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ANÁLISE COMPARATIVA DAS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO
DA COMPREENSÃO LEITORA EM ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA ENTRE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Samira Rovedo Varela
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro
Maio de 2008
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ANÁLISE COMPARATIVA DAS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO
DA COMPREENSÃO LEITORA EM ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA ENTRE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Samira Rovedo Varela
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como quesito para a obtenção
do Título de Mestre em Letras Neolatinas
(Estudos Linguísticos Neolatinos; opção:
Língua Espanhola.).
Orientadora: Professora Doutora Maria
Aurora Consuelo Alfaro.
Co-orientadora: Professora Doutora
Ângela Maria da Silva Corrêa.
Rio de Janeiro
Maio de 2008
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ANÁLISE COMPARATIVA DAS CONSTRUÇÕES DE SENTIDO
DA COMPREENSÃO LEITORA EM ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA ENTRE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Samira Rovedo Varela
Orientadora: Professora Doutora Maria Aurora Consuelo Alfaro.
Co-orientadora: Professora Doutora Ângela Maria da Silva Corrêa.
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós- Graduação em
Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte
dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas.
Examinada por:
____________________________________________________________________
Maria Aurora Consuelo Alfaro, Professora Doutora UFRJ
____________________________________________________________________
Angela Maria da Silva Corrêa, Professora Doutora – UFRJ
____________________________________________________________________
Tânia Reis Cunha, Professora Doutora – UFRJ
____________________________________________________________________
Ana Cristina dos Santos, Professora Doutora – UERJ
____________________________________________________________________
Claudia Fatima Morais Martins, Professora Doutora – UFRJ
____________________________________________________________________
Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna, Professora Doutora – UERJ
Rio de Janeiro
Maio de 2008
DEDICATÓRIA
A meus pais amados, Eveline e José, por
confiarem e acreditarem em mim, hoje e
sempre.
Às minhas irmãs e amigas, Simone e
Sabrina, pelo apoio, sem o qual eu não
chegaria até aqui.
Em especial a meu marido, Claudio, pelas
horas que nos roubou este trabalho, pela
paciência... e a meu filho Guilherme, pela
inspiração que me proporcionou para
conseguir concluir este trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que sempre está a meu lado, me confortando e me dando forças para a
superação de todos os obstáculos da minha vida.
À Maria Aurora Consuelo Alfaro, minha orientadora, pelo apoio e
esclarecimentos dados durante esses anos.
À Angela Maria da Silva Corrêa, minha co-orientadora, pela dedicação a esse
trabalho e pelo incentivo.
Às professoras Tânia Reis Cunha, Ana Cristina dos Santos, Claudia Fátima
Morais Martins e Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna, por aceitarem fazer
parte da banca, pelo exemplo profissional, pelo apoio e compreensão.
À Márcia Atálla Pietroluongo pela compreensão e pela ajuda que me foi dada.
À minha amiga Flávia, pelo apoio e pela troca de idéias, ainda que à distância.
À minha companheira de mestrado Ana Paula, pela ajuda e troca de
experiências.
À minhas amigas Diana e Bethânia pelo apoio e incentivo desde o início.
A todos os amigos e familiares, pelo carinho, apoio e incentivo.
RESUMO
VARELA, Samira Rovedo. Análise comparativa das construções de
sentido da compreensão leitora em E/LE entre alunos do ensino médio. Rio de
Janeiro, 2008. Dissertação. (mestrado em Letras Neolatinas; área de concentração:
Estudos Linguísticos Neolatinos; opção: Língua Espanhola.) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
A análise da presente investigação tem como objeto de estudo o
comportamento dos alunos na construção de sentido de três tiras de Histórias em
Quadrinhos (HQ´s) da personagem Mafalda, onde veremos o desenvolvimento da
capacidade de leitura dos mesmos.
A experiência de docência a partir dos relatos informais de alunos entre 14 e
20 anos, de duas turmas de 1
a
série do Ensino Médio (uma, de escola pública e uma
de escola privada), levou à problematização: o papel das histórias em quadrinhos
(HQ´s) e os modelos de compreensão leitora, observando os processos pelos quais
os alunos passam na construção de sentido no ensino de Espanhol como Língua
Estrangeira (E/LE). Esses resultados preliminares serviram como base para
identificar as seguintes questões: 1) quais estratégias esses alunos desenvolvem no
processo de construção de sentidos na interação entre o suporte gráfico e as falas
atribuídas aos personagens no processo de leitura dos textos; 2) como os alunos são
capazes de perceber o efeito de humor e ironia nas tiras dessas histórias em
quadrinhos; 3) que estratégias os alunos utilizam nestas construções de sentidos nas
tiras de Mafalda.
Palavras-chave : Leitura interativa, Ensino-Aprendizagem, Espanhol-Língua
Estrangeira, Mafalda, Construção de sentido, Histórias em Quadrinkos, HQ´s.
RESUMEN
VARELA, Samira Rovedo. Análise comparativa das construções de
sentido da compreensão leitora em E/LE entre alunos do ensino médio. Rio de
Janeiro, 2008. Dissertação. (mestrado em Letras Neolatinas; área de concentração:
Estudos Linguísticos Neolatinos; opção: Língua Espanhola.) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
El análisis de la presente investigación tiene como objeto de estudio el
comportamiento de los alumnos en la construcción de sentido en los tres jirones de
historias en viñetas (HQ´s) del personaje Mafalda donde veremos el desarrollo de la
capacidad de lectura de los mismos.
La experiencia de docencia a partir de los relatos informales de alumnos entre 14 y
20 años, de dos grupos de Enseñanza Secundaria (un, de escuela pública y otro, de
escuela privada), condujo hacia la problematización: el papel de las historias en
viñetas (HQ´s) y los modelos de comprensión lectora observando los procesos por
los que los alumnos pasan en la construcción de sentido en la enseñanza de
Español como Lengua Extranjera (E/LE). Esos resultados preliminares sirvieron
como base para identificar las siguientes cuestiones: 1) cuáles estrategias esos
alumnos desarrollan en el proceso de construcción de sentidos en la interacción
entre el soporte gráfico y las hablas atribuidas a los personajes en el proceso de
lectura de los textos; 2) como los alumnos son capaces de percibir el efecto de
humor e ironía en los jirones de esas historias en viñetas; 3) que estrategias los
alumnos utilizan en estas construcciones de sentidos en los jirones de Mafalda.
Palabras-clave : Lectura interactiva, Enseñanza-Aprendizaje, Español-Lengua
Extranjera, Mafalda, Construcción de sentido, Historias en Viñetas, HQ´s.
ABSTRACT
VARELA, Samira Rovedo. Análise comparativa das construções de
sentido da compreensão leitora em E/LE entre alunos do ensino médio. Rio de
Janeiro, 2008. Dissertação. (mestrado em Letras Neolatinas; área de concentração:
Estudos Linguísticos Neolatinos; opção: Língua Espanhola.) Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
The analysis of the present investigation has as study object the behavior of
the students in the construction of sense in the three comic strips of the Mafalda
character, where we will see the development of the students´capacity of reading.
The teaching experience from the informal reports of the students between 14
and 20 years, of two Secondary Education groups (one, of a public school and other,
of a private school) led to the question: the paper of comic strips (HQ´s) and the
models of reading comprehension, observing the processes through which the
students pass in the construction of sense in the education of Spanish like Foreign
Language (E/LE). Those preliminary results served as base to identify the following
questions: 1) which strategies those students develop in the process of sense
construction in the interaction between the graphical support and the speech of
character in the process of text reading; 2) how the students are able to perceive the
effect of humor and irony in these comic strips; 3) the strategies the students use in
the sense construction process from these Mafalda´s comic strips.
Keywords: Interactive reading, Teaching-Learning, Spanish-Foreign Language,
Mafalda, Sense construction, Comic strips, HQ´s.
El lector
A Pedro García Batalla
Pasa la página final y se remueve.
Apoya el tomo, despacio, sobre la manta
que cubre sus rodillas.
Meditabundo,
mira las brasas de la hoguera
e incorpora su integridad al fuego, pone los ojos
en la llama que, al arder,
al unísono es y se consume.
Cede a la noche,
cautivo en el embrujo,
y se adormila derrotado en el sillón.
Cae al alma
la ceniza como extinguido resplandor
de lo que tuvo luz, o la fingió.
Como difuso polvo sobre el libro.
Como pavesa fiel de lo concluso.
Alfredo Buxán
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Construção de significado............................................................... 29
TABELA 2 Competências leitoras..................................................................... 41
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Esquema letramento................................................................
39
FIGURA 2 Esquema Níveis de Conhecimento.........................................
43
FIGURA 3 Tira Mafalda – Liberdade........................................................ 78
FIGURA 4 Tira Mafalda – Sopa................................................................
79
FIGURA 5 Tira Mafalda – Derramamento de Zeros..................................
80
FIGURA 6 Tira Mafalda – PENTAGONO..................................................
83
FIGURA 7 Conhecimento – Escola X: Personagem.................................
90
FIGURA 8 Conhecimento – Escola X: Veículo.........................................
91
FIGURA 9 Conhecimento – Escola X: Leitura anterior.............................
91
FIGURA 10 Conhecimento – Escola X: Quantidade leitura anterior...........
92
FIGURA 11 Conhecimento – Escola Y: Personagem.................................
93
FIGURA 12 Conhecimento – Escola Y: Veículo.........................................
93
FIGURA 13 Conhecimento – Escola Y: Leitura anterior ............................
94
FIGURA 14 Conhecimento – Escola Y: Quantidade leitura anterior...........
95
FIGURA 15 Percepção – Escola X: Apreciação da leitura..........................
96
FIGURA 16 Percepção – Escola X: Classificação da leitura......................
97
FIGURA 17 Percepção – Escola X: Classificação do personagem............
98
FIGURA 18 Percepção – Escola X: Nova leitura........................................
98
FIGURA 19 Percepção – Escola Y: Apreciação da leitura..........................
99
FIGURA 20 Percepção – Escola Y: Classificação da leitura......................
100
FIGURA 21 Percepção – Escola Y: Classificação do personagem............
101
FIGURA 22 Percepção – Escola Y: Nova leitura........................................
101
FIGURA 23 Interpretação – Escola X.........................................................
103
FIGURA 24 Escrita – Escola X....................................................................
104
FIGURA 25 Interpretação – Escola Y.........................................................
105
FIGURA 26 Escrita – Escola Y....................................................................
105
LISTA DE ABREVIATURAS
HQ’s Histórias em quadrinhos
E/LE Espanhol como Língua Estrangeira
PCN’s Parâmetros Curriculares Nacionais
LE Língua Estrangeira
LM Língua Materna
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS........................................................................................................
10
LISTA DE FIGURAS........................................................................................................
11
LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................
13
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................
16
2. A LEITURA EM SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA (LE)..................... 24
2.1 MODELO INTERACIONAL DE LEITURA.........................................................
27
2.2 CONCEITO DE LETRAMENTO........................................................................
30
2.3 AS DIMENSÕES DO APRENDER A LER E A ESCREVER............................
33
2.4 O DESAFIO DE ENSINAR A LER E A ESCREVER........................................
35
2.5 O SIGNIFICADO DO APRENDER A LER E A ESCREVER.............................
39
2.6 O QUADRO DA SOCIEDADE LEITORA NO BRASIL......................................
40
3. COMPETÊNCIA LEITORA EM ESPANHOL COMO LE.........................................
41
3.1 CONHECIMENTO PRÉVIO..............................................................................
43
3.2 OS TRÊS MOMENTOS DA DIDÁTICA DA LEITURA......................................
44
3.3 ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DE LEITURA............................................ 47
3.4 COMPETÊNCIA TEXTUAL DISCURSIVA...................................................... 49
3.5 COMPETÊNCIA LINGÜÍSTICA........................................................................
51
4. GÊNEROS DO DISCURSO....................................................................................
54
4.1 GÊNERO DISCURSIVO: TIPOLOGIA TEXTUAL........................................... 57
4.2 O GÊNERO TIRAS...........................................................................................
58
4.3 CONTEXTO HISTÓRICO EM MAFALDA.........................................................
70
4.4 ASPECTO INTERATIVO NAS TIRAS DE MAFALDA......................................
73
4.5 A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NAS TIRAS DE MAFALDA..........................
76
5. FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS............ 86
5.1. TÉCNICA PARA COLETA DE DADOS...........................................................
87
5.2. DELIMITAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA............................................
88
5.3. A DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS DADOS........................................
88
6. ANÁLISE QUALITATIVA DA PRODUÇÃO ESCRITA............................................
90
6.1 TIRA N 1...........................................................................................................
90
6.1.1 ESCOLA X.....................................................................................................
91
6.1.2 ESCOLA Y.....................................................................................................
95
6.2 TIRA N 2...........................................................................................................
97
6.2.1 ESCOLA X.....................................................................................................
98
6.2.2 ESCOLA Y.....................................................................................................
100
6.3 TIRA N 3...........................................................................................................
102
6.3.1 ESCOLA X.....................................................................................................
103
6.3.2 ESCOLA Y.....................................................................................................
106
7. ANÁLISE QUANTITATIVA DOS DADOS...............................................................
109
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................
126
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................
130
ANEXO A QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA OBJETIVA...................................
134
ANEXO B QUESTIONÁRIO PARA DESCRIÇÃO SUBJETIVA..................................
135
ANEXO C PLANILHA DE CONSOLIDAÇÃO DOS DADOS PESQUISADOS 140
16
1. INTRODUÇÃO
O Ministério da Educação tem se mostrado preocupado com a situação da
educação brasileira. Este Ministério, em parceria com alguns professores que se
mostraram sensíveis à realidade brasileira, elaborou um documento que tem como
finalidade apresentar as linhas norteadoras dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN´s). Esta iniciativa surgiu com a necessidade de se construir uma referência
curricular nacional que possa ser discutida pela escola e/ou sociedade nos diferentes
estados brasileiros que garanta ao aluno o direito ao acesso aos conhecimentos
indispensáveis para a construção de sua cidadania. Tais orientações apontam para a
utilização do modelo interacional de leitura, visto que este considera a existência da
ação do texto sobre o leitor assim como do leitor sobre o texto.
Os PCN’s fazem parte do discurso político do Estado Brasileiro para nortear a
educação. Eles se apresentam num discurso do Estado Brasileiro em relação as
políticas públicas na qual participam principais profissionais da educação. A função
dos PCN”s é construir uma referência Nacional para um debate na escola e na
sociedade.
Os PCN’s descrevem as relações de aprendizagem como um processo
interativo entre professor, aluno e texto, propondo que dentre as habilidades do ensino
de língua estrangeira no Ensino Médio, foco de meu interesse, a leitura assuma papel
de relevância.
A análise da presente investigação tem como objeto de estudo o
comportamento dos alunos na construção de sentido nas três tiras de Histórias em
Quadrinhos (HQs) da personagem Mafalda, onde veremos o desenvolvimento da
17
capacidade de leitura dos mesmos; personagem esta conhecida mundialmente, por
sua infinidade de temas abordados ainda presentes no nosso cotidiano, graças ao seu
autor argentino chamado Quino. Essas tiras da personagem Mafalda são
interessantes, pois são uma fonte de referência para a observação de certas
características comunicativas próprias das interações verbais e não-verbais, onde
encontramos a seguinte hipótese: A construção de sentido é dependente das relações
que os alunos estabelecem entre o texto e suas bagagens culturais e suas vivências,
ou seja, cada pessoa construirá o sentido do texto de uma maneira, de acordo com
suas experiências pessoais.
A partir da experiência de docência dos relatos informais de alunos, que têm
entre 14 e 20 anos, de uma turma de Ensino Médio em uma escola pública e uma
escola privada, levou à problematização: o papel da histórias em quadrinhos (HQs) e
os modelos de compreensão leitora observando os processos pelos que os alunos
passam na construção de sentido no ensino de Espanhol como Língua Estrangeira
(E/LE). Esses resultados preliminares serviram como base para identificar as
seguintes questões: 1) quais estratégias esses alunos desenvolvem no processo de
construção de sentidos na interação entre o suporte gráfico e as falas atribuídas aos
personagens no processo de leitura dos textos; 2) como os alunos são capazes de
perceber o efeito de humor e ironia nas tiras dessas histórias em quadrinhos; 3) que
estratégias os alunos utilizam nestas construções de sentidos nas tiras de Mafalda.
Na esteira dos PCN’S as direções do nosso estudo estão centradas em uma
perspectiva da análise interacional, em que o comportamento dos personagens é
analisado a partir de pistas verbais e não-verbais, que vão definir qual postura o
18
personagem está tomando no momento da interação. Essas tiras foram produzidas
para um determinado público (público X) e estão sendo levados também para um
outro blico (público Y). Essa abordagem do discurso, ao considerar a natureza
dialógica e interacional da conversação, a construção dos sentidos como um
esforço conjunto de falantes e ouvintes. O ato de falar está ligado ao ato de ouvir.
Qualquer enunciado, produzido por qualquer participante numa situação discursiva,
constitui-se numa produção conjunta de todos os participantes da interação. Os
fundamentos da Sociolingüística Interacional propiciam a interpretação do que os
participantes estão fazendo quando partilham conhecimentos através da fala e
negociam relacionamentos em suas interações.
As bases teóricas utilizadas nesta pesquisa foram buscadas em diferentes
autores: Soares (2004), Kleiman (2002), Coracini (2002), Moita Lopes (1996) entre
outros.
Nosso estudo sobre a construção de sentido nas tiras de Mafalda, dentro de
uma abordagem interacional, ficou organizado em sete capítulos onde
apresentaremos vários conceitos de Leitura, suas Competências, Gênero Discursivo, a
Análise das tiras de Mafalda. Discutiremos a importância da questão de aprender e
ensinar a ler e a escrever no presente quadro da sociedade leitora no Brasil... e por
último apresentaremos as conclusões finais do nosso estudo e, a seguir, listaremos a
bibliografia utilizada.
É importante ressaltar a grande dificuldade desses alunos em construir,
recuperar, identificar sentidos dentro dos textos propostos. O professor está
respaldado pelos PCN’s para trabalhar temas multidisciplinares dentro de sala de aula,
19
objetivando discussões que transcendam a questões ligadas apenas ao ensino da
língua estrangeira, e devendo sempre estar preocupado com a “pluralidade cultural” de
seu aluno. Nesse sentido, portanto, é de fundamental importância o papel do professor
compreendido não como um mero transmissor de conceitos, mas sim como o
professor/ formador/ pesquisador preocupado com a sua formação e a de seus alunos,
responsável por trazer para sua prática de sala de aula propostas de trabalho que
venham possibilitar a formação desse cidadão crítico. Considerando tudo que foi dito
anteriormente, a presente pesquisa tem como objetivo analisar comparativamante as
construções de sentido na compreensão leitora em sala de aula de alunos de
espanhol com relação ao papel da leitura no ensino de Língua Estrangeira nas
respectivas escolas.
A linguística manteve-se, por muito tempo, alheia a problemas ligados à leitura,
tendo esse interesse ressurgido com os progressos dos estudos sociolinguísticos e
psicolinguístico. Na sociolinguística, autores como Labov e Shuy engajaram-se em
propor soluções para a alfabetização das minorias dialetais, e na psicolinguística
autores como Goodman e Smith abrem espaço para estudos dos processos interativos
envolvidos na leitura.
No Brasil, a preocupação educacional na área da linguagem tem incidido muito
mais sobre a escritura do que sobre a leitura, motivo por que os linguistas têm-se
voltado em seus trabalhos aplicados a se dedicar mais aos problemas da escrita e da
redação. O interesse pela leitura é bastante recente e, em algumas universidades
como a PUCSP, esse interesse desenvolveu-se a partir da preocupação com o ensino
da leitura instrumental em Língua Estrangeira.
20
A alfabetização tem sido a grande preocupação nos meios educacionais e
acadêmicos do país nos últimos anos. É comum sentir-se nessas ocasiões uma
preocupação obsessiva por parte dos educadores por “métodos” de alfabetização,
para a concepção dos objetivos mínimos da escola: ensinar a ler e a escrever.
Um aspecto que se observa em nossa escola é a excessiva preocupação com a
escrita e a pouca atenção que se dá para o desenvolvimento da leitura.
A prática de grande número de nossas escolas, parece fazer supor que à
produção segue-se automaticamente a recepção, ou seja, se o professor ensinar o
aluno a escrever, o aluno aprenderá automaticamente a ler, contudo sabemos que a
leitura pode ser adquirida independentemente da escrita.
As pesquisas em leitura, principalmente na área da psicologia e da
psicolinguística, são unânimes em afirmar que, na leitura proficiente, as palavras são
lidas o letra por letra ou sílaba por sílaba, mas como um todo não analisado, isto é,
por reconhecimento instantâneo e não por processamento analítico-sintético. A leitura
de uma palavra por um leitor competente é feita, pois, de maneira ideográfica.
A questão da leitura demanda uma certa visão sócio-histórica de linguagem,
sem a qual poderíamos falar de um lugar demasiadamente ingênuo (Cardoso, 2003:
55), que ignora que ligados à subjetividade estão a história (o sujeito é determinado
por um tempo e um espaço, um lugar social), a ideologia (as relações de poder) e o
inconsciente (a relação com o desejo).
21
Quando lemos estamos produzindo
sentidos (reproduzindo-os ou
transformando-os). Mais do que isso,
quando estamos lendo, estamos
participando do processo (sócio-histórico)
de produção de sentidos e o fazemos de
um lugar e com uma direção histórica
determinada. (Orlandi, 1988b : 59).
Considerando-se a questão particular do ato de ler (Cardoso, 2003:55), como
nos mostra a literatura voltada para os aspectos cognitivos da leitura, o
conhecimento linguístico desempenha um papel central no processamento do texto
(Kleiman, 1989: 14), constituindo um dos componentes do chamado conhecimento
prévio, sem o qual não é possível qualquer compreensão (Kleiman, 2002: 13).
Segundo Paulo Freire (2001);
A leitura da palavra é sempre
precedida da leitura do mundo. E
aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se
é, antes de mais nada, aprender a ler o
mundo, compreender o seu contexto, não
numa manipulação mecânica de palavras
mas numa relação dinâmica que vincula
linguagem e realidade.
Um texto pode ter sentenças lingüísticamente bem-formadas, ser coeso, ser
potencialmente coerente, mas ter sua legibilidade comprometida na relação de
interação entre leitor-texto/autor. Daí se pode dizer que o sentido não está no texto,
porque o processo de significação é desencadeado nesse momento específico da
interação entre interlocutores que se constituem como tais, e que a leitura é
compreensão de um texto e não simplesmente o reconhecimento de um sentido
(Cardoso, 2003:56).
22
Considerando-se que as interações verbais não se dão fora de um contexto
sócio-histórico-ideológico mais amplo, e que a subjetividade de cada leitor se
constitui na interação entre indivíduos socialmente organizados, a leitura está longe
de ser um ato inteiramente livre, o que equivale a dizer que a interpretação de um
texto não é uma espécie de vale-tudo, em que cada leitor tem sua interpretação,
independente das referências sócio-históricas e das instituições em que as
interações sociais são produzidas (Cardoso, 2003:57).
A leitura é basicamente um processo de representação. Como esse processo
envolve o sentido da visão, ler é, olhar para uma coisa e ver outra. A leitura não se
por acesso direto à realidade, mas por intermediação de outros elementos da
realidade. Nessa triangulação da leitura o elemento intermediário funciona como um
espelho; ler é, portanto, reconhecer o mundo através de espelhos. Como esses
espelhos oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é
possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo. (Leffa, 1996: 10).
Embora a leitura na acepção mais comum do termo se processa através da
língua, também é possível a leitura através de sinais não-linguísticos. Pode-se ler
tristeza nos olhos de alguém, por exemplo. Não se lê, portanto, apenas a palavra
escrita, mas também o próprio mundo que nos cerca, de acordo com Paulo Freire
1
(2001).
Diferentes posições refletem diferentes segmentos da realidade. Numa leitura
do mundo, o objeto para o qual se olha funciona como um espelho. Se o objeto for,
1
Desde muito pequeno aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler
e a escrever palavras e frases, já estamos “lendo”, bem ou mal, o mundo que nos cerca.
23
por exemplo, uma casa, vai oferecer tantas leituras quantas forem as posições de
cada um dos observadores em relação a ela.
Sem triangulação não leitura. Às vezes, no entanto, a triangulação não é
possível. Quando o leitor diz “’li, mas não entendi”, ele ficou apenas no primeiro
elemento da realidade: olhou, mas não viu. Houve tentativa de leitura, mas não
houve leitura.
Primordialmente, na sua acepção mais geral e fundamental, ler é usar
segmentos da realidade para chegar a outros segmentos. Dentro dessa acepção,
tanto a palavra escrita como outros objetos podem ser lidos, desde que sirvam como
elementos intermediários, indicadores de outros elementos. Esse processo de
triangulação, de acesso indireto à realidade, é a condição básica para que o ato de
leitura ocorra.
24
2. LEITURA EM SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Os PCN’s definem a sua natureza política, ao afirmar o papel da instituição
escolar na construção da cidadania, em que cabe à língua estrangeira uma função.
No que diz respeito à LE, as propostas contidas nos PCN’s supõem uma mudança,
contrapondo-se à concepção de língua como atividade coadjuvante, sem nenhum
papel relevante na formação do aluno. Nesta perspectiva, o ensino/aprendizagem de
LE responde aos imperativos sociais, dando base aos alunos para uma reflexão
sobre si próprios em relação às sociedades que têm como língua materna (L1), a
língua de estudo, como uma forma de contribuir na sua localização no mundo. A
proposta de trabalhar prioritariamente com leitura leva em consideração o fato de a
educação escolar ter como principal objetivo o letramento, argumento fundamental
na construção da cidadania, ao qual enquadra uma política destinada a desenvolver
a habilidade de compreensão leitora, embora, quando possível, se considerem
também outras habilidades comunicativas.
O trabalho de compreensão leitora, com desenvolvimento dos aspectos
discursivos é relevante no ensino de LE, que não requer infra-estrutura especial, face
às dificuldades materiais generalizadas no ensino público e, ao mesmo tempo, pode
gerar interesse e motivação em sala de aula. A questão principal reside na formação
de quadros capacitados, isto é, com conhecimento dos princípios teóricos e ao
mesmo tempo com habilidades técnicas incorporadas ao cotidiano da sala de aula.
Quanto aos problemas relativos às diferenças sociais da sociedade brasileira,
a leitura pode ser um lugar na minimização destas diferenças, à medida que as
atividades de compreensão de textos e os assuntos discutidos contribuem para o
25
pensamento crítico do aluno. O desenvolvimento da capacidade discursiva e crítica
do aluno o habilita a participar ativamente das práticas sociais, tornando-o de fato e
direito cidadão. Através da leitura em LE, as comunidades do Rio de Janeiro têm a
possibilidade de desenvolver a construção de sentidos, respeitando as
particularidades culturais e sociais.
O distanciamento proporcionado
pelo envolvimento do aluno no uso de uma
língua diferente o ajuda a aumentar a
autopercepção como ser humano e
cidadão. Ao entender o outro e sua
alteridade, pela aprendizagem de uma
língua estrangeira, ele aprende mais sobre
si mesmo e sobre um mundo plural,
marcado por valores culturais diferentes e
maneiras diversas de organização política
e social. (PCN’s, 1998:19)
A importância dada a determinados campos do conhecimento escolar vem
acarretando uma valorização dos conhecimentos necessários à preparação para a
vida acadêmica em detrimento do saber utilitário que abrange às classes sociais
menos favorecidas, que necessitam lidar com a prática da realidade para sua própria
sobrevivência. Esta importância, dada às disciplinas aplicadas no currículo escolar,
uma após as outras sem nenhuma associação, desconsideram o conhecimento
prévio dos alunos dissociando o conhecimento adquirido na escola, de sua aplicação
no cotidiano.
Deste modo, na seleção do material do trabalho com o texto é relevante
considerar a interdisciplinaridade proporcionando a interação entre as disciplinas a
fim de utilizar o conhecimento prévio do aluno nas diferentes atividades de leitura. A
proposta da introdução dos temas transversais tem como objetivo dar conta da
26
realidade social, fazendo com que o aluno não apenas reproduza o conhecimento,
mas que desenvolva a capacidade de transformação. A transversalidade se torna,
assim, a materialização da interdisciplinaridade na escola.
Compreender a cidadania como
participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos,
civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,
atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e
exigindo para si o mesmo respeito.
(PCN’s, 1998:10)
Para a seleção do material didático da aula de leitura, o documento
recomenda levar em conta a realidade dos alunos, tentando introduzir os temas a
partir de problemas do cotidiano dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-
aprendizagem. Os PCN’s sugerem, ainda, que na aula de LE sejam explorados as
diferentes conotações atribuídas ao masculino e femenino em vários países e
diferentes culturas, ao trabalhar a compreensão de textos.
No arcabouço teórico-prático deste documento, a leitura deixa de ser uma
atividade acessória no ensino de LE e passa a ocupar um espaço de construção de
conhecimento através da interação entre os sujeitos envolvidos e na sua relação
com o contexto. A leitura é uma ferramenta fundamental dentro do processo de
ensino/aprendizagem de E/LE, pois cria as condições para que o aluno construa seu
conhecimento com autonomia, sendo capaz de solucionar os problemas que
poderão surgir em situações de suas práticas sociais. Além disso, o processo de
construção de significados supõe o desenvolvimento de um leitor crítico, com um
desempenho satisfatório, inclusive, na leitura de textos em língua materna.
27
2.1 MODELO INTERACIONAL DE LEITURA
Kato (2002), entendendo leitura como processo de decodificação, identifica
duas posições teóricas opostas que corresponderiam aos dois tipos básicos de
processamento de informação: a hipótese top-down ou descendente e a hipótese
bottom-up ou ascendente. A primeira veria no leitor a fonte única do sentido, de
forma que o texto serviria apenas como confirmador de hipóteses e a segunda é
identificada com teorias de decodificação linguística, onde o sentido único residia no
texto a ser decifrado igualmente por todos os leitores (Coracini, 2002: 13).
Estando as duas hipóteses acima ultrapassadas, entende-se hoje, que leitura
é um processo de construção de significado que se realiza na interação entre leitor,
texto e contexto. Dessa forma o texto deixa de ser um puro pretexto para ensinar
determinadas estruturas e elementos lexicais que o professor ou o livro didático
julgam importantes (Moita Lopes: 2002).
O modelo interacional de leitura, desenvolvido nos anos oitenta, é
caracterizado pela visão de que o processamento do texto ocorre nas duas direções-
ascendente e descendente ao mesmo tempo. Assim, o ato de ler é visto como
envolvendo processos perceptivos e cognitivos.
É este modelo de leitura que parece captar mais claramente o fenômeno da
compreensão escrita, que modelos não-interacionistas não dão conta do fato de
que a leitura é ao mesmo tempo um processo perceptivo e cognitivo. Nesta visão, o
ato de ler envolve tanto a informação impressa na página quanto a informação que o
leitor traz para o texto- o seu pré-conhecimento. O significado não está nem no texto
28
nem na mente do leitor; o significado torna-se possível através do processo de
interação entre o leitor e o escritor, através do texto (Moita Lopes, 2002: 140). A
leitura não pode ser vista somente como processo cognitivo (individual), é também,
um processo interacional onde a co-operação com o meio, com o outro e com o texto
promove a construção de significados.
Segundo Vygotsky (1987) e Piaget (1976), a aprendizagem se processa em
uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que vive. Isso quer dizer que, ao
lado dos processos cognitivos de elaboração absolutamente pessoal (ninguém
aprende pelo outro), há um contexto que, não fornece informações específicas ao
aprendiz, como também motiva, sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda
condiciona suas possibilidades efetivas de aplicação e uso nas situações vividas.
O desenvolvimento do aluno-leitor passa pelo entendimento da função social
da leitura. Textos são escritos com um propósito inclusive, estético. Lemos porque
temos um propósito para leitura, inclusive o prazer. Bons leitores em qualquer língua
adaptam, mesmo que inconscientemente, sua forma de ler, de acordo com o texto e
seu interesse. Bons autores recorrem a estratégias para se comunicar com seu
público-alvo, sinalizando os caminhos da leitura. Bons leitores, por sua vez, recorrem
a estratégias para entender estas pistas ou preencher brechas, negociando
significados. Ambos também estão cientes da influência do meio que veicula o texto.
Por fim, ambos se apoiam na bagagem textual e na experiência de mundo (Kleiman ,
2002: 67). Assim,
29
Vale acrescentar que a análise do
quadro atual do ensino de Língua
Estrangeira no Brasil indica que a maioria
das propostas para o ensino desta
disciplina reflete o interesse pelo ensino da
leitura (PCN – Língua Estrangeira, p.21).
No modelo de leitura interacional proposto por Moita Lopes (2002: 143), um
leitor utiliza dois tipos de conhecimento: sistêmico e esquemático. O primeiro refere-
se ao domínio que o leitor tem dos níveis sintático, morfológico e léxico-semântico da
linguagem. o segundo está relacionado ao conhecimento que um leitor tem da
área de conteúdo do texto (conhecimento de mundo) e das suas estruturas de
organização retórica. Depreende-se da concepção interacionista de leitura que
ensinar a ler é ensinar ao leitor-aprendiz a relacionar os conhecimentos sistêmico e
esquemático através de procedimentos interpretativos, sendo assim, o leitor deve
seguir as pistas dadas pelo autor, fazendo uso dos conhecimentos acima.
Na interação face a face, elementos do contexto ajudam a compreensão, por
outro lado, a interação via texto é descontextualizada.
Daí a importância de considerarmos na leitura a responsabilidade do autor e
do leitor. O primeiro que detém a palavra, deve ser informativo, claro e relevante,
deixando pistas a fim de possibilitar ao leitor a reconstrução do texto, inferindo o
conhecimento prévio possibilitando a sua compreensão (Kleiman, 2002: 66).
A tabela abaixo pretende ilustrar como se dá a construção do significado:
30
Tabela 1: Construção de significado
Ao construir um significado para o discurso, o ouvinte/leitor constrói também
uma representação mental da situação na qual o discurso está sendo produzido. A
construção dessa representação mental, ao mesmo tempo em que é influenciada
pelos modelos de interação presentes na memória, os influencia, também, através
do enriquecimento ou reformulação dos mesmos. Essas reformulações constituem
redefinições da situação de interação (Van Dijk e Kintsch, 1983).
2.2 CONCEITO DE LETRAMENTO
A palavra analfabetismo nos é familiar, pois a usamos séculos.
Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas
analfabetas, desde o Brasil colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o
problema de alfabetizar.
Modelos Decodificação Psicolinguístico Interacional
Leitura Atividade perceptiva e
mecânica, centrada
no processamento
gráfico
Atividade cognitiva,
centrada nas
contribuições do leitor
Atividade cognitiva,
perceptiva e social,
centrada na interação
entre leitor e autor
Fluxo da
informação
Ascendente (do texto
para o leitor)
Descendente (do
leitor para o texto)
Ascendente e
descendente
Significado No texto Na mente do leitor Construído a partir da
interação leitor/autor
através do texto
31
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, um novo fenômeno se
evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam,
aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática de
leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e
a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita; para esse novo
fenômeno surgiu a palavra letramento (Soares, 2004: 46):
Indivíduos ou grupos sociais que
dominam o uso da leitura e da escrita e,
portanto, têm as habilidades e atitudes
necessárias para uma participação ativa
e competente em situações em que
práticas de leitura e/ou de escrita têm
uma função essencial e mantêm com os
outros e com o mundo que os cerca
formas de interação, atitudes,
competências discursivas e cognitivas
que lhes conferem um determinado e
diferenciado estado ou condição de
inserção em uma sociedade letrada.
(SOARES, 2004: 146).
Desta forma entendemos que a aprendizagem e o exercício de práticas de
leitura e escrita têm efeitos sociais sobre indivíduos e grupos, o que nos leva a
refletir sobre a importância de que ler e produzir textos significativos não é
simplesmente codificar e decodificar, é, além disso, ter competências para tratar a
informação, autonomia, capacidade para tomar decisões, condições hoje essenciais
para a inserção do sujeito no mundo. Afinal, como nos ensina Freire (2003) uma
escola democrática é aquela que garante o direito de todos à construção do
conhecimento e valores numa perspectiva crítica e transformadora.
O termo “Letramento” foi cunhado por Kato, em 1986 (Kato,1986: 7).
32
O letramento é considerado por Kleiman como conjunto de práticas sociais,
cujos modos específicos de funcionamento têm implicações importantes para as
formas pelas quais os sujeitos envolvidos nessas práticas constróem relações de
identidade e de poder (Kleiman, 2003: 11).
Os estudos sobre o letramento no Brasil estão numa etapa ao mesmo tempo
incipiente e vigorosa, configurando-se hoje como uma das vertentes de pesquisa que
melhor concretiza a união do interesse teórico, a busca de descrições e explicações
sobre um fenômeno, com o interesse social, ou aplicado, a formulação de perguntas
cuja resposta possa a vir a promover uma transformação de uma realidade tão
preocupante como o é a crescente marginalização de grupos sociais que não
conhecem a escrita (Kleiman, 2003: 15).
O conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos numa
tentativa de separar os estudos sobre o “impacto social da escrita” (Kleiman, 1991)
dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as
competências individuais no uso e na prática da escrita.
Os estudos sobre letramento, por outro lado, examinam o desenvolvimento
social que acompanhou a expansão dos usos da escrita desde o século XVI, tais
como as mudanças políticas, sociais, econômicas e cognitivas relacionadas com o
uso extensivo da escrita nas sociedades tecnológicas (Kleiman, 2003: 16).
Para Leda Tfouni o letramento (2004:10) focaliza os aspectos sócio-históricos
da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que
ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita
ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as
33
práticas “letradas” em sociedades ágrafas. Desse modo, o letramento tem por
objetivo investigar não somente quem é alfabetizado, mas também quem não é
alfabetizado, e, nesse sentido, desliga-se de verificar o individual e centraliza-se no
social.
Para Moita Lopes (2004), o letramento é a construção de significados que
estão situados sócio-historicamente e que circulam nos discursos.
Com as publicações de Ângela Kleiman, Magda Soares, Tfouni, Kato, a
concepção de letramento contribuiu para redimensionar a compreensão que hoje
temos sobre: as dimensões do aprender a ler, o desafio de ensinar a ler e a
escrever, o significado do aprender a ler e a escrever, e o quadro da sociedade
leitora no Brasil.
2.3 AS DIMENSÕES DO APRENDER A LER E A ESCREVER
Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como a aquisição de um
código fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade
constituída em grande parte por analfabetos e marcada por reduzidas práticas de
leitura e escrita, a simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar
sons e letras para produzir / interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser
suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto.
Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente
complexidade de nossas sociedades fazem surgir maiores e mais variadas práticas
de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o mundo letrado exerce sobre
as pessoas que já não lhes basta a capacidade de desenhar letras ou decifrar o
34
código da leitura. Seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do
século XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua escrita não
mais como meta de conhecimento desejável, mas como verdadeira condição para a
sobrevivência e a conquista da cidadania. Foi no contexto das grandes
ransformações culturais, sociais, políticas, econômicas e tenológicas que o termo
“letramento” surgiu, ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia por
alfabetização (Soares, 2004).
Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita,
é poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos inevitáveis apelos
de uma cultura grafocêntrica
2
.
Com a mesma preocupação em diferenciar as práticas escolares de ensino da
língua escrita e a dimensão social das várias manifestações escritas em cada
comunidade, Kleiman, define o letramento como...
...um conjunto de práticas sociais
que usam a escrita, enquanto sistema
simbólico e enquanto tecnologia em
contextos específicos. As práticas
específicas da escola, que forneciam o
parâmetro de prática social segundo a
qual o letramento era definido,e segundo
a qual os sujeitos eram classificados ao
longo da dicotomia alfabetizado ou não-
alfabetizado, passam a ser, em função
dessa definição, apenas um tipo de
prática de fato, dominante- que
desenvolve alguns tipos de habilidades
mas não outros, e que determina uma
forma de utilizar o conhecimento sobre a
escrita. (2003: 19).
2
Enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o
letramento focaliza os aspectos sócio- históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 2004: 20).
35
Mais do que expor a oposição entre os conceitos de “alfabetização” e
“letramento”, Soares valoriza o impacto qualitativo que este conjunto de práticas
sociais representa para o sujeito:
Alfabetização é o processo pelo
qual se adquire o domínio de um código
e das habilidades de utilizá-lo para ler e
escrever, ou seja: o domínio da
tecnologia – do conjunto de técnicas –
para exercer a arte e ciência da escrita.
Ao exercício efetivo e competente da
tecnologia da escrita denomina-se
Letramento que implica habilidades
várias, tais como: capacidade de ler ou
escrever para atingir diferentes objetivos
(In Ribeiro, 2003: 91).
Ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte,
induza, documente, informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o
efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o
mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina
o código (Soares, 2004). Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o
conhecimento das letras e do modo de decodificá-las, mas a possibilidade de usar
esse conhecimento em benefício de formas de expressão e comunicação, possíveis,
reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado contexto cultural.
2.4 O DESAFIO DE ENSINAR A LER E A ESCREVER
Partindo da concepção da língua escrita como sistema formal (de regras e
normas) somos levados a admitir o paradoxo inerente à própria ngua: por um lado,
uma estrutura fechada que não admite transgressões; por outro um recurso aberto
que permite dizer tudo (Geraldi, 93).
36
Como conciliar essas duas vertentes da língua em um único sistema de
ensino? Para a análise dessa questão, dois embates merecem destaque: o
conceitual e o ideológico.
A) O embate conceitual
Tendo em vista a independência e a interdependência entre alfabetização e
letramento (processos paralelos: é possível, por exemplo, termos casos de pessoas
letradas e não alfabetizadas ou de pessoas alfabetizadas e pouco letradas,
simultâneos ou não: em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a
alfabetização seja desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir
histórias, observar cartazes... No entanto, é possível que indivíduos com baixo nível
de letramento tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na escola, com o
início do processo formal de alfabetização), alguns autores contestam a distinção de
ambos os conceitos, defendendo um único e indissociável processo de
aprendizagem.Questionada formalmente sobre a “novidade conceitual” da palavra
“letramento” , Emilia Ferreiro explicita assim a sua rejeição ao uso do termo:
Há algum tempo, descobriram no
Brasil que se poderia usar a expressão
letramento. E o que aconteceu com a
alfabetização? Virou sinônimo de
decodificação. Letramento passou a ser o
estar em contato com distintos tipos de
texto, o compreender o que se lê. Isso é
um retrocesso. Eu me nego a aceitar um
período de decodificação prévio àquele em
que se passa a perceber a função social
do texto. Acreditar nisso é dar razão à
velha consciência fonológica. (2003: 30)
37
Como árdua defensora de práticas pedagógicas contextualizadas e
significativas para o sujeito, o trabalho de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos
do letramento, apela para o resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita.
Soares defende a complementaridade e o equilíbrio entre ambos e chama a
atenção para o valor da distinção terminológica:
Porque alfabetização e
letramento são conceitos
freqüentemente confundidos ou
sobrepostos, é importante distingui-los,
ao mesmo tempo que é importante
também aproximá-los: a distinção é
necessária porque a introdução, no
campo da educação, do conceito de
letramento tem ameaçado
perigosamente a especificidade do
processo de alfabetização, embora
distinto e específico, altera-se e
reconfigura-se no quadro do conceito
de letramento, como também este é
dependente daquele. (2004: 90).
Assim como a autora, é preciso reconhecer o mérito teórico e conceitual de
ambos os termos. Na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se o
desafio dos educadores em face do ensino da língua escrita: o alfabetizar letrando.
B) O embate ideológico
Mais severo do que o embate conceitual, a oposição entre dois modelos
representa um posicionamento radicalmente diferente.
O “Modelo Autônomo” , predominante em nossa sociedade, parte do princípio
de que, independentemente do contexto de produção, a língua tem uma autonomia
que só pode ser apreendida por um processo único.
38
Contagiada pela concepção de que o uso da escrita é legítimo se atrelada
ao padrão elitista da “norma culta” e que esta, por sua vez, pressupõe a
compreensão de um inflexível funcionamento lingüístico, a escola tradicional sempre
pautou o ensino pela progressão ordenada de conhecimentos: aprender a falar a
língua dominante, assimilar as normas do sistema de escrita para, um dia fazer uso
desse sistema em formas de manifestação previsíveis e valorizadas pela sociedade.
Em oposição, o “Modelo Ideológico” admite a pluralidade das práticas
letradas, valorizando o seu significado cultural e o contexto de produção. Rompendo
com a divisão entre o “momento de aprender” e o “momento de fazer uso da
aprendizagem”, os estudos lingüísticos propõem: “descobrir a escrita” (conhecimento
de suas funções e formas de manifestação), “aprender a escrita” (compreensão das
regras e modos de funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas práticas a partir
de um referencial culturalmente significativo para o sujeito).
O esquema abaixo pretende ilustrar a integração das várias dimensões do
aprender a ler e escrever no processo de alfabetizar letrando:
39
Figura 1: Esquema Letramento
2.5 O SIGNIFICADO DO APRENDER A LER E A ESCREVER
Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de leitura e escrita e
respondam aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se criticamente na
sociedade, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente
pedagógica para lançar-se à esfera política, evidentemente pelo que representa o
investimento na formação humana. Nas palavras de Emília Ferreiro
3
,
Retomando a tese de Paulo Freire, os estudos sobre letramento
reconfiguraram a conotação política de uma conquista a alfabetização que não
3
A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o contrário. (2001)
40
necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a
história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções, tem deixado
rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo agravado pelo quadro
nacional de baixo letramento.
2.6 O QUADRO DA SOCIEDADE LEITORA NO BRASIL
Ao lado do índice nacional de 20.000.000 analfabetos no país (IBGE, 2004),
importa considerar um contingente de indivíduos que, embora formalmente
alfabetizados, são incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas
informações.
Apesar dos avanços obtidos segundo estudo da Unesco (2003), comparado
com outros países em desenvolvimento da América Latina, o Brasil tem uma das
maiores taxas de analfabetismo da população.
Em vista dessa situação, documento da Unesco alerta para o fato de que “(...)
o analfabetismo está comprometendo o futuro do Brasil, contribuindo para aumentar
o número de excluídos”. No caso de programas de alfabetização, a relevância de tais
pesquisas é assim defendida por Kleiman:
Se por meio das grandes
pesquisas quantitativas, podemos
conhecer onde e quando intervir em
nível global, os estudos acadêmicos
qualitativos, geralmente de tipo
etnográfico, permitem conhecer as
perspectivas específicas dos usuários e
os contextos de uso e apropriação da
escrita, permitindo, portanto, avaliar o
impacto das intervenções e até, de
forma semelhante à das macro
análises, procurar tendências gerais
capazes de subsidiar as políticas de
41
implementação de programas. (2003)
Depois de termos visto o modelo interacional de leitura, conceito de
letramento, as questões de leitura e escrita... vamos nos ater a partir de agora nas
competências leitoras e conhecimento prévio.
3 COMPETÊNCIA LEITORA EM ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
Ler em espanhol não é somente uma tarefa, é um meio de informação, de
conhecimento, também de diversão e pode chegar a ser uma grande experiência,
uma aventura de encontro consigo mesmo e com os demais.
Ler na língua que se aprende não é tão difícil; não é necessário dominar todo
o vocabulário, tampouco faz falta saber muita gramática e, ainda, tem a vantagem de
que se pode voltar atrás sempre que se necessite, ou pular algumas linhas ou
páginas, se a informação requerida foi captada. Não é necessária uma
competência linguística desenvolvida, mas sim uma competência discursiva para ler,
uma competência leitora (Fernández López, 1991:14).
Essa competência leitora está formada por conhecimentos e estratégias, que
podem se resumir assim:
conhecimentos prévios e experiência sócio-cultural;
estratégias pessoais de leitura e aprendizagem;
competência discursiva na língua materna e na nova língua;
uma competência lingüística - ainda que seja básica - na L2.
42
O objetivo mais importante que se deveria marcar ao professor interessado
em ensinar a ler aos seus alunos sería o desenvolvimento de suas respectivas
competências leitoras (Fernández, S. 1991)
Tabela 2: Competências leitoras
Competência leitora Conceitos associados de um ponto de
vista didático
Conhecimentos prévios e experiência
sócio-cultural
Esquemas, rentabilização dos
conhecimentos prévios, hipóteses,
relação com o desejo e a necessidade
de ler.
Estratégias pessoais de leitura e de
aprendizagem na língua materna
Estratégias pessoais de leitura e de
aprendizagem na língua estrangeira
Busca de frases chave, apreensão do
paratexto como pista para aceder ao
significado; predizer, fazer hipóteses,
confirmar...
Competência discursiva em língua
materna
Competência discursiva em língua
estrangeira
Capacidade para captar a coerência de
um texto, reconstruindo sua mensagem,
de acordo com a função comunicatica
subjacente.
Relação com os conceitos de gênero e
tipo de escrita: captação da estrutura e
das marcas lingüísticas de coesão.
Competência lingüística em língua
materna
Competência lingüística em língua
estrangeira
43
3.1 CONHECIMENTO PRÉVIO
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização
de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele sabe, o conhecimento
adquirido ao longo de sua vida (Kleiman, 2002 : 13). É mediante a interação de
diversos níveis de conhecimento (linguístico, textual, conhecimento de mundo), que
o leitor consegue construir o sentido do texto. Segundo Kleiman (2002: 25):
É o conhecimento que o leitor tem sobre o
assunto que lhe permite fazer as inferências
necessárias para relacionar diferentes
partes discretas do texto num todo coerente.
Este tipo de inferência, que se como
decorrência do conhecimento de mundo e
que é motivado pelos itens lexicais no texto
é um processo inconsciente do leitor
proficiente.
A seguir apresento um esquema mostrando os níveis de conhecimento.
Figura 2: Esquema Níveis de Conhecimento
O processo se ativa diante da necessidade, a curiosidade ou o desejo pessoal
de ler. Normalmente, essa necessidade, curiosidade ou desejo faz parte do próprio
44
mundo de referências sócio-culturais e ao buscar a informação correspondente, não
se parte do zero, mas da sua ampla bagagem. Esse marco de referências facilita, faz
possível a captação da mensagem escrita numa L2 que ainda não se domina. É
possível, inclusive, que resulte mais acessível a um economista, por exemplo,
compreender um texto de sua especialidade nessa nova língua, que entender um
artigo de linguística na sua língua materna. (Fernández López,1991:14).
3.2 OS TRÊS MOMENTOS DA DIDÁTICA DA LEITURA
O professor ao decidir trabalhar uma atividade de leitura em sala de aula,
deve pensar no propósito que deve ser alcançado através dela. De acordo com a
definição do objetivo a ser atingido pelos alunos ao ler um texto em L2, é importante
pensar nas fases da leitura que devem ser enfatizadas na sala de aula para alcançar
tais objetivos.
Se nosso objetivo é construir a competência leitora, atendendo ao fato de que ler
é uma destreza comunicativa e processual, a seguinte proposta de seqüenciação
das atividades destinadas a desenvolver a habilidade leitora resulta plausível:
1) Momento da pré-leitura
A fase da pré-leitura é caracterizada pela construção, por parte do professor
e dos alunos, dos possíveis significados a serem construídos com o léxico
presente no texto a ser lido, elaborando assim hipóteses na tentativa de, antes de
45
ler o texto, ativar o conhecimento prévio, incluindo o conhecimento de mundo e
o lingüístico.
As palavras chave para entender o significado deste momento da seqüência
didática giram em torno da estimulação e/ou motivação de quem está
aprendendo. Para conseguir este propósito, os professores deverão:
Pegar referentes válidos para a construção do significado;
Iniciar com atividades adequadas o processo de desenvolver hipóteses;
Preparar o aluno desde o ponto de vista léxico-gramatical, de modo
que as dificuldades geradas pelo desconhecimento do código não
constituam um obstáculo irrecuperável ou desvirtuem um processo de
leitura autêntico; e
Negociar temas e tipos de textos.
2) Momento da leitura
Na fase da leitura o aluno tem que projetar seu conhecimento de mundo e a
organização do texto (onde ele explora os itens lexicais) nos elementos
sistêmicos do texto.
As palavras chave para entender o significado deste momento da seqüência
didática giram em torno das estratégias de imaginação, de compreensão e de
interpretação de um aprendiz que inicie seu processo de leitura com um objetivo
definido (obter informação, aprender, se divertir...). Para conseguir este propósito,
os professores deverão:
46
Articular atividades contextualizadas e comunicativas nas que o
estudante pratique a leitura, em função de uma finalidade concreta, de
modo que tenha a oportunidade e a experiência real de aprender o
significado de um texto com distintos objetivos, em diferentes situações
e em distintos níveis.
3) Momento da pós- leitura
A fase da pós-leitura vem justamente ao final da leitura do texto, onde o
professor planeja as atividades com o objetivo de levar os alunos a pensar sobre
as idéias apresentadas no texto, pensando sobre o texto propriamente dito,
avaliando as idéias do autor e, quem sabe, transferindo as informações dadas no
texto para as suas vidas, com o intuito de fazer com que eles consigam gravar
algumas estruturas gramaticais ou até mesmo lexicais e de se desenvolverem na
língua estrangeira que estão aprendendo. O foco principal dessa fase é
relacionar o mundo dos alunos com as idéias do autor.
As palavras chave para entender o significado desse momento da seqüência
didática giram em torno da necessidade de fomentar a releitura, a análise e
crítica sobre o que foi lido e sobre o nível do êxito com que se levou a cabo o
processo de leitura por parte do aprendiz. Para lograr este propósito, os
professores deverão:
Desenhar instrumentos para avaliar o êxito da comunicação;
47
Fomentar o reinício do processo de leitura, no caso de que esta não
tenha satisfeito as necessidades do aluno; e
Revisar as lacunas léxico-gramaticais de seus alunos, evidenciadas
uma vez que o processo de leitura tenha terminado.
3.3 ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DE LEITURA
O aprendiz adulto que quer ler em espanhol tem , possivelmente, um hábito
de leitura assim como uma capacidade seletiva, para deter-se nos pontos salientes
ou naqueles que se relacionam com seus interesses. Ao ler um jornal, revisar uma
bibliografia... existe uma série de palavras ou frases “chaves”, que chamam e
sustentam sua atenção, como por exemplo um tipo de letra (Fernández
López,1991:15). Estes hábitos e estratégias são passados à leitura na nova língua e
ainda, tolera mais tempo, a prática agiliza o processo. De acordo com Kleiman
(2002):
A tentativa do ensino de leitura não é
incoerente, se este for entendido como o
ensino de ESTRATÉGIAS DE LEITURA, por
uma parte, e como o desenvolvimento das
habilidades linguísticas que são
características do bom leitor, por outra. Tanto
estratégias como habilidades são necessárias,
porém não suficientes, para realizar o ato de
ler.
As estratégias que estão em jogo diante das dificuldades leitoras tampouco
são específicas da língua estrangeira nem da atividade de leitura: inferir o significado
de uma palavra desconhecida a partir do seu contexto, ou preencher uma lacuna de
48
compreensão no decorrer de uma narração é o que fazemos tantas vezes na nossa
própria língua, não só na leitura, como, por exemplo, também quando estamos
assistindo a um filme e nos distraímos um pouco (Fernández López,1991:15).
Quando se fala de estratégias de leitura, diz-se respeito às operações
regulares para abordar o texto. Essas estratégias podem ser inferidas a partir da
compreensão do texto demonstrada pelos leitores, em seu comportamento verbal e
não verbal por exemplo, a partir do tipo de respostas que ele a perguntas sobre o
texto, pode-se inferir as estratégias utilizadas. (Kleiman, 2002 : 49).
É possível que o aprendiz já possua estes hábitos e estratégias, em sua
própria língua e as transfira ao processo leitor na nova língua; mas é possível
também que não as possua ou que se bloqueiem ao enfrentar-se com textos
“estranhos”.
As estratégias do leitor são classificadas em cognitivas e metacognitivas. As
metacognitivas são aquelas operações realizadas com algum objetivo em mente,
sobre as quais se tem controle consciente, no sentido de sermos capazes de dizer e
explicar a nossa ação (Kleiman, 2002: 50).
As estratégias cognitivas da leitura seriam aquelas operações inconscientes
do leitor, no sentido de não ter chegado ainda ao nível consciente, que ele realiza
para atingir algum objetivo de leitura. Se apoiam, basicamente, no conhecimento das
regras gramaticais e no conhecimento de vocabulário, como sugere Kleiman
4
.
Se o leitor for capaz de segmentar e de fazer relações estruturais na
linguagem escrita, rápida e eficientemente, guiado pelo seu conhecimento prévio e
4
O ensino de leitura é um empreendimento de risco se não estiver fundamentado numa concepção teórica firme
sobre os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão do texto. (2002: 61)
49
pelas suas intenções e objetivos pessoais, então, ele fará as operações necessárias
para garantir sua compreensão.
A leitura é tanto o ponto de partida para o ensino do uso do vocabulário no
discurso, pois o texto fornece as expressões-alvo do ensino, como ponto de
chegada, pois a atividade modelada, que consiste na inferência lexical das
expressões, é operação regular a que recorre o leitor proficiente.
O ensino de vocabulário não é equivalente ao ensino de leitura propriamente
dito (possível só mediante a leitura), uma vez que essa atividade compreende muito
mais do que a soma do ensino de estratégias e habilidades, mas a inferência em
geral, e a inferência de sentido na leitura especificamente, é um dos processos
cognitivos envolvidos na compreensão e, portanto, faz parte da leitura.
Deve-se considerar o fato de que as
condições na sala de aula da maioria das
escolas brasileiras (classes superlotadas,
pouco domínio das habilidades orais por
parte da maioria dos professores...) podem
inviabilizar o ensino das quatro habilidades
comunicativas (PCN Língua Estrangeira,
p.21)
3.4 COMPETÊNCIA TEXTUAL E DISCURSIVA
A competência textual e discursiva para a leitura é a capacidade de captar a
coerência de um texto, reconstruindo sua mensagem, de acordo com a situação e a
função comunicativa.
O reconhecimento do gênero a que pertence o texto que se vai ler facilita o
processo leitor. Em classe, com alunos adultos, é possível que exista essa
familiaridade com os diferentes tipos de texto (carta, bula, poesia, o discurso político,
50
etc.) e isso deve ser aproveitado na hora de programar a leitura; nos casos em que
as carências leitoras na língua materna sejam evidentes, o processo é o mesmo,
mas nestes casos, o trabalho sobre as características do tipo de texto escolhido
requer uma dinâmica mais gradual e um tempo maior. Em todos os casos,
acreditamos que este passo de conhecer os trilhos pelos quais caminha cada texto,
é mais rentável para favorecer o processo leitor que se lance diretamente, por
exemplo, a tentar decifrar o sentido ou a buscar palavras no dicionário, pois a
familiaridade com determinados textos facilita a compreensão. (Fernández
López,1991:16).
Sobre o reconhecimento do gênero vimos a identificação da estrutura ou
“superestrutura” do texto (Van Dijk, 1983). Cada tipo de discurso se organiza de um
modo determinado e ao reconhecê-lo, o leitor conta com um esquema formal que só
precisa preencher. Ao nos aproximarmos de cada tipo de texto, uma tarefa
facilitadora é, justamente, colocar em relevo essa superestrutura e familiarizar o
aluno com as perguntas chaves de cada texto.
O leitor, ao começar a ler, já pode contar com uma bagagem, nada
desprezível, de conhecimentos, estratégias, esquemas e expectativas. Tudo isso
ativa hipóteses de conteúdo que progressivamente se confirmam, rechaçam ou
modificam. Chegados a este ponto, é necessário recordar que o significado de um
texto não é o significado de cada oração, nem o de cada parágrafo, nem o de cada
uma das partes desse texto. Cada oração e cada parágrafo completam ou modificam
o significado dos anteriores, até que chega um momento em que se percebe que
todos eles compõem um significado total, que é o do texto. A coerência interna, a
51
homogeneidade e o mundo de experiência a que remete o texto têm efeito
acumulativo e facilitam progressivamente esse processo.
Duas atividades relevantes para a compreensão do texto escrito, a saber, o
estabelecimento de objetivos e a formulação de hipóteses, são de natureza
metacognitiva, isto é, são atividades que pressupõem reflexão e controle sobre o
próprio conhecimento, sobre o próprio fazer, sobre a própria capacidade (Kleiman,
2002:43).
Em vez de treinamento de habilidades de leitura (ler mais alto, mais devagar,
etc.), o que o professor deve privilegiar é a leitura produtiva, ou seja: privilegiar a
construção de sentidos que sempre se renovam, por meio da interação com o outro,
para que de fato se forme um leitor produtor de textos, consciente do lugar que
ocupa e de sua capacidade de intervir na ordem social.
Para tanto, para desenvolver a capacidade leitora, é necessário que o aluno,
desde o início da escolaridade, seja exposto a uma grande variedade de textos e
discursos, e seja levado a produzir sentidos a partir dos textos que e também
produzir seus próprios textos sobre o que lê. E é necessário que se respeitem os
sentidos que se vão produzindo na interação do aluno com outros textos e com seus
interlocutores, produtores de outros sentidos (Cardoso,2003:59).
3.5 COMPETÊNCIA LINGÜÍSTICA
Como foi dito anteriormente, para chegar a captar a mensagem de um
texto, não é necessária uma competência linguística desenvolvida na nova língua,
mas sim uma competência leitora, uma capacidade que conte entre seus
52
componentes, também, com uma competência linguística básica. É evidente que
quanto melhor se domine a L2 na que se quer ler, mais se facilita o processo leitor,
mas também é verdade que a aquisição lexical e da gramática de uma língua não
garante, por si só, a compreensão leitora, como evidencia a experiência de muitos
nativos na sua própria língua, pois o léxico está ligado ao conhecimento de mundo.
Se o aprendiz possui os conhecimentos e as estratégias e, além disso, tem uma boa
competência linguística, pode-se dizer que sua leitura terá êxito; mas também pode
ser um leitor competente ainda que deste último aspecto, o domínio da nova ngua,
esteja menos desenvolvido, se todos os demais entram em ação (Fernández
Lópes,1991:19). Para essa competência linguística básica necessária se refere ao
reconhecimento dos seguintes aspectos:
unidades com função nominal e verbal;
expressão da negação, dúvida, interrogação e ordem;
conectores e índices temporais, espaciais e lógicos;
modalizadores do discurso;
capacidade de reconhecer famílias de palavras;
capacidade para induzir o significado adequado ao contexto, a partir
de uma definição restrita do dicionário ou do próprio e limitado
conhecimento de uma palavra; e
vocabulário “mínimo” relacionado com o tema que se vai ler.
É possível que o aprendiz tenha em sua existência uma bagagem de
conhecimentos superior ao enunciado, mas talvez não tenha desenvolvido a
habilidade para deduzir ou induzir a produtividade da língua nos aspectos
53
assinalados ou justamente nesses pontos sua competência seja escassa (Fernández
López,1991:19).
Um texto não é apenas uma soma ou sequência de frases isoladas: a
diferença entre frase e texto não é meramente de ordem quantitativa; é, sim, de
ordem qualitativa. É por meio de mecanismos que se vai tecendo o “tecido” do texto.
A este fenômeno chama-se coesão textual (Koch, 2002:11:15).
Segundo Koch (2002:18), se é verdade que a coesão não constitui condição
necessária nem suficiente para que um texto seja um texto, o é menos verdade
que o uso de elementos coesivos ao texto maior legibilidade, explicitando os tipos
de relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que o compõem. Assim,
em muitos tipos de textos - científicos, didáticos, expositivos, opinativos, por exemplo
- a coesão é altamente necessária, como mecanismo de manifestação superficial da
coerência.
Para terminar, como foi dito anteriormente, ler na língua que se aprende não é
tão difícil, pois requer uma competência leitora, que aproveita ou desenvolve
estratégias e saberes já assumidos, e se centra no reconhecimento de marcas
discursivas e linguísticas próprias da nova língua (Fernández López,1991:20).
Depois de termos apresentado as competências lingüística, textual e
discursiva veremos agora os gêneros do discurso e o gênero tiras.
54
4 GÊNEROS DO DISCURSO
Para começar, consideraremos algumas informações sobre o termo discurso.
Desde os anos 80, vê-se proliferar o termo “discurso” nas ciências da
linguagem, tanto no singular quanto no plural. A proliferação desse termo é o
sintoma de uma modificação no modo de conceber a linguagem. Falando de
“discurso”, toma-se implicitamente posição contra uma certa concepção da
linguagem e da semântica. Em boa medida, essa modificação resulta da influência
de diversas correntes pragmáticas, que sublinharam um certo número de idéias-
força: o discurso supõe uma organização transfrástica, é orientado, é uma forma de
ação, é interativo, é contextualizado, é regido por normas e é assumido em um
interdiscurso (Charaudeau, Maingueneau, 2004: 169).
O discurso não deve ser assimilado à expressão verbal da linguagem. A
linguagem verbal, mesmo sendo dominante no conjunto das manifestações
linguageiras, corresponde a um certo código semiológico, isto é, a um conjunto
estruturado de signos formais, do mesmo modo, por exemplo, que o código gestual
(linguagem do gesto) ou odigo icônico (linguagem da imagem). O discurso
ultrapassa os códigos de manifestação linguageira na medida em que é o lugar da
encenação da significação. É preciso que fique claro que toda encenação discursiva
depende das características desses códigos e de todos os códigos nela envolvidos
(Mari, 2002: 25).
Não se deve confundir discurso com texto. É preciso considerar texto como o
objeto que representa a materialização da encenação do ato de linguagem. O texto é
o resultado singular de um processo que depende de um sujeito falante particular e
55
de circunstâncias de produção particulares. Cada texto é, assim, atravessado por
vários discursos ligados a gêneros ou a situações diferentes. Por exemplo, o gênero
político pode ser entrecruzado por um discurso de humor.
O discurso não deve ser compreendido segundo a tradição lingüística, ou
seja, como a unidade que ultrapassa a frase. A relação entre diversas frases não
constitui, necessariamente, a unidade- discurso. É preciso que uma seqüência de
frases corresponda à expectativa da troca linguageira entre parceiros em
circunstâncias bem determinadas. Mas uma frase, uma palavra, um gesto podem ser
portadores de discurso, desde que satisfaçam à condição acima.
Essas distinções não nos dão uma definição precisa do conceito de discurso,
mas colocam em evidência algumas de suas características. O termo discurso pode
ser utilizado em dois sentidos: em um primeiro sentido, discurso está relacionado ao
fenômeno da encenação do ato de linguagem. Esta encenação depende de um
dispositivo que compreende dois circuitos: um externo, que representa o lugar do
fazer psicossocial e um interno que representa o lugar da organização do dizer. Em
um segundo sentido, discurso pode ser relacionado a um conjunto de saberes
compartilhados, construído, na maior parte das vezes, de modo inconsciente, pelos
indivíduos pertencentes a um dado grupo social. Os discursos sociais mostram a
maneira pela qual as práticas sociais são representadas em um dado contexto socio-
cultural (Charaudeau, 2004).
Os analistas do discurso de todas as correntes teóricas estão em busca de
um sentido além da compreensão ao da letra, isto é, de uma leitura nas
entrelinhas.
56
A noção de gênero remonta à Antigüidade. Volta-se a encontrá-la na tradição
da crítica literária que assim classifica as produções escritas segundo certas
características; no uso corrente, no qual ela é um meio para o indivíduo localizar-se
no conjunto das produções textuais; finalmente, mas ainda submetida a debates, nas
análises de discurso e análises textuais. (Charaudeau e Maingueneau, 2004: 249).
Diz Charaudeau (1983:50) que todo texto é coerente para quem o produz.
Isso porém, segundo ele, não basta. O texto precisa atingir a finalidade para a qual
foi produzido.
O ato de linguagem se define igualmente como um ato ritualizado
representando as práticas sociais de um grupo social determinado. Todo ato de
linguagem supõe assim a existência implícita de um contrato de comunicação que
determina um gênero. Assim, os discursos produzidos e que circulam numa dada
sociedade se configuram em gêneros, os quais representam a memória discursiva
desta sociedade.
Por exemplo, o contrato de comunicação em que se baseia o texto jornalístico
não é o mesmo que subjaz ao história em quadrinhos. Cada gênero tem suas
especificidades contratuais.
O conjunto de restrições e liberdades ligado a um ato de linguagem enquadra-
o ao mesmo tempo num contrato de comunicação e num gênero textual. Os
participantes desse ato devem assumir certos estatus sociodiscursivos na cena em
que se encontram, os quais lhes o conferidos pelo contrato em questão
(Charaudeau, 1995: 93).
57
4.1 GÊNERO DISCURSIVO: TIPOLOGIA TEXTUAL
Os modos de organização do discurso (o narrativo, o descritivo, o
argumentativo e o enunciativo) são maneiras de estruturar o texto, visando a uma
função típica de cada um. A função do narrativo é contar ou relatar; a do descritivo,
descrever; a do argumentativo, argumentar, ou seja, “explicar uma verdade numa
visão racionalizante para influenciar o interlocutor”; e a do enunciativo é gerir os
outros três. Este tem, pois, uma função metadiscursiva (Charaudeau, 1992: 642-
646).
Comunicar-se é pôr em cena um projeto de comunicação, podendo essa
encenação (mise en scène) ser narrativa, descritiva, argumentativa ou enunciativa,
daí a noção de modos de organização do discurso, que são, pois, maneiras de
organizar a mise en scène do projeto de comunicação do Eu-comunicante. Por isso
esse conceito é tão fundamental na análise semiolingüística do discurso e é também
por isso que Charaudeau distingue de um lado, modos de organização e de outro,
tipos de texto. São tipos de textos o literário, o jornalístico, o publicitário, o
humorístico, etc. Cada um deles equivale a um ramo da atividade humana.
A noção de tipo de texto, portanto, é inseparável da situação comunicativa,
dependendo, portanto, de aspectos extratextuais, ao passo que a de modos de
organização discursiva é intratextual, o que não significa que não haja correlação
entre cada um desses modos e determinadas circunstâncias comunicativas
propensas a fazê-lo aparecer. O que cada um deles tem de essencial e típico, no
entanto, são traços de natureza intratextual.
58
4.2 O GÊNERO TIRAS
Os textos compostos por quadrinhos têm uma aceitação satisfatória em todas
as camadas da sociedade e, por isso, merecem ser objeto de estudo no que se
refere à sua organização textual. Apresentam um caráter de sincretismo,
combinando itens visuais com verbais, sendo que os itens verbais caracterizam-se
por se constituírem num texto escrito com a intenção de “reproduzir” a ngua falada,
que se mostra atualizada nos diálogos construídos nas interações encenadas entre
os personagens.
É de conhecimento no meio acadêmico um elenco de estudos sobre oralidade
e escrita. Ora estudam-se textos escritos, ora estudam-se textos falados sob a as
mais diversas abordagens e, ainda, focalizam-se índices de oralidade que aparecem
na escrita e vice-versa.
Em conseqüência disso, são apresentadas classificações tanto do discurso
oral quanto do escrito. A partir de uma visão extremista, poder-se-ia classificar o
discurso oral, principalmente o da conversa espontânea, como um discurso sem
organização prévia, relativamente não planejável de antemão, o que, em princípio,
tornaria difícil predizer a forma e a direção do assunto para a seqüência inteira
(Koch, 1991). O discurso escrito, por outro lado, se constituiria num discurso com
organização prévia do conjunto de idéias a ser transmitido pelo comunicador (Ochs,
1979). Além disso, afirma-se haver mais envolvimento entre participantes da
interação na fala e mais distanciamento na escrita (Tannen, 1985). Numa interação
face-a-aface, a preocupação dos interlocutores parece estar centrada no
59
desenvolvimento da interação em si, enquanto na escrita o foco parece estar no
assunto discutido.
Koch (1992) relaciona as seguintes características distintivas mais
freqüentemente apontadas entre as modalidades escrita e falada da ngua: a fala é
não-planejada, fragmentária, incompleta, pouco elaborada, tem predominância de
frases curtas, simples ou coordenadas e apresenta pouco uso de passivas; a escrita
é planejada, não-fragmentária, completa, elaborada, tem predominância de frases
complexas, com subordinação abundante e mostra emprego freqüente de passivas.
No entanto, previne a autora, essas diferenças nem sempre distinguem as duas
modalidades, até porque existe uma escrita informal que se aproxima da fala e uma
fala formal que se aproxima da escrita, de acordo com determinadas situações
comunicativas. Compartilhando a posição de Ochs (1979), Koch (1992) conclui que a
escrita formal e a fala informal constituem pólos opostos de um continuum, ao longo
do qual se situam diversos graus de planejamento de interação verbal.
A aparente fragmentação do discurso oral se explica pelo fato de a elaboração
se dar no próprio desenrolar da conversação e é decorrente da quase
simultaneidade entre a manifestação verbal e a construção do discurso e, ainda, pela
conseqüente rapidez de sua produção. O movimento rápido com que o locutor
constrói sua fala influi diretamente no gerenciamento do fluxo informacional,
conduzindo a descontinuidades, que são descompassos no fluxo da informação
(Koch et al., 1991).
a linguagem dos quadrinhos apresenta uma singularidade. Os diálogos
parecem estar no entremeio do oral com o escrito: constituem um texto planejado
60
para parecer não-planejado, isto é, mostra uma intenção de se construir uma
espontaneidade verbal, que é minuciosamente planejada anteriormente. Desse
modo, pode-se caracterizar o texto de quadrinhos como um texto que é oral, mas
não é oral, atualiza-se na escrita e complementa-se com o visual. È um texto para
ser lido, mas com o objetivo de se fazer escutar, dado o seu caráter de
informalidade.
É esse caráter de informalidade, em conjunto com uma elaboração
fragmentada, que faz a aproximação do texto composto por tiras de quadrinhos com
o texto falado, na medida em que a tira de quadrinhos é constituída de quadros e os
tópicos são desenvolvidos dia a dia, de tira para tira, numa seqüência em que
inserções e mudança de assuntos promovem continuidades e descontinuidades em
sua organização.
Observa-se que em seqüências de tiras de quadrinhos, apesar da
descontinuidade temporal no que diz respeito à publicação, há, no entanto, uma
continuidade tópica, que apresenta semelhanças com a forma de organização tópica
de textos falados, principalmente no que se refere às estratégias relativas ao
comportamento lingüístico. Além disso, as tiras de quadrinhos apresentam, ainda,
estratégias visuais de manutenção do tópico, recurso característico desse gênero
discursivo.
Para verificar a progressão temática em seqüências de tiras de quadrinhos
buscamos observar os fenômenos da continuidade / descontinuidade, tendo por
base as hipóteses a respeito da organização do texto falado, estabelecidas por Koch
et al. (1991), no que se refere à modalidade oral do uso da língua e do ponto de vista
61
postulado para análise, que atestam o “teor de produção pouco planejável de
antemão” e “aparente desestruturação do discurso oral”, o que caracteriza, de
acordo com a situação, a prevalência do modo pragmático em sua organização.
O texto de quadrinhos, buscando representar o coloquial, sem a preocupação
com a correção gramatical típica da língua escrita, esteve à margem dos estudos
feitos por especialistas da linguagem. No momento em que os estudiosos voltam
seus olhares para a organização do texto oral, mais especificamente da interação
espontânea em seu todo, um estudo enfocando a linguagem dos quadrinhos toma
importância no âmbito da Lingüística. Até porque essa linguagem que se mostra
tipicamente oral é, na sua forma de gestação, escrita, já que é planejada com
antecedência.
Como atividade estruturalmente organizada, a conversação espontânea
mostra-se coerente, na medida em que a relação semântica entre enunciados fica
evidenciada, conferindo continuidade tópica. Entretanto, podem ocorrer rupturas no
desenrolar da conversação, o que não significa que haja incoerência, porque, numa
visão global, essas rupturas podem ser vistas como descontinuidades.
Tratando dessa questão, Koch (1992) parte de uma definição comum de que
“tópico é aquilo sobre que se fala”, para prevenir que a noção de tópico é mais
complexa e abstrata. A autora postula que um texto conversacional é constituído de
fragmentos recobertos por um mesmo tópico. Cada conjunto de fragmentos constitui
uma unidade de nível mais alto, sucessivamente, sendo que cada uma dessas
unidades, em seu próprio nível, representa um tópico. É feita uma distinção de níveis
62
hierárquicos, com a finalidade de classificar o tópico dentro da seguinte
categorização:
1) segmentos tópicos: fragmentos de nível mais baixo;
2) subtópicos: conjunto de segmentos tópicos;
3) quadro tópico: conjunto de subtópicos; e
4) supertópico: um tópico superior.
Tratando das rupturas na organização textual, Koch (op.cit.) afirma, ainda, que
as descontinuidades no seqüenciamento pico constituem dois grandes grupos: 1)
os processos de inserção e 2) os processos de reconstrução. As inserções são
definidas como segmentos discursivos de extensão variável que provocam uma
espécie de suspensão temporária do tópico em curso. A reconstrução refere-se à
reelaboração da seqüência discursiva, que provoca também uma diminuição de ritmo
no fluxo informacional, com volta de conteúdos já veiculados.
Levando em consideração os planos linear e hierárquico, Koch et al. (1992)
consideram que a descontinuidade na organização tópica se caracteriza pela
inserção de tópicos constitutivos de um quadro tópico entre tópicos de um outro
quadro tópico, mas que a organização seqüencial, perturbada na linearidade, tende
a se restabelecer, à medida que se atenta para níveis hierárquicos mais elevados,
isto é, a continuidade postulada em termos de se abrir um novo tópico após o
fechamento do anterior, característica principal de textos escritos, reaparece nos
níveis mais altos da organização tópica de textos orais. A progressão / continuidade
tópica de textos orais, que pode ser realizada de forma contínua ou descontínua, diz
63
respeito ao conjunto de segmentos tópicos que, direta ou indiretamente, são
relacionados com o tema geral.
No que se refere à organização tópica de seqüência de tiras de quadrinhos de
um ponto de vista global, e levando em conta que são textos com planejamento
prévio, pode-se pensar, em princípio, num texto que apresenta continuidade tópica
regular, com uma hierarquia bem definida em sua construção, explorando um
determinado assunto nas suas mais diversas abordagens, através do uso de
operadores responsáveis pela coerência discursiva. Uma observação mais atenta
permite perceber, no entanto, uma organização mais próxima do texto falado.
Se levarmos em conta que a impressão primeira que se tem de tiras de
quadrinhos é a de que, a cada dia, um tópico diferente é enfocado e exaurido e que
não nenhuma ligação de umas com outras tiras, pode-se afirmar que, em
seqüências de tiras de quadrinhos, tópicos são desenvolvidos contínua e
descontinuamente, de forma coerente e em camadas, na direção de um tema mais
amplo, abordando, em seus segmentos, assuntos relacionados a um mesmo frame.
Isso significa uma ampliação razoável de um tópico, que se expande em termos de
temática, abrangendo, no que diz respeito à escala hierárquica, subtópicos e
quadros tópicos. Nos quadrinhos, considerando-se que a cada dia somente uma tira
é publicada, observa-se que muitos quadros tópicos estendem-se por até um mês de
publicação.
Apesar da sua semelhança com o texto oral, no que se refere à organização
tópica, isto é, um aparente caos de assuntos projeta-se na superfície textual,
tomando coerência ao se relacionarem assuntos em camadas hierárquicas mais
64
altas, no que diz respeito às suas condições de produção, o texto de quadrinhos
alinha-se a outros gêneros de textos escritos. Ele apresenta diversas características
distintivas da escrita apontadas por Fávero et al. (2002):
1) interação à distância;
2) planejamento anterior à produção;
3) criação individual;
4) possibilidade de revisão;
5) livre consulta;
6) reformulação promovida apenas pelo escritor;
7) impossibilidade de acesso imediato;
8) impossibilidade de processamento do texto a partir de possíveis
reações do leitor; e
9) tendência a esconder o processo de criação de texto, mostrando
apenas o resultado.
As seqüências de tiras diárias de quadrinhos enquadram-se completamente
dentro dessas condições citadas. Essa dubiedade do texto de quadrinhos decorre do
fato de que ele é, por natureza de produção, um texto escrito; mas, por natureza de
recepção, um texto oral. Esse objetivo de mostrar-se um texto falado verifica-se pela
organização de tópicos discursivos e, também, pela característica de ser dialogado e
construído em linguagem informal.
65
Sobre essa questão, Marcuschi (2001) esclarece que atuar num grau de
genericidade, afirmando que a fala não é coesiva e a escrita é coesiva, não tem
grande sentido, porque não se pode observar um texto em si isolado de seu contexto
sociocomunicativo, já que todo texto é um evento comunicativo numa dada prática
social de uso da língua. Afirmando que não é fácil manter uma distinção rígida entre
fala e escrita numa postura funcionalista, o autor cita Catah (1996), que propõe pelo
menos duas distinções no plano do discurso: Língua falada (realizações) 1) corrente
e 2) elaborada; Língua escrita (realizações): 1)corrente e 2) elaborada, para desfazer
o mito de a fala é o lócus da informalidade e a escrita o da realização formal da
língua. Ao tratar de processos de retextualização (passagem do texto falado para o
escrito), o autor esclarece que o texto falado em hipótese alguma representa um
texto descontrolado e caótico” e que o texto escrito representa um texto “controlado
e bem formado”. O que ocorre no processo de retextualização não é a passagem do
caos para a ordem, mas a passagem de uma ordem para outra ordem. Quanto a
isso, Marcuschi pergunta: a seqüência de notícias na TV durante o Jornal Nacional
das 20 h é uma seqüência de pequenos textos ou um texto só? desconexão
entre a seqüência do noticiário pelo fato de não se insistir num tópico? Ou será
que a noção de evento comunicativo chamado Noticiário de TV a delimitação
sociocomunicativa e enquadre cognitivo suficiente para que saibamos como
encadear e como entender aquelas produções lingüísticas?
Esse raciocínio de Marcuschi pode ser aplicado às seqüências de tiras de
quadrinhos. Nelas tópicos variados se interligam e o leitor de tiras sabe como
encadeá-los e como entender as produções lingüísticas e visuais a elas inerentes,
66
porque domina o enquadre referente ao gênero quadrinhos. Por comparação, então,
o texto de tiras de quadrinhos representaria a combinação dessas duas ordens, a
que se refere Marcuschi, imbricadas numa só.
Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar que, na medida que o texto de
quadrinhos é escrito para parecer falado, é, por conseguinte, um texto construído em
discurso elaborado para parecer um discurso corrente.
Ainda sobre a questão de textos escritos serem mais coesos e textos falados
serem menos coesos, Koch (2002) admite que não existem testos (escritos ou orais)
totalmente explícitos, que o texto constitui-se de um conjunto de pistas destinadas a
orientar o leitor na construção de sentido e que, para realizar tal construção, ele terá
de preencher lacunas, formular hipóteses, testá-las, encontrar hipóteses alternativas
em caso de “desencontros” entre o dito e o não-dito, fazendo-o por meio de
inferências que exigem a mobilização de conhecimentos prévios, dos conhecimentos
pressupostos como partilhados, do conhecimento da situação comunicativa, do
gênero textual e de suas exigências. Desse modo, a compreensão terá de dar-se de
forma não-linear. Em vista desses argumentos, a autora afirma que todo texto é um
hipertexto.
Tratando especificamente de hipertexto eletrônico, Koch salienta que, do
ponto de vista da produção, os links com função dêitica monitoram o leitor no sentido
da seleção de focos de conteúdo, porções de hipertextos que devem merecer
consideração, caso esteja ele interessado em obter uma leitura mais aprofundada,
mais rica em matizes e pormenores sobre o tópico em tela. Servem como pistas
dadas ao leitor para que busque no hipertexto as informações necessárias que lhe
67
permitam detectar o que é realmente relevante para solucionar o problema que lhe é
posto, isto é, aquelas que vão produzir, naquele contexto, efeitos contextuais, que
são dotados de saliência relativamente àquele background. Os links representam
operadores de coesão, à disposição dos leitores para faze-los funcionar como
orientadores da hiperleitura na direção de sentidos coerentes e compatíveis com a
perspectiva postulada no todo do hipertexto que a hospeda, evitando que seja
desviada para a incongruência e insustentabilidade dos posicionamentos assumidos
naquele texto eletrônico. A autora considera que também no hipertexto, os princípios
da topicidade e da relevância têm sua validade.
Sob certos aspectos, pode-se considerar uma seqüência de tiras de
quadrinhos como um hipertexto. O leitor busca pistas nos componentes visuais e
lingüísticos, relaciona-as aos esquemas de conhecimentos prévios sobre tiras de
quadrinhos que já tem internalizados e busca a coerência, relacionando tópicos e
caminhando na direção de uma temática mais ampla.
Mondada (2001), ao tratar de tópicos que se desenvolvem progressivamente e
de tópicos com fronteiras, constata que os tópicos que se desenvolvem
progressivamente são próprios de uma boa conversação, em que nem bem se acaba
de falar de um tópico já se começa outro, isto é, uma certa fluidez. Em oposição,
os tópicos com fronteiras claramente delimitadas são características de interações
formais, em que os locutores consideram importante tratar exclusiva e
exaustivamente de um tópico. Nas transições progressivas, a preferência é por
temáticas abertas. A autora cita Sacks (1992), para afirmar que essa diferença se
68
traduz em duas maneiras diferentes de falar: 1) falar sobre um tópico e 2) falar
topicalmente.
No interior de uma perspectiva que reconhece um continuum entre fala e
escrita, pode-se considerar que “falar sobre um tópico” se aproximaria mais da
escrita, por sua organização, enquanto “falar topicalmente” se aproximaria da fala,
por seu afrouxamento na gestão do tópico.
Os dois processos citados por Sacks podem ser depreendidos na organização
das seqüências de tiras de quadrinhos. Ora os autores de tiras falam sobre um
tópico, ora falam topicalmente. Há autores, como Miguel Paiva (Gatão de Meia
Idade), por exemplo, que se permitem falar de outro tópico quando esgotam o
anterior. Já outros autores preferem “falar topicalmente”, isto é, de maneira mais
solta, indo e voltando no desenvolvimento do pico. Em O Amigo da Onça, por
exemplo, o quadrinista Péricles, por um determinado tempo / espaço de segmentos,
mantém um determinado tópico, colocando no interior do subtópico pequenas e
rápidas inserções, que não prejudicam o acompanhamento do assunto em
desenvolvimento. Desse modo, pode-se afirmar que Péricles fala topicalmente e
Miguel Paiva fala sobre um tópico.
Além disso, pode-se aplicar às seqüências de quadrinhos a parceria entre
interlocutores, salientada por Koch (1999), na produção de sentido. A autora enfatiza
que a coerência não está apenas no texto, mas resulta de uma construção dos
parceiros na situação interativa, com base numa série de fatores textuais, cognitivos
ou interacionais. É de interesse dos parceiros que a conversação flua. Desse modo,
a descontinuidade na apresentação de uma tira a cada dia e a aparente
69
descontinuidade na apresentação de diferentes tópicos a cada dia não se
consubstanciam, na medida em que, vale a pena insistir, o leitor de quadrinhos
conhece as pistas que a linguagem própria do gênero concede, e atua, durante sua
interpretação, dentro de um frame, corporificado por um personagem-título, num
caminho referente à temática e ao mundo de referência de cada um dos diferentes
autores.
Dado o caráter particular de tiras de quadrinhos, que constituem textos
híbridos, apresentando características tanto da fala quanto da escrita e conjugando
componentes lingüísticos e visuais, que se notar, ainda, que esse tipo de texto
mostra estratégias de organização típicas do texto de quadrinhos que o distinguem
do texto puramente oral e do texto escrito.
A identificação de estratégias tanto da escrita quanto do oral, além daquelas
típicas do gênero textual quadrinhos, permite incluir o texto de quadrinhos no
conjunto de textos que imbricam propriedades que se situam em pontos distintos do
continuum oral / escrito. Em relação ao gerenciamento do pico, as seqüências de
quadrinhos apresentam organização próxima tanto de textos falados quanto de
outros gêneros textuais, como, por exemplo, da carta pessoal, no sentido de que
assuntos variados são tratados de maneira informal e sem rigidez de elaboração
temática (Cf. Paredes Silva, 1995).
No que se refere a planejamento, a utilização de marcadores conversacionais
permite situar o texto constituído de seqüências de quadrinhos mais próximo do pólo
de menor planejamento. Já o uso de legendas o aproximaria do pólo de maior
planejamento.
70
Em síntese, no que diz respeito ao continuum fala / escrita, observa-se que o
texto de quadrinhos, que é previamente construído, atende às características de
texto escrito, no que se refere a seu planejamento; por outro lado, atende, também,
às características de texto falado, no que se refere a seu produto final. Isto é, a
pretensão de se apresentar como um texto falado, como resultado de seu formato
dialogado e uso de estratégias interacionais, permite situá-lo entre os dois pólos do
continuum.
4.3 CONTEXTO HISTÓRICO EM MAFALDA
Uma criança que fala aquilo que pensa e por isso coloca os adultos em
situação embaraçosa. Uma menina de opinião, com uma visão bastante crítica,
sarcástica da realidade. Uma sonhadora. Uma contestadora.
Mafalda é tudo isso e um pouco mais. Em termos gerais, é apenas uma
menina que vive na Argentina dos anos 1960, com pais normais de classe média,
que vai à escola, possui alguns amigos com quem realiza as brincadeiras normais de
toda criança e viaja com a família para a praia no período de férias. No entanto, ela é
muito mais do que esta simples descrição pode passar. Acima de tudo, representa
uma das personagens mais fascinantes que já apareceram nas histórias em
quadrinhos latino-americanas, personificando a insatisfação frente a uma realidade
social e econômica que, mais do que respostas, desperta perguntas e inquietações.
Ainda assim, nesse sentido, é muito mais que uma criança que apresenta uma
postura de adulto, como tantas outras que surgiram nos quadrinhos: ela é a porta-
voz de todas aquelas questões que os leitores de suas tiras gostariam de ter a
coragem de colocar para o mundo, mas que nem sempre conseguem fazê-lo.
71
Criada por Joaquín Salvador Lavado, o Quino, ela surgiu em um momento
especial da realidade de seu país, a Argentina, exatamente no dia 29 de setembro
de 1964, quando os ventos de uma ainda incipiente, incerta e, infelizmente, pouco
duradoura –, democracia liberal pareciam soprar com mais intensidade na região; foi
herdeira de uma longa tradição de humor gráfico no país, aliada à influência dos
quadrinhos "intelectualizados" de autores como Charles Schulz e Jules Feiffer.
A gênese da personagem enveredou pelo espaço da lenda: havia sido
encomendada a seu autor pela empresa Agens Publicidad para encabeçar uma
campanha publicitária para uma marca de eletrodomésticos, em que o M do nome da
protagonista e de todas as demais personagens deveria equivaler ao da empresa,
Mansfield. A idéia acabou não sendo realizada, mas a personagem foi aceita para
publicação semanal na revista Primera Plana, onde ficou até março de 1965. Dali, a
pequena menina questionadora passou para o diário El Mundo, ali permanecendo
até o encerramento do jornal, em 22 de dezembro de 1967. Assim se iniciou uma
carreira vitoriosa e ininterrupta de publicações em jornal, álbuns, livros, coletâneas e
desenhos animados, tanto em seu país de origem como em várias outras partes do
mundo. No entanto, a criação de tiras encerrou-se em 1973 com um total de 1928
publicadas –, quando seu criador, alegando que ela já havia cumprido aquilo para
que havia sido criada, deixou de elaborar novas aventuras para a pequena menina e
seus amigos, passando a se dedicar somente à elaboração de charges. No entanto,
apesar dessa decisão, ele ainda retornou à personagem na realização de um cartaz
para a Declaração dos Direitos da Criança, a pedido da UNICEF, em algumas
campanhas educativas e também para elaboração de um selo postal.
72
Muito existe a dizer sobre o mundo de Mafalda. Muito a ser analisado, o
complexas são suas inquietações e as relações que desenvolve com a família, com
os amigos e com o mundo em que vive. Trata-se de uma história em quadrinhos
povoada principalmente por crianças, mas não é exatamente uma série para
crianças. Embora os pequenos possam ler as tiras de Mafalda e se identificar com as
preocupações e desencontros de seu mundo infantil, o público da menina é mesmo
composto por leitores adultos, que conseguem ou, pelo menos, tentam...
entender sua posição em relação às relações de poder na sociedade e à opressão
dos mais fracos pelos mais fortes. Pois em Mafalda nada é simples: quando
pensamos que sua posição está firmada sobre um determinado assunto, ela nos
surpreende com um aspecto inusitado da questão, com uma pergunta bombástica,
com uma expressão de enfado, de asco ou de pena frente a uma situação ou
personagem específicas. O desenvolvimento da tira faz aos poucos com que ela
evolua, amadureça em sua visão de mundo, perca algumas de suas características –
em geral, as mais infantis –, que são assumidas pelas demais personagens.
Em Mafalda, encontram-se abundantes referências ao contexto histórico em
que foi produzida. Publicada no período compreendido entre 1964 e 1973, nos
jornais Primera Plana e El Mundo e na revista Siete Dias Ilustrados, seu autor,
Quino, nunca se auto-imaginou como crítico do mundo e, muito menos, teve
intenções de transformá-lo, pois nunca acreditou que o humor tivesse esse poder.
Não obstante, como toda pessoa que trabalha em um meio deve adequar-se à
modalidade jornalística dele e sendo Primera Plana um jornal de atualidade nacional
e internacional, Quino optou por refletir a problemática da época. As referências que
se fazem nas tiras à América Latina, à condição feminina...entre outras questões,
73
têm a ver com o que, naquele tempo, se acreditava firmemente: o Terceiro Mundo e
a mulher conseguiriam reverter sua situação de oprimidos.
A denúncia e a crítica da sociedade, a injustiça social e a ordem de
prioridades e privilégios, na Argentina e no mundo, se evidenciam na interação de
suas personagens. Embora sendo um gênero distinto do literário, acredita-se que a
produção gráfica e humorística de Quino também possa ser considerada “uma forma
de estetização da política”, visto que é evidente seu engajamento histórico,
promovido pelo meio jornalístico em que foi produzida, e o posicionamento histórico-
político manifestado, representativo do sentimento geral da sociedade.
4.4 ASPECTO INTERATIVO NAS TIRAS DE MAFALDA
Uma análise, a partir da Sociolingüística Interacional, da forma como Quino
gera humor, aponta para o conflito criado entre essa atitude de denúncia e os tipos
caracterológicos das suas personagens, por um lado; e a observação do uso das
pistas lingüísticas, prosódicas e discursivas das falas, por outro, que permita
desvendar aspectos lingüísticos e interacionais da fala oral autêntica. Argumenta-se
que as tiras de Mafalda podem ser aproveitadas como recurso autêntico, na sala de
aula, para o desenvolvimento da competência sócio-pragmática dos aprendizes de
espanhol.
O leitor visado pelas tiras de Mafalda pode apresentar-se perplexo em relação
à crítica feita ao modelo social vigente, mas não se surpreende a respeito das
atitudes ou comportamentos das personagens, pois participa do jogo interativo.
74
O autor direciona para a análise dois momentos interacionais que as tiras de
quadrinhos proporcionam: um entre os personagens das tiras e outro entre o leitor e
o texto de humor. O leitor detecta o cômico nas tiras de quadrinhos, que é o objeto.
Além disso, é na interação entre os personagens que verificamos o ataque à ordem
social, através do qual, o indivíduo se vinga da sociedade pelo controle que esta lhe
impõe.
As tiras de quadrinhos representam jogos interativos explícitos. Na
composição dos personagens e na construção das histórias, com intenção de fazer
crítica, o autor parte do jogo interacional entre os personagens para produzir humor e
denunciar ou criticar atuações ou comportamentos de elementos da sociedade
Argentina.
Para atingir esse objetivo, o autor administra dois jogos interativos: um entre
os personagens, que tira a tira, contam uma história, e outro com o leitor do texto de
humor. No primeiro jogo interacional, joga com os personagens. Observando as
pistas de contextualização (nas falas, expressões faciais, nos gestos), percebe-se
que cada personagem, a partir de seus esquemas de conhecimento, demonstra
estranhamento pela atitude uns dos outros. No segundo jogo, a comparação desses
esquemas de conhecimento operado pelo leitor gera o humor, a partir da descoberta
da incongruência em relação ao esperado, tendo em vista o modelo social de fazer
conexões para produzir sentido nas coisas do mundo.
Para Goffman (1974) enquadre são modos significativos de falar. Assim, para
interpretar situações de fala, o ouvinte deve saber em que enquadre o falante está
operando, isto é, em que atividade o ouvinte está se engajando; se é uma piada,
uma imitação, uma palestra, uma brincadeira... Visto desse modo, o enquadre
75
representa estruturas de expectativas, que incluem os esquemas de conhecimento e
que são buscados em experiências passadas.
O jogo interativo entre os personagens se faz a partir da comparação de
diferentes enquadres. Quando um personagem muda seu alinhamento
inesperadamente, infringindo as estruturas de expectativas do senso comum, há, por
parte do outro, uma atitude de surpresa pelo não-esperado. Já no jogo interativo do
autor das tiras de quadrinhos com o leitor, a surpresa não gera conflito. É
representada pela situação de incongruência que causa o humor. Nos esquemas de
conhecimento do leitor de tiras de quadrinhos, o conflito é esperado. Isso acontece
porque o leitor procura fazer inferências sobre o conflito criado para fazer a
interpretação. É o conflito gerado pela incongruência que vai ajudar o leitor na
descoberta da crítica ou denúncia que quer fazer.
No caso das tiras de quadrinhos acontece o tipo de comunicação não bona
fide (Raskin, 1985), em que o ouvinte já espera a piada e não vai interpretar do modo
bona-fide. Imediatamente, busca fazer as inferências para entender o texto
satisfatoriamente.
Bastos (1993) chama a atenção para a natureza essencialmente dialógica e
interacional da conversação, em que falar e ouvir (ou ler, no caso dos quadrinhos)
são atividades indissociáveis, de forma que qualquer enunciado, emitido por
qualquer participante da conversação, é considerado uma produção conjunta de
falantes e ouvintes. Assim, podemos considerar que Quino fala ao seu leitor através
das histórias engraçadas de suas tiras de quadrinhos, e seu leitor, que espera
algo humorístico, imediatamente vai à procura do engraçado na situação interacional
76
colocada, inferindo o não- esperado, a partir de pistas que estão no digo verbal e
no não- verbal.
Construindo uma relação entre o esperado e o não- esperado em termos de
modelo social no jogo interativo entre os personagens, o autor de tiras em
quadrinhos proporciona a quebra na expectativa, que gera a graça e leva à crítica.
Na explicação do processo utilizado por Quino para produzir humor nas
interações veiculadas em suas tiras de quadrinhos, buscamos analisar a maneira
como o autor gerencia seus personagens, colocando-os para atuarem de modo a
romper com as estruturas de expectativas ativadas pelos esquemas de
conhecimento que operam na interpretação dos acontecimentos e no entendimento
do comportamento das pessoas nas várias situações de comunicação que se
desenvolvem nos vários cenários do mundo.
4.5 A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NAS TIRAS DE MAFALDA
Podemos conceituar a coesão como o fenômeno que diz respeito ao modo
como os elementos lingüísticos presentes na superfície textual se encontram
interligados, por meio de recursos também lingüísticos, formando seqüências
veiculadoras de sentidos (Koch, 2003: 45).
Segundo Marcuschi (1983), os fatores de coesão são aqueles que dão conta
da seqüenciação superficial do texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua,
que permitem estabelecer, entre os elementos lingüísticos do texto, relações de
sentido.
77
A coerência diz respeito ao modo como os elementos subjacentes à superfície
textual vêm a constituir, na mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora
de sentidos.
A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou propriedade do
texto, é resultado de uma construção feita pelos interlocutores, numa situação de
interação dada, pela atuação conjunta de uma série de fatores de ordem cognitiva,
situacional, sociocultural e interacional (Koch, 2003: 52).
Se, porém, é verdade que a coerência não está no texto, é verdade também
que ela deve ser construída a partir dele, levando-se, pois, em conta, os recursos
coesivos presentes na superfície textual, que funcionam como pistas para orientar o
interlocutor na construção do sentido. Para que se estabeleçam as relações entre
tais elementos e o conhecimento de mundo (enciclopédico), o conhecimento
socioculturalmente partilhado entre os interlocutores, e as práticas sociais postas em
ação no curso da interação, torna-se necessário proceder a um cálculo, recorrendo-
se a estratégias de adequadas negociação do sentido.
A intertextualidade em sentido amplo, condição de existência do próprio
discurso, pode ser aproximada do que, sob a perspectiva da Análise do Discurso, se
denomina interdiscursividade. É nesse sentido que Maingueneau (1976: 39) afirma
ser o intertexto um componente decisivo das condições de produção: “um discurso
não vem ao mundo numa inocente solidão, mas constrói-se através de um já- dito
em relação ao qual toma posição”. Também Pêcheux (1969) escreve: “Deste modo,
dado discurso remete a outro, frente ao qual ele ‘orquestra’ os termos principais, ou
cujos argumentos destrói. Assim é que o processo discursivo não tem, de direito, um
início: o discurso se estabelece sempre sobre um discurso prévio...”.
78
Figura 3: Tira Mafalda – Liberdade
A tira supracitada pode ser interpretada em função de várias formações
discursivas, que vão apresentar significação, de acordo com o contexto histórico em
que Mafalda foi produzida.
O pai de Mafalda opta pela argumentação com a filha; a citação diz respeito
ao direito de independência e liberdade dos países, para decidir a própria forma de
governo.
Segundo Goffman (1981) a conceituação de footing fala da postura dos
participantes dentro das interações e caracteriza seus alinhamentos em dada
interação. Para o autor, footing representa uma mudança no alinhamento, assumindo
tanto para o falante como para o ouvinte, expressa na forma como tanto um como o
outro conduz a produção e a recepção de um dado enunciado. Além disso, a
habilidade de um falante competente transitar, isto é, ir e vir, mantendo a ação em
diferentes círculos, pode ser manifestada através de pistas e marcadores
lingüísticos.
79
Para criar a ruptura dentro da interação, Quino, de modo geral, mostra seus
personagens em dois momentos dentro da interação: 1) comportando-se em sintonia
com os esquemas de conhecimento do leitor ativados em relação ao evento em
apresentação e 2) operando footing e realinhando-se, de modo a romper com os
esquemas ativados pelo enquadre, conforme se observa na Figura 2:
Figura 4: Tira Mafalda – Sopa
No quadro 1, Mafalda atua coerentemente dentro das expectativas sobre
criança que faz a lição de casa – escreve no caderno as frases ensinadas na escola,
com expressão facial de criança obediente e aplicada. Ao sentir o cheiro da sopa, a
personagem opera um footing e passa a agir como adulto enraivecido que, em
atitude de equivalência de poder, faz ameaça e emite juízo de valor. De menina
comportada e feliz – ar de alegria e tranqüilidade – a adulto poderoso e enraivecido –
expressão fisionômica de ódio e atuação de sobre a cadeira, com a boca aberta
indicando estar gritando. O conteúdo da fala de Mafalda (quadros 4 e 5) nos mostra
que ela atua em outro enquadre. Seu discurso se constitui de enunciados não
pertinentes aos esquemas de conhecimento relacionados ao alinhamento criança;
ela se alinha como adulto, ao fazer uma ameaça à mãe e emitir juízo de valor sobre
80
o que é ensinado na escola. O alinhamento criança-filha / adulto-mãe é, assim,
transformado em adulto / adulto.
Para bem marcar a ruptura, Quino, às vezes, põe a personagem ratificando
seu alinhamento diferenciado, reforçando a ruptura em momento subseqüente, ao
apresentar conseqüências ou dar justificativas. A Figura 3 exemplifica essa
ocorrência.
Figura 5: Tira Mafalda – Derramamento de Zeros
Mafalda rompe com o esperado, ao propor à professora que se “ apele para o
bom senso” (quadro 3) e ratifica a ruptura, ao sugerir uma possível conseqüência
para o ato da professora: “ evitar un inútil derramamiento de ceros” (quadro 4).
O primeiro enquadre é caracterizado pela distância nas relações de poder,
concretizado pela assimetria nos diálogos, em que a professora tem o mando (usa
verbos no imperativo) e exerce função hierarquicamente superior na definição dos
papéis desempenhados dentro da escola. no segundo enquadre, a fala de
Mafalda denota simetria na conversação (emprega a pessoa do plural) ao sugerir
equivalência de papel social. Isto fica caracterizado pela expressão “bom senso”,
típica do dialeto adulto.
81
Esse recurso de travestir de adultos personagens infantis é utilizado por Quino
na quase totalidade de suas tiras, mas o comportamento mais marcante e de maior
incidência é o de Mafalda. Ela é posta como cidadão intelectual – crítico – politizado,
emitindo críticas a posicionamentos políticos e sociais, o que determina um
realinhamento de sua relação com os outros personagens.
Mafalda rompe com a rotina prescrita em interações escolares, familiares e
sociais. Em movimento de realinhamentos, ela é posta em atitudes de
insubordinação e desobediência, enfrentando a professora, colocando seus
posicionamentos em xeque, tentando levá-la ao ridículo, com insinuações de que
ela, a professora é mediana, desengajada sócio-politicamente ou, até mesmo, idiota.
Ao atuar desse modo, Mafalda apresenta-se como adulto-crítico. Não é mais a
criança que interage com a professora, mas um adulto que fala a outro, com igual
direito de manifestação de opiniões e atitudes de poder.
A personagem de Mafalda age como cidadão adulto, tentando dar lições de
bem-proceder aos pais e à professora. Ela quer insultar o mundo por sua revolta
contra o comportamento político e social das pessoas, que ela considera
insatisfatório para a sociedade. Esse “des-enquadramento” da personagem dentro
das interações se concretiza a partir da mudança de alinhamento, que é operada
através de comportamento verbal e não-verbal.
As pistas verbais que definem a mudança de alinhamento da personagem
Mafalda na interação são percebidas nos níveis: lingüístico, paralingüístico e
discursivo.
82
No nível lingüístico, observamos que o conteúdo das falas, não previsto nos
esquemas de uma criança de seis anos, define a mudança de alinhamento de
criança para adulto.
No nível paralingüístico, as marcações gráficas, que sugerem tom e altura da
voz, através de tipos diferentes de letras, negritos, reticências, exclamações, indicam
interpretações que dirigem no sentido de que a personagem está se realinhando
dentro da interação.
No nível discursivo, estratégias de polidez, mudanças de dialeto e de registro,
ou quebra no seqüenciamento de atividades de fala previsto pelo enquadre vão
proporcionar a percepção do realinhamento da personagem. Essa mudança de
alinhamento de Mafalda se faz através de comportamento verbal, em situações que
se caracterizam a partir de: 1) conteúdo da fala, não previsto pelas estruturas de
expectativas; 2) estratégias discursivas utilizadas pela personagem; 3) quebra no
seqüenciamento previsto de atividades de fala; e 4) recursos paralingüísticos.
Quando a mudança de alinhamento de personagem dentro da interação é
percebida a partir do conteúdo das falas, verificamos que a carga semântica das
palavras remete a outros contextos não escolares, isto é, o assunto é mudado no
decorrer da interação. A Figura 4 abaixo, é um exemplo em que a fala da
personagem causa estranhamento, exatamente pelo seu conteúdo inesperado. O
alinhamento adulto–crítico–politizado assumido por Mafalda e o conflito criado entre
a personagem e a professora ficam mais fortemente caracterizados porque Quino a
põe demonstrando conhecimento de política internacional, ao fazer comparação
entre bloco capitalista e bloco socialista. Mafalda contrapõe Pentágono a Kremlin,
desviando a significação referencial que a personagem da professora quer dar à
83
palavra pentágono e colocando-a dentro de um contexto discursivo relacionado ao
tema política internacional. Há, também, a partir da fala, uma mudança de postura da
personagem dentro da interação, que não tem o objetivo de apenas fazer rir, mas
colocar uma posição político-social.
Figura 6: Tira Mafalda – PENTAGONO
A interação da tira segue regularmente a mesma trajetória de elaboração de
ruptura. O enquadre-aula é caracterizado pela figura da professora que desenha
uma figura geométrica no quadro, um pentágono (quadro 1) e, ao mesmo tempo, se
dirige à turma, esclarecendo o objetivo da aula: “Bem, hoje vamos estudar o
pentágono” . Mafalda surpreende a professora, ao fazer o comentário pergunta: “E
amanhã o Kremlin?”. Uma professora aborrecer-se e desapontar-se com um
comentário ou pergunta de um aluno é atuação que cabe perfeitamente dentro dos
esquemas esperados de um professor, mas perguntas do tipo “E amanhã o
Kremlin?”, e o comentário do tipo “quer dizer... para equilibrar” (quadros 2 e 3)
com o objetivo de contemporizar o “mal feito”, ou melhor, o “mal dito” , “ des-
enquadra” a personagem Mafalda do alinhamento aluno para o alinhamento adulto
crítico. Ao operar o footing, Mafalda abandona o enquadre-aula e passa a atuar no
enquadre- interação entre adultos. Além do conteúdo das falas, a mudança de
84
alinhamento de Mafalda está não apenas no que ela fala, mas como a personagem
interpreta enunciados. A interpretação da palavra “Pentágono” está necessariamente
ligada a um contexto interacional. Não é questão de sentido literal versus sentido
figurado, é uma questão de sentido visto dentro do enquadre.
A mudança de alinhamento da personagem Mafalda nas tiras de quadrinhos
está quase sempre relacionada com o uso de estratégias discursivas, que vão
auxiliar na definição do enquadre em que está atuando.
A personagem de Mafalda, por ser uma criança de seis anos, provoca
estranhamento e, por conseqüência, humor, ao aparecer utilizando estratégias de
polidez que sugerem estar ela preocupada com a preservação da face negativa da
professora. Na Figura 3, mencionada, a personagem, antes de solicitar que a
prova seja transferida para outro dia, pede desculpas à professora, amenizando a
imposição. Além disso, ao usar a primeira pessoa do plural, procura provocar
envolvimento, na medida em que põe o problema da prova não mais como um
problema dela, de Mafalda, e/ ou das suas colegas de classe, mas de todas,
inclusive da professora. Também, o modo como Mafalda faz o pedido, com o uso do
condicional; ela não pede clara e diretamente, ela sugere o pedido, representa uma
atitude polida na interação.
Além disso, o vocabulário usado pela menina, principalmente ao utilizar as
expressões ”apelar para o bom senso” e “para evitar um inútil derramamento de
zeros” não condiz com o dialeto de sua faixa etária, e, por conseqüência, muda o
registro semiformal usual entre professor e alunos dentro da sala de aula em registro
85
formal, comum em situações interacionais entre adultos que precisam resolver um
problema.
O mesmo acontece na Figura 2. Ao utilizar o termo “hipocrisias”, que não faz
parte do dialeto infantil, a personagem ratifica sua mudança para o alinhamento
adulto-crítico e muda do registro informal que se supõe seja usado entre familiares
para um registro caracterizado por colocações de poder, em que quem tem mais
poder pode fazer ameaça.
86
5 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
Neste trabalho será feita uma Análise Comparativa das construções de sentido
(no contexto de humor e ironia nos quadrinhos da Mafalda) durante as atividades de
compreensão leitora em sala de aula de E/LE, aplicando o material didático de leitura
adequado.
Serão usados autores como: Kleiman, Kato, Coracini... na fundamentação
teórica desta pesquisa, pois elas utilizam a teoria inspirada no sociointeracionismo
discursivo, discutindo a Leitura Interativa. Nessa teoria segue uma noção de língua
como atividade social, histórica e cognitiva.
O método de abordagem a ser utilizado nesta pesquisa é do tipo indutivo, pois a
análise de dados da pesquisa qualitativa tende a seguir um processo indutivo. A
aproximação dos fenômenos caminha geralmente para planos cada vez mais
abrangentes (Lakatos, 1992: 106), indo das constatações mais particulares às leis e
teorias (conexão ascendente). Os pesquisadores (Menga Ludke, 1986: 13) não se
preocupam em buscar evidências que comprovem hipóteses definidas antes do
início dos estudos. As abstrações se formam ou se consolidam basicamente a partir
da inspeção dos dados num processo de baixo para cima.
No método de procedimento será empregado o método etnográfico, a descrição
de um sistema de significados culturais de um determinado grupo (Menga Ludke,
1986). O uso da etnografia em educação deve envolver uma preocupação em
pensar o ensino e a aprendizagem dentro de um contexto cultural amplo.
87
5.1 TÉCNICA PARA A COLETA DE DADOS
A cnica de coleta de observação direta se baseia em 2 instrumentos
principais: descrição subjetiva do material didático de leitura (intensiva); e
questionário objetiva (extensiva).
A técnica de coleta de dados de observação direta intensiva consiste na
apresentação, aos alunos, de 3 tiras de HQ´s em Espanhol, cuja análise deve gerar
textos subjetivos, em Português de, pelo menos, 15 linhas. Os textos subjetivos
devem refletir o entendimento dos alunos em relação ao conteúdo das tiras, com
base no seu conhecimento de mundo.
A técnica de coleta de dados de observação direta extensiva consiste na
apresentação, aos alunos, de um questionário, cujas perguntas se dividem em 2
dimensões: conhecimento das estórias e do personagem; e percepção da leitura
realizada.
Ambos instrumentos apresentam introdução explicativa com objetivo de
facilitar a compreensão e o preenchimento dos mesmos, sem auxílio do pesquisador.
Como preparação para a coleta de dados, essa pesquisa considera ainda: 1)
aplicação de material didático de leitura; 2) comparação entre os exercícios
confeccionados durante as aulas; 3) a descrição do processo da construção de
sentido.
88
5.2 DELIMITAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA
A proposta da pesquisa é apresentar um panorama das representações de
leitura dentre alunos em formação da série do ensino Médio de duas Escolas do
Estado do Rio de Janeiro, uma pública e outra privada, ambas situadas em bairros
de classe média.
A Escola Estadual fica no bairro Jardim Guanabara, na Ilha do Governador e
é freqüentada, no turno da manhã, por alunos entre 15 e 20 anos. Chamaremos de
Escola X.
A Escola Privada fica no bairro da Gávea e é freqüentada, no turno da tarde, por
alunos entre 14 e 15 anos. Chamaremos de Escola Y.
5.3 A DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS DADOS
Os instrumentos de coleta de informações foram confeccionados seguindo
duas modulações: questões de natureza subjetiva (ou discursivas) e questões de
natureza objetiva (ou de múltipla escolha).
As questões discursivas são três no total; nelas, os sujeitos deveriam construir
significados a partir de tiras de HQ´s da Mafalda, interpretando o conteúdo e
significado das mesmas.
As questões de múltipla escolha são oito ao todo, divididas em quatro
questões sobre conhecimento e quatro questões sobre percepção, onde os
sujeitos deveriam comprovar o entendimento das tiras através da análise de como o
89
sentido das mesmas foi construído. As questões apresentam até quatro respostas,
devendo o aluno escolher apenas uma delas.
Os dados coletados foram mantidos nos formulários originais, aplicados aos
alunos; sua consolidação, no entanto, foi feita com auxílio de duas planilhas, uma
para cada Escola pesquisada.
A tabulação dos dados coletados foi feita em planilhas MS-Excel, elaboradas
a partir das informações presentes nos instrumentos apresentados aos alunos, da
seguinte forma: as respostas às questões subjetivas, divididas em Interpretação e
Escrita; as respostas às questões objetivas, divididas em Conhecimento e
Percepção.
A partir dos dados consolidados nas planilhas, foram gerados gráficos (tipo
pizza) com o objetivo de facilitar a visualização, análise e comparação dos resultados
obtidos.
A análise de informações foi realizada através de interpretação dos dados
coletados, permitindo ao pesquisador o levantamento de insumos para a formulação
das representações de leitura e, após o cruzamento com as questões discursivas, as
conclusões primárias e finais da pesquisa.
90
6 ANÁLISE QUALITATIVA DA PRODUÇÃO ESCRITA
Para elaborar parâmetros comparativos da produção escrita dos sujeitos das
duas escolas, propomos que a construção de sentidos se localize prioritariamente na
estratégia da ironia, que constitui a forma de apresentar o discurso crítico em cada
uma das tiras. Nesse sentido, as composições escritas pelos alunos, em princípio,
devem fazer referência a esses elementos, base do humor que caracteriza esta HQ.
6.1 TIRA Nº 1
Na primeira tira é preciso ter informação prévia sobre a personagem central,
portanto, se trata de um pressuposto de leitura. Uma menina fora dos padrões,
reforçado pelo contraste entre o discurso do manual de “Pais & Filhos” que o pai está
lendo e a natureza da pergunta da Mafalda, que não tem uma resposta. A imagem
do pai esgotado pode ser interpretada como a incapacidade de encontrar uma
resposta, pelo menos no ambiente doméstico. A ironia reside em uma espécie de
violação de expectativas. De um lado, uma criança em idade escolar faz perguntas
próprias de um adulto e, de outro, o pai, representando o senso comum, é incapaz
de lidar com elas. O conteúdo das perguntas que versam sobre o que funciona mal
na sociedade constitui a base da postura crítica das tiras.
Ao analisarmos as descrições da primeira tira, desenvolvidas pelos alunos do
universo abordado, tanto na Escola X quanto na Escola Y, parte dos alunos foi
capaz de assinalar a crítica irônica presente no texto, quando compreendeu e
expressou a incapacidade do pai de Mafalda em responder clara e objetivamente
aos questionamentos da filha, não por falta de interesse ou comprometimento de sua
91
parte, mas porque Mafalda pensa e se manifesta de modo não compatível ao de
uma menina de sua idade, mas sim, como um adulto com visão crítica do mundo. O
comando pede aos alunos que dissertem sobre a compreensão das tiras em pelo
menos 15 linhas, por tanto, uma exigência quanto à extensão e à participação
deles na produção textual. São dentro dessas condições que os textos serão
analisados.
6.1.1 Escola X
A estrutura das respostas segue um padrão; estão formadas por uma parte
descritiva - narrativa e outra de natureza argumentativa. Para apresentar a parte
opinativa, os comentários remetem ao texto introdutório do questionário em que são
apresentados a personagem e o autor. Esta parte do material oferecido ao aluno
municia de elementos informativos que funcionam como pressuposto de leitura da
tira. Entretanto, também comentários auto-referenciados em que predomina o
conhecimento de mundo na formulação do texto.
As fórmulas que encabeçam os textos constroem um enunciador que legitima
a natureza pessoal das respostas. Nesse sentido, a abertura da maioria dos textos
caracteriza essa atitude:
[Com variantes] Eu entendi....(2),(4),(5),(6),(7),(12),(13),(15),(18),(20);
Podemos ver(14);O que há(sic) tira nos da a entender(16),No meu ponto de vista
(19).
92
A estratégia descritiva de alguns textos segue a seqüência dos quadros que
compõem a tira, organizando os elementos narrativos: personagens, cenário, evento
e desfecho:
E que o pai da mafalda fala que a partir que hoje ele ira responder todas as
perguntas da filha e então ela perguntou para o pai porquê funciona mal a
humanidade e ele não aguentou e desmaiou.(13).
Pode-se observar que os alunos trazem elementos da parte introdutória do
texto apresentado a eles no questionário sem nenhum comando específico. Para
responder esta primeira questão, a qualificação da pergunta da Mafalda como
bombástica, (3), (4), (5),(9), (12) e (14) reproduze ipsis litteris a forma referida nessa
primeira parte ou ainda produz esse sentido parafraseando: [...] ai que ela [Mafalda]
solta aquela bomba [pergunta]...(12)
Outras formas de reportar-se ao texto introdutório para caracterizar a
personagem podem ser observadas nos textos dos alunos que reproduzem,
traduzindo, partes da introdução:
Mafalda tira aos poucos suas características infantis e assume relações à
respeito do poder na sociedade.(9)
Podemos ver nesta pequena história que Mafalda pela sua natureza sempre
surpreende os adultos porque o público da menina é mesmo composto por leitores
adultos... (14).
Estes dados evidenciam a compreensão da necessidade de caracterizar a
personagem como uma menina fora dos padrões para compor o sentido irônico da
tira. Para isso, os alunos recorrem à seleção e cópia da informação imediata que
consta do questionário.
93
Entretanto, para responder à demanda de opinião e marcar posição, o texto
dos alunos se distancia da tira e recorre ao senso comum. Neste sentido, aparece o
conhecimento de mundo dos alunos como uma estratégia participativa que tenta
responder à parte do comando no que diz respeito à compreensão:
...nenhum de nós temos a resposta.....pois na sociedade é isso que acontece
a maioria dos pais não tem tempo pra seus filhos e nem para esclarecer suas
dúvidas... (3)
Os filhos depositam total confiança nos pais, fazem várias inúmeras perguntas
e querem respostas como a Mafalda...(19)
Um dos elementos relevantes para caracterizar o interesse do pai na questão
relativa à relação pais e filhos é a percepção da natureza intertextual do discurso que
aparece no primeiro quadro da tira. Implica, por parte dele, uma atitude de buscar
fontes para ‘melhorar’ e, ao mesmo tempo, coloca em evidência um discurso
idealizado sobre essa relação. No relato que os alunos fazem da tira, apesar das
marcas gráficas das aspas nesse primeiro quadro e do desenho mostrando na cena
um livro na mão, poucos repararam nesse dado e alguns textos chegam a atribuir ao
pai o discurso lido por ele.
...o pai da Mafalda falou que a forma mais simples de ganhar a confiança dos
filhos é através da comunicação....(4)
..Pois ele [o pai] ajava (sic) que a comunicação entre os filhos é esencial (sic)
para o aprendizado...(5)
...Ele acha que respondendo as perguntas da filha vai acrescentar uma
comunicação melhor... (8)
94
Neste grupo são poucos os que destacam a natureza intertextual do discurso
do pai da Mafalda, assinalando a proveniência da fala dele de um livro:
..o pai estava lendo um livro sobre como responder ...as perguntas de seus
filhos... (14).
...ai ele leu um livro que falava que os pais tinha (sic) que responde (sic)
com muita semplicidade. (sic)..(18.)
...o pai[ ..].queria tirar as dúvidas da filha como ensinava o livro que ele estava
lendo(15)
Por outro lado, é relevante observar que na parte relativa aos comentários,
alguns juízos de valor marcados como estritamente pessoais em relação à natureza
das perguntas da Mafalda. Esses comentários entram em conflito com o texto
introdutório que apresenta a personagem como símbolo de inteligência e resistência
em que justamente as perguntas constituem o elemento fundamental dessa
caracterização.
... há muitas situações que perguntas absurdas não podem ser respondidas...
[...] muito comprometedouras (sic) (17),
..mais eles [os filhos] fazem perguntas sem lógica... (19)
Isto é, não não percebem a postura crítica das perguntas da personagem
que a caracteriza como uma criança acima da média, como endossam a posição
contrária, reforçando o senso comum, objeto de crítica nas tiras de Quino.
Embora haja unanimidade quanto à percepção da incapacidade do pai em
responder as perguntas da Mafalda, porque ela está fora dos padrões de uma
criança nessa idade escolar, essa caracterização da personagem perde consistência
nesses dois últimos comentários.
95
6.1.2 Escola Y
A estratégia descritiva - narrativa é a escolha preferencial para apresentar a
resposta da maioria deste grupo. (1), (3), (6), (8), (10), (12), (14), (15), (16).
O pai da Mafalda conversa com a esposa depois de ler um livro, decide então,
Responder as perguntas de sua filha de modo simples e claro.
Mafalda faz uma interrogação: ”porque funciona tão mal a humanidade?”
É ele responde de modo simples e claro! Ele finge estar durmindo para
Representar a humanidade. (14)
Todos os elementos narrativos presentes: personagens, cenário, evento e
desfecho, este texto mediante o uso de marcas gráficas - o signo de admiração -
consegue colocar uma postura enunciativa irônica correlata com a tira.
Neste grupo, nenhum dos alunos apresenta a primeira pessoa para construir
um enunciador, como no caso da Escola X, portanto, exclui da formatação do texto
qualquer referência à argumentação de natureza pessoal.
Ainda na parte descritiva, um dos elementos relevantes que apareceu na
análise das respostas é que no grupo a maioria dos alunos percebeu e explicitou a
natureza intertextual do discurso do pai da Mafalda:
Os pais da Mafalda estavam lendo um livro que trata da relação pais &
filhos...(1), (4),(6), (7), (8), (10), (11), (12),(14).
Quanto à parte argumentativa, as respostas estão embasadas no
conhecimento de mundo e, em parte, organizando a leitura da parte introdutória, mas
também no conhecimento prévio da HQ.
96
A orientação crítica da tira se apóia na incapacidade do pai de responder à
pergunta formulada por Mafalda, embora as considerações dessas dificuldades
sejam caracterizadas em alguns textos como não exclusivas dele:
O pai... não tem como falar de uma forma simples e clara os problemas da
humanidade, pois é algo muito mais antigo que eles três juntos, é algo muito mais
complexo que isso.(1)
A reação do pai também pode representar a posição da humanidade em
relação à atual situação do mundo. (10)
O pai reage desta forma porque da maneira que está a humanidade, a
violência aumentando, países em guerra, poluição, desemprego....ele não sabe
como explicar a Mafalda...(15)....
Embora nesses textos haja um diálogo as informações que circulam na mídia,
também algumas respostas formuladas se atendo aos desenhos das vinhetas e
com o desfecho da história;
Ele finge dormir..para não ter que responder....(3), (4), (6),(8), (13).
Ainda na parte argumentativa, podem ser observadas algumas posturas de
enunciador ‘moralista’ em que a atitude participativa desenvolve considerações de
ordem ética:
...os pais muitas vezes vem que o certo é responder as pergunta dos filhos
esplicar (sic) as coisas do mundo, orienta-lo para a sociedade para que eles sejam
confiantes e comunicativas...(5)
A charge mostra claramente vários problemas de nossa sociedade. ..
E não é difícil nem necessita de revoluções e Che Guevara. É só cada um dar
o melhor de si. Reciclar o lixo (ao invés de consumir todo o nosso planeta)... (12)
97
Neste grupo, uma parte embasou a argumentação em seu conhecimento de
mundo, dialogando com os discursos que circulam na mídia sobre a diversidade de
problemas sociais. É relevante destacar que as colocações incorporam informações
contemporâneas, tais como os problemas ecológicos ou violência urbana.
A análise das composições da primeira tira, desenvolvidas pelos alunos na
Escola X e na Escola Y, mostra divergências na percepção da intertextualidade no
primeiro quadro, no que se refere à origem do discurso do personagem pai da
Mafalda. Entretanto, unanimidade quanto à dificuldade de ele lidar com as
perguntas da personagem central, que é o ponto central da tira e onde reside a
crítica do autor. É ainda importante destacar que as respostas se fundamentam no
conhecimento de mundo e, nesse item, diferenças relevantes entre os dois
grupos.
6.2 TIRA Nº2
Na segunda tira, a ironia é mais óbvia. No ambiente escolar, uma cena
conhecida por todos os alunos. O discurso corriqueiro da professora que enumera os
itens que podem e o podem usar para caracterizar o cenário ameaçador de uma
prova surpresa no desenho dos rostos no segundo quadro. A voz da Mafalda
tentando negociar e argumentar evocando uma fórmula bélica que é responsável
pela implicatura de humor. A questão crítica está relacionada à verticalidade das
decisões e o lugar do poder que afeta a turma. Para esta tira, a experiência da sala
de aula é uma âncora suficiente para a construção de sentidos.
98
6.2.1 Escola X
A estrutura das respostas segue o mesmo padrão assinalado na tira anterior,
com uma orientação descritiva - narrativa e outra de natureza argumentativa. Pela
experiência e conhecimento de mundo, há uma unanimidade na compreensão leitora
desta tira.
Como no caso anterior, podem se observar as mesmas fórmulas
encabeçando os textos para construir um enunciador, legitimando a natureza
pessoal das respostas. A abertura de uma parte dos textos caracteriza essa atitude:
Eu entendi..(2), (5), (6), (7), (11), (12), (13), (14), (15) (18), (20).
A forma de apresentar a tira tem duas tendências. De um lado, a descrição
narrada seguindo a seqüência:
A professora pede que seus alunos guardem o material menos lápis,
borracha e uma folha branca em que irão escrever. Prova escrita. Mafalda por saber
que ela e seus amigos estão péssimos na matéria, pede a professora que deixe a
prova para outro dia para evitar que todos os alunos tirem zero. (4)
...a professora iria dar uma prova, mas que os alunos não sabiam nada da
matéria ...então,eles queriam deixar a prova para outro dia para que ...não tirassem
um zero na prova.(20)
De outro, textos opinativos frente à situação da tira, mas estabelecendo uma
relação com educação em geral:
Os próprios alunos querem mandar e as vezes pela falta de educação que
não tiveram do seus próprios pais,acabam crescendo sem saber respeitar os mais
velhos...(3);
99
Se ela disse que todos vão tirar zero dá para pensar que o ensino caiu muito
baixo... (8);
Bom, eu acho que os problemas de dificuldades e coleção de zeros e o
desinteresse e a falta de estudo. (19)
Nesse sentido, ao estabelecer esse deslocamento da tira para a crise
educativa, aparecem os discursos avaliativos do sistema educativo brasileiro que
circulam e fazem assim parte do conhecimento de mundo dos alunos.
Um dos elementos que compõem o humor da tira está na correlação
semântica entre derramamento de zeros ~ derramamento de sangue. Apesar da
compreensão holística desta forma estar na maioria, não houve nenhuma
explicitação sobre ela. O sentido ‘trágico’ está disperso no léxico em juízos de
natureza qualitativa: catástrofe (15), horrível...[os alunos] estão com medo destas
provas (17), alunos... ficam com cara de assustado. (8); mas também de natureza
quantitativa como em: chuva de zeros (10) & (11) e ainda maré de zeros (5).
Um dos elementos constitutivos da crítica do autor Quino diz respeito à
verticalidade na decisão de aplicar a prova que atinge o micro universo da sala de
aula. Neste sentido, a percepção da turma aqui analisada oferece dados
reveladores. Poucos textos nesta turma atentam para essa questão, e quando o
fazem, apresentam uma atitude inesperada. Com exceção de uma alusão crítica à
verticalidade: ...os professores não deveriam passar prova escrita para os alunos a
não se(sic) que eles querem ferrar os alunos... (13) e outra com matiz
político:...talvez pelos professores ou pelo governo [responsáveis pelos problemas]
mas não seria possível um professor chegar dizendo que vai dar uma prova
100
escrita...(12) uma boa parte da turma endossa a atitude da professora e levanta
questões relativas ao sistema educativo.
...Nota-se que certos alunos não se dedicam ou não querem nada com os
estudos e por isso era capaz de ter muitos zeros. (15)
Bom, acho que os problemas de dificuldades e coleção de zeros e o
desinteresse e a falta de estudo. (19)
...o ensino caiu muito baixo que ninguém liga para o ensino ou porque tenha
alunos que não liga para o estudo. (8)
...pois hoje em dia o estudo é bem fraco, mas nesse pouco da para aprender
algo... (7)
Desta forma, a crítica explícita se volta contra os próprios alunos,
responsabilizados em parte pelo fracasso escolar simbolizado no derramamento de
zeros e pela decadência ‘histórica’ do sistema como em ...as pessoas não são como
antigamente que elas gostavam de estudar,hoje...não estão nem ai para os
estudos.(6).. Por último, na parte crítica quando aparece a caracterização
ameaçadora da prova, a referência que se faz dela assinala o fato dela ser escrita.
Pode se inferir que o preenchimento da resposta está muito mais relacionado com a
vivência do aluno que com a tira
6.2.2 Escola Y
A primeira observação diz respeito à explicitação da estratégia discursiva em
derramamento de zeros, e a correlação com derramamento de sangue.
101
Nesse grupo, a maioria estabelece essa relação explicando o sentido irônico
deste recurso: Mafalda compara o desastre escolar o “derramamento de zeros” com
os desastres do mundo onde tanto sangue é derramado inutilmente. (2), (1), (13),
(6),(4), (9);... ela compara a sala de aula com o mundo lá fora.(3), (14),(15); ...ela
tenta relacionar isso com uma guerra...(5), (9), (11).
A questão crítica relacionada à verticalidade e o lugar do poder que admite
decisões unilaterais é percebida e questionada em alguns textos:
...A professora está agindo de maneira autoritária quando obriga a turma a
fazer uma prova surpresa...(16)
Em alguns casos com argumentos de natureza política:
Ela [Mafalda] compara a professora como uma pessoa no topo da hierarquia,
a prova com as guerras, e o zero com o sangue. (7)
...Mafalda conseguiu refletir o que está acontecendo no mundo com sua sala
de aula, colocando a professora no lugar das potencias mundiais que inutilmente
causam... grandes desastres...(8)
Pode-se observar nestes textos a composição de sentidos no movimento que
extrapola da temática de sala de aula para os problemas sociais que circulam na
mídia.
A análise das descrições da segunda tira, desenvolvidas pelos alunos do
universo abordado, é evidente que, tanto na Escola X quanto na Escola Y, parte
dos alunos percebeu a ameaça imposta por alguém em posição superior e a
contestação da ação tomada, com base nos resultados desastrosos que a mesma
poderia causar. Entretanto, divergências quanto à natureza da argumentação e
aos elementos que compõem a base dela. No caso da Escola Y houve incidência de
102
comparações a situações de guerra / conflitos armados, com um claro diálogo com
as informações em circulação pela grande mídia; enquanto na Escola X houve uma
relação de atribuição ao baixo nível dos alunos e à situação caótica do ensino
brasileiro, reproduzindo o discurso recorrente do senso comum. Nesse sentido, o
conhecimento do mundo apresenta características e recursos discursivos diferentes.
6.3 TIRA Nº3
Na terceira tira, também é necessário um conhecimento prévio da
personagem. Uma das escolhas para representar seu comportamento doméstico e
que constitui uma forma de caracterizar uma conduta infantil está relacionada à sopa
como objeto de ódio e intolerância. Informação que não consta da parte introdutória.
No segundo quadro da tira, o ataque súbito de raiva guarda uma relação de
causalidade com o fato de mãe estar preparando sopa. Por outro lado, o cenário
coloca a personagem no contexto de uma tarefa escolar, que consiste em copiar
mecanicamente fórmulas dentro de um marco tradicional de alfabetização. Para
construir significados, especialmente a ironia, é fundamental o reconhecimento da
natureza da tarefa escolar assim como a caracterização da Mafalda, menina urbana
de classe média, em relação à rejeição da sopa. Este último tem um forte
componente cultural que não é compartilhado com os referentes culinários
brasileiros.
103
6.3.1 Escola X
Em relação à identificação da tarefa que a Mafalda está fazendo neste grupo
a interpretação quase unânime é: uma carta para a mãe falando que a
amava...(2),(4),(5),(6),(11),(12),(13),(14),(17),(20)..Mafalda numa folha de papel ...diz
o que sente pela sua mãe...(9) no colegio...a professora pediu que escrevesse
alguma coisa sobre a mãe.(16)
O ponto crítico colocado no desenho está na tentativa da personagem de dar
sentido ‘realao conteúdo da tarefa mecânica que está realizando. Na interpretação
da turma não houve a identificação da falta de sentido de orações
descontextualizadas que têm vogais e consoantes repetidas5. Ao mesmo tempo,
considerar o texto da Mafalda carta assinala um desconhecimento deste gênero que
apresentaria outro formato.
No que se refere ao outro elemento de significação relevante, a rejeição à
sopa, há referências genéricas:
.una de dos, ou seja, temperando aquela sopa ou colocando legumes que
quase todas as crianças não gostam...(14)
...[Mafalda} estava pensando que a mãe iria fazer uma cumida (sic) diferente
....mas como viu que era sopa resmungou.... (13).
Na contramão da tira uma interpretação inversa sobre a rejeição à sopa
evidenciada pela caracterização da sopa com um cheiro... irresistível (9). O
relevante é que para atribuir sentido à seqüência, o texto do aluno constrói uma
5
Fórmula equivalente em português a O Ivo viu a uva.
104
significação ao conceito ironia, onde converge a interpretação do discurso raivoso
como uma estratégia da personagem para chamar a atenção da mãe.
Pode se inferir que não conhecimento anterior da personagem em que o
ódio à sopa constitui um dos pilares de sua caracterização como classe média,
urbana, na sociedade Argentina. Na falta deste elemento significativo, os alunos
recorrem a sua própria experiência para atribuir significado à raiva que de outra
forma, fica sem sentido. A interpretação unânime da raiva de Mafalda está
visivelmente relacionada ao cotidiano delas e, ao mesmo tempo, representa uma
estratégia importante na elaboração do texto. Assim, a raiva aparece ocasionada por
uma desestruturação familiar que não é sequer insinuada na tira.
...falta de atenção da mãe (2),(4),(5), (8), (16), (20)
...ausência de carinho..(3);
...precisa de ...carinho..e a mãe só pensa em fazer comida(7);
... a mulher nos dias de hoje está sempre ocupada (9);
... era para que sua mãe deixasse de fazer sopa (11);
...hoje em dia as mães são muito ocupadas e não conseguem dar atenção
(12); Ela é uma menina que não está sempre com a mãe..(17).
Na contramão da tira, há textos criticando a atitude da Mafalda.
...na minha opinião a menina é safada e intereçera (sic) ela escreve uma carta
de amor para mãe com interece(sic) de que a mãe pare de fazer a sopa...(6),
Entretanto, há textos tentando justificar a conduta das es, extensiva aos
pais, pressupondo e explicando o ‘abandono’.
105
...ela queria toda a atenção, mas não é assim... Os pais precisam trabalhar, a
mãe precisa fazer outras coisas, como trabalho em casa e na rua [...] e eles não tem
quase tempo para mimar seus filhos. (10).
...Mas nem sempre a mãe tem tempo para ficar com seus filhos[...] porque tem
que trabalhar para ajudar na casa e ainda chega em casa cansada e tem que[...]
arrumar ainda a casa..E não atenção para o filho[...o filho não se sente
amado,.mas pelo contrario as mães fazem isso porque não querem que falte nada
para eles.(18)
...a criança passa mais tempo na escola ou na creche, do que com sua
própria mãe [...]as mães tem que trabalhar para alimentar seus filhos...(15)
As crianças requerem dos pais total atenção e absoluto. Mas hoje em dia é
difícil você compartilhar com seus filhos 24hs por dia. (19).
Neste grupo, o discurso argumentativo que estabelece relações de
causalidade para o ponto crítico - no caso a falta de atenção da mãe - o movimento
de extrapolação das conseqüências para a sociedade pode ser observado nos
discursos sobre violência. Esse abandono é responsável por filhos que batem e até
matam os pais [...] A educação na infância resulta da falta de uma educação
rígida. (3)
Por isso, [o abandono] muitos filhos se perdem... esse é um dos problemas
para haver discórdias hofensas(sic) e magoas. (19)
Nos argumentos que justificam esse ‘abandono’, também é usado um
discurso de violência, embora simbólica. [a mãe] Se não trabalhar [para alimentar
seus filhos] ai vão dizer que é vagabunda e quer que os filhos morram de fome...(15).
106
Desta forma, a interpretação da grande maioria deste grupo construiu um
pressuposto que não está na tira, mas que constitui uma necessidade para dar-lhe
sentido. Esta repercussão é interessante, pois as respostas ao comando são as que
mais se distanciaram da tira e foram preenchidas a partir do conhecimento de mundo
dos alunos e com uma clara orientação auto- referencial. Nesse sentido, as formas
de elaborar o discurso crítico têm como âncora o núcleo familiar.
6.3.2 Escola Y
A identificação da tarefa da Mafalda por este grupo apresenta um perfil
diferente ao da Escola X. Na produção escrita desta turma se observa a
interpretação da atividade da Mafalda como tarefa escolar: Mafalda está
escrevendo...caligrafia (4); ...no caderno (3) estudando (6), mas ao mesmo tempo
como cópia mecânica e sem sentido: .... coisas inúteis...(1),(7) ...besteiras (2)
...coisas bobas (11)...coisas simples(3) coisas de criança (11), (14); coisas que não
quer (15). Uma das respostas foca o caráter forçado da atividade: E a mão da
mafalda que obriga ela a fazer coisas que ela não acha importância e contra seus
princípios e vontades.(5). Também se encontra representada como: rimas (10) e um
poema (13). Um grupo menor fica restrito à tira, reproduzindo o discurso da Mafalda
ao considerar a tarefa hipocrisia (9), (10), (16). Desta forma, podemos inferir que
uma maioria deste grupo consegue recuperar a parte dos pressupostos necessários
para a construção do sentido irônico, isto é, a percepção e identificação da falta de
sentido de orações sem contexto que a criança é levada a repetir nessa tarefa
escolar.
107
No que se refere à relação causal entre a sopa e a raiva da Mafalda,
referências explícitas a esta condição. ...ao sentir cheiro de sopa (que é algo que ela
odeia). (1), (3), (4), (6), (7), (9), (11), (13), (14), (16). Portanto, a maioria da turma
dispõe desta informação para formular a parte opinativa da resposta.
Na formulação da parte que constitui o escopo da questão, a natureza dos
argumentos aparece relevante. O principal argumento reside na atribuição da
qualidade de inútil (7), (8), (16) ou desnecessária (4), sem importância (5), ridícula
(6), (9) à atividade que Mafalda é levada a fazer. A repetição mecânica e sem
sentido é contrastada com a capacidade da personagem de realizar coisas
importantes que ganham uma dimensão política (6), (9), (10). Esse é o principal
elemento crítico elaborado pelos alunos deste grupo.
Por outro lado, o fato dos indivíduos, personificados na Mafalda, serem
obrigados a fazer o que não querem (2), (15) ou não gostam (11) também são o
objeto de crítica neste grupo. Já a referência à hipocrisia, palavra chave no desfecho
da tira, aparece nos textos com uma diversidade de sentidos e funções, mas dentro
da orientação crítica. Como uma citação da fala de Mafalda (1), (3), (6), (7), (9), (10),
e (15). Mas interpretada como bobagem (4), (13), como imposição (5), como coisas
sem importância (16).
Por tanto, o conhecimento de mundo deste grupo permite reconhecer e
apresentar uma visão crítica da tarefa escolar de Mafalda e dai extrapolar para um
discurso crítico com uma temática social.
Uma observação que parece pertinente tem a ver com a representação da
escrita nas três tiras. Na primeira, o grupo X teve dificuldades em reconhecer a
natureza intertextual da fala do pai. Na 2ª, deu destaque à natureza da prova
108
ameaçadora por ser escrita. Na 3ª,não reconheceu a caligrafia e deu o status de
carta.
É a partir deste núcleo significativo que se desenvolve o discurso crítico.
O que varia é a capacidade argumentativa, no sentido de construir
argumentos pertinentes para fundamentar a parte opinativa.
Assim, do ponto de vista holístico:
O grupo 2 (Parque) responde em função do texto e apresenta um
conhecimento prévio das tiras e talvez maior informação, que permite responder com
mais ‘propriedade’, ou de forma mais adequada o comando.
O grupo 1 (Estadual) responde de forma auto-referenciada. Isto é, como não
dispõe de muitas informações, tanto das tiras quanto da ‘realidade sócio-econômica’
que constituem o contexto delas, recorrem a seu próprio conhecimento para
interpretar e dar sentido às suas respostas.
109
7 ANÁLISE QUANTITATIVA DOS DADOS
Conhecimento – Escola X
Analisando os dados coletados na Escola X, verificamos que 2/3 dos alunos
conheciam o personagem apresentado. Daqueles que conheciam o
personagem, a maioria tomou conhecimento do mesmo através de livros (40%) e
revistas (47%), enquanto apenas 13% a conheceram através da família e/ou amigos.
Ainda que a maioria dos alunos entrevistados (75%) conhecesse o personagem,
40% deles nunca haviam lido suas estórias. E, dentre aqueles que haviam lido, a
metade atestou ter lido pouco ou quase nada, contra a grande minoria (apenas 8%)
que indicou ter lido muitas estórias.
Figura 7: Conhecimento – Escola X: Personagem
110
Figura 8: Conhecimento – Escola X: Veículo
Figura 9: Conhecimento – Escola X: Leitura anterior
111
Figura 10: Conhecimento – Escola X: Quantidade leitura anterior
Conhecimento – Escola Y
Analisando os dados coletados na Escola Y, verificamos que a totalidade
(100%) dos alunos entrevistados conhecia o personagem apresentado e que a
grande maioria deles teve contato com o mesmo através de livros (94%), contra uma
minoria (6%), que o conheceu através da família e/ou amigos.
112
Figura 11: Conhecimento – Escola Y: Personagem
Figura 12: Conhecimento – Escola Y: Veículo
113
Ainda que todos os alunos entrevistados (100%) conhecessem o personagem,
6% deles nunca haviam lido suas estórias. E, dentre aqueles que haviam lido,
mais da metade atestou ter lido pouco (40%) ou quase nada (13%), enquanto o
restante atestou ter lido quantidade razoável de estórias (47%). Nenhum dos sujeitos
atestou ter lido muitas estórias.
Figura 13: Conhecimento – Escola Y: Leitura anterior
114
Figura 14: Conhecimento – Escola Y: Quantidade leitura anterior
Conhecimento – Comparação
Ao compararmos as questões relativas a conhecimento do personagem e
veículo de leitura dos 2 universos abordados, destacou-se o fato de que, na Escola
Y, todos os alunos abordados já haviam sido apresentados ao personagem,
basicamente através de livros. Ainda assim, os indicadores da Escola X se
apresentaram bastante satisfatórios.
Acompanhando os números sobre contato anterior com material de leitura,
apenas uma pequena minoria (6%) de alunos da Escola Y não havia lido nenhum
material sobre o personagem, apesar de o índice de leitura na Escola X ser
considerado satisfatório (60%).
Em ambas Escolas, praticamente a metade dos alunos abordados indicou ter
lido pouco ou quase nenhum material.
115
Percepção – Escola X
Analisando os dados relativos à dimensão Percepção, coletados na Escola
X, verificamos que a metade dos alunos (50%) indicou ter gostado de modo razoável
da leitura, enquanto 45% dos alunos indicaram ter gostado muito; apenas 5% dos
alunos escolheram a opção não gostou.
Figura 15: Percepção – Escola X: Apreciação da leitura
Em relação à classificação da leitura, apenas 10% dos alunos encontrou
dificuldade na leitura, contra 30% que classificaram a leitura como sendo fácil.
Ninguém classificou a leitura como muito difícil.
116
Figura 16: Percepção – Escola X: Classificação da leitura
A maioria dos alunos (65%) classificou o personagem como contestadora,
contra a minoria (10%) que classificou o personagem como submissa (5%) ou
alienada (5%); 1/4 dos alunos classificou o personagem como introvertida. Quase a
totalidade dos alunos entrevistados (95%) leriam novas estórias.
117
Figura 17: Percepção – Escola X: Classificação do personagem
Figura 18: Percepção – Escola X: Nova leitura
118
Percepção – Escola Y
Analisando os dados relativos à dimensão Percepção, coletados na Escola
Y, verificamos que mais da metade dos alunos (69%) gostaram muito da leitura,
contra 31% que indicaram ter gostado razoavelmente. Ninguém afirmou ter gostado
pouco ou nada da leitura.
Figura 19: Percepção – Escola Y: Apreciação da leitura
A leitura foi considerada fácil por 1/4 dos alunos e difícil por 13% deles; a
grande maioria (62%) classificou a leitura como sendo razoável, mas ninguém
classificou a leitura como muito difícil.
119
Figura 20: Percepção – Escola Y: Classificação da leitura
Verificamos que a totalidade (100%) dos alunos entrevistados classificou o
personagem como contestadora e leria novamente as estórias.
120
Figura 21: Percepção – Escola Y: Classificação do personagem
Figura 22: Percepção – Escola Y: Nova leitura
121
Percepção – Comparação
Ao compararmos as questões relativas à dimensão Percepção dos 2
universos abordados, percebemos um bom alinhamento no que tange a apreciação
do material apresentado, já que a grande maioria dos alunos abordados indicou ter
gostado muito ou razoavelmente da leitura e a classificou como de entendimento
fácil ou razoável.
No entanto, na pergunta relativa à classificação do personagem houve
distanciamento dos 2 grupos: a totalidade dos alunos da Escola Y apontou o
personagem como contestadora, mas 35% dos alunos da Escola X não escolheram
essa opção, se dividindo entre introvertida (25%), submissa (5%) e alienada (5%).
122
Interpretação e Escrita – Escola X
Analisando os dados referentes à dimensão Interpretação e Escrita,
coletados na Escola X, foi percebido que mais da metade dos alunos se posicionou
muito próximo dos níveis de interpretação (55%) e escrita (60%) desejados.
Somados à boa parte dos alunos que se posicionou próximo dos níveis de
interpretação (45%) e escrita (30%) desejados, percebemos a grande maioria dos
alunos tendo compreendido o material apresentado de modo satisfatório, enquanto
uma minoria (10%) se distanciou do nível de escrita esperado, ainda que ninguém
tenha se distanciado do nível de interpretação esperado.
Figura 23: Interpretação – Escola X
123
Figura 24: Escrita – Escola X
Interpretação e Escrita – Escola Y
Analisando os dados referentes à dimensão Interpretação e Escrita,
coletados na Escola Y, verificamos que menos da metade dos alunos se posicionou
muito próximo dos níveis de interpretação (38%) e escrita (25%) desejados. Se
somarmos esses alunos à parcela que se posicionou próximo dos níveis de
interpretação (43%) e escrita (56%) desejados, podemos dizer que a maioria dos
alunos conseguiu compreender o material apresentado de modo satisfatório. No
entanto, uma quantidade expressiva de alunos se distanciou dos níveis de
interpretação e escrita esperados (19%, em ambas).
124
Figura 25: Interpretação – Escola Y
Figura 26: Escrita – Escola Y
125
Interpretação e Escrita – Comparação
Ao compararmos as questões relativas à dimensão Interpretação e Escrita dos
2 universos abordados, percebemos que a Escola X supera a Escola Y no que se
refere à Interpretação do material recebido, uma vez que nenhum dos alunos
abordados naquela Escola ficou distante do nível de interpretação esperado.
No que se refere à Escrita, a situação se repete, embora com menos
destaque: os grupos apresentaram resultados próximos, mas a quantidade de alunos
da Escola X (10%) que se distanciou do nível esperado foi praticamente a metade
da Escola Y (19%).
126
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho debate a relevância da leitura como prática social consciente e o
letramento como a função social na leitura, destacando a operacionalidade do
discurso escrito no processo escolar. Nesse sentido, o reconhecimento das
estratégias e habilidades deve ser privilegiado no processo de ensino /
aprendizagem tanto em LE quanto na Língua Materna.
A análise comparativa entre dois grupos de alunos da série do Ensino
Médio, de uma Escola pública e de uma Escola privada no Município do Rio de
Janeiro, com base na construção de sentido a partir de tiras de Histórias em
Quadrinhos da personagem Mafalda em ngua espanhola, focalizou as estratégias
desenvolvidas nos processos de compreensão leitora.
Partimos do pressuposto de que, mesmo geradas por alunos de um mesmo
grupo, as relações de sentido estabelecidas por eles entre texto e suas respectivas
bagagens culturais e vivências pessoais, resultariam em diferentes construções de
sentido, devendo ser mantido, no entanto, um mesmo fio condutor para todos os
relatos, e a comparação de grupos heterogêneos deveria reforçar essa hipótese.
Além disso, levamos em consideração que algumas nuances poderiam não ser
percebidas pelos alunos em sua construção de sentido, devido ao fato de as tiras
serem documentos em língua estrangeira, com referentes culturais diferentes dos
brasileiros.
Os universos abordados apresentam diferenças relevantes em relação não
apenas à estrutura organizacional das Escolas, mas também em relação a aspectos
127
de infra-estrutura como quantidade de alunos por turma, ambiente, horário das aulas,
faixa etária e nível diastrático.
Ao longo da elaboração do trabalho pudemos observar que nos dois grupos
estratégias convergentes na tentativa de recuperar o discurso crítico, mas
diferenças no que diz respeito às referências. Na Escola X uma tendência maior
dos alunos ancorarem suas respostas na realidade mais imediata, reproduzindo
discursos do senso comum sobre a crise do sistema educativo ou os conflitos
familiares, que compõem uma referência à violência, como forma de projetar a leitura
das tiras no contexto social. Já os alunos da Escola Y trazem elementos
’domésticos’ na sua interpretação, mas também reproduzem um discurso às vezes
politizado, estabelecendo um interdiscurso como as questões que circulam na
grande mídia, quando elaboram a parte opinativa das respostas.
É interessante sublinhar que na segunda tira em alguns textos da Escola X
estabelecem uma relação de sentido entre a prova ser escrita, não especificamente
ao fator surpresa, e o temor que isso causa na turma. Isto permite inferir dificuldades
na relação dos alunos com o registro escrito, dado reforçado no desconhecimento da
procedência deste registro no discurso do pai da Mafalda no primeiro quadro e na
confusão do gênero carta no terceiro quadro. os textos da Escola Y apresentam
mais familiaridade com este registro, na medida em que reconhecem marcas
identificadoras de intertextualidade, no caso da leitura do pai de Mafalda assim como
a natureza da tarefa mecânica, da Mafalda na terceira tira.
Na organização dos pressupostos, com o intuito de compor sentidos, a
maioria dos alunos de ambas as escolas buscam nas páginas preliminares do
128
questionário os dados necessários para a formulação das respostas. No caso da
caracterização da Mafalda, fica evidente que na Escola X, a tendência majoritária é
transcrever algumas fórmulas, embora possa entrar em contradição com a parte
opinativa. No caso da Escola Y, também referências a esta primeira parte, e em
alguns casos com essas características de dependência, mas informações que
não constam deste material que a maioria deste grupo maneja que evidencia uma
relativa independência informativa.
O conhecimento de mundo que permeia o discurso nos dois grupos preenche
grande parte das respostas, na parte opinativa das mesmas. No entanto, ele se
apresenta de modo diferente para cada grupo.
O grupo da Escola X se caracteriza, sobretudo, pela opção auto-referencial
nos tópicos utilizados para a argumentação. No movimento discursivo das tiras para
a parte opinativa, a crítica é construída a partir dos problemas sociais de suas
próprias comunidades: ausência da e, excesso de trabalho, instabilidade das
relações domésticas, crise educacional. Assim, na insuficiência de informações,
tanto das tiras quanto da realidade sócio-econômica’ que constitui o contexto deles,
recorrem a seu próprio conhecimento para interpretar e dar sentido às suas
respostas.
No caso da Escola Y, no que se refere à parte opinativa, a maioria dos alunos
desenvolve uma argumentação em base a um conhecimento de mundo mediado em
parte pelo discurso da mídia. Nesse sentido, a diversidade dos problemas sociais é
abordado neste item, incorporando informações contemporâneas, tais como
problemas ecológicos ou violência urbana. Portanto, o conhecimento de mundo, o
129
acesso a informações e a relação deste grupo com a escrita oferece condições de
reconhecer e apresentar uma visão que permite extrapolar para um discurso crítico
com a temática social.
Os pressupostos interativos que podem ser aplicados a todas as Línguas, às
práticas sociais e de ensino, são de especial interesse nas atividades de leitura. A
construção de sentidos se baseia na negociação de significado entre leitor e autor
em um processo de interação com o texto, as construções sociais do sujeito e suas
experiências, armazenadas na memória, se complementando pela interação dos
sujeitos envolvidos nas práticas individuais e nos eventos de leitura.
130
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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134
ANEXO A – QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA OBJETIVA
A seguir é apresentado o modelo do instrumento utilizado para coleta de
informações junto aos sujeitos da pesquisa, contendo as questões de natureza
objetiva (ou de múltipla escolha).
135
ANEXO B – QUESTIONÁRIO PARA DESCRIÇÃO SUBJETIVA
A seguir é apresentado o modelo do instrumento utilizado para coleta de
informações junto aos sujeitos da pesquisa, contendo as questões de natureza
subjetiva (ou discursivas).
136
137
138
139
ANEXO C – PLANILHA DE CONSOLIDAÇÃO DOS DADOS PESQUISADOS
A seguir são apresentadas as planilhas utilizadas para consolidação dos dados obtidos durante a pesquisa.
Escola Pública
Escola Privada
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
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Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
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Baixar livros de História
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Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
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Baixar livros de Meteorologia
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Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo