Acompanhamos o pensamento de Fruyt (1997), segundo o qual, a proposta de
Benveniste (1958) não restringe a noção delocutiva à classe dos verbos. Embora o autor tenha
exposto a categoria verbal ao explicitar a noção original, é possível situar o conceito de
delocutividade como uma concepção linguística maior, não reduzida à aplicação aos verbos.
Conforme a autora, é preciso considerar a possibilidade de existência delocutiva como um
fenômeno geral
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e não apenas como um fenômeno restrito à categoria dos verbos. Fruyt
(1997) confere tanto a substantivos
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quanto a adjetivos (em número menor) a possibilidade
de comportarem natureza delocutiva.
Acrescenta que, ao considerar a delocutividade em sentido amplo, não é fácil
encontrar o delocutivo perfeito, ou seja, aquele que responde a todos os critérios do núcleo
prototípico.
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Crê ser útil a descrição desse fenômeno para o linguista, porém lamenta que
Benveniste tenha escolhido termos latinos para ilustrar a proposta, por considerá-los pouco
produtivos naquela língua. Ainda, salienta que, na prática, pode ser possível observar, como
ponto comum a todos os delocutivos, o fato de o delocutivo ser construído morfologicamente
sobre a sequência de discurso.
Entendemos que Benveniste considerava as possibilidades de uso dos termos (verbos)
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Outros teóricos fizeram essa mesma proposição e evidenciaram, por meio de aplicações da noção, a
possibilidade de a noção delocutiva ser extensiva a outras categorias gramaticais. Ducrot (1988) exemplifica a
derivação delocutiva com verbos (esp. pordiosear), substantivos (fr. matuvu), adjetivos (port. puto – da vida),
advérbios (fr. diablement) e interjeições (fr. Diable!). Em todos os casos, o recurso à delocutividade pode
explicar e justificar a possibilidade de criar significados novos aos termos. Isso porque a entidade linguística,
inserida na enunciação, tem um valor semântico diferenciado e a delocutividade permite que o valor enunciativo
seja agregado à entidade linguística e construa um novo significado. A noção delocutiva, para o autor, revela
como fabricamos, para as palavras, valores semânticos ligados ao ato enunciativo; com a delocutividade é
possível explicar a possibilidade de criar significados novos advindos da enunciação, isto é, a noção delocutiva
explicita a criatividade semântica da língua. Rey-Debove (1975) registra que o fenômeno delocutivo pode ser,
também, extensivo à formação de nomes e adjetivos; entretanto, a delocutividade, para ela, é apenas um caso
particular de derivação geral sobre base autônoma – o que entendemos ser uma interpretação que dissolve a
possibilidade proposta por Émile Benveniste de a locução ser a origem de formações léxicas. Na língua
portuguesa, Ilari (2002) comprova a existência de formações de nomes delocutivos na língua portuguesa; fato
apontado na seção 2.2 deste capítulo. Darms (1980), ao discutir problemas sobre a formação delocutiva das
palavras, defende que nomes também podem derivar de locuções. Comprova sua tese com exemplos como
nastica (sânscrito, incrédulo), nome oriundo da junção de na e asti (não é, não existe), cujo significado parte do
dizer “aquilo não existe”. O autor salienta que os exemplos citados por ele, embora pouco numerosos, provam
que também os nomes podem derivar de locuções do discurso, sendo ainda possível encontrar outros exemplos
ao se dedicar maior atenção a este tipo especial de formação nominal – fato que, segundo Darms, carece de
maior atenção.
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Para ilustrar o delocutivo substantivo, Fruyt (1997, p. 67) cita o enunciado “Ce “Bonjour!” m’a paru bien
cavalier” e “ le “oui” de la mariée était timide”, pronunciados por uma terceira pessoa. A autora traz, ainda, os
termos “un adieu”, “un au revoir”, evidenciando, ao lado de enunciados completos, termos que comportam a
mesma propriedade delocutiva. A fim de caracterizar uma pessoa por meio de um enunciado proferido, propõe
“ un m’as-tu-vu”.
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Para Fruyt (1997), os termos prototípicos dos delocutivos são os verbos, marcados pela relação “dizer”;
preferencialmente monossemânticos, morfologicamente são radicais ou sufixados e têm como ponto de partida o
enunciado completo. Considera importante registrar que o verbo delocutivo é construído morfologicamente em
diacronia sobre a sequência de discurso que deixa transparecer sua base. Fato que não consideramos, por
seguirmos por outro viés de análise.