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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO
Mestrado em Bioética
HÉLIO ANTONIO TEÓFILO DA SILVA
O CASO RAMÓN SAMPEDRO: UMA LEITURA BIOÉTICA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Bioética do Centro Universitário São Camilo,
orientada pelo Prof. Dr. Pe. Leocir Pessini e co-
orientada pela Profª. Dra. Margareth Rose Priel,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Bioética
SÃO PAULO
2009
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EPÍGRAFE
Não me vendo, vida por esse
prazer tão pouco;
é tão desprezível o amor que
me dás,
tua mesquinhez tornou-me
orgulhoso,
prefiro deixar-te, esperava
de ti maior generosidade.
A morte é minha amiga, a
quero e respeito,
não me importa que a chames
de negra,
assustadora e fria. O que
queremos e desejamos
sempre parece belo ao nosso
olhar.
Ramón Sampedro
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DEDICATÓRIA
A Deus, Pai e única fonte de vida, meu louvor pela sua manifestação em tudo
e pela transformação individual em mim operada no sentido de maturidade
para que eu possa a cada dia tranformar-me em uma pessoa melhor face ao
desafio de um sustentável conviver cidadão.
A memória de meus pais Maria Helena Ribas da Silva e Antonio Teófilo da
Silva, que pelo exemplo de luta e muitas atitudes de paciência e amor fizeram
com que me tornasse uma pessoa perseverante dos meus ideais mesmo nos
momentos de dúvidas e incertezas.
Ao meu filho Alexandre, minha nora Tatiane e o mais recente membro da
minha família meu neto Gabriel, que com nome de anjo, trouxe nova luz à
nossa família, pelos momentos reconfortantes de alegria e amor
proporcionados.
Enfim a todos aqueles que em algum momento da minha existência, foram
sabiamente colocados a beira do meu caminho e que muito contribuíram em
todos os momentos fortes da jornada.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Pe. Leocir Pessini, pelo previlégio de ser seu aluno e orientando,
por sua confiança despositada em mim, ensinamentos, compreensão,
dedicação e pela amizade, os quais foram fundamentais para a concretização
deste trabalho.
À Profª. Drª Margareth Rose Priel, pela solidariedade e solicitude na co-
orientação deste trabalho, que muito contribuiu para que a experiência torna-
se maravilhosa.
À Profª Leda Virgínia Alves Moreno e à Bibliotecária Rosana Drigo pela
assistência e paciência, na revisão do texto, correção e sugestões para a
realização deste trabalho, num espaço de tempo ínfimo.
A todos os professores (as) do curso de Mestrado em Bioética, pelo incentivo
e pelo despertar deste saber tão inquietante.
A todos os colaboradores da instituição que de alguma forma e algum
momento me ajudaram de forma preciosa.
Ao Centro Universitário São Camilo, por proporcionar a possibilidade de
participar deste Mestrado.
RESUMO
O presente trabalho discute algumas questões fundamentais acerca do direito
de dispor da própria vida a partir do caso Ramóm Sampedro Cameán.
Inicialmente há uma apresentação do Ramón Sampedro “real” com seus
aspectos biográficos. A seguir foram escolhidas as seguintes questões éticas:
Sacralidade e Qualidade de Vida; Dignidade Humana e Autonomia; Dor e
Sofrimento e o Caso sob o aspecto da legislação brasileira. A discussão ética
avança nestes temas perpassando os aspectos religiosos, seculares e
jurídicos envolvidos no caso. A vida é um dom, um direito ou uma obrigação?
Está é a pergunta dos valores fundamentais que permeiam o caso Ramóm
Sampedro, do início ao fim do trabalho, e que somos desafiados a respeitar os
valores divergentes dos nossos. A partir desta investigação são elencados
elementos que propiciam uma reconceptualização do que se entende sobre o
direito de dispor da vida. Entre os elementos apontados neste estudo está o
conceito de fim de vida, que se destaca como uma construção pessoal,
advinda do direito de autodeterminação do paciente com base em suas
crenças pessoais.
Palavras chave: Bioética, Eutanásia, Suicídio Assistido, Autonomia.
ABSTRACT
The present work examines some vital questions about the right to dispose of
one’s own life considering chiefly the Ramón Sampedro Cameán. We first
present the “real” Ramón Sampedro Cameán in his biographical
characteristics. Then we consider the chosen ethical questions: Sacrality and
Quality of Life; Human Dignity and Autonomy; Pain and Suffering and
Cameán’s Case in terms of Brazilian law. The proposed ethical discussion
approaches theses themes taking into consideration religious, secular and
juridical aspects related to the case. Is life a gift, a right or an obligation? This
is the question about ground values that are present in Cameán’s case and are
examined throughout the work, and we are thus challenged to respect values
that disagree from our own. From this investigation, we list elements that allow
for a reconceptualization of what one understands by the right to dispose of
one’s own life. Among the aspects the study emphasizes is the concept of end
of life, which stands out as a personal construction stemming from patients
right to self-determination on the basis of their personal beliefs.
Keywords: Bioethics, Euthanasia; Assisted Suicide; Autonomy
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 11
3. DELIMITAÇÃO DO ESTUDO.................................................................................. 14
4. OBJETIVOS ............................................................................................................ 17
5. CONHECENDO O “RAMOM SAMPEDRO REAL”: ALGUNS ASPECTOS
BIOGRÁFICOS E DISCUSSÃO JURÍDICA ESPANHOLA DO CASO ................... 18
5.1 Outros casos semelhantes à Ramóm Sampedro na contemporaneidade............. 25
6. QUESTÕES BIOÉTICAS DO DIREITO À VIDA: RE-VISÕES E
INTERLOCUÇÕES................................................................................................. 28
6.1 Sacralidade e Qualidade de Vida............................................................................ 28
6.1.1 A visão de Ramón Sampedro.............................................................................. 39
6.2 Dignidade Humana e Autonomia........................................................................... 41
6.2.1 A Dignidade e a Autonomia na visão de Ramón Sampedro................................ 52
6.3 Dor e Sofrimento..................................................................................................... 55
6.3.1 Aspectos gerais sobre o conceito de dor e sofrimento ........................................ 55
6.3.2 Aspectos Religiosos sobre a dor e sofrimento..................................................... 57
6.3.3 Aspectos Filosóficos sobre dor e sofrimento........................................................ 60
6.3.4 Dor e sofrimento segundo Ramóm Sampedro..................................................... 61
6.4 O Caso Ramóm Sampedro Cameán sob o aspecto da legislação brasileira.......... 64
6.4.1 O Entendimento face à Constituição Federal Brasileira....................................... 67
6.4.2 O Direito Substantivo Brasileiro........................................................................... 74
6.4.3 Os Direitos Humanos no Código de Ética Médico Brasileiro ............................... 76
6.4.4 A Posição de Ramón Sampedro.......................................................................... 79
6.5 Valores que dão Sentido à Vida.............................................................................. 81
6.5.1 Vicktor Frankl e a busca de sentido..................................................................... 82
6.5.2 O Super-Homem e Stephen Hawking: duas realidades no encontro do
sentido de suas vidas......................................................................................... 84
6.5.3 O Sentido da vida para Ramón Sampedro .......................................................... 86
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................. 91
ANEXOS...................................................................................................................... 96
Anexo A - Testamento de Ramon Sampedro
Anexo B - Decision del Comité de Derechos Humanos
CCPR/C/80/D/1024/2001
9
1 INTRODUÇÃO
O tema central deste trabalho é a Eutanásia e o Suicídio Medicamente
Assistido, que deixam de ser apenas possibilidades de proporcionar morte a
alguém, para se inserir no contexto e no cenário mundial do respeito e da
dignidade da manutenção da vida em determinadas circunstâncias e do direito
de se morrer dignamente, sob o ponto de vista cultural ou o modo de ser da
pessoa.
Trata-se de uma questão atual, porém polêmica e divergente em que se
entrelaçam conceitos de moral e ética, o que ora faz com que se apresentem
como certos ou errados, dando uma amplitude que abarca e promove
reflexões sobre questões culturais, religiososa-filosóficas, técnico-jurídicas e
sócio-psicológicas, provocando profundas reflexões na sociedade, ainda
fortemente enraizadas em uma cultura religiosa ortodoxa.
Este trabalho procurará promover uma incursão no universo do direito de
morrer, apresentando uma série de dúvidas, controvérsias, interrogações a
respeito da angustiante questão da morte consciente, autorizada, desejada e
pleiteada, principalmente face às ocorrências recentes amplamente noticiadas
pela imprensa, sem, entretanto nos aprofundarmos em demasia, pois cada
uma das questões, por si só, mereceriam um tratado à parte.
Após uma razoável leitura a respeito de temas específicos sobre o
assunto, observa-se presente uma forte tendência, nos principais autores, em
procurar subtrair os valores considerados positivos e tentar realçar os
aspectos tidos como negativos da questão, o que nos motivou a analisar os
possíveis contextos na tentativa de encontrar respostas aos nossos
questionamentos e dúvidas, já que a grande maioria dos autores privilegiava
um conceito intelectualmente involutivo e preconceituoso.
Decorrente de uma experiência pessoal que fez desabrochar a semente da
curiosidade e conseqüentemente extrapolou os limites de um ambiente
10
pessoal, descobri que não existe um padrão único de comportamento que
pudesse trazer um maior esclarecimento a respeito de um assunto tão
profundo e polêmico, da perda das habilidades e controle físico, tão importante
para que uma pessoa possa ser reconhecida como plena, digna, autônoma e,
sobretudo capaz de encontrar um significado existencial para a sua vida,
sendo importantíssimo mencionar que é variável para cada indivíduo e que há
que ser respeitado.
Estas questões serão tratadas como um estudo preliminar, com a
expectativa de que este trabalho possa dar contribuição e algumas reflexões,
a partir de uma visão pluralista, interdisciplinar e transdisciplinar, para que não
se perca somente nas limitações de abordagens parciais ou consideradas
definitivas, mas de uma visão que permita contribuir com o universo do
conhecimento, já que todas as formas, desde que tratadas com o devido
respeito colaboram para um objetivo comum que é o serviço à vida humana.
11
2 JUSTIFICATIVA
A justificativa da presente investigação centra-se sob dois aspectos um
que demonstra nossas manifestações em relação ao tempo presente e outro
referente aos movimentos da realidade atual quanto aos fenômenos da
eutanásia e do suicídio medicamente assistido.
O posicionar-se contrário à Eutanásia e ao Suicídio Medicamente Assistido
não pode representar em impeditivo ou em distanciamento por questionar tal
temática, sobretudo como condição “a priori” de uma visão “proibitiva” ou
preconceituosa, o que tende a repercutir no aprofundamento da questão e na
efetividade de proposições na esfera dos direito humanos, conforme Horta,
citado em Siqueira-Batista e Scharamm:
[...] quando a vida física é considerada o bem supremo e
absoluto, acima da liberdade e da dignidade, o amor natural
pela vida se transforma em idolatria (SIQUEIRA-BATISTA E
SCHARAMM. 2004 p.5).
Há necessidade de ponderação entre a regra e os princípios que
precisam ser negociadas e compartilhadas num processo de mútuo
entendimento, principalmente porque o exercício do direito à autonomia da
vontade, com relação ao plano de vida e ação pelo paciente, gera deveres e
obrigações de respeito ao princípio da dignidade da natureza humana, para
que não estejamos gerando e perpetrando “mortos-vivos” e
consequentemente tensão social diante da realidade.
E ainda é importante a lição nas palavras de Jaramilho, quando lembra
que não podemos ignorar a representatividade do doente:
Tratando-se de doentes em estados vitais e existenciais
extremos, suas necessidades devem ser escutadas com
respeito diligente, em busca de soluções reais para seus
dilemas e sofrimentos. Não o fazendo, a Bioética continuaria
sendo um ente teórico ou um grupo de elite composto de
indivíduos notáveis, imersos em diálogos eruditos
intermináveis (outra Torre de Babel), afastados da realidade
de pessoas concretas, a quem diariamente continuam
12
oferecendo receitas mais que conhecidas, algumas
francamente em desuso ou indigeríveis (JARAMILLO, 2006,
p.95).
O primeiro ponto a considerar em relação a este estudo é o que mesmo
distancia-se de qualquer possível vantagem ou desvantagem que se possa
atribuir ao aceite da Eutanásia e do Suicídio Medicamente Assistido na
intenção de convencer, ou tampouco qualificá-los como bons ou maus,
corretas ou incorretas, divinas ou diabólicas e, principalmente incentivar a
prática de uma delas em particular, mas de fornecer um corpo de conceitos
que nos permitam refletir sobre a questão e os motivos daqueles que as
enfrentam e defendem, diante de tantas implicações de cunho legal, ética,
científica, religiosa, familiar e emocional, despojados de clichês e conceitos
tomados de várias fontes, sem uma elaboração ou entendimento próprio.
Por se tratar da análise de um tema polêmico e complexo, se
exige uma abertura de conceitos na mentalidade da sociedade, uma
percepção atenta e aguçada das razões provenientes das mais diversas
fontes, contexto cultural, disciplinas, de diferentes profissionais e ainda, muito
da aproximação real e sensível de outras pessoas, principalmente porque
pessoas “saudáveis” costumam adiar ou não pensar sobre a questão, até que
possa chegar um momento em que o exercício de sua autonomia não possa
ser exercido, porque está diante de uma situação real, impedida de fazer uso
de seu direito de ser dono de suas próprias decisões e sujeito à uma vida
dolorosa, marginal e limitada, com péssima qualidade de vida e confrontado
com o paradigma que torna a vida um bem absoluto diante do repúdio
imediato à morte.
Portanto, não se pode continuar a esconder diante do tabu “morte”
instaurada na civilização ocidental. Não se despreza a vontade do maior
interessado, daquele que pede um fim, sob a forma de uma eutanásia
libertadora do seu sofrimento, martírio, indignidade ou o nome que se queira
dar àquilo que chamamos de vida e que o individuo não suporta mais viver,
exposto a uma situação físico-psico-social de degradação, de dependência
13
total de terceiros, inclusive para as suas necessidades mais básicas como ser
humano.
Há pesquisas que demonstram que algumas pessoas, mesmo estando
na mesma situação continuam lutando para viver, enquanto outras
“simplesmente” resolvem abandonar a luta. Este, entretanto, não é objeto do
presente trabalho nesta discussão.
E aqui surge de forma oportuna o questionamento de Jaramilho que
merece uma profunda reflexão:
Você acha que em casos como esses devem ser aplicadas as
regras comuns de manejo, sob o pretexto de interesses e
deveres universalizáveis (ou seja, para todas as pessoas
nessa situação) ou, ao contrário, deve-se permitir a opção
pessoal? O argumento da proteção dos fracos soa muito frágil
diante do atropelo de uma vontade livre e adquire o tom de
imposição cultural com a destruição da autonomia individual
(JARAMILLO, 2006 p. 167).
Não serão analisados casos hipotéticos, supostamente considerados
como escolha idealmente autônoma, mas prioritariamente, procurar identificar
e estabelecer características concretas específicas de um caso real, que
possibilite ou defina uma ação ou rumo como corretamente válidos para o
exercício da autonomia e dos direitos dela decorrente, pois, considerar a
autonomia, no âmbito da Bioética, como um bem e direito fundamental exige o
desenvolvimento de uma análise ética contextual e conseqüentemente
individual, incorporando até mesmo elementos do desenvolvimento da
personalidade humana.
Finalmente é importante mencionar que entre os elementos
motivadores ao estudo bioético da Eutanásia e do Suicídio Medicamente
Assistido relacionam-se inicialmente a nossa experiência pessoal vivenciada
há aproximadamente vinte e cinco anos. A proximidade afetiva com um doente
terminal por longo período constitui-se decisiva à escolha do presente tema de
investigação.
14
3 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO
Considerando a ampla problemática que hoje se estende sobre o tema da
Eutanásia e do Suicídio Medicamente Assistido, propôs-se como delimitação
de estudo a análise de uma situação específica, não de um caso fronteiriço
entre a vida e a morte, mas um que se apresenta com graves limitações, ao
nível existencial ou vivencial.
O caso em questão é o de um portador de um quadro neurológico muito
grave, a tetraplegia ou quadriplégica, que ocorre quando uma paralisia afeta
todas as extremidades, tanto superiores e inferiores, juntamente com a
musculatura do tronco, impossibilitando o portador de mover os membros,
quando ainda poderá, em grau variável, manifestar distúrbios da mecânica
respiratória ou de outros sistemas. Portanto, nos referimos às condições
pessoais de um paciente que não apresenta um risco de morte, mas sim uma
afecção severa com limitação do projeto pessoal, com dependência extrema
ou considerada insuportável pela pessoa afetada, que opta por antecipar a
morte em momento oportuno, sob alegação de vivia num inferno, contrapondo
todos os argumentos contrários de seus críticos.
A primeira delimitação importante deste estudo diz respeito ao campo dos
instrumentos a serem utilizados e desenvolvidos. Iremos adotar como base
para o desenvolvimento do trabalho o livro Cartas do Inferno, de Ramón
Sampedro; com prólogo de Alejandro Amenábar e tradução de Lea P.
Zylberlicht, publicado pela Editora Planeta do Brasil; São Paulo: 2005 e o
Filme vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2005, Mar Adentro,
de Alejandro Amenábar - Twenty Century Fox Home Entertaiment.
Apesar do filme de Alejandro Amenábar conter um forte conteúdo poético
quando procura externar de maneira convicta e serena o sentimento de
Ramon Sampedro, sobre a sua condição de vida e de seu desejo de libertar-
se dela, contribui muito com a discussão do que pode ser considerado como
15
sendo vida, além de suscitar e expandir muitos outros questionamentos
morais sobre a eutanásia e o suicídio medicamente assistido.
Neste estudo os procedimentos metodológicos envolvem revisão
bibliográfica e análise documental, objetivando elucidar e analisar os
fundamentos e pressupostos bioéticos da questão sobre a Eutanásia e do
Suicídio Medicamente Assistido, a partir de diferentes enfoques e do caso
particular de Ramón Sampedro.
Vários autores que nos pareceram significativos ao tema foram
selecionados para análise e para fornecer elementos objetivos a este trabalho,
tendo como alvo, fundamentos:
Religiosos
Filosóficos
Jurídicos
Sociológicos
A pesquisa bibliográfica abrangeu toda a literatura sobre o tema de
estudo assim como publicações em periódicos científicos, boletins, jornais,
revistas, monografias e filmes
Quanto à forma de abordagem, esta dissertação procurou apoiar-se na
pesquisa descritivo-analítica, uma vez que o tema não oferece oportunidade
de quantificação, e a compreensão dos significados e das diferentes
interpretações básicas à conclusão não estão sujeitas ao crivo da pesquisa
qualitativa.
Todo processo engendrado neste trabalho busca responder às
questões orientadoras e as diversas formas de interpretação do processo
vivenciado pelo protagonista Ramóm Sampedro, do estudo com a interlocução
e interpretação de teóricos e pesquisadores sobre o tema, sem procurar
estabelecer nenhuma idéia pré-concebida, mas com o objetivo de encontrar
possíveis pontos em comum, embora ambivalentes na maior parte do tempo,
16
mas que ao final possam em alguma medida colaborar com o serviço à vida
humana digna e autônoma.
17
4 OBJETIVOS
4.1 Objetivo Geral
Destacar e refletir sobre as principais questões éticas que dão guarida à
pergunta: o indivíduo tem o direito de dispor da própria vida, a partir do caso
Ramón Sampedro?
4.2 Objetivos Específicos
Trazer à luz, os argumentos éticos e confrontar com as principais
questões bioéticas identificadas pelo caso Ramón Sampedro. Este estudo
limita-se a uma revisão bibliográfica das principais questões Bioéticas contida
nestes dois instrumentos (filme e livro), abordando pontos considerados
relevantes, divididos sob os seguintes pilares:
Sacralidade de vida e Qualidade de Vida
Dignidade Humana e Autonomia
Dor e Sofrimento
Do Direito
Valores que dão Sentido à Vida
A partir desse desenvolvimento abordaremos alguns pensamentos de
Ramón Sampedro como contraponto às questões éticas apresentadas e para
dar uma idéia do seu pensamento sobre estas questões, dos dilemas morais e
pessoais. Iremos em de cada uma das abordagens, apresentar algumas
colocações extraídas do livro Cartas do Inferno que manifestam de forma clara
e inequívoca o pensamento de Ramón, para que possamos ter uma noção
das idéias que se relacionam entre si.
18
5 Conhecendo o “Ramóm Sampedro real”: alguns aspectos biográficos
e discussão jurídica espanhola do caso.
“Viver é um direito,
não uma obrigação. (SAMPEDRO, 2005).
Meu equilíbrio – se é que existe – consiste
em saber que se pode sobreviver domesticado
no inferno, mas sem esquecer jamais
que é absurdo viver nele. (SAMPEDRO, 2005).
Ramón Sampedro Cameán era espanhol, nascido em Xuño (La
Corunã). Aos vinte e dois anos consegue um emprego como mecânico de
navio mercante, o que lhe permite viajar quarenta e nove portos do mundo,
em busca de novos horizontes, que é sonho de todo jovem. Saudável,
contava à época 26 anos de idade, quando, no dia 23 de agosto de 1968,
após mergulhar no mar, do alto de um rochedo, quando a maré havia retraído,
chocou a cabeça com a areia, passando a sofrer de uma lesão medular,
resultado da fratura da sétima vértebra cervical, denominada “C-7”. Viveu
durante trinta anos como tetraplégico, sempre amparado pelo amor, atenção e
dedicação de seus amigos e principalmente dos familiares, sonhando com a
liberdade através de uma morte digna. Em 13 de janeiro de 1998, ajudado por
seus amigos e em segredo consegue o seu objetivo, quando coube a si
mesmo o ato de ingerir cianureto, um veneno de efeito rápido, posto ao
alcance de sua boca, em um copo e sorvido por intermédio de um canudo,
voluntariamente.
Ocorreu no noticiário uma ampla exposição da discussão travada nos
meios jurídicos, políticos e principalmente religiosos, do pedido apresentado
em 1993 por seus representantes legais junto às Cortes Cíveis Espanholas,
para que se obtivesse permissão de morrer dignamente, de acordo com seus
princípios e crenças, uma vez que, segundo suas próprias palavras:
19
[...] se eu fosse um animal teria recebido um tratamento de
acordo com os sentimentos humanos mais nobres. Teriam
posto fim a minha vida porque pareceria desumano deixar-me
neste estado pelo resto da vida (SAMPEDRO, 2005, p.17).
E ainda, a vida para ele era uma tortura insuportável, já que havia
perdido o equilíbrio que segundo seu raciocínio jamais poderia ser
restabelecido novamente, além do que, para algumas pessoas o fato de
tornar-se completamente dependente é degradante e objeto de uma angústia
insuportável. Ainda, de acordo com suas palavras:
[...] desde esse dia sou uma cabeça viva em um corpo morto.
Poderia dizer que sou um espírito falante de um morto
(SAMPEDRO, 2005, p.17).
Sua luta judicial para obter a liberdade para sua própria morte esteve
pautada no cuidado de não causar problemas às pessoas que poderiam
ajudá-lo e foi apoiada pela Associação Direito de Morrer Dignamente da
Espanha, chegando ao Tribunal de Direitos Humanos em Estrasburgo. Seus
advogados defenderam em todos os momentos que se tratava de uma
questão legal a ser considerada por um Estado “laico”, onde não deveriam ter
peso princípios teológicos e religiosos no encaminhamento e decisão da
questão. Durante cinco anos e apesar de todos os esforços empreendidos, os
tribunais indeferiram os pedidos, apegando-se mais à forma do que ao mérito
das petições, alegando ainda que eles não estavam “concretamente
garantidos” pela lei espanhola.
Diante da negação dos tribunais, Ramón decidiu não mais esperar por
uma resolução jurídica, e no dia 13 de janeiro de 1998 foi encontrado morto.
Os desdobramentos “pós-mortem” revelaram, conforme a necrópsia, que a
sua morte havia decorrido da ingestão de Cianureto. Ramón havia elaborado
um plano em que houve a intervenção de muitas pessoas, porém sempre com
o cuidado de que nenhuma delas realizasse nenhuma ação constitutiva do
próprio delito que pudesse criminalizá-las.
20
Também foi gravado um vídeo de aproximadamente vinte minutos
antes de sua morte, com as suas últimas palavras no qual manifesta seus
últimos argumentos contra a imobilidade e ineficácia jurídico-política do
estado, o paternalismo intolerante e o fanatismo religiosos, narrando ainda o
processo de sua própria morte e a evidência de que havia sido auxiliado por
amigos, os quais ele eximia de qualquer responsabilidade, uma vez que a
decisão e o ato final foram por ele realizados voluntariamente.
Verificamos ainda que em vida Ramón sempre foi bem assistido pela
família, composta de seu pai, irmão, sua cunhada Manuela que manifestava
preocupações e cuidados como se a um filho e seu sobrinho. Embora
pessoas de origem humilde, de formação rural, não há registro de que
houvera em qualquer momento falta de amor ou carências econômicas,
apesar de serem totalmente contrários à vontade de Ramón.
Ramon Sampedro foi auxiliado pela advogada que tomou sua causa e a
conduziu num primeiro momento à corte, ajudando-o a editar e publicar um
livro – “Cartas do Inferno” – que é uma série de poesias, prosas, cartas e
escritos, que trazem sua visão pessoal, retratando de forma intensa a sua
saga e as suas opiniões acerca da tetraplegia, suas limitações funcionais,
suas questões morais e sobre as pessoas que a sofrem, deixando de ser
somente uma luta pessoal para tornar-se um amplo debate junto à sociedade
e em especial aos que sofrem de alguma disfunção física incapacitante. Ao
publicar este livro trouxe ao público em geral a oportunidade de manifestar sua
indignação e principalmente a possibilidade de debater a questão sobre o
envolvimento do Estado, da religião e de todas as pessoas que impõem a sua
vontade sob o manto da lei.
O filme acabou de certa forma convertendo-se na “versão oficial” da
vida e da saga de Ramón Sampedro, provocando comoção, reação natural
ante a dor humana e muita confusão, porque apresenta várias questões sem
explicação, como o hiato de vinte e cinco anos, que vai do início do acidente,
com a conseqüente tetraplegia à sua luta com as cortes judiciais, dando a
21
impressão que nada ocorreu nada de relevante na vida de Ramón, digno de
nota neste período.
Além disso, com da publicação do livro e posteriormente do filme
observamos que a preocupação maior foi para além de transmitir as principais
idéias de Ramón, e sim glorificar a extensão de alguns de seus pensamentos
e transformá-los num debate midiático e conseqüentemente num assunto de
caráter social, convertendo sua visão pessoal em realidade, como quando ele
afirma que a vida não é um dom, mas um direito, que tanto poderia oferecer-
lhe a escolha de mantê-la ou interrompê-la e quando alguém procura oferecer
alguma razão para a vida, Ramón procura rechaçar com agressividade.
Identificamos que o filme apesar de sua tentativa de promover uma
discussão em profundidade da questão acaba apresentando o tema, de
maneira bastante tendenciosa em vários momentos, com uma complexidade
argumental muito mais sentimental do que racional, levando o expectador para
onde o diretor tem intenção.
Como no caso da caricatura patética, inverossímil do padre jesuíta
tetraplégico, que é apresentado como um místico irracional, que procura
usando argumentos e esquemas religiosos convencê-lo a todo custo sobre a
irracionalidade do seu ato, o que torna a discussão totalmente absurda ante os
argumentos irredutíveis de ambos e do conhecimento bastante preciso a
respeito de seus pontos de vista e do sentido de suas vidas.
Para Ramón a sua consciência é o seu deus, sendo que o real objetivo
da cena é uma crítica contra todo o corpo da igreja pelos seus erros passados,
valendo ressaltar que nunca houve este tipo de o dialogo entre ambos na
realidade.
Outro ponto que merece destaque e uma breve reflexão antes de
adentramos ao exame proposto pelo trabalho, é o caso da própria tetraplegia
de Ramón. Sabe-se que este tipo de situação causa profundos impactos
pessoais, familiares, emocionais, sociais e econômicos, capaz de
22
desestruturar os envolvidos num primeiro momento. Mas a questão é de que
encontramos na literatura médica explicação de que as lesões que ocorrem
nas primeiras vértebras cervicais, isto é nas mais próximas da cabeça, são
muito mais graves, afetando a mobilidade e sensibilidade dos quatro
membros, do que as produzidas nas regiões dorsais e lombares, o que obriga
inclusive o uso de respiradores artificiais, marca-passos, sondas alimentares,
etc. Entretanto a medida que a lesão se afasta da cabeça, embora limitadas, à
gravidade diminui, permitindo até mesmo, após persistente acompanhamento
médico e fisioterapia permitir pequenos movimentos com os ombros, mãos
dando certa liberdade ao paciente.
No caso de Ramón Sampedro Cameán a lesão ocorreu na sétima
cervical, que de acordo com a literatura medica, se caracteriza como uma das
mais leves tetraplegias, o que permite a algumas pessoas, após aprenderem
usar as suas limitações, desempenharem algumas atividades. E é aqui que
surge uma dúvida importante, pois sendo Ramón portador de uma das mais
leves tetraplegias, não há registro de nenhuma tentativa de reabilitação,
embora exigisse a participação de médicos especializados, fisioterapeutas que
talvez não tivessem acesso na região rural, mas principalmente não há
nenhum registro da manifestação de sua vontade neste sentido, parecendo
que sua decisão final foi uma visão egocêntrica e antiquada de imobilidade no
leito, sem uma reflexão mais profunda do verdadeiro sentido de sua luta e
suas perspectivas.
Portanto, não optando por nenhum tipo de auxílio especializado foi
responsável pelo seu futuro e conseqüentemente por suas limitações, optando
inclusive por permanecer prostrado em uma cama, tendo como única ligação
com o mundo exterior a janela de seu quarto, recusando-se inclusive a utilizar
uma cadeira de rodas que pudesse ao menos transportá-lo de encontro ao
mundo externo ao seu limitado quarto, agindo como se estivesse vingando-se
de um castigo imposto pela vida, o que merece uma reflexão: é normal este
tipo de reação?
23
É finalmente importante esclarecer que a luta de Ramón Sampedro não
é pela legalização da eutanásia, conforme confusão criada no filme com a
discussão com o representante da Igreja Católica, pois conforme Houaiss,
(2001):
Eutanásia s.f. (1986 cf, SC) 1. MED ato de proporcionar morte
sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável
que produz dores intoleráveis [...] (HOUAISS, 2001, p.1276)
Na realidade a morte digna pleiteada por Ramón, era pela legalização
do suicídio assistido, cuja proibição estava contemplada na Ley Orgánica
10/1995, de 23 de noviembro del Código Penal, livro II. Delitos Y SUS Penas.
Titulo I Del Homicício Y sus Formas.
O artigo143 do Código Penal Espanhol afirma textualmente:
Articulo 143.
1. El que induzca al suicídio de otro será castigado con la
pena de prisión de cuatro a ocho años.
2. Se impondrá la pena de prisión de dos a cinco años al
que coopere con actos necesarios al suicídio de uma persona.
3. Será castigado com la pena de prisión de seis a diez
años si la cooperación llegara hasta el punto de ejecutar la
muerte.
4. El que causare o cooperare activamente com actos
necesarios y directos a la muerte de outro, por la peticíon
expresa, seria e inequívoca de éste, en el caso de que la
victima sufriera una enfermedad grave que conduciría
necesariamente a su muerte, o que produjera graves
padecimientos permanentes y dificiles de soportar, será
castigado con la pena inferior em uno o dos grados a las
senãladas em los números 2 y 3 de este artículo.
Ramón Sampedro não era candidato à eutanásia, na sua correta
acepção, mas sim do suicídio assistido, pois não era um paciente terminal,
mas alguém que se negava a continuar vivendo em tais circunstâncias.
Embora a morte de Ramóm Sampedro Cameán tenha ocorrido em 12
de janeiro de 1998, Manuela Sanlés, cunhada de Ramón, que foi designada
sua herdeira em testamento, amparada pelo seu advogado, impetrou ação
24
junto ao Tribunal Constitucional da Espanha, reclamando o direito de ser
representante processual do caso Ramón e a reformulação das sentenças
anteriores, que não reconheceram o direito de morte de Ramón Sampedro e
da ajuda por parte de um médico para que ele morresse com dignidade, como
uma reação normal de solidariedade e compaixão, o que não lhe fora
permitido.
Como ocorrera nas oportunidades anteriores a ação foi novamente
indeferida, com a decisão do tribunal em arquivar o processo, o que levou
Manuela Sanlés em 28 de março de 2001, a recorrer ao Tribunal Europeu de
Direitos Humanos das Nações Unidas, conforme Protocolo nº 1024/2001 do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos – Comitê de Direitos Humanos
das Nações Unidas (CCPR/C/80/D/1024/2001), solicitando a revisão das
decisões adotadas previamente por outros órgão jurisdicionais, alegando
violação do direito a uma vida e morte digna, a não ingerência do Estado
Espanhol no exercício de sua liberdade e o reconhecimento de seu direito de
igualdade.
Finalmente, após exame das alegações e pretensões, na 80º reunião
do Comitê dos Direitos Humanos, realizado no período de 15 de março a 2 de
abril de 2004, a ação é rechaçada, sob alegação de ausência suficiente de
fundamentos para admissão no distinto Tribunal do Comitê dos Direitos
Humanos das Nações Unidas.
Surpreendentemente, em 12 de novembro de 2004, após prescrito o
delito de acordo com as leis espanholas, de forma que não poderia mais ser
responsabilizada penalmente, Ramona Maneira, amiga de Ramón Sampedro,
confessa publicamente que ajudou o amigo por amor, descrevendo detalhes
da preparação da solução venenosa e da ligação da câmera de vídeo para
que ficasse registrado as ultimas palavras do tetraplégico.
Mas diante do exposto, o que observamos no filme e absorvemos do
livro, nos desperta algumas questões que merecem uma maior reflexão: Seria
Ramón Sampedro realmente uma pessoa equilibrada? Poderia ele
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padecer de alguma desordem psíquica? E o que é mais relevante e
intrigante, qual o origem real do seu acidente, sendo Ramón Sampedro,
um marinheiro experiente e conhecedor do mar e de suas
movimentações?
5.1 Outros Casos Semelhantes à Ramóm Sampedro na
Contemporaneidade
Vários outros casos tiveram repercussões semelhantes e fizeram parte
da mídia mobilizando amplamente a sociedade, promovendo intensos debates
e envolvendo a tomada de decisões de juristas, médicos, jornalistas, filósofos,
religiosos, políticos e, que após exaustivos trâmites jurídicos, tiveram os seus
pedidos negados, mas os pacientes acabaram conseguindo os seus objetivos
com ajuda de alguém que por motivos de “compaixão ou piedade”
implementou a ação.
Vale lembrar o caso de Vincent Humbert, na França, que após um
acidente automobilístico, em 2000, ficou tetraplégico, mudo e cego aos 19
anos de idade. Ele conseguia se comunicar somente através de um dos
polegares. Teve misturado aos seus alimentos, por sua mãe, uma combinação
forte de barbitúricos que provocou sua morte em 2003. Também, mais
recente, foi amplamente noticiado, no Jornal “O Estado de São Paulo” do dia
22 de Dezembro de 2006, no Caderno Vida, sob o título “Médico desliga
aparelhos de italiano que acendeu debate sobre a eutanásia”, o caso do poeta
e escritor italiano Piergiorgio Welby, 61 anos, que sofria de distrofia muscular
, uma doença degenerativa, e que desde 1997, era mantido vivo por estar
ligado a um respirador artificial e alimentado por sondas.
Na Espanha tivemos também o caso de Inmaculada Echeverria, de 51
anos, que ficou conhecida como a enferma de Granada, sua cidade natal, e
que por aproximadamente dez anos, esteve internada em um hospital ligado à
Igreja Católica, a qual dificultava a sua opção pela eutanásia. Inmaculada
sofria de distrofia muscular desde a tenra idade de 11 anos e nos últimos vinte
anos esteve presa a uma cama hospitalar, conectada a um respirador artificial.
26
Tivemos também o caso recente do pentaplégico Jorge Léon Escudero,
ocorrido em 22 de setembro de 2006, em Valladolid, também na Espanha.
O que temos em comum nestes casos aqui mencionados é o fato de
serem todos eles casos de eutanásia ou de suicídio assistido, mas com o
destaque que diferem dos quais o paciente é aquele considerado terminal, ou
seja aquele que , encontrando-se já em fase tal de sua patologia, evoluirá
inexoravelmente para o óbito, sem que haja nenhum recurso médico capaz de
evitar esse desfecho e independente dos esforços empregados, mas de
pacientes portadores de uma doença incurável que não resulta na morte, mas
que ele a tendo suportado corajosamente por anos a considera indigna ,
tornando a sua vida insuportável, degradante e sem sentido, recusado-se a
ultrapassar certo limiar, e como tal competente para buscar a sua morte de
maneira fundamentada.
Sabemos que o homem, sendo uma totalidade em si mesmo, é ao
mesmo tempo um ser social por natureza. Ele nasce independentemente de
sua vontade, inserido em um momento histórico determinado, e assimila ao
longo de sua vida uma bagagem de conhecimentos extraída da sociedade em
que vive, e que por sua vez também dá a sua parcela de contribuição para
enriquecê-la. Ele vive uma interação dinâmica com o seu meio, natural ou
social, sem a qual sua sobrevivência seria impossível.
Conforme Mônica Gutierres:
[...] sendo racional, mas também finito, o homem é dotado de
desejos, de apetites e de inclinações que quer, naturalmente,
ver satisfeito e cuja satisfação lhe proporciona felicidade, pelo
que admitir possibilidade de o ser humano renunciar a sua
felicidade significaria ingenuamente admitir a possibilidade de
o homem renunciar a si mesmo, da sua própria natureza
(GUTIERRES, 2006, p. 12).
Para maior clareza, dividiremos nosso trabalho em vários capítulos que
propiciarão uma leitura das principais questões bioéticas envolvendo a
questão da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, sempre
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procurando apresentar a argumentação dos principais autores, suas posições
filosóficas e as dificuldades relacionadas a tais posições, que muitas vezes
poderão se apresentar como aparentemente insuperáveis.
Após a apresentação do caso do protagonista e de casos assemelhados
na problemática da Eutanásia e do Suicídio na contemporaneidade,
passaremos as principais questões bioéticas identificadas no caso Ramón
Sampedro.
28
6 QUESTÕES BIOÉTICAS LIGADAS AO DIREITO A VIDA: RE-VISÕES E
INTERLOCUÇÕES
6.1 Sacralidade e Qualidade de Vida
Em primeiro lugar iremos analisar a questão sob o ponto de vista da
sacralidade da vida, que usualmente se constitui no primeiro argumento
utilizado pelos defensores da vida em detrimento ao direito de se dispor da
própria vida e que traz como fundamento uma forte argumentação religiosa,
principalmente de cunho cristão seja fundamentalista, ortodoxa ou mais liberal
(Católicos, Protestantes, Espíritas, etc), embora haja uma corrente laica que
destaca o valor intrínseco da vida humana, manifestando um temor reverencial
a vida por ser ela um “milagre da natureza”, propondo inclusive a inclusão do
“Princípio ou Referencial da Reverência” aos atuais da Bioética.
O fundamento básico do respeitar a vida, conforme mencionado, tem suas
raízes na convicção da fé sobre a sacralidade da vida, na sua santidade, na
sua dignidade, valor ou sentido, procedente de uma relação íntima e
transcendental do ser humano para com Deus, Senhor absoluto e criador da
vida à sua imagem e semelhança, o que lhe confere caráter sagrado e
inviolável, porque esta é a manifestação da presença de Deus na vida
humana, fazendo com que o ser humano nunca perca a sua dignidade seja
qual for a circunstância, física, psíquica, social ou relacional em que se
encontre.
Sendo assim, a vida do homem é um dom inestimável, no qual ele
somente usufrui e não se apropria, pois a vida de uma pessoa não lhe
pertence, mas sim a Deus, desde o princípio até o fim, cabendo ainda extrair
dela toda a sua potencialidade intrínseca, a sua riqueza, conforme sustenta a
teologia tomasiana, conforme mencionado por Pessini:
Para Thomas de Aquino as pessoas têm somente o direito de
usar a vida humana, não o domínio sobre ela. Matar é proibido
porque é usurpar de uma prerrogativa divina e o exercício de
29
liberdade consiste na livre aceitação da morte (PESSINI,
1980, p.80).
Temos que considerar como referência expressiva dessa argumentação
a Carta Encíclica do Papa João Paulo II, Evangelium Vitae, documento oficial
da igreja católica, sobre a inviolabilidade da vida humana, e que fornece uma
postulação do senhorio de Deus sobre a vida, e um alerta à considerada
consciência obscurecida do homem na atualidade e a sua dificuldade cada
vez mais sentida de distinguir entre o bem e o mal quando menciona que:
A vida humana é sagrada, porque, desde a sua origem, supõe
“a ação criadora de Deus” e mantém-se para sempre numa
relação especial com o criador, seu único fim. Só Deus é
Senhor da vida, desde o princípio até o fim: ninguém, em
circunstância alguma, pode reivindicar o direito de destruir um
ser humano inocente (JOÃO PAULO II, 2007, p.106).
E ainda:
Deus proclama-se Senhor absoluto da vida do homem,
formado à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-28). A vida
Humana possui, portanto, um caráter sagrado e inviolável, no
qual se reflete a própria inviolabilidade do Criador (JOÃO
PAULO II, 2007, p.106).
Mais adiante o documento faz uma solene condenação a respeito da
eutanásia e do suicídio assistido, expressando que ambos são contrários e
inaceitáveis perante a Igreja Católica, temos:
A eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia
própria do suicídio ou do homicídio (JOÃO PAULO II, 2006, p.
132).
Expressamente com relação ao suicídio assistido temos:
Compartilhar a intenção suicida de outrem e ajudar a realizá-la
mediante o chamado “suicídio assistido” significa fazer-se
colaborador e, por vezes, autor em primeira pessoa de uma
injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando
requerida. “Nunca é lícito – escreve com admirável atualidade
Santo Agostinho - matar o outro: ainda que ele quisesse,
mesmo se o pedisse, porque suspenso entre a vida e a morte,
suplica ser ajudado a libertar a alma que luta contra os laços
30
do corpo e deseja desprender-se; nem é lícito sequer quando
o doente já não estivesse em condições de sobreviver (JOÃO
PAULO, 2006 p. 134).
Outro documento de bastante importância para a Doutrina Católica, e
que merece destaque, esta contido na Declaração sobre a Eutanásia da
Congregação para a Doutrina da Fé, originalmente publicado no
L”Osservatore Romano, edição portuguesa de 3/8/1980, que condena prática
da eutanásia como um ato de rebeldia contra a soberania e desígnios de
Deus em relação à vida e que tem o objetivo de orientar os Católicos,
conforme podemos ver abaixo:
A matéria proposta neste documento diz respeito, antes de
tudo àqueles que põem a sua fé e a sua esperança em Cristo,
que, pela sua vida, morte e ressurreição, deram um sentido
novo à existência e especialmente à morte dos cristãos,
segundo as palavras de São Paulo: “se vivemos, vivemos para
o Senhor”. “Portanto, na vida e na morte pertencemos ao
Senhor” (RM 14,8: cf. FL 1,20).
Também se destaca a importância da vida Humana e o valor
incomparável da pessoa humana, que merece a máxima consideração e o
mais intenso respeito às suas realidades, nada justificando argumentos
pluralistas de ordem políticas que possam tornar a vida um objeto, porque a
boa morte, na acepção católica não ocorre somente na esfera física, mas
quando esta preparada para trilhar o caminho espiritual que a Ele conduz, e
que os percalços da vida, quando aceitos com resignação são meios de se
alcançar a redenção, o que portanto constitui-se num atentado contra Deus,
toda e qualquer forma de abreviação da vida que tem caráter sagrado,
conforme explícito na Declaração sobre a Eutanásia:
1. Ninguém pode atentar contra a vida de um homem
inocente, sem com isso se opor ao amor de Deus para com
ele, sem violar um direito fundamental que não se pode perder
nem alienar sem cometer um crime de extrema gravidade;
2. Todos os homens têm o dever de conformar a sua vida
com a vontade de do Criador. A vida é-lhes confiada como um
bem que devem fazer frutificar já neste mundo, mas só
encontrará perfeição plena na vida eterna;
3. Morte voluntária ou suicídio, portanto, é tão
inaceitável quanto o homicídio: porque tal ato da parte do
31
homem constitui uma recusa da soberania de Deus e dos
seus desígnios de amor. Além disso, o suicídio é, muitas
vezes rejeição do amor para consigo mesmo, negação da
aspiração natural à vida, abdicação diante das obrigações de
justiça e caridade para com o próximo, para com as várias
comunidades e para com todo o corpo social - se bem que
por vezes, como sabemos, intervenham condições
psicológicas que podem atenuar ou mesmo suprimir por
completo a responsabilidade. “É preciso, no entanto, distinguir
bem entre suicídio e aquele sacrifício pelo qual, por causa
superior – como honra de Deus, a salvação das almas ou o
serviço dos irmãos – alguém dá ou expõe a própria vida [...]
(
SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA
FÉ, 1980)
Portanto, para a Doutrina Católica toda e qualquer renúncia à vida ou
atentado contra ela esta em desacordo com o mandamento divino, porque a
vida como manifestação de Deus, proclamada na encíclica é inviolável, não se
justificando nenhum ato que possa abreviá-la do seu início ao seu termo,
cabendo ao homem a sua administração e glorificação e aceitação de que
entre os valores inerentes à sociedade, o da defesa da vida e do direito a ela,
desde o momento da sua concepção até a sua morte natural é o principal.
Isa Fonnegra de Jaramillo lembra que até mesmo em questões
conflitantes, amparadas por uma argumentação relacional de caráter positivo,
a igreja procura sobrepor-se ao entendimento da lei civil, conclamando aos
crente ao exercício do livre-arbítrio e, desta forma, manter estabelecido a
supremacia da vida:
A doutrina Católica determina àqueles que pertencem à
Igreja, que não tem por que se submeter à leis que
considerem moralmente injustas, o que dá lugar à objeção de
consciência, se é que haja na lei a pretensão de autorizar ou
impor alguém a proceder contra seus princípios ou aqueles
observadores da sua religião (JARAMILLO, 2006, p.162).
Temos clara posição com relação a este aspecto, na análise do
documento da Declaração final da XIII Assembléia Geral e do Congresso
Internacional sobre o tema "A consciência cristã em apoio do direito à vida"
(15 de março de 2007):
32
Outra coordenada que põe à prova a consciência cristã, além
do elemento cultural, é constituída pelas normas jurídicas em
vigor, tanto as codificadas como as que são definidas pelos
tribunais e pelas sentenças dos tribunais que, de maneira
crescente e sob uma forte pressão de grupos interligados e
influentes, abriram e continuam a abrir a fenda desastrosa das
despenalizações: prevêem-se exceções ao direito individual à
vida, vão-se legitimando atentados cada vez mais singulares à
vida humana, terminando de fato por ignorar que a vida é o
fundamento de todos os outros direitos da pessoa, e que o
respeito devido à dignidade de cada ser humano constitui o
alicerce da liberdade e da responsabilidade [...] (PONTIFÍCIA
ACADEMIA PARA A VIDA, p. 2).
Zuccaro (2007) fornece ainda elementos que dão uma sustentabilidade
argumentativa não absoluta, mais maleável a esta relação de dependência,
reconhecendo uma autonomia relativa, quando diz:
Em suma a relação entre Deus e o homem não pode ser
compreendida nem segundo um “modelo feudal”, no qual o
servo pertence ao senhor do feudo como uma coisa de sua
propriedade, nem segundo um “modelo comercial”, no qual
Deus e o homem fariam concorrência um ao outro em relação
ao domínio a ser exercido sobre o mundo e sobre a vida. A
imagem que talvez reflita mais a verdade são a relação e as
ações considerando que a atual personalidade do filho e as
decisões que ele toma são autônomas, embora interpretadas
a partir da educação recebida. Nesse contexto, certamente é
possível que o filho se distancie dos valores recebidos dos
pais, mas isso não necessariamente significa contradize-los.
De fato, poder-se-ia tratar também de um prolongamento dos
valores recebidos e interpretados com base em circunstâncias
históricas que são diferentes do momento em que aqueles
valores foram transmitidos (ZUCCARO, 2007, p.158).
Por outro lado existe uma concepção de sagrado secular, que não tem
origem no religioso transcendental, mas sim de que a vida tem um valor
intrínseco, que é absoluto, e que por si só tem que ser respeitada pela sua
preciosidade e consequentemente a sua perda é vergonhosa e condenável. O
principal defensor desta teoria é Ronald Dworkin, em seu livro publicado em
1993, sob o título “Life´s Dominationan argument about abortation, euthanasia
and individual freedom (Domínio da Vida – aborto, eutanásia e liberdades
individuais). Desta forma abandonamos um plano transcendental para uma
concepção relacional mais realista, que procura preencher a lacuna existente
33
entre as argumentações das diversas entidades “pro-vida” e torná-la aceita
pelos que partilham da concepção da santidade da vida.
A grande questão que se coloca é quanto a determinação do que vem a
ser o valor intrínseco da vida, o que lhe confere este caráter de preciosidade,
que ao mesmo tempo justifica a sua inviolabilidade. Isto porque ele se
concretiza sob diversos elementos sentimentais e intuitivos decorrente da
nossa cultura e experiência, não havendo, portanto, um padrão objetivo, o que
poderia em certos momentos conferir-lhe um valor mais ou menos precioso de
acordo com a situação concreta.
Como exemplo desse sentimento intuitivo da preciosidade da vida,
vivenciamos o horror que a morte nos inspira e como consideramos um erro,
uma profanação do inviolável, que uma espécie produzida pela evolução
venha a desaparecer e, são vários os entendimentos neste sentido.
Hintermeyer, assim se refere quanto a este sentimento:
A morte é vivenciada como absurda e sem sentido. Ela
questiona tudo o que homem é e faz, interrompe as suas
atividades, priva-o do que adquirira, daquilo a que se apegava,
separa-o dos que lhe eram caros, impede qualquer projeto
seu. É um desarraigamento, uma violência, uma brutalidade,
contra a qual os seres vivos não cessam de sublevar-se
(HINTERMEYER, 2006, p.16).
Dworkin (2006) considera que o valor intrínseco da vida independe de
um atributo instrumental, ou seja, da valoração do que é bom para as pessoas
ou da utilidade proporcionada por ela, mas de uma qualidade que as coisas
trazem por si e por que não dizer em si mesmas, o que justifica o fato de ser
preservada, respeitadas e venerada, independentemente dos interesses,
necessidades e desejos manifestados pelo seu portador.
Esse intrínseco, em Dworkin (2006), apresenta duas vertentes: uma
subjetiva que esta relacionada ao desejo por si mesmo e outra objetiva que
lhe confere ora um caráter relacional, o que implica em uma relação direta e
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íntima entre o objeto portador de valor e o sujeito e outra não relacional, que
independe do sujeito, mas sim unicamente da propriedade da coisa.
Dworkin (2006) apresenta em Domínio da Vida, também como um dos
argumentos para justificar o caráter de sagrado da vida, que esta não é
somente resultado da criação natural, mas de um processo que constitui a sua
história, a sua biografia, ou seja, o de que somos o resultado da evolução, do
aperfeiçoamento e do investimento de milhares de anos das gerações e
também da criação humana que trabalhado pela natureza obedece a um
plano, projeto ou empreendimento, que nos desperta o sentimento de
deslumbramento ante a maravilha da vida, que por si só justificaria a
preservação da vida humana e não a sua destruição.
Para Dworkin (2006) a argumentação mais sólida sobre a
inviolabilidade da vida reside exatamente na convicção de que ela é um
investimento, um desenvolvimento do que chamamos de “milagre da
reprodução humana”, que tem como fonte criadora não só a natural
(biológica), mas como coadjuvante o resultado da força humana consciente e
criadora, que em conjunto proporciona ao ser humano incorporar e dar
continuidade a milhões de formas de vida, de valores e de culturas e, por isso,
já justifica a preservação da vida, independentemente de se viver uma “vida
boa”, isto é, da qualidade a ela atribuída e independente do estágio de
desenvolvimento em que ela se encontra.
O conceito de sagrado da vida, para Dworkin (2006), pode até mesmo
fornecer elementos para uma argumentação a favor da eutanásia e do suicídio
medicamente assistido, se considerarmos que a dor e o sofrimento, expresso
por uma doença debilitante ou terminal possa estar agredindo, a maravilha e a
sacralidade da vida.
A posição de Dworkin (2006) se aproxima muito da concepção
conservadora (vitalista), de inviolabilidade absoluta, ou seja, que o
investimento natural em uma vida, decorrente da complexidade do processo
criativo evolutivo, uma vez iniciado, domina em absoluto a santidade da vida,
35
ou seja, implica no respeito absoluto ao valor intrínseco dos processos
biológicos, o que não justificaria em nenhum momento uma intervenção
humana que viesse a frustrar o seu desenvolvimento.
A concepção vitalista amplia a base de entendimento considerando que
a vida é um pressuposto absoluto, supremo, que todos os outros princípios
devem estar subordinados, uma vez que, este dá base a qualquer outro valor
ou direito, isto é, tem como pressuposto básico que a sua existência é que
fornece “em princípio, todo e qualquer fundamento moral ou legal para a
existência dos demais, podendo ainda ser dito que se houvesse uma
possibilidade de construção de uma escala de valores, seria a vida humana a
que estaria na sua base, dada a sua importância vital no processo da vida e
que a intervenção direta no seu processo poderia até mesmo comprometer a
existência da raça humana.
Esta posição está em contraste com as correntes de linha “pro-vida”,
que a utilizam para se posicionarem contra o aborto e a eutanásia, justificando
que a atitude normal diante de uma vida é o dever de mantê-la a qualquer
preço, independente das conseqüências que possam advir de tal decisão.
Esta é uma argumentação que deve ser observada com certo cuidado,
porque o excesso na valorização da dimensão biológica da vida, não a isenta
de questões morais e acaba fornecendo contrapontos contundentes contra a
continuidade dela em determinadas circunstâncias onde não há nenhuma
qualidade de vida, se opondo inclusive à obstinação terapêutica, que muitas
vezes pode até ser uma forma de “eutanásia prolongada e mais suave” e o
aborto de fetos com mal formação, situações que podem ser consideradas
como agressoras da concepção da santidade da vida.
De outra forma, a submissão total da dependência à vontade divina
também revela um abuso na interpretação e revela contradições ao discutir a
indisponibilidade da vida, quando sabemos que não há nenhuma imoralidade
no homem intervir na natureza quando necessário, caso contrárias estaríamos
diante de um dilema ético com a ciência médica, pois ela a todo o momento
36
dispõe sobre a vida humana. Rachels, citado em Zuccaro (2006), capta esta
questão com precisão quando manifesta:
[...] a indisponibilidade da vida à fé que a faz depender só de
Deus e vislumbra nisso uma contradição quando, ao contrário,
a medicina intervém para curar as doenças, mostrando como
frequentemente o homem tem o poder de dispor da vida de
seus semelhantes (ZUCCARO, 2006 p.98).
A aceitação total da dependência à vontade divina e a necessidade de
uma autonomia humana sempre foi um fator de tensão, que se manifesta de
diversas maneiras.
Contudo há uma corrente mais flexível, aproximando-se de uma
concepção utilitarista, que contra-argumenta que este sentimento de sagrado,
inviolável, não é absoluto, pois ele possui um valor intrínseco somente sob
certas circunstâncias nas quais ela acontece, havendo, portanto, algumas as
quais, depreciariam o seu valor e não ofereceria mais razões para a sua
continuidade, decorrente da impossibilidade de tê-la como um meio de
consecução de uma vida realizadora ou de viver bem, sem sofrimento e com
dignidade.
A busca do homem pelo “viver bem” sempre esteve presente, assim
como vários foram os recursos utilizados para o exercício da sua força criativa,
que lhe permitiram não só garantir os meios de subsistência, mas garantir a
satisfação de suas preferências e dar um sentido à sua vida; é o que vemos
em Aristóteles, fundamentado por Bittar, quando analisa a origem da vida
aglomerada , comunitária:
[...] surgiu a polis, tendo como objetivo primacial a
subsistência, ou seja, proverem os homens reciprocamente de
suas necessidades, persistindo com o tempo, não em função
unicamente da subsistência, mas para o bem viver (BITTAR,
2003, p.178).
Portanto, é da natureza humana as pessoas buscarem realizar a sua
vida de acordo com as suas convicções e valores, objetivando vivê-la bem e
com integridade e, não tão somente desfrutá-la, embora, a idéia de vivê-la
37
bem varie de pessoa para pessoa, constituindo-se para algum como
segurança, ou conforto, ou realização profissional ou social, mas sempre
tendo como objetivo final dar um sentido às suas vidas.
Viver bem ou ter uma vida boa não significa ter uma vida reflexiva,
pautada numa constante análise da nossa conduta a frente a padrões morais
pré-estabelecidos ou incrementais, mas determinada por uma maneira que
nos assegure ser proveitosa, satisfatória e realizadora de ser vivida.
Outro argumento ético que se faz cada vez mais presente é defendido
por uma corrente humanista ética secular, que se opõe diametralmente à
concepção da sacralidade da vida como um referencial absoluto, procurando
demonstrar que a sacralidade é limitada cognitivamente para determinar a
indisponibilidade da vida e, portanto, sua impraticabilidade moral. Essa nova
visão reconhece o valor da vida, mas confere a essa uma limitação
circunstancial (depende das circunstâncias em que ela se expressa) e
considera como elemento aferidor o conceito subjetivo de “qualidade de vida”
como determinante de seu valor e a atitude em relação à ela, o que significa
dizer que embora o indivíduo tenha o direito à vida, nem sempre o seu
exercício lhe será vantajoso, isto é, lhe trará benefícios o que em certas
circunstâncias, talvez fosse melhor morrer antecipadamente.
Encontramos um alerta da Igreja Católica com a visão minimalista dado
ao conceito de qualidade de vida quando se considera somente como “um
bem estar físico” em detrimento ao conceito de sacralidade da vida, como está
contido no documento da Assembléia Geral da Pontifícia Acadêmica Para a
Vida sobre o tema “Qualidade de Vida e Ética da Saúde! De 21-23 de
fevereiro de 2005 - intervenção de sua Excia D. Elio Sgreccia:
Ao lado destas acepções, surgiu progressivamente outro
significado muito diferente, de índole acentuadamente
reduzida, porque se refere de modo prioritário ao bem-estar
físico da pessoa em sentido "seletivo"; efetivamente, é com
base nisto que se afirma que onde não existe um nível
aceitável de qualidade de vida, a própria vida perde o valor e
não merece ser vivida... Por conseguinte, nesta perspectiva, a
expressão "qualidade de vida" adquire um caráter oposto ao
38
de "sacralidade de vida": em síntese, a qualidade torna-se
absoluta e a sacralidade relativa. Aliás, atribui-se ao conceito
de sacralidade inclusivamente um significado negativo, como
o de um "vitalismo" injustificado (SGRECCIA, 2002, p. 1-2).
O conceito de qualidade de vida é outro de difícil determinação, já que
está ligado principalmente à Teoria Econômica e Social, onde, por exemplo,
pode ser confundido com o “ter” bens de consumo a disposição, pode ainda
ser dado um significado mais atual de ecológico, más é totalmente variável
durante o nosso estágio de vida, obedecendo a parâmetros culturais, sociais e
profissionais, os quais basicamente residem na possibilidade de satisfazermos
as nossas necessidades básicas como seres humanos e termos uma vida
“bem vivida ou boa”, de acordo com a forma concebida por cada indivíduo, e
que os complete enquanto seres humanos. Em outras palavras qualidade de
vida está diretamente relacionada com a forma que empreendermos o nosso
projeto de vida e conseqüentemente a tornamos uma vida valiosa de ser
vivida, como afirma Pessini:
O conceito de qualidade de vida é interpretado significando
que o valor da vida humana é determinado em parte pela
habilidade da pessoa realizar certos objetivos na vida. Quando
estas habilidades não mais existem a obrigação de prolongar
ou continuar o tratamento não mais existe. Dentro dessa
chave de leitura o ser humano, como ser vivo, é uma história
pessoal cujo sentido é ele próprio quem dá (PESSINI, 1990,
p.77).
Constata-se que não há um conceito único com relação ao conceito de
qualidade de vida, que a literatura especifíca consultada considera como
sendo um bem-estar dos indivíduos, o respeito à sua capacidade de se auto-
gerir ou no exercício de condições mínimas de saúde, liberdade, segurança,
mas neste caso se tornará presente a pergunta: o que se entende por
condições mínimas?
A qualidade de vida está mais do que presente no desejo de viver uma
vida com qualidade, entre os seus meios subjetivos; a qualidade de vida deve
estar não somente à disposição da vida, mas, sobretudo das pessoas que não
39
conseguindo usufruí-la consideram a sua abreviação uma conquista pessoal
conforme encontramos em Dworkin (2006):
[...] Sem dúvida existem pessoas que, num estado, preferiam
ser conservadas vivas indefinidamente em virtude de suas
convicções religiosas: pensam elas que a decisão de não
prolongar a vida ao máximo é um pecado contra Deus, por
exemplo. Mas nem essas pessoas acham que elas mesmas
teriam interesse em continuar vivas; imagino que, nessa
situação a maioria delas prefereria morrer o mais rápido
possível, muito embora se fizesse todo o possível para
prolongar a vida. A morte prematura lhes pareceria uma
manifestação da misericórdia divina (DWORKIN, 2006, p.
217).
Desta forma, podemos segundo a reflexão liberal, somente a partir da
assunção da ética da qualidade de vida, o homem poderá dispor da sua
própria vida de maneira livre, autônoma e responsável, o que de do assumir a
ética na perspectiva da sacralidade da vida, na qual é expropriado do seu
domínio, ao tornar-se totalmente dependente de Deus.
6.1.1 A Visão de Ramón Sampedro
Sob outra ótica tem-se a posição de Ramón Sampedro relacionada à
qualidade de vida, principalmente condicionada à liberdade de locomoção e à
realização de um projeto pessoal dependente exclusivamente desta situação;
isto pode ser visto em várias passagens extraídas de seu livro Cartas do
Inferno:
Cada indivíduo é um projeto de vida em busca de verdade.
Cada vez que alguém proíbe uma pessoa de se libertar de um
sofrimento irracional, a mentira e a maldade é que são
protegidas, pois suponho que o argumento genial da
obrigação moral de suportar a dor, porque isso purifica o
homem, só pode ocorrer ao diabo. Quando se sacraliza o
império da lei e os fundamentos que a sustentam, mata-se a
razão e cria-se o mal (SAMPEDRO, 2005, p.188).
Em maior ou menor grau, todas as religiões propõem o
sofrimento como meio de purificação espiritual. Segundo elas,
a verdadeira vida está depois da morte. Para que somos
40
racionais então? Para nos transformarmos em sofredores
vocacionais? Para nos convencer é muito comum se recorrer
à exemplaridade do paciente sofredor. Mas se alguns seres
humanos, para compreender o quanto são afortunados,
necessitam ver outros sofrerem, é porque estão incapacitados
para amar (SAMPEDRO, 2005, p.210).
As crises das religiões sobrevêm porque sua estrutura
ideológica parte de uma falsa interpretação da lei evolutiva: as
religiões se negam a aceitar o predomínio da razão ética
sobre a crença, que é o mesmo que negar a ser coerentes e
responsáveis pelos seus próprios atos (SAMPEDRO, 2005,
p.217).
Desta forma a reflexão de Ramón representa um posicionamento contra a
hierarquia da Igreja Católica, quando esta se prevalece com a condição de
que tem o monopólio da moral, da virtude e do direito, independente de
qualquer circunstância concreta em que se encontra uma pessoa, ditando os
“Cânones” a serem seguidos. O que Ramóm argumenta é que a Igreja deveria
defender uma moral de responsabilidade, a qual humildemente sempre remete
para a consciência de todas as pessoas, às circunstâncias concretas em que
cada pessoa vive e é chamada a decidir.
Mas o que se sucede é uma coleção de argumentos egocêntricos, que
leva em consideração, somente a sua qualidade pessoal de tetraplégico, não
aceitando que a diversidade faz parte da dignidade, e que determinadas
ocorrências são parte da vida, mas para ele a única possibilidade aceitável
seria sua cura total, impossível, embora possamos ver que em nenhum
momento ele esteve aberto à alguma solução, o que diante da impossibilidade
fez com que se rebelasse contra a situação , transformando-a em uma luta
pessoal a ser vencida a qualquer custo.
Outra crítica que se faz presente são as várias afirmações
desrespeitosas em relação às demais pessoas acometidas pela mesma
afecção, mas que tem uma maneira de ver a situação totalmente diferente da
de Ramón, inclusive por achá-la covarde, desenvolvendo vários projetos de
vida diferente apesar de suas limitações e ainda encontrando um sentido para
às suas vidas diante da situação, donde se conclui que a sua luta em especial
41
não era com a tetraplegia mas, com a sua própria tetraplegia, uma vez que
ele se considerava um “morto crônico”.
6.2 Dignidades Humana e Autonomia
Observa-se o crescimento na literatura do número de pessoas que se
interessam por questões de como se preservar a dignidade humana e a
autonomia em circunstâncias de caráter vital e existencial e que manifestam
uma preocupação em ter acesso a um “morrer bem” ou a uma morte
considerada mais humana com o exercício pleno da sua autonomia e sem
interferência de outros no processo.
Entretanto a discussão ainda está longe de apontar um consenso, já
que, os debates continuam balizando firmemente que o foco é subordinar a
autonomia aos princípios da beneficiência e da não-maleficiência e,
conseqüentemente, gerando um paternalismo que restringe deliberadamente
a autonomia individual por parte de terceiros, desconsiderando-se ainda que a
dignidade de uma pessoa em geral está ligada à sua capacidade de “amor
próprio” e, considerando a inviolabilidade da vida como um elemento absoluto
da dignidade humana.
A grande problemática que se evidencia é em relação à definição de
dignidade da pessoa humana, pois ela não é uma criação legal, mas resultado
da realização ética do homem, carregando consigo vários significados, e
assim seu conteúdo, por decorrência, variará dependendo do grau de
amplitude interpretativa atribuída ao entendimento do conceito.
Vários são as concepções que dão suporte à questão da dignidade,
sendo uma delas de caráter religioso cristão, pois segundo os Testamentos o
homem adquire dignidade somente pela circunstância de ter sido criado à
imagem e semelhança de Deus, como citado em Jaramillo (2006):
42
[...] por possuir origem divina e destino divino, e porque a
humanidade e o cosmos se sublimaram devido ao fato de
haver humanizado e historizado Deus em Cristo, tanto o
cosmos como a pessoa humana possuem dignidade suprema,
dignidade divina, e merecem a máxima consideração, o mais
alto apreço e o mais intenso respeito. Desse modo dá caráter
sagrado a toda a realidade, mas especialmente à realidade
humana. Todo ser humano é sagrado; a vida humana é
sagrada (JARAMILLO, 2006, p. 136).
Mas a dignidade de uma pessoa está diretamente ligada à liberdade e
ao respeito pela sua individualidade, o que permite estabelecer uma relação
de conflito e tensão, pois quando há o dilema de renunciar a vida, sobretudo
quando que a pessoa possa vir a sofrer de limitações físicas e psíquicas
irreversíveis, tornando-se dependente de terceiros, alijada da sua autonomia,
da sua liberdade, sendo atingida na sua mais absoluta intimidade e
integridade. Impõe-se a reflexão: o que deverá prevalecer preservar a
dignidade que ainda resta, apesar de toda dor moral ou morrer com
dignidade?
Em primeiro lugar para contextualizar o assunto consultamos o
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, com relação ao sentido da palavra
“dignidade”:
Dignidade s.f. (SXIII cf. IVPM) 1. Qualidade moral que infunde
respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade,
nobreza. 2. Qualidade do que é grande, nobre e elevado 3.
Modo de alguém proceder ou de se apresentar que inspira
respeito; solenidade, gravidade, brio, distinção 4. Respeito aos
próprios sentimentos, valores; amor- próprio (HOUAISS, 2001,
p.1040).
Observa-se que o conceito de dignidade comporta duas vertentes: uma
implícita e outra explícita. A primeira tem um caráter subjetivo, voltada à esfera
da consciência individual, distante da atribuição de uma valoração objetiva,
pois é um valor ético pessoal, argumentando-se que somente o seu portador
tem capacidade de avaliá-la e dar um sentido próprio a ela, independente da
valoração da sociedade, porque é um atributo e construção pessoal, conforme
encontrado em Pessini:
43
A pessoa é o único juiz da qualidade de sua vida e de sua
dignidade. Ninguém pode julgar em seu lugar. O olhar que ela
lança sobre si mesma é o que conta, e não o olhar que os
outros poderiam lançar sobre ela. A dignidade depende da
liberdade de cada um. A dignidade se torna então uma
questão de estimação subjetiva. Ela evoca o julgamento de
que alguém faz de si mesmo [...] (PESSINI, 2004, p.136).
Também a precisão da sua conceituação não comporta uma definição
fixa e genérica por implicar em forte componente político o que permitirá dar
um aval liberal ou mais restrito, ou seja, paternalista, restringindo a dimensão
da autonomia e da autodeterminação individual, característica essa da
segunda vertente.
A dignidade humana foi estudada amplamente na filosofia, por diversos
pensadores, sendo que seu principal atributo esteve relacionado com a honra,
como um atributo externo, que circunda o homem decorrente de sua forma de
apresentação e posição no mundo, isto pode se constatar em Hobbes (1999):
O valor de um homem, tal como de todas as outras coisas é
seu preço; isto é tanto quanto seria dado pelo seu poder [...]
A manifestação do valor que mutuamente nós atribuímos é o
que vulgarmente se chama de honra e desonra. Atribuir a um
Homem um alto valor é honrá-lo, e um baixo valor é desonrá-
lo. Mas neste caso alto e baixo devem ser entendido em
comparação com o valor que cada homem atribui a si próprio
[...] O valor público de um homem, aquele que lhe é atribuído
pelo Estado, é o que os homens vulgarmente chamam de
dignidade. E esta sua avaliação pelo Estado se exprime
através de cargos de direção, funções judiciais e empregos
públicos, ou pelos nomes e títulos, introduzidos para distinção
de tal valor [...] (HOBBES, 1999, p.84-85)
Outra importante posição a ser verificada é a filosófica jusnaturalista
racionalista de Immanuel Kant que desenvolve toda uma argumentação com
base em uma dignidade própria ao ser humano, independente de
circunstâncias pessoais que possam ter, e que merecem o dever de respeito,
o que justifica a sua subordinação à ordem jurídica, pois com esse
reconhecimento está contido o sentimento de respeito como base universal da
convivência humana.
44
Esta argumentação refuta a condição do homem ter um preço, e muito
menos a sua dignidade, do uso da pessoa como um meio, já que ela é um fim
em si mesmo, portanto dá a ela um status universal.
[...] o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional –
existe como um fim em si mesmo, e não apenas como meio
para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as
suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele
mesmo como nas que o são a outros seres, racionais, deve
ser ele sempre considerado simultaneamente um fim. (KANT,
2008, p. 58)
Tal enunciado Kant denomina de “lei da moralidade” ou “Imperativo
categórico”, cuja fórmula constitue-se em mandamentos que submete a boa
vontade à razão.
“Age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo
querer que ela se torne lei universal”, ou ainda, “age como se
a máxima da tua ação devesse se tornar pela tua vontade, lei
universal da natureza” (KANT. 2008. p. 51-52) e ainda [...]
“age segundo uma máxima que contenha ao mesmo tempo
em si sua própria validade universal para todo ser racional”
(KANT, 2008, p.68).
Kant (2008) desenvolve a argumentação do dever necessário,
incondicionado, a que a todos devem se submeter, isto é dá um caráter
universal, fruto da lei que faculta a vontade e a moralidade a agirem em
conformidade com a legislação, como imperativos práticos universais, uma
vez que, somente assim seria possível atingir o reino dos fins.
[...] age segundo uma máxima que contenha ao mesmo
tempo em si sua própria validade universal para todo ser
racional (KANT, 2008, p.68)
E, para confirmação de que esse é um princípio prático e objetivo Kant (2008)
completa:
Segundo o conceito de dever necessário para consigo
mesmo, o homem que anda pensando em se suicidar
45
indagará a si mesmo se sua ação pode estar de acordo com a
idéia da humanidade como fim em si mesmo. Se para fugir a
uma situação penosa, se destrói a si mesmo, serve-se ele de
uma pessoa como de um simples meio para conservar até o
fim da vida uma situação tolerável. Mas, o homem não é uma
coisa; não é, portanto um objeto passível de ser utilizado
como simples meio, mas, pelo contrário deve ser considerado
sempre em todas as suas ações como um fim em si mesmo,
não posso, pois dispor do homem em minha pessoa para o
mutilar, degradar ou matar (KANT, 2008, p. 60).
Para Kant (2008) o imperativo categórico determina que a lei moral não
tem necessidade de ser provada ou justificada, porque ela não deriva de
nenhum pressuposto anterior, ou seja nós adquirimos consciência dos fatos
porque acima de tudo temos a consciência do dever, e completa:
Segue-se daqui incontestavelmente que todo ser racional,
como fim em si mesmo, terá de poder considerar-se, com
respeito a todas as leis a que possa estar submetido, ao
mesmo tempo como legislador universal; porque exatamente
essa aptidão de suas máximas para constituir a legislação
universal o distingue como um fim em si mesmo, e do mesmo
modo a sua dignidade (prerrogativa) em face de todos os
simples seres naturais tem como decorrência o haver de
tomar sempre suas máximas do ponto de vista dele próprio e,
ao mesmo tempo, do ponto de vista de todos os demais seres
racionais como legisladores (os quais, por isso, para ele se
chamam pessoas (KANT, 2008, p.68)
Hodiernamente a nossa sociedade tem aceitado o conceito de
dignidade humana como um dos pilares dos direitos humanos, amparado em
critérios objetivos de atuação e de decisão, situando-o no campo da intenção,
aferindo a moral dessa dignidade como um padrão de convivência entre os
homens em sociedade, que é variável de acordo com o processo histórico e
regional, ou seja, a dignidade humana é o resultado de um complexo e
dinâmico processo influenciado também pelos diversos elementos
constituintes da sociedade, até mesmo porque o homem carrega a sociedade
em si, uma vez, que é parte dela.
Assim sendo, quando se trata de interpretar a dignidade humana é
essencial considerar que a pessoa humana é o expoente máximo que merece
proteção absoluta em todos os seus vértices quer seja juridicamente,
46
socialmente ou espiritualmente, contendo um valor integrante sagrado que o
transforma em um bem de valor irrenunciável e protegido.
Sarlet (2001) reafirma esta condição ao propor:
É qualidade integrante e irrenunciável da condição humana,
devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida.
Não é criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico,
motivo por que não pode ser retirada, pois é inerente a cada
ser humano (SARLET, 2001, p. 41).
Então, dignidade humana é um valor absoluto que carrega em sua
dinâmica, a alternativa da preservação da própria raça humana, que
assumindo uma concepção de valor supremo a ser respeitada em seu mais
alto estágio, inclusive com a tutela total do ordenamento jurídico e do Estado.
Retomando Dworkin (2003) na definição de dignidade que prevalece o
direito das pessoas não serem afetadas em sua indignidade:
A expressão “direito à dignidade” é usada de muitas formas e
em muitos sentidos na filosofia moral e política, às vezes, por
exemplo, significa o direito de viver em condições quaisquer
que sejam, nas quais o amor-próprio é possível ou pertinente.
Aqui, porém, devemos examinar uma idéia mais limitada: a de
que as pessoas têm direito de não ser vítimas de indignidade,
de não ser tratadas de modo que, em sua cultura ou
comunidade, se entende como demonstração de desrespeito.
Toda sociedade civilizada tem padrões e convenções que
definem essas indignidades, que diferem conforme o lugar e a
época que se manifestam (DWORKIN, 2003, p.333-334).
O mesmo autor, ainda apresenta mais à frente, uma forte justificativa
com relação a essa indignidade que muitas vezes, as pessoas são
submetidas, sendo totalmente condenável por ser destrutiva aos mais íntimos
valores pessoais de todo ser humano isto é, intrínsecos à vida humana, como
a perda do amor próprio
Existe uma teoria pura para a qual a indignidade é condenável
por ser demasiada contrária a nossos interesses
experienciais. Essa teoria pressupõe que a indignidade
provoca em suas vítimas um sofrimento mental especialmente
grave e característico, do qual as pessoas se ressentem e que
as leva, em conseqüência, a sofrer mais com a indignidade do
47
que com qualquer outra forma de privação. Além disso, as
pessoas às quais se nega a dignidade podem perder o amor
próprio que ela protege, e tal recusa, por sua vez, faz com que
mergulhem em uma forma ainda mais terrível de sofrimento: o
desprezo e a aversão que passam a sentir por si próprias
(DWORKIN, 2003, p.335).
Deveras importante a observação quanto à perspectiva de
inalienabilidade e do respeito a cada pessoa de avaliar as suas próprias
qualidades e condições de existência, o que lhe daria um julgamento pessoal
sobre ter uma vida verdadeiramente humana. Esta pessoalidade do conceito
de dignidade fica clara em Pessini (2004):
A pessoa humana é o único juiz da qualidade de sua vida e de
sua dignidade. Ninguém pode julgar em seu lugar. O olhar que
ela lança sobre si mesma, é o que conta, e não o olhar que os
outros poderiam lançar sobre ela. A dignidade depende da
liberdade de cada um [...] “A dignidade se torna o julgamento
que alguém faz de si mesmo, ele próprio tributário das
condições de vida e do olhar do outro, e não mais aquela
atitude de princípio para além de toda estima e de todo
sentimento subjetivos que leva a tratar como semelhantes,
sob o aspecto de sua dignidade, mesmo aqueles que perdem
toda estima de si (PESSINI, 2004, p.136).
Muito se fala de dignidade da pessoa e em direitos humanos, mas
esquece-se dessa premissa elementar que há sentimento próprio em relação
a ela, a auto-estima, o amor-próprio, que é inerente ao valor da vida do ser
humano, base de qualquer direito, e do cuidado de não radicalizar-se a sua
compreensão conforme observamos em Pessini (2004):
A radicalização dessas perspectivas “em nome da dignidade”
também alimenta posturas intolerantes que vão justamente
negar o que é mais específico no humano, isto é, sua
“dignidade”. Basicamente temos que superar a visão que opõe
a onipotência divina e a autodeterminação humana. Nessa
equação a afirmação de um é obrigatoriamente a negação do
outro. Além disso, precisamos reinterpretar o princìpio da
inviolabilidade da vida, esta sendo vista como propriedade de
Deus e o ser humano como um mero administrador passivo
(PESSINI, 2004, p.142).
Outro elemento também importante de ser analisado é o conceito de
autonomia, uma vez que está ligado à dignidade humana e a capacidade de
48
autodeterminação. É um fenômeno muito mais complexo do que as
justificações que costumeiramente permeiam as discussões, até mesmo pela
dificuldade em fixarmos um conceito definitivo da palavra, isto porque, ele é
ambíguo, multifacetado e carrega intrinsecamente uma diversificada série de
atributos culturais, o que nos exige para o entendimento de sua amplitude
conceitual a consideração de elementos como contexto e o espaço social no
qual esta a autonomia
O conceito de autonomia embute posições conflituosas, podendo gerar
distorções, se comparado ao conceito de dignidade, dada a sua proximidade e
porque o seu exercício pressupõe a existência dessa dignidade. Também
porque que desconsidera uma visão pessoal que reconheça uma situação
concreta experencial e social do indivíduo, capaz de estabelecer direitos
exclusivamente no âmbito de sua importância e interesse.
Os direitos são vistos como fundamentais por causa do seu vínculo
com a autonomia e a não interferência, isto é, os direitos são projetados para
proporcionar às pessoas proteção contra a ameaça e interferência dos outros,
de modo a restringir a possibilidade ao mínimo de auto-governo por parte dos
indivíduos.
Vivemos num mundo plural onde não existe lugar para posições
ortodoxas e absolutas que possam ditar uma regra de maneira inconteste,
desprezando a consciência pessoal dos indivíduos. Isto nos obriga a
estabelecer um compromisso de respeito às diferenças, às convicções e à
privacidade, como forma de reconhecer a “individualização” das pessoas, fator
necessário à construção de uma sociedade plural, justa e forte o suficiente
para enfrentar os momentos de questionamentos e transição.
Compartilhamos a mesma opinião de Selleti, Garrafa (2005):
Num mundo plural, não existem absolutos. Em tempos de
pluralização, a moralidade perde sua força. A superficialidade
se revela, como uma faca de dois gumes, como outra face da
pluralidade. Com a crescente possibilidade de alternativas,
49
nenhuma delas se torna absoluta e profunda. Tudo passa a
ser relativo e a conseqüência desta pluralidade poderá ser
uma sociedade com raízes superficiais, frágeis a menos
turbulência, sem elementos reguladores ou integradores das
consciências. Nesta ordem de idéias, todas as pessoas
deverão ser adestradas no mundo das opções (SELLETI,
GARRAFA, 2005, p.88).
As raízes de toda questão da autonomia e da sua limitação emergem
de um conceito histórico, que ainda funda principalmente o entendimento
religioso cristão contemporâneo, cuja origem remonta aos primórdios do
cristianismo (aproximadamente século IV) e permeia todo o espaço de tempo
compreendido até o fim do século XVI, quando ocorre a ruptura do período
medieval para o moderno.
Este entendimento surge no contexto teológico da “queda bíblica do
homem”, isto é, que o homem tendo sido criado bom e perfeito, se revoltando
contra o Criador, usando do seu livre-arbítrio, decisão esta livre e autônoma,
como conseqüência perde, portanto, a capacidade de escolher entre o bem e
o mal, assim como de fazer o bem sem a intervenção de Deus, e dando
origem à teoria do pecado original, que estabelece o estado de corrupção e
defeito da natureza humana. Por outro lado reconhece que o homem só é livre
porque obedece a Deus, e a idéia cristã de submissão total e incondicional à
vontade de Deus é o elemento que determina a sua autonomia e a expressão
de sua vontade.
O cristão é livre porque só obedece a Deus. A verdade nos
torna livre porque situa o homem acima de qualquer
contingência, de qualquer temor, de qualquer aspiração a
algo. A verdade liberta porque submete o ser humano à ordem
objetiva que harmoniza seu espírito, livrando-o do capricho do
dominador de plantão (ROBLES, 2005, p. 69).
Várias foram as posições contrárias, principalmente com o fim do
período da Idade Média e o surgimento do Renascimento que trouxeram
consigo entre as sementes que contribuíram para a formação das fundações
do mundo moderno, dentre elas o ideal de liberdade sustentados pela tese
central de que cada um de nós é capaz de saber pensar em si mesmo, optar
50
como viver e comportar, assim como cada um de nós tem “poder para
executar e realizar”, segundo esse conhecimento.
Entretanto, encontra guarida até os dias hodiernos justificativas que
contemplam o uso restrito da liberdade individual ou não efetiva nos casos do
direito de “viver ou morrer”, já que o ser humano não teria capacidade de
exercê-lo em toda sua dimensão, e assim, estabelece uma base para justificar
o paternalismo, a ser exercido por terceiros que movido pelas suas
convicções, supostamente legítimas, delibera em nome da beneficiência ou
não maleficiência, desprezando todo e qualquer nível de compreensão do
indivíduo, bem como o contexto em que ele está inserido.
Um dos principais argumentos é o de que não somos capazes, como
agentes finitos, de enxergar as implicações daquilo que decidimos e, um
“tomador” de decisão fora do processo ou idealmente concebido pode ser
capaz de perceber todas as implicações envolvidas em uma escolha, e
determinar o melhor, tendo como foco um direito “universal” e próprio.
Este tipo de argumento despreza o fato de que o ser humano é o
artífice da sua vida e felicidade, amparado em seu direito de tomar decisões
importantes por si próprio, e de que esta só pode ser construída e conseguida
como resultado de um processo evolutivo decorrente das convicções,
experiências, definições e do sentido dado a ela, o que é próprio de cada ente,
conforme defesa de John Stuart Mill em On Liberty, citado por Agich (2008):
[...] que cada pessoa é juiz de sua própria felicidade e que na
busca autônoma dos próprios objetivos é ela própria uma
fonte importante de felicidade; portanto, a felicidade raramente
poderia ser maximizada por ações que contrariassem ou
desconsiderassem os objetivos dos outros. A substância da
interpretação-padrão da defesa Utilitarista da autonomia feita
por Mill é que não podemos deixar as pessoas em situação
melhor, isto é, promover sua felicidade, se a autonomia
individual é restringida (AGICH, 2008, p. 167).
A questão é que tende-se a avaliar a visão ou argumentação Utilitarista
como exclusivamente orientada para o resultado, como uma equação
51
matemática, e de acordo com aquilo que se considera correto, mas talvez,
seja preciso incluir os seus aspectos não consequencialistas, tendo em vista a
autonomia como condição básica e irredutível do ser enquanto agente
eticamente presente, capaz de avaliar os seus interesses fundamentais e,
portanto, responsável pelas suas decisões e resultados, desta forma teríamos
então uma perspectiva diferenciada e coerente com a busca da autonomia e
do respeito individual, condição esta que permite respeitar os interesses de
cada indivíduo sem interferência, é o que lembra Dworkin (2003):
[...] sobre o objetivo da autonomia, isto é, sobre a questão de
porque deveríamos respeitar as decisões que as pessoas
tomam quando não parecem a atender a interesses
fundamentais. Poderíamos atribuir a designação de critério
comprobatório a uma resposta popular segundo a qual
devemos respeitar as decisões que as pessoas tomam por si
próprias, mesmo quando as consideramos imprudentes, pois
em geral, cada pessoa sabe, melhor do que ninguém, o que
faz parte de seus interesse fundamentais. Apesar de
acreditarmos frequentemente que alguém cometeu um erro
aos avaliar quais são seus interesses, a experiência nos
ensina que, na maioria dos casos nós é que erramos ao
pensar assim. A longo prazo, portanto, é melhor reconhecer o
direito geral à autonomia e respeitá-lo sempre, em vez de nos
reservarmos o direito de interferir vida de outras pessoas
sempre que acreditamos que tenham cometido um erro
(DORKWIN, 2003, p.317).
A não adesão da perspectiva da base a um entendimento paternalista
calcado na concepção do valor intrínseco da vida, que nos permite acreditar
que sabemos melhor do que o interessado o que é mais benéfico a ele, o que
justifica e autoriza a ferir a sua autonomia e os seus interesses fundamentais
pessoais, desprezando a autodeterminação.
Somente reconhecendo que o agente pode exercer os seus direitos na
sua total plenitude, se auto-governando e assumindo toda a responsabilidade
dos seus desdobramentos poderíamos afirmar que, neste caso, o princípio da
autonomia consistiria na possibilidade do indivíduo, baseado em seus valores,
construídos durante a sua experiência de vida, estabelecer medidas, que
passariam a ter o caráter de uma normatização própria e que nortearia o seu
52
plano de vida, mesmo que marcado por uma alta carga de subjetividade e
individualismo, mereceria ser respeitado e não sofrer a ingerência de outros.
Esta argumentação encontra suporte em Dworkin (2003) ao afirmar
que:
A concepção de autonomia centrada na integridade não
pressupõe que as pessoas competentes tenham valores
coerentes, ou que sempre façam as melhores escolhas, ou
que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. Reconhece
que as pessoas frequentemente fazem escolhas que refletem
fraqueza, indecisão, capricho ou simples irracionalidade. [...] A
autonomia estimula e protege a capacidade das pessoas de
conduzir as suas vidas de acordo com uma percepção
individual de seu próprio caráter, uma percepção do que é
importante para elas (DORKWIN, 2003, p.319
).
6.2.1. A Dignidade e a Autonomia na Visão de Ramóm Sampedro
Sob outra ótica tem-se a posição de Ramón Sampedro que se contrasta
nos argumentos quanto à dignidade e autonomia.
Essa foi a primeira vez que comecei a olhar para as pessoas
a partir de um novo ponto de referência: de baixo. Puseram-
me em carro e me levaram para um centro médico, e assim
continuei a ver as caras das pessoas como fantasmas. De
baixo. Da maca. Da cama. Foi aí que comecei contemplar o
mundo do inferno. Parece que sempre via as pessoas lá em
cima... Queria me levantar, ficar na altura delas, o lugar que
tinha abandonado havia poucas horas. E tomei consciência de
que isso jamais voltaria acontecer (SAMPEDRO, 2005, p.25).
Nunca me farão acreditar, com seus argumentos de direito,
que proteger a vida humana, contra a vontade pessoal, é um
ato nobre, racional, humano, justo e bom. E não é por falta de
procurar compreende-los, mas porque quanto mais conheço
suas razões, mais absurdas me parecem (SAMPEDRO, 2005,
p.36).
Somente a análise que o indivíduo faz a partir de suas
próprias condições pode determinar o conceito de sua própria
dignidade. Somente a consciência pessoal pode aceitar como
digna e tolerável uma condição dolorosa que outro qualquer
53
consideraria irracional, indigna e insuportável (SAMPEDRO,
2005, p.168).
Meu único propósito é defender minha dignidade pessoal e
liberdade de consciência, não por capricho, mas porque os
valorizo e considero um princípio de justiça universal
(SAMPEDRO, 2005, p.238).
Na realidade se observa no filme é que Ramón Sampedro defende um
conceito de dignidade e autonomia compreendidas exclusivamente como
liberdade, e isto fica claro quando retratado na discussão sobre morte com
dignidade, com o religioso jesuíta que o visita em sua moradia, após um
intenso debate que termina com o seguinte diálogo:
[...] Jesuíta: Uma liberdade que elimina uma vida não é liberdade
Ramón: E uma vida que elimina a liberdade tampouco é uma vida
Fica patente no filme que Ramón tem uma perspectiva particularizada
de “morte digna” que se opõe à de dignidade da vida, rejeitando
veementemente toda e qualquer solução ou argumentação contrária ao seu
credo, chegando a muitos momentos rebelar-se contra qualquer forma de
manifestação contrária a sua. E o filme toma o cuidado de apresentar somente
argumentos a favor de Ramóm sendo raros os momentos que vemos uma
oportunidade de contraposição, talvez o momento mais significativo seja o da
discussão com o padre apesar de constituir-se a cena num momento patético.
A postura de Ramón predominantemente de cunho materialista e
individualista, não se preocupando com o sentimento e os valores dos que o
cercam como quando em determinado momento seu pai manifesta a sua dor e
incompreensão, quando diz no filme que: “Pior do que perder um filho é que
ele queira morrer”.
Sua luta se resumiu no direito à liberdade individual, não tendo sido
observado em nenhum momento, no filme “Mar Adentro” ou no livro “Cartas do
Inferno”, que ele transformou a questão em um símbolo coletivo; a sua
argumentação se restringia ao que de mais essencial a vida havia lhe
54
roubado, qual seja a liberdade individual e isto assume uma proporção de uma
tortura persecutória em sua vida que o leva a utilizar-se , embora muitas vezes
distorcidos, argumentos de humanismo e da dignidade, para justificar a
obsessão por morrer.
Esta é uma questão carregada de complexidades, cujos principais
obstáculos residem na nossa capacidade de percepção das razões internas e
externas de Ramón, para compreensão do que ele considerava sua principal
motivação para dar fim a sua vida, uma vez que, para ele sua dignidade já
havia morrido há muito tempo.
Em Mar Adentro, Ramóm adota uma postura liberal que se aproxima
muito da adotada por Dworkin, ressalta ele que a consciência necessária para
entender o seu drama é para alguns e se mostra indiferente o julgamento
moral do seu ato, desprezando os limites da autodeterminação, e
considerando a possibilidade de uma autonomia sem limites, inclusive
ofendendo a muitos daqueles que não compartilham dos seus argumentos,
pois estes consideravam verdadeiras conquistas os seus feitos, como o de ser
um escritor e poeta embora com a limitação do uso da boca; de ser um
inventor de objetos que serviam para o seu uso e dos demais, e que em
verdade teve uma vida produtiva embora dentro de certas circunstâncias,
mas que ao mesmo tempo alegava que não aceitava migalhas para viver.
Mas diante de tantas indagações que afloram a nossa imaginação diante
de um julgamento moral sobre o caso, mesmo que nos acerquemos do
princípio da prudência, uma assume uma posição relevante, qual teria sido a
motivação que levou Ramón a assumir uma atitude de passividade e
derrotista: Será que na realidade Ramón Sampedro apenas não ficara
somente cansado da sua luta diária para manter a sua dignidade?
55
6.3 Dor e Sofrimento
[...] a dor é como a Casa do Pai,
tem muitas moradas (CONY, 2007, p. 135).
A dor e o sofrimento implicam em ser considerados em sua
complexidade, uma vez que seu entendimento é por vezes de difícil alcance.
Muitos são os discursos a respeito do sofrimento, do seu sentido e do seu
caráter pedagógico, mas reduzidas do ponto de vista de sua complexidade e
de sua subjetividade, uma vez que seu entendimento e transparência são de
difícil percepção.
O mais difícil é tentar compreender o que uma pessoa realmente está
sentindo e principalmente dimensionar como está interpretandoa sua dor e o
seu sofrimento.
Na maioria das vezes a interpretação do fenômeno dor e sofrimento se
apresentam desconectada de uma vivência, sendo a questão colocada sob
um prisma totalmente filosófico, e acaba demonstrando ser um “discurso de
um cego sobre cores”, o que desabilita totalmente a argumentação, pois sofrer
é um fenômeno complexo, que somente habilita o autor plenamente quando o
discurso é sobre o seu próprio sofrimento, mas está continua objeto de muita
indagação porque buscamos explicação constante já que o ideal da vida é
vivê-la sem sofrimento.
6.3.1 Aspectos Gerais Sobre o Conceito de Dor e Sofrimento
A primeira etapa desta reflexão consiste em buscar uma amplitude
conceitual dos termos “dor” e “sofrimento” com vista ao estabelecimento dos
seus sentidos, uma vez que ambas sejam em muitos casos usadas
indistintamente. Temos que “dor é uma experiência sensorial, produzida pela
56
excitação de terminações nervosas sensíveis aos estímulos dolorosos e
classificada de acordo com o seu lugar, tipo e intensidade, periodicidade,
difusão e caráter” (HOUAISS, 2001, p.1077).
Sofrimento, segundo a conceituação com base no próprio HOUAISS
(2001, p.2598): [...] “é uma ação ou processo, dor moral; amargura,
ansiedade, angústia, martírio”. Observa-se assim que há um sentido mais
profundo para o ser humano, o que leva a crer que é possível sofrer sem
sentir dor, porque o sofrimento esta no campo extra-físico, no psíquico, nos
valores sociais, espirituais e na cultura da própria pessoa.
Esta também é a visão da Igreja Católica que considera a dimensão do
sofrimento como um fenômeno mais amplo, cujas causas são mais
abrangentes do que a dor física amparada num contexto clínico, mas que
assume as mais variadas formas e dimensões, como a psíquica, social e
espiritual, o que se pode constatar na Carta Apostólica “Salvifici Doloris”, do
Sumo Pontífice João Paulo II, sobre o sentido cristão do sofrimento humano:
O campo do sofrimento humano é muito mais vasto
muito mais diversificado e mais pluridimensional. O
homem sofre de diversas maneiras que nem sempre são
consideradas pela medicina, nem sequer pelos seus
ramos mais avançados. O sofrimento é algo mais amplo
e mais complexo do que a doença e, ao mesmo tempo,
algo mais profundamente enraizado na própria
humanidade. É nos dada uma idéia quanto a este
problema pela distinção de sofrimento físico e sofrimento
moral (JOÃOPAULO II, 2007, p.9-10).
Outro conceito de bastante relevância, por demonstrar que o sofrimento
se apresenta multifacetado e, conseqüentemente implica em várias
dimensões, encontra-se em Pessini (2001), quando cita Michel Maret:
Esquematicamente, podemos dizer que dor é fisiológica,
enquanto o sofrimento é psicológico. O sofrimento é muito
mais vasto, mais global, isto é, existencial. Ele inclui as
dimensões psíquicas, psicológicas, sociais e espirituais. A dor
é uma experiência psicossomática. A dor e o sofrimento se
reforçam mutuamente: uma dor muito forte e persistente pode
57
influir em todas as dimensões do sofrimento e, inversamente,
a ansiedade, a depressão, a solidão ou o sentimento do não-
sentido da vida podem acentuar a dor (PESSINI, 2001, p.290).
Jaramillo (2006) oferece também uma definição bastante interessante
que demonstra o impacto sobre todas as dimensões da pessoa:
Podemos definir o sofrimento como uma ferida aberta,
manifestada sob a forma de infelicidade ou sentimento de
depreciação que compromete a integridade da pessoa e que
pode ser variável, tanto no grau de afetação do marco
existencial e do projeto de vida, como em sua temporalidade
(estacionário, decrescente e progressivo) e grau de
suportabilidade (JARAMILLO, 2006, p.98).
Portanto, neste presente estudo opta-se pó considerar o sofrimento
como uma realidade existencial subjetiva, intensa e desintegradora da pessoa
e não somente da dor como disfunção biológica, uma doença, que é
considerada e pesquisada pela medicina, embora se constitua num importante
sinal de alguma anomalia do corpo humano.
Uma das maiores preocupações com relação ao sofrimento é procurar
dar-lhe um sentido pedagógico necessário e, que somente por intermédio dele
seria possível o ser humano atingir um nível de desenvolvimento conscencial
que o impulsionaria rumo a um plano transcendental e consequentemente de
uma realização plena.
6.3.2 Aspectos Religiosos sobre a Dor e Sofrimento
A primeira argumentação a respeito do sofrimento humano esta
diretamente ligada ao aspecto Bíblico do Antigo Testamento, que nos remete
a um contexto de culpa, reconhecendo que o homem sofre por transgredir a
leis de Deus, ou seja, desviar-se do caminho do bem e comprazer-se no do
mal, um sentido de correção dos seus desvios morais, é o que podemos ver
na Carta “Salvifici Doloris”:
58
O Cristianismo proclama que a existência é essencialmente
um bem e o bem daquilo que existe; professa a bondade do
criador e proclama o bem das criaturas. O homem sofre por
causa do mal, que é certa falta, limitação ou distorção do bem.
Poder-se-ia dizer que o homem sofre por causa de um bem do
qual não participa, do qual é, num certo sentido, excluído, ou
do qual ele próprio se privou. Sofre em particular quando <<
deveria >> ter participação num determinado bem – segundo a
ordem normal das coisas e não a tem (JOÃO PAULO II, 2007,
p.13-14).
No texto citado verifica-se que esta é uma oportunidade de retorno ao
caminho do bem, da superação das transgressões e, sobretudo da renovação
e da conversão à Nova Aliança com Deus:
“O sofrimento deve servir à conversão, isto é, à reconstrução
do bem no sujeito, que pode reconhecer a misericórdia divina
neste chamamento à penitência. A penitência tem como
finalidade superar o mal que, sob diversas formas, se encontra
latente no homem, e consolidar o bem, tanto no mesmo
homem, como nas relações com os outros e, sobretudo, com
Deus” (JOÃO PAULO II, 2007, p. 21).
Outra argumentação a destacar é a que o sofrimento tem o caráter de
uma provação, de corrigir o que está desalinhado com planos superiores, que
submete o agente ao esforço de aprender, penetrar em si mesmo, superando-
se, pois apesar de todos os seus percalços, geralmente chega-se a conclusão
de que as provas foram benéficas.
Mas como todo aprendizado o sofrimento exige paciência, resignação,
confiança e, sobretudo uma preparação e disposição para aprender, apesar
de que muitas são as faces como sofrimento se apresenta, por vezes
extremamente doloridos, mas o exercício do enfrentamento e da superação
somente engrandece e dignifica a pessoa.
Recorrendo novamento aos enunciados de João Paulo II, na Carta
“Salvifici Doloris” há passagens em que ressalta a necessidade da
perseverança neste processo, pois o objetivo não é a ruína do ser humano,
mas a possibilidade de resultado de um homem novo ao final desta trajetória.
59
No sofrimento está contido um particular apelo à virtude que o
homem por seu turno deve exercitar: é a virtude da
perseverança em suportar tudo aquilo que incomoda e faz
doer. Ao proceder assim, o homem dá livre curso à esperança
que mantém em si a convicção de que o sofrimento não
prevalecerá sobre ele, nem o privará da dignidade própria do
homem, que anda unida à consciência do sentido da vida
(JOÃO PAULO II, 2007, p. 46).
E mais adiante complementa que a convicção na superação traz ao
homem maturidade e grandeza espiritual:
O fruto de semelhante conversão é não apenas o facto de que
o homem descobre o sentido salvífico do sofrimento, mas,
sobretudo que no sofrimento ele se torna um homem
totalmente novo. Encontra como que uma maneira nova para
avaliar toda a sua vida e a própria vocação. Esta descoberta
constitui uma confirmação particular da grandeza espiritual
que no homem supera o corpo de um modo totalmente
incomparável. Quando o corpo está gravemente doente, ou
mesmo completamente inutilizado, e o homem se sente como
incapaz de viver e agir, é então que se põem mais em
evidência a sua maturidade interior e a grandeza espiritual; e
estas constituem uma lição comovedora para as pessoas sãs
e normais (JOÃO PAULO II, 2007, p. 55).
Vergely (2000) também clareia o conceito de sofrimento ao afirmar que
está contido na capacidade da pessoa em enfrentá-lo, resignar-se vencendo
suas limitações, o que amplia tal sentido:
O primeiro consiste em sentir-se mal. Mal no próprio corpo.
Mal na alma. Mal na vida toda. Sentir-se mal é o próprio
sujeito vivo e sensível que se sente mal porque é um ser de
carne e sangue. Porque é um ser com coração que reage
contra a violência, a injustiça e a crueldade. Porque é um ser
aspirando existir e não simplesmente viver, ou seja, manifestar
as possibilidades nele contida sob a forma de sua liberdade.
O segundo sentido do sofrimento consiste em suportar. Em
dar provas de paciência quando a doença, as deficiências
físicas ou a iminência da morte estão presentes. Com o que
isso pode comportar dores. De dificuldades para viver as
coisas mais simples. De angústia [...] Em resistir também à
adversidade (VERGELY, 2000, p. 161).
60
6.3.3 Aspectos Filosóficos sobre a Dor e Sofrimento
Mesmo aqueles que não compartilham do viés religioso da sacralidade
da vida, têm consigo que o sentido da vida humana esta no sofrimento, porque
ele é a mola propulsora para o desenvolvimento pessoal, que obriga a pessoa
a sair do imobilismo para a dinâmica da vida e, é dele que o ser humano
encontra forças para superá-lo, usa-se, inclusive, dizer que realmente
somente se aprende sofrendo. Esta idéia é compartilhada por filósofos como
Schopenhauer (2006):
O sentido mais próximo e imediato de nossa vida é o
sofrimento e se não fosse assim nossa existência seria o
maior dos contra-sensos, pois é um absurdo imaginar que a
dor infinita, que nasce da necessidade essencial à vida, da
qual o mundo esta pleno é meramente acidental e sem
sentido. Nossa receptividade para a dor é quase infinita, mas
o mesmo não ocorre com nossa receptividade para o prazer
que tem limites estreitos. É a infelicidade em geral que é a
regra (SCHOPENHAUER, 2006, p. 113).
Pensadores evidenciam que sofrer é uma condição própria da natureza
humana e, que é impossível não admití-la e enfrentá-la sem incorrer no erro
de rejeitação à própria natureza da vida.
Entretanto, Vergely (2000) contrapõe este pensamento e propõe ao
conceito de sofrimento um discernimento em relação à pedagogia, por
considerá-lo como potencial inerente ao homem de enfrentá-lo independente
de qualquer aprendizado.
Convém desde já adotar algum distanciamento em relação a
pedagogia da dor cujo credo reside no fato de repetir que a
humanidade se endireita e engrandece na provação. Não são
as provações que engrandecem o homem, mas a força que
nele está a fim de ultrapassá-las que engrandece, Quase
sempre, as provações amesquinham os homens tornando-os
tristes, desconfiados, até mesmo odiosos, Se a sabedoria
devesse medir-se pela quantidade de provas que se é capaz
de suportar a humanidade deveria ser sábia há muito tempo.
O que não é o caso (VERGELY, 2000, p. 58).
61
Existem os que pensam diferente, os que não são felizes vivendo na
resignação do sofrimento, e vislumbram a liberdade na morte, uma opção de
acabarem com as dores e com sofrimentos carnais como solução. Se este ou
aquele pensamento está certo, não é discussão que se deve estabelecer, mas
sim resgatar a discussão sobre o ser humano, sobre ter o direito de fazer o
que se deseja, de autodeterminação, de ter autonomia para decidir até quando
e onde prosseguir.
Encontramos em Vergely (2000) esta argumentação, quando cita o
pensamento de Hans Jonas:
Entre o suicídio por depressão e o suicídio por especulações
metafísicas, alguns pensadores como Hans Jonas observaram
que existe um meio termo: a morte voluntária encarada como
direito do indivíduo de fazer cessar uma situação intolerável
para ele mesmo. Tal direito deveria ser reconhecido, segundo
Hans Jonas, a fim de acabar com uma lógica de
encarniçamento terapêutico absurdo que condena doentes a
viver fazendo deles cobaias da metafísica e da moral. Se
alguns têm vocação para o martírio isso não é problema
deles? Tem-se o direito de impô-lo a outros? (VERGELY,
2000, p. 156).
6.3.4 Dor e Sofrimento Segundo Ramón Sampedro
Fica claro no filme de Amenábar e no livro de Ramón Sampedro que
ele parte de um conceito de felicidade materialista e individualista, em que se
via incapaz de dar um sentido à sua vida diante de sua limitação física e de
aceitar que a dor e o sofrimento fazem parte da natureza humana.
E como sou um ser racional e tenho sensibilidade estética,
não aceito a feiúra de contemplar um ser vivo – nesse caso a
mim mesmo – em um estado tão miserável de impotência;
sobreviver assim me causa vergonha e, portanto uma grande
humilhação. Disso nasce o conceito racional de morrer para
defender a dignidade (SAMPEDRO, 2005, p. 77).
De minha parte, penso que a vida é – como tudo no universo –
uma questão de equilíbrio: quando o prazer e a dor se
desequilibram a tal ponto que sofrer se torna intolerável, só o
desejo e a vontade da pessoa têm autoridade moral para
62
decidir se interessa suportar esse sofrimento ou não
(SAMPEDRO, 2005, p. 202).
Justificar sofrimentos irremediáveis em função dos interesses
de alguém que não seja o desafortunado ser humano que
padece significa criar o inferno para que diabos e diabinhos
desfrutem com o espetáculo dos condenados, enquanto
filosofam com gravidade sobre o sentido da dor (SAMPEDRO,
2005, p.237).
Só um carrapato diria que o dever de seu cachorro é o de
sofrer (SAMPEDRO, 2005, p. 20)
Para ele que a felicidade ou infelicidade são dependentes de causas
externas, no seu por ser portador da tetraplegia, e não pela reação a qual a
encaramos e a enfrentamos.
A idéia transmitida é de que Ramón, assim como muitas outras pessoas,
não são felizes vivendo uma vida limitada, de dependência para a realização
de sua necessidades mais básicas e que enxergava somente como fim para
os seu sofrimentos a morte, uma vez que ele não aceitava a grandeza de seu
tipo de vida.
Ramón considerava que somente há um equilíbrio quando há liberdade
física e realização no mundo material, desconsidera todo e qualquer
significado ontológico ou axiológico no sofrimento, no valor da provação e
principalmente na transcendência da vida humana e do seu significado. Para
ele não havia nenhuma possibilidade de aprendizado e crescimento, do que
para ele nada representa a trancendência da pessoa humana, conforme a
lição de Elio Sgreccia (2002):
Quando dizemos que um homem é uma pessoa queremos
dizer que ele não é somente uma porção de matéria, um
elemento individual da natureza, como um átomo, uma espiga
de milho, uma mosca, um elefante. O homem é sim um
indivíduo que se governa por si mediante a inteligência e a
vontade; existe não só fisicamente, pois há nele um existir
mais rico e mais elevado, uma superexistência espiritual no
conhecimento e no amor. `Assim, de certo modo, um todo e
não apenas uma parte; é um universo à parte, um
microcosmo, no qual o grande universo pode estar contido
63
todo inteiro por meio do conhecimento; por meio do amor pode
se dar livremente a outros seres, que são para ele como que
outros ele mesmo, relação cujo valor equivalente e não se
pode encontrar em todo o universo físico. Em termos
filosóficos, isso quer dizer que na carne e nos ossos humanos
há uma alma que é um espírito e que vale mais que o universo
todo. A pessoa humana, por mais dependente que seja dos
menores acidentes da matéria, existe pela própria existência
de sua alma, que domina o tempo e a morte. É o espírito que
é a raiz da pessoa (SGRECCIA, 2002, p.129).
Ramóm Sampedro contrapõe exatamente este sentido em dois
momentos, quando se declara agnóstico, afastando qualquer argumentação
transcendental, mas buscando ainda nos argumentos religiosos razão para
justificação de sua obsessão, conforme vemos em dois momentos:
Eu me considero agnóstico. Mas entendo que se a utopia de
todo ser vivente é conseguir se libertar da dor, entre eles o ser
humano, essa deve ser a utopia ou vontade do hipotético ser
criador (SAMPEDRO, 2005, p. 28).
E mais a frente diz que:
Se o ser humano que tem consciência ética necessita
experimentar a dor em seu próprio corpo, vê-la em um ser
querido ou em qualquer ser vivo para humanizar-se, é porque
é incapaz de amar – ou o deixou incapaz alguns costumes
culturais insensíveis diante do sofrimento porque, errônea ou
astutamente, se supõe que é lícito explorá-lo para o bem estar
dos que dominam, são poderosos ou mais fortes. A partir daí
torna-se lógico derivar uma interpretação aberrante de que o
todo-poderoso criador da vida pode se aborrecer e castigar
àquele que renunciar à vida para renunciar ao sofrimento
(SAMPEDRO, 2005, p. 29).
E ainda critica o caráter de provação purificadora, que possibilita ao
homem “tornar-se um novo homem” por meio da experiência e do
conhecimento, reafirmando sua condição anti-religiosa, quando em uma
passagem do livro “Cartas do Inferno”, num capítulo que tem como título A
Verdadeira Vida, se dirige “diretamente à Deus”:
Querido Deus: Em maior ou menor grau todas as religiões
propõem o sofrimento como meio de purificação espiritual.
Segundo elas, a verdadeira vida está depois da morte. Para
que somos racionais então? Para nos convencer é muito
64
comum se recorrer à exemplaridade do paciente sofredor. Mas
se alguns seres humanos, para compreender o quanto são
afortunados, necessitam ver outros sofrerem, é porque estão
incapacitados para amar (SAMPEDRO, 2005, p.210).
Diante da atitude resistente e obsessiva de Ramón Sampedro a todo e
qualquer argumento, conforme já demonstrado em diversos momentos, fica
difícil imaginar o resultado da sua decisão se tivesse sido paciente e
perseverante para amadurecer seus argumentos por mais dez ou talvez vinte
anos, resta a pergunta: qual haveria de ser o resultado se Ramón
houvesse aceitado viver?
6.4 O Caso Ramóm Sampedro sob o aspecto da Legislação Brasileira
A discussão do presente estudo não irá concentrar-se em examinar a
estrutura atual dos direitos humanos fundamentais relativos à vida, embora
possamos nos referir a eles “en passant”, por se tratar de um assunto sobre o
qual existe uma vasta literatura, mas examinar a legitimidade do interesse no
direito pátrio, da manutenção da vida a “todo custo”, embora, neste caso a
literatura, nossos tribunais, os órgãos legislativos nunca tenham dado atenção
suficiente ao assunto e, este já esteja se constituindo em uma questão de
organização sócio-jurídica atualmente praticada na clandestinidade, uma vez
que, são casos isolados os países que a reconhecem e a regulamentaram.
Inclui-se nesta nossa reflexão o exame de alguns dispositivos legais do
direito pátrio voltados à questão da eutanásia e do suicídio medicamente
assistido, que amparam decisões judiciais, e o caráter ambíguo que
manifestam, uma vez que, havendo dispositivos impeditivos categóricos,
claros e diretos quanto à questão de suprimir uma vida e suas conseqüências,
muitas vezes trazem consigo, atenuantes ou qualificadoras excludentes ou
limitadoras de seu alcance ou de sua amplitude, levando em conta objetivos
compassivos nos atos incriminados, como ocorre com os “homicídios
piedosos ou humanitários”, o que não habilita o direito positivo como única
65
fonte determinante de uma solução pacífica, conforme assevera Hintermeyer
(2006):
É também um paradoxo do debate sobre a Eutanásia
concentrar-se naturalmente no aspecto jurídico, ao passo que
este não parece ter nessa matéria uma influência tão
determinante quanto a que se costuma atribuir-lhe. De todo
modo seria ingênuo crer que a Eutanásia não existe nos
lugares onde a lei não a autoriza (HINTERMEYER, 2006, p.
81).
Na análise da maioria das legislações verifica-se que não há menção
sobre uma tutela específica para a eutanásia e o suicídio assistido, embora os
sujeitos objetos sejam consentintes, manifestando a vontade inequívoca de
apropriar-se do seu morrer de forma racional, procurando prevê-la,
planejando-a e organizando em todos os seus aspectos legais,
administrativos, sociais e afetivos.
O que se detecta nas legislações, é um conjunto de princípios e
normas que manifestam com especial rigidez uma defesa da vida contra tudo
e contra todos, até mesmo do seu titular. É o entendimento do Prof. Genival
França citado em Diniz (2006):
Ao defender-se, intransigentemente, a vida humana e se punir,
incondicionalmente, qualquer forma de homicídio piedoso cria-
se um novo direito: o direito de defender a pessoa contra si
mesmo. O direito sobre a vida não é um direito de propriedade.
Há apenas uma probabilidade de disposição (Diniz, 2006, p.
392).
Outro ponto que merece destaque para melhor entendimento dos
termos utilizados, principalmente neste capítulo, entre elas é a conceituação
de direitos do homem, que traz consigo um conteúdo muito próximo ao direito
natural, conforme Pérez Luno, citado por George Marmelstein (2008,
p.25):“[...] os direitos do homem seriam valores éticos-políticos ainda não
positivados. Eles estariam no estágio pré-positivo, correspondendo “ a
instâncias ou valores éticos anteriores ao direito positivo”
66
Ou seja, ainda conforme Marmelstein (2008):
[...] pode-se dizer que eles estão acima do direito positivado...
Para serem mais claros os direitos do homem possuem um
conteúdo bastante semelhante ao direito natural. Não seriam
propriamente direitos, mas algo que surge antes deles e
como fundamento deles. Eles ( os direito dos homem) são a
matéria prima-prima dos direitos fundamentais, ou melhor. Os
diretos fundamentais são direitos do homem positivado
(MARMELSTEIN, 2008, p. 26).
Uma reflexão independente de crenças de qualquer tipo é citada por
Marmelstein (2008),
Parece-me que a decisão de quando e como morrer é uma
das mais “íntimas escolhas pessoais que uma pessoa pode
fazer na vida”, uma escolha que é o centro da dignidade e
autonomia pessoais, conforme já decidiu a Corte de Apelação
do Nono Circuito, nos Estados Unidos (MARMELSTEIN, 2008,
p. 446).
Portanto, no caso Ramón Sampedro cabe as indagações: Será que a
reivindicação de Ramón Sampedro não estaria em conformidade com o
exercício dos Direitos do homem. Será que a vida digna não estaria ao
lado da morte digna, conforme os Direitos do homem?
Atrelada às indagações está a necessidade de esclarecer quando nos
referimos aos Direitos Humanos, entende-se são aqueles que estão
contemplados no Direito Internacional (Carta dos Direitos Humanos) e,
Direitos Fundamentais aqueles que estão contemplados nas legislações
Constitucionais.
DIREITOS
DO HOMEM
HUMANOS
FUNDAMENTAIS
Valores ligados à dignidade
humana.
Não positivados
Valores ligados à dignidade da
pessoa humana.
Positivados no plano interna-
cional através de tratados.
Valores ligados à dignidade da
pessoa humana e à limitação do
poder.
Positivados no direito interno,
geralmente
, através de normas
constitucionais.
(MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais, 2008, p.27)
67
Outro ponto a considerar é que de acordo com a história vários foram
os momentos que a eutanásia era permitida ou até estimulada entre alguns
povos. Vários também foram os seus defensores que assim se manifestaram
durante o desenrolar da história da humanidade, como Socrátes, Platão,
Epicuro, Fustel de Coulanges, Thomas Morus, David Hume, Karl Marx, entre
outros, que a justificavam quando ela vale por si mesma, mas não em função
de um projeto de vida, com respeito, liberdade, autonomia.
Entretanto, somente a partir do Direito Moderno é que o sentimento
sobre o valor da vida, como um bem inviolável, inquestionável e o mais valioso
concede à eutanásia um caráter criminoso exigindo que seja dada uma
proteção pelo Estado, em toda e qualquer circunstância que possa vir a ser
ameaçada.
Atualmente são poucas as legislações que contemplam esta prática em
seus ordenamentos jurídicos, tais como a Holanda, a Suíça, Uruguai, o estado
de Oregon nos Estados Unidos. Nestes lugares que a legalizaram, excluindo a
ilicitude da intervenção, o fator preponderante foi o consentimento livre do
interessado, consagrando como garantia máxima ao exercício e renúncia dos
direitos humanos fundamentais, o “princípio da vontade livre”.
6.4.1 O Entendimento face à Constituição Federal Brasileira
No Direito brasileiro as práticas da eutanásia e do suicídio assistido,
não são contempladas com normativos específicos, encontrando guarida,
principalmente, no mandamento constitucional que reverencia a vida como
direito essencial do ser humano. A Constituição Federal de 1988, em seu
Titulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos, art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do
direito a vida, como direito fundamental da natureza e essência do indivíduo:
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 dispõe:
68
Art 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade.
O respeito a esta disposição decorre de um direito “erga omnes” que
por sua própria natureza e intangibilidade não permite que seja desrespeitada
em nenhuma circunstância, sob pena de desconsideração à própria
constituição e, consequentemente podendo acarretar ruptura do sistema
jurídico.
Esta garantia conferida pela Constituição em seu art. 5º tem força
vinculante absoluta, pois não permite emendas, deixando de valer somente
com a imposição de um novo ordenamento jurídico que venha substituir o
anterior e, obrigando que todas as outras legislações complementares,
estejam a ela hierarquicamente subordinadas. Mas a determinação ínsita no
art. 5º é um direito ao respeito à vida ou é um direito propriamente à
vida? Da mesma forma, como ele é um direito absoluto e irretorquível,
não poderia se argumentar que se trata de um ato de desumanidade do
homem para com ele mesmo?
No título Direitos Fundamentais da Constituição pátria encontra-se
como pontos centrais, ligados indissoluvelmente, as questões da Igualdade e
da Liberdade, entendidos como pilares da democracia; encontra respaldo no
preceito universal, contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das
Nações Unidas, datada de 10 de dezembro de 1948, que proclama:
Artigo. 1º - Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)
Entretanto surge a dúvida do que vem em primeiro lugar ou se
apresenta como pressuposto para o seguinte, a igualdade ou a liberdade?
69
Igualdade tem uma designação no texto constitucional de identidade
semelhança, ou seja, o direito pátrio nivela todas as pessoas permitindo
viverem em sociedade, ou seja, dá uma característica de “igualdade formal” às
pessoas, o que não se permite a descrimininação de pessoas ou de grupos.
O insigne Jurista Bandeira de Mello estabelece como um dos
Princípios o da Igualdade, que pela sua relevância merece destaque e
atenção especial:
[...] a lei não pode conceder tratamento específico ou
desvantajoso, em qualquer atenção a traços e circunstâncias
peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos se não
houver adequação racional entre o elemento diferencial e o
regime dispensado aos que se inserem na categoria
diferenciada (MELLO, 2007, p.39).
O Princípio da Igualdade traz algumas limitações ao processo de
interpretação, e não pode ser considerado absoluto, pois muito de discute a
possibilidade de distinções entre a igualdade jurídica formal e a igualdade
material ou real, porque há de se levar em conta distinções pessoais, já que
as pessoas não são iguais, o que é decorrente da própria natureza e que tais
peculiaridades podem provocar situações negativas na qual o direito tem a
obrigação de identificar e tratar num contexto mais amplo harmonizando e
impedindo de provocar injustiças e desequilíbrios sociais.
E aqui reside uma questão polemica, diante de inúmeras situações
fáticas desiguais e muitas vezes injustas, surge a dificuldade entre estabelecer
uma única concepção acerca de igualdade, pois em verdade temos a
igualdade de situações e a igualdade de tratamento.
Tem-se, portanto que embora se reconheça a existência de algumas
limitações, não poderá ser toda e qualquer desigualdade tida como uma
justificativa legítima para um tratamento desigual. Assim Bandeira de Mello se
manifestou:
70
Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não
podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três
questões:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de
desigualação;
b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente
entre o fator erigido em critério de descrimen e a disparidade
estabelecida no tratamento jurídico diversificado.
c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com
os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte
juridicizados.
Esclarecendo melhor: tem-se que investigar, de um lado,
aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro
lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é,
fundamento lógico, para a vista do traço desigualador
acolhido, atribuir o espaço para atribuir o específico
tratamento jurídico construído em função da desigualdade
proclamada. Finalmente, independe analisar se a correlação
ou fundamento legal abstratamente existente é, in concreto,
afinado com os valores prestigiados no sistema normativo
constitucional (MELLO, 2007, p. 21).
Verifica-se que o que não é permitido são distinções arbitrárias, despojadas de
fundamento, tidas somente como descriminações, conforme encontramos em
Ferreira Filho (2002):
O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as
diferenciações de tratamento. Vedam apenas aquelas
diferenciações arbitrárias, as descriminações. Na verdade, o
tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em se
desigualam, é exigência do próprio conceito de justiça
(FERREIRA FILHO, 2002, p.275),
Freire de Sá (2005, p.50) nos apresenta uma argumentação liberal
onde justifica que “[...] a vida só deve prevalecer como direito fundamental
oponível erga omnes quando for possível viver bem.”, pois temos vários casos
reais inclusive os aqui relatados no início de trabalho, que transformam a vida
em sofrimento, uma vez que há pessoas que pensam diferentemente:
[...] a idéia de tratamento igual aos iguais, tratando de
igualmente os desiguais. À pessoa Humana são reconhecidos
direitos individuais, sociais, econômicos e políticos, próprios
de um Estado de Direito. Mas, de que adianta o
reconhecimento de todos esses direitos se, para muitos, não
há possibilidade de desfrute? Como garantir o princípio da
igualdade entre as pessoas tão distintas, especificamente,
para o caso deste trabalho, entre pessoas sãs e sadias, que
71
tem a vida atrelada à saúde do corpo e da mente, e aquelas
que sofrem as conseqüências de doenças várias, tendo em
vista, nesses casos, transformando-se esse dever em
sofrimento? (FREIRE de SÁ, 2005, p.49-50).
E ainda mais à frente lança os seguintes questionamentos:
Será que a garantia do princípio da igualdade [...] não
dependeria da liberdade de escolha de cada um, após
acompanhamento médico e psicoterápico, de acordo com
pensamentos e ideologias próprias?”; ou ainda, “Será que
para elas a escolha não garantiria igualdade de tratamento,
uma vez que são possuidoras de outras concepções acerca
da dignidade da vida (FREIRE de SÁ, 2005, p.51).
O segundo aspecto extremamente importante contido nos direitos
fundamentais da nossa constituição é o Princípio da Liberdade que vinculado
ao Princípio da Igualdade dá sustentação moral à dignidade humana e à
justiça.
Para Perelman (1990); “a liberdade é considerada um direito
imprescritível e natural do homem, ao passo que a igualdade é apenas a dos
cidadãos perante a lei” (PERELMAN, 1990, p.203).
Cabe-nos primeiramente considerar o sentido da palavra liberdade conforme a
língua portuguesa:
Liberdade s.f. (1338 cf. desc)1. Grau de independência
legítimo que um cidadão, um povo ou uma nação elege como
valor supremo, como ideal (à justiça em termos absolutos é
contrária a 1.) 2. p. ext. conjunto de direitos reconhecidos ao
indivíduo, considerado isoladamente ou em grupo, em face da
autoridade política e perante o Estado; poder que tem o
cidadão de exercer a sua vontade dentro dos limites que
faculta à lei (HOUAISS, 2001, p. 1752).
Entende-se então, que ser livre é ter a capacidade de realização de
feitos por si mesmo, de autodeterminação de decisão, observa-se que nesta
concepção está contido um forte conteúdo moral, além do que fique visível
72
que esta liberdade sofre uma restrição pelo princípio da legalidade, isto é por
parte de uma lei.
No entanto, observa-se que os parâmetros estabelecidos pela lei e pelo
Estado não são absolutos, porque sempre diante da realidade fática, da
experiência vivida, a restrição poderá ser contestada, uma vez que, o Estado
pode estabelecer leis decorrentes de diversas ordens como provenientes de
convicções religiosas, políticas ou que atendam somente o interesse de
determinados grupos sociais.
E esse direito de contestar é limitado às violações dos seus direitos,
princípios e crenças que o próprio interessado reconhece, pois somente
argumentar questões de fé, heresia e dogmas religiosos seria muitas vezes
pura e simples manifestação de intolerância, não podendo o Estado aplicar
limitações em conseqüência de convicções religiosas ou ausência dela.
O Princípio da Liberdade igualmente estabelecida a todos, representa
um padrão básico para o estabelecimento de um mandamento jurídico geral
para uma determinada sociedade, já que um mandamento jurídico ideal e
eficiente é aquele que se constitui num processo que permita que dos seus
resultados emane um caráter de justiça e propicie os resultados esperados,
inclusive contemplando as liberdades de consciência e de pensamento.
A Constituição deve discutir e prever os limites que surgem das
exceções e permitir uma participação igualitária no processo legislativo e
judiciário, dando a liberdade de tratar com igualdade os desiguais, até com
prioridade, principalmente aqueles que sofrem decorrente de acidentes ou de
limitações naturais da vida.
Um aspecto que nos chama a atenção é o posicionamento de Kant com
relação à liberdade, esta é a condição fundamental do direito e da lei moral, é
o único direito natural, que encontra seu fundamento em um sentido
transcendental.
73
Sendo assim, diz Kant, nós nos encontramos diante de fato
absolutamente único. O imperativo (a consciência do
imperativo) que me ordena querer segundo a pura forma da
lei, ordena-me substancialmente a liberdade. Por isso, não se
trata de um juízo analítico, mas sintético a priori, porque me
diz algo novo. E me diz algo de novo não em dimensão
fenomênica, mas metafenomênica: o dado do dever me diz eo
ipso que sou livre (caso contrário o dever não teria sentido) e,
portanto, me diz a dimensão não-fenomênica da liberdade,
mesmo sem fazer-me captá-la cognoscitivamente em sua
essência (REALE, ANTISERI, 2005, p. 382).
Do acima exposto e em face do pluralismo, evolução e necessidades da
sociedade, considerando ainda da dificuldade de uma argumentação mais
sólida com relação a fundamentação dos direitos humanos, principalmente
dada as limitações decorrentes de imprecisões conceituais é bastante
pertinente a observação de Letícia Möller (2007):
Contudo, o pluralismo é constatado não só nas diferentes
comunidades e grupos particulares, mas também na
existência de uma diversidade de concepções individuais
acerca do que seja vida boa ou digna, Tais concepções
individuais não são, por vezes resultado de uma formação
coerente e de uma atitude racional, mas visões construídas a
partir de fragmentos sociais e culturais de diferentes tradições,
de modo pouco coerente e pensado. Assim, no mundo
contemporâneo, caracterizado pelo fato do pluralismo moral,
parece muitas vezes difícil identificar uma idéia de bem e de
vida boa que possa ser compartilhada por todos.
Nesse sentido, o pluralismo moral deve fornecer limites à
conformação dos direitos humanos enquanto categoria
universal, isto é, com relação à pretensão de imposição de
conteúdos dos direitos humanos válidos universalmente, para
todos os povos – sob pena de valores e crenças dos
indivíduos, comunidades culturais minoritárias ou mesmo
sociedades nacionais serem desconsideradas em prol do
entendimento de algumas comunidades ou sociedades
dominantes (MÖLLER, 2007, p. 129-130).
Conclui-se que embora exista um mínimo ético positivado em
documentos Universais e legislações nacionais, no que diz respeito aos
Princípios de Igualdade e Liberdade, deverá haver lugar para assegurar o
direito daqueles que não compartilham dos mesmos valores e crença, para
possibilitar uma convivência sadia, pacífica e harmoniosa.
74
6.4.2 O Direito Substantivo Brasileiro
Ainda no exame da nossa legislação, encontramos a tutela penal que
protege o direito à vida, contida no Código Penal Brasileiro, não de forma
explicita, mas como “homicídio privilegiado”, elencada nos artigos 121
(homicídio) e 122 (instigação ou auxílio ao suicídio) estas embora não sejam
específicas, tipificam a eutanásia e o suicídio assistido, conforme
transcrevemos abaixo:
Artigo 121. Matar alguém
Pena: reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
CASO DE DIMINUIÇÃO DE PENA
Parágrafo 1º. Se o agente comete o crime por motivo de
relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida de injusta provocação da vítima, o
juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Artigo 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou
prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena – Reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de
suicídio resulta lesão corporal de natureza grave,
O primeiro elemento a ter atenção diante da descrição do Art. 121 é a
atenuante contida em seu Parágrafo 1º, que trás minoração da pena quando
este é praticado por motivo de relevante valor social ou moral, cabendo aqui
uma breve consideração com relação às hipóteses. Ser o crime praticado por
um relevante (importante, considerável, digno de apreço) valor social (atinente
ao interesse coletivo) ou moral (atinente ao interesse individual).
Já no núcleo do artigo 122 verifica-se que o ato final (morte) tem que
ser realizada pela própria pessoa que comete o suicídio, embora a sua
conduta seja penalmente irrelevante, pois se aquele que auxilia moralmente
ou materialmente acaba sendo quem consuma o ato, no caso puxar o gatilho,
estará saindo da esfera do auxílio para o homicídio propriamente dito.
75
Aqui cabe uma ressalva, uma vez que o suicídio ou a sua tentativa não
é criminalizado, situando-se como uma conduta atípica, o induzimento ou
instigação, sendo uma atividade secundária, poderia ser penalmente
penalizado? Faz-se necessário esclarecer um possível equívoco, pois aqui o
ato de induzir, instigar ou auxiliar não é secundário ou acessório, é uma figura
sui generis” cuja ação é considerada o elemento principal.
Embora de maneira tímida a questão avance, hoje está em estudo, em
uma “Alta Comissão” do Congresso, um Anteprojeto do Código Penal,
encarregada de introduzir mudanças na Parte Especial do atual código em
vigor, introduzindo dois parágrafos ao artigo 121. O primeiro (parágrafo. 3º)
tipifica a eutanásia ativa (homicídio eutanásico) cominado com uma pena mais
branda e o segundo (parágrafo 4º) tipifica e exclui de ilicitude a prática de
eutanásia passiva, também denominada ortotanásia, eutanásia indireta ou por
omissão, desde que atestada previamente por dois médicos, conforme
aduzido abaixo:
Art. 121.
Parágrafo. 3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro,
ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por
estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão, a
pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para
abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de
doença grave e em estado terminal, devidamente
diagnosticado. Pena – Reclusão, de dois a cinco anos.
Parágrafo. 4º. “Não constitui crime deixar a vida de alguém,
por meio artificial, se previamente atestada, por dois médicos,
a morte como iminente e inevitável, e desde que haja
consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de
ascendente, descendente, cônjuge ou irmão
Apesar da cominação legal imposta pelo paráragrafo. 3º decorrente de
uma situação fática concreta pode-se verificar que o legislador ainda oferece
uma forma atenuante à sua aplicação, ou seja, se o réu for primário de bons
antecedentes, de acordo com o art. 77, parágrafo. 2º, do Código Penal
Brasileiro, poderá iniciar o cumprimento da pena em regime aberto, podendo
76
ainda beneficiar-se do “Sursis”. Se a cominação imposta quantitativamente for
dois e não superior a 4 anos, se o réu for maior de setenta anos de idade, ou
se razões de saúde justificarem, poderá beneficiar-se da suspensão da pena.
Dos dispositivos acima se observa certa sensibilidade à questão com
medidas atenuantes, utilizando-se da argumentação da compaixão e da
piedade, entretanto, a legalização da eutanásia encontra como uma de suas
principais barreiras a argumentação da possível disvirtualização de seus fins,
principalmente diante da cultura do “jeitinho brasileiro” e ainda, dos interesses
de uma sociedade onde o poder e o dinheiro obscurecem os seus valores.. A
morte digna deve respeitar padrões de razoabilidade, ou seja, estar submetida
ao preenchimento de uma série de condições materiais-formais que
impediriam de tornar-se desarrazoada, arbitrária, abusiva ou criminosa.
6.4.3 Os Direitos Humanos no Código de Ética Médica Brasileiro
Outro aspecto a considerar é o da deificação da ciência médica cujos
resultados podem trazer em seu conteúdo implicações penais, ou muito
sofrimento ao paciente em determinadas situações extremas. Muitas foram as
discussões pró e contra a respeito do assunto nos meios médicos, uma vez
que há uma resistência muito grande, em aceitar os limites da medicina e o
seu principal aspecto que é a própria morte.
O discurso está sempre pautado no juramento Hipocrático, de que o
médico tem a obrigação de cuidar da saúde de seu paciente, de manter o
mais alto respeito acerca da vida humana e que não usará seus
conhecimentos em princípios contrários às leis da natureza.
Tem-se, portanto, que a obrigação médica está em cuidar e tratar, da
vida humana, utilizando-se dos meios necessários para a sua manutenção e
preservação em atenção aos princípios das leis da natureza. Mas a morte
não faz parte de uma das leis da natureza, talvez a mais absoluta? E
77
quando o médico já utilizou todos os meios disponíveis e não há mais o
que tratar por não haver mais possibilidade de cura?
Em 28 de novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina publicou
a Resolução de nº. 1805, que se manifestou a respeito da Ortotanásia e da
responsabilidade do médico de decidir o tratamento mais adequado ao
paciente e a liberalidade na decisão de se prolongar a vida do paciente a
qualquer custo, desde que as partes estejam cercadas das informações
necessárias ao discernimento da questão e dos seus desdobramentos. Tendo
em vista a importância do dispositivo, transcrevemos abaixo:
Artigo. 1º - “É permitido ao médico limitar ou
suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a
vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e
incurável respeitada à vontade da pessoa ou de seu
representante legal”.
Parágrafo. 1º - O médico tem a obrigação de
esclarecer ao doente ou a seu representante legal as
modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.
Parágrafo. 2 - A decisão referida no caput deve
ser fundamentada e registrada no prontuário.
Parágrafo 3º - É assegurado ao doente ou ao seu
representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião
médica.
Artigo. 2º - O doente continuará a receber todos
os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam
ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto
físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o
direito da alta hospitalar. (Conselho Federal de Medicina,
Resolução nº. 1805/2006)
Importante a posição acerca do aspecto jurídico da ortotanásia é
expressa pelo Dr. Edson Miguel da Silva Junior:
No estado democrático de direito brasileiro, não existe
nenhum direito absoluto. O direito à vida, embora seja o mais
fundamental de todos os direitos, não é intocável. Ele existe,
como todos os outros, para a realização de um valor: não é
um fim em si mesmo. A solução justa não é aquela que
simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela
que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal.
Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a
solução justa para cada caso concreto e não, simplesmente,
aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que
possam surgir em uma sociedade dinâmica, cada vez mais
78
complexa e sofisticada. Ao aplicar o direito à vida, o
profissional do direito deve verificar se está realizando no caso
concreto a respeito à dignidade da pessoa humana, porque
esse é a sua fonte jurídico-positiva. Na ortotanásia, questão
nova que surgiu com o avanço tecnológico da medicina, o
direito à vida não pode ser aplicada para se exigir tratamento
inútil e doloroso de doente terminal, porque nega o valor que
busca realizar, isto é: a dignidade da pessoa humana.
Submeter doente terminal, contra vontade consciente e
esclarecida, a tratamento que apenas prolonga artificialmente
o seu sofrimento, viola sua condição de pessoa humana para
transformá-lo, na hora da morte, em mera coisa – algo sem
direitos. Por isso, a ortotanásia não é um crime, mas
procedimento médico de cuidado e respeito à pessoa humana
na hora certa da sua morte (SILVA JUNIOR, 2007).
Esta questão encontrou repúdio junto ao Ministério Público Federal –
Procuradoria Geral da União, conforme ação que tramita na 14ª Vara da
Justiça Federal, sob nº 2007.34.00.014809-3, com representação do
procurador regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal Dr. Wellington
Marques de Oliveira sob a alegação que o respectivo Conselho Federal de
Medicina não tem competência para regulamentar sobre a matéria, alertando
ainda conforme O Ministério Público Federal:
O procurador também chama atenção para o perigo de se
vincular a possibilidade da ortotanásia, ou eutanásia passiva,
à falta de recursos em saúde. Ele alerta que o caos que vive
hoje a rede pública de saúde pode fazer predominar o
raciocínio de que vale mais a pena investir os parcos recursos
disponíveis em pacientes que têm possibilidade de
sobrevivência, em detrimento daqueles em estados terminais.
A prática poderia servir como instrumento para uma
"eugenização social da população", ou seja, a ortotanásia
levaria a uma tentativa conspiratória de purificação do povo
brasileiro daqueles que não podem mais trabalhar ou produzir
num mundo capitalista, argumenta o procurador. [...] Por tudo
isso, o MPF pede na ação a revogação imediata da resolução
ou, alternativamente, que ela seja alterada de forma a
contemplar todas as possibilidades terapêuticas e sociais
envolvidas. Quer, por exemplo, que o Conselho Federal de
Medicina defina critérios objetivos e subjetivos para a prática
da ortotanásia, incluindo obrigatoriamente a participação de
uma equipe multidisciplinar e que, após parecer de aprovação
da equipe, os médicos sejam obrigados a comunicar e
submeter previamente ao Ministério Público e ao Judiciário
todos os pedidos de pacientes ou representantes legais, bem
como os diagnósticos médicos aconselhando a ortotanásia ou
a eutanásia. (BRASIL, Ministério Público Federal)
79
Hoje a Resolução encontra-se suspensa, uma vez que foi acatada a
interpretação do Ministério Público, com o fundamento que somente o
parlamento pode promulgar lei a respeito do assunto.
6.4.4 A Posição de Ramóm Sampedro
A posição de Ramón Sampedro em relação ao aspecto legal da sua
pretensão em obter autorização para a prática do suicídio medicamente
assistido baseia-se principalmente, nos argumentos de liberdade como base
da sua dignidade, conforme várias de suas manifestações:
Diz-se que viver em sociedade implica deveres e direitos. Sim,
mas quando uma parte que é a que impõe as normas para a
outra, só sobram o direito de obediência e o direito a uma
atitude estéril como única forma de divergência. Isso não é
respeito e sim, paternalismo (SAMPEDRO,2005. p.168).
É injusto – por ser escravizante - que o Estado, com a
cumplicidade dos juízes, se arrogue o direito de proteger a
vida da pessoa contra a vontade desta, enquanto toleram
crueldades aberrantes contra a vida (SAMPEDRO, 2005, p.
187).
É dito – como exemplo de imparcialidade - que a justiça é
cega e surda. Semelhante conduta em um juiz, mais do que
uma virtude, é um sintoma de corrupção ética. Se um juiz
esquecer a parte sentimental e afetiva, ele se transforma em
um ser amoral. Ou seja, num animal (SAMPEDRO, 2005, p.
187).
O direito e a verdadeira ética são aqueles que toleram e
respeitam as idéias dos demais com o mesmo respeito e
tolerância que exigem para as suas (SAMPEDRO, 2005, p.
187).
Em outra oportunidade, após várias tentativas pelos canais legais, mesmo
que frustradas, em carta dirigida ao Ministro da Justiça, do qual extraímos do
Livro Cartas do Inferno, do capítulo “Sobre a Liberdade”, Ramón assim se
manifesta:
80
Um dia recorri a vocês para pedir liberdade. Para pedir o
direito de reinar dentro de mim mesmo. Para ser meu próprio
pastor, meu juiz e meu médico. Vocês me responderam com
códigos para que eu olhasse através de seus olhos, para que
pensasse e sentisse com seus sentidos. Disseram que faziam
isso em nome da vida como um valor superior. Eu também o
faço em nome da vida, mas antes de tudo em nome da
dignidade e da liberdade do homem (SAMPEDRO, 2005,
p.251).
Portanto, o sentido de liberdade para Ramón era muito diferente mais
amplo do que somente as liberdades de pensamento e de consciência, mas
egoísta e intransigente, pois seu equilíbrio somente seria completado com a
sua liberdade física e sua independência pessoal, o que não seria possível,
chegando desta forma a radicalizar sua posição ao extremo conforme
encontrado no texto de parte de seu testamento:
“Srs. jueces, negar la propiedad privada de nuestro propio ser
es la más grande de las mentiras culturales. Para una cultura
que sacraliza la propiedad privada de las cosas -entre ellas la
tierra y el água- es una aberración negar la propiedad más
privada de todas, nuestra Patria y Reino personal. Nuestro
cuerpo, vida y conciencia. -Nuestro Universo-"[...] Srs. Jueces,
Autoridades Políticas y Religiosas: no es que mi conciencia se
halle atrapada en la deformidad de mi cuerpo atrofiado e
insensible, sino en la deformidad, atrofia e insensibilidad de
vuestras conciencias"
O que há, portanto, é um conjunto de argumentos que Ramom
apresenta, como uma pessoa individualista renitente, com uma idéia
preconcebida, que não se dobra diante de argumentos morais e éticos que
não os seus, tornando impossível qualquer contra-argumentação.
6.5 Valores que dão Sentido à Vida
Num contexto hodierno profundamente marcado pelo pragmatismo e
utilitarismo, as questões de fundo da vida tais como de busca de um sentido
maior pela vida soa como cântico romântico, procurando nos afastar de
questões que tragam em si um conteúdo dogmático, que nos induza a
81
questionar sobre as razões e finalidades de enfrentarmos determinadas
situações vivenciais e na maioria das vezes conservarmos uma vida em
circunstâncias limitadoras de nossas potencialidades humanas.
Descobrir o sentido e o valor de nossas vidas é uma exigência
fundamental da natureza humana, sentido este que não está associado ao
sucesso ou à riqueza, mas a uma esperança em relação à vida enquanto
almejamos algo, que é a força motivadora da existência humana.
Quando a vida tem sentido, ela é tão viva que não precisa de
sentido. E quando a questão do sentido se coloca, é que ela já
não é viva (VERGELY, 2000, p. 109-110).
A necessidade de encontrar um sentido na vida leva a pessoa à busca
de valores, que preencham uma dimensão que pode ser existencial, social ou
estritamente pessoal, embora em certas circunstâncias seja quase impossível
separar essas dimensões, já que são como ideais e crenças que sustentam o
indivíduo e que permitem o desenvolvimento de sua personalidade.
E se torna mais difícil de encontrar um sentido quando a pessoa não é
dotada de determinados referenciais morais, possuidora somente de
concepções materialistas de que a saúde e o corpo são os seus referenciais
para se obter sentido, na realidade eles não são simplesmente fins, mas os
meios pelos quais nos utilizamos, exatamente para dar o sentido à nossa vida.
Sem este tipo de referencial é bem provável que se caia no vazio existencial.
6.5.1 Viktor Frankl e a Busca de Sentido
Esta questão foi abordada de forma intensa no campo da psicologia a
partir de uma experiência pessoal vivida por Viktor Emil Frankl, austríaco,
médico psiquiatra, de formação judaica, que desenvolveu a teoria da
Logoterapia, também chamada de “Terceira escola de psicoterapia de Viena”.
Frankl descreve no livro “Em Busca de Sentido”, as perdas e superações
82
vividas durante a Segunda Guerra Mundial, como prisioneiro do campo de
concentração de Auchwitz e a maneira como encarou a realidade,
diferentemente dos seus pares de infortúnio, o que lhe permitiu sobreviver a
um ambiente de inóspita selvageria.
Frankl (2007) absorveu a realidade de uma maneira diferente,
compreendendo que o sentido não está presente somente na realização de
valores criativos, mas também no sofrimento, o que lhe permitiu o
questionamento do sentido existencial de todo aquele horror de uma forma
que pudesse buscar respostas mais intensas e profundas do que aquelas
impostas pelas circunstâncias limitadoras e que pudesse dar um sentido maior
à sua existência, diferentemente de seus companheiros.
A maioria se preocupava com a questão: “Será que vamos
sobreviver ao campo de concentração? Pois caso contrário,
todo esse sofrimento não tem sentido. [...] Em contraste, a
pergunta que me afligia era outra: Será que tem sentido todo
esse sofrimento, essa morte ao nosso redor? Pois caso
contrário, afinal de contas, não faz sentido sobreviver ao
campo de concentração. [...] Uma vida cujo sentido depende
exclusivamente de se escapar com ela ou não e, portanto, das
boas graças de semelhante acaso – uma vida dessas nem
valeria a pena ser vivida (FRANKL, 2007, p.68).
A principal razão dessa vitória contra os seus opressores e a sua
sobrevivência, esta na letra de Olavo de Carvalho no artigo “A Mensagem de
Viktor Frankl”, publicado em “O Indivíduo”:
O que possibilitou esse milagre singular foi a confluência
oportuna de uma decisão pessoal e dos fatos em torno. A
decisão pessoal: Frankl entrou em campo firmemente
determinado em conservar a integridade da sua alma, a não
deixar que seu espírito fosse abatido pelos carrascos do seu
corpo. Os fatos em torno: Frankl observou que todos os
prisioneiros, os que melhor conservavam o autodomínio e a
sanidade eram aqueles que tinham um forte senso de dever,
de missão, de obrigação. A obrigação podia ser para com uma
fé religiosa: o prisioneiro crente, com os olhos voltados para o
julgamento divino, passava por cima das misérias do
momento. Podia ser para com uma causa política, social,
cultural: as humilhações e tormentos tornavam-se etapas no
caminho da vitória. Podia ser, sobretudo, para com um ser
83
humano individual objeto de amor e cuidados: os que tinham
parentes fora do campo eram mantidos vivos pela esperança
do reencontro. Qualquer que fosse a missão a ser cumprida,
ela transfigurava a situação, infundindo um sentido nonsense
do presente. Esse senso de dever era a manifestação
concreta do amor – o amor pelo qual um homem se liberta da
sua prisão externa e interna, indo em direção àquilo que o
torna maior do ele mesmo (CARVALHO, 2008).
E ainda Carvalho, no mesmo artigo, complementa:
Frankl tinha três razões para viver: sua fé, sua vocação e a
esperança de reencontrar a esposa. Ali onde tantos perderam
tudo Frankl reconquistou não somente a vida, mas algo maior
que a vida. Após a libertação, reencontrou também a esposa e
a profissão, como diretor do Hospital Policlínico de Viena
(CARVALHO. 2008).
Nessa sua compreensão, ficou patente a importância em não se
permitir desenvolver uma atitude reflexiva egocêntrica em relação aos
percalços que a vida nos coloca e parece nos testar.
Em última análise, a pessoa não deveria perguntar qual o
sentido da sua vida, mas antes deve reconhecer que é ela que
esta sendo indagada. Em suma, cada pessoa é questionada
pela vida; e ela somente pode responder à vida respondendo
por sua própria vida; à vida ela somente pode responder
sendo responsável (FRANKL, 2007, p.2007).
Mas é exatamente neste momento, diante da dificuldade da pessoa
decidir-se por um direcionamento à questão do sentido de sua vida é que ela
pode optar por um caminho oposto, de desilusão, de perda de esperanças,
objetivos e sentido, pois não existe uma resposta objetiva a questão, cada
caso concreto manifesta um entendimento próprio, pessoal, íntimo
As dificuldades, limitações ou infortúnios, ao contrário, podem ser uma
última oportunidade que a vida oferece de descobrir o valor real e absoluto da
vida e de assumi-la, tendo em vista o seu valor único e irrepetível. Que
quando enfrentada e superada a sensação de inutilidade da batalha,
84
descobre-se uma potencialidade de recursos, que colocado em movimento
poderão dar o sentido ao que é buscado.
Em outras palavras, o que importa é tirar o melhor de cada
situação dada. O “melhor”, no entanto, é o que em latim
chama optimum - daí o motivo por que falo de um otimismo
trágico, isto é um otimismo diante da tragédia e tendo em vista
o potencial humano que, nos seus melhores aspectos, sempre
permite: 1. transformar o sofrimento numa conquista e numa
realização humana; 2. extrair da culpa a oportunidade de
mudar a si, mesmo para melhor; 3. fazer da transitoriedade da
vida um incentivo para realizar ações responsáveis (FRANKL,
2007, p.119).
A importância da obra de Victor Frankl reside principalmente na
libertação dos horizontes e dos valores dos homens, levando-o à
transcendência, pois reconhece que além dos fatores físicos e psíquicos do
sofrimento do homem, existe o conceito que ele chamou de doenças
noogênicas, que além dos dois primeiros fatores, existe um sofrimento de
origem espiritual que tem sua origem na falta ou na perda de sentido.
6.5.2 O Super-Homem e Stephen Hawking: duas realidades no encontro
do sentido de suas Vidas
Em maio de 1999, o mundo foi surpreendido pela notícia de que o ator,
americano Cristopher Reeve, com 46 anos, que havia se tornado famoso
encarnando a figura do super- herói, “Super-Homem” em quatro filmes, havia
sofrido um acidente, quando ao cair de um cavalo, quebrou duas vértebras
cervicais e teve outros danos na coluna dorsal, ficando tetraplégico, ou seja,
ficando imóvel do pescoço para baixo e tendo que receber auxílio através de
vários equipamentos, inclusive um respirador artificial.
Reeve não só lutou contra a sua deficiência como serviu de inspiração
a muitas pessoas, não só deficientes, pelo seu exemplo de perseverança,
inclusive voltando a recuperar a sensibilidade de algumas partes de seu corpo,
após uma cirurgia inovadora e tratamento fisioterápico. Na época proferiu uma
85
frase na imprensa que deixou marcada sua luta e a não resignação ao
desastre que limitava a sua vida, quando disse: “Eu me recuso a permitir que
uma deficiência determine o meu modo de vida. Não quero ser inconseqüente,
mas estabelecer um objetivo que me parece um pouco amedrontador é muito
útil para a recuperação”
Em seu esforço Reeves foi um ativista da UNICEF, da Anistia
Internacional, da Ecologia e foi um incentivador das pesquisas com células
tronco, para recuperação de casos semelhantes ao seu.
Morreu em 10 de outubro de 2004, contando então com 52 anos, vítima
de um ataque cardíaco, deixando seu exemplo de quem apesar de seu
infortúnio encontrou sentido para a sua vida.
Outro caso de superação de limites que merece destaque é o do físico
britânico Stephen Hawking. Nascido em 8 de janeiro de 1942, em Oxford,
tornou-se um dos físicos teóricos de maior prestígio no mundo.
Stephen Hawking é Doutor em Cosmologia, professor lucasiano de
Matemática na Universidade de Cambridge, onde ocupa a mesma cátedra
que fora exercida por Isaac Newton até o ano de 1627. Várias foram as suas
contribuições no campo da Física sendo a mais conhecida o estudo sobre os
campos gravitacionais denominados como“buracos negros” e a origem do
universo.
Ele é portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA) , uma rara doença
degenerativa do neurônio motor, que foi detectada quando ele tinha apenas
vinte e dois anos, e que paralisa gradualmente os músculos do corpo até
ficar com a sua mobilidade praticamente nula sem atingir as funções
cerebrais, mas que no entanto não há cura.
Stephen Hawking é outro exemplo de perseverança e obstinação na
luta pela vida, onde conseguiu contrariar os prognósticos e estatisticas
médicas de que portadores desta doença têm uma expectativa de vida de no
86
máximo 15 anos; hoje conta com 66 anos de idade, vive em uma cadeira de
rodas e se comunica através de um sintetizador de voz.
Harwing continua lecionando, escrevendo, desenvolvendo projetos e
pesquisas de Física quântica e relatividade. Em abril de 2007, Hawking foi
objeto do noticiário internacional quando participou de um vôo em um Boeing
727, que simulou, através de uma manobra por alguns segundos a sensação
de gravidade zero.
6.5.3 O Sentido da Vida para Ramón Sampedro
O que continua prevalecendo é a concepção “racional” e individual de
Ramón acerca do sentido de sua vida. Para ele não existia qualquer solução
que não fosse a sua cura, mas como a vida lhe negara, continuaria sendo
irracional viver e a morte a sua “digna solução” à sua tetraplegia.
Observa-se isto em várias passagens do livro e do filme, conforme se
destaca:
A vida tem que ter um sentido. E tem sentido enquanto
esperamos algo, quase nunca – ou nunca – sabemos o quê,
mas enquanto dispomos de um corpo sensível e vivo que nos
possibilita desfrutar da sensação de liberdade que nos dá o
movimento, sempre teremos essa sensação de poder ir de um
horizonte a outro, em busca desse algo indefinido e
maravilhoso que nos libertará da rotina e do cansaço
monótono de lutar para viver de uma maneira normal
(SAMPEDRO, 2005, p.276).
Como princípio universal, deixando de lado o eu e a
circunstância, as coisas que dão sentido à vida são a
liberdade e o desejo de vivê-la (SAMPEDRO, 2005, p. 221).
É óbvio que, instintivamente, nenhum ser vivo deseja a morte.
Mas a eutanásia não é um desejo instintivo e sim, um ato
racional. É uma conduta ética que persegue um bem, um bem
que só o é no caso de uma circunstância determinada e
concreta de um mal racionalmente irremediável (SAMPEDRO,
2005, p.243).
87
Portanto, é extremamente difícil encontrar razões ou um significado da vida
para Ramóm, uma vez que, para ele tudo dependia da capacidade de orientá-
la de uma forma material, isto é com valores materiais que somente a
liberdade de movimentos físicos poderia restabelecer-lhe, e talvez diante
dessa impossibilidade e da ausência de ocupação fora acometido por um
vazio íntimo e uma angústia
impossíveis de suportar, capazes de levá-lo ao desespero.
Outro fator relevante na vida de Ramóm Sampedro é a questão da sua
falta de fé em valores superiores, da desesperança, da ausência de um
objetivo e de uma meta que pudesse transcendê-lo rumo a um sentido maior
para a sua existência.
Em diversas oportunidades que Ramón se manifesta como Agnóstico,
sendo um crítico contundente contra o Catolicismo e a Igreja Católica
espanhola. Também esta situação apresenta um alto grau de dificuldade na
interpretação de seus motivos, porque é muito difícil estabelecer parâmetros
para tentar entender o que ele definia como sendo um sofrimento excessivo,
uma vez que qualquer tentativa de definí-lo seria extremamente genérico ou
destituido de sentido de acordo com a maturidade do indivíduo ou do caso
concreto.
Neste contexto, ganham importância as observações de Frankl (2007)
obtidas na sua inimaginável experiência de que, quando o indivíduo perde a
esperança, sempre acaba se entregando à morte.
88
7 Considerações Finais
As reflexões e considerações apresentadas neste estudo tiveram como
objetivo identificar algumas questões éticas e bioéticas relacionadas à
condição de obrigar pessoas a viverem numa determinada situação concreta
de vida, sobretudo difícil de ser vivida e suportada, Acresce-se a essa
condição de tais pessoas sentirem ultrajadas em sua dignidade em
decorrência do desrespeito aos seus valores e ao direito de escolha por uma
forma de “morte digna”.
Ramón Sampedro Cameám trouxe à luz um debate sobre o suicídio
medicamente assistido. Em sua perspectiva é necessário ocorrer este debate
na sociedade em todos os níveis, para que de maneira refletida possa regular
situações que diariamente ocorrem na sociedade, em que os médicos se vêm
obrigados a atuar sem um referencial e um marco legal que os ampare.
Procurou-se analisar a questão sob diversos prismas, sobretudo o religioso
e o secular, considerando principalmente as questões éticas e bioéticas
associadas à sacralidade e qualidade de vida, à dignidade e autonomia, à dor
e ao sofrimento e aos valores que dão sentido à vida.
Nesta empreitada buscamos referenciais em vários pensadores, tanto com
concepções conservadoras quanto liberais, que investigaram a temática com
profundidade. O que transparece é a falta de consenso, e por vezes, se
evidencia a ambiguidade entre as teorias o que distancia o alcance de um
argumento moralmente abrangente e consensual, relevante e justificável ao
tema.
Por outro lado, a legislação pátria não permite as práticas da eutanásia e
do suicídio medicamente assistido, penalizando aqueles que a praticam ou
auxiliam na consecução dos propósitos, traduzindo como “homicídio”,
independente do pedido ou não do paciente, considera que não há direito de
uma pessoa sobre si mesma, o que permite destacar sob a ótica que no
pensamento de Ramóm Sampedro a vida seria uma obrigação e não um
89
direito, mas ao mesmo tempo a legislação brasileira manifesta certa
sensibilidade ao tema, quando enuncia atenuantes à situação fática.
A vida não faz parte do domínio da vontade livre, pois exige que o próprio
titular a respeite. Pergunata-se então: A lei deve ser cumprida independente
de qualquer valoração, inclusive perpetrando injustiças? Podemos
obrigar uma pessoa a permanecer viva contra a sua vontade? É
concebível alguém receber como “prêmio” uma prisão perpétua?
As leis são imperativos categóricos, não subordinados à lógica do
razoável, ou seja, são aplicáveis de forma que prevaleça o “tudo-ou-nada”,
caso contrário não teria validade e eficácia, mas que, em determinadas
situações colide de forma categórica e inclemente com os princípios da
dignidade humana e da autonomia como no caso dos pacientes crônicos,
quando determina de que forma deve o paciente terminar com a vida que lhe
resta.
São necessárias determinadas reflexões sobre valores, interesses,
aspirações, relações sociais e necessidades individuais e grupais no que
tange tão complexo tema.
Importante que exista uma inter-relaçâo de várias disciplinas, diversas
profissões e articulações entre os setores especializados da sociedade
especializada, com a discussão da população para que juntos realizem a
reflexão sobre questões importantes como o direito de viver e o de morrer.
Que seja encontrada uma solução racional e principalmente segura,
cercada de vários elementos como médicos, psicológicos e legais entre
outros, que assegurem àqueles que, usando de argumentos da “ladeira
escorregadia”, temem pela sua descaracterização e o seu uso indevidamente.
O que se propõe e a não continuidade de um a agir com hipocrisia em
relação às questões da morte, da vida, da eutanásia ou do suicídio
medicamente assistido, pois o perigo não está na legalização da prática em si,
90
mas nas formas sem critérios lógicos e legais de práticas que se efetivem em
nossa realidade.
Reforçamos com este estudo o nosso posicionamento estimular o debate
ético, principalmente sobre a questão da legitimidade e racionalidade de se
obrigar uma pessoa a permanecer viva contra a sua vontade, princípios e
crenças, uma vez que se trata de uma questão moralmente relevante, tanto
quanto a de matar como a quem quer viver.
Embora a religião e a legislação imponham situações “imperativas” a favor
da preservação da vida a qualquer custo, há que se considerar no caso
analisado, principalmente o respeito à dignidade, à autodeterminação e à
autonomia humana, sem absolutizá-la, respaldado numa visão experencial e
construtiva dos envolvidos. Neste contexto surge a Bioética com o objetivo de
mediar às discussões entre valores diferentes, propostos pelas pessoas,
instituições e sociedade.
91
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96
ANEXOS
97
Anexo A
Testamento de Ramon Sampedro
"Srs. Jueces, Autoridades Políticas y Religiosas:
Después de las imágenes que acaban de ver; a una persona cuidando de un
cuerpo
atrofiado y deformado -el mío- yo les pregunto: ¿qué significa para Vds. la
dignidad?
Sea cual sea la respuesta de vuestras conciencias, para mí la dignidad no es esto.
¡Esto no es vivir dignamente!
Yo, igual que algunos jueces, y la mayoría de las personas que aman la vida y la
libertad, pienso que vivir es un derecho, no una obligación. Sin embargo he
sido
obligado a soportar esta penosa situación durante 29 años, cuatro meses y
algunos
días.
¡Me niego a continuar haciéndolo por más tiempo!
Aquellos de vosotros que os preguntéis: ¿Por qué morirme ahora -y de este modo
-
si es igual de ilegal que hace 29 años?
Entre otras razones, porque hace 29 años la libertad que hoy demando no cabía
en
la ley. Hoy sí. Y es por tanto vuestra desidia la que me obliga a hacer lo que
estoy
haciendo.
I. Van a cumplirse cinco años que -en mi demanda judicial - les hice la
siguiente pregunta: ¿debe ser castigada la persona que ayude en mi
eutanasia?
Según la Constitución española -y sin ser un experto en temas
jurídicoscategóricamente
NO.
Pero el Tribunal competente -es decir, el Constitucional - se niega a
responder. L os políticos -legisladores - responden indirectamente haciendo
una chapuza jurídica en la reforma del Código Penal. Y los religiosos dan
gracias a Dios porque así sea.
Esto no es autoridad ética o moral. Esto es chulería política, paternalismo
intolerante y fanatismo religioso.
II. Yo acudí a la justicia con el fin de que mis actos no tuviesen consecuencias
penales para nadie. Llevo esperando cinco años. Y como tanta desidia me
parece una burla, he decidido poner fin a todo esto de la forma que
considero más digna, humana y racional.
Como pueden ver, a mi lado tengo un vaso de agua conteniendo una dosis
de cianuro de potasio. Cuando lo beba habré renunciado -voluntariamente -
a la propiedad más legítima y privada que poseo; es decir, mi cuerpo.
También me habré liberado de una humillante esclavitud -la tetraplegia -.
A este acto de libertad -con ayuda - le llaman Vds. cooperación en un
suicidio -o suicidio asistido -.
98
Carta aos juizes
Srs. Jueces:
Pienso que a la hora de juzgar determinadas conductas ético-morales, como en el
caso que les planteo, no deberían tener más norma fundamental que la
Constitución, porque si no es así, no son los jueces quienes juzgan sino los
políticos
cuand o escriben la ley y crean la trampa y la ambigüedad.
Sólo si los jueces y jurados tuviesen la potestad de sentenciar de acuerdo con
la
norma constitucional, y sus consciencias fuesen como un procesador humano -y
humanizado - que va recibiendo sistemáticamente conocimientos e información
para entender lo que es social y democráticamente tolerable, y también
conveniente reformar y corregir, la justicia seguiría el ritmo del proceso
evolutivo
de una sociedad democrática formada por individuos libres y responsables.
En abril del 93 acudí ante los tribunales de justicia con una demanda
formalmente
presentada por mi abogado D. Jorge Arroyo Martínez que, en síntesis,
preguntaba
si debe ser sancionada judicialmente una persona que me preste ayuda, sabiendo
que es con el fin de provocar voluntaria y libremente mi muerte.
Hay demasiadas gentes que, en apariencia capacitadas para hacer un juicio de
valor, se preguntan, y me preguntan, si realmente deseo morirme pues, si así
fuese,
me indican que puedo provocarme de sde una pulmonía, taponar una sonda, no
curarme una infección de orina, inyectarme un virus, morirme de hambre, o que
me mate discretamente cualquier persona.
Entre tanto absurdo maestro que acepta y propone toda clase de formas de morir,
menos la volunt aria y legalmente permitida, me parece que la funcion de los jueces
tiene que ser algo mas que la de aplicarle códigos al rebaño como mudo y fiel
guardián que defiende los intereses de su degenerado amo. Cuando un juez
guarda
silencio ante una ley obviamen te hipócrita, y por tanto injusta, en esa sociedad no
puede haber nobleza y bondad posible. Si la justicia es la exigencia de una
conducta ética respetuosa, la función del juez debe ser la de maestro más que
la de
vigilante.
Si aceptamos que debe haber u nas normas y unos medios para juzgar
comportamientos irresponsables, en casos de conductas éticas -no criminales -,
la
justicia debería ser inmediata para que tuviese vida, de lo contrario es como si
estuviese enlatada y, para lo único que sirve, antes que para corregir situaciones
injustas, anacronismos y tradicionales barbaridades, es para perpetuarla.
El deseo y la buena voluntad son el origen de todo bien y de toda confusión y
desconfianza social universal.
La vida evoluciona corrigiendo sistemáticamente el error, de ella deberían
copiar
los humanos.
Es un grave error negarle a una persona el derecho a disponer de su vida, porque
es negarle el derecho a corregir el error del dolor irracional. Como bien dijeron los
99
jueces de la audiencia de Barcelona : vivir es un derecho, pero no una obligación.
Sin embargo no lo corrigieron, ni nadie parece ser responsable de corregirlo.
Anexo B
Decision del Comité de Derechos Humanos
CCPR/C/80/D/1024/2001
Comunicación No. 1024/2001 : Spain. 28/04/2004.
Convention Abbreviation: CCPR
Comité de Derechos Humanos
80º período de sesiones
15 de marzo a 2 de abril de 2004
ANEXO*
Decisión del Comité de Derechos Humanos emitida a tenor
del Protocolo Facultativo
del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos
- 80º período de sesiones
Comunicación No. 1024/2001
100
Presentada por: Manuela Sanlés Sanlés (representado por
el abogado Sr. José Luis Mazón Costa)
Presunta víctima: Ramón Sampedro Cameán
Estado Parte: España
Fecha de la comunicación: 28 de marzo de 2001
omunicación inicial)
umanos
(c
El Comité de Derechos H , establecido en virtud del artículo 28
ional de Derechos Civiles y Políticos, del Pacto Internac
Reunido
el 30 de Marzo de 2004 2003,
Aprueba
la siguiente:
Decisión sobre la admisibilidad
1. La autora de la co arzo de 2001 es
Manuela Sanlés Sanlés, de nacionalidad española, quien alega
violaciones por parte de España del párrafo 1 del artículo 2, de los
o a Ramón
legal. Está
representada po cultativo entró en vigor para
España el 25 de
Hechos present
municación de fecha 28 de m
artículos 7, 9, 14, 17, 18 y 26 del Pacto, con respect
Sampedro Cameán, de quien ha sido declarada heredera
r abogado. El Protocolo Fa
enero de 1985.
ados por la autora
2.1 El 23 de agosto de 1968, Ramón Sampedro Cameán, quién tenía
entonces 25 años de edad, sufrió un accidente que le produjo una
fractura de v irreversible. El 12 de julio
de 1995, inic luntaria ante el Juzgado de
Primera Instan
dignidad. Con
administrase la su vida, sin que
por ello pudiera ser perseguido pena
Juzgado denegó tal petición, aduciendo que el artículo 143 del Código
Penal español o delito de auxilio al suicidio,
con una pena de 2 a 10 años de prisión.
2.2 Ramón Sa Coruña,
la cual rechazó viembre de 1996, confirmando la
uso recurso de
, alegando una violación a su
llo de la personalidad, a la vida
értebra cervical y una tetraplejía
ió una acción de jurisdicción vo
cia de Noia, La Coruña, alegando el derecho a morir con
cretamente, solicitó que se autorizara que su médico le
s sustancias necesarias para poner fin a
lmente. El 9 de octubre de 1995, el
sancionaba este hecho com
mpedro apeló ante la Audiencia Provincial de La
el recurso el 19 de no
decisión del Juzgado de primera instancia.
2.3 El 16 de diciembre de 1996, Ramón Sampedro interp
amparo ante el Tribunal Constitucional
dignidad y a sus derechos al libre desarro
101
y a la integridad física y moral; así como a un proceso con equidad. El
recurso fue admitido a trámite el 27 de enero de 1997; el 10 de marzo de
1997 empezó el plazo de veinte días para que el Señor Sampedro
formulara alegacion
El 4 de mayo de 1998 envió un escrito
al Tribunal Constitucional, reclamando el derecho a ser continuadora
rocesal de la presunta víctima, y reformuló las conclusiones del
to consistió en que la Audiencia
Provincial debió haber reconocido el derecho del Señor Sampedro a que
egales concretas ni suficientes
para justificar la sucesión en el procedimiento de la autora. El tribunal
deró también que aquel acto
de voluntad le concernía solamente a la víctima y que la pretensión del
violación del derecho a una vida digna
y a una muerte digna respecto de Ramón Sampedro; a la no ingerencia
En cuanto a la
alegada duración excesiva del procedimiento, el Tribunal Europeo
es finales.
2.4 En la madrugada del 12 de enero de 1998, Ramón Sampedro se
suicidó, contando con una ayuda anónima. Un proceso penal fue abierto
en contra de quien o quienes le auxiliaron a morir. Sin embargo, el caso
fue sobreseído, por no encontrarse persona responsable.
2.5 La autora de la comunicación fue designada heredera en el
testamento de Ramón Sampedro.
p
recurso de amparo. El nuevo alega
su médico de cabecera le suministrara los medicamentos necesarios para
ayudarle a morir dignamente.
2.6 El 11 de noviembre de 1998, el Tribunal Constitucional decidió
archivar el asunto, negando a la autora el derecho a continuar con el
procedimiento. Entre otros argumentos, el tribunal precisó que a pesar
de que el derecho de los herederos a continuar los procesos de sus
familiares fallecidos en los casos de protección civil del derecho al
honor, intimidad personal y familiar y a la propia imagen estaba
reconocido en el sistema jurídico español, en el asunto del señor
Sampedro no se daban las condiciones l
precisó que su asunto tampoco podía ser identificado a los derechos
citados por ella, debido al carácter personalísimo e inseparablemente del
alegado derecho a morir dignamente. Consi
quejoso había caducado a partir de su muerte. También señaló que está
conclusión se reforzaba por la naturaleza del recurso de amparo
constitucional, que fue establecido para remediar violaciones concretas
y efectivas a los derechos fundamentales.
2.7 El 20 de abril de 1999, la autora acudió al Tribunal Europeo de
Derechos Humanos alegando la
del Estado en el ejercicio de su libertad, así como de su derecho a la
igualdad. El Tribunal Europeo declaró inadmisible la demanda ratione
personae, porque consideró que la heredera de Ramón Sampedro no
estaba legitimada para continuar con las quejas de este.
señaló que aún suponiendo que la autora pudiese tener la calidad de
víctima, en las circunstancias de la especie, la duración del
procedimiento no había sido suficientemente importante para que
pudiera concluirse en una aparente violación de la Convención, por lo
que declaró la queja manifiestamente mal fundamentada.
102
La denuncia
3.1 La autora alega que al ser considerada como delito, la conducta de
intervención de un médico para ayudar a morir al señor Ramón
del Estado no fue neutral, al
existir una norma penal que impidió que el Señor Sampedro pudiera
sostiene una violación del párrafo 1 del artículo 18 del
Pacto, afirmando que la decisión de Ramón Sampedro emanaba de la
argumentando que la libertad del individuo solo puede ser objeto de
Sanpedro, el Estado parte violó el derecho de este a la vida privada sin
injerencias externas arbitrarias, contemplado en el artículo 17 del Pacto.
La autora argumenta que, como así lo manifestó la presunta víctima en
su libro, solo pedía la eutanasia para el y no para otros, y que por tanto
la injerencia del Estado en la decisión de Sampedro no está justificada.
3.2 La autora alega que la "ingerencia penal" del Estado en la decisión
de Ramón Sampedro significó la violación de su derecho a no sufrir
tratos inhumanos o degradantes contemplado en el artículo 7 del Pacto,
ya que la tetraplejía que este padecía tenía una considerable repercusión
cotidiana, pues nunca se levantaba. Para comer, vestirse o realizar todas
sus necesidades, incluso las más íntimas, necesitaba la ayuda de terceras
personas; y la inmovilidad a la que las circunstancias lo condenaron
significaba para el un sufrimiento acumulado e irresistible. La autora
alega que si bien en el presente caso dicho sufrimiento no fue
provocado directamente por la intervención voluntaria de un agente
estatal, el comportamiento de los órganos
poner fin a su vida con la ayuda que le era indispensable para poder
llevar a cabo su propósito. La autora insiste en que la situación creada
por la legislación del Estado parte constituyó un maltrato y una vida
degradante para Ramón Sampedro.
3.3 La autora afirma que hay una violación del artículo 6 del Pacto,
argumentando que la vida que protege dicho instrumento no se refiere
únicamente a la vida biológica, bajo cualquier circunstancia, sino la
vida digna, opuesta a la situación humillante que padeció el señor
Sampedro durante más de 29 años. Sostiene que al derecho a la vida no
corresponde la obligación de soportar un tormento indefinido, y que los
dolores sufridos por Ramón Sampedro son incompatibles con el
concepto de dignidad humana.
3.4 La autora
libertad de pensamiento y de conciencia, y del derecho a manifestar sus
convicciones individuales a través de prácticas o hechos. La autora
alega que el señor Sampedro que fue reducido a "la servidumbre de una
moralidad no compartida, impuesta desde el poder del Estado (y)
forzado a pasar un continuo padecimiento".
3.5 La autora sostiene una violación del artículo 9 del Pacto,
restricciones si estas están previstas en la ley y siempre y cuando
constituyan medidas necesarias para proteger la seguridad, el orden, la
salud o la moral públicas o los derechos o libertades fundamentales de
los demás. La autora afirma que la injerencia del Estado en la decisión
103
del señor Sampedro no encuadra en ninguno de estos supuestos. Que
por otra parte, el derecho a la libertad debe ser concebido como el
derecho a hacer todo aquello que no perjudique los derechos de los
demás, y que la presunta víctima solo pedía la eutanasia para el y no
para otros, por lo que la injerencia del Estado en su decisión no está
justificada.
3.6 La autora alega que se viola el derecho a la igual protección de la
ley, prevista en el párrafo 1 del artículo 2 y en el artículo 26 del Pacto.
Según ella, resulta paradójico que el Estado sea respetuoso de la
decisión del suicida pero no lo sea tratándose de personas inválidas.
Argumenta que toda persona autosuficiente, dotada de movilidad y que
padece un sufrimiento extremo tiene la posibilidad de suicidarse, sin ser
rminación de morir, so pena de incurrir
en un tratamiento diferenciado injusto con respecto a la persona válida
perseguida en caso de que fracase, a diferencia de la persona
gravemente impedida para actuar, como lo fue Ramón Sampredro;
quien, reducido a la completa inmovilidad, no pudo contar con ayuda,
so pena de ser perseguido penalmente. Según la autora esto significa
una discriminación ante la ley. En su opinión, el Estado, como
encarnación de la comunidad, está obligado a ser comprensivo y actuar
humanamente con el enfermo que no desea vivir y no debe castigar a
quien le ayuda a ejecutar su dete
por si misma, que desea morir.
3.7 La autora afirma que se violó el artículo 14 del Pacto, porque el
Tribunal Constitucional le negó el reconocimiento de legitimidad en el
proceso del señor Sampedro. La autora reclama una compensación al
Estado por las violaciones del Pacto cometidas en contra de aquel
cuando estaba vivo.
Comentarios del Estado parte con respecto a la admisibilidad y al
fondo
4.1 En su escrito de fecha 2 de enero de 2002, el Estado parte sostiene
que la comunicación es inadmisible sobre la base del inciso a) del
párrafo 2 del artículo 5 del Protocolo Facultativo, argumentando que la
comunicación que en esta ocasión es sometida al Comité, versa
exactamente sobre el mismo asunto que fue sometido por la misma
persona al Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Agrega que la
decisión de inadmisibilidad del Tribunal Europeo con relación a este
asunto, no se debió a un simple formalismo, sino que supuso un
auténtico examen del fondo, ya que dicho tribunal examinó la
naturaleza del derecho que reclamó en vida el Sr. Sampedro, es decir, el
reclamado derecho al auxilio al suicidio sin trascendencia penal.
4.2 Según el Estado parte, la autora de la comunicación pretende que el
Comité revise la decisión de fondo adoptada previamente por otro
órgano internacional, y que declare que el "derecho a morir
dignamente" o "el auxilio al suicidio sin trascendencia penal" que
solicitó antes de fallecer voluntariamente el Señor Sampedro, no es un
104
derecho personalísimo, ni transferible, en contra de lo decidido por el
Tribunal Europeo de Derechos Humanos. Agrega que el Tribunal
Constitucional español no se pudo pronunciar sobre el asunto, debido a
la muerte voluntaria del señor Sampedro, que produjo la extinción del
proceso de amparo.
4.3 El Estado parte recuerda que la heredera de Ramón Sampedro ha
afirmado expresamente que este "murió dignamente" y que además,
nadie ha sido ni está siendo actualmente perseguido o acusado por
auxiliarlo en su suicidio; que se archivó el proceso penal que había sido
os de fecha 30 de abril de 2002, el Estado parte
alega que la autora ejerce una actio popularis, pretendiendo que, en
"a morir dignamente". Agrega que las pretensiones de la autora
distorsionan los derechos reconocidos en el Pacto. El Estado parte
abierto. Según el Estado parte, la queja sometida por la autora carece de
sentido, ya que no es posible jurídica ni científicamente, que a un
muerto pueda serle reconocido el derecho a morir.
4.4 En sus comentari
relación no a ella, sino a una persona fallecida, se declare el llamado
derecho
sostiene que según la decisión del Tribunal Europeo en el caso Pretty
contra el Reino Unido, (1) el derecho a la vida no podría, sin distorsión
del leguaje, ser interpretado como concediendo un derecho
diametralmente opuesto, a saber, un derecho a morir, sea a manos de un
tercero o con la asistencia de una autoridad pública.
Comentarios de la autora sobre la admisibilidad y el fondo
5.1 En su escrito de fecha 11 de julio de 2002, la autora alega que el
Tribunal Europeo no examinó el fondo del asunto; que por el contrario,
puso de relieve que la queja primordial, relativa a la intrusión del Estado
en la decisión de morir en paz de Ramón Sampedro, no era examinada,
o a) del párrafo 2 del artículo 5 del Protocolo
Facultativo. Agrega que el Tribunal Europeo tampoco examinó la queja
al considerarse que la heredera y cuñada de aquel estaba ejerciendo una
actio popularis y por ello le negó legitimación en la continuación del
litigio, considerando la queja incompatible ratione personae.
5.2 La autora considera que el Tribunal Europeo únicamente entró a
conocer del fondo con respecto a la queja relativa a la dilación indebida
del proceso y con respecto a sus demás alegaciones, observa que según
la jurisprudencia del Comité, (2) un asunto declarado inadmisible por el
Tribunal Europeo por motivos de forma, no es un "caso examinado", a
los efectos del incis
relativa al derecho a la libertad.
5.3 La autora afirma que no está ejerciendo una actio popularis, ya que
es la continuadora de la víctima que murió sin reparación ni respuesta
sobre el fondo de su asunto. Agrega que la continuación del proceso
iniciado en vida por Ramón Sampedro, le fue denegada por el Tribunal
Constitucional mediante una decisión arbitraria.
105
5.4 L autora sostiene que el párrafo 7 del artículo 9 de la Ley de
Enjuiciamiento Civil permite, sin excepciones, la continuación del
proceso una vez fallecido el litigante, si el heredero se presenta ante el
tribunal con nuevo poder a favor del procurador, como sucedió en su
caso; Según el artículo 661 del Código Civil, "los herederos suceden al
difunto por el hecho solo de su muerte en todos sus derechos y
obligaciones".
5.5 El artículo 4 de la Ley Orgánica 1/1982 deja claro que "El ejercicio
de las acciones de protección civil del honor, la intimidad o la imagen
de la persona fallecida corresponde a quien este haya designado a tal
alegado
una violación al derecho de la intimidad, relacionado con la vida
ncedió la
sustitución procesal al heredero de un demandante fallecido durante el
isión en el caso Pretty c. Reino Unido,
aludida por el Estado parte, la autora señala que lo que pedía Sampedro
r dignamente, estaba
avalada por un derecho humano. Según la autora, esto es un motivo
326 del Código Penal colombiano, que se refiere al
homicidio piadoso no implicaba responsabilidad penal para el médico
paz, y que ayudar a morir a quien padece una enfermedad
efecto en su testamento", y en el caso del señor Sampedro se ha
privada.
5.6 La autora afirma que el Tribunal Constitucional aplica una
jurisprudencia desigual en materia de autorización de la continuación
mortis causa en la condición de litigante, pues mientras a la heredera de
Ramón Sampedro le negó la continuidad, en la sentencia No.116/2001
de 21 de mayo de 2001, la misma Sala del tribunal co
procedimiento de un recurso contra una medida de suspensión de
militancia sindical. Dicha sala se pronunció en este sentido a pesar del
carácter "personalísimo" de la causa.
5.7 La autora señala que el Comité ha admitido la continuación procesal
del heredero del litigante fallecido durante el curso del proceso judicial,
incluso en la fase anterior a la tramitación de la queja ante el propio
Comité (3). Con relación a la dec
no era una medida positiva del Estado, sino una conducta de abstención,
de dejar hacer, es decir, que no se entrometiera en su decisión de morir.
5.8 La autora sostiene que Ramón Sampedro murió sin el
reconocimiento de que su pretensión de mori
suficiente para permitir que su heredera sea continuadora de la queja.
Agrega que no se le otorgó indemnización alguna por el sufrimiento que
hubo de asumir.
5.9 La autora hace alusión a una sentencia de la Corte Constitucional de
Colombia de 1997, en materia de eutanasia, mediante la cual se declaró
que el artículo
que ayudaba a morir a enfermos terminales, si concurría la libre
voluntad del sujeto pasivo del acto. Esa Corte relacionó la prohibición
de castigar el suicidio asistido con el derecho fundamental a una vida
digna y con la protección de la autonomía personal del individuo. (4) La
autora afirma que el derecho avanza mediante la búsqueda de un orden
justo y de
106
incurable y dolorosa, constituye una reacción normal de solidaridad y de
compasión inherente al ser humano.
5.10 Afirma que el Estado parte le impuso indirectamente a Ramón
Sampedro la obligación de vivir el sufrimiento de la inmovilidad.
Afirma no debe aceptarse que un Estado de Derecho imponga esa carga
a una persona desvalida, supeditando su existencia a convicciones
extrañas. Según la autora, la intrusión estatal en el derecho a morir de
Ramón Sampedro es incompatible con el Pacto, el cual expresa en su
preámbulo que todos los derechos en el reconocidos se derivan de la
privada de esa persona. Que si bien el Tribunal Europeo añadió que esa
ritos de fecha 22 de enero y 20 de marzo de 2003, la
autora sostiene que contrariamente a lo afirmado por el Estado parte, el
dignidad inherente a la persona humana.
5.11 En cuanto a la alegada violación del derecho a no sufrir injerencias
externas arbitrarias contemplado en el artículo 17, la autora afirma que
incluso en el caso Pretty, el Tribunal Europeo reconoció que "el veto
penal" del Estado contra la decisión de morir de una persona impedida
sujeta a sufrimientos incurables, constituía una ingerencia en la vida
ingerencia está justificada "en la protección de los derechos de otros",
para ella este argumento carece de sentido, pues nadie se ve lesionado,
ya que incluso la familia pretende ayudar al que toma la decisión de
morir.
5.12 Mediante esc
señor Sampedro no pudo morir como él deseó, que su muerte no fue
apacible ni dulce ni indolora. Por el contrario, fue angustiosa, ya que
tuvo que recurrir al cianuro de potasio.
Cuestiones materiales y procesales de previo pronunciamiento
6.1. De conformidad con el artículo 87 de su reglamento, antes de
examinar las reclamaciones contenidas en una comunicación, el Comité
de Derechos Humanos debe decidir si ésta es o no admisible en virtud
del Protocolo Facultativo del Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos.
6.2 Aunque el Estado parte parece afirmar que la Comunicación es
inadmisible con arreglo al artículo 1 del Protocolo Facultativo, ya que la
autora no es una "victima" en el sentido de esa disposición, el Comité
observa que la autora pretende actuar en favor del señor Ramón
Sampedro Cameán, quien de acuerdo con ella, fue la víctima de una
violación del Pacto, debido a que las autoridades del Estado parte
rechazaron permitirle asistencia en su suicidio, no ofreciendo al médico
que pudiera asistirlo protección contra cualquier persecución penal. El
Comité considera que la queja presentada en favor del señor Ramón
Sampedro Cameán, perdió actualidad antes de que la queja de la autora
le fuera sometida, debido a su decisión de suicidarse el 12 de enero de
1988, contando con asistencia de otros, y a la decisión de las
107
autoridades de no continuar con el juicio penal en contra de los
involucrados. En consecuencia, el Comité considera que en el momento
en que la comunicación referente a Ramón Sampedro Cameán fue
sometida, el 28 de marzo de 2001, este no podía ser considerado víctima
de alguna violación de sus derechos contemplados en el Pacto, en el
sentido del artículo 1 del Protocolo Facultativo. Por consiguiente sus
alegaciones son inadmisibles de conformidad con esta disposición.
del procedimiento original de
amparo ante el Tribunal Constitucional, no ha fundamentado
uficientemente para efectos de la admisibilidad la existencia de una
arte
de la comunicación es inadmisible de conformidad al artículo 2 del
párrafo 2 inciso a) del Protocolo Facultativo ni la posible
aplicación de la declaración del Estado parte sobre dicho artículo.
zo,
Sr. Walter Kälin, Sr. Ahmed Tawfik Khalil, Sr. Rafael Rivas Posada,
6.3 En cuanto a la alegación de la autora de que sus derechos
contemplados en el artículo 14 del Pacto fueron violados al negársele el
derecho a continuar el procedimiento iniciado por el señor Ramón
Sampedro Cameán ante el Tribunal Constitucional, el Comité considera
que la autora, no habiendo sido parte
s
violación al artículo 14, párrafo 1 del Pacto. Por consiguiente, esta p
Protocolo Facultativo.
6.4 A la luz de lo que se ha precedentemente concluido, el Comité no
necesita considerar el argumento del Estado parte relacionado con el
artículo 5,
7 En consecuencia, el Comité decide:
a) Que la comunicación es inadmisible con arreglo al artículo 1 y 2del
Protocolo Facultativo;
b) Que se comunique la presente decisión al Estado Parte y a la autora
de la comunicación.
________________________________
[Hecho en español, francés e inglés, siendo la española la versión
original. Posteriormente se publicará también en árabe, chino y ruso
como parte del informe anual del Comité a la Asamblea General.]
* Participaron en el examen de la comunicación los siguientes
miembros del Comité : Sr. Abdelfattah Amor, Sr. Nisuke Ando, Sr.
Prafullachandra Natwarlal Bhagwati, Sr. Alfredo Castillero Hoyos, Sra.
Christine Chanet, Sr. Franco Depasquale, Sr. Maurice Glèlè Ahanhan
Sr. Nigel Rodley, Sr. Martin Scheinin, Sr. Ivan Shearer, Sr. Hipólito
Solari Yrigoyen, Sr. Roman Wieruszewski y Sr. Maxwell Yalden.
Notas
108
ones 808/1998, Georg Rogl c. Alemania, y
716/1996, Dietmar Pauger c. Alemania
1. Decisión 2346/02, del 29 de abril de 2002
2. cita las comunicaci
3. Comunicaciones 164/1984, Croes c. Países Bajos, y 774/1997 Brok
c. República Checa. Cita también jurisprudencia del Comité contra la
Tortura, en el caso 14/1994, M'Barek Ben c. Túnez.
4. Sentencia del 20 de mayo de 1997. Recurso de inconstitucionalidad
promovido por José Eurípides Parra Parra.
Offi
©1996-2001
ce of the United Nations High Commissioner for Human Rights
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