Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Mestrado
Área de Concentração: Psicologia Aplicada
Andrea Barbosa Gomide
A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO AUTISTA NOS
PROCESSOS EDUCACIONAIS
UBERLÂNDIA
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ads:
2
Andrea Barbosa Gomide
A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO AUTISTA NOS
PROCESSOS EDUCACIONAIS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia – Mestrado,
do Instituto de Psicologia da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial
à obtenção do Título de Mestre em
Psicologia Aplicada.
Área de Concentração: Psicologia Aplicada
Orientador(a): Profª. Drª. Claudia Dechichi
UBERLÂNDIA
2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G633p
Gomide, Andréa Barbosa, 1980-
A promoção do desenvolvimento do aluno autista nos processos
educacionais / Andréa Barbosa Gomide. - 2009.
177 f. : il.
Orientadora: Claudia Dechichi
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1. Crianças - Desenvolvimento - Teses. 2. Autismo em crianças -
Teses. I. Dechichi, Claudia. II. Universidade Federal de Uberlândia.
Programa de Pós- Graduação em Psicologia. III. Título.
CDU: 159.922.72
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
3
Andrea Barbosa Gomide
A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DO ALUNO AUTISTA NOS
PROCESSOS EDUCACIONAIS
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia –
Mestrado, do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Psicologia
Aplicada.
Uberlândia, 21 de maio de 2009
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profa. Dra. Claudia Dechichi – UFU
_________________________________________
Prof. Dr. João Luiz Leitão Paravidini – UFU
_________________________________________
Profa. Dra. Sílvia Ester Orrú – UNIPAC
4
EM ESPECIAL,
Aos meus pais, Joaquim e Maria, meus primeiros mestres, que me ensinaram ser
determinada e ter força de vontade para conquistar os meus objetivos desejados e, que, mais
uma vez, participaram desta mais recente conquista.
À minhas irmãs, Andreza e Adriane, companheiras inseparáveis, que compartilham todos
os momentos da minha vida.
Aos meus familiares, que são minha alegria, estando sempre presentes mesmo que
ausentes pela distância, não permitindo que minhas trajetórias sejam solitárias.
Aos meus amigos incondicionais, que presenciaram de pertinho todo o caminho por mim
percorrido para conquistar mais esta etapa da minha vida.
A todos aqueles que, de uma forma ou de outra, mesmo sem saber, contribuíram para a
realização deste trabalho
5
AGRADECIMENTOS,
À Claudia Dechichi, minha orientadora, por ter tornado possível a realização deste
projeto, não somente por sua competência, mas também por acreditar e confiar em mim,
compartilhando seus conhecimentos durante todos esses cinco anos de amizade e carinho.
Aos professores Sílvia Ester Orrú e João Luiz Leitão Paravidini, por participarem da
banca examinadora, contribuindo com suas considerações, trocas de ideias e conhecimentos e
sugestões.
À professora Sílvia Maria Cintra da Silva, que ajudou muito no desenvolvimento deste
trabalho com suas considerações e menções durante a banca de qualificação e, em especial, ao
professor João Luiz Leitão Paravidini, que, com sua competência e disponibilidade, acompanhou
e ofereceu suporte durante toda a realização desta pesquisa.
À Marineide, secretária do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, pela simpatia,
eficiência, atenção e dedicação com que sempre me atendeu. Sempre pronta para ajudar,
definitivamente, o anjo da guarda!
Às Professoras e Diretoras das escolas que participaram deste estudo e foram de
fundamental importância para que ele fosse realizado.
Aos alunos autistas, participantes presentes/ausentes, razão e incentivo para aprofundar
meu conhecimento, que me instigaram a realizar este estudo.
6
Sumário
RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE QUADROS
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO I
A PESSOA COM TRANSTORNO AUTISTA
CAPÍTULO II
AUTISMO E EDUCAÇÃO
CAPÍTULO III
TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE URIE
BRONFENBRENNER
CAPÍTULO IV
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Entrevista na Pesquisa Qualitativa
Métodos de Análise dos Dados (Grounded Theory)
Percurso da Investigação
Apresentando as Escolas
Apresentando as Professoras
CAPÍTULO V
ANÁLISE E DISCUSSÃO
Apresentando as Macrocategorias
Análise Categorial e Discussão das Macrocategorias
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
APÊNDICE A – Quadro dos critérios diagnósticos básicos do Transtorno Autista descrito no
Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV, 1995).
APÊNDICE B – Roteiro Norteador para Entrevista com Professores.
APÊNDICE C – Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
APÊNDICE D – Exemplo do Quadro de Codificação de Entrevista.
APÊNDICE E – Quadros de Análise Categorial da Macrocategoria: “INTERAGINDO EM
SALA DE AULA”.
APÊNDICE F – Quadro Geral das quatro Macrocategorias e das Categorias de Significado.
8
Resumo
Considerando o processo de ensino e aprendizagem do aluno autista e sua relação com o
desenvolvimento deste indivíduo, esta dissertação teve como objetivo principal analisar os
aspectos psico-educacionais relacionados ao atendimento educacional escolar do aluno autista e a
relação destes aspectos com a promoção do desenvolvimento global desta pessoa, a partir de uma
perspectiva Bioecológica do Desenvolvimento Humano. Os fundamentos teóricos desenvolvidos
ao longo deste estudo envolveram uma revisão bibliográfica acerca do estado da arte do Autismo
Infantil, dos aspectos da Educação do Aluno Autista, além da Teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano, enfatizando o principal e mais significativo ambiente imediato
escolar relacionado às possibilidades de desenvolvimento do aluno, ou seja, o microssistema da
sala de aula, juntamente com os seus três elementos primordiais: atividade, interação e o papel.
Neste trabalho, foram realizadas Entrevistas Reflexivas com as professoras participantes, sendo,
posteriormente, transcritas e analisadas por meio da Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded
Theory), além de observações feitas no ambiente de sala de aula. O presente estudo constatou
que, a despeito das dificuldades enfrentadas pelas educadoras no transcorrer do processo de
atendimento escolar do aluno autista, ocorreram mudanças importantes na interação, participação
e desempenho deste aluno nas atividades propostas dentro de sala de aula. Entretanto, para que o
processo de atendimento escolar do aluno autista ocorra com qualidade, é preciso o
reconhecimento da escola e dos educadores das possibilidades de desenvolvimento e
aprendizagem deste educando. Para tanto, é imprescindível repensar as formas como são
propostas as atividades pedagógicas; o modo como são estabelecidas as interações
professor/aluno e aluno/aluno; além de refletir sobre a importância que o papel assumido pelo
professor frente ao aluno autista tem em relação às suas possibilidades de sucesso escolar. Neste
sentido, é preciso romper com os estigmas e superar os preconceitos construídos historicamente,
que reforçam a condição psicossocial segregadora e excludente do indivíduo desviante.
Palavras-chave: autismo, educação, desenvolvimento, Teoria Bioecológica.
9
Abstract
Whereas the process of teaching and learning of autistic student and its relation to the
development of this individual, the main objective of this dissertation was examine the psycho-
educational aspects related to the care of the educational school autistic student and the
relationship of these issues with the promote the overall development of this person, from a
perspective Bioecological Human Development. The theoretical foundations developed during
this study involved a literature review about the state of the art of infantile autism; the aspects of
the Education Student's Autistic, and the Theory of Bioecological Human Development,
emphasizing the main and most significant immediate school environment related to
opportunities for development of student, the microenvironment of the classroom, together with
its three primary elements: activity, interaction and role. In this work, reflective interviews were
conducted with the participating teachers and, later, transcribed and analyzed through Grounded
Theory; beyond observations made in the environment of the classroom. This study found that,
despite the difficulties faced by educators passed in the process of autistic student's school
attendance, important changes in the interaction, participation and performance of students in the
activities proposed within the classroom. However, for the process of autistic student's school
attendance occurs with quality, it´s necessary the recognition of schools and educators the
possibilities of development and learning of this student. Thus, it is essential to rethink the ways
are proposed educational activities; how interactions are established teacher/student and
student/student; well as reflect on the importance of the role of the teacher in front of the autistic
child have on their chances of success. Accordingly, we must break the stigmata and overcome
the prejudices historically constructed, that reinforce the psychosocial condition segregated and
excluding the deviant individual.
Keywords: autism, education, development, Theory Bioecological.
10
Lista de Quadros
Quadro 1 – Características das psicólogas participantes
Quadro 2 – Macrocategoria I: PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA
Quadro 3 - Macrocategoria II: INTERAGINDO EM SALA DE AULA
Quadro 4 – Macrocategoria III: CARACTERIZANDO A PESSOA AUTISTA
Quadro 5 - Macrocategoria IV: PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMANDO
O ALUNO AUTISTA
11
APRESENTAÇÃO
“Reticências são os três primeiros passos do
pensamento que continua por conta própria o seu caminho”
Mário Quintana
O surgimento do interesse pelo assunto ora abordado por esta dissertação remonta aos
anos de 2005 e 2006, últimos anos da minha formação em Psicologia na Universidade Federal de
Uberlândia, quando tive a oportunidade de realizar estágio no Centro de Ensino, Pesquisa,
Extensão e Atendimento em Necessidades Especiais (CEPAE), setor vinculado à Pró-Reitoria de
Graduação da Universidade Federal de Uberlândia. O CEPAE realiza diversos projetos
relacionados ao tema da Educação Especial e Inclusão Escolar, oportunizando a ampliação de
discussões sobre pesquisas e conhecimentos referentes aos temas citados, que são de extrema
importância e relevância dentro do atual contexto educacional.
Durante o estágio, tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos acerca da
temática da inclusão escolar de pessoas com necessidades educacionais especiais. Coadjuvante a
esta experiência, durante os dois últimos anos do Curso de Psicologia o meu interesse acadêmico
foi extremamente estimulado para a realização de trabalhos teórico-práticos e estudos científicos
relacionados aos temas da educação especial e inclusão escolar.
12
Essa experiência como estagiária no CEPAE me revelou a grande carência existente em
relação a informações e atendimentos educacionais voltados para as crianças autistas. Durante o
tempo em que permaneci no Centro, por diversas vezes, professores da rede pública, mães de
crianças, alunos de graduação buscaram-no para obter informações, esclarecimentos e cursos de
capacitação relacionados ao tema do aluno com Transtorno Autista e as possibilidades de
atendimento educacional, porém, não conseguiram ter respostas suficientes e a assistência
necessária.
Outro motivo que me levou ao tema em questão vem a ser o fato de ao longo do curso de
graduação ter tido oportunidade de desenvolver um estágio profissionalizante com crianças
autistas no atendimento clínico, o que foi determinante na escolha do tema desta pesquisa. O
estágio “Intervenções Psicoprofiláticas em Saúde Mental Infantil”, oferecido pelo Instituto de
Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, desenvolve trabalhos clínicos com crianças de
0 a 3 anos juntamente com seus responsáveis. Dentre estas crianças atendidas, também se
encontram crianças autistas, e, por meio de alguns estudos e discussões sobre este assunto, o
interesse tornou-se crescente.
Ao longo do referido estágio, alguns questionamentos emergiram, principalmente quando
houve necessidade de encaminhar uma criança autista para outra instituição: a escola. Alguns
destes questionamentos foram: depois que as crianças autistas atendidas na clínica escola
crescem, para onde vão? Se vão para alguma instituição, qual seria? Quais são as condições
oferecidas a elas para que possam se tornar seres humanos que, mesmo com suas limitações, são
capazes de aprender e se desenvolver? Como ocorre a educação destas crianças tanto em escolas
do ensino regular quanto em escolas especiais?
13
Portanto, nesta época, mediante a experiência com esses dois estágios realizados durante
a graduação, deparei-me com a complexidade e diversidade do quadro do Transtorno Autista e,
também, com as inúmeras questões que ainda existiam para serem respondidas pela Psicologia,
sendo, ao mesmo tempo, instigantes os diversos caminhos possíveis a serem descobertos.
Estes questionamentos, dúvidas e curiosidades acerca do tema em questão, foram
acrescidos durante um curso realizado por mim em março de 2007 na Itália. Este curso intitulado
Master Internazionale “Educazione e integrazione delle persone in situazione di disabilità,
disagio sociale e anziane” foi desenvolvido em parceria com universidades da Itália, França,
Espanha e Brasil com a finalidade de analisar e discutir aspectos relacionados a três temas:
inclusão de deficientes em escolas regulares de ensino, o risco social e idosos, além de
proporcionar trocas de conhecimentos e experiências acerca da realidade de cada um dos países
participantes do referido curso.
Ao longo das várias atividades desenvolvidas pelo Master, na Itália, tive a oportunidade
de participar de um estágio na instituição chamada “Lega Del Filo D´oro Onlus”. Esta
instituição tem como objetivo oferecer assistência, educação, reabilitação, recuperação e
reinserção social de pessoas com deficiências graves, dentre estas, crianças autistas, com as quais
pude ter contato.
Durante o período deste estágio realizado no Master, questões anteriormente já suscitadas
tornaram-se cada vez mais crescentes, quando me deparei novamente refletindo sobre o que é
oferecido ou o que é possível ser oferecido às crianças autistas em relação aos aspectos
educacionais e ao seu desenvolvimento.
Tudo isto me fez pensar em que medida a Psicologia tem sido uma área importante para
oferecer respostas a esta demanda? O psicólogo tem trabalhado no sentido de atender às
14
expectativas de pais e educadores e de promover o desenvolvimento dessas crianças? Questões
estas que ainda permanecem em mim.
Para a Psicologia, este projeto propicia a discussão, questionamentos e melhor
compreensão acerca das dificuldades enfrentadas pelos professores diante da inserção escolar das
crianças autistas, além de refletir sobre a promoção do desenvolvimento infantil dessas crianças
nos processos educacionais. Na área educacional, este projeto amplia as discussões acerca da
inserção destes alunos especificamente ao verificar como esse processo está se desenvolvendo e
quais as mudanças necessárias para um melhor atendimento a essas crianças.
Portanto, cientificamente, este trabalho oferece uma nova produção do conhecimento
envolvendo a criança autista, o desenvolvimento infantil e os processos educacionais escolares
com a finalidade de ampliar os estudos acerca da promoção do desenvolvimento infantil dessas
crianças pela educação, buscando discutir e analisar os aspectos que se destacam como
primordiais para que esse desenvolvimento se efetive da melhor maneira possível.
Além da produção de um novo conhecimento, profissionalmente, antes mesmo do
término da graduação, sempre estivesse envolvida com a área da Psicologia Escolar e
Educacional, e esta pesquisa é a continuação deste trabalho, buscando respostas que
posteriormente oferecerão suporte na minha atuação como psicóloga escolar.
Por fim, há que ser considerado o aspecto pessoal na minha escolha a respeito deste tema.
Sempre fui uma aluna curiosa, que procurou respostas, que investigou e que tentou ao máximo
possível esclarecer suas dúvidas. Entretanto, ao me deparar com o tema do autismo, estas dúvidas
não foram bem esclarecidas, sendo que muitas surgiram e permanecem até hoje. Isto tem me
trazido ao mesmo tempo uma inquietação muito grande como também me sinto desafiada a
buscar respostas para estas inquietações. Portanto, sinto-me afetivamente muito próxima à área
15
que trabalha com as crianças autistas e, através do mestrado e sua exigência de realizar uma
pesquisa, tive a oportunidade de desenvolver este trabalho, buscando também responder algumas
dessas minhas indagações.
Isto posto, o presente trabalho é o relato do desenvolvimento de um projeto de pesquisa
cujo objetivo principal foi analisar os aspectos psico-educacionais relacionados ao atendimento
educacional escolar do aluno autista e a relação destes aspectos com a promoção do
desenvolvimento global deste educando, a partir de uma perspectiva Bioecológica do
Desenvolvimento Humano.
Nesse sentido, à guisa de orientar o leitor sobre o que definiu a elaboração de cada etapa
do trabalho, estaremos apresentando brevemente uma descrição de cada capítulo.
No primeiro capítulo, “A pessoa com Transtorno Autista”, destacamos a descrição do
Transtorno Autista, abordando seu histórico, suas várias definições, os modelos etiológicos
existentes, sua epidemiologia e as principais características de uma criança autista e, por fim,
descrevemos a concepção psicanalítica do autismo infantil, que será a concepção utilizada nesta
esta pesquisa.
No segundo capítulo, “Autismo e Educação”, expomos a importância da educação para o
desenvolvimento do aluno autista, que, segundo Rivière (1995), é atualmente considerado um
consenso de que a educação é o tratamento
1
mais importante para o autismo. Para tanto,
primeiramente, realizamos uma breve exposição do contexto histórico em que a educação voltada
para as pessoas com necessidades educacionais especiais se desenvolveu e, em seguida,
ressaltamos a importância do ambiente escolar na constituição do sujeito. Logo após, destacamos
a relação da educação do aluno autista com a abordagem comportamental devido à influência,
1
Palavra utilizada por Rivière.
16
atualmente, desta abordagem na elaboração de propostas e métodos educacionais disponíveis
para o atendimento desse aluno em específico; além de expor alguns elementos importantes da
relação estabelecida entre o processo educacional do aluno autista e a psicanálise, uma vez ser
este o referencial teórico conceitual escolhido para a compreensão do fenômeno autista no
presente estudo.
No terceiro capítulo, Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Urie
Bronfenbrenner”, descrevemos os aspectos relacionados à Teoria Bioecológica, pois, na nossa
compreensão, a parceria com esta teoria na discussão da temática do autismo e educação
justifica-se porque a questão da educação perpassa e se fundamenta em aspectos amplos do
desenvolvimento infantil. A partir dos nossos estudos, dos teóricos lidos e de inúmeras reflexões
práticas, encontramos na Teoria Bioecológica do Desenvolvimento um referencial teórico
relevante e pertinente para explicar as questões do desenvolvimento psicológico humano.
Destacamos, em nosso trabalho, o microssistema e os seus elementos essenciais: a natureza e
função das atividades molares; as estruturas interpessoais como contextos do desenvolvimento
humano; e os papéis como contextos do desenvolvimento humano.
No quarto capítulo, “Metodologia de Investigação”, apresentamos uma rápida
fundamentação teórica sobre o uso da Entrevista na pesquisa qualitativa, destacando a
importância desta estratégia de coleta de dados utilizada na presente pesquisa. Neste capítulo,
descrevemos, também, o Método de Análise dos Dados (Grounded Theory), além de apresentar o
percurso da investigação, as escolas e as professoras participantes.
No quinto capítulo, “Análise e Discussão”, identificamos e apresentamos as quatro
Macrocategorias reveladas, expondo sua análise e discussão. E, em seguida, destacamos nossas
considerações finais sobre os resultados obtidos com a pesquisa em questão.
17
CAPÍTULO I
A PESSOA COM TRANSTORNO AUTISTA
“Esse silêncio, se nos fascina tanto quanto nos assusta,
é pela ilusão de total independência que pode suscitar. Jamais falar
é Ter uma certa relação com o outro. Falar é sempre falar para
alguém: (...) falar é reconhecer que é a demanda ao outro que nos
faz ser e que diz o que somos” (Villa, 1987, p. 133)
A palavra autismo vem do grego “autos” que significa “eu próprio”
2
, referindo-se a
alguém retraído e absorto em si mesmo (Almeida, 2005). Ao fazermos a revisão histórica sobre o
surgimento do termo autismo, vamos encontrar em Eugen Bleuler
3
(1857 – 1939) a utilização
pela primeira vez do referido termo. Ao definir o termo autismo, Bleuler (1911) descreveu um
estado de desligamento da realidade acompanhado de uma predominância da vida interior,
condicionado à dificuldade ou à impossibilidade de se comunicar com os outros, ou seja, é uma
forma particular de “ser-no-mundo”
4
, referindo-se inicialmente como um modo de
funcionamento mental característico da esquizofrenia.
2
Aspas do autor citado
3
Eugen Bleuler criou também o termo “esquizofrenia”. Principal pioneiro da nova Psiquiatria do século XX (R, 1998).
4
Aspas do autor citado
18
O psiquiatra austríaco Léo Kanner
5
(1894 – 1981), professor de Psiquiatria Infantil da
Universidade John Hopkins (E.U.A.), foi quem primeiro descreveu a síndrome do autismo
infantil. Em seu trabalho intitulado “Alterações autísticas do contato afetivo (Autistic
Disturbances of Affective Contact)”, em 1943, Kanner descreveu a síndrome do autismo infantil
precoce, diferenciando-a de outras psicoses graves na infância.
Para seu estudo, Kanner observou onze crianças de classe média americana, em
Maryland, nos Estados Unidos, descrevendo, posteriormente, um conjunto de características que
elas possuíam, tendo destacado três fundamentais: o isolamento ou solidão (aloneness), a
imutabilidade (sameness) e a ausência de linguagem. Dois anos após a publicação do referido
estudo, aquele autor definiu o fenômeno do autismo destacando duas categorias: autismo
primário, como aquele que ocorre desde o nascimento e o autismo secundário, que se manifesta
após alguns anos de vida da criança.
Segundo Kanner (1943), “o distúrbio fundamental mais surpreendente, ´patognômico
6
`, é
a incapacidade dessas crianças de estabelecer relações de maneira normal com as pessoas e
situações desde o princípio de suas vidas” (p. 242). Em relação à etiologia, o autor concluiu que
as crianças autistas “vieram ao mundo com a incapacidade inata de constituir o contato afetivo
habitual com as pessoas” (p. 250).
A partir do trabalho de Kanner, novos termos foram criados e difundidos com o objetivo
de descrever o mesmo distúrbio descrito por ele, considerando os diversos referenciais teóricos
dos trabalhos desenvolvidos pelos estudiosos. Em relação a este fato, Gauderer (1993) destaca
diferentes autores: Bender (1947), que utilizou o termo “esquizofrenia infantil” por considerar o
6
Sintoma específico de uma patologia.
19
autismo uma forma precoce de esquizofrenia; Rank (1949), que, ao descrever criança autista,
referiu-se como aquela possuidora de um “desenvolvimento atípico do ego”; Mahler (1952), que
usou o termo “psicose simbiótica” por atribuir a causa da síndrome ao relacionamento mãe/filho;
e Rutter (1963), que introduziu os termos “psicose infantil”, “psicose da criança” e “psicose de
início precoce”, destacando o surgimento dos sintomas do autismo antes dos 36 (trinta e seis)
meses de idade da criança.
Assim como novos termos foram criados por diferentes teóricos, outros estudiosos se
preocuparam em estudar o fenômeno autismo e definir suas características. Com isso, achamos
interessante apontar as diferentes descrições encontradas na literatura para apresentar o mesmo
fenômeno.
Rutter (1967, citado por Klin, 2006), definiu quatro principais características do autismo
como sendo: atraso e desvios sociais, problemas na comunicação, comportamentos incomuns
(movimentos estereotipados) e início precoce, surgindo antes dos 30 (trinta) meses de idade da
criança.
Além de Rutter, autores como Ritvo e Freedman (1978, citado por Salle, Sukiennik, Salle,
Onófrio, Zuchi, 2005) descreveram, a partir das decisões do Conselho Consultivo Profissional da
Sociedade Nacional para Crianças e Adultos com Autismo dos Estados Unidos, as características
da síndrome denominada autismo que aparece antes dos trinta meses de idade infantil. Segundo
eles, as características são as seguintes: distúrbios na capacidade de relacionar-se com pessoas,
eventos e objetos; distúrbios na fala, linguagem e capacidades cognitivas; distúrbios nas respostas
a estímulos sensoriais; e distúrbios nas taxas e seqüências do desenvolvimento.
Gauderer, em 1997, formulou também o conceito de autismo
20
é uma doença grave, crônica, incapacitante, que compromete o desenvolvimento normal de
uma criança e se manifesta tipicamente antes do terceiro ano de vida. Caracteriza-se por lesar
e diminuir o ritmo do desenvolvimento psiconeurológico, social e lingüístico. Estas crianças
também apresentam reações anormais e sensações diversas como ouvir, ver, tocar, sentir,
equilibrar e degustar. A linguagem é atrasada ou não se manifesta. Relacionam-se com
pessoas, objetos ou eventos de uma maneira não usual, tudo levando a crer que haja um
comprometimento orgânico do Sistema Nervoso Central. (p.75)
Para formular o diagnóstico do Transtorno Autista, podem-se destacar as definições de
autismo que mais aparecem nos trabalhos científicos da área: American Society of Autism
7
(ASA), pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-10, 2000) e pelo Diagnostic and Statistical Manual of Disorders
8
(DSM-IV, 1995).
Neste sentido, acreditamos ser importante apresentá-las neste momento.
Pela definição da ASA, segundo Gauderer (1993),
o autismo é uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave por
toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete
cerca de vinte entre cada dez mil nascidos e é quatro vezes mais comum em meninos do que
meninas. É encontrada em todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica
e social. Não se conseguiu até agora provar nenhuma causa psicológica no meio ambiente
destas crianças que possa causar a doença. Os sintomas são causados por disfunções físicas do
cérebro, verificados pela anamnese ou presentes no exame ou entrevista com o indivíduo. (p.
22)
7
Associação Americana de Autismo
8
Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais
21
Na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde
(CID-10, 2000), em sua décima versão, o Autismo Infantil encontra-se no grupo de Transtornos
Globais do Desenvolvimento, juntamente com outros sete transtornos: Autismo atípico;
Síndrome de Rett; Outro transtorno desintegrativo da infância; Transtorno com hipercinesia
associada a retardo mental e a movimentos estereotipados; Síndrome de Asperger; e Outros
transtornos globais do desenvolvimento e Transtornos globais não especificados do
desenvolvimento. O Autismo Infantil, na CID-10 (2000) é caracterizado por:
a) um desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos e b)
apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos três domínios
seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento focalizado e repetitivo. Além
disso, o transtorno é acompanhado comumente de numerosas outras manifestações
inespecíficas, por exemplo, fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra ou
agressividade (autoagressividade). É chamado de Autismo infantil, Psicose infantil, Síndrome
de Kanner, Transtorno Autista.
Já no Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV, 1995)
9
, o
Transtorno Autista encontra-se entre os cinco Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, sendo
os demais denominados: Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno
de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. A última
publicação do DSM-IV (1995) determinou alguns critérios básicos para o diagnóstico de
Transtorno Autista, quais sejam:
prejuízo qualitativo na relação (interações sociais);
9
Apêndice A - Quadro dos critérios diagnósticos básicos do Transtorno Autista descrito no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-IV, 1995).
22
prejuízo qualitativo na comunicação;
padrões restritivos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e
atividades;
alteração ou atraso em uma das três áreas antes dos três anos de idade (interação
social, emprego comunicativo da linguagem ou jogo simbólico); e
não preenchimento de todos os critérios da Síndrome de Rett ou do Transtorno
Desintegrativo Infantil.
Diante da grande dificuldade de se oferecer um diagnóstico do Transtorno Autista, que se
baseia na avaliação do quadro clínico e de dados da anamnese, tentou-se uniformizar ou
homogeneizar esse diagnóstico. Para tanto, Schwartzman (1994) cita várias escalas, questionários
e critérios que foram criados, como o CARS (Childhood Autism Rating Scale), BOS (Behavior
Observation Scale for Autism) e o ASIEP (Autism Screening Instrument for Educational
Planning). Outros instrumentos padronizados citados por Almeida (2005) são o CHAT (Checklist
for Autism in Toddlers), o IBSE (Behavioral Summarized Evaluation Scale) e o ADI-R (Autism
diagnostic interview-revised).
Desde o início de sua vida, a criança autista oferece indícios sutis de que há algo
diferente. Porém, de acordo com Silva (2000), esses indícios por vezes passam despercebidos
tanto pelos pais quanto pelos especialistas que a acompanha, pois, na visão médica, a criança está
bem em relação ao seu peso e crescimento. Diante deste fato, a idade média de detecção e
atendimento à criança é em torno de três anos, porém, autores como Baron-Cohen (1992), citados
por Assumpção Jr & Pimentel (2000), sugerem que o diagnóstico pode ser realizado aos dezoito
23
meses de idade ou até mesmo antes como apontam autores que trabalham com sinais de risco
(Paravidini, 2002; Lasnik-Penot, 1991).
Para Andrade (1992), é necessário considerar os diversos critérios para diagnosticar o
referido transtorno, ressaltando a extrema importância do diagnóstico diferencial para que não
ocorram erros posteriores. Por isso, é necessário conhecer e diferenciar características específicas
do transtorno autista com a surdez e cegueira, esquizofrenia, doenças convulsivas, retardo mental,
distúrbios do desenvolvimento da linguagem, síndrome de Asperger e de Rett.
Conforme podemos observar, os dois aspectos que aparecem em todas as três definições
mais utilizadas sobre o Transtorno Autista atualmente são inadequacidade
10
, anormalidade
11
ou
prejuízo severo e invasivo
12
em diversas áreas do desenvolvimento, além de se manifestar antes
dos três anos de idade.
A despeito das mudanças e diferenças existentes atualmente sobre o fenômeno autismo, o
CID-10 e o DSM-IV apontam para as três áreas de comprometimento destacadas inicialmente por
Kanner em 1943: habilidades de interação social recíproca (o isolamento ou solidão – aloneness),
habilidades de comunicação (ausência de linguagem) e presença de comportamento, interesses e
atividades estereotipadas (a imutabilidade – sameness).
10
Pela definição da ASA
11
Pela definição do CID-10
12
Pela definição do DSM-IV
24
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DO AUTISMO INFANTIL
Em relação à etiologia do surgimento do Transtorno Autista durante o desenvolvimento
infantil, Kanner em seus escritos apontava que o autismo seria uma síndrome organicamente
determinada, crônica e incurável. Depois de certo tempo, o próprio Kanner descreve a fala de
uma criança autista como sendo uma fala com sentido, abrindo-se um espaço para considerações
acerca das possibilidades de um tratamento e para a terapia. Porém, o autor retoma seu
pensamento original, reafirmando sua crença de que o autismo seria uma síndrome orgânica,
crônica e incurável (Tafuri, 2003).
Diante do limitado conhecimento sobre a etiologia e tratamento do autismo, Kanner
(1968, citado por Bosa, 2002) ressaltou que os teóricos deveriam ser modestos, humildes e
cautelosos ao fundamentar suas especulações acerca das causas da referida síndrome.
No bojo das discussões para compreender a causa do fenômeno autista, encontramos em
alguns autores (Andrade, 1992; Levin, 1996; Leboyer, 2005; Kupfer, 2007) a distinção de três
modelos etiológicos diferentes de compreensão deste fenômeno: modelo genético, orgânico e
psicodinâmico. Alguns autores comentam e descrevem cada um desses modelos, outros apenas
aquele relacionado diretamente aos seus estudos. Neste momento, entendemos que aqui se faz
importante uma breve descrição de cada um desses modelos.
25
Modelo Genético
No modelo genético, de acordo com Leboyer (2005), os teóricos defendem que a criança
autista tem deficiência e vulnerabilidade biológica, adicionado a este fator, também, acreditam
que os pais têm dificuldade em ajudá-la. Este modelo pressupõe que existe um distúrbio genético
na criança autista que reflete consequentemente em um defeito da relação entre a criança e o
mundo externo.
Para autores como Ritvo e Ornitz (1976) e Burack (1992), o autismo está relacionado a
um déficit cognitivo, considerando-o, não uma psicose, e sim um distúrbio do desenvolvimento.
Leboyer (citado por Assumpção Jr. , 1999) destaca que “a confrontação das observações clínicas
e dos dados obtidos através da análise dos processos cognitivos e emocionais permite considerar
a descrição de um modelo cognitivo anormal sustentando a patologia dos autistas” (p.128).
Nos anos 90, questionamentos levaram autores a pesquisar se o autismo estaria somente
relacionado aos déficits cognitivos ou estaria relacionado também aos déficits afetivo-sociais. Os
primeiros teóricos cognitivos citados por Almeida (2005) foram Frith (1984), Baron-Cohen e
colaboradores (1985) e Faccion (1986).
Para Frith (1989), a mudança nos padrões básicos de interação social era conduzida diante
da falta de uma Teoria da Mente na criança autista. De acordo com essa teoria, Assumpção Jr. e
Pimentel (2000) acrescentam que o autismo é causado por um déficit cognitivo central, qual seja
a capacidade de metarrepresentação, necessária nos padrões simbólicos e pragmáticos.
Considera-se, atualmente, que as crianças autistas, por apresentam comprometimento na
capacidade de metarrepresentação, apresentam dificuldade na compreensão dos próprios estados
mentais, bem como o dos outros e, consequentemente, dificuldade nas interações sociais, uma
26
vez que esta capacidade está relacionada à atribuição dos estados mentais a outrem, tais como
crenças e desejos (Assumpção Jr, Sprovieri, Kuczynski, Farinha, 1999).
Dados encontrados em estudos acerca da epidemiologia, tais como, os estudos em
gêmeos, o maior risco de morbidade de autismo em irmãos de autistas, a maior incidência no
sexo masculino, o elevado nível de deficiência mental quando acomete o sexo feminino,
oferecem suporte ao modelo genético. Porém, como destaca Leboyer (2005), existem diversas
dificuldades para validar o modelo genético como causa da síndrome em questão.
Leboyer (2005) cita como dificuldades para a validação deste modelo três fatores: 1) a
utilização e definição do termo “genético”, que pode estar ligado à transmissão do patrimônio
genético ou à modificação patológica do genótipo; 2) interpretação dos resultados, que não
excluem, mas também não confirmam exatamente a hipótese de transmissão genética; e 3) falta
de precisão de qual fator é hereditário, ou seja, o que é realmente transmitido.
Modelo Orgânico
Os teóricos do modelo orgânico defendem a ideia de que a contribuição dos pais à
patologia de seu filho é mínima, sendo a anomalia biológica congênita a grande propulsora dos
sintomas da criança autista (Leboyer, 2005).
Gillberg (1990, citado por Assumpção Jr. , 1999) acredita que
é altamente improvável que existam casos de autismo não orgânico. O autismo é uma
disfunção orgânica – e não um problema dos pais – isso não é matéria para discussão. O novo
modo de ver o autismo é biológico. (p. 128)
27
Gauderer (1997) classifica o autismo como uma desordem comportamental, acrescentada
a uma desordem também emocional, devido a um comprometimento orgânico cerebral e não
psicogenético.
Andrade (1992) ressalta que condições pré, peri e pós-natais, que causam disfunções
cerebrais, são pensadas como fatores predisponentes ao desenvolvimento de distúrbios globais do
desenvolvimento, estando o Transtorno Autista entre um desses distúrbios.
Além dos fatores pré, peri e pós-natais, Leboyer (2005) acrescenta outras doenças
orgânicas a que o autismo infantil está ou pode estar associado, tais como as infecções virais
neonatais, doenças metabólicas, doenças neurológicas e doenças hereditárias, sendo que a ligação
entre elas é que “são suscetíveis de induzir uma disfunção cerebral que interfere no
desenvolvimento do sistema nervoso central” (p. 60).
Modelo Psicodinâmico
Na corrente psicanalítica, a grande ênfase dada é na psicogênese do autismo, ou seja,
compreende esses quadros como o efeito de uma relação patogênica mantida entre mãe e filho.
Porém, a psicanálise não culpa as mães, e, sim, as responsabiliza, o que significa fazê-las
perguntar-se a respeito da parte que lhe cabe na criação de seus filhos; engajá-las em um
movimento de resgate do que não pôde acontecer quando seu filho era ainda um bebê; abrir para
seu filho uma nova chance, que ele perderia, caso aceitássemos que a mãe nada tem a ver com
tudo isto (K, 2007).
Tustin, em 1972, já relatava ser bastante diversificada a coexistência de fatores
predisponentes e ressaltava que crianças com características autísticas sofrem em decorrência de
28
o desenvolvimento psicológico permanecer estático por ter se tornado profundamente rígido em
uma fase muito primitiva ou devido a uma regressão a tal fase.
Há, atualmente, equipes interdisciplinares que visam a trabalhar em somente um eixo
todas essas especialidades, sendo este eixo comum a noção de sujeito formulada pela psicanálise.
Levin (1996) coloca que
o enodamento do desenvolvimento corporal com a estrutura subjetiva é o campo privilegiado
da interdisciplina. Recordamos que o sujeito se constitui e institui; não se desenvolve, mas se
estrutura. Em troca, o corpo se constrói e se desenvolve, matura e cresce. A infância transita
por esse inefável caminho onde o enodamento (tichè) entre a constituição subjetiva e o
desenvolvimento psicomotor marca a palavra e se apropria de seu corpo. (p. 20)
Portanto, as indagações se deslocariam do orgânico, genético ou psicodinâmico para
questionar a posição do sujeito no enodamento do simbólico, do imaginário e do real. Com isso,
as crianças, cujo registro do imaginário não se estruturou de modo conveniente, seriam
denominadas autistas. Neste caso, a construção da imagem corporal seria essencial para o seu
tratamento.
Para Assumpção Jr. (1999), o autismo infantil
corresponde a um quadro de extrema complexidade que exige que abordagens
multidisciplinares sejam efetivadas visando-se, não somente a questão educacional e da
socialização, mas principalmente a questão médica e a tentativa de podermos estabelecer
etiologias e quadros clínicos bem definidos, passíveis de prognósticos precisos e abordagens
terapêuticas eficazes. (p. 131)
Assim, de acordo com Almeida (2005), diante das diferentes hipóteses e posições teóricas
em relação à etiologia do autismo, surgiram indicações terapêuticas calcadas em duas posições
29
teóricas: a teoria de natureza organicista e a teoria ambientalista. Segundo este autor, a teoria de
natureza organicista defende a ideia de que a criança autista possui uma incapacidade inata para o
contato afetivo, que poderia estar relacionado a déficits em diferentes níveis de comportamento,
afetivo e linguagem, que, por sua vez, poderiam estar ligados a alguma disfunção de natureza
bioquímica, genética ou neuropsicológica. Neste caso, o tratamento precisaria ser de origem
medicamentosa e comportamental. De acordo com a referida autora, os representantes desta
abordagem seriam os teóricos como Michael Rutter, Lorna Wing, Edward M. Ornitz, Edward R.
Ritvo e Christian Gauderer.
Já os teóricos ambientalistas/psicodinamicistas, apesar das diferenças em suas postulações
teóricas, partem do pressuposto de que o autismo “seria um quadro clínico que se constitui como
expressão de um quadro de psicose” (Almeida, 2005, p.65). Para os teóricos desta vertente, por
responsabilizarem o ambiente, o ideal para o tratamento do autismo seria a indicação de
psicoterapias. Almeida (2005) cita como representantes desta teoria autores que têm como eixo
central de suas considerações a psicanálise: Melanie Klein, Margareth Mahler, Frances Tustin,
Donald Meltzer, Esther Bick, Géneviève Haag e Bruno Bettelheim.
Em relação à epidemiologia do Transtorno Autista, o primeiro estudo foi realizado por
Victor Lotter, em 1966, em Middlesex, um condado ao noroeste de Londres. Neste estudo, foi
constatado um índice de prevalência de 4,5 em 10.000 crianças em toda a população de crianças
de 8 a 10 anos do local (Klin, 2006). Leboyer (2005) cita a pesquisa de Wing e Gould (1979), que
encontraram na população de Londres a prevalência de 4,9 por 10.000, destacando, também, que
se pode encontrar o Transtorno Autista em populações e raças diferentes em todas as regiões do
mundo.
30
De acordo com Klin (2006), os estudos mais recentes, realizados nos EUA, acerca da
prevalência do autismo relatam um indivíduo com autismo em cada 1000 nascimentos. No Brasil,
considerando-se somente a síndrome do autismo, apesar de não haver dados estatísticos, calcula-
se que existam, aproximadamente, 600 mil pessoas afetadas pela referida síndrome (Associação
Brasileira de Autismo, 1997). Em relação ao gênero, há uma maior incidência em meninos do
que em meninas, chegando à razão de 5:1; sendo que em meninas, os casos são considerados
mais graves (Salle et al, 2005).
31
CARACTERÍSTICAS DA CRIANÇA AUTISTA
O comportamento da criança autista pode ser extremamente variado, não seguindo
características padronizadas. Holmes (1997) assinala três sintomas primários: falta de
responsividade a outras pessoas, prejuízo na comunicação verbal e não-verbal e repertório de
atividades e interesses restritos.
A “falta do desenvolvimento da reação antecipatória”
13
, ou seja, o bebê não reagir ou
demonstrar pouca reação (sorrir, imitar, aprender gestos etc.) frente ao outro foi notada por
Kanner (1943). Bandim, Sougey e Carvalho (1995) acrescentam que esta característica é
verificada, principalmente, entre os quatro e cinco meses de idade, sendo que aos oito meses, o
bebê pode não revelar ansiedade ou medo diante de pessoas estranhas, ao contrário do esperado
para esta faixa etária.
Para Schwartzman (1994), a anormalidade que as crianças autistas possuem na interação
social recíproca é uma das características que se destaca, sendo demonstram determinadas ações,
tais como: poucas respostas adequadas às tentativas de carinho e aconchego; atitudes de ignorar
outras pessoas, quando a criança é mais velha; ausência de contato visual duradouro; dificuldade
em fazer amigos; e aparente falta de incômodo com o isolamento e até, talvez, uma preferência
por este. Bandim et al (1995) destaca também a ocorrência de alguns comportamentos como não
olhar e nem apontar para os objetos; não mostrar as coisas que vê para os seus pais e, também,
apresentar pânico, aflição ou agitação a estímulos sensoriais (sons ou ruídos), que anteriormente
eram alheios.
13
Aspas do autor
32
Kanner (citado por Amy, 2001) destaca que
há, desde o início, extrema solidão autística que, sempre que possível, despreza, ignora, exclui
tudo aquilo que chega do exterior à criança. O contato físico direto, tal movimento ou tal
barulho são vividos como uma ameaça de romper sua solidão e ou são tratados “como se não
estivessem lá” ou, se não possuem uma duração suficiente, ressentido dolorosamente como
uma interferência desoladora. (p. 31-32)
A partir de dois anos, os sintomas vão se tornando mais evidentes, principalmente com os
primeiros sinais de atraso na linguagem. Rutter (1967) ressalta que os prejuízos na comunicação e
linguagem são, em sua maioria, severos. Em relação a esses prejuízos, Schwartzman (1994)
acrescenta que como essas crianças são levadas inicialmente, principalmente, ao médico e ao
fonoaudiólogo, devido ao atraso na aquisição da fala, as principais hipóteses para este atraso
acabam estando relacionadas aos problemas de audição ou patologia específica da fala.
Schwartzman (1994) também relata que algumas crianças autistas podem permanecer
mudas e até mesmo com evidentes comprometimentos na compreensão da linguagem; outras
podem adquirir a fala tardiamente e algumas podem ser fluentes e falar muito, porém, em sua
maioria, observa-se a utilização de estereótipos verbais e de repetição de frases já escutadas, além
de uma compreensão prejudicada, dificultando o entendimento do sentido figurado e das
metáforas, por compreender a fala de forma muito literal. Outro aspecto comum é a repetição
imediata (ecolalia imediata) e a repetição tardia (ecolalia tardia) de palavras e/ou frases
escutadas, assim como, também, a inversão pronominal, em que a criança usa a terceira pessoa do
singular ou do seu próprio nome ao se referir à sua própria pessoa.
Para Andrade (1992), quanto mais nova a criança e mais grave for sua deficiência, maior
será a incidência de características associadas ao quadro do Transtorno Autista. Dentre essas
33
características, é possível observar: anormalidades no desenvolvimento de habilidades cognitivas;
anormalidades em resposta à excitação (braços batendo em asas, pulos, caretas) e coordenação
motora pobre; respostas bizarras aos impulsos sensoriais, como ignorar certas sensações e ter
supersensibilidade ou ser fascinado por outras; anormalidades no comer, beber ou dormir; e
anormalidades no humor e comportamento automutilante.
Por volta dos três anos de idade, segundo Bandim et al (1995), a capacidade imaginativa
da criança autista é pequena ou ausente, sendo que os brinquedos escolhidos não têm sua função
levada em consideração, e as brincadeiras tendem a ser mecânicas e repetitivas. O autor ainda
destaca o grande interesse da criança por objetos que rodam e o apego exagerado a alguns objetos
sem maiores atrativos.
Outras características clínicas comuns a estas crianças, citadas por Schwartzman (1994),
são: movimentos repetitivos; reação às alterações no ambiente ou na rotina; falta de criatividade
na forma de brincar; repetição de uma mesma atividade durantes horas; interesse por assuntos
que não fazem parte do repertório de interesses comuns a outras crianças da mesma faixa etária;
distúrbios de atenção e concentração; inteligência variável, com a maioria apresentando algum
grau de deficiência mental; habilidades motoras em graus variados; respostas inconsistentes à dor
e aos estímulos sensitivo-sensoriais, como estímulos auditivos; e atração por certos padrões
visuais.
Salle et al (2005) citam em seu trabalho que as crianças autistas também podem
apresentar medos, fobias, alterações do sono e da alimentação, ataques de birra e agressão,
podendo ocorrer autoagressão, principalmente em crianças que apresentam retardo mental.
Entre quatro e cinco anos, as alterações de linguagem tornam-se mais visíveis. Para Wing
(citado por Bandim et al, 1995), cerca de 50% dos autistas eventualmente aprendem a dizer
34
algumas palavras, porém com uma linguagem “anormal”
14
, com o desenvolvimento da ecolalia e
o não desenvolvimento do pensamento abstrato diferenciado, ou seja, a não abstração do sentido
da palavra, sendo que cada palavra possui apenas um significado. Em relação à linguagem,
Bandim et al (1995) relatam que, se a mesma não se desenvolveu até os cinco anos, dificilmente
se desenvolverá posteriormente, além de ressaltarem que a comunicação verbal será concreta e a
capacidade de abstração comprometida.
Wing (1988), ao considerar as alterações comportamentais, apresentadas em graus
variados tanto de tipo quanto de severidade, que podem estar relacionadas com outros prejuízos
apresentados pela criança, revela a existência de um continuum
15
ou spectrum. Esta nova visão
fez com que o autismo passasse a ser visto com uma síndrome que comporta subtipos variados,
minimizando a visão de um quadro específico.
Esta referência a um continuum ou spectrum se iniciou com os estudos de Wing e Gould
(1979), que identificaram um grupo de crianças com dificuldades e características comuns. Para
esses autores, havia uma tríade de prejuízos: interação social, comunicação e imaginação, que se
relacionavam de forma dependente. Neste grupo, estava incluso o autismo descrito por Kanner,
mas não somente ele.
Segundo Brook e Bowler (1992), o continuum autístico está ligado à presença de quadros
intermediários, partindo do autismo até alterações menos significativas, sendo a linguagem o
aspecto principal. Schwartzman (1993) ressalta que se trata de variações quantitativas de um
mesmo conjunto de sinais e sintomas, sendo variável de pessoa para pessoa o grau de
comprometimento da tríade clássica (Frith & Happe, 1994).
14
Aspas do autor
15
Representa mais do que uma escala do mais severo ao mais leve. (Wing, 1988)
35
CONCEPÇÃO PSICANALÍTICA DO AUTISMO INFANTIL
Antes de expor a concepção psicanalítica do autismo infantil, neste momento abrimos um
pequeno espaço a fim de esclarecer os fatores necessários para que o bebê se constitua sujeito de
acordo com a psicanálise, tendo como referência a concepção de Lacan (1901
- 1981)
16
.
Para que uma criança possa sobreviver fisicamente e psicologicamente, ela necessita e
depende de um outro ser humano que seja responsável e cuidador, sendo que, somente através
desta dependência a criança poderá existir e se formar psiquicamente. Jerusalinsky (2002) aponta
que o infans
17
– originalmente um bebê que não fala e depende de um Outro para contar sua
própria história – somente virá a ser humano quando alguém o reconhecer como tal.
Fernandes (2000) ressalta que o conceito de Outro é um conceito Lacaniano, que
compreende as coordenadas simbólicas referentes à linguagem, às leis, à cultura, aos valores e
desejos presentes no Outro primordial, encontrados na figura de um pai, mãe, avó, instituição, a
história familiar atual e de seus antepassados, o universo linguístico ou outro qualquer
responsável então pelo advento do sujeito.
Para que um bebê se desenvolva física e psiquicamente, Jerusalinsky (2002) ressalta a
importância das relações estabelecidas entre os três registros temporais: a) o registro real, ou seja,
a maturação neurofisiológica, períodos relacionados às aquisições do bebê que se tornam
impossíveis de serem adquiridas ao passar do tempo, sendo o meio físico facilitador ou não para
a obtenção destas aquisições; b) o registro imaginário encontrado frente às relações narcísicas
16
Médico e psicanalista francês que propôs um retorno a Freud utilizando-se da linguística de Saussure (e posteriormente de Jakobson e
Benveniste) e da antropologia estrutural de Lévi-Strauss, tornando-se importante figura do Estruturalismo.
17
Grifo meu
36
interpessoais (relação mãe/bebê); e c) o registro simbólico, a presença da lei, que ao instaurar
proibições e permissões para o sujeito rompe com sua natureza na qualidade de ser de
necessidades somente, estruturando-o psiquicamente, permitindo que ele siga em direção aos seus
próprios desejos.
Golse (2004) destaca que o bebê carece do seu corpo, de seu ambiente físico, histórico e
social e da sua própria inscrição na história pela filiação materna e paterna, que possibilitará a
construção de algo próprio seu, a singularização. Dessa forma, a criança se apropriará da
linguagem e do pensamento. Braga (2005) destaca que a criança, para se constituir como sujeito,
tem que atravessar as duas operações lógicas de causalidade psíquica mencionada por Lacan
(1998) no Seminário 11: a alienação (ligada à função materna) e a separação (ligada à função
paterna).
Um bebê já é falado desde antes de seu nascimento e sua história já o antecede antes que
ele surja como pessoa física. Segundo Kupfer (2007), a mãe, no exercício da função materna,
sustenta para o bebê o lugar de Outro primordial, sendo que, pelo seu desejo, antecipa uma
existência subjetiva que ainda não se encontra presente, porém, será instalada por ter sido
suposta. É uma aposta, uma antecipação diante de um real, de algo que virá a ser, é a verdadeira
suposição dos pais, diante de um bebê que não é, mas que poderá ser a partir do imaginário
parental.
Essa função é construída por meio de reconhecimentos recíprocos mãe/bebê em seu
cotidiano. Lacan (citado por Kupfer, 2007) descreve esse processo através da metáfora do
espelho, a qual, segundo ele, “é o primeiro tempo na constituição de um sujeito, inaugurado pela
construção da imagem do corpo a partir do desejo ou do olhar materno” (p.49). É próprio da
função materna, por exemplo, sua capacidade de interpretar os grunhidos do bebê, supondo ali a
37
existência de uma fala, uma palavra, mesmo que ainda incompreensíveis e pré-verbais,
estabelecendo assim uma condição comunicante ao bebê, um ser falante que compreende.
Para Mannoni (1983), esta relação dual mãe/bebê que se instaura inicialmente é
eminentemente narcísica e ocorre no campo imaginário. Esta etapa é marcada com a identificação
do bebê à imagem do outro materno, uma fase de fascinação imaginária e sem saída, a princípio.
Neste momento, um terceiro elemento denominado função paterna, pertencente ao campo
simbólico, deverá intervir para a continuação do processo de desenvolvimento do sujeito,
permitindo a entrada deste na vida.
Dolto (citado por Ledoux, 1990) complementa ao ressaltar que, além do papel
fundamental da mãe, a entrada do pai como um terceiro elemento é extremamente necessária para
que haja interferência nesta díade (mãe/bebê), barrando a mãe. Assim, a criança não permanece
presa a um vínculo imaginário incestuoso, alienada à sua mãe, podendo, então, se desprender e se
distinguir do seu corpo, diante da presença desta terceira pessoa, inscrevendo a criança na
sociedade, enraizando-a numa história e numa filiação. Neste momento, a segunda operação
lógica, a separação, também necessária para que o sujeito se constitua acontece pelo encontro
com a falta no Outro (Lacan, 1998).
Braga (2005) ressalta que, quando as operações de alienação e separação não podem ser
efetivadas, aparecem na clínica crianças com problemas na aquisição da linguagem, na
constituição da imagem corporal, no estabelecimento do laço social e, até mesmo, dificuldades
nas funções de motricidade. Para ela, “o corpo da criança precisa ser falado pelo outro e precisa
haver identificação e separação para se montar” (p. 46).
Assim sendo, diante de uma leitura lacaniana, Folberg e Reck (2002) analisam os três
tempos do Édipo, que devem advir para que o sujeito se constitua: 1º) o assujeitamento da criança
38
à mãe numa relação especular e identificada com o objeto de seu desejo; 2º) aquele em que o pai
entra, privando a mãe do objeto fálico e, consequentemente, priva a criança do objeto do seu
desejo, neste momento, o pai passa a ocupar o lugar de ser objeto do desejo da mãe, deixando
claro que a mãe tem outros interesses na vida que não o seu próprio bebê; 3º) momento que
assinala a instalação do Ideal de Eu, em que o pai intervém como aquele que detém o falo (o
objeto desejado) e a criança se identifica com aquele que tem o falo, aceitando a castração,
passando a buscar outra coisa além da mãe.
Após essa breve exposição sobre a constituição do sujeito segundo a psicanálise, a seguir
será exposta a concepção psicanalítica em relação ao autismo infantil, uma vez que utilizaremos
os referenciais teóricos psicanalíticos na compreensão deste fenômeno e ao longo das discussões
envolvendo os dados do presente trabalho. Contudo, é importante destacar que encontraremos
diferentes posições de estudiosos e pesquisadores psicanalistas quando se trata de definição e
explicação do transtorno autista. Um exemplo importante destas posições variadas são as
discordâncias em torno da psicose infantil e do autismo.
Alguns teóricos psicanalistas não diferem o quadro de psicose infantil do quadro de
autismo. Zenoni (1991) utiliza indiferentemente os termos psicose e autismo para se referir ao
mesmo quadro de transtorno psíquico. Para o autor, o que está presente em ambos os quadros é o
Outro excessivo e invasivo, este não oferece espaço (afetivo) na relação com a criança para que o
sujeito se manifeste como ser psíquico, não permitindo a constituição do individuo em
desenvolvimento como um sujeito pensante e afetivo.
Assim, de acordo com Zenoni (1991) e Freire (2002), o autista é um psicótico que possui
como trabalho único o dever de barrar o outro, quer seja o Outro Primordial ou não. Sobre isto,
Zenoni acrescenta que “aquilo que sofre o pequeno sujeito psicótico não é um bloqueio sobre a
39
via da humanização, mas muito mais um excesso, (...) da captura do ser vivo na dimensão que o
especifica como humano” (p. 106).
Na mesma compreensão teórica de Zenoni, Soler (1999) acredita que o Outro da criança
autista é semelhante ao Outro do psicótico. Para a autora, tanto o psicótico quanto o autista
encontram-se na posição de ser falado pelo Outro, ou seja, aparecem na fala/linguagem que o
Outro apresenta em sua interação. Assim, por ser falado, este indivíduo está assujeitado a esta
linguagem e, pode ser considerado um sujeito. Porém, tanto o sujeito psicótico quanto o autista
não transformam esse assujeitamento em enunciação, como acontece com a criança com
desenvolvimento normal, permanecendo alienado, fixado no Outro Absoluto, não simbolizado.
Entretanto, existem autores que fazem uma distinção entre autistas e psicóticos, neste
caso, para os psicóticos o que prevalece é o excesso do Outro e, para os autistas, a falta do Outro.
Dentre esses autores, podemos destacar Izaguirre (2001), que defende a não-existência do Outro
no autismo, não se constituindo o imaginário e, portanto, não sendo marcado pelo significante.
Na mesma compreensão de Izaguirre, Jerusalinsky (1993) propõe a diferença entre psicose de
autismo ao destacar que na psicose ocorre a falha na função paterna e no autismo, a falha na
função materna. A seguir, destacaremos o que significa a falha da função materna, pois o enfoque
deste trabalho recai sobre o autismo.
Como já descrevemos inicialmente, a mãe, ao exercer a função materna, através dos
reconhecimentos recíprocos mãe/bebê, antecipa uma existência subjetiva ainda não presente, mas
que poderá ser instalada por ter sido suposta. Nesta etapa, é marcada pela verdadeira suposição
dos pais, diante de um bebê que não é, mas que poderá vir a ser a partir do imaginário parental,
através de uma aposta, de uma antecipação diante de um real.
40
Porém, Jerusalinsky (2002) ressalta que, quando o desejo do Outro materno não se
encontrar em posição de fazer demanda, ele acarretará no não estabelecimento da articulação em
relação ao bebê e graves quadros psicóticos ou autísticos poderão se instalar. Além de destacar
que se não há erogeinização do corpo de uma criança, ela poderá até adquirir aquisições
instrumentais, ou seja, sentar, andar, correr; porém essas aquisições não estarão vinculadas à
extensão simbólica, prejudicando a constituição psíquica do sujeito.
Para Kupfer (2007), quando se perde a realimentação dos atos de reconhecimento
recíproco da relação mãe/bebê, começando a ocorrer falhas nesse processo, inicia-se também o
surgimento dos primeiros traços autistas por volta dos seis meses de idade. Além disso, a autora
destaca que um bebê, para fazer uso do seu equipamento, necessita do encontro mãe-bebê, pois
somente com este encontro, na presença de quem o construa, este equipamento existirá.
Stefan (1998) coloca o autismo em um tempo anterior ao estádio do espelho, ou seja, não
haveria, então, o Outro e sequer o outro (semelhante) no autismo, o que significa que a criança
autista não está constituída na e pela linguagem, portanto, está fora do discurso, fora da
linguagem.
Em suma, destacamos, neste momento, duas concepções psicanalíticas acerca do autismo
infantil. Na primeira concepção, não há diferenciação entre o quadro de psicose infantil e o de
autismo, neste caso, o que se apresenta frente ao bebê é o Outro excessivo e invasivo. Neste
sentido, quando o Outro da linguagem se configura como o Outro excessivo e invasivo, o bebê
não consegue estabelecer uma cadeia de significantes mesmo estando imerso na linguagem, ou
seja, mesmo estando em posição de ser falado pelo Outro. Dessa forma, o bebê, ou melhor, a
criança autista/psicótica não passa a ser um sujeito de enunciação, permanecendo na posição de
assujeitado à linguagem do Outro.
41
Na segunda concepção psicanalítica acerca do autismo infantil, os teóricos diferenciam a
psicose infantil do autismo segundo o excesso ou a falta do Outro, respectivamente. Neste caso, o
que está presente no quadro do autismo é a não-existência do Outro, neste sentido, há a falha da
função materna, fazendo com que a criança autista não esteja constituída na e pela linguagem,
permanecendo fora do discurso, fora da linguagem.
42
CAPÍTULO II
AUTISMO E EDUCAÇÃO
“Se na Antiguidade grega, as crianças deficientes eram
lançadas desde as alturas do monte Taigeto, em nossa
civilização ocorre serem igualmente lançadas a um vazio de
significância desde as alturas da Ciência”
(Jerusalinsky, 1984, p. 44)
Neste capítulo, inicialmente, será exposto de forma concisa um pouco da história do
atendimento educacional às pessoas com qualquer tipo de deficiência, sendo que indivíduos
autistas se encontravam incluídos no bojo destas pessoas. Em seguida, será destacada a
importância da escola no processo de constituição do sujeito.
Referindo-se ao processo histórico sobre o atendimento educacional ao educando com
necessidade educacional especial, Ferraz (2007) constatou que, na Antiguidade, as pessoas que
apresentavam alguma deficiência
18
eram consideradas sub-humanas, uma degeneração da raça
humana por não corresponder aos padrões estéticos e de exaltação do corpo. Mendes (1995)
acrescenta que, entre o século XII a.C. até o século IV da Era Cristã, foi uma época marcada pela
18
O termo utilizado para referir as pessoas que apresentam limitações mentais, físicas ou sensoriais. (Ferraz, 2007)
43
exclusão social, caracterizada pelo abandono e eliminação de crianças com qualquer tipo de
deficiência física ou mental.
Na Idade Média, século V até o século XV, época marcada pela ênfase na religião,
posturas ambíguas acerca da deficiência foram se destacando: por um lado o deficiente
representava um escolhido para missões divinas e por outro era visto como fruto de pecados e
detentor de culpas, que, por isso, deveria ser castigado. Ferraz (2007) ressalta que, diante dessa
dualidade, as atitudes da sociedade frente às pessoas deficientes eram paradoxais, oscilando entre
a caridade-proteção e a segregação-eliminação. Ferreira e Guimarães (2003) destacam que os
indivíduos epiléticos e psicóticos eram considerados portadores de possessões demoníacas;
entretanto, os cegos já eram muitas vezes referenciados como profetas ou videntes.
Em alguns momentos históricos, a anormalidade/deficiência era considerada um
fenômeno sobrenatural; em outros períodos, como uma possessão; mais tarde, como uma doença
que necessita de cura. Essas mudanças, para Ferraz (2007), ocorrem, pois a
normalidade/anormalidade e os processos de exclusão/inclusão são construídos historicamente e
vêm se alterando de acordo com as configurações sociais, econômicas, políticas e culturais de
cada época. Para Foucault (1999), o sujeito categorizado como diferente se constitui como tal em
relação ao discurso ou aos jogos de verdade
19
que lhe são instituídos em cada momento histórico
de acordo com as diferentes culturas.
No século XVI, o homem “normal” é considerado o homem normativo, constituído de
acordo com as normas determinadas pelos padrões de normalidade que incluía uma minoria com
características que se enquadravam na estatística do ser humano médio. Ainda neste período, as
19
Para Foucault (1999), os jogos de verdade são um conjunto de regras de produção de verdade, referindo-se tanto a um modelo de ciência
quanto a uma prática de controle institucional.
44
visões e posturas acerca da deficiência e da loucura oscilavam entre o sobrenatural e o interesse
médico, sendo que as explicações médicas foram se expandindo nas questões referentes à
deficiência. Ferraz (2007) destaca que a tese da organicidade, ou seja, a compreensão médica de
que a deficiência estava ligada ao déficit orgânico contribuiu para o surgimento de ações de
tratamento e ensino ao deficiente; porém, no modo de agir frente a essas pessoas, ainda
prevaleciam a segregação, o isolamento associado à precariedade de assistência e ausência do
atendimento educacional.
No século XVII, os sujeitos de conduta anormal ficariam isolados da sociedade como
forma de controle da ordem social. Para isso ocorrer, foram criados os hospícios, sendo
internados os mais diferentes tipos de desajustados: insanos, criminosos, mulheres de conduta
extravagante e as diversas pessoas com variados tipos de deficiências (Ferraz, 2007).
A fase da institucionalização, século XVIII até meados do século XIX, foi marcada pela
criação de hospitais psiquiátricos e asilos-escola. Para Ferraz (2007), a medicina começa a
possuir um poder-saber que, anteriormente, estava ligado à religiosidade, sendo destacados neste
momento os mecanismos de adaptação e normalização dos sujeitos diferentes. Em meados do
século XIX, a idiotia
20
, segundo Pessotti (1999), era concebida como entidade fisiológica e
psíquica, recebendo diferentes graus, o que auxiliava sua classificação.
Foucault (1972) destaca que os sujeitos considerados insanos eram institucionalizados em
leprosários, depois em asilos ou hospitais gerais e, no final do século XIX, em instituições
especializadas com projetos educativos de reabilitação ou reeducação. Assim sendo, segundo
20
Na época, idiota era a categoria que servia para abrigar toda sorte de deficiências mentais. Segundo Pessotti (1999), Pinel, em 1809, define
idiotismo como “carência ou insuficiência intelectual” (p.57).
45
Mendes (1995), a pessoa com deficiência, apesar de ser vista como alguém com direitos e
possibilidades educativas, era segregada socialmente, vivendo, então, em instituições.
Segundo Dechichi (2001), o final do século XIX foi uma época em que se buscou a
redução da segregação da pessoa com deficiência, enfatizando a inserção dessas pessoas em
escolas especiais. Para Coutinho e Aversa (2005), “as práticas antimanicomiais têm como
objetivo não somente a humanização das relações entre sujeitos, sociedade e instituições, mas
também a construção de um outro lugar social para a loucura” (p.36).
Mendes (1995) e Dechichi (2001) ressaltam que a década de 70 foi marcada pelo
movimento mundial de integração social das pessoas deficientes, tendo como objetivo integrar
esses indivíduos em ambientes educacionais, os mais próximos possíveis daqueles oferecidos
pela cultura à pessoa considerada normal. Segundo Coutinho e Aversa (2005), os movimentos de
inclusão escolar surgem como uma extensão do movimento antimanicomial que, “se para os
adultos representou a queda dos muros dos hospitais e o esforço de circulação social, para as
crianças representou a possibilidade da escolarização regular” (p. 36).
46
IMPORTÂNCIA DA ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
“A figura da escola não é socialmente um depósito como o
hospital psiquiátrico, a escola é um lugar para entrar e sair, é
lugar de trânsito. Além do mais, do ponto de vista da representação
social, a escola é uma instituição normal da sociedade, por onde
circula, em certa proporção, a normalidade social”
(Jerusalinsky, 1997, p. 91)
A luta pela inserção escolar de crianças e jovens deficientes, dentro do modelo da
Inclusão Escolar, vem desencadeando importantes discussões sobre a qualidade de ensino
oferecida em nossas escolas, não só para eles, mas para todos os alunos. Dechichi (2001) ressalta
que, para os defensores do modelo de escola inclusiva, o sistema educacional estruturado, quando
se preocupa com as necessidades de todos os alunos, dispensa a necessidade de separar o
processo educacional em ensino especial e ensino comum, pois, neste modelo, a escola comum
encontrar-se-á preparada para atender a todos os alunos, com ou sem deficiência.
Em relação aos objetivos da educação inclusiva, além da conquista da autonomia moral e
intelectual, Mantoan (1997) destaca a valorização de papéis sociais, que pressupõem a igualdade
de valor entre as pessoas, independentemente das características ou diferenças, físicas ou mentais,
que possam apresentar. Neste contexto, a educação dos indivíduos com necessidades
educacionais especiais é vista como algo mais do que a simples oportunidade de participação
47
deste indivíduo no meio produtivo normal, pois passa a enfatizar tanto o desenvolvimento das
habilidades e talentos pessoais, como dos papéis sociais.
Em relação às funções da instituição social denominada escola, Dechichi (2001) destaca
como principal função da referida instituição permitir o acesso sistematizado dos indivíduos aos
conhecimentos teóricos e práticos construídos e acumulados pelos homens ao longo de sua
história, sendo estes conhecimentos selecionados e legitimados por cada sociedade. Segundo
Martin-Baró (1992), a escola, como um dos principais agentes socializadores, é responsável não
apenas pela difusão de conhecimentos, mas também pela transmissão de valores de uma cultura
entre gerações.
Abrantes (1997) acrescenta que a escola, além de transmitir esses conhecimentos
legitimados pela sociedade, tem a autoridade de proporcionar a internalização de deveres e regras
que constituem a sociedade mais ampla. Segundo este autor, somente quando o espaço escolar
passar a ser um espaço de diálogo entre seus integrantes, permitindo um processo de contato com
o conhecimento construído historicamente pelas relações simétricas entre seus membros, a escola
poderá contribuir efetivamente e em sua plenitude para o desenvolvimento do indivíduo.
Portanto, o papel da escola não se restringe ao fornecimento de informações acadêmicas,
vinculadas aos conhecimentos científicos, históricos e culturais acumulados pela sociedade
através da história, ela também deve desempenhar o papel de formadora do cidadão pensante,
sendo essencial para que isto ocorra que o contexto escolar permita o surgimento de novas ideias,
um espaço para debate e reflexão entre todos os participantes do processo escolar de ensino e
aprendizagem.
Depois do ambiente familiar, de acordo com Dechichi (2001), a escola é, provavelmente,
quando considerada como um espaço de interações, um dos ambientes sociais mais importantes
48
em que a criança será inserida. É o local no qual irá conviver com novos papéis sociais e
estabelecerá novos vínculos afetivos; conhecerá os valores éticos e morais; aprenderá a lidar com
regras e compromissos, compreendendo seus direitos e deveres; além de conviver com as
diferenças e as igualdades, aprendendo a ter respeito pelo próximo.
Kostiuk (1991) comenta que pesquisas têm revelado “a dependência do ensino a respeito
do desenvolvimento psico-intelectual do aluno, dando um conteúdo novo à ideia de que o ensino
exerce um papel ativo no desenvolvimento” (p.55). Neste sentido, o espaço escolar pode
contribuir favoravelmente para o processo de desenvolvimento infantil a partir do momento em
que novas interações sociais vão se estabelecendo e envolvendo a criança. Smolka (1989)
acrescenta que as interações, incluindo, neste caso, a linguagem como interação, são constitutivas
do conhecimento.
Antes mesmo do direito à escolarização, para Dechichi (2001), as pessoas com
necessidades educacionais especiais têm um direito político, humano e democrático que envolve
sua inserção em seus contextos sociais como indivíduos participativos e produtivos. Seguindo
esse pensamento, para nós, as crianças autistas não podem ser privadas de seu direito de usufruir
de todas as vantagens que a escola tem a oferecer, vista como o agente social que mais poderá
contribuir na preparação dessas crianças para uma inserção social plena e verdadeira.
Após essa breve descrição histórica acerca do atendimento educacional das pessoas com
qualquer tipo de deficiência e a importância da escola para a constituição do sujeito, a seguir
serão abordados vários aspectos relacionados ao atendimento educacional escolar referente ao
indivíduo autista. Destacaremos, primeiramente, alguns dos objetivos deste atendimento, de
acordo com autores como Rivière (1995) e Schwartzman (1994), descrevendo critérios que
podem facilitar a promoção da educação deste educando.
49
Em seguida, considerando a influência atual da análise comportamental do
desenvolvimento humano na elaboração das propostas e métodos educacionais disponíveis para o
atendimento das pessoas autistas, estaremos destacando aspectos significativos do processo
educacional destes indivíduos e a referida abordagem. Posteriormente, serão expostos alguns dos
elementos importantes da relação estabelecida entre o processo educacional da criança ou jovem
autista e a psicanálise, uma vez ser este o referencial teórico conceitual escolhido para a
compreensão do fenômeno autista para o presente trabalho.
50
ASPECTOS DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL DO ALUNO AUTISTA
Rivière (1995) destacou que existe um consenso entre os pesquisadores de que a
educação é o tratamento
21
mais eficaz para o autismo. Para este autor, quando o objetivo é obter
alternativas educacionais para as crianças autistas dois pontos devem ser lembrados: a
diversidade e a personalização. Em relação a estes pontos, aquele autor define como diversidade
a não homogeneização do processo de ensino-aprendizagem, criticando os modelos pouco
individualizados para essas crianças, pois não atenderão às suas necessidades e, como
personalização a construção de estratégias educacionais diante de cada caso em específico
devido às diferentes características encontradas nos quadros das referidas crianças.
Segundo Schwartzman (1994) e Rivière (1995), o processo educacional do aluno autista
deve ter como objetivo desenvolver ao máximo suas habilidades e competências, favorecer seu
bem-estar emocional e seu equilíbrio pessoal o mais harmoniosamente possível, tentando
aproximá-la de um mundo de relações humanas significativas.
Para esses autores, alguns objetivos na educação do aluno autista são extremamente
importantes. Rivière (1995) aponta que os objetivos que ocupam lugar de destaque e relevância
neste processo estão relacionados ao desenvolvimento social e comunicativo da pessoa, assim
como, também, com a diminuição das estereotipias e rituais. Em relação às estereotipias e rituais,
este autor destaca ser necessário que o professor esteja atento às condições antecedentes e
consequentes em que tais condutas ocorrem. Além disso, para ele, o desenvolvimento cognitivo
varia de acordo com os níveis cognitivos da própria criança, sendo que a todo o momento o
21
Palavra utilizada por Rivière (1995)
51
processo educacional visa a “proporcionar significados e recursos funcionais de solução de
problemas às pessoas autistas” (p. 290).
A educação direcionada às crianças autistas, principalmente em idades pré-escolares,
segundo Olley (1994, citado por Rivière, 2004), deve ser individualizada, além de envolver várias
horas por dia, devendo chegar a 40 horas semanais. Entretanto, pesquisas como a de Koegel e
Koegel (1995, citado por Rivière, 2004) apontam que as oportunidades de relação social da
criança autista com seus pares possibilitam o desenvolvimento de suas competências sociais.
Em relação ao professor, Rivière (1995) ressalta alguns critérios a respeito dos quais o
educador deve estar atento visando a facilitar a promoção da educação dessas crianças, como
estimular a atenção das crianças autistas aos aspectos relevantes e inibir os aspectos irrelevantes
da tarefa; oferecer as instruções claras, precisas e adequadas à tarefa; instruir a criança somente
ao obter a sua atenção; empregar auxílios para promover as condutas infantis que quer ensinar,
sendo importante a retirada destes quando não forem mais necessários, para que a criança não se
torne dependente destes auxílios; estar atento às condutas de cada criança com a finalidade de
descobrir o que a motiva, para então utilizar este aspecto na promoção da aprendizagem.
Bosa (2006) ressalta a importância de os professores utilizarem perguntas simples,
concisas e o menos ambíguas possíveis ao se dirigir ao aluno autista, recomendando que os
educadores evitem a utilização de metáforas ou explicações detalhadas sobre as mesmas na
presença deste educando. Tal fato certamente se relaciona à compreensão prejudicada da
linguagem por estas crianças que, conforme Schwartzman (1994), dificulta o entendimento do
sentido figurado e das metáforas, por compreender a fala de forma muito literal.
52
EDUCAÇÃO DO ALUNO AUTISTA E A ABORDAGEM COMPORTAMENTAL
Em relação à estruturação do tratamento educacional e comportamental para a criança
autista, Rutter (citado por Bandim et al, 1995) aponta que o mesmo deve seguir quatro princípios:
a) a estimulação de um desenvolvimento normal; b) a redução da rigidez e das estereotipias que
caracterizam o funcionamento psicomotor dessa criança; c) a eliminação de comportamentos mal
adaptados não específicos; e d) a diminuição do sofrimento familiar.
A respeito das condições do ambiente educacional para se trabalhar com a criança autista,
Rivière (1995) ressalta que várias pesquisas, tais como as de Schopler, Brehm, Kinsbourne e
Reicher (1971), Rutter e Bartak (1973) e Olley (1987), comprovaram que os ambientes
educacionais estruturados trazem vantagens ao aprendizado dessas crianças, facilitando o alcance
de seus objetivos. Para que o ambiente seja estruturado, o autor destaca a necessidade de ele ser
relativamente simples, preciso e consistente em sua resposta às condutas do aluno, sejam elas
funcionais ou alteradas, em que a atitude do educador deve ser sempre orientadora.
Powers (1992, citado por Rivière, 2004) ressalta cinco componentes relevantes dos
métodos educacionais para crianças autistas
serem estruturados e baseados nos conhecimentos desenvolvidos pelas modificações de
conduta; serem evolutivos e adaptados às características pessoais dos alunos; serem funcionais
e com uma definição explícita de sistemas para a generalização; envolverem a família e a
comunidade e ser intensivos e precoces. (p.251)
Entre os métodos educacionais fundamentados na abordagem comportamental e
utilizados na educação das crianças autistas, destacam-se, atualmente, os métodos TEACCH e
53
ABA. Considerando a importância desses métodos entre aqueles fundamentados nesta abordagem
e sua significativa utilização no Brasil, entendemos ser interessante apontar suas características
principais.
O método TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication
Handicapped Children) ou, no Brasil, Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com
Deficiências Relacionadas à Comunicação, foi o resultado de um trabalho de pesquisa
desenvolvido na Universidade da Carolina do Norte, desde 1966, nos EUA, tendo como
coordenador Eric Schopler
22
.
De acordo com Mesibov e Shea (1996), os objetivos educacionais do TEACCH são: a)
ensinar ao aluno que o seu ambiente tem (ou faz) sentido, fazendo com que ele perceba que
existem padrões, podendo, então, identificá-los e segui-los com ou sem um professor ou adulto
por perto; b) ensinar o aluno o conceito de causa e efeito, possibilitando a execução de trabalho
produtivo, favorecendo o convívio em comunidade e desenvolvendo possíveis maneiras de o
aluno cuidar de si mesmo; c) ensinar a comunicação e refinar a habilidade de comunicar-se se
esta estiver presente; e d) desenvolver habilidades úteis para a vida adulta, visando,
principalmente, à obtenção máxima de independência no futuro.
Já o método ABA (Applied Behavior Analysis) ou, no Brasil, Análise do Comportamento
Aplicada, segundo Simpson (2001), se constitui em um essencial método educacional para a
criança autista, reconhecido e validado cientificamente. O ABA utiliza as informações retiradas
de uma acurada interpretação da interação entre as variáveis antecedentes e consequentes de um
22
Eric Schopler (1927-2006) criador do Programa TEACCH, professor de psicologia e diretor desse programa da Universidade da Carolina do
Norte até 1994.
54
comportamento da pessoa autista para sistematicamente designar um plano de aprendizado e um
programa de mudança de comportamento (A & T, 1999; S-A & M, 1977).
Algumas características do ABA são destacadas por Lear (2004), entre elas: sessões
normalmente individuais (um-para-um); período integral de atendimento (30 a 40 horas
semanais), principalmente em situações de intervenções precoces; utilização de premiação diante
de comportamentos desejados; a não utilização de punições para a criança; particularização do
currículo de cada aluno; organização de currículo amplo que atenda a diversas habilidades, tais
como acadêmicas, linguagem, sociais, de cuidados pessoais, motoras e de brincar; e importância
à contribuição e participação da família no desenvolvimento do programa. Lear (2004) destaca
que o objetivo do ensino no programa ABA é que o aprendizado adquirido possa ser generalizado
para diversas situações e ambientes nos quais a criança vive.
55
EDUCAÇÃO DO ALUNO AUTISTA E A PSICANÁLISE
Neste momento, achamos imprescindível esclarecer brevemente como o encontro entre
psicanálise e educação foi se construindo ao longo dos tempos, pois sabemos que relacionar
psicanálise e educação já trouxe várias discussões, polêmicas e criações de obras, tais como:
Freud antipedagogo”, de Millot em 1987; “Educação impossível”, de Mannoni em 1988; e
Freud e a Educação – o mestre do impossível, de Kupfer em 2000.
Ao se fazer referência a uma educação psicanaliticamente orientada como capaz de
contribuir para o progresso da humanidade, em sua obra “Mal-estar na civilização” (1930),
Freud já afirma a impossibilidade de uma educação de cunho humanista se basear na psicanálise,
pois “somos constituídos por uma falta que nos funda, mas nos condena à insatisfação estrutural e
à infelicidade” (Kupfer, 2007, p.14). Portanto, uma educação analítica que visa como objetivo à
busca da profilaxia da neurose é impraticável já que não se pode evitar e nem escapa das
neuroses, pois ela é o que funda a nossa subjetivação.
Segundo Kupfer (2007), a educação é a mola propulsora do humanismo, entendendo
dessa forma, Freud, ao concluir que não há progresso possível, acabou por afastar-se do
humanismo e, consequentemente, deixa também de existir o espaço para o ideal educativo. O
ideal educativo da época, seguindo o modelo o humanismo, pressupõe que o homem precisa ser
moldado pelo educador preparado para esta tarefa.
Entretanto, Lajonquière (1999), ao criticar as formulações de Millot, ressalta ser mesmo
impossível uma pedagogia analítica, porém, destaca ser de suma importância não confundir
pedagogia com educação. Para este autor, a aproximação entre a psicanálise e a educação deve
56
ser realizada distante da pedagogia, sendo considerada um “saber positivo sobre como ajustar
meios de ação a fins existenciais estabelecidos a priori” (Lajonquière, 1999, p. 29).
Faz-se necessário, neste momento, desenvolver a ideia de uma educação
psicanaliticamente orientada, esclarecendo o que chamamos de pedagogia e de educação, pois a
psicanálise não se propõe a trabalhar com as concepções da pedagogia, fazendo críticas ao
processo normatizador e de adequação do sujeito; porém, busca aproximação com a educação ao
apresentar uma postura do professor frente ao Outro, em que este pode ter um espaço de
construção do sujeito do desejo.
Petri (2003) define a pedagogia como
a ciência que se preocupa em procurar e formular os melhores métodos para garantir uma boa
aprendizagem, que considera o ser humano como um indivíduo, no sentido de um ser uno,
indivisível, e procura fornecer elementos para uma melhor adequação às exigências sociais e
para o desenvolvimento, o mais harmônico possível, das capacidades intelectuais. (p. 26)
Para Lajonquière (1999), de acordo com essa pedagogia hegemônica, o lugar que ocupa a
criança é um lugar de objeto deste discurso, onde o desejo que possibilita a sustentação de
acreditar na chegada a um ideal definido a priori é o desejo de não ter desejo, ou seja, de não
haver falta. Neste caso, a posição do educador, segundo Petri (2003), é aquele que a tudo
responde, que tudo sabe, não oportunizando espaços para propiciar o surgimento do desejo, que
poderia aparecer entre as brechas, através da falta, do próprio questionamento da criança do que
querem dela.
Em contrapartida, para Petri (2003), a educação seria “uma filiação simbólica, efeito da
produção de um lugar numa história para um sujeito, em virtude da transmissão de marcas
57
simbólicas advindas do passado. Educação como a possibilidade de a criança vir no futuro a
usufruir como um adulto do desejo que nos humaniza” (p. 29).
Portanto, a educação na leitura psicanalítica considera a criança um sujeito, mesmo que
este sujeito ainda esteja em construção, ali se faz presente como uma aposta, o que sustenta o
espaço para que o desejo possa se constituir. Para Petri (2003), a educação está ligada
diretamente à construção do sujeito do desejo desde “a suposição de sujeito da mãe que ouve o
grito do bebê e escuta um ´tenho fome´, ´quero colo`, até a do professor quando dá vazão à
palavra da criança, em vez de seguir rigidamente uma técnica” (p. 31).
Para Lajonquière (1997), o ato educativo é toda ação de um adulto voltada para uma
criança “com o sentido de filiar o aprendiz a uma tradição existencial, permitindo que este se
reconheça no outro” (p. 30).
Algumas concepções com o passar do tempo vêm se modificando, tornando possível
pensar na aproximação da psicanálise e educação. Kupfer (2007) assinala que, desde 1995, com o
convênio realizado entre a Escola Brasileira de Psicanálise e a Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, estudos e atividades interligando psicanálise e educação aumentaram,
sendo aberto um novo caminho para essas discussões.
Em relação à concepção sobre o que é educar, tendo como base a abordagem
psicanalítica, Kupfer (2007) ressalta que a psicanálise e o discurso social possuem uma
articulação, pois, de acordo com Lacan (citado por Fleig, 1993) o inconsciente é o social e se o
sujeito surge no ponto de articulação entre seu fantasma e o discurso social torna-se necessário
incluir a escuta do discurso social em qualquer instância ou ação que vise ao sujeito. Além disso,
Lacan (citado por Kupfer, 2007) pontua que é pelo discurso que ocorre uma ligação do falante ao
Outro de um modo estrutural, assim sendo, discurso é o que faz laço social. Nesta perspectiva,
58
para Kupfer (2007), educar “torna-se a prática social discursiva responsável pela imersão da
criança na linguagem, tornando-a capaz por sua vez de produzir discurso, ou seja, de se dirigir ao
outro fazendo com isso laço social” (p.35).
Neste sentido, é importante ressaltar que palavra, para Lacan (citado por Di Ciaccia,
1997), está além da simples comunicação, pois é ela que humaniza o homem e que constitui o
sujeito, passando pelo Outro, que dá sentido à mensagem. Assim sendo, cada um com sua
especificidade, pais, educadores e analistas podem ocupar um lugar nesta função do Outro, que é
a constituição do sujeito pela palavra. Para Kupfer (2007), a linguagem “não tem apenas o poder
de nomear algo, ela tem o poder de constituir esse algo, de criá-lo quando o nomeia” (p.37).
Em relação à educação atual, Kupfer (2007) ressalta que os psicanalistas a criticam e a
problematizam devido ao fato de ela conceber lugar à produção de formações imaginárias que
estão vinculadas ao nosso tempo, como a proliferação das imagens, a exposição frente às crianças
dos objetos a serem consumidos, a “naturalização do mundo”
23
, fazendo pensar na existência de
um mundo natural que aceitaríamos e concordaríamos diretamente, sem mediação pelo
simbólico. Neste sentido, a proposta da psicanálise é recuperar os dispositivos simbólicos da
educação, além de provocar a ampliação da visão contemporânea de uma criança para que assim
possa surgir um sujeito do desejo.
Após a breve introdução realizada acerca da aproximação entre a psicanálise e a
educação, além do esclarecimento da diferença existente entre a pedagogia e a educação para
melhor entendermos o significado de uma educação psicanaliticamente orientada, a seguir, se
exposto como aconteceu o encontro da psicanálise com a educação do aluno autista, destacando,
posteriormente, três propostas de trabalho que envolvem a educação dessas crianças: o trabalho
23
Aspas da autora
59
desenvolvido na Escola Experimental de Bonneuil, o trabalho reeducativo em “Le Courtil” e a
“Educação Terapêutica”, realizada na Pré-escola Terapêutica “Lugar de Vida”.
Freud (citado por Kupfer, 1999), já em 1925, ao pensar nas crianças cuja educação
falhou, ou seja, cuja constituição subjetiva não se realizou por diversos motivos, sugere a criação
de outros meios para tratar dessas crianças e adolescentes, sendo esses meios de natureza
educativa ou reeducativa – daí a ideia de uma pós-educação – tendo, porém, o mesmo objetivo de
uma análise. Entre essas crianças, encontram-se as crianças que têm problemas globais de
desenvolvimento.
Historicamente, o primeiro registro de atendimento educacional a uma criança psicótica
data de 1800, com o tratamento de Victor de l´Aveyron, pelo médico-pedagogo Jean Itard,
discípulo do médico Pinel. Kupfer (2007) assinala que esta primeira proposta de tratamento teve
caráter educativo, em que o tratamento moral proposto focava as faculdades mentais e não os
aspectos físicos ou biológicos, ou seja, o objetivo principal era educar Victor, uma criança
considerada idiota
24
, para que ele se humanizasse.
De acordo com Kupfer (2007), diante do fracasso de Itard em humanizar
25
Victor, o
adestramento ocupou o lugar no ramo da psiquiatria educativa no século XIX, época em que os
métodos educativos para crianças autistas começaram a se destacar. A autora aponta que os
objetivos primordiais do ensino da pessoa autista, naquela época, restringiam-se ao: aprender a
atravessar a rua, escovar os dentes e ir ao banheiro sem incomodar os adultos; destacando-se as
recomendações aos educadores para que não falassem com estas crianças, pois isso as
perturbaria.
24
Na época, idiota era a categoria que servia para abrigar toda sorte de deficiências mentais. Segundo Pessotti (1999), Pinel, em 1809, define
idiotismo como “carência ou insuficiência intelectual” (p.57).
25
Palavra utilizada por Kupfer (2007)
60
Ainda no século XIX, algumas tentativas de recuperar a ênfase no tratamento voltado
para humanização das crianças deficientes foram realizadas. Kupfer (2007) ressalta a existência
de registros de formação de ateliês e oficinas de trabalho com atividades musicais e passeios,
cujo propósito principal era a suposição de que esses indivíduos deficientes eram seres humanos.
Essas práticas juntamente com a psicanálise do início do século XX resultaram em propostas de
tratamento psicanalítico para crianças psicóticas no início da década de 1930.
A partir desta época, houve a formulação de várias propostas de tratamentos, envolvendo
o aspecto educacional das crianças com transtornos graves do desenvolvimento, incluindo
crianças psicóticas e autistas. Dentre essas propostas, podemos citar a Escola Experimental de
Bonneuil, instituição francesa fundada em 1969 por Maud Mannoni; a instituição belga Le
Courtil; e a Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida, instituição inicialmente vinculada ao Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo desde 1991 que hoje possui sede própria.
Escola Experimental de Bonneuil
A Escola Experimental de Bonneuil, instituição francesa fundada em 1969 por Maud
Mannoni, em Bonneuilsur-Marne, França, abriga crianças e adolescentes em dificuldade, que,
segundo Geoffroy (2004), podem ser distribuídos em três grupos: os “psicóticos”
26
, em que
crianças e adolescentes autistas também são incluídos; os “debiles”, crianças e adolescentes
mentalmente deficientes; e os “neuróticos”, crianças e adolescentes que apresentem dificuldades
de aprendizagem e/ou acentuados distúrbios de comportamento.
26
Aspas da autora
61
Bonneuil segue princípios psicanalíticos, (pós-)estruturalistas e antipsiquiátricos e, de
acordo com Geoffroy (2004), considera
o sujeito ao mesmo tempo como sendo formado pela sociedade e como um sujeito que
vivencia a vida subjetivamente. Dessa forma, os conceitos psicanalíticos não são somente
utilizados para a compreensão das relações interpessoais, mas também para a compreensão de
estruturas institucionais. (p.27)
É importante ressaltar que são realizadas avaliações, sendo formuladas categorias
diagnósticas na chegada das crianças e dos adolescentes. Estas categorias são necessárias para
estabelecer um equilíbrio entre os três grupos atendidos em Bonneuil para que não haja
predomínio de determinados sintomas. Entretanto, como destaca Geoffroy (2004), esses
diagnósticos não são referencias no dia a dia da instituição, pois, dessa forma, é oferecido às
crianças e aos adolescentes um espaço sem influências tanto do diagnóstico quanto de outros
preconceitos, para construção das relações com o outro. Além disso, acredita-se também que eles
possam aprender pelas formas de comportamento e projetos de outros.
A tentativa realizada em Bonneuil é oferecer às crianças e aos adolescentes ali recebidos
oportunidades para vivenciarem ou recuperarem processos de simbolização, pois a grande
maioria desses indivíduos teve ou tem dificuldades para simbolizar experiências de perda e,
consequentemente, de se constituírem como sujeitos desejantes. Neste caso, Geoffroy (2004)
ressalta ser imprescindível que os adultos não se coloquem, não demandem, não desejem no lugar
destas crianças e destes adolescentes.
Para a entrada da criança no simbólico, é necessário ocorrer a alternância entre presença e
ausência. Freud (1920) descreve esse momento no jogo do fort-da, que simboliza o domínio
62
sobre a presença e a ausência da mãe, expresso no lançar e puxar o carretel. Neste sentido,
Mannoni (1988) privilegia a alternância em Bonneuil, portanto,
em vez de oferecer permanência, a estrutura da instituição oferece, sobre uma base de
permanência, aberturas para o exterior, brechas de todos os gêneros. (...) Mediante essa
oscilação de um lugar ao outro, poderá emergir um sujeito que se interrogue sobre o que quer.
(p. 81)
As propostas de atividades oferecidas nesta instituição procuram sempre estabelecer a
alternância entre presença e ausência, existindo dois modos de se trabalhar: as atividades dentro
da própria instituição (ateliês diversos, atividades ligadas ao funcionamento da instituição) e fora
da mesma (nos alojamentos noturnos, nas famílias acolhedoras, nos lugares de trabalho para os
adolescentes). Geoffroy (2004) destaca que “sendo uma instituição, Bonneuil se coloca à
disposição, por um lado, como um lugar de recolhimento protegido, mas, por outro, não se cansa
de referir que Bonneuil não é tudo, que há um fora da instituição” (p.35).
Instituição belga Le Courtil
A instituição belga Le Courtil está voltada para o atendimento de crianças psicóticas e
neuróticas graves. Segundo Di Ciaccia (2005), o trabalho realizado por esta instituição considera
a ‘prática entre vários’, em que todos os profissionais devem se colocar frente à criança sem
apresentar sua especialidade, partindo de sua própria posição subjetiva, abastecido de um desejo
de encontro. Neste sentido, Silva (2006) apresenta o seguinte exemplo
naquela ocasião eu me apresentei perante ele como uma estrangeira, recém-chegada à Bélgica,
cheia de dificuldades com o francês. De repente, Dan pôde deslocar-se para uma posição
63
totalmente inusitada: a de professor! Corrige meus erros, procura sinônimos para as palavras
que eu não conheço, começa a digitar seus romances para que eu leia, porque tenho muita
dificuldade em entender sua letra (...) Ao me apresentar como um ser faltante, barrado, criou-
se um espaço privilegiado entre nós em refencia à língua francesa, essa sim o tesouro dos
significantes. Dan pôde colocar-se como mediador entre mim e esse tesouro. (p. 421)
Diante do trabalho realizado em “Le Courtil”
27
, Vanderveken (1993), citado por Kufper
(1999), afirma que o alvo da análise e do trabalho reeducativo nesta instituição é direcionado para
o sujeito na sua relação com o real. No caso da análise, trata-se de refazer sua relação
simbólica com o real, ao ser levado a tocar o real pelo simbólico; no caso da reeducação, trata-
se de criar essa relação, ou de criar a borda onde ela não se fez, fornecendo-lhe instrumentos –
alfabetização, música, escola – com os quais possa vir a criar defesas parciais. Para ambas, é o
ato analítico, em última instância, que pode fazê-lo, e os atos educativos ou intervenções
dentro do contínuo educativo-analítico contribuem para preparar o seu advento. (p. 22)
O trabalho realizado em Le Courtil propõe provocar uma separação, uma alternância.
Neste caso, Silva (2006) destaca que cada dupla de adultos fica somente um dia por semana com
cada grupo de crianças e adolescentes, no intuito de oferecer possibilidades para o surgimento do
desejo da própria criança. Silva (2006) ainda ressalta que
se para a Psicanálise a questão da psicose relaciona-se com o Outro, invasivo, onipresente e
onisciente nada mais coerente do que uma montagem institucional onde a alternância seja a
tônica. Alternância de sujeitos, de desejos, de encontros. Deslocamento. A multiplicidade de
discursos protege as crianças e adolescentes de serem capturados pelo gozo totalitário. A
alternância tem efeito de corte de gozo. (p. 422)
27
“Le Courtil” é uma instituição belga voltada para o atendimento de crianças psicóticas e neuróticas graves. (Kupfer, 1999)
64
Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida
Além da Escola Experimental de Bonneuil e de Le Courtil citadas anteriormente, há no
Brasil uma prática inspirada pela clínica dos transtornos graves do desenvolvimento denominada
de “Educação Terapêutica”
28
, realizada na Pré-escola Terapêutica “Lugar de Vida
29
.
Educação Terapêutica é o campo teórico que sustenta as práticas clínico-teórico-
educacionais no Lugar de Vida. Kupfer (2007) esclarece que, inicialmente, a psicanálise clássica
orientava esta clínica; porém, com a prática, observou-se a necessidade de introduzir o
institucional como ferramenta terapêutica, seguido pela introdução das atividades educacionais,
passando a entender toda a montagem em sua dimensão clínica, institucional e educacional.
A Educação Terapêutica possui três eixos de trabalho, que produzem alguns efeitos de
tratamento desejados ao serem acionados em conjunto. A seguir, serão expostos os três eixos de
trabalho desta clínica.
O primeiro eixo é a “Inclusão Escolar”, porém Kupfer (2007) deixa claro que a inclusão
da forma como é vista pela Educação Terapêutica não está vinculada à regra que vem sendo
imposta pelas políticas inclusivas. Frente a essa discussão, existem autores como Jerusalinsky
(1997) que defendem a existência de escolas próprias para psicóticos. Este autor afirma que
ensinar uma criança para quem não se instalou a curiosidade é um trabalho delicado que exigiria
um professor especializado, sendo difícil o aprendizado em uma escola comum.
Entretanto, Jerusalinsky (1997) destaca o significado da escola para essas crianças
28
Termo criado por Kupfer a partir do trabalho que se realiza no “Lugar de Vida”
29
“A Pré-escola Terapêutica ´Lugar de Vida´é uma instituição para o tratamento e a escolarização de crianças com distúrbios globais de
desenvolvimento – psicoses, autismo e outros quadros graves” (Kupfer, 1999, p.22)
65
a figura da escola vem a calhar porque a escola não é socialmente um depósito como o
hospital psiquiátrico, a escola é um lugar para entrar e sair, é um lugar de trânsito. Além do
mais, do ponto de vista da representação social, a escola é uma instituição normal da
sociedade, por onde circula, em certa proporção, a normalidade social. (p. 91)
E Jerusalinky continua (1997)
porque escola é coisa de criança, no final das contas se esses meninos e meninas têm
problemas, mas estão na escola, seus atos viram artes. Se gritam demais, se se aproximam
demais, pulam demais, comem demais, põem a mão onde não devem, são simplesmente
meninos e meninas, seguramente o são porque vão a escola. Quem sai do manicômio não tem
esse benefício na leitura social. (p. 91)
Assim sendo, a ida à escola, na proposta da Educação Terapêutica, vai além de atender a
um mandamento da política inclusiva. Ir à escola para as crianças psicóticas e autistas tem valor
terapêutico, pela possibilidade de a escola contribuir na reordenação da estruturação perdida do
sujeito. Isto posto, Kupfer (2007) assinala que a proposta inicial da Educação Terapêutica para a
criança com transtorno graves é um lugar na escola, regular ou especial.
O segundo eixo de trabalho da Educação Terapêutica é o “Campo Institucional”, onde a
própria montagem institucional deve funcionar como ferramenta terapêutica. O Lugar de Vida
aposta na criação do ponto final, da pausa no enunciado, para fazer emergir o sentido, que não
pôde advir por causa da “falta da falta”. Portanto, a aposta é no surgimento do sujeito a partir do
funcionamento da máquina da linguagem, ligada ao Outro institucional. Kupfer (2007) acrescenta
apostamos na possibilidade de a criança que habita mal a linguagem – ou melhor, que a habita
de modo idiossincrático, não participante do pacto simbólico, não participante dos códigos da
cultura, eleitora de modos de gozo não socializados – aprender um pouco mais sobre os modos
66
instituídos de gozo, atravessando, mergulhando cotidianamente em uma instituição que está
estruturada como uma linguagem. (p. 93)
Para Kupfer (2007), a dimensão institucional, desenvolvida em grupo e orientada pela
psicanálise, propõe, como auxílio ao tratamento, a inserção na cultura e a busca de produção do
laço social das crianças psicóticas e autistas, utilizando-se de atividades como ateliês, passeios e
atividades escolares propriamente ditas.
O terceiro eixo é o “Escolar Propriamente Dito”, que difere do primeiro por não estar
ligado diretamente aos efeitos do discurso social, do laço social. Neste último eixo, o trabalho
está relacionado à organização cognitiva como uma maneira de dispor para a criança um
reordenamento de sua posição frente ao simbólico ou no interior do simbólico, fornecendo
instrumentos como a leitura e a escrita de acordo com suas possibilidades subjetivas e cognitivas.
Em relação à posição do educador em seu trabalho com as crianças em geral, Petri (2003)
destaca que esta posição seria a de sustentar o sujeito na autenticação de uma cadeia de
significantes, colocando-se à disposição para a identificação, tendo como direção a estruturação
do eu. Porém, quando se trata de crianças psicóticas e autistas, onde deveria haver um sujeito,
haverá um objeto, que retirará analista e educador do seu lugar. Dessa forma, analista e educador
terão que mudar o modo de articular seu saber-fazer, por não haver um sujeito a ser decifrado no
campo simbólico, mas justamente o contrário, eles haverão que auxiliar a criança a se inscrever
neste mesmo universo simbólico/fantasmático.
Para Colette Soler (1994)
quando a criança que se apresenta é aquela a quem chamei de ´criança-objeto´, cabe ao
analista estabelecer a operação do significante. Em outras palavras, engendrar, ali onde
faltava, um efeito-sujeito que tem o alcance de uma defesa contra o real. Poderíamos chamar
67
isso de Psicanálise invertida no sentido positivo do termo, pois é uma operação que vai do
Real em direção ao Simbólico e que cria as condições da falta para ser, ao passo que no
discurso analítico, como o entendemos, a operação é inversa, visando a uma travessia do
Simbólico em direção ao Real, para um levantamento ao menos parcial das defesas. (p. 11)
Portanto, para Colette Soler (1994), neste caso em que não há presença do sujeito, diz ser
necessário fazer com que se instale o simbólico, provocando o surgimento do sujeito, antes de
sua desconstrução analítica do campo fantasmático.
Para tanto, o trabalho do educador, neste caso, segundo Di Ciaccia (1997)
trata-se do trabalho de terapia de apoio que não é da ordem da análise, pois oferece a
possibilidade à criança de se servir da identificação para se defender do gozo [...] Trata-se de
fazer a criança entrar na ordem significante (é este o trabalho preliminar que se faz com a
criança psicótica), fazê-la entrar na identificação ao menos deste par que, em geral, a criança
faz com o significante, significante que é, ele próprio, paterno. (p. 23)
Portanto, no caso do trabalho educacional voltado para a criança com transtorno grave do
desenvolvimento, a posição do educador é a de construção significante com o real junto a essa
criança, ou seja, oferecer a ela um campo que vai do real em direção ao simbólico, para que seja
possível a identificação da referido criança com o Outro, fazendo com que ela entre na ordem
significante instalando as cadeias significantes, que são necessárias para o desenvolvimento do
ser humano.
Após refazer uma breve retrospectiva histórica acerca do atendimento educacional das
crianças com qualquer tipo de deficiência e abordar os vários aspectos relacionados ao
atendimento educacional escolar referente à criança autista, apresentamos aspectos significativos
da relação do processo educacional desta criança e a abordagem comportamental, devido à
68
influência atual desta abordagem na elaboração de propostas e métodos educacionais disponíveis
para o atendimento do aluno autista.
Além disso, procuramos situar historicamente o encontro entre a psicanálise e a educação
como também estabelecer a aproximação da psicanálise e da educação voltada para a criança com
transtorno grave do desenvolvimento, para que, posteriormente, pudéssemos destacar a relação
do processo educacional do educando autista com a psicanálise, uma vez ser este o referencial
teórico conceitual escolhido para a compreensão do referido fenômeno no presente trabalho.
Em seguida, serão descritos alguns aspectos relacionados à Teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano proposta por Urie Bronfenbrenner, pois, na nossa compreensão, a
parceria com esta teoria na discussão da temática do autismo e educação justifica-se porque a
questão da educação perpassa e fundamenta-se em aspectos amplos do desenvolvimento infantil.
Em nosso trabalho, destacaremos o microssistema e os seus elementos essenciais: a natureza e
função das atividades molares; as estruturas interpessoais e os papéis como contextos do
desenvolvimento humano.
69
CAPÍTULO III
TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE URIE
BRONFENBRENNER
Urie Bronfenbrenner (1917 – 2005), bacharel em Psicologia e Música pela Universidade
de Cornell, mestre em Educação na área de Psicologia pela Universidade de Harvard e doutor
pela Universidade de Michigan. Filho de um médico neuropatologista, Bronfenbrenner (1996)
afirma que as experiências vividas no ambiente físico da instituição onde seu pai trabalhava que
atendia a pessoas conhecidas naquela época, por “débeis mentais”, juntamente aos conhecimentos
adquiridos com seu pai suscitaram suas primeiras reflexões acerca do funcionamento da natureza
a partir da interdependência funcional entre os organismos vivos e seus ambientes.
Assim, na busca de novas perspectivas sobre o desenvolvimento humano, Bronfenbrenner
(1979; 1996) estruturou um conjunto teórico, inicialmente conhecido como a “Teoria Ecológica
do Desenvolvimento Humano”, que teve influência de grandes autores como Kurt Lewin, George
Hebert Mead, Sigmund Freud, Lev Vygotski, Jean Piaget, entre outros. Já em 1998, ao repensar o
modelo ecológico do desenvolvimento humano, Bronfenbrenner e Morris passam a chamá-lo de
bioecológico, reforçando a ênfase nas características biopsicológicas da pessoa em
desenvolvimento e não nos contextos de desenvolvimento como inicialmente.
Pensar e ver o mundo ecologicamente significa abrir nossas percepções para um mundo
complexo, vivo, dinâmico e intenso (Goldberg, Yunes e Freitas, 2005). De acordo com estes
autores, que se basearam em Castro (1992), a origem etimológica da palavra ecologia se constitui
70
pela junção de dois termos gregos: oikos, que significa habitação, família e logia, que significa
dizer, ler, anunciar. Portanto, para Goldberg et al (2005), “a questão ecológica reside também nas
relações dos indivíduos a partir da habitação destes ambientes e nas dinâmicas interações entre os
mais variados espaços mentais, sociais e geográficos” (p. 99).
Segundo essa forma de pensar, a perspectiva ecológica do desenvolvimento humano,
proposta por Urie Bronfenbrenner, parte do pressuposto de que para entender o ser humano é
necessária não somente a observação direta do seu comportamento com outro indivíduo em uma
mesma situação, mas, também, dos sistemas de interação entre vários ambientes com múltiplas
pessoas, indo além do ambiente imediato que o indivíduo está situado.
Na definição de Bronfenbrenner (1996)
a ecologia do desenvolvimento humano envolve o estudo científico da acomodação
progressiva, mútua, entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as propriedades
mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse
processo é afetado pelas relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em que
os ambientes estão inseridos. (p.18)
Portanto, dentro da perspectiva ecológica de desenvolvimento, o meio ambiente relevante
para o desenvolvimento do indivíduo não se limita a um único ambiente - o ambiente imediato.
Ou seja, o meio ambiente no qual o indivíduo se desenvolve não se restringe somente às
influências internas existentes em seus ambientes imediatos, mas, também, pelas influências
externas a esses ambientes advindas de contextos mais amplos que os contêm, sendo que, por
definição, ambientes imediatos são todos os locais em que a pessoa está inserida, estabelecendo
interações diretas com outros indivíduos.
71
O meio ambiente ecológico, como definido por Bronfenbrenner (1996), é composto por
quatro estruturas, sendo uma contida na outra. A primeira estrutura, denominada microssistema, é
o ambiente imediato em que a pessoa em desenvolvimento está inserida diretamente. O
mesossistema, segunda estrutura, é o conjunto desses microssistemas. A terceira estrutura parte
do pressuposto de que acontecimentos ocorridos sem a presença da pessoa em desenvolvimento
também a afetam ou que ambientes, nos quais o indivíduo não está presente, podem sofrer
intervenções pelas suas ações em seu ambiente imediato. A última estrutura, denominada
macrossistema, envolve todas as três estruturas citadas anteriormente, sendo que dentro de uma
cultura ou subcultura o ambiente de determinado tipo tende a ser semelhante, o que não ocorre
entre culturas diferentes.
Goldberg et al (2005) destacam dois fatores relacionados a essas estruturas: 1)
compreendem, além do comportamento dos indivíduos, as conexões entre outras pessoas, a
natureza dos vínculos e a influência direta ou indireta sobre a pessoa em desenvolvimento nos
contextos em que ela habita e atua de forma ativa; 2) alterações que por ventura ocorrerem nas
estruturas dos referidos ambientes, provocam mudanças nos comportamentos e no
desenvolvimento dos indivíduos.
Em relação ao desenvolvimento humano Bronfenbrenner (1994) define que
o processo através do qual a pessoa desenvolvente adquire uma concepção mais ampliada,
diferenciada e válida do meio ambiente ecológico, e se torna mais motivada e mais capaz de se
envolver em atividades que revelam suas propriedades, sustentam ou reestruturam aquele
ambiente em níveis de complexidade semelhante ou maior de forma e conteúdo. (p.23)
Portanto, a perspectiva ecológica do desenvolvimento humano considera que a pessoa em
desenvolvimento é um indivíduo em constante crescimento e dinâmico, que, progressivamente,
72
atua no meio em que está inserido, reestruturando-o. Portanto, não existe um limite definido a
priori que determina até onde, quando e o quanto o indivíduo se desenvolverá e nem um sujeito
que está no mundo para sofrer o seu impacto, como uma tábula rasa.
Isto posto, pode-se dizer que a relação indivíduo - meio ambiente é bidirecional e
recíproca, que desencadeia um processo de acomodação mútua. Ou seja, a pessoa que provoca
transformações no meio ambiente em que está inserida e o reestrutura também sofre
transformação do mesmo. Portanto, as mudanças que repercutirão nos demais ambientes
imediatos de um indivíduo, dependerão da percepção e do sentido que o indivíduo oferecer às
transformações sofridas em um ambiente imediato em que está inserido.
Para Bronfenbrenner (1996), os aspectos do meio ambiente mais importantes na
formação do curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm
significado para a pessoa numa dada situação(p.19), sendo, então, de extrema importância para
o comportamento e o desenvolvimento do sujeito sua percepção sobre o ambiente em que es
inserido e não conforme possa existir na realidade.
Em relação ao microssistema em específico, Bronfenbrenner (2005) o define como “um
padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciadas pela pessoa em
desenvolvimento em um dado ambiente, face a face com características físicas e materiais
particulares, contendo outras pessoas com características distintas de temperamento,
personalidade e sistema de crenças” (p.147).
Nesta definição, Bronfenbrenner identifica três elementos principais: as atividades, os
papéis e as relações interpessoais. E quando esses elementos interagem, qualificam o potencial do
microssistema para instigar o desenvolvimento humano (Krebs, 2006). A seguir, serão destacados
73
os três elementos essenciais que sustentam o microssistema para que este propicie o
desenvolvimento do ser humano.
A) A natureza e função das atividades molares
De acordo com Bronfenbrenner (1996), atividade molar é “um comportamento
continuado que possui um momento (quantidade de movimento, impulso) próprio e é percebido
como tendo significado ou intenção pelos participantes do ambiente” (p. 37).
Para tanto, o autor diferencia as atividades molares quanto a quatro aspectos,
intensificando a sua complexidade:
a) Quanto à perspectiva temporal, em que o indivíduo pode desenvolver a atividade
que realiza somente naquele momento ou transcender para momentos passados ou futuros.
b) Quanto à estrutura de objetivo, em que o objetivo para ser alcançado dependerá de
somente uma ação ou será alcançado após a conclusão de várias etapas.
c) Quanto à extensão que invocam objetos, pessoas e eventos, que podem se
estabelecer somente no ambiente imediato do indivíduo ou podem ultrapassar este ambiente,
passando a não estar concretamente presente.
d) Quanto às relações com outras pessoas, que podem ocorrer pela díade ou envolver
interações com mais de uma pessoa.
Bronfenbrenner (1996) destaca que neste contexto um dos princípios da ecologia do
desenvolvimento é a capacidade de a criança estabelecer atividades molares mais complexas
propiciará, além da sua participação ativa no meio ambiente, a sua capacidade de modificar e
aumentar a estrutura e conteúdo do mesmo de acordo com suas necessidades e desejos.
74
Portanto, para Bronfenbrenner (1996), “o status desenvolvimental do indivíduo está
refletido na substancial variedade e complexidade estrutural das atividades molares que ele inicia
e mantém na ausência de instigação ou orientação dos outros” (p. 44).
Isto posto, uma das maneiras de constatar o desenvolvimento da criança é pela sua
capacidade em executar mais de uma atividade molar ao mesmo tempo, sendo esta cada vez mais
complexa.
B) As estruturas interpessoais como contextos do desenvolvimento humano
Os indivíduos em desenvolvimento utilizam-se de sistemas de interações como forma
possível de participação em todos os sistemas, de forma direta ou indireta. A ade, forma
primordial desse sistema de interação, é o sistema que ocorre entre duas pessoas em um
determinado ambiente imediato (microssistema) no qual esses indivíduos estão inseridos, em que
um dos indivíduos de forma atenta ou participativa se envolve nas atividades desenvolvidas pelo
outro. Nessa perspectiva, “se um dos membros do par diádico sofre alguma transformação
desenvolvimental, é provável que o outro também mude” (Bronfenbrenner, 1996, p. 53), devendo
ser, então, uma relação recíproca.
Para Bronfenbrenner (1996), a díade é um dos principais elementos do ambiente, pois “o
desenvolvimento da pessoa é uma função da substancial variedade e complexidade estrutural das
atividades molares realizadas por outros que se tornam parte do campo psicológico da pessoa, ou
por envolvê-la numa participação conjunta ou por atrair a sua atenção” (p.45).
Bronfenbrenner (1996) diferencia as três possíveis formas de díade que propiciam o
crescimento psicológico: a díade observacional, que ocorre quando o participante presta atenção
75
na atividade realizada pelo outro e este reconhece o interesse que demonstra aquele; a díade de
atividade conjunta, que está presente quando ambos os participantes são efetivos e realizam
juntos atividades que, mesmo sendo um pouco diferentes, se complementam; e a díade primária,
é aquela que, mesmo os participantes estando separados, a díade continua a existir
fenomenologicamente, ou seja, as influências do comportamento um do outro continuam
presentes.
É primordial destacar que, para Bronfenbrenner (1996), essas estruturas diádicas não são
excludentes e podem ser importantes e mais significativas se houver combinação entre elas,
porém, só haverá desenvolvimento e aprendizagem em uma relação diádica, se ocorrer equilíbrio
de poder existente na díade em questão, em que a pessoa em desenvolvimento se favorece
quando comparada à desenvolvente.
Outro fator importante a ser ressaltado é que o poder desenvolvimental de uma díade está
relacionado diretamente à intensificação das propriedades que caracterizam todas as díades:
reciprocidade, equilíbrio do poder e relação afetiva.
A reciprocidade significa que em qualquer relação diádica o que A faz influencia B e
vice-versa, sendo que este feedback mútuo tende a criar um momento próprio, motivando os
participantes a perseverar e, inclusive, se empenhar em padrões de interação progressivamente
mais complexos (Bronfenbrenner, 1996).
O equilíbrio do poder, de acordo com a Teoria Bioecológica, é a melhor situação para a
aprendizagem e o desenvolvimento e ocorre quando, gradualmente, o poder se altera em favor da
pessoa em desenvolvimento. Nos processos diádicos, mesmo havendo a reciprocidade, um dos
participantes pode ser mais influente do que o outro, oferecendo possibilidades para a pessoa em
crescimento aprender a lidar com as relações de poder diferenciais que encontrará em vários
76
ambientes ecológicos durante o percurso de sua vida, contribuindo, portanto, para o seu
desenvolvimento cognitivo e social.
A relação afetiva está relacionada aos sentimentos que podem surgir entre os participantes
ao se envolverem em interações diádicas. Segundo a perspectiva bioecológica, esses sentimentos
podem ser mutuamente positivos, negativos, ambivalentes ou assimétricos. Porém, o aumento
dos processos desenvolvimentais tem maior probabilidade de ocorrer quando as relações afetivas
são positivas e recíprocas.
Bronfenbrenner (1996) denominou díades desenvolvimentais todas as díades que
satisfazem as condições ótimas de reciprocidade, complexidade progressivamente crescente,
mutualidade de sentimentos positivos e alteração gradual no equilíbrio do poder. O teórico
também destaca que “num ambiente de pesquisa contendo mais de duas pessoas, o modelo
analítico precisa levar em conta a influência indireta de terceiras pessoas sobre a interação entre
os membros de uma díade. Este fenômeno é chamado de efeito de segunda ordem” (p.55).
O efeito de segunda ordem é toda influência indireta que a díade recebe de terceiros. Para
Bronfenbrenner (1996), o sistema que envolve mais de duas pessoas denomina-se sistema N + 2.
E acrescenta que
a capacidade de uma díade de funcionar efetivamente como um contexto de desenvolvimento
depende da existência e natureza de outros relacionamentos diádicos com terceiras pessoas. O
potencial desenvolvimental da díade original é aumentado na extensão em que cada uma
dessas díades externas envolve sentimentos mutuamente positivos e as terceiras pessoas
apoiam as atividades desenvolvimentais que ocorrem na díade original. Inversamente, o
potencial desenvolvimental da díade é prejudicado na extensão em que cada uma das díades
77
externas envolve algum antagonismo mútuo ou as terceiras pessoas desencorajam ou
interferem nas atividades desenvolvimentais realizadas pela díade original. (p. 62)
Bronfenbrenner (1996) ressalta que os padrões de interação no sistema N + 2 podem ser
sequenciais, ou seja, os efeitos de segunda ordem funcionam mesmo que todas as pessoas
envolvidas não estejam interagindo simultaneamente, diferentemente da formação de uma díade,
que demanda a presença no mesmo lugar e ao mesmo tempo dos dois participantes. O teórico
chamou este sistema de interação sequencial de rede social.
C) Os papéis como contextos do desenvolvimento humano
Para Bronfenbrenner (1996), um papel “é uma série de atividades e relações esperados de
uma pessoa que ocupa uma determinada posição na sociedade e de outros em relação aquela
pessoa” (p.68).
O papel, nesta teoria em questão, está relacionado com a idade, sexo, relação de
parentesco, ocupação ou status social, sendo que estes fatores se encontram diretamente ligados
às expectativas do papel. Essas expectativas, por sua vez, estão relacionadas ao conteúdo da
atividade e às relações entre a díade, que são delineadas pelo grau de reciprocidade, equilíbrio do
poder e relação afetiva. Essas relações são constituídas no macrossistema e definidas no âmbito
da cultura, porém o papel funciona como um elemento do microssistema.
Ao reverem a sua teoria, Bronfenbrenner e Morris (1998) reformulam o modelo ecológico
de desenvolvimento humano, que passa a ser chamado de bioecológico, reforçando a ênfase nas
características biopsicológicas da pessoa em desenvolvimento e não nos contextos de
desenvolvimento como inicialmente.
78
Bronfenbrenner sugere, então, o modelo PPCT, ou seja, Pessoa, Processo, Contexto e
Tempo. Segundo este autor, a pessoa se desenvolve por meio de processos proximais, que são
interações que acontecem nos contextos ou sistemas diretos em que o sujeito faz parte, chamados
de microssistemas, assim como nos outros sistemas que indiretamente influenciam a vida do
sujeito (Andrada, 2003).
Em relação ao modelo PPCT, será útil esclarecer o significado dado, na teoria de
Bronfenbrenner, a cada um dos seus “componentes”:
Pessoa: é importante ressaltar que para Bronfenbrenner as características do indivíduo em
desenvolvimento sempre causarão impactos em suas experiências com os diversos contextos,
sendo que essas qualidades podem aumentar ou diminuir seus níveis dos processos de
crescimento psicológico. Em relação ao modelo bioecológico proposto por Bronfenbrenner e
Morris (1998), nenhuma característica da pessoa pode existir ou exercer influência sobre o
desenvolvimento isoladamente. Diante deste fator, Martins e Szymanski, (2004) apontam os três
tipos de características do indivíduo
as características de disposições, que podem colocar os processos proximais em movimento e
continuam sustentando a sua operação; de recursos bioecológicos de habilidade, experiência e
conhecimento, para que os processos proximais sejam efetivos em determinada fase de
desenvolvimento e as de demanda, que convidam ou desencorajam reações do contexto social
que pode nutrir ou romper a operação de processos proximais. (p. 65-66)
Processo: Para Martins e Szymanski (2004)
o processo tem a ver com as ligações entre os diferentes níveis e se acha constituído pelos
papéis e atividades diárias da pessoa em desenvolvimento. Para ser efetiva, a interação tem
que ocorrer em uma base bastante regular em períodos estendidos de tempo. Tais formas
79
duradouras de interação no ambiente imediato referem-se a processos proximais (proximal
process). (p.66)
Contexto: no modelo bioecológico, os ambientes definidos são: micro, meso, exo e
macrossistemas. O contexto de desenvolvimento é o meio ambiente no qual o indivíduo está
inserido, sendo ele imediato ou não, onde os processos desenvolvimentais se procedem.
Tempo: para Martins e Szymanski (2004), o tempo “pode ser entendido como o
desenvolvimento no sentido histórico ou, em outras palavras, como ocorrem as mudanças nos
eventos no decorrer dos tempos, devido às pressões sofridas pela pessoa em desenvolvimento”
(p.66), sendo que essas mudanças, com base na teoria bioecológica, “podem alterar o curso de
desenvolvimento humano, em qualquer direção, não só para indivíduos, mas para segmentos
grandes da população” (p. 66).
Portanto, os “processos proximais” são entendidos por Bronfenbrenner e Morris (1998)
como “formas particulares de interação entre organismo e ambiente, que operam ao longo do
tempo e compreendem os primeiros mecanismos que produzem o desenvolvimento humano” (p.
994).
Assim sendo, os processos (interações) seriam os propulsores de desenvolvimento,
contudo, não são autossuficientes, variando em seu efeito sobre o indivíduo em relação à força,
forma, conteúdo e direção, dependendo das relações estabelecidas em conjunto com as
características biopsicológicas da pessoa, do ambiente, das continuidades e descontinuidades
sociais ao longo do tempo e do período histórico em que a pessoa viveu. Ou seja, dependerá da
pessoa, do contexto e do tempo (Marcondes, 2006).
80
CAPÍTULO IV
METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
ENTREVISTA NA PESQUISA QUALITATIVA
Esta pesquisa foi traçada dentro de uma abordagem qualitativa dos dados, tendo uma
postura fenomenológica. Para González Rey (2002), a pesquisa qualitativa possibilita ao
pesquisador um olhar investigativo, dialógico e relacional que o leva a debruçar-se “sobre o
conhecimento de um objeto complexo: a subjetividade, cujos elementos implicam
simultaneamente diferentes processos constitutivos do todo, os quais mudam em face do contexto
em que se expressa o sujeito concreto” (p.51).
Bogdan (1982 citado por Trivinos, 1995) destaca cinco características fundamentais da
pesquisa qualitativa do tipo fenomenológico, descritas a seguir:
1) A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural
30
como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento-chave, ou seja, ele tem que possuir visão ampla e complexa do
real social, sendo que o importante e verdadeiro é o conteúdo da percepção que se tem do
fenômeno social concreto.
2) A pesquisa qualitativa é descritiva, ou seja, rejeita toda expressão quantitativa, e a
interpretação dos resultados baseia-se na percepção de um fenômeno em um determinado
30
Entende-se por ambiente natural ou contexto natural, segundo Bogdan e Biklen (1994), aquele em que os problemas são estudados no ambiente
em que eles ocorrem naturalmente, sem qualquer manipulação intencional do pesquisador.
81
contexto, sendo os resultados expressos por narrativas e ilustrados com declarações dos
participantes ou com fragmentos de entrevistas, por exemplo.
3) Os pesquisadores qualitativos estão preocupados com o processo e não
simplesmente com os resultados e o produto como nas pesquisas empíricas.
4) Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente, ou seja, na
pesquisa qualitativa fenomenológica não existem hipóteses estabelecidas a priori, sendo que os
significados e a interpretação surgem da percepção do fenômeno em um determinado contexto.
5) O significado é a preocupação essencial na abordagem qualitativa, sendo que o
enfoque fenomenológico privilegia os pressupostos que servem de fundamento à vida das pessoas
porque considera que os significados que os sujeitos oferecem ao fenômeno dependem em sua
essência dos desígnios culturais próprios do ambiente em que a pessoa vive.
Vários autores destacam a Entrevista como um dos componentes ou categorias
fundamentais do trabalho de campo na pesquisa qualitativa (André & Ludke, 1986; Bogdan &
Bilken, 1994; Triviños, 1995; Holstein & Gubrium, 1995; Minayo, 1996).
Segundo Minayo (2000), a entrevista é definida tanto no sentido da comunicação verbal
quanto no da coleta de informações sobre determinado tema. Através dela, podem ser obtidos
dados estatísticos e dados referentes ao indivíduo, como valores e opiniões. Haguette (1987) a
define como “um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o
entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”.
Holstein & Gubrium (1995) confirmam que toda Entrevista é um evento interacional,
independentemente de os dados obtidos serem objetivos ou subjetivos. E destacam que todas as
82
narrativas são construídas nesta situação interacional, ou seja, todas são produtos da conversa
entre os participantes da entrevista.
Para Szymanski (1998), o movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o
entrevistado diante de um pensamento organizado de uma forma inédita até mesmo para ele. E,
portanto, será nessa situação de reflexão que o entrevistado concordará em dar seu depoimento
sobre uma determinada área de seu conhecimento, e o entrevistador oportunizará essa ocasião por
meio de perguntas e sínteses que serão, gradualmente, apresentadas ao longo da Entrevista.
A Entrevista Reflexiva é uma entrevista do tipo semiaberta, individual ou em grupo,
realizada em pelo menos dois encontros. Apesar de não seguir um roteiro fechado, os objetivos
do encontro devem estar claros para os participantes, assim como as informações pretendidas,
facilitando, com isto, a compreensão do material produzido. De acordo com Szymanski (1998), é
importante a construção de um planejamento prévio no qual estejam previstos os imprescindíveis
momentos para: a apresentação do entrevistador e dos objetivos da entrevista; o esclarecimento
de detalhes quanto à forma de registro das informações; a especificação sobre quem e quantos
participarão das entrevistas; o agendamento sobre o local; o tempo de duração e o número de
vezes em que elas ocorrerão etc.
83
MÉTODOS DE ANÁLISE DOS DADOS (GROUNDED THEORY)
As Entrevistas Reflexivas, registradas em áudio e transcritas posteriormente, geraram
textos que foram submetidos à análise qualitativa. Para analisar estes textos, foi utilizada a Teoria
Fundamentada nos Dados (Grounded Theory), que é uma abordagem ou método de análise
qualitativa proposto por Glaser e Strauss (1967).
Esta abordagem se refere à descoberta de uma teoria construída indutivamente que se
baseia em dados, tendo como objetivo identificar, desenvolver e relacionar conceitos (Cassiani,
Caliri e Pelá, 1996; Dechichi, 2001; Santos & Nóbrega, 2004; Martins & Symanski, 2004).
Segundo Dechichi (2001), esses dados são sistematicamente obtidos e analisados pela
comparação constante, de um ir e vir aos dados, da coleta à análise e da análise à coleta.
Os passos seguidos para análise dos dados na Grounded Theory são: interação com os
dados; processo de codificação; criação das categorias; realização da codificação axial; e
descobrir a categoria central (Dechichi, 2001; Martins & Szymanski, 2004).
A seguir, resumidamente serão descritas as etapas de coleta, análise, discussão e
interpretação dos dados sobre o fenômeno pesquisado de acordo com a Grounded Theory, sendo
utilizados para exemplificar essas etapas trechos da transcrição de uma das entrevistas realizadas
no decorrer da pesquisa.
84
1) CODIFICAÇÃO
Refere-se ao processo de desmembramento da transcrição escrita da entrevista, em que o
pesquisador examina, minuciosamente, o texto escrito, comparando e conceituando os incidentes
e eventos ocorridos, analisando-os como indicadores potenciais do fenômeno. Esses eventos são
transformados em Códigos ou Unidades Básicas de Análise.
No quadro abaixo, reproduzimos um trecho da transcrição da Entrevista Reflexiva
realizada com a professora participante, exemplificando como foi feita sua codificação.
TEXTO ESCRITO
CODIFICAÇÃO
(Unidades de Análises)
P: Qual a sua idade?
R: Eu sempre brinco assim. Cada ano que começa, lógico q eu
faço mais um. É óbvio, né? Mas o ano passado eu fiz 51, aí eu
brincava e falava, eu tô fazendo 15. Então, esse ano eu faço 25.
Faço 52. E assim vai. Eu tenho 52 anos
(1)
.
P: Qual a sua formação?
R: Sou pedagoga
(2)
P: Faz quanto tempo?
R: 86
(3)
. É.
P: Você fez alguma pós-graduação?
R: Não.
(4)
(1) Tendo 52 anos
(2) Formada em pedagoga
(3) Formada em 86
(4) Não tendo pós-
graduação
2) CATEGORIZAÇÃO
Para Strauss & Corbin (1990), a categorização é o procedimento utilizado para agrupar
conceitos que parecem ser relevantes e partes de um mesmo fenômeno.
Ao agrupar e classificar os Conceitos (Códigos com significados), as Categorias são
formadas, se encontrando em nível superior aos conceitos, pois são mais abstratas, mais
85
desenvolvidas e conceitualmente mais fortes do que os Códigos. Antes de chegar diretamente às
Categorias, muitas vezes, Subcategorias são reveladas pelo agrupamento dos Códigos, sendo, em
seguida, reagrupadas, formando as Categorias.
Para Strauss e Corbin (1990), ao se nomear uma categoria, é imprescindível que você se
lembre dela e pense nela, através do seu nome e, principalmente, comece a desenvolvê-la
analiticamente.
No exemplo a seguir, reproduzimos um dos Quadros de Categorização.
CÓDIGOS SUBCATEGORIA CATEGORIA
(198) Sabendo hoje abrir
chuveiro, abrir torneira
(157) Indo já ao banheiro
sozinho
(159) Vestindo-se
(160) Comendo sozinho
- Desenvolvendo capacidade
(motora) de abrir e fechar a
torneira (banheiro)
- Desenvolvendo autonomia
para ir ao banheiro
- Conseguindo vestir-se
sozinho
- Conseguindo servir-se de
água sozinho
Tornando-se mais autônomo
nas atividades de vida diária
(A.V.D.)
3) CODIFICAÇÃO TEÓRICA
Nesta etapa, o foco está em relacionar as Categorias aos seus respectivos fenômenos, a
partir dos aspectos que delas se sobressaem. Ou seja, agrupam-se as Categorias e suas
Subcategorias que se referem a um mesmo fenômeno formando-se, então, a Macrocategoria. Este
agrupamento é realizado pelas comparações entre as Categorias reveladas, compreensão do tipo
de relação existente entre elas, com possível reorganização das referidas Categorias ao longo do
processo.
86
A seguir, apresentaremos um quadro exemplificando uma Codificação Teórica.
MACROCATEGORIA CATEGORIA SUBCATEGORIAS
PLANEJANDO
ATIVIDADES EM
SALA DE AULA
ADAPTANDO
PLANEJAMENTO GERAL
DA ESCOLA EM FUNÇÃO
DO ALUNO AUTISTA
- Tendo planejamento especial
para o aluno autista
- Adaptando a sala para trabalhar
com alunos autistas
-Planejando em função das
dificuldades do aluno
- Mudando o planejamento em
função do humor do aluno autista
4) DESCOBERTA DA CATEGORIA CENTRAL
Para Strauss e Corbin (1990), a “Categoria Central é o fenômeno central ao redor do
qual todas as outras categorias estão integradas”, tendo que se apresentar ampla e abstrata o
suficiente para incluir e exprimir as outras Categorias. É nesta etapa que estes autores nomeiam
como fase de elaborar “a história”, sendo que na composição da história, as categorias devem ser
capazes de oferecer um destaque maior do que o de uma experiência individual.
Portanto, o objetivo desse último processo é compreender o fenômeno central, o qual se
constitui no elo entre as Categorias, amarrando a história à sua volta a partir dos dados, tendo que
ser capaz de lançar todos os elementos juntos e explicar as diferenças encontradas nas
experiências.
87
PERCURSO DA INVESTIGAÇÃO
O presente trabalho apresenta os resultados do desenvolvimento de um projeto de
pesquisa cujo objetivo principal foi analisar os aspectos psico-educacionais relacionados ao
atendimento educacional escolar do aluno autista e a relação destes aspectos com a promoção
do desenvolvimento global deste educando, a partir de uma perspectiva Bioecológica do
Desenvolvimento Humano.
A busca por este objetivo proposto levou-nos para dentro da escola ao encontro da
professora que atende a este educando no contexto da sala de aula, pois consideramos ser este o
principal e mais significativo ambiente imediato escolar relacionado às possibilidades de
desenvolvimento do aluno. Em relação a este aspecto, Dechichi (2001) destaca que
a supremacia da sala de aula, em relação aos demais ambientes escolares, efetiva-se porque é
ali que são desenvolvidas as principais atividades escolares voltadas para a concretização dos
objetivos educacionais prioritários da escola, e também é ali, no bojo das interações
estabelecidas entre todos os participantes daquele ambiente, que professora e alunos
constituem-se como sujeitos desempenhando seus papéis fundamentais dentro do sistema
escolar, ou seja, um ensinando e sendo professor, e o outro aprendendo e sendo aluno. (p.
70)
Assim, na presente pesquisa, ao focarmos o microssistema da sala de aula e os três
elementos fundamentais constituidores deste ambiente, consideramos, em nossas discussões e
análises, questões relacionadas: (1) às diversas maneiras como as atividades em sala de aula são
definidas e propostas pelas professoras; (2) aos padrões de interação estabelecidos entre
88
aluno/professora e aluno/aluno; e, por fim, (3) ao modo como os papéis sociais vêm sendo
constituídos, vivenciados e representados significativamente nessas interações.
O percurso da investigação realizada foi construído respeitando as seguintes etapas. A
primeira delas envolveu a revisão teórica sobre os temas relacionados com o presente estudo,
tendo como objetivo apresentar um estado da arte sobre o tema do Transtorno Autista; da relação
entre Educação e Autismo; e os fundamentos da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento
Humano.
Após esta revisão teórica, seguimos em direção à etapa de investigação e coleta de dados,
utilizando para isso as Entrevistas Reflexivas (Szymanski, 1998), a partir de um roteiro semi-
estruturado por nós elaborado (Apêndice B). O período da coleta dos dados estendeu-se ao longo
do ano de 2008.
Como participantes desta investigação, considerando o recorte epistemológico proposto,
identificamos nas professoras, do ensino regular ou especial, que atendem a alunos autistas em
suas salas, os sujeitos que poderiam nos oferecer as respostas às nossas indagações. Assim, o
critério principal para a escolha das professoras participantes foi de as mesmas terem experiência
prévia com alunos já diagnosticados
31
como tendo Transtorno Autista.
A identificação das escolas onde, possivelmente, encontraríamos as professoras com o
perfil desejado ocorreu a partir de contato com pais de crianças autistas e psicólogos que atendem
a esta população; visitas a escolas públicas ou particulares, regulares ou especiais; e consultas à
Superintendência Regional de Ensino da cidade onde o estudo foi realizado.
31
Todos os alunos autistas das professoras que participaram da investigação possuíam algum tipo de laudo psicológico que diagnosticava este
transtorno, de acordo com informação oferecida pelas diretoras das referidas escolas. Não tivemos acesso a estes documentos.
89
A partir das visitas às escolas identificadas, foram selecionadas uma escola regular da
rede particular de ensino e uma escola especial da rede pública. As outras três escolas contatadas,
que caberiam no perfil procurado, não aceitaram participar da pesquisa, alegando questões éticas
relacionadas à preservação do sigilo profissional e respeito à privacidade dos alunos e
professores. Assim, das duas escolas, foram eleitas quatro professoras (três da escola especial e
uma da escola regular) que aceitaram participar do estudo, compartilhando suas experiências de
trabalho com os alunos autistas.
Em relação às participantes, todas foram adequadamente esclarecidas sobre os objetivos e
finalidades do presente estudo, além de concordarem e assinarem o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (Apêndice C). Importante ainda destacar o cuidado e o rigor tidos durante
toda a pesquisa com a adequada postura ética, mantendo sigilo do nome das participantes, que
foram substituídos por nomes fictícios, bem como a garantia da não divulgação dos áudios
registros realizados durante as Entrevistas Reflexivas.
A seguir, iniciamos o procedimento de Entrevistas Reflexivas com as professoras
participantes, que foram áudios registrados e realizados individualmente com cada profissional,
tendo duração média de 01 hora. Posteriormente, todas as entrevistas foram transcritas e os textos
utilizados como fonte principal de informações para o referido estudo. Essas entrevistas foram
feitas em uma sala disponibilizada pelas próprias escolas, sendo realizadas durante o tempo de
módulo de cada professora, a fim de não atrapalhar o seu trabalho nas escolas.
Concomitantemente à realização das entrevistas, foram feitas observações no contexto de sala de
aula, sendo as mesmas utilizadas como fonte de informação para a análise e discussão dos dados
revelados neste estudo.
90
A terceira e última etapa do percurso deste estudo envolveu a análise e discussão dos
dados obtidos das entrevistas realizadas com as professoras.
91
APRESENTANDO AS ESCOLAS
A pesquisa foi realizada em duas escolas de uma cidade de médio porte do estado de
Minas Gerais: uma escola regular da rede particular de ensino
32
e a outra, escola especial
33
.
Escola Regular da Rede Particular
34
A escola, inaugurada em 1988, encontra-se localizada em uma região da classe alta da
cidade, entretanto, a diretora esclarece que a população atendida se encontra entre a classe
média e alta da cidade, sendo que a escola oferece atualmente duas bolsas integrais para alunos
de classe mais baixa. Atualmente, trabalham na escola 8 professores, um funcionário para o
serviço de limpeza e outro para o de alimentação.
Esta instituição é uma escola infantil que funciona em dois períodos: matutino e
vespertino. As turmas formadas são: Berçário, Maternal I e II, Jardim I e II e Pré, sendo que
existe uma turma em cada período. Há cerca de aproximadamente 40 alunos matriculados, sendo
atendidos no máximo até 10 alunos por sala. As crianças matriculadas na escola encontram-se
entre a faixa etária de 9 meses a 6 anos. Porém, em relação aos alunos com necessidades
educacionais especiais, a média varia entre 6 a 18 anos.
32
Rede Particular é o conjunto de estabelecimentos de ensino que se enquadram na categoria escola privada, diferenciando-se quanto à categoria e
mantenedora de escola privada (Mec).
33
Educação especial é um campo de conhecimento e como modalidade transversal de ensino perpassa todos os níveis, etapas e modalidades,
realiza o atendimento educacional especializado e disponibiliza o conjunto de serviços, recursos e estratégias específicas que favorecem o
processo de escolarização dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação nas turmas
comuns do ensino regular e a sua interação no contexto educacional, familiar, social e cultural. (Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva – Mec)
34
As informações referentes à escola regular da rede particular foram obtidas com a diretora da própria escola.
92
Em relação às “crianças com dificuldade”
SIC 35
, a diretora nos informou que, após dois
anos de inauguração da escola, foi aberto espaço para o atendimento a essas crianças. Ela
acrescenta que alguns pais aceitam este trabalho, porém, outros chegam a não matricular seus
filhos por ter na escola crianças com dificuldade.
Desde o início deste atendimento, de acordo com o Plano Político Pedagógico da escola, é
matriculada somente uma criança com dificuldade por sala. A diretora da escola nos colocou que,
inicialmente, esse fato se deu devido ao “estar aprendendo a trabalhar com essas crianças”
SIC
e,
também, porque há 19 anos “isso não era muito normal aqui na cidade, ou seja, se fazer
inclusão”
SIC
. Posteriormente, ela seguiu “uma orientação de São Paulo de um médico que me
aconselhou a permanecer com uma criança com dificuldade por sala”
SIC
, chegando à conclusão
de que “uma criança com dificuldade por sala era o ideal, porque assim tinha como todos ser
atendidos de igual para igual, independentemente da dificuldade que apresentavam”
SIC
,
acreditando que desta forma o trabalho não prejudicaria nem o aluno com dificuldade nem os
demais alunos.
Outro aspecto importante citado pela diretora em relação ao trabalho realizado com os
alunos com dificuldade na escola é “respeitar a idade dessas crianças, não a cronológica, mas
sim a idade mental, aonde elas vão se encaixar independentemente da altura, além de ter o bom
senso, a sensibilidade de não querer ultrapassar o tempo delas”
SIC
. Para a diretora, “o
diferencial que a escola vem buscando até hoje, nesses 21 anos, é estar mostrando que é possível
sim ter uma criança com dificuldade no meio de outras crianças, que é possível mostrar que ela
35
As palavras, expressões ou códigos oriundos da fala da pessoa que nos passou as informações acerca das escolas serão escritos em itálico e entre
aspas, seguidos da sigla SIC que significa “Segundo Informações Codificadas”.
93
é uma criança normal fazendo com que o outro, que não tenha nada, passe a respeitá-la, passe a
cumprimentá-la, quando encontra em outro lugar”
SIC
.
As crianças que chegam ou já chegaram até a escola são crianças com Síndrome de Rett,
com autismo, com Síndrome de Down, com paralisia cerebral, com Síndrome de West II e alguns
“casos abertos”
SIC
, que não foram identificados pelos diversos médicos, aos quais a família já
levou a criança para consultar. A escolha da turma em que o aluno com dificuldade vai ser
“enquadrado
SIC
é realizada de acordo com as informações trazidas para a escola pelos pais em
relação ao quadro dos seus filhos. Em 2008, havia quatro alunos com necessidades educacionais
especiais no período matutino e cinco alunos no período vespertino.
Escola Especial
36
A Escola Especial participante, de acordo com uma das psicólogas que trabalha na
própria escola, atende, em sua grande maioria, a alunos de famílias de baixa classe, porém,
existem crianças de famílias de classe média e alta. Atualmente, a equipe de profissionais que
trabalha na referida escola está formada por 1 diretora, 1 vice-diretora, 2 secretárias, 35
professoras, 3 supervisoras, 18 assistentes gerais, responsáveis pela limpeza, cozinha etc., e a
equipe multiprofissional, composta por 3 psicólogas, 2 assistentes social, 1 fonoaudióloga, 1
fisioterapeuta, 1 terapeuta ocupacional.
Nesta escola, que funciona em dois períodos (matutino e vespertino), há turmas do
Primeiro Ano, Segundo Ano e Terceiro Ano, respectivamente, referentes ao antigo Introdutório,
Primeira Série e Segunda Série. Em 2008, havia 24 turmas de alfabetização, 12 no período
36
As informações referentes à escola especial foram obtidas com uma das psicólogas da própria escola.
94
matutino e 12 no vespertino, sendo a grande maioria voltada para o Segundo Ano, devido à maior
demanda. Além disso, havia uma turma de oficina pedagógica e uma sala de recurso.
Atualmente, em 2009, há 22 turmas de alfabetização (11 de manhã e 11 a tarde), 4 turmas de
oficina pedagógica (2 de manhã e 2 a tarde) e 2 salas de recurso (1 de manhã e 1 a tarde).
A oficina pedagógica é uma “modalidade de atendimento especializado, voltada para
alguma atividade pré-profissionalizante para os alunos de mais de 14 anos do Ensino
Especial”
SIC
. Em 2008, a escola oferecia a oficina de PVC, em que os alunos construíam móveis
adaptados para crianças com alguma dificuldade motora, como mesas, cadeiras de banho feitas
no material de PVC. Já no início de 2009, a escola está oferecendo as oficinas de PVC, de
culinária, de bijuterias e de biscuit (fabricação de enfeites e lembrancinhas com massas). As
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais, de acordo com o seu perfil, são
indicados pela professora e pela equipe multiprofissional para participar de determinada oficina,
acreditando que, dessa forma, poderão aproveitar realmente a oficina escolhida e aprender todo o
processo.
Já o trabalho realizado na sala de recurso, também uma modalidade de atendimento
especializado, está direcionado para “o atendimento, individual ou de até 4 alunos, de crianças
com alguma dificuldade de aprendizagem acentuada associada a alguma deficiência que está
incluída no ensino regular, trabalhando aquilo que o aluno está em déficit, podendo ser
localização especial ou localização temporal etc. O tempo deste atendimento pode variar entre
50 minutos a 2 horas e 30 minutos, sendo efetuado por um profissional com capacitação ou com
prática no Ensino Especial”
SIC
.
Há cerca de aproximadamente 300 alunos matriculados, sendo atendidos entre 8 a 15
alunos por sala. Encontram-se registrados, nesta Escola Especial, crianças, adolescentes e adultos
95
com vários tipos de deficiência, dentre elas: deficiência física; deficiência mental; alunos com
baixa visão ou audição, não tendo crianças cegas ou surdas; Síndrome de Down; educando com
transtorno global do desenvolvimento; estudantes com deficiências múltiplas, etc. A faixa etária
desses alunos varia entre 4 anos a 35 anos.
Para a psicóloga, a Escola Especial tem um papel fundamental em relação ao movimento
de inclusão. Neste sentido, ela cita algumas funções do ensino especial:
1) Oferecer o espaço escolar para uma população de alunos que, se não fosse a Escola
Especial, talvez não tivessem a oportunidade de estar neste ambiente;
2) Capacitar professores e profissionais da educação do ensino regular a lidar com esses
alunos, através da equipe multidisciplinar da própria Superintendência de Ensino. Esta equipe
realiza uma avaliação do aluno que está no ensino regular, faz repasses e soluções, além de
oferecer propostas de intervenções;
3) Através de convites, ir até as escolas regulares para falar de determinado assunto ou
professores do ensino especial exporem os projetos que estão desenvolvendo; e
4) Procurar a escola regular ao perceber que algum aluno da escola especial está
preparado para ser incluído, fazendo um trabalho conjunto com a escola, falando sobre o
educando, sugerindo atividades e fazendo o seu acompanhamento. A psicóloga destaca que,
atualmente, a equipe multiprofissional da escola faz a ponte entre os professores da escola regular
e do ensino especial.
Em relação à escolha da turma em que o aluno vai ser matriculado, a Escola Especial
segue dois pontos: primeiro, respeitar a faixa etária do educando que chega à escola, “não
colocando uma criança de sete anos em uma turma com alunos de 14”
SIC
; segundo, verificar o
“nível de desenvolvimento e o nível pedagógico”
SIC
em que se encontra o referido aluno, sendo
96
realizada uma avaliação pela equipe multiprofissional da própria escola. Após constatar esses
dois pontos, “é indicada a sala mais adequada à condição do novo o aluno”
SIC
.
97
APRESENTANDO AS PROFESSORAS
Participou deste estudo um grupo de 04 (quatro) professoras que trabalham ou já
trabalharam com alunos autistas em suas salas de aula na cidade de médio porte do estado de
Minas Gerais. Dentre essas professoras, três são funcionárias de uma escola especial e uma
participante é de uma escola particular de ensino.
Acreditamos ser importante apresentar uma breve descrição de cada uma das professoras
participantes, destacando aspectos importantes relacionados à história de cada uma, na época da
realização das entrevistas: idade, instituição onde trabalhava ou trabalhou e cursos de pós-
graduação.
Professora Rita
37
A Profª Rita, 52 anos, formada em pedagogia, começou a trabalhar com educação aos 16
anos. Em 1973, na escola “X”, ela substituía os professores quando não podiam ir ao trabalho. De
1977 até 1987, atuou como professora na escola “Y”. Foi voluntária durante 7 anos no trabalho
de ecoterapia com crianças com necessidades educacionais especiais. Em 1988, fundou uma
escola particular onde, atualmente, é diretora e professora.
37
A fim de preservar os participantes desta pesquisa, todos os nomes presentes neste trabalho são fictícios.
98
Professora Thaís
A Profª Thaís, 45 anos, formada no Normal Superior e em Pedagogia, com Pós-
Graduação em Psicopedagogia na área de Educação Especial, trabalha há 12 anos em escola.
Atualmente, trabalha em uma escola especial, sendo que, desde fevereiro de 2008, começou a
trabalhar em uma sala somente com alunos autistas.
Professora Bruna
A Profª Bruna, 50 anos, formada em Psicologia, com Pós-Graduação em Psicodrama,
trabalhou em consultório como psicóloga até 2005, começando em 2006 a dar aulas. Atualmente,
é professora em uma escola especial e trabalha, desde 2006, especificamente com autistas. A
Profª Bruna disse que está com a mesma sala desde 2006, sendo todos os nove alunos autistas.
Professora Maria
A Profª Maria, 38 anos, formada no Normal Superior, cursando Pós-Graduação em
Educação Especial com término previsto em janeiro de 2009, trabalha há dez anos em escola.
Quando se formou no nível médio, abriu uma escolinha onde trabalho durante 4 anos.
Posteriormente, trabalhou em escola do município e, atualmente, está há um ano em uma escola
especial. Em 2007, trabalhou na sala em que a Profª Thaís está atualmente. Nesta sala, havia 9
crianças autistas com idade variando entre 6 e 11 anos. Neste ano, 2008, a professora trabalha em
uma sala onde se encontram alunos com múltiplas deficiências, tendo um educando autista.
99
Em seguida será apresentado um quadro contendo o resumo das principais características
das quatro professoras participantes desta pesquisa em questão.
Quadro 1 – Caracterização das professoras participantes
Nome Idade Formação
Pós-Graduação Tempo de
atuação em
escola (anos)
Atuação
Profissional
Atualmente
Rita 52 Pedagogia 36 Escola particular
Thaís 45 Normal
Superior e em
Pedagogia
Pós-Graduação em
Psicopedagogia na área
de Educação Especial
12 Escola especial
Bruna 50 Psicologia Pós-Graduação em
Psicodrama
02 Escola especial
desde 2006
Maria 38 Normal
Superior
Pós-Graduação em
Educação Especial
10 Escola especial
desde 2007
Após situar o leitor no ambiente educacional escolar no qual o aluno autista se encontra
inserido e descrever algumas características das professoras participantes, apresentaremos as
quatro macrocategorias que foram reveladas diante da análise dos dados coletados.
100
CAPÍTULO V
ANÁLISE E DISCUSSÃO
A análise e discussão apresentadas pelo presente estudo tiveram como fonte fundamental
de dados as informações coletadas ao longo das Entrevistas Reflexivas realizadas com as quatro
professoras participantes. Como já mencionado, as entrevistas foram áudio-gravadas e,
posteriormente, transcritas. Os textos gerados a partir das transcrições realizadas foram
submetidos à análise categorial, quando foram identificados os códigos abertos que, após intenso
estudo, possibilitaram que as categorias de significados explicativas para o fenômeno em estudo
fossem reveladas.
A apresentação e discussão dos dados foram organizadas de modo a favorecer ao leitor
uma compreensão esclarecida do percurso que a análise categorial nos permitiu percorrer. Em um
primeiro momento, apresentaremos as Macrocategorias explicativas do fenômeno em foco, ou
seja, os temas focais identificados ao longo das falas das participantes que, a nosso ver, revelam
seus tópicos de interesse a respeito do exercício da prática profissional realizado no trabalho com
alunos autistas dentro de sala de aula.
Assim, inicialmente, apresentaremos as quatro Macrocategorias reveladas. Em seguida,
apresentaremos a análise categorial e a respectiva discussão das categorias de significado. Para
melhor compreensão do leitor, foram definidos alguns padrões de escrita com o objetivo de
distinguir e identificar os elementos do processo de categorização. Dessa forma, na escrita dos
101
nomes das Macrocategorias foram utilizadas letras maiúsculas, em negrito, como segue no
exemplo: PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA.
O nome das categorias de significado foi identificado com letras maiúsculas sublinhadas,
como: ADAPTANDO PLANEJAMENTO GERAL DA ESCOLA EM FUNÇÃO DO ALUNO
AUTISTA.
Já os nomes das subcategorias foram escritos com letras minúsculas em negrito,
como segue: tendo planejamento especial para o aluno autista.
As palavras, expressões ou códigos oriundos da fala das professoras foram escritos em
itálico, seguidos da sigla SIC, que significa “Segundo Informações Codificadas” como, por
exemplo: “Sempre tenho preparado uma atividade extra para a criança autista para que a
atividade não fique enfadonha”
SIC
.
Ao longo da apresentação e descrição das Macrocategorias, Categorias de Significado e
Subcategorias, utilizamos, quando possível, os mesmos termos, expressões ou palavras utilizadas
pelas participantes. O quadro geral representativo das quatro Macrocategorias e das Categorias de
Significado encontra-se no Apêndice F. Para fins de exemplificação, disponibilizamos no
Apêndice E o quadro da análise categorial da Macrocategoria: “INTERAGINDO EM SALA
DE AULA” de uma das entrevistas realizadas. Além disso, também apresentamos no Apêndice
D um exemplo do quadro de codificação de uma das entrevistas reflexivas, com sua respectiva
Codificação Aberta, para inteirar o leitor acerca de aspectos do processo de categorização.
102
APRESENTANDO AS MACROCATEGORIAS
A partir da análise categorial realizada nos textos oriundos das entrevistas realizadas com
as professoras participantes, foram reveladas quatro macrocategorias ou eixos de análise
temática. São elas:
I) PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA refere-se a todos aqueles
momentos em que a professora comenta o planejamento pedagógico organizado para sua ação em
sala de aula, quais são os objetivos pretendidos e de que forma ela implementa este planejamento,
ressaltando, neste momento, os aspectos das atividades por ela proposta.
II) INTERAGINDO EM SALA DE AULA refere-se a todos aqueles momentos em que a
professora descreve suas ações em sala de aula em função da interação dos seus alunos,
comentando os objetivos pedagógicos pretendidos, quais os conteúdos trabalhados e a interação
dos alunos nestas circunstâncias.
III) CARACTERIZANDO O ALUNO AUTISTA refere-se a todos aqueles momentos em
que a professora comenta as características gerais do educando autista.
IV) PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMANDO O ALUNO AUTISTA
refere-se a todos aqueles momentos em que a professora comenta as modificações observadas no
aluno autista ao longo do período de sua escolarização, iniciado na época em que ele ingressou
em sua sala de aula até o momento das entrevistas com a pesquisadora.
103
ANÁLISE E DISCUSSÃO DAS CATEGORIAS
Serão apresentadas, a seguir, as Categorias e Subcategorias de Significado reunidas em
quatro Macrocategorias ou eixos de compreensão temática, após a análise categorial a partir dos
textos gerados pelas Entrevistas Reflexivas feitas com as quatro professoras participantes. Os
quadros das Macrocategorias, suas Categorias de Significado e Subcategorias serão apresentados
e acompanhados de suas respectivas análises.
Primeira Macrocategoria: I) PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA
Esta macrocategoria, que se refere a todos aqueles momentos em que a professora
comenta o planejamento pedagógico organizado para sua ação em sala de aula, quais os
objetivos pretendidos e de que forma ela implementa este planejamento, ressaltando, neste
momento, os aspectos das atividades por ela propostas, foi revelada a partir do conjunto de
Categorias e Subcategorias de Significado apresentadas no quadro abaixo.
104
Quadro 2: Macrocategoria PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ADAPTANDO PLANEJAMENTO
GERAL DA ESCOLA EM FUNÇÃO DO
ALUNO AUTISTA
- Tendo planejamento especial para o aluno
autista
- Adaptando a sala para trabalhar com o aluno
autista
-Planejando em função das dificuldades do
aluno
- Mudando o planejamento em função do
humor do aluno autista
VALORIZANDO AS ATIVIDADES DE
VIDA DIÁRIA (AVDs)
- Trabalhando com atividades de vida diária
- Orientando AVDs (se vestir e guardar
pertences)
ENFATIZANDO ATIVIDADES COM
MÚSICA
- Música acalmando o aluno
- Utilizando a música para controlar
comportamentos inadequados
- Aluno cantando músicas espontaneamente
UTILIZANDO MATERIAL CONCRETO
COM O GRUPO
- Utilizando materiais/objetos (giz de cera,
bola, pedra, tinta, blocos lógicos)
- Utilizando materiais/objetos existentes na
própria sala de aula
TRABALHANDO COM A NOÇÃO DE
NÚMERO
- Noção de cor, forma e tamanho
- Noção de numeral e quantidade
VALORIZANDO ATIVIDADES
LIVRES/ESPONTÂNEAS DO ALUNO
- Valorizando atividades lúdicas (livres)
- Valorizando atividades criativas
(espontâneas)
105
Ao PLANEJAREM AS ATIVIDADES DA SALA DE AULA, as professoras
participantes destacam que ADAPTAM O PLANEJAMENTO GERAL DA ESCOLA EM
FUNÇÃO DO ALUNO AUTISTA. Dentre estas adaptações, elas ressaltam a necessidade de
elaborar um planejamento especial para estes alunos, modificando o planejamento geral da
escola em função das dificuldades e do humor do aluno autista, assim como também
adaptando a sala para o trabalho com esse aluno.
As professoras comentam que realizam essas adaptações “pensando no aluno ao
preparar cada atividade,...trocando a atividade quando ele não quer fazer o que foi proposto e
trabalhando diferenciadamente com ele devido às suas dificuldades”
SIC
. Ainda em relação a
estas adaptações, as mesmas são realizadas considerando aspectos gerais do desenvolvimento ou
características do aluno, como é o caso da professora que propõe “atividades sendo mais
sentadas quando o aluno não anda”
SIC
ou aquela que evita trabalhar com tesoura durante a
atividade de recorte, porque o aluno autista não tem movimento de pinça”
SIC
.a sala de aula
para trabalhar com o aluno autista não pode ser muito carregada, ter muitos brinquedos e ter
muitas coisas coloridas”
SIC
, sendo necessário também realizar algumas adequações.
As professoras também comentam que VALORIZAM ATIVIDADES DA VIDA
DIÁRIA ao elaborar o planejamento de aula, ou seja, procuram desenvolver ações voltadas para
aprimorar a competência do aluno em relação a hábitos e atividades presentes na vida cotidiana,
como se vestir, guardar objetos pessoais, se lavar etc. Para tanto, a professora trabalha e orienta
o aluno durante essas atividades “levando o aluno ao banheiro e falando por que tem que lavar
as mãos”
SIC
ou “explicando para o aluno como se vestir ao fazer a atividade juntamente com
ele”
SIC
.
106
Além disso, as professoras participantes ENFATIZAM ATIVIDADES COM MÚSICA
,
pois acreditam que a música acalma o aluno autista, possibilitando “o trabalho de algumas
atividades com ela só faz quando tem música ligada
SIC
; ajuda a controlar comportamentos
inadequados, pois “quando o aluno chegou à escola, eu não tinha controle algum sobre ele
quando tirava a música...o som tinha que estar muito alto para que ele ficasse dentro da sala de
aula”
SIC
e estimula comportamentos espontâneos, “sempre há atividades com músicas na
escola...fiquei surpresa quando ele cantou..senti muita alegria quando ele cantou as músicas que
cantamos na escola”
SIC
.
Todas as professoras ressaltam a importância de UTILIZAR MATERIAL CONCRETO
COM O GRUPO, tais como giz, tinta, brinquedos, blocos etc., além de objetos existentes na
própria sala, tais como mobiliário e objetos pessoais dos alunos. Uma das professoras destaca
que usa “muito a tinta para trabalhar com o tato das crianças...os alunos trabalham com a mão
na tinta, não usam o pincel”
SIC
e outra participante menciona que “quando trabalha com a cor
amarela, foca, dentro da sala de aula, tudo o que está voltado para essa cor...quem está com
camiseta amarela ou o que tem de amarelo na sala de aula”
SIC
.
Mais especificamente em relação ao conteúdo didático pedagógico a ser trabalhado em
sala, apenas duas professoras comentam TRABALHAR COM A NOÇÃO DE NÚMERO
,
ressaltando os conceitos de cor, forma, tamanho, numeral e quantidade. Nestes casos, elas
procuram também valorizar “muito as atividades com material concreto, usando objetos como
giz de cera, bola, pedras para trabalhar a noção de numeral e quantidade”
SIC
, sendo que ao
realizar atividades envolvendo o conceito de cores, focam “o trabalho com a tinta”
SIC
. Outras
duas participantes destacam VALORIZAR ATIVIDADES LIVRES/ESPONTÂNEAS do
educando, estimulando atividades lúdicas e criativas. Durante as atividades lúdicas, a professora
107
comenta que oferece “brinquedos ao aluno autista, deixando-o livre para brincar”
SIC
e nas
atividades criativas, ela cita que oferece “tinta, ao aluno para que ele realize espontaneamente
sua própria produção”
SIC
.
A macrocategoria PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA foca um dos
elementos fundamentais na estruturação do microssistema, segundo Bronfenbrenner, ou seja, a
atividade em andamento na relação diádica. Como já destacado anteriormente, no capítulo
teórico em que foi apresentada a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, para
Bronfenbrenner, será no microssistema, dentro da organização ecológica, que se darão de forma
efetiva as transformações desenvolvimentais. Neste sentido, as relações diádicas, que acontecem
dentro daquela instância do ambiente ecológico, se estruturam em função de três pilares: a
atividade, a interação e o papel. Assim, compreender de que forma as professoras dos alunos
autistas planejam e escolhem as atividades a serem desenvolvidas em sala é fundamental para
nossa reflexão acerca da possibilidade do microssistema de a sala de aula ser um ambiente
promotor ou não do desenvolvimento destes alunos.
Ao comentarem sobre o planejamento das atividades em sala de aula, as participantes
destacam o fato de adaptarem o planejamento geral da escola em função das características do
aluno autista. A princípio, este aspecto parece revelar um respeito das professoras, no momento
da elaboração das atividades em sala, aos aspectos do desenvolvimento do educando e uma
valorização de suas características específicas. No entanto, ao observarmos seus comentários,
constatamos que as educadoras, na verdade, buscam ajustar o planejamento pedagógico geral,
comum a todos os alunos, ao educando autista, descartando as atividades que avaliam não ser
possível desenvolver com ela. Neste sentido, não existe por parte das professoras um movimento
108
de avaliar as especificidades de seu aluno autista e, em função disto, desenvolver um
planejamento pedagógico que considere e respeite tais características, considerando suas
habilidades e dificuldades.
A respeito das adaptações do planejamento pedagógico geral em função do educando
autista, Bereohff (1993) ressalta a necessidade de se observar o aluno antes da elaboração deste
planejamento. Esta observação deve ter como objetivos verificar quais são os canais de
comunicação do aluno que se revelam mais receptivos a uma estimulação, além de considerar o
nível de desenvolvimento em que ela se encontra, para somente depois determinar os objetivos a
serem trabalhados em uma programação psicopedagógica. Bereohff (1993) ainda destaca que “é
básico que a programação psicopedagógica a ser traçada para a criança autista esteja centrada em
suas necessidades” (p.13).
Ampliando a discussão sobre a importância de conhecer as características de cada
educando para posteriormente realizar um planejamento pedagógico, Orrú (2007) destaca que o
processo educacional voltado para as crianças com necessidades educacionais especiais,
incluindo a criança autista, ainda segue uma concepção centrada no déficit e/ou doença destas
crianças, não dando a devida importância aos aspectos socioculturais. Dessa forma, a educação
especial acaba oferecendo um espaço que rotula estas crianças como incapazes de aprender,
favorecendo seu processo de exclusão nos espaços sociais. De acordo com Vygotsky (1989), o
processo educacional baseado na concepção do déficit impossibilita o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores das pessoas com necessidades educacionais especiais.
Neste sentido, Orrú (2007), ao comentar a estruturação do programa curricular, ressalta a
necessidade de rever os variados aspectos do ensino tradicional, que, ainda hoje, se encontram
cristalizados. Para tanto, é imprescindível modificar a concepção de homem em que se baseia o
109
paradigma tradicional de ensino, passando a considerar o ser humano em sua totalidade,
envolvendo no trabalho educacional os aspectos históricos, sociais e culturais, indispensáveis
para a compreensão do sujeito.
Ao citar que “a sala para trabalhar com os alunos autistas não pode ser muito
carregada, ter muitos brinquedos e ter muitas coisas coloridas, porque senão distrai a atenção
delas”
SIC
, duas professoras da escola especial nos remetem a outro aspecto considerado
importante no trabalho pedagógico junto a estes alunos, ou seja, a organização do ambiente da
sala de aula. As professoras justificam a importância desta organização por acreditar que o
educando autista deve permanecer em um ambiente interacionalmente controlado e minimamente
estimulante. Entretanto, ao observarmos as salas de aula destas professoras, constatamos que o
cuidado com a organização deste ambiente não se dá na prática, uma vez que as salas estão
repletas de brinquedos e objetos variados, expostos e em permanente desorganização.
A respeito das condições do ambiente educacional para se trabalhar com a criança autista,
Rivière (1995) ressalta que várias pesquisas, tais como as de Schopler, Brehm, Kinsbourne e
Reicher (1971), Rutter e Bartak (1973) e Olley (1987), comprovam que os ambientes
educacionais estruturados trazem vantagens ao aprendizado desta criança, facilitando o alcance
dos objetivos deste atendimento. Para que o ambiente seja estruturado, o autor destaca a
necessidade de o mesmo ser relativamente simples, preciso e consistente em sua resposta às
condutas do aluno, sejam elas funcionais ou alteradas, em que a atitude do educador deve ser
sempre orientadora. Lewis e De Leon (1995) também concordam que a criança autista atende
melhor a propostas de trabalho estruturadas do que àquelas desenvolvidas em situações livres,
além de destacarem que esta criança responde mais prontamente a estímulos visuais do que
auditivos.
110
Em relação à reação do aluno autista diante dos estímulos oferecidos, em seu estudo,
Lovaas e Schreibman (1971, citado por Stromer;Mcilvane; Dube & Mackay, 1993) observaram
que, quando apresentados simultaneamente estímulos visuais e auditivos, a criança responde a
somente um deles, aparentemente ignorando o outro. Além deste aspecto, Grandin (1995) destaca
que a pessoa autista possui um pensamento visual, demonstrando mais facilidade em pensar e
raciocinar através de imagens/sistemas visuais, podendo, também, demonstrar dificuldade na
compreensão de estímulos auditivos ou conceitos abstratos que não tenham representação visual.
Já em relação à percepção de objetos, de acordo com Happé e Frith (2006), a criança
autista apresenta falha na coerência central, ou seja, não possui a habilidade inata de apreender as
características de um objeto, percebendo-o como um todo. Devido a essa falha, ela tende a prestar
atenção a detalhes, dificultando o estabelecimento da relação das partes com o todo. Neste
sentido, Sprandlin e Brady (1999) ressaltam ser importante e necessário, no trabalho com esta
criança, que as relações entre estímulos, respostas e consequências sejam as mais consistentes
possíveis, a fim de proporcionar que a referida criança adquira e mantenha novos
comportamentos ao longo do tempo.
A respeito do contexto ambiental em que se encontra inserido o indivíduo, a Teoria
Bioecológica destaca o microssistema como a instância do ambiente ecológico mais importante
para o desenvolvimento desta pessoa. Isto porque será no microssistema que se estabelecerão as
díades interacionais entre a pessoa mais desenvolvida e competente, aquele que ensina, e a pessoa
menos desenvolvida e competente, aquela que aprende. O microssistema estruturado na atividade
em andamento, nos padrões interacionais constituídos e no reconhecimento do papel do outro,
será a instância em que ocorrerão as possíveis mudanças desenvolvimentais dos indivíduos que
participam daquele ambiente.
111
Para Bronfenbrenner (1996), “os aspectos do meio ambiente mais importantes na
formação do curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm
significado para a pessoa numa dada situação(p.19). Assim, a percepção que o sujeito tem dos
elementos e eventos presentes no microssistema onde se encontra, associada com a interpretação
das informações captadas por ele ao longo das interações em curso naquele ambiente, constituem
fatores determinantes em seu processo de desenvolvimento. Desta forma, o que é fundamental
para a aprendizagem e desenvolvimento do sujeito são a percepção e a interpretação que ele tem
do ambiente em que está inserido e não, necessariamente, do que vem a ser este ambiente na
realidade.
Assim, baseados na Teoria Bioecológica, podemos concluir que, tão necessário quanto a
organização da sala de aula onde se dará o atendimento escolar do aluno, será transformar aquele
ambiente em um contexto em que as ações, os objetos e os eventos presentes tenham reais
significados motivacionais e afetivos para o educando autista participante daquele microssistema.
Outro fator importante, destacado por esta macrocategoria, vem a ser a valorização dada
por todas as professoras participantes ao desenvolvimento de tarefas relacionadas às atividades da
vida diária, aquelas denominadas como AVDs, em detrimento de atividades relacionadas aos
objetivos pedagógicos e acadêmicos que deveriam fundamentar o atendimento educacional
escolar oferecido ao educando autista.
Sobre isto, achamos interessante comentar, neste momento da discussão, a experiência
desenvolvida pela Pré-escola Terapêutica “Lugar de Vida”
38
, já citada anteriormente. O projeto
chamado “Educação Terapêutica”
39
, mais especificamente em seu terceiro eixo denominado o
38
“A Pré-Escola Terapêutica ´Lugar de Vida´ é uma instituição para o tratamento e a escolarização de crianças com distúrbios globais de
desenvolvimento – psicoses, autismo e outros quadros graves” (K, 1999, p.22)
39
Termo criado por Kupfer a partir do trabalho que se realiza no “Lugar de Vida”
112
Escolar Propriamente Dito”, enfatiza a ideia de a organização cognitiva constituir-se em uma
maneira de dispor para a criança autista de um reordenamento de sua posição frente ao simbólico
ou no interior do simbólico, fornecendo instrumentos como a leitura e a escrita de acordo com
suas possibilidades subjetivas e cognitivas. Portanto, é interessante ressaltar que o trabalho
voltado para essas crianças não visa somente à sua interação social na instituição escolar ou um
trabalho realizado neste campo institucional, mas, também, tem como objetivo o
desenvolvimento educacional escolar destes alunos. Entretanto, é importante ressaltar que o
trabalho realizado pela Pré-Escola Terapêutica “Lugar de Vida” não é a favor da inserção escolar
a qualquer preço, ou seja, existem crianças autistas que provavelmente não serão matriculadas em
escolas, sendo encaminhadas para oficinas nas quais poderão ter melhores resultados
terapêuticos.
De acordo com a Teoria Bioecológica, ao analisar os comportamentos e as atividades que
podem ocorrer dentro do ambiente ecológico, é possível identificar duas categorias
comportamentais: aquilo que Bronfenbrenner (1996) chama de comportamentos moleculares e as
atividades molares. Assim, as atividades molares são definidas como formas de comportamento,
apesar de nem todo comportamento ser considerado uma atividade molar. O autor define
comportamentos moleculares aqueles que são tão temporários que possuem importância mínima
ou também aqueles que, mesmo tendo uma duração maior, carecem de significados para os
indivíduos que estão no ambiente, apresentando um impacto somente insignificante.
Já as atividades molares constituem “um comportamento continuado que possui um
momento (quantidade de movimento, impulso) próprio e é percebido como tendo significado ou
intenção pelos participantes do ambiente” (p. 37), ou seja, são aquelas atividades que têm alguma
persistência ao longo do tempo, além de possuírem importância significativa no campo
113
fenomenológico tanto da pessoa desenvolvente quanto das outras pessoas que participam do
microssistema.
Assim, analisando as atividades desenvolvidas pelas professoras em sala de aula,
podemos identificar um grande conjunto de tarefas que demandam comportamentos moleculares,
como o momento em que duas das professoras da escola especial colocaram músicas para os
alunos. Neste caso, a música tocou durante todo o período de aula, porém, não era trabalhado
com os alunos qualquer aspecto específico relacionado àquilo que estavam ouvindo, como o
significado da música, os sentimentos e emoções despertados por ela, a temática abordada na
canção, o papel da música no cotidiano do educando, a relação entre o som e o movimento
corporal, etc. Portanto, mesmo que as duas professoras apontem como objetivo da atividade
musical promover a socialização deste aluno, na prática, o que se verifica é a execução de
comportamentos moleculares carentes de significados e com impacto insignificante para o
desenvolvimento deste educando.
Além disto, frequentemente, as atividades relacionadas à música são apontadas, por três
participantes, como recurso utilizado para controlar os comportamentos do aluno autista,
considerados inadequados por elas. As professoras não vinculam o desenvolvimento daquelas
atividades a expectativas de ganhos acadêmicos pedagógicos dentro do processo de ensino e
aprendizagem do educando. Ao contrário disto, uma das educadoras afirma que deixa “a música
ligada o tempo todo enquanto trabalha alguma atividade com seu aluno, pois isto o acalma”
SIC
.
Neste sentido, as professoras não usufruem das diversas possibilidades de uso que a música
proporciona como recurso no trabalho educacional escolar com o aluno autista.
Sobre isto, Bronfenbrenner (1996) afirma que, ao considerarmos as condições
interacionais favoráveis à promoção do desenvolvimento humano, os comportamentos
114
moleculares não contribuem de forma efetiva para este processo, enquanto “as atividades molares
constituem a manifestação principal e mais imediata tanto do desenvolvimento do indivíduo
quanto das forças ambientais mais poderosas que instigam e influenciam o desenvolvimento – as
ações das outras pessoas” (p. 37).
Além das atividades molares terem um momento próprio e ser necessário existir um
significado ou intenção para os participantes, Bronfenbrenner (1996) as diferencia em relação a
quatro aspectos, sendo de extrema importância também considerar a intensificação da
complexidade destas atividades. Assim, em relação às possibilidades do desenvolvimento do
indivíduo, as atividades molares podem ser identificadas: 1) quanto à sua perspectiva temporal,
sendo importante que o indivíduo passe a transcender a atividade, desenvolvendo-a não somente
no instante em que é oferecida, mas em momentos futuros; 2) quanto à sua estrutura de objetivo,
tornando cada vez mais complexo o alcance do objetivo, que para ser alcançado passa a depender
não somente de uma ação, mas também da conclusão de várias etapas; 3) quanto à sua extensão,
que evoca objetos, pessoas e eventos inicialmente presentes no ambiente imediato do indivíduo,
mas que podem ultrapassar este contexto, deixando de ser necessária a presença concreta do que
se está sendo evocado; e 4) quanto às suas relações com outras pessoas que, inicialmente, se
estabelecem através da díade e, posteriormente, passam a envolver interações com outras pessoas
(sistema N+2).
Neste sentido, é importante para o processo educacional escolar do aluno autista que a
professora tenha maior preocupação em promover ações que envolvam atividades molares, ou
seja, atividades que causem impacto significativo em todos os envolvidos em sua execução e que
persistam ao longo do tempo. Além disso, é imprescindível que a educadora, ao planejar as ações
de sua prática pedagógica, analise as atividades propostas e verifique se elas contemplam os
115
quatro aspectos fundamentais que caracterizam as atividades molares, contribuindo dessa forma
para a implementação de tarefas que favoreçam o desenvolvimento do educando autista.
Ainda em relação a esta macrocategoria, a análise do relato das professoras revelou a
categoria UTILIZANDO MATERIAL CONCRETO
. Sobre isto, as participantes comentam a
importância do uso de material concreto durante as atividades propostas para o aluno autista, quer
seja em atividades mais específicas como trabalhando o conceito de número ou em atividades
lúdicas e livres.
A ênfase dada pelas professoras na utilização de material concreto revela um equívoco
comum entre educadores mal informados acerca do que significa esta concretude na interação do
indivíduo com o meio. A condição de trabalho no concreto
40
, frequentemente, é confundida com
a necessidade de a criança manipular material e objetivamente os elementos/objetos presentes em
seu ambiente. Entretanto, remontando aos teóricos do desenvolvimento humano, mais
especificamente, àqueles que oferecem uma visão construtivista e interacionista deste
desenvolvimento, verificamos que a ideia de trabalho no concreto, na verdade, refere-se à
importância dada a necessidade de a criança, principalmente nos estágios iniciais do seu
desenvolvimento, explorar sensório e motoramente todas as possibilidades disponíveis em seu
meio ambiente.
De acordo com Piaget (citado por Newcombe, 1999), as crianças constroem seu mundo
ao ordenar material bruto fornecido por visões, sons e cheiros. Para ele, as pessoas são ativas,
curiosas e engenhosas durante toda a sua vida, buscando, espontaneamente, contato e interação
com o meio e procurando ativamente por desafios. Assim, quando as crianças têm liberdade de
ação, elas exploram, aprendem e descobrem, construindo conhecimentos cuja meta específica é
40
Grifo meu.
116
ajudá-las a se adaptar ao ambiente. Segundo Mussen (citado por Newcombe, 1999), as crianças e
os adultos continuamente “constroem e reconstroem seu conhecimento sobre o mundo, tentando
fazer sentido de sua experiência e tentando organizar seu conhecimento de forma coerente”
(p.135).
Além disso, é importante destacar que o desenvolvimento infantil, que abarca a
aprendizagem humana, deve ser considerado um processo amplo e complexo, no qual estão
envolvidos aspectos físicos, psicológicos (cognitivos e afetivos), educacionais e sociais. Segundo
Luria (citado por Newcombe, 1999), o desenvolvimento infantil deve ser visto a partir de três
aspectos: o instrumental, o cultural e o histórico. O aspecto instrumental refere-se à natureza
basicamente mediadora das funções psicológicas complexas, ou seja, o indivíduo não apenas
responde aos estímulos apresentados no ambiente, mas os altera e usa suas modificações como
instrumento de seu comportamento. O aspecto cultural envolve os meios estruturados pelos quais
o contexto social organiza os tipos de tarefa que a pessoa em desenvolvimento enfrenta e os tipos
de instrumento (mentais ou físicos) de que ela irá dispor para dominar estas tarefas. Por fim, o
aspecto histórico que se funde com o cultural, já que os instrumentos utilizados pelo homem para
dominar o ambiente e seu próprio comportamento foram criados e modificados ao longo da
história social da civilização.
Assim, como podemos observar, a ideia de oferecer ao aluno autista atividades
envolvendo ações com materiais concretos, na verdade, remete a importância de oportunizar a
pessoa em desenvolvimento à vivência em situações em que ela possa manipular objetos,
experienciar novas situações, levantar hipóteses sobre os eventos e estabelecer relações entre
conhecimentos adquiridos e as novas informações oriundas da interação com o meio. O processo
de ensino e aprendizagem envolvido na relação indivíduo-meio traz como resultado a construção
117
de novos conhecimentos que devem, sempre, evoluir de um raciocínio mais ligado a eventos
concretos e situacionais para a ênfase em um raciocínio abstrato.
Retomando a perspectiva bioecológica, como já mencionado anteriormente,
Bronfenbrenner (1996) aponta para a necessidade de as atividades oferecidas ao indivíduo em
desenvolvimento se caracterizarem como atividades molares, de complexidade cada vez mais
crescente. Neste caso específico, destaca-se a importância de o educador favorecer que a
percepção e a compreensão do aluno sobre os eventos experienciados no seu ambiente imediato
ultrapassem este contexto, desvinculando o raciocínio do educando da necessidade de estar
concretamente em contato com os objetos, pessoas e eventos (alternância – presença/ausência).
Além disto, a interação estabelecida pelo professor com o aluno e o desenvolvimento da tarefa
deve possibilitar a este educando transcender sua compreensão da atividade vivenciada, no
ambiente imediato, para momentos passados ou futuros.
Segunda Macro-Categoria: II) INTERAGINDO EM SALA DE AULA
Esta macrocategoria, que se refere a todos aqueles momentos em que a professora
descreve suas ações em sala de aula em função da interação dos seus alunos, comentando os
objetivos pedagógicos pretendidos, os conteúdos trabalhados e a interação dos alunos nestas
circunstâncias, foi revelada a partir do conjunto de Categorias e Subcategorias de Significado
apresentadas no quadro abaixo.
118
Quadro 3: Macrocategoria INTERAGINDO EM SALA DE AULA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ESTIMULANDO A INTERAÇÃO DO
ALUNO AUTISTA COM OS COLEGAS
- Colocando colega para ajudar o aluno autista
na atividade
- Estimulando atividades do brincar junto
- Estimulando a socialização
ESTABELECENDO CONTROLE SOBRE
OS COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS DO ALUNO
- Elogiando comportamentos adequados
- Estabelecendo limites para comportamentos
inadequados
- Excluindo o aluno autista do grupo
ORIENTANDO SOBRE A ATIVIDADE
EM ANDAMENTO
- Conversando com o aluno
- Demonstrando como se faz
- Fazendo junto com o aluno
Ao comentarem a INTERAÇÃO EM SALA DE AULA, todas as professoras destacam
como ação importante para o trabalho ESTIMULAR A INTERAÇÃO DO ALUNO AUTISTA
COM OS COLEGAS. Para tanto, elas colocam os colegas para ajudar os alunos autistas nas
atividades como também estimulam atividades do brincar junto e de socialização, entendendo
por socialização o fato de os alunos estarem todos juntos realizando uma mesma atividade. A
importância dada pelas participantes à interação dos alunos autistas é revelada quando uma das
professoras comenta que “a base das atividades propostas é a estimulação do desenvolvimento
119
da interação dos alunos”
SIC
. Neste sentido, ela procura estimular “o brincar junto e atividades
que promovam a interação”
SIC
. Outra professora relata colocar “um colega para ajudar o aluno
autista na atividade a fim de estimulá-lo a interagir com ele”
SIC
, além de organizar “a sala de
aula para que todos possam ver o trabalho um do outro”
SIC
. E ainda outra professora destaca
que utiliza “a atividade de música para a socialização do aluno autista e o coloca pra trabalhar
junto com outros alunos na atividade de pintura”
SIC
.
Ainda comentando sobre aspectos da interação estabelecida em sala, duas professoras,
uma do ensino regular e outra do ensino especial, afirmam que procuram ESTABELECER
CONTROLE SOBRE OS COMPORTAMENTOS INADEQUADOS DO ALUNO AUTISTA,
por meio de elogios frente aos seus comportamentos adequados, além de excluí-lo de algumas
atividades do grupo quando apresenta comportamentos considerados inadequados pelas
educadoras, utilizando esta estratégia como uma das formas de estabelecer limites para os
comportamentos inadequados deste aluno.
No desenvolvimento da atividade dentro de sala, as professoras ressaltam que
ORIENTAM O ALUNO SOBRE A ATIVIDADE EM ANDAMENTO
. Assim, os participantes
costumam conversar com o aluno autista sobre a atividade proposta, antes de iniciá-la, quando
então explicam “todo o processo para o aluno”
SIC
. A orientação sobre a tarefa varia de
professora para professora. Uma delas comenta que costuma “pegar na mão do aluno, estimulá-
lo a pegar no lápis, a falar que é um lápis”
SIC
, enfatizando uma orientação focada no
desempenho psicomotor esperado do educando. Outras comentam achar importante demonstrar
como se faz a atividade em questão, por exemplo, colocando “o pote de tinta do lado do aluno
autista pra ele ver onde a professora pôs o dedo...passando a tinta num papel sem ser o do aluno
para que ele possa ver como deve ser feita a atividade”
SIC
. Por fim, uma das professoras comenta
120
achar necessário realizar a atividade juntamente com o aluno, como “quando trabalha com
figuras e faz junto com o aluno a atividade
SIC
.
A macrocategoria INTERAGINDO EM SALA DE AULA remete a outro elemento
fundamental na estruturação do microssistema, segundo Bronfenbrenner, ou seja, a interação
estabelecida nas relações diádicas. De acordo com a perspectiva bioecológica, os sistemas de
interações são utilizados pelos indivíduos em desenvolvimento como forma possível de
participação em todos os ambientes, de forma direta ou indireta. Neste sentido, a díade, a
interação que se estabelece entre duas pessoas em um determinado ambiente imediato
(microssistema) no qual esses indivíduos estão inseridos, é a forma primordial do sistema de
interação. Dessa forma, compreender de que maneira as professoras dos alunos autistas
implementam sua prática pedagógica, envolvendo os sistemas de interações entre
aluno/professora e aluno/aluno, é essencial para nossa reflexão acerca da possibilidade de o
microssistema da sala de aula ser um ambiente promotor ou não do desenvolvimento destes
alunos.
Segundo Bronfenbrenner (1996), a díade é um dos principais elementos do ambiente, pois
“o desenvolvimento da pessoa é uma função da substancial variedade e complexidade estrutural
das atividades molares realizadas por outros que se tornam parte do campo psicológico da pessoa,
ou por envolvê-la numa participação conjunta ou por atrair a sua atenção” (p.45). Assim, ao
estimularem a interação do educando autista com os demais alunos, pela participação de todos do
grupo nas atividades propostas, as professoras podem suscitar a ocorrência de díades promotoras
do desenvolvimento destes alunos, as chamadas díades desenvolvimentais.
121
Entretanto, é importante destacar que as díades para serem consideradas díades
desenvolvimentais precisam satisfazer condições ótimas de: (1) reciprocidade, que significa que,
em qualquer relação diádica, o que A faz, influencia B e vice-versa; (2) equilíbrio do poder; que
ocorre quando o poder da pessoa mais desenvolvida se altera, gradualmente, em favor daquela
pessoa em desenvolvimento; e (3) relação afetiva, que é o estabelecimento de vínculos
afetivos/emocionais entre os participantes da díade, sendo que os processos desenvolvimentais
terão maior probabilidade de ocorrer quando tais vínculos forem caracterizados por sentimentos
positivos e recíprocos. Portanto, é necessário que as professoras passem a estar mais atentas para
essas três condições, fazendo com que os momentos de interação, estimulados por elas entre os
alunos, possam propiciar a ocorrência real de díades desenvolvimentais.
Outro aspecto interessante a ser destacado é que, de acordo com a Teoria Bioecológica, a
capacidade de uma díade funcionar efetivamente como um contexto promotor de
desenvolvimento depende também da existência e da natureza de outras interações diádicas
estabelecidas com terceiras pessoas (sistema N + 2). Neste sentido, estas terceiras pessoas, que
estarão de alguma forma influenciando a díade primordial, podem tanto aumentar o potencial
desenvolvimental desta díade ao apoiarem-na como também podem prejudicar este potencial ao
desencorajarem ou interferirem nas atividades desenvolvimentais realizadas pela díade original.
Assim, ao analisarmos as possibilidades de ocorrência de díades no ambiente da sala de
aula, é importante reconhecer que a interação estabelecida entre professor e aluno constitui o par
diádico fundamental daquele microssistema. Neste sentido, no momento em que os demais
alunos do grupo passam a participar das atividades em que estão envolvidos a professora e o
aluno autista, estabelecem-se tríades interacionais, as quais, quando bem organizadas, poderão
interferir de maneira essencial, não apenas na qualidade da interação social, mas também na
122
complexidade da tarefa em andamento. Certamente, nos momentos em que o aluno autista
interage com outro colega, díades interacionais estarão sendo estabelecidas; e, neste caso, a
intervenção da professora passa a constituir o sistema N+2, cabendo a ela ser o terceiro elemento
que eleva o potencial desenvolvimental da eficiência da díade já estabelecida entre os alunos.
Ainda sobre a importância da interação socioafetiva no processo de desenvolvimento
humano, Orrú (2008) destaca que o trabalho educativo envolvendo a relação com o outro deve
buscar a construção do sujeito que está imerso na cultura de uma sociedade e, a partir da
mediação, realizada pela linguagem, proporcionar o reconhecimento do educando autista como
sujeito que também interage, respeitando suas possibilidades e recursos disponíveis e utilizados.
Para a autora, se as pessoas com necessidades educacionais especiais tiverem “acesso ao contato
com o outro, e a orientação pedagógica adequada e organizada, seu desenvolvimento poderá
ocorrer pelo acesso à cultura que é produzida historicamente” (p. 104). Além disto, a autora
também ressalta que as conclusões preconceituosas referentes à aprendizagem dessas pessoas
atrapalham ou barram seu processo de desenvolvimento.
A categoria ESTABELECER CONTROLE SOBRE OS COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS DO ALUNO foi outra daquelas reveladas dentro desta segunda macro-
categoria. Assim, as participantes comentam que controlam os comportamentos do aluno autista,
julgados por elas inadequados, por meio de elogios frente aos comportamentos avaliados como
adequados, estabelecimento de limites comportamentais e retirada do educando autista de
algumas atividades realizadas em grupo.
Sobre a necessidade de estabelecer controle comportamental, Bereohff (1993) destaca que
a colocação de limites de forma clara, através de uma atitude diretiva por parte do educador,
contribui para o desenvolvimento de maior organização e autonomia da pessoa autista,
123
fortalecendo sua capacidade para adaptar-se aos ambientes domésticos, comunitários, escolar,
etc. Comportamentos positivos devem ser encorajados através de elogios e atenção. (p.16)
Entretanto, é importante destacar que o professor, no seu trabalho com o aluno autista,
não deve valorizar sobremaneira, durante o processo de ensino e aprendizagem, o controle dos
comportamentos avaliados como adequados ou inadequados. Como afirma Orrú (2008), a
abordagem comportamental não privilegia “as relações sociais genuínas e próprias do ser
humano, de onde emana o desenvolvimento da atividade consciente do homem, e a internalização
de conhecimentos, a generalização, o desenvolvimento do sentido e do significado” (p.3).
A perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano parte do pressuposto de que para
entender o ser humano não é suficiente apenas a observação direta do seu comportamento em
uma mesma situação. Além disto, é necessário que se observem os sistemas interacionais
estabelecidos nos vários contextos frequentados pela pessoa, indo além da observação do
ambiente imediato onde se encontra o indivíduo. Portanto, mais importante do que a avaliação da
professora sobre a adequação ou não de um comportamento e sua necessária extinção, é preciso
que sejam investigadas e analisadas as interações sociais estabelecidas pelo indivíduo autista em
outros microssistemas, pois estas interações podem estar relacionadas ao desencadeamento dos
referidos comportamentos que se manifestam no contexto escolar. Assim, a ocorrência de um
comportamento avaliado como inadequado pela professora, pode ser justamente aquele
valorizado ou afetivamente reforçado no contexto familiar, por exemplo.
Em relação à exclusão do educando autista de algumas atividades do grupo com a
finalidade de evitar o desencadeamento de comportamentos considerados inadequados pelas
professoras, é preocupante pensar que as educadoras, a cada situação de exclusão a que
submetem o aluno, diminuem as possibilidades do estabelecimento de relações díades.
124
Considerando que o desenvolvimento do ser humano depende da qualidade destas relações,
podemos afirmar que, quanto menor a possibilidade de interação deste aluno com o grupo,
menores serão as chances do estabelecimento de díades desenvolvimentais. Além disto, de acordo
com Bronfenbrenner (1996), não existe um limite definido a priori que determine até onde,
quando e o quanto o indivíduo se desenvolverá, nem em quais situações isto ocorrerá.
Neste sentido, Beyer (2002) destaca que
a aprendizagem e a ampliação das condições cognitivas irá variar conforme o grau do autismo.
Porém, vale recordar o desafio lançado por Vygotsky com o bem conhecido conceito de zona
de desenvolvimento proximal, zona essa que se dimensiona em cada individualidade. Esse
conceito defende a ideia de que ninguém está fora do alcance da ação pedagógica produzidora
de mudanças. (p.124 e 125)
A categoria ORIENTANDO O ALUNO AUTISTA SOBRE A ATIVIDADE EM
ANDAMENTO foi outra daquelas reveladas dentro desta segunda macrocategoria. A respeito da
ação de a professora orientar o aluno autista durante as atividades em sala de aula, Bereohff
(1993) afirma que esta é uma maneira interessante de trabalhar com o aluno, seja verbalmente ou
realizando juntamente com ele a atividade, pois
a vivência de atividades programadas facilita a participação e o envolvimento com o objeto de
trabalho, onde o auxílio verbal é na maioria das vezes insuficiente, gerando a necessidade de
constante auxílio físico por parte da pessoa que dirige a ação pedagógica. (p. 17)
De acordo com a Teoria Bioecológica, existem três formas possíveis de díades: a díade
observacional, que ocorre quando o participante presta atenção na atividade realizada pelo outro
e este reconhece o interesse que demonstra aquele; a díade de atividade conjunta, presente
quando ambos os participantes são efetivos e realizam juntos atividades que, mesmo sendo um
125
pouco diferentes, se complementam; e a díade primária, que, mesmo os participantes estando
separados, a díade continua a existir fenomenologicamente, ou seja, as influências do
comportamento do par diádico continuam presentes. Segundo Bronfenbrenner (1996), é
importante e necessário que as díades estabelecidas evoluam e tornem-se cada vez mais
complexas, constituindo díades primárias, aquelas fundamentais para o desenvolvimento do
indivíduo.
Assim, ao relatarem que solicitam que o educando as observe enquanto orientam sobre a
realização da tarefa ou quando demonstram e realizam junto com ele a atividade proposta, as
participantes revelam que estabelecem, respectivamente, díades observacionais ou díades
atividade conjunta, as quais, certamente, favorecerão o crescimento psíquico do aluno autista.
Entretanto, é importante ressaltar que, mesmo com a ocorrência destas interações diádicas,
necessárias para o desenvolvimento deste aluno, as professoras não promovem a ocorrência de
díades primárias, aquelas consideradas por Bronfenbrenner fundamentais para a promoção deste
desenvolvimento.
Ainda sobre isto, outro fator a ser destacado é que, de acordo com a perspectiva
bioecológica, as relações diádicas somente possibilitarão a ocorrência do desenvolvimento e
aprendizagem do aluno autista quando estas evoluírem da categoria de díade primária para
aquela considerada díade desenvolvimental, cujas características principais são a reciprocidade, o
equilíbrio de poder e a relação afetiva, já mencionadas anteriormente.
126
Terceira Macrocategoria: III) CARACTERIZANDO O ALUNO AUTISTA
Esta macrocategoria, que se refere a todos aqueles momentos em que a professora
comenta as características gerais dos alunos autistas, foi revelada a partir do conjunto de
Categorias e Subcategorias de Significado apresentadas no quadro abaixo.
Quadro 4: Macrocategoria CARACTERIZANDO O ALUNO AUTISTA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
APRESENTANDO DIFICULDADE NA
INTERAÇÃO
DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO NA
ATIVIDADE
- rejeitando atividades
- apresentando comportamentos agitados
APRESENTANDO COMPORTAMENTOS
ESTEREOTIPADOS
APRESENTANDO PADRÕES RÍGIDOS DE
COMPORTAMENTOS
REAGINDO COM GRITOS
GOSTANDO DE ATIVIDADES MUSICAIS
NÃO TENDO ESQUEMA CORPORAL
GOSTANDO DE MEXER COM ÁGUA
DEMONSTRANDO INTERESSE E
CURIOSIDADE PELO INÉDITO
127
Ao comentarem os aspectos que caracterizariam os alunos autistas, todas as participantes
destacam que, na opinião delas, existem “vários tipos de criança autista”
SIC
, o que tornaria
muito difícil a tarefa de identificar um conjunto específico de características comuns a todas elas,
uma vez que para as professoras “cada aluno tem suas características em específico”
SIC
.
Reconhecendo tal diversidade e complexidade na manifestação do comprometimento
autista, Olley e Gutentag (1999 citado por Simpson, 2001) afirmam que os profissionais que
atendem à criança autista, diante da variedade e das diversas combinações possíveis entre as
diferentes características que esta criança pode apresentar, tais como o comprometimento na
interação social e na linguagem, o déficit comportamental, a dificuldade de aprendizado, os
níveis diferentes de desenvolvimento, têm procurado por novas estratégias de intervenção e de
tratamento.
As professoras também foram unânimes em apontar, como aspectos comuns aos alunos
autistas, o fato de todos: 1) apresentarem dificuldade na interação, tanto com elas como com os
colegas; 2) terem dificuldade de concentração na atividade em andamento, permanecendo alheios
às atividades do grupo, ora demonstrando falta de interesse, ora apresentando comportamentos
agitados (acender e apagar as luzes, subir em cima de móveis, sair da sala correndo); 3)
apresentarem comportamentos estereotipados; e 4) apreciarem atividades musicais.
Além destes, duas participantes apontam dois outros aspectos que, segundo elas,
caracterizariam as pessoas autistas: reagir com gritos, quando não atendida; e apresentar padrões
rígidos de comportamentos. Outras características foram destacadas, isoladamente, pelas
educadoras, tais como a pessoa não ter esquema corporal, gostar de mexer com água e
demonstrar interesse e curiosidade pelo inédito.
128
A análise da macrocategoria CARACTERIZANDO O ALUNO AUTISTA, a partir da
perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano, remete a um dos elementos fundamentais
na estruturação do microssistema, ou seja, ao papel assumido por cada participante na relação
diádica. Para Bronfenbrenner (1996), um papel “é uma série de atividades e relações esperadas
de uma pessoa que ocupa uma determinada posição na sociedade e de outros em relação àquela
pessoa” (p.68). Neste sentido, compreender de que forma as professoras percebem e interpretam
o fenômeno do autismo, considerando as especificidades apresentadas pelo aluno autista, assim
como também suas expectativas em relação a este aluno, é imprescindível para nossa reflexão
acerca das possibilidades de o ambiente da sala de aula constituir um espaço promotor ou não do
desenvolvimento deste educando.
Em um primeiro momento, é interessante reconhecer que determinados aspectos
apontados pelas professoras como aqueles que caracterizariam as pessoas autistas coincidem com
alguns daqueles apontados, por importantes estudiosos da área, na literatura de referência. Assim,
encontramos Schwartzman (1994), que acredita que uma das características que se destaca neste
transtorno seja a anormalidade que a criança autista possui na interação social recíproca, além de
ela apresentar movimentos repetitivos, reações às alterações na rotina ou no ambiente e distúrbios
de atenção e concentração. Já Bandim et al (1995) apontam as reações de pânico, de aflição ou
agitação da criança diante de estímulos sensoriais (sons ou ruídos). Andrade (1992) ressalta que a
criança autista apresenta respostas anormais quando está excitada (bater braços como asas, pular,
fazer caretas), coordenação motora pobre, além das anormalidades no humor e da ocorrência, em
alguns casos, de comportamento automutilante. Salle et al (2005) mencionam que, além dos
comportamentos agressivos, de birra e possíveis autoagressões, a criança autista pode apresentar
também retardo mental.
129
Contudo, é curioso perceber que nenhuma das participantes destaca como característica
das pessoas autistas o prejuízo na comunicação verbal e não-verbal, o que, de acordo com o CID-
10, DSM-IV e Holmes (1997), é uma das três principais características do Transtorno Autista. No
entanto, algumas características que não se encontram na literatura científica, como não ter
esquema corporal, gostar de mexer com água e demonstrar interesse e curiosidade pelo inédito,
são ressaltadas por pelo menos uma das participantes. Além de todas mencionarem o gosto do
aluno autista por atividades musicais, outra característica que também não se encontra na
literatura de referência.
De acordo com a Teoria Bioecológica, as características gerais dos indivíduos envolvidos
em uma relação diádica devem ser consideradas durante este processo de interação, como por
exemplo: suas convicções, seu nível de atividade, seu temperamento, suas metas e motivações,
gênero ou cor etc. Todos estes aspectos poderão influenciar significativamente o modo como se
estabelecem as interações e a maneira como o indivíduo desenvolvente irá lidar com a pessoa em
desenvolvimento. Desta forma, os valores e as expectativas dos participantes da relação diádica
devem ser consideradas, pois influenciarão no estabelecimento das díades desenvolvimentais e na
promoção de atividades molares, elementos imprescindíveis do microssistema que possibilitam o
crescimento psíquico do sujeito.
Neste sentido, a compreensão das professoras acerca do desempenho de seu aluno autista,
o que ela pensa sobre as possibilidades e dificuldades deste educando, será fortemente
influenciada pela sua percepção e interpretação dos papéis sociais assumidos pelos participantes
do microssistema da sala de aula. Além disto, as expectativas, os valores e as representações
sócio-afetivas-culturais associados a estes papéis também estarão presentes nas relações diádicas
130
estabelecidas pelos indivíduos naquele ambiente imediato, influenciando a qualidade
desenvolvimental das díades.
Como aponta Bronfenbrenner (1996), o que importa para o comportamento e o
desenvolvimento humano é o ambiente conforme ele é percebido pelo sujeito e não conforme ele
poderia existir na realidade. Para ele, os aspectos do meio ambiente mais importantes na
formação do curso do crescimento psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm
significado para a pessoa numa dada situação” (p. 19). Portanto, o que a professora observa,
analisa, pensa e espera de cada educando estará estreitamente relacionado com o modo como ela
própria especifica e, particularmente, compreende e percebe este aluno, em se considerando todo
tipo de influência recebida por ela na constituição de seu conceito de autismo e de aluno com
transtorno autista. Assim, a percepção e a compreensão da professora sobre o sujeito/aluno
influenciarão, positivamente ou negativamente, o curso do processo educacional escolar do
mesmo.
Ainda sobre isto, é importante destacar que, ao comentarem sobre as características das
pessoas autistas, certamente tendo como referência principal seu próprio educando, as
participantes enfatizam os aspectos relacionados aos comprometimentos e limitações
psicoemocionais apresentados por este aluno em específico. Neste sentido, a ênfase dada às
características vinculadas às dificuldades e limitações do aluno autista revela uma excessiva
valorização, por parte das educadoras, dos aspectos que prejudicam ou comprometem o
desenvolvimento e, consequentemente, o desempenho escolar deste educando, em detrimento das
possibilidades favorecedoras de seu crescimento psíquico, educacional e social. Esta postura,
além de provocar nas professoras sentimentos de desmotivação e acomodação frente às demandas
referentes à implementação da prática pedagógica junto a este aluno, também revela sua
131
incredulidade nas possibilidades de desenvolvimento deste educando, naturalizando assim as
expectativas de fracasso escolar para este educando.
Quarta Macrocategoria: IV) PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMANDO
O ALUNO AUTISTA
Esta macrocategoria, que se refere a todos aqueles momentos em que a professora
comenta as modificações observadas no aluno autista ao longo do período de sua escolarização,
iniciado na época em que ele ingressou em sua sala de aula até o momento das entrevistas com a
pesquisadora, foi revelada a partir do conjunto de Categorias e Subcategorias de Significado
apresentadas no quadro abaixo.
132
Quadro 5: Macrocategoria PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMANDO O
ALUNO AUTISTA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
AUMENTANDO O ENVOLVIMENTO
NAS ATIVIDADES PROPOSTAS
- Escolhendo os brinquedos
- Respondendo mais prontamente aos
estímulos
- Permanecendo mais tempo em uma
atividade
ATENDENDO MAIS PRONTANMENTE
ÀS REGRAS
- Aceitando o estabelecimento de regras
- Obedecendo aos limites
- Permanecendo mais tempo dentro da sala
de aula
MELHORANDO A COMUNICAÇÃO COM
A PROFESSORA
- “Comunicação por códigos
SIC
- Atendendo às solicitações da professora
- Oralizando palavras compreensíveis
REDUZINDO COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS
- Apresentando comportamentos sociais
esperados
TORNANDO-SE MAIS AUTÔNOMA NA
EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES DE VIDA
DIÁRIA (AVDs)
133
Em relação a esta macrocategoria, podemos constatar que, na opinião das professoras, o
PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMA O ALUNO AUTISTA em diversos
aspectos. Dentre estes, as participantes avaliam que, com o passar do tempo, o aluno autista
AUMENTOU SEU ENVOLVIMENTO NAS ATIVIDADES PROPOSTAS
em sala de aula.
Sobre isto, uma das participantes destaca perceber mudanças importantes na qualidade da
participação do aluno na tarefa, ou seja, antes ele “entrava na sala e ficava no seu cantinho, não
mexendo em nada”
SIC
, cabendo à professora “escolher e entregar um brinquedo que achava ser
interessante para o aluno”
SIC
. Atualmente, a educadora ressalta que o aluno autista passou a
escolher seus brinquedos, apresentando comportamentos mais independentes e de iniciativa
própria.
Outro aspecto citado pelas participantes em relação ao aumento do envolvimento do
educando autista nas atividades vem a ser o fato de ela passar a responder mais prontamente
aos estímulos oferecidos pelas educadoras. Assim, uma das professoras comenta que,
atualmente, “ao convidar o aluno autista para brincar de massinha, ele experimenta, pega a
massinha e a manuseia”
SIC
. A mesma professora destaca que a participação do aluno também
melhorou nas atividades envolvendo o uso de tintas, realizando a atividade quando é solicitado a
colorir um desenho relacionado com a história que está ouvindo. Outra professora, citando como
exemplo o aumento de respostas dadas pelo aluno autista aos estímulos oferecidos por ela,
comenta mudanças observadas na atividade de montar o quebra-cabeça, ou seja, “antes, quando
era oferecido o quebra-cabeça, o aluno tirava todas as peças e as espalhava, além de pegar as
do colega; hoje, porém, ele está aprendendo a montar
SIC
.
Três participantes destacam que o aluno autista, com o passar do tempo, começou a
permanecer mais tempo em uma mesma atividade. Dessa forma, este educando, que antes
134
“não ficava parado fazendo somente uma coisa, pois em um instante estava correndo lá fora, em
seguida já começava a mexer num brinquedo e, logo depois, mexia em outra coisa”
SIC
, passou a
“ficar mais tempo numa mesma atividade
SIC
.
A respeito do atendimento às regras existentes na escola, as participantes comentam que o
aluno autista passou a ATENDER MAIS PRONTAMENTE A ESTAS REGRAS
. Uma das
professoras destaca que “hoje quando fala ´vamos tomar lanche`, o aluno autista já sabe que tem
que ir junto com os outros alunos
SIC
, aceitando o estabelecimento das regras. Elas também
ressaltam que o educando autista começou a obedecer aos limites impostos por estas regras, por
exemplo, “não ficando na piscina de bolinha o tempo todo, não acendendo e apagando a luz,
não subindo no armário na hora do lanche
SIC
. Além disso, destacam que o aluno autista tem
permanecido mais tempo dentro de sala, ao contrário de quando entrou na escola, ocasiões em
que ele “não ficava na sala, indo para o pátio, principalmente para mexer com água”
SIC
.
Em relação aos padrões de comunicação do educando autista com a professora, as
educadoras avaliam uma MELHORA NA COMUNICAÇÃO DESTES ALUNOS
ao longo do
processo de escolarização. Destacam como exemplo destas mudanças o desenvolvimento daquilo
que denominam “comunicação por códigos”
SIC
, relatando que “sabem o que o aluno quer
porque agora ela pega na sua mão e a leva até a sua mochila”
SIC
. Apontam também que o aluno
passou a atender a suas solicitações em sala, pois, atualmente, quando a professora “o chama e
fala para o mesmo que não pode subir no armário, ele olha para a professora, meio que
resistente, mas acaba descendo
SIC
.
Ainda em relação à comunicação do aluno autista, as professoras assinalam que seu
educando começou a oralizar palavras compreensíveis, mesmo que, muitas vezes, aparente
estar apenas repetindo-as. Elas destacam que, “antes o aluno autista soltava alguns sons, mas
135
não dava pra entender o que era
SIC
; hoje, “quando ele canta dá para entender qual música ele
está cantando”
SIC
. Outro exemplo desta mudança vem a ser o fato de o aluno utilizar palavras
isoladas para se comunicar, como é o caso do “aluno que agora, quando está com sede, fala
´água`”
SIC
.
As professoras participantes, ao se referirem às mudanças comportamentais do educando
autista, relatam que durante o processo de escolarização notaram modificações importantes, em
destaque, a REDUÇÃO DOS COMPORTAMENTOS INADEQUADOS
do aluno. Assim,
avaliam que o aluno autista passou a apresentar comportamentos sociais esperados,
diminuindo a frequência dos inadequados. Atualmente, ressalta uma das professoras, “as ações
dele são completamente diferentes de quando entrou na escola, não existindo mais a constância
em acender e apagar uma luz ou sair da sala correndo
SIC
, além de “ficar mais quieto, mais
tranquilo dentro da sala de aula”
SIC
.
Em relação ao desenvolvimento das atividades de vida diária (AVDs), as professoras
destacam que o aluno autista, ao longo do processo de escolarização, tem se TORNADO MAIS
AUTÔNOMO NA EXECUÇÃO DESTAS ATIVIDADES. Uma delas menciona que seu
educando “começou a ter uma independência, pois já vai ao banheiro sozinho e também se veste
sozinho”
SIC
; outra cita que atualmente ele “já sabe onde tem água e, quando está com sede, ele
pega o copo, vai até o filtro e aperta a torneirinha, colocando água para si mesmo”
SIC
.
A análise da macrocategoria PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO
TRANSFORMANDO O ALUNO AUTISTA nos remete à importância da instituição escolar e
do trabalho realizado pelos educadores na promoção do desenvolvimento e da constituição da
identidade deste sujeito. Em relação à função desta instituição, Martin-Baró (1992) destaca que a
136
escola, como um dos principais agentes socializadores, é responsável não apenas pela difusão de
conhecimentos, mas também pela transmissão de valores de uma cultura entre gerações. Abrantes
(1997) acrescenta que a escola, além de transmitir esses conhecimentos legitimados pela
sociedade, tem autoridade de proporcionar a internalização de deveres e regras que constituem a
sociedade mais ampla.
De acordo com a perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano, a pessoa em
desenvolvimento é um indivíduo em constante crescimento e dinâmico, sendo a relação
indivíduo-meio ambiente bidirecional e recíproca, ou seja, a pessoa provoca transformações no
meio ambiente em que está inserida e o reestrutura, sofrendo, também, transformação desse meio.
Assim, as mudanças manifestadas pelo educando autista, durante seu processo de escolarização,
indicam o fluxo do seu crescimento e desenvolvimento psíquico e físico.
Neste sentido, a constatação do AUMENTO DO ENVOLVIMENTO DO ALUNO
AUTISTA NAS ATIVIDADES PROPOSTAS e sua MAIOR ACEITAÇÃO DAS REGRAS
revelam uma melhora da percepção deste educando sobre os elementos do ambiente em que está
inserido e sua participação dentro daquele microssistema, favorecendo um maior envolvimento
deste aluno nas atividades propostas pela professora.
A participação efetiva e cada vez mais duradoura do educando nas atividades
desenvolvidas em sala de aula é considerada uma mudança importante para o seu crescimento
psíquico que, neste caso, deverá ser aproveitada pela professora para desenvolver as atividades
que, de fato, constituam atividades molares, ou seja, aquelas atividades que têm alguma
persistência ao longo do tempo, além de possuir importância significativa no campo
fenomenológico tanto da pessoa desenvolvente quanto das outras pessoas que participam do
microssistema.
137
As participantes também avaliam que, ao longo do processo de atendimento escolar, seu
aluno autista apresentou MELHORA NA COMUNICAÇÃO COM A PROFESSORA
. Este
aspecto apontado pelas educadoras remete nossa análise à importância da linguagem na
constituição do sujeito. Para Vygotsky (2000), a linguagem é decisiva na formação dos processos
psíquicos do indivíduo. Nesta perspectiva, relembramos que educar, para Kupfer (2007), “torna-
se uma prática social discursiva responsável pela imersão da criança na linguagem, tornando-a
capaz por sua vez de produzir discurso, ou seja, de se dirigir ao outro fazendo com isso laço
social” (p.35).
A palavra, para Lacan (citado por Di Ciaccia, 1997), está além da simples comunicação,
pois ela humaniza o homem e o constitui sujeito pela relação com o Outro, que dá sentido à
mensagem. Desta maneira, os educadores podem ocupar um lugar na função do Outro,
constituindo o sujeito através da palavra.
Desta forma, o trabalho educacional voltado para o aluno autista deve sempre estar
relacionado à linguagem, à sua comunicação verbal ou não-verbal, propiciando o
desenvolvimento do laço social, imergindo este aluno no simbólico (linguagem), humanizando-o
e constituindo-o sujeito (Di Ciaccia, 1997; Orrú, 2008).
As professoras também apontam uma REDUÇÃO DOS COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS do aluno autista e observam que essa redução se TORNOU MAIS
AUTÔNOMA NA EXECUÇÃO DAS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA (AVDs), ao longo do
processo de escolarização. Sobre isto, entendemos ser interessante retomar o que Schwartzman
(1994) e Rivière (1995) destacam como aspectos fundamentais do processo educacional para esta
criança. Estes autores afirmam que a educação relacionada à criança autista deve ter como
objetivos desenvolver ao máximo suas habilidades e competências, favorecendo seu bem-estar
138
emocional e seu equilíbrio pessoal o mais harmoniosamente possível, tentando aproximá-la de
um mundo de relações humanas significativas.
Neste sentido, a diminuição dos comportamentos inadequados do aluno autista observada
pelas professoras participantes é um aspecto importante constatado ao longo do atendimento
educacional escolar deste educando. Entretanto, a fala das professoras revela uma excessiva
valorização daquelas atividades denominadas atividades de vida diária (AVDs), ou seja, ações ou
comportamentos relacionados ao desempenho de tarefas ligadas aos cuidados de manutenção e
higiene pessoal.
Certamente, tornar a pessoa competente para o desempenho destas atividades está
relacionado à promoção de sua autonomia e independência. No entanto, é imprescindível que as
professoras compreendam que trabalhar com AVDs não constitui a única opção de trabalho com
este educando. É preciso que elas ampliem o quadro de percepção e compreensão das
possibilidades de desenvolvimento de seu aluno autista, propondo e desenvolvendo atividades
que de fato contribuam para aproximá-lo de um mundo de relações humanas significativas, como
destacam Schwartzman (1994) e Rivière (1995).
A análise desta macrocategoria revelou, portanto, elementos fundamentais para a
compreensão da influência e importância do atendimento educacional escolar no
desenvolvimento da pessoa autista. As mudanças ocorridas ao longo do processo de escolarização
do aluno autista, mencionadas pelas professoras, apontam para a importância da escola na vida
deste educando, a despeito do importante quadro de comprometimento afetivo-emocional
associado a este transtorno.
139
Assim, mesmo diante das dificuldades encontradas em função das características
peculiares apresentadas pelo aluno autista, deparamo-nos com a existência de possibilidades reais
de seu desenvolvimento. Orrú (2008) afirma que
mesmo que o autismo possa gerar alterações temporárias ou permanentes e que, em
decorrência dele, possam surgir incapacidades refletidas no desempenho e na atividade
funcional da pessoa que implicarão em desvantagem em sua adaptação e interação com a
sociedade, é possível haver possibilidades de compensação para se conseguir um
desenvolvimento psicológico mais significativo, nos casos de deficiência e suas
consequências. Tal compensação depende da existência de relações sociais e das mediações
semióticas que tornam possível vencer os déficits. (p. 10)
De acordo com a perspectiva bioecológica, a influência da pessoa em desenvolvimento
provoca mudanças no meio ambiente em que ela está inserida, reestruturando-o dentro de um
processo bidirecional e recíproco de transformações na relação indivíduo-meio. Assim, existem
possibilidades de as mudanças observadas pelas professoras, no contexto de sala de aula,
transcenderem para outros microssistemas frequentados pelo indivíduo com Transtorno Autista.
Neste sentido, podemos afirmar que o trabalho escolar pode influenciar de forma positiva o curso
do desenvolvimento deste educando.
140
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Mais que de máquinas,
precisamos de humanidade”
Charles Chaplin
O principal objetivo do presente estudo foi analisar os aspectos psico-educacionais
relacionados ao atendimento educacional escolar do aluno autista e a relação destes aspectos com
a promoção do desenvolvimento global desta pessoa, a partir de uma perspectiva Bioecológica do
Desenvolvimento Humano.
A motivação que justifica a escolha deste tema se sustenta em vários fatores, dentre eles,
o percurso da minha formação ao longo da graduação em Psicologia, período em que atuei como
estagiária no Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial
(CEPAE) da UFU e no Centro de Psicologia Aplicada do IPUFU/UFU, participando de projetos
envolvendo a criança com transtorno autista, tanto no que se refere ao atendimento educacional
escolar como na intervenção clínica. Coadjuvante a isto, a minha inserção na linha de pesquisa
em Psicologia do Desenvolvimento Humano e da Aprendizagem, do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, assim como também a atuação profissional e perfil acadêmico de minha
orientadora, psicóloga escolar e educacional foram aspectos decisivos na escolha desta área de
interesse.
141
Na composição deste trabalho, inicialmente, fizemos uma descrição do quadro do
Transtorno Autista, comentando brevemente acerca do histórico, da etiologia, das características
e da concepção psicanalítica deste transtorno. Em seguida, discorremos sobre aspectos sócio-
históricos da constituição do atendimento educacional voltado às pessoas com necessidades
educacionais especiais, ressaltando a importância da instituição escolar na constituição da
identidade do sujeito. Por fim, considerando os elementos relacionados ao atendimento
educacional escolar do aluno autista, destacamos o enfoque da abordagem comportamental e o da
teoria psicanalítica, apontando para o leitor o referencial teórico psicanalítico como aquele, por
nós escolhido, para a compreensão do fenômeno autista neste trabalho.
Em seguida, ressaltamos princípios e conceitos fundamentais da Teoria Bioecológica de
Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner, considerando ser este um referencial teórico
relevante e pertinente para explicar as questões do desenvolvimento psicológico humano. A
escolha por esta teoria como parceira e interlocutora na compreensão e discussão da temática do
autismo e educação se justifica, pois acreditamos que a questão da educação perpassa e se
fundamenta em aspectos amplos do desenvolvimento infantil.
No presente trabalho, como já comentado anteriormente, tendo em vista a complexidade
psico-educacional relacionada ao transtorno autista e a amplitude da Teoria Bioecológica, fez-se
necessário proceder ao devido recorte epistemológico do fenômeno em questão. Neste sentido, a
busca pelo objetivo proposto para esta investigação, ou seja, compreender quais são os aspectos
psico-educacionais relacionados ao atendimento educacional escolar do aluno autista e a relação
deles com a promoção do desenvolvimento global deste indivíduo, a partir de uma perspectiva
Bioecológica do Desenvolvimento Humano, levou-nos para dentro da escola ao encontro da
professora que atende este aluno no contexto da sala de aula, pois consideramos ser este o
142
principal e mais significativo ambiente imediato escolar relacionado às possibilidades de
desenvolvimento do aluno.
Deste modo, considerando que toda e qualquer mudança desenvolvimental acontece a
partir das relações diádicas estabelecidas pelo indivíduo no ambiente imediato onde se encontra o
microssistema. E entendemos ser fundamental, para a compreensão, deste ambiente ecológico, a
análise dos três elementos essenciais que o constituem, ou seja: 1) a atividade – a natureza e
função das atividades molares; 2) a interação – as estruturas interpessoais como contextos do
desenvolvimento humano; e 3) o papel – atividades e relações esperadas de uma pessoa que
ocupa uma determinada posição na sociedade e de outros em relação àquela pessoa.
Assim, considerando a importância dos três elementos constituidores do microssistema na
relação entre educação e desenvolvimento, focamos nossas discussões, principalmente, na
compreensão das diversas maneiras como as atividades em sala de aula são definidas e propostas
pelas professoras, nos padrões de interação estabelecidos entre aluno/professora e aluno/aluno, e,
por fim, no modo como os papéis sociais vêm sendo constituídos, vivenciados e representados
significativamente nessas interações.
Em relação às atividades desenvolvidas no microssistema, a Teoria Bioecológica afirma
que é necessário que tais atividades, para propiciarem melhor desenvolvimento do indivíduo,
tornem-se cada vez mais complexas, não sendo interessante, portanto, que elas permaneçam
estáticas. A capacidade de o aluno autista estabelecer atividades molares mais complexas
propicia, assim, além da sua participação ativa no meio ambiente, a melhora da sua capacidade de
modificar e aumentar a estrutura e conteúdo deste meio, de acordo com suas necessidades e
desejos. Isto posto, uma das maneiras de constatar o desenvolvimento do indivíduo será por meio
143
da sua capacidade em realizar mais de uma atividade molar ao mesmo tempo, tornando sua
execução cada vez mais complexa.
No entanto, como foi possível constatar a partir da análise dos resultados, a execução das
tarefas desenvolvidas pelas professoras, em sala de aula, não evoluem de uma modalidade
pedagógica mais simples para outra de maior complexidade. Ao contrário, as atividades
propostas envolvem um conjunto de ações e operações cognitivas extremamente simples, na
maioria das vezes, limitando-se à demanda por respostas comportamentais, sem favorecer a
transcendência daquilo que foi aprendido naquele ambiente, para outros microssistemas
frequentados pelo indivíduo.
Além disto, no discurso das professoras não identificamos o reconhecimento da
importância dos aspectos pedagógicos no trabalho educacional com o aluno autista como os
aspectos da construção da leitura e da escrita, o desenvolvimento de trabalho voltado para a
comunicação e expressão oral ou elementos relacionados ao conceito de número. E, quando tais
aspectos da prática pedagógica são mencionados, eles aparecem de forma vaga e superficial, sem
indicar expectativas significativas por parte das professoras quanto ao aprendizado do aluno
autista, fato alarmante considerando que ocorre dentro de um contexto escolar.
Outro aspecto que agrava a situação acima citada é o fato de as participantes declararem
não seguir qualquer metodologia pedagógica específica para o planejamento do atendimento
escolar do aluno autista. Associado a isto, foi possível notar a ênfase dada pelas professoras no
controle daqueles comportamentos do educando avaliados como inadequados e do predomínio da
implementação de tarefas relacionadas às chamadas AVDs – atividade de vida diária. A despeito
da importância que a autonomia e independência do indivíduo no desempenho das AVDs possam
ter para seu desenvolvimento geral, é preciso destacar ser fundamental agregar, à realização de
144
tais atividades, conteúdos significativos para a pessoa autista; caso contrário, a participação do
aluno nestas atividades pouco contribuirá para a promoção de mudanças desenvolvimentais.
Neste caso, podemos observar que não existe por parte das educadoras participantes
preocupação em relação ao significado que as tarefas propostas em sala de aula possam ter para o
aluno autista, considerando suas características psicológicas, interesses pessoais e história de
vida. A despreocupação das professoras com a qualidade do significado da atividade proposta
para o aluno autista contraria um pressuposto fundamental da perspectiva bioecológica, ou seja, o
fato de “os aspectos do meio ambiente mais importantes na formação do curso do crescimento
psicológico são, de forma esmagadora, aqueles que têm significado para a pessoa numa dada
situação(Bronfenbrenner, 1996, p.19).
Isto posto, podemos concluir que, na prática pedagógica das participantes, existe um
predomínio significativo de ações relacionadas a comportamentos moleculares, em detrimento de
atividades molares, ou seja, aquelas que de fato “constituem a manifestação principal e mais
imediata tanto do desenvolvimento do indivíduo quanto das forças ambientais mais poderosas
que instigam e influenciam o desenvolvimento – as ações das outras pessoas” (Bronfenbrenner,
1996, p. 37). Assim, considerando que as atividades molares são fundamentais para a ocorrência
de mudanças desenvolvimentais, podemos concluir que o atendimento educacional escolar
oferecido àquele aluno autista naqueles microssistemas dificilmente irá contribuir para a
promoção do seu crescimento e desenvolvimento psíquico.
Em relação ao outro elemento constituinte do microssistema, ou seja, os padrões de
interação, após a análise dos dados, foram revelados aspectos significativos envolvendo as
interações estabelecidas ao longo do processo educacional escolar do aluno autista. Neste sentido,
ao comentarem sobre a importância do processo interacional entre aluno/professor e aluno/aluno,
145
as educadoras participantes ressaltaram a grande preocupação em organizar e desenvolver
atividades que promovessem a interação e a socialização dos alunos. Sobre isto, os resultados
obtidos nos permitem concluir que as professoras definem, como processo de interação e
socialização, a condição de o aluno autista estar presente em sala, enquanto a tarefa em
andamento é realizada, independentemente de ele estar ou não participando da realização desta
mesma tarefa. Novamente, este dado revela o desconhecimento, por parte das educadoras, da
importância de a interação social ser qualificada dentro de um modelo diádico, em que os
participantes estejam significativamente atentos, motivados, envolvidos e ativos na execução da
atividade em curso.
Como já colocado anteriormente, de acordo com a Teoria Bioecológica, as interações
sociais ocorrem a partir da constituição do par diádico. Assim, as relações sociais estabelecidas
dentro da sala de aula, seja elas entre professor/aluno ou aluno/aluno, promovem o
desenvolvimento de interações diádicas. Segundo a perspectiva bioecológica, existe uma ordem
hierárquica nas modalidades das díades constituídas, de acordo com a qualidade e complexidade
da interação estabelecida. Para Bronfenbrenner, é fundamental que a interação diádica evolua ao
longo dos três estágios qualificadores destas díades, ou seja, díades observacionais, díades de
atividade conjunta e díades primárias, pois tal evolução é pré-requisito para a ocorrência de
díades desenvolvimentais.
Neste sentido, os resultados deste estudo apontam para o predomínio da ocorrência de
díades observacionais e díades de atividade conjunta no contexto da sala de aula das professoras
participantes. Associados a isto, os dados indicam que as educadoras não avaliam a simplicidade
das atividades acadêmicas propostas e nem a necessidade de promoverem mudanças na execução
de sua prática pedagógica. Assim, podemos concluir que as relações diádicas estabelecidas entre
146
as professoras e seus alunos, dentro daquele microssistema escolar, dificilmente constituirão
díades desenvolvimentais, aquelas que de fato promovem o crescimento psíquico do indivíduo.
Por fim, em relação ao outro elemento essencial na constituição do microssistema, ou
seja, o papel, conjunto de atividades e relações esperados de uma pessoa que ocupa determinada
posição social, procuramos focar o papel do aluno autista a partir da perspectiva da professora
que o atende em sala de aula. Assim, foi possível constatar que as participantes tinham
expectativas muito pequenas em relação às possibilidades de sucesso escolar de seu aluno autista.
Mais do que isso, observamos por parte das professoras uma percepção exacerbada das
dificuldades e limitações apresentadas por este educando, não apenas em relação aos aspectos
emocionais como também em relação aos aspectos cognitivos.
Deste modo, a desinformação das educadoras acerca das possibilidades de
desenvolvimento do indivíduo autista, associada à visão psicopatologizante da condição deste
indivíduo, resultado do conjunto de informações oriundas de fontes diversas (leituras, palestras,
cursos aligeirados, internet etc.) que supervalorizam as características psicopatológicas deste
transtorno, acabam por produzir expectativas de fracasso escolar para este aluno.
Neste sentido, a professora passa a enxergar o aluno autista como alguém que não é capaz
de aprender e, decorrente disto, percebe a si própria como alguém incapaz de ensinar a ele.
Dessa forma, constituídos dentro desta relação diádica, o papel da professora e o papel do
educando acabam comprometendo o aparecimento de uma aposta na possibilidade de este aluno
se constituir sujeito capaz de aprender, ainda que existam limites em seu desenvolvimento e
crescimento psíquico. Portanto, é fundamental que, dentro do microssistema da sala de aula, a
professora do indivíduo autista o reconheça como alguém capaz de desempenhar o papel daquele
147
que aprende, ou seja, ser o aluno, acreditando ser ela mesma capaz de desempenhar o papel
daquele que ensina, ou seja, ser a professora.
Neste ponto, é interessante retomar o conceito de díade desenvolvimental de acordo com
a perspectiva bioecológica. Para Bronfenbrenner, toda e qualquer mudança promotora do
desenvolvimento do indivíduo acontece na interação diádica e a partir dela. Entretanto, nem toda
díade será promotora de transformações significativas para este crescimento. É preciso que a
relação diádica, dentro do microssistema, satisfaça as condições ótimas de reciprocidade na
interação, de complexidade progressivamente crescente na realização da atividade, de
mutualidade de sentimentos positivos entre os parceiros e de alteração gradual no equilíbrio do
poder em favor do sujeito desenvolvente.
Assim, ao considerarmos a situação do aluno autista inserido no contexto escolar,
acreditamos que tal experiência, quando adequadamente estruturada e planejada, pode, de fato,
oportunizar a este aluno situações que favoreçam a ocorrência de díades realmente
desencadeadoras de mudanças desenvolvimentais, a despeito de suas dificuldades e limitações.
Os resultados do presente estudo confirmam nossa crença nesta possibilidade.
Conforme foi possível constatar, as professoras participantes avaliaram a ocorrência
mudanças importantes na qualidade da interação, participação e desempenho do aluno autista nas
atividades desenvolvidas dentro de sala de aula, mesmo considerando as dificuldades enfrentadas
no transcorrer do processo de atendimento escolar deste educando. Além de comentar as
modificações observadas em seu aluno, as educadoras concordaram sobre a importância da escola
na vida deste ser humano, a despeito do importante quadro de comprometimento afetivo-
emocional associado ao autismo.
148
Certamente, acreditamos que o atendimento educacional escolar é fundamental para o
desenvolvimento de qualquer criança e aquela que sofre do transtorno autista não deve ser
exceção à regra. Entretanto, para que tal atendimento ocorra com qualidade, é necessário que a
escola e seu conjunto de educadores reconheçam neste aluno suas possibilidades de
desenvolvimento e aprendizagem. Entendemos que, para que isto aconteça, seja necessário mais
do que mudanças na formação profissional do educador ou na organização do espaço escolar. É
imprescindível romper os estigmas e superar os preconceitos que historicamente têm constituído
a relação da sociedade com o indivíduo desviante, reforçando a condição psicossocial
segregadora e excludente deste sujeito.
Acreditamos que o mundo pode ser transformado quando conseguimos olhar o outro não
apenas como mais um indivíduo, mas como um ser humano possuidor de um complexo conjunto
de características biológicas, psicológicas e sociais, constituído dentro do contexto sócio-
histórico e cultural no qual se encontra inserido em permanente e recíproco inter-relacionamento
e desenvolvimento. Dentro deste cenário social, a escola aparece como importante e reconhecida
instituição cujo papel fundamental se relaciona com a preparação do indivíduo em
desenvolvimento para uma inserção social participativa, democrática e criativa.
Para Dechichi (2001), a escola, além de transmitir os conhecimentos legitimados pela
sociedade, é o local no qual a criança irá conviver com novos papéis sociais e estabelecerá novos
vínculos afetivos; conhecerá os valores éticos e morais; aprenderá a lidar com regras e
compromissos, compreendendo seus direitos e deveres; além de conviver com as diferenças e as
igualdades, aprendendo a ter respeito pelo próximo.
No que se refere especificamente à pessoa autista, entendemos que a escola tem um papel
imprescindível no seu desenvolvimento e na sua constituição como sujeito. Citando Jerusalinsky
149
(1997), também acreditamos que “a figura da escola vem a calhar porque a escola não é
socialmente um depósito como um hospital psiquiátrico, a escola é um lugar para entrar e sair, é
um lugar de trânsito” (p. 91). Além disso, Kupfer (2007) ressalta que ir à escola para as crianças
psicóticas e autistas tem valor terapêutico pela possibilidade de a escola contribuir na
reordenação da estruturação perdida do sujeito.
Concluindo, o presente trabalho se propôs a investigar o Transtorno Autista, a partir de
um recorte deste fenômeno, ou seja, discutir e analisar os aspectos ligados ao atendimento escolar
do aluno autista e à sua relação com o seu desenvolvimento. A complexidade do tema e a
amplitude do fenômeno levam-nos a reconhecer a limitação das respostas encontradas em nosso
estudo. Contudo, acreditamos que ele possa contribuir de forma significativa para ampliar e
aprofundar a discussão em torno de questões fundamentais relacionadas ao processo educacional
escolar e às possibilidades de este atendimento promover mudanças significativas no
desenvolvimento do aluno autista. Naturalmente, trata-se de um estudo circunscrito a uma
população e a uma realidade, sendo necessário, portanto, cuidado com quaisquer generalizações
dos resultados aqui apresentados.
150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abrantes, A. A. (1997) Aluno Excluído do Sistema Público de Ensino: A identidade em
construção. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Educação,
Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo. 205 p.
Alberto, P. & Troutman, A.C. (1999) Applied behavior analysis for teacher. Saddle River, NJ:
Merrill.
Almeida, A. L. de. (2005) Interação de crianças autistas com o mundo digital: uma travessia de
emoção e prazer. Florianópolis: UFSC/PPGEP. 263p.
Amy, M. D. (2001) Enfrentando o autismo: a criança autista, seus pais e a relação terapêutica.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Andrade, R.E.S. (1992) Autismo. Revista Psicologia Argumento. Ano X. Nº XI.
André, M.E.D. & Ludke, M. (1986) Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo:
EPU.
Asperger, H. (1944) ´Autistic psychopathy` in childhood. (p. 37-92) In: Frith, U. (1991) Autism
and Asperger syndrome. United Kingdom. Cambridge University Press.
151
Associação Brasileira de Autismo (1997). Política nacional de atenção à pessoa portadora da
síndrome do autismo. (pp. 31-34). In: C. Gauderer (Org.). Autismo e outros atrasos do
desenvolvimento: Guia prático para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Revinter.
Assumpção Jr, F. B. & Pimentel, A. C. M. (2000) Autismo Infantil. Revista Brasileira de
Psiquiatria, 22 (Supl I): 37-39.
Assumpção Jr, F. B. (1999) Autismo infantil: diagnóstico e tratamento. Psiquiatria Biológica, 7
(3): 127-132.
Assumpção Jr, F. B.; Sprovieri, M.H.; Kuczynski, E. e Farinha, V. (1999) Reconhecimento fácil
e autismo. Arq Neuropsiquiatria, 57 (4) p. 944-949.
Bandim, J. M.; Sougey E. B. e Carvalho, T. F. R. de (1995) Autismo: características clínicas,
curso e tratamento. Jornal Brasileiro de Psiquiatria; 44(12):649-54, dez.
Bereohff, A. M. P. (1993) Autismo: uma história de conquistas. (pp. 11-24) Em Aberto, Brasília,
ano 13, n. 60, out/dez.
Beyer, H. O. (2002) A criança com autismo: propostas de apoio cognitivo a partir da teoria da
mente. (pp. 111-125) In: Baptista, C. R. e Bosa, C. (orgs) Autismo e educação: reflexões e
propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed.
Bleuler, E. (1911) Dementtia praecox oder grupp der schizophenien. Trad.: Henri Ey. Paris:
Anaclitis, 1964.
152
Bogdan, R. & Biklen, S. (1994) Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria
e aos métodos. Lisboa/Portugal: Porto Editora.
Bosa, C. (2002) Autismo: atuais interpretações para antigas observações. (pp. 21-39) In: Baptista,
C. R.; Bosa, C. A. & col. Autismo e educação: reflexões e propostas de intervenção. Porto
Alegre: Artmed Ed.
Bosa, C. A. (2006). Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev. Bras. Psiquiatria, vol. 28,
suppl.1. São Paulo, maio.
Braga, L.P. (2005) Dos traumas ao mundo misterioso de Thomas: o acompanhamento de um
processo de inclusão em creche (p.43-64). In: Colli, F.A.G. Travessias inclusão escolar: a
experiência do grupo ponte Pré-escola Terapêutica Lugar de Vida. São Paulo: Casa do
Psicólogo.
Bronfenbrenner, U. & Morris, P. A. (1998, 5a ed.) Handbook of child psychology: Theoretical
models of human development (pp. 993-1028). In: Lerner, R. M. (Org.) The ecology of
developmental process. New York: John Wiley & Sons.
Bronfenbrenner, U. (1979/1996/2002). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos
naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas.
________. (1994). A ecologia do desenvolvimento humano. Tradução: Veronesi, M.A.V. Porto
Alegre: Artes Médicas.
153
________. (1992/2005) Ecological systems theory. In: Bronfenbrenner U. (edited) Making
human beings human: bioecological perspectives on human development. California. Sage
Publications.
Brook, S. & Bowler, D. (1992) Autism by another name? Semantic and pragmatic impairments in
children. J Autism Dev Disord, 22(1): 61-81.
Burack, J.A. (1992) Debate and argument: clarifying developmental issues in the study of autism.
J.Child Psychol Psychiat, 33 (3): 617-621.
Cassiani, S.H. de B., Caliri, M.H.L. e Pelá, N.T.R. (1996) A teoria fundamentada nos dados
como abordagem da pesquisa interpretativa (versão eletrônica). Revista Latino-Americana de
Enfermagem. Ribeirão Preto, vol. 4, nº 3.
Castro, M. A. de. (1992). Ecologia: a cultura como habitação. (pp.13-33). In: Soares, A. (Org).
Ecologia e Literatura. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
CID-10 (2000) Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde. Organização Mundial da Saúde. Ed: USP, 8ª Ed.
Coutinho, A.B.V. & Aversa, P.C. (2005) Sobre a experimentação da loucura no campo escolar
(p. 35-42). In: Colli, F.A.G. Travessias inclusão escolar: a experiência do grupo ponte Pré-
escola Terapêutica Lugar de Vida. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Dechichi, C. (2001) Transformando o ambiente da sala de aula em um contexto promotor do
desenvolvimento do aluno deficiente mental. Tese de Doutorado. USP, São Paulo.
154
Di Ciaccia, A. (1997) Da pedagogia à psicanálise. Estilos da Clínica: Revista sobre a Infância
com Problemas. São Paulo: Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida, IPUSP. I(2): 18-26.
________. (2005) A propos de la pratique à plusieurs. (p. 11-17). Les Feuillets du Courtil, n° 23.
Leers-Nord: Champ Freudien en Belgique.
DSM-IV (1995) Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre, Ed.
Artes Médicas.
Fernandes, L. R. (2000). O olhar do engano: Autismo e o Outro primordial. São Paulo: Escuta.
Ferraz, R.D. (2007) Os sujeitos considerados diferentes e o contexto educacional. Arquivos do
Mudi. Nº 11(Supl.2): 482-90.
Ferreira, M.E.C. & Guimarães, M. (2003) Educação Inclusiva. Rio de Janeiro: DP&A.
Fleig, M. (1993) Psicanálise e sintoma social. Porto Alegre: Unisinos.
Folberg, M. N. & Reck, N. (2002). Declínio da função paterna e dialética da simbolização.
Estilos da clínica, 7(13), 92-99.
Foucault, M. (1972) História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva.
_________. (1999) História da sexualidade: a vontade de saber. Vol. 1. Rio de Janeiro: Graal.
Freire, A. B. (2002) A constituição do sujeito e a alteridade. (pp. 78-91). Estilos da Clínica:
revista sobre a infância com problemas. Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida, IPUSP, São
Paulo, v. 7, n.13.
155
Freud, S. (1920) Além do princípio do prazer. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud:
Edição Standard Brasileira. Traduzido do alemão e do inglês sob direção de Jayme Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1980.
Frith, U. & Happe, F. (1994) Language and communication in autistic disorders. Philos Trans R
Soc Lond B Biol Sci, 346:97-104.
Frith, U. (1989) Autism: explaining the enigma. Oxford: Blackwell.
Gauderer, E. C. (1993) Autismo e outros atrasos do desenvolvimento. Uma atualização para os
que atuam na área: do especialista aos pais. Brasília: CORDE.
________. (1997) Autismo e Outros Atrasos do Desenvolvimento: guia prático para pais e
profissionais. Rio de Janeiro: Atheneu.
Geoffroy, M. A. (2004) A “instituição estourada" como "jogo do fort-da" de Jacques Lacan ao
conceito de "instituição estourada" da escola experimental de Bonneuil-Surmarne. Estilos da
Clínica, vol. 9, no. 17, pp. 26-51. Traduzido por Kelly Cristina Brandão da Silva.
Glaser, B. G. & Strauss, A.L. (1967) The discovery of Grounded Theory. New York: Aldine.
Goldberg, L.; Yunes, M. A. M. e Freitas, J. V. de. (2005). O desenho infantil na ótica da ecologia
do desenvolvimento humano. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 97-106, jan./abr.
Golse, B. (2004). O bebê, seu corpo e sua psique: explorações e promessas de um novo mundo
(Apego, Psicanálise e Psiquiatria Perinatal). (pp.15-40). In: R. O. Aragão (org.) O bebê, o corpo e
a linguagem. São Paulo: Casa do Psicólogo.
156
González Rey, F. (2002). Pesquisa qualitativa em psicologia: caminhos e desafios. São Paulo:
Pioneira Thomson Leraning.
Grandin, T. (1995) Thinking in Picture. New York: Vitage Books.
Haguette, T. M. F. (1987) Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis: Vozes. 163p.
Happé, F. & Frith, U. (2006) The weak coherence account: detail-focused cognitive style in
autism spectrum disorders. Journal of Autism and Developmental Disorders, n. 36, p. 5-25.
Holmes, D.S. (1997) Psicologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas.
Holstein, J. A. & Gubrium, J. F. (1995) The Active Interview. London/New Delhi/Thousand
Oaks: Sage Publications, v. 37.
Izaguirre, M. (2001) O autismo e os limites da psicanálise. (pp. 37-44). Marraio - formações
clínicas do campo lacaniano. Autismo, o Último Véu. Nº 2.
Jerusalinsky, A . (1984) Psicanálise do Autismo. Porto Alegre: Artes Médicas.
________. (1993) Psicose e autismo na infância: uma questão de linguagem. Psicose. Boletim da
Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Porto Alegre, APPOA. 4(9): 62-73.
________. (1997) A escolarização de crianças psicóticas. Estilos da Clínica. Revista sobre a
Infância com Problemas. São Paulo, Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida. IPUSP. 1(2):72-95.
________. (2002). Enquanto o futuro não vem: a psicanálise na clínica interdisciplinar com
bebês. Salvador: Ágalma.
157
Kanner (1943) Affective disturbances of affective contact. Nervous Child, v.2, p.217-250.
Klin, A. (2006) Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de
Psiquiatria, 28, Suppl. 1, maio. São Paulo.
Kostiuk, G. S. (1991) Alguns Aspectos da Relação Recíproca entre Educação e Desenvolvimento
da Personalidade. Bases Psicológicas da Aprendizagem e do Desenvolvimento. Lisboa: Editora
Stampa.
Kupfer, M.C. (1999) Freud e a educação: dez anos depois. Revista da Associação Psicanalítica
de Porto Alegre. Ano IX. Nº 16. Julho.
________. (2007) Educação para o futuro. Psicanálise e educação. São Paulo: Escuta. 3ªed.
Krebs, R.J (2006) A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e o contexto de educação
inclusiva. Inclusão: Revista da Educação Especial/ Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial, v.02, nº2, julho.
Lacan, J. (1998) Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lajonquière, L. de. (1997) Dos erros e em especial daquele de renunciar à educação: notas de
psicanálise e educação. Estilos da Clínica, n. 3, p.p. 27-43.
________. (1999) Freud, a educação e as ilusões (psico)pedagógicas. Revista da APPOA. Porto
Alegre: Associação Psicanalítica de Porto Alegre. 9(16): 27-38.
Lasnik-Penot, M. C. (Org.) (1991) O que a clínica do autismo pode ensinar aos psicanalistas.
Salvador: Ágalma.
158
Lear, K. (2004). Help us learn: a self-paced training program for Applied Behavior Analysis
(ABA). 2ª Ed. Toronto: Ontario.
Leboyer, M. (2005) Autismo infantil. Fatos e modelos. São Paulo: Campinas, Papirus.
Ledoux, M. H. (1990). Introdução à obra de Françoise Dolto. Tradução: Vera Pinheiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Levin, E. (1996). A clínica interdisciplinar em crianças com transtornos na estrutura e no
desenvolvimento. Amarelinhas, 3. Curitiba, PR: Biblioteca Freudiana de Curitiba.
Lewis, S. M. S. & De Leon, V. C. (1995) Programa TEACCH. (pp. 233-263) In: Schwartzman,
J.S & Assumpção, F. B. Autismo Infantil. São Paulo.
Mannoni, M. (1977) Educação impossível. Rio de Janeiro: Zahar.
________. (1983). A criança, sua doença e os outros O sintoma e a palavra. Tradução: A. C.
Villaça trad.) 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
________. (1988) Educação impossível. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
Mantoan, M.T.E. (1997) Ser ou Estar, eis a questão: explicando o déficit intelectual. Rio de
Janeiro: WVA.
Marcondes, K. H. B. (2006) A relação entre a escola e a família de crianças com baixo
rendimento escolar no contexto da Progressão Continuada. Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Educação Escolar – UNESP/Araraquara.
159
Martin-Baró, I. (1992) Acción y ideologia. Psicologia Social desde Centro América. San
Salvador: UCA Editores.
Martins, E. & Szymanski, H. (2004). A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em estudos
com famílias. Estudos e Pesquisas em Psicologia, vol. 4, nº 1.
Mendes, E.G. (1995). Deficiência Mental: a Construção Científica de um Conceito e a Realidade
Educacional. Tese de Doutorado. Curso de Pós-Graduação em Psicologia Experimental,
Universidade de São Paulo.
Mesibov, G.B. & Shea, V. (1996). Full inclusion and students with autism. Journal of autism and
developmental disorders, 26(3), pp. 337-346.
Millot, C. (1979). Freud anti-pedagogo. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
Minayo, M. C. S. (1996/2000/2004) O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.
São Paulo: Hucitec.
Newcombe, N. (1999) Desenvolvimento Infantil – Abordagem de Mussen. Porto Alegre: Artes
Médicas.
Orrú, S. E. (2007) Autismo, linguagem e educação: interação social no cotidiano escolar. Rio de
Janeiro: Wak Editora. (184 p.)
________. (2008) Os estudos da análise do comportamento e a abordagem histórico-cultural no
trabalho educacional com autistas. Revista Iberoamericana de Educación, nº 45/3. Fevereiro.
Edita: Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura
160
Paravidini, J. L. L. (2002) A identificação e o diagnóstico precoces de sinais de risco de autismo
infantil. Tese de doutorado. Faculdade de Ciências Médicas – UNICAMP.
Pessotti, I. (1999). Os nomes da loucura. São Paulo: Editora 34 Ltda.
Petri, R. (2003) Psicanálise e educação no tratamento da psicose infantil. Quatro experiências
institucionais. São Paulo: Annablume, Fapesp.
Ritvo, E.R. & Ornitz, E.M. (1976) Autism: diagnosis, current research and management. New
York, Spectrum.
Rivière, A. (1995) O desenvolvimento e a educação da criança autista. In: Coll, C.; Palacios, J. &
Marchesi, A. Desenvolvimento psicológico e educação. Necessidades educativas especiais e
aprendizagem escolar. Vol.3 Porto Alegre: Artes Médicas.
________. (2004) O autismo e os transtornos globais do desenvolvimento. In: Coll, C.; Palacios,
J. & Marchesi, A. Desenvolvimento psicológico e educação. Transtornos do desenvolvimento e
necessidades educativas especiais. Vol.3 Porto Alegre: Artes Médicas.
Roudnesco, E. (1998) Dicionário da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Rutter, M. (1967). Psychotic disorders in early childhood. In: Coppen, A. & Walk. A. Recent
developments in schizophrenia: a symposium. London: Royal Medico-Psychological Association.
Salle, E.; Sukiennik, P. B.; Salle, A. G.; Onófrio, R. F. e Zuchi, A. (2005) Autismo infantil
sinais e sintomas (pp. 11-15). In: Camargos Jr, W. et al. Transtornos invasivos do
desenvolvimento: 3º milênio. Brasília: CORDE. 2ª Ed.
161
Santos, S.R. do & Nóbrega, M.M.L. da. (2004) A busca da interação teoria e prática no sistema
de informação de enfermagem – enfoque na teoria fundamentada nos dado. Revista Latino
Americana de Enfermagem, 12(3): 460-8.
Schwartzman, J. S. (1993) Síndrome de Asperger (p. 170-173). In: Gauderer, C. Autismo e outros
atrasos do desenvolvimento – uma atualização para os que atuam na área: do especialista aos
pais. Brasília: Corde.
Schwartzman, J. S. (1994) Autismo infantil. Brasília: CORDE. 56p.
Silva, A.R.R. da (2000) Autismo na criança e seu impacto sobre a família. Pediatria Moderna.
Vol. XXXVI. Nº 7. p. 474-479.
Silva, K. C. B. da. (2006) Pratique à plusieurs: relato de uma experiência na instituição belga Le
Courtil. Imaginário, vol. 12, nº 13, 2º semestre, NIMELABI- IPUSP, São Paulo, p. 419 – 425.
Smolka, A. L. B. (1989) O Trabalho Pedagógico na Diversidade (Adversidade?) da Sala de Aula.
(p.39-48). Cadernos CEDES 23 – Educação Especial. São Paulo: Cortez Editora.
Simpson, R. L. (2001). Applied Behavior Analysis (ABA) and students with autism spectrum
disorders: issues and considerations for effective practice. Focus on Autism and Other
Developmental Disabilities, 16, p.68.
Soler, C. (1994) Le désir du psychanaliste. Où est la différence? Lettre Mensuelle, s/n. Paris,
Publicação do Campo Freudiano.
162
________. (1999) Autismo e paranoia. In: Alberti, S. (org.) Autismo e esquizofrenia na clínica da
esquize. Rio de Janeiro: Marca d´Água.
Spradlin, J. E. & Brady, N.C. (1999) Early childhood autism and stimulus control. (pp. 49-65) In:
Ghezzi, P.; Williams, W.; Carr, J. Autism: behavior analytic perspectives. Reno: Context Press.
Stefan, D. (1998). Autismo e psicose. In: Laznik-Penot, M. C. (Org.) O que a clínica do autismo
pode ensinar aos psicanalistas. Salvador: Ágalma.
Strauss, A. & Corbin, J. (1990) Basics of Qualitative Research: Grounded Theory Procedures
and Techniques. London/New Delhi/Newbury Park: Sage Publications.
Stromer, R.; Mclvane, W. J.; Dube, W. V.; Mackay, H. A. (1993) Assessing control by elements
of complex stimuli in delayed matching to sample. (pp. 83-102) Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 59.
Sulzer-Azaroff, B. & Mayer, G.R. (1977). Applying behavior-analysis procedures with children
and youth. New York: Holt, Rinehart & Winston.
Szymanski, H. (1998) A Entrevista Reflexiva. São Paulo: PUC.
Tafuri, M. I. (2003) Dos sons à palavra: explorações sobre o tratamento psicanalítico da criança
autista. Brasília: ABRAFIPP.
Trivinos, A. N. S. (1995). Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais – a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Editora Atlas.
163
Tustin, F. (1972) Autismo e psicose infantil. Trad.: Isabel Casson. Rio de Janeiro: Imago Editora
LTDA.
Villa, F. D. (1987) Algumas reflexões sobre o autismo, em roda de “A noite serena”. Nos limites
da transferência. São Paulo: Papirus.
Vygotsky, L. S. (2000) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
________. (1989) Obras completas – Fundamentos de Defectologia. Ciudad de La Habana,
Cuba : Editorial Pueblo y Educación.
Zenoni, A. (1991) “Traitement” de l´autre. (pp. 101-113) Préliminaire, Antenne 110, Bruxelas,
n.3.
Wing, L. & Gould, J. (1979) Severe impairments of social interaction and associated
abnormalities in children: epidemiology and classification. J. Autism Dev Disord 9: 11-29.
Wing, L. (1988) Autism: possible clues to the underlying pathology. Clinical facts. In: Wing, L.
Aspects of autism: biological research. London: Gaskel Ed.
164
APÊNDICES
165
APÊNDICE A
QUADRO DOS CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS BÁSICOS DO TRANSTORNO AUTISTA
DESCRITO NO MANUAL DE DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS
MENTAIS (DSM-IV, 1995)
Critérios Diagnósticos para F84.0 - 299.00 Transtorno Autista
A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3), com pelo menos dois de (1), um de (2) e
um de (3):
(1) prejuízo qualitativo na interação social, manifestado por pelo menos dois dos seguintes
aspectos:
(a) prejuízo acentuado no uso de múltiplos comportamentos não-verbais, tais como contato
visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social
(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de
desenvolvimento
(c) falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras
pessoas (por ex., não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse)
(d) falta de reciprocidade social ou emocional
(2) prejuízos qualitativos na comunicação, manifestados por pelo menos um dos seguintes
aspectos:
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por
uma tentativa de compensar através de modos alternativos de comunicação, tais como gestos
ou mímica)
(b) em indivíduos com fala adequada, acentuado prejuízo na capacidade de iniciar ou manter
uma conversação
(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrática
(d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação social variados e espontâneos apropriados ao
nível de desenvolvimento
(3) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por
pelo menos um dos seguintes aspectos:
166
(a) preocupação insistente com um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse,
anormais em intensidade ou foco
(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituais específicos e não-funcionais
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., agitar ou torcer mãos ou dedos,
ou movimentos complexos de todo o corpo)
(d) preocupação persistente com partes de objetos
B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com início
antes dos 3 anos de idade: (1) interação social, (2) linguagem para fins de comunicação
social, ou (3) jogos imaginativos ou simbólicos.
C. A perturbação não é melhor explicada por Transtorno de Rett ou Transtorno
Desintegrativo da Infância
167
APÊNDICE B
ROTEIRO NORTEADOR PARA ENTREVISTA COM PROFESSORES
Idade:
Sexo:
Formação – Graduação
– Pós-Graduação
Tempo de formação:
Tempo que trabalha em escola:
O que fazia antes de trabalhar na escola:
1) A coordenação me indicou seu nome por ser uma professora que trabalha com aluno com
Transtorno Autista. Você tem esses alunos hoje na sua sala? Quantas são no momento?
2) Quais são as características de um aluno com Transtorno Autista? Como ele é?
3) Quais são as atividades desenvolvidas na sala?
4) Quais os objetivos destas atividades?
5) Como você avalia/analisa estas atividades?
6) Como você organiza o ambiente da sala de aula?
7) Como você decide sobre o planejamento de aula?
8) Quais são os elementos com os quais você fica atenta ao organizar seu planejamento?
9) De uma forma mais sintética, você diria qual metodologia você usa com esses alunos?
Qual o método? Fale-me um pouquinho sobre ele.
10) Você conhece outros métodos? Quais? Como você conheceu?
11) O que levou você a optar por este método?
12) Como você avalia a eficiência deste método?
13) Qual a relação que você observa entre o método empregado e o progresso no
desenvolvimento do aluno?
168
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________________________________ aceito
participar da pesquisa intitulada “Processo Educacional Escolar e a Promoção do
Desenvolvimento do Aluno com Transtorno Autista”, realizada pela Mestranda Andréa Barbosa
Gomide, aluna do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da Profª Drª Claudia Dechichi.
A presente pesquisa tem como objetivo principal analisar aspectos metodológicos da
prática pedagógica de professores que atendem alunos com Transtorno Autista em seu processo
educacional e sua relação com o processo de desenvolvimento global destas a partir da opinião de
pais e professores.
Concordo em participar da referida pesquisa e estou ciente de que participarei de
entrevistas semiestruturadas, que serão áudio-registradas e posteriormente transcritas, gerando
textos que darão subsídios para a discussão e análise do fenômeno em estudo. Após a transcrição
das fitas, o material será destruído a fim de preservar minha identidade. Fui assegurada de que os
dados coletados serão utilizados para publicação científica.
Estou informada de que sou livre para desistir a qualquer momento do processo, sem correr
o risco de discriminação ou represália por parte da pesquisadora além de poder, por iniciativa
própria, desistir de participar da pesquisa em qualquer momento. Não terei ganho ou ônus para
participar deste estudo.
Este formulário está sendo assinado voluntariamente por mim, indicando meu
consentimento para participar nesta pesquisa, até que eu decida o contrário. Receberei uma cópia
assinada deste consentimento.
Pesquisador: ________________________________Assinatura:_______________________
Participante:_________________________________Assinatura:_______________________
Uberlândia-MG,____de____________ de 2007
*Andrea Barbosa Gomide – Av. João Pinheiro, 4484. Casa 03. Umuarama. Uberlândia/MG. Fone: 34-32138350
*Profª Drª Claudia Dechichi – Av. Pará, 1720. Bloco 2C. Bairro Umuarama. Fone: 34-32182701
*Comitê de Ética em Pesquisa - (34) 32394531 e Instituto de Psicologia - (34) 32182235
169
APÊNDICE D
EXEMPLO DO QUADRO DE CODIFICAÇÃO DE UMA DAS ENTREVISTAS
TEXTO ESCRITO
CODIFICAÇÃO
(Unidades de Análises)
E: Eu queria saber quantos alunos
autistas tem sua sala atualmente?
P: São seis crianças autistas
(8)
.
E: Quais as características das crianças
autistas pra você?
P: Assim, eu comecei, esse ano que eu
estou com autista
(9)
. O ano passado eu
estava com outras turmas. Não. Os
autistas são assim, eu estou estudando
também
(10)
, eles são crianças que ficam
mais isoladas
(11)
e assim umas às vezes
um pouco agressiva outras não
(12)
, mas
assim, sabendo lidar com eles é fácil
(13)
.
Não é muito difícil.
E: O que é saber lidar com eles?
P: Primeiro, tem que ter muito amor
(14)
,
tem que estar preparada para as reações
deles
(15)
, que variam de criança pra
criança
(16)
.
E: Você falou que é um trabalho fácil,
que não é difícil. O que quer dizer isso?
P: Não. Assim. No início, eu fiquei até
um pouco apreensiva
(17)
, preocupada em
lidar com essas crianças
(18)
, mas aí a
gente assim, ir buscando ajuda com o
pessoal que trabalha com a gente
(19)
, aí
você vai vendo que não é, é possível. E
assim...
E: O que você acha que é possível?
P: Não sei. Fazer com que eles se sintam
um pouquinho melhores junto com os
outros
(20)
, interajam melhor
(21)
. Assim...tô
tentando, tô buscando.
(8) Tendo, atualmente, 6 crianças autistas em sua
sala.
(9) Começando esse ano (2008) a estar com
crianças autistas.
(10) Estudando sobre autistas.
(11) Crianças autistas sendo crianças que ficam
mais isoladas.
(12) Crianças autistas sendo umas, às vezes, um
pouco agressivas outras não.
(13) Sendo fácil quando se sabe lidar com as
crianças autistas.
(14) Saber lidar com crianças autistas sendo ter
muito amor.
(15) Saber lidar com crianças autistas sendo estar
preparada para as reações delas.
(16) Reações das crianças autistas variando de
criança para criança.
(17) Ficando no início um pouco apreensiva.
(18) Preocupando no início em lidar com as
crianças autistas.
(19) Buscando ajuda com o pessoal que trabalha na
escola.
(20) Sendo possível, ao buscar ajuda com o pessoal
que trabalha na escola, fazer com que as crianças
autistas sintam-se um pouquinho melhor junto com
os outros.
(21) Sendo possível, ao buscar ajuda com o pessoal
que trabalha na escola, fazer com que as crianças
autistas interajam melhor.
170
APÊNDICE E
QUADRO DE ANÁLISE CATEGORIAL DA MACRO-CATEGORIA
INTERAGINDO EM SALA DE AULA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS CÓDIGOS
- Colocando colega para
ajudar o aluno autista na
atividade
- “Coloco um colega para
ajudar o aluno autista na
atividade a fim de estimular os
colegas a interagirem com
ela”
SIC
ESTIMULANDO A
INTERAÇÃO DO ALUNO
AUTISTA COM OS
COLEGAS
- Estimulando atividades do
brincar junto
- Estimulando a socialização
- “Sendo a atividade de música
realizada para a socialização
dos alunos autistas e os coloca
pra trabalharem juntos na
atividade de pintura”
SIC
- Elogiando comportamentos
adequados
- “Falo ´Muito bem` para o
aluno autista quando ele
guarda seus objetos do lugar
certo”
ESTABELECENDO
CONTROLE SOBRE OS
COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS DO
ALUNO
- Excluindo o aluno autista do
grupo
- “Chamo outra professora
para ficar com o aluno autista
enquanto trabalho com os
171
outros alunos na terra para
verem de onde vem a
minhoca”
SIC
- Estabelecendo limites para
comportamentos inadequados
- “Não deixo o aluno autista
subir em cima de armários ou
entrar na piscina pelado”
- Conversando com o aluno
- “Explico antes passo a passo
como deve ser feita a
atividade”
- Demonstrando como se faz
- “Coloco o pote de tinta do
lado do aluno autista pra ele
ver onde eu coloquei o
dedo...passando a tinta num
papel sem ser o do aluno para
que ele possa ver como deve
ser feita a atividade”
SIC
ORIENTANDO SOBRE A
ATIVIDADE EM
ANDAMENTO
- Fazendo junto com o aluno
- “Pego na mão do aluno,
estimulo ele a pegar no lápis, a
falar que é um lápis”
SIC
172
APÊNDICE F
QUADRO GERAL DAS QUATRO
MACROCATEGORIAS E DAS CATEGORIAS DE SIGNIFICADO
Primeira Macrocategoria:
PLANEJANDO ATIVIDADES EM SALA DE AULA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ADAPTANDO PLANEJAMENTO
GERAL DA ESCOLA EM FUNÇÃO DO
ALUNO AUTISTA
- Tendo planejamento especial para o aluno
autista
- Adaptando a sala para trabalhar com alunos
autistas
-Planejando em função das dificuldades do
aluno
- Mudando o planejamento em função do
humor dos alunos autista
VALORIZANDO AS ATIVIDADES DE
VIDA DIÁRIA (AVDs)
- Trabalhando com atividades de vida diária
- Orientando AVDs (se vestir e guardar
pertences)
ENFATIZANDO ATIVIDADES COM
MÚSICA
- Música acalmando o aluno
- Utilizando a música para controlar
173
comportamentos inadequados
- Aluno cantando músicas espontaneamente
UTILIZANDO MATERIAL CONCRETO
COM O GRUPO
- Utilizando materiais/objetos (giz de cera,
bola, pedra, tinta, blocos lógicos)
- Utilizando materiais/objetos existentes na
própria sala de aula
TRABALHANDO COM A NOÇÃO DE
NÚMERO
- Noção de cor, forma e tamanho
- Noção de numeral e quantidade
VALORIZANDO ATIVIDADES
LIVRES/ESPONTÂNEAS DO ALUNO
- Valorizando atividades lúdicas (livres)
- Valorizando atividades criativas
(espontâneas)
174
Segunda Macrocategoria
INTERAGINDO EM SALA DE AULA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ESTIMULANDO A INTERAÇÃO
ALUNO AUTISTA COM OS COLEGAS
- Colocando colega para ajudar o aluno autista
na atividade
- Estimulando atividades do brincar junto
- Estimulando a socialização
ESTABELECENDO CONTROLE
SOBRE OS COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS DO ALUNO
- Elogiando comportamentos adequados
- Estabelecendo limites para comportamentos
inadequados
- Excluindo o aluno autista do grupo
ORIENTANDO SOBRE A ATIVIDADE
EM ANDAMENTO
- Conversando com o aluno
- Demonstrando como se faz
- Fazendo junto com o aluno
175
Terceira Macrocategoria:
CARACTERIZANDO O ALUNO AUTISTA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
APRESENTANDO DIFICULDADE NA
INTERAÇÃO
DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO NA
ATIVIDADE
- rejeitando atividades
- apresentando comportamentos agitados
APRESENTANDO COMPORTAMENTOS
ESTEREOTIPADOS
APRESENTANDO PADRÕES RÍGIDOS DE
COMPORTAMENTOS
REAGINDO COM GRITOS
GOSTANDO DE ATIVIDADES MUSICAIS
NÃO TENDO ESQUEMA CORPORAL
GOSTANDO DE MEXER COM ÁGUA
DEMONSTRANDO INTERESSE E
CURIOSIDADE PELO INÉDITO
176
Quarta Macrocategoria
PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO TRANSFORMANDO O ALUNO AUTISTA
CATEGORIAS SUBCATEGORIAS
ALUNO AUMENTANDO SEU
ENVOLVIMENTO NAS ATIVIDADES
PROPOSTAS
- Escolhendo os brinquedos
- Respondendo aos estímulos
- Permanecendo mais tempo em uma
atividade
MELHORANDO A COMUNICAÇÃO
COM A PROFESSORA
- Melhorando a comunicação por “códigos”
SIC
- Entendendo o pedido da professora
- Oralizando palavras compreensíveis
ATENDENDO MAIS PRONTANMENTE
AS REGRAS
- Atendendo o estabelecimento de regras
- Obedecendo aos limites
- Permanecendo dentro da sala de aula
DIMINUINDO COMPORTAMENTOS
INADEQUADOS
- Apresentando comportamentos sociais
adequados
TORNANDO-SE MAIS AUTÔNOMO
NAS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA
(AVDs)
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo