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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO
BRASIL: UMA REAVALIAÇÃO DA PROPOSTA APÓS
EXPERIMENTAÇÃO EM ALGUNS ESTADOS ANTE A SUA
PRETENSÃO EM CONTRIBUIR PARA O DESENVOLVIMENTO
HUMANO.
Maria Cristina de Souza Trulio
Orientador: Prof. Dr. João Mestieri
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO
BRASIL: UMA REAVALIAÇÃO DA PROPOSTA APÓS
EXPERIMENTAÇÃO EM ALGUNS ESTADOS ANTE A SUA
PRETENSÃO EM CONTRIBUIR PARA O DESENVOLVIMENTO
HUMANO.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em
Direito, área de Ciências Penais, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em Direito,
sob a orientação do Professor Doutor João Mestieri.
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
MESTRADO EM DIREITO
PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO
BRASIL: UMA REAVALIAÇÃO DA PROPOSTA APÓS
EXPERIMENTAÇÃO EM ALGUNS ESTADOS ANTE A SUA
PRETENSÃO EM CONTRIBUIR PARA O DESENVOLVIMENTO
HUMANO.
Maria Cristina de Souza Trulio
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito submetida à aprovação da Banca
Examinadora composta pelos seguintes membros:
_____________________________________
Prof. Dr. João Mestieri
_____________________________________
Prof. Dr. Manoel Peixinho
______________________________________
Prof. Dr. Álvaro Mayrink
Rio de Janeiro
2009
Trulio, Maria Cristina de Souza.
Título: Privatização dos estabelecimentos prisionais no
Brasil: uma reavaliação da proposta após experimentação
em alguns estados ante a sua pretensão em contribuir para
o desenvolvimento humano / Maria Cristina de Souza
Trulio. Rio de Janeiro. Universidade Cândido Mendes,
Mestrado em Direito, 2006.
Xi, 145 p.
Orientador: Professor Dr. João Mestieri
Dissertação (Mestrado) UCAM, Mestrado em Direito,
2006
Referências Bibliográficas, f. 143-145.
1. histórico da pena e suas finalidades. 2. a execução penal
como serviço público e a possibilidade de sua realização
pela iniciativa privada. 3. a privatização dos
estabelecimentos prisionais no direito comparado. 4. a
experiência da terceirização de estabelecimentos prisionais
brasileiros e os problemas prisionais dos estados
respectivos. 5. custos para a manutenção do sistema
prisional.
A Mauro, Pedro e Sofia, por todas as razões.
AGRADECIMENTOS
Aos meus amigos Graciene Pereira Pinto e Reinaldo Daniel Moreira, pela
significativa contribuição, mediante sugestões, materiais e acompanhamento em visitas
relevantes.
Ao meu orientador, Prof. Dr. João Mestieri, pelo incentivo nos momentos de
desânimo; pela confiança depositada e pela liberdade de manifestação, que me permitiu
amadurecer pessoal e profissionalmente.
PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO
BRASIL: UMA REAVALIAÇÃO DA PROPOSTA APÓS
EXPERIMENTAÇÃO EM ALGUNS ESTADOS ANTE A SUA
PRETENSÃO EM CONTRIBUIR PARA O DESENVOLVIMENTO
HUMANO.
RESUMO:
A inquestionável ineficácia do sistema prisional brasileiro, na busca da realização das
funções da pena e a influência dos Estados Unidos no mundo ocidental foram fatores
que possibilitaram o surgimento no Brasil da proposta de privatização dos
estabelecimentos prisionais, como forma de serem regularizados problemas de muito
constatados no âmbito do sistema prisional, os quais não foram solucionados pelo
Estado. Referida proposta anuncia uma melhoria na qualidade dos serviços ofertados
não somente aos presos como também a toda a sociedade, possibilitando, com isso, um
avanço em termos de desenvolvimento humano, à medida que proporciona à população
ganhos relativos à qualidade de vida. A presente pesquisa, no entanto, pretende
demonstrar que a proposta de privatização dos estabelecimentos prisionais não traz
consigo embasamento teórico satisfatório para lhe conceder credibilidade, limitando-se
a reparar alguns pequenos problemas num universo de inúmeros outros e, mesmo assim,
somente em alguns estabelecimentos prisionais e a custos elevados, em detrimento de
diversos outros estabelecimentos prisionais mantidos diretamente pelo Estado, tratando-
se, pois, de um paliativo a mais em meio a tantos outros, para um problema que é, antes
de tudo, social e, portanto, complexo, e que, justamente por isso, não pode ser resolvido
de forma pontual, sem que toda a problemática da criminalidade e da pena seja
enfrentada em sua essência, a partir de investimentos em diversas áreas sociais como
um todo.
Palavras-chave: Pena privativa de liberdade. Sistema prisional. Privatização dos
estabelecimentos prisionais. Desenvolvimento humano.
PRIVATIZATION OF PRISONS IN BRAZIL: A REASSESSMENT
OF THE PROPOSAL AFTER EXPERIMENTATION IN SOME
STATES DUE TO HER DESIRE TO CONTRIBUTE TO HUMAN
DEVELOPMENT.
ABSTRACT:
The ineffectiveness of unquestionable Brazilian prison system in search of the functions
of the sentence and the influence of the United States in the Western world were factors
that allowed the emergence in Brazil of the proposed privatization of prisons as a way
of being settled problems of long-established within the prison system, which were not
resolved by the state. This proposal announced an improvement in the quality of
services offered not only to prisoners but also the whole society, allowing, thus, a
breakthrough in terms of human development, as it provides the population gains on
quality of life. This research, however, wants to demonstrate that the proposed
privatization of prisons brings no good theoretical basis to give you credibility, limited
to repair some minor problems in a world of countless others, and even then, only in
some establishments prisons and high costs to the detriment of other prisons maintained
directly by the state, being therefore a more palliative in the midst of so many others, to
a problem which is, after all, social, and therefore complex and, rightly so, can not be
solved on an ad hoc, without which the whole issue of crime and punishment is faced in
its essence, from investments in various areas of society as a whole.
Keywords: Penalty. Prison system. Privatization of prisons. Human development.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO pág. 10
1. HISTÓRICO DA PENA E SUAS FINALIDADES pág. 24
1.1. Penas: origem e evolução pág. 24
1.2. As finalidades da pena e sua eficácia pág. 36
1.3. Institutos despenalizadores pág. 54
1.3.1. Dos institutos que evitam o encarceramento pág. 55
1.3.1.1. Substituição. pág. 55
1.3.1.2. Suspensão condicional da pena. pág. 57
1.3.1.3. Dos benefícios advindos com a Lei 9.099/1995. pág. 58
1.3.1.3.1. Transação penal. pág. 60
1.3.1.3.2. Composição civil de danos. pág. 61
1.3.1.3.3. Suspensão condicional do processo. pág. 62
1.3.2. Dos institutos que reduzem o período de encarceramento pág. 63
1.3.2.1. Progressão de regime penitenciário. pág. 64
1.3.2.2. Livramento condicional pág. 65
1.4. A relação do sistema prisional com o desenvolvimento humano. pág. 66
2. A EXECUÇÃO PENAL COMO SERVIÇO PÚBLICO E A
POSSIBILIDADE DE SUA REALIZAÇÃO PELA INICIATIVA
PRIVADA. pág. 75
2.1. Os serviços públicos e as formas de sua realização. pág. 76
2.2. A possibilidade de privatização dos serviços públicos
relativos à execução penal a partir das determinações
constitucionais e legais que regulam a matéria. pág. 87
3. A PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
NO DIREITO COMPARADO. pág. 97
3.1 O modelo de privatização de presídios adotado nos Estados
Unidos. pág. 99
3.2 O modelo de terceirização de presídios adotado na França. pág. 104
4. A EXPERIÊNCIA DA TERCEIRIZAÇÃO DE
ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS BRASILEIROS E OS
PROBLEMAS PRISIONAIS DOS ESTADOS RESPECTIVOS. pág. 106
4.1 A terceirização de estabelecimentos prisionais nos Estados
do Paraná, Amazonas, Ceará e Bahia e a situação de seus
respectivos sistemas prisionais. pág. 106
4.2 A terceirização no Estado do Espírito Santo. pág. 116
5. CUSTOS PARA A MANUTENÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL. pág. 126
CONCLUSÃO. pág. 134
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. pág. 143
ANEXOS. pág. 146
INTRODUÇÃO.
A pena privativa de liberdade vem sofrendo críticas que datam de seu
nascimento. Os questionamentos a respeito do instituto remontam, pois, ao século
XVIII
1
, quando a prisão passou a se configurar em sanção penal, deixando para trás a
época em que era utilizada apenas como custódia provisória, até o momento da efetiva
aplicação da pena a um criminoso, que se consubstanciava na pena de morte e nas penas
corporais de maneira geral, através dos mais cruéis meios possíveis, como registrado no
texto abaixo transcrito:
[...] ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime
mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo
ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma
ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a
freqüência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os
juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo
do suplicado um objeto de piedade e de admiração (FOUCAULT, 2004
[1987], PP. 12-13).
As inúmeras críticas dirigidas ao instituto da pena de prisão, contudo, durante
tantos e tantos anos, não foram capazes de extirpá-la do ordenamento jurídico ocidental.
Muitas propostas vêm sendo feitas sobre a matéria e o que se pôde obter de concreto a
partir delas foi a redução do campo de aplicação efetiva da pena privativa de liberdade,
mediante a criação de benefícios diversos e de penas alternativas, sempre com o
propósito de evitar o encarceramento ou reduzir o período do cárcere.
O ordenamento jurídico brasileiro, acompanhando tendências internacionais,
portanto, passou a prever e a ampliar institutos despenalizadores, tais como a transação
1
A doutrina registra informações sobre a utilização da pena privativa de liberdade no século XVI, mas
não traz maiores dados da época, razão porque foi adotada na pesquisa a informação majoritariamente
fornecida na literatura sobre a matéria, qual seja, a de que a pena privativa de liberdade somente passou a
ser utilizada como sanção penal a partir do final do século XVIII.
penal, a suspensão condicional do processo, a composição civil de danos, a substituição,
a suspensão condicional da execução da pena, objetivando evitar completamente a
experiência do cárcere, bem como institutos que propiciam a redução da permanência
no cárcere, quais sejam: o livramento condicional e a progressão de regime
penitenciário. Tudo isso decorre do reconhecimento da ineficácia da pena privativa de
liberdade, no que tange às suas finalidades, especialmente, em relação à ressocialização
do condenado, bem como dos altos custos para o Estado com a manutenção dos presos.
Para determinados crimes e para determinados criminosos, porém,
especialmente naqueles casos em que há o envolvimento de violência contra a pessoa, o
encarceramento se torna praticamente inevitável, em face da impossibilidade de
aplicação dos diversos institutos despenalizadores antes mencionados, em conformidade
com a legislação vigente. Para crimes mais graves, portanto, e para criminosos violentos
e reincidentes, mesmo diante de tantas críticas em relação à pena privativa de liberdade,
ainda não se conseguiu implementar soluções alternativas para esta modalidade de
sanção penal, que é amplamente aplicada no Brasil e no mundo.
Os institutos despenalizadores supracitados, embora reduzam o número de
encarcerados, não se mostraram suficientes para possibilitar que os estabelecimentos
prisionais fossem esvaziados, pois é notório que, na realidade brasileira, o número de
condenados recolhidos nos mais diversos cárceres é assustador e está, ainda, muito
aquém do número de presos que efetivamente poderia existir, se todos os mandados de
prisão expedidos fossem cumpridos, haja vista que outra realidade notória em nosso
país é a existência de inúmeros mandados de prisão sem cumprimento, em função da
falta de estruturação dos órgãos repressivos para uma atuação mais eficaz neste aspecto.
Uma vez que a pena privativa de liberdade importa em prisão e que esta é a
principal sanção penal prevista no ordenamento jurídico brasileiro, imperioso constatar
a necessidade de criação de estabelecimentos para propiciar a efetivação desta sanção
penal.
Os estabelecimentos prisionais devem, segundo a legislação brasileira, ser
adequados para os diferentes regimes penitenciários. Assim, para os condenados em
regime fechado devem ser reservadas as penitenciárias ou os presídios; os condenados
em regime semi-aberto devem ser acomodados em colônias agrícolas ou industriais ou
estabelecimentos similares e os condenados em regime aberto devem cumprir as suas
penas em casas de albergado. As cadeias públicas, por sua vez, destinam-se aos presos
provisórios.
Referidos estabelecimentos estão instalados por todo o país, para atender a uma
demanda significativa, porém, como não há equilíbrio entre a oferta de vagas em tais
estabelecimentos e o número de mandados de prisão expedidos a partir das condenações
criminais transitadas em julgado ou mesmo das decisões que decretam prisões
preventivas, é comum que presos condenados cumpram pena em cadeias públicas,
assim como é comum que presos em regime semi-aberto ou mesmo em regime aberto
cumpram pena no mesmo estabelecimento destinado ao condenados em regime fechado.
Todas estas adaptações, ilegais, não se prestam sequer para corrigir o desequilíbrio
entre o número de presos e o número de vagas nos mais diversos estabelecimentos
prisionais, de forma que a superlotação é inevitável.
A superlotação dos estabelecimentos prisionais brasileiros é uma realidade já
conhecida. Os noticiários trazem diariamente dados sobre o número de presos existentes
em celas cujo número de vagas está muito aquém do número de efetivos ocupantes.
Ademais, diuturnamente, temos conhecimento de presos com características muito
distintas que são acomodados em uma única cela, permitindo uma convivência negativa,
pois que, ao invés de o cumprimento da pena possibilitar um aprimoramento pessoal de
todos os presos, de maneira geral, como seria o desejável, enseja, em verdade, que um
condenado por crime de pequeno ou médio potencial ofensivo
2
adquira aprendizados
contrários àqueles impostos pelas normas sociais, com condenados por crimes de grande
potencial ofensivo.
A situação do sistema prisional brasileiro é, sem dúvida, grave e já de
conhecimento de toda a sociedade, que, nem por isso, se mobiliza de maneira relevante
para exigir providências imediatas por parte de seus representantes. Aliás, justamente
pelo desinteresse da sociedade é que o enfrentamento do problema foi sendo postergado
durante anos e anos.
Preso não vota; preso não é um grande consumidor de produtos nem serviços
diversos; preso não é prioridade para a população e grande parte desta considera até
razoável o tratamento desumano ofertado aos condenados a penas privativas de
liberdade; afinal, aos olhos da sociedade em geral, a pena representa tão somente uma
retribuição pelo mal praticado pelo condenado. O crime, pois, representa um mal, em
função do qual se justifica um outro mal, que é a pena privativa de liberdade.
Inegável que o Estado jamais investiu com seriedade política no sistema
prisional. Mas o problema chegou a níveis alarmantes, gerando eventos trágicos que
tiveram repercussão dentro e fora do país. O massacre de 111 presos no Presídio de
Carandiru, em São Paulo, ganhou páginas de jornais do mundo inteiro. As notícias de
2
A doutrina define as infrações penais de menor potencial ofensivo como aquelas que possuem pena
máxima cominada até dois anos e define as infrações penais de médio potencial ofensivo como aquelas
que possuem pena mínima cominada até um ano. Aquelas que não se encaixem em tais conceitos são
classificadas como infrações penais de grande potencial ofensivo.
dominação de presídios do Rio de Janeiro e de São Paulo por facções criminosas são
bastante comuns e, ocasionalmente, são registradas manifestações de violência
emanadas de tais grupos, que afrontam o Poder Público. Recentemente, constatou-se
que uma adolescente foi posta em uma cadeia pública do Estado do Pará, juntamente
com outros vinte e cinco homens. O fato, aliás, segundo informado pela imprensa, era
de conhecimento de diversas autoridades constituídas que, numa postura reflexiva de
uma sociedade indiferente, quedaram-se inertes, até ser noticiado pelos meios de
comunicação. No Estado de Minas Gerais, também recentemente, um incêndio ocorrido
na cadeia pública de Ponte Nova resultou na morte de vinte e cinco presos, em função
da demora na tomada de providências para a contenção do fogo e da fumaça, assim
como na retirada dos presos do local. São diversas as notícias neste sentido, veiculadas
com freqüência na mídia. Não mais como se ignorar a situação, tampouco como
escondê-la.
Importante ressaltar que é dentro deste contexto caótico, que a pena privativa de
liberdade tem que atingir às suas finalidades, quais sejam: a de retribuição, a de
prevenção geral e especial e, principalmente, a de ressocialização. A finalidade da
retribuição decorre da idéia de reprovação, servindo para demonstrar a autoridade do
Estado para estabelecer a prisão com uma resposta para aqueles que praticam crimes. A
finalidade da prevenção decorre do propósito de evitar a ocorrência de novos crimes,
não somente pelos próprios criminosos como também pelos demais integrantes da
sociedade. A finalidade especifica da ressocialização, por sua vez, pretende fazer com
que o condenando entre no sistema prisional para cumprir a sua pena e de lá saia melhor
do que entrou, adquirindo, portanto, os aprendizados que não conseguiu obter antes da
prática da infração penal.
Ressocializar o condenado significa, por conseguinte, propiciar a ele valores,
ensinamentos e limites, que lhe permitam conviver em sociedade de forma solidária,
respeitando o espaço do outro e aceitando os seus próprios espaços.
Atingir a meta da ressocialização de um condenado significa atacar um dos
aspectos da criminalidade, propiciando a sua redução. A ressocialização é uma das
vertentes da criminalidade, com a qual mantém vínculo estreito, haja vista os altos
índices de reincidência registrados. A ressocialização, ademais, possui íntima ligação
com o tema desenvolvimento humano, objetivo de toda a sociedade, na busca natural de
qualidade de vida para todos os seus integrantes.
É do Estado como um todo, através de seus poderes e agentes, e da sociedade em
geral, a obrigação de propiciar a ressocialização do condenado. Se o ente estatal e a
sociedade falharem neste mister, portanto, estarão cerceando direitos dos presos e
estarão também contribuindo para o aumento da criminalidade, ensejando, desta forma,
prejuízos para a coletividade.
Os altos índices de reincidência evidenciam que a pena privativa de liberdade
não vem se mostrando eficaz no alcance de suas finalidades e, em face de tal
constatação, uma das soluções para a questão, trazida à baila por alguns doutrinadores,
juristas e, inclusive, implementada por alguns governos estaduais, é a de privatização ou
terceirização dos estabelecimentos prisionais.
A proposta foi e ainda é debatida no meio jurídico e social mediante a utilização
recorrente dos vocábulos privatização e/ou terceirização, mas, na essência, a hipótese
importa na transferência da administração dos estabelecimentos prisionais para a
iniciativa privada. Com isso, o ente privado passa a operacionalizar todos os serviços
atinentes à execução das penas privativas de liberdade dos condenados que estejam
recolhidos no estabelecimento prisional respectivo, atendendo, ao menos teoricamente,
às necessidades deles e atraindo, portanto, para si a efetivação da função
ressocializadora da pena.
Em meio a tantos questionamentos possíveis acerca da aludida proposta, o fato é
que ela veio a ser efetivada no Brasil, nos Estados do Amazonas, Ceará, Paraná, Bahia e
Espírito Santo e vem, ainda, sendo objeto de discussão nos Estados do Rio de Janeiro,
Minas Gerais e São Paulo.
Os debates sempre trabalharam com o termo privatização, considerando-o como
a transferência para a iniciativa privada da administração de um determinado
estabelecimento prisional, mediante a construção dos estabelecimentos prisionais e a
gestão de todas as operações necessárias para o funcionamento da unidade, tomando
como modelo os Estados Unidos; ou trabalharam como o termo terceirização, no
sentido de ser transferida à iniciativa privada as atividades secundárias, mantendo-se
para o Estado as funções de direção e vigilância, levando em conta o modelo francês.
Referidos termos, na verdade, embora não se mostrem técnicos, como será
oportunamente esclarecido, se tornaram consagrados quando ligados à questão em
foco, pelo que serão utilizados neste trabalho com os significados antes destacados.
A idéia da privatização de empresas e serviços públicos vem ganhando espaço
no Brasil a partir da década de 80, passando o país por um processo de diminuição do
aparato estatal, em função de um novo padrão de Estado, sugerido por concepções
neoliberais. Neste contexto e, em face da reconhecida degradação dos estabelecimentos
prisionais, é que surgiu a proposta de convocar a iniciativa privada para executar os
serviços prisionais.
O objetivo desta pesquisa está justamente em avaliar as propostas de
privatização ou de terceirização dos presídios como uma das soluções para a crise do
sistema punitivo-penal, levando em conta experiências já feitas em alguns estados
brasileiros. O propósito, portanto, não é somente o de reexaminar a questão da
privatização ou terceirização dos estabelecimentos prisionais sob a ótica da Constituição
da República e das leis específicas, embora seja inevitável fazê-lo, mas principalmente o
de reavaliar se esta proposta tem realmente condições de apresentar um resultado
diferenciado para o problema da criminalidade, contribuindo para o desenvolvimento
humano como um todo, considerando a experiência concretizada neste aspecto no
Estado do Paraná, de forma precursora, a partir de 1999, no Estado do Amazonas, no
Estado do Ceará e, principalmente, no Estado do Espírito Santo, o qual já conta com um
presídio de segurança máxima terceirizado e possui um outro em vias de terceirização
3
,
estando com licitação aberta para tal finalidade.
É inquestionável reconhecer que temos uma grave questão social e jurídica a ser
enfrentada diariamente e não se mostra repetitiva nenhuma proposta de reexaminar
problemas que não foram solucionados e que são básicos, fundamentais, elementares,
para a convivência humana; tampouco reavaliar soluções experimentadas.
Não são necessárias muitas horas de reflexão para se perceber a complexidade
de um problema que es relacionado à existência e à convivência humana, tanto é
assim que os filósofos mais antigos discutiam sobre o crime e sobre a pena desde os
mais remotos tempos. Na leitura de suas obras, encontram-se questionamentos que se
mostram ainda atuais e revelam que a preocupação outrora existente relacionada à
3
Em relação ao Estado do Espírito Santo está sendo utilizada especificamente a palavra terceirização
porque é assim que os profissionais daquele estado se referem ao contrato lá formalizado.
criminalidade ainda não foi resolvida, até porque possivelmente possa não ter uma
solução completa e definitiva.
O crime de maneira geral, como desvio de conduta dentro de um grupo social,
faz parte da essência da convivência humana, e não se pode admitir a existência de uma
sociedade em que não ocorra nenhum tipo de infração penal, ou seja, em que nenhuma
conduta humana se mostre inadequada ao meio social. O crime, afinal, tem um conceito
normativo, construído pelo próprio grupo social no qual se insere, dentro de um
determinado momento histórico. Para o direito penal, segundo o entendimento
preponderante, o crime é o fato típico, antijurídico e culpável, ou seja, é uma conduta
prevista em lei, praticada por uma pessoa que tinha condições de agir de forma diversa e
que não agiu acobertada por nenhuma justificativa
4
. A criminologia, contudo, analisa o
conceito de crime de forma diversa, buscando a sua essência como problema social, a
partir da configuração de um fato com incidência massiva na população, praticado com
persistência no espaço e no tempo e capaz de produzir aflição à vítima ou à sociedade
como um todo, representando, ainda, inequivocamente um consenso no meio social.
Seja sob o aspecto penal ou sob o aspecto criminológico, o fato é que a sociedade
convive com o crime, produz criminosos e tem que, necessariamente, lidar com eles.
É certo que existem crimes de naturezas diversas e, se é verdade que muitos não
conseguem ser extirpados em definitivo da sociedade, por estarem ligados à natureza
humana, outros podem, sem dúvida, ter a sua incidência reduzida, quando decorrem de
fatores externos, que podem ser combatidos por uma política criminal que não exclua
políticas públicas de emprego, salário, escolarização, moradia, saúde, segurança e outras
medidas complementares.
4
Foi adotada a definição do crime como sendo fato típico, antijurídico e culpável, por ser esta,
atualmente, a posição dominante na doutrina e jurisprudência nacional e estrangeira, embora não se
desconheça que o conceito do crime é passível de divergentes posicionamentos.
Há, pois, algo a ser feito para reduzir a ocorrência de crimes, não se justificando
que a sociedade possa se conformar com o crime como uma realidade inexorável.
Quando a previsão da conduta criminosa não se mostre eficaz para prevenir a
ocorrência dos crimes, a pena surge como resposta legal e com ela advém a
responsabilidade estatal de alcançar as finalidades da prevenção e da ressocialização.
Ressocializar um condenado e prevenir novos crimes, no ambiente penitenciário
atual brasileiro, não se mostra tarefa fácil, em função dos problemas sociais com os
quais convive a sociedade, dentre os quais se destaca a desigualdade social, a
distribuição de renda, a falta de acesso à educação e à saúde, a falta de emprego e o
estado endêmico de miséria. Mas a questão em foco é buscar saber se o cumprimento
das penas privativas de liberdade em estabelecimentos prisionais privatizados ou
terceirizados pode ser um fator que contribua para propiciar um maior alcance das
aludidas finalidades, permitindo um ganho para o desenvolvimento social.
Paralelo a isso, que se considerar que cada pessoa presa, recolhida a um
estabelecimento criminal, importa em custos para o Estado; custos relativos à sua
alimentação, vestimenta, medicamentos, assistência médica e social. Relevante, pois,
buscar saber se as necessidades de um condenado são atendidas de maneira mais
adequada em presídios privatizados ou terceirizados e quais são os custos para o Estado
na manutenção de presos, tanto em presídios públicos como em presídios
privatizados/terceirizados.
A questão se mostra, portanto, importantíssima, porque está relacionada à
existência humana, e não se pode esquecer que o condenado, seja por qual crime for, um
dia terminará de cumprir a sua pena e voltará ao convívio social, de forma que, se voltar
sem ter sido ressocializado, sem ter obtido valores sobre os limites individuais em um
meio social, certamente voltará a produzir vítimas em novos delitos, ocasionando
prejuízos para o próprio condenado, pela atribuição de nova sanção penal, e para todo o
grupamento social, por importar em perda de qualidade de vida para a sociedade como
um todo.
A experiência da privatização/terceirização de presídios, na última década, em
diversos estados brasileiros, justifica uma reavaliação da proposta, para que se possa
aferir se a medida representou efetivamente uma contribuição na solução imediata dos
problemas afetos ao sistema prisional, bem como uma contribuição mediata para a
melhoria da qualidade de vida da população, recomendando a sua ampliação.
A titulo de hipótese da pesquisa, pretendemos demonstrar que a privatização ou
terceirização dos presídios não se configura em uma solução adequada para o problema
em foco e sequer se mostra em conformidade com os ditames constitucionais, à medida
que importa em transferência de uma atividade essencialmente pública e, portanto,
indelegável, até porque não se pode conceber que o propósito da iniciativa privada, que
é o lucro, possa ser conciliado com as finalidades da pena e com os direitos
fundamentais dos presos. Como toda pesquisa, contudo, a hipótese é uma colocação
provisória, sujeita à alterações de posicionamentos que possam decorrer da própria
pesquisa em si.
Assim sendo, objetivando a obtenção de conclusões pautadas em conhecimento
teórico e prático, será consultada a literatura sobre o tema, bem como os argumentos
para os posicionamentos favoráveis e contrários à privatização ou terceirização dos
estabelecimentos prisionais; e será realizado um estudo comparado entre os diversos
modelos de privatização/terceirização, procurando-se, inclusive, evidenciar as eventuais
vantagens e desvantagens já constatadas a partir das experiências efetivadas no Brasil.
O tema é amplo e complexo e poderia envolver vários outros aspectos, inclusive
o econômico, bem como questões conexas. Não é possível, porém, num trabalho de
pesquisa, examinar todos os ângulos da questão com a devida profundidade, até mesmo
em função das limitações da autora.
Sob o ponto de vista empírico, portanto, proceder-se-á ao exame específico dos
modelos públicos e privados adotados nos Estados do Paraná e Espírito Santo, que
experimentaram a terceirização de estabelecimentos penais.
5
Imprescindível que um ou alguns presídios privatizados fossem visitados e
que os profissionais da área fossem ouvidos a respeito da experiência, para possibilitar a
obtenção de conclusões devidamente argumentadas. Imperioso levar em conta os dados
coletados sobre o processo de privatização, a existência ou não de impugnações
administrativas ou judiciais e os respectivos entendimentos adotados; bem como os
dados quanto ao número de presos recolhidos em estabelecimentos
privatizados/terceirizados e o custo de tal contratação para o Estado.
A pesquisa, portanto, após a parte introdutória, desenvolve um primeiro capítulo
destinado ao estudo teórico das punições na história mundial, passando pelo momento
do nascimento da pena privativa de liberdade como sanção penal, até chegar a sua
aplicação nos dias atuais. Em seguida, serão examinadas as finalidades da pena, bem
como o seu papel no desenvolvimento humano, e serão abordados dados sobre a crise
do sistema penal-punitivo e as diversas propostas surgidas nos últimos anos para evitar
ou reduzir o encarceramento.
5
A abordagem específica em relação aos Estados do Paraná e Espírito Santo decorreu do pioneirismo do
primeiro em relação à matéria e à facilidade de visitação e realização de entrevistas dos profissionais
ligados à Execução Penal do segundo, eis que a autora atuou como Delegada de Polícia naquele Estado e
teve oportunidade de entrevistar o atual Secretário Estadual de Justiça, bem como o Diretor Geral do
Departamento Penitenciário e outros profissionais da área.
O segundo capítulo é dedicado ao delineamento das diversas modalidades de
realização dos serviços públicos e da possibilidade constitucional e legal de delegação
dos serviços relacionados à Execução Penal. Esta abordagem se mostra fundamental, já
que o objetivo do trabalho passa pela verificação da proposta de privatização ou de
terceirização dos estabelecimentos prisionais sob a ótica constitucional e legal. Aliás, é
neste capítulo que o conceito das palavras privatização e terceirização é esclarecido.
O terceiro capítulo destina-se ao exame da experiência de privatização de
estabelecimentos prisionais no direito comparado, em especial nos Estados Unidos e
França.
O quarto capítulo versa sobre as análises empíricas dos estabelecimentos
prisionais privatizados nos estados brasileiros, especialmente no Estado do Espírito
Santo, dada a recente terceirização de um de seus estabelecimentos prisionais e o atual
andamento da licitação da segunda experiência neste sentido. Recorrer-se-á ao exame de
dados sobre as razões da escolha, os termos da licitação e a comparação de duas
unidades prisionais situadas lado a lado, ambas de segurança máxima, sendo uma
terceirizada e outra administrada diretamente pelo Governo Estadual. Serão efetuadas
análises de dados obtidos junto à Secretaria Estadual de Justiça e através de entrevistas
com diversos profissionais, do setor público e privado, que atuam diretamente com a
execução penal daquele Estado.
Em relação ao Estado do Paraná, que foi pioneiro na efetivação da proposta de
participação da iniciativa privada na execução penal, utilizando-se de unidades
terceirizadas no período de 1999 a 2006, serão examinados dados disponibilizados pelo
Departamento Penitenciário do Estado – DEPEN-PR. Também serão abordadas as
experiências de privatização de estabelecimentos prisionais dos Estados do Ceará, Bahia
e Amazonas. A situação do sistema prisional dos estados mencionados será aferida a
partir dos dados colhidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para
apurar a situação do sistema prisional nacional, cujo relatório final data de junho de
2008.
Pretendemos, ainda, verificar os custos para o Estado quando ele próprio
administra os estabelecimentos prisionais e os custos arcados pelo ente estatal nos casos
de privatização ou terceirização de tais estabelecimentos, em que pese a ausência de
pesquisas específicas e a pouca estatística existente neste sentido. Ademais, objetivamos
aferir os benefícios alcançados para os condenados mediante a
privatização/terceirização dos estabelecimentos prisionais.
Dados oficiais fornecidos pelos Governos Federal e Estaduais foram buscados
para fins de aferição da real situação prisional do país, assim como pareceres, relatórios
e pesquisas que puderam ser coletadas.
A última parte do trabalho é destinada às considerações finais, conclusões sobre
a proposta, a partir da hipótese desenhada inicialmente, para sua confirmação ou não.
1. HISTÓRICO DA PENA E SUAS FINALIDADES
1.1. Penas: origem e evolução
Tratar da história da pena importa em trazer à lume os mais profundos registros
da violência e da indiferença humana diante de seus semelhantes. Ainda assim, é
inegável que o conhecimento de um instituto jurídico atual e de suas ramificações exige
a compreensão do seu passado, sem o qual o conhecimento estará limitado ao direito
positivo, restringindo-se a capacidade crítica que se deve esperar de todo pesquisador e
de todo profissional do direito.
A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a
humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e
talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm
sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser
uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência
imposta por meio da pena é sempre programada, consciente, organizada
por muitos contra um. Frente à artificial função de defesa social, não é
arriscado afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem
produzido ao gênero humano um custo de sangue, de vidas e de
padecimentos incomparavelmente superior ao produzido pela soma de
todos os delitos (FERRAJOLI, 2006, p. 355).
O surgimento da pena está intimamente ligado ao surgimento dos grupos sociais,
o que se justifica na inexorável certeza de que não se pode conceber a idéia de pena fora
de um ambiente em que haja convivência entre pessoas e no qual se mostre necessário o
estabelecimento de regras e de limites individuais em prol do interesse coletivo.
A pena como punição, portanto, remonta aos primórdios das civilizações; aos
primeiros grupos sociais dos quais se tem conhecimento na história, o que se afere pelos
diversos registros de materiais escritos registrados pela ciência. Até mesmo numa visão
religiosa, encontra-se presente a idéia da pena na expulsão de Adão do Paraíso, pelo
descumprimento de uma ordem divina.
Buscar as origens da pena significa, necessariamente, perquirir também a
história do direito penal, que a pena, até mesmo intuitivamente, é conseqüência de
uma conduta considerada como criminosa pelo grupo social, por estar em desacordo
com aquele ambiente. A história do direito penal, assim, se desencadeia a partir da
forma como os crimes são definidos e as penas são aplicadas àqueles que os praticam, já
que, ao praticarem condutas consideradas criminosas, tais pessoas se mostram em
desacordo com os parâmetros e limites sociais impostos em cada momento histórico e
em cada grupo social.
Nascendo com a sociedade e evoluindo à sua imagem e semelhança, o
crime é conceituado e punido de acôrdo com os fundamentos de cada
organização social. Proveem da sociedade, direta ou indiretamente, as
suas causas e manifestações. Finalmente, é em nome da sociedade, tal
como foi constituída em tempo e espaço determinados, para seu bem e
sua ordem, que se recorre à pena. Comina-se, aplica-se, executa-se a pena
em função da sociedade, que cria os choques de interesses, os exemplos
de fraude e violência, os motivos e os instrumentos do crime (LYRA,
1942, p. 11).
É extremamente complexa a aferição da origem da pena, até porque alguns
doutrinadores a vêem, como antes afirmado, como iniciada nos mais remotos grupos
sociais primitivos, que se valiam da vingança como punição para as condutas
consideradas atentatórias ao grupo social; enquanto outros doutrinadores relacionam a
origem da pena à atuação de uma comunidade organizada, sob o comando de um chefe,
diferenciando-a, pois, da idéia de vingança privada que, para os adeptos desta segunda
corrente, não se configura em resquício de pena, tratando-se, em verdade, de
manifestação individual, sem nenhuma natureza de representação de decisões tomadas
em grupos sociais.
Esta divergência se justifica, não somente por se tratar de um tema da área
jurídica, que, por sua natureza, já impõe entendimentos diversos, mas especialmente por
envolver uma abordagem histórica, que sempre ocasiona diferentes posicionamentos,
até mesmo em função do material disponível, passível de interpretações diversas. Não
há, pois, unanimidade em temas que dizem respeito ao ser humano e às suas criações.
Respeitando todas as controvérsias sobre a história do instituto da pena e,
partindo da constatação de que os grupos sociais vivenciaram a história da pena de
maneiras bastante diversificadas, até mesmo em conseqüência às próprias divergências
históricas entre os povos primitivos e, posteriormente, entre os Estados, e, ainda,
levando em conta que o tema se mostra repleto de avanços e retrocessos, a doutrina
aponta para uma divisão do tema da maneira mais aceitável possível, didaticamente,
registrando um primeiro período de utilização da pena como vingança promovida pelo
próprio particular; um segundo período em que a pena era utilizada como vingança
divina, em função da influência da religião na vida das pessoas; e um terceiro período,
no qual a pena adquire a característica de vingança promovida pelo Estado.
6
Assim destaca a doutrina:
As diversas fases da evolução da vingança penal deixam claro que não se
trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas
caracterizadores de cada um de seus estágios. A doutrina mais aceita tem
adotado uma tríplice divisão, que é representada pela vingança privada,
vingança divina e vingança pública, todas elas sempre profundamente
marcadas por forte sentimento religioso/espiritual (BITENCOURT, 2008,
p. 28).
Percebe-se, pois, que a pena, em sua origem remota, representa um simples
revide à agressão sofrida, sem nenhuma preocupação com algum conteúdo de justiça ou
de proporcionalidade. Posteriormente, atravessa um período de grande interferência da
religião na vida dos povos e até mesmo do Estado, de forma que a pena se
6
A doutrina destaca a falta de sistematização em relação à evolução histórica da pena, tema que se mostra
repleto de informações divergentes, tendo sido adotado o posicionamento mais comumente aceito, como,
aliás, o próprio texto já destaca.
consubstancia em sua satisfação à divindade, ofendida pela prática do crime, que este
era visto mais como pecado do que como uma ofensa à ordem social e, apenas numa
terceira fase, é que a pena passa a se configurar em atuação do Estado, na sua função
pública de proteção aos bens jurídicos e, mesmo a partir daí, notam-se diversos critérios
e formas para a efetivação da pena.
Em meio a estes registros históricos tão diversificados em relação ao tema,
observa-se que a pena privativa de liberdade, baluarte do sistema penal atual, não foi
sempre utilizada pelos povos.
Na Antiguidade, a privação de liberdade não foi utilizada como sanção penal.
Os grupos humanos primitivos atribuíam acontecimentos da natureza como obra de
seres sobrenaturais, chamados totens; e as regras impostas naqueles grupos eram
consideradas tabus, de forma que o desrespeito aos tabus representava uma afronta ao
ente sacral, justificando a aplicação das punições como a perda da paz, que consistia no
afastamento do indivíduo do convívio social, deixando-o desprovido de armas e da
proteção dos totens, sujeito à ação de outros grupos; e a vingança de sangue, ambas
objetivando a morte do ofensor.
Era comum a utilização de oferendas e sacrifícios para o fim de acalmar a ira dos
deuses, demonstrada pela produção dos fatos naturais, tais como chuvas, terremotos,
trovões e ações de vulcões.
A vingança privada se inseriu como punição neste período histórico,
envolvendo, muitas vezes, não somente o agressor e o agredido e seus familiares, mas
também todo o grupo social, provocando, com isso, o desmantelamento do próprio
grupo através de guerras internas.
A lei de talião surge, então, como a primeira manifestação explícita de
proporcionalidade entre pena e delito: olho por olho, dente por dente. Ela foi adotada
pelo Código Hamurabi, na Babilônia, bem como no Livro dos Livros (Êxodo), pelos
hebreus, e na Lei das XII Tábuas, pelos romanos. Sua criação se baseou na idéia de que
as penas deviam ter a mesma qualidade dos delitos, de forma que a pena de morte e as
penas corporais se mostravam justificadas numa concepção retributiva da pena.
As deformações corporais que a lei de talião causava aos integrantes da
população propiciaram a evolução das punições, criando-se a composição, que
importava em pagamento de bens ou dinheiro em troca da liberdade do criminoso, e que
serviu, inclusive, como antecedente para a atual reparação do Direito Civil e as penas
pecuniárias do Direito Penal. As penas corporais, contudo, continuaram a ser aplicadas
aos criminosos insolventes.
A legislação penal greco-romana pode ser considerada o ponto de
secularização do poder punitivo e de uma limitada atenuação na
crueldade das penas, como conseqüência de uma diferente concepção
política acerca do governo e da autoridade, o que permitiu o aparecimento
da composição, isto é, o cancelamento da pena mediante pagamento à
vítima ou a seus parentes (controlada pela autoridade) e a obtenção da
primeira distinção entre delicta publica e delicta privada (ZAFFARONI;
BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 387).
Percebe-se, pois, dos registros históricos relativos à Antiguidade, que a pena de
morte e as penas corporais eram comumente usadas, embora levassem a
questionamentos por aqueles grupos sociais, que buscaram, com o passar do tempo,
outras formas de punição, sem excluir as penas corporais e a pena de morte de suas
regras de convivência.
A pena de morte, que praticamente havia desaparecido, pois, até a era de
Adriano (117-138 d.C.) ressurge com grande força, no século II d.C., com
o aparecimento dos chamados crimes extraordinários, tais como furto
qualificado, estelionato, extorsão, aborto, exposição de infante. A esses
crimes pode-se acrescentar os crimes essencialmente religiosos, como
blasfêmia, heresia, bruxaria, etc. (BITENCOURT, 2008, p. 31).
Consolidada a pena de morte como principal sanção penal, a prisão era utilizada
apenas como forma de preservação física do delinqüente até o momento da celebração
da sua execução, ou para a efetivação das penas corporais, consistentes em mutilações e
açoites. Essas modalidades de punições prevaleceram também na Idade Média.
“A Idade dia foi um período dominado por penas cruéis e desproporcionais, seja na
imposição, seja na execução. A morte na roda, na guilhotina, no fogo, eram práticas
rotineiras...” (BOSCHI, 2006, p. 94).
“Em toda a Idade Média, todavia, a brutalidade e a crueldade das penas ainda
constituem a tônica.” (TELES, 2004, p. 317).
Mantida, pois, na Idade Média, a utilização da prisão apenas como meio de
custódia provisória dos condenados, não havia a preocupação de criação de prédios
adequados para o encarceramento, pelo que as prisões funcionavam em locais tidos
como degradantes, tais como calabouços, castelos, torres insalubres e conventos
abandonados, até mesmo porque a tortura era comumente utilizada para a obtenção da
verdade e como corolário das penas corporais.
Bem a propósito, é de se observar que o fortalecimento do sofrimento
físico, como forma de obter a confissão do acusado relutante, e também
com o cunho de apenamento, teve apoio de grande parte dos pensadores
da época, que compreendiam a pena como forma de sofrimento, a ser
imposto ao criminoso, como resposta ao mal do crime.
[...]
Num primeiro momento, a concepção existente em torno do emprego dos
sofrimentos físicos ao apenado era dotada de cunho secreto, para, depois,
no século XIV, ordinarizarem-se os procedimentos de tortura, havendo,
então, o desenvolvimento dos requintes de perversidade quando se
utilizava a imolação física como arsenal punitivo ao criminoso da época
(TASSE, 2003, p. 29).
Embora, portanto, na Idade Média, a privação de liberdade continue a ter
finalidade custodial, é nesta época que surge a prisão de Estado e a prisão eclesiástica,
com finalidades específicas.
Na prisão de Estado, na Idade Média, somente podiam ser recolhidos os
inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem cometido delitos de
traição, e os adversários políticos dos governantes. A prisão de Estado
apresenta duas modalidades: a prisão-custódia, onde o réu espera a
execução da verdadeira pena aplicada (morte, açoite, mutilações, etc.), ou
como detenção temporal ou perpétua, ou ainda até receber o perdão real.
[...]
A prisão eclesiástica, por sua vez, destinava-se aos clérigos rebeldes e
respondia às idéias de caridade, redenção e fraternidade da Igreja, dando
ao internamento um sentido de penitência e meditação (BITENCOURT,
2004, pp. 9-10).
A idéia da penitência utilizada no direito canônico serviu como antecedente para
a prisão moderna, revelando, pois, a sua importância e a sua influência para a ciência
penal.
Dentre as inúmeras características do Direito Penal canônico, podem-se
elencar as seguintes: a) contribuiu para a humanização das penas
(Ecclesia non sitit sanguinem) e para fortalecer o caráter público do
Direito Penal. Nesse sentido, merecem destaque duas instituições: a
trégua de Deus e o direito de asilo. A vingança privada teve nesse direito
um limite real e definitivo; b) afirmou o princípio da igualdade de todos
os homens perante Deus [...] (PRADO, 2002, 56).
A Idade Moderna manteve, inicialmente, as penas corporais, mas as mudanças
na economia da Europa, principalmente da Inglaterra, a partir do culo XVI, geraram
um período de muita pobreza e, conseqüentemente, de muita delinquência, o que
incrementou os questionamentos sobre a pena de morte como punição. Foram criadas as
houses of correction ou bridwells e, posteriormente, as workhouses na Inglaterra; bem
como as rasphuis e as spinhis, na Holanda, todas destinadas à correção dos pequenos
delinquentes, através do trabalho constante e ininterrupto, do castigo corporal e da
orientação religiosa, reservando-se a pena de morte aos autores dos delitos mais graves.
[...] a prisão surge quando se estabelecem as casas de correção holandesas
e inglesas, cuja origem não se explica pela existência de um propósito
mais ou menos humanitário e idealista, mas pela necessidade que existia
de possuir um instrumento que permitisse não tanto a reforma ou
reabilitação do delinqüente, mas a sua submissão ao regime dominante
(capitalismo). Serviu também como meio de controle dos salários,
permitindo, por outro lado, que mediante o efeito preventivo-geral da
prisão se pudesse “convencer” os que não cometeram nenhum delito de
que deviam aceitar a hegemonia da classe proprietária dos bens de
produção (BITENCOURT, 2004, p. 23).
O século XVIII foi marcado pelo surgimento de pensadores que pregavam o
domínio da razão, criticavam a intolerância religiosa e os privilégios das tradições
dominantes, pelo que ficou conhecido como Século das Luzes. As idéias iluministas
foram fundamentais para o processo de humanização das penas, que veio acompanhado
da preocupação com o resguardo do direito de defesa e dos direitos do homem. É neste
contexto que a pena privativa de liberdade ganhou espaço e se solidificou, muito
embora sujeitas às mais diversas críticas, as quais permanecem até os dias de hoje.
A razão Divina é, então, substituída pela razão de Estado, assim como a lei
divina é sucedida pela leis dos homens. Ou seja, nesta época, se inicia um processo de
laicização e de positivismo legal, passando a pena, neste contexto, a ter natureza de
vingança pública.
Cesare Beccaria teve relevante contribuição para o processo de humanização das
penas. Parece recente o texto por ele publicado em 1764, intitulado Dos delitos e das
penas, que consigna:
A prisão é uma pena que, por necessidade, deve, diferentemente de
qualquer outra, ser precedida da declaração do delito, porém este caráter
distintivo não lhe tira um outro, essencial, a saber, que somente a lei
possa determinar os casos em que o homem é merecedor de punição. A
lei, pois, indicará os indícios de um delito, que sujeitem o réu a um exame
e a uma pena. O conhecimento público, a fuga, a confissão extra-judicial,
o depoimento de um companheiro de delito, as ameaças e a constante
inimizade em relação ao ofendido, o corpo do delito, e semelhantes
indícios, são provas suficientes para prender um cidadão. Mas estas
provas devem ser estabelecidas pela lei, e não pelos juízes, cujos decretos
são sempre opostos à liberdade política, quando não forem proposições
particulares de uma regra geral existente no código público. À medida
que as penas se tornarem moderadas, que a miséria e a fome se retirarem
dos cárceres, que a compaixão e a humanidade penetrarem através das
grades e dominarem os inexoráveis e endurecidos ministros da justiça, as
leis poderão contentar-se com indícios cada vez mais fracos para capturar.
(p. 46).
Constata-se, pois, que a obra de Cesare Beccaria representou um delineamento
teórico que serviu para a construção de todo o sistema penal e processual penal. Suas
considerações, como as antes transcritas, evidenciam abordagens que se mostram atuais
em relação ao direito penal e processual penal pátrios, como observado no texto a seguir
transcrito:
Em verdade, Beccaria foi quem, de forma mais objetiva, transportou as
aspirações e princípios filosóficos do Iluminismo ao campo do Direito
Penal, tornando-se símbolo de uma batalha ideológica em prol de uma
melhor compreensão do fenômeno do crime e mais justa aplicação da
pena (TASSE, 2003, p. 34).
Outros pensadores, dentre os quais se destaca John Howard, autor da obra The
state of prisions in England
7
, despertaram a sociedade para a necessidade da busca da
melhoria das condições para o cumprimento de pena pelos criminosos.
O fim das penas corporais e a consolidação da prisão como pena tem como
marco a Revolução Francesa, que importou na implantação de regime de mais liberdade
e garantias.
7
Nesta obra, o autor realizou um relatório sobre as condições deploráveis em que se encontravam as
prisões inglesas, constatando o sofrimento desumano que as penas impunham.
“Uma nova espécie de pena a de prisão por tempo determinado torna-se a
mais grave entre todas. Se hoje a achamos violenta, constituiu, em dúvida, um avanço
em relação tanto à pena capital quanto à de duração perpétua.” (TELES, 2004, p. 317).
Constata-se que a prisão moderna traz consigo, ainda, muito dos ideais cristãos
da penitência e da redenção, sendo visto, por isso, o sofrimento, como um elemento
integrante do processo de expiação da culpa. A pena privativa de liberdade adquiriu do
direito canônico o caráter reformador, reparador, transformador de um indivíduo que
apresentou uma conduta desviante e que se transformará, em tese, em uma pessoa
melhor, a partir do isolamento, do trabalho e da reflexão que lhe serão impostos durante
o cumprimento de sua pena.
No Brasil, a história da pena não destoa significativamente daquela que se deu
na Europa, Ásia e África. Enquanto colônia de Portugal, o país se valeu da legislação da
Coroa Portuguesa, muito embora as punições fossem praticadas no âmbito privado,
dentro, portanto, das unidades de produção.
Diversamente das Afonsinas, que não existiram para o Brasil, e das
Manuelinas, que não passaram de referência burocrática, casual e distante
em face das práticas penais concretas acima noticiadas, as Ordenações
Filipinas constituíram o eixo de programação criminalizante de nossa
etapa colonial tardia, sem embargo da subsistência paralela do direito
penal doméstico que o escravismo necessariamente implica
(ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 417).
O primeiro Código Criminal Brasileiro, de 1830, fundado em bases de justiça e
equidade trazidos pela Constituição brasileira de 1824, embora continuasse a prever a
pena de morte, constituiu em enorme avanço em relação à legislação então vigente, pois
trazia algum tipo de individualização da pena, proibindo a condenação a duas penas
corporais, proclamando, ainda, o princípio da legalidade e o sistema dias-multa.
As penas infamantes e a limitação da pena privativa de liberdade em trinta anos
foram alterações importantes advindas com o Código Penal Republicano, de 1890.
No Código Penal Republicano, de 1890, as penas previstas eram: prisão
celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão
disciplinar, interdição, suspensão e perda de emprego público, com ou
sem inabilitação para o exercício de outro, e multa (TELES, 2004, p.
319).
A Constituição Republicana de 1891 aboliu em definitivo as penas de galés e a
do banimento judicial e a Constituição de 1934 proibiu a pena de morte, de confisco e
as de caráter perpétuo. A Constituição de 1937 restabeleceu a pena de morte para alguns
crimes, mas o Código Penal de 1940, mesmo elaborado na vigência daquele texto
constitucional, não admitiu a pena de morte.
Em 1984, o Código Penal sofreu extensa alteração em sua parte geral, em função
da Lei 7.209, tendo sido adotadas as penas alternativas à prisão e reiterado o sistema do
dias-multa.
O tempo atual ainda é o da busca de penas cada vez mais humanizadas, busca
esta que tem propiciado a criação de penas restritivas de direito em substituição às penas
privativas de liberdade; bem como a criação de diversos outros institutos para evitar o
encarceramento ou ao menos para minimizá-lo, o que será examinado em capítulo
próprio.
A Constituição da República de 1988 consignou diversos direitos e garantias na
espera penal, sinalizando para um propósito cada vez maior de se assegurar a ampla
defesa no curso do processo e a humanização e individualização das penas, tanto
quando de sua cominação pelo legislador, quanto no momento de sua aplicação pelo
magistrado e no momento de seu cumprimento.
O texto constitucional, no entanto, da mesma forma que serviu como
fundamento para a humanização das penas e para as garantias processuais atinentes ao
devido processo legal, vez por outra, serve de fundamento de validade para a criação de
leis que destoam completamente destes propósitos. Assim, em nosso ordenamento
jurídico, após a edição da Constituição da República de 1988, foram editadas a Lei de
Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) e a Lei de Crimes Organizados (Lei 9.034/95),
bem como foi criado o instituto do Regime Disciplinar Diferenciado (artigo 52 da Lei
7.210/1984)
8
. Todos estes diplomas legais refletiram posicionamento rigoroso em
relação à aplicação de penas e de benefícios aos condenados por determinados crimes,
afastando-se do processo humanizador e desencarcerador das penas.
Percebe-se, pois, que, da mesma forma como diferentes escolas penais
discutiram, no passado, os institutos do Direito Penal, também hoje existem adeptos de
doutrinas divergentes, denominadas como Direito Penal nimo e Direito Penal
Máximo, as quais se digladiam no âmbito da ciência penal, percebendo-se vitórias, ora
de uma e ora de outra, através das leis que vêm sendo publicadas.
A doutrina do Direito Penal Mínimo e a doutrina do Direito Penal Máximo se
opõem, uma entendendo o Direito Penal como a ultima ratio, orientando e limitando o
poder incriminador do Estado; e a outra primando pelo rigor, pela preponderância do
Direito Penal como solução para os conflitos sociais. Estas divergências de
8
A Lei de Crimes Hediondos trouxe o agravamento das penas e a restrição de benefícios aos acusados e
aos condenados por crimes relacionados como hediondos (art. 1º) e por crimes equiparados a hediondos,
quais sejam: o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. A Lei de Organização Criminosa também trouxe
um agravamento nas penas e a diferenciação de tratamento de outros institutos de natureza processual
para os acusados e para os condenados por crimes que evidenciem a formação de organizações
criminosas. O instituto do Regime Disciplinar Diferenciado, por sua vez, impôs um tratamento carcerário
rigoroso a presos provisórios ou condenados que apresentem risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade, bem como para os que estejam supostamente envolvidos em
organizações criminosas. Estas leis, basicamente, pregam o encarceramento sem direitos a benefícios
normalmente ofertados aos condenados em geral ou limitam tais benefícios, estabelecendo maiores
requisitos para a sua concessão.
posicionamentos em relação ao Direito Penal fazem com que convivam em nosso
ordenamento jurídico leis extremamente rigorosas, como as anteriormente citadas, e leis
que pregam cada vez mais o não encarceramento.
Não há, pois, homogeneidade no pensamento e na criação humana, de forma que
as divergências a respeito dos mais variados temas, especialmente no que tange às
ciências humanas e sociais, sempre existirão.
Esta pesquisa, aliás, apresenta um posicionamento, que, certamente, encontra
opositores, como será destacado oportunamente.
1.2. As finalidades da pena e sua eficácia.
O discurso oficial sobre as finalidades da pena se mostra totalmente em
desconformidade com a realidade social, especialmente com a realidade dos órgãos de
efetivação das políticas criminais anunciadas. Tal constatação se mostra facilmente
detectável quando se verificam os diversos direitos assegurados aos presos pela
legislação pertinente, que não são plenamente efetivados, por falta de estabelecimentos,
instituições e órgãos adequados.
As irregularidades relacionadas à Execução Penal na esfera prática se iniciam
pelos próprios estabelecimentos criminais destinados ao cumprimento da pena privativa
de liberdade.
A lei estabelece regimes penitenciários diversos para a pena privativa de
liberdade e aponta os estabelecimentos prisionais para o cumprimento de cada um deles,
bem como consigna direitos diversos para os condenados que estejam cumprindo suas
penas em tais regimes, quais sejam: o fechado, o semi-aberto e o aberto.
Assim, as penitenciárias são os estabelecimentos adequados para os condenados
em regime fechado; as colônias agrícolas, industriais ou estabelecimentos similares são
destinados aos condenados em regime semi-aberto; e as casas de albergado são os
estabelecimentos apontados para aos condenados em regime aberto, consoante
determinado pelos artigos 87 a 95 da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984.
9
Ao tratar das penitenciárias, no seu capítulo II, a Lei de Execução Penal
estabelece:
Art. 87. A Penitenciária destina-se ao condenado à pena de
reclusão, em regime fechado.
Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e
os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas,
exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em
regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos
do art. 52 desta lei.
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá
dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de
aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência
humana.
b) área mínima de 6 m² (seis metros quadrados).
Art. 89. Além dos requisitos referidos no artigo anterior, a
penitenciária de mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e
parturiente e de creche com a finalidade de assistir ao menor
desamparado cuja responsável esteja presa.
Art. 90. A penitenciária de homens será construída em local
afastado do centro urbano a distância que não restrinja a visitação.
Percebe-se no texto legal antes transcrito o objetivo do legislador em reservar
um ambiente espaçoso e higienizado ao condenado em regime fechado, bem como uma
preocupação especial em relação à manutenção de seus vínculos familiares.
Em relação à colônia agrícola, industrial ou similar, trata a referida lei em seu
capítulo III, da seguinte forma:
9
A referida Lei de Execução Penal repete diversos dispositivos já consignados no Código Penal, porém,
na maioria dos temas, vai além da legislação codificada, detalhando as regras a serem observadas.
Art. 91. A Colônia Agrícola, Industrial ou similar destina-se ao
cumprimento da pena em regime semi-aberto.
Art. 92. O condenado poderá ser alojado em compartimento
coletivo, observados os requisitos da letra a do parágrafo único do art. 88
desta Lei.
Parágrafo único. São também requisitos básicos das
dependências coletivas:
a) a seleção adequada dos presos;
b) o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de
individualização da pena.
Nota-se que o legislador, diferentemente do isolamento destinado aos
condenados em regime fechado, pretendeu garantir aos presos em regime semi-aberto o
convívio com outros presos, atentando, em especial, para a seleção de presos de acordo
com o perfil de cada um, justamente para evitar um convívio que pudesse representar
uma contaminação negativa de valores.
Em relação à casa de albergado, a Lei de Execução Penal tratou, em seu capítulo
IV, da matéria, estabelecendo:
Art. 93. A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de
pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de
fim de semana.
Artigo 94. O prédio deverá situar-se em centro urbano, separado
dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de
obstáculos físicos contra a fuga.
Art. 95. Em cada região haverá, pelo menos, uma Casa de
Albergado, a qual deverá conter, além dos aposentos para acomodar
presos, local adequado para cursos e palestras.
Parágrafo único. O estabelecimento terá instalações para os
serviços de fiscalização e orientação dos condenados.
Algumas preocupações específicas do legislador sobre a casa de albergado
foram consignadas no texto legal, exigindo-se, primordialmente, que ela seja separada
dos demais estabelecimentos prisionais e situada em centro urbano, desprovida, ainda,
do obstáculos físicos contra a fuga. Tais determinações se mostram em conformidade
com o regime de cumprimento de pena mais brando, destinado aos condenados a penas
privativas de liberdade mais curtas ou aos condenados que tenham passado pelos
regimes fechado e semi-aberto e tenham atendido aos respectivos requisitos de ordem
objetiva e subjetiva para a progressão de regimes, estando, pois, na iminência e retornar
totalmente ao convívio social.
Os regimes penitenciários (fechado, semi-aberto e aberto) não somente têm
equivalência com estabelecimentos prisionais diversos (penitenciárias, colônias
agrícolas ou industriais e casas de albergado), como também estão relacionados a
direitos diversos para os respectivos condenados. Assim é que o condenado em regime
fechado dificilmente exerce o trabalho externo, embora haja previsão desta modalidade
de trabalho para ele, em obras e serviços públicos e com a devida fiscalização, e não
possuem direito à saídas temporárias do estabelecimento; enquanto os condenados em
regimes semi-aberto e aberto podem, como regra, exercer o trabalho externo e têm
direito à saídas temporárias, que permitem a manutenção da convivência com os seus
familiares, segundo a legislação própria.
10
Estabelecida, pois, uma escalada de regimes penitenciários, do mais rigoroso ao
mais brando, conclui-se que o objetivo do legislador foi o de oportunizar ao condenado
estágios cada vez menos gravosos no cumprimento de sua pena, possibilitando a sua
reinserção na sociedade, à medida que apresenta mérito para galgar os regimes mais
benéficos.
11
O legislador também se preocupou em reservar um estabelecimento próprio para
os presos provisórios, ou seja, para aqueles que tenham sido mantidos encarcerados
durante o andamento do inquérito policial ou do processo criminal, em função de
10
Os artigos 33 a 37 do Código Penal estabelecem as regras às quais estão sujeitas os condenados aos
regimes fechado, semi-aberto e aberto, e a Lei de Execuções Penais traz alguns detalhamentos em relação
aos direitos a serem assegurados aos condenados sujeitos a cada um destes regimes.
11
A possibilidade de progressão de regimes penitenciários, segundo o artigo 112 da Lei 7.210/1984,
exige o cumprimento de 1/6 da pena fixada. Para os crimes hediondos, segundo o artigo , § 2º, da Lei
8072/1990, este percentual aumenta para 2/5, em não sendo o condenado reincidente, e para 3/5, em
sendo ele reincidente.
estarem presentes os requisitos para justificar uma das modalidades de prisão cautelar
previstas em lei
12
. Tais estabelecimentos são as cadeias públicas, também com previsão
expressa na Lei de Execução Penal, da forma seguinte:
Art. 102. A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos
provisórios.
Art. 103. Cada comarca terá, pelo menos, uma Cadeia Pública a
fim de resguardar o interesse da administração da justiça criminal e a
permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.
Art. 104. O estabelecimento de que trata este Capítulo será
instalado próximo de centro urbano, observando-se na construção as
exigências mínimas referidas no art. 88 e seu parágrafo único desta Lei.
O que se observa, na realidade brasileira, contudo, não é a obediência às
determinações legais relativas aos estabelecimentos prisionais adequados para cada um
dos respectivos regimes. Diversos presos encontram-se cumprindo suas penas em
estabelecimentos diversos daqueles apontados pelo legislador, por falta de vagas
disponíveis naqueles outros nos quais deveriam estar. Dados sobre tais afirmativas
serão apresentados no decorrer desta pesquisa, a partir de informações colhidas em
documentos oficiais fornecidos pelo Poder Público.
Não bastassem as irregularidades em relação à falta de vagas nos
estabelecimentos prisionais nos quais os presos deveriam cumprir suas respectivas
penas, as determinações legais relativas à execução penal encontram restrições práticas
para serem implementadas por outras razões, que passam pela falta de investimentos
12
A prisão durante o inquérito policial e o processo se mostra excepcional em face da presunção do
estado de inocência, direito assegurado constitucionalmente, e em função do qual somente após o trânsito
em julgado de uma sentença penal condenatória é que pode se considerar um indivíduo culpado por uma
infração penal (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República). previsão legal de quatro formas
de prisão cautelar no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: a prisão em flagrante, a prisão
preventiva, a prisão temporária, e a prisão decorrente da pronúncia. Todas elas se baseiam na necessidade
de se restringir a liberdade de alguém que ainda não foi condenado por sentença transitada em julgado e
devem ser devidamente fundamentadas.
governamentais em execução penal, no Brasil, e que se mostram tão complexas, que
seria difícil simplesmente enumerá-las.
A constatação da ineficiência do sistema penitenciário brasileiro é reconhecida
como fato notório por parte de toda a doutrina especializada na matéria, bem como por
parte dos diversos profissionais que atuam na área.
13
O número de criminosos inseridos no sistema prisional vêm crescendo
significativamente e a lei penal vem sofrendo diversas alterações ao longo do tempo, no
entanto, não foram promovidas alterações nos estabelecimentos prisionais existentes de
forma que pudessem se encaixar em uma nova realidade, cada vez mais complexa.
A superlotação, a falta de higiene, a violência das unidades prisionais e a falta de
investimentos são informações noticiadas com freqüência nos meios de comunicação.
A crise (se é que se pode tratar o problema em foco como uma simples crise!)
14
no setor motivou a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a
investigar a realidade do Sistema Carcerário Brasileiro, concluída em junho do ano de
2008, que atuou em 18 estados, realizando audiências públicas, colhendo depoimentos
de autoridades e representantes de entidades da sociedade civil, líderes dos agentes
penitenciários e encarcerados, assinalando em seu relatório final, as seguintes razões
para a instauração do procedimento:
Rebeliões, motins freqüentes com destruição de unidades prisionais;
violência entre encarcerados, com corpos mutilados de companheiros, e
as cenas exibidas pela mídia; óbitos não explicados no interior dos
13
A autora atuou como Delegada de Polícia no Estado de Minas Gerais, por dois anos, e como Delegada
de Polícia no Estado do Espírito Santo, também por dois anos, estando, atualmente, atuando como Juíza
de Direito no Estado de Minas Gerais, há oito anos, daí decorrendo a sua experiência na área de execução
penal.
14
A palavra crise traz em si a idéia da temporariedade, ou seja, de uma situação excepcional que foge à
normalidade, em meio a qual se constata que as regras vigentes não são satisfatórias para regular
determinada situação, embora não se consiga regulamentá-la de outra forma, no entanto, não se pode
dizer que a situação do sistema prisional seja temporária, tampouco que seja excepcional, haja vista a
longividade da constatação de sua ineficácia.
estabelecimentos; denúncias de torturas e maus tratos; presas vítimas de
abusos sexuais; crianças encarceradas; corrupção de agentes públicos;
superlotação; reincidência elevada; organizações criminosas controlando
a massa carcerária, infernizando a sociedade civil e encurralando
governos; custos elevados de manutenção de presos; falta de assistência
jurídica e descumprimento da Lei de Execução Penal, motivaram o
Deputado Domingos Dutra a requerer a criação da CPI sobre o sistema
carcerário brasileiro. (p. 29).
Esta Comissão Parlamentar de Inquérito, após visitar diversos presídios em
vários estados brasileiros, constatou que muitos presos encontram-se cumprindo pena
no âmbito de cadeias públicas; constatou que os estabelecimentos prisionais encontram-
se superlotados; constatou as condições degradantes das celas de muitos dos
estabelecimentos prisionais; constatou, enfim, tantas e tão graves irregularidades, que o
melhor é que sejam destacadas da exata maneira como foram registradas no já aludido
relatório final:
Longe estão todos os presídios brasileiros de cumprir o que determina a
Lei nº 7.210, de 11 de JULHO DE 1984, a LEI DE EXECUÇÕES
PENAIS, que prevê, no Capítulo II (Da Penitenciária), Artigo 88: “O
condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório”. Ainda, de acordo com o mesmo artigo, em
Parágrafo único: “são requisitos básicos da unidade celular: “área mínima
de 6,00 m2 (seis metros quadrados) (p. 173).
[...] a CPI encontrou dezenas de presos encarcerados, apodrecendo em
estabelecimentos desumanos e violentos por crimes simples com furto de
latas de leite e de peças de roupas, dívidas ou ameaças. A CPI constatou
também que milhares de presos provisórios que aguardam anos,
sem qualquer perspectiva de um julgamento justo (p. 34).
Muitos estabelecimentos penais são desprovidos de banheiros e pias,
dentro das celas e dormitórios ou próximos a esses. Quando tais
instalações existem, comprometem a privacidade do preso. Não raras
vezes os banheiros estão localizados em outras áreas, e nem sempre os
presos têm acesso ou permissão para utilizá-los. O mesmo ocorre para as
instalações destinadas a banho. O Estado também não oferece aos presos
artigos necessários à sua higiene pessoal, como sabonete, dentifrício,
escova de dente e toalhas. Nesse caso, os detentos são obrigados a
adquiri-los no próprio estabelecimento penal, nos locais destinados à sua
venda, ou no mercado paralelo explorado clandestinamente na unidade
prisional (p. 174).
Cadeia Pública não é local de cumprimento de pena. No entanto, na
grande maioria dos Estados brasileiros se utilizam das velhas cadeias
públicas e delegacias de polícia para cumprimento de pena. O preso
responde seu processo na cadeia e nela continua cumprindo toda sua pena
(p. 221).
A CPI observou, em muitos estabelecimentos penais, tensão, medo,
repressão, torturas e violência — ambiente que, em certa medida, atinge e
se estende aos parentes, em especial, quando das visitas nas unidades
prisionais (p. 172).
E o pior: depois de usar as privadas, os detentos não têm água para lavar
as mãos, nem sequer para jogar água na privada, porque em muitos
presídios é permitido jogar água uma vez por dia, independentemente
de quantas pessoas e de quantas vezes a privada foi usada. A
conseqüência é um mau cheiro insuportável, além da proliferação de
moscas, baratas e outros bichos (p. 176).
A CPI, em suas diligências, constatou total falta de assistência social aos
encarcerados e aos egressos, sendo esta carência um fator a mais de
agravamento da vida carcerária e um dificultador do chamado processo
de ressocialização dos encarcerados. Nas cadeias públicas e nos centros
de detenção provisória estes profissionais inexistem. Da mesma forma, as
famílias dos presos também o possuem qualquer tipo de
aconselhamento, orientação ou acompanhamento.
Os egressos, após anos em estabelecimentos deformados e corrompidos,
são colocados no olho da rua, literalmente sem lenço, sem documento,
sem destino, sem rumo (p. 212).
Diversas outras observações semelhantes poderiam ser destacadas do texto do
relatório final da CPI do sistema prisional, mas seria repetitivo, pois tudo está a indicar
o total desrespeito à lei, à moral, aos princípios constitucionais e, em especial, à
dignidade da pessoa humana.
Os problemas atualmente constatados, aliás, não são recentes, tanto que a mesma
CPI, em seu relatório, fez constar um registro histórico sobre as primeiras construções
no Brasil destinadas à custódia de presos, com as seguintes observações:
Em 1769 a Carta Régia do Brasil determinou no Rio de Janeiro a
construção da Casa de Detenção, a primeira prisão brasileira. Nesta prisão,
naquela época, não havia separação de presos por tipo de crime.
Ficavam juntos primários e reincidentes; os que praticaram crimes
“leves” e os criminosos mais perigosos. Somente em 1824, a Constituição
determinou que as cadeias tivessem os apenados separados por tipo de
crime ou pena e que fossem adaptadas para que os detentos pudessem
trabalhar.
A determinação foi cumprida, mas por pouco tempo: no início do século
19, surgiu um dos mais graves problemas do sistema carcerário atual: a
superlotação, quando as cadeias do Rio de Janeiro, tinham mais presos
do que de vagas.
Em 1890, o Código Penal previa que presos com bom comportamento,
após cumprirem parte da pena, poderiam ser transferidos para presídios
agrícolas. Transcorridos 118 anos o país possui apenas 37 destas
unidades destinadas aos presos do regime semi-aberto, apesar do
crescimento assustador no número de apenados.
Em 1935 o “Código Penitenciário da República” estabeleceu além do
direito do estado punir, o dever de recuperar do detento.
Em 11 de Julho de 1984, foi sancionada lei de execuções penais, ampla,
de excelentes qualidades, considerada um dos melhores instrumentos
jurídicos do mundo.
Apesar de normas constitucionais transparentes, da excelência da lei de
execução penal e após 24 anos de sua vigência e da existência de novos
atos normativos, o sistema carcerário nacional se constitui num
verdadeiro inferno, por responsabilidade pura e nua da federação
brasileira através da ação e omissão dos seus mais diversos agentes (pp.
53 – 54).
Nota-se, pois, que realmente não se pode tratar o problema da eficácia da pena
como uma crise, ou seja, como algo novo, provisório, pontual. A questão é antiga e
realmente complexa. Apesar dos claros sinais de esgotamento da pena de prisão, as
sociedades não conseguiram encontrar substitutos para ela. Por mais paradoxal que
pareça, de se reconhecer que a pena de prisão cumpre muito bem o seu papel no
sentido de afastar o criminoso do meio social, possibilitando que a sua existência não
seja mais percebida pela comunidade. Este, aliás, é o anseio da sociedade em geral,
razão porque uma grande preocupação com a fuga, preocupação curiosamente maior
do que a da eficácia da ressocialização.
O Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça, em seu
relatório de gestão relativo ao exercício de 2008, apresentou o número de presos e de
vagas nos estabelecimentos prisionais, em âmbito nacional, referente ao ano de 2007, da
seguinte forma:
Regime Fechado Regime Semi-Aberto Regime Aberto
Homens: 148.589 Homens: 55.503 Homens: 17.518
Mulheres: 8.613 Mulheres: 3.185 Mulheres: 1.629
Total: 157.202 Total: 58.688 Total: 19.147
Provisório Medida de Segurança
Homens: 122.334 Homens: 3.381
Mulheres: 5.228 Mulheres: 379
Total: 127.562 Total: 3.760
Total Estabelecimentos: 1.094
População do Sistema Penitenciário: 366.576
Vagas do Sistema Penitenciário: 249.515
Secretaria de Segurança Pública: 56.014
População Prisional do Estado e Sistema Federal: 422.590
O mesmo Departamento Penitenciário Nacional fornece dados sobre o
significativo aumento no crescimento da população carcerária do sistema penitenciário,
assim:
Fonte: Comissão de Monitoramento e Avaliação - GAB/DEPEN)
Constata-se, pelos dados antes destacados, que o número de vagas do sistema
penitenciário nacional é muito menor do que o número apontado para a população do
sistema penitenciário nacional, o que vem a corroborar a conclusão da existência de
superlotação carcerária e da utilização de estabelecimentos prisionais inadequados para
o cumprimento das penas privativas de liberdade aplicadas.
O Departamento Penitenciário Nacional fornece também os seguintes dados
sobre os valores referentes à execução orçamentária global do fundo penitenciário
nacional, no período de 1995 a 2005, o que se mostra relevante para se tirar conclusões
sobre os investimentos no sistema prisional.
Período
Crédito Autorizado Execução Orçamentária Percentual de Execução
1995 78.365.041 38.162.047 48,70%
1996 129.128.010 43.984.935 34,06%
1997 172.035.697 83.586.047 48,59%
1998 295.107.209 122.201.952 41,41%
1999 109.982.582 27.094.231 24,64%
2000 204.728.125 144.995.971 70,82%
2001 288.295.914 265.241.208 92,00%
2002 308.757.559 132.924.494 43,05%
2003 216.032.429 121.436.104 56,21%
2004 166.157.349 146.236.958 88,01%
2005 224.098.871 159.074.050 70,98%
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional – Ministério da Justiça.
Considerando que a despesa pública possui três etapas: o empenho (ato emanado
de autoridade competente que cria para o Estado a obrigação de pagamento); a
liquidação (verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e
documentos comprobatórios do respectivo crédito)
15
; e o pagamento; verifica-se pela
tabela acima que a coluna Crédito Autorizado representa a dotação orçamentária
autorizada; a coluna Execução Orçamentária representa a parcela da dotação
orçamentária que foi liquidada dentro do exercício; e a coluna Percentual de Execução
representa a relação entre a execução orçamentária e o crédito autorizado. Constata-se
15
A regulamentação da despesa pública é dada pela Lei 4.320/64.
que em todos os exercícios à exceção de 2001 grande parte da dotação orçamentária
autorizada não foi utilizada.
Respeitadas todas as limitações de conhecimento desta autora em relação à
economia, os dados antes destacados evidenciam, no mínimo, o pouco interesse no
investimento no âmbito da execução penal, o que retrata a falta ou a insuficiência de
políticas públicas na área.
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito relativa ao sistema
prisional percebeu as evidências negativas indicadas pelas informações sobre o
descompasso entre os valores inseridos no orçamento para o Fundo Penitenciário
Nacional e os valores efetivamente liquidados, fazendo constar a seguinte observação:
A rigor, seria de bom alvitre, em nome do Princípio da Eficiência
Administrativa, preconizado por força do art. 37, caput, da Constituição
Federal, que os órgãos de controle, em especial o Tribunal de Contas da
União (TCU), aferissem os métodos empregados na liberação e controle
dos recursos públicos transferidos aos estados, Distrito Federal e
municípios, de forma a conhecer as razões motivadoras do descompasso
entre despesas autorizadas e efetivamente pagas, e de maneira a observar
se essa desarmonia é relacionada à capacitação de pessoal em número
suficiente às exigências cabíveis, ou se é decorrente de outra ordem, tal
como inexistência de metodologia de controle, ou ainda, de
descentralização financeira. São ações de controle que, se eficazes no
tempo, colheriam bons resultados, transferindo conhecimento no
enfrentamento das realidades, conforme elas são postas, à altura do que se
deseja no conjunto das políticas públicas a serem arquitetadas em prol das
estruturas montadas nos estados da Federação (p. 313).
Seria ingênuo acreditar que tais dados pudessem fazer concluir que os valores
orçados não tivessem tido aplicação por ausência de necessidade, ou seja, porque todos
os investimentos na área tivessem sido feitos, de forma a não mais ser justificável
investimentos mais significativos. A realidade, comprovadamente, é outra, pois, não
somente investimentos básicos ainda se mostram necessários, como também se
justificam mais e mais investimentos, ante ao aumento da criminalidade e da população
carcerária.
A realidade carcerária, portanto, é cada vez mais crítica, e é em meio a esta
realidade que a pena tem que cumprir as suas finalidades declaradas, quais sejam: a
retribuição e a prevenção geral e especial, nesta estando inserida a imperiosa e tão
festejada ressocialização dos condenados.
Antes de tecer uma análise crítica quanto à real possibilidade de ressocialização
de uma pessoa no sistema prisional brasileiro, revela-se oportuno fazer uma abordagem
doutrinária acerca das finalidades anunciadas pelo direito penal ao longo da história da
pena, valendo salientar, no entanto, a relevante observação inserida no texto a seguir:
[...] o estudo dogmático da pena tem característica original: não questiona
sobre pressupostos, os quais se encontram resolvidos (?!) na teoria do
delito ao se elaborar as regras jurídicas sobre a contribuição subjetiva na
construção típica (MESTIERI, 1999, p. 259).
A visão retributivista da pena é bastante antiga. A pena seria necessária e
indispensável como conseqüência da prática do crime. Ela seria justa e representaria um
mal compensatório em face de outro mal praticado pelo indivíduo. Diversas foram as
teorias que defenderam o ponto de vista de ser a retribuição a finalidade da pena. Tais
teorias foram chamadas pela doutrina como absolutas.
A mais antiga resposta à ordem de questões inicialmente mencionada, que
comporta também a primeira, ainda que frágil, limitação ao
descomedimento punitivo, é fruto de uma ilusão substancialista: a idéia
jusnaturalista de que a pena deva igualar-se ao delito e consistir portanto
num mal da mesma natureza e intensidade (FERRAJOLI, 2006, p. 357).
A pena como retribuição do crime adveio, portanto, da idéia da imposição de um
mal justo, que é a pena, contra um mal injusto, que é o crime. As teorias retributivistas
se mostraram bastante ligadas à Justiça Divina, fundamentando a expiação da culpa,
justificando as penas aflitivas mais violentas registradas na história, tendo autorizado,
inclusive, o instituto da vingança. Estas teorias se originaram do idealismo alemão,
sobretudo da teoria da retribuição moral de Kant e da teoria da retribuição jurídica de
Hegel.
Na base dessa idéia, então, estava o mesmo princípio que sustentava a
instituição arcaica da vingança de sangue: ao mal, a devolução do mal.
Sua dureza pode ser identificada na conhecidíssima afirmação de Kant de
que o último assassino recolhido ao cárcere deveria ser executado a fim
de pagar o crime cometido, mesmo que a população inteira, por algum
motivo, precisasse sair do lugar e espalhar-se pelo mundo...
Hegel seguiu os passos de Kant e chegou à mesma conclusão com
premissas diferentes: para ele, a pena é negação da negação do direito. A
sua imposição seria a condição para o restabelecimento da ordem jurídica
violada, afirmação que, em verdade, continha a idéia de que a pena,
além de retribuir, também visava a prevenir, como mais tarde sustentaram
os relativistas (BOSCHI, 2006, p. 108)
O caráter retributivo da pena, defendido pela Escola Clássica, impunha um olhar
direto para o passado, ou seja, para aquele que cometeu o delito e que por isso deveria
ser sancionado. Somente indiretamente é que tais teorias possibilitavam um olhar para o
futuro, até porque, de acordo com elas, o castigo imposto inviabilizaria a prática de
outros delitos, não somente pelo condenado como também pelos outros membros da
sociedade.
Outras correntes, chamadas pela doutrina como relativas, pretenderam se
contrapor às teorias absolutas, criticando-as, ao argumento de não terem caráter
científico, passando a defender a pena com a finalidade de prevenção. Estas teorias
visualizaram na pena um instrumento de intimidação geral dos indivíduos ou uma
medida para evitar que o homem que delinqüiu voltasse à prática do crime, tendo sido
adotadas pela Escola Positiva.
A idéia da prevenção geral defendia a necessidade de publicidade às execuções
das penas, para que todas as pessoas tomassem conhecimento e se sentissem
intimidadas à prática de delitos, enquanto a da prevenção especial dizia respeito ao
próprio criminoso que, com a punição, estaria sendo desestimulado à prática de novos
crimes.
A prevenção geral possui, então, duas vertentes a serem examinadas, quais
sejam: a negativa e a positiva. A primeira se funda na busca da intimidação geral da
sociedade, para que não venha a delinqüir, servindo a pena aplicada como exemplo a
coibir novos crimes, enquanto a segunda se consubstancia na afirmação do Direito, na
garantia da ordem pública, na afirmação da validade da norma penal violada perante
toda a sociedade.
Também a prevenção especial possui duas vertentes, quais sejam: a negativa e a
positiva. A negativa se relaciona ao propósito de coibir o criminoso na prática de novos
crimes, até mesmo em função de seu afastamento do meio social pela perda de sua
liberdade, enquanto a positiva se propõe à ressocialização do criminoso durante a
execução da pena.
Com as teorias relativas, também chamadas utilitaristas, muda-se o olhar a ser
dado à pena. A prioridade está no futuro, no fato de a pena inviabilizar a ocorrência de
novos delitos.
Ultrapassadas estas teorias, que visualizavam na pena ou a natureza retributivista
ou uma natureza utilitarista, surgiram defensores de uma teoria unificadora ou mista,
que contemplasse as duas finalidades, sem fazer preponderar uma sobre a outra, e
superando as deficiências de cada uma delas. Esta foi a teoria que prevaleceu nos
diversos ordenamentos jurídicos ocidentais, inclusive no Brasil, o que pode ser
confirmado pelo conteúdo do artigo 59 do Código Penal, com a redação que foi dada
pela reforma penal de 1984, trazendo em seu texto expressamente, as finalidades de
reprovação e prevenção do crime.
Uma vez que a política criminal brasileira se limita ao direito penal como meio
de controle social, a pena, que é instituto deste ramo do Direito, tem que se prestar a
realizar as funções desta política. É certo que o discurso oficial oriundo das leis penais
faz evidenciar as funções retributiva, preventiva e ressocializadora da pena, mas o que
se constata na realidade do sistema penitenciário é a demonstração de que estas
pretensões são puramente teóricas.
Na criminologia de nossos dias, tornou-se comum a descrição da
operacionalidade real dos sistemas penais em termos que nada têm a ver
com a forma pela qual os discursos jurídico-penais supõem que eles
atuem. Em outros termos, a programação normativa baseia-se em uma
“realidade” que não existe e o conjunto de órgãos que deveria levar a
termo essa programação atua de forma completamente diferente
(ZAFFARONI, 1991 [1927], p. 12).
Todas as falhas noticiadas sobre o sistema penal-punitivo não se limitam ao
Estado Brasileiro, tanto que a pena privativa de liberdade vem sendo tema de pesquisas
e de criticas constantes por parte da doutrina ocidental, mas nos países periféricos, nos
quais os problemas sociais são mais graves, toda a problematização ligada ao tema se
potencializa.
As regras relacionadas à sanção penal dependem do modelo sócio-econômico e
da forma de Estado em que se inserem. À medida que o Estado evolui, em sua forma e
em sua estrutura sócio-econômica, o direito penal também evolui em todos os seus
institutos e conceitos fundamentais, que o direito penal tem uma função fundamental
na estrutura estatal, qual seja: servir como forma de controle social.
A questão mais relevante a ser abordada neste contexto diz respeito exatamente
à real possibilidade de ressocialização de um condenado e, principalmente, o de efetivar
isso no ambiente carcerário.
O propósito de ressocializar alguém se mostra arrogante, porque, levando em
conta o discurso oficial, ele estigmatiza comportamentos como inadequados socialmente
e desenha um perfil de indivíduo, que atenda aos interesses preponderantes. O texto
abaixo transcrito traz fundamento para esta constatação.
O Tribunal de Justiça gaúcho, aliás, decidiu, em recurso de agravo
16
,
que, tendo o apenado de bom comportamento satisfeito o interstício legal
para a progressão de regime carcerário, tem direito à progressão, embora
pareceres contrários da CTC e do COC, por não ser lícito ao Estado ou às
instituições jurídicas de controle social, médicas, psiquiátricas ou
similares, “impor a orientação de vida e a obrigação de alterar o modus
vivendi”. A Câmara Julgadora reconheceu com sabedoria que o Estado
não tem o direito de mudar o indivíduo! Reconheceu, enfim, o direito à
diferença! (BOSCHI, 2006, p. 112).
O processo de ressocialização, portanto, não pode ser confundido com a
imposição ao condenado de valores decorrentes da opinião de um grupo de profissionais
determinado, até porque muito se poderia questionar até mesmo em relação à devida
formação técnica de tais profissionais. Num país com tantos problemas sociais como o
nosso, seria impossível acreditar que os cursos superiores permaneceram alheios a todo
o caos social com o qual convivemos. É realmente difícil afirmar que o posicionamento
de um determinado técnico sobre um condenado seja a única verdade possível a ser
seguida.
Aliás, não são poucas as notícias sobre conduta irregulares por parte dos
policiais militares, civis e federais, carcereiros e outras pessoas que, investidas de poder
16
Agravo 296029705, Câmara Criminal do TARGS, Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, j. em
18.09.96.
decorrente dos cargos públicos que ocupam, atuam muito próximas dos condenados e,
por razões que seriam por demais complexas buscar neste momento, se envolvem, com
bastante freqüência, com a prática de crimes, que vão desde atos de violência contra os
presos até condutas tipificadas como crimes contra a administração pública, tais como, a
corrupção, a concussão ou a prevaricação.
17
O corporativismo e a dificuldade na
produção de provas capazes de demonstrar fatos desta natureza ocasionam impunidade
e, em conseqüência, o estímulo para a continuidade das práticas irregulares.
Importante salientar que o discurso da ressocialização encontra barreiras na
própria forma como as penas aparecem cominadas na legislação penal, com limites
máximos e mínimos pré-estabelecidos, o que impossibilita que, mesmo hipoteticamente
alcançando a almejada ressocialização antes do término de sua pena, venha o condenado
a ser dispensado do cumprimento do restante dela, o que demonstra, mais uma vez, que
o discurso da ressocialização não pode ser efetivado no ambiente carcerário, ambiente
este que é artificial, que não retrata nenhum tipo de escolha do condenado e que impõe
uma convivência criminógena.
O sistema penal, em um significativo número de casos, especialmente em
relação aos delitos patrimoniais – que são a maioria -, promove condições
para a criação de uma carreira criminal. Particularmente, dentre a pessoas
originárias das camadas mais humildes da sociedade, o sistema seleciona
aqueles que, tendo caído em uma primeira condenação, surgem como
bons candidatos a uma segunda criminalização, levando-os ao ingresso no
rol dos desviados, como resultado do conhecido fenômeno psicológico do
“bode expiatório” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 76).
O fato inegável é, pois, que o próprio Estado contribui significativamente para a
produção da violência, fato que, associado às omissões do Estado Social e a utilização
do Estado Penal como única forma de controle social, compromete o processo de
17
O Código Penal descreve os crimes contra a administração pública no capítulo I do seu título XI, do
artigo 312 ao artigo 327.
ressocialização, que passa a se mostrar, apenas, como um discurso teórico, desprovido
de efetivação.
1.3. Institutos despenalizadores
Embora as penas privativas de liberdade se constituam no centro da política
penal brasileira e na principal forma de punição, o nosso ordenamento jurídico
apresenta diversos institutos, os quais foram sendo ampliados nos últimos anos, para
evitar o encarceramento ou para minimizá-lo.
Diversas são as teorias que procuram justificar a criação dos institutos
despenalizadores, também chamados substitutos penais, sendo que algumas delas se
prendem às explicações humanitárias, outras às explicações científicas e outras, ainda,
com natureza mais crítica, apontam a superpopulação carcerária, o alto custo para o
Estado na manutenção dos presos e a ampliação do controle social como justificativas
para a criação e ampliação de tais tipos de institutos. Na realidade, a motivação para
estes substitutivos penais está na conjugação de todas as teorias, porque um problema
tão complexo como é a prisão de um criminoso não poderia ser analisada em nenhum de
seus aspectos de forma única e simplificada.
Assim, a aplicação das penas restritivas de direito, com as suas cinco
modalidades, através do instituto da substituição, assim como os institutos da transação
penal, da composição civil de danos, da suspensão condicional do processo e da
suspensão condicional da pena podem ser utilizados para evitar o encarceramento,
enquanto os benefícios da progressão do regime e do livramento condicional podem
reduzir o período de permanência no cárcere.
É certo que existem outros institutos, além dos que foram mencionados, que se
prestam a interferir no tempo de encarceramento, como o indulto, a graça, a remição e
as causas de extinção da punibilidade de maneira geral, mas serão examinados com
mais detalhes os mais comuns, para que o foco da pesquisa não seja posto de lado.
18
1.3.1. Dos institutos que evitam o encarceramento:
1.3.1.1. Substituição.
A substituição é um instituto previsto no ordenamento jurídico brasileiro, que
consiste na troca da pena privativa de liberdade pelas penas restritivas de direito, quais
sejam: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, perda de
bens e valores, limitação de fim de semana e prestação pecuniária.
19
Por este instituto, um indivíduo condenado pela prática de um crime, deixará de
cumprir a pena privativa de liberdade estabelecida para, ao invés dela, ficar vinculado a
obrigações relacionadas às espécies de penas restritivas de direito que venham a
substituí-la.
A lei penal estabelece requisitos para a concessão da substituição, requisitos
estes de ordem objetiva e subjetiva. Assim, em se tratando de crime doloso, o
condenado somente fará jus à substituição se lhe for aplicada pena privativa de
liberdade de até quatro anos. Para os crimes culposos, a pena privativa de liberdade
autoriza a substituição qualquer que seja a pena concretizada. Além disso, o condenado
18
As causas da extinção da punibilidade encontram-se relacionadas no rol do artigo 107 do Código Penal,
valendo salientar que é pacífico na doutrina o entendimento de que tal rol não é taxativo, comportando,
pois, hipóteses outras não ali relacionadas.
19
O instituto da substituição encontra-se regulado no artigo 44 do Código Penal e as modalidades de
penas restritivas de direito estão reguladas nos artigos 43, e 45 a 48 do mesmo diploma legal.
não pode ser reincidente em crime doloso
20
; não pode ter praticado o crime mediante
violência ou grave ameaça à pessoa; e algumas das circunstâncias judiciais previstas no
artigo 59 do Código Penal devem ser favoráveis.
21
Quando de sua criação no ordenamento jurídico brasileiro, a substituição
somente tinha aplicação para os condenados a penas privativas de liberdade de até um
ano. Este limite veio a ser alterado posteriormente, pela lei 9.714/1998, para quatro
anos, nos crimes dolosos, deixando-se de fixar limite de pena privativa de liberdade em
se tratando de crimes culposos.
Percebe-se, portanto, que o instituto da substituição representa um benefício para
os réus condenados a penas privativas de liberdade de curta duração, pois evita
completamente o encarceramento, sem impedir que eles sofram sanções penais pela
prática das infrações penais que cometeram. Eles serão, pois, sancionados, haja vista
que estarão sujeitos a obrigações, mas tais obrigações não ensejarão a perda da
liberdade, hipótese que somente poderá vir a ocorrer, em havendo descumprimento das
obrigações estabelecidas pelo juiz, quando da concessão do benefício.
A imposição dessas penas tem por escopo contornar a duvidosa eficácia
das penas privativas de liberdade de curta duração aplicadas a condutas
delitivas de escassa repercussão, não raro perpetradas por delinqüentes
ocasionais (PRADO, 2002, p. 484).
A ampliação do instituto da substituição possibilitou um esvaziamento na
utilização de um outro instituto também não encarcerador, qual seja: a suspensão
20
O § do artigo 44 do Código Penal salienta que, mesmo sendo reincidente em crime doloso, o
condenado terá direito à substituição se a medida for socialmente recomendável e se não for o caso de
reincidência específica.
21
As circunstâncias judiciais são aquelas previstas no artigo 59 do Código Penal, quais sejam:
culpabilidade, antecedentes criminais, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias e
conseqüências do crime, e comportamento da vítima. Especificamente para o benefício da substituição,
seis delas devem ser favoráveis, estando fora de tal exigência as circunstâncias concernentes às
conseqüências do crime e ao comportamento da vítima.
condicional da pena, a ser abordado a seguir. No entanto, é importante ressaltar que a
substituição se mostra mais benéfica para os condenados, primeiro porque o tempo de
cumprimento das penas substitutivas será o mesmo do tempo da pena privativa de
liberdade fixada e, em segundo lugar, porque, para a hipótese de revogação do
benefício, em face da prática de falta grave ou outra infração penal, o tempo parcial de
pena restritiva de direito cumprida importa em abatimento no tempo de pena privativa
de liberdade remanescente a ser cumprido.
1.3.1.2. Suspensão condicional da pena.
A suspensão condicional da pena é instituto conhecido no meio jurídico apenas
como sursis e importa na fixação de condições, ou seja, de obrigações ao condenado,
para que ele fique dispensado de se recolher à prisão, mesmo recebendo uma
condenação criminal à pena privativa de liberdade. É que este instituto, da mesma forma
que a substituição, importa no não encarceramento, ou seja, importa em se afastar a
prisão para, em seu lugar, o condenado cumprir determinadas obrigações.
22
Como qualquer benefício a ser concedido no âmbito do direito penal, o
condenado deverá atender a determinados requisitos para a obtenção da suspensão
condicional da pena, dentre os quais, o mais importante diz respeito ao tempo de pena
privativa de liberdade fixada, que não pode ser superior a dois anos, em regra, ou não
poderá ser superior a quatro anos, em se tratando de condenado maior de 70 anos ou
portador de algum problema de saúde relevante.
Verifica-se que a ampliação do benefício da substituição (do limite de um ano
para o de quatro anos de pena privativa de liberdade em concreto) importou no
22
Toda a regulamentação do benefício da suspensão condicional do processo encontra-se nos artigos 77 à
82 do Código Penal.
esvaziamento da aplicação do benefício da suspensão condicional da pena, conforme
se afirmou anteriormente, uma vez que a substituição pode ser aplicada quando a pena
em concreto for até quatro anos, enquanto a suspensão condicional da pena somente
pode ser aplicada aos condenados à pena privativa de liberdade até dois anos, como
regra, e excepcionalmente até quatro anos, em se tratando de pessoa doente ou idosa. A
suspensão condicional da pena permanece justificável, porém, para a hipótese em que o
crime seja praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa, que esta situação
inviabiliza a substituição, mas não tem o condão de impedir a suspensão condicional da
pena.
A suspensão condicional da pena, como o próprio nome está a indicar, implica
em se deixar de aplicar uma pena privativa de liberdade já estabelecida, mediante o
cumprimento de condições, por um período, chamado período de prova, que dura de
dois a quatro anos, como regra, ou de quatro a seis anos, em se tratando de pessoa
doente ou idosa. O descumprimento destas condições no curso do período de prova
determina a restauração da pena privativa de liberdade que se encontrava suspensa, em
sua integralidade, não se abatendo, portanto, o tempo parcial de cumprimento das
obrigações antes assinaladas para fins de concessão do benefício, sendo esta situação
uma das desvantagens do instituto para o condenado em relação à substituição.
1.3.1.3. Dos benefícios advindos com a Lei 9.099/1995.
A Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito
estadual, representou um grande momento para o ordenamento jurídico-punitivo e para
as ciências penal e processual penal como um todo, eis que trouxe consigo diversas
inovações para o nosso direito.
De modo geral, o referido diploma legal, seguindo orientação do mundo
ocidental, pretendeu simplificar a seqüência de atos do processo criminal, bem como
introduzir novos meios para evitar o encarceramento.
Referido diploma legal fixou, pois, um rito especial
23
(sumaríssimo) para o
processo e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, as quais se
consubstanciam naquelas que têm penas privativas de liberdade cominadas em até dois
anos
24
. Tal rito é bastante simplificado em relação ao rito comum ordinário e sumário
previstos no Código de Processo Penal, o primeiro para os crimes com pena máxima
cominada em quatro anos ou mais e o segundo para os crimes punidos com pena
superior a dois anos e inferior a quatro anos, na forma da atual lei processual penal,
recentemente alterada.
25
No âmbito do Direito Penal, a Lei que regulamentou os Juizados Especiais
Criminais introduziu no ordenamento jurídico brasileiro importantes medidas
despenalizadoras, ou seja, medidas que importam no não encarceramento, quais sejam:
a transação penal, a composição civil de danos e a suspensão condicional do processo.
23
As alterações inseridas nos últimos meses no âmbito do Código de Processo Penal importou na
incorporação do procedimento sumaríssimo da Lei dos Juizados Especiais naquele diploma legal, de
forma que, atualmente, já não mais se justifica a referência ao citado procedimento como sendo especial,
mas sim como sendo uma das três modalidades do procedimento comum.
24
A redação original da lei 9.099/95 definia infrações penais de menor potencial ofensivo como sendo
aquelas que tivessem penas privativas de liberdade cominadas em até um ano. A ampliação deste limite se
deu após a edição da Lei 10.259/2001, que passou a tratar como infrações penais de menor potencial
ofensivo, no âmbito federal, aquelas com penas privativas de liberdade cominadas em até dois anos; e da
Lei 11.313/2006, que alterou efetivamente o artigo 61 da Lei 9099/95, passando a dar a mesma definição
ao aludido conceito, textualmente, muito embora já fosse neste sentido o entendimento preponderante em
termos de doutrina e jurisprudência.
25
O Código de Processo Penal foi alterado recentemente pelas Leis 11. 689/2008, 11.690/2008,
11719/2008 e 11.900/2009.
1.3.1.3.1. Transação penal.
A transação penal é um instituto aplicável somente às infrações penais de menor
potencial ofensivo. Por ele, o Ministério Público, parte legítima para ajuizar a ação
penal pública, ou o particular (vítima, seus representantes legais ou familiares), parte
legítima para ajuizar a ação penal privada
26
, podem transacionar com aqueles que
praticam a conduta delituosa (chamados pela lei como autores do fato), estabelecendo
um acordo que envolva a aplicação de penas restritivas de direito ou pena de multa, sem
que seja realizado nenhum ato processual, haja vista que a possibilidade de
formalização da transação penal se antes mesmo do oferecimento de denúncia ou
queixa-crime, numa audiência preliminar, marcada a partir apenas do expediente
oriundo da Polícia Civil, denominado pela lei como termo circunstanciado de
ocorrência, o qual, de forma resumida, narra os fatos noticiados, relacionando as
pessoas envolvidas, diretamente, ou como testemunhas, estas últimas para uma futura
fase processual, em não ocorrendo nenhuma das hipóteses de acordo previstas na
referida lei.
A aceitação do benefício pelo autor do fato não importa em reconhecimento de
culpa e, além disso, implica no arquivamento do expediente com o simples
cumprimento da obrigação estabelecida quando da transação penal.
27
A transação penal, portanto, é uma forma de impor um tipo de punição ao autor
do fato tido como criminoso, a partir do cumprimento de penas restritivas de direito ou
26
discussão doutrinária quanto à possibilidade de ser a transação penal ofertada pelo particular, nas
ações penais privadas, mas é o entendimento preponderante sobre a matéria, especialmente, na
jurisprudência.
27
A transação penal é um instituto a ser aplicado logo que se tem noticia da ocorrência da suposta
infração de menor potencial ofensivo, em uma audiência denominada preliminar.
por meio do pagamento de multa, de forma que possa compreender quanto à
necessidade de imposição de limites à sua conduta social.
O benefício somente pode ser utilizado a cada cinco anos e os serviços ou os
valores prestados por parte do autor do fato devem ser direcionados a entidades com
destinação social.
1.3.1.3.2. Composição civil de danos.
A composição civil de danos representou uma grande conquista para o Direito
Penal, que era tão criticado por não valorizar o papel da vítima em seu âmbito. De fato,
a vitima, no Direito Penal, era apenas um dado a mais, uma prova a mais para respaldar
a condenação do réu. Sua dor não era resolvida pelo Direito Penal, podendo apenas
respaldar uma ação cível. O instituto, portanto, pela primeira vez no Brasil, trouxe
consigo a demonstração da preocupação do legislador com o interesse da vítima,
permitindo que a possibilidade de ressarcimento seja discutida no âmbito do
procedimento criminal.
Assim, através da composição civil de danos, a vítima e o autor do fato podem
estabelecer um tipo de acordo, que seja satisfatório no sentido de atender ao interesse da
vítima em se ver ressarcida pela infração sofrida e também compensatório para o autor
do fato, que, com isso, deixará de responder a um processo criminal, que a
composição implica em renúncia ao direito de queixa crime ou de representação.
28
Não limites para o mero de vezes em que o instituto possa ser utilizado,
que, em relação a ele, é somente a vontade da vítima que prepondera, a qual estabelece
28
O artigo 74 da Lei 9.099/95 trata da composição civil de danos, esclarecendo que a homologação do
acordo relativo à composição civil de danos importa em renúncia da vítima ao direito de queixa (para a
ação penal privada) ou de representação (para a ação penal pública condicionada à representação).
as condições para abrir mão do seu direito de representação ou de queixa-crime, as
quais, uma vez aceitas pelo autor do fato, ensejará a homologação da composição e o
arquivamento do expediente, sem que seja possível a sua retomada, mesmo no caso de
descumprimento do acordo, hipótese que autoriza a movimentação de uma ação de
execução cível.
1.3.1.3.3. Suspensão condicional do processo.
O instituto da suspensão condicional do processo surgiu com a Lei 9.099/95,
mas a previsão dos respectivos requisitos para a sua concessão determinou a sua
aplicação não somente aos crimes da competência dos Juizados Especiais Criminais,
mas também em crimes da competência da chamada Justiça Comum
29
.
O principal requisito para a obtenção do benefício está na verificação da pena
mínima cominada à infração penal atribuída ao réu/autor do fato. Se ela for menor ou
até um ano, o instituto é possível. Justamente por isso é que, embora num primeiro
momento, a lei talvez pretendesse aplicar o instituto apenas no âmbito dos crimes de sua
competência, observou-se que os requisitos fixados eram perfeitamente compatíveis
com outras infrações penais, da competência da Justiça Comum, o que possibilitou o
entendimento, hoje pacífico, de que o benefício tem ampla aplicação.
30
A suspensão condicional do processo implica em se fazer duas importantes
afirmativas, quais sejam: é preciso que haja processo para que ele tenha aplicação, o que
significa dizer que é imprescindível o oferecimento de denúncia ou de queixa-crime. É
29
Não se pode negar que os Juizados Especiais Criminais também se enquadram no conceito de Justiça
Comum, especialmente após as recentes alterações inseridas no Código de Processo Penal, no entanto, a
menção feita objetivou apenas diferenciar os procedimentos dos Juizados Especiais Criminais e do
Código de Processo Penal.
30
O instituto encontra-se regulado no artigo 89 da Lei 9.099/95.
preciso, ainda, que a concessão do benefício se antes da sentença, já que não se pode
vislumbrar a suspensão de um processo que chegue ao seu término.
Diferentemente da suspensão condicional da pena, que importa na aplicação de
uma pena privativa de liberdade em concreto, a qual apenas deixa de ser cumprida, na
suspensão condicional do processo, o que é suspenso é o processo, antes de seu término,
ou seja, antes da efetivação de uma pena em concreto.
Com a concessão do benefício, o réu fica sujeito a um período de prova, que
também dura de dois a quatro anos, durante o qual estará ele sujeito a determinadas
obrigações. Decorrido o aludido período sem revogação, o processo estará extinto, sem
a manutenção de nenhum dos efeitos da condenação. Ao contrário, em havendo o
descumprimento das obrigações, o processo será retomado, até que seja julgado em
definitivo.
1.3.2. Dos institutos que reduzem o período de encarceramento:
Existem benefícios a serem concedidos aos condenados durante o cumprimento
de sua pena privativa de liberdade e após, portanto, o recolhimento inicial à prisão. Tais
benefícios, por conseguinte, não evitam o encarceramento, haja vista que este
necessariamente irá ocorrer, mas eles impedem que o encarceramento perdure por todo
o tempo de pena fixada, reduzindo, pois, a sua duração.
A doutrina questionou muito se tais benefícios se configuram em faculdade
dos juízes ou tribunais ou em direito subjetivo dos condenados. Embora se encontrem
registradas doutrinas mais antigas que consideravam os benefícios concedidos aos
condenados durante o cumprimento de sua pena como sendo graças ofertadas pelos
juízes ou tribunais, o entendimento atualmente pacificado é que os benefícios da
execução penal se configuraram em direitos subjetivos dos condenados, de forma que
aos juízes e aos tribunais somente compete a aferição do atendimento aos respectivos
requisitos estabelecidos na lei.
Após o encarceramento e mediante o cumprimento de parte da pena privativa de
liberdade imposta, o condenado pode fazer jus a um tratamento diferenciado, que
implique na redução de sua permanência no cárcere, entendendo tal redução em relação
ao tempo de pena inicialmente fixado ou mesmo levando em conta a jornada diária.
1.3.2.1. Progressão de regime penitenciário.
A aplicação da pena privativa de liberdade, no momento da sentença penal
condenatória, importa também na fixação do regime inicial de cumprimento desta pena,
dentre os três antes já expostos: fechado, semi-aberto e aberto.
O regime fixado na sentença penal, portanto, é apenas aquele sob o qual o
condenado dará início ao cumprimento da sua pena privativa de liberdade. Com o
decorrer do tempo, porém, o condenado fará jus à progressão de regime, que importa na
mudança de um regime mais rigoroso para um regime mais brando, com a possibilidade
de saídas temporárias e de trabalho externo, permitindo-se, com isso, um maior contato
do condenado com a sociedade, em decorrência de seu parcial desencarceramento.
Como todo e qualquer benefício da execução penal, o condenado deverá atender
a requisitos de ordem objetiva e subjetiva, que se resumem ao cumprimento de parte da
pena (1/6, 2/5 ou 3/5)
31
e no bom comportamento carcerário.
31
A Lei de Crimes Hediondos 8072/90 estabelecia em sua redação original a vedação da progressão
de regimes para os crimes hediondos e equiparados. A partir das alterações inseridas pela Lei
11.484/2007, passou a ser possível a concessão de progressão de regimes para tais modalidades de
crimes, devendo, para tanto, ser cumprido 2/5 da pena fixada, para os criminosos primários, e 3/5 da pena,
para os criminosos reincidentes. Para os crimes comuns, que não se enquadram no conceito de hediondos
Embora a progressão de regime não inviabilize o encarceramento, o instituto se
configura em importante benefício para os condenados, por possibilitar que eles
permaneçam parte do dia fora do estabelecimento prisional; que tenham maior
convivência social e que possam se ausentar dali para permanecer em companhia de
seus familiares, através das cinco saídas temporárias autorizadas pela lei, havendo de ser
salientado que até mesmo a mudança de estabelecimentos prisionais também representa
um avanço em termos de rigor na questão da vigilância, importando, pois, em vantagem
para os criminosos que obtenham a progressão de regime.
1.3.2.2. Livramento condicional.
O livramento condicional é outro importante benefício a ser obtido pelos
condenados após o cumprimento de parte da pena, sendo certo que ele também não
evita, mas reduz o tempo de encarceramento.
O condenado a quem seja imposta pena privativa de liberdade superior a dois
anos, desde que cumprindo uma parcela da pena, parcela esta que, de acordo com a lei,
corresponde a 1/3, 1/2 ou 2/3 dela, conforme seja o condenado primário, reincidente ou
tendo praticado crime hediondo, respectivamente, pode ser liberado do
estabelecimento prisional, sujeitando-se apenas a determinadas condições que
possibilitem o acompanhamento do período de livramento.
32
Com o livramento condicional cessa a efetiva privação de liberdade do
condenado, antes do cumprimento do tempo fixado na sentença,
processando-se o restante da execução em liberdade. Representa a última
etapa de um regime progressivo de execução penal. Faz parte da
nem de equiparados a hediondos, o percentual de pena cumprida exigido é de 1/6, de acordo com o artigo
112 da LEP.
32
O instituto do livramento condicional encontra-se regulado nos artigos 83 a 90 do Código Penal e nos
artigos 131 a 146 da Lei 7.210/1984.
execução da pena, sendo, pois, uma forma de cumprimento da pena
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002, p. 802).
O período do livramento condicional corresponde ao tempo remanescente da pena,
findo o qual a pena estará definitivamente extinta, sem que a totalidade da pena privativa de
liberdade tenha resultado em encarceramento.
1.4 A relação do sistema prisional com o desenvolvimento humano.
Tratar do desenvolvimento humano é abordar um tema que apresenta diversas
vertentes, tais como a física, a cognitiva, a psicossocial, dentre outras; mas o aspecto
que interessa abordar em função do propósito deste trabalho é o desenvolvimento
humano na sua vertente social.
Não como negar que todos os domínios do conhecimento estão inter-
relacionados e que as relações sociais influenciam no comportamento humano, assim
como o contexto social e cultural interferem fortemente no desenvolvimento. O
desenvolvimento humano, portanto, é algo que está em constante modificação e o tema
se revela básico para o universo das ciências como um todo.
O campo do desenvolvimento humano constitui-se do estudo científico de
como as pessoas mudam, bem como das características que permanecem
razoavelmente estáveis durante toda a vida. O desenvolvimento humano
tem ocorrido, evidentemente, desde que os seres humanos existem, mas o
seu estudo científico formal é relativamente novo (PAPALIA; OLDS;
FELDMAN, 2006, p. 47).
Enquanto grande parte dos animais apresenta um comportamento baseado em
reflexos e instintos, evidenciando uma repetição de um padrão básico de sua espécie, o
homem é capaz de romper com o seu passado e criar situações completamente novas.
Isso permitiu que o homem desenvolvesse a sua linguagem, se socializasse e produzisse
criações culturais.
Assim é que o homem apresentou uma constante demonstração de aprendizado
em sua história, permitindo conquistas inimagináveis alguns anos. Em que pese este
aspecto positivo desta evolução, é inegável que ela não conseguiu efetivar por completo
o projeto de humanismo lançado a partir do Renascimento. O homem ainda destrói
outros homens e ainda busca vantagens diante de seus semelhantes, ensejando, com
isso, graves problemas sociais em todo o mundo, dentre os quais se destaca a falta de
acesso aos serviços básicos adequados de assistência, saúde e educação para toda a
população.
A partir de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento vem
publicando relatórios sobre o estágio de desenvolvimento social de cada país, levando
em conta, principalmente, dados sobre a educação e a saúde, para apontar conclusões
relacionadas a três indicadores, quais sejam: a renda, a escolaridade e a expectativa
média de vida das pessoas.
A proposta é proceder a avaliações padronizadas, objetivando alcançar dados
sobre o bem estar da população.
No que tange à educação, é levada em conta a taxa de analfabetismo; enquanto
a longevidade é aferida em função da esperança de vida que uma pessoa pode ter em
uma determinada comunidade, a partir das condições de saúde e salubridade do local.
Por fim, a renda é examinada com base no PIB (produto interno bruto) per capita do
país.
Partindo de tais informações, o referido programa apresenta ao mundo algumas
conclusões sobre a qualidade de vida das pessoas, com o intuito de provocar medidas
que possam, ano a ano, promover cada vez mais melhorias na sociedade como um todo.
A abordagem aponta necessariamente as enormes desigualdades sociais que são
verificadas no mundo inteiro e com mais profundidade nos paises economicamente
periféricos, tais como o Brasil.
A pobreza, obviamente, não pode ser colocada como sinônimo de criminalidade,
mas é do âmbito das classes sociais mais baixas que advém a grande maioria dos presos
recolhidos nos estabelecimentos prisionais brasileiros, o que, num primeiro momento,
pode levar à conclusão de que a prática dos crimes tenha uma íntima relação com a
miséria, o que não deixa de ser uma verdade, especialmente, considerando que muitos
crimes decorrem do não atendimento das necessidades materiais, da falta de limites e da
falta de educação. Numa análise mais cuidadosa, porém, outra conclusão pode ser
retirada destes dados, qual seja, a de que os crimes praticados pelos integrantes das
classes sociais mais elevadas são tratados de forma diferente pela lei e pelos órgãos
públicos, de forma a contribuir para que os criminosos advindos destas classes não
sejam punidos ou não sejam encarcerados. Não se pode deixar de considerar que os
crimes contra o patrimônio, que são os mais recorrentes no país, são movidos, em
relação às classes baixas, na busca por alguma coisa que não se tem, que tais grupos
sociais, no que diz respeito ao patrimônio, possuem muito pouco ou nada. os
integrantes das classes altas, quando praticam crimes contra o patrimônio, o fazem
através de grandes e complexas operações, motivados pelo dinheiro em si e pelo poder.
Também não se pode esquecer que o Estado se mostra mais policial para os fatos
ligados ao dia-a-dia da população, de forma que um simples furto tenha mais atenção
por parte dos órgãos repressores do que os crimes que envolvem grandes fraudes, até
mesmo porque estes não incomodam diretamente à população.
A execução penal é, portanto, uma maneira que possibilita a obtenção de
diversas conclusões sobre problemas sociais. Basta observar os dados sobre o perfil das
pessoas que cumprem penas no Brasil, para se perceber um retrato daqueles que estão
na última parte da pirâmide social, clamando por socorro.
[...] Em relação aos dados coletados quanto a informações sobre quem
são nossos presos, divergências entre o número total de presos no país
e dados como grau de instrução, cor, escolaridade, entre outros, por que
nem todos os diretores dos presídios preenchem todas as perguntas do
questionário enviado pelo DEPEN as unidades prisionais.
Em relação ao grau de instrução, os 364.660 presos contabilizados, os
mesmos estão assim distribuídos: 29.724 presos são analfabetos (8,15%);
52.332 presos são alfabetizados (14,35%); 163.233 presos possuem o
ensino fundamental incompleto (44,76%); 43.846 presos possuem o
ensino fundamental completo (12,02%); 34.145 presos possuem o ensino
médio incompleto (9,36%); 24.838 presos possuem o ensino médio
completo (6,81%); 3.434 presos possuem o ensino superior incompleto
(0,9%); 1.586 presos possuem o ensino superior completo (0,43%); 57
presos possuem nível acima do superior completo (menos de 0,1%); e não
restou informada a escolaridade de 11.465 presos (3,14%).
Considerando a quantidade de presos por nacionalidade, tem-se que, dos
353.862 presos contabilizados, 350.118 deles são brasileiros natos
(98,94%), 1.147 são brasileiros naturalizados (0,32%) e 2.597 são
estrangeiros (0,74%).
No que guarda pertinência com o tempo total de penas, os 214.765 presos
enumerados estão distribuídos nas seguintes faixas: 53.851 presos
condenados até 04 anos de prisão (25,07%); 59.592 presos condenados a
mais de 4 e até 8 anos de prisão (27,75%); 47.348 presos condenados a
mais de 8 até 15 anos (22,05%); 24.435 presos condenados a mais de 15
até 20 anos (11,38%); 18.991 presos condenados a mais de 20 até 30 anos
(8,84%); 7.725 presos condenados a mais de 30 até 50 anos (3,6%); 2.366
presos condenados a mais de 50 até 100 anos (1,1%); e 457 presos
condenados há mais de 100 anos de prisão (0,2%).
Em relação à quantidade de presos por faixa etária, dos 348.133 presos
totalizados: 110.956 presos têm de 18 a 24 anos (31,87%); 90.876 presos
têm de 25 a 29 anos (26,10%); 60.934 presos têm de 30 a 34 anos
(17,50%); 53.786 presos têm de 35 a 45 anos (15,45%); 21.448 presos
têm de 46 a 60 anos (6,16%); 3.344 presos têm mais de 60 anos (0,96%);
e 6.789 presos não tiveram a idade informada (1,95%).
Quanto à quantidade de presos por cor de pele/etnia, os 344.104 presos
contabilizados assim se encontram distribuídos: 137.436 presos têm pele
branca (39,94%); 59.271 presos têm pele negra (17,22%); 140.571 presos
têm pele parda (40,85%); 2.234 presos têm pele amarela (0,65%); 539
presos são indígenas (0,16%); e a 4.053 presos foram atribuídas outras
cores/etnias (1,18%).
O INFOPEN também estimou a quantidade de presos em programas de
laborterapia em trabalho externo, ou seja, fora do estabelecimento penal.
Foram contabilizados 15.636 presos, sendo: 10.090 presos trabalham em
empresas privadas (64,53%); 2.218 presos trabalham na administração
direta (14,19%); 1.678 presos trabalham na administração indireta
(10,73%); e 1.650 presos trabalham em outros locais (10,55%). Em
programas de laborterapia em trabalhou interno, os 62.492 trabalhadores
presos se encontram assim alocados: 12.680 presos se dedicam ao
artesanato (20,29%); 28.175 presos prestam apoio ao estabelecimento
penal (45,09%); 3.041 presos se dedicam à atividade rural (4,87%); e
18.596 presos realizam outros trabalhos (29,76%).
Não existem dados indicativos do perfil carcerário brasileiro no que tange
à renda, à estrutura familiar, à religião e ao tempo de encarceramento do
preso provisório (Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito
sobre o sistema prisional brasileiro, concluído em junho de 2008, pp. 58,
59).
O sistema prisional brasileiro, pelo que se pode observar a partir dos dados antes
transcritos, é capaz de revelar que as pessoas que estão cumprindo pena no país são, em
sua maioria, negras ou pardas, desqualificadas profissionalmente, desprovidas de
formação intelectual e jovens. A juventude, aliás, pode ser um indicativo de que os
criminosos que se insiram neste perfil vivam pouco, o que é uma conclusão bastante
razoável, especialmente quando se constata notoriamente que as classes sociais mais
baixas não têm acesso adequado aos recursos de saúde e à educação.
Estas conclusões relativas ao sistema prisional brasileiro, contudo, o são
suficientes para permitir uma avaliação única sobre a motivação dos crimes em todos os
países, pois os fatores que interferem na formação do criminoso são extremamente
variados e complexos. Não se pode, realmente, pensar que em toda sociedade
economicamente rica ocorram poucos crimes, enquanto em toda sociedade
economicamente pobre ocorram muitos crimes. Se fosse assim, os Estados Unidos
teriam poucos criminosos, o que não é real, dado que referido país apresenta a maior
população carcerária do mundo.
Pensar nos fatores que propiciam a ocorrência de crimes seria uma pesquisa à
parte, que não cabe neste trabalho, mas o certo é que as divergências sociais, a miséria,
a falta de educação, saúde, higiene, tanto dentro quanto fora dos presídios, são fatores
que contribuem para a ocorrência dos crimes, para a reincidência dos presos, até mesmo
pela ineficiência do Estado como um todo no seu papel social e em especial do sistema
prisional como meio de ressocialização.
Esse quadro desolador em relação aos altos índices de criminalidade e à situação
degradante do sistema prisional, que não é capaz de efetivar as funções da pena, permite
que a proposta de privatização dos estabelecimentos prisionais brasileiros anuncie uma
contribuição para o desenvolvimento humano, haja vista que noticia a capacidade de
realizar aquilo que o Estado não é capaz de fazer. O discurso é, portanto, no sentido de
que a implementação da privatização teria o condão de alcançar números positivos em
termos de ressocialização, como conseqüência da oferta aos presos de condições
adequadas para o cumprimento de suas respectivas penas, ocasionando uma redução no
índice de reincidência.
A questão se configura exatamente no foco do presente trabalho, que busca
especificamente aferir a eficácia deste discurso. Com os dados apresentados até o
momento, contudo, o que se constata é que este é mais um discurso falacioso, que se
propõe, na verdade, em tocar num pequeno aspecto de um enorme problema.
A proposta importa na mudança do vínculo trabalhista dos operadores do
sistema prisional, do público para o privado; bem como em uma contratação que obriga
o particular a realizar diversos serviços que visem ao atendimento das necessidades dos
presos, o que não nos parece ser suficiente para implementar alteração em toda uma
estrutura de miséria e desigualdade histórica.
O ponto mais relevante destacado pelos defensores da proposta diz respeito à
superlotação, afastada por completo nos presídios privatizados. De fato, os contratos de
terceirização de presídios realizados no Brasil importam na fixação de um número de
vagas pré-estabelecido. Não porque haver interesse do particular em receber em seu
estabelecimento mais do que aquele número de presos já consignados no pacto, uma vez
que o limite do pagamento respectivo já foi fixado. Com isso, a superpopulação é
transferida para os presídios públicos. Aliás, é curioso observar que a prática da
privatização de estabelecimentos prisionais no Brasil incluiu a manutenção de diversos
estabelecimentos públicos simultâneos aos privados, como se os presídios privados
fossem um prêmio para determinados presos que apresentam bom comportamento e
como se o Estado pudesse exercitar a sua obrigação de ressocialização somente perante
alguns dos presos, escolhidos segundo critérios que não estão previstos em lei. Não se
pode jamais esquecer que a Administração Pública está sujeita ao princípio da
legalidade, somente podendo agir da forma como a lei a autoriza.
Mesmo levando em conta tantos dados diversos que possam interferir no índice
de criminalidade de uma sociedade, não como acreditar que possa um país, com o
perfil do Brasil, conquistar posições na escala do Programa de Desenvolvimento da
Organização das Nações Unidas se não proceder a maciços investimentos no setor
social, que inclui também o sistema prisional, que nos estabelecimentos prisionais,
públicos ou privados, encontra-se parcela significativa da população, marcada para
sempre pelo estigma do encarceramento e desprovida das mais elementares
necessidades.
Assim é que, da mesma forma que devem ser implementados programas de
distribuição de renda, de ampliação no acesso à educação escolar e à assistência médica,
estes programas devem também ser voltados para os presos, os quais, em sua maioria,
integra a camada social mais baixa. Não é apenas uma questão de administração pública
ou privada, tratando-se, aliás, de um problema social amplo.
Curiosamente, em que pese o grave quadro social verificado no país, o Brasil
apresentou melhoras em sua posição do quadro geral do aludido programa, como se
constata nas informações abaixo.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008 do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) o Brasil
entrou pela primeira vez para o grupo dos países com elevado
desenvolvimento humano, [...]
Mesmo assim, o Brasil continua a ser internacionalmente conhecido por
ser uma das sociedades mais desiguais do planeta, onde a diferença de
qualidade de vida de ricos e pobres é imensa (WIKIPÉDIA, 2009, p. 5).
A contradição antes destacada é, de fato, coerente com um país como o Brasil,
no qual poucos têm uma excelente qualidade de vida, em detrimento de muitos que se
inserem na mais absoluta pobreza. Neste contexto, não se poderia esperar que os
estabelecimentos prisionais se mostrassem ambientes dignos.
O sistema prisional está, portanto, ligado ao desenvolvimento humano, à medida
que busca efetivar as funções da pena, que são, essencialmente, melhorar o criminoso e
o grupo social no qual ele está inserido. Esta melhora, contudo, ao contrário do que o
discurso oficial prega, para ser alcançada, exige políticas públicas profundas nas áreas
de educação, saúde, emprego e assistência social. O sistema prisional é apenas uma
ramificação de uma sociedade na qual impera a desigualdade social.
É inquestionável que o isolamento de um criminoso em presídios não possibilita
de forma efetiva a anunciada ressocialização, prestando-se, apenas para atender aos
anseios de uma classe social dominante, que não deseja conviver com aqueles que
praticam condutas tidas por este mesmo grupo social como incômodas.
A privatização ou terceirização de estabelecimentos prisionais, contudo, não
enseja em uma mudança profunda no sistema prisional de maneira geral, que se
dispõe a atingir somente alguns dos estabelecimentos existentes, não resolvendo,
portanto, o problema da superlotação, que continua a existir, como, aliás, continuam a
existir todos os demais problemas que se referem ao sistema prisional, uma vez que este
não pode ser analisado levando em conta apenas um ou outro estabelecimento,
isoladamente, mas sim como um todo.
Ademais, não se pode afirmar que a melhoria nas condições físicas oferecidas à
comunidade carcerária possa resultar na redução do índice de reincidência, que o
problema estrutural está na prisão propriamente dita.
Não se pode pensar em desenvolvimento humano apenas de um grupo social. Se
realmente houver o propósito de apresentar melhoras nos índices adotados pela
Organização das Nações Unidas para fins de aferição do desenvolvimento humano, o
Brasil e os demais países, de maneira geral, devem investir em diversos ramos que se
interligam no contexto social e que incluem o sistema prisional, não se justificando
discursos pontuais e que apenas se prestam para postergar o real enfrentamento do
problema.
2. A EXECUÇÃO PENAL COMO SERVIÇO PÚBLICO E A POSSIBILIDADE
DE SUA REALIZAÇÃO PELA INICIATIVA PRIVADA.
A proposta deste tópico do trabalho é averiguar quanto à constitucionalidade e à
legalidade da operacionalização pela iniciativa privada dos serviços públicos relativos à
execução penal, mais especificadamente sobre a possibilidade de transferência ao setor
privado do serviço de administração dos estabelecimentos prisionais, bem como sobre
as eventuais vantagens e desvantagens desta possível contratação.
Para tanto, deve-se partir do conhecimento sobre as diversas formas de prestação
de serviços públicos e sobre as divergências quanto à interpretação de dispositivos
legais que regulam a matéria, enfrentando o controvertido debate sobre a legitimidade
da interferência da iniciativa privada na espera pública, no ordenamento jurídico
brasileiro.
Oportuno destacar que se observa no meio social, de maneira geral, um
descrédito quanto à eficiência dos serviços públicos prestados diretamente pelo Poder
Público, o que, associado ao consenso sobre a necessidade de diminuição do papel do
Estado, vem contribuindo para uma atuação cada vez maior da iniciativa privada nos
serviços públicos.
Revela-se, pois, necessário proceder a um levantamento técnico da matéria, para
que a avaliação sobre a possibilidade de privativação ou terceirização dos
estabelecimentos prisionais seja feita de forma a não se deixar contaminar por
posicionamentos preconceituosos de repulsa ao Poder Público ou a tudo que vem dele
ou mesmo em relação à iniciativa privada.
2.1. Os serviços públicos e as formas de sua realização.
O Estado exerce as suas funções através de seus órgãos e agentes, todos
integrados em três “Poderes”, quais sejam: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Em sendo assim, numa acepção mais ampla, pode ser tomada como serviço
público toda atividade realizada pela Administração Pública como um todo,
englobando, portanto, as funções desempenhadas pelos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário.
Numa acepção mais restrita, porém, que é a que interessa para o presente
trabalho, a aludida expressão se refere às atividades realizadas pelo Poder Executivo,
diretamente, através de seus agentes e órgãos, ou, indiretamente, através de contratos
com terceiros.
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas
fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as
vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituto em favor
dos interesses definidos como públicos no sistema normativo (MELLO,
2008, p. 659).
A caracterização de uma atividade como serviço público importa na sua
correlação a determinados princípios que lhe norteiam. A doutrina não é pacífica em
mencioná-los, mas repetidamente são apontados os princípios da legalidade; da
igualdade; da continuidade; da adaptabilidade; da universalidade; da impessoalidade; da
motivação, dentre outros. Todos eles, de maneira geral, propugnam pela atuação da
Administração Pública de forma vinculada à lei e no interesse da coletividade.
Mas, o princípio que se revela fundamental para a questão em foco neste
trabalho é o da eficiência ou do funcionamento eficiente, também citado pela doutrina
especializada. O serviço público deve ser prestado, pois, de forma eficiente, até porque
assim o determina a Constituição da República, em seu artigo 37, bem como a Lei
8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a qual dispõe sobre o regime de concessão e
permissão de serviços públicos, estabelecendo, em seu artigo 6º, § 1º, que o “serviço
adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da
Administração Pública. O vocábulo liga-se à idéia de ação, para produzir
resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública,
o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de
modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as
necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso,
a negligência, a omissão – características habituais da Administração
Pública brasileira, com raras exceções (MEDAUAR, 2008, p. 128).
Ao contrário do que comumente se afirma, portanto, em relação à Administração
Pública, esta deve primar pela eficiência, por determinação constitucional, nada
justificando, portanto, resultados insatisfatórios em termos de prestação de serviços
públicos.
serviços públicos que necessariamente devem ser prestados pela
Administração Direta, através de seus órgãos e agentes. Outros, porém, embora de
responsabilidade do Estado, podem ser executados por particulares, mediante
remuneração; ou podem ser prestados pela Administração Indireta ou, ainda, através de
delegação, por entidades privadas, mediante concessão, permissão e autorização,
tratando-se estas dos modos clássicos de transferência ao particular da prestação dos
serviços públicos, embora outras figuras já venham sendo utilizadas.
A Constituição da República, em seu artigo 175, estabelece que “Incumbe ao
Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.
Hely Lopes Meirelles (2001, p. 313), ao classificar os serviços públicos quanto à
essencialidade e à pessoa que os realiza, faz menção aos serviços públicos próprios e os
impróprios, da seguinte forma:
Serviços próprios do Estado: são aqueles que se relacionam
intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia,
higiene e saúde públicas, etc.) e para a execução dos quais a
Administração usa da sua supremacia sobre os administrados. Por esta
razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem
delegação a particulares.
Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de
baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos os membros da
coletividade.
Serviços impróprios do Estado: são os que não afetam substancialmente
as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de
seus membros, e, por isso, a Administração os presta remuneradamente,
por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas
públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou
delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários.
Esses serviços, normalmente, são rentáveis e podem ser realizados com
ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob
regulamentação e controle do Poder Público competente.
José Carvalho dos Santos Filho (2006, p. 269), por sua vez, apresenta outra
classificação que merece ser destacada:
Serviços delegáveis são aqueles que, por sua natureza ou pelo fato de
assim dispor o ordenamento jurídico, comportam ser executados pelo
Estado ou por particulares colaboradores. Como exemplo, os serviços de
transporte coletivo, energia elétrica, sistema de telefonia, etc.
Serviços indelegáveis, por outro lado, são aqueles que só podem ser
prestados pelo Estado diretamente, ou seja, por seus órgãos ou agentes.
Exemplifica-se com os serviços de defesa nacional, segurança interna,
fiscalização de atividades, serviços assistenciais, etc.
Para a realização direta dos serviços públicos, o Estado cria, portanto, órgãos
especializados, provendo com os agentes os cargos públicos necessários para o
adequado funcionamento daqueles. Assim, os agentes públicos agem em nome do órgão
público e este em nome do Estado, realizando os serviços centralizados, em relação aos
quais o Estado é, simultaneamente, o titular e o prestador, através da Administração
Pública Direta.
Já os serviços descentralizados são prestados mediante outorga ou delegação. Na
outorga, o Estado cria uma entidade para a qual transfere determinado serviço público,
constituindo, através destas entidades, a Administração Pública Indireta, enquanto na
delegação, o Estado transfere por contrato ou ato unilateral a um particular somente a
execução do serviço público.
A Administração Pública Direta e Indireta estão sujeitas a um conjunto
sistematizado de princípios e regras, que se consubstancia em um regime jurídico-
administrativo, o qual se delineia a partir do binômio supremacia do interesse público
sobre o privado e indisponibilidade dos interesses públicos.
É preciso examinar, no entanto, com parcimônia a assertiva de que o interesse
público seja algo que deva sempre prevalecer sobre o interesse privado, em primeiro
lugar, porque os interesses públicos e privados não se mostram necessariamente
antagônicos e, em segundo lugar, porque é perfeitamente possível que, numa
determinada situação, em que se revele necessária a ponderação de princípios
constitucionais, o interesse privado justifique uma proteção ampla, afastando-se até
mesmo o interesse público.
Em regra, porém, preponderam os interesses públicos, entendendo-se estes como
o conjunto dos interesses individuais dos membros de uma sociedade. Vendo desta
forma, fica afastada, portanto, a idéia de que interesses públicos se contraponham
sempre aos interesses privados, até porque os direitos individuais e sociais são
igualmente protegidos pelo texto constitucional, merecendo, pois, proteção simultânea.
A realização dos serviços públicos pela Administração Pública Direta e Indireta
enseja, pois, a observância a diversas determinações constitucionais e legais, que se
configuram em preceitos de um ramo do Direito denominado Direito Administrativo.
Por isso é que, em regra, os cargos públicos somente podem ser providos por concurso
público e os contratos administrativos somente podem ser efetivados após licitação.
A função de zelar pelos interesses públicos confere à Administração Pública
uma série de obrigações, mas também uma série de prerrogativas nas suas relações com
o particular. Assim é que a Administração Pública tem a obrigação de garantir a
continuidade dos serviços públicos, mas também tem a possibilidade de alterar
unilateralmente um contrato administrativo, ou mesmo rescindi-lo, independente do
consentimento do particular, se isso representar o interesse público.
Em não sendo a Administração Pública a prestadora direta dos serviços públicos,
estes podem ser prestados pelo particular, através de delegação, mediante atos
administrativos unilaterais ou bilaterais, chamados de concessão, permissão ou
autorização. Outras modalidades de contratação da Administração Pública com o
particular foram sendo criadas nos últimos anos, sendo a mais importante a parceria
público-privada.
O contrato administrativo por excelência é, sem dúvida, a concessão e dentre as
suas modalidades, a que está relacionada ao tema do presente trabalho é a concessão de
serviço público, assim definida pela doutrina:
Concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a
Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço
público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco,
assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou
outra forma de remuneração decorrente da exploração de serviço (DI
PIETRO, 2008, p. 278).
A Lei 8.987/95, por sua vez, em seu artigo 2º, inciso II, conceitua concessão de
serviço público da seguinte forma:
Concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo
poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à
pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para
seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Pela lei antes mencionada, se verifica que a concessão de serviço público pode
ser precedida ou não da execução de obra pública e que a modalidade de licitação a ela
aplicada é necessariamente a concorrência, e, ainda, que ela é formalizada através de
contrato.
A concessão importa na formalização de um contrato com o particular, por meio
do qual é transferida ao particular a execução do serviço e não a sua titularidade, que
continua sendo do Poder Público. No contrato são estabelecidas as cláusulas
respectivas, que devem definir o objeto da concessão, os direitos e deveres das partes,
especialmente quanto à remuneração, bem como o prazo de duração do vínculo; estando
o pacto sujeito, ainda, às normas regulamentares, impostas pela Administração, quanto à
forma e ao modo de prestação do serviço, inclusive, quanto à fiscalização deste.
Em relação à permissão, toda a doutrina destaca o seu caráter unilateral,
discricionário e precário, até mesmo em função da sua definição, que é dada pela Lei
8.987/1995, em seu artigo 2º, inciso IV, da seguinte forma:
Permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante
licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à
pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho,
por sua conta e risco.
A permissão, em função de suas características, se presta, em regra, à execução de
serviços transitórios, sendo, porém, possível envolver serviços de natureza permanente, quando
estes exijam variações freqüentes do interesse público.
A autorização, por sua vez, também decorre de ato unilateral, precário e discricionário,
objetivando a execução de serviços públicos pelo particular, quando os interesses coletivos em
questão forem ainda mais instáveis ou decorrerem de emergência transitória.
Em relação às parcerias público-privadas, instituídas e reguladas pela Lei 11.079, de
30 de dezembro de 2004, importante destacar que elas se configuram em modalidades
específicas de contrato de concessão, quais sejam: a concessão patrocinada e a concessão
administrativa.
As PPP têm como objetivo atrair o setor privado, nacional e estrangeiro,
para investimentos em projetos de infraestrutura de grande vulto,
urgentemente necessários ao desenvolvimento do País, cujos recursos
envolvidos exorbitam, de forma ingente, a capacidade financeira do setor
público (ALEXANDRINO; PAULO, 2007, p. 483).
Conforme afirmado anteriormente, os serviços públicos, assim como as obras
públicas, podem ser realizados diretamente, pelos próprios órgãos e entidades da
Administração, ou podem ser realizados indiretamente, por terceiros contratados para
esse fim.
A Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que trata das licitações e contratos da
Administração Pública, destaca, em seu artigo 6º, inciso VIII, as modalidades de
execução indireta de serviços públicos, da seguinte forma:
a) empreitada por preço global quando se contrata a execução da obra ou do
serviço, por preço certo e total;
b) empreitada por preço unitário quando se contrata a execução da obra ou do
serviço, por preço certo de unidades determinadas;
c) tarefa quando se ajusta mão-de-obra para pequenos trabalhos, por preço certo,
com ou sem fornecimento de materiais;
d) empreitada integral quando se contrata um empreendimento em sua
integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações
necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até sua entrega ao
contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos
técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e
operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi
contratada.
Dentre as modalidades de contratos antes destacadas, mostra-se relevante para o
presente trabalho destacar acerca da modalidade de empreitada por preço global, que,
no caso concreto da contratação dos serviços penitenciários no Estado do Espírito
Santo, foi a modalidade adotada, conforme adiante será demonstrado.
A empreitada por preço global é aquela que abrange uma variedade de serviços
públicos prestados mediante um pagamento total. Assim, no caso do Estado do Espírito
Santo, em relação ao qual tivemos acesso a um contrato de terceirização de um de seus
estabelecimentos prisionais, a formalização do pacto se deu através de uma empreitada
por preço global, pelo qual o Estado se obrigou ao pagamento de um valor total em
troca de serviços diversos prestados pela contratada, no âmbito da execução penal.
Importante salientar, para que não haja dúvidas, sobre as diferenças apresentadas
na doutrina em relação à concessão de serviço público e a empreitada de serviço
público:
O contrato de empreitada tem por objeto a execução de uma atividade
material (limpeza, vigilância, projeto, parecer, etc.) dentre as elencadas
nos artigos 6º, II, e 13, da Lei nº 8.666, sem transferir a gestão do serviço
público; a concessão de serviço público, como o próprio nome indica, tem
por objeto a execução de um serviço público em sua integralidade, com
todo o complexo de atividades materiais a ele inerente, como ocorre com
o serviço de energia elétrica, telecomunicações, navegação aérea, etc.
Na empreitada, a remuneração é paga pelo poder público, enquanto na
concessão a remuneração é paga pelo usuário ou outras fontes de receita
decorrentes da exploração do serviço. Essa distinção poderá ser
abrandada ou até desaparecer em algumas formas de concessão
outorgadas sob a forma de parceria público-privada, em que a
remuneração pode decorrer de dotações orçamentárias, títulos da dívida
pública, cessão de direitos oponíveis ao poder público, transferência de
bens públicos (DI PIETRO, 2008, P. 314).
Para complementar este tópico do trabalho, que aborda sobre as diversas formas
de prestação dos serviços públicos, resta, ainda, destacar o significado dos termos
privatização e terceirização
33
, que esta distinção será relevante para examinar o tipo
de contratação realizado no âmbito dos serviços prisionais.
A privatização significa transferir ao particular a gestão de uma atividade que
vinha sendo realizada pelo Poder Público, mediante compensação financeira para este.
A privatização, portanto, no rigor da expressão, importa em compra e venda de uma
empresa estatal.
Um processo de privatização ocorreu no Brasil nas duas últimas décadas, em
decorrência do propósito de redução das áreas de atuação do Estado, até mesmo por
pressão internacional, em especial do Fundo Monetário Internacional e do Banco
Mundial, que, para concederem empréstimos, fizeram exigências diversas no sentido de
obter garantias de um Estado eficaz. Talvez justamente por isso é que o discurso oficial
acerca da privatização tenha se justificado tanto na palavra eficiência, como se todas as
33
O termo terceirização é considerado um neologismo, não contido, por isso, nos dicionários.
atividades do setor público fossem ineficazes e todas as atividades do setor privado
fossem eficazes.
Na sociedade brasileira, que convivia com um Estado repleto de
questionamentos, em função dos grandes problemas sociais que de muito lhe são
peculiares, a palavra de ordem passou a ser privatizar tudo o que for possível.
A partir desta visão, foram privatizadas empresas estatais, rodovias e instituições
bancárias. Todas estas, rejeitadas pelo Poder Público, foram disputadas pela iniciativa
privada a “ferro e fogo”, até mesmo pelas regras inseridas no processo de privatização,
que incluiu o pagamento mediante títulos da dívida pública, sem o desembolso efetivo
de dinheiro pelos adquirentes.
As empresas estatais, os bancos e as estradas, após a privatização, passaram a
gerar lucros e passaram a atender às necessidades da população, com o investimento dos
valores arrecadados da própria população, que paga por usar as rodovias e para adquirir
os produtos das empresas e serviços bancários privatizados.
A privatização, portanto, não se caracteriza como uma modalidade de concessão,
mas sim como um contrato de compra e venda de uma empresa, pelo qual a
Administração Pública deixa de administrar uma empresa que anteriormente
administrava, ensejando que a atividade passe a ser regida pelas normas de direito
privado e não mais pelo regime jurídico público.
A idéia da terceirização, por sua vez, surgiu no âmbito do direito do trabalho
como sendo a contratação do trabalho de terceiros para o desempenho de atividade-meio
da empresa tomadora, podendo o contrato assumir diferentes formas, como empreitada,
locação de serviços, ou outras. O termo é também utilizado no sentido de
subcontratação, que importa na formalização de um segundo contrato, envolvendo a
pessoa que inicialmente estaria obrigada à realização dos serviços e um terceiro, que
efetivamente o realizará em nome de quem o subcontratou.
[...] a terceirizar é transferir a terceiros uma obrigação e um direito que
originariamente seriam exercitáveis no âmbito do contrato-originário,
mas que passam, pela subcontratação, a gravitar no âmbito do contrato-
derivado. Este é uma figura jurídica que corresponde ao significado
econômico do vocábulo que é usado, na linguagem trabalhista, para
designar a transferência de atividade econômica de quem originariamente
a exercitaria para o exercício de outra pessoa física ou jurídica [...]
(NASCIMENTO, 2008, p. 625).
Importante ressaltar que a Justiça do Trabalho somente considera válidas,
efetivamente, as terceirizações de atividades-meio de uma empresa, entendendo que a
terceirização de atividades-fim implica na formalização de contrato de trabalho entre a
empresa tomadora de serviços e o trabalhador.
34
Para o direito administrativo, o sentido não se altera daquele dado pelo direito do
trabalho, de forma que também os órgãos públicos somente podem terceirizar mão de
obra em se tratando de atividades-meio, eis que a terceirização de atividades-fim
implicaria em desobediência aos ditames constitucionais, que impõem a obrigação de
realização de concursos públicos para o provimento de cargos públicos.
Com relação aos contratos administrativos, porém, não ocorre a possibilidade de
subcontratação, nos moldes do direito trabalhista, porque aqueles têm como
característica serem intuitu personae, pelo que é vedado, em regra, a substituição do
contratado por outrem ou a transferência do ajuste.
Nota-se, portanto, que a terceirização, assim como a privatização, não
representam modalidades específicas de contratos administrativos, embora seja muito
34
A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho é expressa neste sentido.
comum se ouvir as referidas expressões como o sendo. Isto ocorre em função do
conceito econômico das palavras.
É preciso, pois, ao se verificar os termos privatização ou terceirização em uma
assertiva, especialmente no que tange aos serviços públicos, aferir qual o tipo de
contratação efetivada, para que realmente se identifique a natureza jurídica da
contratação formalizada entre o Poder Público e o particular.
2.2. A possibilidade de privatização dos serviços blicos relativos à
execução penal a partir das determinações constitucionais e legais que regulam a
matéria.
A partir da consolidação da pena privativa de liberdade como punição,
prevaleceu nos ordenamentos jurídicos ocidentais a idéia de que caberia ao Estado a
obrigação de custódia e manutenção dos presos, até porque não poderiam gerar
riquezas, mas apenas despesas, eis que ultrapassada a possibilidade de utilização da mão
de obra dos presos. Desde muito, principalmente em face da enorme oferta de mão
de obra desqualificada, a prisão deixou de ser vista como uma forma de captação de
mão de obra barata.
Os serviços públicos relacionados à execução penal apresentam algumas
características bastante peculiares. É que a população não precisa efetuar o pagamento
de taxas para a contraprestação de tais serviços, tampouco se justificam como obrigação
decorrente do pagamento de impostos. A prisão de um criminoso atende aos anseios da
sociedade em geral, alcançando os que pagam impostos e os que porventura não os
pagam. Ademais, os serviços fornecidos diretamente aos presos não foram por eles
requeridos, tudo evidenciando que este tipo de serviço público merece ser examinado
com um olhar diferenciado, especial, e com toda a atenção para as peculiaridades que
lhe cercam.
Os serviços públicos relacionados à execução penal são reconhecidamente
insatisfatórios, o que motivou, de alguns anos para cá, o surgimento de discussões sobre
a possibilidade de privatização ou terceirização dos presídios, como forma de solucionar
os problemas de um sistema penitenciário ineficaz, cruel e dispendioso para o Estado.
E é justamente neste ambiente de insatisfação com tais serviços públicos, que
ganhou força a tese da privatização das penitenciárias, principalmente pela ineficácia
quanto às finalidades da pena, que não consegue desempenhar o seu papel de prevenção
geral nem especial, tampouco o seu papel ressocializador.
Levando em conta os significados das palavras privatização e terceirização,
anteriormente destacados, se percebe possível inadequação na conotação dada. A
proposta seria a de compra e venda de um estabelecimento prisional para a iniciativa
privada? Ou seria a contratação de uma empresa terceirizada apenas para a realização
das atividades-meio do sistema prisional?
Nos diversos textos publicados sobre a matéria, constata-se que a palavra
privatização vem sendo utilizada no sentido de se entregar à iniciativa privada toda a
gestão do estabelecimento, afastando totalmente a atuação estatal. Assim é que a
remuneração da empresa privada seria produzida a partir do trabalho dos presos,
gratuito ou a baixo custo.
A palavra terceirização, por sua vez, neste contexto, vem sendo utilizada como
uma proposta no sentido de transferir à iniciativa privada todas as atividades do sistema
prisional, salvo o cargo de direção, que permaneceria com o Estado.
Embora se constate, portanto, que as palavras privatização e terceirização não
sejam satisfatórias para indicar qual o tipo de contrato efetivamente a ser firmado entre
o Estado e o particular em relação ao sistema prisional, segundo a proposta em foco, no
título deste trabalho foi utilizada a palavra privatização apenas como forma de
identificar a discussão com outros textos existentes sobre o tema. Vale salientar que
o exame da possibilidade de privatização dos estabelecimentos prisionais será feito de
forma técnica, embora seja utilizada a referida expressão, ante a sua consolidação.
A primeira questão a ser examinada para se verificar, pois, a viabilidade da
privatização dos estabelecimentos prisionais é a que diz respeito à constitucionalidade.
A Constituição da República, como lei maior do país, deve ser examinada antes
de qualquer coisa, para que se verifique se a pretensão não está em desacordo com as
normas ali estabelecidas.
Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação
(compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,
verificando seus requisitos formais e materiais.
(...)
A análise da constitucionalidade das espécies normativas (art. 59 da CF)
consubstancia-se em compara-las com determinados requisitos formais e
materiais, a fim de verificar-se sua compatibilidade com as normas
constitucionais (MORAES, 2003, p. 579).
No seu Título III Da Organização do Estado, a Constituição da República
estabelece normas sobre a organização político-administrativa, sobre bens públicos e
competências dos entes federativos. Consultando referidas normas constitucionais,
constata-se que o legislador constitucional não relacionou a administração dos presídios
como atividade privativa da União, Estados ou Municípios, pelo que se conclui,
inicialmente, que não impedimento para a proposta de privatização dos
estabelecimentos prisionais.
De igual forma, a Lei de Execução Penal, Lei 7.210, de 11 de julho de 1984,
que regulamenta toda a dinâmica do cumprimento de penas pelos condenados, tratando,
inclusive, especificamente, sobre os estabelecimentos prisionais, não impede
expressamente, por não proibir, que se dê a privatização. Aliás, a referida lei sofreu
alteração em função da Lei 10.792/2003, que acrescentou ao seu artigo 34 o § 2º,
justamente com o objetivo de autorizar a formalização de convênios do Poder Público
com a iniciativa privada, para a implantação de oficinas de trabalho. Para alguns,
inclusive, esta alteração se deu justamente para possibilitar a privatização.
Inobstante a constatação de que a Constituição da República e a Lei de Execução
Penal não vedem de maneira expressa a privatização dos estabelecimentos prisionais, a
matéria deve ser examinada de forma mais aprofundada, no âmbito dos princípios
constitucionais e levando em conta as finalidades da pena.
O sistema prisional tem espaço para o desenvolvimento de diversas atividades,
que naquele ambiente estão vivendo diversas pessoas, as quais precisam de
alimentação, remédios, roupas, trabalho, assistência médica, orientação social e
religiosa, etc. Como todo ser humano, algumas de suas relações sociais se inserem no
âmbito do direito público, enquanto outras se inserem no âmbito direito privado,
preponderando, inclusive, estas últimas. Se naquele ambiente estão recolhidos, portanto,
diversos seres humanos, o pensamento imediato seria o de que algumas das relações
deles também se desse no âmbito do direito público e outras no âmbito do direito
privado, como ocorre com os indivíduos livres. Mas algo diferente em relação aos
encarcerados. É que eles se encontram ali por determinação de um órgão estatal e não
por opção própria. Alguém afirmou através de um documento com validade
inquestionável e agindo em nome do Estado que eles não têm condições de conviver no
meio social e que precisam ser ressocializados. Pois bem, se é assim, não parece mais
ser natural que preponderem as relações de direito privado do indivíduo, porque ele está
sob a custódia do Estado, de forma que o natural, nesta situação, é que preponderem
realmente as relações de direito público.
É o Estado, portanto, a partir do encarceramento, que deverá fornecer
alimentação, vestuário, assistência social, médica e odontológica, disponibilizar estudo
e trabalho ao preso, já que ele está impedido pelo próprio Estado de buscar essas
necessidades por seus próprios meios.
Neste contexto, é preciso aferir quais das necessidades dos presos podem ser
satisfeitas pelo particular mediante a contratação do Poder Público. Se todos os serviços
atinentes à execução penal podem ser contratados com a iniciativa privada, inclusive a
própria administração do estabelecimento prisional, ou apenas alguns de tais serviços.
que serem abordados até mesmo os serviços jurisdicionais que também fazem parte
da execução penal.
A idéia da terceirização se mostra interessante até este momento da explanação,
eis que se poderia afirmar, de acordo com ela, que as atividades-fim não poderiam ser
contratadas com o particular, mas as atividades-meio poderiam sê-lo. Admitindo-se esta
hipótese, surge a seguinte pergunta: o que são atividades-meio no âmbito do sistema
prisional?
É preciso destacar, de plano, a total e evidente impossibilidade de privatização
de atividades que ultrapassem os limites de atuação do poder executivo, quais sejam, a
administração, a construção e os serviços atinentes ao sistema prisional, haja vista que a
função jurisdicional relativa à execução penal jamais poderá ser objeto de privatização.
Esta questão, aliás, sequer é objeto de controvérsias por quem quer que seja. Até mesmo
os defensores da privatização dos estabelecimentos prisionais fazem esta ressalva.
Analisando, pois, especificamente, a possibilidade de privatização dos serviços
prisionais, no âmbito das atividades do Poder Executivo, e, embora, num primeiro
momento, como antes destacado, se constate a ausência de vedação expressa, tanto na
Constituição da República, quanto na lei infraconstitucional, é necessário examinar com
mais profundidade tal proposta, atentando para os princípios constitucionais; para os
direitos fundamentais individuais e coletivos; para os preceitos legais, em especial para
o exercício do poder disciplinar da Administração Pública; para o objetivo da iniciativa
privada e para as finalidades da pena.
Os parâmetros antes mencionados levam a uma conclusão diversa daquela que
se vislumbrou, inicialmente, apenas considerando o texto expresso de lei. É que não se
revela possível conciliar os interesses da iniciativa privada com os princípios e com as
garantias constitucionais, tampouco com as finalidades da pena.
O objetivo da iniciativa privada está no lucro de suas atividades. Ninguém seria
ingênuo em imaginar uma empresa privada que vise a alcançar, único e exclusivamente,
finalidades sociais, dissociadas da finalidade lucrativa. Isto, aliás, convém ressaltar, não
denota nenhum demérito para os empresários, afinal, num país em que é consagrado o
capitalismo, a busca pelo lucro se mostra completamente de acordo com este sistema
econômico.
O que não parece coerente é acreditar que o interesse da iniciativa privada possa
se conciliar com a finalidade ressocializadora da pena e com o princípio da dignidade da
pessoa humana.
Se admitirmos um modelo de contratação com a iniciativa privada na área de
execução penal que englobe a utilização da força de trabalho dos presos como
remuneração para a empresa contratada, estaremos, sem dúvida, afrontando o aludido
princípio, que, assim delineada a relação de trabalho, os presos estariam
compulsoriamente subordinados ao empregador, configurando-se uma situação de
trabalho escravo. Embora seja possível encontrar defensores da obrigatoriedade do
trabalho dos presos, este entendimento não se coaduna com o texto constitucional e,
ademais, toda a regulamentação das relações trabalhistas, ditadas pelo chamado Direito
do Trabalho, seria inviável neste contexto, afastando-se, com isso, os diversos direitos
assegurados pela legislação específica.
Se, ao revés, admitirmos um modelo de privatização (chamado,
economicamente, de terceirização) que mantenha com o Poder Público as atividades-
fim e transfira ao particular as atividades-meio, o primeiro problema a ser enfrentado,
como já salientado, seria precisar referidos conceitos no âmbito do sistema prisional.
Para tanto, é importante partir das orientações adotadas comumente pela
doutrina e a jurisprudência, consoante abaixo transcrito:
O TST tem alguns enunciados que tratam da possibilidade da
terceirização. O En. 257 indica que o vigilante, contratado diretamente
por banco ou por intermédio de empresas especializadas, não é bancário.
Mostra o En. 331 várias hipóteses: (I) a contratação de trabalhadores por
empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o
tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019/74);
(II) a contratação irregular de trabalhador, por meio de empresa
interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração
Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição); (III)
não forma vínculo com o tomador a contratação de serviços de vigilância
(Lei 7.102/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços
especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que
inexistente a pessoalidade e a subordinação direta; (IV) o inadimplemento
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas
obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das
autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das
sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação
processual e constem também do tulo executivo judicial (MARTINS,
2002, p. 171).
Com base em tais parâmetros, conclui-se que, no que tange aos serviços
públicos, seriam atividades-fim todas as funções que estivessem ligadas à finalidade da
atuação de um determinado órgão do Poder Público. Partindo de tal raciocínio e levando
em conta que a ressocialização é o principal propósito da pena, de se considerar
como atividade-fim todo o processo de acompanhamento dos presos, ou seja, todas as
atividades que de alguma forma pudessem contribuir para a sua reinserção na sociedade.
Seria, da mesma forma, atividades-fim todas as atividades que tivessem relação com as
demais finalidades da pena, quais sejam, a prevenção e a retribuição, que são finalidades
do Poder Público no âmbito da execução penal. Neste contexto, poucas seriam as
atividades que poderiam realmente ser consideradas atividades-meio. O fornecimento de
alimentos e vestuário poderia ser feito por um terceiro, subcontratado, como, aliás,
comumente ocorre, mas é até difícil exemplificar outras atividades desta natureza numa
seara em que a Administração Pública está exercendo uma função que lhe é peculiar e
que, inclusive, contribui para justificar a existência do Estado. Afinal, se a criação do
Estado decorre da necessidade de existir um ente que se sobreponha aos interesses
particulares e que tenha poder para sancionar os que destoarem dos demais integrantes
do grupo social, a aplicação da pena é inexoravelmente uma conseqüência desta
existência.
Com tais argumentações se constata que pouquíssimas atividades ligadas à
execução penal poderiam ser terceirizadas, o que afasta completamente a licitude da
proposta de terceirização dos serviços prisionais como um todo.
Mesmo na hipótese, defendida por alguns e, inclusive, adotada no Estado do
Espírito Santo, que excluiu das atividades terceirizadas apenas as funções de direção e
gerenciamento, as afrontas à legalidade não deixariam de existir, haja vista que os
serviços de guarda, assistência jurídica, assistência médica, assistência social,
vigilância, dentre outras, também fazem parte das funções picas do Estado na sua
atuação no âmbito da execução penal, tratando-se, pois, todas elas, de atividades-fim,
porque ligadas às finalidades da pena.
Importante ressaltar, ainda, que as prerrogativas do Poder Público não podem ser
transferidas ao particular, de forma que o poder disciplinar, que é uma das prerrogativas
do Estado, não pode ser exercido pelo particular. O uso da força é admitido
excepcionalmente ao Estado, não se revelando razoável que empregados de uma
empresa privada possam utilizá-la, numa situação de crise, perfeitamente possível de
acontecer num ambiente em que a natureza humana é violada, que a prisão, na sua
essência, afronta a natureza humana, que é a de se locomover livremente.
Não bastassem tais argumentações, a questão da ressocialização, já tão complexa
no âmbito do setor público, se revelaria ainda mais se transferida à iniciativa privada a
função de dizer quando um preso está ressocializado e, portanto, tem condições de obter
benefícios e retornar ao convívio social. Vale lembrar, aliás, que, qualquer que possa ser
o modelo de presídios privatizados, a saída de um preso do estabelecimento ou a
redução do período de sua permanência naquele local importaria em redução dos gastos
com ele e, por conseguinte, justificaria a redução da remuneração da empresa privada.
Será que a empresa teria então interesse em reduzir o encarceramento? Como conciliar,
pois, propósitos tão contraditórios?
Quando se examinam, portanto, as finalidades da pena, a justificativa para a
existência do Estado e os princípios constitucionais, conclui-se que, não importa o nome
que possa ser dado à proposta, se privatização ou terceirização, mas o fato é que os
serviços prisionais estão intimamente ligados às funções públicas do Estado, estando
entre aquelas que justificam, inclusive, a existência do ente estatal, tratando-se, pois, de
serviços próprios e indelegáveis à iniciativa privada.
Este entendimento é reforçado, ainda, pelo texto da Lei 7.210, de 11 de julho de
1984 - Lei de Execução Penal, que, tratando minuciosamente da matéria, estabelece
observações relevantes, como a seguir transcrito.
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade.
Art. 47. O poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade,
será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições
regulamentares.
A mudança recentemente inserida no artigo 34 do diploma legal antes
mencionado, ao contrário do que é defendido por alguns, não significou uma brecha
para legalizar a privatização de estabelecimentos prisionais, mas apenas autorizou a
criação de oficinas de trabalho, as quais podem ser implantadas mediante a participação
da iniciativa privada. Os encarcerados, portanto, nesta hipótese, teriam a opção de
trabalhar ou não em tais oficinas, se atendessem aos requisitos para tanto, percebendo a
respectiva remuneração, sem que houvesse nenhuma vinculação entre o trabalho deles e
a titularidade dos serviços públicos ligados ao sistema prisional.
[...] a possibilidade de convênio com capitais privados para implantar
oficinas de trabalho em instituições penais (art. 34, § 2º, LEP) não inclui
a terceirização da disciplina carcerária, porque o poder disciplinar no
sistema penitenciário continua monopólio exclusivo do Estado: no caso
de faltas disciplinares, médias ou leves, a lei atribui o poder disciplinar à
autoridade administrativa da prisão ou seja, ao Poder Executivo (art.
47, LEP); no caso de faltas disciplinares graves, a lei atribui o poder
disciplinar ao Juiz da execução penal ou seja, ao Poder Judiciário (art.
48, parágrafo único, LEP).
Logo sistemas de trabalho carcerário que submetam a força de trabalho
encarcerada ao poder disciplinar de qualquer outra autoridade diferente
do Estado – por exemplo, empresas privadas de segurança prisional – são
ilegais. Além disso, a própria privatização do trabalho carcerário por
convênio com empresas privadas parece infringir o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, CR), por uma
razão elementar: a força de trabalho encarcerada não tem o direito de
rescindir o contrato de trabalho, ou seja, não possui a única liberdade real
do trabalhador na relação de emprego e, por isso, a compulsória
subordinação de seres humanos encarcerados a empresários privados não
representa, apenas, simples dominação do homem pelo homem, mas a
própria institucionalização do trabalho escravo na prisão, [...] (SANTOS,
2006, p. 504).
Conclui-se, portanto, que Execução Penal e Estado são conceitos interligados,
que não se pode admitir que a execução penal, que envolve funções tipicamente estatais,
tais como o poder disciplinar e a complexa finalidade de ressocialização do condenado,
sejam titularizadas ou realizadas por particulares, o que leva à constatação de que os
contratos firmados por alguns estados brasileiros no sentido de terceirização dos
estabelecimentos prisionais se revelam inconstitucionais e ilegais.
3. A PRIVATIZAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO
DIREITO COMPARADO.
Os problemas com a criminalidade e as dificuldades de implementação das
funções da pena privativa de liberdade, assim como a ineficácia do sistema prisional e a
sua crise
35
não são discussões existentes apenas no Brasil ou em países economicamente
periféricos. Mesmo os países economicamente desenvolvidos discutem questões muito
semelhantes, dentro da realidade social de cada um. Isso não poderia ser diferente, haja
vista que a pena privativa de liberdade em sua essência já é motivo para inúmeras
discussões, justificando, pois, que todo o sistema que a implementa também seja palco
para calorosos debates.
A consolidação do sistema capitalista permitiu a constatação de vazios que não
encontram enquadramento em tal sistema e que, por isso, necessitam ser resolvidos com
base em doutrinas diversas e até mesmo opostas. Em conseqüência, ganha espaço um
modelo de Estado com significativa atuação social, embora não possa ser chamado
socialista, ante o conteúdo diametralmente oposto ao sistema econômico vigente na
grande maioria dos países.
Em meio a tantos questionamentos sobre o sistema político-econômico
adequado, percebe-se que estão em pauta em todo o mundo ocidental diversas
discussões acerca dos limites entre as mais variadas relações entre os particulares e o
Estado. Tais discussões se diferenciam a partir da realidade de cada país, valendo
ressaltar que, em relação à oferta de mão de obra, é de notório conhecimento que,
enquanto nos países subdesenvolvidos, a oferta de mão de obra é elevadíssima,
especialmente daquela com pouca ou nenhuma qualificação, nos países desenvolvidos a
35
Vale ressaltar, mais uma vez, que a palavra crise importa na constatação de que as respostas dadas a um
problema são ineficazes, mas não se consegue obter outras respostas.
mão de obra é escassa, especialmente aquela destinada à ocupação de vagas
relacionadas ao desempenho de serviços que exijam pouca qualificação.
Analisar, portanto, a questão da privatização dos presídios em outros países não
pode significar a busca pela obtenção de respostas imediatas e plenamente satisfatórias
para o Estado Brasileiro, ante as características estruturais diversas entre os países, mas
a abordagem sobre o direito comparado se mostra enriquecedora quanto ao
fornecimento de dados para uma análise do problema de uma forma específica.
A questão da proposta de privatização de presídios tem dado ensejo a uma
constante comparação, no Brasil, entre os sistemas norte-americano e francês, haja vista
que as informações de divergências em tais sistemas permitem a aferição das vantagens
de cada um deles e a criação de uma proposta específica ou até mesmo a constatação da
total inaplicabilidade do instituto no Estado brasileiro.
É preciso, portanto, conhecer a proposta de privatização adotada no exterior,
levando em conta as características do Estado em que se insere, bem como o momento
histórico respectivo.
3.1. O modelo de privatização de presídios adotado nos Estados Unidos.
A idéia da privatização de presídios nos Estados Unidos se iniciou na década de
80, após o abandono, por aquele país, da visão socializadora da pena de prisão, ante a
sua constatada ineficácia, quando ganharam força movimentos como os da Law and
Order (Lei e Ordem) e Control and Punishement (Controle e Punição), com
características extremamente rigorosas quanto à criminalidade e à punição dos
criminosos, configurando-se, basicamente, em um endurecimento das leis penais e
numa maior aplicação das penas privativas de liberdade.
Os Estados Unidos são o país com a maior população carcerária do mundo,
segundo dados estatísticos. Isoladamente, contudo, não se pode concluir, com isso, que
naquele país haja o maior índice de criminalidade do mundo, tendo em vista que tal
comprovação demandaria uma pesquisa mais aprofundada sobre a eficiência dos órgãos
repressores e sobre os limites legais relativos à concessão de benefícios substitutivos ao
encarceramento. Sabido é que, no Brasil, aliás, o índice de mandados de prisão
expedidos e não cumpridos é elevado, o que, por si só, evidencia a relativização que
deve balizar o exame de dados estatísticos na área social.
As razões que levaram à privatização de estabelecimentos prisionais nos Estados
Unidos podem ser observadas pelo texto abaixo transcrito:
[...] dois foram os fatores decisivos para que os Estados Unidos
adotassem o modelo privatizador em alguns presídios, a saber: a
superpopulação carcerária e os altos custos decorrentes do excessivo
encarceramento, provocados por uma política conhecida como “tolerância
zero” (CORDEIRO, 2006, P. 93).
Os dois motivos antes destacados não esgotam, certamente, as razões da
privatização de presídios nos Estados Unidos, até porque o fato de ser o país sede do
capitalismo não pode deixar de ser considerado, haja vista os interesses da classe
dominante, predominante em todos os países do mundo.
O escritor norueguês Nils Christie (1993, pp. 101-120), a propósito, apresenta
dados significativos em relação às características do sistema penitenciário norte-
americano, chamando a atenção de seus leitores para o aspecto mercadológico que o
cerca, através das diversas propagandas veiculadas em periódicos daquele país sobre
a atuação de muitas empresas especializadas na produção de algemas e até de cárceres,
fazendo evidenciar, com isso, a lucratividade da área. Referido autor chega a mencionar
que o negócio da construção de cárceres permite às empresas faturar entre 4 a 6.000
milhões de dólares por ano.
36
Anteriormente à década de oitenta, era adotado nos Estados Unidos um sistema
penal denominado hands off, pelo qual a atividade jurisdicional se findava com a
prolação da sentença, não tendo o Poder Judiciário envolvimento com a execução penal,
que era atribuição do Poder Executivo. Posteriormente, diante de diversos abusos na
concessão de benefícios e afrontas aos direitos humanos no âmbito da execução penal
promovida no âmbito do Poder Executivo, o Poder Judiciário ganhou funções
fiscalizadoras em relação à execução penal naquele país, época em que diversas
decisões foram proferidas no sentido de impor ao Poder Executivo a obrigação de
reduzir a superpopulação dos diversos estabelecimentos prisionais. Em meio a isso,
diversas ações judiciais foram propostas para fins de indenização em face do desrespeito
aos direitos humanos, dados que, aliados ao alto custo para a construção de
estabelecimentos prisionais, propiciaram a implementação de presídios privatizados.
A recusa da sociedade norte-americana em pagar por celas de prisão que
insistia em manter ocupadas fez com que as autoridades públicas
procurassem meios para driblar a escassez de recursos para o sistema
penitenciário, por meio da contratação de empresas para administrar
estabelecimentos penitenciários, tornando desnecessária a aprovação
popular, fato que favoreceu sobremaneira a expansão da política de
privatização dos presídios nos Estados Unidos.
Unindo o útil (a “solução” do problema do Estado em obter verba para a
construção das prisões) ao agradável (a avidez de lucros pela iniciativa
privada), o problema penitenciário norte-americano pareceu resolvido
(CORDEIRO, 2006, p. 98).
Após manifestação da Suprema Corte dos Estados Unidos quanto à
constitucionalidade da privatização de presídios, modelos diversos de privatização
36
A obra mencionada, até mesmo pelo seu título: “La industria del control dei delito. La nueva forma del
holocausto?” já aponta a constatação do aspecto comercial em que se inseriu o sistema prisional norte-
americano.
foram ali estabelecidos, valendo ressaltar que, naquele país, cada Estado tem liberdade
para adotar ou não esta proposta, a qual, na realidade, somente é utilizada em alguns
estados norte-americanos e, mesmo assim, de maneiras bastante diversas, não sendo
possível uma generalização quanto ao modelo estadunidense.
[...] a experiência norte-americana com a privatização não é uniforme e é
limitada. Não é uniforme porque prevalece nos Estados do Sul, onde o
conservadorismo fiscal é maior, onde as corporações são mais fracas, é
mais comum no sistema para delinqüentes juvenis do que para as prisões
de adultos; é freqüente aplicar-se o método de transferência dos serviços
do que a transferência da propriedade e da administração de todo o
sistema, e até na forma de se captar capital para a construção de prisões
não há uniformidade. A experiência é limitada porque abrange apenas um
pequeno aspecto do complexo sistema penal americano (FREIRE, 1995,
p. 102).
Nos Estados Unidos se difundiu a idéia de que a criminalidade diminui à medida
que os cárceres sejam cada vez mais ocupados, o que contribuiu para respaldar às ações
no sentido de permitir a abertura do sistema prisional para a iniciativa privada.
Consolidou-se a visão de atingir os efeitos do problema, sem mais a preocupação com
as suas causas, até porque para os defensores desta postura vêem os fatores sociais
como criminógenos, propugnando pelo rigor diante das pequenas infrações com o fim
de evitar crimes de maior gravidade.
Conforme salientou Löic Wacquant (2001, p. 88), “os Estados Unidos fizeram a
escolha de construir para seus pobres casas de detenção e estabelecimentos penais em
lugar de dispensários, creches e escolas”.
Um dos modelos adotados nos Estados Unidos é o da administração privada das
penitenciárias, pelo qual a construção e a administração dos estabelecimentos é
transferida ao particular. Alguns estados somente permitem a atuação de empresários
restrita aos estabelecimentos destinados aos presos em fase final de cumprimento de
suas penas; outros somente aos estabelecimentos destinados aos delinqüentes juvenis e
outros somente aos estabelecimentos destinados ao recolhimento de imigrantes ilegais.
Um outro modelo adotado naquele país se configura na contratação de certos serviços
específicos relativos à execução penal com particulares, tais como alimentação e
assistência médica. Há, ainda, o modelo de utilização de prisão-indústria, no qual a mão
de obra dos presos é utilizada em troca do custeio das necessidades dos presos.
O que se constata com a implementação da proposta de privatização de presídios
nos Estados Unidos é que, primeiro, o país, em que pese ser o mais rico do mundo, não
conseguiu resolver o complexo problema da criminalidade, tendo tão somente se valido
de recursos paliativos para tirar de cena uma parcela da população improdutiva,
utilizando-se, ademais, de modelos diversos de privatização, não adotados de forma
unitária por todos os Estados, o que, por si só, denota a diversidade de
posicionamento em relação a tal proposta, mesmo levando em conta as especificidades
daquele país.
Insta salientar que, embora tratado de outra forma, até por estarem inseridos em
outra sociedade, completamente diversa da brasileira, os problemas relacionados ao
sistema prisional também existem nos Estados Unidos, razão porque ainda se encontra
nas mãos do Poder Público a administração da maioria dos presídios norte-americanos,
como destacado no texto seguinte.
A grande maioria das prisões industriais continua nas mãos do Poder
Público. E não é difícil de entender. Os empresários concebem que é
difícil fazer dinheiro com as prisões industriais. a constante tensão
entre as rotinas de segurança da prisão e as necessidades da produção
industrial. Também os presos são freqüentemente transferidos ou soltos e
isto significa nova mão-de-obra a ser treinada em um breve espaço de
tempo. E ainda os custos de locação e transporte porque as prisões são
geralmente situadas longe dos centros urbanos, onde os artigos feitos na
prisão têm de ser vendidos (FREIRE, 1995, p. 100).
A tendência, ao que tudo indica, porém, é que a privatização de estabelecimentos
prisionais ganhe força cada vez maior naquele país e, como conseqüência da forte
influência que exerce sobre os demais países do mundo, acabe por ganhar força em todo
o mundo, o que está longe de indicar que seja o melhor caminho, até porque se trata de
decisão que envolve outras questões de enorme relevância e que retrata a postura de um
Estado diante de uma proposta ainda maior, relacionada ao desenvolvimento humano.
3.2. O modelo de terceirização de presídios adotado na França
Também na França a proposta de privatização de presídios nasceu a partir da
constatação da superpopulação carcerária e devido à falta de recursos para o Estado em
implantar, com as suas dotações orçamentárias, um programa de construção de
estabelecimentos prisionais que pudesse atender à demanda. Diante disso, nasceu o
chamado Programa 15000, que anunciava a criação de 15.000 vagas em
estabelecimentos prisionais diversos, através de parceria entre o Poder Público e a
iniciativa privada. Tal programa não chegou a ser implementado, sendo substituído por
um outro chamado de Projeto 13000, o qual restabeleceu as funções do Poder Público
no setor, permitindo, porém, a participação da iniciativa privada na construção dos
estabelecimentos prisionais, bem como na execução dos chamados serviços de hotelaria.
O sistema implementado naquele país, portanto, consistiu em confiar a gestão de
certas prestações relevantes do serviço público penitenciário ao setor privado. Trata-se,
pois, de um modelo de co-gestão, pelo qual o Estado mantém a responsabilidade pela
segurança externa dos estabelecimentos, indicando, ainda, o diretor das unidades
prisionais, como forma de lhe assegurar o poder de decisão acerca da execução penal. A
empresa privada recebe do Estado pelo trabalho desempenhado um valor diário
referente a cada um dos presos que administra.
Este sistema de co-gestão tem alguns pontos primordiais definidos em
contrato, a saber: ao Estado cabe a indicação do Diretor Geral do
estabelecimento, seu relacionamento com o juízo de execução penal e a
responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão, à empresa
contratada compete a organização do trabalho, da educação, do lazer, da
alimentação, do fornecimento de vestimentas e demais serviços
relacionados ao preso, incluindo assistência médica, social e jurídica; esta
empresa receberá uma quantia por preso/dia pela prestação desses
serviços (ALVES, SANTOS, BORGES, 1995, P.81).
Percebe-se, portanto, que o modelo francês difere daqueles utilizados no Estados
Unidos, motivo pelo qual a doutrina se refere a ele não com a expressão privatização,
mas sim como modelo de terceirização, isto em razão do fato de permanecer com o
Estado as funções de direção e o de segurança externa do estabelecimento.
4. A EXPERIÊNCIA DA TERCEIRIZAÇÃO DE ESTABELECIMENTOS
PRISIONAIS BRASILEIROS E OS PROBLEMAS PRISIONAIS DOS ESTADOS
RESPECTIVOS.
4.1. A terceirização de estabelecimentos prisionais nos Estados do Paraná,
Amazonas, Ceará e Bahia e a situação de seus respectivos sistemas prisionais.
Mesmo tratando-se de questão altamente discutida no meio jurídico, o Brasil
acabou por optar, em alguns estados, pela privatização de alguns estabelecimentos
prisionais, nos Estados do Paraná, Ceará, Amazonas, Bahia e Espírito Santo.
A experiência se iniciou em 1999, no Estado do Paraná, com a Penitenciária
Industrial de Guarapuava. O programa de privatização de presídios naquele Estado foi
incrementado, chegando a existir cinco presídios privatizados. Este programa, porém,
veio a ser desativado no ano de 2006.
Os Estados do Ceará, Amazonas, Bahia e, recentemente, Espírito Santo, também
aderiram a este programa, privatizando algumas de suas unidades prisionais.
Tanto nos estados em que a proposta chegou a ser implementada, quanto nos
demais onde ainda não foi adotado tal programa, muitos debates aconteceram e
certamente ainda acontecerão.
O modelo adotado se assemelha ao francês, estabelecendo-se um programa de
co-gestão entre o Poder Público e a iniciativa privada, mantendo-se com o primeiro a
função de direção dos estabelecimentos prisionais. Por isso mesmo é que a proposta
efetivada no Brasil ficou consagrada como sendo de terceirização e não de privatização.
No Estado do Paraná, que ousou ser o primeiro a adotar a proposta de
terceirização de seus presídios, percebeu-se, após quatro anos de sua aplicação, a sua
inadequação. A partir daí, foi sendo restaurada a gestão pública dos estabelecimentos
prisionais, à medida que os contratos formalizados iam se vencendo, até que, em 2006,
o projeto foi completamente extinto, reconhecendo-se a obrigação de prestação direta de
tais serviços pelo Estado.
As informações neste sentido foram fornecidas pelo Chefe do Grupo de
Planejamento do Departamento Penitenciário do Paraná, Dr. Edwaldo W. de Carvalho,
o qual, através de e-mail que nos foi endereçado no dia 28 de janeiro de 2009, após
consulta formalizada, afirmou textualmente:
Reportando-nos ao seu e-mail postado em 26/02/09, informamos o
seguinte:
1. O governo do Paraná adotou o modelo de gestão terceirizada, a partir
de 1999, em apenas alguns Estabelecimentos Penais. Todas as atividades
penitenciárias (segurança, atendimento psicossocial, jurídico e de saúde,
manutenção predial, fornecimento de materiais, alimentação, etc.) eram
operacionalizadas pela empresa contratada. Permaneceu sob o jugo do
Estado a direção e a chefia de segurança da Unidade Penal. O Paraná não
mais adota esse modelo de gestão desde metade de 2006;
2. O regime disciplinar era exercido por um Conselho composto por
profissionais da terceirizada (defensor, relator, assistente social, psicólogo
e pedagogo) presidido pelo Diretor do Estabelecimento;
3. Na atual gestão governamental, iniciada em 2003, à medida que os
contratos encerravam a sua vigência, o Governo do Paraná restaurava a
autogestão nos presídios. A razão principal que sedimentou esta decisão
foi a concepção doutrinária que a custódia e o tratamento penal dos
presos é papel exclusivo do Estado, exercida através dos seus agentes,
sendo indelegáveis, portanto.
O Estado do Paraná foi visitado pelos integrantes da Comissão Parlamentar de
Inquérito do sistema prisional, os quais fizeram consignar no relatório final o seguinte
quadro lá encontrado:
A diligência no Paraná foi realizada em 25 de Outubro de 2007.
O Paraná possui 27.118 e apenas 17.758 vagas, havendo um déficit de
9.360 e uma superlotação de 9.360 presos. Cuidam da população
carcerária, 2.307 agentes penitenciários com salário inicial de R$
2.440,06.
Com uma população de 10.387.378 habitantes, o Paraná possui 13.750
policiais militares e 6.704 policiais civis.
O Estado tem 394 municípios, com 144 comarcas, 686 juízes (salário
inicial de R$ 14.507,00), 09 juízes de execução, 575 promotores (salário
de R$ 15.177,00) não há defensores públicos, 08 desembargadores.
A CPI foi recebida por Fernando Vicente de Azevedo, da Delegacia da
Polícia Federal na cidade, Raimundo Hiroshi Kitanishi, Diretor da
Penitenciária Federal de Catanduvas, Luciano Braga Côrtes, Cléber
Augusto de Lima Evangelista e Emerson Deuner, Presidente, responsável
pelos assuntos penitenciários e integrante da Comissão de Direitos
Humanos da OAB de Cascavel, respectivamente.
PENITENCIÁRIA FEDERAL DE CATANDUVAS
A CPI diligenciou no Presídio de Segurança Máxima do Paraná, a
Penitenciária Federal de Catanduvas, construída pelo Governo Federal,
destinado às lideranças do crime organizado, em especial o Primeiro
Comando da Capital PCC e o Comando Vermelho CV. A arquitetura
prisional é nova e moderna, possuindo rígido sistema de segurança, com
detector de metais, que detecta qualquer todo tipo de metal, armas, drogas
e outros objetos estranhos.
O acesso de qualquer visitante, é permitido após o preenchimento de
uma ficha com dados e documento pessoais e o registro da digital em um
aparelho. Em cada catraca a operação de identificação é repetida sob pena
de, se a catraca travar a passagem ser proibida.
Presos e visitantes não tem contato físico: conversam, por interfone,
através de um vidro a prova de balas.
As celas, com 14 metros quadrados, incluindo o banheiro, são individuais,
possuindo, anexa, uma espécie de edícula onde o preso fica durante uma
hora tomando banho de sol. Uma grade separa a cela e a minúscula
edícula, que se abre automaticamente somente no período do banho de sol,
tudo monitorado através de câmeras, espalhadas em toda o presídio.
Nas celas não tomadas e fios. As lâmpadas são embutidas para evitar
que celulares sejam carregados. Os chuveiros não possuem cano, para
evitar que sejam arrancados e usados como arma. A água sai por um cano
existente no teto em horários controlados automaticamente pela direção
da cadeia. O presídio é seguro, sendo quase impossível haver fugas.
PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE CASCÁVEL
A Comissão foi acompanhada por Juarez Alves Pereira, Diretor da
unidade, além das autoridades que participaram da de Catanduvas, exceto
o Diretor Hiroshi e Sizenando. Esta penitenciária foi totalmente
terceirizada, porém voltou à administração do Estado. Grande parte dos
agentes penitenciários não são concursados. No plantão 34 agente se
revezam em escala de 12 por 36 horas de trabalho.
A prisão conta com celas para 03 detentos, salas de aula e uma biblioteca.
80% dos presos do estabelecimento encontram-se estudando no ensino
fundamental ou médio.
PENITENCIÁRIA DO CENTRO DE DETENÇÃO E
RESSOCIALIZAÇÃO – CDR
A Comissão foi acompanhada pelo Coronel Antônio Amauri Ferreira
Lima, Diretor do presídio, além das autoridades que estiveram na
diligência no presídio de Cascavel.
O Centro foi inaugurado cerca de dois meses, com capacidade para
950 presos provisórios e submetidos ao regime fechado. Boa parte dos
detentos transferidos para este presídio, ocupavam, antes, a carceragem
da 15ª Subdivisão Policial de Cascavel, transformada em cadeia feminina,
hoje com 86 presas (pp. 94 à 96).
No Estado do Amazonas, no Complexo Penitenciário “Anísio Jobim”, foi
terceirizado somente o estabelecimento destinado ao cumprimento de pena privativa de
liberdade em regime fechado, ou seja, a penitenciária, com capacidade para 450
(quatrocentos e cinqüenta) presos.
A Comissão Parlamentar de Inquérito não incluiu o Estado do Amazonas em
suas visitas.
No Estado do Ceará, no ano de 2000, foi terceirizada a Penitenciária Regional do
Cariri, situada em Juazeiro do Norte. Irregularidades no processo de terceirização foram
noticiadas no texto a seguir, escrito por uma Promotora de Justiça daquele Estado.
[...] Mediante um contrato de concessão firmado entre a Secretaria de
Justiça do Estado do Ceará e a empresa Humanitas (atualmente Conap),
vem sendo administrada a Penitenciária Industrial Regional do Cariri, em
Juazeiro do Norte. Contudo, o referido contrato nunca foi publicado no
Diário Oficial, nunca foi realizada licitação para a contratação da empresa
prestadora de serviços, além do que a sobredita concessão não foi
regulamentada por lei, disciplinando o modo e a forma de prestação do
serviço. Como se vê, esse modelo terceirizador adotado pelo Estado do
Ceará viola vários princípios constitucionais que regem a Administração
Pública, a saber, os da legalidade, moralidade e a publicidade.
[...]
Esse modelo terceirizador promove ainda uma verdadeira deturpação da
Lei de Execução Penal, ao dispor que o diretor do estabelecimento penal
deve ser um servidor público, uma forma encontrada para mostrar que a
execução da pena prisional não foi entregue totalmente ao particular. Ora,
pela LEP, o diretor do estabelecimento penal pode ser alguém que não
seja servidor público, pois se trata de um cargo em comissão, de livre
nomeação e exoneração (CORDEIRO, 2003, p. 2).
A privatização efetivada, além das irregularidades que a cercam, não foi capaz
de afastar o quadro caótico dos estabelecimentos penais do Estado do Ceará, registrado
pelo relatório final da CPI do sistema prisional da seguinte forma:
A CPI esteve no Ceará em 27.02.2008, e desta diligência participaram os
deputados Neucimar Fraga; Domingos Dutra; Cida Diogo; Jusmari
Oliveira e Paulo Rubem Santiago.
Existem no Estado 12.270 presos para 8.375 vagas, havendo déficit de
3.895 vagas. Para cuidar da população carcerária existem 616 agentes
penitenciários, com salários iniciais de R$ 1.100,00. 12.636 policiais
militares e 1.971 civis são responsáveis pela segurança de 9.195.296
habitantes.
Com 184 municípios, o Ceará possui 139 comarcas, 356 juízes (salário
inicial R$ 14.145,34), 157 promotores (salário R$ 18.109,56) e 157
defensores públicos (salário R$ 5.797,00).
Dos presos: 6.54% trabalham e 18.62% estudam. O custo individual de
cada preso é de R$ 1.083,33.
INSTITUTO PENAL MASCULINO PAULO SARASATE IPPS
Este estabelecimento localizado no Município de Aquiraz, Fortaleza, tem
como Diretor Luis Aldovanio Jatay Castelo e a CPI foi recebida pelo
Diretor Luiz Aldovanio Jatay Castelo, pelo Padre Marco Passerini,
Coordenador da Pastoral Carcerária, pelo promotor José Raimundo
Pinheiro de Freitas, o Secretário de Justiça Marcos César Cals de Oliveira,
responsável pela população carcerária.
Este presídio tem 1.296 presos e 700 vagas, havendo um déficit de 593
presos, e 30% dos internos são provisórios. muitos presos com
condenações elevadas, com penas acima de 20 anos. Somente 143 presos
trabalham, fazendo serviços no próprio presídio e 300 presos estudam.
Apenas 9 agentes penitenciários de plantão para segurança deste
“mundaréu” de presos. Policiais militares prestam segurança externa.
Quando a CPI chegou a este presídio, apelidado de “Selva de Pedra”, a
situação era tensa: dois dias antes havia sido abortada uma tentativa de
fuga, que aconteceria através de um túnel que, em direção a rua, tinha
45 metros de extensão. Segundo a direção, pretendiam fugir presos que
participaram do roubo histórico e milionário ao Banco Central de
Fortaleza, de onde levaram, também cavando um túnel, 170 milhões de
reais.
Com o plano frustrado (o túnel foi descoberto e foram apreendidos 72
celulares após uma revista) os presos se rebelaram e o presídio estava
parcialmente destruído. Por causa do clima existente e por questões de
segurança, os deputados visitaram apenas parte da cadeia, acompanhados
de perto por policiais militares armados até os dentes. De fato, o clima era
tenso, porém o excesso de policiais militares e a suposta insegurança
visavam limitar a diligência para que irregularidades não fossem
verificadas.
Apesar da insegurança aparente e a rapidez da diligência, a CPI concluiu
que o presídio é antigo, de arquitetura ultrapassada, instalações em
péssimo estado de conservação, com celas sujas, superlotadas e presos
dormindo no chão. O esgoto escorre das celas para os pátios da prisão. O
alojamento dos agentes penitenciários e dos policias são parecidos com as
celas dos presos.
No estabelecimento falta trabalho, escola, remédios, médicos, dentistas.
O juiz e promotor não aparecem no local. Defensor público jamais foi
visto. Aconteceram queixas generalizadas de penas vencidas e progressão
de regime com excesso de prazo.
Os presos denunciaram que são espancados com freqüência e levados
para o castigo, em celas isoladas.
A comida, arroz, feijão, pedaços de carne e caldo misturados é servida
dentro de sacos plásticos, virando uma “gororoba”. Os presos comem
com as mãos por falta de colheres. A imagem é deprimente. Chocante.
Perturbadora. Desumana.
Indagado sobre o fato, o Diretor informou que os presos preferem a
comida no saco para venderem, através das mulheres, no mercado local.
Fato negado pelos presos e parentes.
Depois que a CPI deixou o IPPS, foram encontrados os corpos de dois
detentos. Um deles, Cláudio Alves, estava pendurado em uma corda na
cela de onde partira o túnel. Ele tinha um cadeado na boca e um cartaz
sobre o corpo onde estava escrito PCC, numa espécie de recado deixado
pela facção criminosa: quem não fecha a boca e entrega os planos da
organização tem como futuro a morte.
INSTITUTO PENAL FEMININO DESEMBARGADORA AURI
MOURA COSTA
Este presídio tem 347 vagas e 246 internas, um dos poucos no país que
não está superlotado, e é dirigido por Maria Izelda Rocha. As instalações
são novas e bem conservadas.
A maioria das detentas estão presas por crimes relacionados a drogas.
Treze delas têm seus maridos também presos. A maioria das internas
encontra-se matriculado no curso de alfabetização. Dezesseis chegaram
grávidas à unidade e 12 têm crianças na creche.
As detentas trabalham na cozinha, na padaria, fazem costura e fabricam
produtos de limpeza como sabão, detergente, desinfetante e Humilhação e
Descaso: Comida servida em "sacos plásticos" água sanitária.
Oito agentes penitenciárias garantem a segurança do local.
Há atendimento uma socióloga 3 vezes por semana.
Uma história triste e absurda foi à contada CPI pela detenta Verlini
Ferreira, presa um mês, por ter roubado em um supermercado, 02
latas de leite em pó, para alimentar sua filha de dois anos. Disse que,
desempregada, não tinha dinheiro para alimentar a criança.
Outra mulher estava presa por ter roubado algumas peças de roupa em um
supermercado. Relatos iguais a estes foram freqüentes.
As detentas reclamaram de penas vencidas e excesso de prazo na
concessão dos benefícios. Juiz e promotor não inspecionam o
estabelecimento.
A Comissão realizou AUDIÊNCIA PÚBLICA na Assembléia
Legislativa do Estado do Ceará em que prestaram depoimentos
autoridades, representantes da pastoral carcerária e da OAB (pp. 124 à
128).
No Estado da Bahia, o processo de privatização de estabelecimentos prisionais
se iniciou no ano de 2003, quando foi terceirizado o Conjunto Penal de Valença. Nos
anos seguintes, outros estabelecimentos foram também terceirizados, quais sejam, os
Conjuntos Penais de Juazeiro, Serrinha, Itabuna e Lauro de Freitas.
Os integrantes da CPI do sistema prisional visitaram o Estado da Bahia, tendo
consignado no respectivo relatório as seguintes observações:
A CPI visitou as cadeias da Bahia em 06/04/2008.
Para cuidar de quase 14.790 mil presos, existem apenas 4.905 agentes
penitenciários.
O Estado é dividido em 417 municípios. Conta com 1.584 juízes (salário
inicial de R$ 15.116,00), além de 573 promotores (salário de R$
21.372.30) e191 desembargadores. A Capital dispõe de 1 vara de
execuções.
PENITENCIÁRIA LEMOS DE BRITO
A Comissão foi recebida pelo Diretor Luciano Patrício de Oliveira, pelo
Deputado Estadual Yulo Oiticica, pelo Promotor de Justiça Geder
Luis e pelo Padre Felipe.
O Presídio tem capacidade para 1.200 presos, em 509 celas, mas abriga
1.776, sendo 349 em regime semi-aberto.
A segurança da Unidade é feita por 29 agentes penitenciários em regime
de plantão, a maioria contatada com salários de R$ 790,00 a R$ 1.100,00.
Existem aparelhos de raio-X que não funcionam.
Estudam 15% dos presos, e outros tantos trabalham em empresas
conveniadas de pré-moldados, estopas, manufaturados, marcenaria e de
reciclagem de plásticos. Também produzem artesanato de boa qualidade,
vendidos a visitantes e a parentes.
Os presos que trabalham na manutenção do estabelecimento não tem
remuneração, apenas remição de pena.
O prédio, em três andares, lembra um estádio de futebol, ou o Coliseu
de Roma, mas muito mal conservado.
As trancas das celas não são fechadas; os presos ficam à vontade.
As celas de 6 metros quadrados foram “divididas” em seis pequenas celas.
Para isso, os presos usaram pedaços de tábuas, borracha, papel, papelão...
As “portas” são cortinas improvisadas com pedaços de lençóis ou
cobertores velhos. Quem tem mais dinheiro tem fogão, geladeira, som, tv
e vídeo nas celas. Os de menores posses fazem “gambiarras” e
improvisam fogareiros para fazer ou esquentar a comida.
Há pequenas mercearias, cujos preços são exorbitantes:
Presídio Lemos de Brito em Salvador : Homens jogados ao descaso, cerca
de 400% acima do mercado. O quilo de feijão custa R$ 10,00, o quilo de
açúcar R$ 4,50, um ovo ou uma cebola R$ 0,50.
O Ministério Público visita a prisão normalmente, o que não ocorre com o
Juiz. Há visitas íntimas aos presos e acesso a banho de sol.
A alimentação, oferecida 3 vezes por dia, é feita por empresa terceirizada,
porém, por causa da má qualidade, os presos fazem refeições nas celas, na
base do improviso.
Vários presos reclamaram de desaparecimento de processos, de penas
vencidas, de demora no atendimento de benefícios.
A saúde dos internos é um caos: havia 48 internos portadores de HIV, e
muitos com tuberculose e doenças de pele.
Em 2007, ocorreram 2 fugas, além de 3 mortes; e 100 celulares foram
apreendidos.
PRISÃO DO PRESO:
Após a diligência da CPI, o caos do Presídio Lemos de Brito veio a
público: a polícia militar, após denúncias, entrou no presídio e “prendeu”
o traficante GENILSON LINO DA SILVA, conhecido como “Perna”,
que era o “Rei” da cadeia. Possuía dentro da cela (um verdadeiro
apartamento) fartura de produtos alimentícios e uma geladeira “forrada”
com cerveja, energéticos, água mineral, carnes, peixes e frango.
A liberdade de “Perna” era tanta que, na porta de sua cela-apartamento,
ele colocava uma placa, em momentos especiais”, com a seguinte
advertência: “NÃO INCOMODE, ESTOU COM VISITA”. Quando a
polícia chegou para “prender o preso”, teve que bater na porta porque os
carcereiros e o diretor não tinham a chave da cela, que ficava em poder do
preso!
Encontrou na cela do “chefão” da cadeia, R$ 280 mil, além de 6 celulares
e 2 armas e drogas.
Com todo este poder, o perigoso delinqüente (condenado 28 anos de
prisão) mantinha, de dentro do presido, um escritório de cobrança de
dinheiro proveniente do tráfico de drogas e decidia quem devia viver e
morrer.
O promotor de Justiça PAULO GOMES JUNIOR declarou no programa
Fantástico da Rede Globo: “SE EU COMO PROMOTOR DE
JUSTIÇA QUISESSE INGRESSAR NO SISTEMA PRISIONAL,
EU TERIA QUE TER, DE FORMA VERGONHOSA, O SINAL
VERDE DO BANDIDO (O PERNA) PARA ENTRAR”. Ou seja, disse
o promotor que precisava da autorização de Perna, para entrar na cela. Se
o bandido dissesse “não”, ele não entraria!
Incrível: uma autoridade que confessa, na TV, para o Brasil, que precisa
pedir a um preso para realizar seu trabalho!
Esta realidade revelada para o Brasil e o mundo após a diligência da CPI
demonstra o completo domínio do presídio pelos internos e a completa
falta de controle pela secretaria da pasta.
PRESÍDIO FEMININO DE SALVADOR:
A CPI foi recebida, nesse presídio, pela Diretora Silvana Maria Selem
Gonçalves. A unidade tem capacidade para 128 presas, em 64 celas, e
abriga 151, das quais 4 estavam grávidas. Há 90 internas sentenciadas,
e 61 provisórias.
Para cuidar da segurança, existem 8 agentes penitenciários, por plantão.
São 20% as que estudam, e 30% as que trabalham, produzindo luvas,
cotoveleiras e similares. As detentas têm acesso a banho de sol.
A alimentação é fornecida 3 vezes por dia por empresa terceirizada.
Todas usam uniformes, de cor amarela, fornecidos pela direção.
A unidade conta com um centro cirúrgico.
A Comissão realizou AUDIÊNCIA PÚBLICA na Assembléia
Legislativa do Estado da Bahia. Prestaram depoimentos secretários de
estado, juizes, promotores, defensores públicos e representantes da
sociedade civil e dos agentes penitenciários.
O destaque desta audiência foi a Secretária de Justiça, Drª Marília
Murici, que apesar do excelente discurso teórico, de vanguarda, revelou
desconhecimento do sistema carcerário que deveria dirigir.
Diante da falta total de conhecimento, a Secretária desabafou: “Estou me
sentido a pior secretária de justiça do Brasil”. Nesse aspecto, a
secretária confessou a verdade.
COMPLEXO POLICIAL BARREIRAS
A CPI realizou diligência a cidade de Barreiras (BA), no dia 13 de
setembro. A iniciativa se originou de um requerimento da Deputada
Jusmari Oliveira, aprovado na Comissão. A diligência constituiu-se de
visita ao Complexo Policial de Barreiras e à Cadeia Pública.
Participaram das visitas o Deputado Luiz Couto, Presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias, e os Deputados Veloso e Jusmari
Oliveira, membros da CDHM, além do Deputado Neucimar Fraga. A
Comitiva contou com o apoio da assessora da Comissão, Rosiana Queiroz.
O Complexo Policial de Barreiras havia sido “descaracterizado” com a
transferência e dispersão dos detentos para várias cadeias das cidades
vizinhas. O Complexo é constituído de 7 celas com capacidade para 4
presos. A Cadeia Pública foi instalada em um prédio antigo, onde
funcionava uma delegacia. Trata-se, portanto, de instalação improvisada,
dividida por grades, em 3 partes, nas quais se acumulam, em 2 dessas
partes, detentos masculinos, e, na parte restante, mulheres. A capacidade
da Cadeia é de 28 detentos, mas eram 130 os que a ocupavam.
Na ala destinada aos homens, havia 2 detentos com tuberculose, e, o que
também é grave: a presença de um menor entre os maiores!
Em AUDIÊNCIA PÚBLICA, os Deputados viram fotos e vídeos que
reforçaram os dados a respeito da precariedade das instalações do
Complexo Policial. (pp. 155 à 159).
Percebe-se que, em todos os estados que adotaram a proposta de terceirização de
alguns de seus estabelecimentos prisionais, a medida não se mostrou eficaz para a
resolução dos complexos problemas afetos aos sistemas prisionais.
Os dados coletados pela Comissão Parlamentar de Inquérito, recentemente
concluída, evidenciam que os problemas ligados à execução penal são equivalentes,
havendo de se concluir que, mesmo em relação ao Estado do Amazonas, que não foi
visitado pela CPI, inexiste motivo para se vislumbrar uma situação diversa da que foi
constatada nos demais estados.
Vale destacar que a proposta de privatização de estabelecimentos prisionais vem
sendo discutida em outros estados, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais,
cujos sistemas prisionais não diferem em nada daqueles nos quais a proposta foi
efetivada.
O ex-secretário de administração penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, Dr.
Aldney Peixoto, em entrevista no blog do jornalista Sidney Rezende, da CNN, em 25 de
maio de 2007, acerca do tema, se manifestou:
Quem pune, tem que ser moralmente superior ao punido. A pena tem um
lado ético de recuperação e de preparação. Isso não acontece quando tem
empresários e negociantes.
[...]
Para a iniciativa privada, interessam os bons presos, os que trabalham. O
ruim, o perigoso vão todos para as unidades públicas.
As observações feitas pelo profissional antes mencionado mostram a autoridade
de quem esteve à frente da administração da execução penal no Estado do Rio de
Janeiro, conhecido pelos seus altos índices de violência e de miséria. A questão da ética,
suscitada por ele, merece ser destacada, pois a moral e o bem comum não podem ser
deixados de lado, especialmente quando se trata dos assuntos sociais, a serem
implementados pelo Estado, cuja existência está vinculada ao interesse da sociedade.
De fato, não parece que possa ser considerada uma medida ética a implantação
de algumas unidades prisionais privatizadas nos diversos estados, com a manutenção de
diversas outras administradas exclusivamente pelo Poder Público. A situação,
obviamente, faria transparecer que a iniciativa privada administra melhor do que o
Poder Público, o que poderia ser até uma constatação interessante para alguns, em
especial para quem estivesse auferindo lucros com a atividade, mas, numa análise mais
cuidadosa, seria fácil perceber que a existência dos presídios privatizados está
condicionada à existência de presídios públicos.
4.2. A terceirização no Estado do Espírito Santo.
37
No Estado do Espírito Santo, a experiência da terceirização está em seu ápice,
pois, após a terceirização de um de seus estabelecimentos prisionais, qual seja, a
Penitenciária de Segurança Máxima, situada no município de Viana, encontra-se em
andamento o processo para a terceirização da Penitenciária Regional Masculina de
Cachoeiro de Itapemirim e do Centro Prisional Feminino de Cachoeiro de Itapemirim.
O contrato que resultou na terceirização da Penitenciária de Segurança Máxima
foi assinado no mês de julho de 2007, prevalecendo até os dias atuais.
38
Trata-se de um
contrato de prestação de serviços para operacionalização daquela unidade, em regime de
co-gestão, firmado entre a Secretaria de Estado da Justiça e a empresa denominada
Instituto Nacional de Administração Prisional Ltda – INAP.
A modalidade de contratação restou estabelecida como sendo a empreitada por
preço global, de forma que, levando em conta as orientações legais examinadas nos
capítulos anteriores, se verifica que o Estado, em relação àquela unidade específica,
optou por efetivar uma forma indireta de execução dos serviços públicos, transferindo-
os ao particular, mantendo-se, porém, simultaneamente, como gestor de tais serviços.
O prazo estabelecido para a duração do contrato foi o de 36 (trinta e seis) meses,
permitida a prorrogação, estando a contratada obrigada a prestar serviços técnicos e
assistenciais, bem como material médico-ambulatorial, consoante se pode aferir pelos
seus próprios termos:
37
Neste capítulo, o texto passou a ser escrito preponderantemente na terceira pessoa do plural e não mais
na terceira pessoa do singular, para evidenciar as informações coletadas durante a visita que efetivamos
em estabelecimentos prisionais do Estado do Espírito Santo, ocasião em que mantivemos contatos com
diversos profissionais da área de execução penal que lá atuam.
38
Tivemos oportunidade de visitar a unidade terceirizada e outra não terceirizada, bem como a consultar
o contrato formalizado para fins de sua terceirização. Tivemos, ainda, contato com o Sr. Secretario de
Justiça do Estado do Espírito Santo, Dr. Ângelo Roncalli de Ramos Barros, bem como com a Diretora da
Penitenciária de Segurança Máxima, Dra. Cléria A. Silva, os quais, nos forneceram informações e
documentos valiosos, contribuindo significativamente para a pesquisa.
O Estado do Espírito Santo, pessoa jurídica de direito público, inscrito no
CNPJ sob o 27.080.571/0001-30, adiante denominado
CONTRATANTE por intermédio da Secretaria de Estado da Justiça,
órgão da Administração Direta do Poder Executivo, inscrita no CNPJ/MF
sob o 36.388.023/0001-62, com sede na Avenida Governador Bley,
236 Edifício Fábio Ruschi Centro Vitória Espírito Santo,
representada legalmente pelo seu Secretário, Dr. Ângelo Roncalli de
Ramos Barros, brasileiro, divorciado, portador CPF/MF 185.218.601-
10, residente e domiciliado na Av. São Paulo, Ed. Costa Blanca, 1.400,
ap. 901B, Praia da Costa, Vila Velha E.S, e a empresa INSTITUTO
NACIONAL DE ADMIISTRAÇÃO PRISIONAL LTDA INAP,
doravante denominada CONTRATADA com sede à Avenida Marechal
Floriano Peixoto, 2192, Rebouças Curitiba, PR, inscrita no CNPJ
04.972.465/0001-65, representada por sua Diretora a Sra. Denise de Paola
Magalhães, brasileira, casada, administradora de empresas, portadora da
carteira de identidade RG nº 1.835.239-SSP/PR e CPF nº 813.466.899-20,
residente e domiciliada na Avenida Visconde de Guarapuava, nº 4663, ap.
1401, Bairro Batel, Curitiba PR, ajustam o presente CONTRATO de
Prestação de Serviço para Operacionalização da Penitenciária de
Segurança Máxima – PSMA, em regime de co-gestão, por execução
indireta, nos termos das Leis 8.666, de 21 de junho de 1993, e suas
alterações, de acordo com os termos do Processo de 34737979/2006,
parte integrante deste instrumento independente de transcrição juntamente
com a Proposta apresentada pela CONTRATADA datada de 29/03/2007,
ficando, porém, ressalvadas como não transcritas as condições nela
estipuladas que contrariem as disposições deste CONTRATO, que se
regerá pelas Cláusulas Seguintes.
CLÁUSULA PRIMEIRA
1 – DO OBJETO
1.1 – Este Contrato tem por objeto a PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PARA OPERACIONALIZAÇÃO DA PENITENCIÁRIA DE
SEGURANÇA MÁXIMA PSMA, em regime de co-gestão, incluindo
fornecimento de todos os materiais, mão-de-obra e equipamentos
necessários à execução dos serviços, de acordo com o discriminado nos
Anexos I, II e III do presente Contrato, e proposta comercial apresentada
pela Contratada, que passam a se integrar ao presente Contrato,
independentemente de transcrição, respeitados os preceitos da Lei de
Execução Penal 7.210/84 e o Regimento Interno dos Estabelecimentos
Prisionais do Estado do Espírito Santo.
CLÁUSULA SEGUNDA
2.1 - Fica estabelecido a forma de execução indireta, no regime de
empreitada por preço global, nos termos do art. 10, II, “a” da Lei
8.666/93.
[...]
CLÁUSULA SEXTA
6 – DO PRAZO DE INÍCIO E DA DURAÇÃO DO CONTRATO.
6.1 A execução do serviço ajustado terá início no prazo máximo de até
40 (quarenta) dias, contados a partir do dia da emissão da ordem de
serviço.
6.2 O contrato terá duração de 36 (trinta e seis) meses, sendo permitida
sua prorrogação, nos termos do inciso II do artigo 57 da Lei 8.666/93,
observado o máximo de 60 (sessenta) meses.
6.3 O Contratante deverá manifestar-se, por escrito, nos 60 dias que
antecedem ao término do contrato, a intenção de sua prorrogação.
(PREÂMBULO E CLÁUSULAS PRIMEIRA, SEGUNDA E SEXTA
DO CONTRATO FORMALIZADO NO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO, PARA FINS DE TERCEIRIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
PRISIONAIS NA PENITENCIÁRIA DE SEGURANÇA MÁXIMA).
Consultando os anexos referidos nas cláusulas contratuais antes transcritas e nas
demais inseridas naquele pacto, verifica-se que a empresa contratada está obrigada a
contratar o recurso humano necessário para o desempenho das atividades, que inclui 02
(dois) estagiários, 03 (três) assistentes sociais, 01 (um) psicólogo, 01 (um) pedagogo, 02
(dois) professores, 01 (um) técnico ocupacional, 01 (um) odontólogo, 01 (um) atendente
de odontólogo, 01 (um) médico clínico-geral, 01 (um) enfermeiro, 05 (cinco) auxiliares
de enfermagem, 01 (um) programador de informática, 01 (um) gerente operacional, 01
(um) gerente administrativo, 08 (oito) assistentes administrativos, 06 (seis) auxiliares de
serviços gerais, 01 (um) almoxarife, 02 (dois) motoristas, 01 (um) oficial de
manutenção, 02 (dois) telefonistas e 122 (cento e vinte e dois) agentes de controle, num
total de 168 (cento e sessenta e oito) empregados, realizando o processo de
recrutamento e assumindo os encargos trabalhistas respectivos, fornecendo-lhes, ainda,
os uniformes e as identificações funcionais, bem como formalizando seguro de vida e
acidentes pessoais para todo o pessoal. Ademais, cabe a contratada o fornecimento de
medicamentos odontológicos, laboratoriais e de socorros emergenciais para os presos.
Em conformidade com o contrato, o Estado do Espírito Santo deverá
disponibilizar o prédio onde está instalada a Penitenciária, assim como todos os
equipamentos nela contidos, arcando, ainda, com as despesas de energia elétrica,
telefonia, link de comunicações da rede de informática, água, próteses dentárias,
medicamentos de uso contínuo referentes ao tratamento de doenças como tuberculose,
AIDS, câncer e diabetes, bem como fornecer um veículo e o combustível nele utilizado,
incumbindo-lhe, inclusive, a sua manutenção. Deverá, por fim, arcar com a reparação de
danos derivados de motins e rebeliões de presos.
Estes são os termos básicos da contratação formalizada no Estado do Espírito
Santo, para a Penitenciária de Segurança Máxima, cuja direção, reservada ao Estado,
está, atualmente, ao encargo da Dra. Cléria A. Silva. Tivemos, a oportunidade de
entrevistar a referida diretora, a qual nos esclareceu que a proposta de privatização, em
relação àquela unidade, decorreu de uma situação circunstancial. A unidade havia sido
destruída em uma rebelião, o que implicou na imperiosa necessidade de realização de
uma grande obra de reparo. Durante as obras, custeada exclusivamente pelo Estado, os
presos foram acomodados em outras unidades, assim como os servidores que antes
atuavam ali foram remanejados para outros postos. Com a conclusão das obras, o
Estado não teve servidores disponíveis para voltar a remanejar para aquela unidade,
tendo sido esta a verdadeira razão da terceirização. Percebe-se, portanto, que a
terceirização, ao menos em relação à Penitenciária de Segurança Máxima, no Espírito
Santo, não foi uma proposta pensada e debatida com a sociedade, mas sim uma saída
emergencial para uma situação anômala, consistente na falta de servidores públicos
disponíveis para integrarem o quadro de pessoal da unidade.
Inquirida sobre as vantagens que podia apontar em relação à terceirização, a
mencionada Diretora apontou a ausência de burocracias para a satisfação das
necessidades dos presos. Exemplificou ela a necessidade repentina de se adquirir um
medicamento não existente nos depósitos da unidade, afirmando que o Estado, nesta
hipótese, teria que abrir licitação para a aquisição do medicamento, enquanto a empresa
privada pode providenciá-lo de forma rápida e desburocratizada. Indicou, ainda, a
importância da formalização de convênios entre a empresa privada e outras empresas,
para fins de fornecimento de trabalho aos presos, oportunizando-nos, inclusive,
conhecer a área destinada à realização destes trabalhos conveniados, consistentes na
confecção de roupas.
Outro dado relevante a ser destacado em relação ao Estado do Espírito Santo é
que a Penitenciária de Segurança Máxima está situada no município de Viana, em meio
a um complexo de presídios e colônias agrícolas. Ao lado, portanto, daquela unidade
terceirizada, existem outras unidades prisionais administradas diretamente pelo Estado.
Dentre estas está a unidade denominada Penitenciária de Segurança xima I, a qual
também tivemos oportunidade de visitar.
Notamos que a estrutura física da Penitenciária de Segurança Máxima I e da
Penitenciária de Segurança Máxima não difere de forma significativa, tratando-se,
ambas, aliás, de prédios bastante grandes, com inúmeras celas, espaçosos, limpos e
organizados.
Fomos informados da existência de procedimentos padronizados em todas as
unidades prisionais do Estado, no sentido de serem revistados os presos, todas as vezes
que são retirados das celas e antes que a elas retornem. Nestas revistas, os presos o
doutrinados a tirarem as roupas, se sentarem e se levantarem três vezes, abrirem a boca,
mostrarem a língua e as solas dos pés. Estas “demonstrações” são feitas através de
vidros, em função dos quais os agentes penitenciários são capazes de ver os presos, mas
estes não conseguem ver os agentes. Não podemos deixar de registrar que referidos
procedimentos nos chocaram, à medida que se configuram em verdadeiro
constrangimento para os presos, pois afrontam ao princípio da dignidade da pessoa
humana. Fomos informados, inclusive, que o mesmo procedimento é adotado ainda que
quando o preso não saía da unidade, tendo saído da cela apenas para jogar futebol no
pátio ou para tomar banho de sol. Aos nossos olhos, aquilo que foi chamado pelos
profissionais daquele Estado como procedimento poderia ser reservado para as
hipóteses em que os presos tivessem contatos com o mundo exterior, mostrando-se
exagerado para toda e qualquer saída e retorno do preso de suas respectivas celas.
Os diretores dos estabelecimentos prisionais mencionados nos informaram que a
acomodação dos presos na penitenciária terceirizada ou na pública é conseqüência do
comportamento deles. Assim, os presos de bom comportamento são recolhidos na
penitenciária terceirizada, enquanto os presos com histórico excessivamente violento ou
de mau comportamento carcerário são levados para a penitenciária pública.
Justamente na oportunidade de nossa visita àquela unidade, tivemos
conhecimento da abertura da licitação para a terceirização da Penitenciária Regional
Masculina de Cachoeiro de Itapemirim e do Centro Prisional Feminino de Cachoeiro de
Itapemirim, unidades, inclusive, que tivemos também oportunidade de conhecer,
inclusive, acompanhada da Sra. Juíza da Vara de Execuções de Cachoeiro de
Itapemirim, Dra. Graciene Pereira Pinto.
Pudemos constatar que as referidas unidades foram recentemente construídas
pelo Estado e não estavam sequer com todas as suas vagas ocupadas. Os prédios são
também espaçosos, com muitas celas, tudo muito limpo e muito bem equipado com
produtos próprios para a fiscalização e monitoramento de todas as áreas internas e
externas do estabelecimento.
Ao entrevistar o Diretor da Penitenciária Regional Masculina de Cachoeiro de
Itapemirim, Dr. Rodrigo Silva Machado, tivemos a informação de que muitos dos
presos que estavam ali encarcerados não apresentavam um perfil violento a ponto de
justificar todo aquele aparato de rigor com segurança. Muitos haviam praticado crime
de furto, não tendo recebido benefícios por serem reincidentes, não apresentando,
porém, nenhuma história de violência contra pessoa como antecedentes criminais.
O Estado do Espírito Santo foi também visitado pelos integrantes da Comissão
Parlamentar de Inquérito do sistema prisional, tendo sido registrada a situação
encontrada, da seguinte forma:
A CPI diligenciou no Estado do Espírito Santo em 08.11.2007, pelo
deputados Neucimar Fraga, Domingos Dutra, Ayrton Xerez, Felipe
Bornier, Luiz Carlos Busato e Iriny Lopes.
O Espírito Santo possui 14.062 presos para apenas 4.819 vagas, havendo
um déficit de 9.243 vagas e uma superlotação de 95%.
Existem 50 mil mandados de prisão a cumprir. Para segurança da
população carcerária há 890 agentes penitenciários e para garantir a
segurança da população apenas 7.257 policiais militares e 3.324 policiais
civis.
Com 78 municípios o Espírito Santo possui 42 comarcas, 319 juízes,
(salário inicial de R$ 18.957,00) 1 juiz da execução na capital do estado,
361 promotores (salário R$ 21.996,85), 269 defensores públicos (salário
de 4.095,00) e desembargadores.
Diversas unidades prisionais formam o Complexo Penitenciário.
O Presídio de Viana foi o primeiro diligenciado pela comissão. Esse
estabelecimento tem estrutura física antiga e arquitetura inadequada. É
classificada como de segurança média, com 20 celas, em que 208 presos
ocupam espaço previsto para apenas 110. Nele estão ex-policiais,
matadores de aluguel, justiceiros e estupradores, misturados com presos
que praticaram delitos de menor gravidade.
A superlotação, celas entupidas de roupas, colchões velhos, panelas,
tijolos, pratos, facas, colheres, material de higiene, revistas e muito papel
(com fotos de mulheres nuas) pregado nas paredes, compõe um cenário
estranho e perigoso, com possibilidade de incêndio com riscos à
integridade física dos internos em decorrência das gambiarras existentes.
Em todas as celas há uma enorme quantidade de água estocada em
garrafas de refrigerantes de dois litros, segundo os presos, para suprir as
necessidades por causa da falta constante do líquido precioso.
Também chamou a atenção da CPI a existência nas celas de fogareiros
improvisados, colocados em cima de tijolos, ligados à corrente elétrica,
usados esquentar a comida.
Nenhum preso estuda ou trabalha.
Quando do início da diligência, a CPI foi recebida pelos presos no pátio
da unidade, em uma grande celebração evangélica, onde os presos em
circulo respondia as palavras de ordem do pastor, também interno,
manobrando um potente aparelho de som.
O Relator ouviu três presos na pequena biblioteca da unidade, porém
obteve poucas informações, passando a sensação de que a exemplo do
culto de última hora, estes também estavam preparados para dissimular.
PENITENCIÁRIA DE SEGURANÇA MÉDIA I
A Comissão foi acompanhada na diligência à Penitenciária de Segurança
Média I por Ângelo Roncale de Ramos Barros, Secretário de Justiça do
Estado do Espírito Santo e Solani Alves Porto, Diretora da Unidade.
A Penitenciária destina-se, preferencialmente, aos presos que se
encontram sob ameaça e conta, atualmente, com 209 internos.
A Unidade foi inaugurada em 2.000 e encontra-se em péssimo estado de
conservação. As celas são todas ligadas por buracos e, no seu interior,
objetos que dificultam a vigilância e a segurança, como cortinas
(“quietos”), aquecedores (“pererecas”).
Dispõe de sala de aula improvisada (que funciona dentro de uma cela,
antes destinada ao “seguro”) com ensino até a Série, e uma biblioteca
localizada na sala da Diretora Geral.
Segundo informou a Diretora, a Penitenciária não registra morte de presos
desde 2.004 e fuga desde 2005.
São permitidas visitas íntimas nas celas e visitas sociais.
PENITENCIÁRIA MÁXIMA II
A diligência da CPI na Penitenciária Máxima II teve o acompanhamento
das mesmas autoridades acima, além de Rodrigo Fagundes, Diretor da
Unidade.
A Unidade é destinada aos presos de alta periculosidade e tem capacidade
para abrigar 336 detentos, mas foi recém inaugurada, tinha 50 presos.
Custou cerca de R$ 10 milhões e 800 mil reais. Encontra-se em ótimo
estado de conservação e as celas são individuais. Os detentos podem
receber visitas sociais mas não visitas íntimas, o que foi uma reclamação
dos apenados, além da carência na assistência jurídica.
A prisão, que adota estilo americano, conta com equipamentos modernos,
com monitoramento eletrônico e automatização da abertura
das portas. Os procedimentos foram implantados pelos Agentes Federais,
e são semelhantes aos praticados nas Penitenciárias Federais.
A CPI encerrou as diligências no Espírito Santo, realizando AUDIÊNCIA
PÚBLICA na Assembléia Legislativa. Na audiência pública, associações
de mães denunciaram a existência de um grupo de extermínio composto
por policiais militares que executam pessoas, em especial jovens.
Algumas depoentes relataram histórias graves de execução de seus filhos
por policiais.
Em face da gravidade das denúncias, a CPI decidiu retornar ao Estado
para aprofundar as investigações, fato que não aconteceu por falta de
tempo.
Destacam-se também as denúncias apresentadas por representantes de
entidades da sociedade civil.
O presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB-ES, André
Moreira, criticou a falta de acesso do Conselho Estadual de Direitos
Humanos, de entidades da área e de religiosos, inviabilizando a
fiscalização do sistema prisional pela sociedade social. “Após as
denúncias de tortura em 2006, o governo, alegando insegurança, proibiu a
fiscalização por três meses, mas o que era provisório, parece ter se
tornado definitivo. E recebemos, com muita freqüência, denuncias de
mortes e torturas no sistema prisional feitas pelos parentes de presos. O
Estado não passa informações sobre os casos, nós somos proibidos de
entrar nos presídios e o Ministério Público Estadual, que deveria exigir o
respeito à lei, tem se mostrado omisso”, criticou.
Moreira também denunciou a crescente privatização de presídios
capixabas: Não somos contrários à privatização, mas o governo tem
efetuado terceirização em áreas que são obrigações do Estado, no que se
refere às Execuções Penais”.
O vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Padre
Savério Paolillo, lembrou a luta dos movimentos de direitos humanos
contra a colocação de presos em containeres: “Nós, mesmo com
resistências da população, sugerimos ao prefeito da Serra, que doasse
uma área para construção de um presídio no município. O prefeito
concordou, mas o governo decidiu gastar R$ 1 milhão com a aquisição de
containares, que um ano depois, se mostraram inadequados, algo que
falávamos atrás. Em Novo Horizonte (município da Serra), os
containeres parecem latas de sardinha, estão cheios de buracos e embaixo
deles passa esgoto a céu aberto. Trata-se de desperdício de dinheiro
público e uma afronta aos direitos humanos e à Lei de Execuções Penais”.
O psicanalista Gilmar Ferreira, coordenador da Comissão de Combate à
Tortura, lembrou que até hoje não se tem notícias das denúncias de
torturas da Força Nacional de Segurança Pública e Batalhão de Missões
Especiais contra detentos em 2006. “A Secretaria Especial de Direitos
Humanos requisitou uma perícia nos laudos e ficou comprovada a prática
de tortura. Recomendou ao Ministério Público que ingressasse com ação
penal, mas nada aconteceu até hoje e as torturas em presídios capixabas
continuam”.
A presidenta da Associação de Mães e Familiares de Vítimas da
Violência do Espírito Santo, Maria das Graças Nacort, questionada pelo
relator da CPI sobre a situação dos presídios femininos no Espírito Santo,
relatou: “Recebemos muitas denúncias de tortura e mortes nas unidades
prisionais.
No presídio de Colatina, por exemplo, uma detenta foi morta com cacos
de vaso sanitário. Apesar dos gritos de socorro, os policiais a deixaram
agonizar durante horas”.
Casos de mortes são freqüentes. O Movimento Nacional de Direitos
Humanos do Espírito Santo e o Conselho Estadual de Direitos Humanos
têm inúmeras denúncias. Uma delas, feita pela irmã de um preso, narra
que ela, ao procurar o irmão no dia de visita e não o encontrando, cobrou
uma explicação da diretoria. Dois dias depois, descobriram o corpo do
detento retaliado e em adiantado estado de decomposição, em um latão de
lixo, dentro da unidade prisional (pp. 96 à 99).
Como o Estado do Espírito Santo está iniciando o seu projeto de terceirização de
seus estabelecimentos prisionais, ainda não se pode afirmar que a proposta seja inócua
para a resolução dos problemas relacionados à execução penal, mas tudo está a indicar
que os aludidos problemas continuarão a existir, pela experiência efetivada em outros
estados.
Os defensores da privatização dos presídios poderiam se valer dos dados
mencionados neste capítulo, para afirmarem que os presídios visitados pelos integrantes
da Comissão Parlamentar de Inquérito não estavam privatizados e, portanto, não haveria
motivos para negar a eficácia do funcionamento deles. Ocorre que, para que existam
presídios privatizados, com um número de vagas delimitadas e com o oferecimento de
diversos benefícios para os presos ali recolhidos, é imprescindível que também existam
os não privatizados, nos quais permanecem a sobra daqueles que não couberam nas
vagas do outro. Afinal, se todos os presídios forem privatizados, estabelecendo-se um
número de vagas delimitadas, sobrarão presos. É justamente para não enfrentar esta
constatação que os Estados mencionados privatizaram apenas alguns de seus
estabelecimentos prisionais, fazendo evidenciar a falácia da proposta.
5. CUSTOS PARA A MANUTENÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL.
Todas as atividades sociais têm um custo. A criminalidade também gera um
custo, haja vista que a manutenção dos presos em estabelecimentos prisionais,
assegurando-lhes alimentação, vestuário, serviços médicos e todos os diversos direitos
previstos nas leis, proporciona despesas significativas para o Estado. Além disso,
também os custos indiretos da criminalidade, que envolvem empresas de segurança,
seguros de automóveis, sistemas eletrônicos, etc.
O relatório final da CPI do sistema penitenciário informa dados sobre o número
de presos no Brasil e a posição do país em relação a este número, em comparação com
os demais paises.
O sistema prisional brasileiro é o quarto do mundo em número de pessoas,
ficando atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões de presos), China
(1,5 milhão de presos) e Rússia (870 mil presos).
De acordo com a última contagem da população, recenseada e estimada
pelo IBGE em 2007, a população total do Brasil é de 183.987.291
habitantes (p. 55).
Pelo relatório do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional - elaborado em
junho de 2008, verifica-se que a população carcerária brasileira, em dezembro de 2007,
estava estimada em 422.590 (quatrocentos e vinte e dois mil, quinhentos e noventa),
sendo 366.576 (trezentos e sessenta e seis mil, quinhentos e setenta e seis) presos
recolhidos no Sistema Penitenciário e 56.014 (cinqüenta e seis mil e quatorze) presos
recolhidos pela Secretaria de Segurança Pública dos Estados. O número de vagas do
Sistema Penitenciário era de 249.515 (duzentos e quarenta e nove mil, quinhentos e
quinze).
O recolhimento de pessoas em estabelecimentos prisionais, especialmente
levando em conta os meros apresentados, faz supor a quantidade de recursos gastos
pelo Estado com a manutenção dos presos.
Ainda de acordo com relatório do DEPEN, o gasto mensal com o sistema
penitenciário totaliza R$ 3.604.335.392,00 (três bilhões, seiscentos e quatro milhões,
trezentos e trinta e cinco mil, trezentos e noventa e dois reais), sendo R$
2.642.579.873,00 (dois bilhões, seiscentos e quarenta e dois milhões, quinhentos e
setenta e nove mil, oitocentos e setenta e três reais) gastos com a folha de pagamento
dos servidores ativos (73,32%); R$ 27.701.964,00 (vinte e sete milhões, setecentos e um
mil, novecentos e sessenta e quatro reais) gastos com a folha de pagamento dos
servidores inativos (0,76%); R$ 799.481.100,00 aplicados em despesas de custeio
(22,18%); e R$ 134.572.455,00 (cento e trinta e quatro milhões, quinhentos e setenta e
dois mil, quatrocentos e cinqüenta e cinco reais) destinados a despesas de investimento
(3,74%).
Já os gastos mensais com o sistema com os presos totalizam R$1.904.743.682,00
(um bilhão, novecentos e quatro milhões, setecentos e quarenta e três mil, seiscentos e
oitenta e dois reais).
Os números são significativos e surpreende quando se constata que
investimentos tão elevados não são satisfatórios para assegurar aos presos o mínimo de
condições de higiene e espaço adequados, conforme evidenciado nos dados
fornecidos pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para o
fim de aferir a situação do sistema prisional.
A licitação em andamento no Estado do Espírito Santo, Concorrência
002/2008, para fins de terceirização da Penitenciária Regional Masculina de Cachoeiro
de Itapemirim e do Centro Prisional Feminino de Cachoeiro de Itapemirim, estabelece
cláusula relativa ao preço do contrato, com o seguinte conteúdo:
15.4 - O preço máximo mensal é de R$ 1.179.849,44 (um milhão, cento
e setenta e nove mil, oitocentos e quarenta e nove reais e quarenta e
quatro centavos) e o total atribuído para a execução do serviço é de R$
42.474.579,84 (quarenta e dois milhões ,quatrocentos e setenta e quatro
mil, quinhentos e setenta e nove reais e oitenta e quatro centavos).
O contrato formalizado no Estado do Espírito Santo em relação à
Penitenciária de Segurança Máxima estabeleceu, em termos de custo para a prestação
dos serviços, a seguinte cláusula:
Cláusula terceira
3 – Do preço e reajustamento.
3.1 Pelos serviços aqui ajustados, o Contratante pagará à Contratada,
mensalmente, a importância de R$ 606.239,33 (seiscentos e seis mil,
duzentos e trinta e nove reais e trinta e três centavos), referente a parte
fixa deste contrato e R$ 284.046,38 (duzentos e oitenta e quatro mil e
quarenta e seis reais e trinta e oito centavos) para a ocupação máxima da
penitenciária (510 presos), variável em função do percentual de ocupação
no mês de referência, conforme detalhamento constante dos Anexos I a
IV e fórmula definida no item 3.2.
Constata-se, pelos dados apresentados até o momento, levando em conta o custo
estabelecido no contrato e licitação relativos ao Estado do Espírito Santo, o primeiro
para um único estabelecimento prisional e o segundo para dois outros, que os valores
destinados ao pagamento da iniciativa privada são maiores do que aqueles destinados
diretamente pela Administração Pública aos estabelecimentos prisionais em geral.
Embora não existam dados específicos com relação aos gastos daquele Estado com cada
uma de suas unidades prisionais, de forma que pudesse ser realizada uma comparação
de maneira mais concreta entre uma unidade terceirizada e outra pública, os valores
totais indicativos de gastos no sistema prisional em âmbito nacional, numa análise
proporcional, evidencia que o custo da terceirização é superior.
Apenas esta constatação poderia ser tomada como um ponto negativo para a
proposta de terceirização, pois o dinheiro público não pode ser utilizado sem parcimônia
pela Administração Pública, de forma que uma proposta mais econômica para o Estado
justifica a sua opção, em princípio, apenas pelo fato de ser mais econômica,
importando, com isso, em redução dos gastos do dinheiro público. No entanto, os
defensores desta proposta poderiam contemporizar, afirmando que a economia não seria
um dado significativo, porque um exame em termos de qualidade redundaria em
conclusão diversa. De fato, a qualidade de vida dos presos, a segurança dos
estabelecimentos prisionais e a efetiva ressocialização seriam dados que poderiam
justificar um gasto maior com o dinheiro público, que, numa visão mais ampla, seria
mais econômico para o Estado, nesta hipótese, o custo maior da terceirização em prol da
redução do custo social da manutenção dos estabelecimentos prisionais públicos.
que ser salientado, no entanto, que inexistem dados estatísticos seguros para evidenciar
a eficácia do sistema prisional terceirizado e a construção de quaisquer dados partindo
da comparação de estabelecimentos públicos e privados se revela inconsistente, por
diversas razões. Primeiro, porque a seleção prévia de presos para ocuparem os
estabelecimentos terceirizados, como se comprovou no Estado do Espírito Santos,
coloca as unidades terceirizadas em posição de vantagem, eis que elas recebem os
presos mais bem comportados, mais obedientes e com mais chances, portanto, de se
adequarem às regras estabelecidas. Em segundo lugar, porque muitos dos problemas
sociais existentes no interior dos estabelecimentos prisionais são equivalentes àqueles
existentes na sociedade em geral. A insuficiência na oferta do acesso à saúde pública e à
educação pública não ocorre apenas no âmbito do sistema prisional, mas também fora
dele, para a sociedade em geral. Não havendo uma mudança na sociedade, não se
poderia admitir que as pessoas recolhidas num determinado ambiente carcerário possam
conseguir do setor público aquilo que os cidadãos não têm. Ainda poderia ser
mencionada a indefinição quanto ao conceito de ressocialização e a dificuldade na
aferição de sua efetivação, assim como as variações e a insegurança em relação às
conclusões a respeito da reincidência.
Vale salientar, ainda, que, o exame de dados numéricos, quando inseridos em
uma matéria com tamanho envolvimento social, não pode resultar em conclusões
seguras, puramente matemáticas, especialmente quando, como no Brasil, convivem
inúmeros estabelecimentos prisionais públicos e alguns terceirizados, o que por si já
apresenta uma posição de vantagem para estes últimos, que têm condições de transferir
aos primeiros os problemas de maior visibilidade.
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito a respeito do sistema
prisional registrou relevantes observações quanto às perspectivas de custo do sistema
prisional, trazendo, inclusive, dados sobre presídios terceirizados, da seguinte forma:
A considerar o déficit carcerário existente, estimado em valores
superiores a 183.000 vagas, dependendo do período, abrangência e
método empregados, e os mais de 550.000 mandados judiciais ainda por
cumprir, conforme é noticiado, pode-se avaliar a real dimensão do déficit
carcerário.
Em valores, o total a ser despendido, considerando o custo por vaga,
situado em torno dos R$ 25.000,00 a R$ 35.000,00 (segundo informações
colhidas das Unidades da Federação e do próprio Depen), e o déficit de
vagas estimado em 183.000 vagas, os valores a serem gastos ultrapassam
o montante de R$ 5.000.000.000,00, o que equivale a dizer, a julgar os
valores médios transferidos em favor dos estados por meio do Funpen,
conforme quadro abaixo, levar-se-ão mais de 37 anos para se neutralizar
o déficit atual, sem considerar o crescimento vegetativo de novas vagas,
estimado em 11,19% aa., para os presídios femininos, e 7,68% para os
estabelecimentos penais masculinos. (Relatório CPI, pp. 327/328).
CUSTO DO PRESO PARA A UNIDADE FEDERATIVA
Não existem dados ou informações reais confiáveis sobre o custo do
preso em nenhum dos estados brasileiros, assim como não há informações
fidedignas sobre o conjunto da realidade carcerária. Sabe-se, porém, que a
sociedade brasileira paga um preço muito caro para manter um interno
dentro do sistema prisional nacional como um todo.
Não há informações sobre os custos de um preso na fase policial e, muito
menos, durante a instrução e julgamento na esfera judicial.
Também não existem dados sobre os custos privados do preso com a
família, com a empresa em que trabalhava e com a defesa envolvendo
advogado, testemunhas, perícias e outras. Mesmo na fase de execução da
decisão judicial, em que o preso se encontra à disposição do Estado, os
dados são relativos em face da informalidade do sistema e da sonegação
de informações.
Não há, por exemplo, informações sobre a quantidade e o custo com as
escoltas. Não há informações sobre os custos com rebeliões e reformas de
estabelecimentos. Da mesma forma, não existem dados seguros sobre o
custo de implantação de uma vaga no sistema carcerário. Em suas
diligências, esta CPI constatou disparidade no custo do preso em
diferentes estados, com variações de R$ 800,00 a R$ 1.500,00 reais por
mês. Para o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) é de R$
1.300,00 o custo médio mensal de cada preso em presídios comuns e de
R$ 4.500,00 nos presídios de segurança máxima.
INDICAÇÃO DOS CUSTOS PRISIONAIS (Em R$ 1,00)
ESTADO CUSTO/PRESO ESTADO CUSTO/PRESO
AC 880,00 PB 1.200,00
AL 800,00 PE 800,00
AM 1.200,00 PI 1.100,00
AP 500,00 PR 1.452,17
BA 1.300,00 RJ 1.050,88
CE 1.083,33 RN 800,00
DF 1.400,00 RO 1.340,00
ES 1.600,00 RR 1.038,00
GO 549,99 RS 613,35
MA 960,00 SC 1.500,00
MG 1.700,00 SE 980,00
MS 704,81 SP 775,00
MT 680,25 TO 785,56
PA 735,66 FEDERAL 1.658,74
Fonte: Depen e Estados.
A média mensal, calculada por preso, nas Unidades da Federação,
correspondeu ao valor de R$ 1.031,92, ratificado pela média Infopen. O
menor custo coube ao Estado do Amapá, que consegue se manter a um
custo unitário no valor de R$ 500,00. Entretanto, os dados obtidos junto
ao Depen/Infopen informam que Goiás teve o menor custo regional, no
valor de R$ 451,00. Esse dado, inclusive, é contrário à informação acima
do Depen, que aponta um custo de R$ 549,99. o maior custo/preso
ficou com o Estado de Minas Gerais, no valor mensal de R$ 1.700.00.
Localização Regional dos Presídios Terceirizados
ESTADO QUANTIDADE
AM 03 – Custo preso – R$ 1.348,00
CE 03 – Custo preso – R$ 920,00
SC 01 – Custo preso – R$ 918,03
BA 05- N/C
SP 14- N/C
ES 01- N/C
Fonte: Depen/Pronasci/2008
Segundo dados do Depen/Pronasci, existem 7 estados da Federação com
estabelecimentos penais terceirizados. Segundo o Ministério da Justiça, a
infra-estrutura desses presídios é obtida a um custo maior por preso (40%,
em média). Embora haja certa experiência, sua adoção como medida
institucional não é entendimento pacífico pelos juristas que a defendem:
discussão sobre sua constitucionalidade, argumentando-se que a pena
média dos detentos cai em torno de 33%, em razão das atividades
laborativas neles desenvolvidas e das melhores condições que são
oferecidas como medidas eficientes aos objetivos pretendidos.
Segundo alega-se, apesar do breve período de experiência em que se
apóia esse entendimento, ter-se-ia verificado queda no índice de
reincidência criminal. Todavia, não foram apresentados estudos que
comprovassem a assertiva. (Relatório CPI pp. 342/347).
Até mesmo os dados lançados no relatório final da CPI merecem exame
cuidadoso, pois as variações em termos de gastos informados com o sistema prisional
são muito grandes de um Estado para outro e, ademais, não são apresentadas
justificativas para isso, o que permite questionar se tais valores foram apontados de
maneira fundada ou por estimativa e, além disso, não foram esclarecidos quais as
rubricas inseridas por cada Estado na elaboração do valor final afirmado.
O que se percebe pelos dados apresentados pelo Relatório Final da Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre o sistema prisional brasileiro é que tudo vem sendo feito
sem muito compromisso com técnicas, prestações de contas e responsabilidades sociais.
O custo com a manutenção dos estabelecimentos prisionais terceirizados é
superior ao custo de sua manutenção pelo Poder Público, isso é um fato. Se os ganhos
sociais justificassem esse maior dispêndio de dinheiro público, até se poderia admitir a
proposta como razoável, mas, como bem salientado no Relatório Final da CPI sobre o
sistema prisional, não há dados ou estudos que comprovem esta pretensão.
A utilização do dinheiro público deve ser totalmente justificada pelos agentes
públicos, por determinações legais. Assim sendo, não se revela legal, também sob o
aspecto do custo, a proposta da privatização dos estabelecimentos prisionais, por
importar em gastos superiores àqueles que existiriam para a hipótese de administração
pública, sem que haja qualquer razão que possa respaldá-la.
A proposta, aliás, contribui para a criação de uma nova indústria, chamada por
Nils Christie como “indústria do controle do crime”, pela qual a iniciativa privada
poderá auferir lucros significativos, à custa da atuação em um setor tipicamente público,
com finalidades que diferem completamente daquelas que são características das
empresas.
CONCLUSÃO.
A pesquisa em foco pretendeu aferir a proposta de privatização dos
estabelecimentos prisionais, objetivando verificar a sua capacidade de efetiva
contribuição para uma melhoria no desenvolvimento humano.
A constatação do desenvolvimento humano importa em identificar avanços em
diversos aspectos, especialmente no social, de forma a possibilitar uma qualidade de
vida elevada para os cidadãos, ofertando-lhes cada vez mais benefícios que possam lhes
assegurar assistência à saúde, à educação, e condições econômicas no mínimo
razoáveis, para possibilitar-lhes a obtenção do consumo médio ideal, garantindo-lhes,
com isso, uma sobrevida digna e longa.
O desenvolvimento humano, portanto, importa em se buscar conquistas que
possam representar ganhos aos seres humanos, no que tange ao atendimento de suas
mais diversas necessidades, possibilitando uma convivência humana cada vez mais
equilibrada, qualitativa e digna. O fundamento constitucional mais elementar para o
desenvolvimento humano está justamente no princípio da dignidade da pessoa humana.
Verificar a eficácia da proposta de privatização de estabelecimentos prisionais
sob o enfoque do desenvolvimento humano corresponde a aferir se a referida proposta
tem a capacidade de ofertar aos seres humanos uma melhor qualidade de vida, por
representar avanços em termos de atendimento das necessidades dos presos, bem como
satisfação a toda a sociedade, numa comparação com a administração pública dos
mesmos estabelecimentos.
Num primeiro momento, levando em conta os informativos sobre a referida
proposição, é quase que automático o raciocínio no sentido de se defender a tese de que
a iniciativa privada, ao administrar os estabelecimentos prisionais, tem melhores
condições de assegurar os aludidos ganhos sociais aos presos, porque a medida faz
afastar a superlotação, eis que o número de presos nos estabelecimentos administrados
pela iniciativa privada é limitado, possibilitando, ainda, a desburocratização do setor. Se
o problema que dá mais visibilidade em torno do sistema prisional é justamente a
superlotação, a proposta parece resolver o que há de mais grave, porque os rendimentos
da iniciativa privada são fixados a partir de um número de vagas previamente
assinaladas no contrato, não havendo possibilidade nem interesse em ultrapassar os
limites neste aspecto.
Essa visão imediatista, contudo, não se sustenta a uma análise mais acurada, não
apenas pelo fato de a proposta se configurar em uma afronta à Constituição da
República e às leis em geral, como também por se perceber que este anúncio de ganhos
em termos de desenvolvimento humano é aparente e superficial.
É imperioso salientar, portanto, que a proposta de privatização de
estabelecimentos prisionais se revela em desacordo com os termos da Constituição da
República e das leis infraconstitucionais. Isso porque os serviços públicos inerentes à
atividade prisional se configuram como sendo próprios, segundo classificação dada por
Hely Lopes Meireles, e, portanto, indelegáveis, de acordo com a classificação dada por
José dos Santos Carvalho Filho, além de estarem ligados à atuação fundamental do
Estado, estando entre as funções que justificam, inclusive, a existência do ente estatal.
Há, pois, um obstáculo ético para a instauração da proposta da privatização de
presídios, haja vista que o texto constitucional, no que tange à definição do homem,
adotou a teoria personalista, tendo, por isso, declarado a indisponibilidade da pessoa
humana, assegurando ao homem o atributo da personalidade e a liberdade individual,
liberdade esta que somente pode ser vedada por ação direta e exclusiva do Estado.
Assim, somente o Estado é que tem legitimidade para restringir a liberdade do
homem, não apenas para o exercício do direito de punir, que lhe é próprio e exclusivo,
mas também para efetivar o cumprimento da pena imposta a um homem, objetivando
aprimorar as suas características, para que possa retornar ao convívio social.
É fato que, no Brasil, os presos estão vivendo em estabelecimentos prisionais
desprovidos de higiene, espaço e cuidados necessários. Mas daí a se concluir que a
entrega dos aludidos estabelecimentos à iniciativa privada importará numa mudança de
fundo na questão, isso é uma falácia, porque o problema da criminalidade é complexo
demais para ser enfrentado de maneira tão superficial.
O que constata, no Brasil, e de maneira geral nos países economicamente
periféricos, é que o controle social do crime e da criminalidade é efetivado apenas pelo
Direito Penal, que descreve crimes e comina penas, dissociado de políticas públicas na
área social, envolvendo empregos, assistência médica adequada e educação, o que por si
já indica o fracasso a que estão fadadas quaisquer propostas que se prendam somente
a atingir os resultados diretos dos problemas criminais, sem o enfrentamento simultâneo
das causas sociais que em muito se ligam a eles.
Não como se negar que toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, na
qual se pode identificar grupos que dominam e grupos que são dominados. É a partir das
decisões tomadas pelos grupos controladores que se saberá o que vem a ser crime, quais
as penas a serem aplicadas, qual a forma de cumprimento das penas, quais as políticas
criminais e sociais a serem implementadas.
Num país populoso como o Brasil, com mão-de-obra desqualificada
extremamente disponível, não interesse das classes dominantes em empregar a mão
de obra dos presos, o que faz afastar por completo a proposta de privatização de
presídios num dos modelos adotados nos Estados Unidos, até porque, ainda que isso se
mostre interessante economicamente, o envolvimento social com a classe menos
desfavorecida seria muito grande e, em conseqüência, muitas questões complexas
teriam que ser resolvidas todos os dias, sendo necessário um investimento contínuo para
a reeducação dos presos, como se faz com as crianças. Isso seria um processo longo e,
portanto, desinteressante. Não foi por razões diversas que os portugueses desistiram de
escravizar os índios que viviam no Brasil, por ocasião da colonização.
Mesmo levando em conta a proposta de terceirização dos estabelecimentos
prisionais, ou seja, aquela em que todos os serviços atinentes à execução penal são
transferidos para a iniciativa privada, reservando ao Estado somente os cargos de
direção e chefia, ainda assim não se poderia afastar a inconstitucionalidade e a
ilegalidade da proposta e, além disso, ainda que fosse possível a superação desta
irregularidade, a medida não seria suficiente para a resolução do complexo problema
social que se insere no sistema prisional. Fosse assim, a sociedade brasileira não
conviveria com tantos problemas sociais, levando em conta o sistema capitalista
adotado. O capital dita as regras da sociedade e nem por isso, ou talvez justamente
por isso, tantos problemas sociais existem e estão muito longe de serem solucionados.
Aliás, a proposta do capital, agora, é o da globalização, ou seja, a abertura das
fronteiras entre os países. Curioso é que a proposta advém dos países ricos e a abertura
das fronteiras que está sendo colocada é somente no aspecto econômico, para permitir
que os países não desenvolvidos possam consumir ainda mais livremente toda a
produção feita pelos países desenvolvidos. Não proposta de abertura de fronteiras
sociais, para permitir que os nacionais de um país possam se transferir para outro. Isso,
ao contrário, embora pudesse perfeitamente estar inserida na proposta de globalização,
vem sendo cada vez mais coibido. A globalização é, portanto, uma porta aberta para
ampliar as desigualdades sociais. O texto abaixo ilustra bem o entendimento
apresentado:
O mesmo fenômeno que cria processos globais inovadores, também
transforma o mundo com acento nos países subdesenvolvidos (ou
eufemisticamente denominados em desenvolvimento) numa sociedade
abissalmente desigual (SHECARIA, 2008, p. 33).
As soluções possíveis para o problema da criminalidade passam certamente pela
realização de medidas mediatas e imediatas. É certo que a situação posta tem que ser
enfrentada da forma como está construída, exigindo respostas imediatistas, que possam
trazer resultados em período mais curto, mas o verdadeiro investimento para a redução
da criminalidade no Brasil não está propriamente no Direito Penal, mas sim em uma
maior e mais eficaz atuação do Estado Social.
O discurso jurídico-penal não pode estar dissociado de sua realidade, sob pena
de mostrar falso, incoerente e irracional. Embora de maneira geral, a programação
normativa se mostre ligada a uma realidade inexistente, no caso de países
economicamente periféricos, esta contradição não exige nem mesmo uma análise mais
aprofundada para ser identificada, podendo ser constatada de plano, como decorrência
de uma estrutura de poder.
As soluções para minimizar o problema da criminalidade não estão no
incremento das prisões, mas, ao contrário na sua utilização mínima, defendida pelo
Minimalismo Penal, que prega o menor Direito Penal em troca de um maior Estado
Social.
Uma das soluções imediatas está no uso efetivo das medidas despenalizadoras
que vem sendo introduzidas no nosso ordenamento jurídico, especialmente na utilização
das penas restritivas de direito em substituição às penas privativas de liberdade. Embora
os respectivos institutos estabeleçam regras específicas, há, ainda, espaço significativo
para a subjetividade de interpretação dos operadores do direito e o que se observa é uma
verdadeira histeria pela pena de prisão, como se somente através dela é que os
criminosos fossem adequadamente punidos.
Existe uma cultura da prisão em nossa sociedade, cultura esta que contamina os
operadores de direito, de forma que se verifica a utilização da pena privativa de
liberdade diante da mínima anotação negativa na folha de antecedentes criminais do
acusado.
O juiz e o sociólogo deveriam ser, portanto, historiadores e educadores.
Enquanto o juiz não sentir como sua a anormalidade do réu, não educa
nem se educa, não julga nem pune, mas defende-se, e a defesa aprofunda
o abismo entre o acusado e a sociedade. A sociedade, quando afasta de si
um réu, abre, em vez de fechar, a chaga feita pelo delito, porque
reconhece, definitivamente, a própria insuficiência para enfrentá-lo
(LYRA, 1942, p. 33).
A constatada ineficiência do serviço público não é razão para se transferir o
aludido serviço à iniciativa privada, até porque, como já ressaltado no texto, a prestação
de serviços públicos está subordinada ao princípio da eficiência e, sendo assim, se o
setor público não está exercendo as suas funções de forma eficiente, o problema deve
ser resolvido de outra forma, substituindo-se os profissionais incompetentes, planejando
ações mais eficazes, com maior investimento; não simplesmente transferir o problema
para a iniciativa privada, até porque se esta é tão competente assim não há necessidade
da existência do Estado, podendo a Administração Pública ser entregue aos
empresários.
de ser destacado, ainda, que a eficácia do sistema prisional não pode ser
aferida a partir dos ganhos a serem obtidos pelos empresários, o que é da essência da
iniciativa privada, mas sim a partir do interesse do usuário, que, no caso, são os presos e
a sociedade como um todo.
Não bastasse a patente inconstitucionalidade e ilegalidade da proposta, a
terceirização de pessoal de uma das unidades prisionais ocasionaria um grave problema
de ordem administrativa, consistente na diferenciação de salários e benefícios em
relação aos servidores públicos ocupantes de cargos em unidades prisionais geridas pelo
Poder Público. Configuraria-se, pois, um quadro de desigualdade, uma vez que os
servidores públicos e os empregados estariam ocupando as mesmas funções, em
unidades prisionais distintas, porém, percebendo salários diversos. Até mesmo o
treinamento das diferentes categorias de servidores implicaria numa perigosa situação.
Ademais, o comprometimento do servidor público com as suas funções é muito
maior, ante a perenidade do nculo, enquanto os empregados da iniciativa privada
tendem a uma rotatividade maior.
A proposta de permanecer a direção e chefia do estabelecimento com o Estado
não valida a terceirização, até porque este cargo até poderia, segundo a lei, ser exercido
por outros que não servidores públicos, o que evidencia ainda mais a fragilidade e
ilegalidade da proposta.
É relevante salientar que a experiência da terceirização de estabelecimentos
prisionais no Brasil e mesmo no exterior somente aconteceu com a manutenção
simultânea de outros presídios públicos, cuja existência permite àqueles se mostrar
eficientes. Outra observação importante se refere à constatação de que nenhum dos
estados em que foi implementada a privatização, foi a iniciativa privada quem construiu
os presídios, de forma que a privatização não importou na criação de mais vagas.
A suposta qualidade de um estabelecimento prisional privatizado depende da
suposta ineficiência de outros não privatizados. O sistema privado se viabiliza
economicamente se houver a ineficiência do público.
O custo para a efetivação da proposta é ainda superior aos gastos públicos
respectivos. O Estado, porém, ao usar o dinheiro público, tem que prestar contas, de
forma que, podendo exercer as suas funções a custo mais baixo, não tem o direito de
gastar mais por conveniência ou por circunstâncias. O dinheiro é público e deve ser
usado com seriedade, portanto, se ele tiver condições de baratear suas despesas, deve
fazê-lo, sem que, assim agindo, esteja autorizado a ser ineficaz em suas funções.
Nos estados brasileiros em que se deu a terceirização, o problema do sistema
prisional não foi resolvido, tanto que a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada
para aferir a situação do sistema prisional brasileiro, recentemente concluída, foi
categórica em apontar problemas graves em quase todos os estados brasileiros, sem
mudanças significativas naqueles em que já se experimentou a privatização.
Apontar as falhas do sistema prisional não se mostra uma tarefa difícil, mas é
impossível indicar qual é a forma de se alcançar a ressocialização de um condenado no
ambiente carcerário. Os problemas são tantos e de tal monta, que as soluções pontuais
se revelam ineficazes. A própria privatização ou tercerização se mostra uma solução
artificial, que não combate o problema em sua origem, até porque não solução para a
pena privativa de liberdade; haja vista que ela própria é um problema.
As perspectivas da prisão como elemento ressocializador, preventivo e educador
lhe conferem um grau de complexidade significativo à questão da gestão dos
estabelecimentos prisionais, exigindo a atuação, não somente de servidores detentores
da função de guarda e vigilância, mas também a de psiquiatras, assistentes sociais,
advogados, psicólogos, cada um com funções especializadas, mas com conhecimento
específico para a função respectiva. Esta complexidade recomenda que um ente estatal
esteja por trás da administração daquela instituição.
Por todos os argumentos postos, a conclusão a que se chega é que a proposta de
privatização ou de terceirização dos estabelecimentos prisionais não se mostra eficaz
para ofertar aos presos e à sociedade em geral avanços em termos de desenvolvimento
humano. O caminho neste sentido, no que tange ao sistema prisional, de ser outro,
fulcrado na seriedade, no compromisso e na eficiência dos serviços respectivos, que, na
essência, são públicos e que, portanto, devem ser geridos diretamente pela
Administração Pública.
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