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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
A IMERSÃO EM UM MUNDO MÁGICO E MARAVILHOSO:
UM ESTUDO SOBRE A OBRA LITERÁRIO-EDUCACIONAL DE
MARIO TOURASSE TEIXEIRA
RACHEL MARIOTTO
Orientador: Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática, Área de concentração em ensino e
aprendizagem da Matemática e seus fundamentos
filosófico-científicos, para obtenção do título de
Mestre em Educação Matemática
Rio Claro (SP)
2008
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510.09 Mariotto, Rachel
M342i A imersão em um mundo mágico e maravilhoso : um
estudo sobre a obra literário-educacional de Mario
Tourasse Teixeira / Rachel Mariotto. - Rio Claro : [s.n.],
2009
216 f. : il.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Orientador: Sérgio Roberto Nobre
1. Matemática – Hisria. 2. Educação matemática. 3.
Obra literária. 4. Teixeira, Mario Tourasse I. Título.
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
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Comissão Examinadora
Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
(orientador)
Profa. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin
Prof. Dr. Iran Abreu Mendes
Rachel Mariotto
(aluna)
Rio Claro, 30 de abril de 2009.
Resultado: Aprovada.
Ao Meu Pai,
que sempre me apoiou em meus estudos,
mesmo sem entender o que eles significavam,
e que, eu sei, continuará sempre me apoiando.
Nada seria possível sem o seu incentivo.
À Minha Avó,
que mostrou o quanto gostava de mim
quando vi seus olhos enchendo d’água
na primeira vez que tive que sair de minha casa
para me aventurar no meio acadêmico.
Hoje são meus olhos que se enchem d’água por sua ausência.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que com amor tem voltado seus olhos para mim desde que me fiz vida no
ventre de minha mãe;
A todos de minha família, que nos bons ou maus momentos sempre estiveram ao meu
lado. Em especial meu pai, Valter, um dos responsáveis por eu ter chegado até aqui, meus
irmãos Renata e Giovani, e minha Tia Helena. posso dizer que amo vocês!
Ao meu orientador, Prof. Sergio, que acreditou em meu trabalho desde o início, e por
quem tenho um enorme carinho e admiração;
Aos membros da banca, professora Rosana e professor Iran, que deram valiosas
contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa;
Ao grupo de pesquisa GPHM, pelos momentos de discussão e aprendizado, que me
abriram novos horizontes como pesquisadora;
A todos os professores com os quais pude conviver durante o Mestrado;
Às secretárias do departamento de Matemática, Ana e Elisa, e à secretária da Pós-
Graduação, Inajara, pela paciência e pelas diversas colaborações a mim prestadas;
Aos meus amigos, de perto ou de longe, que souberam entender meu stress e,
principalmente, meus momentos de ausência. o seria possível lembrar o nome de todos.
Assim, de um modo geral, agradeço: aos amigos de Botucatu pelos momentos de
descontração nos finais de semana, e principalmente pelo carinho que nos une; aos amigos de
São Carlos, pela alegria que sempre me transmitiram, mesmo eu tendo-os “abandonado
neste último ano; e aos novos amigos de Rio Claro, pessoas incríveis que conheci neste
programa de Pós-Graduação e que me ajudaram, mesmo sem saber, a viver esta etapa de
minha vida com muito mais coragem e entusiasmo;
Também às companheiras de república, Grá, Lari, Manu, Samia, Lu, Marli, Grace,
Grazy e Fabiola, pelos momentos agradáveis que passamos juntas.
À Capes, pelo apoio financeiro, sem o qual muito disso não seria possível!
Enfim, a todas as outras pessoas que cruzaram meu caminho durante esse período e
que, com certeza, deixaram marcas em minha vida!
“Minha sorte é a de um sonhador que jamais olhou no rosto a realidade.
Agora, forçado a isso, encontro nele uma interrogação severa
como a indicar que nada conto.”
Mario Tourasse Teixeira
RESUMO
Esta pesquisa situa-se na área de Hisria da Matemática, e pertence às publicações do
Grupo de Pesquisa em História da Matemática e/ou suas relações com a Educação
Matemática (GPHM) da UNESP de Rio Claro. Com o olhar voltado à História da Educação
Matemática, este trabalho analisa a obra literário-educacional do professor Mario Tourasse
Teixeira. Este professor foi uma personalidade importante, tanto para o desenvolvimento da
Matemática na UNESP de Rio Claro quanto para a criação do curso de s-graduação em
Educação Matemática nesta universidade. A obra analisada (estórias narrativas e ilustradas,
poemas, contos e peças teatrais) é constituída pelos textos inéditos encontrados nos
manuscritos do autor, e também por suas publicações no SAPEANDO, o boletim informativo
do S.A.P.O. (Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação). Esse foi um movimento de
grande repercussão nas questões de ensino e aprendizagem em Matemática na década de
1970, tendo sido liderado pelo professor Mario, entre outros. Em especial, são destacadas aqui
as estórias da série “As Desventuras do Figurinha Difícil”, visto que nelas é evidenciado
muito de seu pensamento acerca do mundo, da matemática e da educação. Também são
explicitadas as teorias sobre Educação presentes nos textos educacionais do autor. Tais idéias
revelam este professor como um dos pioneiros na busca pelas questões da Educação
Matemática e pela busca de alternativas para a sala de aula, mesmo em caráter universirio.
Tendo como base esses argumentos, o presente trabalho conclui que entender suas aspirações
em Educação, de modo geral, contribui para a construção da Hisria da Matemática no
Brasil, e em particular no estado de São Paulo.
Palavras-chave: Mario Tourasse Teixeira. Obra Literária. Educação Matemática. História da
Matemática.
ABSTRACT
This research pertains to the history of mathematics and is a publication of the
Research Group in History of Mathematics and/or its associates with Mathematics Education
(GPHM) UNESP, Rio Claro. This work examines the literary and educational
accomplishments of Professor Mario Tourasse Teixeira. This professor played an
instrumental role in the development of mathematics at UNESP, Rio Claro and in the creation
of the Graduate Program of mathematics education in this university. The works examined
consist of unpublished texts (illustrated stories and narratives, poems, stories and plays) found
in manuscripts of the author and also of its publications in SAPEANDO, the newsletter of
S.A.P.O. (Active Service in Education and Guidance). The movement fomented by these
works a significant effect on the teaching of mathematics in the 1970s, and was, among
others, led by Professor Tourasse. In particular, there is the story in the series "The
Misfortunes of the Figurinha Dificil," in which are evident many of his thoughts about the
world, the mathematics and the education. The author's theories on education expounded in
his educational texts are also discussed in this work.These ideas show this professor as one of
the pioneers in the search for the field of Mathematics Education and for the search for
alternatives to the classroom, even in the university. Understanding Professor Tourasse
educational aspirations contributes to the construction of the History of Mathematics in Brazil
and in particular in the state of São Paulo.
Keywords: Mario Tourasse Teixeira. Literary Work. Mathematics Education. History of
Mathematics.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Página
FIGURA 1 MANUSCRITO: CADERNO B-14............................................................................. 23
FIGURA 2 - CARTA DE ALMERINDO MARQUES BASTOS .......................................................... 24
FIGURA 3 - MANUSCRITO: FOLHAS F-4 (1).............................................................................33
FIGURA 4 - MANUSCRITO: FOLHAS F-4 (2).............................................................................34
FIGURA 5 - CARTA DE GERALDO NOLASCO............................................................................40
FIGURA 6 AVISO, CADERNO B-01........................................................................................42
FIGURA 7 - FERROVIA DE GRAÚNAS EM 1918.........................................................................73
FIGURA 8 - A ALMA DA MARGARIDA, CAPA. ........................................................................... 104
FIGURA 9 - A ALMA DA MARGARIDA, SLIDE 20....................................................................... 104
FIGURA 10 - A PROVA, QUADRINHO 10................................................................................. 116
FIGURA 11 - A PROVA, QUADRINHO 13................................................................................. 117
FIGURA 12 - A PROVA, QUADRINHO 17................................................................................. 118
FIGURA 13 - A PROVA, QUADRINHOS 21 E 22......................................................................... 119
FIGURA 14 - FÉRIAS NA ROÇA, QUADRINHOS 09 E 10............................................................. 123
FIGURA 15 - FÉRIAS NA ROÇA, QUADRINHO 19...................................................................... 124
FIGURA 16 - FÉRIAS NA ROÇA, QUADRINHO 23...................................................................... 125
FIGURA 17 - O ÁLBUM DE FIGURINHAS, PÁGINA 03. .............................................................. 127
FIGURA 18 - O ÁLBUM DE FIGURINHAS, PÁGINA 22. .............................................................. 128
FIGURA 20 - O ÁLBUM DE FIGURINHAS, PÁGINA 41. .............................................................. 130
FIGURA 21 - O IRREVERSÍVEL, QUADRINHO 06. .....................................................................132
FIGURA 22 -O IRREVERSÍVEL, QUADRINHO 13....................................................................... 133
FIGURA 23 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 01...................................................... 135
FIGURA 24 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 09...................................................... 135
FIGURA 25 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 05...................................................... 136
FIGURA 26 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 08...................................................... 137
FIGURA 27 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 11...................................................... 137
FIGURA 28 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 20...................................................... 138
FIGURA 29 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 23...................................................... 139
FIGURA 30 - O NÔMADE E O ESTUDANTE, QUADRINHO 35...................................................... 140
FIGURA 31 - O SEQÜESTRO, QUADRINHO 04.......................................................................... 141
FIGURA 32 - O SEQÜESTRO, QUADRINHO 27.......................................................................... 143
FIGURA 33 - O SEQÜESTRO, QUADRINHO 31.......................................................................... 144
FIGURA 34 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 02. ...................................................................145
FIGURA 35 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 03. ...................................................................146
FIGURA 36 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 08. ...................................................................147
FIGURA 37 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 09. ...................................................................147
FIGURA 38 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 11. ...................................................................148
FIGURA 39 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 15. ...................................................................149
FIGURA 40 - UM DIA PERDIDO, QUADRINHO 24. ...................................................................150
FIGURA 41 - A EXCURSÃO, QUADRINHO 13. .......................................................................... 154
FIGURA 42 - A EXCURSÃO, QUADRINHO 18. .......................................................................... 155
FIGURA 43 - A EXCURSÃO, QUADRINHO 28. .......................................................................... 156
FIGURA 44 - AS ANDORINHAS, QUADRINHO 07....................................................................... 158
FIGURA 45 - AS ANDORINHAS, QUADRINHO 16....................................................................... 159
FIGURA 46 - AS ANDORINHAS, QUADRINHO 26 ...................................................................... 160
FIGURA 47 - AS ANDORINHAS, QUADRINHO 36....................................................................... 161
FIGURA 48 O FIGURINHA DIFÍCIL, QUADRINHO 07............................................................. 163
FIGURA 49 - O FIGURINHA DIFÍCIL, QUADRINHO 11.............................................................. 165
FIGURA 50 - O FIGURINHA DIFÍCIL, QUADRINHO 21.............................................................. 166
FIGURA 51 - O FIGURINHA DIFÍCIL, QUADRINHO 15.............................................................. 181
FIGURA 52 - CARTA DE ALMERINDO MARQUES BASTOS (2)................................................. 182
ÍNDICE DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CLE – Centro de Lógica, Epistemologia e História das Ciências.
FFCL – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
GPHM Grupo de Pesquisa em História da Matemática e/ou suas relações com a Educação
Matemática.
MEC – Ministério de Educação e Cultura
PREMEM – Programa para a Expansão e Melhoria do Ensino.
S.A.P.O. – Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação.
SBHMat – Sociedade Brasileira de História da Matemática.
UNESP – Universidade Estadual Paulista.
USP – Universidade de São Paulo.
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO....................................................................................................................1
1. ESCOLHAS FEITAS, CAMINHOS PERCORRIDOS..............................................9
1.1. UM POUCO DE HISTÓRIA........................................................................................10
1.2. HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: UMA ESCOLHA ...........................................................17
1.3. OS CAMINHOS DESTA PESQUISA..............................................................................19
2. O AUTOR: MARIO TOURASSE TEIXEIRA.........................................................27
2.1. RECORTES DE UMA VIDA........................................................................................ 28
2.2. O S.A.P.O.............................................................................................................30
2.3. A RELAÇÃO COM A PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA....................... 35
2.4. A PRODUÇÃO LITERÁRIO-EDUCACIONAL DO AUTOR ................................................36
2.5. ALGUMAS PRODUÇÕES EDUCACIONAIS DO AUTOR .................................................. 42
3. O EMERGIR DAS IDÉIAS.......................................................................................45
3.1. TEORIAS PARA UMA PRÁTICA EDUCATIVA SIGNIFICATIVA .......................................48
3.2. CRIATIVIDADE E CRIAÇÃO DE AMBIENTES: UMA ESCOLHA PARA O ENSINO DA
MATEMÁTICA.................................................................................................................... 55
4. UMA OBRA LITERÁRIO-EDUCACIONAL..........................................................67
4.1. POEMAS:...............................................................................................................68
(Poema sem título)............................................................................................69
A moça esperança............................................................................................. 70
A pequena com olhos de hortênsia....................................................................71
A vida é vê-la passando ....................................................................................71
Alguma coisa no jeito como ela falou ...............................................................72
Desamparado!...................................................................................................74
Despedida.........................................................................................................75
Dona Diva ........................................................................................................75
Ela curvou-se intenta ........................................................................................ 76
Ela entrou no ônibus.........................................................................................77
Foi só revê-la....................................................................................................78
Gaivota de papel...............................................................................................79
Pensando à toa..................................................................................................80
Pobre Triste Velha Vida.................................................................................... 80
Se fizesse Lotação ............................................................................................ 81
Versos inúteis...................................................................................................82
4.2. PEÇAS TEATRAIS: ..................................................................................................82
A Delação.........................................................................................................83
A Visão ............................................................................................................89
O Criador de Ambientes ................................................................................... 92
Revelação.........................................................................................................97
4.3 TEXTOS EM PROSA .................................................................................................... 102
A Alma da Margarida ..................................................................................... 103
A Energia Dormente....................................................................................... 105
A História do Capeto ...................................................................................... 107
A Lenda da Pulseira........................................................................................ 108
A Lenda do Fastidioso Nobre.......................................................................... 109
A Lenda do Herói Inconseqüente....................................................................111
A Lenda do Metódico Mentiroso ....................................................................112
A Princesinha da Lua...................................................................................... 114
A Prova .......................................................................................................... 116
A Terceira Força............................................................................................. 120
Férias na Roça................................................................................................ 122
O Álbum de Figurinhas................................................................................... 126
O Botão de Rosa............................................................................................. 131
O Irreversível.................................................................................................. 131
O Nômade e o Estudante................................................................................. 134
O Seqüestro.................................................................................................... 141
Um Dia Perdido.............................................................................................. 144
4.3.1. Série “As Desventuras do Figurinha Difícil”.............................................. 151
A Colenda....................................................................................................... 152
A Excursão..................................................................................................... 153
As Andorinhas................................................................................................ 157
O Figurinha Difícil ......................................................................................... 162
O Jogo de Lápis de Cor................................................................................... 167
O Pseudo ........................................................................................................ 169
Os Camaleões.................................................................................................171
Os Corregedores............................................................................................. 173
Vida Nova ...................................................................................................... 175
4.4. OS PERSONAGENS..................................................................................................... 178
4.4.1. O Figurinha Difícil........................................................................................... 179
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 189
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................. 194
ANEXOS .......................................................................................................................... 199
ANEXO A: UMA ESTÓRIA DE HELEN BUCKLEY.................................................................199
ANEXO B: POBRE VELHA MÚSICA!................................................................................... 201
ANEXO C: NOTURNO DO MORRO DO ENCANTO................................................................ 202
INTRODUÇÃO
Passeando pela biografia dos grandes matemáticos de nossa história, percebe-se que
muitos, além dessa ciência, tiveram outros prazeres. Houve aqueles que eram físicos,
astrônomos, dicos, juristas e até mesmo filósofos. Platão e Descartes, por exemplo, são
considerados matemáticos e filósofos, e Copérnico, astrônomo e matemático. Desse modo, a
Hisria da Matemática exemplos de pessoas que não se limitaram a um campo específico
da ciência. Pode-se argumentar que esses campos têm, de certa forma, alguma ligação, e é
essa a posição que se demarca aqui. Áreas como a Física e a Matemática, por exemplo, estão
intimamente ligadas, quer seja pelos cálculos que esta oferece àquela, quer seja pelas
aplicações que aquela oferece a esta.
Em tempos idos, os profissionais estavam menos presos aos seus ofícios, e também
menos especializados do que hoje. Assim, era prática comum que astrônomos, físicos ou
filósofos também estudassem a Matemática para realizar seus projetos, ou mesmo para elevar
seu pensamento. Nesse sentido, pode-se dizer que a Hisria mostra que entre os maiores
pensadores estão aqueles dotados de uma cultura diversificada e abrangente. Eram versados
em assuntos de política, economia, religião, filosofia, e ainda detinham conhecimento
específico em uma determinada área. A especialização dos profissionais da ciência é vista
como tendo início somente a partir do século XIX.
2
Pode-se, então, pensar na produção não-matemática de alguns matemáticos. Nessa
perspectiva, o presente trabalho estuda as publicações não-matemáticas do matemático Mario
Tourasse Teixeira. Este autor foi um lógico de renome no Brasil, e também um professor
dedicado a seus alunos. Dentro do Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação S.A.P.O.,
Mario Tourasse teve destaque por suas idéias pioneiras em Educação e por seus diversos
artigos literários. Escreveu contos, poemas, estórias em quadrinhos, peças teatrais, entre
outros.
A análise da vida desse professor evidencia que sua produção literária deveria ser, de
alguma forma, destacada. Muitas de suas idéias estão inseridas em tais trabalhos, estando
expostos também seus conhecimentos acerca de outras realidades fora da matemática. Através
da análise de suas obras, torna-se perceptível que Mario Tourasse foi um grande pensador, um
homem consideravelmente cultivado. Algo que também ficou claro, com a análise de sua
produção, foi o recurso à forma literária como meio implícito de exposição e desenvolvimento
de suas idéias.
No entanto, Mario Tourasse Teixeira não é o único matemático a ter se interessado
pela literatura. Basta que sejam lembrados George Boole, que tinha grande estima pela poesia,
e também Charles Lutwidge Dogson, mais conhecido pelo pseudônimo Lewis Carroll, autor
de diversas histórias infantis, dentre as quais Alice no Ps das Maravilhas”. Esses dois
matemáticos, assim como o professor Mario, dedicaram-se tanto ao estudo da Matemática, na
área específica da gica, quanto ao ofício da literatura. Coincidência ou não, também os três
tinham grande preocupação com o ensino da Matemática, procurando dar subsídios para que
seus alunos pudessem ter sucesso no processo educativo.
Outro nome que não pode ser esquecido é o do brasileiro Júlio César de Mello e
Souza, mais conhecido como Malba Tahan, famoso como autor da obra “O Homem que
calculava”. Este matemático devotou grande parte de sua vida ao ofício da escrita de textos
que tratassem a Matemática de forma divertida e estimulante.
Apesar desses exemplos, não é comum a união entre os saberes das ciências exatas e
humanas. Pelo contrário, pode-se perceber, inclusive, certo tipo de preconceito entre essas
áreas. Segundo Sousa (2005, p. 69), “Tradicionalmente, delimita-se uma linha divisória entre
as ciências humanas e exatas ou entre aqueles que fazem estas ciências”. No entanto,
rompendo com a barreira tradicional que é colocada entre as ciências humanas e as ciências
exatas, esses matemáticos demonstraram o quanto áreas do conhecimento diversas podem
auxiliar-se mutuamente.
3
No caso desta pesquisa, tal união configura uma vertente ainda pouco explorada:
produções que envolvem Matemática e Literatura.
Além dos matemáticos citados anteriormente, a pesquisadora não teve conhecimento
de outros que se dedicaram ao estudo das artes literárias. No entanto, cabe ressaltar que a
Literatura, assim como a Matemática, pode ser considerada uma linguagem da qual se lança
mão para descrever o mundo, além de ser um modo de vê-lo.
A Matemática utiliza uma simbologia numérica única para expressar quantidades,
padrões e formas, procurando ser fiel à exatidão do que se mostra. a Literatura utiliza
símbolos que variam dependendo de acordo com o contexto em que são produzidos, e se
isenta da preocupação de descrever o mundo de forma unicamente objetiva. Nas produções
literárias, usa-se imaginação e criatividade para construir e reconstruir mundos novos e
histórias diferentes. Também seu modo de expressão pode variar de acordo com os objetivos
de cada autor. Assim, um texto literário não é qualquer forma de escrita: há uma diferença
entre eles e os textos não literários.
Segundo Proença Filho (1999, p. 07), “a fala ou discurso é, no uso cotidiano, um
instrumento da informação e da ação e não exige, no mais das vezes, atitude interpretativa. A
significação das palavras, nesse caso, tem por base o jogo de relações configuradoras do
idioma que falamos.” Ou seja, a fala comum é caracterizada pela mensagem livre, que
pretende apenas passar adiante uma informação. o discurso literário é construído com os
critérios da criação artística, representando realidades físicas, sociais e emocionais por
intermédio das palavras.
Ainda segundo o autor,
[...] os versos remetem a uma realidade dos homens e do mundo, mas muito
mais profunda do que a realidade imediatamente perceptível e traduzida no
discurso comum das pessoas. É o que acontece com essa modalidade de
linguagem, a linguagem da literatura, tanto na prosa como nas manifestações
em verso. (PROENÇA FILHO, 1999, p. 07)
Portanto, o texto literário deve repercutir em cada pessoa de acordo com as emoções
reveladas. Isso também ocorre com a Matemática, que desperta diferentes sentimentos em
seus interlocutores. Há aqueles que conseguem perceber na demonstração de um teorema uma
obra belíssima; já para outros, nem as mais diferentes formas geométricas conseguem lhes
chamar a atenção.
4
Têm-se também que, assim como quem faz Matemática pode fazer Álgebra,
Geometria ou Topologia, quem faz Literatura pode se envolver com algum dos seus modos de
expressão, os chamados Gêneros Literários: Poesia, Prosa, e Peças Teatrais.
As poesias são classificadas em poesias, com ou sem rima, sonetos e poemas. a
prosa conta com as seguintes formas: conto, romance, novela e fábula. O teatro também tem
suas características próprias, sendo comumente classificado em Tragédia, Drama, Comédia ou
Ópera.
Além disso, como cada matemático possui uma maneira de se expressar
matematicamente, cada autor pode utilizar a ngua e a linguagem de maneiras diferentes. Ao
escolher os meios de expressão, ou mesmo o nero literário que melhor expressem suas
idéias, o autor está definindo seu estilo, que pode ou não estar vinculado aos estilos de uma
época:
Podemos entender o estilo em sua dimensão individual [...] como o aspecto
particular que caracteriza a utilização individual da ngua e que se revela no
conjunto de traços situados na escolha do vocabulário, na ênfase nos termos
concretos ou abstratos, na preferência por formas verbais ou nominais na
propensa para determinadas figuras de linguagem, tudo isso estreitamente
vinculado à organização do que se diz ou se escreve e a um intento de
expressividade. (PROENÇA FILHO, 1999, p. 24)
Durante a análise da obra de Mario Tourasse Teixeira, foi possível identificar palavras
e formas de escrita que permeavam seus textos, caracterizadas como as marcas de seu estilo.
Exemplos desse estilo podem ser encontrados em seus poemas, que em sua maioria traziam
elementos narrativos. Por meio de tais elementos, os poemas marcaram um posicionamento
ideológico frente aos desafios educacionais da época, cujo foco estava na juventude.
Outras comparações poderiam ainda ser feitas no sentido de aproximar a Matemática
da Literatura. No entanto, as acima referidas bastam aqui para mostrar que essas ciências m
mais em comum do que se pensou no início. Portanto, pode-se entrever nas produções
literárias de matemáticos tanta relevância quanto em estudos de outras áreas, como a Física,
por exemplo.
As questões levantadas acima servem para que melhor se entenda esta dissertação. Por
ora, basta acrescentar que, diante de toda a produção literária de Mario Tourasse Teixeira, é
possível afirmar que esta constitui-se como uma obra o vasta e importante quanto seus
trabalhos matemáticos. Esse fato se tornará ainda mais claro ao se conhecer a vida deste
professor, juntamente com toda sua produção literária e educacional.
5
Situando a Pesquisa
A pesquisadora deste trabalho faz parte do Grupo de Pesquisa em Hisria da
Matemática e/ou suas relações com a Educação Matemática (GPHM) da UNESP Rio Claro. O
grupo tem contribuído com importantes trabalhos visando um estudo histórico do
desenvolvimento da matemática em algumas instituições no estado de São Paulo. Tais
produções detêm-se, também, na constituição de biografias de matemáticos brasileiros. Em
particular, iniciaram-se neste grupo pesquisas voltadas ao desenvolvimento da matemática na
UNESP de Rio Claro.
Um exemplo disso é a dissertação de Mestrado de Suzeli Mauro, A História da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e suas Contribuições para o
Movimento de Educação Matemática no Brasil”, defendida em 1999. Neste trabalho, Mauro
realizou um estudo histórico-investigativo sobre o surgimento da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (F.F.C.L.
1
) de Rio Claro (atual UNESP campus de Rio Claro), voltando-se
para os fatores que contribuíram para o surgimento dessa faculdade. A autora deu também um
enfoque especial aos primeiros anos de atividade do curso de matemática, bem como do
Departamento de Matemática da FFCL de Rio Claro, do qual o professor Mario Tourasse
Teixeira foi um dos fundadores.
Outro exemplo é a dissertação de Mestrado de Nádia Regina Baccan, O movimento
do S.A.P.O. Serviço ativador em Pedagogia e Orientação e algumas de suas
contribuões para a Educação Matemática”, defendida em 2002. Essa pesquisa contribuiu
significativamente para a História da Matemática e da Educação Matemática em Rio Claro.
Nesse trabalho, a autora realiza um estudo do movimento S.A.P.O. (Serviço Ativador em
Pedagogia e Orientação) voltado à melhoria do ensino da matemática, e também idealizado
pelo professor Mario Tourasse Teixeira.
O mais recente estudo realizado neste sentido é a tese de doutorado de Romélia Mara
Alves Souto, Mario Tourasse Teixeira: o homem, o educador, o matemático”. Esta tese
revela as três faces marcantes do professor Mario: sua personalidade ímpar, que marcou a
todos com quem conviveu; o educador pioneiro, que começou um trabalho sobre o ensino da
matemática em Rio Claro, cujas preocupações voltaram-se tanto aos alunos quanto aos
professores; e a face do matemático, na qual Souto (2006) mostra um pouco do trabalho do
professor Mario como um dos mais importantes lógicos de sua época.
1
Passarei a usar apenas a sigla FFCL para designar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro.
6
Nestes trabalhos, percebe-se que o desenvolvimento da matemática na UNESP de Rio
Claro está extensamente ligado ao professor Mario Tourasse Teixeira. Este professor, além de
ser um lógico de renome no país, também trabalhou com educação, divulgando suas idéias no
S.A.P.O. Como dito, escreveu poemas, peças teatrais, estórias
2
narrativas e estórias em
quadrinhos, contos e materiais didáticos diferenciados.
Deste modo, vê-se que, apesar dos três trabalhos citados envolverem a pessoa Mario
Tourasse Teixeira, nenhum deles realizou uma análise de sua obra. Portanto, para dar
continuidade a tais estudos, esta dissertação faz uma investigão histórico-interpretativa das
publicações deste professor no “SAPEANDO”, o boletim do movimento S.A.P.O. Dedica-se
aqui, também, atenção aos seus cadernos de anotações, nos quais foram encontrados textos
ainda inéditos.
A importância da concretização dessa análise é confirmada pela constatação da intensa
ligação do professor Mario com a FFCL, com o S.A.P.O. e com a implantação da Pós-
graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro. A intersecção entre a
matemática e a literatura também comprova o diferencial deste homem.
Dada a relevância já anunciada desta investigação, foram propostos os seguintes
objetivos:
Selecionar os textos literários (contos, estórias em quadrinhos, poemas e peças
teatrais) escritos pelo professor Mario Tourasse Teixeira, resgatando as estórias e
os personagens criados por este autor;
Editar (ou reeditar) os textos em questão para futura publicação;
Analisar tais textos literários de forma interpretativa, tendo como base
principal os artigos educacionais do próprio autor;
Evidenciar algo de seu pensamento acerca do mundo, da Matemática, da
Educação Matemática e da Educação em modo geral.
Para que fossem cumpridos estes objetivos durante o desenvolvimento deste trabalho,
uma pergunta norteou a pesquisadora:
2
Durante toda a dissertação será usada a palavra estória” para designar histórias de literatura. Essa posição é
tomada para evitar a confusão com o termo história” no sentido da ciência História, e por estar em acordo com
o termo encontrado nos textos originais.
7
“O que se torna evidente a partir de uma análise interpretativa dos textos literários do
professor Mario Tourasse Teixeira?”
Procurou-se responder essa pergunta ao longo de toda a dissertação, que está
organizada em 05 (cinco) capítulos, conforme o que se expõe abaixo.
No capítulo 01, Escolhas Feitas, Caminhos Percorridos, discute-se a opção da
pesquisadora pela História da Matemática como suporte para esta pesquisa, e são descritos os
procedimentos de desenvolvimento adotados. Isto é feito com base em um estudo sobre as
estratégias da pesquisa da História.
No capítulo 02, O Autor: Mario Tourasse Teixeira, há um recorte da vida do
professor, com o intuito de se destacar sua importância no cenário da Matemática e da
Educação Matemática, evidenciando-se principalmente seu envolvimento com o S.A.P.O. e
com a Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro. Também são
apresentados seus textos literários e educacionais, sendo feita a listagem tanto das publicações
quanto dos manuscritos encontrados.
No capítulo 03 apresenta-se O Emergir das Idéias. Trata-se de articulações que m
como base o estudo das idéias educacionais do professor Mario, presentes tanto em suas
publicações quanto em seus manuscritos. São destacados termos como Criação de Ambientes,
Criatividade e Mundo Novo, usados nos textos literários. Esse capítulo servirá de aporte
teórico para as análises realizadas no próximo capítulo.
No capítulo 04, Uma Obra Literário-Educacional, são realizadas a descrição e a
análise interpretativa dos textos literários selecionados, através das quais são identificadas as
principais idéias do autor em relação à Matemática e ao ensino desta ciência. o destaque
para a série “As Desventuras do Figurinha Difícil”, por se tratar de uma das principais partes
de sua obra literária. Também se faz uma pequena análise sobre os personagens criados por
ele. Nesse capítulo, o critério adotado é evidenciar o uso dos termos citados no capítulo 03 na
contextualização das estórias, destacando sua presença nas narrativas e nos poemas.
No capitulo 05 estão as Considerações Finais da pesquisa, onde algumas conclusões
são colocadas, com o intuito de se responder a pergunta diretriz. Também apontam-se novas
perspectivas para um futuro trabalho sobre o tema.
Em seguida são apresentadas as Referências e a Bibliografia utilizadas nesta pesquisa.
Por fim, estão os Anexos do trabalho, seccionados em duas partes. A primeira diz
respeito a todos os textos que foram utilizados na realização da pesquisa; por sua vez, a
segunda parte é focada na obra do professor Mario analisada nesta pesquisa. Estas obras
8
configuram-se em uma reedição que a autora fez durante o trabalho. Cabe ressaltar, ainda, que
apenas a primeira parte dos anexos, composta de três textos escritos por autores variados,
encontra-se no corpo da dissertação. Por causa de sua extensão, a segunda parte dos anexos
encontra-se gravada em um CD-ROM.
1. ESCOLHAS FEITAS, CAMINHOS PERCORRIDOS
Por detrás dos traços sensíveis da paisagem,
por detrás dos documentos escritos aparentemente mais glaciais
e das instituições aparentemente mais distanciadas dos que as elaboram,
são exatamente os homens que a história pretende apreender.
(Marc Bloch)
Uma pergunta natural que surge no início da leitura de qualquer trabalho acadêmico é
“Em qual linha de pesquisa está inserido?”, ou A qual área pertence o autor?”. Tais
perguntas são decisivas, inclusive no momento da escolha de uma leitura. Portanto, faz-se
necessário, além de esclarecer o leitor acerca da linha de pesquisa seguida, situá-lo quanto à
vertente adotada pelo pesquisador.
Esta dissertação, como mencionado, pertence à linha de pesquisa em História da
Matemática, sendo que a pesquisadora faz parte do grupo de pesquisa em História da
Matemática e/ou suas relações com a Educação Matemática
3
. De posse dessas informações,
outras perguntas podem surgir: “O que é História da Matemática?, ou “Porque esta linha de
pesquisa?”.
3
Grupo de Pesquisa pertencente à UNESP - CAMPUS DE RIO CLARO/SP.
10
Para situar o leitor no âmbito dessas questões, o presente capítulo traz à tona algumas
considerações sobre essa área de pesquisa. Apresenta-se uma discussão acerca da vertente
historiográfica utilizada pela pesquisadora, e são expostas também as estratégias utilizadas
nas etapas de desenvolvimento deste trabalho.
1.1. Um Pouco de História...
O desenvolvimento do estudo histórico foi amplamente discutido ao longo do tempo, e
esse fato gerou mudanças com relação à escrita da história e quanto à suas concepções
filoficas De o simples descrever dos fatos passou-se a interpretação dos mesmos, e do foco
nos heróis de cada período, a preocupação com o cotidiano e os modos de ser de cada povo.
Também deixou-se de pensar a História somente como determinada por fatores econômicos e
materiais, para encará-la também como acontecimentos resultantes, especialmente, das
manifestações produzidas pela vida em comunidade. Agregando-se ao estudo da História
outras teorias, tais como Materialismo, Idealismos, Positivismo, além das fronteiras
estabelecidas com a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia.
Diante deste contexto, portanto, seria muita pretensão deste trabalho querer responder
à indagação: “O que é História?” No entanto, a partir da leitura de alguns autores, pôde-se
delinear as bases históricas adotadas nessa pesquisa. Para isso, serão esclarecidos alguns
pontos sobre o oficio do historiador e sobre suas fontes.
Este trabalho se identifica com a idéia desenvolvida nos livros “Introdução a
História”, de Marc Bloch, e Que é a história?”, de Edward Hallett Carr. Estes autores não
acreditam na História como apenas uma seqüência cronológica, tampouco como amontoado
de fatos históricos, mas primam pela interpretação de tais fatos e datas.
Para Bloch (1997, p. 89) a história “[...] é a ciência dos homens no tempo”. Este autor
acredita que sem esses dois itens é impossível fazer história. Por exemplo, em estudos
históricos o se fala sobre o crescimento de uma árvore ou de uma floresta; tal pesquisa se
reserva à Biologia ou à Ecologia. Mas pode-se falar dos povos que viveram em tais florestas,
de sua cultura e de seu desenvolvimento. Nesse contexto, a ciência da História situa os feitos
humanos em um determinado tempo, com suas características e costumes próprios. Assim, a
história não pode ser só uma ciência do passado, ou mesmo uma mera descrição cronológica.
O tempo é posto, pois a história pensa o humano na “atmosfera em que o seu
pensamento respira” (BLOCH, 1997, p. 89). Ou seja, dentro das ações humanas, a história
11
investiga aquelas que ocorreram em um tempo determinado. Ao observar o homem no
tempo”, um historiador deve ir à busca de “vestígios” que apontem para o que é procurado.
Nesses vestígios é que ele encontrará os fatos históricos que irão compor seu trabalho.
Bloch (1997, p.110) afirma que “[...] os exploradores do passado não são homens
absolutamente livres. É seu tirano o (próprio) passado, que só lhes consente saberem de si o
que ele próprio, (propositadamente ou não,) lhes confiou”. Assim, o historiador está sempre
preso às fontes utilizadas, pois são elas que lhe dirão aquilo que se pretende entender. ,
portanto, muitas lacunas na História, já que em tal ofício não se pode criar o próprio objeto.
O autor divide, ainda, os vestígios encontrados pelo historiador em dois grupos:
As “fontes narrativas”, caracterizadas pelos relatos destinados à informação do leitor;
ou seja, são os vestígios disponibilizados conscientemente para os pesquisadores. Tais
objetos estão propositadamente em seus lugares;
Os testemunhos que o pretendiam ser fatos históricos. Neste caso, trata-se de todo
tipo de documento que o foi “oferecido pelo passado à investigação. Tais
testemunhos são vestígios disponibilizados inconscientemente.
O trabalho do historiador não pode se prender aos “relatos propositais”, pois há o risco
de neles constarem “erros propositais”. Tais enganos fariam uma história superficial. Por isso,
é tido como necessário um estudo dos indícios não premeditados. Os autores sugerem,
portanto, que o historiador não se limite ao óbvio.
No caso desta pesquisa, considera-se como testemunho consciente todas as
publicações de Mario Tourasse Teixeira no SAPEANDO, e como inconsciente os caderninhos
encontrados.
Essa classificação se dá pelo fato de que certamente um texto carrega uma intenção no
gesto de publicação. Cada estória ou poema publicado queria, ou quer, ao menos, chamar a
atenção para um fato específico. No caso, tal fato refere-se à filosofia do movimento no qual o
boletim circulava, trazendo à luz um movimento aberto e de incentivo aos diversos modos de
produção do conhecimento.
nos cadernos, há muitas frases soltas, rascunhos e desenhos que somam muito às
publicações, além dos textos inéditos do autor. No entanto, esses cadernos não foram
construídos para exposição pública, mas como simples objetos de anotações. Acredita-se,
eno, que as evidências dessa natureza não foram postas conscientemente para uma pesquisa.
Bloch (1997, p. 112) também considera que “[...] o que o texto expressamente nos diz
deixou de ser hoje o objetivo preferido da nossa atenção. Atemo-nos, de ordinário, com
12
interesse muito mais vivo, ao que o texto nos dá a entender sem ter tido a intenção de dizê-
lo”. Desse modo, é possível saber mais sobre o passado, de certa forma, do que aquilo que se
“quis” mostrar.
Essa idéia vem ao encontro do que se acabou de dizer a respeito dos caderninhos do
professor Tourasse. Com a análise de tantos textos inéditos, foi possível ver além daquilo que
as publicações diziam, quer seja por se tratarem de pensamentos íntimos do autor, quer seja
por revelarem frequentemente o que está oculto na produção literária. Essa produção também
teve que ser analisada procurando-se ver além do que ela própria dizia.
Em relação à busca pelos documentos, Bloch acredita que esse trabalho
freqüentemente se torna difícil, pois faltam aos historiadores acervos com fontes
catalogadas. Assim, não será desperdício de tempo, tampouco trabalho realizado em vão, a
confecção de manuais ou catálogos com repertório bibliográfico, pois esse tipo de trabalho
colabora com pesquisas futuras.
Este fato pôde ser sentido nesta pesquisa, que visa, entre outros objetivos, reunir e
organizar toda a obra literária de Mario Tourasse Teixeira. Ainda que trabalhos anteriores
tenham voltado os olhos aos textos em questão, nenhum deles reuniu efetivamente toda a obra
em um único acervo. Isso pode ser comprovado na dificuldade de se localizar algumas
estórias e peças teatrais, cujo acesso foi proporcionado à pesquisadora, durante grande
parte da pesquisa, por meio de fotopias organizadas por Ena N. C. Tassinari. No entanto,
em seu trabalho, Tassinari (1999) selecionou apenas as capas dos SAPEANDO e alguns
textos literários como anexos. também outro documento organizado por esta autora, que
reúne algumas estórias.
O acervo completo dessas obras
4
foi encontrado em um momento posterior, no
Laboratório de Ensino da UNESP de Rio Claro, em meio a outros documentos. foram
encontradas as estórias em quadrinhos que faltavam. No entanto, a peça “O Criador de
Ambientes” não foi localizada. Desse modo, foram utilizados alguns rascunhos, encontrados
nos caderninhos, para a realização da análise.
Para completar a idéia de que o trabalho de busca e arquivamento de materiais
históricos é fundamental no trabalho histórico, Bloch afirma que a ciência não é realmente
feita por seus instrumentos; no entanto, uma sociedade que respeita as ciências não pode se
desinteressar deles.
4
No que diz respeito ao material publicado.
13
Esse ponto ajuda na discussão acerca do oficio do historiador. Para Bloch (1997),
vidas em relação às etapas do desenvolvimento de uma pesquisa histórica. O mesmo se
aplica ao trabalho, ou aos detalhamentos anteriores ao trabalho, que são exigidos do
historiador. O autor ressalta, ainda, que muitos não se dão conta das dimensões dessa
empreitada:
[...] muitas pessoas, e mesmo, ao que (nos) parece, certos autores de
manuais, tem do caminho do nosso trabalho uma imagem espantosamente
cândida. Primeiro diriam essas pessoas estão os documentos. O
historiador reúne-os, lê-os, (critica-os, isto é, como veremos,) esforça-se por
lhes pesar a autenticidade e a veracidade. Depois do que, e eno, e
mãos à obra. nisto um contratempo: é que jamais historiador algum
procedeu desta maneira. Mesmo que, por acaso, imagine que o esfazendo.
Porque os textos, ou os documentos arqueológicos, mesmo os mais claros na
aparência e os mais condescendentes, falam (verdadeiramente) quando se
sabe interrogá-los. (BLOCH, 1997, p. 113)
Assim, o autor afirma o quanto é difícil para um historiador relatar, a priori, seu
trabalho. Conforme mencionado, muitas fontes históricas falam” mais (ou menos) do que
era esperado; portanto, não como prever, exatamente, qual deverá ser o procedimento para
a execução da pesquisa. Isso só se esclarecido quando o historiador conseguir fazer as
perguntas certas e, dessa forma, obtiver as respostas adequadas.
Como o trabalho de busca de documentos nem sempre é plenamente satisfatório, e as
fontes podem revelar fatos não imaginados, Bloch (1997, p. 121) alerta: “Em suma, no
fundo de quase todas as investigações documentais um resíduo de imprevisto, e
conseqüentemente de risco”.
De posse das fontes, como saber, então, quais delas darão a resposta certa às perguntas
que o historiador faz? E como descartar as demais? Ou melhor: pode o historiador descartar
alguns de seus dados?
Para que esse profissional possa ter segurança quanto ao trabalho que faz e quanto aos
resultados que obtém, Bloch faz menção ao método crítico. A crítica aos documentos de
arquivo ficou definitivamente instituída em 1681, quando foi revelado que muitos
documentos da alta Idade Média eram falsos. Essa crítica é usada, então, no sentido de provar
a veracidade dos documentos. Para ele não adianta verificar a mentira, é preciso descobrir
o motivo, ou seja, procurar quem mentiu e quais foram seus motivos subjacentes, valorizando
a presença e as atitudes dos homens.
Este historiador caracteriza dois tipos de “mentira”:
14
A mentira total, que se dá quando documentos são forjados, inventando-se fatos,
cartas e objetos para tal propósito, todos datados como se fossem mais antigos e de
outros lugares;
A mentira parcial, que surge quando arranjos em documentos autênticos, inveão
de pormenores, ou aumento de causos.
ainda outro ponto de discussão no texto desse autor, acerca da imparcialidade do
historiador. Para Bloch (1997, p. 160), existiriam duas formas de imparcialidade, a do bio e
a do juiz: “O sábio [...] provoca a experiência que, possivelmente, deitará por terra as teorias
que mais prezou. Qualquer que seja o voto secreto do seu coração, o bom juiz interroga as
testemunhas com a única preocupação de conhecer os fatos tal como se passaram”.
Para esse autor, durante muito tempo o historiador se passou por uma espécie de juiz
dos infernos, mas hoje, “como todo o sábio, como todo o cérebro quando simplesmente
percepciona, o historiador escolhe e aparta. Em suma, analisa” (BLOCH, 1997, p. 164).
Esse poder de decisão do historiador já reflete seus pressupostos. Todo ser humano
carrega idéias e sentimentos, acumulados durante a vida, que o incitam a fazer determinadas
escolhas. Deste modo, em qualquer pesquisa, os homens são levados por um “instinto” a
observar mais uma evidência do que outra. Não como, portanto, dizer que o historiador é
imparcial em suas interpretações. Essa parcialidade constitutiva ocorre mesmo sem que seja
percebida.
Para reforçar essa iia, Bloch argumenta que
[...] as dificuldades da história são ainda de uma outra essência, porque tem
precisamente por matéria, em ultima análise, consciências humanas. As
relões que se entretecem diante as consciências, as contaminações, mesmo
as confusões de que são o terreno, constituem, a seus olhos, a própria
realidade. (BLOCH, 1997, p. 167)
A posição adotada por esse historiador refere-se às ações humanas ao longo do tempo,
e à postura do historiador em relação ao seu ofício. Já o historiador inglês E. H. Carr (1982)
dá maior ênfase ao caráter interpretativo da história.
Para Carr (1982), pensar a história é pensar no fato histórico. Segundo este autor,
[...] a história consiste num corpo de fatos verificados. Os fatos estão
disponíveis para os historiadores nos documentos, nas inscrições e assim por
diante, como os peixes na tábua do peixeiro. O historiador deve reuni-los,
depois levá-los para casa, cozinhá-los, e então servi-los da maneira que o
atrair mais. (CARR, 1982, p. 13)
15
Mais adiante em seu livro, Carr (1982) afirma que os fatos não se resumem a peixes
em uma tábua de peixeiro: eles são peixes livres no oceano, os quais o historiador pode ter, ou
não, a sorte de pescar. Com isso, o autor reforça a idéia de que a obtenção dos dados de uma
pesquisa hisrica não é uma tarefa tão cil quanto parece.
Por meio dessa analogia, entende-se que cada historiador tem o direito de servir o
prato conforme suas convicções. aqueles que servem de forma mais simples, pois
consideram a história como restrita aos fatos em si, e também os que acreditam que a
história ultrapassa os fatos históricos, trazendo à cena as interpretações dos acontecimentos.
Tais historiadores apresentam um prato mais sofisticado.
Para esse autor, uma discussão que antecede os questionamentos sobre o que é a
história é a discussão acerca daquilo que constituiria o fato histórico. Apenas as datas ou os
lugares podem ser considerados fatos históricos? Tomando como exemplo os dados desta
dissertação, pode-se perguntar: a publicação da estória “As Desventuras do Figurinha Difícil:
Vida Nova” ter ocorrido no SAPEANDO 11, em 1977, é em si um fato histórico?
De acordo com Carr (1982), cabe ao próprio historiador esta decisão. No entanto, para
ele o interessante não é exatamente a data, mas o porquê dela. A exatidão no levantamento
dos dados não deve ser um resultado, muito menos a função essencial de seu ofício, mas uma
condição necessária que possibilita o desenvolvimento de todo o seu trabalho.
No caso da estória citada, a pergunta que se faz é “há algum motivo especial para tal
estória ter sido publicada neste boletim?” A partir da análise dos textos e dos boletins nos
quais essa estória foi publicada, percebe-se pelo edital desse número que o movimento
passava por mudanças estruturais. O próprio S.A.P.O. buscava, juntamente com seus
associados, uma vida nova. Assim, a estória não es exatamente neste boletim ao acaso.
Portanto, esclarecer apenas em qual número do SAPEANDO esta estória foi publicada não
contribui para o entendimento da obra em questão. Nesse sentido, apenas ter-se-ia a roda
reinventada se essas relações não viessem à tona.
Carr (1982, p. 14) também não considera que os fatos falem por si mesmos: “É
comum dizer-se que os fatos falam por si. Naturalmente isto não é verdade. Os fatos falam
apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vêm à cena e em
que ordem ou contexto”. Assim, o autor assente que o historiador tem autonomia sobre a
escolha dos fatos históricos, e que estes “respondem” conforme aquilo que é perguntado.
Acredita, também, que os fatos históricos não existem objetiva e independentemente da
interpretação do historiador, em um núcleo lido de fatos históricos. Não existem fatos
históricos se o historiador não se ocupar deles. Sem o olhar do historiador, são apenas fatos.
16
No entanto, Carr sustenta que a crença na autonomia dos fatos dificilmente será erradicada, e
considera, em seu lugar, que hisria é a própria interpretação que se faz dos fatos históricos.
O autor assume essa posição por ser contrário à idéia de muitos historiadores, que
postulam que tudo o que está nos documentos é verdade. A postura de tais historiadores
delegaria a tais documentos toda a responsabilidade de mostrar abertamente os fatos
históricos, ou a própria história. Para Carr (1982, p. 18), nada do que está nos documentos
tem significado “até que o historiador trabalhe sobre esse material e decifre-o”.
Outra discussão, suscitada por este autor, é em relação a uma filosofia da história. Esse
tema é proposto para dar significado a esta ciência e para ajudá-lo a responder à pergunta
“Que é história?”. Nesse sentido, Carr defende que a história refere-se a questionamentos
presentes, apesar de relatar eventos que parecem perdidos no tempo. Afirma que “[...] a
história consiste essencialmente em ver o passado através dos olhos do presente e à luz de
seus problemas, que o trabalho principal do historiador não é registrar mas avaliar; porque, se
ele não avaliar, como pode saber o que merece ser registrado?” (CARR, 1982, p. 22)
Portanto, além de acreditar que o historiador faz as interpretações de suas fontes que
julga necessárias, o autor concorda que estas ocorrem de acordo com as necessidades do
presente. Para ele, o pprio historiador está em fluxo, e não os acontecimentos. Nessa
perspectiva, Carr sintetiza sua resposta à pergunta “Que é história”, dizendo que essa ciência
“se constitui de um processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos, um diálogo
interminável entre o presente e o passado”. (CARR, 1982, p. 29).
A partir dos pressupostos apresentados anteriormente, ressalta-se que a pesquisadora
não considera a História apenas como uma relação de fatos que ocorreram no passado, ou
ainda como um passado que funciona de forma autônoma. Nesta dissertação não faria sentido
pensar diferente principalmente ao serem considerados os objetivos que a direcionam. De
modo que, no caso da obra em questão, as idéias emergidas, além de estarem relacionadas a
uma situação específica vivida na época, e dessa maneira serem passíveis de revelar algo das
ansiedades daquele tempo, trazem informações que podem agir sobre o presente da Educação
Matemática.
Com a posição adotada, acredita-se que é possível à história ser contada e recontada.
Esse processo acontece à medida que novas fontes surgem no cenário, e novos historiadores
se apropriam das fontes, dando suas respectivas interpretações para aqueles documentos.
Assim, nos próximos capítulos será apresentada uma interpretação dos dados obtidos,
portanto uma história.
17
1.2. História da Matemática: uma escolha
A Hisria da Matemática, assim como a História das Ciências, vem sendo construída
ao longo dos anos como um amplo campo de pesquisa, com um crescente número de adeptos.
Segundo Nobre (2000, p. 34), são reflexos desse crescimento “[...] o fortalecimento dos atuais
Institutos de História das Ciências vinculados aos grandes centros universirios no mundo e a
criação de novos centros de investigação científica em história das cncias em diversos
países, inclusive no Brasil”.
Em relação à História da Matemática, Nobre (2000) acrescenta que
[...] o crescimento do mero de pesquisadores nos últimos anos culminou
com a criação de divisões especiais para a área, vinculadas a sociedades
nacionais de matemática ou sociedades de historia das ciências, e em alguns
países, foram fundadas sociedades cientificas especificas. (NOBRE, 2000, p.
34)
Este é o caso da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMAT), fundada
em 30 de março de 1999. Além da SBHMAT, diversos grupos espalhados pelas
Universidades brasileiras estudando e pesquisando a História da Matemática.
As discussões em torno desse tema começaram a ter relevância a partir da década de
1970. Segundo Baroni (1999), antes dessa década a Hisria da Matemática focava o estudo
dos conteúdos matemáticos, e as pesquisas feitas nesse campo eram voltadas unicamente à
Europa. Ou seja, visavam apenas estudar os matemáticos e descobertas matemáticas do velho
continente, sem perceber que em outros lugares do mundo a Matemática também era
desenvolvida. Schubring (1999) afirma que essa pode ser definida como a abordagem clássica
da Hisria da Matemática.
Após 1970, época em que conquistou a independência do domínio europeu, a Hisria
da Matemática ganhou novos enfoques e passou a participar de novos tipos de pesquisa.
Mudaram-se as motivações para as pesquisas nessa área, bem como o significado do fazer
história da Matemática”. Segundo Miguel (1999, p. 142), surgiram quatro modalidades para
essas pesquisas: fazer história da matemática propriamente dita, fazer história da Educação
Matemática, realizar investigações teóricas ou de campo a respeito das relações entre história
da matemática e a educação matemática, ou ainda fazer a história de todas essas histórias”.
Com isso, a Hisria da Matemática começou a fazer sentido em outras localidades, que
passaram a historiar o desenvolvimento da sua Matemática e dos seus matemáticos.
18
Com a amplião do campo de investigação da História da Matemática, uma pesquisa
nesta área pode passar a fazer parte de várias linhas, com diferentes temáticas. Baroni e Nobre
(1998), apoiados nos trabalhos de Hans Wussing
5
, dão algumas linhas para a investigação em
Hisria da Matemática:
História de problemas e conceitos;
As interligações entre Matemática, Ciências Naturais e Técnica;
Biografias;
Organizações Institucionais;
A Matemática como parte da cultura humana;
Influências sociais no desenvolvimento da Matemática;
A Matemática como parte da formação geral do indivíduo;
Analise histórica e crítica de fontes literárias.
Considera-se que esta pesquisa faz parte de duas das linhas apresentadas acima:
“análise histórica e crítica de fontes literáriase “a Matemática como parte da formação geral
do indivíduo”.
A primeira delas é facilmente entendida, dado o objetivo deste trabalho, uma vez que
seu foco é analisar as fontes referentes à obra não-matemática de Mario Tourasse Teixeira. No
entanto, cabe esclarecer que o termo literárias”, neste caso, não compreende textos
relacionados à literatura, mas aqueles pertencentes a obras de matemáticos.
A segunda linha contempla igualmente essa pesquisa, pois a autora acredita que os
artigos que analisou podem contribuir significativamente para a formação de seus leitores. É
válido acrescentar que, apesar do material em questão não ser constituído apenas por textos
pedagógicos, estes poderão ajudar o professor a ter uma visão diferenciada do ensino e dos
alunos.
O tema de investigação proposto A Matemática como parte da formação geral do
indivíduo é, segundo Baroni e Nobre (1998), um dos itens que está mais intimamente
ligado à Educação Matemática. Esses autores afirmam ainda que uma das vertentes desse
tema é “A História da ‘formação geral do indivíduoe suas relações com a Matemática, ou
seja, a história da Educação Matemática. Em Rio Claro, esta história está intimamente ligada
ao S.A.P.O. e ao professor Mario Tourasse Teixeira.
5
Historiador da Matemática alemão.
19
1.3. Os caminhos desta pesquisa
Uma questão relevante em pesquisas na linha da Hisria da Matemática são as etapas
do desenvolvimento do trabalho. Se a História possui relação com outras ciências, o que
dificulta a delimitação de um todo no início de uma pesquisa, o mesmo ocorre na História
da Matemática. Essa questão não é de claro acordo entre os pesquisadores. Nesta seção, são
apresentados os pressupostos deste trabalho quanto aos procedimentos metodológicos.
A grande variedade de temas de investigação dá a entender que a metodologia
clássica, como sugere Schubring (1999), não pode atender a todos estes tipos de pesquisa.
Não há aqui, contudo, um desmerecimento do método pois, como afirma Miguel
(1999),
[...] o método ocupa sim, a meu ver, uma posição de centralidade na
produção e legitimão de conhecimento dessa natureza. Mas defendo que
essa centralidade não deve ser vista como um critério demarcador entre
aquilo que deveria ser considerado ‘científico’ daquilo que não deveria ser
considerado científico’. (MIGUEL, 1999, p. 147)
Desse modo, vem à tona uma discussão que não é de consenso entre os pesquisadores,
e que foge aos propósitos deste texto. Assim, nesta dissertação, adota-se o pressuposto de que
o método é construído segundo a intenção do pesquisador em seu trabalho. Por esse motivo,
torna-se impossível para o historiador dizer, a priori, qual metodologia irá adotar no trabalho.
Em geral, em trabalhos de hisria as fontes revelam mais do que o próprio investigador
pensou que encontraria.
Deste modo, como no trabalho de Souto (2006), assume-se aqui que não
procedimentos rigidamente pré-estabelecidos para o historiador. Segundo Veyne (1971),
[...] escrevemos a historia com a nossa personalidade, que dizer, com uma
aquisição de conhecimentos confusos. Certamente, essa experiência é
transmissível e cumulativa, visto que é sobretudo livresca; mas não é um
método (cada um oferece-se a experiência que pode e que quer), em primeiro
lugar porque a sua existência não é oficialmente reconhecida e porque a sua
aquisição o está organizada; em seguida porque, se é transmissível, não é
formulável: adquire-se através do conhecimento de situações históricas
concretas, das quais cabe a cada um tirar as lições à sua maneira [...] a
experiência histórica adquire-se no trabalho; não é o fruto dum estudo, mas
duma aprendizagem. A história não tem um método, dado que não pode
formular a sua experiência sob a forma de definições, de leis e de regras.
(VEYNE, 1971 apud SOUTO, 2006, p. 119)
Portanto, o método não é definido de início, sendo, ao contrário descoberto no
desenvolvimento da pesquisa. Faz-se importante lembrar que “[...] o historiador muitas vezes
20
encontra aquilo que não foi buscar, alcança uma resposta para a qual precisa inventar uma
pergunta” (SOUTO, 2006, p.119)
Apesar destas considerações a respeito da postura metodológica, é preciso dar
legitimidade ao trabalho do historiador. Bloch (1997), ao explicitar seu método, postula que
um historiador deve sempre “mostrar como pôde apurar o que disse”.
Assim, entende-se que as dificuldades relacionadas às questões metodológicas, em se
tratando de trabalhos historiográficos, não são uma exclusividade dos historiadores
matemáticos. Essa idéia se une ao que Schubring (1999) diz sobre a falta de cuidados
necessários com as normas, em relação à técnica ou à arte historiográfica. Este autor cita
algumas regras da historiografia em geral, dentre as quais, para este trabalho, são destacadas
duas. A primeira diz respeito à interpretação das fontes:
A interpretação crítica de textos. Nenhum texto conm sua interpretação
diretamente; nenhum texto é neutro ou sem intenções. Textos em
documentos impressos e textos manuscritos em arquivos precisam
verificações de suas afirmações. Mesmo declarações de famosos cientistas
em suas cartas não apresentam a pura verdade, mas podem ser escritos numa
certa intenção de influenciar o destinatário. (SCHUBRING, 1999, p. 199)
Por sua vez, a segunda se refere à análise do contexto social:
A análise do contexto social” impõe sérias dificuldades conceptuais e
materiais. Faltam muitas vezes mesmo modelos adaptados na ciência da
história. Não é suficiente [...] referir-se ao contexto social de uma forma
geral e superficial, o que é necessário são análises concretas: da cultura
respectiva, do estado, das instituições. (SCHUBRING, 1999, p. 200)
Diante dessas considerações, relatam-se abaixo as etapas do desenvolvimento desta
pesquisa, explicitando os cuidados tomados em cada uma delas. É importante esclarecer que
tal desenvolvimento não se deu de forma regular, sendo que etapas iniciais também
aconteceram durante o desenrolar da pesquisa.
A primeira etapa do desenvolvimento deste trabalho foi um estudo sobre o autor de
interesse: Mario Tourasse Teixeira. Foi necessário conhecer esta personalidade sua vida,
suas publicações e seu envolvimento com a Educação Matemática para delinear o que seria
importante buscar em seu acervo, de modo que a segunda etapa dedicou-se à busca dos
materiais.
21
Os manuscritos
6
de Mario Tourasse Teixeira foram doados ao professor Irineu Bicudo,
que por anos dividiu sala com ele. Assim, todo o material da pesquisa permanecia no
Departamento de Matemática da UNESP - Campus de Rio Claro/SP. A despeito dessa valiosa
doação, com o desenvolver da pesquisa notou-se a falta de muitos textos no acervo em
queso. Esse fato causou certa dificuldade para a obtenção das fontes. Assim, a busca pela
obra completa se deu em vários momentos do trabalho, o se limitando somente ao primeiro
momento. Também foram agregadas a esse material todas as publicações do autor.
Cabe ressaltar que Baccan (2000) catalogou todos os “caderninhos” encontrados. Por
isso, será utilizada a mesma notação de seu trabalho. Os cadernos foram divididos de acordo
com o seguinte critério: os de conteúdos matemáticos foram designados com a letra A, e os de
conteúdo educacional, com a letra B. as folhas avulsas ficaram com a letra F, recebendo
também números para organização. Por exemplo, há no acervo um caderno, denominado
Caderno B-01, que se trata do primeiro caderninho listado como possuidor de conteúdo
educacional.
Em relação ao material catalogado por Baccan (2000), é importante esclarecer que
nem todos os caderninhos ficaram em posse da pesquisadora. Em especial, destacam-se os
manuscritos Cadernos A-06, A-35, A-41, A-54, A-69 e A-72, que possuíam itens ligados à
Educação na classificação feita por esta autora.
De posse do acervo, ou parte dele, passou-se à reedição
7
dos textos. Muitos deles
foram publicados no SAPEANDO, com uma impressão de má qualidade. Durante a reedição
desses textos, foram corrigidos os erros de digitação e alguns de ortografia. Outro tipo de
correção que se deu foi o ajuste de algumas palavras do texto a correspondentes, estas mais
usadas atualmente. Um exemplo disso é o caso da palavra “p’ra”, que foi modificada para
“pra”. Este tipo de correção se fez necessária para uma melhor fluência na leitura dos textos.
Para as estórias ilustradas ou em quadrinhos, apresentam-se duas versões: a cópia
digitalizada do documento, a fim de que as ilustrações originais não fossem perdidas, e,
também, a reedição da narrativa, para que fossem feitos os devidos ajustes.
Quanto aos poemas, manteve-se a forma estética original, e as alterações seguiram os
mesmos critérios daquelas efetuadas nas narrativas. nas peças teatrais, uma formatação
estética foi acrescentada, por parte da pesquisadora, para que seu entendimento fosse
facilitado.
6
Por manuscritos entenda-se um documento escrito a mão, com lápis ou caneta, sem edição. Ou seja, refere-se
ao texto original de um autor. http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuscrito (acesso em 02/10/2008)
7
Por reedição entenda-se o trabalho de digitação e formatação dos textos.
22
Como alguns textos foram retirados dos caderninhos, eles não estão completos.
Também ocorreu que em alguns deles não foi possível o entendimento da letra do autor. Neste
caso o símbolo [?], significando que a autora não conseguiu decifrar o que havia naquela
parte do texto.
Além da reedição dos textos literários, foi realizado o mesmo trabalho nas demais
publicações de Mario Tourasse Teixeira sobre educação, lançadas primeiramente no
SAPEANDO. Esse trabalho se fez necessário, pois a análise dos textos literários está baseada
nas idéias apresentadas nestes artigos. Apesar desta pesquisa analisar a obra literária, esses
artigos também estão presentes nos anexos desta dissertação. O estudo nestes artigos foi
realizado com o intuito de esclarecer alguns conceitos utilizados pelo autor no decorrer de sua
obra.
Depois desta etapa, foi realizado um estudo dos manuscritos do autor à procura de
artigos inéditos. Foram encontrados 16 (dezesseis) textos, que serão incluídos na obra do
autor. Além disso, foram descobertos rascunhos de esrias publicadas, sendo que em alguns
deles foi verificada, inclusive, a mudança de nome dos personagens.
Um momento importante da pesquisa foi a prova de veracidade dos documentos. Para
tal, foram analisados os demais trabalhos que estudaram, também, o professor Mario e seus
manuscritos. Nem todos os poemas ou outros textos que estavam nos manuscritos eram de sua
autoria: alguns se tratavam de cópia de outros autores. Como o foi possível identificar a
natureza de todos os textos, são considerados nesta pesquisa somente aqueles cuja autoria foi
determinada.
Em Baccan (2002) e Souto (2006), constam informações sobre a autoria dos textos,
afirmando o professor Mário como o autor de algumas das publicações que não levavam
assinatura. Além disso, muitos textos foram encontrados nos cadernos. Neles, indícios da
criação e organização da obra. Em alguns casos, existe mais de uma versão; para outros,
aparecem os rascunhos, constituídos de palavras riscadas e substituídas por outras que
explicitam melhor a idéia. Nos poemas, uma frase é às vezes substituída por outra, para
melhorar o poema, dar mais elegância.
Esse sistema de troca de palavras, ou mesmo de frases, ao longo de um texto,
evidencia seu processo de criação. Essas correções revelam que Mario Tourasse Teixeira
estava escolhendo o melhor termo para expressar o que ele gostaria de dizer. Alguns textos
começam em um caderno e terminam em outro. Vê-se que uma parte (modificada e riscada
em um dos cadernos) está “passada a limpo” (no outro caderno ou em folhas avulsas).
23
No caso das peças teatrais, os manuscritos traziam rascunhos das idéias que deveriam
estar presentes em cada cena. Alguns rascunhos possuíam diálogos completos que o autor
queria fazer surgir, fato que institui tais rascunhos como um direcionamento inicial para os
textos que o autor criou. Esses diálogos são encontrados nas versões finais das peças teatrais.
Outro fator de importância para a autora deste trabalho foi a verificação da letra dos
manuscritos. Para excluir o fato de que pudessem existir textos de algum outro autor, a
observação da caligrafia foi necessária. Assim, durante a análise dos manuscritos, procurou-se
indícios de que os escritos eram da mesma pessoa, dada a existência de textos em diversas
caligrafias. Em alguns deles, a letra é de forma e bem escrita, o que não é o caso em outros.
Após o estudo dos manuscritos, observou-se que essas mesmas caligrafias apareciam juntas
em alguns textos, como no exemplo abaixo:
Figura 1 – Manuscrito: Caderno B-14
24
Neste trecho
8
, percebe-se claramente a mudança do tipo de letra do autor. Assim,
confirmou-se que a caligrafia que aparece nos caderninhos estudados é realmente de Mario
Tourasse Teixeira.
Ainda sobre os textos literários sem assinatura nos SAPEANDO, apenas um não é de
autoria de Mario Tourasse Teixeira. Trata-se do poema “Poemas de Rosinda, publicado no
SAPEANDO 05, a Edição de Verão de 1975 (p. 34-47). Este texto é constituído de 10 poemas
sem título, enumerados de 01 a 10.
Além de não haver menção sobre este texto nos cadernos, verificou-se que tanto a
temática quanto o vocabulário não possuíam as mesmas características daquelas usadas por
Mario Tourasse Teixeira. Outro indício considerado importante foi uma frase, que aparece no
final de um desses poemas: “Não estaria eu agora parada”, o que leva a concluir que o autor
seja do sexo feminino.
No entanto, a autoria do poema pôde ser revelada quando a pesquisadora,
estudando os arquivos do S.A.P.O., encontrou uma carta, datada de 13 de fevereiro de 1976, e
endereçada ao professor Luiz Roberto Dante, na qual a autora dos poemas é mencionada:
trata-se de Rosinda Maria Aguiar Pinheiro. Na referida carta, o remetente, Almerindo
Marques Bastos, pede que não seja colocado o nome completo da autora, pois ela costuma
assinar apenas Rosinda. Por isso, nos SAPEANDO, esses poemas foram assinados desse
modo. Observe, abaixo, o trecho da carta selecionado:
Figura 2 - Carta de Almerindo Marques Bastos
Neste trecho da carta, lê-se:
“Espero que os trabalhos da Rosinda sejam utilizáveis. Peço que, em caso de
publicação, não seja colocado o nome completo dela que é Rosinda Maria Aguiar Pinheiro.
Normalmente ela os assina apenas Rosinda ou Ro, e depois de ter tornado minha aluna,
8
Não a transcrição deste trecho porque a pesquisadora está interessada, neste momento, somente na caligrafia
apresentada.
25
apenas ρ. A numeração que eu coloquei não tem significado algum. É apenas para distingui-
los entre si pois a Rosinda o e título. Se você não usar os escritos, por favor, devolva-
os.”
A carta é acompanhada dos dez poemas.
Constata-se, então, que outra etapa importante na realização deste trabalho foi a
pesquisa nos arquivos do S.A.P.O.. Neles foram encontradas datas importantes, referentes à
publicação das estórias e da correspondência, que auxiliaram na verificação da autoria dos
textos, além dos nomes dos ilustradores das estórias da série Mel e Azul
9
. Foi efetuada, dessa
forma, a obtenção e verificação dos dados desta pesquisa. O próximo passo foi a análise
desses dados.
Para essa fase, a pesquisadora teve em mente duas conversas casuais com
pesquisadores da área de História da Matemática. Uma delas foi com o professor Carlos
Vianna; a outra, com o professor Sergio Nobre, orientador desta pesquisa. Diante das
indagações sobre pesquisas em História da Matemática, ambos fizeram a mesma analogia:
“As fontes de uma pesquisa historiográfica são como uma piscina. Você deve mergulhar nela
e só sair de quando for capaz de dizer exatamente o que há lá dentro”.
A partir dessa analogia, a pesquisadora pode concluir: mais do que ter as fontes em
mãos, é preciso que o historiador esteja imerso nas fontes que possui, mergulhando fundo
para conhecer o objeto de estudo. Esse conhecimento deve ser tão profundo que, “ao sair da
piscina”, o pesquisador possa dizer exatamente tudo o que lá. Ou seja, é necessário, antes
de tomar qualquer atitude com relação aos dados encontrados, conhecê-los muito bem.
Esse mergulho referido é análogo ao gesto de se “fazer a pergunta certa”, que Bloch
(1997) e Carr (1982) relatam em seus livros. Sem ele, o historiador corre o risco de tornar seu
trabalho superficial. E nada há de pior do que uma pesquisa hisrica que nada de novo revele.
Dado que as fontes não falam por si , é o historiador quem deve saber elaborar as perguntas
adequadas.
Assim, depois de “mergulhada” na obra do professor Mario e ciente do que há nesses
textos, a pesquisadora pôde começar a descrever o que neles. Analisando a obra, também
pôde delinear as idéias principais dos textos, buscando evidenciar a presença da teoria
educacional do autor nas narrativas e nos poemas. Essa análise foi realizada tomando-se os
textos com base nas categorias expostas por Baccan (2002), tendo sido iniciada pelos poemas,
9
Publicação do S.A.P.O..
26
passando em seguida para os textos narrativos, ilustrados ou em quadrinhos, seguindo-se a
esses a esria com slide e fita cassete e, por fim, passando-se às peças teatrais.
Nesta etapa, foram realizados a descrição da obra e o apontamento das principais
idéias. Durante as análises foi feito, também, um estudo dos textos educacionais do autor,
para que pudessem ser evidenciadas mensagens ocultas da obra literária.
A constituição do texto para esta dissertação se deu ao longo desse processo, e deve
ser ressaltado que o seria possível realizar cada uma das etapas descritas separadamente, e
exatamente na seqüência apresentada. Isto ocorreu devido ao caráter histórico-interpretativo
desta pesquisa.
No próximo capítulo será apresentada uma síntese da vida de Mario Tourasse
Teixeira, onde se buscará vê-lo não somente como um matemático, mas principalmente como
o autor da obra analisada.
2. O AUTOR: MARIO TOURASSE TEIXEIRA
Mario foi um arquiteto dos sonhos
(Irineu Bicudo)
Neste capítulo sefeito um recorte da vida de Mario Tourasse Teixeira, autor da obra
analisada. Para tal, serão abordados um pouco de seu envolvimento com o S.A.P.O.,
movimento no qual teve a maior parte de sua obra publicada, e também de sua participação no
início da s-graduação em Educação Matemática na UNESP, Campus de Rio Claro. A
pesquisadora julgou necessária a apresentação deste catulo por mostrar a relevância deste
autor tanto no cenário da Matemática, por meio de sua formação e seu trabalho em Lógica,
quanto na Educação Matemática. Sua importância nesse âmbito relaciona-se ao já citado
movimento, e evidencia, também, a pessoa sensível e dedicada que foi com relação às
queses de ensino e aprendizagem.
Apresenta-se, além disso, a obra a ser analisada em uma primeira classificação.
28
2.1. Recortes de uma vida
Mario Tourasse Teixeira nasceu no dia 11 do mês de setembro de 1925, na cidade de
Recife. Filho de pai português e mãe brasileira do interior do estado de São Paulo, mudou-se
ainda cedo com a família para o Rio de Janeiro, onde completou seus estudos fundamentais.
Em 1954, licenciou-se em Matemática pela Universidade do Brasil; em seguida, especializou-
se em Fundamentos de Matemática e Lógica Simlica, na Universidade de São Paulo, USP.
Nesta mesma instituão, segundo Souto (2006, p. 56), “atuou como professor Auxiliar de
Ensino, sem proventos, da cadeira de Análise Matemática e Análise Superior seção de
Álgebra Moderna”.
Ainda na USP, realizou estágio de aperfeiçoamento em Lógica Matemática e Teoria
dos Conjuntos, sob a orientação do professor Edson Farah. Nesta época, conheceu Josepha de
Souza, com quem se casou em 04 de agosto de 1981.
Para dar prosseguimento aos seus estudos, em 1965 defendeu sua tese de doutorado,
“M-Álgebras”, também na Universidade de São Paulo. Este trabalho foi realizado sob a
orientação do professor Antonio Monteiro. O professor Tourasse havia trabalhado com ele
num “estagio de especialização [...] em álgebra da Lógica e funções recursivas na Universidad
Nacional del Sur, em Bahia Blanca e no Centro Atômico de Bariloche, na Argentina”.
(SOUTO, 2006, p. 61)
Sobre sua personalidade, esta mesma autora relata que “Desconcertante para muitos,
surpreendente para quase todos, ao Prof. Mario é sempre atribuída a capacidade de aceitar e
compreender o outro, embora fosse, muitas vezes, ele mesmo incompreendido” (SOUTO,
2006, p. 21). Em depoimentos concedidos a esta autora, entende-se como essa personalidade
foi marcante na vida das pessoas:
Eu sempre tive a impressão [...] que ele queria me dizer ou nos dizer que
freentemente o silêncio é de ouro!’. Mario foi um pensador e não um
falador (SOUTO, 2006, p. 25)
10
[...] aprendi com ele valores morais e matemáticos, que formaram junto com
a educação dos meus pais, uma base sólida para a minha vida tanto como
cidadão quanto professor de matemática da Unicamp. (SOUTO, 2006, p.
25)
11
10
Depoimento do professor Atibano Micali.
11
Depoimento do professor Caio José C. Negreiros.
29
Também em uma nota de rodapé de sua dissertação, Mauro (1999, p. 138), referindo-
se às entrevistas que realizou em seu trabalho, escreve que “o destaque à pessoa do Prof.
Mario Tourasse Teixeira foi constante nos depoimentos concedidos a autora”.
A relação do professor Mario com Rio Claro começa em 1958, quando foi convidado
pelo professor Dr. Nelson Onuchic para ser professor da FFCL desta cidade. Essa faculdade
foi criada no período entre 1957 e 1959, quando, segundo Mauro (1999, p. 55), o governador
do Estado de São Paulo teve o intuito de levar o ensino superior para o interior do estado.
Nesse período, foram implantadas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras em diversas
cidades, entre elas, Rio Claro. Mario Tourasse Teixeira foi contratado pela FFCL de Rio
Claro em 1959.
No trabalho de Mauro (1999), tem-se uma descrição de como todo esse processo de
implantação da FFCL ocorreu, juntamente com o processo de criação do departamento de
Matemática dessa instituição. Também é evidenciada a presença do professor Mario: “Grande
destaque deve ser conferido ao Prof. Mario Tourasse Teixeira, que, junto com o Prof. Dr.
Nelson Onuchic, fundou o curso e o Departamento de Matemática, onde atuou até seu
falecimento.” (MAURO, 1999, p. 105).
O interesse de Mario Tourasse por questões educacionais começou nessa época. Em
seu trabalho, Mauro (1999, p. 110) relata que o professor, além de trabalhar com o curso de
matemática, se preocupava com os alunos que ainda iriam ingressar na universidade. Ele,
juntamente com outros professores, trabalhou em cursos prévios com alguns alunos, para que
conseguissem passar no vestibular.
Dentro do Departamento de Matemática, seu trabalho foi marcante. Segundo esta
autora,
O Prof. Mario Tourasse Teixeira dedicou-se ao setor matemático da
faculdade até a sua aposentadoria que ocorreu em 10 de março de 1991. Sua
participação na faculdade e mais especificamente no Departamento de
Matemática revelou o quanto ele era dotado de capacidade e empenho
muitas vezes decisivo, como na ocasião do desligamento do Prof. Nelson
Onuchic, organizador do referido Departamento. Segundo o Prof. Irineu
bicudo, “só a presença marcante do Prof. Mario Tourasse com sua tranqüila
sabedoria conseguiu preservar o grupo apesar deo notável perda”. A
presença do Prof. Mario Tourasse Teixeira também na ocasião da
desincorporação da FFCL de Rio Claro da Unicamp mostrou-se
fundamental. (MAURO, 1999, p. 152)
Durante sua permanência na UNESP de Rio Claro, o professor Mario assumiu, entre
outras, as aulas de Geometria Analítica e Geometria Projetiva, Complementos de Matemática
para o curso de Pedagogia, e também foi um dos responsáveis pelas disciplinas de matemática
30
do curso de Geologia em 1970. Sua atitude para com os alunos sempre demonstrou sua
preocupação com o ensino e a aprendizagem. Em uma época em que a atenção da sala de aula
era voltada para a pessoa do professor, ele inovava pedindo aos alunos que fizessem auto-
avaliações em suas disciplinas. Algumas delas, guardadas no Acervo Mario Tourasse Teixeira
no Departamento da UNESP de Rio Claro, mostram como era a relação professor-aluno desse
docente nas disciplinas que ministrava.
Uma das características marcantes deste professor consistia no fato de andar sempre
com caderninhos
12
nas mãos. Nestes cadernos, além de anotações de aulas e de seus estudos
em matemática, ele fazia comentário sobre os alunos, rascunhos de projetos e relatórios que
deveria enviar às agências de fomento de pesquisas. Escrevia, além disso, seus poemas, e
estórias em quadrinhos. Em muitos deles também se encontram atividades relacionadas ao
S.A.P.O..
Mario Tourasse Teixeira permaneceu envolvido com a Matemática e a Educação
Matemática, trabalhando na FFCL em Rio Claro ao seu falecimento, devido a um infarto,
no dia 12 de junho de 1993.
2.2. O S.A.P.O.
De 1974 ao final da década de 1970, Mario Tourasse Teixeira esteve ativamente
envolvido com o S.A.P.O. Como grande parte de sua produção literária foi publicada no
boletim SAPEANDO, faz-se necessário o entendimento de sua ligação com este movimento,
que ele mesmo ajudou a fundar.
O S.A.P.O. foi iniciado em 1974, com uma reunião que contou com a participação de
12 pessoas, entre elas o professor Mario. Neste encontro foi formado também o conselho
diretor do S.A.P.O., no qual ele obteve o cargo de vice-presidente, sendo a presidência
exercida pelo professor Luiz Roberto Dante.
Conforme seu Estatuto, o S.A.P.O. é definido como [...] uma entidade sem fins
lucrativos, destinada a estimular e propagar a criação de ambientes educativos por meio de
materiais didáticos, como livros, slydes [sic], filmes, estórias em quadrinhos, peças,
gravações, etc.”. (ESTATUTO do S.A.P.O.; Capítulo I; Artigo 2º, 1975, p. 03)
Segundo Mauro (1999, 123), “O S.A.P.O. tornou-se o canal pelo qual o Prof. Mario
Tourasse Teixeira e demais professores passaram a difundir suas idéias, principalmente em
12
o esses caderninhos os manuscritos citados nesta pesquisa.
31
relação ao ensino da Matemática, entre os professores de todo o país”. Para tal, contavam com
um boletim informativo trimestral, o SAPEANDO, que era distribuído gratuitamente para
todos os sócios. Nele, também se pode entender mais um pouco sobre aquela que foi chamada
de “filosofia do S.A.P.O.”. Tal filosofia defendia que “[...] em vez de se concentrar em formar
indivíduos com habilidades específicas, almeje criar ambientes com tendências gerais.
Ambientes que integram e liberam energia que vão induzir o desenvolvimento pleno e
harmonioso das personalidades.” (EDUCAÇÃO como criação de Ambientes, 1975 p. 08)
Além disso, seria preciso uma doação “plena e integral de professores e alunos,
envolvendo todos os aspectos de suas vivências, incluindo o emotivo e o artístico”.
Considera-se, também, que este movimento foi uma crítica ao sistema educacional em
todos os aspectos, propondo uma nova realidade que emergisse da criação de ambientes. Ou
seja, as idéias deste movimento ultrapassavam a crítica à prática de ensino básico, mas
também o fazer Matemática de muitos profissionais do ensino superior, e o pensar sobre o
ensino da Matemática dos pesquisadores da época. O S.A.P.O. não se estabeleceu, portanto,
como uma oposição direta à Matemática Moderna teoria da aprendizagem em destaque
naquele momento.
Em relação à sigla S.A.P.O., o professor Irineu Bicudo, em depoimento a Baccan
(2002, p. 194), afirma que o professor Mario primeiro criou a sigla, somente depois achou as
palavras para compô-la. Assim, a sigla seria uma brincadeira com o ditado “Sapo de fora não
chia”: uma vez que eles, por pertencerem a um departamento de Matemática e não de
Educação, eram considerados “de fora” das queses educacionais, o trocadilho dava a
entender que esse movimento iria “chiar”, sim, a respeito do cenário educacional da época.
Para a pesquisadora desta dissertação, o nome S.A.P.O. também remete a um fato que
se deu na Semana da Arte Moderna de 1922, ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo, do
dia 11 ao dia 18 de fevereiro. Nesta ocasião, Ronald de Carvalho leu o poema “Os Sapos”, de
Manuel Bandeira, como uma sátira ao Parnasianismo, escola literária na qual a forma regular,
ou seja, a rima e a métrica, era essencial nos poemas. Querendo romper com essa modalidade,
alguns poetas do Movimento Modernista utilizaram essa semana para expor suas idéias. A
leitura deste poema deixou os parnasianistas perplexos e incomodados. E, a partir deste
evento, uma nova era na Literatura e nas Artes teve início no Brasil, com a participação de
artistas de diversas áreas, como Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti, Mario de Andrade, entre
outros.
Da mesma maneira como, na semana de 1922, os sapos vieram para incomodar, no
contexto do movimento preconizado por Mario Tourasse Teixeira, isso também aconteceu.
32
Uma vez que, no cenário educacional, o papel do S.A.P.O. e de outros grupos educacionais
foi de ruptura com a postura vigente, a pesquisadora acredita que a sigla S.A.P.O. reflete o
mesmo sentimento de mudança da semana de artes. Porém, neste caso, a mudança tão
sonhada ocorreu para poucos.
que se destacar, entretanto, que entre o S.A.P.O. e os outros grupos surgidos na
época havia uma diferença latente. Enquanto estes pensavam especificamente no ensino da
Matemática, o S.A.P.O. era mais abrangente e, segundo Irineu Bicudo, isso se dava pela
influência do professor Mario. “Ele enxergava milhões de vezes mais que nós todos juntos, e
ele sempre abria, abria...” (BACCAN, 2002, p. 200)
Luiz Roberto Dante, em depoimento a Baccan (2002, p. 201), também afirma que eles
nunca quiseram “convencer ninguém de que estávamos certos, no caminho certo, para manter
o SAPO. Nada disso. A gente queria que aceitassem por vontade própria”. Confirmando essa
idéia, no edital do SAPEANDO 08, lê-se: “O sapo não é para ser seguido e sim ultrapassado”.
(CONVERSA Fiada, 1976, p.03)
Esse mesmo professor, em sua tese de doutorado, afirma que “No movimento
S.A.P.O. estão, por assim dizer, refletidas todas as inquietações do autor na busca de uma
educação matemática mais criativa, integral e profunda, apontando, num plano geral, para
uma educação mais significativa.” (DANTE, 1980, p. 39)
Assim, percebe-se que esse movimento foi único, com ideais que ultrapassavam as
idéias educacionais daquela época. Muitas dessas idéias eram do professor Mário Tourasse
Teixeira. Segundo o professor Anízio Perissinoto nior, em depoimento a Baccan (2002, p.
197), era ao professor Mário que eles recorriam quando faltavam artigos para fechar uma
edição do SAPEANDO. Ainda, conforme o depoimento de Irineu Bicudo a essa autora,
“Comparado com o professor Mário, a contribuição dos outros era praticamente zero. O
SAPO no fundo é o professor Mário. Sem o Mário não existiria isso. Todas as contribuições
mais significativas eram do Mário”. (BACCAN, 2002, p.194)
Também Tassinari (1999) afirma a esse respeito
O professor Dr. Mario Tourasse Teixeira era sem dúvida, a pessoa que
movia tudo, discreto sem querer aparecer, não querendo ter nenhum
destaque, o querendo nenhum reconhecimento, era contudo, o mentor e a
força inspiradora de todo o grupo que elaborava o SAPO. (TASSINARI,
1999, p.56)
33
Tanto o conjunto de depoimentos quanto a caracterização do contexto demonstram,
desse modo, a importância do professor Mario Tourasse para o S.A.P.O. e para o movimento
da Educação Matemática da época, de forma a reiterar o destaque que sua obra merece.
Além do boletim trimestral SAPEANDO, o S.A.P.O. possuiu outras publicações,
denominadas séries específicas. Estas séries tratavam de diversos temas, sendo cada uma
dedicada a um assunto particular.
As séries publicadas foram
Séries Vermelho e Branco: materiais didáticos (Nível Médio e Superior);
Série Verde e Rosa: materiais didáticos (Nível elementar);
Série Mel e Grenat: estória com slide e fita cassete;
Séries Mel e Azul
13
: peças teatrais e estórias em quadrinhos;
Série Verde e Branco: educação tomada em âmbito geral.
Apesar da série Verde e Branco constar nos boletins do S.A.P.O., Baccan (2002) relata
que esta série não foi encontrada em seus estudos, restando a autora a conclusão de que não
foi publicada.
Pesquisando ainda nos diversos “caderninhos” de Mario Tourasse Teixeira, observou-
se que havia a pretensão de publicar mais séries específicas dentro do movimento. Em um
deles
14
, observe a figura 3, encontram-se listadas:
Série Palha e Azul Noite: Pesquisas;
Série Cinza e Creme: Filosofia.
Figura 3 - Manuscrito: Folhas F-4 (1)
13
Segundo Baccan (2002), o S.A.P.O. publicou duas séries com o mesmo nome, ficando em uma as peças
teatrais e na outra as histórias restantes.
14
Manuscrito: Folhas F-4.
34
Quanto à rie Palha e Azul Noite, em outra folha a descrição: “Fecho,
Fundamentos de Matemática...”, o que dá a entender o material produzido por esta série como
sendo composto de pesquisas em tópicos específicos de Matemática.
Figura 4 - Manuscrito: Folhas F-4 (2)
As publicações do S.A.P.O. chegaram a 226 artigos em 05 anos de exisncia do
movimento. Apesar de todo esse aparente sucesso do S.A.P.O. (que chegou a contar com
quase 500 sócios), como qualquer outro movimento, ele passou por grandes dificuldades,
sendo talvez a principal delas relacionada à parte financeira. Muitos sócios não colaboravam
efetivamente, talvez aproveitando a grande abertura que havia no estatuto quanto às
contribuições: “as contribuições semestrais [...] [serão estabelecidas] a critério de cada cio,
no momento de sua inscrição, podendo ser alterada a cada semestre” (ESTATUTO do
S.A.P.O. Capítulo II, Artigo 6°, §3°a, 1975, p. 04)
Para muitos, o fim do movimento se deu por causa do início da Pós-Graduação, algo
que muitos almejavam. Assim, com muitas atividades, as pessoas acabaram deixando o
S.A.P.O.
Mauro (1999, 136) afirma que, mesmo com seu afastamento, “O Prof. Mário Tourasse
Teixeira foi a alma da entidade desde sua criação até 1979, quando ela deixou de existir,
imprimindo uma marca de qualidade, rigor e inovação”. Concordando com essa idéia, o
depoimento do professor Dante a Baccan (2002, p. 206), é enfático:
S.A.P.O. = Prof. Mario.
Educação Matemática em Rio Claro = Prof. Mario.
É ele.
35
2.3. A relação com as-Graduação em Educação Matemática
O professor Mario sempre esteve um passo a frente de seu tempo. Segundo Souto
(2006, p. 32), entre os anos de 1967 e 1969 ele começou a mostrar interesse em relação à
Educação Matemática. Mostrando seu pioneirismo nesta área, Irineu Bicudo, em depoimento
a Baccan, afirma: “Numa época em que ninguém falava de ensino, ele [o professor Mario] se
preocupava com isso”. (BACCAN, 2002, p. 194)
Talvez o primeiro recurso do qual dispôs para acalmar sua ânsia por uma melhora na
educação tenha sido seu envolvimento com a criação do S.A.P.O.; mas, com o passar do
tempo, a idéia de uma pós-graduação em Educação Matemática cresceu entre as pessoas
ligadas a este movimento. Em seu depoimento, Irineu Bicudo ainda afirma que o S.A.P.O. foi
um iniciador de tudo, tornando “Rio Claro [...] o berço da Educação Matemática no Brasil”
(BACCAN, 2002, p. 195). Essa idéia também surge no artigo A situação atual do Ensino da
Matemática: diagnóstico, análise, prognóstico e tentativas de propostas de soluções”, do
professor Luiz Roberto Dante. Neste texto, Dante (1978, p.37) relata que já era hora de
“voltar nossos olhos para a Educação Matemática estudando a possibilidade de se implantar
s-graduação nessa área. É uma lacuna que precisa ser pensadamente preenchida”.
A respeito da relação do professor Mario com essa preocupação, tem-se novamente,
pelo depoimento do professor Irineu, que “sem ele [o professor Mario] acho que não haveria
espírito para a pós-graduação. Muitas pessoas colaboraram, mas sem ele não haveria a chama
para a Pós-graduação” (BACCAN, 2002, p. 196). De fato, a lacuna descrita pelo professor
Dante foi preenchida, e hoje a s-Graduação em Educação Matemática na UNESP de Rio
Claro é uma referência no assunto em todo o Brasil.
Mario Tourasse Teixeira esteve presente tanto na implantação do programa de s-
graduação quanto na orientação de alguns trabalhos. Teve 05 (cinco) trabalhos orientados
neste programa, a saber:
“O papel do raciocínio dedutivo no ensino da Matemática” Cláudia Segadas Viana,
1988.
“Ideologia e contra-ideologia na formação do professor de Matemática” Geraldo
Antônio Bergamo, 1990.
“Aprendiz de Matemática uma iniciação ao método axiomático” Wilson Pereira de
Jesus, 1991.
“O evocativo na Matemática Maria da Conceição Ferreira Fonseca, 1991.
36
“Uma proposta alternativa para a pré-alfabetização Matemática de crianças portadoras
de deficiência auditiva” – José Carlos Gomes de Oliveira, 1993.
Nestes trabalhos, suas idéias sobre Educação Matemática, e Educação de um modo
geral, estão presentes.
Cabe ressaltar que o Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática pertence
ao Departamento de Matemática da UNESP de Rio Claro, e não ao Departamento de
Educação desta universidade, ao contrário do que ocorre na grande maioria dos cursos de pós-
graduação nesta área. Esse fato explicita a importância de professores neste departamento,
que a exemplo do professor Mario, voltaram seus olhares para o outro aspecto concernente ao
curso de Matemática: formar profissionais capazes de (re)pensar sua prática didática.
2.4. A produção literário-educacional do autor
O professor Mario foi um dos que mais publicou artigos pelo S.A.P.O. Estes textos se
dividem em poemas, estórias em quadrinhos, contos, peças teatrais, além de textos sobre a
filosofia do S.A.P.O., sobre educação e sobre matemática. Parte foi publicada no
SAPEANDO, e outros nasries específicas do movimento. Outros textos encontram-se ainda
manuscritos em seus diversos cadernos de anotações.
Em relação ao material publicado pelo S.A.P.O., muitos dos textos deste professor não
foram assinados por ele, apesar de sua autoria ter sido reconhecida por outros professores que
fizeram parte deste movimento. Além disso, pode-se encontrar os rascunhos de alguns desses
textos em seus caderninhos, confirmando a veracidade dessa informação
15
.
Segue abaixo uma relação de todos os artigos literários de Mario Tourasse Teixeira
que foram encontrados nesta pesquisa, classificados segundo a mesma categorização
encontrada nos SAPEANDO. Essa primeira classificação está separada em materiais
publicados e inéditos, sendo que os publicados estão relacionados de acordo com sua data de
publicação (com exceção das esrias ilustradas, pois não possuem data de publicação).
TEXTOS PUBLICADOS PELO SAPO:
15
No capítulo anterior há mais informações sobre o processo de identificação dos textos anônimos.
37
Contos:
A Lenda do Herói Inconseqüente (SAPEANDO 03, Edição de Inverno, 1975, p. 81-
83)
A Lenda do Metódico Mentiroso (SAPEANDO 03, Edição de Inverno, 1975, p. 84-86)
A Lenda do Fastidioso Nobre (SAPEANDO 03, Edição de Inverno, 1975, p. 87-89)
A Terceira Força (SAPEANDO 09, Edição de Verão, 1976, p. 49-51)
O Botão de Rosa (SAPEANDO 16, Edição de Primavera, 1978, p. 62-64)
A Princesinha da Lua (SAPEANDO 16, Edição de Primavera, 1978, p. 65-69)
A História do Capeto (SAPEANDO 16, Edição de Primavera, 1978, p. 70-72)
Estórias (narrativas):
As Desventuras do Figurinha Difícil: Os Corregedores (SAPEANDO 06, Edição de
Outono, 1976, p. 51-54)
As Desventuras do Figurinha Difícil: A Colenda (SAPEANDO 07, Edição de Inverno,
1976, p. 57-59)
As Desventuras do Figurinha Difícil: O Pseudo (SAPEANDO 08, Edição de
Primavera, 1976, p. 65-70)
As Desventuras do Figurinha Difícil: Os Camaleões (SAPEANDO 09, Edição de
Verão, 1976, p. 46-48)
As Desventuras do Figurinha Difícil: O Jogo de Lápis de Cor (SAPEANDO 10,
Edição de Outubro, 1977, p. 54-56)
As Desventuras do Figurinha Difícil: Vida Nova (SAPEANDO 11, Edição de Inverno,
1977, p. 39-44)
Estória com slide e fita cassete:
A Alma da Margarida (Série Mel e Grenat)
Estórias ilustradas ou em quadrinhos:
A Prova (Série Mel e Azul)
As Desventuras do Figurinha Difícil: A Excursão (Série Mel e Azul)
As Desventuras do Figurinha difícil: As Andorinhas (Série Mel e Azul)
Férias na Roça (Série Mel e Azul)
O Álbum de Figurinhas (Série Mel e Azul)
38
O Figurinha Difícil (Série Mel e Azul)
O Irreversível (Série Mel e Azul)
O Nômade e o Estudante (Série Mel e Azul)
O Seqüestro (Série Mel e Azul)
Um Dia Perdido (Série Mel e Azul)
Peças teatrais:
A Delação – peça em 3 atos (SAPEANDO 02, Edição de Outono, 1975, p. 66-78)
Revelação (Série Mel e Azul)
O Criador de Ambientes (Série Mel e Azul)
Poemas:
Amanhecendo em Graúnas (SAPEANDO 01, Edição de Verão, 1974, p. 38)
Ela entrou no ônibus (SAPEANDO 01, Edição de Verão, 1974, p. 39)
A pequena com olhos de hortênsia (SAPEANDO 06, Edição de Outono, 1976, p. 47)
Pensando a toa (SAPEANDO 06, Edição de Outono, 1976, p. 48)
Alguma coisa no jeito como ela falou (SAPEANDO 06, Edição de Outono, 1976, p.
49)
Ela curvou-se intenta (SAPEANDO 06, Edição de Outono, 1976, p. 50)
Foi só revê-la (SAPEANDO 09, Edição de Verão, 1976, p. 52)
Desamparado! (SAPEANDO 09, Edição de Verão, 1976, p. 53)
Gaivota de papel (SAPEANDO 09, Edição de Verão, 1976, p. 54)
Pobre triste velha vida (SAPEANDO 13, Edição de Verão, 1977, p. 53)
Versos inúteis (SAPEANDO 14, Edição de Outono, 1977, p. 52)
TEXTOS INÉDITOS
Estórias (narrativas):
A Energia Dormente (Caderno B-08)
A Lenda da Pulseira Mágica (Folhas F-4)
A Lenda do Balão Encantado (Folhas F-4)
As Desventuras do Figurinha Difícil (Caderno B-08)
As Desventuras do Figurinha Difícil: um ato de gente (Folhas F-06)
39
Em busca do Mundo Encantado (Caderno B-04)
Peças teatrais:
A visão (Caderno B-12)
O Apelo (Caderno B-05)
O Caso (Caderno B-06, B-11e B-13)
Os Omissos (Caderno B-03)
Poemas:
(Poema sem título) (manuscrito sem identificação)
A moça esperança (Caderno A-23)
A vida é vê-la passando (Folhas F-06)
Despedida (Caderno A-23)
Dona Diva(Caderno B-20)
Se fizesse lotação (manuscrito sem identificação)
Assim, em sua obra relacionada ao S.A.P.O., tem-se 38 (tinta e oito) publicações
literárias, sendo 07 (sete) contos, 06 (seis) esrias narrativas, 01 (uma) estória com slide e fita
cassete, 10 (dez) estórias ilustradas ou em quadrinhos, 03 (três) peças teatrais e 11 (onze)
poemas. Já entre os textos inéditos, foram encontrados 16 (dezesseis) manuscritos, sendo 06
(seis) estórias (narrativas), 04 (quatro) peças teatrais e 06 (seis) poemas. Com relação a esse
material, é necessário notar que muitos textos estão incompletos. Há também, entre o material
inédito, várias versões de textos que foram publicados. Os “rascunhos” serão levados em
consideração posteriormente.
Vale também destacar que não estão incluídos na relação de textos inéditos aqueles
citados por outros autores, mas que não foram encontrados, como a peça teatral “O Caso”
16
,
ou identificados pela pesquisadora como de autoria do professor Mario, como o poema “Gato
em casa abandonada”
17
.
Durante a análise dos textos literários de Mario Tourasse Teixeira, e também da
história de sua vida, não se nota uma intenção clara em tornar esse “hobby literário” uma
16
Esta peça teatral é citada por Souto (2006, p. 21).
17
Este poema é citado por Souto (2006, p. 21).
40
atividade profissional. Assim, apesar de tantas publicações no S.A.P.O., não se pode concluir
que o autor quisesse efetivamente ser considerado um escritor literário.
Dois argumentos são aqui trazidos, de forma a reforçar essa afirmação: apesar de
grande quantidade de seus textos literários ter sido publicada no S.A.P.O., muitos desses
textos não foram assinados por ele, o que mostra que sua intenção principal era a de colaborar
com o boletim. Lembrando que muitas vezes, quando faltava um artigo para fechar a edição
do SAPEANDO, era ao professor Mario que o conselho editorial recorria.
O segundo argumento diz respeito ao próprio caráter filosófico do movimento do
S.A.P.O. Em seu estatuto, o movimento é considerado uma entidade destinada a estimular e
propagar a criação de ambientes por meio de materiais didáticos, como estórias em
quadrinhos, peças, gravações, entre outros, estimulando sempre o viés artístico da educação.
Todo o entusiasmo deste professor com os textos literários reflete sua intenção de criar
ambientes favoráveis, onde pudesse emergir um mundo novo.
Para reforçar esse argumento, encontra-se no Acervo Mario Tourasse Teixeira, entre
os materiais do S.A.P.O., uma carta, endereçada a ele, remetida pelo professor Geraldo
Nolasco. Este último escreveu 06 (seis) artigos literários no SAPEANDO e, nessa
correspondência, refere-se a Mario Tourasse Teixeira como o incentivador de seus textos.
Figura 5 - Carta de Geraldo Nolasco
41
Na carta se lê:
“Rio, 9.2.76
Mário:
Recebi sua cartinha dentro das revistas;
Obrigado, muito obrigado mesmo;
Já que v. me anima, seguem outros versos para serem aferidos por v. e sua equipe;
v. precisa aparecer para rever os amigos e sua cidade com as crateras do metropolitano que
em breve serão convertidas em áreas de estacionamento segundo minha previsões que não
falham...
Carlos vai representando e me disse que vai escrever para você.
Nota para o sr.-revisor-chefe
quando eu escrever VOÇE assim, peça ao sr. revisor-chefe amputar a cedilha; referência:
“Sapeando” Ed. de Inverno, págs. 75/76 ou o sr. Revisor-chefe está me ÇAPEANDO
com um abraço e aqui me encontro ao seu dispor.
Geraldo Nolasco”
Assim, percebe-se que o mesmo entusiasmo do professor Mario com os textos
literários era transmitido aos demais autores do SAPEANDO, sendo que ele o foi somente
um grande divulgador das idéias do movimento com seus textos, mas também seu
incentivador. Essas idéias ficarão mais claras a partir da leitura do capitulo 3.
Além de incentivar os sócios do S.A.P.O. no envio de artigos, quer sejam poemas,
textos de Matemática ou qualquer relato que tivesse relação com a filosofia do movimento,
Mario Tourasse Teixeira também apoiava a realização de estudos teatrais. Durante a pesquisa
em seu arquivo pessoal, mais exatamente no manuscrito Caderno B-01, foi encontrado o
rascunho abaixo:
42
Figura 6 – Aviso, Caderno B-01.
Neste texto lê-se:
“Aviso (Precário e Aleatório)
Discentes, docentes e quejandos interessados em compor um grupo de teatro talvez possam
achar proveito procurar o prof. Mario no horário comercial. Inútil se apresentar com
qualificações.”
Tal anotação mostra a clara vontade de Mario Tourasse em formar um grupo de teatro.
Mais uma vez, o essencial do texto acima é perceber que, assim como no S.A.P.O., para a
formação do grupo em questão seriam aceitos apenas aqueles que gostassem da arte, mas não
tivessem experiência. Não querer pessoas com experiência teatral mostra a vontade, por parte
do professor Mario, de formar um ambiente voltado à liberação da criatividade dos
participantes.
2.5. Algumas produções educacionais do autor
É difícil não relacionar a produção literária de Mario Tourasse Teixeira com a
Educação. No entanto, além dos textos literários publicados existem ainda outros escritos, que
visavam esclarecer suas idéias de Educação em um contexto geral. Muitos deles falam sobre o
43
uso da criatividade na sala de aula, e afirmam que somente com ela a aprendizagem poderá
ocorrer efetivamente.
No SAPEANDO foram publicados 05 (cinco) artigos neste sentido:
Educação como Criação de Ambientes (SAPEANDO 01, Edição de Verão, 1974, p.
08-12)
Da rotina para a criatividade (SAPEANDO 02, Edição de Outono, 1975, p. 39-42)
Ensinar como profissão (SAPEANDO 05, Edição de Verão, 1975, p. 03-07)
As performances (SAPEANDO 07, Edição de Inverno, 1976, p. 37-40)
O supérfluo na escola (SAPEANDO 19, Edição de Inverno, 1979, p. 35-36)
Esses artigos refletem a filosofia do SAPO e as idéias de Mario Tourasse Teixeira a
respeito da Educação de modo amplo. Apesar de apenas dois deles terem sido assinados por
Mario Tourasse Teixeira, “Da rotina para a criatividade” e “O supérfluo na escola”, todos
eles tem o mesmo estilo de escrita considerado característico deste professor, tendo sido
também encontrado nos demais textos. Além disso, durante a pesquisa no acervo deste
professor, foram encontrados rascunhos dos textos “As performances”, nos Cadernos A-57 e
B-15, e “Ensinar como profissão”, no Caderno B-10.
Sobre o texto “Educação como Criação de Ambientes”, não foram encontradas
referências nos manuscritos; no entanto, este é o texto chave da filosofia do S.A.P.O., e diz
respeito à idéia principal do movimento, já creditada ao autor em questão por outros trabalhos
e depoimentos
18
.
Outros artigos também foram encontrados nos manuscritos do autor. Tratam-se dos
seguintes textos:
“Sobre o processo educativo”
19
(Caderno B-21)
Criatividade Matemática em Alunos Excepcionais (Caderno B-27)
Educação de Massas (Caderno B-17)
Evocações nas aulas de Matemática (Cadernos A-87, A-46, B-27)
Sobre narrativas e matemática (Folhas F-06)
18
Tratam-se dos depoimentos cedidos a Baccan (2002).
19
Este texto não possui título nos manuscritos. O que acima aparece apenas retrata o assunto do texto.
44
Acredita-se que esses textos inéditos foram escritos por Mario Tourasse Teixeira na
mesma época em que os demais. Uma possibilidade que aqui se assinala é que não tenham
sido publicados simplesmente por causa do fim do S.A.P.O.. Como se tratam de textos
extraídos dos manuscritos, alguns deles não estão finalizados.
Existem ainda, nos manuscritos, muitas frases soltas e idéias rascunhadas sobre
educação. Alguns textos também estavam ilegíveis, portanto não constam na lista acima.
As análises realizadas nos textos literários do autor estão fundamentadas em suas
próprias idéias, que aparecem nos textos listados acima. No próximo capitulo serão enfocadas
tais idéias, juntamente com reflexões de outros autores, para que se explicite a posição
adotada durante a análise.
3. O EMERGIR DAS IDÉIAS
Infelizmente os professores passam demasiado tempo tentando ensinar o que sabem,
que é muitas vezes desinteressante e obsoleto, para não dizer chato e inútil,
e pouco tempo ouvindo e aprendendo dos alunos.
(Ubiratan D’Ambrosio)
No capítulo anterior foi apresentado o professor Mario Tourasse Teixeira, com o
intuito de que a relevância desta pesquisa fosse enfatizada através da explicitação da
importância desse professor, especialmente no que concerne ao cenário da Matemática e da
Educação Matemática da época. Para tal, fez-se um recorte de sua biografia, apontando seu
envolvimento com o S.A.P.O. e com a s-Graduação em Educação Matemática na UNESP
de Rio Claro. Além disso, foram destacados seus textos literários e educacionais.
Neste capítulo, será feita uma breve discussão acerca das idéias evidenciadas a partir
da leitura dos textos educacionais do autor. Para tal, serão levados em conta tanto suas
publicações no S.A.P.O. quanto seus textos inéditos, encontrados em seus diversos
caderninhos.
Um fator que deve ser considerado para o entendimento das articulações apresentadas
é a época em que o autor escreveu tais artigos. A década de 1970, na qual foram publicados os
46
SAPEANDO, é marcada por dois movimentos importantes, sendo um deles político, e o outro
referente ao ensino da Matemática. Em relação à política, o país estava, desde 1964, sofrendo
uma fase repressiva e instável, devido ao Golpe Militar. Na área educativa, por sua vez, a
matemática passava por mais uma reforma em sua “metodologia”. Estava instaurada no Brasil
a Matemática Moderna.
Em relação à política, não se pode afirmar que havia, por parte do autor, uma posição
referente aos acontecimentos no país. No entanto, ele não era alheio à importância do voto
para a população. Foram encontrados, em seus manuscritos, alguns “recados” referentes ao
voto e ao eleitor. Em um deles, denominado “A sensibilidade social e o voto”, pode-se ler:
“Não queremos votar pensando somente em proveito próprio, mas na comunidade em geral.
Mas sabemos bastante da comunidade, suas dificuldades e os empecilhos que surgem quando
a tentamos melhorá-la?” (MANUSCRITO sem identificação)
em outro, O eleitor”, Mario Tourasse Teixeira fixa sua atenção no jogo político
que ocorre durante as eleições.
muitas críticas aos políticos e candidatos sem que se perceba talvez que
os defeitos apontados m contraparte nos próprios eleitores. Se estes votam
pensando em vantagens pessoais não é de se esperar que o político ou
candidato jogue com essas pretensões em favor de suas próprias vantagens?
Não vote pensando em si, vote pensando na comunidade como um todo.
(MANUSCRITO sem identificação)
O professor Tourasse enfatiza, assim, que todos deveriam se conscientizar de que são
participantes ativos do processo eleitoral, mostrando que, de certa forma, estava atento ao
cenário político do país. Percebe-se, também, que sua preocupação com a questão política
reflete uma ânsia de melhora comunitária, estando voltada à coletividade. Essa idéia de
preocupação com o todo também aparece em alguns textos educacionais.
Em relação ao ensino da Matemática, nas décadas anteriores a 1970 foi instaurado no
Brasil o Movimento da Matemática Moderna. Pode-se dizer que foi uma reformulação do
ensino da Matemática cujo intuito era ensinar os conteúdos matemáticos através dos
fundamentos da Matemática. Ou seja, utilizava a teoria dos conjuntos, dando uma
organização estrutural aos conteúdos.
Esse movimento conseguiu entrar nas escolas brasileiras através do livro didático. Os
professores, diante da nova proposta adotada pelos livros, viram-se na necessidade de utilizar
tal metodologia. Essa implementação, ao invés de melhorar o ensino da Matemática, causou
confusões e danos até mesmos nos próprios professores, que foram pegos de surpresa na
mudança.
47
Considera-se, também, que esse movimento entrou no Brasil diante das influências
políticas e sociais da época. Nesse momento, baseava-se na experiência de outros países para
detectar o que deveria ser feito em relação à Educação no país.
Apesar de não haver uma crítica direta à Matemática Moderna, percebe-se que tanto o
professor Mario quanto o S.A.P.O. divergiam da visão do ensino da matemática oferecida por
esse movimento. Para explicitar tal fato, foram publicadas as séries Vermelho e Branco e
Verde e Rosa, as quais procuravam ajudar o professor com outros materiais, de forma a tornar
o ensino mais significativo. Tendo em vista o momento político e educacional do país, seria
ingênuo pensar que nada disso afetou de algum modo os pensamentos deste professor.
Outro fator que deve ser levado em consideração na leitura dos textos educacionais e
literários de Mario Tourasse Teixeira é o ambiente acadêmico que o cercava. Como muitos
não aceitavam sua postura educacional e, em particular, seu modo de pensar o ensino da
Matemática, este professor optou por deixar suas idéias subentendidas nos textos literários
que escreveu.
Características como o emotivo na Educação, defendida por esse autor e outros
participantes do S.A.P.O., eram repudiadas por aqueles ditos de “índole científica”, ou seja,
aqueles profissionais que de alguma forma estavam envolvidos com a Matemática ou com a
Educação Matemática. Muitas críticas eram recebidas por pelo S.A.P.O., por causa das idéias
deste movimento. O editorial “Papo Furado”, do SAPEANDO 13 (1977), traz uma delas.
[O emotivo na Educação] pode ser em detrimento do cienfico e
tecnológico. Mal ganhamos nossa batalha contra a educação acadêmico-
literária, os humanistas de falatório inconseqüente, os advogados e poticos
e em esses caras agora preconizar a volta a um passado em que
chorávamos nossas desventuras em vez de resolvermos cientificamente
nossos problemas. (PAPO Furado 13, 1977, p. 01)
Apesar dessas controvérsias, o movimento não parou. Tampouco o fez este professor,
que continuou expondo suas idéias. Para comprovar esse fato, basta que sejam observadas
certas atitudes de alguns personagens dos textos aqui analisados, como a não-passividade dos
alunos perante o professor, ou mesmo o que poderia ser definido como uma certa “rebeldia”.
Uma vez que, no que se refere ao ambiente do departamento de matemática, os
professores que ali davam aulas e os movimentos educacionais estão indiretamente
perpassando os textos literários deste autor, percebe-se a intencionalidade e não ingenuidade
de seus trabalhos.
Concordando com isso, Tassinari (1999), em uma breve discussão sobre as
publicações do S.A.P.O., afirma:
48
Em cada historinha, em cada manifestação há uma intencionalidade que
indica o movimento das pessoas envolvidas, a época e o meio, logo, nenhum
dos documentos, quer na forma de gibi em quadrinhos, quer na de boletim,
na de orientação metodológica ou outras, são inocentes ou como alguns
preferem dizer, neutros. (TASSINARI, 1999, p. 26)
Isso também reforça a iia de que os textos literários de Mario Tourasse Teixeira
tinham tantas intenções quanto os textos educacionais. Os textos literários, portanto, mostram
o não-dizível, o que também é capaz de incutir conceitos em seus leitores.
Complementando essa idéia, segundo Tassinari (1999),
O próprio movimento das ações encetadas, ocorre numa situação não única
nem linear, por exemplo, a cronologia da publicação das historinhas em
quadrinhos e a das narradas permite que se estabeleça relações entre os
acontecimentos que ocorriam, fossem eles de ordem administrativa,
pedagógica ou política. (TASSINARI, 1999, p.27)
As idéias de Mario Tourasse Teixeira acerca dos movimentos e da mentalidade
educacionais da época estão, portanto, presentes tanto em seus textos literários quanto nos
educacionais. Desse modo, as articulações que serão apresentadas possuem duas funções:
elucidar os pensamentos desse autor, acerca da Educação e do ensino de Matemática, e servir
como aporte teórico para as análises da obra literária do próximo capítulo.
3.1. Teorias para uma prática educativa significativa
A pesquisa realizada no Acervo Mario Tourasse Teixeira evidenciou que sua postura
diante do quadro educacional vigente trazia inovação. Trazia, também, mudanças difíceis de
serem colocadas em prática. Com idéias a respeito de liberdade e de iniciativa, percebe-se que
o professor Mario almejava uma Educação onde o aluno pudesse adquirir autonomia no
processo educativo. Em cada um de seus textos tidos como educacionais, Mario Tourasse
Teixeira evidencia um pouco de suas idéias acerca de professores, alunos e da escola em
geral.
Sua visão sobre o processo educativo da época, por exemplo, é apresentada em um
texto sem tulo, um manuscrito encontrado no caderno B-21. Nele, declara que o processo é
“essencialmente psicológico”, ou seja, o professor foca sua atenção no aluno, e o na sala.
Desse modo, não consegue ver o coletivo de ensino-aprendizagem que está à sua frente,
impedindo que o aspecto sociológico tenha efeito.
49
Mario Tourasse também critica, nesse manuscrito, a compartimentação e a
especialização demasiada do ensino. Para o autor, todo tipo de esforço para integração dos
conhecimentos, dispersados ao longo do tempo na cabeça dos estudantes, não é passível de
produzir sentido. Nesse sentido, como os saberes permanecem individualizados, tornam-se
inutilizáveis.
Segundo o professor Mario,
A maioria dos conhecimentos adquiridos permanece localizado e inutilizado
o aluno sendo repetidamente convencido de que tais conhecimentos serão ou
potencialmente poderão ser aplicados mais tarde e sua imporncia reside
nessa sua potencialidade ou em “transferências” que se bem que um tanto
desacreditadas ainda permanecem influenciando os professores.
(CADERNO B-21)
Além da especialização, que tem por conseqüência o isolamento dos conteúdos, o
autor chama a atenção para o isolamento dos próprios alunos: alega que se trata de uma
maneira de fazer com que o aluno domine, o mais rápido possível, um conteúdo. No processo
descrito, pensa-se que desse modo as necessidades sociais do aprendiz serão atendidas:
O isolamento do problema é justificado porque facilita, realça o seu
aparecimento na vida cotidiana vem misturado com outras coisas que
atordoam o aprendiz. [...] O isolamento do aluno frente ao professor e as
pessoas ao aprender é justificável alegando ser essa a melhor e mais rápida
maneira de apreender, pois assim uma conscientização efetiva se ime e
o tempo de aprendizagem, se minimiza. (CADERNO B-17)
Para o autor, o isolamento tanto das disciplinas e conteúdos quanto dos alunos é
causado, essencialmente, pela educação tradicional. Para combater esse isolamento, o
professor Tourasse defende que a sala seja vista em sua totalidade, e os conteúdos sejam
dados de maneira a fazer sentido para o aluno, e sempre em conexão com conteúdos
anteriores.
no artigo “Ensinar como profissão”, o professor Tourasse chama a atenção para o
modo como o sistema educacional, em especial o professor, tem sido visto. Ele considera que,
no processo educativo, o próprio professor é um dos que mais sofre críticas sobre sua atuação,
seja por falta de incentivo, seja por sua auto-omissão na sala de aula:
O aviltamento e a falsidade da função profissional do professor, que o torna
como um criado do sistema, tem sido acompanhada de um sentimento de
revolta e desprezo, que acabou por gerar uma invencível sensação de
ridículo. A própria conotação e o nome de professor carrega consigo a
impostura e são causas constantes de jocosos comentários. Talvez mesmo a
imagem mais viva que traz tal conotação é a de uma pessoa pretendendo ser
50
o que não é, que tudo faz para não se revelar, ocultando-se por detrás de uma
rotina inglória. (ENSINAR como Profissão, 1975, p. 04)
Neste texto, o autor fala sobre a profissão de ensinar. Ressalta que a mudança
pretendida não ocorre, pois, agindo como qualquer outro profissional, os professores sentem-
se amparados pelo sistema. Declara que “não há nada de mais reacionário ou infenso a
mudanças que o sistema educativo” (ENSINAR como Profiso, 1975, p. 04). Também
afirma que, como muitos professores encaram o “ser professor” como “apenas” uma profissão
(profissionais da educação), acabam encarando o processo educativo como dependente
unicamente de sua ‘competente’ atuação.
Com pensamentos que diferem do habitual, Mario Tourasse Teixeira acredita no papel
do professor como algo maior. Para ele, esse ofício exige doação e entrega, e não somente
alguém que é pago para ensinar e por isso o faz. Neste sentido, o professor deveria ser aquele
que se doa e se todos os dias, oferecendo algo que exista de especial e bom em si e que
acredita legar como contribuição aos educandos. É neste contexto que faz sentido a frase “O
indivíduo é tanto mais educado quanto mais tem para dar e dá” (PAPO furado 10, 1977, p.01),
que aparece no edital do SAPEANDO 10.
O autor também sugere a exisncia de promotores e coordenadores pedagógicos, os
quais seriam responsáveis por uma reconstrução na rotina educativa: esta não precisaria se
basear, necessariamente, em aulas e exercícios. Usualmente, há nas escolas o cargo de
coordenador pedagógico. No entanto, muitas vezes cabe a ele “cuidar” dos alunos que não são
facilmente controlados pelo professor, o que está muito longe de reconstruir a rotina
educativa.
A idéia do ensinar como profissão é reforçada no texto “As performances”. Nesse
texto, o autor defende que o professor deve se doar em suas aulas, e critica aqueles que
parecem apresentar uma performance. Segundo ele,
Uma performance é, antes de mais nada, uma exibição individual,
envolvendo alguma habilidade específica a ser aferida pelos assistentes
segundo critérios predeterminados. [...] Têm como objetivo expcito
alcançar a aferição mais favorável e são mais ou menos forçadas pelo
sistema onde emergem. A valorização que o sistema lhes confere torna
solene e formal a consecução das performances e há todo um clima de
exaltação individual cercando-as. (AS PERFORMANCES, 1976, p. 37)
Ou seja, lecionar como performance significa estar à frente dos alunos como quem
está à frente de uma platéia, a qual se precisa impressionar para receber os méritos que lhe são
51
devidos. Esta exibição torna as aulas cada vez mais maçantes, uma vez que o professor é o
único a ter voz e vez.
Na tese de doutorado de Luiz Roberto Dante, parceiro de Mario Tourasse Teixeira no
S.A.P.O., a idéia de performances também é explorada:
Essas performances são caracteristicamente representativas do dito em aula.
São sempre do tipo de forçar algo a um esquema pré-estabelecido. As
aventuras e iniciativas o severamente punidas no próprio nascedouro, sem
chances de crescerem e se tornarem significativas. (DANTE, 1980, p. 112)
Apesar de o professor ser o mais cobrado quanto às suas exibições, há o consenso e a
consciência de que esta exibição é muitas vezes “forçada” (instigada) pelo sistema. Por
exemplo: o professor tem um conteúdo a cumprir e, para atingir tal meta, acaba seguindo os
padrões pré-estabelecidos. Assim, o sistema educacional do qual faz parte, a escola onde
leciona, a secretaria de educação que lhe rege, ou, às vezes, até mesmo o próprio diretor ao
qual é subordinado, constituem um conjunto que impele o professor a continuar com as aulas
rotineiras e cansativas.
Mario Tourasse Teixeira também afirma que provas, exercícios e aulas tradicionais
não deixam de ser um modo de exibição do professor, ou seja, estão mais relacionadas ao seu
comportamento do que a seu posicionamento enquanto educador. Para reforçar essa idéia,
afirma: Em educação muitas vezes é pretendido que ‘boas’ performances sejam indício de
comportamento e responsabilidade sociais desejáveis” (AS PERFORMANCES, 1976, p. 37).
Ou seja, o professor que se preocupa apenas com sua performance em sala de aula carrega,
para esse ambiente, o individualismo e o egoísmo gerados pela sensação de êxito próprio.
Assim, ele deixa de levar em conta que o mais importante é o aprendizado do aluno, através
de um ambiente gerado pela ação comunitária da classe.
Como apenas visam seu êxito na performance, os professores acabam por ver a sala
como alunos isolados, o que serve para aprecião de uns e depreciação de outros. Isso gera a
divisão da classe em bons e maus alunos, sendo que a qualidade de maus designa o grupo que
não se exibe segundo as performances requeridas pelo professor.
Para explicitar o individualismo que pode ocorrer com um performer
20
, Mario
Tourasse Teixeira usa o seguinte exemplo:
[...] o nadador recordista pode bem se recusar a salvar uma criança se
afogando, alegando que já treinou bastante aquele dia e que não ninguém
olhando para lhe conferir prestígio, enquanto alguém sem tais preconceitos e
20
Designação adotada pelo autor para aquele que pratica uma performance.
52
que não saiba nadar pode muito bem se lançar à água nessa empreitada por
causa de seu envolvimento. (AS PERFORMANCES, 1976, p. 39)
Com isso, pode-se entender que o professor poderá cair no modismo de se
“apresentar” nas aulas apenas para cumprir seu papel, sem se interessar verdadeiramente pelo
compartilhamento do conhecimento. Com este exemplo, o autor também quer chamar a
atenção para o envolvimento que deveria haver, tanto por parte dos professores quanto dos
alunos, no processo pedagógico.
Em um dos manuscritos, o caderno B-21, um rascunho no qual o autor toma uma
postura em relação à situação traçada acima. Com o intuito de diminuir o individualismo
presente, ele assume que o ideal seria a disposição do primeiro mês de aula para que se
conheça a sala, criando um ambiente que emergisse de atividades menos rotineiras. Isso tudo
poderia criar a motivação que falta nos alunos, para que possam desenvolver seu potencial na
aquisição segura do conhecimento.
Contraposta à idéia de performance, o professor Mario propõe a idéia do todo, [...]
de se dar em tudo, de se dissolver no Todo” (AS PERFORMANCES, 1976, p. 40). Esse todo
seria o próprio professor “dissolvidoem sua sala de aula, verdadeiramente integrado com os
alunos. Isso se daria em um ambiente precipitado dessa união, onde não houvesse
performances de professores ou alunos, mas estes se encarassem como iguais.
A proposta desse autor, portanto, é que se veja a sala como um todo integrado, para
que haja a valorização do social em detrimento do individual. Nesse caso, o caráter social
refere-se a um tratamento igualitário da sala, sem que se prime pelo individualismo, que é
reconhecido primeiramente nas atitudes docentes.
Para conseguir esse todo, o autor afirma que
A primeira preocupação do professor seria então fazer de sua classe não um
grupo de alunos mas criar um ambiente em que uma forte unidade emergiria
em vista de intensa integração entre seus elementos. O interesse central do
professor seria então nessa unidade que surge e problemas individuais são
encarados por esse ponto de vista. (CADERNO B-21)
Seria, então, possível proporcionar o desenvolvimento de um ambiente social, no qual
a classe seria uma “unidade de trabalho e interesse”.
Dentro dessa idéia, sugere que a relação professor-aluno deveria ser como a conversa
entre duas pessoas do mesmo métier”
21
. o deveria haver longos períodos de silêncio de
21
Palavra da língua francesa que significa ofício.
53
uma parte enquanto a outra faz explicação sobre algum assunto, mas interrupções suficientes
para que não restem dúvidas e se fale somente aquilo que é realmente necessário.
Este autor alega que, na relação professor-aluno, aquele é praticamente o único a falar
e a assumir uma posição ativa no processo, enquanto este fica com a passividade de quem
apenas deve ouvir e copiar, não havendo uma relação entre iguais. O autor critica, também, a
indiferença de um para com o outro.
No texto “O Supérfluo na Escola”, o autor destaca três pontos que julga esclarecerem
o porquê de uma relação igualitária não ocorrer entre professores e alunos:
1) Ambos (mestre e aluno) não são do mesmo "métier", o que explica a falta
de participação, comunhão e interesse comum. 2) A explicação torna-se
intoleravelmente supérflua ou, em alguns pontos, insuficiente. Também, no
sentido do aluno, parece o "ir ao ponto". [...] 3)A passividade de um dos
lados inibe ambos, tanto intelectualmente quanto emotivamente. O
procedimento deixa de ser interessante e é emotivamente vazio. (TEIXEIRA,
1979, p. 36)
Mario Tourasse Teixeira incentiva que o emotivo esteja presente nas aulas, pois
acredita que dessa maneira é possibilitado um envolvimento verdadeiro de ambas as partes.
Também afirma que, se o emotivo fizer parte do processo educativo, o interesse poderá ser
despertado. No entanto, acredita que, se o professor não conseguir o envolvimento dos alunos
(e a conseqüente participação), ele perde seu papel dentro da sala de aula. Torna-se, assim, um
item supérfluo, e é a isso que se refere o título do texto, “O Supérfluo na Escola”.
O autor afirma também que
O professor é supérfluo tanto no sentido de o ter um ouvinte participante,
quanto no sentido de se prolongar, quase em desespero, em explicações e
repetições inúteis. O supérfluo se espalha administrativamente pela Escola
com os seus diários de classe, "chamada" e burocratização dos cursos.
Motivando isso está a inclinação, não explicitada, de manter os alunos
quietos, impedindo-os de aprender ou fazer o que querem. O supérfluo
corresponde ao que é roubado da vivência dos alunos em suas inclinações
mais profundas. (TEIXEIRA, 1979, p. 36)
Para que haja um avanço quanto às performances docentes e quanto ao supérfluo
indicado acima, a solução do professor Mario é a criação de ambientes onde as
potencialidades criativas sejam liberadas.
Outra idéia suscitada por este autor é o uso de evocações na sala de aula. Diversos de
seus manuscritos apresentam essa idéia. O evocar, descrito em seus textos, significa permitir
que itens não matemáticos, relacionados ao conteúdo específico de uma aula de matemática,
possam ser levados em consideração no ensino-aprendizagem.
54
O texto A dimensão evocativa na Educação Matemática”, do caderno A-46, por
exemplo, fala sobre a contagem de ovelhas antes de dormir. Esse ato, por sua vez, evoca uma
série de outros pensamentos infantis, como estórias de fadas e outros. Já para os matemáticos,
a contagem de ovelhas não passa de uma seqüência finita (pois a criança dorme no meio da
contagem). Essa diferença de perspectiva aponta para as diferenças entre professores e alunos.
Enquanto uns conseguem viver na ilusão e transportar, até certo ponto, o conhecimento para
fatos cotidianos, o outro requer apenas a exatidão e o simbolismo pertinente ao conteúdo.
Evocações podem ocorrer em qualquer disciplina, mas no caso específico da
Matemática, Mario Tourasse Teixeira afirma que os matemáticos parecem ser os
remanescentes dos que levam a sério a caracterização humana via racionalidade.
(CADERNO A-46). Ou seja: nesta disciplina, qualquer tipo de evocação é deixada de lado
para que a razão (e a racionalidade) entre em ação.
Outro tipo de evocação não apreendida pelo professor é o erro por engano, que ocorre
com muitos alunos. Cita o exemplo da confusão na lousa, devido à escrita do professor, dos
números 1 (um) e 7 (sete). Neste caso, usar evocações significaria aproveitar o erro do aluno
no contexto em que aparece. Segundo a teoria do autor, isso ajudaria na compreensão do
estudante, que de outro modo se sentiria prejudicado por apenas não ter entendido a letra. No
entanto, cabe ressaltar que o uso de evocações traria mais dificuldades para o professor, pois
este necessitaria redobrar sua atenção na sala de aula.
No manuscrito caderno B-27, o autor também usa a Matemática para dar exemplo de
evocações:
A UNESP escolheu como símbolo uma configuração formada por uma dúzia
de triângulos eqüiláteros e que lembram o mapa de o Paulo. Tal
configuração poderia ter ocorrido em uma aula de Matemática, mas talvez
embora apreciada, fosse considerada essencialmente irrelevante do ponto de
vista matemático. Afinal, a Matemática lida com figuras geométricas por si
mesmas e não com o que possam evocar. Sem a particular sugestão o
parece uma configuração matematicamente muito significativa. (CADERNO
B-27)
Com esse exemplo, o professor Tourasse procura mostrar que fatores passíveis de
trazer algum significado e motivação para o aluno são, muitas vezes, descartados pelo
professor.
Que Matemática se pratica ao perceber que o símbolo da UNESP lembra o mapa do
estado de São Paulo? A despeito da aparente falta de significado matemático, alguns alunos
poderiam se interessar pelo estudo dos triângulos deste desenho, justamente porque formam
55
tal figura. Se o professor não é capaz de perceber isso, acaba por perder a atenção de seu
aluno, que poderia ser conquistada por essa simples evocação.
Nesse texto, o autor deixa claro que evocações são difíceis de serem aceitas em sala de
aula. Afirma também que o isolamento dos conteúdos, ao longo da atividade escolar, pode se
tornar um fator contra tais evocações.
Performances, evocações e a busca pelo todo são algumas das idéias difundidas por
Mario Tourasse Teixeira em seus textos educacionais. No entanto, entre todas essas teorias,
duas estão intimamente ligadas e perpassam todas as outras: Criação de Ambientes e
criatividade. Estas serão discutidas com maior reflexão na próxima seção.
3.2. Criatividade e Criação de Ambientes: uma escolha para o ensino da
matemática
A formação de ambientes educacionais que visam a ajudar e a proporcionar a
liberação da energia no desenvolvimento das personalidades, é a intenção maior dos trabalhos
do professor Mario. Esses ambientes serviriam para afastar o individualismo recorrente na
sala de aula e criar tendências gerais que possam incluir todas as potencialidades e
personalidades liberadas.
Essa teoria, denominada Criação de Ambientes, é a base da filosofia do S.A.P.O.,
sendo que o artigo que reflete claramente tais idéias é “A Educação como criação de
Ambientes”, publicado no primeiro SAPEANDO. Este texto, apesar de não estar assinado,
defende as idéias que permeiam outros textos do autor: a criação de ambientes educativos, que
promovam a autonomia e o uso da criatividade pelos alunos.
O autor, ciente do repúdio que tais idéias poderiam acarretar nas “mentalidades
científicas”, contra-argumenta declarando serem essas mesmas mentalidades as responsáveis
“pela contínua desumanização do ensino, afugentando e coibindo o emotivo e o artístico.
Ademais, a pretensa neutralidade científica funciona na prática como abjeta submissão aos
interesses dominantes, contribuindo destarte para padronizar uma rotina educativa sufocante.”
(EDUCAÇÃO como criação de ambientes, 1974, p. 09)
Neste texto também é explicitada a noção de dar-se, mencionada anteriormente. O
autor defende que os ambientes são gerados através do dar-se pleno e integral de professores
e alunos, envolvendo todos os aspectos de suas vivências, incluindo o emotivo e o artístico,
56
extremamente importantes nesse mister. Tal ‘dar-secorresponde a um esvaziar-se, perder-se,
dissolver-se no ambiente.” (EDUCAÇÃO como criação de ambientes, 1974, p. 10)
Esse dissolver significa que tanto professores quanto alunos possuem a mesma
importância no processo educativo; significa também que, para que o ensino ocorra de modo
satisfatório, deve haver um comprometimento de ambas as partes. Quando o professor se ,
os alunos podem absorver efetivamente os conhecimentos advindos dele.
O caráter emotivo e artístico é utilizado para enfatizar que a única maneira do dar-se
pleno ocorrer é pelo emotivo, capaz de liberar o que realmente professores e alunos têm, ao
contrário das performances. Sem esse movimento do dar-se, o professor caina rotina e nas
imposições de sempre, com aulas repetitivas e rotineiras, que não geram um ambiente capaz
de contribuir significativamente no processo educativo. Para o autor, “as atividades
costumeiras na sala de aula induzem um ambiente, mais ou menos tenaz, que influi
decisivamente no comportamento individual, tanto do professor quanto dos alunos.”
(EDUCAÇÃO como criação de ambientes, 1974, p. 09).
Mario Tourasse Teixeira enfatiza que ambientes impositivos e que não possibilitam a
liberação da criatividade são prejudiciais aos alunos, uma vez que, para eles, resta apenas a
tentativa de se destacar de algum modo que escandalize os demais, ou mesmo tornar-se
despercebido e apagado o que é ainda mais prejudicial. Qualquer uma dessas possibilidades
acaba por provocar o aumento do abismo entre alunos e professores.
Para conseguir a criação de tais ambientes, portanto, seria necessário que certas
mudanças ocorressem na relação professor-aluno: sair do isolamento que ambos ficam, no
desempenho de seus papéis, e buscar o potencial dinâmico que as relações humanas
permitem; deixar o caráter simplesmente psicológico para encarar o aluno/professor como um
ser social; avançar da competição para a cooperação, fazendo com que a integração social seja
fortalecida, em detrimento de conquistas individuais e isoladas.
A teoria de Criação de Ambientes torna-se, eno, um mecanismo que possibilita a
efetivação do ensino e da aprendizagem dos alunos, tratando-se de um meio satisfatório e
passível de apresentar resultados. Neste sentido, deve-se ficar atento para o significado que
ensino e aprendizagem possuem nesta perspectiva:
O ponto de vista adotado é sobre a ênfase no aprender e no ensinar.
Enquanto aquele significa receber e guardar para si, este, como visto nessa
teoria, corresponde “a um dar e esbanjar. Não é o ensinar acadêmico, que
equivale a um transmitir; é um dar essencial, envolvendo uma perda real.
(EDUCAÇÃO como criação de ambientes, 1974, p. 11)
57
Encarada, então, como uma forma de possibilitar a ocorrência do processo educativo,
a criação de ambientes proporcionará não somente isso, mas um maior envolvimento e
autonomia daqueles que participarem desse processo.
Para Souto (2006, p. 95), os ambientes desejados pelo professor Mario deveriam estar
baseados na comunhão dos participantes, para que cada um pudesse se dedicar ao crescimento
do outro. O poder de transformação gerado por tais ambientes promoveria uma diversidade de
comportamentos e pontos de vista, a qual poderia se expandir para outros setores da
sociedade. Neste sentido, esses ambientes criados
[...] são vivências ou situações que possibilitam aventuras criativas,
fomentam a imaginação, a iniciativa, a originalidade e a busca do novo.
Jamais podem ser comprometidos com a manutenção da estrutura social
vigente e deles estão excluídas todas as práticas competitivas, segregadoras
ou cerceadoras das liberdades individuais. Tais ambientes podem estar por
toda parte. (SOUTO, 2006, p. 95)
Portanto, a Criação de Ambientes não serve de base apenas para o processo
educacional, mas também para a transformação da sociedade em uma “sociedade mais coesa e
cooperativa”. Ainda nesse sentido, a idéia do dar-se pleno é importante. Segundo o professor
Mario, “O dar-se que gera os ambientes reorienta-se no trabalho cooperativo, na ânsia de
ajudar, dar e exprimir-se socialmente.(EDUCAÇÃO como criação de ambientes, 1974, p.
11)
Com isso percebe-se que o autor também acreditava na Criação de Ambientes como
meio para tornar a sociedade um todo nela mesma, sem o individualismo que é recorrente em
meios humanos. Neste caso, pode-se considerar que sua visão de mundo se confunde com sua
idéia de Educação, e até mesmo com sua própria personalidade.
A aplicação dessa teoria acarretaria mudanças significativas na sociedade,
transformando a rotina em aventura e o impositivo em criativo. Por isso, dentro da idéia de
Criação de Ambientes, o uso da criatividade é essencial. Em muitos de seus artigos, Mario
Tourasse Teixeira aconselha que o professor tenha consciência do potencial criativo de seus
alunos, para que o ensino e aprendizagem possam ser significativos.
Atualmente, o uso da criatividade é requerido tanto no processo educativo quanto em
diversos ramos da sociedade. Profissionais com uma capacidade criativa para a resolução de
problemas são cada vez mais procurados, mas nem sempre foi assim. Por muito tempo
alegou-se que a criatividade era um dom legado a poucos. No entanto, estudos mostraram que
58
todos possuem um potencial criativo, e que o desenvolvimento desse elemento em um
indivíduo pode depender de vários fatores.
Alencar e Fleith (2003, p. 95) separam estes fatores em dois grupos: aqueles que
dizem respeito ao próprio indivíduo e sua personalidade, onde se enquadram características
como persisncia, iniciativa e autoconfiança, e aqueles que dizem respeito ao ambiente.
Asseguram também que o contexto social é importante. Se as contribuições criativas são
aceitas e valorizadas, tendem à ampliação nos indivíduos; caso contrário, são inibidas:
Estimular a criatividade envolve não apenas estimular o indivíduo, mas
também afetar seu ambiente social e as pessoas que nele vivem. Se aqueles
que circundam o indivíduo não valorizam a criatividade, não oferecem o
ambiente de apoio necessário, não aceitam o trabalho criativo quando este é
apresentado, então é possível que os esfoos criativos do indivíduo
encontrem obstáculos sérios, senão intransponíveis. (ALENCAR E FLEITH,
2003, p. 100)
Esse pensamento vem ao encontro do que o professor Mario acreditava ocorrer no
ambiente escolar. A desvalorização do potencial criativo acaba por inibir o aluno de tal forma
que outras potencialidades tornam-se também inutilizáveis.
Sobre o uso da criatividade no ambiente escolar, essas autoras acreditam que um
consenso de que é necessário que sejam formados alunos “pensadores, criativos e
independentes”. Entretanto, existem ainda muitas barreiras para o desenvolvimento da
criatividade. De um modo geral, as autoras destacam: as pressões sociais sobre o indivíduo
que diverge da norma, atitudes negativas em relação à possibilidade de correr riscos, e a
aceitação por um grupo como um dos valores mais cultivados.
No contexto educacional, as autoras alertam para uma educação voltada para o
passado, com ênfase exagerada na reprodução do conhecimento e memorização de
ensinamentos. Outro fator é a reprodução do livro texto, algo que inibe as idéias dos alunos e
ignora suas experiências ou habilidades em pensar de maneira inovadora e criativa.
(ALENCAR E FLEITH, 2003, p. 133).
Alencar e Fleith chamam a atenção, ainda, para a dicotomia certo-errado, característica
do sistema educacional. A obrigação do aluno em dar sempre a resposta correta gera
insegurança, constrangimento e medo de errar. Qualquer tipo de sentimento de fracasso é
inibidor do potencial criativo.
Neste contexto, Dante (1980) afirma:
[...] a prática educativa do Ensino da Matemática parece configurar-se com
um dos alimentadores da imposição e da repetição. O aluno não tem
59
liberdade para pensar, imaginar, explorar, descobrir, fazer estimativas,
experimentar suas próprias intuições e atribuir seus próprios significados
tudo está pré-fixado a esquemas rígidos estruturados para conter o
pensamento inventivo do aluno. Baseado na dicotomia certo-errado, quase
sempre só o resultado interessa e os instrumentos super valorizados nas aulas
e nas avaliações. O processo de raciocínio não é levado em conta. O que
importa é o resultado. A estimativa, o adivinhar, a exploração, não tem lugar.
o ensino direto de habilidades é enfatizado. (DANTE, 1980, p. 68)
Na mesma direção, Mario Tourasse Teixeira acredita que a rotina repetitiva da sala de
aula faz com que a criatividade seja inibida. Um aluno sempre condicionado ao mesmo tipo
de problema, de provas e experiências, acabará por inibir outras habilidades que lhe são natas,
com relação à escola ou a algum tipo de arte, por exemplo.
uma pequena estória, de Helen Buckley
22
, que explicita bem essa idéia. Relata a
vida escolar de um menino que desde pequeno foi incitado pela professora a fazer o mesmo
desenho: uma flor vermelha com caule verde. Essa professora não propunha o desenho livre,
todas as ações eram sempre dirigidas. Com o passar do tempo, a autonomia do menino foi tão
prejudicada que, quando mudou de professora, a única coisa que conseguiu fazer em uma aula
de desenho foi a mesma flor, ensinada há anos.
Essa narrativa ajuda a entender, de maneira simples, o que o professor Mario acredita
estar acontecendo nas salas de aula. Por isso seus textos trazem novas perspectivas e idéias
para o ensino, que fogem do rotineiro e tradicional da escola. O autor insere, então, elementos
artísticos que ajudarão no despertar do emotivo e do criativo, para gerar motivação e
autonomia no aprendizado.
Este autor tem uma grande preocupação com o caráter criativo da Educação, pois
acredita que a criatividade é um elemento indispensável na sala de aula. Em seu artigo, “Da
rotina para a criatividade”, chama a atenção para esse elemento pouco utilizado, procurando
alertar os professores de seus benecios.
Mesmo aqueles que, impregnados da monotonia da rotina mal percebem o
dano que causam, estão propensos a admitir, na desgastada retórica
tradicional, que a criatividade é a gema mais preciosa da educação, sua
expressão mais sublime. (TEIXEIRA, 1975, p. 39)
muitas maneiras de se entender criatividade. No dicionário, encontram-se
sinônimos como inventividade e inteligência, nata ou adquirida, para criar inventar, inovar,
quer no campo artístico, científico, esportivo, entre outros. É justamente essa capacidade de
criar que o professor Mario defende que seja exercida também no campo da Educação.
22
A esria encontra-se em anexo. Não foi posvel descobrir seu título.
60
Dante (1980, p. 55) adota três definições para criatividade: o princípio da novidade,
algo que avança, a partir de um início, por um método uniforme de desenvolvimento, e um
pensamento não convencional, altamente inovador e persistente ou de grande intensidade.
Suas idéias seguem a mesma linha daquelas defendidas pelo professor Mario. Em sua
pesquisa, “Incentivando a Criatividade através da Educação Matemática”, explicita, na
página de agradecimentos, que as idéias utilizadas por ele estavam em união com as do
professor Tourasse, declarando ser este o verdadeiro criador de ambientes educativos.
Durante seu trabalho, Dante ressalta que havia alguns projetos visando à melhoria do
ensino de Matemática na época. Além de citar o S.A.P.O., refere-se ao projeto “Novos
Materiais para o Ensino de Geometria”, em convênio como o MEC-PREMEM
23
, do qual
participou juntamente com o professor Mario.
Sobre este projeto, Dante (1980, p. 34) afirma que o objetivo central era dar
oportunidades para que os alunos desenvolvessem sua capacidade de pensar, além de mostrar
que aplicações dos conhecimentos matemáticos na vida prática. Grande atenção também
foi dedicada à redação dos textos. O autor declara que
[...] procurou-se colocar atividades que tinham significado para o aluno,
objetivando uma aprendizagem auto-motivadora. Embora o se tenha
conseguido isso totalmente, a intenção foi a de o dirigir muito o aluno,
deixando-o pensar, escolher seus próprios caminhos para solucionar uma
dada situação-problema, evitando dar conclues a que pudesse chegar por si
mesmo. Enfim, procurou-se não limitar a expressão e a criatividade do
aluno. (DANTE, 1980, p. 35)
Assim, do mesmo modo que o professor Mario, Dante (1980, p. 35) também defende o
uso e a liberação da criatividade na sala de aula. Afirma que elementos como criatividade,
iniciativa, aventura e coragem são características freqüentemente relacionadas como
desejáveis no processo educativo. No entanto, apesar do incentivo ao uso desses elementos,
muitos deles são praticamente inexistentes no ambiente escolar.
Alencar e Fleith (2003) consideram que, além da imaginação e da fantasia serem
desconsideradas pela escola, o aprender sobre si também o é:
Aprendemos sobre o universo, sobre os países, sobre a história do homem,
mas continuamos a desconhecer nossos talentos e potencialidades.
Aprendemos sobre o mundo, mas pouco refletimos sobre nós mesmos, sobre
nossos sonhos e ideais, sobre o potencial praticamente ilimitado de nossa
mente, sobre o poder e o valor da nossa imaginação. (ALENCAR E
FLEITH, 2003, p. 135)
23
Ministério de Educação e Cultura - Programa para a Expansão e Melhoria do Ensino.
61
Quanto ao papel do professor, estas autoras consideram que este tem sido tal que
subutiliza e subestima a criatividade nos alunos, o que decorre da concepção errônea de que o
potencial de criar é para poucos.
para o professor Tourasse, um dos principais motivos da imaginão criativa dos
alunos ser sufocada é a atitude coercitiva de muitos professores. A fixação pelo
convencimento torna as aulas superficiais e desinteressantes. Outro motivo também recorrente
é o medo de errar, e a respeito disso o professor Mario (1975, p.41) afirma que A maior
preocupação do mestre é então não errar, no sentido mais estrito e que menos ilumina, da
palavra. Ele mais os alunos como ouvintes críticos do que diz e menos como plenos seres
humanos em desenvolvimento.
A crítica ao professor, nesse caso, serve como alerta para que ele se preocupe mais
com os alunos do que com suas performances. Enxergar o potencial a ser desenvolvido no
aluno é mais importante que o próprio saber docente, pois este torna-se inválido se não puder
ser aplicado. Desse modo, quase toda a culpa pela inibição da criatividade no processo
educativo acaba por recair sobre os ombros docentes.
O professor Mario também reclama um lugar para a invenção em Matemática. Este
elemento, que é considerado um item essencial no processo educativo, é simplesmente
ignorado por muitos.
Sobre a invenção, Dante (1980) declara:
Embora a invenção e a criatividade dos alunos não sejam abafadas total e
conscientemente pelo professor, a situação de sala de aula desenvolve de
modo que o produto da criatividade do aluno esteja sempre, em um sentido
ou noutro, ‘errado’, no ponto de vista do professor e caba, também, de um
jeito ou outro, sendo ridicularizado. A inventividade, na prática docente
matemática, se não de modo geral, pelo menos muito freqüentemente, é vista
pejorativamente, ainda que, como ideal, se tenha em grande consideração.
(DANTE, 1980, p. 63)
Assim, pode-se dizer que tanto a invenção quanto a criatividade esperam ser
despertadas pelo professor. Para os autores acima, se esse não conseguir enxergar um
potencial a ser desenvolvido em seus alunos, suas aulas continuarão a abafar tais
potencialidades, inatas ao ser humano. Com o desenvolvimento da criatividade, as relações
entre professores e alunos poderiam ganhar impulso.
Entre as estratégias para promover a criatividade na sala de aula, Alencar e Fleith
(2003, p. 136) sugerem que o professor trabalhe o envolvimento, a motivação, a
62
independência, a autoconfiança, a curiosidade, a persistência e a determinação dos alunos.
Também apontam que a confiança em suas potencialidades deve ser instigada no aluno.
As autoras afirmam que
[...] o aluno deve ser estimulado pelo professor a explorar novas áreas de
conhecimento, a desenvolver habilidades cognitivas e um autoconceito
positivo, a participar mais efetivamente das atividades em sala de aula e a
descobrir novos interesses e potencialidades. Em vez de simplesmente
reproduzir conhecimento, o aluno é encorajado a produzir conhecimento de
forma criativa. (ALENCAR E FLEITH, 2003, p. 138)
Como auxílio para uma prática educativa com iniciativa e aventura, Mario Tourasse
Teixeira discute o uso das estórias. Segundo este autor, no ambiente escolar este seria um
instrumento para a promoção da criatividade:
As estórias infantis parecem um início promissor. Criando um ambiente de
sonho, estimula a imaginação e contrapõem o emergir de ilues ao mundo
dominante. Talvez pudéssemos até esperar que o ambiente de sonho e ilusão
alimentado por elas se mantivesse, de uma maneira ou outra, por todos os
estágios educativos. (TEIXEIRA, 1975, p. 40)
O professor Mario indica as esrias infantis como um meio de se criar um ambiente
que estimule a imaginação. Para ele, a imaginão e a criatividade são dois elementos que
andam juntos, e podem, portanto, desenvolver-se através do uso de estórias e outros
divertimentos. Estes elementos emergiriam e completariam o ambiente escolar. Além de
apresentar as estórias como um elemento favorável ao ensino, este autor mostrou como isso é
possível, adentrando ele mesmo no mundo da Literatura.
Sobre o uso de estórias no ensino, Dante (1980) declara que
A aventura criativa seria contar e escrever estórias e fazer desenhos no
sentido mais imaginativo e criativo possível, sem preocupações com
coerência e linguagem nas estórias ou padrões estéticos nos desenhos, a o
ser as que surgirem naturalmente. Desenhos e estórias podem ser criados
separadamente, mas pouco a pouco podem ir se inter-relacionando e uma
vivência mais ampla vai-se delineando. (DANTE, 1980, p. 90)
O uso das estórias e outras estratégias visam a integração entre os conhecimentos,
adquiridos pelo aluno na escola, e o mundo de ilusões que este traz de sua vivência. Neste
sentido, Almeida (2006, p. 11) admite que os saberes transmitidos nas escolas, e mesmo nas
universidades, são necessários; contudo, por serem apenas conteúdos científicos, tricos e
técnicos, não são suficientes. Para uma formação plena e integral dos seres humanos é
necessário ir além.
63
Nesta perspectiva, Farias (2006, p. 19) reconhece que na escola todo seu
conhecimento prévio não foi considerado. Admite, também, ter-se perguntado se tudo o que
havia feito e vivido fora da escola era apenas ilusão. Portanto, sempre encarou a escola como
algo sem vida, pois tudo já estava perfeito. Declara também que, naquele contexto, “ocorre
um distanciamento entre os saberes escolares e aqueles construídos na tradição cultural,
dificultando qualquer possibilidade de relacioná-los entre si” (FARIAS, 2006, p. 20)
Diante desse quadro, Farias (2006) percebeu que algo poderia ser feito para dar mais
vida e sentido à escola. Em seu livro, Alfabetos da Alma”, defende que as estórias podem ser
um agente modificador do ambiente escolar, trazendo motivação e significado para as ações
escolares. O autor afirma:
Penso que todo educador deveria estar atento aos recursos cognitivos
possibilitados pelas histórias. Longe de servirem apenas como algo lúdico e
recreativo, tais narrativas abrem novos universos de significação para a vida
e costuram conteúdos de diversas disciplinas em direção a um conhecimento
totalizador. (FARIAS, 2006, p. 46)
Para este autor, a escola tem se tornado um local de acúmulo e estocagem de
informões. Declara, ainda, que O efeito desumanizador da educação nos remete ao fato de
que, agindo dessa forma, a escola estará reforçando nos estudantes valores que, ao invés de
contribuírem para um mundo novo, reforçarão o mundo velho que está aí.” (FARIAS, 2006,
p. 52)
Farias considera, portanto, que é importante a formação de sujeitos críticos e com
consciência, ao contrário do que tem acontecido nas salas de aula. Seja porque o professor
quer apenas terminar seu conteúdo, seja porque o aluno não se sente motivado a aprender e
acha todo o processo educacional uma falsidade, o que tem ocorrido é que cada vez mais a
escola tem devolvido à sociedade pessoas iguais e sem a preocupação de mudar e melhorar o
que está a sua volta.
O autor também afirma que contar e ler estórias serve para harmonizar a vida com a
realidade, ajudando a ativar o fluxo da imaginão criativa. Para ele, a literatura é também
uma escola de vida:
A poesia e [a] literatura não são um luxo ou ornamento estético. Elas o
escolas de vida, escolas de complexidade. Quando lemos os (grandes)
romances (clássicos) de Balzac, Dickens, Dostoiévski, Tolstói, Proust (e
tantos outros literatos,) aprendemos, compreendemos e percebemos o que as
ciências não chegam a dizer porque ignoram os sujeitos humanos em sua
inteireza complexa. (FARIAS, 2006, p. 78)
64
Também nesta perspectiva, Rafael Teixeira (2007, p. 19), que trabalhou com os
escritos do matemático e escritor Lewis Carroll, afirma que “uma boa história mexe com a
cognição do leitor e cria, com este, ambientes de aprendizagem que não somos capazes de
medir concretamente, pois, as conexões acontecem no interior de cada ser.”
Neste sentido, a criatividade e, principalmente, a aventura e os sonhos, remetem a uma
queso que é deixada fora do ambiente escolar: a diversão. Em qualquer ofício artístico,
como a dança, a música e as artes cênicas, a divero é um elemento integrante, enquanto o
mesmo não se dá com relação à Educação. Nachmanovitch (1993) afirma que, em seu
trabalho como músico e compositor, a criatividade e a invenção devem estar sempre
presentes, e aliada a estas há a diversão.
Este autor vai mais longe ao afirmar que “sem divertimento, o aprendizado e a
evolução são impossíveis. O divertimento é de onde brota a arte original. [...] O trabalho
criativo é divertimento; é a livre exploração dos materiais que cada um escolheu.”
(NACHMANOVITCH, 1993, p. 49)
Longe dessa idéia, a diversão parece não figurar entre os elementos essenciais ao
cotidiano escolar, sendo repelidas também quaisquer atividades relacionadas a esta. Assim, a
criatividade ligada à diversão acaba sendo também encarada como um aspecto que não
pertence ao conjunto de regras escolares. Dar liberdade de criação aos alunos torna-se uma
atitude dificilmente exercida por professores e outros responsáveis pelo movimento escolar.
As idéias de Mario Tourasse Teixeira estão de acordo com esses autores, pois ele
próprio propõe o criativo e a aventura, usando em seus textos literários termos como “mundo
mágico e maravilhoso”. Escreve episódios que ocorrem no ambiente escolar, em que o caráter
lúdico também está presente. Percebe-se, então, que este professor realmente acreditava em
uma mudança no processo educativo, e que esta seria conseguida pela alteração de
perspectiva, saindo do racional e do impositivo para o imaginativo e o criativo.
Dentro da teoria de Criação de Ambientes e criatividade, Mario Tourasse Teixeira
também escreve sobre completamento. O autor postula que os ambientes criados pela
criatividade são formados pela busca, pela aventura e pelos sonhos que anseiam por serem
completados. Uma atividade trivial que poderia exemplificar essa idéia é a criação de uma
esria. A criatividade liberada em um aluno faz com que ele inicie um relato. Para completá-
lo, o próximo servir-se-ia de uma nova criatividade associada à anterior, o completamento.
Essa idéia é mais claramente explicada na tese do professor Dante:
65
O completamento visa completar, estruturar, estabilizar, dar continuidade ao
impulso criativo. È sua teimosa persistência que faz emergir o espaço, o
tempo, o mundo objetivo. [...] O completamento é ainda implícito, mas
relaciona, analisa, junta, estrutura, alarga, aprofunda, dando mais definição
aos ambientes e formando uma parte para as emersões. (DANTE, 1980,
p.186)
Neste caso, as emersões seriam a revelação do Novo Mundo gerado pela criatividade
inicial. Dentro desta perspectiva, O ‘mundo’ não ‘é’, ‘vai sendo criado’”. (DANTE, 1980, p.
185) Por isso, Mario Tourasse Teixeira (1975, p. 41) critica a visão de que o mundo seja
fechado e completo. Segundo este autor, aqueles que pensam dessa maneira acabarão se
convencendo de que sabem o suficiente acerca desse mundo, justificando a rotina repetitiva, a
imposição e o reforço de objetividades.
O professor Mario recomenda a visão de um mundo aberto, pois
[...] o mundo aberto, em formação, favorece a idéia de uma educação
essencialmente criativa. As objetividades vão emergindo, tomando forma...
tudo é possível! Brota a idéia de dar-se completamente na criação de
ambientes que são como que mundos provisórios, mas essencialmente
criativos. (TEIXEIRA, 1975, p. 42)
Relacionada a isto é que surge, em muitas de suas estórias, a idéia de Mundo Novo.
Para Dante (1980, p. 120), criar condições para a emergência do Mundo Novo é o verdadeiro
significado de Educação. Desse modo, tudo ainda pode ser criado e reconstruído, e a
inflexibilidade e a plasticidade das aulas tradicionais perdem seu sentido.
Para Souto (2006, p. 95),A criatividade e o completamento unem-se numa incessante
recriação do mundo, onde a realidade ressurge sempre transformada”. Essa nova realidade é
conseguida através de uma ânsia criativa, que, nos trabalhos do professor Mario e do
professor Dante, caracteriza-se pela constante insatisfação que leva à ultrapassagem das
fronteiras usuais.
Dentro desse sistema de pensamento, um exemplo encontrado nos trabalhos desses
professores, reforçado também por Souto (2006), é o universo fundamental da Matemática e
dos números Naturais. Segunda esta autora, tal universo “emerge por um processo de
completamento impulsionado pela criatividade que avança a partir de um início, por um
método uniforme de desenvolvimento. A partir do desenvolvimento criativo dos naturais,
pode-se produzir toda a Matemática elementar”. (SOUTO, 2006, p. 99)
Souto (2006, p. 100) acrescenta que o trabalho desenvolvido pelo professor Dante a
partir das idéias do professor Mario constitui “o cerne do modo humano de ser e estar no
66
mundo, com conseqüências em todas as suas manifestações, entre as quais ele destaca a
Matemática e a Educação”.
As idéias acerca da Criação de Ambientes e da criatividade referem-se, portanto, a
outros campos além da Educação Matemática. Nessa área, é importante destacar, o que é
teorizado antecipa desenvolvimentos posteriores de muitos educadores. Por esse motivo, tanto
a parte literia quanto a parte educacional dos trabalhos deste autor são levados em conta
nesta pesquisa.
É importante acrescentar ainda que as articulações pretendidas neste capítulo abordam
apenas uma parcela restrita das idéias do autor em questão. Muito ainda pode ser dito sobre
seus pensamentos através de novos estudos sobre seus textos educacionais.
4. UMA OBRA LITERÁRIO-EDUCACIONAL
Ora, o objetivo de uma pesquisa interpretativa é frequentemente este:
levar um autor a dizer explicitamente aquilo que não dissera,
mas que não deixaria de dizer se alguém lho perguntasse.
(Umberto Eco)
Será apresentado, neste capítulo, o estudo realizado nos textos referentes à obra
literária de Mario Tourasse Teixeira. Essa análise, de caráter interpretativo, busca evidenciar
alguns pontos relevantes, além de colaborar no entendimento dos textos. Estes se apresentam
divididos segundo três categorias: poemas, peças teatrais e textos em prosa.
O grupo textos em prosa agrega os contos, as estórias narrativas, ilustradas, em
quadrinhos, bem como a estória com slide e fita cassete. Apesar de ser mais geral que a
apresentada na listagem da obra no capítulo 02, esta classificação se faz necessária devido à
caracterização dos gêneros literários admitidos tradicionalmente. Durante a análise, será
descrita a natureza específica de cada texto.
Para um melhor entendimento da obra, foram utilizados os textos sobre a filosofia do
S.A.P.O. e sobre educação publicados nos SAPEANDO, discutidos no capítulo anterior. A
68
partir desse estudo alguns temas de discussão foram evidenciados, sendo estes destacados
durante a análise.
Durante a discussão da obra haverá citações de cada texto em questão. Optou-se por
fazê-las sem mencionar a página em que foram publicadas, pois todos os textos estarão
disponíveis (na íntegra) nos Anexos deste trabalho.
4.1. Poemas:
Integrando a obra literária de Mario Tourasse Teixeira, somam-se 11 (onze) poemas
publicados e 06 (seis) inéditos. o poemas sem rima e sem trica, ou seja, refletem a
despreocupação do autor em dar forma aos seus versos.
Por meio do estudo em um de seus manuscritos, o Caderno B-14, descobriu-se que o
fazer poético era comparado pelo autor ao fazer matemático. Neste caderninho a seguinte
frase:
Assim como em certas ocasiões nos sentimos de modo a que tentar fazer
algo como um poema parece algo natural, assim em outras ocasiões nos
sentimos de modo a que tentar fazer algo como um desenvolvimento
matemático parece algo natural. (CADERNO B-14)
Percebe-se, deste modo, que a escrita poética era algo tão apreciado por Mario
Tourasse Teixeira quanto o trabalho com a matemática. Talvez por isso sua produção poética
seja tão extensa.
São entendidos como poemas inéditos do autor aqueles que possuem, ao menos,
alguns versos completos. Mário Tourasse Teixeira foi admitido como autor destes poemas
através da observação dos rascunhos encontrados em seu acervo; outro critério importante foi
a utilização de palavras comuns aos seus textos.
Existem ainda, além dos poemas citados, outros que deixaram dúvidas acerca de sua
autoria, tais como “Saias ao léue “Gato em casa abandonada”. Souto (2006, p. 21) afirma
que estes poemas o de autoria do professor Mario. No entanto, dada a ausência de maiores
evidências, a pesquisadora achou por bem não listá-los na obra do autor. Também foram
encontrados, nos manuscritos do autor, poemas escritos em inglês sem menção de autoria.
Contudo, eles não foram analisados pela pesquisadora.
Em relação aos motivos que levaram o professor Mario a incentivar e publicar poemas
no SAPEANDO, o professor Geraldo Perez, em depoimento a Baccan (2002, p. 191), relata:
69
“[era] um incentivo a uma postura do professor. Para despertar coisas bonitas, sensibilizar,
criar coisas diferentes do conteúdo de Matemática. Olhar para beleza das coisas e tentar fazer
a mesma coisa com a Matemática”.
Para Irineu Bicudo, o papel dos poemas e textos literários para o professor Mario ia
mais longe, consistindo em despertar sensibilidade nas pessoas, principalmente nas partes
sociais, por isso a criação de Ambientes, onde o mais importante era o grupo, a sociedade, e
ele queria despertar sensibilidades via movimento SAPO.” (BACCAN, 2002, p. 202)
Pode-se dizer que muitos deles retratam, tematicamente, gestos femininos que
encantam e transformam o ambiente onde estão. Algumas mulheres conseguem tal efeito
através do olhar, outras através da palavra, outras, ainda, pelo simples gesto de adentrar um
ambiente. Outros textos deste gênero dizem respeito a situações relativamente determinadas,
havendo ainda aqueles que traçam reflexões sobre a própria vida do autor, nos quais este
aparece como personagem principal da “trama”.
Cabe ressaltar que a figura feminina é usada, muitas vezes, como uma metáfora para
as coisas que o autor realmente gostaria de dizer, mas não podia. Nestes textos, torna-se mais
fácil evidenciar a idéia presente no poema através da imagem da mulher.
É importante salientar que, por vezes, será usada a palavra narrador para designar
aquele que escreve o poema. Isso é feito porque, na maioria dos casos, elementos
narrativos nos textos. Uma outra observação pertinente sobre as análises realizadas abaixo
refere-se ao tipo de citação usada. Como houve a preocupação de manter a organização
estética dos poemas, quando os versos forem citados em ilico, deve-se entender que foi
mantida formatação original.
(Poema sem título)
Este poema é inédito e foi encontrado sem título, em um manuscrito sem identificação
no Acervo Mario Tourasse Teixeira. Apesar disso, o texto foi encontrado completo,
possuindo o total de 15 versos. Estes estão divididos em duas estrofes, sendo que a primeira
assemelha-se a um pensamento do autor referente à seguinte, dado que está entre parênteses.
Os versos tratam do amor entre o narrador e uma pessoa, a qual não é identificada por
um nome.
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Para seguir a linha dos poemas escritos por Mario Tourasse Teixeira, este texto
também traz termos como encanto, idéias como perder-se em algo, e um vazio que espera ser
preenchido.
Orgulhei-me tanto deste amor
Encanto e sentido de minha vida
Antes vazia e vagando à toa
O vazio, que antes preenchia o narrador, é substituído pelo sentimento de encanto
encontrado. Esse encanto é tido na obra deste autor como algo que não apenas chama a
atenção do narrador, mas um sentimento que revela boas novas, trazendo uma mudança de
perspectiva e de ões no momento em que ocorre. O verbo revelar também é utilizado
diversas vezes na obra do autor, e será abordado adiante de forma mais detida.
O termo perder-se, que aparece no 13° verso, “Eu me perdendo em você”, assinala a
maneira do encanto ocorrer. É importante ressaltar que, na teoria de Mario Tourasse Teixeira,
o perder-se é visto como algo bom. Para este autor, o processo educativo ocorre de fato se
o professor senesse processo, ocorrendo uma perda real.
A moça esperança
Trata-se de um poema inédito encontrado no Caderno A-23, pertencente ao Acervo
Mario Tourasse Teixeira. Não foi possível descobrir a versão final do poema, pois no
manuscrito quatro versões deste, todas com a mesma idéia; nota-se, no entanto, algumas
modificações nas palavras utilizadas.
Nas partes comuns, a descrição do ir e vir de uma moça que “É a silhueta de um
mundo encantado”. Como as demais mulheres dos poemas do autor, essa também possui um
encanto envolvente: o mesmo encanto citado no poema anterior.
O autor descreve a mulher como Sempre nova, brusca, surpreendente”. Também
descreve suas mãos como pequenas e trêmulas, utilizando elementos da natureza para
envolver a personagem no mistério de seu ir e vir.
Vai sumindo a moça esperança
Como a neblina etérea da manhã
Que seu próprio encanto urdiu
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O autor constrói essa personagem como alguém sempre esperada, por causa do
encanto que carrega consigo. No entanto, esta mulher nunca permanece com ele. Com tal
ocorrência, resta ao autor
[...] sentir em cada canto, como companheira,
A expectativa de sua presença
O poema é dividido em estrofes em todas as versões encontradas, havendo algumas
rimas entre os versos, as quais sempre aparecem no meio da estrofe.
A pequena com olhos de hortênsia
É um dos mais curtos poemas publicados do autor, possuindo apenas 11 (onze) versos.
Trata do olhar de uma garota, descrito como um lugar “onde hortênsias florescem”,
característica que nome ao poema. A referência aos olhos dela surge, pois neles encontra-
se algo de especial.
O autor usa a palavra pequena para designar uma mulher. Essa palavra é usada outras
vezes neste sentido. Entretanto, esta palavra não indica apenas um tom carinhoso: trata-se de
uma garota especial, que mexe com os sentidos e o mundo do autor. Para ele, uma pequena é
sempre aquela por quem lutaria, e de quem está à procura.
Neste caso, parece se tratar de uma jovem que revela acontecimentos ao narrador, os
quais ele julga impossíveis. O autor escreve sobre os olhos da garota:
Me falam de coisas
Que nunca ouvi falar
Que nunca vão acontecer
Este texto foi publicado no SAPEANDO 06, edição de Outono de 1976, na página 47.
Neste boletim foram publicados mais 3 (três) poemas deste autor.
A vida é vê-la passando
Este é um poema inédito encontrado no manuscrito Folhas F-06. Possui apenas 07
(sete) versos, divididos em 04 (quatro) estrofes. Essas estrofes, por sua vez, apresentam
formatação diferenciada.
72
Novamente, trata-se do olhar do narrador voltado a uma mulher. Neste caso, ele
apenas pode vê-la, e quando isso ocorre O mundo se rearranja”. Ou seja, o impacto de ver a
personagem passar é tão profundo no narrador que todo seu mundo, suas idéias e convicções
se transformam.
Nos versos 05 e 06 lê-se:
Cada passo um chamado
Cada gesto dá um novo significado ao mundo
Essa idéia se une à teoria de Novo Mundo, explicitada no capítulo anterior, na qual o
autor sempre está à procura de um mundo aberto. Nesse caso, ver a mulher passando é a
chave que abre o mundo do narrador.
Alguma coisa no jeito como ela falou
Este poema foi publicado no SAPEANDO 06, edição de Outono de 1976, na página
49. Foi encontrada uma versão escrita à mão no manuscrito Caderno B-19, com apenas
algumas difereas. Possui 22 (vinte e dois) versos, sem separação de estrofes.
O poema relata a mudança no ambiente que ocorre a partir do falar de uma mulher.
Antes desse falar, “tudo fluía normalmente”, ao passo que depois de ouvi-la o mundo que lhes
rodeava é alterado. Essa mudança pode ser caracterizada como algo que traz encanto e magia
ao momento:
Sim, simplesmente isso
Alguma coisa no jeito como ela falou
E o mundo mudou
E foi como um despertar
E como uma revelação
Em tudo um mágico encanto
Para entender o que o autor quer dizer com essa mudança, proporcionada pela fala da
mulher, é preciso perceber que a teoria de Criação de Ambientes permeia todo o texto. O
narrador procura a todo o momento mostrar que, através de pequenos gestos e atitudes, pode-
se criar um Novo Mundo, modificando o ambiente em que se vive.
Outra característica marcante nesse texto é a palavra revelação. Este termo é usado
como algo pronto para ser descoberto, mas que ainda necessita de alguém que o faça. No caso
73
deste poema, tem-se o exemplo da fala da mulher. O termo revelação será também abordado
de forma mais detida em um momento posterior do presente trabalho.
Amanhecendo em Graúnas
Esse texto foi publicado no SAPEANDO 01, edição de Verão de 1974, na página 38.
Foi um dos primeiros poemas de Mario Tourasse Teixeira no S.A.P.O., juntamente com Ela
entrou no ônibus. Possui 21 (vinte e um) versos, sem separação de estrofes.
Os versos criam a imagem de um amanhecer de inverno na Ferrovia de Graúna. Essa
ferrovia localizava-se no vilarejo de Graúna, pertencente ao município de Itirapina, interior do
estado de São Paulo. A estação pertencia a uma linha da Cia. Paulista das Estradas de Ferro
(1916-1971), e depois passou a ser controlada pela FEPASA (1971-1980).
Figura 7 - Ferrovia de Graúnas em 1918
Como a estação ficou fora das novas linhas construídas pela companhia, acabou por
ser demolida no início dos anos 90, sobrando apenas algumas plataformas. O fim da Ferrovia
de Graúnas deixou saudades nos moradores do vilarejo, muitos deles ex-funcionários da
estação.
No texto, o autor descreve esse amanhecer em Graúna como “frio, lento e triste”.
Apesar da tristeza que envolve a cena, diz que “a manhã avança / enquanto avança o trem /
rumo à estação”. O poema constrói uma ligação entre o avançar do dia e o avançar do trem:
assim como o dia não pára e a manhã logo passa, o trem também não pode parar.
Percebe-se a criação de um ambiente exatamente quando o trem para na estação.
Enquanto o trem está parado, certa perturbação e barulho tomam conta dos passageiros e da
74
estação, instituindo um ambiente de desordem e caos. Apesar desse caos, o amanhecer em
Graúna promove
um mágico momento
os passageiros se perdem
nesse mágico amanhecer
A estação origina uma sensação boa nos passageiros, apesar do tumulto que ocorre no
local devido ao embarque e desembarque de pessoas. É a revelação de que, mesmo em
lugares de extremo barulho, o mundo ao redor pode trazer paz.
Este ambiente, que se torna “mágico” devido ao amanhecer em Graúna, acaba para os
passageiros quando o trem parte. Ou seja, toda a magia do trem acaba, assim como acaba a
manhã.
Desamparado!
Este poema foi publicado no SAPEANDO 09, edição de Veo de 1976, na página 53.
É composto por 12 (doze) versos divididos em 04 (quatro) estrofes, sendo que estrofes com
02, 03 e 04 versos cada. Este é um dos poucos poemas que possuem as estrofes estilizadas, ou
seja, os versos na estrofe não estão com a mesma tabulação.
A idéia que o texto traz é retratar um tipo de liberdade, definida pelo autor como um
sentimento de desamparo. Este desamparo refere-se ao fato de se estar livre dos apegos que a
vida oferece, sejam eles os sentimentos de apoio ou a esperança de um acontecimento.
A terceira estrofe diz:
Solto, livre, à toa
só esperança
do que sei que não virá
Nestes versos percebe-se claramente o desamparo que, neste caso, é direcionado à
esperança de um acontecimento impossível.
Analisando a obra de Mario Tourasse Teixeira, percebe-se que seus textos refletem
muitas idéias que não seriam aceitas na época em que surgiram. Assim, neste poema, o autor
mostra ter conhecimento do repúdio que seus pensamentos poderiam sofrer. Entende-se aqui
que essa constatação faz com que o autor dê um tom pessimista ao poema.
75
O termo desamparo é usado em outros textos do autor, como o poema “Pensando a
toa”, que será analisado adiante.
Despedida
Esse é um poema inédito, encontrado no manuscrito Folhas F-06. Possui 12 (versos)
versos distribuídos em 04 (quatro) estrofes.
Tratam-se dos lamentos do narrador por causa de uma pessoa que não está mais junto
dele. A falta da pessoa faz com que ele sinta apenas seu encanto.
Mas nada me pode tirar o fantasma
De seu encanto vagando
Seu esboço de triste sorriso a me ver
Seu rosto inclinado como que imaginado a meu lado
Ao longo do poema, ele se lembra de momentos em que esteve com a pessoa e
imagina como seria se ela estivesse ao seu lado. Também diz esperá-la, mesmo sabendo que
não virá.
Estarei sempre esperando embora não venha
A expectativa de sua presença será minha companheira
Essa idéia de espera em vão está presente em outros textos de Mario Tourasse
Teixeira. Tal sentimento assemelha-se ao que o autor possui com relação ao S.A.P.O.: ele
sabe que muitas pessoas questionarão seu movimento, mas mesmo assim insiste. O narrador
do poema sabe que a pessoa não virá, contudo toma como companheira a expectativa de -la
ao seu lado.
Dona Diva
Este é um poema inédito e inacabado que foi encontrado no manuscrito Caderno B-12.
Possui apenas 08 (oito) versos, sendo que deixa espo para serem colocados mais 06 (seis).
Apesar de estar incompleto, este texto foi trazido à luz da análise para mostrar uma
outra forma de fazer poemas, encontrada nos manuscritos do autor. Trata-se dos acrósticos.
Os acrósticos são formas textuais na quais as primeiras letras de cada frase ou verso formam
uma palavra ou frase.
76
Neste caso, o poeta decidiu formar “Dona Diva”.
Pedindo bala para adoçar
Deixando para trás a tristeza (preocupações)
Onde quer que ela esteja
N
A viceja
No entanto, percebe-se que a idéia do acróstico só foi tida pelo autor depois de
iniciado o poema. Por isso, no trecho acima, o primeiro verso não participa da construção do
nome que se anuncia. Na continuação do poema encontram-se somente as letras do nome que
se queria formar, o que mostra a intenção do autor em terminar o texto. A palavra viceja, no
caso, aparece desta maneira porque o autor procurava construir uma rima com a palavra
esteja.
Nos 06 (seis) primeiros versos, que não participam do acróstico, o autor fala de como
a personagem Diva ilumina “o ambiente trazendo novidades e alegria [...] Com seu jeito
amigo e faceiro (brejeiro)”. Este início do poema também apresenta uma organização
específica, aproximando-se do que o autor gostaria que aparecesse na versão completa o
acróstico.
Ela curvou-se intenta
Este é mais um dos textos de Mario Tourasse Teixeira que exalta a figura da mulher.
Trata-se apenas de um gesto feminino que traz o encantamento ao local. Ao se curvar, a
mulher se revela, configurando uma cena tão bela que o “mundo parou para vê-la”.
O narrador enfatiza que, no momento em que a mulher se curva, tanto ela quanto o
mundo se perdem. Trata-se do mesmo sentimento de “estagnação do tempo” que ocorre no
poema “Amanhecendo em Graúnas”, no qual os passageiros do trem param para ver o
amanhecer. Aquele mesmo sentimento de revelação é mostrado aqui, que com um gesto
feminino.
A partir do quinto verso pode-se ler:
Perdida em seu gesto
Enquanto o mundo, perdido nela
Tudo esqueceu
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O autor mostra mais uma vez que existem cenas capazes de originar uma nova
realidade, transformando o momento. Em toda sua obra, este autor persegue essa “cena”,
descrevendo-a para indicar como seu acontecimento é possível. Assim, a criação de um
ambiente gerado pela presença da mulher fica clara neste texto, principalmente no verso final.
Ela curvou-se, intenta
E nesse mágico instante
Uma nova realidade
Emergiu
Na obra estudada, o verbo emergir é por diversas vezes utilizado para descrever o
surgimento de um ambiente. Mais do que isso, ele significa trazer à tona realidades passíveis
de exisncia. Ao dizer que o ambiente ou a realidade emerge, o autor exprime que tais
elementos surgem de uma possibilidade, ou algo, que existia anteriormente. Neste caso, esse
algo emerge da personalidade da mulher, revelada no momento em que se curva. Ou seja, a
revelação que é esperada pela presença da mulher surge no ambiente devido ao seu ato de
curvar-se.
Este poema foi publicado no SAPEANDO 06, edição de Outono de 1976, na página
50. Possui 11 (onze) versos divididos em 03 (três) estrofes. Seus manuscritos encontram-se no
manuscrito Caderno B-19.
Ela entrou no ônibus
Poema publicado na página 39 do SAPEANDO 01, edição de Verão de 1974, que
também retrata o encanto das mulheres. Como em outros momentos, o autor a descreve como
uma força capaz de transformar o ambiente simplesmente ao adentrá-lo.
Neste poema a descrição de uma viagem de ônibus que em nada atraia o viajante,
caracterizada como “longa e triste e solitária”.
De forma semelhante ao que ocorre em “Amanhecendo em Graúnas”, a situação pre-
existente neste poema é reconfigurada depois de uma parada. No primeiro caso, a parada do
trem que faz com que a atmosfera da estação envolva os passageiros; neste último, a pausa
é desencadeada pelo aparecimento de uma mulher. Tal figura entra no ônibus e muda o
ambiente. O que antes era tenso e sem brilho, depois da entrada da mulher se modifica.
Ao descrevê-la, o autor a retrata como tendo “rosto pálido e mágico”, após “longo dia
de labor atroz”. Isto indica que, mesmo após um dia de serviço que a esgota, chegando a
torná-la pálida, essa mulher possui uma magia envolvente.
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Seu rosto pálido e mágico
Sob a luz doentia
guardava o encanto
do que jamais acontece.
Embalado por esse encanto, o narrador faz uma prece ao ônibus para que a leve por
caminhos bons, “de sombra e de luz”. Também fala de um “mundo de sonho”, no qual a moça
poderá enfim descansar do dia tumultuado.
É importante destacar que todos os poemas em que o autor coloca algo ou alguém
mudando o ambiente podem ser transportados para o ambiente escolar. No caso do poema em
queso, a mulher, apesar de cansada, consegue trazer transformação para o ambiente. De
forma análoga, um professor, apesar de sua carga horária muitas vezes desgastante e de seu
cansaço, pode com gestos simples transformar a sala de aula onde está. Desta forma, é
possível ao professor conquistar os alunos, assim como o narrador do poema é conquistado
pela mulher.
Foi só revê-la
Este poema foi publicado no SAPEANDO 09, edição de Verão de 1976, na página 52.
Ele relata, em 20 (vinte) versos estruturados em apenas uma estrofe, a estória de alguém que
tem o planejamento de sua vida modificado. Tal mudança decorre de um reencontro com uma
mulher. Não fica claro no poema qual a ligação entre ambos.
No entanto, fica explicito que o fato de rever a mulher era previsto, e por isso o
narrador toma certas precauções para esse momento. Apesar de toda essa preparação, o
narrador não pode evitar que seu mundo se desfa.
Com todas as defesas preparadas,
Tomado conta de todas possibilidades
A plena segurança.
E tudo não era nada
O personagem não conseguiu evitar a mudança prevista, pela força que tal visão
exerceu sobre ele. Apesar de ter planejado uma nova vida sem a mulher, o narrador não
conseguiu continuá-la.
Este poema vincula-se aqui ao conceito de vida nova, que aparece em outros textos de
Mario Tourasse Teixeira. Para que a vida nova surja, é preciso muito trabalho e desapego em
79
relação à velha vida. Como neste poema o narrador parece não conseguir se desapegar da
mulher, não consegue também colocar em prática sua nova filosofia de vida.
Este texto também se aproxima tematicamente do poema “Pobre triste velha vida, no
qual o autor fala explicitamente “da vida nova jamais alcançada”, e de como o apego à vida
velha nesse caso, o apego à mulher em questão faz com que a vida nova fique ainda mais
longe.
Pode-se relacionar o poema também à estória “As Desventuras do Figurinha Difícil:
Vida Nova”, na qual o narrador também relata a dificuldade em conseguir a nova vida
sugerida pelo seu professor.
Gaivota de papel
Neste poema, o autor descreve um personagem que grafa o nome da “amada” em um
pedaço de papel, e com ele faz uma gaivota. Na esperança de que a garota lhe atenção, o
personagem lança a gaivota ao céu, dizendo que espera por uma revelação.
Na obra de Mario Tourasse Teixeira essa palavra é muito utilizada, e tem o sentido de
trazer fatos novos e surpreendentes à cena. Ou seja, fazer com que surja uma nova realidade
para dada situação, tanto por meio do envolvimento dos personagens quanto por
acontecimentos independentes.
Neste texto, a gaivota foi lançada à garota; como ela não chegou e, pelo contrário,
voltou a ele, o narrador desistiu de continuar e ficou “relendo baixinho” o nome dela, imerso
em nostalgia.
E fico relendo baixinho
Teu nome baixinho
Qual uma prece
Quando coloca o verso “Qual uma prece”, o autor quer chamar a atenção para o fato
de que desistir de enviar a gaivota, como ocorreu, é diferente de desistir da garota.
Este poema foi publicado no SAPEANDO 09, edição de Verão de 1976. Encontra-se
na página 54. Também foi encontrado nos manuscritos Caderno B-19 e Folhas F-05. É
composto por 14 (catorze) versos, divididos em 03 (três) estrofes.
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Pensando à toa
Este poema foi publicado na página 48 do SAPEANDO 06, edição de Outono de
1976. É composto por 12 (doze) versos em apenas uma estrofe. O texto remete ao mesmo
sentimento do poema Desamparado! em relação à liberdade.
O autor parece querer se despojar dos seus desejos para encher-se do mundo. Esse
preenchimento significa absorver o que o mundo o oferece, como
Ouvir os pingos da chuva
E pássaros cantando
E o silêncio da suave noite.
As vontades expressadas no poema dizem respeito ao sentimento de liberdade que o
autor procura. Quando escreve querer sentir-se “uno e com o todo”, busca ligar-se a esse
todo.
Como em toda a obra deste autor, percebe-se que ele escreve para poder dizer aquilo
que não poderia ser dito abertamente. Neste casso, também assinala que seus pensamentos
estão à toa por acreditar que suas idéias não eram aceitas pela comunidade local.
Esse texto aparece também no manuscrito Caderno B-19.
Pobre Triste Velha Vida
Este é o poema que mais se aproxima da temática de vida nova proposta por Mario
Tourasse Teixeira. Isso é feito levando-se em conta a velha vida que o narrador leva. Este a
descreve como “solta, largada, sempre e sempre repudiada”.
Vida Nova significa sair dos modismos e comodismos a que se está acostumado, abrir-
se a novas idéias. Mario Tourasse Teixeira era um “buscador” e incentivador disso, o que se
percebe através da leitura de sua obra. Em seus trabalhos de Educação, a própria idéia de
ensino com criatividade mostra que este professor gostaria que os alunos rompessem com o
que já sabiam, para que pudessem construir novos conhecimentos.
Como o narrador não consegue alcançar a vida nova esperada, tece elogios à velha
vida. Parece representar um momento nostálgico do autor. Ele escreve para sua vida velha:
Triste pobre velha vida
Pelo menos hoje quero amar-te
Arrepender-me dos sonhos de deixar-te
Adormecer suave em teu resignado regaço
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Depois de se conformar em ter que assumir sua vida como é, passa a se arrepender por
ter pensado em não querê-la e acaba aceitando-a como “fiel companheira”. Todas as estrofes
deste poema começam com as palavras que compõem o tulo, “pobre”, “triste”, velha” e
“vida”, fazendo um jogo no qual sempre se altera a ordem em que as palavras aparecem. Essa
relação lúdica com as palavras é uma característica que percorre outros textos do autor.
Este poema foi publicado no SAPEANDO 13, edição de Verão de 1977, na página 53.
Está construído por 16 (dezesseis) versos, distribuídos em 04 (quatro) estrofes. Não foi
encontrada a versão final em nenhum dos caderninhos. No entanto, consta no manuscrito
Caderno B-01 uma primeira versão deste poema, cujo título seria “Triste Pobre Velha Vida”.
Neste a idéia é mantida, no entanto a vida nova é comparada pelo autor a uma pequena, ou
seja, uma garota.
No manuscrito encontrado também há indícios de que o autor teve inspiração no
poema “Pobre velha música!, de Fernando Pessoa. Neste, também sentimentos saudosos
quanto à sua velha música e a incerteza da satisfação causada por ela.
Este poema encontra-se nos Anexos desta pesquisa, para possibilitar a comparação.
Se fizesse Lotação
Trata-se de um poema inédito do autor, com 07 (sete) versos divididos em 03 (três)
estrofes. Parece uma brincadeira de Mario Tourasse Teixeira com relação ao bairro Monções,
da cidade de São Paulo, que por muito tempo ficou sem asfalto e com ssimas condições de
moradia.
Neste poema, o autor relata a negligência em relação à região:
Monções é mais dois
Ninguém quer ir pra Monções
Monções. Onde é?
Apesar de afirmar que ninguém quer ir para essa localidade, ele pprio faria uma
lotação para lá. Apesar de ser contraditório fazer tal lotação para um lugar indesejado, optar
por coisas normalmente repudiadas é uma característica do professor Mario. Um exemplo é o
poema anterior, que fala de ficar com a velha vida mesmo que esta não seja tão agradável
quanto a nova. Este autor também consegue ver qualidades aonde muitos não vêem.
O manuscrito no qual este poema foi encontrado não possui identificação.
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Versos inúteis
Este poema foi publicado no SAPEANDO 14, edição de Outono de 1977, na página
52. É formado por 14 (catorze) versos distribuídos em uma única estrofe. Neles o autor fala de
sentimentos de ansiedade.
No poema “Pensando à toa”, o autor deixa seu pensamento livre; já neste, a ansiedade
é tamanha que seus sentimentos são escritos em versos, o que o se resume necessariamente
a este poema. Tais versos são descritos como “desdenhados até por quem os inspirou”. O uso
do verbo inspirar indica que os versos descritos no poema tiveram o “entusiasmo criador”
devido a alguém. Por isso chama esse poema de “Versos inúteis”, pois nele são feitas
referências a outros versos que escreveu, mas que não foram aceitos.
Comoo desdenhados, os versos ficam livres.
Não se destinam a ninguém
e ficam simplesmente vagando
como que esperando teimosamente
que alguém os colha.
“Esperando que alguém os acolha” mostra que o autor gostaria que suas idéias fossem
acolhidas, mas acabam se relegando a versos que ele nem sabe se serão aceitos. Ou seja, os
versos podem ser lidos como uma metáfora para suas próprias idéias educacionais.
Por fim, o autor trabalha a idéia do dar-se que descreve em outros textos, explicitada
no capítulo anterior. Esse ato significa o reter para si o que se tem, mas dar sem esperar
algo em troca. No contexto deste poema, o tema tem o sentido de que mesmo sem a acolhida
que o poema possa ter, o autor continuará escrevendo. E, do mesmo modo, os versos se darão
“em uma oferta inaceitável”.
4.2. Peças teatrais:
Entre a obra literária de Mario Tourasse Teixeira foram encontradas 03 (três) peças
teatrais publicadas e 04 (quatro) inéditas. São textos em que a descrição dos cenários
em cada ato, e apontamentos dentro dos diálogos sobre a expressão de cada personagem no
momento de sua fala.
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As peças teatrais de Mario Tourasse Teixeira refletem sua visão da juventude e seus
dilemas, por isso pode-se dizer que têm um núcleo comum. Algumas delas também envolvem
o ambiente escolar. No entanto, com exceção de “A Delação”, isso ocorre de modo indireto.
Na relação de peças teatrais inéditas estão: “A Visão, “O Apelo”, “O caso” e Os
omissos”. Destas, contudo, será feita apenas a análise da primeira delas. Isto se justifica pelo
fato das demais terem sido encontradas apenas em versões incompletas, por falta de
reconhecimento da autenticidade das mesmas, ou por que não foi possível à pesquisadora
realizar as respectivas transcrões.
A Delação
Trata-se de uma peça teatral em 03 (três) atos publicada no SAPEANDO 02,
edição de Outono de 1975, nas páginas 66 a 78. Possui 04 (quatro) personagens: Adélia,
Sergio, Roberto e Tico, garotos entre 11 e 12 anos de idade.
A estória se passa em uma escola, na qual os quatro estudam juntos. A peça parte do
episódio em que um professor caiu no chão após sentar-se em uma cadeira, da qual Tico havia
afrouxado os pés. Como os demais personagens faziam parte de uma “junta disciplinar”,
tiveram que denunciar o colega, que acabou sendo expulso da escola.
O diálogo, no primeiro ato, se inicia com Adelia, Sergio e Roberto, depois de uma aula
de Matemática, discutindo sobre o que fariam com Tico. Adelia, alegando que eles faziam
parte da junta, enfatiza que deveriam fazer algo a respeito. Sergio concorda com ela. Roberto
é o único que a defender Tico. Durante toda a estória, Adelia é a que mais defende a junta.
Adelia Não contando perderíamos também a nossa autoridade... afinal pra
que é a junta?
Mario Tourasse Teixeira colocara, em outros textos, as garotas nessa posição
subserviente, dizendo que são mais controveis e seguem os padrões. Neste caso, mostra
como essa garota estava convencida de que o melhor a fazer seria denunciar o Tico. Para ela,
seria inadmissível que o garoto ficasse sem uma punição. De acordo com o autor, as garotas
agem dessa maneira por serem acostumadas, desde pequenas, a obedecerem e primarem pela
ordem. Como a escola é um dos locais onde mais regras a serem seguidas, fica claro o
porquê de Adelia se posicionar a favor da punição do menino.
84
Segundo a narrativa, a junta disciplinar teria sido idéia de Regina, professora de
Matemática. Ela alegou que, como na Matemática, as outras coisas precisam de ordem e
métodos. Assim, a junta serviria para fazer com que os alunos fossem mais disciplinados.
Mario Tourasse Teixeira chama a atenção para o tipo de “agrupamento” proposto
pelos professores, que neste caso acabaria por colocar alunos contra alunos. Ou seja, a
verdade por trás da junta disciplinar era que os próprios alunos estariam se vigiando e
evitando desordem. Isso acabaria com a liberdade que os estudantes teriam com seus colegas.
O autor, em outros textos, como A Terceira Força”, já deixa explicito seu modo de
encarar a falta de liberdade.
Apesar do desajuste dos pés de uma cadeira, o qual provocou a queda de um professor,
ser uma atitude desrespeitosa, Mario Tourasse Teixeira chama a atenção para o fato de que,
por causa da junta e da obediência cega aos professores, os alunos acabaram se traindo.
Para enfatizar essa idéia, em certo trecho lê-se:
Adelia (peremptória) – Eu proponho que a gente denuncie o Tico.
Sergio (um pouco espantado) – Mas assim? Pura e simplesmente?
Adelia – É o nosso dever.
Ou seja, era dever daquele grupo de amigos denunciar Tico. Como nem todos estavam
convencidos sobre a denúncia, os personagens resolvem chamar o acusado para uma
conversa. Adelia acredita que este garoto deveria mudar sua postura, pois “é todo abagunçado
e precisa de um aperto pra saber se comportar”. Em uma discussão sobre comportamento,
acabam discutindo acerca do mérito: Sergio Todos nós temos que nos comportar, por que
ele não?”
Essa fala apresenta de forma clara uma idéia presente em muitas pessoas e que,
segundo o autor, ocorre comumente no ambiente escolar: é a noção de que todos devem ser
iguais e seguir o mesmo padrão. O texto critica, então, aqueles que cedem e acabam se
tornando como a maioria. Tico era um garoto livre, que não se importava com a opinião dos
outros, e que, portanto, mostrava certo grau de indisciplina. Ressalta-se que a indisciplina em
queso nada tem a ver com desrespeito aos colegas, como se vê mais à frente.
Apesar de Roberto alertar para o fato de que poderiam prejudicar Tito, Adelia e Sergio
decidem chamá-lo para uma conversa, e tendem a denunciá-lo.
O segundo ato da peça inicia-se com Roberto, Sergio e Adelia conversando sobre
Matemática. Cada um deveria encontrar uma solução diferente para o sistema
85
425
1332
yx
yx
Adelia é a primeira a resolver. Isola o x em cada uma das equações, encontrando uma
igualdade para y.
2
2
913
3
1957
415865
481565
5
24
2
313
x
y
y
y
yy
yy
x
Sergio também exibe uma solução para o problema, usando o método da adição:
2
3819
12615
2664
3425
21332
x
x
yx
yx
yx
yx
3
93
13322
y
y
y
Roberto, não vendo outra solução algébrica, faz considerações sobre as retas que são
originadas pelas equações.
Roberto Vocês não deixaram nada pra mim. (Levanta-se e vai ao quadro
negro. É menos convencional que seus dois colegas) posso dizer que o
sistema representa 2 retas no plano concorrendo no ponto de coordenadas
(2,3). Algo assim, por exemplo, (Escreve)
86
O garoto amplia o conhecimento do exercício, explicando como seriam as retas no
caso em que a segunda equação é múltipla da primeira, e no caso em que o primeiro
membro de uma é múltiplo da outra.
Para caracterizar ainda mais a personagem Adelia, enquanto a garota está resolvendo o
problema, o autor descreve:
Adelia (Escreve no quadro
)425
1332
yx
yx
Vamos resolver este sistema tirando o valor de
x
em ambas as equações e
igualando (fala feito uma professora).
Quando coloca “fala feito uma professora”, o autor retoma a idéia de voz de professor,
expressa em textos como “As desventuras do Figurinha Difícil: O Pseudo”. Também
enfatiza que os alunos são impregnados pelo tipo de exibição (ou performance, conforme
visto no capítulo anterior) adotado pelos professores. O texto mostra, assim, que os alunos se
formatam e se moldam para serem iguais aos seus professores.
pesquisas que afirmam que os professores em início de carreira reproduzem, em
seu magistério, os modos de seus próprios professores. Assim, quando Mario Tourasse
Teixeira critica os modos formatadores dos professores e da escola, pode-se considerar que
está pensando em uma formação ampla e abrangente para os estudantes. Os professores
formariam pessoas e profissionais mais capacitados e mais aptos a ter personalidade própria
se praticassem uma maior liberdade e deixassem os alunos mais soltos à criatividade.
Quando Tico entra na sala de aula onde estão os demais personagens, vê o problema:
Tico Ôi cambada! (percebendo alguma coisa) Que estão aprontando?
(olhando a todos e depois ao que está escrito no quadro negro) Sabe que
no caso de 3 variáveis as equações representam planos? É bacana!
Adelia (contrariada) – Como é que sabe?
87
Adélia, boa aluna e membro da junta, ou seja, uma garota de certo destaque na escola,
não se convence do argumento de Tico por desconhecê-lo, pois pensar em 03 variáveis
gerando um plano não é uma idéia discutidas na idade deles.
Essa passagem mostra que mesmo aqueles alunos que o são considerados “bons
alunos”, quando possuem liberdade e são capazes de dar margem à curiosidade, podem ir
mais longe que os demais. Essa é uma das idéias principais que permeiam os textos de Mario
Tourasse Teixeira. Esse professor acreditava em seus alunos, mesmo naqueles que
aparentemente não pareciam ter “capacidade” de ir além do senso comum. Percebe-se
também que este autor acredita que na Matemática deve haver, sobretudo, criatividade e
liberdade para que se possa desenvolver um tema. Esta disciplina o é considerada por ele
como composta de conteúdos passíveis de serem simplesmente decorados.
Em um dos manuscritos do autor foi encontrada uma peça de teatro, de Eugene
Ionesco, que também aborda essa problemática. Nesta peça, uma aluna foi ter aulas
particulares para obter o “doutorado total”. Começando pela aritmética, o professor tenta lhe
ensinar a adição, na qual a aluna se sai muito bem. Em seguida, passa à subtração. A
estudante não consegue resolver o problema “quatro menos três”. Percebendo a dificuldade da
garota com a subtração, o professor tenta de todas as formas explicar-lhe a conta. Tenta usar
palitos, dedos, pauzinhos, enfim, materiais manipuláveis para fazer com que a garota aprenda.
Como a personagem não tem sucesso, o professor diz a ela que dificilmente ela conseguirá
obter o doutorado total, porque neste existiriam contas de matemática superior, e propõe um
exemplo. Para surpresa do professor, a aluna dá a resposta correta. O professor percebe, então,
que a aluna não sabia resolver as contas, mas conseguia decorar as respostas.
Tico, em “A Delação”, não decorou como resolver o sistema, mas foi muito além
disso: conseguiu trazer um conceito novo ao grupo. O autor parece colocar esse trecho na
peça para reforçar que o aluno que se molda ao que a escola impõe fica sempre restrito a um
conhecimento prescrito, predeterminado a cada série. Não consegue ir além daquele conteúdo
e fica à mercê do que lhe será transmitido.
No caso do personagem Tico, por seu jeito espontâneo, que não dá importância a
certos acontecimentos, ele não está preso àquilo que a escola oferece. Por isso foi capaz de
investigar sozinho e descobrir coisas além daquelas ditas pelo professor. Esse aluno mostra
autonomia, mais uma das idéias do autor.
Adelia, que é formatada pela escola, tem dificuldades de admitir o conhecimento de
seu colega. Isso ocorre porque a garota considerava Tico, aluno que é capaz de cortar os pés
da cadeira de um professor, inferior a ela, boa aluna e membro da junta.
88
Como Tico percebeu que havia naquele lugar um clima estranho, indaga os colegas
sobre o que estava acontecendo. Explicando que o da junta, os colegas lembram do
incidente com a cadeira.
Roberto (falando depressa) – Você não fez de propósito, fez?
Tico – Nem sei... comecei mexendo naquela cadeira à toa... mas depois acho
que pensei no que poderia acontecer (sorrindo)
Quando questionado sobre arrependimento, Tico diz ter sido tudo só uma brincadeira,
mas que se eles quisessem poderiam denunciá-lo. Os membros da junta decidem então que
será isso o que farão.
Para caracterizar ainda mais os personagens da junta, o autor coloca Adélia e Sergio
tentando aconselhar Tico:
Sergio (convencional) – Você precisa ser mais responsável, Tico.
Tico – Ora, Sergio.
Adelia E mais organizado. Agora mesmo estávamos estudando
matemática. E sem método não conseguiríamos nada. Como a professora
Regina disse outro dia...
Com isso a garota tenta justificar as ações tomadas por eles como vindas da
Matemática. Ao que parece, Mario Tourasse Teixeira está querendo dizer, como na estória
ilustrada “Um dia daqueles”, que a Matemática não deve ser posta como pado para todas as
ações humanas. O autor indica ainda que mesmo nessa disciplina deve haver liberdade para
que se pense diferente daquilo que foi consolidado, para que o novo possa de fato ocorrer.
Mesmo na Matemática a curiosidade e a liberdade criativa devem existir.
O ato 03, a Punição, traz o diálogo entre Adelia, Sergio e Roberto sobre a expulsão de
Tico da escola. Segundo Sergio, o fato ocorreu por causa da conversa do Tico com o diretor:
Sergio (ruborizando-se) – Pois é... aquele jeito seu de não ligar pra nada... o
diretor dando uma de durão e ele sem dar a mínima... qualquer coisa assim.
Essa passagem reflete a posição adotada por muitos. Se as pessoas não entram em seu
padrão, não podem pertencer àquele meio. É o que ocorre com o diretor, que percebendo a
indiferença com que Tido recebe a advertência, resolve puni-lo de outro modo. também,
nesse momento, crítica aos padrões inflexíveis de pessoas ligadas à Educação.
89
Sabendo do resultado da denúncia da junta disciplinar, Adélia se preocupa com o fato
de que poderiam ser excluídos pelos outros colegas.
Adelia – Não vejo graça alguma (e como que se lembrando de alguma
coisa) Quero ver agora como é que eu vou ficar.
Sergio (meio preocupado) Como assim Dédé?
Adelia (já sem lagrimas nos olhos) Todos o ficar sabendo que fomos
nós... vão nos por no gelo.
A garota, apesar de sentir a perda do colega, preocupa-se com sua reputação perante os
demais alunos. Tal posição é contrária à de Tico, que permitiu que sua imagem fosse exposta
pela junta e não temeu diante do diretor, assumindo o que havia feito. A garota, moldada de
acordo com os padrões de êxito e sucesso, não queria que sua imagem fosse afetada. Como
Tico era diferente dos padrões, ele não espalhou na escola quem eram seus “delatores”.
O diálogo se encerra com os demais personagens chegando à conclusão de que a culpa
de todo o ocorrido era da professora Regina, pois havia sido ela quem insistiu para que eles
formassem a junta disciplinar.
Roberto – Não devíamos ter aceito. Logo de início tive um pressentimento.
Sergio – É, bem que você nos preveniu.
Adelia Mas ela veio com todo aquele papo p'ra cima da gente... Que a
ordem... Que a matemática ensina...
Com isso, os amigos concluem que os professores que parecem ser amigos “é que são
os piores”. Esse texto traz, portanto, fortes relações entre alunos e professores, e mostra
alguns dilemas do ambiente escolar. Como o cenário é a própria escola, essas relações ficam
mais evidentes. Mario Tourasse Teixeira também consegue recriar de maneira atrativa o
cenário escolar, colocando elementos como a lousa e os exercícios de Matemática.
A Vio
Esta peça teatral foi encontrada no manuscrito Folhas F-05, e listada no manuscrito
Folhas F-04 como pertencente à série Mel e Azul. Possui 04 (quatro) atos, e seus personagens
são Renato, Alberto, Odette e Terezinha.
90
A peça relata os dramas vividos por Renato em relação a sua vida sentimental e
profissional. Como se trata de um texto inédito faltam partes dos diálogos, principalmente
daqueles que fazem a ligação entre uma idéia e outra.
A primeira cena explicita seu encanto por Odette. Ocorre em um sábado à noite dentro
de um bar. Regados a chope, discutem suas profissões: Alberto é formado em Arquitetura,
mas escreve livros, Renato apenas iniciou o curso de Ciências Sociais, mas é bom em
desenhar.
No entanto, um dos principais assuntos é Odette. Essa garota encantou Renato, e fez o
mesmo com outros rapazes.
Alberto (um tanto cauteloso) Não sei como você foi se deixar enfeitiçar
tanto... Odette é apenas uma criança tola.
Para tentarem fugir do mal-estar pelo qual estavam passando, decidem fazer uma
viagem a Salvador. Acreditam que, ao mudarem de ambiente, conseguirão esquecer os
problemas e ter a inspiração necessária para que façam seus respectivos trabalhos: Renato,
para suas pinturas, e Alberto, para seu livro.
Nesse ato, eles querem romper com a vida que levam para que as coisas possam fazer
sentido:
AlbertoPor isso que é necessário fazer algo mais decisivo... que implique
um romper definitivo... do qual o se possa voltar.
RenatoSenão sempre ficaremos nessa lenga-lenga , com esses prenúncios
que são fantasmas da realidade.
Alberto – E você terminará nos braços meigos mas [?] de Terezinha.
RenatoEnquanto que você será um escritor revolucionário mas de hábitos
burgueses para alegria de sua família.
Alberto – E teríamos um tenebroso happy ending.
duas insatisfações neste diálogo: o sentimento de revolta de Renato para com a
vida que leva com Terezinha, o que o leva a desejar Odette e querer viver esse sentimento; e a
vontade de Alberto em romper com o modelo burguês de sua família.
Neste contexto, torna-se adequado o título desta peça teatral: A Visão. Esses garotos, a
partir dessa “má visãode seus futuros, tentam mudar suas vidas. Também relaciona-se nesse
contexto a idéia do poema “Pobre Triste Velha Vida”, dentro do conceito de Vida Nova.
91
A segunda cena é denominada “Bela encrenca”. Trata-se da maneira encontrada pelos
personagens para saírem da situação que os incomodavam: mudar de ambiente, fazendo uma
viagem a Salvador.
No manuscrito encontrado há a seguinte descrição para o desenrolar deste ato:
1- Entram Renato e Alberto. Renato queixa-se de que as transformações
esperadas tardam
2- Alberto procura animar Renato contando tudo de um trabalho com
comentários enquanto se move [?]
3- Renato não se anima mesmo e Alberto comenta que só falta ele dizer
como o gordo – Essa é outra bela encrenca em que você se meteu
4- Sentam-se um pouco para descansar. Passa uma garota e Renato lembra-
se de Odette.
Esse tipo de planejamento de cena também é encontrado em outros trabalhos do autor,
sendo que, às vezes, aparece parte do dialogo que deveria constar naquela cena.
Sobre o esquema acima, apresenta-se na peça o seguinte resultado em relação ao item
3:
Alberto – Está parecendo até aquelas fitas do gordo e magro
Renato (surpreso) – Como assim?
Alberto O gordo sempre se queixa Essa é a outra bela encrenca em que
você me meteu”
No terceiro ato, Renato enfim consegue ultrapassar a barreira de seus medos e ir atrás
daquilo que ansiava a muito tempo: Odette. Aqui, Mario Tourasse Teixeira mostra como as
relações entre jovens são confusas, pois estes buscam a todo instante realizar seus desejos,
embora muitos temam aquilo que possa vir a acontecer.
na quarta cena, há uma conversa entre Renato e Terezinha. Esta estava grávida e,
quando soube do caso de Renato e Odette, ficou muito abalada e acabou perdendo o bebê.
Apesar do texto não mencionar claramente, entende-se que esses dois jovens tinham uma
relação estável.
Renato tenta se desculpar pelo ocorrido:
Renato – E tudo por culpa minha...
Terezinha – Não... não diga isso... Eu que não soube...
92
Renato – Mas, como...
Terezinha É sim... Odette era uma obsessão o antiga... como a própria
vida...o soube ou pude compreender.
Renato – E de que adianta agora (um tanto amargo)
Esse trecho mostra também que o caso de Odette e Renato foi apenas um desejo
incontido nele, e que o passou disso, como ocorre com muitos jovens que tomam atitudes
sem pensar nas conseqüências. Neste caso, foram profundas as marcas no coração de
Terezinha.
Como o quarto ato é a parte mais incompleta, não foi possível identificar o que estava
planejado para o final da peça. O autor trabalha neste texto as angústias que os jovens sentem
em relação a seu futuro, sua profissão por isso sua sobrevivência econômica e,
principalmente, sobre seus relacionamentos e suas dificuldades. Ao entrar no mundo homem-
mulher, o autor mostra como são complicadas as relações entre pessoas que ainda não sabem
ao certo o que querem da vida e têm tantos sonhos a construir. Alberto e Renato não são
simples jovens, mas são visionários que tentam lutar para que suas vidas não caiam na rotina
e no costumeiro.
que se destacar também que esta estória mostra como a Criação de Ambientes está
relacionada no indivíduo mais ao contexto emocional do que ao contexto físico. Um
argumento em favor dessa idéia se dá quando é colocada a viagem dos garotos a Salvador.
Estes mudaram de localidade para tentarem criar um ambiente onde suas intuições pudessem
emergir. No caso de Renato, que estava preso ao seu desejo de estar com Odette, a inspiração
não acontece, dado que seu estado emocional estava abalado. Já Alberto consegue certa
evolução em seu livro, porque se abandonou de fato no ambiente, não ficando mais preso a
sua “velha vida”.
Analisando esta peça percebe-se que, mesmo que ela não se passe no contexto escolar,
muitas das teorias do autor são aqui também abordadas. O que mostra, mais uma vez, que tais
teorias não se restringem à escola, mas também tem algo a dizer sobre a sociedade.
O Criador de Ambientes
Esta é uma peça teatral publicada pela série Mel e azul em 1975, e que é dividida em
05 (cinco) atos. Possui 08 (oito) personagens: Leônidas, Mendes, Norma, Pobre coitado,
93
Carlos, Oxalá, Sorveteiro e Estudante. Nos manuscritos Cadernos B-02 e B-11 foram
encontrados apenas recortes desta peça.
A peça relata o episódio em que o personagem principal, Leônidas, é incumbido por
seu chefe Mendes de fazer uma reportagem sobre uma turma que estava ganhando destaque
na região retratada. Esse grupo propunha a criação de ambientes e prestava serviços, neste
sentido, para que todos os interessados pudessem usufruir da idéia. Era um grupo aberto,
incluindo todos que quisessem se juntar a ele. Possuía um centro de operações chamado “A
Biboca”.
Para conseguir realizar seu trabalho, Leônidas entra no grupo em questão e começa a
participar das atividades propostas por eles. Durante esse processo, se envolve com a idéia,
posteriormente sentindo-se um dos culpados pelo término da organização.
A primeira cena mostra o rapaz em seu ambiente de trabalho, bem como Mendes que
tenta explicar-lhe como funcionavam as atividades do grupo:
Mendes Acho que parte da loucura é tentar nos transformar de fora para
dentro.
Leônidas – Como assim?
Mendes – A gente se integralmente e com isso ajuda a criar um ambiente
que nos vai por sua vez transformando... qualquer coisa nesse teor.
Leônidas aceita o desafio de viver a reportagem, pois deveria fazer parte do grupo para
poder sentir o que de fato significavam aquelas idéias. Esse viver é colocado pelo autor de
maneira análoga ao que ele próprio propõe a respeito da profissão “ser professor”. O
indivíduo deve participar emocionalmente do processo para poder entendê-lo, não sendo
suficiente um olhar superficial.
No segundo ato, Leônidas inicia sua pesquisa com Norma, irmã de Carlos, um dos
responsáveis pelo grupo, ao lado de Pobre Coitado. Em conversa com o repórter, ela explica o
funcionamento de todas as coisas, inclusive de um tipo de máquina chamada geringonça, que
pertence à Biboca. Esse aparelho possuía diversos itens que colaboravam na formação dos
ambientes, e em especial daquele ambiente. Um deles era um caleidoscópio que sempre
apresentava as figuras sem um padrão de repetição. também havia livros, músicas, flores e
painéis que suscitavam, em cada um, sensações diferentes: “[...] o efeito era bonito e
contraditório, pois unia tudo e, ao mesmo tempo, dava um sentido de amplitude”
A idéia cresceu tanto que foi levada para algumas escolas, de modo a formar
ambientes que convidassem os alunos a se expressar e, assim, desenvolver seus potenciais.
94
Norma destaca, na entrevista, que criar ambientes era muito maior do que decorar, e que a
turma não gostava desse termo:
Norma Tecnicamenteo devia usar o termo... quer ver eles ficarem
aborrecidos: é chamar o que fazem de decoração
Neste contexto, há a utilização das cores que dão nome a duas séries específicas do
S.A.P.O., indicando que Mario Tourasse Teixeira também pretendia criar ambientes e gerar
envolvimento com os títulos das séries deste movimento.
Em relação ao trabalho realizado pelo grupo, Norma afirma que eles se entregavam
totalmente à criação dos ambientes, e que tais ambientes emergiriam se cada um dos
presentes se desse por inteiro de maneira dinâmica e desprendida. Tudo deveria ser criativo, e
todos deveriam mudar, recriar e expandir:
Leônidas O Mendes falou em algo como ir se transformando de fora para
dentro.
Norma Então... a gente se dá, se esvazia na criação dos ambientes... daí
eles adquirem vida própria e nos preenchem, nos transformam
Também conversam sobre o motivo de toda essa organização, caracterizado por eles
como amor demais. Norma afirma que “O amor de Carlos é tão grande que contagia a
todos...”, sendo tal sentimento passível de se referir tanto a uma garota quanto a qualquer
outra coisa. Este personagem se abandonava inteiramente aos seus sentimentos, por isso
conseguia fazer fluir em todos a mesma motivação.
A terceira cena mostra Leônidas participando do grupo. O repórter vai com eles a um
passeio, no qual sobem um morro para dali admirar a lua. Nesta ocasião, Carlos lê uma estória
denominada “A Sereiazinha”, que aparentemente é de autoria também de Mario Tourasse.
Essa cena mostra como o grupo criava ambientes entre eles mesmos.
A quarta cena mostra o diálogo entre Leônidas e um sorveteiro, o qual conhecia Carlos
por trabalhar em frente às indústrias de seu irmão Brito. Nessa conversa, o repórter tenta obter
maiores informações sobre o grupo em questão. Participa também desta cena o Estudante.
Este personagem, a pedido de seu professor, está realizando um estudo sobre Carlos e sua
turma, como fica exposto no trecho abaixo:
Estudante (meio sem jeito) É... foi o chato do professor Stone que
sugeriu... disse até que me isentaria das provas se fosse bem sucedido... mas
não sei não.
95
Leônidas (meio aborrecido) – Puxa!... E eu que pensei...
Estudante (como que revidando) Voé o que menos pode falar... ele
sabe que está fazendo reportagem
Este dlogo quer mostrar que, assim como Leônidas e o Estudante, muitos se
aproximavam da organização por puro interesse, e não pela crença em seus ideais.
Apesar de ter entrado no grupo também por interesse, Leônidas sente-se motivado por
ele. No entanto, o estudante não compartilha deste sentimento, e acredita que logo tudo irá
acabar, porque os participantes do grupo são, em geral, pessoas não totalmente aceitas pela
sociedade:
Estudante (quase como num desafio) E o que você acha poderia resultar
de toda essa loucura?
Leônidas (parecendo não querer se comprometer) Nunca se sabe... quem
sentiu a coisa jamais seo mesmo
Estudante Talvez... mas não há base ou fundamento... só o encanto.
Leônidas – Exato, mas que encanto!
Estudante É loucura querer imaginar que sob esse encanto o podemos
senão amar, amar...
Leônidas – Mas é assim mesmo... no início as grandes idéias sempre
parecem loucura.
A ênfase em pessoas fora do padrão aceito é grande na obra de Mario Tourasse
Teixeira. Esse autor busca mostrar como, frequentemente, pessoas da sociedade são
discriminadas por não apresentarem êxito no comum, apesar de (poderem) se destacar em
atividades que exigem maior criatividade.
Como o Estudante o consegue acreditar na prosperidade da organizão porque falta
ordem e método para os participantes, os elementos mais desprezados por Carlos. Este
personagem reflete as idéias do próprio Mario Tourasse Teixeira, e pode ser tido um modelo
para a realização da teoria de Criação de Ambientes. Carlos lutava pela organização, assim
como Mario Tourasse Teixeira acreditava em sua teoria.
No decorrer do diálogo, o Estudante também alerta Leônidas de que em breve tudo iria
passar para as mãos de Brito, pois a perseguição contra o grupo estava ficando forte na alta
sociedade:
96
Estudante Ouvi dizer que o Brito se comprometeu a não levar a coisa
adiante mas também ampliar... de modo racional e científico... até industrial.
Leônidas (sombrio) – Acho que ele vai é ajudar a matar tudo de vez.
Leônidas foi contagiado pelo grupo e pela idéia da criação de ambientes, o que o levou
a crer que a organização não conseguiria durar muito mais tempo nas mãos de pessoas que
não partilhavam de tal ideal. O fim do movimento dar-se-ia pois, na idéia original, nada
poderia ser imposto ou calculado, mas deveria emergir como uma revelação na vida das
pessoas envolvidas. Com a comercialização da idéia, essa liberdade preconizada não poderia
mais existir.
A última cena traz o reencontro de Leônidas com Mendes. Depois de 6 meses de
trabalho, o repórter deveria estar apto a publicar a reportagem. No entanto, ele se recusa a
fazê-lo, pois sente-se culpado pelo fim da organização, como fica claro no trecho:
Mendes (um tanto ocamente) – Ainda não está pronta?
Leônidas Está... é a melhor coisa que fiz... mas não é para ser
publicada...
Mendes (voltando a se preocupar) – Ainda está se sentindo culpado?
Leônidas Duplamente... Por não ter aberto o jogo com o Carlos e por ter
fracassado como repórter. [...]
Mendes (na defensiva) Não podia ser de outra maneira... era um sonho...
muito bonito, mas que o podia durar muito... depois ele sabia que o irmão
o viria amparar e cuidar de tudo quando o encanto não pudesse mais
prosseguir.
Os dois continuam conversando, falando com tristeza do sumiço de Carlos, até que se
dão conta de que nem tudo acabou: todo morrer traz um novo nascer. Mendes compreende
eno que até esse desaparecimento pode ser proposital, para que mais tarde uma Nova Vida
possa emergir ainda mais forte, como uma superação. Esse “morrer” aparece também em
outros textos do autor, sendo remetido a um abandono na situação para que disso possa
emergir um novo mundo.
Para manter acesa a idéia de criação de ambientes, Leônidas decide “decorar” sua sala
com as folhas da reportagem, curiosamente cortadas em tiras, para que a cada frase lida uma
nova realidade pudesse se projetar.
Mario Tourasse Teixeira traz para esse texto sua principal teoria, e mostra como sua
ocorrência não é restrita apenas ao contexto educacional. Mostra também como setores da
97
sociedade podem ser beneficiados se ambientes pertinentes forem criados. O autor também
constrói personagens de acordo com o modelo de liberdade que espera. Estes tendem a não
seguir um padrão controlável, mas fazem de sua vida um mundo mágico a cada instante.
É importante destacar também, que do mesmo modo como, nesta peça, as criação de
ambientes da organização não ocorrerá se imposta ou se usada apenas como decoração nos
diversos setores que a comportam, a própria teoria de Criação de Ambientes do professor
Mario não pode ser sustentada como algo impositivo na sala de aula. Esta tem que surgir para
os professores como uma revelação, algo que naturalmente seja incorporado ao processo
educativo.
Todos os elementos deste texto podem ser comparados ao S.A.P.O. A organização em
si seria o movimento, e Carlos poderia ser ele próprio, embora a pesquisadora não acredite
que o autor fosse aceitar a comparação com o personagem. Leônidas, nesta conjectura, seria
todo aquele que se deixa encantar e motivar por sua teoria. Percebe-se ainda mais
semelhanças: do mesmo modo como a alta sociedade não aceitava o grupo, muitos da época
do S.A.P.O. não aceitaram sua filosofia e criticaram o movimento.
Enfim, o entendimento desta peça teatral leva ao entendimento da própria teoria de
Criação de Ambientes proposta pelo autor, e pelo movimento que a sustentou.
Revelação
Esta é uma peça teatral dividida em 04 (quatro) atos, que foi publicada pela série Mel
e Azul, em 1976. Possui dedicatória a Carlos Sussekind e João Pedro, e é composta por 05
(cinco) personagens: André, Ivan, Luiz, Olga e Elza.
Também foram encontrados rascunhos desta obra no manuscrito Folhas F-05, no qual
há um roteiro para cada cena. A título de exemplo, eis um breve esboço da 2ª cena:
Ainda sobre a festa
Moça aparece
Strictly business
Neste caso, as anotações dão a entender que o autor deveria escrever sobre a festa que
aconteceu na cena anterior. Depois, daria continuidade à peça com o surgimento de uma
moça, que no texto final é vista pelos personagens And e Ivan perto de um bar. Para
finalizar, após uma investida amorosa com relação à garota, eles descobrem que não
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conseguiriam ter um relacionamento com ela por se tratar de uma garota de programa, ou seja,
seria strictly business (“estritamente negócios”, ou “apenas negócios”).
Além disso, versões em que os personagens recebem outros nomes. Por exemplo,
Selma (Elza), Olga (Olga), Paulo (Luiz), Ivan ou Alberto (Ivan), e João (André).
A estória retrata os dilemas e desencontros dos personagens André e Ivan, que
parecem viver um paradoxo interno: querem dar algum significado às suas vidas, e fazerem
uso da liberdade que lhes é concedida, mas ao mesmo tempo têm medo de mudar de vida,
sentindo-se presos às mesmas coisas.
Esta peça é permeada de versos, rimas e canções. Algumas delas são de autoria do
próprio Mario Tourasse Teixeira, outras são paródias de outros autores. Por exemplo, na
primeira cena André recita:
... O encanto
Que dá nome a esta casa, põe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto
Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem som nem cor, e eu, miserando,
Não sei mais como o ouvir, nem como o diga
Estes versos remetem ao poema Noturno do Morro do Encanto
24
, de Manuel Bandeira.
na cena 2, o recitados os poemas “Dá a surpresa de sere Distosos a quem
acena”, que constam nO Cancioneiro de Fernando Pessoa. Outros autores recitados durante
esta peça são Gabriela Mistral e Antero de Quental.
A primeira cena, denominada “Festa old-fashioned”, se passa em uma festa na qual os
dois personagens estão em busca de uma revelação. Nesse ambiente, Andprocura por algo
ainda não revelado a ele, como a coragem de se aproximar de Elza. Esse personagem é tímido
com as mulheres, e nunca consegue tomar iniciativa. Ele espera um ambiente adequado para
se revelar.
O diálogo abaixo reflete a insegurança deste garoto:
Elza (subitamente desconfiada e olhando os dois) Que estão tramando?
Aposto que é uma fuga estratégica. (com um sorriso singularmente triste)
André Estamos fugindo sempre donde mais queremos ficar. [...]
Ivan (sem muita convicção) – Estou me animando... O André não colabora.
24
Este poema encontra-se nos Anexos desta dissertação para comparação com os versos citados acima.
99
Elza (para André) – Você mesmo a impressão de resistir... não se
abandonar
Ivan – Está se reservando para o grande amor.
Elza Esperemos que não demore muito.
Ivan, dotado de maior iniciativa, tenta neste diálogo obter sucesso com Olga:
Olga (brejeira)Vocês dois sempre juntos, hein? esdando na vista.
Ivan – Dando na vista está você [...]
Ivan (aquiescendo) Queimadinha da praia, soltinha nesse vestido branco à
moda antiga... valeu a festa!
Como nenhum dos personagens é bem sucedido com as garotas, ambos decidem ir
embora da festa. Para não perderem a noite, acabam por parar em um bar, mas também nada
de especial acontece. Os acontecimentos neste local são relatados na segunda cena.
também uma conversa entre esses garotos que menciona o contexto educacional.
Em um diálogo, ao fazerem referência a uma mulher chamada Tília, os personagens
comentam que seu único defeito era ser professora.
Na terceira cena, “O Luão”, André e Ivan vão à praia para fazer uma serenata, na
companhia de outro personagem, Luiz. Neste local, os jovens incitam André a se desfazer de
seu livro Educação Sentimental, de Gustave Flaubert, pois consideram que este faz com que o
garoto fique ainda mais preso a seus medos e inquietações. Este seria, então, um meio para
entrar em uma vida nova, que fosse livre dos bloqueios que André possui.
Durante o diálogo dos personagens, menção à palavra irreversível. Como em outros
textos deste autor, esse termo tem um significado especial: “Aquilo que acontece e o deixa
mais a vida da gente ser a mesma. Donde não se pode mais voltar atrás e retomar a vidinha de
sempre. O decisivo...” Para André, somente o irreversível poderia ser capaz de lhe dar uma
nova vida.
Como Ivan não conseguiu ficar com garota alguma, desenha o corpo de uma
“pequena” na areia. Essa parte da narrativa é colocada por Mario Tourasse Teixeira para
suscitar uma discussão acerca do futuro deste personagem.
Os garotos discutem sobre o talento de Ivan em desenhar, incentivando-o a ser um
profissional desta área. No entanto, este garoto, refletindo as idéias do autor, não concorda.
Para ele, deveria haver verdadeira entrega em todas as profissões, que deveriam ser como
revelações para os indivíduos, e ocorrer como um impulso incontrolável que fizesse com que
100
se trabalhasse sem pensar. Ivan não concorda em pintor profissional por acreditar que isso não
acontece com os artistas. Ele considera hipócritas todos que se aventuram nesta área, pois
com o passar do tempo tornam-se “criadores”, que fazem suas obras visando um recebimento.
Em sua concepção, deveriam produzir somente segundo suas inspirações.
sobre isso o seguinte diálogo:
Luiz (para Ivan) – Puxa, nunca vi ninguém com tanto talento como você... e
jogando fora [...]
Luiz Mas um pouco de controle, de disciplina, e você poderia se dedicar
ao desenho, a pintura... não fazer mais nada
Ivan (ainda com desprezo) Grande coisa!... Como uma profissão... O que
quero é viver e se desenho ou pinto, que faça parte de minha vida e não ao
contrario, que deixo para os farsantes dos artistas.
André Até ai concordo... Os caras são bacanas quando começam...
quando não tomaram consciência por assim dizer.
Ivan Depois o chatíssimos... dizem que criam... vão perdurar... parte da
cultura... enfim essas baboseiras todas. [...]
IvanPoxa, já pensou?... criador!?... Só se for de preconceitos e chateão
André No fundo eles querem parar... E na verdade essas drogas de obras
primas são obstáculos... Servem apenas para serem ultrapassados.
Essa idéia sobre profissões também reflete o que o autor pensava sobre a carreira
docente.
Como visto no capítulo anterior, Mario Tourasse Teixeira acreditava que oser
professor” não deveria ser encarado como profissão, mas como algo que emergisse nas
pessoas e as fizessem se doar nesse processo. Essa doação não visaria o lucro, mas a criação
de ambientes e o dar-se pleno, para que mais e mais alunos se contagiassem com esses
ambientes e pudessem desenvolver plenamente suas potencialidades. Tudo isso seria feito
visando uma edificação da sociedade, e não um ganho individual.
Outra parte do diálogo que tem relação com o contexto educacional é a lembrança que
And tem do Caniço Pensante, um professor que lhe deu aulas. Ele é descrito pelo
personagem como diferente dos demais, não possuindo o que o autor define como voz de
professor. Neste sentido, esse professor tem as mesmas características que o pseudo, da
estória “As desventuras do Figurinha Difícil: O Peseudo, mostrando a concepção de
professor do autor.
101
A quarta cena, “Despertar”, inicia-se com André explicitando um pouco de sua visão
sobre a vida e a educação:
André (suspirando bem fundo) – Estou pregado mesmo!
Ivan (dúbio) Será que conseguimos voltar p'ra casa?
André Não se preocupe... veja os passarinhos no campo.
Ivan – Ou os lírios.
André Nem a glória em todo Salomão.
Ivan – Tem razão... É a educação... torna a gente mesquinha.
Esse diálogo faz referência à passagem bíblica na qual Jesus fala aos discípulos que se
Deus cuida dos pássaros do u e dos lírios do campo, quanto mais de seus filhos:
“Considerai os lírios como crescem; não fiam, nem tecem; contudo, digo-vos, nem Salomão
em toda a sua gria jamais se vestiu como um deles. Se Deus, portanto veste assim a erva que
hoje esno campo e amanhã se lança ao fogo, quanto mais a vós, homens de pequenina.”
(Luc 12, 27-28).
Com essa idéia, Mario Tourasse chama a atenção para as preocupações que percorrem
a cabeça dos jovens, ou seja, reforça que são muitos questionamentos que seriam resolvidos
se houvesse mais abandono da parte deles.
Este texto bíblico aparece em outros momentos na obra deste autor, a saber, no artigo
“Educação como criação de ambientes, o qual termina com a seguinte frase:
Para os que, atolados em seus mesquinhos ideais de segurança e conforto,
reputam esse sonho de temerário e louco, lembramos apenas o que Jesus
disse à respeito dos passarinhos. Que parece ser, na verdade, o que de mais
relevante temos a lembrar hoje em dia. (EDUCAÇÃO como Criação de
Ambientes, 1974, p. 12)
Esta peça se encerra com o personagem André conseguindo finalmente entender a
revelação daquela noite. Segue o diálogo entre os personagens:
André (aéreo) – Agora acho que sei.
IvanSabe o que rapaz? 'Tá aí dormindo!
André O sentido de revelação desta noite.
Ivan (desconfiado) – Só espero que não seja muito complicado.
102
André O amor que se descobre revela todo o encanto escondido que se vai
perder.
Este personagem entende que o amor é como um mundo de sonhos. A expectativa de
conseguir realizá-los tem um encantamento muito maior do que o momento da realização. A
partir deste, cria-se um vazio no indivíduo, que não terá mais no que projetar sua vida. O ato
de planejar, ou de estar envolvido em algum projeto, e o comprometimento com o mesmo, são
o que forma o verdadeiro encanto.
A revelação que o personagem tem, então, reflete seu modo de encarar as garotas: não
realiza seu “sonhode estar com elas para não perder o encanto que o envolve quando pensa
nesta situação.
que se notar, entretanto, que realizar um sonho não é algo que deva ser evitado
para que se viva em um mundo mágico, maravilhoso e cheio de revelações, mas uma
oportunidade para iniciar outro sonho e, assim, começar a projetar uma nova vida. Cada
sonho que se tem é uma nova vida que se projeta e, portanto, um encanto novo.
Os anseios descritos nesta peça refletem a juventude, seus dilemas e significados. O
texto mostra que garotos e garotas tentam entender o mundo, as pessoas que os cercam e,
principalmente, a si próprios. Nessa época, suas personalidades ainda estão sendo formadas, e
seus anseios por liberdade geralmente não são aceitos.
Cabe destacar que no início desta peça há uma apresentação da mesma, na qual o autor
expressa que os professores, por meio deste texto, poderiam adquirir uma maior compreensão
da juventude, e assim reorientar seu trabalho educativo.
4.3 Textos em Prosa
Os textos em prosa de Mario Tourasse Teixeira foram divididos no capítulo 02 em
contos, estórias narrativas, estória com slide e fita cassete e estórias ilustradas ou em
quadrinhos.
O primeiro grupo, contos, traz personagens como heróis e reis que mostram as
aventuras de seu povo, além de usar elementos como a lua, flores, animais, apresentando um
enredo fantasioso. as estórias narrativas se relacionam diretamente com a escola. Seus
personagens sempre estão de alguma forma em um ambiente escolar. Além disso, fazem
referência à filosofia do movimento S.A.P.O. Seus enredos referem-se a assuntos como
Criação de Ambientes, criatividade, entre outros.
103
O terceiro grupo traz somente uma estória, “A Alma da Margarida”, que traça um
paralelo entre a Educação Matemática e a idéia de simetria em Matemática.
O grupo esrias ilustradas ou em quadrinhos possui a mesma caractestica do
segundo grupo. No entanto, além do texto o autor insere as ilustrações, que exigem uma
descrição menos detalhada, fazendo com que o leitor utilize as imagens como auxílio para a
leitura e o entendimento da estória. A única exceção é O Irreversível”, que foge do ambiente
escolar, ainda que também esteja inserido na filosofia do S.A.P.O.
Como esclarecido anteriormente, essas quatro categorias foram unidas em apenas uma,
o texto em prosa, para atender à classificação dos gêneros literários utilizada atualmente. No
entanto, será possível identificar a qual categoria a estória pertence através de citações, que
farão parte da análise de cada texto.
Em relação às estórias em quadrinhos, haverá a transcrição das falas dos personagens,
feita de acordo com a ordem em que aparecem. Ou seja, se um personagem tinha dois balões
de fala em seguida, elas foram transcritas separadamente, porém em seqüência.
Alguns textos encontrados nos manuscritos não constam nas análises abaixo, por se
tratarem de textos inacabados. Este é o caso dos contos “A lenda do Balão encantado”,
pertencente ao manuscrito Folhas F-04, e “Em busca do mundo encantado”, do manuscrito
Caderno B-04.
A Alma da Margarida
A série Mel e Grenat é composta por um único trabalho, “A alma da Margarida”.
Segundo Souto (2006), este é um de seus trabalhos literários mais conhecidos. Esta produção
dispõe de um conto, um conjunto de 49 slides, uma gravação em fita cassete e um conjunto de
cartazes com ilustrações.
Os slides devem ser projetados enquanto ocorre a narração da estória. No primeiro
slide, exposto abaixo, a obra é assinada pelo professor Mario, sendo o layout atribuído a
Waldemir Luiz Rios Jr. e a arte final a Orlando Lucano:
A estória narra sobre um escritor que largou tudo, dedicando-se a pintar margaridas.
Era como se ele buscasse a alma desta flor; porém, por mais que tentasse, ele nunca conseguia
se satisfazer com seus desenhos. Por mais que gostasse do que fizera, no final do trabalho
acabava por se desiludir. Por sua persistência, chamou a atenção de um dos mais importantes
filósofos da época. Este pensador foi, então, tentar entender o que buscava o pintor, e
104
enquadrá-lo no sistema de leis habituais do mundo. Deixou para trás seus alunos, dizendo que
só voltaria quando tivesse encontrado o que foi buscar.
Figura 8 - A Alma da Margarida, capa.
A estória segue com o filósofo atento ao pintor por muito tempo, até sua desistência
em tentar entendê-lo, e sua conseqüente decisão de voltar ao ambiente em que era respeitado e
admirado. O pensador parte sem se despedir, conforme se observa no trecho: “Para evitar
despedidas partiu em um dia bem cedinho, contemplando pela última vez o semblante
fatigado do velho pintor.”
Depois de um tempo, começou a discutir com um de seus discípulos sobre o conceito
de simetria, explicando suas variedades. A partir desse momento a estória passa a explicitar os
conceitos matemáticos envolvidos nessa noção, incluindo os grupos de simetria e o eixo de
simetria. Neste trecho da estória, o seguinte slide é colocado:
Figura 9 - A Alma da Margarida, slide 20
105
Durante a explanação sobre o conceito de simetria, o filósofo chama a atenção para o
fato de ele estar presente em diversos elementos da vida humana, como por exemplo nas
representações artísticas. Ele chega, por fim, à simetria existente nas margaridas.
Percebe-se então que o filósofo, assim com o pintor, não conseguira entender o que há
nesta flor que possui tanto encantamento, e conclui para o seu discípulo:
“A iia simples de simetria que percebemos na margarida, nos fez
vislumbrar tudo isso. Nos levou a toda essa aventura magnífica. Mas a
margarida o sugere só a simetria, é um mundo. E o velho pintor com sua
sensibilidade vai descobrindo esse mundo. Indo sempre além. Na simples e
pura margarida se escondem talvez os segredos mais belos e profundos da
vida.
Souto (2006, p. 21) afirma que “Este trabalho, bem ao gosto do Prof. Mario, associa
componentes de cunho artístico e filosófico com forte apelo para o emocional para tratar a
idéia de simetria em matemática”.
De acordo com o depoimento da professora Eurides Alves de Oliveira, citado por
Souto (2006, p.22), “A alma da Margarida” data do período em que ele “começou a se
dedicar com maior afinco às atividades relacionadas à Educação Matemática”. É importante
destacar que a reedição desta estória foi feita pelo Centro de Lógica, Epistemologia e História
das Ciências CLE, da Unicamp, o qual organizou em um único arquivo de vídeo os slides e
a narração do texto.
A Energia Dormente
Este é um texto inédito encontrado no manuscrito Caderno B-08. Trata-se de uma
narrativa sobre a tentativa de motivar um aluno chamado João, que parecia não se importar
com o que acontecia no ambiente escolar, apesar de ser considerado muito inteligente.
Durante uma reunião de professores, o professor de português incita os demais professores
que algo deveria ser feito para ajudar o aluno. João deveria perceber o valor da escola e de
todas as matérias que ele tinha no currículo.
Apoiado pelos professores de Matemática, sica e Inglês, o professor de português
conseguiu que certa atenção fosse dada ao caso de João. Fica decidido, então, que caberia ao
professor de Física realizar uma aula sobre energia para ver se isto conseguiria estimular a
energia dormente no garoto. Faz-se interessante notar que, ao colocar que apenas três
professores se motivaram a obter algum resultado com João, o autor desta estória foca o
106
constante desinteresse dos professores pelos alunos, principalmente quando se trata de algum
aluno com problemas na escola.
Na continuação da narração, o autor chama a atenção para o fato de que o professor de
Física, responsável pela aula motivadora, era considerado um dos melhores professores da
escola. Ou seja, Mario Tourasse Teixeira quer mostrar que, na visão de muitos, tal tentativa
caberia somente a um docente considerado superior, como se qualquer outro o devesse ter o
mesmo interesse em “ajudar” aquele aluno.
O professor de Física se empenhou ao ximo na preparação da tal aula. No entanto,
o dia em que esta seria realizada, João faltou à escola. Não se dando por vencido, deixou a
aula sobre energia para um dia em que o garoto estivesse presente. E assim ocorreu.
Certo dia, a aula aconteceu, e esta chamou tanto a atenção do próprio professor que ele
praticamente não se importava com mais nada do que a exibição de seus conhecimentos,
como fica claro no trecho abaixo:
Durante a aula ficou o preocupado que o pode prestar atenção a como a
turma e particularmente o João estavam reagindo.
Ocorre então uma crítica do autor ao tipo de professor considerado o “melhor” da
escola. Fica claro que se trata daquele denominado na teoria de Mario Tourasse Teixeira de
performer. Como foi possível perceber pelo capítulo anterior, a performance é um tipo de
exibição que exalta apenas a figura do professor, deixando de lado o conhecimento dos alunos
e suas expectativas.
Ao considerá-lo o “melhor” professor, fica claro que a idéia que o autor quer passar é
que em muitas escolas o bom professor é aquele que sabe se apresentar em público, e não
aquele que se preocupa de fato com o processo educativo. Há nesta estória, portanto, uma
crítica a esse modelo de educação, na qual o professor acredita que seu próprio conhecimento
e exibição é capaz de motivar os alunos.
Para completar essa idéia, na conclusão da estória, o professor de Física fica tão
curioso para saber o efeito de sua aula em João que acaba ouvindo o diálogo entre este garoto
e outro aluno da escola.
E embora não tivesse bem próximo conseguiu ouvir Roberto perguntando:
- Que tal João, gostou?
E a resposta:
- Toda aquela energia me deu uma canseira danada.
107
Ou seja, o professor passou demasiado tempo preparando a aula e tentando fazer com
que João se interessasse pela escola, de modo a não perceber como e o que, de fato, o garoto e
seus outros colegas gostariam de aprender. É claro que a idéia de dar autonomia para o aluno
no ambiente escolar é algo que tem que ser devidamente pensado; no entanto, permanece
válida a consideração do autor de que somente com as performances dos professores os
alunos dificilmente serão motivados.
A História do Capeto
Esta estória é contada através dos olhos de um cão, chamado Capeto. Ele retrata sua
própria vida e suas aventuras, observando que sua “missão” é cuidar de seu dono, chamado
Toninho. Capeto também se descreve como “metódico, prudente e precavido”, o que faz com
que, às vezes, seja mal interpretado por Toninho, que o chama de medroso em diversas
ocasiões. Capeto assegura que sua maior aventura foi a ocasião em que foi separado de sua
mãe e colocado na porta do Toninho. Desde então a vida de Capeto resume-se em zelar pelo
seu bem-feitor. Este cão descreve seu dono como “muito distraído e descuidado”. Esta
característica faz com que Toninho, às vezes, até esqueça de alimentá-lo convenientemente.
Em relação a esses descuidos, o cão recorda-se de chegar a ter que lembrar seu dono de
vaciná-lo contra a raiva. A estória em questão descreve exatamente um episódio em que o cão
passou por dificuldades por causa dessa doença.
Capeto gostava de acompanhar o menino até a escola, mesmo contra sua vontade.
Justifica:
Costumo ir com o Toninho à Escola. o, naturalmente, porque a Escola
tenha algum atrativo para mim; na verdade acho tudo muito estranho e
sombrio e, por mim, seria lugar para se passar de longe. Mas como Toninho
tem que ir lá, prefiro ir junto a ficar só e desolado em casa.
Nesse momento do texto, percebe-se a concepção de escola do autor, que
indiretamente estabelece a escola como um lugar sem atrativo algum para a maioria das
pessoas. Ou seja, a percepção do o em relação à escola um lugar estranho –, é a mesma do
autor e, provavelmente, a mesma dos alunos que lá estudam. Deste modo, enfatiza que não há
a criação de um ambiente escolar que motive e estimule os alunos.
Na estória, ocorre que certo dia, após acompanhar o Toninho à escola, o cachorro
acabou ficando no pátio à hora do intervalo. As crianças, assustadas e com receio do que ele
poderia causar, começaram a gritar “cachorro louco!. Como o medo se instaurou, todos
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abandonaram o pátio, menos um menino: o Figurinha Difícil. Este o acalmou e deu carinho.
Sobre o Figurinha o o relata:
Minha alegria foi tamanha que me deu ganas de ficar com o figurinha para
sempre. Só mesmo meu grande espírito de lealdade para com o Toninho, um
dos primeiros a fugir, é que me impediu disso.
O Figurinha é colocado nesta estória para mostrar que mesmo em meio àquele
ambiente estranho há a serenidade de alguns. Em outras palavras, pode-se dizer que a escola
precisa de pessoas que possam fazer algo a respeito de seus problemas e não simplesmente
fugir, como fizerem todos os outros alunos.
O conto termina com o cão dando um alerta sobre a raiva aos outros cães:
Por isso e por outras é que acho importante aconselhar a todos meus amigos
que se vacinem contra a raiva e que insistam com os seus donos para que
tomem tal providencia o mais rápido possível.
Percebe-se então que a estória, inicialmente servindo de alerta para o problema da
raiva, transcende este tema ao tratar de questões educacionais.
Esta estória foi publicada no SAPEANDO 16, edição de Primavera de 1978, nas
páginas 70 a 72. É classificada por Baccan (2002) como um conto, pois é publicada nesta
edição do SAPEANDO como tal; ou seja, trata-se da classificação do próprio autor, sendo
assinada por Mario Tourasse Teixeira.
A Lenda da Pulseira
Este conto é inédito e foi encontrado no manuscrito Folhas F-04. Relata a estória de
uma jovem chamada Jana, que sonhava com riquezas e com a adoração dos rapazes, pois era
humilde e possuía poucos admiradores. Sua vida começou a mudar depois que apareceu com
uma pulseira em seu braço. A partir desse momento, praticamente todos os seus sonhos
começaram a ser realizados. Tinha muitos rapazes lhe procurando e lhe presenteando, o que
culminou em seu casamento com um príncipe.
Apesar de seu casamento e de sua ascensão ao trono após o falecimento do rei, os
admiradores de Jana não a deixavam em paz. Ignoravam as outras moças do reino por sua
causa. Tal situação se desenvolveu até um certo dia em que, depois de algumas disputas por
sua causa, a moça apareceu sem a pulseira. Como por mágica, a paz voltou ao reino e as
confusões cessaram. Jana desapareceu e outras moças passaram a ser amadas.
109
O autor destaca
[..] parece que Jana deixou entre todos a lembrança de um encanto
insuperável.
Esse encanto, explicado anteriormente, remete ao estado em que se encontrava a
moça. As seu surgimento com a pulseira, seu mundo mudou. De alguma forma a pulseira
revelou-se à Jana como algo que lhe traria a satisfação desejada. No entanto, como nem
sempre o que se deseja é o melhor para si, a moça acabou ficando sem a pulseira, que ao ins
de lhe trazer alegrias, estava lhe trazendo confusões.
Na educação não há pulseiras mágicas, as quais os professores podem vestir e então
obter a atenção e o prestígio dos alunos. Mas o trabalho paciente e cuidadoso, que, ainda
que demore a apresentar resultados, possibilita uma satisfação que não irá desaparecer, ao
contrário daquela que Jana experimenta.
A Lenda do Fastidioso Nobre
Este conto foi publicado pelo SAPEANDO 03, a Edição de Inverno de 1975, nas
páginas 87 a 89. Também foi encontrada uma versão no manuscrito Folhas F-04.
O texto relata a estória de Atbar, um nobre de “gosto apurado”, que colaborava com o
rei do local. Suas tarefas se estendiam da supervisão das festas do reino à escolha de uma
“esposa para o herdeiro do trono”. Segundo o narrador, “o rei simplesmente não saberia como
se haver sem a orientação de seu gosto refinado e de suas distinções sutis”.
Atbar tinha apenas uma filha, Sofki, e havia perdido sua esposa durante seu
nascimento. No entanto, Sofki, tinha gostos diferentes dos de seu pai, e agia diferentemente
dos padrões paternos:
Por mais que o pai se esforçasse em sufocá-la com a educação mais refinada
do país Sofki, embora paciente, terna e obediente, sempre acabava se
revelando em suas tendências mais profundas, completamente antagônica
aos preconceitos paternos.
A garota, como adorava o pai, fazia de tudo para disfarçar tais tendências. Atbar,
entretanto, não conseguia entender porque Sofki, que fora educada do modo mais adequado
possível, agia de forma contrária ao que lhe fôra ensinado. Ele percebia que a filha tinha um
refinamento apenas de superfície, o passando de uma moça de gestos vulgares, os quais
Atbar sempre condenara em outras pessoas.
110
A situação de Sofki com seu pai piorou quando ela começou a namorar Etle, um rapaz
“sem estirpe ou posição, do qual o máximo que se poderia dizer é que tinha olhos grandes e
expressivos, como que eternamente maravilhados do mundo”. Nesta parte do conto, percebe-
se que Sofki se revela, ou seja, mostra aquilo que é de verdade. Como mencionado, a
palavra revelação nos textos deste autor significa trazer à tona algo que existe, permanecendo
à espera de uma oportunidade de vir à luz. Assim, diferentemente de muitos, Sofki aos pouco
vai mostrando sua personalidade ao pai. Percebe-se na descrição do autor que se trata de
alguém com a personalidade voltada a conceitos caros à Mario Tourasse Teixeira, a partir das
palavras “eternamente maravilhados do mundo”. Para ele, o essencial é o abandono
25
e o
planejamento da vida nova a todo instante.
Como Atbar o aceita seu relacionamento com Etle, Softki decide se mudar para
outro país com seu namorado. Esse fato tornou o nobre ainda mais solirio e rígido com suas
tarefas. No entanto, com o passar do tempo, muitas dúvidas lhe surgiram a respeito de suas
atitudes, até que decidiu abandonar sua vida e ir para o campo.
Sobre a decisão deste nobre em abandonar suas riquezas, o narrador relata:
[...] Atbar lembrava-se como Sofki antes que às flores sofisticadas de seu
jardim, o mais famoso de todo o reino, preferia as margaridas singelas, tolas
e vagabundas dos campos. Antes que ouvir os melhores músicos e
composições preferia as ingênuas e desataviadas serenatas que seu simplório
namorado compunha e entoava em tosco instrumento e voz deseducada. [...]
E Sofki era sua filha... sensível... até mais do que ele talvez...
Atbar percebeu que a felicidade de sua filha estava nas coisas mais simples. Assim,
decidiu tomar uma decisão drástica: distribuiu suas riquezas entre as pessoas do reino, e
montou para si uma casa simples com um enorme canteiro de margaridas. Estas eram as flores
que Sofki mais gostava. Também fazia objetos de madeira para se sustentar.
Analisando este conto, percebe-se que muitos professores se comportam como Atbar.
Influenciados por suas idéias acerca da Educação, os professores sufocam os alunos com seus
ideais, sem deixar que tais estudantes tenham a liberdade da criação livre. Ou seja, os
docentes inibem o emocional e o criativo.
A esse respeito, Mario T. Teixeira escreve, em “As Performances”:
A rotina, o formalismo, o ganho associado, a tradição da apropriação crítica
arraigada em padrões consagrados foram desenvolvendo de forma
generalizada um duro e impessoal julgamento que ridiculariza
25
No mesmo sentido já descrito anteriormente.
111
impiedosamente os erros”, os desvios e as inovações. (AS
PERFORMANCES, 1976, p. 40)
Enquanto muitos professores, assim como Atbar, são “rígidos e distantes” de seus
alunos, outras pessoas, como Etle, são sonhadoras e cativam as demais.
A grande critica do autor nesse sentindo direciona-se ao fato da maior parte das
pessoas sonhadoras na escola pertencerem ao grupo dos alunos, e não dos professores. Por
isso, o professor Mario reforça em suas teorias que o professor deve estar aberto à
compreensão dos anseios e desejos trazidos pelos alunos quando entram nas salas de aula.
Mario Tourasse enfatiza, desse modo, que há outras maneiras do professor agir para que se
consiga respeito e admiração.
Outro ponto abordado neste texto é a beleza das coisas simples. Através da referência
a um canteiro de margaridas, pode-se fazer uma analogia à estória “A alma da Margarida”:
apesar de simples, é uma flor que encanta muitas pessoas. Da mesma forma, as aulas não
precisam ser grandes exibições para que atinjam efetivamente os alunos.
A Lenda do Herói Inconseqüente
Este texto foi publicado no SAPEANDO 03, edição de Inverno de 1975. Também foi
encontrada uma versão no manuscrito Folhas F-04. Possui três personagens: o rei, sua filha,
chamada Enlhoa, e um personagem principal, um jovem chamado Jothaw.
Entre os caderninhos pesquisados, foi encontrado um texto inacabado com o título O
herói recalcitrante”. Há fortes indícios de que se trata do conto em questão. Apesar de
algumas palavras modificadas, o conteúdo também se referia a um rei de um país “tão distante
que sequer figura em nossos mapas, e que, apesar de conseguir manter seu país na paz e
prosperidade, sente que seu povo o é feliz.
O conto relata a bravura de Jothaw ao enfrentar todas as provas escolhidas pelo rei
para que pudesse ganhar a mão da princesa. Um elemento incomum na construção da
narrativa é a proposta do rei: trata-se de um torneio para encontrar um marido para sua filha,
devido à sua indecisão. As provas eram muito difíceis e precisariam de muita coragem para
serem realizadas. Por esse motivo, muitos inscritos desistiram da competição, mesmo sabendo
que, além da mão da princesa, ganhariam prestígio no reino.
Enlhoa, entretanto, escolheu por si mesma um pretendente antes do início do torneio,
fazendo com que o rei, mesmo que a contragosto, cancelasse as provas. A trama da estória é
estabelecida quando Jothaw decide, mesmo sem o prêmio, participar do torneio.
112
Um dos candidatos porém, Jothaw, resolveu enfrentar as provas, mesmo que
sem seu fabuloso prêmio. Seja porque amasse mais a princesa que todos os
outros, seja por orgulho de um amor ferido ou sabe-se lá!
Depois de quase morrer diversas vezes, o jovem conseguiu a façanha de realizar todas
as provas. Tais feitos fizeram com que muitos admitissem que ele provavelmente seria o
vencedor, se de fato o torneio tivesse sido realizado. No entanto, cresceu entre o povo um
sentimento de revolta contra ele, pois a maioria não via razão para tal feito.
A maioria agora parecia, ou não ver sentido no gesto de Jothaw, ou reputá-lo
de rematada tolice. Dizia-se que mesmo a princesa, agora noiva, reprovava
abertamente a atitude do teimoso jovem.
Comparando este conto com o que ocorre no processo educativo, aliado às teorias
expostas no capítulo anterior, pode-se concluir que muitos professores, da mesma forma que
Jothaw, realizam façanhas que são desnecessárias na cabeça dos alunos. Em outros termos,
suas performances são para eles mesmos e não fazem sentido para os estudantes.
O conto termina com a morte do rei e a posse da princesa. A nova rainha, irritada com
a decisão de Jothaw pela realização das provas, resolveu expulsá-lo daquele reino.
Sem nenhum ambiente mais para viver entre seu povo, Jothaw emigrou em
penosa viagem para o longínquo país dos vulcões gelados, sem que
aparentemente ninguém desse tento a sua sorte.
Quando coloca o termo “ambiente” na citação acima, Mario Tourasse Teixeira quer
realmente chamar a atenção para ambientes como os descritos acima, que são criados por
professores. Exibindo-se conforme sua vontade, e não de modo a criar ambientes onde as
potencialidades possam surgir, tais professores são repudiados pelos alunos, a exemplo do que
Enlhoa fez com “hei” deste conto.
A Lenda do Metódico Mentiroso
Este conto foi publicado no SAPEANDO 03, edição de Inverno de 1975, nas páginas
84 a 86. Foram encontrados nos manuscritos Folhas F-04 rascunhos deste texto, com algumas
alterações.
Tal lenda relata a estória de um homem chamado Morlis, nativo de Sirla, o porto
principal de um povoado “essencialmente marítimo de mercadores e pescadores”. Morlis,
seguindo o tipo de personagem usado por Mario Tourasse Teixeira, tinha imaginação e
criatividade, o que permitia que inventasse as estórias mais impressionantes. Tais estórias
113
eram, em sua maioria, mentirosas, e Morlis as contava com todos os detalhes possíveis. De
tanto contá-las e recontá-las, “suas mentiras tornavam-se verdadeiras obras de arte com
minúcias impressionantemente vivas e fortes. Eram, sem dúvida, as mentiras mais reais que
jamais se ouviram.”. Por isso, alguns mais ingênuos, como era o caso de Naïtre, acabavam
acreditando nessas estórias.
Este jovem, iludido com a estória de que existia uma terra cheia de tesouros chamada
Altan, aventurou-se, enveredando-se com uns poucos amigos em uma viagem ao mar para
procurar tal localidade. Quando estava quase desistindo de procurar Altan, acabou por
encontrar um lugar com muitos tesouros, como descrito por Morlis. A terra de Altan também
é usada pelo autor no conto “A Terceira Força”. Nesta estória, tal lugar seria uma civilização
perdida, que é descoberta e desvendada através de escavões. Da mesma forma, no presente
conto Altan também é encontrada. Ou ao menos encontra-se um lugar que se parecia muito
com Altan, pois era um lugar de acordo com o que Morlis descrevera, “com tesouros além da
imaginação”.
O conto continua com o retorno da tripulação a Sirla:
A viagem de volta, com uma ínfima parte dos tesouros, foi só alegria. Todos
queriam abraçar Morlis e dar-lhe o que quisesse. No entanto, uma triste nova
os aguardava. Morlis morrera.
As riquezas trazidas por Naïtre e seus companheiros mudou por completo a vida dos
fahrtíneos, tornando este povo o mais rico daquela época e região. Como fora o responsável
pelo bem estar proporcionado, esse jovem tornou-se o chefe do povoado. Para agradecer e
homenagear o responsável pelas riquezas encontradas, Naïtre decidiu construir uma estátua de
Morlis.
A obra demorou 10 anos para ser concluída, sendo que, para realizar tal projeto, foi
contratado o escultor mais famoso daquele tempo. O escultor construiu a estátua com as
descrições obtidas dos moradores do local. Finalizada a obra, nem todos ficaram satisfeitos
com o monumento, pois o ar sonhador que o escultor quisera lhe dar tornou-se um ar
zombador.
Era realmente um trabalho extraordinário de virtuosismo técnico. No
entanto, observando bem seu rosto, parecia que o ar sonhador que o escultor
quisera lhe emprestar se transformava sutilmente em um ar zombador.
O ar sonhador que o escultor quisera delinear na estátua nada mais era do que o retrato
de suas estórias. De certa forma, era exatamente isso o que Morlis fazia, pois as estórias que
114
contava, quase sempre carregadas de mentiras, acabavam zombando dos habitantes locais. No
entanto, que se dizer que a existência de Altan, ou de um lugar muito parecido, consagrou
este personagem, deixando no leitor uma indagão: Será que Morlis não era tão mentiroso
quanto julgavam?
Neste contexto, faz sentindo observar as semelhanças entre este personagem e seu
criador. Da mesma forma que Morlis é descrito como um sonhador, percebe-se que Mario
Tourasse Teixeira também o era. Assim como este defendia a existência de um Mundo Novo
na Educação e em outros segmentos da sociedade, o personagem também tornava suas
estórias grandes verdades.
, então, que se pensar no personagem Naïtre. Será que todo aquele que tem
conhecimento das teorias sustentadas pelo professor Mario age como esse personagem e vai
em busca de uma nova vida, um mundo novo? De acordo com as idéias do próprio autor, só
conseguirá essa mudança aquele que abrir seu mundo a novas possibilidades.
Sobre o personagem Naïtre, também outras relações a serem traçadas. A palavra
naïtre em francês significa nascer. E, no contexto desta estória, isso de fato ocorre. A partir de
sua disposição em descobrir Altan, este personagem mudou de vida, principalmente por ter
encontrado o tesouro. Esse encontro foi como um nascer para ele, e de garoto ingênuo passou
a chefe do povoado. acerca de Altan, existe de fato um lugar na Mongólia com esse nome,
mas não foi possível identificar se o autor tinha conhecimento desse lugar.
A Princesinha da Lua
Este conto foi publicado nas páginas 65 a 69 do SAPEANDO 16, edição de Primavera
de 1978, e faz parte do grupo de textos assinados pelo professor Mario Tourasse Teixeira.
Outra peculiaridade é que possui uma dedicatória
26
. Tal fato ocorre somente em mais um
texto do autor, no caso a peça teatral Revelação”.
A narrativa retrata a vida de uma princesinha que o parecia ser feliz, apesar de seu
status, de sua formosura e do amor que seus pais e todos do reino onde morava lhe
devotavam. O autor descreve:
De fato, seu sorriso parecia morrer um tantinho mais rápido do que seria de
se esperar e às vezes a alegria nem chegava a seus olhos sérios e profundos.
Na verdade, mais do que o normal, se quedava a princesinha pensativa e
distraída, como que sonhando acordada.
26
Este conto é dedicado a uma pessoa chamada Sabrina, porém não há menção de quem ela seja.
115
A preocupação do rei e da rainha com a princesa era intensificada pelo fato de esta ser
a filha única do casal. Não entendiam por que
permanecia longos momentos com o olhar perdido e expressão absorta
contemplando a lua cheia, o céu estrelado, o mar chegando à praia, o sol
nascente ou poente. E desses, o que a parecia impressionar ainda mais, era a
lua cheia aparecendo lentamente no horizonte.
Certa vez, hipnotizada pela lua, a princesa entrou em transe. Despertada de tal estado,
desmaiou nos braços das amiguinhas. A partir desse dia, a princesa “nunca mais foi a mesma.
Parecia ter obsessão pela lua, especialmente a cheia nascente e sua vitalidade decrescia
assustadoramente”
Todo o reinado entristeceu-se com o ocorrido. E por mais que seus pais gastassem
grande parte da riqueza do reino com a contratação de cientistas e astronautas, que tentavam
mostrar à princesinha que a lua era apenas uma “bola de pedra, árida e inóspita”, ela
continuava em sua tristeza.
Como nada adiantou, em um “entardecer semelhante àquele em que tudo começara,
com a lua cheia emergindo, só que dessa vez triste e fria, a princesinha despediu-se de todos”.
Esse fato deixou o reino em um ambiente melancólico e apático. Com o tempo, relatos
começaram a surgir, segundo os quais a princesinha aparecia na lua cheia nascente. Por esse
motivo, passou a ser chamada pelo nome de princesinha da lua. E suas “aparições” eram
sempre para enviar benção e tranqüilidade. Desse modo, a princesinha trouxe novamente a luz
e o brilho ao reino.
A explicação com que o autor termina o conto é de que a Rainha da lua enviara uma
de suas filhas aos reis, por entristecer-se com o fato de eles não possuírem filhos. Mas a
princesa, com saudades de sua mãe, acabou voltando à lua.
Esse conto compara-se à estória ilustrada “O Irreversível”. Nos dois casos uma
mudança de estado, encarado pela maioria como ideal e satisfatório, para um outro com
dificuldades ou diretamente nulo, como ocorre neste caso em que a princesa acaba falecendo.
No entanto, percebe-se que nesta condição a personagem é mais feliz. Mais uma vez, também,
Mario Tourasse Teixeira escreve sobre revelar-se para atingir sua própria personalidade.
No contexto educativo, pode-se dizer que este texto ajuda a entender que o
desenvolvimento pleno do potencial do aluno depende da “morte” do estado de desinteresse e
desmotivação em que ele se encontra. Desta forma, o aprendiz pode ir para um ambiente onde
sua personalidade seja reconhecida e utilizada, enquanto participante ativo do ensino e
aprendizagem. Revelando seu potencial, o aluno, aliado a sua classe, poderá trazer mais luz e
116
brilho ao ambiente escolar. Cabe acrescentar que o próprio professor Mario trazia luz e brilho
ao cenário da Educação Matemática.
A Prova
Trata-se de uma estória em quadrinho que possui duas versões da parte gráfica. A
primeira possui ilustrações de A. J. Mathiesen
27
, e a segunda de Herbert Silvio Augusto Pinho
Halbsgut
28
. Além disso, há no manuscrito Caderno B-08 rascunhos e roteiros para esta
estória. Acredita-se que sua publicação ocorreu no início de 1976. A versão de Herbert
Halbsgut é assinada por Mario Tourasse Teixeira. Isso não ocorre com a de A. J.
Mathiesen.
Nas ilustrações de Mathiesen, a estória é composta por 34 (trinta e quatro) quadrinhos
distribuídos em 06 (seis) páginas, sendo que as 05 (cinco) primeiras páginas contém 06 (seis)
quadrinhos cada, e a última apenas 04 (quatro). Este texto conta a estória de dois alunos, Tito
e Lena, que precisam resolver uma prova para não serem ambos reprovados na disciplina.
Pelo conteúdo do exercício, trata-se de uma prova de Física.
O primeiro quadrinho mostra o professor terminando de explicar o exercício aos dois
personagens. Estes teriam meia hora para resolver uma questão: achar a velocidade da
correnteza, usando uma lancha e um relógio. Para tal, Tito e Lena estão em um campo, ao
lado de um lago, no qual uma lancha, o que caracteriza uma prova prática. Durante o
diálogo dos alunos, percebe-se que a prova foi executada desta maneira por causa do próprio
Tito.
Figura 10 - A Prova, quadrinho 10.
27
Não foram encontradas informações concretas sobre essa pessoa.
28
Segundo Baccan (2002, p. 144) trata-se de um funcionário do Departamento de Matemática da época. Esse
nome também consta entre o conselho diretor do S.A.P.O., estando exposto no artigo “Canto da Sereia”,
publicado no Sapeando 01. Também publicou o artigo “A palavra” no SAPEANDO 02.
117
No quadrinho
29
acima lê-se:
Lena: Se você o tivesse arranjado essa droga de lancha, o professor não
teria inventado essa prova maluca.”
Tito: Mas também, vo não estaria comigo agora!
Para resolver o problema, os dois começam a conversar sobre ele. Tito tem a idéia de
fixar dois pontos na margem e depois seguir rio acima e rio abaixo com a lancha, de um ponto
a outro, sempre anotando o tempo. Segundo ele, “depois, um simples cálculo, nos dá a
velocidade da correnteza”. Lena, não entendendo como de uma hora para outra o garoto
“descobre” como resolver o problema, acaba por questioná-lo. Antes que ele mesmo
responda, ela descobre que o próprio professor já havia dado as dicas para ele.
No quadrinho a seguir lê-se:
Lena: Como essabendo tudo isso?... tão certinho... será que não foi o...
Puxa!
Tito: É, foi mesmo o vigarista. Você acha que ele ia querer nos reprovar?
Lena: Sei lá! Esses caras são cheios de ressentimentos.
Tito: Não tem perigo não. Vamos lá, que essa prova está no papo.
Figura 11 - A Prova, quadrinho 13.
29
Neste caso, são apresentadas as ilustrações de A. J. Mathiesen.
118
Esse diálogo mostra a imagem que muitos alunos têm dos professores: pessoas que
não são de boa índole e nem confiáveis, o que resulta na alcunha de vigarista. Também
aponta para a caracterização deste profissional como alguém que nunca está disposto a ajudar.
Lena fomenta tal impressão, por o acreditar que o professor pudesse ter dado alguma dica a
respeito da resolução do problema.
Começa então o plano para a resolução do problema. Enquanto Tito dirige a lancha,
Lena deve anotar os tempos referentes à passagem da lancha por uma determinada árvore, que
marcaram como referencial. Tito começa a fazer as contas, de modo a determinar a
velocidade. Neste ponto, o autor chama a atenção para a dificuldade com o uso de variáveis,
que muitos têm com relação à Matemática. Tito chama a velocidade de x”, Lena, porém já se
atrapalha.
Figura 12 - A Prova, quadrinho 17.
Nesse trecho lê-se:
Tito: Seja x a velocidade da correnteza
Lena: Ihhh!o me venha com “x’s” que não entendo mais nada.
Tito: Seja v a velocidade da correnteza...
Lena: Dá no mesmo!
Mario T. Teixeira, com esse diálogo, parece mostrar que muitos problemas de
Matemática, assim como os de Física, se tornam mais difíceis aos alunos por causa da
dificuldade que muitos têm no tratamento da linguagem algébrica. Então, quando se propõe
no texto que a prova seja realizada de forma prática, essa dificuldade é evidenciada: o
119
problema dos personagens torna-se, a partir desse quadro, resolver a equação que envolve a
queso, e não mais entender o exercício proposto.
A passagem do real para o abstrato é sempre sentida pelo aluno. O importante a se
notar, neste caso, é que tal processo ocorre entre a sexta e a sétima séries do Ensino
Fundamental. Na estória, como se trata de um conteúdo de Física, o fato de Lena não
conseguir entender a noção de variável mostra que ela não conseguira apreender essa
passagem, retratando um problema que ocorre com muitos estudantes. Tito também encontra
dificuldades neste sentido, pois, apesar de conseguir montar a equação, o consegue resolvê-
la.
A esria continua com Tito e Lena tentando entender as contas que devem fazer e
lutando contra o tempo que está se esgotando. Tito, então, pensa ter encontrado a solução e
tenta explicá-la a Lena:
Figura 13 - A prova, quadrinhos 21 e 22.
Nesse quadrinho lê-se:
Tito:
21
4040 tvtv
subidatempot
descidatempot
correntezadavelocidadev
2
1
Lena: Não estou entendendo nada...
Tito: Então, o espaço não é a velocidade pelo tempo? Só escrevi...
Lena: Ah! vi... Agora estou mais animada.
120
Apesar de terem conseguido chegar a uma equação para a resposta, as folhas do
caderno de Tito acabam e eles não conseguem mais fazer as contas. O tempo acaba e o
professor retorna. No entanto, neste problema não complicações. Tendo os valores do
tempo sido anotados por Lena, bastaria Tito perceber que eles deveriam ser substituídos por t
1
e t
2
.
Apesar dos personagens chegarem a uma resolução, ambos acreditam que ela não será
aceita pelo professor, dado que não foi encontrado um valor numérico. então uma crítica
do autor aos professores que aceitam somente o resultado numérico, o creditando valor às
tentativas dos alunos.
Pode-se considerar também que a idéia de realizar uma prova “ao ar livre” reforça o
pensamento do nômade, referente à estória O made e o Estudante”, que propõe que o
conhecimento tem que ser vivo. Como esse tipo de atividade dificilmente acontece nas
escolas, uma maior dificuldade em se entender os dados obtidos, como ocorreu com os
personagens.
É importante destacar que Mario Tourasse acredita em um ensino com a Criação de
Ambiente e no desenvolvimento do potencial criativo dos alunos, e por isso quer mostrar
através desta estória que o ambiente criado, com os objetos reais lancha, relógio e rio,
propicia uma experiência com maior teor de aprendizagem do que aquele restrito a uma
simples aula na escola. Na aula convencional, os alunos apenas decorariam as fórmulas, sem
conseguir colocá-las em prática.
A Terceira Força
Este conto foi publicado no SAPEANDO 09, edição de Verão, 1976, nas ginas 49 a
51. Com um narrador em terceira pessoa, o texto conta sobre a descoberta de uma civilização
desaparecida chamada Altan, mencionada durante a análise de “A Lenda do Metódico
Mentiroso”. Através de escavações e do estudo de vestígios dos últimos anos desta
civilização, descobriu-se que crescia uma facção política em oposição à dominante, tida como
autoritária, e “cujas premissas fundamentais eram a ordem e a segurança”.
Essa facção dominante tinha por objetivo transformar todo o povo em uma família,
e com “austeridade e disciplinapreparava-o para viver em um mundo sem conflitos (com
disciplina, paz e ordem). Havia também o grupo dos insatisfeitos, que se organizaram em uma
121
facção opositora, cujos objetivos eram constituídos em torno das idéias de liberdade e
merecimento: “liberdade para não prejudicar[,] merecimento para progredir”.
A terceira força surge na trama como uma oposição às duas forças anteriores. Também
substituía as idéias de felicidade e segurança” por “desamparo e compaixão”. O narrador
relata que
o ideal era o homem sem apego à vida ou à afirmação pessoal, sem esquema
a que se apoiar, sem esteio ou proteção, sem a que recorrer, se fixar ou
contar, solto e desamparado. A compaixão surgia como sentimento
dominante, aliada a patética, absurda e incvel criatividade em busca do
Todo.
Neste ponto do texto pode-se fazer referência ao poema “Desamparado”, também da
autoria de Mario Tourasse Teixeira, que foi publicado no mesmo número do SAPEANDO.
Neste poema lê-se: “Não quero apoio/ ou segurança/ consolo ou serenidade”, versos que
refletem as idéias da terceira força.
Apesar de um conto, não há como ignorar as relações entre as idéias expressas neste
texto e a filosofia do boletim que o publicou, assim como se deu com a maioria dos textos do
autor em questão. Logo, para explicar essa terceira força, o professo Mario parece usar o
mesmo cunho filosófico do S.A.P.O., ao dizer que o fundo filosófico ou religioso “se baseava
em uma ânsia ativa e criativa pelo Todo. Ou seja, o Todo não era algo no qual se imergir ou
se perder, mas algo que se ia revelando ativa e criativamente”.
Assim, pode-se comparar a “terceira força” a esse movimento, pois mais adiante o
seguinte relato: “Porque os militantes da terceira força tendiam a ver o sistema todo de Altan
como uma organização parcial em oposição ao Todo”. Nota-se a semelhança com o S.A.P.O.,
uma força oposta à estagnação que permeava o meio educacional, e que criticava o ensino da
Matemática da época como impositivo e sem criatividade. Além disso, o S.A.P.O. era a favor
de se encarar o processo educativo como um todo integrado.
Outro fator que leva a comparação deste movimento com a “terceira força” diz
respeito ao conceito de felicidade, o qual “era sentido como dependente das conveniências do
sistema”. Assim ocorre na educação, que para ser entendida como de boa qualidade precisa
seguir o padrão pré-estabelecido. Isso na época significou deixar o modelo de ensino utilizado
para seguir o Movimento da Matemática Moderna.
Relacionando novamente a terceira força com o S.A.P.O., fica clara a comparação
entre as frases: “É difícil imaginar que uma tal pregação pudesse conquistar muitos adeptos”
que está no último parágrafo deste conto, e “Porém, sinceramente, não esperamos que essas
122
concessões influam na acolhida que vem tendo nosso trabalho”(CONVERSA Fiada, 1976. p.
03) e “Não houve praticamente adesões.” (CONVERSA Mole, 1976, p. 07)
No final do conto o autor deixa o mistério E paira a vida se o desaparecimento de
Altan foi causado pelo crescimento dessa terceira força”. O que mostra que o grande intuito
efetivo do S.A.P.O. era fazer com que certas práticas desaparecessem para dar lugar a outras.
Considera-se, por fim, que neste texto o autor reafirma a filosofia do S.A.P.O., e tenta incutir
nos associados o real motivo da existência do movimento.
Férias na Roça
Este texto foi publicado provavelmente no início de 1976. Possui ilustrações de
Lucinéia Ap. Pires do Prado
30
. A estória, passada em um sítio, apresenta dois personagens:
uma menina vinda da cidade e um menino da roça. O enredo se desenrola através da conversa
dos dois acerca do castigo que a menina recebeu por “ir mal” nos estudos. Ao invés de
mandar a menina para a Bahia, como ela gostaria, o pai a enviou à roça para cumprir um
castigo.
A matéria na qual a menina foi reprovada é a Matemática. Assim, o garoto tenta ajudá-
la usando elementos do próprio sítio. Por exemplo, fala sobre probabilidade.
Nos próximos quadrinhos, se lê:
Menina da cidade: O que está aprontando afinal?
Menino da roça: Veja aquele canteiro dividido em 9 quadrados.
Menino da roça: Veja também aquele grilo bem no centro do canteiro.
Menino da roça: Quando o grilo saltar, supondo que o faz ao acaso, ou
seja, que todos os quadrados são igualmente possíveis,
qual a probabilidade de pousar num determinado
quadrado?
Menina da cidade: Não, por favor... Logo probabilidade!
Menino da roça: Só como brincadeira.
Menina da cidade: Vá lá! Essa eu sei; não sou tão burra: é 1/9.
30
Não foi possível obter informações precisas acerca desta pessoa., além do fato que seu nome aparece entre o
conselho diretor do S.A.P.O., apresentado no artigo “Canto da Sereia”, no Sapeando 01.
123
Figura 14 - Férias na Roça, quadrinhos 09 e 10.
Novamente percebe-se o uso do “conhecimento vivo”, descrito pelo autor em “O
Nômade e o Estudante”. Nesta situação, o autor coloca o menino mostrando para a garota que
aprender também depende do ambiente no qual se está. O garoto, em um sítio, conseguiu ter
uma melhor visualização do problema sobre probabilidade do que a garota que, se estivesse
em sua sala de aula, não conseguiria pensar com coisas concretas. O autor também chama a
atenção especificamente sobre probabilidade, pois naturalmente conhece as dificuldades da
maioria dos alunos em entender esse conteúdo.
Na estória, o Menino da roça vai resolvendo o problema, sempre estimulando a
menina a dar as respostas. Ainda que de início a garota não goste muito da idéia, com o passar
do tempo acaba entrando na brincadeira. Após discutirem sobre Probabilidade, as crianças
decidem caminhar um pouco mais pelo sítio, e iniciam uma conversa sobre a escola.
124
Figura 15 - Férias na Roça, quadrinho 19.
No quadrinho acima, se lê:
Menina da cidade: Poderíamos ser bons amigos se você não fosse tão sério
e estudioso.
Menino da roça: Não é bem assim. É como uma brincadeira em que a gente
se empenha
Menina da cidade: Uma farsa é o que é
Menino da roça: É... pode ser.
Para tentar convencer o garoto de suas idéias sobre a escola, a menina cita os
pensamentos de Kant: “devemos agir de modo que nossa conduta possa ser tomada como
regra universal”. A personagem conclui que a idéia de escola é uma falsidade pura, pois tenta
fazer exatamente o que esse pensador diz. A garota defende: “Assim é o Espírito de toda
Escola. Falsidade pura. Querem nos forçar padrões de conduta nos quais eles não acreditam”.
Mario Tourasse Teixeira também utiliza nesta estória seu conceito de abandono,
evidenciando que muitos não se entregam a projeto algum. No caso, trata-se de uma peça de
teatro que ocorreu na escola da garota. Esta diz que não conseguiu se entusiasmar com a peça,
pois os colegas o aproveitaram a oportunidade para realizar algo diferente; pelo contrário:
agiam de modo a exibir suas personalidades.
125
Em diversos textos, o autor chama a atenção para o termo abandono. Através deste
conceito, ele procura dizer que uma atividade, para que seja realizada de modo a haver uma
verdadeira participação, necessita de que as pessoas sejam capazes de se “abandonarem” em
sua execução. Ou seja, procura incentivar o comprometimento nos devidos aspectos.
Figura 16 - Férias na Roça, quadrinho 23.
No trecho acima se lê:
Menina da cidade: Não sei explicar direito. sei que ninguém se
abandonou à peça. Ela foi apenas pretexto para exibição
egoísta. Vi cada colega de representação avultar de modo
tão desprezível e mesquinho... E depois tudo estupidamente
sério...
Ou seja, a Menina da cidade não viu comprometimento na turma em realizar uma peça
de teatro pelo puro prazer de fazê-lo, com dedicação absoluta à atividade; logo ela não quis
fazer parte desse grupo, interessado apenas em fazer uma performance.
Também é importante destacar que, apesar do autor apoiar outras atividades
educacionais, como peças teatrais, ele acredita que o ambiente motivador será criado se
houver esse abandono.
126
O Álbum de Figurinhas
Está é mais uma das estórias ilustradas da série Mel e Azul, ficando a parte gráfica,
nesse caso, a cargo de Maria Elid Lorza Bertoni.
31
Diferente dos demais, não se pode falar em
quadrinhos para o formato do texto, pois as páginas desta estória imitam um álbum de
figurinhas. partes desenhadas, que representam as figurinhas colocadas, e espaços em
branco, ou seja, que apenas possuem uma marca indicando que ali é o lugar de uma figurinha.
Tais espaços demarcam as figurinhas que faltam para que o álbum seja completado. Para
caracterizar ainda mais a estória, a narrativa é escrita com letra de mão, como se realmente
alguém tivesse escrito nas folhas do álbum.
No mesmo estilo das estórias da série “As Desventuras do Figurinha Difícil”, este
texto possui um narrador que relembra fatos ocorridos durante a época da escola. Trata-se da
ocasião em que, juntamente com os colegas de escola Gato e Almir, montou um álbum de
figurinhas.
Segundo o relato, o narrador e Gato eram amigos desde a infância, conhecendo Almir
somente na escola. Este garoto tinha uma personalidade que o diferenciava dos demais
alunos: “era muito tímido, especialmente com as garotas, e vivia sempre isolado. [...] embora
evidenciasse inteligência viva e compreendesse as matérias muito melhor que qualquer outro,
jamais tirava as melhores notas”. Também é relatado que os professores tinham uma antipatia
gratuita para com ele, e mesmo os outros alunos da escola não se aproximavam muito. Alguns
professores até o prejudicavam nas notas. No entanto, a personalidade deste garoto impedia
que tomassem qualquer atitude grosseira.
Apesar de no começo os colegas não darem muito crédito à idéia do álbum, pois havia
partido do Almir, com o passar do tempo perceberam que aquela atividade criou algo de
mágico entre eles. A primeira página da estória retrata isso:
Na próxima figura pode-se ler:
Quem teve a idéia foi o Almir. Eu e o Gato a princípio não nos deixamos
impressionar muito pela coisa. Pensamos que não ia passar de mais um
fogo de palha. E, no entanto, a idéia foi crescendo, enriquecendo, até tomar
conta da gente. E transformou nossas vidas!
31
Maria E. C. Bertoni formou-se em Licenciatura plena na UNESP de Rio Claro, em 1974.
127
Figura 17 - O Álbum de Figurinhas, página 03.
Para os garotos, o simples comprar, colar e trocar figurinhas ia criando um ambiente
de amizade e encanto entre eles. Para dar um sentido às figurinhas repetidas, Almir começou a
usá-las para inventar estórias, trazendo ainda mais magia aos colegas. O narrador relata:
O Almir dispunha uma série de duplicatas à sua volta e, olhando fixamente
para elas inventava as estórias mais incríveis em que as figurinhas ganhavam
vida nova e maravilhosa, representando os personagens fundamentais da
estória. A imaginação do Almir nesses momentos era realmente
extraordinária.
Essa brincadeira agradou tanto os garotos que eles também começaram a inventar suas
próprias estórias. Como gastavam grande parte de seu tempo livre com o álbum, os deveres
escolares foram deixados para trás. Assim, em uma atitude inusitada, Almir começou a
envolver em suas narrativas conteúdos de todas as matérias da escola, para que os alunos não
fossem reprovados. O narrador se lembra:
128
Figura 18 - O Álbum de Figurinhas, página 22.
Nesta ilustração há a seguinte narrativa:
Se antes já contava bem as estorinhas, agora nem se fala. Mais maravilhoso
ainda é como conseguia misturar as matérias nas estórias. Até matemática,
poxa! Era simplesmente fantástico como as matérias e as figurinhas se
encaixavam nas narrativas do Almir. Geografia e História era o de menos.
O álbum de figurinhas tornou-se, eno, algo tão revelador que passou a fazer parte da
vida dos personagens, sendo que algumas figurinhas eram colocadas em seus livros, outras
em seus cadernos, pois “[...] simbolizavam as coisas mais fantásticas e eram como que marcos
relembrando estórias que, por sua vez, se misturavam de modo estranho e mágico com nossas
próprias vidas”.
Essa atividade fez surgir uma nova realidade para eles, de sonhos e encanto.
129
No entanto, certo dia, um de seus professores pediu para ver o álbum, e o mais o
devolveu. Os alunos foram então convocados à sala do diretor, que arrumou uma justificativa
para ficar com ele.
Para mostrar o que pensava sobre a racionalidade que percorre os meios escolares,
Mario Tourasse Teixeira justifica a tomada do álbum como algo visando o próprio bem dos
alunos, que estavam vivendo em mundo de ilusões: “[...] o diretor explicou que nossas
práticas nada mais eram do que um mal-ajustamento que nos fazia fugir da realidade e nos
cercar de um mundo de ilusão”. Esse fato é colocado no texto para enfatizar que os
educadores, de um modo geral, deveriam dar mais atenção ao lado emocional do aluno, para
poder entendê-lo e criar mecanismos para aliar seus desejos ao contexto escolar.
Segundo o narrador, um sentimento de tristeza e desânimo pairou sobre os garotos,
sobretudo sobre Almir. E, apesar de terem se animado com a escola, e mesmo melhorado
consideravelmente suas notas, “o estudo perdeu de novo o significado e dessa vez de modo
mais grave: nós três perdemos o ano”.
Para enfatizar ainda mais a personalidade de Almir, o narrador afirma que ele teria
conseguido passar de ano se quisesse, mas o golpe havia sido tão forte que levou o garoto a
uma atitude drástica: ficou tão avesso ao sistema todo que simplesmente ia entregando as
provas em branco sem sequer tentar nada”.
O narrador também relata que aos poucos ele e Gato foram se recuperando, apesar de
nunca mais conseguirem encontrar motivação nas aulas. Sem o álbum, suas vidas voltaram ao
vazio de antes. O texto termina com as reflexões do narrador acerca da época em que estava
com o Almir e as figurinhas:
Na próxima figura há o seguinte trecho da estória:
O estudo na Escola perdera pra s todo o encanto. Nunca o sentimos tão
frio e alheio a nós. É que lembrávamos do Almir e do tempo das figurinhas,
quando o estudo mergulhava num mundo de sonho e encantamento, onde
tudo tinha significados profundos, estranhos maravilhosos.
130
Figura 19 - O Álbum de Figurinhas, página 41.
Nesta estória, Almir conseguiu atingir, com o álbum de figurinhas, todas as idéias
propostas por Mario Tourasse Teixeira. Usava a invenção e a criatividade requeridas pelo
autor para construir suas narrativas; fazia surgir ambientes fecundos à aprendizagem por
causa do envolvimento dos conteúdos escolares; saía também da rotina imposta pelo
tradicionalismo da escola. Demonstrava, inclusive, a autonomia incentivada pelo professor
Mario, através do estudo das matérias que serviam para ensinar seus amigos, e criava um
mundo novo na vida dos outros personagens, como é sugerido pelo autor em sua teoria. Esta
estória, portanto, carrega todas as idéias de Educação deste professor e as apresenta de modo
simples e interessante.
Cabe ressaltar que o próprio Mario Tourasse Teixeira fez uso da invenção e da
criatividade, ao construir uma estória que abordasse de modo tão claro todas as suas
principais idéias. Assim, como o personagem Almir, este professor criou um mundo de
131
encanto e vida nova ao expor seus anseios em uma única estória. Ele demonstra, assim, a
possibilidade de aplicação de sua teoria.
O Botão de Rosa
Este conto relata a estória de uma garotinha, Simone, que gostava muito de flores, em
especial de rosas e margaridas. Como seus pais tinham posses, a menina podia contar com um
jardineiro particular.
A trama gira em torno de um dos botões de rosa do jardim de Simone. Este botão
“teimava” em não abrir. Os pais de Simone contrataram os melhores especialistas, além de
cientistas, sicos e poetas para resolver o problema. Mas estes nada puderam fazer. No
desenrolar do texto surge a personagem Mariazinha, uma garota que ajudava na limpeza da
casa de Simone. O autor escreve:
Assim como fazia todos os domingos, à tardinha [Mariazinha] preparou-se
para ir passear na praça. que dessa vez preparou-se com mais vivacidade
e animação, pressentindo que iria arranjar um namorado.
O autor compara o botão de rosa com essa menina, pois assim como o botão,
Mariazinha era “quieta e terna”.
Neste conto há uma revelação anunciada pelo botão de rosa. Trata-se do
amadurecimento da personagem Mariazinha. Esta, diante de sua vida humilde, resolve alçar
vôos mais altos, propondo-se para isso arrumar um namorado. Esse fato ocorre na mesma
tarde em que o botão finalmente desabrocha. Intensificando o paralelo entre a flor e a menina
o botão se despedaçou, assim como o coração de Mariazinha, que não consegue atingir seu
objetivo.
Um fato curioso é que o autor possuía em sua casa um canteiro de rosas e tinha muita
estima por elas, costumando mostrá-las a todos que por lá aparecessem.
Esse texto foi publicado no SAPEANDO 16, edição de Primavera de 1978, nas
páginas 62 a 64.
O Irreversível
Trata-se de uma estória ilustrada. Foi encontrado nos arquivos do SAPO um recibo em
nome de José Augusto Evaristo
32
, no valor de Cr$ 774,00 pelas ilustrações desta estória,
32
Não foi possível obter informações sobre esta pessoa.
132
juntamente com as ilustrações de “As Desventuras do Figurinha Difícil: As Andorinhas”.
Esse recibo está datado de 20 de agosto de 1975. No entanto, na versão que foi encontrada há
apenas uma menção a D’Paula
33
. Também foram encontrados rascunhos do texto no Caderno
B-08.
A narrativa conta sobre um homem chamado Mario que possuía uma motoca. Por mais
que tivesse “vigor, bravura, dinheiro”, conseguindo satisfazer seus caprichos e ter muitas
mulheres, parecia que faltava algo em sua vida.
O autor relata que, para esse personagem, “Era preciso ir até um ponto donde o se
pudesse voltar... irreversível.. Tal que daí para frente a vida tivesse que ser outra.”. Observe
no quadro abaixo:
Figura 20 - O Irreversível, quadrinho 06.
Essa é a idéia que dá nome à estória. O personagem parece buscar algo que transforme
sua vida e que o faça ir além: trata-se de uma real mudança de vida. O conceito de vida nova,
que aparece em outros textos como As Desventuras do Figurinha Difícil: Vida Nova”, surge
nesse contexto para enfatizar o acontecimento. Porém, enquanto na estória citada os
personagens apenas planejavam essa mudança, com Mario ela acontece de fato.
O irreversível” ocorre em um dia triste, com uma chuva fina. Nesta ocasião “a
motoca rodou e o irreversível aconteceu”, conforme descreve a narração: Mario sofreu um
33
Não foi possível obter informações sobre esta pessoa.
133
acidente com sua moto. Tal foi a gravidade do acontecimento que o personagem teve que
ficar para sempre em uma cadeira de rodas.
De início, tudo parecia estranho e terrível para Mario, pois ele não poderia mais andar
em sua motoca, além de ser privado de outras possibilidades. No entanto, o texto termina com
a vida do personagem ressurgindo.
Figura 21 -O Irreversível, quadrinho 13.
Na figura acima lê se:
Era a nova vida mesmo! Difícil, trágica, mas a sua vida afinal. E Mario
pensou: foi preciso me perder para me encontrar!
Novamente em um texto, o autor usa a idéia do abandono e “o dar-se por completo”.
Apesar de ter mais possibilidades com sua motoca, o personagem nunca chegou onde quis
com ela. Entretanto, apesar de estar mais limitado, sentia-se mais vivo com sua cadeira de
rodas, fato que sugere o abandono a sua condição, o que resulta na possibilidade de Mario
viver de fato. Neste sentido, o personagem se comprometeu mais com sua vida depois do
acidente do que antes. É importante destacar que esta estória parece retratar o próprio Mario
Tourasse Teixeira. Esta comparação é feita o somente pela coincidência dos nomes, mas
pelos fatos ocorridos.
134
O professor Mario, enquanto matemático, poderia ter toda a popularidade que
quisesse, se agisse como “os figurões”, trabalhando no campo da gica. No entanto, por sua
inquietude de espírito frente ao rumo que a Educação, em particular a Educação Matemática,
estava tomando, preferiu se envolver também com esses movimentos, mesmo sem
reconhecimento, a negligenciar tais questões. Nesta comparação, pode-se dizer que na estória
o personagem Mario é o próprio Mario Tourasse Teixeira, a motoca é a Matemática, e o
acidente é a Educação.
O Nômade e o Estudante
Esta é mais uma das estórias em quadrinhos que possuem duas versões das ilustrações.
Nos arquivos do S.A.P.O. encontram-se recibos em nome de Lucinéia Ap. Pires do Prado,
este datado de 09 de julho de 1975, e em nome de Maria Elid Corza Bertoni, de 08 de maço
de 1975. Ambos contêm o valor de Cr$ 300,00 (trezentos cruzeiros). A versão encontrada
com as ilustrações Bertoni está incompleta, faltando os desenhos referentes aos quadrinhos 13
a 24, diferentemente da versão de Prado, que está completa.
Também uma terceira versão na qual o autor descreve como serão os quadrinhos,
enumerando-os de 01 a 42. Por exemplo, observe os quadros 01 e 13 a seguir. Esta versão
descritiva parece ter sido aquela enviada ao(s) ilustrador(s) da estória.
No quadrinho 01, no qual há um diálogo, a cena é descrita da seguinte maneira:
made andando e cantando alegremente pela rua
Nômade – Tudo que é bom cai do céu
E paira como um encanto
Vagando na manhã ao léu
Qual terno e doce acalanto
34
E a ilustração
35
para essa descrição é a seguinte:
34
Esses versos também são de autoria de Mario Tourasse Teixeira.
35
Ilustração de Maria Elid Corza Bertoni.
135
Figura 22 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 01.
no quadrinho 9 não há diálogos, apenas a descrição de um lugar, conforme abaixo:
made e Estudante caminhando entre muitas árvores. Tomada de cima.
O quadrinho
36
referente a tal descrição é a figura abaixo.
Figura 23 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 09.
Pode-se perceber que há um número nos quadrinhos, referentes à descrição que é
ilustrada.
36
Ilustração de Maria Elid Corza Bertoni.
136
O texto se estrutura através do relato do encontro de um estudante, que está a caminho
da escola, com um nômade, descrito por si próprio como um pobre coitado sem eira nem
beira que anda perambulando por aí” (quadrinho 33). Como não menção ao nome dos
personagens nas versões encontradas, foram usadas apenas as denominações made e
Estudante para designar os personagens.
Durante o caminho até escola, a conversa dos dois gira em torno desta instituição.
Na figura abaixo se lê:
Nômade – Indo pra velha Escola, hein?
Estudante – É o jeito né?
Figura 24 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 05.
Nesse primeiro diálogo se nota a concepção de escola do autor. Velha, neste caso,
tem o sentido de estar ultrapassada, necessitando urgentemente de uma reforma para que uma
melhora ocorra. Essa reforma não é no sentido físico, mas ideológico.
O Nômade sugere, então, que eles peguem um atalho pelo meio de uma floresta:
No quadrinho abaixo se lê:
Nômade – Vou ensinar a você um atalho que passa pela floresta.
Estudante (animando) – Oba!
137
Figura 25 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 08.
Quando adentram a floresta, o assunto passa a ser a natureza em torno deles. O
Estudante repara, por exemplo, que as flores do campo são diferentes das que possui em casa.
Os quadrinhos da estória passam então a mostrar alguns detalhes da natureza, como flores,
árvores e pássaros. A figura abaixo, número 11, é um exemplo disso:
Figura 26 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 11.
Essa passagem reitera a idéia de Mario Tourasse Teixeira de que a escola, assim como
outros locais onde costumeiramente as pessoas passam, está longe de oferecer a liberdade e o
entusiasmo necessário para o desenvolvimento das potencialidades de um indivíduo.
Percebendo que o passeio começou a se alongar, o Nômade avisa ao Estudante que ele iria
perder a primeira aula, de Matemática. Como este não se importa, o Nômade lhe propõe uma
queso desta disciplina, relacionando o tema com a natureza. O Estudante, contudo, diz não
saber responder à pergunta.
138
Como a ilustração referente ao quadro 20 de Maria E. C. Bertoni não foi encontrada,
será usada a versão de Lucinéia A. P. Prado.
No quadrinho
37
abaixo se lê:
Nômade Suponhamos que aquela árvore tenha 200 galhos, cada qual
tendo entre 100 a 280 folhas. Sei então que dois galhos com
o mesmo número de folhas. Por quê?
Figura 27 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 20.
É importante observar que questões como estas dificilmente são tratadas na escola, por
se tratar de um assunto de lógica. Hoje em dia aparecem com mais freqüência em questões de
concursos. Entretanto, o autor usa esse problema justamente para enfatizar que os conteúdos
ensinados na escola estão longe de proporcionar o desenvolvimento do raciocínio nos
estudantes. Ao contrário, nesta instituição os saberes são apresentados aos alunos de maneira
mecânica e sem atrativos. O Nômade acaba então por responder à questão.
37
Ilustrações de Lucinéia Prado.
139
Figura 28 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 23.
Na figura anterior se lê:
Nômade E, no entanto é tão simples. Não havendo repetição do mero
de folhas, cada galho deve ter mero de folhas diferente de
todos os outros. Precisaríamos então ter 200 números distintos
para distribuir entre os galhos. Porem os galhos tem de 100 a
280 folhas, o que dá menos de 200 possibilidades.
No quadrinho seguinte, o estudante entende a resolução, afirmando que no fundo o
problema era fácil. Nesse momento os personagens recomeçam a conversa sobre a escola.
Para omade, a culpa por muitos não saberem responder a questões como a que propôs é da
própria escola. Segundo ele, “Lá [na escola] não ensinam a gente a pensar, só a repetir
tolices”. (quadrinho 25)
Essa crítica do autor está diretamente ligada às suas idéias de criatividade na sala de
aula. Desenvolver o potencial criativo nos alunos significa também ampliar seu potencial
reflexivo e capacidade de concentração, pois todo pensar requer certo grau de compenetração
por parte do indivíduo.
Adicionando a idéia de Criação de Ambientes à esria, o autor faz com que o Nômade
conclua que a natureza, ou mesmo o simples passeio que os dois personagens estão fazendo,
140
seja “conhecimento vivo”. Ou seja, o passeio dos dois pôde ensinar “mais” do que a própria
aula que o Estudante teria.
Relacionando os pensamentos do Nômade à sua idéia sobre criatividade, o professor
Mario trabalha este personagem apresentando-o como alguém que acredita que a vida é muito
pior para aqueles que têm sua criatividade inibida pela rotina do que para ele, que não tem
pouso seguro. Sendo que essa rotina, para o personagem, é fortalecida pela escola.
Figura 29 - O Nômade e o Estudante, quadrinho 35.
Na figura abaixo se lê:
Estudante – Mas não acaba ficando triste esse eterno perambular?
Nômade Penosa é a rotina que corrompe e sufoca nossos melhores
anseios. Precisamos de aventura e criatividade para viver
plenamente
Para concluir as idéias do texto, há também a idéia do dar-se pleno”, descrita pelo
autor em em “Férias na Roça”. Segundo o made,
Mas é bom partir, como é bom chegar. Partir é um morrer, mas a morte é
necessária para novas vidas. Quem não tem a coragem de morrer a cada dia
não sente também o nascer de novas vidas. Para tanto é preciso o dar-se e o
abandonar-se integral da morte. (Quadrinho 38)
A citação em questão reforça o que foi dito no capítulo anterior sobre a idéia de dar-se:
ele não deve ocorrer somente no contexto educacional, mas em todas as áreas da sociedade. A
141
estória termina com a despedida dos dois, deixando no Estudante um sentimento de ilusão
quanto ao meio em que vive e a instituição da qual participa.
O Seqüestro
Trata-se de uma estória em quadrinho com ilustrações de Vail Jo
38
, e publicada entre
1975 e 1976. Possui 05 (cinco) personagens: professor Pedro, Aloha, Carlos, Gustavo e João.
Antes do início do texto, há uma descrição de cada um deles.
Para contextualizar o episódio, o autor faz um resumo sobre o que se narrado:
Uma estória em quadrinhos centrada no ambiente universitário e focalizando
o relacionamento humano em tal ambiente.O ponto de vista adotado é o de
concentrar-se nas reações provocadas pelas intuições do personagem
fundamental, Carlos considerado paranormal e sendo estudado como tal.
A narrativa relata o episódio em que Aloha, uma estudante de Comunicão, vai de
avião à Brasília para realizar pesquisas para o professor Pedro. A esria se passa em dois
“cenários”: o avião e a universidade. Entre todos os textos de autoria de Mario Tourasse
Teixeira, este é o único que se passa em um ambiente universitário.
No início do diálogo, aparecem Aloha e Gustavo no aeroporto, esperando pelo
momento do embarque. Observe que o termo vigarista é usado por Gustavo:
Figura 30 - O Seqüestro, quadrinho 04.
38
Não foi possível obter informações a respeito dessa pessoa.
142
Nesta figura há o seguinte diálogo:
Gustavo: Veja lá hein Lô. Não vá dar bola pra nenhum vigarista.
Aloha: Pode deixar.
Logo no começo da estória, Mario Tourasse Teixeira apresenta vigaristas como um
termo que não se limita unicamente a professores de primeiro e segundo graus. Como Aloha
estava indo fazer pesquisas a pedido do professor Pedro, fica claro que está se referindo aos
outros professores universitários que ela porventura encontrasse.
Durante sua viagem, Aloha encontra João, “um estudante universitário, inquieto e
deslocado, [que] procura algum significado para sua vida”. Esse fato faz com que Carlos, um
estudante de Filosofia que tem premonições, sinta algo em relação à viagem de Aloha. Para
ajudá-lo, Pedro, um professor de Sociologia que se interessa pelo caso, propõe que o jovem
tente se comunicar por pensamento com a garota. É importante notar que o professor Pedro
não é convencional, por isso, diferentemente dos demais, acredita no “dom” de Carlos.
O autor também chama atenção para o fato de que, mesmo no ambiente universitário,
os professores tendem a não enxergar as potencialidades de seus alunos, pois não eram todos
que acreditavam na paranormalidade de Carlos. No entanto, percebe-se no texto que, como
nesse local mais liberdade do que em uma escola de ensino fundamental e médio, esse
jovem não se sente oprimido em ser o que de fato é. Outro elemento subentendido nesta
estória é o fato de Carlos conseguir trabalhar suas premonições porque o professor Pedro cria
um ambiente favorável a isso. Tal elemento narrativo mostra que a Criação de Ambientes
deveria ser uma realidade em diversos ramos da sociedade.
Na continuação da estória, por causa da força de seus pensamentos, Carlos consegue
enviar uma mensagem a ela. No avião, Aloha, sem entender o porquê, começa a conversar
com João, e a ansiedade de Carlos acaba desaparecendo. Após um mês, João vai à
Universidade a procura de Aloha.
143
Figura 31 - O Seqüestro, quadrinho 27
Tem-se na figura acima:
No pátio da Universidade. João como que procurando alguém se acerca de
Gustavo.
João: Procuro uma pequena. Linda demais. Estuda Comunicações. Cabelos
lisos; longos e bem pretos.
Gustavo: Só pode ser uma.
Em particular, João confessa à garota que na ocasião daquela viagem ele tinha
planejado seqüestrar o avião, mas que mudou de idéia pelo encantamento que Aloha trouxe a
ele. Mario Tourasse Teixeira coloca, nesta estória, o drama que muitos jovens sentem em
algum período de suas vidas. João, com as tribulações do cotidiano, havia se afastado do
mundo e da realidade, e viu no seqüestro um meio de extravasar seus sentimentos.
Para mostrar que não seria caracterizado por pura maldade, mas pelo desconforto que
ele sentia com sua vida, em uma parte do diálogo entre Aloha e João pode-se ler:
Aloha: Mas o que vopretendia?
João: Nem sei bem direito.
144
João: Ia exigir algo de espetacular... Como distribuição de roupas e
alimentos aos pobres.
Aloha: Ora, João.
Nas ilustrações da estória, este trecho é representado pelos seguinte quadrinhos:
Figura 32 - O Seqüestro, quadrinho 31.
Na conclusão da conversa entre Aloha e João, ambos concordam que, certamente, a
atitude da garota ir até seu encontro não foi coincidência, mas se deu por causa das
premonições de Carlos e das mensagens que lhe enviou. João admite que, se o fosse por
Aloha e, portanto, por Carlos, teria seqüestrado o avião, e que não se arrepende de ter pensado
nisso. Aloha decide, eno, ajudar este jovem toda vez que ele voltar a procurá-la.
Um Dia Perdido
Esta estória se passa com dois garotos que estudam na mesma escola. Nenhum destes
dois personagens recebe nome durante a narrativa, de modo que será atribuído Menino 1 e
Menino 2 para a identificação deles. Trata-se de uma estória em quadrinhos, com ilustrações
de Lucinéia Ap. Pires do Prado. Como não foi localizado recibo referente a este pagamento, a
assinatura na capa da estória é a única referencia a este nome. Provavelmente foi publicada
juntamente com as demais estórias da série Mel e Azul, no início de 1976.
Os quadrinhos desta estória não são delimitados como ocorre usualmente: a separação
deles decorre apenas dos desenhos e das falas. Para as falas do Menino 1 são utilizados
145
balões, o que o ocorre com as falas do Menino 2. Outro modo de diferenciá-los é que o
primeiro garoto não usa óculos, mas o segundo sim.
O primeiro quadro mostra os dois colegas caminhando até o ponto de ônibus para irem
à escola. Como naquele dia teriam prova de Matemática, chegaram mais cedo ao ponto, de
forma que o Menino 2 propõe que caminhem até a escola. Na figura abaixo se lê:
Menino 2: Vamos a pé até a Escola?
Menino 1: Mas...
Menino 2: Pra começar bem o dia... Aposto que vamos ver uma porção de
novidade.
Menino 1: Tá.
Figura 33 - Um Dia Perdido, quadrinho 02.
No caminho, começam a discutir sobre a prova que teriam e sobre como poderiam se
sair nela. Como a prova era de Matemática, acabam falando sobre essa disciplina. Um deles
tem uma particular visão sobre ela:
146
Figura 34 - Um Dia Perdido, quadrinho 03.
No trecho selecionado acima se lê:
Menino 1: Bem se que não conhece bem os professores. Inda mais de
matemática! São de índole ruim mesmo!
Menino 2: Ora...
Mario Tourasse Teixeira coloca de modo simples o que muitos alunos pensam sobre a
Matemática e sobre os professores desta disciplina. Essa visão reforça a idéia de que muitos
desses professores não consideram apenas o raciocício implementado na resolução de um
exercício, como mostra a estória “A Prova”. Ou reitera, ainda, a imagem de tais docentes
como demasiadamente rigorosos nas correções das provas, por acreditarem que seu modo de
solucionar uma questão é o que deve se solidificar no aluno, como ocorre em “As
Desventuras do Figurinha Difícil: Os Corregedores”.
Nesta estória, assim como em outros textos do autor, enquanto um personagem que
é avesso à escola e às disciplinas cursadas, há outro que consegue encontrar algo de especial
nesta instituição. Neste caso, o Menino 1 reflete o primeiro tipo, e o Menino 2 o segundo. Ao
chegarem à escola, os personagens são informados de que o professor que iria aplicar a prova
havia faltado. Como o Menino 1 havia estudado e se preparado para esse avaliação, fica
descontente com a situação e reclama: Logo hoje que estava preparado. Quando for a prova
já esqueci tudo”.
Através de tal postura, o autor quer colocar nesse personagem toda a rebeldia
característica contra a escola. Também foca, na frase acima, que a maioria dos alunos se
prepara para as provas de modo que saberá aplicar o conhecimento naquele exato
147
momento. Já ficou claro em outros textos, como “As Desventuras do Figurinha Difícil: O
Jogo de Lápis de Cor”, que o autor é contrário a essa idéia. Para Mario Tourasse Teixera, o
conhecimento deveria ser de tal forma adquirido que, mesmo sem preparo, um aluno poderia
realizar as avaliações de modo plenamente satisfatório. O personagem Figurinha Difícil
representa essa idéia no texto citado acima.
Para que o dia o ficasse “perdido”, os dois garotos decidem ir até a turma de uma
menina chamada Elza. No entanto essa garota o se encontra na sala, pois também faltou à
aula nesse dia.
Figura 35 - Um Dia Perdido, quadrinho 08.
Figura 36 - Um Dia Perdido, quadrinho 09.
Nos quadrinhos anteriores lê se:
Menino 1: Poxa, a Elza está demorando. Será que não vem?
148
Menino 2: Devo confessar que sinto que não.
Menino 1: Poxa, hoje está um dia daqueles! Nada dá certo!
Menino 2: Não deveríamos nem ter levantado.
Decidem então, a pedido do Menino 2, passar na sala de uma professora chamada
Dora. Este garoto a considera diferente e é, de certo modo, encantado por ela. Mas quando
chegam à sala percebem que ela também havia faltado naquele dia.
Na figura abaixo lê se:
Menino 2: Mas que azar! A professora Dora também não veio.
Menino 1: Vai ver está transando com nosso professor de matemática.
Figura 37 - Um Dia Perdido, quadrinho 11.
As duas cenas acima mostram que muitos alunos vão à escola buscar algo que não é o
conhecimento, tampouco a educação. De acordo com as idéias do capítulo anterior, isso
ocorre porque tais alunos o conseguem enxergar na escola um ambiente convidativo a seu
crescimento pessoal, mas somente algo estranho e desestimulante. Assim, há a necessidade de
procurar nela outros afazeres que não as aulas.
Como nada do que pretendiam realizar deu certo, os garotos decidem “matar” o resto
das aulas para ir ao parque. Durante o caminho, o Menino 1 fala sobre a garota, fazendo com
que o Menino 2 a relacione com a Matemática. Para ele, apesar da Elza parecer inacessível,
149
ela pode ser alcaada pois “A matemática mostra como coisas que parecem complicadas e
inacessíveis podem ser alcançadas por meios simples.
Para explicar sua idéia, o Menino 2 fala sobre como calcular a altura de uma ladeira
através da inclinação.
Figura 38 - Um Dia Perdido, quadrinho 15.
Na figura acima se lê:
Menino 2: Basta observar que em qualquer ponto da subida a altura
dividida pelo caminho percorrido é uma constante. É o que se
chama seno da inclinação e que os matemáticos tabularam
para as varias inclinações.
Menino 1: E daí?
Menino 2: Daí que para saber a altura basta multiplicar o caminho
percorrido pelo seno da inclinação.
Menino 1: Ah é!
Menino 2: Viu como uma relação simples pode nos levar longe?
Menino 1: Gostaria de saber qual a relação simples que me levasse à Elza.
150
O Menino 2 conclui que uma “relação simples” pode “levar longe”. A partir dessa
idéia, discutem uma relação simples” para que o Menino 1 chegue até Elza. O Menino 2
propõe o uso de uma música da qual a garota goste.
Como a tentativa de conquistar a garota com discos não funciona, o Menino 1 acaba
concluindo que a teoria da “relação simples” também o funciona e, por conseguinte, se
convence de que a própria Matemática não funciona. Esse idéia também é apresentada em
outras estórias de Mario Tourassse Teixeira.
Como o dia estava no fim e nenhuma tentativa deu resultado, decidiram não perder a
noite: pegaram os violões para realizar uma serenata. Não querendo fazer uma serenata para
uma “pequena”, palavra que o autor usa em diversos textos para designar garotas, decidem
fazer uma serenata para as estrelas.
Figura 39 - Um Dia Perdido, quadrinho 24.
No quadro acima aparece o seguinte diálogo:
Menino 2: Para as estrelas... As estrelas são tão bacanas... E...
Menino 1: Gostei... Serenata para as estrelas!
Esse final retrata a disposição dos meninos para fazer algo de que gostam: a serenata.
A mesma motivação seria sentida na escola, se o ambiente propiciasse ao aluno a
possibilidade de realizar tarefas que lhe agradam. E uma das principais idéias de Mario
Tourasse Teixeira era justamente que o aluno pudesse se sentir motivado a ir à escola, um
lugar no qual ele próprio teria autonomia para escolher o que lhe agradaria ou não.
151
É claro que esse tipo de escola foge totalmente aos moldes atuais. No entanto, quando
o autor pensa dessa maneira, está apegado a valores que consideram o aluno, antes de
qualquer outra coisa, como o primeiro interessado em seu próprio aprendizado.
4.3.1. Série As Desventuras do Figurinha Difícil
Dentre toda a produção literária de Mario Tourasse Teixeira, alguns textos merecem
destaque. Tratam-se das estórias que compõem a série As desventuras do Figurinha Difícil.
Fazem parte desse grupo 07 publicações do S.A.P.O., e foram encontrados mais 02 textos
incompletos nos manuscritos do autor. Todos esses textos possuem como personagem
principal um garoto cujo nome não é revelado e, devido a isso, recebeu o curioso apelido de
Figurinha Difícil.
Os episódios desta série são narrados por alguém que não é identificado, mas que
conviveu com o Figurinha em sua época escolar. Em cada estória esse narrador relata algo
ocorrido na escola, fatos sempre relacionados a esse garoto. O Figurinha Difícil era um
menino diferente dos outros: apesar de não ser admirado pelos professores, tinha respeito por
eles. Tinha também o costume de apelidar situações e pessoas, o que era feito sem a intenção
de prejudicar os demais.
Durante os episódios, percebe-se claramente as idéias de Criação de Ambientes e
criatividade, tal como estão expostas nos trabalhos educacionais do autor. Essas idéias se
mostram na personalidade do Figurinha, melhor definida a cada texto. Tal personalidade
reflete a concepção que Mario Tourasse Teixeira tinha da educação, dos professores e do
mundo que o cercava, sendo exposta ao longo da série. Comprova-se esse fato observando a
utilização de palavras como “mundo novo”, “vida nova”, “ambientes” e “criatividade” nas
diversas estórias.
É importante esclarecer que essa concepção adotada reflete uma inversão de valores,
por parte do Figurinha, com relação à Educação e aos demais participantes do processo
educativo da época. Essa idéia ficará mais clara as a leitura das análises. Ao final de cada
episódio, o narrador faz uma reflexão de sua própria vida, comparando suas atitudes atuais
com aquelas que tinha quando encorajado pelo Figurinha.
Como os textos inéditos estão incompletos, eles o serão analisados. Tratam-se de
dois textos: “As Desventuras do Figurinha Difícil: um ato de gente”, o qual relata a ocasião
em que o narrador tomou o lugar do Figurinha para que este não fosse prejudicado; o
152
segundo não possui subtítulo, sendo denominado apenas como “As desventuras do Figurinha
Difícil”, o qual relata o episódio em que aconteceria um concurso de desenhos na escola.
Seguem abaixo as análises dos demais textos desta série.
A Colenda
Este episódio foi publicado no SAPEANDO 07, edição de Inverno de 1976 (pp. 57-
59). Também foi encontrado no manuscrito Caderno B-15. Este texto conta um pouco da
“mania” do Figurinha de aparecer com palavras novas. O autor introduz tal assunto para
posteriormente abordar a “palavra nova” que aparece nesta estória: “colenda”.
A palavra colenda surgiu em um dia de reunião de professores. O Figurinha se referiu
a isso como “colenda congregão”. Apesar de congregação não ser novidade para os alunos,
o termo colenda os “atingiu em cheio”. Segundo o narrador, “Com essa nova adjetivação a
coisa toda tornava-se mais importante, misteriosa e longínqua para todos nós”. O autor busca,
nesse trecho da estória, mostrar como mistificações no ambiente escolar, e como certas
atividades conseguem despertar a curiosidade nos alunos.
O texto continua com o narrador relembrando uma brincadeira que faziam: alguém
escolhia uma palavra, e aquele que primeiro a usasse de maneira realmente bacana” seria
vencedor. Esse vencedor só seria declarado se aceito por unanimidade, o que tornava a
brincadeira algo não tão fácil, porque muitas vezes as palavras eram usadas de muitas
maneiras diferentes. O Figurinha, por sua criatividade, era quase sempre o vencedor.
Ao colocar que esse personagem conseguia vencer” a competição, na maioria das
vezes, por causa de sua criatividade, o autor metaforiza que com esse elemento é mais fácil
“vencer”na escola. o é à toa que o personagem principal de Mario Tourasse Teixeira
consegue liberar seu potencial criativo: é um modo de o autor destacar que na escola, como
em qualquer ambiente, a criatividade deve estar presente nas ações humanas.
O episódio que, de fato, envolve a colenda começa quando o narrador relembra o dia
em que foi encarregado de levar um recado ao professor Fontes, que por ser o mais velho de
todos recebeu do Figurinha o apelido de “decano”. Como este professor estava participando
de uma colenda, o narrador foi obrigado a interrompê-la:
o me lembro o recado que ia levando para o decano, sei que estava
nervoso e excitado com a expectativa de perturbar a colenda. Mas o decano
foi muito camarada comigo. A me passou a mão na cabeça
carinhosamente, fato considerado sem precedentes.
153
A colenda é, então, caracterizada pelo autor como um ambiente estranho e de
discórdia, o que faz com que o narrador entenda que o fato do decano ter afagado sua cabeça
possa ter sido um modo de agradecer a interrupção. Quando trata as reuniões de professores,
ou mesmo outras que ocorrem na escola, como um ambiente de discórdia, o autor revela seu
pensamento sobre as discuses e burocracias presentes nesse ambiente. Isto porque, para ele,
a escola deveria ser um lugar mais aberto e sem regras. Todo ambiente com regras em excesso
perde seu brilho e seu encanto, e para o autor é inadmissível que isso ocorra na escola.
O texto é concluído com o narrador refletindo sobre as reuniões das quais participa
“atualmente”:
Nas reuniões de agora sinto o mesmo clima de tensão e discórdia que percebi
então e ademais as pessoas parecem ficar diferentes, representarem um papel
mesquinho e subserviente. E nas discussões, alheio aos debates, fico
tristemente observando o som oco, o significado vazio das palavras e
comparo com aquele tempo, onde em cada frase podia brotar um encanto
novo [...]
E, ao comparar suas condições atuais a seu tempo de escola com o Figurinha, o
narrador parece tristemente perceber que não mais o “encanto novo e surpreendente” de
cada frase, e das “palavras mágicas” trazidas pelo Figurinha.
A Excuro
Este texto conta sobre uma excursão que a turma do Figurinha (e do narrador) fez ao
campo. A viagem foi realizada com a intenção de que os alunos conhecessem melhor a
natureza. Segundo o narrador, “excursão era o nome pomposo que os vigaristas usavam para
as nossas saidinhas”. Esse tipo de comentário é, na verdade, uma crítica que o autor faz ao
tipo de preocupação que os professores têm ao planejar suas aulas. No caso, a excursão
deveria ser motivadora para os alunos.
O narrador conta que se sentou ao lado do Figurinha Difícil no ônibus, e que este
“parecia saber tudo sobre ônibus: chassis, motor, carroceria e sabe lá Deus o que mais”. Além
destes aspectos técnicos, este personagem se sensibilizava com os estéticos. Também ensinou
alguns detalhes sobre esses veículos, o que causa surpresa ao narrador: “Devo confessar que
estava mais surpreso que encantado, embora o entusiasmo do Figurinha me tenha despertado
para algumas sutilezas [que] eu jamais teria percebido.
154
O Figurinha explicou como escolher as poltronas para se viajar nos dias de sol, pois
sabia como detectar a disposição dos bancos em um ônibus:
Neste quadrinho se lê:
Isso significa que a disposição da numeração nos ônibus é assim (esboçou
no meu embrulho da merenda)
Isso significa que a disposição do numero pode ser descoberta dividindo
por 4 e observando o resto, ou seja,
resto 01 – lado do motorista na janela
resto 02 – lado do motorista no corredor
resto 03 – lado da porta na janela
resto 04 – lado da janela no corredor.
Figura 40 - A Excursão, quadrinho 13.
Nesse trecho a matemática está sendo usada para auxiliar em uma questão cotidiana.
Assim como acontece no texto “Férias na Roça”, um dos personagens mostra que uma
aplicação para alguns conceitos de Matemática, e que estes podem servir de ajuda no
momento de tomar uma decisão.
155
Para mostrar a funcionalidade de sua idéia sobre a disposição dos bancos, o Figurinha
usa o exemplo do número 29, ou seja,
7429
e possui resto 1. Assim, a poltrona 29 fica na
janela, do lado do motorista. O uso da Matemática para resolver um problema não
contextualizado na escola é um exemplo de evocação, teoria defendida pelo autor e
explicitada no capítulo anterior. Isto é, trata-se de um conhecimento que envolve um conteúdo
escolar, no caso divisibilidade, que poderia ser proposto pelo professor de modo a fazer uso
também do conhecimento advindo dos alunos.
Sobre a excursão em si, é relatado que o professor Seixas permaneceu o tempo todo
falando “sobre bichos, plantas, clima e o sei o que mais”. Esse falar” é o que Mario
Tourasse Teixeira chama de performance. O professor passa o tempo expondo o que sabe e
falando, sem dar a abertura para que o aluno também fale e desfrute do ambiente em que está.
Ou seja, a aula, que deveria ser diferenciada pelo local em que estavam, torna-se igual àquela
que ocorre em uma sala de aula comum, justamente pela postura performática do professor.
O autor também chama a atenção para a diferença entre as explicações do professor e
as do Figurinha. No primeiro caso, o discurso de quem fala por obrigação e, no segundo,
de quem fala sobre o que gosta e es abandonado no assunto.
Figura 41 - A Excursão, quadrinho 18.
No trecho acima se lê:
O vigarista parecia repetir monotonamente algo muito, muito guardado
e que durante todo esse tempo perdera totalmente o significado.
Esse trecho também faz menção ao termo abandonar-se, que se destaca em outros
textos do autor. Quando o narrador se refere à maneira como o professor discorria sobre o
conteúdo, o autor parece querer chamar a atenção para aqueles professores que “sempre dão a
156
mesma aula. Tal fato tornaria esta atividade um tanto maçante, diferente de quando se ouve
alguém falar de determinado assunto com entusiasmo (como é sempre o caso do Figurinha).
ainda nessa estória a descrição de algumas atividades realizadas durante o recreio,
um intervalo entre as explicações do professor. Segue a narrativa da volta da excursão, a qual
teve seu retorno um pouco atrasado por que o Figurinha havia sumido. Quando voltou, “trazia
um ingênuo ramalhete de flores silvestres e uma porção de bugigangas”. O ramalhete foi dado
à menina “mais triste e quieta” da turma. Uma das pedras foi dada ao narrador, e não se tem
relato do que foi feito com as demais. Esse personagem conseguia criar um mundo mágico,
mesmo quando se tratava de simples pedras.
Figura 42 - A Excursão, quadrinho 28.
No quadrinho acima se lê:
Entre uma e outra cantoria, o figurinha pediu-me que escolhesse a pedra
mais bonita que tinha apanhado. Nunca pensei que pedras pudessem ser tão
bacanas. A que escolhi tenho ate hoje.
O narrador encerra a descrição da viagem dizendo que a chegada foi “um tanto triste”,
e conclui o texto refletindo que, naquela viagem, o que mais o marcou não foi a aula do
professor ou o lugar visitado, mas o encantamento do Figurinha pelos ônibus.
157
As ilustrações desta estória são de Lucinéia Ap. Pires do Prado. Encontra-se registrado
nos arquivos do SAPO um recibo em seu nome, datado de 05 de novembro de 1975, no valor
de Cr$ 300,00 (trezentos cruzeiros) pelas ilustrações..
As Andorinhas
Trata-se de mais uma estória ilustrada da série Mel e Azul. Os desenhos foram feitos
por Lucinéia Ap. Pires do Prado. O recibo encontrado é de 09 de novembro de 1975, também
no valor de Cr$ 300,00 (trezentos cruzeiros). Há também um recibo em nome de Jo
Augusto Evaristo, referente ao pagamento das ilustrações desta estória, juntamente com a
estória “O Irreversível”, no valor de Cr$ 774,00 (setecentos e setenta e quatro cruzeiros).
O texto retrata o carinho que o Figurinha Difícil tinha pelas andorinhas que moravam
no telhado da escola em que estudava. Esse garoto chegava a ir ao colégio aos domingos
apenas para observá-las. Fazendo referência ao texto As Desventuras do Figurinha Difícil:
Vida Nova, o narrador relata a existência de um jornal na escola, para o qual o Figurinha
escrevera artigos sobre esses pássaros, chegando a sugerir que eles fossem o símbolo do
jornalzinho. Esse jornal é um modo que o autor arrumou para mostrar que os alunos podem
estar envolvidos em atividade interessantes dentro da escola, sendo importante, nesse sentido,
o incentivo do diretor ou de um professor.
Apesar do carinho que o Figurinha nutria pelas andorinhas ser aparentemente algo sem
importância, como ocorria com tudo o que o esse personagem estava envolvido, a alegria de
tê-las na escola não durou muito. A direção da escola começou a implicar com esses animais,
e acabou tomando uma providência drástica: tirar os ninhos do telhado. Nesta parte do texto,
o autor chama a atenção para o cargo de diretor de escola: mesmo sabendo que havia crianças
que se divertiam com aqueles ssaros, mandou retirá-los.
O simples fato de existirem andorinhas que, de vez em quando, sobrevoavam a escola,
era motivo para que muitos alunos a freqüentassem. Sem que se fosse percebido, isso
criava um ambiente motivador para os estudantes. Mario Tourasse enfatiza, então, a falta de
percepção de muitos desses profissionais em relação à escola e aos alunos, sempre buscando
torná-la agradável unicamente de acordo com sua perspectiva .
158
Figura 43 - As Andorinhas, quadrinho 07.
No quadrinho acima se lê:
O diretor do colégio, alegando que as andorinhas faziam muita sujeira,
mandou tirar todos os ninhos.
O narrador relata que o fato foi tão triste para ele que quase chorou. Para o Figurinha
Difícil foi pior ainda, pois naquele dia não havia ido à escola, e depois que soube do ocorrido
ficou mais uma semana sem aparecer. O narrador lembra que não houve tristeza maior no
local do que a derrubada dos ninhos, com exceção do dia em que o Figurinha Difícil foi
expulso.
Todavia, com o passar do tempo, as andorinhas voltaram e, um certo dia, o Figurinha
encontrou um filhote caído no chão. Tentou ajudá-lo, mas viu que de nada iria adiantar, e que
teria que devolvê-lo ao ninho.
159
Figura 44 - As Andorinhas, quadrinho 16.
No trecho se lê:
Depois de tentar alimentá-lo e ver que voasse, chegamos à inevitável
conclusão de que era preciso levá-lo ao telhado, onde por certo seria
alimentado e protegido.
Como o telhado era “altíssimo”, os alunos precisariam de uma escada. Tiveram certa
dificuldade em consegui-la, pois nenhum dos funcionários queria se comprometer, ainda mais
em se tratando de um feito do Figurinha, um garoto visto com maus olhos pela coordenação
local. Os alunos acabaram por conseguir a escada que, segundo a descrição do narrador,
colocada de pé “dava medo só de pensar na subida”.
Pelo fato do diretor ter extinguido uma vez os pássaros do local, o Figurinha tomou
como “ponto de honra a salvação do filhote”. Assim, este personagem s-se a difícil missão
de subir até o telhado. Como se não bastasse a altura que ele deveria enfrentar, o autor
coloca mais um obstáculo na estória: o clima. Iniciou-se um vento e ameaçava cair um
temporal. Estes elementos parecem ser acrescentados pelo autor para dar mais ênfase ao
sentimento que o personagem nutria por aqueles pássaros. Também reforça a idéia de luta por
objetivos que são considerados dignos. Em outros textos, o mesmo personagem também não
abre mão de suas idéias, a não ser quando obrigado pela direção da escola.
160
Lutar por algo que se deseja mostra o verdadeiro caráter de um personagem que era
tido, no ambiente escolar, como um dos piores alunos. Tal atitude do Figurinha faz com que
se reflita sobre os tulos aos quais os professores submetem seus alunos. Será que aquele
menino que sempre senta no fundo da sala, parecendo alheio às diversas aulas de seu período
escolar, recebeu todo o incentivo e investimento necessários para a revelação de alguma de
suas potencialidades?
Este autor acredita que o papel do professor é justamente este: não desistir de seus
alunos, mesmo que estes pareçam não participar da proposta escolar. Para Mario Tourasse
Teixeira, sempre potencialidades a serem desenvolvidas. Na escola, tais potencialidades
dependem exclusivamente da atuação do professor, enquanto promotor de ambientes que
cooperem nesse processo.
Continuando o relato, para dar maior dimensão da altura do prédio e do medo que
cercava os presentes, o narrador lembra:
Figura 45 - As Andorinhas, quadrinho 26
No quadro acima está escrito:
“À medida que o figurinha subia mais a escada parecia vacilar e nosso
pavor era inaudito.”
161
O salvamento acabou tendo um resultado positivo. O Figurinha conseguiu chegar ao
telhado e devolver o filhote ao seu devido lugar. Por sua bravura, o menino foi ovacionado
por todos. Mesmo assim, ao ser informado sobre o fato, o diretor decretou a sua suspensão.
Em suas reflexões, o narrador também diz sentir falta de alguém que, como o
Figurinha, lhe desse esperança e alento.
Figura 46 - As Andorinhas, quadrinho 36.
No trecho acima se lê:
Que bom seria sentir agora a presença de alguém como o figurinha
salvando algo, ainda que pequenino como o filhote, desses destroços que
me rodeiam.
Em todas as páginas desta esria, os desenhos são construídos de maneira a mostrar
as lembranças do narrador em relação ao episódio relatado, como ocorre neste último
quadrinho. Nas figuras inseridas anteriormente o narrador não aparece, porque tais figuras
foram editadas, selecionando-se apenas a parte de interesse da pesquisadora.
162
O Figurinha Difícil
Esta estória foi publicada pela série Mel e Azul, e possui ilustrações de A. J.
Mathiesen. É escrita em terceira pessoa, e descreve a personalidade e vida do personagem
Figurinha Difícil, relatando episódios ocorridos com o personagem, e destacando suas
atitudes ao enfrentar diversas situações.
O narrador, como em todas as estórias que envolvem este personagem, conheceu-o na
escola. Fazendo referência ao seu apelido, diz desconhecer sua origem.
Não sei quem o apelidou assim e sempre me pareceu que jamais foi
conhecido de outra maneira. E o apelido parecia particularmente apropriado
por ser ele tão genuinamente diferente de todos os outros colegas.
Neste texto muitas das características do Figurinha Difícil são reveladas, sendo que o
narrador também afirma que sua personalidade o fazia diferente dos demais, e por isso nunca
chegou a ser compreendido. Muitos chegavam a se distanciar dele.
A estória é sobre sua turma, a “turma da pesada”, constituída por “alunos que iam mal
nos estudos, desprezado pelos professores e, até por boa parte dos estudantes. Nenhuma
pequena foi, jamais, admitida na turma.” Também faz referência às “pequenas”, explicando
que elas também não se achegavam ao Figurinha. Outra referência a esse fato ocorre no texto
“Os camaleões”. Por causa de suas diferenças, sua turma mesmo “não o captava bem.
O Figurinha expressa legitimamente as idéias do autor acerca da Educação. Assim
como para o autor, também para o personagem “tudo deveria parecer fluido e em formões,
donde estar sempre criando e inventando.A característica criadora e criativa do ser humano
está presente neste texto. O personagem mostra tais rasgos de caráter ao inventar apelidos
para as pessoas e situações, assim como o próprio autor faz quando usa a literatura para
expressar suas idéias. O caráter inventivo aparece nas brincadeiras propostas pelo Figurinha
difícil, como o jogo de lápis de cor.
Em certa parte do texto, o narrador relata um episódio. Os alunos estavam esperando
uma aula começar quando um dos professores achegou-se a eles; tal professor foi descrito
como “gente com um papo furado que pretendia ser amigo, mas que apenas faz parte da
fachada deles”. O professor gostaria de saber quais eram os planos e projetos dos alunos para
o futuro. Quando perguntou ao Figurinha Difícil o que ele gostaria de ser, o menino
respondeu: “Nada!” Com surpresa, o professor replicou que alguma coisa ele teria que ser “–
163
Quero ser eu mesmo”, disse rapidamente o Figurinha, como querendo terminar aquela
chateação”
Na estória aparece a seguinte ilustração:
Figura 47 O Figurinha Difícil, quadrinho 07.
Neste episódio, percebe-se que o autor faz duras críticas. Umas delas é dirigida
diretamente ao professor. Quando os alunos reclamam da presença questionadora do
professor, Mario Tourasse Teixeira quer chamar a atenção para um fato específico: a maioria
dos professores dirige-se aos alunos para interrogá-los acerca de algum assunto que não lhes
diz respeito, ou melhor, que não interessa e nem agrada a esses jovens. Parece se tratar de
uma intromissão por parte dos professores na vida dos estudantes. Ao passo que o fato
poderia ser um movimento de aproximação entre alunos e professores, o interrogatório torna-
se mais uma recusa a qualquer envolvimento.
Entrar na vida e intimidade dos alunos com questões relativas à escola, por exemplo a
usada acima, saber do futuro, já requer um pensamento acerca de profissões e, portanto, tem a
ver com mais estudos. Essa idéia, na concepção do autor, não é a melhor maneira de se
conseguir tal aproximação. A melhor maneira seria criando um ambiente de amizade e
acolhida sincera, que não envolvesse diretamente a escola ou o status que o conhecimento
sobre um aluno médico ou advogado daria ao professor.
Contra tudo o que se pudesse imaginar, o Figurinha Difícil respondeu que gostaria de
ser ele mesmo. O autor faz isso para mostrar que imagina uma Educação que não formate os
164
alunos, e que não os transforme naquilo que o professor gostaria que eles fossem. Essa é a
idéia de liberdade apresentada anteriormente, por exemplo, no poema “Desamparado”, no
qual o autor clama por estar “solto, livre à toa, [...] sem nada a que me apegar”
“Ser eu mesmo” diz respeito a não ser o que a Escola quer que seus alunos sejam. De
acordo com a filosofia do S.A.P.O., o Figurinha Difícil não queria ser um aluno com
habilidades específicas, mas criador de ambientes gerais que colaborassem no
desenvolvimento das personalidades, envolvendo todos os aspectos de suas vivências com o
emotivo e o artístico. Isso se dá porque esse personagem não se deixava levar pela realidade
ao seu redor, mas propunha um novo mundo, onde o mágico e o maravilhoso estivessem
presentes.
Neste sentido, o próprio S.A.P.O. não buscava a participação dos “figurões”. Ou seja,
daqueles que já estavam moldados pelo sistema e cujas idéias seriam as seguidas:
O SAPO é mais da arraia miúda e quem estiver se engrandecendo fica
advertido que deve se apequenar para poder publicar no SAPO. É claro que é
ridículo supor que algum figurão tenha querido publicar no SAPO. Mas
sempre os que querem reproduzir o que eles dizem. (PAPO Furado, 1976, p.
06)
Nessa citação, percebe-se que esse movimento era contra as “formatações”. Acredita
que elas fecham a visão das pessoas e não permitem que estas se abram a um novo horizonte.
O S.A.P.O., assim como toda a obra de Mario Tourasse Teixeira, propõe que todos os limites
e qualquer espécie de teoria sejam ultrapassados. Esse é para o autor o padrão de êxito: que se
ultrapasse o já alcançado.
O Figurinha ia mal” em todas as matérias, e era repudiado pelos professores, mesmo
que apresentasse grande facilidade e imaginação em Matemática. Mario Tourasse Teixeira
coloca essa característica no personagem para chamar a atenção ao fato de que muitos
professores admiram somente o aluno que se espelha no que ele faz na lousa.
O Figurinha, apesar de ser da turma da pesada, tinha imaginação em Matemática, ou
seja, usava a criatividade tão buscada pelo autor. A narrativa mostra, com isso, que os mais
livres são aqueles que provavelmente serão os mais criativos. E é por esse motivo que o autor
ressalta que o Figurinha não estava no padrão.
Durante a narrativa, menção a um episódio em que, durante uma festa da turma, o
professor de matemática teria lançado um problema sobre a maneira de “como partir o bolo
(que era quadrado), da maneira tradicional, de modo que cada um recebesse a mesa
quantidade”. Apenas o Figurinha Difícil “para a surpresa de todos”, deu a solução: “[...] era só
165
dividir o perímetro do bolo pelos participantes e cortaras fatias de modo que a borda tivesse
tal medida”.
O professor não concordou com a solução.
O pior é que o vigarista o se conformou e contestou que a solução era
obviamente falsa, pois não levava em conta a dificuldade que ocorria nos
cantos do bolo. Todos pareceram concordar mas o figurinha, para o espanto
do pessoal, dissipou da aparente dificuldade. O vigarista admitiu mas parece
que jamais perdoou o figurinha por isso.
Observe a ilustração para este trecho:
Figura 48 - O Figurinha Difícil, quadrinho 11.
Este episódio mostra claramente como o personagem era perseguido pelos professores.
O fato de um aluno da turma da pesada ter resolvido o problema foi tomado como
ofensa pelo professor. Dois motivos podem ser considerados a fonte do conflito. O primeiro
motivo pode dar-se pelo fato de a turma da pesada ser formada por todo o tipo de mau aluno,
e estes serem desregrados e não “irem bem” em nenhuma disciplina. Assim, a Matemática,
por ser considerada uma disciplina difícil, não poderia ser alcançada por alguém daquela
turma, pois ela deixaria de ser reservada para a elite. O problema poderia ter sido
resolvido por um dos “melhores” alunos.
A segunda razão para o conflito decorre da postura do professor, colocado como
aquele que desafia os alunos através do problema. Percebe-se, então, que a resolução de
problemas é colocada como instrumento de testes, e não de aprendizagem. Ao propor o
166
problema, o professor não imaginou que alguém fosse resolvê-lo. Como o Figurinha era um
garoto criativo e de imaginação solta, conseguiu usá-las em seu benefício, entendendo o
problema e resolvendo-o.
outras citações acerca do uso de sua imaginação direcionada à Matemática, mas
deixando claro que isso de nada servia para o menino, pois o personagem sempre foi “nulo”
nesta disciplina. O narrador se lembra:
Embora tenha sido sempre nulo em Matemática, não tenho a menor dúvida
sobre o talento do figurinha a esse respeito.
O texto também fala sobre seu gosto por Geografia, na qual sua criatividade, não
reconhecida pelos outros professores, era usada na confecção de mapas, “os mais belos mapas
de toda a escola.” Durante toda a narrativa, Mario Tourasse Teixeira vai caracterizando a
personalidade do Figurinha através de episódios rememorados pelo narrador. O último deles
trata da expulsão do Figurinha Difícil da escola. Tal atitude foi tomada porque, segundo a
turma da pesada, o diretor estava encontrando dificuldades para mantê-lo na escola frente a
tantas queixas que pesavam contra ele. Chegavam a dizer que ele, junto com sua turma,
faltavam às aula para roubar carros.
Embora fosse quieto e disciplinado, tanto nas aulas como no recreio, corriam
as versões mais disparadas sobre suas ações. Diziam, por exemplo, que junto
com outros da pesada, faltava às aulas para roubar carros e ter as mais
incríveis aventuras. Era tido mesmo como o exemplo-do-mau-exemplo.
Para este trecho da estória, há a seguinte ilustração:
Figura 49 - O Figurinha Difícil, quadrinho 21
167
O narrador encerra a estória dizendo que o Figurinha deixou um vazio na escola, e que
nunca mais se encontraram. Sentindo sua falta, o narrador reflete sobre sua posição enquanto
aluno bem comportado.
[sei] que estou farto de mim e de outros bons alunos, todos modelados
pelo mesmo padrão, atolados nos mesmos preconceitos. Como gostaria de
rever, agora, o figurinha! E dizer-lhe, depois de todos esses anos, que ele,
antes obscuro e inconscientemente e, agora, claro e conscientemente, é o
meu HERÓI.
Ser herói significa ser considerado extraordinário por seus feitos, no entanto, nesse
caso, retrata uma pessoa que não era admirada por trazer mudaa e novidade para os demais.
Não afeito a padrões e por seu jeito despojado, o Figurinha conseguia ser ele mesmo. As
pessoas livres do peso das opines alheias, que se abrem ao novo, e com espírito de
imaginação e criatividade são aquelas que o autor sonhava para as escolas.
Para Mario Tourasse Teixeira, são os alunos que não deveriam se conformar e nem se
formatar ao modelo imposto pela direção e professores. Deveriam, sim, ser livres para serem
eles mesmos, fazendo com que seu ser criativo emergisse e perpassasse os “momentos” de
ensino. Ainda que, no que concerne as teorizações do autor, falar em momentos de ensino
significa certa formatação. Como Mario Tourasse Teixeira mostra nesta estória, um simples
bolo em uma festa pode ser um instrumento de discussão matemática, e o ato de contar
estórias, ou ainda de ajudar alguém, seriam meios para mostrar a personalidade de alguém.
É preciso esclarecer que as características do personagem apresentadas acima não
significam que ele seja um aluno sem educação e agressivo, pelo contrário: uma das
características pprias do Figurinha Difícil era sua calma e respeito.
O Jogo de Lápis de Cor
Esta estória foi publicada no SAPEANDO 10, edição de Outono de 1977, nas ginas
54 a 56. Relata uma brincadeira inventada pelo Figurinha Difícil. Segundo a descrição do
narrador,
Esse jogo consistia simplesmente em colocar os lápis de cor em pé na
carteira e depois, com sucessivas pancadinhas na carteira, ir observando
quais os que caiam. O vencedor era o solitário que permanecia de pé a
despeito de todos os embates.
168
O narrador inicia o texto contando que, quando está muito atormentado, gosta de
mexer em seus lápis de cor. Durante esses momentos, acaba se lembrando do Figurinha
Difícil, e conseqüentemente da brincadeira descrita acima. Por causa de tal brincadeira, sua
sala nos tempos de escola era dividida em duas turmas, “os cabeça de vento”, que incluíam o
narrador, o Figurinha e os demais envolvidos com o jogo dos lápis de cor, e a turma dos
“viradores”, composta por aqueles que usavam os lápis para fazer carrinhos de corrida,
usando canivetes.
Como tudo em que o Figurinha estivesse envolvido durava pouco, o jogo também logo
foi proibido na escola. Isso ocorreu porque o Figurinha não concordava com o fato de os
alunos terem que se preparar para as provas. O autor deixa claro que “Na verdade o Figurinha
jamais se preparava para o que quer que fosse. Preparação era algo de profundamente
contrário à sua índole espontânea”.
Os professores, que, segundo o autor, passam grande parte do seu tempo preparando
algo, quer sejam aulas, provas ou exercícios, não entenderam a atitude do Figurinha. O
menino decidira simplesmente ser espontâneo e participar das avaliações com apenas o
conhecimento que tinha de fato adquirido. Foi usada, então, a proibição do jogo para
penalizar o garoto. Seus professores alegavam que a brincadeira era a [...] responsável pelo
descaso na preparação para as provas dos cabeças de vento”.
O que ocorre nesta estória, e também ocorreu em “As Desventuras do Figurinha
Difícil: As Andorinhas”, é que os responsáveis pelo processo educativo não perceberam que o
jogo, mais do que uma simples brincadeira, criava um ambiente totalmente ligado à Escola.
Assim, o autor critica novamente a falha de percepção dos professores e outras autoridades
escolares, no que se refere às atividades que motivam o aluno a participar daquele ambiente.
Em sua reflexão, no final do texto, o narrador lembra:
[O jogo] Parece que estava profundamente ligado ao ambiente da Escola.
Ainda tentei jogá-lo sozinho em casa e na verdade às vezes conseguia que
grande parte do encanto voltasse. Mas fui esmorecendo e aos poucos, com
muita pena, fui deixando de jogar.
É importante destacar também que, no jogo em questão, cada participante poderia
concorrer com dois lápis de cores diferentes. As cores do Figurinha eram “azul claro e grená”,
e as do narrador, “verde e branco”. Esses pares de cores fazem referência às séries específicas
do S.A.P.O. Embora não haja uma série azul e grená, já foi mencionado no capítulo 02 que
existiu uma série Mel e Azul e outra Mel e Grená. Nota-se, portanto, o encantamento que tais
169
cores produziam no autor, dada a recorrência delas em seus textos. menção de cores que
dão nome às séries específicas também em outros textos do autor.
O Pseudo
Este episódio, publicado no SAPEANDO 08, em 1976, conta sobre Arantes, um dos
professores do Figurinha Difícil. Como todos a volta do Figurinha, esse professor também
tinha um apelido: “pseudo”. Essa denominação era uma abreviação para “pseudo-vigarista”.
O narrador deixa claro que a palavra “vigarista” era usada nas mais diferentes
entonações, reforçando que este personagem “sempre tinha um jeito carinhoso de pronunciá-
la, enquanto havia os que a diziam com ar essencialmente maroto e alguns mesmo com certo
rancor”. Essa explicação contribui ainda mais para a caracterização da personalidade
diferenciada do Figurinha Difícil. Apesar de ter colocado o apelido nos professores, tratava-os
de maneira carinhosa.
O apelido pseudofoi dado ao professor Arantes, pois “A sinceridade do pseudo o
fazia agir de modo surpreendentemente pessoal durante as aulas”. Ou seja, o docente em
queso comportava-se de maneira diferente da maioria dos professores da escola.
Neste ponto do texto, o autor enuncia e explica outro de seus apelidos: “voz de
professor”. No texto, o narrador relata que o pseudo nem tinha voz de professor” e explica o
uso do termo: voz de professor é “o tipo de voz que o professor adota” principalmente quando
se dirige aos alunos, reforçando que se trata de uma voz que não cala. Mario Tourasse
Teixeira aborda essa questão em outros trabalhos, como por exemplo na peça de teatro
Revelação. Trata-se de uma voz que quer se impor e dominar o ambiente, de forma que este
som seja a única coisa a ressoar.
Essa idéia também está diretamente ligada ao conceito de performance, recorrente em
seus textos. No capítulo anterior, foi destacado que quando um professor porta-se seguindo
esse padrão, tende a encarar o processo educativo como algo dependente de sua exibição.
Assim, voz de professor é aquela que busca convencer os alunos de que o que está sendo dito
é o mais importante para ele no momento. Essa voz não consegue deixa que outra apareça, a
qual, no caso, seria o manifesto de um aluno, o que não tem vez nesse ambiente.
Em relação ao Pseudo, o narrador lembra que “mesmo durante as aulas o pseudo não
usava voz de professor”. O narrador volta os olhos para o fato de que a diferente impostação
de voz do Pseudo aproximava tanto ele quanto o Figurinha. Ambos sentiam-se mais próximos
170
do Pseudo, por este não colocar barreiras entre eles, diferentemente da maioria dos
professores.
Nesta parte do texto, o autor quer salientar que o tom impositivo da voz dos
professores, como outros atos típicos docentes, afasta o interesse dos alunos e impede a
criação de um ambiente educativo que atinja aos presentes. Sem a voz de professor, como
fazia o Pseudo, poderia-se motivar a reflexão e investigar os sonhos e sentimentos. Isto faria
com que os alunos não vissem os professores como pessoas inatingíveis, e participassem
efetivamente dos momentos de ensino e aprendizagem que ocorrem nas aulas, abandonando a
passividade de apenas observar o que a voz de professor diz.
Mario Tourasse Teixeira também faz uma crítica àquele tipo de professor que sente a
necessidade de falar o tempo todo, como se o ensino e a aprendizagem não ocorresse nos
momentos de sincio. Ou pior, encara que seu dever não estaria sendo cumprido na ausência
de sua fala. O autor exalta, assim, a participação ativa (e falante) dos alunos.
Como a filosofia do Pseudo se parecia muito com a do Figurinha, este se tornou “o
aluno mais chegado ao pseudo”. Como a posição docente do professor Arantes se
diferenciava da dos demais, sua reputação entre os vigaristas “nunca fora lá muito boa desde o
início”. Talvez por isso tenham se revoltado com a bagunça gerada em suas aulas, devido aos
seus momentos de silêncio. Seus companheiros de trabalho também “pareciam não perdoar
sua própria maneira de ser”, e difamaram suas atuação profissional ao espalhar que ele não
tinha método de ensino. Tudo isso acabou influenciando os alunos contra o Pseudo, o que fez
com que esse professor logo saísse da escola. Sem se despedir, Pseudo deu sua última aula e
nunca mais apareceu. O autor ainda enfatiza que “sua última aula nada teve de especial,
embora seja difícil dizer isso de uma aula sua, pois eram sempre diferentes e imprevisíveis”.
Como era o mais chegado ao pseudo, o Figurinha Difícil foi o que mais sentiu sua
falta. O narrador relembra que foi nesta ocasião que compreendeu “o quanto deviam ser
importantes para o figurinha aqueles papos que levava com o pseudo”, relatando que tinham
conversas “de igual para igual”.
Essa questão possibilita duas articulações. A primeira diz respeito ao sentimento que o
Figurinha tinha em relação ao erro: em sua concepção era impossível errar, pois o mundo
estava em eterna criação, como pode-se verificar na estórias As Desventuras do Figurinha
Difícil: Os Corregedores. Assim, esse personagem poderia conversar com o professor
Arantes sem ter a preocupação de estar dizendo a coisa certa.
A segunda articulação se faz em relação ao texto “O Supérfluo na Escola”. Como
esclarecido no capítulo anterior, para Mario Tourasse Teixeira, o ideal seria que a relação
171
professor-aluno pudesse, de fato, ser “de igual para igual”. Neste texto, o autor chama a
atenção para professores que insistem em falar coisas que não são do interesse do aluno e que,
portanto, ele o tem vontade de ouvir. É importante destacar que, como professor, Mario
Tourasse Teixeira tentava agir de “igual para igual” com seus alunos, tendo sempre em mente
que “aluno nunca erra”.
Sobre as conversas entre o Pseudo e o Figurinha, o narrador completa: “talvez o
importante não fosse o que era dito realmente, mas o ambiente que se ia criando”. Assim, o
narrador arremata que muitas das conversas ele mesmo pouco entendia.
Chega-se, então, à idéia central desse texto: a Criação de Ambientes. O professor
Arantes, através de sua personalidade divergente da dos vigaristas, possibilitava a criação de
ambientes motivadores de reflexão, onde sonhos e sentimentos poderiam surgir, e com um
mundo estranho e incomparável pairando. Tal conclusão vai ao encontro das idéias deste
autor em seus textos.
Após um intenso trabalho de leitura desta estória, percebe-se que a bagunça gerada nas
aulas do Pseudo o era devido à ausência de “matéria ou disciplina”, mas a um sentimento
de liberdade estranhamente sentido pelos alunos. Sempre condicionados a aprender com o
professor à lousa, resolvendo exercícios ou ditando teorias, nos momentos de silêncio do
professor os alunos não sabem o que fazer com sua liberdade. Como desde pequeno o ser
humano é condicionado ao aprendizado que pressue sempre alguém que ensina, deixar um
espaço para a criatividade pareceria estar mais próximo de um espaço para a desordem.
O narrador conclui o texto refletindo sobre sua vida em relação às pessoas que o
cercam: não nada do sabor absurdo, incoerente, incongruente que florescia nas conversas
entre o Figurinha e o pseudo”. Cabe informar que este texto também foi encontrado no
manuscrito Caderno B-10, com algumas modificações.
Os Camaleões
Esta estória foi publicada no SAPEANDO 09, edição de Verão de 1976. Assim como
os demais episódios, neste uma palavra nova” adicionada pelo Figurinha ao contexto
escolar, ou seja, um sentido novo adicionado a uma palavra. Trata-se do termo “camaleão”.
Para o personagem, naquela época, a essência do camalo era “o êxito no sentido o
mais imediato possível. E em função desse êxito o camaleão tudo sacrifica: não têm ideais ou
opiniões, vaga ao sabor da moda.” Este termo era empregado tanto para designar os vigaristas
172
quanto o aluno que não se envolvia emocionalmente e nem se apegava a coisa alguma, pois
“Voltar-se para si mesmo seria como um suicídio para ele”.
É importante lembrar que, assim como no caso da palavra vigarista, o Figurinha, ao
contrário dos outros alunos, não usava camaleão em tom depreciativo. O narrador observa
essa diferença, pois
[...] a palavra era mágica para ele [o Figurinha] e o significado associado (ou
melhor, envolvente) jamais se estabilizava. [...] Como entender, por
exemplo, a tola ternura, a absurda compaixão que o Figurinha mostrava
sentir pelos camaleões?
Essa citação mostra a qualidade desse personagem em ser “simplesmente novo a cada
dia”. Inicialmente, a palavra camaleão era usada apenas para os vigaristas, mas com o tempo
seu uso se estendeu também a alguns dos colegas. O narrador relata, com surpresa, a
constatação de que a maioria dos alunos que eram caracterizados pelo adjetivo camaleão eram
também aqueles que tiravam as melhores notas.
Mario Tourasse Teixeira destaca os supostos melhores alunos como camales
querendo evidenciar que estes, por terem sua criatividade podada pelas imposições dos
vigaristas, passavam a seguir somente a eles, fato que sem dúvida ajudava em suas notas. Isso
não interfere na crença do autor em relação ao mérito dos alunos mais ou menos aplicados. O
que se pode depreender é que ele acreditava que a preocupação desses alunos em tirar as
melhores notas condicionava-os a não ter ideais próprias, ficando à margem do que os
vigaristas exigiam deles.
Outro fato convergente é a constatação desse mesmo espírito “camaleônico” que
pairava sobre quase todas as garotas. Quanto a isso, o narrador relata que o próprio Figurinha
tentou amenizar a situação, esclarecendo que “as garotas se tornavam camaleônicas de tabela,
pois eram muito dependentes dos garotos pela própria educação que recebiam.”
Fato interessante é que próprio o autor incute no narrador uma conclusão acerca da
natureza de tais camaleões. Segundo o texto, nos camaleões naturalmente havia sempre o
cerne irredutível da ânsia pelo êxito, ocasionando todas aquelas incríveis mutações e
adaptações de sorte que o vetor resultante parecesse estar apontando na sonhada direção do
sucesso”. Através deste trecho, reforça-se o motivo de aqueles que tiravam as melhores notas
serem os mais camaleônicos, juntamente com as garotas. Também indica porque certos
vigaristas se enquadravam nesse título.
Para dar um exemplo de vigarista camaleão, o autor constrói o personagem Artur,
que, como descrito pelo narrador, “era frio, impessoal, escorregadio. Impossível comprometê-
173
lo com o que quer que fosse”. Neste sentido, o texto traz críticas aos professores que o se
comprometem com o ensino e estão na sala de aula apenas para reafirmar sua posição de
professores. Em sua autocrítica, o narrador conclui que tem sido camaleão desde seu
afastamento do Figurinha: “Sem ele não consegui resistir às pressões e tenho representado de
acordo com as conveniências ou com esquemas pré-estabelecidos.”
Mario Tourasse Teixeira também questiona o professor como alguém que vai à escola
para desenvolver uma performance, sem se preocupar com o ato de ensinar ou com o
conteúdo que está sendo transmitido. Essa temática foi discutida no capítulo anterior.
Os Corregedores
Este texto foi publicado no SAPEANDO 06, edição de Outono, 1976, nas páginas 51 a
54. Também foi encontrado no manuscrito Caderno B-10.
A narrativa tem como tema central as correções de provas e a atitude dos alunos com
respeito a elas. Para designar os professores que corrigem provas, o Figurinha Difícil usa a
palavra “corregedores”. Descreve tais professores como sempre sérios e preocupados”. Tal
título não se estendia a todos os professores, mas apenas àqueles que “se destacavam de um
modo ou outro na correção, [...] aqueles que amavam julgar e em que o lápis de correção fluía
fácil e inflexível anulando ou apequenando praticamente tudo.
Os meninos classificavam ainda os corregedores em azuis ou vermelhos, de acordo
com “qual parte do lápis mais gastassem.” Nesta parte do texto, o autor evidencia o horror que
muitos alunos têm das provas, o método de avaliação mais usado naquela época, e ainda hoje.
Quando o autor se refere à cor do lápis, fica clara a crítica que faz ao caráter pejorativo
que o uso da cor vermelha nas correções possui. Em muitos lugares é comum o uso do termo
“nota vermelha”, para designar a nota abaixo da média estabelecida, e “nota azul”, para a nota
acima da média estabelecida. Através dessa alusão, fica evidente que os corregedores
vermelhos eram os piores.
Como em outros textos, esse autor destaca o papel do professor de Matemática. Nesse
caso, diz que o “o corregedor-mór era o professor Seixas da Matemática”, e, para enfatizar a
severidade desse professor nas correções, relata: “À sua sombra os outros mais pareciam
aprendizes”.
Assim, um destaque para o professor de Matemática, porém de um modo
pessimista, sem se poder dizer ao certo porque isso ocorre. Talvez por ser essa a área de
174
atuação de Mario T. Teixeira, que presenciava essa realidade, ou mesmo pelo momento em
que a Matemática estava passando, com o Movimento da Matemática Moderna. Esse
movimento levou muitos professores a mudarem seu modo de ensino, tratando esta disciplina
de um modo mais axiomático.
Comoo corroborava com as idéias tradicionais de avaliação, algo que poderia
desencorajar os alunos, Mario Tourasse Teixeira faz também uma crítica à correção da prova
em sala de aula. O autor não concorda com certas atitudes docentes, como apontar os erros
dos alunos e fazer “toda sorte de comentários malignamente sarsticos”.
Para ilustrar a personalidade dos corregedores, e também para enfatizar sua crítica, o
autor relata uma cena ocorrida com o narrador. Apesar do garoto saber o que um dos
exercícios de uma prova exigia , ele não conseguiu se exprimir adequadamente. Logo, a
queso acabou sendo corrigida como errada pelo professor. O narrador relata que
ingenuamente pensou que uma breve explicação resolveria o caso”, mas o corregedor não
mudou de postura, por se prender ao que estava escrito na prova. “Tenho que julgar pelo que
está escrito e o pelo que pensou escrever, foi seu veredicto final”, justificou-se o
corregedor. Relata também “o caso da Glorinha”: esta não compareceu em uma prova, e não
teve o direito de fa-la em outro dia.
Ao construir o “mundo dos corregedores”, onde “tudo era exato e definitivo”, o autor
faz um contraste com o “mundo do figurinha [...] em que nada era preciso ou final. Era um
mundo em eterna criação”. Para ilustrar ainda mais o comportamento deste personagem, o
autor diz que ele “se mantinha indiferente às maiores barbaridades dos corregedores.
Também retrata um episódio ocorrido entre um corregedor e ele. Durante a correção de um
exercício da prova numa aula, o Figurinha, que havia resolvido a questão de outra maneira,
tentou “timidamente” explicar suas idéias. Apesar de o corregedor admitir que a maneira
estivesse correta, ele não mudou a nota do garoto “pois era pra fazer [o exercício] conforme
indicara”.
Para evidenciar ainda mais o autoritarismo desse professor, o autor coloca em seu
texto que o corregedor não acreditou na capacidade do Figurinha de resolver sozinho o
exercício daquela maneira durante a prova. Nesse ponto encontra-se uma crítica do autor aos
professores. Sabe-se que, por falta de uma boa formação, ou por falta de uma formação
continuada, alguns professores “param no tempo”. Sem atualizações, os docentes acabam por
repetir a mesma aula durante anos e alguns, por motivos diversos, não admitem outra maneira
de pensar senão a sua.
175
Conclui-se que nessa ocasião também se tratava do professor de matemática, pois o
autor fala em “solução” de um exercício, remetendo o leitor às maneiras de resolver um
exercício dessa disciplina. Assim, a crítica de Mario Tourasse Teixeira vai longe, chamando a
atenção para o fato de que, diferentemente do que muitos pensam, a Matemática não é uma
disciplina estática. Pelo contrário: basta que o potencial criativo do aluno seja liberado para
que ele comece a pensar efetivamente sobre um conteúdo.
O autor também quer alertar para o fato de que os professores deveriam incentivar
mais a capacidade criativa dos alunos, destacando que um [...] aspecto pernicioso à
criatividade é a atitude de tentar convencer tão característica nos professores”.
Em um de seus textos educacionais, o professor Tourasse afirma:
[...] quem tenta convencer em geral esta também tentando se convencer e,
ademais, exatamente por isso torna-se mais estrito e severo, reprimindo
outros pontos de vista logo de saída. (TEIXEIRA, 1975, p. 41)
Seguindo com a estória, o narrador diz que, por não pertencer ao mundo dos
corregedores, o Figurinha acabou sendo perseguido por eles, mesmo que de forma
inconsciente. Considerando que quem mais o ensinou na escola foi este personagem, o
narrador conclui o episódio relatando que em sua própria vida vive cercado de pessoas que
parecem saber a verdade e julgar a todos por seus padrões inflexíveis”. O narrador destaca
que falta o Figurinha para lhe dar alento e para lhe dizer que “há apenas a potencialidade de
fazermos coisas cada vez mais bacanas e de construirmos o mundo novo: gico e
maravilhoso”.
Vida Nova
Este episódio diz respeito a um dos professores do Figurinha Difícil, descrito como um
“vigarista simpático”. Foi publicado no SAPEANDO 11, de 1977, nas páginas 39 a 44.
Sua característica marcante era a mania de instigar os alunos a projetarem sempre uma
vida nova, o que resultou em seu apelido. Segundo essa teoria, cada um “deveria planejar uma
nova vida, que refletisse e impulsionasse os nossos ideais mais profundos”. Sendo que tal
planejamento, nas palavras do autor,
[...] precisava ser vigoroso e minucioso, uma tomada de consciência
envolvendo nossa personalidade em todos os seus aspectos. Nada de
proibições ou restrições e mais sonhos, fantasias e aventuras, espicaçando
uma vida intensa e ampla.
176
Mais do que sua própria realização, esse planejamento tinha a intenção maior de
incitar novos ideais e perspectivas nos alunos. Cada um dos planejamentos deveria ser
individualmente projetado, pois
[...] o Vida Nova jamais se imiscuía ou aconselhava sobre quais seriam
mesmo os nossos ideais. Isso era para cada um descobrir por si, sem
intervenções ou imitações. Na verdade era como se o sonho de uma vida
nova fosse o que houvesse de mais pessoal e importante em cada um de nós.
Patrimônio intocável de nossa individualidade a ser ofertado ao mundo.
Esse conceito de procurar a vida nova individualmente em nada tem relação com o
isolamento criticado pelo autor, no capítulo anterior. Ao contrário, refere-se à autonomia do
indivíduo em buscar para si o que deseja. Essa idéia pode ser levada para a sala de aula, e
vincula-se à teoria do autor no sentido em que ele aconselha e apóia a autonomia dos alunos
no processo educativo.
Ao ressaltar que o professor sempre insistia nessa idéia, Mario Tourasse Teixeira
reforça que a busca pelo novo não é algo facilmente alcançado. No caso da educação, tentar
uma vida nova com os alunos é uma tarefa que requer paciência e empenho por parte do
professor. Também neste sentido, a vida nova almejada assemelha-se ao Mundo Novo, citado
no capítulo 03. Ao dizer que o mundo deve estar aberto, o autor também está dizendo que a
vida necessita dessa abertura, e também de liberdade para acontecer plenamente. Essa
concepção emerge porque tanto o professor Mario quanto o professor Dante acreditavam que
esse mudar deveria ser uma constante, e a busca contínua do novo é essencial em todos os
aspectos da vida.
Na estória, o professor alerta os alunos de que a única recompensa para aquele que a
planejasse seria a ppria vida nova. Ou seja, eles não deveriam buscá-la somente pensando
em alguma satisfação maior. Essa nova vida também não deveria ser motivo de depreciação
da velha vida, ou seja, a velha vida deveria apenas motivar a vida nova, e não ser desprezada.
Os termos, “velha”, “nova evida”, são abordados em um poema deste mesmo autor:
“Pobre triste velha vida”. Em uma das estrofes pode-se ler:
Pobre triste velha vida
Solta, largada, sempre e sempre repudiada
Reduo fortuito e desprezado
Da vida nova jamais alcançada
177
Nestes versos, já analisados anteriormente, repete-se a idéia descrita acima em relação
à vida nova, que pode ser planejada sem ser colocada em prática, e também à idéia de repúdio
a velha vida.
Com relação ao próprio professor, muitos não entendiam como podia falar em vida
nova, se ele próprio parecia deixar que a rotina o dominasse. O narrador relata:
Suas aulas eram muito semelhantes entre si e todo o seu modo de ser era
facilmente previsível, de sorte que a idéia obsessiva de uma nova vida se
afigurava particularmente estranha e alheia como se fosse o que de menos
pudesse lhe passar pela cabeça.
Apesar de os alunos verem o professor dessa maneira, ele mesmo, em sua rotina
desgastante, conseguia a vida nova oferecendo-a a eles.
Nesse contexto, o Figurinha Difícil foi mais longe ainda. Para ele “uma vida nova
devia começar a cada instante!”. Esse pensamento vai ao encontro de sua personalidade
espontânea e avessa às regras impostas: o importante era ser novo em todos os momentos.
com o narrador era diferente. Ele não conseguia permanecer com os planejamentos de nova
vida, pois estava preso por um desânimo, o que o deixava alheio ao que dizia o Vida Nova.
Esse professor também foi o criador do jornal “Faz de Conta”, que era distribuído na
escola, e contava com artigos dos próprios alunos. Neste jornal, as idéias sobre vida nova
também eram publicadas. Tanto o narrador quanto o Figurinha escreviam sobre o assunto E,
conforme reitera o próprio narrador, o figurinha semvida era o que escrevia as coisas mais
bonitas”. Os artigos escritos no “Faz de Conta” eram discutidos com entusiasmo pelo Vida
Nova em suas aulas.
O Figurinha Dicil era um dos alunos que mais escrevia no jornal, e teve a idéia de
fazer uma edição especial dedicada ao Vida Nova. Porém, mais uma vez os vigaristas
arrumaram uma maneira de prejudicar” esse personagem, pressionando a direção de tal
modo que logo a contribuição do Figurinha no jornal ficou proibida. Argumentavam que ele
“dava mal exemplo”. Esse fato abalou tantos aos alunos quanto ao próprio professor, que,
apesar de muitas tentativas, não conseguiu reverter a decisão.
Nesta parte da estória, pode-se traçar o seguinte paralelo: assim como o Figurinha era
o que mais escrevia no “Faz de Conta”, Mario Tourasse era o que mais escrevia no
SAPEANDO. Do mesmo modo como o foco deste jornal era a vida nova, no boletim do
S.A.P.O. o foco era uma nova filosofia para se viver a Educação. E ainda: assim como alguns
quiseram proibir o Figurinha de escrever no jornalzinho, muitos não aceitaram as idéias do
professor Tourasse.
178
O narrador encerra a estória refletindo sobre sua própria vida:
Relembrando saudosamente tudo isso, dou-me conta de que muito tempo
não planejo uma vida nova, pelo menos com o fervor antigo. Se bem que
algo de mística associada ainda tenha permanecido, pois, como dizia o Vida
Nova, os projetos de nova vida sai como sementes que vamos lançando e
que frutificam depois por toda nossa existência.
Sua conclusão reside no fato de que ele não encontra indícios de vida nova ao seu
redor, pois falta o Figurinha para lhe orientar e inspirar.
4.4. Os personagens
Analisando os personagens de Mario Tourasse Teixeira, percebe-se que a maioria se
divide em três grupos. O primeiro conta com aqueles que têm uma visão diferenciada da
Educação ou da sociedade, e lutam para não se enquadrarem no sistema, não se deixando
influenciar; o segundo é formado por aqueles que sentem que há a urncia de uma mudança,
mas não se preocupam em fazer parte dela, o terceiro reúne aqueles cujas ações são dirigidas
pelos padrões estabelecidos, sem a preocupação de atingir seu pleno desenvolvimento.
Dentro do primeiro grupo estão:
Tito: “A Delação”;
Alberto e Odette: “A Visão”;
Carlos e Pobre Coitado: “O Criador de Ambientes;
André: “Revelação;
João: “A Energia Dormente”;
Sofki e Etle: “A Lenda do Fastidioso Nobre”;
Menina da cidade: “Férias na roça”;
Almir: “O Álbum de Figurinhas”;
Mario: “O Irreversível”;
Nômade: “O Nômade e o Estudante”;
Menino 1: “Um dia perdido”;
Figurinha Difícil: série “As desventuras do Figurinhas Difícil”;
No segundo grupo:
179
Roberto: “A Delação”;
Renato: “A Visão”;
Leônidas, Mendes e Norma: “O Criador de Ambientes”;
Ivan e Luiz: “Revelação”;
Tito e Lena: “A Prova;
Menino da roça: “Férias na roça”;
Narrador e Gato: “O Álbum de Figurinhas”;
Estudante: “O Nômade e o Estudante”;
Menino 2: “Um dia perdido”;
Narrador: série “As desventuras do Figurinhas Difícil”;
E por fim, o terceiro grupo:
Adélia e Sergio: “A Delação”;
Terezinha: “A Visão”;
Estudante: “O Criador de Ambientes”;
Atbar: “A Lenda do Fastidioso Nobre”;
Diretor: “O Álbum de Figurinhas”;
Todos esses personagens, e até mesmo aqueles que não se enquadram em nenhum
desses grupos, refletem posições adotadas pelo autor. Os personagens listados no terceiro
grupo o os que, na concepção do professor Mario, tem uma visão equivocada da sociedade
que os cerca.
Os personagem que constam no segundo grupo são aqueles que o influenciados
pelas idéias de uma nova vida, e até tentam atingi-la, mas acabam sendo sufocados pelas
duras imposições cotidianas. Já aqueles do primeiro grupo são os personagens considerados
livres, capazes de possibilitar o emergir do mundo mágico e maravilhoso em suas vidas.
Entre todos eles, um merece destaque: o Figurinha Difícil. Seguem-se abaixo, então,
alguns esclarecimentos sobre o “herói do S.A.P.O.”.
4.4.1. O Figurinha Difícil
O Figurinha Difícil é o principal personagem de Mario Tourasse Teixeira. É um
garoto simples e espontâneo, que sempre está envolvido em confusões em sua escola. É o
180
protagonista da série As Desventuras do Figurinha Difícil, e é colocado nestes textos para
mostrar as idéias de seu criador.
O personagem, que é figura frequente nas publicações do S.A.P.O., configura-se em
uma forma de chamar atenção para a própria filosofia do movimento, caracterizada aqui como
o surgimento de uma nova realidade que emerge da criação de ambientes, além de retratar a
educação baseada na criatividade, no emotivo e no artístico.
Apesar do Figurinha Difícil ser o personagem mais importante e conhecido de Mario
Tourasse Teixeira, ele não faz parte de todas as estórias. Dentre todos os textos de sua autoria,
o autor o coloca em 11, dos quais ele é o protagonista de 09. Segue abaixo a relação dos
textos em que o Figurinha Difícil aparece:
As Desventuras do Figurinha Difícil: A Colenda
As Desventuras do Figurinha Difícil: A Excursão
As Desventuras do Figurinha Difícil: As Andorinhas
As desventuras do Figurinha Difícil: O Jogo de lápis de cor
As Desventuras do Figurinha Difícil: O Pseudo
As Desventuras do Figurinha Difícil: Os Camaleões
As Desventuras do Figurinha Difícil: Os Corregedores
As Desventuras do Figurinha Difícil: Vida Nova
A História do Capeto
O Álbum de Figurinhas
O Figurinha Difícil
Estas estórias podem ser seccionadas três grupos:
I. Figurinha Difícil como protagonista: “O Figurinha Difícil” e a série As
desventuras do Figurinha Difícil;
II. Figurinha Difícil como coadjuvante: “A História do Capeto”;
III. Figurinha Difícil oculto: “O álbum de figurinhas”.
O primeiro grupo é composto de 09 (nove) estórias, sendo que apenas uma delas não
se caracteriza, pelo título, como pertencente à série As desventuras do Figurinha Difícil.
181
Nesta estória, denominada apenas “O figurinha difícil”, revela-se muito da vida do aluno e
pode-se identificar alguns traços da personalidade do personagem. O autor escreve:
É que o figurinha era naturalmente único e difícil de absorver que sua
própria turma, por assim dizer, o o captava bem. Num certo sentido o
figurinha era, talvez, o tipo mais popular do colégio, pois, todos o conheciam
e ouviam falar dele. Mas, tal popularidade não significava de modo algum
carinho ou admiração. (O FIGURINHA Difícil)
O Figurinha Difícil era um garoto que estava sempre de bom humor e não parecia
levar nada a sério. Em seu período escolar, freqüentou a escola mencionada em todos os
textos, onde pôde mostrar sua personalidade avessa às normas bloqueadoras de criatividade.
Assim como o próprio Mario Tourasse Teixeira, o personagem escrevia e recitava
poemas. Nesta estória, o narrador recorda um poema da obra O Cancioneiro, de Fernando
Pessoa, que o Figurinha teria recitado. Eis o quadrinho em que isso ocorre:
Figura 50 - O Figurinha Difícil, quadrinho 15
Na figura acima se lê:
Ó naus felizes, que do mar vago
Volveis, enfim, ao silencio do porto
Depois de tanto noturno mal
Meu coração é um morto lago
E, à margem triste do lago morto
Sonha um castelo medieval!
Apesar de o estar explícita na estória sua data da publicação, a autora deste trabalho,
em pesquisa nos arquivos do S.A.P.O., encontrou a carta de um sócio deste movimento,
182
datada de 13 de fevereiro de 1976. Nesta correspondência, o remetente refere-se a esta estória
justamente pelos versos de Fernando Pessoa citados pelo Figurinha:
Figura 51 - Carta de Almerindo Marques Bastos (2)
Neste trecho da carta lê-se:
Com a certeza de que o “SAPO” continuará firme na trilha que se propôs seguir,
aguardo outros trabalhos do mesmo tipo. Não importa que os resultados, a curto prazo sejam
pouco compensadores: o importante é lançar as sementes! Muitas cairão em terreno fértil e
produzirão, mais tarde, belos frutos. Para terminar, como uma espécie de incentivo para a
luta que vocês empreendem, deixo aqui esta poesia de um dos heterônimos daquele poeta
citado naquela história do Figurinha Difícil:
Para ser grande, se inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lado a lua toda
Brilha, porque alta vive.
39
Percebe-se, através do trecho transcrito acima, que o cio incentivava e era favorável
à posição do SAPO enquanto movimento divulgador de materiais que objetivavam contribuir
39
Estes versos são de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, e foram retirados da obra Odes de
Ricardo Reis.
183
para uma formação ampla de seus leitores; tal trecho também evidencia que o personagem
teve real destaque entre os sócios do movimento.
É importante salientar que, dentro do movimento, o Figurinha Difícil mereceu grande
importância. No artigo Papo Furado, do SAPEANDO 07, a respeito do S.A.P.O., lê-se: “seu
herói não é o matemático ou o pedagogo, mas sim o figurinha difícil!” (PAPO furado, 1976,
p. 07). Esse texto mostra, assim, que grande parte da filosofia do movimento está presente nas
idéias deste garoto.
Por seus atos e modos descritos, nota-se como este personagem se diferenciava dos
demais garotos. Talvez por isso sofresse perseguições, tanto dos professores, quanto dos
próprios colegas:
Embora fosse quieto e disciplinado, tanto nas aulas como no recreio, corriam
as versões mais disparadas sobre suas ações. Diziam, por exemplo, que junto
com outros da pesada, faltava às aulas para roubar carros e ter as mais
incríveis aventuras. Era tido mesmo como o exemplo-do-mau-exemplo. (O
FIGURINHA Difícil)
Nesta estória também há uma relação com outras estórias, tais como “A História do
Capeto”, pertencente ao segundo grupo indicado. O narrador conta que “Quando houve
aquela balburdia e correria, a respeito de um cachorro louco solto no pátio, o figurinha foi o
único que não se deixou impressionar e até foi afagar o cãozinho”. Abaixo, na análise do
segundo grupo, esta estória será retomada.
a rie As desventuras do Figurinha Difícil conta com 08 (oito) textos, sendo 06
(seis) de estórias narrativas que foram publicadas pelos SAPEANDO, e mais 02 (duas)
estórias ilustradas ou em quadrinhos publicadas na série Mel e Azul.
Nesta série, também são reveladas muitas características do personagem, por exemplo,
sua mania de apelidar as pessoas e coisas, colocando os mais diversos e intrigantes nomes.
Segundo consta no texto, “O figurinha sempre teve a mania de vir com palavras novas que
ninguém sabia o que significavam e que ele usava da maneira mais incrível” (AS
DESVENTURAS do Figurinha Difícil: A Colenda).
Ao se referirem aos professores, por exemplo, esse personagem e seus amigos, usavam
o termo vigarista. De acordo com o texto: “O chamar os professores de vigaristas era um
habito tão antigo, também devido ao figurinha é claro, que nem consigo me lembrar de
quando e como tudo começou. (AS DESVENTURAS do Figurinha Difícil: O Pseudo).
Entretanto, apesar de esse apelido parecer de mau gosto e dar ao personagem um ar de
grosseria, na estória “As desventuras do Figurinha Difícil: O pseudo”, o autor deixa claro que
184
seu personagem não quer ofender os demais com tais apelidos, mas apenas criar uma
brincadeira com a implementação de novas palavras. Outros alunos, no entanto, não
partilhavam da mesma opino que o Figurinha.
Não há dúvida de que vigarista” significava coisa muito diferente para
quase todos nós e sendo assim talvez a entonação com que era pronunciada é
que fosse realmente reveladora. O figurinha, por exemplo, sempre tinha um
jeito carinhoso de pronunciá-la, enquanto havia os que a diziam com ar
essencialmente maroto e alguns mesmo com certo rancor. (AS
DESVENTURAS do Figurinha Difícil: O Pseudo)
Essa brincadeira de dar novos significados às palavras criava um ambiente de amizade
e companheirismo entre aqueles que as usavam. Com o tempo, vários “apelidos” apareceram,
tais como:
Colenda: palavra utilizada para designar a reunião dos professores.
Um belo dia em que houve reunião de professores lá veio o figurinha se
referindo ao assunto como a “colenda congregação”. “Congregação” não era
novidade, mas “colenda” nos atingiu em cheio. E depois disso a gente
sempre se referia à reunião de professores como a “colenda”. Com essa nova
adjetivação a coisa toda tornava-se mais importante, misteriosa e longínqua
para todos nós. (AS DESVENTURAS do Figurinha Difícil: A Colenda)
Pseudo: apelido de um dos professores que começou a dar aulas no colégio. Este,
diferente dos demais, não tinha o tom impositivo. Ao contrário, deixava os alunos
livres para que a criatividade pudesse fluir.
De todos professores que tivemos naquela saudosa época, aquele que mais
nos impressionou (pelo menos a mim e ao figurinha) foi o professor Arantes.
É gozado como custei agora a lembrar seu nome, pois era conhecido por
todos nós apenas por “pseudo”, uma abreviação de pseudo-vigarista”, que
era o apelativo originariamente pretendido. (AS DESVENTURAS do
Figurinha Difícil: O Pseudo)
Camaleões: apelido para aqueles alunos e professores que não tinham opinião e agiam
conforme lhes fosse conveniente.
Como dizia o figurinha, a essência mesmo do camaleão é o êxito no
sentido o mais imediato possível. E em função desse êxito o camaleão tudo
sacrifica: não tem ideais ou opines, vaga ao sabor da moda. (AS
DESVENTURAS do Figurinha Difícil: Os Camaleões)
Corregedores: denominação para os professores que se sobressaíam na correção das
provas. Ou seja, que eram muito rigorosos nas correções.
185
Nem todos vigaristas eram honrados com tal tulo. Os corregedores eram os
vigaristas que se destacavam de um modo ou outro na correção,
evidenciando um zelo todo especial nesse mister. Aqueles que amavam
julgar e em que o lápis de correção fluía fácil e inflexível, anulando ou
apequenando praticamente tudo. (AS DESVENTURAS do Figurinha Difícil:
Os Corregedores)
Vida Nova: apelido que também se refere a um professor diferente dos demais. Este
estava sempre sugerindo que os alunos projetassem a cada dia uma nova vida.
Entre os vigaristas mais simpáticos que tivemos, um sempre se destacou: o
Vida Mova”. Foi nosso professor por longo tempo e, com o seu jeito
agradável, simples e ameno, contava histórias, lia poemas e, quando havia
diálogos bons na narrativa, fazia com que interpretássemos as várias
personagens do enredo. Sempre nos estimulava a falar e escrever sobre o que
quiséssemos e nunca parecia aborrecido em nos ouvir, por maior que fosse a
tolice. (AS DESVENTURAS do Figurinha Difícil: Vida nova)
Apesar de dar novos sentidos às palavras, o personagem não revelava o que elas
queriam dizer. E, para caracterizá-lo ainda mais, o autor completa: “Tambémo fazia
queso nenhuma de ser considerado como o introdutor de tais “neologismos””. Conclui-se,
eno, que o Figurinha, ao contrário de muitos outros, nunca disputava ser o dono das
palavras. Além disso, é destacado que esta mania do personagem não servia ao propósito de
chamar a atenção para si, mas simplesmente decorria de seu gosto em brincar com as
palavras.
Essa mania do figurinha não era com o intuito se de mostrar ou chamar a
atenção para si. Na verdade isso era a última coisa que se poderia esperar
dele. Creio que o que o motivava mesmo era o mistério que cercava as
palavras, o dar asas à imaginão e coisas assim. (AS DESVENTURAS do
Figurinha Difícil: A Colenda)
É fácil notar que esses apelidos são o centro das estórias narrativas da série As
desventuras do Figurinha Difícil. Cada um deles tornou-se o título destes textos. Quanto às
demais estórias, ilustradas ou em quadrinhos, apesar de possuírem o mesmo contexto, levam o
nome de fatos que ocorreram entre o Figurinha e sua turma. Um exemplo é “As desventuras
do Figurinha Difícil: A excursão”.
Os novos nomes dados, tanto a professores quanto a ocasiões e coisas, refletem o
modo do personagem ver a escola em que estudava e o ensino vigente na época. Enquanto nos
dias de hoje fala-se em interdisciplinaridade e uso de materiais manipulativos nas aulas, o que
o Figurinha Difícil critica é justamente com relação a falta, por parte dos professores, da
estimulação à criatividade dos alunos e a escassez de outros mecanismos de ensino. Neste
186
sentido, a presença deste personagem amenizava o clima impositivo do cotidiano das aulas e
do ambiente escolar, levando magia e encantamento aos colegas.
No texto As desventuras do Figurinha Difícil: Os corregedores”, a fala do narrador
que encerra o relato mostra como os ensinamentos desse personagem tiveram mais relevância
que muitas imposições dos professores:
E me falta o figurinha para me dar alento para resistir e continuar. Tímido,
franzino, desprezado, mas mostrando com seu heróico exemplo que não
realidade, não certos e errados, apenas a potencialidade de fazermos
coisas cada vez mais bacanas e de construirmos o mundo novo: mágico e
maravilhoso. (AS DESVENTURAS do Figurinha Difícil: Os Corregedores)
No segundo grupo listado anteriormente, está o conto “A História do Capeto”. Nesta
estória, o personagem Figurinha Difícil aparece apenas como coadjuvante. É importante
salientar que “A História do Capeto é a única estória assinada por Mario Tourasse Teixeira
que possui o Figurinha Difícil. Este fato reforça que este professor foi realmente o criador
deste personagem tão singular.
Como descrito anteriormente, o encontro do Figurinha com o Capeto se dá na escola
de Toninho, na ocasião em que apenas o Figurinha Difícil ao teme a suposta “raiva” do
cachorro.
Mais uma vez vê-se o diferencial do personagem: quando todos abandonaram o
cãozinho, até mesmo seu dono, ele acarinhou o animal sem temor. Percebe-se, assim, que o
autor quer mostrar que seu personagem é alguém surpreendente e inovador em tudo.
No terceiro grupo, está a estória O Álbum de figurinhas”. O texto traz a narrativa do
episódio em que três amigos, Almir, Gato e o narrador, iniciam uma coleção de figurinhas,
montando para tal um álbum. Dentro da denominação deste grupo de estórias, durante toda a
narrativa o Figurinha Difícil não é mencionado. Entretanto, através de uma leitura atenta e
análise do texto, percebe-se que o personagem Almir possui a personalidade muito parecida
com a do Figurinha: o mesmo espírito criativo e anseio por coisas novas estão presentes em
ambos os personagens.
Assim, defende-se nesta dissertação que, apesar de não estar declarado nesta estória
que Almir possua tal apelido, ele é o próprio personagem Figurinha Difícil. Alguns indícios
que levam a crer que se trata do mesmo personagem é a caracterização dada pelo autor,
através da visão dos narradores para cada um deles. Veja:
Na estória “O Figurinha Difícil” lê-se:
187
O apelido parecia particularmente apropriado por ser ele tão genuinamente
diferente
40
de todos os outros colegas. Estou convencido, agora, que nunca o
compreendi, nem de leve e, que ainda hoje, percebo novidades sobre ele. (O
FIGURINHA Difícil)
no texto em questão, a respeito do Almir, tem-se:
É difícil também explicar a prevenção da maioria dos colegas contra êle.
Talvez porque fôsse tão genuinamente diferente
41
. E isso provavelmente que
era difícil de perdoar. (O ÁLBUM de figurinhas)
Em relação à postura dos professores diante deles (Almir e Figurinha Difícil) também
há uma concordância nas estórias:
Mas, parece mesmo, que os que o detestavam mais eram os professores e o
pessoal da administração da escola, incluindo até os serventes. (O
FIGURINHA Difícil)
O certo é que os mestres estavam sempre anormalmente propensos a criticá-
lo, ridicularizá-lo e mesmo prejudi-lo nas notas. (O ÁLBUM de
figurinhas)
O mesmo ocorre nas referências às amizades que o Figurinha e o Almir fizeram:
O figurinha [...] estranhamente, poucas amizades fez entre nós. (AS
DESVENTURAS do Figurinha Difícil: O Pseudo)
O Almir era muito tímido, especialmente com as garotas, e vivia sempre
isolado. (O ÁLBUM de figurinhas)
Estas são apenas algumas características semelhantes que podem ser evidenciadas
entre o personagem Almir e o Figurinha Difícil. Entretanto, são suficientes para defender que
os dois personagens são a mesma pessoa. Com personalidades tão semelhantes e com os
mesmos hábitos, como o de contar estórias, Mario Tourasse Teixeira criou um personagem
difícil de ser confundido, ou como seu próprio apelido diz: uma figurinha difícil de se
encontrar!
Outro fato que se torna evidente na colocação do apelido é sua relação com o álbum de
figurinhas que Almir, juntamente com os amigos, estava colecionando. Do mesmo modo
como havia figurinhas em duplicatas, havia certamente aquelas difíceis de encontrar, e o
personagem se trata de uma delas, tanto por sua espontaneidade quanto por sua criatividade
singular, rastros de sua personalidade. Acredita-se, portanto, que a partir deste texto, ocorre o
40
Grifo da pesquisadora.
41
Grifo da pesquisadora.
188
fortalecimento do personagem, denominando-o apenas pelo apelido, que com certeza atribui
uma melhor caracterização à sua personalidade.
Por fim, é interessante lembrar que Souto (2006) conclui que, pela personalidade
avessa às normas, a criatividade, a capacidade de surpreender, entre outras características, o
Figurinha Difícil era o próprio professor Mario T. Teixeira. Afirma em sua tese:
[...] a inquietude de espírito, a ternura, a imaginação, a criatividade, o humor
refinado, a aversão às normas, a rebeldia diante dos pades estabelecidos, a
busca pelo novo, o jeito mordaz, a diversidade de talentos artísticos e a
capacidade de sempre surpreender atribuídas ao Figurinha não deixam
dúvidas quanto à identificação que percebo, nesse caso, entre ficção e
realidade. (SOUTO, 2006, p. 42)
A autora também acrescenta que o apreço e admiração que possuía pelo personagem,
acrescidos da modéstia que lhe era característica, certamente fariam com que Mario Tourasse
Teixeira contestasse essa afirmação.
Cabe ressaltar que a pessoa do professor Mario pode ser comparada a muitos de seus
personagens, principalmente àqueles pertencentes ao primeiro grupo listado nessa seção.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se inicia uma pesquisa não se tem a noção de tudo o que ela vai englobar, ou o
que não se fará necesrio com o passar do tempo. Às vezes, o caminho que parecia mais
natural torna-se impossível de ser percorrido; o método mais indicado, aquele que não traz
resultados; e os dados, tão disponíveis, verdadeiros labirintos de compreensão. Ao
pesquisador cabe, então, fazer as escolhas que o levem a driblar esses imprevistos.
Com esta pesquisa não foi diferente. No início, tudo parecia simples e à espera de ser
devidamente organizado. No entanto, em seu decorrer alguns empecilhos se colocaram à
frente. Nesses momentos foi necessário parar e continuar por outra estrada. Isso fez com que o
desenvolvimento da pesquisa propiciasse também o desenvolvimento da pesquisadora.
Escrevendo agora o último capítulo desta dissertação, entende-se que tudo o que se
tem considerado pedra foi, na verdade, o maior incentivo a prosseguir.
Chegando, enfim, ao final dessa estrada, cabe considerar o que se foi perdendo pelo
caminho e o que se foi adquirindo, e principalmente verificar se as perguntas feitas nos
como dessa jornada foram respondidas.
Quanto aos objetivos...
190
O objetivo primeiro deste trabalho era resgatar as estórias, contos e peças teatrais do
professor Mario Tourasse Teixeira. Isso posto, imaginou-se que se trataria de um trabalho
simples e de poucas preocupações. No entanto, a busca por esses contos e estórias revelou que
na verdade muitos outros textos literários poderiam ser acrescentados, e assim, já se podia
falar em uma obra literária. Sim, uma obra como a de qualquer outro escritor, com um tema
de interesse e com um estilo próprio de escrita.
Esse tema de interesse, não surpreendentemente, se revelou o ambiente escolar.
Percebeu-se que a grande maioria dos textos possui referências ao contexto educacional de
um modo simplesmente inovador para a época em que foram escritos. As idéias abordadas
remetem a um conceito de Educação, de um modo amplo e geral, que transcendem os maiores
desejos de mudança pretendidos atualmente.
Assim, não coube mais dizer obra literária, e sim obra literário-educacional.
A opção pelo estudo de suas estórias havia sido feita por se tratar de um professor que
esteve ativamente envolvido no desenvolvimento da Matemática na UNESP de Rio Claro,
além de ter-se mostrado um pioneiro ao co-fundar o S.A.P.O.. Como Souto (2006) apresentou
a três faces deste professor – o homem, o matemático e o educador restava ainda olhar para
sua produção literário-educacional e ver o que mais se poderia aprender com ele.
Assim, selecionar e reeditar os textos literários, bem como resgatar os personagens
deste autor, tornou-se uma parte essencialmente importante para a o entendimento do que se
pretendia investigar. Neste sentido, a opção pela História da Matemática como suporte para o
desenvolvimento da pesquisa foi fundamental.
Algumas surpresas também se revelaram, decorrentes do caráter histórico do trabalho.
Uma delas foi a (re)descoberta de outros matemáticos, que assim como o professor Mario
também se enveredaram nos caminhos da Matemática e da Literatura. Estas áreas, antes o
distantes, mostraram uma proximidade nunca imaginada.
Neste sentido, considera-se que este trabalho abre portas para outras pesquisas que
investiguem mais áreas de interesse entre esses profissionais. A História da Matemática
ganhou mais um item em sua variada lista de linhas de pesquisa.
As análises pretendidas exigiram além do que a pesquisadora imaginava que poderiam
exigir. Para tentar alcançar o grau de complexidade que alguns textos apresentavam, foi
necessário um estudo intenso dos textos educacionais do autor, e uma atenção redobrada
quanto aos detalhes postos. Às vezes, em uma única frase estava todo o sentido que o autor
queria colocar naquela estória.
191
Com o estudo das teorias educacionais de Mario Tourasse Teixeira, ampliaram-se as
possibilidades de interpretação das falas e atitudes dos personagens. Depois de se analisar
toda a obra, é possível afirmar que tanto suas estórias quanto seus personagens evidenciam
suas idéias acerca do mundo, da matemática e da educação.
Em relação a esta última, pode-se afirmar que sua visão ultrapassa o entendimento
comum sobre esta área: em sua teoria a Educação é entendida como Criação de Ambientes.
Com o emergir de uma ambiente significativo, as potencialidades de cada aluno poderão ser
desenvolvidas. Também haverá melhora na relação professor-aluno, uma vez que estes
poderão se encarar como iguais.
Desenvolver potencialidades significa, então, permitir que o aluno atinja sua
capacidade plena e, com isso, seja capaz de usar sua criatividade de modo a ultrapassar os
conhecimentos que já adquiriu. E, dentro das idéias defendidas por este autor, usar a
criatividade é ter liberdade no processo educativo.
Dentro dessa teoria educacional também estão as preocupações do autor com a
Educação Matemática. A estória “A prova”, por exemplo, mostra uma concepção de educação
adotada pelo autor, em que o professor não deve somente aceitar como resultado final os
números obtidos, mas olhar para o esforço e a criatividade dos alunos em resolver o
problema. Isto também entra em acordo com a concepção que o autor tem da ppria
Matemática.
Em relação a esta ciência, portanto, este autor acredita que ela não deve ser tida como
algo que prende e limita. Como escreve em um de seus manuscritos, datado de 08/09/91, a
“Matemática é vida. Vida gerada pela pureza da idéia e incrustada numa linguagem precisa”.
Assim, deve ser experimentada e recriada a cada instante, para que não perca essa vitalidade.
Exigir que o aluno apenas consiga decorar os teoremas e fórmulas que ela possui significa
podar sua raiz.
Também se evidencia que, para Mario Tourasse Teixeira, não é com ordem que se
aprende Matemática, mas principalmente com o uso da criatividade, e no ir e vir dos erros e
dos acertos que formam no indivíduo a capacidade de fazer novas conjecturas e de ver, no
cotidiano, aplicações desta disciplina com facilidade e precisão. A Matemática, sendo vida,
deve ser experimentada em uma peça teatral, uma estória, ou algo que mostre esse viver aos
alunos.
Ainda sobre esta disciplina, o autor acrescenta que o mundo o é regido por ela e que,
portanto, nem sempre as comparações entre relações matemáticas e o mundo real são válidas.
192
Essa idéia remete à outra questão que se colocou nos objetivos: evidenciar alguns
pensamentos do autor acerca do mundo à sua volta.
Mario Tourasse Teixeira não era igual aos demais em relação à Matemática e à
Educação. É de se esperar, portanto, que o ambiente que o cercava também o atingisse de um
modo especial.
A primeira conclusão que se tira a esse respeito é que suas idéias sobre Educação se
confundem muitas vezes com sua idéia de mundo. Seus sonhos e utopias visavam não
somente um salto de qualidade no campo educacional, mas nas relações humanas. Acreditava
nas pessoas como seres que poderiam se abandonar em seus objetivos e viver essa
transcendência em ambientes revelados por seus anseios e expectativas.
Escreveu muito sobre os jovens, porque acreditava que estes são capazes de lutar por
uma sociedade em que o principal não fosse trabalhar para alimentar seu individualismo, mas
para colaborar com o Todo. Por isso, defendia o “dar-se pleno”, e neste contexto, pode-se
afirmar que, para Mario Tourasse Teixeira, o mundo era visto como um morrer para que o
novo pudesse surgir. Esse morrer não é visto como um fim, mas como o começo de uma vida
nova que é sempre superação da vida anterior.
O surgimento constante da vida nova é ratificado por sua idéia do “mundo que não é,
mas está sendo, já explicitado no terceiro capítulo.
Quanto à pergunta diretriz...
Pode-se concluir que o que foi evidenciado, a partir desta análise interpretativa da obra
literária de Mario Tourasse Teixeira, é que suas idéias ultrapassam, em todos os sentidos, as
concepções de Educação, Educação Matemática e mesmo de Matemática conhecidas na
época, como se pode observar acima. Também se reforçou que este professor merece as
homenagens que lhes são dedicadas, por sua genialidade e simplicidade.
Evidenciou-se, ainda, que mais do que escrever textos literários, lê-los era uma
constante em sua vida, pois foram encontradas diversas citações de poetas como Manuel
Bandeira e Fernando Pessoa permeando suas estórias.
E já que o fim é iminente...
como última consideração, nesta dissertação, que o “arquiteto dos sonhos”
certamente reprovaria mais esta tentativa de expor suas idéias, principalmente neste modelo
193
tradicional e formatado aos moldes estabelecidos. Talvez pudesse aprovar uma dissertação em
forma de estória em quadrinhos ou peça teatral, mas não essa que se fez. Entretanto, mesmo
desta maneira pouco criativa e divertida, não há como negar a necessidade desta tentativa.
Tentar e sonhar, porque, no final, o que se tira de mais importante disso tudo são os
sonhos deste autor...
... Sonhos de uma Educação melhor e mais centrada nos alunos, uma educação na qual
o emotivo e o artístico pudessem ter vez.
... Sonhos de uma Matemática mais cheia de vida e próxima dos alunos.
... Sonhos de professores que se comprometessem com a Educação e com seus alunos.
... Sonhos de jovens que pudessem a cada dia projetar e ter uma vida nova, uma
perspectiva nova.
... Sonhos de uma sociedade mais coesa, professores mais livres, e estudantes mais
autônomos e criativos.
... Sonhos de um mundo mágico e maravilhoso!
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Referências Bibliográficas
ALENCAR, Eunice S.; FLEITH, Denise S. Criatividade: ltiplas perspectivas. 3. ed.
Brasília: Universidade de Brasília, 2003. 220p.
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da Alma: histórias da tradição na escola. Porto Alegre: Sulina, 2006. Prefácio, p. 11-14.
BACCAN, Nádia, R. A Obra Matemática do professor Mario Tourasse Teixeira:
classificação e arquivo. 2000. 78 f. Monografia (Iniciação Científica) Instituto de
Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2000.
BACCAN, dia R. O movimento do S.A.P.O. Serviço ativador em Pedagogia e
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BARONI, Rosa L. S. Pesquisa em História da Matemática: questões metodológicas. In:
Seminário Nacional de História da Matemática, 3, 1999, Vitória, ES. Anais do III Seminário
Nacional de História da Matemática. Viria: Universidade Federal do Espírito Santo,
1999, p. 166-177.
195
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197
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Rio Claro e UNESP de Rio Claro – Departamento de Matemática.
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Pedagogia e Orientação, n. 01-19, 1974-1979.
RIES MEL E AZUL. Rio Claro Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação.
RIE MEL E GRENAT. Rio Claro – Serviço Ativador em Pedagogia e Orientação.
ACERVO Mario Tourasse Teixeira. Rio Claro IGCE, UNESP, Departamento de
Matemática, 1992.
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<http://www.estacoesferroviarias.com.br/g/grauna.htm>. Acesso em 30 de abril de 2008.
WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuscrito>.
Acesso em 02 de outubro de 2008.
Bibliografia Consultada
BARONI, Rosa L. S.; NOBRE, Sérgio R.; TEIXEIRA, Marcos V. A Investigação Científica
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Matemática. In: BICUDO, Maria A. V.; BORBA, Marcelo C. (Org.). Educação
Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p.164-185.
BURKE, Peter. (Org.). A escrita da História: novas perspectivas. Trad.: Magda Lopes. São
Paulo: UNESP, 1992. 354 p.
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1983, v. 2.
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São Paulo: IBRASA, 1976, 211 p.
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interpretação. In: Seminário Nacional de História da Matemática, 5, 2003, Rio Claro, SP.
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Sites consultados
PORTAL Domínio Público. Biblioteca Digital Desenvolvida em Software livre. Disponível
em <www.dominiopublico.gov.br>. Acesso: agosto de 2008 a fevereiro de 2009.
199
ANEXOS
Anexo A: Uma estória de Helen Buckley
Certa vez, um menino de cinco anos, pequenino no tamanho, em relação aos seus
colegas de sala, mas com uma grande vontade de aprender, ouviu sua professora iniciar a
aula, dizendo: - Hoje nós vamos fazer um desenho. O menininho pensou: - Oba! Vou
desenhar! Ele gostava muito de desenhar bichos como as vacas, as galinhas, os gatos, e
também, desenhar navios, aviões e carros. Gostava tanto de desenhar que já estava com a sua
caixa de lápis de cor em cima de sua mesinha. Escolheu um lápis de cor e comou a
desenhar. Mas, foi interrompido pela professora que disse: - Atenção, alunos! Ninguém
começa ainda a desenhar! Ela esperou que todos estivessem prontos para desenhar e disse: -
Agora nós iremos desenhar flores.
O menininho desenhou rapidamente três bonitas flores e começou a pintá-las de azul,
amarelo e laranja. Mas teve que parar porque a professora disse: - Vou mostrar como vocês
tem que desenhar e pintar. E desenhou uma flor na cor vermelha com o caule e as folhas
verdes. – Agora, disse a professora, vocês podem fazer o desenho da flor e pintá-la. O
menininho olhou para a flor vermelha da professora e depois para as suas três flores. Gostou
200
mais dos seus desenhos. Mas ficou com medo de perguntar à professora, pegou uma outra
folha de papel e desenhou uma flor vermelha com caule e folhas verdes, igual da professora.
Outro dia era aula de trabalhos com barro. A professora disse: - Tenho certeza de que
vocês hoje vão gostar da aula. s vamos iniciar fazendo alguma coisa com o barro que está
nas suas carteiras. O menininho ficou muito contente porque ele gostava muito de fazer coisas
com o barro. Ele fazia carrinhos, trenzinhos, moinhos, cobrinhas e muitas outras coisas. Ele
pegou um pouco do barro e começou a fazer bolinhas de todos tamanhos. Mas, a professora o
interrompeu, dizendo: - Esperem! Ainda não é hora de começar a mexer no barro! Ela esperou
que todos estivessem prontos e disse: - Agora s iremos amassar o barro aque ele fique
parecido com um prato! O menininho ficou contente porque ele gostava muito de fazer pratos
de todas as formas e tamanhos. Ele já tinha começado a fazer os seus pratos quando a
professora disse: - Esperem! Não comecem ainda! Vou mostrar primeiro como se faz! E
mostrou como se fazia um prato fundo, e disse: - Agora vocês podem fazer!
O menininho olhou para o prato da professora e depois para o seu prato. Gostou muito
mais do seu prato, mas ficou com receio de dizer isso à professora. Por isso, desmanchou o
seu prato, amassou o barro e fez um prato fundo. Igual ao da professora. O tempo foi
passando e o menininho aprendeu a não fazer nada enquanto a professora não mandasse.
Ficava sempre esperando. Depois que a professora mandasse, ele olhava o que a professora
tinha feito e fazia tudo igual ao dela.
O tempo passou e a família do menininho mudou de bairro e ele, de escola. Ele gostou
muito da nova escola, tinha muitas árvores e muitos novos amiguinhos. Um dia, a nova
professora disse: - Hoje, cada um de vocês, vai fazer um desenho. O menininho ficou contente
porque gostava muito de desenho. Ficou esperando a professora dizer o que eles iam desenhar
e de cor iriam pintar. Mas, a professora nada disse. Ela ficava andando pela sala, parava em
cada mesinha, olhava o desenho de cada um, e sorrindo, elogiava. A nova professora chegou
até o menininho e disse: - Voo vai desenhar? Vou, mas o que vamos desenhar?
perguntou o menininho. – Eu não sei até que você faça o seu desenho. Como eu posso fazer
o desenho? perguntou o menininho. Do jeito que voquiser e gostar disse, sorrindo, a
nova professora. E de que cor pode ser o desenho? perguntou o menininho. A professora
respondeu: - Se vofizer um desenho igual ao de outro coleguinha e da mesma cor, como
irei saber qual é o seu desenho? Eu não sei... balbuciou o menininho, todo encolhido na
sua cadeirinha. Depois de um certo tempo olhando para a folha em branco, o menininho
finalmente fez o seu desenho: uma flor vermelha com caule e folhas verdes...
201
Anexo B: Pobre velha música!
Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.
Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.
Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.
Fernando Pessoa
202
Anexo C: Noturno do Morro do Encanto
Este fundo de hotel é um fim de mundo!
Aqui é o silêncio que te voz. O encanto
Que deu nome a este morro, põe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto.
Ouço o tempo, segundo por segundo.
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
Fátima ao pó de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia do seu manto.
Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem so nem cor, e eu, miserando,
Não sei mais como ouvir, nem como o diga.
Falta a morte chegar... Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que já morri quando o que eu fui morria.
Manuel Bandeira
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