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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA
MINTER UFC/UFMA
MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS FARIA
A METADISCURSIVIDADE EM REDAÇÕES DISSERTATIVAS DE
VESTIBULANDOS
Fortaleza
2009
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MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS FARIA
A METADISCURSIVIDADE EM REDAÇÕES DISSERTATIVAS DE
VESTIBULANDOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Linguística da
Universidade Federal do Ceará como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
Linguística.
Linha de pesquisa: Práticas Discursivas e
Estratégias de Textualização.
Orientadora: Professora Doutora Mônica
Magalhães Cavalcante
Fortaleza
2009
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A METADISCURSIVIDADE EM REDAÇÕES DISSERTATIVAS DE
VESTIBULANDOS
Esta dissertação foi submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Linguística como parte
dos requisitos necessários para a obtenção
do grau de Mestre em Linguística, outorgado
pela Universidade Federal do Ceará, e
encontra-se à disposição dos interessados na
Biblioteca de Humanidades da referida
Universidade.
A citação de qualquer trecho da dissertação é
permitida, desde que seja feita de acordo com
as normas científicas.
_____________________________________
Maria da Graça dos Santos Faria
Banca Examinadora
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante
(Orientadora)
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Luciano Pontes – UECE
(1º Examinador)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Emília Maria Peixoto Farias – UFC
(2ª Examinadora)
_____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Elias Soares – UFC
(Suplente)
Dissertação defendida e aprovada em / / 2009.
DEDICATÓRIA
A Felipe, minha produção maior, todo o
meu amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por todas as bênçãos que tem concedido à minha vida.
Aos meus pais (in memoriam) Manuel e Áurea Faria, minha primeira
bênção divina, que compartilharam de um verdadeiro amor e de um grande objetivo:
proporcionar instrução a sete filhos para que assim tivessem mais chances na vida.
Aos meus irmãos, Carlos, Manuel e Fernando, toda a minha admiração e
gratidão ao amor e cuidados que têm comigo. Incluo nesta bênção divina, as minhas
cunhadas-irmãs: Fátima, Thelma e Célia.
Ao meu irmão Aníbal (in memoriam), que permanece vivo nos nossos
corações e nas lembranças do nosso convívio, e, principalmente, pela presença de
seus filhos e, agora, netos.
Às minhas irmãs, Maria Helena e Maria Tereza, testemunhas da minha
vida, torcedoras fanáticas de todos os meus sonhos e os braços que me acolhem e
protegem. Vocês e os meus cunhados Geraldo e Alexandre são os meus presentes
divinos.
A Felipe, meu filho, minha maior bênção e orgulho pela forma digna de
estar no mundo.
A todos os meus sobrinhos e sobrinhas, amores da minha vida, que
continuam me dando motivos de alegria: as vitórias conquistadas por mérito, e os
meus sobrinhos-netos nos quais posso exercer meu novo papel: avó.
Às minhas amigas Betinha, Fátima Garcez e Helena Carvalho, sempre
presentes, compartilhando os ganhos e as perdas da minha vida pessoal e
profissional.
À Marize Aranha pela prontidão em me ajudar, incontáveis vezes, na
digitação de muitos trabalhos no meu curso de mestrado.
À Sônia Almeida que não mediu esforços em ler, revisar e discutir esta
pesquisa, além das suas valiosas sugestões.
À Professora Dra. Conceição Ramos que, desde a confirmação do
MINTER, sempre esteve disponível em me orientar nas e para as leituras
fundamentais em todo o processo deste curso.
Às professoras doutoras Rita Santos e Veraluce Santos por oferecerem
todo auxílio de que eu necessitasse.
A todos os colegas do Minter pela solidariedade, pelos trabalhos de
equipe, e, em especial, à Fátima Sopas pelo incentivo e ajuda inestimáveis.
Aos Coordenadores do Minter, professor Dr.Mendes (MA) e a professora
Dra. Eulália (CE) responsáveis maiores na realização do sonho de 15 professores.
A todos os colegas do Departamento de Letras da UFMA por aprovarem o
meu afastamento para a realização deste curso.
Aos funcionários do DEC que, com muito profissionalismo, permitiu o meu
acesso às redações do vestibular da UFMA.
Às queridas Sheila e Paula que abriram as portas da casa para me
hospedarem em Fortaleza, e pela alegria do convívio em família.
Ao Reitor da UFMA, professor Dr. Natalino Salgado que apoiou
completamente o MINTER entre as Universidades Federais do Maranhão e do
Ceará.
A todos os professores que dividiram seus conhecimentos com a nossa
turma.
À minha sobrinha e digitadora oficial, Clarice Medeiros, pela dedicação e
carinho.
Aos meus compadres Pedro Leonel e Marilene, padrinhos do meu filho e
meus amigos de todas as horas.
A todos os meus alunos, companheiros de muitas descobertas.
À professora Dra.Emília Farias pelas excelentes contribuições nas etapas
do projeto e da qualificação desta dissertação,
À professora Dra. Mônica Magalhães Cavalcante, minha querida
orientadora, pela paciência, pelas orientações sábias e seguras, por nunca permitir
que eu desistisse diante de qualquer dificuldade, por acreditar na realização e na
importância desta pesquisa. Tê-la como orientadora é mais uma bênção que Deus
me concedeu. Mais do que a admiração e respeito de um aprendiz por um mestre,
tenho o respeito e a admiração pela sua dignidade e caráter. Muito obrigada!
A todos que, de forma direta e indireta, contribuíram na realização deste
trabalho.
“As palavras só têm sentido se nos
ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os
olhos”.
Rubens Alves
RESUMO
Nesta dissertação, propomos uma articulação entre os marcadores metadiscursivos
na perspectiva elaborada por Hyland (2005), na sequência argumentativa de
Bronckart, (2007) e de alguns processos referenciais, como as anáforas e os
dêiticos sob a ótica de Cavalcante (2003) em redações de vestibulandos da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A proposta deste trabalho é identificar e
descrever as funções metadiscursivas nessas dissertações, no intuito de observar o
emprego dos operadores metadiscursivos na construção argumentativa e da
possibilidade do uso desses operadores como processos de referenciação. Para
análise e interpretação dos dados desta pesquisa, foram selecionadas 25 redações
dissertativas de vestibulandos da UFMA que seguiram as seguintes etapas: em
primeiro lugar as redações foram enquadradas na sequência argumentativa
apresentada no quadro elaborado pro Bronckart (2007) e em seguida foram
destacados os marcadores metadiscursivos, obedecendo ao esquema interpessoal
de Hyland (2005) para, em seguida serem observados os marcadores
metadiscursivos que também funcionam como processos de referenciação para,
finalmente, relacionar esses marcadores à construção argumentativa. Partimos do
pressuposto de que a presença ou ausência de indicadores metadiscursivos no texto
pode revelar a escolha de estratégias próprias da língua para aumentar o nível de
persuasão dos seus argumentos, destacando assim a visão interativa característica
de um texto argumentativo que pressupõe as dimensões de posicionamento do
autor frente aos seus argumentos e a busca do engajamento do leitor. Nossa
pesquisa revelou a sobreposição entre as categorias de posicionamento e
engajamento, o emprego de alguns operadores metadiscursivos como referenciação
por meio de anáforas e dêiticos.
Palavras-chave: Metadiscurso. Argumentação. Gênero textual. Processo de
referenciação.
ABSTRACT
In this dissertation, we propose an articulation between the metadiscoursive markers
in the perspective devised by Hyland (2005), in Bronckart’s (2007) argumentative
sequence, and some referential processes, such as anaphors and deictics under
Cavalcante’s (2003) scope, found in the Federal University of Maranhao (UFMA)
vestibular candidates’ essays. The purpose of this work is to identify and describe the
metadiscoursive functions in those essays, in order to observe the use of
metadiscoursive operators in the argumentative construction and the possibility of the
usage of such operators as referential processes. For the analysis and interpretation
of this research data, 25 UFMA students’ dissertative essays were chosen, according
to the following steps: First, the essays were fitted to the argumentative sequence
found in the table created by Bronckart (2007). Next, the metadiscoursive markers
were highlighted, obeying Hyland’s (2005) interpersonal scheme, in order to observe
metadiscoursive markers that also serve as referentiation processes, hence relating
those markers to the argumentative construction. We begin with the assumption that
the presence or absence of metadiscoursive markers in the text can reveal the
strategy choices inherent to the language to enhance the persuasion in their
arguments thus, highlighting the interactive vision inherent to an argumentative text
that assumes the author’s position dimensions in regards to his/her arguments and
the pursuit to engage the reader. Starting from the assumption that the presence, or
absence, of metadiscoursive markers in the text can reveal the strategy choices
innate to the language in order to increase the persuasion in his/her arguments
Key words: Metadiscourse. Argumentation. Textual Genre. Referencial Process
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Quadro de metadiscurso textual ..................................................... 23
Figura 2: Quadro de metadiscurso interpessoal ............................................ 24
Figura 3: Modelo de Hyland .......................................................................... 26
Figura 4: Esquema típico da sequência argumentativa ................................. 36
Figura 5: Esquema dos conteúdos das sequências específicas
elaborado por Bronckart ................................................................. 39
Figura 6: Esquema dos processos de referenciação ..................................... 50
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Modelo para classificação do total das redações de acordo
com a sequência argumentativa de bronckart ................................ 56
Quadro 2: Modelo do quadro específico das fases da sequência
argumentativa de Bronckart (2007) ................................................ 57
Quadro 3: Modelo do quadro específico das fases da sequência
explicativa de Bronckart (2007) ...................................................... 57
Quadro 4: Modelo do quadro específico do modelo interacional de
posicionamento de Hyland (2005) .................................................. 57
Quadro 5: Modelo do quadro interacional de engajamento de Hyland
(2005) ............................................................................................. 57
Quadro 6: Modelo do quadro de referenciação de Cavalcante (2003) ............ 58
Quadro 7: Análise das redações dentro da sequência argumentativa
de Bronckart ................................................................................... 58
Quadro 8: Quadro específico das fases da sequência argumentativa
de Bronckart (2007) ........................................................................ 60
Quadro 9: Quadro específico do modelo interacional de
posicionamento de Hyland (2005) .................................................. 60
Quadro 10: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005) ................. 60
Quadro 11: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003) ............................. 60
Quadro 12: Quadro específico das fases da sequência argumentativa
de Bronckart (2007) ........................................................................ 63
Quadro 13: Quadro específico do modelo interacional de
posicionamento de Hyland (2005) .................................................. 63
Quadro 14: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005) ................. 63
Quadro 15: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003) ............................. 64
Quadro 16: Quadro específico das fases da sequência argumentativa
de Bronckart (2007) ........................................................................ 66
Quadro 17: Quadro específico do modelo interacional de
posicionamento de Hyland (2005) .................................................. 66
Quadro 18: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005) ................. 66
Quadro 19: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003) ............................. 66
Quadro 20: Quadro específico das fases da sequência explicativa de
Bronckart (2007) ............................................................................. 68
Quadro 21: Quadro específico do modelo interacional de
posicionamento de Hyland (2005) .................................................. 69
Quadro 22: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005) ................. 69
Quadro 23: Modelo de referenciação de Cavalcante (2003) ............................. 69
LISTA DE ANEXOS
Anexo A: Comando da prova e respectivas cópias de redações de 2004 ...... 82
Anexo B: Comando da prova e respectivas cópias de redações de 2004 ...... 88
Anexo C: Comando da prova e respectivas cópias de redações de 2006 ...... 95
Anexo D: Comando da prova e respectivas cópias de redações de 2007 ...... 102
Anexo E: Comando da prova e respectivas cópias de redações de 2008 ...... 110
Anexo F: Manual do vestibulando – programa da prova de redação ............. 117
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................... 14
1 LINGUAGEM ............................................................................................. 17
1.1 Noções de linguagem .............................................................................. 17
1.2 Metadiscurso ........................................................................................... 18
1.2.1 Concepção de metadiscurso ..................................................................... 18
1.2.2 Metadiscurso interativo de Hyland ............................................................. 23
2 ARGUMENTAÇÃO ................................................................................... 33
2.1 Noções sobre argumentação ................................................................. 33
2.2 A sequência argumentativa .................................................................... 35
2.2.1 O plano composicional .............................................................................. 35
2.3 Perspectiva da sequência argumentativa de Bronckart ...................... 37
2.4 O gênero redação ................................................................................... 41
3 REFERENCIAÇÃO ................................................................................... 46
3.1 Processo de referenciação ..................................................................... 46
3.2 Referenciação anafórica ......................................................................... 48
3.3 Referenciação dêitica .............................................................................. 51
4 METODOLOGIA ....................................................................................... 53
4.1 A seleção do corpus ................................................................................ 54
4.2 Procedimentos de análise ..................................................................... 56
4.3 Análise dos dados ................................................................................... 58
4.4 Demonstração da análise dos dados ..................................................... 71
4.4.1 As funções metadiscursivas das anáforas e dos dêiticos pessoais ........... 71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 74
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 76
ANEXOS .................................................................................................... 81
14
INTRODUÇÃO
O homem, por meio da linguagem, articula suas experiências sociais e
históricas. Quanto maior for o seu domínio da linguagem, maior será sua interação
com o meio social em que vive, pois, a todo momento, ele está sendo persuadido e
persuadindo, sendo informado e informando.
O laço indissociável entre linguagem e sociedade (visto que uma exerce
influência sobre a outra) recorre ao sistema da língua para que se manifestem as
relações sociais entre as pessoas.
Esse interesse na dimensão interpessoal encontra acolhida naqueles que
compartilham do entendimento de que todo uso da língua está relacionado aos
contextos sociais, culturais e institucionais.
Por esse motivo, o domínio da escrita torna-se importante não só para o
aspecto social, profissional, mas também para o aspecto existencial. O ensino de
língua portuguesa deve ter em vista o desenvolvimento de diversas competências,
pois, só dessa forma, será possível ao escritor/falante utilizá-la em qualquer situação
de interação comunicativa.
Em um enfoque dialógico, a linguagem é entendida como uma atividade
humana constitutivamente heterogênea, interativa, social em que a relação com o
outro é a base da discursividade.
Nesse sentido, este trabalho se propõe investigar os marcadores
metadiscursivos nas redações dissertativas dos vestibulandos da Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), no intuito de observar sua importância na construção
argumentativa. Buscamos demonstrar que a metadiscursividade é uma estratégia
eminentemente argumentativa e que alguns desses marcadores são viabilizados por
processos referenciais. A relação entre referenciação e metadiscurso não tem sido
explorada, de modo sistemático, na literatura da área, razão pela qual será
destacada neste estudo, como contribuição às reflexões sobre produção de texto.
O foco metadiscursivo é sustentado nos trabalhos de Linguística Aplicada
(LA) pela relação muito próxima que estabelece com a construção argumentativa e
também com os processos de referenciação, que colaboram para a eficácia
argumentativa.
15
Na perspectiva da LA, trabalhos como os de Bronckart (2007)
1
, sobre
interacionismo sociodiscursivo, de Schneuwly e Dolz (2004)
2
, sobre gêneros,
serviram de referência para elaboração de uma nova abordagem na didática de
textos.
Assim como a noção de metadiscurso nessa perspectiva é considerada
como um conjunto de estratégias discursivas pelas quais os enunciadores se
posicionam no texto, marcando seus propósitos comunicativos e convidam o leitor a
se engajar no texto. Pode-se dizer, dessa forma, que é um modo de organização do
texto com finalidades argumentativas e discursivas.
Dentre as várias categorias de análises possíveis contempladas pela
Linguística, optamos pelos marcadores metadiscursivos, porque os consideramos
uma forte evidência do modo como os enunciadores organizam seus textos de
maneira a se tornarem persuasivos. Partimos da hipótese básica de que a presença
ou ausência desses indicadores metadiscursivos no texto pode revelar o
investimento que o vestibulando faz na escolha de estratégias para aumentarem o
nível de persuasão dos argumentos em seus textos.
Embora haja diversas formas de indicar o engajamento do enunciador em
seu discurso, estamos partindo da hipótese básica de que os marcadores
metadiscursivos constituem um dos recursos que mais podem marcar
adequadamente o posicionamento adotado pelos vestibulandos e, ao mesmo tempo,
o engajamento que eles pretendem conquistar.
As principais bases teóricas que apoiam esta pesquisa são as noções de
metadiscurso interpessoal, de Hyland (2005), a sequência argumentativa na ótica de
Bronckart (2007) e os estudos de referenciação, em especial as anáforas e os
dêiticos sob o ponto de vista de Marchuschi (2000), Koch (2003) e Cavalcante
(2003).
Essas fundamentações teóricas serão mescladas de forma a proporcionar
a base para a investigação das redações dos vestibulandos na sua construção
argumentativa, que se presume seja realizada por meio de operadores
metadiscursivos.
Deve-se ainda ressaltar que há estudos sobre metadiscursividade que
focam sua atenção em gêneros acadêmicos: Marchuschi (2000), Koch (2003),
1
A pesquisa de Bronckart (1999) será abordada no capítulo 2, especificamente no item 2.2.
2
O trabalho de Schneuwly (1998) e Dolz (1990) também será abordado no capítulo 2, no item 2.3.
16
Cavalcante (2003) e Matsuoka (2007). Esta pesquisa é relevante por discutir o uso
de recursos metadiscursivos em outro gênero que não os acadêmicos além de
destacar que alguns recursos metadiscursivos são viabilizados por processos
referenciais.
Este trabalho é composto de cinco capítulos. No primeiro capítulo,
apresentamos uma noção de linguagem que servirá para indicar a perspectiva de
língua em que esta pesquisa se enquadra. Em seguida, abordamos a concepção de
metadiscurso, apresentando uma visão geral sobre sua conceitualização na visão de
diferentes teorias linguísticas e, finalmente, explanamos o esquema interpessoal
proposto por Hyland (1998; 2005), que será a base principal desta pesquisa.
No segundo capítulo, discutimos as noções relativas à argumentação, do
plano composicional, para, dessa forma, operar com o conceito de sequência
textual, cunhado por Adam (1992) e redimensionado por Bronckart (2007), também
base desta análise. Abordamos, ainda, a caracterização das redações escolares
como gênero, com o intuito de descrever o objeto de análise deste trabalho, as
redações dissertativas, situando-o em seu contexto específico de uso e respeitando
a maneira como esse gênero é designado nas escolas de Curso Médio.
No terceiro capítulo, tratamos brevemente da estratégia de referenciação,
partindo da hipótese de que pode haver relação entre certos tipos de processos
referenciais e as categorias de posicionamento e engajamento. Destacaremos,
portanto, as anáforas e as formas dêiticas, já que são importantes estratégias
metadiscursivas.
O quarto capítulo contempla as questões metodológicas, descrevendo as
etapas desta pesquisa, ou seja, os critérios estabelecidos para o objeto de estudo, o
referencial teórico, a delimitação do corpus e a descrição dos procedimentos
metodológicos.
Ainda no quarto capítulo, serão apresentadas as análises das redações
dissertativas dos vestibulandos na perspectiva do esquema interpessoal de Hyland
(2005), observada a sequência argumentativa de Bronckart (2007) e as noções de
anáforas e dêiticos concebidas por Marchuschi (2000), Koch (2003) e Cavalcante
(2003), na construção dos argumentos.
E, finalmente, o quinto capítulo traz as considerações finais deste trabalho
de pesquisa.
17
1 LINGUAGEM
1.1 Noções de linguagem
Diferentes teorias linguísticas contemplam diferentes formas de
observação dos fenômenos da língua. Por exemplo: os estudos da Linguística
Moderna, desde a clássica conceituação de Saussure (língua e fala), têm uma
história de continuidade e ruptura. Pode-se, de forma simplista, dividir essa história
em duas perspectivas: a formalista e a funcionalista. Significa que os fenômenos
linguísticos são contemplados diferentemente se forem analisados sob o viés
formalista ou funcionalista.
Neves (1997, p.39) ratifica essa divisão:
Na verdade, pode-se distinguir dois polos de atenção opostos no
pensamento linguístico, o funcionalismo, no qual a função das formas
linguísticas parece desempenhar um papel predominante, e o
formalismo, no qual a análise da forma linguística parece ser
primária, enquanto os interesses funcionais são apenas secundários
(grifo do autor).
A visão formalista, sem dúvida a mais antiga, considera a língua como
estrutura e tem como o seu maior representante Ferdinand de Saussure.
Com o advento da teoria gerativa, fundada na obra de Chomsky, a
descrição de língua continuou a ser realizada fora de qualquer contexto de uso.
Muitos estudiosos, porém, teceram severas críticas às ideias formalistas e
passaram a examinar a língua como ação, ou seja, passaram a observar as relações
entre linguagem e seus usuários em uma perspectiva funcionalista.
Esses estudiosos ultrapassaram o nível de descrição de frase e passaram
a descrever e explicar a interação humana por meio da língua.
De acordo com Neves (1997, p.3):
Pode-se dizer que o que caracteriza a concepção de linguagem
defendida pela gramática funcional – bem como pela Escola de
Praga – é seu caráter não apenas funcional como também dinâmico.
Ela é funcional porque não separa o sistema linguístico e suas peças
das funções que têm de preencher, e é dinâmica porque reconhece,
na instabilidade da relação entre estrutura e função, a força dinâmica
que está por detrás do constante desenvolvimento da linguagem.
18
Significa que não há só uma maneira de se pensar a linguagem. Por outro
lado, não se está livre de um discurso dominante que dá sentido a qualquer teoria
linguística. Assim, qualquer reflexão sobre a linguagem trabalha sobre várias teorias
como: estruturalismo, funcionalismo, teoria da enunciação, as teorias do texto, as
análises da conversação e as análises do discurso. Segundo Orlandi (2006, p.18),
Na trama histórica que enreda o pensamento linguístico, pode-se
reconhecer duas tendências principais: uma que se ocupa do
percurso psíquico da linguagem, que busca o universal, o
constante (é o formalismo). Do outro lado, o sociologismo que
explora a relação entre linguagem e sociedade, buscando o
múltiplo, diverso e variado.
Em outras palavras, essa divisão, que atravessa toda a história da
Linguística, divide os defensores de que existe uma ordem interna (própria da
língua) e, de outro lado, aqueles que defendem a ideia de que a linguagem reflete a
relação da língua com a exterioridade, incluindo as determinações históricas e
sociais.
Esta pesquisa filia-se à segunda concepção de língua, embora não se
prenda a uma análise de gramática funcional, pois se propõe analisar formas de
abordagem da construção argumentativa, por meio de marcadores metadiscursivos,
tendo em vista uma perspectiva que defende o estudo da organização textual e
também retórico da linguagem.
1.2 Metadiscurso
1.2.1 Concepção de metadiscurso
O termo metadiscurso, nos estudos linguísticos, possui duas acepções. A
primeira o define como recurso que se volta sobre o próprio ato enunciativo. Nessa
concepção, os operadores formais da língua são os elementos que compõem as
estratégias metadiscursivas. Essa abordagem aproxima-se da noção de
metalinguagem (JAKOBSON, 1963).
A segunda acepção aproxima metadiscurso de discurso. Maingueneau
(2001, p.94) faz essa distinção da seguinte maneira: “a definição de metadiscurso
oscila constantemente entre uma definição estreita, próxima àquela da
19
metalinguagem dos lógicos, e uma definição ampla que tende a dissolver o
metadiscurso no discurso”.
Embora possa parecer incompatível unir as duas acepções, pensamos
ser possível aproveitar um pouco de cada uma. A primeira trabalha com o aspecto
metadiscursivo em elementos formais, como se este se manifestasse de forma
homogênea; a segunda acepção analisa o metadiscurso como forma de marcar a
heterogeneidade discursiva, que pode ser entendida a partir do conceito de
dialogismo, de Bakhtin (1997), apesar de não equivaler a ele. Sobre isso, leia-se
Fonseca:
A heterogeneidade é um modo de conceber a linguagem como uma
prática subjetiva, constitutivamente marcada por presenças não
unitárias, não monovalentes, não pacíficas; é um pressuposto de
linguagem, cuja existência está entre o dialogismo de Bakhtin e a
interdiscursividade de Pêcheux (FONSECA, 2007, p.98).
Apesar dessa aparente incompatibilidade do metadiscurso, buscamos,
nesta pesquisa, esboçar uma abordagem que considere os aspectos funcionais e,
em alguma medida, também os aspectos discursivos, mas o foco deste estudo está
voltado para os aspectos retóricos. Nesse sentido, será necessário abordar alguns
conceitos relativos ao termo metadiscurso em diferentes teorias linguísticas.
A Análise do Discurso de orientação francesa valeu-se da descrição das
heterogeneidades, de Authier-Revuz (1990), particularmente das não-coincidências
do dizer, para definir a noção de metadiscursividade com que iria operar. Os estudos
de Authier-Revuz (1990), em linhas gerais, fundamentam-se na noção bakthiniana
do dialogismo, mas também na noção de inconsciente da teoria psicanalítica
lacaniana. Authier-Revuz (1990) realiza um trabalho pautado sobre o que chama de
heterogeneidade mostrada. Nesse sentido, a autora considera o metadiscurso com
uma das manifestações de heterogeneidade enunciativa.
Assim, o metadiscurso, nesta acepção, pode ser avaliado através de um
conjunto de marcas que assinalam as não-coincidências do dizer
3
e que são
tratadas, dentro da teoria, como funções do metadiscurso, como Charaudeau e
Maingueneau (2001):
3
Authier-Revuz (1998) classifica quatro não-coincidências do dizer: a interlocutiva, a interdiscursiva, a
não-coincidência das palavras com as coisas e a não-coincidência das palavras consigo mesmas.
20
` Autocorrigir-se: eu deveria ter dito, mais exatamente; Corrigir o outro:
você quer dizer, na realidade, que;
` Marcar a inadequação de certas palavras: se pode dizer, por assim
dizer
` Eliminar antecipadamente um erro de interpretação: no sentido exato,
metaforicamente
` Desculpar-se: se eu posso me permitir
` Reformular o propósito: dito de outra forma, em outras palavras
Para Maingueneau (2001), o metadiscurso é um mecanismo de
alinhamento dos níveis distintos do discurso.
Não adotaremos, no entanto, essa perspectiva, porque não nos interessa
analisar, nesta pesquisa, as funções discursivas das não-coincidências com a
finalidade de caracterizar a interdiscursividade, ou outras categorias caras à Análise
do Discurso de orientação francesa, como o ethos, a cenografia e as diferentes
cenas, senão apenas considerar o papel dos marcadores de metadiscursividade
propostos por Hyland na organização argumentativa das redações de nosso corpus
uma perspectiva muito mais retórica.
A noção de metadiscurso, dentro da Linguística Aplicada (LA), é
considerada como um conjunto de estratégias discursivas pelas quais os
enunciadores se posicionam no texto, marcando suas intenções comunicativas. Em
outras palavras, é um modo de organização do texto, com a finalidade de atingir os
participantes da enunciação.
Vande Kopple (1985) e Crismore (1989) apresentam um ponto comum na
concepção de que metadiscurso é o “discurso sobre o discurso”. Crismore (1989)
postula que o metadiscurso é empregado com a função de orientar o leitor e
sinalizar a presença do autor, marcando o seu posicionamento.
Essa ótica de considerar o metadiscurso como estratégia de organização
do texto é adotada por Hyland (1998, p.14), que afirma que “metadiscurso envolve
aspectos do texto que explicitamente organizam o discurso escrito do ponto de vista
do escritor, visando ao conteúdo do texto e ao leitor”.
O conceito de metadiscurso tem sido recorrente em pesquisas relativas à
estrutura textual e retórica de textos, como, por exemplo: os estudos de
metadiscurso em contexto escolar sobre livros didáticos (CRISMORE, 1989), e sobre
manuais universitários de diferentes disciplinas (HYLAND, 1998).
21
Hyland (1998), ao propor um modelo de interação no discurso acadêmico,
considera que os acadêmicos usam a linguagem para reconhecer, construir e
negociar relações sociais. E ainda afirma que “[...] todo texto acadêmico bem-
sucedido mostra o entendimento do escritor tanto sobre seus leitores quanto sobre
suas consequências”
4
(HYLAND, 2005, p.174, tradução nossa).
Esta proposta de Hyland (1998) ainda se concentra muito numa
classificação formal, priorizando a dimensão textual, razão por que não adotaremos
os critérios de análise do modo como foram propostos pelo autor nessa primeira
classificação.
A proposta de Hyland (1998) concebe duas perspectivas do
metadiscurso: o textual e o retórico. O metadiscurso, observado a partir da
metafunção textual, refere-se aos operadores textuais que permitem ao leitor
entender a intenção do escritor (HYLAND, 1998).
O metadiscurso,visto a partir da perspectiva retórica, entende que o
escritor se projeta em seu texto, estabelecendo uma relação de persuasão e de
orientação. É nesse contexto que a presente pesquisa se insere e pretende avaliar o
metadiscurso interacional na proposta do modelo de Hyland (2005), não apenas
como uma estratégia de organização textual, mas como elemento necessário na
argumentação e na sua função discursiva referencial.
Para esta investigação, os marcadores metadiscursivos serão analisados
em redações dissertativas de vestibulandos com o intuito de observar sua
importância na construção argumentativa. Na verdade, intentamos demonstrar que o
metadiscurso está a serviço da argumentação, assim como a referenciação também
está a serviço da argumentação, ainda que nem todos os marcadores
metadiscursivos constituam processos de referenciação.
Metadiscurso, portanto, não será entendido aqui como um fenômeno
unicamente linguístico e pragmático (como na proposta de Jakobson), nem apenas
como um fenômeno de heterogeneidade enunciativa (como na AD), mas como um
fenômeno retórico e pragmático, como afirma Hyland (1998, p.15): “os traços
retóricos podem ser entendidos e vistos não somente no contexto em que eles
ocorrem, mas como um resultado metadiscursivo, devendo ser analisados como
parte de práticas, valores e ideias de uma comunidade discursiva”. Daí por que esta
4
Tradução da citação “Put succinctly, every successful academic text displays the writer’s awarenes
of both its readers and its consequences” (HYLAND, 2005, p.174)
22
pesquisa sobre os operadores metadiscursivos na argumentação inclui a perspectiva
social, porque leva em consideração o uso que remete a uma relação de caráter
valorativo com um mundo.
A perspectiva pragmática da linguagem, reforçando a contextualização
das realizações verbais, conduz a um encontro entre os procedimentos
metalinguísticos e metadiscursivos, na medida em que as referências às estruturas
da língua passam a ser observadas no enfoque de seu funcionamento em situações
comunicativas.
O metadiscurso, por inscrever o produto verbal na situação enunciativa
que o instaura, estabelece uma integração entre enunciado e enunciação. Dessa
forma, pode-se fundamentar o metadiscurso numa perspectiva textual-interativa,
“como uma atividade verbal entre os protagonistas de um ato comunicativo,
contextualizado no espaço, no tempo e no complexo conjunto de circunstâncias que
movem as relações sociais entre os interlocutores” (RISSO, JUBRAN,1998, p.2).
A metadiscursividade, assim, potencialmente presente em qualquer
manifestação textual, ganha um destaque particular pelo fato de promover a
manifestação de fatores enunciativos na estruturação do texto. O metadiscurso é
sempre marcado. Nessa marcação, estão presentes procedimentos verbais de
natureza variada, desde fatos comuns da língua a construções referenciadoras de
um processo linguístico, textual e interativo ao mesmo tempo.
Nesse sentido, esta pesquisa concorda com essa visão, que é também
compartilhada por Hyland nos seus pressupostos sobre metadiscursividade, tanto no
aspecto retórico, como no formal, ou seja, nas dimensões textual e interpessoal, tão
privilegiadas no início das pesquisas do autor sobre este assunto, como veremos no
item a seguir.
1.2.2 Metadiscurso interativo de Hyland
Hyland baseou-se em Crismore et al. (1990) para a sua primeira
classificação de metadiscurso (1998), em que distingue dois tipos de metadiscurso:
o textual e o interpessoal.
Segundo Hyland (1998), o metadiscurso textual é usado para organizar a
informação proposicional de maneira a torná-la coerente para uma audiência
específica e para um dado propósito. Os marcadores nessa categoria representam a
23
audiência no texto em termos da avaliação da escrita sobre as dificuldades de
processamento dos conteúdos proposicionais ali transmitidos, e a necessidade de
orientação interpretativa desse público.
Em outras palavras, pode-se deduzir que os elementos do metadiscurso
textual ajudam a caracterizar o perfil do leitor desse texto, e a revelar a que contexto
comunicativo ele pertence. Assim, eles permitem ao leitor recuperar a intenção do
autor em estabelecer interpretação de significados proposicionais.
Fazem parte do metadiscurso textual os conectores lógicos, os
marcadores de enquadramento, os marcadores endofóricos e as referências de
conteúdo, conforme resume a figura abaixo:
MARCADORES
METADISCURSIVOS
(metadiscurso textual)
CARACTERIZAÇÃO EXEMPLOS
Conectores lógicos
Conjunções, locuções adverbiais que
estabelecem conexões entre as
ideias.
- Mas,
- No entanto,
- Consequentemente
Marcadores de
enquadramento
Indicam as partes que compõem o
texto.
- Inicialmente,
- Para concluir,
Esclarecem objetivos - Meu objetivo é,
- Pretende-se
Marcam mudança de tópico - Agora,
- Em seguida
Marcadores endofóricos
Remetem a outras partes do texto - Abaixo,
- Acima
Referências de conteúdo
Adicionam informação,
Reformuladores,
- Isto é,
- Quer dizer.
Figura 1: Quadro de metadiscurso textual
Fonte: Hyland, 1998
Para maior clareza, alguns exemplos abaixo serão dados para ilustrar o
quadro acima:
Exemplo 1: “Por último
, mas não menos importante, é imperativo que
se reduza o elevado custo dos transportes...” (RADAR. REVISTA VEJA, 2008, p.70).
As palavras grifadas acima “por último” é um marcador endofóricos
revela a sequência que encaminha para o argumento final (que ainda será
apresentado) e o conector “mas” que traz uma relação de oposição que se direciona
para a conclusão do argumento, destacando sua importância.
24
Ainda segundo Hyland (1998), o metadiscurso interpessoal orienta os
leitores quanto ao modo como o escritor se projeta nos textos com relação ao
conteúdo proposicional e aos próprios leitores.
Nesse tipo de discurso, o leitor é informado sobre o posicionamento do
escritor diante das proposições, contribuindo, assim, para que o sentido do texto
surja de uma relação escritor-leitor. Nessa concepção, o metadiscurso é,
essencialmente, interacional e avaliativo.
Fazem parte do metadiscurso interpessoal: formas modalizadoras,
atenuadores, formas enfáticas, marcadores de atitude, marcadores relacionais.
METADISCURSO
INTERPESSOAL
CARACTERIZAÇÃO EXEMPLOS
Formas
modalizadoras
Expressões que amenizam a informação
ou não se compromete com ela
- Bem provável,
- Praticamente
Atenuadores
Ameniza o grau do posicionamento do
autor com a proposição
- Pode ser,
- É possível
Enfatizadores
Acentua o comprometimento do autor - Com certeza,
- Sem dúvida
Marcadores de
atitude
Indicam aspectos afetivos - Surpreendentemente
- Admirável
Marcadores
relacionais
Estabelece uma ligação entre autor e
leitor
- Note-se,
- Perceba,
- Veja
Figura 2: Quadro de metadiscurso interpessoal
Fonte: Hyland, 1998
Exemplo 2: “Decididamente
o governo pode agir duro, jogar pesado
para conter os preços com instrumentos legais que tiver a seu alcance” (SOBE-
DESCE. REVISTA VEJA, 2009, p.72).
Nesse exemplo, o uso do advérbio “decididamente” é um marcador de
atitude que ressalta a ênfase do emissor em relação à posição que ele acredita ser a
adequada. O uso do verbo “pode”, por sua vez, atenua essa crença.
É necessário, porém, chamar atenção que esse esquema traz
classificações tão detalhadas que acabam confundindo mais do que esclarecendo
os operadores formais da língua, visto que os atenuadores e intensificadores são
modalizadores lingüísticos.
Foi por se dar conta da supremacia do aspecto interacional (pragmático
– discurso) em relação ao textual (forma) que Hyland (2005) propôs outro modelo
em que privilegia o metadiscurso interpessoal. Como parâmetros de análise, o autor
25
nessa visão mais elaborada de metadiscursividade sugere que se considere tanto o
posicionamento (stance) como o engajamento (engagement) como as duas
categorias maiores de análise da metadiscursividade do ponto de vista retórico,
fornecendo, assim, um modo abrangente e integrado de examinar os meios pelos
quais a interação se torna mais eficaz a partir de uma argumentação mais
elaborada.
De acordo com Hyland (2005), esse modelo consolida seu trabalho
anterior (1998), por oferecer uma estrutura para analisar os recursos linguísticos do
posicionamento intersubjetivo.
Ainda que o pressuposto geral de Hyland (2005) seja voltado para a
escrita acadêmica, esta pesquisa utiliza esse modelo para analisar
5
os marcadores
metadiscursivos usados em redações dissertativas de vestibulandos, por considerar
que os mecanismos apontados pelo autor podem também aplicar-se a outros
gêneros. Algumas hipóteses de nossa pesquisa se relacionam à possibilidade de
esses marcadores não serem utilizados em textos opinativos do mesmo modo que o
são em textos acadêmicos. Essa é uma investigação que se abre como
possibilidade e que, de modo algum, se exaure aqui.
Esse olhar sobre o metadiscurso legitima-se no pressuposto de que todo
texto tem finalidade argumentativa e, dessa forma, supõe uma interação entre
escritor e leitor, o que já impede que apenas textos acadêmicos busquem a
persuasão e desejem merecer crédito em seus argumentos.
Afinal, é a partir de um propósito argumentativo específico (ou mais de
um) que é possível expressar uma tomada de posição, calcular as expectativas do
interlocutor, que espera também, por seu turno, tornar seu enunciado mais confiável,
ou, pelo menos, mais aceitável.
Hyland (2005) destaca que alguns pesquisadores descrevem os
recursos linguísticos em um discurso argumentativo para marcar tomada de posição,
mudando apenas alguns termos já utilizados. Thompsom (2000) usa o termo
avaliação” para se referir a julgamento; Halliday (1994) emprega “pontos de vista”;
Hyland (1998) prefere “atitude”; Martim (2000), “modalidade epistêmica”; White
(2003), “apreciação”; Biber e Finegan (1989) e Hyland (1999), “posicionamento”; e
5
A análise desta pesquisa toma por base a metadiscursividade, de Hyland (2005), a sequência
argumentativa, de Bronckart (2007), e as estratégias de referenciação, que serão abordadas nos
capítulos posteriores.
26
Crismore (1989); Hyland e Tse (2004), “metadiscurso”, opção terminológica que
também escolhemos para este trabalho.
O esquema proposto por Hyland (2005), que abrange o posicionamento
e engajamento, encontra-se na figura 3 abaixo:
Figura 3: Modelo de Hyland
Fonte: Hyland (2005)
Posicionamento é a dimensão que expressa as atitudes do escritor, o
modo como ele se apresenta no discurso, como ele constrói seus julgamentos,
opiniões e comprometimentos, para demonstrar sua autoridade no meio acadêmico.
a) Atenuadores – são matizadores discursivos, indicam a força que os
escritores calculam para dar à afirmação apenas um certo grau de precisão,
tentando torná-lo confiável ao leitor. São recursos como possível, pode, talvez.
Expressam, portanto, a imprecisão e a dúvida. É uma estratégia que confere
modéstia ao posicionamento e deferência às visões dos colegas.
Exemplo 3: Our results suggest
that rapid freeze and thaw rates during
artificial experiments in the laboratory may
cause artifactual formation of embolism.
Such experiments may not quantitatively represent the amount of embolism that is
formed during winter freezing in nature. In the chaparral at least, low temperature
episodes usually result in gradual freeze-thaw events. (HYLAND, 2005, p. 179).
(Tradução livre): Nossos resultados sugerem que os índices
congelamento rápido e desgelo durante experiências artificiais no laboratório podem
causar formação artificial de embolismo. Tais experiências podem não representar
quantitativamente o volume de embolismo que é formado durante o congelamento in
27
natura. No chaparral, pelo menos, episódios de baixa temperatura comumente
causam eventos de congelamento ou degelo.
b) Intensificadores – são elementos apelativos que se opõem à atenuação
por expressarem certeza, convicção e firmeza, através de palavras como
claramente, obviamente. Funcionam como ênfase dada a uma informação
compartilhada.
Exemplo 4: This brings us into conflict with Currie’s account, for static
images surely cannot trigger our capacity to recognize movement. If that were so,
we would see the image as itself moving. With a few interesting exceptions we
obviously do not see a static image as moving. Suppose, then, that we say that
static images only depict instants. This too creates problems, for it suggests that we
have a recognitional capacity for instants, and this seems highly dubious. (HYLAND,
2005, p. 179).
(Tradução livre): Isso nos coloca em conflito com o relato de Currie, pois
imagens estatísticas certamente não podem provocar nossa capacidade de
reconhecer movimento. Se assim o fosse, nós veríamos a imagem como si mesma
em movimento. Com algumas exceções interessantes, nós obviamente não vemos
uma imagem estática ao se mover. Suponha, então, que nós digamos que as
imagens estáticas apenas representam instantes. Isso também cria problemas, pois
sugere que temos uma capacidade de recognição de instantes, o que parece
altamente questionável.
c) Marcadores de atitude - Indicam a atitude afetiva do escritor ante as
proposições, transmitindo surpresa, concordância, importância, frustração.
Exemplos: concordar, preferir, infelizmente, apropriado, observável. O escritor
assinala uma necessidade de invocar o leitor a concordar com suas atitudes,
julgamentos e reações ante o material investigado.
Vale ressaltar que intensificador e atenuador são, às vezes, próximos aos
marcadores de atitude e em outras se sobrepõem.
Exemplo 5: These learner variables should prove to be promising areas
for further research (HYLAND, 2005, p. 180).
(Tradução livre): Essas variáveis (de aprendiz) deveriam provar ser
áreas promissoras para futuras pesquisas.
d) Automenção – indica a presença ou ausência de uma referência
explícita ao autor do texto. É assinalada pelo uso de pronomes pessoais de primeira
28
pessoa e por pronomes possessivos. Ao empregá-los, o escritor não pode evitar
projetar suas impressões no texto em relação a seus argumentos e a seus leitores.
A presença ou ausência desses marcadores é, em geral, uma escolha consciente.
Geralmente, evitam-se os pronomes pessoais para poder realçar o fenômeno em
estudo e as descobertas, o que revela uma ideologia empiricista de tentar mostrar
que os resultados seriam os mesmos, independentemente de quem conduzisse a
pesquisa.
Exemplo 6: I argue that their treatment is superficial because, despite
appearances, it relies solely on a sociological, as opposed to an ethical, orientation to
develop a response (HYLAND, 2005, p. 181).
(Tradução livre): Eu argumento que o tratamento deles é superficial,
porque apesar das aparências, ele reside unicamente em orientação sociológica, em
oposição à ética, para desenvolver uma resposta.
Com a intenção de adequar a proposta do autor com os objetivos desta
pesquisa, ilustraremos os marcadores metadiscursivos relativos à dimensão do
posicionamento em exemplos
6
de um texto não acadêmico.
Exemplo 7:
Atenuadores
“Nosso olhar consegue inferir que os índices significativos de violência
entre as pessoas podem causar índices ainda maiores pelo fato de o caos no
relacionamento social aumentar ainda mais a insegurança, a incredibilidade e a
legítima defesa”.
Intensificadores
“Nosso olhar infere que os índices significativos de violência entre as
pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos no
relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a incredibilidade
e a legítima defesa”.
Marcadores de atitude
Infelizmente, nosso olhar infere que os índices significativos de violência
entre as pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos
no relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a
incredibilidade e a legítima defesa”.
6
Exemplo retirado da apostila da disciplina Produção de Texto ministrada pela professora Sonia
Almeida da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, 2009.
29
Automenção
“Infelizmente, nosso olhar infere que os índices significativos de violência
entre as pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos
no relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a
incredibilidade e a legítima defesa”.
A segunda grande dimensão proposta por Hyland é a de engajamento,
uma dimensão de alinhamento pela qual o escritor reconhece a presença dos
leitores, invocando-os ao longo da argumentação, focalizando sua atenção, de
maneira a guiar suas interpretações.
a) Pronomes do leitor
São marcadores por excelência da inclusão direta do leitor como você,
seu, te. No discurso acadêmico, em vez de serem usadas as formas de segunda
pessoa, para trazer mais explicitamente o leitor para dentro do texto, costuma-se
utilizar o nós inclusivo: consideramos, fazemos.
Exemplo 8: Now that we have a plausible theory of depiction, we should
be able to answer the question of what static images depict. But this turns out to be
not at all a straightforward matter. We seem, in fact, to be faced with a dilemma.
Suppose we say that static images can depict movement. This brings us into conflict
with Currie’s account, [...] (HYLAND, 2005, p. 183).
(Tradução livre): Agora que nós temos uma teoria plausível de
representação, deveríamos ser capazes de responder que imagens estáticas ela
representa. Mas torna-se um problema totalmente indireto. Parecemos
, de fato,
estar
frente a um dilema. Supondo que nós digamos que as imagens estáticas
podem representar movimento. Isso nos coloca em conflito com o relato de Currie
[...].
b) Apartes pessoais
Expressam a vontade do escritor de intervir explicitamente, interrompendo
o argumento para oferecer um comentário sobre o que está sendo dito. É uma
estratégia de orientação do leitor, ao mesmo tempo, pois permite ao escritor
responder a uma audiência ativa. É, portanto, amplamente interpessoal.
Exemplo 9: And – as I believe many TESOL professionals will readily
acknowledge – critical thinking has now begun to make its mark, particularly in the
area of L2 composition (HYLAND, 2005, p. 183).
30
(Tradução livre): E – como eu acredito que muitos profissionais do
ensino de inglês para falantes de outras línguas prontamente reconhecerão – o
pensamento crítico começou a deixar sua marca particularmente na área de
composição em L2.
c) Diretivas
Orientam o leitor a realizar uma ação ou a observar algo de um modo
particular. São marcados principalmente pelo imperativo, como considere, note, veja.
Mas também podem ser representados por modalizadores deônticos, como deve,
tem que, necessariamente, e por expressões do tipo é importante.
Exemplo 10: See Lambert and Jones (1997) for a full discussion of this
point (HYLAND, 2005, p. 185).
(Tradução livre): Veja Lambert e Jones (1997) para um discussão
completa desse ponto.
d) Perguntas
Marcadores que incluem diretamente o leitor no texto.
Exemplo 11: Is it, in fact, necessary to choose between nurture and
nature? My contention is that it is not. (HYLAND, 2005, p. 186).
(Tradução livre): É, de fato, necessário escolher entre educação e
natureza? Minha argumentação é que não é.
e) Conhecimento compartilhado
É frequentemente invocado para contestar ideias dentro da argumentação
do escritor. Mas Hyland (2005) se refere apenas à presença explícita de marcadores
pelos quais o leitor é chamado a reconhecer algo como familiar ou aceitável.
Fazendo isso, o escritor pressupõe que o leitor sustenta certas crenças e detém
certos conhecimentos teóricos e metodológicos. Exemplos: Evidentemente,
sabemos que…, esta tendência obviamente reflete…, mais conhecido como.
Exemplo 12: Of course, we know that the indigenous communities of
today have been reorganized by the catholic church in colonial times and after, […]
(HYLAND, 2005, p. 184).
(Tradução livre): Naturalmente
, sabemos que as comunidades indígenas
de hoje foram reorganizadas pela igreja católica no período colonial e depois [...].
O exemplo utilizado para marcar os operadores metadiscursivos relativos
ao posicionamento (ver nota de rodapé p.28) servirá como base para os operadores
referentes à dimensão de engajamento.
31
Exemplo 13:
Pronomes do leitor
“Infelizmente, nosso olhar infere que os índices significativos de violência
entre as pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos
no relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a
incredibilidade e a legítima defesa”.
Observa-se que o operador utilizado para marcar a automenção
(posicionamento) assinala também o pronome do leitor (engajamento), demonstrado
que pode ocorrer sobreposição do operador metadiscursivo.
Apartes pessoais
“Infelizmente, eu penso que os índices significativos de violência entre as
pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos no
relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a incredibilidade e
a legítima defesa.”
Diretivas
É importante observar que os índices significativos de violência entre as
pessoas causam, com certeza, índices ainda maiores, pelo fato de o caos no
relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança, a incredibilidade e
a legítima defesa.”
Perguntas
“Violência gera violência, por quê?”
Conhecimento compartilhado
“Conforme tem ficado evidente no cotidiano, os índices de violências e os
motivos pelos quais ela é praticada infere, com certeza, índices ainda maiores, pelo
fato de o caos no relacionamento social aumentar, de forma intensa, a insegurança,
a incredibilidade e a legítima defesa.”
Posicionamento e engajamento são, dessa forma, dois lados da mesma
moeda e constituem a dimensão interpessoal do texto/discurso. Em outras palavras,
os elementos metadiscursivos ajudam manter o argumento do emissor pela escolha
que ele faz, a medida em que busca convencer o leitor.
Os elementos metadiscursivos exercem funções fundamentais na
organização textual e no modo como o autor se coloca no texto para persuadir seu
leitor. Nesse sentido, Matsuoka (2007, p.48) destaca esse aspecto no metadiscurso:
32
Metadiscurso ajuda a relacionar o assunto de um conteúdo para
ampliar a estrutura de um conhecimento, a tornar o discurso coeso e
coerente, a operacionalizar estratégias retóricas, a organizar e
avaliar, além de introduzir mudanças de níveis em um discurso; pode
ainda preparar o leitor para os próximos passos retóricos e
comunicativos aplicados em um texto.
O metadiscurso, dessa forma, exerce também função semântica, social e
psicológica, permitindo-lhe exercer certo controle em uma situação comunicativa.
Hyland (2005) defende uma visão em que a interação entre autor e leitor
se torne um elemento importante para o desenvolvimento da noção de
metadiscurso. Nessa perspectiva, as categorias de posicionamento e de
engajamento tornam-se a base da nossa análise, tendo em vista que essa noção é
fundamental na observação de como a interação enunciador e co-enunciador se
constroi em um texto para a eficácia da argumentação e, em vista disso, também
para a construção de sentido via referente.
Para Hyland (2005, p.78), “o metadiscurso é a manifestação linguística e
retórica do autor no texto para organizar o discurso”. Dessa forma, pode-se
considerar que toda estratégia metadiscursiva é argumentativa. Do mesmo modo,
podemos afirmar que toda escolha de modos de designar referente supõe, também,
uma finalidade argumentativa. Nesse sentido, todo emprego de expressão
referencial é argumentativo e, ao mesmo tempo, metadiscursivo, embora esta última
consideração não seja dita explicitamente por Hyland (2005).
No próximo capítulo, explanaremos a noção de argumentação e de
sequências argumentativas no âmbito sociointeracionista, no qual também está
inserida a metadiscursividade.
33
2 ARGUMENTAÇÃO
2.1 Noções sobre argumentação
Argumentação é parte integrante do cotidiano do homem em todas as
atividades, isto é, o ser humano participa diariamente de inúmeras relações
orientadas para a discursividade.
Partindo da ideia de que a argumentatividade está presente em toda e
qualquer atividade discursiva, tem-se, consequentemente, como básico, o fato de
que a partir do momento em que argumentamos sobre um objeto do mundo,
estamos agindo sobre alguém, buscando persuadi-lo com valores e crenças de uma
determinada comunidade.
A preocupação de persuadir e de falar bem é bastante remota e data da
antiga Grécia, com a retórica, que ganhou uma grande importância na democracia
grega, em que o saber falar para persuadir e convencer era o instrumento essencial
nos tribunais, na política e nas praças públicas. Aristóteles distinguia três tipos de
discursos retóricos: o deliberativo (típico das assembleias políticas - futuro), o judicial
(típico dos tribunais – passado) e o epidíctico (louvores ou condenações de atos
contemporâneos – presente).
De forma geral, a retórica grega e a romana mantiveram a retórica
aristotélica. Porém, num processo que chega ao século XIX, a retórica vai perdendo
influência e perde o seu objetivo pragmático, deixando de ensinar como persuadir
(argumentar) para ensinar como fazer belos discursos, ocupando-se, assim, apenas
com gênero literário e limitando-se à arte do estilo.
Mais recentemente, Perelman (2000), com seu Tratado de Argumentação,
retoma os conceitos aristotélicos e faz surgir a Nova Retórica. A Nova Retórica
amplia a noção da argumentatividade, visto que o componente argumentativo
passou a ser investigado em todas as situações comunicativas.
Além dos estudos de Perelman (2000), há outros trabalhos que abordam
a questão argumentativa. Dentre esses estudos, numa visão pragmática, destaca-se
a Teoria da Argumentação na Língua, de Ducrot (1989). Esses autores consideram
a argumentação como um fenômeno inscrito na língua e, portanto, no sentido dos
enunciados.
34
Ainda que pareçam antagônicas, essas propostas têm algo em comum: a
aceitação da existência de um argumentador, que, com dados, age sobre o receptor
da argumentação, procurando, de alguma forma, modificar seu comportamento.
Toda fala é, necessariamente, argumentativa. É o resultado concreto
de um enunciado em situação. Todo enunciado visa agir sobre seu
destinatário, sobre o outro, e a transformar seu sistema de
pensamento. Todo enunciado obriga ou incita o outro a crer, a ver, a
fazer, de outra maneira (PLANTIN,1996 apud MENEZES, p. 18).
A proposta de Ducrot (1989) diverge das demais, no entanto, por não
propor uma teoria de persuasão, mas uma descrição de elementos do sistema que
contêm, em si mesmos, indicações de uma condução argumentativa.
Uma outra abordagem da argumentação está inserida numa
caracterização de diferentes modos de organização textual, dentre eles o
argumentativo. A essas formas composicionais do texto, Adam (1992, p. 85) deu o
nome de sequência textual. Embora não tenhamos utilizado o protótipo da
sequência argumentativa de Adam, sem dúvida, é a partir da proposta deste autor
que a sequência argumentativa é redefinida em outros estudos, dentre eles, o de
Bronckart (2007), que usamos como parâmetro para nossas análises.
Em relação à dimensão sequencial, Adam (1992, p. 88) postula que as
proposições podem ser analisadas em termos da relação: argumento – conclusão –
dados – conclusão. São esses os elementos que estruturam o plano composicional
da argumentação.
Bonini (2005, p.233) afirma que na discussão sobre sequências é comum
o entendimento de que elas sejam um tipo de “recurso cognitivo ou parâmetro de
textualização” e afirma, ainda, que a discussão sobre a formalização teórica das
sequências e a determinação do número delas não é consensual. Até mesmo o
termo “sequência”. Nem mesmo entre Adam (1992) e Bronckart (2007), que
compartilham um quadro teórico bem próximo, não há consenso, visto que ocorre
uma divergência quanto à existência ou não da chamada sequência injuntiva do
último.
Entretanto, Bonini (2005, p.234) ressalta que ambos os autores não
consideram o tipo “expositivo” em suas formalizações teóricas, o que, em sua
opinião, constitui uma lacuna.
35
Sem este tipo, contudo, torna-se difícil explicar a planificação da
notícia. Não se pode dizer que ela é determinada claramente nem
por uma sequência explicativa (não explica o fato), nem narrativa (já
que o fato, pelo menos na tradição americana, não é contado), nem
descritiva (já que não se descreve o fato).
Mesmo com essa restrição de Bonini (2005) em relação à formalização
teórica das sequências, não se pode negar a influência da noção de sequência nos
estudos sobre gênero. Se optamos pela visão de Bronckart (2007), é porque,
especialmente nos textos trabalhados na escola, a proposta do autor toma os textos
não exclusivamente como um objeto de ensino e aprendizagem, mas como espaço
de atividade social em que as ações de linguagem se realizam.
2.2 A sequência argumentativa
2.2.1 O plano composicional
Sobre o plano composicional, retomamos aqui algumas considerações
tecidas por Cavalcante et al. (2008)
7
, para melhor compreendermos o pensamento
de Adam:
Adam (1992) sugere dois tipos de abordagem para a argumentação:
um ao nível do discurso e da interação social (dimensão pragmática) e
outro ao nível da organização da textualidade (dimensão sequencial).
No primeiro caso, a argumentação é vista sob a perspectiva da
construção do discurso por um enunciador para modificar a posição do
interlocutor. Como afirma o autor, “podemos considerar o objetivo
argumentativo em termos de objetivo ilocucionário” (ADAM, 1992, p.
104), visando modificar representações, crenças, comportamentos e
opiniões do interlocutor. Já no segundo caso, a argumentação é
entendida como uma forma de composição elementar. Isso implica
que os locutores possuem representações prototípicas referentes aos
esquemas de argumentação.
Segundo Adam (1992), as proposições são lidas na relação entre
Argumento(s) – Conclusão, Dados – Conclusão, elementos que estruturam o
discurso. Assim, um discurso argumentativo, para chegar ao ponto de alterar
opiniões ou crenças de um auditório, faz uso de enunciados que estão apoiados em
7
A descrição resumida dessas sequências foi baseada na explicação dada por Cavalcante et al.
(2008) no material didático elaborado para a disciplina de Língua Portuguesa: Texto e Discurso, do
curso de Licenciatura em Letras, da UFC Virtual.
36
outro argumento. Adam (1992) propõe, então, como protótipo (P.) de sequência
argumentativa (arg.), o seguinte esquema:
Figura 4: Esquema típico da sequência argumentativa
Fonte: Adam (1992, p. 118).
Segundo Adam (1992), as três macroproposições (P. arg. 1, 2 e 3) se
sustentam na tese anterior (P. arg. 0), no caso específico da refutação, e a
conclusão (nova tese) - (P. arg. 3) - pode ser reformada e retomada ou não por uma
conclusão que a reitere no fim da sequência; “a tese anterior (P. arg. 3) pode estar
subentendida” (ADAM, 1992, p. 118).
Adam (1992) apresenta as características de um enunciado
argumentativo a partir da clássica frase abaixo:
“A marquesa tem as mãos suaves, mas eu não a amo”.
Só se pode observar que há uma oposição de enunciados, se isso for
feito por meio de inferências, isto é encontrar o topos (enunciado implícito) que neste
caso é o enunciado “os homens amam as mulheres que tem mãos suaves”.
No caso do exemplo citado, a inferência seria:
- Os homens amam as mulheres que têm as mãos suaves,
- ORA a marquesa tem as mãos suaves,
- LOGO eu amo a marquesa.
Assim, pela regra de inferência, o dado expresso e apoiado pela razão
explicitada na premissa maior “ora a marquesa tem as mãos suaves”, leva à
conclusão “eu amo a marquesa”.
Entretanto, há uma restrição (refutação), que modaliza a passagem dos
dados à conclusão. Isto é bem explicado por Santos (2005, p.56) que afirma
Sequência argumentativa
TESE + DADOS Ancoragem então provavelmente CONCLUSÃO
anterior (Premissas) das inferências (nova tese)
P. arg 0 P. arg 1 P. arg 2 P. arg 3
A menos que
RESTRIÇÃO
P. ar
g
4
37
O autor verifica, então, que as inferências podem ser ancoradas por
um certo número de justificativas ou suportes, mas que pode ocorrer
também uma refutação. Portanto, o esquema de base da
argumentação constitui-se da ação entre dados e conclusão. O
referido autor conclui que essa relação pode ser implícita ou
explicitamente fundamentada (garantia ou suporte) ou contrariada
(refutação ou exceção).
Como argumentar pressupõe sempre um público específico, Adam (1992)
enfatiza a importância da escolha das premissas, porque, segundo esse autor, as
premissas escolhidas revelam a ideia que o locutor faz das representações
(conhecimentos, crenças, ideologias) de seu interlocutor. Isso explica, também, por
que Aristóteles e depois Perelman se dedicaram sobre a natureza das premissas.
Outro aspecto evidente na proposta de Adam (1992) é o fato de não ser
dada muita ênfase à perspectiva pragmática da argumentação. As discussões giram
mesmo em torno da noção de protótipos sequenciais. Além do protótipo de
sequência argumentativa, o autor propõe outras sequências (narrativa, descritiva,
explicativa e dialogal) com o propósito de descrever as estruturas textuais. Essas
sequências podem aparecer combinadas em um texto e, nesse caso, uma é tida
como dominante e as outras como sequências dominadas. É o fenômeno da
heterogeneidade composicional dos textos, defendido pelo autor.
2.3 Perspectiva da sequência argumentativa de Bronckart
Retomando e reformulando o conceito de Adam (1992), Bronckart (2007)
considera que o conteúdo de um texto pode ser organizado em até seis sequências:
narrativa, argumentativa, explicativa, descritiva, dialogal e injuntiva. As
macroposições que compõem estas sequências são denominadas (por Bronckart,
2007) de fases.
Bronckart (2007, p.233) concebe as sequências como realização no
interdiscurso e também recorre a mecanismos psicológicos. Defende que “os
protótipos são apenas construtos teóricos elaborados secundariamente a partir do
exame das sequências empiricamente observáveis nos textos” (grifo do autor).
O autor ainda reforça que
38
Os protótipos não procedem, pois, de uma “competência textual”
biologicamente fundada, como sustentado por alguns cognitivistas,
eles procedem da experiência do intertexto, em suas dimensões
práticas e históricas e podem, portanto, como todas as propriedades
desse intertexto, modificar-se permanentemente (BRONCKART,
2007, p.233).
Bronckart (2007) considera que o empréstimo de um protótipo de
sequência resulta de uma escolha, de uma decisão do agente-produtor
8
conduzida
por suas representações sobre o destinatário com uma finalidade.
Dessa forma, as sequências são fundamentalmente dialógicas. Nessa
perspectiva é que esta pesquisa adota a consideração da sequência argumentativa
de Bronckart (2007), por ter afinidade significativa com o esquema interpessoal
proposto por Hyland (2005), que é também interativo.
A figura 5 mostra o quadro resumo das sequências, elaborado por
Bronckart (2007). Cada sequência está associada à representação dos efeitos de
sentido pretendidos e às suas respectivas fases (ou macroposições) características.
8
Expressão usada pelo autor para referenciar enunciador, autor
39
SEQUÊNCIAS REPRESENTAÇÕES DOS EFEITOS
PRETENDIDOS
FASES
Descritiva
Fazer o destinatário ver em pormenor
elementos de um objeto de discurso,
conforme a orientação dada a seu olhar pelo
produtor
- Ancoragem
- Aspectualização
- Relacionamento
- Reformulação
Explicativa
Fazer o destinatário compreender um objeto
de discurso, visto pelo produtor como
incontestável, mas também como de difícil
compreensão para o destinatário
- Constatação inicial
- Problematização
- Resolução
- Conclusão/avaliação
Argumentativa
Convencer o destinatário da validade de
posicionamento do produtor diante de um
objeto de discurso visto como contestável
(pelo produtor e/ou pelo destinatário)
Estabelecimento de:
- premissas
- suporte argumentativo
- contra-argumentação
- conclusão
Narrativa
Manter a atenção do destinatário, por meio da
construção de suporte, criado pelo
estabelecimento de uma tensão e
subsequente resolução
Apresentação de:
- situação inicial
- complicação
- ações desencadeadas
- resolução
- situação final
Injuntiva
Fazer o destinatário agir de certo modo ou em
determinada direção
Enumeração de ações
temporalmente
subsequentes
Dialogal
Fazer o destinatário manter-se na interação
proposta
- Abertura
- Operações transacionais
- Fechamento
Figura 5: Esquema dos conteúdos das sequências específicas elaborado por Bronckart
Fonte:Bronckart (2007)
Vale destacar que um mesmo texto pode ser constituído de diferentes
sequências, o que Adam (1992) e Bronckart (2007) chamam de heterogeneidade
composicional.
As sequências propostas por Bronckart (ver figura 5) são constituídas das
seguintes macroproposições ou fases:
1. Sequência Descritiva
Ancoragem: tema da descrição, em geral uma forma nominal, ou o
título.
Aspectualização: enumeração dos diversos aspectos do tema.
Relacionamento: associação com outros elementos, geralmente por
comparações.
Reformulação: retomada do tema-título
2. Sequência Explicativa
Constatação inicial: afirmação que se apresenta como incontestável.
40
Problematização: questionamento (por quê, como, o quê, para quê) da
afirmação inicial.
Resolução: respostas(s) ao questionamento proposto.
Conclusão/ avaliação: expansão da constatação inicial
3. Sequência Argumentativa
Tese inicial: é a etapa da contextualização ou inserção da orientação
argumentativa, é o ponto de partida.
Argumentos: dados que orientam para uma conclusão provável
Contra-argumentos: dados que se opõem a uma argumentação
Conclusão (nova tese): os resultados são efeitos dos argumentos e
contra-argumentos.
4. Sequência Narrativa
Situação inicial: estado inicial ou de equilíbrio no qual se introduz uma
perturbação.
Complicação: momento de perturbação e de criação de tensão.
Ações (para o clímax): encadeamento de acontecimentos que
aumentam a tensão.
Resolução: redução efetiva da tensão para o desencadeamento.
Situação final: novo estado de equilíbrio.
Avaliação: comentário relativo ao desenrolar da história.
Moral: explicação da significação global atribuída à história.
5. Sequência Injuntiva
Esta sequência apresenta uma sucessão de ações temporais visando a
um resultado determinado pelo produtor do texto em função de seu destinatário.
Em geral, essa sequência se realiza pela presença de formas verbais no
imperativo ou infinitivo.
6. Sequência Dialogal
Abertura: estabelecimento da interação inicial, em geral, do tipo fática
(com formas rituais de começo de conversa, apenas para manter o contato),
atendendo a convenções sociais, exemplo: bom dia, olá, tudo bem? e ai?
Operacionalização interacionais: construção das trocas comunicativas
da interação verbal
41
Fechamento: encerramento do diálogo, com fórmulas fáticas, rituais de
fim de conversa; exemplo: tchau, até mais, falou, valeu.
As sequências propostas por Bronckart (2007) partem da hipótese de que
textos considerados pertencentes a um determinado gênero apresentam algumas
características semelhantes.
Nesse sentido, isso propicia a oportunidade de entender a noção de
gênero, não só como um propósito didático, mas como uma atividade em que ações
de linguagem se realizarão.
É verdade que não é possível descrever e classificar os gêneros somente
com base nas sequências textuais, por isso essas classificações e descrições são
sempre limitadas a objetivos específicos, como o desta pesquisa. Neste caso,
abordaremos o chamado gênero redação escolar.
2.4 O gênero redação
Antes de tecermos qualquer comentário sobre gêneros discursivos,
desejamos ressaltar que Bakhtin (1995) define a enunciação como um produto da
relação social e que qualquer enunciado faz parte de um gênero. Assim, em todas
as esferas da atividade humana, a utilização da língua realiza-se em formas de
enunciado (orais e escritos).
Bakhtin (1995) divide os gêneros em dois grupos: os Primários – ligados
às relações cotidianas, como uma conversa familiar, conversa face a face, ou seja,
são os gêneros mais comuns do dia-dia, e os gêneros Secundários – mais
complexos, como o discurso científico, o romance, isto é, gêneros que se referem a
outras esferas de interação social.
Os gêneros textuais são, portanto, fenômenos históricos vinculados à vida
cultural e social. Nesse sentido, o gênero é concebido como atividade social
mediada pelo discurso, que permite o acesso do indivíduo ao mundo do
conhecimento.
Conforme Marcuschi (2002, p. 22):
42
Os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e
que apresentam características sócio-comunicativas definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição
característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os
gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gênero textuais seriam:
telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete,
reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio,
notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista
de compras, cardápio de restaurante, instrução de uso, outdoor,
inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação
espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por
computador, aulas virtuais e assim por diante.
É importante ressaltar que nos diversos gêneros realizam-se diferentes
modos de organização do discurso, ou seja, mais de uma sequência, e é bastante
comum que, no mesmo gênero textual, se realizem dois ou mais modos, havendo
quase sempre a predominância de um sobre os outros.
A proposta de Bronckart (2007) a respeito dos gêneros do discurso se
aproxima, em alguma medida, da de Bakhtin (1995). Apesar dessa aproximação,
observa-se um posicionamento mais discursivo de Bakhtin (1995) nos estudos de
gêneros, enquanto que em Bronckart (2007) a noção de discurso, tendo em conta
aspectos ideológicos, não é contemplada na proposta descritiva do autor. Apesar
disso, Bronckart (2007) defende ser no âmbito sócio-histórico que os textos, através
das formações sociais, são produtos das atividades de linguagem. Da mesma forma
de Marcuschi (2002), Bronckart (2007) entende que os gêneros não podem ser
objetos de uma classificação completamente estável.
Schneuwly e Dolz (2004), nessa mesma perspectiva, porém com uma
preocupação mais voltada para as práticas de sala de aula, esclarecem que uma
sequência didática (que nada têm a ver com as sequências textuais de que tratamos
acima, embora as envolvam) se constitui num conjunto dinâmico de atividades
escolares em torno de um gênero. O fundamental dessa proposta é que as
sequências didáticas ajudam o aluno a dominar um gênero de texto.
Schneuwly e Dolz (2004, p.77) afirmam que os alunos desenvolvem
competências relativas às sequências com a prática de gêneros em sala de aula.
43
Trata-se de autênticos produtos culturais da escola elaborados como
instrumento para desenvolver e avaliar, progressiva e
sistematicamente, a capacidade de escrita dos alunos. Eles
constituem, então, as formas tomadas pelas concepções sobre o
desenvolvimento e a escrita. Muito esquematicamente pode-se dizer
que a escrita, a produção de textos escritos, é concebida como
representação do real ou do pensamento, da forma como é
produzido.
Schneuwly e Dolz (2004) propõem que os gêneros, a serem ensinados na
escola, sejam agrupados de acordo com a capacidade que se queira desenvolver: o
narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir.
Os trabalhos com textos e gêneros na escola são defendidos por Koch
(2002) que ressalta dois objetivos fundamentais para estudo dos gêneros: levar o
aluno a dominar o gênero, e colocá-los, ao mesmo tempo, em situações
comunicativas próximas da realidade.
Assim, os chamados modelos didáticos de gêneros podem ser vistos
como possibilidade de proporcionar oportunidade para desenvolver a capacidade
argumentativa dos alunos em trabalhar com a língua num processo de interação. É o
que Rojo (2005) chama de gêneros escolares: “a narração escolar, a dissertação
escolar, a descrição escolar, chamadas também de gêneros canônicos”.
Nessa ótica, as redações dissertativas de vestibulandos estão incluídas
no gênero escolar e podem ser investigadas à luz da sequência argumentativa que
utiliza operadores metadiscursivos como estratégias de organização textual.
Várias são as justificativas para considerar as redações do vestibular um
gênero que possui semelhanças com aquelas produções que estão elencadas
dentro das sequências argumentativas, como a presença dos operadores
metadiscursivos, o processo de referenciação (anáforas e dêiticos), dentre outros.
Entretanto, várias também são as marcas que diferenciam essas
produções: um primeiro momento em que o enunciador age levando em
consideração o co-enunciador por uma urgência de convencê-lo; um momento de
situação específica em que a linguagem em uso é um critério de avaliação e de
julgamento; uma situação de interação efetiva, onde o aspecto sócio-histórico é
determinado pela atitude linguística, diferentemente das simulações escolares.
A redação do vestibular é o momento concreto de atividade linguística,
quando a atividade é um critério para a conquista de um espaço a princípio desejado
e necessário. A chamada redação dissertativa é um gênero que envolve sequência
44
argumentativa, explicativa, descritiva, que se entrecruzam na construção
argumentativa, numa perspectiva pragmática.
Afinal, não se argumenta ao acaso quando se tem um objetivo para
realizar uma ação específica e dirigida a um público também específico, ou seja, na
situação de um concurso vestibular isso naturalmente ocorre na prova de redação.
A redação abaixo ilustra como uma redação dissertativa possui partes
que marcam a sequência explicativa, argumentativa e descritiva.
Exemplo 14:
2/2008
Desmistificando a figura do bandido – garantia de ordem
Para se desmistificar algo, é preciso que se entenda o sentido da palavra
mistificar. Tal palavra vem do vocábulo mito, que segundo os gregos é uma
narrativa para se explicar a origem das coisas e acontecimentos. E dar uma
explicação superficial a um fato ou evento. Portanto, pode-se dizer que mistificar um
bandido é ver apenas o que ele aparenta ser, sem considerar as causas que o
levaram a tal posição, seu estado psicológico ou o meio no qual ele foi formado.
Desmistificar a figura do bandido é considerar o significado do que é ser
bandido. Numa sociedade cujas condutas humanas devem se pautar na lei, em
sentido amplo, ser bandido é estar à margem da lei. É ser um lesionador dos
direitos humanos, principalmente dos direitos fundamentais: igualdade, liberdade e
fraternidade, que ganharam esse status na tão propagada Revolução Francesa.
Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que o bandido não é só
aquele que vive lá no morro, na favela, ou na periferia, cujas roupas o denunciam
logo – mesmo que ele não seja – nem somente aqueles que assaltam, à mão-
armada, o cidadão de bem, entre outros exemplos. Mas constitui-se bandido todo
aquele que pensando somente em seus interesses agride e lesiona o outro, física,
social ou moralmente.
Nesse sentido, faz-se mister afirmar que existem diversas categorias de
bandidos: existem os assumidos (bandidos declarados), os que acham que são
“mocinhos” (policiais, políticos e empresários corruptos), e os patológicos (que
foram conduzidos ao crime devido as condições desumanas em que se
desenvolveram). E haja prisão para tanto bandido!
Assim sendo, não há a possibilidade de reinstalação da ordem no país com a
desmistificação da figura do bandido, simplismente porque ela nunca foi instalada. A
nossa luta é pela instalação real e concreta dessa ordem através de condutas
humanitárias e uma educação baseada em valores e princípios éticos.
Esta redação possui três blocos textuais. A sequência explicativa pode
ser observada quando o vestibulando inicia sua redação trazendo um problema
(questionamento) se é possível desmistificar a figura do bandido e responde a esse
questionamento, formulando uma resolução. Mas, ao mesmo tempo em que o
45
vestibulando questiona, ele articula argumentos que defendem a tese de que, em
sua opinião, não há a mistificação da figura do bandido.
A sequência descritiva é facilmente observada quando o vestibulando faz
com que o leitor perceba os elementos do objeto do discurso. Neste caso, os tipos
de bandido. Portanto, o reconhecimento da sequência dominante de um texto
dissertativo deve ser fundamentado no propósito comunicativo que -neste exemplo -
é o explicativo.
46
3 REFERENCIAÇÃO
3.1 Processo de referenciação
Neste capítulo, explicitaremos a noção de referenciação (anafórica e
dêitica) que pretendemos utilizar em nossa análise, relacionado-a ao quadro de
marcadores metadiscursivos que orientarão esta pesquisa.
Não há dúvidas de que o estudo das expressões referenciais tomou um
novo caminho a partir dos pressupostos teóricos de Mondada e Dubois
denominados de referenciação. Por essa perspectiva, os referentes textuais não são
representações apenas marcadas por operadores formais. A interação entre
enunciador e co-enunciador acontece dentro do processo dinâmico discursivo que
deve ser entendido como uma relação cognitiva e social.
Em outras palavras, não se deve considerar a investigação de
ocorrências referenciais apenas como retomadas textuais. Assim, atualmente, a
proposta de referenciação se enquadra na nova tendência linguística que, de acordo
com Koch (2003, 2004), destaca a relevância dos aspectos pragmáticos envolvidos
em situações comunicativas.
Assim, toda e qualquer significação enunciativa respalda-se em uma
visão interacionista da linguagem que situa a questão da referenciação na cena
discursiva, visto que os referentes são acionados por unidades lexicais que
constituem o discurso, resultado de um processo dinâmico que é estabelecido nas
relações interativas.
O sentido é um efeito da enunciação, assim a referência é considerada a
partir da atividade no interior do discurso. Esses referentes são introduzidos,
identificados, retomados e se modificam à medida que o discurso se constrói.
Desse modo, “toda entidade referida é construída sob a pressuposição de
que de algum modo vai se tornar acessível na interação” (CAVALCANTE, 2004c,
p.5).
Diferentes elementos orientam o acesso às referências que circulam no
discurso, tais como: pistas linguístico-discursivas e conhecimento compartilhado.
Assim, são os procedimentos metadiscursivos responsáveis pelas direções às quais
os locutores se ajustam para a significação pretendida. Estamos partindo da
47
hipótese de que esses procedimentos podem também se somar aos valores
referenciais
A referenciação tem uma relação íntima com uma postura
metaenunciativa dos sujeitos, pois há o interesse em observar não um aspecto
formal do trabalho linguístico, mas uma construção metadiscursiva ligada ao caráter
reflexivo entre enunciador, linguagem e prática social.
Os processos referenciais podem ser classificados em anáfora, dêixis e
introdução referencial. Para Koch e Marcuschi (1998, p.56), “a retomada anafórica é
a estratégia de progressão discursiva mais estudada e conhecida, mas não de todo
compreendida e provavelmente mal compreendida”. Isto porque essa dificuldade
observada pelos autores deve-se ao entendimento tradicional de que as expressões
referenciais são elementos bem definidos. Mas a referenciação é um processo de
atividades cognitivas e sociais que se estabelecem no momento da interação.
Ciulla (2002) caracteriza os dêiticos como indicadores que apontam os
limites do objeto referido no tempo e no espaço, tomado como base o
posicionamento do falante na situação comunicativa, e apresenta uma condição de
subjetividade, realizada pela ligação entre os participantes do discurso e a situação
enunciativa. Segundo a autora, o traço de ostensão é mais fácil de ser identificado,
por estar relacionado à questão gramatical. Por exemplo, pronomes pessoais e
demonstrativos. A condição de subjetividade é o que torna a dêixis complexa.
A introdução referencial, de acordo com Cavalcante (2004a), “é quando
um objeto for considerado novo no contexto e não tiver sido engatilhado por
nenhuma entidade, tributo, ou evento expresso no texto”. O processo referencial não
é uma simples questão de localizar o referente e de compreender o ponto de vista
que é construído sobre o referente, pois, mesmo com a divisão em anáforas, dêixis e
introduções referenciais, não é possível separar tão nitidamente os fatos linguísticos
dos cognitivos, pois as anáforas indiretas e as encapsuladoras estariam dentro de
dois grupos: das anáforas e das introduções referenciais.
Desta forma, será considerada, neste trabalho, a classificação defendida
por Ciulla (2002), que considera os processos referenciais como a) anafórico:
quando faz uma referência a um objeto e, ao mesmo tempo, remete a algum
elemento que o ancora no texto; pode ainda promover reformulação do objeto ou, a
partir dele, categorizar outro; b) dêitico: é o caso em que se indica o
posicionamento do enunciador e/ou do co-enunciador no tempo ou no espaço, em
48
cuja indicação haja informações que sirvam de base para construir um referente; c)
introdução referencial: é o processo em que um referente novo é apresentado
para o discurso e, nesse caso, implica simultaneamente um processo anafórico.
O importante é ressaltar que os anafóricos, dêiticos e expressões de
introdução referencial possuem funções discursivas fundamentais para a construção
da coerência e que a imprevisibilidade das combinações somada à criatividade
humana são fatores que tornam impossível um levantamento detalhado e fixo de
formas de manifestação.
Dentre os processos referenciais classificados por Ciulla (2002), apenas
as anáforas e os dêiticos serão alvo de investigação nesta pesquisa, por serem os
processos mais recorrentes na maioria dos textos e que podem, a nosso ver,
contribuir significativamente para a marcação da metadiscursividade.
3.2 Referenciação anafórica
A referenciação é uma das noções mais importantes dentro dos estudos
recentes da Linguística que analisa o texto. Koch (2002, p. 79) afirma que
referenciação é “resultado da operação que realizamos quando, para designar,
representar ou sugerir algo, usamos um termo ou criamos uma situação discursiva
referencial com essa finalidade”.
A referenciação é constituída pelos referentes, que são realidades
imateriais, abstratas, construídas mentalmente e, por isso, se realizam geralmente
por meio das expressões referenciais.
De acordo com Cavalcante (2003), os referentes podem ser assinalados
por diferentes formas de expressão referencial dentro de um texto oral ou escrito,
como:
a) nomes próprios;
b) pronomes demonstrativos;
c) grupos nominais com demonstrativos,;
d) grupos nominais com artigo definido (as chamadas “descrições
definidas;
e) grupos nominais com possessivos.;
f) grupos nominais modificados por advérbios;
g) grupos nominais modificados por expressões que indiquem ordenação;
49
h) grupos nominais com artigos indefinidos, ou pronomes indefinidos;
i) grupos nominais sem determinantes, expressando valores genéricos.
j) elipses de pronomes ou grupos nominais (representadas por ø).
A função das expressões referenciais não é apenas permitir a
identificação de referentes, mas também emitir pontos de vista, opiniões implícitas
ou explícitas, conduzir o desenvolvimento argumentativo de um discurso. Esse
pressuposto é o que justifica a condução da base teórica deste trabalho.
Os processos referenciais, segundo Cavalcante (2004b), se dividem em
duas possibilidades. Se as entidades são introduzidas no texto pela primeira vez,
isto é, se elas ainda não foram citadas antes no texto estamos diante de ocorrências
de introdução referencial. Se os referentes já foram de algum modo evocados por
pistas explícitas no cotexto, então, estamos em presença de anáforas.
Para Cavalcante (2003, p.8), ocorre uma anáfora “quando uma expressão
referencial – chamada de anafórica - é utilizada ou para retomar um referente, total
ou parcialmente, ou para simplesmente remeter a ele por meio de uma associação,
sem retomá-lo.”
Para Marcuschi (2005), anáforas são expressões que se referem
textualmente a outras expressões, enunciados, conteúdo ou contextos textuais. Isto
significa que a anáfora pode remeter a uma expressão referencial anterior ou
posterior no texto. Não seguiremos à risca tal concepção, porque estamos aceitando
a ideia que vem sendo postulada por Apothéloz (2003) e por Cavalcante (2004b) de
que a referenciação se constrói discursivamente e, para isso, nem sempre é
necessário que ela se explicite por uma expressão referencial.
O referente que é retomado tem recebido diferentes nomes na literatura
sobre o assunto, dentre eles: antecedente, gatilho, desencadeador, âncora. Aqui,
vamos chamá-lo de âncora seguindo a classificação de Cavalcante (2003).
Para existir anáfora, não é necessário, no entanto, que haja obrigatoriamente
correferencialidade, ou seja, que a âncora represente precisamente o mesmo
referente da expressão referencial anafórica.
As anáforas se dividem em diretas, indiretas e encapsuladoras. As diretas
são aquelas que se referem a um elemento já mencionado.
Exemplo 15: “Quis sentar-se num banco de jardim porque ainda não resolvera
o caminho a tomar. (...) o banco seria um ponto de repouso” (LISPECTOR, 1979,
p.10);
50
As indiretas remetem a algum elemento fornecido pelo cotexto, trazendo
novos referentes ao discurso, e justamente nesse segundo tipo elas coincidem com
as introduções referenciais.
Exemplo 16: “Não compre a xícara amarela. O cabo está quebrado”
(MARCUSCHI,1999, p. 7).
As anáforas encapsuladoras são consideradas por Cavalcante (2003) “meio
diretas, meio indiretas”. Diretas porque se referem à informação já mencionada, e
indiretas porque tomariam como base o que já foi mencionado e trariam um novo
objeto.
Exemplo 17: “Agora que decidira ir embora tudo renascia. [...] Bem, as coisas
ainda existem. Sim, simplesmente extraordinária a descoberta”. (LISPECTOR,
1979, p.10)
Vale lembrar que os processos referenciais podem, ainda, operar uma
recategorização dos objetos de discurso. Essa recategorização pode ocorrer em
qualquer processo referencial.
Observe-se a figura 6, que traz os processos de referenciação:
Figura 6: Esquema dos processos de referenciação
Fonte: Cavalcante (2008).
As expressões referenciais têm função argumentativa valiosa nos
contextos discursivos, e a decisão de escolher formas diferentes de expressão
demonstram que as anáforas são fabulosos meios de marcar pontos de vista do
enunciador.
Nesse sentido, as estratégias metadiscursivas e expressões referenciais
são estratégias argumentativas que marcam o comprometimento do enunciador em
busca da adesão de um co-enunciador.
51
3.3 Referenciação dêitica
A expressão dêitica funciona como uma recategorização, o que contribui
para o propósito argumentativo, já que acrescenta um novo ponto de vista, como
também funciona como expressão resumidora que pode servir como ponto de
partida para a continuidade da argumentação. Por isso os dêiticos podem ser
confundidos com algumas anáforas, sobretudo quando também apontam para
referentes já mencionados no cotexto.
Para Benveniste (1989, p. 48)
O traço essencial dos signos dêiticos é a relação entre pessoa, lugar
ou tempo e o momento presente da enunciação imediata,
denominado origo. Isso é o que, de resto, define a dêixis, ou seja, a
condição para que se considere um dêitico é a pressuposição de
uma ancoragem sócio-espácio-temporal em relação ao sujeito da
enunciação.
Em vista disso, este critério não é suficiente para essa distinção, pois os
dêiticos podem fazer o mesmo trabalho. Em outras palavras, afirmamos que a anáfora
e os dêiticos podem ser reunidos num grupo bem amplo de processos de
referenciação, caracterizados pela propriedade de retomar referentes. Dentre os
dêiticos identificados na literatura, interessam-nos particularmente os pronomes
demonstrativos e os pronomes pessoais, que são os que marcam por excelência a
subjetividade.
Em função disso, consideramos que os dêiticos podem ser tomados como
operadores metadiscursivos, como os pronomes pessoais incluídos na dimensão de
posicionamento (marcadores de atitude), enquanto os demonstrativos, como
operadores metadiscursivos de engajamento (conhecimento compartilhado),
especificamente quando renomeiam ou resumem proposições anteriores.
Exemplo 18: “As perspectivas podem não ser as melhores, porém se as
autoridades e toda a sociedade se unirem em prol de mudanças substanciais que o
país precisa é quase certo que o futuro nos presentei com outra realidade”
(REDAÇÃO 4/2008).
O dêitico “nos”, nesse trecho, refere-se a pessoas não só apenas como
retomada, mas também como um operador que marca a posição do enunciador ao se
incluir na categoria daquelas que acreditam na diminuição da violência.
52
Exemplo 19: “Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que o bandido
não é só aquele que vive lá no morro [...]” (REDAÇÃO 2/2008).
O demonstrativo “essa” não é também um dêitico (processo de
referenciação) que apenas marca um espaço, mas é um operador metadiscursivo que
apela ao conhecimento compartilhado quando resume todo um conhecimento
“presumidamente” já reconhecido.
Segundo Fillmore (1971) há cinco tipos de dêixis a saber: pessoal,
espacial, temporal, social e textual. A análise dos dados desta pesquisa leva em
consideração apenas os dêiticos pessoais porque marcam o posicionamento e
engajamento do vestibulando na construção da argumentação, não só como
elementos de referenciação, mas também como operadores metadiscursivos, tal
como estão sendo considerados nestas reflexões teóricas.
53
4 METODOLOGIA
Esta pesquisa caracteriza-se por descrever a presença de fenômenos
textual-discursivos, especificamente dos marcadores metadiscursivos propostos por
Hyland (2005), dentre eles as expressões referenciais como estratégias na
construção da sequência argumentativa elaborada por Bronckart (2007).
O uso de recursos metadiscursivos ajuda o escritor e o falante a
entenderem a comunicação como um modo de interagir socialmente. O conceito de
metadiscurso tem sido recorrente em pesquisas que analisam composição, leitura e
estrutura textual e retórica de textos, visando à investigação de diferentes retóricas
em discursos quase sempre acadêmicos.
A escolha do gênero redação dissertativa do vestibular do Maranhão
constitui um espaço propício para a utilização de expressões metadiscursivas e com
teor argumentativo/persuasivo, já que apresentam estratégias de organização
textual e interpessoal com vistas à persuasão (co-enunciador) e à tomada de
posição (enunciador).
O Vestibular da Universidade Federal do Maranhão é realizado em duas
etapas: na primeira, uma prova de conhecimentos básicos com questões objetivas e
na segunda etapa uma prova de disciplinas específicas com questões analítico-
discursivas e a redação. Esta última é obrigatória para todos os candidatos.
Os manuais dos vestibulandos da UFMA explicam que a redação versará
sobre tema da atualidade e que o candidato deverá produzir um texto em prosa, de
acordo com a tipologia proposta na prova. Entende-se como tipologia a opção do
candidato a produzir um texto narrativo ou dissertativo – não se faz menção,
portanto, a um gênero específico.
As redações de 2004 e 2005 deram as duas opções para o candidato e
os anos de 2006 e 2007, apenas a opção do texto dissertativo. No ano de 2008,
equivocadamente, incluíram a proposta de narração, retornando a uma proposta
única de dissertação em 2009.
Os manuais desse período também afirmam que a prova de redação será
analisada considerando os campos conteúdo e forma, expressos pelos seguintes
critérios: para o conteúdo, título, tema e coerência; para a forma, tipologia,
54
modalidade gramatical e coesão. Entretanto, no ano de 2008, são acrescentadas
duas novas orientações para o vestibulando:
Ser capaz de relacionar termos ou segmentos na construção do texto,
de modo que haja concatenação das ideias; demonstrar capacidade
de expressar-se por escrito, dando a conhecer seu domínio sobre a
língua padrão e a norma culta, sem perder de vista as necessidades
de adequação ao contexto (UNIVERSIDADE FEDERAL DO
MARANHÃO, 2008, p.13).
Resta acrescentar que as orientações do ensino superior expressas nos
manuais não são suficientemente esclarecedoras com relação às expectativas da
universidade com relação aos textos dos vestibulandos.
Concatenar ideias, demonstrar capacidade de se expressar por escrito,
conhecer a norma culta são três exigências que se resumem todas na segunda e
que é vaga. Isso só aumenta a dificuldade dos vestibulandos, que já vêm da escola
com a noção equivocada de que fazer um “texto dissertativo” é apenas dividi-lo em
três partes: introdução, desenvolvimento e conclusão, como se isso fosse critério de
uma tipologia ou de uma sequência composicional. Esta é a razão pela qual usamos
como um dos referenciais teóricos deste estudo a proposta de Bronckart (2007) para
a sequência argumentativa, primeiramente descrita por Adam (1992). É necessário
que tanto professores quanto alunos tomem conhecimento das condições básicas
para que um modo de organização textual seja considerado como argumentativo, do
ponto de vista composicional.
4.1 A seleção do corpus
O corpus desta pesquisa é composto de redações do concurso vestibular
da Universidade Federal do Maranhão realizado nos últimos cinco anos, ou seja, os
anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008.
Optamos por trabalhar com redações desses anos porque consideramos
que esse período é caracterizado como um momento de mudanças significativas na
elaboração dos temas para as redações de vestibular, especialmente no que se
refere aos textos dissertativos que passaram a solicitar explicitamente manifestações
de pontos de vista por parte dos vestibulandos.
55
Do universo de redações de candidatos que são classificados para a
segunda fase do vestibular da UFMA, que terão suas redações avaliadas,
selecionamos, aleatoriamente, um total de 15 redações para cada ano, perfazendo
um total de 75. Com a necessidade de reduzir o número para uma amostra possível
de ser analisada neste trabalho, foram excluídas as redações ilegíveis, as
identificadas e as que fugiram ao tema proposto, o que resultou numa amostra de 25
dissertações que englobam os cinco temas propostos para textos dissertativos
correspondentes aos anos abarcados pela pesquisa.
Para demonstrar o resultado dos dados coletados, as redações foram
digitadas respeitando a forma original da escritura e demonstradas em caixas de
texto, sendo identificadas em uma sequência de 1 a 5 seguida do seu respectivo ano
(ex: 1/2004) na margem superior esquerda em negrito.
Assim, no vestibular de 2004, a redação proposta tinha por tema para
dissertação que o vestibulando expressasse suas ideias a respeito das
consequências da condição de celebridade sobre a vida de pessoas famosas. O de
2005 propunha que o aluno se posicionasse sobre a inexistência de uma política de
conforto e segurança para os usuários de transporte público. O de 2006 solicitava
que o aluno expressasse as ideias sobre as possibilidades de sentido da palavra
saudade. O de 2007, que manifestasse a opinião sobre a língua como expressão de
uma identidade coletiva em que a diversidade linguística e a cultural são
asseguradas. E a de 2008 propunha o tema sob forma de pergunta para que o
candidato respondesse se é possível a desmistificação da figura do bandido e a
reinstauração da ordem do país.
A escolha aleatória das redações do corpus justifica-se por considerarmos
que assim seriam observadas a relevância e a credibilidade sem a interferência da
escolha por parte do pesquisador e também porque se preservaria a identidade dos
vestibulandos. Além disso, nosso objetivo é observar que marcadores
metadiscursivos costumam ser empregados pelos alunos e refletir sobre quais
dificuldades eles encontram em relacioná-los com a construção argumentativa do
gênero escolhido.
56
4.2 Procedimentos de análise
Para a análise e a interpretação dos dados desta pesquisa, foram seguidas
as seguintes etapas: em primeiro lugar, todas as redações (25) foram enquadradas
na sequência argumentativa que está apresentada no quadro elaborado por
Bronckart (2007). Esta etapa da investigação se deve ao fato de termos observado
que nem todas as dissertações produzidas pelos candidatos apresentavam
sequência argumentativa dominante. Daí levantamos a hipótese de nem sempre a
sequência dominante nas redações vestibulares (que deveriam compor um texto
dissertativo) ser a argumentativa.
Por isso, organizamos o quadro abaixo para classificar, individualmente, as
redações do corpus.
ANÁLISE DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA DE BRONCKART
Redação Descritiva Explicativa Argumentativa Narrativa Injuntiva Dialogal
1/2004
2/2004
3/2004
4/2004
5/2004
1/2005
2/2005
3/2005
4/2005
5/2005
1/2006
2/2006
3/2006
4/2006
5/2006
1/2007
2/2007
3/2007
4/2007
5/2007
1/2008
2/2008
3/2008
4/2008
5/2008
Quadro 1: Modelo para classificação do total das redações de acordo com a sequência
argumentativa de bronckart
57
Numa segunda etapa, ainda em relação à sequência, elaboramos um
quadro da sequência dominante de cada redação (ver quadro abaixo), por termos
levantado a hipótese de que não somente a sequência argumentativa aparece como
dominante, mas também a sequência explicativa é utilizada como uma forma
composicional, que também se presta à defesa de um ponto de vista.
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA
REDAÇÃO
Argumentativo
Premissa Argumento Contra-argumento Conclusão
Quadro 2: Modelo do quadro específico das fases da sequência argumentativa de Bronckart (2007)
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA EXPLICATIVA
REDAÇÃO
Explicativa
Constatação
inicial
Problematização Resolução Conclusão/ Avaliação
Quadro 3: Modelo do quadro específico das fases da sequência explicativa de Bronckart (2007)
Numa terceira etapa, foram destacados os marcadores metadiscursivos,
obedecendo ao esquema interpessoal de Hyland (2005), distribuído em recursos de
posicionamento e de engajamento (conforme demonstramos no quadro a seguir).
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE POSICIONAMENTO
REDAÇÃO
Atenuador Intensificador Marcador de atitude Auto-menção
Quadro 4: Modelo do quadro específico do modelo interacional de posicionamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE ENGAJAMENTO
REDAÇÃO
Pronomes do
leitor
Apartes
pessoais
Diretivas Perguntas Conhecimento
compartilhado
Quadro 5: Modelo do quadro interacional de engajamento de Hyland (2005)
58
Finalmente, foram observadas as anáforas e os dêiticos (ver quadro
abaixo), que funcionam como marcadores metadiscursivos para, finalmente,
relacionar os marcadores à tese e aos argumentos.
QUADRO ESPECÍFICO DA REFERENCIAÇÃO
REDAÇÃO
Anáforas Dêiticos Pessoais
Quadro 6: Modelo do quadro de referenciação de Cavalcante (2003)
4.3 Análise dos dados
Este capítulo trata das análises das redações dissertativas dos
vestibulandos que estão inseridas no quadro genérico abaixo para visualização da
sequência textual de Bronckart (2007) de cada uma das 25 redações, objeto de
estudo desta pesquisa.
ANÁLISE DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA DE BRONCKART
Redação Descritiva Explicativa Argumentativa Narrativa Injuntiva Dialogal
1/2004 X
2/2004 X
3/2004 X
4/2004 X
5/2004 X
1/2005 X
2/2005 X
3/2005 X
4/2005 X
5/2005 X
1/2006 X
2/2006 X
3/2006 X
4/2006 X
5/2006 X
1/2007 X
2/2007 x
3/2007 X
4/2007 x
5/2007 X
1/2008 X
2/2008 X
3/2008 X
4/2008 X
5/2008 X
Quadro 7: Análise das redações dentro da sequência argumentativa de bronckart
59
É importante comentar que, aqui nesta pesquisa, a redação do vestibular
está sendo considerada um gênero com sequência dominante argumentativa, que
pode mesclar-se com sequências dominadas de explicação, descrição. Isso
significa que essas ocorrências apresentadas no quadro anterior, por mais que não
apareçam como essencialmente argumentativas, estão analisadas sob o ponto de
vista do traço dominante, que se espera argumentativo. Mas estamos levando em
conta a heterogeneidade composicional, já prevista na proposta original de Adam
(1992). Para deixar mais claro, consideramos a descrição, a “exposição” e a
explicação como estratégias de argumento.
Nesse sentido, algumas redações foram selecionadas para ilustrarem as
sequências que compõem os quadros usados para análise.
1/2006
Saudades...pode ser místico sem deixar de ser mito
Certamente você já percebeu que sentimos saudades não só de pessoas,
lugares, objetos ou situações que nos agradam e que é perfeitamente possível sentir
saudades, mesmo sendo estranho, de algo que a algum tempo estava ali no seu pé
encomodando, seja um animal ou uma pessoa que depois de ti fazer reclamar muito
derrepente não está mais ali, sumiu desestruturando mesmo que de leve a sua
rotina, este fato pode ser uma evidência de que o misterioso sentimento que só o
português consegue dar nome que é a saudades, está ligado não somente ao amor
e ao afeto como os romancistas nos fazem pensar, mas à implacável necessidade
do ser humano e dos outros animais de se adaptarem às circunstâncias que os
rodeiam, passando com o tempo a gostar e consequentemente - mente a sentir
necessidade delas, principalmente quando se trata de pessoas.
Ao longo da evolução, este sentimento foi ganhando cada vez mais
significados e nenhum deles consegue explica-lo com exatidão, isto porque a
saudade tambem evolui, talvez mais rápido que o próprio ser humano nos sentidos
físico e psíquico do mesmo, mas está diretamente ligada às mudanças de hábito, de
conceito e o constante surgimento de diferentes formas de relacionamento entre as
pessoas e foi apartir desta dinamicidade que o saudosismo passou a ser enfocado
de forma mística, como algo que engloba a dor e o amor ao mesmo tempo,
constituindo assim um tema perfeito para várias poesias, obras de artes, livros e
canções.
A ideia de saudade representa um mar de possibilidades, isto é óbvio,
podendo ser para a mãe a lembrança de um filho ausente, para o casal separado a
esperança do reencontro ou para o emigrante que saiu do seu pais a vontade de
regressar ao chegar em lugar pior ainda, a verdade é que a complexidade do nosso
cérebro não permite que um único sentimento mereça tanta atenção, logo a saudade
é apenas um reflexo que pode ser vencido facilmente ou não.
60
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA
REDAÇÃO 1/2006
Argumentativo
Premissa Argumento Contra-argumento Conclusão
“o misterioso
sentimento [...]
que é saudade
está ligado não
somente ao
amor e ao
afeto”
“[...] sentimos
saudades não só de
pessoas [...] que nos
agradam”.
“Este sentimento foi
ganhando cada vez
mais significados [...]”.
“Porque a saudade
também evolui [...]”.
“[...] é possível sentir
saudade de algo que estava
incomodando [...]”.
“a saudade é um mar de
possibilidade [...] e
diferentes formas de
saudades.” (amor maternal,
de amantes e da terra
natal).
Quadro 8: Quadro específico das fases da sequência argumentativa de Bronckart (2007)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE POSICIONAMENTO
REDAÇÃO 1/2006
Atenuador Intensificador Marcador de atitude Auto-menção
pode ser;
talvez;
perfeitamente;
pior;
perfeitamente;
consequentemente;
misteriosos;
implacável;
pior ainda.
“este sentimento [...]”
certamente
nos agradam;
nos fazem.
Quadro 9: Quadro específico do modelo interacional de posicionamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE ENGAJAMENTO
REDAÇÃO 1/2006
Pronomes do
leitor
Apartes
pessoais
Diretivas Perguntas Conhecimento
compartilhado
você;
seu;
ti;
sua;
sentimos;
que nos agradam;
nos fazem pensar
--------------- é obvio;
a verdade é;
--------------- certamente.
“este sentimento
[...]”
Quadro 10: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DA REFERENCIAÇÃO
REDAÇÃO 1/2006
Anáforas Dêiticos
“este sentimento [...]”
“desta dinamicidade [...]”
“este sentimento [...]”
“desta dinamicidade [...]”
Quadro 11: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003)
61
Esta redação enquadra-se no texto argumentativo. O primeiro parágrafo
traz a tese (premissa) de que saudade não está relacionada só ao amor ou ao afeto.
Para confirmar essa premissa, o vestibulando argumenta que é possível sentir
saudades de coisas que agradam e que desagradam.
O segundo parágrafo traz outro argumento que afirma que a saudade
evolui, o que permite que esse sentimento ganhe muitos significados. Os
argumentos que justificam a saudade de coisas relativas ao afeto opõem-se ao
contra-argumento de que é possível sentir saudades de pessoas ou de coisas que
não agradam.
O terceiro e último parágrafo conclui que a saudade é “um mar de
possibilidade”, isto é, a saudade apresenta vários significados, como o tipo de
saudade de uma mãe em relação a um filho ausente, dos amantes separados e a
saudade da terra natal.
Os operadores metadiscursivos na dimensão de posicionamento usados
na construção da argumentação são: os atenuadores pode ser e talvez, que
suavizam a afirmação de que a saudade não está ligada só ao afeto; e marcadores
de atitude perfeitamente, consequentemente e pior ainda, que apontam o
posicionamento do emissor ao defender a tese de que se sente saudade não só de
pessoas, como também de lugares, objetos ou situações (agradáveis ou não). Os
adjetivos misterioso e implacável também são marcadores de atitude, revelando a
opinião do autor.
Os operadores metadiscursivos da dimensão de engajamento destacados
são os pronomes do leitor: você, seu, ti, sua, que, por excelência, são pronomes
que introduzem o leitor diretamente. Além desses pronomes, há o pronome nós
inclusivo em: sentimos, que nos agradam, nos fazem pensar. Estes dois últimos
pronomes enquadram-se, também, como marcadores de automenção (dimensão do
posicionamento), visto que o uso do pronome pessoal de primeira pessoa projeta as
impressões do enunciador no texto. Dessa forma, percebe-se que há uma
sobreposição nos marcadores, pois não só invocam o leitor como assinalam a
posição do emissor. Isto só comprova que as dimensões de posicionamento e de
engajamento são duas faces da mesma moeda.
As expressões é obvio e a verdade é são marcas diretivas que buscam
chamar o leitor a compartilhar do ponto de vista enunciado. Há ainda o marcador de
62
conhecimento compartilhado certamente, que faz pressupor que o argumento
usado é conhecido e reconhecido pelo leitor.
Dentro do processo de referenciação, destacam-se as anáforas: este
sentimento e desta dinamicidade. A primeira anáfora é também recategorizadora,
visto que não só se refere à saudade, mas também a nomeia, podendo ser vista
como um dêitico pela mesma razão, além da presença do pronome demonstrativo.
Como anáfora é relacionada à dimensão do posicionamento como marcador de
atitude; como dêitico, refere-se à dimensão de engajamento como apelo ao
conhecimento compartilhado.
2/2006
Saudade é um baú de sentidos vividos
Dizer sobre os sentidos da palavra saudade é revisitar momentos bem
guardados, escondidos mesmo, nos recôndidos da alma. Lugar este pouco visitado,
uma espécie de baú a guardar os melhores momentos de nossa vida e por isso
mesmo o evitamos, pois este “baú” é construído pelo tempo e jamais devolve seus
pertences.
Podemos dizer que a palavra saudade tem tantas possibilidades de
sentido que seria impossível enumerá-las pois se confundem com nossas
experiências mais sublimes e se constróem por toda a vida. Para uma boa e longa
vida, então, mesmo um livro ainda seria pouco para contá-las.
Sabemos traduzir a palavra saudade mas não conceituá-la. É como água
entre os dedos, escapando a qualquer limitação terminológica, compreendêmo-la
apenas mergulhando na memória, remexendo em cicatrizes que desejamos nunca
sarem. Diria Fernando Pessoa: “é umar?? assim, meio odiosamente”.
Os sentidos desta palavra se confundem com nossa trajetória de vida. Ao
traduzi-la podemos invocar nossas amizades na infância, um grande amor, aquele
abraço materno com um segundinho a mais que o tornou especial. Enfim, o que há
de comum entre estes fatos é que temos a certeza de que jamais se repetirão.
Resta-nos deles apenas a saudade.
Saudade é uma palavra sem significado próprio, de sentidos escritos pelo
tempo, guardada em baús empoeirados da alma, dos quais as vezes sentimos
saudades, revisitamos e fechamos novamente de olhos vermelhos e coração
saudoso.
63
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA
REDAÇÃO 2/2006
Argumentativo
Premissa Argumento Contra-argumento Conclusão
“[...] saudade tem
tantas possibilidades
de sentido que seria
impossível enumerá-
las [...]”.
“[...] saudade é revisitar
momentos bem
guardados, escondidos
mesmo, nos recôndidos da
alma.” (lembrança)
“[...] saudade escapa a
qualquer limitação
terminológica [...]
mergulhando na memória
[...]” (memória)
“Os sentidos desta palavra
se confundem com nossa
trajetória de vida.”
(história)
É possível conceituar e
caracterizar o
sentimento de saudade,
tal como o fazem os
dicionários.
“Saudade é uma
palavra sem
significado próprio”
Quadro 12: Quadro específico das fases da sequência argumentativa de Bronckart (2007)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE POSICIONAMENTO
REDAÇÃO 2/2006
Atenuador Intensificador Marcador de atitude Auto-menção
podemos dizer;
podemos invocar;
melhores sublimes;
boa e longa vida;
melhores momentos de nossa vida;
com nossa experiências;
nossa trajetória de vida;
nossas amizades;
Quadro 13: Quadro específico do modelo interacional de posicionamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE ENGAJAMENTO
REDAÇÃO 2/2006
Pronomes do
leitor
Apartes
pessoais
Diretivas Perguntas Conhecimento
compartilhado
evitamos;
sabemos;
desejamos;
temos;
sentimos;
revisitamos;
podemos
invocamos;
fechamos.
___________ ___________ ___________ Sabemos traduzir
a palavra
saudade mas não
conceituá-la.
Quadro 14: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005)
64
QUADRO ESPECÍFICO DA REFERENCIAÇÃO
REDAÇÃO 2/2006
Anáforas Dêiticos
lugar este;
este baú (alma)
lugar este
este baú (alma)
Quadro 15: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003)
A premissa (tese inicial) encontra-se no segundo parágrafo, na afirmação
de que “saudade tem tantas possibilidades de sentidos que seria impossível
enumerá-las” por se confundirem com as experiências de toda uma vida.
Para reforçar essa premissa, o vestibulando argumenta no primeiro
parágrafo que saudade é “revisitar momentos bem guardados, escondidos mesmo
[...]” destacando assim que um dos sentidos de saudade é lembrança. O argumento
do terceiro parágrafo repete a impossibilidade de a saudade ser conceituada e
novamente indica que ela é memória.
No quarto parágrafo, o vestibulando, mais uma vez, argumenta que
saudade é história, pois os sentidos desse sentimento se confundem com as
experiências e trajetórias de vida. Essa repetição do argumento traz a hipótese de
que os argumentos não são desenvolvidos pelo aluno, uma vez que ele só os
repete. Para reforçar a tese dele, “[...] saudade tem tantas possibilidades de sentido
que seria impossível enumerá-las [...]”, ele não estaria impedido de relacionar
história, memória e lembrança. Mas, da forma como ele fez, elimina o que poderia
haver de acréscimo argumentativo, porque, além de ele não desenvolver os
argumentos, a ordem não resultou numa sequenciação.
Em outras palavras: ele poderia ter construído com uma anáfora
encapsuladora, não simplesmente um argumento, mas também uma sequenciação
argumentativa. Por exemplo, a palavra história seria a primeira raiz da saudade, que
poderia avançar para duas direções: a memória, muito mais presa à realidade e a
lembrança, à imaginação. Esse recurso inclusive poderia ser uma opção que
favoreceria a organização dos argumentos de tal forma que, no desenvolvimento,
não se incorreria em repetição.
Mesmo com o contra-argumento implícito, o vestibulando conclui que
“saudade é uma palavra sem significado próprio”. Pode-se perceber que a palavra
próprio é uma impropriedade vocabular, pois todos os argumentos reforçam a tese
65
de que saudade tem tantas possibilidades de sentido que “escapam a qualquer
limitação terminológica”. Mais do que uma impropriedade, é uma contradição.
Porém, as inúmeras possibilidades de sentido da palavra saudade ficam
reduzidas a um só: lembrança, ainda que textualmente haja referência à história e à
memória. Dessa forma, pode-se perceber que os argumentos apenas se repetem,
prejudicando a sequência argumentativa.
Os operadores metadiscursivos usados pelo vestibulando para marcar
posicionamento foram os atenuadores: podemos dizer e podemos invocar, ambos
também fazem parte da dimensão do engajamento como pronomes de leitor. Esses
dois exemplos apontam que alguns operadores se sobrepõem. Isso acontece
porque, ao mesmo tempo em que o vestibulando se posiciona, ele convoca o leitor
para uma relação dialógica. Através da sobreposição, ele conquista o leitor porque
há entre a tomada de posição e a busca de adesão do leitor uma relação de causa e
efeito, um dos princípios que justificam a própria argumentação.
A anáfora este baú é recategorizadora e pode ser considerada como
operador metadiscursivo de posicionamento, como um marcador de atitude. Isso
porque, ao renomear um objeto já representado, marca uma atitude subjetiva. Mais
uma vez, percebe-se a sobreposição entre anáfora e dêitico.
2/2007
O poder da lingua
Um dos principais elementos de unidade de um povo é a lingua é ela
primeira quem denuncia a origem de quem fala, ou seja, ao dialogar a pessoa
termina se denunciando de certa forma o seu nível cultural a classe social em que
estar incerido e até mesmo a região a qual pertence.
O poder da lingua é tão forte que vários países quando no domínio de
outras nações, impunham sua lingua como oficial aos povos dominados, com isso,
obijetivavam facilitar a aceitação do opressor pelo oprimido.
Falar a mesma lingua é fundamental no fortalecimento de qualquer país,
isto porque facilita a convivência diária entre as pessoas, serve para diminuir as
diferenças culturais e raciais ocasionadas pela linguistica.
Dentro de uma mesma língua podemos ter vários dialetos, elas surgem
porque a língua apresenta um caráter dinâmico capaz de eliminar e agregar novas
palavras em si, contudo, não perde o posto de mãe de todos os dialetos.
Usada para definir classes sociais, dominar outros povos, diminuir
conflitos sociais, o certo é que a lingua nos dias de hoje é o principal elemento
unificador de uma nação fazendo com que as pessoas sintam-se parte dela.
66
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA
REDAÇÃO 2/2007
Argumentativo
Premissa Argumento Contra-argumento Conclusão
A lingua é “um
dos principais
elementos de
unidade de um
povo [...]”
“[...] a língua denuncia
a origem de quem
fala [...]“ (?)
“a língua facilita a
convivência diária
entre pessoas e serve
para diminuir
diferenças [...] pela
linguística” (?)
Falar a mesma língua não
fortalece a identidade de um
povo.
“[...] o certo é que a lingua
nos dias de hoje é o
principal elemento
unificador [...]”
Quadro 16: Quadro específico das fases da sequência argumentativa de Bronckart (2007)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE POSICIONAMENTO
REDAÇÃO 2/2007
Atenuador Intensificador Marcador de atitude Auto-menção
____________
tão forte. falar a mesma língua é
fundamental;
principal elemento.
____________
Quadro 17: Quadro específico do modelo interacional de posicionamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE ENGAJAMENTO
REDAÇÃO 2/2007
Pronomes do
leitor
Apartes
pessoais
Diretivas Perguntas Conhecimento
compartilhado
podemos ____________ ____________ ____________ ____________
Quadro 18: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DA REFERENCIAÇÃO
REDAÇÃO 2/2007
Anáforas Dêiticos
é ela primeira;
seu nível cultural;
com isso;
isto porque;
isto
Quadro 19: Quadro de referenciação de Cavalcante (2003)
O primeiro parágrafo contém a premissa de que a língua é um elemento
importante para a unidade de um povo. Mas o argumento que se segue a essa
afirmação não reforça, nem contesta a tese, apenas a torna ilógica e incoerente,
pois o argumento de que a língua denuncia a diversidade linguística e cultural não
apoia a tese de que a língua é elemento unificador.e a quase inexistência de
operadores metadiscusivos não marcam posicionamento nem engajamento.
67
O segundo parágrafo encontra-se deslocado em relação à tese inicial e
também ao comando da redação, sem qualquer relação entre as ideias .
O terceiro parágrafo esboça um argumento que reforça a tese de língua
como unificadora, já que ela facilita a convivência entre as pessoas. O quarto
parágrafo, por sua vez, traz um dado novo ao afirmar que a língua apresenta um
caráter dinâmico, sem, contudo, relacioná-lo à premissa.
No quinto parágrafo, a conclusão retoma, tão somente, a tese de que a
língua é o principal elemento unificador de uma nação, mas, também, é usada para
definir classes sociais e de dominação.
Pode-se observar, assim, que esta redação apenas possui indícios de um
texto argumentativo com posicionamento frágil e sem qualquer tentativa de
engajamento, ou seja, sem operadores metadiscursivos que expressem posição do
emissor ou tentativa de conquistar adesão do leitor, visto que os argumentos se
contradizem entre si e não batem com a tese inicial. Tudo isso contraria os princípios
de uma sequência argumentativa.
Esta redação traz a marca de um vestibulando que desconhece as
estratégias argumentativas e de organização do texto. A cada parágrafo, uma ideia
diferente é lançada, como se ele pudesse começar por qualquer uma delas, ou seja,
não há articulação nem continuidade, mesmo com o emprego de marcadores
metadiscursivos e com os processos de referenciação.
Isso marca a ideia de que os operadores metadiscursivos não são
importantes pela sua presença no texto, mas pela marca da atitude do produtor no
seu discurso. No caso desta redação analisada, talvez seja possível dizer que o
vestibulando usa alguns desses operadores, mas não os emprega como reflexo de
uma escolha, razão por que se pode dizer que os dêiticos e as anáforas não chegam
a ser suficientes para retomar, trazer nova informação ou dar continuidade às
proposições.
68
1/2008
Bandidos sem máscaras
A desculpa da pobreza e da consequente desigualdade social não são
suficientes para explicar a escolha pela criminalidade. A sociedade está
conscientizando-se de que o bandido brasileiro não é consequência apenas das
favelas ou do desemprego crescente.
Tais explicações são substituídas pelo fato de que a violência está em
transformação. Percebe-se que surgem novas formas e que os criminosos surgem
das mais diversas classes sociais, acabando com a associação espontânea da
violência com a pobreza.
Esses novos criminosos mostram-se cada vez mais jovens e sem
aparente motivo para tais ações. Casos como os dos rapazes de classe média que
espancaram uma empregada doméstica e de outros ainda que atearam fogo em um
índio refletem a nova e complexa conjuntura à qual a sociedade está submetida.
Atrela-se a isso o uso das drogas e o tráfico, que tem como seus
sustentadores os bandidos, mas também a fraca polícia brasileira facilmente sujeita
à corrupção. Esses bandidos com máscaras escondem os bandidos sem máscaras
e facilitam a sua propagação. São inimigos e aliados, sempre movidos à ambição e
à violência.
O combate, portanto, fundamenta-se na implantação de políticas públicas
que amainem as mazelas sociais. Daí, progressivamente, com o apoio do governo e
também de iniciativas privadas, a estrutura policial e militar brasileira possa ser
reformada, o tráfico possa ser contido e, claro, o jovem possa ter uma formação
social digna.
QUADRO ESPECÍFICO DAS FASES DA SEQUÊNCIA EXPLICATIVA
REDAÇÃO 1/2008
Explicativa
Constatação
inicial
Problematização Resolução Conclusão/ Avaliação
Pobreza e
desigualdade
sociais não são
explicações
suficientes da
criminalidade;
A sociedade
está
conscientizando-
se que a
violência não é
consequência
apenas da
pobreza;
Quais são as
explicações para
violência?
Quais são as novas
ações criminosas?
Quais são os novos
criminosos?
Que outras
circunstâncias
aumentam a
violência?
“a violência está em
transformação [...]”;
Ações criminosas com
requintes de crueldade e
sem motivos.
Novos criminosos: jovens
da classe média;
as drogas e a polícia sujeita
à corrupção;
Implantação de políticas
públicas para diminuição
das mazelas sociais.
Apoio de iniciativas
privadas;
Reforma da estrutura
policial;
Contenção do tráfico;
Quadro 20: Quadro específico das fases da sequência explicativa de Bronckart (2007)
69
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE POSICIONAMENTO
REDAÇÃO 1/2008
Atenuador Intensificador Marcador de atitude Auto-menção
Apenas;
Facilmente;
Progressivamente
fraca polícia brasileira;
facilmente sujeita à
corrupção;
progressivamente;
_________
Quadro 21: Quadro específico do modelo interacional de posicionamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DO MODELO INTERACIONAL DE ENGAJAMENTO
REDAÇÃO 1/2008
Pronomes do
leitor
Apartes
pessoais
Diretivas Perguntas Conhecimento
compartilhado
___________
_________
__________ __________ “Casos como os
dos rapazes de
classe média que
espancaram uma
empregada
doméstica e de
outros ainda que
atearam fogo em
um índio”
Quadro 22: Quadro interacional de engajamento de Hyland (2005)
QUADRO ESPECÍFICO DA REFERENCIAÇÃO
REDAÇÃO 1/2008
Anáforas Dêiticos
Tais explicações;
Esses novos criminosos;
Atrela-se a isso;
Seus sustentadores;
Esses bandidos;
Esses novos criminosos;
Atrela-se a isso;
Esses bandidos;
Quadro 23: Modelo de referenciação de Cavalcante (2003)
Este texto insere-se na sequência explicativa não só porque responde à
pergunta feita no comando da dissertação, e às próprias indagações do enunciador
sobre um tema que ele considera incontestável, mas também por explicar e
solucionar a afirmação defendida.
O vestibulando inicia o primeiro parágrafo afirmando que pobreza e
desigualdade não são explicações para criminalidade e que a sociedade já tem
consciência de que o bandido não é resultado da proliferação de favelas ou do
desemprego.
70
A partir dessas constatações, o vestibulando, no segundo parágrafo, de
forma indireta se questiona sobre as explicações para a violência, e quais são as
novas ações criminosas, além dos novos criminosos, levantando dessa forma a
problematização.
O terceiro e quarto parágrafos trazem as resoluções ao responder que a
violência se transforma, que há novas ações criminosas e que os novos criminosos
surgem das mais diversas classes sociais, ilustrando casos como jovens de classe
média que espancaram uma empregada doméstica e o caso de outros jovens que
atearam fogo em um índio. Além disso, o uso das drogas e uma polícia sujeita a
corrupção contribuem para a violência da sociedade.
No quinto parágrafo, o vestibulando conclui que o combate a
criminalidade fundamenta-se na “implantação de políticas públicas”, no apoio de
iniciativas privadas, na reforma da estrutura policial e na contenção do tráfico de
drogas.
Os operadores metadiscursivos de posicionamento são os marcadores de
atitude: fraca polícia brasileira, facilmente sujeita à corrupção, progressivamente e
o atenuador apenas, que de forma mais branda não nega que a pobreza e
desigualdade social não deixam de ser causa da criminalidade.
Os operadores de metadiscurso de engajamento relativos ao
conhecimento compartilhado são marcados não por palavras ou expressões, mas
pelos exemplos das novas formas e de novos criminosos por serem fatos
amplamente divulgados e compartilhados.
As anáforas (tais explicações, esses novos criminosos, atrela-se a isso, seus
sustentadores, esses bandidos), e os dêiticos (esses novos criminosos; a isso;
esses bandidos – note-se que são anáforas contendo dêiticos, na verdade); não só
retomam referenciais, mas também expressam de forma significativa o modo como o
enunciador se posiciona diante do texto e de como busca conquistar a adesão do
leitor.
Deve-se ressaltar que operadores metadiscursivos podem estar
presentes em textos que não sejam argumentativos. Na verdade, muitas vezes a
presença ou a ausência de operadores metadiscursivos não garante a qualidade da
argumentação, mas podem se destacar em outras sequências textuais que também
defendem um ponto de vista.
71
4.4 Demonstração da análise dos dados
4.4.1 As funções metadiscursivas das anáforas e dos dêiticos pessoais
Apesar de já ter elementos constitutivos do perfil das redações dos
vestibulandos nas análises apresentadas, selecionamos exemplos de outras
redações do corpus para observar que os operadores metadiscursivos constituem
um dos recursos que mais podem marcar adequadamente o posicionamento do
vestibulando e ao mesmo o engajamento que ele pretende conquistar, na
construção dos argumentos, além de serem empregados em expressões
referenciais (anáforas e dêiticos). Abaixo alguns exemplos que demonstram a nossa
análise:
a) A anáfora indireta
Exemplo 20: “Há quem diga que vale tudo pra tornar-se uma pessoa
conhecida, famosa. Porém muitos acham que expor a vida de tal maneira não
compensa, preferem ser só mais um na multidão”. (REDAÇÃO 3/2004)
Se considerarmos anáforas indiretas como conhecimento cultural, novas
associações, sem precisar indicar que pista é mais determinante, podemos
considerar, então, a anáfora indireta como um operador metadiscursivo de
conhecimento compartilhado (dimensão de engajamento).
No exemplo acima, estamos considerando anáfora indireta, de tal
maneira, porque remete a um elemento já mencionado que não é facilmente
identificável. A expressão, de tal maneira, pode retornar à atitude de buscar qualquer
meio para conseguir o que quer na vida ou a viver como uma pessoa conhecida ou
ainda às duas ideias: fazer qualquer coisa para ser conhecida.
Além disso, marca um conhecimento compartilhado - engajamento (o
leitor sabe o que é fazer qualquer coisa para subir na vida). Esse tipo de anáfora
acrescenta uma certa avaliação, o que é um marcador de atitude (posicionamento).
Isso mostra a sobreposição dos operadores metadiscursivos, porque, ao mesmo
tempo que o produtor reforça a ideia anterior, ele interage. Através da anáfora
indireta, os enunciadores podem formular uma nova proposição para uma
argumentação consistente.
b) Encapsuladora
72
Exemplo 21: “Milhares de pessoas deixam-se iludir por esse glorioso
mundo de realizações, desejos e principalmente de riqueza não percebendo porém
que a realidade é bem diferente. O principal divulgador de toda essa ideia é a
televisão que procura demonstrar até que ponto as pessoas são capazes de
cometer atos para se tornarem famosas”. (REDAÇÃO 5/2004)
c) Recategorizadora
Exemplo 22: “Numa sociedade cujas condutas humanas devem se pautar
na lei, em sentido amplo, ser bandido é estar à margem da lei. É ser um lesionador
dos direitos humanos, principalmente dos direitos fundamentais: igualdade,
liberdade e fraternidade que ganharam esse status na tão propagada Revolução
Francesa.
Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que o bandido não é só
aquele que vive lá no morro, na favela, ou na periferia, cujas roupas o denunciam
logo – mesmo que ele não seja – nem somente aqueles que assaltam, a mão
armada, o cidadão de bem, entre outros exemplos.” (REDAÇÃO 2/2008)
As anáforas encapsuladoras (ex. b) e recategorizadoras (ex.c) servem
também como operadores metadiscursivos de conhecimento compartilhado e, ao
mesmo tempo, essas anáforas são marcadores de atitude (posicionamento), por
refletirem uma escolha pessoal.
No caso da encapsuladora, exemplificada pela expressão de toda essa
ideia, convém explicar que ela está assim classificada porque abarca a ideia geral
do já diluído no texto. Essa expressão, no exemplo dado, envolve a ilusão do
homem diante do que é sedutor no mundo e do que há de enganador em tudo isso,
realização, desejo e riqueza.
A anáfora recategorizadora renomeia o já mencionado, marcando uma
atitude pessoal (posicionamento) e, com isso, convoca o conhecimento
compartilhado (engajamento). De acordo com o exemplo dado, a expressão o
lesionador renomeia o já-dito, “bandido”. Nesse caso, inferimos que o produtor se
confronta com a banalidade da palavra tornada senso comum (um argumento) e luta
com a língua inventando uma palavra que possa dizer o que aquela não diz mais.
Essa recategorização possibilita a argumentação, o posicionamento e o
engajamento, e o que é levantado como exceção entre os dados é que este fato se
dá num texto constituído pelos elementos de um texto explicativo e não do
argumentativo.
73
Isso é um forte indício de que o argumento não está presente apenas no
argumentativo, ou seja, uma dissertação pode argumentar em textos essencialmente
argumentativos, essencialmente explicativos, como também em textos onde, apesar
de considerada a dominância da sequência, se encontram trechos explicativos e
descritivos que servem de estratégia para a argumentação.
d) Dêiticos pessoais
Recortamos o exemplo c para refletir que os dêiticos pessoais. Além de
seu emprego como referenciação, também são empregados como operadores
metadiscursivos e, neste último caso, pode ocorrer uma sobreposição.
Exemplo 23: “[...] igualdade, liberdade e fraternidade que ganharam esse
status na tão propagada Revolução Francesa.
Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que o bandido não é só
aquele que vive lá no morro, na favela, ou na periferia, cujas roupas o denunciam
logo – mesmo que ele não seja – nem somente aqueles que assaltam, a mão
armada, o cidadão de bem, entre outros exemplos.” (REDAÇÃO 2/2008)
Na expressão esse status, o demonstrativo é um dêitico, primeiro porque
ele retoma um objeto (igualdade, liberdade, e fraternidade), mas é também um
operador metadiscursivo que constitui um marcador de atitude avaliativa, porque
destaca a importância dos princípios básicos da Revolução Francesa (conhecimento
compartilhado), confrontando com os ideais de hoje. Neste momento, ele acrescenta
um argumento: a realidade não corresponde a esses ideais, apesar da tão
propagada revolução.
Mais uma vez os dêiticos (demonstrativos), acima destacados (essa,
aquele, aqueles), retomam não apenas referentes, mas são operadores
metadiscursivos que acrescentam novos dados para a construção de argumentos,
funcionando, assim, como operadores metadiscursivos que apelam ao
conhecimento compartilhado (engajamento). O intuito parece o de persuadir sobre
as evidências de uma realidade que não atende aos ideais do cidadão.
Os dêiticos, pronomes pessoais (o, ele) também remetem a referentes no
texto e acumulam o papel de operador metadiscursivo, sobretudo o pronome ele,
que marca o aparte pessoal (engajamento), funcionando como uma estratégia de
orientação ao leitor, na medida que expressa a vontade do enunciador de
interromper o argumento para oferecer um comentário sobre o que está sendo dito.
74
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O principal objetivo deste trabalho foi o de investigar o papel dos
marcadores metadiscursivos com vistas ao seu uso em processos referenciais na
construção da argumentatividade.
Este estudo, portanto, demonstrou algumas ocorrências que se
destacaram no texto dissertativo como: sobreposição de operadores
metadiscursivos, ou seja, as mesmas expressões usadas nas dimensões de
posicionamento e engajamento; anáforas indiretas empregadas geralmente na
dimensão de engajamento (conhecimento compartilhado), enquanto as
encapsuladoras e recategorizadoras mais usadas na dimensão de posicionamento
(marcadores de atitude); também ocorreram sobreposição com os dêiticos, muitas
vezes, como automenção (posicionamento) e pronomes do leitor (engajamento);
finalmente um texto dissertativo não precisa ter uma sequência argumentativa, visto
que pode se argumentar através da sequência explicativa, dissertativa ou até da
heterogeneidade dessas sequências
Esta pesquisa nos fez constatar que a classificação de marcadores
metadiscursivos não pode ser definida a priori, pois os recursos usados pelo
enunciador para posicionar-se discursivamente e para buscar a adesão do leitor na
orientação argumentativa desejada dependem de várias condições contextuais.
Ainda que haja formas metadiscursivas previsíveis na língua como os
marcadores de automenção e pronomes do leitor, visto que estes se manifestam por
meio dos dêiticos pessoais e considerando que é também previsível algumas formas
de atenuadores e intensificadores (modalizadores da língua), os demais tipos não
podem ser assim determinados.
Isso justifica o fato de termos observado a sobreposição dos operadores
de posicionamento e de engajamento numa mesma expressão, além de termos
localizado frequentes situações em que essas atitudes metadiscursivas também
estavam marcadas nos processos de referenciação (ver p.60, quadros).
Os dados desta pesquisa revelam uma íntima relação entre as fases
(macroproposições) de uma sequência argumentativa e o uso de operadores
metadiscursivos. É verdade que não se pode afirmar que exista uma relação direta
entre os marcadores metadiscursivos e as fases de uma sequência argumentativa,
ou entre marcadores metadiscursivos e os processos de referenciação. Mas é
75
possível afirmar que a seleção das estratégias metadiscursivas interfere para a
introdução de dados (argumentos) que amplie a tese inicial, a contra-argumentação
até a tese final (ver p. 64, 4º parágrafo).
As análises também sugerem, que o uso de operadores metadiscursivos
não marcaram, na maioria das redações lidas, um emprego que indicasse
suficientemente uma posição clara do enunciador e nem a tentativa de conquistar a
adesão do leitor.
Esta pesquisa ainda oferece dados para que os produtores de texto
possam compreender que o simples uso dos elementos linguísticos (operadores
metadiscursivos e processos de referenciação) não são suficientes para construir
um posicionamento e um engajamento através da linguagem que possam sustentar
a consistência argumentativa. O uso deve ir mais profundamente ao emprego
determinado por uma atitude que leve em consideração o contexto diante do qual o
enunciador é convocado a se posicionar.
Produzir um texto é um trabalho de construção que envolve dois lados: o
material que se chama enunciado (forma) e o lado imaterial (conteúdo). Produzir um
texto é também, mais do que meramente informar, é provocar uma reflexão e
transferir um ponto de vista, sobretudo quando se trata de texto dissertativo
argumentativo.
Tudo isso significa que o pensamento não pode ser expresso de forma
solta, oscilando entre meras divagações informativas a cada parágrafo como,
infelizmente, ocorre na situação do vestibular.
Por outro lado cabe à escola mostrar ao aluno que há inúmeras e
variadas formas de se expressar por escrito e que cada contexto discursivo depende
dos propósitos enunciativos e dos conhecimentos culturalmente compartilhado. Em
outras palavras, o ensino da língua na escola deve se voltar a um sujeito que pensa
e seja capaz, portanto, de construir argumentos na defesa de um ponto de vista.
Vale ressaltar ainda que mesmo com a mudança do acesso à universidade (o
vestibular), a redação continuará fazendo parte do processo.
Por fim, vale sugerir que outras pesquisas aprofundem a função
metadiscursiva que os processos referenciais anafóricos e dêiticos podem
desempenhar em gêneros diversos e quais desses processos podem corresponder
às dimensões de posicionamento e de engajamento.
76
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81
ANEXOS
82
ANEXO A: COMANDO DA PROVA E RESPECTIVAS CÓPIAS DE REDAÇÕES DE
2004
83
84
85
86
87
88
ANEXO B: COMANDO DA PROVA E RESPECTIVAS CÓPIAS DE REDAÇÕES DE
2004
89
90
91
92
93
94
95
ANEXO C: COMANDO DA PROVA E RESPECTIVAS CÓPIAS DE REDAÇÕES DE
2006
96
97
98
99
100
101
102
ANEXO D: COMANDO DA PROVA E RESPECTIVAS CÓPIAS DE REDAÇÕES DE
2007
103
104
105
106
107
108
109
110
ANEXO E: COMANDO DA PROVA E RESPECTIVAS CÓPIAS DE REDAÇÕES DE
2008
111
112
113
114
115
116
117
ANEXO F: MANUAL DO VESTIBULANDO – PROGRAMA DA PROVA DE
REDAÇÃO
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