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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CLÁSSICAS
Ritmo e Sonoridade na Poesia Grega Antiga:
Uma tradução comentada de 23 poemas
Carlos Leonardo Bonturim Antunes
Orientador: Prof. Dr. André Malta Campos
Dissertação apresentada ao Programa de
Letras Clássicas do Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas da
Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a
obtenção do título de Mestre em Letras.
São Paulo
2009
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2
Resumo
Este trabalho consiste de uma tradução comentada de vinte e três poemas gregos
dos períodos Clássico e Arcaico. Essa tradução foi realizada buscando recriar o ritmo e
a sonoridade dos textos originais, mas sem se afastar demasiadamente do plano do
sentido, de modo que não é uma recriação livre. O trabalho é introduzido por um breve
estudo a respeito do ritmo e da sonoridade, tanto na literatura grega quanto em termos
gerais.
Abstract
This work is comprised of a translation, followed up by a commentary, of
twenty-three greek poems from the Classical and Archaic periods. The translation was
carried out with a view to recreate the rhythm and sound of the original texts, without,
however, allowing it to stray too far from the meaning, lest it would become a free
recreation. The main work is introduced by a brief study regarding rhythm and sound,
both in greek literature and in general terms.
Palavras-Chave: literatura, lírica, grega, tradução, poética.
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3
Agradecimentos
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
pelo auxílio concedido.
Ao Professor Doutor André Malta Campos, por três anos de guiamento, apoio e
sabedoria.
Ao Professor Doutor João Angelo Oliva Neto e ao Professor Doutor Flávio
Ribeiro de Oliveira pelos comentários e pelas correções propostas.
À minha família, por tudo que sou.
4
Sumário
Resumo..............................................................................................................................2
Agradecimentos.................................................................................................................3
Parte I
I Apresentação....................................................................................................6
II Sonoridade....................................................................................................12
III Ritmo...........................................................................................................21
IV Método de Tradução...................................................................................28
Parte II
Dístico Elegíaco...................................................................................................34
Tirteu Fr. 12......................................................................................................38
Arquíloco Fr. 3.................................................................................................44
Arquíloco Fr. 4.................................................................................................47
Arquíloco Fr. 5.................................................................................................50
Mimnermo Fr. 1...............................................................................................53
Mimnermo Fr. 2...............................................................................................56
Mimnermo Fr. 5...............................................................................................59
Mimnermo Fr. 12.............................................................................................62
Mimnermo Fr. 14.............................................................................................65
Sólon Fr. 5........................................................................................................68
Sólon Fr. 9 .......................................................................................................70
Sólon Fr. 16......................................................................................................73
Sólon Fr. 24......................................................................................................75
Teógnis Teognídea 271-8.................................................................................77
Tetrâmetro Trocaico............................................................................................79
Arquíloco Fr. 114..............................................................................................81
Arquíloco Fr. 122..............................................................................................84
Trímetro Jâmbico.................................................................................................86
Semônides Fr. 1................................................................................................88
Estrofe Sáfica.......................................................................................................92
Safo Ode a Afrodite..........................................................................................95
5
Safo Fr. 31.......................................................................................................100
Dímetro Jônico com Anáclase...........................................................................103
Anacreonte Fr. 356.........................................................................................105
Anacreonte Fr. 395.........................................................................................108
Glicônio e Ferecrácio.........................................................................................111
Anacreonte Fr. 358.........................................................................................113
Oitava Ode Pítica de Píndaro............................................................................116
Píndaro Ode Pítica VIII..................................................................................121
Bibliografia........................................................................................................133
6
I Apresentação
Este trabalho tem como objetivo estudar alguns aspectos rítmicos e sonoros da
poesia grega antiga, bem como a possibilidade de recriá-los ou compensá-los em uma
tradução poética e comentada.
Como corpus para este estudo, foram escolhidos vinte e três poemas de nove
diferentes poetas mélicos, elegíacos e jâmbicos dos períodos Arcaico e Clássico, aqui
agrupados livremente sob a alcunha de Lírica Grega.
1
A escolha desses textos se deu, sobretudo, de acordo com uma afinidade pessoal
com os poemas. Parece seguro dizer que é mais fácil e proveitoso traduzir um texto com
o qual nos identificamos e temos certa afinidade, por conta de termos ouvido alguma
mensagem em seu todo, do que um texto que não nos diz nada.
Isso é, no entanto, uma lâmina de dois gumes, uma vez que se corre o risco de
ignorar outras possibilidades do texto em prol de salientar aqueles elementos que
acreditamos reforçar a mensagem encontrada. No final das contas, porém, parece
melhor obter sucesso em traduzir uma ou duas possibilidades de sentido do texto,
fundamentadas pela recriação de elementos formais que as embasam, do que criar um
1
O termo rica Grega costuma gerar grandes discussões e muita discordância com respeito ao que
pertenceria e ao que não pertenceria em seu nero. Como explica Gentili (1951: 42), “Na cultura grega,
o termo 'lírica' designava, no sentido técnico, a poesia cantada com o acompanhamento musical da líra
(lýra) ou de outro instrumento de corda análogo (mágadis, kítharis, bárbitos, phórminx). Essa associação
é confirmada pelo cânone alexandrino de poetas líricos, que abarcava apenas a lírica monódica e a lírica
coral, excluindo a poesia jâmbica e a elegíaca, que era acompanhada pelo aulos. Ainda que, em
comparação com a terminologia clássica, não seja correta a tendência de agrupar sob a denominação de
'lírica' grega a poesia elegíaca e a jâmbica, ela não é, contudo, imprópria sob o perfil do conteúdo por sua
relação com a audiência.” Para a crítica moderna, porém, nas palavras de West (1993: vii), “'Poesia lírica
grega' é um termo convencional e abrangente que cobre, mais ou menos, toda a poesia grega secular até
350 a.C., com exceção da épica, da poesia didática, e outros versos compostos em hexâmetro, e do drama.
Não pode ser considerada um único nero. Ela é comumente dividida entre poesia mélica, elegíaca e
jâmbica.” Este trabalho não tem a intenção de discutir o assunto ou sugerir um uso diferente do termo.
Usa-se, tão-somente, a terminologia Lírica Grega pela facilidade de catalogar toda a poesia grega clássica
e arcaica à exceção da épica, da poesia didática e do drama, tal qual ressalvado por West.
7
todo desconexo, que tenta ser muitas coisas sem conseguir ser nada com grande efeito.
Une, então, o útil ao agradável aquele tradutor que traduz algo que lhe é caro.
Em geral, contudo, gostamos de muitos autores, e quando sentamos para limitar
o escopo da seleção de poemas, tivemos preferência por aqueles mais conhecidos e
procurados. Isso se deu simplesmente pelo interesse em aplicar um método de tradução
pouco utilizado na academia àqueles poemas com que temos alguma familiaridade,
de modo que o leitor mais erudito possa comparar com facilidade os resultados aqui
obtidos com os de outros tradutores. Fora isso, de acordo com o segundo objetivo deste
trabalho, o de servir de introdução a leigos, pareceu mais profícuo apresentar ao leitor
os poetas da Lírica Grega mais comumente citados e estudados.
Resumindo, então, o objeto deste trabalho se limita a uma quantidade humilde
de poemas e ritmos, não havendo, de maneira alguma, a intenção de esgotar o assunto
ou de apresentar soluções definitivas aos problemas que aborda. Pelo contrário, espera-
se apenas aclarar um pouco a questão e trazê-la para um plano de discussão mais ativo
na academia.
Quanto à organização das partes, neste primeiro bloco do trabalho, é tratada de
modo geral a maneira pela qual se estrutura e justifica o projeto, bem como a
metodologia adotada e alguns elementos importantes acerca da sonoridade e do ritmo,
os quais formam um embasamento teórico constantemente retomado na etapa seguinte.
A segunda parte do trabalho, sendo o momento principal do todo, estrutura-se,
primeiramente, de acordo com uma divisão métrica. Os poemas foram agrupados em
seções, de modo a formarem blocos de mesmo padrão rítmico. Essas seções são
organizadas a fim de apresentarem os poetas em uma ordenação tradicional. Abrindo
cada uma dessas partes, um breve estudo a respeito do metro e do ritmo empregado
nos poemas originais, bem como uma explicação de como eles foram trazidos para
nossa língua na tradução.
Na seqüência, logo após o texto original, encontra-se a tradução em Português
realizada para este trabalho. No texto traduzido de cada poema, podem-se ver marcadas
8
em negrito as sílabas tônicas ou subtônicas
2
que correspondem à cadência do ritmo que
se tentou recriar em Português. Essas marcações têm como finalidade auxiliar o leitor a
perceber o ritmo adotado e a realizar uma leitura de acordo com o andamento que se
buscou criar.
O terceiro e último item da apresentação individual de cada poema é o
comentário a respeito do poema original e de como se deu sua tradução. Ali, após uma
breve introdução a respeito do poema, destacam-se os elementos poéticos do texto
grego e a maneira pela qual eles foram, ou não, recriados ou compensados na tradução.
Entre outras características, deu-se importância à sonoridade, ao ritmo e à ordenação das
palavras ao longo do texto e dentro dos versos, bem como a relação que se cria entre
estes elementos e o sentido do poema.
Por vezes, também notas a respeito de alguma dificuldade encontrada durante
o processo de tradução, assim como as conseqüências geradas por essa dificuldade e que
podem, de uma forma ou de outra, ter sido positivas ou negativas, tendo em vista o
resultado final do trabalho.
Ademais, quando necessário, fez-se algum esclarecimento acerca de um
vocábulo ou outro que acabou tendo uma tradução um pouco mais distante da que se
consideraria literal.
Esse molde para o projeto foi escolhido tendo em vista duas finalidades distintas
e bem-estabelecidas: servir de introdução à poesia grega a leigos e apontar algumas
características do texto às quais nem sempre se atêm os especialistas.
A primeira dessas finalidades diz respeito à tradução, que se espera, pela
tentativa de recuperar um pouco da vivacidade do texto original, ser mais aprazível e
convidativa a um leitor que não tenha conhecimento de ngua grega o bastante para ler
os originais de forma prazerosa.
2
“(...) de intensidade média, ou seja, entre as tônicas e as átonas (...)” Sacconi (1998: 18).
9
Há, com efeito, uma ria dificuldade em ler a poesia da Grécia Antiga. Em
primeiro lugar, essa dificuldade se manifesta na distância temporal que nos separa da
realidade do povo que compôs esses poemas. Para os gregos antigos, a poesia não era
apreendida apenas como uma manifestação artística e apreciada, desta forma, tão-
somente pela qualidade melódica e estilística de seu conteúdo. Ela era, de fato, um
elemento intrínseco à vida cotidiana, permeando a maioria das atividades dos homens e
delas sendo parte indissociável, moldando-se, sempre, à circunstância em que era
performada.
3
A dificuldade de ler esses poemas, contudo, não se limita apenas a esse
problema contextual. A maior parte deles foi composta oralmente e idealizada para ser
ouvida, e não lida.
É preciso, também, citar a ausência de uma transcrição para o acompanhamento
musical que era comum para a maioria desses poemas, uma vez que mesmo aqueles que
não eram mais cantados, como a elegia, ainda assim possuíam um complemento vindo
da música.
4
Outros, além disso, também eram acompanhados de certa coreografia,
praticada por um grupo de dançarinos.
5
3
“A poesia grega foi um fenômeno profundamente diferente da poesia moderna no conteúdo, na forma e
no modo de comunicação. Tinha um caráter essencialmente pragmático, no sentido de uma estreita
correlação com a realidade social e política, e com concreta ação do individual na coletividade.” Gentili
(1951: 5).
“Homero revela-nos ainda outra raiz muito importante do canto, que, não devemos, contudo, considerar
como única: o canto que acompanha o trabalho. Quando deusas, como Calipso e Circe, cantam sentadas
ao tear, agem como mulheres mortais, e, no escudo de Aquiles, um menino acompanha o trabalho da
vindima com o canto de Lino. Os antigos conheciam cantos para quase todas as actividades desde a de
tirar água até à de cozer o pão. Um pequeno fragmento, uma cançãozinha lésbica para a moagem (Carm.
pop. nº 30 D), cuja antiguidade é testemunhada pela menção de Pítaco, dá-nos uma ideia de muitos cantos
desaparecidos.” Lesky (1995: 133).
4
“Havia também um músico chamado Sacadas de Argos, compositor de melodias e de dísticos elegíacos
postos em música; pois, na origem, os músicos que se dedicavam ao aulos cantavam dísticos elegíacos
postos em música, como o atesta o regulamento das Panatenéias relativo ao concurso musical.” Plutarque
(1900: 24-5).
5
“A dança como linguagem do corpo é a arte de mover o corpo humano em relação ao espaço (imagem)
e ao tempo (ritmo). Tinha, no mundo antigo, uma função ritual, lúdica e estética: ritual, porque não havia
uma cerimônia religiosa que não contemplasse uma execução de orquestra; lúdica, pelo prazer de quem a
10
Dessa forma, deve-se lembrar que ler a poesia grega é uma tarefa feita ainda
mais árdua por conta de tratar-se de um corpus permeado por canções cuja parte musical
nos é omissa.
Essas canções pertenciam a diferentes subgêneros, agrupados comumente sob a
alcunha de lírica e que tinham seu próprio padrão métrico, conteúdo, ocasião de
performance, tom e acompanhamento musical. Alguns eram acompanhados pela lira,
outros pelo aulos, e havia aqueles que eram apenas recitados ou cantados de forma
monótona e sem acompanhamento.
6
No decorrer dos séculos, contudo, praticamente todas as notações musicais
existentes, as quais não eram tão numerosas, foram perdidas. As que chegaram a nós
estão em fragmentos de difícil decodificação: entre outros problemas, o sistema usado
na época não dava conta de registrar notações que consideramos fundamentais, como
medidas de tempo, o que se pode explicar, provavelmente, pelo estabelecimento de
ritmos e de acompanhamentos padrões, os quais seriam de conhecimento popular, mas
que foram aos poucos sendo mudados ou esquecidos pelo povo.
7
Assim, da mesma maneira como não se pode apreciar totalmente uma canção
moderna se lhe tirarmos a melodia, certamente inúmeros elementos desses poemas
que eram salientados e embelezados pela música que os acompanhava, à qual nós não
temos acesso.
Um último resquício dessa música, no entanto, faz-se presente nos próprios
poemas, na forma de sua sonoridade e cadência rítmica.
8
Por esse motivo, estudar e
executava e de quem a observava; estética, pela forma que o corpo humano animado a cada vez assumia
em relação ao que estava sendo narrado, sem se considerar o outro aspecto, do exercício de ginástica, que
conferia ao corpo saúde, beleza e harmonia.” Gentili & Lomiento (2003: 77).
6
Burstein, Pomeroy, Donlan, Roberts (1999: 116).
7
Mulroy (1995: 9).
8
“(...) os poetas líricos e dramáticos da época clássica compunham a música ao mesmo tempo que as
palavras, e o cuidado extremo que eles conferiam à forma métrica prova que o ritmo do canto estava
intimamente ligado ao ritmo do metro.” Weil (1902: 139).
11
traduzir a poesia rica grega levando em consideração esses elementos parece ter uma
grande importância, a fim de auxiliar os leitores a experimentarem ritmos não usuais em
nossa língua e se aproximarem dessa melodia fugaz.
9
Por fim, na tarefa de produzir uma tradução que mimetizasse de alguma forma
essa poesia, foi preciso identificar quais os elementos poéticos de cada texto e a maneira
pela qual eles influenciam, acentuam ou transmutam o sentido imediato de cada
passagem. Espera-se que o pouco de luz que se pôde lançar nessas características sirva
de aparato de pesquisa a estudiosos que busquem se aprofundar mais no sentido desses
poemas.
9
“O ritmo é provavelmente o único traço de uma língua estrangeira que nós nunca poderemos aprender a
ouvir puramente. O ritmo e seu significado se encontram nas profundezas de nós mesmos. Eles são
absorvidos nos hábitos do corpo e nos usos da voz junto de nossos aprendizados mais básicos de nós
mesmos e do mundo. O ritmo forma a sensibilidade, torna-se parte da personalidade; e o senso de ritmo
de um indivíduo é modelado de uma vez por todas em sua língua materna.” Matthews (1966: 70).
12
II Sonoridade
“A grande literatura”, dizia Pound, “é simplesmente linguagem carregada de
sentido, no mais alto grau possível.”
10
O autor afirmava ainda que, para atingir esse grau
máximo de significação, um escritor recorre ao ritmo e ao som, a Melopéia, à criação de
imagens simbólicas, a Fanopéia, e ao uso inusitado e lúdico de palavras não pelo seu
significado imediato e primeiro, mas também pelas suas possíveis interpretações
baseadas nos mais diversos usos que pode receber, a Logopéia.
11
Pound cunhou essas três denominações a partir dos radicais gregos de œpoj”, a
“palavra falada”, de mšloj”, o “canto”, de fa…nw”, “fazer(-se) aparecer” e de
lÒgoj”, que pode tanto indicar, entre outras coisas, o “discurso”, quanto a “faculdade
de raciocinar” ou a própria “razão”. Logo, por Melopéia, pode-se entender a “palavra
cantada”; por Fanopéia, a “palavra imagética”; e por Logopéia, a “palavra
racionalizada”.
Um belíssimo exemplo de Melopéia, citado por Staiger
12
como modelar por seu
ritmo e plasticidade, mas que também é ímpar em termos de sonoridade, é o verso 149
do Canto I da Ilíada:
dein¾ d klagg¾ gšnet' ¢rguršoio bio‹o
13
Também se pode buscar em Homero um exemplo clássico de Fanopéia, os
versos 469-73 do Canto II da Ilíada:
ºäte mui£wn ¡din£wn œqnea poll¦
10
Pound (1976: 35).
11
Pound (1976: 37-8).
12
Staiger (1997: 97).
13
No original, é notável a seqüência de sons de /é/ em dein¾e klagg¾e a repetição do encontro
vocálico das palavras “¢rguršoio e “bio‹o”, além da homofonia em /e/, presente na maioria das
palavras do verso. Na tradução de Haroldo de Campos (2001: 33), “Horríssono clangor irrompe do arco
argênteo”, uma homofonia em /o/ que perpassa, com vivacidade, todas os vocábulos. As duas palavras
encadeadas e iniciadas por [ar] no final do verso recriam, por sua vez, o som aberto de /é/ do original.
13
a† te kat¦ staqmÕn poimn»on ºl£skousin
érV ™n e„arinÍ Óte te gl£goj ¥ggea deÚei,
tÒssoi ™pi Trèessi k£rh komÒwntej 'Acaio•
™n ped…J †stanto diarra‹sai memaîtej.
14
Por fim, um exemplo admirável de Logopéia pode ser visto no fragmento 6 de
Arquíloco, no qual o poeta propositalmente mistura o vocabulário comumente destinado
a relações amistosas com o universo da guerra:
15
xe…nia dusmenšsin lugr¦ carizÒmenoi
16
Essas três funções poéticas constituem, segundo Pound, as ferramentas básicas
de um poeta, no âmbito das quais se encerram todos os artifícios e efeitos passíveis de
serem empregados e criados em um poema. É por meio, pois, da incidência simultânea
dessas três funções poéticas que a grande poesia é criada.
Neste trabalho, vai-se privilegiar a Melopéia como critério mais freqüente a ser
examinado e recriado, ou compensado, na tradução aqui realizada. As outras funções
poéticas serão também trabalhadas, mas de forma secundária.
Sendo, pois, a Melopéia o principal foco de atenção deste trabalho, vejamos, de
maneira extremamente sucinta, alguns elementos de estilística referentes à sonoridade,
os quais foram, recorrentemente, identificados e, quando possível, recriados ou
compensados na tradução feita. Longe de se ter a intenção de produzir um manual
minimamente satisfatório neste assunto, tem-se aqui apenas o intuito de listar estes
14
Na tradução de Carlos Alberto Nunes (2001: 91):
“Do mesmo modo que enxames de moscas, de número infindo,
pelos currais dos pastores volteiam, sem pausa nenhuma,
na primavera, no tempo em que os jarros de leite transbordam:
tantos guerreiros Aquivos, de coma flutuante, se viam
pela planície dos teucros, sedentos de a todos vencerem.”
15
“O objecto visado pela consciência através das palavras permanece o mesmo em ambas as linguagens.
(...) O que muda não é o objecto, mas o sujeito, a sua estrutura de recepção, o tipo de consciência que
apercebe o discurso.” Cohen (1987: 155).
16
“Agraciando o inimigo com lúgubres presentes de hospitalidade”, numa tradução literal.
14
elementos para referência rápida ao leitor não familiarizado, ou cuja memória por
ventura vacile.
Assonância: repetição do mesmo som vocálico em diferentes sílabas, geralmente
tônicas. Exemplos:
Msa tde t mšleoj
(Fragmento 728 de Timocreão)
D»mhtroj ¡gnÁj ka• KÒrhj
t¾n pan»gurin sšbwn.
(Fragmento 322 de Arquíloco)
e‡ moi gšnoito parqšnoj kal» te ka• tšreina.
(Fragmento 119 de Hipônax)
Aliteração: repetição do mesmo som consonantal, geralmente no início de palavras.
Exemplos:
Prokle‹ Perse…daj t' ™k DiÕj ¢rcÒmenoi
p…nwmen, pa…zwmen: ‡tw di¦ nuktÕj ¢oid»
(Fragmento Elegíaco 27 de Íon de Quios)
pukin¦j pšmfigaj piÒmenoi
(Fragmento 312 de Íbico)
trw' ™mÕn ¢ntqeon Mel£mpoda
(Fragmento 228 de Estesícoro)
Homofonia: termo comumente empregado para identificar “(...) a assonância mais
fugidia, que apenas se pode chamar de homofonia, e que no entanto permite uma grande
eficácia poética.”
17
Exemplo:
17
Candido (2006: 64).
15
mšsJ ¥mati nÚkta ginomšnan
(Fragmento 271 de Estesícoro)
™n detšw ésper Lšsbioj PrÚlij.
(Fragmento 41 de Semônides)
Anáfora: repetição de uma mesma palavra ou grupo de palavras no início de versos ou
frases em seqüência. Exemplos:
oÙde tJ Knak£lw
oÙde tJ NursÚla.
(Fragmento 173 de Álcman)
qšlw lšgein 'Atre…daj,
qšlw d K£dmon °dein
(Texto 23 das Anacreônticas)
Poliptoto: repetição de um mesmo nome em casos diferentes, ou de um mesmo verbo
com terminações diferentes. Exemplos:
KleoboÚlou mn œgwg' ™ršw
KleoboÚlJ d' ™pima…nomai,
KleoboÚlon d dioskšw.
(Fragmento 359 de Anacreonte)
nàn d Leèfiloj mn ¥rcei, Lewf…lou d' ™pikrate‹n,
Lewf…lJ d p£nta ke‹tai, Leèfilon d' ¥koue.
(Fragmento 115 de Arquíloco)
Paronomásia: uso de palavras de som ou grafia semelhante, mas com sentidos
diferentes. Exemplos:
t´ d dr£kwn ™dÒkhse mole‹n k£ra bebrotwmšnoj ¥kron
(Fragmento 219 de Estesícoro)
16
ka• sÁma GÚgew ka• meg£stru st»lhn
ka• mnÁma Twtoj, Mut£lidi p£lmudoj
(Fragmento 42 de Hipônax)
Ao longo deste trabalho, portanto, será comum encontrar menções freqüentes ao
aspecto sonoro de uma palavra ou de um verso, bem como a maneira com que a
sonoridade desses fonemas, em conjunto, altera ou reforça o sentido de um ou mais
vocábulos. Por conta disso, aqui se encontra um breve resumo a esse respeito, com o
intuito de servir de referência rápida e também de fundamentação básica para as
recorrentes visitas a esse assunto.
Antes de mais nada, uma distinção muito importante que se deve fazer, como
ressalva Antonio Candido (2006: 50), com relação à Teoria de Grammont de que há
uma correspondência entre a sonoridade das palavras e o sentimento por elas expresso.
Essa distinção diz respeito ao fato de que um mesmo som pode servir para evocar
sentimentos opostos, como é o caso das vogais agudas que, segundo o autor, podem
servir tanto para exprimir dor e desespero quanto alegria (2006: 56).
Essa discrepância, aparentemente ilógica, se explica pelo fato de que os sons
podem ter seus valores alterados pelo contraste com outros sons, além da cadência e do
volume do fraseado em que se inserem. Como afirma Antonio Candido, (...) o efeito
total é freqüentemente devido à combinação de efeitos parciais, cujo acúmulo e
combinação definem o rumo geral da expressividade, sempre sob a orientação da
idéia.”
18
Desse modo, é bastante subjetivo e variável o valor que se pode dar a um som
isolado, uma vez que sua natureza, quando em meio a outros sons, é extremamente
volátil e instável. Isso é especialmente verdadeiro em relação às vogais, que podem
transmitir idéias não só variadas, como muitas vezes opostas.
19
18
Candido (2006: 57).
19
Antonio Candido (2006: 54) cita, entre outros, os seguintes exemplos de sons vocálicos semelhantes
inspirando sentimentos opostos:
“Tout m‟afflige et me nuit, et conspire à me nuire.” (Racine)
17
Por esse motivo, serão deixados de lado aqui os sons vocálicos, os quais, ao que
nos parece, merecem um estudo mais aprofundado,
20
dando-se preferência a
exemplificar os efeitos das consoantes, cuja influência nas palavras em um verso é mais
estável e passível de ser fundamentada.
As consoantes podem ser divididas, segundo Sacconi (1998: 19), de acordo com
quatro critérios distintos, dos quais três são de grande interesse para o presente estudo.
O último desses critérios, o do ponto de articulação dos fonemas, é de interesse
secundário, sendo mais útil como fator distintivo entre os membros de um mesmo
grupo de modo de articulação.
i) Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal:
Os únicos sons consonantais em Grego antigo que recebem nasalização são os
fonemas /m/ e /n/ quando precedem vogais, tal qual no exemplo a seguir (Fragmento 16
de Safo):
..]me nàn
21
'Anaktor…[aj Ñ]nšmnai-
s' ] pareo…saj
A característica principal dos sons nasais é a de expandir o volume dos sons.
Dir-se-ia que lhes conferem uma forma mais arredondada, se se permitir uma abstração
um tanto quanto paradoxal, porém eloqüente. Podem ser encontrados com facilidade em
versos de teor amoroso ou erótico, talvez por estarem inconscientemente associados ao
som proveniente de um fraco gemido. De outra forma, também podem enfatizar o tom
lânguido de um verso.
“Il est doux d‟écouter les soupirs, les bruit frais.” (Héredia)
20
A Introdução à Estilística (1989: 29-33) de Nilce Sant‟Anna Martins possui um estudo um pouco mais
pormenorizado do assunto.
21
Apesar de, neste caso, não haver uma vogal depois do último n em nàn”, este era provavelmente lido
em seqüência com a vogal da próxima palavra. Em casos separados, porém, o som deste último n o
seria nasalizado.
18
Por exceção, todos os demais sons do Grego são relegados a um mesmo grupo,
quando se toma esse fator de distinção como elemento classificatório, de modo que a
não-nasalização não tem por si só um caráter específico.
ii) Quanto ao papel das cordas vocais:
As consoantes podem ser surdas ou sonoras com relação à ausência ou à
presença de vibração nas cordas vocais por fechamento da glote durante sua pronúncia.
Os sons consonantais sonoros do Grego antigo são: /b/, /d/, /m/, /n/, /g/, /l/, /z/
(encontrado em geral como o [zd] proveniente de z). Os demais fonemas (/t/, /th/, /k/,
/kh/, /p/, /ph/, /r/ e /s/) são todos surdos.
Em geral, as consoantes surdas se prestam a uma sonoridade mais sóbria, ao
passo que as sonoras conferem maior vivacidade à passagem em que se encontram,
como se pode perceber nos exemplos abaixo (ambos do texto 28 das Anacreônticas):
FÚsij kšrata troij
lšousi c£sm' Ñdontwn
iii) Quanto ao modo de articulação:
Dividem-se, pelo modo de articulação, os sons consonantais, primeiramente,
entre oclusivos e constritivos.
São considerados oclusivos os fonemas cuja pronúncia envolve um fechamento
completo do fluxo de ar seguido de uma liberação repentina e marcante. Dentre eles, os
de caráter mais explosivo são as bilabiais /p/ e /b/, seguidas pelas velares /k/, /kh/ e /g/,
e, por fim, pelas linguodentais /t/, /th/ e /d/.
De maneira mais ou menos marcante, de acordo com a graduação apresentada
acima, esses sons, quando aliterados, fazem com que o ritmo de um verso se torne mais
pausado, por vezes agregando uma solenidade maior ao texto, mas também servindo
19
para, entre outros fins, acentuar o efeito de cólera ou de escárnio de uma passagem,
como se pode notar nos exemplos abaixo:
œti d tš]traton e‡ tij Ñr-
q¦ qeÕj] eŒlke D…kaj t£lan[ta,
DeinomšneÒj k' gera[…r]omen uƒÒn.
22
(Quarto Epinício de Baquílides)
Kh a me prosÁlqe fluar…a oÙk qšlonta:
qšlont£ me prosÁlqe Kh a fluar…a.
23
(Fragmento 10 de Timocreão)
De outro lado e tendo efeito geralmente oposto, encontram-se as consoantes
constritivas, cuja pronúncia se baseia na limitação da passagem do ar entre diferentes
pontos do aparelho fonológico. No Grego antigo, elas se restringem a /r/, /l/, /s/ e /z/.
Grosso modo, as consoantes constritivas têm o efeito de suavizar o verso,
harmonizando-se com as vogais em uma tonalidade diáfana, como no exemplo abaixo:
cal£ssomen d j qumobÒrw lÚaj
24
(Fragmento 70 de Alceu)
É interessante notar ainda a possibilidade, passível de ser vista no exemplo
apresentado acima, de oclusivas como /kh/ e /th/ se amenizarem, de modo a seu valor
aspirado sobressair-se a seu fator oclusivo.
22
“Uma quarta vez estaríamos honrando
O filho de Deinomenes se algum deus
Estivesse segurando a balança da Justiça.”
23
“Banalidades da Céia vieram a mim contra minha vontade;
Contra minha vontade vieram a mim banalidades da Céia.”
24
“Relaxemos da disputa que consome o coração”.
20
A líquida /r/, no entanto, quando sucede ou antecede diretamente uma consoante
oclusiva, tem em geral o efeito de intensificar o peso da consoante do outro tipo, por
conta de seu caráter vibrante, como no caso abaixo:
porfurÁ t' 'Afrod…th
(Fragmento 357 de Anacreonte)
21
III Ritmo
A primeira e mais notável distinção que se estabelece, do ponto de vista métrico,
entre o Grego antigo e as línguas românicas atuais diz respeito ao uso de um método
quantitativo de análise das sílabas poéticas. Em vez do modelo com que estamos
familiarizados e no qual se diferenciam as sílabas poéticas de um texto levando em
consideração seu grau de tonicidade, o Grego tinha como critério, para diferenciar as
sílabas poéticas de um verso entre si, o tempo que se levava para pronunciá-las, que
podia ser maior ou menor.
Essa característica da metrificação grega, naturalmente, reflete uma
particularidade da própria língua helênica antiga, uma vez que nela não havia uma
distinção entre sílabas tônicas e átonas, e sim entre sílabas longas e breves.
Faz parte do campo de estudo da Prosódia a análise da quantidade de sílabas em
um período, onde a duração quantitativa de uma sílaba breve se indica por um tempo ou
mora, e a de uma longa por dois tempos ou morae.
25
Estima-se, contudo, que a duração
de uma sílaba longa, comparada a de uma sílaba breve, estivesse na proporção de 5:3.
26
De forma simplificada, uma sílaba será, geralmente, longa quando possuir uma
vogal longa
27
ou um ditongo, ou quando houver duas consoantes em seqüência entre seu
final e o começo da próxima sílaba. inúmeras exceções e casos à parte que devem
ser estudados separadamente, mas, sabendo-se essas regras gerais, é possível escandir
versos em grego antigo sem muita dificuldade.
Em uma escansão ou em uma estruturação rítmica, emprega-se o símbolo
para identificar e representar as sílabas longas, e o símbolo ”, para as breves. Há,
ainda, um terceiro tipo importante de posição comumente assinalado na metrificação
grega, o qual se denomina anceps e se simboliza com um ”. Sua função é a de indicar
25
Gentili (1951: 5).
26
West (1987: 6).
27
As vogais “h” e “wsão longas por natureza.
22
que uma determinada posição do verso pode ser ocupada tanto por uma sílaba longa
quanto por uma sílaba breve.
Desta forma, sabendo diferenciar as sílabas longas das breves e como assinalá-
las, podemos escandir o verso de Tirteu abaixo:
oÜt' / ¨n / mnh / sa… / mhn / oÜt' / ™n / / gwi / ¥n / dra / ti / qe… / hn
Assim como aconteceu, acima, à sílaba gwi de ser lida como breve por
necessidades métricas, também pode ocorrer de uma sílaba breve ser lida como longa no
verso pela mesma razão.
28
Em nossa ngua, mesmo que se considerem válidas para metrificação as sílabas
subtônicas de uma palavra, elas muitas vezes não terão o efeito desejado dentro de um
verso, por serem, isoladamente, menos acentuadas do que as sílabas tônicas por
natureza. Em grego, contudo, por conta do uso do sistema quantitativo descrito acima,
uma mesma palavra podia ter mais de uma sílaba longa, como visto no exemplo
escandido, não havendo grandes distinções entre as sílabas de mesmo tipo dentro de um
verso ou mesmo dentro de uma única palavra. O resultado, como se pode esperar, é que
havia uma facilidade maior de empregar padrões métricos complexos, facilidade essa
que era expandida ainda mais pela possibilidade de ocorrência de dois fenômenos,
denominados respectivamente contração e resolução.
O primeiro pode ocorrer quando há, no esquema métrico, duas posições breves
antes de uma longa. Trocam-se, então, essas posições por uma longa. A resolução, por
sua vez, consiste na substituição de uma posição longa por duas breves, sendo que a
condição básica para sua ocorrência é a de que essa posição longa não seja a última de
seu tipo no período.
29
Tendo em mente que o metro do verso apresentado acima é fixo e
28
Ver West (1987) e Gentili (1951) para as ocasiões em que esse fenômeno pode ocorrer.
29
West (1987: 6).
23
que permite contração em todos os pés,
30
podemos voltar agora a seu exemplo de
escansão e identificar, com o símbolo ”, as sílabas longas que foram originadas a
parte da contração de duas sílabas breves subseqüentes e contraíveis, chamadas bíceps:
oÜt' / ¨n / mnh / sa… / mhn / oÜt' / ™n / / gwi / ¥n / dra / ti / qe… / hn
Tem-se, portanto, como unidade mínima, em metrificação grega, a mora, ou a
duração temporal de um fonema. Derivando disso, a próxima unidade com que se
trabalha, numa sucessão de grandezas, seriam as sílabas, que se constituem e se
diferenciam, entre longas e breves, de acordo com sua duração temporal. Em seguida,
entrando mais a fundo no território do ritmo, tem-se o pé, que nada mais é do que uma
combinação padrão de sílabas longas e breves.
Versos inteiros, ou mesmo poemas, podem ser constituídos simplesmente pela
justaposição de palavras cujas sílabas poéticas, em sucessão, criam uma torrente
ininterrupta de um determinado pé. O resultado disso, como se pode imaginar no
entanto, seria um ritmo por demais marcado e monótono. Por isso, quando lidando com
um tipo único de pé, algumas licenças, precisam ser tomadas, a fim de variar mesmo o
mais rígido dos metros, para que a beleza e a magia do ritmo não se transformem em
uma repetição mecânica e fria.
Talvez se possa supor que tenha sido da padronização das licenças tomadas, ou
não, quando empregando metros criados com um ou outro pé que tenha surgido o
metron, o qual, geralmente, se constitui de um ou dois pés justapostos, com ou sem
alguma variação interna que possibilite uma distinção pontual no andamento do verso.
Desta forma, um pé trocaico, que se cria pela seqüência de uma sílaba longa e de
uma breve, terá o seguinte metron:
30
À exceção do último, cuja segunda e última posição é na verdade um anceps, como se verá na seção
métrica dedicada ao Dístico Elegíaco, e do terceiro pé quando a cesura não se encontra logo depois de sua
sílaba longa inicial.
24
Em alguns casos, como aparece no hexâmetro dactílico, o metron equivale à
própria extensão do pé, de modo que esse verso se caracteriza, simplesmente, pela
justaposição de seis dáctilos. Essa aparente simplicidade, no entanto, é logo descartada
quando se tem em mente a possibilidade de contração das sílabas breves do dáctilos, a
existência de uma ou mais cesuras no verso em posições diferentes, além de outras
peculiaridades que serão analisadas um pouco mais detalhadamente no capítulo que diz
respeito a esse metro. Algumas características, por outro lado, podem ser vistas aqui,
por conta de serem mais gerais e dizerem respeito a toda sorte de metros.
Em primeiro lugar, cabe aqui um comentário a respeito da natureza geral do
ritmo criado pela métrica particular de um poema. Há, primordialmente, dois tipos
básicos de ritmo em poesia, os quais podem se misturar e variar para criar composições
mais complexas: o ritmo ascendente (jambo, anapesto, etc) e o ritmo descendente
(troqueu, dáctilo, etc).
Como se pode talvez antecipar, o ritmo ascendente tem uma facilidade maior
para criar uma atmosfera mais vívida e para indicar alegria, ao passo que o ritmo
descendente se associa com maior facilidade a temas de maior sobriedade e à
melancolia. Os poemas cujo conteúdo se harmoniza diretamente com o ritmo vão, em
geral, direto ao cerne do sentimento que exprimem e buscam potencializá-lo ao
máximo. Vejamos alguns exemplos:
Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
(Olavo Bilac, Hino à Bandeira)
Alvorada no morro, que beleza.
Ninguém chora, não tristeza.
Ninguém sente dissabor.
(Cartola, Alvorada)
Quanto mais desejo ver-vos,
25
Menos vos vejo, Senhora.
(Camões, Ana quisestes que fosses)
Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night
(William Blake, The Tyger)
Por outro lado, quando o ritmo adotado em um poema é contrário ao sentimento
expresso nele, resulta-se um estranhamento que pode indicar, reforçar ou prenunciar a
dualidade ou ambigüidade do tema enunciado. Exemplos:
É um contentamento descontente.
(Camões, Soneto 11)
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mão?
(Álvares de Azevedo, Meu Sonho)
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
(Manuel Bandeira, Belo Belo)
Quando passas, tão bonita
Nessa rua banhada de sol
Minha alma segue aflita
E eu me esqueço até do futebol.
(Tom Jobim, Falando de Amor)
Em segundo lugar, é interessante fazer um breve esclarecimento a respeito da
natureza da cesura. Esse artifício nada mais é do que uma convenção, estabelecida com
fins rítmicos, de fazer com que certa posição num verso coincida com o final de uma
palavra, de modo a criar uma pausa no andamento do texto e a dividir o verso em
hemistíquios. A observação de Emil Staiger a respeito da cesura no hexâmetro dactílico
26
parece ser muito esclarecedora de sua importância rítmica: “Como uma pequena barra a
cesura parece suster o verso, para que uma torrente ininterrupta de dáctilos não o leve
consigo.”
31
Além da cesura, uma última característica que deve ser assinalada é a
semelhança entre um fenômeno da metrificação em língua portuguesa que pode ser
notado, com alguma variação, também em Grego. Quando contamos as sílabas poéticas
de um verso, geralmente, ignoram-se todas as sílabas átonas que seguem após a última
sílaba tônica. Na metrificação grega, as posições breves após a última posição longa não
precisam, na maioria dos metros, ser preenchidas. Disso, decorre um verso ser
catalético, quando tem labas a menos do que o esperado, ou acatalético, quando todas
suas posições são devidamente ocupadas. Há, ainda, a ocorrência de versos
hipercataléticos, ou seja, com uma ou mais sílabas poéticas do que o esperado.
Por fim, segue uma relação dos símbolos empregados, neste trabalho, para a
marcação métrica e rítmica:
Sílaba longa
Sílaba breve
Sílaba geralmente longa
Sílaba geralmente breve
Anceps
Base eólia
Bíceps contraível
Bíceps contraído
Longa Resolvível
Longa Resolvida
Jambo
Troqueu
Periambo
Espondeu
31
Staiger (1997: 96).
27
Dáctilo
Anapesto
Ocorrência de cesura
Geralmente há cesura
Maior/menor probabilidade de cesura /
Fim de período
Fim de estrofe
28
IV Método de Tradução
O sistema proposto por Pound e mencionado no tópico anterior é plenamente
capaz de auxiliar-nos a delimitar o âmbito de nossa tradução poética e um método com
que nos guiarmos e que estabeleça os elementos aos quais o trabalho de tradução
atentará.
32
Aplicando-o a nosso intento, nada mais certo seria do que dizer que o
objetivo da tradução que se fará é o de criar uma “experiência comparável”
33
ao
original, na qual estejam presentes as três funções poéticas assinaladas por Pound na
medida em que apareçam no texto a ser traduzido sob a forma da musicalidade, do
conteúdo imagético e do sentido.
A perfeição teórica desse sistema, no entanto, inviabiliza seu uso sem que se
façam algumas considerações mais aprofundadas, partindo do princípio pragmático de
que quase nunca será possível traduzir todos os elementos poéticos de um texto. Em
primeiro lugar, portanto, é preciso definir o que é o objeto da tradução, para escolher
quais de suas características são fundamentais na sustentação de sua existência e de seu
status enquanto poesia.
Seria demasiadamente ambicioso e até mesmo tolo acreditar que se poderia
resgatar incólume a intenção original do poeta e, a partir daí, basear o foco do trabalho
de tradução. é bastante difícil adivinhar além de ser um esforço mais do âmbito do
vaticínio do que da teoria literária a intenção dos poetas mais próximos de nós tanto
no aspecto temporal quanto espacial. Quem dirá daqueles que viveram há quase três mil
anos atrás em uma realidade completamente adversa à nossa?
32
“Decidir traduzir um poema é, no início, uma questão de perceber ao quê o tradutor espera ser fiel.”
Matthews (1966: 67).
“Traduzir significa sempre „cortar‟ algumas das conseqüências que o termo original implicava. Nesse
sentido, ao traduzir não se diz nunca a mesma coisa. A interpretação que precede cada tradução deve
estabelecer quantas e quais das possíveis conseqüências ilativas que o termo sugere podemos cortar. Sem
nunca estarmos completamente seguros de que não perdemos uma reverberação ultravioleta, uma alusão
infravermelha.” Eco (2007: 107).
33
“Não uma representação, em qualquer sentido formal, mas uma experiência comparável.” Fitts (1966:
34).
29
De uma forma ou de outra, no entanto, é preciso definir o que é aquilo que se irá
traduzir, a fim de criar um caminho para fazê-lo. Devemos, então, ater-nos aos
elementos que nos são perceptíveis, como aqueles pertencentes às três esferas tratadas
anteriormente, e à imagem sensível que o conjunto desses elementos cria e suscita em
nossas psiques ao lermos o poema.
A tradução é um ato de interpretação e a interpretação feita por meio de uma
tradução poética deve ser um ato de poesia.
34
Na impossibilidade mencionada
anteriormente de verificar o que se passava na mente do poeta no momento de
composição da obra, resta-nos estudar aquilo que povoa nossas mentes ao ler seu
trabalho. Dentre todas as imagens possíveis criadas pelo poema, sempre uma central
e primeira, que se estabelece pela união imediata do plano do sentido com o plano da
musicalidade, e partir da qual as demais impressões se originam.
Nessa imagem primeira, que se confunde muitas vezes com a interpretação dita
mais superficial ou banal, é que esse trabalho tentará focar-se, na esperança de que, ao
aproximar-se da imagem central do poema e ao recriar seus elementos poéticos
principais,
35
não elimine muitos dos caminhos existentes no original para as demais.
Uma vez definido o que é o objeto de nossa preocupação, passemos agora para a
maneira pela qual se tratou esse objeto na tarefa de resgatar algo de sua essência durante
o processo de tradução.
Em primeiro lugar, quando havia a necessidade de escolher entre manter um
efeito poético e fazer uma correspondência um pouco mais acertada na tradução, foi
preferível empregar vocábulos menos literais e tentar salvar a poeticidade do texto.
Como exemplo disso, vejamos esse verso do Fragmento 1 de Mimnermo e sua
tradução, tal qual aparece neste trabalho:
34
“Ele precisa ser tanto um poeta quanto um intérprete. De forma mais direta, sua interpretação precisa
ser um ato de poesia.” Fitts (1966: 34).
35
“O tradutor precisa inventor efeitos formais em sua própria lingua que dêem uma impressão semelhante
àquela produzida pelos efeitos do original. Isso é trabalhar por analogia.” Matthews (1966: 67).
30
¢ll' ™cqrÕj mn pais…n, ¢t…mastoj d gunaix…n·
É odioso aos jovens e infame aos olhos das moças.
O texto original possuía uma bela assonância entre “pais…n” e gunaix…n”,
criando uma rima interna ao final de cada hemistíquio do verso. Na impossibilidade de
criar um efeito mais parecido, tentou-se compensá-lo com assonâncias em /ô/ e /ó/,
traduzindo gunaix…n”, que literalmente seria às moças”, pela metonímia “aos olhos
das moças”.
No caso acima, trabalhou-se, em parte, por recriação, pela similaridade entre a
natureza dos dois efeitos, e, em parte também, por compensação, visto que os efeitos
têm, certamente, uma discrepância entre si, não havendo uma correspondência mais
acurada. Neste trabalho, essas foram as duas formas principais de reproduzir a
poeticidade do texto original no texto traduzido. Elas variam livremente, de acordo com
a necessidade encontrada em cada caso específico.
Em segundo lugar e como mencionado anteriormente, nos momentos em que foi
preciso escolher entre traduzir um efeito ou outro, foi dada prioridade a traduzir os
efeitos poéticos do texto que contribuíam mais ativamente para, de alguma forma,
modificar ou acentuar as possibilidades de significância do poema.
36
Um exemplo disso pode ser visto na maneira pela qual se traduziu o primeiro
verso do Fragmento 5 de Arquíloco:
¢sp…di mn Sawn tij ¢g£lletai, ¿n par¦ q£mnJ,
Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto à moita,
36
“Não há eufonia ou cacofonia em si, a não ser em função do conteúdo semântico. Mais precisamente, a
harmonia só é experimentada sob os auspícios da expressividade, e a expressividade é ajustada ao
sentido.” Dufrenne (1969: 77).
31
No caso apresentado acima, o vocábulo ¢sp…diencontrava-se em posição de
destaque no início do verso inicial do poema. As únicas maneiras de traduzir esse efeito
envolveriam quebrar a lógica de apresentação do poema, fazendo com que o eu-lírico se
reportasse ao escudo na segunda pessoa do singular, por exemplo. Isso adulteraria o
formato escolhido pelo poeta para expor as idéias do poema e, certamente, representaria
uma quebra muito grande com a forma do poema original. Por conta disso, foi
necessário deixar de lado esse efeito poético e não recriá-lo.
Uma outra característica a que se atentou foi a de buscar ao máximo respeitar a
integridade dos versos, especialmente quando se tratar de casos em que essa integridade
é relevante ao sentido. Ou seja, sempre que possível e relevante, tentou-se traduzir as
palavras sem mudá-las de um verso para o outro.
Como exemplo disso, vejamos o seguinte verso do Fragmento 1 de Mimnermo e
sua respectiva tradução:
t…j d b…oj, t… d terpnÕn ¥ter crusÁj 'Afrod…thj;
Que existência e prazeres, na ausência da áurea Afrodite?
No caso em questão, o verso hexamétrico possuía uma unidade coesa e perfeita
no texto grego, formando um todo por si só. Quebrá-lo em mais ou menos de um verso,
seria, certamente, um rompimento severo na relação da tradução com o objeto
traduzido. Ademais, seria perdida a beleza do hexâmetro perfeitamente concebido e
autônomo, tal qual figura no original.
Da mesma forma, a tradução foi feita em um padrão métrico que se assemelhe
em algo com o do original, seja pela extensão ou pela cadência. Essas são normas auto-
impostas para evitar que o trabalho fuja do âmbito da tradução para aquele da recriação
livre.
37
37
“O método de verso-a-verso e a base métrica original ajudam também a impedir a tradução de vagar
rumo à variação livre, a qual deve ser feita por deliberação própria e não por deslize. Aqui é onde começo
e onde devo agora terminar.” Lattimore (1966: 56).
32
Retomando o exemplo anterior, podemos observar abaixo a tentativa de criar o
ritmo do hexâmetro, fazendo uma correspondência entre as sílabas longas do Grego e as
tônicas do Português:
t…j / d / b… / oj, / t… / d / terp / nÕn ¥ / ter / cru / sÁj / 'A / fro / d… / thj;
Que / e / xis / tên / cia e / pra / ze / res, / na au / sên / cia / da / áu / rea A / fro / di / te?
Após a cesura, o segundo hemistíquio é um tanto quanto diferente, pela opção de
não empregar espondeus na tradução. O padrão empregado para esses hexâmetros é o
mesmo que Carlos Alberto Nunes utilizou em suas traduções da Ilíada e da Odisséia.
A possibilidade de correspondência entre as sílabas longas de línguas clássicas,
como o Latim e o Grego, e as sílabas tônicas de línguas modernas, como o Português e
o Inglês, não é de modo algum uma inovação. Com efeito, o próprio fato de serem
empregados os mesmos, ou semelhantes, termos para designar e nomear os diferentes
tipos de pés e metros nesses dois modos diferentes de apreensão do ritmo certamente
nos serve de evidência de que eles possuem alguma similaridade entre si. Essa
semelhança se no campo rítmico, uma vez que cada sistema, independente da forma
empregada para marcar a cadência da fala, produz um ritmo baseado na repetição
regular de sua característica marcante e distintiva.
38
A partir disso, a possibilidade ou impossibilidade de recriar um ritmo de outra
língua, alheio ao cânone de ritmos provados possíveis ao longo dos séculos em nossa
língua, depende tão-somente de haver palavras que possam ser combinadas de modo a
38
“A noção de repetição regular é central para nosso entendimento de ritmo. Qualquer fenômeno que
exiba periodicidade pode ser chamado de rítmico, independentemente de qualquer evidência dessa
periodicidade ser acessível à nossa percepção.” Hasty (1997: 4).
33
mimetizar a nova cadência por meio das características distintivas de ritmo existentes na
língua de chegada.
39
No caso da tradução, no entanto, muitas vezes uma dificuldade extra
dependendo do grau de compromisso que o tradutor tenha estabelecido a priori com a
forma e o conteúdo do texto original. Assim, por mais que haja palavras em Português
que, justapostas em uma frase, produzam um ritmo mais complicado, esse ritmo talvez
se mostre impossível de ser alcançado durante um trabalho de tradução que não queira
entrar no âmbito da recriação livre.
Neste trabalho, houve alguns casos que se enquadram no cenário descrito acima.
Mesmo assim, buscou-se um padrão métrico mais ou menos parecido, seja pela
extensão puramente dita, com um número semelhante de sílabas poéticas, ou pela
cadência dos versos, buscando recriar quando possível o padrão pelo qual se repetiam as
sílabas marcantes do texto original. Esse último caso é onde se enquadra o método
empregado para criar um padrão métrico com que traduzir a poesia de Píndaro, tal qual
se descreve no capítulo que lhe diz respeito.
Por fim, foi preferível, de forma geral, traduzir epítetos e outros termos
compostos do Grego por perífrases, para evitar que se causasse um estranhamento no
leitor ao ver um número muito grande de termos cunhados a partir do Grego. Em alguns
casos, no entanto, quando parecia interessante ao ritmo ou à sonoridade, por exemplo,
foram empregados epítetos compostos, como “dedirrósea”, para designar a Aurora.
39
“Toda língua tem suas próprias formas, existentes e possíveis: aquelas que os poetas encontraram e
usaram, e aquelas ainda a serem descobertas. As formas vêm dos sons, ritmos, significados, e de todas as
relações que os poetas conseguem descobrir entre essas e trazer para a existência perceptível. É o trabalho
dos poetas encontrar as combinações, e isso signifca inventá-las.” Matthews (1966: 68).
34
Dístico Elegíaco
Segundo West, “Por elegia, denota-se uma tradição poética, em metro elegíaco,
na qual o poeta discursa por meio de sua própria pessoa, geralmente dirigido a um
interlocutor específico e no contexto de uma ocasião particular de interação.”
40
A elegia
se prestava, em geral, a uma meditação do poeta a respeito de um determinado assunto,
o qual era de interesse do público por fazer parte das questões caras ao pensamento da
época. Para esse fim, o ritmo dactílico empregado era extremamente eficaz, criando um
andamento sereno e quase marcial.
41
De acordo com Dihle, no entanto, o termo “elegia” não é de origem grega, sendo
que, até o período clássico, palavras que lhe eram etimologicamente relacionadas ainda
pertenciam ao vocabulário do lamento fúnebre, œlegoj”. Por conta disso, imagina-se
que, talvez, a elegia tenha tido como ocasião de performance e objeto de composição
inicial o lamento fúnebre. Essa teoria se mostra possível pela existência de um
fragmento como o de número 13 de Arquíloco, em que o poeta lamenta a morte de
homens em um naufrágio.
42
Quanto à sua estrutura formal, o dístico elegíaco é constituído pela seqüência de
um verso composto em hexâmetro dactílico e outro verso criado a partir de dois
hemistíquios deste mesmo metro justapostos, os quais muitas vezes são chamados, sem
grande precisão, de pentâmetro apenas por conveniência e praticidade.
O hexâmetro dactílico, como o próprio nome indica, estrutura-se por meio de
seis pés de dáctilos, podendo haver contração nos cinco primeiros pés, cujo último é
necessariamente catalético, ou seja, termina incompleto, com um troqueu ou com um
espondeu.
O hexâmetro é o metro com o qual se compuseram os poemas da épica grega.
Por conta disso, os poemas mais antigos que também o empregam, seja em sua
40
Traduzido de West (1974: 2).
41
“Os ritmos do gênero constante, dáctilos e anapestos, dão ao ouvido e ao espírito um sentimento de um
equilíbrio particularmente agradável: neles, o andamento era regular e harmonioso.” Croiset (1890: 2 ).
42
Dihle (1994: 33).
35
totalidade ou parcialmente, à maneira do dístico elegíaco, acabam por emprestar as
fórmulas da épica em sua composição. Esse fato é facilmente observável, por exemplo,
em alguns poemas de Arquíloco e Tirteu.
Abaixo, podem-se examinar as duas estruturas mais comuns do hexâmetro
dactílico grego:
Como um exemplo ilustrativo dessa estrutura métrica, vejamos a seguir a
escansão de um verso inicial de um poema de Sólon (Fr. 9):
œk / ne / / lhj / / le / tai ci / Ò / noj / / noj / º / d / ca / / zhj,
sempre uma cesura necessária no hexâmetro dactílico grego, a qual se
estabelece após a primeira sílaba do terceiro pé, como no exemplo acima, ou após a
segunda, como é mais comum, na proporção 4:3.
43
Optou-se por traduzir esse primeiro
verso do dístico elegíaco na forma de um hexâmetro dactílico sem cesura mandatória,
como o empregado, também em língua portuguesa, por Carlos Alberto Nunes em suas
traduções da Ilíada e da Odisséia. Em alguns casos, poderá estar presente a cesura, mas
preferiu-se optar por uma maior flexibilidade, não adotando a cesura obrigatória. Pelo
mesmo motivo, o último verso dos hexâmetros, na tradução, nem sempre será catalético.
Deixando, por enquanto, o hexâmetro de lado, observemos agora a estrutura
padrão de seu pentâmetro:
43
West (1987: 19).
36
Como se pode ver, o primeiro hemistíquio do pentâmetro do dístico elegíaco
possui uma estrutura idêntica à do hexâmetro. Contudo, o segundo hemistíquio tem uma
conformação mais rígida, não permitindo a contração de nenhum bíceps.
Continuando no verso seguinte do mesmo poema de Sólon, vejamos a escansão
de um pentâmetro, onde se podem perceber, nos dois primeiros pés, exemplos de
contração:
bron / / d' ™k / lam / prÁj g…g / ne / tai / ¢s / te / ro / pÁj:
Como dito anteriormente, os hexâmetros do dístico elegíaco serão traduzidos por
hexâmetros dactílicos em nossa língua, ou seja, versos de dezesseis sílabas com acentos
na primeira, quarta, sétima, décima, décima terceira e décima sexta sílaba, sem cesura
obrigatória. Para a tradução dos pentâmetros, serão usados dois hemistíquios de
hexâmetro do mesmo tipo, os quais terão, necessariamente, uma cesura. Como
resultado, será criado um verso de quatorze sílabas com acentos na primeira, quarta,
sétima, oitava, décima primeira e décima quarta sílaba. A seguir, para exemplificar, há a
tradução desse dístico inicial do poema de Sólon:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
Par / te / das / nu /vens / o / vi / ço / da / ne / ve e / da / chu /va / de / pe / dras.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Bra / me o / tro / vão / de um / lam / pe jo ir / ra / di / an / te / sur / gi / do.
Pode-se ver a cesura cortando o segundo verso no final do vocábulo “lampejo”,
de modo que o segundo hemistíquio de tal verso foi, necessariamente, iniciado por uma
vogal acentuada. Dessa forma, criou-se uma cesura induzida pela utilização da sinalefa
entre “lampejo” e “irradiante”. A leitura dessa passagem deveria se dar, mais ou menos,
da seguinte maneira: “Brame o trovão de um lampej-irradiante surgido”, sem uma pausa
maior do que a normal entre “lampejo” e “irradiante”. Assim, ainda que a cesura não se
localize no final da palavra escrita, ela se estabelece no fim da imagem sonora do
vocábulo final do primeiro hemistíquio.
37
Na tradução dos pentâmetros do dístico elegíaco, serão utilizadas apenas cesuras
naturais, aquelas em que o vocábulo que corta o verso é oxítono, ou cesuras induzidas,
como a do exemplo anterior, sendo os dois tipos de cesura comumente aceitos em nossa
língua.
44
44
“No alexandrino clássico, por exemplo, deve o primeiro hemistíquio terminar em sílaba forte, e o
segundo hemistíquio até a 12ª do verso conter o mesmo número de sílabas que o primeiro. Logo, se vier
no centro vocábulo paroxítono finalizado em vogal em face de vogal inicial de palavra imediata, a cesura
cortará tal vocábulo, deixando de uma parte a sílaba acentuada, e de outra a restante inacentuada, ligando-
se esta a vocábulo do segundo hemistíquio.” Ali (2006: 43).
38
Tirteu Fr. 12
oÜt' ¨n mnhsa…mhn oÜt' ™n lÒgwi ¥ndra tiqe…hn
oÜte podîn ¢retÁj oÜte palaimosÚnhj,
oÙd' e„ Kuklèpwn mn œcoi mšgeqÒj te b…hn te,
nikèih d qšwn Qrhkion Boršhn,
5 oÙd' e„ Tiqwno‹o fu¾n carišsteroj e‡h,
plouto…h d M…dew ka• KinÚrew m£lion,
oÙd' e„ Tantal…dew Pšlopoj basileÚteroj e‡h,
glîssan d' 'Adr»stou meilicÒghrun œcoi,
oÙd' e„ p©san œcoi dÒxan pl¾n qoÚridoj ¢lkÁj·
10 oÙ g¦r ¢n¾r ¢gaqÕj g…netai ™n polšmwi
e„ m¾ tetla…h mn Ðrîn fÒnon aƒmatÒenta,
ka• dh…wn Ñršgoit' ™ggÚqen ƒst£menoj.
¼d' ¢ret», tÒd' ¥eqlon ™n ¢nqrèpoisin ¥riston
k£llistÒn te fšrein g…netai ¢ndr• nšwi.
15 xunÕn d' ™sqlÕn toàto pÒlh te pant… te d»mwi,
Óstij ¢n¾r diab¦j ™n prom£coisi mšnhi
nwlemšwj, a„scrÁj d fugÁj ™p• p£gcu l£qhtai,
yuc¾n ka• qumÕn tl»mona parqšmenoj,
qarsÚnhi d' œpesin tÕn plhs…on ¥ndra parestèj·
20 oátoj ¢n¾r ¢gaqÕj g…netai ™n polšmwi.
aya d dusmenšwn ¢ndrîn œtreye f£laggaj
trhce…aj· spoudÁi d' œsceqe kàma m£chj,
aÙtÕj d' ™n prom£coisi pesën f…lon êlese qumÒn,
¥stu te ka• laoÝj ka• patšr' eÙklesaj,
25 poll¦ di¦ stšrnoio ka• ¢sp…doj Ñmfalošsshj
ka• di¦ qèrhkoj prÒsqen ™lhl£menoj.
tÕn d' ÑlofÚrontai mn Ðmîj nšoi ºd gšrontej,
¢rgalšwi d pÒqwi p©sa kškhde pÒlij,
ka• tÚmboj ka• pa‹dej ™n ¢nqrèpoij ¢r…shmoi
30 ka• pa…dwn pa‹dej ka• gšnoj ™xop…sw·
oÙdš pote klšoj ™sqlÕn ¢pÒllutai oÙd' Ônom' aÙtoà,
¢ll' ØpÕ gÁj per ™ën g…netai ¢q£natoj,
Óntin' ¢risteÚonta mšnont£ te marn£menÒn te
gÁj pšri ka• pa…dwn qoàroj ”Arhj Ñlšshi.
35 e„ d ghi mn kÁra tanhlegšoj qan£toio,
39
nik»saj d' a„cmÁj ¢glaÕn eâcoj ›lhi,
p£ntej min timîsin, Ðmîj nšoi ºd palaio…,
poll¦ d terpn¦ paqën œrcetai e„j 'Adhn,
ghr£skwn d' ¢sto‹si metapršpei, oÙdš tij aÙtÕn
40 bl£ptein oÜt' a„doàj oÜte d…khj ™qšlei,
p£ntej d' ™n qèkoisin Ðmîj nšoi o† te kat' aÙtÕn
e‡kous' ™k cèrhj o† te palaiÒteroi.
taÚthj nàn tij ¢n¾r ¢retÁj e„j ¥kron ƒkšsqai
peir£sqw qumîi m¾ meqie•j polšmou.
Não lembraria, ne‟em verso, um homem jamais eu poria
Pelo valor de seus pés, ou de sua luta através,
Nem se ciclópicas fossem a sua grandeza e força,
Nem se correndo ele a reas, o trácio, vencesse,
5 Nem se ele mais do que tono fosse na forma apravel,
Nem se ele fosse bem mais rico que Midas, Ciniras,
Nem se ele fosse mais gio do que o Tanlida lops,
Nem se tivesse uma voz, mais que de Adrasto, meflua,
Nem se afamado por tudo à exceção de rompente vigor,
10 Pois nenhum homem se faz de algum valor numa guerra
Se não puder suportar a visão da matança sangrenta
E não puder lacerar, firme e de perto, o inimigo.
Tal é a excelência e tal é o prêmio, entre jovens, melhor,
E um mais belo não , para um jovem ganhar.
15 E é bem comum para todos e para a nação e o povo
Sempre que firme mantém-se entre os primeiros um homem
Sem cessar nunca, de todo esquecido da fuga execrável,
Pondo o ânimo audaz e sua alma ao risco
E encorajando o homem ao lado com suas palavras;
20 Esse é o herói que se faz de algum valor numa guerra.
bito força à fuga de homens hostis a falange
Bruta, e com zelo contém ele a onda da luta.
Entre os primeiros tombado, perdeu ele a vida querida,
Mas dando glória à nação e a seu povo e ao pai.
25 Muita vez pelo escudo seu, umbilicado, e peito
40
E da couraça através foi perfurado de frente.
Jovens e velhos lamentam-no ambos de forma semelha
E se aflige a nação toda co‟a perda sentida.
E sua tumba e seus filhos, insignes entre os homens,
30 E as gerações a seguir, vindas dos filhos dos filhos;
Nunca irão perecer sua fama viril e seu nome,
E ele se torna imortal, inda que embaixo da terra,
Ele que, ao se fazer excelente enquanto lutava,
Pela terra e os filhos seus, morto é por Ares furioso.
35 E, se ele escapa o fado da morte que espreita de longe,
Toma da sua lança então glória ilustre ao vencer,
Todos o honram, de forma semelha, os jovens e os velhos.
Muito agrado ele tem antes de ir-se ao Hades.
Velho, distingue-se entre os concidadãos e ninguém
40 Quer em sua honra o ferir, nem cometer-lhe injustiça.
Todos lhe cedem lugar, igualmente, os jovens e aqueles
De sua idade e também os que lhe são anciãos.
Dessa virtude agora chegar ao extremo um homem
Tente, em seu peito jamais renunciando à guerra.
O fragmento 12 de Tirteu se apresenta como uma elegia a respeito da virtude da
guerra. Nele, o eu-lírico discursa acerca da natureza do homem que, a seu ver, é
valoroso num contexto de combate.
O poema pode ser dividido em três partes que, aliás, têm uma estrutura tão bem
definida que poderiam ser lidos como textos independentes. A primeira dessas divisões
marca o poema de seu início até o final do nono verso. Em seguida, pode-se desenhar
uma linha, que separa a segunda parte da final, entre o vigésimo e o vigésimo primeiro
verso. Essas partes têm, além de uma estrutura própria, também um tema específico
tratado em cada uma delas, a saber: i) as características que não têm valor numa guerra;
ii) as características e ações que fazem um homem ter valor numa guerra; iii) aquilo que
advém a um homem de valor numa guerra e à sua estirpe ao rmino do confronto,
esteja ele vivo ou morto. Depois de discorrer a respeito desses temas e de afirmar o
41
modelo ideal de um homem valoroso, além dos benefícios de que ele goza, o poeta
termina a elegia com uma exortação para que se tente alcançar essa virtude, não
renunciando à guerra.
Nos primeiros versos do poema, o poeta começa a delinear o perfil do homem
que, a seu ver, merece ser lembrado e cantado em verso. A priori, ele se limita a afirmar
a imagem de seu ideal heróico pela eliminação sucessiva de características que não lhe
parecem importantes para um homem valoroso na guerra. Durante oito versos, ele se
ocupa dessa longa tarefa. A fim de manter uma estrutura a que os ouvintes/leitores
pudessem se ater e, assim, evitar que o grande volume de propriedades elencadas
lentamente quebrasse qualquer estruturação lógica e a própria capacidade de
argumentação do poema, Tirteu fez com que, dos primeiros dez versos do poema, sete
fossem principados pela negação ”. Dessa forma, a extensa anáfora criada entre os
hexâmetros garante uma unidade ao que, de outro modo, seriam apenas características
diversas e soltas ao longo dos dísticos. Na tradução, recriou-se esse efeito pela repetição
da negação “nem”.
No décimo e no vigésimo verso do poema, ocorre um espelhamento quase
completo das palavras que compõem essas passagens. Esse recurso não enfatiza a
idéia que se está tentando defender, mas também cria uma estrutura anelar nesse trecho
do poema. De fato, uma unidade muito bem estabelecida que pode ser destacada do
restante do texto e observada por si só. O décimo verso, dessa forma, introduz a
asserção a respeito do homem que o eu-lírico considera de valor na guerra e que vai ser
trabalhada em detalhes até o vigésimo verso, no qual ela é retomada e reafirmada,
fechando assim a estrutura anelar. Na tradução, tentou-se, por esse motivo, manter uma
simetria entre o décimo e o vigésimo verso do poema, ainda que não seja tão intensa
quanto a do poema original.
Quanto aos efeitos sutis do poema, no segundo verso, pode-se observar uma
rima interna ao final de cada um dos hemistíquios do verso, com os vocábulos “¢retÁj
e palaimosÚnhj”. Esse efeito foi recriado na tradução de maneira semelhante, com
uma rima entre “pés” e “através”.
42
Outro efeito digno de nota é a repetição da oclusiva /k/, tanto em sua forma
normal quanto aspirada, no verso de número vinte e dois, como se pode verificar nas
palavras trhce…aj”, œsceqe”, kàma e m£chj. Em Português, na tradução,
procurou-se compensar esse efeito com uma seqüência das linguodentais /t/ e /d/ nos
vocábulos “bruta”, “contém”, “onda”, “da” e “luta”, sendo que o primeiro e o último
desses vocábulos, em posição de destaque no início e no final do verso, ainda criam
uma rima entre si.
No trigésimo verso do poema, há um efeito, conservado de certa forma na
tradução, cuja beleza merece ser destacada. Trata-se do poliptoto resultante da repetição
de “pa‹dej” em duas declinações diferentes (pa…dwn pa‹dej”). É, sem dúvida alguma,
um dos momentos mais altos do poema e tem uma força expressiva e retórica digna de
distinção. No texto em Português, a palavra foi repetida sem variação (“dos filhos dos
filhos”), pois pareceu ser a forma que teria um efeito mais intenso em nossa língua.
Por fim, pela proximidade do texto com a tradição épica, pode-se observar uma
forte presença de vocábulos relevantes em posição de destaque no início ou no fim de
verso. Os mais importantes dentre eles são: polšmwi (mantido na em destaque
tradução) no final do décimo verso, aƒmatÒenta(mantido em destaque na tradução)
no final do décimo primeiro verso, ƒst£menoj no final do décimo segundo verso,
¥ristonno final do décimo terceiro verso, k£llistÒnno início e nšwino final
do décimo quarto verso, yuc¾n no início do décimo oitavo verso, polšmwi
(mantido em destaque na tradução) no final do vigésimo verso, laggaj(mantido
na em destaque tradução) no final do vigésimo primeiro verso, m£chj(mantido em
destaque na tradução) no final do vigésimo segundo verso, “aÙtÕj” no início e “qumÒn
no final do vigésimo terceiro verso, “¥stu” no início e eÙklesaj” no final do
vigésimo quarto verso, aÙtoàno final do trigésimo primeiro verso, ¢q£natojno
final do trigésimo segundo verso, gÁj no início do trigésimo quarto verso,
qan£toio no final do trigésimo quinto verso, nik»saj (mantido em destaque na
tradução) no início do trigésimo sexto verso, p£ntej (mantido em destaque na
tradução) no início do trigésimo sétimo verso, 'Adhn (mantido em destaque na
tradução) no final do trigésimo oitavo verso, ghr£skwn (mantido em destaque na
tradução) no início e aÙtÕnno final do trigésimo nono verso, p£ntej(mantido em
43
destaque na tradução) no início e aÙtÕnno final do quadragésimo primeiro verso e,
finalmente, polšmou(mantido em destaque na tradução) no final do último verso do
poema.
44
Arquíloco Fr. 3
oÜtoi pÒll' ™p• tÒxa tanÚssetai, oÙd qameia•
sfendÒnai, eât' ¨n d¾ mîlon ”Arhj sun£gV
™n ped…J· xifšwn d polÚstonon œssetai œrgon·
taÚthj g¦r ke‹noi d£monšj e„si m£chj
5 despÒtai EÙbo…hj dourikluto….
Não se verão muitos arcos retesos, tampouco abundantes
Fundas, quando Ares reunir a árdua tarefa da guerra
Sobre a placie, mas sim o trabalho aflitivo da espada.
Esta é a luta em que são habilidosos aqueles
5 Lordes da Euia, que fazem sua fama no punho da lança.
O fragmento 3 de Arquíloco nos apresenta cinco versos escritos na forma de
dísticos elegíacos. O fato de o último dístico encontrar-se incompleto é uma boa
indicação de que, provavelmente, haveria uma continuação a esses versos. Da mesma
forma, como ocorre tantas vezes com fragmentos, não como sabermos com certeza
se não haveria, inclusive, outros versos precedendo os que sobreviveram até nós.
O tema do fragmento é marcial, e seu teor, aparentemente solene. Sem sabermos
a exata ocasião de performance e sem termos o restante do poema, a opção mais segura
é a de ater-se ao sentido mais evidente e entender a passagem como um poema
louvando a virtude guerreira dos senhores da Eubéia, cujo valor como prÒmacoi,
guerreiros que lutam à frente e engajados em combate corpo-a-corpo, é enaltecido no
fragmento.
No primeiro verso do poema, o aspecto mais expressivo parece ser a aliteração
em /t/ (“oÜtoi”, tÒxa”, tanÚssetaie qameia•”), a qual foi recriada na tradução
(“muitos”, retesos”, “tampouco” e “abuntantes”). ainda uma assonância em /o/
(“oÜtoi”, pÒll''e tÒxa”) compensada em Português por uma assonância em [ão]
(“não e “verão”).
45
Ainda no primeiro verso, uma valorização, no poema original, da negação
oÜtoi” no início do verso e do adjetivo “qameia•no final, ambos ocupando, portanto,
posições de destaque. Na tradução, os vocábulos que os traduzem (“não” e
“abundantes”) foram mantidos também em posição de destaque.
A seguir, o verbo “sun£gV”, no segundo verso, preferiu-se traduzir por “reunir”,
uma vez que ambos compartilham a idéia de juntar exércitos. Traduziu-se mîlonpor
“árdua tarefa da guerra”, levando em conta seu duplo sentido de “trabalho penoso” e,
por conseguinte, de “guerra”.
O terceiro verso do fragmento é, sem dúvida, o ponto máximo do poema, no
qual a musicalidade excepcional e o ritmo fluido da passagem, após a vírgula
apresentada na edição, se casam com uma imagem de inegável força, do “trabalho
aflitivo da espada”, enaltecendo ao máximo o valor do método de combate do
prÒmacoj”. Ao contrário do ritmo truncado do primeiro verso e da sonoridade variada
do segundo, o terceiro verso traz um ritmo fluido e uma sonoridade marcada por sons
intercalados em /o/ (“polÚstonon e œrgon”) e /e/ (™n”, ped…J”, xifšwn”, d”,
œssetai”, e “œrgon). No campo rítmico, o andamento ininterrupto se dá pela ausência
de contração no bíceps de cada dáctilo e pela cesura perfeita em ambas as posições mais
usuais para cesuras do hexâmetro, como se pode observar, abaixo, na escansão do verso:
™n / pe / d… / J· / xi / / wn d po / lÚs / to / non / œs / se / tai / œr / gon·
Na tradução, tentou-se compensar o efeito sonoro com assonâncias alternadas
em /i/ (“sim” e “aflitivo”) e /a/ (“a”, “mas”, “trabalho”, “da”, e “espada”). Quanto ao
ritmo, o andamento do metro escolhido em Português é, por natureza, fluido devido à
não utilização de espondeus. Mesmo assim, tomou-se cuidado para não empregar
vírgulas em excesso ou encontros vocálicos resultantes em hiatos, a fim de manter uma
maior fluidez rítmica.
Inicia-se, no quarto verso, um jogo de assonâncias em /é/, com taÚthj
principiando o verso e “m£chj” finalizando-o, ambos os vocábulos em posição de
46
destaque dentro do verso. Em seguida, no quinto verso, encontra-se um eco dessas
palavras em EÙbo…hj”, cuja vogal de som /é/ se parece na última sílaba antes da pausa
causada pela cesura. Esse efeito não pôde ser reproduzido na tradução.
Por fim, no último e incompleto verso do original, traduziu-se dourikluto…
pela perífrase “que fazem sua fama no punho da lança”, que completa o verso e, ao
mesmo tempo, por ter sido expandida com uma imagem, espera-se que adicione um
pouco mais de vigor à tradução, uma vez que a perífrase “famosos pela lança”, por si só,
seria pobre em comparação à força que tem o vocábulo composto do original.
47
Arquíloco Fr. 4
¢ll' ¥ge sÝn kèqwni qoÁj di¦ sšlmata nhÕj
fo…ta ka• ko…lwn pèmat' ¥felke k£dwn,
¥grei d' onon ™ruqrÕn ¢pÕ trugÒj· oÙd g¦r ¹me‹j
nhfšmen ™n fulakÍ tÍde dunhsÒmeqa.
Vai de caneco através das fileiras da lere nau!
Vai e, dos cavos tonéis, torna a arrancar-lhes as tampas!
Caça o bido vinho até mesmo na borra, pois nós
Não poderemos ficar brios nesta vilia!
Os dois dísticos elegíacos que compõem o fragmento 4 de Arquíloco, apesar de
não formarem um poema completo, muito bem poderiam fazê-lo. Como relembra
Corrêa (1998: 102) em sua extensiva análise do fragmento, a publicação do Papiro
Oxirrinco 854, apesar de ter discerníveis em si apenas algumas palavras dispersas, serve
como testemunho de que o poema ao qual esses quatro versos pertenciam possuía pelo
menos outros quatro. A autora sugere, ainda, que esses versos que temos completos,
juntamente com o último dos versos presentes no papiro, pudessem criar uma antítese
em relação aos demais que se perderam por completo. Assim, ficaria reforçada a
situação irônica de soldados envolvidos em beberragem em vez de se concentrarem em
proteger seu navio durante a vigília, possivelmente em território inimigo. Finalmente,
Corrêa também aponta que um contraste entre epicismos, como sšlmata nhÕj
(“célere nau”), e um vocabulário específico e inédito à épica, como kèqwni
(“caneco”).
Partindo para uma leitura pormenorizada, podemos observar, logo de início, que
o primeiro verso do original grego apresenta um jogo de sonoridade com as vogais de
qoÁje nhÕj”. A relação sonora entre essas palavras, cujas vogais se posicionam de
forma contrária, intensifica-se também pelo fato de nhÕj ser o vocábulo com que o
verso se conclui e qoÁj ser a primeira palavra a aparecer no segundo hemistíquio,
como se pode observar na escansão apresentada abaixo:
48
¢ll' / ¥ / ge / sÝn / / qw / ni qo / Áj / di / ¦ / sšl / ma / ta / nh / Õj
As duas palavras, ademais, são separadas e também antecedidas por uma
seqüência de sons de /a/ (“¢ll' ¥gee di¦ sšlmata”). Na tradução, tentou-se recriar
o jogo na assonância em /é/ como sílaba mais forte em duas palavras com tônicas em
posições diferentes (“através” e “célere”), tem torno das quais também uma forte
presença do som de /a/ (“vai”, “das fileiras da” e “nau”).
No verso seguinte, aproveitou-se a dificuldade de traduzir fo…ta senão por
uma perífrase, para criar uma anáfora entre os dois primeiros versos, que de certa forma
compensa também a assonância do ditongo de fo…ta e ko…lwn”. Tentou-se ainda
reproduzir a seqüência das oclusivas /k/ e /t/ do original (“fo…
t
a
k
a•
k
o…lwn” e
pèma
t
' ¥fel
k
e
k
£dwn”) na tradução (“cavos tonéis, torna a arrancar-lhes as
tampas”).
Foi preferível traduzir k£dwnpor “dos .... tonéis”, em vez de “das ... jarras”,
que seria a tradução mais literal, por adequar-se melhor ao metro e à cadência das
aliterações buscadas, além de também recuperar a sonoridade de “através” e “célere” do
primeiro verso.
Este segundo verso foi um tanto qaunto difícil de traduzir, por conta da cesura
empregada no esquema métrico. Uma primeira tentativa de traduzi-lo mostrou-se um
pouco confusa, como pode ser verificado na escansão apresentada a seguir:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Vai / e / re / tor / na, e ar / ran / ca as tam / pas / dos / ca / vos / to / néis!
A solução encontrada nesse momento anterior era indiscutivelmente pior do que
a que figura na versão atual, uma vez que forçava uma cesura extremamente difícil de
ser percebida e muito pouco natural. O resultado final desse verso, contudo, apresenta
49
uma cadência muito mais limpa e mantém em “torna a arrancar” a idéia de freqüência
expressa pelo verbo “foit£w”:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Vai / e, / dos / ca / vos / to/ néis, tor / na a ar / ran / car / -lhes / as / tam / pas!
A seguir, no terceiro verso, manteve-se uma longa seqüência de sons de /o/ (“o
rúbido vinho”, “mesmo” e “pois”) à semelhança do texto original (“onon ™ruqrÕn ¢pÕ
trugÒj”).
Finalmente, colocou-se “sóbrios”, como primeira palavra após a cesura do
quarto verso, numa posição de destaque em seu interior, para criar um eco com “nós” no
final do terceiro verso, numa tentativa de compensar o jogo de assonâncias criado no
original por “nhfšmen ™n e “fulakÍ tÍde”, o qual não se pôde recriar.
50
Arquíloco Fr. 5
¢sp…di mn Sawn tij ¢g£lletai, ¿n par¦ q£mnJ,
œntoj ¢mèmhton, k£llipon oÙk ™qšlwn·
aÙtÕn d' ™xes£wsa. t… moi mšlei ¢sp•j ™ke…nh;
™rrštw· ™xaàtij kt»somai oÙ kak…w.
Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto à moita,
Arma impevel, larguei, inda que contra a vontade.
Mas me salvei! Por que iria importar-me em razão de um escudo?
Que ele se ! Depois eu compro outro em nada pior.
O fragmento 5 de Arquíloco trata, de forma jocosa, de um tema marcial caro à
épica: o dos despojos de guerra. No poema, o eu-lírico relata como, a fim de fugir,
abandonou junto a uma moita seu escudo e como esse foi tomado por um guerreiro
inimigo que se vangloriou de tal feito. O descaso em relação a um armamento era
certamente algo que, no mínimo, deveria causar certo estranhamento à platéia de sua
época, podendo certamente induzi-la ao riso.
Esse choque potencialmente cômico se dava, mormente, por dois motivos. Em
primeiro lugar, devido ao fato do escudo de um soldado fazer parte do equipamento que
lhe conferia o status de guerreiro. Como exemplo, pode-se lembrar a importância das
armas na Ilíada, em que uma luta pelo cadáver de Pátroclo e pelas armas de Aquiles
que ele portava, a qual ocupa toda a extensão do canto XVII, ou mesmo no relato do
combate das Termópilas nas Histórias de Heródoto, em que o escritor afirma ter havido
uma grande luta em torno do cadáver de Leônidas (7.225), para proteger seu
equipamento dos inimigos que desejavam pilhá-lo.
Por outro lado, o escudo era ainda mais importante por ser uma peça usada para
defender o homem ao lado na falange, como se pode observar no fragmento de Tirteu
presente neste trabalho. Por conta disso, era vergonhoso abandonar seu escudo, para,
livre de seu peso, bater em retirada.
51
Como visto, o escudo é o tema central do fragmento e sua importância pode ser
notada pelo fato dele ser o vocábulo que abre o poema. Infelizmente, não foi possível
manter, na tradução, a palavra “escudo” na posição inicial. A única maneira de fazê-lo
seria grafando-a como “‟scudo”, ignorando o “e” inicial a fim de adaptar o vocábulo à
estrutura métrica do poema. Mesmo com esse artifício, ainda seria muito difícil criar um
verso coerente e eufônico, de modo que foi forçoso aceitar a impossibilidade de alocar o
termo na posição inicial de destaque.
As palavras ¢sp…di e œntoj, localizadas, respectivamente no começo do
primeiro e do segundo verso, entram numa relação de oposição com aÙtÕn”,
posicionado no início do verso seguinte. Reforça-se, dessa forma no poema original, o
peso e a importância do armamento e a maneira pela qual o eu-lírico contrapunha o
valor de sua própria existência a qualquer valor que o objeto tivesse. A seguir, a palavra
que inicia o último verso, ™rrštw”, é também o ponto máximo dessa oposição, por
culminar na ordem desferida pelo eu-lírico em relação ao escudo, “que se vá!”, de modo
a afirmar a superioridade do homem sobre a ferramenta, da carne sobre o metal, da mão
que brande a arma sobre a arma propriamente dita, à qual não função nem razão de
ser sem a presença do homem.
Essa estrutura, na tradução, perdeu um pouco de sua força, como visto
anteriormente, por conta do vocábulo “escudo” não figurar na posição inicial do
primeiro verso e, por conseguinte, do próprio poema.
É interessante notar, no poema original, a força sonora do segundo verso,
marcado pela presença recorrente dos sons /o/ ou /ó/ em todas as palavras que o
compõem. Na tradução, esse efeito sonoro, que acentua a solenidade inicial com que o
escudo é apresentado, foi compensado por rimas internas em “ei”, nas palavras
“larguei” e “salvei”, retomando também a sonoridade do mesmo ditongo presente no
original nas palavras “mšlei” e “™ke…nh” do terceiro verso.
Por fim, um último fator interessante que pode ser notado é a ausência de
caracterização do rival do eu-lírico que lhe rouba o escudo. Ao contrário da épica, onde
era praxe elencar diversas qualidades nobres do adversário do herói, além de seus feitos
e bravura em combate, o que transparece aqui é a desvalorização da identidade do
52
oponente, a quem o poema se refere apenas como “um saio”, ninguém específico e
digno de nota. Na mesma proporção em que a caracterização extensa e louvável do
inimigo do herói era importante na épica, em um poema cômico como esse, a ausência
desses elementos faz com que a situação se torne ainda mais risível, baixa e indigna.
53
Mimnermo Fr. 1
t…j d b…oj, t… d terpnÕn ¥ter crusÁj 'Afrod…thj;
teqna…hn, Óte moi mhkšti taàta mšloi,
kruptad…h filÒthj ka• me…lica dîra ka• eÙn»,
' ¼bhj ¥nqea g…netai ¡rpalša
5 ¢ndr£sin ºd gunaix…n· ™pe• d' ÑdunhrÕn ™pšlqhi
gÁraj, Ó t' a„scrÕn Ðmîj ka• kalÕn ¥ndra tiqe‹,
a„e… min fršnaj ¢mf• kaka• te…rousi mšrimnai,
oÙd' aÙg¦j prosorîn tšrpetai ºel…ou,
¢ll' ™cqrÕj mn pais…n, ¢t…mastoj d gunaix…n·
10 oÛtwj ¢rgalšon gÁraj œqhke qeÒj.
Que existência e prazeres, na ausência da áurea Afrodite?
Não, que eu morra no instante em que se amaine meu zelo
Por amizades secretas, presentes aveis e o leito;
Essas são flores que vêm na juventude, desejo
5 São de mancebos e moças, mas quando é chegada a sofrível
Ancianidade, que a de um homem belo faz feio,
Preocupações importunas lhe assolam o entorno da mente,
E ele não tem mais prazer quando do Sol a luz .
É odioso aos jovens e infame aos olhos das moças.
10 Fez de tal forma penosa a ancianidade o deus.
O fragmento 1 de Mimnermo, assim como o 395 de Anacreonte, apresenta o
tema da velhice e seus efeitos desagradáveis sobre o homem. O texto é dividido,
basicamente, em duas partes, a partir do meio do quinto verso, cortando o poema em
duas metades de tamanho quase idêntico. Na primeira, o eu-lírico discursa a respeito das
atividades e desejos da juventude, de como ele preza por elas e deseja morrer quando
não mais as desejar. Em seguida, enumera até o final do poema os diversos efeitos que a
velhice causa ao homem, culminando com a asserção de que o deus a “fez de tal forma
penosa”.
54
Passando, então, para o comentário da tradução, no primeiro verso do texto
grego, uma repetição do pronome interrogativo t…j”, estando na forma neutra, t…”,
na segunda ocasião, e da partícula ”. Esse recurso um peso e uma importância
maior, pelo acúmulo de interrogações, ao restante da pergunta do eu-lírico. Na tradução,
esse efeito conseguiria ser reproduzido com a substituição de “prazeres” por algum
sinônimo que, alfim, acabaria desvirtuando o sentido da palavra por algo menos
abrangente e mais específico. Por conta disso, preferiu-se manter o vocábulo, posto que
ele também intensifica a assonância em /e/ criada em português com as palavras
“existência” e “ausência”. Dessa forma, tentou-se compensar o efeito original do texto
grego que não pode ser recriado na tradução.
Ainda no primeiro verso do texto grego, observa-se uma intensa repetição das
alveolares /t/ e /d/ (“t…j”, d”, t…”, d”, terpnÕn”, ¥ter”, e 'Afrod…thj”), de
modo a antecipar e reforçar o final do verso em que a enunciação de “Afrodite”,
palavra na qual as duas consoantes se fazem presentes. Em português, buscou-se
compensar esse efeito com uma seqüência de “a”s (“na”, “ausência”, “da”, “áurea” e
“Afrodite”), com a mesma intenção de avigorar o nome da deusa, iniciado por essa
vogal.
Em seguida, no segundo verso, ocorre no texto original uma repetição de /m/ nos
vocábulos moi”, mhkštie mšloi”. Nessa ocasião, foi possível recriar o efeito, que
pode ser observado as palavras “morra”, “amaine” e “meu”.
Por sua vez, no quarto verso do poema de Mimnermo, há, além da bela metáfora
das “flores da juventude”, a ocorrência de um interessante efeito nas palavras “¥nqea” e
¡rpalša”, não apenas pelo fato de ambas serem iniciadas e terminadas pela vogal “a”,
também por conta de que o segundo vocábulo, traduzível literalmente como
“desejadas”, retoma e qualifica o primeiro termo, “flores”. Dessa forma, soube o poeta
intensificar a relação entre o objeto de que falava e a característica que quis lhe
conceder por meio da semelhança de seus significantes. Esse efeito não pôde ser
recriado na tradução, de modo que apenas se pôde tentar compensá-lo com a seqüência
de constritivas fricativas flores”, vem”, juventude” e “desejo”, na qual a labiodental
55
surda /f/, de “flores”, é seguida pela sonora /v/ de “vem” e de “juventude”, cuja palatal
sonora /j/ é retomada, finalmente, em “desejo”.
No sexto verso, aparece pela primeira vez na tradução o vocábulo “ancianidade”
para traduzir gÁraj”. A escolha por esse vocábulo, um tanto arcaizante, deve-se ao
fato de que “velhice” não se ajustaria à cadência do hexâmetro, nem poderia aparecer
em posição de destaque no início do verso, pelo mesmo motivo.
Vale notar também as rimas toantes criadas, na tradução, entre “zelo” e “desejo”,
no final do segundo e do quarto verso, e entre “leito” e “feio”, no final do terceiro e do
sexto verso.
Mais adiante, no nono verso do texto grego, ocorre uma assonância em /i/, além
de uma repetição do som de /s/ seguido de /i/ em duas dessas ocasiões (“pais…n”,
¢t…mastoj” e gunaix…n”). Na impossibilidade de reproduzir esse efeito quid pro quo,
ele foi compensando por uma assonância em /ó/ (“jovens”, “aos” e “olhos”), introduzida
e terminada por sons de /ô/ (“odioso” e “moças”), que lhe conferem uma gravidade
maior. Nesse verso, gunaix…n”, que literalmente significa “às moças”, foi traduzido
pela metonímia aos olhos das moças”, especialmente para o fim de produzir o efeito
supracitado e compensar a assonância perdida do texto original.
Finalmente, no último verso do texto grego, uma repetição de /th/ nas últimas
palavras do verso, a saber, œqhkee qeÒj”, na qual o som de /k/ de œqhkeserve
para intensificar ainda mais o efeito buscado pelo poeta. Essa intensificação ocorre tanto
por contraste quanto por similaridade: por contraste, porque o local de articulação do
primeiro dos sons é alveolar e o do segundo, velar; por similaridade, porque ambos os
sons são produzidos a partir de uma oclusão surda. Na tradução, foi possível apenas
criar uma repetição de /d/ nos vocábulos “ancianidade” e “deus”, que de certa forma
compensa e recria ao mesmo tempo a original em /th/, por serem semelhantes, mas que
certamente não tem a mesma força do texto grego.
56
Mimnermo Fr. 2
¹me‹j d', oŒ£ te fÚlla fÚei polu£nqemoj érh
œaroj, Ót' ay' aÙgÁij aÜxetai ºel…ou,
to‹j ‡keloi p»cuion ™p• crÒnon ¥nqesin ¼bhj
terpÒmeqa, prÕj qeîn e„dÒtej oÜte kakÕn
5 oÜt' ¢gaqÒn· KÁrej d parest»kasi mšlainai,
¹ mn œcousa tšloj g»raoj ¢rgalšou,
¹ d' ˜tšrh qan£toio· m…nunqa d g…netai ¼bhj
karpÒj, Óson t' ™p• gÁn k…dnatai ºšlioj.
aÙt¦r ™p¾n d¾ toàto tšloj parame…yetai érhj,
10 aÙt…ka d¾ teqn£nai bšltion À b…otoj·
poll¦ g¦r ™n qumîi kak¦ g…netai· ¥llote okoj
trucoàtai, pen…hj d' œrg' Ñdunhr¦ pšlei·
¥lloj d' aâ pa…dwn ™pideÚetai, ïn te m£lista
ƒme…rwn kat¦ gÁj œrcetai e„j 'Adhn·
15 ¥lloj noàson œcei qumofqÒron· oÙdš t…j ™stin
¢nqrèpwn ïi ZeÝj m¾ kak¦ poll¦ dido‹.
Somos semelhos às folhas que nascem na flórea estação
Primaveril, quando à luz bito crescem do Sol.
Tal como elas, nós, da juventude nas flores, um pouco
Nos deleitamos sem ver, vindo dos deuses, o mal
5 Ou o que é bom. Mas as Queres escuras se põem junto a nós.
Uma pretende trazer-nos a velhice aflitiva;
A outra, a morte. Pois, da juventude nos são muito breves
Todos os frutos; só se sol sobre a terra eles duram.
Quando a estação transcorrida se encontra já perto do fim,
10 De imediato é melhor ter-se a morte que a vida,
Pois são imeros no ânimo os males. Às vezes a casa
Vai à ruína e uma vida árdua se leva em pobreza.
Outro carece de filhos e sobremaneira por eles
A anelar ele vai ao subtérreo Hades.
57
15 A outro a doença destrói-lhe o ânimo. Nãoalguém
Dentre os homens a quem Zeus não dê imeros males.
O fragmento 2 de Mimnermo traz uma reflexão a respeito do símile homérico
(VI.146-9) que compara a geração de homens à sucessão de folhas na copa de uma
árvore. No entanto, ao contrário do que acontece na Ilíada, aqui ela é tratada de modo
pessoal e vista como algo de caráter pesaroso, por expressar a brevidade da juventude e
os males da velhice.
Ao ler o primeiro verso desse poema, talvez o elemento que nos chame mais a
atenção seja a aliteração em /p/ de fÚlla”, fÚei e polu£nqemoj”, palavras as
quais trazem ainda na relação entre si uma repetição do som /u/. Na impossibilidade de
recriar esse efeito na tradução sem alterar em demasia o conteúdo do verso, procurou-se
compensá-lo pela aliteração em /f/ de “flores” e “flórea”, buscando recriar o efeito
suave da aspiração de /ph/. Além disso, há uma longa seqüência de sons de /s/, ao longo
deste e do segundo verso, que culmina em “Sol”, cujo nome é iniciado por esse som, de
modo a também compensar, de certa forma, a repetição do ditongo inicial de aÙgÁij
e “aÜxetai” do texto grego.
Em seguida, no terceiro verso do poema original, pode-se observar uma
aliteração em /k/ nas palavras ‡keloi”, p»cuion e crÒnon”. O único efeito mais
notável que se pôde produzir no respectivo verso da tradução foi o hipérbato “da
juventude nas flores”, que de certa forma se poderia dizer que cumpre o papel de
compensar essa aliteração, dando alguma ênfase no local. Essa dificuldade ocorreu, em
maior parte, devido ao vocábulo “juventude”, cuja inclusão no esquema métrico se
obteve a duras penas e ainda assim forçando uma sílaba tônica na preposição “da” que a
precede. Esse, contudo, foi o único resultado que satisfazia as necessidades métricas,
uma vez que não havia muitos sinônimos ou perífrases que pudessem ser usados para
tomar o lugar de “juventude” e que coubessem melhor no ritmo dactílico. A maioria das
opções sinonímicas tinha a mesma conformação métrica, como “mocidade” e
“mancebia”. As que, por sua vez, tinham a extensão e as sílabas tônicas nos locais
apropriados, como “vigor”, “viço” e “adolescência”, tinham um sentido ou
demasiadamente geral ou excessivamente específico, de modo que não passariam a
58
idéia correta. Assim, preferiu-se ficar com o hipérbato e o encaixe apenas satisfatório,
mas que não desvirtuava o sentido em demasia.
Continuando a leitura, no verso seguinte do texto grego, encontra-se não apenas
uma repetição de /p/ nas palavras consecutivas terpÒmeqa e prÕj”, mas também
uma espantosa quantidade de outras consoantes oclusivas (“
t
er
p
Òme
q
a”,
p
rÕj,
q
eîn”, e„
d
Ò
t
ej”,
t
ee
k
a
k
Õn”), as quais fazem com que o ritmo do verso fique
bastante truncado, refletindo, talvez, a dificuldade dos homens, expressa no conteúdo do
texto, de ver o que é bom e o que é ruim dentre aquilo que os deuses lhes mandam. Na
tradução, a seqüência de oclusivas que se pôde recriar, infelizmente, foi menor, mas está
presente nos vocábulos deleitamos”, “vindo”, dos” e deuses”. A presença das
vírgulas separando as palavras “vindo dos deuses”, porém, serve para truncar um pouco
mais a fluência da leitura e fortalecer o trabalho das consoantes oclusivas que ali
aparecem em menor mero. Essa forte presença de oclusivas e ritmo truncado aparece
em quase todos os versos seguintes e, sempre que possível, foi recriada na tradução. Por
conta disso, serão comentadas adiante as aliterações mais específicas ou
significativas de modo pontual.
No verso seguinte, algo semelhante acontece, mas de forma mais condensada no
meio do verso com
K
Árej
d
p
ares
t
»
k
asi”, de modo a valorizar a oclusiva /k/ pela
qual KÁrej é iniciada. Na tradução, foi mais simples de obter um efeito parecido,
uma vez que se pôde traduzir mšlainaipor “escuras” e fazer com que esse vocábulo
estivesse ao lado de “Queres”, criando uma aliteração em /k/.
Adiante, no sexto verso do poema de Mimnermo, pode-se observar uma
aliteração em /g/ nos vocábulos g»raoje ¢rgalšou”, a qual faz com que a ligação
do segundo com o primeiro se torne ainda mais significativa e correspondente. Em
Português, esse efeito foi compensado pelo uso das constritivas /f/ e /v/ em “velhice” e
“aflitiva” e pela assonância em /i/ das mesmas.
Por fim, no décimo verso, uma longa repetição de /t/ nos vocábulos
aÙt…ka”, teqn£nai”, bšltione b…otoj”, além de uma aliteração em /b/ nos dois
últimos desses. Na tradução, figuram repetições de /t/ e /d/ na tentativa de compensá-las,
como se pode observar nos vocábulos “de”, “imediato”, “ter”, “morte” e “vida”.
59
Mimnermo Fr. 5
¢ll' ÑligocrÒnion g…netai ésper Ônar
¼bh tim»essa· tÕ d' ¢rgalšon ka• ¥morfon
gÁraj Øpr kefalÁj aÙt…c' Øperkršmatai,
™cqrÕn Ðmîj ka• ¥timon, Ó t' ¥gnwston tiqe‹ ¥ndra,
5 bl£ptei d' ÑfqalmoÝj ka• nÒon ¢mficuqšn.
Mas, como um sonho pontual, dura brevíssimo tempo
A juventude preciosa. Não tarda a aflitiva e disforme
Ancianidade a impender por sobre nossas cabeças,
Sem honra alguma e odiosa ela torna um homem ignoto,
5 Lesa o intelecto e a visão quando é vertida ao redor.
O fragmento de número 5 de Mimnermo traz novamente o tema da brevidade da
juventude e vileza da velhice. O primeiro verso do fragmento muito provavelmente não
era o início do poema original, uma vez que se trata do pentâmetro da elegia, o qual é,
de modo geral, sempre posto nos versos pares de um poema, sendo antecedido pelo
hexâmetro.
No primeiro verso dessa elegia de Mimnermo, pode-se observar um efeito muito
empregado pelo poeta, como pode ser visto nos demais poemas atribuídos a ele e
presentes neste trabalho: o de encontrar um adjetivo que repita a sonoridade ou forma
daquilo a que ele pretende referir-se. O adjetivo em questão é ÑligocrÒnion”, que
qualifica Ônare cria uma assonância em /o/. Na tradução, o mais próximo disso que
se de chegar foi reproduzir o som inicial de “sonho” em “pontual”, cuja sonoridade é
de certa forma ainda prenunciada por “como”.
No segundo verso da tradução, foi preciso antecipar a tradução de aÙt…c'”,
“não tarda” do verso seguinte, por conta de satisfazer as necessidades do metro adotado.
Essa antecipação não foi muito danosa, uma vez que foi possível ainda manter os
vocábulos que traduzem ¼bh (“juventude”), ¥morfon (“disforme”) e gÁraj
60
(“ancianidade”) em posição de destaque no início ou final de verso tal qual ocorrem no
texto grego. Outros vocábulos significativos em posição de destaque, no entanto, não
puderam ser mantidos em tal posição no texto português, a saber, a tradução de Ônar
(“sonho”) no primeiro verso, a de ¥ndra(“homem”) no quarto verso e a de“™cqrÕn
(“odiosa”) também no mesmo verso que a anterior. Todavia, no caso dessa última,
™cqrÕn”, a tradução (“sem honra alguma”) de outro adjetivo (“¥timon”) referente ao
mesmo objeto foi colocada em posição de destaque, de modo que o efeito não foi de
todo perdido.
Adiante, do segundo para o terceiro verso, há no texto grego um efeito da
mesma espécie que o observado anteriormente nos vocábulos ¢rgalšone gÁraj”,
os quais são recorrentes na poesia de Mimnermo em conjunto. Numa outra ocasião em
que eles ocorreram em um dos poemas do corpus deste trabalho (Fr.2), gÁraj foi
traduzido por “velhice”, para criar um jogo de sonoridade com “aflitiva”, tradução de
¢rgalšon”, por conta de ambas serem consoantes com o mesmo local de articulação e,
deste modo, semelhantes. No poema atual, contudo, não foi possível traduzir gÁraj
por “velhice” devido ao local em que ela ocorre no texto. Era preciso uma palavra que
pudesse ter sua sílaba inicial acentuada no ritmo do texto, de modo que “ancianidade”
acabou por ser sua tradução. O efeito de semelhança sonora, no entanto, não foi
completamente perdido, uma vez que ¥morfon foi traduzido por disforme”,
repetindo o /f/ de “aflitiva”.
Ainda no terceiro verso, há uma repetição gramaticalmente desnecessária de
Øpšr”, partícula a qual aparece ainda no verbo a que ela se refere, Øperkršmatai”.
Essa repetição de Øpšrcertamente foi feita pelo poeta com a intenção de intensificar
a gravidade da posição na qual a ancianidade se encontra em relação aos homens. Na
tradução, esse efeito foi compensado pela adição de “por”, antecedendo sobre”,
tradução de “Øpšr”, de modo a realçá-lo.
Por fim, no quarto verso do texto original, pode-se ver novamente o emprego do
primeiro efeito analisado nesse comentário: o da repetição do som de um nome no
adjetivo que o qualifica. Neste caso, o adjetivo é ¥gnwstone o nome a que ele se
refere é ¥ndra”. Na tradução, esse efeito foi recriado nos vocábulos que traduzem
61
¥gnwstone ¥ndra”: “ignoto” e “homem”. Essa recriação, contudo, não é perfeita,
uma vez que o primeiro “o” de “homem” às vezes é lido como /o/ e às vezes como /ó/.
62
Mimnermo Fr. 12
'Hšlioj mn g¦r œlacen pÒnon ½mata p£nta,
oÙdš pot' ¥mpausij g…netai oÙdem…a
†ppois…n te ka• aÙtîi, ™pe• ∙odod£ktuloj 'Hëj
'WkeanÕn prolipoàs' oÙranÕn e„sanabÁi.
5 tÕn mn g¦r di¦ kàma fšrei polu»ratoj eÙn»,
koi…lh, `Hfa…stou cers•n ™lhlamšnh,
crusoà tim»entoj, ØpÒpteroj, ¥kron ™f' Ûdwr
eÛdonq' ¡rpalšwj cèrou ¢f' `Esper…dwn
ga‹an ™j A„qiÒpwn, †na d¾ qoÕn ¤rma ka• †ppoi
10 ˜st©s', Ôfr' 'Hëj ºrigšneia mÒlhi·
œnq' ™pšbh ˜tšrwn Ñcšwn `Uper…onoj uƒÒj.
De Hélios o fado é lidar na labuta por todos os dias,
E não há lhe pausa qualquer, nunca e de forma nenhuma,
Para os cavalos tampouco, dês que a dedirsea Aurora,
Do Oceano a partir, alça-se em rumo do céu.
5 Por entre as ondas, um amabissimo lamo o leva,
Cavo, que houve ser feito, por mãos de Hefesto,
De ouro precioso, alado. No alto, por sobre a água,
Sono profundo a dormir, vai-se do solo hesrico
Rumo à terra etiópia, onde seu carro e cavalos
10 Põem-se até a Aurora chegar, filha do amanhecer.
então o filho de Hirion monta em seu outro veículo.
O fragmento 12 de Mimnermo trata da rotina do Sol, Hélios, e de como ele
perfaz seu caminho no céu e sobre a terra. É interessante notar como, apesar do poeta
afirmar que não descanso para Hélios, esse passa o tempo todo dormindo sobre seu
carro enquanto os cavalos o levam de um canto da Terra conhecida a outro. Isso poderia
tanto indicar uma ironia do poeta, como uma diferente visão e pensamento em relação
ao que se considera trabalho para os deuses.
63
No primeiro verso do texto grego, o poeta se utilizou de um efeito que, pela
freqüência com que aparece em sua obra, devia ser-lhe caro. Trata-se do uso de uma
palavra com sonoridade semelhante a outra, à qual essa primeira se liga sintaticamente.
No caso atual, ocorre a repetição de parte do som de 'Hšlioj” no verbo œlacen”, que
aparece um pouco a frente no verso e do qual Hšliojé o sujeito. Na tradução, pôde-
se aproveitar a líquida /l/ de “Hélios” e repeti-la em seguida nos vocábulos “labuta” e
“lidar”, de modo a recriar o efeito de forma semelhante, porém não idêntica. O som de
/é/, de Hélios”, é, por sua vez, retomado em “é”, pouco mais a frente no verso.
Ademais, há a repetição de /d/ em “lidar”, “todos” e “dias”, compensando a repetição de
/t/ também em “½mata” e “p£nta”.
Em seguida, no segundo verso, pode-se observar a repetição de /p/ em pot'e
¥mpausij”, a qual não pôde ser recriada na tradução. O valor poético dessa repetição é
de certa forma compensado pela assonância em /u/ que, na tradução, aparece mais para
o final do verso com os vocábulos “nunca” e “nenhuma”, além da repetição de /m/ em
“forma” e “nenhuma”.
No terceiro verso do poema, a ocorrência do epíteto composto
∙odod£ktuloj”, comumente associado a Aurora desde Homero. No caso desse epíteto,
preferiu-se traduzi-lo também pelo composto “dedirrósea” ao contrário do que se tem
como regra nesse trabalho. Isso foi feito devido ao fato de que “dedirrósea” tem uma
longa tradição, desde as traduções de Odorico Mendes, na nossa literatura. Mormente,
contudo, o epíteto composto foi escolhido por conta de seu fácil entendimento e de sua
boa recepção entre os leitores, além de, certamente, sua beleza dificilmente
questionável. Outra opção de boa sonoridade seria “de róseos dedos”, cujo hiato de
“róseos”, no entanto, não poderia ser quebrado na leitura para manter o ritmo dactílico,
de modo que acabou sendo descartada em prol de “dedirrósea”.
Adiante, no quarto verso do poema, uma estruturação interessante do
conteúdo. O poeta escolheu compor o verso com apenas quatro palavras, seguindo a
ordenação: complemento - verbo, complemento - verbo. Em Português, devido à
necessidade de uma quantidade muito maior de palavras para expressar a mesma idéia,
pareceu que isolar os complementos nas extremidades do verso e posicionar um verbo
64
em seguido do outro fosse a forma mais contundente de criar uma estrutura eloqüente e
notável. A opção que manteria uma ordem semelhante à do Grego seria: “Do Oceano a
partir, rumo ao céu se alteia”. Apesar de não ser ruim, a solução adotada na versão final
do texto parece ter uma força maior, assim como tem a do poema original.
Finalmente, quanto às palavras em posição de destaque no texto grego, manteve-
se, na tradução, a que, certamente, era de maior importância: 'Hšlioj”. Com efeito,
essa foi a única razão pela qual se preferiu traduzir o vocábulo em questão por “Hélios”
em vez de “Sol”. Por iniciar não apenas um verso, mas um poema todo que lhe diz
respeito, era uma característica por demais gritante para ser ignorada. Outras palavras
cuja posição de destaque foi mantida na tradução são: 'Hëj(“Aurora”) no final do
terceiro verso e “'WkeanÕn” (“Oceano”) no início do quarto verso.
65
Mimnermo Fr. 14
oÙ mn d¾ ke…nou ge mšnoj ka• ¢g»nora qumÕn
to‹on ™mšo protšrwn peÚqomai, o† min ‡don
Ludîn ƒppom£cwn pukin¦j klonšonta f£laggaj
“Ermion ¨m ped…on, fîta feremmel…hn·
5 toà mn ¥r' oÜ pote p£mpan ™mšmyato Pall¦j 'Aq»nh
drimÝ mšnoj krad…hj, eâq' Ó g' ¢n¦ prom£couj
seÚaiq' aƒmatÒen<toj ™n> Øsm…nhi polšmoio,
pikr¦ biazÒmenoj dusmenšwn bšlea·
oÙ g£r tij ke…nou dh…wn œt' ¢meinÒteroj fëj
10 œsken ™po…cesqai fulÒpidoj kraterÁj
œrgon, Ót' aÙgÁisin fšret' çkšoj ºel…oio
O ânimo viripotente e o vigor daquele homem não eram
Tal como os teus, como os mais velhos me contam, que o viram
Afugentar densas filas de dios guerreiros montados,
Lança brilhante nas mãos, sobre a placie de Hermo:
5 Palas Atena sequer em momento algum reprovou
O acre vigor de seu cor, quando ele junto à vanguarda
Arremetia em rumo ao combate da guerra sangrenta,
Brutalizando do imigo os aguçados proteis.
Pois não havia um homem melhor dentre seus inimigos
10 Em praticar o labor da violenta batalha,
Acometendo ao lado dos raios do lere Sol.
O fragmento 14 de Mimnermo aparenta ser um encômio a um herói que praticou
grandes feitos em combate. Ele se inicia com uma negação, a qual provavelmente estava
relacionada ou a um contexto específico de performance, no qual o poeta compararia o
valor do guerreiro com os de seus pares, ou a versos aos quais nós não temos acesso.
No segundo verso do texto, uma aliteração em /p/ que pode ser observada em
protšrwne peÚqomai”. Essa seqüência de plosivas vem logo após a negação que o
66
eu-lírico faz a respeito do vigor desse grande guerreiro que morreu antes de seu tempo,
de modo que ela parece enfatizar seu caráter violento. Ela ainda é retomada no terceiro
verso com ƒppom£cwn”, pukin¦j e f£laggaj”; no quarto verso com ped…on”,
fîta e feremmel…hn”; e no quinto verso com pote”, p£mpan e Pall¦j”.
Infelizmente, na tradução, não foi possível recriar esse efeito tal como ele aparece no
texto grego. Porém, alguns outros efeitos na tradução que servem para compensá-lo
quanto ao valor poético do texto. Ainda que não tenham a mesma sonoridade da
aliteração do texto original, eles trabalham para a mesma finalidade. Entre esses efeitos,
podem-se citar a aliteração em /v/ no primeiro verso (“viripotente” e vigor”) que é
ainda retomada no segundo verso (“velhos” e “viram”), a repetição de /f/ no terceiro
(“afugentar” e “filas”) e a de /b/ no quarto (“brilhantes” e “sobre”).
Adiante, o sexto verso do poema traz um início bastante truncado, com a
vibrante alveolar /r/ em drimÝ e krad…hj”, além da repetição de /d/ nesses dois
vocábulos. A adição de mšnoj entre essas duas palavras produz um momento de
maior expansão sonora, pela repetição de /m/ nessa palavra e na que a antecede,
drimÝ”. O ritmo se torna truncado novamente com krad…hj”, tanto pelas
características mencionadas quando pela presença da velar surda /k/. Na tradução, esse
efeito foi compensado de uma forma parecida, porém não idêntica. Há uma forte
presença de /r/, tanto numa posição semelhante à do texto grego (em “acre”), quanto no
final de dois vocábulos (“vigor” e “cor”). A repetição de /d/ do original foi compensada
por uma repetição de /k/ (“acre” e “cor”). Além disso, o momento de maior expansão
entre os dois vocábulos de sonoridade semelhante foi recriado com a inserção de
vigor, cuja velar sonora /g/ e a própria vogal /o/ contribuem para enfatizar da
passagem.
Ainda nesse verso, preferiu-se traduzir krad…hj por “cor”, uma vez que
“coração” não caberia no verso, do que por algum outro vocábulo menos acurado.
Pareceu mais interessante manter a intenção original da palavra e, ao mesmo tempo,
criar a relação mencionada entre “vigor” e “acre”.
No verso seguinte do texto grego, uma repetição do ditongo [ai] em
seÚaiq' e aƒmatÒen”. Esse efeito foi compensado por uma repetição de /R/ em
“arremetia”, “rumo” e “guerra”.
67
Em seguida, no oitavo verso do poema de Mimnermo, pode-se ver uma
aliteração em /b/ nos vocábulos biazÒmenoje bšlea”. O único efeito na tradução
que talvez pudesse compensar a impossibilidade de recriar essa aliteração talvez seja a
repetição da alveolar vibrante /r/ no início e no final do verso, somada ao fato de que
ambas as palavras em que essa repetição ocorre (“brutalizando” e “projéteis”) são
iniciadas pelas plosivas bilabiais /p/ e /b/.
Por fim, quanto aos vocábulos em posição de destaque no verso, pode-se dizer
que, apesar de presente, esse não era o efeito mais significativo nesse poema de
Mimnermo. Essa afirmação é feita com base no fato de que há, sim, palavras
destacadas, mas elas não parecem contrastar entre si para uma contribuição efetiva no
sentido do texto. Dentre as que se perderam, podem-se citar Ludîn (“de lídios”),
f£laggaj(“filas”), polšmoio(“da guerra”) e œrgon (“labor”). Por outro lado,
foi possível manter a tradução dos seguintes vocábulos em posição de destaque:
qumÕn (“ânimo”), “Ermion (“de Hermo”), Pall¦j 'Aq»nh (“Palas Atena”),
prom£couj” (“vanguarda”) e ºel…oio” (“do ... Sol”). Contudo, a tradução de algumas
dessas palavras mudou de uma posição de destaque para a outra (qumÕn”, Pall¦j
'Aq»nh” e ““Ermion”).
68
Sólon Fr. 5
d»mwi mn g¦r œdwka tÒson gšraj Ósson ™parke‹n,
timÁj oÜt' ¢felën oÜt' ™porex£menoj·
o‣ d' econ dÚnamin ka• cr»masin Ãsan ¢ghto…,
ka• to‹j ™fras£mhn mhdn ¢eikj œcein·
5 œsthn d' ¢mfibalën kraterÕn s£koj ¢mfotšroisi,
nik©n d' oÙk e‡as' oÙdetšrouj ¢d…kwj.
Tantas vantagens eu dei quantas cri suficientes ao povo;
Não acresci nem tirei nada da honra que tinha.
Aos que detinham poder, os que eram invejados por posses,
Fiz igualmente menção de não sofrerem inria.
5 Pus-me entre eles com gido escudo, cobrindo a ambos,
Sem permitir que nenhum com injustiça vencesse.
O fragmento 5 de Sólon apresenta a estrutura de uma elegia e discursa acerca da
natureza das ações do poeta, as quais provavelmente se referem a seu trabalho como
legislador. Os seis versos do fragmento se dividem em três seções de igual número de
versos. Na primeira parte, o eu-lírico defende sua postura com relação ao povo, dizendo
que não lhe acresceu nem lhe tirou de sua honra. Em seguida, nos versos mediais, ele
trata dos poderosos de maneira semelhante, ainda que somente diga que fez atenção de
não permitir que sofressem injúria. Por fim, o eu-lírico afirma que se pôs entre os dois
grupos, sem deixar que nenhum obtivesse vantagens em cima do outro com injustiça.
No primeiro verso do poema, ocorre no texto original um eco bastante eloqüente
pelo emprego das palavras tÒson e Ósson”, que são divididas pelo vocábulo
gšraj”, de modo a amainar o efeito do eco para que seja aprazível, e não uma
repetição desagradável. Na tradução, o único efeito mais ou menos semelhante nesse
primeiro verso é o eco criado entre “tantas” e “quantas.
69
O quarto verso do texto grego é, certamente, o mais belo do texto em termos
sonoros. Ocorrem, em sucessão nele, dois jogos de sonoridade muito peculiares: a
assonância do final do vocábulo “™fras£mhn” com o início de “mhdn” e a similaridade
de som de ¢eikj com œcein”. Esses efeitos, infelizmente, não puderam ser
recriados na tradução, mas foram compensados de forma razoavelmente significativa no
mesmo verso em Português, com a homofonia entre “igualmente” e “menção”. O verso
seguinte da tradução, por sua vez, compensa um pouco mais, com uma sonoridade
fortemente marcada pela repetição de /d/ em “rígido escudo”, sendo o primeiro desses
vocábulos ainda mais marcadamente por ser uma proparoxítona.
Há, por fim, alguns vocábulos importantes em posição de destaque em início e
final de verso no texto original. A saber, são eles: d»mwi”, timÁj”, ¢ghto…”,
œsthn”, “¢mfotšroisi”, “nik©n” e ¢d…kwj”. Na tradução, foi possível manter apenas
a tradução dos seguintes: d»mwi(“povo”, que foi, no entanto, deslocado para o final
do verso), œsthn (“pus-me”), ¢mfotšroisi (“a ambos”) e nik©n (“vencesse”,
também deslocado do início para o final do verso em que se encontra).
70
Sólon Fr. 9
™k nefšlhj pšletai ciÒnoj mšnoj ºd cal£zhj,
bront¾ d' ™k lamprÁj g…gnetai ¢steropÁj·
¢ndrîn d' ™k meg£lwn pÒlij Ôllutai, ™j d mon£rcou
dÁmoj ¢idr…V doulosÚnhn œpesen.
5 l…hn d' ™x£rant' <> ∙®diÒn ™sti katasce‹n
Ûsteron, ¢ll' ½dh cr¾ <tina> p£nta noe‹n.
Parte das nuvens o viço da neve e da chuva de pedras,
Brame o trovão de um lampejo irradiante surgido:
De homens grandiosos destrói-se a cidade, e cai a um monarca
Escravizado em sua insipiência o povo.
5 Se se ergue um homem muito alto é dicil pa-lo num outro
Dia. Agora é que tudo de se considerar.
O fragmento 9 de Sólon apresenta uma elegia na qual o eu-lírico faz uma
reflexão a respeito do tema de causa e efeito, com a intenção de apresentar a seus
concidadãos o resultado nefasto que se tem a partir da ação de erguer-se um homem
demasiadamente alto, numa previsão da tirania de Pisístrato. O poema pode ser dividido
em três momentos de igual número de versos. No primeiro e no segundo verso, o poeta
mostra a causa e efeito de alguns fenômenos naturais potencialmente destrutivos, como
o granizo e o relâmpago. Em seguida, nos dois versos mediais, fala-se de um povo
caindo sob o jugo de um monarca e de uma cidade de homens grandiosos sendo
destruída. Por fim, nos versos finais do poema, o poeta conclui com a explanação de
que, quando se ergue um homem muito alto, fica difícil contê-lo mais tarde, de modo
que é preciso considerar o resultado de cada decisão antes de se vivenciar seu resultado.
Assim como os que o seguem, o primeiro verso desse poema de Sólon apresenta
uma sonoridade forte e marcante. Contudo, ao contrário dos demais, ele é o único cujo
ritmo é verdadeiramente fluido, por conta da ausência de espondeus em seus pés, como
pode ser observado na escansão apresentada abaixo:
71
™k / ne / / lhj / / le / tai ci / Ò / noj / / noj / º / d / ca / / zhj,
Como o metro escolhido para traduzi-lo em Português não permite uma
variação entre dáctilos e espondeus, essa diferenciação de fluidez precisou ser buscada
no campo da sonoridade, com uma seqüência de sons de /v/ ao longo do verso
(“nuvens”, “viço”, “neve” e “chuva”) e assonâncias em /u/ e /é/ intercaladas (“nuvens”,
“neve”, “chuva” e “pedras”). Desse modo, espera-se ter compensado esse efeito e
também o da assonância em /e/ encontrado no original (“™k”, nefšlhj”, pšletai”,
mšnoj” e “ºd”).
No verso seguinte, uma presença notável da alveolar /r/ antecedida por outra
consoante em “bront¾” e lamprÁj”, o que intensifica ainda mais a característica
plosiva de /p/ e /b/ que, no texto original, aparecem juntamente ao /r/. Esse efeito é
reforçado ainda pela palavra ¢steropÁj”, que ocorre mais adiante no verso,
retomando o som plosivo e o líquido das que o sucederam, além da assonância em /é/.
Tentou-se recriar esse efeito na tradução com os vocábulos “brame” e “trovão”, de
modo a evocar a sonoridade do original, que tenta imitar o som descrito.
Do penúltimo para o último verso do poema, ocorre um enjambement que, pela
sua eloqüência, merece atenção. Nesse verso, o eu-lírico discorre justamente a respeito
da dificuldade que se tem de refrear um homem quando se o ergue alto demais. O
enjambement que ali ocorre é justamente uma extensão do sentido, como se o próprio
conteúdo do poema fosse difícil de conter e extravasasse para o verso seguinte. O poeta
soube, dessa forma, aproveitar a forma do poema para intensificar a força da idéia que
queria transmitir a seus ouvintes/leitores. Esse efeito foi recriado na tradução, como se
pode observar durante a leitura desses dois últimos versos.
No terceiro verso do poema, traduziu-se ¢ndrîn d' ™k”, que literalmente
significa “pela ação de homens”, por “de homens”, para manter o paralelismo com o
verso anterior, no qual “™k também está presente.
72
Por fim, algumas palavras relevantes em posição de destaque no início ou no
final dos versos do poema de Sólon. São elas: “bront¾”, “¢ndrîn”, “mon£rcou”,
dÁmoj”, “katasce‹n”, Ûsteron” e “noe‹n”. Dessas, pôde-se manter os vocábulos que
as traduzem em posição de destaque apenas no caso de ¢ndrîn” (“de homens”),
mon£rcou” (“a um monarca”), “dÁmoj(“povo”, que foi movido para o final do
verso), Ûsteron (“outro dia”) e noe‹n (“considerar”). No caso de bront¾”,
preferiu-se colocar a palavra “brame” em posição de destaque por ter uma sonoridade
mais próxima à do vocábulo grego, ainda que não seja propriamente o mesmo termo.
73
Sólon Fr. 16
gnwmosÚnhj d' ¢fanj calepètatÒn ™sti noÁsai
mštron, Ö d¾ p£ntwn pe…rata moànon œcei.
Nada é mais árduo do que discernir do saber a medida
Inaparente, a qual, , tem os fins para tudo.
O fragmento 16 de Sólon apresenta um único dístico na forma de uma reflexão a
respeito de um tema específico, que no caso é o do conhecimento. Um dos usos comuns
da elegia era justamente para este fim: o de fazer uma asserção ou uma reflexão acerca
de um assunto caro ao pensamento da época.
A característica mais marcante desse dístico de Sólon é o enjambement que
termina logo no início do segundo verso, de modo a apenas dar a ilusão de que o
primeiro verso é mais longo e pesado do que realmente é. Esse efeito, preservado na
tradução, faz com que haja uma assimetria ainda maior entre o primeiro e o segundo
verso do dístico, que, por natureza, têm extensões diferentes, sendo o primeiro maior
do que o segundo. O enjambement acentua ainda mais essa característica, reforçando a
dificuldade enunciada pelo eu-poético de se compreender “do saber a medida /
inaparente”. O restante do segundo verso, após a única palavra que compõe o
cavalgamento, tem uma unidade própria de sentido, cuja significância, por determinar a
natureza da dificuldade expressa na primeira parte do dístico, serve de contrapeso para a
aparente assimetria do poema. Dessa forma, criou o poeta um todo coeso, harmônico e
significativo, por ter sabido distribuir artificiosamente o conteúdo na forma, de modo a
ilustrar a longa e árdua busca por algo, seguida pela simplicidade rica de significado do
momento da descoberta.
Quanto às palavras em posição de destaque no verso, , sem dúvida, pelo
menos duas: gnwmosÚnhje mštron”. Talvez se possa dizer o mesmo de noÁsai
também, mas certamente as duas anteriores são as de maior importância. Dessas três,
apenas se pôde manter, na versão em Português, a tradução de mštron(“medida”),
ainda que tenha sido preciso mudá-la de um verso para outro. As outras duas palavras
74
não puderam ser mantidas em posição de destaque na tradução. Contudo, criou-se uma
antítese com a primeira e a última palavra do dístico, “nada” e “tudo”. Estando em
posição de destaque, elas acentuam a diferença do conteúdo da primeira parte, de
privação pela dificuldade, para o da segunda, de abrangência pela completude de
sentido e de possibilidades expressas, compensando, desta forma, a perda ocorrida.
75
Sólon Fr. 24
sÒn toi ploutšousin, Ótwi polÝj ¥rgurÒj ™sti
ka• crusÕj ka• gÁj purofÒrou ped…a
†ppoi q' ¹m…ono… te, ka• ïi mÒna taàta p£resti,
gastr… te ka• pleura‹j ka• pos•n ¡br¦ paqe‹n,
5 paidÒj t' ºd gunaikÒj, ™p¾n ka• taàt' ¢f…khtai,
érh, sÝn d' ¼bh g…netai ¡rmod…h.
taàt' ¥fenoj qnhto‹si· t¦ g¦r perièsia p£nta
cr»mat' œcwn oÙde•j œrcetai e„j 'Adew,
oÙd' ¨n ¥poina didoÝj q£naton fÚgoi, oÙd bare…aj
10 noÚsouj, oÙd kakÕn gÁraj ™percÒmenon.
Da mesma forma é rico aquele provido de prata
E ouro e placies em que o trigo copioso viceja,
Mulas, cavalos também, e aquele que tem somente isto:
Paz e consolo aos pés, tal qual aos flancos e ao ventre,
5 E, se é chegado o tempo de uma mulher e um filho,
Vem-lhe um jovem vigor na proporção mais harnica.
Isso é riqueza aos mortais, pois nem parte da enorme opulência
De ouro e bens materiais, homem nenhum leva ao Hades,
Tampouco pode, pagando, fugir-se à morte e às penosas
10 Pestes, nem mesmo tardar que se lhe abata a velhice.
O fragmento 24 de Sólon apresenta o tema do envelhecimento, o qual também é
tratado em poemas de diversos outros poetas, como se pode observar no corpus deste
trabalho. Aqui, no entanto, Sólon não se limita a simplesmente lamentar a
inevitabilidade da velhice e da morte; com efeito, o poeta usa esse lamento como
argumento para melhor fundamentar as afirmações que faz no início do poema. Pode-se
dividir essa elegia em três momentos principais: nos três primeiros versos, o poeta
discorre a respeito da riqueza de bens materiais; em seguida, por mais três versos, trata
do tipo de riqueza que advém da saúde e da paz de que um homem pode gozar;
76
finalmente, nos quatro últimos versos, justifica esse último tipo de riqueza, até como
mais valiosa do que a primeira, dizendo que ninguém leva ouro ao Hades, nem
consegue fugir da morte e de doenças por meio de um pagamento monetário.
O quarto verso do original grego possui uma aliteração bem marcante em /p/ nos
vocábulos pleura‹j”, pos•n e paqe‹n”, que, na tradução, teve o número de
palavras reduzido para duas apenas, “paz” e “pés”. Esse efeito sonoro da repetição da
plosiva /p/ faz com que o verso se destaque dos demais, conferindo-lhe uma importância
maior e servindo de recurso retórico para auxiliar o poeta em sua argumentação. Como
se trata do verso em que justamente se enuncia a idéia que o poeta estava se dispondo a
defender, é um efeito digno de menção e de um esforço para ser reconstituído, ainda que
não completamente, na tradução.
Adiante, no verso em que retoma a idéia defendida e a afirma categoricamente, o
poeta novamente emprega uma aliteração em /p/ nas palavras perièsiae p£nta”,
decerto com a mesma intenção de sublinhar a importância do verso e ampliar seu efeito
de persuasão. Em Português, aparecem os vocábulos “pois”, “parte” e “opulência” para
recriar essa repetição de /p/.
Finalmente, há um bom número de vocábulos significativos em posição de
destaque no início e no final de verso no poema original. Os mais importantes deles são:
sÒn”, ™sti”, gastr…”, paqe‹n”, paidÒj”, cr»mat'”, 'Adew e noÚsouj”.
Desses, puderam ser mantidos em destaque na tradução os seguintes: “sÒn” (“da
mesma forma”), paidÒj(“de um filho”, que foi, no entanto, deslocado para o final do
verso), “cr»mat'” (“de ouro”), “'Adew” (“Hades”) e “noÚsouj” (“males”).
77
Teógnis Teognídea 271-8
”Iswj toi t¦ mn ¥lla qeo• qnhto‹s' ¢nqrèpoij
gÁr£j t' oÙlÒmenon ka• neÒtht' œdosan.
tîn p£ntwn d k£kiston ™n ¢nqrèpoij qan£tou te
ka• pasšwn noÚswn ™st• ponhrÒtaton
5 pa‹daj ™pe• qršyaio ka• ¥rmena p£nta par£scoij,
cr»mata d' ™gkataqÁij pÒll' ¢nihr¦ paqèn,
tÕn patšr' ™cqa…rousi, katarîntai d' ¢polšsqai
ka• stugšous' ésper ptwcÕn ™sercÒmenon.
Deuses nos deram, aos homens mortais, de maneira semelha
A ancianidade nefanda e a idade de infante.
Mais do que tudo, no entanto aos homens pior do que a morte
E mais sofrível do que todos os tipos de males
5 É se se criam os filhos, provendo de tudo o melhor
(Males sem conta, a fim de ouro guardar-lhes, sofrendo)
E eles enxergam o pai como imigo, querendo-lhe a morte.
Como a um mendigo ao chegar pelos umbrais o execram.
A elegia encontrada dos versos 271 a 278 da Teognídea apresenta uma reflexão
a respeito do tema da velhice. Porém, ao contrário do que se pode observar nos poemas
compostos por Anacreonte e Mimnermo que tratam desse mesmo assunto, -se aqui
uma variação um tanto quanto inusitada. Em vez de culpar a velhice por todos os males
que assolam os homens, o eu-lírico afirma a existência de algo muito pior, a saber,
filhos ingratos que vêem o pai como um inimigo apesar deste ter-lhes dado de tudo.
O texto é dividido entre dois momentos de igual extensão de versos. Na primeira
dessas partes, ocorre a menção de como os deuses conferem aos homens tanto a velhice
quanto a mocidade, de modo a, talvez, preparar o leitor para uma comum crítica à idade
avançada. O que ocorre em seguida, no entanto, é que a idéia comumente aceita da
velhice como algo ruim é aproveitada, juntamente com a da morte, que se menciona no
78
verso seguinte, para alavancar o conceito que se quer expor com uma força maior, ao
dizer que os filhos ingratos são algo ainda pior do que tudo isso. Dessa forma, o poeta
parece empregar conceitos de aceitação geral e, por meio da surpresa e da concatenação
dessas idéias solidificadas na mente de seus ouvintes/leitores, estabelecer a idéia que
pretende desenvolver.
O primeiro verso do texto original apresenta uma intensa repetição de /t/ e /th/
(“toi”, ”, qeo•”, qnhto‹s' e ¢nqrèpoij”), fazendo com que o ritmo seja
bastante truncado. Na tradução, só foi possível recriar esse efeito no verso seguinte com
uma longa seqüência de sons de /d/ (“ancianidade”, “nefanda” e “idade”), que é apenas
prenunciada pelo início do primeiro verso com “deuses” e “deram”. Além disso, ocorre
também no segundo verso do texto em Português um jogo com as palavras “nefanda” e
“infante”, as quais se ligam aos termos “ancianidade” e “idade”, os quais se encontram
em posições opostas e criam um eco entre si.
O efeito anterior, de ritmo truncado pela repetição de /t/, é retomado no terceiro
verso do poema grego com tîn”, p£ntwn”, k£kiston”, ¢nqrèpoij”, qan£tou” e
te”. Esse efeito é intensificado ainda pela presença de do som /d/ em d e pela
repetição de /k/ em k£kiston”, por serem consoantes oclusivas, tal qual /t/.
Novamente, o efeito foi compensado por uma repetição de /d/, reforçado pela ocorrência
de /t/ e /k/, em “do”, “que”, “tudo”, “entanto”, “do”, “que” e “morte”. Na tradução, o
verso seguinte apresenta um efeito semelhante em “do”, “que”, “todos”, “tipos” e “de”,
que de certa forma compensa a seqüência de plosivas /p/ que começa no mesmo verso
do texto original e se estende até o seguinte (“pasšwn”, ponhrÒtaton”, pa‹daj”,
“™pe•”, “p£nta” e “par£scoij”).
Não parece haver muitas palavras significativas em posição de destaque. Dentre
as que se poderiam considerar assim, estão: ¢nqrèpoij”, gÁr£j”, pa‹daj e
cr»mata”. Dessas, a única cuja tradução se de manter em posição de destaque foi
gÁr£j” (“ancianidade”).
79
Tetrâmetro Trocaico
“Em alguns tipos de verso, o ritmo do período é regular o bastante para admitir
uma divisão em uma série de unidades idênticas ou equivalentes, entre três e seis
sílabas. Essas são chamadas metra, e o período pode ser descrito como um dímetro,
tetrâmetro, etc, de acordo com seu número.”.
45
Nesses, o não é necessariamente a
unidade empregada para descrevê-lo, como é o caso do tetrâmetro trocaico, cujos metra
são compostos de dois pés trocaicos justapostos, sendo o último catalético. Ademais, no
tetrâmetro trocaico, a quarta posição de cada metron pode ser ocupada tanto por uma
sílaba breve quanto uma longa, fenômeno denominado anceps.
46
uma cesura após a
oitava sílaba, separando, desta forma, os dois primeiros metra dos seguintes. Essa
cesura, contudo, nem sempre é respeitada.
47
Estrutura-se, portanto, da seguinte maneira um tetrâmetro trocaico em
metrificação grega:
Vejamos, a seguir, um exemplo de tetrâmetro trocaico de um verso de Arquíloco
(Fr. 114):
/ fi / lšw / / gan / stra / th / gÕn / d / dia / pe / plig / / non
Os tetrâmetros trocaicos foram traduzidos numa forma fixa composta de oito
troqueus, resultando em quinze sílabas, uma vez que, em Português, as sílabas átonas
finais, costumeiramente, não são contadas em metrificação:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
45
West (1987: 5).
46
Gentili & Lomiento (1951: 5-6).
47
West (1987: 28).
80
Não / es / ti / mo um / gran / de / co / man / dan / te / que an / da / des / fi / lan /
do
Mais uma vez, optou-se por não respeitar a cesura como norma, de modo tanto a
compensar a falta de variação rítmica permitida em grego, como também manter o verso
mais flexível.
Dessa forma, tentou-se manter certa similaridade em relação à estrutura dos
originais gregos, admitindo-se que em língua portuguesa é bastante difícil reproduzir a
variação rítmica possível na versificação grega.
81
Arquíloco Fr. 114
oÙ filšw mšgan strathgÕn oÙd diapepligmšnon
oÙd bostrÚcoisi gaàron oÙd' Øpexurhmšnon,
¢ll£ moi smikrÒj tij e‡h ka• per• kn»maj „de‹n
∙oikÒj, ¢sfalšwj bebhkëj poss…, kard…hj plšwj.
Não estimo um grande comandante que anda desfilando,
Orgulhoso de seus cachos, com a barba aparada.
Antes, um pequeno e torto de se ver em suas pernas,
Mas que esteja firme sobre os pés e pleno de coragem.
Passando agora para tetrâmetros trocaicos, o fragmento 114 nos apresenta uma
apologia do comandante focado em seu trabalho, a partir da antítese entre este e o
general preocupado em aparentar grandeza. Sua tradução parece poder seguir apenas
esse caminho, independente da interpretação que se fizer da intenção do poeta.
48
Os primeiros dois versos do original grego são permeados por assonâncias em
/o/ (“strathgÕn”, diapepligmšnon”, bostrÚcoisi”, gaàrone Øpexurhmšnon”),
dentre as quais quatro estão dispostas em posição de destaque no final
(“diapepligmšnon e Øpexurhmšnon”) e no meio desses versos (“strathgÕn e
gaàron”), recaindo na oitava sílaba, como pode ser visto no esquema abaixo:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
/ fi / lšw / / gan / stra / th / gÕn / / d / dia / pe / plig / / non
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
/ d / bos / trÚ / coi / si / gaà / ron / / d' Ø / pe / xu / rh / / non,
Em Português, tentou-se compensar o efeito por meio de uma longa seqüência
de assonâncias em /ã/ (“grande”, “comandante”, “anda”, “desfilando”) e /a/ (“cachos”,
48
Ver Corrêa (1998: 139-43) para as possíveis interpretações do fragmento.
82
“a” e “barba”, “aparada”). O eco na oitava sílaba dos dois versos foi compensado pelo
adjetivo “grande” e seu eco em “comandante”.
É interessante notar como essa ordenação das assonâncias reforça o aspecto de
aparente perfeição do primeiro comandante mencionado no poema. Os versos restantes,
nos quais se fala do comandante torto e pequeno, apesar de retomarem, no início do
terceiro verso, a assonância em /o/ (“moi smikrÒj”), compensada em Português
novamente por /ã/ (“antes”), parecem não ter a mesma rigidez de forma. No entanto,
não deixam de ser versos fortes, reforçados pela seqüência de plosivas /b/ e /p/ no
interior do último verso (“bebhkëj”, poss… e plšwj”), o que também se tentou
manter na tradução (“sobre”, “pés e “pleno”), uma vez que parece ser uma
característica importante do poema, relacionando-se com a força explosiva que teria o
comandante disforme.
No texto grego, os vocábulos “mšgan” e smikrÒj” aparecem ocupando a quarta
e quinta posição de seus versos, reforçando, desta maneira, a comparação entre os dois
opostos:
1 2 3 4 5
/ fi / lšw / / gan”,
1 2 3 4 5
¢l / / moi / smi / krÒj”.
Procurou-se manter esse paralelismo na tradução, fazendo com que a sílaba forte
de ambos os vocábulos recaíssem na quinta posição do verso:
1 2 3 4 5 6
Não / es / ti / mo um / gran / de”,
1 2 3 4 5 6
An / tes, / um / pe / que / no”.
83
Alguns efeitos empregados pelo poeta para reforçar a diferença entre os dois
tipos de generais não puderam ser recriados na tradução. O primeiro foi o uso de verbos
longos para descrever as ações do general pomposo, de modo a acentuar o caráter
supérfluo desse indivíduo. O segundo foi o contraste entre o efeito anterior e o uso do
termo “∙oikÒj” em posição de destaque no início do último verso do poema, em
posição oposta a diapepligmšnon”, o primeiro particípio referente ao primeiro
general, o qual se encontra em destaque no final do primeiro verso.
84
Arquíloco Fr. 122
crhm£twn ¥elpton oÙdšn ™stin oÙd' ¢pèmoton
oÙd qaum£sion, ™peid¾ ZeÝj pat¾r 'Olump…wn
™k mesambr…hj œqhke nÚkt', ¢pokrÚyaj f£oj
¹l…ou l£mpontoj, lugrÕn d' Ãlq' ™p' ¢nqrèpouj dšoj.
5 ™k d toà ka• pist¦ p£nta k¢p…elpta g…netai
¢ndr£sin· mhde•j œq' Ømšwn e„soršwn qaumazštw
mhd' ™¦n delf‹si qÁrej ¢ntame…ywntai nomÕn
™n£lion, ka… sfin qal£sshj ºcšenta kÚmata
f…lter' ºpe…rou gšnhtai, to‹si d' Ølšein Ôroj.
Nada mais é inesperado, nada mais é refuvel
Ou tampouco admivel, dês que Zeus, pai dos Ompios,
Fez do meio-dia noite, subtraindo o resplendor
Próprio ao Sol brilhante um medo horrendo sobrepaira os homens.
5 Doravante tudo pode-se esperar e acreditar
Pelos homens. Que nenhum de vós se admire do que ,
Nem se feras permutarem com golfinhos a pastagem
Oceânica, e do mar a elas as sonoras ondas
Se tornarem mais queridas, sendo o verde monte aos outros.
O fragmento 122 de Arquíloco versa a respeito da ocorrência de um eclipse e de
como o fenômeno, por aparentemente inverter a ordem natural das coisas, abala a
crença dos homens, fazendo com que tudo passe a ser possível e passível de se esperar e
acreditar.
Logo no início do poema, ocorre, no original, uma repetição de oÙdš três
vezes nos dois primeiros versos, criando um polissíndeto que, apesar de ser bastante
comum em Grego, ênfase à passagem e se harmoniza com o clima de perplexidade
expresso no texto. Preferiu-se traduzir da forma mais natural ao Português, sem o
polissíndeto, mas repetiu-se “nada mais”, para manter um efeito semelhante ao do
original. Criou-se também uma assonância com os ditongos de “ou” e tampouco”, uma
85
espécie de eco com o final das palavras “refutável” e “admirável”, e uma assonância em
/a/ (“nada”, “mais”, “inesperado”, “nada”, “mais”, “refutável”, “admirável” e “pai”)
nesses primeiros versos, para compensar as assonâncias em /o/ (“¥elpton”,
¢pèmoton”, qaum£sion e 'Olump…wn”) e /ó/ (“crhm£twn”, ““¢pèmoton e
'Olump…wn”) do texto original, cuja sonoridade uniforme contribui para unificar a idéia
apresentada de uma forma que indica quase uma espécie de transe, no qual o eu-lírico se
perde em meio à aparente inexplicabilidade do fenômeno descrito.
No quarto verso, compensou-se a assonância em /o/, começada, aliás, no
terceiro, do original (“¢pokrÚyaj”, f£oj”, l£mpontoj”, lugrÕne dšoj”) com
uma assonância em /e/ (“medo” e “horrendo””).
No quinto verso do texto grego, uma aliteração em /p/ (“pist¦”, p£ntae
k¢p…elpta”), a qual foi recriada ao longo do quinto e no início do sexto verso da
tradução (“pode”, “esperar” e “pelos”). Essa aliteração parece indicar um possível
estado de perdição, advindo da impossibilidade do eu-lírico de compreender o
fenômeno em torno do qual se constrói o texto, ao passo que a sucessão de palavras de
impacto sonoro progressivamente maior, somadas ao efeito plosivo do /p/, parece
indicar uma idéia de declínio acentuado.
Por fim, no oitavo verso, em grego uma longa assonância em /a/ (“™n£lion”,
ka…”, qal£sshj”, ºcšenta e kÚmata”), a qual foi desmembrada em uma
assonância em /a/ (“mar”, “a”, “as” e “oceânica”) e /o/, (“do”, “sonoras” e “ondas”) em
Português.
86
Trímetro Jâmbico
O jambo se caracteriza por uma cadência rápida, cujo ritmo se assemelhava, de
acordo com testemunhos como o de Demétrio, ao da fala prosaica: O jambo é lugar
comum e tal qual o ritmo da fala diária. Muitas pessoas conversam em jambos sem
sequer sabê-lo.”
49
Não obstante, por conta de sua leveza e prontidão, que, de acordo
com o matemático e teórico musical francês Marin Mersenne, imitam a cadência do
fogo quando começa a queimar, ele era próprio para exprimir a cólera.
50
De fato, esse
era o ritmo empregado por Arquíloco e Hipônax, entre outros, para criar poemas de
ataque e vitupério.
O fragmento 1 de Semônides apresenta vinte e quatro versos compostos em
trímetros jâmbicos, sem nenhuma variação neste padrão métrico. Por esse motivo, não
houve grandes dificuldades durante o estudo da estruturação do poema e da escolha de
um padrão métrico que o representasse em Português.
Primeiramente, vejamos como é formado o trímetro jâmbico em Grego. A
unidade mais importante, neste caso, é o metron jâmbico, o qual é composto a partir da
justaposição de dois pés jâmbicos. Fora isso, ainda a peculiaridade, como é comum
nesse tipo de metron, de haver um anceps em uma de suas posições. No caso do metron
jâmbico, o anceps se encontra na primeira posição. Dessa forma, essa é a estrutura
básica de um trímetro jâmbico:
Para ilustrar a estrutura apresentada acima, analisemos a métrica dos primeiros
dois versos desse fragmento de Semônides:
ð / pa‹, / / loj / mn ZeÝj / œ / cei / ba / rÚk / tu / poj
49
Traduzido de Preminger, Hardison & Kerrane (1974: 143).
50
Cotte (1988: 48).
87
p£n / twn / Ós' / ™s / t• ka• / t… / qhs' / Ó / khi / / lei,
Como é comum em metrificação grega, apesar da uniformidade da estrutura,
espaço para variações rítmicas dentro do verso devido ao anceps de cada metron. Para a
tradução, no entanto, escolheu-se uma estrutura de mesmo número de sílabas, doze, com
acento mandatório na segunda, quarta, sexta, oitava, décima e décima segunda sílabas.
Os mesmos dois versos apresentados anteriormente em Grego encontram-se da
seguinte forma na tradução:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
O / fim / de / tu / do, / fil / ho, / Zeus / ple / ni / tro / an / te
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Em / gen / dra e es / ta / be / le / ce / co / mo / bem / lhe en / ten / de.
88
Semônides Fr. 1
ð pa‹, loj mn ZeÝj œcei barÚktupoj
p£ntwn Ós' ™st• ka• t…qhs' Ókhi qšlei,
noàj d' oÙk ™p' ¢nqrèpoisin, ¢ll' ™p»meroi
§ d¾ bot¦ zÒousin, oÙdn e„dÒtej
5 Ókwj ›kaston ™kteleut»sei qeÒj.
™lp•j d p£ntaj k¢pipeiqe…h tršfei
¥prhkton Ðrma…nontaj· oƒ mn ¹mšrhn
mšnousin ™lqe‹n, oƒ d' ™tšwn peritrop£j·
nšwta d' oÙde•j Óstij oÙ doke‹ brotîn
10 PloÚtwi te k¢gaqo‹sin †xesqai f…loj.
fq£nei d tÕn mn gÁraj ¥zhlon labÕn
pr•n tšrm' †khtai, toÝj d dÚsthnoi brotîn
fqe…rousi noàsoi, toÝj d' ”Arei dedmhmšnouj
pšmpei mela…nhj 'Adhj ØpÕ cqonÒj·
15 oƒ d' ™n qal£sshi la…lapi kloneÒmenoi
ka• kÚmasin pollo‹si porfurÁj ¡lÕj
qn»skousin, eât' ¨n m¾ dun»swntai zÒein·
oƒ d' ¢gcÒnhn ¤yanto dust»nwi mÒrwi
kaÙt£gretoi le…pousin ¹l…ou f£oj.
20 oÛtw kakîn ¥p' oÙdšn, ¢ll¦ mur…ai
broto‹si kÁrej k¢nep…frastoi dÚai
ka• p»mat' ™st…n. e„ d' ™mo• piqo…ato,
oÙk ¨n kakîn ™rîimen, oÙd' ™p' ¥lgesin
kako‹j œcontej qumÕn a„kizo…meqa.
O fim de tudo, filho, Zeus plenitroante
Engendra e estabelece como bem lhe entende.
Não inteligência entre nós. Emeros,
Vivemos como bois, jamais sabendo a forma
5 Com quede pôr fim a cada coisa o deus.
Mas esperança e confiança nutrem todos
89
Em nosso anelo ao incuvel. Um aguarda
Que chegue o dia; outro, a troca de estação.
Não dentre os mortais quem deixe de se ver
10 Amigo de riqueza e nobre no futuro.
Mas toma-o a velhice incobiçável antes
Que alcance sua meta, enquanto males sestros
Destroem outros homens, e os vencidos de Ares
Pra além da terra negra envia Hades.
15 Caçados, outros inda são por tempestades
E pelas muitas ondas do purreo mar
No mar perecem sempre que o sustento falta.
Ao da forca, outros vão-se em morte infanda,
Deixando, por vontade própria, a luz do Sol.
20 Por isso, nunca faltam males, mas, sim, Queres
Diversas e aflições e estragos imprevistos
Existem pros mortais. Se o meu conselho ouvissem,
Nós não desejaamos o mal, nem dores
Terveis nossos ânimos maltratariam.
O fragmento 1 de Semônides, como tantos outros do corpus deste trabalho, trata
do tema da velhice, porém não apenas dela. Os vinte e quatro versos em trímetros
jâmbicos desse poema constituem um todo passível de ser divido em quatro momentos
principais. O primeiro deles, que introduz o poema e define o início do problema a ser
tratado, vai dos versos um a cinco. A estrutura mšn ... (“por um lado ... por outro
lado”) estabelece, no campo da sintaxe, o contraste que é feito, no contexto desses
versos, entre Zeus e os mortais; entre a onisciência e o poder supremo daquele e a
efemeridade e a falta de recursos desses. Em seguida, um momento de aparente
otimismo no poema, dos versos seis a dez, onde o poeta fala a respeito da esperança que
move os homens. No entanto, logo depois, ele mostra que essa esperança é por causa
da velhice e dos muitos males que recaem sobre os mortais antes que eles possam dar
cabo de seus planos. Essa terceira parte, ao contrário das outras, é mais extensa e dura
nove versos, mostrando a falta de equilíbrio entre a esperança anterior e a desgraça
subseqüente. Por fim, na última parte, o poeta conclui, um tanto quanto
90
enigmaticamente ou talvez assim nos pareça por falta de alguns versos ou de maiores
informações a respeito do contexto que essa é a razão de haver tantos males para os
mortais e que, se todos seguissem seu conselho, não desejariam coisas ruins nem
sofreriam.
Ao contrário do que se tomou como norma para esse trabalho, no primeiro verso
do texto, foi preferível traduzir o epíteto barÚktupoj do original pelo igualmente
composto “plenitroante” em Português. Isso foi feito, em primeiro lugar, para manter o
valor sonoro e impactante do vocábulo grego. Em segundo lugar, foi uma solução mais
adequada pelo fato de que não havia muito espaço no verso para uma perífrase que
tivesse a mesma força que ele.
O segundo verso do poema original apresenta um andamento mais pesado,
devido à repetição dos sons oclusivos /t/, /th/, /k/ e /p/, presentes nas palavras: ka•”,
Ókhi”, p£ntwn”, st•”, t…qhs'e qšlei”). Ao mesmo tempo, o verso também foi
composto de uma forma ininterrupta e melódica, devido às sinéreses nos vocábulos “Ós'
™st•” e t…qhs' Ókhi”, que fazem com que a passagem adquira uma consistência maior.
Em Português, o efeito que se criou para compensar a característica melódica do
original foi a assonância entre “engendra”, “bem” e “entende”, ao passo que se tentou
manter um número de sons oclusivos (/t/, /d/ e /b/) ao longo do verso para recriar o
andamento pesado do texto grego (“engendra”, “estabelece”, “como”, “bem” e
“entende”).
Um efeito de natureza semelhante ao do descrito acima ainda pode ser notado,
no verso seguinte do texto original, d' oÙk”, ™p' ¢nqrèpoisin” e ¢ll' ™p»meroi”. O
efeito melódico, novamente, foi compensado por uma assonância, presente nos
vocábulos “inteligência”, “entre” e “efêmeros”. Por outro lado, a repetição de /p/ que
havia no original não pôde ser recriada nem compensada, uma vez que havia um efeito
de maior prioridade: a presença do termo p»meroi em posição final. Pareceu
importante manter o vocábulo que o traduz na mesma posição, além de não empregar
nenhum outro termo para traduzi-lo que não “efêmeros”, devido tanto à correspondência
entre as duas palavras, quanto ao sentido do vocábulo de “durar apenas um dia”, o qual
é extremamente importante ao imaginário criado pelo poema.
91
Por fim, uma série de palavras significativas em posição de destaque no
início ou no final de verso, como: barÚktupoj”, p£ntwn”, lei”, noàj”,
™p»meroi”, qeÒj”, ™lp•j”, brotîn”, PloÚtwi”, fq£nei”, brotîn”, cqonÒj”,
¡lÕj”, qn»skousin”, zÒein”, mÒrwi”, f£oj”, mur…ai”, broto‹si”, ¥lgesine
kako‹j”. Dessas, foram mantidas em posição de destaque na tradução as seguintes:
barÚktupoj(“plenitroante”), ™p»meroi (“efêmeros”), “qeÒj” (“deus”), “™lp•j
(“esperança”), brotîn (“mortais”), ¡lÕj (“mar”), zÒein (traduzido aqui como
“sustento”), “mur…ai” (“inúmeras”), “¥lgesin” (“dores”) e “kako‹j” (“terríveis”).
92
Estrofe Sáfica
Os dois poemas de Safo presentes neste trabalho seguem um mesmo esquema
métrico, comumente denominado estrofe sáfica, que recebeu este nome por ter sido o
padrão métrico que notabilizou a poetisa na antigüidade. Copiada por poetas
posteriores, como Catulo (11 e 51) e Horácio (Carmen Saeculare), a estrofe sáfica se
caracteriza por possuir três versos seqüenciais de mesma conformação, a saber, um
metron trocaico, um dáctilo e novamente um metron trocaico, seguidos por um
quarto verso de menor extensão, que se estrutura na forma de um dactílico e um
trocaico com anceps na última posição, como pode ser observado no esquema abaixo:
Como exemplo prático, tomemos a primeira estrofe do fragmento 31 de Safo, a
fim de analisarmos sua estrutura métrica:
fa… / ne / ta… / moi / / noj / / soj / / oi / sin
œm / men' / ê / nhr, / Ôt / tij / / n£n / ti / Òj / toi
„s / / nei / ka• / pl£ / si / on / « / du / fw / ne…-
saj / Ù / pa / koÚ / ei
O esquema, seguido rigorosamente, cria um ritmo descendente, por conta da
exclusividade de troqueus e dáctilos, que pode ser mais ou menos truncado dependendo
das posições livres serem ou não preenchidas por sílabas longas.
93
Para a tradução, tentou-se seguir o esquema métrico com certa fidelidade, ainda
que tomando algumas licenças, para não comprometer as informações e demais efeitos
do poema em demasia.
A primeira das liberdades tomada foi a de permitir versos cataléticos, de modo
que a última posição, a do anceps, nem sempre estará preenchida, ainda que se tenha
evitado isso tanto quanto possível.
A segunda das licenças usadas diz respeito à ordenação das palavras nos versos.
Muitas vezes foi preciso mover vocábulos de um verso para outro, além de usar
traduções menos literais, a fim de preservar tanto o ritmo e a sonoridade suave do
original.
Para ilustrar de forma prática como o esquema métrico foi empregado no
processo de tradução, observemos o exemplo abaixo, um trecho escandido do fragmento
trinta e um de Safo:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E / le / me / pa / re / ce / ser / par / dos / deu / ses,
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
O ho / mem / que / se / sen / ta / pe / ran / te / ti
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E / se in / cli / na / per / to / pra ou / vir / tua / do / ce
1 2 3 4
Voz / e / teu / ri / so
Apesar de os primeiros versos de cada estrofe serem de dez sílabas em
Português, eles obedecem um ritmo pouco usual em nossa língua e reproduzem, com
um bom grau de fidelidade, a seqüência de marcação rítmica do original.
De modo geral, empregou-se um metro composto pela justaposição de dois
troqueus, um dáctilo e mais dois troqueus, com a possibilidade do último ser catalético.
A única exceção em que o anceps da quarta posição acabou sendo ocupado por uma
sílaba forte foi o seguinte:
94
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fil / ha / de / Zeus / que ur / de / em / ga / nos, / pe / ço-
Como resultado, esse verso da Ode a Afrodite se estruturou pela seqüência de
um troqueu, um espondeu, um dáctilo e dois troqueus, sendo o único nos dois poemas
de Safo do corpus a usar de modo diferente o anceps da quarta posição.
95
Safo Ode a Afrodite
po]ikilÒqro[n' ¢qan£t'AfrÒdita,
pa‹] D[]oj dol[Òploke, l…ssoma… se,
m» m'] ¥saisi [mhd' Ñn…aisi d£mna,
[]pÒtn]ia, [mon,
5 ¢ll]¦ tu…d' œl[q', a‡ pota k¢tšrwta
]j œmaj aÜ[daj ¢…oisa p»loi
œk]luej, p£tro[j d dÒmon l…poisa
[]c]rÚsion Ãlq[ej
¥r]m' Ùpasde[Úxaisa· k£loi dš s' «gon
10 ê]keej stroà[qoi per• g©j mela…naj
]kna d…n[nentej ptšr' ¢p' çr£nw‡qe-
[]ro]j di¦ mšssw·
a]ya d' ™x…ko[nto· sÝ d', ð m£kaira,
meidia…[sais' ¢qan£twi prosèpwi
15 ½]re' Ôtt[i dhâte pšponqa kêtti
[]dh]âte k[£l]h[mmi
k]êtti [moi m£lista qšlw gšnesqai
m]ainÒlai [qÚmwi· t…na dhâte pe…qw
.].s£ghn [™j s¦n filÒtata; t…j s', ð
20 []]pf', [¢dik»ei;
ka]• g[¦r a„ feÚgei, tacšwj dièxei,
<a„ d dîra m¾ dšket', ¢ll¦ dèsei,>
<a„ d m¾ f…lei, tacšwj fil»sei>
[]<kwÙk ™qšloisa.>
25 <œlqe moi ka• nàn, calšpan d làson>
96
<™k mer…mnan, Ôssa dš moi tšlessai>
<qàmoj „mšrrei, tšleson, sÝ d' aÜta>
[]<sÚmmacoj œsso.>
Afrodite eterna de ereo trono,
Filha de Zeus que urde enganos, peço-
Te: com goa e náusea não domines,
Dona, minh'alma,
5 Mas pra descende se alguma vez,
Tendo a voz me ouvido de muito longe,
Escutaste e a áurea casa tria,
Vindo, deixaste em
Carro atrelado. Formosas aves
10 Ágeis te levavam por sobre a terra
Negra, densas asas no céu vibrando em
Meio ao ar.
Logo aqui chegaram e tu, ditosa,
Em teu rosto eterno um sorriso abrindo,
15 Quis saber a causa de minha angústia,
A ordem do apelo,
O que eu mais queria que me passasse
De ânimo imprudente. "Agora quem
Devo persuadir para ti. Quem, Safo,
20 Faz com que sofras?
Se ora foge, logo te i no encalço.
Se rejeita os dotes, não tarda a -los.
Se não te ama, logo ela vai te amar
Contra a vontade."
97
25 Vem-me agora, pois, desfazer essa árdua
Aflição. Perfaz-me o que minha alma
Sonha ver perfeito, e tu mesma
Minha aliada.
Na Ode a Afrodite de Safo, o eu-lírico faz um pedido de ajuda à deusa, seguindo
a ordem padrão de uma prece, a saber: a enunciação do nome e dos epítetos da entidade
a quem se está dirigindo, a lembrança de alguma relação preexistente entre o mortal e o
deus, culminando, por fim, no pedido propriamente dito. Como um paralelo ilustrativo,
pode-se lembrar o pedido, a Apolo, feito por Crises no início da Ilíada. A partir do
verso trinta e sete do primeiro canto desse poema épico de Homero, o velho sacerdote
troiano inicia uma prece ao deus, citando um de seus epítetos, ¢rgurÒtoxoj (“do arco
argênteo” na tradução de Carlos Alberto Nunes), além de elencar algumas de suas áreas
de atuação. Em seguida, ele afirma ter construído templos magníficos e feito
sacrifícios em honra ao deus. Somente depois disso, ele faz o pedido de intervenção de
Apolo numa vingança sobre os Aqueus por não lhe devolverem a filha.
Deixando de lado o exemplo da épica e partindo para a análise estrutural do
poema de Safo, pode-se dizer que ele foi construído pela sucessão de quadras feitas num
mesmo padrão métrico. Nas três primeiras, encontram-se a invocação da deusa e o
início da lembrança de vezes passadas em que ela veio ter com o eu-lírico. A quarta
quadra marca a metade do poema no momento em que, na lembrança, a deusa chega até
a mortal. Na quinta e na sexta quadra, pode-se observar a recordação de um diálogo em
que a deusa se mostrou favorável ao eu-lírico. Por fim, na sétima e última quadra, o
pedido por auxílio divino.
O primeiro verso dessa ode de Safo, considerado por Pound (1976: 18) um dos
mais belos criados, apresentou as mais sérias dificuldades dentre as encontradas no
processo de tradução do poema. A primeira delas, como ocorrido no outro poema de
Safo presente neste trabalho, foi a de encontrar uma palavra em Português para traduzir
poik…loj”, uma vez que a tradução literal, “variegado”, dificilmente condiz com a
sonoridade buscada. Limitando ainda mais as opções, havia o metro enxuto escolhido
para a tradução, de modo que “imortal”, como tradução de ¢qan£t'”, dificilmente
98
permitiria o uso de um adjetivo adequado e mais extenso para substituir “variegado”.
Por esse motivo, no lugar de “imortal” foi empregado “eterna”, cujo sentido, para os
gregos, era semelhante quando usado em relação aos deuses, como se pode observar na
Teogonia de Hesíodo.
51
Tendo livrado algum espaço, dessa forma, foi possível escolher
um vocábulo mais longo e cuja sonoridade fosse forte o bastante para emular o efeito
que se tem em grego pela sucessão de sons de /t/ até culminar em ¢qan£t'”, para em
seguida o som quase que deslizar para AfrÒdita”. Em Português, dois dos pontos
máximos do verso são a sílaba tônica de “etéreo” e a de eterna”, as quais se
intensificam pela seqüência de sons de /t/ ao longo do verso, que prossegue até terminar
em “trono”, tendo começado com o próprio nome da deusa. Teria sido mais interessante
manter “Afrodite” no final do verso, mas não foi de todo possível, de modo que a
melhor solução encontrada foi deixar o termo em destaque no início do verso, abrindo o
poema.
Na tradução do segundo verso do poema, houve um problema de ordem
intertextual, por conta da lembrança da bela tradução que J. A. A. Torrano fez desse
mesmo poema. Nela, dolÒplokefoi traduzido como “tecelã de enganos”. A tradução
desse vocábulo sempre me pareceu tão adequada que levou certo tempo até conseguir
desvencilhar-me dela e perceber que havia outras opções que se encaixariam melhor no
metro empregado. À versão de Torrano, esse trabalho ainda deve crédito pelo uso do
verbo “perfazer” para traduzir as duas ocasiões em que derivados de telšw” aparecem,
além de, certamente, inspiração em outras ocasiões do poema.
Do segundo para o terceiro verso da tradução, preferiu-se separar “peço- de
“te”, tanto por ser um recurso empregado por Safo em outros poemas, quanto por uma
necessidade métrica, pois de outra forma teria sido difícil fazer com que o restante do
verso se encaixasse no padrão métrico adotado.
No terceiro verso da sexta quadra, foi preciso adicionar um “ela”, para deixar
claro que o objeto de desejo do eu-lírico é uma mulher, o que, em Grego, está implícito
51
Tem-se por premissa a possibilidade de tradução de ¢in ™Òntwn por “dos eternos”. Na obra de
Hesíodo, esse é um dos epítetos que pode variar, em geral por questões métricas, com ¢qan£twn(“dos
imortais”) para referir-se aos deuses. Por exemplo, pode-se verificar o verso vinte e um da Teogonia;
ocasião em que eles, aliás, aparecem juntos.
99
na terminação do particípio ™qšloisa”, que se encontra no verso seguinte, o qual teve
uma tradução pouco literal por necessidades métricas. Mais literalmente, -se “mesmo
não querendo”.
100
Safo Fr. 31
fa…neta… moi kÁnoj ‡soj qšoisin
œmmen' ênhr, Ôttij ™n£ntiÒj toi
„sd£nei ka• pl£sion «du fwne…-
saj ÙpakoÚei
5 ka• gela…saj „mšroen, tÒ m' Ã m¦n
kard…an ™n st»qesin ™ptÒaisen,
çj g¦r œj s' ‡dw brÒce' êj me fènai-
s' oÙd' Ÿn œt' e‡kei,
¢ll' k¦m mn glîss£ œage, lšpton
10 d' aÜtika crîi pàr ÙpadedrÒmhken,
Ñpp£tessi d' oÙd' Ÿn Ôrhmm', ™pirrÒm-
beisi d' ¥kouai,
k¦d dš m' ‡drwj kakcšetai, trÒmoj d
pa‹san ¥grei, clwrotšra d po…aj
15 œmmi, teqn£khn d' Ñl…gw 'pideÚhj
fa…nom' œm' aÜtai·
Ele me parece ser par dos deuses,
O homem que se senta perante ti
E se inclina perto pra ouvir tua doce
Voz e teu riso
5 Pleno de desejo. Ah, isso, sim,
Faz meu coração stremecer no peito.
Pois tão logo vejo teu rosto, a voz
Perco de todo.
Parte-se-me a língua. Um fogo leve
10 Me percorre inteira por sob a pele.
Com os olhos nada mais vejo. Zumbem
Alto os ouvidos.
101
Verto-me em suor. Um tremor me toma
Por completo. Mais do que a relva estou
15 Verde e para a morte não falta muito
É o que parece.
O texto do fragmento 31 de Safo comumente apresenta quatro estrofes de quatro
versos cada. No entanto, algumas edições consideram também a existência de um
último verso solto. Pelo fato de que essas quatro estrofes possuem uma unidade bem-
delimitada e também por conta desse verso final aparentemente não acrescentar muito,
ele foi deixado de fora.
52
O poema foi composto com quatro estrofes de mesmo padrão métrico, de modo
a conferir-lhe uma unidade que, de outra forma, talvez não existisse, devido ao fato de
que a maior parte do texto é usada para descrever a falha do funcionamento de diversas
funções e sentidos do corpo do eu-lírico. Ademais, outro fator que colabora
imensamente para criar um conjunto coeso e uma unidade sólida para o poema é a
simetria entre o primeiro verso e o último, ambos iniciados pelo verbo fa…nomai”. Na
primeira ocasião, ele se refere ao homem que está perto da amada do eu-lírico e, na
segunda, ao próprio eu-lírico. Tentou-se manter esse efeito até certo ponto, mas não foi
possível deixar os dois verbos no início de verso na tradução, uma vez que ele não se
encaixa no esquema métrico.
O primeiro verso do texto grego, ainda mais do que os restantes, tem uma
sonoridade leve e fluida, marcada mormente por /s/ em kÁnoj”, ‡soje qšoisin”,
que lhe conferem uma qualidade quase diáfana, fazendo com que o verso seja
pronunciado sem dificuldade. Na tradução, tentou-se manter essa sonoridade, com uma
seqüência de /s/ em “parece”, “ser”, “dos” e “deuses”.
52
Esse verso final, na edição adotada, é o seguinte: ¢ll¦ p¦n tÒlmaton, ™pe• ka• pšnhta (“Mas
tudo se pode suportar, posto que mesmo a um pobre”).
102
O segundo verso da segunda estrofe, por outro lado, tem um andamento mais
truncado e, ao mesmo tempo, mais delineado por conta da concentração de sons de /t/
em st»qesin e “™ptÒaisen”, além da presença de /p/ nessa última palavra e da
líquida /r/ em kard…an”, cujo próprio som intensifica a idéia da instabilidade
enunciada no verso. Esse último efeito foi recriado na tradução com o vocábulo
estremecer”, que, junto de “peito”, completa o campo sonoro existente em Grego com
certa fidelidade.
Desse verso em diante, uma longa descrição de como os vários sentidos do
corpo do eu-lírico se confundem e deixam de funcionar normalmente quando na
presença de sua amada. Durante essa descrição, uma forte presença de
enjambements, que fazem com que o texto adquira um andamento rápido, quase
alucinado, que só encontra uma pausa definitiva no final da quarta estrofe com o
prenúncio da morte. Na tradução, tentou-se, tanto quanto possível, manter essa
característica do texto original, preservando o cavalgamento.
Por fim, nessa mesma passagem, há a ocorrência de um polissíndeto, pela
repetição contínua da parcula “de”. Esse artifício é bastante comum no Grego antigo, a
ponto de praticamente não se sobressair em relação à estrutura do texto. Por esse
motivo, ele foi traduzido por orações simples e sem coordenação, criando um assíndeto
no texto em Português.
103
Dímetro Jônico com Anáclase
Os fragmentos 356 e 395 de Anacreonte foram estruturados por meio da
justaposição de dímetros jônicos com anáclase. Para entender a composição desse
padrão métrico, vejamos primeiro a forma pela qual se compõe um metron jônico:
Formado a partir da concatenação de um periâmbico e um espondaico, o
metron jônico não oferece grandes dificuldades de compreensão. O dímetro jônico, por
sua vez, será criado, simplesmente, pela adição de um novo metron de mesma forma ao
anterior:
Finalmente, o dímetro jâmbico com anáclase terá uma permuta entre a última
posição do primeiro metron e a primeira posição do segundo:
Como se pode observar, a última posição do primeiro metron pode ser ainda
ocupada por uma sílaba longa, ainda que o comum seja encontrar uma sílaba breve
nessa posição.
Para ilustrar o esquema acima, tomemos os primeiros dois versos do fragmento
395 de Anacreonte e façamos sua escansão:
po / li / o• / mn / ¹ / m•n / ½ / dh
krÒ / ta / foi / / rh / te / leu / kÒn,
104
Para representar esse padrão métrico em Português, foi empregado na tradução
um verso de mesmo número de sílabas, com acentos mandatórios na terceira, quinta e
oitava sílaba, todas longas no verso grego, tendo se ignorado apenas a ocorrência de
uma sílaba longa na sétima posição, criando um espondeu. Isso foi feito pela dificuldade
de se criar espondeus em língua portuguesa, mormente em final de verso.
Em alguns versos, há a ocorrência de uma sílaba tônica na primeira posição, mas
não é um efeito mandatório. Por isso, não foi marcado no texto final.
Dessa forma, ficam assim em Português esses mesmos dois primeiros versos
previamente apresentados:
1 2 3 4 5 6 7 8
Vai, / ga / ro / to, e / traz / pa / ra / mim
1 2 3 4 5 6 7 8
U / ma / ta / ça, / pa / ra / que eu / be / ba
105
Anacreonte Fr. 356
¥ge d¾ fšr ¹m•n ð pa‹
kelšbhn, Ókwj ¥mustin
prop…w, t¦ mn dšk' ™gcšaj
Ûdatoj, t¦ pšnte d' o‡nou
5 ku£qouj æj ¢nubr…stwj
¢n¦ dhâte bassar»sw.
¥ge dhâte mhkšt' oÛtw
pat£gJ te k¢lalhtù
Skuqik¾n pÒsin par' o‡nJ
10 meletîmen, ¢ll¦ kalo‹j
Øpop…nontej ™n Ûmnoij.
Vai, garoto, e traz para mim
Uma taça, para que eu beba
Sem resfolegar. Verte dez
Jarras d'água e cinco de vinho,
5 Para que eu de novo irrompa
Com decoro em frenesi quico.
Vai de novo! Dessa forma em
Meio ao frêmito e à gritaria
Bebedeira tica com vinho
10 Não façamos mais, mas com hinos
Moderadamente bebamos.
O fragmento 356 de Anacreonte nos apresenta uma cena de boemia, tema
comum do corpus de fragmentos do poeta (vide, por exemplo, os fragmentos 373, 376,
383, 396, 409 e 412). É provável que a ocasião descrita no poema, e talvez mesmo a de
performance, seja a de um banquete, uma vez que a menção de canto e verbos na
primeira pessoal do plural (“meletîmen” e “Øpop…nontej”), indicando talvez a presença
de mais pessoas além do eu-lírico e do menino a quem ele pede que lhe misture vinho
com água na proporção de cinco para dez. No fragmento 396, a repetição desse
pedido também a um menino, ainda que não nos reste muito do poema para saber se
106
haveria qualquer menção à medida empregada ou não. É interessante notar, também,
que no fragmento 409 aparece uma medida diferente e mais concentrada: cinco de vinho
para três de água. O emprego de uma medida mais suave no fragmento 356 é certamente
cabível ao intento do eu-lírico, nos versos finais, de exortar os demais convivas a beber
com moderação.
Quanto à tradução, em um primeiro momento, o verso inicial desse fragmento de
Anacreonte encontrava-se da seguinte forma: “Vai, garoto, e pega pra mim”. Essa
escolha não era de todo ruim. De fato, era sonoramente aceitável, pois o som de /é/ de
“pega” era recuperado em seguida, mas apenas no terceiro verso com “verte”. Desse
modo, ambas as duas ordens proferidas pelo eu-lírico soavam semelhantes, numa
tentativa de recuperar a seqüência de ecos em /é/ do texto grego nesse início do poema
(“”, ¹m•ne kelšbhn”). No entanto, “traz” logo surgiu como uma opção superior a
“pega”, uma vez que tanto traduz melhor a idéia do verbo fšrw de carregar algo,
como também cria um eco mais imediato com o vocábulo “taça” do verso seguinte.
Dessa forma, “traz” acabou figurando na versão final da tradução, e não “pega”, posto
que compensa bem os ecos em /é/ do texto original em vez de recriá-los sem muita
força, como era o caso de “pega”.
Em seguida, no segundo verso do texto, o vocábulo “¥mustin” teve sua tradução
deslocada para o verso seguinte, por necessidades métricas, de modo que trocou de
lugar com “para que eu beba” (“prop…w”). Apesar da tradução literal de ¥mustinser,
na verdade, “sem fechar a boca”, optou-se por traduzir a palavra por “sem resfolegar”.
A escolha foi feita com base, em primeiro lugar, no fato de que, em nossa língua, é
pouco comum que alguém diga que irá beber “sem fechar a boca”, sendo mais
recorrente dizer que irá beber “sem parar” ou “sem parar para respirar”. A partir disso,
chegou-se em “sem resfolegar”, que é sonora e mais interessante do que “sem parar para
respirar” por, evidentemente, ser mais curta e adequada ao ritmo escolhido.
De forma semelhante, do quinto para o quarto verso, foi preciso deslocar o
vocábulo “jarras” (“ku£qouj”). Isso ocorreu por dois motivos, sendo o primeiro o de
facilitar a compreensão do texto, uma vez que, sem a troca de lugar, a tradução ficaria
da seguinte forma: “... Verte dez / D‟água e cinco também de vinho / Jarras ...”. Essa
não era uma opção viável de tradução, tanto porque soa mal aos ouvidos, como também
107
é muito mais complicada de ser entendida para os nativos de nossa língua do que o texto
original deveria ser para os gregos. Em segundo lugar, era necessário livrar um pouco
de espaço para a tradução de bassar»sw”, que, por ter resultado em uma longa
perífrase, acabou por forçar um rearranjo de “com decoro” (“¢nubr…stwj”), que passou
do quinto verso para o sexto, trocando de lugar com “de novo” (“dhâte”).
No sétimo verso do poema, havendo uma dificuldade de produzir a última sílaba
forte do verso, antecipou-se o vocábulo “em”, cujo lugar mais lógico e semelhante ao
original seria no verso seguinte, para forçar a criação de um espondeu por elisão com a
última vogal de “forma”.
Por fim, também por necessidades métricas e para facilitar a compreensão do
texto, a tradução de mhkšt'(“não ... mais” ) foi deslocada do sétimo para o penúltimo
verso. Pelas mesmas razões, Ûmnoij (“com hinos”) e kalo‹j (“moderadamente”)
tiveram seus lugares trocados.
Na tradução desse poema, mais vocábulos foram movidos de um verso para o
outro do que se em geral nas traduções deste trabalho. Isso se deu por conta da curta
extensão do metro escolhido para a tradução, o que limitou o quanto se podiam
trabalhar as palavras de um verso para se adequarem, tanto sonora quanto
sintaticamente, às dos versos anteriores e dos seguintes.
108
Anacreonte Fr. 395
polio• mn ¹m•n ½dh
krÒtafoi k£rh te leukÒn,
car…essa d' oÙkšt' ¼bh
p£ra, ghralšoi d' ÑdÒntej,
5 glukeroà d' oÙkšti pollÕj
biÒtou crÒnoj lšleiptai:
di¦ taàt' ¢nastalÚzw
qam¦ T£rtaron dedoikèj:
'A…dew g£r ™sti deinÕj
10 mucÒj, ¢rgalÁ d' ™j aÙtÕn
k£todoj: ka• g¦r ˜to‹mon
katab£nti m¾ ¢nabÁnai.
Minhas têmporas: já grisalhas.
Já está branca minha cabeça.
Grácil juventude não mais
Me acompanha. Velhos, os dentes,
5 E do doce tempo da vida
Já não muito mais a mim resta.
É por isso que muitas vezes
Choro por temor de ir ao Tártaro.
Do Hades certamente é tervel
10 O interior, penosa, pra
A descida e além disso é certo
Que quem desce nunca mais sobe.
No fragmento 395 de Anacreonte, o poeta nos fala das dificuldades e das penas
da velhice, usando sua própria condição de ancião para ilustrar o difícil estado e sina de
um homem velho. O poema é dividido em dois momentos principais, no primeiro dos
quais o poeta enumera as diversas características que possui como homem idoso:
cabelos brancos, dentes velhos, pouco tempo restante de vida, etc. Em seguida, a partir
109
do sétimo verso, que coincide com a exata metade do que entendemos como um poema
completo, tendo explicado sua condição, ele apresenta o temor que tem de morrer.
Com respeito à tradução dos efeitos poéticos do poema, vejamos de início o final
do primeiro e do terceiro verso do texto grego, o qual apresenta uma rima toante com as
parônimas ½dh e ¼bh”, fazendo com que esta última seja valorizada e enfatizada
tanto pela sonoridade recorrente do /é/ e pela similaridade das palavras, quanto pela
subseqüente ocorrência de uma outra plosiva, /p/, em p£ra no verso seguinte. Na
tradução, não foi possível reproduzir a rima toante, mas uma exploração maior tanto
das plosivas /p/ e /b/ quando do som de /m/ que, por também ser bilabial, as reforça. No
local em questão, há os vocábulos “mais”, “me” e “acompanha”, estando os dois
últimos no quarto verso. No final dos três primeiros versos da tradução, de maneira
semelhante, a ocorrência de uma bilabial em posição de destaque (“minhas”,
“cabeça” e “mais). Fora isso, no segundo verso ainda se podem observar, nesse âmbito,
os vocábulos “têmporas” e “brancas”. Mais adiante, há uma nova seqüência de plosivas
no quinto e no sexto verso do texto grego com pollÕj”, “biÒtoue lšleiptai”, que,
na tradução, foi compensada por uma nova cadeia de som /m/ (“muito”, “mais” e
“mim”).
Do final do sexto ao nono verso do texto grego, o emprego de uma longa
seqüência das alveolares /t/ e /d/ (“lšleiptai”, di¦”, taàt'”, ¢nastalÚzw”,
qam¦”, T£rtaron”, dedoikèj”, 'A…dew”, sti e deinÕj”), a qual proporciona
um peso maior às consoantes de mesmo tipo das palavras T£rtaron e 'A…dew”,
encontradas no interior desta seqüência. Na tradução, houve uma preocupação em
recuperar esse efeito, recriando-o com os vocábulos “temor”, “de”, “Tártaro”, “do”,
“Hades”, “certamente”, “terrível” e “íntimo”.
No penúltimo verso do texto grego, pode-se encontrar o vocábulo k£todoj”,
cuja tradução literal poderia ser “caminho para baixo”, uma vez que é formado pelas
palavras kat£e ÐdÒjque significam, respectivamente, “para baixo” e “caminho”.
Não houve espaço, infelizmente, para a tradução de ambas as idéias no texto em
português. Assim, foi preciso optar entre traduzir “descida” ou “caminho”. A noção de
descida pareceu, nesse caso, ser mais importante, ou pelo menos mais significativa para
nosso imaginário, do que a idéia de um caminho, que quando se pensa em uma
110
descida, há uma boa chance de se imaginar uma estrada indo para baixo. Por outro lado,
a idéia de caminho, por si só, não evoca a outra noção, de modo que ela teria de ser
auferida apenas pela idéia de ir ao Hades, o que nem sempre, na literatura grega, é um
indicador de uma jornada para baixo (vide o caso de Odisseu, no canto décimo primeiro
da Odisséia, que atingiu o Hades navegando até os confins do mundo). Por conta disso,
“descida” acabou aparecendo no texto final, e não “caminho”.
Na tradução, houve apenas duas ocasiões em que foi preciso deslocar palavras
de um verso para o outro a fim de buscar uma sintaxe mais compreensível e de
satisfazer as necessidades métricas do método adotado. A primeira dessas ocasiões foi
no sexto verso, em que a tradução de biÒtou crÒnoj ( “tempo da vida”) foi
antecipada no quinto verso, para ficar adjacente ao adjetivo que a ela se refere (“doce”).
O segundo e último caso em que um vocábulo foi deslocado de um verso para outro na
tradução desse poema se encontra no sétimo verso. Lá, o verbo ¢nastalÚzw
(“choro”) foi movido para o verso seguinte. Esses foram os únicos pontos em que foi
preciso fazer uma alteração dessa natureza durante a tradução.
111
Glicônio e Ferecrácio
O fragmento 358 de Anacreonte foi estruturado com duas estrofes que possuem,
cada uma, três versos escritos com o metro convencionalmente denominado glicônio e
um verso de metro ferecrácio.
Um verso escrito com a forma métrica glicônia ou ferecrácia é iniciado sempre
por uma base eólia, que ocupa suas duas posições iniciais. Assinalada como ”, ela
funciona parcialmente como um duplo anceps, com a diferença de que ao menos uma
dessas duas posições deve, necessariamente, ser ocupada por uma sílaba longa, podendo
a outra variar livremente entre longa e breve. A tendência, em Anacreonte, no entanto, é
de fazer com que ambas as posições sejam longas. Por fim, o verso glicônio se
completa, na seqüência, pela justaposição de um trocaico e de dois pés jâmbicos, ao
passo que o ferecrácio é terminado por um pé dactílico e um espondaico, como podem
ser observados no esquema apresentado abaixo:
Para exemplificar o funcionamento dessa estrutura métrica, façamos a escansão
dos quatro primeiros versos desse fragmento, o de número 358, de Anacreonte:
sfa… / rV / dhâ / / me / por / fu /
b£l / lwn / cru / so / / mhj / ”E / rwj
/ ni / poi / ki / lo / sam / / lJ
sum / pa… /zein / pro / ka / le‹ / tai:
112
Como se pode ver, no segundo verso a sílaba cru”, lida comumente com a
duração de uma sílaba breve, foi alongada para se adaptar ao funcionamento do metro.
Para a tradução, foram escolhidos metros de igual número de sílabas poéticas, ou
seja, oito para os glicônios e sete para os ferecrácios. A base eólia inicial acabou tendo
sempre a primeira sílaba como a forte, fazendo com que os glicônios se compusessem
por dois pés trocaicos e dois pés jâmbicos justapostos. Para os ferecrácios, foi preciso
alterar a ordem das sílabas, com a ocorrência de uma anáclase que transmuta o dáctilo e
o espondeu depois da base eólia em troqueus.
A seguir, a escansão dessa mesma primeira estrofe do fragmento 358, agora
apresentada na versão traduzida:
1 2 3 4 5 6 7 8
E / ros, / ca / chos / dou / ra / dos, / lan / ça a
1 2 3 4 5 6 7 8
Bo / la / púr / pu / ra a / mim / de / no / vo,
1 2 3 4 5 6 7 8
Pra eu / brin / car / com / a / mo / ça / dos
1 2 3 4 5 6 7
Chi / ne / lin / hos / co / lo / ri / dos.
113
Anacreonte Fr. 358
sfa…rV dhâtš me porfurÍ
b£llwn crusokÒmhj ”Erwj
n»ni poikilosamb£lJ
sumpa…zein prokale‹tai:
5 ¹ d', ™st•n g¦r ¢p' eÙkt…tou
Lšsbou, t¾n mn em¾n kÒmhn,
leuk¾ g£r, katamšnfetai,
prÕj d' ¥llhn tin¦ c£skei.
Eros, cachos dourados, lança a
Bola púrpura a mim de novo,
Pra eu brincar com a moça dos
Chinelinhos coloridos.
5 Ela, entanto, é da bela Lesbos,
defeito em meu cabelo,
Por ser branco, e sai correndo
Boquiaberta atrás de outra.
O fragmento 358 de Anacreonte, de forma semelhante, também apresenta um
tema recorrente: o da rejeição do eu-lírico, envelhecido, por indivíduos mais jovens do
que ele (vide, por exemplo, os fragmentos 374 e 378). O poema se inicia com o que o
eu-lírico enxerga como o deus Eros o incitando a ir brincar com uma jovem quando a
bola roxa com que a moça brincava o atinge. Depois dessa esperança inicial permeada
por um impecável clima de alegria, o andamento do texto se torna mais triste, com a
consciência do estado de velhice do eu-lírico, o qual acaba por ser reprovado pela moça.
Por fim, o poema volta para o clima de alegria inicial no ponto em que a moça sai
correndo boquiaberta atrás de outra garota, deixando o eu-lírico para trás.
Com respeito a esse aspecto da construção do poema, é interessante notar que,
no original, os dois pontos máximos, o da enunciação explícita de que Eros o está
incitando a brincar e o da moça fugindo atrás de outra, encontram-se nos dois versos de
114
menor extensão métrica, de modo que esses são realçados pela própria estruturação do
texto.
Partindo para uma análise minuciosa do texto, no segundo verso do poema,
um adjetivo composto, crusokÒmhj”, cuja tradução literal poderia ser “de cabelos
dourados”. Num primeiro momento, o segundo verso se encontrava da seguinte forma
na tradução: “Me acerta Eros dos louros cachos”, que, por si só, era um verso de
sonoridade agradável, com uma boa seqüência de vogais abertas (“acerta”, Eros e
“cachos”) interpoladas pelo peso enfático do ditongo de “louros”, que valorizava a
seqüência por adicionar contraste sonoro. Essa seqüência tentava recriar e compensar a
homofonia do original grego, começada no primeiro verso (“sf
a…
r
V
”, d
”,
porfur
Í
”, b
£
ll
w
n”, “crusokÒm
h
j e ”Er
w
j”). Contudo, foi preferível trocar a
ordem das palavras nos versos, para evitar um ritmo demasiadamente artificial, como
era o do verso do momento anterior, em que havia uma elisão entre “acerta” e “Eros”, a
fim de resultar em uma sílaba acentuada na terceira posição do verso. Por esse motivo,
“cachos dourados” acabou sendo a tradução final.
Algo semelhante ocorreu no terceiro verso do poema durante a tradução de
poikilosamb£lJ”, cuja tradução literal seria “de sandálias variegadas”. Nesse caso,
havia espaço para uma perífrase, ainda que à custa de alterar a ordem das palavras nos
versos, omitindo alguns detalhes que, apesar de interessantes por direcionarem a
construção da cena na mente dos ouvintes ou leitores, não são de todo imprescindíveis à
metodologia desse trabalho; a saber, o fato de Eros exortar o eu-poético a brincar junto
e com a moça, e não simplesmente lançar a bola para ele brincar com a moça. Como
esses detalhes estão num segundo plano para o método deste trabalho, puderam ser
suprimidos a fim de inserir a perífrase “de chinelinhos coloridos”, que tem um efeito
poético certamente melhor do que “de sandálias variegadas”, e recria a homofonia em /i/
de “n»ni” e “poikilosamb£lJ”.
No sexto verso do poema original, uma bela assonância em /é/, ao mesmo
tempo em que o som de /m/ também se faz presente (“t¾n”, mn”, em¾ne kÒmhn”).
Esse efeito é de certa forma compensado pela seqüência de sons de / no quinto verso
da tradução (“ela”, “belae “Lesbos”), ao mesmo tempo em que ocorre a repetição da
líquida /l/ no mesmo local. O vocábulo “Lesbos”, aliás, foi deslocado do sexto verso
115
para o quinto com o intuito de fortalecer esse efeito, ainda que se tenha perdido o
enjambement observado no texto grego. Infelizmente, nesse caso, não foi possível haver
uma compensação no exato verso, nem com a mesma intensidade, do texto original.
116
Oitava Ode Pítica de Píndaro
A oitava ode pítica de Píndaro, como era padrão na lírica coral do período
clássico, foi construída numa sucessão de estrofes, antístrofes e epodos. Essa maneira de
composição pode ser observada em outros poetas de lírica coral como Baquílides, além
de ser também a forma como o coro da tragédia se expressava, fazendo revoluções no
palco para um lado e para o outro durante as estrofes e as antístrofes e, em seguida,
juntando-se no centro para cantar o epodo.
A estrofe e a antístrofe são formadas por um mero de versos variável, porém
idêntico entre si. Da mesma forma, a estrutura rítmica empregada em cada um dos
versos da estrofe também será observada na antístrofe. O epodo, por sua vez, terá um
número de versos e um esquema métrico diferente do visto na estrofe e na antístrofe,
mas que também será o mesmo ao longo do poema. Na oitava ode pítica de Píndaro,
cinco desses conjuntos triádicos, obedecendo o seguinte padrão métrico, como anotado
por Snell em sua edição de Píndaro:
53
Estrofes e Antístrofes
Epodos
53
Harris (2009: 23).
117
A primeira certeza que se tem ao observar o esquema métrico dessa ode de
Píndaro é a da impossibilidade de reproduzi-lo fielmente em Português numa tradução,
uma vez que as seqüências de longas e ainda maiores seqüências de breves são
conseguidas em nossa língua com muito esforço. O único terreno em que uma
reprodução fiel do ritmo observado talvez encontrasse espaço para desenvolver-se seria
em uma recriação livre, mas isso foge do âmbito deste trabalho.
Deixando, então, esse caminho de lado e partindo para um segundo olhar à
análise feita por Snell, talvez a próxima característica que nos pareça mais conspícua
seja o fato de que todos os versos terminam com uma sílaba longa, de modo que, para
cada verso de cada segmento do poema, encontra-se em cada um dos seguintes
segmentos de mesmo tipo um irmão gêmeo em termos de número de sílabas. Logo, o
primeiro verso e o segundo verso de todas as estrofes e antístrofes, que elas têm o
mesmo padrão rítmico terão nove sílabas, ao passo que no terceiro sempre haverá sete
e assim por diante para cada um dos versos. O número de sílabas, portanto, foi a
primeira característica escolhida, neste trabalho, para figurar na tradução como um
aspecto importante e passível de ser reproduzido nos moldes predeterminados.
Uma vez definida a extensão dos versos empregados, o próximo fator que
precisou ser decidido foi como distribuir as sílabas átonas e tônicas dentro desses
versos. O esquema métrico adotado por Píndaro é de tal forma complexo que se torna
até difícil falar de pés dentro dos versos, uma vez que os próprios versos parecem ser a
unidade nima com a qual o poeta construiu sua ode. No entanto, é preciso fazê-lo se
se quer encontrar um padrão rítmico que se assemelhe em algo com o escolhido por
Píndaro.
Decerto, a escolha de um substituto para esse padrão será em certa medida
arbitrária. No entanto, ela não precisa ser de todo aleatória e sem qualquer característica
em comum com a adotada no original. Com isso em mente, buscou-se apreender o traço
118
principal que perfaz todos os versos e lhes dá uma unidade simétrica mesmo na aparente
assimetria de seu número de sílabas.
Na mesma proporção em que é fácil distinguir a unidade mínima empregada na
construção dos hexâmetros de Homero, parece, aos olhos e ouvidos modernos, difícil
entender, num primeiro contato, o que de comum entre esses versos de Píndaro,
constituídos de uma pluralidade de combinações rítmicas. Podem-se, de imediato,
localizar inúmeros jambos, alguns dáctilos e anapestos, uma boa quantidade de
troqueus, além de espondeus e periambos. Tentando observar tudo isso como uma
estrutura coerente e harmônica é, de início, uma tarefa extenuante para um leitor
moderno, acostumado a uma tradição de versos mormente decassílabos e rimados.
Porém, o que logo se evidencia é que, apesar de certas partes descendentes provocadas
pelos dáctilos e troqueus, o ritmo do poema é ascendente. A seguir, uma tentativa de
identificar pés ascendentes no esquema métrico, estando marcados em verde os que
sempre serão ascendentes e em azul os que apenas por vezes o serão:
Estrofes e Antístrofes
Epodos
119
Como se pode notar, prevalecem as passagens ascendentes ao longo dos
esquemas métricos das estrofes e das antístrofes e, de certo modo, também dos epodos.
Assim, chegou-se ao seguinte padrão métrico, buscando mesclar os pés
encontrados no poema em versos mais ou menos simples para metrificação em ngua
portuguesa, de modo a haver certa variação num ritmo predominantemente ascendente:
Estrofes e Antístrofes
2,4,6,9 (9)
1,3,5,7,9 (9)
1,4,7 (7)
3,6,8,10 (10)
2,4,6,8,10,12,14 (14)
3,6,8,10,12,14 (14)
2,4,6,8,10 (10)
Epodos
2,4,6,8,10,12,14 (14)
1,4,6,8,10,12,14 (14)
3,6,8,10,12,15 (15)
1,4,7,9,11,13 (13)
3,6,8,10,12,14,16 (16)
2,4,6,8,10,12,14 (14)
O resultado final contém jambos, troqueus, dáctilos e anapestos em posições
mandatórias. Foram deixados de lado os espondeus e os periambos pelo fato de que
iriam aumentar em muito a dificuldade de manter a tradução de certa forma próxima ao
original em termos de sentido. De fato, onde quer que fossem dispostos, haveria uma
probabilidade ainda maior de que o conteúdo do texto original precisasse ser adaptado
ou deslocado a fim de possibilitar sua ocorrência. Pelo mesmo motivo, não foram
empregadas cesuras.
120
Como em Português costumeiramente não se contam as sílabas átonas após a
última sílaba tônica de um verso, não houve uma preocupação em terminar os versos na
última sílaba tônica, como se observa no original. No entanto, para manter o ritmo,
evitaram-se palavras proparoxítonas em final de verso. Nas três ocorrências na tradução
de vocábulos considerados desse tipo pela gramática, a possibilidade, no campo da
poesia, de lê-los como paroxítonas. As ocorrências são: “Olímpia” (v. 36), “láureas” (v.
56) e “Mégara” (v. 78). Nas duas primeiras, deve se desconsiderar o hiato e ler “pia” e
“reas” como uma só sílaba. No último caso, a leitura de “Mégara” deve resultar em algo
próximo a “Még‟ra”.
Ao contrário do critério comumente obedecido na tradução dos demais poemas
deste trabalho, na tradução desse poema diversos pontos em que as palavras
localizadas em um verso do original foram deslocadas para outro verso adjacente. Isso
foi feito pois nos pareceu que manter a estrutura rítmica intacta fosse algo mais
relevante ao método de composição de Píndaro para esse poema do que a disposição do
conteúdo. Não é impossível imaginar que, devido à complexidade e à rigidez do padrão
rítmico, o próprio poeta, apesar de genial, tenha se visto forçado em algum ponto a fazer
a escolha entre manter o ritmo e alguma idéia, palavra ou estrutura de frase mais poética
ou loquaz. No entanto, o que se aufere a partir do resultado final é que Píndaro, quando
frente a frente com uma questão desse gênero durante a composição dessa ode,
certamente escolheu manter-se fiel ao ritmo escolhido.
Píndaro Ode Pítica VIII
121
1ª Estrofe
FilÒfron `Hsuc…a, D…kaj
ð megistÒpoli qÚgater,
boul©n te ka• polšmwn
œcoisa kla daj Øpert£taj
5 PuqiÒnikon tim¦n 'Aristomšnei dškeu.
tÝ g¦r tÕ malqakÕn œrxai te ka• paqe‹n Ðmîj
™p…stasai kairù sÝn ¢treke‹·
1ª Antístrofe
tÝ d' ÐpÒtan tij ¢me…licon
kard…v kÒton ™nel£sV,
10 trace‹a dusmenšwn
Øpanti£xaisa kr£tei tiqe‹j
Ûbrin ™n ¥ntlJ, t¦n oÙd Porfur…wn m£qen
par' asan ™xereq…zwn. kšrdoj d f…ltaton,
˜kÒntoj e‡ tij ™k dÒmwn fšroi.
1° Epodo
15 b…a d ka• meg£laucon œsfalen ™n crÒnJ.
Tufëj K…lix ˜katÒgkranoj oÜ nin ¥luxen,
oÙd m¦n basileÝj Gig£ntwn· dm©qen d keraunù
tÒxois… t' 'ApÒllwnoj· Öj eÙmene‹ nÒJ
Xen£rkeion œdekto K…rraqen ™stefanwmšnon
20 uƒÕn po…v Parnass…di Dwrie‹ te kèmJ.
2ª Estrofe
œpese d' oÙ Car…twn ˜k£j
¡ dikaiÒpolij ¢reta‹j
kleina‹sin A„akid©n
122
qigo‹sa n©soj· telšan d' œcei
25 dÒxan ¢p' ¢rc©j. pollo‹si mn g¦r ¢e…detai
nikafÒroij ™n ¢šqloij qršyaisa ka• qoa‹j
Øpert£touj ¼rwaj ™n m£caij·
2ª Antístrofe
t¦ d ka• ¢ndr£sin ™mpršpei.
e„m• d' ¥scoloj ¢naqšmen
30 p©san makragor…an
lÚrv te ka• fqšgmati malqakù,
m¾ kÒroj ™lqën kn…sV. tÕ d' ™n pos… moi tr£con
‡tw teÕn cršoj, ð pa‹, neètaton kalîn,
™m´ potanÕn ¢mf• macan´.
2° Epodo
35 palaism£tessi g¦r „cneÚwn matradelfeoÚj
OÙlump…v te QeÒgnhton oÙ katelšgceij,
oÙd Kleitom£coio n…kan 'Isqmo‹ qrasÚguion·
aÜxwn d p£tran Meidulid©n lÒgon fšreij,
tÕn Ónper pot' 'Oklšoj pa‹j ™n ˜ptapÚloij „dèn
40 uƒoÝj Q»baij a„n…xato parmšnontaj a„cm´,
3ª Estrofe
ÐpÒt' ¢p' ”Argeoj ½luqon
deutšran ÐdÕn 'Ep…gonoi.
ïd' epe marnamšnwn·
fu´ tÕ genna‹on ™pipršpei
45 ™k patšrwn pais• lÁma. qašomai safšj
dr£konta poik…lon a„q©j 'Alkm©n' ™p' ¢sp…doj
nwmînta prîton ™n K£dmou pÚlaij.
123
3ª Antístrofe
Ð d kamën protšrv p£qv
nàn ¢re…onoj ™nšcetai
50 Ôrnicoj ¢ggel…v
”Adrastoj ¼rwj· tÕ d o‡koqen
¢nt…a pr£xei. mÒnoj g¦r ™k Danaîn stratoà
qanÒntoj Ñstša lšxaij uƒoà, tÚcv qeîn
¢f…xetai laù sÝn ¢blabe‹
3° Epodo
55 ”Abantoj eÙrucÒrouj ¢gui£j.’ toiaàta mšn
™fqšgxat' 'Amfi£rhoj. ca…rwn d ka• aÙtÒj
'Alkm©na stef£noisi b£llw, ∙a…nw d ka• ÛmnJ,
ge…twn Óti moi ka• kte£nwn fÚlax ™mîn
Øp£ntasen „Ònti g©j ÑmfalÕn par' ¢o…dimon,
60 manteum£twn t' ™f£yato suggÒnoisi tšcnaij.
4ª Estrofe
tÝ d', `EkatabÒle, p£ndokon
naÕn eÙklša dianšmwn
Puqînoj ™n gu£loij,
tÕ mn mšgiston tÒqi carm£twn
65 êpasaj, o‡koi d prÒsqen ¡rpalšan dÒsin
pentaeql…ou sÝn ˜orta‹j Øma‹j ™p£gagej·
ðnax, ˜kÒnti d' eÜcomai nÒJ
4ª Antístrofe
kat£ tin' ¡rmon…an blšpein
¢mf' ›kaston, Ósa nšomai.
124
70 kèmJ mn ¡dumele‹
D…ka paršstake· qeîn d' Ôpin
¥fqonon a„tšw, Xšnarkej, Ømetšraij tÚcaij.
e„ g£r tij ™sl¦ pšpatai m¾ sÝn makrù pÒnJ,
pollo‹j sofÕj doke‹ ped' ¢frÒnwn
4º Epodo
75 b…on korussšmen ÑrqoboÚloisi macana‹j·
t¦ d' oÙk ™p' ¢ndr£si ke‹tai· da…mwn d par…scei·
¥llot' ¥llon Ûperqe b£llwn, ¥llon d' ØpÕ ceirîn,
mštrJ kataba…nei· ™n Meg£roij d' œceij gšraj,
mucù t' ™n Maraqînoj, “Hraj t' ¢gîn' ™picèrion
80 n…kaij trissa‹j, ð 'AristÒmenej, d£massaj œrgJ·
5ª Estrofe
tštrasi d' œmpetej ØyÒqen
swm£tessi kak¦ fronšwn,
to‹j oÜte nÒstoj Ðmîj
œpalpnoj ™n Puqi£di kr…qh,
85 oÙd molÒntwn p¦r matšr' ¢mf• gšlwj glukÚj
ðrsen c£rin· kat¦ laÚraj d' ™cqrîn ¢p£oroi
ptèssonti, sumfor´ dedagmšnoi.
5ª Antístrofe
Ð d kalÒn ti nšon lacèn
¡brÒtatoj œpi meg£laj
90 ™x ™lp…doj pštatai
Øpoptšroij ¢noršaij, œcwn
kršssona ploÚtou mšrimnan. ™n d' Ñl…gJ brotîn
tÕ terpnÕn aÜxetai· oÛtw d ka• p…tnei cama…,
¢potrÒpJ gnèmv seseismšnon.
125
5° Epodo
95 ™p£meroi· t… dš tij; t… d' oÜ tij; ski©j Ônar
¥nqrwpoj. ¢ll' Ótan a‡gla diÒsdotoj œlqV,
lamprÕn fšggoj œpestin ¢ndrîn ka• me…licoj a„èn.
A‡gina f…la m©ter, ™leuqšrJ stÒlJ
pÒlin t£nde kÒmize D• ka• kršonti sÝn A„akù
100 Phle‹ te k¢gaqù Telamîni sÚn t' 'Acille‹.
1ª Estrofe
Benevolente Paz, da Justiça
Filha que engrandece as cidades,
De ambos conselhos e guerras
Possuidora das chaves mais supremas,
5 Recebe esta honraria tica de Aristomenes,
Pois tu sabes de igual maneira dar e receber
Na proporção exata gentileza.
1ª Antístrofe
A cada vez que alguém implavel
Ódio direciona ao coração,
10 Tu, com dureza, do imigo
Vais de encontro da força, relegando
A Desmedida ao lago. Porrio não sabia
Seu quinhão e instigou-te em demasia. Ganho é quisto
Enquanto vem de um volunrio lar,
1º Epodo
15 Mas Vioncia prostra com o tempo a o altivo.
Não fugiu dela o centifalo cicio, fon,
126
Nem o rei dos gigantes. Pelo raio, um foi vencido,
O outro pelo arco de Apolo, que de mente amena
Recebeu de Xenarco o filho, que de Cirra retornava,
20 Com rico festim, cingindo-o em louro do Parnasso.
2ª Estrofe
Pois, não caiu distante das Graças
Sua justa lis; a excelência
lebre dos Eacidas
Sua ilha alcançou. Perfeita teve
25 Renome desde o início. É cantada por ter sido
Terra nutriz de heróis supremos em diversas provas
Que trazem a viria e em lutas ágeis.
2ª Antístrofe
Por isso ela é distinta entre os homens.
Mas não tenho tempo de narrar
30 Todo seu longo relato
Com toar de suave voz e lira;
Que a saciedade não nos rale. Mas o ônus que eu
Tenho contigo e vem correr-me aos pés por tua obra,
Permite-o voar nas asas de minha arte.
2º Epodo
35 Na luta segues de tua mãe os passos dos irmãos.
Tu não desgraças de Teogneto os feitos em Olímpia,
E tampouco a viria dura de Cleimaco no Istmo.
Dos Midulidas o clã honrando o dito cumpres,
O que o filho de Ecles em enigmas, tendo visto em Tebas
40 Das sete portas esses filhos junto às lanças, disse,
127
3ª Estrofe
No tempo em que eles vieram de Argos
Na segunda marcha, dita Egona.
Disse ele enquanto lutavam:
"Quando crescem, nos filhos é conscuo
45 Do pai o esrito genuíno. Vejo com clareza
De variegada serpe flamejante o escudo Alcon
Vibrando primo nos portões de Cadmo.
3ª Antístrofe
O herói Adrasto, que no desastre
Anterior sofreu, agora tem
50 A informação de uma ave
De melhor vatinio, mas em casa
O oposto ocorre. Das tropas naas, pois, é o único
Que há de deitar os ossos filiais. Por graça excelsa
I chegar ileso com seu povo
3º Epodo
55 A Abas de espaçosas ruas." Essas frases, pois,
Disse Anfiarau. Eu próprio me deleito enquanto ureas
Sobre Alcon eu lanço e enquanto o borrifo com hinos,
Pois ele é meu vizinho e guarda minhas posses.
Encontrou-me da terra quando eu ia ao umbigo celebrado
60 E, com sua arte inata, em oculos tocou.
4ª Estrofe
Longiflecheiro, a todos comum,
Tu que o glorioso templo geres
Dentro do vale do Pito,
128
Dos deleites prestaste lá o maior.
65 Tu que antes uma diva invejada carregaste
Para o pentatlo ao longo de teu festival em casa.
Senhor, eu rezo que de mente livre
4ª Antístrofe
Eu possa discernir a harmonia
Aonde quer que eu . Da procissão
70 De êxito dulcissonante
A justiça se ajunta. Pra que os deuses,
Xenarco, vejam tua fortuna sem inveja eu peço.
Pois, quando alguém realiza grandes feitos sem penar,
Parece ser um bio em meio a tolos,
4º Epodo
75 Armando a vida com o engenho de escorreito alvitre.
Mas isso tudo foge a nós: um nume que o concede.
Ele joga por terra a um enquanto a outro soergue.
Desce com moderação.
54
Ganhaste o prêmio em gara
E no vale de Maratona. De Hera triunfaste em obra
80 Nos jogos blicos, Aristomenes, por três vezes.
5ª Estrofe
Caíste do alto em cima de quatro
Corpos com intento malfazejo.
A eles não houve um retorno
Jovial, como o eleito a ti da tia,
85 Nem quando a suas mães voltaram de o doce riso
Dar-lhes deleite. Pelos becos, longe dos imigos,
54
Ao que tudo indica, descer, neste caso, seria em relação à arena.
129
Recolhem-se, mordidos pelo azar.
5ª Antístrofe
Mas ele que ganhou algo belo e
Novo em sua grande opulência
90 Voa pra além da esperança
Sobre as asas de seu vigor, buscando
Maiores ambições do que a riqueza. Dos mortais
Cresce o deleite em pouco tempo e logo cai por terra,
Tremido por um pensamento adverso.
5º Epodo
95 Emeros. O que é alguém? O que é ninguém? É o sonho
De uma sombra o homem. Mas, se vem de Zeus o brilho,
Uma luz resplendente lhe há e de vida um tempo gentil.
Com um caminho liberto, cara mãe Egina,
Aparelha esta lis e com bênçãos de Éaco rei, de Zeus,
100 Do nobre Telanio, de Peleu e de Aquiles.
A oitava ode pítica de Píndaro foi composta em cem versos, divididos em cinco
estruturas de estrofe, antístrofe e epodo, todas as cinco com a mesma extensão. Na
primeira dessas estruturas, uma invocação da Paz, acompanhada pela enunciação de
alguns de seus epítetos e de suas características mais importantes, assim como as que
lhe são opostas, como a violência e suas conseqüências nefastas. Em seguida, a segunda
traz uma menção à cidade de Aristomenes, o vencedor pítico que é objeto da ode, e
depois o início de um relato acerca de sua genealogia que prossegue até o final do
terceiro epodo. Na quarta estrofe, uma invocação de Apolo, acompanhada de um
pedido, por parte do poeta, de poder sempre discernir a harmonia aonde quer que ele vá.
Esse pedido se estende até a quarta antístrofe e antecede um novo pedido para que os
deuses não invejem a fortuna de Xenarco, pai de Aristomenes, de cujos feitos o poeta
130
trata a seguir, para, finalmente, no último epodo, pedir que Egina abençoe a cidade
deles.
É interessante, por um lado, notar como a adição de diversos elementos do
entorno do verdadeiro objeto da ode são usados para acrescentar maior valor e
significado aos feitos do atleta. Por outro lado, é no mínimo curioso o fato de que o
poeta escolheu em, primeiro lugar, invocar a Paz por conta de sua não-participação no
campo da violência, cujos efeitos nefastos para aqueles que a praticam são descritos no
poema, para uma ode cujo feito glorificado é justamente a vitória de Aristomenes no
pugilato, um esporte bem pouco pacífico. Contudo, antes de ser uma forma de crítica
velada ou qualquer outro artifício do gênero, esse recurso do poeta poderia ter servido à
intenção de proteger o lutador de um fim semelhante, tirando-o, ao final do combate, da
esfera da Violência e apresentando-o perante a Paz. Dessa forma, Píndaro estaria talvez
moderando o ímpeto destrutivo do atleta, para fazê-lo, assim como o poeta, enxergar a
harmonia aonde quer que ele vá.
Talvez pela própria complexidade do metro adotado, o poeta não tenha se
preocupado muito com muitos efeitos sutis ao longo do poema, como pode ser notado
na maioria dos poemas deste corpus. Há, sim, um cuidado constante para conferir
eufonia e um andamento ininterrupto ao poema, de modo que a ode inteira, pelo ponto
de vista dos recursos poéticos pontuais, tem uma unidade bem estabelecida pela
escassez de passagens que se sobressaiam em demasia do restante. Dessa forma, o texto
adquire uma uniformidade que, por conta da grande variação de assuntos no campo
semântico, não é de modo algum ruim, pois funciona como um elemento a que o
ouvinte ou leitor consegue se ater ao longo do poema, juntamente aos esquemas
métricos recorrentes, de forma a dar unidade às dezenas de versos da obra. Na tradução,
tentou-se fazer algo semelhante, à custa de empregar termos menos literais em prol de
manter a eufonia e o ritmo.
Algumas passagens do poema, contudo, merecem uma distinção por conta de
terem um acabamento mais cuidadoso e peculiar.
Em primeiro lugar, o quinto verso da ode, cujo andamento pausado e solene,
criado mormente pelo uso recorrente de consoantes oclusivas (/p/, /t/, /th/, /k/ e /d/) em
131
cada uma das palavras do verso, harmoniza-se perfeitamente com o momento de
apresentação do tema de que se falará, bem como a enunciação da vitória de
Aristomenes. A economia de vocábulos, alcançada pelo uso de palavras compostas e de
grande extensão, também colabora para acentuar a solenidade do verso. Na tradução,
houve uma tentativa de recriar os efeitos citados acima. Apesar do Português demandar
um maior número de palavras, o ritmo pausado foi mantido graças, em grande parte, à
possibilidade de incluir uma palavra proparoxítona no interior do verso, fazendo com
que a leitura seja mais marcada no ponto em que ocorre.
Pode-se ver, na primeira antístrofe do texto grego, uma aliteração em /k/ nas
palavras “kard…v” e kÒton”, as quais reforçam o peso do sentimento tratado na
passagem e que, na tradução, encontra apoio na repetição de /d/ em “ódio” e
“direciona”, que, apesar de menos intensas, atuam com o mesmo intuito e função do /k/
no original.
Alguns versos adiante, ainda na primeira antístrofe, um longo vocábulo
composto, “Øpanti£xaisa”, cuja sonoridade recorrente de /a/ cria uma base sólida para
a introdução da palavra kr£teicom ainda maior veemência do que a própria palavra
tem por natureza, por conta do som de /k/ seguido de /r/, que o intensifica, e também
pelo som de /t/ na seqüência. Na tradução, o som vocálico que se repete é o de /o/ em
“encontro” e força”, palavras cujos sons de /r/ também as fazem mais pesadas e
sonoras.
O verso seguinte, de número onze, possui uma sonoridade bastante peculiar,
permeada por ocorrências constantes de /n/, as quais se mostram ainda mais notáveis
quando em final de palavra e antecedendo um som vocálico, de modo a criar um
andamento contínuo no verso; uma palavra se aglutinando a outra como numa
avalanche, talvez acentuando a queda associada comumente ao conceito de hýbris,
enunciado no verso. Não foi possível, na tradução recriar ou compensar esse efeito de
maneira digna, ainda que haja uma aliteração em /p/ entre “Pélago” e “Porfírio”,
antecedida pela repetição de /d/ em “desmedida”.
Talvez o verso mais sonoro do texto seja o de número setenta e sete, por conta
de vários efeitos extremamente marcantes. O primeiro e mais facilmente notável dos
132
dois é o da longa repetição da líquida /l/ (“¥llot'”, ¥llon”, b£llwne novamente
¥llon”). Em segundo lugar, há o eco entre “Ûperqe” e “ØpÕ”, e, finalmente, as
assonâncias entre b£llwne ceirîn”, ¥llone ¥llon”, que se repetem de forma
idêntica. A tradução deste verso conta também com alguns efeitos dignos de nota, como
a repetição da líquida /r/ em “por”, “outro” e “soergue”. Há também uma repetição de /t/
ao longo do verso (“terra”, “enquanto” e “outro”) e, por fim, uma retomada do som /g/
de “joga”, do início do verso, em “sorgue”, localizado no final do verso.
Apesar da tradução do verso mencionado anteriormente ter alguns efeitos
marcantes, o verso mais sonoro do texto em Português talvez seja um logo acima dele, o
de número setenta e cinco, tanto por conseguir transmitir seu conteúdo de forma natural,
ainda que empregando vocábulos pouco comuns, quanto pela harmonia criada entre
suas palavras.
133
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