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ROSANE SCHMITZ FERNANDES
REVISTA O CRUZEIRO: ALCEU PENNA E OS FIGURINOS DE MODA.
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em
Comunicação e Semiótica sob a
orientação da Professora Doutora Ana
Claudia Mei Alves de Oliveira.
SÃO PAULO
2009
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Banca Examinadora
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A Yeshua Ha Mashiach
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor Deus Vivo e Eterno, que sempre se fez presente, tem demonstrado
seu cuidado e amor para comigo durante esta jornada.
Aos meus pais amados, Graça e Nestor pela presença, diálogos e investimentos
em minha formação acadêmica, e também por serem meus parceiros de luta nas
realizações dos projetos de vida.
A minha querida irmã gêmea, Beatriz, pois juntas pudemos superar os percalços
duros de uma caminhada longe do ninho.
Aos meus queridos que fazem parte da minha preciosa família, Rafael e Renata,
Débora, Márcio e Bruno e que sempre alegram o meu viver.
Ao meu amado Leonardo, pelo amor, incentivo e companheirismo.
A querida amiga Mariana, pela hospitalidade constante e amizade.
A Profa. Dra. Ana Claudia Mei Alves de Oliveira, pela orientação, por transmitir
o entusiasmo pela pesquisa e proporcionar-me a oportunidade de conhecer os caminhos
do mundo da teoria da significação.
Às Profas, Dra. Káthia Castilho, Dra. Cíntia San Martin Fernandes e Dra.
Lucrécia D’Alessio Ferrara, pelas observações e contribuições importantes no
aperfeiçoamento desta pesquisa.
Aos colegas e professores do COS e CPS, pelas trocas e experiências positivas
em prol da construção do conhecimento.
Ao Ministério da Educação, que por meio da CAPES subsidiou-me durante um
ano para realização desta pesquisa.
“E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, não aos homens”
Colossenses 3: 23.
“Deus é exaltado em seu poder; quem é Mestre como Ele?”
Jó 36: 22.
RESUMO
Esta dissertação refere-se à pesquisa que abrange as áreas da semiótica discursiva,
comunicação e moda, tendo como universo o conjunto de imagens de moda dos
figurinos de Alceu Penna inserido na coluna Figurinos da revista O Cruzeiro, da década
de 1950. Deste conjunto foi extraído o corpus de pesquisa, possibilitando estudar a
visibilidade das práticas sociais referentes a determinado simulacro feminino e tipo de
mulher inscrito no universo imagético da revista. Sendo assim, a pesquisa gira em torno
das seguintes questões: Que simulacro de mulher brasileira Alceu Penna propôs por
meio da revista O Cruzeiro? Como ele construiu este simulacro nos desenhos de
figurinos de moda da revista? Desta forma busca-se, como objetivo geral, identificar e
analisar as imagens de moda propostas pelo figurinista que assinalam modos de
presença feminina que perseguem a construção de um simulacro de mulher brasileira.
Na seqüência da investigação, busca-se alcançar os seguintes objetivos específicos: 1)
Apresentar o(s) modo(s) de vestir feminino(s) veiculado(s) na coluna Figurinos de
Alceu Penna; 2) contribuir para identificação da mulher brasileira dos anos de 1950; 3)
verificar as relações conceituais existentes entre moda, simulacro de mulher e indústria
cultural representadas pela revista O Cruzeiro, que está inscrita na coluna Figurinos no
período determinado; 4) estabelecer a lógica das relações existentes entre as categorias
da expressão (formantes plásticos) e as categorias do conteúdo (percurso gerativo do
sentido) para descrever o tipo de semiose entre plano da expressão e plano do conteúdo;
5) identificar as correlações entre seção de moda, publicidade e economia na revista; 6)
contribuir para os estudos da moda. Os procedimentos metodológicos adotados
configuram um método descritivo e interpretativo para a análise do arranjo visual e
verbal do texto, denominado sincrético e esses dão conta da identificação dos
mecanismos que estruturam internamente o texto em relação ao contexto sócio-
histórico. Desta forma compreendeu-se a complexidade estrutural do texto no qual
relações e semioses são produzidas em um todo de sentido segundo o referencial teórico
de Algirdas Julien Greimas. Empregou-se ainda a sociossemiótica desenvolvida por
Eric Landowski destacando os conceitos de simulacro e de presença, como regimes de
sentido, correlatos aos regimes de interação e de visibilidade. Para analisar o aspecto
mais visual do figurino na coluna, o embasamento foi a semiótica plástica e a sincrética
nos desenvolvimentos de Jean-Marie Floch. E na abordagem da visualidade da moda,
seguiu-se Ana Claudia de Oliveira que a relaciona a discursos da aparência. Com este
aporte a análise semiótica testou as hipóteses de que os desenhos dos figurinos de Alceu
Penna configuram um corpo feminino esguio, magro, com cintura demarcada, com
quadril em evidência enquanto a gestualidade mostra uma postura ora descontraída e
movente no interno do seu mundo, ora formal, estática e conservadora no social. Nestes
desenhos depreendeu-se a construção de um simulacro de mulher da família, que está
em relação de dependência com o masculino, e de um simulacro de mulher brasileira
que segue a moda internacional e se mostra para o outro, através da adoção dos
estereótipos da cultura brasileira, para revelar sua inserção e pertencimento no contexto
das elites. Os desenhos se relacionam aos discursos publicitários da revista que
promovem um modelo econômico de consumo de bens produzidos pela indústria
implantada no país, aliado ao modelo social brasileiro de vida moderna, onde o
masculino e o feminino se apoiam nas matrizes da moda francesa e nova iorquina.
Palavras-chaves: Revista O Cruzeiro, moda, figurino de Alceu Penna, simulacro de
mulher brasileira, semiótica plástica e sóciossemiótica.
ABSTRACT
This dissertation refers the research, which covers the areas of discursive semiotics,
communication and fashion, having as its universe the set of Alceu Penna’s fashion
plates, in the magazines O Cruzeiro, within the column Figurinos, in the 1950’s decade.
The corpus of this research was built out of this set of images, enabling the construction
of the social practices visibility issue, referring to a certain female simulacrum and type
of women, inserted in the image universe of the magazine. Thus, the research revolves
around the questions: What kind of Brazilian woman simulacrum Alceu Penna proposed
through O Cruzeiro magazine? How did he construct this simulacrum in the fashion
drawings in the magazine? This way, the research seeks to identify and analyze the
fashion images proposed by the designer as its general goal. Such images signal female
features that will anchor the construction of a Brazilian woman simulacrum. For the
specific goals the research seeks to achieve the following: 1) Present the female way(s)
of dressing conveyed in Alceu Penna’s column called Figurinos; 2) Contribute for the
identification of the Brazilian woman in the 1950’s decade; 3) Verify existing
conceptual relations between fashion, woman simulacrum and the culture industry
represented in O Cruzeiro magazine, within the column Figurinos during that period; 4)
Establish the logic in the relations between the expression categories (plastic formants)
and the content categories (meaning generative course) in order to describe the type of
semiosis existing between expression plan and content plan; 5) Identify correlations
between the fields of fashion, advertising and economics in the magazine; 6) Contribute
to fashion studies. The methodological procedures compose a descriptive and
interpretative method for the analysis of verbal and visual arrangements of the text,
named syncretic, which copes with the identification of mechanisms that structure
internally the text in relation to the sociohistorical context. This way, the structural
complexity of the text was understood, in which the relations and semiosis are produced
as a whole of meaning, according to Algirdas Julien Greimas’ theoretical framework.
Also, the sociosemiotics developed by Eric Landowski was used, highlighting the
concepts of simulacrum, presence as a sense system, correlated to interaction and
visibility systems. The analysis of the visual aspect of fashion plates in the column was
grounded on Jean-Marie Floch’s plastic and syncretic semiotics approaches. As for the
visuality aspect of fashion Ana Claudia de Oliveira’s statements were used, which relate
it to appearance discourses. Having this accession, the semiotic analysis tested the
hypothesis that Alceu Penna’s fashion plates shape a slim, thin female body, with
marked waist and gestures that show sometimes a relaxed, moved posture in its internal
world and sometimes a formal, static and conservative one in a social environment. It
was apprehended in these drawings the construction of a family woman simulacrum,
who is within a dependence relation with the masculine, and a Brazilian woman
simulacrum, who follows the international fashion trends and shows herself to others,
besides the adoption of Brazilian culture stereotypes, in order to reveal her insertion and
sense of belonging to the elites context. The drawings correlate to the advertising
discourses of the magazine, that promote an economic model of consumption of goods
produced by the implanted industry in the country, linked a model Brazilian social of a
modern way of life, where the masculine
and the feminine have support with French and
New Yorker fashion matrixes.
Keywords: O Cruzeiro magazine, fashion, Alceu Penna’s fashion plates, Brazilian
woman simulacrum, plastic semiotics and sociosemiotics.
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Figura 1a-b-c-d-e: 1a) Ano de 1954; 1b) Ano de 1954; 1c) Ano de 1954; 1d)
Ano de 1954 e 1e) Ano de 1954. Revista O Cruzeiro................................................... 17
Figura 2 – Figura 2a-b-c-d-e-f-g-h-i-j: a publicidade da indústria – 2a) Ano de 1956; 2b)
Ano de 1959; 2c) Ano de 1958; 2d) Ano de 1957; 2e) Ano de 1955; 2f) Ano de 1958;
2g) Ano de 1959; 2h) Ano de 1958; 2i) Ano de 1959 e 2j) Ano de 1959. Revista O
Cruzeiro ........................................................................................................................ 22
Figura 3 Figura 3a-b-c-d-e-f-g-h-i: publicidade de moda (têxtil e vestuário) 3a) Ano
de 1959; 3b) Ano de 1959; 3c) Ano de 1956; 3d) Ano de 1959; 3e) Ano de 1957; 3f)
Ano de 1958; 3g) Ano de 1957; 3h) Ano de 1955 e 3i) Ano de 1953. Revista O
Cruzeiro ......................................................................................................................... 23
Figura 4 Figura 4a-b-c-d-e-f-g-h-i-j: publicidade de cosméticos (beleza e saúde) 4a)
Ano de 1954; 4b) Ano de 1956; 4c) Ano de 1956; 4d) Ano de 1958; 4e) Ano de 1957;
4f) Ano de 1955; 4g) Ano de 1957; 4h) Ano de 1955; 4i) Ano de 1956 e 4j) Ano de
1956. Revista O Cruzeiro ............................................................................................. 24
Figura 5 Figura 5a-b-c-d-e-f: publicidade de eletrodomésticos 5a) Ano de 1954; 5b)
Ano de 1954; 5c) Ano de 1953; 5d) Ano de 1958; 5e) Ano de 1959 e 5f) Ano de 195.
Revista O Cruzeiro ......................................................................................................... 25
Figura 6 Figura 6a-b-c-d-e-f-g: publicidade de alimentos 6a) Ano de 1959; 6b) Ano
de 1959; 6c) Ano de 1955; 6d) Ano de 1958; 6e) Ano de 1957; 6f) Ano de 1955 e 6g)
Ano de 1956. Revista O Cruzeiro ................................................................................. 26
Figura 7 Figura 7a-b-c-d: publicidade de economia 7a) Ano de 1957; 7b) Ano de
1956; 7c) Ano de 1959 e 7d) Ano de 1959. Revista O Cruzeiro .................................. 27
Figura 8 Figura 8a-b-c-d-e-f-g-h-i: publicidade voltada para a mulher e família 8a)
Ano de 1959; 8b) Ano de 1956; 8c) Ano de 1957; 8d) Ano de 1956; 8e) Ano de 1958;
8f) Ano de 1958; 8g) Ano de 1958; 8h) Ano de 1959 e 8i) Ano de 1958. Revista O
Cruzeiro ......................................................................................................................... 28
Figura 9 Exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”.
Esta exposição foi desenvolvida numa segunda edição do “Projeto Figurino”
desenvolvido por professores e alunos dos cursos de graduação em Design de Moda e
Mestrado em Moda, Cultura e Arte. Centro Universitário SENAC São Paulo, maio de
2007 ............................................................................................................................... 35
Figura 10 – Coluna Figurinos. Revista O Cruzeiro, vol. 38, pg. 62 e 63. 1953. Desenhos
de Alceu Penna, seguindo modelos de costureiros franceses
........................................................................................................................................ 41
Figura 11 – Coluna Figurinos. Revista O Cruzeiro, vol. 23, pg. 104 e 105. 1953.
Desenhos de Alceu Penna, seguindo modelos norte-americanos .................................. 41
Figura 12 : Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1954, vol. 29 e pg.
78/79 .............................................................................................................................. 50
Figura 13 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1952, vol. 30 e pg.
50/51 .............................................................................................................................. 50
Figura 14 – Fig. 14: Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1950, vol. 49 e
pg. 126/127 .................................................................................................................... 50
Figura 15 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 30 e pg.
78/79 .............................................................................................................................. 51
Figura 16 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 53 e pg.
110/111 .......................................................................................................................... 51
Figura 17 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1952, vol. 15 e pg. 123
........................................................................................................................................ 51
Figura 18 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1952, vol. 13 e pg. 107
........................................................................................................................................ 51
Figura 19 –. : Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1953, vol. 39 e pg.
66/67 .............................................................................................................................. 52
Figura 20 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1954, vol. 26 e pg.
78/79 .............................................................................................................................. 52
Figura 21 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1953, vol. 14 e pg.
62/63 .............................................................................................................................. 52
Figura 22 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1953, vol. 36 e pg.
64/65 .............................................................................................................................. 52
Figura 23 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 51 e pg.
110/111 .......................................................................................................................... 52
Figura 24 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1951, vol. 17 e pg. 107
........................................................................................................................................ 52
Figura 25 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1954, vol. 29 e pg. 78 e
79 .................................................................................................................................... 61
Figura 26 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 53 e pg. 110
e 111 .............................................................................................................................. 72
Figura 27 – Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 51 e pg. 110
e 111 ............................................................................................................................... 76
Figura 28 Imagem da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, na revista O Cruzeiro,
1953, n
o
14, pg. 62 e 63 ................................................................................................. 92
Quadro 01 – Temas ........................................................................................................ 48
Quadro 02 Categorias de expressão e conteúdo do figurino de noivas
........................................................................................................................................ 64
Quadro 03 – Percurso narrativo I .................................................................................. 69
Quadro 04 – Esquema narrativo I .................................................................................. 69
Quadro 05 – Regime de interações I ............................................................................. 83
Quadro 06 – Regime de interações II ............................................................................ 85
Quadro 07 Legenda das figuras geométricas relacionada ao figurino
........................................................................................................................................ 96
Quadro 08 – Esquema narrativo II .............................................................................. 105
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 01
CAPÍTULO I
CONTEXTUALIZAÇÃO: A REVISTA O CRUZEIRO E O FIGURINO DE
MODA .......................................................................................................................... 10
1.1 A revista O Cruzeiro. .............................................................................................. 10
1.2 O feminino e o masculino no social. ....................................................................... 18
1.3 A coluna Figurinos. ................................................................................................ 32
CAPÍTULO II
O CORPUS IMAGÉTICO .......................................................................................... 43
2.1 Sobre o corpus de pesquisa. .................................................................................... 43
2.2 A construção do recorte do corpus. ........................................................................ 47
CAPÍTULO III
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO SOB O PERCURSO DO OLHAR DA
SOCIOSSEMIÓTICA ................................................................................................. 55
3.1 Uma abordagem sociossemiótica. ........................................................................... 55
3.2 Enunciação: discursos e narrativas do sentido construído na moda. ....................... 58
3.3 Modos de presença feminina ................................................................................... 70
3.4 A construção do simulacro feminino. ...................................................................... 79
3.5 Regimes de sentido: interação e visibilidade. ......................................................... 80
CAPÍTULO IV
SINCRETISMO EM FIGURINO DE MODA: ARTICULAÇÃO ENTRE CORPO
E ROUPA ..................................................................................................................... 87
4.1 Uma abordagem semiótica plástica. ........................................................................ 87
4.2 Lógica de relações sincréticas: plano da expressão e plano do conteúdo. .............. 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 110
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 115
BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS ...................................................................... 121
INTRODUÇÃO
O interesse em estudar o figurino de moda desenhado por Alceu Penna surgiu há
mais de uma década, quando descobrimos a existência do seu trabalho por meio de uma
pesquisa em nível de graduação de moda, propondo um projeto de museu de moda e
indumentária na cidade de São Paulo além de outra sobre a conservação têxtil em nível
de especialização
1
. Nestas pesquisas as questões de moda foram discutidas do ponto de
vista histórico, enfocando a memória construída e preservada por meio do vestuário e
acessórios das épocas passadas. Tratar dos desenhos de Alceu é trazer à memória o
como a moda foi mostrada na mídia impressa, é compreender os modos de vestir e de
formatação do corpo de um tempo passado o que contribui para o esclarecimento do
nosso tempo presente.
Este estudo, atual, trata de uma pesquisa sobre a moda, abrangendo as áreas da
semiótica e comunicação, tendo como universo o conjunto de imagens de Alceu Penna,
circulado na revista O Cruzeiro no período histórico da década de 1950.
Hipotetizamos que estes desenhos nos possibilitam a construção de uma
problemática da visibilidade das práticas sociais referentes a mulher brasileira,
1
Ver FERNANDES, Rosane Schmitz. “Modateca: moda, memória e educação”. Monografia de
conclusão do curso de Pós-graduação lato sensu em Moda: produção e criação. Universidade do Estado
de Santa Catarina. Florianópolis. 2004. E também FERNANDES, Rosane Schmitz. “Museu de moda e
indumentária”. Monografia de conclusão do Curso Superior de Moda. Universidade Anhembi Morumbi.
São Paulo. 1999.
2
abrangendo sua posição em relação ao homem e ao social, e que estão inscritas no
contexto de abordagem da revista.
Observamos que são escassos os estudos sobre a obra do figurinista brasileiro
Alceu Penna, criando uma lacuna, que nos impulsionou a conhecer, descrever e
compreender as contribuições que esse criador trouxe para suas leitoras da revista O
Cruzeiro, nas ginas da coluna Figurinos. Essas páginas são configuradas por arranjos
de diferentes tipos de textos, visual e verbal. Nestes encontramos a apresentação de uma
certa mulher brasileira com o seu vestir e portar-se nos vários usos da roupa que
permitiram levantar e interpretar as suas práticas e valores na sociedade. Permitiram
também refletir sobre que tipo de mulher o figurinista se dirigia em suas criações de
figurino e que simulacro feminino era proposto a partir dos modos de presença feminina
nas páginas da revista semanal foram configurados por meio da semiose homologada
entre o plano da expressão e o plano do conteúdo desse texto sincrético de circulação
nacional.
Acreditamos que o nosso principal interesse se instala justamente na produção e
efeitos de sentidos referentes à totalidade do conjunto de imagens de moda desenhadas
por Alceu Penna, constituindo-se assim o nosso objeto de estudo.
Interessa-nos também conhecer como se articulam os diferentes sistemas
manifestados sistema visual, corporal, gestual, e verbo-visual escrito e, como são
concretizados no desenho de Alceu Penna? E ainda, como a topologia concretiza a
enunciação manifestada nos desenhos abordados? Quem é esse corpo mostrado pelo
enunciador? Que corpo é este que se projeta? Que corpo se faz ver?
Tais questões instigam-nos a compreender os efeitos de sentido presentes nos
desenhos dos figurinos e a formular o seguinte problema: Que simulacro de mulher
brasileira Alceu Penna propôs na década de 1950, nos seus figurinos da revista O
3
Cruzeiro? E como se a construção deste simulacro feminino nos desenhos de
figurinos de moda?
Com base no problema citado acima, apresentamos as seguintes hipóteses:
- A coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, competencializa uma mulher brasileira, a
sua leitora, no desempenho de papéis sociais.
- Como doadora de competências à leitora no seu fazer, nas suas práticas sociais, a
moda da coluna Figurinos é um destinador, prescritivo e manipulador na medida em
que impõe padrões vestimentares do centro da moda internacional à moda local.
- Por meio do modo de vestir as mulheres, é possível reconstruir o universo de atuação
desse particular feminino no social.
- O recorte, da década de 1950, na coluna Figurinos possibilita uma visão diacrônica
das transformações nos padrões sócio, econômico e cultural em que esse simulacro de
mulher brasileira está inserida.
- O texto visual do desenho, o texto verbal e a visualidade topológica da diagramação na
página da coluna e dos desenhos em figurinos, esse conjunto em sincretismo de
linguagens vai operar procedimentos de articulação entre si, mas também ocorrem
relações, com suas especificidades, entre o texto visual do corpo e o da roupa; o texto
verbal com o que lhe visibilidade a saber a tipografia, cor, tipo/fonte e tamanho da
letra, o cromático do preto e branco e das demais cores usadas e a dimensão topológica
da distribuição topológica dos elementos na sua diagramação no formato da página.
- Os traços dos desenhos de Alceu Penna particularizam na sua especificidade um tipo
de corpo feminino esguio, magro, de cintura bem demarcada, de evidência do quadril
com posturas diferentes relativas a uma mulher ora sensual e ora recatada.
- Os desenhos dos corpos vestidos são diagramados na página de tal forma que
produzem efeitos de sentido desta mulher que se faz ser e estar no mundo em modos
4
diferentes de presença na postura corporal descontraída, leve e solta em uma
ambientação familiar, mas também numa postura formal, estática e conservadora nas
apresentações públicas.
Ressalta-se que a escassa informação sobre o figurino de moda criado por Alceu
Penna se tornou uma importante justificativa para enfrentar esse desafio de pesquisa que
não pode ser desconsiderado seu caráter inovador que nos põe no enfrentamento de
riscos. Justifica-se, ainda, a realização deste estudo pela relevância que a coluna
Figurinos exerceu junto as leitoras de O Cruzeiro, pois permaneceu quase três décadas
em circulação (1938 – 1964) o que atesta a sua atuação notável sobre o público.
Destaca-se que não se encontrou um estudo específico sobre o papel do figurino de
Alceu Penna na moda brasileira, tendo-se apenas encontrado as seguintes pesquisas em
nível stricto sensu: de Hilda Quialheiro Abreu autora da dissertação intitulada “Do
traçado ao molde: evolução e representação gráfica da modelagem do vestuário”,
Mestrado em Projeto, Arte e Sociedade da Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho/Bauru (1995); de Ruth Joffily, também uma dissertação intitulada
“Jornalismo de moda, jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna”, Mestrado em
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (2002). De Gabriela
Ordones Penna, dissertação intitulada “Vamos Garotas! Alceu Penna: moda, corpo e
emancipação feminina (1938 1957)” Mestrado em Moda, Cultura e Arte do SENAC
São Paulo (2007). Outras publicações existem como o livro do jornalista Gonçalo Silva
Junior, intitulado “Alceu Penna: E as garotas do Brasil: Moda e Imprensa 1933/1980”
(2004); o artigo da historiadora Maria Claudia Bonadio intitulado “O Brasil na ponta do
lápis: Alceu Penna, modas e figurinos (1939 - 1945)” (2008), outro artigo das autoras
Carla Bassanezi e Carla Ursini intitulado “O Cruzeiro e As Garotas” do Caderno Pagu,
n.4 (1995, p. 243-260). Cita-se também as seguintes exposições: “O Brasil na ponta do
5
lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”, segunda edição do “Projeto Figurino”
desenvolvido por professores e alunos dos cursos de graduação em Design de Moda e
Mestrado em Moda, Cultura e Arte. Centro Universitário SENAC São Paulo, maio de
2007; “Traço e imprensa: as artes gráficas, a ilustração e a caricatura no Brasil” no
Museu de Arte Brasileira (MAB/FAAP), em São Paulo, de 25 de maio a 29 de junho de
2003 e As Garotas do Alceu” no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte, de
18 de abril a 01 de maio de 2005.
Temos como objetivo geral identificar e analisar as imagens de moda propostas
pelo figurinista Alceu Penna, que assinalam modos de presença da mulher da década de
1950 e que vão ancorar a construção de um simulacro de mulher brasileira. Buscamos
alcançar também os seguintes objetivos específicos:
- Determinar as correlações entre a moda, a publicidade e a economia que circulam na
revista O Cruzeiro enquanto ideário do capitalismo e da modernidade nacional..
- Selecionar as imagens de moda criadas pelo figurinista Alceu Penna que apresentam
um modo de vestir da mulher brasileira na década de 1950.
- Verificar as relações conceituais existentes entre moda, simulacro de mulher e
comunicação de massa (revista O Cruzeiro) inscritos na coluna Figurinos no período
determinado.
- Identificar a lógica das relações entre as categorias da expressão (formantes plásticos)
e as categorias do conteúdo, para determinar o tipo de semiose entre plano da expressão
e plano do conteúdo e como fazem a significação.
- Contribuir para a identificação da mulher brasileira dos anos de 1950.
- Contribuir para os estudos da moda.
Buscamos, mais precisamente, por meio do pensamento da Teoria Semiótica
Discursiva de Algirdas Julien Greimas, os conceitos necessários que serão apresentados
6
posteriormente, constituindo o referencial teórico principal deste estudo. Dentro desta
mesma linha teórica, utilizamos as suas vertentes de pensamento como a
sociossemiótica de Eric Landowski destacando os conceitos de simulacro, de presença
que formam regimes de sentido, de interação e de visibilidade; a semiótica plástica
desenvolvida por Jean-Marie Floch com os formantes plásticos e seus modos de
articulação; e de Ana Claudia de Oliveira as postulações do discurso da aparência,
configurados pelos usos e visualidade da moda que dão visibilidade social. A reflexão
de moda na constituição da mulher e da sua ação social também nos direcionou a
abordar os conceitos de figurino, moda e ilustração de moda, observando o que os
diferencia. Para melhor explicitar o contexto em que a revista O Cruzeiro estava
inserida, buscamos entender o conceito de indústria cultural a partir de uma perspectiva
sociológica de Renato Ortiz e do pensamento crítico de Theodor Adorno e Max
Horkheimer, e também na sociologia de Georg Simmel e Gilles Lipovetsky a reflexão
sobre o conceito de moda, que nos remeteram a pensar também sobre os conceitos de
figurino e ilustração de moda do ponto de vista do conhecimento do desenho de moda.
A nossa análise será norteada pelos procedimentos metodológicos que se
fundamentam na semiótica discursiva. Nesta, a pesquisa gira em torno da estrutura
interna do texto, sendo este resultado da relação entre dois planos da linguagem: plano
do conteúdo e plano da expressão que contribuem para a construção do sentido de um
dado texto, que se manifesta no presente estudo por meio do desenho e da coluna
verbal, mas também em outros casos por meio da pintura, da fotografia, etc. Segundo
José L. Fiorin (2008, p. 57) “o texto é, assim, uma unidade que se dirige para a
manifestação. Aí, então, sofre a coerção do material que o veicula”. E ainda, segundo
José L. Fiorin (2008, p.22) “seu conteúdo, engendrado por um percurso que vai do mais
7
simples e abstrato ao mais complexo e concreto, manifesta-se por um plano de
expressão”.
O plano do conteúdo é construído no modelo do percurso gerativo do sentido,
sendo este, segundo José L. Fiorin (2008, p. 18), “[...] um simulacro das abstrações que
o leitor faz ao ler um texto”. Cita ainda este mesmo autor que “o percurso gerativo do
sentido deve ser entendido como um modelo hierárquico, em que se correlacionam os
níveis de abstração do sentido” (2008, p. 18), assim denominados: nível discursivo,
nível narrativo e nível fundamental, propostos por A. J. Greimas. E quanto ao plano da
expressão, assim o explicita Diana L. P. de Barros (2005, p. 82) “[...] a expressão
concretiza sensorialmente os temas do conteúdo, e, além disso, instaura um novo saber
sobre o mundo. Lê-se o mundo a partir de novos prismas; ele é repensado e refeito”.
Estas concretizações do plano do conteúdo por meio do plano da expressão podem ser
visuais, verbais, gestuais, corporais, etc. Esta lógica relacional entre estes dois planos da
linguagem foi proposta por L. Hjemslev e, posteriormente desenvolvidos por J. M.
Floch no âmbito de uma semiótica plástica. Segundo Ana Claudia de Oliveira (2004, p.
12) “[...] a semiótica plástica se ocupa da descrição do arranjo da expressão de todo e
qualquer texto visual”.
Sendo assim, estes procedimentos metodológicos configuram um método
descritivo e interpretativo para a análise do arranjo visual e verbal do texto, que se
encontra na teoria semiótica geral francesa, identificando os mecanismos que estruturam
internamente um texto, além de realizar a análise interna do texto em relação a um
contexto sócio-histórico. E assim podemos compreender a complexidade estrutural do
texto no qual relações e semioses são produzidas em um todo de sentido.
A seguir serão apresentados os capítulos constituintes desta dissertação:
8
No primeiro capítulo, intitulado “Contextualização: a revista O Cruzeiro e o
figurino de moda”, tratamos da contextualização que engloba a revista que neste recorte
está sendo analisada na coluna Figurinos. Mostra-se, no entorno da revista, as
correlações possíveis entre a moda, a comunicação, a publicidade e a economia, sendo
estas compreendidas ainda em relação ao feminino e masculino na abordagem do
contexto social.
No segundo capítulo, intitulado “O corpus imagético”, abordaremos o corpus de
pesquisa, constituído pelo conjunto de imagens extraído e recortado da coluna
Figurinos da revista supracitada, e o como construímos o recorte deste corpus que
servirá para a aplicação dos procedimentos de análise.
No terceiro capítulo, sob o título “A construção do sentido sob o percurso do
olhar sociossemiótico”, apresentamos uma reflexão sobre a abordagem sociossemiótica,
incluindo o pensar sobre a enunciação que na sua totalidade engloba os discursos e as
narrativas do sentido construído na moda desenhada por Alceu Penna. Estendemos esta
reflexão aos modos de presença feminina instaurados ao longo do discurso
figurativizado pelos figurinos de moda os quais possibilitam a construção de um
simulacro feminino em interface com a moda. E assim, são discutidos e analisados os
regimes de sentido estabelecidos com base nos regimes de interação e de visibilidade da
mulher, que se encontram nos modelos desenhados, construindo práticas e valores.
E no quarto e último capítulo, “Sincretismo em figurino de moda: articulação
entre corpo e roupa”, analisamos os conceitos que estão embasados em uma abordagem
da semiótica plástica e sincrética. A partir desta dá-se continuidade à análise do corpus
de pesquisa iniciada quando nos referimos à abordagem sociossemiótica. Partimos
neste momento para a descrição das partes de uma totalidade figurativizada numa lógica
onde se operam as relações sincréticas entre plano da expressão e plano do conteúdo.
9
Nas primeiras conclusões apresentamos uma síntese da pesquisa desenvolvida,
procurando relacionar as principais questões levantadas durante a trajetória da
investigação até seu final com algumas perspectivas conclusivas. Desta forma,
procuramos responder ao problema de pesquisa. E, por fim, apontamos possíveis
caminhos a serem trilhados e descobertos dentro da temática da semiótica discursiva,
incluindo a sociossemiótica e a semiótica plástica e sincrética. No que tange ao trabalho
desenvolvido por Alceu Penna na revista O Cruzeiro, depreendendo as relações
existentes entre o sincretismo de linguagens entre corpo e roupa, na visualidade
topológica da revista e da coluna com os seus elementos constituintes, como a
publicidade, a fotografia e o desenho que se apresentam na distribuição espacial do todo
da revista.
É nosso intento contribuir com o preenchimento de lacunas, ajudar a melhor
esclarecer um pensamento relativo à moda que pretende ser construído nos caminhos do
sentido e da significação, ou seja, contribuir para os estudos da semiótica da moda e da
comunicação.
Finalmente, consideramos que os textos e discursos criados por Alceu Penna
estão permeados pelo cotidiano de um universo feminino, pelas práticas e valores
figurativizados e midiatizados e, também, dizendo de um passado presente, uma vez que
estamos abordando, em nossa pesquisa, um tempo que hoje está, ainda, na memória das
páginas da revista O Cruzeiro da década de 1950.
CAPÍTULO I
CONTEXTUALIZAÇÃO: A REVISTA O CRUZEIRO E O FIGURINO DE
MODA
1. 1 A revista O Cruzeiro.
As páginas da revista semanal O Cruzeiro, em circulação na década de 1950, em
meados do século XX, constituem o universo do nosso estudo. É mister para melhor
compreensão, levantarmos as questões de relações contextuais, enfocando os aspectos
do social, histórico e cultural tratados na diversidade de discursos identificados no
ambiente da revista, entre os quais estão o discurso publicitário dos bens e produtos em
circulação no país e o discurso da moda por meio do figurino desenhado por Alceu
Penna em sua coluna. Nosso objetivo é apontar o contexto em que se produziu e
construiu o sentido da coluna nos discursos da mídia impressa, direcionados ao público
masculino e feminino, mas, especialmente, à mulher que vai ganhando espaço público
para os seus papéis sociais e culturais os quais postulamos de ter o propósito de ajudar a
manter a indústria na sua diversidade dos modos de produção
1
.
1
Segundo o Dicionário do Pensamento Social do Século XX “O “modo de produção” de qualquer
sociedade consiste em dois elementos: suas forças produtivas e suas relações de produção. As forças
produtivas referem-se às capacidades produtivas da sociedade, não apenas no sentido tecnológico, mas
também em sentido social, e incluem não apenas os meios materiais de produção, mas também as
capacidades humanas, tanto físicas quanto conceituais” (1996, p. 479).
11
Primeiramente, identificaremos o contexto histórico no qual teve origem a revista
O Cruzeiro. Esta teve seu lançamento no ano de 1928, na cidade do Rio de Janeiro
2
,
segundo a historiadora Ilka Stern Cohen. Fez parte da cadeia de imprensa, denominada
Os Diários Associados, iniciada em 1924 e fundada por Assis Chateaubriand (COHEN,
2008, p. 179). Ao que se refere a repercussão da revista por meio desta cadeia de
imprensa, Cohen cita que
O Grupo dos Associados criou um fenômeno de tiragem dos anos 1940 e 1950, a
revista ilustrada O Cruzeiro, que atingiu uma média de 720 mil exemplares semanais
(1954), num país de quase 52 milhões de habitantes, predominantemente rural e semi-
analfabeto. O sucesso da revista era perceptível nas ruas das capitais, circulava “boca a
boca” e dava vazão ao apelo popular de uma publicação impressa em quatro cores, para
a qual a TV ainda não representava menor concorrência. A receita publicitária vinha
dos anúncios da indústria de bens de consumo duráveis, recém-implantada no Brasil
(2008, p. 181).
O contexto histórico, na década de 1950, era marcado no nosso país por um
processo de modernização, no qual não somente as indústrias estavam sendo
implantadas, mas também a urbanização. Entre esses, um fator importante a destacar é a
construção da nova capital do país, a cidade de Brasília, considerada ícone da
modernização brasileira.
O conceito de modernização
3
adotado insere-se em um contexto socialmente
construído, pois no espaço social se inicia o processo de uma nova configuração social,
levando-se em conta que o nosso país tinha um contingente populacional ainda rural e
passa a formar um contingente populacional urbano. Esta nova configuração social é,
principalmente, provocada pela industrialização e urbanização que se desenvolvem nas
2
Ver em Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca, organizadoras do livro História da Imprensa no
Brasil, Editora Contexto, 2008.
3
Segundo o Dicionário do Pensamento Social do Século XX o conceito de modernização é um “Processo
de mudança econômica, política, social e cultural que ocorre em países subdesenvolvidos, na medida em
que e direcionam para padrões mais avançados e complexos de organização social e política. Foi
minunciosamente estudado e definido nas teorias sociológicas norte-americanas do pós-guerra que partem
da referência implícita ou explícita a uma dicotomia entre dois tipos ideais: a sociedade tradicional (que
em algumas versões também pode ser chamada de “rural’, “atrasada” ou “subdesenvolvida”) e a
sociedade moderna (ou “urbana”, “desenvolvida”, “industrial”). Esses tipos de estrutura social estão, de
certa forma, historicamente ligados por meio de um contínuo processo evolutivo que segue certas leis
gerais. A idéia é que todas as sociedades seguem um caminho histórico semelhante, de crescente
diferenciação e complexidade e de um tipo polar a outro” (1996, p. 477 e 478).
12
grandes cidades brasileiras, dentre estas, destaca-se a cidade de São Paulo, atraindo a
população rural em busca de melhores condições de vida ou de um novo estilo de vida.
Assim, constroem-se novos hábitos, costumes e formas de vida. Viver na cidade grande
requer um ritmo agitado de vida, novos valores são adquiridos, tem-se constantemente o
contato com novas linguagens e discursos e uma busca frenética pelo novo.
Nesta mesma percepção de modernização, também podemos identificar a
ocorrência, de determinadas relações por meio dos variados discursos, sendo a moda um
deles. A moda na sua complexidade é um fenômeno social e cultural, mantido por um
conglomerado ou complexo industrial que também engloba a indústria de fibras e
filamentos (naturais, artificiais e sintéticas), indústria têxtil (tecido plano e malharia),
indústria do vestuário, indústria de calçados, indústria de acessórios (cintos, bolsas e
bijuterias), indústria cultural (cinema, programas de moda em televisão, editoriais de
moda e desfiles de moda) e indústria de cosméticos (beleza e saúde). Por outro lado, a
moda é mantida pelas vontades dos sujeitos enquanto consumidores dos produtos que
esta indústria lhes oferece e que são levadas a querer portar pela publicidade. Segundo o
sociólogo e filósofo George Simmel
4
a questão da moda abrange:
Forma de vida, como marca das distinções de classe, como jogo da
incessante imitação de uma classe por outra, como meio de inserção dos
indivíduos num grupo ou numa corrente, traduz justamente essa
efervescência sem rumo, porque é indiferente aos conteúdos, inclusive da
beleza ou do conveniente; entregue apenas à vertigem do movimento e do
momento, da novidade injustificada, porque vive do capricho e da
extravagância. Encarnação da nervosa vida moderna, vive de transitório, do
fugitivo, do contingente; persiste destruindo, mas é simultaneamente
recuperação lúdica de formas dos passado e invenção de gestos futuros
também condenados à evanescência (2008, p. 16 e 17).
O processo de modernização se na dinâmica não da ocupação dos espaços
físicos e sociais, públicos e privados, mas também na dinâmica do fazer e do ser, ou
4
Ver SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros escritos. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições
Texto & Grafia, 2008. As citações presentes neste texto desta obra, mantém a tradução do português de
Portugal.
13
seja, por meio da ação dos sujeitos nos papéis sociais que se instauram nas mudanças
dos modos de produção e modos de vida. Leopoldo Waizbort no seu texto intitulado
“Georg Simmel sobre a moda – uma aula”
5
, baseado no pensamento deste último
filósofo, entende que a moda
[...] está totalmente inscrita nesse nexo que tem por base o dualismo da existência
humana. Na medida em que ela é imitação, ela responde à necessidade de inserção no
grupo, incluindo o singular no âmbito coletivo. A imitação fornece um dispositivo que
dilui o singular no todo; oferece uma modalidade de identidade coletiva. Mas, por outro
lado, enquanto invenção e criação, a moda também opera a tendência à diferenciação,
de elevação do singular face ao universal. A moda, portanto, tanto liga como separa,
aproxima como afasta, torna distinto e indistinto.
Como a vida na cidade grande e moderna é, sobretudo, essa vida nervosa e atribulada,
movimentada e incessante, a moda encontra um contexto cio histórico e cultural que
lhe é afim.
A multiplicidade de percepções e de impressões que a vida da cidade grande inflige ao
homem moderno encontra reverberação na moda, que revela assim seu caráter de
mecanismo e tendência social funcional: é coerente com a multiplicidade e com a
rapidez das alterações, propicia inclusão e exclusão, garante intimidade e publicidade,
efetiva proximidade e reserva, institui individualidade e coletividade.
Em síntese, a moda conjuga a “tendência à equiparação social” com a “tendência à
distinção individual”. Se considerada historicamente, a moda permite vislumbrar as
maneiras como essas tendências se desdobram e se realizam (2008, p. 10 e11).
Ao ampliar nosso entendimento do contexto social, identificamos o fenômeno da
relação entre coletividade e individualidade no qual ocorre o processo de socialização,
abrangendo as práticas de consumo do sujeito, enquanto mercadorias. E uma das
ferramentas que faz com que esta prática se concretize é a publicidade dos objetos e
serviços a serem consumidos. Aí adentramos no contexto social de uma sociedade
moderna do consumo. Chama-nos a atenção o fato de quanto esta revista, que tinha uma
tendência voltada para o universo da família bem como para o universo feminino e
masculino, investia na parceria com a indústria e o comércio brasileiros tendo em vista
o progresso nacional. Vale ressaltar, que os papéis sociais instaurados, neste contexto,
garantia a produção e o consumo na família moderna. A família como nuclear, unidade
mínima desta sociedade que necessitava girar a indústria. De acordo com Denise
5
Revista on-line IARA Revista de Moda, Cultura e Arte, v.1, n.1, Artigo 1. Abr./agosto, 2008. Site:
www.iararevista.sp.senac.br. Acesso em: 19 de maio de 2009.
14
Bernuzzi Sant´Anna, no seu artigo “Consumir é ser feliz”
6
, estabelecendo uma análise
dos modos de consumo da década de 1950, mostra-nos como a revista O Cruzeiro teve
um papel de promover este consumo, esta alegria de consumir, para um público
imbuído dos valores da família. Caracteriza a autora:
A sociedade de consumo recebeu uma importância crescente a partir do
século XX, principalmente quando a propaganda deu lugar à publicidade e o
corpo individual passou a ser visto como o local de onde provém nossas
principais angústias e, ao mesmo tempo, nossos maiores prazeres. No Brasil,
especialmente depois da década de 1930, diversos programas de rádio, assim
como a famosa revista O Cruzeiro, tornaram rotina a recomendação da
alegria de viver, resultante do consumo de uma gama diversificada de
produtos e serviços voltados para os cuidados corporais (2008, p. 58).
A vida moderna exigia uma família menor, resumida ao núcleo pai, mãe e
poucos filhos, assim como mulher ágil, que trabalhasse fora, como
datilógrafa, professora ou enfermeira, e, sobretudo, que usasse roupas
compradas em lojas, ilustradas pela colorida publicidade das revistas
femininas. E ela deveria moldar sua vida por este novo cotidiano, do qual se
tornava normal aderir aos crediários fartamente oferecidos para a compra de
um armário Duratex, de um aspirador de pó ou de uma batedeira elétrica
(2008, p. 60).
Nesta mesma época, da década de 1950, segundo Lucy Carlinda da Rocha de
Niemeyer (2002, p. 53), entre os periódicos brasileiros, a revista O Cruzeiro foi uma
importante revista que se tornou um dos veículos informativos impressos mais lidos do
país. Ao dar visibilidade a um público-alvo, ao qual difundia os bens de consumo
produzidos não pela indústria de bens duráveis como também pela indústria cultural,
essa mídia englobava e explorava a veiculação em meios de comunicação de massa,
além dos programas de rádio e cinema da época, como um dos mecanismos do mover a
6
Ver CASTILHO, Kathia e OLIVEIRIA, Ana Claudia de (organizadoras). Corpo e Moda: por uma
compreensão do contemporâneo. SP: Estação das Letras e Cores Editora, 2008. O presente artigo faz
parte desta obra supracitada. Sant´Anna informa-nos um panorama do contexto político que favorece o
desenvolvimento do consumo no Brasil dos anos cinqüenta, assim explicitado: “No final da década de
1950, por exemplo, o governo de Juscelino Kubitschek começou a associar a alegria de viver ao ingresso
do país num mundo de rápido desenvolvimento da produção e do consumo de produtos industrializados.
O lema “50 em 5”, divulgado por sua campanha eleitoral, sugeria uma rapidez no combate ao
subdesenvolvimento tão sedutora quanto exigente. Por um lado, este lema expressava velocidade e um
modo de condensar o tempo, abreviando antigos prolegômenos e eliminando distâncias até então
insuperáveis. Por outro, ele indicava a necessidade de amplas mudanças na maneira de ser e de pensar dos
brasileiros. Tratava-se de um slogam condensador da ambição central do governo de JK, votado para o
desenvolvimentismo rápido, explicando nos trinta itens de seu plano de metas, incluindo, sobretudo, um
grande salto industrial da nação” (2008, p. 58 e 59).
15
fazer fazer pelos destinadores sociais. Além disto, destaca a autora como a revista se
caracterizava quanto ao seu público, estilo, matérias e colunas:
Em seus primeiros anos, a revista se distinguia por uma linha editorial
voltada para leitores predominantemente urbanos e dos grandes centros,
abrangendo as suas principais categorias (homens, mulheres e crianças). Era
a revista da família, que continha desde grandes reportagens até colunas com
“dicas” para o cotidiano, política, moda, cinema, contos, entrevistas, tudo
isso poderia ser encontrado em O Cruzeiro (2002, p. 53).
Em algumas imagens de publicidade da revista O Cruzeiro, pode-se identificar
com clareza esse sujeito social inscrito e esse contexto cultural, que faz circular o sócio-
econômico com o propósito de manter a sociedade de consumo por meio da indústria
cultural que se diversifica em setores, como aparece em nosso universo de pesquisa,
para construir uma cultura feminina
7
e para uma cultura da moda
8
.
Pudemos perceber que, especialmente, referente a indústria têxtil, incluindo a
moda, não as publicidades, mas também a própria capa e índice da revista O
Cruzeiro estava de certo modo relacionados coerentemente entre si. Uma congruência
entre as matérias, as colunas e os anúncios interagindo com um mesmo tema, como por
exemplo: o casamento (ver a Figura 1a-b-c-d-e). As articulações construídas por meio
7
Ver SIMMEL, Georg. Filosofia do amor. In: “Cultura feminina (1902)”, tradução de Eduardo Brandão,
revisão de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Em que o autor explícita não somente as
diferenças entre o masculino e feminino, mas também ressalta que a cultura feminina está ancorada numa
economia doméstica que segundo autor refere-se “A gestão doméstica, com sua incomensurável
importância para o conjunto da vida, é a grande contribuição cultural da mulher, e a casa traz inteiramente
sua marca; suas capacidades e interesses, sua afetividade e sua intelectualidade, toda a rítmica de seu ser
forneceram, até aqui, uma criação de que só ela é capaz” (SIMMEL, 2006, p. 85).
8
Ver BREWARD, Chistopher. The culture of fashion: a new history of fashionable dress. Manchester
and New York: Manchester University Press, 1995. Nesta obra o autor contribui com a sua análise
voltada para a construção da cultura da moda ao longo de seis séculos por meio de estudos da
indumentária que fundamentam o conhecimento da cultura da moda. Os estudos do vestuário indicam a
evolução de formas, gostos, estilos de grupos sociais de determinadas épocas. O autor aborda também,
que as mulheres, vinham “tomando a responsabilidade da produção têxtil e de acessórios de roupas,
atendiam a manutenção das roupas brancas da casa, tendo em vista a saúde da família” (BREWARD,
1995, p.30). A responsabilidade da mulher pelo bem-estar da família e pelo bom andamento da rotina e
dos afazeres de uma casa demandava, provavelmente, algum tipo de aprendizado e dedicação, seja no
espaço privado ou público. Conseqüentemente ao espaço privado veio a ser representado pelo espaço
doméstico, a casa; e o espaço público representado pelo espaço escolar e o trabalho fora de casa; a escola,
o ateliê e a fábrica. E ainda poderíamos considerar o espaço midiático da revista O Cruzeiro, no contexto
desta pesquisa.
16
do tema do casamento manifestam diferentes discursos como: a publicidade e a moda.
Ambas articulam - se com a idéia de explorar cenas do cotidiano. De acordo com
Denise Bernuzzi de Sant´Anna a publicidade procurava acompanhar o espírito do
momento político, pelo qual o nosso país passava, relacionado com um processo de
“aceleração da corrida rumo ao desenvolvimento urbano, industrial e, igualmente
corporal” (2008, p. 61). Sendo assim, a autora contextualiza este processo da seguinte
maneira:
A partir do final da década de 1950, a publicidade começou a explorar cenas
em que a mulher se abraçava e fechava os olhos, expandia uma gargalhada e
se mostrava tomada pela alegria de viver. Se até o presidente gargalhava,
por que não exibir o contentamento em extremo, em qualquer momento da
vida? Mas a gargalhada precisava rimar, doravante, com modernidade; os
mostrados deveriam ser alvos, tais como aqueles dos anúncios do creme
dental da Kolinos (2008, p. 61).
Encontrado no entorno da revista O Cruzeiro uma publicidade de creme dental
Kolinos (ver Figura 1c na página 16) que muito bem exemplifica esta alegria de viver, e
também a rima produzida no interior do texto publicitário: “Um sorriso... dentes alvos...
Logo o pedido e o buquê! Quem realizou este sonho. Foi Kolinos bem se vê!”. Assim,
tanto a revista como a publicidade estavam aliadas na promoção do consumo de
produtos gerados pela indústria que crescia no contexto brasileiro.
A seguir, apresentamos o conjunto de imagens da Figura 1a-b-c-d-e, mostrando
a capa da revista (Figura 1a) estampada com uma figura de mulher vestida de noiva em
movimento, quase que jogando seu buquê para aqueles que a contemplam e, na
seqüência, o índice deste volume da revista que introduz um texto em caixa alta
intitulado “As noivas de maio” (Figura 1b) a exposição deste texto escrito que introduz
os leitores a pensar para o que a revista preparou para este volume específico, depois
uma publicidade de creme dental (Figura 1c) com uma figura de noiva sendo, mais uma
vez, esta figura colocada em relação com os demais dispositivos de comunicação que
17
compõem a revista e, por último, as colunas das quais se ocupava Alceu Penna em
produzi-las, como a Figurinos (Figura 1d), constituída de figurinos de moda com
desenhos de modelos de noivas e a coluna de humor As Garotas (Figura 1e), referindo-
se também ao casamento, intitulada “Garotas, maio e casamento...”.
c
d
e
b a
Figura 1a-b-c-d-e: 1a) Ano de 1954; 1b) Ano de 1954; 1c) Ano de 1954; 1d) Ano de 1954 e 1e)
Ano de 1954. Revista O Cruzeiro.
Na figura 1a, a capa da revista nos indica que este número referente ao mês das noivas trata
“tudo o que interessa as jovens que vão casar”. Na figura 1b, obtemos um texto sobre as noivas
de maio e, ao lado, no índice tem listadas as diferentes seções, dentre elas a coluna Figurinos
de Alceu Penna; na figura 1c, a publicidade do creme dental Kolynos correlaciona-se com tema
casamento mostrando o sorriso de uma noiva; na figura 1d, a coluna Figurinos foi criada a
partir do tema casamento também, com seus desenhos de figurinos de vestidos de noiva de
Alceu Penna; e a figura 1e, teremos a coluna As Garotas que traz na sua figuratividade
novamente o tema casamento por meio da figura de uma mulher vestida de noiva, que se
mostra nos seus gestos e olhares, de forma sedutora. Estes olhares portados em direções
diferentes, englobados na figura do coração, a noiva nos olha no primeiro aqui e agora, no
segundo e terceiro lá onde o casamento leva e o quarto novamente o aqui e agora. É um jogo de
olhares que se comunica por meio da sua narrativa e enunciação o que se expressa. Em síntese
o que mais se destaca nestas imagens é o papel do casamento, ocorrendo a passagem de uma
mulher só, individual para outro estado de mulher casada, em conjunção com o objeto de valor
marido. Ocorrem os atrelamentos e consonâncias na configuração topológica da revista que são
distribuídos nas correlações entre a capa e o rosto da noiva, por exemplo a noiva da capa da
revista destinador, com a noiva da coluna de Alceu Penna o enunciador, as duas noivas, da
capa e da coluna mostram o diálogo olho no olho do leitor destinatário que vai ser instalado na
revista com o propósito de agir sobre a sua volição. O destinador e enunciador alinhados
assumem os valores da sociedade brasileira e moderna em ritmo de industrialização.
18
1. 2 O feminino e o masculino no social.
Estas categorias semânticas do feminino e masculino estão articuladas em um
espaço social ambientado na revista O Cruzeiro que engloba também o nosso foco a
coluna Figurinos de Alceu Penna, precisamente a partir das correlações das figuras
coletadas que se classificam em algumas partes da revista e na diversidade de anúncios
publicitários (ver a partir da página 21). Identificar um sujeito, que se coloca em relação
com um outro, é compreender o regime de visibilidade
9
, que neste espaço está instalado,
a figura da mulher que está para a figura do homem. Uma mulher que se mostra para o
homem.
A figuratividade construída em um todo de sentido, a constituição do social que
se concretiza por meio do casamento, da família, da maternidade, da paternidade, da
relação pais e filhos correlacionam-se com os anúncios publicitários de produtos de
moda, de beleza, de saúde, de alimentos, de eletrodomésticos, de automóveis, etc.
também a figurativização dos papéis sociais femininos e masculinos: da
mulher que é competencializada a um fazer doméstico, ao trabalho no lar, e fora do lar
(ver figuras 2a-b-c-d, 3d-e, 4d, 5a-b-c-d, 6b-e-f, 8a-b-c-d); da mulher que se constrói a
partir de um discurso da aparência, conforme Ana Claudia M. A. de Oliveira (2007, p.
01), e que se preocupa com o modo de vestir-se, o modo de maquiar-se, com os
cuidados com o corpo, com a saúde e a beleza (ver figuras 3a-c-d-e-g-h-i, 4-a-b-c-e-f-g-
h-i-j, 5f, 8e-f-g-h), enfim, com um modo de mostrar-se. E do homem que está presente
no papel de provedor, na relação com a esposa e filhos e como o chefe de família (ver
9
Ver LANDOWSKI, Eric. A Sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Editora da
PUC-SP/EDUC e Pontes, 1992. No capítulo IV, Landowski aborda a reflexão sobre regime de
visibilidade enquanto relações de visibilidade e dispositivos para um fazer ver, e ainda considerados
“como simples traduções, no plano figurativo, de dispositivos mais abstratos, relativos á comunicação (ou
à retenção) de um certo tipo de saber entre sujeitos” (1992, p. 88).
19
figuras 2d-f-g, 5b-c, 6f, 7a, 8c-d-f-g). Estas competências de um fazer e este discurso
instaurado articulam-se nas imagens.
O semioticista Eric Landowski (2002, p. 125) em seus estudos sobre os anúncios
publicitários da beleza feminina alerta-nos a respeito das imagens ao serem examinadas,
dizendo o seguinte: “[...] constituem, no tocante ao seu modo de exposição ao público,
um conjunto homogêneo”. E ainda, conforme Eric Landowski (2002, p. 125), “[...] a
maneira como estes elementos são figurados, o modo como eles são utilizados para
fazer valer uma marca ou um produto, não é neutro. Essas imagens traduzem uma visão
determinada dos papéis sociais convencionalmente atribuídos ao “segundo sexo”.
Considerando ainda, que o masculino se faz presente também, relacionando-se com o
feminino nos discursos publicitários, podendo-se constatar isto no conjunto de imagens
encontrado no entorno da revista, que nos direcionou para a classificação de uma série
de publicidades ligadas às práticas de consumo. Desta forma, identificamos as imagens
de publicidade que nos mostram um conjunto com as relações dos diferentes setores da
indústria e da economia os quais são anunciados para ser visto. Na seqüência, que
listamos a revista O Cruzeiro faz ver o setor industrial e econômico assim como o
consumo instalado neste periódico: da Figura 2a-b-c-d-e-f-g-h-i-j, imagens de
publicidade da indústria; da Figura 3a-b-c-d-e-f-g-h-i, imagens de publicidade de moda
(têxtil e vestuário); da Figura 4a-b-c-d-e-f-g-h-i-j, imagens de publicidade de
cosméticos (beleza e saúde); da Figura 5a-b-c-d-e-f, imagens de publicidade de
eletrodomésticos; da Figura 6a-b-c-d-e-f-g, imagens de publicidade de alimentos;
da
Figura 7a-b-c-d, imagens de publicidade de economia e, por fim da Figura 8a-b-c-d-e-f-
g-h-i, imagens de publicidade que recortam mulher e família.
Este conjunto de imagens refere-se ao público-alvo, aos consumidores,
constituídos por um grupo social que inclui a figura feminina e a do masculino. A
20
mulher e o homem são vistos recorrentemente nas imagens que configuram a instituição
da própria família ocidental. Vemos em oposição as relações entre o feminino e o
masculino, que segundo Eric Landowski (2002, p. 128):
Mediante as estratégias de figurativização exploradas, que relação específica
com a imagem e que prática do olhar nos impõe essa iconografia? Assim
concebida, e por oposição à pura retomada discursiva da diferença sexual, a
gestão do “ver” enquanto tal que ultrapassa a distinção entre os sexos
toca diretamente a gestão do social.
Adentrando na rede das relações produzidas entre as categorias do feminino e
masculino, das práticas econômicas e sociais que se configuram no dispositivo de
comunicação de massa que produzindo uma série de imagens, constituídas de produtos
a serem consumidos, compreendermos que assim também perpassa a gestão do social
projetando o tipo de mulher e até mesmo o tipo de homem nesses discursos
midiatizados. Percebe-se que estas figuras estão todas correlacionadas umas com as
outras, formando-se uma rede.
Dá-se visibilidade tanto para mulher como para o homem no espaço público da
revista O Cruzeiro, que também não deixa de ser um espaço masculino, conduzido por
um fazer masculino que promove o espaço privado da mulher, ao se fazer visto as suas
práticas e papéis sociais e culturais que são concretizados por meio das escolhas de
consumo, fornecem os utensílios para seus afazeres domésticos e cuidados com a sua
aparência no que tange a sua beleza e saúde. Mas este fazer masculino também promove
seu próprio espaço privado, participando também das escolhas de consumo para a
provisão da família e para seus usos pessoais.
Assim, caracteriza-se a revista O Cruzeiro como uma mídia voltada para a
família. Segundo Maria Celeste Mira, em seu livro “O leitor e a banca de revista: a
segmentação da cultura no século XX”, onde dedica um capítulo sobre a revista O
21
Cruzeiro, discorrendo uma reflexão sobre a origem, os aspectos e as características
gerais desta revista, dentre eles afirmando que
O Cruzeiro trazia um pouco de tudo e se dirigia a todos, homens e mulheres,
jovens ou não, longe da preocupação hoje obrigatória de descobrir as
preferências de cada um, seus gostos, expectativas ou estilos de vida. Era a
revista da família brasileira. Tanto é verdade que, em 1950, o Ibope realiza
uma pesquisa sobre a família leitora de O Cruzeiro, através da qual ficamos
sabendo que o seu padrão médio era constituído por pouco mais de cinco
pessoas: homens, mulheres, crianças menores de dez anos, crianças com
mais de dez anos e “creados” (2001, p. 13).
22
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Figura 2a-b-c-d-e-f-g-h-i-j: a publicidade da indústria 2a) Ano de 1956; 2b) Ano de 1959; 2c) Ano de
1958; 2d) Ano de 1957; 2e) Ano de 1955; 2f) Ano de 1958; 2g) Ano de 1959; 2h) Ano de 1958; 2i) Ano
de 1959 e 2j) Ano de 1959. Revista O Cruzeiro.
No geral estas imagens de publicidade da indústria proporcionam uma leitura da vida desta mulher que
está instalada na figuratividade do todo deste conjunto. Daremos destaque para o cotidiano do fazer
feminino. A figura 2a, da Companhia Telephonica Brasileira, a figura de uma mulher que nos fala do
significado do telefone no seu cotidiano para atender as necessidades da família, ela enquanto dona de
casa diz: “Sei muito bem o que o telefone significa para mim. Diz a dona de casa”. A 2b, da Siemens do
Brasil, companhia de eletricidade, “Siemens do Brasil, a serviço do novo lar!” discurso social
figurativizado por meio da figura do casamento: masculino e feminino, e também dos aparelhos
domésticos que modernizam o fazer doméstico, oferecendo mais agilidade e praticidade; a 2c, da fábrica
de máquinas de costura Vigorelli do Brasil, dirige-se para mulher em seu discurso publicitário afirma: “é
útil, prática e durável ... é para a Senhora! oferece condições para mulher profissionalizar-se enquanto
costureira e para prover para sua família a confecção das próprias roupas; na 2d, novamente presentifica-
se a relação feminino e masculino, a mulher do lar, esposa e o seu marido, estes sujeitos interajem por
meio dos produtos, os quais são fabricados pela indústria de Alumínio do Brasil S. A. do setor de
utensílios domésticos da marca Rochedo, um conjunto de panelas “Para ela- Rochedo alumínio Toda a
Vida!” e ainda como diz o anúncio: “Para ela, que forma seu lar ... ou que renova sua cozinha um
Conjunto Rochedo!”. Na figura 2e, apresenta-se a Companhia de Energia Elétrica Light geradora da
energia para a utilização dos produtos eletrodomésticos utilizados pela mulher, ou seja, ela precisa desta
energia elétrica para dar conta dos seus afazeres no seu dia-a-dia; e também esta indústria está a serviço
do progresso nacional, como afirma o anúncio “LIGHT A serviço do progresso industrial do Brasil”;
nas figuras 2f-g-h-i, as Peças e Acessórios FORD, a Mercedes-Benz do Brasil S. A, a Willys-Overland
do Brasil S. A., que está relacionado a produção rural e a Volkswagem do Brasil relaciona-se com o
transporte urbano, representando a indústria automobilística. a construção do discurso moderno da
industrialização, da produção rural, que sustem a vida no contexto urbano e também a construção do
discurso da relação do masculino, feminino e o da família, o homem o qual está inserido como marido,
promove conjuntamente com a mulher a constituição do lar, da família de um modelo ocidental;e na 2j, a
Nova Rádio Cultura de São Paulo, correlaciona a representação da indústria cultural dos meios de
comunicação de massa, o uso que este masculino e feminino fazem das suas práticas culturais, ouvir a
rádio que faz parte de ambos do seu cotidiano e também dos momentos de entretenimento.
23
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Figura 3a-b-c-d-e-f-g-h-i: publicidade de moda (têxtil e vestuário) 3a) Ano de 1959; 3b) Ano de
1959; 3c) Ano de 1956; 3d) Ano de 1959; 3e) Ano de 1957; 3f) Ano de 1958; 3g) Ano de 1957; 3h)
Ano de 1955 e 3i) Ano de 1953. Revista O Cruzeiro.
No conjunto destas figuras de publicidade de moda (têxtil e vestuário), o que predomina é o discurso
da moda, incluindo seus produtos como os têxteis, a matéria-prima da moda e o vestuário, que abrange
uma diversidade de produtos englobando a roupa e os acessórios. Neste regime de visibilidade
configura-se o fazer do destinador a revista O Cruzeiro, que doa competências tanto para a mulher
como para o homem vestirem-se, mostrarem-se um ao outro. Correlacionando os figurinos de Alceu
Penna que servem para vestir esta mulher que se mostra para o outro, seu marido, o homem que
também se mostra a partir de um regime de presença do masculino, que a moda prescreve em suas
propostas de modelos e marcas como podemos ver na figura 3b, a moda masculina esportiva HERING
e, na figura 3f, a moda masculina camisa esporte EPSOM, estes homens que trabalham e praticam
esporte. um tipo de mulher que também se mostra a partir de uma moda feminina, que sai do lar
com o figurino atualizado em roupa, figurativiza-se nas figuras 3c pela moda feminina malhas Fambra;
e 3i, a moda feminina lingerie Valisère. Nas figuras 3a-g-h, teremos os Tecidos Matarazzo-Boussac, os
Tecidos Rhodia e Albène e o Fio Nylon Rhodianyl. Tanto os anúncios de vestuário como os de tecido,
ambos cumprem uma função prática na relação em que a coluna de figurinos faz consumir os tecidos
que são anunciados, uma função simbólica quando faz a leitora estar na moda, numa moda
internacional de Paris, como podemos observar na figura 3a, a relação do figurino/roupa e tecido estão
muito próximos quando uma mulher se faz ver em um figurino pronto, acabado e inspirado em “A
primavera vem de Paris nos tecidos Matarazzo-Boussac”, e diz ser uma coleção
“romântica...feminina...acaba de chegar a coleção 59/60. Mais uma vez na figura 3h, vemos esta
relação do fazer o figurino com os tecidos que são propostos, quando o anúncio afirma “Consulte os
figurinos...mas na escolha dos tecidos, para estar certa de uma compra certa exija a etiqueta ou a marca
na ourela”, o figurino é inspirado a partir das novidades internacionais por meio de revistas de moda,
como aparece no anúncio, revista Vogue, Harpers Bazar e La Femme Chic. Estas propostas de
modelos de figurinos vistos na mídia impressa devem ser concretizados, confeccionados, consumidos
pelos tecidos que o destinador revista O Cruzeiro faz ver. E cumpre-se também uma função estética,
no modo como se diz, se a totalidade destas figuras. Observamos outros materiais que são
produzidos pela indústria têxtil e que nos fazem fazer leituras das relações do feminino e masculino no
social, na figura 3d Retrós Gutermann, a pergunta que é feita para uma mulher que tem a competência
de um saber fazer, “Você costura?”, uma mulher que sabe escolher os figurinos, os tecidos e que
costura para si ou para outras mulheres; e na figura 3e Lençóis Santista, o tema do casamento mais
uma vez instalado, “para seu enxoval...”, uma mulher, a noiva que está em estado de transformação,
para estar em conjunção com o objeto de valor, o homem, o noivo. A preparação para o casamento
requer um fazer não do vestido de noiva, mas também dos complementos que acompanham como o
enxoval com os lençóis, propostos pela publicidade “Lençóis Santista que também podem ser bordados
por você. Alvos e macios, amplos e confortáveis, são o orgulho da noiva prendada”.
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Figura 4a-b-c-d-e-f-g-h-i-j: publicidade de cosméticos (beleza e saúde) 4a) Ano de 1954; 4b) Ano de
1956; 4c) Ano de 1956; 4d) Ano de 1958; 4e) Ano de 1957; 4f) Ano de 1955; 4g) Ano de 1957; 4h)
Ano de 1955; 4i) Ano de 1956 e 4j) Ano de 1956. Revista O Cruzeiro.
Da publicidade de cosméticos (beleza e saúde), neste conjunto, em síntese destaca-se um discurso da
aparência feminina, uma mulher que no seu cotidiano se preocupa com sua beleza e saúde, nas figuras
4a-d-g-j, o creme de beleza da mulher para o busto Mamex, o absorvente intímo Modess da Johnson-
Johnson, o antisséptico e desodorizante Lysoform Primo e o sabonete Gessy configuram um fazer
cuidar-se com o modo de aparência de um corpo feminino, que trata de um padrão magro, delineiado e
cintura marcada. Uma mulher que se enquadra no estilo de vida moderno, que se lança para o trabalho
fora do lar. Os cuidados com a aparência figurativizadas nas figuras 4b-c-e-f-h-i; o talco Cashmere
Bouquet, o silk shampoo Helena Rubinstein, o silk base-pó compacto Helena Rubinstein, a colônia-
perfume COTY, o baton Red-Red Helena Rubinstein e o pó de arroz COTY, estão diretamente
correlacionados com um fazer sentir-se perfurmada e um fazer da própria maquiagem que inclui a
subjetividade da relação com outro masculino, exercendo uma relação entre os actantes sujeito e
objeto, a mulher enquanto sujeito de vontade e também destinador-manipulador que seduz, para um
fazer estar em conjunção com o objeto de valor, homem.
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Figura 5a-b-c-d-e-f: publicidade de eletrodomésticos
5a) Ano de 1954; 5b) Ano de 1954; 5c) Ano de
1953; 5d) Ano de 1958; 5e) Ano de 1959 e 5f) Ano de 195. Revista O Cruzeiro.
A publicidade de eletrodomésticos expressas neste conjunto tratam de um discurso social, das relações
do feminino e masculino e da família. Nas figuras 5a-b-c-d-e, o liquidificador Walita,
o refrigerador
Frigidaire Futurama da General Motors do Brasil S. A, os aparelhos domésticos ARNO, o aspirador de
ARNO e o a enceradeira ARNO promovem esta mulher que trabalha no lar. Este trabalho que
interage com vários fazeres, em todo tempo, seja na
cozinha preparando o alimento, nos diversos
cômodos higienizando o ambiente e na relação interpessoal com o marido e os filhos. É nesta rede de
produtos que caracterizam também a preparação para o casamento, como podemos ver na figura 5f, o
secador de cabelos Gilda
, mais uma vez a figura da noiva figurativizada juntamente com o produto a
consumir, definindo o público-alvo que se pretende alcançar.
26
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Figura 6a-b-c-d-e-f-g: publicidade de alimentos 6a) Ano de 1959; 6b) Ano de 1959; 6c) Ano de
1955; 6d) Ano de 1958; 6e) Ano de 1957; 6f) Ano de 1955 e 6g) Ano de 1956. Revista O Cruzeiro.
Esta publicidade de alimentos indica a implantação de produtos alimentícios internacionais chegando
ao nosso país, como a indústria suíça da Nestlé, na figura 6a chocolate com leite NESTLÉ. E ainda
engloba o universo do cotidiano feminino, destacando a figura da mulher, no seu cumprimento dos
papéis sociais que lhe cabe como esposa, mãe, dona de casa e filha, relacionadas nas figuras 6b-e-f, o
integral NINHO da NESTLÉ, a farinha láctea NESTe o achocolatado em Toddy. E na
diversidade cultural, os tipos de mulheres que cada cultura em sua nação de origem constrói um tipo
de mulher e que tipo de bebida ela consome, como podemos ver na figura 6c-d-g, a bebida Coca-
Cola, o cTender Leaf e o café solúvel instantâneo NESCAFÉ.
27
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Figura 7a-b-c-d: publicidade de economia 7a) Ano de 1957; 7b) Ano de 1956; 7c) Ano de 1959 e 7d)
Ano de 1959. Revista O Cruzeiro.
A publicidade de economia também está inscrita, circulada no todo da revista, destacando a figura do
homem, na figura 7a companhia de seguros Sul América, o chefe de família, o provedor do sustento, da
segurança e da ordem na família. As outras figuras 7b-c-d, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.
A., o Banco Econômico da Bahia S/A e a divulgação da revista O Cruzeiro, figurativizam os aspectos
históricos, econômicos, sociais e culturais. A revista O Cruzeiro enquanto destinador promove o
consumo dos bens produzidos pela indústria e comércio, por meio do suporte da mídia impressa através
da publicidade engloba-se a diversidade de discursos da moda, do social, do feminino e do masculino.
28
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Figura 8a-b-c-d-e-f-g-h-i: publicidade voltada para a mulher e família 8a) Ano de 1959; 8b) Ano de
1956; 8c) Ano de 1957; 8d) Ano de 1956; 8e) Ano de 1958; 8f) Ano de 1958; 8g) Ano de 1958; 8h) Ano
de 1959 e 8i) Ano de 1958. Revista O Cruzeiro.
Em síntese um conjunto de figuras de publicidade que recorta a mulher e a família. As relações do
feminino e masculino na conjuntura do casamento, nas figuras 8a-e, os presentes de casamento ARNO e
a celebração do casamento figurativizada na publicidade do perfume Damosel. E na conjuntura da
família, nas figuras 8b-c-d-f-g-h-i, a batedeira dual-super ARNO, o espremedor e moedor-picador
ARNO, outros aparelhos eletrodomésticos ARNO, o óleo de brilhantina COLGATE, o leite de magnésia
PHILLIPS, um produto do Laboratório Licor de Cacau Xavier S. A. GRAVIDINA e o creme dental
KOLYNOS, estes tratam do cotidiano familiar, a manutenção do bem-estar da família em que a mulher
exerce seu papel de esposa, mãe e dona de casa, e o homem exerce o seu papel de marido, pai e chefe de
família. Assim, possibilitando uma leitura que nesta totalidade está instalado um modelo feminino,
masculino e de família, modelo de vida moderno e ocidental de um espaço social.
29
A revista O Cruzeiro englobou-se na classificação de revistas de consumo
10
,
dando a ver as mercadorias e colocamdo-as no viver social das pessoas deste mundo
social.
O jornalista Thomaz Souto Corrêa, também afirmou ser esta revista a mais
vendida na época da década de 1950 “[...] pois tinha uma distribuição privilegiada por
usar o mesmo sistema de bancas de jornal que vendiam as dezenas de jornais que o
grupo Associados publicava diariamente” (2008, p. 207).
Do nosso olhar sobre o fenômeno de moda, vimos do prisma publicitário mas
também do prisma histórico, a sua transformação ao longo do tempo. Conforme Gilles
Lipovetsky:
Transformações organizacionais, sociais, culturais, em curso desde os anos 1950 e
1960, alteraram a tal ponto o edifício anterior (a moda de cem anos, grifo nosso) que se
tem o direito de considerar que uma nova fase da história da moda fez sua aparição.
Precisemos logo: a emergência de um novo sistema não significa, em nenhum caso,
ruptura histórica liberta de qualquer laço com o passado. Em sua realidade profunda,
essa segunda fase da moda moderna prolonga e generaliza o que a moda de cem anos
institui de mais moderno: uma produção burocrática orquestrada por criadores
profissionais, uma lógica industrial serial, coleções sazonais, desfiles de manequins
com fim publicitário. [...] Novos focos e critérios de criação impuseram-se; a
configuração hierarquizada e unitária precedente rompeu-se; a significação social e
individual da moda mudou ao mesmo tempo que os gostos e os comportamentos dos
sexos uns tantos aspectos de uma reestruturação que, por ser crucial, não deixa de
continuar a reinscrever a preeminência secular do feminino e de rematar a lógica de três
cabeças de moda moderna: de um lado, sua face burocrático-estética; do outro, sua face
industrial; por fim, sua face democrática e individualista (1989, p. 107).
Pode-se constatar, que ao ocorrer mudanças sociais, culturais e econômicas num
contexto mais generalizado e externo ao contexto brasileiro, este era atingido também.
A nação brasileira fundamentou-se, em muitas das suas práticas e costumes, nas
tradições européias, em especial nos seus espaços urbanizados. O que se comia, se
10
O jornalista Thomaz Souto Corrêa em seu artigo intitulado “A era das revistas de consumo” em que ele
faz um panorama das revistas de consumo em 1950 e cita que “O mercado de revistas é dividido no
mundo inteiro em dois grandes blocos: as revistas de consumo, destinadas ao público, que são vendidas
em bancas e em outros pontos de varejo e por assinaturas; e as especializadas, que em sua maioria são
gratuitas, chegam a seus leitores por mala direta e tratam de temas que interessam a segmentos
específicos de grupos de profissionais” (2008, p. 207). E também que a revista O Cruzeiro “Nos seus
momentos de sucesso [...] havia reunido equipes com nomes importantes do jornalismo, da literatura, das
artes gráficas e da fotografia [...]” (2008, p. 215).
30
falava e também se vestia tinha como referência os centros mais importantes, como a
capital da França, Paris, berço da Alta Costura. Ali se iniciam os primórdios da indústria
da moda para o resto do mundo. E mais tarde, a indústria da moda norte-americana se
desenvolve com tal progresso que influencia também o Brasil, nos modos de vestir e de
viver bem como nos modos de “produção industrial de imagens”, conforme Niemeyer
11
:
A exemplo do que ocorria nos Estados Unidos e em alguns países europeus, artistas
plásticos no Brasil faziam incursões na produção industrial de imagens, em revistas,
jornais, livros e cartazes. Desse modo, eles levaram ao grande público as abordagens
pictóricas contemporâneas. Houve, portanto, o envolvimento crescente de artistas gráficos
na experimentação de novas linguagens plásticas em meios de comunicação de massa, em
especial em impressos (2005, p. 53).
Para que estas influências alcançassem o público brasileiro, e novos modelos
fossem adotados por este, implementando uma sociedade do consumo, o mercado
brasileiro, através dos meios de comunicação de massa, como a revista O Cruzeiro, que
difundia a moda européia por meio dos figurinos de moda desenhados por Alceu Penna,
investia poderosamente. A partir daí, poderíamos inferir que este figurinista foi um
precursor da difusão da moda no Brasil, embora não sendo uma moda originalmente
brasileira, ele contribuiu de alguma forma para que a moda fosse difundida também por
meio desta revista. Podemos considerar ainda, que uma moda brasileira também existia,
no tocante, aos modelos de figurinos de fantasias de carnaval que Alceu Penna criava
para suas leitoras, assim promovia-se também o consumo de produtos brasileiros. E a
moda, como prática de consumo, possuía um espaço de visibilidade das criações tanto
da moda européia como da moda norte-americana e de uma moda brasileira, inspiradas
nas práticas culturais do nosso país, como o evento cultural do carnaval.
Conseqüentemente, a mídia impressa teve um papel importante na construção do
sentido dos discursos da moda, entre outros discursos, na função de promover seus usos
11
Ver NIEMEYER, Lucy Carlinda da Rocha de. O design gráfico da Revista Senhor: uma utopia em
circulação. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2005.
31
e produtos. E no que tange ao universo da moda, ocorre uma mediação tal que implica a
discussão do conceito de indústria cultural
12
, pois a moda gera, além de um mercado
consumidor, um complexo industrial hegemônico no qual se insere a indústria cultural
que abrange os mecanismos ou procedimentos que promovem ela mesma utilizando
meio e mediações existentes na realidade.
A revista O Cruzeiro é considerada como indústria cultural segundo Renato
Ortiz o contexto social, político e econômico brasileiro da época dava início ao
estabelecimento da indústria cultural e de uma expansão de empresas culturais em nosso
país, pois havia muito o que fazer ainda. Enquanto meio de comunicação de massa,
participou da manutenção da indústria de uma série de produtos, inclusive àqueles
relacionados a moda, procurando atrair a atenção do público feminino e masculino que
interagia com este tipo de produto, chegando a estimular os meios de comunicação a
produzirem temas para as práticas de consumo no seu dia-a-dia. Assim se promove a
gestão de um social e, culturalmente, reafirma-se, ou até mesmo impõe-se, valores e
costumes diretamente inseridos no cotidiano.
Uma vez que a revista é um dos meios característicos da indústria cultural e está
inserida em um sistema que procura atingir determinado público, neste caso, o público
feminino, e também a possibilidade de instigar os olhares masculinos para os produtos
12
A indústria cultural tende a ser compreendida a partir de um fenômeno ou processo mais intenso,
civilizatório, guiado por um sistema de fundamentos capitalistas, ou seja, regidos por um poder
econômico e político hegemonicamente determinado. Segundo os pensadores Max Horkheimer e Theodor
W. Adorno, que constroem uma visão crítica da indústria cultural, dos seus efeitos sobre a uma sociedade
de massa e capitalista, tratam a mídia impressa constituída em um sistema maior, ou seja, este sistema
está subordinado a um “poder total do capital” atrelado aos grandes centros urbanos e por conseqüência a
uma “civilização de massa” (1969, p. 157 e 158).
A filósofa Marilena Chauí traz contribuição para reflexão sobre o fenômeno e o conceito de indústria
cultural articulando da seguinte maneira: [...] a partir da segunda revolução industrial no século XIX e
prosseguindo no que se denomina agora sociedade pós-industrial ou pós-moderna (iniciada nos anos 70
de nosso século), as artes foram submetidas a uma nova servidão: as regras do mercado capitalista e a
ideologia da indústria cultural, baseada na idéia e na prática do consumo de “produtos culturais”
fabricados em série. As obras de arte são mercadorias, como tudo o que existe no capitalismo. Perdida a
aura, a arte não se democratizou, massificou-se para o consumo pido no mercado da moda e nos meios
de comunicação de massa, transformando-se em propaganda e publicidade, sinal de status social,
prestígio político e controle cultural” (1994:329).
32
femininos, desejados pelas mulheres. A revista O Cruzeiro era um periódico semanal,
dando a entender que se preocupava em manter as informações sempre atualizadas no
que abrangia eventos culturais como o carnaval, o frevo, festivais de música, teatro e
cinema, celebridade do rádio, bem como beleza, história, política e economia.
Relacionados com a moda, esses são bastante cobiçados, tanto que os grandes
profissionais da área da moda e do cinema uniam suas forças, estabelecendo contratos
com estilistas famosos como Chanel, Givenchy, Dior os quais criavam figurinos para os
filmes com atrizes famosas ou estrelas de cinema. Um exemplo clássico é Audrey
Hepburn vestida por Givenchy. Porém outros tipos de figurinos eram criados pelos
criadores de moda para serem veiculados na mídia impressa. Nestes nomes Alceu Penna
inspirava-se e desenhava semanalmente para a revista, constituindo assim sua coluna
exclusivamente de figurinos de moda para leitoras e conseqüentemente consumidoras.
Apresentamos a seguir a coluna Figurinos. Esta é compreendida a partir do
pensamento da construção do sentido onde se produzem as relações e interrelações,
abrangendo a complexidade da comunicação enquanto produção da significação dos
figurinos de moda, desenhados por Alceu Penna.
1. 3 A coluna Figurinos.
O nosso olhar dirige-se para esta coluna Figurinos, entre as diferentes seções
que a revista comportava. Sendo a revista montada através de contribuições como da
ilustração e da literatura, haviam textos de escritores, artistas e poetas notáveis,
conforme afirmou Niemeyer:
[...] contribuição de humoristas e ilustradores que vieram a se tornar grandes nomes em
suas áreas: ndido Portinari, Santa Rosa, Di Cavalcanti, Augusto Rodrigues, Péricles
Maranhão, o Gôgo (pseudônimo de Millôr Fernandes), Alceu Penna e A. Ladin (2005,
p. 54).
33
Dentre estas contribuições, foi escolhida aquela que Alceu Penna desenvolvia
por meio da coluna Figurinos, constituída de desenhos de figurinos de moda, cujo
objetivo era informar e atualizar as tendências da moda para o público feminino leitor
da época. É também a partir desta coluna que Alceu Penna
13
foi considerado, não
apenas como ilustrador ou desenhista, mas também como figurinista, como o
denominou o autor Gonçalo Junior em seu livro “Alceu Penna: e as Garotas do Brasil,
moda e imprensa 1933/1980”, em que relata uma série de fatos ocorridos na trajetória
profissional de Alceu e algumas entrevistas que o próprio Alceu Penna concedeu a
imprensa local:
[...] numa entrevista assim que volta ao Brasil, o desenhista revela também seu desejo de
ingressar no mundo da moda como figurinista. “Gostaria muito. Mas, isto de desenhar
moda requer um laboratório. Não basta desenhar. É preciso executar também. Nesse caso,
tem de ter costureiros, ajudantes etc” (2004, p. 120).
Alceu se identifica nos seus primeiros anos na função de figurinista como “apenas um
porta-voz” do que se cria em Paris, Londres, Roma ou Nova York: “Aqui no Brasil, nós
só fazemos adaptar. Ninguém tem prestígio suficiente para criar alguma coisa diferente de
Paris”. Seu figurinista preferido, então, é Christian Dior (1905-1957), que, na sua opinião,
consegue anteceder a moda em até dois anos. Quando o brasileiro desembarca em Paris,
Dior acaba de lançar o chamado new look, com saias amplas, cintura apertada, busto farto
e ombros redondos, que nos anos seguintes será adotado por mulheres de todo o mundo.
Cabe a Alceu tentar adaptar para o Brasil a arrojada linha Dior, que exige corpos magros,
quadris finos e altura – padrão bem diferente da mulher brasileira (2005, p. 121).
Alceu Penna torna-se um mediador das influências européias, tendo uma função
não de comunicação entre culturas diferentes no modo feminino de se vestir, mas
também na produção dos sentidos relacionados ao discurso da moda que estava sendo
apresentado a um público feminino. As significações são produzidas no espaço da
enunciação e enunciado, identificando relações em diferentes momentos em que o
destinador revista O Cruzeiro preocupa-se com o seu destinatário público feminino
leitor para estabelecer um contrato de confiança, produzindo um fazer crer e um fazer
fazer que são intermediados pela ação enunciativa do narrador revelada no texto visual e
13
Segundo Gonçalo Junior “O “estiloAlceu pode ser visto também em muitas propagandas dos mais
diversos produtos. Anúncios de roupas, eletrodomésticos, tecidos e carros trazem seus inconfundíveis
desenhos, que se espalham por publicações dos mais diversos segmentos (2005, p. 98).
34
verbo-visual, desenvolvida pelo figurinista Alceu Penna. Sendo assim, fomos instigados
a formular algumas questões para o entendimento da produção do sentido destas
narrativas visuais e verbo-visuais da revista supracitada, a saber: a que tipo de público
feminino estão dirigidos tais discursos? Que simulacros femininos são construídos?
Como as imagens são articuladas para produzirem sentido? Como estas imagens
tornam-se um texto enunciado? Quais são os efeitos de sentido, do discurso produzido
pelo figurinista Alceu Penna? O que estes efeitos provocam no destinatário e o fazem
fazer para construir o que significam e como significam? Estas perguntas suscitadas
permeiam a construção do sentido engendrada pela análise da semiótica discursiva.
Repetimos, nesta coluna, o sentido é produzido através das relações e inter-relações que
possibilitando-nos usar os conceitos de moda e figurino, identificando os sentidos
produzidos e como estes se completam para corroborar com a construção do simulacro
feminino e das práticas sociais e culturais que se inscrevem e se introduzem no texto
visual e verbo-visual, da coluna Figurinos da revista O Cruzeiro.
35
Fig. 09: Exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”. Esta exposição foi
desenvolvida numa segunda edição do “Projeto Figurino” desenvolvido por professores e alunos dos
cursos de graduação em Design de Moda e Mestrado em Moda, Cultura e Arte. Centro Universitário
SENAC São Paulo, maio de 2007.
O pensar a relação entre moda e figurino
14
e as suas relações produtoras de
sentido, implica a reflexão conceitual sobre os conceitos de figurino, moda e ilustração
de moda. Primeiramente abordando o conceito de figurino que se remete a própria
denominação da coluna Figurinos de Alceu Penna.
14
O figurino é estudado também no campo das artes cênicas, incluído mais especificamente no teatro,
cinema e telenovelas. Uma das definições mais recentes sobre o figurino foi pensada pelas autoras
Adriana Leite e Lisette Guerra (2002, p. 67), no livro Figurino: uma experiência na televisão”, este
entendido como “um elemento plástico e funcional do espetáculo” atribuindo ao plástico os aspectos
ligados a cores, formas e materiais e ao funcional o projeto de figurino, incluindo toda parte prática desde
os desenhos artísticos e técnicos à confecção dos trajes (modelagem, corte e costura). Mas o que se pode
encontrar, mais recentemente, na literatura sobre o figurino na relação com a moda, são justamente os
elementos fornecidos pela moda, ou seja, todo aparato de roupa e acessórios são fornecedores
indispensáveis para a montagem dos figurinos, nas telenovelas contemporâneas e no cinema as quais se
tornam propulsoras do consumo de artigos vistos pelos telespectadores e, automaticamente, funcionando
como propagadoras de tendências de moda. Um exemplo de figurino que expressa a relação conjunta e
intrínseca com a moda, foi a trazido por Fausto Viana e Rosane Muniz no seu artigo “Muito além de
teatro e moda” (2007, p. 30) do filme O Diabo Veste Prada com a atriz Meryl Streep, se ela usa moda ou
figurino?.
36
Entretanto, observamos que o conceito de figurino era difundido e relacionado à
moda mais antigamente, por volta da segunda metade do século XX, nas revistas que se
preocupavam em atender os anseios e vontades de um público feminino que dava o
devido valor à aparência nos seus modos de vestir. Pôde-se constatar que houve a
existência da revista Figurino que está incluída no grupo de revistas mensais, segundo
Maria Celeste Mira (2001, p. 38) esta foi indicada em uma pesquisa do Ibope sobre a
circulação de revistas, realizada na Guanabara em 1969, mostrando dados da
diversificação do mercado da época. Hoje, a revista Figurino permanece, com os
segmentos de moda, como a revista Figurino Noivas e Figurino Moda Senhora, da
Editora On Line.
Assim o conceito de figurino está atrelado aos modos de vestir e aparecer
englobando o corpo, a roupa e os acessórios. O figurino se concretiza a partir do
conhecimento do desenho de moda
15
, com o desenvolvimento do ensino aplicado a
criação e realização do vestuário, voltados para a formação de profissionais de moda a
partir do século XIX, na França. Ensina-se o desenho de moda com suas técnicas
específicas, que são suporte para que o desenho em sim seja materializado, mostrando
os detalhes, as formas e o estilo do todo de um modelo. Assim o desenho de moda
proporciona a realização do croqui de moda ou da ilustração de moda, como eram
entendido pelas maisons e imprensa de moda a partir da década de 1940, segundo
Chaumette (1995, p. 44). Ainda segundo Chaumette, “o figurino é acima de tudo
elemento essencial para a criação e a realização do vestuário” (1995, p. 47). O figurino
deve ser entendido do ponto de vista do desenho de moda, que tem a função de
concretizar a roupa.
15
Ver CHAUMETTE, Xavier. In: “La figurine de mode: histoire d´une pédagogie”. Le dessin sous toutes
ses coutures: croquis, illustrations, modéles, 1760-1994. Pallais Galliera. Musée de la Mode et Du
Costume. Paris: Mondi Fashion Group e Paris Musées 1995.
37
A moda do vestuário é compreendida a partir da Idade Média, segundo Gilles
Lipovetsky, em sua obra “O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas”, assim aborda o conceito de moda entendido como fenômeno do efêmero
que se explica da seguinte forma:
A moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações; essa
concepção está na base das análises que se seguem. Contra uma pretensa
universidade trans-histórica da moda, ela é colocada aqui como tendo um
começo localizável na história. Contra a idéia de que a moda é um fenômeno
consubstancial à vida humano-social, afirmamo-la com um processo
excepcional, inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo
moderno ocidental. Durante dezenas de milênios, a vida coletiva se
desenvolveu sem culto das fantasias e das novidades, sem a instabilidade e a
temporalidade efêmera da moda, o que certamente não quer dizer sem
mudança nem curiosidade ou gosto pelas realidades do exterior. a partir
do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a
moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos
bruscos, suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor
mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a
inconstância em matéria de formas e ornamentações não é exceção mas
regra permanente: a moda nasceu” (1989, p. 23).
A moda que sempre busca o novo, nas suas formas de vestir, está inserida numa
série de dispositivos comunincativos, a mídia impressa é um deles, sendo um espaço
privilegiado, em que a ilustração de moda é considerada uma forma de representação
gráfica. Segundo Luciana Gracnato, o conceito de ilustração de moda na sua dissertação
intitulada “O desenho no design de moda” está relacionado com o conceito de desenho
de moda, pois ambos são uma “linguagem de representação visual” e uma “ampliação
dos significados subjetivos” (2008, p. 62). E ainda define especificamente a ilustração
de moda
16
Como linguagem de representação visual, a ilustração de moda traz
elementos deste universo e vai mais além, incorporando e interpretando
elementos culturais e sociais. Isto significa dizer que a ilustração de moda
traz o “pulsar do tempo”, pois carrega traços desse tempo, valores e
16
Sue Jenkin Jones também aborda a questão da ilustração de moda citando: “Quando realizada com arte
e intuição, a ilustração de moda tem a capacidade mágica de capturar a intenção e a essência de um
modelo e a forma como ele deve ser usado. Para chegar a isso não há o que substitua o treino e o trabalho
duro não apenas para traduzir suas idéias com exatidão, mas também para apurar o seu próprio estilo”
(2005, p. 83).
38
comportamentos, mudanças e oscilações, que influenciam a percepção e a
concepção de novas estéticas, bem como análise e interpretação do espírito
do tempo, da época que ela foi realizada (2008, p. 62 e 63).
A ilustração de moda criada por Alceu Penna, na coluna Figurinos da revista O
Cruzeiro, trazia nos desenhos de figurinos as últimas tendências de moda, inspirado nas
criações dos costureiros ou criadores de moda como Christian Dior, Pierre Balmain,
Jean Desse, Madeleine Rauch, Jacques Faith (ver figura 10) e de lojas da 5
th
Avenue de
N.Y. como a Sack´s (ver figura 11). Assim o acesso destas tendências internacionais ao
público tanto feminino como masculino, era possível de se estabelecer. Este público que
se insere em um grupo social que não tem condições de se deslocar até a Europa ou
EUA, para informar-se quanto as novidades da moda e de como a mulher vem
atualizando seus modos de vestir-se, vê-se possibilitado de interagir de alguma maneira
com estes novos modelos por meio da revista.
Tanto o figurino como a ilustração de moda estão atrelados ao desenho, pois são
realizáveis a partir do fazer mostrar-se. Ao nosso ver, existe uma linha muito tênue entre
estes dois conceitos, no sentido de serem ambos concretizados por meio do desenho.
Desta forma, exercemos um olhar mais abrangente sobre o termo moda, além de
entendê-lo como fenômeno social, podemos pensá-lo a partir das idéias levantadas pelo
semioticista Eric Landowski (2002) que em seu livro “Presenças do Outro” faz uma
abordagem reflexiva sobre os efeitos da moda no contexto social:
Seguramente, a moda não intervém apenas no plano temporal por uma renovação
contínua dos princípios de reconhecimento interindividual através da duração. No
momento em que ela e em circulação formas que podem ter valor de signos de
afiliação facilitando a constituição ou a afirmação de grupos sociais qualitativamente
distintos uns dos outros, ela é também um fator de segmentação e de articulação do
espaço social (2002:93 e 94).
Uma vez que a moda opera em nós procedimentos que engendram possibilidades
de relações entre sujeitos e objetos, estes sujeitos que somos nós mesmos e outros
também, criam, desta forma, práticas sociais e culturais, a partir de um determinado
39
modo de ser e estar no mundo em espaços geograficamente distintos. Dizendo de outra
maneira: considerando a dualidade de pensamento ou visão de mundo entre povos do
ocidente e oriente, subdivididos ainda entre os que vivem no hemisfério sul e norte,
percebemos que ocorrem práticas diferentes na maneira de viver, sendo a moda um
meio através do qual estas práticas acontecem. E como Landowski (2002:94) afirma: “a
moda põe em circulação formas que podem ter valor de signos qualitativamente
distintos um dos outros”, podemos inferir assim a aparição de objetos de valor que
circulam entre os sujeitos que de alguma forma atribuem valores distintos a estes
objetos, estabelecendo relações e interrelações subjetivas e concretas, dando-lhes
sentidos.
Pensando a moda socialmente inserida nas relações construídas entre sujeitos e
objetos, poderemos inferir que os sujeitos agem também imbuídos de um papel
actancial, exercido nas mídias impressas, movidos por um destinador específico (a
própria moda, a revista, a marca, etc.), possibilitando a produção e reprodução de um
fazer mostrar-se, que é tecido no âmbito do discurso da aparência. A semioticista Ana
Claudia M. A. de Oliveira
17
no seu texto intitulado “Corpo e roupa nos discursos da
aparência” apresenta-nos as possíveis interações entre corpo e roupa, sendo estas
interações articuladas pela semioticista (2007, p. 02) por meio de um fazer fazer da
moda, assim afirma que a “Moda é imposição de comportamentos e usos por
mecanismos de desejo de pertencimento, de inclusão no grupo, que movem a volição do
destinatário numa orientação definida”. Sendo assim a mídia é instrumento veicular, por
excelência, das informações destes comportamentos e usos ligados aos valores estéticos
do corpo, da roupa, da beleza e da diversidade de padrões que são estabelecidos no
social, em que as mulheres se vêem e os homens as olham, as contemplam.
17
Trabalho apresentado ao GT – Cultura das Mídias no XVI Encontro da Compós na Universidade Tuiutí
do Paraná em Curitiba/PR, junho/2007.
40
Os desenhos dos figurinos de Alceu Penna da década de 1950 indicam-nos um
espaço físico e social. Gestos e corpos são caracterizados culturalmente com um traço
de desenho característicos dessa época. Segundo Valerie Mendes e Amy de la Haye
[...] os
ombros eram estreitos, com perfis delicados, inclinados; as cinturas
bem minúsculas, puxadas para dentro por um roupa de baixo conhecida
como waspie ou guêpière; as saias eram cheias e iam até abaixo da barriga
da perna” (2003, p. 126).
A distribuição das figuras constitue-se na totalidade, em planos e dimensões
diferentes, sobrepostos ou justapostos uns aos outros. No plano da expressão
processam-se relações visuais constituintes do visual, verbal, gestual e corporal que se
concretizam numa dimensão topológica, em que se mostra como os modelos são
colocados na espacialidade das páginas da coluna; numa dimensão cromática na qual as
cores e estampas da tendência de moda são determinadas e numa dimensão eidética que
nos fornecem os tipos de formas corporais e vestimentares conjuntamente construídas.
No plano do conteúdo mostra-se por meio do enunciado que se enuncia os títulos
“Vestidos de lã” (figura 10) enunciando os modelos da moda parisiense e a Sack´s 5
th
Ave.(figura 11) enunciando as tendências da moda norte americana. E também nos
textos explicativos com uma função de legenda prescritiva localizada em diversos
pontos das páginas.
Assim o público leitor tinha condições de saber mais sobre os criadores de moda
em que Alceu Penna se inspirava e as informações sobre tecidos e acessórios que
compunham cada modelo.
41
Figura 10: Coluna Figurinos. Revista O Cruzeiro
,
vol. 38, pg. 62 e 63. 1953.
Desenhos de Alceu Penna, seguindo modelos de costureiros franceses.
Figura 11: Coluna Figurinos. Revista O Cruzeiro, vol. 23, pg. 104 e 105. 1953.
Desenhos de Alceu Penna, seguindo modelos norte-americanos.
42
No capítulo seguinte é proposto o recorte constituinte de um corpus maior, da
coluna Figurinos da revista O Cruzeiro desenvolvida pelo figurinista Alceu Penna, este
enquanto enunciador possui uma identidade, para definir as estruturas gerais do texto ou
discurso enunciado, que queremos semiotizar e analisar na busca de compreensão da
produção e integração do sentido.
É a partir desta coluna que a nossa análise descritiva vai ser desenvolvida com
apoio dos procedimentos metodológicos da semiótica greimasiana, pois esta “semiótica
oferece os mecanismos para se estudar não como a moda propõe modos de se vestir,
mas também tipos de corpo e, por correlação, como a moda faz ser o sujeito” como
postula Ana Claudia M. A. de OLIVEIRA (2007, p. 22)
18
.
18
Ver o artigo “Nas interações corpo e moda, os simulacros” no XIII Caderno de discussão do Centro de
Pesquisas Sociossemióticas, n. 13, vol. 1. 2007.
CAPÍTULO II
O CORPUS IMAGÉTICO
2. 1 Sobre o corpus de pesquisa.
O corpus da pesquisa foi construído a partir da revista semanal, ou
hebdomadário
1
, chamada O Cruzeiro onde focamos nosso olhar para uma coluna desta
revista que nos oferecia um “discurso da aparência” que segundo Ana Claudia M. A. de
Oliveira (2007, p. 01) define-se como “tipos de corpos vestidos e simulacros da
aparência”. Ainda conforme essa autora (2007, p. 03) “tornaram-se um dos modos mais
complexos de construção da visibilidade do sujeito”, e que nos permite levantar o
discurso da moda, na coluna Figurinos. Em sua composição enunciativa, esta coluna
trazia informações sobre a moda da época, uma moda dos anos cinqüenta, que
significava um estilo diferenciado dentro de uma visão diacrônica de se pensar e vestir.
Mas de qual moda estamos nos referindo? De uma moda pós-guerra, num contexto
político e econômico delicados para a indústria do vestuário. Apesar desta situação
desfavorável, os costureiros e industriais uniram suas forças para construir um novo
cenário para o mundo da moda. De acordo com as autoras Valerie Mendes e Amy de la
Haye, na história da moda do século XX, destacam-se os seguintes fatos deste período
da década de 1950:
1
Vulgo semanário.
44
Com o apoio financeiro de milionário fabricante têxtil Marcel Boussac, Dior
abriu sua casa de costura no fim de 1946. Em 12 de fevereiro de 1947
lançou sua primeira e, hoje, lendária coleção de primavera, abrangendo
duas linhas: “Corolle” e “8”. Apelidada como o New Look[o novo visual]
por Carmel Snow, editora da Harper´s Bazaar, ela imediatamente
estabeleceu Dior como líder no campo (2003, p. 126).
As possibilidades comerciais do Novo visual foram reconhecidas e
exploradas entusiasticamente nos EUA. O estilou impulsionou não apenas a
indústria xtil, mas também os fabricantes de muitos acessórios que o
acompanhavam. Em reconhecimento do feito, Dior recebeu o prestigioso
Prêmio de Moda Neiman Marcus, em Dallas, em 1947.
A produção de moda de fins da década de 1940 foi marcada pela
criatividade frenética, mas duas silhuetas foram dominantes até a chegada da
linha H e do saco, em meados de 1950. a primeira compreendia um corpete
ajustado, que acentuava e definia claramente os seios, uma linha de ombro
natural, uma cintura apertada (muitas vezes com cinto) e uma saia,
imensamente cheia, com comprimento variando entre a metade da barriga da
perna e o tornozelo (sustentada por anáguas em camadas). A segunda diferia
apenas no fato de que a saia era justíssima, com um longa abertura ou prega
traseira para permitir o movimento. Durante dez anos, Dior fez soar as
novidades, exibindo sua clientela de elite duzentos modelos em cada
temporada. Embora, privadamente, fosse um homem tímido, reconheceu e
explorou o valor promocional da cobertura de imprensa, assim como as
recompensas financeiras da exportação e dos contratos de licenciamento.
Dar nomes a coleções e a modelos individuais não era um conceito novo
mas os títulos de Dior eram esperados tão ansiosamente quanto as silhuetas
que descreviam, proporcionando manchetes e material para copiadores. A
litania das linhas de Dior incluiu a Zig-Zag (1948), a Vertical (1950), a
Tulipa (1953) e as famosas linhas H, A e Y, de 1954-1955. A última coleção
antes de sua morte prematura, em outubro de 1957, foi a linha Fuso. Os
trajes sob medida de Dior eram intrincadamente produzidos por uma força
de trabalho habilidosa. Uma sucessão de formas atraente foi obtida por meio
de uma construção complexa e, às vezes, muito elaborada. As camadas
exteriores dependiam de estruturas que elaborassem a forma. Vestidos de
noite ornamentados, sem alças, dependiam de subestruturas regidamente
armadas, com camadas de anágoas de tule. A segurança de um patrocinador
rico, juntamente com o rápido sucesso do Novo Visual, deu a Dior a
vantagem de pioneiro e seu nome é o mais associado popularmente à moda
da década de 1950 (2003, p. 129).
O material disponibilizado para nossa análise semiótica advém das páginas desta
revista, abrangendo a década de 1950, quando esta se “afirma socialmente enquanto
sujeito semiótico”
2
, expressão esta formulada por Eric Landowski (1992, p. 118)
quando se refere em seus estudos sobre jornal, sendo este um veículo de comunicação
semanal. Observando também a revista em questão, como veículo de comunicação
semanal, podemos considerá-la como sujeito, a partir do pensamento de Landowski, ser
2
Eric Landowski define o sujeito semiótico como “[...] uma forma, ou produto de uma organização
formal (discursiva), um efeito de sentido que tomaremos, à vontade, como o pressuposto ou a resultante
do discurso realizado” (1992, p. 168).
45
este um sujeito, a própria revista, que atua coletivamente no cotidiano, no social. Além
disto, este sujeito enquanto destinador coloca-se em relação com o outro, que compra,
que lê, que interage com um fazer revestido de sentido na totalidade que a revista
significa. Ocorre também um processo de reconhecimento por parte deste outro, o
destinatário que reconhece a identidade desta revista, segundo Landowski (1992, p.
118), uma “entidade figurativamente reconhecível”. A revista torna-se um sujeito
semiótico a partir do que significa e como esta se faz significar, por meio das relações e
efeitos de sentidos que são engendrados no todo que esta comporta, veicula.
Por estar inserida numa revista semanal, a coluna Figurinos desenvolve na sua
totalidade, como cita Landowski (1992, p. 120), um “discurso num assumir do
“cotidiano””, pois nela colocam-se em relação os sujeitos, os valores, os objetos e as
práticas de um universo do cotidiano. As propostas ou sugestões para um fazer fazer e
um fazer ser estão concretizadas nas relações e interrelações que visualmente estão
instaladas na dimensão enunciativa dos “usos da moda” que, segundo Ana Claudia M.
A. de Oliveira (2007, p. 01) esses usos definem-se como:
[...] propagados de modo a coagir a destinatária a se arrumar segundo padrões que
transformam essas figuras vestidas em veículos prescritivos investidos da promessa de
conferir àquela que os adota a sua aceitação social, uma vez que, vestida como ditam
que se deve estar, a pessoa mesma proclama o seu pertencimento ao meio. Assim é que
o sujeito, se tem um amplo leque de criação da sua aparência, igualmente, ele se
encontra cerceado pelos modelos que lhe possibilitam um número reduzido de modos
de mostrar-se.
Desde seu início, a mídia vai se organizar de forma a dar legitimidade às fórmulas
verbo-visuais que põe em circulação. Como a moda ela faz fazer como todo mundo.
Moda é imposição de comportamentos e usos por mecanismo coercitivos, que
funcionam dissimulados nos mecanismos de desejo de pertencimento, de inclusão no
grupo, que movem a volição do destinatário numa orientação definida.
Sendo assim, o que a moda faz fazer são modos de vestir-se, de mostrar-se de
um sujeito ao outro. É nesta relação intersubjetiva (o sujeito que se mostra e o sujeito
que vê) que coexistem os objetos do cotidiano feminino sendo o primeiro deles o
46
próprio corpo
3
, o corpo como suporte de sentidos e de valores objetivados e
subjetivados. E estes se manifestam, segundo Káthia Castilho na articulação construída
entre o corpo e a moda, sendo esta articulação possível a partir do entendimento de que
moda é uma “construção de linguagem que se manifesta sobre o corpo” (2002, p. 63).
Ou seja, o corpo e a moda conjuntamente são produtores de efeitos de sentido sobre os
sujeitos à medida que estes se vestem e se mostram. Manifestam-se nesta relação, corpo
e moda, dois sistemas de linguagem que se sobrepõem um ao outro.
Assim também se produzem os efeitos de sentidos que se concretizam no arranjo
sincrético de imagens na apresentação da coluna Figurinos de Alceu Penna, quando
ocorre a lógica de relações produzidas sincreticamente no plano da expressão e no plano
do conteúdo, com suas especificidades, entre o texto visual (corpo, roupa, cor e forma)
manifestando um sistema gestual-corporal em relação com a roupa (vestidos, saias,
casacos, tecidos, luvas, chapéus, calçados, bijuterias, bolsas, adornos de cabelo, etc), o
texto verbal (tipografia: cor, tipo/fonte e tamanho da letra) manifestando um sistema
verbo-visual (legendas e assinatura) e a dimensão topológica (suporte/ revista e
diagramação da página) distribuindo espacialmente as figuras e os temas tanto do plano
da expressão como do plano do conteúdo que se homologam entre si no todo da
enunciação.
São estas variáveis que constituem o nosso corpus imagético o qual abrange um
pouco mais de duzentas imagens coletadas, que nos servirão de referência para melhor
compreender o sentido que nesta totalidade está construído, e, ainda como Ana Claudia
M. A. de Oliveira (2007, p. 06) nos propõe “como o corpo vestido participa da
construção do sujeito”.
3
Ver CASTILHO, Kathia. In: Do corpo à moda: exercícios de uma prática estética. CASTILHO, Kathia e
GALVÃO, Diana (organizadoras). A moda do corpo, o corpo da moda. São Paulo: Editora Esfera, 2002.
47
Estas imagens foram coletadas a partir da capturação digital dos acervos de
obras especiais e raras nos seguintes campos de pesquisa: Na Biblioteca Pública do
Estado de Santa Catarina, na Biblioteca da Escola de Comunicação e Artes da
Universidade de São Paulo ECA/USP, no Centro de Documentação e Informação
Científica “Prof. Casemiro dos Reis Filho” da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo CEDIC/PUCSP e no Arquivo Edgard Leuenroth: Centro de Pesquisa e
Documentação Social da Universidade Estadual de Campinas – AEL/UNICAMP.
E para melhor apreender o discurso em estudo, especificamente o discurso da
moda, vamos orientar-nos e embasar-nos nos pressupostos teóricos e metodológicos da
semiótica francesa desenvolvida por Algirdas Julien Greimas. Esta auxilia-nos
empreender a nossa análise partindo da identificação da produção do sentido neste
discurso da moda, apresentado através do recorte deste corpus imagético. É neste
recorte que nos debruçaremos para descrever as articulações e regimes estabelecidos
entre os sistemas de manifestação visual e verbal, abrangendo o corpo e a roupa e a
espacialidade em que estes se manifestam.
2.2 A construção do recorte do corpus.
Para a construção deste recorte ocorreram três etapas bem definidas: a primeira
que se constituiu da coleta e digitalização das imagens (duzentas e setenta e cinco
imagens); a segunda: identificação das figuras e temas que se repetiram ao longo do
corpus coletado (treze imagens) e a terceira: seleção das imagens (quatro imagens) que
significam as recorrências de figuras e temas que são referências para a análise
semiótica desenvolvida nesta pesquisa.
48
Ao delimitar e sistematizar o recorte do corpus de pesquisa observamos que o
figurinista Alceu Penna ao produzir cada coluna de figurinos de moda na revista O
Cruzeiro, intitulava-a, utilizando-se dos temas para as matérias. A partir destes temas
incluímos também sub-temas que englobam cada qual práticas diferenciadas como:
práticas sociais, práticas culturais e práticas de consumo. E assim identificamos, na
globalidade, o universo do cotidiano feminino. Desta forma percebemos uma coerência
textual, auxiliando-nos no entendimento do mecanismo sintagmático englobado nas
isotopias encontradas ao longo do discurso delimitado e apreendido, que são compostas
de temas e figuras numa dimensão semanticamente discursiva.
Assim as recorrências referem-se aos temas e figuras relacionados a um discurso
da moda que se constrói nas práticas e valores do cotidiano feminino manifestados,
como o casamento, a maternidade, e os modos de vestir-se. O tema casamento
manifesta-se na figura da noiva, o tema maternidade nas figuras mães e filhos e o tema
moda na figura de corpos femininos vestidos e construídos (desenhos dos figurinos)
.
E
desta forma utiliza-se o método de identificar as repetições de figuras e temas que são
percebidas no universo total do corpus, e a partir destas recortar as imagens que serão
referências para nossa análise e descrição.
Segue abaixo um quadro no qual sistematizamos e delimitamos as figuras, os
temas e sub-temas abordados:
Quadro 1: Temas.
TEMAS E SUB-TEMAS DO UNIVERSO COTIDIANO FEMININO
01 CASAMENTO Noivas
Enxoval
Lingerie
02 MATERNIDADE Mamães
Filhinhas
Maninhos
03 MODA Moda internacional
Moda feminina
Moda infantil
49
A seleção das imagens coletadas, estão diretamente relacionado ao ponto de
vista de um universo do cotidiano feminino, constituído de suas práticas sociais,
culturais e até mesmo de práticas de consumo, estando todas estas inscritas no
semanário que por si produz e reproduz este conjunto de práticas no cotidiano. As
práticas e valores figurativizados pelos desenhos de figurinos de Alceu Penna são
constituídos de uma narrativa do social, em que os seus actantes são figurativizados nas
relações entre sujeito – objeto e destinador – destinatário.
O destinador revista O Cruzeiro (D
1
) e o destinador o figurinista Alceu Penna
(D
2
) designam uma operação sintáxica do enunciado do fazer. Estes fazem fazer suas
leitoras, destinatários, estas sujeitos de estado, a tornarem-se em conjunção com o
objeto de valor que são as criações ou propostas das novidades de figurinos desenhados
por Alceu Penna, inspiradas na moda internacional e da moda para ocasiões
diversificadas.
Assim, a revista semanal em foco, enquanto veículo de comunicação de massa
presta-se em informar-nos sobre o cotidiano, colocando-nos em relação com aquele
mundo presente, em que experiências cotidianas são vividas, como podemos ver logo a
seguir, apresentando as imagens do recorte deste corpus, um conjunto de imagens que
figurativizam o cotidiano feminino na preparação para o casamento, na relação maternal
e nos seus diferentes modos de vestir.
Todos os elementos e figuras que compõem a veiculação desta revista
englobam-se na espacialidade deste semanário, que está consonante com as questões da
relação do corpo e roupa, ou seja, ocorre a distribuição topológica no seu modo de
mostrar os figurinos de moda e os corpos que os vestem.
50
A seguir, mostra-se um conjunto de imagens que estão diretamente relacionado
aos temas e às figuras que englobam os figurinos de desenhos dos figurinos de Alceu
Penna, referente ao corpus da nossa pesquisa:
No conjunto de imagens acima referente ao cotidiano feminino, apresentando
um discurso da preparação do casamento, Alceu Penna propõe figurinos, desde o
enxoval, composto de vestes íntimas como modelos de lingeries tipo robes, anáguas e
camisolas. até o vestido de noiva. Neste discurso projeta-se um tipo de simulacro
feminino moldado ao casamento, a relação com o masculino, ou seja, a inserção no
social como constituição de família, abrangendo também a relação filial, vendo-se assim
uma mulher que se projeta coletivamente. E além disso configura-s também um tipo de
corpo feminino que é construído por meio do desenho de moda, ou seja, o figurino se
faz na dimensão visual do desenho que Alceu Penna desenvolve, que ênfase para o
Fig. 13: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro
, 1952, vol. 30 e pg. 50/51.
Fig. 12: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1954, vol. 29 e pg. 78/79.
Fig. 14: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1950, vol. 49 e pg. 126/127.
01 CASAMENTO
Noivas
Enxoval
Lingerie
51
quadril, demarca a cintura e proporcionando uma dinâmica de movimentação destes
corpos femininos que se mostram na diversidade de estilos e ocasiões diferentes do
cotidiano.
A figuratividade da relação entre mãe, filhos e filhas, mostrada no conjunto de
imagens referentes a maternidade, foi construída a partir do fazer criativo de Alceu
Penna, que é um fazer modalizador, projetando as suas leitoras, um simulacro de
mulher, que ao esperar seus bebês nascerem, ao interagir com seus filhos na fase da
infância, produzem relações no social, com o ser masculino e também com o ser
infantil. uma variedade de discursos que são construídos a partir das diferentes fases
de vida de um tipo de mulher inserida na família.
Fig. 15: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1955, vol. 30 e pg. 78/79.
Fig. 16: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1955, vol. 53 e pg. 110/111.
Fig. 17: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1952, vol. 15 e pg. 123.
Fig. 18: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1952, vol. 13 e pg. 107.
02 MATERNIDADE
Mamãe
Filhinhos
Maninhos
52
Neste terceiro conjunto manifestam-se imagens referentes ao discurso da moda,
uma moda internacional e nacional. Alceu Penna, enquanto destinador, delega papéis
sociais a um sujeito de estado, um tipo de mulher, que se torna conjunta com seu objeto
de valor, doando-lhe competência de um fazer querer trajar as criações relacionadas a
um modo de vestir, de um aparecer feminino, estendendo-o ao modo de aparecer
infantil. Destaca-se a moda feminina e internacional. A partir desta, Alceu Penna no seu
fazer interpretativo desenvolvido no plano da expressão, trouxe das últimas novidades
Fig. 19: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1953, vol. 39 e pg. 66/67.
03 MODA
Moda internacional
Moda feminina
Moda infantil
Fig. 20: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1954, vol. 26 e pg. 78/79.
Fig. 24: Imagem da coluna Figurinos, na
revista O Cruzeiro, 1951, vol. 17 e pg. 107.
Fig. 22: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1953, vol. 36 e pg. 64/65
.
Fig. 21: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1953, vol. 14 e pg. 62/63.
Fig. 23: Imagem da coluna Figurinos, na revista
O Cruzeiro, 1955, vol. 51 e pg. 110/111.
53
internacionais, dos principais centros de referência como Paris e Nova Iorque. Sendo
assim, consideramos a moda da coluna Figurinos como um destinador, prescritivo e
manipulador, na medida em que impõe padrões vestimentares do centro da moda
internacional à moda local, doando competências à leitora no seu fazer e nas suas
práticas sociais.
Como o semioticista Eric Landowski propõe em seu texto intitulado “Uma
Semiótica do Cotidiano (Le Monde, Libération)”, é possível fazer um recorte partindo
do ponto de vista do cotidiano, considerando a produção de sentido inscrito no discurso
da mídia, pois trata-se de um corpus inserido numa revista semanal segundo Eric
Landowski este discurso “[...] caracteriza-se como um instrumento excepcionalmente
poderoso de integração dos múltiplos universos de referência que ele toma como
objeto” (1992, p. 117). Um veículo de comunicação de massa que nos informa de tudo,
incluindo uma coluna de figurinos de moda onde estão construídos discursos de moda,
instalando uma relação comunicativa entre enunciador e enunciatário, ambos,
pressupostos na enunciação das imagens de moda criados pelo figurinista Alceu Penna.
Este é o enunciador, que opera as marcas constituintes da narrativa do cotidiano
feminino, sendo as leitoras, as enunciatárias. Estas poderiam pertencer a determinado
grupo social de mulheres sendo educadas para um modelo feminino, não nos cabe
agora, um aprofundamento deste assunto, mas referir apenas, que os estudos sobre as
mulheres, mais especificamente os estudos de gênero relacionados à educação
profissional feminina abordam esta questão. E para melhor compreensão do grupo
social ao qual Alceu Penna poderia estar destinando seus desenhos de figurinos de
moda. Para as mulheres, que poderiam ter acesso aos modelos internacionais por meio
da revista, serem estas possivelmente, de uma formação profissional de corte e costura
(formação de costureiras e modistas) e de prendas domésticas (formação para o
54
casamento e os cuidados do lar), sendo esta formação feminina oferecida pelas antigas
escolas profissionais femininas
4
.
Um recorte mais delimitado que tange a última etapa da construção do nosso
corpus, será trabalhado no decorrer dos próximos capítulos, servindo de referência para
a construção do sentido empreendido no todo da obra dos figurinos de moda criados por
Alceu Penna, situada naquele contexto social do universo do cotidiano feminino. Por
conseguinte, a figuratividade apresentada nas imagens selecionadas abaixo,
transcorrerão em um fazer descritivo e reflexivo.
4
Ver FERNANDES, Rosane Schmitz. “Escola profissional feminina de Florianópolis: reproduções
sociais e culturais “costuradas” pela educação popular (1935-1983)”. Dissertação de Mestrado em
Educação e Cultura. Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2007. E também
FERNANDES, Rosane Schmitz; GARCIA, Letícia Cortellazzi. “Escola Profissional Feminina e Ginásio
Feminino do Colégio Coração de Jesus: uma análise comparativa das práticas escolares em Florianópolis
(1935-1945)”. ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA: MÍDIA E CIDADANIA, XI. Anais
Eletrônico, Florianópolis, 2006.
CAPÍTULO III
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO SOB O PERCURSO DO OLHAR
SOCIOSSEMIÓTICO
3. 1 Uma abordagem sociossemiótica.
O objetivo da perspectiva sociossemiótica é compreender a construção do
sentido, ou ainda de forma mais ampla, a questão do “sens de la vie”, expressão esta
que, segundo Eric Landowski (2005, p. 07), era freqüentemente citada por A. J.
Greimas. Na direção deste pensar, constatamos que este “sentido da vida” está presente
nos discursos e práticas que se produzem nas relações comunicativas estabelecidas nas
mídias, ou seja, nos meios de comunicação de massa, como exemplo, a coluna
Figurinos, constituída de imagens de moda, integrada à revista semanal O Cruzeiro, o
nosso texte-objetsendo esta uma expressão utilizada também por Landowski (2005,
p. 08).
Para nossa análise, interessante é englobar este “texto-objeto” em um “mundo
humano que nos parece se definir essencialmente como o mundo da significação”
conforme Greimas citado por Landowski (2005, p. 08). Estamos, assim, direcionando
nosso compreender, do âmbito de um conhecimento do social para um âmbito sócio-
semiótico. Eric Landowski, que se ocupa dos estudos dos textos visuais construídos a
partir dos discursos publicitários e políticos, dá-nos também subsídios para entender os
56
discursos da moda, utilizando a sociossemiótica que estuda “atos sociais
transformadores das relações intersubjetivas” segundo Eric Landowski (1992, p. 10).
Contudo, refletir sobre o discurso da moda, é fazer parte de um projeto maior de
reflexões socialmente construídas, como Eric Landowski propõe:
Seguramente, a moda não intervém apenas no plano temporal por uma renovação
continua dos princípios de reconhecimento interindividual através da duração. No
momento em que ela e em circulação formas que podem ter valor de signos de
afiliação facilitando a constituição ou a afirmação de grupos sociais qualitativamente
distintos uns dos outros, ela é também um fator de segmentação e de articulação do
espaço social (2002, p. 94).
Assim, ao mesmo tempo que reflete globalmente a segmentação do corpo social, e até,
enquanto contribui para estabiliza-la sob a forma de maneiras de ser de fazer colocadas
diferencialmente para cada grupo como norma do momento, a moda contribui, pelos
jogos do parecer que torna possíveis, para certa labilidade das relações sociais:
diferenciação das identidades no interior do espaço das relações intersubjetivas e
regulação temporal das formas e manifestação dessas identidades não são dissociáveis
(2002, p. 96).
[...] a moda existe mesmo enquanto imprime um ritmo num devir coletivo, do qual
ela é ao mesmo tempo um dos motores das manifestações mais visíveis (2002, p. 98).
É neste complexo das competências modalizadoras de ser e fazer que
utilizaremos um método descritivo da construção do sentido do texto. Na dinâmica
desta construção ocorre uma passagem do nível narrativo ao nível discursivo quando
identificamos as isotopias constituídas nos temas e figuras dos modos visíveis do
feminino, como as mulheres se vestem e se mostram por meio da roupa, do corpo, do
gesto, do penteado, dos acessórios variados entre eles adereços de cabelo, adornos do
corpo como brincos, colares, pulseiras e ainda calçados, bolsas, buquês, luvas, e
chapéus. Todos estes elementos fazem parte de um “mecanismo de reconhecimento”
segundo o pensamento de E. Landowski (2002, p. 98), produzindos os efeitos de sentido
e colocando em circulação valores e papéis adotados, concernentes a um discurso, a um
texto visual: a moda.
Para dar continuidade ao empreendimento de nossa discussão e análise, eis que
nos deparamos em outra etapa deste processo de construção do sentido, o “fazer
semiótico” que como propõe Landowski (2001, p. 25) ampara-se na dinâmica do nosso
57
olhar, conforme cita no seu artigo “O olhar comprometido” (2001, p. 26), “[...] é
sobretudo – tentar compreender, num segundo grau, o que faz com que compreendamos
de tal maneira, e não de outra o que compreendemos (aquilo “que nos interessa” ou
aquilo “que se passa”)”. Este é o nosso desafio de compreender não num primeiro
grau o discurso da moda inscrito num determinado meio de comunicação de massa, mas
transcender, ir além numa descrição, compreensão da construção do sentido em que nele
se produz.
Assim embasados na teoria geral da semiótica discursiva francesa desenvolvida
por A. J. Greimas, que a partir das suas postulações abriu possibilidade para outras
problemáticas do estudo da significação, procurando estender para uma abordagem
sociossemiótica na qual Eric Landowski (2001, p. 24) nos leva a compreender certas
“manifestações significantes” como objetos abertos para melhor conhecer o mundo, o
estar no mundo, ou seja, como entender estas manifestações, considerando-as:
[...] abertas, “dinâmicas”, ainda por vir, isto é, que não oferecendo o caráter de unidades
fechadas, só se deixaram captar em ato. Não são textos (mesmo em sentido amplo), mas
interações em curso, práticas, por exemplo sociais (micro ou macro sociais), se
fazendo: uma greve que nunca termina, uma crise internacional que ameaça chegar,
uma nova moda que se espalha repentinamente , ou, num outro plano, a cena doméstica
que , de tanto se repetir, transforma-se em um estilo de vida, ou ainda, menos trivial
talvez, certa paixão que sentimos nascer em nós ou, ao contrário, que vemos se desfazer
no outro. Tais processos captáveis somente in vivo, gostaríamos também de poder
analisá-los tanto mais que, em vez de sermos suas simples testemunhas (como o
espectador de olhar distante diante de sua catedral), somos agora, de maneira direta,
partes interessadas no resultado da sua própria maneira de fazer sentido ao se
realizarem (2001, p. 24 e 25).
De maneira geral, lidar com os modos do fazer semiótico, sendo um deles a
sociossemiótica que nos proporciona procedimentos para um refletir do percurso
gerativo do sentido, constituído de três níveis, a saber: o primeiro é o nível fundamental
onde surgem as categorias semânticas de oposição, o segundo nível é o narrativo,
constituído da organização da narrativa do ponto de vista de um sujeito e, por fim, o
terceiro vel discursivo onde a narrativa é assumida pelo sujeito da enunciação.
58
Ressalta-se que cada nível destes possuem seus componentes sintáxicos e semânticos. E
ainda contamos para análise e reflexão com o regime de sentido que engloba os regimes
de interação e de visibilidade. Assim, dão-se a conhecer os efeitos de sentido que nos
colocam em relação aos modos do fazer os quais abrangem um fazer fazer, um fazer ser
e um fazer ver.
Ao partirmos do discurso,e do desenrolar do percurso gerativo do sentido,
constatamos uma dinâmica da produção deste sentido através de relações entre um
sujeito e um objeto de valor, que se colocam em níveis subseqüentes, do simples e
abstrato o nível fundamental, ao intermediário o nível narrativo até tornar-se mais
complexo e concreto o nível discursivo em que as qualidades sensíveis são
manifestadas no plano da expressão que materializa o plano do conteúdo. Desenrolar-
se-á assim a nossa descrição do texto sincrético escolhido por uma metodologia que
propõe um método descritivo para a análise do arranjo visual e verbal do texto.
3. 2 Enunciação: Discursos e Narrativas do Sentido construído na Moda.
Os procedimentos semânticos para análise do discurso produzido pelo
enunciador, o figurinista Alceu Penna instala-se na totalidade de uma dada enunciação
com os seus desenhos ou figurinos, produzidos e criados conforme seu crivo de leitura
do mundo em que estava inserido, constituído de figuras e temas que concretizam seus
valores assumidos como sujeito do discurso.
Estas figuras e temas são construídos, concomitantemente, entre o discurso e a
narrativa com os quais nos deparamos. No espaço de mediação da enunciação, pelo qual
59
o enunciador deixa suas marcas, e passa a produzir sentido ao se colocar em relação ao
enunciatário. Segundo Greimas, a enunciação
1
define-se da seguinte maneira:
Podemos saber algo porque a enunciação possui uma estrutura que é aquela
do enunciado e que, conhecendo a estrutura do enunciado e conhecendo um
dos elementos deste enunciado que foi manifestado, podemos, logicamente,
pressupor a existência de outros elementos deste enunciado que se chama
enunciação (1974, p. 10).
Na imagem da figura 25, na qual o figurinista Alceu Penna aborda o tema do
casamento, são manifestados diferentes modelos de vestidos de noiva que se
homologam na relação entre os dois planos de linguagem: conteúdo e expressão. É na
enunciação que estes planos se constroem e por suas escolhas e arranjos Alceu Penna
mostra ao analista os seus modos de construção autoral e sua relação com outros
estilistas, que também possuem sua própria constituição autoral. Ocorre, portanto, um
processo de intertextualidade, que enreda um texto matriz em outro texto que com ees
interage dialogicamente. Precisamos compreender como se dá a criação de Alceu Penna
tendo por base criações de outros estilistas.
A intertextualidade é um modo de funcionamento do texto, que acontece no
terreno da enunciação, no dialogismo entre o eu da enunciação e o outro de outra
enunciação de um enunciado. Na manifestação textual de Alceu Penna visualiza-se um
diálogo entre este figurinista que assume um eu de sua enunciação com o eu enunciador
de outros estilistas como Pierre Balmain, Hubert Givenchy, Jacques Heim, Jacques
Fath, Carven, Christian Dior. Por meio dos desenhos dos figurinos como podemos
observar nos enunciados é possível a depreensão dessa dialogia enunciativa. Os estilos
da moda européia são mostrados não somente nos traços dos desenhos, mas também nas
palavras de Alceu Penna, manifestando as outridades presentes na diversidade da
manifestação textual. Ele não as esconde, ao contrário, as nomeia e, particulariza esses
1
Ver também em COURTÉS, Joseph e GREIMAS, Algirdas Julien. Dicionário de Semiótica. Tomo I.
São Paulo: Editora Cultrix, 1979.
60
qualificadores com os quais a sua especificidade qualificadora põe-se em intervenção
aberta. Assim ocorre uma “intertextualidade estilística, compreendida como a imitação
de um estilo por outro” (DISCINI, 2009, p. 223), sem que o estilista perca a sua
identidade, sua originalidade porque como diz Verón “[...] trabalha-se sempre sobre
vários textos, conscientemente ou não, que as operações na matéria significante são,
por definição, intertextuais” (VERÓN apud KOCH, 2000, p. 48).
Alceu Penna inspira-se na moda européia para utilizar-se dos estilos dos seus
criadores de moda em seus figurinos desenhados. Desta forma mostra que dialoga com
outros estilos, mantendo as características do seu traço como o tipo de corpo magro, o
quadril em evidência, a noção de jogos de olhares ora em devaneios, ora confrontantes,
ora em cumplicidade, ora em sedução; o movimento nos corpos e gestos, as posturas, o
portar-se diante dos outros que as olham marcado por uma intencionalidade do “não
querer não ser visto” e os detalhes nos acessórios e adornos. Estes são os elementos
complexos na sua trama que contribuem para a construção do estilo do fazer criativo de
Alceu nos figurinos do vestuário em si. Seu estilo construído a partir de outros estilos
traz nele a sua visão de mundo, crenças e valores próprios mas também esses dos
outros. A questão do estilo, Norma Discini reitera, é compreendida na construção de um
estilo por outro:
[...] um estilo, construído sobre o outro, mostra esse outro e, ao fazê-lo,
mostra o próprio direito, ou seja, o mundo de crenças que o constitui
enquanto eu, e o próprio avesso, ou seja, as crenças do outro, enfrentamento
sem o qual o eu não se constitui [...] (2009, p. 224).
61
Figura 25: “Noivas” - desenhos de Alceu Penna da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1954, vol. 29 e pg.
78/79.
Para as belas noivas de maio, Paris nos envia suas últimas
criações através de desenhos de Alceu Penna.
Na página ao lado: 1.
o
) Um vestido em organdi com
bordados de renda valenciana na blusa e na saia formando
um avental. Uma larga faixa de tafetá drapeada completa.
PIERRE BALMAIN.
2.
o
) Um modêlo em brocado, criação de Hubert
Givenchy a saia pregueada na frente prolonga dos lados
uma prega que cruza e forma um cinturão. A blusa é
simples e de corte severo.
3.
o
) JACQUES HEIM Escolheu um organdi com
desenhos aveludados para o vestido e um organdi liso para
a gola e bordados de frente da saia.
4.
o
) JACQUES FATH Realizou em renda grossa
rebordada de “soutache” um vestido de saia sòmente
“evasé” com bolero que oculta um vestido de baile para
depois de dia do casamento.
Nesta página, temos:
5.
o
) Um vestido com tiras de bordados suíço muito rico,
entremeados com barras de organdi liso. Criação de
CARVEN, e afinal um vestido em “moirré” branco e
prata, de JACQUES FATH, de corte severo quebrado pelo
original, véu longo guarnecido de um bordado em renda
“chantelly”. Na cabeça um tocado formado de pequenos
laços do tecido do vestido.
5
o
modelo
a lá Carven
6
o
modelo
a lá Jacques Fath
1
o
modelo
a lá Pierre Balmain
2
o
modelo
a lá Hubert Givenchy
3
o
modelo
a lá Jacques Heim
4
o
modelo
a lá Jacques Fath
A configuração topológica que abrange o
sincretismo nestas páginas da coluna apresenta
- nos estes seis modelos de figurinos de moda
do segmento noivas. Engloba o movimento dos
corpos que estão levemente inclinados para a
esquerda, inclui também o movimento das
roupas, em seus babados e no acessório
específico do véu da noiva que se movem para
direita. também o movimento que está
presente no verbo visual da expressão do título
Noivas em itálico, que segue o movimento das
outras figuras da expressão, como o vestido, o
véu e os gestos dos braços e das mãos. A pose
se diversifica para dar evidência ao ventre
como se pode ver no primeiro modelo,
evidência ao quadril em quase todos os
modelos. No terceiro modelo em primeiro
plano, posa de lado colocando em destaque os
seios e o ventre. E no quinto modelo podemos
observar a formação de losango que em em
ênfase os ombros e braços que dão suporte ao
buquê de flores. Existe um conjunto de
elementos complexos que proporcionam forma
aos modos de presença estabelecidos nesta
estrutura textual e também dão força aos
regimes de interação e visibilidade que se
instalam na estrutura deste texto sincrético.
62
Considerando o nível discursivo, constatamos que o tema casamento se
concretiza na figura da noiva, mais precisamente no vestido de noiva sendo este o nosso
texto base, para discorrer sobre como o sentido se faz presente nas sugestões de um
modo peculiar de vestir-se: o vestir-se de noiva. Assim, tomando o todo da enunciação
desta imagem que se compõe de sobreposições distintas de linguagem, ora uma
linguagem verbal escrita, ora uma linguagem verbo-visual, selecionamos nosso ponto
de partida das marcas de um sujeito pressuposto neste todo. Observando que na
totalidade deste texto e na sua sincretização operam uma relação de comunicação
interativa, tentaremos descrever o que o texto diz e como ele opera para dizer o que diz.
Do nível discursivo operamos a passagem para o nível narrativo, considerando a
primeira parte do enunciado: Para as belas noivas de maio, Paris nos envia suas
últimas criações através de desenhos de Alceu Penna”. Constitui-se a primeira forma de
uma “estrutura actancial” segundo Greimas (1974, p. 10) pois está implícita a relação
sujeito/objeto, a relação destinador/destinatário e a relação adjuvantes/oponentes. O
programa narrativo que se estabelece pelas posições actanciais é: PN = F[S
1
(S
2
O
v
)]
2
. Ele modaliza numa função o papel criativo de que a revista O Cruzeiro - destinador
dotado do seu fazer fazer de um saber e poder fazer, põe a circular aos leitores,
entregando-lhes as últimas criações nos desenhos de Alceu Penna, na sua coluna
Figurinos, que assum ser um destinador julgador do programa narrativo que é
valorizado e sancionado positivamente. Dentro de um contexto comunicativo em que se
2
De acordo com a teoria da semiótica discursiva do plano do conteúdo no nível narrativo da sintaxe do
texto. E segundo Denis Bertrand o programa narrativo “é a estrutura sintáxica elementar que vem
“musicar” o paradigma actancial, pela relação entre o sujeito e objeto, instaurados como hiperactantes”
(2003, p. 290).
PN = programa narrativo
F = função
= transformação
S
1
= sujeito do fazer
S
2
= sujeito do estado
= conjunção
O
v
= objeto-valor
63
sugerem as leitoras as últimas novidades da moda noiva de Paris, estas entram em
conjunção com as últimas criações da moda parisiense, o objeto de valor, com um
poder e saber criar do figurinista Alceu Penna. Segue abaixo nosso modelo quanto ao
programa narrativo inscrito/implícito neste enunciado, sendo este o programa de base:
PN = F (fazer fazer) [(S
1
(revista O Cruzeiro) S
2
(desenhos de Alceu Penna) (S
3
(belas
noivas de maio) O
v
(seguir as últimas criações de Paris = estar no grito da moda, vestir-se
com o novo, aquele ditado por Paris)].
Os demais modelos do programa narrativo indicam os programas de uso subseqüentes.
Vemos ainda que os modelos, destas estruturas actanciais da construção do sentido em
uma sintaxe narrativa, seguem as etapas de um enunciado elementar para um programa
narrativo, depois para um percurso narrativo e, por fim, para um esquema narrativo que
faz parte da organização da narrativa. Atemo-nos na segunda parte do enunciado, em
que se caracteriza a passagem de estilo dos criadores franceses de moda citados no
próprio enunciado, configurados no plano do conteúdo, como programas narrativos de
uso, para os modelos dos desenhos de figurinos criados por Alceu Penna, no plano da
expressão, a manifestação plástica dos elementos que se integram, a qual difundia a
moda internacional para o público brasileiro.
A partir do seu traço que constrói um tipo de corpo, de roupa, de gesto e de
olhar, cada categoria desta manifesta-se no plano da expressão ou no plano do conteúdo
e homologam-se entre si. Por meio destas categorias, vamos identificar com as
recorrências e as diferenças, se elas organizam uma dinâmica que se distribui no todo
das páginas. Por exemplo: o tipo de corpo que podemos ver em todos os modelos,
magro e de cintura bem marcada, bem como as silhuetas, os detalhes
e os olhares. No
tipo roupa, os figurinos de noiva, cada qual com seu modelo à la Pierre Balmain, à la
Hubert Givenchy, à la Jacques Heim, à la Jacques Fath e à la Carven. Surgem as
diferenças nos tipos de mangas, de punhos e decotes. Além dos diferentes tecidos,
64
bordados figurativizados em suas texturas e formas. diversidade nos acessórios e
adornos como: luvas, brincos, véus, faixas, tocados, laços e buquês. Apresenta-se uma
descrição dos modelos de vestido de noivas, e as leitoras projetam-se enquanto
simulacro de mulher como noiva. Para melhor ilustrar, segue a baixo um quadro
explicativo:
Quadro 2
3
: Categorias de expressão e conteúdo do figurino de noivas.
Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo
6
Estilos À la Pierre
Balmain
À la Hubert
Givenchy
À la Jacques
Heim
À la Jacques
Fath
À la
Carven
À la
Jacques
Fath
Corpos Magro, longilíneo,
silhueta ampulheta
Magro,
silhueta
ampulheta
Magro,
longilíneo,
silhueta
ampulheta
Magro,
silhueta
ampulheta
Magro,
silhueta
ampulheta
Magro,
silhueta
ampu-
lheta
Peças Vestido longo Saia e blusa Vestido
longo e
sobre saia
Vestido
longo, saia e
bolero
Vestido
longo
Vestido
longo
Mangas Compridas com
punho francês
Compridas
Compridas
Compridas Curtas,
tipo capa
Compri-
das
Decotes Gola com
colarinho
Redondo Gola com
colarinho
Em V Em V Em V
Tecidos Organdi liso Brocado Organdi liso
e estampado
Não referido
no texto
Organdi
liso
Moirré
Bordados Renda valenciana Não referido
no texto
Não referido
no texto
Renda
grossa
soutache
Tiras de
bordado
suíço
Renda
chante-
lly
Acessórios Faixa e véu longo Véu curto,
tocado e
brincos
Véu curto,
tocado,
brincos e
luvas
Véu longo,
tocado e
brincos
Véu
longo,
tocado,
luvas e
buquê
Véu
longo,
tocado,
laços,
faixa,
luvas e
brincos
Os programas de uso que se formulam, a seguir, referem-se aos modelos que
imitam uma moda internacional, da qual Alceu Penna desenvolve a criação do figurino
de moda para o segmento de noivas, imprimindo seu modo identitário deste fazer
criativo.
3
Este quadro teve como referência para formular as categorias listadas o livro “Fashion Design: manual
do estilista” da autora Sue Jenkyn Jones, 2005.
65
Na enunciação está instaurada a articulação dos sistemas integrantes destes
níveis de manifestação, o corpo e a roupa, em que a figura feminina que está no
enunciado entra em contato e diálogo com a leitora-enunciatária, que faz ver um corpo
construído a partir dos seus olhares, posturas, gestos e membros (cabeça, face, pescoço,
colo, ombros, braços e mãos) e o qual está vestido dentro do ponto de vista das escolhas
do enunciador que inclui a criação do estilo de Alceu Penna inspirado na moda
internacional de outros criadores.
PRIMEIRO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) (S2 (desenhos à la Pierre Balmain de noivas de
Alceu Penna) Ov (vestido em organdi)].
Neste primeiro modelo, o programa narrativo da
visualidade no desenho desta figura feminina trata
do que faz ver esse corpo portado de maneira que se
mostra por meio da cabeça inclinada para cima, está
para um alhures, o penteado se faz pelos cabelos
castanhos presos juntamente com o véu que faz
mover o corpo para traz. O olhar em devaneio, os
seios e os quadris em evidência, a cintura
demarcada pela faixa em organdi e as mãos fazem
ver os detalhes da renda valenciana que está no
baixo ventre.
66
SEGUNDO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) ( S2 (desenhos à la Hubert Givenchy de noivas de
Alceu Penna) Ov (modelo em brocado)].
TERCEIRO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) (S2 (desenhos à la Jacques Heim de noivas de Alceu
Penna) Ov (vestido em organdi com desenhos aveludados e um organdi liso para a
gola)].
A figura do corpo feminino desenhado de perfil trata de
uma verticalidade dada ao corpo. A cabeça está inclinada
para um alhures, e ainda coberta por um casquete que
lugar ao penteado, o olhar esnuma posição de altivez,
sua postura ereta retoma o seu papel temático do
casamento juntamente com seus valores de elegância,
conservadorismo e recato. O contraste entre o liso e os
desenhos aveludados produz efeitos de sentidos voltados
para texturização dos materiais utilizados para a confecção
deste figurino, além do cromatismo em rosa claro que
manifesta as formas circulares dos desenhos no tecido. Os
seios são destacados pelo tecido e o seu corte e os babados
em organdi liso dão ênfase ao baixo ventre. O conjunto
dos acessórios tipicamente de noiva constituem-se do véu
curto, casquete e luvas brancas.
Neste segundo modelo desenhado a cabeça está
para baixo para um alhures. O penteado preso mais
uma vez com o u escorrelacionado ao loiro dos
cabelos, sendo estes, destaque no cromatismo do
figurino. O olhar também se dirige para baixo, os
seios e os quadris mais uma vez estão em evidência,
além da cintura, o que tornar-se uma constante, as
mãos posicionadas pra traz reforçam o volume do
vestido dando ênfase nos seios e no baixo ventre. O
estar vestido para o lugar e o tempo dos sonhos do
sujeito, este sujeito que é um simulacro feminino
que almeja o casamento.
67
QUARTO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) (S2 (desenhos à la Jacques Fath de noivas de Alceu
Penna) Ov (vestido em renda grossa rebordada de “soutache”)].
QUINTO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) (S2(desenhos à la Carven de noivas de Alceu Penna)
Ov (vestido com tiras de bordado suíço muito rico)].
uma frontalidade do face a face da figura feminina com o
leitor que dialogam entre si por meio do enunciado desenho. A
cabeça está mais uma vez adornada com um casquete. O
portar-se das mãos enluvadas dirigem-se para frente assim
como o olhar se dirige diretamente para o leitor no aqui e
agora. A face rubro insinua um sorriso, apresentando alguns
indícios de um fazer maquiar-se. O vestido em renda francesa
de soutache promove a texturização do material têxtil,
mostrando o recorte abaixo dos seios e salientando-os, mostra a
cintura sendo demarcada novamente e o recato no decote em
“v”.
O efeito de sentido na forma triangular está presente
no todo deste figurino desenhado. um sincretismo
que inclui as linguagens do corpo, do gesto e da
roupa. O corporal abrange o olhar que se dirige para o
alhures de um lado e a inclinação do tronco para o
outro lado oposto, produzindo a sensação de
movimento. Os braços flexionados ligam-se para
servir de suporte ao buquê e configuram um losango,
dando ênfase aos ombros. A continuidade das formas
triangulares percorre a saia, na parte superior e
inferior da mesma, assim o efeito de bordado suíço se
dá pelo cromatismo rosa com a ruptura do branco.
68
SEXTO MODELO
PN = F[S1 (revista O Cruzeiro) (S2(desenhos à la Jacques Fath de noivas de Alceu
Penna) Ov (vestido em “moirré” branco e prata)].
Os modelos propostos pelo destinador significam a delegação das competências
cognitivas de um dever fazer e um querer para as leitoras, se manter na atualidade da
moda no seu casamento. Dessa forma, o modelo é uma fórmula de programa de
competência ao qual a leitora pode ou não seguir, mas que lhe é posto como um
argumento de autoridade de quem sabe e pode lhe convencer de que aderindo a sua
escolha à sugestão é estar na moda.
O percurso do destinador, e também do co-adjuvante figurinista Alceu Penna,
constitui-se do programa de competência de um fazer poder e saber-criar, tendo como
resultado da performance a criação de novos modelos dos figurinos de moda de noivas.
Passando para o percurso do destinador-manipulador, deparamo-nos com a
instauração do contrato para o convencimento do destinatário a cumpri-lo e surgem
dois papéis actanciais do fazer-persuasivo ou fazer-crer que vai de encontro ao fazer-
Neste último modelo, o corpo está inclinado para o
lado esquerdo e o olhar está instalado frontalmente
com o leitor, olho no olho e aqui e agora. A cabeça
está adornada com um casquete com um laço
frontalmente fixado que acompanha um longo véu.
Outro laço adorna a marcação da cintura, estando este
para parte das costas. A cor azul reitera-se no laço da
cintura e nos bordados franceses moir. Nos
acessórios, o branco do par de brincos reitera-se nas
luvas brancas. Os seios estão destacados a partir do
recorte da parte superior do vestido. E na parte
inferior sobrepõem-se duas saias, a superior bordada
produzindo mais volume e a inferior complementando
o comprimento do vestido.
69
interpretativo ou crer do destinatário, concretizando uma ação manipulativa
4
, a
sedução. O fazer de Alceu Penna é um fazer modalizador, julgador-sancionador e
manipulador para um fazer fazer da sedução.
Cabe ressaltar a questão de que Alceu Penna desenvolve seu fazer
caracterizando seus desenhos por meio de outros criadores, estes renomados nomes,
referências da moda internacional, especialmente da moda parisiense. Ele adota um
estereótipo de mulher ocidental, européia, do primeiro mundo, de um corpo magro e
esguio e com papéis sociais exercidos em determinado grupo social que se distingue dos
de mais, que são figurativizados em seus desenhos para seduzir a sua leitora a querer ser
um sujeito da moda.
Quadro 3: Percurso narrativo I.
Forma de manipulação Competência do
destinador- manipulador
Fazer-persuasivo
Fazer-crer
Competência do
destinatário
Fazer-interpretativo
Crer
Sedução saber e poder
dever e querer
querer-fazer
querer-ser
saber e/ou poder-fazer
saber e/ou poder-ser
O sujeito assumindo o contrato com o destinador, este o recebe uma
recompensa, caso contrário ele recebe uma punição. No caso desta narrativa não
ocorrem explicitamente estas sanções, elas o pressupostas. É uma narrativa de
natureza prescritiva e descritiva, tem um papel informativo e indutivo. Mas ainda sim
ocorrem estas relações pressupostas entre sujeito e objeto de valor.
Quadro 4: Esquema narrativo I.
4
Esta ação é fundamentada no nível da sintaxe narrativa do texto que prevê quatro classes de
manipulação no percurso narrativo: a provocação, a sedução, a tentação e a intimidação. Ver em Diana
Pessoa L. de Barros, “Teoria Semiótica do Texto” e Denis Bertrand, “Caminhos da Semiótica Literária”.
70
Percurso do destinador-manipulador Percurso do sujeito
figurinista Alceu Penna
Percurso do destinatário
julgador público-leitor
Contrato entre revista O Cruzeiro e Alceu
Penna, que desenha os figurinos das
últimas criações de Paris, com as leitoras
da coluna Figurinos.
Das leitoras da coluna
Figurinos, que,
pressupostamente, assumem
o cumprimento do contrato.
Engloba a sanção que é
positiva, pois o público-
leitor feminino, a partir de
suas competências
modais, tomará a decisão
de seguir as novas
criações de Paris
desenhadas por Alceu
Penna.
As estratégias que a moda aplica e explora, em síntese configuram-se numa ação
de manipulação, implicando um percurso persuasivo e prescritivo de regras a serem
seguidas. Os meios disponíveis e as condições favoráveis concretizam o alcance de
objetivos específicos. Neste sentido a moda depende da interação entre o corpo e a
roupa, dos meios de comunicação e da produção de discursos, de objetos e de valores. E
os textos que permeiam este mundo da moda, encontram-se, segundo Ana Claudia de
Oliveira “[...] as orientações volitivas que animam o estado desejante dos consumidores.
Mas a exposição desses a tantas manipulações para produzir o querer, acaba
restringindo as ocasiões para se gozar o sentimento de satisfação dos desejos realizados
e o prazer de plenitude” (2002, p. 129).
3. 3 Modos de Presença Feminina.
Os modos de presença constituem-se nos efeitos de sentido produzidos a partir
das imagens dos figurinos de Alceu Penna, e nelas se operam uma relação
intersubjetiva, ou seja, entre os sujeitos femininos que se mostram vestidos a partir das
combinações construídas nas roupas, nos acessórios, nos adornos, nas posturas, nos
gestos e nos olhares que são contemplados por outros sujeitos observadores. Tomamos
as imagens de moda, como objetos do nosso olhar, e assim, elas se fazem presentes
71
diante de nós. Desta forma fazem-se apropriadas as seguintes palavras de Eric
Landowski:
Independentemente das concepções ou dos preconceitos refletidos no modo de
construção, bem como daquilo que “representar”, uma imagem é, com efeito, de início,
por si mesma, presença. Ela nos e imediatamente em contato com alguma coisa que
não é um discurso sobre algum suposto referente (aqui “a” mulher?), mas que é, nem
mais nem menos, a presença da própria imagem enquanto tal, como realidade plástica
(2002, p. 126).
Ao colocarmo-nos perante as imagens a seguir, as figuras 26 e 27, imagens de
moda, figurativizadas através dos desenhos de Alceu Penna, deparamo-nos com o
próprio enunciador, revelado nos cantos de cada gina, assim transcritas: Desenhos
de ALCEU PENNA.
Nosso intuito, ao apresentar tais imagens, com um enfoque nos modos de
presença feminina, é abordar algumas questões: Como estas mulheres presentificam-se
neste espaço enunciativo e comunicativo? Como estas se mostram? Como se
constroem? Quais as combinatórias no plano da expressão? Qual a sintaxe construída
através do próprio corpo, gesto, roupa e acessórios que se colocam diante de nós?
Voltemos mais uma vez nosso olhar, como diria Landowski (2002, p. 127), para
estas mulheres-figuras de corpos de papel”. Estas, neste contexto, são construídas
por meio dos desenhos de figurinos de Alceu Penna em sua coluna Figurinos, e
possuem os elementos que marcam os modos de presença feminina, ou seja, de um tipo
de mulher projetada enquanto simulacro feminino para as leitoras da coluna. No texto
visual dos desenhos remete-nos-emos à plástica e aos elementos da expressão que as
concretizam. E em relação ao texto verbo-visual, faremos a transcrição literal dos
elementos do conteúdo, abrangendo os dois planos de linguagem que compõem a
totalidade destas imagens. Nelas a coluna Figurinos, competencializa um tipo de mulher
que desempenha seu papel social dentro da família, no mundo social e no mundo da
moda. A moda é doadora de competências cognitivas, é o destinador prescritivo e
72
manipulador, impondo determinados padrões vestimentares da moda internacional, das
tendências norte-americanas, vistos na figura 26, uma série de modelos propostos para
mamães e suas filhinhas.
Ao observarmos os modelos sugeridos da figura citada, há uma projeção do
leitor enquanto sujeito do querer estar em conjunção com o objeto de valor ter amigos,
relacionamentos sociais, e, além disso, a projeção de outra sociabilidade na concepção
do vestir a criança como o adulto, assim conduzindo esta a se mostrar similarmente à
mãe. Ocorrendo a prescrição do papel temático da mulher no social brasileiro.
As interações instaladas na dimensão topológica distribuem-se justamente no
portar-se dessas figuras femininas, que estabelecem interações dialógicas entre si
quando se vestem da mesma maneira, quando trocam olhares entre as mães, entre as
filhas e entre as mães e filhas. E também quando o enunciado projeta por meio do texto
verbo-visual no título “Igual ao da mamãe” que se reitera na cor azul da palavra para o
vestido.
73
Figura 26: “Igual ao da mamãe” - da coluna Figurinos na revista O Cruzeiro,1955, vol. 53 e pg. 110/111.
NOS Estados Unidos existe uma fantasia
sentimental lançada pelos costureiros que
consiste em realizar modelos idênticos para
mãe e filha. Estas criações são difundidíssimas
e todo grande “magazin” tem diversas
sugestões em seus estoques habituais.
Prestigiando o dia da criança, O CRUZEIRO
julgou oportuno publicar estas criações que
oferecemos hoje para o orgulho das mães e das
filhinhas.
Temos uma série de modelinhos
simples em algodão, lançadas por DE PINNA,
e um vestido, em listrado vermelho e branco
com barras horizontais no decote e as alças em
fustão branco.
RUSSEKS lança vestidos de corpo
longo para crianças e adultos, saia franzida,
blusa com vieses e laços prendendo os botões
da mesma côr do vestido.
HABRAHAM STRAUS incrusta
vieses em cetim de algodão do mesmo tom
num vestido em popelina, na blusa, e entre os
panos da saia.
Desenhos de ALCEU PENNA
Os modos de presença nesta figura estão distribuídos
na dimensão espacial da superfície retangular destas
páginas da coluna constituída de um texto sincrético
que se manifesta ora pelo visual do desenho, ora
pelo verbo visual do texto escrito na legenda
explicativa. O jogo de olhares e a relação
intersubjetiva são constantes neste discurso e
tematizam as sociabilidades femininas e infantis
desenhadas no gesticular e posturas corporais. As
figuras femininas das mães que dialogam entre si e
das meninas sentadas logo abaixo, tematizam
também os cuidados maternais, sendo que as figuras
das meninas interagem alternadamente com a leitora,
acontece o olhar projetado para fora e o olhar que se
dirige para o outro no interior do texto. O jogo
acontece também na reiteração dos modelos
idênticos dos vestidos presentes nas mães e filhas.
Estes vestidos também reiteram as cores principais
da bandeira da nação dos Estados Unidos, onde os
criadores norte-americanos se inspiram para
identificar suas criações com o espírito patriótico e
valores sociais por meio da bandeira nacional do
país que dita tais tendências vestimentares no
segmento feminino adulto e infantil. Na outra
página, as duplas femininas dialogam entre si, o
olhar é dirigido uma a outra. Os modelos dos
vestidos reiteram-se entre si mas diversificando-se
nos adornos e acessórios como o uso do chapéu,
meia ¾ e os calçados tendo estes como marca de
infância o modelo boneca e como marca de adulto o
scarpin preto com bolinhas brancas, o clássico petit
pois.
Modelos lançados por
DE PINNA
Modelos lançados por
RUSSEKS
Modelos lançados por
HABRAHAM STRAUS
74
E na figura 27, vemos os padrões vestimentares da moda clássica parisiense, de
Christian Dior e, como denuncia o texto, este é considerado “o der da costura
parisiense”. O destinador explicita seus atos manipulatórios, ao dizer no enunciado:
“Dior faz-nos crer que ainda não encontrou a sua posição anatômica”. A ordem é seguir
as novas maneiras de posicionar a cintura feminina, oferecendo uma certa liberdade
para estes corpos tão aprisionados à uma forma cristalizada. A intertextualidade é
explícita, comprovada no enunciado da figura 27: “Todos os modelos destas páginas são
de Christian Dior”. Como dito acima, os desenhos de Alceu Penna são construídos com
base nos modelos do estilista francês Christian Dior, desta forma aquele torna-se um
mediador e difusor da moda internacional da década de 1950 para as leitoras brasileiras.
A disposição espacial e topológica das páginas da coluna Figurinos desenvolve-
se mediante as interações dialógicas que são produzidas entre as figuras femininas
desenhadas no enunciado e suas leitoras enunciatárias, ocorrendo uma conversa, um
diálogo entre estas figuras por meio dos jogos de olhares, dos jogos do quadril e da
posição do corpo mostrando suas posturas, gestos, roupas e acessórios. Ocorre uma
projeção identificadora da leitora na figura feminina do enunciado, o simulacro do
feminino para ser adotado pela leitora. Desta projeção, relações são produzidas na
encenação que o enunciador cria a partir dos figurinos de moda, conseqüentemente,
produzindo também a interação olho no olho entre a figura da leitora, a figura feminina
e os produtos de moda que são sugeridos a partir desta encenação espacial das ginas
da coluna. Segundo o autor Eric Landowski em seu artigo “Triângulo emocional do
discurso publicitário”, podemos compreender, a partir da topografia que se forma, por
meio do discurso publicitário, ou neste caso do discurso da moda, as relações que se são
produzidas nestes espaços. Assim postula o citado autor:
Uma tal topografia pode ser percorrida a partir de qualquer um dos pontos
que ela põe em relação.Seu interesse estratégico é que, a despeito de seu
caráter elementar (e, por isso, arquetípico) ela autoriza variações de
75
superfície em número ilimitado. Essas variações são previsíveis, ao menos
no seu princípio. Elas consistem em modular, conjunta ou separadamente,
cada uma das três relações que estão em jogo.
Em primeiro lugar, a relação tecida entre o objeto (que emociona) e o
modelo (emocionado): ela pode ser tematizada nos registros mais diversos
[...]
Em seguida, a relação que se estabelece entre o modelo e sua testemunha,
figura do sedutor seduzido: ela pode dar lugar, no enunciado, a todos os
tipos de simulacros, desde os mais convencionais cheek to cheek ou corpo
- a corpo a serem tomados no primeiro grau até aqueles, mais raros, que
jogam com as convenções mesmas da encenação da relação de sedução [...]
Enfim, a relação que entrelaça a testemunha e o objeto, relação necessária
para que o circuito se feche: ela também é modulável, ainda que estritamente
enquadrada (2006, p. 26 a 28).
Na topografia da coluna Figurinos, os jogos de relações estão previstos a partir
da manifestação visual dos desenhos dos figurinos, com suas roupas e acessórios, por
isso a primeira relação nesta quadratura instala-se nos objetos de moda e modelos dos
figurinos de moda correlacionados. Ainda a manifestação do texto verbo-visual, com
suas sugestões vestimentares para a atualização na moda e das linguagens corporais e
gestuais que fazem mostrar o corpo feminino vestido.
Numa segunda etapa deste processo interacional, põe-se em relação a figura
feminina dos desenhos do figurino de moda, que se coloca em relação olho no olho,
com a leitora. E na terceira e última etapa, a relação ocorre entre a leitora e os objetos,
sendo que a leitora é movida pela sua volição, induzida a consumir os produtos de moda
que estão sendo propostos pelos enunciados visuais dos desenhos e verbos-visuais das
legendas, engendrando também uma lógica de compra que, de acordo com Eric
Landowski
5
, processa-se a partir de uma gramática narrativa dos discursos criados. No
discurso que ora analisamos, inferimos que este é produzido com o intuito de levar as
leitoras a adquirirem os objetos ou produtos de moda que Alceu Penna propõe nos seus
desenhos desta coluna. Sendo assim, Landowski pensa sobre a lógica de compra em
oposição à lógica do contrato, que o autor os define e correlaciona da seguinte maneira:
5
Ver em seu artigo “Encenação Publicitária de algumas Relações Sociais” do seu livro intitulado A
Sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica. São Paulo: Editora da PUC-SP/EDUC e Pontes, 1992.
76
Para introduzir essas configurações de base com a ajuda de uma fórmula
concisa, diríamos de bom grado que elas se opõem uma à outra, como a
lógica da compra se opõe à do contrato. Teremos, assim, de um lado, um
discurso institucional ainda relativamente próximo da publicidade dita de
marca, ou mesmo de produto, isto é, que propõe objetos (no sentido mais
amplo) a adquirir - gica da compra -; e, de um discurso orientado para o
estabelecimento de relações que ligam mais ou menos íntima e
duravelmente dois sujeitos – lógica de contrato (1992, p. 106 e 107).
Nestas gicas, os sentidos produzidos primeiramente estão no diálogo presente
dos jogos de olhares trocados entre as figuras femininas e os que as olham, as leitoras.
A figura feminina (ver figura 27) em primeiro plano (terceiro modelo), mostrando um
vestido branco sem mangas, no lado esquerdo da página, comunica-se frente a frente
com a leitora, posiciona-se verticalmente de lado, põe seus ombros de lado e suas mãos
evidenciando seus quadris sendo que a sua cintura fica livre de marcações. Esta
dinâmica do corpo portar-se, em suas posturas e gestos, mostra, coloca em evidência as
partes constituintes do corpo vestido e adornado, propondo uma série de objetos de
moda como o vestido branco em decote “v” com dois recortes, um superior abaixo dos
seios, colocando-os em evidência, outro inferior na linha do quadril. Os adornos: o
chapéu branco reitera-se com os demais acessórios como o par de brincos e luvas
brancas, há também uma sombrinha e um destaque do pescoço e do colo envolvidos por
um colar de contas azuis turquesas. Nesta mesma página ainda, em segundo plano,
colocam-se mais duas figuras femininas que possuem algumas constantes de objetos de
moda, e em ambas encontram-se vestidos na altura do joelho e com a linha do quadril
marcada pelo recorte da modelagem, chapéus e calçados escuros. E quanto ao olhar, no
primeiro modelo, o olhar de soslaio e no segundo modelo o olhar está para alhures,
caracterizando o movimento dos olhares que ora se comunicam indiretamente com a
leitora e ora dirige-se para outras figuras instaladas no discurso enunciado. No outro
lado da gina, no lado direito observamos que as figuras femininas do quarto e sexto
modelo estão em primeiro plano lado a lado, mas diferem-se pelos vestidos, acessórios e
posturas. Os olhares introspectivos, para si mesmas, são introjetados para o interior do
77
discurso, sem comunicar-se com a leitora. E em segundo plano, o quinto modelo projeta
seu olhar para fora do texto, seu corpo está levemente inclinado para esquerda e a
posição das mãos na linha do quadril coloca-o em evidência.
Figura 27: “Onde irá a cintura?” da coluna Figurinos, na revista O Cruzeiro, 1955, vol. 51 e pg.
110/111.
CHRISTIAN DIOR que é,
indiscutivelmente, o líder da costura parisiense,
parece ainda não saber onde colocar a cintura
feminina nesta silhueta de linha A. colocando-a
ora baixa, ora alta, Dior faz-nos crer que ainda
não encontrou a sua posição anatômica:
1°. - Um vestido em “tweed” com cintura baixa,
de verniz.
2
°
. - Uma cintura alta, num blusão com saia
pregueada, em lã Príncipe de Galles.
3
°
. - Finalmente, duas cinturas num vestido em
tussor creme, uma sob o busto e outra na altura
dos quadris.
Agora temos um modêlo de duas peças com um
cinto colocado pouco abaixo da cintura, com saia
pregueada. O modêlo é em flanela gris. Depois um
vestido em “alentweed”, um “tweed” com queda de
“aleutienne”, em marfim branco, e por último um
vestido de lã com cintura marcada abaixo do busto como
os vestidos da época napoleônica.
Todos os modelos destas páginas são de
Christian Dior.
Desenhos de ALCEU PENNA
Primeiro modelo
Segund
o modelo
Terceiro modelo
Quarto modelo
Quinto modelo
Sexto modelo
78
Tanto na figura 26 como na figura 27, verificamos elementos englobantes de
uma mesma totalidade: o cotidiano feminino. Um modo específico de presentificação
construída pelos desenhos de Alceu Penna, que é o modo de se vestir. Constatamos em
ambas figuras a presença do vestido, um figurino pico da maneira de vestir de
mulheres ocidentais. O traje do vestido é o aparato vestimentar predominante deste
discurso, figurativizado numa diversidade de estilos, cores e formas.
Estamos atendo-nos a uma cultura ocidental que engloba a americana e a
européia. uma variedade de elementos figurados compondo uma realidade visual.
Segundo Eric Landowski (2002, p. 127), cada composição tem “uma realidade visual,
uma consistência e uma organização; em suma certas qualidades “estéticas” próprias” ”.
Quando nos deparamos na figura 26 com a relação intersubjetiva mãe e filha
percebemos m discurso sobre família – uma instituição construída. Percebemos também
a figuratividade reiterada nas roupas que estas portam no próprio título “Igual ao da
mamãe”, a reiteração enunciada nela mesma. Na seqüência, as filhas que se mostram
estão igualmente vestidas às mães, e as mães iguais às filhas, portanto estamos diante do
simulacro de uma mulher-família, com seus papéis bem definido: o de ser mãe e outro
de ser filha. Estes modos de presença peculiar mostram-se pela dinâmica dos olhares
que se trocam, pelos gestos portados de uma axiologia de afetividade, pelos corpos que
se tocam, enfim pelo relacionamento harmonioso entre mães e filhas com outras mães e
outras filhas.
Na figura 27, apresenta-se a figura de outra mulher, com seus modos próprios de
presença, ou melhor dizendo, com seus modos de aparecer feminino figurativizados
num corpo magro onde a cintura aqui é o “problema”, pois, está fora do lugar. Veja-se
que até o enunciado nos fala sob o título “Onde estará a cintura?”
6
Está fora de lugar,
6
Transcrito da revista O Cruzeiro originalmente.
79
pois, não está nem no meio do corpo, nem no meio de uma das páginas. Remetendo a
mesma idéia da cintura, que não está no meio do corpo, mas em vários lugares dos
corpos vestidos enunciados visualmente como abaixo do busto, nos quadris e, menos
aonde ela deveria estar, no seu “lugar”. Sendo assim, a cintura aqui está fora dos
padrões outrora determinados, está fora dos cânones da moda decretada. Propôs-se uma
nova topografia para cintura, dando-lhe destaque, fazendo-a passar por um processo de
releitura.
O que mais faz parte deste modo de aparecer feminino? Incluímos os gestos.
um gesto peculiar do segurar um buquê de flores. As posturas, os olhares mostram-se
ora sem nenhuma comunicação e interação entre si, cada qual no seu espaço, cada um
olhando para onde o enunciador indicou, dentro de uma sucessão de planos
bidimensionalmente colocados, ora os olhares colocam-se frente a frente com a leitora,
ou para baixo, ou para cima, ou para o lado, acontecendo uma construção de uma
sintaxe paradigmática (ou ... ou). Mostram-se os complementos de moda, como os
acessórios: chapéus, calçados, luvas, guarda-sol ou sombrinha, colares e brincos.
Assim, constrói-se um “regime de presença ao nosso redor enquanto coisas a
serem vistas” conforme Landowski (2002, p. 128) e que fazem parte do cotidiano
feminino. A competência modalizadora do querer-ser-visto presentifica-se na totalidade
desta manifestação sincrética verbo-visual. Este sincretismo está espacialmente
distribuído na superfície retangular da gina da coluna, neste espaço é que o
enunciador faz a enunciatária seguir um programa narrativo de aquisição de
modalidades cognitivas para atingir as modalidades performáticas e receber a sanção
positivada socialmente com o seu pertencimento ao grupo. narrativas dessas leitoras
projetadas nas figuras femininas dos desenhos de figurinos de moda no enunciado.
80
3. 4 A construção do simulacro feminino.
Ainda no tocante aos desenhos das figuras femininas, que nos fazem as olhar
enquanto simulacros, como construções sintáticas do “estar no mundo” a serem sentidos
e faz querer imitá-los. Assim por se tornar para a leitora um valor, ocorre o que Eric
Landowski chama de passagem do visível ao sensível:
[...] do universo do visível ao do sensível, da superfície do papel à textura da pele, da
“representação” à “presença” da abstração esquematizante ao semblante do vivo. E,
muitas vezes, como é o caso aqui, são sobretudo os olhos, ou melhor, é o olhar (aquele
que a imagem cria) que, conjugado a outros procedimentos cenográficos, consegue
produzir esse milagre: o simulacro de uma presença (2002, p. 129 e 130).
Ao ocorrer esta passagem do universo do visível ao do sensível, concretizam-se
os regimes de sentido, quanto a interação e a visibilidade, os quais constituem dois
campos do fazer que produzem um fazer ver e um fazer sentir, maneiras distintas de um
mesmo jogo: o jogo do olhar e o jogo do corpo, que se pela posição dele, como se
ocorresse o encontro de corpos entre feminino e masculino. Ocorrem, nas relações entre
os sujeitos, as projeções virtualizadas e concretizadas nos diversos discursos em que nos
deparamos, em especial, nos modos de presença feminina que estão inseridos nas
imagens dos desenhos dos figurinos de Alceu Penna em sua coluna.
Assim desenvolve-se a construção de simulacros que são adotados por outros
sujeitos, e que projeta no campo do imaginário que ele vivifica. Cabe aqui ressaltar que
o autor Eric Landowski no seu livro A Sociedade Refletida: ensaios de sociossemiótica,
traz a observação de que enquanto “[...] os simulacros encontram quem os adote,
nascem os “sujeitos” que os assumem” (1992, p. 172). As relações produzidas entre
sujeitos que ocorrem nos meios midiatizados, como podemos ver na veiculação dos
desenhos de figurinos femininos predominantemente, projeta-se na figuratividade da
coluna que Alceu Penna se dedicava em manter, um tipo de mulher, assim identificamos
81
um simulacro de mulher sujeito família, um simulacro de mulher sexualizada e um
simulacro de mulher sujeito moda.
Constrói-se um simulacro feminino que interage ora com o privado, ora com o
público, e também ora com o social, ora com o individual. Percebe-se a presença de um
simulacro de mulher socializada em família em, em sociedade enquanto objeto de valor
do masculino, que estabelece uma relação de dependência social e econômica com o
masculino, por ser uma mulher voltada para os afazeres domésticos, dedicação
exclusiva as necessidades da família e do lar, e não se dedicando a outro tipo de
trabalho fora do lar. E outro simulacro de mulher individualizada que se mostra a partir
dos modos de vestir amparados pelo discurso da moda, moda internacional.
3. 5 Regimes de Sentido: Regimes de Interação
7
e de Visibilidade
8
.
A problemática a ser construída gira em torno de uma “sintaxe do ver”
9
(regime
de visibilidade) (LANDOWSKI, 1992, p. 88) e das relações produzidas nos textos e
discurso (regime de interação) até então analisados. Como tratamos, ao longo desta
análise, dos procedimentos que nos dão suporte para compreender um discurso do
visual, inserido numa mídia impressa, consideramo-a relevante. Lidamos com imagens,
imagens de moda, e especificando melhor, em uma dimensão verbo-visual, sendo o
primeiro procedimento inerente, relacionado à visão que é o sentido físico mais
próximo. Mas, o transferir, enlevar esta visão para uma visão semiótica de ver o mundo,
mudamos o nosso “ponto de vista”, isto é, não mais olhamos do ponto de vista
7
Ver em LANDOWSKI, Eric. Les interactions risquées. Limoges/FR: Presses Universitaires de
Limoges/PULIM. 2005.
8
Ver LANDOWSKI, Eric. In: “Modos de presença do visível”. OLIVEIRA, Ana Claudia Mei Alves de
(org.). Semiótica Plástica. São Paulo: Hacker Editores, 2004.
9
Expressão adotada do pensamento do semioticista Eric Landowski em sua obra A Sociedade Refletida:
ensaios de sociossemiótica.
82
“inteligível”, mas agora, do ponto de vista “sensível”. Assim transcendemos nossa ótica,
nosso olhar e, como se referiu Greimas no seu livro Da Imperfeição, fazemos o “bom
uso do olhar” (2002, p. 31).
Para tanto, precisamos colocar-nos diante do outro, não somente do outro-
sujeito, mas diante também do outro-objeto. No contexto deste estudo, colocamo-nos
diante de “textos visuais objetos”, que nos euforizam ou desforizam, que nos
interpelam, que nos fazem ver, que nos fazem crer e que nos fazem sentir.
Estrategicamente somos abordados. Interações de um fazer visível instalam-se diante de
nós. É a partir das estratégias instaladas nestes dois regimes do sentido: interação e
visibilidade que indagamos sobre os figurinos de moda, desenhados por Alceu Penna,
os quais nos levam a compreender determinadas estratégias que, segundo Eric
Landowski (2002, p. 31) constituem uma “problemática das relações intersubjetivas
vivenciadas, tais como se manifestam em um conjunto de discursos e de práticas
empiricamente observáveis”.
Ao defrontar-nos com os figurinos de moda, inseridos no que diz respeito a uma
“modelação programada do corpo vestido”, este assim definido segundo Ana Claudia
M. A. de Oliveira (2007, p. 28), ocorre a interação entre destinador e destinatário. Aqui
novamente encontramo-nos na presença de um destinador mor, representado pela
revista O Cruzeiro onde e, através da coluna Figurinos é manifestada a comunicação de
informações de moda, por meio do trabalho desenvolvido pelo figurinista Alceu Penna
mas também um diálogo na intimidade que é construído na conversação estabelecida
entre a figura feminina e a leitora que lhe segreda formas de ser como proposto na
coluna Figurinos. Objetiva-se cultivar a leitora enquanto um público feminino
consumidor que faz uso dos produtos que lhe são oferecidos a consumir. A leitora é
convencida a assumir o simulacro feminino da aparência, a visibilidade que seguiu
83
programada na coluna e que lhe manipulou. Adentramos nesta lógica d das interaa
dinâmica dos procedimentos de interação que são estabelecidos e baseados nas relações
do sujeito-destinador, sujeito-destinatário e o objeto de valor-figurino estabelecendo
regimes de interação. Existe a preocupação do destinador-revista em produzir a
competência modal de um fazez-ser e um fazer-fazer, estimulando a projeção de novos
simulacros femininos da aparência e conduzindo o destinatário a adquirir novos
produtos de moda. Isto nada mais é que a interação com as estratégias de consumo para
a dinâmica das relações econômicas emergentes nos anos 50.
Considerando o modelo abaixo, referente às relações sintáxicas, fundamentadas
no que o semioticista Eric Landowski propõe aos procedimentos interativos entre
sujeito e objeto, na conjuntura de um fazer-ser e um fazer-fazer, verificamos que as
relações de contrariedade estabelecem-se entre os vários procedimentos: programação
vs. acidente e manipulação vs. ajustamento que Landowski correlaciona enquanto
regimes de interação e regimes de sentido. Se os procedimentos de programação e
manipulação haviam sido desde os anos 60 e 70 sido estabelecidos pelos
semioticistas, os procedimentos de acidente e de ajustamento foram propostos por
Landowski, desenvolvido o que ele denominou o outro lado da gramática narrativa
10
.
Eis os procedimentos, a seguir, enquanto proposta de Eric Landowski:
10
Ver OLIVEIRA, Ana Claudia. “Comunicação e Produção de Sentido”. Artigo apresentado no Grupo de
Trabalho “Epistemologia da Comunicação” do XVIII COMPÓS, em junho de 2009 em Belo
Horizonte/MG.
84
FAZER SER
procedimento de regularidade procedimento de aleatoriedade
na interação por PROGRAMAÇÃO na interação por ACIDENTE
implicação lógica implicação lógica
procedimento de intencionalidade procedimento de sensibilidade
na interação por MANIPULAÇÃO na interação por AJUSTAMENTO
FAZER FAZER
Quadro 5: Regime de interações
11
dos procedimentos propostos por Eric Landowski.
As implicações lógicas, acima visualizadas, ocorrem da seguinte maneira: o
procedimento de sensibilidade na interação de ajustamento opõe-se ao procedimento de
intencionalidade na interação por manipulação, ocorrendo esta mesma implicação lógica
na interação de programação que estabelece uma relação de contradição com a interação
de ajustamento. E o procedimento de aleatoriedade na interação por acidente opõe-se ao
procedimento de regularidade na interação por programação, ocorrendo esta implicação
lógica na interação por manipulação que estabelece uma relação de contradição com a
interação por acidente.
Cabe ao consumidor sujeitar-se aos modelos de figurinos oferecidos pela revista
da coluna de figurinos, na qual determinados procedimentos são articulados, nesta
conjuntura, estabelecendo a articulação entre o procedimento de regularidade na
interação de programação e de intencionalidade na interação de manipulação.
Considerando o procedimento de regularidade, conclui-se que “[...] as
programadas mudanças na moda produz também programadas mudanças na aparência
11
Este regime foi proposto por Eric Landowski na sua obra intitulada Les interactions risquées. Limoges:
Presses Universitaires de Limoges/PULIM. 2005.
85
que o consumidor segue como um passo a mais das operações que o fazem ser”
conforme pensamento de Ana Claudia M. A. de Oliveira (2007, p. 28).
O procedimento de intencionalidade produz a manutenção de um simulacro da
aparência que promove a visibilidade num determinado contexto social e cultural.
Assim desencadeia-se o regime de junção quando ocorre necessariamente a ligação de
conjunção ou disjunção do sujeito com o objeto de valor. Um fazer querer, no ato de
assumir pelos sujeitos do discurso enunciado, promove a busca de aquisição de objetos
que construam sentido para um “ser e estar no mundo”.
E por fim, ocorre um fazer crer que leva às escolhas programadas e manipuladas
pelo destinador sobre o destinatário, solidificando um contrato de fidúcia que
concretiza a relação de dependência, confiança e segurança entre estes, mantendo as
práticas de mercado e consumo.
Seguem abaixo, em diagrama, as interações correlacionadas no que diz respeito
às interações estabelecidas entre os destinadores que se colocam em relação com os
sujeitos de vontade de uma mulher que quer fazer ser um sujeito na moda em um fazer
ser um sujeito mulher sexualizada. Tem-se o regime de manipulação com um fazer
querer e um fazer crer em relação com o regime de programação de um fazer ser sujeito
na moda segundo prescrições do destinador. E o regime de ajustamento faz ver e
contemplar a construção de um corpo coercitivo, adequado aos modelos corporais
ditados pela moda da época que é levado a se sentido como um corpo possível que a
destinatária sente como um corpo brasileiro que é presença do seu.
86
FAZER SER
PROGRAMAÇÃO
Programadas mudanças no modo de vestir a
figura feminina por prescrições e ditames do novo
na moda brasileira consonante à internacional
que o destinador postula a destinatária.
MANIPULAÇÃO vs. AJUSTAMENTO
Destinador mostra e faz a mulher leitora Figura feminina faz sentir a figura
Ser sujeito mulher família. de um corpo vestido nos traços dos,
Ser sujeito mulher sexualizada e desejada desenhos de Alceu Penna com suas
pelo homem. posturas, gestos e silhuetas.
Ser sujeito mulher na moda. Leitora mulher sente modos de
Mulher leitora é sujeito de vontade. presença, pois põe-se a viver esse
modo de vida contagiada pelas
expressões sentidas no corpo
vestido desenhado por
Alceu Penna.
FAZER FAZER
Quadro 6: Dinâmica dos regimes de interações na coluna Figurinos.
Nessa dinâmica do sentido não se considerou que em relação às revistas o que
traz O Cruzeiro é uma completa ruptura com a circulação de moda de então. Caso em
que se poderia dar a essa marca da coluna como uma quebra, um acidente transformador
da continuidade que seria mantida por vinte e seis anos alimentados pelos traços de
Alceu Penna. A força da perduração determinou que fossem considerados os
procedimentos a partir da coluna na revista.
Esses procedimentos de interações entre o destinador moda e as destinatárias
sujeitos que se fazem por meio da moda, promovem, no discurso produzido por Alceu
Penna, um modelo prescritivo e regulamentador que se nas orientações da coluna
87
Figurinos com seus diversos figurinos desenhados e legendas explicativas na topologia
das páginas de O Cruzeiro.
Abordaremos ainda os procedimentos de apreensão do sensível, que podem ser
analisados a partir de uma perspectiva da semiótica plástica e das relações sincréticas.
CAPÍTULO IV
SINCRETISMO EM FIGURINO DE MODA: ARTICULAÇÃO ENTRE CORPO
E ROUPA
4.1 A abordagem semiótica plástica.
Atendo-nos a outro modo do fazer semiótico, que é o da semiótica plástica,
deparamo-nos com os procedimentos de análise em dois planos da linguagem,
concebidos por L. Hjemslev e posteriormente desenvolvidos por J. M. Floch, no âmbito
da manifestação visual, verbo-visual e sincrética caracterizando os tipos de semiose
entre os planos da expressão e do conteúdo. O plano da expressão segundo J. M. Floch
(2001, p. 09) “[...] é o plano onde as qualidades sensíveis que possui uma linguagem
para se manifestar são selecionadas e articuladas entre elas por variações diferenciais
[...]”. Estas qualidades sensíveis são descritas a partir de uma lógica relacional entre os
formantes plásticos constituídos de unidades do plano de expressão que podem ser
correlacionadas às unidades do plano do conteúdo. Para especificar melhor o campo dos
formantes plásticos, segundo Ana Claudia M. A. de Oliveira (2004, p. 120), é “o
conjunto de traços distintivos e pertinentes seja da dimensão matérica (materiais e
técnicas), cromática (cores), eidética (formas) e topológica (espaços-suportes)”.
A partir dos formantes e da sua constituição de figuras da expressão, pode-se
produzir uma grande variedade de unidades mínimas que vão compor o todo de uma
88
enunciação na sua escolha por um enunciador de um arranjo do plano da expressão
homologável ao arranjo do plano do conteúdo. E o plano do conteúdo “[...] é o plano
onde a significação nasce das variações diferenciais graças às quais cada cultura, para
pensar o mundo, ordena e encadeia idéias e discurso [...]”.
Conforme Ana Claudia M. A. de Oliveira (2004, p. 11) a semiótica plástica
oferece-nos, quanto aos procedimentos de análise no campo da pesquisa para a
construção do sentido, operadores descritivos das “manifestações visíveis” e conduz-
nos a refletir sobre problemas da semiótica no campo do visual. Assim considerando, o
estudo presente está inserido no campo visual, pois trataremos dos figurinos de moda
criados por Alceu Penna que desenvolveu seu trabalho a partir dos seus desenhos de
moda que sugeriam para suas leitoras destinatárias uma série de alternativas para um
fazer vestir-se, articulando relações entre dois sistemas: a roupa e o corpo.
Para melhor conhecer e compreender estas relações, apoderar-nos-emos da
“plástica” que se produziu nestes desenhos. Entendendo este adjetivo assim explicitado
por Ana Claudia M. A. de Oliveira (2004, p. 11):
Considerando que um texto visual, qualquer que esse seja: arquitetura, escultura,
paisagem natural ou pintada, desenhada, gravada, fotografia, é construído por um
arranjo específico de sua plástica, organizada por mecanismos estruturais particulares
de seu sistema com suas regras, resultando em uma dada sintagmatização das unidades
mínimas; optamos por denominar plástica a semiótica que se ocupa da descrição do
arranjo da expressão de todo e qualquer texto visual.
O contexto que nos é dado enfatizará, o fenômeno da moda, e uma moda em um
tempo e espaço específicos. A moda feminina em foco é aquela veiculada através dos
meios de comunicação de massa como a revista O Cruzeiro que apresentava entre tantas
outras colunas de informação, a coluna Figurinos, onde o figurinista brasileiro Alceu
Penna desenhava as novidades da moda vigente, uma moda dos anos 1950, trazendo
para seu público de leitoras modelos de figurinos de roupas para ocasiões diversas do
cotidiano feminino.
89
Quanto ao que se refere ao corpo, veiculava um corpo feminino produzido a
partir de mecanismos plásticos do desenho dos figurinos de Alceu Penna, ou seja, traços
de um corpo feminino esguio, magro e cintura bem demarcada com posturas diferentes,
relativo a uma mulher ora sensual e ora recatada.
A plástica, que se constrói no todo das imagens que enunciam o figurino de
moda, manifesta-se, destacando as articulações entre os sistemas corpo e roupa que
produzem, entre si, uma relação intrínseca e dependente entre estes sistemas. Assim
concretiza-se as superposições e justaposições existentes que são suscetíveis de
interpretações, como Jean-Marie Floch afirma no decorrer dos seus estudos da semiótica
plástica:
Pode-se interpretar a elaboração dessa “semiótica plástica” como o desejo de
exaltar o poder criador de fotógrafos e desenhistas até mesmo dos
redatores e dos poetas sempre livres, em última instância, para enriquecer
ou subverter o material figurativo, ou mesmo muitas vezes retórico, que se
lhes propõe ou impõe (2009, p. 167).
A interpretação do figurino de moda desenhado por Alceu Penna, neste
momento, concentra-se nas fantasias de carnaval, criadas para mulheres que se lançam
num evento cultural da tradição brasileira de onde emanam formas e cores nos corpos.
As fantasias de carnaval não deixam de se tornarem um segmento de moda, uma vez
que Alceu as inclui na coluna Figurinos, para que elas sejam escolhidas, vestidas e
contempladas admirativamente pelos outros. É uma oportunidade que Alceu Penna cria
para promover, não somente as práticas culturais, mas também o consumo dos tecidos e
objetos na preparação para participar de um evento cultural nacional e,
internacionalmente, reconhecido.
90
4.2 Lógica de relações sincréticas: plano da expressão e plano do conteúdo.
A lógica das relações sincréticas é fundamentada no fenômeno do sincretismo,
ancorado no pensamento de Hjemslev. Segundo José Roberto do Carmo Jr. no seu
artigo intitulado “Estratégias enunciativas na produção do texto publicitário
verbovisual”, em que desenvolve a sua análise sincrética na publicidade, aborda as
primeiras reflexões de Hjemslev quando definia o sincretismo:
Comecemos retomando a passagem dos Prolegômenos a uma teoria da
linguagem, em que Hjemslev define pela primeira vez, sincretismo:
Chamaremos de superposição uma mutação suspensa entre dois funtivos e a
categoria estabelecida por uma superposição será (nos dois planos da língua)
um sincretismo...quando duas grandezas em determinadas condições são
registradas como invariantes na base da prova da comutação, e quando elas
contraem, em condições modificadas, uma superposição, nesse caso elas
serão, nessas condições modificadas, variantes, e somente seu sincretismo
será uma invariante (HJEMSLEV apud CARMO JR., 2009, p. 171. Grifos
do autor).
Do ponto de vista visual e plástico, o sincretismo processa-se pela superposição
ou justaposição da manifestação de dois ou mais sistemas diferentes, neste caso
verificamos o corporal, gestual, vestimentar e verbo-visual.
Na totalidade da relação entre estes dois sistemas de manifestação visual, corpo
e roupa, valemo-nos dos procedimentos de sincretização, para conhecer como se o
sincretismo na enunciação, de um texto qualquer, quando teremos a junção ou a
superposição das figuras da expressão e figuras do conteúdo, no texto. Este é
considerado enquanto objeto da significação, constituído de formantes plásticos.
Lembramos que uma vez que estes formantes plásticos possuem a função de expressar,
manifestar os conteúdos articulados na estrutura de uma determinada enunciação, surge
a pressuposição de um sujeito da enunciação, um “eu”, e além deste, um “tu”, instalados
na visualidade. O todo da plástica engloba as figuras do conteúdo e figuras da expressão
e uns homologam-se às outras.
91
Nesta etapa da análise, iremos considerar tanto o plano da expressão como o
plano do conteúdo, que se articulam a partir dos sistemas manifestados no sincretismo
que se processa na imagem da figura 28, constituída de uma plástica. Assim de se
considerar, segundo Ana Claudia M. A. de Oliveira:
[...] que todo conteúdo só é manifestado por uma expressão e que o ir e vir entre
expressão e conteúdo aumenta a compreensão dos efeitos de sentido produzidos, na
medida em que este livre trânsito entre os dois planos segue o percurso das
homologações interplanos, que explicam os tipos de semioses dos chamados sistemas
biplanares (2009, p. 80).
A imagem mostra um corpo feminino vestido por um figurino específico: a
fantasia de carnaval criada por Alceu Penna, caracterizando seu fazer criativo e artístico
que se refere ao contexto cultural brasileiro. Ele veste uma mulher que interage com a
cultura brasileira, com os eventos sociais folclóricos, uma mulher que quer vestir-se
com a cultura com a qual se identifica mas que segue as programações ditadas nas
páginas da revista na coluna Figurinos, apresentam-se os desenhos, que significam não
fazer fazer do figurinista, mas também uma programação na maneira de vestir-se
para um evento como o carnaval brasileiro.
Tomada esta imagem (ver figura 28) na sua totalidade, na configuração espacial
da coluna, apreendida sua organização pela junção de dois planos: expressão e
conteúdo, constatamos que estes planos se concretizam simultaneamente, produzindo
uma semiose. Assim dois processos de construção são operados nas relações entre corpo
e roupa: a construção de um corpo que se veste e a construção de uma roupa para vestir
um corpo. Este corpo que se faz ser visto por meio da visualidade do corpo vestido em
que os colos ficam a mostra, os ombros são evidenciados, os seios, a cintura e o quadril
são marcados. Um estilo criado pela roupa ajustada ao corpo e no seu entorno e
abundância da largura das saias desenhadas.
92
Figura 28: “Fantasias Práticas” - desenhos de Alceu Penna. 1953, na revista O Cruzeiro, n
o
14, pg. 62 e
63.
A estratégia primeira utilizada parte do estudo do plano da expressão através dos
formantes plásticos que irão se constituir na superposição e justaposição das dimensões
que os formam e que seguem abaixo explicitadas.
A dimensão topológica concretizada situa a posição e a orientação das unidades
que se manifestam na quadratura das páginas em análise. Ela engloba os diferentes
sistemas localizados e posicionados na relação direita/esquerda, superior/inferior;
alto/baixo, centro/lateral, vertical/horizontal e reta/inclinada a partir do jogo das linhas.
Verticalmente localizada do lado esquerdo de uma das páginas, destaca-se uma
faixa com fundo azul claro em contraste com a tipografia apresentada na seguinte
seqüência: primeiro o título, seguido do subtítulo e logo abaixo uma série seqüenciada
de sete parágrafos, cada qual formado por cinco linhas, parafraseando, ao que nos
93
parece, uma poesia que contem sete estrofes cada qual com cinco versos, assim o
sistema verbo-visual organiza-se no espaço.
O cromático também influi nas formas e nos volumes dos figurinos,
correlacionando seus efeitos de sentidos para outra dimensão, a dimensão eidética, a
qual se compõe e mostra por meio de diversas formas, simetrias e perspectivas. Na
dinâmica da dimensão eidética mostram-se as linhas, formas e figuras geométricas que
dirigem nosso olhar.
As linhas apresentadas acima estão sobrepostas, dinamizando a leitura dos
corpos femininos, vestidos pelos figurinos de fantasias de carnaval e distribuídos da
seguinte forma: estando a página, verticalmente dividida em três partes, identificamos,
ao lado esquerdo, uma primeira parte contendo a tipografia. Na segunda parte,
constatamos quatro modelos de figurinos, na terceira e última parte, à direita,
94
apresentam-se mais três modelos. Horizontalmente, na parte inferior da página, em
primeiro plano, mostra-se outros quatro modelos, na parte superior, em segundo plano,
com mais três modelos. E as linhas oblíquas interligam quatro modelos de figurinos que
se encontram perifericamente, remetendo um ao outro de maneiras diversas por meio
das diferentes posturas em que estes corpos se apresentam na sua corporeidade,
gestualidade e movimentação.
Vejamos as diferentes formas configuradas nos corpos vestidos pelos figurinos,
estas sobrepostas em um mesmo figurino. Tomemos o exemplo do figurino “Tico-
Tico”, assim denominado pelo figurinista. O figurino está em destaque no primeiro
plano da página direita. As formas estão configuradas ao longo do corpo, este
construído como se vê. O quadrado enquadra a cabeça e o pescoço adornados por
acessórios como: par de brincos em argolas, uma gargantilha e um tipo de turbante,
podendo assim ser considerado. O trapezóide engloba o colo desnudo e busto vestido
por um decote tomara-que-caia que faz parte do modelo em fitas inseridas ao longo do
corpo. O paralelogramo manifesta-se com os movimentos dos braços que se posicionam
numa certa altura, fechando como suporte de um utensílio doméstico, uma travessa de
alimentos que tem a forma de uma elipse.
de se notar ainda os adornos em um dos braços e antebraços, um bracelete e
um conjunto de pulseiras no pulso esquerdo. Em seguida, temos mais uma vez a forma
de uma elipse que sobrepõe à forma destorcida de um pentágono regular. E por fim a
série seqüenciada de pequenos triângulos, também sobrepostos um ao outro.
Poderíamos considerar neste arranjo visual das formas, a geometrização destes corpos
femininos, sendo esta uma maneira de construção ou desconstrução do nosso olhar que
se coloca em relação com estes corpos.
95
A dimensão cromática dos formantes se dá pelo conjunto de cores que
aqui se apresentam. As cores vão reiterando-se em quase todos os
modelos criados pelo figurinista. Podemos perceber o preto
(ausência de todas as cores) e o branco (soma de todas as cores) e
as demais cores como o vermelho, amarelo, ocre, azul, laranja,
verde e rosa, cada qual em intensidades maiores ou menores. Por
exemplo, o amarelo está em todos os figurinos, o vermelho está
presente em quase todos, enquanto que o verde se apresenta somente em dois figurinos
localizados na parte inferior em primeiro plano da direita e esquerda das páginas.
A relação das dimensões cromática e eidética formam entre si o surgimento de
estampas como os listrados, os xadrezes, os pontilhados e os efeitos de concretização
matérica de alguns aviamentos como fitas, debruns, sinhaninhas, lentejoulas, flores,
rendas e bordados.
Desta maneira, esta relação possibilita o aparecimento de determinadas texturas
inseridas na dimensão do matérico dos tecidos e aviamentos. Na dimensão do matérico
podemos constatar que o texto verbo visual também foi elaborado pelo figurinista ao
apresentar o seguinte figurino: “mangas rasgadas”, “blusa em crepe”, “renda de
algodão”, “saia em faille”, “fitas fôscas”, “blusas em algodão”, “blusa curta em
algodão”, fitas de tafetá”, “bolero em veludo” e “tiras de jérsei coloridos”. São citações
de alguns tipos de tecidos, aviamentos e efeitos de construção da própria roupa.
96
Quadro 7: Legenda das figuras geométricas relacionada ao figurino.
MODELOS FIGURINOS FIGURAS GEOMÉTRICAS
1
o
modelo Maraqueiro
Roupa: blusa em
crepe com mangas
rasgadas e calça
listrada.
Acessório e adorno:
lenço em “pois”,
chapéu de palha de
abas largas, faixa
para cintura e
sapatilhas amarelas
com tiras.
Triângulo e retângulo.
2
o
modelo Guatemalteca
Roupa: bata e saia em
renda de algodão.
Acessório e adorno:
tiras entremeadas de
tecido liso bordado
com rosas em tons
vivos. Arranjo
avermelhado para o
cabelo e um par de
pulseiras.
Triângulo retângulo e semicírculo.
3
o
modelo Mexicana
Roupa: blusa em
algodão branco com
pequenos bordados
em amarelo ouro e
saia em faille listrada
com babados
multicolores.
Acessório e adorno:
fitas foscas em cores
variadas, pulseiras e
calçados estilo
escarpin.
Triângulo e trapézio.
4
o
modelo Xingara
Roupa: mini blusa de
mangas três-quartos
em veludo
guarnecida de
bordados e medalhas.
A saia godê com
babados, em algodão
estampado em ouro.
Acessório e adorno:
par de brincos
dourados, pulseira e
sapatilhas vermelhas
com tiras.
Losango e paralelogramo.
5
o
modelo Tico-Tico
Roupa: vestido
bordado com fitas de
tafetá.
Acessório e adorno:
touca bordada,
brincos de argolas,
gargantilha de contas
douradas, bracelhete
e pulseiras.
Quadrado, trapézio, paralelogramo,
círculo, triângulo e pentágono
regular.
6
o
modelo Cigana Roupa: blusa sem Hexágono e triângulo.
97
alça, bolero em
veludo e saia godê.
Tecidos em faille
com guarnição de
fitas sinhaninhas
multicolores e
lantejoulas.
Acessório e adorno:
fitas no cabelo,
pulseiras e calçados
etilo escarpin.
7
o
modelo Frevo
Roupa: blusa de alças
e calça justa três-
quartos em tiras de
jérsei coloridos.
Acessório e adorno:
gorrinho de fitas e
guizos e sapatilha
preta.
Triângulo e retângulo.
Na tentativa de compreender cada termo com o qual Alceu Penna denominou
estes modelos de figurinos de fantasias de carnaval, é importante elencar as figuras
1
o
modelo
Maraqueiro
2
o
modelo
Guatemalteca
3
o
modelo
Mexicana
4
o
modelo
Xingara
5
o
modelo
Tico-Tico
6
o
modelo
Cigana
7
o
modelo
Frevo
98
femininas que remetem as tradições latino-americanas
1
com seus vestidos usados para
confeccionar a roupa do figurino dessas tradições. E como um fazer consumir a
produção têxtil, além dos acessórios e adornos.
PRIMEIRO MODELO
SEGUNDO MODELO
1
Ver o artigo de José Jorge de Carvalho “As duas faces da tradição. O clássico e o popular na
modernidade Latino-Americana”, Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.35, n.3, 1992, p.403/434.
O maraqueiro, figura da cultura latino-americana, é um
instrumentista de chocalhos, o maracá. Alceu Penna
buscou apresentar sua criação baseado nesta figura
compondo o figurino com uma blusa branca em crepe e
calça listrada em branco e amarelo, na vertical. A
composição dos acessórios se faz pelo lenço branco em
pois, pelo chapéu de palha amarelo com abas largas que
cobre os cabelos em castanho, pela faixa que marca a
cintura e pelas sapatilhas amarelas em tiras. Por meio da
disposição corporal põe-se em evidência o quadril, o
gesticular dos braços, mãos e pernas estão em
consonância, produzindo o movimento de um gingado.
O olhar dirigi-se frente a frente, e juntamente com os
lábios pintados e entreabertos configura um diálogo com
a leitora.
Neste segundo modelo, o desenho apresenta-se em estilo
guatemalteca de Alceu Penna inspirado na indumentária
típica. Mais uma vez o figurinista marca a
intertextualidade das tradições latino-americanas do
vestir feminino no figurino de fantasia. O arranjo em
flores vermelhas no cabelo castanhos preso para trás
reiteram-se com os lábios avermelhados entreabertos. A
figura feminina posiciona-se frente a frente com a leitora
e a mão ênfase para a cintura e quadril
concomitantemente. O colo fica a mostra, também
evidenciado pelos babados e bordados com rosas em
tons vivos. O volume da saia também corrobora para a
extensão do quadril.
99
TERCEIRO MODELO
QUARTO MODELO
O estilo criado por Alceu Penna, neste figurino de fantasia
tipicamente mexicano, atribuí-se novamente às tradições
latino-americanas, tornando-se estas uma constante no
fazer criativo do figurinista. Outras constantes são
identificadas como o cabelo em castanho, neste momento
preso de lado. Há também a ênfase para o colo, seios,
cintura e quadril que compõem a seqüência das linhas do
corpo, ocorrendo uma ruptura no volume da saia abaixo da
linha quadril que se compõe de babados multicolores. O
olhar projeta-se para fora e seus gestos formam-se pelos
braços flexionados e mãos inclinadas para cima. Os pés
calçados em estilo escarpin estão posicionados de maneira
entrecruzada.
O modelo xingara é inspirado nos moldes ciganos. Aqui
Alceu Penna desenhou outro tipo de cigana que coloca o
ventre e o colo a mostra. O cabelo castanho escuro de
comprimento mediano fica penteado sem adereços, o par
de brincos dourados complementa o visual do cabelo junto
ao rosto com os olhos maquiados. O olhar mais uma vez
dirige-se face a face em diálogo com a leitora. A
linguagem corporal também se comunica, no seu jeito da
inclinação dos ombros e das mão alternadamente
colocadas para frente e para trás. A cor dourada reitera-se
na mini blusa bordada, nas medalhas aplicadas e na saia
godê com babados, em algodão estampado em ouro. Os
pés calçados com uma sapatilha vermelha de tiras
destacam-se no posicionar-se de lado.
100
QUINTO MODELO
2
SEXTO MODELO
2
O modelo da baiana criado pelo figurinista Alceu Penna repercutiu também na criação dos figurinos
para os shows da cantora Carmem Miranda, que foi figura emblemática da música popular brasileira da
década de 40 e 50. Segundo o autor Gonçalo Junior no seu livro, Alceu Penna e as garotas do Brasil:
Moda e Imprensa 1933/1980 (2004) cita que, Alceu Penna foi contratado por Carmem Miranda para
criar e desenhar os figurinos dos seus shows, como foi na apresentação da canção “O quê que a baiana
tem?” no começo da década de 50.
O modelo de fantasia que Alceu Penna chamou de Tico-
Tico” remete-nos a cultura popular brasileira não somente
pela indumentária característica de uma baiana, mas como
também pela música popular brasileira “Tico-tico no fubá”
do compositor paulista Zequinha de Abreu. O cabelo
castanho claro está coberto com um gorrinho feito em
tecido liso com fitas de tafetá em rosa. A face maquiada
com sombras brancas, as sobrancelhas arcadas, os olhos
delineados e os lábios em vermelho com os dentes a
mostra fazem ser vista a figura feminina, apresentando-se
como se cantarolasse os versos de uma canção popular
brasileira. Ela também ginga e e-se face a face com a
leitora convidando-a a dançar, cantar e também provar das
delícias de algum prato típico brasileiro a ser degustado. O
colo, os ombros, os seios, a cintura e o quadril estão em
evidência, fazendo parte das constantes criadas no traço do
desenho do figurinista.
O figurinista Alceu Penna denomina este modelo de outra
cigana, mais um figurino de fantasia baseado neste tipo de
cultura. A figura feminina compõem-se pelo penteado do
cabelo em preto, preso por meio de fitas coloridas. Sua
postura fixada de lado, põe-se a olhar para baixo em
contraposição com seu braço direito elevado na mesma
direção estando o braço esquerdo flexionado com as mãos
fechadas colocadas na linha da cintura. Há um tipo de
blusa interna sem alças pondo o colo em evidência, com
uma sobreposição em corpete de veludo preto, com
debruns dourados e mangas de comprimento acima do
cotovelo. A cintura e o quadril estão em destaque. E ocorre
um contraste entre o preto do bolero e o branco da saia
com a barra bordada em sinhaninhas multicolores e
lantejoulas. As pernas posicionam-se separadas e os pés
calçados em etilo escarpin.
101
SÉTIMO MODELO
O sincretismo é mostrado pela verticalidade dos corpos e horizontalidade das
roupas, dos figurinos. A partir do nosso olhar, destes corpos vestidos, produz-se e
reproduz-se efeitos ao sentido de trazer o corpo para baixo. No caso da figura/desenho
do “Tico-Tico”, quando este corpo de mulher é cortado, marcado pela cintura, e sua
postura levemente encurvada para frente, ocorre um processo de retração corporal a
partir da roupa, em que a sobreposição desta sobre o corpo é desenhada para talhar
referente ao sexto modelo Tico-Tico que está contido na roupa/figurino concentrando
sua força no abdômen sem ênfase para os bustos. Este corpo poderia ser dividido em
oito partes: 1. cabeça, 2. tronco, 3. colo, 4. busto, 5. quadril, 6. perna, 7. canela e 8. pé.
Cabe perguntar: que parte deste corpo se projeta para o outro com a intencionalidade de
ser vista? O que faz o que aparecer? Quais os procedimentos de ênfase que dão o realce
do que é para ser visto? Que relações existem entre o corpo e a roupa/figurino? Que tipo
de esteticidade, materialidade manifestam-se nestas relações?
Ao considerar a presença de um corpo bem estruturado, preso pela própria
roupa/figurino, percebe-se a constância de um corpo magro na sua constituição física ou
O figurino de
fantasia,
estilo frevo, de Alceu Penna,
remete-nos mais uma vez à cultura popular brasileira, ao
modo de vestir-se tipicamente das danças do carnaval
pernambucano, o frevo. O olhar está para baixo, não
promove o diálogo. O cabelo castanho claro, preso por um
gorrinho feito de fitas e guizos, o colo e os braços em
evidência pelos gestos da dança, os seios e a cintura estão
em destaque também. O movimento no corpo dá-se pelas
pernas entrecruzadas, colocando-as em destaque pelo
multicromatismo em listras na horizontal e os pés calçados
por sapatilhas pretas proporcionam maior velocidade para
dançar o frevo, este tipicamente veloz nos seus
movimentos de braços e pernas.
102
anatômica, mas ao mesmo tempo avolumado pelo ato vestimentar. Na seqüência, outra
pergunta: Qual seria a dimensão desta magreza, camuflada pelo revestimento do
vestuário que a compõe? De qualquer maneira, deixa-se aparecer um corpo magro e
esguio, fino, contínuo e fechado. Tudo instiga a projeção destes corpos e figurinos nos
corpos e modos de se vestir das leitoras, mulheres que procuram nos desenhos do
figurinista Alceu Penna valores para sua realização de projeção social se concretizam
em sentidos e significados do seu tornar um sujeito do seu estar no mundo social.
Com base nos parâmetros do percurso gerativo do sentido, constatamos que no
primeiro nível, fundamental surgem as categorias semânticas de oposição em relação ao
corpo feminino vestido pela roupa/figurino, pressupondo a oposição: corpo preso vs.
corpo solto e prisão vs. liberdade. A prisão acontece ao vestir o figurino, e assim,
prende-se o corpo. E a liberdade aparece nos movimentos, pois o corpo está livre para
produzir seus gestos e posturas. um esforço para entender a construção do objeto
semiótico, que se faz semiótico a partir da própria análise e transcende as práticas
sociais que são produzidas, reproduzidas por um sujeito e contextualizadas no tempo e
espaço de uma totalidade. E assim, organizam-se as passagens de um percurso gerativo,
constituído de estruturas ou níveis que operacionalizam a produção e concretização do
sentido no objeto, ou seja, em qualquer texto.
Ao enfocar o texto verbo-visual, verificamos que este trata das descrições dos
figurinos das fantasias práticas de carnaval propostas por Alceu Penna. Este texto
contém uma tipologia descritiva e prescritiva doada pelo enunciador, sendo composto
de um título, um subtítulo e, na seqüência, surgem estrofes como se fossem a letra de
103
uma composição musical popular como as marchinhas carnavalescas
3
. Apresentamos a
seguir a transcrição total do texto impresso, junto a imagem de origem:
3
Ver Carlos Henrique Almeida Alves em sua dissertação intitulada Lamartine Babo, um canibal no
carnaval: uma leitura de suas marchinhas. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1997.
FANTASIAS PRÁTICAS
Alceu Penna criou uma sé-
rie de modelos de fantasias
bastante práticas e confortá-
veis para a animação e o ca-
lor do próximo carnaval.
ABRINDO a série um maraqueiro
com calças em bonito listrado e blu-
sa em crepe com mangas rasgadas.
Lenço em “pois”. Um chapéu de
palha de abas largas e copa alta.
A FANTASIA abaixo é de
guatemalteca em renda de algodão
com tiras entremeadas de tecido liso
bordado com rosas em tons vivos. A
bata é nos mesmos tecidos de saia.
O MODÊLO do meio é uma mexica-
na. A saia em “faille” preto é tôdo
listrado com babados de fitas fôscas
em cores variadas e larguras “de-
grades”. A blusa em algodão branco.
A ÚLTIMA desta página é uma
xingara. Em tecido de algodão,
estampada em ouro, a saia godê com
babado. A blusa curta em veludo é
guarnecida de bordados e medalhas.
NA PÁGINA oposta temos:
primeiro,uma fantasia que Alceu
chamou “Tico-Tico”. O corpo é feito
em bordado com fitas de tafetá enfia-
dos que vão depois formar a saia.
OUTRA CIGANA, esta em “faille”
branco com guarnição de fitas e si-
nhaninhas multicores e lantejoulas.
A saia é godê e a blusa sem alças
cobre-se com um bolero em veludo.
A ÚLTIMA é uma fantasia para cair
no frevo. Em tiras de jérsei
coloridos, as calças justas três-
quartos e a blusas de alças. Um
gorrinho feito de fitas e guizos,
servirá de complemento.
104
Neste texto verbo-visual um narrador que fala o que o figurinista fez criando
uma dinâmica de leitura, assim deparando-nos com um formato de poesia (mas não uma
poesia propriamente, somente a forma deriva), em sete estrofes, cada qual com cinco
versos formando-se quintetos que nos induz a compreender um formato de letra de uma
marchinha de carnaval. Neste prisma, Carlos Henrique A. Alves entende que a poesia
está contida no texto musical das marchinhas de carnaval e que elas fazem parte de um
contexto urbano desde a década de 1930 (1997, p. 5 e 37) sendo assim, inferimos que a
configuração deste texto verbo-visual não foi criado gratuitamente para esta coluna, mas
tinha a função de identificar e correlacionar o evento do carnaval brasileiro enquanto
contexto criado por Alceu Penna para seus desenhos dos figurinos de fantasias
carnavalescas a serem vistas.
A lógica do programa de base deste texto verbo-visual configura-se,
inicialmente, com o sujeito do fazer sendo este o figurinista Alceu Penna; e a
transformação que esse sujeito intenciona é de vestir as leitoras da Cruzeiro. para o
carnaval. O sujeito de estado é essa mulher leitora que tem seu corpo vestido pela
roupa/figurino. Tem-se como programa narrativo desse procedimento sincrético
empregado na coluna:
PN = F (criar) [(S
1
(figurinista) (vestir-se) S
2
(corpo feminino) O
v
(fantasias)].
O destinador –manipulador é a revista O Cruzeiro que orquestra esta doação de
competências cognitivas e performáticas por meio do sujeito-figurinista que sabe criar figurinos
de fantasias de carnaval e faz fazer o destinatário julgador neta estância o público-leitor
feminino a querer vestir-se com suas criações veiculadas pela revista. Passamos a visualizar o
esquema narrativo que projeta as relações estabelecidas entre destinador/destinatário e
sujeito/objeto. Segue abaixo um esquema narrativo geral do texto em análise:
105
Quadro 8: Esquema narrativo II.
Percurso do destinador-manipulador Percurso do sujeito
figurinista Alceu Penna
Percurso do destinatário
julgador público-leitor
Contrato de adesão do figurinista aos valores
da revista.
A ação do figurinista
pressupõe o cumprimento
do contrato.
Pressuposição de uma
sanção positiva ou
negativa (o ato de
comprar ou não a revista
O Cruzeiro e seguir ou
não as criações do
figurinista Alceu Penna).
No discurso, o primeiro passo é identificar a relação destinador (enunciador)
destinatário (enunciatário), instalados pressupostamente no enunciado pelos
mecanismos de ação como um modo de organização do que é mostrado e falado. A
enunciação é considerada segundo Jean-Marie Floch (2001, p.15) como: “[...] o
assumir, pelo sujeito que fala, movimenta-se ou desenha, as virtualidades
4
que lhe
oferece o sistema de significação que ele utiliza”. Para dizer o que diz às leitoras sobre o
estar na moda o enunciador insere-se no todo sincrético do enunciado promovendo
jogos de interação com o destinatário/enunciatário. Para esse estudo considera-se que o
sujeito da enunciação faz uma série de escolhas, de pessoas, de tempo, de espaço, de
figuras do conteúdo e da expressão de temas de efeitos de sentido na narratividade que
constrói para transformar a leitora atualizada e na moda.
Na dimensão enunciativa é que são construídos os simulacros, como o simulacro
de mulher socializada no carnaval brasileiro e que adota estereótipos da cultura latino-
americana para ser vista; que estão implicados em um dever saber que se mostra na
prescrição do texto verbo-visual e também do texto visual dos desenhos englobados em
uma dimensão topológica, por meio da demonstração e prescrição de como o corpo
porta-se com os seus gestos, as poses e o vestir. No âmbito modal de um dever fazer e
4
Segundo J-M. Floch “[...] as virtualidades são de dois tipos: taxinômicas (classificações, construções das
unidades de sentido) ou sintáticas (tipos de operações elementares, regras de colocação em relação
permitindo encadeamentos)” (2001:15).
106
de um querer sugere-se ao destinatário o que este irá vestir-se de acordo com os códigos
vestimentares do evento carnavalesco da época. Observa-se que as saias e vestidos com
comprimento abaixo do joelho, cores neutras e lisas são marcas predominantes e
recorrências verificáveis nos modelos dos figurinos propostos. Configurando uma
totalidade visual de um modelo de mulher em termo do seu agir, comportar-se, vestir-se
criado de comportamento e escolha no fazer vestir que induz a um estilo específico de
figurino carnavalesco, conseqüentemente, surge a projeção de um simulacro de mulher
foliona bem comportada, com recato, que se mostra e quer ser vista recatadamente.
Alceu Penna destina seus figurinos desenhados, enquanto uma moda brasileira
baseada nos estereótipos da tradição latino-americana mais abrangente, para as leitoras
que são pressupostamente sujeitos ou atores sociais de um determinado grupo social
feminino, um público restrito, comprador da revista, destinatários estes que assumem o
aparato vestimentar proposto pela revista supracitada. Este grupo social é composto por
jovens e mulheres maduras que projetam figuras do imaginário relacionadas com a
maneira de se vestir latino-americana. Opera-se a intertextualidade da cultura popular
latino-americana nos figurinos que Alceu Penna criou e denominou: maraqueiro
(instrumentista de chocalhos típicos da América Central), guatemalteca (natural da
Guatemala), mexicana (natural do México), xingara (um tipo de cigana), Tico- Tico
(inspiração provável da música popular brasileira intitulada Tico-Tico no Fubá de
Zequinha de Abreu), outra cigana e por fim uma fantasia para cair no frevo (dança típica
do carnaval pernambucano).
O enunciatário, enquanto público-leitor feminino, ao vestir-se faz escolhas que
se adéquam aos modelos de figurinos de fantasias relacionados ao evento sócio cultural
de maior repercussão social que é o carnaval brasileiro. Evento este que se em nível
nacional, no período mais quente do ano, possibilitando assim a exposição do corpo. O
107
enunciador dirige o discurso enunciado como quem dirige o desenrolar da narrativa
destas figuras fantasiadas brincando, socializando-se como mostra este fragmento
(extraído do texto completo que está transcrito na p. 98):
NA PÁGINA oposta temos: primeiro,
uma fantasia que Alceu chamou
“Tico-Tico”. O corpo é feito em
bordado com fitas de tafetá enfia-
dos que vão depois formar a saia.
Observamos os efeitos de sentido na fantasia e na articulação da roupa/figurino
com o corpo, quando este se refere que “[...] o corpo é feito em bordado com fitas de
tafetá enfiados que vão depois formar a saia”, assim mostra-se como o corpo é
construído, o movimento da fita de tafetá que é inserido no corpo enquanto roupa
produz o efeito de confecção de um vestuário, ou seja, o efeito de sentido da construção
da roupa. Com este efeito, assume-se pela semântica discursiva os valores que são
tematizados e figurativizados nos traços dos desenhos de Alceu Penna concretizados
pela alegria, euforia e liberdade da mulher no espaço social e cultural. O figurinista
Alceu Penna investe no desenho da presença de um corpo feminino construído,
estruturado, esguio, magro, cintura marcada e quadril em evidência, como também na
gestualidade que engendra movimentos e posturas dinamizados pelo próprio corpo, e,
por fim, nas cores utilizadas que, ao longo do discurso, reiteram-se.
Fizemos uma decomposição do todo do texto em duas partes: uma sob a
perspectiva do estudo do plano da expressão e outra sob a perspectiva do estudo do
plano do conteúdo segundo a semiótica discursiva desenvolvida por A. J. Greimas e
seus colaboradores.
O sincretismo do figurino das fantasias criadas por Alceu Penna teve como
procedimento principal a articulação entre a roupa/figurino e o corpo, é a sobreposição
108
da roupa sobre o corpo. A roupa muda o corpo, agrega a amplitude do quadril, marca a
cintura e aderindo a este corpo, fazendo vê-lo, valorizando-o por meio da elegância, da
liberdade, da beleza e da visibilidade social no carnaval. O corpo é sempre magro e esta
é a constante. Considerando um corpo vestido feminino e uma roupa/figurino
tipicamente estereotipada para um evento cultural nacional, como é o carnaval da
década de 1950, composto por um grupo de personagens também idealizadas pelo
próprio figurinista, que não pensou na estética de cada modelo de figurino, mas
também na sua identidade, denominando assim cada uma das personagens: maraqueiro,
guatemalteca, mexicana, xingara, tico-tico, cigana e frevo.
Verifica-se a presença de um sistema visual cinético e espacial que se compõe
da manifestação gráfica do desenho corporal, gestual e vestimentar e de outro sistema, o
verbo-visual, que se compõe de escolhas tipográficas de tamanho e cores dos tipos:
quanto ao corpo da letra o título principal “FANTASIAS PRÁTICAS” está em caixa
alta, mais encorpada e com o tipo de letra semi serifa insinuada news gothic ou
compacta
5
e, em seguida, a diagramação em estrofes se divide iniciando com a primeira
palavra de cada estrofe, também em caixa alta, criando subtítulos como “ABRINDO”,
“A FANTASIA”, O MODÊLO”, “A ÚLTIMA desta página...”, “NA PÁGINA”,
“OUTRA CIGANA” e A ÚLTIMA é uma fantasia...” com o mesmo tipo de letras do
título principal, distribuídas no espaço da página (ver p. 98). Ainda uma
retangularização distanciada de outra, formando blocos (quintetos) e a cor azul disposta
na vertical que acompanha a seqüência das estrofes.
Segue abaixo o esquema da relação entre a expressão e o conteúdo da imagem
referente ao figurino de fantasias de carnaval criadas pelo figurinista Alceu Penna.
5
Ver em Claudio Rocha em seu livro Tipografia comparada. São Paulo: Edições Rosari, 2004.
109
Sistema visual do desenho do figurino Sistema verbo-visual
corporal, gestual e vestimentar diagramação da página
distribuição espacial
Expressão figurinos de fantasias de carnaval título e subtítulo em caixa
corpo feminino magro e esguio alta com letra tipo
semi
serifa insinuada news
gothic ou compacta
cintura marcada e quadril em evidência
CORPO/GESTO/ROUPA TIPOGRAFIA/QUINTETO
Conteúdo elegância e liberdade, marchinha de carnaval
beleza e visibilidade social no carnaval década de 1950
A sincretização da rede complexa de categorias sintáticas e semânticas nos
possibilita visualizar uma plástica estruturada, inserida na mídia. uma dinâmica de
fazer ver e fazer sentir, que se coloca diante do que vemos ou contemplamos. Desta
forma pressupõem-se que sentimos de alguma maneira o que vemos. Neste sentido,
buscamos compreender, a partir de um cotidiano feminino, a existência de não ser e
estar no mundo, mas como fazer ser e fazer estar no mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A coluna Figurinos uma visibilidade dos tempos dos anos dourados, inserida
na revista O Cruzeiro, da década de 1950. A revista é um produto da indústria cultural,
de um contexto brasileiro que estava em início de um processo de modernização quando
os próprios meios de comunicação estavam fortalecendo sua presença e estratégias por
meio da urbanização e industrialização no nosso país, quando as práticas de consumo
estavam em desenvolvimento por meio do discurso publicitário e novos rumos políticos
condiziam a nação brasileira.
Este contexto era favorável para que a coluna Figurinos de Alceu Penna
produzisse semanalmente os desenhos dos novos modelos de figurinos de moda,
englobando uma diversidade de estilos, dentre eles o estilo europeu, norte-americano e
podemos identificar, até mesmo, um estilo latino-americano voltado para as fantasias de
carnaval. Este figurino era voltado predominantemente para o segmento de moda
feminina. O figurino que se concretiza na ilustração de moda de Alceu Penna, produz
um estilo de roupa para vestir a mulher no seu cotidiano social inserido em um contexto
urbano.
Concomitantemente, devemos considerar também o público masculino pois a
revista enquanto espaço público era construída por um fazer masculino produtor da
visibilidade dos papéis sociais das mulheres. Mais especificamente, a atuação dos
111
destinadores estudados a revista O Cruzeiro e o figurinista Alceu Penna doadores de
competências cognitivas e performáticas para um tipo de mulher brasileira, as leitoras
da coluna Figurino, no desempenho de determinados papéis sociais. Sendo assim, a
moda mostrada nesta coluna é um destinador prescritivo quando impõe padrões
vestimentares do centro da moda internacional à moda local e quando é manipulador na
medida em que faz querer vestir-se e mostrar-se em um tipo de mulher por sedução.
Por meio de um modo de vestir-se e de mostrar-se foi possível reconstruir o
universo de atuação desse particular feminino, dos seus papéis sociais exercidos num
universo do cotidiano feminino, como sujeitos que se são modalizados para um estilo de
vida voltado para o casamento, para a constituição de uma família e dos cuidados do lar.
Assim sendo, chega-se a identificação do simulacro de mulher da família, de uma
mulher enquanto objeto, que possui uma relação de dependência do masculino que junto
com ela constitui uma família, tornando-se seu objeto de valor e dando visibilidade as
relações que se produzem entre o masculino, o feminino e o contexto social. O
simulacro de mulher da moda, projetado no espaço do enunciado, de uma mulher que
valoriza o corpo e a aparência, sendo assim, a coluna corrobora à construção de um
discurso da aparência e por meio das estratégias da moda, utiliza a ação manipulativa
por procedimento de sedução para as atualizações constantes dos ciclos da moda
propondo mudanças no modo de vestir-se, e produzindo as prescrições e ditames do
novo à moda de cada sazionalidade. Neste sentido ocorre o ajustamento do corpo
feminino que é desenhado por Alceu Penna e que se ajusta aos seus modelos de
figurinos criados.
A constituição do social que se concretiza por meio do casamento, da família, da
maternidade, da paternidade, da relação pais e filhos, do evento cultural do carnaval,
correlacionam-se com os anúncios publicitários de produtos que estão presentes no
112
cotidiano urbano da posição social da mulher e com a coluna de Alceu Penna e
explicitando as práticas de consumo na medida em que a família é levada a querer
consumir e dando destaque, mais uma vez, a um tipo de mulher urbana que contribui
para a circulação das mercadorias da indústria.
A diagramação das ginas foi construída para produzir os efeitos de sentido
desta mulher que se faz ser e estar no mundo, em modos diferentes de presença na
postura corporal descontraída e movente e também numa postura formal, marcada por
posição do corpo mais estática e conservadora. Estes efeitos de sentidos estão
articulados nas relações sincréticas dos diferentes sistemas que se manifestam
visualmente nos enunciados dos desenhos na sua expressão corporal, gestual,
vestimentar e verbo-visual.
Neste fenômeno da articulação sincrética dos distintos sistemas concretiza-se a
constituição autoral de Alceu Penna que se dá no terreno da enunciação, pelo modo de
funcionamento específico da intertextualidade, permitindo-lhe construir seu figurino,
baseado no estilo europeu e norte-americano, assim dando visibilidade a uma moda
internacional que chega até um público feminino de uma classe social consumidora que
começa a se formar e que não poderia se deslocar até Paris ou Nova Iorque. Assim era
oferecido a este público, a oportunidade de ter acesso a uma moda internacional, dos
grandes centros de referência. Há também uma moda voltada para os figurinos de
fantasias de carnaval que são baseados nos estereótipos da cultura e tradição latino-
americanas. Alceu Penna nomeia estes figurinos com base nas práticas culturais, como
exemplo são as roupas criadas tipicamente da Guatemala e México (guatemalteca e
mexicana) e dos Estados do Brasil de Pernambuco e Bahia (roupa de frevo e baiana).
Os desenhos acompanhados de legendas, que Alceu Penna construía,
valorizavam o corpo feminino, modelando partes que assinalam suas escolhas
113
qualificando a roupa por meio do corpo que se evidência por meio do colo, dos ombros,
dos seios, da cintura e do quadril. Há uma construção da identidade feminina postulada
também nas posturas, nos gestos e nos olhares. Os traços especificam um tipo de corpo
feminino magro e esguio de cintura bem demarcada, com posturas diferentes que
marcam a atuação da mulher ora sensual e ora recatada, afirmando uma sexualidade
comedida e regrada pelo casamento. Seu trabalho torna-se também um instrumento
importante de difusão da moda internacional em nosso país, ao mesmo tempo que,
promovia o consumo dos tecidos pelos tipos de roupas propostas que lançavam no
mercado imprimido na dinâmica do consumo que se iniciavam nas páginas desta
revista, ela mesma um produto consumido no ato de sua leitura. Veiculava também todo
um aparato publicitário da produção da indústria que se inaugurava no país,
promovendo nestes termos um modelo moderno de estilo de vida que se instalava na
transição do rural para o urbano. Assim constatou-se o diálogo da revista O Cruzeiro
com a coluna Figurinos, com a publicidade do interior da revista, promovendo em
articulação o consumo da indústria de diversos setores da moda, beleza, saúde,
alimentos, eletrodomésticos e automóveis.
Na conclusão somos conscientes que muito para se estudar sobre o trabalho
desenvolvido por Alceu Penna, em especial sobre o discurso da moda que ele
desenvolveu ao longo dos anos em que trabalhou na revista O Cruzeiro, durante a
década de 1950. A contribuição que a coluna Figurinos proporcionou ao contexto
concentra-se no seu fazer criativo que se faz ver e significar nas páginas da revista e da
coluna, podendo ser ele, sem sombra de dúvida, considerado um dos precursores que fez
a moda aparecer na mídia impressa, ao mesmo tempo em que ele construiu uma
trajetória histórica no âmbito da moda.
114
A pesquisa realizada contribuiu para destacar os figurinos de moda desenhados
por Alceu, como também para descobrir a dimensão do trabalho desenvolvido por ele
nesta revista ao lado da sua linha editorial. Ressaltamos que sua atuação não se limitou
a sua coluna, mas contribuiu para outras seções da revista, como é o caso da coluna As
Garotas e além disto, realizou seu trabalho no jornalismo de moda, escrevendo matérias
de moda em parceria com fotógrafos europeus da época.
De todo trabalho que objetivamos realizar, o desenvolvido nesta dissertação
proporcionou-nos conhecer e compreender melhor a revista O Cruzeiro, seu papel
importante para o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa em nosso país,
verificando a rede de correlações entre o discurso publicitário que era mantido e
produzido pela indústria e comércio que se fortaleciam e o discurso da moda.
Restam pois várias outras dimensões da ação desse criador para dar conta de seu
trabalho cuja investigação fica a ser continuada por aqueles que se interessarem pela
obra de Alceu Penna, podendo-se partir de diversos pontos de vista, de diversos campos
do saber.
É possível compreender como os meios de comunicação de massa em nosso país
se desenvolveram inseridos num complexo da indústria cultural de um contexto
brasileiro em seus primeiros anos de existência, ao se conhecer a trajetória desse
criador. Percebe-se assim, em uma dada medida, a preservação da memória das práticas
sociais e culturais imprimidas na revista O Cruzeiro em torno dos áureos Anos
Dourados da década de 1950. A visualização dessas práticas e como elas são
construídas nos desenhos do figurino de moda de Alceu Penna foi o que concluímos e
demos visibilidade.
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