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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE PESQUISA LEÔNIDAS & MARIA DEANE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PROGRAMA MULTI-INSTITUCIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM SAÚDE, SOCIEDADE E ENDEMIAS NA
AMAZÔNIA
RELATOS EMERGENTES E URGENTES -
OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DE UM HOSPITAL PÚBLICO
INFANTIL DIANTE DOS MAUS-TRATOS A CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM MANAUS
SELMA DE JESUS COBRA
Manaus
2009
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Livros Grátis
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
CENTRO DE PESQUISA LEÔNIDAS & MARIA DEANE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
PROGRAMA MULTI-INSTITUCIONAL DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM SAÚDE, SOCIEDADE E
ENDEMIAS NA AMAZÔNIA
SELMA DE JESUS COBRA
RELATOS EMERGENTES E URGENTES -OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
DE UM HOSPITAL PÚBLICO INFANTIL DIANTE DOS MAUS-TRATOS A
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM MANAUS
Dissertação apresentada ao
Programa Multi-Institucional de
Pós-Gradação em Saúde,
Sociedade e Endemias na
Amazônia, como requisito parcial
para a obtenção do título de
Mestre em Saúde Coletiva, área
de concentração Dinâmica dos
agravos e das doenças prevalentes
na Amazônia.
ORIENTADOR: Prof. Dr.
DAVID LOPES NETO
Manaus
2009
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Ficha Catalográfica
(Catalogação realizada pela Biblioteca Central da UFAM)
C657r
Cobra, Selma de Jesus
Relatos emergentes e urgentes - os profissionais de saúde de um
hospital público infantil diante dos maus-tratos a crianças e
adolescentes em Manaus / Selma de Jesus Cobra. - Manaus: UFAM/
FIOCRU/UFPA, 2009.
114 f.; il. color.
Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) –– Universidade
Federal do Amazonas/FIOCRU/UFPA, 2009.
Orientador: Prof. Dr. David Lopes Neto
1. Crianças - Maus-tratos Amazonas 2. Adolescentes Maus -
tratos Amazonas 3. Profissionais de saúde I. Lopes, Neto David II.
Universidade Federal do Amazonas III. Título
CDU 343.62(811)(043.3)
SELMA DE JESUS COBRA
RELATOS EMERGENTES E URGENTES -OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
DE UM HOSPITAL PÚBLICO INFANTIL DIANTE DOS MAUS-TRATOS A
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM MANAUS
Dissertação apresentada ao Programa Multi-
Institucional de Pós-Gradação em Saúde,
Sociedade e Endemias na Amazônia, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Saúde Coletiva, área de concentração
Dinâmica dos agravos e das doenças prevalentes
na Amazônia.
Aprovada em 22 de junho de 2009
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. David Lopes Neto, Presidente.
Universidade Federal do Amazonas
Profª. Drª. Iolete Ribeiro da Silva, Membro.
Universidade Federal do Amazonas
Profª. Drª. Maria Alice D‘Ávila Becker.
Universidade Federal do Amazonas
Aos meus filhos Gabriela e Thiago fonte de inspiração,
luz, alegria e amor na vivência do materno.
Aos irmãos Eliane e Renato, cúmplices e companheiros
de uma infância cheia de aventuras, travessuras e
sapecagens.
Aos sobrinhos: Pedro, Daniel, Nicolas, Igor, Luiza,
Bruna e Luiz Henrique, o revisitar do lúdico em tempos
de corpo grande.
A todas as crianças que buscam a expressão do seu
existir cidadão.
AGRADECIMENTOS
A Deus pelas oportunidades e força para persistir.
Ao meu orientador Prof. Dr. David Lopes Neto, grande profissional e amigo, que com carinho
aceitou a tarefa de orientar-me nessa busca de conhecimentos, socializando o seu saber.
Á FAPEAM, por ter me concedido o privilégio de ser bolsista e desta forma ter me amparado e
garantido as horas de trabalho no mestrado com maior estabilidade econômica.
Aos meus pais, pelo amor e apoio incondicional. À minha mãe, Eloenne, por sua solidariedade e
espiritualidade. Ao meu pai, Renato (in memorian), por sua sabedoria e vivacidade.
À Gabriela e Thiago, pela paciência e imenso carinho com que souberam suportar o tempo que a
dissertação nos roubava.
A André Muggiati companheiro de longa data, pelos momentos de apoio e carinho.
À Profª Dr.ª Evelyne, profissional e querida amiga, que com muita disponibilidade, mostrou-me
novos olhares acerca da produção científica, mas principalmente pelo grande apoio e incentivo
que sua amizade pode me ofertar.
À Profª Mestre Elenara, querida amiga e companheira de trajetória profissional, agradeço por
poder compartilhar as dúvidas, angústias, sofrimentos e também as alegrias da experiência de
elaboração de uma dissertação, mas agradeço, sobretudo, pela experiência da fraternidade.
Às Profª. Drª. Iolete Ribeiro e Maria Alice Becker, pela leitura cuidadosa do trabalho no Exame de
Qualificação e por suas valiosas contribuições.
À Profª Ana Maria Derzi que acreditou no meu trabalho e me incluiu nas pesquisa do NEIREGAM,
espaço de grande aprendizagem, onde pude dividir experiências riquíssimas com os mestres e
doutos: Francisca, Arminda, Thomé, Paulo, Aurora, Melita e Cláudia.
Às Profª
s
Drª
s
Denise Gutierrez e Kátia Lenz, pelo carinho e amizade e principalmente pelo grande
incentivo no começo dessa empreitada.
Agradeço aos colegas de mestrado, pelo companheirismo e o compartilhar das idéias durante o
cumprimento das disciplinas, principalmente à Maria Alex Sandra pelos incentivos e pela
cumplicidade, a, Gustavo, Lorena, Maurício e Loyana pela possibilidade da grupalidade.
A todos os trabalhadores do HPSC-ZO, local da pesquisa, à sua equipe e direção que tão bem
me acolheram, em especial aos profissionais da pesquisa por dividirem suas experiências
comigo, ao técnico Ademar e a Giovana a minha eterna gratidão.
Ao Conselheiro Tutelar da Zona Oeste Nilson Mattos pela disponibilidade ímpar para o diálogo
e por compartilhar sua experiência e dados já tecendo e fortalecendo os laços da rede de
proteção a crianças e adolescentes em Manaus
A Elaíse, Técnica do Programa VIVA/Prefeitura de Manaus, pela confiança em me fornecer os
dados estatísticos fruto do seu trabalho, todo o meu reconhecimento.
À Estela e Joelma, amigas de sempre, pelo amor fraterno que nos une.
As tias Sonia e Yria pelo carinho e apoio inabalável, minha eterna gratidão.
A Luiz Fernando Carrijo, por cuidar de mim, me ajudando a ter acesso à minha subjetividade.
A todos os colegas - professores e demais trabalhadores, do CENTRO DE PESQUISA
LEÔNIDAS E MARIA DEANE / FIOCRUZ, pelo estímulo, interesse e apoio ao meu trabalho
e garantia das condições materiais para a realização deste Mestrado.
RESUMO
Este estudo teve como objetivo, analisar como a demanda dos maus-tratos à criança e ao
adolescente afeta o processo de trabalho dos profissionais de saúde na produção da assistência,
na produção de registro e na conformação de uma identidade profissional. O desenho
metodológico utilizado é de uma abordagem qualitativa em pesquisa social, um estudo de caso,
por meio de entrevistas e levantamento das ocorrências dos casos registrados na instituição e no
município, sendo o campo de estudo um serviço de pronto atendimento infantil num Hospital
Público de Manaus. A análise dos dados foi baseada nos princípios do método de análise de
conteúdo, de Bardin (1977). A partir da análise, foram desenvolvidas as categorias: definições
do tema pelos profissionais, tipos de maus-tratos conhecidos, estratégias apresentadas na
identificação dos casos, marcas dos maus-tratos nos profissionais da saúde, percursos dos casos
na Unidade de Saúde segundo os profissionais, barreiras nomeadas e enfrentadas no manejo
dos casos, encaminhamentos e monitoramentos realizados pela unidade, formação dos
profissionais, conhecimento do ECA e repercussões na ainda utópica proteção integral. Os
resultados analisados apontam para uma sub-notificação, pouco encaminhamento e nenhum
monitoramento dos casos de maus-tratos, que podem ser reflexos de pouca capacitação dos
profissionais em identificar os casos, expressa por 100% dos entrevistados que reconheceram
serem insuficientes os seus conhecimentos a respeito do ECA, e apresentaram uma descrença
na resolução dos casos pelas instâncias da responsabilização, bem como a quase inexistência de
políticas públicas e serviços de suporte psicossocial para encaminhar os casos encontrados,
contribuindo ainda mais no aumento do nível de estresse vivenciado pelos profissionais na
unidade estudada.
Palavras Chaves: Maus-tratos; Criança; Adolescente; Profissionais de Saúde; Assistência.
ABSTRACT
This study had as objective the analysis of how the demands of violence against children and
teenagers affect the working process of health sector professionals: in the process of assistance,
in the production of registers and in the formation of a professional identity. The methodology
design used involves a qualitative approach in social research, with a case study through
interviews and official registers in the target institution and the municipality. The study was
conducted in a public hospital in Manaus. The data analysis was based on Bardin‘s (1977)
content analysis methodology, developing the categories: definitions of the subject by the
professionals, types of violence acknowledged, strategies presented for cases identification,
violence impacts on health sector professionals, the follow up to the cases in the Health
Institution according to the professionals, the difficulties identified and challenged in the
management of cases, the directing to other institutions and its follow up by the Health
institution, the formation of professionals and their knowledge of the ECA (Child and Teenager
Estatute) and repercussion in the still dreamed integral assistance. The results showed under-
notification of cases, little follow up and no monitoring of the cases of violence, which could be
the reflex of the lack of training of professionals, recognized by 100% of the interviewees, who
recognized having non-sufficient knowledge about the ECA, no belief in a solution for the
cases with the accountability of those responsible and almost non-existent public policies for
social and psychological support to follow up the identified cases, adding up to the constant
stress faced by these professionals.
Key words: Health-care professionals, Maltreatment, Children, Teenagers
SIGLAS E ABREVIATURAS
ABRAPIA- Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e a Adolescência.
CAIC- Centro de Atenção Integral à Criança
CAPS- Centro de Atenção Psicossocial
CAPSi- Centro de Atenção Psicossocial infanto-juvenil
CCIH- Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
CEDECA- Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
CNSS- Conselho Nacional de Serviço Social
CONANDA- Conselho Nacional da Criança e do Adolescente
CNRVV - Centro de Referências das Vítimas da Violência do Instituto Sedes Sapientiae
CMDCA- Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente
DNC- Departamento Nacional da Criança
DATASUS- Banco de dados do Sistema SUS
DPCA- Defensoria Pública para a Criança e Adolescente
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM- Fundação Estadual para o Bem-Estar da Criança
FIOCRUZ- Fundação Oswaldo Cruz
FUNABEM- Fundação Nacional para o Bem-Estar da Criança
HPSC-ZO- Hospital e Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LBA- Legião Brasileira de Assistência
MDS- Ministério de Desenvolvimento Social
MOCOCI- Movimento Comunitário pela Cidadania
MP- Ministério Público
MS- Ministério da Saúde
ONU- Organização das Nações Unidas
OPAS- Organização Pan-Americana de Saúde
PAM- Posto de Assistência Médica
PAIR- Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência
Sexual Infanto- Juvenil no Território Brasileiro
PETI- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PNAD- Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios
SADT- Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutica
SAM- Serviço de Assistência ao Menor
SAME- Serviço de Arquivo Médico e Estatístico
SAVAS- Serviço de Atendimento às Vítimas de Agressão Sexual
SEMINF- Secretaria Municipal de Infra-estrutura
SETRAB- Secretaria do Estado do Trabalho e Renda
SPA- Serviços de Pronto Atendimento
SGD- Sistema de Garantia de Direitos
SUS- Sistema Único de Saúde
SUSAM- Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas
TRO- Terapia de Re-hidratação Oral
UFAM- Universidade Federal do Amazonas
UFPA- Universidade Federal do Pará
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: Capacidade instalada dos serviços de Assistência Hospitalar
e Ambulatorial: Leitos e Especialidades no HPSC-ZO; 89
TABELA 2: Quantitativo e destinação dos leitos no HPSC-ZO; 92
TABELA 3: Estatística anual de atendimentos por especialidades:
médicas e enfermagem 94
TABELA 4: Estatística Anual de Internação por Faixa Etária/ 2008/HPSC-ZO; 95
TABELA 5: Descrição dos casos de agravo em ordem decrescente / 2008/ HPSC-ZO; 96
TABELA 6: Estatística Anual e Mensal de Atendimento por Zona Urbana e
Município/ 2008/ HPSC-ZO; 97
TABELA 7: Prevalência de causas externas atendidas pelo HPSC-ZO / 2008; 98
TABELA 8: Estatística do Serviço Social dos casos notificados HPSC-ZO/2008; 99
TABELA 9: Heterônimos: Categoria Profissional & Personagens; 106
TABELA 10: Total de casos notificados de maus-tratos/ 2006 a 2008/criança e
Adolescentes. Viva/ Manaus; 111
TABELA 11: Meios de Agressão dos maus-tratos/ 2006 a 2008/ Crianças e
Adolescentes/Manaus; 112
TABELA 12: Tipos de maus-tratos/2006 a 2008/ Crianças e Adolescentes/
VIVA/Manaus; 113
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Diagrama da Violência; 68
FIGURA 2- Quadro de pessoal & regimes de trabalho na Unidade HPSC-ZO 91
FIGURA 3: Quadro demonstrativo do número de casos de maus-tratos
denunciados por Zona Distrital ao Conselho Tutelar por Zona/ 2008; 114
14
SUMÁRIO
1. Introdução 16
2. Objetivo 21
2.1- Geral 21
2.2- Específicos 21
3. Revisão da Literatura 22
3.1- As concepções de criança e do adolescer ao longo dos tempos 24
3.2- Marco legal: em busca da cidadania infanto-juvenil 32
3.3- Os desafios da Intersetorialidade e Proteção Integral a criança e adolescentes 44
3.4- A grande e pequena angular das definições e dos tipos de maus-tratos contra a
criança e adolescente 56
3.5- Serviços de Saúde: lugar privilegiado na identificação dos casos? 69
3.6- A Urgência /Emergência Pediátrica e os Profissionais de Saúde 71
4. Cartografia Metodológica 84
4.1-Pesquisa qualitativa em saúde 85
4.2- Caracterização do local pesquisado 87
4.3- População estudada 100
4.4- Elaboração dos instrumentos e coleta de dados 101
4.5- Análise de dados 101
4.6- Considerações éticas 102
15
5. Percursos alcançados nos resultados trabalhado 107
5.1- Reconhecendo o terreno: dados e definições acerca dos maus-tratos
pela atuação profissional 110
5.1.1- Domínio das definições do tema 117
5.1.2- Os tipos de maus-tratos mais reconhecidos 125
5.2- Interação com o objeto individual e grupal: possíveis significados individuais e
da equipe, das interações, conflitos e obstáculos nestes fazeres 137
5.2.1- Estratégias apresentadas na identificação dos casos 139
5.2.2- O percurso dos casos na Unidade de Saúde 149
5.2.3- Barreiras enfrentadas no manejo dos casos 154
5.2.4- As marcas dos maus-tratos nos profissionais da saúde 162
5.3- A bagagem: competências desenvolvidas na trajetória 172
5.3.1- A formação dos profissionais diante dos maus-tratos 173
5.3.2- Conhecimento do Estatuto de Crianças e do Adolescentes 180
5.4- Revisitar: a constatação da descrença na proteção integral para os casos de
maus-tratos 184
6. Breves considerações 190
7. Referências 194
8. Anexos 203
8.1- Guia das trilhas da Pesquisa 203
8.2- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 204
8.3- Pseudônimos dos informantes e suas histórias maltratadas 205
16
1-Introdução
Vem crescendo o interesse do setor de saúde em pensar a respeito da violência no
Brasil. Segundo Minayo e Souza (1999) isso se deve à ampliação da consciência do valor da
vida e dos direitos de cidadania e a transição epidemiológica nacional, essa última apontando
para a violência como causa importante de morbi-mortalidade.
O setor de saúde foi considerado pela Organização Panamericana de Sde (OPAS,
2003) como sendo a encruzilhada para onde convergem todas as conseqüências da violência.
Desde o final do século passado, os estudos oriundos do setor de saúde têm se somado aos de
segurança pública no país, revelando, então, como estava escondida de todos a violência
praticada contra crianças e adolescentes, constituindo-se em maus-tratos.
Os maus-tratos contra crianças e adolescentes são um fenômeno biopsicossocial que
se definem a partir das relações de forças em uma determinada sociedade, sendo objeto de
investigações e considerados um dos agravos epidêmicos de ―causas externas‖, portanto, um
grande problema de saúde pública da atualidade.
Os estudos nos últimos anos avançaram para uma maior compreensão do fenômeno
em si, na desmistificação do pátrio poder e dos maus-tratos como questão de cunho privado e
passou a questionar a família, a sociedade e a própria União, de seus poderes normatizadores
e punitivos. Em nome dos Direitos Humanos, vem considerando-se a primazia da proteção da
criança e do adolescente, bem como a sua participação em seu crescimento e
desenvolvimento, fortalecendo então a sociedade para a busca de uma maior cidadania.
Desta forma, tem aumentado a necessidade da ampliação dos conceitos pré-
estabelecidos ligados ao tema, bem como da construção de novas estratégias para o
enfrentamento desta demanda, que corrobore com os fundamentos do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA, 1989).
17
No Brasil, a produção destes conhecimentos sobre a violência intra e extra-familiar
vem favorecendo e fortalecendo a criação, em todo território nacional, de políticas e serviços
públicos, que possam permitir maior notificação e clarificação deste fenômeno. Apesar de
ampla bibliografia sobre o tema, são ainda escassos os trabalhos que delimitem o fazer
regional da realidade em questão, mas não menos recorrente a incidência de casos em
Manaus.
O Núcleo de Acidentes & Violência e Promoção à Saúde da Secretaria Municipal de
Saúde (SEMSA) de Manaus criou, em 2006, um banco de dados sobre acidentes e violência; e
no segundo semestre deste mesmo ano, foram detectados 146 casos de todo tipo de violência,
em todas as faixas etárias Nos anos seguintes essa ocorrência notificada nos serviços de
saúde do município de Manaus aumentou consideravelmente, subindo para 690 casos em
2007, e 817 em 2008.
Mesmo com os números estatísticos em ascensão quanto à sua incidência, é notória a
precariedade de investimentos dos setores públicos em pesquisa e capacitação dos
profissionais de saúde, bem como dos serviços organizados para a sua assistência, construídos
com muita instabilidade e pouca efetividade.
O serviço de emergência nos hospitais tem sido a principal porta de entrada das
vítimas de maus-tratos, principalmente por ser um espaço que recebe os casos de natureza
aguda quanto as lesões, por ainda existir uma enorme a carência da assistência primária no
município, por estar próximo ao local de moradia e por funcionar 24horas, todos os dias.
Segundo Ferreira (2002), os profissionais desse setor necessitam de habilidades para
reconhecer e diagnosticar a violência, entender suas conseqüências e manejá-las
adequadamente, porém é comum encontrarmos uma carência de informações e pouca
capacitação destes profissionais na prática cotidiana, o que pode vir a refletir em sub-
18
notificações pelo setor saúde, ilustrados pelo cruzamento dos dados estatísticos encontrados
pela vigilância epidemiológica em detrimento as dos outros setores nos municípios.
Saber avaliar traumas físicos e emocionais reflexos da violência a partir de uma visão
integral pode auxiliar na detecção dos pacientes que apresentam seqüelas decorrentes de
violência, sem estigmatizá-los por apresentarem esses problemas ou mesmo nas dúvidas
quanto ao proceder dos encaminhamentos e monitoramento dos casos. Na maioria das
instituições de saúde brasileiras, não existem profissionais com uma formação em direitos
humanos e voltados para o atendimento de vítimas de maus-tratos.
Portanto, a atuação profissional que vise proteção integral destas crianças pelos
profissionais se na maioria das vezes, em atos isolados nas equipes de saúde, e com uma
supervalorização da responsabilidade destes mesmos profissionais, por não querem
compactuar com o status quo‘, e por conta própria, se prontificam a acompanhar a trajetória
desta criança maltratada e sua família. Tarefa árdua para quem não contou com a temática de
direitos humanos na sua formação profissional, ao procurar atender às demandas clínicas e
orientar para a solução de questões sociais e legais que possam surgir após a suspeita de
vitimização.
Importante também ressaltar que a dinâmica de atendimento na emergência, com
demanda além da disponibilidade de profissionais e exigência de atitudes imediatas após
rápidas avaliações, configura uma situação de saturação que dificulta o desenvolvimento de
algumas ações de modo mais adequado. Sensibilizar e capacitar os profissionais
constantemente, criar rotinas que facilitem o atendimento, e articular referências têm sido
considerados aspectos essenciais ao bom desempenho na emergência.
Esta demanda tende a despertar nos profissionais da equipe de saúde, dúvidas de
como melhor proceder, tanto no manejo dos cuidados diretos com o paciente em questão,
como principalmente, na sua relação com a família e/ ou responsável pela vítima, e clareza de
19
como e quando notificar tais atos, nos desdobramentos e acompanhamento dos casos, pelas
redes de proteção organizadas. Para conhecer esta realidade e poder contribuir para uma
melhor abordagem na assistência aos maus-tratos contra a criança e o adolescente procurou-se
identificar posturas profissionais e entraves nas várias etapas da abordagem do tema em
questão. Por se tratar de um tema importante e atual na assistência à saúde deve-se buscar
minimizar as oportunidades perdidas, no que se refere à detecção de situações latentes ou
patentes nos maus-tratos à criança e adolescente.
O pressuposto norteador para a abordagem dos maus-tratos nesta pesquisa foi o de
caráter complexo, mostrando que na realidade os limites dados pela lógica deste real, não é
tão simples, que a violência perpassa os diferentes setores das classes sociais, ocorrendo
entre ricos e pobres e, muitas vezes, reincidente em pessoas ou grupos que tiveram suas vidas
marcadas por maus-tratos e agressões cotidianas. Sendo assim, o possível controle desta
endemia ainda se constitui como um desafio singular para o campo da Saúde Pública.
A criação de programas ou políticas públicas voltados para a atuação do setor de
Saúde Pública diante da violência necessita incorporar a dimensão dos sujeitos que a
vivenciam. Para tanto, é preciso analisar esse objeto, a partir da imersão no cotidiano dos
sujeitos e organizações, em determinadas gicas: políticas, administrativas, culturais,
individuais, bem como nas regras sociais que a banalizam.
O presente estudo também poderá vir a contribuir para a consolidação de propostas
de políticas sociais de enfrentamento dos maus-tratos, buscando ser construída a partir da
incorporação dos conhecimentos que resgatem a inter-subjetividade e que valorizem a
dimensão da alteridade.
Desta forma, poder-se-á partir dos resultados deste estudo para a construção de
instrumentos que visem minimizar os gargalos da assistência e o aprimoramento de rotinas
nesses serviços, tanto para a assistência a vítima e seu contexto familiar, quanto para a
20
capacitação da equipe de saúde nas estratégias adotadas para o manejo e prevenção desta
endemia, permitindo assim, um maior rastreamento de ocorrências de casos, conferindo maior
qualidade à assistência à saúde da criança e adolescente vitimizados por maus-tratos.
21
2- Objetivos
2.1- Geral: Analisar como a demanda dos maus-tratos à criança e ao adolescente afeta
o processo de trabalho dos profissionais de saúde na produção e assistência, na produção de
registro e na conformação de uma identidade profissional.
2.2- Específicos:
- Interpretar os significados de maus-tratos a crianças e adolescentes provenientes dos relatos
dos profissionais de saúde entrevistados;
- Desvelar como os profissionais de saúde concebem a assistência a crianças e adolescentes
vítimas de maus-tratos;
- Descrever as experiências e as barreiras enfrentadas pelos profissionais de saúde na
assistência as crianças e aos adolescentes vítimas de maus-tratos;
- Compreender como se dá o seguimento de assistência à criança e ao adolescente vitimado de
maus-tratos no pronto atendimento em Manaus.
22
3- Revisão da literatura
Os maus-tratos podem ser definidos como atos que podem ser praticados pela
supressão, omissão ou transgressão dos direitos da criança e do adolescente, definidos por
convenções legais ou normas culturais, por pessoas e instituições, os casos detectados ainda
são os de agudeza dentro da sua tipologia.
Nas últimas décadas, os serviços de saúde têm sido considerados um lugar
privilegiado na identificação dos casos de maus-tratos, mas apesar da incorporação aos
serviços de saúde de estratégias de prevenção e intervenção frente à sua ocorrência, baseadas
em mecanismos legais construídos, porém estes mecanismos ainda são insipientes e sem
escoamento para políticas públicas que dêem conta dos casos já efetivados.
A realidade de um pronto socorro pediátrico exige do profissional de saúde uma
formação e uma desenvoltura específica para lidar com as artimanhas do infanto-juvenil e
suas famílias descrita nos capítulos seguintes.
Os profissionais de saúde na urgência/ emergência pediátrica têm estado na esteira da
sobrecarga de trabalho, além de serem pressionados à tomada de decisões rápidas. Como
agravante, estes têm ainda na maioria das vezes, a não reposição das energias devido ao
excesso de plantões, principalmente os noturnos, que podem causar transtornos do sono
dentre outras complicações no organismo e no seu psiquismo.
A violência extra e intra-familiar têm sido reconhecidas como um evento bem mais
corriqueiro do que supõe o senso comum. Atualmente atinge principalmente mulheres,
crianças, adolescentes e muitos idosos, incorrendo em graves repercussões físicas, emocionais
e sociais. No Brasil, o Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2006) aponta para
evidências epidemiológicas que mostram que esse tipo de causa externa foi responsável por
124.935 óbitos em 2006 representando 13,7% do total de óbitos por causas definidas. É a
23
terceira maior causa de mortalidade na população geral e a primeira causa de morte entre os
adolescentes e crianças a partir de 1 ano de idade.
Desta forma, sendo um importante problema de saúde pública caracterizado por
determinantes sociais e condicionantes culturais, como destaca Azambuja (2004) ―a violência,
[...] em contrapartida ao princípio da dignidade humana, representa a maior ameaça à
humanidade e ao povo brasileiro no atual momento histórico‖.
Com a abertura do foco para a incidência de violência familiar, cresce também o
reconhecimento de que os serviços de saúde possuem um importante papel no seu
enfrentamento, na baixa, média e alta complexidade, apesar de ainda serem insuficientes as
estratégias existentes visando a intersetorialidade e proteção integral da criança.
A partir desta pesquisa pudemos constatar que os trabalhos intersetoriais tem sido
quase inexistentes, comprometendo a identificação dos casos, em função da migração dos
agressores através dos serviços existentes além da escassa cobertura ou monitoramento entre
os setores de saúde. O que podemos deduzir, da necessidade de um maior investimento nos
princípios que regem o SUS quanto à integralidade, a intersetorialidade e a resolutividade dos
casos de maus-tratos em Manaus.
24
3.1- As concepções de criança e do adolescer ao longo dos tempos
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas pelas estradas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias. A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Trecho da Poesia "O Guardador de Rebanhos" de Alberto Caeiro
Esta primorosa obra, do poeta português Fernando Pessoa: "O Guardador de
Rebanhos" (1911- 1912), nos ajuda até hoje, a demonstrar às riquezas do existir infantil em
suas estrofes, quando aponta para o lúdico, a simplicidade, o diverso, a travessura, a
vivacidade, a fragilidade, a malícia e a sabedoria dentre tantas características concedidas neste
período da vida humana.
Características estas, disponibilizadas para quem em tempos contemporâneos exerce
o seu direito de ser criança. Mas, o que é ser criança? Quais as concepções imbricadas neste
tema? Como a humanidade chegou a definir uma cidadania da criança?
Ao analisarmos o vocábulo criança, encontramos que este vem do latim "creantia,
criantia", significando "um ser humano de pouca idade, menino ou menina; tendo como
sinônimo " párvulo" "pessoa ingênua, Infantil" (FERREIRA; 1999).
25
na análise do termo infância, do latim "infante" ou "infantile", o significado de
algo incompleto que está por terminar, o que também pode remeter a posição de dependente,
submisso ou dócil, como afirma Del Priore (2002, p. 84): ―O certo é que na mentalidade
coletiva a infância era então, um tempo sem maior personalidade. Um momento de transição e
por que não dizer, uma esperança [...] designadas nos documentos como―meúdos‖,
―ingênuos‖ e ―infantes‖ [...].‖
Condição bastante explorada pelas ciências da Psicologia e a Sociologia,
caracterizada por etapas do seu desenvolvimento, a infância tem sido pensada a partir desta
concepção desde os últimos séculos, sendo bastante criticada no final do século XX: "[...] o
termo conota, nas línguas latinas, muito mais do que uma referência orgânica a um suposto
estágio de aquisição da linguagem, mas localiza a condição de submissão jurídica [...]"
(VORCARO, 1997, p.23).
Françoise Dolto aponta para a dificuldade que a sociedade adulta tem de se entregar
ao conhecimento da realidade essencial da criança, sendo muito mais fácil durante séculos,
encontrarem discursos que irão valorar a sua imaturidade do que o seu próprio potencial, suas
habilidades próprias e o que a autora chama de seu "gênio natural" (DOLTO, 1985, p.132).
A mesma autora nos remete à indagação: Para que serve a infância? E considera que
quase não sobram conceitos produzidos sobre a infância, nos âmbitos econômicos e
sociológicos, a não ser, o conceito de uma passagem delicada e necessária, e um tempo de
iniciação de aprendizagem. Assim, a autora constrói uma escala de valores da criança a partir
do desenvolvimento das sociedades que subdivide em quatro épocas, quando chama a atenção
para o exagero de produtos literários e científicos que tendem a restringir o campo de estudo
da criança ao de sua relação com seus pais, como mostra logo abaixo:
26
(...) Evolução do valor da Criança
Época- As sociedades endogâmicas. Colocar uma
criança (masculina) no mundo é servir ao clã, a
coletividade; assegurar o revezamento. Desse modo é
versado o tributo de produtividade; uma contribuição
de braços suplementares.
Época- As sociedades exogâmicas. O filho que
vem ao mundo é um presente para a família que
espera um herdeiro masculino. A criança, seja qual
for o sexo, é a coroação do casal.
Época- As sociedades malthusianas. O custo da
criança é demasiadamente elevado; a massificação
causa demasiados problemas, de onde controle da
natalidade e a legislação do aborto.
Época- As sociedades do egoísmo coletivo. A
criança é um fardo para o casal e um embaraço para
a sua satisfação egoísta. E como o Estado não pode
se encarregar dela... sem submetê-la a uma norma
única, ela não tem nenhuma oportunidade de estar
no mundo como pessoa(...) DOLTO (1985. p.132
grifo nosso).
Muitos destes valores ligados à criança, ainda perpassam o imaginário cultural de
algumas famílias, por acreditarem que a existência da criança pode vir a auxiliar na
produtividade, seja nos trabalhos de agricultura de subsistência, seja nas grandes empresas,
para poder ter quem herde suas propriedades quando morrerem seus donos.
Desde a modernidade, com a entrada e ascensão da mulher no ambiente de trabalho,
fazendo com que seus filhos muitas vezes tenham se tornados pequenos reizinhos, estes têm
desandado o cotidiano dos pais escravizados para satisfazer todos os seus desejos e caprichos
em troca da culpa por não estarem mais presentes, refletindo em crianças com
comportamentos sem limites.
27
Há uma característica implícita no ser criança comum com o ser idoso, pois aos dois
a sociedade confiscou o tempo presente. Segundo Oliveira (1999), ser criança é um "vir a ser"
e o idoso "já foi". Sem os tempos presentes, ambas as faixas etárias não participam
efetivamente da vida pública, ficam sem saber, ou por serem considerados sem o saber
necessário para as decisões, ou por não saberem mais, por serem considerados antiquados
demais para serem levados a sério.
Num jogo de espelhos, a humanidade vai, no decorrer da sua história, elaborando os
constructos do que é ser criança, num revisitar-se em tempo maduro, ao decidir sobre os
destinos de uma criança. Todo o conhecimento sobre o infantil até então perpassa pelo pensar
adulto e pela subjetividade de quem constrói. A humanidade vai abrindo espaço para esse
universo infantil, desvelando potencialidades antes não descobertas, determinantes de um
humano mais criativo, ao valorizar essa etapa dos primórdios da vida.
Hoje temos o entendimento de que "O ser criança e adolescente" é intimamente
ligado a fatores históricos, políticos, econômicos e culturais de todos os povos de que fazem
parte e se diferenciam, até mesmo dentro de uma mesma sociedade.
Vivenciar esses períodos históricos na existência humana é sem dúvida, singular.
Esta vivência única terá como norteador as condições encontradas a partir de seus pares
constituintes, ou seja, a partir dos contextos em que estão instaladas, esteja este infanto no
gineceu, em combate da kripta, nos feudos, em sua família, nas abadias, nos internatos, nas
escolas, nos lares abrigados ou até mesmo nas ruas.
Embora não seja objeto de nosso estudo caracterizar o universo infantil nas diversas
fases históricas da humanidade, cabe aqui buscar um maior esclarecimento de como essas
concepções sobre a criança e adolescente foram sendo formadas.
28
O historiador Philipe Ariès, no livro História Social da Criança e da Família (1981),
começa suas pesquisas a partir da sociedade medieval e constata a inexistência do sentimento
de infância neste período em que as crianças são consideradas "pequenos adultos". O autor
explica o que chama de sentimento da infância: ―[...] O sentimento de infância não significa o
mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil [...]‖
e é apenas no século XV que esse sentimento é percebido e com maior clareza no culo
XVII.
Portanto, o infante que conseguisse superar o período em que estava mais suscetível
à mortalidade, passava tão logo a se empenhar na realização das tarefas adultas,
compartilhando com os mesmos os seus estereótipos, trajes e alimentos.
O autor cita um texto da Idade Média "Le Grand Propriétaire de toutes chose" (O
Grande Proprietário de todas as coisas) no qual foram categorizadas as etapas do
desenvolvimento infantil e as concepções desta época,
"(...) as idades
correspondem aos planetas, em número de 7: A
primeira idade é a infância que planta os dentes, e
essa idade começa quando a criança nasce e dura até
os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce é
chamado de enfant, que quer dizer não-falante, pois
nessa idade a pessoa não pode falar bem nem formar
perfeitamente suas palavras, pois não tem seus dentes
bem ordenados nem firmes (...). Após a infância, vem
a segunda idade... chama-se pueritia é assim
chamada porque nessa idade a pessoa é ainda como a
menina do olho,..., e essa idade dura até os 14 anos
(...). Depois segue a terceira idade que é chamada de
adolescente, porque a pessoa é bastante grande para
procriar... E por isso a pessoa cresce nessa idade
toda a grandeza que lhe é devida pela natureza,
termina antes dos 30 ou 35anos, e até mesmo antes
dos 28(...)".
29
Desta maneira, a infância e a adolescência neste período histórico são vistas de
maneira superficial e as suas definições são essencialmente de caráter fisiológico para o
entendimento deste período da vida.
Na Idade Média foi que o Estado e a Igreja assumiram a educação das crianças,
surgindo o colégio como instituição educacional, com o intuito também de difundir uma
moral que pudesse dar conta dos costumes "afrouxados", se responsabilizando pela "moral" e
os "bons costumes da época".
O iluminismo, no intervalo dos séculos XVII a XVIII, as sociedades se expandem,
bem como, os efeitos da idade da razão, a industrialização, a expansão dos espaços urbanos e
o conseqüente anonimato dos seres humanos. Então, na Europa do século XVIII, sob forte
influência do pensamento filosófico iluminista que laicizou a caridade cristã, propagando a
doutrina do "fazer o bem", a beneficência deixa de ser apenas uma virtude cristã e passa a ser
também uma virtude social, desta forma, a bondade e a generosidade passam a ser virtude dos
mais abastados, e com inclinação para doar amplamente.
Como resultado então, a construção de fundações com o propósito de servir aos
mais necessitados, no âmbito das quais é que foram criadas as instituições asilares, os
hospitais, orfanatos, dentre outras instituições de abrigo, "Nos quarteirões mais abastados
quarteirão do Banco, Xa região a sede das sociedades. Nas regiões pobres ou fora dos
muros da cidade, onde vivem os necessitados e onde se localizam os terrenos mais baratos, as
fundações" (DUPRAT, 1996, p. 317).
É nessa óptica que surgiu na Itália o trabalho pioneiro da Irmandade dirigido à
proteção de crianças desamparadas, de cunho assistencial que visava reduzir o número
elevado da mortalidade infantil no hospital onde era abrigadas crianças abandonadas pela
família e que adotava o sistema da "Roda dos Expostos". Essa roda consistia em uma peça
cilíndrica de madeira e giratória, afixada em paredes, portas ou janelas das instituições, onde
30
as crianças eram depositadas e conduzidas para dentro, sem que as pessoas que as
depositassem fossem identificadas. Esse sistema fora difundido pelo mundo, chegando ao
Brasil a partir da colonização portuguesa em Salvador por volta de 1726 e instalado nas
Santas Casas de Misericórdia (RIZZINI; 2004).
Esse sistema da "roda dos enjeitados" era mantido por doações particulares, na
garantia de proteger a moral das famílias da época, pois validava a institucionalização dos
rejeitados, criando um espaço efetivo pra os filhos ilegítimos e mestiços. Essas crianças eram
aos 7 anos de idade devolvidas para a sociedade a mando do juiz, em outras famílias para o
auxílio dos trabalhos domésticos.
Dorigo e Nascimento (2007) mostram como essa realidade se desenhava no Brasil Imperial:
As crianças pobres da zona rural, órfãs ou abandonadas, estiveram ao longo da história sob os
cuidados das ‗criadeiras‘, também chamadas de ‗fazedoras de anjos‘. Eram assim chamadas devido a
alta mortalidade das crianças em decorrência da precariedade das condições sanitárias. na zona
urbana, os filhos ilegítimos de moças pertencentes a famílias com prestígio social eram recolhidos nas
rodas de expostos.
A família ganha seu status maior no século XIX, sendo na maioria das sociedades de
caráter nuclear, heterossexual, monógama e patriarcal, ou seja, o pai tendo poder absoluto
sobre os filhos e a esposa. No processo educacional o período da adolescência ganha
destaque, na medida em que as meninas passam a receber uma instrução formal.
Segundo Colin (2004) a mortalidade que começa a diminuir aos poucos, a partir do
final do século XVIII, e mais efetivamente a partir do final do século XIX, apesar da
inabalável desigualdade social, assinala que as crianças pobres e trabalhadoras eram mais
baixas e morriam em maior número do que as de classe mais abastada. Como podemos ver, já
sobre os efeitos da quarta época referida por Dolto (1985), logo acima, a da sociedade do
egoísmo coletivo, com a exploração do trabalho infanto-juvenil e outras mazelas do modo de
31
produção capitalista é que no século XX urge como movimento e política a necessidade de
proteção integral à criança ao adolescente.
É no século XX que a ciência da psicologia e da psicanálise, avança nos
conhecimentos desenvolvimentistas, caracterizando ainda mais as etapas da infância,
descrevendo e explicando as mudanças ocorridas nesse período da vida, em diversos aspectos,
como a linguagem, a sexualidade, o pensamento, dentre tantos outros. Teve como principais
expoentes: Freud, Piaget, Vygotsky, Wallon e Watson, que proporcionaram para a
humanidade a concepção de infância e de adolescência, como resultante de suas interações
com o meio, determinada por diversos fatores em busca de um equilíbrio interno e externo,
que tenderia para uma vida mais ou menos saudável.
Portanto, os seis modos de relação com a infância seriam: o infanticídio, da
Antiguidade ao século IV d.C: o abandono, do século IV ao XIII; a ambivalência, do século
XIV ao XVII; a intrusão, do século XVIII, a socialização, do século XIX a meados do XX; e
o apoio ou amparo [...], iniciado em meados do século XX.‖(KUHLMANN,1998, p. 20),
ficando para o século XXI a legitimação dos saberes infanto-juvenis e portanto o
desenvolvimento de estratégias e movimentos da sociedade que valorizem o protagonismo de
crianças e jovens, com força de voz e ações diante do mundo adulto.
32
3.2- Marco legal em busca da cidadania infanto-juvenil no Brasil
"Há um rumo em Central do Brasil: o menino não encontra o
pai, encontra os irmãos e é por eles encontrado. Uma ética da
fraternidade para além dos pais excessivos"
Luis Cláudio Figueiredo
Que seja essa a nossa procura? A busca pelo fraterno, que ampara dos excessos da
vida e da lei, daqueles que por alguma razão não conseguiram prover e caíram nas
desmedidas da vida, estes é o realmente do centro do Brasil. Walter Sales espelha a essência
do povo brasileiro, quando demonstra em sua tela, o que Figueiredo (1998) nomeia por terra
mãe "ilimitadamente generosa maltratada e explorada por seus caciques e coronéis, em rituais
de requinte". Ainda em seu artigo "O apelo ao pai e o pai como apelo no Brasil
contemporâneo" chama-nos a atenção para séculos de usos e abusos desta mãe, e a só
valoração de um pai que mostra o seu poder quanto mais voraz em sua gula concentra o seu
"poder de vida e extermínio".
Então, através dos séculos, no Brasil, a lei e a sua construção pelo pacto social tem se
dado lentamente e a distância destas desmedidas, em lugar destas a "arbitrariedade
angustiante da generosidade" (grifo nosso) fazem de seus filhos sedentos a procura do
interdito e de uma posição de alteridade em construção, bem como muitas vezes em exercício
de uma cultura cínica de solidariedade fraterna.
E, como tem sido construída essa alteridade da infância nos diferentes Brasis? Nos
próximos parágrafos procura-se desenhar os caminhos marcados e os traços dessa
arquitetura em busca da cidadania da infância brasileira.
No Brasil Colônia, as leis vinham das Ordenações do Reino de Portugal, que
utilizava medidas punitivas desumanas e cruéis, pois apesar de na Europa da época haver
33
atenuantes para a criança na aplicação da pena, foi apenas em 1830 que o Brasil passou a
deixar de punir suas crianças de maneira igual aos adultos (RIZZINI; 1995).
Ainda neste período, as crianças eram vistas como mercadoria e/ou mão de obra
barata. Portanto, o primeiro grande marco legal no Brasil é a promulgação do Código
Criminal de 1830, o qual se evidencia na perspectiva dos direitos da criança, constando a
primeira preocupação com o "menor",
(...) "Art. 10: Também não se julgarão criminosos: §
1o. Os menores de quatorze anos. Art. 13. Se provar
que os menores de quatorze anos, que tiverem
cometido crimes obraram com discernimento,
deverão ser recolhidos as casas de correção, pelo
tempo que ao juiz parecer, com tanto que o
recolhimento não exceda a idade de dezessete
anos."(TAVARES;2001).
Mesmo com o começo da inquietação com os modos de punir a infância, foi somente
em 1850 que as alas das Casas de Correção passam a reservar espaços exclusivos para a
criança. A ala para as crianças tinha o caráter correcional e educacional. Era para que
destinavam os menores de má-fé, delituosos, indigentes e desocupados.
Nessa mesma década, no Brasil, o ensino era obrigatório para as crianças de 7 anos,
sem impedimento físico e moral. Porém não era possível garantir escola para todos, devido ao
número de instituições ainda insuficientes, bem como para "meninos que padecerem moléstias
contagiosas; os que não tiverem sido vacinados, e os escravos" (Decreto n
o
.1331-A, 1854),
assim como para as crianças indígenas que nem eram citadas.
Em 1871, com o movimento abolicionista do Brasil Império, foi promulgada a Lei do
Ventre Livre (n
o
2.040/1871) e com ela a condição de liberdade dos filhos dos escravos.
Consta em seus artigos,
(...) "Art. 1
o
: Os filhos da mulher escrava que
nascerem no Império desde a data desta lei, serão
34
considerados de condição livre. §1
o
: Os ditos filhos
menores ficarão em poder e sob a autoridade dos
senhores de suas mães, os quais terão obrigação de
criá-los e tratá-los até a idade de oito anos
completos. Chegando o filho da escrava a esta idade,
o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do
Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se
dos serviços do menor até a idade de 21 anos
completos. No primeiro caso o governo receberá o
menor, e lhe dará destino, em conformidade da
presente lei. A indenização pecuniária acima fixada
será paga em títulos de renda com o juro anual de
6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta
anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro
de trinta dias, a contar daquele em que o menor
chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então,
ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se
dos serviços do mesmo menor" (COMPARATO;
2001).
No Brasil República, em 1889, foi quando começou a se esboçar uma aproximação e
correlação entre os dados da infância carente e o aumento da delinqüência com o grande
contingente de crianças sem acesso a escola e exploração do trabalho advindo do crescimento
urbano como possíveis causas da criminalidade infanto-juvenil (RIZZINI, 2004).
Um novo Código Penal em 1890 subiu de sete, para nove anos de idade a
imputabilidade relativa, e assistência à infância, passando do aspecto puramente religioso
carreando para a assistência pública, apesar de ainda ter um tom beneficente, com uma
preocupação com a família cada vez maior nos aspectos jurídicos e médicos (KRAMER;
2001).
Com essa preocupação, no ano de 1899, foi fundado no Rio de Janeiro o Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Brasil, o qual tinha por objetivos:
(...) "Atender aos menores de oito anos; elaborar leis
que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos;
regulamentar o serviço das amas de leite, velar pelos
menores trabalhadores e criminosos; atender às
crianças pobres, doentes, defeituosos, maltratadas e
35
moralmente abandonadas; criar maternidades, creches
e jardins de infância" (...). (KRAMER, 2001, p. 52).
Essas ações já estavam atreladas às idéias do movimento da Medicina Higienista, que
tinha como foco de trabalho os cuidados que a família destinava à criança, com o intuito de
reprimir a delinqüência, ou seja, punir a criança que estivesse perturbando a "ordem e os bons
costumes". Esse movimento teve como destaque a extinção das "Casas dos Expostos"
alegando estarem funcionando em precárias condições (MERISSE, 1997).
Nesse movimento, os médicos se empenhavam em estabelecer outra ótica,
valorizando o meio em que a criança estava inserida e que contemplasse medidas mais
higiênicas que privilegiassem a criança no cotidiano familiar, de modo a reduzir as doenças,
enfatizando a necessidade de serem educadas, protegidas e cuidadas, como cita Merisse:
" (...) o higienismo constituiu-se num forte movimento,
ao longo do século XIX e início do século XX, de
orientação positivista. Foi formado por médicos que
buscavam impor-se aos centros de decisão do Estado
para obter investimentos e intervir não na
regulamentação daquilo que estaria relacionado
especificamente à área de saúde, mas também no
ordenamento de muitas outras esferas da vida social.
Diante dos altos índices de mortalidade infantil e das
precárias condições de saúde dos adultos, e tendo em
vista a disseminação de novos conhecimentos e
técnicas provenientes do avanço da ciência, o
higienismo conseguiu influenciar decisivamente a
emergência de novas concepções e novos hábitos"
(MERISSE; 1997 p. 33-34):
Fora nesta mesma visão que no aspecto jurídico foram criadas novas leis e decretos
que visassem medidas corretivas (educacionais e laboriais) de comportamentos delinqüentes.
(...) "Decreto n. 145/1893: objetivo =―isolar os
vadios, vagabundos e capoeiras‖; autorizava a
criação de uma colônia correcional, para onde
pessoas não sujeitas ao poder paterno ou sem meios
de subsistência seriam corrigidos pelo trabalho; Lei
36
n. 947/1902: ―menores viciosos‖ = menores
acusados criminalmente e órfãos abandonados
encontrados em via pública, se assim considerados
por um juízo, deveriam ser internados nas colônias
correcionais, permanecendo lá até os 17 anos".
Como pode ser observado, a educação contribuiu muito, desde o início, na busca de
solução para "o problema do menor", principalmente, no aspecto da educação pelo trabalho,
perante a qual se buscava uma pedagogia que subsidiasse a ideologia moral dominante, com a
conotação preventiva, mas que pudesse reprimir e moldar a criança tida como "moralmente
abandonada", desenvolvendo nesta o hábito de trabalhar.
Segundo Maria Helena Souza Pato (1999) surgem então as políticas normatizadoras
e disciplinadoras do comportamento, principalmente nos novos centros sobre a população
com o início da Era Industrial da Nova República,
(...) ―resposta autoritária, moralista e preconceituosa a
questões que se puseram à burguesia durante o
primeiro período republicano: a obsessão ordeira
desencadeada pelo medo antigo e crescente que as
classes dominantes tinham da revolta popular,
potencializado pelos protestos de rua e pelo aumento
das estatísticas criminais; o propósito sincero de
alguns de enfrentar a gravidade real das condições
sanitárias das cidades atingidas periodicamente pela
peste; os interesses do capital comercial e financeiro
internacional.(PATO,1999)
Cresce também, a partir da virada do século XX, a importância dada pelos juristas à
"criminalidade dos menores", sendo desenvolvido nas suas três primeiras décadas o Juízo de
Menores e, em 1927, fora consolidado o Decreto 17.943-A "Leis de Assistência e Proteção
aos Menores", marcando o início de um domínio explícito da ação jurídica sobre a infância, e
logo após, Decreto n. 17.943/1927: Código dos Menores, ou ―Código Mello Mattos‖, que foi
desenvolvido pelo debate entre administração, legislativo, judiciário e instituições
37
assistenciais, dando evidência para a inauguração dos Tribunais dos Menores (RIZZINI,
1995).
Porém, além das idéias de proteção à criança, a tutela do estado vinha responder,
também às mesmas preocupações de um contingente populacional em alta e o crescente
empobrecimento da população:
(...) "O Código de 1927 incorpora tanto a visão
higienista de proteção do meio e do indivíduo como a
visão jurídica repressiva e moralista. Prevê a
vigilância da saúde da criança, dos lactantes, das
nutrizes, e estabelece a inspeção médica da higiene.
No sentido de intervir no abandono físico e moral das
crianças, o pátrio poder pode ser suspenso ou
perdido por falta dos pais. Os abandonados têm a
possibilidade (não o direito formal) de guarda, de
serem entregues sob a forma de ˈsoldadaˈ, de
vigilância e educação, determinadas por parte das
autoridades, que velarâo também por sua moral. O
encaminhamento pode ser feito à família, a
instituições públicas ou particulares que poderão
receber a delegação do pátrio poder. A família é,
ainda que parcialmente, valorizada."
(FALEIROS;1995)
Na era Vargas (1930-1945) foi concretizada uma política, ainda, mais assistencialista
e repressiva no que tange aos tratos com a infância e a adolescência, devido à construção de
um Estado autoritário e corporativista. Portanto, na Constituição de 1934, ficava instituído
no artigo 138, que...
―Incumbe à União, Estados e Municípios, assegurar
amparo aos desvalidos, criando serviços
especializados e animando os serviços sociais, cuja
orientação procurará coordenar; estimular a
educação eugênica; amparar a maternidade e a
infância; socorrer as famílias de prole numerosa;
proteger a juventude contra toda exploração, bem
como contra os abandonos físicos, morais e
intelectuais; adotar medidas legislativas e
38
administrativas tendentes a restringir a mortalidade,
as morbidades infantis e de higiene social que
impeçam a propagação das doenças transmissíveis;
cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os
venenos sociais (...)‖.
Percebe-se no período getuliano que a família do trabalhador veio a constituir o foco
da ação assistencial do Estado. Para tanto, foram criadas as delegacias de menores, com o
intuito de fazer as triagens para as internações, onde eram destinadas as crianças de rua e
suspeitas de estarem cometendo algum delito ou vício.
Dentro desta política de assistência social básica, foram criados: o Sistema Nacional,
coordenado pelo Conselho Nacional de Serviço Social - CNSS e o Departamento Nacional da
Criança - DCN, em 1940 e a Legião Brasileira de Assistência - LBA em 1942. (FALEIROS,
1995, 68- 70).
Surge em 1941, o Serviço Nacional de Assistência aos Menores, o SAM, vinculado
ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, para erradicar a criminalidade infanto-juvenil
das ruas. Além dessas medidas radicais de recuperação, esses serviços praticavam os maus-
tratos institucionais, muito criticados pelos movimentos religiosos que acusavam essas
instituições de: surrar, torturar, violentar as crianças e adolescentes que lá se encontravam.
O SAM aos poucos foi tomando então a conotação de órgão de repressão, pois
deixava as crianças em estado de privação, além das suas péssimas condições e instalações, ao
invés do que preconizava na sua criação: ser um órgão de proteção à infância irregular
(entendida socialmente como SAM "Sem Amor aos Menores", por ser local de castigos
corporais e violência sexual), sendo extinto apenas em 1964.
Marilena Chauí (1987) descreve o quanto a sociedade veio desenvolvendo ao longo
dos tempos, vários dispositivos que pudessem reprimir as camadas menos favorecidas
economicamente, em um movimento de projeção do mal sobre a plebe, em nome da
segurança dos mais poderosos (CHAUÍ, 1987).
39
"Se a cultura da culpa desloca o diabo de fora pra
dentro da consciência, a cultura do medo, alicerçada
sobre horror à plebe, opera igual deslocamento.
Com a plebe, o medo não aponta apenas para seu
contrário _a coragem _ nem apenas exige inimigos
externos, mas vem configurar, do lado dos grandes e
poderosos, um novo desejo o de segurança-
identificado à ordem e suscitado o pavor quanto a
tudo que pareça capaz de destruí-la internamente.
Com a plebe, surge o medo do inimigo interno,
fantasma da inconfessada percepção da cisão interna
à própria sociedade. O inferno são os
outros.(CHAUÍ, 1987)."
Nos subseqüentes anos de democracia de 1946 a 1964, segue essa política apontada
por Faleiro (1995, p.72) como derivada do movimento higienista, assistencialista e voltada
para um modo participativo/comunitário/desenvolvimentista, tendo como pano de fundo uma
sociedade capitalista, construída na ideologia do trabalho, prometendo ascensão para a
população trabalhadora e a exclusão dos que ameaçavam a ordem social.
As ações dos juízes de menores, autoridades hegemônicas, eram de fiscalizar e
intervir nas instituições assistenciais, com a finalidade de proteger o menor em situação
irregular, quase todos advindos de classes populares.
Em 1948, um marco importante se dá com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, ditadas pela Organização das Nações Unidas que convoca a comunidade
internacional a firmar convenções internacionais em que estabelecem estatutos comuns de
cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam a não violação e o exercício pelo
cidadão de um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados de direitos
humanos.
"Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos/ 1948: Considerando que o reconhecimento
da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo;
40
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos
direitos humanos resultaram em atos bárbaros que
ultrajaram a consciência da Humanidade e que o
advento de um mundo em que os todos gozem de
liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi
proclamado como a mais alta aspiração do ser
humano comum;
Considerando ser essencial que os direitos humanos
sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser
humano não seja compelido, como último recurso, à
rebelião contra a tirania e a opressão;
Considerando ser essencial promover o
desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações;
A Assembléia Geral proclama a presente Declaração
Universal dos Direitos Humanos
O ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo
e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente
esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da
educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas
de caráter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universal e
efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-
Membros, quanto entre os povos dos territórios sob
sua jurisdição. (DUDH,1948)"
O conteúdo inicial desses direitos, seus instrumentos e mecanismos, foram se
alterando e ampliando a partir das novas condições sociais, gerando diversos pactos genéricos
e específicos. Foram sendo firmados Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no intuito de implementar e garantir os direitos
humanos nas Nações e o direito da criança à especial proteção do Estado, da sociedade e da
família.
"Art. 24 - 1. Toda criança terá direito, sem discriminação
alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem
nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às
medidas de proteção que a sua condição de menor requer
por parte de sua família, da sociedade e do Estado.
41
2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após
seu nascimento e deverá receber um nome.
3. Toda criança terá o direito de adquirir uma
nacionalidade. (Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos Adotado na Assembléia Geral das Nações
Unidas em 16/12/1966 e ratificado pelo Brasil em
24/1/1992)".
no Brasil, houve retrocesso com o golpe militar em 1964, pois as instituições
totais proliferaram. As unidades da Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor
(FUNABEM) continuavam a manter a repressão e responsabilizar a família pelo abandono
das crianças. Esta instituição também ficou conhecida pela sociedade como escola do crime.
Nos estados, foram criadas a Fundação do Bem-Estar do Menor (FEBEM), cujas unidades se
transformaram em centros de internamento tanto para os abandonados como os avaliados
perigosos pelos Centros de Recepção e Triagem.
(...) O atendimento privilegiado no decorrer do
século XIX e parte do século XX era o internato,
onde os filhos dos pobres ingressavam categorizados
como desvalidos, abandonados, órfãos, delinqüentes e
outras denominações que vão substituindo as antigas,
conforme a incorporação das novas tendências
assistenciais e as construções ideológicas do
momento. Desde a constituição de um aparelhamento
oficial de assistência e proteção ao menor,
principalmente a partir da criação da FUNABEM e
da Política Nacional de Bem-Estar do Menor, o mote
‗internação como último recurso‘ foi sempre repetido,
mas pouco seguido (RIZZINI E RIZZINI; 2004,
p.66).
Neste momento histórico, tem-se manifestado a força de alguns movimentos sociais
e religiosos na reivindicação da revisão do Código de 1927, pois este não fazia distinção
entre o menor infrator e crianças abandonadas e negligenciadas por suas famílias, sociedade
ou Estado, bem como sabido de alguns casos de abuso de poder dos Juízes de Menor, que
decidiam o destino da criança de forma arbitrária sob o manto da lei.
42
Fora então promulgada em 1979 a Lei Federal 6.697/79, que revia o Código de
Menores passando a adotar a "Doutrina da Situação Irregular" transposta para a legitimação
das ações do Estado sobre menores, estes abandonados e em extrema pobreza que se
encontrasse em situação irregular.
A "Doutrina da Situação Irregular" do menor como conseqüência da análise do
então ―sistema de descrição do estado sócio-econômico-familiar‖ dos menores, passa a
extinguir a nomenclatura de menor abandonado e delinqüente‖ e torna a exclusão uma
patologia social, ou seja, ser pobre passa a ser uma doença social, um estado de enfermidade,
assim como estar fora das normas.
Para a luta a favor da cidadania infanto-juvenil, essa ação foi mais um retrocesso de
50 anos, pois para o menor infrator, agora fora instituída a prisão provisória, que estava em
posse de ser decretada sem a presença do curador de menores. Dessa forma, a criança ainda
objeto da lei, não era vista como sujeito de direito, e sua família considerada culpada e
incapaz de cuidar dela, mesmo que vivendo em uma realidade sócio-econômica injusta.
Entre 1980 e 1988, com a queda da ditadura e a redemocratização, muitos
movimentos sociais foram sendo formados e trabalharam para uma mobilização da sociedade
e de alguns setores do Estado. Dentre seus membros, os movimentos militantes dos direitos da
criança e do adolescente, inclusive juristas e os próprios funcionários da FUNABEM em
favor de uma nova "Doutrina de Proteção à criança", estavam presentes na Assembléia
Constituinte de 1986. Esses grupos apresentavam um firme propósito de poder tornar a
criança e o adolescente sujeitos de direito perante o Estado e prioridade absoluta na
assistência.
Assim como, na inclusão da Proteção Integral como direito, refletiria em medidas
sócio-educativas que não tivessem um caráter repressivo e de isolamento, buscando alcançar
43
uma mudança no caminho dessas crianças e seus atos delituosos investindo em políticas
públicas e apoio social para as suas famílias.
Com o advento da Constituição da República de 1988, fica aprovado o artigo 227
que consagra a doutrina da proteção integral, no entendimento gradual do paradigma de
proteção integral dos direitos da criança e do adolescente que vai se efetivando na elaboração
de normas referentes ao direto à vida, à saúde, à liberdade, à dignidade, à cultura, ao lazer, ao
esporte, à profissionalização, dentre outros se antecipando a Convenção das Nações Unidas
sobre Direitos da Criança.
Disposto na Lei 8069 de 13 de julho de 1990, denominado de Estatuto da Criança e
do Adolescente, o ECA trás em seu bojo o novo paradigma na atenção à criança e ao
adolescente, mas este por si não vem mudar a identidade, a missão e o papel de cada
entidade, cada movimento. Além dos objetivos primeiros de continuar se empenhando na luta
por uma vida melhor para as crianças e adolescentes, é preciso incorporar e introjetar teórica e
praticamente a novidade dessa ruptura, desse novo paradigma que o Estatuto representa.
Este processo de ruptura vem enfatizar a passagem do atendimento de necessidades
(saúde, educação, moradia, profissionalização) para o atendimento de direitos. É isto o que
muda; e isto é muito importante. Hoje tem-se a criança e o adolescente como sujeitos de
direitos, com uma cidadania a ser respeitada e não mais um ―objeto de tutela‖. Agora, com o
ECA, não atender as necessidades destes jovens cidadãos constitui violação de direitos; e esta
mudança não é colocada no Estatuto apenas como discurso.
44
3.3- Os desafios da intersetorialidade: o trabalho em rede para garantir os
direitos à criança e adolescente
"Quero fazer uma guerra de paz
Para acabar com tanta dor
Só que em vez de mortos
Terá só amor
As balas de revólveres
Seriam trocadas por solidariedade
Onde um ajudaria o outro
com amor e bondade"
(Trecho do poema "Guerra e paz" de Klayton Rodrigues de Souza,
14 anos, estudante de Londrina, Paraná).
3.3.1- Sistema de Garantia de Direitos à Criança e ao Adolescente
Ao ser aprovada a Lei federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990, tem-se a consagração
de um direito que, além de explicitar os direitos gerais e específicos da criança e do
adolescente, vem buscar uma nova gestão desses direitos, através da construção de um
sistema de garantia de direitos, no intuito do cumprimento do Artigo 86 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, ―através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios‖.
O Sistema de Garantia de Direitos, sendo um marco que vem referenciar as redes de
proteção contra a criança e o adolescente, está apoiado em três grandes eixos com cinco
principais linhas de atuação: os eixos da Promoção, da Defesa e do Controle Social. As suas
linhas: Promoção, Atendimento, Controle/Vigilância/ Fiscalização, Exigibilidade/ Defesa e a
Responsabilização.
A integridade das ações é a gica que precisa permear as articulações de espaços
públicos e instrumentos/mecanismos a serem mobilizados na consecução dos objetivos do
atendimento, da vigilância e da responsabilização, respectivamente. A Promoção de Direitos,
45
o primeiro eixo, tem como principal objetivo a deliberação e formulação da ―política de
atendimento de direitos‖ (ou de garantia de direitos) que prioriza e qualifica como direito o
atendimento das necessidades básicas da criança e do adolescente, através das demais
políticas públicas.
Resultado da reforma social proposta pelo Estatuto, que tem nas políticas públicas
uma força a ser transformada em modos de garantir universalmente os serviços públicos
básicos à população e de modo prioritário às crianças e adolescentes, suas bases estão nos
preceitos constitucionais exemplificado no Artigo 194 da Constituição Federal, e no Artigo 87
do Estatuto da Criança e do Adolescente que define a Seguridade Social enquanto direito
social básico, os seus princípios estruturadores e características fundamentais. Dito assim:
"A seguridade social compreende um conjunto
integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos
e da sociedade, destinados a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único - Compete ao Poder Público, nos
termos da lei, organizar a seguridade social, com
base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distribuitividade na prestação dos
benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - equidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da gestão
administrativa, com a participação da comunidade,
em especial de trabalhadores, empresários e
aposentados".
Da mesma forma, o Artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente define:
"São linhas de ação da política de atendimento:
46
I - políticas sociais básicas;
II - políticas e programas de assistência social,
em caráter supletivo para aqueles que delas
necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento
médico e psicossocial às vítimas de negligência,
maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e
opressão;
IV - serviços de identificação e localização de pais,
responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa
dos direitos
de crianças e de adolescentes."
As políticas sociais básicas têm duas direções: as políticas que buscam uma
garantia estrutural dos direitos básicos para a criança e o adolescente e uma outra voltada para
as políticas assistenciais, que visa à garantia conjuntural, como os programas de proteção
especial designado a crianças e adolescentes em estado de vulnerabildade social:
abandonados, droga-dependentes, vítimas de maus-tratos que precisam ser abrigados,
desaparecidos, ―meninos de rua‖, vítimas da exploração sexual infanto-juvenil, dentre outros.
Os organismos que compõem este eixo são os que contemplam as linhas de atuação
da Promoção e da Assistência. São eles respectivamente: Secretarias de governo estaduais e
municipais gestores e executoras de políticas de saúde, educação, assistência, cultura,
profissionalização, e a proteção especial citada logo a cima, Conselhos de Direito da Criança
e do Adolescente (CMDCA- nacional, estadual e municipal), Fundos da Criança e do
Adolescente (nacional, estadual e municipal), Organizações não Governamentais (ONGs) que
mantêm programas nesta área.
O segundo eixo, o da Defesa de Direitos tem por objetivo a criação de subsídios para
a responsabilização do Estado, da sociedade e da família, pelo não-atendimento, atendimento
irregular ou violação dos direitos individuais ou coletivos das crianças e dos adolescentes; e
47
como objetivos específicos, os de responsabilizar legalmente os atores de violação de direitos
e de exigir e defender o acesso aos direitos assegurados em lei.
Quanto aos instrumentos/mecanismos ou medidas disponíveis para a realização da
Responsabilização e a Exigibilidade e Defesa, são respectivamente: os Processos Judiciais,
Investigação Policial, Aplicação de penalidades Administrativas, bem como a Aplicação de
medidas sócio-educativas, Aplicação de medidas jurídicas e a Requisição de Serviços.
Os organismos que compõem esse eixo são: Segurança Pública (Polícias) Defensoria
Pública a Criança e Adolescente (DPCA), Varas da Infância e da Juventude representando o
poder judiciário, Varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente e Varas
Criminais, Centros de Defesa, Ministério Público, Conselhos Tutelares, Organizações não
Governamentais de defesa de direitos.
O terceiro e último eixo, o do Controle/vigilância e fiscalização social se reporta à
vigilância do cumprimento dos preceitos legais constitucionais, acompanhamento,
fiscalização e avaliação de programas e serviços que tenham como público alvo a criança e o
adolescente sejam estes governamentais ou não, bem como registro das entidades de
atendimento existente. Estas ações são destinadas à sociedade civil organizada e articulada em
fóruns e em outras instâncias semelhantes (frentes, pactos dentre outras). Fazem parte deste
eixo Organizações Não-Governamentais (ONGs), entidades de atendimento direto, entidades
de classe, sindicatos, pastorais e ministérios eclesiais, associações de classes e outras formas
de organização social que permanentemente vão surgindo na dinâmica da democratização das
relações sociais.
É neste eixo que se encontra a força do social para a mobilização da sociedade para a
sua própria participação na elaboração e monitoração dos orçamentos blicos, na aplicação
dos recursos financeiros dos Fundos públicos pelos Conselhos de Direitos. É também nos seus
movimentos que nascem e têm espaço de novos instrumentos a serem imaginados e
48
utilizados, bem como o desejo de conhecer mais a realidade em questão, de acordo com as
necessidades de uma determinada sociedade civil, como exemplo na vigilância,
acompanhamento e monitoração de desempenho dos organismos governamentais
responsáveis pela prestação dos serviços de proteção especial.
A idéia de Sistema de Garantia de Direitos e as suas ações altamente válidas, vem
com o intuito de desenvolver em seus núcleos que compõem as redes de proteção, um
crescente entrosamento dos eixos Promoção, Vigilância e Defesa - e uma constante
retroalimentação entre estes.
O que tem se mostrado neste conjunto de organismos é que cada um está preocupado
em responder às suas especificidades, ficando as ações fragmentadas e isoladas. Sem esta
integração das ações e principalmente das informações, o tecido da rede de proteção a criança
e adolescente, tem ainda um caráter enfraquecido, e os atores costumam não saber para onde
vão as suas ações e quais os desdobramentos realizados após a sua ação.
Um grande limite está no interior das instituições, sejam das governamentais ou não-
governamentais, por não incorporarem ainda, esses novos movimentos sociais por serem
regidos pelo centralismo autoritário intervencionista, que ainda encara as crianças e
adolescentes como objetos de tutela.
Através da doutrina da ―situação irregular‖ e do código de menores. Escolhendo
estratégias voltadas para soluções meramente alternativas e de fachada. Acreditando nesta
forma para driblar a fiscalização do Estado, arrecadando status de provedoras sem se implicar
efetivamente na realidade local.
É preciso que os conselhos de direito assim como todos os organismos da Defesa e
Responsabilização tenham consciência do papel importante dos representantes sociais e que
estes espaços estejam sendo legitimados, e empoderados por todos para que haja uma
democrática representatividade social, e não uma encenação de direitos por representantes
49
políticos das gestões no poder, para que haja um novo campo do exercício da democracia
participativa e exercício da cidadania.
3.3.2-Redes de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes:
Por viver em sociedade, naturalmente o ser humano faz parte de tecidos sociais que
compartilham de poder formal ou informal e de recursos humanos e materiais, de atores,
grupos e instituições, em um determinado território.
O que pode tornar esse tecido mais resistente e coeso é o poder de articulação em
torno de um objetivo comum, a construção de estratégias a execução de ações comuns, onde
no processo de tear sua trama, haja uma participação coletiva com responsabilidade,
compartilhada e assumida por todos os seus integrantes, onde as suas decisões sejam também
democraticamente resolvidas na busca de consensos mínimos que garantam as ações
conjuntas. Como se pode notar, construir uma rede requer muita habilidade, flexibilidade e
persistência.
Desta forma é definido o conceito de rede como sendo um espaço de formação de
parcerias, cooperação e articulação dos sujeitos institucionais, no âmbito público e privado,
que promova ações visando a mobilização de recursos, o intercâmbio de dados e experiências
e a formulação de projetos e políticas.
As redes são formas de organização conjunta entre elementos autônomos, onde as
relações se pautam pela interdependência, complementaridade e horizontalidade. O poder se
distribui de forma mais igualitária e ganha força e dinamismo por meio da descentralização e
da ação articulada.
Quando se fala de Rede de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes, se está
direcionando para a composição existente de um tecido social que vem atendendo a esse
público infanto-juvenil, mas que precisa direcionar as suas ações para atender aos direitos da
criança e do adolescente de forma integral, ou seja, através de um conjunto de organismos
50
governamentais e não governamentais e de atores que possam vir a buscar ações conjuntas na
garantia desses direitos. Para isso, a responsabilidade precisa necessariamente, ter abrangência
municipal, estadual, nacional ou internacional.
Como exemplo, podemos citar a Rede de Proteção de adolescentes, em conflito com
a lei, a Rede de enfrentamento da violência sexual contra a criança e o adolescente e a Rede
de Proteção dos meninos e meninas de rua, entre outras redes.
Para promover o desenvolvimento de uma rede de serviços como uma atuação
articulada entre instituições e serviços governamentais, organizações e grupos da sociedade
civil, é preciso reconhecer anteriormente, as redes de relações, ou seja, as pessoas e
organizações que estão inseridas no cotidiano, com diferentes trocas, conflitos e
cooperações, fundamentais para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade, como
afirma a psicóloga Rosemary Peres Miyahara do CNRVV - Centro de Referências Vítimas da
Violência do Instituto Sedes Sapientiae em São Paulo.
No âmbito da saúde infanto-juvenil em especial, a União, tem incentivado e
consolidado políticas públicas e vem tecendo redes de fomento para a estruturação e
qualificação da Rede de Atenção à Saúde, organizada no âmbito do SUS: Rede de Prevenção
da Violência, Promoção da Saúde e Cultura da Paz; Rede de Atenção Especializada; Rede de
Vigilância em Saúde; Rede de Atenção Básica - Saúde da Família.
As redes têm tido a preocupação de reafirmar os princípios da Convenção /
Constituição: criança sujeito de direitos, proteção integral e prioridade absoluta e
reconhecimento da condição de pessoa em desenvolvimento. Portanto têm buscado ações que
exijam do dever da família, da sociedade e do poder público, uma ética de co-
responsabilidade na proteção integral, sendo a palavra chave, a articulação.
Para tanto, a Nação tem se voltado, para um movimento, cada vez mais democrático
e conseqüente descentralização do poder, e no SUS a municipalização tem conseguido se
51
firmar ainda mais; o que aumenta a participação da sociedade na criação e legitimidade dos
vários Conselhos e a articulação com as políticas setoriais, as intervenções em redes de
proteção, a busca por uma formação e informação qualificadas, ações da mídia, bem como a
integração dos demais segmentos do Sistema de Garantia de Direitos.
As ações em rede foram criando força quando o governo federal, com a
representação de seus ministérios, implementou Política e Programas de Governo voltados
para essa demanda, em parceria com Organizações não Governamentais Nacionais e
Internacionais. Dentre elas, tiveram destaque nesta última década, o PAIR (Programa de
Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no
Território Brasileiro ) que ajudou na consolidação e fortalecimento da rede de proteção, o
Projeto Escola que Protege voltado para a capacitação dos profissionais da educação na
identificação e manejo de casos de violência encontradas nas escolas. O Programa Sentinela
como princípio da assistência a crianças vítimas de maus-tratos e o PETI (Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil).
Outras ações, de fomento para a estruturação e qualificação da Rede de Atenção à
Saúde, foram também criadas para consolidar as Políticas contra a violência:
Política Nacional de Redução da Morbi-mortalidade por Acidentes e Violências
(Portaria nº 737/2001)
Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria nº 687/2006).
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher violência sexual e
doméstica.
Notificação de violências contra crianças e adolescentes na rede do SUS (Portaria
nº 1968/2001).
Rede Nacional de Prevenção de Violências, Promoção da Saúde e Cultura de Paz
(Portaria 936/2004).
52
Rede Nacional de Atenção Integral às Mulheres, Adolescentes e Crianças em
situação de violência doméstica e sexual.
As estratégias e ações para as políticas organizada no âmbito do SUS têm trabalhado
em rede. São elas: Rede de Prevenção da Violência, Promoção da Saúde e Cultura da Paz;
Rede de Atenção Especializada, Rede de Vigilância em Saúde, Rede de Atenção Básica -
Saúde da Família.
Desta forma, trabalhar também na construção de uma rede interinstitucional
representam um desafio da pluralidade, pois é fundamental criar a vontade política a mais
consensual possível entre os trabalhadores das equipes em torno de um projeto assistencial.
Na construção das Redes de proteção precisamos nos referenciar-se no Sistema de
Garantia de Direitos estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente e construído
distintamente nos Municípios, pois estes se articulam entre os organismos com diferentes
funções, poderes e recursos tornando esta ação muito complexa.
3.3.3- Redes de Proteção Integral das Crianças e Adolescentes em Manaus:
A Rede de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Manaus é composta por
várias entidades que já vinham atuando contra os maus-tratos infantis em Manaus muito antes
da ênfase do trabalho em rede. As ações não menos eficazes, porém isoladas, vieram a se
fortalecer com o incremento com o novo paradigma do Sistema de Garantia de Direitos.
Em Manaus o reconhecimento dessas ações teve força com a criação do Plano
Operativo local, a metodologia de ações do PAIR, coordenado pela Secretaria Especial de
Direitos Humanos da Presidência da República, com a assessoria técnico-metodológica da
Escola de Conselhos, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
53
Esse programa visa a integração de políticas para a construção de uma agenda
comum de trabalho, entre Governos, Sociedade Civil e Organismos Internacionais visando o
desenvolvimento de ações de prevenção e atendimento a crianças e adolescentes vulneráveis
ou vitimas da exploração sexual e trafico para fins sexuais.
Em entrevista com a pedagoga Maria Eliana Mendes Hayden, em fevereiro de 2009,
até então, Secretária Executiva do PAIR em Manaus, pôde-se conhecer um pouco mais a
história no município deste Programa para o enfrentamento das formas de violência,
principalmente a violência sexual contra a criança e adolescente.
Esta relata que foi em 2003 que começou a ser posto em prática em prática o Plano
Operativo local do PAIR no município de Manaus. Neste período, como foi dito, havia
alguns serviços de atendimento às vítimas de violência doméstica e sexual. Porém esses
serviços que hoje são chamados de redes sociais eram escassos, com estruturas precárias de
funcionamento e suporte necessário, além de serem ações isoladas no município de Manaus,
caracterizando então uma desarticulação entre si.
Com a implantação do Programa houve uma revitalização das ações, pois foi
identificada a necessidade de reestruturar os serviços existentes, criar novos serviços para
poder dar suporte à grande demanda já reconhecida de vítimas de violência que possivelmente
tenderia a aumentar ainda mais com a divulgação do ECA e do PAIR na cidade de Manaus.
Na época, segundo Hayden (2009) foi feito um mapeamento de todas as instituições
que atendiam vitimas de violência sexual e doméstica que eram as seguintes: Delegacia do
Menor Infrator, cinco Conselhos Tutelares, Programa Sentinela, A Casa Mamãe Margarida,
Central de Resgate Social, Movimentos dos meninos e meninas de Rua e outros.
54
Os serviços estavam sendo executados sem a existência de instrumentos de
planejamento e monitoramento prévios, principalmente os Conselhos Tutelares, que em sua
maioria, realizavam as suas atividades de forma assistemática, informal ou não estruturada.
Algumas secretarias municipais como a SEMINF e a SETRAB, utilizavam
instrumentos como relatórios ou atividades mais diferenciadas apresentadas pelo Programa
Sentinela. No entanto, havia uma dificuldade em gerar dados estruturados, com relação ao
efetivo trabalhado e com os objetivos ainda não muito claros, o que tornava inviável utilizar
os dados para análise e avaliações, clareza na tomada de decisões; e os dados existentes não
proporcionavam visibilidade para a sociedade do real contingente de maus-tratos à criança na
cidade de Manaus.
Para começar as ações do PAIR/Manaus, se organizou um comitê gestor e/ou uma
comissão interinstitucional, e se elaborou um protocolo de intenção com o compromisso de
todas as instituições que compõem o comitê gestor local, assegurando recursos materiais e
financeiros para diminuir a violência sexual infanto-juvenil no município de Manaus.
Esse comitê, composto de atores sociais que vinham trabalhando com essa
realidade, verificaram a necessidade de criar, aparelhar e implementar outros serviços como
uma Delegacia Especializada de Crimes contra Crianças e Adolescentes, uma Vara
Especializada em Crimes contra Criança e Adolescente.
Dessas ações, as que ainda estão por serem efetivadas são: a criação de Núcleo na
Defensoria Pública, especializada em defesa de direitos de criança/adolescente, Banco de
Dados pela prefeitura de Manaus, a criação de Abrigos para Meninos e meninas vítimas de
violência sexual e domestica e é preciso rever a portaria municipal que credita no
funcionamento dos Conselhos Tutelares somente até 13 horas, para atendimento do público.
55
Também foi possível avançar quanto à criação de mais dois Conselhos Tutelares: um
na zona Rural Rodoviária /Ribeirinha e outro na zona leste da cidade de Manaus.
Hoje fazem parte da rede de proteção à criança e adolescente, como prevê o SGD, as
secretaria estaduais e municipais de Educação, de Saúde, de Assistência Social, de
Segurança Publica, de Cultura, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente,
Conselhos Tutelares, Secretaria de Justiça, Policia Rodoviária Estadual e Federal, Policia
Militar, Universidade Federal e Estadual do Amazonas, SAVAS (Serviço de Atendimento às
Vítimas de Agressão Sexual), os fóruns de Direitos da Criança e do Adolescente e as ONGs:
Nosso Lar, Lar Fabiano de Cristo, Casa Mamãe Margarida, CEDECA na Taba, Estação
Direito, MOCOCI (Movimento Comunitário pela Cidadania), Educandário Gustavo
Capanema, Cáritas, Pastoral da Criança e Ministério Publico.
Os programas e serviços destas entidades têm caminhado para ações de prevenção,
reeducação, denúncia, acompanhamento e formação desta demanda. A rede criada no
município de Manaus é ainda insuficiente. Portanto é necessário disponibilizar mais recursos
financeiros e humanos, aparelhar com recursos tecnológicos e carros os Conselhos Tutelares,
a Delegacia e o Programa Sentinela para atender melhor a vítima de violência.
56
3.4- A Grande e pequena angular da definição e dos tipos de maus-tratos
contra a criança e o adolescente
―Nenhuma criança ou adolescente será sujeito
de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão, punido na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais‖. (Lei Federal 8.069/90, ECA,
1990).
O Brasil é palco de enormes desigualdades econômicas e sociais. A desigualdade de
oportunidades corrobora com a injusta situação de direitos humanos em nosso país, que
expressa à violência de maior espectro contra crianças e adolescentes, a violência estrutural
sendo o Estado o seu maior responsável.
Apesar da difícil conquista das garantias democráticas, expressas na Constituição de
1988 e no ECA, ainda encontramos nas regiões do país a negligência ou total abandono das
políticas públicas para essa população e o constante descompromisso com o princípio
constitucional da prioridade absoluta a crianças e adolescentes.
Os maus-tratos contra crianças e adolescentes têm raízes econômicas, culturais e
históricas, como afirma Faleiros (1998)...
"violência aqui não é entendida como ato isolado,
psicologizado pelo descontrole, pela doença, pela
patologia, mas como um desencadear de relações que
envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o
processo civilizatório de um povo".
As relações quando se caracterizam por maltrato, desenvolvem a característica de
desigualdade de força e poder, em uma das suas polaridades, a estrutura que se baseia na
obtenção de vantagens (dominação, prazer sexual, lucros) sobre a outra, não importando os
meios, ficando para a polaridade oposta à posição de objeto de seus "ganhos". Portanto a
relação violenta, nega os direitos do dominado, bem como desestrutura a sua identidade.
57
Para Minayo (1990), a violência estrutural "caracteriza-se pelo destaque na atuação
das classes, grupos ou nações econômica ou politicamente dominantes, que se utiliza de leis e
instituições para manter sua situação privilegiada, como se isso fosse um direito natural".
A desigualdade de oportunidades por si é extremamente violenta, por privar ao
indivíduo de seus direitos fundamentais. Algumas dessas realidades podem ser expressas
através das pesquisas nacionais com relação a crianças e adolescentes.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) de
2006, o Brasil possui uma população de mais de 187 milhões de habitantes, dos quais quase
60 milhões têm menos de 18 anos de idade, o que equivale a quase um terço da população
brasileira e um terço de toda a população de crianças e adolescentes da América Latina.
Estudos indicam que mais da metade das crianças brasileiras estão vivendo com suas
famílias com a renda mensal abaixo de ½ salário mínimo per capita por mês. (IBGE/PNAD
2006 Tabulação Especial de Eqüidade).
O Ministério de Desenvolvimento Social MDS estima que quase metade das
famílias com crianças na primeira infância, tem o rendimento familiar mensal de até ½ salário
mínima o que as coloca abaixo da linha de pobreza. O destaque nacional para este quadro
vem para as regiões Norte e no Nordeste, onde se encontra respectivamente os percentuais de
55,1% e 66,9% das crianças de até seis anos que moram em famílias classificadas como
pobres.
Segundo a UNICEF (2008), mais de sete milhões de famílias com crianças de até
seis anos de idade vivem em situação de vulnerabilidade. Dessas, cinco milhões se encontram
nas regiões Norte e Nordeste do país. Enquanto, no Brasil, 50,3% das crianças de até 17 anos
estão em condição de pobreza, no Norte, essa proporção chega a 61,1%.
Os Cadernos do Brasil, UNICEF (2008), apontam para as regiões Norte e Nordeste,
que apresentam os maiores percentuais a serem superados pelo país, no que diz respeito à
58
situação de pobreza das famílias de crianças abaixo de seis anos de idade: baixa cobertura no
pré-natal, sub-notificação de óbitos infantis. Além disso, a região Norte continua sendo a
região onde ocorre o maior número de nascimentos com mães com menos de 15 anos,
registrando 11% /1000 em 1995 e 14,7/1000 em 2005.
Um dos desafios em toda a Amazônia é fazer chegar as políticas públicas às áreas
mais distantes dos centros urbanos, isto é, no interior dos Estados, em razão, entre outras, a
situação geográfica, onde existe baixíssima cobertura de malhas viárias. Essa dificuldade de
acesso impõe a esses grupos uma vida de isolamento em que o principal meio de transporte é
a tradicional embarcação fluvial.
A desnutrição entre crianças menores de 1 ano diminuiu em mais de 60% nos
últimos cinco anos no estado do Amazonas, mas ainda existem cerca de 60 mil crianças com
menos de 1 ano desnutridas (Ministério da Saúde). A taxa de mortalidade entre menores de 5
anos vem também caindo no Brasil, de 59,6 por mil nascidos vivos em 1990 para 29,9 em
2006.
A queda da mortalidade infantil no Brasil está associada a uma série de melhorias
nas condições de vida e na atenção à saúde da criança, em relação a questões como segurança
alimentar e nutricional saneamento básico, vacinação e modelo de atenção à saúde (27 mil
equipes de saúde da família atendem 58% da população brasileira).
Os sub-registros de nascimento também vêm apresentando uma queda constante nos
últimos anos. Pelos dados do IBGE, no Brasil, o número de sub-registros passou em média de
30,3% em 1995, para 12,7% em 2006, o que representa uma diminuição de 58,1%. O registro
civil de nascimento é considerado o vínculo formal com o Estado e os conseqüentes serviços
que este fornece ao cidadão.
Portanto a partir do IBGE/ Estatísticas do Registro Civil de 2006, os percentuais de
sub-registro de nascimento resultam da razão entre o número de nascidos vivos informados
59
pelos cartórios ao IBGE, e o número de nascimentos estimados pelo IBGE, na população
residente em determinado espaço geográfico, em um ano considerado.
Em 2006, para o Amazonas, a estimativa quanto aos sub-registros de nascimento é de
24,5%. Desta maneira, é possível compreender sob a ótica social, a possível situação de
vulnerabilidade em que se encontram as crianças que pertencem a este percentual no
Amazonas.
Houve aumento em todas as regiões do Brasil quanto a nascidos de mães menores de
15 anos, com um aumento da média nacional de 6,9 por mil nascidos vivos em 1994, para 8,8
por mil em 2005, o que representa um crescimento de 28,6%. Em números absolutos, tinha,
em 1994 18 mil bebês nascidos de crianças e adolescentes menores de 15 anos; em 2005,
foram 27 mil.
Quanto à idade das mães, na região Norte, existe um número alto de mães entre 10 e
19 anos. No ano de 2005, pelos dados do Ministério da Saúde, em 28,5% dos partos na
Região Norte, as mães estavam nessa faixa etária. A média nacional de mães nessa faixa
etária é de 21,8% do total.
Em relação à iniqüidade brasileira, 63% do total de crianças e adolescentes
indígenas, têm até 6 anos de idade e vivem em situação de pobreza. Apesar da melhora das
taxas de mortalidade infantil nacionalmente, grandes desafios a superar, como as
desigualdades regionais e as iniqüidades relacionadas a grupos sociais específicos.
A taxa de mortalidade da população indígena é de 48,5 por mil nascidos vivos (138%
maior do que para a população branca), enquanto para a população negra é de 27,9 por mil
(37% maior do que para a população branca). A taxa para a população branca é de 20,3 por
60
mil nascidos vivos. A Região Norte é a segunda do país com maior número de registros de
remanescentes de quilombos, e a região com a maior população indígena.
Essa expressão das desigualdades regionais, também vem corroborando a construção
do sentimento de inferioridade, reflexo da violência simbólica existente no país entre as
regiões. O sistema simbólico de culturas dominantes desconsidera as adversidades
geográficas, econômicas e culturais das regiões menos favorecidas nos índices de
desenvolvimento do país, causando um real desconforto para os seus habitantes.
As construções sociais dos sistemas simbólicos de uma determinada cultura e a sua
manutenção que caracterizam uma sociedade em si, por meio da interiorização da cultura
dominante pelas pessoas. A violência simbólica se traduz pela imposição não percebida,
dissimulada dos valores e símbolos de poder que se tornam naturais e inquestionáveis, mas
que difundem uma superioridade que descrimina, ridiculariza, humilha e exclui outras
culturas concomitantes (BOURDIEU; 1970).
Outra forma de maltratar é aquela encontrada nas instituições como as escolas, os
abrigos, as restrições de saúde, que são espaços destinados a proteger criança, mas que muitas
vezes vêm praticando atos de violência nas suas diferentes formas: física, psicológica e
sexual. A falta de recursos (humanos e materiais) também expressa a violência estrutural que
essas instituições vivenciam, e acabam por fundamentar serviços abandonados e negligentes,
que desrespeitam os seus usuários com atendimentos precários, ou de pouco acesso,
ocasionando muitas vezes as chamadas evasão.
Assis e Constantino (2003), em um levantamento bibliográfico sobre o tema da
violência contra crianças e adolescentes na década de 90, chamaram a atenção para a grande
quantidade de trabalhos produzidos nas diversas áreas da saúde. Segundo as autoras, na
década de 80, muitas publicações, no campo da psiquiatria, apresentavam os aspectos
61
psicopatológicos e psicodinâmicos (psicopatias) na tentativa de correlacioná-los com os
comportamentos de delinqüência juvenil.
Durante este período, buscou-se uma nova práxis interdisciplinar na educação e
promoção de saúde, como referência à valorização do sujeito-cidadão ativo e consciente como
pode ser observado nos trabalhos de Faleiros e Franke (2001).
A UNICEF (2000) nesta década elaborou uma estratégia fundamental para cobrar
dos diferentes países o cumprimento das metas fixadas no Encontro Nacional de Cúpula pela
Criança, bem como da efetiva implantação da Declaração dos Direitos Humanos. Respaldada
na nova concepção de saúde, não mais entendendo saúde como ausência de doença.
Estudos de retrospectiva história da violência contra criança e ao adolescente
(KEMPE e KEMPE, 1985; MARCÍLIO 1998) também contribuíram no avançar de uma
maior compreensão do fenômeno em si; e outros (NARVAZ, e KOLLER 2006; AZEVEDO e
GUERRA 1988 e 1989) na desmistificação do pátrio poder, do modelo adultolocêntrico e dos
maus-tratos como questão de cunho privado, passando a questionar a família, a sociedade e a
própria União, sobre seus poderes normatizadores e punitivos.
A violência doméstica praticada no país, contra crianças e adolescentes, segundo o
Ministério da Saúde- MS (2002), engloba todos os tipos de maus-tratos, o abandono, a
negligência, e os abusos: físico, psicológico e sexual, podendo também ocorrer em ambientes
outros além do familiar, como instituições de internamento, comunidade e ambiente social em
geral.
No país, a existência e o estabelecimento de normas técnicas e rotinas para a
orientação dos profissionais de saúde, frente ao problema da violência, é incipiente, o que
contribui para a dificuldade desses profissionais de diagnosticar, registrar e notificar os casos.
Por outro lado, contribui também para este encobrimento, o pacto de silêncio, característico
destes atos, nos lares, espaço socialmente considerado imune de violência, mas que, muitas
62
vezes, constitui-se como um ambiente privilegiado para a prática de maus-tratos contra
crianças e adolescentes.
A violência familiar por ser fenômeno amplo que ocorre em um ambiente privado,
dificulta o seu reconhecimento, pois é cometida pelos adultos sobre os membros mais
vulneráveis do grupo familiar, em especial as crianças, como pontuam dentre outros autores
(FERRIANI, GARBIN, RIBEIRO, 2004; CAMARGO e BURALLI, 1998; MORAIS, 1998;
ALGERI, 2001, e MINAYO, 2001).
―(...) a violência contra
crianças e adolescentes é todo ato ou omissão
cometido pelos pais parentes, outras pessoas e
instituições capazes de causar dano sico, sexual, e/
ou psicológico à vítima. Implica, de um lado, uma
transgressão no poder/ dever de proteção do adulto e
da sociedade em geral e, de outro, numa coisificação
da infância. Isto é, uma negação do direito que a
criança e adolescente têm de serem tratados como
sujeitos e pessoas em condições especiais de
crescimento e desenvolvimento‖.
Azevedo e Guerra (1998) consideram que, sendo a família um núcleo básico de
formação da criança, esta é uma instituição social com a maior responsabilidade pelos
cuidados e pela socialização da criança, e que todo ato de violência praticado contra crianças
é uma negação do direito que elas têm de serem tratadas como sujeitos e pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento.
O primeiro estágio de violência contra a criança e o adolescente é o da negação da
sua existência, o da negligência e do abandono, caracterizado principalmente pela falta de
compromisso com a responsabilidade familiar, no suprimento das suas necessidades básicas,
conceituam Duarte e Arboleda (1997).
Portanto a negligência é considerada como sendo todo ato de omissão do responsável
pela criança ou adolescente, no provimento de todas as necessidades individuais para um
desenvolvimento saudável. O abandono é considerado como a agudeza do comportamento
63
negligente, que pode aparecer nas unidades de saúde, na expressão de total descuido por parte
do responsável com relação à higiene, a alimentação adequada, proteção e segurança, e
socialização da criança e do adolescente.
Identificar a negligencia é bastante complexo, devido à violência estrutural de que na
maioria das vezes as famílias são vítimas; o que torna tendencioso quanto à existência de
intencionalidade. Porém, tem sido comum o elevado nível de evasão das unidades de saúde,
interrompendo tratamento, muitas vezes justificado como falta de tempo ou ameaça de perda
do trabalho dos responsáveis, nos processos de internação.
Independente da culpabilidade dos responsáveis em não prover as necessidades
adequadas à criança, é de suma importância que as equipes de saúde tenham uma atitude de
proteção integral para com estas crianças.
Já a violência física, como fenômeno de mortificação do corpo, é definida por
Guerra, (1985 e 1992) Abrapia, (1992) e Azevedo e Guerra (1995) como uma relação social
de poder desigual, através do emprego de força física, de forma não acidental que se
manifesta nas marcas que ficam no corpo, ocasionando diversos tipos de ferimentos.
Os maus-tratos físicos quando recorrentes, e associados a outras formas de violência,
como a psicológica, por exemplo, são entendidos como síndromes, por terem características
semelhantes na maneira de se apresentarem, sendo as mais conhecidas as apresentadas a
seguir:
A ―Síndrome do bebê sacudido‖ é uma forma particular deste tipo de mau-trato e
consiste em lesões cerebrais que ocorrem quando a criança, em geral menor de 6 meses de
idade, é sacudida por um adulto.
É encontrada na literatura também a ndrome da criança espancada se refere,
usualmente, a crianças de baixa idade, que sofreram ferimentos inusitados, fraturas ósseas,
queimaduras etc. ocorridos em épocas diversas, bem como em diferentes etapas e sempre
64
inadequada ou inconsistentemente explicados pelos pais(AZEVEDO & GUERRA, 1989).
O diagnóstico é baseado em evidências clínicas e radiológicas das lesões.
Finalmente a Síndrome de Munchäusen por procuração, é conhecida como situação
na qual a criança é levada para cuidados médicos devido a sintomas e/ou sinais inventados ou
provocados pelos seus responsáveis; o que pode desencadear diversos desconfortos físicos e
psicológicos à criança, por expor a criança ao ambiente hospitalar, submetê-la a exames
complementares e administrar medicamentos desnecessários.
A violência psicológica, como destruição da auto-imagem do outro, é definida
por Deslandes (1994) ―[...] como a interferência negativa do adulto ou pessoa mais velha
sobre a competência social da criança, produzindo um padrão de comportamento
destrutivo‖.
Entre as maneiras mais comuns praticadas estão: a negação, o isolamento e
agressões verbais, chantagens, regras excessivas, ameaças (inclusive de morte),
humilhações, rejeição, exigência de comportamentos éticos inadequados, estigmatização,
desqualificação.
A violência psicológica costuma ser a mais freqüente e menos identificada, devido ao
alto nível de tolerância da criança à mesma e por estar imbricada na ética das práticas de
convivência, pouco trabalhada nos espaços públicos e sociais. Também é conhecida como
sendo o uso ilegítimo da autoridade nas relações de poder. Acontece mediante a inversão de
papeis, de proteção para opressão, quase sempre amparada por posições autoritárias.
Muitas vezes, a escolha por relações opressoras com a criança e o adolescente está
calcada na reedição de relações parentais primitivas dos adultos, também violentas e que
desconsidera o momento do desenvolvimento da criança e do adolescente, e suas capacidades
de compreensão dos limites civilizatórios.
65
Essa violência tende a provocar conteúdos traumáticos que afetam o
desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente, seu comportamento e suas atitudes
diante do mundo, bem como as suas emoções e sentimentos, podendo refletir diretamente na
maneira como a criança vem a interagir socialmente, acentuando atitudes de passividade ou
agressividade.
Portanto, esse tipo de violência tende a destruir a auto-imagem de quem é agredido,
que pode também apresentar pouca estima por si mesma e/ou depressão. Não raro, as crianças
e adolescentes podem se tornar extremamente ansiosos ou negligentes consigo mesmas. Na
sua expressão aguda, podem apresentar elevado grau de desatenção, pouco élan vital, não
característico dessa fase da vida.
a violência sexual e suas formas são consideradas como o uso perverso da
sexualidade do outro, e podem ser realizadas em forma de abuso ou exploração.
A violência sexual contra crianças e adolescente é uma forma de violação dos
direitos humanos, que possui um caráter íntimo e relacional, desviando todo o fluxo
organizativo das estruturas psíquicas e sociais de suas vítimas, principalmente quando
expostas a abusos de longa duração. Faleiros (1998, p.74-81), considera importante nomear e
se atentar para as diversas formas desses abusos, e principalmente dos validados pelo mercado
do sexo infanto-juvenil.
Cabe então, segundo a autora, evidenciar a existência em todo território brasileiro,
desta expressão dos maus-tratos nas formas de abuso sexual intra e extra-familiar, com ou
sem contato físico, de caráter incestuoso ou não, como também a prostituição e a pornografia
infanto-juvenil, o turismo sexual e o tráfico de crianças e adolescentes para fins sexuais.
O abuso sexual é por definição toda situação em que uma criança ou um adolescente
é usado para gratificação sexual de pessoas mais velhas. Em Abrapia (1992), o agressor ―[...]
se aproveita do fato da criança ter sua sexualidade despertada para consolidar situações de
66
acobertamento; a criança se sente culpada por sentir prazer e isso é usado pelo agressor para
conseguir seu consentimento‖.
Segundo Cohen (1993) também é chamado de abuso intra-familiar incestuoso,
qualquer relação de caráter sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente ou entre um
adolescente e uma criança, quando existe um laço familiar (direto ou não) ou relação de
responsabilidade.
Furniss (1993) encontrou uma espécie de ―enfeitiçamento‖ do agressor com o
abusado, quando esses abusos sexuais se dão de forma repetitiva, envolvendo-o em uma
cilada, da qual não pode e nem sabe se livrar.
Através de um enredamento constituído de trama emocional contraditória de amor/
ódio, sedução/ ameaça, que se sustenta através de rituais, do silêncio, da chantagem e de uma
forma de comunicação perversa, passando a ser devastador, qualquer abuso no
desenvolvimento físico, social e psíquico da criança, como ressaltam Azevedo e Guerra
(1988). Normalmente, as famílias nas quais essas ocorrências são registradas possuem
estruturas muito fechadas, em que seus membros têm pouco contato social. Detêm uma
hierarquia rígida, em que a obediência à autoridade masculina é incontestável.
A distribuição dos papéis entre pais e filhos tende a ter perfil mais tradicional,
principalmente quando a menina assume funções e características da mãe (cuidar de afazeres
domésticos e de irmãos menores). O padrão de relacionamento não deixa claro, as regras de
convivência. A comunicação não é aberta e as demonstrações de afeto, quando existem,
tendem a ser misturadas com doses de erotismo, segundo Azevedo e Guerra (1998).
Meneghel (1996), ao traçar o perfil de famílias maltratantes/ maltratadas, verificou
que a mulher maltratada, quase sempre agride os filhos. Os pesquisadores (ALGERI, 2001;
MENEGHEL, 1996; MARTINS, 1997) diferenciam as famílias que apresentam negligência,
violência física ou psicológica das que cometem abuso sexual, descrevendo as primeiras que
67
cometem as violências: de negligência, de abandono, físico e psicológico, com tendência a ter
pais que ocultam as lesões da criança, com explicações não-convincentes, conflitantes, para as
lesões e outros problemas. Estes costumam ter um perfil de apatia e indiferença no trato com
seus filhos, e severidade na educação do mesmo. São hostis, humilham e desqualificam os
mesmos em público. Apresentam os filhos como ―desobedientes‖, ―incorrigíveis‖ e
―malvados‖. Muitos desses pais repetem as experiências de maus-tratos sofridos enquanto
crianças e, geralmente, são usuários de álcool e outras drogas.
as famílias que apresentam casos de abuso sexual de crianças demonstram
peculiaridades diferentes, enquanto nas primeiras, encontramos proteção exageradas com a
criança e o adolescente, demonstrando controle rígido sobre as relações sociais, mostrando
sentimentos de posse e ciúme exagerados, manifestando proibição das relações de namoro e
apresentando desconfiança permanente.
Famílias com caso de abuso sexual costumam acusar a criança ou o adolescente de
ter um comportamento sedutor e/ ou promíscuo, comprovando uma clara inversão de papéis, e
é habitual que a filha desempenhe o papel de mãe dentro de casa. Muitos são os sinais e
sintomas apresentados pelas crianças que são violentadas, e dentre estes, os principais são:
tristeza, isolamento, retraimento e baixa auto-estima. Na maioria das vezes, são hiperativas,
agressivas e rebeldes.
No desempenho escolar, apresentam problemas de aprendizagem e constante estado
de alerta. Quase sempre estão defensivas, com vergonha excessiva, fuga de contatos físicos e
tendência a idéias e/ ou tentativas de suicídio. Pode-se observar, também, fadiga constante,
perda ou excesso de apetite, enurese e/ ou encoprese, desnutrição, lesões físicas observáveis,
infecções urinárias, dor ou inchaço na área genital ou anal, doenças sexualmente
transmissíveis e comportamento inadequado para a idade (sedutor ou sexualizado), Silva e
Silva (2003).
68
Figura 1: Diagrama da Violência
Violência Estrutural
Violência Simbólica
Maus-tratos
Maus-trato
Institucional
Maus-trato
Intrafamiliar
Maus-trato
Extrafamiliar
Negligência e abandono
Maus-tratos
Físicos
Maus-tratos
Psicológico
s
Violência Sexual
Evasão
Exploração
Sexual e
Comercial
69
3.5- Serviços de Saúde: um lugar de identificação dos casos de maus-
tratos?
"Se numa Cidade os cidadãos não tomam das armas
porque estão aterrados pelo medo, não se pode
dizer que exista paz e sim mera ausência de
guerra. A paz não é pura ausência de guerra, mas
virtude originada da força dˈalma no respeito às
leis [...]. Uma Cidade onde a paz é efeito da inércia
dos súditos tangidos como rebanho e feitos apenas
para servir merece antes o nome de solidão do que
de Cidade." Espinosa, Tractatus politicus
Por serem os maus-tratos os resultados da ação humana e produzidos dos seus modos
de vida psicossocial em seus engendramentos de disposição para a vida e não uma disfunção
orgânica propriamente dita, este demorou muito para entrar na agenda de saúde do país. Por
muito tempo fora considerado um problema de Segurança Pública, assim como os acidentes.
Os temas Violência e Acidentes passam a estar ao lado das doenças crônicas e
degenerativas, a partir dos muitos esforços teórico-metodológicos e político nas décadas de 60
e 70 do século passado para se compreender saúde como um conceito ampliado e plural,
como o da 8
o
Conferência Nacional de Saúde no Brasil.
Esse novo conceito de saúde, ao contrário de saúde como ausência de doença e
dominada pelos ditames hegemônicos da medicina, passa a integrar no seu balanço
diagnóstico, os modos de vida e as condições psicossociais e culturais de um povo na
avaliação de sua qualidade de vida. Todos esses esforços têm resultado em movimentos de
descentralização de poderes e gestões cada vez mais representativas da coletividade, em
contraponto dos movimentos individualistas e centralizadores.
70
Num outro olhar a transição epidemiológica causada pelos diversos modos de vida
existentes, mas, principalmente, pela velocidade do crescimento do urbano e suas mazelas,
também, foi motor para essa inclusão. Porém, segundo Minayo (2006), nunca um tema
provocou, e ainda provoca, tanta resistência para entrar no setor da saúde como o tema da
violência e acidentes. Esta realidade pode ser explicada por se tratar de um tema que envolve
revisão epistemológica dos modos de produção de poder e legitimação da compreensão do
fraterno nas relações humanas.
A inclusão do tema no campo da saúde é inegavelmente importante devido a
enumeras estatística vinculadas a mortes prematuras, acidentes e traumas por causas externas
e seus conseqüentes prejuízos econômicos, estragos físicos, mentais e emocionais causados
em suas vítimas e famílias. Porém, foi somente na década de 80 que o tema entra com mais
força na agenda de debates políticos e sociais, como cita Minayo e Souza (1999) em
referência a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), em reunião com os Ministros da
Saúde das Américas:
A violência, pelo número de vítimas e pela magnitude
de seqüelas orgânicas e emocionais que produz,
adquiriu um caráter endêmico e se converteu num
problema de saúde pública em muitos países [...]. O
setor saúde constitui a encruzilhada para onde
convergem todos os corolários da violência, pela
pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços
de urgência, atenção especializada, reabilitação
física, psicológica e assistência social. (Opas,
1994:2).
No Brasil, essa aceitação pelo setor da saúde tem se dado lenta, fragmentada e
em movimentos progressivos advindos de equipes de profissionais da saúde comprometidos
com a saúde e o desenvolvimento integral, na busca da de uma legitimação da cidadania
anunciada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e da efetivação da Lei Orgânica da
71
Saúde, com princípios que regem o SUS, que vão ao encontro de uma construção sólida de
medidas e tratos desta demanda, como: a universalidade, a integralidade, equidade, a
descentralização política administrativa, a intersetorialidade, dentre outros.
Minayo (1999, 2004) acredita que apesar da violência ser antes de tudo uma questão
social, esta demorou a entrar nos protocolos da saúde do País, e que esta ação se justifica
pelo impacto que provoca na qualidade de vida; pelas lesões físicas, psíquicas e morais que
acarreta e pelas exigências de atenção e cuidados dos serviços médico-hospitalares; também,
pela concepção ampliada de saúde, a violência é objeto da intersetorialidade, na qual o
campo médico-social se integra‖.
Cada vez mais os serviços de Atenção Básica e Atenção Integral a família vem se
tornando espaços privilegiados para o estado de alerta e sentinela na detecção de eventos
violentos que surgem no âmbito populacional. Contudo, uma boa parte dos casos de maus-
tratos ainda não é identificada, por considera-se que a violência, muitas vezes, não é percebida
em toda sua dimensão. Corroborando com esta afirmação é citado:
A-) Reichenheim (2003) apresenta que mundialmente, poucas agressões contra
crianças são denunciadas tanto pelos pais quanto pelos profissionais causando baixa
notificação.
B-) Deslandes (1999) considera que é comum que a notificação gere uma expectativa
por "justiça" entre os familiares. Em geral, o profissional de saúde que notificou passa a ser
visto como co-responsável pelos desdobramentos (positivos e negativos) dos diversos
encaminhamentos que são feitos a partir da notificação, ―(...) O registro e a notificação dos
casos de violência doméstica contra a criança e o adolescente mostraram-se absolutamente
precários (...) os profissionais de saúde demonstram uma grande relutância em assumir uma
notificação de maus-tratos".
Tal resistência é fundamentada em:
72
a) experiências negativas anteriores vividas ou relatadas (em que o próprio profissional
foi perseguido pelos familiares ou teve que prestar depoimentos um número incontável de
vezes);
b) receio de a criança ser enviada para qualquer instituição pública, causando-lhe
maiores danos;
c) visão de que se trata de um ―problema de família‖, não sendo de responsabilidade de
uma ―instituição de saúde‖;
d) temor de ―estar enganado‖ e notificar uma ―suspeita infundada‖;
e) crença de que sua ação deve se restringir ao cuidado das lesões;
f) descrença quanto às reais possibilidades de intervenção;
Em 2001, o Brasil aprovou a portaria do Ministério da Saúde que institui uma
Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV),
que permeia três princípios básicos em consonância com os do SUS:
A saúde como direito humano e fundamental e essencial ao desenvolvimento social
e econômico;
O direito e o respeito a vida como valores éticos da cultura e do setor saúde;
A promoção da saúde como a base de todos os programas, projetos e atividades
de redução de violência e acidentes (Brasil, MS 2001a).
As diretrizes que regem este documento são:
1. A promoção de adoção de comportamentos e ambientes seguros e saudáveis;
2. Monitoramento da ocorrência de acidentes e violência;
3. Sistematização, ampliação e consolidação do atendimento pré-hospitalar;
4. Incremento de uma força de assistência multiprofissional às vítimas de
violência e acidentes;
5. Estruturação e consolidação dos serviços de recuperação e reabilitação;
73
6. Investimento na capacitação de recursos humanos, em estudo e em pesquisas
específicas, sobretudo nos assuntos que possam iluminar as práticas nos três
níveis (federal, estadual e municipal), principalmente o local.
No período de 2001 a 2006, o Ministério da Saúde implementou a ação de avaliação
e monitoramento, criando instrumentos que viram a consolidar a PNRMAV, criando portarias
como a 1.968/2001 (Brasil, 2001b), que institui a notificação obrigatória pelos profissionais
da saúde das situações de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e
adolescentes; a 1.969/2001 (Brasil, 2001c), que corrobora com o preenchimento do registro
na Autorização de Internação Hospitalar (AIH) nos casos de atendimento das causas externas,
e as Portarias SAS/ MS 969 (Brasil, 2001d) e 970/2002 (Brasil, 2002), construindo um novo
instrumento de entrada no SUS, visando uma abordagem mais ampla e com mais qualidade de
dados na entrada do paciente na unidade de saúde.
Segundo Minayo e Deslandes (2007, p.27), esses movimentos tendem a favorecer
para a visibilidade da problemática, mas, podem também, emperrar a assistência com uma
burocratização, se não refletir em debates públicos e medidas para a criação de políticas
públicas. A autora também chama a atenção para ampliação das discussões do tema perpassar
pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existente no país, fortalecendo também a
assistência aos maus-tratos.
Quanto ao manejo da violência intra-familiar, Furniss (1993) entende que a
abordagem requer uma equipe interdisciplinar para avaliação, diagnóstico e tratamento, sendo
qualquer membro da equipe, capaz de desenvolver grupos de auto-ajuda, oficinas, vinculando
as referidas famílias com as redes de apoio à comunidade tais como: postos de saúde, clube de
mães, escolas e igrejas.
74
3.6- A Urgência/Emergência Pediátrica e os Profissionais de Saúde
"Viver é muito perigoso!
Querer o bem com demais força de incerto jeito,
pode já estar sendo por se querer o mal por principiar.
Esses homens!
Todos puxavam o mundo para si, para um consertar concertado,
mas cada um só vê e entende as coisas dum seu modo.
Trecho de Grande Sertões -veredas- Guimarães Rosa.
O setor de emergência tende a ser uma das portas de entrada do Sistema de Saúde
que tem uma característica peculiar. Rey (1999, p.258) define emergência como uma
qualidade essencial da contingência, ou seja, do imprevisível, que pede do profissional e do
paciente, ações rápidas ou quadros agudos, que compõem mudança inesperada do estado de
saúde, tendendo para um agravamento e precisando de cuidados da equipe de saúde em
situação de urgência.
Portanto, este setor do hospital destina a atender o quadro de adoecimento
emergencial, que tende a causar nos seres humanos uma sensação de ruptura, ou seja, uma
"descontinuidade do ser",como Moura (1996) assinala muito bem: causa desconhecimento de
si mesmo e de seu corpo, e esta situação convida o humano a entrar em contato, mesmo que
inconscientemente, com as suas representações de morte ou de medo da morte em si,
sentimentos de total desamparo.
Esse processo para a criança se intensifica ainda mais, pois é recheado de fantasmas
e fantasias ligadas ao seu adoecimento, o que as pode deixar muito nervosas no seu ingresso,
além do encontro com o clima de tensão encontrado muitas vezes nas áreas de
urgência/emergência, onde é comum ouvir um coro de gritos e gemidos de dor de outras
75
crianças que já estão na unidade, que pode aumentar ainda mais os sentimentos hostis que este
espaço gera na mesma.
Com relação ao processo de hospitalização da criança, é preciso antes de qualquer
coisa, nos ater ao seu possível universo e como este pode estar imbricado nos sintomas da
criança. Bosi desenha uma perspectiva da casa infantil e retrata tão bem por quais caminhos
precisamos percorrer para entender as suas linguagens:
"A criança muito pequena pode ignorar que seu lar
pertence a um mundo mais vasto. O espaço que ela
vivencia como o dos primitivos, é mítico, heterogêneo,
habitado por influências mágicas. A mesa da família
possui um lado onde é bom comer, o lado fasto onde
senta-se mamãe e é agradável estar; No lado dela, o
retrato do tio avô que olha fixo, às vezes feroz, torna
o lado nefasto onde eu recuso comida e
choramingo.Tudo é tão penetrante de afetos, móveis,
cantos, portas e desvão, que mudar é perder uma
parte de si mesmo; é deixar para trás lembranças que
precisam desse ambiente para reviver. Para a criança
que ainda não se relacionou como o mundo mais
amplo, a mudança pode ter um caráter de ruptura e
abandono.(...) " (BOSI. 1979, p. 356-57).
A construção e o domínio dos espaços conquistados pelas crianças dentro das várias
fases do seu desenvolvimento e a ruptura desta construção, na migração para a hospitalização
ou outras construções realizadas do universo hospitalar para a criança pode lhe despertar
sentimentos aterradores.
Esses sentimentos são fundados em tratamentos desconfortáveis, desagradáveis,
limitação de atividades e adversidades impostas pelos sintomas físicos associados a fatores de
risco inespecíficos como: expressão de possíveis conflitos familiares, disfunção parental e
abusos relacionais entre pares que compõem o cotidiano da criança que tendem a agravar
76
ainda mais estes quadros, mobilizando defesas ou desorganização psíquica, atualizando
ansiedades e conflitos primitivos diante desta situação-limite.
Pela vulnerabilidade a que se expõem a criança e o adolescente por si só, necessitam
de cuidados voltados para uma visão que compreenda a proteção integral como um desafio a
ser alcançado, buscando, desta forma, enfatizar e viabilizar níveis de proteção, coesão
familiar, apoio, orientação e preparação para os procedimentos, o que Lima (1994; 28-30)
denominou de cuidar psicopedagógico.
Um fator importante dentro desta realidade é que a criança entra no setor de
urgência/emergência, geralmente, acompanhada por familiares ansiosos, angustiados e
exigentes de um bom atendimento, pois estes que as acompanham quase sempre carregam
junto um sentimento de culpa, por não terem sido hábeis nos cuidados com a mesma. Esse
clima tensional precisa ser interpretado pela equipe de saúde que atende esta demanda.
Atender este público pede da equipe de profissionais da saúde uma maior atenção nas
relações afetivas entre a criança ou adolescente e seus pais, um maior controle da dor,
entendendo esta como causa de desestabilidade geral e um forte elemento desruptivo do ser
criança /adolescente em sua totalidade.
A linguagem utilizada pela equipe de saúde precisa ser simples, para que haja
efetivamente uma maior compreensão do processo de adoecimento, e condizente a todas as
faixas etárias na busca de esclarecimentos, além da necessidade de ter um caráter franco, o
que causa mais segurança para a família e a para própria criança/adolescente, que somente
desta forma poderá participar do seu processo de cura.
Portanto, o trabalho dentro de uma unidade de urgência / emergência é marcado pelo
ritmo frenético, característico de situações inesperadas e, que este real impõe, caracterizado
por servir a situações de crise evolutivas ou acidentais e ligadas a um mal-estar súbito que
77
solicita dos profissionais, uma precisão e atenção excessiva nos atendimentos de doenças
agudas (DESLANDES, 2002, P.70).
A psicóloga Peres, em seu artigo, "O psicólogo na unidade de emergência" (2005),
descreve quatro particularidade deste setor no hospital, são eles:
"(...)1-Necessidade constante de tomar decisões
rápidas e eficientes na luta contra a doença e a
morte;
2-Imprevisibilidade, o inesperado é rotina;
3-Estrutura com sobrecarga de trabalho;
4-Taxa de mortalidade 5 vezes maior do que nas
outras enfermarias;".(PEREZ, 2005; p.55)
Somado a tudo isso, a autora acima chama a atenção para a realidade da infra-
estrutura que esta equipe de profissionais está inserida, haja visto que, muitas vezes, as
instalações dos pronto-socorros, tendem a ser precárias, obsoletas, pouca manutenção nos
aparelhos, espaço insuficientes e insumos de uso técnico, além de um quadro de profissionais,
com pouco qualificação que lhes forneçam habilidades e competências para cuidar de
crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos.
O profissional tem que ser criativo e, muitas vezes, displicente com a técnica e a
ética aprendida nos bancos de sua formação, para dar conta da falta de medicação adequada
para situação e na transferência para as outras unidades mais especializadas, onde a falta de
vagas tende a forçá-lo a internar na própria unidade emergencial, em condições inapropriadas
para o quadro (SILVA, 1994).
Outra questão bastante relevante é o momento da triagem nas unidades de urgência
/emergência, pois esta precisa considerar as diferentes perspectivas que embasam do que seria
urgência e emergência para os diferentes profissionais envolvidos. Estas perspectivas tendem
a convir em alguns pontos: priorização dos aspectos vitais dos pontos de vista biológicos e
físicos em detrimento dos aspectos psíquicos e sociais constitutivos dos processos vitais,
78
como preconiza o modelo biomédico, a confluência de preconceitos e valores sociais no
descaso ao atendimento de pacientes categorizados como ―essencialmente não urgentes‖, a
prontidão maior para o atendimento a usuários de classe social e nível cultural mais elevados,
na importância da identificação dos que fingem ou estão dizendo a verdade sobre suas
urgências e no consenso de que se a dor ou o problema é antigo, ―quem esperou tanto para
procurar o serviço pode esperar mais‖ (SILVA, 1994).
Nem sempre o profissional de saúde dispõe de recursos psíquicos internos para
identificar e compreender ou até mesmo intervir, em situações de maus-tratos, pois todo o seu
potencial está voltado para o ritmo intenso destas unidades. O contato direto com a dor dos
pacientes, o sofrimento psíquico e o risco da morte convidam estes profissionais a reeditar
conteúdos primitivos pessoais que também lhes mobiliza estratégias defensivas para poder
lidar com este cotidiano.
Os sentimentos mais comuns encontrados no cotidiano destes profissionais tendem a
ser vivenciado com dor, sofrimento psíquico, impotência, fracasso, angústia, medo,
desesperança, diante das perdas e morte. Rossi (2007; p.172) justifica a existência dos
comportamentos de aversão e de encantamento despertados nos profissionais de saúde que
deles permeiam a sua prática.
Junto a isso, estão as grandes demandas para atendimento não emergencial que
inundam as salas de espera, devido a fragilidade da infra-estrutura no Sistema Único de Saúde
(SUS). Essa realidade vem sobrecarregar e inviabilizar os serviços podendo causar
sentimentos agressivos como o aumento da tensão e grande frustração na equipe de
profissionais.
Romano (1999; p. 50-56) chama a atenção para o fato de haver nestes serviços,
também, uma demanda reprimida para atendimentos ambulatoriais, devido à precária rede de
atendimento na área da saúde, e que muitas vezes os atendimentos descaracterizam as funções
79
do local, transformando-o em um ambulatório com pronto-atendimento, essa realidade se
justifica pela possibilidade de ser prontamente atendido e, desta forma, driblando as filas
imensas dos ambulatórios para os seus mal-estares.
Por todos esses fatores tem se colocado em pauta o desrespeito do reconhecimento,
ultimamente, sobre os estressores ocupacionais, principalmente os do setor de saúde, medidas
profiláticas ou terapêuticas são pouco difundidas no contexto hospitalar. Mesmo com uma boa
formação para a execução técnica no exercício das suas funções, é comum o encontrarmos
profissionais despreparados no manejo de situações do seu cotidiano psicologicamente
difíceis.
Dentre outros efeitos do estresse, na sua versão crônica é comum encontrarmos
alterações das funções psíquicas do indivíduo, como as de humor, principalmente
irritabilidade e impaciência, sentimentos ansiosos e depressivos, alterações também nos níveis
de consciência, atenção e memória, também encontramos fadiga excessiva, tendências ao
isolamento e alterações gastrointestinais, alterações dos níveis de pressão arterial e do padrão
do sono.
Segundo Selye (1965) descreve a Síndrome de Adaptação Geral, que divide em
estágios de constante exposição a fatores estressores, o primeiro ele chamou de Estágio de
Alarme, o segundo de resistência, o terceiro de quase exaustão e o quarto e último de
exaustão, esses estágios vão respectivamente, do encontro com o a situação produtora de
tensão, a busca de energias adaptativas para se reequilibrar, o começo do adoecimento pelas
reservas começarem a se esgotar e por fim quando a situação estressora passa a gerar outra e a
aproximação de estados de falência adaptativa.
É importante ressaltar que os fatores estressantes são advindos dos mundos interno e
externo do indivíduo, que a maneira como as pessoas reagem ao estresse está intimamente
ligada ao fator da resistência individual e a capacidade adaptativa do sujeito, o que torna
80
eventos estressantes mais acentuados para uns do que para outros. Justamente porque
subjetividade de cada ser humano irá divergir na recepção de situações geradoras de um
estado emocional forte que possa a vir gerar uma ruptura da homeostase do sujeito.
A realidade específica dos maus-tratos contra a criança e adolescente, nos
atendimento destes profissionais, tende muitas vezes a passar despercebida, por todos estes
fatores estressantes, ou forma adaptativa de resistência que privilegia a permanência do
profissional na função que se compromete a cumprir.
Além dos maus-tratos aparecerem em sua maioria das vezes como pano de fundo da
situação emergencial trazida pelo responsável, quando identificada, tende a causar
sentimentos de assombro e desesperança, pois é considerada quase sempre intransponível,
devida as más condições de vida destas famílias onde estas crianças vivem, aliadas a uma
cultura da deixa pra depois, pois sempre há neste espaço de trabalho um caso mais emergente
para ser tratado.
Por esses motivos os quadros dos maus-tratos tende a ser manejado pela equipe de
trabalho, quase sempre depois em que está em uma cronicidade ou agudeza, ou seja,
quando as marcas no corpo da criança se apresentam ou esta chega ao setor emergencial em
estado avançado de maus-tratos, como são os casos de subnutrição, espancamento, violência
sexual com contato físico, gravidez precoce, dentre outros.
O atendimento seguido do paradigma do Estatuto da Criança e do Adolescente
preconiza outra postura da equipe, e a criação de políticas públicas que dêem efetivamente
conta de subsidiar serviços como atendimento psicossocial, depoimentos sem dano, e outros
tantos, que possam oportunizar uma melhor acolhida destes casos, e encaminhamentos para
serviços que efetivamente dêem conta desta demanda, e assim poderem sanar danos futuros
para estas crianças e adolescentes.
81
Segundo a Organização Mundial de Saúde (Opas, 1993), a existência de serviços de
qualidade para o atendimento de vítimas não fatais pode prevenir futuras fatalidades, reduzir
seqüelas de curto e longo prazo e ajudar os afetados a lidar com o impacto da violência inter
pessoal em suas vidas.
Várias são as justificativas, para uma acolhida precária destas equipes de saúde neste
setor, o despreparo dos profissionais de saúde na identificação e manejo dos casos, limitações
estruturais dos serviços e uma assistência ainda voltada para o atendimento ―socorrista‖,
realizados em curta duração e calcado no modelo saúde/ doença, onde o foco transita entre as
entidades clínico-potológico, MS (2001).
Ferreira (2002) chama a atenção para a necessidade dos profissionais do setor de
saúde desenvolver habilidades para melhor poder reconhecer e diagnosticar violência,
entender suas conseqüências e manejá-las adequadamente. Saber avaliar traumas físicos e
emocionais auxilia na detecção dos pacientes que apresentam traumas decorrentes de
violência, sem estigmatizá-los por apresentarem problemas "suspeitos".
Gomes e co-autores (2002) consideram ser o primeiro passo para efetivação de
um atendimento a esta demanda, a capacidade do profissional de identificar ou suspeitar de
violência. Levando em consideração que o pediatra, muitas das vezes, pode ser o único
profissional a ter contato regular com crianças maltratadas antes que elas ingressem na escola,
imprimir escuta e olhar ampliado seria uma atitude essencial para tornar visível uma situação
de violência.
Quanto às limitações de resultados satisfatórios, Ferreira (2002) alerta que os
resultados, não devem ser vistos como fracassos da atuação do profissional de saúde. É
importante ter clareza de que nem sempre conseguimos avançar o quanto seria teoricamente
desejável, mas o quanto é possível para cada família e para cada instituição envolvida. Os
82
maus-tratos contra crianças provocam nos profissionais sentimentos que se mesclam,
oscilantes e até contraditórios.
Além disso, a confirmação dos maus-tratos pode proporcionar culpa pela
possibilidade de dissolver um ilusório equilíbrio familiar. Segundo Sarti (2003),
―(...) a dificuldade de romper com o modelo
idealizado acerca da instituição "família" e de nos
estranharmos em relação às nossas próprias
referências pode tornar a situação ainda mais
complexa de ser enfrentada.‖
A violência contra crianças provoca, na maioria dos profissionais, sentimentos
contraditórios onde o aprendizado em lidar com o tema, sucita sensibilização e a subjetividade
de cada um fará diferenças no seu caminho, dentro, os seus pares e da equipe como um todo
descreve o Comité de Familia y Salud Mental.
Sabemos que a violência é um tema gerador de ―mal estar‖, e leva a
questionamentos, sentimentos desagradáveis e insegurança, portanto, seria necessária, que o
profissional estivesse inserido em oportunidades sistemáticas de discussão, sensibilização e
capacitação, como idealiza o Ministério da Saúde-MS (2002).
Por isso, a responsabilidade do profissional frente à violência precisa ser discutida
nos âmbitos: jurídico e o da consciência moral. Do âmbito jurídico aponta ―O Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei n
o
8.069 de julho de 1990‖ dispõe o artigo 13 que diz:
―(...) Os casos de suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra criança ou
adolescentes serão obrigatoriamente comunicados ao
Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem
prejuízo de outras providências legais‖.
O mesmo documento no artigo 245, diz:
83
―(...) deixa o médico, professor
ou responsável por estabelecimento de atenção à
saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche,
de comunicar à autoridade competente os casos de
que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou
confirmação de maus-tratos contra a criança ou
adolescente (...) Pena- multa de três a vinte salários
de referência, aplicando-se o dobro em caso de
reincidência‖.
Porém, Gonçalves e Ferreira (2002) entendem que notificar maus-tratos, ainda causa
fragilidade para os profissionais da saúde, pois as redes de apoio para a notificação, ainda
estão muito enfraquecidas.
Os Conselhos Tutelares são considerados por esses profissionais, como órgãos pouco
resolutivos, por uma série de motivos: têm sobrecarga de trabalho; muitos conselheiros
assumem seus cargos sem a devida capacitação, demonstrando pouco conhecimento sobre o
ECA e o trabalho prático vinculado a ele; suas ações não costumam ser planejadas, pautando-
se em questões pontuais, muitas vezes utilizando-se de intervenções fragmentadas e de cunho
emergencial; a infra-estrutura de trabalho é precária e falta retaguarda de serviços, o que causa
relação conflituosa com outros órgãos que atendem às vítimas.
84
4- Cartografia Metodológica
O cenário metodológico deste estudo seguiu os ensinamentos da pesquisa social em
saúde, entendendo a partir de (MINAYO: 2004 p. 20-21) a sua carga histórica, ou seja,
considera que o recorte feito no objeto de estudo é determinado pelas características temporais
e espaciais específicas, buscando um melhor entendimento das dinâmicas sociais em
constantes transformações, bem como, se ater as preocupações e interesses do grupo analisado
frente à sua produção concreta e toda a diversidade inconclusa essência do objeto que fora
pesquisado.
Desta forma, foi possível buscar uma maior consciência deste real em questão,
levando em consideração que a pesquisadora também se encontrou no foco desta observação,
advertida da sua condição inclusa na mesma natureza e, portanto, pactuada com estes feitos
(LÉVY STRAUSS; 1975, p. 215).
Ao abranger os aspectos político e ideológico deste grupo social pesquisado,
procurou-se dar ênfase a suas condições de vida, crenças, valores e significados simbólicos e
imaginários, compreendidos dentro de uma lógica de tumultos e consentimentos, o permitido
e o proibido e suas transformações dentro da cultura vigente.
A pesquisa qualitativa em saúde tem em seu bojo uma questão humana crucial,
aquilo que denominamos de saúde e, portanto, pertencente a qualquer classe social, mas
conceitualmente divergente a partir dos modos de produção de vida, condições das mesmas e
das ações que os indivíduos estabelecem consigo e os outros em termos de cuidados e atenção
integral. Ressalta-se que a partir da constituição de 1988, no Brasil a saúde passou a ser
direito do cidadão e responsabilidade do estado, assim como, como um bem estar
biopsicossocial, como compreende a Lei federal, n° 8080/90, art. 3°, p. 22.
85
"A saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer
e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de
saúde da população expressam a organização social
e econômica do País". (Lei federal, 8080/90, art.
3°, p. 22)
4.1- Pesquisa Qualitativa em Saúde:
A pesquisa qualitativa segundo TURATO (2003) concentra seus esforços na
compreensão dos fenômenos humanos estudados, de forma aberta e flexível na construção dos
seus instrumentos, para poder apreender e interpretar as formas de relação de significação dos
fenômenos para os indivíduos e para a sociedade, portanto a área de estudo que mais o tem
utilizado é a área das ciências humanas, por considerar importante os saberes advindo da
singularidade do indivíduo pesquisado, bem como a relevância da ótica subjetiva do
pesquisador.
No âmbito da saúde coletiva, a metodologia da pesquisa qualitativa tem sido
desenhada como:
"(...) aquelas capazes de incorporar a questão do
SIGNIFICADO e da INTENCIONALIDADE como
inerentes aos atos, às relações, e às estruturas
sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu
advento quanto na sua transformação, como
construções humanas significativas". MINAYO (1999;
10).
As principais disciplinas que baseiam estas pesquisas são: psicanálise, antropologia,
sociologia e a psicologia compreensiva e têm como técnicas: observação livre, entrevistas
semi-dirigidas e busca de dados complementares que venham subsidiar as pesquisas
realizadas no método, como averiguação de dados em prontuários, base de dados estatísticos,
relatórios até mesmo em resultados de testes psicológicos.
86
Sendo o grupo social uma amostra selecionada previamente, este terá uma prioridade
elegível de experiências vivenciadas a fim de obedecer a critérios de inclusão e exclusão, que
contemple uma gama de ações em direção a um perfil coerente com o fenômeno estudado,
sendo quase sempre, uma amostra com poucas unidades de análise.
Buscam-se então na visão metodológica de pesquisa qualitativa, o contexto do
método clínico-qualitativo, por encontrar pilares neste contexto, segundo Turato (2003; p.242)
a ênfase na valoração de sentidos e significações a partir do pensamento em saúde,
priorizando a atitude clínica, focada em aspectos emocionais, tais como as angústias e as
ansiedades suscitadas no fenômeno pesquisado, na compreensão em profundidade dos
aspectos psicodinâmicos, considerando os elementos psicanalíticos básicos para a sua
compreensão.
Turato (2003) define atitude clínica em pesquisa como: (...) "acolhida do sofrimento
existencial e emocional do indivíduo... assumida pelo profissional, se dá a partir da sua escuta,
do seu olhar e das múltiplas e interligadas sensibilidades, que interage com seus
conhecimentos teóricos da metodologia de investigação em direção a aquela pessoa e quem
melhor quer conhecer e compreender cientificamente".
Assim sendo, esta é uma pesquisa de cunho clínico-qualitativo, denominada de
estudo de caso, com poucas unidades de análise, considerando valiosos os achados da análise
em profundidade, na busca de um maior detalhamento da realidade a ser pesquisada.
A análise essencialmente temática dos conteúdos apresentados nos discursos segue
as orientações de Bardin (1977), encontrando nas fases de análise: pré-análise, exploração do
material e no tratamento dos resultados, as categorias de análise e suas inferência e
interpretações do discurso amostral. Com a finalidade de explorar ao máximo possível, até a
sua saturação, os diferentes níveis de representação sobre o tema em questão.
87
4.2- Caracterização do local pesquisado:
A escolha do local pesquisado se deu de forma aleatória entre os que tinham o
mesmo perfil de ser um pronto atendimento à criança e ao adolescente. Haja vista que todos
garantiriam ser um lócus de investigação, pois se concentram equipes multiprofissionais,
que compõem uma rede organizacional estruturada, reconhecidas socialmente na sua
competência de desenvolver práticas assistenciais tanta a quanto criança e do adolescente.
O Hospital e Pronto-Socorro da Criança da Zona Oeste (HPSC-ZO) de Manaus está
localizado na Avenida Brasil, número 989, no bairro da
Compensa I. Possui uma área total de 13. 349, 5 m
2
, de área
construída são 2.873,5 m
2
e é
parte do conjunto de unidades que compõem o Sistema de Saúde, subordinado
administrativamente à Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas (SUSAM), região Norte
do Brasil, com a caracterização dos serviços para urgência, emergência e internação em nível
secundário. O seu público alvo são pessoas menores de 15 anos, com demanda referenciada e
espontânea.
A rede de saúde e assistencial em que está inserida, também subordinada a SUSAM,
que visa garantir o atendimento ao público infanto-juvenil em Manaus, vai desde
Maternidades, Hospitais, serviços de Urgência e Emergência, como os citados Prontos-
Socorros, ao Serviço de Pronto Atendimento (SPAs), bem como as Clínicas Especializadas:
Centros de Atenção Integral à Criança (CAICs), Postos de Assistência Médica (PAMs) e as
Clínicas Básicas, com os Centros de Saúde. Além do Hospital e Pronto-Socorro da Criança da
Zona Oeste, existe mais dois hospitais que se localizam em zonas diferentes, o da Zona Sul e
o da Zona Leste.
A Unidade do PSC-ZO foi inaugurada em janeiro de 2001, com o intuito de suprir o
zoneamento oeste da cidade de Manaus, a demanda para o pronto atendimento de casos de
urgência e emergência e de internação hospitalar em nível secundário de crianças, com a
88
disponibilidade, em tempo integral, dos serviços médicos nas especialidades: de pediatria,
cirúrgica e ortopedia; bem como os serviços especializados dos profissionais de enfermagem,
assistência social, psicologia, nutricionista e fisioterapia, estando na retaguarda os exames
complementares necessários para o seu funcionamento e o serviço de remoção assistida para
outras instituições especializadas.
O Hospital e Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste têm como Missão: "Garantir,
em tempo integral, o atendimento aos casos de urgência e emergência e de internação
hospitalar (nível secundário) demandado pela comunidade com a maior resolubilidade
possível, removendo de forma assistida para outras instituições especializadas os casos
absolutamente necessários" (GOVERNO DO AMAZONAS, 2001). Tornado relevante, desta
maneira a escolha desta instituição como cenário da pesquisa.
Esta Unidade de Saúde disponibiliza em tempo integral os serviços de especialidades
médicas: pediatria, cirurgia, ortopedia e terapia intensiva; Serviço de enfermagem,
enfermagem intensiva, psicologia, fisioterapia e de assistência social; exames laboratoriais de
apoio diagnóstico, radiologia médica e ultra-sonografia (realizado em horário específico em
face de carência de profissionais especializados); Unidade transfusional; Internações em
enfermarias sob observação médica e do corpo de enfermagem; serviço de remoção assistida
(viabilizada pela Central de Regulação) para outras instituições especializadas.
O HPSC-ZO está cadastrado junto ao DECAV/ SUSAM/ Ministério da Saúde para
atendimentos níveis ambulatorial (Pacientes advindos da Urgência e Emergência da própria
Unidade de Saúde). Os dados do Relatório de Gestão da Unidade de Saúde em sua Estrutura
Física, Serviços Disponíveis e Necessidades do Exercício 2009 realizado pelo setor do SAME
desta mesma Unidade nos ajudaram a embasar esta caracterização.
89
Portanto o Hospital tem a sua capacidade instalada dos serviços de Assistência
Hospitalar/ Ambulatorial, que pode ser analisada na tabela1, tendo a maior capacidade para os
serviços de pediatria clínica.
TABELA 1: Capacidade instalada dos serviços de Assistência
Hospitalar/Ambulatorial: de Leitos e Especialidades no HPSC-ZO;
N
o
de Leitos
Especialidades
30
Pediatria Clínica
09
Ortopedia
03
Anestesiologia
09
Cirurgia Geral
10
Medicina Intensiva
13
Observação Pediátrica
03
Reanimação Pediátrica
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO
As especialidades ofertadas compreendem a Pediatria, Ortopedia, Cirurgia Geral,
Anestesiologia, e Terapia Intensiva. Os serviços de apoio diagnóstico existente na Unidade.
A Estrutura Organizacional do Hospital e Pronto-Socorro da Criança da Zona Oeste é
composta pela Direção Geral que junto a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
(CCIH), supervisionam as Gerências: Administrativa, Técnica e de Enfermagem. A Gerência
Administrativa por sua vez coordena os serviços e procedimentos realizados pelas equipes
que compõe: os Recursos Financeiros (orçamento, faturamento e contas a pagar), os Recursos
Humanos, Suprimentos (compras e almoxarifado) e o Serviço de Apoio.
a Gerência Técnica é responsável em coordenar e supervisionar os Consultórios
Médicos (Pediatria, Ortopedia, Cirúrgica e outras Especialidades), os Serviços de Apoio
Diagnóstico e terapêutico (SADT), os Serviços de Arquivo Médico e Estatístico (SAME), a
90
Farmácia, a Nutrição e Dietética, bem como os Serviços de Especialidades (Assistência
Social, Psicologia e Fisioterapia).
Por último, a Gerência de Enfermagem coordena e supervisiona os atendimentos das
equipes de enfermagem nas ações de: nebulização, medicação e terapia de reidratação oral
(TRO), as enfermarias de: observação, clínica pediátrica, clínica ortopédica e a clínica
cirúrgica. Bem como o Centro Cirúrgico e as Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
Toda a tarefa realizada pelos profissionais do HPSC-ZO é regida pelo espírito de
equipe e com o compromisso de zelar os locais e instrumentos de trabalho. Também contam
com o serviço de apoio a distância através da rede que trabalha na rotina do sobreaviso, são
eles: a cardiologia, nefrologia, eco cardiograma, eletro encefalograma, endoscopia respiratória
e digestiva alta e baixa, ressonância magnética e tomografia computadorizada.
O quadro total de profissionais lotados na instituição é de 408 funcionários, sendo
destes apenas 102 os regimes de trabalho estatutário e 306 em regime especial, com a
característica de contrato temporário, os profissionais graduados das categorias analisadas,
como pode ser analisado na FIGURA 2, logo abaixo, que quase 90% destes trabalham ou por
cooperativas ou são funcionários sem vínculo estável com a instituição.
91
FIGURA 2-Quadro de pessoal & regimes de trabalho na Unidade HPSC-ZO
Categoria
Profissional &
Regime de
trabalho
Cargo
Comissionado
Mês
Estatutários
Mês
Regime
Temporário
(RET) Mês
Cooperados
Dia
Total
24H
Medicina
01 Revisor
03
02
22- Pediatras
05- Cirurgiões
05-Ortopedistas
07- Intensivistas
04-Anestesistas
49
Enfermagem
01 Gerencia
01
04- Intensivistas
10-Semi-intensivista
16
Assistência Social
01 Gerencia
01
07
09
Psicólogo
01
01
Fisioterapeuta
01
01
Farmacêutica
01
01
Nutricionista
01
01
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO
Observação: Todos os que compõem o quadro gestor do hospital são estatutário.
92
Este Hospital é considerado de grande porte, contendo 77 leitos, todos ativos, assim
distribuídos, a tabela 3 abaixo mostra o quantitativo e destinação dos leitos por ambiente:
TABELA 2: Quantitativo e destinação dos leitos no HPSC-ZO;
Discriminação
N
o
de leitos
Ativos
Observação
Hospital
77
77
UTIs
05
05
Tratamento Intensivo
UTIS
05
05
Tratamento Semi Intensivo
Unidade de Reanimação
03
03
Reanimação de Pacientes
Centro Cirúrgico
03
03
Leitos de Pós-Operatório
Enfermaria /Observação
12
12
Leitos de Observação
Enfermaria /Observação
01
01
Leito de Isolamento
Enfermaria 01
12
12
Neonatologia/lactentes
Enfermaria 02
01
01
Leito de Isolamento
Enfermaria 03
03
03
Leitos Cirúrgicos
Enfermaria 04
03
03
Leitos Cirúrgicos
Enfermaria 05
01
01
Leito de Isolamento
Enfermaria 06
02
02
Leitos Clínicos de 7 a 14 anos
Enfermaria 07
02
02
Leitos Clínicos de 7 a 14 anos
Enfermaria 08
12
12
Leitos Clínicos de 1m a 7 anos
Enfermaria 09
12
12
Leitos Clínicos de1m a 7 anos
Sala de Observação
01
01
Sala Pequena Cirurgia
01
01
Ortopedia e Politrauma
Sala de Inalação
01
01
Sala de Curativo
01
01
Terapia de Reidratação Oral
01
01
Confortos Técnicos
09
09
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO
93
Para poder ingressar no campo de pesquisa e realizar a pesquisa no local, a
pesquisadora pediu a autorização da então Secretaria do Estado de Saúde do Amazonas, que
no período um mês de análise fora concedido sem nenhuma restrição pelo então Secretário de
de Saúde do Estado do Amazonas.
Coube apenas à pesquisadora o compromisso legal, sob pena de responsabilidade por
perdas e danos, de que toda e qualquer publicação, total ou parcial, dos trabalhos que se tenha
utilizado os dados coletados junto às instituições da Rede Estadual de Saúde, fosse incluído o
crédito pela participação do Governo do Estado do Amazonas/ SUSAM, bem como o
compromisso de entregar uma cópia encadernada da presente dissertação para compor o
acervo da biblioteca da Instituição (Anexo3).
Nos serviços prestados pelo HPSC-ZO no ano de 2008, maior procura foi para o
tratamento em pediatria, somando 86% da procura total à unidade, somente 7,3%
direcionados para a prática cirúrgica, e 4, 56% para a ortopedia, como é possível verificar na
Tabela 3.
Chama também a atenção para a ascensão na quantidade de crianças atendidas pela
pediatria de janeiro a maio, chegando a 10.000, e depois uma curva descendente até dezembro
com quase metade da demanda, com 5.140 casos atendidos.
Um número consideradamente elevado para um hospital com o porte de 77 leitos.
Neste período de maio/2008 foi preciso fechar o espaço da recepção do hospital e transformá-
la em uma enfermaria, e reordenar os espaços além das macas nos corredores da unidade em
caráter extraordinário.
94
Tabela 3-Estatística anual de atendimentos por especialidades médicas e enfermagem.
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO
É possível verificar na análise da Tabela 5, o perfil epidemiológico dos agravos mais
atendidos a criança e adolescentes realizados em 2008 pela Unidade de Saúde. Os quadros das
doenças respiratórias como sendo o carro chefe dos atendimentos da unidade, seguido das
doenças gastrointestinais.
Esse perfil epidemiológico pode ser interpretado pela característica climática da
região norte, clima tropical úmido, muito propício para a proliferação de várias espécies de
fungos e bactérias.
Todo começo do ano o índice pluviométrico aumenta consideravelmente, é o período
da cheia dos rios no Amazonas, o ambiente umedecido ajuda a criação das camadas fúngicas
que se proliferam nos ambientes dos lares, precisando de constantes remoções, podendo
deixar as crianças mais suscetíveis à infecção respiratória e gastrointestinal.
Meses
Jan
Fev
Mar
Abr
Mai
Jun
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
%
Pediatria
6660
7470
9291
8350
10000
7194
6100
5416
5753
6226
5507
5140
86,88%
Cirurgia
605
534
529
590
582
513
649
653
615
591
612
556
7,35%
Ortopedia
367
315
351
393
408
359
383
385
385
368
357
293
4,56%
Subtotal
7632
8319
10171
9333
10990
8066
7132
7185
6753
7185
6476
5989
Enfermagem
56
89
113
118
262
149
87
62
34
41
74
69
1,21%
Total
7688
8408
10284
9451
11252
8215
7219
6516
6787
7226
6550
6058
100,00%
Média / dia
248,0
300,3
331,7
315,0
363,0
273,8
232,9
210,2
226,2
233,1
218,3
195,4
95
Tabela 4-Estatística Anual e Mensal de Internação por Faixa Etária no Período/ 2008
Faixa
Etária /meses
00 01
1-02
02-03
03-04
04-05
05-06
06-10
10-14
Total
Janeiro
89
60
36
20
4
18
63
58
348
Fevereiro
80
54
33
19
18
18
119
87
428
Março
101
83
45
40
29
22
73
84
477
Abril
134
72
47
43
21
25
74
55
471
Maio
247
145
59
30
30
14
55
30
610
Junho
290
120
68
22
13
13
55
39
620
Julho
224
105
42
33
20
18
51
24
517
Agosto
89
46
28
27
18
18
52
32
310
Setembro
96
53
29
26
17
19
48
39
327
Outubro
75
33
17
23
11
12
38
28
237
Novembro
81
31
20
24
21
19
37
33
266
Dezembro
77
45
19
15
15
14
35
35
255
Acumulo
no ano
1583
847
443
322
217
210
700
544
4866
%
32,53%
17,41%
9,10%
6,62%
4,46%
4,32%
14,39%
11,18%
100,00%
96
Tabela 5- Descrição dos agravos mais atendidos pelo HPSC-ZO/2008
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO/SAME
Apesar dos dez agravos mais atendidos perfazerem um total de 95. 215 casos, a
tabela de estatística anual/mensal de internações por faixa etária em 2008, representado pela
tabela 4, que apenas 4.866 ficaram internados na instituição, apesar dos possíveis
encaminhamentos para outras instituições, isto se deve ao já citado no capítulo 3.6, da
necessidade que a população tem de ser atendido rapidamente, sem precisar passar por filas de
espera nos ambulatórios, causando uma demanda reprimida para atendimentos ambulatoriais,
devido à precária rede de atendimento, que desemboca nos pronto-socorros.
De acordo com a Tabela 4, também podemos perceber um pico maior nos meses de
abril a junho. Com destaque para as faixas etárias de 00-01 e 01-02 anos, com maior número
de internações durante todo o ano, com exceção do mês de fevereiro que praticamente dobra o
número de internações da faixa etária de 06- 10 anos, com relação ao restante do ano, em uma
situação atípica.
CID-10
Descrição do Agravo
CASOS /2008
J00
Nasofaringite
10.095
J06.9-
Infecção das vias aéreas superiores não especificadas.
6.690
A09-
Diarréia e gastroenterite de origem infecciosa presumível
5.086
J03.9-
Amigdalite aguda não especificada
4.873
R11-
Náuseas e vômitos
3.957
J20-
Bronquite aguda
3.830
J20.9
Doença não especificada
3.635
R50.9
Febre não especificada
3.488
J45.9-
Asma não especificada
3261
K52.9-
Gastroenterite e colite não infecciosa, não especificada
2852
TOTAL DOS 10 AGRAVOS MAIS ATENDIDOS EM 2008
95.215
97
Chama a atenção que nos quadros atendimentos da assistência social, tabela 8, os
meses onde acontece um maior número de evasão ou abandono pelas famílias da internação e
conseqüentemente do tratamento coincidem com os meses de pico, ficando apenas o mês de
julho, com o maior número de evasão, perfazendo um total de 21 evasões só neste mês, o que
pode ser inferido, como sendo um reflexo da sobrecarga de trabalho na Unidade de Saúde no
trimestre anterior.
O hospital tem mapeado a partir das fichas de atendimentos, a proveniência dos
casos atendidos. A maioria dos casos vem da própria zona oeste e do centro-oeste, mas
também são atendidos diversos casos das outras zonas urbanas, além das demandas dos
municípios do entorno de Manaus e municípios mais distantes da capital, conforme tabelas 6.
Tabela 6- Estatística Anual e Mensal de Atendimento por Zona Urbana e Município
Meses
Centro
Sul
Centro
Oeste
Leste
Norte
Sul
Oeste
Outros
Interior
do Est
Total
Jan
271
949
97
277
218
5209
637
30
7688
Fev
294
1010
122
228
268
5766
673
47
8408
Mar
379
1450
101
316
333
7008
614
82
10283
Abr
356
1442
109
325
248
6359
532
80
9451
Mai
367
1557
253
398
333
7656
631
56
11251
Jun
321
1132
101
441
211
5494
461
53
8214
Jul
267
1122
113
272
196
4681
529
39
7219
Ago
230
1043
76
227
182
4386
341
31
6516
Set
271
1071
182
215
197
4399
398
54
6787
Out
246
916
96
233
214
4896
571
70
7242
Nov
243
926
86
200
176
4544
331
44
6550
Dez
220
756
70
234
186
4236
328
28
6058
%
0,04
13,98%
1,47%
3,52%
2,89%
67,56%
6,32%
0,64%
100,00%
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO/SAME
98
Tabela 7-Descrição de maiores ocorrências de causas externas atendidas pelo HPS-
ZO/2008
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO/SAME
Na tabela 7, realizada a partir do Relatório Hygia1, indicam maiores ocorrência de
causas externas atendidas pelo HPSC-ZO no ano de 2008 onde podemos perceber uma maior
incidência de causas externas infantis de janeiro a dezembro, disparada na liderança a
ingestão de corpos estanhos, seguido de mordedura de animais e acidentes de trânsito.
A ocorrência de ingestão de corpo estranho pode ser caracterizada pela negligência
do responsável na observância dos objetos que a criança leva a boca, nos primeiros meses de
vida, esse comportamento de levar objetos à boca é uma maneira que a criança tem de
Meses
Ingestão
Produto
Tóxico
Mordedura
de Animais
Queimadura
Acid de
trânsito
Ing
Corpo
Estranho
Afogamento
Agressão
Samu
2008
Jan
3
10
6
5
20
0
0
2
Fev
1
11
10
7
13
0
0
7
Mar
2
15
8
14
19
1
0
8
Abr
3
20
6
10
26
1
0
4
Mai
5
20
12
9
29
1
0
5
Jun
2
7
1
6
15
0
0
1
Jul
3
25
9
12
29
1
0
2
Ago
4
9
8
8
26
0
1
8
Set
5
13
5
8
23
2
1
3
Out
6
17
5
8
33
0
0
2
Nov
2
29
6
9
28
0
0
5
Dez
7
19
10
11
30
0
0
4
Acumu
Lado
43
195
86
107
291
6
2
51
99
explorar e conhecer o mundo que a cerca, ao mesmo tempo em que é natural desta faixa
1
etária, a necessidade de vigia deste comportamento é essencial para que a mesma não faça
ingestão de objetos pequenos, posterior necessidade de extrair, até por ato cirúrgico, objetos
maiores.
Tabela 8-Estatística anual do serviço social de casos notificados em 2008
FONTE: GOVERNO DO AMAZONAS/ SUSAM/HPSC-ZO/SAME
A estatística dos casos atendidos e notificados pelo serviço social da unidade em
pesquisa, representada pela tabela 8 nos apresenta um número elevado para evasão ou
abandono do tratamento por parte dos responsáveis, 23 casos de violência sexual, encontrados
na unidade em 2008, e 102 casos, ligados ao outros tipos de maus-tratos atendidos no HPSC-
ZO.
1
HYGIA (utilizado para registro de produção, marcação de consultas e exames laboratoriais).
Meses/200
8
Evasão /abandono
de tratamento
Óbit
o
Estupr
o
Outras
Notificações
Casos
Sociais
Total
Mês
Janeiro
6
5
0
8
0
19
Fevereiro
8
6
3
7
0
24
Março
9
3
3
7
0
22
Abril
13
6
6
6
0
31
Maio
11
5
0
10
0
26
Junho
16
5
3
12
0
36
Julho
21
4
2
17
1
45
Agosto
4
3
2
3
0
12
Setembro
8
4
2
9
1
24
Outubro
7
3
1
7
0
18
Novembro
9
6
0
11
0
26
Dezembro
5
4
1
5
0
15
Total
117
54
23
102
2
298
100
4.3-População estudada
A população pesquisada foi composta por variedade de tipos, pertinente aos
seguintes critérios de inclusão: ser profissional de saúde de nível superior, atuar na instituição,
prestar atendimento às crianças e adolescente a mais de um ano, em outras unidades de saúde
ou nos setores desta mesma instituição, compor a equipe multiprofissional da Unidade de
Serviço e consentir em participar do estudo. Os critérios de exclusão o o negativo do da
inclusão.
Durante as abordagens aleatórias dos profissionais entrevistados houve três recusas
de participação justificadas por falta de tempo para realizar as entrevistas, devido à demanda
de serviço na unidade ser excessiva no período da abordagem, que coincide com o período de
grande demanda no hospital caracterizado anteriormente, portanto prioritária. E uma
profissional pelo não desejo da participação da pesquisa em si.
As categorias profissionais entrevistadas foram: médica, enfermagem, psicológica,
assistência social e fisioterápica, caracterizando uma equipe multidisciplinar.
Quanto ao tamanho da amostra, para a compreensão do tema, buscamos um número
representativo para as interpretações, ou na versão sobre uma determinada realidade coube ao
pesquisador e ao seu orientador encontrar os pontos de saturação de sentido dentro do
contexto histórico-cultural pesquisado.
Foram totalizadas dez entrevistas, com os profissionais de saúde da Unidade, sendo
estes: dois psicólogos, duas assistentes sociais, dois médicos, três enfermeiros e um
fisioterapeuta.
101
4.4- Elaboração de instrumento e coleta de dados:
Procurando ter uma maior abrangência do objeto pesquisado, o estudo obteve duas
ênfases exploratórias: a primeira constou no levantamento de dados da instituição, obtidos nos
registros dos casos notificados em maus-tratos e seus prontuários no último ano, e a segunda
etapa onde foram realizadas entrevistas não diretivas e individuais com os profissionais de
saúde da instituição em questão que correspondeu aos critérios de inclusão amostral.
A coleta das informações se deu no período de 15de junho de 2008 a 15 de fevereiro
de 2009, realizada pela própria pesquisadora, imbricada em concentrar os esforços na
legitimidade dos dados colhidos, estando bastante atenta em registrar as redes de
comunicações formais e informais, existente no campo da pesquisa.
Na primeira etapa pudemos contar com a grande disponibilidade, do o senhor
Ademar de Moura Souza, técnico administrativo do HPSC-ZO, que trabalha no Serviço de
Arquivo Médico e Estatístico (SAME), que auxiliou no manejo e compilação dos dados
estatísticos coletados na Unidade, disponibilizados livremente pela direção da Instituição.
na segunda etapa, as entrevistas não diretivas compuseram o instrumento a ser
analisado, contendo perguntas abertas, com duração máxima de duas horas por participante,
seguindo o guia de trilhas desenhado em Anexo1.
4.5- Análise de dados:
A análise dos conteúdos obtidos nas entrevistas será tratada segundo os critérios da
técnica de análise de conteúdo, construídos por Bardin (1988:105), organizado por blocos
―temáticos‖ que procurando a confluência dos sentidos manifestos e latentes dos dados
102
analisados, nos faz conferir e inferir saberes comuns nos discursos e posturas diante da
demanda pesquisada.
―consiste em descobrir os ‗núcleos de sentido‘que
compõem a comunicação e cuja presença, ou
freqüência de aparição, podem significar alguma
coisa para o objetivo analítico escolhido‖ BARDIN
(1988:105).
Compuseram três momentos de análise: o primeiro, como um sobrevôo nos diálogos
obtidos, procurando seguir as leituras: textual, analítica e interpretativa do material coletado, o
segundo momento, uma busca e fragmentação dos discursos em categorias e subcategorias,
codificando-as e definindo-as a partir dos sentidos encontrados. E por fim, a partir dos
resultados obtidos pudemos compilar interpretações possíveis e factuais do estudo
apresentado.
4.6- Considerações da Ética em Pesquisa:
―A vida é curta e muito longo o
caminho a percorrer.
As oportunidades são passageiras.
A experiência traiçoeira.
E a avaliação difícil...‖
Hipócrates
Com essas palavras de Hipócrates, inicia-se uma reflexão sobre as Éticas como uma
busca longa e infindável, de uma moral que conta do viver em qualquer tempo ou cultura,
de códigos e cogitos, de um conjunto de pactos e /ou regras que sustente um fazer a priori do
bem em detrimento do mal.
Seja a ética adaptativa aristotélica, contemplada em seu texto ―Ética a Nicômaco‖,
apontando para o contentamento, do agir em conformidade com a razão, com o intuito de
103
propiciar a harmonia entre o sujeito e os valores coletivos, ou a Ética do Cristianismo,
considerando a premissa de que Deus é o único mediador entre os indivíduos, tendo como
principais virtudes fé e a caridade.
Poderíamos também nos debruçar na Ética que sustenta o pensamento da era
Moderna, a Ética do Racionalismo, onde é preciso que a verdade, para ser alcançada, seja
construída sob o método. Buscava-se nesta ética, ao contrário da fé, a razão; e o agir passava
a ser regulado pela experiência calculada, medida e controlada.
O saber científico pautado no método chega à sua ética mais expressiva, quando o
seu entendimento define o saber com método como aquele fidedigno, enquanto o sem método
é considerado mítico ou empírico.
Da Ética Kantiana que conduz o agir para um consolidar-se com o Imperativo
Categórico, ou seja, agir para fortalecer uma máxima afim de, pela vontade, contribuir para
condensar para uma Lei Universal. no século XIX, a Ética Hegeliana marca a diferença no
entendimento de que a ética deve ser determinada pelas relações sociais. Se o intuito deste
trabalho fosse falar sobre as Éticas, ainda teríamos que nos fiar a Ética praxista, a pragmática,
a Nietzschiana, a Sadiana e tantas outras, mas não o é.
A etiologia da palavra ética é derivada de ethos, tendo o primeiro significado grego:
―o uso e costume de um grupo‖, portanto, agir corretamente, seria agir conforme o grupo, tal
como no dicionário de Abbagnano, entre outras considerações nos diz que a ética é "em geral,
a ciência da conduta" (ABBAGNANO, p.360).
Os autores (VICTÓRIA, KNAUTH E HASSEN. 2000,136p.) enfatizam como
etiologia da palavra, o significado de morada da alma, o caráter de uma pessoa a disposição
interna da vontade que inclina a pessoa a agir naturalmente de determinada maneira
equivale ao sentido de local em que vive sua alma‖. E ponderam que pensar sobre a Ética, é o
104
mesmo que pensar sobre o agir voluntário e livre do humano e de suas conseqüências sobre os
outros e que falar ―tecnicamente‖ de ética é que nos faz remeter à moral.
O agir eticamente em pesquisa não é dissociado do agir eticamente do profissional.
Para os autores acima citados, existem duas correntes divergentes em ética onde uma mesma
dúvida a respeito de qual postura tomar diante do fazer profissional, poderá ser refletida por
duas formas de ética nomeadas por eles de: ética utilitarista, que é aquele que...
―... segue que a lógica casuística, onde se calcula os
benefícios/ prejuízos para se chegar na melhor ação,
ou seja, a que promova a maior quantidade de bem e
a menor quantidade de mal‖, é a que nos remete ao
conceito mais próximo da moral, e aquela que irá
analisar a dúvida da in/ postura mediante princípios
éticos, que é a normo-deontológica, aquela que
busca assegurar uma análise não restrita ao objeto e
se atém às regras em geral‖. (VICTÓRIA,
KNAUTH E HASSEN. 2000- 136p.),
Os códigos de ética profissionais, segundo esses autores, seriam então uma ponte
possível diante de tal impasse. Porém, para os mesmos, não se pode garantir que todos os
códigos de ética e o seu devido uso possam garantir a ética nas ações profissionais.
Em pesquisa existe a normatização de condutas, tanto do pesquisador, quanto do
pesquisado que possa cada vez mais garantir os princípios éticos norteadores da pesquisa com
seres humanos, pois segundo Zoboli (2003), estes referenciais se baseiam no respeito ao ser
humano, na não-maleficência (o fato de não causar danos intencionalmente), na beneficência
(com vistas para o bem estar), na justiça (que contempla aquilo que alguém tem direito),
garantindo por fim, a informação plena do pesquisado.
Na pesquisa qualitativa, segundo os autores (VICTÓRIA, KNAUTH E HASSEN.
2000) deve-se levar em consideração o fato que a ―técnica de observação‖ muitas vezes, pode
ser considerada invasiva, mesmo quando consentida e vir a deflagra situações
105
constrangedoras e de impasses éticos no observador que precisam ser fundamentados
teoricamente e não somente na situação vivida.
Também chamam a atenção para a norma de que em pesquisa deve-se garantir o
anonimato dos pesquisados, inclusive quando com o uso de um heterônimo o restante da
descrição é identificado, bem com, imagem que, para ser utilizada deve passar sempre pelo
consentimento.
Outra norma bastante conhecida e também citada pelos autores (VICTÓRIA,
KNAUTH E HASSEN, 2000) é o estabelecimento de um consentimento informado, em todas
as pesquisas com os seres humanos, a sua utilização em pesquisa é um elemento característico
e essencial do exercício de todas as profissões da área da saúde, que quando aplicado em
populações ágrafas, como as indígenas, poderá ser documentado através de testemunhas ou
outras formas de documentação.
Também, os autores (VICTÓRIA, KNAUTH E HASSEN; 2000) entendem que este
instrumento, por representar o início de um vínculo com o pesquisado, deverá ser utilizado
diante de uma postura que vise os princípios éticos norteadores, que possa sempre estar
disposta ao esclarecimento do pesquisado, para que desta forma, o pesquisador consiga
também uma maior adesão do participante.
Foram providenciadas as medidas requeridas pela resolução 196/ 96 do Conselho
Nacional de Saúde: o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal do Amazonas, tendo sido aprovado por unanimidade de votos. Os
Profissionais de Saúde participaram da pesquisa mediante leitura, interpretação,
esclarecimentos e consentimento através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
(Anexo B).
106
Para garantir total sigilo e o anonimato diante do material coletado dos informantes,
foi construída uma estratégia de camuflagem, atribuído a estes, nomes de personalidades
infanto-juvenis que sofreram maus-tratos, para poder assim descaracterizá-los inclusive na
questão de gênero, ficando apenas a correlação com a função especializada exercida pelo
profissional.
As correlações realizadas estão na Tabela 9, logo abaixo, e as histórias de maus-
tratos vivenciadas por crianças e adolescentes podem ser encontradas no (Anexo C).
Tabela 9- Correspondência entre categoria profissional e personalidades
Participantes
Categorias Profissionais
Personagens
2
Assistência Social I
Assistência Social II
Pixote
Isabela
3
Enfermagem I
Enfermagem II
Enfermagem III
Sandro,
Bebê HPSC- Zona Oeste
Eloá
2
Psicologia I
Psicologia II
Madeleine
Fernando
1
Fisioterapia
Bebê na Pampulha
2
Medicina I
Medicina II
Klayton
Elisabeth
107
5- Percursos alcançados nos resultados encontrados
―Há tempos são os jovens que adoecem
Há tempos o encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
E só o acaso estende os braços
A quem procura abrigo e proteção‖.
Legião Urbana (As Quatro Estações, 1989).
Todos os informantes do HPSC-ZO demonstraram, a princípio, uma preocupação em
acolher a entrevistadora para um espaço onde pudéssemos ter uma maior privacidade e
realizarmos a entrevista sem sermos atrapalhados. Com a equipe multiprofissional
entrevistada, todos se mostraram bastantes receptivos nos propósitos e instrumentos da
pesquisa, inclusive alguns, ao final da mesma, se propuseram espontaneamente a indicar
outros profissionais que pudesse colaborar com a pesquisa.
A partir do convite feito aos profissionais de saúde do HPSC-ZO de debruçar sobre o
real dos maus-tratos atendidos e refletir sobre o seu fazer com esta demanda específica foram
suscitadas diversas reações, indagações e comportamentos dos mesmos, que vão desde a não
disposição para participar de tal façanha por aqueles que recusaram a posição de informante,
estranhamento de estar sendo convidado por não acreditar atender a demanda dos maus-tratos,
ansiedade e nervosismo no discurso por estarem sendo estes gravados, revelação de
curiosidades sobre os desdobramentos da mesma pesquisa até a expressão de entusiasmo por
poder estar conversando sobre o tema com a pesquisadora e poder re-significar seus fazeres.
Na análise dos conteúdos das falas dos informantes foi possível desenvolver
categorias e subcategorias de análise, a primeira delas, a que chamo de Reconhecendo
terreno: dados e definições sobre maus-tratos, pelos profissionais em Manaus, que está
voltada para a definição dos maus-tratos fazendo um levantamento dos referenciais
apresentados pelos profissionais de saúde da Unidade de Saúde, do entendimento do
108
fenômeno e arranjos tipológicos exemplificados, bem como explicitar o levantamento de
dados epidemiológicos apresentados pelo serviço social do HPSC-ZO/ 2008, o programa Viva
Manaus /2006 /2007/ 2008 do Governo Federal e do Conselho Tutelar com relação ao
município e da zona oeste de Manaus.
A segunda grande categoria de análise dos discursos é denominada de Interação com
o objeto individual e grupal: possíveis significados individuais e em equipe das interações,
conflitos, obstáculos nestes fazeres, pela qual pudemos analisar subcategorias: Estratégias
apresentadas na identificação dos casos, uma diversidade de táticas desenvolvidas pelos
profissionais, diante da suspeita e confirmação dos casos, e a subcategoria: Percurso dos
casos na Unidade de Saúde, que possibilitou sopesar a amplitude das ações conjuntas e
constatar a fragmentação das ações nos serviços oferecidos diante dos maus-tratos.
Ainda nesta categoria consideramos as Barreiras enfrentadas no manejo dos casos e
como a equipe e o profissional de saúde vem desenvolvendo possíveis Encaminhamentos e
monitoramentos, a qual deriva da subcategoria Bifurcações e Destinos: consideração sobre
os desdobramentos dos casos de maus-tratos.
A última subcategoria de análise: As Marcas dos maus-tratos nos profissionais de
saúde, ilustra a importância de se trabalhar a equipe de saúde de maneira preventiva para
enfrentar essa densa demanda e os seus possíveis efeitos, bem como pontuar a grande
necessidade de se investir em um trabalho terapêutico com os profissionais, visando o
pensamento coletivo, a integralidade dentro de uma ética do fraterno nas relações de trabalho.
A terceira categoria de análise A Bagagem: competências adquiridas ou não
desenvolvidas para lidar com o trajeto em si onde busquei fazer um rastreamento quanto à
formação dos profissionais de saúde escutados. Na subcategoria A formação dos profissionais
diante dos maus-tratos, existe ainda lacunas a serem desenvolvidas diante desta demanda,
pela carência de qualificação dos profissionais e a subcategoria Conhecimentos do Eca onde
109
pude comprovar de forma irrestrita que todos os informantes sentem necessidade de um
estudo mais aprofundado desse instrumento.
A última categoria Revisitar: a constatação da descrença na proteção integral para
os casos de maus-tratos constatou o quantum que ainda temos que trabalhar para conseguir
dar conta do princípio da integralidade, e principalmente nos níveis de baixa, média e alta
complexidade.
A necessidade de desenvolver a postura gerencial comprometida com a Garantia de
Direitos como preconiza o ECA, portanto considero relevante a conscientização que alguns
profissionais apresentam no conteúdo de suas falas da indignação do total descompromisso
com o ir fundo diante dos casos apresentados e o quase utópico conceito de Garantia de
Direitos a criança e adolescentes em um território com tamanha expressão da desigualdade.
110
5.1- Reconhecendo terreno: dados e definições sobre maus-tratos pelos
profissionais em Manaus.
Existem momentos na vida onde a questão de saber se, se
pode pensar diferentemente do que se pensa e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável para
continuar a olhar e refletir‖ (FOUCAULT, 1994 p. 13).
Este primeiro momento da pesquisa consiste em reconhecer de que lugar parte os
conteúdos das falas dos informantes sobre os maus-tratos as crianças e adolescentes, bem
como identificar os dados existentes sobre este fenômeno por outros pesquisadores e quais
os cruzamentos possíveis destes dados para podermos avançar na prática nos serviços de
saúde desta capital.
Logo no início das entrevistas, depois de uma breve apresentação dos informantes,
buscamos reconhecer os domínios nas definições de maus-tratos, dados e tipos conhecidos
pelos mesmos de forma que cada um pudesse ter a oportunidade de expressar de que lugar e
referencial estavam nomeando os maus-tratos.
Foi possível identificar referenciais, pontos de vistas e posturas diferentes diante deste
fenômeno, que também refletiram nos nomes e tipos exemplificados de maus-tratos, bem
como as diversas opiniões sobre as causas e responsabilizações destes atos violentos sobre as
crianças e adolescentes, encontrados nos próximos subtítulos.
Antes, porém, é importante ressaltar alguns dados obtidos por meio de núcleos
epidemiológicos e banco de dados estatísticos que são alimentados pelos serviços que
atendem a demanda da violência em Manaus.
Os dados gerais para maus-tratos as crianças e adolescentes, freqüências por faixa
etária, levantados pelo programa VIVA da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
da Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, a partir de julho de 2006 quando foi
111
implantado, em 2007 e 2008, a partir dos Relatórios anuais da ficha de
Notificação/Investigação individual, são respectivamente:
Tabela 10-Total de casos de maus-tratos/ 2006 a 2008/criança e adolescentes.
Ano
< 04
05 a 09
10 a 14
15 a 19
Total
2006
49
21
48
13
131
2007
202
135
224
67
628
2008
221
161
256
84
722
Fonte VIVA/ M.S./ Núcleo de Acidentes e Violência/ DEPLAM/ SEMSA
Estes dados revelam um movimento de ascensão de registros de casos de violência a
notificados pelo serviço de saúde em Manaus, apesar de, ainda, expressar sub-notificação,
chamando a atenção para o maior número de registros de maus-tratos contra crianças menores
de 4 anos e de 10 a 14 anos, na cidade de Manaus.
112
Tabela: 11-Meios de Agressão dos maus-tratos/ 2006 a 2008/ Crianças e Adolescentes/Manaus
Faixa
Etária/
Ano
Arma
de
fogo
Enforca
mento
Força
corporal
Outros
Perf e
obj.
cortante
Queima
dura
Missing
Total
< 04
2006
2007
2008
0
0
0
0
0
0
4
22
19
7
18
13
1
5
2
1
1
2
36
156
185
49
202
221
05 a 09
2006
2007
2008
0
0
3
0
2
1
6
38
33
3
16
18
0
1
2
0
0
1
12
77
103
21
135
161
10 a 14
2006
2007
2008
1
3
7
0
4
8
12
62
69
9
35
40
1
6
9
0
2
1
25
114
122
48
224
256
14 a 15
2006
2007
2008
1
2
5
0
0
1
3
20
38
4
12
9
0
1
1
0
0
0
5
32
30
13
67
84
Fonte VIVA/ M.S./ Núcleo de Acidentes e Violência/ DEPLAM/ SEMSA
Na tabela acima, sobre meio de agressão dos maus-tratos notificados, chama a
atenção dois fatos: primeiro, o elevado número de violência por força corporal em todas as
faixas etárias, desde a tenra idade e, o número de casos em que o meio da agressão apresenta
como inespecífico e/ou desconhecido.
113
Tabela : 12-Tipos de maus-tratos/2006 a 2008/ Crianças e Adolescentes/Manaus
Faixa
Etária
Financeira
Física
Negligência
Outras
Psicológica
Sexual
Tortura
Missing
Total
< 04
2006
2007
2008
0
1
1
1
8
2
14
77
58
7
5
17
2
1
7
11
59
57
0
1
0
14
50
79
49
202
221
05 a 09
2006
2007
2008
0
0
1
0
2
2
6
27
20
3
4
14
0
12
5
0
66
92
1
1
0
12
23
27
21
135
161
10 a 14
2006
2007
2008
1
5
3
0
4
6
12
11
10
9
10
14
1
6
10
0
167
198
1
1
1
25
17
14
48
224
256
14 a 19
2006
2007
2008
1
1
5
0
0
1
3
3
38
4
3
9
0
3
1
0
52
0
1
2
0
5
3
30
13
67
84
Fonte VIVA/ M.S./ Núcleo de Acidentes e Violência/ DEPLAM/ SEMSA
a tabela 12, com os tipos de maus-tratos as crianças e adolescentes, notificados
pelos serviços de saúde do município de Manaus, entre julho de 2006 e final de 2008, destaca
o elevado número de negligência na faixa etária de crianças menores de 4 anos e de violência
sexual apresentado, coincidindo com os dados levantados no pronto atendimento da zona
oeste.
Também em entrevista com o Conselheiro Tutelar da Zona Oeste tivemos outros
dados. Os dados mostram que em 2008 foram 5182 casos notificados aos conselhos
tutelares, entre suspeita e constatação de maus-tratos. Dados referentes a espancamento,
agressão com objetos, negligência, ameaça de morte, tortura, dentre outros, e denunciados na
Zona Oeste do mesmo município ao Conselho Tutelar da zona distrital, onde o HPSC-ZO está
localizado, foram 1187 casos.
114
Figura 3- Quadro demonstrativo do N
o
de casos de maus-tratos por zona distrital,
Manaus,2008
Fonte: Conselho Tutelar da Zona Oeste/Manaus/ 2008
Em cada órgão dos Conselhos Tutelares de Manaus trabalham cinco conselheiros por
zona distrital, perfazendo um total que cobre o território do município de 45 conselheiros. O
horário de funcionamento, segundo a nova lei municipal que rege o mandato do conselheiro,
lei 1242/2008 é de 08:00 as 13:00, ficando o restante do dia descoberto das ações deste órgão.
A rotina de trabalho descrita pelo Conselho Tutelar consiste em responder a maioria
das denúncias que aparecem por fax, no envio das cartas às residências dos casos de suspeita
de violência, convocando a uma entrevista investigativa.
Caso haja a comprovação de atos violentos, dependendo do caso, é preciso notificar
conforme o estatuto e fazer o pedido de afastamento do domicílio. O caso é direcionado para
as instâncias jurídicas, pedindo a destituição do pátrio poder. Paralelamente a esta ação, a
ZONAS
TOTAL
ZONA OESTE
1187
ZONA SUL I
361
ZONA SUL II
47
ZONA CENTRO-SUL
289
ZONA CENTRO-OESTE
652
ZONA NORTE
2055
ZONA LESTE I
426
ZONA RURAL
155
Total de casos
atendidos em 2008
5182
115
criança ou o adolescente deveria ser encaminhado para um abrigo, mas, a cidade, no
momento, conta com dois abrigos e estão lotados, abrigo Padre Pedro e abrigo Mamãe
Margarida, ambos estão lotados, como também não têm espaços terapêuticos pra usuário de
drogas.
Em entrevista ao conselheiro tutelar, esse nos informou que um terço dos casos
encaminhados pelos serviços de saúde ao seu órgão são casos de evasão hospitalar. Informou
também que nesses casos o órgão do Conselho Tutelar, em posse da denúncia, adverte
verbalmente ou por escrito, alegando abandono intelectual e/ou abandono de saúde.
O Conselho Tutelar trabalha em parceria com os serviços de saúde, através do
serviço social. Ao mapear o trabalho do órgão junto ao setor de saúde da Zona Oeste,
compreende-se que este atende as Unidades: Maternidade Moura Tapajós, Serviço de Pronto
Atendimento do São Raimundo e o Joventina Dias, no bairro da perto da Compensa. Sendo
quase nula a demanda das UBS nesta zona distrital.
O quadro apresentado na figura 3 é referente às denúncias recebidas pelos conselhos
tutelares na cidade de Manaus em 2008. Apesar de existir uma quantificação do montante dos
casos atendidos, esses dados estatísticos apresentado pelo Conselho Tutelar, não são
trabalhados de forma a fazer uma caracterização mais detalhada do perfil dos casos
denunciados, por falta de estrutura para desenvolver o trabalho.
Minayo e Deslandes (2007; p. 35-100) em análise diagnóstica de cinco capitais
brasileiras, incluindo Manaus na PNRMAV (Política Nacional de Saúde para Redução de
Acidentes e Violência), no período de 2000 a 2004, apontam algumas características da
capital em questão que devemos levar em consideração:
116
Segundo o DATASUS, Manaus apresentava em 2000, 6.452 internações por causas
externas, destes 915 por acidentes de trânsito e 937 agressões representando um
percentual elevado nas internações e utilização dos serviços de saúde voltados para a
violência no geral.
Ressaltam as pesquisadoras os reduzidíssimos registros de síndromes de maus-tratros,
nos dados coletados em Manaus dentre outras capitais, apontando para uma sub-
notificação dos casos, alegando falta de preparo dos profissionais no diagnóstico e
manejo do caso.
Hospitalizações por causas externas, segundo sexo, Manaus apresentou 76,3% de
internações masculinas.
Também chamam a atenção para "elevadíssimas proporções de registros de pouca
qualidade em Manaus" para "eventos cuja internação é indeterminada", ou seja, não
houve esclarecimento sobre o acidente e/ou a violência que ocasionou a lesão em 80%
dos casos internados por causas externas, dificultando segundo as autoras a tomada de
decisão nos desenhos epidemiológicos, descrevem: qualidade das informações na
capital do Amazonas.
Manaus chama a atenção para a ausência de registro de suicídio, em todas as faixas
etárias.
As crianças (0-9 anos) manauenses contemplam segundo as autoras o grupo com a
maior proporção de internação por causas externas não específicas.
Apesar dos dados numéricos do registro de casos de maus-tratos à criança e o
adolescentes notificados em 2008, estarem em ascensão progressiva, os órgão da rede de
proteção entrevistados apontam uma discordância significativa quanto ao valor absoluto a
117
ser considerado, e mesmo assim por diversos motivos, estando de posse do maior valor
quantitativo destes dados, podemos evidenciar sub-registros.
5.1.1- Domínios nas definições do tema maus-tratos a infância e ao
adolescente:
―Do rio que transborda, arrasta árvores e destrói casas
diz-se que é violento. Mas não se fala da violência das
margens que o comprimem‖.
Bertolt Brech
Considerando que cada profissional de saúde que fora entrevistado está imerso em
uma determinada cultura e um contexto existencial e que por esse mesmo motivo, possuem
um enfoque ideológico individual, expresso através de seu discurso e os direcionamentos dos
seus significados, entendendo que a compreensão destes conteúdos, terá o cuidado de extrair
seus modos singulares.
Portanto, cada ser humano tem um referencial pessoal para se pautar e definir
fenômenos por ele apreendido. Esta realidade fora encontrada nas entrevistas com os
profissionais da saúde sobre os maus-tratos as crianças e adolescentes, perante a qual
pudemos constatar um grande envolvimento no momento da entrevista com fenômeno
proposto, na busca de suas representações e expressões através de suas várias referências, bem
como diversas imagens ou significados por eles apresentados.
Na busca inicial dos significados e compreensão do fenômeno dos maus-tratos, como
foi trabalhado no capítulo 3.3.4, foi possível ter como base que este fenômeno é de
conceituação complexa, polissêmica e controversa e com diversas interpretações, portanto
descrito por Deslandes (1994) como sendo:
‖Define-se o abuso ou maus-tratos pela existência de
um sujeito em condições superiores (idade, força,
118
posição social ou econômica, inteligência,
autoridade) que comete um dano físico, psicológico
ou sexual, contrariamente à vontade da vítima ou por
consentimento obtido a partir de indução ou sedução
enganosa.‖
Por este prisma os depoimentos dos profissionais entrevistados apontam como
definição de maus-tratos, no início das entrevistas, para um conceito amplo e/ou abrangente,
sobre o qual a privação das necessidades básicas e desrespeito às mesmas, sustentam a maior
parte dos significados encontrados nos discursos.
Os conceitos de maus-tratos envolvem, na visão dos profissionais de saúde
entrevistados, as ações: de não conseguir oferece: amor, atenção, higienização; nutrição,
cuidados em saúde, o bem estar; não permitir o desenvolvimento do potencial natural da
criança; privação de cuidados, de direitos, de respeito e de amor; provocar sentimentos
hostis a criança e ao adolescente; forma de agredir; não assegurar um convívio familiar
adequado; a escassez de noções básicas para no cuidado a criança e ao adolescente;
comportamentos abusivos.
"É muito abrangente... os maus-tratos... um pouco
de cuidado, que envolve a não vacinação da criança,
a má... alimentação inadequada, o carinho, a
atenção, o acompanhamento... é o inicio de tudo, a
falta de amor!... dos pais destas crianças... sem falar
a violência física..., a falta dos cuidados da criança...
a criança nos horários corretos... isso também é
violência, eu acho, essa criança tem que ter todo
acompanhamento em todas as suas fases... horários...
tudo isso eu acho que seja violência, uma em maior
ou menor grau, mas que é uma violência... sem falar
física de bater,... a violência emocional... estar
assustando a criança,... repreender a criança de
forma inadequada... fazendo medo...que é
violento...os pais tem que assegurar um convívio
familiar bom pra criança, pra desenvolver o
emocional, pro físico, envolve tudo... a família... não
119
deve privar a criança do que ela tem, o direito, a
saúde, a alimentação, os cuidados básicos, o
amor...em síntese! ( Isabela).
Dias (2002. P.73 a 76) trabalhou na sua dissertação de mestrado a definição da
violência com a equipe de enfermagem e chegaram às seguintes variações dos significados:
"formas de limitações impostas pelo outro; violação da integridade física e psíquica; como
expressão das desigualdades nas relações; violência onde um ocupa o lugar do outro;
desrespeito a dignidade humana".
A causa e responsabilização dos maus-tratos como sendo da família, que não
consegue prover, e que violenta, aparece na maior parte dos discursos, ou seja, a violência
doméstica é a única forma identificada em 80 % dos conteúdos das falas dos informantes. Os
maus-tratos emergem como: a desinformação, o descuido, o despreparo e o descaso por parte
dos pais ou responsáveis.
(...) elas acham que o menino toma refrigerante com
melitos está ótimo! Não acha que o feijão com o
arroz, e com a carne é importante. Então tem criança
que chega aqui com um grau de desnutrição severo,
isso é responsabilidade familiar? É. Eu acredito que
é, porque a gente tem que se rebolar pra criar o filho.
Mas aí, vem todos esses fatores, sócio-cultural, sócio-
econômico que não depende da pessoa. Depende do
nível que ela já convive, das condições financeiras
que ela possui, e é isso aí!(Sandro)
Realmente, a grande parte dos trabalhos relacionados a diversos tipos de maus-tratos,
na maioria das vezes, tem considerado esta realidade como uma questão de violência
doméstica, devido aos agressores ser em sua maioria pais ou parentes.
A tendência explicativa mais encontrada se refere ao efeito dominó das vivências de
violência familiar durante a infância, contribuindo para que se perpetuem os maus-tratos.
120
Respaldando esse modelo de explicação causal encontramos, por terem sofrido os mesmos
tipos de negligência‖ (DAVOLI; OGIDO, 1992:406)... os pais reproduzem os modelos de
educação na infância‖ (CARIOLA, 1995:160) e assim,―muitas crianças vítimas de maus-
tratos se tornam adultos agressores‖ (JUNQUEIRA,1998:432).
"(...) espancamento mesmo de criança, de chegar aqui
grave por pancada de padrasto, madrasta, a própria
mãe, machucões eu peguei crianças aqui, toda
cheia de hematomas de beliscão, no meu plantão eu
peguei, uma criança que foi até a óbito, por
espancamento do pai de dar soco, aqui acontece
muito isso, os casos não são com freqüência, mas a
cada dois três meses aparece um, mas sempre tem. E
os outros! Uma questão de fome, de descaso mesmo
da mãe, do pai, às vezes nem pai tem, é a mãe que
tem sete, oito filhos, e ela não cuida de nenhum, todos
chegam aqui desnutridos graves, vezes a desnutrição
é tão grande, que eles ficam na emergência, e da
emergência que acabam indo pra UTI(...)".
Os argumentos que subsidiam esse efeito dominó fazem parte da abordagem teórica
psicológica, que acaba por justificar certos comportamentos violentos, como derivados de
uma psicopatologização, ou seja, como sendo resultante de problemas psíquicos e
psiquiátricos, principalmente, associados: auto-estima, transtornos de personalidade dentre
outros transtornos psicopatológicos que foram desencadeados pelas famílias de origem destes
agressores. ―Numa família onde toda a estrutura é neurótica, a criança certamente vai
‗herdar‘ este comportamento dos pais‖ (CENTEVILLE et al., 1997:100).
Esse modelo explicativo tem uma tendência determinista, por considerar possível
uma reprodução de comportamentos violentos em cadeia ininterrupta, pois justifica que esse
agressor podeser um futuro autor de maus-tratos infantis ao se tornar adulto, criando um
circuito vicioso: ―as crianças recebem todos os impactos de situações de desajustes, perdendo
121
os seus vínculos afetivos e tornando-se adultos agressivos, potencializando cada vez mais
situações agressivas‖ (KORN et al., 1998:455).
Nessa perspectiva, é importante considerar o trabalho de Bittencourt (1995:424) que
contradiz esse determinismo quando aponta que nem todos os indivíduos que vivenciaram
maus-tratos na infância por seus familiares se comportam de forma a maltratar seus filhos. O
autor acredita que estes podem desenvolver uma forma de administrar psiquicamente suas
vivências violentas, o que este nomeia como a capacidade de re-significar tais experiências,
na busca de uma maior resiliência, num processo de superação desses trágicos momentos de
vida familiar. ―Deve se considerar que as pessoas dispõem de potencial para se reorganizar e
incorporar as experiências traumáticas‖.
Muza (1994), aponta para a existência de quatro modelos explicativos para os
comportamentos abusivos na ocorrência dos maus-tratos o modelo psicodinâmico, modelo da
aprendizagem social, modelo sócio-psicológico e o modelo sociológico.
Resultado da interação de forças intrapsíquicas do
agressor (modelo psicodinâmico); como resultado de
uma recíproca e contínua interação de determinantes
pessoais e ambientais os filhos aprendem o
comportamento agressivo com os seus pais (modelo
da aprendizagem social); como resultado da
interação entre indivíduo e meio ambiente, enfocando
os valores da vítima, do agressor e do meio
estressante em que vivem (modelo sóciopsicológico)
e, por fim, como resultado da compreensão dos
fatores sociais como os principais determinantes do
comportamento agressivo (modelo sociológico)
(MUZA, 1994:58).
Também encontramos uma ambigüidade na subcategoria responsabilização para
definição de maus-tratos como sendo ora maltrato familiar ora característica cultural. A
122
conotação que correlacionasse a conjectura estrutural e política como pano de fundo dos
maus-tratos a criança e ao adolescente teve pouca expressividade nos discursos dos
informantes.
"Mas aí, tem todos esses fatores, sócio-cultural,
sócio-econômico que não depende da pessoa,
depende do nível que ela convive, das condições
financeiras que ela possui." (Madeleine)
A ocorrência dos maus-tratos contra a infância, também, é explicada, em outros
autores a partir da grande angular, ou seja, num espectro de ordem macroestrutural,
subsidiando a sua manifestação. Como foi trabalhada no capítulo 3.4, essa visão tende a
considerar fatores sociais, econômicos e culturais, como: desigualdade, dominação de gênero
e de gerações.
Ah! Mas porque hoje você vai falar em, dar uma
surra em uma criança, por limites, impor limites com,
com uma chinelada, com uma surra de cinturão, se
você for falar isso à e meta peia no menino, a mãe
espanca, espanca literalmente o menino... Ah!
Doutora, eu acho que isso ai é muito relativo, porque
a gente apanhou e hoje a gente prestou na vida, esses
meninos tem tudo na vida, antigamente era com mais
dificuldade, hoje é tudo mais fácil que eles tem mais
acesso as coisas, e ela disse, ah! Mais ai Andrea vai
depender tudo do nível cultural, uma coisa é a nossa
mãe bater na gente por ter feito mal feito, ou ela ter
falado mil vezes e o menino não obedecer, mas outra
pessoa que vive em outro nível sócio econômico e
cultural, bater é logo espancar, e acabam que
espancam mesmo. (Andrea)
Junqueira (1998) nos lembra que a própria concepção de violência é construída e
modificada de nos contextos históricos e culturais.
123
Crueldades cometidas contra crianças pequenas
fazem parte da história da humanidade, sem falar do
direito de vida ou de morte dado ao pai sobre seus
filhos. Somente em meados do século XIX começa a
se esboçar uma preocupação com a criança, que
passa a ser encarada como uma pessoa em
formação‖ (DELGADO & FISBERG, 1990:112).
A expressão da desigualdade de oportunidades e as políticas públicas
descomprometidas com o compromisso constitucional da prioridade absoluta a criança e
adolescentes, como causa /conseqüência pela violência estrutural que sofrem boa parte destas
famílias, e, podendo ser desencadeantes dos outros tipos de violência contra as crianças e
adolescentes também foi encontrada em pequena escala nos discursos.
"a gente observa que as pessoas, por conta de não
terem uma escola, por conta de não terem educação,
não por não terem casa, começa os maus-tratos
por aí, não o adolescente e a criança, eles vem
sofrendo os problemas dos pais deles, e maus-tratos
pode ser algo físico como pode ser algo psicológico,
então acaba sendo dessa forma, quando você não
permite que essa pessoa não tenha essas condições
se torna, acaba sendo um maltrato. Não permite que
essa pessoa cresça e desenvolva o potencial dela, é
dessa forma que eu penso." (Eloá)
Apesar de serem consideradas como sujeitos de direito, a criança e o adolescente
ainda sofrem maus-tratos por ainda existir no ambiente familiar, dominações de gênero e de
geração. ―Essa desigualdade nada mais é do que a assimetria do poder: a submissão do mais
fraco pelo mais forte, que se traduz em maus-tratos físicos, em abuso sexual contra meninas e
meninos, negligência e abandono‖ (SILVA, 1998:795).
Muitas vezes esses maus-tratos são encobertos, sob o pretexto de medidas educativo-
disciplinares, vislumbrando uma rigidez nas relações hierárquicas familiares, a criança deve
sempre aprender a obedecer, sendo que a autoridade do adulto sobre ela assume, muitas
vezes, umas configurações autoritárias, possibilitando situações de exercício de poder. Em
124
nome da disciplina e da obediência, criança é maltratada, como no caso do abuso sexual
(MARMO Et al.,1995:314).
"Violência sexual, logo que nós inauguramos aqui
teve uns três a quatro casos, espancamento mesmo,
chega crianças aqui tem fraturas de queda e tem
fraturas que a gente que não foi provocada por
queda, uma fratura do tipo torção, a gente questiona,
a gente começa a indagar como é que foi..., a família
chega mentindo, muitas vezes a gente começa a
indagar da criança, calada, não quer falar, mas a
gente com jeitinho vai perguntando e a criança diz: a
mamãe me bateu! "(Caso Elizabeth).
Gomes et al.,(2002, p. 275 -283) alertam para o caráter do visível e invisível diante
da violência, atrelando a possibilidade do atendimento aos maus-tratos, apenas aos
profissionais de saúde que conseguem visualizar, identificar a presença ou suspeitar de maus-
tratos nos diversos casos atendidos. Assim, a efetivação de um atendimento e da sua
visibilidade está intimamente relacionada a outros aspectos como a da escuta e olhares
ampliados dos profissionais de saúde na sua prática cotidiana.
Tendo em mente todo cabedal teórico existente sobre as definições de maus-tratos, é
inexorável a necessidade de se ter uma compreensão da complexidade do fenômeno devido ao
atravessamento dos diversos fatores que o envolve. Portanto, a sua interpretação não pode se
restringir a modelos reducionistas de explicação sobre a problemática.
Logo, é preciso investir mais no exercício para o alargamento da visão dos
profissionais envolvidos com trato as crianças e a adolescentes, visando uma comparação em
direção dos múltiplos modelos explicativos, para poder instrumentalizar ainda mais a sua
atuação. considerando a precisão de se desenvolver saberes que correlacione à singularidade
dos casos atendidos aos conhecimentos já desenvolvidos.
125
5.1.2- Os tipos de maus-tratos reconhecidos
―Abandonado a si próprio, em sua solidão, o sujeito
subjugado pelo forte entrelaçamento de pulsão de vida e
de destrutividade terá a si próprio ou aos que lhe são
próximos para esse perigoso exercício‖ (Zygouris,1999).
Existem diversas possibilidades de arranjos na composição tipológica dos maus-
tratos e é a partir desses formatos que as definimos. Portanto, é possível distinguirmos vários
tipos e subtipos utilizados por vários autores, porém as mais encontradas como definição de
base e, também, as mais conhecidas pelos profissionais entrevistados são: a violência física, a
violência psicológica, a negligência e a violência sexual.
Precisamos lembrar que são formas didáticas de compreensão do fenômeno, como
nos chama a atenção os autores Miyasaki e Pires (2005, p. 44).
―(...) definir os diferentes tipos de violência ou maus-
tratos é apenas uma forma didática de compreender o
problema, que muitas vezes ocorre de forma dinâmica
e simultânea‖.
Um exemplo bastante interessante, por contemplar uma perspectiva interdisciplinar
com relação à tipologia, é o trabalho dos pesquisadores portugueses, (1999 ALMEIDA, et al,
p.91-121), "Sombras e marcas: os maus-tratos às crianças na família", que propõe uma
maior contextualização, dos estilos e processos maltratantes diferenciados e onde os autores
desenvolvem a partir dos relatos dos profissionais da infância (saúde, educação e serviço
social) noves demarcações tipológica:
"Tipo 1 Abuso emocional com agressão física;
Tipo 2 Agressão física com seqüelas;
Tipo 3 Intoxicação;
Tipo 4 Abuso sexual;
Tipo 5 Trabalho abusivo;
Tipo 6 Ausência de cuidados básicos;
126
Tipo 7 Ausência de guarda;
Tipo 8 Abandono definitivo;
Tipo 9 Mau trato in útero; "
Esse formato tipológico claramente tende a direcionar e subsidiar as práticas e modos
de assistência aos maus-tratos, pois, em pesquisa epidemiológica dentro desta lógica embutida
é possível graduar os níveis de gravidade, temporalidade do ocorrido, bem como a abordagem
dos diferentes atores envolvidos e seus possíveis encaminhamentos e desdobramentos.
Contudo, como podemos ver, os maus-tratos possuem diversas graduações e
tipologias, muitas delas reconhecidas e trabalhadas pelos profissionais pesquisados na
Unidade de Saúde. Nos discursos, os tipos que mais apareceram em forma de definição e
exemplos foram: a negligência e a violência física, sendo a violência sexual a de maior
impacto nos discursos analisados.
Podemos correlacionar este fato ao estudo de Braz e Cardoso (2000, p. 91-97.) que
trabalharam em estudo de caso com depoimentos em história oral sobre as percepções dos
profissionais da saúde sobre a violência e sua responsabilidade em denunciar os casos que
vivenciaram. Apontando para uma invisibilidade diante de algumas tipologias de
violência.Também encontramos o que as autoras denominaram de "explícitos”, casos clínicos
que marcam enfaticamente a memória dos profissionais e os chamam para uma maior
responsabilidades civis, que compõe a maioria dos discursos nos casos relatados (maus-tratos
infligidos ao corpo).
"Eu vi e cuidei de algumas crianças com lesões
físicas, espancamento, com lesões mesmo, físicas
severas, de criança perder fígado. Até óbito mesmo,
uma vez a gente atendeu uma criança que foi
arremessada na parede, e que teve um afundamento
de crânio, e a criança evoluiu pro óbito, acho que até
teve na mídia no ano passado a gente recebeu essa
criança aqui!" (Sandro).
127
Cariola (1995:162), com uma amostra de 103 casos, finda que a agressão é mais
evidente na população mais carente, ou seja, com renda de um a três salários mínimos
52,27% da amostra, não desprezando o fato da ocorrência de agressões em classes sociais de
nível mais alto‖.
É preciso que se leve em conta que existe um viés de notificação, pois as famílias de
classes média e alta contam com mecanismos que lhes garantem o sigilo. As famílias mais
pobres são também mais numerosas e mais sujeitas à notificação (DESLANDES, 1993).
Com relação à violência sexual, quando com contato físico, são identificados nos
serviços de saúde principalmente os casos de estupro e atentado violento ao pudor, mesmo
assim, esses casos muitas vezes passam desapercebidos pelo profissional, saindo do caráter
explícito para o de caráter sutil, não sendo notificado.
Pessoas que, quando crianças, foram submetidas a
abuso sexual tendem a repetir a situação de abuso
com seus filhos‖ (ZAVASCHI et al., 1991:133).
Relata-se que é comum a conivência de e, que se omite em face dos atos de seu
companheiro que comete abuso sexual contra a criança porque geralmente possui história de
abuso sexual em sua infância‖ (SEABRA & NASCIMENTO, 1998:396).
O pai pode ter uma personalidade passiva e
introvertida e geralmente a vida sexual do casal é
pobre. Inicia a relação com sua filha durante um
período de ‗stress‘, solidão e dependência. A
atividade do incesto pode não ser motivada pelo sexo,
mas representa uma necessidade de afeto‖
(ZAVASCHI et al., 1991:131).
Neste mesmo estudo, as autoras nomeiam a forma "sutil" de maus-tratos, compondo
os tipos que não aparecem nas radiografias, os agravos relacionados ao bom desenvolvimento
psíquico e à cidadania. Também encontramos um demonstrativo relativamente baixo nos
conteúdos das falas dos informantes deste real:
128
"... chega uma criança na unidade, não tem maus-
tratos agressivos, mas você como a criança é
maltratada, pelo nível cultural da mãe, que não
saber, o que ela tem que oferecer pra alimentação, a
criança chega aqui muito desnutrida, chega cheia de
ferida, maltratada mesmo, a pessoa não tem noção de
higiene, não tem noção de alimentação... você acha
que a pessoa é limpinha, a gente criança que tem
questão financeira boa, mas é maltratada. (Sandro)
Os maus-tratos físicos, os maus-tratos
social, o psicológico, eu acho que até mesmo cultural,
quando a criança está sendo privada da sua cultura
de saber da história do seu povo‖. (Fernando)
A violência psicológica foi identificada por todos os informantes, porém pela sua
característica sutil, ela vem sempre associada a outro tipo de maus-tratos, como seu
complemento ou atenuante, como é o caso dos maus-tratos físico e sexual. Portanto, ora este
conceito estava sendo fundido em outro ora confundida com outro conceito.
"A física é quando deixa marcas no corpo,
hematomas, e às vezes chega até quebrar, quando
leva uma surra, como a gente viu por aqui, os pais
dando com paus, e machuca. A psicológica é quando
ela chega a ficar amarrada em casa. Se torna uma
prisioneira, o pai xinga e a mãe também, e no
momento que ela fica prisioneira, ela não tem como
ela se comunicar e se queixar pra alguém, então as
vezes ela traz até um transtorno mental, ela fica
temerosa em comentar com alguém."( Pixote)
A negligência aparece definida pelos profissionais como sendo desrespeito e descaso
nas relações do cuidar a criança e ao adolescente, em especial, no discurso dos profissionais
da enfermagem.
"Às vezes grave, a criança chega muitas vezes aqui
asséptica, com lesões graves, e ela vai deixando como
129
se não fosse nada, é um descaso, descaso também é
um mal-trato" (Sandro).
A negligência, por vários fatores, também é vista como uma conseqüência das
dificuldades encontradas no desenvolvimento dos laços e vínculos afetivos da família diante
da criança: trata-se geralmente de mães jovens, despreparadas para o casamento (muitas
vezes não casadas ou separadas) e para a maternidade. Em geral a gestação não era
desejada, a mãe rejeita o bebê, muitas vezes o caçula‖ (DELGADO & FISBERG, 1990:115).
"A questão abandono, negligência, as crianças
chegam assim que pena, a gente que os pais
lidam assim, como se não fosse nem gente,
Totalmente abandonadas, doentias, sujas, cheias de
feridas, que chega a dar dó, e a gente fica
perguntando cadê o pai e cadê a mãe, um verdadeiro
abandono!" (Pixote).
Não encontramos nos discursos qualquer associação dos maus-tratos com o uso
abusivo de álcool e /ou substância psicoativo, sendo que na literatura essa correlação é
bastante pontuada. Em se tratando da negligência, esse fator predisponente é bastante citado,
como é o caso do artigo o alcoolismo tem uma grande importância, sobretudo ocasionando
violências incontroláveis e, no caso de ser crônico, provocando negligência e abandono dos
cuidados com o filho‖ (DELGADO & FISBERG, 1990:115).
No entanto, uma forma de negligencia e o abandono bastante recorrente, nas
Unidades de Saúde hoje em dia é a chamada evasão, essa terminologia vem emprestada da
pedagogia, que designa fuga, saída, escape, abandono de um propósito, subterfúgios dos
responsáveis que por inúmeros motivos vem se esquivando de prosseguir o tratamento das
crianças, quando estas precisam permanecer mais tempo na instituição.
A interrupção do tratamento muitas das vezes tende a piorar o quadro do infante,
devido a falta da medicalização necessária e na hora certa, não realizada no ambiente do lar.
130
Dentre tantas justificativas encontradas, as mais comuns são de es de mais de um filho,
que não podem permanecer mais tempo na instituição de saúde, por não ter quem cuide dos
filhos que ficaram no lar, como também estarem motivadas pelo medo de perder o emprego.
Coelho (2002) em seu artigo ―A saída do sujeito sem alta médica: a discussão sobre
a autonomia e a postura do profissional psicólogo‖ nos chama a atenção para as contradições
inerentes às posições de autonomia e heteronomia, entendendo esses conceitos como
construção individual ética, e que pede uma reflexão não reducionista, ou paternalista diante
dos comportamentos de evasão.
Quando se trata de crianças e adolescentes é muito comum se assumir uma postura
paternalista diante dos casos, pelo fato que estas são consideradas inaptas a tomar por si
mesmas a decisão de uma alta. A Constituição Federal (OLIVEIRA, 1998) preconiza as
obrigações de pais e familiares...
―É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão‖.
Na saída do hospital com a criança, sem a alta médica, é preciso conscientizar os
responsáveis de que qualquer lesão à integridade corporal, ou mesmo o óbito, estes serão
responsabilizados por omissão de socorros. O autor considera importante que esta mediação
aconteça entre todos os sujeitos evolvidos com a questão: equipe de saúde, familiares e,
também, com a criança e o adolescente, respeitando o seu momento de desenvolvimento, na
busca de um diálogo franco e respeitando a sua autonomia.
131
Outra forma de ver tal realidade são as condições precárias e desconfortáveis que
muitos acompanhantes muitas vezes têm que enfrentar nas Unidades de Saúde,
principalmente, nos períodos de elevado número de internações e quando a superlotação tem
como solução as macas das crianças pelos corredores a espera de um leito nas enfermarias.
A violência institucional fora reconhecida por uma parcela bem pequena dos
profissionais entrevistados como maus-tratos às crianças internadas na própria instituição em
condições precárias de atendimento.
"N formas de agredir uma criança, e no atual sistema
que nós estamos aqui, até mesmo, deixar uma criança
exposta no corredor, onde todo mundo passa, sem
nenhum, sem condição, pra mim é uma agressão
também, embora seja uma necessidade hoje, porque o
hospital não tem, não tem a condição de receber a
demanda de que ele tem tido hoje. Quando eu
comecei aqui, o hospital era suficiente, sobrava leito,
hoje faltam leitos, tem que colocar! Expondo mãe e
filho no corredor do hospital, uma área que foi feita
não pra ser uma enfermaria, mas que foi pra ser
recepção do hospital, hoje está sendo usada, pra mim
também é uma forma de mau-trato, bem claro, mas o
hospital faz o que ele pode!" (Klayton)
A violência sexual, a de maior impacto nos discursos analisados, e, também,
um dos tipos com maior ascensão nas estatísticas do município de Manaus. Raramente o
abuso sexual é a queixa principal no atendimento da equipe de saúde. Uma porcentagem bem
baixa se pela queixa específica da vítima, familiares ou responsáveis, haja vista que na
maioria das vezes, os familiares procuram por outros motivos, considerados causas
subjacentes. Ressalta-se que a violência sexual também pode ser descoberta ocasionalmente
pela equipe, a partir dos indícios que serão enumerados na categoria estratégias no manejo dos
casos.
132
―A minha experiência como profissional, foi uma vez
uma criança que tava no plantão, e ela chegou com
uma história que estava hipoativa, sonolenta largada,
ninguém sabia o que tinha acontecido, a menina tinha
uma anemia importante, e você começa a
investigar o menino e estava acético evoluindo pra
óbito praticamente, ele ficou na sala de
emergência, a gente evoluiu com a entonação, porque
a criança tinha uma insuficiência respiratória,
colhemos exames de sangue, recebeu transfusão, todo
aquele protocolo da emergência. E depois de dois
dias a criança evoluiu para o óbito, neste dia do óbito
eu estava também de plantão, e quando a gente foi
preparar o corpo que é preparar pra mandar pro
necrotério, foi quando a gente descobriu, que a
criança tinha sofrido abuso sexual, tudo, entrou
todo um processo, é aquele alvoroço, chama a
assistência social, chama o médico, aciona a família,
e aquela confusão‖(Sandro).
Com relação aos maus-tratos ao adolescente, pudemos encontrar apenas 20%
nos conteúdos analisados dos profissionais, talvez por serem pouco atendidos e a suspeita da
exploração sexual e confirmação nos casos de DST´s atendidas neste período da vida, um
estranhamento por não entender a conivência familiar diante de tais casos.
"Nossa questão assim na adolescência é que a gente
não pega muito a adolescência, pelo menos eu
percebo, que eu fico mais aqui, que a gente pega mais
as crianças abaixo de seis anos que a gente mais
isso, e os que são espancamento eu nunca vi no
plantão assim espancamento, em adolescente em
maus-tratos. Porque na maioria que aparece aqui de
treze anos, vivem na rua. Que vem às vezes
acompanhada de um tio, às vezes até do próprio
companheiro. Como a gente pega aqui, às vezes de
um pai ou é uma tia, ou é uma avó que cuida, quase
sempre é alguém, não é a mãe ou o pai que está
acompanhando esse adolescente, e quando é a mãe, é
aquela história, pressa pra levar a criança embora,
tem mil coisas pra fazer, tem trabalho, e fica sempre
numa terceira pessoa, então uma avó, uma tia, uma
vizinha, mas são poucos os casos de maus-tratos na
133
parte de 10 a 15 anos que a gente pega, é mais abaixo
de dez anos."(Bebê HPSC- Zona Oeste).
Poderíamos pensar na possibilidade da não apropriação da cidadania juvenil
espelhada nesta conivência familiar apoiada em que fatores? O mercado do sexo à luz do sol,
e céu aberto?
A exploração sexual de crianças e de adolescentes pode ser considerada como
adultocêntrica, por ser uma violência realizada por adultos a menores de idade. Segundo
Faleiros (2000), estas relações:
Confunde os limites intergeracionais;
Deturpa as relações sócioafetivas e culturais entre
adultos e crianças/ adolescentes ao transformá-las
em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais,
violentas e criminosas;
Confunde nas crianças e adolescentes violentados a
representação social dos papéis e funções sociais dos
adultos (pai, irmão, avô,tio, professor, religioso,
profissional, empregador), quando violentadores
sexuais.
Inverte a natureza das relações
adulto/criança/adolescente definidas cultural e
socialmente, tornando-as desumanas em lugar de
humanas. (FALEIROS; 2000. p.87)
O mercado do sexo infanto-juvenil é composto por crianças /adolescentes que
pertencem a categorias sociais historicamente dominadas e hoje ainda estão à margem dos
seus direitos como à escolarização, saúde, profissionalizações, habitações, ao lazer e a cultura.
"Vamos dizer que eu encontro com 13 na maioria das
vezes, já teve experiência sexual com mais de um
parceiro, com 13anos, 11anos, eu noto no semblante
da mãe que aquilo é a coisa mais natural do mundo,
isso eu estranho aqui na cidade do Amazonas que,
onde eu morei, em outros lugares, não era assim o
comportamento dos pais, e aqui! A mãe fala sorrindo,
parece que é normal, a gente não sabe o que acontece
por trás de tudo isso, se as mães usam da criança pra
134
pegar algum dinheiro dos parceiros, não sei isso
acontece, e também não vou acusar aqui, mas a
impressão que se passa é que elas acham legal."
(Klayton)
O Ministério da Saúde elaborou uma cartilha informativa "IMPACTO DA
VIOLÊNCIA NA SAÚDE DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES" (2008) para os profissionais
da saúde, pensando na ação destes junto à prevenção de violências e promoção da cultura de
paz, na qual é entendido que a...
"aceitação social da violência contra crianças e
adolescentes pode ser utilizada como justificativa de
―educar‖. Essas violências são manifestadas como
castigo físico, humilhação, intimidação e assédio
sexual, especialmente quando não produzem danos
físicos, visíveis e duradouros."
Abramovay (2004), em parceria com a UNESCO, realizou uma pesquisa sobre
Juventude e Sexualidade, abordando extensivamente os modos de identificar as vivências, no
âmbito escolar, como foco as percepções / representações sobre as questões relacionadas à
sexualidade, em várias capitais do Brasil.
Desta pesquisa podemos expor alguns resultados referentes à Manaus, como a
idade média da primeira relação sexual indicada pelos estudantes, as meninas são de (15,1)
equiparando ao restante das 13 capitais estudadas, atinge a menor idade em quase paralelo
com São Paulo e Rio de Janeiro, os meninos (13,9), também é uma das menores médias,
equiparando a Cuiabá e Salvador.
Quanto à proporção de membros do corpo técnico-pedagógico questionado
pelos estudantes sobre DSTs, Manaus se apresenta como uma das capitais, em que os técnicos
mais foram questionados com 48,6%.
135
―A gente encontra muitas crianças doentes, com
doença sexualmente transmissível. Principalmente na
faixa de 12, 10 a 14anos que é a gente atende aqui, na
faixa de adolescentes. Pré-adolescentes! Eu estranho,
mas normalmente os pais sabem, é raro os pais que se
assustam, Ah! Não sabia! Porque uma criança até
14anos, o que eu entendo pela lei, mesmo que ela
deixou acontecer, ela não tem ainda poder pra isso. O
agressor, mesmo que foi permitido, a criança
permissiva, vamos dizer, a criança não tem, não tem
por lei poder pra isso, isso é tido como um estupro
também. Mesmo que ela disse: eu quero, eu namorei,
ele é meu namorado, que acontece isso, é com o meu
namorado!‖ ( Klayton.)
Apesar dos estudantes cada vez mais exercerem a sua cidadania e quererem
saber sobre comportamentos saudáveis relacionados a sua sexualidade, nesta pesquisa de
Abramovay (2004), na proporção de pais de estudantes do ensino fundamental e médio, por
sexo, segundo conhecimento suficiente sobre DSTˈs, nas capitais pesquisadas, considerando
apenas as respostas afirmativas, Manaus aparece com 57,5 (masculino) e 57,9 (feminino)
como um dos mais baixos níveis de conhecimento sobre DSTˈs correlacionado as outras
capitais. Com isso a autora entende que o desconhecimento por parte dos pais sobre os temas
que atravessam a sexualidade, pode se apresentar como sendo um empecilho no diálogo com
os filhos.
Citando outros tipos de maus-tratos, a Síndrome do Bebê Sacudido e de
Müchessem por Procuração não apareceram nem na definição nem em exemplos nos
depoimentos dos profissionais.
Foi possível verificar qual a incidência tipológica no local pesquisado a partir
da análise dos dados estatísticos, dos registros de casos de maus-tratos a criança e
adolescentes, notificados pelo serviço social do hospital, em 2008.
136
O serviço segue a tipologia mais conhecida e utilizada como base dos
programas do governo federal, instituído nas fichas de notificação padronizada, para os
bancos de dados. Que investigam a violência física, sexual, psicológica, negligência e
abandono.
Ao todo foram 54 casos notificados no HPSC-ZO no ano de 2008, sendo
destes:
12 registros de maus-tratos físicos com as seguintes características na sua maioria:
traumatismo craniano por espancamento, contusão em face, quedas de lugares
elevados, agressão física, perfuro cortante, intoxicação, queimaduras e hematomas;
2 registros de violência psicológica, associados aos casos de maus-tratos físicos, sendo
a mãe a figura agressora. Uma tentativa de suicídio associada à violência sexual.
6 registros durante o ano de violência sexual, sendo três de atentado violento ao pudor
e três de estupro.
14 registros de evasão, 17 relacionados à negligência e três de abandono por parte da
mãe, sendo apenas um relatado como sendo a mãe usuária de drogas.
Se o trabalho interdisciplinar existisse efetivamente ele refletiria no
desenvolvimento, de forma otimizada, na construção de serviços para atender cada uma desta
diversidade tipológica dos maus-tratos, pois ter para onde encaminhar os casos de maus-
tratos, tão diversos e saber se conduzir diante deste universo é uma urgência na saúde.
Agregar tipos de maus-tratos mais freqüentes em determinadas regiões da cidade e criar
serviços especializados para dar conta deste real pode ser um começo de estratégia pra
minimizar o sofrimento destas crianças violentadas.
137
5.2- Interação com o objeto individual e grupal: possíveis significados
individuais e em equipe das interações, conflitos, dificuldades encontrados
nestes fazeres.
―O senhor escute meu coração, pegue no meu pulso, o
senhor avista os meus cabelos brancos. Viver! Não é? É
muito perigoso! Porque ainda não se sabe. Porque
aprender a viver é que é o viver mesmo! O sertão me
produz, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da
boca... O senhor crê minha narração?‖.
Guimarães Rosa-Grande sertão: veredas.
Cada vez mais os profissionais da saúde têm se deparado com a realidade dos maus-
tratos nos espaços públicos, devido aos elevados índices epidemiológicos. Atentos ou não
para esse real, todos têm sido convidados a reagir diante dos protocolos do governo para os
maus-tratos, mas, como tem sido a interação desses profissionais com esse objeto? Quais os
níveis de comprometimento com esse real? Quais os efeitos dessas interações para o cotidiano
destes? Quais as concepções creditadas na sua atuação e o desenvolvimento alcançado com na
construção dos saberes com este real? Segundo Oliveira (2002):
"Os profissionais de saúde, em especial os que estão
nos serviços públicos, devem estar preparados para
essa realidade crua e cruel que atinge as nossas
crianças e adolescentes no Brasil. Oliveira (2002,p.
137-140).
No âmbito da saúde coletiva, Reichenheim, et.al. (1999, p. 109-21) desenha um
movimento guia para as equipes de saúde que atendem a esta demanda através do Modelo
Esquemático para atender a violência intra-familiar, apontando que os profissionais devem
estar atentos aos fatores desencadeantes deste tipo de maus-tratos a partir de eventos
sentinelas e mobilizadores de suspeita.
Esses eventos têm uma conotação preventiva e podem desencadear diagnóstico
diferencial dos maus-tratos às crianças e adolescentes, a partir da confirmação no diagnóstico
clínico, para, então, partir para um planejamento de ação de enfrentamento e tratamento.
138
Todavia, nem sempre acontece o monitoramento das ações desencadeadas pelos profissionais
da equipe de saúde, porém, preconiza os protocolos que haja uma supervisão por parte dos
profissionais inclusive na averiguação de possíveis reincidências, em qualquer processo
interativo profissional-cliente.
Os níveis de interações possíveis na atuação destes profissionais vão desde a
prevenção, como a terapêutica e a pesquisa, quanto às medidas preventivas. Harrington e
Dubowitz 1993 e Ferreira e col. 1999 encontraram três níveis preventivos: nível primário,
secundário e terciário. No nível primário da prevenção, caberá aos profissionais informar
sobre os maus-tratos, orientar quanto a comportamentos violentos e as alternativas para uma
relação familiar mais saudável, falar sobre os cuidados com as crianças e o adolescentes, de
modo a respeitar o seu período de vida e favorecer o desenvolvimento das habilidades
individuais.
O segundo nível da prevenção -se a partir da identificação precoce de crianças em
―situação de risco‖, impedindo que atos de violência aconteçam e/ ou se repitam. As ações
desenvolvidas devem incidir sobre situações de maus-tratos existentes. O nível terciário da
prevenção tem como objetivo o acompanhamento integral da vítima e do agressor. As suas
ações devem priorizar o imediato encaminhamento da criança/adolescente ao serviço,
psicológico e jurídico social, o que pode diminuir as seqüelas da violência no cotidiano da
criança e dos adolescentes. Deve também desenvolver ações que visem à responsabilização e
à assistência do agressor, contribuindo para quebrar o ciclo de impunidade e,
conseqüentemente, o ciclo da violência contra a criança e o adolescente.
―Assim, as funções-chave do setor da saúde no
sistema de proteção à criança são: identificar e
notificar casos suspeitos; implementar serviços para
diagnóstico e tratamento; interagir com agências de
proteção; atender às demandas judiciais; fornecer
informações aos pais sobre necessidades, cuidados e
tratamento de seus filhos; identificar e prover suporte
139
para famílias de risco para maus-tratos; desenvolver
e conduzir programas de prevenção primária;
providenciar treinamentos e participar de equipe
multidisciplinares‖.(FERREIRA, 2005).
Portanto, nesta categoria, estaremos analisando as estratégias apresentadas pelos
profissionais de saúde do HPSC-ZO na relação com as demandas de maus-tratos e os tipos de
manejos identificados na suspeita /confirmação dos casos e barreiras enfrentadas para cumprir
com os protocolos já estipulados pelo governo.
O percurso dos maus-tratos na unidade de saúde HPSC-ZO é outra subcategoria
desenvolvida dentro da interação com esse objeto neste capítulo junto com os possíveis
encaminhamentos e monitoramentos da unidade aos casos já identificados e atendidos.
5.2.1- Estratégias apresentadas na identificação e manejo dos casos
A identificação ou o diagnóstico dos maus-tratos infanto-juvenil tem sido guiado por
indícios, muitas vezes fronterísticos, encontrados no diagnóstico e ou na anamnese do
paciente, junto a seus familiares, e são primordiais para o desembaraço dos casos em questão.
Os autores Pires e Miyasaki (2005, p. 42-9), Santoro (2002, p. 279-83), Marcelli e Cohen
(2009, p.416 -38), dentre outros, apontam rios possíveis indícios de maus-tratos, divididos
em sintomas físicos, transtorno do comportamento afetivos e sociais, sendo que alguns
destes, também, foram encontrados nos discursos dos profissionais de saúde entrevistados.
São eles:
Indícios visíveis e físicos:
1. Lesões dermatológicas: presença de lesões como equimoses, lacerações, hematomas
(subdurais), fraturas, queimaduras, arranhões, marcas de amarras e mordeduras;
2. Lesões em vários estágios de cicatrização ou cura;
140
3. Criança/adolescente em situação de higiene precária;
4. Estado geral pode estar comprometido: (hipotrofia, atraso estaturo-ponderal);
Indícios Dedutíveis pelos Profissionais:
5. Lesões que não se justificam pelo tipo de acidente relatado e incompatível com a idade
da criança/adolescente;
6. Lesões em áreas não comuns de acidentes e quase sempre cobertas, como genitália e
nádegas;
7. Discrepância nos fatos, na cronologia ou na seqüência do evento;
8. Ocorrência dos ―acidentes‖ em horários impróprios, como entre 24h e 6h, horário
habitualmente de sono;
9. Presença de sintomas similares em irmãos.
10. Melhoria rápida e "inexplicável" durante a hospitalização ou separação dos pais;
11. Doenças sexualmente transmissíveis (DST);
12. Transtornos psicossomáticos;
Indícios no comportamento dos familiares / acompanhante:
13. Atitude de indiferença, por parte dos genitores, diante da gravidade dos ferimentos;
14. "Conformidade‖ dos pais;
15. Relutância dos pais em fornecer dados sobre o ocorrido ou, se o fazem, apresentam
dados contraditórios;
16. Visita a vários hospitais e médicos diferentes;
17. Demora em procurar atendimento médico;
18. Histórias sociais geralmente inconsistentes, podendo haver problemas financeiros, uso
de drogas e álcool, perversões, problemas emocionais;
Indícios no comportamento da criança /adolescentes:
19. Excessivamente medrosas;
20. Distúrbios do sono como: pesadelos e terrores noturnos, sono excessivo/ falta;
21. Comportamentos reacionais como: instabilidade emocional, agitação e agressividade;
141
22. Desvalorização e perda da auto-estima e culpa desproporcional e infundada;
23. Estados depressivos de todos os níveis:
24. Vigilância Glacial (Kempé, 1978), crianças com atenções ansiosas, vasculhando o
ambiente na busca de qualquer ameaça, ou se antecipar ao desejo do outro;
25. Falta de reserva surpreendente: dirigem com extrema facilidade a estranhos, não
parecem se inquietar com a ausência dos pais, essa familiaridade pode ser uma
demonstração de distorção profunda da relação com os pais;
26. Crianças que não conseguem permanecer no leito da enfermaria, percorrendo todo o
território do hospital sozinho, e abordando as pessoas no hospital;
27. Dificuldades escolares;
28. Isolamento social;
Devido necessidade de constatação de que esses indícios sejam de fato associados
aos maus-tratos, e que podem existir na dinâmica familiar fatores desencadeantes de agressão
como o caso de uso de álcool e drogas por parte dos responsáveis, é sempre importante a
realização de um diagnóstico diferencial por parte de profissionais capacitados para identificar
os possíveis maus-tratos, pois esses quadros podem ser confundidos com outras doenças
orgânicas, como anomalias dermatológicas, infecções de pele, traumas acidentais, problemas
neurológicos e síndromes hemorrágicas.
As estratégias na identificação e manejo dos casos de maus-tratos relatados pelos
profissionais de saúde entrevistados foram inúmeras, podemos identificar desde um processo
de negação da existência da demanda respaldada por uma postura tecnicista na abordagem
com os pacientes até a exaustão na tentativa de colher informações para a possível
comprovação dos casos.
O aparente descompromisso com o real dos maus-tratos, que muitas vezes é
apontado na literatura como negligência por parte dos profissionais, pode ter uma conotação
mais aprofundada, considerando que esse profissional pode estar cumprindo com a sua
142
obrigação profissional desintegrado da equipe de saúde a que pertence, por fazer uma leitura
da sua função como sendo apenas técnica e desarticulada das demais ou por uma alienação
social dos conteúdos indutores de sofrimento, o que expressa ruídos comunicacionais.
A comunicação entre os integrantes das equipes de profissionais de saúde, muitas
vezes, tende a ficar prejudicada pela grande rotatividade de profissionais no setor em esquema
de plantão, pelas posturas de esquiva de alguns profissionais diante dos maus-tratos e pela
própria dificuldade pessoal do profissional nas suas relações intersubjetivas com a instituição.
"Essas crianças quando entram no hospital, elas
passam pelo setor da triagem, elas passam, pelo
serviço social, eles tem uma informação que a gente
às vezes não tem essa informação e que às vezes a
gente não tem muito tempo pra ter essa informação, a
gente trabalha mais em cima do quadro da criança.
Mas na maioria das vezes a gente não sabe o que
aconteceu com ela. Mas realmente a gente tem
ciência de que tem muita criança que a gente trata
que, na verdade até porque parece que eles omitem a
família tenta omitir isso, a informação que a gente
tem do pessoal da frente tentam omitir, falam que
aconteceu um acidente, não informam isso" (Bebê da
Pampulha).
Nos casos de maus-tratos infantis, a identificação quase nunca é espontânea por parte
de quem foi agredido e muito menos dos familiares ou acompanhantes, que quase sempre dão
um jeito de camuflar o ocorrido, mascará-lo como acidental ou o desconhecimento da maioria
das agressões vividas pelas crianças e adolescentes. Ficando a critério da equipe de saúde,
buscar esses conteúdos hipotéticos, mesmo que estes possam desenhar possíveis indicadores
de maus-tratos, como necessidade de averiguação e, principalmente, da importância dada aos
achados no decorrer do tratamento na unidade de saúde referida.
143
"Quando eles vêm, eles omitem alguma coisa e não...
Quando chega à mão do médico, quando chega ao
consultório que o médico vai fazer o seu atendimento,
às vezes a família nega, informa outra coisa, vamos
dizer um acidente, alguma coisa assim, se não tiver
uma investigação profunda, jamais ai chegar a uma
conclusão de que aquilo foi um espancamento,
alguma coisa assim, relacionada ao convívio
familiar". (Pixote).
Diante disto, foram encontradas diversas estratégias na abordagem e possíveis
indicadores, nos discursos analisados:
Histórias diferentes e distorcidas dos acompanhantes da criança, que não condizem
com o quadro apresentado.
"Chegam crianças aqui, tem fraturas de queda e tem
fraturas que a gente que não foi provocada por
queda, uma fratura tipo torção, a gente questiona, a
gente começa a indagar como é que foi? A família
chega mentindo, muitas vezes a gente começa a
indagar da criança, calada, não quer falar, mas a
gente com jeitinho vai perguntando e a criança diz: a
mamãe me bateu!" (Elisabeth).
Contradição no discurso apresentado e emoção expressada pelo acompanhante da
criança.
"Quando a gente recebe, a gente começa a perceber
desde a conversa, a conversa diferente, quando uma
mãe chega desesperada, não solta uma lágrima, a
gente conhece o desespero, mas uma pessoa fria(...)"
(Elizabeth).
Durante os procedimentos a criança e o adolescente se comportam de forma
agressiva, não cooperativa, desconfiada. Não se consegue quase diálogo com a
criança.
144
"Parece que ela não entende nada, ela não
consegue uma empatia com você de maneira
nenhuma, ela grita é incrível como muda de uma pra
outra, um grupo reagir muito bem, claro, não peço
que uma criança de dois anos vá me entender, mas de
três a quatro anos em diante, o normal é que elas
me entendam, e até eu estou suturando ali eu
converso, eu não posso nunca mentir pra a criança,
nunca mentir pra ela, uma das coisas no
relacionamento com o paciente com a criança é
nunca mentir pra ela,do momento que ela percebeu
que você falhou na verdade, cumpriu o que você
falou, ela passa a ser teu amigo agora outras, não
adianta, eu percebo que não tem conversa, elas não
acreditam em você em hipótese nenhuma, como se em
casa o pai não falasse a verdade nem a mãe pra ela,
entende? Uma forma de agredir a criança é não
respeitar a criança, então crianças desrespeitadas em
casa, eu acredito que como é que ela, como é que ela
vai acreditar nos pais?"(Klayton.)
No caso de estupro é encaminhado para os profissionais como o cirurgião-
ginecologista que esteja no hospital no momento, para auxiliar na identificação da
violência, fazendo este uma averiguação do local da agressão para fundamentar
melhor diante das hipóteses.
"O pediatra pede ao cirurgião e ele avalia se for
estupro, realmente é detectado, ai eles fazem a
denúncia, e a gente fica sabendo, não tem como a
pessoa negar, muitas das vezes é o padrasto, a mãe
fica encobrindo, fica escondendo, fica negando, mas
aí sempre tem que a criança acaba que fala e
quando você tem aquela certeza, porque você sabe
que a gente não pode fazer nada em cima de dúvida,
você tem a certeza, porque o cirurgião avaliou,
viu que era, ou recente ou uma coisa antiga,
porque muitas vezes a criança já tem sido estuprada a
muito tempo, pela mesma pessoa, está até uma coisa
casual. Então a gente tenta descobrir, o pediatra vai,
em cima daquele acompanhante, e acaba que no
fundo, depois de muitas enroladas, a gente consegue
145
descobrir que foi um irmão, ou é um padrasto, mas
ela não queria falar, porque tem medo de morrer, ela
foi ameaçada, ai vem toda uma história(...)" (Bebe da
Pampulha)
Uma estratégia bastante encontrada no discurso dos profissionais é a abordagem a
criança sem o familiar estar por perto e sempre com uma testemunha, como expressam:
"Chega uma criança, com um acompanhante com
uma história totalmente distorcida, é melhor você
pedir pro acompanhante sair e conversar com a
criança, e sempre acompanhada de outros
profissionais, nunca sozinha, pra não dizer que você
esta distorcendo a historia, como aconteceu aqui,
caso de morte da criança" (Elisabeth).
coisa de eu passar no leito e a mãe, gritando com
a criança, ou então pegando a criança de forma que
eu vejo que está machucando a criança. Eu chego e
vou conversar com ela, vou explicar, e até falar pra
ela que se ela continua com esse tipo de agressão, a
gente pode evocar os direitos da criança, trazer o
conselho tutelar. Até denunciar isso aí, que a gente
não pode se omitir, e que nós temos que fazer. O que
nós estamos vendo aqui a criança, em primeiro lugar
é a criança, não é o pai não é a mãe, então a criança
está aqui nós temos o dever de defender essa criança,
e o pai também tem e a mãe, e se eles não estão
fazendo, o hospital tem que se colocar"(Isabela).
A literatura preconiza a discussão do caso por equipes multiprofissionais até a
confirmação ou dedução de fortes indícios de suspeita dos maus-tratos. Nesse caso o diálogo
interdisciplinar fortalece ao esclarecimento de dúvidas e possibilita a opção e tomadas de
decisão coletivas o que suaviza as incertezas e possíveis erros no diagnóstico (GOMES,
2002).
Quando se consegue trabalhar buscando a compreensão do diagnóstico diferencial e
com interdisciplinaridade, os arranjos do trabalho com o paciente passam a ser, quase sempre
146
de concordância coletiva, e se confirmada a suspeita. Esse mesmo coletivo, tende a se
comprometer diante do plano de ação que envolve agora ações de intersetorialidade para os
possíveis encaminhamentos, dependendo da gravidade e particularidades do caso em questão.
"Tipo assim, quando ela está com o acompanhante
que é o pai a mãe ou avó, se é por espancamento, ela
não fala se é por estupro ela não fala. Quando eles se
afastam, é que agente consegue colher alguma
coisa da criança, mas a partir do momento que o
acompanhante volta pro lado da criança ela muda
totalmente a personalidade, e isso e questão mesmo
de experiência mesmo de prática de vida, dia a dia de
contato com a criança... ai a gente sabe que tem
alguma coisa errada e as vezes é passado pro
pediatra pra ele tentar ou pro cirurgião, dependendo
do médico que atendeu a criança, ela é passado pra
poder tentar descobrir o que aconteceu".(Bebê
HPSC-ZO).
É fato que os maus-tratos de qualidade íntima tendem a não ser identificados a partir
das rotinas investigativas do adoecimento realizadas pelas equipes de saúde, pois essas ações
têm sido calcadas no assistencialismo voltado para as práticas curativas basais, principalmente
na averiguação dos sinais e sintomas nos exames clínicos. Dentro dessa lógica, é possível se
verificar casos de agudeza dos maus-tratos, mas não os que ainda podem vir a se agravar no
futuro.
"Aqui o atendimento é muito rápido, a gente pouco
tem pra fazer uma pesquisa ou uma avaliação mais
contundente a respeito de um paciente, quando ele
chega, por exemplo, uma suspeita, mas não uma
comprovação se aquilo aconteceu ou não, e quando
dessa forma ocorre e a gente faz o comunicado ao
conselho e são eles que acabam fiscalizando
aprofundando a pesquisa, essa avaliação, mas
sempre essa suspeita quando ocorre, quando é uma
violência sexual é mais fácil porque você visualiza o
que está acontecendo e acaba direcionando pra esse
147
atentado, agora não se sabe quem foi como foi,
quando foi, a não ser quando uma comprovação
imediata" (Eloá).
Dessa forma, os casos de caráter latente de maus-tratos, passam a ser perdidos e não
rastreados nessa abordagem de trabalho, podendo se tornar em muito mais trabalhosos no
vindouro para esses mesmos profissionais, que têm que se buscar com mais afinco ao paciente
a ser acolhido.
O acolhimento por parte dos profissionais de saúde faz toda a diferença, pois na
questão dos maus-tatos e, principalmente da violência sexual, é preciso que os profissionais
de saúde compreendam e se sensibilizem diante da demanda, como apontam Denov (2003) e
Dobke (2001), enfatizando a necessidade de se disponibilizar tranqüilidade para a criança e
não se expressar chocado diante do ocorrido, até que se diminuam os atos abusivos e pairem
as dúvidas sobre o relato da criança, pois, desta forma, a criança poderá perder a confiança no
profissional.
O comportamento dos profissionais entrevistados apresentou ser receptivo e
continente para os maus-tratos e com abertura suficiente de compreensão e sensibilidade para
lidar com este real. Esse comportamento laboral é conduzido pelo prisma da prevenção.
"O nosso pessoal vê uma criança dessa natureza,
parece gente mais humanizada, Sabe? Apesar de o
atendimento ser muito bom, mas eles se sentem mais
próximos daquela criança, acabam dando mais de
mãezona do que outra coisa, pra tentar tirar essa
criança daquele momento mais difícil, essas crianças
que entendem, que compreendem, tivemos um
caso de uma criança que passou a não suportar a
aproximação de alguém do sexo masculino, a gente
evitou isso no primeiro momento, pra que ela pudesse
vencer, porque pra ela estava sendo um choque por
ser muito recente, isso a gente deixou de fazer,
148
posteriormente foi que a gente conseguiu
aproximação dela, ela ficava chorando ou se tremia
toda vez que se aproximava alguém, quando era o
médico ele tinha que fazer o trabalho dele, e naquele
momento não tinha outro profissional pra inverter,
ele acabava tendo que faze, verificando, avaliando a
criança também, mas a gente percebia esse
afastamento dela, essa rejeição dela no início, então a
gente tinha e tentava não provocar aquilo naquela
criança, essa rejeição!" (Eloá)
O trabalho preventivo envolve a utilização das atividades de educação em saúde às
rotinas dos serviços de saúde, compreende a busca de uma atitude diante dos maus-tratos
psicológicos, negligência e físicos encontrados no dia a dia das enfermarias, quando os
profissionais de saúde se deparam com os conflitos intra-familiares expressos no cotidiano,
informando sobre serviços de atendimentos psicossociais, que visem amenizar o sofrimento
expresso nos conflitos anunciados.
"Ela melhora e obtém a alta, e tem as orientações pra
procurar um CAIC, assim, sempre que tem a alta eu
procuro mostrar pra mãe que a criança não saiu
curada, ela saiu melhorada, que ela tem que ter todo
um cuidado, até um cuidado pra que ela não retorne,
porque é muito desconfortável pra criança sair da sua
casa, da sua caminha, ou da sua rede e vim pra um
local estranho, com pessoas que entram e saem então
isso também é uma forma de violência se a mãe não
cuidar da criança, colocar num lugar onde ela não se
sinta bem. Eu sempre tento dizer isso e mostrar o lado
dela como mãe, ficar sentada numa cadeira
desconfortável sem dormir direito, também sendo
incomodada, que ela deve se incomodar, então tento
assim levantar essas questões na hora da alta, pra
que ela cuide bem da sua criança e cuida bem da sua
família" (Isabela).
Percebeu-se que as estratégias realizadas pelos profissionais entrevistados diante dos
maus-tratos, foram construídas em cima dos casos visíveis e se mostraram sub-eficaz: por
149
serem ainda insipiente a quantidade de ações preventivas e de promoção de saúde
encontradas, visando à mudança das condições e estilos de vida; por ainda não haver, na
maioria dos casos um diagnóstico precoce; pela maior dificuldade de viabilizar o
escoamento da demanda dos maus-tratos diagnosticados para serviços de acompanhamento e
tratamento, e por haver uma enorme carência destes serviços no município.
5.2.2- Os percursos dos casos na Unidade de Saúde:
Os maus-tratos dentro do HPSC-ZO percorrem uma trajetória conduzida por um
protocolo existente para o atendimento, que consiste no reconhecimento dos maus-tratos
por qualquer profissional, que aciona o serviço de assistência social para dar continuidade do
caso. Este, junto com a equipe médica, providenciará os documentos necessários para a
notificação e o enviará via fax pra o conselho tutelar da Zona Oeste. Esse é o atalho mais
utilizado pela maioria dos discursos colhidos.
Porém, houve também aqueles que compreenderam a necessidade de fazer uma
marcação ombro a ombro para acompanhar o desenrolar dos fatos e que agregaram ou
tentaram agregar outros serviços, como o de psicologia, para começar uma abordagem
diante da suspeita dos maus-tratos.
Quando o mau-trato é identificado pela equipe de enfermagem, esta sempre
comunica ao médico de plantão, que preenche a ficha de notificação do caso. Cabe lembrar
que nesse trajeto, a posição do profissional da medicina ainda é determinante na execução da
notificação, apesar da equipe de enfermagem ter uma maior (tempo /espaço) aproximação da
família e do paciente.
"Normalmente quando a enfermeira identifica esse
tipo de situação, a gente comunica o médico,
dependendo do ponto de vista médico ele preenche a
ficha que a gente tem na unidade, que é a ficha de
150
notificação a maus-tratos pra acionar o conselho
tutelar" (Sandro).
Os serviços de saúde são movidos por um sistema de notificação que é incorporado
pela rotina dos atendimentos, a equipe da instituição responsável pelos serviços preventivos,
assistenciais e educacionais, contudo, mesmo sendo um dever de qualquer cidadão a denúncia
diante da suspeita dos maus-tratos, duas categorias profissionais serão penalizadas caso não
cumpra com a responsabilidade da notificação: médicos e professores, criando então essa
necessidade das instituições de saúde e educação, criarem um protocolo para os seus sistemas
de notificação.
A fala da profissional da enfermagem reflete bem a rotina de notificação nas
unidades de saúde fica tendenciosa, pois cabe ao médico o veredicto final, ou seja, se não
houver concordância no diagnóstico diferencial, ou mesmo se nem houve a preocupação de se
buscar esse diagnóstico por parte do profissional, refletido na fala "dependendo do ponto de
vista dico ele preenche a ficha " dependendo, o caso pode não ter visibilidade, e o
profissional de enfermagem, ou outros profissionais da saúde que também interagem com o
paciente, podem sentir-se inibidos para insistir na suspeita dos maus-tratos.
Na maioria dos relatos, quanto ao quesito trajeto do caso no hospital, a
fragmentação das informações e, portanto, o quase acompanhamento dos casos por
parte dos profissionais que identificaram o caso.
passado pro serviço social, aí, daí em diante eu
não sei como é o acompanhamento porque já fica
como responsabilidade do serviço social, então a
gente identifica, aciona o médico, dependendo do
ponto de vista clínico, porque é o médico que tem que
preencher, e a gente encaminham pro serviço social,
e eles tomam providencia e solicitar a presença da
zona do conselho tutelar ou não sei como seria, e daí
151
dessas diretrizes em diante eu perco um pouco,
porque não é a minha área" (Andréa).
"Bom, nós sabemos que tem o serviço social que lida
com isso e o serviço de psicologia. s não temos
muito acesso a esses tipos, a gente não tem muito
acesso a família da criança, ainda mais nessa
unidade fechada que é a UTI, a gente pouco tem e o
contato que tem, é o horário da visita, que o pessoal
da família entra e a gente não tem na verdade, muito
contato. Eu sei que existe uma assistência tanto da
parte da assistência social, quanto da parte da
psicologia, mas nós mesmo não temos muito contato
com essa parte." (Bebê da Pampulha)
Os relatos supra citam as dificuldades do trabalho em equipe interdisciplinar
comprometem toda a assistência aos maus-tratos. Caberá aos gestores criar esforços para que
os serviços oferecidos visem cada vez mais o rompimento efetivo dos obstáculos
disciplinares, e que suas equipes de trabalho o representem uma colcha de retalhos, por
cada profissional executar estritamente o necessário nas suas zonas de conforto delimitado
pelos seus setores.
"Como eu te falei antes, é bem delicado pra gente,
porque a gente não pode abordar, diretamente a mãe,
quando chega na emergência que o médico avalia, e a
gente como enfermeira assistencial, a gente avalia
também, se a gente observou tipo espancamento, é
feito logo a denúncia pro conselho tutelar, e é
encaminhado logo as papeladas, e o médico
preenchem tudo e fica pro conselho tutelar fazer a
parte burocrática. E a nossa parte de assistência é
socorrer no que ele está precisando naquele
momento, tipo assim, se for um sangramento, as vezes
os espancamentos que chega aqui, a maioria que tem
sangramento, é preciso levar ao centro cirúrgico, em
caráter de urgência, e daí pra frente é questão de UTI
e recuperação. Mas a parte burocrática fica
mesmo pra o conselho tutelar e os órgãos
152
competentes, depois da denúncia médica por escrito.
Mas pra gente chegar diretamente ao pai e a mãe pra
questionar, brigar, não. É mais a parte de um
interrogatório, que é feito. Que o próprio médico faz
primeiramente, e a gente é a parte de assistência
mesmo de enfermagem, e a indignação." (Sandro)
É unânime na análise de todas as falas dos informantes a necessidade de mais
profissionais da saúde mental na instituição, por haver só um profissional dessa especialidade
e em contrato temporário e que realiza um turno na unidade, ficando os demais turnos
descobertos. Em todas as falas dos profissionais a expressão de carência deste técnico para
auxiliar no diagnóstico diferencial dos maus-tratos, além da falta de suporte e de apoio aos
familiares das crianças internadas.
"E assim, o serviço social é um grande aliado nessa
parte, porque a gente tem um psicólogo na
unidade, então às vezes o tumulto ta tão grande que a
enfermagem, perde o elo com assim a psicologia, às
vezes a gente encaminha pra eles, mas a gente não
tem aquele retorno, de psicólogo com enfermeiro, a
gente passa pra cada um pra seus papeis, a
enfermeiro identificou, o médico assinou o óbito, a
assistência social encaminhou pro conselho tutelar, e
assim, eu não sei como ficou a situação dessa mãe, se
ela perdeu os direitos dos filhos, se esse pai (avô) foi
penalizado de alguma forma, pela justiça, porque eu
acho que o conselho tutelar, deve ter sido atuante,
independente de ela ter prestado queixa ou não,
porque ela era conivente, porque ela tinha que
trabalhar pra sustentar, mas era o preço que ela tinha
que pagar e no caso a criança pagou com o preço da
própria vida." (Sandro)
Ainda que nem fosse cogitado, talvez por desconhecimento, do valoroso trabalho do
psicólogo organizacional para trabalhar com as equipes de saúde que atendem aos maus-tratos
e outras demandas de saúde do trabalhador no hospital. Logo, faz-se esplanada a carência do
profissional de saúde mental / psicologia em uma unidade de saúde da criança e do
153
adolescente para compor com a equipe multiprofissional e contribuir nos diferentes níveis de
prevenção aos maus-tratos é inegável.
Para te falar a verdade, nós temos um psicólogo, mas
eu não sei se ele consegue, porque é um só. Você
sabe que não dá, ele é do hospital todo, você sabe
que tem aqueles pacientes da UTI, que precisam de
um acompanhamento, ele faz alguns
acompanhamentos com algumas mães, mas não tem
aquele trabalho assim, direto que eu saiba não,
deveria, mas eu acho até assim, se tivesse mais
profissionais, porque psicologia a gente não pode
chegar o menino a mãe e blá, blá, blá, blá, é toda
uma conversa, que tem que ter deixar ela se soltar,
falar é meio complicado, isso aqui não tem não.
(Bebê da Zona Oeste)
A fala da assistente social denuncia a total fragmentação dos serviços aos maus-
tratos, talvez pelo desconhecimento de que os maus-tratos nem sempre são evidenciados pelos
familiares e o despreparo da equipe em descobrir casos invisíveis com indícios de maus-tratos
encobertos, e a crença nos poucos serviços já criados para o atendimento ao maltratado, como
se fato de encaminhar fosse suprir a demanda dos maus-tratos, sem considerar que muitos
destes serviços estão lotados e não se encontra espaço para acolher e tratar esse real.
"A família chega, informa que a criança é vitima, de
alguma agressão física ou sexual. Essa criança é
atendida, na recepção, é passada pro profissional
médico atender, o médico ao atender e constatar essa
situação, ele encaminha, faz rotina. Se for física ele
faz a notificação, passa pra gente e a gente
encaminha a notificação pro conselho tutelar. O
conselho tutelar faz a parte deles fazendo a denúncia
pra delegacia, quando é abuso sexual, o médico
também atende, faz a notificação passa pra nós, a
gente passa também por fax a notificação pro
conselho tutelar, e geralmente essas crianças que são
abusadas são encaminhadas pro SAVAS, o SAVAS
aqui na zona oeste funciona aqui na maternidade
154
Moura Tapajós, e tem toda uma equipe que atende
essa criança que faz esse acompanhamento, o médico,
o assistente social, o psicólogo, que faz o atendimento
dessas crianças que são abusadas sexualmente".
(Pixote)
Enfatiza-se, então, que todo profissional de saúde, diante da postura ética, ao
informar a família da notificação do caso ao Conselho Tutelar, deverá explicitar os motivos e
explicar as necessidades de tal procedimento, quase sempre o acompanhante da vítima dos
maus-tratos necessitará de um suporte profissional, de preferência da saúde mental, pois esses
momentos são de muita tensão e pois nem sempre a família entende que seus excessos com a
criança /adolescentes são pertinentes. Esse apoio poderá ser para o próprio agressor, como
também, para lidar com o agressor.
Toda a maneira de esclarecimento para a família das necessidades da notificação terá
que se dar de modo que este seja firme, sincero e, ao mesmo tempo, com abertura para o
diálogo, para que esta mesma família não venha a perder o vínculo com a instituição de saúde
(SBP 2000).
5.2.3- Barreiras enfrentadas no manejo dos casos:
As dificuldades encontradas pelos profissionais de saúde passam pelas dimensões:
individual, coletiva, intra-institucional e interinstitucional.
No âmbito das dificuldades individuais na condução dos casos atendidos, as
inquietações subjetivas que este fenômeno suscita, como: empatia com os familiares e com as
vítimas, sentimentos hostis diante do agressor, o dominação dos impulsos diante dos
inquéritos na tentativa da apuração dos fatos e busca de justiça.
155
"Não ficamos com medo, nem nervosos, dele levar
aquilo assim, mas ele tentou nos intimidar, no
sofrimento dele, por que eu acho que ele estava
sofrendo muito com aquilo, então não foi uma coisa
assim de a gente pensar que ia pegar que ia matar
que ia processar, nem nada, no sofrimento dele ele
achou que dizendo aquilo, negando, negando,
negando. Aquilo, aquela negação ele queria que nós
negássemos também, que a criança não tinha tido
aquele problema, que era um atendimento de rotina,
sabe? Uma gripe, alguma coisa assim, ele queria que
nós disséssemos, mas nós não podíamos" (Isabela).
A sub-notificação, assim como a própria dificuldade de se diagnosticar os casos,
ocorre devido a diversos fatores, como apontam os vários autores envolvidos com o tema
(GONÇALVES e col., 1999; MARMO e col., 1999; REICHENHEIM e col., 1999;
PRESSEL, 2000; SBP, 2001; Brasil, 2001; Brasil, 2002; GOMES e col., 2002a;
GONÇALVES e FERREIRA, 2002; Assis e DESLANDES, 2004; MOURA E
REICHENHEIM, 2005; PIRES; MIYASAKI, 2005; PIRES e col., 2005; DESLANDES,
1999; VASCONCELOS E SOUZA, 2006).
Dentre esses fatores, temos de ordem individual: o medo da represália e do
desenrolar dos casos que podem gerar riscos e vulnerabilidade para os profissionais, diante da
notificação e suas implicações legais.
"Ele podia processar, porque o que nós podíamos
fazer era levar o prontuário da criança, levar os
profissionais envolvidos e infelizmente tinha
acontecido, ele gostasse ou não. Víamos o lado dele,
Tínhamos a compreensão, sabíamos do susto que ele
tinha tomado, mas era ocorrido, e que ele ficasse a
vontade pra questionar, qualquer situação que ele
tinha o direito. E nós também teríamos o direito de
colocar se fossemos chamados, não deu em nada. Não
deu em nada, em questão o pai contra o hospital, ou
contra os profissionais." (Isabela).
156
Na dimensão coletiva destas várias barreiras e obstáculos enfrentados pelos
profissionais de saúde no manejo dos casos de maus-tratos está nas ações das equipes de
saúde multiprofissional, se tem uma conotação de agrupamento dos seus integrantes e as suas
ações são justapostas. Já nas equipes interdisciplinares, como prevê os trabalhos com os
maus-tratos, a equipe atinge uma postura de integração, buscando articular sua ação em
grande interação dos seus agentes.
Caracteriza-se, portanto, numa opção de co-propriedade, de intercâmbio, podendo-se
atingir o grau de incorporação dos resultados de uma especialidade por outras, com
empréstimos mútuos de instrumentos e técnicas metodológicas, com a integração real das
disciplinas.
Na prática, para se ter realmente um trabalho interdisciplinar, é preciso buscar uma
abertura para o pluralismo, ou seja, uma abertura para a diferença de opinião e decisão, um
respeito às posições divergentes, como possibilidade de acréscimo de saberes, e advertência
dos limites de nossas atuações e a constatação da própria incoerência ou incompletude. A
abertura para o pluralismo passa longe de ser a conciliação de pontos de vista teóricos e éticos
inconciliáveis.
A maturidade grupal encontrada no trabalho das equipes interdisciplinares
compreende um coletivo que busca cotidianamente desenvolver a sua completude e a atitude
colaborativa, visando a integração de suas ações, e que seus envolvidos assumam a co-
responsabilidade, no desenvolvimento dos planos de ações caso a caso, construindo
conjuntamente os objetivos e os resultados almejados. Desta forma, o encaminhamento dentro
da equipe de saúde é visto na perspectiva de inclusão do companheiro de trabalho, procurando
parceria na responsabilidade e execução dos planos de ação para atender aos maus-tratos.
As dificuldades do âmbito intra-institucional que mais apareceu e foram
anunciadas nos capítulos anteriores, como a carência de profissionais da área de saúde mental
157
e incongruência do trabalho em equipe multiprofissional, onde os profissionais de diferentes
áreas atuando conjuntamente e a articulação destes trabalhos especializados não estão
problematizados.
mais aquela história tem uma mãe que está
estressada, isso aqui e aquilo outro, e a gente
consegue passar e que o psicólogo venha. Ai o
pediatra pede que o psicólogo venha, e vem e
conversa, mas são casos assim, bem como é que se diz
a palavra, alguns e outros casos, não aquele
trabalho, como você quer saber de acompanhamento.
Eu nem sei assim se tem um encaminhamento, de uma
mãe dessas pra um serviço assim, acredito que não
tem!" (Bebê da Zona Oeste).
A equipe multiprofissional entrevistada aponta também outras barreiras encontradas,
como a falta de fluxo e rotinas definidas no atendimento, a necessidade de rapidez no
atendimento da urgência e emergência refletindo na impessoalidade nos atendimentos
emergenciais, dificultando as relações: profissional/ paciente / família em contraponto da
problemática dos maus-tratos demandando ações mais cautelosas e investigativas
(DESLANDES, 1990). Bem como uma capacitação de modo a dar subsídios para os
profissionais conseguirem abordar a família ou o acompanhante na busca investigativa.
"Olha, é uma situação muito delicada, eu vejo às
vezes você tem que pensar bastante pra poder
abordar, porque a mãe ou o pai que esta
acompanhando a criança, elas negam o envolvimento
delas com essa situação, e fica muito difícil você
chegar e afirmar. Olha, realmente houve, quem foi, e
isso, a gente tem que ter meios. E uma forma pra
aborda, e às vezes a gente não tem, esse meio e essa
forma. E a gente procura da melhor maneira possível,
tentar conseguir alguma coisa a respeito daquela
situação, [...] Essa é a dificuldade. Que a gente sente
aqui em abordar. Porque às vezes elas querem omitir"
(Pixote).
158
E por último os domínio do inter-institucional, a barreira quase que intransponível
aparece como sendo a principal, nos discursos dos profissionais de saúde, é a não articulação
interinstitucional, prejudicando a continuidade dos trabalhos, todo envolvimento subjetivo e
intersubjetivo dos profissionais no tempo da internação fica alienado e este perde a
oportunidade de acompanhar os andamentos do caso...
"Uma dificuldade principal é você não consegui ter
um retorno, que na maioria das vezes a gente fica sem
saber o que aconteceu com aquela criança, o mais
triste é você não saber, se alguém foi preso, se
alguém está pagando por aquilo, se a criança foi
tirada daquela família, se esta num lar, porque você
fica assim, ai meu deus do céu, aquela criança
apanha todo dia, ai, como é que aquela criança vive?
Se foi feito alguma coisa, isso ai a gente não tem,
então eu acho que uma das dificuldades maior de
trabalhar com esse processo de maus-tratos, de você
não saber o fim daquela criança, pra onde ela foi, a
onde ela está, se ela está naquela mesma família,
passando por aquelas mesmas coisas, a gente
criança aqui, que chega aqui, pai e mãe são
drogados, e a criança ta lá! Ai chega aqui desnutrido,
que não come. Sabe Deus como é que vive, e a gente
não sabe, não tem um feadback de a gente saber o
que é que aconteceu? Porque a gente sabe que
toda documentação foi passada, mas ninguém sabe o
que aconteceu e o que fizeram." (Bebê da Zona Oeste)
E muitas vezes restando-lhes a descrença na efetivação e eficácia de suas próprias
ações...
"As dificuldades são muitas, porque você depois que
denuncia pro conselho, pra delegacia, você não sabe
que rumo aquela história vai tomar, na maioria das
vezes 99% das vezes entregam de volta pra aquele
lugar de onde ela está sendo maltratada, não tem
como a gente tentar tirar isso aí, a maior barreira é
isso, é ela ser devolvida pro lugar onde ela está sendo
maltratada."(Elizabeth)
159
Também apareceu nas falas analisadas a dificuldade de uma ação mais efetiva e de
base com as famílias, os maus-tratos como demanda do trabalho das Unidades Básicas de
Saúde, e a desarticulação dos trabalhos no mesmo território da Zona Oeste em Manaus.
"... é aquela criança que não está bem
alimentada, que está desnutrida, a mãe utiliza muito a
isso é pela falta da informação mesmo, a instituição
de saúde, também elas falham muito nesse ponto, é
preciso a presença mais constante ao lado dessas
pessoas, que as casinhas que se cita muito, que ainda
estão devendo muito trabalho de saúde pública
mesmo. A pessoa não fala, não informações, pra
gente então fica complicado a gente determinar, quem
e como foi feito." (Eloá)
A carência do trabalho em rede intersetorial e interinstitucional como foi trabalhado
nos capítulos anteriores, apresentou como um horizonte a ser desbravado no discurso dos
profissionais e que envolvem os setores conhecidos, como educação, saúde, justiça,
segurança, cultura e trabalho.
O trabalho em rede alimenta saberes próprios do viver coletivo, pois agrega
conhecimentos subjetivos de como compreender e intervir no processo da rede,
principalmente nas questões de exclusão social. Para tanto é preciso investir em uma
construção de novas modalidades de intervenção, como preconiza o ECA, se fundamentando
na doutrina da Proteção Integral.
É necessário desenhar a perspectiva da rede social como possibilidade de utilizar no
trabalho cotidiano de análise, engenhar compartilhadamente e sistematicamente as ações
diante dos maus-tratos. A teia que vai se formando, é vista como espaços de potencialidades
de ações de afetividade e novas reconstituições, são campos fecundos de ações e trabalho
social.
As instituições, por sua vez, são: ONGs, mídia, partidos políticos, associações de
classe, associações de base, Igreja, empresariado, movimentos sociais, grupos de apoio,
160
escolas e universidades, Conselho Tutelar, Vara da Infância e Juventude, Delegacia de
Proteção à Criança e ao Adolescente, Delegacia da Mulher, Vara da Família, Ministério
Público, além das instituições de saúde (posto de saúde, hospital), mas o trabalho em rede
quase não acontece.
"E a gente faz a nossa parte de orientação, de
encaminhamento e esclarecimento, as pessoas que
querem levar a frente essa situação. Eu vejo o
seguinte, dentro da nossa possibilidade, eu acho que
a gente faz o atendimento correto! Porque ele ao
chegar aqui, a gente procura dar, o melhor que o
pronto socorro oferece que é o atendimento, é
médico, o atendimento psicológico, se o psicólogo
estiver aqui. E a gente o encaminhamento."
(Pixote)
Outro obstáculo a ser ainda mais bem pesquisado são os monitoramentos dos casos
pelo setor da saúde, pois como a rede tem ações bastante fragmentadas o monitoramento dos
casos tende a não acontecer também.
"O monitoramento disso, quem faz? Normalmente
não somos nós quando ela tem alta daqui, ela não
volta mais pra cá. Algumas crianças quando a gente
pede pro pai pra trazer, pra fazer esse
monitoramento, não temos esse acompanhamento, eu
acho que quem pode responder isso pra você é o
assistente social, é ele quem marca as consultas, é ele
quem faz a seqüencia disso aí." (Klayton)
Quando abordado o profissional do serviço social...
"Existe algum monitoramento? Não, eu desconheço.
Pelo pronto socorro eu desconheço." (Pixote)
"Eu tenho tentado enquanto assistência social entrar
em contato com os órgãos. Conselho tutelar, com a
SEMSA. Pra poder se a gente é trás de volta a
criança e a oportunidade dela fazer esse
tratamento e não ter seqüelas, não ter e até uma coisa
161
mais prática, a de chegar até se não tiver o
tratamento adequado e a mãe se conscientizar de que
tem pessoas, tem órgãos atentos à situação da
criança então eu não deixo isso aí passar em branco".
(Isabela).
Os autores Garbarino (1988) e Santos (1991) nos orientam para a idéia central
de continuarmos insistindo no monitoramento dos casos como ação fundamental no âmbito
preventivo, que é a reincidida dos maus-tratos, caso não haja uma ação que interrompa a sua
dinâmica, ou mesmo com o restante das crianças que estão em contato ou em convívio com o
agressor.
"Atualmente, ainda se observa uma real dificuldade
de trabalho conjunto e retroalimentado entre
organizações (setor judiciário, conselhos tutelares,
organizações não-governamentais, etc). A divulgação
e integração das atividades realizadas, o retorno de
informações sobre o andamento dos casos e a
especificação de ações, evitando a sobreposição de
serviços, ainda são metas a serem atingidas. Vale
ressaltar a insuficiência de programas de avaliação
dos processos implementados, alicerce fundamental
para o aumento da efetividade das ações realizadas"
(REICHENHEIM,M. E et.au; 1999, p. 109-21).
A assistência social na unidade de saúde acaba por ficar na articulação das
ações intersetorias e interinstitucionais, quando efetivamente o trabalho em rede, e
andamentos dos casos pelos outros setores ficam sabidos também da morosidade do
andamento dos casos e a utópica proteção integral a criança e adolescentes nos casos de
notificação compulsória.
É nesse grande hiato entre o diagnóstico e o processo de responsabilização do
agressor, o tratamento psicossocial precário das vítimas o seu apoio jurídico insuficiente, que
162
aqui em Manaus o risco e a vulnerabilidade destas crianças e adolescentes se acentuam, por
também não haver no município, vagas para abrigos temporários destinadas para o
acolhimento destas vítimas. Passando a serem revitimizadas pelos agressores, e maltratadas
pelo poder público.
5.2.4- As marcas dos maus-tratos nos profissionais da saúde:
"Não podemos conceber uma organização do
trabalho sem sofrimento, mas organizações do
trabalho mais favoráveis à negociação da
superação desse sofrimento".
H. Arendt
A dinâmica dos setores de emergência pediátrica, como foi trabalhada no capítulo
3.6- A Urgência/Emergência Pediátrica e os Profissionais de Saúde, se apresenta muito
intensa e o seu meio é a própria expressão da desruptura constante, convidando a um
cotidiano de trabalho bastante estressante e sofrido.
Para podermos falar das marcas dos maus-tratos nos profissionais de saúde imersos
no setor de urgência e emergência precisamos evidenciar o que entendemos por relações de
trabalho e como estas podem ser marcantes no viver destes sujeitos.
Compreendemos que qualquer trabalho consiste em um conjunto de relações sociais
e, portanto, uma série de relações intersubjetivas, com historicidade, hierarquizadas, e que
sempre conterá os seguintes elementos: o sujeito (quem opera) o real (inclui as organizações
já inscritas e contingentes no âmbito do trabalho) e o outro.
A análise da Psicodinâmica do trabalho, segundo Dejours (2008, p. 96,97), é
proveniente da psicanálise, se refere ao estudo dos movimentos psicoafetivos gerados pelos
conflitos inter e intra-subjetivos e aponta para os dramas vividos nas situações de trabalho.
163
Dessa forma, o autor sugere que o real nem sempre está totalmente disponível, pois essas
dinâmicas tendem a resistir à explicitação do real.
Portanto, trabalho em saúde não está somente circunscrito nas relações sociais dele
proveniente, muitas vezes díspares nas condições sociais e culturais. Nem somente na relação
de sobrevivência com as garantias salariais envolvidas: como a instabilidade no emprego e
direitos de trabalho sordidamente negados. Muito menos se esgota nas relações de poder que
se estabelecem no seu bojo: poderes arbitrários, incongruentes e antidemocráticos refletindo
em ações de assédio moral, desrespeito, isolamento e a falta de comunicação, dentre outros
infortúnios.
É preciso inserir também a dimensão humana das concepções de trabalho.
Considerando tal dimensão, a tendência é encontrar saídas mais prazerosas dentro do contexto
laboral e do enfrentamento dos conflitos inerentes ao fazer, na urgência e emergência
pediátrica.
Para tanto, é preciso envolver neste ditame a criatividade das ações envolvidas no
labor como polarização de potencias da inventividade e coordenação na busca de
engenhosidades e descobertas. O agir criativo dinamiza o sujeito o faz se sentir pertencente à
ação. Quando o trabalho se resume a rotinas padronizadas e ao esgotamento, de ações
monitoradas e estranguladas pelo controle inoperante, tal criatividade é inibida e abre espaço
para a ação automática, comprometendo a eficácia na contingência.
"As possibilidades da ação sobre o real, que se deixa
parcialmente conquistar, domesticar ou confrontar,
atestam o vigor da criação do pensamento
imaginativo do indivíduo". (DEJOURS; 2008, p. 49-
106).
"Poderíamos sintetizar a postura forjada pelo
profissional no cotidiano das práticas de emergência
em dois desafios. O primeiro é ficar insensível diante
da recorrência de tantas situações semelhantes. O
164
segundo é ter a concreta necessidade de se acostumar
para não sofrer a cada novo episódio, o que afetaria
a sua própria capacidade de intervenção técnico-
profissional. Entre a ‗ frieza humana‘, da falta de
solidariedade, e a ‗frieza profissional‘, necessária
para atuar, muitos desenvolvem uma ‗comoção‘
seletiva‘, permitindo-se emocionar somente diante de
algum tipo específico de situação ou de vítima, como
nos casos de violência contra crianças"
(DESLANDES, 2002:140)
Ainda em consonância com o pensamento do autor, as disposições para uma ação de
cooperação como resultado de desejos coletivos e uma disponibilidade e abertura para a
confluência de ações coletivas, é outra prerrogativa a ser mais investigada e enfatizada.
A atuação frente aos maus-tratos precisa ser coletiva, ou seja, é preciso que a atuação
se em equipe, mesmo que a maioria das equipes de saúde do município de Manaus ainda
seja multiprofissional, elas precisam caminhar pra o entendimento dos casos em uma
mudança de atitude para a interdisciplinaridade. Para tanto, o pensamento coletivo e seus
resultados em ações precisam ser mais trabalhados.
Falamos muito da valorização do trabalho coletivo e sua expressão nas ações das
equipes de saúde, porém pouco se tem avançado nas políticas de gestão dos serviços de saúde,
quanto ao desenvolvimento de ações coletivas reflexivas, que contemplem espaço e tempo
efetivos e oficiais para discussão de casos clínicos, perspectivas e planejamento de tratamento
e encaminhamentos pelos profissionais de saúde. Reichenheim et.au. (1999, p. 109-21)
evidencia:
"A abordagem familiar da violência e a própria
complexidade do fenômeno traz como conseqüência a
necessidade de integrar diferentes profissionais
através da formação de equipes interdisciplinares em
qualquer programa de prevenção, detecção e
acompanhamento de vítimas. Ressalta-se a
importância da permanente discussão dos casos
atendidos por todos os integrantes da equipe
responsável pelo acompanhamento da família. As
165
especificidades de cada profissional permitem que a
situação seja discutida de diferentes perspectivas,
facilitando a confirmação do evento e o planejamento
das atividades a serem desenvolvidas."
Quando muito os profissionais se reúnem por conta própria para discutir e buscar
uma compreensão coletiva de situações do trabalho, mas, na maioria das vezes, esses atos são
interpretados como "fazer hora, enrolação, fofocas, passa tempo" por não encontrarem um
espaço oficial de troca de saberes e fazeres, dentro da instituição de trabalho.
O trabalho cooperativo desenvolve e exige, das relações, a confiança como principal
conseqüência dos entendimentos das normas éticas, de forma pactual, diante das ações
laborais.
A descontinuidade das equipes nos esquemas de plantão e os acordos de trabalho
sem vínculos empregatícios com as instituições de saúde tendem a desfavorecer essas ações,
pois a equipe de trabalho, por ser rotativa, está sempre em transformação, o que inviabiliza o
trabalho contínuo e o desenvolvimento da confiança mútua entre seus integrantes.
Estabelecidos padrões de confiança variados, as equipes podem ir à busca da
construção da mobilização intersubjetiva, construindo um engajamento coletivo diante dos
entraves encontrados na execução das atividades envolvidas no cotidiano e poder se
posicionar com maior esclarecimento e participação em relação a determinados entraves,
como o distanciamento social, as diferenças culturais e os estilos dos conteúdos formativos da
profissão.
Somente desta forma, segundo Dejours (2008, p. 49-106), o reconhecimento como
constatação das contribuições das ações individuais no desenvolvimento do produto final da
equipe de saúde, ou como gratidão identitária decorrentes da qualidade empregada nos fazeres
e seus resultados diferenciados que pode ser legitimado.
166
Os significados evidenciados pelos profissionais entrevistados como os resultados
psicoafetivos dos fazeres nos atendimentos aos maus-tratos infanto-juvenis foram: terrível,
chocante, aterrorizante, indignação, impotência, dor, cruel, difícil, mexe comigo, incômodo.
Consentiu serem geradores de ansiedade, angústias e em alguns discursos desespero. Com
certeza esse real em movimento de empatia ou transferencial, mobiliza conteúdos da história
de vida desses profissionais, e causa um enorme desconforto nas resoluções de conflitos
disparados internamente.
"Que o próprio médico faz primeiramente, e a gente é
a parte de assistência mesmo de enfermagem, é a
indignação. Indignação? É porque às vezes vo
que são coisas assim banais. Eu peguei um caso, à
noite, assim, acho que não é questão ética, porque eu
não vou citar nomes, mas eu peguei um caso de vim a
mãe, a avó mais o pai com a criança assim, quase
morta, em pré-óbito, e ele não tinha nem dois anos
de idade, esse menino, o caso rolou até pro jornal, e
tudo mais, porque o pai tinha dado soco na barriga
de criança de dois anos, então ele chegou com a
criança, dizendo que a criança tinha vomitado e que
ela estava daquele jeito porque tinha vomitado, e
após a gente colocar, no leito na emergência, a gente
viu que tinha hematomas no abdome e hematomas nas
costas, então assim você fica com vontade de você
mesmo chegar e matar um indivíduo desses, e era
filho, e ele e a mãe encobrindo (...)"(Sandro).
É possível interpretarmos, diante das marcas anunciadas pelos entrevistados, que o
sofrimento psíquico desperto nos fazeres da equipe de saúde em contato com os maus-tratos é
da ordem do suplício. Logo, o envolvimento destes com os seus fazeres tem sido
expressamente intenso. A não possibilidade de re-significar esse sofrimento poderá tornar as
condutas cada vez mais patológicas, desenvolvendo resistências como estratégia defensiva.
"A mãe era isso oh! (abre os braços) enorme! Da
raiva, ela comia, com certeza, e a criança ela dava
água com farinha, quando tinha leite, leite com
167
farinha. E por ai tu tiras o que essa criança não
passava, a gente sente raiva, é isso que eu digo, a
gente sente muita raiva, e depois a gente sente raiva
porque a gente sabe que ela ficou por ai,
provavelmente deve engravidar novamente e ter
outros filhos, se não tinha. E às vezes é difícil de a
gente controlar e não falar alguma coisa. Que na
hora que a gente vai puncionar uma criança dessas, a
gente fica assim com o coração partido. E às vezes a
gente fala com a mãe, briga com a mãe, também. Vai
o lado, aflora o lado mãe da gente, e a gente briga
também com a mãe, mas não resolve nada. É difícil!
(Bebê da Zona Oeste).
Dessa forma, o sofrimento não pode mais ser transformado em prazer, pois não
consegue escoar e encontrar sentido, gerando acúmulos e ocasionado uma dinâmica
patogênica de descompensação psíquica e somática, chegando muitas vezes à exaustão. A
experiência vem do que resiste ainda no real e sempre em relação ao domínio da técnica e dos
conhecimentos. As alienações mentais, sociais e culturais surgem como forma de resistir aos
processos conflitivos das situações de trabalho (CODO & VASQUES-MENEZES, 1999).
Ocasionalmente, esse material produz uma alienação que pode ser mental (conteúdos
psicopatológicos). Se o indivíduo perde o contato com o real e com o reconhecimento pelo
outro, ele encontra-se na solidão da loucura, ou seja, gera comportamentos inapropriados
para a função exercida, produtores de sofrimento psíquico para o indivíduo e para os
coletivos a que pertence (familiares /amigos/ equipe de trabalho).
"Terrível olha! Triste! Infelizmente, porque uma vez
um guarda de transito ele esmurrou o abdômen do
filho e chegou aqui com a criança passando mal, e
quando foi ver hemorragia intra-abdominal, a
criança morreu, e a criança chorava muito, foi
quando chegou aqui a criança chorava muito, ele
estava cansado e a criança não queria comer, uma
história muito, é por conta do desequilíbrio, do pai,
desequilíbrio dos familiares. Terrível!"(Elisabeth).
168
Outra forma de alienação apontada pelo autor Dejours (2008, p. 49-106) é a social,
onde os modos de trabalho não convergem com o do coletivo causando uma crise de
identidade e um profundo desconforto pelo não reconhecimento dos seus esforços. Na busca
por sentidos os profissionais que sofrem da alienação social tendem a se isolar e a não dividir
os seus valores e crenças nos conhecimentos e técnica empregados.
Por último, a forma de alienação cultural muito comum no plano da gestão no
trabalho nos serviços públicos de saúde, acaba por subjugar. O profissional se aliena diante da
gravidade dos efeitos da fragmentação do fazer em suas unidades, enquanto as diretorias
discutem questões de gestão, de empreendimentos e de doutrinas, não privilegiando os fazeres
e saberes destes profissionais que farão do seu trabalho a identidade dos serviços.
Para Skaba (1997) os serviços de emergência são espaços de grande vulnerabilidade
ao sofrimento no trabalho. A autora compreende que muitos profissionais negam esse
processo de aflição, como defesa psíquica para dar conta da convivência diária com o mal
estar que estes locais convidam os profissionais a se relacionar.
Por esse motivo, pudemos identificar uma organização de negação do real, como
estratégia defensiva da relação subjetiva diante dos maus-tratos, como possibilidade
diferenciada de lidar com o sofrimento que este contexto possa causar no trabalho, negação
do que se faz conhecer por sua resistência ao domínio técnico do trabalho.
"Essa questão dos maus-tratos a gente trabalha, com
crianças críticas, aqui nós temos duas unidades de
UTI, que na verdade, seriam uma terapia semi-
intensiva e outra intensiva, mas que na prática
acabou sendo duas UTIs, como essa daqui. Hoje nós
temos crianças com ventilação mecânica, tanto em
uma como na outra, e os procedimentos das crianças,
e os quadros de gravidade são quase os mesmos,
funciona na prática como duas UTIs. E a gente atua
principalmente nas complicações respiratórias, tem
169
muito problema de secreção pulmonar, por estar com
ventilação mecânica, na grande maioria são
crianças neuropatias, que tem problemas
neurológicos e essas complicações a gente atua mais
quer dizer que a incidência maior é em cima da parte
pulmonar." (Bebê da Pampulha).
Segundo Pitta (1991), estes profissionais tendem a desenvolver ―sistemas sociais de
defesa‖ como a fragmentação da relação técnico paciente, no parcelamento das tarefas na
busca inconsciente de reduzir tempo de contato com os pacientes, pois quanto menos
envolvimento íntimo tiver com os pacientes, menor será a possibilidade deste contato, lhes
mobilizarem sentimentos considerados hostis, como a raiva, ódio, angústia, ansiedade, inveja,
dentre tantos outros.
Outros demonstram algum grau de ilusão e idealização com relação ao trabalho,
junto com a procura por reconhecimento, que pode vir a abrir algumas brechas para a
transformação do cotidiano dos serviços de saúde.(LEAL, S.M.C., LOPES, M.J.M; 2005 p.
409-31).
"Me incomoda! Eu fico incomodada com isso porque
eu até sinto assim, como seria uma covardia do
adulto porque a criança não tem como se defender,
então ele teria que não fazer isso, isso mexe comigo,
eu teria que trabalhar isso dentro de mim, pra
poder... meche como? No emocional, uma da
criança, de ver tão indefesa, e a pessoa que deveria
protegê-la, é a pessoa que ta agredindo, que ta lhe
cerceando." (Isabela)
"A gente se estressa muito! Estressam quando a gente
atende, quando não tinha filhos, a gente era mais fria,
hoje depois que a de minha 15, nasceu, a gente sofre
muito, eu me emociono demais, eu sou chorona
demais."(Elizabeth)
170
Os profissionais de saúde lidam com seus conflitos individual e coletivamente, e não
uma preocupação do hospital em garantir um suporte psicológico para que possam
enfrentar as dificuldades do dia-a-dia. É nos combinados e acordos intra-grupais com os
colegas de trabalho que se consegue muitas vezes administrar e suportar o ―sofrimento‖ no
auxílio mútuo do cuidado aos pacientes, como por exemplo, compartilhar as entrevistas
investigativas a pais supostamente abusadores.
O estresse é um conceito antigo desenvolvido por Selley (1936), definido por este
como sendo, o "grau de desgaste total desenvolvido pelo viver". Depois desta primeira
definição, apareceram várias, enfatizando diversos aspectos e fatores desencadeantes, ora
globais, ora específicos, ora internos ora externos para o desenvolvimento do estresse,
Helman, 1994; Ladeira , 1996. Todos concordamos como os principais fatores de risco e de
sobrecarga comprometem o bem estar biopsicossocial.
Dentro dos quadros de doenças ocupacionais, o Burnout e estresse ocupacional
ocupam um lugar de destaque. O Burnout é o efeito de um demorado período de tentativas
para lidar com específicos eventos estressantes na vida. A "Síndrome da desistência" é
entendida como um processo de defesa psíquica, onde o sujeito passa da deixar de investir em
seu trabalho e em suas relações afetivas, incapaz de se envolver emocionalmente consigo. É
aquele que chegou no seu limite, falta de energia, não tem mais condições de desempenho
físico e mental, Codo e Vasques-Menezes,1999 e Rabin, Feldmaan, e Kaplan,1999.
Os fatores desencadeantes da Síndrome de Burnout são muitos, e puderam ser
identificados em 100%, das falas dos profissionais. Em algumas falas, alguns fatores se inter-
cruzaram: falta de apoio (afetivo/social), fragilidade emocional, insatisfação com o trabalho,
insatisfação com as demais áreas da vida, fontes de pressão no trabalho, dificuldade em lidar
com problemas, problema de saúde menta e física, insatisfação pessoal, falta de realização
171
pessoal no trabalho, despersonalização, exaustão emocional, investimento frustrado/
inadequado.
Os autores Dejours (1992) e Nogueira-Martins (2002) nomeiam alguns mecanismos
negativos de adaptação ao estresse, correlacionados com os aspectos disfuncionais. São eles:
embotamento emocional como a frieza e o distanciamento, negação ou minimização dos
problemas inerentes à profissão, ironia e irritabilidade, humor depressivo, descuido com a
própria saúde ou vivências hipocondríacas, faltas e abandonos de tarefas, mudanças
constantes de unidade ou emprego, aumento da freqüência de problemas de saúde, queda na
produtividade e conflitos na equipe.
Os autores Rew e Christian (1993) em suas pesquisas com os enfermeiros, delineia a
população de profissionais que foram vítimas de maus-tratos na própria infância e que hoje prestam
assistência e se deparam com o semelhante real, e, portanto precisam aprender a lidar melhor com as
emoções para conseguir dar suporte aos familiares e à criança durante a recuperação envolvida nos
maus-tratos atendidos.
―(...)a emergência e seus agentes convivem com a
violência pelo menos de duas formas evidentes: como
demanda de atendimento/trabalho e como forma de
relação entre profissionais e clientela.‖
(DESLANDES, 2002:24)
Em estudo etnográfico sobre como a problemática da violência na sociedade é
enfrentada pelos serviços de saúde, compreendendo seus impactos sobre os processos de
trabalho em dois grandes hospitais de emergência do Rio de Janeiro, Deslandes (2002)
observa que é preciso desconstruir os preconceitos e estigmas sociais por parte de toda equipe
da unidade de saúde, pois estes muitas vezes, são critérios seletivos para a qualidade da
atenção dispensada.
172
5.3- A bagagem: competências adquiridas ou não desenvolvidas para lidar
com o trajeto em si.
―Posso dizer tudo?
Pode!
Você compreenderia?
Compreenderia!
Eu sei de muito pouco, mas tenho a meu favor
tudo o que eu não sei e por ser um campo virgem
estar livre de preconceitos.
Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor!
É a minha largueza.
É com ela que eu compreenderia tudo.
Tudo o que eu não sei é que constituí a minha verdade!
Clarice Lispector- A Descoberta do Mundo
Não tem como pensar sobre as marcas dos maus-tratos nos profissionais de saúde e
desconsiderar toda a formação pessoal destes trabalhadores, no entendimento deles como
formadores de opinião, é preciso desenvolver estratégias para evolvê-los em reflexões
pertinentes aos maus-tratos, como desigualdade social, exclusão, direito a ter direito,
cooperação, coletividade, dentre tantos outros, e assim poder re-significar os lugares de
suas atuações profissionais.
Os autores Cruz-Netto & Minayo, 1994; Sant‘Anna, 2000; Sant‘Anna e Lopes, 2002
nos fazem ater para a diversidade subjetiva de olhares e a urgência da inclusão das temáticas
de direitos humanos na qualificação dos profissionais e trabalhadores de saúde pública.
O sistema de saúde brasileiro não pode mais adiar o enfrentamento do desacordo
entre o atendimento público em saúde e a alienação de muitos profissionais, quanto ao
entendimento das relações conflituosas originadas no cotidiano de violência e exclusão social
de alguns segmentos da sociedade. É necessário promover a construção da consciência social
do trabalhador de saúde, diz Skaba (1997).
173
5.3.1- A formação dos profissionais diante dos Maus-tratos
Convidar os profissionais de saúde a explicitar suas experiências, dificuldade e
estratégias diante dos maus-tratos, é convidá-los a se perceberem através de suas falas, pelo
menos dos seus próprios processos de criação, o quanto podem se identificar maltratados, ou
na sua ação efetiva consigo mesmo e com tudo o que ficou pra trás que vem sendo
negligenciado, abandonado, sequelado e o quanto muitas vezes esses fatos determinaram os
seus processos de formação.
"E assim... ao chegar na faculdade não foi decisão
minha, ser médica, e sim do meu pai, entrei em
contato a primeira vez com cadáver, eu me choquei
muito e eu tive vontade de buscar o meu pai, porque
não era eu que queria era ele, então naquele dia eu
tive de tomar a minha decisão, ou eu mandava o meu
pai ou eu continua. Eu acho que a minha formação,
lidar com maus-tratos veio desde esse dia aí, dessa
tomada de decisão minha... Eu decidi fazer medicina
e eu me formei com a intenção de me formar para
atender aos maltratados... Eu vi que eu não podia
desisti desse dom que Deus me deu, e eu estou
preparada, eu acredito acabei me envolvendo..."
(Klayton)
Os remete indiretamente a se lembrar de fatos que vivenciaram de maus-tratos
pessoais ou mesmo profissional. É também despertá-los para a realidade de serem portadores
de direitos e deveres como cidadãos. Em uma posição transferêncial, estes profissionais
poderão, dentro de um maior ou menor grau, entender a necessidade de elaboração destes
percalços nas suas histórias, rever posturas, re-significar dores, ampliar visões.
O processo de formação pessoal visando o melhor atendimento aos maus-tratos, não
pode ficar apenas na elaboração de manuais, guias, apostilas, protocolos de serviços. É
174
preciso ir além da função meramente técnica, é preciso conseguir atingir os profissionais,
conscientizá-los de suas reais dificuldades no manejo dos casos, dos entraves para o
desenvolvimento da ética do fraterno.
"Família, filhos, plantões noturnos... e isso exige
muito da gente... eu não conhecia essa área de
enfermagem, foi aleatória a minha escolha, desde
pequena a minha mãe dizia que eu quando era
pequena queria ser enfermeira, mas não tinha noção
do que era ser enfermeira (sorri), uma coisa é você
estar na sala de aula e quando chega aqui...é
totalmente diferente.."(Sandro)
Os trabalhadores em saúde precisam cada vez mais conseguir mergulhar seus olhares
na população que atendem, conhecer os arranjos comunitários do local onde esta inserido o
seu fazer, buscar um conhecimento e envolvimento comunitário, essencial nos casos de maus-
tratos, seja no diagnóstico (momento investigativo), seja na denúncia ou na construção de
redes de apoio a vítima, ao abusador e à família como um todo.
As equipes dos profissionais da saúde são formadas por: médicos, enfermeiros,
assistentes sociais, psicólogos e apoio jurídico. Essas equipes necessitam de suporte e
supervisão permanentes. (BRASIL, 2001; GOMES e col., 2002a).
Marmo (1995) e colaboradores entrevistaram 45 pediatras Universidade Estadual de
Campinas, UNICAMP, que trabalhavam em diferentes setores do hospital, o resultado nas
entrevistas foi que 86,7% havia atendido maus-tratos. A maior dificuldade, o diagnóstico
diferencial (46%). Estes dados indicam na época, que apesar de estarem em contato com a
demanda dos maus-tratos, eles se beneficiariam com uma formação continuada voltada para a
orientação de como melhor identificar, detectar e orientar a problemática em questão.
"Essa experiência que eu estou tendo agora no pronto
socorro, eu não tive nada direcionado, nenhum curso,
nada, é vivência mesmo daqui" (Pixote).
175
Chaim (2004) e colaboradores pesquisaram 127 dentistas de cinco municípios do
interior de São Paulo, com o intento de também esclarecer se estes profissionais haviam tido
algum treino ou capacitação para o diagnóstico diferencial para maus-tratos contra crianças e
adolescentes durante o período de graduação. O autor chegou ao resultado de que apenas
14,17% teve informações sobre maus-tratos durante a graduação para identificar e
diagnosticá-los em crianças e adolescentes.
Cada vez mais se faz premente a necessidade de incluir nos currículos dos cursos de
graduação em saúde o treinamento para diagnóstico e manejo de maus-tratos, bem como na
rotina dos profissionais inseridos nos serviços de saúde públicos e privados do município
de Manaus. Todos os profissionais entrevistados afirmaram não ter aprendido nada
direcionado na formação, voltado para a violência como um todo, quanto mais a específica a
crianças e adolescentes, mas alguns foram treinados para cumprirem o protocolo exigido pelo
programa VIVA do governo federal.
Pires (2005) realiza um estudo com um grupo de pediatras para identificar os
impasses da notificação de maus-tratos infantis, e conclui que alguns profissionais médicos só
notificam os maus-tratos de acordo com o grau de gravidade (critério bastante subjetivo na
invisibilidade dos maus-tratos), o conhecimento insuficiente sobre os procedimentos da
notificação, carência na estrutura dos atendimentos devido ao sucateamento das unidades de
saúde, experiência subjetiva prévia, desconfiança e descrença dos andamentos do caso pela
rede de proteção e, por fim, medo de serem processados e medo do envolvimento emocional
com as famílias e a própria vítima.
É importante ressaltar neste estudo que a o grande diferencial diante da atitude dos
pediatras em notificar os maus-tratos foi o grau de conhecimento sobre esta demanda em si:
―O estudo aponta primeiramente para um achado
contraditório: apesar da alta taxa de desconfiança
nos órgãos de proteção e do medo do pediatra de ser
176
envolvido em um processo legal, a identificação e a
notificação de casos de maus-tratos infantis foi uma
prática freqüente entre os profissionais. A atitude de
notificar dependeu significantemente do grau de
conhecimento sobre maus-tratos infantis.‖(Pires,
2005)
A análise das notificações realizadas neste período de 2006 a 2008 nos fornece
informações importantes, com esta endemia cada vez maior no estado do Amazonas, é
fundamental que os governantes e gestores dos serviços públicos e privados de Manaus
busquem capacitar e sensibilizar os profissionais de saúde sobre o tem da violência como um
todo, assim como o aprimorá-los destes no atendimento a crianças e adolescentes vítimas de
maus-tratos.
A formação dos profissionais entrevistados do HPSC-ZO se apresentou da seguinte
forma: todos formados mais de 3 anos, mais de 60% em Universidades Públicas, e 80%
realizou algum curso de especialização. Os cursos descritos pelos profissionais: alta
complexidade, Urgência e emergência, Enfermagem do trabalho, UTI infantil, Terapia
Intensiva e Psiquiatria Infantil.
Trabalham pelo menos 3 anos na instituição, com exceção do
profissional psicólogo entrevistado, permanece na unidade pelo tempo em que instituição a
que pertence está em reforma, 80% dos entrevistados possuem um vínculo empregatício
calcado na parceria da SUSAM com as cooperativas de saúde, 10% dos entrevistados tem um
vínculo de contrato temporário com a SUSAM e apenas 10% dos informantes possui vínculo
empregatício efetivo e constitucional com a Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas.
Ao falarmos de formação profissional, não podemos perder de vista os seus
resultados refletidos no contexto do trabalho em saúde. É preciso considerar os
enfrentamentos de diversas questões inerentes e urgentes como: a fragmentação dos processos
177
de trabalho e da relação entre os diferentes profissionais, as tangentes relações de trabalho e o
gradativo sucateamento dos serviços públicos de saúde, a burocratização e verticalização do
sistema público de saúde fundeada a uma lógica de exclusão e o baixo investimento na
qualificação dos trabalhadores, que vão formando mentalidades alienadas dos próprios
direitos como cidadão.
Quando nós fundamos as cooperativas, melhorou
assim 1000%, porque se eu hoje faltar a um plantão,
a cooperativa tem outro pra me substituir, quer
dizer, não vai ficar sem ninguém, o único problema
da cooperativa é que você não tem direito a férias,
décimo terceiro, licença maternidade, nada disso.
Nós somos todos fortes na firma. Você tem que zelar
pelo o que é teu. Se você não zelar. Se você quiser
sair você vende o seu passe, a aposentadoria você tem
que pagar, como o meu INSS, pago a minha
previdência privada, eu pago, eu que tenho que me
virar, por um ponto é bom, pro Estado é melhor
ainda, porque não tem que se preocupar com o
décimo terceiro, férias, com licença maternidade, eu
me lembro que da minha primeira filha eu fiquei sete
meses sem trabalhar ganhando, quando eu tive a
minha segunda filha, já era cooperativa eu fiquei,
quarenta e cinco dias e fora que o meu parto foi
prematuro. O Ministério Público tentou acabar.
Estava na justiça durante dois anos, inclusive no
supremo, e o Supremo eliminou a liminar daqui, ficou
que o governo manteve. Acho até um erro o estado
fazer um concurso e não chamar quem foi
concursado, porque já tem quase quatro anos esse
concurso, e a maioria não foi chamado, porque
assim, seis anos, vai para o sétimo ano e são todos em
regime especial aqui, não tem nenhum estatutário, o
técnico, a enfermagem,.nenhum, hoje em dia é mais
fácil pro governo, deixar como está e fazer de conta
que não está vendo nada. Aliás, hoje, não, sempre foi
assim... (Elizabeth)
178
Para abrirmos ainda mais a discussão da formação, precisamos considerar diversos
fatores que se interligam e refletem no agir diante dos maus-tratos. São eles: as condições de
trabalho do profissional de saúde, especialmente os do setor de emergência, os vínculos de
trabalho e a política e situação de remuneração destes profissionais, a estrangulada relação
entre quantitativo de profissionais e demanda de trabalho, desestímulo profissional diante de
tantas adversidades, fragilidade dos mecanismos institucionais para lidar com os profissionais
sem observar o mérito profissional e falta de capacitação adequada para lidar de forma mais
abrangente com as situações de maus-tratos.
Compreendemos então que para uma maior eficácia ao atendimento de emergência
às vítimas de maus-tratos, no intento de subsidiar os cuidados em saúde, com qualidade,
visando não só atender aos casos de agudeza, mas buscando uma atuação de prevenção
(primária, secundária e terciária), é preciso investir em quatro aspectos principais:
Sensibilização /capacitação dos profissionais de emergência (de todos aqueles que
lidam diretamente com o paciente).
A criação de rotinas institucionais diante de todos os casos de violência, sobretudo os
maus-tratos a criança e o adolescente, de forma que garanta a sua proteção integral, e
viabilize os recursos de tratamento da equipe médica, assistências sociais,
psicológicas e judiciais.
Desenhar a rede social de suporte para encaminhamentos e monitoramentos, e
conhecer os seus representantes na comunidade, serviços e as organizações
governamentais e não-governamentais.
Conseguir chegar em um número mais próximo do real dos casos de maus-tratos
atendido na instituição, para poder ter uma maior visibilidade e assim poder subsidiar
o planejamento de ações futuras.
179
Especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho em equipe
destacam-se, os desrespeitos aos direitos dos usuários, o modelo de atenção centrado na
relação queixa-conduta, o despreparo para lidar com a dimensão subjetiva nas práticas de
atenção e gestão, a formação dos profissionais de saúde distante do debate e da formulação da
política pública de saúde, e o controle e participação social frágeis dos processos de atenção e
gestão do SUS.
O desenvolvimento das relações interpessoais é terapêutico para os usuários e para os
profissionais de saúde, na conexão real de saberes (incluindo os dos pacientes e familiares),
ao buscar uma dialogicidade das relações, ou seja, compreender efetivamente o outro, entre
os profissionais, seus modos de trabalhar em equipe produzindo uma grupalidade que vise as
construções coletivas em constante transformações (JACQUEMOT,2005).
A formação em Direitos Humanos tem muitos desafios a serem galgados, no Brasil.
É preciso construir estratégias diante dos projetos pedagógicos que assegurem um efetivo
trabalho dos temas transversais ligados a direitos humanos, para que a atuação do profissional
saia de um referencial do senso comum, de temas como o papel identitário de gênero nas
famílias, relações éticas interpessoais e profissionais, códigos da linguagem profissional
escudando as relações profissionais e dificultando os esclarecimentos necessários, consciência
social.
Mais do que nunca é preciso buscar uma sensibilidade social em direitos humanos,
refletir sobre o que ainda não estamos fazendo e o que estamos autorizando quanto a maus-
tratos a criança e adolescente. Desconstruir a sedimentação dos abusos do pátrio poder
(código civil de 1916) que solidifica uma rígida hierarquização das relações familiares e
desenvolver uma postura mais democrática, pluralista nas relações intersubjetivas.
180
É somente neste formato que conseguiremos exercitar a alteridade, cada vez mais a
compreensão do respeito ao outro, combater a discriminação e validar as ações de inclusão
das diferenças: familiar, profissional e institucional.
5.3.2-Conhecimento do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA):
É considerável a ênfase que se deva dar para 100% dos entrevistados apresentarem o
desejo de conhecer mais o ECA. uma compreensão de que é um postulado legal sobre os
direitos da criança e do adolescente, que contém capítulos, artigos importantes e ainda pouco
conhecidos.
Essa expressão do desconhecimento desse instrumento pode se dar em atitudes não
conscientes, alienadas, podendo comprometer toda a atuação profissional, com
comportamentos guiados por uma mentalidade preconceituosa, ou mesmo assistencialista a
crianças e adolescentes.
"Na realidade eu não tenho, eu pouco leio, eu pouco
li, a minha filha tem treze anos e comentou com a
gente, uma conversa e pelo o que eu li eram dez
pontos fundamentais, com relação a respeito com a
criança, as crianças tem direitos, são direitos dela,
elas tem direito de estudar de brincar, de ter uma
vida saudável, e proteção, e dessas foram
praticamente o que eu li a respeito, mas
detalhadamente eu desconheço, eu não tenho muito
aprofundamento no estatuto. "(Eloá)
"Eu conheço pouco, nunca li todo o Estatuto da
Criança e do Adolescente, mas o pouco conhecimento
que eu tenho eu tento aplicar em todo o lugar que eu
trabalho eu sei que a criança tem prioridade a tudo, é
uma parte do ser humano que precisa ser bem
tratada. Eu gosto de trabalhar com criança, tem uns
181
que me dizem, não suporto choro de menino"
(Elisabeth)
Ainda encontramos profissionais de saúde com uma formação da mentalidade
ancorada nos reflexos do "Código Mello Mattos", o código do menor (1997) e todas as suas
aparelhagens, que pretendem proteger o meio, erradicando a criminalidade das crianças e
adolescentes infratores das ruas, como restrição para a contingência populacional e a
expressão da desigualdade, depositando-as em instituições maltratantes. Talvez até pelo
efeito de uma não leitura e conhecimento das lutas e avanços da sociedade em tornar suas
crianças e adolescentes cidadãos de direito.
"Uma coisa do Estatuto que eu não concordo, alguns
eu nem sei é sobre a questão do Estatuto do
Adolescente Infrator. Isso eu não concordo muito
não, porque ele pode ser menor, mas ele faz
maldades. Eu acho que ele deveria ser penalizado por
isso, eu não concordo muito, a gente não muito
aqui, porque aqui quase não vêem esses adolescentes,
nesse estilo ai não vem, vem poucos, raríssimos até,
mas o restante eu não sei bem te dizer. E eu acho que
falta muito, acho que falta mais atuação,
principalmente nesses órgãos que tomam conta, esse
tal a esse ai que a gente manda as crianças, é bem
falho, bem falho mesmo, pelo menos com as nossas
crianças são bem falhos. O restante eu não posso nem
te falar porque eu não sei bem nunca peguei pra dizer
assim, nunca li, e olha que eu gosto de ler, nunca li o
Estatuto, algumas coisas que a gente fica sabendo,
fica falando, às vezes as meninas falam, mas assim
pra ler mesmo eu nunca li." (Caso:Bebê HPSC- Zona
Oeste)
Podemos constatar que os avanços de uma legislação voltada para construção pelo
pacto social têm se dado a passos lentos, mas já pode ser reconhecido o esboço para uma
arquitetura em busca de cidadania da infância. Estamos reconhecendo os pactos sociais como
forjadores de uma interação saudável e de alteridade. Foi possível encontrar nas falas dos
182
entrevistados, apesar de ainda não terem um maior envolvimento com este instrumento, um
reconhecimento de sua força.
"Eu posso dizer que houve assim avanços com a
criação, desses conselhos, e com a nossa
conscientização maior dos profissionais, com o nosso
exercício, até a família também vem se
conscientizando, ficando atenta não está 100%, mas
muita gente pensa... a gente conversa, explica os
deveres, os direitos da criança, a proteção, então ela
esta assimilando também, a gente ainda tem muita
coisa pra caminhar, mas é assim, é fundamental a
gente ter esse conhecimento, esta apoiada no estatuto
e tudo, e sabe que tem outros órgãos envolvidos, você
pode acionar, você pode questionar... você ter um
retorno, saber que não é uma formalidade".
(Isabela)
Também foi identificado como um instrumento que fora criado pra defender "em
todas as suas integridades físicas, mentais, sociais, nutricionais, sociais" e amparar a criança,
e o entendimento de que pode não ser cumprido pelo desconhecimento e não divulgação, te
auxiliado o trabalho dos profissionais de saúde.
"Porque às vezes a gente conhece os direitos, mas
não divulga, e tem às vezes condições que as pessoas
estão lá, mas não tem acesso, e quando tem não
muita importância porque não é a realidade que eles
vivem, acha que é normal menino ficar do jeito que é
e que deveria ser mais divulgado, principalmente nas
escolas pra crianças ter uma concepção dos direitos e
dos deveres deles". (Sandro)
Desta forma é consenso entre os profissionais de saúde que atendem crianças e
adolescentes no HPSC-ZO, a necessidade de também se investir em uma formação continuada
que subsídios para o reconhecimento do instrumento em toda a saúde. E somente desta
183
forma estes profissionais podem conduzir suas atuações de modo consciente e produtor dos
direitos da criança e adolescentes.
"Eu confesso que eu preciso conhecer muito mais,
preciso assim -lo não de forma rápida pra dizer
assim, li o Estatuto, mas eu penso que
necessidade da gente fazer um estudo mais profundo,
um estudo crítico, e assim, estar atento a todas as
situações que aparece no dia a dia pra gente conferir
com o que o Estatuto está, assim nos avisando, o que
o Estatuto esta assim tentando esclarecer, eu penso
assim que todos os profissionais, todas as áreas de
conhecimento, precisa conhecer bem mais o estatuto e
a gente está sem condições, de denunciar e de
encaminhar, todos aqueles que precisarem receber
atendimento e cuidados com relação aos maus-tratos"
(Medeleine).
184
5.4.- Revisitar: a constatação da descrença na proteção integral para os
casos de maus-tratos:
As falas dos profissionais da saúde, despotencializadas representam o descrédito de
uma ação efetiva e eficaz quando se fala em proteção integral a criança, e principalmente a
criança vítima de maus-tratos.
Essa descrença nas ações, nas políticas públicas e nos governantes como aqueles que
também negligenciam e abandonam esse real, como se este não existisse. Reflete um
território desprovido de compromisso de total descaso com a cidadania de suas crianças e
adolescentes, justamente estes que serão a garantia de um futuro melhor para a nação.
"A gente se envolve tanto que chega até a gente se
emociona muito, quando chega esses casos, mas o
Estado não tem um serviço de proteção mesmo, que
proteger aquela criança, que proteger de um
abuso quando é agredida que proteger mesmo a
integridade daquela criança, infelizmente eu
desconheço que exista aqui em Manaus um serviço
desse tipo, eu não tenho esse conhecimento." (Sandro)
Cada vez mais precisamos construir espaços públicos de saúde que disponibilizem o
reconhecimento do direito a ter direito que se pode concretizar o existir a partir de uma
sociedade democrática e onde os profissionais busquem exercitar suas alteridades.
"Acima de tudo, reconhecer que o que está em jogo
não é propriamente a eficiência da prestação de
benefícios e serviços, mas o exercício dessa prestação
à luz do sentido crítico e questionador do conceito de
direito social, pois é por meio desse conceito que
se poderá aquilatar a real vinculação da seguridade
social com os valores de igualdade e justiça social"
(Pereira, 2000, p. 89).
185
De modo geral, enquanto garantia da cidadania, as atitudes dos governantes parecem
caminhar em sentido oposto, mostrando um considerável distanciamento entre a eloqüência
dos discursos governamentais e o acesso aos direitos, que fundamenta suas ações públicas, de
insuficientes serviços disponibilizados frente à precariedade das condições sociais em que
vivem as classes de baixa renda amazonenses. Fazem da população infanto-juvenil
desprovida de recursos econômicos cidadãos sem direito.
muito decepcionante no nosso país, eu acho
decepcionante demais! A gente fica conversando
entre nós aqui, os colegas daqui todo mundo tem filho
e a gente fica pensando, um menino de 11 anos, desse
tamainho. Essa criança esta comendo mãe? Tem que
ver se não ta com verme, se cuida se está levando na
consulta periódica, levam quando está doente,
quando levam, é caso pra conselho tutelar, não
resolve nada... Relaxam e depois continua tudo igual,
tudo como era antes de imediato eles fazem e depois
relaxam e continua tudo igual, tudo como era antes
eles esquecem infelizmente". (Elisabeth)
Segundo Schmitt e Kempe (1975 apud SANTORO JR, 1989), entre as crianças
agredidas que retomam a convivência com os agressores sem algum tipo de intervenção, 5%
delas são mortas e, 35%, feridas novamente. De acordo com os mesmo autores em trabalhos
posteriores, se houver o tratamento adequado de toda a família, cerca de 80% delas poderão
ser reabilitadas.
Também sabemos que é nos setores de emergência que vão desembocar toda a
expressão de falência e o sucateamento da atenção primária em saúde, a não acessibilidade
universal, a não eqüidade, a agudeza da desassistência, a miséria e a desigualdade social
refletida na população. Portanto, o sucateamento da saúde pública pelas diferentes instâncias
de governo e o descaso com a vida da população usuária do SUS (JACQUEMOT, 2005).
186
A reincidência dos casos de maus-tratos nos setores de saúde vestidos da capa da
invisibilidade pelo o que não tem remédio remediado está‖, causa o total
descomprometimento com a proteção integral à criança, engrossando as filas de espera nas
assistências à saúde, talvez esperando um quadro de agudeza para poder justificar outros
procedimentos.
por isso que dói! Porque você que aqui, no meu
caso já teve crianças que passam fome da e, a
gente que a mãe é nutrida, que a mãe está em
boa forma física, está saudável como a gente diz, e
aquela criança totalmente desnutrida, nas
costelinhas, ai fica aqui, consegue sair porque chega
totalmente descompensada, ai é nutrida, hidratada, é
feito todo um processo, ai vai embora, daqui a um
mês esta de volta, com resfriado, com pneumonia,
mas que tu que a criança voltou a ficar desnutrida,
que as costelinhas esta aparecendo, cheio de ferida
do mesmo jeito que saiu, entrou antes saiu boa, ai
volta com as mesmas feridas aqui acontece muito
isso, a gente assim, tem aquela mesma clientela, que a
gente chama aquelas mães assim, que são assim!"
(Bebê da Zona Oeste).
Muitas vezes o profissional é estimulado a não identificar este real devido à falta de
serviços que estejam dando continuidade a esses casos encontrados no serviço de saúde, e
dessa forma, muitos acabam por querer resolver com as "próprias mãos" ou mesmo
completam desenvolvendo um ceticismo e com isto enfraquecendo a precária rede de
proteção já existente...
"(...) Eu acho muito deficiente, porque quando chega
uma criança dessas, uma criança maltratada, eu sou
testemunha de um bebe novinho, chegou com os dois
lados do fêmur fraturados, imobilizamos,
comunicamos ao conselho tutelar e a delegacia de
menores, a criança ficou no hospital até resolver a
situação, resumindo, quando a criança teve alta, pra
quem entregaram a criança? De volta pro lobo! A
187
gente se sente muito mal, eu me sinto muito mal com
isso, vontade de levar pra casa, mas você também
não tem como cuidar com a vida que se leva, pelo
amor de Deus, ninguém faz nada! O governo
Brasileiro não ta agindo, pela experiência que eu
tenho a gente denuncia o conselho tutelar já falou pra
mim: nós não temos poder de polícia, eu não sei pra
que responder todo aquele questionário se não é
resolvido nada! Doutora nós não temos poder de
polícia pra prender a mãe, não sei, o que eu vou
fazer? Aí, quando é preso, passa 24horas pagam
fiança soltam não adianta nada!" (Elisabeth)
Atualmente no Brasil, o ―Estatuto da Criança e do Adolescente‖ (BRASIL, 1989)
prioriza a identificação e notificação dos casos, criando o órgão do Conselho Tutelar que seria
o responsável por iniciar a avaliação da situação denunciada, desencadeando as medidas a
serem tomadas pelas redes específicas de atenção (proteção da criança, afastamento da vítima
do agressor, punição do agressor, tratamentos).
Foram criados vários Conselhos de saúde, educação, dentre outros, mas como tem
sido a efetivação das ações para a proteção integral das crianças e adolescentes? Até onde os
conselhos têm conseguido avançar aqui no Amazonas? Para onde estão indo as crianças que
precisam realmente de proteção integral do estado? Qual o real amparo legal que elas vêm
recebendo?
"(...) Pode ser vários, pode ser até uma vizinha que
fica aqui, na internação todinha da criança, por
incrível que pareça, a gente às vezes tem casos, da
criança ficar 12 ou 15 dias, e ser uma vizinha, que é
uma boa samaritana que a gente chama que vem
socorrer, que tira a criança daquele lá e traz. E vocês
têm confirmação de que ela é realmente a vizinha?
Tem! Ou ela é uma pessoa que esta com a criança?
Tem, nesse caso tem, porque tem o endereço. As
assistentes sociais elas fazem aquela ficha social, e
sempre é detectado que realmente foi uma vizinha e
elas passam, a mãe é fulana, mas o menino está
188
doente a trocentos dias, e se eu não trouxesse,
pegasse essa criança e trouxesse, ela ia morrer, e elas
trazem e elas ficam por incrível que pareça, s
tivemos casos de revezar, a vizinha com a irmã da
vizinha, com a filha mais velha da vizinha, acontece
muito, a gente pega de tudo aqui, de tudo um
pouquinho"(Bebê da Zona Oeste).
Outra questão que não podemos deixar de abordar quando se fala de proteção
integral a crianças e adolescentes, o fato de a rede de serviços em saúde mental a crianças e
adolescentes do município de Manaus ser quase inexistente. Apesar de o último senso do
IBGE/ 2007 apontar uma população geral de 1.646.602, a mesma em crescente ascensão
devido a grande migração e imigração para a capital do Amazonas, este ainda não possui
sequer um CAPSi (Centro de Atenção Psicossocial Infantil) ou CAPSad destinado ao
atendimento diário a crianças e adolescentes com transtornos mentais e com uso abusivo de
substâncias.
"Veio também uma história de intolerância alimentar,
que a criança estava apresentando distúrbios
psiquiátricos, tava tendo, como se fosse um autista,
não conectando com o ambiente, às vezes não falava,
e às vezes tinha o contato, mas depois perdia o
contato conosco, e essa criança não era um paciente
totalmente de uma urgência. Ela tinha que ser
acompanhada por alguém mais especializado, um
pronto socorro especializado na área, talvez um
hospital psiquiátrico nesse caso, ou no ambulatório
com um psiquiatra, um psicólogo pra acompanhar
essa criança, no primeiro momento a gente buscou
uma solução poderia ser um distúrbio alimentar que
estivesse comendo ou bebendo que poderia estar
afetando ele, mas a gente fez alguns exames, também
e ainda falta chegar os resultados, mas a gente vai
encaminhar para um psiquiatra, um psicólogo pra
acompanhar essa criança, e colher a história que não
foi muito bem esclarecido, a gente ouviu um lado,
mas a gente não ouviu o outro, pai violento? Talvez,
189
mãe com distúrbio? Talvez. A avó com distúrbio?
Talvez. Ninguém sabe, é algo a se buscar realmente"
(Eloá).
Para o atendimento da clientela de adultos também é bastante deficiente ainda em
funcionamento a todo vapor, contrariando a todo movimento da então Reforma Psiquiátrico o
antigo ―Hospital Psiquiátrico Dr. Eduardo Ribeiro" ainda é o carro chefe para tratar os
transtornos mentais da população de todo o Amazonas, salvo a exceção da construção e
funcionamento precário de quatro CAPS, um em Manaus do tipo III, outro no município de
Parintins, na cidade de Tefé e outro em Manacapuru, com esperança estendida há mais de três
anos para a construção de mais um em Manaus e outro em Tabatinga sem data para a
inauguração.
Com isto, podemos concluir que a forma de gestão e como os serviços estão
organizados, irão refletir sobremaneira nos arranjos estratégicos da equipe de saúde, por
estarem inseridos neste contexto e representarem esse universo no simbólico e ao compor
entre si uma organização possível.
Devem levar em consideração que o diálogo com a criança e com o adolescente e
seus familiares precisam permear sempre ao respeito os melhores interesses da criança,
sempre incluindo uma posição protetora relativa, onde se garanta a criança e adolescentes, os
direitos específicos do momento de seu desenvolvimento, mas também favorecendo a
reflexão do seu exercício de cidadania abalizado na autonomia com responsabilidade.
190
Breves considerações
Os dados estatísticos sobre a incidência dos maus-tratos na cidade de Manaus
têm se apresentado discordantes nas diversas entidades que realizam esta contagem,
evidenciando fortes indícios de sub-notificação, e um desconhecimento do real desenho
quantitativo deste fenômeno hoje em Manaus.
Enquanto o programa VIVA/ Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério
da Saúde no Governo Federal /Manaus em 2008, registra um total de 722 casos de maus-
tratos infanto-juvenil notificados em toda Manaus, o conselho tutelar relata ter recebido 5.182
denúncias no mesmo ano, distribuídos por Zonas de atuação.
Entendendo que os casos identificados e notificados que alimentam o programa
VIVA são exclusivamente do SUS, e que os denunciados aos conselhos tutelares provem
tanto do setor da saúde, quanto também do setor da educação e denúncia espontânea da
população em geral, podemos supor que o espaço escolar, também aqui em Manaus tem se
apresentado como privilegiado para a identificação dos maus-tratos. Isso se justifica pelo
maior tempo de interação da criança com o ambiente escolar.
Pode também revelar o enfraquecimento da rede de proteção, na explicitação
do número baixo de parcerias desenvolvidas no setor da saúde com os casos identificados, por
falta registro dos casos atendidos, ou porque ainda se mostra ineficiente a quantidade de
serviços em saúde, principalmente a saúde mental, para dar conta desta endemia.
Somente a Unidade de Saúde HPSC-ZO registrou em 2008, 244 casos vivos de
maus-tratos. Sabe-se que passaram pela instituição, no mesmo ano, 95.215 crianças e
adolescentes, diagnosticados com os dez agravos mais atendidos. Este fato pode também estar
espelhando que a atuação dos profissionais ainda está calcada no modelo de atenção centrado
na relação queixa-conduta.
191
A partir deste espectro amostral pudemos enxergar que os envolvidos com a
assistência de crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos têm construído saberes na
interação com este objeto, de forma artesanal, sem haver uma capacitação profissional
específica para maus-tratos infanto-juvenis, que os instrumentalize para poderem lidar com
este real. Segue um protocolo de atuação dentro Unidade de Saúde HPSC-ZO/ Manaus,
porém suas ações ainda se apresentam justapostas e fragmentadas, inviabilizando o trabalho
interdisciplinar que esta demanda pede.
Também encontramos interações conceituais empobrecidas, apoiadas em
mentalidades construídas a partir do senso comum. O explicitar da dimensão tipológica se
de forma básica em quase todos os discursos, sem nenhum arranjo determinado pela análise
epidemiológica local. Sabemos que estes entendimentos quanto ao conceito e tipologias dos
maus-tratos irão conduzir todas as suas atuações nos atendimentos cotidianos desde a
identificação dos casos até a maneira como manejá-los.
Quase 90% dos entrevistados demonstraram um grande envolvimento com os
casos relatados durante a entrevista, sendo estes, na sua maioria, casos de grande agudeza
quanto à gravidade dos maus-tratos. Este fato faz pensar que ainda estamos identificando
somente o visível dos maus-tratos, contribuições da dedução da representação biomédica da
urgência.
Demonstra também a necessidade destes profissionais dividirem suas
experiências mais traumatizantes, numa tentativa de re-significar as suas vivências
profissionais com este real. Desta forma, também foi quase unânime a visualização das
profundas marcas deixadas pelos maus-tratos nos profissionais, ao deixarem emergir a
expressão de sentimentos densos e hostis em seus relatos, suas inquietações e indignações.
192
Estas inabilidades nomeadas no lidar com estes sofrimentos são bastante
compreensíveis devido à não oferta de espaços grupais/ individuais de suporte e terapêuticos
que os auxiliem e supervisionem na condução e elaboração destas vivências.
Ao contrário de muitas equipes de profissionais da saúde que anunciam um
total descrédito a tudo que é considerado psicológico, tanto o sofrimento físico quanto moral,
a equipe de profissionais entrevistados demonstrou, na grande maioria, fora uma enorme
carência dos serviços de psicologia na unidade.
Apresentaram estar em bastante conflito com as questões éticas na condução
dos casos de maus-tratos, e em pequeno espectro se deparando, ainda que de forma tímida,
com a constatação de maltrato institucional, espelhado no baixo investimento na qualificação
dos trabalhadores da saúde.
Nenhum dos profissionais entrevistados possui uma formação específica para o
atendimento a vítimas de violência e a maioria demonstrou insegurança quanto às estratégias
utilizadas na condução da investigação dos casos suspeitos. Também não apresentaram uma
forma um trabalho integrado para assistir esta demanda (intra-institucional, inter-institucional,
inter-setorial).
Cabe então comungar no momento reflexivo de todos os envolvidos no setor da
saúde, sobre os nossos processos de alienação no real, sobre o quanto estamos conseguindo
conhecer deste real, o que tem ficado de fora do setor da saúde e que insiste em entrar? Quais
os cuidados com o quantum de sofrimento desperto no manejo dos casos e o quanto este real
tem abarrotado os canais perceptivos, excluindo qualquer hipótese que não corresponda ao
modelo biomédico centrado na atuação queixa-conduta?
Ao percorrermos a vasta amplitude territorial deste tema, ainda que saibamos
que existem alamedas importantes ainda a serem exploradas, tomemos por bandeira a
necessidade fundamental durante esta caminhada de seguir em direção a uma crescente
193
humanização dos serviços oferecidos a criança vítima de maus-tratos evidenciando na postura
destes profissionais de saúde o entendimento e a sensibilidade para saber lidar com este real.
Bem como também a busca pelas relações de trabalho interdisciplinares e inter-
setoriais calcadas na perspectiva de produção de processos de saúde dignificadores da vida de
todos, na busca de se efetivar a participação social frágeis nos processos de atenção e gestão
do SUS, na premente necessidade da conquista cidadã do direito de ter direito.
194
7-Referências
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ALMEIDA, A. N.; ANDRÉ, I. M.; ALMEIDA, H. N. Sombras e marcas: os maus-tratos às crianças na
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Pública. In: FORTES, P. A. C; ZOBOLI, E. L. C. P (Ed.). Bioética e Saúde Pública. São Paulo: Edições
Loyola, 2003. p. 25-34.
ZYGOURIS, R. Pulsões de vida. São Paulo: Escuta, 1999.
203
8. ANEXOS
ANEXO 1- Guia das trilhas da Pesquisa:
1.1- Reconhecendo terreno:
Dados e definições a cerca desta demanda na sua atuação profissional.
1.2-Interação com o objeto: individual e grupal:
Percepções: individual e em equipe das interações, conflitos, dificuldades e outros pareceres encontrados
nestes fazeres.
1.3- A bagagem, os obstáculos e o fôlego:
Competências adquiridas ou não desenvolvidas para lidar com o trajeto em si.
1.4- Bifurcações e destinos:
Encaminhamentos, monitoramentos e desdobramento diante de: indecisão, responsabilização e
enfrentamento dos atos efetivados.
1.5- Revisitar:
Reencontros possíveis.
204
Anexo 2- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ FIOCRUZ
Escola Nacional de Saúde Pública
Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Eu,____________________________________________________________________________________,da profissão de-
_________________________________________ após receber informações da pesquisadora Selma de Jesus Cobra a respeito da
pesquisa “Concepções de profissionais de saúde de um Hospital público infantil de Manaus sobre maus-tratos a crianças e
adolescentes.” estou ciente de que:
A. A pesquisa tem como objetivo avaliar as ações desenvolvidas no atendimento às vítimas de maus-tratos em crianças e
adolescente pelo Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste, buscando melhorar o atendimento prestado a elas e suas
famílias pela equipe;
B. Para realizar esta pesquisa estão sendo analisados prontuários de pacientes e realizadas entrevistas com profissionais
graduados envolvidos no atendimento;
C. Estou participando da avaliação deste serviço por ter encaminhado para e/ ou recebido crianças ou adolescentes do
Pronto Socorro da Criança da Zona Oeste por haver suspeita ou confirmação de maus-tratos em crianças e adolescentes;
D. A pesquisa não me oferece nenhum dano, risco ou desconforto, estando comprometido com a mesma somente durante o
tempo de realização da entrevista;
E. Não estarei recebendo nenhum benefício direto na minha participação como pesquisado;
F. O meu envolvimento como pesquisado, não me dará direito a nenhum tipo de ressarcimento e de indenização.
G. Para este estudo serei entrevistado (a), a entrevista será gravada para que possa ser transcrita e analisada, e seu conteúdo
será mantido em sigilo, sendo incluída nos resultados finais sem minha identificação;
H. As fitas contendo as gravações da entrevista serão inutilizadas tão logo os dados sejam analisados;
I. Nenhuma alteração ocorrerá na integração entre o serviço ao qual pertenço, em decorrência do que for dito por mim ao
entrevistador, ou mesmo se me recusar a ser entrevistado ou a responder a qualquer questão durante a entrevista;
J. Ficarei com uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador principal, podendo tirar dúvidas
sobre o projeto e a minha participação, agora ou a qualquer momento.
.
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_____________________________ ______________________________________
Sujeito da pesquisa Selma de Jesus Cobra
Rua Júlio Verne, 121, apto. 304 H/
CEP- 69060-770 Tel.: 92 - 81233103
205
ANEXO 3- PSEUDÔNIMOS DOS INFORMANTES E SUAS HISTÓRIAS MALTRATADAS:
1
O
CASO- Pixote- Personagem dirigido pelo argentino Hector Babenco em o filme brasileiro, Pixote, a Lei
do Mais Fraco, de 1981, o personagem conta a história de um garoto com a trajetória na cruel realidade da
vida das ruas da cidade de São Paulo.
2
O
CASO- Fernando Ramos da Silva (São Paulo, 29 de novembro de 1967 São Paulo, 25 de agosto de
1987) foi um ator brasileiro. Menino de rua, tornou-se ator ao passar nos testes para viver o personagem
Pixote no filme Pixote, a Lei do Mais Fraco, de 1981, dirigido por Hector Babenco. O menino foi
considerado uma revelação e o filme foi um sucesso, muito premiado dentro e fora do Brasil. Tentou
continuar a carreira no Rio de Janeiro. Na televisão, teve breves apresentações e foi coajuvante em mais
dois filmes. De volta a São Paulo, se envolveu no crime, e foi preso duas vezes. Acabou sendo morto por
policias em circunstâncias duvidosas, aos 19 anos de idade.
3
O
CASO- Isabela Nardoni- Isabella Nardoni foi encontrada gravente ferida, no dia 29 de março de 2008,
no jardim do edifício London, após ter sido jogada de uma altura de seis andares. No apartamento localizado
na zona norte de São Paulo moravam o pai, a madrasta da menina e dois filhos do casal, um de onze meses e
outro de três anos. A menina chegou a ser socorrida pelos bombeiros mas não resistiu e morreu a caminho
do hospital.
4
O
CASO - Madeleine - Vítima da negligência dos pais. (Rio de Janeiro 21 setembro 2007)
Madeleine, então com três anos, foi deixada por seus pais, ao que afirmam, dormindo junto com seus dois
irmãos gêmeos de dois anos de idade, em um apartamento térreo de um hotel na praia da Luz, no Algarve,
Portugal. Foram jantar com amigos em um restaurante próximo e ao voltar não encontraram Madeleine. Ela
havia desaparecido. A janela e a porta do quarto estavam abertas. Os pais estavam com um aparelho de
escuta ligado no quarto, mas nada ouviram.
5
O
CASO- Eloá Cristina Pimentel- Em 13 de outubro de 2008, Lindemberg Fernandes Alves, então com
22 anos, invadiu o domicílio de sua ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, no Jardim Santo
André, em Santo André (Grande São Paulo), onde ela e colegas realizavam trabalhos escolares. Inicialmente
dois reféns foram liberados, restando no interior do apartamento, em poder do seqüestrador, Eloá e sua
amiga Nayara Silva. Nayara Rodrigues, 15 anos, amiga de Eloá, foi libertada, mas no dia 15 a policia
paulista mandou-a de volta para continuar as negociações. Após mais de 100 horas de cárcere privado,
policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE) e da Tropa de Choque da PM de SP explodiram a
porta - alegando, posteriormente, ter ouvido um disparo de arma de fogo no interior do apartamento - e
entraram em luta corporal com Lindemberg, que teve tempo de atirar em direção às reféns. A adolescente
Nayara deixou o apartamento andando, ferida com um tiro no rosto, enquanto Eloá, carregada em uma maca,
foi levada inconsciente para o Centro Hospitalar de Santo André. O seqüestrador, sem ferimentos, foi levado
206
para a delegacia e, depois, para a cadeia pública da cidade. Posteriormente foi encaminhado ao Centro de
Detenção Provisória de Pinheiros, na cidade de São Paulo. Eloá Pimentel, baleada na cabeça e na virilha,
não resistiu e veio a falecer por morte cerebral confirmada às 23h30min de sábado (18 de outubro).
(Site-Wikipédia- A enciclopédia livre).
6
O
CASO- Klayton Rodrigues de Souza- estudante londrinense, 14 anos faz poesia, o verdadeiro poeta não
se deixa abater pela violência estrutural em que vive, mesmo sem recursos para adquirir livros, ele está
conseguindo montar uma pequena biblioteca, no cantinho da casa de madeira, onde vive com a sua mãe,
catadora de papel, garimpando papeis ela foi achando livros e entregava para o filho que ia fazendo a sua
biblioteca. Passa o dia sozinho a espera da mãe. (Cidadão de Papel- Gilberto Dimenstein).
7
O
CASO- Sandro Barbosa do Nascimento- A infânica de Sandro é marcada pelo abandono do pai assim
que soube que a sua mãe estava gravida, aos seis anos de idade, presenciou o assassinato por arma branca
de sua mãe na favela onde moravam. Não tendo como se sustetar foi para as rua onde adotou o apelido de
"Mancha". Ele acabou se viciando em drogas, roubando para manter seu vício em cocaína. Sandro nunca
aprendeu a ler ou escrever, apesar de ter sido mandado para inúmeras instituições de atendimento a jovens
delinquentes, freqüentava a igreja da Candelária, onde recebia comida e abrigo. No dia 23 de julho de 1993,
Sandro presenciou o infame massacre da Candelária, o que tirou a vida de vários amigos. Ele mesmo não
ficou ferido no incidente, mas fez várias menções ao massacre durante o seqüestro do ônibus 174, o que
sugere que o evento o afetou imensamente. No dia 12 de junho de 2000, seqüestrou o ônibus 174, no Rio de
Janeiro com um revólver de calibre trinta e oito. Sua intenção inicial era roubar os passageiros, mas o roubo
se transformou em seqüestro após um passageiro ter feito um sinal para uma viatura da polícia militar que
estava passando pela rua. Sem ter como escapar da polícia, Sandro fez onze reféns dentro do ônibus. Ele
assegurou aos passageiros que não tinha a intenção de matar ninguém, mas dizia à polícia e à imprensa que
iria matar a todos os reféns.No final do sequestro Sandro decidiu sair do ônibus, usando a professora Geisa
Firmo Gonçalves como escudo. Um policial do BOPE atirou em Sandro, mas o disparo acertou em Geisa,
que foi levada para o hospital, onde foi declarada como morta. Sandro foi imobilizado e conduzido a uma
viatura da polícia, onde morreu por asfixia. Após alegações de que a morte de Sandro foi ocasional, os
policiais responsáveis pela morte de Sandro foram levados à julgamento por assassinato e foram declarados
inocentes. Uma investigação concluiu que Geisa levou quatro tiros: três de Sandro e um da polícia. (Site-
Wikipédia- A enciclopédia livre).
8
O
CASO- Bebê da Lagoa da Pampulha- A ex-vendedora Simone Cassiano da Silva, 30, acusada de, em
28 de janeiro de 2006, atirar a filha de dois meses na lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, sentou-se das
9h de sexta-feira às 12h45 de sábado no banco dos réus e foi condenada a oito anos e quatro meses de prisão
em regime inicialmente fechado. Os jurados do Tribunal do Júri da capital mineira não se convenceram
da versão de Simone. Consideram-na culpada das acusações de tentativa de homicídio qualificado por
motivo torpe (repulsivo), com uso de meio cruel e contra descendente. primária, Simone também foi
207
beneficiada por ter bons antecedentes. Contudo, não vingou a idéia da mãe zelosa e arrependida por ter
deixado a filha com um casal de mendigos. Prevaleceu à imagem da mulher que escondeu a gravidez do
homem em cuja casa morava, havia abandonado a filha de 11 anos --que hoje vive com a avó paterna--
por um ano e mentido para não pagar uma amiga. Simone manifestou emoção durante seu julgamento
apenas durante a leitura de cartas de afeto dirigidas a ela na cadeia por sua filha de 11 anos. Soluçou e usou
lenço de papel. "Amo as minhas filhas e me considero uma ótima mãe, principalmente para a Paola [filha de
11 anos de seu primeiro casamento]", afirmou. No final do julgamento, mostrava-se impaciente com as
intervenções do promotor. A Polícia Civil e o Ministério Público concluíram que Simone jogou a filha na
lagoa porque queria esconder do então namorado o fato de a menina ser filha de outro homem. Exame de
DNA --contestado por Simone-- apontou que esse namorado, em cuja casa vivia na época, não é pai da
menina. O pai verdadeiro ainda é desconhecido. Outro exame mostrou que ela não tem problemas mentais e
não apresentou sintomas de depressão pós-parto. THIAGO GUIMARÃES da Agência Folha, em Belo
Horizonte.
9
O
CASO- Bebê atendido no PSC_ Zona Oeste- Hum ano e meio, estuprada e afogada, na segunda
internação a bebê, cuja mãe em cárcere e morava por favor com o então companheiro da mãe presidiária e a
mãe do mesmo, chega em pré-óbito ao PSC- Zona Oeste, onde estes alegavam descuido e um ocasional
afogamento em um balde. Reconhecido por um dos profissionais de saúde da unidade, por apresentar na
primeira internação um excelente cuidado com a criança:
"ele se comportou como um pai maravilhoso, na recepção quando esperava, quando levou ela, que ela
sentiu dor ela, ela se comportou muito bem na hora da drenagem eu achei até que ela tava bem cuidada,
entendeu? Ela estava bem limpinha, bem higienizada, apesar do abscesso. A história era que a mãe estava
presa, e ele ficou cuidando da menina, e não entrei em detalhes, porque e até confiei, porque ele pareceu
muito bom pra menina... uma semana depois, essa criança mesma veio... e eu até identifiquei ela mais pela
sutura, ela chegou morta no serviço... e eu escutei algumas conversas pela minha janela... com pai e a
mãe dele, mas eu não sabia ainda quem era... e no parecer ela chegou afogada, a história dela é que ela se
afogou em casa em um balde, numa coisa assim... examinada a menina, eu notei algumas equimoses no
pescoço, no tórax, no abdômen...nas pernas... quando viramos as costas da menina pra examinar, notamos
manchas, uma tatuagem somente de sangue na calcinha dela, a calcinha estava limpa, o cabelo estava
molhado, o cabelo do rapaz, também lá fora, que estava esperando... quando eu vi ela não tinha mais nem o
anus no local, ele...no caso ele estuprou a menina e como ela era muito pequena, o anus e o reto subiram
pra barriga. A minha imaginação que eu tive na hora é que...ele foi terminado o ato, ele foi banhar a
menina pra tirar o sangue que tinha ali, e não conseguiu estancar o sangue, não sei, e depois esse caso
chocou todos nós aqui, pensando naquilo, eu normalmente eu bloqueio um pouco pra poder cuidar bem
daquilo, eu prefiro me abster naquele momento, mas aquela menina me chamou tanta a atenção, por eu
ter atendido uma semana antes, de ver um caso, de ser tão bem cuidada e de repente ela veio morta. Pela
mesma pessoa que a tratava tão bem. Fizemos a denúncia, a polícia veio e pegou ele em flagrante, depois
ele confessou tudo, na autópsia foram encontradas: fratura de crânio, fratura das doze costelas, fratura de
bacia, fratura de braço, de perna... depois ele contou e nós acabamos sabendo de tudo porque alguém no
órgão, veio contar pra gente, porque foi um caso, que mexeu com todo o hospital... "(PSC- Zona Oeste de
Manaus).
208
10
O
CASO- Elisabeth Fritzl- O engenheiro eletricista austríaco Josef Fritzl, 73, confessou ter mantido
aprisionada sua própria filha, Elisabeth Fritzl, 42, em um porão sem janelas por 24 anos e também admitiu
ser pai dos sete filhos que ela teve. A informação foi divulgada nesta segunda-feira (28) pela polícia da
Áustria. O caso veio à tona neste domingo, depois de a polícia ter prendido o suspeito e encontrado o porão
onde ele mantinha a filha presa. A investigação começou quando uma das supostas filhas dos dois, de 19
anos, ficou seriamente doente e foi levada ao hospital. Os médicos resolveram, então, apelar para que a mãe
da menina aparecesse para fornecer mais detalhes sobre seu histórico clínico. Elisabeth teria sido
aprisionada pelo pai no dia 28 de agosto de 1984, quando tinha, então, 18 anos. Em depoimento à polícia
neste domingo, ela disse que seu pai, Josef Fritzl, atraiu-a ao porão do local em que vivam. Antes de
aprisioná-la, ele a teria sedado e a algemado.
A polícia disse que uma carta escrita por Elisabeth aparentemente apareceu um mês depois de seu
desaparecimento. Ela pedia aos pais que não procurassem por ela. Em determinado momento, Fritzl teria
libertado Elisabeth e dois dos filhos que viviam com ela no porão, dizendo à sua mulher que a filha
desaparecida desde 1984 havia decidido voltar para casa.
Após ter recebido uma pista, a polícia encontrou Elisabeth e Josef no último sábado (26), perto do hospital
onde a filha de 19 anos estava sendo tratada. No dia seguinte, a polícia disse que os investigadores
encontraram o local onde Elisabeth ficou aprisionada.
Elisabeth concordou em fazer um relato à polícia após receber garantias de que não teria outros contatos
com o pai, que teria abusado dela desde os 11 anos.
Três de seus filhos, com 5, 18 e 19 anos, ficaram trancados no porão desde que nasceram e nunca viram a
luz do sol. Os dois mais novos eram meninos e a mais velha, menina. As outras três crianças duas meninas
e um menino foram criadas por Josef e sua mulher. Segundo a polícia, Fritzl também admitiu ter queimado
o corpo de uma das crianças, após ela ter morrido logo depois de nascer. Segundo a rede de TV CNN, a
criança que morreu era gêmea de outra que sobreviveu.
http://www.ofir4news.com.br/2008/04/28/entenda-o-caso-do-austriaco-que-manteve-a-filha-presa-por-24-
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