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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UNI-RIO
CENTRO DE LETRAS E ARTES – CLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS – PPGAC
CÁSSIA REJANE PIRES BATISTA
A COREIRA DO TAMBOR DE CRIOLA DO MARANHÃO:
PERFORMANCE E JOGO
Rio de Janeiro
Junho/ 2009
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CÁSSIA REJANE PIRES BATISTA
A COREIRA DO TAMBOR DE CRIOLA DO MARANHÃO: PERFORMANCE
E JOGO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em
Artes Cênicas, na linha de pesquisa de Teatro e Cultura,
sob a orientação do Professor Doutor José Luiz Ligiéro
Coelho.
Rio de Janeiro
Centro de Letras e Artes da UNIRIO
2009
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CÁSSIA REJANE PIRES BATISTA
Batista, Cássia Rejane Pires.
A coreira do tambor de criola do Maranhão:
performance e jogo / Cássia R. P. Batista. - Rio de Janeiro,
2009
ix, 104 p.
Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) -
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO,
Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas - PPGAC,
2009.
Orientador: José Luiz Ligiéro Coelho.
1. Cultura. 2. Tambor de Criola. 3. Performance. 4.
Dança-teatro. 5. Teatro-educação - Dissertações. I. Coelho,
José Luiz Ligiéro (Orient.). II. Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas. III. Título.
Dissertação apresentada no curso de Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, defendida e aprovada pelos professores.
Orientador: ________________________________________
Prof. Dr. José Luiz Ligiéro Coelho – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Membro: ________________________________________
Profa. Dra. Elza Maria Ferraz de Andrade Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro
Membro: ________________________________________
Prof. Dr. Arão Nogueira Paranaguá de Santana – Universidade Federal do Maranhão
À minha mãe Olinda Pires, por toda
força, amor e dedicação.
Ao meu irmão Werbeth Pires (in
memorian), pela luz que não se apaga.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela constante presença na chuva, no mar, no pôr-do-sol e no que de mais
sublime.
A São Benedito, Santo Expedito, São Jorge e todos os santos que revelam poder e
graça aos seus fiéis devotos.
Ao meu orientador Zeca Ligiéro, por toda preciosa contribuição.
A todos os mestres e coreiras do Maranhão em especial: mestre Wanderley, mestre
Thomás, Maria Clores e mestre Filipe (in memória).
À Marlos Correia, pelos anos compartilhados, pela infinita amizade e pelo constante
apoio à minha arte.
Às irmãs Nelma, Clelma e Rosane, essas vitoriosas mulheres que me inspiram força,
amor e bondade.
A Caio, Clarissa, Marcela, Izadora e Luisa pela constante poesia e beleza que irradia
em minha vida.
À Modí pelo gosto da doçura
A todos meus essenciais amigos que compartilham dos mais diferentes momentos:
Antônio Freire, Anderson Pinheiro, Cristhiane Cardoso, Marineide Câmara, Régis Oliveira,
Emerson Araújo, Susana Pinheiro, Raimundo Reis, Cris Campos, Luciana Tosta, Floriza
Gomide, Eduardo Oliveira e Michele Campos.
Aos mestres que despertaram em mim o amor pelo teatro e que foram fundamentais
em minha formação acadêmica: Arão Paranaguá, Luiz Pazzine e Jaime Furtado (in
memorian).
Aos professores da UNIRIO em especial a Elza de Andrade e Nara Keiserman pelas
dicas valorosas para a escrita desta pesquisa.
A todas as pessoas que apoiaram e contribuíram para a realização deste trabalho, em
especial: Rosane Pires, Sérgio Ferretti, Murilo Santos, Kátia Castro, Rose Coreira, Juliana
Manhãs e Marcello Gabbay.
Àqueles que, embora não os tenha citado neste momento, mas se fazem presente em
cada lembrança, cada saudade, em cada ritual da minha vida cotidiana, profissional e artística,
muito obrigada!
Antes do homem estar consciente da arte, ele tornou-se consciente de si
mesmo. Autoconsciência é, portanto, a primeira arte. Na performance,
a figura do artista é o instrumento da arte. É a própria arte.
Gregory Battcock
RESUMO
Esta dissertação discute a performance da coreira do Tambor de Criola do Maranhão,
reconhecendo as principais características desta dança, sua inserção no sagrado e no
divertimento popular, bem como as principais mudanças ocorridas ao longo da sua existência.
Analisa os principais movimentos da coreira e sua relação com os elementos que constituem
esta manifestação, onde se percebe a restauração de comportamentos onde o corpo alcança
devires que leva o performer a um momento espetacular compondo movimentos
extracotidianos e que podem servir como apoio ao trabalho de criação artística para o Teatro
Educador.
Palavras-chave: Cultura popular. Tambor de Criola. Performance. Dança-teatro. Teatro
Educação.
ABSTRACT
The present dissertation enrolls a discussion about the performance of the Tambor de Criola's
coreira, in Maranhão (Northeast of Brazil), recognizing the main characteristics on this kind
of dance, by its introduction on the sacred and popular parties, such as the most important
changes occurred all over its existence. We also analyze the most significant coreira's
movements and its relations to the elements involved on this manifestation, where we may
observe the restoration of behavior, where the body reach becomings that take the performer
to a spectacular moment, making part on the composition of extra-daily movements that may
function as a support to the artistic creation process of the theater educator.
Key-words: Popular culture. Tambor de Criola. Performance. Dance-theater. Theater
education.
LISTA DE FIGURAS
Fotografia 1: Parelha do Mestre Wanderley do Tambor São Benedito, Mocajituba
II, povoado de Itamatatiua. Fonte: Cássia Pires, julho de 2008 34
Fotografia 2: Espécies Tambor Alegria de São Benedito do Mestre Thomás.
Baiacuí, povoado de Icatu – MA. Fonte: Cássia Pires, julho de 2008 35
Fotografia 3: Tambor Mestre Wanderley, Mocajituba II, julho de 2008. Fonte:
Cássia Pires, julho de 2008 38
Fotografia 4: Tambor de Crioula do Mestre Apolônio. São Luís Shopping. Fonte:
Cássia Pires, junho de 2008 39
Fotografia 5: Punga de Pernada. Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatu
(MA). Fonte: Cássia Pires, julho de 2008 42
Fotografia 6: Coreiro José da Conceição Silva, Tambor Alegria de São Benedito,
Baiacuí, Icatú (MA). Fonte: Cássia Pires, julho de 2008 46
Fotografia 7: Coreira com São Benedito no braço. Alcântara (MA). Fonte: Rose
Coreira, agosto de 2008 50
Fotografia 8: Procissão São Benedito em Alcântara. Fonte: Rose Coreira, agosto
de 2008 53
Fotografia 9: Túmulo da Alma Milagrosa. Rosário (MA). Fonte: Murilo Santos,
dezembro de 1977 55
Fotografia 10: Túmulo da Alma Milagrosa. Rosário (MA). Fonte: Murilo Santos,
dezembro de 2007 55
Fotografia 11: Coreira Rosilda Pereira, Mocajituba II. Fonte: Cássia Pires, julho
de 2008 68
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Principais diferenças entre a apresentação do Tambor em forma ritual ou
espetáculo 28
Tabela 2: Classificação dos movimentos da coreira na roda 67
13
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
2 TAMBOR DE CRIOULA DO MARANHÃO 18
2.1 TRAJETÓRIAS DE UMA CULTURA IMATERIAL 24
2.2 CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DA DANÇA 31
2.3 UM BAILADO PROFANO IMBUÍDO DO SAGRADO 47
3 A PERFORMANCE DA COREIRA 57
3.1 O JOGO NA DANÇA E O TRANSE 69
3.2 SENSUALIDADE E GINGA 77
3.3 DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICOS 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS 84
REFERÊNCIAS 87
GLOSSÁRIO 93
ANEXOS 94
14
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação é fruto do interesse pela performance da coreira do Tambor de
Criola do Maranhão, surgido a partir da observação desta dança, ao longo de treze anos, onde
pode-se acompanhá-la em seus rituais de pagamentos de promessas, em apresentações
voltadas para o turismo ou como meio de divertimento, vivenciadas seja na capital ou nos
interiores do Maranhão. Neste Estado, as culturas populares representam um campo vasto e
complexo do universo da arte e, justamente por isso, a manifestação popular aqui escolhida
aparece como um elemento relevante para pensarmos a questão da performance como objeto
de análise.
A formação da pesquisadora
1
lhe permitiu o enveredamento para a sala de aula, tanto
de instituições privadas como públicas, trabalhando como professora de teatro com alunos do
ensino fundamental, médio e universitário. Nesse período, desenvolveu trabalhos enquanto
atriz e diretora teatral. Tais experiências a colocaram diante da própria realidade daquele
Estado e do acervo (patrimônio) cultural que ele possui, levando-a a perceber a importância
de encurtar as distâncias entre a arte trabalhada nas escolas e a arte que se vive
cotidianamente no decorrer do ano na cidade de São Luís do Maranhão.
Tais questões nos remetem a uma busca pela compreensão da experiência do Tambor
de Criola e, assim, refletir sobre a cultura popular, além de perceber como a mesma pode
coadunar-se ao teatro, buscando nesse sentido, retratar os mistérios, encantos e desafios
encontrados no decorrer desta pesquisa.
Investigar as tradições populares de um povo é salvaguardar a cultura de uma região, e
este estudo visa reconhecer o valor da cultura afro-maranhense nesta manifestação popular
que é o Tambor de Criola, investigando a partir daí o desempenho corporal e o jogo da coreira
e sua relação com os tambores, os coreiros, o canto, e os demais componentes desta dança.
É notório que para finalidade desta pesquisa faz-se necessário um levantamento sobre
a história do Tambor de Criola no Maranhão para compreender a dimensão e a extensão desta
festa e, nessa direção, destacam-se os estudos de Ferretti, que considera o Tambor de Criola
como
1
Formada em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Maranhão.
15
Uma forma de divertimento produzida no contexto de uma classe social.
Possui certos aspectos com a religiosidade popular, sendo uma forma ritual
de pagamento de promessas. Mas não é uma dança de cunho exclusivamente
religioso como o Tambor de Mina… é sobretudo uma forma de diversão de
um dos setores populares da sociedade maranhense (FERRETTI, 2002, p.
28).
Tomando esta percepção sobre essa manifestação cultural, apontamos que será
discutida aqui, a questão da cultura imaterial, visto que é imperioso mencionar que em junho
de 2007, o então ministro da cultura Gilberto Gil, esteve na capital maranhense, com os
membros do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(IPHAN), para proclamarem o Tambor de Criola uma das principais manifestações de cultura
popular do Estado, própria dos descendestes quilombolas, como riqueza cultural de todo o
país. E, para comemorar esse fato, houve uma festa que contou com dezenas de grupos
percorrendo as principais ruas do centro de São Luís sob o rufar enebriante dos seus tambores.
Esta condição de Patrimônio Cultural Imaterial nos remete à reflexão sobre a
importância que este registro tem para a cultura e quais benefícios podem ser obtidos, como
nos afirma Roque Laraia:
O que vejo de positivo no registro é exatamente o reconhecimento pelo
Estado de sua existência, de seu valor como referência de nossa identidade.
E este reconhecimento pode significar que o Estado e a sociedade assumem
a responsabilidade pela sua preservação, sem com isso assumir papel de
intervenção no processo criativo e espontâneo da sociedade (2004, p. 18).
Percebendo o processo criativo dessas manifestações culturais, cabe salientar que o
Tambor de Criola, principalmente os grupos da capital, sofreu mudanças significativas mais
especificamente no que diz respeito a figurinos, materiais para confecção de tambores,
brincantes, tempo da brincadeira, calendário para apresentações e moderação de bebidas.
Essas mudanças são realizadas especialmente por meio do incentivo governamental dado,
levando assim a uma preocupação por parte dos donos dos grupos, que percebem a que suas
apresentações são cada vez mais voltadas para o agrado do turista.
É interessante notar que o Tambor de Criola originariamente maranhense ganha asas
fora do Estado do Maranhão e se exporta para os grandes centros, a saber, Rio de Janeiro e
São Paulo. Em se tratando deste deslocamento, cabe aqui um levantamento de como o
Tambor é vivenciado nessas capitais, quais são os participantes e quais as mudanças
atribuídas por essa alteração de espaço.
16
Cabe ainda nesta primeira etapa, um detalhamento desta dança, identificar suas
principais características, falar dos principais elementos que estão presentes na brincadeira,
afim de melhor ser compreendida, para tanto, serão consideradas a experiência vivida pelos
mestres e coreiras através de entrevistas realizadas com grupos da capital e do interior, onde
os mesmos falam sobre as suas relações com a dança, suas particularidades, diferenças do
tambor da capital e do interior, seus cantos, materiais dos instrumentos, datas de
apresentações e as transformações sofridas ao longo do tempo.
Outra questão que será refletida é a que diz respeito a alguns aspectos religiosos que
estão ligados a esta dança, percebemos que as categorias sagrado e profano também fazem
parte de uma mesma interface. Sobre essa questão é bem sabido a afirmação de Mircea Eliade
(1995, p. 91) de que “As danças consistem na reiteração de todos os acontecimentos míticos
(…)” pois mesmo sabendo que as danças na atualidade, passaram por diferentes processos
sociais, ainda trazem a substância de suas tradições primordiais.
O Tambor de Crioula apresenta esses dois aspectos presentes no seu ritual, pois ele é
uma dança onde claramente se manifesta o sagrado, bem como apresenta aspectos mundanos,
pois estão presentes a louvação de santos, bem como pagamento de promessas; por outro lado
tudo é criado como uma grande festa, brincadeira, onde muitas vezes não se faz alusão a
entidades religiosas. Mesmo quando apresentada sob o estrito senso de um ritual religioso,
ainda assim percebemos a presença do profano no que tange sua essência, sua forma
ritualística.
Ainda nesta pesquisa, será abordada sob a lente dos Estudos da Performance, o
Tambor de Criola como uma expressão artística ritualística e de entretenimento. O termo
performance desafia conceitos, por ser amplo em possibilidades de criação. Embora
inicialmente a expressão seja proveniente das artes visuais, hoje se apresenta como um
universo sem fronteira voltada também para abordagens culturais das mais diversas formas.
Dentro dessa perspectiva Schechner
2
nos diz que “os estudos da performance oferecem um
modo de questionamento crítico, que podem iluminar a compreensão de práticas culturais
desde aspectos da vida cotidiana até o complexo movimento social dos nossos tempos”.
São vários os caminhos pelos quais a performance pode ser explorada, além das
citadas por Schechner (2003, p. 29), onde ele a divide em oito tipos: “Na vida diária,
cozinhando, socializando-se, apenas vivendo; nas artes; nos esportes e outros entretenimentos
populares; nos negócios; na tecnologia; no sexo; nos rituais sagrados e seculares e nas
17
brincadeiras”. Ainda podemos pensá-la também a partir da taxonomia de Mckenzie (apud
ROUEN, 2005, p. 159) com seus três paradigmas da performance, denominados cultural,
organizacional e tecnológico, abrangendo todos os tipos de atividades humanas”. O que nos
possibilita uma visão mais ampla acerca da investigação sobre performance. O Tambor de
Criola aborda algumas dessas possibilidades da performance apontada por Schechner, pois
esta manifestação é artística, de entretenimento, apresenta rituais sagrados e tem caráter de
brincadeira e de socialização.
Neste estudo, pretende-se analisar os diversos caminhos em que a performance é
abordada, sendo importante atentar a Schechner (2003, p. 33), quando afirma que “os hábitos,
rituais e rotinas da vida são comportamentos restaurados (…) comportamento restaurado é o
processo chave de todo tipo de performance, no dia-a-dia, nas curas xamânicas, nas
brincadeiras e nas artes”, e na presente pesquisa, o Tambor de Crioula se apresenta como uma
performance ritualística, levando em consideração o jogo, como elemento vital desta
manifestação artística que também tem como caráter a brincadeira.
Outro ponto a ser investigado, trata-se da performance afro-brasileira, visto que o
Tambor de Criola é uma dança de origem afro. Aqui se torna importante identificar as
principais características dessas manifestações, embora as produções africanas no Brasil,
estejam em mútuos contextos com outras culturas, como a européia e a indígena, podemos ver
claramente sob diversas formas, a expressão da arte africana na cultura popular brasileira, seja
no canto, na dança ou nas artes visuais. E nesta atmosfera, faz-se necessário refletir a
afirmação de Ligiéro e Zenícola (2007, p. 98) quando dizem que “para o artista sintonizado
com as culturas afro, existe uma ligação implícita entre a música e as artes visuais, pois em
ambas ele encontra formas expressivas carregadas de conteúdo cultural ancestral”, afim de
perceber o estudo relacionado sobre performance com influência africana, bem como analisar
a performance cultural, e quanto a esta questão Muller (apud LIGIÉRO e SANTOS, 2005, p.
26) nos informa que “performance cultural, é uma manifestação cuja relação com um
sistema social ou configuração cultural não é a de meramente refletir ou expressar, mas sim
de reciprocidade e reflexividade”. Sendo assim, o Tambor de Criola revela, nesse cenário, um
reforço para afirmação da identidade cultural maranhense.
É sob o prisma da performance cultural que a presente pesquisa, visa abordar a
performance no jogo da dança da coreira, entendendo que:
2
http://www.unirio.br/nepaa/.
18
No jogo existe alguma coisa “em jogo” que transcende as necessidades
imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma
coisa. Não se explica nada chamando “instinto” ao princípio ativo que
constitui a essência do jogo; chamar-lhe “espírito” ou “vontade” seria dizer
demasiado. Seja qual for a maneira como o consideram, o simples fato de o
jogo encerrar um sentido implica a presença de um elemento não material
em sua própria essência (HUIZINGA, 2007, p. 4).
É nesse sentido, que o jogo estabelece, nesse ritual, uma forma de diversão,
apresentando um caráter tanto lúdico quanto um jogo de regras, visto que os brincantes
obedecem a algumas normas que regem a dança. O jogo aqui compreende o significado para
própria essência do Tambor de Criola, conduzindo o participante (jogador) a perceber e
vivenciar de maneira consciente esta manifestação.
Faz-se importante ainda neste contexto, entender quais são as principais regras que
conduzem o jogo nesta dança e especificamente na performance da coreira, sabido que, como
nos informa Huizinga:
(...) não é que a dança tenha alguma coisa de jogo, mas, sim, que ela é uma
parte integrante do jogo: uma relação de participação direta, quase de
identidade essencial. A dança é uma forma especial e especialmente perfeita
do próprio jogo (HUIZINGA, 2007, p. 184).
Outro ponto relevante no processo de transformação da dança, é a presença do
erotismo. No Tambor de Criola da cidade de São Luís do Maranhão, as mulheres dançam.
É perceptível a sensualidade da figura feminina no decorrer da dança. Não somente pelo fato
de ser somente a mulher que dança, mas sobretudo, pela própria performance da coreira.
Em entrevistas realizadas pelo interior do Maranhão de junho a julho de 2008, foi
perguntado sobre este assunto aos mais velhos brincantes de Tambor e a resposta quase
unânime é que eles desconhecem esta questão e sempre afirmam que muito respeito por
parte dos brincantes e que ninguém dança “se exibindo”. Esse erotismo bastante discutido e
de opinião diversa, se pela sensualidade da performance da Coreira, da relação da mesma
com o tambor grande e entre elas, especialmente no ato da pungada (umbigada) em que seus
ventres se tocam. Sobre esta questão Sérgio Ferretti (2006), em entrevista para a revista do
IPHAN, acredita que isso se dá devido ao aumento de jovens que vem participando da dança.
Cabe ainda aqui uma reflexão sobre como esta pesquisa pode contribuir com ensino do
teatro em São Luís. Quais as possibilidades de trabalho para o teatro-educador em coadunar a
performance de uma manifestação popular às práticas pedagógicas em sala de aula, pensando
na formação de um ator ou de um professor, aliado a jogos e exercícios voltados para o
19
movimento desta dança, empenhando-se na consciência corporal, na construção de cenas, na
preparação física, entre outras possibilidades.
Tais questões possibilitam indagar as necessidades de compreender a experiência do
jogo existente na dança da coreira, entendendo na própria performance o acesso a uma vereda
que toca o desconhecido neste ritual sagrado e profano, contribuindo para novas reflexões.
2 TAMBOR DE CRIOULA DO MARANHÃO
“Era o mesmo baticum inconfundível, que todos
os ouvidos podem ouvir, mas os negros
realmente escutam, com suas vivências
nostálgicas de sua origem africana”.
Josué Montelo
Desde muito cedo, ouço o ecoar dos tambores pela ilha de São Luís, quando criança
esse era um desconhecido que de alguma forma chamava a minha atenção, era recorrente
assistir a essas apresentações em festas maranhenses como as juninas, principalmente nos
arraiais deparava-me com elas, com um olhar curioso e encantado. Eu passava horas a ver o
bailado das saias coloridas, os gritos frenéticos dessas brincantes, a força no braço do negro
quando batia veemente o tambor, a cantoria ritmada e as luzes das fogueiras sempre presente
nessas manifestações, era como uma explosão colorida regada a risos que ao passar dos
tempos foi-me inebriando. Já estudante em Artes Cênicas, passei a trabalhar em um projeto de
interiorização chamado ESATUR (Educação e saúde para o turismo), onde ministrava aulas
de teatro em Alcântara e nos povoados próximos da região, o que me levou a algumas viagens
para a ilha do Cajual Uma ilha quilombola, com taxa de 100% de analfabetismo e que durante
as noites no descanso do dia de trabalho, sentada aos troncos de árvores, passávamos horas
conversando e conhecendo as pessoas da comunidade. No decorrer desses diálogos, uma
cultura era muitas vezes falada, por parte dos moradores, tratava-se do Tambor de Criola.
Devido às condições financeiras de um povo maltratado pelo esquecimento das autoridades,
essa manifestação há tempos não se via sob a luz de uma lua encantadora que pairava pelo céu
deste lugar, foi então que a comissão de organização do ESATUR, em novembro de 1998,
levou aos moradores o que eles necessitavam para viver novamente essas noites de magia,
20
como eles próprios se referiam ao Tambor. Eram quase nove horas da noite, quando os
moradores foram se aproximando do casebre que dormíamos no local e em baixo de um
cajueiro imenso, com a luz da fogueira e com o céu estrelado, se dava o início do toque nos
tambores e o gingado das mulheres. Fui tomada de súbito por esta apresentação, nas
anteriores eu apreciava como uma curiosa, mas nesta noite algo arrebatou minha alma e
repentinamente fui chamada para a roda, ainda fiquei a observar os passos, a dança, a música,
o toque, com respeito e admiração e quando dei por mim estava com uma saia a bailar
também em solo de terra batido completamente envolvida como que se fizesse parte daquela
comunidade.
Logo após essa minha primeira experiência como coreira, passei a freqüentar rodas de
tambor e de sempre aceitar uma saia oferecida pelo grupo e me envolver na brincadeira. Dada
minha participação e o meu envolvimento com esta dança resolvi organizar uma apresentação.
Era abril de 2006, o grupo Abluir de Teatro, o qual eu coordeno, realizou uma oficina
ministrada por um ator paulista e, para o encerramento destas aulas, em parceria com a Rose
Coreira
3
, realizei um Tambor de Criola, onde nesta festa participaram mestres e brincantes de
vários grupos da capital. A apresentação começou por volta de sete horas da noite e
terminou às quatro da manhã, onde tive a oportunidade de fazer parte da performance do
inicio ao fim.
Dada a minha experiência vivida como coreira no Tambor de Criola, vem a
necessidade de conhecer esta dança. E nesse sentido, quanto às suas origens, pode-se destacar
que os negros africanos e seus descendentes, mantiveram vivas muitas de suas tradições,
rituais e festas trazidas do antigo continente. E mesmo sofrendo o regime da escravidão, esta
herança está presente até hoje sob diversas manifestações culturais, em diversos tipos de
danças de umbigadas, nomeada somente no Maranhão como Tambor de Criola. Os negros
que por sua vez, trazem de diferentes regiões, suas tradições culturais, manifestando em solo
brasileiro danças, cantos e instrumentos genericamente chamados no passado de batuque que
diz respeito a danças em círculo, onde executam passos, acompanhados de palmas e
instrumentos de percussão como os atabaques.
No Brasil, os escravos devido a um regime opressor, promoviam apresentações das
suas manifestações culturais, para que as mesmas não sucumbissem. Estas condições fizeram
com que os negros, por necessidade de manterem vivas as suas raízes, buscassem na própria
3
Rose é coreira, atriz, professora de artes cênicas formada pela Universidade Federal do Maranhão e pesquisadora do tambor
de criola.
21
cultura dominante referências para terem maior liberdade em seus cultos, criando assim
formas híbridas e assimilando a religiosidade permitida, a católica. Sobre esta questão,
Ferretti afirma que:
(...) tendo como uma de suas características principais a realização em
louvor a São Benedito Santo preto. A dança é ainda praticada
predominantemente por descendentes de negros, tanto no meio rural como
no urbano, apresentando variantes principalmente no que se refere ao ritmo e
à forma de dançar (FERRETTI, 2002, p. 47).
Embora não tendo uma data precisa quanto ao surgimento das chamadas danças de
umbigada, fontes históricas, bem como depoimentos dos mais velhos participantes da
brincadeira, apontam sua existência desde os fins século XVII, como um ritual de louvor aos
santos e como forma de lazer. Importante notar que as danças de umbigada, estão presentes
em todo o Brasil desde a chegada dos africanos. Nessa direção, Márcia Maria Antonio chama
atenção para o fato de que:
( ) a dança batuque de umbigada é designada como uma dança profana,
realizada mais de 400 anos, trazidas pelos escravos bantos(…). É uma
dança de terreiro, dançada por ambos os sexos. A umbigada consiste na
percussão em que são realizadas por várias pessoas, dançadas em casal. Os
casais se posicionam em duas fileiras confrontantes, “encostando os
umbigos”. Para os batuqueiros essa tradição consiste em um “ritual” de troca
de energia, devido ao significado de que é a partir do umbigo que se
transfere a alimentação antes do nascimento (ANTÔNIO, 2007).
Com relação às primeiras anotações sobre o Tambor de Criola, notamos que nem
sempre teve reconhecimento e enaltação e que não fora em tempos outrora tão bem recebido.
Foi feito um levantamento entre os anos de 1885 e 1938 em registros do jornal “A Pacotilha”,
liderado por Ferretti, onde foram encontradas 814 notícias relacionadas à festa promovidas
por irmandades religiosas ou por particulares, como novenas, procissões e festas de santos.
Destas, 120 notícias encontradas estavam relacionadas a manifestações populares, dentre estas
se subdividiam em 42 sobre o carnaval, 19 sobre o Bumba-meu-boi, 28 enfocando Reisados,
Pastores, Judas, Festa do Divino, Passeatas, e 31 eram notícias referentes a reclamações
advindas destas festas, solicitando que a polícia interviesse “contra ensaios de carnaval,
grupos de Bumba-meu-boi, acusações de feitiçarias e pajelança, Tambor de Mina e reuniões
de negros ou fugas de escravos” (FERRETTI, 2002, p. 22). Tais reclamações revelam uma
sociedade preconceituosa e adversa às manifestações culturais populares daquele período.
Estas matérias de jornais exibem o menosprezo pelas manifestações culturais negras,
vistas como uma ameaça contra a ordem, a moral e os bons costumes da região,
22
demonstrando de forma “explicável o rígido controle exercido pelas autoridades policiais a
serviço das classes dominantes.” (LIMA, Roldão In: FERRETTI, 2002, p. 41). Nesse período
as apresentações dos grupos de Tambor, estavam a mercê de críticas e ocorriam várias
tentativas para inibir sua apresentação. Quatro décadas depois, a partir dos anos de 1970,
outros jornais do Estado, divulgaram com mais freqüência a cultural popular, matérias sobre o
Tambor de Criola e sobre as festas juninas no Maranhão, revelando um apreço maior no que
tange a tais manifestações. Quanto a esta mudança referente a uma melhor aceitação desses
grupos de cultura popular, Lima afirma que:
(...) foi praticamente na década de 50, com os concursos de Bumba-Meu-Boi
realizados no bairro do João Paulo e promovidos com incentivos da
Prefeitura municipal, que deve ter começado a “valorização” do folclore, em
São Luís. Já no início da década de 60, mais precisamente, por ocasião das
comemorações dos 350 anos de fundação da cidade, em 1962, foi realizado
um grande festival no qual tomaram parte inúmeros grupos folclóricos,
inclusive integrantes de Tambor de Mina. Para a referida festa foram
convidadas muitas personalidades de outros Estados (LIMA, Roldão In:
FERRETTI, 2002, p. 41).
É notório que gradativamente os grupos de tambor vão ganhando espaço e aceitação,
devido ao fato dos governantes começarem a estimular e promover a apresentação dessa
cultura. Quanto a essa questão, Murilo Santos em seu documentário “Tambor de Crioula
1979” aponta para a seguinte reflexão:
De brincadeira de escravo, reprimidos pela classe dominante, o Tambor de
Crioula tem servido atualmente de manipulação em mãos dessa mesma
classe. Fantasiados, apresentam-se livremente nas ruas, ocupando um espaço
que não é o seu. Em São Luís, sofre hoje exigências e condições impostas
por aquelas camadas que vêem nos folguedos populares uma fonte de deleite
e prazer. (TAMBOR de crioula 1979, 2008).
Esse incentivo e fomentação às apresentações dos grupos de cultura popular levou a
uma crescente efervescência cultural, levando a classe dominante a um redimensionamento do
olhar quanto a estas festas, sejam religiosas ou não e um aumento no números de grupos das
mais variadas brincadeiras. Os registros do IPHAN (2006) – Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional apontam que na década de 1970, havia a existência de
aproximadamente vinte grupos de Tambor de Crioula, e atualmente este número cresceu
consideravelmente para quase setenta grupos, é notório que esse crescimento se pelo apoio
das autoridades governamentais para fomentação turística.
23
Em entrevista realizada na capital e no interior do Estado, os Mestres do Tambor de
Criola, apontam variadas versões sobre o surgimento da dança, mas sempre se referem como
“dança de preto”, e que foi ensinada pelos seus antepassados até chegar aos dias de hoje.
Mestre Wanderley, do Tambor de São Benedito de Mocajituba II, povoado de Itamatatíua,
quando fala da sua história com o tambor comenta:
( ) meu pai era acostumado com a cultura e por através de meu pai ele
ensinou os filhos e me ensinou, e de que vem vindo isso de tradição e eu
tô ensinado também pro pessoal. Minha mãe era dançadeira e meu pai
tambozeiro e essa cultura surgiu desde os tempos dos índios que viviam no
mato e não tinha contato com os outros povos.
4
Quando o mestre comenta sobre os índios do mato, ele se refere a uma comunidade
quilombola onde seus antecedentes negros habitavam, chamada Ilha do Marco, povoado de
Itamatatíua, próximo ao município de Alcântara, no Maranhão.
Examinando a trajetória do Tambor de Criola, verificamos que ao longo de sua
existência, poucos são os registros publicados, mas pesquisadores lançaram mão de
variadas idéias sobre ela, a saber, Mário de Andrade quando liderou uma pesquisa folclórica
pelo norte e nordeste do país em 1938 e publicada em “Música de Feitiçaria no Brasil”,
considerou o Tambor de Criola como feitiçaria, chegando a compará-la com o Tambor de
Mina, tradicional Candomblé Gege do Maranhão.
A diferença entre ambas é a influência primordial africana que se encontra
no Tambor-de-Mina, ao passo que no de crioula, os textos já são sempre em
língua nacional. Em qualquer uma dessas duas formas maranhenses de
feitiçaria, os instrumentos empregados no culto são três tambores, trio
consagrado que aparece em outras manifestações musicais afro-brasileiras. É
evidente que o tambor, cujos toques são de importância capital nas
realizações do culto, passou por extensão, a designar o próprio culto
(ANDRADE apud LIMA In FERRETTI, 2002, p. 48).
Para Mário de Andrade, feitiçaria está ligada aos efeitos que a música causa para quem
ouve, apontando para uma influência espiritual designando encantamento e eficiência mágica.
Tal estudo conduziu alguns equívocos em relação ao Tambor de Criola, sendo o mesmo
confundido com o Tambor de Mina e até mesmo com a macumba.
5
Nessa direção Domingos
Vieira Filho (apud LIMA In FERRETTI, 2002, p. 49) afirma que “talvez a confusão tenha se
originado do fato, referido por Mário de Andrade, de tanto numa como noutra ocorrência os
4
Mestre Wanderley, em depoimento colhido em 10 de julho de 2008.
5
Macumba, na acepção popular do vocabulário, é mais ligada ao emprego do ebó, feitiço, coisa-feita, muamba, mais reunião
de bruxaria que ato religioso como o candomblé (CASCUDO, 1998, p. 451).
24
negros usarem um trio de tambores como fundo musical, para marcar o ritmo”. Lima (In
FERRETTI, 2002, p. 50) também, em suas pesquisas, nos assevera que algumas pessoas por
ele entrevistadas, declaram também, que o Tambor tenha surgido por “pretos fugidos, que se
internavam no mato formando o que eles denominam de ‘macumbeiros’ pequenos
quilombos”. Outros depoimentos citados por ele apontam que a manifestação do Tambor
tenha sido uma forma de luta praticada somente pelos homens para exercitarem defesa
própria, e isso nos leva a refletir sobre alguns grupos de tambor de crioula do interior do
Maranhão, que tem uma Punga (umbigada) chamada Pernada, mas que se apresenta mais
como uma forma da brincadeira, do que propriamente uma luta. Em entrevista realizada em
julho de 2008, para esta pesquisa, José Moreira Basílio de Souza, conhecido como
“Afobadinho”, brincante do Tambor Alegria de São Benedito liderado pelo Mestre José
Thomás dos Santos, situado em Baiacuí, povoado de Icatu (Maranhão), nos expõe que:
A punga de pernada em terreiro de areia, no cimento machuca. Se souber
derrubar não dói, tem gente que quer derrubar de maldade, então agente não
punga com qualquer um, a punga é perigosa, com quem agente
acostumado é que agente brinca
6
.
Essa afirmação de “Afobadinho” revela que a intenção da pungada de pernada, pelo
menos nos dias de hoje, tem caráter de festa, de brincadeira. Ele também complementa em sua
fala, que as mulheres somente dançam e pungam entre elas e que não é comum ver uma
mulher pungando com um homem. Quanto à participação feminina no tambor, acredita-se que
a mesma viria a fazer parte, quando o Tambor adquiriu um caráter de festividade e isso
somente após o período da escravidão.
Ainda sobre esta questão, Américo Azevedo Neto declara que:
(…) as informações mais antigas que eu tenho sobre o Tambor de Crioula
são as de que ele era feito para esconder exercícios de brigas: enquanto que
mais para o sul era feito escondido sob o som de berimbau e, no Maranhão,
sob o som de tambores. Então o jogo de pernas segundo informações mais
antigas que apurei era exercitado ao som de tambores; não era
propriamente a dança; era como a capoeira da Bahia (AZEVEDO NETO
apud LIMA In FERRETTI, 2002, p. 51).
A partir dessa afirmação de Américo, podemos especular que o Tambor, ao longo dos
séculos, possa ter assumido outras funções sociais, que não às de sua origem. Percebemos
assim que os valores, as crenças e a cultura também se modificam através dos tempos. E
6
José Moreira Basílio de Souza, em depoimento colhido em 16 de julho de 2008.
25
quanto à relação do Tambor de Criola com outras manifestações, é sabido a afirmação de
Ferretti, onde coloca que:
( ) embora não seja dança especificamente religiosa, múltiplas relações
entre o tambor de crioula, a religiosidade popular e o tambor de Mina, pois
na cultura do povo, religião e divertimento, sagrado e profano, nunca estão
completamente separados (FERRETTI, 2006, p. 106).
A maioria dos escravos africanos chegou ao Maranhão entre 1750 e 1850 (PEREIRA,
2001, p. 34), portanto somente a partir deste período foi notado o primeiro quilombo da
região, o de Frechal, para os negros levam toda sua tradição cultural. No quilombo de
Frechal aos negros se associam aos índios, igualmente perseguidos, fermentando formas
híbridas e performances conjuntas incluindo formas específicas de um catolicismo próprio.
Além desse registro histórico, também anotações em poesias se referindo a essas danças
nas décadas de 1860 e 1870, bem como no início da década de 1820 também haviam
escritos que se referem aos batuques de negros em São Luís, na igreja de Rosário.
Não existe ainda no Maranhão um mapeamento de todas as regiões que possuem
Tambor de Criola “a área geográfica de ocorrência do Tambor de Criola é extensa e a
brincadeira persiste viva, dinâmica em mais de 30 municípios maranhenses, do litoral ao
sertão” (VIEIRA FILHO, 1977, P. 21). Além dos que existem na ilha de São Luís, sabemos
da existência dessa manifestação em Alcântara, Oiteiro, Jacareí dos Pretos, Piqui
7
, Rosário,
Codó, Caxias, Cururupu, Vargem Grande, Icatu, São Vicente Férreo, e povoados próximos a
esses municípios e talvez na maior parte do Estado. Não era foco da presente investigação
mapear a existência dessa manifestação em todo o Estado.
O importante aqui é conhecer suas características, funcionamento e importância, de
forma a analisar essa dança, enquanto um ritual rico em jogo, religiosidade e festa.
2.1 TRAJETÓRIAS DE UMA CULTURA IMATERIAL
“O tempo é a substância de que somos feitos”
Jorge Luís Borges (1999)
Podemos constatar que o Tambor de Criola, é um ritual que envolve concomitância
com a religiosidade afro-brasileira, apresenta ligações com a devoção católica e também faz
7
Em 2007 foi publicado o livro Tambores do Piqui, cartas de liberdade: memória e trajetória da comunidade Piqui da
Rampa. Por Ana Socorro Braga (coord.) juntamente com as alunas Clícia Gomes e Flávia Andressa, onde relatam s memória
da comunidade e a tradição do Tambor de Criola nesta região.
26
parte do calendário das festividades carnavalescas e juninas. É uma manifestação que hoje é
tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O ano de 2006
foi um ano importante para os brincantes do Tambor, pois passaram a contar com um
memorial que é a Casa do Tambor de Crioula, localizada em uma antiga fábrica no centro da
cidade. A cidade de São Luís é reconhecida doze anos pela UNESCO como patrimônio
da humanidade e o Tambor foi consagrado como patrimônio imaterial no dia 18 de junho de
2007, a cerimônia foi realizada pelo do então Ministro da Cultura Gilberto Gil, pelo
presidente do IPHAN, Luis Fernando de Almeida, pelo governador Jackson Lago, membros
do conselho consultivo do Patrimônio Cultural e do Secretário de Cultura do Estado,
Joãozinho Ribeiro, que estiveram presentes para dar a esta manifestação a qualificação de
Patrimônio do Brasil. Depois de uma tarde na Casa das Minas, onde estavam reunidos, o
Ministro anunciou o registro para os milhares de brincantes que para comemorar o título,
fizeram um cortejo pelas ruas do centro da cidade. Mariza Veloso define patrimônio imaterial
como:
( ) o repertório das expressões culturais de um grupo social, aqui incluídos
os seus acervos históricos, em permanente e inexorável dinâmica, que
definem, ou seja, como os acervos históricos, em sua dinâmica inexorável, (e
não o arquivo) definem e estruturam sua identidade (VELOSO, 2004, p. 31).
É valoroso observar que uma das grandes primazias que se tem ao obter esse título é
adquirir o reconhecimento de uma manifestação cultural por parte das autoridades, bem como
da sociedade em geral, aumentando a incumbência de defendê-la e preservá-la. Claro que essa
salvaguarda não deve coibir o processo natural e criativo de nenhuma expressão artística. Esse
reconhecimento por meio do Decreto número 3.551/00, foi “criado para dar visibilidade ao
conjunto de bens culturais que estiveram fora do escopo legal estabelecido pelo Decreto-Lei
número 25/1937, que organiza o tombamento” (OLIVEIRA, 2004, p. 40). Essa medida
valoriza os bens culturais imateriais, enaltecendo a diversidade artística brasileira, servindo a
um melhor desenvolvimento social, visto que “o direito à cultura é o direito de acesso aos
bens culturais, e a compreensão desses bens é o ponto de partida para a transformação das
consciências” (MATOS, 1993, p. 72).
Este Patrimônio Imaterial apresenta na atualidade significativas mudanças, embora
não se tenha um registro esmiuçado da data do início das primeiras manifestações da
brincadeira, podemos perceber por meio de depoimentos dos mestres mais antigos, artigos,
livros publicados, documentários, fotos etc, descrições de variações da performance das
coreiras, bem como
na estrutura da dança. É sabido que antes do incentivo governamental
27
dado a ela, quando sua tradição era vivida nas comunidades rurais do Estado, seu ritual era
voltado para manter viva sua memória, sua crença, em torno das necessidades, sejam
religiosas ou de divertimento do grupo que a praticava, lembrando que não era bem aceita,
pois era vista como baderna de negros. Quando as autoridades do governo local resolvem
investir e incentivar essas manifestações, elas começam a se organizar diferenciadamente do
que costumavam, afim de melhor serem vistas pelas pessoas de fora. Esse incentivo se por
volta da metade do século XX. A partir da década de setenta, podemos observar através de
fotografias e documentários, que os brincantes começam a criar uma “farda” para
apresentação do seu grupo, quando antes eram vistos com roupas comuns, sendo que as
mulheres sempre optaram por saias rodadas para melhor desempenho da dança. É notório até
hoje que muitos grupos, especialmente no interior do Estado, ainda se apresentam
desvinculados desse fardamento. Quando às mudanças dona Zelinda Lima declara que:
(...) antigamente a roupa tradicional da brincante de Tambor de Crioula
incluía um cabeção simples (blusa larga), saia de chita colorida rodada,
sandália e pano na cabeça e que hoje em dia as brincantes estão se
enfeitando muito para as apresentações programadas, talvez porque gostem e
achem que agradam mais assim. Algumas resolvem colocar muitos colares,
jarros com flores na cabeça, muito talco e perfume, talvez por influência dos
desfiles das escolas de samba do Carnaval do Rio de Janeiro que são
transmitidos pela televisão para todo o país. Assim as brincantes devem estar
gastando mais com enfeites do que ganham para as apresentações aos
turistas. Mas num tambor de ponta de rua, realizado nas noites de lua cheia,
sem um motivo especial que não o divertimento, vão dançar do jeito que
estão vestidas quando saem do serviço (LIMA apud FERRETTI, 2002, p.
135).
As mudanças não se reduzem apenas às roupas, especialmente quando a intenção é
apresentar para o turista. Quando um grupo se organizava para apresentar a dança, enquanto
totalmente voltado para a brincadeira o evento adentrava. Hoje a manifestação é vivenciada
com tempo determinado em função de uma agenda de apresentações a serem cumpridas,
especialmente no carnaval e festas juninas, pois em uma única noite várias apresentações são
realizadas. Outra mudança também diz respeito à bebida consumida pelos brincantes, que foi
reduzida consideravelmente, devido a agenda do grupo. Nessa nova configuração, outro
aspecto chama atenção, é a transformação do espectador em observador. Antigamente, o
espectador tinha o tempo para se envolver com a dança e, muitas vezes, era até mesmo
convidado a participar, hoje aprecia a brincadeira com certa distância da manifestação, como
pode-se observar no arraial do São Luís Shopping, em junho de 2008 em que um grupo de
tambor subiu ao palco, distanciando-se da platéia. Podemos notar ainda, que algumas regras
28
básicas no jogo da dança ás vezes não são respeitados, geralmente participam destes grupos
também pessoas que não têm a tradição da brincadeira e, portanto, chegam a descumprir tais
normas que regem esta manifestação. É importante lembrar que muitas dessas mudanças não
ocorrem em algumas comunidades de interiores do Maranhão e nem mesmo em grupos da
capital.
É válido reconhecer que os brincantes do Tambor, querem fazer parte das políticas
culturais do governo e para tanto eles assumem mudanças para melhor impressionarem
durante sua apresentação. A televisão também contribui como fator de mudanças, é comum
ver até grupo de bumba-meu-boi, tentando imitar os passos de um axé music, por achar que
assim eles estão antenados com os processos de modernização veiculados pela mídia e aos
poucos vão desvencilhando o homem de sua tradição. Neste sentido fica clara a preocupação
do brincante em agradar o público. Mas todo abandono de elementos da cultura que carrega
uma tradição, pode ser considerado como abandono de elementos da memória de um povo.
Para fazer parte do circuito turístico da cidade, muitos brincantes se organizam em
grupo e é comum também observar que o dono do grupo de Tambor é também o dono de um
grupo de bumba-meu-boi. É um comércio de lazer e diversão construído a fim de atrair e
agradar o turista, bem como cumprir uma agenda de apresentações fora do Estado. Para
melhor se organizar empresarialmente, alguns grupos possuem sede própria construída com
o incentivo de órgãos públicos.
Outro ponto em destaque, é o fato de que embora esta dança seja bastante difundida no
Estado, existem preconceitos por parte de algumas pessoas pelo fato de ser uma manifestação
que utiliza como base sonora o tambor, pois ainda quem a associe a macumba retomando
uma discriminação. Em maio de 2006, ao ministrar aulas para um cursinho da capital, quando
foi abordado o assunto desta dança, percebi que entre os jovens havia comentários maliciosos
sobre a mesma, que nos remete a falta de conhecimento local da própria cultura uma visão
preconceituosa vinculada a noção racial.
Sobre as principais diferenças entre um tambor apresentado ritualmente e outro
espetacularizado para o turista apreciar, Sérgio Ferretti fez um quadro comparativo
demonstrando essenciais mudanças de uma forma para outra (Tabela 1).
29
Tabela 1. Principais diferenças entre a apresentação do Tambor em forma ritual ou
espetáculo. Extraído de Ferretti (2002, p. 31).
TAMBOR DE CRIOULA
RITUAL ESPETÁCULO
Festa Apresentação Programada
- Oferecido ao santo em pagamento de promessa. - Apresentada a Turistas.
- Grupo informal de amigos, vizinhos e parentes.
- Grupo formalizado como pequenas empresas.
- Os brincantes são convidados ou vão
espontaneamente para a festa a fim de se divertir.
- Os brincantes são convocados pelos
promotores do evento.
- Os brincantes comparecem com qualquer roupa. - Se apresentam com a “farda” do grupo.
- O número de participantes não tem limites. - O número de participantes é (rigorosamente)
limitado.
- Qualquer brincante pode tocar, cantar ou dançar.
- Só participam as pessoas do grupo.
- A liderança é “democrática” na dança, na música
e na programação.
- Existe uma liderança formal e autoritária ou
autocrática.
- Não há remuneração. - Os brincantes são pagos.
- Não existem ensaios, treinos ou reuniões. - Existem treinos para determinação da
coreografia, tempo de duração, etc.
- A bebida (cachaça) é servida pelo dono da festa. - A bebida é distribuída com rigor, moderação e
cuidado para ninguém se exceder.
- Festa de devoção particular especialmente a São
Benedito, determinada por interesse e condições do
organizador.
- Não existem outras determinações.
- O dono da festa deve solicitar licença à polícia
indicando local, data, horário, responsáveis, etc.
- Os organizadores determinam local (hotel,
praça, teatro, etc), dia e horário.
- O espaço é escolhido pelo grupo social que
organiza a festa: casa, quintal, rua, etc.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - -
- Marginalizada pelos preconceitos da sociedade. - Valorizada como exótica.
Percebe-se que hoje no Maranhão, o Tambor se apresenta sob três aspectos: o
ritualístico que é feito para pagamento de promessas, aquele feito somente para divertimento e
o Tambor realizado para cumprimento de uma programação, ou seja, quando ele é contratado
normalmente para o turismo. O quadro acima descrito demonstra bem essas diferenças, entre
uma forma e outra, sendo que a primeira coluna da tabela cabe as apresentações de pagamento
de promessa e para divertimento e a segunda está ligada ao turismo.
É interessante notar que o Tambor de Criola originariamente maranhense ganha asas
fora do Estado do Maranhão e se exporta para os grandes centros, como, por exemplo, o Rio
de Janeiro, onde pelo menos dois grupos têm se destacado: “As Três Marias”, coordenado
30
pela maranhense Juliana Manhãs, e “Os Mariocas”, coordenado pelos irmãos também
maranhenses Rômulo e Ramón. Quanto ao surgimento de As Três Marias, Juliana nos conta
que:
No ano de 2000, um núcleo de artistas maranhenses, residentes no Rio de
Janeiro, começou a se reunir para celebrar músicas, danças e histórias da
cultura popular de sua terra natal, originando o grupo Divina Corriola, cuja
proposta era brincar a dança do cacuriá em escolas e praças da cidade,
organizar oficinas com mestres do Maranhão, como Dona Teté do cacuriá e
Mestre Felipe do tambor de crioula. Em 2002, surgiu a parelha de tambor de
crioula As Três Marias, batizada na Casa do Pontal, Museu de Arte Popular
Brasileira, pelo Mestre Xavier (MA) e pelas ladainhas das caixeiras da Festa
do Divino, de Nova Iguaçu e Ilha do Governador (RJ). A fusão entre o
trabalho da Divina Corriola e da parelha gerou As Três Marias Núcleo De
Folguedos Brasileiros dedicado à valorização do cidadão brasileiro a partir
da afirmação e da vivência de sua própria cultura.
8
As Três Marias tem como objetivo realizar ciclo de festas populares, organizar
intercâmbio com outros grupos e mestres do Tambor, realizar oficinas e, também é comum
venderem seus espetáculos para empresas interessadas, lembrando que não apresentam
Tambor, mas também Cacuriá e Jongo. Quanto ao Mariocas, conversando com Rômulo, um
dos dirigentes do grupo, ele comenta que a formação tem aproximadamente seis anos e é fruto
da reunião de maranhenses que residem no Rio de Janeiro muito tempo, juntamente com
cariocas interessados pela cultura popular, onde juntos cumprem um calendário de
apresentação voltados a santos como São João, São Pedro, São José de Ribamar, bem como a
festa do divino, os Mariocas é um grupo que também não apresenta o Tambor, fazem
também Bumba-meu-boi, Cacuriá, Lelê e Jongo. O grupo hoje tem a participação de baianos,
mineiros e paulistas. Esses participantes possuem profissões das mais variadas como médicos,
empregadas domésticas, cozinheiras, bailarinos profissionais, professores, advogados, dentre
outras, e esse agrupamento além de cumprir o calendário de festas do grupo, também realiza
apresentação para quem contratar a brincadeira. È comum ver a apresentação desses grupos
em Santa Teresa ou no centro da cidade, normalmente em datas festivas voltadas para São
Benedito ou festas que estão na programação da manifestação popular. Na formação da roda,
o encontro dos Estados (MA e RJ) envolvidos pela dança, demonstram entusiasmada
vibração, fazendo ecoar pelos mais diferentes lugares do Rio de Janeiro esse patrimônio
nacional.
8
Juliana Manhãs, em depoimento colhido em 10 de junho de 2009.
31
Em São Paulo, no Morro do Querosene também existem pelo menos dois grupos de
cultura popular maranhense, o “Cupuaçu” liderado pelo músico Maranhense Tião Carvalho e
o grupo “Pé no Terreiro” liderado pelos maranhenses Bartira e Henrique. O grupo Cupuaçu,
surgiu em 1988, através de uma oficina ministrada por Tião Carvalho, dentre os participantes
além de maranhenses, havia paulistas, japoneses, americanos, baianos e pernambucanos.
Hoje, fazem parte desse agrupamento aproximadamente 43 brincantes. Eles seguem um
calendário de festas que marca o ritual do Bumba-meu-boi: o nascimento do boi, que é
realizado todo sábado de aleluia; o batizado do boi, sempre comemorado próximo ao São
João, e a morte do boi, festejado no final do ano entre setembro e novembro. É comum
sempre, ao final de cada festa, o grupo fazer Tambor de Criola. Além dessas duas
manifestações maranhenses eles também fazem Cacuriá, Quadrilha, Coco, Ciranda, Lelê,
Baralho, Caroço, dentre outras. Normalmente os participantes, especialmente os maranhenses,
ministram oficinas dessas danças e também cumprem uma agenda anual de apresentações
para empresas públicas e privadas de São Paulo. Dona Graça Reis, 59 anos, mora em São
Paulo 20 anos, é a diretora do “Cupuaçu” e nos informa que: “o objetivo maior é fazer
viver a cultura maranhense aqui em São Paulo, onde nossos conterrâneos que aqui residem
possam viver a memória e as manifestações culturais de sua terra”. Quanto ao Grupo “Pé no
Terreiro”, também cumpre um calendário de apresentações voltadas para comemoração de
santos. Foi criado em 2001, e apresenta diversas danças maranhenses. Possui 14 participantes
e atualmente o trabalho está mais voltado para a realização de oficinas em escolas na capital
paulista. Henrique comenta que “nossa proposta é um trabalho pedagógico a partir da cultura
popular maranhense, mantendo vivas as tradições culturais, atuando no resgate, difusão,
valorização e preservação das manifestações populares”. Desta forma, podemos perceber a
expressividade desta dança longe de suas raízes, tornando-a de certa forma brasileira no que
tange ao aspecto da abrangência cultural do país.
32
2.2 CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DA DANÇA
“Sempre o ruído dos tambores seguindo-lhe
os passos, com a lua nova a se esconder e
a brilhar, na faiscação do céu estrelado.”
Josué Montelo
Era janeiro de 2008, ao entrar no “terreiro” do Pai Euclides para assistir a uma
programação do Jubileu de Ouro da sua Casa Fanti Ashanti
9
, localizada no Cruzeiro do Anil
em São Luís, por ocasião do dia deparo-me com diversas atividades no local. Da entrada já se
ouvia o toque dos tambores, embora esse som que pairava pelo lugar me soasse um tanto
diferente dos outros que costumava ouvir, logo na entrada me ofereceram uma saia e me pus a
participar da roda, o tambor ali era tocado por taboca
10
. O tambor de criola do Maranhão, não
possui um ritmo, tampouco é tocado pelo mesmo tipo de tambores, o termo Tambor vem
das danças que são tocadas por tambores e o Criola
11
foi adotado porque o nome representa
uma descendente africana nascida no Brasil, simbolizando,sobretudo, uma dança de
divertimento com conotações religiosas surgida no Maranhão. É comum também
encontrarmos a escrita de duas formas: Crioula e Criola; sobre esta questão Ferretti, em
entrevista concedida a autora, nos informa que Mário de Andrade, quando esteve no
Maranhão, utilizou a grafia de Crioula porque era comum esta escrita na década de trinta, mas
que atualmente é bem comum adotarmos a escrita de Criola.
A dança no Tambor de Criola é formada através de um círculo de mulheres que
dançam e cantam acompanhando o som dos tambores tocado pelos homens, que também
cantam. Normalmente a dança é apresentada ao ar livre e vai se formando progressivamente,
os homens se posicionam com seus tambores de um lado e vão testando a afinação dos
mesmos, e as mulheres, logo em seguida, vão se aproximando a partir do toque do tambor e
vão formando um círculo juntamente com os homens. O início da apresentação se dá de forma
9
A casa Fanti Ashanti é uma casa de Candomblé, uma das mais importantes casas de Tambor de Mina, nome dado às
religiões Afro-Brasileiras no Maranhão. Fantis e os Ashantis eram povos da antiga Costa do Ouro, na África, atual República
de Gana.
10
Do tupi ta'woka (planta oca). Confeccionado da própria madeira.
11
Criolo: negro nascido na América por oposição ao originário da África (MICHAELIS, 2001).
33
natural e quando menos se espera começou a brincadeira. Atrás dos homens que tocam os
tambores, ficam outros homens que ajudam a revezar nesta função e que também participam
cantando as toadas durante a apresentação. As mulheres que permanecem em roda dançam
acompanhando a cantoria, em passos mais discretos, enquanto uma delas faz uma espécie de
performance solo diante dos tambores e vão se alternando durante toda a brincadeira, até que
todas elas, repetidas vezes se apresentem diante dos tambores. Do lado de fora da roda, estão
os acompanhantes dos participantes, amigos, organizadores da festa e público em geral.
É comum ouvir o grito na roda: “êêê coreiraaaaaaaa”.
Os brincantes da roda do tambor são conhecidos por Coreiro e Coreira. Essa definição
de acordo com entrevista feita com o antropólogo Sérgio Ferretti, ocorre, sobretudo, pelos
homens tocarem no couro do tambor, fazer chorar o couro, daí passou a chamar os homens
que tocam no tambor de coreiro e as mulheres por dançarem e cantarem ao som desses
tambores passam a receber o nome de coreira. Cada um dos participantes da roda apresentam
sua própria performance; podemos observar algumas diferenças na expressão corporal de cada
um deles, bem como formas variadas no cantar e tocar os instrumentos, embora seja uma
dança que existe enquanto um grupo, pode ser observado o desempenho individual de seus
participantes. Esta questão será mais bem discutida no próximo capítulo.
A percussão é tradicionalmente executada por homens, embora algumas mulheres,
afirmam tocar alguns instrumentos, como por exemplo dona Maria Clores, do Tambor de São
Benedito, de Mocajituba II, que aos seus 69 anos comprova: “Eu além de dançar toco meião e
crivador, hoje não toco muito porque fico cansada”. Estes tambores são construídos a partir
de troncos de árvores e pele de animais, e são conhecidos como: Tambor Grande, Meião e
Crivador. Esses três tambores juntos são conhecidos como Parelha, nome dado ao conjunto
de tambor com tamanhos diferentes.
São feitos de madeira de mangue, sororó, pau d’arco, angelin ou faveira,
cortando-se em três troncos de diâmetros diferentes, normalmente a parte
superior fica mais larga que a inferior, são escavados internamente e
cobertos com couro preso por cravelhas e amarrados com correias de couro
(FERRETTI, 2006, p. 103).
Para a confecção desses tambores, existe toda uma preparação e uma atenção por parte
de quem está envolvido neste processo. Assim a madeira é escolhida cuidadosamente e
testada por meio de toques pra ver se a mesma encontra-se no ponto para virar tambor, esse
trabalho se apresenta de forma ritualística e por quem entende do som produzido por esses
troncos. A comunidade elege o encarregado de buscar a madeira. Em seguida ela é
34
minuciosamente preparada, são lixadas, escavadas, são feitos furos para poder amarrar o
couro, este por sua vez também é trabalhado, colocado de molho se for comprado seco, ou se
for comprado fresco ele é aplicado imediatamente ao tambor, pois precisa estar bem mole
para ser esticado e obter assim uma melhor afinação. Seu Marcelo Silva, do Tambor Pungar
da Ilha, informa que:
Eu vou buscar esses tambores no interior. Eu entro no mangue pra pegar
esses instrumentos; não é chegar e pegar um pedaço de madeira e botar um
couro e tocar, não! É todo um processo. A gente tira a madeira por toque. Eu
entro no mangue, dou um toque na madeira e sei quando ela no ponto pra
fazer o tambor; a gente sabe quando ela não tá. Quando dou um toque nela e
sinto que ela ta um pouco oca, eu tiro, e boto pra beira do mangue e já trago
pra cá (São Luís) (MOTA, 2006, p. 97).
È relevante lembrar que na atualidade, principalmente na capital do Estado, muitos
grupos se utilizam de canos plásticos para confecção dos tambores, o motivo alegado por
estes, está associado por “um lado, das dificuldades de acesso e transporte da matéria-prima e,
de outro, em função da ampliação do rigor das leis de fiscalização ambientais” (BARROS,
2006, p. 30), observando ainda que esta escolha o seria a melhor, pois a sonoridade desses
tambores confeccionados em PVC é diferente, porém o considerados mais práticos e mais
baratos.
O tambor grande, também é conhecido como roncador ou rufador e para ser
executado, é amarrado na cintura do coreiro, e o mesmo fica em com o instrumento entre
as pernas. Este tambor é considerado o solista da parelha e também o mais difícil de tocar,
visto que além dos próprios padrões que é exigido para sua execução, o tocador cria formas
próprias, originando um estilo particular para tocar, que está diretamente ligado ao improviso
da cantoria, bem como ao improviso da dança da coreira, quando o coreiro muitas vezes sai
da sua posição inicial, movendo-se com o tambor amarrado na cintura, em direção ao ritmo da
dança e da pungada da coreira, ou seja, cada tocador tem seu estilo para tocar.
o segundo tambor denominado meião, é também chamado de socador ou
chamador, ele possui um ritmo uniforme, ou seja, não varia, sua batida apoio a velocidade
da dança. Existem formas diferentes no modo de tocá-lo, que variam de grupo para grupo,
isso se pela maneira como esse tambor é executado; dessa forma a dança e o canto,
acompanham seu tempo. Isto nos faz compreender o porquê que alguns grupos de Tambor de
Crioula serem mais lentos e outros mais acelerados.
O crivador, que é o menor deles e é também conhecido como pererengo ou merengue,
é um contraponto ao meião, ele faz um improviso com um som mais agudo. O tocador do
35
meião e crivador senta com o tambor entre as pernas para poder executá-lo. Essa
multiplicidade de nomes para os tambores, varia de acordo com o grupo e a região onde
acontece a brincadeira. Os tambores para serem tocados, são normalmente apoiados em um
pedaço de madeira (Fotografia 1).
Fotografia 1. Parelha do Mestre Wanderley do Tambor São Benedito, Mocajituba II, povoado de Itamatatiua.
Fonte: Cássia Pires, julho de 2008.
O Tambor de Criola conta ainda com outro instrumento que é a Matraca, esta se
constitui de dois pedaços de madeira de tamanhos variados, que são utilizadas para bater na
parte de trás do tambor grande, onde o matraqueiro fica um pouco agachado para poder fazer
sua percussão. A forma de tocar esses instrumentos varia de acordo com a região do grupo de
Tambor, uns apresentam um toque mais lento e já outros, especialmente na capital, são
tocados de forma mais acelerada, às vezes os coreiros podem se referir a essa diferença
utilizando o termo “sotaque”, que é mais comum ser utilizado para diferenciar os diversos
ritmos do Bumba-meu-boi do Maranhão. Outro fator importante no uso desses instrumentos,
36
está relacionado a quentar o tambor, ou seja, para afinar o tambor, é preciso colocar no fogo,
portanto torna-se imprescindível uma fogueira durante uma apresentação dessa brincadeira
(Fotografia 2).
Fotografia 2. Tambor Alegria de São Benedito do Mestre Thomás. Baiacuí, povoado de Icatu MA. Fonte:
Cássia Pires. Julho de 2008.
O fogo é um elemento muito importante durante a apresentação de um tambor, embora
ele seja utilizado especificamente para esquentar a parelha, afim de melhor reproduzir o som,
é também notório o encantamento produzido por essas fogueiras, nas noites onde o Tambor se
manifesta, suscitando assim um clima poético e encantado aos participantes da brincadeira,
bem como aos apreciadores da dança.
Quanto à musicalidade do Tambor de Criola, Sérgio Ferretti em entrevista, comenta
que o som tem inspiração africana, mas é nascido no Brasil como a Capoeira. Seus
instrumentos se assemelham aos tambores utilizados na Casa das Minas Jeje, mas a música
não tem nenhuma ligação. Edson Carneiro autor do livro “Folguedos Tradicionais do Brasil”,
37
em rápida passagem pelo Maranhão na década de 1950 informa que a música do Tambor de
Criola é uma variedade do samba de umbigada e que é de origem angolana. O importante aqui
é reconhecer que o som produzido por essa manifestação de origem africana, desencadeia aos
nossos sentidos um pulsar revigorante ao nosso espírito.
Outra característica importante do Tambor de Criola está relacionada aos seus cantos,
estes possuem temas que variam desde: “Auto-apresentação, saudação, cumprimento, auto-
elogio, reverência a santos e entidades protetoras, descrição de fatos, recordação de situações,
pessoas, lugares, sátiras, recordações amorosas, desafio, despedida, etc” (FERRETTI, 2006,
p. 12).
Esses cantos normalmente são improvisados e entoados por um solista, sendo que
outros brincantes repetem o refrão em coro. O puxador executa a toada e os demais em coro
são os respondedores, esse coreiro que inicia a toada, também alterna sua função com os
outros cantadores da roda, como um jogo de rima em que cada um cria na hora e joga pra uma
segunda pessoa dar continuidade nesse jogo musical e assim sucessivamente. Esse improviso
diz respeito ao momento atual dos coreiros, ou seja, o assunto surge na hora, dependendo das
situações do instante, passeando assim por diversos temas abordados durante a brincadeira e
permitindo que os cantadores, a fim de demonstrarem suas habilidades de improvisos sem sair
do ritmo da batida do tambor, e nesse sentido sintam a segurança de um sábio poeta em cada
frase que vai sendo construída. Existem também cantos bem antigos que até hoje são usados
pelos mais diferentes grupos, bem como outros que são criados pelos próprios grupos. Na
gravação de seus CDs muitos deles têm o seu repertório gravado como forma de
preservação de uma tradição.
As toadas fundem-se ao ritmo dos tambores. O “vozerio” dos coreiros,
acompanhados pelo coro resposta, se dilui na energia contagiante da roda.
Há algo de fascinante nos seus versos. Histórias são contadas e reatualizadas,
lembranças são compartilhadas e cantorias são improvisadas, muitas vezes,
sob a forma de código e linguagens que singularizam essa brincadeira
(MOTA, 2006, p. 101).
Ainda no que se refere às toadas, pode-se ressaltar que alguns mestres de Tambor as
dividem em: “Toadas novas” e “Toadas mortas”, para melhor definir o jogo de improviso das
canções em relação as mais conhecidas. Sobre esta questão Seu Agostinho do Tambor
Milagre de São Benedito opina:
(…) as primeiras falam do dono do tambor, da política cultural e eventos
recentes, cujo compasso é mais acelerado. As “mortas” correspondem às
cantigas tradicionais, com sonoridade mais lenta; são toadas amplamente
38
conhecidas entre os brincantes (…). A gente canta e quanto mais canta mais
vontade tem (MOTA, 2006, p. 103).
Em relação à forma diferenciada e a ocorrência de cantos distintos, a coreira Martinha
Cruz dos Santos, filha do Sr. Thomás do Tambor Alegria de São Benedito, nos informa que:
Eles cantam diferente, o ritmo do interior é diferente, porque é o ritmo da
lavoura, eles abóiam
12
. Porque eles iam pra roça, meu pai era grande
lavrador, e ele pra chamar os lavradores que iam acompanhar ele pro roçado,
ele dava um aboio, ele cantava na porta de casa, eu era criança. todos os
lavradores chegavam com a foice na costa e iam roçar, então nesse ritmo
tirado já do tambor de crioula, porque os negros cantavam pra avisar na
outra senzala que não eram distantes que eles já estavam saindo pro trabalho,
nessas alturas eles já tinham apanhado, então eles já tinham saído de apanhar
e eles cantavam pro outro que tava apanhando, e dizia ta apanhando
chorando, mas o outro foi pra roça, é essa a diferença do interior pra
capital, onde houve senzala de verdade, na capital não houve senzala,
houve venda de escravo.
13
As toadas, normalmente são curtas e repetidas várias vezes e se misturam diretamente
ao som dos tambores, gerando uma energia vibrante que contagia a roda, fazendo com que as
mulheres emitam gritos desencadeando uma atmosfera vibrante e calorosa.
Na vila de São Vicente
Rádio fala toda hora
Na vila de São Vicente
Rádio fala toda hora
Boieiro eu vou embora
Boieiro eu vou embora
14
Dentre as várias características relacionadas ao Tambor de Criola, uma bastante
relevante diz respeito a sua indumentária, quanto esta questão Moraes e Ferretti apontam que:
A rigor podemos dizer que não existe uma indumentária específica para se
dançar Tambor de Crioula. Sabemos, entretanto que é uma característica
inerente à mulher negra o gostar de vestir-se bem, com suas saias rodadas
em cores vivas, anáguas largas, ponteadas com renda de almofada, blusas
rendadas e decotadas; enfeitam-se com flores, colares, pulseiras, torsos
coloridos na cabeça, principalmente em dias de festa (MORAES e
FERRETTI, 2002, p. 61).
Tradicionalmente as apresentações do Tambor, estavam diretamente ligadas às suas
comunidades, tanto do interior do Estado, quanto em bairros da capital, observou-se através
de fotos, vídeos, artigos analisados ao longo da pesquisa que os brincantes não possuíam uma
12
“Abóiam” é um termo usado, para designar que a toada do tambor, remete a toada do boi, um canto mais lento.
13
Martinha Cruz dos Santos, em depoimento colhido em 31 de julho de 2008.
39
roupa padrão, eles se arrumavam no intuito de irem a uma festa, com saias rodadas com
relação às mulheres, e os homens usavam sua melhor roupa para se apresentar da melhor
maneira. Hoje normalmente as mulheres usam saias coloridas, com a mesma estampa,
camisas brancas, cordões variados e lenço na cabeça e os homens também apresentam uma
roupa comum a todos do grupo, claro que essa padronização, está diretamente ligada a uma
espécie de “farda” criada, especialmente para diferenciar um grupo do outro, bem como para
melhor se apresentarem aos turistas.
Essa necessidade de padronização das roupas, por parte dos grupos, está diretamente
ligada ao apoio do governo a essa brincadeira, criando assim um calendário de apresentações
voltadas para o carnaval e as festas juninas, induzindo os grupos a participar dentro de um
padrão exigido (Fotografia 3). Sobre essa questão, o Mestre Wanderley de Mocajituba II,
povoado de Itamatatíua nos diz que:
Eu registrei nosso tambô pra ser reconhecido fora, pra saber que nois
também existe. Hoje nois tem umas seis sete saia, cada uma se veste de
um jeito, mas nois já tamo dando um jeito nisso, que é pra poder todo mundo
ter um direito igual na vestimenta e ser igual aos otros tambô. E também nois
quer fazer dois uniforme de cor diferente que é pra num ter que toda
apresentação nois ta com a mesma roupa. Se num for assim fica o nosso
tambõ feio e o dos otros bonito e arrumado.
15
14
Toada “Morta” Mestre Felipe.
15
Mestre Wanderley,
em depoimento colhido em
10 de julho de 2008.
40
Fotografia 3. Tambor Mestre Wanderley, Mocajituba II. Julho de 2008. Fonte: Cássia Pires. julho de 2008.
Normalmente é o dono do Tambor que confecciona as roupas dos brincantes, podendo
ser guardada na própria sede ou dependendo da confiança e amizade com a coreira ou com o
coreiro, eles podem ficar de posse de sua vestimenta. É comum ainda hoje ver apresentações
desprovidas dessa padronização, especialmente se esta estiver voltada para as festas
promovidas pelos próprios donos dos grupos, desvinculadas do calendário de contratação da
brincadeira. Na foto abaixo (Fotografia 4) observa-se o Tambor do Mestre Apolônio, em
apresentação no São Luis Shopping durante as festas juninas de 2008, onde todos do grupo
apresentam o mesmo figurino, tanto os homens quanto as mulheres, até os acessórios são
iguais, como pano amarrado no cabelo e os colares.
Fotografia 4. Tambor de Crioula do Mestre Apolônio. São Luís Shopping. Fonte: Cássia Pires. Junho de 2008.
Originalidade, simplificada como tradição pelas intenções de homogeneizar
as expressões da “cultura popular”, é traduzida pelos brincantes e grupos
como criatividade, diferença, rivalidade, vaidade, capricho, cuidado. Os
brincantes revelam assim seu desejo de agradar a si próprios, ao santo, ao
público, ao Estado, ao movimento do tambor (CORDEIRO, 2006, p. 76).
41
Pode-se notar que muitos dos grupos de Tambor têm a preocupação de deixar sua
marca, para serem reconhecidos pelo colorido escolhido para confecção de suas roupas, em
nome de uma padronização que revele um estilo próprio, sua forma e que os deixe “bem
apresentáveis” para eles mesmos e para aqueles que os assistem. Muitas agremiações se
formam para poder receber o agenciamento para fazer parte da brincadeira, obedecendo assim
às exigências do patrocinador para participar do calendário de apresentações promovidas pelo
Estado.
Em algumas apresentações, especialmente quando a brincadeira é realizada durante a
noite toda ao dia nascer, observa-se que alguns homens vestem as saias das mulheres para
dançar. Todo mês de agosto, a cidade de Alcântara realiza o festejo de São Benedito. Em
2005, quando acompanhei tal evento, pude presenciar essa participação masculina vestindo
saia, embora essa atitude por parte dos coreiros, já tenha sido vista em outras rodas de
Tambor. Ela é notadamente vista, quando as coreiras, exaustas de dançarem a noite inteira,
desmancham a roda e os homens sentem uma liberdade de fazer o que querem. Quanto a essa
questão, em entrevista realizada com alguns dos coreiros de Alcântara, eles afirmam que isso
acontece por duas razões: a primeira está relacionada à idéia de “farra”, e fazem isso
quando as mulheres param de dançar, mas em outros casos estaria relacionado a
“encantados” e que os coreiros estariam a serviço dessas entidades, de forma religiosa e
sagrada e por este motivo fazem uso das saias. Sobre a palavra encantado, Shapanan
16
afirma que:
É um termo genérico para designar entidades que não os voduns, orixás ou
inquices. No tambor-de-mina, são divindades que descem ao mundo dos
vivos com o mesmo prestígio que os deuses africanos, tendo com estes
grandes correlações, relações de respeito e culto quase que paralelos. Para o
povo do tambor-de-mina, o encantado não é o espírito de um humano que
morreu, que perdeu seu corpo físico, não sendo por conseguinte em egum.
Ele se transformou, tomou outra feição, nova maneira de ser. Encantou-se,
tomou nova forma de vida, numa planta, num acidente sico-geográfico,
num peixe, num animal, virou vento, fumaça. Está presente entre nós, mas
não o vemos. Ele encantou-se e permaneceu com a mesma idade cronológica
que tinha quando esse fato se deu… o que se manifesta na encantaria é, pois,
o encantado (SHAPANAN, In PRANDI, 2004, p. 318).
Quanto à disposição espacial da brincadeira, como dito anteriormente, a parelha do
tambor fica de um lado da roda, e nas suas extremidades criando um círculo encontram-se as
16
Fundador e dirigente da Casa das Minas de Tóia Jarina, em Diadema (SP), e Abê-Onokun do Ilê Axé Iemanjá, em São
Luís (MA), é coordenador em São Paulo do Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab), e presidente
do Conselho de Ética e Secretário-Geral da Federação de Umbanda e Cultos Afro-Brasileiros de Diadema (PRANDI, 2004).
42
coreiras, que com toda sua expressividade corporal, vibram com seus movimentos rítmicos
acompanhando o toque do tambor. O início se dá quando:
O coreiro, sobretudo o mais antigo, coordena a roda usando um apito para
dar inicio ou encerrar os toques. O meião “puxa o toque”, seguido do som
“repicado” do crivador, e, por último, do “rufar” do tambor grande. As
coreiras (…) com movimentos expressivos, uma delas entra, ocupa o centro
da roda, e reverencia os tambores dançando de forma livre (…) convite
expressado, de forma marcante, pela punga (MOTA, 2006, p. 106).
A punga
17
é, sem dúvida, um traço muito forte e importante nesta dança. Ela funciona
como um convite para a coreira que esta dançando em frente ao Tambor, revezar a posição de
solista com outra brincante que está na roda. A pungada acontece quando as mulheres tocam
seus ventres saudando uma à outra. Em relação à punga Moraes e Ferretti (2002, p. 68)
constatam que “hoje a punga é dada de várias maneiras: no abdome, tórax, quadris, coxas ou
mesmo passando a palma da mão. A maneira de dar punga varia de dançante para dançante. É
comum observar na hora da punga, estalar os dedos e língua entre as dançantes”.
A punga adquire também um caráter de brincadeira dentro da roda, é comum o coreiro
querer roubar a punga da coreira pra brincar com ela, mas nem sempre esse roubo é bem
recebido, quem fique chateado, mas depois elas terminam aceitando e continuam no jogo.
Em entrevista dada a Ferretti, Mestre Felipe esclarece como se a brincadeira: (…) eu
aqui no tambô grande e a coreira dançando, eu marco a punga, quando ela vai
batendo o certo comigo, eu falho aqui, ela perde e fica doidinha de raiva” (apud
FERRETTI, 2002, p. 68), pois roubar a punga é impedir a coreira de dar a marcação certa
com o pé na frente do tambor grande de acordo com o ritmo.
Outra brincadeira comum relacionada à pungada, diz respeito à idéia de “emprenhar” a
coreira, essa expressão é usada, quando a coreira está dançando na roda, junto aos tambores,
demonstrando na roda sua performance, sua sensualidade e, de repente, o Tambor pára de
tocar, normalmente combinado entre os tambozeiros com a intenção de “emprenhar” a coreira
da vez, nesse momento ela fica sozinha no meio, e em coro os brincantes gritam que ela
emprenhou e, assim, ela permanece esperando o Tambor recomeçar para voltar a dançar e
dar seqüência à brincadeira. Seu José Domingos declara que “a punga é o símbolo do tambor
de crioula. Quer dizer, tem que ter, tem que existir (…) Ela rola ali, aquela rodada; quando
ela faz aquela meia lua, ela vai em cima do tambor. Quer dizer, certo com a punga do
tambor, ela também faz o jogo de corpo dela” (In FERRETTI et al, 2006, p. 108).
17
A vítima ou o produto do furto cometido pelo punguista. Punguista é furtar.
43
Normalmente os mestres de Tambor afirmam que se a coreira que não sabe a hora
certa de dar a punga, não sabe dançar tambor. O Mestre Wanderley um especialista na arte da
pungada informa que ela é percebida quando é dada entre as coreiras e também com o tambor
grande.
Quando eu tô na cultura do meu conhecimento, da minha vontade e também
da minha raiz, do meu nascer e que quando a coreira vem se jogando em
minha direção, aquilo levanta dois graus, eu fico tremendo, é uma coisa
séria, São Benedito gosta é desse modo de ser e essa batida eu sinto que ta
bom, que tá ótimo.
18
É importante ressaltar que em algumas regiões do interior do Estado, os homens
também pungam, como é o caso do Tambor de Baiacuí, povoado de Icatu, que além da
umbigada feita entre as mulheres, eles fazem a festa e chegam a roubar a cena com três tipos
de punga, narradas: a primeira é parecida com as das mulheres (umbigada), mas com leve
movimento da perna pra encaixe; a segunda eles chamam de Rabo de Arraia, onde metem a
perna no meio da perna do outro coreiro; e a terceira e mais empolgante é a chamada de
Pernada, onde os coreiros dão uma espécie de rasteira para levar o outro ao chão, ela acontece
quando um coreiro fica esperando o outro para receber a pernada, ela é combinada entre eles,
e quando ele a rasteira, normalmente caem os dois, um por cima do outro, como demonstra
a Fotografia 5.
44
Fotografia 5. Punga de Pernada. Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatu (MA). Fonte: Cássia Pires.
Julho de 2008.
Outro ponto curioso no Tambor de Crioula, está relacionado a afirmações que “no
passado, tambor de crioula era dança só de homens, tocado, cantado e dançado por eles” e que
a presença da mulher tem conquistado um valor de muita importância. Hoje já existem
mulheres que pedem para parar um Tambor porque os coreiros não estão no ritmo certo, e
isso além de cantarem e dançarem, algumas que tiram a “música principal fazendo solo
de improviso, geralmente provocando desafio entre os cantadores da roda” (MORAES e
FERRETTI, 2002, P. 69-70), ou seja, no contexto atual a mulher ocupa um papel significativo
no Tambor, mas é notório que tanto os homens como elas, possuem importâncias
significativas na dança, cada qual em suas funções, ou até mesmo, quando efetuam
desempenhos diferenciados daqueles de costume, o que leva à roda de Tambor a ter uma
energia inerente a brincadeira propiciando voz e vez a todos independente do sexo do
brincante.
Quanto as suas apresentações, os grupos de Tambor de Criola não possuem um
calendário fixo, mas se apresentam regularmente na programação do carnaval e das festas
juninas e, também, nos pagamentos de promessa de acordo com o calendário proposto pelo
dono do Tambor ou de alguém que contrata o grupo, dessa forma, é comum a apresentação
desta dança em qualquer dia do ano, tanto na capital como no interior do Estado.
Um grupo de Tambor de Crioula pode ser contratado para dançar em praça
pública, parques e em eventos comemorativos. Pode ainda ser contratado
para tocar em terreiros de Tambor de Mina, por promessa, de um pai ou filho
de santo, ou em homenagem a um encantado (SANTOS, 2003).
Outro fator inerente a apresentação do Tambor, é que os mesmo não necessitam de
ensaios para suas apresentações, com exceção das “apresentações programadas para turistas
ou quando se aproxima o carnaval, em que os chefes de grupos costumam reunir os brincantes
para realização de treinos e reuniões onde são discutidos assuntos” variados no que diz
respeito a quem vai participar e as funções de cada um dentro roda (FERRETTI, 2002, p. 61).
Para quem o início de uma apresentação do Tambor, não imagina o trabalho que o
grupo teve para realizá-la. Durante a pesquisa no interior do Maranhão, onde visitei a casa dos
Mestres e conversei com os participantes da dança, pode-se observar que eles sempre estão
com boa vontade para fazer a apresentação, mas que depende de muitos fatores, normalmente
18
Mestre Wanderley, em depoimento colhido em 10 de julho de 2008.
45
trata-se (em especial no interior do Estado) de pessoas sem muitos recursos financeiros, o
primeiro embargo é o de oferecer a bebida e a comida para os brincantes e as pessoas que
acompanham, pois eles indagam: “nunca vi festa sem comida e bebida, a senhora já?”. Uma
vez conseguido quem ofereça esse requisito, é hora de reunir o grupo. Não raro, encontramos
coreiros que moram em localidades extremamente longe do terreiro onde ocorre a dança. Isso
requer alguém pra ir avisar o dia que vai acontecer a festa para assegurar a participação do
coreiro convidado, depois é escolhido alguém para servir as bebidas para os participantes, é
uma forma de controle da bebida e garantir a brincadeira sempre organizada, visto que essa
pessoa encarregada leva a bebida até a pessoa que está na roda e isso mantêm a roda sempre
pronta, com exceção da parada pra aquecer os tambores na fogueira. A pessoa que distribui a
bebida é chamada de “regente”, mas esse nome também pode variar de acordo com a região
da brincadeira. Além dessas questões são atribuídas tarefas como quem vai fazer a comida,
quem pega material pra fazer a fogueira, dentre outras tarefas, e assim todos os envolvidos
nesta manifestação têm tarefas para fazer a dança acontecer.
É bem sabido que a cultura do Tambor é passada de geração para geração de uma
forma espontânea, nas entrevistas realizadas em julho de 2008, foi perceptível que os Mestres
de Tambor de Crioula têm a preocupação de que a brincadeira não se descaracterize, eles cada
vez mais falam de ensinar aos mais novos a sua arte, portanto, é comum eles relatarem que
fazem questão da participação das crianças durante as apresentações. A presença delas era
notória, pude vivenciar na noite em que tive minha primeira experiência como coreira, na Ilha
do Cajual em 1998, as crianças estavam presentes durante toda a festa e mesmo quando a
brincadeira tinha acabado e todos foram dormir, acordei ainda ao som do tambor, tocado por
um grupo de crianças, que tinham entre sete e onze anos de idade, eles tocavam, dançavam e
cantavam incansáveis, enquanto a comunidade dormia. Hoje alguns grupos também
ministram oficinas da dança do tambor e de percussão, a fim de dar continuidade à
brincadeira pelos membros mais novos da família e da comunidade.
Os mestres sempre dizem que Tambor se aprende olhando e depois entrando na
roda. É comum o grupo possuir saias extras para serem emprestadas às expectadoras que
queiram participar da brincadeira. Afirma-se sempre que qualquer um pode entrar na roda,
desde que saiba respeitar a dança. Quanto à participação dos homens, que não fazem parte do
grupo e queiram entrar para tocar algum instrumento, a exigência é maior, pois qualquer
batida errada no tambor pode mudar o ritmo e a cadência da roda. Normalmente nessas
ocasiões, o mestre pára a brincadeira, exigindo que o tocador acompanhe corretamente o
46
toque, ou então a pessoa pode ser convidada a se retirar do grupo e largar o instrumento, para
não comprometer a performance da dança.
É indispensável para brincadeira do Tambor a presença farta de comida e bebida. Esse
“banquete” quase sempre é oferecido pelo responsável pela apresentação. Por exemplo: em
uma promessa do dono do Tambor, ele mesmo arca com as despesas da festa, mas caso seja
alguém que contratou a brincadeira, essa pessoa não pode deixar faltar nada. Em relação a
esse assunto, Costa nos explica que:
A comida na festa de São Benedito adquire uma importância significativa.
Distribuí-la não representa apenas alimentar os convidados, mas seguir o
exemplo de caridade do santo, demonstrar abundância, superação das
dificuldades. E o seu preparo além de unir brincantes e comunidade, revela
aspectos fundamentais para a continuidade dessas práticas (COSTA, 2006, p.
80).
Nas festas, os participantes cantam e adoram seus santos, expressando assim sua
gratidão e fé; mas também bebem, comem, conversam, brincam, riem e se divertem. Isto é
perfeitamente normal na dinâmica religiosa do tambor, onde os elementos de e alegria
convivem em harmonia plena. O aspecto lúdico revela, portanto, uma verdadeira equação da
com a alegria, numa efervescência marcada pela exacerbação dos gestos, dos cantos e das
danças.
Nesse cenário o apresentados pratos variados e comida em abundância, o suficiente
para se comer à vontade. Assim, a festa aumenta seu prestígio tendo uma mesa rica e farta. O
cardápio que é servido pode variar de acordo com os costumes da região, entre os pratos
principais se destacam as carnes de galinha, boi, porco, bem como os mais variados tipos de
bolo, farofa e macarrão. Normalmente a comida faz parte da brincadeira em especial quando
está relacionada a uma festa de promessa, ou comemoração de santos. na capital do Estado
é comum haver apresentação e ao término desta, os brincantes irem pras suas casas, sem
necessariamente desfrutar de um banquete. Mas em se tratando da bebida, ela é indispensável
em qualquer ocasião que o tambor se apresente. Mestre Felipe dizia que “a bebida é que
maior ajuda para agüentar cantando, tocando e dançando a noite inteira, até de manhã, pois
seu efeito são desinibidores, animação ao canto, estímulo e a improvisação dos versos”
19
Nas entrevistas realizadas, foi perguntado aos coreiros(as), qual a importância da bebida na
roda do Tambor. Unanimemente eles responderam que “sem cachaça não tem Tambor”.
Quanto a isso Pinho filosofa: “o álcool está ligado à própria humanidade. Desde que o homem
19
Mestre Felipe, em depoimento colhido em 17 de Janeiro de 2008.
47
descobriu que algumas bebidas o deixavam mais à vontade, mais descontraído, mais senhor
de si, a humanidade começou a ser mais feliz” (PINHO, 2000, p. 15).
O Mestre Wanderley, nos informou que tem uma forma de não ter bebida, quando
se trata de gravar um CD, por exemplo, daí eles evitam para não ter nenhum tipo de erro, ou
mesmo a usam de forma moderada para ninguém se alterar.
Em uma apresentação do Tambor Alegria de São Benedito de Baiacuí, em julho de
2008, percebeu-se que os participantes da dança chegavam meio inibidos e cantavam e
dançavam no início da brincadeira de forma bastante tímida. Um tempo depois, quando o
álcool começa a fazer efeito, a participação passa a ser mais energética, provocando uma
euforia consistente na roda, daí é compreensível a afirmação de que “precisam esquentar o
corpo pra brincadeira poder pegar fogo”
20
.
Um caso curioso nesta apresentação, foi o do coreiro José da Conceição Silva, um
ótimo tocador do tambor grande, que no início hesitou tocar, devido a um ferimento no dedo.
Horas depois, ele pegou o tambor e tocou incessantemente, mesmo com o dedo machucado,
no momento parecia não sentir dor, mas o ferimento logo se agravou, resultando em um
sangramento que escorreu pelo tambor, como mostra a figura acima. Foi perguntado a ele
sobre o sangramento e ele foi enfático: “tudo em nome da cultura, com o sangue e o corpo
quente nós não sente dor, somente vivemos o momento” (Fotografia 6).
20
Mestre José Thomás, em depoimento colhido em 20 de Julho de 2008.
48
Fotografia 6. Coreiro Joda Conceição Silva, Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatú (MA). Fonte:
Cássia Pires. Julho de 2008.
Dessa forma, a bebida é defendida pelos brincantes, como um item indispensável para
a festa, pois ajuda desde ao aquecimento da voz até dar coragem para os participantes. Alguns
afirmam que bater tambor sem beber, dói a mão e a cantoria fica rouca.
Eu vou falando mal
Eu vou falando mal
Tambor que não tem cachaça
Eu vou falando mal.
21
Durante as análises do Tambor de Criola, vários aspectos foram enfocados, tais como,
as trilhas, os encantos, comidas, bebidas, mudanças nas apresentações entre outros e, a partir
desse percurso, analisar-se-á esta dança e seu envolvimento com a religiosidade, bem como a
coreira, sua performance, sua relação dentro da roda com os principais componentes que está
diretamente interligada, considerando-a assim como um legado trazido pelos africanos para o
Maranhão.
2.3. UM BAILADO PROFANO IMBUÍDO DO SAGRADO
“… e que tesouro oculto não é religioso?
E que confissão íntima de amor não está
grávida de deuses? E quem seria essa
pessoa vazia de tesouros ocultos e de
segredos de amor?”
Rubens Alves
Quem, num momento de apresentação na qual são cultivadas entidades religiosas, não
obteve uma experiência divina? Ou pelo menos teve sua alma arrebatada pela presença de um
ser, de um ente? Quem nunca se sentiu convidado a uma emoção por presenciar uma
ladainha? Um canto de devoção? Quem ao ver uma lágrima rolando no rosto de um fiel
devotado não sente as cores e o brilho desse olhar enfeitiçado? São muitos os sentimentos que
podem ser obtidos através de uma experiência religiosa, de um ritual, como diz Rubem Alves
21
Toada “Morta”. Autor desconhecido.
49
(1981) “Quem experimenta a beleza está em comunhão com o sagrado” e essa beleza em se
tratando de uma dança pode ser experimentada sob vários aspectos.
Quando pensamos nas origens da dança, nos remetemos aos rituais primitivos que
estavam voltados para as divindades, lembramos que o homem frente ao desconhecido invoca
os deuses, para melhor compreender os fenômenos da natureza, bem como ajudar na caça e
melhorias para uma colheita melhor. Mircea Eliade (1989, p. 33) argumenta que “podemos
dizer que o mundo arcaico, nada sabe a respeito de atividades ‘profanas’: todos os atos que
possuem significados definido a caça, a pesca, a agricultura: jogos, conflitos, sexualidade
de algum modo participam do sagrado”.
É claro que o objetivo aqui, não é historicizar a dança, mas sim “dar-se conta de que o
sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações
existenciais assumidas pelo homem ao longo da sua história” (ELIADE, 1995, p. 20). Sabe-se
que a dança muito tem mudado desde a sua origem, ao longo dos tempos ela adquiriu um
processo de dessacralização e foi transformando-se em uma manifestação profana, e que na
contemporaneidade essa arte se apresenta cheia de símbolos e signos que dão luz a
complexidade dos dias de hoje.
Retomo, nesse momento, uma frase de Tersteegen (apud OTTO, 1917) afirmando que
“um deus compreendido não é um deus”. Essa passagem remete-nos ao tempo no qual o
homem louvava o deus da chuva por não compreender o ciclo da água, uma vez esse ciclo
explicado pela ciência, a chuva deixa de ser um deus e passa a ser um fenômeno da natureza,
o que difere bastante de experiências como os milagres de santos entre outros.
Nesse sentido, passo a refletir a dança do Tambor de Criola, tomando-a como uma
dança de divertimento, mas que também está ligada a louvação de santos, tendo São Benedito
com o santo mais popular devotado entre os brincantes. Quanto à devoção dos participantes
do Tambor, Rosane Volpatto aponta que:
Em São Luís se diz que o Tambor de Crioula é feito em louvor a São
Bendito, que é santo preto e gosta de tambor. Ele é sincretizado com o
vodum jeje-nagô, Averequete, originário do Daomé. Diversos encantados
gostam e o homenageados com Tambor de Crioula: os Pretos Velhos, o
caboclo Jarioldamo, devoto de São Raimundo, Seu Antônio Luís Corre
Beirada e outros (VOLPATTO, 2008).
No Maranhão o Tambor de Criola está ligado ao catolicismo popular, como podemos
observar nas Casas de Mina, pois ele é apresentado muitas vezes como pagamento de
promessa por graças alcançadas. Cada dono de grupo possui seu calendário próprio de
50
cumprimento de suas promessas. Também é comum uma pessoa fazer uma promessa e
contratar um grupo para cumprir sua parte no pedido alcançado. Mestre Wanderley, em
entrevista realizada em julho de 2008, elucida:
São Benedito é santo poderoso, quando a gente pede algo pra ele, ele faz
sem falar com Deus, depois que ele realiza o desejo da gente ela avisa a
Deus que realizou o nosso pedido, e tem que cumprir o combinado com ele,
senão ele cobra, se tu morrer antes de pagar teu combinado, alguém da tua
família tem que pagar, senão tu não descansa em paz. E ele gosta da festa,
gosta do tambor e fica feliz da gente fazendo a festa pra ele, fica satisfeito.
22
Quando se trata de um pagamento de promessa, todo um ritual a ser seguido, essa
promessa pode ser paga com uma única apresentação de Tambor ou com uma programação
que pode durar dias. Dona Maria Clores de Mocajituba II, povoado de Alcântara, fez uma
promessa que vai ter que ser cumprida enquanto o seu irmão Mestre Wanderley estiver vivo.
No início ela pagava com um único dia de apresentação do Tambor, mas hoje eles fazem uma
novena, são nove dias de festa para agradecer ao santo, no primeiro dia eles levantam o
mastro, e vão seguindo a programação até o derrubamento dele. Quanto à utilização do
mastro, Câmara Cascudo salienta que
(...) em várias localidades do Brasil, Norte, Sul e Centro, a tradição do
“mastro” de o João e do orago da freguesia respectiva ser erguido diante
da igreja, com música, canto e foguetes, ao iniciar-se a festividade votiva.
Noutros pontos existe apenas o “levantar da bandeira”, o hasteamento de
uma bandeira com a efígie do sacro patrono (CASCUDO, 1998, p. 563).
Nesse sentido a presença de mastros nas festas sacras, está presente desde os rituais
Dionisíacos quando se erguia o pinheiro, em diversas festas européias (CASCUDO, 1998, p.
564), em rituais indígenas e comemorações afro brasileiras, normalmente enfeitados, esses
mastros possuem significação mágica e estão comumente relacionados com fartura.
Cada programação do Tambor em louvor ao santo tem o dia certo que acontece a reza,
nesse dia o santo é trazido pro terreiro, e durante a dança ele é carregado pelas coreiras, seja
nas mãos ou na cabeça acompanhando toda a festividade (Fotografia 7).
22
Mestre Wanderley, em depoimento colhido em 05 de agosto de 2008.
51
Fotografia 7. Coreira com São Benedito no braço. Alcântara (MA). Fonte: Rose Coreira. Agosto de 2008.
De acordo com o mestre Wanderley, quem pontua as partes da reza é a batida do
tambor, ele informa que em Mocajituba II. A prece dura três batidas de tambor, ou seja, na
batida a oração começa, em seguida tem outra batida no meio da prece e se encerra com a
última batida no tambor, logo após eles dançam a noite toda comemorando e agradecendo a
São Benedito. É comum, durante esse momento religioso, alguns grupos apresentarem
ladainhas em latim e também músicas do universo católico.
Ainda sobre a apresentação do Tambor voltado para o aspecto religioso destacam-se as
participações nas Casas de Mina, nelas se acredita que existam encantados que gostam desta
manifestação e, sendo assim, os grupos de Tambor de Criola são convidados para fazer parte
das festas realizadas nestes “terreiros”. Segundo Sérgio Ferretti,
É comum grupos de tambor de crioula homenagearem pessoas ou entidades
em um terreiro de mina, fazendo uma apresentação anual na frente ou no
interior do terreiro. Em muitos terreiros de mina, uma ou mais vezes ao ano,
organizam-se festas com dança de tambor de criola e se convida um grupo
para fazer apresentações no terreiro. Dizem que entidades sobrenaturais,
caboclos ou voduns, que gostam de tambor de criola e são homenageados
com esta dança.no dia 13 de maio há toques de tambor de crioula em
homenagem aos pretos velhos em diversos terreiros de tambor de mina ou de
umbanda de São Luís. Nestas apresentações dançam pessoas do grupo de
tambor de crioula convidado e também pessoas do terreiro, muitas delas em
transe com sua entidade (FERRETTI, 2006, p. 106).
52
É importante considerar, que o pagamento de uma promessa muito se difere das
apresentações feitas somente por diversão. Ainda que as duas sejam oferecidas à comunidade
ou ao público em geral com muito zelo e cuidados, é inegável que quando feita ao santo o
capricho é bem maior. No terreiro de Dona Maria Clores, em Mocajituba II, em janeiro de
2006, durante o tambor de promessa, logo ao entrar, nos deparamos com a presença de um
negro alto, corpo esbelto, sorriso grande e muito conversador, tratava-se do mestre
Wanderley, o tocador de tambor mais famoso dessa região e bastante conhecido na capital do
Estado por suas participações em rodas de tambores. O espaço estava cheio de bandeirinhas
coloridas, no altar havia uma imagem do santo, velas iluminavam o santuário e também
estavam nas mãos dos devotos. Elas se mantiveram acesas durante toda a reza. Na mão de
uma senhora coreira havia o caderninho das ladainhas pro santo, o momento era de silêncio e
respeito, alguns coreiros estavam sentados na parelha do tambor assistindo o início da reza,
crianças dormiam no colo dos pais, muitos com os olhos vidrados no santo com muita
veneração e agradecimento, alguns se benziam ao tocar o santo, outros cantavam as ladainhas
com os olhos cerrados, os cânticos ecoavam como uma badalada de sinos “tilintando”,
vibrando mesmo nos ouvidos mais desatentos. Depois desse instante sagrado, o momento
anunciava que era hora de fazer levantar a poeira e como dizem no Maranhão tremer o
chão”. Numa energia sem cansaço, as mãos dos coreiros estavam ávidas pelo couro do
tambor, as coreiras seguravam na ponta da saia em direção a formação da roda, as vozes
estavam afinadas para festejar de uma forma sublime a graça alcançada na fartura merecida
para o santo, nada era economizado , e como diz o mestre Wanderley “a gente tem o ano todo
pra descansar, até a próxima promessa.” Essa lembrança reavivou a importância do ritual
sagrado que envolve o Tambor de Criola no Maranhão, visto que as danças, desde o início dos
tempos parece ter sido um meio de concretizar um poder sobrenatural, o Tambor revela esse
ritual religioso, que expõe os costumes dessas comunidades e suas crenças.
Ao pensar nos espaços em que o Tambor de Criola se apresenta, podemos notar
diferenças significativas quando se trata de uma apresentação por divertimento e quando se
trata da ordem do sagrado. Para pensar nessa manifestação desvinculada da ordem religiosa,
tomamos apresentações realizadas na Praia Grande, centro histórico de São Luís, dentro do
mercado das Túlias, como exemplo. É comum toda sexta-feira ter apresentação de Tambor de
Criola; nesse espaço, ele é apresentado para o divertimento dos apreciadores da brincadeira e
para os turistas que por sorte resolvem conhecer o referido mercado. O ambiente é cheio de
transeuntes que passam pelo local diariamente, é comum qualquer interessado entrar na roda,
53
seja para tocar ou para dançar, é o espaço cotidiano ocupado por uma manifestação cultural na
qual todos têm acesso, com isso não argumenta-se que num terreiro as pessoas tenha restrição
ao acesso, mas o tratamento é diferente, o motivo é outro e a participação na brincadeira exige
mais cuidados, pois toda a performance é feita para o santo. Eliade (2007, p. 25) comenta que
tipos de espaços, “um espaço sagrado, e por conseqüência ‘forte’, significativo, e há outros
espaços não-sagrados, e por conseqüência sem estrutura nem consistência”. Nesse sentido,
podemos a partir de sua colocação, pensar no espaço sagrado como um espaço de regras, de
cuidados, onde as pessoas devem honrar o local. Schechner (2002, p. 63) alude que “porque
rituais tomam espaço em especial, freqüentemente lugares isolados, o próprio ato de entrado
no ‘espaço sagrado’ tem um impacto sobre os participantes. Em tais espaços, comportamentos
especiais são requeridos”. Notou-se nas apresentações em “terreiros”, mestres pedindo
silêncio, dizendo que na noite para o santo quem não souber dançar que fique observando. É
claro que esse tratamento não é regra em todos os “terreiros” de grupos de Tambor, depende
muito de como uma comunidade lida com a devoção. Em casos de contratação para o
pagamento de uma promessa, ela pode ser paga até na porta do contratante da apresentação,
tendo uma exigência maior ou menor em relação a esse ritual. Isto quer dizer que para um
lugar ser sacralizado, depende do tratamento dado a ele.
A maior festa que ocorre em homenagem à São Benedito no Maranhão é o festejo
realizado em Alcântara, onde tem a duração de quatro dias e acontece sempre na primeira
sexta-feira de lua cheia do mês de agosto. É um encontro de tambores de criola que participa
grupos de diversos povoados da região, incluindo grupos de São Luís. De acordo com dados
coletados pela pesquisadora Rose Coreira “constata-se que o culto ao Santo Protetor foi
oficializado a partir de 1803, período em que terminam as obras de construção da Igreja de
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos em Alcântara” (FERREIRA, 2008) Os negros
moradores de Alcântara desde então, passaram a cuidar da festa em homenagem a São
Benedito, e hoje é organizada pelos moradores através da Associação Religiosa e Cultural de
São Benedito. Durante esses quatro dias observa-se que:
(...) os músicos que tocam na banda no largo da Praça são pagos pelo
governo, e geralmente vêm de São Luis. Essa banda acompanha as ladainhas
na Igreja, os cânticos, e hinos em louvor a São Benedito e, depois, animam o
largo da praça. O tambor começa logo após as ladainhas que acontecem
todos os dias do festejo. Na sexta feira a festa fica por conta dos coreiros de
Alcântara e outros vindos de São Luís e de outros municípios. Sábado a
noite é mais animada, pois todos estão reunidos, os coreiros de São Luís, os
coreiros dos povoados e municípios vizinhos. No domingo é a grande
Procissão, saindo da praça do galo precisamente, às 17 horas, percorrendo
54
toda a cidade. Na segunda é o lava-pratos, encerrando a festa com chave de
ouro (FERREIRA, 2008)
.
A imagem é carregada cheia de flores durante toda a procissão, e durante este cortejo
os fiéis fazem algumas paradas, como na frente de igrejas, das capelas, na praça do
pelourinho, onde o santo é reverenciado com uma salva de tambor com cantoria voltada pra
ele, e, nesse momento, as coreiras dançam de frente pra São Benedito (Fotografia 8).
Fotografia 8. Procissão São Benedito em Alcântara. Fonte: Rose Coreira. Agosto de 2008.
Outro evento religioso que envolve o Tambor de Criola é o festejo da Alma Milagrosa
que acontece todo ano na cidade de Rosário. A festa é realizada em torno de uma sepultura
muito antiga e, segundo os moradores, a alma do falecido atende a pedidos e realiza milagres.
Esta festa, a princípio, era realizada por um brincante de boi, Sr. Paulo Serra da Silva. Ele
teria brigado e levou uma facada, ficando muito debilitado. A esposa dele resolveu fazer uma
promessa para que o marido ficasse curado de tal mazela. Uma vez a graça alcançada, em
agradecimento, ela iria realizar uma festa na sepultura da alma milagrosa enquanto vida seu
companheiro tivesse. A partir de então, todo ano passou a ser celebrada essa festa, como
pagamento da promessa, com rezas, cânticos católicos, onde participam até as crianças,
muitas velas iluminam a sepultura e, em seguida, o tambor acontece em torno dela. A festa
55
costumava acontecer em um sábado antes do Natal, mas em 1999, na véspera de realizar a sua
40ª promessa Senhor Paulo faleceu. A sepultura da alma milagrosa fica localizada no meio do
mato, na entrada da cidade, próximo ao cemitério atual. Sérgio Ferretti (2004) que realizou
pesquisas no local comenta que depois que o Sr. Paulo realizar por vários anos esta
celebração, ele arrendou o terreno à prefeitura e construiu uma capela sobre a sepultura e
passou a residir atrás da capela. O autor ainda explana que toda essa crença surgiu a partir do
momento em que
(...) foi encontrada a sepultura e se dizia que houve uma peste no final do
século XIX em Rosário, morreu muita gente, foram enterrados naquela
região, mas as sepulturas desapareceram e uma sepultura ficou bastante
conservada. As pessoas desenvolveram a idéia de que aquela alma era
milagrosa. Começaram a organizar romarias em torno deste túmulo
(FERRETTI In TAMBOR de crioula 1979, 2008).
No documentário de Murilo Santos, “Tambor de Crioula 1979”, ele mostra imagens
dessa sepultura filmada na década de setenta, simples, rasteira, e com o tempo os moradores
começaram a preservá-la, acimentaram ao redor, elevaram um pouco a altura do túmulo e
fizeram uma espécie de casinha com estacas e palha no teto pra melhor protegê-la. Em 2007,
o cineasta voltou ao local e as imagens trazidas por ele da sepultura são outras. A casinha
transformou-se numa capela, com altar e o túmulo bem reformado no centro (Fotografias 9 e
10). Santos comenta que na atualidade a festa da alma milagrosa não tem mais Tambor como
antes, mas coincidentemente, naquele ano do seu retorno houve uma apresentação. A
promessa do Sr. Paulo foi cumprida entre os anos de 1959 e 1998 e após sua morte, não
contaram mais com a participação do Tambor, mas até hoje ainda há rezas realizadas, onde
os devotos depositam seus ex-votos de ceras e velas no local.
56
Fotografia 9. Túmulo da Alma Milagrosa. Rosário (MA). Fonte: Murilo Santos. Dezembro de 1977.
Fotografia 10. Túmulo da Alma Milagrosa. Rosário (MA). Fonte: Murilo Santos. Dezembro de 2007.
Os festejos para São Benedito estão presentes em várias cidades do interior do
Maranhão, onde cada um deles tem sua data pra comemorar e seu próprio ritual. Na ilha do
Cajual, próxima à cidade de Alcântara, além de todas as rezas, mesa farta e apresentação do
Tambor, a festa possui características próprias, os moradores fazem uma brincadeira com o
57
Santo, que trata de no meio da noite ele ser roubado, ritualmente como uma forma de jogo.
Dona Rosalina Mendes, encarregada da festa relata que:
(...) é brincadeira, pra dar alegria na festa, chega uma pessoa, fica
escondidinha, vai no altar e tira o santo e vai deixar na casa de outra
pessoa. a gente olha e diz: “roubaram o santo”. quando é de manhã
agente se ajunta uma punção de gente tocando foguete e a gente vai buscar o
santo (In TERRAS de quilombolas, 2003).
Nesta ocasião, os moradores saem em procissão à procura de São Benedito cantando
“o São Benedito nós vamos caçar, santo de fazer milagre nós vamos caçar”, uma vez
encontrada a imagem, surge uma dramatização feita pela comunidade onde alguns membros
desenvolvem uma série de troca de acusações pelo roubo, um menino personifica a figura do
juiz no meio das queixas.
um elemento, intitulado Casinha da Roça que faz parte de algumas das
apresentações de grupos de Tambor de Crioula, e que acontece no período carnavalesco.
Trata-se de um caminhão todo decorado com palha, simulando uma casinha e ele vai
percorrendo as ruas de São Luís e se apresentando em alguns pontos centrais da cidade que
ritualizam a festa do carnaval. Homens, mulheres, crianças, representam personagens de
trabalhadores rurais em suas atividades de colheita, essa brincadeira existe quase 70 anos,
sempre voltada para a produção alimentícia. A casinha é dividida, “na parte de trás, onde fica
a cozinha, mulheres fazem comida que é distribuída para os brincantes e também para o
público, do lado de fora figuras de índios fazem alusão à mata. No interior da casa, coreiras
dançam ao som do tambor de Crioula” (TAMBOR de crioula 1979, 2008). Nela, o Tambor se
apresenta como forma de divertimento.
Enfatiza-se, portanto, que o Tambor de Criola é uma dança que está ligada a rituais da
ordem do religioso, mas também se coloca como forma de divertimento, onde a mesma se
apresenta como um jogo, obedecendo assim regras para ser vivenciada. Para Richard
Schechner, os rituais são uma forma de fazer as pessoas terem lembranças, são memórias em
ação, ou seja, invocar um santo, glorificar sua imagem, exaltar seu milagre, é uma maneira de
rememorar o mito e fazer com que ele viva através das práticas sacras destinadas a ele. É
importante ressaltar, que ao realizar esse ritual sagrado voltado à crença de um povo, depara-
se muitas vezes com linguagens artísticas, pois estes utilizam a música, a dança, o teatro, os
figurinos, a maquiagem, tudo a serviço de um ritual, e os participantes são transportados do
lugar comum do dia-a-dia para o espaço do extraordinário, extracotidiano. É claro que o
termo ritual abre infinitas possibilidades do cotidiano, desde o acordar, a escovar os dentes
58
diariamente etc, mas o termo aqui utilizado está voltado para as práticas religiosas. Quanto ao
caráter do jogo presente no Tambor, destaca-se a afirmação de Schechner assinalando que “o
jogo às pessoas a chance de experimentar temporariamente o tabu (proibição por ser
sagrado ou impuro), o excessivo, e o arriscado” (SCHECHNER, 2002, p. 45), ou seja, dentro
do jogo você tem a liberdade de viver o que não é permitido cotidianamente, por ser de ordem
do sagrado, ou por não ser aceito como comum ao dia-a-dia, jogar é se permitir, pois está
servindo a condição da brincadeira e Schechner complementa afiançando que:
Tanto o Ritual como o jogo levam pessoas a uma “segunda realidade”,
separada da vida cotidiana. Esta realidade é uma onde as pessoas podem se
tornar em um eu fora do eu de sua vida diária. Quando eles temporariamente
se transformam ou atuam um outro, performam ões diferentes do que
fazem na vida diária. Por isso ritual e jogo transformam a pessoa,
permanentemente ou temporariamente (SCHECHNER, 2002, p. 45).
O importante aqui, é saber que o Tambor de Crioula, às vezes se apresenta como
forma ritualística sagrada, servindo à glorificação e exaltação de entidades, bem como, ela
pode se apresentar somente sob forma de divertimento. Para esta pesquisa, o fundamental é
discutir a performance da coreira dentro desta dança, analisar seu desempenho e compreender
que sua atuação é sobretudo de caráter lúdico, obedecendo regras, com uma movimentação
voltada ora para os tambores, ora para as outras coreiras como também para elas mesmas,
onde apuram movimentos a partir de suas próprias potencialidades físicas.
3. A PERFORMANCE DA COREIRA
“Honrar o que é ordinário é observar quão
ritualística é a vida diária, e o quanto esta é
constituída de repetições.”
Schechner
A performance é uma expressão artística que desafia conceitos. Na sua própria razão
de ser ela tenta escapar de definições em face de seu caráter amplo em possibilidades de
criação, envolvendo elementos das artes visuais, do teatro, da dança, da música, do vídeo, da
poesia, do cinema, dentre outras; e “dependendo da natureza da performance, essa presença
pode ser esotérica, xamanística, educativa, provocadora ou um mero entretenimento”
59
(GOLDBERG, 2006, p. 8). Embora suas origens estejam ligadas às artes plásticas, contudo, é
considerada uma linguagem híbrida, como nos mostra Zumthur:
A performance se situa num contexto ao mesmo tempo cultural e situacional:
nesse ela aparece como uma “emergência”, um fenômeno que sai desse
contexto ao mesmo tempo em que nele encontra lugar. Algo se criou, atingiu
a plenitude e, assim, ultrapassa o curso comum dos acontecimentos
(ZUMTHUR, 2007, p. 31).
Não cabe aqui buscar conceitos fechados sobre esta linguagem, mas sim permitir
que à luz das teorias empunhadas por Richard Schechner e Victor Turner, ela seja conduzida
pelos mais variados caminhos nas trilhas do campo da cultura. Nesse sentido, para Turner, “a
performance é um modo de comportamento, uma abordagem da experiência concreta na
cultura; ela é jogo, esporte, estética, divertimentos populares, teatro experimental, e mais
ainda.” (TURNER apud SCHECHNER, 2002). Ela não está ligada somente à arte, não busca
apenas valores estéticos, ainda que mais atada a um processo do que a um resultado, mas
também é notório na atualidade que os estudos sobre performance apresentem uma
abrangência maior, como prefere Schechner,
(...) performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e
adornam corpos, contam histórias. Performances artísticas, rituais ou
cotidianas são todas feitas de comportamentos duplamente exercidos,
comportamentos restaurados, ações performadas que as pessoas treinam para
desempenhar, que tem que repetir e ensaiar (SCHECHNER, 2003, P. 27).
Nesse sentido, o Tambor de Criola do Maranhão carrega diversas características
performáticas dentro desta esfera artística e ritualística, ele apresenta fortes traços de
teatralidade, como figurinos e a ludicidade no jogo, bem como se faz presente a musicalidade
e a dança. Esta brincadeira aborda ainda questões referentes à religiosidade, que através dos
seus ancestrais chegou até os nossos dias e ainda resiste intensamente na cultura dos seus
participantes.
Nessa direção, tomamos como norteador desta discussão os estudos de Ligiéro e
Zenícola nos quais os autores indicam que:
O conceito “performance” tem sido usado também para compreender o
teatro feito pelo povo iletrado, seguindo a tradição oral alheia aos modelos
greco-romanos, que permearam a construção da estética dominante. Desta
forma, performance tem sido usada como um sinônimo de apresentação e
representação, quase sempre possuindo caráter festivo e/ou religioso, mas
em muitas destas formas preservando o seu alto grau de ritualismo
(LIGIÉRO e ZENÍCOLA, 2007).
60
Desta forma, pode-se observar que as manifestações culturais populares evidenciam
rituais que abarcam uma série de comportamentos previamente exercidos e com forte caráter
de religiosidade.
Ainda neste sentido, Schechner aponta sete funções para a performance e cabe aqui
uma análise sobre as mesmas, visto que nesta dança está contido: “entreter; fazer alguma
coisa que é bela; marcar ou mudar identidade; fazer ou estimular uma comunidade; curar;
ensinar, persuadir ou convencer; lidar com o sagrado” (SCHECHNER, 2003, p. 45). Destarte,
o Tambor de Criola é vivenciado pelo entretenimento, mas vai além disto, ele emite uma
beleza estética, ele assina a identidade da cultura maranhense, desperta valores sociais, se
relaciona com a em conexão com as entidades glorificadas, ensina e repassa tradição e
mantém viva sua relação com o sagrado, como analisado no capítulo anterior.
Acrescentando que o performer, seja na vida cotidiana ou em um momento
ritualístico, assim como na arte, se apóia na relação de fazer e mostrar e neste sentido a
coreira do Tambor de Criola se apresenta como uma performer cultural, uma artista criadora
desta dança e, por isso, uma criadora de cultura popular, realizando seqüências de
movimentos, dilatando seu corpo, voz e sua potência criativa e os apresenta para o público.
Vale lembrar que “os Estudos da Performance cobrem uma vasta área que inclui a
análise dos diversos elementos componentes da performance, bem como a sua dinâmica de
interação, o seu contexto histórico e a sua repercussão na cultura popular” (LIGIÉRO, 1998,
p. 12), como é o caso do objeto de análise aqui impetrado.
Quando pensamos na roda do Tambor de Criola, elencamos a noção de espaço, lugar
na qual a brincadeira se apresenta e, em relação a isso, Bachelard (1993, p. 31) explica que “o
espaço convida à ação, e antes da ação a imaginação trabalha. Ela ceifa e lavra. Seria preciso
falar dos benefícios prestados por todas essas ações imaginárias”. A área aqui trazida à festa é
circular, orientando a performance dos brincantes, fazendo com que os mesmos reconheçam
que para acontecer essa circularidade a dança tem que girar, cedendo lugar a todos os
partícipes da mesma, compreendendo a coletividade desta manifestação. Quanto à
circularidade na dança, Bernhard Wosien nos chama atenção para a seguinte reflexão:
A sabedoria dos mestres comprova que o círculo representa uma imagem
microcósmica do espaço cósmico original. O círculo é tido como o símbolo
original da eternidade e é reflexo daquele círculo no céu noturno, o zodíaco,
do qual todos nós descendemos. Todos os pontos do rculo são pontos de
retorno. Uma vez que se percorra um círculo, gira-se 360 graus sem que se
perca a relação com o centro. Trata-se de um processo de transformação que
61
representa o princípio da mudança (…) este ato da dança tem, com isso,
centro e limite (WOSIEN, 2000, p. 42).
Evidenciamos que no momento em que a coreira sai do seu local inicial para girar na
roda, ela perpassa por todos os pontos até voltar ao seu lugar de origem e assim, continuar na
brincadeira durante toda a apresentação.
A performance da coreira do Tambor de Criola, é um elemento singular dentro dessa
dança. Nessa direção, cabe observar alguns pontos colocados pela bailarina e pesquisadora do
corpo, Angel Vianna, que lança um olhar para a consciência do movimento. Em suas
pesquisas, advertiu-se sobre a preocupação de um trabalho diferenciado entre o ator e o
bailarino, pois ambos têm finalidades diferentes. Angel fundamento para as possibilidades
da movimentação, pois quer atingir uma consciência corporal, para tanto busca na própria
biologia do corpo humano seu funcionamento e sua estrutura, afirmando que o corpo possui
uma memória e busca extrair dele a sua história vivenciada e, também, nos indica que a
pessoa que pratica a consciência do movimento torna-se mestre de si mesmo.
Ao longo das observações realizadas durante a pesquisa, pode-se perceber que cada
coreira apresenta movimentos resultantes da sua própria experiência de vida. Uma coreira que
desde criança dança no Tambor, tem uma maleabilidade e uma desenvoltura na roda bem
maior do que aquela que teve contato apenas na fase adulta. Cabe salientar que a coreira não é
somente performer por profissão, ela é dona de casa, funcionária pública, professora,
vendedora, etc; mas é notória a “soltura” do corpo de uma coreira experiente, que tem na sua
vida o hábito desta dança, diferentemente das que não acompanham esta tradição, onde
podemos ver alguns “bloqueios” resultantes da história de vida de cada indivíduo. A coreira
não apresenta uma preocupação da consciência corporal na mesma profundidade que um ator
ou um bailarino, mas quando dançam, o fazem pelo prazer da brincadeira, seja pelo sentido
do sagrado ou do profano que a dança apresenta. É importante considerar que existe nesta
manifestação um respeito à individualidade de cada brincante. Para Zenícola:
(...) partindo do corpo, pode-se trabalhar a performance através da sua
plasticidade, sua energia gasta, mecanismos de comportamento, experiências
litúrgicas, rituais, sua biomecânica, suas relações com o espaço, com a
palavra, suas relações sociais e cotidianas. O performer mais que trabalhar o
corpo, trabalha com o discurso do corpo usando a multiplicidade deste
discurso. São gestos e atitudes comportamentais ou não, cujos aspectos
implicam uma re-significação ao serem tratados na performance
(ZENÍCOLA, 2005, p. 51).
A performance a qual nos referimos é peculiar de cada participante da roda, onde o
corpo faz parte do todo de cada indivíduo expresso em seus movimentos, e “é pelo
62
movimento que exploramos e descobrimos o mundo” (BENTO, 2004, p. 38). Desta maneira,
podemos observar que a coreira, através do corpo, cria uma relação de comunicação com toda
a roda. Primeiramente com o tambor, ela dança para a parelha e, em especial, cria uma
relação de diálogo com o tambor grande, onde a conversa se dá por meio da punga através de
um jogo corpóreo, bem como pelo tocador, onde muitas vezes dependendo de como ele toca,
vai resultar em um desempenho diferenciado em sua dança.
É importante frisar que a pesquisadora Eliane Pereira detectou uma forte conotação
sexual neste jogo presente sobretudo na comunidade de Cajapió no Tambor para São
Benedito em agosto de 1991:
Quando foi cantado o Penerô, a coreira pungava primeiro com a cabeça,
depois rolava o corpo uma vez, pungava com os ombros requebrando-os,
rolava mais uma vez, pungava com os quadris requebrando-os, rolava mais
uma vez e começava a requebrar com o corpo todo até em baixo, desafiando
o coreiro. O mesmo agachou com o tambor e ela ficou peneirando os ombros
e os quadris e quanto mais intensificava o requebro, mais o coreiro marcava
forte a punga, dobrando o batido e às vezes socando com o cotovêlo. Depois
subiram juntos com a testa unida fitando os olhos, o coreiro a subiu no
tambor grande, escanchando-a e a mesma continuou requebrando, abrindo os
braços sorrindo sempre. Enquanto isso a dança das coreiras na roda, era
peneirando até em baixo com uma forte cadência de quadris e rodopios com
o corpo. Sentia-se uma vibração de energia em todo o grupo, entre tocadores
e cantadores que aumentavam cada vez mais a ritmica da marcação, dando
maior volume ao canto e à dança das coreiras. Depois a coreira pulou do
tambor ajudada pelo coreiro e encerrou sua dança tirando outra para dançar.
Assim, o ápice da sensibilidade sexual baixou (PEREIRA, 1995).
Não é possível precisar se esta prática aparece também em outras comunidades, mas
observa-se sempre a existência de um diálogo entre a coreira solista e as outras brincantes do
Tambor. Estas mulheres que formam o cordão na roda se relacionam entre si durante todo o
tempo que é tocado o som dos tambores. No círculo, elas dançam em passos mais curtos,
esperando a hora de demonstrar sua performance individual frente ao tambor. É diante da
parelha que se o ápice de sua apresentação. Para tanto, é necessário esperar que a coreira
da vez exiba sua dança e depois de certo tempo, a próxima brincante, obedecendo à ordem da
roda, vai até a que está fazendo seu solo, passa entre a dançante e o tambor, fazendo o convite
para a retirada da que estava, dando a oportunidade para a seguinte. No momento após a
passagem, as duas começam a dançar uma para a outra, fazendo um cumprimento de
requebros até o momento da punga, que é quando a que a chamou passa a vivenciar seu solo
também. Essa troca se dá num frenesi entre todos os brincantes. Surgem gritos e sons
emitidos para o bailado dessas performers. Esse rodízio acontece com todas elas e
63
normalmente cada uma passa por essa experiência várias vezes durante a apresentação. É
comum algumas coreiras não obedecerem a ordem de entrada e fazerem a convocação para
seu solo saindo de qualquer lugar que esteja dançando. Outro aspecto inerente à brincadeira, é
que durante a mostragem da festa o público fica acompanhando ao redor, e habitualmente
alguém da platéia” é convidado a participar, por isso os grupos estão sempre levando saias
extras para que os apreciadores possam experimentar essa manifestação. Sobre essa relação
com o público Zenícola esclarece que:
A performance permite ao público que, através do concreto, se chegue ao
abstrato espectador presencia imagens físicas. A presença física do artista
interfere no público, criando uma relação de envolvimento e levando-o à
participação através de interferência e ou interação. Embora tenha o seu
lugar espacial, social e comportamental delimitado, a presença do performer
interfere na sensibilidade do espectador, convidando-o e, às vezes, a
forçando-o a participar (ZENÍCOLA, 2005, p. 36).
Neste sentido, o público passa então a ser um partícipe da brincadeira, desta forma ele
precisa estar atento as regras do jogo impostas à manifestação para que uma vez impelida sua
participação, ele possa compreender o comportamento dos jogadores para fazer parte do jogo,
ou então caso não queira esse envolvimento ele pode ser um mero apreciador da dança. Sobre
esta questão Schechner esclarece que
(...) jogar consiste em ações e reações, que despertam e/ou expressam diferentes
emões e humor. Qualquer situação dada do jogo, pode haver jogadores e
observadores reproduzindo ambos. Observadores podem ativamente, ser
envolvidos no jogo - como ávidos seguidores ou fãs do jogo; ou podem ser
testemunhas desinteressadas (SCHECHNER, 2002b, p. 85).
O grupo de Tambor de Crioula funciona como uma engrenagem, na qual todos
precisam permanecer atentos a si mesmos e aos outros, sempre cuidadosos para
desempenharem bem suas funções artísticas. É importante lembrar que para a performance da
coreira ser vivenciada ou apreendida, não se deve partir de uma fórmula pronta, cada coreira
dança conforme seu próprio corpo e suas potencialidades.
É importante a observação por parte dos participantes para poderem sentir a magia
desta dança na roda e a hora certa da entrada e da saída, bem como a sintonia da pungada e da
batida do tambor. A pesquisadora Enamar Bento, destaca a importância da questão da
observação no trabalho da preparação corporal: “para que o trabalho aconteça, é
indispensável o desenvolvimento da observação. Temos que observar, sem preconceitos, as
ações e reações que se produzem no corpo para conseguir tal integração” (BENTO, 2004, p.
46). Portanto, é indispensável a acuidade por parte dos performers e apreciadores, para
64
poderem ver, sentir e melhor participarem nesta dança, contribuindo para uma performance
repleta de energia vibrante e agradável e em total harmonia.
Na performance da coreira regras e limites a serem respeitados e exercidas. O
tambor nos este ensinamento, desde o respeito à tradição da brincadeira, aa delicadeza
no trato com o outro e em particular com os mais experientes da roda. Prestando sempre
atenção no jogo do pungar, como regra básica para se vivenciar esta performance, e sempre
respeitando as regras estabelecidas, entramos na função principal da brincadeira, que é
realizar a performance de forma festiva e coletivamente, visto que “jogo é performance
(quando é feito abertamente, em público)” (SCHECHNER, 2002, p. 82).
A dança nos desperta para percebermos que desde o nascimento, nosso corpo é um
veículo de comunicação e sempre será até quando morrermos, mas muitas vezes perdemos
essa sintonia, ou a consciência dela, deste corpo inteiro e criativo, e para que não se caia no
enrijecimento muscular e dos ossos, e que ele se mantenha em eterno estado de prontidão
expressiva, é importante mantermos ele acordado e desperto, e para tanto, existem cuidados e
trabalhos cotidianos a serem realizados para serem atingidos tais objetivos. É esse corpo
atento às suas funções que chama atenção na roda do tambor, que também diz respeito a um
processo de conscientização da coreira, uma coreira não entra de “qualquer jeito” no tambor,
precisa da iniciação básica para se perceber no contexto ali inserido, precisa ter conhecimento
de sua função social e corporal dentro desta roda. Não cabe aqui discernir sobre os problemas
causados quando uma coreira participa desrespeitando o tempo e as regras estabelecidas, em
geral são brincantes novatas que demonstram um forte caráter exibicionista, gerando mal-
estar e discussões entre os participantes, portanto, é de extrema importância respeitar uma
manifestação popular, pois a mesma carrega em si suas tradições, a experiência dos seus
mestres, revelando o habitual e a história da sua comunidade.
Como vimos, a coreira relaciona-se com todos os elementos da dança, seja com o
tambor, o tambozeiro, entre elas mesmas, através dos cantos participando de forma ativa do
coro e com o público, mantém uma relação consigo mesma, trabalhando com as
potencialidades do corpo, o peso, o equilíbrio, tensão, força, foco etc. Observando seu
desempenho, percebe-se que a performance exercida por estas mulheres apresentam
movimentos extracotidianos.
Sobre esta questão, Eugênio Barba define que a antropologia teatral “é o estudo do
comportamento humano, quando o ator usa presença física e mental em uma situação
organizada de representação e de acordo com os princípios que são diferentes dos usados na
65
vida cotidiana” (BARBA e SAVARESE, 1999, p. 47). Dessa forma, a coreira usa esse corpo
fora das intenções diárias, levando a uma outra realidade a fim de ampliá-lo e dilatá-lo a
serviço de uma ação diferente do seu dia a dia, o uso dos movimentos corporais desvinculados
de um sentido utilitário realizados por esta brincante, em função do ritual que está à serviço,
promove sua criação artística dentro da dança.
O corpo da coreira em sua profusão, agrega valores individuais e de comportamento
social, possibilitando discussões em torno dessa manifestação cultural, nesse sentido podemos
pensar os movimentos exercidos por ela, a partir do discurso de Schechner, quando ele afirma
que as performances são feitas de comportamentos restaurados, considerando que
(...) comportamento restaurado é o processo chave de todo tipo de
performance, no dia-a-dia, nas curas xamânicas, nas brincadeiras e nas artes.
O comportamento restaurado existe no mundo real, como algo separado e
independente de mim. Colocando isto em termos pessoais, o comportamento
restaurado é eu me comportando como se fosse outra pessoa, ou eu me
comportando como me mandaram ou eu me comportando como aprendi
(SCHECHNER, 2003, p. 33-34).
A partir dessa reflexão, podemos notar que a coreira, restaura comportamentos já previamente
utilizados pela tradição dos movimentos do Tambor de Crioula, restaurando ações passadas,
resgatando passos antes utilizados, repetindo o que já foi feito, inclusive por elas mesmas.
Ela se manifesta sendo uma pessoa ciente da sua atuação, mas seus movimentos, sua
performance, estão a serviço de um ritual organizado, ou seja, é ela e não é ela, porque a
pessoa deixa temporariamente de ser e se transporta para o extracotidiano, não é a pessoa do
dia-a-dia, pois está a serviço da brincadeira em que está vivendo. Para tanto faz uso do seu
desempenho corpóreo, o que permite que cada uma delas venha demonstrar suas habilidades,
seus limites, visto que cada corpo é único e isso resultará em variações no ritmo da dança,
evidenciando a individualidade de cada brincante, dentro de um coletivo harmônico.
A coreira passa um longo período de preparação para fazer parte do seu grupo, pois
“as performances artísticas moldam e marcam suas apresentações, sublinhando o fato de que
o comportamento artístico é “não a primeira vez”, mas feito por pessoas treinadas que levam
tempo para se preparar e ensaiar (SCHECHNER, 2003, p. 1)”. Elas normalmente crescem no
meio desta manifestação, observando e percebendo toda a estrutura que forma a dança, isso
durante várias vezes ao ano, elas vão absorvendo e repetindo esses movimentos, construindo
assim sua própria forma de dançar e seu repertório de gestos e movimentos, uma espécie de
léxico do Tambor de Criola.
66
É inegável o encanto inerente aos movimentos produzidos pela coreira, pois ela faz
uma combinação de gestos e deslocamentos que envolvem os braços, tronco, quadril, joelhos,
pés, cabeça, revelando harmonias variadas com todo o seu corpo. A definição de
expressividade dos movimentos de Regina Miranda aborda cinco atividades básicas de
movimento:
Gesto – Todos os movimentos do corpo que não envolvem suporte ou
transferência de peso.
Transferência – Movimento de mudança de peso de um suporte para outro.
Locomoção – Método de transportar o corpo de um ponto para outro.
Rotação – Movimentos que mudam o referencial frontal.
Salto Movimentos que deixam o corpo temporariamente sem suporte
(MIRANDA, 1979, p. 31).
Pode-se assim estabelecer uma melhor descrição da dança do Tambor de Criola, pois
notamos que a brincante se revela invadindo o espaço, desde um grito simbólico para
determinar sua entrada, até como uma pungada que normalmente é dada através da batida
entre os ventres ou também pode ser dada com os braços, pernas, ombros e outras partes do
corpo, sinalizando diferentes momentos da roda. A transferência que implica num
“ajustamento a cada nova situação, seja ela física ou emocional, e também carregando consigo
uma mudança na atitude interna do indivíduo” (MIRANDA, 1979, p. 31), onde visualiza por
meio da troca de peso dos pés, de uma movimentação mais ereta para um agachamento, da
ginga em frente ao tambor onde ora ela vai bruscamente em direção ao tambozeiro, ora recua,
gerando assim um diálogo corporal com ele. A coreira também se locomove durante toda a
dança, girando em torno do próprio eixo e perfazendo ela também o círculo pelo lado interno
da roda, partindo do ponto de início até a chegada em frente à parelha para exibição do seu
maneio. A rotação é outro ponto importante nesta dança, pois a “ação de girar pode ser
praticada com os dois pés no chão ou alternando de um para outro no mesmo lugar”
(MIRANDA, 1979, p. 31), o que revela uma das grandes habilidades da coreira. E por último,
dentro dessa seqüência podemos observar a questão do salto que está ligado desde a tirada dos
dois pés do chão ou à forma na qual a brincante venha expressar essa intenção de saltar.
É imperioso lembrar que a coreira, quando entra na roda, a batida do pé vai direto na
punga do tambor e o que determina isso é a troca de olhares com o coreiro para poder sentir a
hora certa de adentrar, porque o som do tambor representa aqui o som quem vem da terra, ele
emite a batida e ela responde no marcando essa forte relação com o chão, talvez daí se dá a
preferência em dançar descalça, em especial quando o terreno não é acimentado. O mestre
Wanderley comenta: “quem quiser receber força que deite no chão, a força maior que tem é o
67
chão”, desta forma podemos refletir que a coreira prefira estar em contato direto com o chão,
pela força emitida por este elemento sólido que gera sustentação, energia ancestral e sintonia
com a batida do tambor.
De um modo geral, podemos dizer que a performance desta dançante utiliza-se de
quase todos os músculos do corpo para realizar sua apresentação e sabemos que todo artista
transmite através de símbolos sua visão pessoal e social, que são codificadas através da arte,
revertendo em mensagem para o público, para compreender melhor os movimentos acima
citados pelo desempenho da coreira, apresento a Tabela 2:
68
Tabela 2. Classificação dos movimentos da coreira na roda.
MOVIMENTOS DA COREIRA NA RODA
PÉS
Os pés se alternam distribuindo o peso (direito e esquerdo) se
movendo em lateralidade.
Os passos são curtos quando estão na formação da roda.
Quando estão dançando para o tambor grande os movimentos são
mais largos.
Impulso e transferência do peso do corpo alternando com os pés.
O é também utilizado para a marcação da punga com o tambor,
através de uma batida mais forte no chão.
JOELHOS
Alternância entre joelhos, quando um está flexionado, o outro está
ereto.
QUADRIL
Movimentos circulares sugerindo um rebolado que projeta o ventre
para frente, laterais e para trás.
Ou movimento de descanso em lateralidade quando não estão na
frente do tambor.
TRONCO
Acompanha o movimento do quadril.
Quando o quadril é projetado para trás o tronco vai para frente e
quando o quadril é projetado para frente o tronco vai para trás.
(movimento ondulado)
O movimento que acompanha o quadril leva uma circularidade no
corpo.
BRAÇOS/MÃOS
Normalmente as mãos seguram a barra da saia e outras vezes
enquanto uma segura a barra da saia a outra é suspensa acima da
cabeça.
O braço suspenso normalmente acompanha a circularidade do corpo.
O braço quando está no alto, eleva também o corpo, quando ele
desce acompanhando o movimento, o corpo abaixa.
CABEÇA
O movimento da cabeça acompanha o restante do corpo.
Quando há giro de 360º ininterrupto, a cabeça acompanha toda a
movimentação, sendo que quando a coreira para o giro com a
fincada com o pé a cabeça fixa em linha frontal.
Movimentação em que todo o corpo acompanha os passos acima
descrito e ainda girando.
Cabe lembrar, que a coreira também apresenta coreografias diferentes das citadas,
dependendo do que a orquestra de coreiros cante. A música “Penerô” é um exemplo de como
elas em conjunto fazem movimentos com a saia como se tivessem peneirando alguma coisa e
vão descendo até o chão, ou em toadas de despedida da festa onde elas vão dançando em filas
como um cordão, se despedindo do público até saírem da roda. Segundo Laban:
O corpo é nosso instrumento de expressão por via do movimento. O corpo
age como uma orquestra, na qual cada seção está relacionada com qualquer
uma das outras e é uma parte do todo. As várias partes podem se combinar
para uma ação em concerto ou uma delas poderá executar sozinha um certo
movimento como solista, enquanto as outras descansam. Também há a
possibilidade de que uma ou várias partes encabecem e as demais
acompanhem o movimento… cada ação de uma parte particular do corpo
69
deve ser entendida em relação ao todo que sempre deveser afetado, seja
por uma participação harmoniosa, por uma contraposição deliberada, ou por
uma pausa (LABAN, 1978, p. 67).
Em sua performance, a coreira apresenta-se cheia de agitação, demonstrando sua habilidade
em gingar, sua sensualidade, acompanhada pelo sons dos tambores que ecoam gerando uma
energia vibrante nos presentes, o corpo é o principal elemento aqui nessa festa.
A necessidade de brincar e dançar expandiu-se junto à cultura desses grupos, essas
mulheres muitas vezes fazem das apresentações os momentos mais divertidos das suas vidas,
onde podem vivenciar a tradição do seu povo e ter o seu momento de brilho pessoal e de
integração com sua própria comunidade. Em entrevista realizada em julho de 2008, a coreira
Rosilda, 42 anos (Fotografia 11), sentada à porta de sua casa em frente ao terreiro de dona
Maria Clores nos revela que:
O tambor na minha vida é uma coisa muito boa, no dia que a gente não faz é
até esquisito, a gente faz porque a gente se sente feliz quando a gente tá lá no
meio. Ser coreira é uma coisa muito boa pra mim, agora que eu sei que
dançar faz bem pra saúde, agora é que eu danço, porque gosto, acho bonito
aquela divertição na vida da gente, mas gosto mais de dançar quando é com
Wanderley, porque parece que ele vai tocar com raiva, parece que vai furar o
tambor de tanto que ele toca com vontade
23
.
Fotografia 11. Coreira Rosilda Pereira, Mocajituba II. Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
23
Rosilda Pereira, em depoimento colhido em julho de 2008.
70
Em conseqüência dessa variedade de tradições, de movimentos, de memória cultural
desses grupos, as coreiras são destaques desta manifestação tão vibrante que é o Tambor de
Crioula, onde além de se apresentarem para a própria comunidade, ainda tem o maior
empenho em compartilhar com o público dessa comemoração, dessa imensa festa que se faz
presente em quase todo o Estado do Maranhão.
3.1 O JOGO NA DANÇA E O TRANSE
“Arte não é senão uma viagem para de dentro de nós
mesmos, um reatar contato com recantos secretos,
esquecidos com a nossa memória.”
Luis Otávio Burnier
Por ter nascido e crescido nesse Estado, pude presenciar várias manifestações da
cultura popular maranhense, aliado a isso estavam as minhas práticas teatrais e experiência
com a Arte Educação, tive a oportunidade de observar o Tambor de Crioula à luz de um olhar
redimensionado, voltado para uma reflexão no que se refere a movimentos corporais e
possibilidade da criação estética. Pensando essa dança como uma manifestação cultural
repleta de elementos artísticos e teatrais, pude observar que o jogo é um dos elementos mais
fortes nessa tradição. Dentre as apresentações que tive a oportunidade de participar, seja
observando, seja experimentando a dança enquanto coreira, a questão do lúdico sempre esteve
presente.
O lúdico tem origem na palavra latina ludus
24
que quer dizer jogo. Primordialmente o
termo se refere apenas a jogar, a brincar, ao movimento espontâneo, entretanto o termo hoje
extrapola o brincar espontâneo passando a fazer parte da necessidade básica humana calcada
nas pesquisas da psicomotricidade
25
. Portanto é uma necessidade humana facilitadora da
aprendizagem, que auxilia o desenvolvimento pessoal, social e cultural, propiciando
momentos de encontro consigo mesmo e com o outro, intercalando estágios entre o real e o
imaginário. Para Huizinga (2001, p. 6), “todo ser pensante é capaz de entender à primeira
vista que o jogo possui uma realidade autônoma” e complementa afirmando que “reconhecer
24
Conceito extraído do Dicionário Acadêmico de Português-Latim (2000).
25
É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo
interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e
orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Ver sítio da Sociedade Brasileira
de Psicomotricidade. http://www.psicomotricidade.com.br.
71
o jogo, é forçosamente, reconhecer o espírito, pois o jogo, seja qual for sua essência, não é
material”. Analisar o jogo realizado pela coreira é entender o espírito dessa brincadeira, sua
forma, seu objetivo, sua regra. Portanto, ao refletir sobre as regras do jogo aqui estabelecido,
se faz necessário pensar sobre os diversos caminhos trilhados na atuação da coreira.
É importante refletir a afirmação de Huizinga quando comenta que:
O jogo tem, por natureza, um ambiente instável. A qualquer momento é
possível à “vida quotidiana” reafirmar seus direitos, seja devido a um
impacto exterior, que venha interromper o jogo, ou devido a uma quebra das
regras, ou então do interior, devido ao afrouxamento do espírito do jogo, a
uma desilusão, um desencanto (HUIZINGA, 2001, p. 24).
É notório que uma manifestação popular como o Tambor, por ter um caráter de evento
efêmero, evidencia essa natureza através de sua própria estruturação e como em suas
apresentações existem uma participação mais direta com o público, mesmo repetindo a
apresentação, ela nunca se processará do mesmo jeito, até porque o jogo do instante se altera
dependendo de onde se apresenta, com quem e para quem. Embora possa se observar que as
regras do jogo permanecem as mesmas nas repetidas brincadeiras.
Quando uma coreira entra na roda do Tambor, está estabelecido um jogo de regras a
serem cumpridos durante sua atuação. Sobre essas regras no jogo Koudela chama atenção
para o fato de que:
(...) qualquer jogo tradicional é realizado a partir de um certo número de
regras, aceitas para colocá-lo em movimento. As regras estabelecidas entre
os jogadores determinam uma relação de parceria, que implica observação
de determinadas leis que asseguram a reciprocidade dos meios empregados
para ganhar. portanto, acordo de grupo sobre as regras do jogo e
interação, que ocorre a partir da busca de um objetivo comum (KOUDELA,
2006, p. 47-48).
É claro que quando se pensa no Tambor, não um ganhador individual, mas sim uma
relação de parceria para que todos ganhem por uma harmonização e beleza na manifestação,
embora a autora se refira a jogos aplicados ao teatro, sua afirmação também cabe ao jogo
vivido no tambor. Analisando as regras em questão, não se dança em qualquer lugar dentro do
círculo formado pelas coreiras, no espaço reservado para apresentação têm previamente
marcados os caminhos por onde devem trilhar durante sua performance. Do primeiro ponto da
sua chegada na roda, à sua aparição frente aos tambores, elas percorrem um trajeto que faz
parte da brincadeira. Também existe o momento da esperar para exibir seu movimento solo,
que por sua vez é realizado um jogo de revezamento com outra coreira para assumir tal lugar.
Nessa troca, as dançarinas se cumprimentam em movimentos ritmados, são giros e pungas
72
dadas como instante vivificador, é uma saudação e barganha realizada para dar continuidade e
manter aceso o entusiasmo dentro da festa.
Diante do tambor, a comunhão com o tambozeiro é um ponto forte da dança, onde
juntos comungam de uma diversão que depende da troca de intenções e gestos, promovendo
uma forte comunicação entre si, assim a brincante dança em função do tambor e o tambozeiro
que toca para ela. Isto resulta num jogo de atenção, de movimentos em que se combina o som
com a dança, a batida do com o “murro” dado no couro, a sonoridade com a ginga, em
conseqüência desse flagrante gera-se uma vibração que promove um distanciamento de cada
brincante do seu próprio cotidiano.
Existe nessa festa um jogo marcado pela musicalidade, pois no tambor, como dito
anteriormente, existe um cantador solo, que puxa a toada e esta é respondida pelo coro
presente de cantadores. Neste instante, a coreira também participa da cantoria, responde em
coro, ajuda no canto a fim de provocar euforia e fluidez na roda. As regras vivenciadas não
dizem respeito somente aos brincantes, o público também cumpre as suas, pois elas são para
quem estar dentro e para quem estar fora da dança. Alguém que assiste a apresentação pode
entrar e sair na hora que desejar, desde que respeite o jogo estabelecido. Um tambor animado,
cantado por todos, cria uma atmosfera animada e toda a brincadeira fica mais vivaz, mais
eloqüente, propiciando um desempenho corpóreo mais energético por parte dos participantes
e uma atração maior para o público que observa em volta da roda. Huizinga sobre a dança
aponta que:
(...) quer se trate das danças sagradas ou mágicas dos selvagens, ou das
danças rituais gregas, ou da dança do rei David diante da arca da Aliança, ou
simplesmente da dança como um dos aspectos de uma festa, ela é sempre,
em todos os povos e em todas as épocas, a mais pura e perfeita forma de
jogo (HUIZINGA, 2001, p. 184).
Posto isto, podemos observar que o jogo é característico da dança, e que esse elemento
peculiar estrutura e emoldura as diversas possibilidades na criação do movimento, esteja ele
em conjunto com os demais brincantes, esteja ele num ato solitário, mas que está inserido no
todo da brincadeira.
Pensar neste brinquedo como manifestação artística também abre espaço para refletir
sobre a teatralidade inerente a ela, seja por meio da condição do jogo, seja na entrega
extracotidiana que se aproxima da linguagem cênica, ou mesmo como nos afirma Roubine: “a
dança revela que o movimento e o gesto sempre foram percebidos como meios de estabelecer
com o espectador uma comunicação afetiva não verbal” (ROUBINE, 2002, p. 35), o que
73
invariavelmente se relaciona à teatralidade, é claro que a dança tem seu estilo próprio, assim
como o teatro, mas muitos elementos são inerentes às duas linguagens, sobretudo no teatro
antropológico proposto por Eugênio Barba. A dança que se manifesta numa comunicação não
verbal, dialoga aqui com o teatro que também se relaciona com seu público de várias formas
sem necessariamente fazer uso da palavra oral. A preparação para se apresentar no tambor, a
montagem do figurino, os acessórios, todos os elementos aqui utilizados para serem vistos
enquanto personagens do Tambor de Criola, nos revelam uma representação, ou uma atuação
que garantem uma presença como se refere Barba ao estudar o ator bailarino. Em “A Arte
Secreta do Ator”, ele afirma que o trabalho do ator-dançarino é resultado da fusão de três
aspectos, que refletem três níveis de organização:
1)A personalidade do ator-bailarino, sua sensibilidade, inteligência artística,
seu ser social, aquelas características que o tornam único e irrepetível. 2)As
particularidades das tradições e contextos socioculturais por meio das quais a
personalidade do ator-bailarino é manifestada. 3) O uso da fisiologia de
acordo com as técnicas corporais extracotidianas (BARBA e SAVARESI,
1995, p. 5).
Podemos observar que o primeiro aspecto se relaciona à essência do indivíduo e suas
habilidades individuais, em seguida está relacionado ao brincante e às manifestações culturais
nas quais ele está inserido, apreendendo e manifestando sua arte, e o terceiro, o uso da
potencialidade particular de cada ator, aliado às técnicas de trabalho de forma extracotidianas.
Quando estes níveis de organização estão combinados, promovem qualidade na energia do
ator, tornando-o mais presente em sua função artística, mais vivo na cena e mais perceptível
aos olhos do espectador. Dessa forma, podemos notar que a coreira uma vez se permitindo
trabalhar seus movimentos entregando-se às suas potencialidades corpóreas a partir de suas
habilidades, improvisação e coreografia “pré-estabelecida”, torna-se essa atriz dançarina
repleta de vivacidade e presença na roda. Sobre essa apresentação marcante e que pode-se
perceber um aspecto vivo e pulsante da coreira e que é fruto de um Corpo Dilatado, como
afirma Barba:
(…) o fluxo de energias que caracteriza nosso comportamento cotidiano foi
re-direcionado. As tensões que secretamente governam nosso modo normal
de estar fisicamente presentes, vêm a tona no ator, tornam-se visíveis,
inesperadamente. O corpo dilatado é um corpo quente,mas não no sentido
emocional ou sentimental. Sentimento e emoção são apenas uma
conseqüência, tanto para o ator como para o espectador. O corpo dilatado é
acima de tudo um corpo incandescente, no sentido científico do termo. As
partículas que compõem o comportamento cotidiano foram exercitadas e
produzem mais energia, sofreram um incremento de movimento, separam-se
mais, atraem-se e opõem-se com mais força, num espaço mais amplo ou
mais reduzido (BARBA e SAVARESI, 1995, p. 54).
74
Outro aspecto relativo à coreira, relaciona-se ao seu figurino, pois para participar do
Tambor ela veste seu “personagem”. Normalmente são saias longas e coloridas, Ferretti
aponta que:
(...) é característica inerente da mulher negra o gostar de vestir-se bem, com
suas saias rodadas em cores vivas, anáguas largar, ponteadas com renda de
almofada, blusas rendadas e decotadas; enfeitam-se com flores, colares,
pulseiras, torsos coloridos na cabeça, principalmente em dias de festa.
(FERRETTI, 2002, p. 61).
Essa preferência está ligada a manter viva sua tradição, resgatando comportamentos
anteriores, restituindo estruturas passadas, revelando os costumes de uma época, pois “as
performances revelam o caráter mais profundo, genuíno e individual de uma cultura”
(TURNER apud TAYLOR, 2003, p. 19). Essa veste remete ao tempo colonial, declarando
uma memória de uma época antiga sendo cultuada. Desta maneira como nos afirma
Schechner (2003, p. 34) os comportamentos restaurados são comportamentos “marcados,
emoldurados ou acentuados”, trazendo aqui para esta dança o resgate de tempos de outrora
quando as mulheres negras era-lhes permitido dançar frente aos tambores sagrados tocados
por negros em raros momentos de liberdade autorizados pelos seus senhores, chamados de
batuques e transmitindo a cultura através dessa performance.
Ao pensarmos o performer segundo perspectiva de Cohen e Ginsburg (In SILVA,
1992, p. 231) como “sujeito e objeto de sua obra” verificamos que para acontecer um ato
artístico é necessário no mínimo uma relação espaço/tempo, ou seja, uma pessoa ocupando
um determinado espaço em um determinado tempo. Dessa forma no Tambor de Criola fica
evidenciada a atividade artística, mostrando o tênue limite entre arte e vida, pois um ser
atuando em um espaço/tempo tanto pode ser um ato artístico como um ato de vida, o que vai
diferenciar é a intenção da ação mais a presença de um público. Sobre esse assunto Cohen nos
revela que:
Quando um performer está em cena, ele está compondo algo, ele está
trabalhando sobre sua “máscara ritual” que é diferente de sua pessoa do dia a
dia. Nesse sentido, não é lícito falar que o performer é aquele que “faz a si
mesmo” em detrimento de representar a personagem. De fato, existe uma
ruptura com a representação…, mas este “fazer a si mesmo” poderia ser
melhor conceituado por representar algo (a nível de simbolizar) em cima de
si mesmo (COHEN, 1989, p. 60).
A performance da coreira apresenta um tênue limite entre arte e vida, pois se apresenta de
modo inusitado e imprevisível, e essa imprevisibilidade está sobretudo na condição do aqui e
75
agora vividos na dança. Tudo depende de com quem se relaciona da platéia presente na
ocasião, até mesmo da quantidade de álcool ingerido durante uma apresentação. Ou seja, não
é uma apresentação ensaiada e fechada como ocorre no teatro tradicional, tudo depende da
energia e influências do ambiente no qual se está atuando, do jogo do momento que se está
vivendo, ou seja “uma vez que todos estão no espaço, não mais socialização. A vida
cotidiana é deixada para trás quando os participantes limpam o espaço tornando-o pronto para
o trabalho” (SCHECHNER, 2002, p. 63). Ou como nos afirmava o criador do Teatro da
Crueldade que “a cena é uma lugar físico e concreto que pede para ser preenchido e que lhe
façam falar sua linguagem concreta (…) deve primeiro satisfazer os sentidos” (ARTAUD,
1984, p. 51). Esse espaço em que se apresenta o Tambor de Criola, se manifesta como uma
tela em branco a ser pintada, a ser preenchida pelos movimentos e gestos da performer, esta
por sua vez interfere e constrói o espaço, alterando sua percepção e a do espectador,
normalmente atribuído a própria qualidade da presença da atuante.
A coreira por estar bastante aproximada da “vida real” e não construir um personagem
fictício, ela representa a si própria, pois quem está na cena é a brincante, não a do dia-a-dia,
mas sim a que se apresenta de forma ritualística a serviço de uma situação planejada, em uma
situação não comum. Essa situação aproxima bem mais a performance dos atos da vida do
que de um teatro ortodoxo, pois o performer por trabalhar com sua individualidade se
distanciando da ambigüidade do ator.
Outro ponto interessante a perceber em alguns tipos de Tambor é a brincadeira dos
homens em vestir as saias das mulheres para dançar na roda, aproveitando o momento de
descanso das coreiras. Podemos analisar toda uma ludicidade com essa ação, ao pensar nessa
atitude nos deparamos com a essência do teatro, visto que desde a Grécia Antiga, os homens
já se vestiam de mulher. Observamos que aqui o coreiro pratica o jogo teatral primordial, o de
brincar de ser outro, de fingir ser aquilo que não é. Para Schechner: “o jogo é parte intrínseca
da performance porque ele cria o “como se”, a arriscada atividade do fazer-crer” (2002b, p.
81). A acepção desta descoberta implica não na criação de outra realidade, mas também
visa o prazer do jogo.
Algumas festividades, em especial o carnaval, também revelam plenamente essa
condição do brincar de ser outro. Nesta festa cristã, é comum observar os homens
transvestindo-se de mulher. Sobre essa questão Baroja nos informa que:
O fato fundamental de poder mascarar-se permitiu ao ser humano, homem
ou mulher, mudar de caráter durante alguns dias ou algumas horas
algumas vezes mesmo mudar de sexo. Inversões de toda sorte. “introjeções”,
76
projeções e outros fatos perturbadores, de que nos falam hoje os psicólogos e
psicanalistas, poderiam provavelmente ser ilustrados à luz das liberdades
carnavalescas (BAROJA, 1979, p. 27).
É claro que a afirmação do autor, se refere ao ato da utilização de máscaras, mas é
perfeitamente cabível aqui, para exemplificar esse jogo de mudança de sexo no contexto de
uma festa, visto que um homem ao usar roupa feminina, ele está se disfarçando, fingindo
outra realidade que não a sua cotidiana, criando desta forma um personagem para brincar em
uma manifestação.
Um outro aspecto importante e ainda pouco estudado é a presença, não muito
freqüente do transe em determinados rituais. Neste caso, as entidades são chamadas de
“encantados”. Valdenira Barros enfoca a questão do transe, para ela,
(...) o transe é um dos mistérios da linguagem do tambor. Nele, os corpos
somam matéria e espírito duplicados em entidades que particularizam uma
essência divina que vem de outros tempos e lugares. No transe os corpos têm
um “dono”, um “guia” que transforma os indivíduos em algo pertencente ao
mundo dos espíritos, expressando uma personalidade através do domínio do
corpo. Uma vez incorporado, a pessoa ultrapassa a fronteira do mundo dos
homens e encontra o mundo dos encantados. Isso surge sem mais assombros
no meio do tambor, pois este é dos santos, das entidades (In IPHAN, 2006,
p. 50).
No Tambor de Criola alguns homens fazem o uso da saia da coreira quando estão em
contato com algum encantado. Em Alcântara no festejo para São Benedito em agosto de 2006,
era aproximadamente seis da manhã, quando me reaproximo da roda de Tambor. Algumas
coreiras encontravam-se ainda no local, mas sem dançar, apenas assistindo um coreiro vestido
de saia diante da parelha, com os olhos fechados e emitindo sons que não podíamos decifrar,
com movimentos diferentes dos realizados por ele durante toda a noite da festa, não foi
possível presenciar o momento em que aquele homem parou de tocar e cantar para se lançar
naquele misterioso comportamento o qual se encontrava naquele instante.
Outra reflexão que se pode fazer sobre o transe é que o tambor apresenta uma
coreografia de repetições que pode às vezes levar a brincante a exaustão e a momentos de
êxtase. Este estado exaustivo faz com que a pessoa, mesmo quando parando o movimento,
sinta o corpo repetindo a ação, levando a sensação de esvaziamento, esgotamento o que
possibilita mais facilmente a condição de um transe. De acordo com Rose Coreira,
(...) a coreira do tambor pode entrar em transe, porque no tambor os
movimentos são repetidos várias vezes, isto esligado com o imaginário da
roda, a uma encantaria, é comum ver as mulheres mais velhas baixando o
santo, normalmente baixa o preto velho, porque essas senhoras já têm a
77
cultura de receber entidades, mas hoje o se ver muito mais isso não. Eu
mesma já entrei em transe algumas vezes, já cheguei a rasgar meu pé
enquanto dançava sem sentir.
26
O transe é este estado de “deixar a si mesmo”, mas comumente uma pessoa que vive
essa experiência em algum momento da sua vida, logo em seguida retorna para seu estado de
consciência anterior a ela. Schechner sobre esta questão se refere ao transporte e à
transformação e nos chama a atenção afirmando que “uma pessoa pode cair em um transe,
falar em língua, lidar com cobras, “tornando-se feliz com o Espírito” e experiência
esmagadora de emoções poderosas. Mas não quão forte a experiência, antes ou depois, a
maior parte das pessoas retornam para seus eus ordinários/usuais” (SCHECHNER, 2002, p.
63-64) e complementa nos informando que esse tipo de performance pode ser vivida uma vez,
poucas vezes ou diariamente durante sua vida.
O conceito de transporte para Schechner não se aplica somente aos rituais, mas
também em performances estéticas como o teatro, a dança, a música etc. Todos os perfomers
ensaiam para o jogo de “deixar a si mesmo”, para vivenciarem essa experiência de estar por
um determinado tempo a serviço de um fantástico.
Quando participo de uma roda de Tambor de Crioula, a partir do momento em que
coloco a saia, sinto-me tocada de imediato pela espontaneidade que essa manifestação me
veste, pelo ritmo que permite bater o no chão de forma firme, rodeada de uma mistura de
movimentos e cantos que atravessa o meu cotidiano, me lançando a um lugar especial que a
arte proporciona, embora tendo consciência da minha presença enquanto pessoa e não
personagem, ainda assim me sinto afastada do meu cotidiano. Esse é um momento a serviço
de uma outra realidade, naqueles minutos surge uma energia diferente da que utilizo
costumeiramente. Estar em frente da parelha, dançar para o tambor grande, me transporta para
um lugar diferente e distante do habitual, a prontidão corpórea é outra, é como representar a
mim mesma, ou a coreira que vive em mim, onde faço com que a mesma saia do recanto onde
está guardada e se liberte exprimindo a alegria, demonstrando seus passos artísticos, na
ilimitada possibilidade de expressão. Wosien declara que “na arte aparece-nos a essência das
coisas. Não é a visão do nosso mundo cotidiano que nos é revelada, mas sim uma outra
verdade mais profunda” (WOSIEN, 2000, p. 127). O que se manifesta é um estado de estar
num “entre pessoa e personagem. A performance embora apresente como caráter o
26
Rose é coreira, atriz, professora de artes cênicas formada pela Universidade Federal do Maranhão e pesquisadora do
tambor de crioula.
78
improviso, onde sua manifestação é dada de forma original, ainda assim apresenta restauração
de comportamentos, onde desde o ritmo, os gestos, o gingado geram repetições que garante a
cada performer seu jeito peculiar de dançar.
Sobre a multiplicidade de sensações que a dança pode promover, Baiocchi e Pannek
afirmam que:
A criação artística e a experiência estética no ato de dançar são fenômenos,
que podem ser compreendidos a partir do subjetivo partindo-se da
premissa de que subjetivo e coletivo são faces de um mesmo corpo e atuam
concomitantemente. Muitas vezes a pessoa está realizando uma coisa e
compreendendo aquilo de um jeito, enquanto quem está vendo pode estar
compreendendo de outro jeito. E os dois podem ter gozos estéticos. Por mais
que você ache que o sentido da sua dança seja uma coisa, os outros estão
vendo outras coisas. Por isso a dança é uma obra aberta. (BAIOCCHI e
PANNEK, 2007, p. 125).
Dessa forma, tais experiências podem ser sentidas de diferentes maneiras, dependendo
de onde se está posicionado, seja participando ativamente, seja assistindo a uma apresentação,
o importante aqui é permitir que a dança se alargue, suscitando tanto no processo individual,
bem como no coletivo, a descoberta de uma arte repleta de pluralidade.
3.2 SENSUALIDADE E GINGA
“não é o olho que vê.
Também não é a alma,
é o corpo como totalidade aberta”.
M. Merleau-Ponty
São aproximadamente cinco horas da tarde em Mocajituba II, alguns moradores dessa
pequena comunidade trazem pedaços de madeira e começam a fazer a fogueira, em frente à
casa de dona Maria Clores, a parelha de tambor se encontra no chão, as crianças brincam
com ela e já ensaiam as batidas no couro. O mestre Wanderley já se encontra no local, sentado
em um banco esperando os coreiros e coreiras, a bebida começou a ser servida para os que
estão presentes no local. Quase seis horas os brincantes chegaram, a fogueira já está acesa.
Na sala da casa algumas coreiras se arrumam, experimentam saias, colocam alguns colares,
outras passam batom, uma ajuda a outra a se vestir. Elas estão risonhas, muito ansiosas pelo
início da brincadeira.
79
é noite e em meio ao baticum do Tambor de Crioula a coreira se apresenta com
movimentos suaves, revelando toda a ginga, todo o compasso que essa manifestação
apresenta. O corpo se impõe, de certo modo são os quadris que parecem enunciar a dança,
através de um rebolado que aliado ao movimento das coxas sugere de forma especial uma
sensualidade na forma de expressar a sua liberdade, esta forma de movimentos têm sido
tradicionalmente chamada de “ginga”. Sobre a ginga, Zenícola esclarece que:
A espontaneidade é a habilidade de estabelecer novas situações com
adequação a cada movimento O resultado deste processo é uma ão
criadora diferenciada em um jogo de corpo peculiar a ginga. A esquiva do
desvio, do arredar dissimuladamente ou não, escapar da ação criando nova,
tem sua matriz na cultura afro-brasileira a ginga reflete no corpo como
uma forma de ser e encarar o mundo e atua em um auto-arranque espontâneo
para estabelecer um novo aparato necessário à ação que iniciará, subtraindo
algo para introduzir outra possibilidade. Este ato mantém a novidade,
vivacidade e qualidade do movimento, tornando o desempenho corporal
vigoroso, mesmo que esteja inserido e parta de um conteúdo de dança já
conhecido e estabelecido (ZENÍCOLA, 2005, p. 66).
A ginga é um movimento peculiar da mulher que dança o Tambor e compõe os
movimentos realizados por elas em diferentes situações na roda, seja estabelecendo troca de
lugar umas com as outras, seja fazendo seu solo diante do tambor grande. Ela está sempre
criando respostas corporais ao jogo estabelecido pela brincadeira. O deslocamento que ela faz
no espaço está repleto de possibilidades nos gestos e no requebro levando o olhar do
espectador para perceber uma sensualidade nesta manifestação ou apenas uma excessiva e
invejável liberdade corporal.
O erotismo nesta dança apresenta opiniões bastante divergentes, tanto por parte dos
pesquisadores dessa brincadeira, bem como por parte dos mestres e coreiras. Um dos
principais elementos que chama atenção para essa sensualidade é a punga, Ferretti (2006)
informa que “No passado foi vista como elemento erótico e sensual, que estimulava a
reprodução de escravos. Hoje a punga é um dos elementos da marcação da dança”. Essa
batida entre os ventres, aliado a todo o jogo corporal que é feito pela brincante, remete a quem
ver, uma compilação de ingredientes que fazem da sua performance um manejo gracioso e
voluptuoso.
Wilhelm Reich (apud LELOUP, 2008, p. 9), afirmava que “o corpo é o inconsciente
visível”, ou seja, é nosso instrumento utilizado para as mais variadas funções no dia-a-dia e na
arte. Ele expõe muito do que somos, do que pensamos. Através de uma boa leitura corporal
80
podemos muito dizer das características de uma pessoa. Sobre o fascínio que uma dança pode
exercer no âmbito da sexualidade, Hanna declara que:
(...) porque o instrumento da dança e da sexualidade é o mesmo o corpo
humano -, o movimento da dança atrai a atenção… a experiência íntima das
pessoas com seus corpos influencia suas reações à dança. O corpo é a
primeira forma de poder com que as pessoas se podem identificar… através
da visão e do movimento, elas travam relações. Os seres humanos têm um
impulso sexual instintivo constrangido pela sociedade e pela cultura. No
entanto a imaginação é livre, e a dança, atividade que depende da ostentação
do corpo, focaliza a consciência no corpo e em suas associações (HANNA,
1999, p. 40).
Sendo assim, pensando na dança do Tambor de Crioula na qual a coreira realiza
movimentos que podem promover aos observadores essa conotação sexual, visto que essas
mulheres liberam suas “ancas” ao som dos tambores, vivenciando e experimentando posturas
diferentes das tradicionais, podemos aqui afirmar através das palavras de Hanna que:
(...) em suma, a linguagem do corpo através da dança pode conduzir uma
comunicação de impacto mais imediato do que o verbal, na explicação da
sexualidade e na modelagem do papel sexual, pela atenção que atrai para o
movimento, por suas qualidades semelhantes à da linguagem da palavra,
seus fartos significados que se multiplicam, seu ataque multissensorial,
composto de variáveis que mudam atitudes e opiniões, e sua acessibilidade,
sua humanidade (HANNA, 1999, p. 53).
Entendendo o corpo como possibilidade múltipla de descobertas, pensando na ginga
da coreira como um meio através do qual ela se relaciona com os diferentes elementos que
compõe essa dança, podemos observar que na relação que é vivida entre essa brincante e o
coreiro que toca o tambor grande, uma cumplicidade muito grande, é o momento como
dito anteriormente em que os dois comungam de forma energética e sobre esta questão Eliana
Pereira comenta que:
Convém ressaltar, o estabelecimento de relações de dependência do pungar
ao toque no tambor grande com a punga da coreira. é que se percebe a
sensibilidade maior dessa interdependência e, pensando nessa configuração,
identifica-se a manifestação da libido masculina e feminina, entre coreira e
coreiro. Em alguns casos observamos de forma particular, a excitação
dependendo do dançar o qual é puxado pelo toque no tambor grande, dando
origem a uma tensão sexual, que chega a um nível de sustentação, podendo
ser continuada ou não, de acordo com a intensidade do estímulo (PEREIRA,
1995).
81
É importante frisar, que essa sensualidade advinda da coreira, pode ser percebida tanto
no desempenho individual que ela apresenta, como também na relação dela com as outras
coreiras e com os tambozeiros. É relevante notar, que a movimentação apresentada por ela
pode levar a essa visão. Existe na sua ginga toda uma sensualidade proveniente do seu
deslocamento espacial. Sobre esse assunto Rose Coreira em entrevista realizada em julho de
2008 comenta que:
O tambor é um ritual de fertilidade da terra, tanto que em várias promessas a
coisa principal que existe é o mastro e o mastro ele tem que tá carregado. Se
é um ritual de fertilidade é também um ritual sagrado. O tambor hoje está
mais para a sensualidade do que um exercício como era antes, tem ainda
hoje em Alcântara a questão do dançar como quem joga capoeira, antes eu
pensava que isso fosse um sotaque da baixada por exemplo, onde os homens
pungam e as mulheres quase não dançam. Essa sensualidade não é disputada
como se ver hoje, a sensualidade que eu vejo no tambor é da alegria da gente
ser mulher, a mulher tem um papel fundamental na vida, ela que é a mãe, ela
que dá o desejo e quanto mais a mulher é fogosa e quente, mais o tambor vai
ficar quente. Quem anima o tambor é a mulher. Se não tiver a mulher não
tem tambor, então é necessário, faz parte do ritual a sensualidade.
27
Hoje na capital do Estado, é muito comum a participação de jovens no Tambor, muitas
vezes são estudantes universitários ou moças que são simpatizantes dessa tradição. Ferretti
inclusive comenta sobre o discurso da sensualidade no Tambor voltado para essas novas
participantes. Outro fator que remete a esse assunto são as mudanças no figurino em especial
onde podemos notar o encurtamento das blusas, exibindo assim o corpo feminino, embora na
maioria dos grupos, incluindo aqueles dos interiores do Estado, não alteram o comprimento
da sua roupa.
Para esta pesquisa, foram feitas entrevistas com dezenas de coreiras sobre esse assunto
que remete a sensualidade. Foi perguntado se elas sentiam esse certo exibicionismo, certa
necessidade de ser mais observada pelos coreiros. Nas respostas das brincantes mais velhas,
bem como nas comunidades fora da capital, elas afirmaram que isso não faz parte desta
manifestação, que suas performances estavam voltadas mais para um dançar com a alma do
que mostrar o corpo, dona Maria Clores comenta que:
Na nossa cultura não existe isso não, nós se exibe quando o tambozeiro é
bom e aí a gente vai com tudo pra poder ficar mais tempo com ele, porque aí
fica bonito. Nossa dança não leva pra esse lado não, nem o coreiro provoca
desse jeito, não existe isso não
28
.
27
Rose Coreira, em depoimento concedido em 25 de julho de 2008.
28
Maria Clores, em depoimento concedido em 11 de Julho de 2008.
82
Muitas dessas comunidades que realizam o Tambor têm suas próprias visões sobre sua
dança, muitas delas não cabe o discurso do sensual. em São Ls esse é um assunto
bastante discutido e percebido, mas precisamente pelas agremiações dos novos grupos que
manifestam intenções diferentes na realização desta manifestação, principalmente porque
fazem para o turista ver. Quando assisto ao Tambor nas cidades do interior do Estado, esse
argumento fica notavelmente distante, ao contrário dos grupos direcionados ao turismo na
capital. Existem grupos em São Luís em que também é notório não haver essa conotação. Mas
cabe ao espectador, aos pesquisadores desta manifestação cultural, ter a liberdade de
direcionar o olhar para o que mais lhe chamar a atenção. Lembro da coreira Maria José, 42
anos, que disse: “são vocês que essas coisa da gente.” Minha intenção ao ressaltar esse
tema, é justamente poder trazer a reflexão para esta sensualidade, visto que embora a coreira
possa não ter essa intenção, o próprio movimento, o gingado, o rebolado dos seus quadris, a
pungada entre outros fatores, impelem para isso. O Tambor de Criola é uma manifestação na
qual os participantes brincam cada qual da sua maneira e que espelha a história de cada grupo.
O importante aqui é observar que essa celebração do Tambor, consegue manter até hoje sua
tradição, suas crenças, suas raízes, evocando a memória de um povo que sempre lutou para
proteger sua cultura e para mantê-la viva.
3.3 DESDOBRAMENTOS PEDAGÓGICOS
“… o mais importante e bonito do mundo é
isto, que as pessoas não estão sempre iguais;
não foram terminadas mas que elas vão
sempre mudando.”
Guimarães Rosa
O panorama do ensino de teatro na contemporaneidade é de uma riqueza grandiosa,
repleto de pluralidade e experiências. O teatro é um lugar profícuo para indagações, explorar a
si próprio, explorar uns aos outros, perceber a sociedade e sua inserção nela e trabalhar a
sensibilidade do indivíduo, todas estes benefícios estão ligado a quem assiste a um espetáculo,
83
mas em especial a quem o pratica. Entende-se que o teatro promove no homem uma
habilidade para criticar o mundo que o cerca, sobretudo lançar um olhar sobre o social,
construindo dessa forma um pilar na construção da educação humana. Segundo Arão
Paranaguá:
Por inserir-se num cenário de amplo espectro, o estudo do teatro na educação
exige a compreensão de questões inerentes ao campo social, em articulação
com variáveis de natureza artística e pedagógica, tais como a educação
básica, a formação profissional, a preparação dos docentes, as praticas
inerentes ao ato de ensinar e aprender, as diversas maneiras de inserção dos
sujeitos no campo das artes, seja produzindo, criticando ou apreciando, para
citar apenas alguns aspectos desse vasto universo temático (SANTANA,
2003, p. 19).
A partir dessas considerações podemos pensar como o teatro-educação incorpora
mudanças e reflete sobre as possibilidades existentes no que tange à formação do ator, à
formação de professor de teatro, bem como o teatro aplicado na formação do indivíduo na
educação formal e não formal.
Um importante aspecto a ser considerado é a realidade do teatro educação na cidade de
São Luís. Arão Paranaguá aponta para
(...) uma primeira conclusão acerca da presença do teatro na educação
ludovicense, considera-se que mesmo com a revolução cênica que se deu
entre os séculos XIX e XX na qual foram concebidas propostas que deram
novos rumos ao teatro e especialmente à arte do ator, exigindo um tipo de
formação bem diferente daquela que se prendia a convenções fixas e
aproximando ao palco da escola-, as repercussões por aqui manifestaram-se
tardiamente, seja em termos da estética teatral ou da prática pedagógica
propriamente dita (SANTANA, 2003, p. 27-28).
É notório que significativas mudanças têm ocorrido. Profissionais da área estão mais
empenhados em aprimorar o ensino, grupos de pesquisas na universidade trabalham em
função dessas melhorias pedagógicas. O próprio curso na Universidade Federal vem
atualizando sua estrutura. Da antiga formação de Educação Artística com habilitação em
Artes Cênicas, agora passou a ser Licenciatura em Teatro, em 2004 foi aprovada a resolução
para esta mudança. Em 2005, o vestibular já abriu as inscrições para o aluno ingressar
diretamente no novo curso. Tais mudanças surgem com a intenção de aperfeiçoar a formação
de professores para o ensino de teatro neste Estado. É importante ressaltar que tais saberes
sobre a realidade do ensino de teatro em São Luís do Maranhão, promovem uma necessidade
de investigar possibilidades direcionadas para melhorias no ensino teatral. Neste sentido, se é
84
importante perceber os diversos caminhos e possibilidades quanto ao trabalho do teatro-
educador, pois como afirma Japiassu:
Tenho a clara convicção de que o existe apenas um caminho para o
desenvolvimento do trabalho com teatro na escola e, além disso, a firme
opinião de que, entre os caminhos possíveis, nenhum pode ser considerado,
absoluta e descontextualizadamente, melhor ou superior aos outros. Eles são
diferentes cada um com seus próprios “encantos”, “habitantes” e “lugares
de onde se vê”. O importante é podermos escolher com segurança e às
vezes por conveniência – qual caminho seguir. E aproveitá-lo oportunamente
durante nossa “viagem ou “aventura” pedagógica; e voltar atrás, se preciso
for, para tomar nova direção (JAPIASSU, 2001, p. 22).
Tendo como foco para esta pesquisa uma manifestação popular maranhense, mais
especificamente o Tambor de Criola, a investigação vem propiciar possibilidades e salientar
sentidos para um olhar redimensionado diante do ensino de teatro. E, é nesse sentido, que a
análise da performance da coreira, juntamente com as perspectivas de trabalho aplicada em
sala de aula, darão asas à imaginação, pois “incessantemente a imaginação imagina e se
enriquece com novas imagens” (BACHELARD, 2000, p. 19) e propicia um novo olhar diante
da realidade. É claro que o novo como afirma Benjanmim:
(…) não surge do vazio, não surge do movimento aleatório, o surge de
gestos sem vínculos com a memória. O novo tem história, advém da
tradição, mas não de uma tradição irrefletida, apoderada pelo conformismo
e, sim, da tradição libertada pelo presente, da relação dialética do presente
despertado com os sonhos do passado (BANJANMIM apud
DESGRANDES, 2003, p. 105).
O conhecimento desta manifestação cultural nos conduz a diferentes descobertas.
Desde um estudo direcionado ao corpo à reflexão sobre o jogo, onde este é inerente a dança,
despertando para o teatro educador, um meio de explorar esses movimentos, essa performance
como um possível caminho na construção do ator, bem como práticas corporais na edificação
de um personagem e seu jogo cênico, utilizando a própria cultura local como um transmissor
de experiência na construção de uma linguagem teatral.
Direcionar o movimento da coreira através de exercícios a serem realizados em sala de
aula é despertar para a conscientização do corpo, perceber tensões, bloqueios, possibilidades
de deslocamentos espaciais, descobrindo múltiplas opções de trabalho. Tais experiências
proporcionam uma qualidade na presença do ator, gera uma energia vivaz, permite dilatar o
corpo e estimular os sentidos.
Outro ponto inerente à performance da coreira aliada a pedagogia teatral, é perceber
que o jogo que ela está envolvida durante sua permanência na roda do Tambor. Aplicar jogos
85
referentes à realidade desta manifestação, convida o aluno a imergir tanto na cultura
maranhense, como nas regras aplicadas para uma produção em grupo, bem como despertar
para a prontidão de quem joga, de perceber um corpo presente e dispostamente ágil para em
qualquer momento responder a ação que lhe é solicitada. E nesse sentido, para Viola Spolin, o
jogo:
(...) é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade
pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de
jogar. As habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a
pessoa está jogando, divertindo-se ao máximo e recebendo toda a
estimulação que o jogo tem para oferecer é este o exato momento em que
ela está verdadeiramente aberta para recebê-las (SPOLIN, 1994, p. 4).
O corpo humano é misterioso e labiríntico. O teatro, a dança e outras linguagens
artísticas possibilitam um despertar para suas infinitas funções, seja estética ou biológica, não
através de uma técnica pronta, mas por meio de um estímulo, uma direção, como um chamado
a refletir e orientar para uma consciência de seus movimentos. Nesse sentido, torna-se
relevante mencionar que o trabalho do educador por meio do teatro e da cultura popular, pode
trilhar pelos mais variados caminhos, suscitando tanto no professor como no aluno as
possibilidades de escolhas que o conduzirão para expressá-las artisticamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Um tambor bem tocado, bem cantado, escorre água dos óis”
Mestre Felipe (in memorian)
Várias motivações levaram-me a escolher essa temática. Uma delas é por existir
uma relação afetiva com o Tambor de Criola, por ser uma manifestação popular que sempre
me encantou. Depois, havia uma necessidade de compreender melhor a coreira, personagem
tão marcante dentro desta dança e, também, pelo interesse de expandir meus conhecimentos
em torno da performance, visto que minha monografia para conclusão do curso de graduação
foi sobre performance art e agora com esta investigação posso ampliar os campos de atuação
que fazem parte desta linguagem. Ressalto também a ausência de um núcleo de pesquisa em
86
São Luís do Maranhão voltado aos Estudos da Performance, onde percebe-se um aumento do
interesse sobre este assunto na capital, tendo em vista que recentemente orientei uma
monografia sobre a performance do “miolo” do boi
29
e isto tem despertado o desejo de
formar um grupo de pesquisa referente a performance e manifestações populares do
Maranhão.
Foi meu objetivo neste percurso sistematizar conhecimentos sobre a performance,
compreender possíveis conceitos discutidos por pesquisadores como Schechner, Turner,
Ligiéro entre outros e investigar as principais características desta dança, em especial, a
performance da coreira, analisando seus movimentos na roda, sua ginga, o jogo que rege esta
manifestação e buscando relações com as artes cênicas.
Dentro desses propósitos a pesquisa obteve o alcance desejado. Pude compreender
melhor o Tambor de Criola e as mudanças que ocorreram ao longo de sua existência,
percebendo que esta dança no passado era praticamente impedida de se apresentar por
preconceitos sociais e hoje ela passa a ser um patrimônio cultural imaterial onde revela as
suas raízes e manifesta a cultura afro-brasileira lutando por manterem vivas suas tradições e
memória.
Foi relevante, neste trajeto da pesquisa, a conciliação entre a observação não-
participante e a participante, pois ambas permitiram-me uma melhor compreensão sobre o
Tambor de Criola. Vivenciar esta manifestação por meio da minha participação nas rodas de
apresentação, não somente como observadora mas também como partícipe da brincadeira,
possibilitou a construção de um olhar singular sobre o objeto investigado.
Diante destes apontamentos e tentando sintetizar o que foi discutido a então, é
importante ressaltar que o corpo da coreira se apresenta neste contexto como construção
sócio-cultural, que restaura comportamentos, cujo gestual segue normatizações coletivas,
instauradas a partir da vivência desta dança, onde cada coreira apresenta especificidades na
sua performance, que são resultados do processo de vida e possibilidades corporais de cada
uma delas.
O jogo estabelecido nesta dança promove regras básicas para melhor atuação por
partes dos seus brincantes, a participação nesta manifestação cultural permite a possibilidade
de se transportar para um fantástico, criando movimentos e energia corpórea extracotidiana,
onde a brincante se manifesta vivaz quando está na cena. Foi relevante compreender os
29
Integrante do Bumba-meu-boi que dança embaixo do boi durante as apresentações.
87
detalhes corporais na performance da coreira que estabelecem um diálogo com os elementos
da roda do Tambor e perceber que sua atuação está inserida em uma dança ligada tanto a um
ritual sagrado, como também em uma festa para o entretenimento.
Através desta investigação pode-se constatar que estar em contato com a cultura
popular é atentar para o fato de que os indivíduos buscam pertencer a uma comunidade
pautada em princípios criados coletivamente como forma de concretizar a vida social, valores
e regras que regem o campo gestual e que são vividas tradicionalmente a partir do corpo. O
movimentar-se integra um mundo que agrega diversas experiências, pois o corpo pulsa,
transita, galga o desconhecimento.
Coadunar esta pesquisa ao teatro educação possibilitou abrir novos horizontes, dentre
eles, é viável pensar no teatro como um meio que possa incentivar a percepção de diferentes
trabalhos que utilizem o conceito da performance corporal, possibilitando diversos caminhos
para construção de cenas, construção de personagem e preparação física do ator.
O entendimento da realidade do Tambor de Criola e suas formas de manifestações só é
possível por meio do resgate de suas origens, de sua contextualização, das características que
regem a dança e de sua projeção na atualidade maranhense. Esta pesquisa me ampliou
conhecimentos tanto na prática, quanto na teoria, que adquirem a qualidade de provocar
reflexões sobre muitos elementos na performance da coreira. Entretanto, o assunto por ser
abrangente, não se esgota com este trabalho, pelo contrário, as discussões aqui levantadas
possibilitaram novas abordagens e diferentes pontos de vista, contribuindo para o
enriquecimento dessa temática e se coloca em aberto para novas buscas referentes a temática
aqui desenvolvida. Estas são apenas algumas reflexões que incitam novas buscas, novos
caminhos.
88
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TAMBOR de crioula. o Luís: IPHAN. Produção Zen Comunicação. São Luís: IPHAN, 2007. 1
DVD.
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http://www.unirio.br/nepaa/.
94
GLOSSÁRIO
Aboiar: Canto do interior que remete ao ritmo da lavoura, mas lento que na capital do Estado.
Baiador: Homens que cantam, tocam e dançam no Tambor de Criola em alguns interiores do
Maranhão.
Baiadeira: Mulheres que dançam no Tambor de Criola em alguns interiores do Maranhão.
Cordão: círculo formado pelos brincantes do Tambor de Criola.
Coreira: Mulher que dança no Tambor de Criola.
Coreiro: Homem que toca e canta no Tambor de Criola.
ESATUR: Educação e Saúde para o Turismo (Projeto de Interiorização – UFMA).
IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Matraca: Pedaços de madeira utilizados como instrumento de percussão no tambor grande.
Parelha: Conjunto de tambores que fazem parte do Tambor de Criola.
Pernada: Punga entre os homens característico de grupos de interiores do Maranhão, que leva
o brincante ao chão por uma rasteira dada por outro baiador.
Punga: Batida originada pelo tambor grande que marca o tempo da pungada da coreira.
Pungada: Saudação entre coreiras batendo os ventres uma na outra ou por meio de outra parte
do corpo marcando entrada e saída da brincante.
Quentar tambor: Afinar o couro do tambor por meio do fogo em fogueiras feitas durante a
apresentação da dança.
Regente: Pessoa encarregada de distribuir as bebidas para os brincantes.
Sotaque: é a maneira particular de uma região ou grupo tocar tambor.
Tambor de Criola: Dança afro-brasileira do Maranhão realizada para diversão e (ou)
pagamento de promessas.
Toada: Músicas com letras fixas ou de improviso com temas variados.
Tambozeiro: Homem que toca um dos instrumentos da parelha.
Umbigada: De origem africana, conhecido no Brasil como batuque ou samba. Encontro de
umbigos entre duas mulheres (pungada).
95
ANEXO I: Mapa do Estado do Maranhão.
96
ANEXO II: Registro fotográfico do Tambor de Criola.
Mestre José Thomás dos Santos do Tambor Alegria de São Benedito e sua esposa Maria Nazaré com a imagem
de São Benedito. Baiacuí, Icatu (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
Baiadeiras do Tambor Alegria de São Benedito. Baiacuí, Icatu (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
97
Coreiros do Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatú (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
Terreiro do Mestre Thomás doTambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatú (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho
de 2008.
98
Mão do Coreiro José da Conceição Silva, Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatú (MA). Fonte: Cássia
Pires. Julho de 2008.
Quentando tambor. Tambor Alegria de São Benedito, Baiacuí, Icatú (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
99
Mocajituba II, Itamatatiua (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
Lateral da casa de Dona Maria Clores, quentando o tambor. Mocajituba II, Itamatatiua (MA). Fonte: Cássia
Pires. Julho de 2008
100
Mestre Wanderley e Cássia Pires. Mocajituba II, Itamatatiua (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
Mestre Wanderley (ao centro) com as matracas e coreiros de Mocajituba II, Itamatatiua (MA). Fonte: Cássia
Pires. Julho de 2008.
101
Tambor do Mestre Wanderley. Mocajituba II, Itamatatíua (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
Cássia Pires vivenciando a pesquisa como coreira com o mestre Wanderley no Tambor Grande. Mocajituba II,
Itamatatíua (MA). Fonte: Cássia Pires. Julho de 2008.
102
Procissão São Benedito em Alcântara (MA). Fonte: Rose Coreira. Agosto de 2008.
Festejo em Alcântara (MA). Fonte: Rose Coreira. Agosto de 2008.
103
Festejo para São Benedito em Alcântara (MA). Fonte: Rose Coreira. Agosto de 2008.
Tambor de Taboca da Casa Fanti Ashanti. São Luís – MA. Fonte: http://nopaudagoiaba.blogspot.com.
104
Túmulo da Alma Milagrosa. Rosário (MA). Fonte: Murilo Santos. Dezembro de 1977.
105
ANEXO III: Matérias de Jornais.
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