, mediante a análise do
5
pensamento empresarial do setor industrial
9
sobre o Design, estabelecer uma base
epistemológica para a compreensão crítica do télos estético-cultural de classe (REIS,
2004 e 2005) que se manifesta no artefato industrial fetichizado pela mercadoria. Do
ponto de vista teórico, entendemos que um estudo desse tipo se associa aos demais
estudos que, sob diversos enfoques, têm se dedicado a enfrentar a problemática do
desenvolvimento do Design no Brasil sob o modo de produção capitalista em suas
relações de produção. Nesse sentido, buscaremos compreender sob que condições gerais
e específicas elas entraram (ou não), em contradição com as forças produtivas na
dinâmica do desenvolvimento capitalista no Brasil, considerando as premissas que serão
apresentadas mais adiante. Buscar-se-á, nessa perspectiva, problematizar a importância
dessa área de conhecimento nas políticas econômicas desenvolvimentistas,
considerando as estratégias burguesas industrialistas de fomento, apoio e
implementação de seu ideário hegemônico, e em que medida tais aspectos promoveram
uma estreita vinculação dessa atividade profissional em tela, com as propostas
empresariais e de governo.
Do ponto de vista metodológico, a Tese encontra-se organizada em cinco
capítulos.
No primeiro deles, “Trabalho, design e mercadoria”, recuperamos e
aprofundamos os estudos que realizamos na Dissertação de Mestrado defendida nesse
mesmo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, em 2004
10
.
Nosso objetivo naquele trabalho era avaliar em que medida a padronização estética dos
produtos gráficos refletia a subordinação do trabalho criativo do designer aos interesses
produtivistas do capital. A premissa adotada a partir de observação empírica com base
na nossa experiência docente, no curso de Design Gráfico no então CEFET-Campos
11
,
era a de que desde a sua formação, o designer gráfico é estimulado ao uso intensivo das
tecnologias computacionais, tendo as ferramentas de computação gráfica um fascínio
extraordinário sobre eles. Ao fim, defendemos, então, a importância de se estabelecerem
formas de luta contra-hegemônica sugerindo, portanto, a importância da manutenção e
ampliação do aprendizado da disciplina desenho livre bem como a necessidade de
9
Vale dizer, de ambos os segmentos, isto é, das indústrias de base e das indústrias de transformação.
10 Cf. MACIEL, M. A. E. Design gráfico e reestruturação produtiva da economia. Um estudo sobre a
padronização tecnológica e estética na formação do tecnólogo no CEFET-Campos. Niterói, RJ:
Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Educação, Dissertação de Mestrado,
2004.
11 Hoje Instituto Federal Fluminense
6
introdução de disciplinas que forneçam ao estudante um instrumental crítico de leitura
da realidade. Para realizá-lo mediante o método da economia política, estudamos as
categorias valor, trabalho de arte, reificação e mercadoria. Nossa proposta no presente
trabalho é retomar os aspectos centrais daquele estudo aprofundando a análise sobre
aquelas categorias, em especial, a relação de valor entre estética e mercadoria.
No segundo capítulo, Design e capitalismo”, nosso esforço se deu no sentido de
historicizar criticamente o desenvolvimento das forças produtivas relacionando os
interesses estratégicos da classe dominante na formação do Design. Assim, na sua
primeira seção, discutimos as questões referentes aos modos de subordinação do caráter
do trabalho à luz da extração da mais-valia. Observamos, dentre outros aspectos, a
problemática do crescente investimento do capital em trabalho morto (maquinaria) e o
processo acelerado de fragmentação do trabalho. Estudamos, principalmente, os
conceitos de trabalho produtivo e trabalho improdutivo, procurando entender de que
forma o processo criativo do Design se ameaçado pela exigência de uma crescente
produtividade. Na seção seguinte, o nosso esforço se deu em duas direções, sendo uma
no sentido da caracterização da atividade do desenhista industrial e outra, por extensão
da primeira, no sentido da caracterização própria do Desenho Industrial. Dentre outros
temas importantes que procuramos analisar criticamente nesse capítulo, cabe destacar
uma antiga e apaixonante porém ainda não ultrapassada questão que opõe arte e
técnica, razão e sensibilidade.
No terceiro capítulo, “O Design no Brasil: matrizes e determinantes históricos”
problematizamos e tentamos compreender historicamente quando e sob que condições
tais relações produtivas inseriram-se ou não nas contradições das forças produtivas
capitalistas em sua dinâmica desenvolvimentista, buscando compreender que matrizes e
determinantes históricos foram prementes para a formação do Design brasileiro. O
horizonte temático nessa seção busca apontar para as nuanças verificadas ao longo do
desenvolvimento do ensino de Design no Brasil, presidido sob a influência direta do(s)
projeto(s) desenvolvimentista(s) capitaneado(s) pela burguesia industrial. Nosso
objetivo é examinar as contradições existentes naquele(s) projeto(s), dentre elas, a busca
de concepções de um Design autônomo de corte nacionalista.
No quarto capítulo, “A ideologia estética do design no Brasil”, verificamos a
necessidade de estabelecermos um nexo concreto entre a base teórico-epistemológica
construídas nos três primeiros capítulos e o pensamento pedagógico empresarial
7
relativamente ao Desenho Industrial. Nesse sentido, investimos no levantamento e
análise das fontes documentais da Confederação Nacional da Indústria e federações
associadas em busca da apreensão e compreensão da teleologia estético-cultural
orientadora daquele pensamento. Um importante objetivo dessa pesquisa empírica foi o
de historicizar a ideologia estética de classe acerca do Desenho Industrial, tendo como
objetivos específicos a compreensão das suas ações táticas na esfera econômica, e
estratégias políticas para assegurar e manter a sua hegemonia em face do pensamento de
outras frações da burguesia.
No quinto e conclusivo capítulo, buscamos retomar sinteticamente o conjunto
das ideias debatidas em cada um dos capítulos anteriores do presente trabalho para, de
um lado, consolidarmos metodologicamente as categorias analisadas e os esquemas
teóricos adotados, e; de outro, ressaltarmos os marcos epistemológicos da Tese que aqui
se expõe. Dessa forma, procuramos desenvolvê-lo em torno das questões que
centralizaram as nossas preocupações no curso da investigação. Embora tratadas com
certa autonomia nos três primeiros capítulos, as questões compõem a estrutura da tese.
Para concluir o presente texto introdutório, gostaríamos de acrescentar que os
objetivos propostos neste estudo tiveram origem em questionamentos e preocupações
pessoais, oriundos tanto da esfera profissional, quanto do trabalho concreto da formação
de designers do curso de Design Gráfico do Instituto Federal Fluminense. Fazendo parte
do corpo docente do curso desde a sua implantação, tentando desde sempre
compreender as questões, contradições e inflexões existentes na relação entre produção
e educação dessa área, acumulamos motivos para acreditar que as dúvidas decorrentes
daquelas preocupações não eram abstratas. Mais do que isso, passamos a acreditar que
providas de uma sólida materialidade, aquelas incertezas exigiam a busca de um
caminho para esclarecê-las. Nessa perspectiva, também é pertinente ressaltar outros
elementos que nos chamaram a atenção, observados em vários discursos empresariais
relacionados ao campo do Design. Tais representações, apreendidas em publicações,
textos, jornais etc., nos remetem a refletir sobre as possíveis contradições do
protagonismo que se prescreve e se deseja para os profissionais dessa área de
conhecimento, vistos sob a ótica de tal empresariado.
8
CAP.1 – TRABALHO, DESIGN E MERCADORIA
Em princípio, é legítimo levar em consideração que o campo profissional do
Desenho Industrial ou Design
12
caracteriza-se como uma ramificação da atividade
humana recheada de características multidisciplinares. Tal caráter se apresenta
imbricando questões culturais, aspectos semiológicos, semânticos, cognitivos,
psicológicos e tecnológicos, associados à arte, à sociologia, à antropometria, à
ergonomia, à antropologia e à filosofia. No âmbito dos estudos científicos, o Design é
reconhecido como uma ciência social aplicada, cujas áreas estão compreendidas em
‘Desenho Industrial’, ‘Comunicação Visual’, ‘Desenho de Produto’ e ‘Programação
Visual’
13
. Sendo uma ciência aplicada, o Design produz conhecimento a partir da
problematização desse leque de questões multidisciplinares. O Desenho Industrial
(Design) pode ser definido como uma atividade humana em que se processa o ato
criativo, tendo o propósito de estabelecer as qualidades multi-facetadas de objetos,
processos, serviços e seus sistemas de ciclos de vida. Dessa forma, conforme declara a
International Council of Societies of Industrial Design – ICSID (2000), Design é
o fator central da humanização inovadora das tecnologias
e o fator crucial das trocas econômicas e culturais. (...)
Design trata de produtos, serviços e sistemas concebidos
através de ferramentas, organizações e da lógica
introduzidas pela industrialização não somente quando
são produzidos em série
14
.
Por opção, e também por força do seu ofício, o profissional do Design convive
íntima e diariamente com o conhecimento artístico e uma expressiva carga de
referências culturais. Dessa proximidade, ele apreende e extrai os elementos necessários
para o exercício renovado das suas tarefas cotidianas, sendo também esses elementos
aqueles que o ajudarão a tomar consciência do próprio trabalho. É no sentido desta
tomada de consciência que compreendemos o conceito marxiano de percepção sensível.
Com efeito, como adiante veremos, para Marx a história é, na verdade, o resultado do
esforço do corpo humano, através de suas extensões que chamamos de sociedade e
tecnologia, em luta pelo autocontrole dos seus poderes. Para ele, o mundo construído se
apresenta, desde as formações sociais primitivas às mais complexas, como uma
12 No Oxford English Dictionary do ano de 1588, o conceito de Design não somente é mencionado pela
primeira vez, como também é descrito como: “- un plano o un boceto concebido por un hombre para
algo que se ha de realizar; - un primer boceto dibujado para una obra de arte ... (o) un objeto de arte
aplicada, necesario para la ejecución de la obra” (BÜRDEK, 1999, p.15).
13 Fonte: http://www.cnpq.br/areasconhecimento/6.htm. Acessado em 02/01/2008.
14 Disponível em http://www.lsc.ufsc.br/~edla/design/conceitos.htm. Acessado em 15/09/2007.
9
“metáfora materializada do corpo”, no qual o sistema de produção econômica representa
o elemento que rege o processo de descorporificação e espiritualização de homens e
mulheres. Dessa forma, aponta Eagleton (1993, 147), a percepção sensível é “o próprio
elemento do pensamento, o elemento da expressão vital do pensamento”.
Postas essas considerações, aponta-se que o objeto do estudo é a teoria do valor
com vistas à construção do corpus teórico da tese. Nosso objetivo é expor os conceitos
de Trabalho, de arte e de concepção de homem considerando as premissas analíticas do
método materialista histórico e dialético.
1.1 – Trabalho, arte e concepção de homem
“A obra de arte, como produto supremo do fazer
humano [...] equivale, em termos de valor, à natureza”.
Giulio Carlo Argan (2000)
Buscando refletir sobre as lições deixadas por Marx acerca da concepção do
homem, Saviani (1987, p.8) confere relevo àquilo que ele aponta como o elemento
definidor da existência humana, a saber: o trabalho humano. Nessa perspectiva,
considera-se o trabalho como essência mediadora entre o homem e a natureza, como o
que o constitui como tal, caracterizando-se como a materialização da produção da vida
humana. Sua existência é fortemente marcada pela necessidade de produzi-la
continuamente, transcendendo a esfera de suas necessidades, inventando valores. Os
homens produzem sua essência e produzem-se em suas próprias relações sociais de
existência.
No conjunto dessas ideias, o autor sinaliza que a descoberta pelo homem do que
ele é, está na sua própria e efetiva existência, imersa nas contradições de seu próprio
movimento real, e não sedimentada numa essência externa a essa existência. Assim, a
maneira pela qual os indivíduos produzem seus meios de existir vai depender, antes de
tudo, da natureza dos meios de vida que estão apresentados e pelos quais têm de
reproduzir (2006). Tais premissas estão presentes nas reflexões de Marx e Engels, ao
considerarem que do mesmo modo “como os indivíduos manifestam sua vida, assim são
eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem,
como com o modo como produzem” (1986, p.27-28 – itálicos no original).
10
A essência humana não está garantida pela natureza, declara Saviani (2006), e
também é verdade que, da mesma forma, ela não se apresenta ao homem como uma
“dádiva natural”. Nesse sentido, ela deve ser resultado da própria produção humana,
como um produto do trabalho do homem, pelo qual este se forma homem. Portanto, tais
considerações nos permitem caracterizar a produção humana de sua própria existência
como um ir além das condições postas pela natureza; tal busca se processa pelo
trabalho, e pelo qual ele se liberta e transcende sua condição natural.
Essas ideias estão também sedimentadas em Lukács (1978). Para ele, a essência
do trabalho humano, em sua produção existencial, consiste em ir além de uma instintiva
competição biológica dos seres vivos com seu “mundo ambiente”. Esse pensador
adiciona ainda que o processo evolutivo, de busca por melhores condições existenciais,
não está balisado pela e na fabricação de produtos. O que ele determina como o
“momento essencialmente separatório” processa-se pelo “papel da consciência”
15
.
Tais reflexões estão fortemente postas nos escritos de Marx em O Capital, pelo
qual ele sinaliza que o produto é “um resultado que no início do processo existia ‘já na
representação do trabalhador’, isto é, de modo ideal” (apud LUKÁCS, 1978, p.4). Esta
passagem é muito clara em seu aspecto reflexivo ao comparar a atividade produtiva da
abelha (que executa operações semelhantes às do tecelão) com a do homem. Nessa
perspectiva, por certo que se analisarmos pela ótica do seu caráter construtivo ao
conformar sua colméia, ela supera ao de muitos arquitetos. No entanto, o que é
importante destacar reside na reflexão de que o que diferencia o pior arquiteto da
melhor abelha está no fato de que a “construção” está presente na mente (na
imaginação) do arquiteto antes mesmo de materializá-la concretamente; ao passo que a
atividade produtiva da abelha se processa instintivamente, está em seu código
genético.
Sobre esse caráter formativo/construtivo/idealizador da imaginação, Baudelaire
traz-nos aportes sobre os quais devemos refletir. Ele afirma que, ao possuirmos
imaginação em níveis cada vez maiores, ou seja, quanto mais a possuirmos, “melhor se
15 Também encontramos sustentação para tal aspecto em Kosik, quando salienta que a praxis humana
[...] é o cenário onde se opera a metamorfose do objetivo no subjetivo e do subjetivo no objetivo, ela se
transforma no centro ativo onde se realizam os intentos humanos e onde se desvendam as leis da natureza.
A praxis humana funde a causalidade com a finalidade. Mas se partimos da praxis humana como da
fundamental realidade social, de novo descobriremos que também na consciência humana sobre o
fundamento da praxis e em uma unidade indissolúvel, se formam duas funções essenciais: a consciência
humana é ao mesmo tempo registradora e projetadora, verificadora e planificadora: é simultaneamente
reflexo e projeto” (KOSIK, 2002, p.127-128 – itálicos no original).
11
deve dominar o ofício para acompanhar esta em suas aventuras e superar as dificuldades
que ela busca avidamente” (1993, p.87). Foi através dela que o homem aprendeu o
“sentido da moral, da cor, do contorno, do som, do perfume”. A imaginação “criou”, no
princípio do mundo, a “analogia e a metáfora”. Acrescente-se ainda que,
Todo universo visível é um depósito de imagens e sinais
aos quais a imaginação dará um lugar e um valor
relativo; é uma espécie de alimento que a imaginação
deve digerir e transformar. Todas as faculdades da alma
humana devem ser subordinadas à imaginação, que as
requisita todas ao mesmo tempo (BAUDELAIRE, 1993,
p.94).
1.1.1 – A técnica, o conhecimento
Nessa perspectiva, Argan também confere relevo a essa valiosa faculdade
humana ao afirmar que a “obra não é apenas manual: também a imaginação é uma
técnica, é geradora de imagens que povoam o espaço da mente antes do espaço do
mundo (2000, p.18 itálicos nossos). Em uma outra passagem, o historiador,
ressaltando a característica humana de adaptar o ambiente (mundo circundante) a si
próprio ao produzir sua existência terrestre (caráter este, muito bem posto por Marx),
aponta que o homem, nessa relação, “não deixa marcas casuais, mas signos que têm
valor de mensagens e com os quais podemos começar a reconstruir sua história” (Idem,
ibidem, p.16).
Ainda nessa ordem de pensamento, estão também em harmonia tais ideias em
Pareyson, considerando o que também queremos deixar registrado que na produção
existencial humana está presente em toda a sua experiência, constituindo-se como
manifestação de sua atividade, a arte. Tal produção se põe num nível que corresponde a
um certo modo de “fazer que, enquanto faz, vai inventando o ‘modo’ de fazer: produção
que é, ao mesmo tempo e indissoluvelmente invenção”. Acrescente-se, ainda, que está
imbricado em todo agir humano, em toda a sua “operosidade”, um aspecto “inventivo e
inovador”. Caráter este que se configura como “condição primeira de toda a realização,
precisamente por isso, pode haver arte em toda atividade humana, ou melhor, existe arte
de toda atividade humana”. Em outro trecho, ele afirma que não consiste o exercício da
“formatividade”
16
apenas nas técnicas mais humildes, mas também nas maiores
16 Para esse termo “formatividade”, Pareyson, em seus escritos, traz-nos aportes que nos levam a
compreendê-lo como: “fazer” e “saber fazer” ao mesmo tempo. Ou seja: “fazer inventando ao mesmo
tempo o modo em que no caso particular aquilo que se deve fazer se deixar fazer”. “Formar” possui um
12
invenções, portanto, “exigências de arte” (PAREYSON, 1993, p.20-22 itálicos no
original). Nessa perspectiva analítica, Kosik adiciona outras ricas reflexões, reiterando
sobre a importante missão do trabalho enquanto mediador da existência humana,
indicando que na
base do trabalho, no trabalho e por meio do trabalho o
homem criou a si mesmo como ser pensante,
qualitativamente distinto dos outros animais de espécies
superiores, mas também como único ser do universo, por
nós conhecido, que é capaz de criar a realidade. O
homem é parte da natureza e é natureza ele próprio. Mas
é ao mesmo tempo um ser que na natureza, e sobre o
fundamento do domínio da natureza tanto a externa”
como a própria cria uma nova realidade, que não é
redutível à realidade natural. O mundo que o homem cria
como realidade humano-social tem origem em condições
independentes do homem e sem elas é absolutamente
inconcebível; [...] O homem se origina da natureza, é
uma parte da natureza e ao mesmo tempo ultrapassa a
natureza; comporta-se livremente com as próprias
criações, procura destacar-se delas, levanta o problema
do seu significado e procura descobrir qual o seu próprio
lugar no universo. Não fica encerrado em si mesmo e no
próprio mundo. Como cria o mundo humano, a realidade
social objetiva e tem a capacidade de superar uma
situação dada e determinadas condições e pressupostos,
tem ainda condições para compreender e explicar o
mundo não humano, o universo e a natureza. O acesso do
homem aos segredos da natureza é possível sobre o
fundamento da criação da realidade humana (2002,
p.127 – itálicos no original).
De igual modo, como já exposto, vimos que o homem no momento de se
constituir como ser, ajusta a natureza às suas necessidades e finalidades, fazendo-o
mediado pelo trabalho. Lukács (1978, p.5-6) afirma que pode-se designar com “justa
razão” que o “homem que trabalha, ou seja, o animal tornado homem através do
duplo sentido; o de um lado, “encontrar o modo de fazer, executar, levar a termo, produzir, saber fazer; de
tal maneira que a invenção e produção caminham passo a passo, e no operar se encontrem as regras da
realização, e a execução seja a aplicação da regra no próprio ato que é a sua descoberta”. “Formar”, ainda
se refere, essencialmente, a “um tentar, porque consiste em uma inventividade capaz de figurar múltiplas
possibilidades e ao mesmo tempo encontrar entre elas a melhor, a que é exigida pela própria operação
para o bom sucesso”. (1993, p.60-61). Trazemos esses aportes por considerarmos que tais ideias estão, ou
deveriam estar, atreladas fortemente ao modus operandi e formativo dos profissionais em questão os
designers. Mesmo considerando que, em meio ao pujante desenvolvimento das forças produtivas
capitalistas em nossa era atual, ao mesmo tempo em que fragmenta e incorpora de uma maneira jamais
vista a nossa produção existencial, padronizando fortemente em meios mecanizados/digitais os processos
criativos e produtivos, embora configurados sob esse desenho, se faz necessária a exigência de uma certa
margem de “formatividade” (nos termos em que foram colocados acima) em processos produtivos, nos
quais o executor não se “limiteao “decalque” do projeto, sobretudo, o interprete inventivamente, dando-
lhe vida na realidade: não produtos em série, nem servis execuções mas, propriamente, obras bem
acabadas” (PAREYSON, 1993, p.65).
13
trabalho, como um ser que respostas”. Torna-se tal, à medida que “ele generaliza,
transformando em perguntas seus próprios carecimentos e suas possibilidades de
satisfazê-los”. E que também, ao responder às suas demandas, sua resposta “funda e
enriquece a própria atividade com tais mediações, frequentemente bastante articuladas”.
Mendes (2006, p.159) também traz reflexões acerca desse fato, ao afirmar que o
“homem é ao mesmo tempo natureza e transcendência da natureza”, e que ao
transcendê-la, o faz por não se contentar com aquilo que lhe é proporcionado pela
natureza. Nesse sentido, a autora afirma que “ele quer mais, quer o supérfluo
17
. Quanto
mais o homem cria o supérfluo, maior é a sua liberdade diante da natureza e,
consequentemente, melhor é o seu viver” (Idem, ibidem).
Retomando a análise de Lukács, seus aportes propõem que não somente as
respostas humanas, mas também suas perguntas constituem um “produto imediato de
sua consciência” que norteiam as atividades do homem. Ao mesmo tempo, o homem em
meio a esses domínios das forças da natureza, insere-se num processo de
desenvolvimento de suas próprias capacidades na busca por níveis mais elevados
(aperfeiçoamento). Nessa perspectiva, através e pelo trabalho, possibilita-se
ontologicamente o seu “desenvolvimento superior”, o que ele sinaliza como o
“desenvolvimento dos homens que trabalham”. Esse processo de ação sobre a natureza
(seu mundo circundante) transformando-a, dá-se por uma ação teleológica. Ou seja, o
homem age por objetivos. E esta característica, para Saviani (1987, p.8), constitui-se
como um outro ingrediente diferenciador da “ação humana, que é trabalho, das demais
ações que não são trabalho”. Em decorrência do próprio fato, importa ressaltar que para
ele “os animais também agem, também exercem uma atividade, mas essas atividades
não são guiadas por objetivos”, eles não antecipam em nível mental o que irão realizar
concretamente. Por outro lado, o homem “antecipa mentalmente o que vai realizar”.
Ao colocarmos o trabalho como elemento constitutivo da realidade humana, o
fazemos por entendê-lo como um mediador de produção das condições da existência
humana, como o que define a existência histórica dos homens. Para Marx, o ato
histórico primeiro que diferencia os indivíduos dos outros animais, não se processa
somente pelo fato de que eles pensam, e sim, pelo que devemos considerar pelas ações
17 Ainda que conste no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986) o termo supérfluo como: “O
que é demais; inútil por excesso; desnecessário”; é forçoso considerar que aqui o seu emprego pela autora
não está posto num sentido pejorativo. Seria conveniente atribuirmos seu significado à busca ad aeterno
de um desenvolvimento (aperfeiçoamento) do mundo circundante feito pelo homem.
14
exercidas por eles que promovem a produção de seus próprios meios de existência. Tal
pressuposto é expresso sob suas próprias palavras:
Pode-se distinguir os homens dos animais pela
consciência, pela religião ou por tudo que se queira. Mas
eles próprios começam a produzir seus meios de vida,
passo este que é condicionado por sua organização
corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens
produzem, indiretamente, sua própria vida material
(MARX e ENGELS, 1986, p.27 – itálico no original).
Nesses termos, depreende-se que, na relação homem-mundo circundante, o
homem constrói sua história sob um processo de transformações da natureza com ações
conscientes e ativas, em conjunto com outros homens, em busca da “superação” da
natureza, mediada pelo processo de trabalho. Nesse desenho de produção de existência,
o homem, como um ser social, produz coletivamente sua cultura, seu mundo,
compartilhando suas ações e os produtos de seu trabalho com os de outros seres
humanos, configurando o trabalho como categoria central de formação humana; como
criador de valores de uso, isto é, como trabalho útil indispensável à sua vida, sob
quaisquer que sejam as formas de sociedade. Donde se segue que, nesse sentido, o
trabalho “é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem e a
natureza e, portanto a manter a vida humana” (MARX, apud MENDES, 2006, p.159).
Assim, pelo trabalho, o homem, em sua produção existencial, se apropria da natureza,
pelos seus elementos constituídos e postos, transformando-os em coisas (objetos) úteis à
sua vida, como também em instrumentos e meios de trabalho.
Nessa ordem de raciocínio, para Kosik (2002, p.206-207), a ação humana é
resultado de um processo que se divide em dois campos: num, o homem atua sob os
auspícios da necessidade – trabalho; no outro campo, o agir humano se concretiza como
“livre criação e se chama arte
18
”. Tal divisão é considerada por ele justa, pelo fato deste
compreender que dessa maneira é possível “captar a especificidade do trabalho como
um agir objetivo do homem”, constituído por uma finalidade exterior “necessidade
natural ou obrigação social”. Dessa forma, tal proposição nos leva a creditar no trabalho
uma forma de ação humana que é movida pela esfera da necessidade. Ou seja, para ele,
o ser humano trabalha sob a pressão da necessidade exterior, que será satisfeita para
18 Kosik considera que a arte sempre foi considerada como a atividade humana e o agir humano par
excellence e, como livre criação, considerada distinta do trabalho” (2002, p.206). Em outra passagem, ele
enfatiza: “A arte, no sentido próprio da palavra, é ao mesmo tempo desmistificadora e revolucionária,
pois conduz o homem desde as representações e os preconceitos sobre a realidade, até a própria realidade
e à sua verdade” (KOSIK, 2002, p.130). Voltaremos a este tema arte mais adiante, pois se trata, sob
nossa ótica, de um assunto de extrema relevância para a área de Design.
15
assegurar a sua existência. Nesse sentido, pode-se compreender que não
necessariamente uma mesma atividade poderá ser considerada trabalho. Vai depender se
ela é ou não é exercida com fins de satisfazer necessidades naturais pressuposta como
manutenção da existência humana. Sob suas próprias palavras:
A divisão do agir humano em trabalho (esfera da
necessidade) e arte (esfera da liberdade) capta a
problemática do trabalho e do não-trabalho apenas
aproximadamente e apenas sob certos aspectos. Esta
distinção parte de uma determinada forma histórica do
trabalho como um pressuposto não analisado e, portanto,
aceito acriticamente, sobre cujo fundamento se petrificou
a divisão do trabalho surgida historicamente, em trabalho
físico-material e trabalho espiritual. Nessa distinção fica
oculta uma ulterior característica essencial da
especificidade do trabalho como um agir humano que
não abandonou a esfera da necessidade, mas ao mesmo
tempo a supera e cria nela os reais pressupostos da
liberdade humana (KOSIK, 2002, p.207 – itálicos no
original).
Por conseguinte, de acordo com o pensador, implica afirmar que o sujeito
presidido por tal materialidade, é determinado por um sistema de relações objetivas. No
entanto, o seu comportamento diante dele apresenta-se como “indivíduo movido pela
‘preocupação’, o qual no curso de sua ação cria a rede de relações”. Ele define
“preocupação” como a inserção fundamentada no engagement e da prática utilitária do
indivíduo social no sistema de relações sociais; a sua ação (indivíduo) que se “manifesta
como solicitude e preocupação”; “sujeito de ação (preocupação e solicitude) que se
manifesta como indiferenciação e anonimidade” (KOSIK, 2002, p.73).
Ainda nessa mesma ordem de pensamento, para Kosik, o “preocupar-se”
apresenta-se como um “aspecto fenomênico do trabalho abstrato”, posto por uma
sociedade em que o trabalho não se configura unido, apresenta-se despersonalizado, se
efetiva como “mero ocupar-se e manipulação em todas as esferas, material,
administrativa e espiritual”. A metamorfose do “trabalho”, para a “preocupação”
(substituição ocorrida no Século XX, pelo sentido de “ocupar-se”) reflete de maneira
“mistificada e profunda” o processo de fetichização das relações entre os seres
humanos. Processo esse pelo qual o mundo humano configura-se como um mundo
pronto, e provido de aparelhos, equipamentos, relações e contatos, onde o movimento
social do indivíduo se desenvolve como empreendimento, ocupação, onipresença,
enleamento em uma palavra, como ‘preocupação’” (2002, p.73-74). Em vista disso,
ele confere relevo a um mundo humano formatado por um “sistema formado de
16
aparelhos e equipamentosem que o indivíduo propriamente o determinou e que por
tais, é determinado. De igual modo, muito, ele perdeu a capacidade de se
conscientizar de que esse mundo é criação dele próprio. Assim, a vida foi “invadida”
pela “preocupação”. Ou seja, sob suas palavras,
o trabalho se dividiu em milhares de operações
independentes e cada operação tem seu próprio operador,
seu próprio órgão executivo, tanto na produção como nas
correspondentes operações burocráticas. O manipulador
não tem diante dos olhos a obra inteira, mas apenas uma
parte da obra, abstratamente removida do todo, parte que
não permite a visão da obra no seu conjunto. O todo se
manifesta ao manipulador como algo feito; a gênese
para ele existe apenas nos particulares, que por si
mesmos são irracionais (KOSIK, 2002, p.74 itálicos no
original).
Compreendemos, sob tais aportes que se manifesta uma práxis como “aspecto
fenomênico alienado”, não se referindo ao mundo dos homens, da cultura humana e da
humanização da natureza. Exprime-se por uma prática-utilitária em que o homem se
relaciona num sistema em que as “coisas” já estão prontas, ou seja, um sistema dos
“aparelhos”, pelo qual o homem configura-se como um objeto de manipulação. Sob essa
configuração de sistema, o agir humano, ou seja, suas ações, repetem-se todos os dias,
transformando-se em bito. Isto nos leva a crer que esse agir humano é efetivado
mecanicamente. Esse aspecto “coisificado da práxis que se expressa pelo termo
“preocupação” implica compreender que na “manipulação não se trata mais da obra
que cria, mas do fato de que o homem é absorvido pelo mero ocupar-se e ‘não pensa’ na
obra”. Isso é o comportamento prático do homem nesse mundo feito e posto um
mundo que não se manifesta a ele como uma realidade por ele próprio criada, mas
“feito e impenetrável, no seio do qual a manipulação se apresenta como engajamento e
atividade” (KOSIK, 2002, p.74-75).
O que Kosik quer dizer sobre esse processo de relação homem-mundo pode ser
exemplificado pelos atos cotidianos dos homens ao manejar alguns objetos do dia a dia.
Vejamos: ao utilizarmos um aparelho eletrodoméstico qualquer, ou um automóvel etc.,
e se não houver nenhuma interrupção em seu uso por um defeito qualquer, o indivíduo
continuaria a tratá-los como coisas banais. Mas, no momento em que existir algo que o
faça a atentar-se aos mesmos, ele perceberia que existe um “mundo de aparelhos”, no
qual as coisas estão interligadas, dependentes umas das outras. Assim, o autor afirma
que o trabalho humano abstrato configurado como “ocupar-se”, cria para o homem um
17
“mundo utilitário igualmente abstrato”, em que nesse sistema “tudo se converte em
aparelho utilitário”. Um mundo pelo qual as coisas perdem significado independente e
existência subjetiva. Elas o assumem quando são postas em relação com a própria
“manipulidade”.
Ainda sob uma mesma linha de raciocínio, Kosik, em uma outra reflexão, define
como mundo da práxis humana, a “realidade objetivamente humana em seu nascimento,
na produção e reprodução
19
”, ao mesmo tempo em que a cria, a compreende e a
determina. Por outro lado, ele sinaliza como mundo da “preocupação”, aquele que está
configurado pelo mundo dos “aparelhos já prontos e da manipulação”. Dito de um outro
modo, o homem se movimenta, nesse mundo, da mesma forma que ele maneja um
conjunto de aparelhos, sem, no entanto, ter de conhecer, verdadeiramente, como eles se
“movimentam” e a “verdade do ser deles”. Ou seja, ao manejá-los não se atenta da
“realidade técnica e do sentido desses aparelhos” (KOSIK, 2002, p.74-77). O pensador
indica que o conhecimento do mundo humano, como um “mundo utilitário”, revela-se
como um “mundo social”, no qual a natureza se manifesta como natureza humanizada,
isto é, como objeto e base material da indústria. Em última análise, ao reduzirmos a
relação do homem com a natureza
à relação do produtor com o material a elaborar, significa
empobrecer infinitamente a vida do homem. Significa
arrancar pela raiz o lado estético da vida humana, da
relação humana com o mundo; e, o que mais importa,
com a perda da natureza como algo de não criado pelo
homem, nem por ninguém, como algo do eterno e do
incriado significa a perda do sentimento de que o
homem é parte de um grande todo, comparando-se ao
qual ele se pode dar conta da sua pequenez e da sua
grandeza (RUBINSTEIN, apud KOSIK, 2002, p.77-78).
1.1.2 – Da Revolução Industrial à Bauhaus
Diante do cenário exposto nas reflexões anteriores, sinaliza-se que no âmbito
dos estudos marxistas, considera-se o uso e a fabricação de ferramentas ou artefatos
imanentes à condição humana, precedendo dessa forma todo e qualquer marco histórico
inaugural de atividades realizadas pelo homem nesse sentido, sejam elas qualificadas e
19 “A praxis na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo,
como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não-
humana, a realidade na sua totalidade). A praxis do homem não é atividade prática cotraposta à teoria; é
determinação da existência humana como elaboração da realidade” (KOSIK, 2002, p.222 itálicos no
original).
18
denominadas como artesanato ou como Design. Como também, os aportes expostos nos
dão sustentação a salientar que a busca por processos artísticos é inerente à trajetória
evolutiva dos homens.
Com efeito, Fischer considera a arte como uma forma de trabalho. E como
posto, o trabalho é uma atividade característica do homem. Nessa perspectiva, o uso e a
fabricação de instrumentos de trabalho se impuseram como condição inaugural para que
o homem pudesse se fazer homem, decorrendo daí a necessidade humana de antecipar
em um “projeto” a existência concreta de uma ferramenta (1981, p.21-22). Em outras
palavras, para que pudesse “entender” e intervir com o estado natural em que as coisas
se apresentavam a ele, o homem se apoderou da natureza e a transformou segundo um
“projeto” que tinha em mente.
Portanto, na exata medida de atender as suas necessidades vitais, ele sonhou com
a possibilidade de transformar os objetos naturais dando-lhes novas conformações, e ao
trabalhar para isso, projetando e construindo ferramentas, produziu-se a si mesmo.
Assim, de acordo com Fischer “[...] não ferramenta sem o homem, nem homem sem
a ferramenta: os dois passaram a existir simultaneamente e sempre se achavam
indissoluvelmente ligados um ao outro(1981, p.22). E ainda, reforçado numa reflexão
de Marx:
O instrumento de trabalho é uma coisa ou um complexo
de coisas que o trabalhador coloca entre si e a matéria
sobre a qual se exerce o seu trabalho; é o condutor da sua
atividade. [...] A natureza torna-se, assim, instrumento da
atividade humana, um instrumento com o qual o homem
suplementa os seus órgãos corpóreos [...] O uso e a
fabricação de instrumentos de trabalho, embora tenham
seus primórdios em outras espécies animais, são
características específicas do processo de trabalho
humano (MARX, apud FISCHER, 1981, p.22).
Tais considerações iniciais visam não apenas situar a atividade Design quanto à
sua condição singular face às necessidades humanas vitais, mas também, e, sobretudo,
qualificá-la historicamente no mundo do trabalho a partir do desenvolvimento
precedente à sua origem mais recente. Dessa forma, é de se notar que se é verdade que o
Design surgiu imerso nas contradições da primeira Revolução Industrial, no período em
que se correspondia à generalização da divisão intensiva do trabalho, tendo sido forjado,
portanto, no mesmo cadinho de modernidade inaugurado pelo modo de produção
capitalista, não menos certo é que, não obstante os primeiros designers terem surgido no
19
interior do processo produtivo serializado da fábrica moderna, “tanto do ponto de vista
lógico quanto do empírico, [...] a existência de atividades ligadas ao Design antecede a
aparição da figura do designer” (DENIS, 2000, p.18).
Denis (2000) fala da imprecisão de datar o início da separação entre concepção e
execução, embora acredite ser mais fácil determinar o período em que o termo designer
se tornou corrente como apelo profissional. De fato, conforme registra o Oxford English
Dictionary, embora o uso corrente do termo designer tenha ocorrido apenas no início do
século XIX, dois séculos antes já era possível encontrar quem o empregasse para
denominar os trabalhadores encarregados da tarefa de conceber projetos de artefatos
industriais na então florescente indústria têxtil inglesa. Nesse sentido, é de se salientar
que a presidir a origem da atividade do designer está um dos aspectos mais
significativos da cultura industrial sob o modo de produção capitalista: a necessidade de
atribuir competências específicas a um determinado tipo de trabalhador, para lidar
igualmente com uma etapa específica do processo de produção. Assim, na cultura
industrial sob aquele modo de produção, generalizou-se não apenas o processo de
divisão social do trabalho como, principalmente, a subordinação cada vez maior dos
trabalhadores ao modelo de trabalho imposto pelo capital
20
.
Nessa perspectiva, Manacorda, citando alguns dos conceitos centrais
desenvolvidos por Marx, em O Capital, aponta para algumas das formas mais
frequentemente utilizadas no processo de produção que acabam por subordinar o
trabalhador; são elas: a) a “cooperação planificada”; b) a especialização unilateral”; c)
a “grande indústria”, que reforça de maneira mais efetiva, a divisão do trabalho; d) o
surgimento do “operário coletivo articulado”, não mais o “sujeito dominante”, que é
reduzido a um objeto parcelado dentro de um “autômato composto de órgãos mecânicos
e de órgãos inteligentes, e a ciência como totalmente separada deles” (2000, p.37).
Nessa mesma ordem de ideias, também Kosik demonstra que na cultura industrial
[...] O trabalho se dividiu em milhares de operações
independentes e cada operação tem seu próprio operador,
seu próprio órgão executivo, tanto na produção como nas
correspondentes operações burocráticas. O manipulador
não tem diante dos olhos a obra inteira, mas apenas uma
parte da obra, abstratamente removida do todo, parte que
não permite a visão da obra no seu conjunto. O todo se
manifesta ao manipulador como algo já feito; a gênese
20 Faremos uma análise mais aprofundada do processo de trabalho capitalista no Capítulo 2.
20
para ele existe apenas nos particulares, que por si
mesmos são irracionais (2002, p.75).
Com a introdução da maquinaria, a elevação do desenvolvimento da
subordinação real, pois permite ao capital o rompimento dos limites dentro dos quais,
sob a cooperação simples e a manufatura, ele exercia um comando real sobre o processo
de trabalho. O capital tem esse controle porque lhe era pertinente reunir todo o
conhecimento e todos os materiais hospedados na maquinaria (BRIGHTON LABOUR
GROUP, 1991, p.24). Tais conhecimentos e materiais foram também desenvolvidos sob
a condução do capital e dos quais os trabalhadores, devido à sua forma de trabalho estar
tão fragmentada, ficam inteiramente separados. Atualmente esse desenho se materializa
de uma forma mais intensa dentro dos processos de produção automatizados, nos quais
o conhecimento humano daquele modus operandi está, em demasia, incorporado nos
softwares dessas máquinas.
Depreende-se que a passagem desse quadro produtivo teve sua correspondência
em um extenso processo de evolução da história do Design. Processo este cuja origem
anterior remonta a um desenho que reconfigurou os artesãos em operários fabris. Segue-
se, então, que com o passar dos tempos, foram em uma outra cadeia produtiva, sendo
conformados em profissionais liberais desvinculados do seio de uma indústria específica
e habilitados para a geração de projetos. Esse procedimento vem, desde os primórdios
escolares do Design do século XIX, até se conformar à sua institucionalização, enquanto
campo de atuação, ao longo do século XX.
Souza (2000, p.10-12) faz uma reflexão demonstrando que, a partir do século
XIX, os debates em torno das relações entre a arte e a indústria, ou sob uma outra ótica,
entre arte e técnica, exerceram forte influência no processo evolutivo da arquitetura
moderna, pela qual, por sua vez, gerou esse debate. Sob essa égide, foi cunhada na
arquitetura uma posição de que ela seria a “unidade de todas as artes”. Porém, não se
pode afirmar que essa expressão e idealismos estavam explícitos na arquitetura como
elemento catalisador.
As origens do Design no mundo moderno imbricam-se fortemente com as
indefinições políticas e econômicas vividas pelo mundo europeu. Eram notórias e fartas
as contradições existentes na época. De um lado a Belle Époque, auge do luxo da
burguesia, da cultura elitizada, dos “bons costumes” (burgueses) e das boas maneiras.
Do outro, toda uma sociedade reprimida, dominada e expropriada, que protagonizava o
21
aparecimento dos intensos movimentos de classe, como forma de insurreição e
questionamentos dessa sociedade dominante. Assim sendo, esse bem estar, essa riqueza
social burguesa, e os seus bens materiais não eram repartidos nem usufruídos por toda a
sociedade européia. Denis (2000) complementa que havia preocupações entre os
governos com o surgimento de novas potências mundiais emergentes (Alemanha e os
Estados Unidos), cujo poderio industrial e avançado cunho tecnológico impunham à
Inglaterra e à França, um acelerado ritmo competitivo econômico internacional. A
configuração estrutural da organização social e econômica do modus vivendi dessas
sociedades, e, conjuntamente com a existência do enorme contraste de modernidade dos
centros e da periferia européia, acarretou, por conseguinte, grandes conflitos. Dessa
forma, não havendo soluções baseadas em princípios pacíficos para resolver tantas
questões, foi deflagrada uma grande guerra mundial.
Assim sendo, emergiram em meio a esse contexto tão conturbado, intensos
nacionalismos políticos e conflitos econômicos. Patriotismo, orgulho nacional e
competição foram muitos propalados e exerceram grande influência, durante esse
período, entre as nações. Souza (2000, p.20-24) constrói uma linha de raciocínio
demonstrando que três revoluções influenciaram e tiveram importância histórica,
particular, nos discursos adotados pelo Design ao longo de sua história, a saber: a
Revolução Americana (1776), a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial
(meados dos anos de 1800).
Desde antes da metade do século XVII, declara Souza, estava em curso na
Inglaterra uma revolução que mudaria a face do planeta. Contudo, para ele, a Revolução
Industrial na Inglaterra não se processou por “necessidades de afirmação da burguesia
como classe detentora do poder”. Ele argumenta que, naquela época, tal poder estava
definido naquele país. Ressalta-se ainda que dela derivou-se a construção e a
formulação da economia do mundo do século XIX, e que da Inglaterra “vieram” as
ferrovias e as fábricas que mudaram as estruturas econômicas tradicionais do mundo.
Também sinaliza que do ponto de vista político e ideológico, os ideários surgidos nas
Revoluções Americana e Francesa seriam de fundamental importância no que diz
respeito ao “discurso do progresso, da possibilidade de se ‘ter mais e melhores’ riquezas
para todos”, e que também a Revolução Industrial (tendo como ponto principal a
Inglaterra) se baseava no conceito de progresso (2000, p.20-24).
22
Centrado nos conceitos de indivíduo, da livre escolha e de self made man, todos
gerados no bojo da Revolução Americana, esse ideário promoveria, ao longo do tempo,
a associação entre a ideia de cidadania e de consumo. Muito embora a Revolução
Francesa tenha herdado da Americana o sentido burguês de individualidade, o conceito
pleno de indivíduo teve no Iluminismo seu principal norteador, decorrendo daí um
ideário político menos restritivo quanto ao conceito de cidadania. De todo modo,
depreende-se de ambos os ideários, a associação entre industrialização, progresso e
atendimento das necessidades e desejos dos indivíduos sociais.
Também apreende-se que da ideologia de progresso amplamente propagada, e
pari passu, a do desenvolvimento técnico e científico, desencadearam o conceito de que
“a beleza de um objeto depende de sua utilidade e eficiência – ou seja, de sua adequação
à função a que se destina” (Souza, 2000, p.22). Reside aqui uma característica clássica e
marcante dessa época: a do funcionalismo no Design A Forma segue a Função. Com
efeito, na Alemanha, o arquiteto e urbanista F. Weinbrener (1776-1826), na parte III do
seu Tratado de Arquitetura (1819), escreveu: “a beleza está na concordância total entre
forma e função” (apud SOUZA, 2000, p.23).
Diante de um novo cenário político, cultural, e, principalmente, econômico,
governos e industriais se viram diante de uma nova exigência: pensar cada vez mais na
competição por mercados, pois, num mundo dividido internacionalmente em demandas
de compra e venda, as nações que não desfrutavam de monopólios coloniais foram
obrigadas a se lançar na busca de outras formas de obtenção de competitividade, para
alocação de seus produtos. Assim, salienta-se a evidente comunhão entre os interesses
do Estado e da Indústria.
Não obstante, havia ainda um outro aspecto, não menos importante, que foi a
resolução por parte dos empresários e governos, da necessidade premente de se buscar
um conceito estético e formal para os produtos saídos das indústrias. Tais produtos eram
de custos muito altos e de baixa qualidade, os quais foram contestados pelos seguidores
do primeiro movimento de oposição ao processo industrial vigente. Esse movimento
nascido em Londres, em 1861, foi denominado Arts and Crafts, idealizado e dirigido
por John Ruskin e William Morris.
23
Esse novo ideário foi de oposição e configurou-se como um movimento que
visava tanto a uma reforma social, como a uma inovação estilística
21
. Ele possuía dois
pontos marcantes: o primeiro era a proposição de que a arte deveria ser dividida em
duas facções distintas: a arte pura e a arte aplicada, ou, como foram mais conhecidas, a
arte maior e a arte menor, ou ainda belas-artes e artesanato. O segundo ponto se dava
na oposição ao modelo aplicado pela indústria e dos seus produtos derivados, com
críticas veementes por parte dos seus seguidores, quanto à baixa qualidade dos produtos
saídos das fábricas.
Para tentar solucionar este problema, eles justificavam o retorno do sistema
artesanal (que precedeu o novo processo de trabalho), como meio de produção e de
manutenção da verdadeira qualidade dos produtos em série. Recordemos que antes da
Revolução Industrial, o artesão era o profissional que concebia e executava todas as
etapas do processo de desenvolvimento dos produtos. Era ele que detinha todo o
processo de fabricação dos objetos. Nessa perspectiva, Adrian Forty (2007) sinaliza que
esses intitulados reformadores da produção industrial e do Design não conseguiam ver
ou estavam impossibilitados
22
de reconhecer
que a causa para o que denominavam de
“mau design”, foi o que mais tarde William Morris perceberia. Apesar de também
pertencer ao círculo dos críticos da sociedade industrial, não fazia desse fato um
determinismo. Ele pôde constatar (além dele, John Ruskin e seus seguidores), que a
qualidade do Design dos produtos oriundos dos processos fabris repousava, de fato, na
“cobiça do capitalismo”. Ou seja, embora ele não olhasse com bons olhos o processo de
produção mecanizado ora implementado, que o impelia a qualificar em patamares
inferiores de beleza seus produtos, não era essa (mecanização) a única causa desse dito
21 Conforme declara Bürdek, En 1891, William Morris funen la misma Inglaterra la empresa Morris
& Co. con vistas a una renovación de las artes y oficios. En torno a él se creó el así llamado movimiento
Arts and Crafts, que se puede considerar también como un movimiento de reforma social y de innovación
de estilo. Su abolición de la división del trabajo, y por consiguiente la vuelta a la unidad de diseño y
producción condujo a un movimiento de renovación de las artes y oficios. Este movimiento que se
enfrentó principalmente contra la estética de la máquina fracasó arrastrado por el tormentoso desarrollo
industrial de la segunda mitad del siglo XIX(1999, p.22-23).
22 “Embora muitos deles não gostassem dos efeitos da indústria, não tinham uma concepção alternativa
de como poderia ser uma sociedade industrial; portanto, era-lhes extremamente difícil fazer qualquer
crítica da sociedade em que viviam que não ameaçasse sua fonte de prosperidade. A não ser defendendo
que se abandonasse todo o progresso material do século anterior para retornar a uma economia de simples
artesanato [...], eles não conseguiam imaginar uma maneira de construir uma sociedade com abundância
de riqueza, mas sem os males decorrentes. [...] A prática de culpar as máquinas pelo mau design desviava
a crítica do capitalismo e concentrava a atenção nos problemas técnicos de produção, em vez de
direcioná-la para as questões sociais, mais difíceis e controversas. Afinal, era muito mais fácil ver como
as máquinas poderiam ser reprogramadas para fazer um design melhor do que conceber de que modo as
relações de capital e trabalho poderiam ser refeitas com o mesmo propósito(FORTY, 2007, p.84-85
itálicos nossos).
24
“design inferior”. Por um fragmento de suas próprias palavras durante uma palestra,
podemos ilustrar tal caráter, a saber: “Não é desta ou daquela máquina tangível de aço e
metal que queremos nos desfazer, mas da grande máquina intangível da tirania
comercial, que oprime a vida de todos nós” (apud FORTY, 2007, p.85).
Na Alemanha em 1907, funda-se uma outra forma organizada de promoção ao
Design, com características nacionalistas de afirmação da identidade nacional, um
movimento marcante no processo de industrialização: Deutscher Werkbund
23
.
Multhesius, seu principal articulador, propunha uma concepção formal simplificada dos
produtos, de maneira a adequá-los tecnicamente e com custos mais baixos, aumentando
assim, o seu consumo interno. Denis (2000) diz que o Werkbund proclamava, em
correspondência com o movimento Arts and Crafts, a cooperação entre a arte, a
indústria e ofícios artesanais; à exigência de novos padrões de qualidade; a promoção,
em caráter internacional, dos produtos alemães; e a promoção da unidade cultural
alemã.
O movimento Werkbund sugeria que os artistas
24
trabalhassem junto às indústrias
nos processos de desenvolvimento dos produtos. O objetivo desta proposição era tentar
melhorar as condições de trabalho dos operários e obter uma maior interferência dos
mesmos nesses processos. Com efeito, segundo essa corrente de Design, foram
abandonados ornamentos e quaisquer outros elementos que eram desnecessários nos
novos projetos dos produtos, através da simplificação e da geometrização formal
25
, para
23 “Literalmente, ‘Confederação Alemã do Trabalho’. Os antecedentes institucionais e comerciais dessa
associação são vários, mas as principais vozes na fundação da Werkbund foram o político liberal-
progressista Friedrich Naumann e Hermann Muthesius, um influente funcionário do Ministério do
Comércio alemão nomeado professor de arte aplicada na Universidade Comercial de Berlin em 1907. [...]
Muthesius transformou o seu cargo em palanque para denunciar a indústria alemã, reivindicando entre
outras coisas uma relação mais estreita entre produção industrial e um estilo nacional. Para ele e seus
aliados, a padronização tanto técnica quanto estilística daria aos produtos alemães a supremacia no
mercado internacional; tratava-se essencialmente de uma questão de usar o design como alavanca para as
exportações e para a competitividade” (DENIS, 2000, p.111). Estava declarado em seus estatutos:
“nobilitar o trabalho industrial (profissional ou artesanal), em colaboração com a arte, a indústria e o
artesanato, através da instrução, da propaganda e de uma firme e rígida tomada de posição, face às
questões relacionadas” (WERKBUND, apud MALDONADO, 2006, p.39).
24 Nos parece se referir aos artistas, artesãos e arquitetos que viriam a se inserir nos processos industriais.
25 “O Werkbund incorporou a Teoria da Pura Visualidade ao seu ideário. [...] alguns arquitetos, como
Adolf Loos, que escreveu um pequeno ensaio intitulado Ornamento e crime. Outro profissional
importante foi Peter Behrens, que pode ser considerado o primeiro designer moderno. Behrens era um dos
importantes arquitetos alemães, membro ativo do Werkbund, que escreveu um ensaio, em 1910, chamado
Forma e Técnica, introdutório aos conceitos formais que se estabeleceriam como tema maior de discussão
para o design moderno” (Souza, 2000, p.28). Cabe notar que havia uma preocupação nos discursos de
Muthesius para implicações econômico-produtivas, principalmente no que diz respeito à relação
desperdício de matéria-prima/trabalho, do gasto inútil, ou seja, de redução de custos produtivos. Um ano
25
adaptá-los aos “novos tempos e de operar em harmonia com um processo inteiro de
transformação da condição humana”, declara DE MORAES (1999, p.25). Ele ainda
sinaliza que, na ocasião, pretendeu-se, pela primeira vez, que artista e artesão, juntos,
buscariam melhorar suas condições de vida; como, por exigência, também melhorar a
qualidade dos produtos industriais (Idem, ibidem).
O Werkbund na prática, declara Denis (2000, p.111), funcionava como um
fórum que reunia empresários, políticos, artistas, arquitetos e designers em momentos
de encontros e nas exposições, que eram periódicos
26
. Por meio dessas atividades, a
confederação tencionava estimular uma política setorial de aplicação do Design à
indústria, que pressionaria a melhoria dos padrões tecnológicos e estéticos da indústria
alemã, contudo, sem perder de vista a educação do consumidor para exigir o
cumprimento desses padrões, como alvo nesse processo. Cabe ressaltar, sob seu ponto
de vista, que
a verdadeira história do design se inicia com a Werkbund,
pois foi a partir de suas atividades que ganhariam
destaque vultos como Peter Behrens, o arquiteto alemão
que se celebrizou através dos seus projetos para a
empresa de eletricidade Allgemeine Elektrizitäts
Gesellschaft, ou simplesmente AEG como é mais
conhecida [...](DENIS, 2000, p.112).
Souza (2000) também comunga com esse destaque, e o corrobora afirmando que
a obra desse arquiteto alemão, para a Allgemeine Elektrizitäts Gesellschaft - AEG,
(desde os projetos de suas fábricas, até da imagem visual, incluindo todo o projeto
gráfico de seus catálogos e mostruários) pode ser considerada como o “início prático do
design moderno”. Complementando, aponta-se que o trabalho desse arquiteto marcou a
adoção, por parte da iniciativa privada, daqueles princípios políticos, éticos e formais
que norteavam o Werkbund. No escritório de Behrens, trabalharam grandes e
importantes designers e arquitetos progressistas do século XX, dentre eles Walter
Gropius e Mies van der Rohe, os quais, após a I Guerra Mundial, fundariam uma das
mais importantes escolas de Design e Arquitetura desse século — a Bauhaus.
depois da conferência de Muthesius, em 1907, Loos utiliza-se de argumentação análoga para ir de
encontro à filosofia do objeto ornamentado. Sob suas próprias palavras: “O ornamento é força de trabalho
desperdiçada, e, portanto, saúde desprezada. Sempre assim foi. Hoje, porém, isso significa também
material desperdiçado e, em definitivo, capital desperdiçado” (LOOS, apud MALDONADO, 2006, p.38-
39).
26 Cabe notar que em nossas pesquisas não encontramos referências históricas no tocante à participação
de trabalhadores nesses fóruns.
26
Existia, nas primeiras décadas do século XX, uma grande variedade de
produtos industriais, produzidos em série e também com conceitos projetuais pré-
estabelecidos. Como vimos na seção anterior, os produtos saídos das fábricas continham
uma simplificação formal, livre de adereços desnecessários, como também,
confeccionados sob uma rigidez de produção. Portanto, de acordo com as correntes de
Design e do mercado, esse rigor facilitaria toda uma logística produtiva, e
consequentemente, um aumento no consumo.
Nessa perspectiva, De Moraes (1999, p.31) sinaliza que, nos Estados Unidos, os
processos industriais se encontravam em grande avanço e estavam cada mais
acelerados. Vivíamos num mundo do tipo high tech em vários equipamentos, dentre
alguns, máquinas de escritórios que facilitavam em muito o trabalho, e automóveis que
eram exportados para outros países. É nessa época que “emerge” uma das maiores
ideologias revolucionárias que influenciou a sua geração, como também as demais,
devido às variações seguidas. Destacamos Henry Ford, que tomando as teorias de
Taylor
27
, desenvolveu o que Antonio Gramsci, escrevendo nos seus Cadernos e recluso
em seu “cárcere fascista” (Rodrigues), denominou de Fordismo. Para darmos um breve
panorama do que foi esse período, recorreremos a Rodrigues (1998, p.54) na sua
síntese, demonstrando que
Esse delicado equilíbrio baseado na produção em
massa padronizada, no trabalho parcelado e altamente
simplificado, no consumo em massa de produtos
padronizados, salários compatíveis com a necessidade de
escoamento da produção massiva, nas políticas sociais
adequadoras da força de trabalho (seja do ponto de vista
educacional, profissional, de sua saúde) ao novo
momento econômico; na manutenção (enquanto
consumidor) do trabalhador desempregado, doente; e em
outras ações coordenadas pelo Estado, incluindo os
maciços investimentos públicos – será denominado de
padrão de acumulação fordista.
Rodrigues (idem, p.51) ressalta uma das mais marcantes características desse
processo, a de que os produtos puderam ser produzidos em uma “cadeia de fluxo
contínuo”, com as suas peças se encaixando perfeitamente, sem ser preciso muitos
ajustes. E sinalizando que Ford tendo “alcançado a perfeita intercambialidade das peças,
27 Rodrigues (1998, p.50) aponta que, em se tratando de gestão de força de trabalho, Taylor com os seus
conceitos de gerência científica, “desempenhou um papel importante na constituição do padrão fordista
de acumulação (termos cunhados por Harvey, no seu livro Condição Pós-moderna).
27
idealizou paulatinamente o trabalhador intercambiável”, e sob essa unificação e
intercambiação de peças, ele objetivou a racionalização produtiva.
Frente a um mundo em guerra (Primeira Guerra Mundial), as nações aceleraram
os seus desenvolvimentos industriais, principalmente aqueles diretamente ligados aos
transportes, à comunicação e aos bélicos. E esse período foi marcado por disputas de
mercados internacionais por parte das várias burguesias institucionalizadas e oriundas
das revoluções industriais. A Alemanha saiu derrotada e destruída, contudo, foram
notadas, principalmente pelos movimentos de arte da época — o expressionismo alemão
grandes expectativas de reconstrução nacional. De Moraes (1999, p.32) aponta que
em meio a esse panorama de pós-guerra e reconstrução da Alemanha, Walter Gropius
fundou em Weimar uma escola que “seria a tentativa, através do ensino, de unir a arte
aplicada e as belas-artes. Seria uma escola para o estudo e a pesquisa de melhor
qualidade da produção industrial e da experiência com o novo” A Bauhaus
28
.
Gropius (apud DE MORAES, 1999, p.32) afirmava: “Daremos vida, todos juntos, à
nova construção do futuro, na qual Arquitetura, Escultura e Pintura serão destinadas a
fundir-se”. E ainda,
a Bauhaus não será simplesmente a fusão de uma
academia de arte com uma escola técnica; ao contrário,
acentua, de modo especial, sua formação profissional
mediante a indicação de uma meta simbólica e real em
um tempo. [...] Construir, enquanto atividade coletiva,
capaz de conciliar trabalho manual e intelectual, até
então divididos, e poderia, ainda, remover as diferenças
de classes existentes e aproximar o artista do povo
(GROPIUS, apud DE MORAES, 1999, p.32).
É de se notar, nesse excerto, uma forte presença de uma esperança de um
protagonismo de uma arte aplicada atuante numa “época mecânica moderna”, tendo a
concepção e visão de se obter um mundo melhor, menos desigual, com mais conforto e,
principalmente, com mais humanismo. A visão pregada pelo manifesto do arquiteto
Walter Gropius, na sua ideia de uma escola Bauhaus, criada em 1919 foi “uma
nova visão das artes, para uma interpretação integrada
29
(apud SOUZA, 2000, p.36).
Esse arquiteto refletia e questionava a dissociação entre o todo e as suas partes na vida
28 Um dos maiores e mais importantes marcos do Design, da cultura e da industrialização do século XX.
29 Sob as próprias palavras de Gropius (1997, p.27): “[..] o nosso objetivo mais nobre é o de criar um tipo
de homem que seja capaz de ver a vida em sua totalidade, em vez de perder-se muito cedo nos canais
estreitos da especialização. Nosso século produziu milhões de especialistas; deixem-nos agora dar a
primazia ao homem de visão”.
28
dos indivíduos. E ressaltava que ao afirmarmos que um rosto humano é bonito, devemos
também pensar que são igualmente belas todas as partes que o conformaram belo, e
deste modo, nada é denominado e qualificado como algo, somente em uma única parte.
Daí a sua preocupação em construir uma escola de arquitetura moderna que, da
mesma forma como a natureza humana, integrasse a vida na sua totalidade. E ainda, o
seu esforço se concentrou e hoje isso se tornou uma necessidade premente em
“impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o
produto de massa e o lar, insuflando-lhes novamente sentido prático e vida”. Para esse
arquiteto, o que a Bauhaus propunha era a conjunção de todas as maneiras de se
processar um trabalho de forma criativa, de “arrancar o artista criador de seu
distanciamento do mundo e restabelecer sua relação com o mundo real do trabalho”
(GROPIUS, 1997, p.30-34). “Nossos esforços”, declara Gropius, “seriam concentrados,
visando a descobrir uma nova postura, que deveria desencadear uma consciência
criadora nos participantes, para finalmente levar a uma concepção de vida”. Era
intenção da Bauhaus “formar pessoas com talento artístico para serem designers na
indústria, artesãos, escultores, pintores e arquitetos” (1997, p.33-38). Assim, o
adestramento manual, bem formulado tanto sob a ótica técnica quanto formal, sempre
objetivava o trabalho em equipe na construção.
É digno de nota que a preocupação pedagógica dessa Escola era contrária a uma
formação especializada, pois seu fio condutor residia no fato de que no ser humano
existia uma pré-disposição natural para entender a vida como uma totalidade. Gropius
se opunha à crítica de que “uma formação tão geral, em nosso mundo de economia
industrial, constitui um extravagante desperdício de tempo”. Pelo contrário, nas suas
conclusões, ficou provado que essa formação não apenas proporcionava, como também
aumentava a confiança no aluno e que decorreria dessa forma, uma maior
“produtividade e a rapidez de seu ulterior treinamento especializado”. E, aqui
reiteramos, sob suas palavras: “Só quando se desperta nele o aluno desde cedo
larga compreensão para as cambiantes relações dos fenômenos da vida que o cercam,
poderá ele oferecer uma contribuição própria ao trabalho criativo de seu tempo”
(GROPIUS, 1997, p.33-38).
As constantes e persistentes experiências e pesquisas em seus laboratórios, em
especial aos produtos xteis, ao vidro e à cerâmica, deixaram importantes legados à
humanidade. A Bauhaus passou por fases bastante distintas, contudo, em maior ou
29
menor grau, sempre esteve presente um ideário de cunho socialista. De Moraes (1999,
p.34) reitera, afirmando que a “primeira fase da Bauhaus em Weimar, [...] pode ser
conhecida como a mais representativa para o desenvolvimento do design moderno”. Na
segunda fase, sob a direção de Hannes Meyer, os esforços foram orientados no sentido
da organização do ensino do Design, com ênfase em metodologias projetuais visando ao
aspecto social do Design. na sua terceira e última fase, dirigida por Ludwig Mies van
de Rohe, a filosofia bauhasiana objetivava uma maior integração entre Arquitetura e
Design (porém, o ensino de arquitetura foi, quase que exclusivamente, privilegiado) no
aspecto de que não se projetariam as construções, mas também todo o mobiliário
correspondente às mesmas, de forma integrada. Em 1933 a Bauhaus é fechada pelo
nazismo e, então, vários professores da escola emigraram para outros países da Europa e
para os Estados Unidos.
Em resumo, a Bauhaus tinha dois objetivos centrais: 1- buscava uma síntese
estética, através da integração de todos os tipos de arte e artesanato, capitaneados pela
arquitetura; 2- perseguia uma síntese social, orientando uma produção estética para as
necessidades de um amplo espectro de classes sociais. Nessa perspectiva, Denis aponta
para a talvez mais importante contribuição pedagógica deixada pela Bauhaus (a visão
grandiosa de Gropius): “a idéia de que o design devesse ser pensado como uma
atividade unificada e global, desdobrando-se em muitas facetas, mas atravessando ao
mesmo tempo múltiplos aspectos da atividade humana”. E complementa, afirmando que
o significado dessa pedagogia residiu na possibilidade de que, através da utilidade
interessada da Arquitetura e do Design, se buscasse construir um outro tipo de
sociedade, isto é, “melhor, mais justa e plenamente internacional, sem os conflitos de
nacionalidade e raça que, então, dominavam o cenário político” (DENIS, 2000, p.120).
Assim, em meio a essas histórias oficiais, é que foram constituídas as origens do
Design. Dessa maneira, podemos constatar que o Design moderno emergiu em meio às
tentativas impetradas por arquitetos e artistas, em transpor os “muros” impostos por
uma industrialização brutal. Isto significa afirmar e reduzir as origens do Design,
somente a essas concepções. Argumenta-se, apoiando-se em Souza (2000, p.9-12),
sobre a existência de contradições entre o processo de desenvolvimento das forças
produtivas (instrumentos, máquinas, sistemas produtivos etc.), e as relações sociais de
produção (a forma de organização do trabalho, as relações de troca, o consumo etc.).
Portanto, é no cadinho dessas relações sociais que se deu o desenvolvimento do Design,
30
o que não poderia deixar de ser Marx e Engels o disseram nos seus escritos da
Ideologia Alemã e em O Capital que o homem se educa, produz-se e se constitui como
homem, na produção e nas relações de produção, em meio a um processo contraditório
de humanização e desumanização.
1.2 – Valor, valor de troca
Postas as considerações, propomos, nesta seção, refletir, à luz dos ensinamentos
marxistas, sobre um importante fenômeno da esfera do modo de produção capitalista,
que influencia em muito o modo de produção de existência do homem, a saber: a
mercadoria. Nessa perspectiva, Marx ao considerar a riqueza das sociedades presididas
pelo modo de produção capitalista, apresentando-se configurada por uma “imensa
acumulação de mercadorias”, confere relevo à mercadoria como forma elementar dessa
riqueza e o elemento central que preside o modo de produção capitalista. Para ele, antes
de mais nada, a mercadoria é uma “coisa” que por possuir características próprias, tem o
potencial de promover a satisfação de necessidades humanas. Portanto, ela é “algo” que
tem valor de uso. Sua própria utilidade a confere um valor de uso, e esta (utilidade) é
determinada nas propriedades que se apresentam no “corpo” da mercadoria. Essa
referência ao valor de uso de um determinado objeto, assume-se como atendimento à
função para a qual foi concebida/produzida. Como ele mesmo exemplifica: qual o valor
de uma faca se ela não exerce a sua função principal, a de cortar? Em tempo, ainda
um outro aspecto a ser considerado: o valor de fruição
30
, aquele que se refere ao
ingrediente estético que está inserido no “corpo” da mercadoria, que nos prazer de
usufruir um objeto.
Vimos que o trabalho na esfera de produtor de valor de uso, que se manifesta na
utilidade trabalho útil é, independentemente das diversas formas de organização
societária, condição existencial do homem, “uma necessidade eterna, o mediador da
circulação material entre a natureza e o homem (isto é, da vida humana)” (MARX,
2007). Segue-se daí que pelo trabalho o homem ao “produzir-se”, também produz coisas
que lhe serão úteis. Está posto o caráter de valor de uso da mercadoria aquilo que
satisfaz uma necessidade. Não obstante, nas sociedades regidas pelo sistema capitalista
de produção, a mercadoria apresenta-se com duplo valor. O já exposto valor de uso que
30 Trataremos mais detidamente quando, adiante, discutirmos o tema “estética da mercadoria”.
31
se materializa pelo uso ou pelo consumo da mesma; e, de outro lado, esse próprio valor
de uso, que metamorfoseia-se e é viga-mestre de um outro tipo de valor, o de troca.
Enquanto o valor de uso é a expressão qualitativa dos objetos, ou seja, aquela
que é referente às qualidades postas nos mesmos para a satisfação de necessidades do
homem; o valor de troca exprime-se de outra forma, quantitativa. Isto é, “a proporção
em que valores de uso de espécie diferente se trocam entre si, relação que varia
constantemente com o tempo e o lugar”. Dito de uma outra forma, numa relação entre o
indivíduo e um objeto qualquer se o mesmo satisfaz sua necessidade própria, gera valor
de uso: no entanto, não “produz” mercadoria. Para que exista a sua efetivação, é
necessário que, além dessa produção de valor de uso, este deva ser produzido para
outros indivíduos como valor de uso social, numa relação de “troca” entre eles. O seu
valor de uso abstrai-se em favor de seu valor de troca. Vejamos esse fenômeno sob as
próprias palavras de Marx (2007):
Ora, se abstrairmos do valor de uso das mercadorias,
resta-lhes uma qualidade; a de serem produtos do
trabalho. Então, porém, o próprio produto do trabalho
está metamorfoseado sem o sabermos. Com efeito, se
abstrairmos do seu valor de uso, abstraímos também de
todos os elementos materiais e formais que lhe conferem
esse valor. não é, por exemplo, mesa, casa, fio, ou
qualquer outro objeto útil; não é também o produto do
trabalho do marceneiro, do pedreiro, de qualquer trabalho
produtivo determinado. Juntamente com os caracteres
úteis particulares dos produtos do trabalho, desaparecem
o caráter útil dos trabalhos neles contidos e as diversas
formas concretas que distinguem as diferentes espécies
de trabalho. Apenas resta, portanto, o caráter comum
desses trabalhos; todos eles são reduzidos ao mesmo
trabalho humano, (trabalho humano abstrato), a um
dispêndio de força particular que revestiu o dispêndio
dessa força.
Nesses termos, Marx explica que o que se evidencia de comum nas mercadorias
e o que se revela numa relação de troca, ou no valor de troca da mercadoria, é o seu
valor. Portanto, “um valor de uso ou um artigo qualquer tem valor na medida em que
está (objetificado) materializado trabalho humano (abstrato)”. Assim, o trabalho
humano é, por conseguinte, a essência do valor, mas não apenas aquele trabalho que
cria valor, o quantitativamente distribuído, também o é, aquele que é socialmente
igualado (RUBIN, apud SILVA, 2006, p.15). Compreende-se que no sistema de
produção de mercadorias, o trabalho conforma-se como valor dos objetos e é expresso
sob essa forma material.
32
O valor de uso de uma mercadoria, sinaliza Marx (2007), “contém um trabalho
útil especial ou provém de uma atividade produtiva que responde a um fim particular”.
Também explicita que num desenho de sociedade em que os produtos assumem a forma
de mercadoria, a “diferença entre os diversos gêneros de trabalho útil, executados
independentemente uns dos outros como assunto particular de produtores autônomos,
conduz a um sistema multi-ramificado, a uma divisão social do trabalho”. Nessa
perspectiva, de acordo com Paro, para que se efetive a produção de mercadorias, é
preciso que haja uma desenvolvida divisão social do trabalho. Além disso, os atores
produtivos, encarnados como “produtores privados” inserem-se numa relação produtiva
em que produzem uns para os outros para a troca. Para ele,
É claro que essa produção para a troca expressa um
caráter eminentemente social ao trabalho humano que se
incorpora nas mercadorias. Estas, por sua vez, só existem
sob a forma de mercadoria porque são a materialização
do trabalho humano abstrato, que constitui a substância
de seu valor. A mercadoria é, pois, a objetivação de uma
relação social, e suas propriedades enquanto mercadoria,
enquanto portadora de valor [...], advêm dessa relação
social (MARX, apud SILVA, 2006, p.15).
De igual modo, acrescente-se ainda que o
valor é, antes de tudo, uma substância social-histórica.
Nas organizações sociais em que a produção mercantil
constitui atributo de proprietários privados, entre os quais
exista divisão social do trabalho bastante adiantada,
somente de maneira indireta, pela troca mercantil, é que
os produtos do trabalho privado se apresentam como
produtos do trabalho social. O indicador do trabalho
social é, precisamente, o valor, na condição de
cristalização de trabalho abstrato, ao passo que o valor de
troca, sendo a razão de intercâmbio entre as mercadorias,
constitui a forma de manifestação do valor. (MARX,
apud GORENDER, 1985, p.34 – itálicos no original).
No bojo dessas ideias, depreende-se que nas organizações sociais em que a
produção para valor de uso é predominante, a manifestação direta do caráter social
do trabalho. Ao passo que em organizações societárias presididas pela produção
mercantil, ou seja, para valores de troca, a manifestação do caráter social do trabalho
dá-se de maneira indireta, intermediado pelo valor. Desse modo, conforme o
pensamento marxiano, cabe notar que as pessoas se relacionam entre si, do mesmo
modo como as coisas se relacionam entre elas próprias; isto é, a relação entre os
indivíduos oculta-se sob a forma de relações entre as coisas.
33
Postas as considerações, analisamos o trabalho sob o ponto de vista da produção
da existência dos homens, como um elemento mediador entre homem-natureza. Dessa
forma, é pertinente considerá-lo como materialização da condição humana em que na
sua produção histórica de existência, o homem interage e se apropria dos elementos da
natureza, de acordo com as suas necessidades. E ele vai mais além criando novos
valores, novas necessidades, sempre de forma inventiva e inovadora, transformando
esses elementos em objetos de trabalho. De igual forma, em seu modo de agir, mobiliza
meios e instrumentos de trabalho, adequando esses objetos em coisas úteis para a sua
vida. Vimos, portanto, que o que difere o homem dos outros animais é a sua
“necessidade eterna” de se autoproduzir, criando novas demandas existenciais e
buscando meios de satisfazê-las. Para tanto, ele interage com a natureza, transformando-
a segundo uma teleologia. Esse “agir” com o mundo circundante, produzindo seus
meios de vida, dá-se pelo trabalho, que produz objetos os quais têm valores de uso e que
também possuem um valor de troca, dependendo das condições materiais e sociais em
que eles se encontram.
1.2.1 - O evangelho da mercadoria
Na análise da produção de mercadorias como encarnação da produção da riqueza
do capitalismo, depreende-se que por ser portadora de valor (a mercadoria), o que lhe
confere valor é o trabalho humano. Em decorrência do próprio fato, o trabalho humano
é essencial para a produção de mercadorias. No entanto, conforme analisou
profundamente Marx, se “retirarmos” o caráter utilitário dos produtos do trabalho,
desaparece também o “caráter útil dos trabalhadores neles corporificados”. Dessa forma,
dissipam-se as “diferentes formas de trabalho concreto”, não mais existindo distinção
entre elas, e reduzindo-as a uma “única espécie de trabalho, o trabalho humano
abstrato”. Para ele, todo o trabalho se apresenta, por um lado, como
dispêndio, no sentido fisiológico, de força humana, e é
nesta qualidade de trabalho igual (abstrato), que ele
constitui o valor das mercadorias. Todo o trabalho é, por
um lado, dispêndio da força humana sob esta ou aquela
forma produtiva, determinada por um objetivo particular,
e é nessa qualidade de trabalho concreto e útil que ele
produz valores de uso ou utilidades. Tal como a
mercadoria tem, antes de tudo, de ser uma utilidade para
ser um valor, assim também o trabalho tem de ser, antes
de tudo útil, para ser considerado dispêndio de força
humana, trabalho humano, no sentido abstrato do termo
(MARX, 2007).
34
Tais reflexões sedimentam o duplo caráter que possui o produto do trabalho
humano. Ele se apresenta como valor de uso ou objeto útil, em qualquer forma de
sociedade. No entanto, em determinada condição de desenvolvimento histórico de
uma sociedade em que o trabalho dispendiado na produção de coisas úteis “reveste o
caráter de uma qualidade inerente (objetiva) dessas coisas, o caráter de seu valor
nessa época é que o produto do trabalho se transforma em mercadoria” (MARX, 2007).
Assim, ele “absorve” a “forma-mercadoria” no momento em que seu valor “absorve” a
forma de valores de troca que, segundo Marx, é oposta à sua forma natural, decorrendo
que a forma simples que o valor da mercadoria assume, é “também a forma elementar
sob a qual o produto se apresenta como mercadoria; e que, portanto, o desenvolvimento
da forma-mercadoria coincide com o desenvolvimento da forma-valor” (Idem).
A força dessas ideias leva-nos depreender a importância dada por Marx ao
caráter pelo qual um produto configura-se como mercadoria, sendo a produção desta,
conforme já exposto, a encarnação da produção da riqueza capitalista. Assim, diante de
certa estranheza e de mistério que um determinado produto se apresenta a nós, ele
sinaliza em sua teoria da circulação de mercadorias, batizada de “O fetichismo da
mercadoria e o seu segredo”, na seção 4 do capítulo I, volume I, de O Capital, que uma
mercadoria, à primeira vista, parece-nos uma coisa simples, que por si mesma, pode ser
compreendida. No entanto, ao analisá-la, vê-se pelo contrário, como uma coisa
complexa, recheada de “sutilezas metafísicas e de argúcias teológicas” (MARX, 2007).
Ou seja, está presente na mercadoria um caráter de mistério e mistificador. Por sua vez,
complementando esse apontamento, ele explica que desde o momento em que os
objetos úteis ao homem adquirem a forma-mercadoria, o cenário transfigura-se
completamente; o objeto assume um valor transcendente ao ser transformado em
mercadoria. “[...] transforma-se numa coisa a um tempo palpável e impalpável” (Idem.).
Nesse termos, os objetos adquirem um “caráter místico” que não são postos pelo seu
valor de uso, nem tampouco pelas características que determinaram seu valor.
De onde vem esse caráter mistificado do produto do trabalho? Marx aponta que
são oriundos das relações sociais dos produtores com o seu trabalho, ao reduzirem-se às
mercadorias a uma quantia objetiva. Nessa perspectiva, a forma-mercadoria se apresenta
aos homens “como se fossem características objetivas dos próprios produtos do
trabalho, como se fossem propriedades sociais inerentes a essas coisas”. Portanto, não
se apresenta como uma relação social dos produtores com o trabalho global e, sim,
35
como uma relação social que se processa entre os próprios produtos para além deles
(produtores). Ele explica que a relação entre a forma-mercadoria e a relação de valor
dos produtos do trabalho humano processa-se numa relação social determinada pelos
próprios homens, apresentando-se aos olhos deles como uma “forma fantasmagórica de
relação entre coisas”. Ou seja, para ele, os produtos oriundos do cérebro humano
parecem munidos de vida própria, como entidades autônomas que mantêm relações
entre si e com os indivíduos (MARX, 2007).
Nesse sentido, Gorender fazendo eco a esses pensamentos, sinaliza que Marx,
em sua teoria, desvenda o “caráter alienado de um mundo em que as coisas se movem
como pessoas e as pessoas são dominadas pelas coisas que elas próprias criam” (1985,
p.37). Ou seja, durante o processo de produção de objetos, estes ainda o matéria em
que o produtor domina e transforma em coisas úteis de acordo com as suas
necessidades. Por outro lado, uma vez que esses objetos, metamorfoseados em
mercadorias, inserem-se numa relação mercantil de compra e venda, o “criador” não
detém mais o controle sobre eles; acaba sendo dominado pelos mesmos, decorrendo que
o “destino dele passa a depender do movimento das coisas, que assumem poderes
enigmáticos. Enquanto as coisas são animizadas e personificadas, o produtor se
coisifica” (Idem). Nessa perspectiva, de igual modo, Haug sinaliza que num regime de
sociedade de troca
é através das mercadorias que os produtores se
relacionam entre si sem planejamento algum, e, mais
ainda, é a elas que eles atribuem as suas relações; as suas
relações sociais possuem a forma de relações e
movimentos de coisas; os seus produtos lhes escapam,
tornam-se independentes, em movimentos que produzem
arbitrariamente resultados sociais totais e aos quais os
produtores se submetem; [...], a mercadoria, nesse
movimento social, ganha poder sobre eles (1997, p.161).
Essas reflexões apontam que decorre do caráter social próprio do trabalho
humano, enquanto produtor de mercadorias, o caráter fetichizante do mundo das
mercadorias. As relações sociais não se apresentam como relações entre os homens em
seus próprios domínios do trabalho, mas como relações entre coisas. Dessa relação entre
pessoas como se fossem relações entre objetos, Marx denomina de “reificação das
relações de produção” e, como corolário, esses objetos personificam-se, detendo o poder
de “movimentar” as relações interpessoais, investindo-se de significados que não lhes
pertencem, em sua essência. Ou seja, um objeto sob a forma-mercadoria que é uma
36
coisa – se apresenta personificada com o poder de presidir as relações sociais de
produção. Essa capacidade lhe é fornecida numa sociedade gerida pelo modo de
produção capitalista – mediante o valor que lhe é atribuído pela materialização do
trabalho humano (abstrato).
Assim, o caráter fetichista das mercadorias se processa num mundo
mercantilizado, em que os produtos oriundos da criação dos homens “parecem” adquirir
vida autônoma e são dominantes nas relações entre si e com os homens. Configura-se
por meio de um processo pelo qual a mercadoria sentido ao produtor, ou seja, ela é o
elemento definidor desse sujeito produtor. Nessa ordem de pensamento, numa outra
passagem de O Capital, se as mercadorias pudessem falar, elas diriam:
Pode o nosso valor de uso interessar ao homem, que para
nós, enquanto objetos, isso é-nos indiferente. O que
interessa é o nosso valor. Demonstra-se a nossa relação
recíproca como coisas de venda e de compra. Só nos
relacionamos umas com as outras como valores de troca
(MARX, 2007).
A citação, nos termos que estão postos, é altamente significativa na
caracterização do fenômeno. Marx (2007) aponta ainda que a própria alma das
mercadorias pareça se expressar quando “o valor (valor de troca) é uma propriedade das
coisas; a riqueza (valor de uso) é uma propriedade do homem. O valor, neste sentido,
pressupõe necessariamente a troca, a riqueza, não”. Assim posto, depreende-se que o
valor de uso é um atributo do homem, ao passo que o valor de troca pertence às
mercadorias. Em sintonia com essas reflexões, Haug (1997, p.25-26) ressalta que as
mercadorias são produzidas não com o objetivo de produzir determinados valores de
uso, mas sim, sua produção se efetiva visando à venda (relação de troca). Em outra
passagem, ele sinaliza que o valor de uso sob a ótica do valor de troca é somente uma
“isca”. Ou seja, olhando pela perspectiva do valor de troca, “toda mercadoria é
considerada [...] mero valor de troca que ainda precisa concretizar-se (realizar-se) como
dinheiro e para o qual a forma do valor de uso significa apenas uma prisão e um estágio
transitório”. Ainda nessa linha de raciocínio, ele adiciona que a
função da valorização sempre à procura de uma resposta para a
questão da realização encontra expressão justamente na aparência
exagerada do valor de uso, impelindo o valor de troca contido na
mercadoria ao encontro do dinheiro. Ansiosa pelo dinheiro, a
mercadoria é criada na produção capitalista à imagem da ansiedade do
público consumidor. Essa imagem será divulgada mais tarde pela
propaganda, separada da mercadoria (HAUG, 1997, p.35).
37
O excerto anterior é muito elucidativo quanto ao telos capitalista na concepção e
produção de determinados objetos (mercadorias). Também nos deixa em alerta fazendo
com que reflitamos sobre a real responsabilidade (ética) social do campo produtivo do
Desenho Industrial, no tocante ao tipo de público para o qual os resultados serão
destinados. Ou seja, nos parece imperioso salientar que se atente sobre o campo
educacional/profissional do Design, não como uma panacéia conceptiva/produtiva
consumista.
1.3 – Design, Estética e Mercadoria
“A sensibilidade deve estar na base de toda a
ciência”.
Karl Marx (2000)
Postas as considerações, faz-se necessário trazer aportes que substanciem
reflexões sobre o pensamento estético humano que, de uma forma ou de outra, está
intimamente associado às tensões e concepções projetuais da área do Design. Para tanto,
Terry Eagleton, professor inglês de Teoria da Literatura e um dos mais conceituados
críticos marxistas de arte da atualidade, no seu clássico ensaio Ideologia da estética
(1993), propõe-se a examinar o pensamento estético que compreende ser o instaurador
da modernidade. Em outras palavras, a obra de Eagleton procura apreender na filosofia
de Baumgarten, Kant, Schiller, Hegel e Marx, dentre outros, o esforço destes autores em
interpretar a sensibilidade do mundo burguês-industrial. Segundo o professor, a
justificativa para tal empreendimento decorre do reconhecimento da importância
daquele esforço de interpretação da estética burguesa industrialista, no sentido de que,
desde o século XVIII e por todo o século XIX e grande parte do século XX, teria
deixado como legado um amplo conjunto de narrativas mestras que iriam compor aquilo
que ele compreende como a ideologia estética da modernidade.
Assim sendo, compondo uma análise do pensamento estético de Marx, Eagleton
identifica o sentido inaugural dado por Baumgarten ao conhecimento sensível, tendo em
vista a reconciliação entre os sentidos e o espírito. De acordo com o professor inglês,
em 1750, Alexander Baumgarten teria dado início à moderna tradição do pensamento
estético com a elaboração de um discurso filosófico sobre o corpo, por meio do qual ele
buscaria reconciliar as coisas e o pensamento, as sensações e as ideias, o material e o
imaterial apartados pela “[...] miopia da filosofia clássica”. Desta forma, ainda de
acordo com Eagleton, a estética passaria por um processo de reversão da sua forma
positiva original, e, as violentas polarizações travadas entre o idealismo antissensual de
38
uns e o materialismo irregenerado de outros, transformaram-na, quase um século depois,
numa “anestética” (apud REIS, 2002-2003).
Parece correto afirmar que, a partir de meados do século XIX, o grande desafio
da estética passou a consistir, fundamentalmente, no projeto de pensá-la a partir do
próprio corpo, de sua materialidade, apartada de um tipo de razão que reivindicava,
desde sempre, um espaço próprio. Tal desafio seria, então, assumido por Marx (“o
corpo trabalhador”), e posteriormente por Nietzsche (“o corpo como poder”) e Freud
(“corpo do desejo”), sendo que, a partir deles, o projeto de Baumgarten seria
devidamente recuperado, na verdade, reinventado (EAGLETON, 1993 apud REIS,
2002-2003). Marx considera como natureza sensível, o próprio elemento do
pensamento, a linguagem. Direcionando, dessa forma, pensar a reflexão teórica como
prática material (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 147). Para tanto, conforme Marx
ressalta, nos seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos (MEF), depreende-se que a
percepção sensível
[...] deve ser a base de toda ciência. quando a ciência
na sua forma dupla da consciência sensível e da
necessidade dos sentidos i.e. quando a ciência
começa pela natureza ela é verdadeiramente ciência.
Toda a história é uma preparação, um desenvolvimento,
para que o homem se torne o objeto da consciência
sensível e para que as necessidades do “homem enquanto
homem” tornem-se necessidades (sensíveis) (MARX
apud EAGLETON 1993, p. 147).
Ainda nessa mesma ordem de pensamento, Eagleton indica que, para Marx, o
mundo é o corpo do ser humano, e é neste mundo construído que está projetado o seu
corpo. Assim, “[...] os homens e as mulheres são eles mesmos descorporificados,
espiritualizados”. O sistema de produção econômica é, para ele, uma “metáfora
desmaterializada do corpo”. Do mesmo modo como ele aponta, nos Grundrisse da
agricultura, a conversão do solo como um prolongamento do corpo. Dessa forma, na sua
visão, o capital transforma-se em um corpo substitutivo do capitalista, munindo-o com
uma “forma vicária de sensibilidade”. E ainda, se a “essência fantasma” das coisas
encontra-se no valor de troca; logo, é o seu valor material que os provê de “existência
corpórea” (EAGLETON, 1993, p. 147).
Marx afirma que o corpo humano mediado por suas extensões que, para nós,
compõem-se de sociedade e tecnologia, chega a superar-se e a levar a si mesmo, até o
nada, contribuindo para uma redução de sua própria riqueza sensível a uma “cifra”, ao
transformar o mundo em um órgão de seu corpo. Para ele, a percepção sensível é a
39
estrutura que constitui a prática humana, compondo-se de mais que um conjunto de
órgãos contemplativos. E, a propriedade privada, é vista como um modo de exprimir
sensivelmente a alienação do homem em relação ao seu próprio corpo, é o desprender
da nossa plenitude sensível para o impulso único de possuir. Ele aponta que
substituíram-se os nossos sentidos físicos e intelectuais por uma simples alienação de
todos, no sentido de ter. E ainda, complementa, ressaltando que para tornar à luz a sua
riqueza interior, a natureza do homem foi reduzida à sua absoluta pobreza (MARX apud
EAGLETON, 1993, p. 147).
Dessa forma, no capitalismo, a vida sensível sofre uma polarização e ruptura.
Reduz-se a plenitude corpórea humana a uma simplicidade crua e abstrata da
necessidade, transformando os nossos impulsos em instintos. Portanto, para Marx, se o
capitalismo reduz ao mínimo necessário as necessidades do trabalhador para manter sua
existência física e também reduz sua atividade ao movimento mecânico mais abstrato,
ele transforma o trabalhador num ser sem necessidades nem sentidos e a sua atividade
numa pura abstração de toda atividade (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 149).
Entretanto, existe, dentre as contradições do capitalismo, uma que merece ressalva nesse
contexto, ou seja, ao mesmo tempo em que o trabalhador se devastado pela
necessidade, o desocupado das classes altas torna-se aleijado pela falta dela. Ou ainda,
se pelo capitalismo são usurpados do trabalhador os seus sentidos, o mesmo se processa
para ele próprio (o capitalismo). No entanto, uma vantagem para o capitalista, no
sentido de que o mesmo substitui vicariamente a sua sensibilidade alienada pelo
dinheiro. Dito de uma outra forma: “[...] tudo o que você é incapaz de fazer, o seu
dinheiro vai fazer por você [...]” (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 147). Então, para
Marx, o dinheiro é “[...] puramente estético, auto-alienado, auto-referente, autônomo”
(MARX apud EAGLETON, 1993, p. 149), com um poder de transmudar um objeto, de
imediato, em qualquer outro.
Marx torna-se estético quando crê que a prática dos poderes, das capacidades e
dos sentidos humanos é, em si mesma, um fim absoluto, não necessitando de uma
justificativa utilitária. Entretanto, para se dar a restauração dos “poderes pilhados” de
volta ao corpo, (segundo o pensador, objetivo do marxismo), será necessária a
superação da propriedade privada, isto é, por meio da “[...] prática rigorosamente
instrumental da destruição das relações sociais burguesas”. Portanto, pode-se afirmar
que para se viver esteticamente, os nossos impulsos deverão se libertar da tirania das
40
necessidades abstratas, e o objeto (igualmente) retornar ao seu valor de uso sensível
(MARX apud EAGLETON, 1993, p. 150).
Encontra-se evidenciado, nos MEF de Marx, como verdadeira produção
humana, o impulso para criar, sem a necessidade imediata para o fazer. Ou seja, na
prática da atualização de nossos poderes humanos, já está inerente uma atividade
prazerosa da própria natureza humana, sem justificativa funcional, do mesmo modo que
numa obra de arte. Como ele mesmo comenta, um escritor não “olhao seu trabalho
como um meio para um fim. Ele é visto como um fim em si mesmo. E será tampouco
um meio para ele e outros. Se houver necessidade, ele próprio sacrificará a sua
existência pela de sua obra. E ainda, nós vivenciamos de fato a riqueza sensível das
coisas ao trazê-las para o interior de nossos projetos significativos. E esta instância
difere, de um lado, do “[...] instrumentalismo bruto do valor de troca”, e pelo outro da
“especulação estética desinteressada” (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 152).
Sob a ótica de Marx, a transformação do objeto em um “receptáculo vazio”, que
prossegue ao domínio do valor de troca e à desumanização da necessidade, é o que viola
o seu ser estético (objeto). Logo, não é o seu uso. Assim, o fetichismo da mercadoria
expele a especificidade dos objetos reduzindo-se seu conteúdo sensível a uma
“idealidade da forma”. Eagleton (1993, p. 153) demonstra que o discurso estético
direciona-se para uma alienação entre os sentidos e o espírito, entre o desejo e a razão, e
para Marx, esta alienação está baseada na própria natureza da sociedade classista.
Conforme ele aponta, qualquer prazer corpóreo é expulso estando o processo de
trabalho subordinado ao capitalismo, e imposto a uma lei abstrata, que é oriunda da
crescente instrumentalização da natureza e da humanidade.
Eagleton aponta que o homem (por meio do seu corpo) vê-se diante de duas
vertentes: a racionalização e mercantilização dos seus poderes produtivos e a redução
dos seus “[...] impulsos simbólicos e libidinais” ao desejo bruto, que serão expulsos se
considerados redundantes (EAGLETON, 1993, p. 154). Para ele, uma vivência estética
verdadeira uma relação entre a natureza e a sociedade, ao mesmo tempo sensual e
racional — deve se situar de um lado, por uma moral que desvalorize os aspectos
corpóreos e sensíveis do homem; de outro, por um exarcebado esteticismo. Nesse
sentido, retira-se da criatividade humana a produção material. Ela se dispersa na
“fantasia idealista”, ou “[...] enlouquece naquela imitação cínica de si mesma conhecida
como desejo possessivo”. No sistema capitalista, impera uma razão “formalista”, mas
compreende-se que deve ser reincorporada à mesma o que ela expele como resto, sobra,
41
ou excesso. A razão e o prazer estão em disputa; logo, o objeto artístico tem o dever de
encontrar meios para promover a reconciliação, isto é, trazer a sensualidade para a razão
e a racionalidade para o prazer.
Para esse professor, a estética tenciona solucionar, de uma forma imaginária, o
porquê de, em certas condições históricas, a “[...] atividade corpórea humana gera um
leque de formas ‘racionais’ pelas quais o corpo, ele mesmo, é então confiscado”
(EAGLETON, 1993, p. 154). Para Marx, no conceito de valor de uso, reside a reunião
entre o sensível e o racional. Contudo, enquanto a mercadoria
31
reinar sozinha, não
haverá liberação do valor de uso. Para a realização do estético, o mesmo tem que se
passar para o político (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 154). Para que seja sanado o
corte entre o “desejo bruto e a razão descorporificada”, deve-se promovê-lo mediante
uma “antropologia revolucionária” que busque incessantemente as bases da
racionalidade humana até a fonte escondida nas demandas e capacidades do corpo
produtivo (EAGLETON, 1993, p. 154).
Em tempo, Haug introduz um conceito para estética da mercadoria, no qual está
designada como “[...] um complexo funcionalmente determinado pelo valor de troca e
oriundo da forma final dada à mercadoria, de manifestações concretas e das relações
sensuais entre sujeito e objeto por elas condicionadas” (HAUG, 1997, p. 15). Nesse
sentido, a mercadoria, apresentando-se como puro valor de troca, extingue de si mesma
qualquer resquício de matéria; e conformada como um “objeto aurático sedutor”,
evidencia seu ser sensível, na sua singularidade, como uma “[...] espécie de espetáculo
espúrio de materialidade”. No entanto, essa mesma materialidade, se apresentada sob
uma forma abstrata, contribui para ocultar as relações sociais concretas da sua produção
(EAGLETON, 1993, p. 154).
Marx aponta que no capitalismo está presente um processo de coações e
constrições, com a livre criação do valor de uso impedida pela camisa de força do valor
de troca (MARX apud EAGLETON, 1993, p. 157). E adiciona, indicando que, no modo
capitalista de produção, manifesta-se uma medida: “a do tempo de trabalho”. Nos
Grundrisse, ele afirma como verdadeira riqueza a elaboração absoluta das
31 Para Marx, a mercadoria “é o lugar de uma curiosa perturbação das relações entre o espírito e os
sentidos, a forma e o conteúdo, o universal e o particular: ela é, e ao mesmo tempo não é, um objeto, é
‘perceptível e imperceptível pelos sentidos’, [...] ela é uma falsa concretização, mas também uma falsa
abstração das relações sociais. [...] a mercadoria está ao mesmo tempo presente e ausente; ela é uma
entidade tangível cujo significado é inteiramente imaterial e está sempre alhures, nas suas relações
formais de troca com outros objetos. [...] O dinheiro, enquanto mercadoria universal escreve Marx nos
Grundrisse —, implica a separação entre o valor das coisas e a sua substância’” (MARX apud
EAGLETON, 1993, p. 155).
42
potencialidades criativas do homem sem que haja qualquer pressuposto além do
desenvolvimento histórico anterior, ou seja, o desenvolvimento de todos os poderes
humanos processa-se como um fim em si mesmo, não como algo prescrito por um
padrão predeterminado.
Eagleton, em sua reflexão, indica a existência de duas espécies de estética para
Marx: uma que pode ser chamada de estética do belo; e a outra, estética do sublime.
Entretanto, para ele um mal sublime, que segundo o autor, está no “[...] movimento
incansável e excessivamente imaginoso do próprio capitalismo, sua dissolução das
formas e fusão das identidades, confundindo todas as qualidades específicas num
processo indeterminado e puramente quantitativo” (EAGLETON,1993, p. 158). Assim
sendo, para Marx, um mal sublime se pelo movimento da mercadoria, na qual cada
objeto refere-se ao próximo, e este ao próximo, num processo indefinido. Nessa ordem,
o dinheiro é visto como uma “[...] espécie de sublime monstruoso, um significante
infinitamente proliferante que perdeu toda relação com o real [...]” (EAGLETON,1993,
p. 158).
Marx compreende a história moderna como o propósito imanente do
capitalismo, o de ser movido pelos objetivos mais mesquinhos de lucro e autointeresse,
isto é, a maior acumulação de forças produtivas, jamais vista (MARX apud
EAGLETON, 1993, p. 162). Nesse sentido, Haug, corroborando as palavras de Marx,
afirma que o mundo em que vivemos foi “[...] usurpado pelo capital que se utiliza dele e
domina a ele e a nós”. E que esse interesse mesquinho, essa desenfreada fome de lucros
desejada pelos grandes capitais, colocou o mundo em uma “[...] aglomeração de
mercadorias, terrenos privados e montes de lixo” (1997, p. 193).
O autor aponta que, na divisão do trabalho, concentram-se, ao mesmo tempo, as
formas de mutilação e de nutrição que produzem “novas habilidades e capacidades”,
contudo, de uma maneira “mutiladamente parcial” (MARX apud EAGLETON, 1993, p.
163). Os “poderes criativos” humanos que possibilitam o progresso da humanidade em
atender às suas necessidades de sobrevivência, de saúde, de prover contra a fome, de se
proteger de catástrofes naturais etc., são esses que também o instrumentalizam, fazendo
com que a própria humanidade torne-se prisioneira e presa desses. Dito de um outro
modo: cada novo meio de comunicação conforma-se, ao mesmo tempo, como um
instrumento de divisão e de alienação. Nessa perspectiva, Terry Eagleton, apoiando-se
43
em uma das Teses sobre o conceito de históriade Walter Benjamin
32
, o parafraseia
reafirmando que a cultura é:
[...] ao mesmo tempo um documento de civilização e o
registro da barbárie, as duas estão tão imbricadas quanto
a frente e o verso de uma folha de papel. O
desenvolvimento capitalista leva o indivíduo a novos
patamares de uma autoconsciência sofisticada, a uma
riqueza intrincada da subjetividade, no ato mesmo de
produzi-lo como um egoísta predador (EAGLETON,
1993, p. 163).
Nessa ordem de pensamento, a arte, numa visão crítica de Marx, “[...] floresceu
em condições de imaturidade social, como na Grécia Antiga, quando a qualidade e a
proporção ainda podiam ser preservadas do domínio da mercadoria” (MARX apud
EAGLETON, 1993, p. 164). No entanto, quando ela adentra, avançando historicamente,
plasmando-se sob uma notória influência da quantificação, inicia-se uma degeneração
da sua perfeição anterior, isto é, sob o domínio dos interesses da produção capitalista,
essa arte (contemplação) dita “pura” a que transfere uma imagem do mundo —,
passa a ser interessada e aplicada enfocando imagens de valores de sociedade, sob uma
ótica interessada. Poderíamos afirmar que uma nasce da contemplação; e a outra, do
utilitarismo. Contudo, será que em ambas não estarão contidos os aspectos
característicos da “estética da mercadoria”?
A respeito da expressão estética da mercadoria, uma coexistência de uma
restrição dupla, declara Haug (1997). De um lado, uma beleza uma manifestação
sensível que agrada aos nossos sentidos; do outro, uma outra que se desenvolve sob a
égide da realização do valor de troca e que foi agregada à mercadoria, a fim de excitar
em quem a observa, o desejo de posse e motivá-lo à compra. E em decorrência,
considera que se o valor que foi agregado à mercadoria, sob a forma de beleza”, causa
satisfação a alguém, então entra em cena a sua cognição e interesse sensíveis que a
determinam. E ainda, a “[...] transformação do mundo das coisas úteis desencadeou
forças instintivas e meios determinados por suas funções, que padronizam
completamente a sensualidade humana ao mundo das coisas sensíveis” (HAUG, 1997,
p. 16).
Assim, fica posto como objetivo central para a produção de mercadorias, a sua
produção para venda, existindo, para tanto, uma tendência que promove novas
32 Sob suas próprias palavras: “Nunca houve um momento da cultura que não fosse também um
monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo
de transmissão da cultura” (BENJAMIN, 1987, p.225).
44
mudanças no corpo da mercadoria e na sua forma de uso, que emerge da contradição
entre o valor de uso e de troca. Esses valores se inter-relacionam e estão embutidos nas
mercadorias. Ou seja, até a última fase da produção capitalista de mercadorias sua
consumação, no sentido do ato de venda das mesmas — revela-se, inicialmente, a
perspectiva do valor de troca, e quando o consumidor apropria-se do produto,
manifesta-se, dessa forma, o valor de uso nele imbricado. Importa, sob a perspectiva do
valor de troca, até o final, o valor de uso que está “prometido” na mercadoria.
Haug afirma que essa fase é presidida, desde o princípio, por uma acentuada
ênfase na manifestação do valor de uso que desempenha, tendencionalmente, o papel de
mera aparência (HAUG, 1997, p. 26). E que o aspecto estético que está colocado na
mercadoria manifestação sensível e sentido de seu valor de uso separa-se, nesse
momento, do objeto. A sua aparência torna-se imprescindível no ato da compra,
enquanto objeto (ser), o que confirma a máxima: “O que é apenas algo, mas não parece
um ‘ser’, não é vendável. O que parece ser algo é vendável”. Num sentido econômico, a
aparência estética da mercadoria valor de uso prometido aproxima-se e se torna
ao final, obrigatório, em razão da concorrência (HAUG, 1997, p. 27). Sob essa ótica, o
ingrediente que agrega valor a um produto não necessariamente vem aprimorar as suas
funções de uso. Significa dizer que enseja aos projetos de Desenho Industrial (Design)
viabilizar o aumento do valor de troca de seus produtos.
Dessa forma, parece correto apontar que o campo profissional do Desenho
Industrial, ao considerá-lo como mediador da arte e da técnica, encontra-se
constantemente balizado de um lado por uma preocupação estética construtivista; e de
outro, determinado pela ética capitalista; numa diretriz em que o mercado leia-se
consumo se apresenta como medida de tudo. É pertinente salientar que o campo
perdeu sua essência funcional-construtivista, herdada da Bauhaus que ressaltava o valor
de uso social aos objetos, para acentuar um outro tipo de valor: o simbólico (de troca).
Assim, nesse entorno, mediado pela forte influência do marketing, o campo do Desenho
Industrial reveste-se da busca de soluções formais que exacerbam o valor comercial
para bens e serviços. Ou seja, ingredientes que promovem uma indução ao consumo
acarretam para sua funcionalidade uma adequação às estratégias mercadológicas.
Em tempo, permitimo-nos refletir sobre algumas formas assumidas pelo campo
do Design. Assim sendo, é importante trazer uma análise crítica feita por Argan
33
(1981)
33 ARGAN, Giulio Carlo. Prólogo a la edición castella; Introducción. In: MALDONADO, Tomás. El
diseño industrial reconsiderado. Definición, historia, bibliografia. Barcelona: Gustavo Gili, 1981.
45
apontando que tanto o capitalismo pós-guerra como o neocapitalismo oriundo da
segunda, têm sido pródigos em se apropriar de suas metodologias, objetivando adaptá-
las às suas políticas de ganância – sua ânsia de lucro. Sobre esse aspecto, Haug (1997, p.
194), ampliando esse espectro, demonstra que tudo o que se vive, isto é, do que se
necessita para comer, consumir, morar, organizar-se, vestir-se, embelezar-se ou a
maneira como se vê a beleza nos outros etc., é explorado e configurado por uma força
poderosa e dominante, que ele denomina de “interesse capitalista”. Ou seja, a lógica que
preside o capital é a ânsia de lucro, sendo, portanto, seu único planejamento. Sob as
palavras de Haug: “[...] As coisas, o país e as pessoas são constantemente triturados pela
máquina de moer do capital” (HAUG, 1997).
Assim, considera-se que nessa relação faz-se presente, de maneira imbricada, o
Design de produtos, contribuindo para a materialização desse fenômeno. Observa-se
que prevalece uma nítida tendência ao se formular projetos e concepções de produtos,
para uma visão de que esses produtos são, em sua maioria, produzidos e direcionados
sob um paradigma que põe o campo do Design numa diretriz projetiva/produtiva
voltada para o mercado. Em que pese esse determinante, faz-se oportuno (embora não
seja o objetivo central da presente Tese) envidar esforços e reflexões para que também
se evidencie um paradigma de uma formação educacional/profissional dos designers
com pesquisas direcionadas a intervenções sociais, buscando melhorias na qualidade de
vida de populações marginais e carentes; à promoção de soluções tecnológicas
autossustentadas e de baixo custo, qualitativas tanto em nível produtivo como
operacional, para países em desenvolvimento.
1.3.1 - Design e fetichismo dos objetos
Feitas as reflexões anteriores, procuraremos, nesta seção, traçar um paralelo
entre o “caráter místico” que é atribuído às coisas em nossa sociedade mercantil, e o
campo do Desenho Industrial (Design). Para tanto, recorreremos às reflexões de Denis
(1998, p.16) sobre os domínios conceituais/produtivos dos designers
34
. O autor inicia
com um questionamento acerca do que define o Design, ou seja, ele é definido “por seus
objetivos ou por seus processos?Conforme ele explica, o Design poderia ser definido
pela primeira proposição (pelos objetos) se somente as atividades relacionadas ao
34 É importante apontar uma contextualização acerca dos enfrentamentos da profissão em sua
materialidade, buscando trazer aportes que sinalizam sua relação conceptiva e produtiva com o mundo
fetichizado dos objetos em nossa sociedade.
46
campo, produzissem produtos industriais; por outro lado, se a forma de definir Design
se pauta em seu próprio processo de projetar, a rigor, pouco importaria o modo de
produzir. Para ele, a resposta correta deve ser: dialeticamente, em ambos. Na era
presidida pelo pensamento modernista, o designer era visto como guardião do bom
gosto, e em decorrência desse fato, do ideário predominante: do good design. No
entanto, dado ao pujante desenvolvimento das forças produtivas capitalistas consorciado
às ideias pós-modernas, em que não mais se “exigem” métodos projetivos e conceptivos
para os produtos, mormente na área da comunicação visual, não mais o predomínio
de dogmas e normas estéticas de outrora, em que imperava o princípio do equilíbrio, da
legibilidade, da forma em total consonância com a função na concepção dos objetos, as
fontes tipográficas utilizadas sob forte caráter de legibilidade etc., nota-se que, nos dias
atuais, essas características não se fazem mais predominantes
35
. Consequentemente, de
acordo com Denis, não se percebe, fortemente presente, “o mesmo incentivo para
empregar profissionais capazes de gerar formas de acordo com essas normas”.
Entretanto, não se deve esquecer de que ainda permanece – e parece-nos correto afirmar
que com muito mais intensidade – a exigência de garantir o “apelo comercial dos
produtos”, mantendo uma qualidade mínima aos mesmos.
O autor ao sinalizar que o trabalho de Design repousa dialeticamente nos seus
processos e nos seus produtos numa conjugação de ambos –, quer dizer que está
patenteado precisamente no modo em que os processos de design incidem sobre os
seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua natureza intrínseca(itálicos
nossos). Assim, constitui-se nesse agir conceptivo/produtivo o que ele denomina de
fetichismo dos objetos. No entanto, é forçoso ressaltar, assim como ele, que, embora o
termo “fetichismo” remeta a conotações pejorativas, não cabe cairmos num
determinismo conceitual em afirmar que o “design consiste em uma espécie de
fetichismo dos objetos”.
Denis sinaliza que diante da “erosão dos valores formativos do Modernismo”,
houve uma notória perda, por parte dos designers, do seu significado histórico na
sociedade industrial. Ele se refere à perda de um sentimento de coletividade da
profissão, daquela ideologia perdida (do real papel social, de para que e para quem são
destinados os produtos e sistemas de suas criações), afirmando que uma tendência ao
35 Não se objetiva fazer dessa contextualização apologia a tais aspectos de concepção e produção do
campo do Design, e nem remeter a um caráter nostálgico. Objetiva-se apontar algumas das principais
diretrizes produtivas daquela era.
47
longo dos anos, de uma retração progressiva do senso do destino coletivo da profissão
nesse mundo (mercado) ansioso para se livrar de “ideologias ultrapassadas, tal qual a
ideologia da função social do design que exerceu um fascínio tão poderoso no campo
[...]” (DENIS, 1998, p.18). O Design, de acordo com o autor, pertence a uma esfera
fenomênica humana bem mais abrangente: o “processo de projetar e fabricar objetos”.
Sob uma ótica antropológica, o Design se configura como
uma entre diversas atividades projetuais, tais quais as
artes, o artesanato, a arquitetura, a engenharia e outras
que visam à objetivação, no sentido estrito, ou seja, dar
existência concreta e autônoma a idéias abstratas e
subjetivas (DENIS, 1998, p.19).
A citação nos remete a considerar esse profissional como um “materializador”
de ideias que se tornarão em processos produtivos e objetos concretos em nosso dia a
dia. Assim, faz-se necessário compreendermos um pouco melhor o mundo dos objetos
36
produzidos por nós e por nós mesmos consumidos e, da mesma forma que estes se
inserem em sistemas simbólicos e ideológicos. Para tanto, segundo Denis (1998, p.19-
23), ao considerarmos o uso coletivo de objetos, ou melhor dizendo, a produção e a
utilização de um conjunto de artefatos em uma dada sociedade ou grupo, chegaremos ao
conceito de “cultura material”, que de acordo com ele, é um termo que originariamente
tem na “etimologia e nos estudos dos artefatos de povos considerados ‘primitivos’ pelos
seus colonizadores europeus”. Não obstante essa caracterização, atualmente esse termo
adquiriu uma dimensão mais ampla, permitindo que possamos nos referir à nossa
própria cultura material de maneira a compreender melhor os artefatos produzidos e que
nos são apresentados para o nosso consumo.
Nessa perspectiva, busca-se melhor entender o sentido ou o papel que os
artefatos estão postos num mundo presidido por atos cada vez mais intensos de
consumo, adquirindo importância fenomênica, social e cultural. Seguindo o raciocínio
de Baudrillard (apud DENIS, 1998, p.22), se o desenho de nossa sociedade se configura
com matizes e traços que nos permitem um “olhar” absorvendo-o como um mundo
constituído pelo “sistema de objetos”; então, faz-se necessário abordá-lo também pelo
estudo desses “objetos” que o constitui, de maneira que possa ampliar o conceito de
36 Denis sinaliza que seria mais correto atribuir a esse, o sentido do termo “artefato” do latim arte
factus”, que nesse contexto é proposto como significado aquele que se encaixa como uma concepção de
algo “feito com arte”.
48
cultura material, assim o fazendo para abranger todas as formas de sociedade humana,
sejam elas, passadas e atuais. Assim, Denis sinaliza que
O design representa na sociedade industrial um sítio
privilegiado para a geração de artefatos. [...] o design se
configura como o foco principal para o planejamento e o
desenvolvimento da maioria quase absoluta dos objetos
que constituem a paisagem artificial (no sentido de “não
natural”) do mundo moderno. [...] o design ainda exerce
uma influência considerável sobre a paisagem semiótica
moderna, principalmente no que diz respeito à
transmissão da informação por meios outros que os
discursos falado, cinemático e/ou musical, exceções
importantes, mas praticamente únicas (e, até certo ponto,
parciais) à ubiqüidade do design gráfico como processo
de ordenação dos meios de comunicação. O design
constitui, grosso modo, a fonte mais importante da maior
parte da cultura material de uma sociedade que, mais do
que qualquer outra sociedade que existiu, pauta a sua
identidade cultural na abundância material que tem
conseguido gerar (1998, p.22).
Essas ideias, por seu turno, nos levam a questionar: Se um papel tão
importante por parte do campo do Design, em nossa vida, por que poucos estudos da
sua relação com outras formas culturais, como por exemplo, a linguagem verbal?
Trazendo uma tentativa de responder a esse questionamento, Daniel Miller (apud
DENIS) aponta que é possível afirmar que consiste no próprio descompasso entre o
pujante crescimento dos artefatos na sociedade industrial e a “reticência relativa em
teorizá-los”, a problemática em “distinguir as propriedades expressivas dos objetos
materiais daqueles da linguagem”. Sob as próprias palavras, Miller afirma que o
papel profundamente integrado do artefato na
constituição da cultura e das relações humanas tem
transformado a sua discussão em uma das áreas mais
difíceis de se abranger com o discurso acadêmico
abstrato. O artefato corriqueiro não é apenas
problemático mas também inevitavelmente
constrangedor como foco analítico, pois esse tipo de
análise sempre parece fetichista (apud DENIS, 1998,
p.23).
Postas as considerações, retornaremos àquele objetivo proposto anteriormente,
no tocante à relação entre o “caráter místico” atribuído às mercadorias (bem posto e
desvelado por Marx) e o papel conferido ao designer nesse sistema de atribuição de
“valores” aos objetos. A parte final da citação feita por Miller nos impele a “olhar” os
objetos por um lado sombrio. Tanto que se faz necessário dialogarmos com os autores
para chegarmos a uma determinada posição acerca desse fetichismo do modo como está
49
posto. Dessa forma, Miller chama a atenção para o perigo de uma tendência que move
as pessoas a se relacionarem “obsessivamente” com os objetos, em vez de participarem
de “interações sociais”. O que ele quer trazer à tona reside no fato de as pessoas
utilizarem-se dos atos de consumo de mercadorias no sentido de um consumismo sem
precedentes
37
– em substituição a outros aspectos de interação humana.
Nessa perspectiva, de acordo com Denis (1998, p.26), o “verdadeiro fetichismo
está na representação de um mundo de objetos com aparente autonomia do seu contexto
de produção e que ignorasse, portanto, as relações de trabalho implícitas na sua
existência”. Tais reflexões estão em sintonia com os escritos de Marx e também
sedimentadas em Kosik, anteriormente expostos. Em que sentido? No sentido de
considerar o movimento do homem imerso num mundo configurado por um “sistema de
aparelhos e equipamentos”, de tal forma que as “coisas” estão feitas, prontas, não se
manifestando como uma realidade criada e produzida por ele próprio (o homem).
Realidade esta, na qual os objetos assumem significados quando apresentados numa
“relação de manipulabilidade”.
Ou seja, o homem move-se nesse mundo de objetos, sem, no entanto, entender a
lógica que preside o movimento das coisas, nem atentando-se sobre a verdade das
mesmas e da realidade técnica e do sentido” desses objetos. Nessa perspectiva, de
acordo com Denis, o fetichismo para Miller, consiste em “privilegiar os objetos” em
detrimento às pessoas. Em essência, trata-se de um sistema pelo qual os indivíduos se
relacionam como objetos o homem torna-se mercadoria ao invés de existir um
relacionamento entre pessoas. O autor acrescenta também que o interesse fetichista, sob
a ótica filosófica, reside no fato tocante tanto à reificação quanto à alienação,
funcionando, ao mesmo tempo, como forma de atribuir “valores subjetivos ao objeto e
como apropriação de valores subjetivos representados pelo objeto (ou nele embutidos)”
(1998, p.25).
37 Sob tal característica, ampliando tal espectro e a título de ilustração, salientamos nos fragmentos do
que a autora Beatriz Sarlo denomina por colecionador às avessas”, a saber: “[...] Em vez de colecionar
objetos, coleciona atos de aquisição de objetos. [...] O colecionador às avessas sabe que os objetos que
adquire desvalorizam-se assim que ele os agarra. O valor desses objetos começa a erodir-se e então
enfraquece a força magnética que dá brilho aos produtos quando estão nas vitrines do mercado: uma vez
adquiridas, as mercadorias perdem sua alma [...]. Para o colecionador às avessas, o desejo não tem um
objeto com o qual possa conformar-se, pois sempre haverá outro objeto chamando a sua atenção. Ele
coleciona atos de compra-e-venda, momentos plenamente ardentes e gloriosos [...] chamam shopping
spree a uma espécie de bacanal de compras na qual uma coisa leva a outra até o esgotamento que encerra
o dia nos cafés das grandes lojas. [...] Trata-se, ao pé da letra, de uma coleção de atos de consumo na qual
o objeto se consome antes sequer de ser tocado pelo uso” (2006, p.26-27 – itálicos no original).
50
Numa outra passagem de seu texto, Denis nos traz aportes que nos ajudarão a
compreender, numa abordagem etimológica, as origens e significados do termo
“fetichismo”
38
. Para tanto, ele aponta que seu uso na língua portuguesa adapta-se de um
vocábulo francês fétiche, que por sua vez, sua origem remonta a uma transposição da
palavra portuguesa “feitiço”. Explica que, ironicamente, o termo “feitiço” partiu de
nossa língua significando “sortilégio”, retornando, segundo ele, alguns séculos depois
com um “ar afrancesado”, com outros significados estranhos não mais contidos pelo
significado da palavra original.
Nessa perspectiva, ele direciona “fetichismo” na acepção antiga, como um
“culto dos fetiches”, isto é, como “adoração de objetos animados ou inanimados aos
quais se atribui poderes sobrenaturais”. Tal fato deu-se durante o período
expansionista/mercantilista em que os pioneiros navegantes europeus (os portugueses)
se detiveram com povos onde o fetichismo (nesses termos) era praticado. Ou seja, em
suas novas regiões conquistadas, eles conviveram com grupos que atribuíam poderes
mágicos a objetos e a ídolos e, portanto, fetiches. Assim, pode-se conceber o uso do
termo denotando qualquer “amuleto” com fins de bruxaria, às práticas religiosas, por
exemplo, dos povos africanos do século XVI. Denis adiciona que, na falta de um termo
que equivalesse o sentido, escritores franceses e ingleses transpuseram o vocábulo
português para seus próprios idiomas.
Dessa forma, etimologicamente, o vocábulo “fetichismo” possuía um “cunho
eminentemente etnográfico” para descrever rituais exóticos, e mais detidamente,
utilizados para designar “artefatos supostamente imbuídos de poderes mágicos e
espirituais”. De acordo com o autor, é possível dizer que esse senso de “estranheza e de
mistério” levou Karl Marx a procurar entender e dissecar esse “caráter místico” que os
objetos adquirem, transpondo-o para a área econômica (tal contextualização posta na
quarta parte do capítulo I de O Capital). Nessa perspectiva, Marx transpõe o uso do
termo de sua acepção antropológica, dando um novo sentido socioeconômico, retirando-
o do âmbito do estudo geral das sociedades humanas. Ele vai aplicá-lo com um caráter
que busca desvendar o mundo alienado em que vivem os homens, dominados pelas suas
próprias criações, numa sociedade capitalista industrial. Dessa maneira, Denis esclarece
que o significado do vocábulo fetichismo” salta de um plano “sobrenatural” a um
38 Não está no escopo da Tese fazermos um grande estudo antropológico sobre o tema, mas achamos
pertinente trazermos algumas considerações que melhor configurarão o paralelo entre o Design e o
fetichismo dos objetos.
51
“plano mundano, até mesmo materialista, de mercadorias e de bens de consumo sem, no
entanto – e isto é de uma importância primordial – perder todo o caráter místico” (1998,
p.27).
Nessa ordem de pensamento, ainda que o pensador aponte que o termo
“fetichismo” possua três grandes sentidos históricos, a saber: 1- tipo de culto religioso
pelo qual aos objetos são atribuídos poderes sobrenaturais; 2- um caráter
socioeconômico em que demonstra a atribuição de um valor que transcenda a certos
objetos (mercadorias); 3- referindo-se a um aspecto comportamental de sexualidade
humana, no modo pelo qual o indivíduo atribui a alguns objetos uma carga sexual; é
forçoso ressaltar que, em todas as acepções, o termo tem em comum o ato de investir
os objetos de significados que não lhes são inerentes”. É respectivamente, um agir
espiritual, ideológico e psíquico no modo pelo qual são atribuídos valores simbólicos à
existência concreta dos objetos (artefatos) materiais. Ou seja,
de dar uma outra vida, estranha, às coisas. Trata-se de
certo modo, de humanizar ou, às vezes, divinizar aquilo
que não é humano (ou, pelo menos, não completamente)
e, portanto, de incluí-lo na nossa humanidade e, ao
mesmo tempo, de conectarmo-nos à sua natureza
essencial ao que supomos que seja a sua essência mística
(DENIS, 1998, p.28).
Nesse contexto, devemos considerar, à luz das ideias expostas, que a atividade
laboral do Design promove um sentido de “continuidade” a esse processo exposto, que
se refere ao caráter de atribuir significados outros que não pertencem à natureza
essencial dos objetos. Dessa forma, dada atividade é um “processo de investir os objetos
de significados”, comenta Denis, “significados estes que podem variar infinitamente de
forma e função, e é nesse sentido que ele se insere em uma ampla tradição ‘fetichista’”
(1998, p.29). Nessa ordem de reflexões, em tempo, lembremos que esse termo deriva do
vocábulo português “feitiço”. No entanto, o autor adiciona ainda que “feitiço”
relaciona-se ao particípio passado “feito”, no sentido de “coisa feita”. Para ele, hoje o
sentido mais comumente empregado à palavra, como substantivo, é o de “bruxaria”,
originariamente traduzindo uma ideia de “trabalho feito” contra alguém. E é curioso em
sua análise o fato de que reside nessa ideia do “trabalho feito” o que ele propõe como
ponto comum entre feitiço, arte e Design. De que maneira? Segundo o autor, “feitiço”,
“feito” e “factício”, possuem uma origem comum no adjetivo latim factílius”, que quer
52
dizer “artificial”, no sentido de possuir um “poder de enganar pelo artifício”
39
.
Acrescenta-se ainda que, paralelamente, um conceito entre esse “mau sentido de
‘feito com arte’ e o bom sentido da mesma idéia” expressado em latim por arte factus
(artefato). Ele explica que, numa acepção mais rara em nosso idioma, a palavra
“artefato”, usada como adjetivo, tem o mesmo sentido de “artificial”. Assim, para ele
arte e magia se relacionam, e ele quer deixar enfatizado que o
esforço histórico do design para afastar-se do sentido
artesanal e individualista da tradição ocidental e para
acercar-se de uma pretensa objetividade científica e
tecnológica acarretou, entre outros resultados, uma
relativa perda de consciência do teor artificioso do
campo. [...] Quero antes recuperar o sentido mais
primitivo da palavra artifício: o de habilidade ou
engenho, de inventividade e por que não dizer? de
criatividade. O ato de projetar difere substancialmente
daquele mesmo elemento factício (no sentido de
“feitura”) que está por trás do artesanato, da arte e até da
magia [...]. Em todos esses casos, o artifício da coisa
consiste dar forma às idéias; em gerar o fato material e
concreto a partir de um ponto eminentemente imaterial
ou abstrato. [...] Quero sugerir, portanto, que a atividade
do design caracteriza-se mais como um exercício de
processos mentais (artifício/engenho) do que de
processos manuais (artes aplicadas ou plásticas,
propriamente ditas)
40
e, como tanto, assemelha-se ao
fetichismo, que também forja uma ligação entre o
imaterial e o material sem passar necessariamente pela
feitura (DENIS, 1998, p.30).
1.3.2 - A “teia fetichista” do mercado
Retomando a análise a partir da definição posta pelo autor para “fetichismo”
como algo que investe sentido alheio, não inerente, a objetos, poderemos considerar que
os artefatos possuem diversos níveis de significados. Segundo Denis, alguns são
“universais e inerentes (as garrafas são feitas para conter líquidos)”, outros são de cunho
pessoal e volúvel “(papai usava esta garrafa para guardar o seu conhaque)”. Para ele,
esses significados “são imputados pelos fabricantes, distribuidores, pelos vendedores,
pelos consumidores, pelos usuários ou, [...] pela conjunção de todos estes e outros mais,
pois os objetos podem adquirir significados a partir da intencionalidade humana.”
Acrescente-se ainda que, para investir um artefato de significados, existem dois
39 É bom ressaltar que o autor o está conferindo ao campo do design um sentido pejorativo de enganar
e usar artifícios ao conceber produtos em seu modo produtivo.
40 É forçoso notar que o autor, nesses termos, não ignora o fato de que os designers estão fortemente
ligados à meios de expressões manuais, e até artísticos, na transmissão de suas concepções.
53
mecanismos básicos: a “atribuição” e a “apropriação”. Mecanismos estes que
correspondem, no geral, aos processos de “produção/distribuição e consumo/uso”,
possuindo um grau variável de estabilidade em diversos significados; ou seja, refere-se
ao poder de “aderência” ao artefato.
No entanto, pode-se afirmar que aqueles significados que são “postos” no
instante de “produção/distribuição tendem a ser mais duradouros e universais”, se
compararmos com os que são “advindos das instâncias múltiplas de apropriação pelo
consumo/uso” (1998, p.33). De acordo com ele, sobre a atribuição de significados a
artefatos como constitutivo da natureza da ação do Design, faz-se necessário ainda tecer
algumas reflexões. Atentemos para a sua análise. Tomando-se como exemplo a
concepção de um relógio, não cabe ao designer atribuir “relogiosidade” ao mesmo, este
o possui, é da sua natureza. Nesses termos, o designer possui uma função de atribuir
(enriquecendo) a um objeto, algo que ele não possui, ou seja, aquilo que não faz parte
dele. Dessas ideias, decorre que o “bom design” deveria ser aquele que atribuísse aos
objetos significados duradouros. Ora, se pensarmos no papel do designer na cadeia
produtiva, não seria redundante cobrar isso dele? Se fôssemos nos ater apenas na esfera
de produção de valores de uso, sim. Entretanto, é possível apontar, de acordo com
Denis
41
que:
O verdadeiro dilema do design na sociedade capitalista
tardia reside na relação problemática entre as duas
metades do processo de atribuição de significados: a
produção e a distribuição. Muito mais que problemas
logísticos relativamente simples de transporte ou
disposição de mercadorias, a distribuição abrange hoje,
no seu sentido mais amplo, a questão fundamental da
inserção mercadológica; e os seus aspectos mais
importantes são, portanto, a publicidade e o marketing,
ou a mercadologia. Em uma sociedade em que (conforme
se repete exaustivamente) tempo é dinheiro, o meio é a
mensagem e, cada vez mais, a imagem é o próprio
produto, a distribuição tem assumido um peso pelo
menos igual senão maior – do que a produção no sistema
de objetos. A informação veiculada nos meios de
comunicação, torna-se portanto a grande fonte de
significados para os artefatos no nosso tempo (1998,
p.35-36).
A citação posta nesses termos, indica um panorama sombrio pelo qual o
designer enfrenta um muro” extremamente difícil de transpor. O campo, como foi
dito anteriormente, se “enrosca” de forma progressiva numa teia intrincada, sofrendo
41 Aspecto ao qual concordamos com ele.
54
pressões intensas das diretrizes do mercado (leia-se marketing e publicidade) para a
produção de “novos desejos e necessidades. Tais produtos possuem precoce
obsolescência programada, quase que em sua gênese, permanecendo muito pouco tempo
sob desejos de consumi-los por parte dos indivíduos. Introduzem-se novos modelos de
um determinado produto, que não são necessariamente produzidos para atender a
aspectos técnicos de melhoria de qualidade para os usuários.
Na ordem dessas ideias, retomando as reflexões de Haug, sinalizando sobre as
leis coercitivas do mercado, objetivando, dentre outras, a valorização do capital
industrial, o autor traz-nos, no âmbito da produção, as seguintes funções de
rentabilidade: busca-se uma economia de tempo de trabalho necessário para se produzir
um objeto, através do aumento da produtividade; amplia-se o desenvolvimento de
tecnologias para a obtenção, em massa, de produtos padronizados; a diminuição do
custo do capital constante inserido no produto (“matéria-prima, matéria secundária e
ingredientes diversos”); e, a diminuição do tempo necessário à produção de artigos, feita
através da “redução artificial do tempo de armazenamento necessário para maturação”
destes. No campo da circulação, ele ressalta que deve ocorrer uma alteração na forma
dos produtos, não se perdendo de vista a realização efetiva do valor e da mais-valia.
Nesse aspecto, espera-se como valor realizado, “capital-mercadoria”. Ou seja, “o valor
de troca atado ao corpo da mercadoria anseia então ser redimido sob a forma de
dinheiro” (HAUG, 1997, p.33-35).
Diante desse cenário exposto, seria justo argumentar que, mesmo envolvido
numa trama de aço com um objetivo quase que exclusivamente voltado para uma lógica
mercadológica, o campo do Design (seja ele gráfico ou de produto) se envolva em
preservar metodologias em que posicione o “homem como a medida das coisas”, nas
quais não se abandone o lado inventivo próprio; como também um paradigma projetivo
que respeite o usuário – um “humanismo projetual
42
” (Bonsiepe, 2005). Além disso, faz-
se necessário propormos ainda algumas considerações acerca da ótica de vincular o
trabalho de Design a um cunho fetichista é bom ressaltar que em nenhum momento
desta reflexão foi proposto um caráter pejorativo ao seu campo produtivo, no sentido de
artimanha ou artifício comercial.
Nessa perspectiva, de que maneira sustenta-se o caráter conceptivo/produtivo do
Design associado ao fetichismo dos objetos, resultado de seu trabalho? Novamente
42 Refletiremos sobre tal aspecto mais adiante, no próximo capítulo.
55
sentimos a necessidade de nos apoiarmos nas reflexões de Rafael Cardoso Denis e Ana
Luisa Escorel, numa diretriz teórico-metodológica ressaltando que o Design
(observados os perigos expostos anteriormente), possui um forte lado fetichista que
confere significados que não estão presentes, em essência, nos artefatos (objetos).
No entanto, cabe notar que no Design, presidido pela égide do consumo pelo
consumo da sociedade de mercado, esse aspecto não se presta a “enriquecer” tais
produtos com características e qualidades de maneira a melhorar a existência humana
posto como uma característica essencial da natureza de seus trabalhos. Nesse sentido,
faz-se premente relevar que, o Design, ao assumir seu papel de conferir atributos aos
produtos, não se permita levar-se incondicionalmente, sob a lógica capitalista, ao bel
prazer e influências do marketing e da publicidade. Argumenta-se que o trabalho de
Design, sob a pujante “mão” do mercado, vai se resumir de uma forma cada vez maior
ao “estímulo de novos desejos de consumo, ou seja, de atribuir um valor de novidade ou
de diferenciação estética a artefatos preexistentes do que ao objetivo tradicional de
suprir necessidades concretas através do aperfeiçoamento constante dos artefatos que
compõem a nossa paisagem fabricada”, afirma DENIS (1998, p.36). Esse autor ainda
acrescenta, preocupado com a fragmentação do destino coletivo da profissão, que se
deve assumir que o Design “não é uma atividade neutra”. Entretanto, está posto para a
sua atividade produtiva um caráter propositivo de gerar significados. Assim, cabe aos
designers “discutir abertamente o problema urgente da natureza dos significados que
podem gerar como grupo” (Idem, ibidem).
De igual modo, cabe aos designers reforçar suas convicções de que a natureza
do campo é o “fazer com arte”, no bom sentido, significando “embutir qualidade,
criatividade e viabilidade (principalmente no que diz respeito às questões ambientais)
aos artefatos industriais” (DENIS, 1998, p.37). Essa não é uma tarefa fácil, pois se
dependermos do caráter distributivo/mercadológico que preside o processo industrial de
fabricação dos produtos que constituem nossa paisagem artificial e que, por
conseguinte, induz tal modus formativo/conceptivo/produtivo aos designers, não
podemos ficar otimistas. Haja vista a tendência do Midas capitalista de transformar
tanto o próprio homem, como suas relações sociais em mercadoria, reduzindo tudo a um
“mínimo múltiplo comum”, a uma maximização de lucros.
Nesse sentido, Denis reforça aquilo que nos tem preocupado há algum tempo:
a “relação entre o projetar e o fabricar”. Este processo, em meio à intensa
informatização de nossa sociedade, mormente em várias tecnologias de projeto e
56
produção, faz com que se necessite ressignificar a noção de projetar. Significa dizer que
um indivíduo (designer) ao projetar algo, o faz projetando-se naquilo que concebeu,
refletindo sua visão de mundo, por uma consciência que, enquanto um projetista, possui
uma importância social para o desenvolvimento e alargamento de uma sociedade;
conscientizando-se do caráter contraditório de sua profissão, possibilitando, dessa forma
a ler criticamente o embrutecimento e embotamento promovidos pela sociedade
industrial. A esse propósito, é oportuno deixarmos registradas, sob as palavras de
Escorel, reflexões acerca do papel dos designers. Para ela, cabe aos designers
Sempre no âmbito do projeto, tentar administrar os
excessos causados por uma dinâmica cujo objetivo é
transformar tudo em mercadoria. Cabe aos designers, o
compromisso de reatualizar permanentemente as
tradições culturais de seu país, resistindo à
homogeneização característica da economia globalizada
com as armas que sua técnica profissional e sua intuição
lhe oferecem de transformar, através do projeto, o
particular em universal. Cabe aos designers brasileiros,
por fim, lutar contra a pressão crescente que se faz sobre
os países periféricos para que permaneçam abúlicos e
abram mão do direito de inventar, tornando-se meros
adaptadores de povos econômica e politicamente mais
poderosos (ESCOREL, 2000, p.39).
Postas as considerações, depreende-se, dessa maneira, que o papel prescrito ao
designer, inserido em meio ao caráter de um mundo em que as relações entre os homens
são ditadas por uma lógica superior – o mercado –, faz-se premente ir de encontro e, por
que não, “combater as tendências presentes, pela atribuição consciente de significados
subversivos ou contestadores” aos objetos concebidos por ele (DENIS, 1998, p.38).
57
CAP.2 – DESIGN E CAPITALISMO
2.1 - O trabalho de Design e o modo de produção capitalista: questões da
subordinação e do caráter do trabalho
Nessa seção, o objeto de estudo busca refletir sobre as relações de produção do
Design imerso no modo de produção capitalista. Nosso objetivo é historicizar
criticamente o desenvolvimento das forças produtivas relacionando os interesses
estratégicos da classe dominante na formação do Design.
Para tanto, recuperando a análise dos conceitos de t
rabalho, de arte e de concepção
de homem
da seção anterior, vimos que a forma-trabalho apresentando-se como
produtora de valor de uso, independentemente das várias tipificações organizativas de
uma dada sociedade, funda-se como condição ontológica existencial para o homem. É
nesse sentido que se compreende tal processo como elemento mediador entre o homem
e a natureza. No entanto, em regimes societários presididos pelo modo de produção
capitalista, tal sentido não mais se apresenta sob esse caráter ontológico.
Refletimos que em tais sociedades, diferentemente das primitivas, impera a
produção para o “mercado”. E, em decorrência do próprio fato, as relações sociais entre
os indivíduos são disfarçadas em relações sociais entre objetos”, conforme declara
Fischer (1981 – itálicos no original) – apoiando-se em Marx –, isto é, “entre os produtos
do trabalho”. Pudemos depreender que assim como o Rei Midas que em tudo que
“punha a mão” se transformava em ouro; da mesma forma, o Capitalismo busca a tudo
transformar em mercadoria. Nessa perspectiva, não é menos certo afirmar que, de certa
maneira, sob essa configuração, o homem como um “artista” também irá transformar-se
num produtor de mercadorias (Ibidem, p.95-96). Para o capitalista o que importa do
resultado de sua produção fabril é que este lhe aufira lucros.
Como saber o que é o arroz?
O que é o arroz, que eu não conheço?
Não tenho idéia do que seja
Nem mesmo sei de alguém que o saiba.
Do arroz? Do arroz só sei o preço.
No fragmento acima, extraído da “Canção do Mercador” de Brecht (apud
FISCHER, 1981, p.96), ilustra-se, “salta-se aos olhos” esse caráter teleológico burguês.
De todo modo, para Marx, a produção capitalista configura-se como um processo de
trabalho pelo qual o agir humano tanto se presta à produção de valores de uso, quanto
um processo produtivo de valor em que ele se autoexpande. Dessa forma, apoiando-nos
58
no BRIGTHON, Labour Process Group
43
, é fato concreto argumentar sobre a existência
de processos de trabalho em toda a sociedade. Entretanto, da mesma maneira, é
pertinente notar que somente no modo de produção capitalista existe o processo de
valorização.
Nessa perspectiva, importa afirmar que o sistema capitalista configura-se como
um sistema social, pelo qual os próprios produtores (trabalhadores) não usufruem o
produto obtido pela produção. Ou seja, estes, em sua esmagadora maioria, não se
apropriam de suas próprias mercadorias produzidas, convivem com o seu trabalho, de
forma alienada e sob uma relação indireta. Nessa ótica, se processa a geração de uma
determinada quantidade de trabalho um trabalho abstrato socialmente necessário
(valor) –, que tenha um “poder” de potencializar e socializar mais tempo de trabalho
ainda, e dessa maneira, criar mais valor extra (excedente) (BRIGHTON, 1991, p.16).
Ou, dito sob outras palavras: um processo pelo qual se maximiza a um grau elevado
a extração de mais-valia.
Tais considerações expostas, nos permitem inferir que na medida em que os
homens (trabalhadores), ao serem inseridos em um sistema social produtivo
(capitalista), não mais na condição de possuidores dos meios produtivos de outrora, que
garantiriam sua subsistência, se vêem impelidos, por força de sobrevivência, a
venderem aquilo que lhes restou sua força de trabalho. Nesse sentido, cabe ressaltar
que o trabalho para o homem perde seu caráter de produtor de valor de uso, de produção
de sua existência. Metamorfoseia-se subsumido ao Capital, vindo a servir seus objetivos
e interesses, a quem detém os meios de produção. Em tempo, é forçoso notar também
que, à medida que se intensifica e complexifica uma divisão social e técnica do trabalho,
tal aspecto gera, por conseguinte, um trabalho humano fragmentado que é incorporado à
maquinaria, pela qual o potencial de criatividade e de liberdade humanas também se
degrada.
Nessa ordem de ideias, de acordo com o pensamento marxista, nesse processo,
presencia-se uma alienação por parte dos trabalhadores. Ou seja, imerso nesse desenho
de trabalho fragmentado, o trabalhador não mais se reconhece naquilo que resulta de sua
produção, não se sente como sujeito tanto no processo, como nas relações com os outros
homens. Nesse sentido, a progressiva substituição do trabalho artesanal, do fator de
autoconhecimento e do conhecimento global da tarefa, da liberdade de criação por parte
43 Daqui por diante abreviaremos por BRIGHTON.
59
do trabalhador, pela especialização presente no trabalho socialmente dividido, resultou
na perda da autoestima e do reconhecimento do trabalho realizado, fazendo com que os
profissionais se tornassem escravos, meramente repetidores de tarefas já programadas
num modo de produção regido pela “máquina”.
É digno de nota que, sob tal caráter produtivo, o modus operandi dos designers,
mormente configurado sob processos subordinados à “máquinas-ferramentas”
sofisticadas e flexíveis produção em meios computacionais), não difere e não se
encontra livre das “amarras” produtivas impostas por tal regime de acumulação.
Queremos fazer referência a uma padronização sofrida pelos profissionais do campo do
Design, sujeitos à adoção incondicional e maciça de programas eletrônicos (softwares
gráficos) durante o desenvolvimento de produtos e peças gráficas caráter que
enquadramos como subordinação real do trabalho ao capital, o que sob nossa ótica,
compromete seus desempenhos enquanto profissionais que lidam intimamente com a
arte, levando-os a abandonar gradativamente aquilo que lhes é mais importante: a
criação e imaginação humanas. É nessa direção que se compreende a existência de um
ideário que os remete à crença de que é somente pela via da “tecnologia computacional”
que se concretizem trabalhos relacionados à área de Design. Cabe notar que esse
processo é atualmente vivido por inúmeros profissionais do setor que, em tese, não
possuem uma outra forma que os capacitem a obterem um “olhar” mais longe,
“permitem-se(?)” imergir gradativamente num processo através do qual poderão perder
seu poder de gerir sua criação.
Retomando a análise, em passagens d’O Capital, Marx traz aportes que ilustram
de forma clara e contundente acerca dessas perdas por parte dos trabalhadores inseridos
em sistemas mecanizados e fragmentados. Permitindo-nos trazê-los na íntegra, expomos
a seguir:
Com a ferramenta que se transfere à máquina segue a
virtuosidade desenvolvida pelo trabalhador em seu
manejo. A eficácia da ferramenta emancipa-se dos
limites pessoais da força humana. Desse modo,
desaparece a base técnica em que se fundamentava a
divisão manufatureira do trabalho. A hierarquia dos
trabalhadores especializados que a caracteriza é
substituída, na fábrica automática, pela tendência de
igualar ou nivelar os trabalhos que os auxiliares das
máquinas têm de executar. [...] o trabalho na fábrica
exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos
músculos e confisca toda a atividade livre do trabalhador,
física e espiritual. [...] a máquina em vez de libertar o
60
trabalhador do trabalho, despoja o trabalho de todo o
interesse. [...] o instrumental de trabalho converte-se em
meio de subjugar, explorar e lançar à miséria o
trabalhador e a combinação social dos processos de
trabalho torna-se a opressão organizada contra a
vitalidade, a liberdade e a independência do trabalhador
individual. (MARX, 1980, p. 480, 483, 578).
Sobre esse aspecto, Santoni Rugiu ressalta em seu texto uma reflexão de Goethe,
indicando primeiramente que, no processo artesanal, toda a cadeia produtiva, ou seja,
desde o projeto até o produto acabado, era do conhecimento e do fazer de um artesão;
segundo, em decorrência do próprio fato, portanto, não lhe escapava nenhuma etapa ou
aspecto do processo produtivo em nível global. Sem pretender fazer referência de forma
nostálgica a tal modo de produção, apontamos que, dessa forma, a relação entre o ser
humano e o fruto de sua atividade, [...] era assegurada pela produção artesã, enquanto
era gravemente arruinada no regime de fábrica”. Acrescenta-se ainda que em face das
características desse modus produtivo artesanal, a “alma’ do trabalhador, desprezada e
despedaçada pelos maquinários da indústria” poderia ser devolvida e expressa a ele.
(SANTONI RUGIU, 1998, p.155).
Marx muito ressaltava a sensação do perigo de que a grande indústria
reduzisse a capacidade de trabalho humano a um mero complemento das máquinas
(apud SANTONI RUGIU, 1998, p.17). Nessa perspectiva de análise, parece-nos correto
ressaltar que no modo atual de desenvolvimento da produção capitalista, os
trabalhadores têm os seus processos de trabalho subordinados de forma mais intensa aos
meios de produção. Ao estudar a problemática da reificação, o próprio Marx havia
chamado a atenção para a supremacia do trabalho morto sobre o vivo. Diante disso, é
imperativo que nos perguntemos sobre a perda de mestria por parte do trabalhador, e em
que medida isso importa para a sua transformação em escravo do próprio trabalho. Da
mesma forma, para Kosik, o indivíduo algum tempo perdeu a consciência de que
este mundo é criação do homem (2002, p.74). Por outro lado, ele ressalta que essa
realidade aparente pode ser mudada e transformada de modo revolucionário,
efetivamente, na medida em que reconhecermos que a realidade é produzida por nós, no
sentido de que somos nós mesmos os que a produzem (Idem, ibidem).
Tais ideias estão também sedimentadas em Mészáros, afirmando que a atividade
produtiva é “alienada quando se afasta de sua função adequada de mediar humanamente
as relações sujeito-objeto, entre homem e natureza” tendendo, em vez disso, a conduzir
o “indivíduo isolado e reificado a ser absorvido pela ‘natureza’” (1981, p.77). Da
61
maneira como exposta, nota-se que o trabalhador se transforma num produto. Mas não
somente em mercadoria. Metamorfoseia-se também em capital, no sentido de que se
transforma num “valor que suga a força criadora de valor, em meios de subsistência que
compram pessoas, em meios de produção que utilizam os produtores” (MARX, 1989,
p.664).
Dessas reflexões, decorrem, portanto, que os ingredientes postos nesse cadinho
produtivo capitalista convertem o trabalho num caráter de fim, de algo que o homem,
agrilhoado a essas forças de produção, vende sua força de trabalho para a garantia de
sua existência material. É nesse sentido que o trabalho não é mais visto ao homem como
mediação de sua autoprodução e reprodução existencial, ou seja, não mais se apresenta
como um mediador de realização de seus objetivos, de seus desejos e necessidades, e de
sua liberdade.
Como exposto anteriormente, o trabalho sob a ótica de reprodução capitalista
processa-se como produtor de valor, tanto de uso quanto aquele que tem a capacidade
de se autoexpandir, gerando mais-valia (lucro). Dessa forma, o homem como detentor
de força de trabalho, gera também algo que não se presta apenas à sua sobrevivência;
produz um excedente. No entanto, este excedente é expropriado pelo capitalista.
Característica esta que é inerente ao proprietário dos meios de produção e do capital. O
trabalho é configurado sob um processo mercantilista de produção, fazendo com que se
expanda o capital anteriormente empregado na produção. Ou seja, numa espiral
produtiva sem fim que objetiva transformar capital em mais capital.
Sobre essa característica, Wolfgang Fritz Haug, em sua Crítica da Estética da
Mercadoria
44
que buscou, apoiada em análises marxistas, explorar o território do caráter
44 Tal reflexão, em sua época, posta pelo autor, obteve uma repercussão de forma visceral, para
questionamentos no âmbito do Design Industrial. Fizemos um estudo sobre o tema “estética da
mercadoria” no capítulo anterior. Nesse contexto, a título de ilustração, trazemos uma passagem de um
texto de Bürdek (1999, p.57): “Haug demostró con diversos ejemplos, que el diseño actúa elevando el
valor de cambio, es decir, en virtud del aspecto estético del objeto no se alcanza mejora alguna en su uso.
Esta crítica de base llevó a numerosas escuelas de diseño alemanas aun rechazo del proyecto dibujado, y a
una clara orientación hacia proyectos teóricos. La crítica de la estética del artículo pasaba por alto, sin
embargo, que el valor de uso de un producto implica atributos tanto físico-funcionales como estético-
psicológicos”. Nessa perspectiva, em uma outra reflexão, Gui Bonsiepe para ele o desenho industrial
“serve às vezes de fácil e modo bode expiatório para os maus da sociedade de massa” –, enfatiza que
Haug comete um “freqüente erro dos cientistas sociais: confunde o desenho industrial com styling. O
design de gadgets efêmeros, a cosmética de mercadoria não é a totalidade da atividade projetual. [...] Para
ele, o fenômeno do desenho industrial limita-se ao fenômeno da mercadoria. Por certo, na sociedade
capitalista, cada produto é também mercadoria. Isto não se pode negar; porém o caráter de mercadoria é
um fato que deve ser aceito se se pretende intervir concretamente no mundo material e não retirar-se na
posição relativamente cômoda duma crítica abstrata. [...] o desenho industrial está ligado ao fenômeno da
estética, quer dizer, está ligado à percepção, à experiência concreta, através dos nossos sentidos visuais e
62
duplo do produto (valor de uso e de troca), ampliando esse espectro, ressalta que, todo o
nosso modo de se relacionar com os outros indivíduos e com o mundo circundante é
explorado e configurado por uma força poderosa e dominante denominada por ele como
“interesse capitalista”. Nesse sentido, a gica que preside o capital é a ânsia de lucro,
sendo, portanto, seu único planejamento.
Observa-se que essa busca pela expansão de produção de um excedente cada vez
maior é diretamente proporcional à exploração do trabalhador
45
. Nesse sentido, de
acordo com Marx, o processo de trabalho capitalista, tendenciosamente, busca gerar
para um produto um valor que exceda a soma dos valores dos elementos que o
constituíram a extração da mais-valia. Decorre que essa expansão processa-se
aumentando a jornada de trabalho (mais-valia absoluta) ou intensificando-se o modus
produtivo através de ampliação da mecanização, conjugando-se esses dois modos.
Feitas essas considerações e na ordem dessas ideias, aponta-se que o modo de
produção capitalista tem como base material uma dupla dominação do capital sobre o
trabalho. Esta, podendo se apresentar de duas maneiras: pela forma da propriedade dos
meios de produção; e pelo controle real que esse (modo de produção capitalista) possui
sobre o processo produtivo. Nessa perspectiva, a lógica que movimenta a acumulação
do capital (ao mesmo tempo em que “transforma mercados, processos de trabalho, a
distribuição geográfica da produção, produz novas condições de luta de classes,
ideológica e política)”, garante que essa dupla dominação tenha sempre que se
estabelecer sob novas condições. Assim, é inerente à sua reprodução configurar-se sob
um processo movido pela luta de classes, correspondendo a cada forma de dominação
um terreno específico da luta de classes (BRIGHTON, 1991, p.15).
táteis. Sabemos também que esse canal estético é freqüentemente utilizado para influenciar o consumidor
ou o comprador potencial, na aquisição de um produto. Usa-se a estética, os aspectos formais e
epidérmicos do produto com fins persuasivos prática conhecida como ‘estética da mercadoria’
(Warenästhetik). Com relação a esse problema, não se deve evitá-lo, nem condená-lo, mas compreender a
complexidade do fenômeno” (1981, p.30-31). Já enfatizamos em momento anterior, tal problema. O
caráter de um objeto ser mercadoria, no sentido capitalista, deve ser não somente aceito, como ressaltado
na formação dos designers, caso se queira possibilitá-los a intervir, de maneira concreta, no mundo
material. Significa reafirmar que deve-se municiar de instrumentos adequados, alunos dos cursos de
Desenho Industrial para que obtenham discernimento para tal fenômeno da sociedade capitalista, que
possam compreender as suas regras, de forma a permiti-los enxergar quais opções eles possam dispor.
Assim como Ana Luísa Escorel, reiteramos que no âmbito projetivo, os designers estejam atentos a
compromissos que busquem combater ou minimizar excessos e tendências ultramercadológicas em a tudo
transformar em mercadoria.
45 Buscam-se cada vez mais meios para intensificar sua exploração, fazendo com que ele trabalhe além
do tempo necessário para reproduzir sua própria força de trabalho.
63
Para que se promova um pleno desenvolvimento do processo de produção do
capital, o mesmo se utiliza de dois conjuntos de relações capitalistas de produção: a)
“relações de produção na esfera da troca” (Marx algumas vezes chama isso de “relações
econômicas”); e, b) “relações de produção dentro da produção”. Isto significa dizer que,
o capital, transfigurado na forma-dinheiro, pode “comprar” as mercadorias que precisa
compor com o objetivo de iniciar o processo de produção. Essas mercadorias estão
disponíveis no mercado, sob a forma de força de trabalho (trabalhadores) e meios de
produção. Não obstante, para que haja uma ampliação “dessas relações ‘econômicas’ de
produção e sua reprodução”, o capital deve estabelecer sua própria e específica maneira
de controlar o trabalho imerso na produção. Isto é, para tanto, ele necessita desenvolver
também outras formas coercitivas. Nessa ótica, é pertinente ressaltar que o capital
busque e necessite obter um controle real do processo de trabalho. Isto se deve ao fato
de que a “separação formal do trabalhador dos meios de produção é cancelada, na
realidade, pela forma material do processo de trabalho no qual, trabalhador, materiais e
instrumentos são combinados” (BRIGHTON, 1991, p.17).
Tal expropriação exige um nível de controle que seja suficiente tanto sobre a
quantidade de trabalho realizado quanto sobre a extensão da jornada de trabalho, de
maneira que se obtenha a garantia de que os trabalhadores produzam um valor acima do
que o de sua força de trabalho (produção de mais-valia absoluta e relativa). Isto é, o
trabalho tem necessariamente de ser subsumido ao capital. Dessa forma, o
desenvolvimento das forças produtivas, que é a base para a real subordinação do
trabalho ao capital, configura-se, ao mesmo tempo, tanto como um desenvolvimento das
condições objetivas do trabalho, quanto das condições sociais de trabalho (BRIGHTON,
1991, p.18).
É ressaltado pelo Brighton Labour Process Group que este processo não deve ser
tratado somente como uma questão de o capital especificar a extensão da jornada de
trabalho e a quantidade de trabalho a ser produzido. Nessa ordem, o próprio “processo
de trabalho real” deve se transformar num processo de trabalho especificamente
capitalista, com uma estrutura íntima que expresse o objetivo da valorização, sem
mediação. Dessa maneira, o processo de trabalho capitalista se expressa como “a
unidade entre os processos de valorização e o processo de trabalho real, sob a adequada
base de uma forma específica de organização social do trabalho” (BRIGHTON, 1991,
p.19).
64
2.1.2 – Subordinação Formal do trabalho ao capital
“Tu me tomas a vida,
Quando me privas dos meios de que vivo.”
William Shakespeare
46
Estamos nos reportando a uma sociedade pré-capitalista, na qual o ritmo de
trabalho ainda era centrado no trabalhador, ou seja, a um tempo em que, ainda, não
existia a maquinaria como meio produtivo regente. Dessa forma, havia ainda uma
relação produtiva entre trabalhador e suas condições de trabalho que permitia certo grau
de controle ao trabalhador. Como posto, o processo de trabalho estando subordinado
sob um caráter formal ao capital, tanto a produção de mais-valia se concretiza quanto há
a sua apropriação, declara Brighton (1991, p.19). Por outro lado, é pertinente lembrar
que reside nas condições objetivas e subjetivas dos trabalhadores a base material para
que se promova uma resistência contínua à imposição da valorização (produção de
valor), esta configurando-se como objetivo intrínseco e exclusivo desse processo de
produção. Isso posto, as formas constituintes da base de subordinação real são: o
trabalho assalariado (aquele em que os trabalhadores não possuem nenhum acesso aos
meios de subsistência, com exceção ao da venda da força de trabalho); os meios de
produção, meios de subsistência e os produtos oriundos desse processo conformados
como mercadorias.
A análise de Marx (apud BRIGHTON, 1991) aponta que a subordinação formal
é resultado, além de outras coisas, de um aumento da intensidade do trabalho. Nesse
contexto, embora não havendo nenhuma alteração para menos na quantidade absoluta
do trabalho concreto que seria preciso para que a produção de mercadorias seja
efetivada, é necessário, entretanto, que haja “uma diminuição na quantidade da força de
trabalho que tinha que ser comprada a fim de que essa mercadoria fosse produzida”. De
igual modo, ele afirma também que: a porosidade da jornada de trabalho deve ser
minimizada; o tempo de trabalho necessário para a produção de uma dada mercadoria
deveria decrescer na proporção da jornada de trabalho; aumentando-se dessa forma, a
mais-valia absoluta. Portanto, o processo de trabalho torna-se mais eficiente enquanto
configurado como um processo de valorização. Acrescenta-se ainda que, “tão somente
este conceito de eficiência pode tornar compreensível os objetivos do capital tanto no
46 Extraído de Karl Marx, in “O Capital. Crítica da economia política.”, 1980, p.558.
65
período da subordinação formal quanto no período das forças transformadoras de
produção e da subordinação real” (BRIGHTON, 1991, p.21 – itálicos no original).
Pode-se, à luz das análises do Brighton Labour Process Gorup, configurar a
subordinação formal como uma forma organizativa especificamente capitalista, e que
pela qual se desenvolve o modo de produção capitalista, isto é, “as forças de produção e
as relações capitalistas de produção” (Idem, ibidem).
Feitas as considerações, de acordo com Marx, a subordinação formal do trabalho
ao capital efetiva-se concretamente, quando o processo de trabalho se converte em um
instrumento de valorização do capital: a produção de mais-valia. À modalidade de
produção em que no seu processo produtivo se recorra ao prolongamento do tempo de
trabalho a mais-valia absoluta corresponde-se à subordinação formal do trabalho no
capital. “O processo de trabalho subsume-se no capital o processo do próprio
capital), e o capitalista entra nele como dirigente, guia; para este é ao mesmo tempo, de
maneira direta, um processo de exploração do trabalho alheio” (MARX, Capítulo VI,
Inédito d’O Capital, 1978, p.73 – itálico no original).
Para sedimentarmos o conceito, achamos pertinente trazer no original, algumas
reflexões apresentadas por Marx no Capítulo VI, Inédito d’O Capital, sobre o que ele
denomina por subsunção formal do trabalho no capital. Conforme ele explicita,
essencialmente essa é:
1. A relação puramente monetária entre aquele que se
apropria do sobre trabalho e o que o fornece: na medida
em que surge a subordinação, a mesma deriva do
conteúdo determinado da venda, não de uma
subordinação que precedesse a mesma e pela qual o
produtor devido a circunstâncias políticas etc.
estivesse colocado noutra relação que não a monetária
(relação entre possuidor de mercadoria e possuidor de
mercadoria) em relação ao explorador do seu trabalho. É
apenas na sua condição de possuidor das condições de
trabalho que, neste caso, o comprador faz com que o
vendedor caia sob a sua dependência econômica; não
existe nenhuma relação política, fixada socialmente, de
hegemonia e subordinação.
2. O que é inerente à primeira relação caso contrário o
operário não teria que vender a sua capacidade de
trabalho é que as suas condições objetivas de trabalho
(meios de produção) e as suas condições subjetivas de
trabalho (meios de subsistência), monopolizadas pelo
aquisidor da sua capacidade de trabalho, se lhe opõem
como capital. Quanto mais plenamente essas condições
de trabalho se lhe opõem como propriedade alheia, tanto
66
mais plena e formalmente se estabelece a relação entre o
capital e o trabalho assalariado, ou, o mesmo é dizer, a
subsunção formal do trabalho no capital, condição e
premissa da subsunção real (1978, p.80 – itálicos no
original).
2.1.3 A ciência aplicada e a maquinaria: O trabalho subsumido de forma real
ao capital
“A ignorância é a mãe da indústria, assim como da
superstição. A reflexão e a imaginação são sujeitas ao
erro, mas o hábito de mover a mão ou o é
independente de ambas.”
Karl Marx
47
Marx, no capítulo XIII d’O Capital, intitulado A maquinaria e a Indústria
Moderna”, faz uma profunda análise sobre o emprego e objetivos da implementação da
mecanização nos processos produtivos fabris, objetivando a aferição de maior
lucratividade em sua produção. Nessa teleologia, ele aponta como objetivos do capital,
o uso de máquinas nos sistemas de produção, o barateamento das mercadorias e o
encurtamento de parte da jornada diária de trabalho do trabalhador. Ressaltam-se, nos
excertos abaixo, a finalidade do capital ao empregar e intensificar o uso de máquinas-
ferramenta nos processos produtivos. Para tanto, esse
emprego, como qualquer outro desenvolvimento da força
produtiva do trabalho, tem por fim baratear as
mercadorias, encurtar a parte do dia de trabalho da qual
precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra
parte que ele gratuitamente ao capitalista. A
maquinaria é meio para produzir mais-valia (MARX,
1980, p.424).
Mais adiante, Marx sustenta que:
A máquina produz mais-valia relativa diretamente, ao
depreciar a força de trabalho, indiretamente, ao baratear
as mercadorias que entram na reprodução dessa força, e,
ainda, em suas primeiras aplicações esporádicas,
transformando em trabalho potenciado, de maior eficácia,
o trabalho empregado, ficando o valor individual de seu
produto inferior ao social e capacitando o capitalista a
cobrir o valor diário da força de trabalho com menor
porção de valor do produto diário (1980, 463).
Acrescente-se ainda, que a utilização de máquinas-ferramenta nos sistemas
produtivos revoluciona o instrumental de trabalho humano, de tal monta que esse
47 In “O Capital”, Volume I, parte 4, 1980.
67
“novo” instrumental torna supérflua a força muscular”. Neste processo promove-se um
incremento de trabalhadores com menos força física, podendo, dessa forma, serem
empregadas mulheres e crianças, barateando ainda mais os custos produtivos. Assim, a
maquinaria como um meio poderoso de substituição de trabalho e de trabalhadores,
transforma-se num também meio de “aumentar o número de assalariados”. Em
decorrência desse caráter, como exposto, ao adotar a maquinaria, o capital direciona-
se tendencionalmente, para o prolongamento “sem medida” do dia de trabalho. Para
isso, proporciona uma revolução nos métodos de trabalho, na organização do trabalho
coletivo; e incrementa o processo de recrutamento para o capital de camadas da classe
trabalhadora que antes não lhe era acessível, como também, ao dispensar os
trabalhadores que foram substituídos pelas máquinas, “produz uma população
excedente, compelida a submeter-se à lei do capital” (MARX, 1980, p.465).
Marx, ainda se referindo ao emprego da maquinaria, a direciona para além de
um incremento da produtividade do trabalho, ou seja, presidida pelas diretrizes
capitalistas, ela torna-se também o “meio mais potente para prolongar a jornada de
trabalho além de todos os limites estabelecidos pela natureza humana”. Pois, da forma
como empregada, ao prolongar o tempo de trabalho necessário, amplia-se a escala
produtiva diária, sem que não varie a parte investida pelo capitalista despendida em
máquinas e outros insumos inerentes à produção; isto é, amplia-se a mais-valia ao
mesmo tempo em que diminuem-se os gastos necessários para obtê-la. (MARX, 1980,
p.459-462).
Feitas as considerações anteriores, faz-se necessário ressaltar um aspecto
importante da produção capitalista, a saber: a necessidade premente do capital em busca
da criação do processo de trabalho capitalista, tanto que também precisa exercer um
poder no próprio e exato coração da produção, de forma a obter uma base material
sólida para seu objetivo supremo. Brighton denomina esse caráter de: “Valorização no
comando”. E acrescenta que para obter êxito nessa finalidade promove-se uma série de
desenvolvimentos vinculados e mutuamente interdependentes, a saber: a) extração da
mais-valia; b) utilização da maquinaria; c) aplicação objetiva da ciência e da tecnologia;
d) a modalidade e a possibilidade de substituição de trabalho (exército de reserva); e)
produção em larga escala. Tais bases materiais configuram as “novas relações entre
capital e trabalho” que impõem a subordinação real (BRIGHTON, 1991, p.23).
68
Nesse contexto, Marx ressalta que a introdução da maquinaria é a culminação do
desenvolvimento da subordinação real, pois permite ao capital romper os limites dentro
dos quais, sob a cooperação simples e a manufatura, ele podia exercer um comando real
sobre o processo de trabalho. Ele aponta ainda que o modo de produção capitalista
possui uma característica intrínseca de um modo de produção específico que por
meio dele “transforma totalmente a natureza real do trabalho e as suas condições reais”.
Assim, pode-se afirmar que somente se processa a subordinação real do trabalho ao
capital, quando esse modo “entra em cena” (MARX, 1978, p.81).
Para ele, essa subordinação real se processa nas formas que produzem mais-valia
relativa. Com a emergência dessa subordinação real promove-se uma “revolução total”
(MARX,1978), seja esta no próprio modo de produção, na produtividade do trabalho ou
nas relações entre capitalista e operário. “Desenvolveram-se as forças produtivas
sociais do trabalho”, declara Marx. Acrescenta também que, graças ao trabalho em
grande escala, chega-se à aplicação da ciência e da maquinaria à produção imediata”
(1978, p.84 – itálicos no original).
Nessa perspectiva, uma conexão entre o emprego da maquinaria e a
subordinação real do trabalho ao capital, aponta Marx. Em que parâmetros? Ele nos
responde usando quatro conceitos, a saber: a) “a separação real entre capital constante e
capital variável, entre trabalhador e condições de trabalho”; b) “a organização objetiva
do trabalhador coletivo substituindo a organização subjetiva”; c) “o fetichismo da
tecnologia/capital fixo”; d) “a reprodução das relações de produção (o processo de
trabalho tornando-se o local desta reprodução)” (apud BRIGHTON, 1991, p.24).
No quesito “separação real”, Brighton sinaliza que é uma questão de escala. Ou
seja, se a produção é agora conformada em grande escala, exige uma certa quantidade
(um “mínimo” razoável) de capital para ser posta em movimento. Com a maquinaria,
essencialmente, a necessidade de algum agente, sobre e acima de cada trabalhador
individual, que reúna os meios de produção previamente à compra de força de trabalho.
O “fetichismo” emerge da tendência a olhar como necessidade que esse agente seja o
capital, e não algum outro “sujeito econômico transindividual”. Se a produção deixou de
ser centrada num sujeito, portanto, é agora coletiva, em grande escala e formalmente
estruturada na máquina. Assim, o capital, pôde, efetivamente, se apropriar para si
próprio, de todas as funções de “especificação, organização e controle”, e, é claro,
executá-las de maneira independente do trabalhador. No entanto, como já sinalizado
69
anteriormente, essa relação entre o capital e o trabalhador não é estática, ela sofre
muitas transformações e renovações em seu terreno de luta de classes. Nessa arena,
reproduz-se a dominação do capital porque ele possui tanto o poder, quanto a
necessidade de revolucionar constantemente as forças de sua produção (BRIGHTON,
1991, p.25). Nessa perspectiva, A. Magaline ressalta que
No modo capitalista de produção, o principal terreno da
reprodução das relações de produção é a luta de classes
na produção, uma luta de classes na qual a burguesia
capitalista tem o papel dominante, e a qual se expressa na
subversão contínua na organização cnica e social do
processo de trabalho, isto é, no contínuo revolucionar das
forças de produção. E aqui podemos evocar a tese do
manifesto Comunista: A burguesia, em contraste com
todas as classes exploradoras precedentes, tem uma base
revolucionária, e sua dominação é baseada na contínua
subversão do modo de produção (apud BRIGHTON,
1991, p.25).
Em tempo, observa-se, de acordo com Marx, que tanto na manufatura como no
artesanato, os trabalhadores serviam-se das ferramentas. Não obstante, sob a
subordinação real, constata-se que o trabalhador serve à máquina. É um mecanismo
vivo servindo a um mecanismo morto. Nos sistemas produtivos anteriores ao modo de
produção capitalista, o “movimento do instrumental do trabalho” procedia dos
trabalhadores. Num sistema fabril moderno, eles (os trabalhadores) são submetidos ao
ritmo e movimento do instrumental e se veem regidos por este. Tornam-se assim,
conforme exposto, “complementos vivos de um mecanismo morto”, e que este existe
de maneira independente deles (MARX, 1980, p.483). uma passagem elaborada por
Marx que ilustra esse desenho produtivo fabril, a saber:
Não é o operário que emprega os meios de produção, são
os meios de produção que empregam o operário. Não é o
trabalho vivo que se realiza no trabalho material como
seu órgão objetivo; é o trabalho material que se conserva
e se acrescenta pela sucção do trabalho vivo, graças ao
qual se converte num valor que se valoriza, em capital, e
funciona como tal. Os meios de produção aparecem
unicamente como sorvedouros do maior quantum
possível de trabalho vivo. Este acrescenta-se tão como
meio de valorização de valores existentes e, por
conseguinte, da sua capitalização. [...] É justamente como
criador de valor que o trabalho vivo se incorpora de
maneira consciente no processo de valorização do
trabalho objetivado (MARX, Capítulo Inédito d’O
Capital, 1975, p.42-43 – itálicos no original).
70
O excerto, por si mesmo, enfatiza tal caráter de subordinação. Dessa forma, com
a introdução da maquinofatura, o poder do capital recai sobre o capital constante, e ele
pode agora ser planejado e organizado sem referência às habilidades e aos ofícios
tradicionais. Assim, o mais sendo dependente dos trabalhadores, o processo de
trabalho é planejado conforme o desempenho da máquina, restando ao trabalhador agir
de acordo com as necessidades da máquina e não o contrário (como explicitado
anteriormente). O capital pode exercer o controle desse processo porque nele mesmo
reúne-se o know how adequado e apropriado em sua totalidade. E da mesma forma, cabe
notar que, também, aglutinam-se “todos os materiais alojados na maquinaria,
conhecimento e materiais que foram também eles desenvolvidos sob a égide do capital e
dos quais os trabalhadores, por sua forma de trabalho estar tão fragmentada, ficam
inteiramente separados” (BRIGHTON, 1991, p.25). Atualmente, é notório esse processo
materializar-se com maior pujança nos processos de produção automatizados, nos quais
o trabalho e conhecimento humanos de um dado modus operandi já se encontram
incorporados nos softwares dessas máquinas.
Postas as considerações, impera uma questão: O que existe na maquinaria que
permite ao capital usar o seu poder dominante (fazer valer)? Reside no fato de que
agora uma forma particular de trabalhador coletivo. Trabalhador este, coletivo, que
requer organização e supervisão, possibilitando dessa maneira, a imposição da
“autoridade” do capital. Isso se deve porque esse desenho produtivo possibilita o capital
monopolizar diferentemente do modo como ocorria na produção manufaturada o
conhecimento que é necessário para “projetar e fazer executar a forma pela qual cada
trabalhador individual funciona como um apêndice da máquina”, isto é, “as interfaces
entre as funções da máquina e as funções do trabalhador; e também a integração dos
vários processos parciais em um todo” (BRIGHTON, 1991, p.26).
O conjunto das reflexões expostas nos leva a apontar que, sob essa configuração,
a maquinaria não apenas transforma o trabalho de cada trabalhador individual, mas
também a sua articulação como um sistema. O capital conforma-se com um potencial
não representado apenas no poder fazer e organizar sistemas de máquinas, mas também
por uma potencialidade de fazer valer a disciplina de trabalho, exigida para manter
aquele sistema de máquinas operando de forma eficiente.
48
48 É forçoso notar que esse fato ocorre sob o ponto de vista do capital.
71
Em suma, nessa perspectiva, pode-se afirmar que a subordinação real é uma
questão que envolve tanto os instrumentais de trabalho que são empregados, quanto a
forma de combinação social que é imposta ao trabalhador. Dessa maneira, efetiva-se o
poder do capital conformado sob uma disciplina fabril. Adiciona-se, também, que o
processo de trabalho, sob o modo de produção capitalista, configura-se por uma forma
específica de trabalhador coletivo que se baseia na utilização da maquinaria
promovendo ao capital o monopólio do conhecimento e do poder sobre as relações entre
o trabalhador e os meios de produção, e que por tal fato, usa este poder, esta dominação
real, com fins de fazer valer o objetivo da valorização (BRIGHTON, 1991, p.27).
2.1.4 – Produtividade e improdutividade do trabalho
Todos os hombres son diseñadores. Todo lo que
hacemos casi siempre es diseñar, pues el diseño es la
base de toda actividad humana.”
Victor Papaneck (1971)
A epígrafe posta, por si, nos impele a refletir sobre várias questões. É
oprotuno observá-la sob um viés construtivista/humanista, no sentido de que uma
busca de uma integração do indivíduo à sociedade; do fazer manual significando um
fazer humano ao fazer técnico; do corpo à alma humana; e de pensar que todo o fazer
existencial humano, este esteve sempre configurado sob uma intervenção criadora e
inovadora. Também nos leva a creditar, sob um sentido amplo, que o processo de
Design se conjuga ao processo de evolução do homem em busca de sua integração e
apropriação da natureza sob um fazer criativo, argumenta-se. Cumpre-nos, também, a
a partir do texto epigrafado, refletir sobre a nossa própria especificidade de sermos
capazes de transformar a natureza de acordo com as nossas necessidades e anseios; de
pensarmos que essa busca infinita por suprir novas e mais novas necessidades nos
trouxe, historicamente, até o patamar social e tecnológico em que repousamos
atualmente.
Esse pensamento indica, por uma visão humanista, que devemos atribuir que
todos os homens são designers. Como expusemos no capítulo I desta Tese, as ações
humanas são feitas segundo uma teleologia, o homem trabalha como um ser que
respostas às suas próprias carências e necessidades (LUKÁCS, 1978) agindo por
objetivos. Ora, não é errado considerar que tais pressupostos estão alocados na essência
do que seja Design. Basta associarmos a esta categoria a definição ontológica de
72
“Trabalho” como meio produtor de existência, creditando-a como mediador do
suprimento de nossas necessidades de acordo com metas e objetivos para que
sedimentemos essa ideia.
Nessa perspectiva, é pertinente afirmar que os atos de nossa vida podem ser
constituídos como um processo de Design? Argumentamos que sim, no sentido de
ressaltar que, em todas as nossas manifestações existenciais, está presente o caráter de
projetar e produzir nosso próprio meio de vida; e, enquanto o fazemos, vamos
inventando nosso próprio modo de produzir, que é ao mesmo tempo, invenção
(PAREYSON, 1993) invenção e produção caminhando simultaneamente. No entanto,
não deixa de ser verdade que à medida que nossa organização societária foi sendo
configurada e presidida por um modo de produção presidido por um caráter
extremamente mercantil, tais características sofreram profundas transformações.
Postas essas reflexões preliminares, nessa seção, buscando fechar um ciclo de
discussões acerca das categorias Trabalho e Valor; como também procurar relacionar o
trabalho de Design com a dinâmica do modo de produção capitalista, buscamos trazer
aportes que nos consubstanciem sobre a questão do que seja trabalho produtivo e
improdutivo no mundo capitalista de produção.
Em tempo, parece-nos justo argumentar que a origem do Design, enquanto
atividade profissional, se relaciona com a era moderna, na medida em que se confunde a
sua origem com a própria gênese da Revolução Industrial. Nessa ordem, com o advento
da produção industrial, sob uma nova imposição produtiva, conforme demonstramos,
novas práticas de organização da produção foram sendo implantadas, se transformando
e se aprimorando. Dessa forma, se impôs um elenco produtivo com novos atores, a
saber: o trabalho social foi dividido; novas formas de controle produtivo; novos meios
de produção, agora mecanizados; ingredientes, trabalhadores e padrões se tornam
especializados etc.
Sob esse cenário e pela demanda do capital produtivo por uma “nova” categoria
profissional que possuísse competências específicas para lidar igualmente com tarefas
de novas especificidades do processo de produção, parece-nos justo sustentar que o
Desenho Industrial (Design) emergiu oriundo das contradições da primeira Revolução
Industrial. Datam daquela época em que se correspondia à generalização da divisão
intensiva do trabalho, de onde foram notadas, grandes transformações e metamorfoses
não somente no chão de fábrica, mas, sobretudo, em toda a estrutura da sociedade.
73
Nesse sentido, argumenta-se de que ele tenha sido forjado no mesmo cadinho de
modernidade e contradições inauguradas pelo modo de produção capitalista.
O Design Industrial, sob essas ideias, se posiciona, historicamente, consorciado
ao processo de industrialização na sociedade. Ele se constituiu profissionalmente
inserido como uma atividade associada à produção de produtos industriais. O que
resulta dessa atividade profissional são produtos, sejam eles objetos ou peças gráficas,
que serão produzidos de forma seriada, inseridos na esfera de bens de consumo ou como
produtor de máquinas e equipamentos, que compõem a paisagem artificial em nossa
sociedade de objetos.
Voltando aos clássicos, depreendemos das análises anteriores que no binômio
valor de uso e de troca ressaltado por Marx em seus escritos –, houve o processo da
subversão do valor de uso, estando este inserido nas especificidades e características
impostas pela industrialização. Tal aspecto promoveu uma tensão entre as categorias
dos atores da relação capitalista de produção. Por um lado se situam aqueles que se
enquadram como consumidores; e de outro lado, os que são os proprietários dos meios
de produção. Cabe notar que nesse cenário o Design tem em seu âmago um convívio
com essa tensão; e ao acentuar o valor de troca dos produtos, a absorve.
Seguindo a linha de raciocínio de Ferrara (1989), tais categorias se apresentam
no palco (mercado) como opositores, com interesses opostos. Levando-se em
consideração que num produto estão postas duas vertentes que são divergentes, a saber:
seu valor de uso e o de troca, é pertinente sinalizar que tais vertentes se enquadram,
respectivamente, na lógica daquele que usufrui (consome) o produto; e naquela diretriz
de quem é o produtor e detentor dos meios produtivos. Uma categoria busca a
valorização do uso, enquanto que a outra procura maximizar o valor de troca, agregando
“atributos” que promovam incrementar mais valor em seus produtos. Como pudemos
observar, o modo de produção capitalista busca nessa “subversão”, ressignificar o
produto de tal forma que o mesmo atraia o consumidor, como Haug (1997) havia
outrora caracterizado, como um inseto que cai numa armadilha, no âmbito das
inovações estéticas ou tecnológicas, mormente na esfera simbólica.
Relembramos, em breves palavras, a questão emblemática do binômio valor de
uso/valor de troca, por compreendermos que se trata de um ponto crucial quando nos
referimos ao processo de acumulação capitalista e à especificidade da produção do
designer inserido neste. Haja vista que não é lícito negar que esse profissional estará
74
sujeito, nesse processo de acumulação, a desenvolver produtos que darão respostas às
imposições mercadológicas, intrínsecas desse modo de produção. Todo um sistema
produtivo se organiza de tal forma que o designer torna-se subordinado ao que está
prescrito em tal sistema.
Nunca é demais lembrar que o modo de produção capitalista visa à produção de
mercadorias no sentido posto por Marx em sua profunda análise do processo
capitalista de produção como forma da riqueza deste. O fazemos, em busca de uma
compreensão do que seja produtivo ou improdutivo para esse referido sistema de
acumulação. Dessa forma, apoiando-nos na linha de reflexão de Taulie & Faria (2004),
a questão de se enquadrar ou não uma determinada atividade como produtiva no sistema
capitalista, não se apresenta meramente como uma questão histórica que se reporta
especificamente à época da constituição do modo produção capitalista. Os autores estão
se referindo ao “capitalismo produtivo, isto é, ao ingresso do capital na esfera da
produção por meio, sucessivamente”, como exposto no corpo deste capítulo da
subsunção formal e real do trabalho. De acordo com os autores, e concordamos com
seus argumentos, esta questão ainda se faz presente, como também é importante para
“delinear os fatores que efetivamente alavancam o processo de acumulação capitalista”
(TAULIE & FARIA, 2004, p.282).
Também é pertinente reforçar (elucidado por Marx) que o modo de produção
capitalista, em sua gênese, configura-se pela maximização da extração de mais-valia, ou
seja, pela busca desenfreada da obtenção cada vez mais incrementada, por auferir
lucratividade em sua produção, buscando absorver maior quantidade de trabalho
abstrato não pago. Essa busca subordina o trabalho, formalmente, ao capital. Como
também pela apropriação e incremento em seus domínios, da ciência e da maquinaria à
sua produção. Nas palavras de Marx: “[...] máximo de produtos com nimo de
trabalho: [...] o seu objetivo é que cada produto etc., contenha o máximo possível de
trabalho não pago, e isso se alcança mediante a produção para a própria produção
(1975, p.92 – itálicos no original). Nessa ótica, a substância do valor repousa no
trabalho abstrato.
Dizer que qualquer trabalho (do qual resulte das suas ações finalísticas um
produto), pode ser definido como trabalho produtivo, não nos ajudaria a compreender a
dinâmica do processo de acumulação capitalista. Marx, numa de suas passagens do
Capítulo Inédito d’O Capital, ressaltou de forma irônica, que somente a
75
tacanhez mental da burguesia, que tem por absoluta a
forma capitalista de produção, e que, conseqüentemente,
a considera forma natural da produção, pode confundir a
questão do trabalho produtivo e do trabalhador
produtivo do ponto de vista do capital, com a questão do
trabalho produtivo em geral, contentando-se assim com a
resposta tautológica de que é produtivo todo o trabalho
que produz, em geral, ou que desemboca num produto,
num valor de uso, em resumo: num resultado (1975, p.94
– itálicos no original).
O excerto por seu turno nos faz refletir sobre o duplo caráter do valor (de uso
e de troca), o que nos remete a ressaltar o processo de ressignificação que a concepção
de trabalho ontologicamente como produtor de existência humana sofreu pelo telos
da sociedade capitalista. refletimos que, em sociedades presididas pelas diretrizes do
sistema capitalista de produção, um determinado produto metamorfoseado em
mercadoria apresenta-se com duplo valor. O que se refere a seu valor de uso
materializado pelo uso ou pelo consumo desse; e, por outro lado, cabe ressaltar que esse
próprio valor de uso, metamorfoseado, é viga-mestre de um outro tipo de valor, o de
troca.
Postas essas reflexões, ao buscarmos na definição clássica de Marx sobre o que
para ele se configura como produtiva uma dada atividade laborativa, obteremos que, por
excelência, a produção capitalista busca a extração da mais-valia. Tal caracterização nos
impele a inferir que o trabalho é produtivo quando se enquadra nessa diretriz. Ou seja,
reconhece-se produtivo aquele trabalho que possui a competência de não somente
agregar valor, mas também, e, sobretudo, também produzir valor excedente. Aqui nos
referimos àquele trabalho que é consumido diretamente durante o processo produtivo
como objetivo de valorizar o capital.
Cabe notar, sob uma ótica de análise do processo de trabalho de uma maneira
geral, que aquele trabalho que se materializa num produto, mais especificamente, numa
mercadoria, denomina-se produtivo. No entanto, se analisarmos sob o ponto de vista do
modo de produção capitalista, vem à luz uma “determinação mais precisa”, declara
Marx; ou seja: o trabalho é produtivo quando “valoriza diretamente o capital, o que
produz mais-valia”. E ele ressalta ainda para aquele que se concretiza “numa mais-valia
representada por um subproduto; isto é, (que se realiza) num incremento excedentário
de mercadoria para o monopolista dos meios de trabalho para o capitalista” (1975,
p.93). Assim posto, é pertinente afirmar que somente aquele trabalho que se transforma
de forma direta em capital, é considerado produtivo. Portanto, é o trabalho gerador e
76
produtor de mais-valia ou é aquele que potencializa ao capital o poder de incrementar
mais-valia.
Nessa perspectiva, achamos importante demarcar duas visões de dois
economistas, a saber: Adam Smith e Karl Marx. Assim, se adentrarmos pelo campo da
teoria do valor-trabalho, conforme assinala Meirelles (2006, p.119), o valor é elucidado
com base na quantidade de trabalho que se incorpora durante o processo produtivo de
mercadorias. Não obstante, seguindo sua análise, existem diferenças conceituais entre
essas duas visões.
49
Nesse sentido, para Smith, que tem como referente uma ótica material do
processo de valorização do capital, um “bem tem valor quando é palpável, concreto,
visível e estocável, de forma que o trabalho nele aplicado seja reprodutível, capaz de se
perpetuar ao longo das transações econômicas, permitindo a aquisição de novos bens e
serviços”. Nessa visão, o valor se perpetua pressuposto a uma “base material de
suporte”. Logo, para ele, o trabalho produtivo é aquele que é “reprodutível, que forma
uma reserva de valor, concreta e material”, de maneira que possibilite acumular
riquezas. Por outro lado, em contrapartida, é improdutivo o trabalho que “não se fixa em
nenhum objeto ou bem físico concreto e material, não forma uma reserva de valor que
possibilite a aquisição de novos bens e/ou serviços” (SMITH, apud MEIRELLES, 2006,
p.121). O economista se refere às atividades de serviço, que para ele, são
“essencialmente intangíveis”.
Sob uma outra maneira de analisar, Marx sinaliza que não reside na
“materialidade do produto”, a base definidora que enquadra como produtiva ou não uma
dada atividade econômica. Ou seja, se ela detém o poder de agregar ou o valor. Pois,
segundo a nota de Meirelles, apoiada em Marx, a “relação de compra e venda não é uma
relação entre objetos e coisas, e sim uma relação social”. Dessa forma, se observarmos
tal aspecto sob esse foco, ao caracterizarmos um dado trabalho como produtivo, nos
parece correto apontar que, esse se processa de uma maneira que dependa do “conteúdo
material e tangível da mercadoria” (2006, p.121-122)
50
.
49 Ainda que não é objetivo desta Tese tratarmos do pensamento desse outro economista (Adam Smith),
achamos relevante trazê-lo, comparativamente, a fim de que possamos melhor caracterizar o conceito de
trabalho produtivo e improdutivo sob a ótica marxista.
50 Ainda que Marx não tenha podido analisar a fundo a prestação de serviços; em sua Teoria, se
encontram bases que sustentam outras análises contingenciais sobre questões produtivas do modo de
produção capitalista. Nesse ponto, achamos importante deixar registrado uma reflexão de Eleutério F. S.
Prado, de seu texto Pós-grande indústria: trabalho material e fetichismo uma crítica a A. Negri e M.
77
Nessa perspectiva, para Marx, o trabalho produtivo favorece a formação de um
excedente econômico. Nesse caso, é preciso que enquadremos a materialização do
serviço sob pilares capitalistas de produção, conforme declara Meirelles (2006), de
maneira a levar em conta que o trabalho subsumido ao capital contribua para a obtenção
de mais-valia. Portanto, uma atividade de produção de bens, ou uma atividade de
serviço, considerar-se-á produtiva quanto à sua capacidade de gerar mais-valia (sob a
forma de lucratividade).
Nesse contexto, o fato de estar ou não presente uma base material no processo
produtivo, não impede que o serviço possua valor, sobretudo valor de uso. Dessa
maneira, a “tangibilidade da ação da força de trabalho em movimento no circuito
produtivo”, na visão de Marx (apud MEIRELLES, 2006, p.122), “não é prerrogativa
para que o trabalho aplicado seja considerado produtivo”, isto é, um “trabalho que
agrega valor”. Assim, faz-se necessário apontar que o processo se concretize sob
relações capitalistas de produção. Dito de um outro modo: se os serviços estão
configurados sob diretrizes e pilares capitalistas de produção, poderão ser considerados,
segundo o ponto de vista do capital, produtivos. Nesse ponto, achamos pertinente
considerar o processo de trabalho do designer, estando este como um prestador de
serviços às indústrias e configurado suas diretrizes de produção, ou seja, quando a
natureza objetiva desse profissional valoriza diretamente o capital, ele deve ser
enquadrado na categoria, produtivo.
Ainda na ordem dessas ideias, retomando alguns conceitos, numa passagem d’O
Capital, está posto que o constituinte do valor de uso específico do trabalho produtivo,
sob a ótica capitalista, não reside em seu “caráter útil determinado”, nem tampouco
devemos considerar que estão presentes nas “qualidades úteis particulares do produto
em que objetiva”. Repousa, sobretudo, em seu “caráter de elemento criador de valor de
troca (mais-valia)” (MARX, 1975, p.98). Isto nos remete a ressaltar mais uma vez que o
modo de produção capitalista não se define como um simples processo de produção de
mercadorias. Ele se constitui sob uma base produtiva que aglutina e absorve trabalho
que não é pago (excedente), que transforma os meios produtivos em meios para “sugar
trabalho não pago” (Idem, ibidem).
Hardt. Para tanto, transcrevemos: “[...] essa teoria” a teoria do valor prevê a própria vicissitude do
valor numa fase avançada de desenvolvimento do capitalismo, quando o trabalho, de modo importante,
passa a produzir valores de uso imateriais, quando os trabalhos concretos não podem mais ser reduzidos
simplesmente a trabalho abstrato e quando os serviços assumem amplamente a forma mercadoria”.
(2003, p.112 – itálicos nossos).
78
Depreende-se dessas reflexões que para atribuir a determinado trabalho como
produtivo, conforme acentuou Marx, não devemos colocar como fator determinante o
conteúdo determinado do trabalho, com a sua utilidade particular ou o valor peculiar
em que se manifesta” (1975, p.98-99). Nessa perspectiva, é pertinente afirmar que o
trabalhador que, em seu processo de trabalho, gere diretamente mais-valia ao capital, ou
seja, que o valorize e o reproduza, deve ser enquadrado como trabalhador produtivo.
Também, cabe apontar que o produto oriundo do trabalho, assinala Prado (2003, p.111),
deve ser considerado enquanto forma da riqueza no sistema capitalista de produção.
A força das ideias expostas nos leva a crer que a atividade profissional dos
designers configurada na esfera do modo de produção capitalista, direciona as suas
características e objetivos a se circunscreverem a toda a essa diretriz. Especificamente
falando: à produção de produtos mercantis – enquanto forma de riqueza capitalista
(mercadoria). Nessa ótica, Adrian Forty aponta que em particular na Grã-Bretanha, o
estudo da história do Design deu-se sob uma “forma de lobotomia cultural”,
significando dizer que tal forma de estudá-lo, o deixou restrito “aos olhos e cortou suas
conexões com o cérebro e o bolso” (2007, p.11). Significa apontar que, enquanto
relação de produção de riqueza capitalista, ele confere relevo a um viés do Design que
esteve obscurecido, ou seja: “nasceu” num determinado ponto na linha do tempo da
história do capitalismo, e “desempenhou um papel vital na criação da riqueza industrial”
(Idem, ibidem). Ou seja, o Design se encontrara, desde a sua infância, fortemente
associado à reprodução capitalista.
Sob esse viés produtivo, os designers se configuraram como produtores de
ideias, de maquinários, de sistemas e objetos com aspectos intrínsecos e formais que
deverão “facilitar” a sedução do consumidor, induzindo-o à “espiral sem-fim do
consumismo” (ARGAN, 2005). Para tanto, a introdução de mudanças no projeto dos
objetos poderiam ser creditadas como “se fossem mutações no desenvolvimento de
produtos, estágios de uma evolução progressiva na direção de sua forma perfeita”
(FORTY, 2007, p.12-13); no entanto, conforme ressalta Forty, os objetos não possuem
“vida própria”. Assim, ele aponta que não existem “provas da existência de uma lei de
seleção natural ou mecânica que os impulsione na direção do progresso” (Ibidem).
Significa dizer, sob sua ótica, que a concepção e produção dos bens manufaturados não
obedecem a uma lógica estrutural genética interna, e sim, são determinadas “pelas
79
pessoas e as indústrias que os fazem e pelas relações entre essas pessoas e indústrias e a
sociedade em que os produtos serão vendidos” (FORTY, 2007, p.13).
O fragmento acima nos compele notar que, estando o processo produtivo dos
designers sob a ótica de acumulação capitalista, é pertinente enfatizar que não se
configura como princípio básico projetivo a funcionalidade social que determinaria a
diretriz formal dos produtos. O que queremos destacar, diz respeito aos apelos
epidérmicos
51
postos nos objetos, que nem sempre são atribuídos visando suprir
necessidades básicas. São pré-determinados, prioritariamente, sob atributos simbólicos,
apelos psicológicos de maneira a seduzir, eficazmente, o consumidor. Ressalta-se que o
designer assim inserido subordina-se às diretrizes do marketing e as da publicidade
52
Também deve-se conferir relevo à perda ou melhor, a limitação de sua inventividade e
criatividade, no sentido de que devam ser relegados a planos secundários, os atributos
inovadores e agregadores de valor utilitário aos produtos. Numa arena em que se apelam
em muitas das vezes, para formas que se dizem tão vanguardistas e inusitadas, que não
se sabe se tais objetos vão servir à sua utilidade prática, ou, como se percebe, são vistos
sob uma ótica de contemplação o fetichismo dos objetos. Tal assimetria foi posta e
analisada, no capítulo anterior, ao se perceber fortemente presente, a exigência da
garantia de um apelo comercial aos produtos, que muitas das vezes poderá comprometer
a qualidade técnica dos mesmos. De todo modo, não é menos verdadeiro que numa
relação capitalista com final feliz, todo produto oriundo desta, deve ter incorporado as
51 É pertinente enquadrarmos tal processo ao que se denomina Styling”. De acordo com Maldonado, tal
aspecto surgiu como um estilo originariamente dos EUA, que foi implantado após a crise desencadeada
pela quebra da “Bolsa” em 1929. Cabe lembrar que, antes desta crise, havia o predomínio de concepção
da forma dos produtos que buscava resguardar exigências construtivas e funcionais em busca de uma
simplicidade destas. Depois dessa referida crise, aconteceu exatamente o contrário. Esse “novo” modo
produtivo se apresentou como um forte meio de sedução, em que a metodologia projetiva atribuída aos
designers da época procurava, prioritariamente, incrementar velozmente a espiral de consumo dos
produtos. Portanto, tal estilo, veio corresponder a uma “[...] modalidade de design industrial que procura
tornar o modelo superficialmente atraente” daí dizermos apelos epidérmicos de um produto em
“detrimento, muitas vezes, da sua qualidade e conveniência; que procura o seu envelhecimento artificial,
em vez de prolongar a sua fruição e utilização. Tudo somado, um programa de desperdício para uma
sociedade que, naquele preciso momento, pouco ou nada tinha para desperdiçar. Tudo isto pode parecer
paradoxal, e de facto é-o.” – nesse aspecto, cabe notar que o capitalismo, em toda a lógica de sua
trajetória, nos deu inúmeros exemplos de sua contradição interna, e, que tal fato está muito bem posto e
analisado nos escritos de Marx “[...] Bem entendido, o styling constitui uma bizarra resposta à crise,
mas uma resposta, note-se bem, muito coerente com os pressupostos de uma particular estratégia
competitiva. Referimo-nos àquela estratégia que consentiu em passar do capitalismo concorrencial ao
capitalismo monopolista; de uma estratégia que apontava para a redução dos preços, para outra que se
baseia na promoção do produto. Neste contexto, o styling aparece como um dos principais expedientes
para o aumento de vendas e, indirectamente, assume o papel de ‘centro nervoso do capitalismo
monopolista. Em resumo: um dos agentes mais activos do ‘metabolismo básico’ deste sistema”
(MALDONADO, 2006, p.46-47 – itálicos no original).
52 A “arte oficial do capitalismo”, salienta HARVEY (2002, P.65.).
80
“idéias que o tornarão comercializável, e a tarefa específica do design é provocar a
conjunção entre essas idéias e os meios disponíveis de produção”, declara Forty (2007,
p.16).
Já dissemos que no modo de produção capitalista tudo deve ser transformado em
mercadoria. Seu objetivo imediato é obter lucratividade em sua produção. Tal ideia se
encontra reforçada também em Adrian Forty, ao afirmar que os artefatos são produzidos
para tal fato, e, é digno de nota que o Design faz parte desse processo, cujo principal
objetivo é o de dar lucro ao fabricante (2007, p.13). Assim, inserindo-se uma categoria
profissional sob esse pressuposto, não é menos verdade que os designers, que em sua
maioria esmagadora não detêm os meios de produção, sofrerão tamanha pressão. Seus
atributos profissionais serão absorvidos por tal modo produtivo, na medida em que suas
respostas deverão atender ao objetivo central desse modo de produção – no modo
clássico de dizer: como mediador e potencializador de extração de mais-valia.
Nessa perspectiva, eles deverão colocar seus atributos produtivos a serviço da
diretriz burguesa industrialista. Assim conformado, argumentamos de que se trata, aos
olhos do capital, de um trabalhador produtivo. Não obstante, estando configurado o seu
potencial, cerceado por “imposições” gerenciais mercadológicas oriundas da
organização produtiva industrial, ressaltamos, por ora, que o designer se como um
programador, adequado a essa égide produtiva. Ainda permitimos asseverar que o
mesmo (designer) é enquadrado tanto como um trabalhador produtivo, mas também,
quanto como um trabalhador reprodutivo.
2.2 – O campo profissional do design
“O design altera o modo como as pessoas vêem as
mercadorias”.
Adrian Forty (2007)
Em busca de uma caracterização ...
Postas essas reflexões, como relacioná-las ao Design Industrial? Associá-lo à
aparência das coisas, à esfera dos produtos que nos agradam visualmente e que nos
trazem conforto, ao aforismo da “boa forma”, não é errado. Também nos parece
pertinente estabelecer uma correspondência desse, a uma ideia de inovação, de
progresso, de desenvolvimento e de evolução. No entanto, tais vocábulos por si não
nos indicam a que, para quem e em que níveis se posicionam. É verdadeiro que durante
81
um processo evolutivo nos defrontamos com várias situações e experiências que nos
podem ser vistas como alegres, incômodas ou não. Assim, a ideia de progresso, em
particular, seus benefícios, podem, à nossa percepção, se apresentar de maneira
ambivalente. Isto é, todos nós desejamos as benesses e confortos proporcionados por
ele; no entanto, nos parece salientar que, se tal condição nos impõe uma perda de
valores, de coisas que nos são caras, esse aspecto nos impele a mudanças e ajustes, não
tão confortáveis, a esses “novos” impositivos existenciais.
O que vem à mente como descrição de progresso em nossa sociedade moderna?
De acordo com a análise de Forty (2007, p.19), essa é, na verdade, associada a uma
série de mudanças de padrões provocados pela burguesia industrial. Não como negar
a pujante transformação e melhoria do ambiente circundante humano proporcionada
pelas máquinas e produtos industriais. No entanto, em se tratando do sistema capitalista,
contradições se apresentam fortemente. Isto é, há sempre uma contrapartida em que a
cada inovação tecnológica introduzida, em sua totalidade, nem sempre se constata como
benefícios à maioria da população
53
.
Sobre esse caráter, importa que recordemos, por exemplo, a ocasião do advento
da máquina a vapor, a saber: conjugado em seu bojo e desenvolvimento veio uma
exponencial eficiência na produção industrial manufatureira, na esfera de bens de
consumo como de capital; alavancou-se todo um desenvolvimento da infraestrutura de
transportes, de construções etc.. Entretanto, a que preço? Que grupo(s) social(is)
foi(ram) beneficiado(s) realmente? muito bem estudado e elucidado por Marx, tal
conjunto de inovação societária contribuiu, dentre outros, para um aumento das cidades,
sem que houvesse uma infraestrutura necessária e adequada para tal, acarretando um
alto índice de insalubridade; como também uma perda de qualidade de vida não
somente nos ambientes residenciais, sobretudo nos fabris. Ao mesmo tempo,
empobreceu e desagregou a relação familiar de trabalhadores; ajudou a cercear e
subordinar classes de trabalhadores, dentre elas, os artesãos que perderam seu poder de
criação e produção e estatuto de outrora, transformando-se por necessidade de
sobrevivência, em assalariados subsumidos às diretrizes da indústria capitalista. Pelas
palavras do próprio Marx, numa passagem d’O Capital, enfatizamos tal cenário:
53 “O progresso povoou a história com as maravilhas e os monstros da técnica, mas também desabitou a
vida dos homens. Deu-nos coisas, não mais ser” (OCTAVIO PAZ, apud DE MORAES, 1997, p.108).
82
A maquinaria, como instrumental que é, encurta o tempo de trabalho,
facilita o trabalho, é uma vitória do homem sobre as forças naturais,
aumenta a riqueza dos que realmente produzem, mas com sua
aplicação capitalista, gera resultados opostos: prolonga o tempo de
trabalho, aumenta sua intensidade, escraviza o homem por meio da
forças naturais, pauperiza os verdadeiros produtores (1980, p.506
itálicos nossos).
O excerto, por si, nos compele a refletir sobre tais mudanças e
transformações que foram impostas aos trabalhadores. Nessa perspectiva, ressalta-se
que à ideia de progresso conjugam-se mudanças, sejam essas em níveis desejáveis ou
não para a população (FORTY, 2007). Também importa notar que não há como negar
que o Design
54
, em maior ou menor magnitude, esteve presente nesses fatos.
Focando-se por uma lente humanista, diante da pujante e profícua transformação
que a natureza circundante sofreu, e que ainda se configura sob os auspícios do trabalho
humano, alterando-a radicalmente de acordo com as necessidades existenciais humanas,
seja em seus artefatos, sistemas societários etc., nos parece certo afirmar que tal mundo
foi produzido pelo homem. É um mundo humano. De acordo com Fischer (1981, p.21-
25), em seu processo de transformação da natureza – tal fato exercido no e pelo trabalho
– o homem sonhou também em “mudar os objetos” proporcionando-lhes novas formas e
interfaces mais “amigáveis”. Nos dois últimos séculos de nossa existência, foram
notórios o tamanho vulto e proporção do poder do homem de controlar e dar forma ao
54 Já discutimos, no capítulo anterior, as tensões e questionamentos que se desdobraram em movimentos
de ressignificação da produção industrial (dentre eles, o Arts and Crafts). A título de ilustrar algumas
dessas tensões do campo do Design, na metade do século XIX, Nicolau Pevsner a descreve não da
maneira profunda que Marx analisou da seguinte forma: “O problema da máquina não está somente no
fato de ter eliminado o gosto nos produtos industriais; por volta de 1850, parece que havia envenenado
irremediavelmente os artesãos sobreviventes. [...] Por que isso aconteceu? A resposta usual – por causa do
crescimento industrial e da invenção das máquinas está correta, mas, via de regra, é tomada de modo
muito superficial. [...] O desenvolvimento dos dispositivos mecânicos simples para as maravilhas
modernas da maquinaria foi lógico e gradual. Por que a máquina se tornou, ao final, tão desastrosa para a
arte?” (apud FORTY, 2007, p.61). Parece-nos pertinente afirmar que a resposta foi dada por Marx, em
seus escritos, mormente em seu estudo no capítulo XIII de O Capital, intitulado A maquinaria e a
Indústria Moderna”. Esta análise é parte deste capítulo, que compõe nossa Tese. Nessa perspectiva, Forty
sinaliza que a argumentação apresentada pelos “reformadores do design do século XIX”, seguida por
Pevsner, repousa sobre a premissa de que as máquinas “usurparam o controle do artesão sobre a forma do
produto: as máquinas, acreditavam eles, haviam mudado a prática do design ao separar a responsabilidade
pela aparência do produto da tarefa de fabricá-lo com uma conseqüente deterioração da qualidade do
design” (Ibidem, p.62-63). [...] Mas o que é tão notável sobre o mito da máquina como agente do mau
design é sua sobrevivência até hoje, apesar da compreensão muito maior da natureza da sociedade.
Quaisquer que sejam as razões para a sua inesperada vida longa, o mito teve o efeito de obscurecer o
lugar central do design na produção. Tratá-lo apenas em termos de fatores técnicos ou artísticos faz com
que ele invariavelmente pareça trivial e insignificante, tirando-lhe sua característica única de encarnar, do
modo mais vido e concreto, não algumas, mas todas as condições que cercam a produção de
mercadorias” (FORTY, 2007, p.85). Sobre tais aportes, é pertinente reforçamos uma argumentação sobre
a qual é central refletir ante as contradições e assimetrias que estão postas pelo sistema capitalista, nos
currículos de ensino do Design.
83
nosso ambiente (HESKETT, 1998, p.7). Nessa perspectiva, é pertinente destacar uma
presença, seja esta em maior ou menor monta, de um caráter de esteticidade posto num
produto. Mas, sem esquecer de se levar em conta que nem todos os produtos oriundos
de processos mecânicos industriais possuem um cunho artístico por si mesmos, declara
Dorfles (2002, p.11). Sendo assim, cunpre observar que os objetos pertencentes ao setor
do Design Industrial devem possuir uma esteticidade intencional, ou seja, prescrita
desde à fase de projetação desses.
Sob a tendência de um forte “fazer com arte” constitutivo do caráter do homem,
em seus próprios termos, Dorfles confere relevo a tal caráter, constatando a presença em
cada obra humana de uma
vis formativa, implícita na própria natureza do material do médium
expressivo de cada vez que ele for utilizado segundo as leis da
composição que lhe são úteis e que, muitas das vezes, deu origem à
apresentação de elementos altamente artísticos sem consciência dos
próprios artífices (2002, p.11 – itálicos do original).
No capítulo anterior, buscamos demonstrar a presença de um caráter formativo
intrínseco ao homem em toda a sua produção existencial. Importa recordar que, nessa
produção dos meios existenciais humanos, esteve presente em sua totalidade,
constituindo-se como manifestação desta atividade humana, um aspecto artístico. Cabe
lembrar que ao nos referirmos a esta produção existencial, a alocamos num patamar que
corresponda a um modo de fazer que ao mesmo tempo em que o faz, vai criando esse
“modo de fazer”, de tal maneira que a sua produção se configure num processo
inventivo, conforme declara Pareyson (1993, p.20-22). Dessa forma, podemos reforçar
que em tal modo do agir humano, ou seja, em toda a “operosidade humana”, um
caráter de invenção e inovação.
Ao produzir seu meio de vida, o homem, no exercício de suas faculdades
concebeu objetos, processos, produziu ferramentas, tecnologias operativas e
construtivas, sob sua teleologia evolutiva. Conforme apontado nos escritos marxistas,
a essência do trabalho humano em toda a produção de sua existência se deu por uma
busca em ir além de uma instintiva competição biológica dos seres vivos com seu
mundo ambiente. Tal busca esteve mediada pelo protagonismo da consciência humana.
A natureza tornou-se, dessa forma, instrumento da atividade humana, pelo qual o ser
humano suplementa e potencializa os órgãos de seu corpo. Nesse contexto, sob as
próprias palavras de Fischer:
84
O homem tomava o lugar da natureza. Não esperava mais para ver o
que a natureza lhe oferecia: forçava-a cada vez mais a dar-lhe aquilo
que ele queria, tornava-a mais a sua serva. E, além do incremento da
utilidade dos instrumentos, além da crescente diferenciação do caráter
específico dos instrumentos, além da adaptação cada vez mais bem
sucedida dos objetos do homem, de acordo com as leis da natureza,
além da crescente humanização dos objetos, criavam-se objetos que
não existiam na natureza. [...] Essa transformação da natureza do
trabalho pôde realizar quando o trabalho alcançara um estágio
relativamente desenvolvido (1981, p.30 – itálico no original).
Tal ideário nos leva a concluir, como exposto anteriormente, que todos os
homens, sob um caráter antropológico-formativo, são designers. Num sentido de que
produzimos nossa paisagem artificial, humanizando a natureza, de modo inventivo e
criador. Em Ampudia (2008), encontramos também, referência a essas ideias, quando a
autora nos aponta que o Design, num sentido de acepção ampla, é associado ao
proceso evolutivo del hombre y su familiaridad com el entorno”. Ainda, reforçando o
que Marx já havia dito, no sentido de que o homem desde a sua implementação como
espécie, compreendia que o mundo circundante (natureza) como lhe era apresentado,
por si só, não lhe bastava para a satisfação de suas necessidades existenciais. Assim, na
tarefa de criar um mundo artificial que pudesse equilibrar tais necessidades, podemos
dizer que desde então a sua tarefa se converteu num fazer criativo (AMPUDIA, 2008).
Nessa ordem de pensamento, em que pese sustentarmos que tal campo
profissional (Design) se circunscreve ao campo industrial, forjado no mesmo cadinho de
modernidade inaugurado pelo modo de produção capitalista, também cabe apontar que,
não obstante os “primeiros designers terem emergido das entranhas do processo
produtivo serializado da fábrica moderna, tanto sob o ponto de vista lógico quanto do
empírico, o surgimento de atividades ligadas ao Design antecede a aparição da figura de
tal profissional (designer), conforme sinaliza DENIS (2000, p.18). Nessa perspectiva,
sobre a origem imediata da palavra Design, destaca-se que esta é oriunda da língua
inglesa, possui uma etimologia
na qual o substantivo design se refere tanto à idéia de
plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração,
arranjo, estrutura (e não apenas de objetos de fabricação
humana, pois é perfeitamente aceitável, em inglês, falar
do design do universo de molécula) (DENIS, 2000, p.16
– itálico no original)
55
.
55 O termo é ainda hoje no Brasil uma palavra que gera muita confusão e é interpretado por uma
variedade de significados. Confunde-se o vocábulo Design”, que é, originalmente, uma palavra
importada, como o simples desenho formal de um determinado objeto, ou ainda, numa tradução não
85
O historiador nos compele ainda a considerar que o seu significado, cuja origem
mais remota do vocábulo, vem do latim designare, remete à ideia de um verbo que
encampa dois sentidos, ou seja o de “desenhar” e o de “designar”. Em tempo, é
pertinente ressaltar que na língua espanhola, o termo Design adquire uma tradução mais
fiel e próxima da sua origem, pois possui dois vocábulos distintos, o dibujo e o diseño.
Tais palavras facilitam uma diferenciação e melhor aproximação do sentido mais
correto do vocábulo na língua inglesa, ou seja: dibujar significa desenhar, num sentido
de uma dada atividade que se realiza manualmente; e diseño diz respeito às atividades
de cunho projetivo, termo usado para concepção, projeto, vindo daí a se encaixar
perfeitamente no significado de Design. Portanto, devemos inferir que é correto pensar
que “do ponto de vista etimológico, o termo contém, nas suas origens, uma
ambigüidade”. Ou melhor dizendo, nele existe uma tensão, dinâmica, que se encontra
entre um aspecto abstrato de conceber, projetar e atribuir; e de outro, um concreto,
aquele que se processa na esfera do resgatar/configurar/formar (DENIS, 2000, p.16).
Isso posto, percebe-se que o Design tem em seu cerne esses dois níveis, e ele
gera atividades projetuais. Porém, diferentemente da engenharia e da arquitetura (que
também são projetuais), o Design concebe determinados tipos de artefatos móveis,
muito embora, na maioria das vezes, essas atividades estejam complexamente
imbricadas. De certo modo, salienta-se que tal aspecto tem sido objeto de constante
preocupação e fonte inesgotável de polêmicas entre os teóricos do assunto, na medida
em que diz respeito às definições e atribuições das atividades frequentemente associadas
ao Design, como o artesanato, as artes plásticas e gráficas, que também produzem
artefatos móveis
56
.
O que se compreende por Desenho (Design) Industrial? Ao buscarmos tanto na
historiografia quanto nas reflexões teórico-críticas do campo, apreende-se que, de uma
maneira geral, não é ilícito aplicar-se para a expressão um significado de que essa se
refere a uma atividade laborativa vinculada à concepção de objetos de cunho industrial,
isto é, produtos que são materializados, cuja fabricação é mediada por maquinismos, e
que possuem um forte caráter de serialidade. Nessa perspectiva, Gui Bonsiepe,
muito apropriada e controversa para o português, como por exemplo, “desenho”, dentre outras, perdendo
dessa maneira a sua identidade e sentidos originais.
56 Nossa posição é de que (em que pesem determinadas visões que desvinculam o Design de um certo
fazer humanístico) o método de trabalho deve unir a arte à técnica, não deixando que na fase projetiva o
fazer manual – artístico – se distancie.
86
ampliando esse leque, indica como caracterização para o campo do Desenho Industrial,
uma atividade orientada a ocupar-se da determinação das
características funcionais, estruturais e estético-formais de
produtos industriais e sistemas de produtos, considerando os fatores
técnico-econômicos, técnico-produtivos e sócio-culturais. A sua
característica mais notável é a abrangência, mais ampla que a das
disciplinas tecnológicas tradicionais. Concentra-se em produtos que
apresentam uma interface (1983, p.187 – grifos e itálico no original).
Nesse contexto, conforme lembra Maldonado (2006, p.13), no âmbito do Design
Industrial, nos idos anos de 1960, imperava uma “idéia apriorística sobre o valor
estético (ou estético-funcional) da forma”, assim, não o compreendendo como uma
atividade projetiva. Propunha-se para o campo uma orientação laborativa cujo fim
último era a “realização da especialidade técnica”. Dessa maneira, se é verdade que o
Design descende de um berço industrial, foi configurado como um ingrediente de
grande importância para a acumulação capitalista, não nos parece certo, sob esse
aspecto, limitá-lo apenas a uma atividade de cunho artístico. Tal caráter o faz se
apresentar futilmente, relegado a uma condição de mero apêndice cultural”, declara
Forty (2007). Ademais, esse autor salienta que o Design, por sua própria natureza, não
deva ser considerado como uma “atividade artística neutra e inofensiva”, ou seja, os
efeitos por ele promovidos são possuidores de uma longevidade maior do que os
produtos efêmeros da mídia. Este pensamento se deve ao fato de que os atributos de tal
campo profissional podem promover “formas tangíveis e permanentes às idéias sobre
quem somos e como devemos nos comportar” (FORTY, 2007, p.12-13).
Ainda nesse contexto, projetar uma dada forma, compreende coordenar, articular
e integrar os fatores que participavam do processo constituinte da forma de um produto.
Dessa reflexão, importa ressaltar que tal processo está fortemente articulado e
condicionado tanto ao modo de produção, quanto à maneira como o consumo dos bens
se manifesta numa dada sociedade. Não é incorreto afirmar que o Design é uma
atividade em que em seu cadinho se encontram reunidos ingredientes que se remetem à
criatividade, à fantasia, à inventividade e à inovação técnica e formal. Nesse sentido,
esse aspecto é tão forte, que é pertinente sinalizar que, no imaginário do senso comum,
no tocante ao entendimento do que seja essa categoria profissional, paira uma ideia de
que o processo de Design se apresenta como uma espécie de “ato de criação”, de tal
forma que hoje, ‘nuevo’ diseño, tanto tradicional como experimental se encontra
subordinado al talento del artista”, conforme declara Bürdek (1999, p.117). Em que
87
pese não abandonarmos tais considerações, faz-se necessário salientar que o Design,
inegavelmente, se encontra fortemente associado ao processo de desenvolvimento
socioeconômico. Sob as palavras de Bürdek, sustentamos tal argumentação, isto é:
El diseño de productos se ha de entender como resultado
de proceso de desarrollo, cuyo rumbo esmarcado por
diversas condiciones no solo creativas –, así como por
decisiones. Las transformaciones sociales y culturales, el
contexto histórico y las limitaciones de la técnica y la
producción, desempeñan un papel de igual importancia
que los requisitos ergonómicos, sociales o ecológicos,
que los intereses económicos o políticos, o las
aspiraciones artísticas. Por tanto, dedicarse al diseño
implica siempre reflejar en él las condiciones bajo las
que surgió (1999, p.117).
Neste fragmento, a caracterização posta para o Design Industrial nos faz
considerá-lo como uma atividade que não possui autonomia conceptiva e projetiva.
Reforça a ideia da subsunção do Design ao modo de produção vigente de uma dada
sociedade (capitalista). Tal aspecto, se encontra presente também em Tomás
Maldonado, no sentido de que ainda que se possa pensar que em suas “opções
projetuais” possam transparecer um grau de liberdade e, de acordo com ele, às vezes
até são –, “sempre se trata de opções no contexto de prioridades estabelecidas de uma
maneira bastante rígida” (1981, p.14). Ressalta-se que a regulação dos projetos de
Design Industrial se encontra presidida por esse sistema de prioridades. Dessa forma,
orientado por essa configuração orgânica, não nos causa estranheza o fato de que na
fase de conformação dos objetos, a “fisionomia” destes apresente mudanças
substanciais quando a sociedade (sistema capitalista) decide privilegiar determinados
fatores em lugar de outros. Por exemplo, fatores relacionados às questões técnico-
econômicas ou técnico-produtivas em detrimento dos funcionais; ou os fatores
simbólicos indo de encontro aos “técnico-construtivos ou técnico-distributivos”
57
(Idem,
ibidem).
Adicionando-se a esses, outros aspectos de igual monta são também
impactantes. Nós nos referimos àqueles que se relacionavam tanto quanto à maneira de
utilização, ao caráter de fruição e consumo individual ou social do produto, isto é: tanto
os fatores “funcionais, simbólicos ou culturais”; quanto àqueles referentes à sua
57 [...] en todo sistema en el que una manera o de otra esté vigente el intercambio de mercancías, el
diseño industrial se encuentra estrechamente vinculado al proceso de determinación de forma de la
mercancía (MALDONADO, 1981, p.15).
88
produção: os “fatores técnico-econômicos, técnico-construtivos, técnico-sistêmicos,
técnico-produtivos e técnico-distributivos” (MALDONADO, 2006, p.14).
Em vista do que foi exposto, nos parece, em tempo, considerar como condição
necessária para a caracterização de um dado produto como pertencente à esfera do
Design Industrial, aquela que repousa sob o fato de que sua produção se processou
somente por meios industriais e mecânicos; sem que haja uma intervenção, seja esta de
forma fortuita, ocasional ou parcialmente, mas que se processe exclusivamente pela
máquina. Tais caracterizações, que têm em si um mesmo princípio conceitual, estão
presentes tanto em Tomás Maldonado (2006, p.11-14), quanto em Gillo Dorfles (2006,
p.10-12). Acrescentem-se ainda outros fatores de igual importância, que são derivações
desta caracterização inicial, a saber: o caráter de irrepetibilidade do produto e sua
esteticidade idealizada desde à sua fase de concepção (projetiva).
De todo modo, não abandonando tal caracterização, e levando-se em conta que
essa visão se encaixa sob uma ótica industrialista de entendimento, uma relevante
ressalva crítica de um outro pensador da área do Design, que nos aponta uma outra
faceta. Por suas próprias palavras:
Na acepção comum, define-se design industrial como a
produção de objetos reproduzíveis industrialmente. Essa
definição extremamente linear constitui um erro histórico
no debate sobre design; ver essa atividade de projetação
como um processo que transforma os objetivos existentes
em qualquer coisa que possa ser reproduzida em dez mil,
um milhão de cópias subentende a confusão entre o fim e
o meio do design. [...] O design, então, está no centro de
um grande problema geral, em que a indústria é um
instrumento, um segmento à disposição, mas não é o
único parâmetro de referência (BRANZI, apud DE
MORAES, 1997, p.143).
O excerto desse pensador nos compele a atribuir algo mais além do que associar
o campo do Design à esfera industrial. Conforme expusemos e buscamos demonstrar,
imbuídos de uma visão humanista e construtivista, adotando como premissa de que
todos os homens são designers, ampliamos o espectro dessa área, na qual ela se aplica à
produção existencial de todo o mundo circundante humano; a “natureza artificial”.
Dessa forma, Branzi, vem também salientar que
O design não é mais aquela atividade voltada à produção em série dos
objetos, mas ocupa-se do problema de habitar, da qualidade e da
cultura doméstica, até o início do design primário e da relação
homem/objeto, está empenhado em intervir no âmbito da
89
transformação do ambiente artificial (apud DE MORAES, 1997,
p.143).
Isso posto, na ordem das considerações expostas e retomando a discuss sobre a
presença do aspecto estético nos objetos, Dorfles observa que não se pode sustentar que
os produtos oriundos de processos mecânicos industriais possuam, em sua totalidade, o
referido caráter artístico por si mesmos. Nesse sentido, deve-se levar em conta como
pertencentes ao setor do Design Industrial apenas aqueles que, desde a fase de projeto,
possuíam uma idealização estética intencional. Por outro lado, para nos
resguardarmos de um certo determinismo, faz-se necessário apontar que existem
inúmeros objetos industrializados que são dotados de “qualidades expressivas e estéticas
sem que tais qualidades sejam minimamente previstas no ato de os projetar”
(DORFLES, 2002, p.11). Assim, existe a presença de um aspecto estético, seja este em
grau maior ou menor nos produtos.
Não abandonando o âmbito tecnológico, argumentamos que tal caráter estético,
configurado como um fazer artístico, de forma inovadora e criativa, está presente desde
a fase do projeto, isto é, não deixar relegado a um plano secundário, essa faceta artística
do Design Industrial. Nesse contexto, Dorfles (2002), pondera que uma posição de
“recusa estética” se deve mormente ao fato de que ainda não há um entendimento
propriamente do conceito de “arte”. Tal conceito, de acordo com o autor, tem sido
ressignificado nas últimas décadas. Já não se pode somente considerar pertencente ao
âmbito artístico apenas o produto que resulta das “belas-artes” (pintura, escultura,
arquitetura), mas também, é pertinente enquadrar produtos na esfera artística “muito dos
objetos, muitos dos instrumentos de que a atual civilização tecnológica se serve nas suas
diversas manifestações” (Idem, ibidem).
Dando prosseguimento à ordem das reflexões apresentadas, não obstante
considerar que, embrionariamente, o fator de produção em série foi notado em épocas
remotas, foi somente após o advento da Primeira Revolução Industrial que os objetos
foram produzidos sob um forte caráter de serialidade, sem que perdessem sua função
pragmática e estética. Também cabe ressaltar a existência de produtos criados e
desenvolvidos sob um caráter eminentemente manual, ou com intervenções desse porte.
Sejam essas sob cunho parcialmente mecânico com fins prático-utilitários, com
atributos estéticos; ou também vários outros objetos modulados parcial ou totalmente
padronizados.
90
Dessa forma, conforme declara Dorfles (2002, p.12), em última análise, dado
objeto (produto) se circunscreve à esfera do Design Industrial dotado de características
específicas, a saber: a) seu aspecto de fabricação em série; b) uma produção sob
processos mecânicos; c) um “quociente estético” presente no mesmo, não de maneira
que este tenha sido posto a posteriori, isto é, tal caráter tenha sido concebido desde a
sua fase inicial (projeto), e sem uma “sucessiva intervenção manual”. Por essas razões, é
possível inferir que, esse e outros autores (dentre eles, Pedro Luiz Pereira de Souza),
ressaltaram que não é pertinente atribuirmos ao campo produtivo do Design Industrial,
produtos pertencentes a épocas anteriores à Primeira Revolução Industrial.
O Design Industrial, declara Maldonado, da mesma maneira como outras
atividades projetuais, que de uma forma ou de outra impactam a relação entre produção
e consumo, tem o potencial de atuar como uma autêntica força produtiva contribuindo
para a organização de outras forças produtivas com as quais entra em contato. Ademais,
ainda de acordo com esse autor, de forma diferente do artesanato, o Design Industrial
não se comporta em nossa sociedade como “parte integrante do processo laborativo”.
Tal caráter se processa, por outro viés, ressaltando-se a distância entre aquilo que se
denomina de “idealização” e “execução” entre projeto e trabalho. Nesse contexto, por
outro lado, Maldonado confere relevo a um papel integrador e transformador do
“projeto”, isto é, aquele que tem por finalidade ir ao encontro do “interesse de uma
maior participação criativa dos trabalhadores” (2006, p.16). Tal papel prescrito para o
“projeto” é notado também em Argan (2001, p.121), ao comentar que este compreende,
em si mesmo, no seu “traçado”, uma consciência que vai mais além das técnicas que são
inerentes à sua realização, isto é, que corresponda às exigências práticas no que se refere
a que, a quem e para que deve servir, não somente a demanda de um só sujeito ou grupo
social.
Maldonado também revela que o designer inserido, no que ele denomina de
“rotina da sua profissão” e é possível apontar de que se trata de seu engangement
unilateral aos objetivos do mercado em suas relações de produção –, não consegue
atingir um grau de intuição que o remeta à “efetiva incidência social de sua atividade”.
Dessa forma, essas ideias nos conduzem a entender um Design Industrial como
“intervenção absolutamente isolada, nada mais do que ‘prestação’, do que ‘serviço
prestado à indústria’” (MALDONADO, 2006, p.16-17). Sob esse caráter, é possível
observar, nas reflexões de Walter Gropius, aportes que nos remetem a crer que
91
repousava na pedagogia da Bauhaus preocupações acerca desse aspecto alienador da
profissão. A título de uma melhor fundamentação, trazemos sob suas próprias
referências: “Só quando se desperta nele – o aluno – desde cedo larga compreensão para
as cambiantes relações dos fenômenos da vida que o cercam, poderá ele oferecer uma
contribuição própria ao trabalho criativo de seu tempo” (GROPIUS, 1997, p.38).
Ressaltamos esse aspecto pedagógico como de importância sobremaneira para os
currículos dos cursos de Design.
Não obstante, sob um outro ângulo de análise, Argan nos revela uma faceta
dessa escola de Design. Significa observar que devemos tomar como certo que o
design tradicional” que foi implantado na Bauhaus
58
, ainda na fase do primeiro pós-
guerra, esteve direcionado, detidamente a pesquisas de cunho eminentemente
construtivista, implementadas pelos artistas convidados por Gropius para serem mestres
na escola –, que visavam melhorar, racionalizar, otimizar e, com isso, tornar mais
agradável o ambiente da vida cotidiana. Não obstante, de acordo com o historiador, não
é menos certo ainda afirmar que o faziam ocupando-se “apenas, do objeto, sem
considerar que o problema do objeto implica o do sujeito e vice-versa”. Nesse sentido,
não é cabível pensar separadamente o objeto do sujeito. Para ele, o “sujeito é sujeito
porque coloca a realidade como outra e distinta de si”; da mesma forma, o “objeto é
objeto apenas porque é assumido e pensado pelo sujeito”. Nessa perspectiva, o homem
se torna “sujeito” quando compreende e torna sua, a realidade ou um fragmento desta
(ARGAN, 2005, p.252). O historiador nos faz refletir dessa forma:
O design como processo da existência finalística não apenas da
sociedade, mas de toda a realidade; é o design que promove uma coisa
ao grau de objeto e coloca o objeto como perfectível, ou seja,
participante do finalismo da existência humana. [...]; o mundo
moderno tende a deixar de ser um mundo de objetos e sujeitos, de
coisas pensadas e pessoas pensantes. O mundo de amanhã poderia não
ser mais um mundo de projetistas, mas um mundo de programados
(ARGAN, 2005, p.252 – itálicos no original).
Na ordem das reflexões postas, encontramos sedimentados também, em Gui
Bonsiepe (2005), aportes que nos fazem observar alguns traços criticáveis do campo do
58 “A Bauhaus de Gropius não queria ser apenas um lugar de estudo das metodologias de projeto, mas o
modelo de uma sociedade-escola ou seja, de uma sociedade que, projetando seu próprio ambiente,
projetava sua reforma. Na ideologia da Bauhaus, o objeto era apenas um número de série e, portanto,
tinha um caráter quantitativo, mas recebia um valor de qualidade do projeto-modelo de que era a
repetição. [...] o objeto não era mais do que a imagem do projeto, e o que ele comunicava ao usuário, ou
seja, à sociedade, era justamente a ordem do processo de projeção. Através dos objetos de uso cotidiano, a
sociedade aprendia que cada ato moralmente válido é um projeto, ou seja, um passo em direção à
realização da ideologia em cuja perspectiva fora concebido” (ARGAN, 2005, p.254).
92
Design. Significa afirmar que, sob um viés sobretudo mercadológico, o Design se
distanciou de um ideário de que por meio deste se efetuariam soluções inteligentes dos
problemas para os produtos. Ao revés, direcionou-se ainda mais ao encontro do
efêmero, do imediatamente obsoleto, da moda, do “jogo estético-formal, à
boutiquização do mundo dos objetos” (Idem, ibidem). Assim, sob esse desenho, o
Design transforma-se em “evento mediático, em espetáculo”. Na esfera do que está in
ou do que está out”. Indo de encontro à essa perspectiva, Bonsiepe reforça uma ideia
de projeto direcionado para uma vertente humanística, que ele caracteriza como
“humanismo projetual”
59
. Ou seja, a priori, tomando consciência de que não somente
ele (designer), mas qualquer outra profissão está exposta às pressões do mercado, e que
portanto, devendo esse profissional em tela ater-se para uma orientação pedagógico-
projetiva que busque visar atender a reais intervenções sociais, as quais objetivam a
melhoria da qualidade de vida da grande maioria da população de nosso planeta que
vive à margem da miséria.
Sob a tônica das críticas expostas, é pertinente argumentar que atualmente “um
projeto de desenho industrial fracassou”, sustentando-nos em Argan (1981, p.8). O
historiador nos aponta como causa primeira, a falta de um posicionamento explícito,
político e anticapitalista. E, por outro lado, também ressalta que os artistas foram os que
logo o sabotaram, pois não se sentiam enveredados a se converterem e se inserirem na
categoria de “técnicos projetistas”, renunciando, dessa forma, à inspiração e a
substituindo por um método formatado, prescrito, “renunciando à escola e a
substituindo pela lógica de mercado”. Assim, acrescenta, eles desenvolveram suas
políticas próprias de “repulsas morais”, a ponto de “permitir” que aquele construtivismo
59 Seria pertinente afirmar como natural e inerente que tal metodologia projetiva fosse, organicamente,
pertencente às categorias profissionais cujo resultado destas impactam, de modo sensível, o homem. No
entanto, dada às características que presidem o modo de produção que ora impera para tais, o autor vem
reforçar uma outra orientação metodológica (talvez adormecida). Esta, propõe desde a sua fase projetiva,
preocupações por um outro cunho social. Sob suas próprias palavras: “[...] a renúncia ao projeto da
filosofia do Iluminismo me parece uma atitude conformista, para não dizer conservadora. É uma atitude
de capitulação à qual nenhum designer deveria ceder”. Apoiando-se neste ideário, o autor define como
“humanismo projetual”, o “exercício das faculdades do design para interpretar as necessidades de grupos
sociais e elaborar propostas viáveis emancipatórias em forma de artefatos instrumentais e artefatos
semióticos. [...] Pois humanismo implica na redução da dominação, e no caso do design, atenção também
aos excluídos, aos discriminados, [...], os menos favorecidos, ou seja, a maioria da população deste
planeta” (BONSIEPE, 2005).
93
reformista de outrora, se distanciasse cada vez mais da “vanguarda revolucionária”
60
(ARGAN, 1981, p.8).
O historiador, apoiando-se em Tomás Maldonado, ressalta que é justo negar a
dependência que o desenho industrial tem com um ideário apriorístico “del valor
estético (o estético funcional) de la forma”, como também de “cualquier otra motivación
aparte y previa al proceso constitutivo de la propia forma” (ARGAN, 1981, p.8). Dessa
maneira, a análise se volta para um caráter interno e estrutural, na qual não existe nada
no projeto que não se encaixe na gica de seu processo. Como também, parece justo
que o desenho industrial “una vez que apartada la categoría superposta del valor, se
reabsorba” na cultura material, referindo-se àquela que é produzida por meio das
técnicas (Idem, ibidem). No entanto, segundo a sua reflexão, essa
cultura material, aquella que se hace por medio de las
técnicas. Pero se ha de ir más fondo para decir que la
cultura material no es colateral ni integrante, respecto a la
cultura especulativa; es más, la anula y sustituye, porque
hoy las ideas no son dirigidas desde arriba, sino que se
deducen de las praxis operativas (ARGAN, 1981, P.8).
O historiador adiciona também, que, desde que o capitalismo transpôs da égide
de produção que imperava “poucos modelos de larga duração” para uma política,
prioritariamente, presidida pela lógica de consumo “muitos modelos de breve
duração”; precipitaram-se os tempos de desgaste e de trocas, e consecutivamente,
também a produção de necessidades psicológicas correspondentes aos produtos
simbólicos, prescindindo da lógica de mercado com o objetivo de explorar a
“irracionalidade do mercado”
61
. Nesse cenário, de forma crítica, o historiador nos revela
uma faceta para o Design, a saber: ele possui um lado “corruptível”. Tal fato se explica
devido à sua intencionalidade “congênita para uma sociedade affluent’, na qual o bem-
estar é monopolizado como um privilégio, ou administrado como uma providência”. Ou
seja, não está suficientemente engajado politicamente (ARGAN, 1981, p.9).
60 Ilustrado por Argan como: Guernica, o Waterloo do Design. Nessa ordem de pensamento, atentando
para a esfera do Design Gráfico, Villas-Boas (1998, p.15) corrobora com uma nota indicando que: “[...] A
trajetória do design gráfico é uma síntese do desdobramento do próprio projeto modernista. Ele nasceu
absorvendo e explicitando os traços modernistas e, como o próprio Modernismo como um todo mas
numa velocidade muito maior –, deixou seu papel de resposta crítica à sociedade industrial e acabou por
consolidar-se, com cânones próprios e sistematizados, como uma resposta afirmativa (e não mais crítica)
às demandas desta mesma sociedade industrial”.
61 “[...] a gute Form se deixa cooptar facilmente: o ‘estilo Braun’ não é mais que apropriação indevida do
método de Ulm por parte do neocapitalismo alemão” (ARGAN, 1981, p.9).
94
Em tempo, fazendo um pequeno paralelo com esse contexto, nos encaminhamos
às reflexões de Astiz (2003), nas quais ressalta que para ser designer hoje não pode se
resumir somente ao exercício de uma atividade técnica, não se restringindo a possuir
competência em uma predeterminada e aceita linguagem visual, e sim, “sobretudo”,
ter a capacidade do uso da imaginação para aí, sim, criar soluções de forma lógica e
criativa”, que são motivadas por critérios específicos do projeto e não por modismos.
Além disso, um designer não se permite ser passivo ao criar soluções para os
problemas, deve fazê-lo imbuído de questionamentos do status quo vigente, e como ela,
acreditamos também num Design que poderá ser formador de opinião, com um
discurso ativo na produção de novas formas de conhecimento e contribuições
significativas à nossa sociedade” (apud MACIEL, 2004, p.40).
Da mesma forma, de acordo com Escorel (2001), sob um desenho de uma
sociedade em que incide uma lógica que diz que todo o montante que foi gasto na
fabricação, divulgação e distribuição de produtos deve, necessariamente, retorno ao
detentor dos meios e recursos da produção, acrescido do lucro (“para que o investimento
se justifique”), observa-se que as
aventuras com a linguagem acabam ficando restritas a
umas poucas ocasiões, seja no design, no cinema, na
música ou em qualquer outro campo do que poderia ser
identificado com arte industrial, já que os riscos com o
capital devem ser evitados a qualquer custo. Mesmo que
isso signifique asfixia da invenção. Ou seja, na medida
em que se multiplicam os recursos financeiros destinados
às etapas de fabricação e de lançamento do produto, se
estreita a faixa de liberdade do designer na condição de
criador.
Nesse sentido, segundo a autora, profundas mudanças são notadas, tanto na base
conceitual como formal, se o foco do campo do Design se estreita ao “exercício
estético”. Nesse contexto, tal afirmação nos leva a pensar, sob um viés estritamente
comercial, significando apontar que o designer se diante de um paradigma que o
direciona como um “técnico disciplinado, a serviço do capital”. Entranhado numa
“malha de aço” em que o marketing excede em valor e importância em sua relação de
poder, o Design se impelido a uma configuração que orienta uma formatação sob um
cunho da valorização da “atividade como instrumento de venda, não como instrumento
de projeto”, argumenta Escorel (2001). No entanto, podemos propor, à luz de reflexões
da autora, que o quadro não permaneça pintado somente com tons de cinza. Seria justo
reconhecer que, mesmo envolvido nessa trama de aço com um objetivo quase que
95
exclusivamente voltado para a gica mercadológica, o campo do Design (seja ele
gráfico ou de produto) procure preservar o caminho do lado inventivo em atender a
relação homem-objeto, sob um paradigma nos moldes do “humanismo projetual” da
forma como posta por Gui Bonsiepe.
Ainda nesse contexto, Escorel (2001) ressalta que, para o designer “um
profissional condenado ao contemporâneo” –, a sua prática poderá ser entendida e
apreendida pela sociedade de seu tempo, na esfera dessa circunstância. Parece-nos
importante destacar que se busquem meios que o possibilitem a “tentar” se ver livre
dessas amarras impostas pela lógica obsessiva de venda, e que o permita a ter a sua
atuação tanto como um “projetista quanto como planejador”, buscando retomar a trilha
de sua “trajetória interrompida”, de forma a observar um compromisso com seu
semelhante e com suas causas coletivas essenciais (ESCOREL, 2001). Argumentamos
que tal processo poderá ser buscado no vel formativo dos designers, nos currículos de
formação destes, de tal forma que possa fazê-los refletir sobre as antinomias e
contradições dessa profissão, que estão postas em nossa sociedade industrial.
2.2.1 - Design: arte & técnica. Entre razão e sensibilidade
“A intuição é alimento do design, e a metodologia, é o
seu aparelho digestivo”.
Joaquim Redig (1992)
sustentamos que o Design, sob uma ampla visão, se reconhece integrado ao
processo de evolução humana, no sentido de ser um mediador da produção existencial
do homem. Isto é, em seu processo de humanização, em sua busca de satisfazer
necessidades próprias, que se materializam no e pelo trabalho, e que, para tanto, procura
criar um mundo artificial
62
sob um fazer de viés criativo
63
. Da mesma forma, faz-se
necessário recordar que o campo do Design Industrial, por definição, nasceu da divisão
social do trabalho, em meio às contradições da sociedade industrial; pela necessidade de
um tipo específico de atividade profissional que pudesse adequar o desenvolvimento e a
62 Por “mundo artificial”, atribuímos ao que não está posto ao homem pela natureza.
63 Nessa perspectiva, Reis (2004, p.231-232) considera que a “premissa marxiana de que o processo de
humanização, compreendido como objetivo vital do homem para que este desenvolva todas as suas
dimensões, se faz no e pelo trabalho, traz incluída a idéia de que o trabalho é também um movimento
estético. Para Marx, assim como a razão não deve ser reduzida à esfera das idéias sob o risco de se tornar
uma mera abstração lógica e/ou ideologia, da mesma forma a sensibilidade não deve ser tratada como um
fenômeno desprovido de uma materialidade”.
96
produção dos produtos oriundos dessa com o progresso tecnológico que ora se
implantara.
De todo modo, não nos parece incorreto considerar como justa uma
argumentação de que o Design, em sua ontologia, possui uma estreita vinculação com a
arte e ao desenvolvimento da técnica
64
. Assim, da mesma forma como outros aspectos o
são, no tocante à estética, consideramos que esta é um relevante ingrediente
intrínseco, ao nosso modo de ver – do trabalho de Design. Coexistindo simultaneamente
na trajetória deste, encontram-se argumentos de importantes autores, personagens e
pensadores desse campo, que posicionam a estética por um lado, sob um papel
“secundário”; ou, por outro, sob um papel “exclusivista”
65
. Não obstante se privilegiar
uma ou outra corrente, a estética não é apenas um componente do Design, mas o
“resultado da soma de todos os seus componentes; ela representa a “síntese final do
trabalho do designer”, conforme sinaliza Redig (1992, p.95). De um outro modo, no
entanto, Vossmerbäumer, dentre outros aforismos que são, de certa forma, divergentes
daquele, ao cotejar o Design em relação à Arte, afirma que a natureza essencial desta
no está destinado a um fin especial”. Fato este que, de acordo com o autor, a posiciona
de um modo bem diferente do Design; ou seja, para este campo que aunque lo niege se
orienta hacia uma finalidad” (apud BÜRDEK, 1999, p.69).
Tal referencial exposto nos traz algumas questões para refletirmos sobre a
relação entre o Design e a Arte. É fato de que vivemos atualmente num mundo em que,
64 Nesse contexto, Munari (2004, p.30), salienta que o designer é um projetista dotado de senso estético.
No entanto, ele o põe num nível de racionalidade tal, que fica difícil situá-lo nesse patamar. Conforme
reitera esse autor, o designer não adota nenhum estilo ao projetar um objeto, ao passo que o artista, o faz
segundo seu próprio estilo. Acrescenta também que, ainda que o modo de produção industrial tente
associar o seu trabalho ao ofício de um “elitista (ou seja, de um projectista que trabalha com sentido
artístico tendendo a uma produção de consumo fácil e imediato)”, ao revés, seu objetivo busca uma
produção, da melhor maneira possível de “objectos vulgares de uso corrente”. Em seu modo de produzir,
a forma final dos objetos vem como resultado “lógico” de um processo projetivo que se propõe resolver,
de maneira otimizada, todos os aspectos relevantes do problema do nível do projeto. Em uma outra
passagem, ele salienta que o designer, diferentemente do artista, “não se debruça sobre a concepção de
peças únicas e não recorre a categorias artísticas para catalogar a sua produção. [...] Em termos artísticos,
o designer não tem uma visão pessoal do mundo, mas um método que lhe permite fazer face aos
problemas de projecto com que se confronta” (Idem, ibidem, p.33). Ora, tal afirmação nos parece muito
determinista, de difícil sustentação. Argan (2005, p.266), salienta que o projeto nada mais é que a
“predisposição dos meios operacionais para por em prática os progressos imaginativos”. Conforme já
exposto no corpus dessa Tese, no âmbito projetivo de produtos se faz presente, além de aspectos
referentes à função destes, sua adequação tanto técnica quanto formal que é estética; uma consciência
de seu mundo, para que e para quem está projetando, exigindo um engajamento social, pois como reforça
Argan (2005, p.266), “[...] não pode haver projeto sem ideologia”.
65 Sob as palavras de Redig, respectivamente: sob a ótica dos “designers ‘racionalistas’ dos anos 60, ou
dos ‘alternativos’ dos anos 70”; ou, sob como os “estilistas’ dos anos 50, ou os ‘pós-modernistas’ dos
anos 80” a viam (1992, p.95).
97
em todas as suas instâncias, um pujante apelo sensorial. Nesse contexto, o excerto
posto por Bürdek nos compele a pensar sobre a função da arte
66
e a questionar sua
própria ideia explicitada, no sentido de que no âmbito da arte não uma orientação
desta a uma dada finalidade. Ora, isto não nos parece verdadeiro. Todo fazer humano,
seja no âmbito pessoal ou social, possui um caráter teleológico, seja este de cunho
artístico, utilitário ou não.
67
. Em decorrência desse aspecto, parece-nos certo reiterar que
não se encontra somente na esfera do Design Industrial a exigência de um processo de
concepção ou produção com objetivos e finalidades. Por outro lado, não poderia existir
“poesia” num fazer eminentemente tecnológico? Ora, é correto apontar que em todo o
modo produtivo humano há implícitos –, aspectos de âmbito criativo, inventivo e
inovador. demonstramos tal caráter no capítulo anterior. Nesse contexto, fazer arte
não implica um fazer tecnológico, no qual é preciso um domínio deste?
68
No conceber e
no fazer de ambos, não uma estreita vinculação no tocante à interpretação de valores
culturais de uma dada sociedade? Conforme sustentam algumas correntes, o âmbito dos
produtos do Design se destina a fins mercadológicos. Ora, como em tudo que põe a
66 Responder a tal questionamento não nos parece ser possível satisfazê-lo de modo fácil. várias
respostas para essa indagação. Embora não seja escopo de nossa Tese fazer uma profunda análise sobre o
tema, há correntes que sustentam a arte como um “alívio nas rígidas molduras que historicamente
enquadram o termo [...]. Tudo é arte, logo nenhum registro da produção (o trabalho de arte) do objeto
deverá fazer sentido ou seja, não produzirá valor –, o que imediatamente coloca o sujeito que apreende
o objeto em igualdade de condição com o próprio objeto. [...] O mundo estetizado perde objetividade e se
torna um mundo-objeto, e nele as relações sociais são sumariamente coisificadas” (REIS, 2008). Outro
nível a coloca do mesmo modo como as vanguardas construtivistas, isto é, “a arte tem uma finalidade
histórica, seja para garantir a sua autonomia como meio sensível de conhecimento do mundo, seja por
força das próprias contradições dos artistas como garantia de que algum valor está sendo produzido”
(REIS, 2008). Não desconsiderando os aspectos postos nesses pontos, nos sentimos mais inclinados na
direção do segundo apontamento. Assim, iremos nos ater àquele que se encontra mais pertinente ao nosso
âmbito de análise; ou seja, de acordo com Fischer, a arte é concebida como um “substituto da vida”. Ela é
mediadora do equilíbrio entre o homem e a natureza. A arte é também um meio indispensável de união do
indivíduo com o todo (realidade circundante). Ela “reflete a infinita capacidade humana para a
associação, para a circulação de experiências e idéias” (1981, p.13).
67 Nesse sentido, em busca de uma resposta para tal questionamento, nos parece que a citação a seguir
nos indica um caminho. Para tanto: “No mundo alienado em que vivemos, a realidade social precisa ser
mostrada no seu mecanismo de aprisionamento, posta sob uma luz que devasse a ‘alienação’ do tema e
dos personagens. A obra de arte deve apoderar-se da platéia não através da identificação passiva, mas
através de um apelo à razão que requeira ação e decisão” (FISCHER, 1981, p.14).
68 Também em outro fragmento de Fischer, encontramos uma luz para clarear tal questão, a saber: “Para
conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a
memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também
saber tratá-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, cnicas, recursos, formas e convenções com
que a natureza esta provocadora pode ser dominada e sujeitada à concentração da arte” (FISCHER,
1981, p.14).
98
“mão” se transforma em mercadoria, o modo de produção capitalista também não
direcionaria a esfera artística sob um viés mercadológico
69
?
As questões, não são de respostas fáceis, no entanto, como demonstrado no
corpus de nossa Tese, parece pertinente sinalizar que alguns aportes postos nesta,
fornecem-nos argumentos que apontam para a existência de uma estreita, e necessária,
vinculação do “fazer” Design com o “fazer” artístico. Contudo, nossa análise não deseja
detratar ou exaltar argumentações favoráveis ou não a tais pressupostos. Buscamos
explorar um território que é muito instigante, e que vem desde às origens do Design até
os momentos atuais sendo pontuado, demarcando fronteiras, reflexões e debates
acalorados, seja a favor ou contra a esse tema. Nossa reflexão busca construir uma ponte
entre arte e indústria, no tocante aos quesitos inovação e criatividade
70
, que são de igual
importância, não somente para ambos os setores, mas também para o Design. Tais
predicados que, ao longo dos séculos, e que frequentemente estavam associados ao
âmbito da arte, hoje são postos como condição sine qua non e estratégica para o
desenvolvimento, diferenciação e posicionamento mercadológico, e portanto, parece-
nos correto ressaltá-los como fatores preponderantes para uma maior competitividade
entre as empresas. Sendo assim, são considerados como ingredientes de suma
importância mercadológica para as indústrias
71
.
69 Segundo Fischer, “os artistas e as artes entravam no mundo capitalista da produção de mercadorias em
sua forma desenvolvida, com sua completa alienação do ser humano, com a exteriorização e
materialização de todas as relações humanas, com a divisão do trabalho, a fragmentação e a rígida
especialização, com o obscurecimento das conexões sociais e com o crescente isolamento e a crescente
negação do indivíduo” (1981, p.63).
70 Para Bruno Munari (2004, p.89), o artista opera em seu trabalho produtivo com a imaginação,
enquanto que o designer, o faz com a criatividade. Assim, ele define imaginação como uma “faculdade
do espírito capaz de criar imagens mentais diferentes, no todo ou em parte, da realidade, imagens essas
que podem, inclusivamente, ser irrealizáveis em termos práticos”. Por outro lado, ele caracteriza como
criatividade uma “capacidade produtiva em que razão e imaginação operam conjuntamente, e da qual, por
conseguinte, resulta sempre algo efectivamente realizável”. Nestes fragmentos nota-se, um contraposto
entre designer e artista. Distinção com a qual não podemos concordar, de difícil sustentação, pois, em
nossa ótica, o homem possui atributos como a “imaginação”, quanto a “criatividade”, postas nesses
termos. Em Argan, encontramos uma argumentação que contradiz a de Munari, a saber: a “imaginação é
diferente da lógica e da ciência porque não tem por finalidade o conhecimento abstrato, mas um
conhecimento indissoluvelmente ligado ao fazer e, portanto, à técnica” (2005, p.266).
71 “Não adianta mais a empresa ter apenas preço e qualidade. Ela precisará do design, da inovação, para a
diferenciação dos seus produtos” (FRANZOSI*, 2005). Em outro depoimento encontramos: “Nesta
década, os empresários sabem que isso” – inovação tecnológica – “não está sendo suficiente. Nós
observamos nesta percepção que uma consolidação dos patamares de produtividade e qualidade, e as
empresas agora estão investindo exatamente em pesquisa e design, estão ligados à questão da inovação,
de lançamento de produtos mais inovadores, atendendo ao mercado consumidor” (BARBOZA**, 2005).
*Paulo Sérgio Franzosi, designer e coordenador do Programa Via Design do SEBRAE-SP. **Luiz Carlos
Barboza, diretor técnico do SEBRAE Nacional.
99
Dessa forma, na linha de tempo de ambos os personagens, indícios de
intrínsecas relações entre o modo de produção de um ou de outro. Procurando trazer à
luz alguns aportes que nos permitam tecer algum juízo para tal questão, buscaremos
dialogar com as divergentes correntes de pensadores acerca de tal aspecto. Nessa
perspectiva, ao refletirmos sobre a presença ou não do cunho artístico no âmbito
profissional do Design, achamos necessário incluir uma análise sobre a distinção entre
Artesanato e Desenho Industrial. Como mencionamos, no corpo deste capítulo, um
dos pilares de sustentação que condicionam a produção de um determinado objeto, se
incluir a esfera desse setor em tela, está repousado em seu caráter “iterativo” (Dorfles,
2002), isto é, em sua fabricação em série. Assim, em todo o modo organizativo de sua
produção, um controle desta, de tal forma que seu resultado (produtos) se apresente
minimamente fora de um desvio em relação à serialidade dos produtos. Suas
características específicas pré-programadas no detalhamento técnico-projetivo devem
ser preservadas em toda a série de objetos produzidos.
Não é menos verdade afirmar que em outro modo de produção que antecedera ao
capitalista, existiam também formas de controle produtivo. Se observarmos no âmbito
da artesania, o artesão em seu processo produtivo de transformação de uma matéria-
prima em um artefato, não como negar que se encontrava presente uma forma de
controle da produção em seu ciclo produtivo. Importa recordar que era ele quem o
detinha (controle da produção) desde à fase inicial da produção. Nesse sentido, o artesão
deixava transparecer sua “marca” pessoal ao produzir dado objeto. Desse modo, ele
expressava sua personalidade, sua face subjetiva
72
. É pertinente argumentarmos que
nesse modo produtivo existe um maior grau de liberdade de cunho projetivo da forma
de um produto, do que na esfera do designer industrial. Entretanto, se voltarmos nosso
foco para o âmbito do caráter iterativo dos produtos, conforme declara Dorfles (2002),
72 Dormer (1995, p.156), salienta que o “metaforismo do artesanato reside na sua expressão como modo
de trabalho e de vida, raro no panorama fabril moderno e nas economias ocidentais ou de estilo
ocidental”. E, ao buscar responder o que existe no estilo do artesanato contemporâneo que atrai os
consumidores, apóia-se num ensaio de um escritor mexicano, apontando que o “objecto industrial tende a
desaparecer como forma para se identificar com a função ... O objecto industrial proíbe o supérfluo; o
trabalho do artesão delicia-se com o embelezamento. A sua predileção pela decoração viola o princípio da
utilidade” (OCTAVIO PAZ, apud DORMER, 1995, p.155). Numa outra passagem sua, ele afirma que o
“artesanato inclui algumas falhas simpáticas (o artesanato contemporâneo, porque não precisa de ser
funcional, pode conter falhas de design e de execução). O objetivo de grande parte do artesanato não é a
perfeição prosaica, que podemos sempre adquirir noutro lugar. Tem muito mais a ver com pôr outra vez
as pessoas a se comunicarem entre si. O virtuosismo daquilo que é feito à mão também é comunicação
entre pessoas. O mundo da tecnologia é que é mudo. [...] A tecnologia é eficiente, mas profundamente
anônima” (DORMER, 1995, p.162-163).
100
esse controle se apresentava, “quando muito, relativo”. Em que sentido? Significa dizer
que “não interessava a identidade absoluta” dos vários produtos, porque para estes os
artesãos –, a necessidade de adequação a um “protótipo” não era um fator sem o qual tal
modo produtivo não se realizaria (DORFLES, 2002, p.29). Por outro lado, numa
produção do tipo industrial moderna, tal conceito de serialidade, reporta-se de maneira
mais pujante e significativa do que o quantitativo dos elementos singulares. Ou seja,
cabe reiterar que se trata de uma característica orgânica e de grande relevância do seu
método de produção. Dessa forma, seja em grande ou pequena escala de produção de
um produto específico, o caráter de “produto em série” se firma, sob fortes alicerces, em
sua base produtiva.
Assim, por conseguinte, ocorrerá a repetição de um determinado objeto em
níveis elevados (seja em centenas, milhares ou dezenas e centenas de milhares), com um
quesito sempre observado como constante, a saber: a fidelidade formal e técnica de cada
produto a seu protótipo. Nesse sentido, o conceito de “série”, se reporta àquele que
possibilita uma reprodução enquanto for adequado ao empresário industrial
reproduzir um dado objeto –, sob diretrizes técnicas e características específicas de um
dado modelo pré-concebido
73
. Cabe notar que esse fator (o caráter de reprodutibilidade
técnica e formal) é utilizado como um dos argumentos que sustenta de maneira contrária
uma associação entre a Arte e o Design. Afirma que no âmbito da Arte existe um
conceito de “unicidade”, isto é, nesse campo há uma ideia de um único “objeto”, de um
caráter de singularidade, o que, como demonstrado, diferentemente não se encontra
no outro setor em comparação (Design).
No entanto, em relação a afirmar que não há a possibilidade de uma obra de arte
ser reproduzida, não nos parece ser prudente sustentar tal argumento. Na esfera da
produção artística humana, vários modos de expressão gráfica. A título de
exemplificação, e sem perder de vista os vários meios artísticos expressivos
desenvolvidos pelo homem em toda a sua linha existencial, permitimo-nos reportar, sob
um recorte pedagógico, às técnicas “xilogravura” e suas derivações, a gravura em metal,
73 Nesse contexto, o que caracteriza o objeto moderno, aquele que é produzido através das técnicas
industriais,repousa no fato de que esse “objeto projetado, isto é, executado em todos os seus pormenores
numa fase conceitual e depois impresso do mesmo modo como se imprime o texto de um livro”, saienta
Argan (2000, p.128). Numa outra passagem sua, temos que a “técnica artesanal do ornamento
diferenciava os objetos, a técnica mecânica da indústria tornava-os idênticos: de fato à técnica do
artesanato correspondia uma concepção de vida como autonomia econômica do indivíduo, à técnica
corresponde uma concepção de vida que coloca o indivíduo como uma unidade na série [...]” (ARGAN,
2000, p.127-128).
101
a água-forte, em que por definição, o resultado (um desenho de cunho artístico) destas
não será um “objeto” único; este será reproduzido tecnicamente, de acordo com a
demanda do autor. Também, nesse contexto, ainda que não seja o foco central de nossa
análise, é necessário fazer referência à grande expansão das novas tecnologias de
informação e computação gráfica, mormente no setor de impressão digital (eletrônica),
nos dias de hoje. Tal fator contribui, dentre outros, para uma “desmaterialização” dos
objetos, através da imagem digital. Em que sentido? De esvaziar a materialidade na
imagem pela fórmula matemática e desmaterialização de imagem como a arte
refugiando-se não mais no objeto, mas na idéia” (GUILLERMO, 2002, p.5).
Numa perspectiva analítica sobre a possibilidade de reprodução na esfera
artística, Walter Benjamin (1987, p.166-171), vem há muito nos alertado sobre tal
aspecto, e declara que, em sua
essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os
homens faziam sempre podia ser imitado por outros
homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em
seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras, e
finalmente por terceiros, meramente interessados no
lucro. Em contraste, a reprodução técnica da obra de arte
representa um processo novo, que vem se desenvolvendo
na história intermitentemente, através de saltos separados
de longos intervalos, mas com intensidade crescente. [...]
Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está
ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência
única, no lugar em que ela se encontra. [...] podemos
dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da
tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela
multiplica a reprodução, substitui a existência única da
obra por uma existência serial. [...] com a reprodução
técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na
história, de sua existência parasitária, destacando-se do
ritual. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a
reprodução de uma obra de arte para ser reproduzida
(itálicos no original).
Os fragmentos expostos, por seu turno, já questionam uma argumentação a favor
da “existência única” de um objeto. Ademais, de certa forma, levam-nos a refletir sobre
a disputa entre as artes maiores e as menores (belas-artes e artes aplicadas)
74
. O artista,
74 A título de ilustração, Duchamp em seus ready-made questionava a dissociação entre as belas-artes e
as artes aplicadas (utilitárias), dirimindo, dessa forma, a fronteira entre arte maior (inventiva) e arte menor
(repetitiva). Para os dadaístas (Duchamp), “o ambiente o traz em si qualquer qualidade estética, mas
cada qual pode interpretar e experimentar esteticamente, isto é, livremente as coisas que o compõem,
desviando-as da finalidade utilitária que lhes é atribuída por uma sociedade utilitária” (ARGAN, 1992,
p.358). De acordo com Azevedo, Duchamp utilizando-se de um objeto do uso cotidiano, portanto,
serializado um urinol procurou com isso, “subtrair dele essa significação e criar, [...] um novo objeto,
fora do contexto usual, o que tentava era fazer de um objeto seriado uma obra de arte, apegando-se ao seu
102
ao conceber uma obra, a mesma pode apresentar-se sob um aspecto de “arte pura”, e sob
um outro, de “arte aplicada”, declara Argan. Ele conclui que se a “arte assim chamada
pura transmite uma imagem do mundo”
75
, enquanto que a “arte assim chamada aplicada
transmite uma imagem da sociedade e de seus graus e valores internos, e, sobretudo das
suas funções”, trazendo visibilidade à cultura material da sociedade (ARGAN, 2000,
p.117).
O historiador observa que, em geral, a arte “pura” possui um maior
reconhecimento no seu grau de valor que a arte aplicada, isto é: “o próprio conceito de
aplicação implica a ideia de uma precedência da arte pura e do sucessivo emprego
secundário das suas formas na produção de objetos de uso” (Idem, ibidem). Ele ainda
comenta ainda que, como meio expressivo de um estilo na produção, o Desenho
Industrial absorve as suas formas não somente de um “conjunto de exigências técnicas e
práticas, mas do modo particular com que aquele complexo produtivo particular
responde àquelas exigências”, pois, de acordo com ele, o Desenho Industrial não deve
se limitar apenas à esfera do projeto do objeto a ser produzido, mas, em tese, “abraça
todas as formas e os aspectos ligados à produção: da arquitetura da fábrica à
apresentação do produto, à publicidade” (ARGAN, 2000, p.122)
76
.
Retomando à esfera do debate entre Arte e Design, consideramos como certa a
coexistência tanto de um valor utilitário e de fruição entre ambos; do mesmo modo,
também não nos parece correto deixar em patamares secundários as facetas estética e de
fruição, que são postas nos objetos pelo Design. Estando este configurado sob estas
propriedades, passa a ocupar o “lugar da arte na sociedade industrial”, afirma Guillermo
(2002, p.10)
77
. Em tempo, a título de ilustração da sociedade industrial, Argan desenha
significado de objeto único” (apud GUILLERMO, 2002, p.90). Para Murguia, tal aspecto “reduz a arte à
intencionalidade do autor, de qualquer um fazer de qualquer objeto uma obra de arte” (apud
GULLERMO, 2002, p.33). Nesse contexto, o famoso “urinol de Duchamp”, apresentado em 1927 aos
parisienses, “pode ser considerado um exemplo de subtração de uma peça única à produção em série
graças à introdução do ponto de vista do autor” (MUNARI, 2004, p.33).
75 Caráter também presente em Bruno Munari (2004, p.33), a saber: “A arte pura seria, então, a
apresentação do mundo pessoal do artista em pinturas, esculturas e todas as formas actualmente existentes
de manifestações criadoras iminentemente pessoais [...]”.
76 Para ele, é “evidente que a tarefa criativa do desenho industrial é definitivamente, uma simplificação e
qualificação da existência; é a determinação de um ritmo, estético ao mesmo tempo em que econômico,
dos atos da vida cotidiana. É a redução da arte a uma sociedade plena e integrada, funcional e não
hierárquica; e simultaneamente o modo de restituir um sentido e alegria criativa a um fazer que o
moralismo tradicional considerava condenação e pena, porque através da propriedade estética do desenho
industrial um valor de conhecimento ou de experiência do real é positivamente religado aos atos práticos
do trabalho de cada dia” (ARGAN, 2000, p.122-123).
77 Esse autor, apoiando-se em Murguia, aponta que o fato de Duchamp ter feito o que fez, muda a forma
de fazer e ver arte, o que também levaria a refletir sobre o Design, pois este “[...] encontra um lugar
103
em linhas gerais, que o industrialismo moderno sob uma ótica formal, possui três fases:
a) a da “repetição mecânica ou da ‘despersonalização’ dos motivos e processos formais
do artesanato”
78
; b) a segunda fase está caracterizada por um racionalismo científico dos
processos mecânicos, os quais levam a um reducionismo do belo para o prático, e este
ao racional
79
; c) a terceira fase “nasce das transformações profundas que a idéia de
ciência e, portanto, a idéia da racionalidade humana sofreram nas últimas décadas”.
Nesse momento, já não são verdades somente as que se apresentam com caráter
racional, expressas em fórmulas e dogmas, e sim em formas, que podem ser alcançadas
através de “processos intuitivos, totalmente semelhantes àqueles que são
tradicionalmente reconhecidos como típicos processos estéticos” (ARGAN, 2000,
p.118-120).
Não obstante, durante a Revolução Industrial, a técnica e a prática, unidas à
ciência positiva, assumiram um papel preponderante como um valor ideal, enquanto que
o antigo ideal estético acabara em um “academicismo inútil”. Como exemplo, Argan
aponta para as pontes, os viadutos, as primeiras construções de ferro e de cimento, as
quais representam os precedentes do desenho industrial e “a sua ‘beleza’ depende de sua
perfeição técnica e de sua aderência a uma função prática” o funcionalismo como
princípio projetivo. Assim sendo, se a técnica e a prática comungam juntas num “fazer”,
logo, a ideia do belo se vinculou ao “fazer” e não mais ao de contemplar (ARGAN,
2000, p.117-118).
Em tempo, impera uma questão: Onde está alocado o problema social da arte?
Levando-se em conta que um objeto não é apenas uma coisa, mas uma coisa que se
relaciona com outras coisas, e antes de qualquer coisa, com o sujeito que a pensa,
também é pertinente lembrar que o “sujeito não é apenas o indivíduo, mas o indivíduo
em relação com os outros indivíduos e com as coisas, o indivíduo na sociedade”
(ARGAN, 2005, p.38). A ideia de função remete à de ação; por outro lado, a ideia de
contemplação implica a de imobilidade, salienta Argan. Da mesma forma, ele afirma
dentro das artes, de uma maneira inovadora e revolucionária porque (talvez junto com o cinema) se
configurará como a expressão artística mais representativa do século XX: sua presença nos objetos e
espaços nos quais vivemos e pela sua relação com a técnica – cerne da sociedade industrial” (MURGUIA,
apud GULLERMO, 2002, p.33).
78 É nessa fase de crise econômica da artesania que John Ruskin e William Morris reagem com o
socialismo utópico.
79 A beleza não pode ser considerada fora da racionalidade. Proclama-se a união entre a indústria e a arte,
com um caráter social, isto é, “criativo e não destrutivo, da produção”. É nesse período que os limites da
produção artística e da indústria procuram se fundir.
104
que na contemplação, o sujeito está só, separado do objeto, “em colóquio com o todo”;
enquanto que no fazer, ele não está mais sozinho. Os seus atos têm sempre uma direção
determinada e estabelecida para o próximo, “entrelaçados ao conjunto de ações que
constituem a vida da comunidade” (ARGAN, 2000, p.116-118). Portanto, para ele, os
objetos materializados por esse modus vivendi não se apresentam como simples
exemplos, e sim “como objetos propriamente ditos, que se inserem na realidade e a
modificam, a recriam continuamente, tal como continuamente se transforma e se recria
a estrutura do corpo social” (Idem, ibidem). Se a arte, enquanto criação,
representa o vértice supremo, no momento metafísico da
produção econômica, é perfeitamente compreensível que
ela tenda a apropriar-se dos mais modernos e mais
poderosos meios de produção: do contrário, seria forçada
(como de fato foi) a passar de uma posição de vanguarda
a uma posição de retaguarda. Mas o é apenas arte que
vai rumo à indústria; também um movimento da
indústria rumo à arte (ARGAN, 2000, p.118).
A força dessas observações, compele-nos a ressaltar, da mesma maneira que
Argan, que no “projeto” ou em seu modo de considerar: no “desenho industrial” –, se
determina
a priori, em relação à função, a qualidade do produto,
que é sempre qualidade estética: e não pode, na atual
condição da cultura, haver um bom projeto que não nasça
de um processo de intuição ou de invenção, isto é, de um
processo tradicionalmente considerado de caráter estético
e próprio dos artistas (ARGAN, 2000, p.121).
O fragmento, por seu turno, leva-nos a apreender o designer como um artista. É
inegável que em seu modus conceptivo e produtivo existem preocupações de âmbito
estético. Mas, uma “estética
80
configurada como reflexo do conteúdo do objeto, do que
ele é, do modo como este se relaciona com o usuário, e o que ele representa para a
sociedade, ressalta Redig (1992, p.96). Numa outra reflexão sua, de se considerar
como um erro, reduzir o Design somente à metodologia; não a incorporando ao mesmo.
80 De acordo com Redig (1992, p.96), a “estética, aliás, em qualquer caso (dos objetos aos seres),
corresponde àquilo que vem à tona de uma entidade mais profunda, o meio pelo qual uma idéia se
comunica, pela sensibilidade, conosco”. Mais adiante o designer salienta que o que os empresários não
percebem, repousa no fato de que “existem idéias atrás dos objetos. O que eles têm dificuldade de
compreender é que os objetos não são ‘coisas’, que a gente usa e um dia joga fora, mas produtos da nossa
cultura (não são tangentes a nós, são secantes), influenciando-nos, e sendo influenciados por nós. E como
tal são o resultado de um complexo de fatores, sempre sensíveis (o que é próprio do humano) e também
objetiváveis (o que também é próprio do humano)” (REDIG, 1992, p.96). Um outro autor nos indica uma
direção paralela a essa, ou seja, para Mukarovsky (apud MUNARI, 2004, p.32), a estética tem como
função “muito mais do que um simples adorno aposto à superfície das coisas e do mundo, como por vezes
se pensa. Tem uma acção profunda na vida da sociedade e do indivíduo, concorrendo para nortear a
relação – quer activa quer passiva – do indivíduo e da sociedade com o mundo que os rodeia”.
105
Significa dizer que a função do campo não é realizar metodologia, e sim materializar
objetos através de metodologias
81
. Considerando que o Design não é uma atividade
puramente objetiva e racionalista, e apoiando-nos também em Redig, apontamos que a
intuição (o subjetivo) é o motor do Design. Isto é, através dela nos é apresentado o
“caminho, é a sensibilidade, a partir do contato do designer com o contexto, a partir da
sua interpretação das informações que o contexto oferece. A sensação estética nada
mais é que a expressão visual da intuição” (REDIG, 1992, p.96 itálico no original). A
metodologia direciona, isso é, orienta a intuição para aspectos específicos do projeto,
tais como necessidades dos usuários, de fabricação etc.
Assim, de acordo com ele, o processo de Design se materializa por um
“constante passar do intuitivo para o racional, do subjetivo para o objetivo, do ‘eu acho’
para o ‘eu sei’” (REDIG, 1992, p.96) entre razão e sensibilidade. Se considerarmos
como estreita a relação entre designer e artista, podemos afirmar que tais características
estão sedimentadas em Ernst Fischer (1981, p.14), quando ele salienta que não devemos
cometer um equívoco em pensar que o trabalho para um artista não se apresenta com
um caráter “altamente consciente e racional”. Tal processo de produção (a dialética do
sensível-racional) permite que a obra de arte
82
se configure como “realidade dominada”.
Na busca do homem pela transformação de seu mundo circundante, parece-nos que
tanto em uma categoria profissional quanto na outra, uma interseção nesse sentido.
Em outra passagem sua, ele acrescenta que a tensão e a contradição o ingredientes
inerentes à arte; assim, a arte não somente necessitaria “derivar de uma intensa
experiência da realidade”, mas também “precisa ser construída”, e, por conseguinte,
“precisa tomar forma através da objetividade” (Idem, ibidem – itálico no original).
O designer faz sua produção para um público amplo, declara Wollner (2003).
Ele tem um “talento de ordem intuitiva”. Se ele é um artista, logo tem interesse por
81 Em se tratando de metodologia, Argan, ao examinar o binômio beleza-funcionalidade, salienta uma
orientação metodológica, dita por ele como um “esforço do desenho industrial”, isto é, de orientar-se a
projetar os objetos que nos são postos para nos servir em nossa vida cotidiana, tendo como princípio
pensá-los ao vel das armas antigas. Ou seja, de refletir que esses objetos cotidianos modernos, da
mesma forma que as armas, são “decisivos e essenciais para a vida da comunidade”. Acrescenta ainda
que “aqueles objetos são considerados como o prolongamento, a ampliação, a integração das
possibilidades da pessoa, do mesmo modo como a arma antiga era o prolongamento, a ampliação e
integração do braço e do gesto do guerreiro” (2000, p.130).
82 Nesse contexto, Argan salienta que o “dinamismo estrutural da obra de arte é, portanto, o da relação
funcional entre a operação técnica e o mecanismo da memória e da imaginação, que aos poucos retirará e
trará de volta à superfície, às vezes de profundidades remontíssimas da psique, tudo e apenas aquilo que
positivamente serve para resolver os problemas que se apresentam no decurso do fazer” (2005, p.30).
106
formas. Contudo, ele também “trabalha” simultaneamente com a técnica, buscando
alcançar um equilíbrio desta com a sua intuição. Portanto, complementa sua formação
com competências e habilidades no campo da tecnologia e da ciência. Como ele mesmo
reflete: se o designer se apresentar predominantemente com características técnicas,
“vira engenheiro”. E se for somente intuitivo, é artista. Esses aportes nos indicam uma
reflexão: qual o ponto de equilíbrio entre ser artista e técnico ao mesmo tempo? Parece-
nos muito difícil apontar uma resposta para esse ponto. Não obstante, não seria
incorreto afirmar que no perfil de um artista estão sedimentadas categorias como
criatividade e inovação. Nesse contexto, também não seria pertinente considerar que no
âmbito produtivo de um designer tais características devam estar também constituídas?
Acreditamos que sim. O designer, considerado também como um “idealizador de
formas” deduz antes de inventar (ARGAN, 2000, p.122).
Dessa forma, a arena posta ao Desenho Industrial (Design) desde suas origens,
concentra-se no campo capitalista. E para este, como expusemos anteriormente, o
designer é produtivo quando está submetido às diretrizes, finalidades e às regras de
produção da sociedade de mercado. Nessa ordem de pensamento, Argan diz que a causa
associada contra uma união entre arte e indústria, está no fato pelo qual os artistas,
embora se transformando em técnico-projetistas, não conseguirem inserir-se, de maneira
profunda, no sistema produtivo. Como também, por outro lado, o Design ter-se
configurado como um “instrumento de que o capitalista se serve para vencer a
concorrência, admitindo a busca de valores de qualidade na medida em que eles
possam favorecer a afirmação do produto no mercado” (2000, p.133 – itálicos nossos).
Sob essas reflexões, propomos, da mesma maneira indicada por Argan (1981,
p.9) uma questão: “Pode haver um Design que não postule uma sociedade de bem-estar
e que está enraizado em outra ética?”. Segundo o autor, estamos percorrendo a “última
curva do caminho”. E, se ao chegarmos ao término de sua evolução, o Design no es
outra cosa que noticia”, de acordo com o historiador, o problema já não corresponde em
se projetarem somente objetos, mas “circuitos da informação de massas”. Significa
dizer que se trata da publicidade ou da mídia televisiva, na qual tudo está contaminado
por uma ideologia dominante, pela estética do styling
83
, sobretudo, por uma ética a
83 Argan denomina essa categoria estética como um “processo deformado e vicioso de projeto que leva a
projetar tendo como única finalidade o consumo máximo”. E que, “portanto, o lucro máximo dos
empreendedores tomou o nome de styling e consiste no exagero dos fatores que tornam mais apetecível
ou ‘comestível’ o produto. O styling, em substância, é o kitsch industrial. A publicidade exagera a
107
serviço da classe affluentque inflexiona a informação a um ponto tal que ela não seja
aberta e desalienadora. Nesse sentido, ele ressalta que se a informação está sob “fins
ideológicos, é um agente repressivo e regressivo” (Idem, ibidem). Ademais, Argan
salienta que a perspectiva do desenvolvimento do Desenho Industrial no âmbito do
sistema de la información, ya aparece como totalmente cerrada; y puesto que el diseño
industrial es inconcebible fuera del contexto político, parece probable que su problema
tenga que considerarse como acabado” (ARGAN, 1981, p.9).
Em decorrência dessas observações, ousamos pensar que se o campo projetivo
do Design permanecer circunscrito somente à esfera tecnológica-distributiva,
poderemos considerar que ele ficará reduzido a resultados que desconsideram sua
aplicação social. Isto significa apontar que um discurso voltado a soluções estritamente
consumistas, mascara as consequências socioeconômicas de sua aplicação. Acrescenta-
se também que, no âmbito das relações de trabalho, a intensificação da utilização de
tecnologias vem subordinando trabalhadores numa intensidade cada vez maior, e, por
conseguinte, vem também de igual monta, conferindo a exclusão desses nos processos
de produção. Não obstante, não seria prudente cairmos num determinismo tecnológico
ao inferir que esse problema é resultante somente da própria dinâmica processual da
tecnologia, mas pensar que sua causa repousa na lógica que comanda sua aplicação.
Nessa linha de reflexão, Maldonado, indica que Marx
84
em sua análise, observou
que o caráter teleológico burguês esteve profundamente ligado tanto ao processo de
dominação, quanto ao processo de artificialização da natureza. Nos escritos marxistas,
depreende-se que o homem se converte em tal (homem) mediado pela produção de uma
natureza humanizada, ou seja, artificializada. Assim, para Marx, o advento de uma
sociedade sem classes, necessariamente, o apontará o final dos “tempos
tecnológicos”, mas o começo de uns “tempos tecnológicos” essencialmente distintos
dos atuais. Nessa ordem de pensamento, repousa a esperança de que a técnica
85
deixaria
qualidade apetecível do produto, o produto repete a sua imagem publicitária e, como tal, tem uma
obsolescência tanto mais rápida quanto mais traumatizante foi a ‘notícia’ deformada da publicidade. [...] o
consumismo configura-se como uma sujeição servil da massa aos interesses do poder capitalista. Tem,
portanto, uma faceta política manifestamente reacionária porque lugar, em política, à obediência servil
a uma propaganda que, assim como a publicidade comercial, recorre de bom grado a slogans carentes de
sentido” (2005, p.262 – itálicos no original).
84 Para Maldonaldo, Marx era “um crítico apaixonado da função alienadora da máquina”, e que não deve
ser considerado a um Rousseau, um inimigo do artifício.
85 Numa perspectiva de questionar a “técnica” a partir de sua própria essência, Hiedegger (2008) salienta,
primeiramente, que deve ser superado o viés “exclusivamente humanista”, que segundo ele, a técnica tem
sido representada. Assim, ele se orienta por um caminho do “pensar”, de uma maneira mais ou menos
108
de exercer sua função alienante e tornar-se-ia um fator que reconciliaria o homem tanto
com a realidade, quanto com os demais homens (MARX, apud MALDONADO, 2005,
p.26).
“Design caldo & Design freddo”
A. Branzi (1984) e A. Mendini (1990) exprimiram o campo do Design
dividindo-o da forma como está grafada no subtítulo. Essas expressões que são
contrapostas, vêm significar, respectivamente, Design quente e Design frio”. A
primeira se refere ao processo de Design que é feito por poucos meios de produção,
afinando-se mais propriamente à esfera do artesanato e da arte, destinado à “fruição
artístico-cultural de alguns sujeitos sociais”; a segunda faz menção a uma produção
industrial, serializada, de consumo de massa, com predominância dos processos
mecânicos e industriais”, declara Maldonaldo, 2006, p.83. Tal referência a esses
aspectos apontam para a reflexão que estamos travando: da relação entre arte e
indústria.
perceptível, que de certa forma nos leva através do universo da linguagem, o que com isso abre um
relacionamento livre com a técnica. De acordo com ele, a técnica não é o mesmo que a essência da
técnica. aqueles que afirmam que a técnica é um meio para um fim; outros dizem que ela é um fazer
do homem. Tais definições se conjugam. Mas, Heidegger salienta que se deva compreender a técnica não
como um “mero médio, la técnica es um modo del sair de lo oculto”. Assim, por meio desta como
mediadora de desvelamento, possibilita ao homem sair de sua condição de alienação com o mundo. Mais
adiante, ele sinaliza que se prestarmos “atención a eso se nos abrirá una región totalmente distinta para la
esencia de la técnica. Es la región del desocultamiento, es decir de la verdad” (HEIDEGGER, 2008).
Nessa direção, Silva (2007, p.370) aponta que “quando algo é tecnicamente produzido, esse deixar
aparecer ocorre por intermédio da técnica e do técnico, e o por meio de um processo ‘natural’. [...] Vê-
se então o que teria de reducionista à interpretação em termos de relação entre meios e fins, no sentido
estritamente instrumental”. O que, de acordo com ele, nos obriga a observar a relação existente entre
poiesis, techné, epsisteme e verdade no sentido de desocultamento alethéia”. Ele aponta os três como
modos de desocultamento: poiesis “natural”; a tech - produção na qual intervém a técnica; episteme – o
conhecimento dessa produção. Mais à frente ele afirma que se a técnica se apresenta como um meio de
“desvelar o ser e habitar o mundo o modo de existir e se nossas maneiras de pensar e agir são
dependentes da técnica, isso significa que é inevitável que haja uma espécie de governo técnico do mundo
e a isso não nos podemos furtar. Entretanto, essa mesma compreensão abre possibilidades de um outro
modo de pensar, que não recuse a técnica, que não alimente nostalgias, mas que faça da técnica que nos
obriga uma questão a ser enfrentada com a liberdade possível. Note-se que a liberdade perante a técnica
concerne substancialmente à compreensão da constituição histórica da relação que o homem mantém com
os outros entes e com o ser o que vem a ser algo como a compreensão de si mesmo” (SILVA, 2007,
p.373 itálicos no original). O desvelamento é a finalidade da técnica, não como uma poiesis, mas como
provocação, isto é, trazendo à luz a “energia oculta da natureza”, da mesma forma em que é provocado
por ela. O homem é provocado e “al impulsar la técnica, toma parte en el solicitar como un modo del
hacer salir lo oculto. […] Dondequiera que el hombre abra sus ojos y sus oídos, allí donde franquee su
corazón o se entregue libremente a meditar y aspirar, a formar y obrar, a pedir y agradecer, se encontrará
en todas as partes con que se le ya llevado ya a lo desocultado. […] Así pues, cuando el hombre,
investigando, contemplando, va al acecho de la Naturaleza como una zona de su representar, está bajo la
apelación de un modo del hacer salir de lo oculto que lo provoca a abordar a la Naturaleza como un
objeto de investigación, hasta que incluso el objeto desaparece en la no-objetualidad de las existencias”
(HEIDEGGER, 2008).
109
argumentamos que é pertinente adotarmos a premissa de que no fazer Design
há um fazer com arte. Também demonstramos que, enquanto se produzem os elementos
que irão compor, transformar, modificar e facilitar ao homem uma produção existencial
própria mais adequada a este, uma presença de um grau de inventividade nesse
produzir. Nessa ótica, de acordo com Munford (apud SANTOS, 2000), o sentido da arte
apropriada como um “domínio do indivíduo” se aplica a um alargamento de sua própria
personalidade, de maneira a que atributos psicológicos e individuais (valores,
sentimentos, emoções etc.) como também culturais, possam ser absorvidos por outros
indivíduos ou outras culturas. Pode-se atribuir que, desse modo, a arte é representada
como “a manifestação de uma percepção pessoal”, o que a leva, de acordo com o autor,
a não se ater a um compromisso de agradar ou não, ou que seja compreendida ou não
por outros indivíduos (SANTOS, 2000).
Ora, diante disso, controvérsia por parte de alguns pensadores do âmbito do
Design. Em que sentido? Para uma corrente, nesse ponto, uma diferença entre o
Design e a Arte. Isto é, conforme declara Dormer (1995, p.8), numa relação entre um
usuário e um dado produto, o quesito identificação do objeto com o ser (usuário) é
condição básica para que haja sucesso em qualquer processo de produção (projetivo) de
objetos. Assim, o que ele denomina por “compartilhamento de valores” entre aquele
que concebe o produto e aquele que o utilizará. Isso não deixa de ser verdadeiro. Essa
reflexão nos direciona para uma outra, desse mesmo autor, na qual ele afirma que o
nível de vanguardismo aplicado na esfera do Design é diretamente proporcional ao
entendimento do que foi criado pelos designers, por parte dos usuários
86
. Parece-nos
pertinente sinalizar tal fato como um dos aspectos em que Ana Luísa Escorel (2001) se
preocupou, quando classificou o designer como um “profissional condenado ao
contemporâneo”.
86 Sob as próprias palavras de Dormer: “Conseqüentemente, a possibilidade de vanguardismo no design é
mais restrita do que nas belas-artes — o que é óbvio, porque, se o design estiver muito avançado
relativamente à compreensão das pessoas, deixará de corresponder às suas expectativas enquanto
consumidores, perdendo-as como tal. Na actualidade, as belas-artes deixaram de valorizar a ideia de que o
vanguardismo deve ser acessível ao grande público, pelo que a maioria das pessoas o ignora. Existem
diferenças ao nível económico entre arte e design; mas a estrutura e as ambições de artistas e designers
confundem-se por vezes no campo do design de luxo e do artesanato de qualidade, áreas em que a
exclusividade é um valor em si e em que o valor estético apenas pode ser reconhecido pelos
conhecedores. [...] De uma maneira geral, os designers e os fabricantes não podem dar ao luxo de estar
muito avançados em relação aos gostos os consumidores nem do que os preocupa [...]. Mas isto o
significa que o consumidor esteja na origem de todas as influências dos designers e fabricantes. Fazem-se
experiências, avança-se uma ou outra provocação, testam-se coisas nunca pedidas nem sequer esperadas
pelo consumidor” (1995, p.8).
110
uma corrente de produtores e pensadores no âmbito do Design que postulam
uma categoria denominada designers artistas”. De acordo com Dormer (1995), Santos
(2000) e Dorfles (2002), tal configuração associa-se à produção de produtos com um
conceito projetivo do “Design de luxo
87
”, para poucos, isto é, de tiragens baixas e preços
elevadíssimos, que buscam aflorar e exortar aspectos simbólicos
88
, epidérmicos,
psicológicos e fetichistas no processo de desenvolvimento dos produtos. E encontra-se
no bojo desse tipo de direcionamento projetivo, o que outrora já chamamos atenção, isto
é, as interferências maciças das diretrizes do marketing e da publicidade, para aguçar o
apetite de tais consumidores, criando novas e mais novas necessidades em muitas das
vezes, fictícias –, valorizando com mais intensidade e sem critérios cnico-sociais,
atributos que aumentem o status de quem os compram.
Nesse processo, encontram-se também apelos na aparência dos produtos como
forma de manipulação
89
, em detrimento aos aspectos técnico-contrutivos mais ligados
ao âmbito das interfaces adequadas para um relacionamento otimizado entre usuário-
produto, bem como das reais necessidades socioeconômicas da maioria da população.
Nessa ordem de ideias, encontramos, em Deganello (apud DE MORAES, 1997, p.145),
uma outra categorização, que ele denomina de “design para a auto-representação”, ou
“projetar para si mesmo”. Salienta-se, de acordo com o autor, caso esse caráter seja uma
referência projetiva única, poderá ocorrer um distanciamento do designer da produção
industrial
90
.
87 Dormer (1995, p.113), adota essa expressão para abranger duas categorias do âmbito do Design da
produção de objetos domésticos ou de lazer, a saber: “objetos paradisíacos” objetos destinados a serem
comprados pelos ricos; “objetos de figuração” aos objetos destinados a serem adquiridos por aqueles
que gostam de ser ricos.
88 Sobre esse aspecto, Munari sinaliza que os produtos concebidos pelos designers não possuem
quaisquer outros significados além daqueles que são pertinentes (inerentes) às funções a que devem
corresponder. “São aquilo que são e não o suporte de uma mensagem [...]. Além disso, o artista ignora se
a mensagem é recebida pelo público, ao passo que o designer deve ter sempre em conta a necessidade de
que o seu objecto seja compreendido, para que só assim possa ser usado” (2004, p.36). Ora, afirmar que o
Design não confere significados alheios aos produtos, para além daqueles que estão postos por
especificidades inerentes a estes, nos parece ser de difícil sustentação. Como exposto no capítulo
anterior, na seção Design e fetichismo dos objetos, demonstramos que tal aspecto se encontra presente
no âmbito do Design.
89 Bonsiepe (2005) sinaliza que manipulação e Design tem um ponto de interseção no conceito de
“aparência”. Isto é, quando se projeta no âmbito do Design constroem-se, dentre outras categorias,
aparências. Daí ele afirma que “aparência, por sua vez, conduz à estética”, um conceito que, de acordo
com ele, possui uma ambivalência, a saber: por um viés, “representa o mundo da liberdade” – autonomia;
do outro, “abre o caminho do engano, da manipulação” – heteronomia. Para ele, o Design, dependendo de
sua intencionalidade, ora pende para um pólo, ora para o outro.
90 Sob seus próprios questionamentos: “Primeiro projetava-se para as massas, depois para as vanguardas,
depois para si mesmo e para a auto-representação; o projetar para si mesmo, o design artístico, parece ser
hoje difusa vocação das novas gerações de designers. [...] Se o projeto de arquitetura torna-se desenho
111
Gui Bonsiepe (1983), vai de encontro a esse aforismo e o contrapõe, embora
reconhecendo a existência de preocupações formais e estéticas para o projeto de
produtos, ressalta que o caráter estético (“estética faceta modalidade da cultura
material”), não deve ser dominante no processo de produção dos objetos. Isto é,
segundo o autor, não se chega à forma dos produtos somente através da forma. Para ele,
o desenhista industrial não é um “especialista em formas estéticas
91
[...]. Desenho não é
estilo” (BONSIEPE, 1983, p.23). Assim, a busca de inovações nos objetos possuindo
como um único princípio, o aspecto formal, o visual e superficial (no sentido de apelos
simbólicos) que relega a planos secundários aspectos técnicos e socioeconômicos dos
produtos, não nos parece ser o princípio correto. A essência do Desenho Industrial é a
sua tendência de problematização para o relacionamento artefato/usuário ao encontro
da interface apropriada entre ambos. Tal proposição põe em relevo e implica uma
“sensibilidade para as necessidades materiais da população” (BONSIEPE, 1983). Desse
modo, devem se constituir no corpus formativo dos designers, disciplinas referentes ao
âmbito tecnológico, integradas o Design é integração –, de maneira que possibilite
capacitá-los a “dar respostas em termos materiais, com um sistema de referência
cultural, com uma componente analítica e estética” (BONSIEPE, 1983, p.23-30).
Esse designer e pensador salienta, em seus textos, um viés tecnológico para uma
metodologia projetiva aplicada ao Design. No entanto, ele não abandona outros matizes
também de igual monta. Reporta também aos que associam preocupações ecológicas,
implicações energéticas e dos modos de produção. Essa dimensão tecnológica, segundo
Bonsiepe, torna possível ao designer se sentir mais próximo das demandas materiais de
fabricação de um dado produto. Considerando nossa experiência profissional nesse
campo, tal aspecto é inegável. Não como projetar objetos sem conhecer suas
características e especificidades tecnológicas. Entretanto, não percamos de vista uma
identidade com o projetar também vinculada ao fazer manual. Acreditamos que nesse
para mostras, se o projeto do objeto de uso torna-se protótipo de museu ou galeria e colecionadores, onde
está a legitimação do design? Das disciplinas de arquitetura e do desenho industrial? A legitimação do
design está no fazer uma escultura que se refere ao objeto cadeira?” (DEGANELLO, apud DE MORAES,
1997, p.145).
91 “Falando impropriamente, o desenhista industrial é um artista, ou um ex-artista que conseguiu
integrar-se ao sistema produtivo. Ele foi o único a conseguir isso. A tecnologia sempre esteve manejada e
dominada pelas disciplinas técnicas tradicionais ‘duras’. As disciplinas ‘brandas’ sofreram um ‘veto’”
(BONSIEPE, 1981, p.30).
112
âmbito se processa uma maior e melhor interlocução entre o projetista e o objeto
perseguido
92
.
Nesse sentido, parece-nos necessário salientar esse processo da mesma forma
como Fischer (1981, p.27) demonstrou em sua análise. De onde apreendemos que o
homem numa fase de “experimentação espontânea” – o “pensar com as mãos” –,
buscando alcançar um resultado, de tal forma que essa “experimentação” que vem antes
de todo pensamento como tal, vai gradualmente sendo substituída pela reflexão. Ele
chama essa inversão no processo cerebral, de “trabalho, ser consciente, fazer consciente,
antecipação de resultados pela atividade cerebral”. Dessa maneira, ele afirma que o
pensamento, “uma forma de experimentação abreviada”, pode transferir-se das mãos
para o cérebro, de tal modo que os “resultados das experimentações precedentes deixam
de ser ‘memória’ e passam a ser experiência” (FISCHER, 1981, p.27). Nesse sentido,
importa notar que é gradativamente através da experiência das mãos, que se
compreende como e qual o melhor modo de se fazer.
Nesse contexto, também salientamos um direcionamento projetivo que atente
também para aspectos culturais, socioeconômicos e estéticos. Considerando o designer
como um profissional estreitamente afinado com o jogo do ato da criação, deve-se levar
em conta que ele busque treinamentos específicos, como também conhecimentos,
aprendizados e aventuras pelo mundo da cultura e da estética. Um profissional de
Design, em meio ao projeto de objetos, opera simultaneamente com categorias de valor
utilitário e de fruição, como também, da mesma maneira, com as socioeconômicas;
observa o planejamento adequado à materialização dos produtos, especificando e
detalhando os dados necessários à sua produção. Buscar o domínio do conhecimento no
âmbito tecnológico se torna uma condição básica para a realização de projetos
adequados às demandas dos produtos, tanto do ponto de vista econômico quanto
produtivo. Não obstante, não devemos cair num determinismo tecnológico-projetivo
93
.
Desse modo, salienta-se que no âmbito do Design, esteja presente uma busca em
compreender o “todo cultural” (MAGALHÃES, 2002), pois, dado seu perfil de
interação com vários campos do conhecimento, o Desenho Industrial (Design) tem o
potencial de preencher esses quesitos. Pelas próprias palavras de Aloísio Magalhães
92 Encontra-se tal argumentação fundamentada em nossa dissertação de mestrado intitulada: Design
gráfico e reestruturação produtiva da ecnonomia: um estudo sobre a padronização tecnológica e estética
na formação do tecnólogo no CEFET-Campos. UFF, Faculdade de Educação, 2004.
93 Cabe notar que Gui Bonsiepe não o faz.
113
(2002), ocupamo-nos de ressaltar tal caráter interdisciplinar, e por conseguinte, do
horizonte posto para o campo, a saber:
Aos fatores econômicos privilegiados a bem pouco tempo foram
acrescentados os fatores sociais e, já agora, a compreensão do todo
cultural. O Desenho Industrial surge naturalmente como uma
disciplina capaz de se responsabilizar por uma parte significativa deste
processo. Porque não dispondo nem detendo um saber próprio, utiliza
vários saberes; procura sobretudo compatibilizar de um lado aqueles
saberes que se ocupam da racionalização e da medida exata os que
dizem respeito à ciência e à tecnologia e de outro, daqueles que
auscultam a vocação e a aspiração dos indivíduos – os que compõem o
conjunto das ciências humanas.
No excerto, encontra-se posta a premissa de que o Design – não desconsiderando
outras formas do conhecimento humano – não deve abandonar duas vertentes, a saber: a
tecnológica e a humanista. Nessa perspectiva, projetar
94
para um usuário, implica não
somente reconhecer o progresso tecnológico de produção, numa panacéia tecnológica,
mas também buscar equilibrá-lo com o meio ambiente, com os procedimentos técnico-
econômicos; e, ainda, observar quem é o público para o qual será destinado; suas
características culturais e sociais; e as contradições que estão postas em nossa
sociedade. Faz-se prudente buscar um equilíbrio de valores entre a dimensão
tecnológica e social, bem como entre as questões de ordem ambiental, estético-formais e
as semântico-culturais na fase de concepção dos produtos industriais. Da mesma forma
em que se valorizam os conhecimentos sobre a técnica, também se busca igual
observância aos atributos do âmbito da Arte no universo do Design. Nesse sentido,
interpretam-se os valores culturais de uma determinada sociedade, transmitindo estes
não apenas através da forma como se apresentam os produtos em sua relação social,
mas também em seus níveis de significados.
94 Nessa ordem de reflexão, Gui Bonsiepe (2005) salienta que o “substrato material com sua expressão
visual/tátil/auditiva forma a base sólida do trabalho do designer. Percebo com preocupação o crescimento
de uma geração de designers que se fixa no mercado, que é o branding e o self-branding e não sabe
mais como se classificam os elementos de junção dos objetos. A busca do equilíbrio entre os aspectos
instrumentais operativos dos objetos técnicos e seus aspectos semânticos é a essência do trabalho do
designer, sem privilegiar um lado sobre o outro”. Mais adiante, ele sustenta que a “polaridade entre o
instrumental e o simbólico, entre estrutura interna e externa é uma condição típica dos artefatos, em sua
prerrogativa de instrumentos e em sua prerrogativa de portadores de valores e significados. O design tem
o objetivo de reconciliar estas duas polaridades, projetando a forma dos produtos como resultado do
desenvolvimento sócio-técnico (RICCINI, apud BONSIEPE, 2005). Apoiando-nos em Bonsiepe (2005),
ressaltamos que projetar possui o sentido de “expor-se e viver com paradoxos e contradições, mas nunca
camuflá-las sob um manto harmonizador, e não somente isso, mas também e sobretudo projetar é
desvendar estas contradições”. Sendo nossa sociedade fortemente marcada por contradições, não há como
negar que o Design também está sob a tensão dessas antinomias.
114
Dessa forma, Munari sinaliza que o ofício do designer “exige uma cultura
dinâmica, interdisciplinaridade”. Características com as quais concordamos. Também
acrescenta que essa cultura é feita do que se depreende dos conhecimentos de
experiências antigas, mas que ainda se apresentam como válidas, como também de
“conhecimentos actuais sobre a relação psicológica que se estabelece entre projectista e
utilizador, de conhecimentos tecnológicos actuais, de todas as experiências exequíveis
nos nossos dias.” Em resumo, o autor aborda todo um “conjunto de valores objectivos,
transmissíveis a outros operadores” (MUNARI, 2004, p.41).
Assim, diante de todas as reflexões expostas, reforça-se a perspectiva de relevar
o Design como uma atividade multidisciplinar, de inserção social preponderante, que
possui o método projetivo em suas entranhas, com a busca pela investigação como parte
integrante e fundamental de seu processo processo este orientado por um lado, pela
razão –, deduzida da experiência, da busca por compreender o entorno circundante,
aprendendo a reconhecer seu contexto, suas relações sociais de produção, contradições,
antinomias e formas de cultura. E, importa também reconhecer, que graças à esfera da
arte, o Design pôde se inserir no âmbito estético, como forma de compreensão e
expressão do mundo. A arte, assim como o Design (visto sob um âmbito geral) faz parte
de todo o universo constitutivo humano, por isso, está em toda parte; nas mais diversas
representações humanas, seja nos nossos objetos cotidianos, seja em nossos prédios e
construções, em nossas formas de comunicação; ou seja, em toda a produção material
de nosso mundo circundante. Nesse contexto, cabe ressaltar que não se perca de vista
harmonizar não somente, mas sobretudo, essas duas áreas do conhecimento a arte e a
tecnologia.
115
CAP. 3 - O DESIGN NO BRASIL: MATRIZES E DETERMINANTES
HISTÓRICOS
Buscando dar prosseguimento à análise das relações sociais de produção dos
designers, procurar-se-á problematizar e compreender, historicamente, quando e sob
que condições tais relações produtivas inseriram-se ou não nas contradições das forças
produtivas capitalistas em sua dinâmica desenvolvimentista. Para tanto, não
desconsiderando a materialidade cultural brasileira
95
desde a época Imperial, nosso
recorte temático vai se deter nas nuanças verificadas ao longo da trajetória de
desenvolvimento do ensino de Design no Brasil, presidido sob a influência direta do(s)
projeto(s) desenvolvimentista(s) capitaneado(s) pela burguesia industrial. Nosso
objetivo é examinar as contradições existentes naquele(s) projeto(s), dentre elas a busca
de concepções de um Design autônomo de corte nacionalista.
Conforme mencionado, não deixando de contextualizar aspectos que plasmaram
a cultura brasileira desde sua fase inicial, nosso foco procura explorar as matrizes e os
candentes interesses socioeconômicos e políticos do Estado brasileiro que foram
determinantes na consolidação de um Design dito brasileiro; não desconsiderando a
presença, ainda que de forma embrionária, de atividades correlacionadas ao âmbito do
Desenho Industrial no Brasil, anteriormente à institucionalizarão do Designque se
deu sob matizes modernos. Assim, sob essa diretriz, iremos buscar compreender a
influência dos fatos ocorridos durante a Segunda Grande Guerra até os idos 1960
(política nacionalista e desenvolvimentista; Programa de Metas etc.). Também iremos
refletir as demandas concretas oriundas do período de guerra que vieram ao encontro do
ideário próprio dos governos cujo corpus fundamentava-se sob pilares da importação de
95 Indo nessa trajetória, Pamplona (1992), nos traz uma reflexão que nos parece pertinente salientar, a
saber: para ele, o “’desenho’ dessa produção material surge como ruptura à cultura material escravagista,
e, nesse momento, não tem ‘cara’ definida. [...] Nossos produtos já nascem, pululam, do interior do
processo industrial. [...] produtos ‘cablocos’ (pimenta, canela, chapéu de palha), originários do artesanato
agrário, agora eram produzidos por máquinas, em processo acelerado [...]. Cópias recicladas de produtos
europeus (fias de sedas, ‘gregas’, e ‘fitas com franjas’), antes importadas pelas elites, também eram
produzidos e têm seu uso difundido” (apud CORRÊA, 2006). Pode-se notar, pelo excerto, que se trata de
se encontrar um novo padrão de se produzir produtos, que se devia ao aspecto de que este deveria se
enquadrar a uma também nova demanda de vida brasileira baseada no consumo; ou seja, uma adequação
ao padrão da elite européia em face das mudanças proporcionadas pela modernização de nossa sociedade.
Nesse contexto, Andrade Lima (1995), salienta como reflexos do modo de vida burguês do século XIX, o
“comportamento decorrente da ideologia de privatização que se consolidou na Europa ao longo do século
XIX, paralelamente aos avanços da industrialização, [...] [valorizou] o individualismo, as fronteiras entre
público e privado, o universo familiar e a ritualização da vida cotidiana, a acumulação de capital (tanto
real quanto simbólico), os critérios de ‘respeitabilidade’, a fetichização do consumo e ascensão social”
(apud CORRÊA, 2006).
116
tecnologias e a entrada de capital estrangeiro, com o objetivo de preencher o quesito do
aumento de produtividade e de qualidade.
Nessa perspectiva, procurar-se-á também analisar a influência de uma estética
modernista, sob um viés positivista, que argumentava a crença da ciência como um
modelo de ordem racional por meio da qual geraria o progresso. E ainda, o capítulo
procura também direcionar nosso olhar, analisando o quadro à luz de algumas
estratégias organizacionais pertencentes àquele momento histórico, em sua fase de
transição, na qual deveriam ser criadas as condições sociais para que, efetivamente, se
solidificassem os pilares da indústria como uma parte importante da economia
brasileira. Sinaliza-se que tal viés foi preponderante para a modernização capitalista no
país.
No tocante à evolução do ensino de Design no Brasil, buscar-se-á apreendê-la
contextualizada às conjunturas socioeconômicas, culturais e políticas da sociedade
brasileira, até a sua efetiva implantação em nível institucional. Para tanto, adotaremos
um diálogo com autores e fontes, buscando trazer à luz as matrizes históricas que
contribuíram para a efetivação do ensino formalizado de Design no Brasil,
configurando-as sob um pano de fundo que vai até seu marco histórico oficial – a
criação e implantação de uma escola de nível superior: a Escola Superior de Desenho
Industrial (ESDI/RJ). Salienta-se, de início, que se deu sob forte influência européia
sobretudo de uma escola de Design alemã, situada na cidade de Ulm (HfG/Ulm -
Hochschule für Gestaltung/Ulm – mais conhecida como a Escola de Ulm).
Na ordem das ideias, conforme mencionado no capítulo anterior, argumenta-
se que a origem do Design enquanto atividade profissional, é essencialmente moderna,
confunde-se com a própria gênese da Revolução Industrial. Não é por outro motivo que
Souza (2000, p.20) sustenta que o Design, assim como a “moderna consciência social e
a cultura da técnica, resulta fortemente influenciado pelo modo de produção capitalista e
industrial”.
Em tempo, cabe notar que o termo “desenho industrial” se encontrara em uso
corrente no Brasil por volta dos idos anos de 1850. No entanto, cumpre relevar que não
se apresentara como uma categoria profissional, mas como denominação de uma
117
disciplina que era ministrada no curso noturno da então Academia Imperial de Belas
Artes. Nesse sentido, da forma como exposta, é pertinente ressaltar de que se tratava de
uma disciplina curricular que buscava dar embasamentos teórico-práticos na
representação gráfica, técnica e construtiva de objetos, máquinas etc., que compunham
o universo material daquela época. Não obstante, tal observação põe em evidência que,
naquela ocasião, não se compreendia por “desenho industrial” o que atualmente se faz.
Não desconsiderando tal ressalva, podemos apontar que as atividades
profissionais relacionadas com o desenho de produtos e a programação visual, em níveis
mais próximos dos modelos atuais, se encontravam em plena atividade, aqui no
Brasil, desde o início dos anos de 1950. A bandeira nacional/desenvolvimentista que
norteava o governo de Juscelino Kubistchek serviu para que se firmassem as primeiras
tentativas institucionais de formação do profissional de Design no Brasil. A necessidade
de qualificação e formação de pessoal especializado ajustava-se às propostas de
melhorar o aparato tecnológico da indústria brasileira, e de aperfeiçoar o sistema
educacional e os centros de pesquisa. Dessa maneira, o governo induzia a indústria a
buscar a qualificação de seus quadros com fins de atender as novas demandas do
mercado que certamente surgiriam. No entanto, somente em 1962, com a criação e
implantação da Escola Superior de Desenho Industrial ESDI (como veremos em
detalhes na seção final deste capítulo), no então Estado da Guanabara (atualmente
Estado do Rio de Janeiro), a formação profissional de designers de nível acadêmico teve
início efetivamente.
Aponta-se, preliminarmente, que a ESDI como forma de compensar a ausência
de diretrizes curriculares nacionais nessa área, buscou na metodologia adotada pela
Escola de Ulm (HfG/Ulm - Hochschule für Gestaltung/Ulm), a inspiração necessária
para montar o seu primeiro currículo. O prestígio mundial da HfG/Ulm, uma tradicional
escola de Desenho Industrial alemã, cuja origem remonta à Bauhaus, fundada em 1919,
em Weimar, pelo arquiteto Walter Gropius, devia-se, sobretudo, por ter mantido intacto,
mormente em sua fase inicial, o princípio educativo da união do ensino e da pesquisa da
arte aplicada com as belas-artes. argumentamos, anteriormente, que o ideal da
Bauhaus visava à melhoria da qualidade da produção industrial e o experimentalismo
estético, constituindo-se, por esse e outros motivos, num dos mais importantes marcos
históricos do Design, da cultura e da industrialização do século XX.
118
Desse modo, em nível institucional, o campo profissional do Design foi forjado
no mesmo cadinho de modernidade brasileira, consorciado, em primeira instância, sob
uma égide de formatação industrial. Sob este prisma, o campo se conformou inserindo-
se simultaneamente em meio às contradições existentes na construção do cenário
político e socioeconômico que nortearam o desenvolvimento e a modernização da
indústria brasileira. De todo modo, cabe notar que, sob a visão do senso comum, a
relação existente entre o Design brasileiro (enquanto atividade profissional prática) com
a sua efetiva intervenção social ainda incorre em uma série de confusões e
incompreensões, principalmente no tocante ao sentido expresso por sua nomenclatura
de origem estrangeira. Embora o termo (Design) se encontre maciçamente adotado em
nosso país, em denominações de categorias profissionais sem nenhum sentido como
na publicidade, por exemplo – o significado original do vocábulo (Design) não se
encaixa perfeitamente em nosso idioma.
Sob um outro aspecto possivelmente de maior monta, aquele que se refere à “sua
intervenção de ordem estética e à prática artística”, declara Leite (2003, p.19), seria
pertinente ressaltar que na especificidade do Design brasileiro as suas origens
estrangeiras (anglo-saxônica/helvético-teutônico) plasmaram um “estilo nacional”, sem
que tais ascendências tenham coincidido com os mesmos ideários dessas proposições
originais, sobretudo quanto ao pensamento aos moldes da Bauhaus, em sua essência,
para a sua efetiva ação projetiva que abarcava atingir todos os campos da atividade
humana. Portanto, tal cenário nos remete a depreender que no caso do Design brasileiro,
sua atuação concreta restringiu-se a poucas repercussões no cenário profissional e da
academia. Ainda nessa ordem de pensamento, sob a análise de Leite, podemos registrar
que:
[...] assim a perspectiva de ampliação das suas relações
com o todo da sociedade permanece restrita. À medida
que se pode considerar design fenômeno acentuadamente
urbano, ao designer, segundo essa perspectiva, caberia
investigar os traçados urbanos, as características da
moradia, a ocupação dos diversos cômodos da casa por
objetos. Caberia perguntar-se sobre a origem dos
artefatos que nos circundam, sobre a construção da
visualidade do ambiente em que vivemos. Quais as
referências utilizadas ao longo desse processo de
construção que não é natural como alguns poderiam
pensar? Quais os personagens e idéias podem ter
desempenhado algum tipo de ação significativa na
elaboração da nossa cultura material? Tudo isso compõe
o campo de ação do design, cuja história, fatores e
119
relações se imbricam numa tessitura de padrão irregular
com a história, os fatores e as relações que se dão no
âmbito da sociedade (LEITE, 2003, p.19).
3.1. - A industrialização brasileira
Ao buscar apreender nos trabalhos publicados sobre o processo de
industrialização no Brasil, “instalado a partir de uma economia de base primário-
exportadora” (RODRIGUES, 1998), nos deparamos em algumas interpretações. No
entanto, conforme depreendemos em Suzigan (apud RODRIGUES, 1998, p.54-55),
quatro delas são por ele identificados como principais, a saber: a) a “teoria dos choques
adversos”; b) a “industrialização liderada pela expansão das exportações”; c) o
“capitalismo tardio”; e c) a “industrialização promovida pelo governo”. Não obstante,
conforme declara Rodrigues (1998, p.55), o autor sinaliza que de uma forma geral, as
análises produzidas sob a ótica da “teoria dos choques adversos”, parecem ser
“essencialmente corretas” (SUZIGAN, apud RODRIGUES, 1998, p.55), na qual se
apoiaram Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares. Nessa perspectiva, buscaremos
expor, sobre traços gerais, o processo de industrialização no Brasil, apoiando-nos nos
textos desenvolvidos por Francisco Iglésias (1994), Lucy Niemeyer (2000), e sobretudo
nas análises de Maria da Conceição Tavares (1974).
Conforme analisa Iglésias (1994), tal processo de industrialização iniciou-se
com os índios em suas relações sociais com a colonização portuguesa em nosso país.
Esse historiador nos traz um argumento que nos parece ser pertinente salientar. Ele
afirma que é um equívoco considerar que o processo de industrialização brasileira
existiu apenas no século XIX. Seu argumento repousa em sua própria re-elaboração do
que significa o termo “indústria”, isto é, para ele tal vocábulo representa elaboração da
matéria-prima para conveniente uso
96
”; ela “decorre do processo produtivo”
(IGLÉSIAS, 1994, p.8). Da maneira como elaborada, o autor nos compele a olhá-la
sobre um prisma desenvolvimentista/humanista; num sentido de uma produção humana
dos seus próprios meios em suas relações existenciais. Marx & Engels disseram que
um dado modo de cooperação ou uma outra dada fase industrial estão constantemente
96 Encontramos no Dicionário Aurélio (1986) para o termo indústria, os seguintes significados:
“Conjugação do trabalho e do capital para transformar a matéria-prima em bens de produção e consumo”.
Outro: “A atividade secundária da economia, que engloba as atividades de produção ou quaisquer de seus
ramos em contraposição à atividade agrícola (primária) e à prestação de serviços (terciária)”. E, num
outro dicionário do mesmo autor, encontramos: “Atividade de produção de mercadorias, abrangendo a
extração de produtos naturais e sua transformação” (1993). Em todas essas definições, não encontramos
uma que mais se aproximasse daquela cunhada por Iglésias, que nos parece de cunho humanista, não
envolvendo a esfera mercantil.
120
vinculados a um “determinado modo de cooperação e a uma fase social determinada, e
que tal modo de cooperação é, ele próprio, uma ‘força produtiva’; [...]. Para eles a
‘história da humanidade’ deve ser sempre ser estudada e elaborada em conexão com a
história da indústria e das trocas(1986, p.42 itálicos nossos). Dessa forma, o termo
indústria se associa a um viés mercadológico.
Após essas considerações preliminares, iremos direcionar nossa reflexão para
um plano geográfico-econômico mais geral, sob as observações de Tavares (1974).
Assim, no tocante ao papel das exportações para os países centrais, muito embora as
exportações exercessem grande importância como um componente dinâmico da
formação da “Renda Nacional”, a esse fator o lhe cabia o papel exclusivo de ser
responsável pelo crescimento da economia. Depreende-se que havia uma outra variável
de igual monta nessa equação. Variável essa de caráter endógeno, ou seja,
conjuntamente com o fator exportação, existia o “investimento autônomo acompanhado
de inovações tecnológicas”. Combinando esses dois aspectos, permitiu-se que se
promovesse o “aproveitamento das oportunidades do mercado exterior” e que se “desse
juntamente com a diversificação e integração da capacidade produtiva interna”
(TAVARES, 1974, p.30).
As exportações não eram somente a “única componente autônoma” para o
incremento do crescimento da “Renda”. Também o “setor exportador representava o
centro dinâmico” de toda a economia (Idem, ibidem). Nessa perspectiva, faz-se
necessário ressaltar, sob um prima da “diversificação da capacidade produtiva”, que
esse sistema se sustentava sob uma estreita base, ou seja, “apenas um ou dois produtos
primários”. Dessa forma, de acordo com a economista, interessa notar que a reduzida
capacidade industrial da América Latina, em conjunto com o setor agrícola de caráter de
subsistência, foram insuficientes para alavancar um dinamismo próprio para a atividade
interna. Consequentemente, o crescimento econômico aprisionava-se à demanda externa
por produtos primários. No caso das importações, estas também se apresentavam sob
aspectos diferentes nos países centrais e periféricos. Conforme assinala Tavares (1974,
p.31), nas economias centrais, as importações estavam, basicamente, destinadas ao
suprimento das necessidades de gêneros alimentícios e matérias-primas haja vista que
pelas condições geográficas desses países, tais produtos não lhes eram facilmente
obtidos.
121
No que se refere às economias mais aproximadas com a nossa, as “importações
deviam cobrir faixas inteiras de bens de consumo terminados e praticamente o total dos
bens de capital necessários ao processo de investimento induzido pelo crescimento
exógeno da Renda” (TAVARES, 1974, p.31). Esta economista sinaliza ainda que o
problema do crescimento “para fora”, típico de nossas economias, vincula-se ao
“quadro de divisão internacional do trabalho”. Este cenário imposto pelo “próprio
processo de desenvolvimento das economias líderes”, colocava para as nações
periféricas uma divisão do trabalho social diferentemente da do centro. Nesse sentido,
para os países desenvolvidos não havia uma tida separação entre a capacidade de
produção que era destinada ao atendimento dos mercados interno e externo. Assim, as
“manufaturas produzidas são tanto exportadas quanto consumidas em grandes
proporções dentro do país e a especialização com vistas ao mercado externo se faz antes
por diferenciação de produtos do que por setores produtivos distintos” (TAVARES,
1974, p.31). Por outro lado, na maioria dos países da América Latina, existe uma
divisão nítida do trabalho social, entre os setores externo
e interno da economia. O setor exportador era [...] um
setor bem definido da economia, geralmente de alta
rentabilidade econômica, especializado em um ou poucos
produtos dos quais apenas uma parcela reduzida é
consumida internamente. Já o setor interno, de baixa
produtividade, era basicamente de subsistência, e
somente satisfazia parte das necessidades de alimentação,
vestuário e habitação da parcela da população
monetariamente incorporada aos mercados consumidores
(TAVARES, 1974, p.30-31).
3.1.1. - O caso brasileiro
Faremos, a princípio, um breve panorama na trajetória de desenvolvimento
brasileiro, apoiando-nos no historiador Francisco Iglésias (1994, p.7-11), que ao refletir
sobre tal, salienta que podem ser reconhecidos nesse, vários momentos, que vão desde o
século XVI ao atual. Para ele, a primeira etapa de desenvolvimento se deu ainda no
período colonial (um “longo período de trezentos anos”), ou seja, a fase em que
estivemos sob forte domínio da nação portuguesa, onde “pouco se fez pelo país [...] em
matéria de transformação de bens primários para o consumo
97
(Idem, ibidem, p.12).
97 De acordo com o autor, vários fatores podem ser atribuídos como possíveis causas para tal fato: “o
pacto colonial, responsável pela vida política e econômica do período português; a falta de tradição
tecnológica do colonizador, comprovada no parco crescimento industrial; a contribuição do índio é aqui
menor que em outras partes do mundo americano; o escravo negro tem importância maior, embora
tolhido pelo sistema de trabalho; a produção, com vistas ao mercado externo, especializa-se em
122
Superada essa fase, outro ator representativo do poder entra em cena, ou seja, com a
Corte portuguesa aqui entre nós, enuncia-se um surto, embora tímido e logo tolhido, de
que havia chegado o “momento” da indústria. No entanto, não passou disto; algumas
fabriquetas e um determinado atendimento à esfera institucional. Nos anos de 1822,
com a Independência, a necessidade de organização da “vida nacional” se torna
premente, donde se seguem várias ações governamentais que são produzidas para esse
fim, embora herdando a estrutura institucional portuguesa com seu caráter de
dependência frente ao exterior (sobretudo à nação inglesa)
98
. Em 1850, deu-se o início
do terceiro período do desenvolvimento brasileiro, segundo o historiador Francisco
Iglésias (1994). Ainda predominam manufaturas. O quarto período coincide com o fim
do trabalho escravo e a instauração do trabalho “livre”. Nosso país “estrutura suas
fisionomias regionais, com experiências tarifárias e outras. As fábricas são ainda
pequenas, mais manufaturas que indústrias” (IGLÉSIAS, 1994, p.8-9). Para o
historiador, no ano de 1914, repousa o marco que inicia o quinto período, a saber: a
Primeira Guerra Mundial. Esta abala a estrutura da ordem internacional do
Imperialismo, donde se notam que crises decorrentes dessa, fazem eco no Brasil. Desse
modo, a produção de bens primários como também os mais elaborados, aumentam.
determinado artigo, no conhecido trinômio monocultura, latifúndio e escravidão; a conhecida agricultura
de subsistência; as unidades produtoras têm em vista a não dependência do fornecimento externo,
autossuficientes com a obtenção dos gêneros em seus próprios limites, de modo a ser comum a atividade
transformadora, através de artesanato; as condições de domínio de vasto território com diversas
fisionomias” (IGLÉSIAS, 1994, p.12-13). Nesse sentido, Lucy Niemeyer (2000, p.50-51) corrobora,
ampliando o cenário exposto, isto é, a produção artesanal e manufatureira brasileira restringiu-se a
atender a dois aspectos “básicos de necessidades: as de consumo dos núcleos rurais, que tinham de liberar
mão-de-obra e matéria para a produção de tecidos, objetos de couro e madeira, incluindo móveis e peças
para equipamentos de trabalho; e as necessidades dos centros urbanos, onde havia estabelecimentos
manufatureiros, ainda que poucos, e organizados à semelhança das corporações de ofício feudais, e que
regulamentavam o exercício da profissão e as punições para os infratores. Embora houvesse a proibição
de escravos participarem em atividade manufatureira, esta medida foi pouco observada. Muitos
particulares exploravam seus escravos ensinando-lhes ofícios, o que representava uma competição com os
trabalhadores livres. [...] O impedimento colonial à industrialização e à imprensa fez com que nossa
produção material fosse, em geral, grosseira e de padrão rudimentar. [...] A partir de 1795 o governo
permitia o estabelecimento de manufaturas de ferro, que após tanta coerção, não poderia ter um surto de
grandes proporções. [...] Em 1808 houve o fim do chamado Pacto Colonial: foi revogada a proibição da
produção manufatureira, até então quase toda restrita (têxtil, ourivesaria, destilação de bebidas etc.). Foi
liberada a profissão de tipógrafo, até então proibida, sendo criada por D. João VI a Imprensa Régia”.
98 Encontramos em Prado Jr. aportes que nos ajudam a apreender o cenário socioeconômico e cultural
brasileiro, a saber: “Se vamos à essência de nossa formação, veremos que, na realidade, nos constituímos
para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamante; depois algodão, e em
seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo exterior, voltado para fora
do país e sem considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade
e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país”
(apud CORRÊA, 2006).
123
Iglésias adota como sexto período, a Revolução de 1930
99
“símbolo de nova ordem,
resulta do protesto contra os vícios do regime: ao longo da década de trinta, ele se
configura, com um arcabouço de tipo liberal, no velho estilo” (Idem, p.9-10). Com o
fim do conflito internacional de 1945, outro caminho se apresenta ao Brasil. Crises
institucionais são agravadas, decorrendo-se até um “abafamento” destas pelo regime
militar, em 1964. Nesse longo período, “o sentido renovador é mantido, com
agravamento da crise social pela política repressiva, desnacionalização crescente,
estatização de atividades e subjugação dos segmentos sociais [...]”, sinaliza Iglésias
(1994, p.10).
Ao lado dessas breves considerações, de acordo com Niemeyer, é pertinente
assinalar que desde o começo da industrialização no Brasil, “existiu um processo não
sistematizado ou formalizado de atividades no meio industrial que poderiam determinar
o padrão brasileiro para os nossos produtos” (2000, p.53). Isso posto, conforme
depreendemos, o desenho da economia em nosso país, no século XIX, se apresentou sob
matizes que exprimiram uma economia do tipo “primário-exportadora”, que, de acordo
com Tavares (1974, p.59), com nuanças bem próximas das dos demais países latino-
americanos. Nessa trajetória, esta economista ressalta ainda que o nosso processo de
desenvolvimento “voltado para fora” possuía seu dinamismo vinculado ao
crescimento da demanda por produtos de exportação que era determinada pelos “países
líderes”, do ponto de vista econômico. Com base no que já sinalizamos, nossa atividade
de exportação concentrava-se em poucos itens. Ou nas palavras de Tavares (1974), “em
um ou mais produtos”, o que conferia à nossa economia um caráter de ser “reflexa em
toda a extensão do termo”, ou seja, “não importava as crises das economias de que
dependia, como também era extremamente vulnerável às flutuações ocorridas nos
preços internacionais desses produtos” (TAVARES, 1974, p.59). Assim, em face desses
aspectos, na década de 1930, o modelo tradicional exportador entrou em crise, logo após
o evento da Grande Depressão ocorrida nesta época.
99 Novamente, encontramos em Niemeyer (2000, p.52), aportes que nos ajudam a compor um cenário
desse período, no tocante ao desenvolvimento industrial brasileiro. Assim, de acordo com a autora, o
“caráter agroexportador cafeeiro da economia brasileira determinou um parque industrial reduzido, pois
os bens manufaturados eram importados. Uma alteração deste quadro se deu face à crise do café que
teve seu ápice em 1930, quando houve excesso do estoque regulador de preço. As reservas de capital
oriundo da atividade agrícola foram investidas na atividade industrial. Por outro lado, os setores
industriais ainda em formação e consolidação tiveram facilidades fiscais para importação de bens de
capital. Assim, sobretudo em São Paulo, houve uma diversificação industrial, com expansão de alguns de
seus setores, como da metalurgia, da mecânica, do cimento, do papel”.
124
Ainda nessa perspectiva, observou-se que do grande período transcorrido até
uma recuperação em vel mundial precedido da Segunda Guerra Mundial, a nossa
economia foi compelida a inclinar-se sobre si mesma, isto é, se viu enveredada a
desenvolver novas atividades produtivas, sobretudo em setores de demanda interna que
até então eram atendidas pelas importações (TAVARES, 1974, p.59). Dessa forma, sob
forte pressão reducionista da capacidade de importação, deu-se início ao processo de
substituição de importações que se manteve por longos anos, levando com isso, a um
incremento industrial, promovendo uma diversidade produtiva bastante relevante.
No Brasil, na ocasião da grande depressão, havia uma pré-disposição
significativa do mercado interno, como também uma estrutura industrial (bem
incipiente, salienta-se) com uma relativa diversificação. Tal fato associa-se à
característica do setor de exportação, que promovia um “poderoso efeito difusor sobre o
espaço econômico da região em que estava localizado”. Dessa maneira, no bojo do
modelo “primário-exportador”, alinhava-se um “vigoroso processo de urbanização”, que
em vista disto, vinha “acompanhado da implantação de uma infra-estrutura de serviços
básicos e do desenvolvimento de uma série de indústrias ‘tradicionais’, tais como
alimentos, bebidas, mobiliário, roupas etc.” Nesse contexto, seria oportuno ressaltar que
o setor metalúrgico, ainda que sob um formato artesanal, é bastante antigo em nosso
país. (TAVARES, 1974, p.59-60).
Assim, pela longa duração da intensidade do “estrangulamento externo”,
associado à defesa da manutenção do nível de renda das classes ligadas ao setor
exportador, estimulou-se a “diversificação da atividade interna substituidora de
importações que correspondiam à composição da demanda daquelas classes”,
argumenta TAVARES, (1974, p.60). A esse propósito, de acordo com esta economista,
grande parte dos fazendeiros de café (que acabaram se tornando industriais),
acompanhou com extrema sensibilidade o processo de expansão e mudança na estrutura
produtiva. Daí segue-se que esse fato é apenas um dos fatores que favoreceram o
“peculiar” desenvolvimento da industrialização brasileira
100
.
100 Maria da Conceição Tavares se refere a uma coincidência entre os setores produtivos “mais
dinâmicos, em ambos os modelos de desenvolvimento. Essa coincidência, que se deveu de início à
abundância relativa de economias externas do eixo Rio-São Paulo, transformou o centro-sul do País numa
região fortemente polarizada, através de um mecanismo acumulativo que facilitou extremamente a
dinâmica do processo de substituição de importações, embora tenha resultado num violento aumento dos
desequilíbrios regionais” (1974, p.60).
125
Com o término da Guerra, nosso país encontrou-se numa situação relativamente
favorável quanto às limitações do setor exportador. Enquanto o Chile e a Argentina
(dois grandes países latino-americanos com um modelo de desenvolvimento similar)
enfrentaram uma capacidade de importar que não retornara aos níveis da pré-crise, o
Brasil conseguiu recuperar tal capacidade.
101
A partir dos anos de 1953 e 1954, um
retrocesso nas condições externas para nosso país. Não obstante tal cenário, Tavares
ressalta que havia um ganho dinâmico suficiente no processo, tanto que o
desenvolvimento industrial não continuou a seguir em frente, pela via da substituição
de importações, como foi incrementado. Apontam-se como fatores facilitadores de tal
processo de desenvolvimento a “capacidade do setor privado e a política econômica do
Governo que se orientou decisivamente no sentido da componente dinâmica do modelo
(1974, p.61). Em relação ao empresariado privado, salienta-se que este revelou sua
“vocação industrial” ao aproveitar os anos mais vindouros do setor externo os anos de
1951 e 1952 –, para incrementar a importação de grande quantidade de equipamentos e
promover investimentos nos mais diferenciados setores da atividade interna. Nesse
contexto, Tavares assinala que esses investimentos foram preponderantes para o
desenvolvimento do período subsequente, não somente pelo aspecto multiplicador de
renda e emprego, mas também por desencadear uma “série de elos que estabeleceram a
ponte para novas etapas de industrialização” (1974, p.61).
No tocante à diretriz político-econômica do Governo, duas linhas mestras de
ação se apresentaram. Estas, orientadas na direção da “resultante histórica do processo”,
tanto sob a ótica de sua “natureza intrinsecamente industrial”, quanto do prisma de sua
“concentração espacial” (TAVARES, 1974, p.61-62). Nessa trajetória, a economista
aponta como linhas estratégicas: a “política de comércio exterior”, e a “política de
investimento”. No primeiro caso, deu-se sobretudo sob a égide uma política cambial que
manteve até os anos 1970 uma discriminação efetiva entre as importações, promovendo
um tratamento especial aos bens de capital e alguns insumos essenciais. Nessa
perspectiva, também se lançou mão dos denominados “lucros de câmbio
102
”, como um
ingrediente “parafiscal de captação de recursos” que facilitariam certas operações da
esfera pública (TAVARES, 1974, p.61).
101 “E foi de um patamar superior ao daquele que as exportações sofreram uma expansão acentuada,
sobretudo em termos de poder de compra, dada a elevação dos preços internacionais do café que durou
até 1953-54”, declara Tavares (1974, p.61).
102 Tavares explica como o “ágio obtido pelo Governo na venda de divisas menos a bonificação de
instrumento parafiscal de recursos, para financiamento de certas operações do setor público” (1974, p.61).
126
A outra linha, ligada ao investimento, processou-se para dar continuidade à fase
dos “investimentos pioneiros”, dentre eles: a Companhia Siderúrgica Nacional em Volta
Redonda e a Petrobrás. Tal procedimento, declara Tavares, avançou para o que ela
assinalou como a “eliminação sistemática dos principais pontos de estrangulamento nos
setores de infra-estrutura e o financiamento e orientação de outros investimentos de
base”. Esse caráter estratégico foi capitaneado por um agente fomentador, da esfera
financeira, a saber: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Adiciona-se
ainda que, por meio de um “programa de metas”, consubstanciou-se essa política, como
um meio representativo da primeira tentativa exitosa de planejamento em escala
nacional. Não obstante, cabe notar que se deu em “termos setoriais e com todos os
defeitos inerentes à falta de uma visão global e integrada da economia” (TAVARES,
1974, p.61-62).
Com base na lógica das observações expostas, depreende-se que o processo de
desenvolvimento econômico brasileiro, mormente sua faceta industrial, deu-se
basicamente influenciado e compelido pelo impulso das restrições que o setor externo
promoveu, como também pelo período do pós-guerra. O Brasil, sob a ótica de sua
capacidade de importação, durante a época da Grande Depressão e a Segunda Guerra
Mundial, viu-se emaranhado a momentos restritivos similares aos países latino-
americanos. A título de ilustração, nosso país durante esse processo sofreu uma redução
do quantum de importações” da ordem de 50%. Já no período pós-guerra, a situação
apresentou-se a nós de maneira mais favorável em relação aos demais países da
América Latina, conforme assinala Tavares (1974, p.63).
Ademais, as observações apresentadas por essa economista, referentes a tais
períodos, nos permitem apontar que o Brasil se apresentou como um dos poucos países
latino-americanos que conseguiu recuperar a sua capacidade para importar no imediato
pós-guerra. Em vista disto, consequentemente, ele pôde beneficiar-se no período
subsequente no que tange às relações de troca (até 1954). Pelo fato de obter uma
melhoria do poder de compra das suas exportações, ao Brasil permitiu-se “nos anos
mais favoráveis, uma sensível recuperação em termos per capita até um nível muito
próximo do prevalecente na pré-guerra” (TAVARES, 1974, p.64).
A partir de meados do século XX, mormente da década de 1954, a condição da
esfera externa brasileira sofrera uma baixa. Devido à queda dos preços do café (produto
âncora) e a “reação pouco elástica do quantum exportado”, tendeu-se ao declínio a
127
capacidade brasileira de importar, e o quantum geral de importações só conseguiu
sustentar-se à custa de relevante aporte financeiro (privado) externo (Idem, ibidem).
A substituição de importações: uma resposta ao gargalo externo
Como vimos, devido à perda da dinâmica exportadora, em grande parte causada
pela Grande Depressão, estratégias se intensificaram com o fito de orientar a atividade
econômica brasileira para uma política de “substituição de importações”, ou seja, por
uma busca pela produção de bens em nossas terras, que à época, assentava-se em
reservas de mercado obtidas pela proteção cambial e tarifária. Tal esforço de
substituição se viu principalmente em atividades industriais, o que permitiu a
“ampliação das oportunidades de investimentos e, em consequência, a manutenção e
mesmo a aceleração da taxa de crescimento econômico durante longos períodos”
(TAVARES, 1974, p.67).
No período procedente à Grande Depressão, houve uma recuperação da
atividade interna. Grande parte deveu-se ao esforço da própria política econômica
governamental. Até a Segunda Guerra Mundial, expandiu-se a produção interna
industrial em nosso país, sobretudo, em grande parte, pelo aproveitamento intensificado
de nossa capacidade produtiva, ora instalada, permitindo a substituição de uma série de
bens de consumo leves que anteriormente eram importados. Nessa mesma trajetória,
ampliou-se o setor das indústrias produtoras de gêneros alimentícios, de certos materiais
de construção e de determinados equipamentos agrícolas, cujas importações, na ocasião,
chegaram a níveis bem baixos
103
(TAVARES, 1974, p.70). Os-guerra caracterizou-se
por um período em que, de um modo geral, houve uma expansão e uma mudança
contínua no corpus estrutural da indústria brasileira.
Apoiando-nos nas considerações da economista Tavares (1974, p.70-73),
assinalamos três momentos principais no processo de desenvolvimento industrial
brasileiro, a saber: uma fase em que se deu no período imediatamente após a Guerra
de 1945 a 1947 que correspondeu a um “alívio da situação do setor externo com a
retomada em termos absolutos da capacidade para importar aos níveis da pré-crise”.
103 De acordo com a análise de Tavares (1974, p.70), no período da Segunda Guerra Mundial, embora
sob dificuldades de insumos do exterior, ou por sua vez devido a isto, nossos governantes decidiram
enveredar para o setor siderúrgico, promovendo o início de um investimento pioneiro e de grande monta
na cidade de Volta Redonda, que resultou na Companhia Siderúrgica Nacional, cujo funcionamento deu-
se em 1946 e que “constitui a primeira operação em grande escala na indústria pesada da América
Latina”.
128
Dessa maneira, em consequência desse cenário, houve um menor crescimento da
economia nacional no sentido da orientação à substituição de importações, se
cotejarmos com o da expansão do setor exportador. Nessa perspectiva, segundo Tavares
as exportações tiveram uma considerável elevação enquanto papel participativo na
produção nacional; chegando em 1946 a ser similar à de antes da Guerra. Acrescente-se
ainda que embora existissem melhoras na capacidade de importação até o ano de 1954
(sobretudo a partir de 1949, devido à melhoria nos preços do ca em nível
internacional), tal fato não foi suficiente para retomar os níveis per capita
prevalecentes em 1929, mesmo nos anos mais favoráveis”. Como uma das estratégias
resultantes da escassez das reservas de divisas que foram acumuladas no exterior
durante a Guerra, o Brasil entrou num controle cambial, baseado numa manutenção da
taxa de câmbio vigente, conjuntamente num também controle das importações em nível
quantitativo. Assim, discriminaram-se “violentamente” (TAVARES, 1974) aqueles bens
de consumo que, de acordo com o juízo governamental, não eram essenciais. Somada a
isso e frente a essas demandas, evidencia-se uma outra fase da estratégia governamental,
em que, ao mesmo tempo, sustentava em patamares relativamente baratos as
importações de produtos intermediários e de bens de capital, resultando num
considerável estímulo à
implantação interna de indústrias substitutivas desses
bens de consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não
eram produzidos dentro do País e passaram a contar com
uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de
mercado como do lado dos custos de operação. Esta foi
basicamente a fase da implantação das indústrias de
aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo
durável (TAVARES, 1974, p.71).
De igual modo, na década de 1954, sustentado por Tavares (1974, p.72), é
pertinente considerar terminada a segunda fase do desenvolvimento interno. Fase em
que existiu uma “coincidência entre uma expansão industrial relativamente acelerada
(embora desordenada) e a melhoria do poder de compra das exportações” (TAVARES,
1974, p.72). A esse propósito, ainda sob a interpretação da economista, cabe salientar
que no ano de 1954, houve por parte da esfera governamental, vultosos investimentos
no setor industrial petrolífero (conforme mencionado no texto), que repercutiram
consideravelmente no desenvolvimento do período seguinte.
Ao período que corresponde aos anos de 1955 e 1956, período considerado
como de transição (TAVARES, 1974), seja no plano político, como no econômico, a
129
economista vem ressaltar que o ano de 1956 apresentou-se como uma taxa de
crescimento negativa do produto per capita. Na terceira fase do desenvolvimento, a que
corresponde aos anos que vão de 1956 a 1961, dois fatores destacaram-se, a saber: o
“aumento da participação direta e indireta do Governo nos investimentos, e a entrada de
capital estrangeiro privado e oficial para financiar uma parcela substancial do
investimento em certos setores”. Nesse contexto, o Governo promove ações sob um
“programa de metas setoriais”, o qual promoveu um “certo grau de racionalidade à
expansão industrial”, declara Tavares (1974, p.72). Como algumas características desse
período, salientamos que houve, em parte, autonomia de “capitais oficiais” que se
destinavam a financiar projetos específicos e em parte maior compensação destinada a
cobrir os déficits do balanço de pagamentos”
104
(Idem, ibidem).
Seria oportuno ressaltar que nessa fase houve a instalação, aqui em nosso país,
de vários segmentos da esfera industrial. Dentre eles, a indústria de produção de
automóveis, a de construção naval, de produção de material elétrico pesado, e outros
segmentos industriais na área de mecânica de produção de bens de capital. Segue-se,
ainda, uma expansão de vários setores industriais básicos como o siderúrgico, o
petrolífero, metalúrgico dos não-ferrosos, o de celulose e papel, química pesada, dentre
outros. Nessa perspectiva, destaca-se que essa “considerável expansão e diversificação
industrial” se deu estimulada por incentivos e subsídios de naturezas diversas; entre
aqueles, recebem particular menção os “cambiais e tarifários introduzidos pela Lei
número 3.244, de 1957” (TAVARES, 1974, p.72).
Em vistas das observações expostas, cumpre apontar, sob o recorte exposto da
trajetória brasileira no tocante ao seu desenvolvimento industrial, que o processo de
substituição de importações em nosso país, aprofundou-se consideravelmente, elevando
o ritmo de desenvolvimento a níveis mais acelerados, se comparado com os anteriores.
Por outro lado, é digno de nota que não se deve deixar de mencionar que o processo de
desenvolvimento brasileiro acarretou tanto um agravamento de grande monta das
pressões inflacionárias, quanto dos desequilíbrios
105
nas regiões (TAVARES, 1974,
p.73).
104 De acordo com Tavares (1974, p.72), a entrada de capital privado estrangeiro direcionou-se
basicamente aos setores da indústria mecânica sob a forma de investimento direto.
105 Tavares aponta que como o aumento da participação da esfera pública no “dispêndio nacional”, sem
que houvesse uma contrapartida, ou seja, um “adequado mecanismo de financiamento”, juntamente com
o “agravamento do estrangulamento do setor externo”, aceleraram os mecanismos de propagação
130
3.2. - A questão do nacional-desenvolvimentismo: possibilidades de um
Design brasileiro
Ao compreendermos como sentido para o vocábulo linguagem um modo pelo
qual os homens se comunicam entre si
106
, isto nos traz, a princípio, que é pertinente
considerar o Design uma linguagem como uma forma de expressão cultural. O
Design possui uma dimensão imbricada à cultura contemporânea, ou seja, pode-se dizer
que ele é uma modalidade própria da cultura e da contemporaneidade, ao mesmo tempo
em que faz parte destas, realimentando-as (VILLAS-BOAS, 2002, p.18). Seguindo
nessa trajetória, lançamos mão das reflexões de Eagleton (2005), nas quais “cultura”
vinha a denotar
de início um processo completamente material, que foi
depois metaforicamente transferido para questões do
espírito. A palavra, assim, mapeia em seu desdobramento
semântico a mudança da própria humanidade da
existência rural para a urbana, da criação de porcos a
Picasso, do lavrar o solo à divisão do átomo. No linguajar
marxista, ela reúne em uma única noção tanto a base
como a superestrutura. [...] A raiz latina da palavra
“cultura” é colere, o que significa qualquer coisa, desde
cultivar e habitar a adotar e proteger. Seu significado de
“habitar” evoluiu do latim colonus para o contemporâneo
“colonialismo”, de modo que títulos como Cultura e
colonialismo são [...] um tanto tautológicos. Mas colere
também desemboca, via o termo cultus, no termo
religioso “culto” [...]. A cultura, então, herda o manto
imponente da autoridade religiosa, mas também tem
afinidades desconfortáveis com ocupação e invasão; [...]
Se cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo,
daquilo que cresce naturalmente, o termo sugere uma
dialética entre o artificial e o natural, entre o que fazemos
ao mundo e o que o mundo nos faz. [...] implica a
existência de uma natureza ou matéria-prima além de
nós; mas tem uma dimensão “construtivista”, que essa
inflacionária, conduzindo graves repercussões sobre a economia como um todo. Também revela que a
grande concentração industrial no eixo mais desenvolvido do Brasil, contribuiu para o aumento dos
desequilíbrios regionais e suas implicações político-econômicas. [...] O aumento dos desequilíbrios
regionais corresponde a uma tendência natural de concentração da atividade econômica em torno da
região polarizada do sistema, agravada por uma política econômica de incentivos à industrialização que
na própria correspondia à transferência renda das regiões menos desenvolvidas para as mais
desenvolvidas. [...] Os desequilíbrios sociais parecem ter-se agravado [...], a julgar por vários indicadores
que vão desde o aumento das populações marginais nas cidades até os desníveis de renda da população
ocupada no setor mais atrasado, o primário, em relação ao setor mais desenvolvido, o secundário. Esse
aumento de desequilíbrio do ponto de vista social repousa em grande parte na incapacidade dos setores
dinâmicos da economia de abrirem oportunidades de emprego em ritmo capaz de absorver as massas
carentes de população em idade economicamente ativa” (TAVARES, 1974, p.73-106-107).
106 Nessa perspectiva, de acordo com Valente (1997, p.13) a linguagem como “expressão dos nossos
desejos e sentimentos, das nossas idéias e emoções”, é “vital para convivência humana. Não existe
sociedade sem comunicação e, por conseguinte, sem linguagem”.
131
matéria-prima precisa ser elaborada numa forma
humanamente significativa (EAGLETON, 2005, p.10-11
– itálicos no original).
O rico fragmento posto por Eagleton nos uma maior clareza quanto às
dimensões semânticas do vocábulo “cultura”. De todo modo, nos remete a observá-lo
sob um prisma evolutivo/desenvolvimentista humano. No sentido daquilo que já
vínhamos enfatizando, ou seja, faz parte da trajetória evolutiva do homem, em sua
relação com a natureza (que é de alguma maneira cultural), buscar absorvê-la e
modificá-la construtivamente, também em níveis culturais, num “incessante tráfego com
a natureza que chamamos de trabalho” (EAGLETON, 2005, p.12).
Também nos traz uma outra apreensão para o termo (cultura), ou seja, segundo a
argumentação de Eagleton (2005), a palavra originalmente possuía o significado de
“lavoura, cultivo agrícola”, sendo assim, ela sugere “regulação” e “crescimento
espontâneo”. Assim, podemos afirmar, sustentado pelo professor inglês de Teoria da
Literatura, que o cultural se refere àquilo que nós podemos mudar. No entanto, a “coisa”
que se pretende alterar possui sua própria autonomia, sendo assim, “cultura também é
uma questão de seguir regras, e isso também envolve uma interação entre o regulado e o
não-regulado” (EAGLETON, 2005, p.13). Portanto, a “idéia de cultura”, segundo esse
autor sinifica
uma dupla recusa: do determinismo orgânico, por um
lado, e da autonomia do espírito, por outro. É uma
rejeição tanto do naturalismo como do idealismo,
insistindo contra o primeiro, que existe algo na natureza
que a excede e a anula, e, contra o idealismo, que mesmo
o mais nobre agir humano tem suas raízes humildes em
nossa biologia e no ambiente natural. [...] Os seres
humanos não são meros produtores de seus ambientes,
mas tampouco são esses ambientes pura argila para a
automodelagem arbitrária daqueles. [...] A própria
palavra “cultura” compreende uma tensão entre fazer e
ser feito, racionalidade e espontaneidade, que censura o
intelecto desencarnado do iluminismo tanto quanto
desafia o reducionismo cultural de grande parte do
pensamento contemporâneo. Ela alude ao contraste
político entre evolução e revolução a primeira,
“orgânica” e “espontânea”, a última, artificial e forçada
[...]. A palavra combina de maneira estranha crescimento
e cálculo, liberdade e necessidade, a idéia de um projeto
consciente mas também de um excedente não planejável
(EAGLETON, 2005, p.14).
As ideias expostas no excerto acima leva-nos a observar contradições no ofício
do designer. Em que sentido? Considerando também como característica própria de seu
132
trabalho, criar, conformar e transformar nossa natureza artificial – e por que não,
produzir cultura –, como um homem-artista num nível sensível, ele representa,
expressando, ao mesmo tempo em que absorve o que está à sua volta (como um cidadão
componente de uma dada sociedade, impacatado por uma pujante ideologia dominante,
seja pela via midiática, ou não). Como um técnico-projetista vinculado às demandas
econômico-produtivas que lhe são postas
107
, busca agregar sentido e valores simbólicos
a determinados produtos, conforme discutimos no primeiro capítulo desta Tese. Mas
será que ele deve se apresentar apenas como um reflexo de determinado modo de
produção dominante? Argumentamos que não. No processo do “cultivo” a si próprio e
aos outros, sustentamos que este deveria ser de maneira dialética, pensada, de modo a
conduzi-lo a perceber de forma menos velada e mais crítica quais são as diretrizes,
“modas”, os porquês de determinadas linhas conceituais no âmbito de sua profissão, e
as questões e contradições que estão postas pela classe hegemônica. Se não puder
vislumbrar que o produto de seu trabalho pode resultar em benefícios ou não à
sociedade, ele pode ser um meio meramente reprodutor do que cabe ser configurada, de
acordo com a ótica dominante, socioeconômica e culturalmente uma dada sociedade.
Nesse sentido, Villas-Boas, argumenta que o Design é um discurso, e como tal
espelha a condição cultural na qual e para qual foi concebido ao mesmo tempo em que
contribui para produzir, realimentar ou transformar esta mesma condição cultural”.
Ademais, da mesma forma, ao lançar mão de um “instrumental simbólico”, expressa
valores que podem ser dominantes (“imanentes à preservação da hegemonia da classe
doninante”), ou outros que se apresentam como um “projeto de contra-hegemonia”,
(VILLAS-BOAS, 2005, p.18-20 itálico no original). Atendo-se à esfera do Design
Gráfico, Villas-Boas admite a cultura como arena deste; mormente se a considerarmos
no âmbito da “produção, circulação e consumo de significações” (GARCÍA
CANCLINI, apud VILLAS-BOAS, 2005, p.20), que se entrelaçam e se imbricam nas
“estruturas de poder (e não poder)”.
Em vista desse contexto, sustentamos, apoiando-nos em Coutinho (2005, p.9),
que para se compreender os fenômenos da esfera artística e da ideologia, estes devem
estar “relacionados dialeticamente com a totalidade social da qual são, simultaneamente,
107 Villas-Boas, no âmbito do Design Gráfico, vem ressaltar que um projeto desta área não é definido por
ele ser uma “expressão visual indissociada das variáveis concretas determinadas pelo objeto que lhe dá
sentido mas unicamente por ser determinado historicamente”. Em outras palavras, ele salienta que “não
design gráfico que não tenha como razão essencial responder às condicionantes do cliente e de seu
público-alvo” (2005, p.69).
133
expressões e momentos constitutivos”. Ele também nos fornece uma interpretação
acerca da gênese cultural brasileira, indicando uma preponderância do que ele denomina
de uma “cultura ornamental, elitista” (Idem, ibidem, p.10), que buscaremos analisar
mais adiante.
Desse modo, prosseguindo nessa trajetória, encontra-se também em Sodré (apud
ESCOREL, 2000, p.26), um relevante fragmento, oriundo de uma publicação sua
intitulada A História da Imprensa no Brasil, que argumenta sobre uma possível causa
do retardo temporal da introdução da tipografia em nossa nação. Nesse contexto, ele
vem ressaltar como premissa de que visando manter em patamares baixos o nível
cultural de seus colonizados, as metrópoles europeias utilizaram como estratagema para
fortalecimento de seu poder central, a não introdução de atividades que envolveriam
produções de cunho tipográfico. Tal caráter visava manter tanto o embotamento, quanto
uma subjunção intelectual e cultural, e, por conseguinte econômica, de forma cada vez
mais acentuada por parte do colonizador, o que dificultaria uma contrapartida de levante
contra esse.
Ainda versando sobre tal contexto, Escorel (2000) acrescenta que em países
onde se notara uma cultura mais desenvolvida se compararmos com a do Brasil na
mesma época –, como por exemplo, o México e o Peru, a tipografia nessas nações teve,
respectivamente, sua “liberação” por volta dos anos 1539 e 1584. Por sua vez,
depreende-se que em nações de porte mais desenvolvido culturalmente, a tipografia
também foi utilizada como estratégia de dominação. Ou seja, em tais sociedades, a
tipografia foi usada como “instrumento de domínio da cultura do opressor sobre a
cultura do oprimido” (ESCOREL, 2000, p.26). De todo modo, acrescenta que nos locais
em que o opressor se defrontava com culturas de níveis mais elevados, este se
empenhava em implementar a sua própria. Justifica-se, desse modo, o defender e o
ocupar com menos dificuldade, tanto o território, quanto o jogo político e a exploração
econômica (Idem, ibidem). Nesses aportes, em ambos os casos, nota-se uma relevada
importância conferida à tipografia como mediadora de domínio não cultural, mas
também nos vetores econômico e político.
Não obstante, em nossa nação, os colonizadores portugueses não encontraram
um cenário de mesmo matiz cultural, se cotejado com o das nações vizinhas de nosso
continente à mesma época. Muito pelo contrário, aqui havia, na ocasião do
descobrimento de nosso território, tribos indígenas que viviam ainda sob um estágio
134
civilizatório bem abaixo do dos portugueses, ou seja, “próximo da idade da pedra”,
como salienta Escorel (2000, p.27). Dessa maneira, acrescenta que “não viram
necessidade de fazer esse tipo de proselitismo e, portanto, de trazer para a tipografia,
ainda no século XVI” (Idem, ibidem). Cabe notar que, por esse ou por outro motivo, o
fato é que a tipografia só desembarcou aqui em nosso país nos arredores do século XIX,
portanto, próximo de nosso século atual, não nos restando muito tempo para que
pudéssemos amadurecer como estilo tipográfico próprio, o que de alguma maneira, nos
levaria também a expressarmo-nos, propriamente, como um povo. Ressaltamos a
tipografia, dentre tantos outros aspectos, também de igual monta, no cenário de
colonização do Brasil, por compreendermos de que se trata, no âmbito do Design,
mormente sua vertente gráfica, um fator de elevada importância. Sustentamos tal
argumentação, apoiando-nos em Escorel, da mesma forma em que ela nos apresenta, ou
seja:
Ora, a técnica e a estética da composição tipográfica
constituem duas das principais bases de sustentação da
linguagem do design gráfico. E se a tradição brasileira
nesse setor é fraca, somos levados a concluir que nosso
design gráfico não pode contar muito com ela para
constituir o seu trajeto. Por outro lado, nas décadas de 30
e de 40, a grande influência sofrida pelo produto gráfico,
no Brasil, veio da publicidade que se praticava nos
Estados Unidos. Anúncios, cartazes, embalagens, rótulos
e revistas calcavam sua fisionomia nas referências
americanas que funcionavam como modelos a serem
atingidos. Talvez o livro se mantivesse menos submisso a
esse padrão na medida em que era mais influenciado
pelas editoras européias, portuguesas e francesas
principalmente (2000, p,27)
108
.
Percebe-se nesse excerto uma forte influência estrangeira posta na arena do
Design brasileiro. Nesse contexto, Villas-Boas (2002, p.27-28) considera o Design
108 Nesse contexto, conforme acrescenta Escorel (2000, p.27), a nossa produção gráfica embora ainda
sob forte influência européia e norte-americana –, teve nos anos de 1920 e 1930 algumas tentativas de
fabricação de livros com características brasileiras, que emergiram, sustentadas por movimentos de
protestos, dentre eles a Semana de Arte Moderna, e pelas iniciativas de Monteiro Lobato, em sua editora.
Ainda sob sua análise, ela observa que foi preciso a “introdução sistemática do design no Brasil para que,
pouco a pouco, esse estado de coisas se modificasse, o sistema em que se insere o produto industrial fosse
sendo apreendido em toda a sua extensão e os campos do projeto industrial e das artes plásticas se
organizassem melhor, cada um dentro de seus limites próprios”. Para ela, tal processo se iniciou em
meados dos anos de 1960, (quando o otimismo desenvolvimentista brasileiro se encontrara em sua fase
final), com a criação da ESDI em 1963, no então Estado da Guanabara. No entanto, cabe ressaltar que, de
novo, a história se repete, isto é, o “design gráfico que se praticava naquela altura no Brasil sofreu grande
influência da voga no momento, representada pelo estilo suíço ou internacional style, como se referem a
ele os americanos” (Idem, ibidem, p.28). Trataremos com mais detalhes este assunto na última parte deste
capítulo.
135
Gráfico ora sob um eixo da expressão cultural da alta cultura, ora como meio de
expressão da cultura popular. A primeira conjuga-se ao ambiente das “vanguardas
históricas” do século XX, sobretudo em suas primeiras décadas. A atividade (Design
Gráfico) aparece reivindicada como uma “espécie de arte (evidenciada pela recorrência
a termos como arte aplicada, artes visuais, artes gráficas etc.)”. A outra consideração
associa tal atividade no âmbito da valorização daquelas soluções visuais que exprimiam,
espontaneamente, características de raízes e identidades populares
109
. O caráter de
espontaneidade se sustenta sob duas vertentes, a saber: uma, dada pela não existência de
uma “educação formal” para que se produza uma obra. Villas-Boas (2002, p.30)
sustenta tal argumentação pelo fato de que esta vertente é “valorizada como legítima”,
seja porque é resultado de uma experiência de cunho coletivo, derivada das “condições
de classe”, seja porque é oriunda de um “talento individual apesar das condições de
classe”.
O segundo pilar se apóia no caráter de independência produtiva com as
“instâncias de reprodução e distribuição, que a legitima e a sublinha como expressão de
classe porque gerada independentemente do valor mercantil que a obra venha a ter”.
Dessa maneira, nota-se uma produção natural, como uma necessidade expressiva,
alheia à esfera produtiva e, desta forma, legítima integrante da esfera artística apesar
das condições de classe nas quais foi gerada” (VILLAS-BOAS, 2002, p. 30 – itálicos no
original). Nesses aportes, são notados dois eixos nos quais o âmbito do Design se
encontra balizado; isto é, por um lado, se ele somente atentar-se à esfera mercantil,
poderá atender às reais demandas das grandes massas? Qual o ponto de equilíbrio (se é
que existe) da esfera produtiva dessa atividade? São perguntas muito difíceis de
responder. No entanto, sustentamos, nas mais diversas instâncias, seja em sala de aula,
ou em encontros acadêmicos, conforme vimos argumentando no corpo desta Tese, que
se devam buscar metodologias projetuais imbuídas sob esse referencial, isto é, que
remetam aos designers refletirem sob tais aspectos aqui levantados.
109 Villas-Boas define cultura popular como “produções das classes populares que se caracterizam por
dois aspectos básicos (embora não se reduzam a eles), e que caminham necessariamente juntos. Estes
aspectos são a idéia de espontaneidade e a identificação de um discurso potencialmente contra a ideologia
[...], ou pelo menos, contra a hegemonia [...]. Quando estes dois aspectos não caminham juntos, não
dimensão de cultura popular: ou ela não é legitimada como instância de cultura (porque espontânea mas
mera repetidora de estratagemas ideológicos ou simples comprovações da hegemonia) ou perde seu
significado pela proximidade para com a cultura letrada (porque de alguma forma se opõe à ideologia ou
à hegemonia, porém não de forma espontânea, integrando a cultura letrada” (2002, p.29 itálicos no
original).
136
Isso posto, dando prosseguimento à questão da “cultura ornamental”, lançamos
mão das ideias de Coutinho (2005, p.10), pelas quais depreende-se como foco central da
problematização de uma cultura nacional (brasileira), a “escassa densidade nacional-
popular de seus produtos”, cuja origem se encontra na ausência de um “grande mundo
democrático em nossa sociedade”. Ou seja, a não presença de uma efetiva e democrática
participação popular nos processos criadores em vários estágios de nosso ser social.
Continuando nessa tessitura analítica, ele salienta como principal consequência desse
processo sócio-histórico, no nível cultural brasileiro, uma grande influência daquilo que
ele caracteriza como uma “cultura ornamental, elitista”, que em muito dificultou
edificar uma “efetiva consciência crítica nacional-popular” aqui entre nós brasileiros
(COUTINHO, 2005, p.10).
Embora não esteja no escopo desta Tese analisar questões relacionadas à
categoria “sociedade civil”, sentimos necessário fazer uma breve abordagem em tal
aspecto, como uma ponte pedagógica para melhor compreendermos as bases políticas,
socioeconômicas e culturais (a materialidade brasileira), que se fizeram presentes e que
foram determinantes no que se produziu em nosso país, no âmbito do Desenho
Industrial. Dessa forma, adotamos a premissa gramsciana presente nas argumentações
de Coutinho (2005), no que diz respeito à “organização da cultura”, na qual vem
reafirmar que não como existir sociedade civil, sem que haja formas de organizar
culturalmente uma sociedade. Nesse contexto, há também premente, uma emergência da
“sociedade civil”, em termos também gramscianos da expressão; pois, é nesta esfera que
ocorrem as “relações sociais de direção político-ideológica de hegemonia, que [...]
‘completam’ a dominação estatal, a coerção, assegurando também o consenso dos
dominados (ou assegurando tal consenso, ou hegemonia, para as forças que querem
destruir a velha dominação)” (COUTINHO, 2005, p.16 – itálico no original).
Dessas reflexões depreende-se que, por um lado, a “sociedade civil” possui uma
função da garantia ou contestação em legitimar uma formação social ou um Estado, os
quais por si mesmos, não possuem legitimidade; e de outro lado, ela possui uma
“materialidade própria”, isto é, se apresenta como um “conjunto de organismos ou de
objetivações sociais, diferentes tanto das objetivações da esfera econômica, quanto das
objetivações do Estado strictu sensu” (Idem, ibidem, p.18).
No que compete a esses traços societários, uma esfera representativa
intermediária, isto é, entre aquele que tem o papel de defender o interesse público (o
137
Estado), e um outro ator que se aproxima dos interesses dos “indivíduos atomizados no
mundo da produção”. Assim, emerge uma esfera organizativa de sujeitos plurais,
“coletivos, em luta ou em aliança entre si”. Esse nível intermediário de mediações
sociais, é o que se denomina por “sociedade civil”, ou seja, o campo dos aparelhos
privados de hegemonia, o espaço da luta pelo consenso, pela direção político-
ideológica” (COUTINHO, 2005, p.18). Dessas ideias, observa-se que a organização da
cultura não se subordina diretamente ao Estado, mas é resultante da “própria trama
complexa e pluralista da sociedade civil. [...] aparece como um momento necessário da
articulação e da aproximação da própria sociedade civil”, declara Coutinho (2005,
p.18). Em última análise, de acordo com o autor, a organização da cultura é o
sistema das instituições da sociedade civil cuja função
dominante é a de concretizar o papel da cultura na
reprodução ou na transformação da sociedade como um
todo. [...] E “organizações culturais” são também as
instituições que servem para difundir ideologia de um
modo geral: as editoras, os jornais, os grupos teatrais etc.,
estejam ou não ligados diretamente a algum organismo
(tipo sindicato ou partido) da sociedade civil. [...] não
pode existir sociedade civil efetivamente autônoma e
pluralista sem uma ampla rede de organismos culturais; e
vice-versa, não pode existir organização da cultura
efetivamente democrática sem estar apoiada numa
sociedade civil desse tipo. E a luta de classes, sob a
forma da batalha de idéias, da luta pela hegemonia e pelo
consenso, atravessa tanto a sociedade civil quanto este
sistema de “organização da cultura” (COUTINHO, 2005,
p.20).
Portanto, pode-se inferir e sustentar que o Design, da maneira como argumenta o
excerto anterior, é uma forma de “organização cultural”, com todas as contradições que
lhe estão postas. Nesse contexto, encontramos em Marx & Engels aportes que sustentam
e ampliam tais reflexões, a saber:
A forma de intercâmbio condicionada pelas formas de
produção existentes em todas as fases históricas
anteriores e que, por sua vez, as condiciona, é a
sociedade civil; esta última, [...] tem como pressuposto e
fundamento a família simples e a família composta, o que
se costuma chamar de tribo, cujas determinações mais
precisas forma dadas anteriormente. Vê-se, aqui, que
esta sociedade civil é a verdadeira fonte, o verdadeiro
cenário de toda a história, e quão absurda é a concepção
histórica anterior que, negligenciando as relações reais,
limitava-se às ações altissonantes dos príncipes e dos
Estados. A sociedade civil abrange todo o intercâmbio
material dos indivíduos, no interior de uma fase
determinada de desenvolvimento das forças produtivas.
138
Abrange toda a vida comercial e industrial de uma dada
fase e, neste sentido, ultrapassa o Estado e a nação, se
bem que, por outro lado, deve se fazer valer frente ao
exterior como nacionalidade e organizar-se no interior
como Estado. A expressão “sociedade civil” aparece no
século XVIII, quando as relações de propriedade se
tinham desprendido da comunidade antiga e medieval. A
sociedade civil, como tal, desenvolve-se apenas com a
burguesia; entretanto, a organização social que se
desenvolve imediatamente a partir da produção e do
intercâmbio e que forma em todas as épocas a base do
Estado e do resto da superestrutura idealista, foi sempre
designada, invariavelmente, com o mesmo nome (MARX
& ENGELS, 1986, p.52-53 – itálicos no original).
O fragmento por seu turno elucida a real importância e o conceito do que vem a
ser “sociedade civil”. Isso posto, dando prosseguimento a essa trajetória analítica, é
pertinente observar que existiu uma “completa debilidade (ou mesmo ausência) de
sociedade civil” na remota história brasileira. Também não é menos certo ainda
ressaltarmos que, nessa perspectiva, houve uma evolução, numa luta por disputa de
classe com altos e baixos é claro, mas existiu. Significa salientar uma outra situação
mais próxima de nossos dias, que se caracteriza por uma sociedade civil mais presente,
complexa e mais articulada, conforme declara Coutinho (2005, p.21). Ele vem lembrar
que “essa trajetória é expressão do progressivo ingresso do Brasil, ainda que por vias
transversas, na era do capitalismo industrial” (Idem, ibidem). Dessa forma, se
iniciarmos nosso recorte no Brasil colonial, pré-capitalista, observaremos a falta
completa de uma sociedade civil. Não havia aqui entre nós na época, esboços de
parlamento, partidos políticos, como também inexistia um sistema educacional que se
estendesse para além das escolas de catequese. E, para a nossa dificuldade maior, não
possuíamos sequer o “direito de imprimir livros ou publicar jornais”, resgata Coutinho
(Idem, ibidem). Assim nossa organização cultural era “tosca e primitiva”. Os poucos
intelectuais existentes, se consorciavam de maneira direta à esfera administrativa
colonial, inseridos em sua burocracia, ou eram ligados à Igreja, o que o fazia muita
diferença, pois conforme salienta Coutinho, esta era na ocasião, um “aparelho
ideológico direto do Estado” (2005, p.21-22).
Ao focarmos o período de nossa Independência, também não encontraremos
grandes transformações nesse quadro societário. Haja vista que o processo de nos
tornarmos independentes se fez do alto por um golpe palaciano”, e não produzido por
uma participação ativa e prévia da sociedade civil, que ainda não existia (COUTINHO,
2005, p.22). Não obstante, diante das demandas de intercâmbio social e produtivo,
139
sobretudo pelas necessidades políticas de um país que se dizia independente, como
também pelo desenvolvimento econômico ora imperioso, novas cartas foram postas à
mesa; isto é, um novo extrato social “os intelectuais” se fez necessário como forma
de representar e servir ao Estado. Tal fato, impôs, por exemplo, a criação de instituições
de educação de nível superior (sobretudo na área jurídica) que formariam, aqui em
nossas terras, os profissionais que anteriormente eram formados na nação portuguesa.
Nesse contexto, forçosamente criaram-se os “primeiros rudimentos” de um sistema
organizacional da cultura, devido ao surgimento de um incipiente mercado cultural, que
propiciou a publicação de jornais, edição de livros, montagens de peças teatrais etc.
(COUTINHO, 2005, p.22). É pertinente salientarmos que nesse âmbito, existiram
demandas concretas para uma inserção de “profissionais” – ainda que embrionariamente
- daquilo que hoje se configura por Design Gráfico.
Se recordarmos que vivíamos, na ocasião, num modo de produção escravista
110
,
tal aspecto criou um “grande vazio” entre as duas classes que de fato, eram
fundamentais na sociedade brasileira da época, a saber: de um lado, existiam os
escravos, que certamente não possuíam formas de se organizarem e de obterem um
“projeto político global” que também os impediam de “absorver os intelectuais como
seus intelectuais orgânicos”
111
; do outro, estavam os “latifundiários escravocratas”, que
necessitavam dos atributos dos intelectuais “apenas como mão-de-obra qualificada para
a implementação das atividades administrativas do Estado que controlavam”, salienta
Coutinho (2005, p.22).
Dessa maneira, não havendo necessidade da legitimação do domínio mediante
uma “batalha de idéias”, as classes hegemônicas da época envidaram esforços por uma
“cultura puramente ornamental” que se prestou a concessão de status tanto aos
intelectuais quanto aos seus mecenas, mas que não tinham incidência efetiva sobre as
contradições reais do povo-nação”, ressalta Coutinho (2005, p.23). Assim, sob essa
“atmosfera social rarefeita” (Coutinho, 2005), a situação do intelectual não lhe era
satisfatória. Não havia um campo fértil pelo qual poderia se desenvolver sua autonomia
relativa, restando-lhe poucas opções profissionais. Ressalta-se uma principal, quase que
110 “Um escravismo certamente peculiar, já que articulado no nível internacional com o capitalismo, com
suas exigências mercantis e, portanto, capaz de ‘importar’ um certo tipo de cultura (e de instituições)
próprias do capitalismo liberal; mas se tratava sempre, no plano interno, de um regime escravista”,
salienta Coutinho (2005, p.22).
111 Coutinho observa que ainda que houvesse intelectuais compactuados com a causa abolicionista, em
geral, se fazia em “nome de um projeto cultural e político dos escravos, mas de uma nova ordem liberal
que garantiria o desenvolvimento do capitalismo” (2005, p.23).
140
única, a de alocar seus atributos profissionais às classes dominantes, tornando-se dessa
forma, um “funcionário do aparelho do Estado” (Idem, ibidem), haja vista uma
sociedade em que não havia entidades sociais autônomas e representativas de todo o
corpus social, e um mercado cultural extremamente restrito. Coutinho ainda observa
que a cooptação dos intelectuais por parte da classe hegemônica, assumia-se sob o
“traço do favor pessoal”, ou seja, aliando-se a algum poderoso – um “proprietário
influente, o intelectual era agraciado com empregos, prebendas etc.” (COUTINHO,
2005, p.23)
112
.
Postas as matizes desse “cenário colonial”, tal situação não obteve modificações
consideráveis durante a Primeira República, salienta Coutinho (2005, p.25). Tal razão se
deu pela mesma característica do processo de Independência brasileira. Ou seja, foi
fruto de uma mudança oriunda do “alto”; foi pouco mais do que um golpe militar. As
grandes massas, que ainda continuavam desorganizadas, não participaram de sua
proclamação, ressalta Coutinho (2005, p.25). O autor resume o cenário da seguinte
forma:
No essencial, a vida intelectual continua restrita a poucos
setores das camadas médias; continua em grande parte a
ser uma “cultura ornamental”, algo que Afrânio Peixoto
expressou muito bem quando, ingenuamente, definiu a
literatura como sendo “o sorriso da sociedade”. As
polêmicas culturais abrem fissuras na superfície
homogênea da camada intelectual, mas não tocam nas
questões de fundo; não passam, no mais das vezes, de
tempestades em copo d’água. Parnasianos, simbolistas,
românticos tardios: todos se identificam numa comum
concepção de cultura, ou seja, uma concepção elitista,
aristocratizante, ornamental (COTUINHO, 2005, p.25-
26).
Se considerarmos por certo que se predominou um “caráter elitista” na cultura
de nosso país até esse período, não menos certo ainda é observar que tal caráter não
112 Nessa perspectiva, também é importante relevar que naquela época “possuir cultura”, significava se
distinguir na sociedade (escravocrata), como “homens livres”, sem que pertencesse à classe dos
proprietários, mas que por isso, poderiam se dedicar a um outro tipo de “trabalho” que não fosse marcado
pelo estigma do trabalho escravo. Ou seja, nas palavras de Coutinho (2005, p.24), ser “intelectual era ser
ocioso; precisamente na possibilidade de desfrutar desse ócio é que residia o traço de distinção, o status
superior do intelectual. E esse status, ao mesmo tempo em que servia de disfarce para a posição
dependente do intelectual, acentuava o caráter ornamental da cultura dominante da época”. Esse
fragmento nos direciona a uma outra reflexão, a saber: ainda que um “intelectual” desse tipo possa
“cultivar sua intimidade”, dando margem a exprimir-se sob ideologias ou estilos estéticos mais adequados
à sua condição criadora, o fato é que sua posição de cooptação e consequentemente, de isolamento face às
questões e demandas populares, leva a uma cultura que não evidencie possibilidades de discussão, e daí,
críticas, às “relações sociais de poder vigentes, com as quais estão direta ou indiretamente
comprometidos” (COUTINHO, 2005, p.24).
141
diferiu muito a partir dos anos 1920, período em que gradativamente se complexificou a
nossa sociedade, resultante da influência do modo de produção capitalista que se
apresentara como modo reinante. Nesse sentido, altera-se a estrutura social da sociedade
brasileira, aproximando-se cada vez mais dos traços estruturais de uma sociedade
capitalista
113
. Dessa forma, no palco socioeconômico e político de nosso país, outros
atores camadas e classes sociais se apresentaram. Tomando as ideias de Marx &
Engels, depreende-se que a cada fase da divisão do trabalho que se instaura,
desenvolvem-se diferentes relações sociais entre os indivíduos, subdividindo-as
particularmente em relação às tipificações do regime de produção. Isto equivale a dizer
que são igualmente determinadas as relações dos indivíduos entre si, no que tange ao
“material, ao instrumento e ao produto do trabalho” (MARX & ENGELS, 1986, p.29).
Nesse contexto, se instaura em nosso país o surgimento de uma classe operária,
composta, em sua essência, ainda por semiartesãos, nos primeiros passos industriais
brasileiros em conjunto com a grande imigração do final do século passado, que
proporcionou a criação de um “bloco social contestatório”, o qual possibilitou, nesse
sentido, um debate e exame de maneira organizada o modelo vigente, isto é, “elitista e
marginalizador de dominação política, econômica e social”, aborda Coutinho (2005,
p.26).
Como bem observado e ressaltado por Marx & Engels, os homens, em seu
processo de desenvolvimento produtivo e intercâmbio material, transformam “seu
pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a
vida que determina a consciência” (1986, p.37). Dessa forma, com a eminência do
sistema capitalista, e, por conseguinte, somado ao início das lutas dos operários, às
“agitações das camadas médias”, emerge o que Coutinho cunhou como “germe do que
se poderia chamar de sociedade civil” (2005, p.26). Nesse sentido, continua o autor,
associações proletárias se multiplicaram, e em decorrência, surge uma imprensa
operária, embora rarefeita, de orientação anarquista. Para ele, corresponde a um
“embrião de sociedade civil (associações sindicais e primeiros grupos políticos de
artesãos e operários); isto de acordo com o autor, se considera um “embrião de
organização cultural exterior ao Estado (a imprensa e as associações culturais dos
proletários)” (Idem, ibidem, p.27).
113 Nessa perspectiva, Marx & Engels, muito chamaram a atenção para tal aspecto, ou seja, “cada
nova força produtiva tem como conseqüência um novo desenvolvimento da divisão do trabalho” (1986,
p.29).
142
Posto isso, e continuando sob essa trajetória, conclui-se que a Revolução de
1930, foi mais uma vez, um manobra “pelo alto”. Também não se observou nesta, um
processo fruto das “mãos” das grandes massas populares, mas oriunda de uma
“conciliação entre setores das classes dominantes e da cooptação das lideranças
políticas das camadas médias emergentes (expressas no ‘tenentismo’)”, quebrando em
grande parte as tendências esboçadas anteriormente, mas não as destruindo
inteiramente, declara Coutinho (2005, p.27). O Estado após 1930 buscou meios de
extinguir a autonomia da nascente sociedade civil, pela via da incorporação dos
sindicatos à estrutura estatal. O que com isso, destruiria sua autonomia. Em 1937,
instaura-se uma ditadura aberta que fecha partidos e parlamentos, criando o
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), “um arremedo de organismo cultural
totalitário (ou seja, uma tentativa de pôr a cultura diretamente a serviço do Estado)”
(COUTINHO, 2005, p.27-28).
No entanto, em 1945, com a redemocratização do país, são favorecidos, em
conjunto com a situação mundial, aqueles embriões de sociedade civil. Dentre outros
setores, os sindicatos operários, embora ainda presos à estrutura patriarcal do Ministério
do Trabalho, começam a ter um peso gradativo tanto nas lutas econômicas, quanto nas
questões da política nacional. Nessa ordem, as camadas médias da população também
procuram se organizar de forma independente, ou seja, “escritores, advogados,
jornalistas criam associações para a defesa de seus interesses e de suas idéias” (Idem,
ibidem, p.30). Esses fatores conjugados vêm ampliar o âmbito de organização cultural
de nosso país. Conforme declara Coutinho, “uma ampla e fecunda batalha de idéias
começa a ter lugar entre nós. um acentuado empenho social da intelectualidade, um
maior comprometimento com as causas populares” (2005, p.30). Acrescenta ainda que
uma arena favorável à uma democratização da vida cultural que foi posta em 1945,
sofreu “altos baixos”; no entanto, não é errado afirmar que
a tendência no sentido de uma democratização geral da
vida brasileira continua a se impor, ampliando-se
bastante no final do período pré-1964, sobretudo a partir
do governo Kubitscheck. Mas, mesmo assim, ainda são
pouco sólidas as raízes de um novo caminho
(democrático) para a vida nacional, e de uma nova
hegemonia (nacional-popular e não mais elitista) na
cultura brasileira (COUTINHO, 2005, p.32 itálicos no
original).
143
O aspecto exposto no excerto acima tornou-se evidenciado em 1964, quando
houve uma aliança entre os diversos segmentos das elites (dominantes), que mutilou o
processo democrático que vinha em curso. Nesse sentido, impunha-se mais uma vez
uma solução do “alto” para resolver as questões que decorriam da necessidade de
conduzir nossa nação a um “novo patamar de acumulação capitalista”. Tornou-se nítido
tal aspecto, quando pelo AI-5, o regime ditatorial que comandava o Brasil, buscou de
todas as formas “destroçar o embrião de sociedade civil autônoma que se vinha
esboçando” (COUTINHO, 2005, p.32).
Outro fator foi importante para criar obstáculos na democratização da cultura, a
saber: pelo regime militar, criaram-se condições políticas adequadas à passagem do
capitalismo brasileiro para a fase da “dominação dos monopólios”, o ‘capitalismo
monopolista de Estado” (COUTINHO, 2005). Assim, um segmento do sistema cultural
aquele que englobava os meios de comunicação de massa passou a ser dominado
por grandes monopólios. Coutinho ressalta que embora sob um “caráter deletério da
‘política cultural’ da ditadura, nem tudo foram sombras na cultura brasileira durante os
anos do regime militar” (Idem, p.33). Atentemos para o fato que ele salienta: nas
contradições de todo processo, observou-se que o regime militar dominante ao
modernizar o país, desenvolve intensamente as forças produtivas
114
, ainda que,
conforme ele ressalta, estas estivessem a serviço das multinacionais aqui instaladas.
Mantendo “traços essenciais do atraso no campo, o regime deu impulso aos fatores
objetivos que levam a uma diferenciação social e, como tal, à construção de uma
autêntica sociedade civil entre nós” (COUTINHO, 2005, p.34). Nesse sentido, é
pertinente sustentar que o regime militar fez o possível e o impossível para “abafar” o
florescer de uma sociedade civil.
Sob a força das considerações, vindo ao encontro com o que pretendíamos,
buscamos trazer um pano de fundo que nos trouxessem base para refletirmos sobre a
não presença de uma efetiva e democrática participação nacional nos processos
114 Nessa perspectiva, Dijon de Moraes (2006, p.82) aponta que “o plano de ação do governo militar
procurava propiciar, na verdade, as estruturas de base para promover o assentamento de novos parques
produtivos, visando uma forte e rápida industrialização no Brasil. É importante perceber que este período
em análise também coincide com a criação de vários institutos e centros de pesquisas e desenvolvimento
(P&D) de caráter estatal, cuja intenção seria dar suporte à industrialização”. Não obstante observar tal
aspecto desenvolvimentista, cabe notar que não havia de “forma determinante no programa do governo
militar, a proposta de um suporte próprio e local para o desenvolvimento tecnológico nacional, a proposta
de um modelo que buscasse o desenvolvimento de uma forma autônoma e soberana, isto é: pelo viés do
desenvolvimento auto-sustentável”, salienta De Moraes (Idem, ibidem).
144
criadores em vários estágios de nosso ser social e na esfera cultural, mormente no
Design. Na próxima seção, procuraremos historicizar de que forma se apresentaram,
aqui em nosso país, as atividades correlacionadas ao âmbito do Desenho Industrial, que
corresponderam, anteriormente, àquilo que hoje podemos chamar de Design.
3.2.1. – “Traços” de um Desenho Industrial brasileiro antes do “Design
Conforme mencionado anteriormente, o termo “desenho industrial”
encontrara-se aqui, em nosso país, relacionado a uma disciplina curricular de cursos da
então Academia Imperial de Belas Artes. Portanto, ainda não se configurara como uma
profissão. De todo modo, não obstante pormos em evidência tal aspecto, já existiam em
nossa nação atividades profissionais que envolviam em seus processos produtivos, uma
ênfase no projeto, na reprodução serializada (ainda que de baixa tiragem, se
compararmos com as atuais), com finalidades comunicacionais e de distribuição
(comercialização) em escala para determinado(s) público(s) etc.. Sendo assim, sob essas
caracterizações e tais aspectos, nos parece pertinente considerá-las (embora em grau
menor), mais aproximadas ao modo como compreendemos a esfera conceptiva e
produtiva do Designque nos é apresentado desde os anos de 1960 (marco oficial da
institucionalização deste, no Brasil).
Nesse sentido, conforme nos aponta Cardoso (2005, p.7), ainda permanece vivo
o mito de que somente por volta dos anos de 1960, o Design brasileiro emergiu,
concretamente. Não obstante, para ele o que de fato aconteceu foi uma “ruptura”. Em
que sentido? Significa argumentar que dependendo do foco, ou melhor, do nível de
comprometimento de cada categoria como o movimento que “dominou boa parte da
produção artística internacional entre as décadas de 1910 e 1960, aproximadamente” – o
Modernismo –, para uns coube observar tal aspecto sob a mira de um “ponto de
partida”; enquanto que para outros, ele se apresenta como um “desvio de rumo”. Assim,
Cardoso sinaliza que os
anos de experimentação entre a abertura do Instituto de
Arte Contemporânea do Masp, em 1951, e a inauguração
da Escola Superior de Desenho Industrial [Esdi], em
1963, marcam uma mudança fundamental de paradigma.
Surgiu nessa época, não o design propriamente dito ou
seja, as atividades projetuais relacionadas à produção e
ao consumo em escala industrial –, mas antes a
consciência do design como conceito, profissão e
ideologia (2005, p.7).
145
Também apontamos anteriormente, apoiados em diversos pensadores do
âmbito do Design Industrial, que se compreende por tal, determinado tipo de atividade
profissional que se relaciona à produção de objetos sob um forte cunho industrial. Ou
em outras palavras, que possuem, desde a sua gênese, características próprias pelas
quais tais produtos sejam fabricados sob intervenções mecânicas de cunho industrial,
sendo assim, consorciados ao processo de desenvolvimento técnico de uma sociedade.
Acrescenta-se também que esses se encontram submetidos a diretrizes de serialidade (o
caráter iterativo, uma produção em série). Contudo, também argumentamos que o
processo de Design se o considerarmos sob uma acepção humanista –, já existia desde
que o homem deu início a uma produção, qualificada, de seu mundo circundante.
Isso posto, ainda assim, de acordo com Cardoso, se nos reportarmos a analisá-lo
sob matizes brasileiras, ou seja, no caso do Design brasileiro, depreenderemos que
cerca de cinquenta a cem anos antes da década de 1960, se encontravam aqui entre
nós atividades em que se prevalecia um cunho projetivo. Ademais, acrescenta o autor,
de “alto grau de complexidade conceitual, sofisticação tecnológica e enorme valor
econômico, aplicadas à fabricação, à distribuição e ao consumo de produtos industriais”
(CARDOSO, 2005, p.8). Nesse contexto, de acordo com o historiador, cabe notar que
embora tal caráter se aplique tanto à área do desenvolvimento de produtos, quanto à
produção gráfica, encontramos evidências que sinalizam para um incremento mais
efetivo, rápido e de impacto relevante, para a produção industrial da segunda área, isto
é, de impressos gráficos no período supracitado, em nosso país. Sobre o que se deu aqui
entre nós, nos anos limítrofes a 1960, encontra-se, sob suas próprias palavras:
[...] afirma-se que houve sim uma ruptura por volta de
1960 e que esta inaugurou um novo paradigma de ensino
e de exercício da profissão, o qual corresponde até hoje
àquilo que entendemos por design neste país. Trata-se de
um design de matiz nitidamente modernista
115
filiado
diretamente ao processo de institucionalização das
vanguardas artísticas históricas, que ocorreu entre as
décadas de 1930 e 1960 em escala mundial, de início
como afirmação da luta antifascista na Europa e
posteriormente como extensão do modelo hegemônico de
corporativismo multinacional após a Segunda Guerra.
Em retrospecto, fica claro que a implantação no Brasil de
uma ideologia de design moderno, entre o final da década
de 1950 e o início da de 1960 em grande parte,
patrocinada pelo poder público –, coincide com e integra
115 Mais adiante, neste capítulo, trataremos com maior detalhamento, sobre essa e outras questões
relacionadas à gênese da implantação de um Design (moderno) em nosso país.
146
o esforço maior para inserir o país no novo sistema
econômico mundial negociado em Bretton Woods. O
Brasil moderno de Getúlio e da Petrobrás, de JK e
Brasília, de Assis Chateaubriand e do Masp, de Carlos
Lacerda e da Esdi pretendia-se um novo modelo de país –
aquele “do futuro” –, concluindo a ruptura com o passado
arcaico e escravocrata iniciada pelo pensamento
republicano positivista (CARDOSO, 2005, p.10).
Esse fragmento ilustra o tipo de ruptura que a argumentação do historiador
propõe, isto é, a existência de uma quebra de paradigma na ocasião da implementação
de um Design em nosso país uma busca por uma nação de moldes modernos,
adequando-se às diretrizes hegemônicas internacionais. Nota-se que a implantação de
uma atividade desse porte que tinha em seu bojo fortes emanações de modernidade, se
prestou a diversos e variados interesses e objetivos, sejam estes políticos, econômicos
ou culturais, capitaneados pelos principais personagens que dominaram o cenário
brasileiro em sua trajetória histórica, demarcada pelo nosso recorte. Não obstante
fazermos esse comentário, ainda encontramos, apontados pelo historiador, fortes
indícios da existência, de fato, de um amplo universo de atividades de cunho projetivo
associados à produção industrial, no decorrer das décadas que antecederam a de 1960.
Nesse sentido, Cardoso nos aponta uma face sobre a qual devemos observar, a saber:
um segundo aspecto subjacente à ação de afirmar um
design brasileiro anterior a 1960. Ao enfocarmos
soluções projetuais que derivam ostensivamente de uma
matriz estrangeira reconhecida (por exemplo,
construtivismo, neoplasticismo, Bauhaus, Ulm),
colocamo-nos diante de outras perguntas: de onde
surgiram tais projetos e quais as origens das linguagens
que conjugam? Não como escapar de uma conclusão
também evidente. Se existiram atividades projetuais em
larga escala no Brasil entre 1870 e 1960, e, se estas não
tiveram como base única de pensamento, uma
determinada doutrina ou estética, então a produção que
delas resultou é representativa de uma tradição rica,
variada e autenticamente brasileira, que terá assimilado e
conciliado uma série de influências díspares (2005, p.11).
O excerto, apesar de sua “conclusão evidente”, mormente sua última parte, a
princípio, nos leva a depreender que a produção artística brasileira após 1870 e
anteriormente à década de 1960, se enquadra como propriamente nossa, ou seja
expressava uma cultura nitidamente nacional. Ou seja, o autor ao salientar que
concretamente, existiu no Brasil uma “cultura projetiva” que veio antes da importação
do modelo concreto de Ulm, tal aspecto como posto, nos deixa margem a considerar que
ela “é até certo ponto, mais representativa do longo processo histórico de formação da
147
identidade nacional, o qual data desde o fim do período colonial” (CARDOSO, 2005,
p.11). Tal sentença gera polêmica. Se considerarmos que desde os primórdios de nossa
colonização sofremos, além das econômicas, fortes imposições sócioculturais,
retardando e subjugando os nossos momentos de transgressão, a citação remete-nos a
considerar como legítimo nosso passado remoto em detrimento ao recente. No entanto,
mais adiante encontramos aportes que ponderaram sobre tal questão. Ou seja, o
historiador quer apontar que
o passado recente deu continuidade ao passado remoto,
mesmo existindo momentos de ruptura. [...] Em se
tratando de design, o paradigma vigente faz supor que a
história teria começado, ex nihilo, por volta de 1960, em
função da importação de um modelo estrangeiro. Ora,
isso equivaleria a dizer que toda a história brasileira
voltou à estaca zero em 1889, ou em 1930; ou em 1964 ...
como se os golpes fossem capazes de apagar os
vestígios daquilo que os motivou (CARDOSO, 2005,
p.11-12).
Postas essas considerações, não nos parece pertinente fazer aqui uma tessitura
apologética para uma ou outra corrente a favor ou contra tal fato. argumentamos em
vários momentos desta Tese de que a atividade do Design é inerente à produção do
entorno circundante do homem em sua linha histórica. Interessa-nos, sobremaneira,
buscar compreender como se deu a materialidade, quais personagens e fatos históricos
foram impactantes para se constituir o corpus das relações de produção do designer
brasileiro. Nesse contexto, vale lembrar que são eles que produzem nossa chamada
“cultura material” (CARDOSO, 2005), os objetos e sistemas produtivos, e que, por
conseguinte, trazem em si mesmos embutidos –, significados e expressões de como se
apresenta uma dada sociedade, como também sua tecnologia produtiva. Sem
desconsiderar a existência anterior de atividades relacionadas ao campo do Desenho
Industrial em nosso país, as partes que se seguem buscam determinar as matrizes e os
candentes interesses hegemônicos que foram determinantes para a instauração aqui em
nosso país, para esse Design(moderno) conforme nos é apresentado nos dias mais
atuais.
Assim, é cabível afirmar que ao mesmo tempo em que um designer ao conceber
e desenvolver dado objeto em seu ofício, o faz transpirando uma expressão
propriamente de seu país, ainda que de certo modo influenciada por modismos e
conceitos estéticos estrangeiros. Nesse sentido, sobre a questão “identidade”, Escorel
enfatiza, ilustrando que:
148
[...] a identidade de qualquer pessoa é construída a partir
de vivências afetivas e culturais: das músicas e das
estórias que escuta em criança; dos jogos que aprende na
rua e na escola; do contato com a natureza que tem à sua
volta: sua luz, sua temperatura, seu cheiro; do nível de
cordialidade que permeia a relação das pessoas com que
convive; da forma como se com as várias etnias que
compõem seu povo; da língua que escuta dentro e fora de
casa, melhor dizendo, das formas de apropriação do
código comum, tal como ele se apresenta em suas muitas
variações (2000, p.26).
O homem, uma determinada sociedade, são expressões de suas relações sociais
de produção, já nos apontou os escritos marxianos. Posto isso, a título de ilustrarmos tal
cenário, buscaremos expor as atividades que mais caracterizaram uma estreita relação
com o Desenho Industrial que aqui se encontrava entre nós, anteriormente ao marco
oficial na década de 1960 a ESDI. Cabe lembrar que esta instituição é ressaltada por
ser aquela constituída como a primeira Escola em que, concretamente, se produziriam
os alicerces para a formação dos designers que iriam promover, em tese, toda uma
reestruturação na concepção de nossa cultura material. Sabendo que não poderemos
trazer as manifestações em sua totalidade, vamos nos debruçar, sob um recorte
pedagógico, sobre as que foram mais relevantes, de acordo com nossas pesquisas.
Assim, primeiramente, com base nas análises históricas de Cardoso et al (2005),
depreendemos que, desde o período imperial existia entre nós uma “tradição gráfica”
brasileira, ou seja, inúmeros e variados tipos de impressos foram produzidos devido a
demandas de inserção da nossa economia no sistema industrial que “estimularam a
criação de novas modalidades de projeto em especial, marcas registradas e rótulos
comerciais –, promovendo uma ampla adaptação dos códigos visuais preexistentes”,
sinaliza Cardoso (2005, p.12-13). O historiador aponta também para uma estreita
relação da fotografia com a evolução dos impressos na mudança do século XIX para o
XX. Com base nas ideias mencionadas, sinaliza-se para a existência de uma
manifestação concreta do processo pelo qual os homens ao produzirem seus meios de
existência, o fazem, condicionados pela natureza dos meios de que lhes são
apresentados, e que têm de reproduzir. Isto depende das condições materiais de seu
produzir (MARX & ENGELS, 1986).
Da mesma forma, se nos atemos à esfera do Design, aflora-se um aspecto que
mencionamos anteriormente, isto é, o Desenho Industrial “emerge” em uma dada
sociedade vindo a reboque das exigências de suas condições materiais de
149
desenvolvimento socioeconômico/cultural e da divisão social do trabalho. Assim se
procedeu na ocasião da Revolução Industrial, conforme já argumentamos na seção
anterior. Na ordem dessas considerações, Resende registra que nos anos 1875, na época
do Império no Brasil, iniciou-se uma “nova prática” entre os membros de nossa
sociedade. Sob suas palavras, ilustra-se o cenário na ocasião:
quem quisesse tornar exclusiva a marca de seu produto
para distingui-lo dos outros no mercado finalmente
poderia ir até Junta Comercial mais próxima e registrá-la
como sua propriedade. Para efetivar o registro, o
fabricante, comerciante ou seu procurador deviam
apresentar duas cópias do desenho da marca ao escrivão
da Junta, que, após cuidar dos trâmites burocráticos
necessários, devolvia ao requerente um dos exemplares
carimbado como prova de registro. O outro exemplar
permanecia de posse da Junta, também como prova,
colado em um de seus livros-registro. O próximo passo
seria anunciar publicamente no Diário Oficial a
existência da nova marca e a quem ela pertencia.
Somente depois desse processo a marca se tornava
exclusividade do depositário e, como toda e qualquer
propriedade privada numa sociedade capitalista,
protegida por lei. Quem, por má-fé, utilizasse um nome
famoso ou uma imagem que não lhe pertencesse sofreria
as penalidades e multas previstas (RESENDE, apud
CARDOSO, 2005, p.20-22 – itálicos no original).
Embora não explícito no fragmento posto, de todo modo, é imperioso refletir
que anteriormente à vinda da família real para o Brasil, existia uma política de
concessão de “privilégios industriais (patentes)” que diferia da que foi exposta pela
citação
116
. Nessa ordem de pensamento, deve ser levado em consideração que o setor
produtivo de alimentos e de bens de consumo simples, em meados do século XIX,
“acompanhou o crescimento urbano e o progresso técnico do setor de transportes”, de
tal forma que este último facilitou a circulação de mercadorias que seriam alocadas
tanto para o consumo interno, como para serem exportadas, aponta Resende (apud
CARDOSO, 2005, p.28), sem que, no entanto, tal cenário de progresso material não
tenha beneficiado a todos. Dessa forma, o Brasil desse período, ainda que se dizia
“liberal e progressista”, encontrava-se de forma paradoxal, com uma sociedade
orbitando em torno de um “sistema fortemente escravocrata” (Idem, p.29). Nesse
116 Embora em 1809, D. João VI tenha assinado um alvará específico para legislar sobre patentes,
tornando o Brasil o quinto país a possuir uma legislação desta especificidade; até o ano de 1875, a nossa
nação não conhecia “nenhuma legislação que previsse um sistema de registro e privilégio de nomes ou
imagens” (RESENDE, apud CARDOSO, 2005, p.21).
150
sentido, no tocante ao âmbito do Desenho Industrial, apoiando-se em Hardman, 1988;
Maud, 1997, Resende sinaliza que:
O engajamento do Brasil no projeto de modernidade deu-
se, antes, no plano imaginário, ou seja, a apropriação dos
valores relativos à industrialização, civilização e
progresso deu-se na superfície: pelo uso das imagens
vinculadas a eles. [...] Um dos meios nos quais podemos
verificar a expressão desses valores e seu impacto na
sociedade é aquele das imagens que foram mostradas
pelos produtores aos consumidores, isto é, as imagens
que circulavam nos rótulos das mercadorias (apud
CARDOSO, 2005, p.29 – itálico no original).
Cabe notar que as imagens que estão referidas na citação foram produzidas por
técnicas litográficas, popularizadas, de certa forma, aqui entre nós. De certo modo, é
pertinente apontar que durante o século XIX, existiu uma convivência simultânea entre
arte e comércio. A cores e traços dos impressos
117
que representavam comercial e
graficamente as empresas, estampavam influências das artes ditas eruditas, ou seja, a
dos “cânones literários, a da eloqüência e suntuosidade da ópera, a da metáfora
alegórica dos mitos clássicos, a da arquitetura urbana neoclássica, a da pintura
acadêmica” (RESENDE, apud CARDOSO, 2005, p.33). Sobre esse aspecto, conforme
mencionamos na seção anterior, Coutinho (2005) havia nos alertado sobre o prejuízo
crítico “nacional-popular” causado por essa pujante “cultura ornamental, elitista” que
predominou aqui em nossa nação nessa época. Nesse contexto, expressava-se
graficamente o projeto de um Brasil moderno e civilizado nas imagens construídas para
tal fim, ou seja, “do branco e do negro finalmente se confraternizando, ou de fábricas a
vapor e suas incessantes chaminés, ou ainda, construindo uma aproximação entre a
condição tropical do Brasil do segundo Reinado e do ideal urbano europeu em
contraposição à figura alegorizada do índio”, declara Resende (apud CARDOSO, 2005,
p.57). Assim, tais modos de representação se esforçavam para compor uma paleta de
cores que retratava um Brasil que se associasse com o “imaginário civilizado, uma vez
117 A título de ilustrar sobre as contradições entre o real e o imaginário nacional que estavam postas,
trazemos sob o olhar de Resende (sustentado por Costa Ferreira, 1994) um interessante cenário, a saber:
“Ao falar do material gráfico que seria publicado em suas revistas, o litógrafo alemão Max Fleiuss,
radicado no Rio de Janeiro, revelou como se imiscuíam os horizontes nacionais e estrangeiros nesse
momento: ‘As gravuras serão de duas classes: as nacionais e as estrangeiras, de modo que pelas primeiras
tenha a Europa conhecimento do Brasil, e pelas segundas conheça o Brasil o que de mais interessante
nas regiões de além-mar. [...] Não obstante a forte influência, estrangeira, o ponto de vista nacional estava
sendo construído com base em nossas próprias experiências e aspirações. O que dizer do rótulo para
tecidos que enaltece a reunião entre brancos e negros a partir do decreto de uma lei exclamando Agora
sim!’ nada mais superficial e hipócrita, típico de uma sociedade que por muito tempo tentou se equilibrar
na contradição de querer ser liberal e moderna sendo de fato escravocrata” (RESENDE, apud
CARDOSO, 2005, p.37).
151
que os índices concretos de industrialização, alfabetização ou desenvolvimento social
ainda não eram palpáveis” (Idem, ibidem).
Postas as considerações, e dando prosseguimento a outros momentos do
Desenho Industrial em nossa nação, e, por conseguinte, dos nossos remotos artistas
gráficos Santa Rosa, J. Carlos, Raul, K.Lixto, Julião Machado, Raul Pederneiras, Di
Cavalcanti, dentre outros (designers
118
, por que não?) que contribuíram com seus
atributos pessoais, apontamos os livros e as revistas impressas por tecnologia
fotomecânica, em que se utilizavam fotografias e desenhos grafados pelo intermédio de
clichês
119
. A título de resgate de algumas delas, sinalizamos: a revista Illustração
Brasileira (1901), que fora impressa em Paris e trazia em muitas de suas páginas,
fotografias que estabeleciam um diálogo com o texto (bem próximo de como é feita a
diagramação que vemos nas revistas atualmente); O Malho (1902), também ricamente
ilustrada, considerado a pioneira publicação de tiragem alta (para a época), que fora
impressa em tricomia (três cores hoje se reproduz, comum e largamente, a quatro
cores, podendo, ainda, encontrarem-se impressões com número superior a este); Kosmos
(1904), referência pelo cuidado gráfico e sua qualidade de impressão; seguidas pela
Fon-Fon! (1907); Careta (1908); Para Todos (1918), especializada em cinema, voltada
para o público feminino jovem e que foi o palco principal do talentoso J. Carlos; Urupês
(1918), de Monteiro Lobato com capa produzida por Wasth Rodrigues, que marcou o
início do Design de capas de livros no Brasil, como também um ponto de partida para o
redesenho dos projetos de livros de uma maneira geral; O Cruzeiro (1928), revista de
fotorreportagem fundada por Assis Chateaubriand, e etc. (CARDOSO et al, 2005, p.89-
165).
Cabe notar que em nosso país, diferentemente do ocorrido no século XIX na
Europa, não tínhamos uma produção consistente no âmbito dos livros e publicações
esporádicas que utilizavam fotografias, como também no campo das estampas
litográficas (“declaradamente copiadas de fotografias”). Somente a partir do início do
século XX, a fotografia se fez presente nos impressos brasileiros, embora ainda
118 Cardoso (2005, p.160), sinaliza que a ocorrência do termo designer “corresponde à adoção gradativa
de novos sistemas de produção, distribuição e consumo, que alteraram radicalmente os meios de
fabricação em vários domínios, entre os quais aquele que hoje chamamos de indústria gráfica”. Portanto,
nos profissionais que citamos, notoriamente sua produção se associava a tais preceitos produtivos.
119 “Placa gravada em relevo sobre metal, para impressão de imagens e textos por meio de prensa
tipográfica” (DICIONÁRIO AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, 1988).
152
contratando serviços de impressão no estrangeiro para obras que foram concebidas aqui
pelos nossos artistas gráficos (ANDRADE, apud CARDOSO, 2005, p.89-93).
Também ressaltamos a presença do Designnos baralhos de cartas, produzidos
pela empresa Copag. Nesse contexto, Farias (apud CARDOSO, 2005, p.260) sinaliza
que a concepção estampada em todos os detalhes visuais dos baralhos costuma passar
despercebida por aqueles que os utilizam. Ela confere relevo a detalhes de um modelo
de baralho que se encontrara em uso, pelos paulistanos, na segunda metade do século
XX – o modelo nº 139 –, isto é, ele é “tão imponente que muitos certamente se
surpreenderiam ao saber que curingas diferentes de taças com bojo arredondado e
que nem todos os reis de paus têm o mesmo desenho” (Idem, ibidem).
Cardoso salienta os projetos de capas de discos no Brasil até a década de 1950,
constatando a forte presença do extraordinário e inovador caráter em termos projetuais.
Nesse contexto, Laus (apud CARDOSO, 2005, p.309), sinaliza que as primeiras
manifestações brasileiras nesse âmbito, ocorreram no final dos anos de 1940. Tal fato,
“curiosamente” aponta para a produção de capas de discos infantis, produzidos pela
gravadora Continental, ressalta Laus
120
. Ele também confere relevo a uma fábrica de LPs
(discos de 10 polegadas, Long Play) montada no Rio de Janeiro, no bairro Alto da Boa
Vista a Companhia Brasileira de Discos/Philips, constituída pela Sociedade
Internacional de Representações (Sinter), fundada em 1945, representante da Capitol no
Brasil –, com sede projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, por ter ensejado um
pioneiro “trabalho continuado de design em capa de discos”. Seu Design nesse âmbito,
compunha-se de uma “incipiente ilustração com lettering desenhado à mão”. Contudo,
embora sob esta pequena participação ressaltada pelo autor, pôde-se conferir “trabalhos
extremamente expressivos” de ilustradores conhecidos, tais como: Lan, Nássara e
Miécio Caffé. Ademais, pôde-se depreender que nas capas dos primeiros LPs,
estampavam-se ilustrações frequentemente com uma combinação, em alguns casos, de
fotografias (LAUS, apud CARDOSO, 2005, p.313). ainda um ponto que deve ser
notado sobre esse campo, isto é, naquela época, dava-se pouca importância ao Design
de capas de discos, pois, de acordo com Laus, os músicos revelavam “relativo
120 “Guiado por depoimento de Braguinha e de posse de alguns raros exemplares de capas da série
infantil (com prefixo DI), consultei os catálogos da época, mais raros ainda, e verifiquei surpreso que, ao
contrário de todos os discos de música popular, nos infantis não constavam datas de lançamento ou
gravação. Por aproximação e comparação, a partir dos números de matriz gravados na própria cera dos
discos, foi possível deduzir a data do mais antigo deles: Branca de Neve e os sete anões, de 1946
(LAUS, apud CARDOSO, 2005, p.309).
153
desinteresse” por assuntos referentes às artes visuais. Tal fato pode ser sentido em toda
a obra artística do compositor e cantor Chico Buarque, na qual um projeto gráfico de
qualidade somente começou a expressar-se em finais da década de 1970. Assim, o
Design de capas de discos atingiu sua “maioridade a partir de 1968, com o surgimento
do tropicalismo mais especificamente, com os trabalhos do designer Rogério Duarte
para capas de Caetano Veloso e Giberto Gil. Um novo tempo estava começando”
(LAUS, apud CARDOSO, 2005, p.336).
As considerações expostas, ainda que não tenhamos podido esgotar tamanha
empreitada, procuraram expor e oferecer reflexões, sobre breves explanações, a respeito
da forte presença material do Desenho Industrial brasileiro, mormente sua vertente
gráfica, que precedeu ao Design (moderno) resultante das décadas de 1950 e 1960.
Concluímos que na linha histórica do Design se conjugam contradições e questões que
têm uma profunda relação com o desenvolvimento socioeconômico, cultural e técnico
de uma dada sociedade. A história do Design é muito vasta e fascinante.
3.3. - O Design no Brasil
Conforme salientamos nesta Tese, três grandes revoluções foram
preponderantes no desenvolvimento e evolução do Design, ou seja, a Revolução
Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial. Detendo-nos numa análise
de recorte mais específico, houve na história humana um fator que foi incisivo para o
avanço e desenvolvimento do Design em nível mundial, a saber: a Segunda Guerra
Mundial, indica Denis (2000, p.147). Não tanto pelos fatos ocorridos durante as batalhas
nos campos de guerra, mas, mormente, pela necessidade premente de se desenvolver
tecnológica e produtivamente as nações que, de certa forma, contribuíram para a
materialização desse conflito armado.
Nessa ordem de ideias, Souza (2000, p.59-60) sinaliza também que esses países,
imersos em um grande esforço de guerra, trouxeram para o campo do Design algumas
de suas principais características atuais. No horizonte da destruição criativa posta pelo
conflito mundial, não podemos deixar de considerar que, paralelamente ao
desenvolvimento bélico dos anos de guerra, houve um período de notáveis avanços
tecnológicos, desde conquistas como o radar até progressos menos conhecidos, mas
igualmente impressionantes na produção de motores, plásticos, equipamentos
154
eletrônicos e outros componentes que serviram de base para uma fenomenal expansão
industrial das décadas seguintes.
Nesse contexto, Souza (2000, p.59-60) aponta para os grandes incrementos
tecnológicos que ocorreram no período, podendo destacar, dentre alguns, o
“desenvolvimento da indústria química (plásticos e eletrônicos), de conhecimentos
ergonômicos (homens agindo em condições extremas)
121
e de critérios de racionalidade
e de controle de produção (qualidade e confiabilidade do produto)”. Nessa perspectiva,
é pertinente ressaltar o brutal crescimento do parque industrial norte-americano,
conforme ressalta Denis (2000, p.147), devido ao seu protagonismo no fornecimento da
maioria dos tipos de equipamentos e insumos que foram consumidos em boa parte do
mundo, em seu período mais agudo vivido pela guerra.
Não obstante essas afirmações, não os Estados Unidos, evidentemente,
lograram de inúmeros benefícios com a guerra. Também foram notados outros países
“banqueteando-se” com tais benefícios, sobretudo por serem exportadores de insumos
agrícolas; dentre eles, a Argentina e o Brasil, haja vista a “exigência” feita aos mesmos
para uma contribuição efetiva como manutenção do esforço de guerra.
A Europa, campo principal do conflito de guerra, encontrava-se sem
possibilidades de manter a demanda oriunda de sua própria população. E mais ainda, na
época, encontrava-se numa situação que prejudicou a exportação dos seus produtos
manufaturados para os seus tradicionais clientes. Tal matiz socioeconômico compeliu o
Brasil a substituir aqueles artigos que normalmente eram importados da Europa ou
oriundos da nação norte-americana, e a mudar a sua política por um “modelo
substitutivo de importações”. Fato esse que, segundo Denis, “contribuiu de modo
decisivo para a expansão do parque industrial nacional”, não restando dúvidas de que as
“bases do surto industrial das décadas posteriores foram estabelecidas durante e logo
após o período da Segunda Guerra” (DENIS, 2000, p.147). Nessa perspectiva, frente a
essas demandas, Rodrigues ressalta que
121 Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foram canalizados conhecimentos
científicos e tecnológicos que eram pertinentes na época, principalmente aqueles que objetivavam a
construção de instrumentos bélicos de relativa complexibilidade, tais como tanques, radares etc.. Não
obstante, esses novos “maquinismos” exigiriam muitas habilidades de quem iria operá-los e com um
agravante: em condições ambientais muito desfavoráveis e estressantes. Portanto, foram detectados erros
que geraram acidentes fatais, os quais eram muito frequentes, principalmente nas aeronaves de guerra.
Desse modo, tudo isso trouxe à tona uma demanda de se redobrar esforços na pesquisa, para que se
pudessem adaptar esses instrumentos de guerra às características e limitações dos operadores, com o
objetivo de otimizar o desempenho e reduzir a fadiga e os acidentes. Ver mais em IIDA, Itiro. Ergonomia.
Projeto e Produção.o Paulo. SP. Edgar Blücher Ltda.
155
[...] conjugou-se a dinâmica exportadora incrementada
com o final da Segunda Guerra Mundial com a
expansão interna da industrialização. Essa sinergia entre
as fases externa e interna da economia foi bem
aproveitada pelo Brasil, possibilitando um grande avanço
industrial e englobando as faixas produtoras de bens de
consumo duráveis e de bens de capital (1998, p.57).
O autor também esboça um quadro sinótico que nos conduz a entender que na
industrialização brasileira foram identificados três períodos principais: a) I Período,
compreendido entre 1929 a 1945, denominado por ele de “Substituição dos bens não-
duráveis de consumo final”; b) II Período, que foi de 1945 a 1954, chamado de
“Substituição dos bens de consumo duráveis”; c) III Período, de 1954 até 1961,
intitulado de “Substituição dos bens de capital e da indústria de base”. Não obstante,
esse processo de industrialização plasmado por substituição de importações, não se
afirmou na “pirâmide industrial”, de sua base para o seu vértice, ressalta Rodrigues. Isto
é, não foi iniciada pela construção de “indústrias de bens de capital e de base e foi
subindo, paulatinamente, até chegar às de bens de consumo final. No entanto, o
contrário também não ocorreu [...]” (RODRIGUES, 1998, p.57).
Permitindo-nos fazer um breve panorama desses três períodos, à luz da análise
desse autor, podemos afirmar, que no primeiro “deu-se em uma realidade econômica de
drásticas reduções globais da capacidade brasileira e latino-americana de importar”; e
que esse grande esforço de substituição de produtos, foi possível devido a um parque
produtivo pré-instalado. Já o segundo período decorreu em condições mais amenas,
sobretudo no tocante às importações. Entretanto, a “partir de 1954, as condições
externas tornaram a ser, novamente, bastante restritivas, exceção feita aos países
exportadores de petróleo” (RODRIGUES, 1998, p.57). Isto é, houve uma tendência
novamente à estagnação para a capacidade de importação brasileira. Em tempo, nessa
ordem de pensamento, sob a ressalva de Florestan Fernandes, aponta-se que o projeto
desenvolvimentista brasileiro que presidiu a década de 1950, encobria a submissão do
nosso país às influências capitalistas estrangeiras. Dito sob suas palavras:
[...] a mesma coisa acontece com o nacionalismo
exacerbado. Quando ele reponta no seio dessas
burguesias, quase sempre oculta algo pior que o fracasso
histórico e a frustração econômica: envolve uma busca de
esteios para deter a torrente histórica e preservar o
próprio capitalismo dependente, e segundo valores
provincianos (FERNANDES, apud LIMA, 2005, p.50).
156
Adiciona-se ainda que, pelo caráter “reacionário e ultraconservador da burguesia
brasileira”, ao invés de uma política efetiva de desenvolvimento, houve uma política
expansionista para determinados (privilegiados) setores de nossa produção (Idem,
ibidem, p.51). Assim, a materialização do desenvolvimento da indústria brasileira
associada à busca de aportes tecnológicos e financeiros internacionais, não se efetivou
sob um planejamento macro, ordenado e cadenciado. Nesse contexto, conforme aponta
a análise de Niemeyer (2000, p.53), desde os seus primórdios “existiu um processo não
sistematizado ou formalizado de atividades no meio industrial que poderiam determinar
o padrão brasileiro para os nossos produtos”. Assim ressalta-se que aquelas soluções
técnicas geradas pelos operários e profissionais, desenvolvidas a partir das suas próprias
necessidades com o uso de “recursos compatíveis que poderiam gerar uma tecnologia
própria, são cada vez mais abandonadas em favor de técnicas e soluções importadas, em
geral menos eficazes” (BOMFIM, apud NIEMEYER, 2000, p.53). Percebe-se,
sinalizados nesses aportes, um forte e preponderante caráter internacionalista da cultura
material em nosso país, em detrimento de um desenvolvimento de raízes propriamente
endógenas.
Nesse contexto, analisando o nosso cenário sob uma ótica socioeconômica,
encontram-se nas análises postas por Denis (2000), fatos relevantes que ocorreram na
época da era Vargas, configurados pela sua política nacionalista e desenvolvimentista
proposta para o Brasil. Assim, cabe notar que as demandas concretas oriundas do
período de guerra vieram ao encontro do ideário próprio desse governo. Getúlio Vargas,
após a decretação do Estado Novo e a eclosão da guerra na Europa, tornou público um
“plano quinquenal” para que se expandisse de maneira efetiva, os sistemas ferroviário,
hidroelétrico e industrial. Nessa perspectiva, cabe sinalizar que em 1941, foi criada
através de um decreto, na cidade de Volta Redonda, a Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN). No entanto, de maneira efetiva e concreta, somente se começou a produzir aço
cinco anos depois. Também nessa época, em 1942, foi criada a Companhia do Vale do
Rio Doce, com o objetivo de explorar as riquezas minerais em nosso país. Sob essa forte
tonalidade desenvolvimentista, pode-se apontar para uma outra grande e importante
iniciativa estatal a indústria do petróleo nacional que se materializou no segundo
momento do governo Vargas, mediante ampla campanha publicitária, com slogans do
157
tipo O petróleo é nosso”, no início da década de 1950, tendo a sua culminância com a
criação da Petrobrás em 1953
122
.
em 1955, houve um projeto do governo para o desenvolvimento da indústria
nacional, cujo corpus estava fundamentado sob pilares da importação de tecnologias e a
entrada de capital estrangeiro, tendo como objetivo preencher o quesito do aumento da
produtividade e da qualidade. Para esse fim, o Estado formularia políticas de incentivo
com vistas ao aperfeiçoamento do aparato tecnológico. Para tanto, congregaria o
sistema educacional conjuntamente com os centros de pesquisa, pois havia na indústria
brasileira uma lacuna por profissionais especializados nas mais diversas áreas de
formação técnica, necessitando, nesse sentido, formar “quadros para atender às
necessidades de mercado” (NIEMEYER, 2000, p.53). Nessa perspectiva, sob a ótica de
Teixeira (2004, p.88), pode-se depreender que desde o século XVIII, no Brasil
(Reforma Pombal), havia esse tipo de política de Estado, ou seja, no sentido de se
criarem algumas escolas régias nas principais cidades, presididas por uma filosofia de
atendimento a determinadas necessidades do Estado – nesse caso em particular: com um
objetivo limitado no preparo de funcionários para as demandas do próprio.
Frente a essas demandas, havia no escopo do “projeto de desenvolvimento
democrático, capitalista e nacional” uma preocupação de se obterem investimentos
nacionais tanto para o fabrico de bens de produção, quanto para produção de bens de
consumo duráveis e não duráveis (NIEMEYER, 2000, p.53). Niemeyer aponta que,
nesse último setor, concretizou-se efetivamente sua implementação captando “todo o
excedente financeiro”. Dentro desse projeto de modernização do Estado, com vistas à
efetivação de uma nova sociedade, foi necessário implementar um outro ingrediente de
igual monta, isto é, formulou-se e desenvolveu-se uma “estratégia do consumo”. E, por
conseguinte, novos padrões de exigência do mesmo foram definidos, vindos por parte
122 Nesse contexto, De Moraes (2006, p.49) reconhece como início do processo de modernização da
produção industrial brasileira, o período que se iniciou a partir da primeira etapa do governo Vargas,
sobretudo na segunda metade deste governo. Ribeiro (apud DE MORAES, 2006, p.49) sustenta tal
argumentação, sinalizando que a “moderna industrialização brasileira teve seu impulso inicial através de
dois atos de guerra. Getúlio Vargas impôs aos aliados, como condição de dar seu apoio em tropas e
matérias-primas, a construção da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda e a devolução das
jazidas de ferro em Minas Gerais”. Ainda nessa ótica, ele acrescenta que os dois “dínamos da
modernização brasileira”, surgiram imediatamente após a Guerra, ou seja, se refere à Volta Redonda
como a “matriz da indústria naval e automobilística e de toda indústria mecânica”; e à Vale do Rio Doce
como detentora das reservas minerais brasileiras, a serviço de nossa nação. Embora de êxito inferior a
essas, o Estado ainda criou a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Nacional de Álcalis (Idem,
ibidem).
158
do aumento do poder aquisitivo e pela “euforia trazida pela acumulação de capital” da
classe média (Idem, ibidem).
A tulo de ilustração, enfatizamos o cenário político/econômico/social, sob os
pronunciamentos do então presidente Juscelino Kubitschek, em quem notoriamente
transbordavam transparentes visões e determinações futuristas que iriam plasmar as
políticas de ação do governo para o país, a saber:
Industrializar aceleradamente o país; transferir para o
nosso território as bases do desenvolvimento autônomo;
fazer da indústria manufatureira o centro dinâmico das
atividades econômicas nacionais isto resumia o meu
propósito, a minha opção (KUBITSCHEK, 1978, apud
NIEMEYER, 2000, p.53).
Não somente o apontado no excerto por seu turno, como também seu forte
caráter desenvolvimentista, nos faz argumentar que na sua política de Estado, buscava-
se efetivar novas relações de parceria com o setor privado e com as nações estrangeiras,
assumindo um protagonismo ativo e efetivo na política de desenvolvimento da nação, o
que, por conseguinte, caberia ao mesmo atuar de três maneiras: a) econômica
concedendo capital; b) política atuando no plano ideológico; c) cultural no domínio
da técnica e do conhecimento. Tal caráter de política estatal, de certa maneira,
forneceria condições para uma expansão da iniciativa privada. A intervenção estatal
corresponderia a uma redistribuição de papéis, que sob tal aspecto, não possuía como
objetivo primeiro estimular a concorrência entre setor privado e público; mas sim,
favorecer a cooperação entre ambos. Nesse sentido, seu telos atrelaria emancipação
econômica com a garantia da soberania nacional, sob o manto de um nacionalismo-
desenvolvimentista, em que o país alinhado ao bloco ocidental, encontraria, sob os
auspícios da ordem, o seu caminho para o progresso (NIEMEYER, 2000, p.54).
O seu Programa de Metas objetivava um incremento da acumulação de capital,
que aumentaria a produtividade dos investimentos existentes e, de certa forma, seriam
aplicados novos investimentos em outras atividades produtivas. Esse programa obteria
êxito com a corporificação da “ideologia desenvolvimentista” hegemônica naquela
época –, convergindo em um único matiz os diferentes interesses dos segmentos de
nossa sociedade, ou seja, a classe empresarial, os políticos, os militares, os assalariados
urbanos, declara Niemeyer (2000, p.54). Ademais, havia também em seu programa
uma busca em obter uma cooperação internacional como “parceria indispensável para o
suprimento de bens, através de trocas comerciais, para incorporação de avanço
159
tecnológico e para o fortalecimento de alianças militares estratégicas” (Idem, ibidem).
Os investimentos foram utilizados para o financiamento da “indústria automobilística,
construção de estradas, transportes aéreos, eletricidade e aço” (NIEMEYER, 2000,
p.54). No entanto, é forçoso notar, conforme analisa Nunes, que:
A ênfase do discurso desenvolvimentista, veiculado pela
propaganda presidencial, não podia ocultar o fato de que
os êxitos do governo Kubitschek estavam sendo
acompanhados pela ampliação das disparidades
regionais, das desigualdades de renda, dos focos de
tensão e dos bolsões de miséria (1994, p.202).
O fragmento posto nesses termos, nos conduz a ressaltar que nem tudo são
flores, isto é, foi preciso um custo social muito alto para conseguir a efetivação desse
programa. Recorreu-se à inflação (que em 1956 era de 19,2%, e que em 1960, chegou
ao patamar de 30%), conforme apontou Niemeyer (2000, p.54). Tal cenário
inflacionário posto aos futuros governantes os compeliu a uma busca de soluções que,
certamente não seriam amigáveis e que, de certa maneira, provocariam um estado de
instabilidade na sociedade brasileira daquela ocasião, adiciona a autora
123
. Ela indica
também, considerando a ótica hegemônica, que a alta taxa de analfabetismo era devido
ao perfil essencialmente agrário de nosso país. Tal caráter, acarretaria num processo
muito moroso para a expansão do consumo interno, o que segundo o programa, era
condição sine qua non para o fortalecimento da “industrialização, para a produção em
massa e, portanto, para o desenvolvimento do design(NIEMEYER, 2000, p.54-55
itálico no original).
Ainda nessa ordem de pensamento, Nunes (1994, p.201-202) salienta que aquele
pujante ritmo de crescimento, modernização e diversificação do sistema de produção
que imprimiram a marca “JK”, teriam, entretanto, uma curta trajetória tendo em vista os
números inflacionários preocupantes, que levaria a um forte processo de inflação
devorando o sistema econômico-financeiro dos anos subsequentes, ameaçando dessa
forma, as conquistas efetivadas. Na esfera política, o pacto populista configurado sob
um desenho de “rearranjos e combinações”, da mesma maneira que mantinham o
governo e se mantinham, “prenunciavam o esgotamento que colocaria, no início da
123 Nessa perspectiva, transferia-se “para o futuro a responsabilidade pelas soluções forçosamente
conflituosas, que iriam gerar um processo de instabilidade”. E, afora tal aspecto, “o Brasil se deparava
com milhões de analfabetos por conta do predomínio na Nação da estrutura agrária, que bloqueava a
expansão do mercado interno de consumo, condição básica para a industrialização, para a produção em
massa e, portanto, para o desenvolvimento do design” (NIEMEYER, 2000, p.54-55).
160
década de 1960, não apenas a nova gestão do governo federal em crise, mas também o
próprio regime” (Idem, ibidem). A autora aponta que, dessa maneira, era colocada em
“xeque” a “democracia populista”, não somente por setores vinculados às empresas que
foram “atingidos pela incapacidade estatal” na materialização de soluções para suas
dificuldades financeiras, como também pelas classes trabalhadoras que começaram a
“torpedear o ‘jogo populista, revelando com crueza o caráter limitado das instituições
democráticas” (Nunes, 1994, p.201-202).
Juscelino Kubitscheck era um homem de grande habilidade política, seu modo
jovial de conduzir contagiava a todos. Mesmo em torno das contradições e episódios
conflitantes de seu governo, pode-se apontar que o legado mais grandioso que foi
deixado pelo Governo Kubitschek, repousa sobre a construção da moderna capital do
país Brasília vindo ao encontro de sua campanha eleitoral cujo lema foi cinquenta
anos em cinco”. Naquela ocasião foram chamados nomes de grande relevância na área
de arquitetura e planejamento urbano; dentre eles, do arquiteto Oscar Niemeyer
compondo com uma paleta de formas curvilíneas, harmoniosas e inéditas, e o do
arquiteto Lúcio Costa, com um singular desenho urbanístico. Assim, foi plasmado todo
um corpus ideológico de construções, onde palácios, igrejas, monumentos e residências
expressavam em suas formas uma “concepção de poder: impactante, forte, arrojado,
inovador” (NIEMEYER, 2000, p.55).
Ergueram-se, então, formas arquitetônicas que enchiam de expressividade a
modernidade brasileira esculturais, novas e arrojadas, cujos projetos e cálculos
demandariam diferentes soluções construtivas, o que por conseguinte, culminaram na
busca de concepções formais vindas de diversos campos profissionais. Dentre alguns,
reuniram-se artistas, paisagistas e designers brasileiros, imbuídos de um ideário de que
por intermédio de seus talentos, se plasmaria o embelezamento da nova cidade que seria
a capital do país. Todo esse aparato trouxe uma eclosão ufanista, que capitaneava um
resgate dos valores estéticos nacionais, sobretudo nos grandes centros do país. Nesse
sentido, para Holston (1993), a política desenvolvimentista do governo Kubitschek foi
determinante para a valorização da inovação por si própria. Também, o modernismo se
prestou para seus objetivos políticos, pois, como resgatamos sob as próprias palavras de
Holston:
Como o modernismo era a força inovadora na arquitetura
e no urbanismo, os desenvolvimentistas viram uma
afinidade eletiva entre design modernista e o próprio
161
projeto de modernização. Enquanto concepção estética, o
modernismo simbolizava o espírito inovador dos
programas desenvolvimentistas; enquanto doutrina de
desenvolvimento, fazia eco a seus desejos de transformar
radicalmente a sociedade por meio do poder estatal a
partir de seu centro. Devemos ainda considerar a
circunstância de que, embora o modernismo simbolizasse
tanto as inovações arquitetônicas quanto as
governamentais, seus objetivos de inovação, sobretudo
no que tange à mudança social, eram fundamentalmente
diversos e até contraditórios (apud NIEMEYER, 2000,
p.55).
O fragmento nos conduz, de todo modo, a notar o duplo caráter da estética
modernista. Para uns, ela exalava ares que exprimiam um nacional-desenvolvimentismo
que possuía como base de sustentação a entrada de capital estrangeiro; por outro lado,
para outros, tal caráter estético representava mudanças em direção a uma sociedade
mais igualitária, ao coletivo e ao socialismo. Embora sob diferentes matizes ideológicos,
essas duas correntes conviveram sob uma relação harmoniosa entre os que as pregavam.
Respectivamente, por um lado, capitaneada pelo então presidente Juscelino Kubitschek;
e, por outro, pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
Nessa perspectiva, salienta-se que o movimento de ruptura com o academicismo
em busca de uma “nova estética”, com a valorização das características nacionais e do
desenvolvimento industrial, foi custeado financeiramente pelos representantes das
classes dominantes (NIEMEYER, 2000, p.56-57). Nesse contexto, a arquitetura
modernista brasileira se apresentara como a “síntese do que seria novo, nacional e
estruturalmente ligada à tradição pretérita”, conforme ressalta Cavalcanti (apud
NIEMEYER, 2000, p.56). Dessa forma, de acordo com Niemeyer, a arquitetura se
tornou um “símbolo da emergência do Brasil como Nação moderna”. A forte presença
de intelectuais modernistas, na esfera pública influenciou, sobremaneira, as medidas
governamentais, as quais, por conseguinte, foram orientadas e presididas pelo caráter
ético e estético propostos pelos mentores do movimento. Ainda nessa mesma ordem de
pensamento, Cavalcanti (1993) traz uma outra observação, salientando para o fato de
que a
ida para a repartição deixa transparecer a crença
“modernista” de que era o Estado o lugar da renovação e
da vanguarda naquele momento, assim como o vislumbre
da possibilidade de aplicar na realidade idéias de
reinterpretação ou reinvenção de um país que estava
sendo praticado nas páginas de seus livros. Na
implantação do “modernismo” como dominante de uma
162
política cultural, conseguem realizar o sonho de todo
revolucionário; deter as rédeas da edificação do futuro e
da reconstrução do passado ou, em outras palavras,
escrever simultaneamente o mapa astral e a árvore
genealógica do país (apud NIEMEYER, 2000, p.57).
De todo modo, a doutrina estética racionalista “essencialmente clássica” era
estruturada em dois eixos fundamentais: a) “o de uma utopia social” e b) “de um
vocabulário plástico”. As duas sintaxes residiam no ideário de uma “unidade por trás da
diversidade das coisas, e uma semelhança entre tudo o que existe, apesar da variedade
de suas formas, na analogia entre o micro e o macro”. Esse princípio foi decodificado na
linguagem estética da Bauhaus mediante uma “abordagem da realidade da forma como
composição pura derivada de uma síntese da ordem racional e absoluta”, declara
Niemeyer (2000, p.57).
Buscando combater um ideário de improdutividade, o modernismo buscava falar
de uma “teoria contra-revolucionária” (NIEMEYER, 2000), propondo uma “mudança
para que as coisas pudessem seguir existindo dentro daquela organização racional,
familiar à tradição científica” (Idem, ibidem, p.58). Ou seja, havia uma tendência
tradicional positivista que cria na ciência como modelo de uma ordem racional que
geraria o progresso. Nesse sentido, havia em seu bojo uma sinalização para algumas
estratégias organizacionais daquele momento histórico período compreendido entre os
anos 1950-1960 –, em sua fase de transição, na qual deveriam ser germinadas as
condições socioeconômicas para que, de forma efetiva, se solidificassem os pilares da
indústria moderna como uma importante faceta da economia brasileira.
Em tal caráter, encontrava-se um forte papel ideológico em que por meio da
contribuição da indústria se alcançaria a modernização capitalista no país. Para tanto,
também seria necessária uma “afirmação de uma ‘unidade nacional’ através da
valorização de nossas fontes históricas, étnicas e culturais” (NIEMEYER, 2000, p.58).
Em que sentido? Para que nós nos apresentássemos a nós mesmos, deveríamos buscar
traçar um perfil que nos fosse próprio. E o que isso significa? Que deveríamos
configurar a nossa cultura material segundo os “cânones do modernismo, atendendo às
exigências da reprodução das condições sociais”. E, enquanto categoria profissional, o
papel prescrito ao designer o compelia a “colocar o seu saber ao lado e a favor dos
processos produtivos e seus meios, dentro da lógica capitalista requisitada pela
modernização do Estado nacional” (NIEMEYER, 2000, p.58). Nesse contexto, Villas-
163
Boas (1998, p.15), traz uma análise crítica no âmbito do Design, mormente da sua
vertente gráfica, que reflete sobre esse período, salientando que:
[...] A trajetória do design gráfico é uma síntese do
desdobramento do próprio projeto modernista. Ele
nasceu absorvendo e explicitando os traços modernistas
e, como o próprio Modernismo como um todo mas
numa velocidade muito maior –, deixou seu papel de
resposta crítica à sociedade industrial e acabou por
consolidar-se, com nones próprios e sistematizados,
como uma resposta afirmativa (e não mais crítica) às
demandas desta mesma sociedade industrial.
Em tempo, vale lembrar que o ensino do Design tem exercido ao longo do
século XX, um preponderante e importante papel na estruturação do Design como
campo profissional, pois, é através desse que se processa a possibilidade de
“transmissão de uma série de valores formais e ideológicos que transpassam as diversas
manifestações do Modernismo internacional” (DENIS, 2000, p.166-167). E ainda, pode-
se perceber a existência paralela à história do Design (vista sob a ótica dos praticantes e
dos projetos que foram gerados por eles), de uma outra história que é aquela que “passa
pelas escolas e por uma curiosa obsessão com linhagens e vínculos institucionais como
marcos essenciais de legitimidade profissional”, salienta Denis. Ou seja, o historiador se
refere à habitual genealogia profissional traçada por um designer brasileiro que vinha da
Escola de Ulm
124
e de lá para a Bauhaus (Idem, ibidem).
124 Derivada da extinta Bauhaus, sua filosofia a condicionava à uma formação educacional com um
“rigoroso treinamento com base humanística e científica, ao invés de ser deixado livremente a descobrir e
preencher as suas aptidões plasmativas a fim de se conscientizar das suas habilidades intelecto-criativas.
[...] A ênfase da educação da arte e do desenho sai da criatividade planejada e da mera solução de
problemas de ordem prática para uma nova visão onde o desenho de produtos industriais passa a ser visto
como um fenômeno cultural e os desenhadores como profissionais responsáveis pela cultura material.”
(GOMES, 1996, p.83). Na visão do segundo diretor dessa escola, o argentino Tomas Maldonado, a UfG
se caracterizou por métodos que levavam aos seus aspectos estético-formais, um cunho altamente
matemático. Devido a isso, é possível caracterizar o perfil denotado aos designers formados por essa
escola, de terem um “tipo de estética industrial altamente geométrica, neofuncionalista, neo-racionalista,
que viria a caracterizar a forma dos desenhos para projetos de produtos industriais: fossem eles de cunho
arquitetural, industrial ou comunicacional” (Idem, ibidem, p.90). Nessa perspectiva, Andrea Branzi
ressalta, interpretando com “olhos atuais” em seu livro Learning from Milan que a Escola de Ulm foi por
“cerca de vinte anos, [...] o mais extraordinário laboratório intelectual da Europa e do mundo; artistas,
cientistas e projetistas se encontram sobre as colinas de Ulm e o seu diretor torna-se uma figura mítica.
Abandonando a idéia de revival da Bauhaus, a escola se adentra pelo território inexplorado da projetação
voltada para a grande produção em série, lançando-se na base de uma problemática cujo centro apontava
para o desenvolvimento de uma sociedade civil industrialmente evoluída. Por vários motivos, se nós hoje,
como designers, estamos aqui falando de projeto e atuando com grande fertilidade, devemos tudo isso a
Ulm, e isso não tanto pelos seus conteúdos metodológicos ou lingüísticos, mas pelo fato, bem mais
importante, de haver colocado, no centro de um vastíssimo teorema cultural e civil, o design, como uma
disciplina que opera em contato com as transformações reais do industrialismo de massa e como projeto
que cruza o imensurável universo dos objetos com o mundo artificial que circunda o homem até o ponto
de transformar-se na mais importante experiência existencial” (apud DE MORAES, 2006, p.61).
164
Frente às novas demandas, distantes do mercado consumidor dinâmico dos
países desenvolvidos, os padrões estéticos brasileiros e, de certa forma, empresariais,
tiveram de sofrer algumas adaptações para a nossa realidade. Verificaram-se, em meio a
esse cenário, muitas iniciativas e incursões no campo do Design, para vários arquitetos
brasileiros e designers que se encontravam sintonizados com o ideário modernista
amplamente difundido fora. Dentre elas, podemos acentuar o avançado
desenvolvimento do Design mobiliário em cuja área, inúmeros profissionais se
destacaram. Sob pena de cometer erros e omissões injustas ao citar os nomes desses
importantes profissionais do Design brasileiro daquela época, permitimo-nos não fazê-
lo. Não obstante, seria oportuno conferir relevo, nesse momento, para a febre de
modernidade que vivia o país. Nesse sentido, ocorreu uma explosão de demandas por
projetos na área de Design de interiores. Na análise de Denis (2000, p.162), é ressaltada
que se o país navegava sob esses ares de modernização “de rejeição anunciada das
tradições patriarcais e de renovação de valores e costumes” –, seria mais compatível,
então, para “uma nação que buscava se livrar de velhos trastes da cultura e da política”,
livrar-se também daqueles “velhos trastes que mobiliavam as salas e os quartos de
dormir das suas elites” (Idem, ibidem).
No campo do Design gráfico não fora diferente o que não poderia deixar de
ser. Sob a tutela desses ares febris” de modernidade, desenvolveram-se também várias
inovações tecnológicas que transformaram a economia e a sociedade brasileira. Dentre
alguns aspectos, seria oportuno salientar que, paralelamente ao desenvolvimento e
evolução da indústria fonográfica, emergiu o Design de capa de discos, com talentosos e
renomados profissionais nesse campo. Também se desenvolveram várias adaptações aos
novos padrões de tecnologia para a indústria editorial. Ressalta-se aqui o efetivo
ingresso da tecnologia de impressão offset, a qual trouxe uma ampla renovação para o
Design de revistas e livros.
Nesse espaço de desenvolvimento de novos modos tecnológicos de fabricação e
frente às demandas político/nacionalista/desenvolvimentistas, oriundas do segundo
mandato presidencial de Getúlio Vargas e do governo Juscelino Kubitschek, o Design
brasileiro é inflexionado para a necessidade de geração de alternativas à altura dos
grandes desafios sociais e culturais da época. Podemos ressaltar que durante a segunda
fase do modernismo, o campo do Design se viu mesclado de ingredientes nacionalistas e
165
internacionalistas; e ainda, entre a artesania tradicional e o avanço trazido pelo
progresso da indústria.
Nesse contexto, em meio a essas contradições, Denis (2000) ressalta que o
designer de móveis Joaquim Tenreiro seja considerado, provavelmente, como o mais
importante nome dessa categoria que melhor ilustra esse momento. Os seus móveis
eram confeccionados com materiais que remetiam à mais antiga tradição brasileira na
fabricação de móveis da época colonial, tais como o uso de madeiras de lei, como
jacarandá e do uso da palhinha. E ainda, em seu caráter de produção seu ofício de
conceber e de fazer , predominava a filosofia projetiva e de fabricação que norteara o
sistema de produção artesanal.
Não obstante, também cabe notar, contrastadamente, em seus trabalhos, na
década de 1940, uma influência marcadamente forte do Estilo Internacional
125
.
Conforme mencionado, os móveis projetados e fabricados sob a sua gerência,
tomavam como base um esquema artesanal. Cabe lembrar que isso não era somente
devido à limitação imposta pela pouca demanda mercadológica local, mas também
porque Tenreiro não possuía uma concepção de produção favorável à fabricação
industrial. Parece justo afirmar que, de certa forma, ele comungava com as principais
diretrizes produtivas do movimento Arts and Carfts. Seu legado produtivo sem
sombra de dúvidas que em que neste encontravam-se refletidas as contradições do
Design brasileiro era ao mesmo tempo modernista e artesanal; de nível internacional,
sem que se perdesse de vista um caráter contundentemente nacionalista
126
.
125 O que se propunha nessa corrente de design era que “todo objeto podia ser reduzido e simplificado
até atingir uma forma ideal e definitiva, a qual seria o reflexo estrutural e construtivo perfeito da sua
função. [...] Em termos de design gráfico, o estilo Internacional se manifestou principalmente através da
austeridade, do rigor e da precisão associadas à ‘escola suíça’[...] Em nível mais popular, o Estilo
Internacional também encontrou expressão mundial durante a década de 1950 nos modismos de
decoração descritos familiarmente no Brasil como ‘estilo pé de palito’ e ‘estilo Jetsons’, refletindo já uma
apropriação bem menos austera dos valores formais do movimento, senão de suas propostas. [...] De
modo geral, a ideologia do estilo Internacional se baseava na idéia de que a criação de formas universais
reduziria as desigualdades e promoveria uma sociedade mais justa. Simplificando um pouco, alguns
funcionalistas raciocinaram que se a melhor e mais bonita cadeira fosse também a mais eficiente e mais
barata de se fabricar, não haveria mais sentido em produzir cadeiras melhores e outras piores” (DENIS,
2000, p.154-155).
126 Ainda que conferimos relevo a tal designer (Tenreiro) por sua pujante contribuição à época, faz-se
necessário atentarmos para o cenário que De Moraes ressalta, isto é, se compararmos a trajetória evolutiva
das Artes plásticas e da Arquitetura em nosso país com a do Design brasileiro, nota-se por parte deste,
uma não-decifração local de proporções significativas que fizesse emergir um “modelo autônomo”, ou
seja, um Design singularmente nacional. O Brasil buscou decodificar o modelo racionalista às
características locais, no entanto, conforme sustentado pelo autor, “diante das fortes e acentuadas
condicionantes projetuais inerentes ao modelo racionalista, como a realidade do purismo formal e o
acentuado enfoque nos aspectos funcionais, as referências e espontaneidades locais nem sempre
166
Em meio a essas transformações da economia e da sociedade brasileiras,
argumentamos com base nos aportes de Denis (2000), que a implantação de empresas
estatais (de grande porte) como a Vale do Rio Doce e a Petrobrás, seguidamente da
instalação aqui em nosso país de multinacionais, trouxeram novas frentes de atuação
para o campo profissional do Design brasileiro, detidamente nesse momento, para a área
da comunicação visual.
Nessa perspectiva, sob um cenário de euforia empreendedora, com inúmeras
oportunidades para os projetistas brasileiros, oriundas principalmente do Programa de
Metas do governo Kubitschek, surgiu em 1958, a Forminform
127
, tendo como sócios
Alexandre Wolner (que seria, em conjunto com Aloisio Magalhães e outros, um dos
importantes fomentadores e articuladores da criação da Escola Superior de Desenho
Industrial), Geraldo de Barros, Rubem Martins e Renato Macedo. Sobre Aloisio
Magalhães, é necessário ressaltar que o mesmo, um importante designer brasileiro,
notabilizou-se poucos anos depois, pela sua vasta e contundente obra na área de
identidade corporativa. Apoiando-se em nossas pesquisas, seria possível argumentar
que, provavelmente ele foi o mais influente designer brasileiro do século XX. A título
de conclusão do perfil de Design que foi adotado no Brasil, e também para elucidarmos
esse ponto, recorreremos a Rafael Rodrigues
128
que nos remete quanto à influência
marcadamente importante que Aloisio Magalhães exerceu no cenário do Design
brasileiro. Sob suas próprias palavras:
Inegavelmente, sua atuação foi marcante no processo de
implantação do design no Brasil. Todos os novos
profissionais que são sistemática e semestralmente
lançados no ainda restrito mercado de design do nosso
promissor país, precisam, mais do que nunca, refletir
sobre as idéias lançadas por Aloisio: por serem ainda
necessários à atuação didática junto ao cliente, um know-
how específico para criar, implantar e redesenhar
projetos, e sobretudo não perder de vista nossas
referências culturais, na incessante busca de uma
identidade nacional, inserida no processo de
globalização. Postura que Aloisio já acenava em seus
pensamentos: Para ser vencedor global nasce-se antes
vencedor local (apud LEITE, 2003, p.140 itálicos no
original).
apareciam de forma expressiva e revelada, mas, ao contrário, muitas vezes foram mesmo minimizadas
diante da força dos princípios projetuais disseminados pelo modelo racional-funcionalista” (2006, p.62-
63).
127 Considerado como um dos primeiros escritórios de Design do Brasil.
128 Arquiteto e Designer. Começou a trabalhar com Aloisio Magalhães em 1964. Em 1976 tornou-se seu
sócio e diretor executivo em sua empresa “Programação Visual/Desenho Industrial” – PVDI.
167
Sob a tônica das análises expostas, cabe notar que a instituição do Design no
Brasil deu-se de maneira forçada. Significa dizer que o nosso país “viveu o
estabelecimento de seu design sempre com uma expectativa de transferência de modelos
e soluções provenientes do exterior, se desenvolvendo não como uma consequência
direta e espontânea das suas tradições artesanais e das suas manifestações culturais”
(DE MORAES, 2006, p.65).
3.4. – A formação do designer no Brasil
Nessa seção, procuraremos apreender como se concretizou a formação de
designers no Brasil, contextualizado às conjunturas socioeconômicas, culturais e
políticas da sociedade brasileira. Faremos uma breve excursão histórica que vai desde o
período imperial até a efetiva institucionalização, buscando salientar as matrizes
históricas que contribuíram para tal materialização do ensino de Design no Brasil, que
se deu sob forte influência européia.
No tópico anterior, pudemos constatar o estreito vínculo que a emergência
institucional do Design brasileiro teve com o ideário nacionalista/desenvolvimentista,
capitaneado pela forte ideologia industrialista, e inspirado fortemente em ares e crenças
modernistas, os quais vieram à tona no movimento de rompimento com os cânones
academicistas que ora imperavam na sociedade – a Semana de Arte Moderna de 1922
129
.
Em tempo, seria oportuno sob um breve panorama de viés cultural, nos
remetermos ao século XVII, apontando que no Brasil a formação de artesãos, arquitetos
129 Sobre esse aspecto, atentemos para o preciso cenário brasileiro na ocasião, retratado por Reis: “Os
anos que precederam a montagem da Exposição Universal que comemoraria o centenário da
independência do país, em 1922, foram decisivos para o aparecimento do Modernismo entre nós. Na
verdade, a ‘batalha modernista’, como a ela se referiu o pintor Emiliano Di Cavalcanti, começaria a ser
travada bem antes da famosa Semana de Arte Moderna. De fato, ao final da I Guerra Mundial, em 1914,
havia dois Brasis desenhados no mapa econômico, político e cultural da burguesia. Um, rico e moderno,
orgulhoso da sua produção agrícola e das suas exportações; vaidoso com a ‘cara de Paris’ adquirida pela
sua capital e com a exuberante racionalidade de Belo-Horizonte. Sobretudo, era um país que exultava
com a industrialização de São Paulo, com o excedente de crédito na praça, com o crescimento do mercado
interno. Na esfera cultural, era um país ordenado por um Sistema de Belas-Artes, Letras e Música. A
despeito da crise na Europa, as relações capitalistas avançavam no Brasil. Outro, pobre e atrasado, era o
próprio retrato do inferno nos trópicos. Morros íngremes nos quais penduravam-se barracos miseráveis
ocupados pela gente pobre e desempregada; cabeças-de-porco habitadas por famílias de trabalhadores na
periferia das fábricas; cortiços empoeirados à margem das estradas e palafitas enterradas em mangues
apodrecidos. Faltava educação, emprego, saneamento e habitação. Sobrava ignorância, doenças
endêmicas e favelados” (REIS, 2005). Também em Coutinho (2005, p.49-50), encontramos uma relevante
análise sobre tal fato. Nesse sentido, o autor nos fornece uma faceta para essa cisão com os dogmas
acadêmicos que imperavam na ocasião, sinalizando que “a tentativa de renovação das técnicas artísticas a
partir da importação do vanguardismo europeu pode ser interpretada como a expressão do necessário
esforço de adequação das ‘forças produtivas’ da arte ao novo universo cotidiano que o capitalismo, em
sua forma moderno-industrial, ia introduzindo na vida brasileira, sobretudo em São Paulo”.
168
reais, artífices e também engenheiros militares, dava-se pelo clero, com características
eminentemente renascentistas. Atribui-se, ainda, a esses personagens a introdução do
Neoclassicismo
130
no Brasil (GOMES, 1996, p.85). Quando elevou o Rio de Janeiro ao
status de capital do Reino, D. João VI tinha intenção de criar uma escola de ciências,
artes e ofícios em nosso país. Atentemos para tal aspecto no excerto extraído do Decreto
do Executivo de 12 de agosto de 1816, que se remonta à criação da Escola Real de Artes
e Ofícios:
Attendendo ao bem commum que provem aos Meus Fieis
Vassallos de se estabelecer no Brasil huma Escola Real
de Sciencias, Artes e Officios [...] Fazendo-se portanto
necessario aos habitantes o estudo das Bellas artes com
applicação e referencia aos Officios mecanicos, cuja
pratica, perfeição, e utilidade depende dos conhecimentos
theoreticos daquellas Artes, e diffusivas luzes das
Sciencias Naturaes, Phisicas e Exactas (ARQUIVO
NACIONAL).
131
Nessa perspectiva, para tanto, mandou importar da França (1816) uma missão
Missão Artística Francesa chefiada por Joaquim Lebreton, constituída por arquitetos,
pintores e escultores, trazendo as bases que serviriam para a construção de uma “cultura
nacional” (GOMES, 1996, p.85), que culminaria na fundação da Academia de Belas
Artes
132
. Sempre que nos referimos a essa Missão, nos vêm à mente atividades artísticas
130 “Movimento dominante na arquitetura européia e norte-americana no final do século XVII e início do
século XIX [...]. Esse movimento foi caracterizado pelo desejo de recriar o espírito heróico da arte grega e
da Roma republicana” (GOMES, 1996, p.80).
131 Extraído de: 180 Anos de Escola de Belas Artes. Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro,
UFRJ, 1998.
132 Sobre o cenário posto para uma institucionalização desse porte, trazemos uma importante análise de
Reis: “Criada no Reinado pelos mestres franceses da missão artística trazida ao Brasil por D. João VI, a
Academia de Belas-Artes foi mantida e aperfeiçoada no Império, em cujo período observou-se uma
significativa ampliação das suas funções básicas de ensino. Na verdade, sob a proteção de D. Pedro II, a
Academia haveria de levar adiante o plano estratégico que dera origem à contratação dos mestres
franceses algumas décadas antes: produzir conhecimento, estabelecer um método científico de trabalho e
uma hierarquia disciplinar capaz de reproduzir os ensinamentos ministrados, e, no limite, instaurar um
aparato legislador das coisas da arte com vistas à formação de um Sistema de Belas-Artes que
correspondesse aos objetivos hegemônicos da classe dominante. A ignorância ou descaso que as elites
urbanas devotavam pela herança artística colonial, era agravado ainda mais pelo desprezo que sentiam
pelo trabalho manual, o que tornaria a tarefa de sistematizar a produção artística ainda mais complexa.
Contudo, isso se fez de duas maneiras complementares. Isto é, por um lado, a Academia construiria junto
às elites do país a idéia de que a produção artística acadêmica interessava estrategicamente ao Estado, seja
como forma de acumulação de um capital simbólico à altura dos seus dirigentes e por conseguinte das
elites, seja como forma de reprodução do capital acumulado. Por outro lado, construindo imaginariamente
a tradição das belas-artes no país, seja universalizando a idéia de uma hierarquização fundada em
princípios éticos e estéticos insuspeitos porquanto baseada no domínio competente da técnica, seja
apagando ou mascarando oficialmente os resquícios da tradição colonial. A exemplo das instituições
artísticas européias, no Brasil, a implementação na Academia de cátedras correspondentes às diferentes
disciplinas curriculares configuraria o primeiro passo concreto no sentido de tornar visível à sociedade a
autoridade produtora de conhecimento no campo artístico e capacitada oficialmente a reproduzi-lo. Nesse
sentido, a autoridade da cátedra fundada no corpo da doutrina acadêmica seria utilizada pelo Estado para
169
estritamente de âmbito das “artes maiores” as Belas Artes –, que inegavelmente, na
ocasião da criação de uma escola de arte desse porte, possuía uma preocupação de
formar artistas plásticos de nível europeu. No entanto, cumpre notar que na escolha dos
profissionais que constituiriam tal Missão, houve um certo cuidado em escolher quais
categorias viriam a fazer parte dessa, sobretudo os profissionais das artes ditas
“menores”. A despeito de toda uma preocupação por parte do soberano maior da nação,
cabe pôr em relevo que tal estruturação e constituição prática, não abarcou somente a
criação de “condições para o estabelecimento de uma academia de artes, mas sim de
uma estrutura própria para a formação de artífices capazes de projetar e executar os
mais variados artefatos da vida cotidiana” (MELO, 2006, p.255). Nota-se tal aspecto no
fragmento abaixo, extraído de uma correspondência entre quem de fato se encarregou
da contratação e aquele que o representava na França, a saber:
Graduei mesmo esta ajuda de custo aplicando-se às duas
famílias do arquiteto gravador Grandjean de Montigny,
ao gravador em pintura e miniatura Pradier e ao
mecânico Ovide, que leva consigo um ótimo serralheiro
com seu filho, e um carpinteiro de carros e seges, que
pode servir para fazer instrumentos agrários, e outros
mestres fabris: pareceu-me assim o útil ao agradável sem
sobrecarregar os artistas de luxo quando são os de úteis
artes que nos faltam (RIBEIRO, apud MELO, 2006,
p.255).
O excerto por seu turno nos remete ao caráter dualista posto em princípio, que
presidiu a implantação de um estabelecimento de ensino desse porte pioneiro e que
envolveu, concomitantemente, a arte e a produção material “manufatureira” daquela
época. Dessa forma, a Academia Imperial de Belas Artes, em 1816, “teve por objetivo
primordial a constituição de um ensino artístico baseado em atividades oficinais”,
declara Melo (2006, p.255). Embora tal aspecto não tenha se mantido na linha histórica
da Academia, ainda no período do Segundo Reinado “prevaleceu um discurso
institucional que atribuía às artes, as belas e as aplicadas, um sentido civilizatório”. De
todo modo, a “trajetória do ensino técnico no Brasil guarda relações com a iniciativa
francesa das escolas de Art set Métiers”, que foram sendo constituídas a partir dos anos
de 1864 (MELO, 2006, p.255-256).
balizar a construção de prédios da administração pública, parques, jardins, monumentos etc., como,
freqüentemente, para justificar a descaracterização do patrimônio arquitetônico colonial mediante a sua
simples destruição ou reforma de alguns de seus mais notáveis exemplares” (REIS, 2005).
170
Ainda na ordem dessas reflexões, conforme exposto, a referida escola foi
criada em 1816, pela mencionada Missão Artística Francesa; inicialmente instituída
como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, para depois ser transformada em
Academia Imperial de Belas Artes. Em 1890, ela sofre mais uma mudança, torna-se
Escola Nacional de Belas Artes. E, nos idos anos de 1966, passa a ser denominada
Escola de Belas Artes, que atualmente está incorporada à Universidade Federal do Rio
de Janeiro, onde abrigara o curso de Desenho Industrial e Comunicação Visual
(atualmente Design de Produto e Design Gráfico, respectivamente). Pereira (1998), ao
fazer um balanço alusivo aos 180 anos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, diz
que, grosso modo, a linha histórica da Academia e da Escola se divide,
significativamente, em seis fases; ou seja:
Os anos de 1816 e 1835 compreendem a fundação da
Academia, a instalação do ensino oficial de arte e a
estruturação do sistema acadêmico, além de estar ligado
diretamente à atuação dos mestres franceses. O período
de 1835 é considerado como o da consolidação da
Academia e também o momento de maior prestígio na
sua história. [...] A década de 80 é tomada pelo confronto
entre modernos e positivistas, na luta por mudanças
radicais na estrutura da Academia [...]. Em 1890, no
entanto quando se estrutura a Escola Nacional de belas
Artes, os novos estatutos não contemplam as
reivindicações da década anterior, seguindo-se daí uma
trajetória até 1930, sem apresentar grandes mudanças das
concepções formais e pedagógicas da velha Academia.
[...] As décadas de 1930 a 1970 são iniciadas como o
episódio da direção de Lúcio Costa e sua tentativa de
modernização, além de toda a polêmica em torno da
reforma do Salão Nacional em 1831 revelando a
pressão entre modernos e acadêmicos. Além disso, ainda
nos anos 30, a maior parte do acervo da Escola é
desmembrado para fundar o Museu Nacional de Belas
Artes e, nos anos 40, o Curso de Arquitetura desliga-se
da Escola, constituindo a Faculdade Nacional de
Arquitetura. O último período vem de 1970 até hoje e
inclui uma mudança radical no perfil da escola: a perda
do prédio na Avenida Rio Branco, que havia sido feito
especialmente para ela no início do século pelo Morales
de los Rios e a ida para a Ilha do Fundão, alojada no
prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo; toda a
reforma do ensino, pela introdução do sistema de
créditos; o aparecimento de outros cursos em sua
graduação, como o Desenho Industrial e a Comunicação
Visual. Foi ainda momento de gravíssimos problemas
políticos, atingida pelo AI-5 de 1968 e o afastamento de
alguns professores, como Mário Barata, Quirino
171
Campofiorito e Abelardo Zaluar
133
. A história da
Academia e da Escola, portanto, encerra nos seus 180
anos toda a problemática da ate brasileira seus
confrontos entre a tradição e a modernidade; a relação
com o Estado e a participação em projetos culturais. A
constituição de um mercado de arte; a questão do ensino
artístico e a inserção no ambiente universitário
(PEREIRA, 1998, p.12-13).
Isso posto, dando prosseguimento à nossa análise, nota-se que no início do
século XX, muitos artistas brasileiros sofreram influência do movimento Arts and
Crafts e o Art Nouveau
134
.
Em 1937, conforme sinalizado, são abertas novas
perspectivas de “renovação da prática do ensino e arte, desenho e arquitetura”
(GOMES, 1996), com Lúcio Costa à frente da direção da Escola Nacional de Belas
Artes. Nas cadas de 1930 e 1940, se notavam várias experiências com artefatos e
mobiliários, vindas de Joaquin Tenreiro, Lina Bo Bardi e Zanine Caldas. Também em
outros pólos, a renovação oriunda do modernismo crescia gradativamente. Podemos
ressaltar para outros movimentos de igual expressão: no Recife, núcleos de ensino como
o Ateliê Coletivo do Recife e o Gráfico Amador (Aloisio Magalhães); a Escola de Belas
Artes em Minas Gerais e na Bahia, e, no Rio Grande do Sul, o Clube de Gravura de
Pelotas. Em 1947 e 1948, respectivamente, ocorreram a fundação do Museu de Arte de
São Paulo (MASP), e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), pólos
importantes na disseminação, em caráter institucional, para o ensino de Design no Brasil
(GOMES, 1996, p.85-86).
133 Nesse sentido, “[...] após a cassação de três de seus mais eminentes professores, ocorrida em 1969,
Mário Barata, de História da Arte, Quirino Campofiorito, de Artes Decorativas e Abelardo Zaluar de
Desenho, havia o silêncio. Estes professores foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5. O motivo
político fora pretexto, hoje isto nos é bem claro, pois o que se escondia atrás dos fatos é que a
modernidade patente destes mestres incomodava a força institucional, comandada por uns poucos
professores que, naquele momento, estavam muito fortalecidos, pois eram simpatizantes do regime
totalitário. [...] a própria condição da Escola ser uma Instituição Federal e, como tal, submissa ao poder do
Estado, impediu que os que ficaram tivessem qualquer poder de mudar o curso da história, pelo menos,
naquele momento (LUZ, 1998, p.465-466 – itálicos no original).
134 Movimento que teve uma importante participação no processo de industrialização no século XIX.
Nasceu em Glasgow, na Escócia, desenvolveu-se na Bélgica e adiante, em Paris, Moscou, Berlim e em
diversas cidades italianas. “O Art Nouveau se formou em uma atmosfera espiritual fortemente
influenciada pelas descobertas advindas das ciências naturais e especialmente através da biologia,
botânica e da fisiologia” (HESKETT, apud DE MORAES, 1999, p.22). “Os designers da Art Nouveau
voltaram-se para a natureza porque necessitavam de forma que expressassem crescimento não feito pelo
homem, formas orgânicas e não cristalinas, formas sensuais e não intelectuais” (PEVSNER, apud DE
MORAES, 1999, p.23 itálicos no original). “[...] ênfase no imaginário inspirado na natureza, com a
exploração de formas curvilíneas, a influência da estética assimétrica e o uso de espaços vazios vindos da
xilogravura japonesa e o interesse no simbolismo. Havia a busca de signos novos para serem aplicados no
mobiliário e equipamentos domésticos e comerciais, na arquitetura, na ilustração e em incontáveis itens
industrializados” (NIEMEYER, 2000, p.34).
172
3.4.1. - Os pioneiros
Em tempo, conforme analisa Niemeyer (2000), vale lembrar que, na década de
1950, ainda não era bem compreendido o real significado do Design para os industriais
e a sociedade brasileira. Ainda nessa ordem de pensamento, Pietro Maria Bardi, em uma
análise da conjuntura socioeconômica/política da economia brasileira na época, com
intenção de fundamentar um embrião para o ensino sistemático de Design em nível
superior em nosso país, afirma que:
O Brasil vivia num período eufórico. Já começavam a ser
colhidos os frutos da política de industrialização de
Getúlio Vargas, apoiada na substituição das importações
do período da guerra. O investimento na indústria pesada
dava autonomia aos industriais brasileiros para investir
em bens de consumo antes vindos da Europa. [...]
Pequenas oficinas se industrializavam. Mas tudo era
muito artesanal, não havia controle de qualidade (apud
Revista Design & Interiores, edição 18, 1990, p.65).
Em meio a essa conjuntura, fazia-se premente a emergência da formação de
profissionais com qualificação adequada para o preenchimento de quadros da crescente
atividade econômica e da indústria nacional que ora nascia. Nessa linha de ideias,
Wollner salientava um caráter nacionalista para o campo do Design, cujo resultado
dos trabalhos desses profissionais (seja da geração de um produto ou de um projeto de
comunicação visual), mediante o reconhecimento dos signos impregnados nos mesmos,
pudesse ser reconhecido como tipicamente brasileiro
135
. Para tanto, havia a necessidade
de um profissional que fosse “capaz de criar uma linguagem original, com elementos
visuais próprios, não nacionalistas, mas oriundos da nossa cultura, com signos próprios
mas de leitura universal” (WOLLNER, apud NIEMEYER, 2000, p.63).
Nesse cenário político-econômico, de uma cultura efervescente, consolidou-se a
ideia de que as instituições culturais deveriam não somente se dedicar a exposições e
conservação de suas obras de arte consagradas, mas se “abrir” mais e “apresentar a arte
livre e renovada de sua época” (NIEMEYER, 2000, p.63). Dando prosseguimento, sob
os auspícios desse ideário, com a fundação do Museu de Arte de São Paulo MASP,
em 1948, o Design obteve concretamente um tratamento mais sistematizado, seja por
intermédio de suas atividades didáticas e das suas exposições, ou pelos conceitos com
que foram concebidos e plasmados os seus equipamentos. Ou seja, em todo o corpus
135 Seria pertinente argumentar que (recorrências desse tipo são encontradas em várias referências) até os
dias atuais, existe uma busca de se encontrar para o nosso país, um Design próprio.
173
projetivo do museu expressava um forte traçado de um profissional sintonizado com os
conceitos e preocupações do âmbito do Design.
A São Paulo daquela época expressava um ambiente propício à criação de
instituições de cunho cultural. Esse contexto ensejou ao italiano Pietro Maria Bardi, que
à época estava à frente da direção do MASP e percebia uma lacuna no âmbito do
Design, ampliar os horizontes funcionais do museu. Podemos corroborar esse aspecto,
num depoimento feito por ele próprio à Ethel Leon, obtido em uma entrevista, na qual
resgatamos:
Logo pensei que a grande chance do museu era ensinar.
E, nos planos de minha mulher para os 1000 m
2
que o Sr.
Chateaubriand colocou à nossa disposição para fazer o
museu, foi pensado de saída um auditório para
conferência e ensino. Logo descobri que em São Paulo,
uma cidade de caráter industrial, não se falava em design.
Então fundei uma escola de design (Revista Design &
Interiores, edição número 18, fevereiro/março de 1990,
p.65 – itálico no original).
Para tanto, mais adiante, em 1951, sob a sua iniciativa e coordenação de sua
esposa, a arquiteta Lina Bo Bardi, foi inaugurado o Instituto de Arte Contemporânea do
MASP (IAC/MASP). Essa instituição é ressaltada por Niemeyer (2000, p.65) como a
“semente do ensino de design, de nível superior, no Brasil”. Era um curso com estreitas
ligações com a Bauhaus, pois detinha em seu quadro de profissionais, professores com
fortes influências desta escola. Contudo, como afirma Ludovico Martinho (apud LEON,
1990, Revista Design & Interiores, edição 18, p.66), “apesar de grande parte dos
professores terem influência direta da Bauhaus, o curso não tinha nada de restritivo ou
ortodoxo. Sem dogmas”.
Nesse ambiente, também de Design pois, como mencionado, todo o projeto,
desenho e equipamentos do museu, expressava-o contundentemente encontramos
Pietro Maria Bardi inovando continuamente, a ponto de ressaltar como objeto de arte do
museu, um artefato oriundo da cultura industrial – a presença de uma máquina de
escrever Olivetti –, em meio a outros objetos do nosso cotidiano, numa exposição
intitulada “Vitrina das formas”. Ao mesmo tempo, Bardi fundou um curso de
propaganda, que mais tarde se tornaria Escola Superior de Propaganda e Marketing de
São Paulo (fatos apontados por Leon, 1990).
No entanto, em meio à insuficiência de recursos financeiros para a manutenção
do instituto, o IAC/MASP permaneceu ativo somente por três anos (mantido por um
174
convênio com a Prefeitura de São Paulo). Não obstante, cumpre observar que, apesar de
sua breve existência, ele “ensejou o estabelecimento de contato com correntes de
pensamento que prevaleceriam no ensino formal de design no Brasil, do qual foi
pioneira” (NIEMEYER, 2000, p.66).
3.4.2. - O Design mesclado ao ensino de Arquitetura
O engenheiro-arquiteto, graduado pela Escola Politécnica de São Paulo, João
Batista Vilanova Artigas, trouxe em 1962 uma sequência de Design para o curso de
arquitetura da Universidade de São Paulo (USP). Essa sequência se inseriria em seu
currículo sob um conjunto de disciplinas, de quatro horas semanais, em cada um dos
quatro anos do curso de arquitetura, referentes ao âmbito do Desenho Industrial.
Justifica-se tal configuração, pelo cenário posto na época em se delineava à nossa
nação, um processo desenvolvimentista de caráter nacionalista, em que a Faculdade de
Arquitetura de São Paulo (FAU/USP), fundamentada nessa mesma ótica
desenvolvimentista-nacionalista, se viu embrenhada num interesse em fazer mudanças
na sua estrutura curricular, frente às novas demandas advindas dos modos de produção.
Podem-se observar claramente essas preocupações no relato abaixo:
Foi assumida a responsabilidade de inclusão de Desenho
Industrial e da Comunicação Visual. Dizemos
responsabilidade porque estão envolvidos na experiência
estudantes e professores, com todas as futuras
consequências que, na nossa realidade, irão trazer o novo
tipo de profissional produzido. Desenho Industrial é o
estudo do objeto e do seu uso. O raciocínio empregado
na solução dos problemas de Design não é em absoluto
estranho ao arquiteto, mas sim paralelo ao pensamento
empregado nos problemas de edificação e planejamento.
O arquiteto na sociedade de hoje atua numa gama muito
ampla de processos, abrangendo a produção industrial,
identificando-se com ela e contendo em si o Designer.
[...] O resultado dessa intervenção deverá ser um Design
caracteristicamente brasileiro, ligado nitidamente ao
nosso patrimônio artístico, popular e erudito (FAU/USP,
apud NIEMEYER, 2000, p.67).
Não obstante tamanho interesse, essa corrente de pensamento não se propagou
pelas demais escolas de arquitetura no país. Esse fato, sob a análise de Niemeyer (2000,
p.68), deu-se em função do “corporativismo e a supremacia numérica dos arquitetos”,
impedindo assim, que a direção da FAU/USP naquela ocasião, fosse constituída por
aqueles arquitetos com concepções ligadas ao Design, impetrando dessa maneira, uma
não-ênfase à Sequência Desenho Industrial. Dessa forma, considerando os fatos que
175
foram marcantes para tal impedimento, é pertinente apontar que houve uma ruptura na
área do Design, que se nota presente até os dias de hoje. Existe, de um lado, uma
corrente de arquitetos, em especial em São Paulo, que advoga para sua categoria a
competência para o desenvolvimento de projetos no âmbito do Design; e de outro, o
contingente de profissionais formados em cursos específicos de Design os designers
que são opostos àquela prerrogativa imposta pelos arquitetos. Ainda sob análise da
autora, é possível afirmar de que se trata de um aspecto que se refere ao âmbito da
“delimitação de campo profissional, de área de conhecimento específico de uma
profissão discussão que permanece em aberto enquanto o design se apoiar mais numa
prática profissional do que num corpo teórico próprio” (NIEMEYER, 2000, p.6).
3.4.3. - A Escola Técnica de Criação
Alude-se ao ano de 1948 o início das atividades do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro (MAM-RJ), uma ideia surgida de um grupo da elite burguesa e de
empresários do Rio de Janeiro. Niemeyer (2000, p.68-69) assinala que esse grupo
dominante invocava que o país nessa nova fase a industrial tivesse, compatível com
esta nova etapa, uma expressão formal”. Ou seja, sob fortes ares de modernidade,
deveria haver uma arte, uma arquitetura e uma cultura, também modernas.
O MAM/RJ, de arquitetura fortemente moderna, foi projetado pelo arquiteto
Affonso Edmundo Reidy e construído numa área de 40.000 m
2
,
doada pelo, então,
prefeito João Carlos Vital (que tinha ligações com a direção do museu), em localização
privilegiada, num dos belos pontos da cidade do Rio de Janeiro. Remonta ao dia 9 de
janeiro de 1954, o lançamento de sua pedra fundamental, com presença de altas
autoridades e do então presidente da república, João Café Filho. A diretoria executiva
do MAM/RJ foi dada à engenheira Carmen Portinho, a qual também se encarregou da
responsabilidade pela obra-sede do museu.
Segundo Carmen Portinho (apud NIEMEYER, 2000), partiu de Max Bill
136
a
proposta de criação de uma escola de Design no prédio da futura sede do MAM, quando
em 1953, o mesmo regressara ao Brasil, desta vez como membro do júri internacional
da II Bienal de Arte de São Paulo. Ele, em suas observações ao analisar o projeto do
136 Max Bill (1908-1994). Artista de perfil concretista e designer suíço. Teve um trabalho seu premiado
e consagrado na I Bienal de Artes de São Paulo, em 1951. Foi o primeiro diretor de uma das mais
importantes escolas de Design, a Hochschule für Gestaltung UfG (1953-1968) Escola Superior da
Forma.
176
MAM/RJ, fez sugestões de alterações para que o prédio pudesse ser o guardião de uma
“escola com características especiais: um centro de formação que teria por fim
desenvolver nos alunos, através de atividades criativas, qualidades artísticas e geradoras
de formas de arte adaptadas aos aspectos sociais da época” (NIEMEYER, 2000, p.70).
Cabe notar que o projeto educacional dessa nova Escola incorporava como modelo
pedagógico o mesmo da Escola Superior da Forma, ou a Escola de Ulm (UfG - Ulm)
137
.
Max Bense aponta que a sugestão proposta por Bill residia numa “simbiose
perfeita de ideologias que favoreciam a identificação da Escola de Ulm com o Rio de
Janeiro, a saber: o positivismo (JK, Brasília, ordem e progresso), o místico cultural bem
enraizado e a presença da arte concreta questionando os valores acadêmicos, em
particular da tradicional Escola de Belas Artes
138
(apud NIEMEYER, 2000, p.70).
137 Em publicação da época, estava expresso o notório entusiasmo por parte da direção do MAM/RJ, no
tocante ao caráter doutrinário do curso, a saber: “o Museu adotou um ambicioso plano educativo que
representou uma das vigas mestras de sua filosofia, de sua razão de ser. Inspirado no pensamento da
Bauhaus, em franca e jovem sucedida execução na Hochschule für Gestaltung, de Ulm, Alemanha, tratou
de adaptar as normas daquela instituição à realidade universitária brasileira. Não cogitou da tentativa de
uma transposição de determinado tipo de organização educacional para o Brasil. Mas sim de constituição
de um núcleo de preparação cultural capaz de resolver importantes problemas na nossa formação estética,
sem contudo perder de vista as fecundas experiências obtidas em outros centros do mundo” (MAM-RJ,
apud NIEMEYER, 2000, p.75-76). Ainda a título de caracterizar essa importante Escola, faz-se
necessário apontar que a Hochschule für Gestaltung foi fundada nos idos anos de 1950 na cidade de Ulm.
Em 1954, Max Bill foi nomeado primeiro reitor, e sua inauguração oficial se deu em 2 de outubro de
1955. Sua missão atribuía ao designer o papel de “agente construtor da sociedade”. Tal aspecto expresso
no fragmento do folheto de sua fundação, assinado por Bill, a saber: “[...] Continuação da Bauhaus, esta
escola inclui alguns novos departamentos de design que há 20 ou 30 anos não tinham assumido a
importância que por ora atingiram. O princípio que a tudo sustenta é a associação de um amplo mas
intenso treinamento técnico com uma segura educação geral em linhas modernas e racionais. Por esses
meios, o empreendimento e o espírito construtivo da juventude pode ser infundido com um sentido
próprio de responsabilidade social e a ela pode ser ensinado que o trabalho cooperativo em problemas do
design contemporâneo é uma contribuição importante para a mais urgente tarefa do presente: humanizar a
mecanização cada vez mais crescente em nossa civilização” (LINDINGER, apud MELO, 2006, p.264).
Numa outra passagem, nota-se o caráter metodológico posto para essa instituição na sua fase primeira, a
saber: “Instrução e pesquisa, experimentos individuais e de equipe, se tornarão complementares uns aos
outros; a manutenção de um equilíbrio justo entre conhecimento teórico e sua aplicação prática sendo a
base de treinamento durante todo o curso. A cada estágio, os estudantes serão chamados a explicar e
justificar seu trabalho individual com a intenção de acostumá-los ao pensamento lógico e encorajar sua
autoconfiança. Viver em contato próximo com os professores e com eles trabalhando em equipes
assegurará a cada estudante uma educação abrangente em design e um forte balizamento em outros
campos” (Idem, ibidem). Segundo Silvia Fernández, a UfG “também é a escola que abre ao design as
dimensões: racional, projetiva, política, crítica, tecnológica, científica e ambiental. [...] o primeiro centro
projetado para o ensino, para a investigação e o desenvolvimento do design do ambiente humano [...] a
instituição que define a autonomia em relação à arte”. Ao se referir à fase posterior da escola, ela ressalta:
“Na UfG Ulm, o design deixou de ser entendido como uma disciplina artística e menos como arte
aplicada [...] que incorpora pela primeira vez a linguagem no âmbito projetivo, suas ciências e o ensino de
refletir e escrever sobre design” (apud MELO, 2006, p.282).
138 “Subjacente à proposta do curso estava a de ruptura radical com os padrões do que se chamava de
Belas Artes. Desse modo o Rio de Janeiro se constituía no lugar adequado para que este rompimento se
fizesse de modo sensível: nesta cidade estava a tradicional Escola de Belas Artes. Originária do início do
século XIX, o academicismo e o conservadorismo dos seus velhos mestres constituíam um alvo fácil para
177
Frente a esse cenário, a direção do MAM/RJ se entusiasmou em ampliar o campo de
atuação do museu, não se restringindo apenas a coleções de arte e ao seu equipamento
material. O MAM/RJ, com a criação de um curso, firmava compromissos (esses, que
vinham desde à Bauhaus) de associar o Design ao projeto de modernidade de uma
sociedade. Para tanto, buscava a formação de “quadros para atender à esperada demanda
de profissionais que dariam configuração adequada aos produtos oriundos do processo
de industrialização do país, com uma nova estética que expressasse os novos tempos
(NIEMEYER, 2000, p.70 – itálicos no original).
Assim, sob essas demandas, em 27 de janeiro de 1958, foi inaugurada no “bloco-
escola” do MAM/RJ, a Escola cnica de Criação (ETC) com a presença, dentre outras
autoridades, do então presidente Juscelino Kubitscheck. Nesse contexto, trazemos um
fragmento de um discurso seu proferido naquela ocasião, no qual ele salientou:
[...] Uma civilização, que seja ao mesmo tempo técnica e
industrial, cujo crescimento o esteja ligado a uma
intensa atividade artística corre o risco de se deformar. O
choque que a industrialização causa às atividades
artesanais de características artísticas não saberia
encontrar compensação sem a cultura de valores estéticos
capazes de educar a mão do técnico e do operário, e
assim assegurar a sobrevivência de características de
beleza e de originalidade que sem isso estariam fadadas a
desaparecer.[...] (apud NIEMEYER, 2000, p.71).
Em entrevista dada à Adélia Borges para a Revista Design & Interiores, edição
09, julho/agosto de 1988, Alexandre Wollner afirma que ele e Aloisio Magalhães em
conjunto, foram incumbidos por Niomar Sodré Bittencourt (então diretora do MAM/RJ
em 1961/62), a criarem o primeiro curso de tipografia do museu
139
. Em 1956/57, Niomar
em visita à cidade de Ulm, encomendou ao reitor da Escola de Ulm, Tomas Maldonado,
um programa curricular para um curso de Desenho Industrial no Brasil
140
, além de
oportunizar contatos com Max Bill. Esse curso, que seria de nível superior, objetivaria
aliar a atividade de criação a um conhecimento tecnológico avançado, tendo como pano
de fundo uma base cultural consistente.
contestação e motivo de desprezo dos proponentes do novo curso do MAM” (NIEMEYER, 2000, p.70-
71).
139 Segundo as afirmações de Wollner contidas na entrevista, “esse foi o primeiro embrião da ESDI,
inaugurada em 1963”. A ESDI é a Escola Superior de Desenho Industrial que, atualmente, é vinculada à
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
140 “Ela tinha uma idéia de escola dentro do museu, mas isso não foi possível, por razões financeiras,
econômicas e políticas” (WOLLNER, apud BORGES, 1988, p.88).
178
Na análise feita por Niemeyer o projeto do Curso revestia-se, no seu todo, de
características inovadoras e grandiosas, “em que a fusão da criação artística com a
racionalidade da técnica vinha, mais uma vez, dar feição a uma nova fase da vida
nacional, em que o desenvolvimento era a tônica” (2000, p.74).
Jayme Maurício (diretor do Jornal Correio da Manhã importante jornal na
época e pessoa de estreita relação com Niomar Sodré) ressalta a clara influência
pedagógica que a Escola de Ulm exercia na ETC. Pode-se observar esse fato em sua
coluna publicada, na época, pelo jornal Correio da Manhã, na qual ele informa que:
O curso não será suficiente para dar uma formação
regular (em Ulm o curso é ministrado em quatro anos)
mas dará uma boa informação para despertar um
interesse inexorável para o futuro, abrindo novas portas
do conhecimento, novas idéias, um raciocínio para
sedutores aspectos da cultura moderna. É através da
comunicação visual que os homens se comunicam entre
si na esfera da vasta vida social, dizem com acerto os
mentores de Ulm. A tipografia, a publicidade, fotografia
os diversos sistemas de exposições, a televisão e os
filmes são tratados de uma forma unitária sob o rótulo
hoje internacional de “comunicação visual” (1959, apud
NIEMEYER, 2000, p.75).
Ainda sob essa linha de pensamento, em documentos que se referiam à criação
da ETC, e que foram examinados por Niemeyer, ressaltam-se a recorrência de que a
ênfase adotada pela escola, “não seria a transposição de uma experiência estrangeira,
mas pretendia estar adaptada à realidade brasileira”, em que pese ressaltado pela autora
que, na ocasião da elaboração do referido curso não tenha havido uma participação dos
representantes dos diferentes setores produtivos do país. Na análise claramente uma
crítica referente à falta de proximidade que havia entre os mentores do currículo em
relação à realidade nacional, a sua problemática, o perfil dos alunos e a sua efetiva
inserção mercadológica. Assim, ela salienta: “Tratava-se de um curso que objetivava o
atendimento do desenvolvimento do país, mas que era fundamentado em idéias
deslocadas da realidade concreta” (NIEMEYER, 2000, p.75). No entanto, apesar de
todo o entusiasmo dos seus personagens, por razões de escassez de recursos financeiros
para cobrir a folha de pagamento e para a aquisição dos equipamentos necessários, o
início do funcionamento da ETC não foi possível.
179
3.4.4. - Do Instituto de Belas Artes
141
à ESDI
A relevância dada a essa instituição se pelo fato de ter tido um importante
papel para a materialização de um curso que resultou, concretamente, na pioneira Escola
Superior de Desenho Industrial (ESDI
142
). Foram envidados esforços e articulações
políticas, envolvendo a Secretaria de Educação, o governo do Estado e a Câmara dos
deputados, que resultassem decisivamente na criação efetiva de um Curso de Design no
Rio de Janeiro. Em relação a esse contexto, Niemeyer assinala, sob um viés crítico que
mais uma vez uma parcela da elite ilustrada brasileira se
percebeu incumbida da inalienável missão de orientar,
por si só, caminhos que o país devia trilhar, deliberando
de modo voluntarista, atendendo muitas vezes interesses
de amizade ou subjetivos, sem consulta àqueles que
seriam diretamente afetados por suas ações (2000, p.76-
77).
Cabe notar não somente nesse fragmento, mas nos traços de sua análise, o relevo
dado aos interesses eleitoreiros que foram determinantes para o curso da administração
e do ensino do Design no Brasil. Em nossas pesquisas e leituras, destacou-se um
personagem que teve efetiva participação na articulação (inclusive pedagógica) para a
criação de uma escola de Design para o Estado, Lamartine Oberg. Assim, em 1960, ele
foi indicado pelo, então, chefe da Divisão Cultural do Ministério das Relações
Exteriores (órgão que, na ocasião, tinha especial interesse pelo Design e era o que
articulava o Itamaraty com o MAM), para visitar a Escola de Ulm. Tal visita objetivava
claramente apreender, em detalhes, a logística, a estrutura e a dinâmica de
funcionamento não somente desse, mas de outros centros de ensino mais importantes da
Europa. Dentre eles, além da referida UfG em Ulm, a Kunstgerwerschule em Zurique e
o Royal College of Arts em Londres. Niemeyer também chama a atenção para o
interesse formalizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP-SP)
com vistas à sua colaboração, para que se criasse uma escola com esse tipo de perfil
naquele Estado
143
.
141 O Instituto de Belas Artes (IBA) deu origem à Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de
Janeiro. O IBA foi criado em 19 de junho de 1950, funcionando originalmente na Paria Vermelha. No ano
de 1966, houve a sua transferência para o Parque Lage, pelo então governador do Estado Negrão de Lima.
Em 1975 foi mudado o seu nome para Escola de Artes Visuais.
142 “Uma Herdeira Tropical” (MELO, 2006, p.275).
143 Havia grande interesse, pois naquele Estado se desenvolvia o maior parque fabril brasileiro; e
também pelo fato de que no mesmo já havia sido realizada, como já mencionado, uma experiência
pioneira de ensino de Design no Brasil, O Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo – o IAC-MASP.
180
Lamartine Oberg, de volta ao Brasil, foi convidado por Carlos Lacerda (na
época, governador do Estado da Guanabara), para relatar as suas apreensões a respeito
do ensino europeu de Design. Niemeyer ressalta que o governador, que tinha
conhecimento da proposta pedagógica da UfG, ficou entusiasmado com aqueles relatos,
dando como passo seguinte, incrementar esforços para que se criasse, de imediato, um
curso de Design no Estado da Guanabara.
Agilizaram-se os trâmites burocráticos para que fosse criado um curso superior
no Estado, com um artifício de que o referido curso fosse criado no Instituto de Belas
Artes (IBA), pois tal fim se encaixava no artigo de seu regulamento, que era
específico quanto ao que se destinava o IBA. Ou seja: “[...] a ministrar o ensino das
artes plásticas e suas aplicações técnicas e industriais com a finalidade de desenvolver a
capacidade de artífice e aprimorar vocações artísticas”. E, em seu artigo 3º, Título II,
parágrafo único, versava que “[...] poderão ser criados outros cursos ou sessões de
acordo com o desenvolvimento do Instituto, para atender as finalidades previstas no
artigo 1º” (apud NIEMEYER, 2000, p.78). Oberg, então, foi nomeado por Lacerda,
diretor (já era professor) da Instituição. Já exercendo o cargo, em 14 de agosto de 1961,
envia uma carta ao então secretário de educação e cultura, Carlos Flexa Ribeiro,
relatando que havia aprovação do Conselho Técnico do IBA para a criação do curso
de Desenho Industrial, o que resultou, a cargo de Oberg, na programação e
regulamentação desse curso, com início previsto em 1962.
Havia nos discursos de Lacerda uma notória simbiose com a ideologia de
reconstrução nacional pela via da educação da Alemanha pós-guerra. Niemeyer
analisa que num esforço de posicionar o Design vinculado diretamente à indústria, era
cabível a criação de um curso de Design no Estado, tendo como norteadora a mesma
ótica com que a Escola de Ulm foi fundada. Assim como Niemeyer (2000, p.79),
percebe-se que, historicamente, a materialização de um curso de Design, “vem a
reboque de uma proposta de industrialização, dentro de uma política de renovação”.
Dentre as providências várias, tomadas em conjunto pelo poder executivo com o
legislativo, com o objetivo de se concretizar um projeto oriundo do executivo o de
criar a referida Escola foi constituído um Grupo de Trabalho (GT), pela Portaria
1439, de 12 de dezembro de 1961, que tinha a função de estudar, estabelecer e propor
as bases para a criação do curso de desenho industrial, no Instituto Belas Artes”
(NIEMEYER, 2000, p.80). Esse GT foi constituído por Lamartine Oberg (diretor do
181
IBA), Maurício Roberto (presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil), Wladimir
Alves Souza (diretor da Faculdade Nacional de Arquitetura) e Sérgio Bernardes
(arquiteto, que em 14 de fevereiro de 1962, formalizou o seu próprio afastamento do
Grupo de Trabalho).
Segundo as pesquisas feitas por Lucy Niemeyer, foram levantadas 22 atas de
reuniões do GT, desde 12 de dezembro de 1961 a 31 de julho de 1962. Carmem
Portinho salienta que pouco foi acrescido nessa fase ao que havia sido elaborado
anteriormente para a criação da ETC-MAM (apud NIEMEYER, 2000). E ainda,
segundo a mesma, o secretário Flexa Ribeiro tinha conhecimento do projeto de
implantação da ETC, pois era conselheiro do museu, ambicionava ser governador e,
portanto, pretendia apontar a escola de Design como mais uma realização sua como
secretário de educação e cultura. Ficou constatado que as fontes para a elaboração do
curso foram baseadas no currículo da ETC e no levantamento feito por Oberg, quando
visitou as instituições européias. E ainda, em análise feita por Niemeyer, constatou-se
que a síntese geradora do documento inicial da proposta de curso foi elaborada por
Oberg. Ou seja, o curso, que era inédito, foi elaborado inicialmente segundo a
concepção de realidade de uma só pessoa. [...] sem que houvesse participação ou
interlocução dos setores produtivos” (NIEMEYER, 2000, p.80-82).
Diversas fontes de financiamento foram buscadas para a viabilização do referido
projeto de implantação do curso: verbas públicas, doações de entidades públicas e
privadas (como a Fundação Otávio Mangabeira), e parte da arrecadação da Loteria do
Estado. Em vel internacional, também foram levantadas alternativas de recursos
financeiros, dentre eles, a Association for International Development do plano “Aliança
para o Progresso”, vindos através da UNESCO e, também, o “Fundo Alemão de Auxílio
para os Países em Desenvolvimento”, da República Federal Alemã.
Niemeyer também aponta que havia um parecer dado pela empresa Consultec
144
,
a qual assessorava o GT na elaboração de um projeto que seria enviado a organismos
internacionais. O referido projeto foi enviado pela empresa em 11 de maio de 1962 ao
secretário Flexa Ribeiro, concluindo que:
Todos esses influentes determinam nossas apreensões, de
que o projeto [do curso de design] seja prematuro ou em
escala exagerada para o Brasil, país em desenvolvimento,
144 Empresa na ocasião representada por Mario Henrique Simonsen, Arlindo Lopes Corrêa e Mário
Andrade Silva Pinto.
182
que carece de atendimento de necessidades básicas mais
urgentes. Receamos que os futuros formandos venham a
ser profissionais desajustados e que o custo de sua
preparação durante o currículo escolar venha a ser
demasiado alto e em desproporção com a futura
utilização social e profissional dos mesmos. (...)
Escusado é dizer que se a meditação de Vossa Excelência
concluir pela necessidade ou conveniência do novo
curso, a Consultec dedicará o melhor dos seus esforços
para preparar um projeto à altura das expectativas do
governo e que possa contribuir para que as entidades
financiadoras venham a conceder recursos (apud
NIEMEYER, 2000, p.84).
Mesmo diante deste parecer técnico, o governador o ignora, pois a criação de um
curso desse porte e especificidade era condição sine qua non, e ia ao encontro de seus
interesses político-eleitoreiros. Nessa perspectiva, Melo ressalta que o ensino de um
Design “internacionalista desembarcou por aqui“de costas para o Brasil” –, “sem
nada negociar com qualquer atividade pregressa por aqui existente” (2006, p.279). De
todo modo, mesmo sob tais contextos, sinaliza-se que a instalação de um curso de
Design em nosso país veio ensejar e incentivar a formação de designers, conforme
ressalta Niemeyer (2000, p.85). Muito embora, é pertinente notar, tenha se dado sem
uma estreita articulação com a realidade social e econômica brasileira.
O MAM foi indicado, naturalmente, como sede que abrigaria o novo curso.
Havia, como foi exposto anteriormente, todo um planejamento arquitetônico que se
encontrara parcialmente equipado para esse fim. Contudo, não se concretizou o fato. A
direção do MAM não se pronunciou afirmativamente na formalização do convênio com
o Estado. Passo seguinte, então, deliberaria na urgência em encontrar um outro local que
permitisse a instalação do curso. Nesse sentido, foi identificado um imóvel que,
segundo deliberação do GT, abrigaria a sede do curso de Desenho Industrial. O referido
prédio se situava na Rua Evaristo da Veiga, 95, Lapa, sobre o qual Flexa Ribeiro num
memorando aos 13 de setembro de 1962, enviado ao vice-governador da Guanabara,
apontava que: “Trata-se de velho imóvel ocupado por esta secretaria [de Educação e
Cultura] que mantém dependências da Rádio Roquette Pinto e do Departamento de
Educação Complementar. O estado do prédio é lastimável. Comporta, porém, com
recursos modestos, uma recuperação satisfatória para os fins acima” (apud
NIEMEYER, 2000, p.86). Consequentemente, foi providenciada a desocupação do
imóvel e deu-se início às obras, com a supervisão de Lamartine Oberg e projeto de
183
Maurício Roberto. Segundo a autora, em nove meses, o prédio se encontrava em
condições de ser efetivamente a sede do curso.
No entanto, não foi assinado pelo governador o decreto que criaria o tão sonhado
curso de Desenho Industrial no IBA. Então, mais uma vez, sob o empenho de Flexa
Ribeiro com o apoio dos demais membros do GT, ultimaram providências, em busca
das medidas cabíveis para dar início ao curso de Desenho Industrial do Estado. Carlos
Lacerda deu todo o apoio necessário para a contratação de pessoal e alocação de verbas
para a instalação da Escola.
Conforme notamos em MELO (2006, p.270) em 1962, por ocasião das
discussões (em plena efervescência), da implantação de uma escola de Desenho
Industrial no Rio de janeiro, Tomas Maldonado sugeriu que se pensasse o Design em
“matizes de complexidade, como resultado de um maior ou menor comprometimento
com a cientifidade ou intuição do processo de projetação” (apud MELO, 2006, p.270).
O modelo transposto para o Brasil da Escola de Ulm não sofreu alterações significativas
em sua estrutura pedagógica (MELO, 2006). É pertinente notar, de acordo com a
proposta curricular formulada por Maldonado em 1955 na ocasião da fundação da
escola de Ulm –, que o modelo pedagógico proposto dessa Escola ainda representa uma
diretriz hegemônica na educação em Design no Brasil. No fragmento a seguir,
ilustramos o aspecto pedagógico ulminiano que a ESDI se valeu em 1963 por ocasião de
sua fundação, a saber:
[...] a questão do curso fundamental é superar a oposição
existente entre o conhecimento puro e a ação individual.
A fundamentação teórica dos novos métodos de design
será estruturada sobre uma base constituída por
exercícios práticos aliados a investigações sistemáticas.
O curso fundamental abrange quatro áreas de trabalho.
[1] Introdução visual, experimentação e treinamento
sobre os fenômenos da percepção visual (cor, forma e
espaço); [2] meios de representação, prática e análise dos
métodos elementares de representação)fotografia, escrita,
desenho de observação e desenho técnico); [3] trabalho
prático, introdução prática às técnicas manuais (madeira,
metal, gesso) e análise dos meios de design; e [4]
integração cultural, palestras e seminários em história
contemporânea, arte contemporânea, filosofia,
antropologia cultural, morfologia, psicologia, sociologia,
economia e ciências políticas (LINDINGER, apud
MELO, 2006, p.276).
Postas as considerações, retornando às reflexões de Niemeyer, a Escola Superior
de Desenho Industrial (ESDI) emergiu “como o espaço institucional em que seria
184
produzida a identidade nacional dos produtos”. Ou seja, estampava-se no ideário dos
mentores e atores, a crença de que a escola poderia suprir a demanda de profissionais
técnicos para a nossa indústria que ora crescia. Também fazia parte desse corpus
ideológico buscar meios concretos que pudessem, ou permitissem limitar ou,
concretamente, “evitar que fossem pagos ‘royalties’ de patentes importadas e de fazer
com que objetos de uso, funcionais e esteticamente aprimorados, não permanecessem
usufruto exclusivo da minoria privilegiada” (NIEMEYER, 2000, p.87).
No excerto que se segue, pode-se depreender a grande importância creditada na
implantação de uma escola de nível superior que capacitasse, suprindo e atendendo
tecnicamente às novas e específicas demandas de projetos de objetos que povoam a
nossa cultura material, da indústria nacional, e a esperança de um perfil social e
econômico depositada na formação daqueles egressos dessa nascente escola. Para tanto,
no jornal O Globo em sua edição de 18 de novembro de 1963, estampava-se:
É sabido que no Brasil, embora já se fabricando quase
todos os utensílios domésticos, inúmeras ferramentas,
carrocerias, e até automóveis, na maioria das vezes
utilizamos desenhos importados por não termos um
centro preparatório de técnicos especialistas. Na Escola
Evaristo da Veiga, estão formando profissionais que se
espalharão pelo Brasil e farão com que nossos bules,
xícaras, enceradeiras, geladeiras, liquidificadores,
carrocerias de automóveis e caminhões, deixem de
obedecer a modelos de outros países e sejam produzidos
ao gosto brasileiro. A Escola vai ainda ser muito falada
porque representa um passo de suma importância para a
indústria nacional. Além disso, a produção de desenhos
aqui, evitará o pagamento de royalties referentes a
patentes estrangeiras (apud BACK, 2002, p.14 itálico
no original).
Sob essa coloração otimista e todo um vento soprando a favor vindos do palco
político e socioeconômico mencionados, a Escola Superior de Desenho Industrial
(ESDI) foi implantada pelo Decreto 1443, assinado pelo governador Lacerda em 25 de
dezembro de 1962, que segundo Niemeyer foi feito “em meio às comemorações de seu
segundo ano de governo” (2000, p.88). Ainda sob esse mesmo foco de sua análise, a
autora chama a atenção para a “importância da participação de Oberg como um dos
principais idealizadores do ensino de design no Brasil”, e lamenta que circunstâncias
políticas o tenham afastado da ESDI, em 1968. Também, salienta que a ESDI foi criada
graças à vontade pessoal e ambiciosas pretensões políticas de Carlos Lacerda, “com o
objetivo de articular a elevação da qualidade de produtos com a cultura” (NIEMEYER,
185
2000, p.117). A título de ilustração, trazemos trechos do discurso proferido pelo então
governador na ocasião da implantação da ESDI:
[...] A principal crise brasileira, aquela que sobretudo
dificulta a solução das outras, é a falta de quadros no
país. A produção de homens capazes, o volume, se assim
posso dizer, de homens em condições de influir na
solução dos problemas, bastava a este país quando ele era
grande apenas na extensão territorial, mas não o era nem
mesmo no vulto de sua população, e muito menos no
número de pessoas em condições de consumir o que as
suas elites podiam gerar, em arte, em riqueza, em técnica
para problemas então relativamente simples. Foi o tempo
em que o Brasil tinha poucos engenheiros, mas a rigor
não carecia de tê-los muitos, tinha poucos músicos,
poucos poetas, poucos marceneiros, poucos ferreiros,
poucos jurisconsultos, poucos bastavam enfim para o que
então eram as necessidades de consumo do povo
brasileiro. Hoje, felizmente, aumentou não somente a
população, mas aumentou a sua exigência de civilização.
No entanto, a crise da universidade, a crise de
responsabilidade, a crise de uma autoridade
verdadeiramente livre, consciente e capaz, fez com que
empobrecesse enormemente a vida brasileira, e temos
diante de nós o grave problema de formar uma
democracia sem formar as elites populares, capazes de
realmente dar-lhes significação, conteúdo e progresso
autêntico. [...] Eis que agora, depois de dois anos de lutas
e de espera, graças à tenacidade e à lucidez de homens do
valor do meu eminente amigo e companheiro de governo,
professor Flexa Ribeiro, de homens dos quadros do
Estado e me permito citar apenas um e para resumir nele
os demais, o professor Lamartine Oberg, e de homens da
comunidade carioca, como aqueles que aqui hoje se
encontram presentes, podemos lançar as bases da Escola
Superior de Desenho Industrial, que visa, além de formar
quadros para a utilização devida dos materiais e para a
educação do gosto e do uso funcional de uma civilização
industrial nascente, visa a uma alta tarefa, esta, sim,
profundamente nacionalista. A de imprimir ao povo
brasileiro, através dos produtos industriais que ele
consome, uma forma que lhe seja própria, uma forma ao
mesmo tempo funcional e de sentido estético profundo,
pois a obra de arte, sabe-o bem o homem moderno, não
se mede apenas pelos quadros que ele prega na parede ou
pelas esculturas que ele coloca nas praças, mas por tudo
que ele usa, desde a navalha de barba até a gravata que
ele põe em torno do pescoço. Desde as formas das
máquinas de escrever, como deu exemplo ao mundo, a
função, a compreensão pioneira desse industrial que por
assim dizer revolucionou a estética do desenho industrial,
que é o grupo Olivetti, na Itália, ou o grupo Fiat, na
indústria automobilística. Até esta compreensão de que
podemos, como pouco acentuava o Secretário de
186
Educação, importar toda a vida know-how e técnica sem
trazer a tudo isso uma contribuição que ouso esperar seja
inovadora e surpreendente, como surpreendente e
inovadora é sempre a contribuição da imaginação
brasileira, se lhe põem ao alcance uma forma de se
educar e de se exprimir. Ousamos certa vez, quando
sonhávamos com esta Escola, figurá-la no plano da
civilização industrial que nasce no Brasil de importância
comparável ao que foi a missão francesa para aqui
trazida por D. João VI, na educação para a arte, na
formação de uma arte brasileira. [...] Hoje, esta Escola,
com os homens que para aqui irá trazer e com os homens
que aqui irá formar, significa, no liminar da imagem
industrial do Brasil, uma forma de dar melhores
condições para que a admirável, espontânea e
extraordinariamente fecundante capacidade da
inteligência e da imaginação do trabalhador e do técnico
brasileiro possa apropriar-se dessa técnica, para lançar
em uma expressão que em português não traduz
perfeitamente tudo que ela significa, o desenho
industrial, isto é, a forma e a utilização devida dos
materiais. O sentido funcional dessa fabricação de
materiais, e o sentido estético do uso desse material como
elemento de civilização e de cultura de uma comunidade,
tudo isto esta Escola visa a ser, tudo isto começa a ser no
momento em que a Guanabara, em ação pioneira, funda a
primeira Escola Superior de Desenho Industrial da
América Latina. Eis por que entendi que não poderia
haver momento mais alto, nem mais expressivo, para
marcar o início do terceiro ano de uma administração
democrática e, neste sentido, revolucionária, na
Guanabara, quanto o de lançar hoje o marco da formação
de uma Escola que virá dar sentido e projeção duradoura
ao esforço do trabalhador brasileiro, para aqui lançar as
bases de uma civilização industrial e democrática.
145
É notório nesse excerto que, naquele momento, como escreveu Pedro Luiz
Pereira de Souza, a “aceleração do desenvolvimento industrial brasileiro, no qual
supunha-se que o novo Estado da Guanabara teria importante papel a desempenhar,
tornou a idéia de criar um curso de desenho industrial atraente para seu governador”
146
como também, o caráter expressivamente político que o então governador vinculava à
implantação de uma escola desse viés profissional.
Não obstante, embora sob uma estética modernista que expressasse
preocupações com a busca de uma linguagem formal a qual refletisse “as concepções
145 Para saber mais sobre o discurso do então governador do Estado da Guanabara, Carlos de Lacerda,
acessar a URL:<http://www.esdi.uerj.br/sinal/ev_lacerda.html>.
146 Carlos Lacerda e a Esdi. SINAL 235, de 30/11/2007 a 07/12/2007. Boletim eletrônico da Escola
Superior de Desenho Industrial (ESDI). URL:<http://www.esdi.uerj.br/sinal/sinal_235.html#17>.
Acessado em 03/11/2007.
187
artísticas contemporâneas com elementos da tradição nacional”, conforme ressalta
Niemeyer (2000), tais características foram abandonadas quando o curso foi implantado,
em detrimento de uma estética predominantemente racionalista oriunda da Escola de
Ulm
147
. Essa imposição curricular ia de encontro à “expressão da estética modernista na
escola e coibiu, por longo tempo, a emergência de outras formas de abordagens”. Sob
suas palavras,
O currículo adotado na ESDI, semelhante ao de Ulm,
desconsiderou a realidade do setor produtivo brasileiro.
Assim, o curso de design estabeleceu um distanciamento
crescente entre a formação profissional e as necessidades
do mercado potencial de serviços para o design. O ensino
assumiu um caráter dogmático, não possibilitando
ministrar aos alunos uma visão crítica, nem do conteúdo
do ensino, nem do papel a que se destina o futuro
designer. Todo currículo implica uma seleção da cultura,
um conjunto de ênfases e omissões, que expressa, em
determinado momento histórico, o que se considera ser
educação (NIEMEYER, 2000, p.118-119).
A citação elucida a falta de diálogo entre os setores acadêmicos, o Estado e o
setor empresarial no que se reporta à constituição e implantação de uma área de
formação profissional dessa especificidade em nosso país. Nessa ordem de reflexão,
conforme sinaliza Bonsiepe (apud DE MORAES, 2006, p.30), não seria prudente
afirmar que o Design nos países ditos periféricos tenha se iniciado a partir do momento
em que se institucionaliza o termo. No caso brasileiro, em particular, a instituição do
Design como atividade em nível acadêmico, se processou sob fortes influências e
conceitos estrangeiros. Tal fato, conforme mencionamos, se deu no Rio de Janeiro
época, no ainda Estado da Guanabara) sob o governo de Carlos Lacerda. Sua lógica e
147 De acordo com Melo, ressalta-se que a estrutura curricular de ensino adotada pela Escola de Ulm
repetiu-se largamente no cenário brasileiro. Sob suas próprias palavras, trazemos uma análise sobre a
ocasião da implantação da ESDI: “A decisão tomada na implementação do curso da ESDI pensou um
Brasil em abstrato, condizente com a idéia de um não-lugar em um não-tempo, própria ao abstracionismo
geométrico tão ao gosto dos concretistas. [...] a persistência do modelo de origem alemã – e, por extensão,
suas ramificações suíças também – reside em fato razoavelmente simples. O questionamento a respeito de
sua eficácia nunca se deu fora do seu próprio âmbito. Ao considerar que o design era originário deste
modelo, toda a crítica no Brasil sempre abriu mão do que o precedeu, deixando de ser crítica, para de
certo modo reiterar os princípios que buscava discutir. Na medida em que a visão histórica foi abafada
pela mítica estabelecida por essa espécie de visão olímpica, não houve possibilidade de distanciamento
que pudesse autorizar uma verdadeira e densa visão crítica. Não sendo questionado o arcabouço por
inteiro, a análise sempre resultou burocrática é o que acontece na eterna busca por melhorias
curriculares, mantendo-se sempre resguardada, no terreno do conhecido, a moldura que contém as graves
questões até hoje por enfrentar. Qual o marco teórico aqui estabelecido? Nada muito além das palavras
de ordem de um funcionalismo racionalizado, portador de um discurso formal predeterminado, disposto a
estabelecer impositivamente como estrutura com conteúdo próprio sobre o mundo, reduzindo o uso da
razão a seus mais longínquos traços e autodenominado-se paradigma único do design no país” (MELO,
2006, p.277-279).
188
esforço governamental baseavam-se em promover o Design junto às indústrias locais
(ainda incipientes e em crescimento). Não obstante, conforme observado nas análises de
Niemeyer (2000), na prática, tal fato não se concretizou da maneira devida. Ou seja,
para ela, não houve a sintonia necessária entre a indústria e a academia (ESDI).
Como exposto, o primeiro curso de Design em nível acadêmico (superior) a
ESDI foi plasmado sob forte influência dos conceitos de uma escola de Design alemã
a Escola de Ulm. Nessa perspectiva, De Moraes sinaliza que tal procedimento
promoveu à atividade do Design brasileiro, à época de seu estabelecimento oficial, a um
“encontro entre os pioneiros locais e atores europeus do design de então. Este fato
proporcionou um contínuo confronto entre as particularidades locais brasileiras e os
modelos internacionais brasileiros” (2006, p.31). Confere-se relevo a essa instituição de
ensino (ESDI) não apenas por ter sido a primeira escola de Desenho Industrial de nível
superior implantada no Brasil, mas também pelo fato de que, em sua maioria, os
modelos curriculares adotados nas escolas de Design instituídas a posteriori da década
de 1960, seguiram a mesma formatação das concepções pedagógicas dessa. Dessa
forma, as reflexões expostas nos permitem apontar que a “dinastia” do Design
brasileiro, guardadas as devidas proporções e contextualizações, foi uma mimese da
Escola de Ulm.
Não obstante, como foi mencionada, uma interação necessária entre o Design
e a indústria nascente aconteceu de forma “tardia” aqui entre nós. De acordo com De
Moraes, a “indústria não deu ao design brasileiro, como antes se esperava, uma
legitimidade que lhe proporcionasse um maior e veloz desenvolvimento no âmbito
produtivo local.” Ademais, a fraca interação existente entre designers e empresas nos
condicionou à margem da competição mundial no âmbito do Design e dos artefatos
industriais. Pode-se apreender dessas análises feitas, apoiando-se em Dijon De Moraes e
Lucy Niemeyer, dentre outros, que a implantação do Design brasileiro se deu “fruto do
conflito entre os interesses de duas correntes: de um lado, um grupo de intelectuais
(representantes da modernidade brasileira); de outro, os empreendedores. Portanto,
cumpre notar que inicia o seu percurso mediante um discurso unilateral, construído
apenas entre os designers (DE MORAES, 2006, p.41-42).
A título de ilustrarmos a ocasião da criação da ESDI, sem contudo pretender
esgotar o assunto, ressaltamos sob um breve panorama, o conteúdo expresso pela revista
Projeto Design, na edição 283/setembro de 2003, ano em que a ESDI comemorava 40
189
anos de existência, na qual Fernando Serapião e Evelise Grunow entrevistaram
Alexandre Wollner, designer renomado, pioneiro, fruto da Escola de Ulm, com efetiva e
importante participação no cenário do ensino de Design brasileiro. Achamos relevante
transcrever parte dessa entrevista elucidativa, no tocante ao seu testemunho relatado
sobre a conformação da ESDI. Para tanto, recorremos a esse fragmento:
[Fale-nos um pouco sobre a criação da ESDI] A ESDI
começou em Ulm. Niomar Sodré Bittencourt era diretora
do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e esposa
de Paulo Bittencourt, diretor do Correio da Manhã, jornal
muito importante na época, contrário a Juscelino, que,
para obter apoio, prometeu ajuda dos ministérios. Com a
intenção de criar uma escola dentro do museu, Niomar
foi até Ulm e conversou com Max Bill, que gostou da
idéia e disse que havia um aluno brasileiro que poderia
ajudar. Estava dois anos e ela conseguiu para mim
outra bolsa [...] Então ficou acertada minha participação
na criação da escola. [...] Voltei ao Brasil e havia
Juscelino com aquele entusiasmo todo, dizendo que a
Volkswagen viria para o Brasil, etc. Quando cheguei, eu
e Aloísio Magalhães demos no MAM um curso de
tipografia, que era uma espécie de estágio para a criação
da escola. Não era curso de tipografia técnica, mas de
conceito, para que servia, como era feito etc. Nesse
ínterim, o museu perdeu o apoio do governo. Mas Carlos
Flexa Ribeiro, que era diretor do museu e se tornou
secretário da Cultura do [então governador do Rio]
Carlos Lacerda, assumiu direção da escola. E formou um
grupo, composto, entre outros, por Maurício Roberto,
Aloísio e eu. Depois veio meu colega de Ulm, Karl
Bergmiller, que também participou dessas reuniões.
Brigamos muito, porque a maioria queria fazer uma
escola de artes aplicadas, no molde francês, com modelo
vivo etc. Mas os “alemães” venceram. E fizemos o
programa. Depois Tomas Maldonado e Otl Aicher um
dos fundadores de Ulm e autor dos logotipos da
Olimpíada de Munique, da Lufthansa e da Braun
estiveram aqui dando um seminário. Todo mundo estava
com medo de seguir o modelo alemão no Brasil. Mas deu
certo. Fizemos exame para admitir 30 alunos, sem
requerer diploma universitário, mas exigimos nível de
habilidade em trabalhos que poderiam ser em diversos
materiais [...]. E não era prometido diploma. [O curso
demorava quanto tempo?] Quatro anos. Havia um
período inicial de um ano, que todos faziam para
aprender a linguagem do design. Depois o aluno escolhia
entre comunicação visual e desenho industrial. A escola
estava dando certo. Depois entrou mais um colega, Edgar
Decurtir e, depois, Décio Pignatari e algumas pessoas
mais ou menos entrosadas com design. não
conseguimos incorporar os técnicos e os semióticos
porque ninguém sabia o que era design. A escola está
190
funcionando até hoje, mas não é mais como antes e foi
por isso que eu saí [...].
Postas as considerações, a título de uma conclusão, ressaltamos da mesma forma
como Lucy Niemeyer o faz em suas análises críticas, para o pujante poder decisivo das
intervenções pessoais do governador Carlos Lacerda e do secretário Flexa Ribeiro, com
o apoio da câmara dos deputados, na criação e implantação de um curso de Design no
Rio de Janeiro. Nesse sentido, segundo Beisejel (apud NIEMEYER), esses ingredientes
políticos instalaram “a indisciplina na evolução do sistema escolar”, ao dispensar um
assessoramento de educadores especializados em ensino superior em nosso país,
“ignorando qualquer tipo de planejamento de ensino”. Assim, ela reitera que mais uma
vez uma intervenção de uma parcela da elite ilustrada brasileira que se apercebeu
missionária na tarefa de orientação dos “caminhos que o país deveria tomar”,
deliberando sob a tônica voluntarista, que atendia em muitas das vezes aos “interesses
de amizade ou subjetivos, sem consulta àqueles que seriam diretamente afetados por
suas ações” (NIEMEYER, 2000, p.76-77).
Nesse sentido, confere-se relevo para os interesses eleitoreiros, principalmente
do então governador Carlos Lacerda, que foram determinantes para o curso da
administração e do ensino do Design no Brasil, embora tenha se processado de maneira
dissociada de um estreito e necessário diálogo com o sistema produtivo brasileiro, haja
vista o eminente caráter político-eleitoreiro e a correlação de forças na ocasião da
criação e implantação daquela que foi o marco institucional de uma escola de nível
superior para a educação de Desenho Industrial no Brasil, e que foi também modelo
curricular para muitas faculdades de Design que foram implantadas posteriormente.
Assim, a efetiva criação e implantação de um curso de Desenho Industrial
(Design) pelo Estado da Guanabara, foi parte integrante de um projeto de cunho pessoal
do então governador Lacerda, percebendo o “significado do papel a ser desempenhado
pelo Design num projeto de desenvolvimento”, declara Niemeyer (2000, p.117). Tal
aspecto, acrescenta, configurou-se como pretensão de exprimir a modernidade na
cultura material industrializada, marcando dessa forma, a sua gestão com um cunho de
inovação, de uma nação desenvolvida por meio da industrialização, tendo como aliada à
iniciativa privada e o capital estrangeiro. Ou seja, a proposta de materialização de um
curso de Design, de caráter eminentemente associado à modernidade, se coadunava com
os princípios que nortearam seu governo.
191
CAP. 4 – A IDEOLOGIA DA ESTÉTICA DO DESIGN NO BRASIL
[...]
non pensi che anche un ingenere quando
acquista un motore si metta a smontarlo per
controllarne le parti. Anche il tecnico compra secondo
l’impressione che ne riceve. Un motore deve ser bello
come un regalo per il compleanno
”.
Paul Jordan
148
.
“Mesmo a mais radical invenção precisa ser
materializada em uma forma utilizável através do
processo de design”.
Confederação Nacional da Indústria (1998)
Nos capítulos precedentes, vimos que a origem do Design confunde-se no berço
da Revolução Industrial com a formação do sistema capitalista. Verificamos que no
processo de produção do Design convivem de forma singular e equilibrada a arte e a
técnica, a sensibilidade e a razão. Por outro lado, observamos ainda que para o Sistema
Capital a atividade do designer (ou desenhista industrial) é produtiva, porque se
encontra submetida às suas regras e diretrizes gerais e específicas. Portanto, concluímos
que o designer se constitui como uma força produtiva que contribui para organizar e
potencializar outras forças produtivas, aumentando a lucratividade das empresas.
Finalmente, verificamos ainda que, considerado sob uma acepção mais ampla, o
designer se ocupa também da função do habitar, de nossa cultura material, isto é, da
produção existencial humana, na medida em que ele intervém no processo de
transformação de nosso ambiente artificial (BRANZI, apud DE MORAES, 1997).
Nesse contexto, conforme Seragini,
Pensamento de Design é o novo modelo de gestão capaz de enfrentar
os desafios e a complexidade do mundo atual, não apenas no âmbito
dos negócios como também nos temas públicos, como a saúde, a
habitação, a educação e o lazer (apud MIOLO, 2009)
149
.
Partindo dessas breves lembranças acerca do ethos e do locus do Design na
sociedade contemporânea, faz-se necessário agora conhecer algumas das principais
diretrizes emanadas pelo empresariado industrial brasileiro para o Design em nosso
país. De um ponto de vista mais geral, o objetivo da nossa pesquisa empírica foi
148 Apud MIOLO (2009).
149 Cumpre notar que o “Pensamento de Design” posto por Lincoln Seragini, caracteriza-se,
fundamentalmente, como a “visão do cliente, não como um consumidor, mas como usuário, seja de
produtos ou serviços. Com este raciocínio fundamental, os novos modelos de gestão centrados na gestão
do design como base, enfrentam cada vez mais a distância entre o modelo do negócio e cliente final,
buscando sempre a sua satisfação, novamente, não como consumidor, as como usuário” (SERAGINI,
apud MIOLO, 2009).
192
apreender e historicizar a ideologia estética de classe acerca do Desenho Industrial, e, de
modo mais específico, compreender suas ações táticas na esfera econômica e estratégias
políticas para assegurar e manter a sua hegemonia em face do pensamento de outras
frações da burguesia. Para tanto, procedemos ao levantamento de documentos
sobre o
Design em órgãos governamentais, em organismos não-governamentais, em indústrias,
no Sistema S (SENAI, SENAC, SESI etc.) e, especialmente, nas publicações da
Confederação Nacional da Indústria (CNI)
150
. Antes, porém, de darmos sequência ao
estudo empírico realizado, é necessário tecermos algumas considerações prévias a
respeito das ações mais recentes da indústria brasileira a fim de justificarmos
inicialmente o pressuposto que defendemos aqui acerca do papel hegemônico da fração
burguesa industrial na definição teleológica do Design no Brasil.
4.1 - Considerações preliminares
Primeiramente, é importante notar, desde a primeira metade da década de 1990,
um randômico, porém intenso, processo de modernização industrial no país. Seja para
fazer frente ao incremento da concorrência em vel nacional e internacional, seja para
ampliar o mercado interno mediante a estratégia da diversificação da oferta de produtos
associada a uma cada vez maior diferenciação de qualidade, estilo, preço, utilidade etc.
É comum ouvir opiniões de especialistas contratados por empresas a respeito da
necessidade de se atender a um público consumidor “cada vez mais exigente e
suscetível a mudanças mais freqüentes em seus hábitos diários de consumo”
151
. Em
segundo lugar, é necessário e importante avaliarmos alguns excertos do material que
pesquisamos, os quais denotam matéria significante a reforçar os tais pressupostos
mencionados:
150
Fundada em 1938 a partir da experiência inaugural da Confederação Industrial do Brasil, (1933-
1938), a CNI teve como um de seus primeiros desafios superar os problemas gerados pela Segunda
Guerra Mundial. Nos anos 40, a CNI centralizou as suas ações na formação de mão-de-obra para a
indústria do país, e nesse sentido lançou as bases para a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), em 1942, e do Serviço Social da Indústria (SESI), em 1946. Em 1969 a CNI criaria o
Instituto Euvaldo Lodi (IEL) ampliando a sua atuação no sentido da diversificação do parque industrial
brasileiro, e a partir de 1988 o foco de sua atuação passaria a ser a competitividade do produto nacional, a
inserção das empresas no mercado internacional e a redução do Custo Brasil. Prestes a completar 70 anos
de atividades, a CNI reúne vinte e sete federações das indústrias nos estados e no Distrito Federal, mais
de mil sindicatos patronais associados, quase 100 mil empresas, justificando o que suas inúmeras
publicações dizem a respeito de sua própria importância: “a CNI é a voz da indústria brasileira” (CNI,
2009).
151 Miolo (2009) salienta que para uma empresa tornar-se competitiva nesse desenho mercadológico
deverá buscar preencher as lacunas consumistas dos indivíduos, surpreendendo-os com novos e, com uma
velocidade cada vez maior, de produtos diferenciados. Para ele, “transformar inovações em produtos e
serviços é uma das funções básicas do design, que se configura como um processo contínuo a ser
realizado dentro da organização” (MIOLO, 2009). Cf. Capítulo III desta tese.
193
O design tem sido uma estratégia crescentemente utilizada devido a
sua importância como fator de diferenciação e agregação de valor aos
produtos e serviços, além da qualidade e do preço (CNI, 1998, p.6).
O design é forte elemento de competitividade empresarial, em especial
para os segmentos pressionados pela concorrência internacional. É um
diferencial estratégico visto que possibilita a otimização no uso de
matéria-prima, melhoria nas fases de projeto e de produção
assegurando melhores níveis de satisfação do cliente. O design é o
diferencial que propicia maior valor agregado às exportações,
promovendo a oferta de produtos diferenciados e inovadores, sendo de
fundamental importância para a criação de uma identidade e uma
imagem favorável que agrega valor ao produto nacional. [...] Dentro
do ciclo produtivo de um produto, o design é ferramenta indutora
da inovação na medida em que introduz novas formas, novos
materiais e novos valores conceituais que vêm a determinar o
desenvolvimento de novos processos produtivos e tecnológicos para a
consecução de novos produtos (PROGRAMA BRASILEIRO DE
DESIGN – PBD, 2009 – negritos no original).
O design é uma importante ferramenta de competitividade. [...] É um
investimento que resulta em redução do desperdício e dos custos e,
por isso, deve fazer parte das medidas para aumentar a
competitividade das empresas (FERNANDA BOCORY MESSIAS
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
Mdic, 2001).
Ao agregar valor ao produto, o design inteligente converte-se num
importante diferencial competitivo (ARNALDO FLAKS, diretor do
Departamento de Comunicação e Marketing da FIESP, in REVISTA
INTERAÇÃO, 2007, p.11).
Hoje a função do design é humanizar a tecnologia; além de ser um
fator crucial no intercâmbio cultural e econômico (LEONARDO
MANGIAVACCHI, diretor do Instituto Europeo di Design São Paulo,
in REVISTA INTERAÇÃO/IEL, 2007, p.10-11).
Além do caráter humanista anteriormente examinado, percebe-se, enfim, que o
design traz um singular diferencial competitivo que é o seu potencial catalisador no
incremento da competitividade industrial brasileira, sobretudo por agregar valor de troca
aos produtos em geral, tornando-os diferenciados num mundo altamente competitivo
pela intensa concorrência entre as empresas, e, por conseguinte, na busca por mercados
consumidores
152
.
Ainda que não esteja no escopo desta tese investigar as causas de uma não
incorporação efetiva e massificada de profissionais de Design nas empresas brasileiras,
consideramos pertinente trazer alguns aportes e argumentações que podem contribuir
para refletirmos, como uma tentativa de resposta, sobre tal aspecto. Para tanto,
conforme declara De Moraes (2006, p.30), a “difusão do design no Brasil, fenômeno
que não desponta como simples causalidade desenvolve-se, como em outros países
152 Ver nota 4 neste capítulo.
194
periféricos, de maneira proeminente no âmbito acadêmico em detrimento de sua
aplicação na esfera produtiva industrial”. Nesse contexto, as considerações postas por
Gui Bonsiepe sustentam tal argumentação, ou seja, “seria engano afirmar que, nos
países periféricos, o design tenha começado a existir somente no momento em que foi
introduzido o termo [...]. Sabe-se ainda que o debate sobre o design não nasceu, como se
pode imaginar, no interior da indústria, não foi levado adiante pelos representantes das
empresas manufatureiras, mas por um grupo de pessoas estranhas à indústria: expoentes
da vanguarda das artes visuais e da arquitetura” (BONSIEPE, apud DE MORAES,
2006, p.30).
Em vista dessas considerações, podemos inferir que uma necessária interlocução
entre o setor produtivo e o acadêmico não foi suficiente para que se solidificasse uma
maior sensibilidade e conhecimento sobre a área de Design. Na ordem dessas
considerações, De Moraes ressalta que o processo de Design brasileiro foi promovido,
desde sua época de estabelecimento e instituição oficiais, como uma “espécie de nexo
contínuo, isto é, o encontro entre pioneiros locais e atores europeus do design de então”.
Tal aspecto, salienta esse autor, condicionou um “contínuo confronto entre as
particularidades locais e os modelos internacionais no âmbito do design” (DE
MORAES, 2006, p.31). Ainda nesse sentido, percebe-se que
a tão necessária interação entre o design e a indústria aconteceu de
forma consideravelmente tardia no Brasil; a indústria não deu ao
design brasileiro, como antes se esperava uma legitimidade que lhe
proporcionasse um maior e veloz desenvolvimento no âmbito
produtivo local. A distância entre designers e empresas nos deixou à
margem da competição mundial no campo do design e dos artefatos
industriais. Esse fato demonstra o seu efeito avassalador
ulteriormente, a partir da década de noventa, quando da abertura do
mercado nacional à competição externa internacional. [...] Neste
cenário, pode-se perceber o design no âmbito local brasileiro como
fruto do conflito entre os interesses de um grupo de intelectuais
(representantes da modernidade brasileira), de um lado, e dos
empreendedores, de outro. Em síntese, podemos dizer que não foi
efetivada a imediata sinergia design-indústria que se esperava no
Brasil. O design brasileiro inicia, portanto, o seu percurso como um
discurso unilateral, construído apenas entre designers (DE MORAES,
2006, p.31-41).
O excerto acima complementa a problemática existente na relação design-
empresa. Não obstante tais considerações, tal aspecto é, em essência, o mesmo em todos
os países periféricos, salienta Neto (apud DE MORAES, 2006, p.42). Para ele, este
problema se encontra no bojo de uma “falta de apoio estatal, ambiguidade do mercado
195
de trabalho (a oferta não corresponde jamais à demanda, nem do ponto de vista
qualitativo, nem quantitativo), e diversidade de ideologia profissional”. Nessa
perspectiva, Gui Bonsiepe sustenta uma crítica naquilo que ele expressa como a
“espécie dos homens ilustrados na indústria”, que é bastante rara. Isto é, para ele,
existem poucos que estão, verdadeiramente, convencidos de que o desenvolvimento
industrial seja uma coisa que deva ser levada a sério, que tivesse valor a sua
incorporação plena, “sem reservas mentais entre as responsabilidades do industrial,
como o controle de qualidade, a contabilidade, as finanças, a engenharia industrial e as
relações industriais” (BONSIEPE, 1993, p.19).
Na ordem desses pensamentos, no tocante ao fato de que exista entre os
empresários um ideário de que sairia mais “barato” fazer cópias de produtos, ou fabricá-
los sob licença da matriz, mais uma vez Bonsiepe enfatiza que
uma política informal de desenho industrial, na forma de todas
as decisões que diariamente se tomam com respeito aos produtos
fabricados na indústria, desde as grandes empresas, passando pelas
médias e pequenas, até as oficinas artesanais. Dia a dia se tomam
decisões que afetam o desenho industrial desses produtos, embora
falte uma política que dê certa coerência, a nível oficial, a essas
decisões. O costume de recorrer a modelos estrangeiros mediante
cópia direta ou pagamento de royalties está amplamente difundido,
por motivos óbvios; mas, mesmo que dessa forma se reduza o risco
ligado ao trabalho inovador, ainda assim é pouco provável que esse
procedimento resulte em verdadeiras economias, a médio e longo
prazos, pois copiar bem é tão difícil como projetar bem. [...]
Convém não esquecer um fato: a maior parte do desenho industrial é
produzida de maneira informal, isto é, mediante intervenções
projetuais de outras profissões ou de recursos humanos que, às vezes
nem sabem que estão fazendo desenho industrial (BONSIEPE, 1993,
p.21 – itálico e negritos no original).
Cumpre notar que as críticas expostas nesse fragmento não devem ser
compreendidas por um viés corporativista. Também achamos necessário salientar que,
embora o pensador as tenha escrito nos anos 1990, tal caráter ainda está fortemente
presente na arena dos profissionais de Design até os dias de hoje. E, se levarmos em
conta os avanços (em níveis exponenciais) tecnológicos no âmbito das ferramentas
computacionais que auxiliam a atividade de Design, esse cenário se intensificou de
forma considerável.
196
De todo modo, nesse contexto de análise, Freddy Van Camp
153
faz um alerta sob
o que ele denomina por uma “visão truncada quanto ao nosso desenvolvimento
industrial”, referindo-se especificamente ao âmbito do Design. Em sua argumentação,
aflora-se que na época em que foi criado o Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade – PBQP
154
,
esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer país
do mundo. Mais tarde, criaram o Programa Brasileiro do Design para
consertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e
que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais
recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente
esqueceram do assunto já que no seu texto não uma palavra sobre
design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi
solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da
inovação. O descaso com o design por parte das federações de
indústria beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam
sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers
(VAN CAMP, 2008).
Mais adiante, o professor faz críticas ainda mais contundentes, a saber:
Nossa classe dirigente ignora o potencial de valor agregado que o
design pode trazer para nossa produção em todos os níveis. [...]
Apenas algumas indústrias multinacionais e algumas empresas
nacionais mais iluminadas têm se beneficiados da qualidade do design
nacional [...]. Apesar disso não encaramos o design como um fator
estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a
China e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o reino
Unido e os países escandinavos na metade do século passado. [...] A
maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua
miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de
uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégia a respeito do
design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo (VAN
CAMP, 2008).
Nessa linha de pensamento, outras argumentações que gravitam em torno da
relação “designer x empresas”, como, por exemplo, as de autoria da Associação dos
Designers de Produto (ADP)
155
publicadas no ano de 2007, são pertinentes e vêm
corroborar as críticas do professor Van Camp, no sentido de que possamos compor um
153 Renomado designer, ex-diretor e professor de Áreas e Formas de Atuação Profissional e
Desenvolvimento do Projeto de Produto III, da ESDI/UERJ).
154 O Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP) é foi criado no âmbito do então
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e teve início em 1990. Surgiu para “apoiar
a modernização das empresas brasileiras que precisavam se ajustar à abertura econômica e à forte
concorrência estrangeira”. O Programa difundiu o conceito de qualidade como estratégia empresarial e
gerencial, não apenas um aspecto técnico. Para saber mais sobre o PBQP consultar:
http://www.abrasil.gov.br/nivel3/index.asp?id=182&cod=BUSCA.
155
A ADP Associação dos Designers de Produto foi fundada no dia 5 de novembro de 2002, Dia do
Design, com o desafio “de representar os designers de produto junto à sociedade e instituições para
promover o design brasileiro”. Ver: http://www.adp.org.br/.
197
pouco o cenário em que os profissionais de Design se defrontam em seu dia-a-dia.
Nesse sentido, transcrevemos alguns trechos do artigo, para que tenhamos a noção mais
aproximada do pensamento. Para tanto:
[...] desde a abertura de nosso mercado nos anos 1990 que vimos
nossas prateleiras inundadas de produtos com conceitos
avançadíssimos de design, e não era preciso ser nenhum expert para
perceber o quanto a maioria de nossas indústrias estavam décadas
atrasadas com relação ao resto do mundo. Neste cenário cada empresa
teve que se virar como pôde para conseguir resistir a esta invasão,
sendo que muitas delas fecharam as portas simplesmente por não ter a
menor condição de competitividade naquele ambiente, afinal seus
produtos eram antiquados e caros, frutos do vício de uma política
industrial que não privilegiou em momento algum o desenvolvimento
de idéias inovadoras, e nem mesmo o incremento de novas
tecnologias, sejam de fabricação, de materiais ou processos. De
repente todo mundo começou a olhar o design como tábua de
salvação, empresas de design pipocaram nos centros industriais, outras
mais antigas tiveram uma grande projeção em seus negócios, inúmeras
publicações trataram do assunto com ênfase, enfim, parecia que o
design tinha finalmente encontrado seu lugar ao sol. No vácuo desta
projeção, surgiram também muitos cursos de design em todo país e,
conseqüentemente, uma onda de novos profissionais no mercado, nem
sempre com uma boa formação. Mas faltou uma coisa: o mercado
brasileiro entender o que é design, e aprender a usá-lo de forma
eficiente. Hoje temos administradores de muitas grandes e médias
empresas que ainda não sabem o que é design, confundem as questões
de simples estética com o complexo processo de desenvolvimento de
um novo produto que envolve as funções do designer dentro da
empresa (ADP, 2009).
As argumentações expostas nos últimos excertos indicam e sustentam uma forte
contradição entre o que se encontra explicitado nos textos das publicações da CNI para
a área do Design, e o que está posto na arena deste. Consideramos pertinentes trazer
essas argumentações para que possamos demonstrar algumas das assimetrias que estão
presentes no âmbito do Design brasileiro, desde a época de sua implantação aqui em
nosso país. Não obstante, ao focalizarmos o distanciamento existente, ou, por outras
palavras, uma falta de sintonia fina e devida entre o Design brasileiro e a sua aplicação
concreta no âmbito da criação e do desenvolvimento de nossos produtos industriais,
além da visão incipiente e distorcida por parte dos consumidores, Coutinho (ainda que
sua análise se reporte aos anos 1990), sustenta que:
Além do baixo conteúdo tecnológico e conseqüentemente pequena
agregação de valor nos produtos privilegiados na estrutura produtiva
nacional, destaca-se a permissividade para com a ineficiência que
prevalece na indústria brasileira. De um lado, existe a passividade do
consumidor final, que prioriza preço acima de qualquer atributo,
gerando tolerância para com a falta de qualidade e o-conformidade
198
de produtos, com reflexos negativos também ao montante das cadeias
produtivas; de outro, a inflação crônica gerou uma cultura’ nociva à
competitividade sob vários aspectos (COUTINHO, 1994, p.252).
Numa perspectiva em refletirmos sobre o aspecto do pequeno número de
empresas mais “agressivas” em relação a investimentos em Design, o empresário
Osvaldo Douat, então presidente do Conselho Temático de Integração Internacional da
CNI, em 1990, sinaliza que devido ao fato da abertura do mercado nesta década, as
nossas indústrias começaram a entender o Design como ferramenta que diversifica a
produção, que desenvolve produtos diferenciados, agregando valor a estes e tornando-os
mais competitivos etc. No entanto, essas empresas, de acordo com a sua argumentação,
ainda estão em menor número. Em sua opinião, a “maioria ainda considera o design
uma atividade cosmética, complicada e onerosa. Muitas preferem investir em táticas
reativas, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos produtos, mas sem investir em
práticas agregadoras de valor” (DOUAT, in REVISTA DA CNI, nº314, agosto de
1999). Mais adiante poderemos perceber se ainda permanece esse quadro, quando
formos analisar os meros relativos à utilização, investimentos e a inserção de
processos de Design, expostos pela CNI.
No tocante ao fator competitividade entre as empresas brasileiras, cabe destacar
uma argumentação, proposta por Coutinho em seu Estudo da Competitividade
Brasileira (1994), embora não tenhamos pretensão alguma de pensar que somente o que
se segue abaixo poderá solucionar os conflitos (nossa sociedade é muito complexa),
como também de trazer e elencar soluções para a resolução dos problemas
socioeconômicos de nossa sociedade. No entanto, alguns argumentos que se seguem
dizem respeito, também, à área do Design. Isso posto, para ele, é crucial que se
compreenda que
o desenvolvimento competitivo da indústria brasileira pode ocorrer
se for acompanhado pela incorporação da base da sociedade ao
sistema moderno de consumo. O crescimento dos salários reais e a
melhoria da distribuição de renda se, de um lado, implicarão o
encarecimento relativo do fator trabalho, de outro permitirão o
alargamento do mercado interno, viabilizando a difusão ampliada de
muitos bens e serviços hoje restritos às classes de alta renda. A
elevação da renda média de base do mercado trará importantes efeitos
positivos. Permitirá o aumento das escolas de produção de vários
produtos e a produção de muitos bens e serviços ‘populares’ (por
exemplo, eletrodomésticos, áudio, televisão, automóveis, vestuário
etc.) com qualidade crescente, posto que a melhoria das condições do
mercado de base tende a exigir qualidade dos produtos e a superar a
situação atual em que o preço é o único critério de escolha,
199
frequentemente em detrimento da qualidade e da confiabilidade. Mas
além desses efeitos positivos, o alargamento do mercado interno e a
redução da desigualdade social viabilizou outro fator-chave para o
desenvolvimento competitivo: a coesão social e a legitimidade em
torno de seus objetivos (COUTINHO, 1994, p.103).
4.2 - O pensamento da CNI: Design para Competitividade Industrial no
Brasil”
Em 1998, a CNI publicou em forma de cartilha o documento A Importância do
Design para sua Empresa” com o objetivo declarado de contribuir para melhorar e
otimizar a informação sobre o potencial, benefícios e aplicações do Design, para que as
empresas se “sentissem estimuladas” e sensibilizadas a adotar o processo de Design
como ferramenta estratégica para torná-las mais competitivas, que, por conseguinte,
contribuísse para o “desenvolvimento de um novo padrão de qualidade para a indústria
nacional, abrindo, para ela, novos mercados e tornando-a mais presente no cenário
nacional” (CNI, 1998, p.6-7). Nesse sentido, recolhemos alguns excertos de modo a
atentar inicialmente para alguns aspectos da teleologia do Design que está apresentada
na publicação. Encontram-se ressaltados, logo no início, aportes que apontam que num
mundo mercadológico globalizado, o quesito credibilidade da imagem de uma empresa,
bem como a qualidade dos produtos e serviços oferecidos por ela, são ingredientes
decisivos para o sucesso empresarial. Nesse contexto, os investimentos em Design,
salienta a cartilha, “deixaram de ser uma questão de estética e se tornaram uma questão
estratégica para a sobrevivência das organizações” (CNI, 1998, p.8). Segundo
informações da CNI (1998), as indústrias que adotaram técnicas de Gestão do Design,
“saíram na frente” e propiciaram uma diferenciação aos seus produtos em relação aos
demais concorrentes, racionalizando ainda mais seus custos de produção.
Como a Confederação a área do Design? Para ela, o Design se apresenta
como um fator que proporciona uma “melhoria dos aspectos funcionais, ergonômicos e
visuais dos produtos”, de maneira a suprir as necessidades do consumidor, contribuindo
para também melhorar o conforto, a segurança e a satisfação dos usuários. Encontra-se
ainda salientado que o Design
é uma ferramenta que permite adicionar valor aos produtos
industrializados, levando à conquista de novos mercados. As empresas
têm usado o design como poderoso instrumento para introduzir
diferenciação nos produtos e destacar-se no mercado, perante os seus
concorrentes. Hoje ele é um dos principais instrumentos para as
empresas competirem nos mercados nacional e internacional. [...] O
200
design surgiu para ser a ferramenta das empresas em busca de um
produto melhor (CNI, 1998, p.9).
Ainda que esteja exposta na publicação uma conceituação para a área do Design
que se aproxime da relação sujeito-objeto, ou melhor, como um mediador de soluções
de problemas e adequações para as interfaces de quem utiliza objetos, cumpre notar que
se investe em posicioná-lo num nível mercadológico, como um meio de alocação de
atributos aos produtos para atrair e seduzir consumidores. No excerto a seguir, ilustra-se
esse caráter, a saber:
Ferramenta indispensável no desenvolvimento industrial do produto,
fator de qualidade e competitividade, instrumento de marketing,
elemento estratégico na exportação e, sem dúvida, uma forma
eficiente de sedução do consumidor. Assim é o design, cuja força e
vantagens podem constituir a diferença entre o sucesso e o fracasso de
um produto ou até mesmo de uma empresa (REVISTA DA CNI,
nº314, agosto de 1999).
Dando prosseguimento, foram observadas duas formas de manifestação do
Design, isto é, através de duas qualidades: funcionalidade e estilo. De acordo com a
CNI (1998, p.11), o Design é associado pelas pessoas ao “bom gosto, a algo bem feito”.
De maneira geral, as formas mais conhecidas do âmbito do Design são: Design Gráfico
e Design de Produto. O primeiro aplica-se a projetos da área da comunicação visual das
empresas, tais como desenvolvimento de assinatura visual de empresas (marca,
logotipo, papéis timbrados, cartões de visita, folders etc.). O segundo se identifica com
o desenvolvimento de objetos, sistemas de gestão de produção. No entanto, devido a
grandes transformações tanto do ponto de vista tecnológico, comunicacional e
mercadológico, outras formas de inserção da área do Design se apresentam. Dentre
algumas, temos: Design Ambiental que busca reduzir o impacto exercido pela
produção industrial no meio ambiente, preocupando-se com a utilização de materiais
biodegradáveis, alternativos e que evitem o desperdício; Design Cênico – que está
associado a projetos de palcos para teatros, balé, cenários para TV etc.; Web Design
que se aplica aos aspectos da comunicação e construção gráfica de sites para a Internet;
Design de Vitrines aplicado em lojas, otimizando a exposição de produtos; Design de
Interface – otimiza as interfaces gráficas dos programas dos computadores etc.
O profissional que trabalha com Design o designer é caracterizado como
aquele que “elabora o design de um produto. Em uma indústria, o designer desenvolve o
projeto do produto” (CNI, 1998, p.15). O consumidor, o produto e a empresa são os três
usuários potenciais do Design. Segundo a CNI, a primeira a ser beneficiada é a empresa,
201
sob vários níveis, a saber: “na redução dos custos de produção, na qualidade de seus
impressos, na integração entre suas unidades, na facilidade de circulação dentro de suas
instalações, no conforto dos uniformes etc.” (CNI, 1998, p.16).
O Design deve ser utilizado pelo seu caráter de ser um “fator diferenciador de
produtos e serviços”, salienta a CNI. O processo de Design ressalta “aspectos, como
identidade, qualidade e satisfação do cliente”, fatores que são condição sine qua non
para a conquista e manutenção de mercados. Nesse contexto, uma vez que se conquista
o desejo do consumidor, no primeiro olhar, salienta a publicação da CNI, este
“facilmente associará o produto à empresa”. Portanto, além de ser, potencialmente, um
importante fator na aquisição do consumidor, o Design se presta para minimizar custos
produtivos, racionalizar a produção, e auxiliar as empresas em questões ligadas ao meio
ambiente (CNI, 1998, p.17).
Para a Confederação, a utilização do processo de Design beneficia as empresas
em sua imagem, na otimização dos custos, na exportação e no aumento da
competitividade. Esses benefícios, trazidos pelo Design, associam os produtos e
serviços das empresas, sejam estas grandes, médias, pequenas ou micro, em aspectos
psicológicos, produtivos e, por conseguinte, mercadológicos. Ou seja, as empresas ao
utilizarem o processo de Design, induzem às pessoas a observá-las sob um prisma de
inovação, de coerência com as tendências mundiais. Torna possível que a produção dos
produtos seja materializada de maneira econômica, com formas mais eficientes, com
matéria-prima e processos produtivos mais adequados, evitando com isso, desperdícios.
Todos os benefícios servem para valorizar os produtos ou serviços oriundos das
empresas, tornando-as mais competitivas, e, por conseguinte, incrementar o potencial de
conquista de novos mercados.
Assim, o Design se apresenta como um “vendedor do produto” (CNI, 1998), seja
através da estética ou da funcionalidade. De acordo com a Confederação, o cliente tem
um primeiro contato com o produto no campo visual, “daí a importância da estética. [...]
A forma do produto e seu acabamento devem conquistar o consumidor, cada vez mais
exigente” (CNI, 1998, p.21). O segundo contato se processa no instante em que o
produto é usado, “fala mais alto” sua funcionalidade. Nesse contexto, de acordo com
a publicação, os produtos se tornam mais ceis de serem usados, de simples
manutenção, mais seguros e confiáveis, quando são mediados pelo processo de Design.
202
Nessa cadeia produtiva, ilustra a Confederação, grosso modo, onde entra a
matéria-prima, e se processa o Design no desenvolvimento material do objeto, o
resultado final será um produto consumido por clientes que se sentirão satisfeitos com o
mesmo, e o recomendarão a outras pessoas, “criando, assim, um ciclo virtuoso” (CNI,
1998, p.22). ainda um outro destaque salientado para o potencial do uso do Design,
em que este é bem melhor aproveitado quando é incorporado ao processo produtivo,
desde a fase de elaboração de produtos ou serviços em conjunto com outros setores de
uma empresa (CNI, 1998, p.22-23).
“Design é um bom negócio”, enfatiza a CNI (1998, p.35). Atentemos para os
números fornecidos por esta Instituição: para cada dólar que se investe em Design,
retornam cinco dólares, na fase da comercialização. No processo de produção, 15% do
custo final de um produto se referem ao desenvolvimento do projeto de Design. Utilizar
a ferramenta Design, em processos produtivos é, de acordo com os dados da
Confederação, um processo barato. Em pese observarmos avanços, seja na
disseminação dos conceitos do Design, seja na sua necessidade de utilização, Guimarães
salienta que essa importante ferramenta não foi ainda efetivamente incorporada ao
processo de produção da indústria nacional. “Há quem ache mais barato copiar ou
fabricar sob licença do que contratar desenhistas profissionais” salienta Guimarães (in
REVISTA DA CNI, 314, agosto de 1999). De acordo com esse professor, ainda
um desconhecimento por parte do empresariado brasileiro do “poder’ da ferramenta
Design. Ele também sinaliza que esses empresários, os que ainda não consideram o
Design como estratégia empresarial, não conhecem a experiência de outros ramos
empresariais que acreditaram e investiram nesse âmbito como “técnica de criação,
estratégia de venda e ferramenta de produção, transformando-se em líderes dos setores
em que atuam e alcançando a rentabilidade garantida para os recursos investidos”
(Idem).
Cabe ressaltar que a cartilha examinada aqui faz parte do resultado de um estudo
produzido em 1996 pela própria CNI na qual foram analisadas as experiências com a
promoção do Design Industrial em dezenove países. Como observado nas publicações
da CNI relativas às políticas industriais associadas ao Design, este fator vem sempre
consorciado ao incremento da competitividade entre as empresas.
Nesse contexto, percebe-se, de uma maneira cristalina, que o Design é posto
como uma ferramenta que, em muito, contribui como elemento facilitador para a
203
conquista e manutenção de mercados, salienta o então presidente da CNI (1996).
Constata-se que a globalização econômica vem promovendo transformações sensíveis
no mercado, fazendo com que também as empresas busquem se ajustar a essas
mudanças para se tornarem mais competitivas, buscando alocar em seus produtos
elementos agregados que os tornem identificáveis e diferenciados em relação aos dos
seus competidores. Para tanto, de acordo com o estudo, além da qualidade e da
produtividade, como estratégias empresariais, é necessária a inclusão da inovação
tecnológica e a conquista de mercados nacionais e internacionais. Nesse sentido, ao
perceberem tamanha importância conferida ao processo de Design, alguns países
desenvolveram ações que impulsionam, estimulam a inovação, obtendo, com isso,
resultados positivos (CNI, 1996, p.5).
No caso brasileiro, estimula-se essa área (Design), fundamentalmente, com
iniciativas e recursos dos agentes econômicos, e com os meios que são disponibilizados
pelos órgãos e programas governamentais, como os do BNDES, FINEP, CNPq,
CAPES, PACTI, RHAE, dentre outros (Idem). Nessa perspectiva, foi lançado em 1995,
pelo Decreto de 09 de novembro de 1995, o Programa Brasileiro de Design PBD. De
acordo com os objetivos deste programa, sua missão é “induzir à Modernidade
Industrial e Tecnológica por meio do design, visando contribuir para o incremento da
qualidade e da competitividade dos bens e serviços produzidos no Brasil e sua
popularização” (PBD, 2009). Ele se destina à promoção do desenvolvimento do Design
no Brasil, “capitalizando a vantagem de ser o Brasil um país diferente, de identidade
forte e criativa, apto a desenvolver a marca Brasil no competitivo mercado
internacional” (Idem).
Segundo dados, a CNI vem sendo líder tanto no apoio, como na participação do
setor produtivo no PBD. E, através do estudo Design para Competitividade:
Recomendações para a política Industrial no Brasil”, a Instituição “pretende contribuir
para que o design passe a ser um elemento importante no aumento da competitividade
dos nossos produtos e serviços, na busca do reconhecimento da ‘Marca Brasil’” (CNI,
1996, p.5).
Design, ferramenta para a competitividade
O estudo da CNI teve como objetivo central o de conhecer e fazer uma análise
dos fundamentos, das estratégias e dos mecanismos da política industrial que foram
204
adotados por outros países como incentivo à promoção do desenvolvimento do Design,
e, dessa forma, buscar elementos que subsidiem uma formulação de propostas nessa
área mais adequadas para o nosso país. Como objetivos subordinados, o estudo propõe:
- analisar as diversas interpretações para o conceito de design, seus
principais atributos, classificações, áreas de abrangência e interfaces;
- discutir a importância do design para a agregação de valor, aumento
da qualidade e diferenciação de produtos, assim como para o aumento
da capacidade inovativa, produtividade e competitividade das
empresas e respectivos países, num cenário de crescente globalização
e acirramento da competição entre os mesmos;
- identificar, levantar e analisar formatos institucionais, estratégias e
mecanismos de política industrial adotados em dezenove países
selecionados: Canadá, Colômbia, EUA e México, Coréia, Japão,
Malásia e Taiwan (Formosa), Alemanha, Áustria, Dinamarca,
Espanha, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido e Austrália;
- formular proposta de política industrial para o desenvolvimento do
design no Brasil, indicando órgãos responsáveis por sua
implementação (CNI, 1996, p.7).
Nessa perspectiva, acrescenta-se também a formulação de indicadores de gestão
do Design para a competitividade das empresas.
No que tange à conceituação de Design, em que pese ainda (como exposto em
momentos anteriores) o desconhecimento de toda a abrangência do termo, encontra-se
na publicação que o Design, de uma maneira básica, é associado a valores estéticos. No
entanto, tal concepção é ampliada progressivamente de forma que abarque outros
aspectos que permitam compreender o âmbito do Design como um processo criativo,
inovador e provedor de soluções, com importância fundamental para além das esferas
produtiva, tecnológica e econômica, atingindo, dessa forma, o âmbito social, ambiental
e cultural (CNI, 1996, p.8).
Nesse contexto, o Design é ressaltado tanto em nível conceitual quanto
organizacional. Para o primeiro caso, aplicam-se as várias ideias, sentidos e papéis
prescritos pelas empresas de Design; como também as “ênfases e propósitos
diferenciados que lhe são atribuídos (relacionados à agregação de valor, diminuição de
custos, melhor desempenho, estética, segurança e durabilidade etc.)”. Já no segundo
nível, ressalta-se o caráter multidisciplinar da atividade, e o fato de que o Design
influencia diversas outras atividades dentro das organizações. Já argumentamos,
anteriormente, que o Design se encaixa como uma força produtiva que potencializa
outras forças produtivas. Nesse sentido, devido a seu aspecto de que não possui um
saber específico, de sua multidisciplinaridade, o “processo de design demanda
205
conhecimentos que vão desde a etapa de concepção de novos produtos,
desenvolvimento, produção, marketing, até seu descarte” (CNI, p.8). Pelo esquema
(CNI, 1996, adaptado de WALSH) abaixo, percebe-se a presença do Design nas
diversas áreas de uma empresa. Atentemos a ele:
De acordo com a CNI, várias e dinâmicas dimensões dos atributos e funções do
Design são responsáveis pelas diferentes perspectivas que se encontram dentro e fora
das empresas. Dentre elas, discutem-se a:
criatividade; capacidade de resolução de problemas; criação de novos
estilos; diminuição de custos de produção; melhoria da qualidade,
desempenho, funcionalidade, segurança, e facilidade de uso dos
produtos; diferenciação, maior atratividade estética e agregação de
valor aos produtos; aumento da produtividade, lucratividade e
competitividade; melhoria da imagem dos bens e serviços, assim
como das empresas e países responsáveis por sua produção (CNI,
1996, p.9).
Inovação e Design
Como pudemos observar, o termo inovação se afina, muito singularmente, com
o campo de atuação do Design. Nesse contexto, ao procurarmos uma definição para tal
termo, encontramos no Dicionário Aurélio que esse se relaciona a renovar, introduzir
novidade. Nesse horizonte, a atividade de Design é considerada crucial no processo de
inovação numa empresa, declara a CNI (1996, p.9). Faz referência à arena da
criatividade, onde as ideias são geradas, e é também o locus onde se processa a união
entre possibilidades técnicas e as exigências/oportunidades do mercado (produção e
consumo) (Idem). Nessa perspectiva, de acordo com Dalberto (2009), inovação é uma
das “principais armas” que as empresas atualmente lançam mão, desejando penetrar, se
manterem e/ou atingirem nichos de novos mercados. A inovação se torna a principal
206
estratégia competitiva para as empresas, na busca da sobrevivência num mercado cada
vez mais acirrado, com curtos ciclos de vida “impostos” aos produtos, consumidores
mais exigentes e por uma busca por aumento de vendas (DALBERTO, 2009).
Em vista dos dados da CNI, é pertinente notar a relevante importância que esta
Instituição confere a esse tema. Em abril de 2007, foi realizado o II Congresso
Brasileiro de Inovação na Indústria, promovido pela CNI, com o apoio do SENAI
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e do IEL (Instituto Euvaldo Lodi)
156
,
das federações estaduais e associações setoriais, com a presença de representantes do
governo federal e de universidades e empresários, entre outros. O evento teve por
objetivo “analisar os principais entraves à adoção de novas tecnologias e propor
soluções para acelerar o desenvolvimento do país” (SENAIBRASIL, 2007, abril-maio,
p.6). Conforme afirmou o então presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, o “setor
privado tem que ampliar iniciativas e investimentos em inovação num arranjo
institucional com o governo, empresários e a academia” (NETO, in SENAIBRASIL,
2007, abril-maio, p.6).
Da forma como descrita na publicação, e nos discursos empresariais, salta aos
olhos o modo e o papel, central, por parte do governo federal, de proporcionar meios
que se materializem em apoio logístico às demandas propostas oriundas do setor
empresarial. Vejamos tal aspecto no excerto que segue: “[...] apoiar a inovação
empresarial por meio de financiamentos e instrumentos fiscais para ‘massificar a
tecnologia’, fornecer infraestrutura de serviços e estimular a formação de recursos
humanos para fazer avançar as fronteiras tecnológicas e para estimular a pesquisa e
desenvolvimento (P&D) nas empresas” (SENAIBRASIL, 2007, abril-maio, p.6). Em
síntese, o congresso sobre inovação na indústria, deixou uma mensagem bem clara: “O
Brasil tem de dobrar seus investimentos em (P&D) nos próximos anos para acelerar o
desenvolvimento tecnológico da indústria” (SENAIBRASIL, 2007, abril-maio, p.7).
Design: o agente da Inovação
Como foi exposto, o quesito inovação é um item muito caro para o empresariado
brasileiro. Nesse sentido, para Dalberto (2009), este fator é “chave para o sucesso em
um ambiente competitivo”. Como também, para ele, o processo de Design é o que
156 Para conhecer maiores informações sobre o IEL recomendamos consultar a sua gina na Internet
(http://www.iel.org.br/portal/main.jsp?lumChannelId=4028FBE51BE54F2F011BE625487C1256), onde
se encontra, em detalhes, a sua missão.
207
“oferece mais oportunidades de negócio” (Idem). Design e Inovação devem caminhar
pari passu. No entanto, ressalta, não basta apenas uma empresa contratar um
profissional de Design um designer –, é necessário que se implante uma Gestão de
Design. Nessa perspectiva, assume-se ao Design um papel estratégico dos negócios,
conferindo-lhe funções e atributos pertencentes à alta gerência, mas não se restringindo
somente a ela, isto é, englobando a todos os níveis da organização (DALBERTO, 2009).
Ainda nessa perspectiva, encontram-se outras “aptidões” prescritas aos designers, além
do Kit básico”, ou seja, da criatividade, simplificação e otimização de processos de
produção, pesquisa por novos materiais, barateamento dos custos de fabricação,
aumento da qualidade e agregação de valor aos bens. Nesse sentido, são esperadas
outras atribuições, tais como:
estimular a criatividade da equipe, prover soluções de problemas
específicos, aumentar a flexibilidade dos processos produtivos e de
marketing, estreitar as relações intraempresas e entre produtores,
agentes de P&D, fornecedores e clientes e reduzir o tempo de
desenvolvimento e lançamento de novos produtos (DALBERTO,
2009).
Pelas atribuições que estão postas no fragmento anterior, em conjunto com as
esperadas, percebe-se o tamanho da empreitada que se deparam os profissionais de
Design. Também nos parece pertinente salientar o nível de formação acadêmica
apontado no horizonte desses profissionais. Em suma, Dalberto conclui sua
argumentação, sinalizando para o baixo custo de implantação de uma Gestão de Design,
nas empresas, porém de elevadíssimo grau de vantagens para essas.
Retomando a análise feita pela CNI, relacionada à sintonia fina entre Design e
Inovação, é digna de nota a elevada contribuição do processo de Design, tanto para as
inovações tecnológicas, quanto para as organizacionais. Nas primeiras, são ressaltadas
as possibilidades de diminuição do uso de insumos materiais e energéticos; a também
redução significativa do número de partes e peças que compõem determinado produto, o
que com isso, reduz e otimiza seu tempo de fabricação (outro fator de extrema
importância no meio empresarial); e a adequação das formas com fins de desgaste ao
final da vida útil dos produtos. No que tange às inovações organizacionais, conforme
observado, este aspecto compele os profissionais de Design a exercerem diferentes
funções nos diversos setores das empresas. Dentre elas: pesquisa e desenvolvimento;
produção; teste de materiais; controle de qualidade; planejamento financeiro, comercial
estratégico. Também se encontra destacado um papel de articulador com a esfera
208
extraempresa, isto é, fornecedores, prestadores de serviços e consumidores. É enfatizado
que este aspecto “favorece a articulação entre as diferentes visões e atores do processo
de desenvolvimento de produtos, os quais em geral, possuem diferentes informações,
conhecimentos e expectativas” (CNI, 1996, p.9).
Se levarmos em consideração que o declínio das taxas de crescimento contribuiu
fortemente para a crise estrutural das economias dos países centrais nos anos 1970,
veremos que isso na verdade traduziu, por um lado, “o esgotamento do longo ciclo de
acumulação iniciado no pós-guerra”, e, por outro, deu início a um profundo processo de
reestruturação produtiva e tecnológica em nações industrializadas. Nesse sentido, antes
de prosseguirmos com a exposição e análise dos documentos pesquisados, achamos
pertinente fazer algumas considerações a respeito desse processo de transformação e
reestruturação produtiva da economia.
4.2.1 - Profundas mudanças à vista
Refletindo sobre os problemas enfrentados pelo “regime de acumulação”
157
fordista, David Harvey (2002) sinaliza, já em meados dos anos 1960, ocasião em que se
completara a recuperação da Europa Ocidental e do Japão, e de modo geral, no período
compreendido entre 1965-1973, para a incapacidade daquele regime de acumulação e
do keynesianismo manterem sob controle as contradições entre as forças produtivas e as
relações sociais de produção no âmbito do Sistema Capital. O autor adiciona, ainda,
apontando sobre problemas com a rigidez de investimentos de capital fixo de larga
escala e de longo prazo” para os sistemas produtivos em massa, os quais dificultavam
uma maior flexibilidade no planejamento e que também “presumiam crescimento
estável em mercados de consumo invariantes” (HARVEY, 2002, p.135-138).
Também é digno de se notar a existência de conflitos de rigidez nos “mercados,
na alocação e nos contratos de trabalho”. Tais problemas somados, e por trás dessa
rigidez, desencadeou uma onda inflacionária que iria culminar num cerceamento da
expansão do pós-guerra no mundo capitalista
158
. Nos anos de 1973-1975, com uma forte
deflação posta, salientou-se a não equidade entre as finanças do Estado, ou seja, os
recursos do Estado estavam muito aquém das demandas que o mesmo poderia financiar.
157 “Um regime de acumulação descreve a estabilização, por um longo período, da alocação do produto
líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência entre a transformação tanto das
condições de produção como das condições de reprodução de assalariados” (HARVEY, 2002, p.117).
158 Cf. HARVEY, 2002, p.136.
209
Tal cenário posto deflagrou uma “profunda crise fiscal e de legitimação”.
Concomitantemente, “as corporações viram-se com muita capacidade excedente
inutilizável (principalmente fábricas e equipamentos ociosos)” sob uma configuração de
intensificação da competição. Dessa forma, elas se “sentiram” obrigadas a buscar uma
nova conformação, adentrando a um período de “racionalização, reestruturação e
intensificação do controle do trabalho” (HARVEY, 2002, p.137).
Em vista de tal cenário, no mundo da produção, foram adotadas estratégias
corporativas de sobrevivência nessa configuração de deflação, a saber: mudanças na
esfera tecnológica, “automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de
mercado, a dispersão geográfica para zonas de controle do trabalho mais fácil, as fusões
e medidas para acelerar o tempo de giro do capital” (HARVEY, 2002, p.137-140). Sob
uma profunda recessão capitalista trazida pela instabilidade econômica que teve início
em 1973, “exacerbada pelo choque do petróleo”, salienta Harvey, retira o mundo
capitalista do “sufocante torpor da estagflação”
159
, e desencadeia um conjunto de
processos que solaparam o compromisso fordista de outrora.
Com base nas reflexões de Harvey (2002), pode-se afirmar que nas décadas de
1970 e 1980 (um período de reestruturação da economia e também um reajustamento
nas esferas social e política), em meio a tantas oscilações e incertezas, começou a se
conformar uma série de experiências novas nos domínios da organização industrial e da
vida social. Registra-se que essas “novas” experiências representam os “primeiros
ímpetos da passagem para um regime de acumulação inteiramente novo, associado com
um sistema de regulamentação política e social bem distinto” denominado por
“acumulação flexível” (HARVEY, 2002, p.140). Esse “novo regime se opôs
frontalmente com a rigidez fordista. Ele se apoiava sob um pilar: a flexibilidade. Assim,
processos de trabalho, mercados de trabalho, produtos e padrões de consumo, passaram
a ser regidos sob esse padrão de acumulação. A título de melhor ilustração, o autor
caracteriza esse regime pelo
surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e,
sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial
tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas
mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre os
setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um
vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem
159 “[...] estagnação da produção de bens e alta inflação de preços” (HARVEY, 2002, p.140).
210
como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então
subdesenvolvidas. [...] Ela também envolve um novo movimento que
chamarei de compressão do espaço-tempo no mundo capitalista os
horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se
estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos
de transporte dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e
variegado (HARVEY, 2002, p.140).
Nessa perspectiva de análise, Santos (2006, p.188), ao enfocar o Brasil, aponta
que a falência do “milagre brasileiro” mediada por essas instabilidades econômico-
sociais do início dos anos 1970 e, de forma mais efetiva durante a década de 1980,
“associada à recessão econômica, e a abertura dos mercados”, ganhou concreticidade no
início dos anos de 1990 no governo do então presidente Fernando Collor. De acordo
com Santos (2006, p.188), o cenário propiciou a constituição de um “conjunto de fatores
combinados que determinou a crise do capitalismo brasileiro ao final do século XX”.
Segundo o autor, essa crise impactou de forma contundente a acumulação de capital, na
medida em que houve a “quase total impossibilidade das empresas instaladas no
território nacional de participarem da competição no mercado internacional”, tendo em
vista, como exposto anteriormente, que uma das principais causas desse problema
estava posta pelo “esgotamento” do padrão de acumulação taylorista-fordista. Não
obstante essas observações, cumpre notar que, no caso brasileiro, contatou-se que a
reestruturação produtiva não eliminou o “velho” paradigma produtivo por completo.
Ou seja, ainda empresas que, embora já tenham introduzido o “novo” padrão
flexível, caracterizado pela adoção de novas tecnologias, articuladas com as também
novas formas de organização e de gestão produtivas, baseadas fundamentalmente no
modelo japonês chamado “toyotismo”, ainda permanecem utilizando o “velho” modelo
taylorista-fordista. Nesse contexto, Leite salienta que
Novas e velhas práticas produtivas coexistem, tanto no plano técnico-
operacional, como na gestão do trabalho e de qualificação e que
mesmo no âmbito das empresas mais inovadoras, a estratégia é
gradual e sincronizada voltada à superação progressiva de gargalos
não implicando reviravolta total da organização (apud SANTOS,
2006, p.189).
Com base nessas reflexões, pode-se apontar que, de acordo com Harvey (2002,
p.141), o regime de acumulação flexível “parece implicar níveis relativamente altos de
desemprego ‘estrutural’ [...], rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos
modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical uma das
colunas políticas do regime fordista”. Nessa perspectiva, segundo Santos, dois impactos
sobre o conjunto dos trabalhadores merecem relevo, a saber: a) de “natureza social” que
211
se materializa sob a forma do desemprego; b) em consonância com o item anterior, se
efetiva na exigência de um novo perfil por parte dos trabalhadores, imposto pela
introdução das novas inovações tecnológicas. Traduz-se esse “novo perfil” pelas novas
demandas de qualificação, e em decorrência, pelo aumento da escolaridade do
trabalhador (SANTOS, 2006, p.191). Não obstante, ainda de acordo com o autor,
baseada na tese de Leite (1995), “é difícil culpar apenas a modernização das empresas”
pelos altos índices de desemprego no Brasil. Para ele, outros fatores, além do
desemprego, devem ser considerados personagens coadjuvantes na formação desse
quadro, tais como a forte recessão e a queda do investimento (no início dos anos 1980),
aliado “à falta de mecanismos que possibilitem a efetiva proteção dos trabalhadores”
(Idem).
A força dessas ideias nos compele a apontar que, trazidas no bojo da
reestruturação produtiva da economia, associadas a um intenso processo de
informatização de nossa sociedade, muitas mudanças foram acarretadas, principalmente
nos processos de produção. Contudo, seria possível afirmar que tais transformações se
efetivaram atendendo a interesses de pequenos grupos, ditos privilegiados, alijando e
alienando uma parte significativa da população trabalhadora.
4.2.2 - Novamente a Competitividade
Posto esse pano fundo, dando prosseguimento à nossa análise, segundo a CNI
(1996, p.10-11), a “difusão, consolidação e amadurecimento do paradigma
tecnoeconômico das tecnologias da informação, bem como a intensificação do processo
de globalização a partir dos anos 1980, vêm configurando um novo padrão de
competitividade em nível internacional”. A Confederação destaca algumas
características que estão associadas a essas transformações, a saber:
(i) maior liberação do comércio mundial resultante das menores
barreiras tarifárias impostas pela OMC (Organização Mundial do
Comércio); (ii) aceleração dos processos de integração e da
competição entre empresas, países e regiões do mundo; (iii) maior
importância conferida aos processos de inovação tanto técnicas quanto
organizacionais; (iv) aceleração da diminuição do ciclo de vida dos
produtos; (v) progressiva substituição dos sistemas de produção em
massa e padronização relacionadas às economias de escala pelos
sistemas flexíveis de produção, os quais privilegiam as economias de
escopo e o atendimento de hábitos de consumo diversificados e
personalizados; (vi) as mudanças de ênfase na estratégia de gestão das
empresas, deixando de incluir apenas a preocupação com mudanças
tecnológicas radicais, escalas e custos para privilegiar o
212
desenvolvimento de produtos que assegurem maior qualidade, reflitam
cultura, respeitem a individualidade e possuam alto valor agregado
(CNI, 1996, p.11).
Ainda nessa perspectiva, encontra-se ressaltado pela Confederação o impacto
que as mudanças nos atuais níveis e padrões de consumo exercem sobre a área do
Design. Nesse sentido, de acordo com a publicação da CNI, com base no elevado grau
de conscientização e sofisticação observadas pelas preferências dos consumidores,
indícios de que se reforcem ainda mais as tendências à miniaturização, ao incremento do
número de funções à disposição dos consumidores incluídos nos produtos; como
também elevação a estímulos para o desenvolvimento de equipamentos (produtos) que
possibilitem maior interação com os usuários, com tendência a diminuir erros de
utilização (usabilidade).
Diante desse cenário, ao reconhecer o aumento das funções que poderão assumir
os profissionais de Design, segundo a CNI, foi registrada uma tendência no tocante
tanto a explorar de maneira mais intensificada, tais vantagens; como também, à
descoberta de novos atributos que podem ser explorados. Dessa forma, encontra-se
ressaltado um aprofundamento da importância das funções tradicionais do Design, tais
como: “simplificação e otimização de processos de produção e barateamento dos custos
de fabricação, aumento da qualidade e agregação de valor aos bens e serviços” (CNI,
1996, p.11).
Em vista disso, cumpre salientar outras funções que a atividade do Design
representa, dentre elas: “a capacidade de estimular a criatividade; prover soluções de
problemas específicos; aumentar a flexibilidade dos processos produtivos e de
marketing; estreitar as relações intraempresas e entre produtores, agentes de P&D,
fornecedores e clientes; e reduzir o tempo de desenvolvimento e lançamento de novos
produtos” (CNI, 1996, p.11). Ao observarmos as atribuições que são postas aos
designers pela Confederação, salta aos olhos a aplicação do processo de Design com
vistas à obtenção de redução máxima de custos operacionais e de produção, e, por
conseguinte, a maximização da lucratividade da produção industrial. Conforme
discutimos em capítulo anterior, o designer é visto dessa forma produtivo –, ou seja,
como um elemento da produção que tem o potencial e é responsável pelo aumento de
lucratividade da produção industrial, seja pelos valores (de troca) agregados aos
produtos, como também pelo potencial de interatividade que este proporciona com os
mais variados setores relacionados à fabricação de produtos.
213
Em decorrência das considerações que estão postas, tudo leva a crer que a
inovação passou a ser reconhecida como fator decisivo na maior parte dos setores
empresariais. Nessa perspectiva, também se observou um outro aspecto que obteve
relevante significação entre as empresas, a saber: a qualidade dos produtos e serviços,
relativizando o fator preço como decisivo para o aumento da competitividade. Em vista
dessas demandas de padrão competitivo, economias de escala e a redução dos custos
produtivos ganharam um significativo status, passando a “coexistir com a crescente
importância das economias de escopo e com a incorporação ativa de fatores de
diferenciação qualitativa dos produtos” (CNI, 1996, p.12).
Dessa forma, de acordo com a Confederação, destacam-se novas oportunidades
de inserção das atividades no âmbito do Design, frente a um cenário pintado por cores
que expressam o “esgotamento do modelo de produção em massa de bens e serviços
padronizados e crescente importância de sistemas de produção flexível, com produtos
diferenciados e customizados de alto valor agregado” (CNI, 1996, p.12). Frente a esse
aspecto, surge um interesse crescente no que se convencionou denominar de non price
factors ligados não apenas à qualidade, mas também a outras características
‘subjetivas’ dos produtos –, identificados como particularmente importantes no sentido
de aumentar a competitividade” (Idem). Nesse contexto, o Design vem sendo
considerado como um dos fatores non price mais importantes, sinaliza a
Confederação.
Cumpre salientar também uma outra característica que permitiu uma ampliação
do papel da atividade do Design, ou seja, o surgimento de novos métodos de produção
flexíveis (“flexible manufacturing”). Cabe lembrar que, anteriormente se produzia em
larga escala, com emprego de capital intensivo sob os processos de produção
“extremamente rígidos”. Esse modus de produção dificultaria a possibilidade para uma
“rápida resposta a mudanças e restringia os processos de inovação, design e
desenvolvimento de produtos”, argumenta a CNI (1996, p.12). Não é difícil
imaginarmos que diante de um cenário produtivo que privilegie (dentre outros aspectos
citados) um curtíssimo ciclo de vida aos produtos, numa produção organizada de
forma rígida, ficaria quase que inviável (do ponto de vista de custos produtivos, por
exemplo) fabricá-los. Basta observarmos, por exemplo, a relação entre o tempo de
desenvolvimento do Design e de todos os componentes e funções de um novo aparelho
de telefonia móvel (celular), e a sua rapidíssima “morte” no mercado consumidor.
214
Cumpre-nos argumentar que esse cenário nos transmite a sensação de que estamos
vivendo num mundo mercadológico altamente contraditório e esquizofrênico.
Não obstante, em vista das recentes inovações tecnológicas que foram
introduzidas, nos processos produtivos, os processos de fabricação com alta taxa de
automatização e organização, apresentaram-se com muito mais pujança. Tal aspecto
possibilitou suprir essa “nova” demanda flexível de produção, isto é, ao mesmo tempo
em que produtos são fabricados com especializações variadas, diminuem-se com mais
intensidade, os períodos (tempo) de produção destes. Devido ao “rompimento do
vínculo entre baixo custo unitário de produção e fabricação de produtos standard”, o
emprego do processo de Design obteve um crescente grau de contribuição como
“instrumento das estratégias competitivas das empresas”, ressalta a CNI (1996, p.12).
A força das observações e do cenário exposto pela Confederação Nacional da
Indústria nos impele a sinalizar que a atividade do Design vem, gradativamente, sendo
reconhecida como um ingrediente sine qua non quando se faz referências ao aumento da
competitividade industrial. No excerto seguinte, demonstra-se essa argumentação, ou
seja, num contexto de
progressiva globalização e integração de mercados, de mudanças de
padrão de competitividade e crescentes requisitos de criatividade,
qualidade, flexibilidade e seletividade dos mercados, o design vem
adquirindo reconhecimento estratégico de promoção da
competitividade industrial. Permite aprofundar e acelerar a capacidade
das empresas em simplificar e otimizar processos de produção
reduzindo prazos e barateando custos de fabricação –, agregar
qualidade e valor aos produtos, reduzindo o tempo de lançamento de
novos produtos e, portanto, elevar o potencial de mercado e
lucratividade (CNI, 1996, p.12-13).
4.3 - Principais recomendações da CNI para uma política de promoção do
Design brasileiro
Com base nas análises e reflexões expostas pela CNI (1996), iremos nesta seção
apresentar as principais propostas, elencadas por essa Confederação, para a promoção
de ações de caráter geral e específico do Design brasileiro. Os indicadores se encontram
divididos em seis grupos: “econômico-financeiro; satisfação de clientes e usuários;
design e desenvolvimento de produtos; design na gestão e estratégia da empresa;
recursos; e questão ambiental” (CNI, 1996, p.29). As diretrizes foram agrupadas nas
seguintes categorias: “Quanto às Estratégias e Ações Gerais”; “Quanto às Ações de
Coordenação, Articulação e Cooperação”; “Quanto às Ações de Conscientização,
215
Promoção e Difusão”; “Quanto às Ações de Capacitação e Treinamento de Recursos
Humanos”; “Quanto às Ações de Fomento e Projetos de Design”. De acordo com o que
está proposto pela CNI (1996, p.30-33), destacamos:
1- Estratégias e Ações Gerais:
Divulgar a compreensão do design como processo criativo de caráter
multidisciplinar que permite: aprofundar e acelerar a capacidade das
empresas de simplificar e otimizar processos e produtos (reduzindo
prazos e barateando custos de fabricação); agregar valor, qualidade,
funcionalidade e identidade aos bens e serviços produzidos; explorar
nova fronteira de diferenciação dos mesmos; estreitar as relações intra
e entre organizações e com clientes; e reduzir o tempo de
desenvolvimento e lançamento de novos produtos e serviços.
Promover a conscientização sobre a importância do design como
instrumento estratégico de promoção da competitividade dos bens e
serviços das empresas e países no atual contexto de progressiva
globalização e integração de mercados, buscando influenciar
particularmente os setores industrial, comercial, financeiro,
consumidor, educacional e governamental.
Privilegiar o entendimento do design como processo que abrange
conhecimentos, que vão desde a concepção de novos produtos,
desenvolvimento, produção e marketing até o descarte, enfatizando
seu tratamento dentro de perspectiva integrada e sistêmica, tanto por
parte das empresas quanto das organizações educacionais e
governamentais.
Enfatizar o desenvolvimento do design relacionado à cidadania e ao
meio ambiente.
Enfatizar o design como elemento de maior integração de regiões e
países com afinidades culturais e geoeconômicas.
Desenvolver pesquisa buscando identificar a imagem e o
reconhecimento do design nacional por parte dos consumidores
domésticos e estrangeiros.
2- Ações de Coordenação, Articulação e Cooperação
Fortalecer a instância superior responsável pela coordenação geral do
PBD e promover a efetiva articulação com outras políticas e atuação
conjunta das instituições participantes do programa. [ator envolvido:
Comitê Executivo do PBD].
Realizar levantamento e análise do estado real do design no país
(capacitações e instituições de design existentes, quadro
institucional e políticas de promoção em vigor e previstas, principais
setores, agentes e formas de apoio etc.), visando identificar as
principais potencialidades e entraves e sugerindo medidas para
maximização das primeiras e neutralização dos últimos. [ator
envolvido: Comitê Executivo do PBD].
Aprofundar o conhecimento de experiências de outros países quanto à
promoção e desenvolvimento do design industrial, incluindo a
mobilização de embaixadas brasileiras no exterior e a realização de
216
missões e visitas técnicas. [ator envolvido: Comitê Executivo do
PBD].
Estabelecer planejamento de curto, médio e longo prazos, baseando-se
nos resultados das análises realizadas, determinando a adoção de
medidas progressivas para a área, identificando atores e setores
prioritários, definindo articulações necessárias com outras políticas e
promovendo os necessários ajustes às metas e horizontes fixados. [ator
envolvido: Comitê Executivo do PBD].
Privilegiar a atuação em rede das instituições envolvidas. [ator
envolvido: Comitê Executivo do PBD].
Privilegiar a realização de projetos cooperativos reunindo capacitações
e recursos disponíveis. [ator envolvido: Comitê Executivo do PBD].
Enfatizar programas regionais e municipais articulados e em
consonância com os programas nacionais. [ator envolvido: Comitê
Executivo do PBD].
Enfatizar a produção de resultados, incluindo aqueles visíveis
quantitativos e qualitativos, o desenvolvimento de sistema de
indicadores e de ferramentas e publicações. [ator envolvido: Comitê
Executivo do PBD].
Definir e implementar sistema de avaliação dos resultados das
políticas adotadas. [ator envolvido: Comitê Executivo do PBD].
Realizar estudo visando explorar as contribuições do design a das
inovações para a melhoria da imagem e da competitividade do país, de
suas instituições públicas, das empresas, do sistema educacional e do
setor do design. [...] [atores envolvidos: Subcomitê e Conselho].
3- Ações de Conscientização, Promoção e Difusão
Ampliação e dinamização do sistema de premiação: - aumento do
número e modalidades de prêmios nacionais e estaduais, envolvendo
produtos, serviços e artesanatos, empresas, designs, designers e
estudantes de vários graus; - concessão de selo a produtos, serviços e
artesanatos selecionados. [atores envolvidos: Subcomitê, governos
estaduais e municipais, associações e entidades de design e IDEC].
Criação de data nacional do design para promoção de eventos,
incluindo mostras de designs premiados e selecionados. [atores
envolvidos: Subcomitê, governos estaduais e municipais, associações
e entidades de design].
Promoção, juntamente com governos e instituições estaduais e
municipais, de mostras itinerantes de design. [atores envolvidos:
Subcomitê, governos estaduais e municipais, associações e entidades
de design].
Promoção de filmes, vídeos, conferências e outros materiais de
divulgação – na mídia geral e por associações profissionais e de classe
sobre as capacitações, vantagens e oportunidades brasileiras de
design, incluindo a divulgação de casos de sucesso. [ator envolvido:
Subcomitê].
Publicação e divulgação de folhetos e informativos sobre formas e
vantagens da utilização do design, assim como de guias de
217
procedimentos para empresas e consumidores. [atores envolvidos:
Subcomitê, DIEESE e IDEC].
Criação de identidade visual e corporativa para organismos públicos,
envolvendo desde logomarcas, folhetos, publicações até veículos e
instalações físicas. [atores envolvidos: Subcomitê e representações de
órgãos públicos e de entidades de design].
4- Ações de Capacitação e Treinamento de Recursos Humanos
Levantamento e análise do ensino de design no país, das necessidades
e oportunidades existentes de apoio à área. [atores envolvidos:
Subcomitê e MEC].
Design nas estruturas formais de educação:– inclusão de curso sobre
design na estrutura de ensino básico para estudantes de nível
secundário e em cursos universitários e de pós-graduação selecionados
(engenharias, administração e economia); incentivos à realização de
pesquisas, monografias, dissertações e teses. [atores envolvidos:
Subcomitê e MEC].
Treinamento em design: inclusão do tema design nos cursos
ministrados por e para associações empresariais e de classe, incluindo
a realização de cursos customizados de design para empresários e
trabalhadores de setores específicos; realização de curso sobre
importância, aplicação e gestão de design em empresas; realização
de curso sobre uso de novas ferramentas de design. [atores
envolvidos: Subcomitê, SEBRAE e DIEESE].
5- Ações e Fomento a Projetos de Design
Estudo sobre formas de alternativas de financiamento a empresas
(incluindo as PMEs) em todas as etapas do design, envolvendo desde
pesquisa, concepção até desenvolvimento, produção e comercialização
do produto ou serviço. [atores envolvidos: MICT, MCT, MEC,
BNDES, Finep, CNPq, CNI e SEBRAE].
Projeto de aconselhamento e consultoria a empresas por parte de
grupos de design, institutos de pesquisa, centros de formação,
escritórios de design e designers. [atores envolvidos: Subcomitê,
ABIPTI e CNI].
Montagem e operação de redes regionais e nacional de gestão do
design. [atores envolvidos: Subcomitê e Federações estaduais de
Indústrias].
Projeto de reestruturação setorial Sistema Integral de Design. [atores
envolvidos: Subcomitê e ABIPTI].
Projeto regional cooperativo para desenvolvimento de novos produtos.
[atores envolvidos: Subcomitê e ABIPTI].
Apoio ao estabelecimento de novas metodologias de design. [ator
envolvido: Subcomitê].
Estudo sobre design, qualidade e padrões industriais, focalizando o
caso específico das ISOs. [atores envolvidos: Subcomitê, ABNT,
Inmetro e IDEC] (Fonte: CNI, 1996, p.30-33).
218
4.4 - Os números da Gestão do Design na Indústria brasileira
Apresentaremos, nesta seção, os principais resultados de uma pesquisa realizada
pela CNI, publicada em 1999, que teve por objetivo conhecer mais detidamente o
estágio em que se encontrara a utilização do processo de Design, os impactos, as
dificuldades e outras informações pertinentes sobre a gestão dessa atividade nas
indústrias. Segundo a CNI (1999), a pesquisa representou uma significativa contribuição
para organizações governamentais, instituições de apoio, entidades empresariais e para
as próprias empresas, no tocante ao aprimoramento de suas políticas e iniciativas
voltadas ao Design. Pela pesquisa, poderemos conhecer mais detidamente o que, como e
o que faz o empresariado brasileiro no que se refere à utilização do processo de Design
no meio organizacional e produtivo. O texto-análise que vem a seguir tem a chancela da
Confederação Nacional da Indústria. Vamos aos resultados por categoria:
Quanto ao Desempenho Produtivo
As empresas apontaram que 12% do total dos produtos
comercializados foram lançados nos últimos dois anos. Observaram-se
os resultados percentuais por porte, percebe-se que o maior potencial
de utilização do design reside nas microempresas. No entanto, esse
resultado pode ser decorrente da maior instabilidade e da menor
complexidade das empresas de menor porte. Quando se analisa a
quantidade de produtos novos, verifica-se que as grandes, médias e
pequenas indústrias respondem por 92% dos lançamentos. O mercado
atendido é predominantemente nacional, conforme aponta 92% das
empresas. Somente 13% das empresas pesquisadas exportam acima de
10% da receita operacional líquida. O uso do projeto de design para
desenvolvimento de produtos é apontado por 52% das empresas. As
grandes empresas, com 67%, seguidas das médias, com 52%, são as
que demonstram maior grau de utilização de projeto de design. Os
setores de brinquedos (90%), higiene e beleza (80%) e mobiliário
(73%) são os que mais fazem uso do projeto de design. Quanto aos
principais impactos resultantes da utilização do design, as empresas
declararam que 75% delas obtiveram aumento de vendas e 41%
alcançaram redução de custos de produção. As grandes empresas,
seguidas das médias, foram as que mais obtiveram benefícios do uso
do design. Metade das empresas informa que o desenvolvimento do
design é realizado somente por equipe interna. Outras 44% utilizam
uma estratégia mista, ou seja, desenvolvem parte internamente e parte
por terceiros. Somente 6% das empresas entregam todo o
desenvolvimento para terceiros. Os setores de embalagens e de
cerâmica o os que mais utilizam a terceirização em design (CNI,
1999, p.12).
Quanto aos investimentos em Design
As informações coletadas pela pesquisa evidenciam que está
ocorrendo aumento dos investimentos das empresas em design. O
219
percentual de empresas que investiam até 1% da receita operacional
líquida cai de 52% para 35%, enquanto que passa de 30% para 47% o
percentual daquelas que pretendem investir entre 1,1% a 5% da receita
operacional líquida. As fontes de recursos para investimento em
design são predominantemente próprias, conforme aponta 88% das
empresas. Somente 0,4% das empresas aponta exclusivamente a
utilização de financiamentos. Outros 12% utilizam recursos próprios
adicionados com financiamentos. Da mesma forma, é elevado o
desconhecimento das empresas, principalmente entre as
microempresas e pequenas, quanto às linhas de financiamento para o
projeto de design (CNI, 1999, p.13).
Quanto ao processo de inovação das ações em Design
Os resultados da pesquisa indicam que as modalidades de projeto de
design mais desenvolvidas são as relacionadas aos produtos e à
identidade visual. Isto demonstra a preocupação das empresas com a
inovação de seus produtos aliada à imagem dos mesmos no mercado.
Mais da metade das empresas (54%) apontam que mais de 40% dos
seus produtos incorporaram design nos últimos dois anos e que
obtiveram sucesso. Esses resultados caracterizam o projeto de design
como ferramenta importante para as empresas manterem e
conquistarem parcelas do mercado. Os resultados das vendas, seguido
pelas informações colhidas no serviço de atendimento aos clientes, são
as formas mais utilizadas para a avaliação do sucesso dos
lançamentos. As pesquisas de mercado o utilizadas por 28% das
empresas consultadas. Para o desenvolvimento do design, as empresas
procuram utilizar diversas fontes para levantamento de informações.
A pesquisa sobre as necessidades e expectativas dos clientes aparece
em primeiro lugar, com 81% de resposta, seguido pelas tendências
observadas em feiras nacionais e internacionais com 74% e as
reclamações e sugestões de clientes com 65% das empresas.
Fornecedores (26%) e centros de tecnologia (11%) são as fontes
menos utilizadas. As principais dificuldades mencionadas no
desenvolvimento do projeto de design são a pouca disponibilidade de
matérias-primas e a baixa capacitação da equipe de desenvolvimento,
ambas recebendo 35% das respostas das empresas (CNI, 1999, p.13-
14).
Quanto ao nível de decisão das ações em Design
As decisões quanto às novas necessidades de design, bem como a
aprovação das etapas do processo, são feitas pela Direção em 72% das
empresas. Observa-se, ainda, o importante papel desempenhado pelas
gerências de desenvolvimento de produtos e de marketing no processo
de tomada de decisão, notadamente nas grandes empresas (CNI, 1999,
p.14).
Quanto aos recursos humanos e premiação em Design
O nível de escolaridade dos profissionais envolvidos em design nas
empresas apresenta o seguinte perfil: 15% possuem pós-graduação,
51% têm o nível superior e 34% possuem até o segundo grau. O setor
automotivo se destaca com 26% possuindo pós-graduação, enquanto
que o setor de higiene e beleza possui 79% do pessoal envolvido com
design com nível superior. As publicações técnicas e os cursos e
220
seminários realizados no país são as principais oportunidades de
treinamento/aperfeiçoamento oferecidas aos recursos humanos que
atuam em design. Das empresas participantes da pesquisa, 23% delas
receberam algum prêmio em design. Pouco mais da metade das
grandes empresas, ou seja, 52%, já foram premiadas. Os setores com
mais percentuais de premiação são, respectivamente, higiene e beleza,
gemas e jóias e máquinas e equipamentos. É pouco praticado o uso de
estímulos e premiações internas para incentivar o desenvolvimento de
projetos de design, 82% das empresas o utilizam qualquer
modalidade de premiação ou reconhecimento (CNI, 1999, p.14).
Quanto às normas técnicas, propriedade intelectual e meio ambiente
As normas técnicas são bastante utilizadas 82% das empresas
declaram seu uso. Todas as empresas dos setores de higiene e beleza e
calçados pesquisadas usam as normas. Os setores com menores
percentuais de utilização são: têxtil e confecções (50%), gemas (59%),
e mobiliário (63%). Duas em cada três empresas informam não usar a
base de dados do INPI para pesquisar inovações em seu setor. Mesmo
as grandes empresas, 40% delas não a utilizam, enquanto que nas
micro e pequenas este percentual sobre para 78% e 84%,
respectivamente. Os setores de higiene e beleza e calçados são os que
a empregam como fonte de informação. As informações coletadas
indicam que as grandes empresas incorporaram os mecanismos de
proteção intelectual para as inovações desenvolvidas para produtos e
processos. Somente 12% das grandes empresas afirmam não se
utilizar da proteção. No entanto, esta não é a mesma realidade das
micro e pequenas empresas, onde 60% e 47%, respectivamente,
apontam a não utilização. Os setores de calçados e higiene e beleza
são os que mais recorrem ao sistema de proteção. O registro como
marca é o mecanismo de proteção mais praticado, mas na grande
indústria o registro como patente ao lado da marca são os mais
frequentes. A grande maioria das empresas afirmam levar em
consideração, em suas decisões, os aspectos relacionados como meio
ambiente no desenvolvimento dos seus produtos. A preocupação com
o meio ambiente é menor nas microempresas (CNI, 1999, p.15).
4.5 - Indicadores de Competitividade na Indústria Brasileira – Design
O título desta seção que ora se apresenta faz referência a uma pesquisa
produzida pela CNI, dedicada à obtenção de resultados que contribuam para um melhor
diagnóstico das empresas brasileiras, analisando as categorias: Qualidade; Design;
Tecnologia; Recursos Humanos; e Infraestrutura. Cabe esclarecer que, pelos objetivos
desta Tese, vamos nos ater aos indicadores relativos ao Design, referentes às micro e
pequenas empresas (MPEs).
Apresentaremos os resultados dessa pesquisa realizada pela Confederação
Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (SEBRAE). A referida pesquisa foi publicada em 2006, buscando
221
“conhecer melhor os caminhos, as dificuldades e os desafios que as empresas têm
encontrado em suas estratégias de ganhos para competitividade” (CNI, 2006, p.11). De
acordo com então presidente da CNI e com o diretor-presidente do SEBRAE à época,
justificou-se fazer um relatório direcionado a esse grupo (porte) de empresas (MPEs)
devido às especialidades dessas e à sua importância no cenário socioeconômico
brasileiro. Segundo a publicação, esse grupo tem encontrado maiores dificuldades de
acesso ao crédito e à capacitação, apresentam um grau de vulnerabilidade maior (se
comparadas com as médias e grandes empresas) no tocante às mudanças no meio
econômico. Possuem um papel fundamental para reduzir a desigualdade regional, gerar
emprego e renda, na geração de inovações tecnológicas, com notórios impactos no
desenvolvimento econômico e social do Brasil (CNI, 2006, p.11).
Principais resultados (categoria Design)
Segundo os dados expostos no relatório, ampliou-se a competitividade da
indústria no início desta década. Em decorrência deste aspecto, esforços foram
empreendidos pelas empresas industriais para elevar a qualidade dos produtos e a
produtividade de seus processos de fabricação. As micro e pequenas empresas (MPEs)
procuraram estar atentas, acompanhando esse processo. Aumentaram o lançamento de
novos produtos e estão investindo numa proporção maior na “aquisição de máquinas e
equipamentos, em pesquisa e desenvolvimento e na capacitação de seus empregados”.
Ademais, acrescenta a CNI, “elas perceberam a importância do design e estão
procurando investir mais nessa área” (2006, p.15). O universo das MPEs da pesquisa
responde por mais de 90% das empresas industriais brasileiras e por menos de 15% da
produção industrial, conforme exposto pelos dados do IBGE (apud CNI, 2006).
Sobretudo, elas atendem aos setores de “Vestuário, Alimentos, Minerais Não-Metálicos,
Produtos de Metal, Madeira, Móveis e Edição e Impressão. [...] As MPEs dedicam-se
quase que exclusivamente ao mercado doméstico. Apenas 8,6% das microempresas e
27% das pequenas exportam” (CNI, 2006, p.21-22).
Como forma de exposição geral dos valores qualitativos e quantitativos,
transcrevemos a análise dos resultados do relatório referente ao Design, a saber:
As MPEs ainda não incorporaram o investimento em design de
produtos na estratégia da empresa. Menos da metade dessas empresas
investiu em design em 2003, contrapondo como o percentual de 55%
entre as médias empresas e de 60% entre as grandes.
222
Não obstante, sinais de que as MPEs estão percebendo a
importância do design. O número de MPEs que investirão em design
em 2005 deverá aumentar fortemente. A proporção de MPEs que
pretende investir em design ultrapassa à das médias empresas e situa-
se bem próxima à das grandes.
O volume de recursos investidos em design em 2003 foi baixo, mas
para 2005, não haverá mais MPEs investindo, como o volume de
recursos investidos deverá crescer.
O investimento em design afetou positivamente as vendas e teve
pouco impacto nos custos. Consequentemente, o efeito sobre os lucros
das MPEs que investiram em design foi positivo (CNI, 2006, p.16).
Descrição e análise dos resultados
Observou-se, diante dos resultados e das considerações expostas em várias
publicações e depoimentos, que o Design está cada vez mais sendo encarado como uma
estratégia para o aumento da competitividade na indústria. De acordo com a visão
exposta na pesquisa da CNI (2006), esse fato se deve ao maior grau de abertura da
economia brasileira, que promoveu um acirramento mais elevado na competição nos
bens de consumo, que demandou uma constante “atualização do estilo, funcionalidade e
estética dos produtos nacionais” (CNI, 2006, p.32).
Antes de darmos prosseguimento a nossa exposição, pensamos ser interessante
transcrever alguns trechos de depoimentos empresariais para melhor traduzir o cenário:
O design, sabemos todos, é estratégico para agregação de valor e
competitividade. Trata-se de questão não somente visual, estética, mas
utilitária e de funcionalidade. Envolve também a redução do uso de
insumos, de componentes, do tempo de produção. O design pode
operar uma revolução silenciosa na economia. Pesquisa da Open
University na Inglaterra, com 221 pequenas empresas, mostrou
resultados importantes: em 90% dos casos, elas obtiveram lucros com
o novo design, registrando retorno do capital investido em 15 meses;
ampliaram em 40% as vendas pelas modificações no design dos
produtos; 25% dos projetos abriram novos mercados para os produtos
dessas empresas. No caso brasileiro, pesquisa da CNI, a Confederação
Nacional da Indústria, em 500 empresas de diversos setores, revelou
que 75% delas obtiveram aumento de vendas em função da utilização
do design e 41% reduziram custos de produção (PAULO TARCISO
OKAMOTTO, 2009, diretor-presidente do SEBRAE).
Sem design não se vende nada. Ele é a forma mais eficaz de
convencer o consumidor. Mas essa conquista não pode ser apenas
estética. O design não é apenas uma técnica de se tornar um produto
mais bonito (KLAUS JAHNKE, Gerente de Estilo de Veículos
Comerciais da Mercedes-Benz do Brasil, apud REVISTA DA CNI, n°
314, agosto de 1999).
Fazer design não custa mais do que lançar um produto errado no
mercado. [...] Devemos lembrar que vivemos a ditadura do estético, da
223
forma. Tudo precisa ter estilo (PAULO ANGELIM, da Paulo Angelim
Consultoria em Marketing, apud SOUZA, 2008).
Hoje manter modernas as linhas de nossa marca virou uma estratégia
de negócio (LUCIANE CARMO, diretora do restaurante Barbacoa,
apud SOUZA, 2008).
[...] é uma ferramenta de trabalho de Primeiro Mundo. Quem não usa,
pode até permanecer no mercado, mas terá dificuldades. Agora que
acabou o tempo da lentidão e do acomodamento, para crescer é
preciso ser rápido e criativo (RICARDO PUCCI, gerente de
Marketing da Brinquedos Bandeirante, de São Paulo, apud REVISTA
DA CNI, n° 314, agosto de 1999.
Nesse contexto, compreendendo o processo de Design como o conjunto de
atividades que abarca desde a esfera do desenho do produto e elaboração de parcerias
para viabilizar a materialização de um protótipo, até a concepção e estruturação de uma
determinada cadeia de fornecedores, a CNI passa a tratar tal atividade como uma
“conotação prioritária nas decisões empresariais”. Dessa forma, conforme a pesquisa
demonstrou, a atividade do Design se responsabiliza pelas “características estruturais,
estéticas, formais e funcionais de um produto” (CNI, 2006, p.32).
Isso posto, no ano de 2003, apenas 42,3% das microempresas e 45,2% das
pequenas empresas brasileiras fizeram investimentos em Design. No entanto, de acordo
com a pesquisa de intenções no quesito investimentos na área, animam-se as
perspectivas, pois as MPEs declararam que iriam aumentar seus investimentos nessa
área a partir de 2005. Do universo das MPEs pesquisadas, 63,6% já tinham investido em
Design. Se compararmos com os índices das empresas de médio porte (62,3%), seu
índice é um pouco maior; mas vem abaixo do resultado das grandes empresas (67,1%).
Os resultados de investimentos em Design por região, indicam como menor
percentual em 2003, a região Norte (35%). A região com maior índice no mesmo ano
foi a região Centro-Oeste (52,6%). Sobre a pretensão de investimentos para o ano de
2005, a proporção de MPEs que declararam a favor foi de 65%, bem acima da média do
país em 2003. De acordo com os dados da pesquisa, o índice para 2005 da região
Centro-Oeste, (74,5%) foi, de novo, o maior do país. Para esse ano, a região Norte
obteve um patamar superior, significativamente, se comparado com o ano de 2003.
Vejamos os resultados no gráfico a seguir:
224
Em relação ao impacto nos custos de produção, os investimentos nas atividades
de Design obtiveram os seguintes resultados: em aumento de custos, 26,4% das MPEs,
e para aquelas que declaram que tiveram queda nos índices de custos, o percentual foi
de 9,4%. Registra-se, conforme a análise da Confederação, que a grande maioria das
MPEs, ou seja, 64,3% delas não perceberam um aumento de custos de produção em
razão de investimentos na área de Design. O que, em vista dos resultados apresentados
nas tabelas da pesquisa, e frente aos efeitos positivos sobre as vendas e o baixo impacto
sobre os custos, pode-se concluir com a observação de que as MPEs que investiram em
Design, obtiveram, de uma maneira geral,b um saldo positivo. Assim, percebe-se que
investimentos nessa área traduziram-se num aumento dos lucros para a maioria das
micro e pequenas empresas brasileiras (CNI, p.33-35).
Ainda registra-se, considerando os resultados da pesquisa, que no ano de 2003,
67% das MPEs que alocaram recursos em atividades relativas ao Design, declaram que
o investimento nessa área representou menos que 2% do faturamento bruto do
estabelecimento industrial. Para o ano de 2005, uma previsão de que mais MPEs
investiriam e que o montante de recursos investidos cresceria. Nesse contexto, a
225
proporção de MPEs, cujo investimento representa menos que 2% do faturamento bruto,
reduziria-se para 50% (CNI, 2006, p.33).
Quanto à pesquisa que tinha por objetivos buscar dados sobre as MPEs que são
referentes ao fato de que investir em Design afeta de forma positiva nas vendas e nos
lucros, e com pouco impacto nos custos, os números obtidos indicaram que houve um
aumento no montante das vendas para 53,3% das MPEs em 2003. Observa-se também
que o índice de micro e pequenas empresas, que declararam diminuição nas vendas e no
faturamento devido aos investimentos no processo de Design, foi muito baixo. Outras
44,7% das MPEs declararam que o impacto desses investimentos sobre as vendas foi
nulo. Os percentuais atestam, novamente, para um saldo positivo o fato de que
promover investimentos em Design nas empresas é um fator extremamente salutar para
as mesmas. Do universo da pesquisa por região, obteve-se como o maior impacto
positivo, as MPEs da região Norte, com índices de empresas com aumento de vendas,
propiciado por estes investimentos, da ordem de 61,5%. Para a região Sudeste, 46,9%
das MPEs registraram aumento de suas vendas. Para mais resultados, observemos a
Tabela 1, que se segue:
226
Sobre um outro quesito, podemos constatar pelos resultados expostos na Tabela
2, que em relação a custos produtivos, os investimentos em design resultaram em
aumento para 26,4% das MPEs e em queda para 9,4%. No entanto, se analisarmos que
não houve uma percepção no aumento dos custos de produção em razão desses
investimentos para a grande maioria (64,3%), é pertinente sinalizar que tal percentual
somado ao pequeno índice reportado pelas MPEs (9,4%) relativo à diminuição de
custos, indica-nos um cenário significativamente favorável para o uso do processo de
227
Design nas micro e pequenas empresas. Vejamos os resultados mais detalhados na
tabela:
Sobre o impacto nos lucros, os investimentos no âmbito do Design foram
traduzidos em aumento da lucratividade para 34,4% das micro e pequenas empresas,
conforme declara a CNI (2006). Nessa perspectiva, aponta-se que a maioria das micro e
pequenas empresas (53,1%) mantiveram sua lucratividade inalterada, com apenas
12,5% destas, reportando para uma diminuição dos lucros. Notam-se, mais uma vez, os
228
índices das MPEs da região Norte, com um aumento dos lucros para metade delas,
sendo que apenas 8,3% verificaram queda nos lucros (CNI, 2006, p.33-35). Vamos aos
números (Tabela 3):
Em vista dos valores apresentados pela pesquisa da CNI (2006), no âmbito das
micro e pequenas empresas, referindo-se a investimentos em atividades relacionadas ao
Design, é pertinente salientar que houve um efeito positivo destes sobre as vendas,
como também influenciando um baixo impacto sobre os custos. Assim, tais resultados
229
nos compelem a sinalizar que o lucro das MPEs que investiram em Design foi, de uma
maneira geral, também positivo.
4.6 - Programas de apoio e fomento ao Design brasileiro
“[...] o design é o desafio mais ousado dentro do
complexo contexto que envolve todas as nossas
transformações essenciais”.
(Alexandre Figueira Rodrigues, 1997)
160
Conforme acompanhamos até aqui com base nas observações e análises
mencionadas anteriormente, o Design é visto como uma importante e necessária
ferramenta de apoio ao desenvolvimento industrial. É também considerado como um
fator de extrema relevância para o aumento da competitividade das empresas. Não
obstante, também não podemos deixar de mencionar que essa área profissional (Design)
ainda se encontra sobre incompreensões, seja no âmbito conceitual, ou, sobretudo no
desconhecimento geral referente à totalidade de suas atribuições, por parte da sociedade,
ou, sobretudo, do meio empresarial.
Nesse contexto, entendemos o Design não somente como uma ferramenta
dedicada à indústria, ainda que o termo se reporte, desde suas origens, à área da
produção industrial, haja vista o fragmento: o “design surgiu para ser a ferramenta das
empresas em busca de um produto melhor” (CNI, 1998, p.9). sustentamos, em outras
seções desta Tese, que o processo de Design se associa ao homem, como um mediador
do desenvolvimento qualitativo do mundo artificial deste, criando as interfaces, objetos
e sistemas em que o homem se relaciona com outros homens e com sua paisagem
artificial.
Isso posto, conforme mencionado no texto, num cenário econômico onde se
presencia, de uma maneira altamente acirrada, a competitividade entre as empresas para
garantia de sobrevivência em seus nichos, estas procuraram desenvolver estratégias de
reação adequadas para se manterem “vivas” no mercado. Uma delas, foi adotar
atividades relacionadas ao âmbito do Design na ampliação da inovação de seus
produtos, tornando-os diferenciados e mais competitivos. Nesse sentido, ao decidir
adotar o Design como estratégia de competitividade, as empresas precisarão promover
ações para uma readaptação de seus processos produtivos e organizacionais para
160 Diretor Geral do Departamento Nacional do SENAI na ocasião. Prefácio in “Design estratégico;
integração e ação do design industrial dentro das empresas”, de autoria de Cláudio F. de Magalhães,
publicada em 1997.
230
acompanhar tais transformações dos seus ambientes de atuação. Assim, nesta seção,
procurar-se-á demonstrar e discutir quais atores estão presentes ou poderão se
apresentar para contribuir com o incremento do Design no Brasil. Procuraremos
abordar, com base em aportes de instituições governamentais, empresariais e de
fomento a essa área, os programas dedicados ao âmbito da promoção, incentivo e apoio
à atividades de Design em nosso país.
Nessa perspectiva, com base nos dados fornecidos pelos documentos em 2009,
pudemos depreender em nossas pesquisas, vários programas e ações vinculados ao
fomento do Design brasileiro. Encontramos um programa (pioneiro) de nível de
abrangência e relevância nacionais, e vários outros ligados à esfera estadual, municipal
e, a organizações e a associações de classe. Para tanto, elencamos: Programa Brasileiro
do Design; Programa Paraibano de Design; Programa Bahia de Design; Programa
Catarinense de Design; Programa São Paulo de Design; Programa de Design do Rio
de Janeiro; Programa Pernambuco de Design; Programa Capixaba de Design;
Programa Maranhense de Design; Programa Gaúcho de Design-Pró Design;
Programa Cearense de Design; Programa Amazonas de Design; Programa Mineiro de
Design; Programa Paraná de Design; Programa Nordeste de Design; Programa
Design no Setor Moveleiro; Programa Design de Gemas e Jóias; Programa Design de
Software; Programa Design de Calçados; Programa Design Cerâmico; Programa Via
Design – SEBRAE; Objeto Brasil/Uniemp.
Cumpre lembrar que faremos um maior detalhamento do Programa Brasileiro do
Design, dado o seu pioneirismo, seu caráter regulamentador e catalizador, sua
relevância estratégica e importância em nível nacional. No entanto, não somente
dedicaremos atenção a esse. Sob título de amostragem, faremos também considerações
acerca de outros programas.
O Programa Brasileiro do Design
Um programa lançado em 1995 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, o Programa Brasileiro do Design PBD, encontra-se voltado para
o desenvolvimento, inserção e incremento da gestão do Design nas cadeias produtivas
brasileiras. Em sua filosofia, encontra-se o trabalho em parceria, que envolve órgãos e
entidades governamentais, instituições vinculadas ao âmbito tecnológico, entidades
empresariais, a comunidade acadêmica e a de profissionais. Possui uma missão de
231
indução à modernidade industrial e tecnológica, pela via da inclusão do processo de
Design nas empresas, aspecto esse que contribuirá para o incremento de fatores
relevantes e de suma importância para o setor produtivo brasileiro, que são a qualidade
e a competitividade dos bens e serviços produzidos em nosso país, como também sua
popularização (PBD, 2008-2009).
Desde que foi lançado, em 1995, o PBD vem atuando, sobretudo, em linhas e
ações de promoção e suporte empresarial no que tange ao âmbito da implementação
utilização e do Design como ferramenta de incremento da competitividade. Ele busca
oferecer – além de apoios a publicações de catálogos, estudos e boletins suporte
institucional para as iniciativas setoriais da indústria, tendo por objetivo desenvolver a
gestão do Design. Também cumpre notar que suas ações buscam estimular a criação e
consolidação de prêmios de Design, de exposições (como a Bienal Brasileira de
Design), o reconhecimento de nosso Design e outras ações que incentivem a promoção
do Design brasileiro (PBD, 2008). O programa resultou da aglutinação e da articulação
de subprogramas de abrangência em nível geral e específico, e que por meio dessas, se
promoveu uma orientação de cunho estratégico e único, com um caráter
descentralizado.
O PBD também tem por fim motivar os empresários, engajando-os a um
objetivo maior, o de inserir o processo de Design no sistema produtivo (Idem).
Conforme mencionado, competitividade e Design devem andar juntos,
principalmente no âmbito da concorrência internacional. Nessa perspectiva, o Design se
apresenta como uma forte ferramenta que diferencia e potencializa, estrategicamente,
outras ferramentas do setor produtivo; além de seu caráter agregador de valor aos
produtos, diferenciando-os e inovando-os, dotando, assim, os produtos industriais de
imagem e identidade únicas, que possibilitam valorizar ainda mais os produtos oriundos
das empresas nacionais (PBD, 2008). Na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior PITCE, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MDIC, lançada em 2004, o Design
está implícito nas diretrizes gerais de Inovação e Desenvolvimento
Tecnológico Inovação de Produto, Processo e Gestão e no
Programa Imagem do Brasil no Exterior ratificando, desta forma,
os objetivos do PBD que também vem trabalhando em consonância
com os Fóruns de Competitividade das Cadeias Produtivas, com o
objetivo maior, o reconhecimento do produto brasileiro pelo seu
design, qualidade e preço (PBD, 2008 – negritos no original).
232
O programa tem como público-alvo, os seguintes setores: a) Setor Produtivo:
indústria, comércio e serviços; b) Rede de ensino Técnico e Superior e suas
representações; c) Instituições tecnológicas, de capacitação, promoção e de apoio ao
desenvolvimento; e d) Público consumidor de produtos com Design (PBD, 2008).
Como forma de alavancar suas propostas e objetivos, o programa (PBD) procura
desenvolver parcerias com agentes, tanto da esfera econômica, quanto social; com
organismos vinculados aos setores governamentais e privados. Ele busca atingir
objetivos no âmbito da intensificação, ampliação e do fortalecimento das possibilidades
existentes e da criação de “novos mecanismos e instrumentos de apoio, fomento e
financiamento para o design” (PBD, 2008). Elencamos alguns de seus principais
projetos: Oficinas de Design; Design & Excellence Brazil; Concurso Design de Caráter
Social; Bienal Brasileira de Design e Inovação.
Oficinas de Design
Esse projeto tem por objetivo realizar oficinas que trabalhem o conceito, a
transferência e a consolidação de conhecimentos no âmbito do Design. Busca ressaltar a
importância do Design como ferramenta para agregar valor aos produtos, apresentando
cases e exemplos que possam incrementar a utilização do Design como elemento
catalisador e propulsor da competitividade do produto nacional. Obtivemos
informações, em nossas pesquisas, que as Oficinas procuram ser desenvolvidas para o
atendimento dos Arranjos Produtivos Locais APL, do setor de confecções, calçadista,
mobiliário e de plásticos, focando o aumento da competitividade do setor industrial
brasileiro, tendo em vista o desenvolvimento de ações que intensifiquem a utilização do
processo de Design como elemento diferenciador (PBD, 2008).
Design & Excellence Brazil
Este projeto foi lançado em junho de 2003, como objetivo principal de promover
o reconhecimento em nível internacional, do Design de produtos e de serviços que são
desenvolvidos no Brasil, com vistas a fortalecer a Marca Brasil e a imagem do produto
brasileiro de maior valor agregado. Cumpre notar que foi adotada como estratégia para
alcançar esse objetivo, o apoio à participação de produtos brasileiros em premiações
internacionais de Design (PBD, 2008).
Concurso Design de Caráter Social
233
Buscando maior sintonia com as políticas governamentais, o PBD promoveu
esse projeto visando a uma aliança entre as necessidades de segmentos da sociedade e o
crescimento da consciência socioambiental com a tecnologia, de forma a impulsionar
novos negócios. Segundo o PBD (2008), esse projeto trará uma contribuição na
popularização do Design, bem como sua promoção em ser utilizado como instrumento
de inclusão social, respeito à cidadania; além de apoiar a inserção desse aspecto
socioambiental nas atividades e setores de ensino e pesquisa. Destacamos seus
objetivos:
Promover a consciência sócioambiental investindo nas funções do
design, impulsionando a indústria da reciclagem e turismo,
incentivando a reutilização e o reaproveitamento de materiais
descartados. Estimular ainda o surgimento de pequenos
negócios/empreendedores, a cooperação entre setor público,
comunidade acadêmica, organizações sociais e entidades tecnológicas
setoriais para a promoção do design. Incentivar a qualidade ambiental
e beneficiar populações alijadas do acesso a produtos de bom design
desenvolvidos e produzidos adequadamente ao uso em seus ofícios
e/ou lazer. A popularização de produtos com design e a percepção da
relevância do design na melhoria da qualidade de vida da população,
propiciando uma reflexão sobre o papel social do design na sociedade
brasileira, sobretudo, na comunidade profissional do design, e na
comunidade acadêmica, uma vez que os produtos premiados serão
utilizados por segmentos carentes da sociedade catadores de
materiais recicláveis, prefeituras, municípios históricos e turísticos,
dentre outros –, onde poderemos verdadeiramente, propiciar a
popularização do design e sua interação com o público, promovendo a
inclusão social (PBD, 2008).
Bienal Brasileira de Design e Inovação
Esse projeto, como o próprio nome indica, visa dar visibilidade ao que é
produzido e discutido, concretamente, no âmbito do Design em nosso país. Cabe
ressaltar que não somente esse aspecto, mas ao fazer dessa forma, tem por objetivo a
promoção, o apoio, a divulgação e a discussão de temas associados às questões do
Design como fator de competitividade. A título de ilustração, na Bienal de 2006, foi
firmado um convênio entre a Associação das Empresas Brasileiras de Design
(Abedesign) com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex
Brasil), que visava promover o Design brasileiro no exterior (PBD, 2008).
234
Subprogramas Gerais
O Programa Brasileiro do Design possui, ainda, cinco subprogramas que são
executados de forma descentralizada em diferentes níveis, por vários agentes da esfera
econômica e social. São eles:
Subprograma Geral I Conscientização, Promoção e Difusão A
sociedade precisa estar motivada e consciente da necessidade e
utilização do design, uma ferramenta e a identificação visual,
agregando valor a produtos e serviços. Para promover e difundir o
design são desencadeados vários elementos: campanhas de
conscientização; congressos, seminários e outros eventos; concursos e
premiações nacionais; disseminação de conhecimentos sobre o tema
em cursos de formação de outras áreas profissionais, divulgação de
dados comparativos de produtos, sob o ponto de vista do design.
Composição do Comitê: CNI (coordenação), MICT, MCT, SENAI,
FIESP, FIESC, SEBRAE, AEND, Bienal do Design, Fundação
Roquete Pinto.
Subprograma Geral II – Informação, Normalização e Proteção
Legal O design precisa ser incluído nas atividades de normalização
técnica e nos serviços de informação e proteção legal. Para isso, o
PBD objetiva fortalecer, ampliar e integrar os sistemas de rede de
informação do setor; estimular a transferência de tecnologia e a
proteção legal do design dentro e fora do País; aprimorar padrões e
normas técnicas ligadas ao desenvolvimento de design de produtos; e
desenvolver estudos e pesquisas para identificar indicadores sobre o
impacto do design na economia brasileira. Composição do Comitê:
FIESP (coordenação), CNI, SENAI/CETIQT, IBICT, INPI, ABNT,
INMETRO, SEBRAE, Ministério da Justiça, ABERGO, ABIPITI.
Subprograma Geral III Captação de Recursos Humanos Para
formar e capacitar pessoal especializado, o PBD visa adequar o
sistema formal de ensino às necessidades do sistema produtivo; criar
programa de pós-graduação; realizar cursos de nível técnico
profissionalizante para atividades de apoio; promover o treinamento
para as atividades de intermediação entre a oferta e a demanda;
integrar empresas, universidades, escolas técnicas, centros de pesquisa
e institutos para criar programas de estágio para estudantes e
professores, criar programas de capacitação na área de gestão em
design. Composição do Comitê: CNPq (coordenação), SENAI
(CENTECs), IEL, AEND, CAPES, FIEPR, FIEPB, Fórum Nacional
dos Secretários Estaduais de Educação, MTb.
Subprograma Geral IV Integração e Fortalecimento da
Infraestrutura do Design Ensino, serviços, pesquisa e
desenvolvimento precisam de estrutura adequada para poder funcionar
corretamente. O PBD estimula a cooperação entre setores público e
privado para criação ou consolidação dos centros, núcleos e
laboratórios; integra instituições, organismos e entidades de orientação
ao consumidor; estrutura entidades tecnológicas setoriais para a
promoção do design. Composição do Comitê: SENAI/CETIQT
(coordenação), MCT, MEC, MTb, ABIPITI, ANPROTEC, IDEC,
FIESP, FIERGS, FIEBA, dirigentes dos CENATECs.
235
Subprograma Geral V Articulação e Fomento O PBD apoia a
cooperação cnica, o intercâmbio e a articulação entre entidades
públicas e privadas para o desenvolvimento e a utilização do design
brasileiro. Para isso, busca utilizar os instrumentos da Política
Industrial e Comércio Exterior; orientar e adequar os instrumentos de
financiamento públicos e privados para promover programas, projetos
e atividades; criar e consolidar programas descentralizados em
sintonia com o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade e
demais programas; realizar estudos sobre estratégias e mecanismos
adotados por outros países sobre a inserção do design no sistema
produtivo. O BNDES e a FINEP criaram linhas especiais de
financiamento para o design. Os beneficiados são instituições
tecnológicas e de ensino, e empresas de micro, pequeno, médio e
grande porte, inclusive as que se dedicam ao design. [...]. Composição
do Comitê: FINEP (coordenação), BNDES, MRE, MICT, SENAI,
FIRJAN, SEBRAE, CNPq, Fórum Nacional dos Secretários Estaduais
de Indústria e Comércio (MCT, 2008).
Em vista dessas observações postas, se percebe a extensa e intrincada rede de
atores que se articulam para promover o apoio e fomento ao Design nacional. Isso
posto, cumpre relevar que depois de décadas de sua implantação, é pertinente apontar
pelos resultados obtidos pelos dados do PBD (2008), que muitos de seus objetivos
foram alcançados. Segundo as informações, o tema Design teve destaque em revistas de
grande circulação nacional; nas escolas de Design houve um boom; novos prêmios e
concursos foram surgindo; e, embora tradicionalmente carente, a área editorial no
âmbito do Design vive um momento de relevante expansão. Não obstante esse cenário
positivo, cabe ressaltar que o crescimento do tema Design ocorre de forma
desarticulada, sem um aproveitamento mais otimizado do potencial de sinergia entre as
esferas pública e privada. Além do aspecto de que ainda permanece o “desafio de maior
inserção da inovação pelo design nos setores produtivos” (PBD, 2008).
Nesse contexto, nos dias 2 e 3 de outubro de 2002, foi realizado foi realizado um
encontro que visava ao alinhamento estratégico do Programa Brasileiro do Design. Esse
encontro teve por objetivo geral apresentar o panorama dos diferentes resultados do
período que vai de 1995 a 2002 que foram obtidos pelos diversos atores envolvidos
com o Design brasileiro, e também elaborar uma “visão de futuro” para o Programa
Brasileiro do Design, isto é, “traçar metas e cronograma de ações com as definições de
responsabilidade para um horizonte de cinco a dez anos propiciando a retomada do
Fórum Permanente do PBD” (PBD, 2008, p.2). A título de um maior conhecimento do
quantitativo das entidades que participaram desse encontro, destaca-se a participação de
36 instituições. São elas: Associação Brasileira das Indústrias de Calçados;
ABIMÓVEL –Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário; ABIPTI
236
Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica; ABRE Associação
Brasileira de Embalagem; ADG – Associação do Design Gráfico; AEND – Associação
de Ensino de Design no Brasil; APEX – Agência de Promoção das Exportações;
ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (dois
representantes FIAT e Daimler Chrysler); ASSINTECAL Associação da Indústria
de Componentes para Couro e Calçados; BNDES Banco Nacional de
Desenvolvimento Social; Brasil Faz Design; CNPq Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico; EMBRATUR Instituto Brasileiro de
Turismo; Escola de Belas Artes de São Paulo; Escola Superior de Desenho Industrial
(ESDI); Faculdade do SENAC de Comunicação / Serviço Nacional do Comércio;
FIEMS Federação da Indústria do Estado do Mato Grosso do Sul; IBGM Instituto
Brasileiro de Gemas e Metais Preciosos; INPI – Instituto Nacional da Propriedade
Industrial; INT Instituto Nacional de Tecnologia; MCT Ministério de Ciência e
Tecnologia; MDIC Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior;
MPO Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Objeto Brasil; PGD
Programa Gaúcho de Design; Programa Bahia Design; Programa Cearense de Design;
Programa Paraná Design / Centro Paraná Design; Programa Piauí Design; Programa
São Paulo Design /Centro São Paulo Design; Salão Design Movelsul; SEBRAE –
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas; SENAI Serviço
Nacional da Indústria; SERAGINI DESIGN; SENAC Serviço Nacional do Comércio;
SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus (PBD, 2008, p.2).
Como forma de conhecermos o que foi discutido, isto é, os problemas, a situação
atual e estratégias que foram aprovadas para o fomento do Design brasileiro, durante o
encontro, apresentaremos os principais trechos do relatório. De acordo com tal
documento, foram analisadas variáveis (pontos fortes, fracos, ameaças, tendências etc.)
internas e externas do PBD. Destacam-se as seguintes categorias:
Forças internas do Programa Brasileiro do Design
1. História de realizações criação de uma rede de programas e ações
em diversos estados e segmentos econômicos (como jóias, móveis
etc.).
2. Potencialidade de aglutinação e articulação entre muitas entidades:
governos, Sebrae, Senai, universidades, associações empresariais etc.
3. O programa está estrategicamente alocado no Ministério do
Desenvolvimento, possibilitando um trabalho articulado para
alavancar as exportações por meio do Design e atuando como ponto
de referência e de indicadores.
237
4. O programa tem como característica principal seu modelo
descentralizado de atuação.
5. Exemplos e casos de sucesso que podem funcionar como estímulo a
novas iniciativas.
6. Existência de linhas e potencialidade de apoio financeiro pelas
entidades parceiras.
7. Respeito às regionalidades: permite que cada Estado se organize da
forma mais adequada às suas peculiaridades.
8. A defesa da competitividade da produção brasileira, por meio do
“design”, inserindo o tema na agenda governamental do País.
9. Sintonia com os objetivos atuais do País na busca / fortalecimento
da marca Brasil (PBD, 2008, p.3).
Fraquezas internas do Programa Brasileiro do Design
1. Problemas de continuidade do programa.
2. Insuficiência de recursos – humanos, materiais e financeiros.
3. Isolamento e desarticulação do programa.
4. Mecanismos de gestão: ausência de planejamento, indicadores,
avaliação de resultados.
5. Falta de integração com os Estados na condução do programa.
6. Falta de compromisso das entidades responsáveis pelos
subprogramas.
7. Insuficiência de divulgação do Programa Brasileiro do Design.
8. Deixou de ser prioridade na agenda governamental (PBD, 2008,
p.3).
Ameaças externas ao Programa Brasileiro do Design
1. Possibilidade de descontinuidade do programa e da coordenação
devido à mudança de governo, bem como da política das instituições
parceiras do Programa.
2. Deficiência na mobilização, integração e cooperação: profissionais,
indústrias, sociedade, instituições normatizadoras, tecnológicas,
educacionais.
3. Baixa receptividade e comprometimento de boa parte do
empresariado brasileiro – visão imediatista.
4. Ausência de política de gestão orçamentária de entidades parceiras.
5. Insuficiência de bolsas, programas de capacitação e falta de
cooperação internacional.
6. Despreparo empresarial para garantir o sucesso de projetos de
design.
7. Falta de profissionais de alto nível especializados em diversos
setores produtivos / segmentos do mercado – capacitação profissional.
8. Fragilidade na relação “design” / “marketing” / negócios (PBD,
2008, p.3-4).
Oportunidades externas para o Programa Brasileiro do Design
1. Aumento dos investimentos em “design”, tanto pelo governo
quanto pela iniciativa privada.
2. Demanda externa por produtos diferenciados materiais genuínos,
referências culturais, produtos de matéria-prima certificada,
conhecimentos tradicionais, utilização sustentável da biodiversidade.
3. Projeção da moda brasileira no mundo, como por exemplo, jóias,
vestuário, calçados, acessórios etc.
238
4. Maior inserção do Brasil no cenário internacional, com a
participação brasileira em feiras e outros eventos setoriais no Brasil e
no exterior.
5. Reconhecimento do “design” como diferencial estratégico.
6. Parcerias com empresas e organizações.
7. Abertura de novos mercados.
8. Mercado interno brasileiro.
9. “Design” para sustentabilidade (ecodesign).
10. Criação de comitês de “design” nas entidades de classe /
industriais.
11. Necessidade de soluções pontuais em setores específicos (PBD,
2008, p.4).
Tendências que influenciam o Programa Brasileiro do Design
1. Globalização: ênfase na exportação de produtos com valor
agregado.
2. “Branding” – valorização de marcas.
3. Agregação de valor aos produtos, com uso de materiais naturais e
alternativos buscando novos nichos; atendendo às novas exigências do
público consumidor e do comércio; (certificação, qualidade, selos
ambientais, etc.).
4. Ecodesign (valorização e solução das questões ambientais), respeito
ao ciclo de vida do produto; reestruturação industrial relacionada à
questão ambiental induzindo a novos nichos de negócios.
5. Inserção do design em micro e pequenas empresas por meio de
ações indutoras.
6. Maior formação de redes – parcerias e compromissos institucionais.
7. Incremento da promoção comercial: mostras internacionais em
feiras setoriais, valorização e promoção de produtos premiados e de
excelência, criação de novos prêmios, concursos e eventos em
“design”.
8. Evolução da visão empresarial do design; canais facilitadores do
diálogo entre a indústria e o “designer”.
9. Interface entre as cadeias produtivas.
10. Desenvolvimento e uso de novos materiais, com maior acesso às
novas tecnologias.
11. Novos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação.
12. Redução do tempo de desenvolvimento de produtos: “time to
market” (PBD, 2008, p.4-5)
Clientes do Programa Brasileiro do Design
1. Setor produtivo e suas representações indústria, comércio e
serviços.
2. Rede de ensino técnico e superior e suas representações.
3. Instituições tecnológicas, de capacitação, de promoção e de apoio
ao desenvolvimento (PBD, 2008, p.5).
Produtos e serviços a serem oferecidos para os clientes do Programa
Brasileiro do Design
1. Rede Design Brasil.
2. Agenda Design Brasil.
3. Portfolio institucional do programa.
239
4. Pesquisas Design Brasil.
5. Programas de missões técnicas profissionais e empresariais.
6. Apoio institucional aos prêmios, publicações e eventos nacionais e
internacionais de “design”.
7. Fórum Design Brasil e Fóruns Regionais de Design.
8. Intercâmbios nacionais e internacionais (PBD, 2008, p.5).
Resultados esperados para o Programa Brasileiro do Design
1. Aumento e diversificação nas exportações de produtos com valor
agregado pelo “design”.
2. Indústria produzindo com “design” nacional e exportação de
serviços de design.
3. “Marca Brasil” consolidada e reconhecida.
4. Lei de incentivo ao “design” e proteção legal aprovada.
5. Agentes qualificados integrando rede de design no País.
6. Aumento do número de prêmios internacionais conquistados por
produtos brasileiros.
7. Programas regionais integrados por meio da sinergia entre os
agentes do “design”.
8. Consolidação nacional do dia do “design”.
9. Presença constante do PBD na mídia.
10. Aumento do grau de conscientização sobre “design” do
empresariado brasileiro.
11. Ampliação dos parceiros regionais.
12. Rede Design Brasil consolidada (PBD, 2008, p.5).
Programa Brasileiro do Design – Orientação Estratégica 2007-12
Na ordem das observações expostas, procuraremos, nesta seção, apontar as
estratégias e ações discutidas, metas e propostas feitas pelo Programa Brasileiro do
Design, para um novo horizonte temporal PBD 2007-12. Nesse contexto, o programa
vai ao encontro do reforço das ações de promoção que possam também alavancar as
ações de educação e suporte (PBD 2007-12, 2008, p.3). Ressalta-se que esse esforço
deverá estar pautado pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITEC) do governo federal, focando-se na promoção do aumento da eficiência
produtiva, no aumento da capacidade de inovação do setor empresarial brasileiro, bem
como na expansão das exportações (Idem). No fragmento que se segue, salienta-se esse
aspecto, a saber: “A política pública terá eficácia se for orientada para perseguir os
padrões de competitividade internacional e se estiver fortemente ligada ao aumento da
capacidade de inovação das empresas” (GOVERNO FEDERAL / Diretrizes da PITCE,
2003, apud PBD 2007-12, 2008, p.3). Nesta citação, evidencia-se o caráter de adoção
do mercado internacional como referência e parâmetro de desenvolvimento das
empresas.
240
A estratégia que o Programa Brasileiro do Design PBD 2007-12 propõe se
assenta nos pilares: 1) “Panorama Internacional das Políticas de Promoção e Incentivo
ao Design”; 2) “Panorama das Ações de Design no Brasil”; 3) Demandas e Estratégias
de Design do Setor Produtivo Brasileiro” (PBD 2007-12, 2008, p.4). Os projetos
deverão estar orientados por uma visão de futuro que tem como ponto central a
mudança do patamar da indústria pela inovação e diferenciação de produtos e
serviços, com inserção e reconhecimento nos principais mercados do mundo(PBD
2007-12, 2008, p.4 – negritos no original).
Em vista disso, demonstraremos, a seguir, as definições dos princípios
estratégicos do PBD 2007-12. Para tanto, o programa sob uma nova etapa, tem a missão
de “induzir a modernidade industrial e tecnológica por meio do design, visando
contribuir para o incremento da qualidade e da competitividade dos bens e serviços
produzidos no Brasil e sua popularização” (PBD 2007-12, 2008, p.4). Seus princípios e
valores estão baseados em dez pilares:
1- Objetividade: adequar as ações aos recursos físicos e materiais
disponíveis e estar em sintonia com Plano Plurianual PPA do
governo federal e com as demandas da sociedade.
2- Transparência: trabalhar com registro e documentação sistemáticos
e socialização das informações.
3- Abrangência: atendimento às diferentes realidades e demandas
regionais.
4- Flexibilidade: trabalhar como modelos abertos de gestão.
5- Legitimidade: abrigar as distintas tendências.
6- Interdisciplinaridade: articular-se com as distintas áreas do
conhecimento que fazem interface com o design, numa perspectiva da
visão sistêmica (marketing, produção, comercialização etc.).
7- Foco: fortalecimento do conceito e consolidação da marca Brasil.
8- Alinhamento: as ações dos parceiros devem estar em permanente
sinergia.
9- Acessibilidade: abertura permanente a novos parceiros.
10- Ética e profissionalismo (PBD 2007-12, 2008, p.4-5 – sublinhados
no original).
Com a implementação dessa nova fase do programa, esperam-se os seguintes
resultados: 1) “Capacidade criativa das empresas utilizada plenamente como estratégia
de competitividade; 2) “Produtos e serviços brasileiros e da ‘Marca Brasil’ reconhecidos
internacionalmente”; 3) “Rede Design Brasil consolidada e integrada com a participação
de instituições tecnológicas, de fomento, de ensino e pesquisa, profissionais, entidades
empresariais e órgãos governamentais” (PBD 2007-12, 2008, p.5).
As diretrizes em que se fundamenta o PBD 2007-12 pautam-se: a) na ampliação
do número de empresas que deverão incorporar em suas estratégias de negócios o
241
Design e a inovação; b) no trabalho em rede; e c) na incorporação de conhecimentos das
instituições acadêmicas (PBD 2007-12, 2008).
No primeiro caso, nota-se como caráter norteador o panorama mundial marcado
por um “novo dinamismo econômico, baseado na ampliação da demanda por produtos
diferenciados, viabilizados pelo desenvolvimento intensivo e acelerado de novas
tecnologias e novas formas de organização” (PBD 2007-12, 2008, p.5). Esse cenário
confere relevo para a “importância da inovação como um elemento-chave para o
crescimento da competitividade industrial e novos mercados”
161
. Assim, em economias
desenvolvidas, os programas que visam estimular a inovação e a criatividade tornam-se
encarados como essenciais para a competitividade nacional, e, dentre eles, os
mecanismos e ações que encorajam a utilização estratégica do Design como processo de
gestão empresarial, ganham ênfase jamais observada (PBD 2007-12, 2008, p.5).
De acordo com dados do Relatório do Fórum Econômico Mundial, referente ao
panorama internacional de políticas que promovem e incentivam o Design, a
“comparação do índice ‘uso do design’ com o índice geral de competitividade dos
países, revela a alta correlação entre o uso do design e a competitividade” (apud PBD
2007-12, 2008, p.5-6). Ainda nessa perspectiva, segundo um estudo na Europa, as
empresas são classificadas em quatro níveis de utilização do Design (“escada do
design”). No primeiro “degrau” (mais baixo), situam-se as empresas que desconhecem o
Design. No segundo, estão as empresas que consideram o Design apenas como estética,
“algo a ser incorporado quando o produto está pronto”. No terceiro nível, encontram-
se as empresas que conhecem e dominam o processo de Design, ou seja, essas
possuem o conhecimento desse âmbito, e o Design é fruto da cooperação entre o
marketing e a engenharia e o design”. E, por fim, no degrau mais alto, estão aquelas
empresas que utilizam o Design na elaboração de suas estratégias comerciais. Em suma,
no nível um, estão as que não fazem nenhum uso; no nível dois, estão aquelas empresas
que usam o Design como estilo; no terceiro, usam o Design como processo; e, no quarto
nível (mais alto), são as empresas que usam o Design estrategicamente (apud PBD
2007-12, 2008, p.6). Conforme observamos nos textos do PBD, as economias que estão
entre os maiores índices de competitividade internacional são aquelas que reúnem uma
maior quantidade de empresas nos níveis mais altos da “escada do design”. Nesse
sentido, o PBD 2007-12 buscará promover com maior intensidade a gestão de Design e
161 Diretrizes da PITCE, Governo Federal, 2003, extraído do PBD 2007-12, em 2008.
242
da inovação nos diversos setores produtivos, como elementos estratégicos para o
desenvolvimento e progressão das empresas nessa “escada do design” (PBD 2007-12,
2008, p.6).
No segundo caso Trabalhar em Rede –, as diretrizes se norteiam, novamente,
pelos índices internacionais, isto é, no aspecto de que as organizações que trabalham em
rede se encontram em patamares mais elevados de sucesso. Segundo argumentação do
PBD 2007-12 (2008, p.6), é dessa forma que as empresas mais bem sucedidas
conseguem lidar com a grande complexidade de nossa sociedade, alcançar elevados
índices de flexibilidade e otimização da utilização de seus recursos. Por essa forma de
se organizar “característica da sociedade moderna” –, processa-se a criação de valor a
partir da capacidade de geração, processamento e aplicação de informação e
conhecimento. Nas próprias diretrizes da PITCE, encontra-se sinalizado que “é preciso
organizar sistemas setoriais de inovação e difusão tecnológica, isto é, redes de
instituições especializadas em temas, setores, cadeias produtivas” (apud PBD 2007-12,
2008, p.6). Em vista desse cenário, o programa se organizado de maneira a
configurar-se como uma rede de integração dos mais variados agentes do business
design que se encontram espalhados por todo o nosso território. Como foco de
centralização, a rede se articulará pela utilização da Internet, pela Rede Design Brasil
162
,
no site: www.designbrasil.org.br. Tal rede se encontra gerenciada a partir da
Coordenação Executiva, que é exercida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior – MDIC (PBD 2007-12, 2008, p.6).
O terceiro nível estratégico em que se baseiam as diretrizes de implementação
do programa, isto é, “Incorporar os conhecimentos das instituições acadêmicas”, busca
incrementar os patamares de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e
162 A Rede Design Brasil, vai além de
“um site informativo ou um ponto de encontro, o Site
Design Brasil é um referencial do design brasileiro. Ele congrega via web profissionais,
estudantes, empresários e todos os que vivem design no País, viabilizando uma ampla
rede de interação. O site DesignBrasil é uma iniciativa do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) através do Programa
Brasileiro do Design (PBD) em conjunto com o Serviço Nacional da Indústria (SENAI)
e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O objetivo é
promover a integração, a convergência e a cooperação entre as diversas ações na área do
design em todo o país. Para isso o site DesignBrasil vai incentivar a interação e a troca
de informações entre profissionais, estudantes, empresários e todos os que vivem design
no Brasil” (REDE DESIGN BRASIL, texto obtido em 16 de março de 2009, no site:
http://www.designbrasil.org.br/portal/acoes/pbd_rede.jhtml).
243
incorporar novos processos tecnológicos nos setores produtivos. uma grande lacuna
existente nesse aspecto a ser preenchida ainda, ou seja, “grande parte do conhecimento
produzido para o aprimoramento do design (projetos de produtos, novos materiais,
novas tecnologias etc.) tem baixa propagação a partir das próprias instituições de
pesquisa, sendo necessária a criação de meios para implementar esse conhecimento
junto ao setor produtivo” (PBD 2007-12, 2008, p.7). Nessa perspectiva, o programa
salienta que se faz necessária uma maior aproximação junto às instituições acadêmicas,
como fator primordial de que as novas tecnologias de Design possam ser aproveitadas
como alavanca da competitividade das empresas. Ressalta-se que esse caráter
competitivo deve se preocupar tanto em nível nacional quanto internacional, e dessa
forma, promover de maneira mais efetiva uma maior aproximação entre as instâncias
em tela. Assim, “deve-se articular uma maior participação das instituições acadêmicas e
de entidades empresariais na Rede Design Brasil” (PBD 2007-12, 2008, p.7).
Como forma de operacionalização do Programa Brasileiro do Design PBD
2007-12, encontram-se definidas três grandes linhas estratégicas que orientarão a
elaboração dos projetos, a saber: Estratégias de Promoção, de Educação e Suporte,
tendo como ações prioritárias, as que se seguem:
1. Promoção
Ampliar a articulação com a mídia para a divulgação da importância
econômica e social do design e das ações promovidas pelo PBD;
i. Divulgar “cases” de sucesso;
ii. Divulgar as premiações dos concursos de design;
iii. Divulgar eventos de design;
iv. Agregar o design no esforço de promoção da Marca Brasil;
Intensificar “Rodadas de Negócio” e “Projeto Comprador” para
serviços de design em feiras setoriais;
Fortalecer e apoiar os eventos de reconhecimento nacional de design;
Promover o design brasileiro em feiras nacionais e internacionais;
Estimular o setor produtivo a criar concursos de design, inclusive para
áreas sociais;
Dar continuidade e ampliar o projeto Design & Excellence Brazil;
Dar continuidade a Bienal Brasileira de Design;
Articular uma agenda nacional de palestras motivacionais,
informação, gestão estratégica, educacional em feiras e eventos, em
articulação com os setores;
i. Formatar palestras e outros instrumentos de sensibilização que
possam ser apresentadas por diferentes pessoas;
ii. Divulgar o tema de design em cursos tradicionais, a partir do
ensino fundamental e médio, visando a educação do cidadão-
usuário;
Inserir a necessidade de registro de propriedade intelectual nas ões
de promoção do design (PBD 2007-12, 2008, p.7).
244
2. Educação
Articular estudos sobre a criação da área do conhecimento
(nomenclatura) do design;
Criar mecanismos e projetos para difusão do design junto às
instituições de ensino de áreas afins ao design (administração,
economia, marketing, arquitetura, engenharia etc.);
i. Apoiar a difusão de “cases” de ação transdisciplinar junto às
instituições de ensino para estimular a interação nas formações de
design, engenharia, arquitetura, preservando as competências,
identidades e autonomias de cada área;
Fortalecer os núcleos de pesquisa, ensino e extensão em design;
i. Apoiar o desenvolvimento de cursos lato-sensu e stricto-sensu de
design;
ii. Apoiar a educação continuada especializada (nos vários níveis)
para profissionais de design, voltada aos setores específicos;
iii. Apoiar as instituições de ensino para extensão universitária em
design;
Estimular a introdução de conteúdos na formação básica do designer,
tais como visão sistêmica, custos, estratégia de marketing,
empreendedorismo e gestão;
Divulgar os trabalhos acadêmicos de design na Rede Design Brasil;
Articular a elaboração de um programa “Inova Design”, a exemplo do
“Inova Engenharia”;
Estimular a formação dos formadores com a criação de programas
para qualificar professores na área de design;
Incentivar e promover intercâmbios entre centros de pesquisa e
universidades em nível nacional e internacional e em interface com
outras áreas de conhecimento;
Incentivar o aumento de parcerias entre incubadoras e empresas com
as instituições de ensino de design para absorção de
pesquisadores/profissionais (PBD 2007-12, 2008, p.8).
3. Suporte
Estudar o enquadramento atual das empresas de design para melhor
atendimento das suas necessidades de desenvolvimento;
Incentivar a criação de mecanismos para a inserção do design nas
MPE´s;
Fortalecer a inserção do design nos fóruns de competitividade do
MDIC;
Incentivar a criação de mecanismos para a inserção do design nos
arranjos produtivos locais;
i. Dar suporte às associações de profissionais em design na
prospecção de negócios em regiões que tenham demanda;
ii. Promover ações de interiorização na oferta de serviços de
design, em parceria com a academia;
iii. Medir o impacto da atividade do design nos setores da
economia por meio de pesquisa e levantamento de dados, visando
alterar a percepção atual;
iv. Elaborar diagnósticos das demandas e necessidades setoriais do
mercado usuário através de abordagem direta das fontes primárias;
v. Levantar a oferta do design e de serviços de suporte ao design no
país por setores produtivos;
vi. Ampliar as ações de aproximação entre os designers e
empresários, em articulação com os órgãos de fomento;
245
vii. Apoiar estudos de prospecção de tendências tecnológicas e de
mercado;
Articular mecanismos de continuidade para projetos, programas e
ações de suporte à inserção do design nos setores produtivos;
Articular a aproximação entre a rede de laboratórios e centros
tecnológicos que prestam serviços de design e a rede privada de
escritórios de serviço de design;
Disseminar tecnologias emergentes aos designers (ex.:
nanotecnologia);
Articular a adequação de linhas de financiamento para investimento
em design;
Desenvolver esforços para ampliar os recursos orçamentários para
apoio a ações de design;
Promover iniciativas voltadas ao design para sustentabilidade
econômica, social e ambiental.
Incrementar a articulação e parceria das ações do design nos níveis
estadual, interestadual e federal;
Ampliar a divulgação das ações de suporte (financiamento, incentivos
etc.) (PBD 2007-12, 2008, p.8-9).
Conforme mencionamos anteriormente, após termos detalhado as principais
características, propostas, objetivos, metas etc. do Programa Brasileiro do Design,
iremos, na próxima seção, voltar nossas atenções a outros programas de fomento e
incentivo ao Design brasileiro. Para tanto, sob pena de não podermos (por diversos
fatores) entrar em maiores detalhes sobre todos os programas que estão em vigência no
Brasil, destacaremos alguns deles.
O Programa Bahia Design
O Programa Bahia Design tem suas origens numa iniciativa conjunta do Instituto
Euvaldo Lodi - IEL, órgão vinculado à Federação das Indústrias do Estado da Bahia -
FIEB; do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CADCT/SEPLANTEC; e da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa
Tecnológica Industrial – ABIPTI. Ele foi criado em junho de 1995 e oficializado através
do Decreto 4895 do Governo da Bahia, em 22 de novembro de 1995, através de uma
ampla articulação da Secretaria do Trabalho e ão Social - SETRAS, da Secretaria da
Cultura e Turismo – SCT, do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa –
SEBRAE BA, da Universidade do Estado da Bahia UNEB, da Universidade Federal
da Bahia – UFBA, e da Agência de fomento do Estado da Bahia – DESENBAHIA.
A missão do programa visa estimular a utilização do Design pelos setores
produtivos como ingrediente de melhoria da Qualidade, Produtividade e
Competitividade das empresas. Tal aspecto, contribui para que produtos, processos e
246
serviços baianos sejam reconhecidos e valorizados dentro e fora do Brasil. Os seus
objetivos podem ser destacados em quatro itens, a saber:
I. Fomentar o Design na Bahia
Estabelecer pontes entre a oferta e a demanda de serviços,
consultorias e projetos de design no Estado da Bahia; Criar
parcerias interinstitucionais, com outros setores do sistema FIEB,
do Estado da Bahia, da prefeitura de Salvador e com prefeituras de
outros municípios; Difundir e multiplicar ações de design bem
sucedidas no Estado da Bahia; Propiciar fóruns sobre design nos
âmbitos empresarial e pedagógico do estado.
II. Estimular a utilização do Design pela empresa baiana
Disseminar o discurso do design nos setores produtivos de
transformação baianos; Incentivar a participação de empresas
baianas em eventos, concursos e prêmios de design.
III. Elaborar diagnósticos para projetos de Design para a micro,
pequena e média empresas
Formular estratégias de intervenção; Estruturar projetos
direcionados para cada um destes segmentos da produção.
IV. Apoiar o desenvolvimento de programas e eventos de Design
Organizar e coordenar cursos, seminários, treinamentos para a
oferta e demanda de design no estado da Bahia; Buscar parcerias
interinstitucionais para a realização de eventos de apoio ao design
no estado da Bahia, desde janeiro de 97; Realizar programas de
qualificação e aperfeiçoamento em gestão de design para
empresários dos setores produtivos de transformação (apud
FIEB/BAHIADESIGN, 2009).
A atuação do Programa Bahia Design possui linhas de ação que são
desenvolvidas sob a seguinte orientação: a) “PROMOÇÃO de eventos, dirigidos à
oferta e demanda de design, que contribuam para difundir informações, conhecimentos
e experiências em Design”; b) “INTEGRAÇÃO com instituições de interesse na área
através de intercâmbio, convênios e programas de colaboração a nível regional, nacional
e internacional”; c) “Apoio à FORMAÇÃO, treinamento e capacitação de profissionais
através de reciclagem e especialização” (apud FIEB/BAHIADESIGN, 2009). O
Programa Bahia Design apoiou diversos desenvolvimentos de sistemas de identidade
visual, embalagens e projetos de produto para empresas baianas. Nesse sentido, segundo
o programa, é pertinente apontar que
a comunidade empresarial já começa a perceber, através da prática,
que design, é de fato, uma ferramenta fundamental à competitividade
das empresas, seja através da diferenciação de serviços, produtos ou
mercados, seja através da agregação de valor (não necessariamente
econômico) ou através da busca de identificação do contexto de
247
procedência do bem ou serviço (PROGRAMA BAHIA DESIGN,
apud FIEB/BAHIADESIGN, 2009).
O Programa Via Design – Sebrae
“O design agrega valor a produtos e serviços. Em
outras palavras, significa lucro”.
(Sebrae, 2009).
Pela epígrafe constata-se, mais uma vez, o telos estético do Design para o
empresariado brasileiro. Conforme mencionado e discutido nesta Tese, o Design é
produtivo quando sua atividade se volta sob esse viés ideológico. Isso posto, dando
prosseguimento à apreensão de ações estratégicas que visem ao incentivo e fomento da
ferramenta Design nas empresas brasileiras, destaca-se um outro programa de relevante
importância nessa esfera. Trata-se do Programa Via Design, uma estratégia
implementada pelo Sebrae, que tem por objetivo criar uma rede de cleos e centros de
Design que está espalhada por todo o nosso território. Essa rede foi concebida para dar
suporte e atendimento para as micro e pequenas empresas, bem como aos artesãos,
oferecendo-lhes orientação para melhor utilizar o Design no desenvolvimento de novos
produtos e serviços. Cabe notar que esse programa adota um conceito amplo de Design,
isto é, o associa não somente aos aspectos estéticos dos produtos, mas também leva em
consideração a qualidade, a inovação, a capacidade de atendimento dos desejos do
consumidor final e ao impacto ambiental dos produtos ao longo de seus ciclos de vida
(DESIGNBRASIL, 2009).
Nesse contexto, o programa compreende que o Design está presente nos
“produtos, nas embalagens, no material promocional, nos padrões estéticos e
ambientais, na identidade visual do produto e da empresa” (Idem). Ademais, o Design é
o elemento que determina a escolha dos materiais e modos de produção e, dessa forma,
contribui para reduzir custos e para uma maior adequação a exigências ambientais. Seja
em maior ou menor grau, salienta o Sebrae, o Design “está presente em todos os
processos internos da empresa: desde a concepção do novo produto, passando pelo
planejamento, a produção, o marketing e muito intensamente, pela fase de
comercialização” (DESIGNBRASIL, 2009).
Nessa perspectiva, o Programa Via Design do Sebrae visa contribuir para o
aumento da competitividade das micro e pequenas empresas, o que de acordo com o
órgão, é o “segmento que constitui a base da nossa economia” (Idem). Esse programa é
constituído por uma rede que busca dar atendimento a micro e pequenas empresas e
248
artesãos. Dessa rede, participam além de 15 Centros de Design, mais 85 Núcleos de
Inovação e Design, num total de 100 unidades, que estão distribuídas por todo o nosso
país. Como atribuição dos Centros de Design está a promoção e a articulação das
atividades de Design, tanto no âmbito estadual quanto regional. Por meio de suas ações
são promovidos exposições, cursos e seminários. O programa também se incumbe de
manter cadastros de prestadores de serviços (designers) e organizar as solicitações de
projetos em Design. Cabe aos Núcleos de Inovação e Design, por sua vez, dar em
atendimento às micro e pequenas empresas que possuem interesse, especialmente
àquelas que demonstrem um potencial de crescimento por meio de iniciativas em
Design. De igual forma, cumpre apontar que são também incluídos na categoria
“clientes”, os artesãos e empreendedores em fase de abertura de um novo negócio
(DESIGNBRASIL, 2009).
Vamos a alguns dos núcleos de Design que compõem a rede de Design do
Sebrae: na Região Sul: Paraná - Rede Paranaense de Design; Centro de Design Paraná;
Centro Regional de Design; Núcleo de Design de Londrina; em Santa Catarina -
Design Catarina; Núcleo de Inovação e Design - Cadeia Têxtil; Núcleo de Inovação e
Design Embalagem; Núcleo de Inovação e Design Moveleiro; Núcleo de Inovação em
Design - Artesanato; no Rio Grande do Sul - Associação Rede Gaúcha de Design. Na
Região Sudeste: São Paulo - Centro São Paulo Design; no Rio de Janeiro - Centro
Design Rio. No Espírito Santo - Centro de Design do Espírito Santo. Na Região
Nordeste: Sergipe - Rede Sergipe Design; em Alagoas - Núcleo de Design para
Agronegócios; em Pernambuco - Centro Pernambucano de Design; no Ceará - Centro
Ceará Design. Na Região Norte: Pará- Centro de Design da Amazônia - CDA; no
Amazonas - Núcleo de Inovação e Design em Artesanato; Núcleo de Inovação e Design
em Embalagem; Núcleo de Inovação e Design em Madeira/Móvel; no Acre - Núcleo de
Inovação Design em Artesanato (apud DESIGNBRASIL, 2009).
Isso posto, nos parece, em grande medida, oportuno demonstrar as atribuições e
serviços de alguns dos núcleos citados. Para tanto, vamos iniciar pelo Centro Design
Rio. Ele foi criado no âmbito do Programa Via Design do Sebrae, no dia 23 de setembro
de 2002, através de parcerias com as seguintes instituições: INT, AJORIO, FIRJAN,
SEDE, Prefeitura, PUC, ESDI, Casa do Artesanato e Fios da Terra. Seus serviços e
ações se encontram no âmbito de: “Ações práticas de inserção do design nas empresas;
Organização de cursos, palestras, seminários e workshops visando à capacitação e
249
atualização de profissionais e estudantes; Atividades de divulgação do design brasileiro,
como: exposições, palestras, feiras e concursos; Elaboração de publicações e Orientação
aos empresários e designers nas questões relativas a propriedade industrial”
(DESIGNBRASIL, 2009).
Um outro núcleo que selecionamos é o Centro de Design do Espírito Santo.
Uma Instituição de caráter civil e sem fins lucrativos. Ele conta com a parceria
primordial do SEBRAE-ES, da PMV - Prefeitura Municipal de Vitória, através da
SEDEC - Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e da CDV - Companhia de
Desenvolvimento de Vitória, FAESA - Faculdades Integradas Espírito-santenses, CT-
GRAPHICS, CEFETES e UFES. Essa instituição se presta a: a) promover o
desenvolvimento de atividades correlatas ao campo do Design no Estado do Espírito
Santo, com visibilidade local, regional, nacional e internacional; b) assessorar empresas
e indústrias na promoção e articulação com profissionais de Design, visando à inovação
e à agregação de valor aos produtos do Estado do Espírito Santo; c) elaborar e
disponibilizar um banco de dados sobre a oferta e a demanda de Design; d) desenvolver
e promover publicações periódicas e literárias com foco para a área de Design; e)
estruturar Rede Capixaba de Informações de Design; f) desenvolver pesquisas e projetos
pertinentes às diversas áreas do Design; g) articular uma rede para apoio ao
desenvolvimento do Design Estado do Espírito Santo (DESIGNBRASIL, 2009).
O Centro São Paulo Design - CSPD é uma associação também de caráter civil,
sem fins lucrativos, e de interesse público. Seus mantenedores são: Federação das
indústrias do Estado de São Paulo – FIESP; Serviço de Apoio à Micro e Pequena
Empresa do Estado de São Paulo - SEBRAE/SP; Instituto de Pesquisas Tecnológicas
IPT; e a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de
São Paulo/SCTDE. Os serviços que são oferecidos pelo Centro São Paulo de Design
são: “Realização de diagnósticos setoriais - Pesquisa em Design - Otimização de
Processos Produtivos - Informação e Capacitação . O CSPD possui uma biblioteca com
um significativo acervo de publicações em design disponibilizando o acesso gratuito”.
O Centro também possui e disponibiliza uma base de dados referentes à materiais, à
profissionais, informativos setoriais, além de um site, que é atualizado diariamente, com
ampla gama de informações da área de Design. Destacam-se,b em sua base de
informações, dados relacionados ao âmbito da propriedade industrial, suporte nas áreas
de Design, pesquisas de tendências que contribuem para orientar os profissionais no
250
desenvolvimento de suas atividades, e organização de prêmios, concursos, seminários e
exposições de Design” (DESIGNBRASIL, 2009).
A Rede Paranaense de Design, outro núcleo de apoio ao Design vinculado ao
Programa Via Design, é uma associação civil sem fins lucrativos que foi criada através
da iniciativa conjunta entre o SEBRAE, por meio do programa Via Design e suas
instituições fundadoras, a saber: Centro de Design Paraná, DIA Design, Inovação e
Arte, Funtec - Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Toledo,
Fundação Tecnópolis de Maringá e Senai. Essa instituição presta seus serviços através
dos núcleos de Design, que têm a possibilidade de serem contatados de forma direta, ou
através da Rede. Salienta-se que os Núcleos que compõem a Rede possuem
competências em diversas áreas podendo prestar atendimento às empresas mormente no
“apoio ao desenvolvimento de novos produtos através da localização de profissionais
adequados; cursos, oficinas e consultorias na área do artesanato; cursos e oficinas na
área de gestão do design; assessoria em projetos de design de moda; projetos gráficos
para a agroindústria; projetos de embalagem; soluções específicas de design para o setor
moveleiro” (DESIGNBRASIL, 2009).
Ainda destacando instituições que compõem a rede VIA Design Sebrae,
selecionamos a Rede Sergipe Design, uma entidade que é resultado da ação do
programa Via Design, e é composta por 14 profissionais que atuam em 4 núcleos:
“Gráfico, Confecções e Têxtil, Artesanato e Produto e Design de Interiores e
Arquitetura e que atualmente conta com as parcerias do SEBRAE/SE e CDL e atua nas
práticas e no fomento ao Design” (Idem). A Rede presta serviços no âmbito do Design
gráfico, Design de produto, confecções, artesanato, Design de interiores e arquitetura
(vitrinismo), como também trabalha em prol do fomento dessas atividades, através de
cursos, palestras, seminários, workshops e oficinas aos empresários e profissionais da
área (DESIGNBRASIL, 2009).
E, finalizando a breve apresentação de alguns dos núcleos que compõem a rede
Via Design do Sebrae, trazemos o Centro Pernambucano de Design, que é uma
associação que tem por objetivo promover e articular atividades do campo do Design
nesse Estado. Ele surgiu através de ações do SEBRAE em parceria com SECTMA, AD-
DIPER, SENAC, SENAI, SIDIVEST, SINDMÓVEIS, FUNDARPE, FIEPE, ETEPAM
e APD/PE, para fortalecer Micro e Pequenas Empresas, utilizando o processo de Design
como ferramenta estratégica. Seu leque de prestação de serviços abrange: a)
251
Formação, através de palestras, workshops, cursos e oficinas”; b) Projetos nas áreas
de Design de Produto, Gráfico, Moda, Artesanato e Embalagem, nos seguintes
segmentos, Diagnóstico da Produção Artesanal, Criação de Moda, Modelagem, Projeto
de produto, Projeto para Eventos, Instalações Comerciais e Industriais, Identidade
Visual, Manipulação de imagem, Web Design, Diagramação, Editorial, Sinalização e
Criação de nome; c) Consultoria e Banco de Dados com formatação de Cadastros de
Designers, Cadastros de Empresas, Cadastro de Artesãos e Cadastro de profissionais de
áreas afins” (DESIGNBRASIL, 2009).
252
CAP. 5 CONSOLIDANDO OS MARCOS DA TESE E O
PROBLEMA INCONCLUSO DO “BOM DESIGN
Queremos neste último e conclusivo capítulo, retomar sinteticamente o conjunto
das ideias debatidas em cada um dos capítulos anteriores do presente trabalho para, de
um lado, consolidarmos metodologicamente as categorias analisadas e os esquemas
teóricos adotados; e, de outro lado, ressaltarmos os marcos epistemológicos da Tese que
aqui se expõem. Dessa forma, procuramos desenvolver o capítulo em torno das questões
que centralizaram as nossas preocupações no curso da investigação, sendo elas: a) o
entendimento de que o Design é uma das instâncias produtivas da existência do homem;
b) a ideia de que a história do Design está fortemente associada às transformações e
evoluções do desenvolvimento material de uma dada sociedade e, por conseguinte, c) a
necessidade de apreendê-lo e estudá-lo no contexto das relações socioeconômicas e
culturais em que ele está inserido. Embora tratadas com certa autonomia nos três
primeiros capítulos, cada uma dessas questões compõe, evidentemente, o “núcleo duro”
ou estrutural da nossa tese, cuja unidade se encontra desenhada no estudo sobre a
ideologia estética do Design no Brasil, no quarto capítulo. Para finalizar a tese tecemos,
na última seção do presente capítulo, considerações sobre um problema inconcluso: É
possível ao designer superar as contradições de base da sua atividade profissional?
5.1 – As relações sociais de produção do Design
Em nosso estudo detivemo-nos, nos dois primeiros capítulos, na abordagem do
objeto “as relações sociais de produção do Design”. Observamos, então, que o Design
configura-se dentre as atividades projetivas em dar existência concreta, ou melhor, de
materializar em forma de objetos e processos, ideias abstratas e subjetivas. Para a
sociedade industrial, o Design é um locus privilegiado para a geração de artefatos. Ele é,
atualmente, um relevante fator que medeia o desenvolvimento de grande parte da
totalidade dos objetos que convivem conosco em nosso dia a dia. Considerando a sua
origem industrialista, o Design aparenta destituído de uma formulação neutra e
inofensiva do ponto de vista ideológico. Entretanto, ao nos darmos conta de que os
utensílios do nosso dia-a-dia dispõem de uma forte dimensão pedagógica, percebemos
que tal aparência não é verdadeira. Se efetivamente somos educados para a utilização
dos objetos que nos cercam, isso não ocorre de forma neutra, tampouco inofensiva.
Tudo dependerá, certamente, dos fins a que se prestam no contexto das relações sociais
253
produzidas. Portanto, como atividade produtiva, o Design se encontra fortemente
associado ao processo de desenvolvimento socioeconômico de uma dada sociedade. Tal
aspecto é revelador do seu caráter de força produtiva, contribuindo para a organização
de outras forças produtivas com as quais entra em contato. De acordo com Maldonado
(2006), diferentemente do artesanato, o Design industrial não se comporta em nossa
sociedade como “parte integrante do processo laborativo”. Esse aspecto se por outro
vetor a distância entre projeto e trabalho reafirmando, dessa forma, o papel
integrador e transformador do “projeto” como central na atividade do designer
163
.
Diante da questão que envolve o trabalho do designer, faz-se necessário tecer
algumas considerações à margem do nosso objeto antes de seguirmos adiante na sua
abordagem.
Nos capítulos estudados pareceu-nos pertinente dizer que todos os homens são
designers. O sentido que sustentamos aponta na direção de que ao produzirmos nossa
paisagem artificial – humanizando a natureza –, o fazemos de modo inventivo e criador;
características, ao nosso modo de ver, imanentes aos designers. Tal percepção baseia-se
no modelo de trabalho humano mediante o qual a natureza é transformada tornando-se
adaptável e útil à vida do indivíduo e do seu grupo social. Nesse sentido, o agir humano
processa-se em dois níveis: o que está voltado para a esfera das necessidades; e outro
que se materializa como “livre criação e se chama arte”. Assim, o trabalho como agir
humano não abandona a esfera da necessidade; mas, ao mesmo tempo, tende a superá-
la, criando nela os reais pressupostos da liberdade humana (KOSIK, 2002, p.206-207).
Concluímos, assim, que a esfera do Design se encontra mediada, tanto por um aspecto
tecnológico, quanto por um caráter teleológico artístico. E é imbuído dessas duas esferas
que ele visa atender às necessidades do homem, concebendo e produzindo objetos e
sistemas, não somente por um vetor funcional, mas, ao mesmo tempo, sob uma diretriz
também estética que busca atingir seus sentidos. Contudo, a nossa análise também
apreendeu que a práxis humana traz consigo a contradição do caráter fenomênico
alienado do trabalho. Isto é, mediante uma prática utilitária na qual o homem se
relaciona num sistema em que as “coisas” estão prontas um sistema de aparelhos
pelo qual a humanidade se configura com um objeto de manipulação, conforme
salientou Kosik (2002). Nesse sentido, o homem se movimenta num mundo dos
“aparelhos prontos e da manipulação”, de uma forma tal, que ele maneja e se insere
163 Isto é, no sentido daquele que tem por finalidade ir ao encontro do “interesse de uma maior
participação criativa dos trabalhadores” (MALDONADO, 2006, p.16).
254
num conjunto de instrumentos, objetos e sistemas, sem, no entanto, buscar conhecer
como eles se “movimentam” e qual é a verdade do ser deles. Não se atenta, em sua
maneira de manejá-los, de suas relações sociais produtivas, da “realidade técnica e do
sentido desses aparelhos” (KOSIK, 2002, p.73-74).
Na arena do debate entre Arte & Design, coexistem, entre ambos, tanto um valor
utilitário, quanto de fruição. Do mesmo modo, não nos parece correto deixar em
patamares secundários a faceta estética que conduz à fruição, que está posta nos objetos,
pelo Design. Da mesma maneira, ressaltamos outro viés metodológico para a área do
Design, ou seja, pelo “projeto”, se determina um planejamento, uma definição
norteadora da função, da qualidade do produto, uma compreensão de suas ltiplas
determinações e significados, como também, de sua qualidade estética. Por sua vez, nos
alertou Argan (2000), que na atual condição da cultura, não poderá existir um bom
projeto que não seja oriundo de um processo de intuição ou de invenção. As reflexões
desse historiador nos conduziram a apreender o designer também como um artista. É
inegável que tanto em seu modus conceptivo, quanto produtivo, existem preocupações
de âmbito estético. Mas, registramos que se trata de pensar uma “estética” que se
encontre configurada como reflexo do conteúdo do objeto, do que ele é, do modo como
este se relaciona com o usuário, e o que ele representa para a sociedade, conforme
vimos em Redig (1992). Isso posto, a busca por introduzir inovações nos objetos é
inegável como processo evolutivo destes. No entanto, não nos parece ser uma diretriz
correta se tal demanda possua como único princípio o aspecto formal, o visual e
superficial no sentido de apelos simbólicos e sedutores ao consumo puro e vazio –,
que relega a planos secundários aspectos técnicos e socioeconômicos dos produtos. Para
nós, cumpre reafirmar que a essência do Desenho Industrial é a sua tendência de
problematização para o relacionamento artefato/usuário; ao encontro da mais apropriada
interface entre ambos, implicando uma aproximação metodológica que se sensibilize
com as necessidades materiais da maioria da população. Desse modo, o corpus
formativo dos designers deve se constituir de disciplinas referentes ao âmbito
tecnológico, mas de forma reflexiva e integrada o Design é integração –, de maneira
que possibilite capacitá-los a “dar respostas em termos materiais, com um sistema de
referência cultural, com uma componente analítica e estética(BONSIEPE, 1983, p.23-
30). Tal caráter pedagógico ressalta um viés humanista-projetivo. Reporta também aos
255
que associam preocupações ecológicas, implicações energéticas e dos modos de
produção.
Uma dimensão tecnológica torna possível ao designer se aproximar das
demandas materiais de fabricação de um dado produto. Tal aspecto é inegável. Não
existe, do ponto de vista de execução, projetar objetos sem conhecer suas características
e especificidades tecnológicas. Não obstante, faz-se necessário reforçar que não
somente em nível teórico, mas também na esfera empírica. Assim, não percamos de
vista uma identidade com o projetar também vinculada ao fazer manual. O “Fazer é
pensar” de Richard Sennett (2009, p.9), e o “Pensar com as mãos” de Ernst Fischer
(1981, p.27). Buscando associá-los, é preciso se aproximar da esfera sensível, para
melhor pensar; pensar, para melhor fazer; fazer, para melhor compreender e conhecer.
Acreditamos que, num diálogo entre a cnica, o modo de se construir, seus desafios
produtivos, em conjunto com o conhecimento global da tarefa, se processa uma maior e
melhor interlocução entre o projetista e o objeto perseguido. Também achamos
necessário salientar que no âmbito do Design, se busque compreender o “todo cultural”
(MAGALHÃES, 2002), pelo seu singular perfil de interação com vários campos do
conhecimento.
Feitas tais considerações sobre o caráter do trabalho no campo do Design,
podemos, então, retomar o nosso objeto central, as relações sociais de produção do
Design.
Por uma perspectiva de análise, sustentamos que a existência de atividades
humanas associadas ao processo de Design (no sentido mais próximo dos nos nossos
dias) antecede ao surgimento de um profissional específico para tal materialização o
designer. Por outra, a origem do Design moderno confunde-se com a própria cultura
industrial, no sentido de se conformar no mesmo cadinho de modernidade instaurado
pelo modo de produção capitalista. O surgimento de tal atividade (designer) veio a
reboque da necessidade de atribuir competências específicas a um também singular
trabalhador, para lidar, igualmente, com um determinado processo de produção. Nesse
contexto, cabe lembrar que se generalizou não somente a divisão social do trabalho, mas
também, uma subordinação cada vez mais ampliada de trabalhadores ao modelo de
trabalho imposto pelo Sistema Capital.
Nesse contexto, também depreendemos, nas análises marxistas, que as pessoas
interagem entre si da mesma maneira como as coisas se relacionam entre elas próprias.
256
Ou seja, a relação entre os indivíduos se oculta sob a forma de relações entre coisas.
Marx também nos revelou o caráter alienador de um mundo no qual as “coisas” se
movimentam como se fossem pessoas, e também, como as pessoas são dominadas pelas
“coisas” que elas mesmas criaram. Uma vez que os objetos metamorfoseiam-se em
mercadorias, e, portanto, inseridos numa relação mercantil (de compra e venda), aquele
que é o “criador” desses, não mais possui o controle sobre eles; termina por ser
dominado por esses mesmos objetos o produto se coisifica. Aspecto pelo qual, os
produtos em suas relações sociais “escapam” à percepção dos homens, se tornando
“independentes, em movimentos que produzem arbitrariamente resultados sociais totais
e aos quais os produtores se submetem” (HAUG, 1997, p.161). Nesse sentido, a
mercadoria ganha poder sobre os homens. O poder de um fetiche.
Observamos, em nosso estudo, que tal é a importância da dimensão do poder
estético do fetiche da mercadoria na vida social que assim o definiu Haug: “um
complexo funcionalmente determinado pelo valor de troca e oriundo da forma final
dada à mercadoria, de manifestações concretas e das relações sensuais entre sujeito e
objeto por elas condicionadas” (1997, p.15). Na expressão estética da mercadoria,
coexiste, de um lado, a beleza como forma de manifestação que agrada aos nossos
sentidos; e, de outro lado, uma forma que se desenvolve capitaneada pela realização do
valor de troca que foi agregado à mercadoria, induzindo, em última instância, à sua
compra. No processo de produção e comercialização de uma dada mercadoria, importa,
sob a perspectiva do valor de troca, até a sua fase final (venda), o valor de uso que está
“prometido” na mercadoria. Nesse sentido, o aspecto estético (“manifestação sensível e
sentido de seu valor de uso”) é separado do objeto, de tal forma que sua aparência se
torna uma condição sine qua non no ato de sua compra (HAUG, 1997, p.27). Sob esse
aspecto econômico, em razão da concorrência, torna-se obrigatório dar à mercadoria
uma aparência sedutora. E é importante ressaltar que os insumos postos no objeto com
finalidade de agregar valor ao mesmo não necessariamente se fizeram presentes para
aprimorar sua funcionalidade, sendo observável nesse contexto a tendência como um
fator pré-determinado do Design Industrial incrementar valor de troca nos produtos
em detrimento do valor de uso.
Na esfera Design/objeto/consumidor, pudemos constatar que são imputados aos
objetos “significados” que podem advir dos próprios fabricantes, dos distribuidores, dos
vendedores, dos consumidores etc. Dessa maneira, os objetos adquirem significados a
partir da intencionalidade humana. Os significados que são atribuídos desde a fase da
257
produção de determinados objetos, são mais universais e duradouros, em comparação
com aqueles que advêm de instâncias apropriadas pelo consumo, o que nos faz inferir
que um “bom Design” é aquele que atribui aos objetos, “significados” mais duradouros.
No entanto, conforme observamos, o Design enfrenta um dilema verdadeiro,
segundo Denis (1998, p.33) na sociedade capitalista tardia, no sentido de que ele
reside na relação problemática entre as duas metades do processo de atribuição de
significados, ou seja, a produção e a distribuição. Dessa forma, inferiu-se que a
informação veiculada nos meios de comunicação, tornou-se a grande fonte de
significados para os objetos de nossa era. Vemos este aspecto com extrema preocupação
para a área. Daí, ressaltarmos que o Design sofre e se prende nas teias do marketing e da
publicidade (a “arte oficial do capitalismo”, salientou Harvey, 2002, p.65). No nosso
modo de analisar, esse é um paradigma que, nos dias atuais, promove impactos com
mais intensidade à atividade do Design. Os produtos são concebidos e produzidos (num
prisma de tempo de vida, curtíssimo), sob a égide do Sistema Capital, para serem
inseridos na arena do consumo, de forma a valorizar, incrementar mais capital, e gerar
mais-valia, através dos mecanismos inerentes ao modo de produção capitalista
164
.
O trabalho que possuía o marcante caráter de conhecimento global da tarefa, do
autoconhecimento, do conhecer enquanto se faz, da liberdade de criação por parte do
trabalhador, foi, progressiva e posteriormente, substituído pelo expressivo caráter de
especialização, característico do trabalho socialmente dividido. Esse aspecto faz
sustentar que tais fatores resultaram na perda da autoestima e do reconhecimento do
trabalho realizado, fazendo com que os trabalhadores se tornassem escravos, meramente
repetidores de tarefas programadas num modo de produção em que o maestro é a
“máquina”. O modus operandi do designer não difere desse caráter produtivo,
principalmente se considerarmos que o seu processo de produção se encontra
subordinado à “máquinas-ferramentas” sofisticadas e flexíveis produção em meios
computacionais).
Não obstante observar tais aspectos, cumpre salientar ainda que, para uma
ampliação das relações econômicas de produção e reprodução capitalista, o Sistema
164
Nessa perspectiva, depreendemos de Marx que, o modo produtivo capitalista se configura como um
processo de produção pelo qual o agir humano tanto se presta à produção de valores de uso, quanto um
processo produtivo de valor em que ele se auto-expande. Essa observação, somada a outras, nos permitem
sustentar que o sistema capitalista se constitui como um sistema social, no qual os próprios produtores
(trabalhadores) não são capazes de usufruírem o produto obtido pela produção. Ou seja, estes, em sua
esmagadora maioria, não se apropriam de suas próprias mercadorias produzidas, e convivem com o seu
trabalho de forma alienada, sob uma relação indireta.
258
Capital estabeleceu sua própria e específica maneira de controlar o trabalho imerso na
produção. Desenvolvendo outras formas coercitivas, ele buscou o controle real do
processo de trabalho. Tal demanda exigiu um nível de controle que seja suficiente tanto
sobre a quantidade de trabalho realizado, quanto sobre a extensão da jornada de
trabalho, de maneira a garantir que os trabalhadores produzam um valor acima do que o
de sua força de trabalho (produção de mais-valia absoluta e relativa).
Também nesse contexto, destacamos a pujante transformação sofrida por parte
dos trabalhadores, no tocante à inserção gradativa e maciça de processos produtivos
mecanizados (a maquinaria). Considerando que o objetivo do Sistema Capital seja tanto
o uso de máquinas nos sistemas de produção e o barateamento das mercadorias, quanto
o encurtamento de parte da jornada diária de trabalho do trabalhador, é produzir mais-
valia em índices cada vez ampliados, a análise de Marx nos conduziu a depreender que
a introdução desse ingrediente se torna um fator de extrema relevância para o
desenvolvimento da subordinação real do trabalhador ao Capital. Tal fato, por
possibilitar ao mesmo romper os limites dentro dos quais, sob a cooperação simples e a
manufatura, ele podia exercer um comando real sobre o processo de trabalho (MARX,
1978, p.81).
Em conclusão, compreendemos a área de Desenho Industrial associada às
atividades relacionadas à aparência das coisas, à arena dos produtos que agradam nossos
sentidos e que nos trazem conforto, ao aforismo da “boa forma”. Assim também, vemos
uma correspondência dessa atividade com a ideia de inovação, de progresso, de
desenvolvimento e de evolução. No entanto, ao observarmos o designer como um
sujeito do processo de acumulação capitalista, este se encontra compelido a desenvolver
produtos que darão respostas às imposições mercadológicas deste modo de produção,
ressignificando-os de tal forma que, atraiam o consumidor, seja no âmbito das
inovações estéticas ou tecnológicas; mas, de maneira singular cumpre notar –, na
esfera simbólica. Nessa perspectiva, uma tensão entre valor de uso e valor de troca
no processo de Design, e se este se orienta para o último (de troca), acentuando essa
tensão. Se os designers colocarem seus “atributos produtivos” a serviço da diretriz
burguesa industrialista, aos “olhos” do Sistema Capital, trata-se de uma categoria de
trabalhador produtivo, consideramos que, estando o designer cerceado por “imposições
gerenciais mercadológicas advindas da organização produtiva industrial, esse
259
profissional se enquadrado não apenas como um trabalhador produtivo, mas também
como um trabalhador reprodutivo.
5.2 – O Design no Brasil
Postas essas considerações, dando prosseguimento à construção de aportes para
nossa reflexão final, vamos nos deter nas principais apreensões do terceiro capítulo, que
procurou problematizar e compreender, historicamente, quando e sob que condições as
relações produtivas do Design inseriram-se ou não nas contradições das forças
produtivas capitalistas, em sua dinâmica desenvolvimentista. Para tanto, procurando
auscultar a presença do Desenho Industrial, em terras brasileiras, cumpre ressaltar que o
termo “desenho industrial” já se encontrara em uso corrente no Brasil por volta dos idos
anos de 1850. Não obstante, tal aspecto não se apresentara como uma categoria
profissional, mas como denominação de uma disciplina que era ministrada no curso
noturno da então Academia Imperial de Belas Artes. Assim, ressalta-se de que se tratava
de uma disciplina curricular que buscava dar embasamentos teórico-práticos na
representação gráfica, técnica e construtiva de objetos, máquinas etc., que compunham
o universo material daquela época. Tal observação evidencia que naquela ocasião não se
compreendia por “desenho industrial” o que atualmente se faz.
Em que pese tal ressalva, depreendemos que atividades profissionais que se
associavam com o desenho de produtos e a programação visual, se faziam presentes
aqui no Brasil, desde as primeiras cadas de 1900, sobretudo, no início dos anos de
1950. Este último cenário, se plasmou sob uma paleta de cores nacionalistas e
desenvolvimentistas durante o governo de Juscelino Kubistchek, que serviram como
pilares de sustentação das primeiras tentativas institucionais de formação do profissional
de Design no Brasil, forjando-o no mesmo cadinho da modernidade brasileira. Assim,
ele se conformou, simultaneamente, em meio às contradições existentes na construção
do cenário político e socioeconômico que nortearam o desenvolvimento e a
modernização da indústria brasileira.
No processo industrial brasileiro, apoiando-nos no historiador Francisco Iglésias
(1994), observamos que a primeira etapa de desenvolvimento se deu ainda no período
colonial (“longo período de trezentos anos”), na fase em que estivemos sob forte
domínio da nação portuguesa, quando, segundo ele, não se fez muito pelo país no nível
de transformação de bens primários para o consumo. Superada essa fase, com a Corte
260
portuguesa aqui entre s, enunciou-se um surto (embora tímido e logo tolhido), de que
havia chegado o “momento” da indústria. Não passou disto, isto é, somente surgiram
algumas fabriquetas e um determinado atendimento à esfera institucional.
Com a Independência de nosso país (1822), a necessidade de se organizar a
“vida nacional” se tornou premente. Para tanto, várias ações governamentais foram
produzidas para esse fim, embora herdando a estrutura institucional portuguesa com seu
caráter de dependência frente ao exterior (sobretudo à nação inglesa). Em 1850, inicia-
se o terceiro período do desenvolvimento brasileiro, sob o predomínio, ainda, de
manufaturas. O quarto período confunde-se com o término do trabalho escravo e a
instauração do trabalho “livre”. Nosso país, salienta Iglésias procurou estruturar suas
“fisionomias regionais com experiências tarifárias e outras. As fábricas são ainda
pequenas, mais manufaturas que indústrias” (1994, p.8-9).
No ano de 1914, vimos que a Primeira Guerra Mundial foi protagonista para o
início do quinto período industrialista brasileiro. Este fator abalou estruturas, mormente
as da ordem internacional do Imperialismo. Como corolário desse, crises decorrentes
fizeram eco no Brasil. Desse modo, a produção de bens, tanto primários como também
os mais elaborados, aumentou. Vimos que o sexto período veio com a Revolução de
1930 “símbolo de nova ordem, resultado do protesto contra os vícios do regime: ao
longo da década de trinta ele se configura, com um arcabouço de tipo liberal, no velho
estilo” (IGLÉSIAS, p.9-10). Finalizado o conflito internacional de 1945, outro cenário
se apresentou ao Brasil. Crises institucionais foram agravadas, decorrendo-se até um
“abafamento” destas pelo regime militar, em 1964. Nesse longo período, “o sentido
renovador é mantido, com agravamento da crise social pela política repressiva,
desnacionalização crescente, estatização de atividades e subjugação dos segmentos
sociais [...]” (IGLÉSIAS, 1994, p.10).
Feito esse breve pano de fundo, vimos também sob o foco de Maria da
Conceição Tavares (1974), que o nosso processo de desenvolvimento “voltado para
fora” –, possuía seu dinamismo vinculado, do ponto de vista econômico, ao crescimento
da demanda por produtos de exportação que era determinada pelos “países líderes”. A
nossa atividade de exportação concentrou-se em poucos itens, em um ou mais produtos,
o que conferia a nossa economia um caráter de ser “reflexa em toda a extensão do
termo”, salientou a economista. Ou seja, “não importava as crises das economias de
que dependia, como também era extremamente vulnerável às flutuações ocorridas nos
261
preços internacionais desses produtos” (TAVARES, 1974, p.59). Nesse contexto, em
face desses aspectos, na década de 1930, o modelo tradicional exportador entrou em
crise, logo após o evento da Grande Depressão ocorrida naquela época.
Observamos que no processo de desenvolvimento industrial brasileiro, ou seja,
no período imediatamente após a Guerra de 1945 a 1947, houve uma atenuação da
conjuntura externa com a retomada, em termos absolutos, da capacidade em importar
aos níveis da pré-crise. Na esfera das estratégias adotadas como forma de enfrentar a
escassez das reservas de divisas, vimos que o Brasil foi compelido a adentrar num
controle cambial, baseado numa manutenção da taxa de câmbio vigente, conjuntamente
com um também controle das importações em nível quantitativo, discriminando
“violentamente” aqueles bens de consumo que, de acordo com o juízo governamental,
não eram essenciais e sustentando em patamares relativamente baratos, as importações
de produtos intermediários e de bens de capital.
No período considerado como de transição (1955-1956), seja no plano político,
como no econômico, percebemos que o ano de 1956 apresentou-se com uma taxa de
crescimento negativa do produto per capita. Não obstante, dois fatores destacaram-se
nos anos correspondentes entre 1956 a 1961: uma maior participação tanto direta e
indiretamente, do Governo nos investimentos; e, a entrada de capital estrangeiro privado
e oficial como forma de financiar uma boa parcela do investimento em certos setores.
Como vimos, houve uma promoção oriunda da esfera governamental, de ações
capitaneadas pelo “programa de metas setoriais”, que promoveu um certo nível de
racionalidade para a expansão industrial.
Como estamos tratando das relações produtivas do Design brasileiro, cabe
ressaltar que nessa fase houve a instalação de vários segmentos da esfera industrial,
(importantes para a área em tela), aqui em nosso país. Dentre eles, a indústria de
produção de automóveis, a de construção naval, de produção de material elétrico
pesado, e outros segmentos industriais na área de mecânica de produção de bens de
capital. Da mesma maneira, houve uma expansão de vários setores industriais básicos
como o siderúrgico, o petrolífero, metalúrgico dos não-ferrosos, o de celulose e papel,
química pesada, dentre outros. Nessa perspectiva, observou-se que essa notória
expansão e diversificação da área industrial, materializou-se por incentivos e subsídios
de diversas naturezas, mormente os atrelados à esfera cambial e tarifária introduzidos
pela Lei número 3.244, de 1957.
262
Apoiados em Rodrigues (1998, p.57), destacamos um cenário em que pudemos
resumir como se processou a industrialização brasileira, a saber: a) I Período
compreendido entre 1929 a 1945, denominado por ele de “Substituição dos bens não-
duráveis de consumo final”; b) II Período que foi de 1945 até 1954, chamado de
“Substituição dos bens de consumo duráveis”; c) III Período, de 1954 até 1961,
intitulado de “Substituição dos bens de capital e da indústria de base”.
Vimos, amparados em Coutinho (2005, p.9-10), que para se compreenderem os
fenômenos da esfera artística e da ideologia, estes devem se relacionar de forma
dialética com a totalidade social, da qual são, ao mesmo tempo, expressões e momentos
constitutivos. Também observamos no tocante à gênese cultural brasileira, uma
preponderância de um caráter que ele denominou por “cultura ornamental, elitista”.
Nesse contexto, depreendemos também, um retardo temporal no tocante à introdução da
tipografia em nossa nação, se comparado com outros países latino-americanos.
Refletimos que tal aspecto buscou manter em baixos patamares o vel cultural de seus
colonizados, pois as metrópoles européias o utilizaram como estratagema para
fortalecimento de seu poder central. Tal caráter visava manter tanto o embotamento,
quanto uma subjunção intelectual e cultural, e, por conseguinte econômica, de forma
cada vez mais acentuada por parte do colonizador, o que dificultaria uma contrapartida
de levante contra este.
Como a tipografia desembarcou aqui, em nosso país, nos arredores do século
XIX, próximo de nossa era atual, não nos restou muito tempo para amadurecermos um
estilo tipográfico próprio que, de alguma maneira, nos capacitasse também a
expressarmo-nos, propriamente, como um povo. Ressaltamos a tipografia, dentre tantos
outros aspectos também de igual monta, no cenário de colonização do Brasil, por
compreendermos que se trata, no âmbito do Design, mormente de uma vertente voltada
para a esfera da comunicação, um fator de elevada importância.
Pelas ideias de Coutinho, depreendemos como foco central da problematização
de uma cultura nacional (brasileira) a “escassa densidade nacional-popular de seus
produtos”, cuja origem se encontra na ausência de um “grande mundo democrático em
nossa sociedade” (2005, p.10). Conforme observado, a não presença de uma efetiva e
democrática participação popular nos processos criadores em vários estágios de nosso
ser social, nos conduziu a apreender, como consequência desse processo sócio-histórico
no vel cultural brasileiro, uma grande influência da “cultura ornamental, elitista”, que
em muito dificultou edificar uma “efetiva consciência crítica nacional-popular” aqui
263
entre nós brasileiros (COUTINHO, 2005, p.10). Parece-nos correto argumentar que esse
aspecto se apresentou como um dos ingredientes mais temperados na ocasião em que se
materializou o ensino de Design de nível superior em nossa nação. Pelas reflexões
expostas, parece-nos possível perceber que as nossas “cores” (verde e amarelo), teriam
dificuldades em ser hegemônicas no Design brasileiro.
Observamos, sob a análise de Cardoso (2005, p.7), que ainda permanece vivo o
mito de que, somente por volta dos anos de 1960, o Design brasileiro emergiu,
concretamente. Vimos que o que de fato aconteceu foi uma “ruptura”, dependendo do
foco, ou melhor, do vel de comprometimento de cada categoria com o movimento
(Modernismo), que predominou em parte considerável da produção artística
internacional entre as décadas de 1910 e 1960. Nesse sentido, para uns coube observar
tal aspecto sob a mira de um “ponto de partida”; enquanto que, para outros, ele se
apresentara como um “desvio de rumo”.
Assim, os anos compreendidos desde a abertura do Instituto de Arte
Contemporânea do Masp (1951), e a inauguração da Escola Superior de Desenho
Industrial (ESDI, em 1963), marcaram uma fundamental mudança de paradigma. Nessa
época, surgiu não o Design propriamente dito, ou seja, as atividades de cunho projetivo
relacionadas à produção e ao consumo em escala industrial, mas antes uma consciência
do Design como conceito, profissão e ideologia (CARDOSO, 2005, p.7). Conclui-se,
sustentado pelas argumentações expostas pelo autor que a referida quebra de paradigma
na ocasião da implementação de um Designem nosso país, visava à busca por uma
nação de moldes modernos, adequando-se às diretrizes hegemônicas internacionais.
Cumpre relevar que a implantação de uma atividade desse porte, que tinha em seu bojo
fortes emanações de modernidade, se prestou a diversos e variados interesses e
objetivos, sejam estes políticos, econômicos ou culturais, capitaneados pelos principais
personagens que dominaram o cenário brasileiro na trajetória histórica demarcada pelo
nosso recorte. Este aspecto foi claramente percebido no veemente interesse do então
governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, quando implantou a ESDI.
Nessa perspectiva, Niemeyer (2000, p.53) pondera que, desde os primórdios da
industrialização brasileira, o que de fato houve, foi um processo não sistematizado ou
formalizado de atividades do setor industrial que determinaria o padrão tipicamente
brasileiro para os nossos produtos. Percebeu-se nos aportes, um forte e preponderante
caráter internacionalista da cultura material em nosso país, em detrimento de um
desenvolvimento de raízes propriamente endógenas.
264
No ano de 1955, um projeto governamental em prol do desenvolvimento da
indústria nacional fundamentado sob pilares de importação de tecnologias e a entrada
de capital estrangeiro –, pretendera preencher os quesitos, aumento da produtividade e
da qualidade de nosso setor industrial. Para tanto, o Estado brasileiro formulou políticas
de incentivo com vistas ao aperfeiçoamento do aparato tecnológico. Congregou o
sistema educacional conjuntamente com os centros de pesquisa, pois havia na indústria
brasileira lacunas deixadas por profissionais especializados nas mais diversas áreas de
formação técnica, necessitando, assim, de “novos” perfis profissionais para atender as
“novas” demandas do mercado.
Sob uma tônica modernista em que vivia o país, os padrões estéticos brasileiros
e, de certa forma empresariais, tiveram de sofrer algumas adaptações para a “nova”
realidade que ora se instaurara. Verificaram-se, em meio a esse cenário, muitas
iniciativas e incursões no campo do Design, sobretudo para arquitetos e designers
brasileiros que se encontravam sintonizados com o ideário modernista amplamente
difundido lá fora. Em última análise, cumpre notar que a instituição do Design no Brasil
deu-se de maneira forçada, ou seja, o nosso país vivenciou o estabelecimento deste, sob
uma “expectativa de transferência de modelos e soluções provenientes do exterior, se
desenvolvendo não como uma conseqüência direta e espontânea das suas tradições
artesanais e das suas manifestações culturais” (DE MORAES, 2006, p.65).
Nessa perspectiva, vimos sob o olhar de Melo, que o ensino de um Design de
cunho eminentemente internacionalista desembarcou em nossa terra – “de costas para o
Brasil” –, sem sequer negociar com qualquer atividade pregressa que por aqui existia
(2006, p.279). De todo modo, mesmo sob tais contextos, sinaliza-se que a instalação de
um curso de Design em nosso país veio ensejar e incentivar a formação de designers
brasileiros, conforme ressaltou Niemeyer (2000, p.85). Cumpre deixar registrado que
ele tenha se dado sem uma estreita e necessária articulação com a realidade social e
econômica brasileira da época.
Constatamos que o modelo da Escola de Ulm transposto para o Brasil não sofreu
alterações significativas em sua estrutura pedagógica. Ademais, cabe salientar que o
modelo pedagógico proposto dessa Escola estrangeira ainda representa uma diretriz
hegemônica na educação em Design no Brasil. A ESDI emergiu de maneira a incorporar
o espaço institucional no qual a identidade nacional dos produtos seria produzida.
Estampava-se no ideário dos mentores e atores, a crença de que a escola poderia suprir a
demanda de profissionais técnicos para a nossa indústria que ora crescia. Também
265
observamos que fazia parte de seu corpus ideológico uma busca por meios efetivos que
permitissem limitar ou, concretamente, “evitar que fossem pagos ‘royalties’ de patentes
importadas e de fazer com que objetos de uso, funcionais e esteticamente aprimorados,
não permanecessem usufruto exclusivo da minoria privilegiada” (NIEMEYER, 2000,
p.87).
Tinha-se a esperança de que através da ESDI surgissem profissionais na esfera
da indústria nacional que supririam, tecnicamente, as novas especificidades dos projetos
de objetos que viriam a compor nossa cultura material. Não obstante essa coloração
ufanista e otimista, e, por todo o cenário político e socioeconômico mencionados, a
ESDI foi implantada graças à vontade pessoal de Carlos Lacerda que, além de suas
ambiciosas pretensões políticas, tinha também por fim, articular a elevação da qualidade
de produtos com a cultura, salientou Niemeyer (2000, p.117). Tal aspecto pode ser
ilustrado pelo fragmento: a aceleração do desenvolvimento industrial brasileiro, no
qual supunha-se que o novo Estado da Guanabara teria importante papel a desempenhar,
tornou a ideia de criar um curso de desenho industrial atraente para seu governador”
como também, o caráter expressivamente político que o então governador vinculava à
implantação de uma escola desse viés profissional (SOUZA, 2007).
5.3 – Design e ideologia
Vamos agora nos deter nas principais apreensões do quarto capítulo, que
procurou apreender a ideologia estética da classe empresarial acerca do Desenho
Industrial. Para tanto, buscando compreender quais ações estratégicas, tanto na esfera
econômica quanto política, se impuseram para assegurar a sua hegemonia estética,
vimos que o Design é um importante elemento catalisador e incrementador da
competitividade industrial brasileira; sobretudo, por agregar valor de troca aos produtos
de um modo geral, tornando-os singulares num mundo altamente competitivo pela
intensa concorrência entre as empresas.
No entanto, a tão premente interação entre o Design e a indústria se processou de
maneira consideravelmente tardia no Brasil. Depreendemos que uma ampla e necessária
interlocução entre o setor produtivo e o acadêmico não foi suficiente para que se
solidificasse uma maior sensibilidade e conhecimento sobre a área de Design. O meio
industrial não deu ao Design brasileiro, como era de se esperar, uma legitimidade que
lhe proporcionasse um maior desenvolvimento no âmbito produtivo local. Observamos
que o processo de Design brasileiro foi promovido, desde sua época de estabelecimento
266
e instituição oficiais, como uma “espécie de nexo contínuo, isto é, o encontro entre
pioneiros locais e atores europeus do design de então”, de maneira que tal aspecto
condicionou um “contínuo confronto entre as particularidades locais e os modelos
internacionais no âmbito do design” (DE MORAES, 2006, p.31).
Conforme pensávamos anteriormente, ainda permanece uma tendência de que é
mais barato copiar conceitos estético-formais e tecnologias de produtos estrangeiros, do
que investir em pesquisas em âmbitos mais aproximados com a nossa realidade local.
De todo modo, nota-se que devido à abertura do mercado na década de 1990, houve por
parte de nosso meio industrial, um entendimento de um Design como ferramenta que
diversifica a produção, que desenvolve produtos diferenciados, agregando valor a estes
e tornando-os mais competitivos etc. Em que pese tais observações, as empresas que
detêm este tipo de compreensão ainda se encontram em menor número. O empresariado
industrial, ainda possui, em grande parte, uma visão (míope) de que o Design é uma
atividade cosmética, complicada e onerosa. Conforme observamos, prevalece no ideário
empresarial uma preferência no investimento em táticas reagentes, que visam reduzir
custos, buscando promover uma melhoria na qualidade dos produtos, mas sem
priorizarem investimentos em práticas eficientes que agreguem, de fato, valor a esses.
Em busca de uma compreensão sobre o que pensam os empresários no âmbito
do Design, no ano de 1996 a CNI publicou o estudo Design para Competitividade:
Recomendações para a política Industrial no Brasil”, cujo objetivo era conhecer e
analisar os fundamentos, estratégias e mecanismos da política industrial que foram
adotados por outros países como incentivo à promoção do desenvolvimento do Design.
Dessa forma, buscar-se-iam aportes que subsidiariam propostas para a área em tela,
mais eficientes e, possivelmente, mais adequadas para a realidade política e
socioeconômica de nosso país. Destacamos algumas de suas principais finalidades, a
saber: fazer uma análise das diversas interpretações para o conceito de Design, seus
principais atributos, classificações, suas área de abrangência e interfaces; promover uma
discussão sobre sua importância como fator de agregação de valor, de aumento da
qualidade e diferenciação de produtos, como também para o aumento da capacidade
inovativa, produtividade e competitividade das empresas, num cenário de crescente
globalização e acirramento da competição entre nações; buscar identificar, levantar e
analisar formatos institucionais, mecanismos de política e estratégias industriais
adotados em dezenove países, selecionados estrategicamente; formular uma proposta de
267
política industrial para o desenvolvimento do Design brasileiro, apontando quais órgãos
serão responsáveis por sua implementação (CNI, 1996, p.7).
Em nossas análises, observamos que mudanças de paradigmas produtivos
impactaram, sobremaneira, o modo de produção e percepção empresarial, afetando
também o modo de observar a atividade do Design. Principalmente no tocante à
introdução da microeletrônica e o surgimento de novos métodos de produção, flexíveis,
que “facilitaram”, dessa forma, uma ampliação do papel da atividade do Design. Cabe
lembrar que anteriormente se produzia em larga escala com emprego de capital
intensivo sob os processos de produção “extremamente gidos”. Este modus de
produção ia de encontro ao que atualmente é adotado pela grande maioria das empresas
industriais. Conforme percebemos nas considerações empresariais, tal aspecto
dificultaria a possibilidade de uma “rápida resposta a mudanças e restringia os processos
de inovação, design e desenvolvimento de produtos” (CNI, 1996, p.12). A força dessas
observações e do cenário exposto pela Confederação Nacional da Indústria, nos fez
pensar que a atividade do Design vem, de forma gradativa, sendo reconhecida (pelo
menos em vel teórico), como um relevante ingrediente no quesito aumento da
competitividade industrial.
Isso posto, com base nas análises e reflexões que depreendemos da CNI (1996),
destacamos as principais ideias contidas nas propostas feitas por esta instituição, para a
promoção de ações de caráter geral e específico do Design brasileiro. Nesse contexto,
os objetivos no nível das estratégias e ações gerais se encontram na esfera da
divulgação, conscientização e compreensão do campo (Design) como um fator criativo,
agregador de valor, qualidade e funcionalidade a bens e serviços produzidos, bem como
sua importância estratégica, tanto em patamares econômicos, quanto ambientais. No
nível das ações de coordenação, articulação e cooperação, destacamos: i) o
levantamento e análise de como se encontra o Design em nosso país (capacitações e
instituições existentes, quadro institucional e políticas de promoção em vigor e
previstas, principais setores, agentes e formas de apoio etc.); ii) estabelecimento de
prazos para a adoção de medidas progressivas para a área, buscando identificar quais
atores e setores são prioritários, definindo articulações necessárias com outras políticas
e promovendo os necessários ajustes às metas e horizontes fixados; iii) incrementar
programas regionais e municipais de forma articulada e em consonância com os
programas nacionais; e iv) promover estudos que busquem explorar as contribuições da
268
área para as inovações, melhoria da imagem e da competitividade do país, de suas
instituições públicas, das empresas, do sistema educacional e do próprio setor do
Design.
Na esfera das ações que promoveram a capacitação e treinamento de recursos
humanos, destacamos: pesquisar o ensino de Design no país, suas necessidades e
oportunidades existentes que apoiem a área; incluir o tema Design em cursos
ministrados por e para associações empresariais e de classe, como também, realizar
cursos customizados de Design para empresários e trabalhadores de setores específicos,
ressaltando sua importância, aplicação e gestão nas empresas. No tocante às ações de
fomento a projetos de Design, citamos: realizar estudo sobre formas de alternativas de
financiamento a empresas em todas as etapas do Design, envolvendo desde a fase da
pesquisa, concepção, até a do desenvolvimento, produção e comercialização do produto
ou serviço; montagem e operação de redes regionais e nacionais de Gestão do Design
(CNI, 1996, p.30-33).
Ainda em busca do télos estético industrial para o Design, aludimos a uma
“cartilha” publicada em 1998, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI),
intitulada A Importância do Design para sua Empresa”, informando que os
investimentos em Design não estão expostos como uma simples questão de estética,
apresentando-se como um fator de relevante estratégia para a sobrevivência das
organizações (CNI, 1998, p.8), em que pese, observarmos ainda um quadro de
desinformação e ceticismo por parte de setores do meio empresarial. A CNI adota o
Design como um fator que proporciona ganhos nos aspectos funcionais, ergonômicos e
visuais dos produtos, de forma que venham suprir as necessidades do consumidor, e
contribuir para também melhor qualificar o conforto, a segurança e a satisfação dos
usuários.
O processo de Design ressalta aspectos como identidade, qualidade e satisfação
do cliente, fatores estes, indispensáveis para as empresas conquistarem novos mercados,
tanto em nível nacional, quanto internacional. O Design é posicionado num patamar
mercadológico, facilitador de alocação de atributos aos produtos que possam atrair e
seduzir consumidores. Além de ser um importante fator na aquisição de consumidores,
o Design se presta para minimizar custos produtivos, racionalizar a produção, e auxiliar
as empresas em questões ligadas ao meio ambiente. Percebemos que o uso do processo
269
de Design, no modus produtivo das empresas, faz com que as pessoas passem a observá-
las sob um prisma de inovação e coerência com as tendências mundiais.
Postos esses destaques, iremos elencar os principais resultados da pesquisa
realizada pela CNI em 1999, que teve por objetivo conhecer mais detidamente o estágio
em que se encontrara a utilização do processo de Design, os impactos, as dificuldades e
outras informações pertinentes sobre a gestão dessa atividade nas indústrias. Conforme
vimos, quanto ao desempenho produtivo, 12% das empresas lançaram produtos novos
nos anos de 1997 e 1998. Considerando os percentuais por porte empresarial, o maior
potencial de utilização do Design foi das microempresas. Sobre a quantidade de
produtos novos, constatou-se que as grandes, médias e pequenas indústrias responderam
por 92% dos lançamentos. O mercado é predominantemente nacional, conforme vimos,
salientado por 92% das empresas. Somente 13% das empresas pesquisadas exportaram
acima de 10% da receita operacional líquida. 52% das empresas apontaram que utilizam
o projeto de Design para desenvolverem produtos. As grandes empresas, com 67%,
seguidas das médias, com 52%, foram as que demonstraram maior índice de utilização
de projetos desse porte.
Os setores de brinquedos (90%), higiene e beleza (80%) e mobiliário (73%)
foram os que mais utilizaram o processo de Design. 75% do meio empresarial
declararam, que houve aumento de vendas e 41% alcançaram redução de custos de
produção, utilizando-se dos benefícios do processo de Design, sendo que as grandes e
médias empresas foram as que mais obtiveram benefícios desse uso. Os setores de
embalagens e de cerâmica foram os que mais se destacaram quanto à utilização da
terceirização em Design (CNI, 1999, p.12). É possível argumentar, pelo aumento dos
percentuais, que o quadro de investimentos para a área de Design vem apresentando
melhoras. Não temos dados suficientes que nos permitam afirmar que os investimentos
dessa especificidade, irão progredir, consideravelmente, nas próximas décadas. Nessa
equação, existem muitas incógnitas, oriundas tanto da esfera interna, quanto da externa,
que poderão influenciar, positiva ou negativamente, tal cenário.
Pela pesquisa realizada pela CNI, publicada em 2006, em parceria com o
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), buscando
compreender melhor os caminhos, dificuldades e desafios que as empresas encontraram
em suas estratégias de ampliação de competitividade e destacamos esforços para elevar
a qualidade dos produtos e a produtividade de seus processos de fabricação.
270
Constatamos que as micro e pequenas empresas (MPEs) procuraram se manter atentas a
esse movimento. Vimos, pelos dados, que elas se dispuseram em ampliar o lançamento
de novos produtos e fizeram investimentos em níveis maiores nos setores de máquinas e
equipamentos, de pesquisa e desenvolvimento, e na capacitação de seus empregados.
Ademais, conforme salientou a CNI, o setor vem percebendo a importância do Design,
como da mesma maneira, se lança em busca de maiores investimentos nesta área, mas
ainda sob certo ceticismo. Cumpre notar que o universo das MPEs da pesquisa
corresponde a mais de 90% das empresas industriais brasileiras e a menos de 15% da
produção industrial, segundo dados do IBGE (apud CNI, 2006). Elas atendem,
principalmente, aos setores de Alimentos, Madeira, Minerais Não-Metálicos, Produtos
de Metal, Vestuário, Móveis e Edição e Impressão. Ademais, as MPEs “dedicam-se
quase que exclusivamente ao mercado doméstico. Apenas 8,6% das microempresas e
27% das pequenas exportam” (CNI, 2006, p.21-22).
E, por fim, buscando fechar o ciclo de análises do quarto capítulo, com base nos
dados extraídos em documentos referentes à área em questão, pudemos encontrar vários
programas e ações vinculadas ao fomento do Design brasileiro. Encontramos um
programa (pioneiro) de vel de abrangência e relevância nacionais – o Programa
Brasileiro do Design (PBD) –, e vários outros ligados à esfera estadual, municipal e a
organizações e associações de classe. Até o momento em que foi realizada nossa
pesquisa, encontramos 15 Centros de Design, somados a 85 Núcleos de Inovação e
Design, distribuídos por todo o nosso país.
Em que pese existirem outros programas, devido ao pioneirismo, o caráter
regulamentador e catalizador, sua relevância estratégica e importância em nível
nacional, vamos nos deter em destacar os principais objetivos e ações do Programa
Brasileiro do Design. Nessa trajetória, constatamos que ele foi lançado em 1995, pelo
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Tal programa é focado
em desenvolver, inserir e incrementar a Gestão do Design nas cadeias produtivas
brasileiras. Encontramos, em sua filosofia, traços afinados com o trabalho em parceria,
que busca envolver num mesmo cadinho, órgãos e entidades governamentais,
instituições vinculadas ao âmbito tecnológico, entidades empresariais, a comunidade
acadêmica e a de profissionais.
271
5.4 – Um problema inconcluso: “o bom Design”. Considerações finais
Grande parte da nossa tese, se não ela toda, orientou-se por um conjunto de
questões cujas respostas foram buscadas, evidentemente, mais além da ciência
positivista tradicional. Dentre outras questões, procuramos refletir sobre um pouco
provável controle humanista da tecnologia numa sociedade capitalista, e também sobre
as rarefeitas chances dos atuais e futuros designers elaborarem objetos mais duradouros
e ajustados às verdadeiras necessidades humanas em meio às imposições
(esquizofrênicas) mercadológicas em que vivemos. Enfim, nossa reflexão voltou-se
quase que inteiramente para o exame das terríveis contradições que permeiam as
relações de produção do Design no Sistema Capital. Sendo apenas realistas, conforme o
leitor pode acompanhar até aqui, trata-se de um problema inconcluso.
Não obstante, acreditamos que o processo investigativo levado adiante nessa tese
contribuiu para lançar algumas luzes à compreensão do modo como se deu o processo
de constituição e institucionalização do ensino de Design em nosso país. Nosso esforço
de elaboração de uma tese na área de Educação levou-nos à busca de elementos que nos
ajudaram a compreender os variados matizes teórico-práticos e ideológicos que
constituíram os passos do ensino do Desenho Industrial no Brasil, bem como os mitos
criados em seu entorno e os protagonistas dessa história até a criação da Escola Superior
de Desenho Industrial (ESDI) – marco oficial da formação do designer em terras
brasileiras. Queremos crer, nesse sentido, que tal esforço investigativo e de apreensão
dos conceitos, das matrizes e das diretrizes históricas da formação de designers em
nosso país, certamente provocarão novas pesquisas que, por sua vez, identificarão as
lacunas dessa Tese acerca da relação entre o setor produtivo e os profissionais da área.
Se comparada com a Engenharia, a Arquitetura e as Belas-Artes, profissões que
exigem daqueles que as exercem um “projeto” para que a obra se materialize, a
atividade Design é novíssima: não chega a meio século de existência. É como
dissemos várias vezes aqui uma atividade moderna de nascimento e com estreitas
vinculações econômicas, políticas e ideológicas com as diretrizes burguesas industriais.
Não é por outro motivo que o Design pode ser apreendido como um elemento
produtivo que potencializa em níveis cada vez mais elevados o trabalho abstrato em
detrimento do trabalho útil ou concreto. Vimos aqui em diversas passagens que tal
característica do Design é intensificada pelo aparato estético sensorial e simbólico
dos produtos criados com a finalidade explícita de seduzir mais e mais indivíduos,
272
ampliando de forma irreversível a espiral irracional de consumo. Ao fim e ao cabo,
resta-nos concluir que para o Sistema Capital o bom Design é o lucro.
Buscar compreender dialeticamente as relações sociais de produção do Design e
do seu ensino no Brasil nos pareceu ser uma diretriz correta de orientação a qual
procuramos desenvolver nesta tese. Esse caminho colocou-nos frente a frente com as
inúmeras contradições que regulam tanto a atividade profissional quanto o ensino do
Design aqui e em qualquer parte do mundo, contradições essas que nos trazem à
conclusão de que a sua superação é também o seu dilema permanente. E a dimensão
ética desse dilema não é pequena se o considerarmos na perspectiva da responsabilidade
que assumimos como educadores compromissados com a pedagogia de extração
histórico-crítica. Nesse sentido, ao assumirmos tal compromisso nossas posições são
frequentemente confundidas com alguma espécie de ceticismo quando não somos
pejorativamente denominados de pessimistas e não raramente cobrados a apresentar
formas propositivas de superação do impasse provocado pelo Sistema Capital. Ora,
desnecessário seria alongarmo-nos a respeito desse tipo de positivismo científico que
busca superar um estatuto consolidado ideologicamente (“o bom Design é o lucro”),
mediante a crença numa espécie de redenção pela via do consenso
165
. Contrariamente,
ao refletirmos de forma crítica sobre a importância histórica do Design e o papel social
do designer à luz dessa mesma dimensão ética, se impõe a nós a obrigação do esforço
da luta contra-hegemônica. Na teoria-prática e na prática-teórica do ensino de Design
isso significa desde avaliar a totalidade do Sistema no qual estamos imersos até
sublinhar, conforme fizemos aqui, as suas contradições internas e externas visando ao
enfrentamento científico da ditadura da lógica do lucro. Ao chamar atenção para o fato
de que “a todo o momento somos sujeitos ou testemunhas da experiência da valoração”,
Saviani (2004, p.35) lembra também que a educação “se destina (senão de fato, pelo
menos de direito) à promoção do homem” (idem, p. 37), o que nos traz a considerar a
necessidade de nos empenharmos para que a experiência pedagógica se imponha
mediante uma axiologia de caráter humanista e transformador.
Com efeito, alinhando-nos com o pensamento de Gui Bonsiepe (1981) de que
cabe ao Designer se empenhar em “saber projetar”, cremos que este saber deve ser
buscado mediante afinidades com a Sociologia e a Filosofia, por exemplo, de modo que
165
Consenso que ao propor o encontro de “sintonia e sinergiacom o setor produtivo parece ignorar o
fato de que a miopia do setor industrial para com o Design ocorre na medida da sua não lucratividade.
Havendo lucro, a miopia desaparecerá como que por um encanto.
273
os tornem capazes de refletir, dialeticamente, como eles próprios são cultivados, bem
como sobre a natureza da relação entre o que produzem e como estes são direcionados
pelo modo de produção hegemônico. É fundamental que o “saber projetar” esteja
imbuído da consciência do “impacto da prosperidade, do consumismo e da questão do
‘estilo de vida’ como forças socais e culturais no sentido mais amplo, não apenas em
termos de segmentação de mercado e colocação de produto”, conforme ressalta
Whiteley (1998, p.70). Nessa ordem de ideias, cumpre sugerir que os currículos
acadêmicos dessa área estejam munidos de aportes que possam oferecer, em seu próprio
processo formativo, perspectivas de reflexão sobre a prática do Design, seu impacto
social, econômico, cultural e ambiental.
Nessa perspectiva, quais elementos são importantes para projetar, visando
atender às demandas existenciais de um usuário? Sustentamos algumas posições, a
saber: implica não apenas reconhecer o progresso tecnológico da produção, mas
também buscar equilibrá-lo com o meio ambiente, com os procedimentos técnico-
econômicos; observar quem é o público para o qual será destinado; bem como suas
características culturais e sociais; não desconsiderando as contradições e assimetrias que
estão postas em nossa sociedade capitalista. Faz-se necessário um equilíbrio na fase de
concepção dos produtos industriais, de valores tanto da dimensão tecnológica, quanto da
social; como da mesma maneira, entre as questões de ordem ambiental, estético-formais
e as semântico-culturais, valorizando-se, de igual modo, conhecimentos sobre a técnica
e os atributos do âmbito da arte no universo do Design. Assim, de serem
interpretados os valores culturais de uma determinada sociedade, transmitindo-os não
apenas através da forma como se apresentam os produtos em sua relação técnica e
social, mas também em seus níveis de significados.
Isso posto, queremos reafirmar, apoiados em Escorel (2000, p.39), que compete
aos designers, sempre na esfera projetiva, buscar administrar os excessos causados por
uma dinâmica cuja ideologia perseguida é a tudo transformar em mercadoria. Portanto,
cabe aos designers, aterem-se ao compromisso de reatualizar permanentemente as
tradições culturais de seu país, procurando resistir à homogeneização característica de
uma economia globalizada. Buscando com sua técnica profissional e sua intuição,
transformar, através do projeto, o particular em universal. Ainda nessa perspectiva,
destacamos uma direção apontada por Astiz (apud MACIEL, 2004, p.40), pela qual o
“fazer Designnão se estreita ao exercício de uma atividade técnica, mas sobretudo, ir
274
em busca do uso da imaginação, que permita criar soluções de “forma lógica e criativa”,
motivadas por critérios específicos do projeto e não por modismos.
Ressaltamos mais uma vez o nível projetivo, pois acreditamos que este repousa
nas metodologias projetivas que busquem orientar os profissionais em tela, a
conhecerem e apreenderem não somente questões da esfera tecnológica; como também
as de outras áreas (afins) de conhecimento; lembrando que, não como fazer projeto,
sem ideologia (ARGAN, 2005). Nesse sentido, parafraseando este historiador, se o
mundo moderno tender a ser um mundo de objetos e sujeitos, de coisas pensadas,
devemos buscar um outro mundo, não de programados, mas de “projetistas”, um mundo
em que as pessoas possam, realmente, pensar e fazer. Assim, um “bom designer
(cidadão) não se permitirá ser passivo ao criar soluções para suas demandas, sob uma
diretriz unilateral. Ele haverá de estar imbuído de questionamentos tanto do seu papel
enquanto cidadão no mundo, quanto do status quo vigente, procurando produzir
conhecimentos e contribuições também compromissados com a qualidade existencial de
grande parte da nossa sociedade.
À guisa de finalizarmos nossas considerações, não obstante todas as observações
e preocupações que deixamos registradas, e, em que pese propormos para a área do
Design, compromissos mais direcionados para a esfera social, sua materialização não é
uma tarefa de fácil realização. Ainda que em diversos momentos de nosso trabalho,
expressamos considerações e ponderações que conduzem as atividades de Design como
mediadoras da qualidade da produção existencial humana, uma profunda (e necessária)
mudança de paradigmas conceituais, teórico-metodológicos e projetivos aos designers,
em uma sociedade em que o Sistema Capital é hegemônico, não nos parece ainda ser
possível.
Entretanto, permitindo-nos ter “sonhos políticos”, deixamos registrado um viés
projetivo em que se estabeleça como parâmetro, o homem; isto é, entendemos que os
atributos alocados nos objetos e sistemas devam visar a uma maior qualidade de vida,
dando possibilidades do homem se libertar e integrar-se à natureza. O “bom designer
deve estar preocupado em obter uma melhor interface com o usuário e não somente
visar atender as diretrizes do mercado. Essas, no entanto, são tarefas sobre as quais
devemos todos, profissionais da educação/designers, nos debruçar e incentivar.
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