Assim, embora fosse um compositor de formação erudita, sua criação e o retorno ao ambiente
amazônico fizeram com que ele tivesse uma forte ligação com o folclore e a música em sua
língua, o português do Brasil. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, a paixão por sua terra
aumentou ainda mais, pois veio acompanhada pela saudade. Devido a suas próprias ideias e
por influência de Mário de Andrade, de quem tornou-se amigo em 1935
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, preocupava-se em
fazer música nacional. As fontes folclóricas que serviram de inspiração a Waldemar Henrique
eram transformadas em seu repertório composicional e obtidas de materiais originais,
oriundos de suas experiências e vivências folclóricas.
Não sou um folclorista, jamais aquele folclorista ideal de Bela Bartòk que deveria
possuir uma erudição enciclopédica, conhecimentos filológicos e fonéticos, preparo
sociológico, museológico, coreográfico e de história. Estou perto do folclore apenas
porque desde criança me acostumaram a gostar dos folguedos juninos, dos pastorís
natalinos, dos cocos e emboladas praieiras, das chulas marajoaras, dos carimbós, dos
bumbás; puseram-me agoniado com as histórias de cobra-grande, uiara, curupira,
atraíram-me para os arraiais do Divino, pescarias, enfim, toda aquela magia
fantasmagórica em que vivemos atolados na Amazônia daquele tempo. (GODINHO,
1989. p. 60) [grifo do autor]
[…] mesmo sem pesquisar folclore amazônico, estaríamos capacitados para compor
musica folclórica – o tal folclore imaginário, que parece que é mas não é, com todos
os ingredientes melódicos, modais, rítmicos, inflexionais e tonais da criação
espontânea e simples do caboclo daquelas bandas. Pois foi o que eu fiz
intuitivamente, aliás, já com a preocupação de compor brasileiramente,
nacionalmente, como pregava Mário de Andrade […] (GODINHO, 1989, p. 61)
[grifo do autor]
Trouxe para a música tudo aquilo que me falou ao espírito e ao coração. [...] Foi
neste mundo fantasmagórico que fui buscar estes temas inesgotáveis da Cobra-
Grande, do Uirapuru, da Matintaperera, do Boto, do Tamba-tajá, que às vezes, em
noite de vigília, o rádio me traz de volta de terras distantes. (GODINHO, 1989. p.
80)
Não se considerava folclorista, mas assimilou essa cultura, fruto do imaginário popular,
reforçada pela educação recebida e pelo ambiente em que viveu.
Dentre as características folclóricas que dominam toda sua obra, Waldemar
Henrique adora certas constantes que, por sua feição e colocação, são especiais. A
principal dessas constantes é uma certa flutuação do texto literário sobre
pouquíssimas notas, de modo especial em Minha terra e em todas as “Lendas
Amazônicas”, que são caracterizadas por uma extrema economia de meios
composicionais utilizados, como Tamba-tajá, em que durante nada menos de oito
compassos comparecem apenas duas notas, podendo-se dizer que uma das mais
famosas canções de Waldemar é também uma das mais simples; em Foi boto,
sinhá!, percute Ré e Fá durante cinco compassos seguidos, em trecho que não só a
melodia é despojadíssima, mas também o ritmo. (CLAVER FILHO, 1978, p. 91)
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Informação retirada de ALIVERTI, 2003, p. 20.