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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)
AKISNELEN DE OLIVEIRA TORQUETTE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESCRITA E DE SEU ENSINO PARA
ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
MARINGÁ-PR
2009
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AKISNELEN DE OLIVEIRA TORQUETTE
Dissertação apresentada à Universidade
Estadual de Maringá, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Letras, área de concentração: Estudos
Lingüísticos - Ensino-aprendizagem de
Línguas.
Orientadora: Profª Drª Neiva Maria Jung.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESCRITA E DE SEU ENSINO PARA
ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
MARINGÁ-PR
2009
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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá PR., Brasil)
Torquette, Akisnelen de Oliveira
T687r Representações sociais de escrita e de seu ensino
para alunos do Ensino Médio / Akisnelen de Oliveira
Torquette. -- Maringá : [s.n.], 2009.
100 f. : il. color.
Orientadora : Prof. Dr. Neiva Maria Jung.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Maringá, Programa de Pós-graduação em Letras, área de
concentração: Estudos linguísticos, 2009.
1. Escrita - Representações sociais - Ensino Médio.
2. Escrita - Letramento - Ensino/aprendizagem - Ensino
Médio. 3. Escrita - Representações sociais -
Ensino/aprendizagem - Ensino Médio. 4. Representações
sociais - Letramento. I. Universidade Estadual de
Maringá, Programa de Pós-graduação em Letras, área de
concentração: Estudos linguísticos. II. Título.
CDD 21.ed.401
AKISNELEN DE OLIVEIRA TORQUETTE
Banca Examinadora
______________________________________________
Prof.ª Dr.ª Neiva Maria Jung
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
______________________________________________
Profª. Drª. Sônia Aparecida Lopes Benites
Universidade Estadual de Maringá (UEM)
______________________________________________
Profª. Drª. Aparecida de Jesus Ferreira
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste)
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESCRITA E DE SEU ENSINO PARA
ALUNOS DO ENSINO MÉDIO
Dedico este trabalho:
A Deus,
fonte de vida, consolo, sabedoria, inspiração e força.
À minha Mãe,
motivo e sustentação da minha caminhada, meu porto seguro.
AGRADECIMENTOS
A Deus,
pela vida, pelas bênçãos e por ter colocado em meu caminho pessoas tão especiais;
À minha orientadora Neiva,
que acolheu a mim e a meus anseios carinhosamente; por sua orientação exemplar,
compreensão e paciência, primordiais para a concretização deste trabalho; pela
liberdade que me concedeu para fazer escolhas; por ter transformado minha
representação de pesquisadora, professora e mulher;
À minha família,
pelos momentos de consolo, união, afeto, alegria, compreensão e ajuda;
À minha irmã Aline,
que sempre dividiu comigo sucessos e fracassos, pelo seu amor e carinho;
À minha tia Sandra,
que sempre me incentivou, acreditou e torceu por mim;
À minha amiga Érika,
minha co-orientadora, que me mostrou um novo horizonte após a reprovação na
primeira seleção do mestrado, com quem sempre pude contar durante esse processo,
agradeço a interlocução intelectual, as sugestões, as leituras dos textos e o
companheirismo;
À minha amiga Maria Amélia,
por ter me discipulado, pelas orações e companheirismo e pela colaboração com esse
trabalho.
À minha amiga Priscila,
pelo companheirismo constante e apoio, pela amizade que permanece sincera e sólida;
Às minhas amigas Adélli, Helen, Maísa e Rafaela,
pelo consolo, companheirismo e incentivo, pelos momentos de descontração;
Aos amigos e companheiros de trabalho,
pela torcida, incentivo, pelos bate-papos descontraídos nos intervalos e o constante
companheirismo dentre e fora do colégio;
À Professora Sônia,
por ter despertado em mim a vontade de crescer, por acreditar e propiciar meu
crescimento pessoal e acadêmico durante a graduação e o mestrado. Por suas
contribuições valiosas para este trabalho;
À Professora Aparecida,
que prontamente aceitou ler este trabalho e por suas contribuições;
À Professora Aline,
que aceitou participar da pesquisa e que sem sua imensa colaboração não teríamos
conseguido;
Aos professores do programa de pós-graduação em Letras,
pela ajuda e orientação através das aulas, fornecendo referências teóricas que
contribuíram para o meu aprimoramento intelectual;
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras,
pela oportunidade de poder realizar esta pesquisa;
À Andréa, secretária do Programa de Pós-Graduação em Letras,
pela eficiência impecável, pela organização e atenção em relação às questões
administrativas, por ser tão prestativa;
Aos alunos, participantes desta pesquisa,
por permitirem nossa entrada em sua sala de aula e se disporem a responder o
questionário e redigir os textos. Sem a colaboração deles, a realização deste trabalho
não teria sido possível.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESCRITA E DE SEU ENSINO PARA ALUNOS
DO ENSINO MÉDIO
RESUMO
Esta dissertação de mestrado tem como objetivo principal analisar as representações
sociais de escrita e do seu ensino para alunos de primeiro e terceiro ano do Ensino
Médio em um colégio da rede pública na cidade de Maringá Paraná. O corpus
constitui-se de questionários aplicados aos alunos participantes, textos produzidos por
eles sobre a escrita e anotações em diário de campo, o que permitiu a triangulação de
dados e uma leitura interpretativa êmica. A orientação teórico-metodológica que
norteou a análise é a das representações sociais (MOSCOVICI, 2003, 1978; JODELET,
2001) e do letramento (KLEIMAN, 2006, 1995; SOARES, 2003; CORREA, 2004;
TFOUNI, 2001, 1995). De acordo com essas correntes teóricas, a linguagem é
heterogênea, não é abstrata e nem isolada, mas resultado da relação entre dois ou mais
sujeitos no meio social em que a interação constitui a realidade fundamental da língua.
Dessa forma, as pessoas trazem padrões culturais de uso da escrita e discursos nos quais
revelam suas representações dos objetos no mundo. Em termos de resultados deste
trabalho, os dados analisados evidenciam, num primeiro momento, que a RS de escrita é
diferente entre os alunos das duas séries. Para o primeiro ano, a escrita é representada
por aspectos formais e para o terceiro a escrita passa a ter funções sociais, ancoradas no
vestibular e em conseguir um bom emprego, transformação decorrente da fase
vivenciada por esses adolescentes. Ambas parecem representações adquiridas na escola
e que ratificam o mito do letramento (SIGNORINI, 1994). Com relação ao ensino da
escrita, os alunos das duas séries apresentam a RS de que ensinar a escrever é ensinar
ortografia, caligrafia ou pontuação, através de exercícios estruturais/tradicionais. Por
fim, é possível afirmar que uma possível articulação entre o conceito de RS e o de
letramento, porque para as duas teorias o aspecto cognitivo depende de aspectos
culturais, sociais e ideológicos. Para ambas, a aprendizagem acontece de forma mais
ampla, considerando que a RS de um objeto, construída em grupos sociais, e os padrões
de interação com o texto escrito, assim como o uso do oral na escrita ou da escrita na
oralidade, influenciam no ensino e na aprendizagem da escrita pelos alunos.
Palavras-chave: Escrita; Representação social; Letramento; Ensino e aprendizagem;
Ensino Médio
SOCIAL REPRESENTATIONS OF WRITING AND ITS TEACHING TO
STUDENTS AT SECONDARY EDUCATION
ABSTRACT
The main objective of this master‟s degree dissertation is to analyze social
representations of writing and its teaching to first and third levels students of secondary
school, in a public school from Maringá- Paraná. Corpus is constituted by applied
questionnaires to participating students, written texts about writing which they have
written, and field diary notes. Those three items allowed the application and
combination of several research methodologies (triangulation) and an emic
interpretative lecture of data. The theoretical-methodological orientation which has
guided the analyses has been about social representations (MOSCOVICI, 2003, 1978;
JODELET, 2001) and literacy (KLEIMAN, 2006, 1995; SOARES, 2003; CORREA,
2004; TFOUNI, 2001, 1995). According to those theoretical lines, language is
heterogeneous. It is neither an abstract concept nor an isolated one. But, indeed,
language is resulting of relationship among two or more subjects in social environment
where interaction constitutes the fundamental reality of language. People carry on their
cultural patterns about their own applying of writing and their speech reveals their own
social representation about the world. About the results of this work, the analyzed data
shows that the social representation of writing is different to students on different levels
or degrees at school. Writing represents two different stuffs to different students,
depending on their degree at school. For students, on the first level of secondary
education at school, writing is represented by formal aspects. But, for those students, on
the third level of secondary education, writing gets social roles, based on their demands
about pre-college exam, called “vestibular”, as well, an improvement to get better jobs.
This changing of perception is a consequence of challenges in their own life cycle steps.
Both of these different social representation, either formal aspects or a social role seem
to be acquired at scholar period and they have reinforced what is called by “Myth of
Literacy (SIGNORINI, 1994). About the way of teaching how to write, the social
representation for these students, at first and third levels, shows that they understand the
writing teaching as a learning of orthography, calligraphy and punctuations, through
those structural/ traditional exercises. Concluding, it is possible to enunciate that there is
some possible articulation between social representation concept and the literacy
concept too. It is possible because two theories say that cognitive aspect of learning
depends on cultural, social and ideological aspects. Also, for both theories, the
knowledge is a consequence of a large arrangement, considering that the social
representation (SR) of any object, gotten inside social groups, and the interaction
patterns of written texts as well the oral using of writing and writing to speech, all them
are relevant for teaching and for learning of writing by students.
Key words: Writing; Social Representation; Literacy; Teaching and learning;
Secondary Education
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................
9
CAPÍTULO I
1 ESCRITA COMO PRÁTICA SOCIAL ..............................................................
18
1. 1 Letramento ..........................................................................................................
18
1. 2 Representação Social .........................................................................................
30
CAPÍTULO II
2 O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ........................................
40
2.1 A natureza da pesquisa .......................................................................................
40
2.2 O ambiente da pesquisa e os procedimentos utilizados ...................................
44
2.3 O colégio e os participantes da pesquisa ............................................................
46
2.4 Os instrumentos utilizados no trabalho de campo ...........................................
47
2.4.1 As observações e gravações de aulas .................................................................
47
2.4.2 O questionário ....................................................................................................
48
2.4.3 O texto ................................................................................................................
49
CAPÍTULO III
3 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A ESCRITA E SEU ENSINO ...
51
3.1 A representação de escrita dos alunos ...............................................................
51
3.2 A representação dos alunos sobre o ensino da escrita .....................................
69
3.3 Os textos produzidos pelos alunos com o tema: a escrita e seu ensino ...........
81
3.4 Representação de escrita versus representação de ensino de escrita ..............
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................
92
REFERÊNCIAS ........................................................................................................
96
9
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Esta dissertação de mestrado tem como objetivo principal analisar as
representações sociais de escrita e do seu ensino para alunos do Ensino Médio em um
colégio da rede pública na cidade de Marin Paraná. A escolha do tema deve-se
primeiramente às dificuldades que sempre tive para escrever, problema este que se
estendeu para a universidade, onde houve uma oportunidade, ainda que restrita, de
aprimorar a minha escrita. Apenas nos projetos de iniciação científica pude escrever,
reescrever e refletir sobre a dificuldade dos alunos para escrever.
Essa situação, vivida por mim e por muitas das pessoas que estudavam comigo,
se mostrou rotineira quando me tornei professora de produção textual. Eu trabalhava em
uma escola particular e constatei que os problemas eram os mesmos: alunos no Ensino
Médio com extrema dificuldade para escrever.
Essas dificuldades também foram apresentadas e discutidas em numerosas
pesquisas realizadas por estudiosos da área educacional, em especial sobre o contexto
escolar brasileiro. Essas pesquisas constataram a existência de uma série de problemas
concernentes ao ensino de ngua portuguesa. Na área da linguagem, essa questão se
tornou central a partir da década de 80, com Geraldi (1984), Possenti (1996), Travaglia
(2003).
No ambiente escolar, a questão da competência nas habilidades de leitura e
escrita tem sido muito discutida, por serem os objetivos centrais da formação em língua
portuguesa, conforme os PCNs (1998) e as Diretrizes Curriculares de Língua
Portuguesa. Com a necessidade de garantir um efetivo aprendizado aos alunos e
alcançar melhorias no contexto atual, várias medidas foram tomadas: realizaram-se
muitos cursos de formação de professores, os PCN‟s e os livros didáticos foram
reformulados e, mesmo assim, os problemas persistem.
Os dados do INEP/ MEC, referentes ao Ensino Médio no estado do Paraná, e,
particularmente na cidade de Maringá, que trazem as notas médias do Enem (Exame
Nacional do Ensino Médio) de 2.008, indicam os seguintes índices de média total da
redação com a prova objetiva: nacional 50,21, estadual 50,22 e municipal 53,54. Isso
revela que, apesar de o município estar acima dos índices nacionais e estaduais, a média
alcançada ainda é muito baixa, o que significa que nossos alunos saem do Ensino Médio
10
sem desenvolverem de modo satisfatório as habilidades de leitura e escrita. Como não
aprendemos a escrever satisfatoriamente em onze anos de escolaridade? Por que não
aprendemos?
É triste a constatação de que a nossa sociedade, pautada na convicção do direito
de aprender, convive com a realidade de substituir o caos da desescolaridade pelo
fracasso da escolarização. Ao que parece, a escola está aberta para incorporar e assim
perpetuar as injustiças, os preconceitos, os mecanismos de exclusão e de seleção social.
A superação desse quadro merece ser considerada sob a forma de alternativas que
possam rever o ensino escolar na sua relação com as práticas sociais. Compreender os
mecanismos escolares que inibem a aprendizagem e condicionam o fracasso faz parte da
busca de qualidade de ensino. É preciso não apenas dar a possibilidade de bem atender
o aluno que hoje ingressa no sistema, mas também e, sobretudo, subsidiar iniciativas
que possam melhorar e gerar oportunidades para aqueles que já fazem parte desse
sistema.
Diante dessa realidade, torna-se necessário investigar e compreender quais as
possíveis dificuldades dos alunos para escrever. Assim, é objetivo deste trabalho
reconhecer a representação de escrita e de seu ensino em Língua Portuguesa, por parte
dos alunos, para que possamos, desse modo, tentar contribuir para a compreensão do
que envolve o fenômeno e o ensino da escrita.
A razão de o enfoque ser dado à opinião dos alunos é decorrente da constatação
de que a maioria dos trabalhos em ensino e aprendizagem têm foco no professor
(LOPES, 1999; CAPPONI, 2000; CARVALHO, 2008) e/ou no livro didático (LEAL e
GUIMARÃES, 2001; STRIQUER, 2007; RODRIGUES, 2007). Assim, este trabalho
pretende dar vez e voz ao educando o que, muitas vezes, não ocorre nas pesquisas de
ensino e aprendizagem.
A opção por trabalhar com a teoria das Representações Sociais (doravante RS)
deve-se ao fato de este ser um conceito que possibilita compreender fatores que podem
interferir na interação social e nos significados negociados com ela. Enquanto sistemas
de interpretação, as RS regulam a nossa relação com os outros e orientam o nosso
comportamento. Elas intervêm ainda em processos variados como a difusão e a
assimilação de conhecimento, a construção de identidades pessoais e sociais, o
comportamento dentro dos grupos sociais e entre eles e as ações de resistência e de
11
mudança no contexto no qual o indivíduo está inserido. Enquanto fenômenos
cognitivos, as RS são consideradas como o produto de uma atividade de apropriação da
realidade exterior e, simultaneamente, como processo de elaboração psicológica e social
da realidade (JODELET, 2001). Assim, por meio das reflexões sobre as RS dos alunos,
poderemos entender algumas das dificuldades que eles têm para escrever e o porquê do
fracasso no ensino da escrita.
No que concerne aos estudos da Teoria das Representações Sociais (doravante
TRS), podemos encontrar trabalhos realizados em diferentes áreas. A partir de um
artigo de Arruda (2.005), que relata um levantamento de 187 trabalhos sobre estudos em
TRS no Brasil, e da tese de pós-doutorado de Rangel (1997), em que foram analisadas
25 dissertações e 7 teses de doutorado, acerca de pesquisas de TRS em ensino e
aprendizagem, constatamos que as publicações são em sua maioria nas áreas de
Educação e Saúde.
Na área da saúde, as pesquisas sobre TRS estão voltadas à psicologia ou aos
efeitos psicológicos que as doenças causam. No artigo de Herzlich (2005), “A
problemática da representação social e sua utilidade no campo da doença”, a autora
argumenta em favor da utilização dos estudos de TRS, por sua persistente fecundidade
enquanto marco analítico para se pensar os fenômenos da saúde e da doença. Ela sugere
alguns possíveis desdobramentos teóricos ensejados pela utilização do conceito nesse
campo específico. Conclui que a doença é um evento que ameaça ou modifica, às vezes
irremediavelmente, nossa vida individual, nossa inserção social e, portanto, o equilíbrio
coletivo. De um lado, a sociedade possui um discurso em que a saúde ocupa lugar
central e é preterida por todos e, de outro, um modelo cultural em curso na
representação da saúde e da doença, o indivíduo sadio em oposição ao indivíduo doente.
A doença engendra sempre uma necessidade de discurso, a necessidade de uma
interpretação complexa e contínua da sociedade inteira. Essa forte exigência de discurso
interpretativo parece ser uma das condições de cristalização de uma representação
estruturada. Tem-se, portanto, que nas representações da saúde e da doença aparecem,
relacionadas, visões do biológico e do social.
No campo da psicologia, Silva (1992) em sua dissertação, “Suicídio trama da
comunicação”, faz um estudo de bilhetes de suicidas, mostrando que este é um gesto de
comunicação e transformação, pois o suicidando se comunica socialmente através dos
12
bilhetes e de seu ato, mudando seu status de sujeito para suicidado (indivíduo que se
suicidou).
E, voltada à educação, temos a tese de pós-doutorado da professora Mary Rangel
(1997), intitulada Teoria de representação social: o quadro teórico da psicologia social
e aplicações atuais à pesquisa na educação”, que, posteriormente, foi publicada em
forma de artigo na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos com o título “A pesquisa
de representação social na área de ensino aprendizagem: elementos do estado da arte”
(1999). O trabalho enfoca pesquisas sobre TRS na área de ensino e aprendizagem
realizadas no Brasil. Seu intuito foi verificar e compreender como essa teoria estava
sendo utilizada e, a partir de componentes de núcleos centrais, quais aplicações de
conceitos teóricos foram empregados, identificando, assim, uma conexidade comum
entre as produções acadêmicas analisadas. Os resultados apresentados, através das teses
e dissertações analisadas, informam que uma constância teórico-metodológica na
aplicação da TRS e uma presença de elos articuladores na construção interdisciplinar,
bem como um diálogo entre as Ciências que possibilitam interpretações mais
consistentes.
Santos (2004) também apresenta uma pesquisa sobre representação social de
escrita, na qual destaca que o maior número de pesquisas são realizadas na França:
“Dentro da limitada bibliografia acerca das representações de escrita que conseguimos
localizar, podemos destacar como exemplos destas pesquisas os trabalhos de Barré-de-
Miniac (1997), Balcou (1997) e Aebi (1997), todos em língua francesa.” (p.62).
1
Aebi realizou um estudo que contribui de alguma forma com este trabalho, por
isso optamos por apresentá-lo aqui. Ele realizou seu estudo acerca das representações de
escrita e do seu ensino com professores da periferia de Genebra e teve por objetivo
conhecer as representações que os professores têm da escrita e de seu ensino,
observando em que estas representações se distinguem das novas orientações didáticas
propostas para o ensino de francês, com a finalidade de verificar em que consistiam as
práticas dos professores.
1
AEBI, C. P. Enseigner l‟ecriture. Paroles d‟enseignants. Cahier de la section des sciences de
l’education. Cahier no. 84, Université de Geneve, 1997.
BALCOU, M. Les professeurs des écoles em formation initiale et l‟ecriture. Repères, no. 16, 1997
BARRÉ-DE-MINIAC, C. Apprentissage et usages de l‟ecriture: représentation d‟enfantes et de parents
d‟élèves. Repères, no.15, 1997.
13
Ao examinar as representações de escrita elaboradas pelos sujeitos de sua
pesquisa, Aebi conclui que tais representações são fortemente determinadas pelas
próprias experiências de aprendizagem da escrita e pela percepção que os professores
têm deles mesmos na atividade de escrita. As práticas de ensino de escrita dos
professores entrevistados eram muito próximas daquelas a que foram submetidos
quando alunos e, mesmo aqueles que desejavam inovar a sua prática, acabavam por
reproduzir o ensino recebido. A autora atribui este fato, em parte, à ausência de uma
formação no domínio das novidades no ensino de francês e adverte para o risco de não
se considerar, no processo de formação, as representações já trazidas pelo professor.
No Livro “Ensino de Língua: representação e letramento”, publicado em 2006,
Boch e Corrêa também apresentam artigos com pesquisas sobre representação social
acerca da linguagem, realizadas por autores franceses, mas com tradução em língua
portuguesa.
Portanto, o estado atual da teoria no âmbito das dissertações e teses analisadas
informa que, mesmo havendo muitas pesquisas sobre representação social, a maioria
delas se concentra nas áreas de saúde e de educação; pouco se tem sobre representação
social de escrita, como constatado, pois mesmo utilizando o termo representação não há
uma conceitualização nem um envolvimento com as implicações oriundas do uso dessa
teoria.
Constatamos que muitos trabalhos usam o termo representação sem fazer um
estudo referente à teoria que envolve este conceito; isto significa que a representação é
referenciada sem ser definida, o que pode ser observado em pesquisas sobre letramento,
por exemplo. No artigo “Processos identitários na formação profissional. O professor
como agente de letramento”, Kleiman (2006), ao discutir a formação do professor,
apresenta “[...] a imagem ou representação do professor” (op. cit., p. 77), sem discutir o
termo ou relacioná-lo à teoria a que pertence. Matêncio (2006), em “Letramento na
formação do professor integração a práticas discursivas acadêmicas e construção da
identidade profissional”, também usa o termo representação com o sentido de imagem,
referindo-se à representação do professor ou representação da linguagem, mas
novamente sem embasar ou discutir a TRS. Isso nos fez refletir sobre a possibilidade de
articulação dessas duas teorias, a do letramento e a das RS, para refletir sobre o ensino e
14
seus temas, pois isso parece não ser realizado de forma sistemática e embasada,
perdendo a oportunidade de melhorar as análises e interpretações dos dados.
Nesse sentido, é importante destacar que a Teoria da Representação Social pode
contribuir para a compreensão dos fatores que geram a dificuldade dos alunos em
aprender a escrever e elucidar quais possíveis transformações são necessárias para
(re)construir as representações sociais dos educandos, a fim de possibilitar um ensino
mais igualitário. Desse modo, entre os muitos estímulos de Moscovici (2001, p. 63) à
atenção dos pesquisadores quanto às possibilidades e contribuições do estudo da
representação social, encontra-se a seguinte observação: “Cada vez que um saber é
gerado e comunicado, torna-se parte da vida coletiva, isso nos diz respeito e, em
particular, quando esse saber, enquanto tal, serve para a solução de algum problema
social”.
Em relação ao conceito de letramento, este começa a surgir com uma maior
relevância no Brasil em 1995, quando Leda Verdiani Tfouni publica o livro
“Letramento e alfabetização”, no qual ela confronta e discute os dois conceitos. Angela
B. Kleiman, no mesmo ano, organiza a coletânea “Os significados do letramento”, na
qual também uma discussão dos dois conceitos apresentada nas pesquisas
desenvolvidas. Posteriormente, em 1998, temos as publicações de Roxane Rojo
“Alfabetização e letramento” e de Magda Soares “Letramento: um tema em três
gêneros”, nos quais o confronto entre os conceitos é novamente discutido e ampliado,
quando a autora acrescenta ao tema do letramento as dimensões plurais e também cria
uma nova prática de produção e divulgação do conhecimento, tendo em vista os seus
diferentes leitores (professores, universitários, professores acadêmicos, pesquisadores),
movidos, cada um, por necessidades e interesses peculiares.
Atualmente, Kleiman coordena um importante projeto de estudo sobre
letramento, intitulado Formação do professor: processos de retextualização e práticas
de letramento (Unicamp/Fapesp), o qual proporcionou a publicação de muitos trabalhos
na área, dentre eles o livro “Letramento e formação do professor: práticas discursivas,
representações e construção do saber” (KLEIMAN; MATÊNCIO, 2005), em que são
apresentados artigos que focalizam pesquisas interdisciplinares ligadas ao projeto.
As pesquisas desenvolvidas nesse projeto se embasam nas obras de Bakhtin
(1992, 2002), Bourdieu (2003), Bronckart (1999), Erickson (1982), Goffman (1974,
15
1998), Hall (2003) e Morin (1996), entre outros. Essencialmente através da
microanálise e da pesquisa qualitativa, os artigos focalizam percursos de formação de
leitores e produtores de textos, por meio da valorização de práticas de letramento
escolares e não-escolares. Nos projetos descritos nesse volume, fica evidente o
compromisso em se fortalecer as experiências vividas pelos participantes e "o modo de
conceber a realidade social como uma construção pelos participantes das ações sociais,
construídas conjuntamente, nas e pelas interações cotidianas nas instituições de vida
social" (KLEIMAN; MATÊNCIO, 2005, p. 10).
Em vista disso, optamos pela teoria do letramento, pois com base nela é possível
refletir sobre a escrita e seu ensino como práticas sociais, em que os indivíduos
interagem uns com os outros e, desse modo, co-constroem suas RS.
Como mencionado anteriormente, o corpus deste trabalho provém do Ensino
Médio. Esta escolha deve-se à minha experiência como educadora neste nível escolar. A
opção pelo Ensino Médio ocorreu devido à constatação de que nesse momento deveria
haver uma opinião crítica sobre o aprendizado construído na escola, visto que, nesta
fase, os estudantes estão tomando rumos decisivos para a vida profissional e/ou para a
universidade; com isso, eles sentem a necessidade de saber escrever bem.
Dessa forma, torna-se necessário verificar se a escola e os professores têm
capacitado os alunos para o domínio dos conhecimentos exigidos pela sociedade,
baseado no discurso que se instaura na concepção interacionista de que os sujeitos se
constituem pela linguagem e a utilizam de acordo com as suas necessidades e o meio
sócio-cultural em que estão inseridos, conforme proposto pelos documentos oficiais
(PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais; DCE, Diretrizes Curriculares da Educação
Básica do PR; e OCEM, Orientações Curriculares Para o Ensino Médio), ou se
outras formas de conceber e articular a escrita em sala de aula. Entendemos que os
documentos oficiais citados deveriam influenciar no cotidiano escolar, na medida em
que os professores lêem e fazem cursos de atualização baseados em estudos nesses
documentos.
Vale salientar que esta pesquisa torna-se pertinente no sentido de tentar saber o
que representa para o aluno o ensino da escrita na escola, se mero cumprimento de
conteúdo programático ou um exercício preparatório para o uso social de práticas
textuais, e como ele revela (ou não) essa representação na sua produção escrita. Dessa
16
forma, poderemos ver se o discurso interacionista, expresso por documentos oficiais,
realmente está se concretizando, ou seja, se o ensino escolar de escrita faz sentido para o
mesmo, ou se trata de mera atividade escolar.
Enfim, apoiando-se em uma perspectiva de letramento (KLEIMAN, 2006, 1995;
SOARES, 2003; CORREA, 2004; TFOUNI, 2001, 1995) e de representação social
(MOSCOVICI, 2003, 1978; JODELET, 2001), é objetivo desta pesquisa dar voz aos
alunos e observar como vêem a escrita em sala de aula, na tentativa de buscar respostas
para possíveis problemas concernentes ao ensino de escrita no âmbito escolar e
contribuir para uma melhoria no contexto educacional.
Em decorrência desse objetivo, delineamos as perguntas de pesquisa que
nortearão a investigação desta pesquisa qualitativa:
1. Quais são as RS de escrita e de seu ensino para alunos do Ensino Médio?
1.1 Quais são as RS de escrita de alunos do primeiro e terceiro ano do E.M.?
1.2 Que RS de ensino de escrita os alunos de primeiro e terceiro ano têm?
1.3 Na perspectiva dos alunos, o ensino escolar da escrita subsidia para saber
escrever para ou na sociedade?
2. Qual a relação de letramento e representação social?
2.1 Qual a contribuição do conceito de RS para o conceito de letramento?
2.2 É possível repensar as RS a partir das teorias de letramento?
A fim de responder a essas inquietações, organizamos este trabalho em
capítulos. O primeiro capítulo é destinado ao referencial teórico, discutindo os conceitos
necessários para o embasamento da pesquisa. A primeira seção apresenta os
pressupostos teóricos do Letramento que norteiam a compreensão de escrita como
prática social e, na segunda seção, é trabalhada a teoria da Representação Social,
mostrando as implicações do uso desse conceito, bem como de que modo representação
social é compreendida/conceituada.
No segundo capítulo, O percurso metodológico da pesquisa, são descritos os
passos percorridos durante esta investigação. Situamos nossa pesquisa nos estudos
qualitativos de cunho etnográfico. Assim, relatamos o ambiente deste trabalho e os
17
procedimentos utilizados, definindo os sujeitos participantes da pesquisa, ou seja, os
alunos e o colégio que freqüentam. Também apresentamos os instrumentos utilizados
para o trabalho de campo: as observações e anotações em diário de campo, o
questionário e os textos produzidos pelos alunos.
No terceiro capítulo, buscamos refletir sobre as Representações Sociais de
escrita e de seu ensino apresentadas pelos alunos, procedendo, assim, a análise dos
dados edificada em quatro seções: uma destinada às representações sociais de escrita, a
segunda às representações sociais do ensino da escrita, a terceira à análise dos textos
produzidos pelos alunos e a quarta para uma discussão dos resultados da análise. E, por
fim, nas considerações finais, apresentamos os principais resultados desta pesquisa.
18
CAPÍTULO I
ESCRITA COMO PRÁTICA SOCIAL
As pesquisas a respeito da produção escrita escolar tiveram um grande impulso
no contexto científico brasileiro a partir de meados da década de 1970. Segundo Soares
(1987), os estudos sobre a escrita ganham uma nova força no mundo acadêmico nesse
período, entre outras razões, pela introdução obrigatória da redação em exames
vestibulares e supletivos.
Mas, foi apenas nos últimos 20 anos, que um amplo debate acerca do ensino e
aprendizagem de língua escrita tomou corpo no âmbito das universidades brasileiras.
Vários estudos como os de Geraldi (1984), Possenti (1996), Kleiman (1995) e Soares
(2003), alguns citados na Introdução deste trabalho, discutiram uma nova
compreensão dos fenômenos da linguagem e, a partir desta, a forma como vinha se
processando o ensino da escrita no Brasil. Esses estudos assumiram perspectivas
diferentes, de acordo com o campo teórico a que estavam ligados os pesquisadores. Na
sua maioria, os estudos sobre a escrita têm se fixado em estudos do texto, dos métodos
de ensino e, numa perspectiva mais sociológica, verificando a relação entre escrita e
fracasso escolar e, desde 1990, a escrita como prática social.
Neste capítulo, será apresentada primeiramente uma discussão e uma reflexão
sobre o conceito e as concepções de letramento apresentadas em pesquisas brasileiras, a
fim de embasarmos nosso estudo nesta perspectiva que entende a escrita como prática
social. Em uma segunda seção, apresentaremos alguns estudos sobre a teoria das
representações sociais para que possamos fundamentar a análise com base na RS e no
letramento, bem como, em possíveis articulações das duas teorias.
1.1 Letramento
No dicionário Aurélio, o verbete letrado é definido como “que ou quem é
versado em letras; erudito”, e iletrado “que ou quem não tem conhecimentos literários;
analfabeto ou quase”. Mediante essas definições, percebemos que esses adjetivos não
19
têm relação com o sentido de letramento, do qual trataremos, mas ele serve, como
veremos mais adiante nesta seção, para definir, no senso comum, quem é letrado e,
conseqüentemente, embasar o mito do letramento.
Kleiman, a partir de uma perspectiva sócio-interacionista de leitura e escrita,
afirma que "Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais
que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos" (1995, p. 19). E, posteriormente, complementa o
conceito: são as práticas e eventos relacionados com uso, função e impacto social da
escrita" (KLEIMAN, 1998, p. 181), tornando-se uma forma de pensar a escrita, que
articulada ao ensino, possibilitaria preparar os estudantes para exercerem com maior
propriedade seu papel social, civil e econômico, indo além da simples decodificação do
código escrito.
Esse conceito também é discutido por Tfouni, que também prioriza o caráter
social da escrita, mas discute a supervalorização da escrita em relação à oralidade, pois
“Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo
de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um
sistema escrito por uma sociedade" (1995, p. 20), sendo então, a alfabetização um
fenômeno individual e o letramento social.
Nesse sentido, podemos caracterizar que a alfabetização se ocupa da aquisição
da escrita por um indivíduo, enquanto o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos
da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade (TFOUNI, 1995). Portanto,
letramento é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e
exerce as práticas sociais que usam a escrita. Um exemplo do que acabamos de
mencionar é o que discute Soares:
Analfabetismo no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a
preocupação com altos níveis de „analfabetismo‟ em países como os Estados
Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque como podem ter altos
níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente
obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino
fundamental (que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso
ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na
Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a
preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por
analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o
número de pessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a
preocupação, pois, não é com os veis de analfabetismo, mas com os níveis
20
de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso
adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam
dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a
candidatura a um emprego os níveis de letramento é que são baixos. (2003,
p. 56-57)
Assim, a partir de um contraponto da realidade de ensino da escrita de contexto
francês, norte-americano e brasileiro, a autora apresenta que a entrada da criança ou do
adulto analfabeto no mundo da escrita no Brasil ocorre ao mesmo tempo em que é
alfabetizado, enfatizando que os dois processos não são independentes, mas
interdependentes e indissociáveis.
Esses dados de outros países demonstram claramente as diferenças entre os dois
processos (Alfabetização e Letramento), inclusive, as diferenças que há em avaliar
níveis de letramento e níveis de alfabetização. Apesar da constatação de que os critérios
de avaliação nos outros países não se assemelham muito aos nossos, quanto à
alfabetização, é satisfatório saber, também, que existem mudanças consideráveis em
nossos parâmetros de avaliação, como as novas formas de avaliar o ensino, mais
completas, que envolvem todos os participantes do processo, além do aluno, a escola e
os professores. São exemplos, a provinha Brasil, referente à série do Ensino
Fundamental, a prova Brasil, referente à e series do Ensino Fundamental e o
ENEN, referente ao Ensino Médio
Ainda, quanto às diferenças entre letramento e alfabetização, é necessário alertar
que estes dois processos estão diretamente ligados. A concepção de alfabetização
reflete-se diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que também se
observa é que, com freqüência, esses dois processos, de maneira confusa, têm sido
fundidos em um só. Tal confusão implica o exercício de um e de outro, privilegiando
somente o aprendizado do código escrito e suas regras ou trabalhando apenas os gêneros
textuais sociais e ignorando, que as pessoas interagem de forma diferenciada com o
texto escrito.
Ao afirmamos que a alfabetização não tem um ponto final, dizemos que ela é um
continuum, logo, poderíamos dizer que este é o letramento. Com isto, concordamos que
os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma ordem, ou
seqüência, pois defendemos que todo indivíduo possui algum grau de letramento,
mesmo quando ainda não é alfabetizado (KLEIMAN, 1995). O que pretendemos é
incentivar o educador a fazer uso do conhecimento de mundo que o educando possui e
21
de sua relação com a língua escrita, assim ele poderá ensinar a escrita letrando
(SOARES, 2003).
Ao saber de algumas distinções básicas entre dois termos, poderíamos, também,
levantar questões sobre as diferenças de alfabetizado e de letrado. Em uma nota no livro
“Letramento: um tema em três gêneros”, Magda Soares (2003, p. 47) faz um apanhado,
sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto exemplifica como um
adulto pode ser analfabeto, contudo, letrado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever,
todavia, utiliza a escrita para escrever uma carta através de outro indivíduo alfabetizado,
um escriba. Essa pessoa dita o seu texto, logo, lança mão de todos os recursos
necessários da língua para interagir. Ele demonstra com isso que conhece, de alguma
forma, as estruturas e funções da escrita. O mesmo ocorre quando pede para alguém ler
alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele: seja
uma notícia em um jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este
indivíduo é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele
possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma sociedade
que é atravessada pela escrita, logo, ele é letrado, ainda que não o seja com plenitude.
Ainda na mesma nota, Soares exemplifica, por um lado, o caso de uma criança
que, mesmo antes de estar em contato com a escolarização, tem contato com livros,
revistas e ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura,
ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação,
criando seus próprios textos “lidos”. Ela também pode ser considerada letrada. Por
outro lado, casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização
que apresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes são
capazes de ler e escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem
a leitura e a escrita: não lêem revistas, jornais, informativos, manuais de instrução,
livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja, apresentam grandes
dificuldades para interpretar textos lidos, como também podem não ser capazes de
sequer escrever uma carta ou bilhete. Com tudo isso, pelo menos uma constatação:
existem diferentes tipos e níveis de letramento e eles estão ligados às necessidades e
exigências de uma sociedade e de cada indivíduo no seu meio social.
Neste sentido, para Tfouni (1995, p. 31), o letramento é:
22
(...) um processo cuja natureza é sócio-histórica, deve-se aceitar que tanto
pode haver características orais no discurso escrito, quanto traços da escrita
no discurso oral. Essa interpenetração das duas modalidades inclui, portanto,
entre os letrados também os não-alfabetizados, mas com baixo grau de
escolaridade (op. cit. 42).
Segundo Tfouni (1995), o termo “iletrado”, bem como “iletramento”, é
impraticável, no que diz respeito a sociedades tecnologizadas. A autora registra em sua
obra algumas passagens de Ginszburg (1987), dentre elas a história de um homem que
viveu no século XVI chamado Menocchio, que foi perseguido, torturado e condenado à
morte porque suas idéias foram consideradas ofensivas e cheias de heresias. Ele
pertencia à classe subalterna, mas sabia ler e escrever, o que não era muito comum
naquela época. Comenta a autora que Menochio não foi condenado apenas por saber ler
e escrever, mas sim, porque fazia suas próprias interpretações dos textos bíblicos e da
religião, como também particularizou a releitura dos mesmos textos com “materialismo
elementar, instintivo, das gerações de camponeses”. Foi isto o que fomentou sua
sumária perseguição por parte da Inquisição, a qual entendia que os eclesiásticos
católicos detinham o poder de interpretação da Bíblia Sagrada. Assim, ele foi
considerado perigoso diante da compreensão de que quem tivesse a capacidade de
domínio e transmissão da cultura escrita teria o poder.
A autora ressalta que essa história demonstra como o termo “letrado” não pode
ter um sentido único. Ela propõe que esse termo não seja usado para definir um
indivíduo que não está num estado pleno de letramento. Afinal, não seria adequada a
utilização do mesmo em uma sociedade considerada moderna e/ou industrializada,
centrada na escrita, pois a possibilidade de encontrarmos indivíduos que não possuem
nem um grau sequer de letramento é quase nula. Por isso, é inconveniente afirmar que
existe “nível zero” de letramento, não veracidade nessa afirmação. O que Tfouni
propõe é o uso de termos próprios, do tipo: níveis ou graus de letramento. Isso quer
dizer que o indivíduo não é um depósito vazio ou zerado antes da alfabetização e que,
nós, educadores, estaremos enchendo-o com informações mecânicas e institucionais,
através da escolarização. Ele já possui uma capacidade peculiar de leitura no seu
contexto social. A alfabetização, como prática de letramento, desenvolverá com o
indivíduo capacidades, competências, habilidades diversas para que este se envolva com
as variadas demandas sociais de leitura e escrita.
23
Portanto, a autora sustenta que o letramento é um fenômeno de cunho social e
salienta as características sócio-históricas de quando um grupo social adquire um
sistema de escrita. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever
e denota estado ou condição que um indivíduo ou sociedade tem, como resultado de ter-
se “apoderado” de um sistema de grafia.
Essa aquisição do letramento é tida, no entanto, por muitos pesquisadores e pela
sociedade, como uma forma de desenvolvimento psicossocial, sendo o passaporte para a
ascensão social do indivíduo ou de um grupo social. O letramento, a escrita e seus
reflexos “favorecem os processos mentais superiores, tais como: raciocínio abstrato,
memória ativa, resolução de problemas etc”, (Vygotsky, apud TFOUNI, 1995, p. 21).
Scribner e Cole (apud TFOUNI, 1995, p. 26) também partilharam desse
pensamento, ao defenderem que a “linguagem escrita promove conceitos abstratos,
raciocínio analítico, novos modos de categorização, uma abordagem lógica à
linguagem”. De acordo com esse raciocínio, poder-se-ia dizer que os indivíduos ou
grupos sociais desprovidos do uso ou da influência da escrita estariam fadados ao atraso
não científico e tecnológico como também a um lastimável atraso mental e de cuja
cultura, certamente primitiva, pouco, ou nada, poderiam aproveitar no mundo letrado.
Essa ilusão que se tem acerca do domínio ou uso da escrita por um grupo social,
ou de seus reflexos na sociedade, é o que se entende como o mito do letramento,
característico do modelo autônomo de letramento (STREET, 1984). Nesse modelo, a
divisão oral/escrito ainda existe, sendo que, nas sociedades em que o letramento escrito
não está presente, o fato é visto como uma grande “lacuna” a ser preenchida por
métodos ocidentais que proporcionariam progresso político, econômico e pessoal. A
aquisição do letramento levaria à aquisição de lógica, de raciocínio crítico e de
perspectivas científicas, tanto no nível social como pessoal.
De acordo com esse modelo [autônomo], o letramento é uma ferramenta neutra
que pode ser aplicada de forma homogênea, com resultados igualmente homogêneos,
em todos os contextos sociais e culturais. Esse modelo efetua a grande divisão entre oral
e escrito, sendo que nas sociedades em que o letramento escrito não está presente, o fato
é visto como uma grande “lacuna” a ser preenchida com métodos ocidentais, que
levariam ao progresso político, econômico e pessoal. A aquisição do letramento levaria
24
à aquisição de gica, de raciocínio crítico e de perspectivas científicas, tanto no nível
social como no pessoal.
uma crença determinista de que o progresso social deriva de
desenvolvimentos tecnológicos específicos, tais como: a imprensa escrita, a televisão ou
atualmente a computação e tecnologia da informação. Também existe uma indiferença
às variações culturais, pois o fato de ser um modelo sumamente economicista e
etnocêntrico é apontado como falha do modelo autônomo, segundo Kleiman (1995),
pois mostra que discriminação nesse modelo contra o “iletrado” e valorização dos
textos escritos, em detrimento dos orais.
Nesse sentido, a língua tem uma autonomia, resultante de uma gica intrínseca,
que só pode ser apreendida por um processo único, normalmente associado ao sucesso e
desenvolvimento próprios de grupos “mais civilizados”. Norteado pela concepção de
que o uso da escrita é legitimo se atrelado ao padrão elitista da “norma culta” e que
esta, por sua vez, pressupõe a compreensão de um inflexível funcionamento lingüístico,
o ensino é pautado pela progressão ordenada de conhecimentos: aprender a falar a
língua dominante, assimilar as normas do sistema de escrita para, um dia (talvez nunca),
fazer uso desse sistema em formas de manifestações previsíveis e valorizadas pela
sociedade. Em suma, uma prática reducionista pelo viés lingüístico e autoritária pelo
significado político; uma metodologia etnocêntrica que, pela desconsideração do aluno,
se presta a alimentar o quadro do fracasso escolar.
Faz-se necessário, portanto, que se abandone a concepção do modelo autônomo
de letramento de acesso limitado e pressupostos elitistas, segundo Kleiman (2006), para
que as práticas populares sejam legitimadas. Uma das maneiras de a escola ensinar a
escrita aos grupos populares encontra-se na “transformação das estratégias dos cursos
universitários que deveriam formar professores capazes de atuar em novos contextos,
reestruturados segundo novas concepções de usos da ngua escrita e das funções da
escola no ensino desses usos” (KLEIMAN, 2006, p. 76).
De modo contrário ao modelo autônomo, cuja dimensão de análise parte do
princípio de que a aquisição da escrita e da leitura por um indivíduo pode trazer-lhe
conseqüências e, também, alterar seu estado ou condição em vários aspectos (sociais,
psíquicos, culturais, políticos, cognitivos, lingüísticos e econômicos), tem-se o modelo
ideológico, que admite a pluralidade das práticas letradas, valorizando o seu significado
25
cultural e o contexto de produção. Esse modelo rompe definitivamente com a divisão
entre o “momento de aprender” e o “momento de fazer uso da aprendizagem”. Os
estudos lingüísticos propõem a articulação dinâmica e reversível entre “descobrir a
escrita” (conhecimento de suas funções e formas de manifestação), “aprender a escrita”
(compreensão das regras e modos de funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas
práticas a partir de um referencial culturalmente significativo para o sujeito). A escrita
passa a ser analisada a partir de práticas sociais, considerando que as práticas letradas
são determinadas pelo contexto social e ideológico (STREET, 1984).
De acordo com Soares (2003b), ao considerar os princípios do alfabetizar
letrando ou do modelo ideológico de letramento, devemos admitir que o processo de
aquisição da língua escrita está fortemente vinculado a uma nova condição cognitiva e
cultural. Paradoxalmente, a assimilação do status de letrado, justamente aquilo que os
educadores esperam de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de
emancipação do sujeito, pode se configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivo
de resistência ao aprendizado porque pode significar: a negação de um mundo que não é
o seu; o temor de perder suas raízes, sua história e referencial; o medo de abalar a
primazia até então concedida à oralidade, sua mais típica forma de expressão; o receio
de trair seus pares com o ingresso no mundo letrado e a insegurança na conquista da
nova identidade como aluno bem-sucedido” ou como “sujeito alfabetizado” em uma
cultura grafocêntrica altamente competitiva.
Na intenção de compreender os caminhos percorridos (ou perdidos) para a
transformação da escolarização e do ensino da escrita, analisando especificamente o
recorte investigado neste trabalho, consideramos que se deve entender o ensino da
escrita na escola como prática de letramento, visando à preparação do educando para o
uso da escrita em outras práticas sociais. Sob essa perspectiva, discutir o
ensino/aprendizagem de escrita é buscar compreender como a sociedade e a linguagem
estabelecem relação de mútua constituição e como essa relação de interdependência é
fundamental para a compreensão e o desenvolvimento de práticas de ensino e de
aprendizagem da escrita a partir de diferentes espaços de letramento. É procurar
compreender a escrita como construção social.
O entendimento da leitura e da escrita como elementos/habilidades constitutivos
do letramento, fenômeno que envolve dois componentes básicos, os eventos e as
26
práticas de letramento, torna necessária a abordagem dessas categorias de análise.
Soares (2003b, p. 105) define como eventos de letramento as situações em que a língua
escrita é parte integrante da natureza da interação entre os participantes e de seus
processos de interpretação.
Quanto às práticas de letramento, são caracterizadas pela autora como os
comportamentos exercidos pelos participantes num evento de letramento, bem como as
concepções sociais e culturais que o configuram, determinam sua interpretação e dão
sentido aos usos da leitura e/ou da escrita naquela particular situação. Salienta, no
entanto, que a distinção entre eventos e práticas de letramento é exclusivamente
metodológica, que são duas faces de uma mesma realidade. “[...] é o uso do conceito
de práticas de letramento que permite a interpretação do evento, para além de sua
descrição” (op. cit., p.105).
Ao tempo em que afirma a inter-relação entre eventos e práticas de letramento, a
autora mostra a diferença existente entre o contexto escolar e o social. Nesse sentido,
explica que na escola, eles são planejados e instituídos, selecionados por critérios
pedagógicos, com objetivos pré-determinados, visando à aprendizagem e quase sempre
conduzindo a atividade de avaliação. A escola, de certa forma, autonomiza as atividades
de leitura e de escrita em relação a suas circunstâncias e usos sociais, criando seus
próprios e peculiares eventos e suas próprias e peculiares práticas de letramento. Isso
não ocorre no cotidiano em que “eventos e práticas de letramento surgem em
circunstâncias de vida social ou profissional, respondem a necessidades ou interesses
pessoais ou grupais, são vividos e interpretados de forma natural, até mesmo
espontânea” (op. cit., p. 107).
Tfouni (1995), em suas pesquisas, procura desmitificar esse imaginário
construído em torno do letramento, já que, segundo ela, indivíduos que detinham apenas
um grau mínimo de letramento demonstraram raciocínio lógico para resolver tarefas,
capacidade de análise e inferência. Além disso, sabe-se que existem pessoas com
elevado grau de escolarização, atestado pelos diplomas que possuem, sem se verem
garantidas de ascensão social como conseqüência desse tipo de letramento; mais ainda,
muitas dessas pessoas nem sempre conseguem, em determinados contextos, articular
satisfatoriamente suas idéias ao manifestá-las através da linguagem verbal, falada ou
escrita. Dessa forma, vemos que os estudos sobre letramento se dedicam não apenas ao
27
aprendizado do sistema de leitura e de escrita, mas também às práticas sociais que
envolvem esse processo, ou seja, o uso eficiente dessas habilidades em contextos
diversos.
Corrêa (2004), em seu estudo O modo heterogêneo de constituição da escrita,
discute e propõe uma nova concepção sobre a escrita, de forma que esta atividade seja
tida como uma prática social. Nesse sentido, a escrita não seria mais um código de
instrumentalização, mas um modo de enunciação, uma prática sócio-histórica. O autor
defende em seu estudo que a escrita é constituída heterogeneamente por práticas sociais
compostas pela dicotomia do oral/ falado e do letrado/escrito, considerando a dialogia
do falado/escrito e do ouvido/lido. Nessa perspectiva, o autor discute o uso que o
escrevente faz da relação entre oralidade e escrita, a partir da observação da intervenção
do escrevente (vestibulando), através de fatos lingüísticos que denunciam a relação
sujeito/linguagem, na língua escrita. Essa concepção implica novas reflexões acerca do
ensino da escrita, que antes era tido como a aquisição das habilidades ler/escrever, de
forma descontextualizada. Ao conceber a escrita dessa outra forma, tornaram-se
necessárias novas práticas de ensino, mais críticas e contextualizadas, preocupadas com
o uso social dessa habilidade e sua interface com a oralidade.
Dentro dessa perspectiva, uma opção para a análise de texto escrito é o princípio
de autoria, apontado “(...) como sendo característico da organização do texto escrito”,
mas “(...) existem características lingüístico-discursivas que são apontadas como
exclusivas da escrita, que, no entanto, estão presentes no discurso oral dos analfabetos”
(TFOUNI, 1995, 45). Assim, a autoria não ocorre apenas no discurso escrito, mas
também no discurso produzido oralmente.
A abordagem discursiva de letramento, proposta por Tfouni (1995), contrapõe-se
à teoria da grande divisão entre oralidade e escrita e traz para discussão o fato de que
não é mais a língua que deve ser considerada como parâmetro, “(...) mas os discursos
que servem de suporte às práticas letradas” (TFOUNI, 2001, p. 82). Desse modo, a
dicotomia ngua oral/língua escrita não serve mais e passa-se a considerar a
interpenetração entre as modalidades oral e escrita. A separação entre uso oral e língua
escrita é produto de um efeito ideológico, pois, de acordo com a autora, existem tanto
"características orais no discurso escrito quanto traços de escrita no discurso oral" (op.
cit. 82).
28
Os estudos de Tfouni (1995, 2001) mostram-nos que o que está em jogo não é se
o sujeito é alfabetizado ou não, “(...) mas antes, em que medida o sujeito pode ocupar a
posição de autor” (TFOUNI, 1995, p. 82). Podemos afirmar então que, tanto adultos
quanto crianças, ainda não alfabetizadas, podem assumir a função-autor no discurso
oral, discurso este que é penetrado inevitavelmente pela escrita em uma sociedade
letrada. É esta interpenetração que permite a organização do discurso oral à maneira do
discurso da escrita, ou seja, o sujeito pode procurar organizá-lo representando-se em sua
origem, buscando a coerência, a coesão e a completude, deixando-se tomar pela ilusão
referencial. Dessa forma, podemos dizer que “(...) analiticamente o sujeito ocupa a
posição de autor quando retroage sobre o processo de produção de sentidos, procurando
„amarrar‟ a dispersão que está sempre virtualmente se instalando devido à equivocidade
da língua” (TFOUNI, 2001, p. 83).
Sendo assim, investigar práticas discursivas de uma sociedade, ou de um grupo
de sujeitos, implica incorporar a desigualdade e aceitar que essas práticas não estão à
disposição de todas as pessoas igualmente, ou seja, o acesso que essas pessoas, com
maior grau de letramento, têm a algumas delas é bastante diferente daquelas com baixo
grau de letramento, pois os sujeitos relacionam-se diferentemente com a escrita,
conseqüentemente, acreditamos possuírem também representações sociais diferentes de
escrita.
A autora considera o autor como uma posição discursiva, diferente da de escritor
e de narrador (MAINGUENEAU, 1989). O autor é uma posição de sujeito a partir da
qual ele consegue estruturar seu discurso (oral ou escrito) de acordo com um princípio
organizador contraditório, porém necessário, visto que existe no processo de produção
de um texto um movimento de dispersão de sentidos inevitável, que o autor precisa
gerenciar (TFOUNI, 2001, 2005), a fim de dar ao seu discurso uma unidade aparente
com começo, meio e "fechamento" (termo de GALLO, 1995, apud TFOUNI, 2005).
Desse modo, o sujeito ocupa a posição de autor quando retroage sobre o
processo de produção de sentidos, procurando "amarrar" a dispersão que está sempre
virtualmente se instalando, devido à equivocidade da língua.
Com esse conceito de autoria, Tfouni (2001) fortalece suas concepções, abrindo
possibilidades e caminhos para investigar os níveis de letramento. É possível também,
com base nesses postulados, dizer que não é pelo fato de os textos serem orais ou
29
escritos que se estabelecerá o grau de letramento do sujeito que os produziu. O conceito
de autoria pode, portanto, ser usado para fundamentar sua relação com o continuum, o
que possibilita falar em graus de letramento e reconhecer que existem características
lingüístico-discursivas que, embora apontadas como exclusivas da escrita, podem estar
presentes no discurso oral, ou de sujeitos com baixo grau de letramento, ou com pouca
ou nenhuma escolaridade. Em vista disso, reconhece-se ao mesmo tempo a
interpenetração dos discursos orais e escritos e a existência de discursos diversos que,
por serem produtos sócio-históricos, instalam lugares discursivos diferentes e
determinam também relações diferentes entre sujeito e sentido.
Assim, Tfouni (2005) entende o lugar de autoria como aquele em que o sujeito
aceita e detém a dispersão (possibilidade de os enunciados tornarem-se outros) e a
controla, relançando esses enunciados na cadeia significante, através de movimentos de
retroação ao "já dito", que desnaturalizam o efeito de transparência da linguagem por
meio de diversas manobras discursivas. Essas características textuais de autoria são
deixadas de lado pela escola, em detrimento da estrutura do texto, porque o ensino
tradicional valoriza exclusivamente as características pertencentes ao universo da escrita
e não da oralidade.
No intuito de desenvolver e complementar seus estudos, a autora traz em seu
texto “Letramento e alfabetização: as muitas facetas” uma concepção holística da
aprendizagem da escrita:
aprender a ler e a escrever é aprender a construir sentido para e por meio de
textos escritos, usando experiências e conhecimentos prévios; no quadro
dessa concepção, o sistema grafofônico (as relações fonema-grafema) não é
objeto de ensino direto e explícito, pois sua aprendizagem decorreria de uma
forma natural da interação com a língua escrita (p.12).
Porém, nem todos na sociedade ou no meio escolar concebem o
aprendizado da leitura e da escrita dessa forma, como uma construção de sentidos;
geralmente, ele é visto como uma aquisição de regras e normas homogêneas.
Do exposto acerca dos estudos do letramento, depreendemos que a linguagem é
concebida como prática social e, através da interação, os indivíduos co-constroem
padrões de interação com o texto escrito e formas de articular oralidade e escrita nos
diferentes eventos e práticas de letramento (JUNG, 2009, 2007). Além disso,
30
acreditamos que do mesmo modo co-constroem ou re-significam suas RS de escrita
nesses eventos de letramento. Assim, na próxima seção, apresentaremos uma discussão
sobre a teoria das representações sociais.
1.2 Representação social
Fazer um estudo sobre as Representações Sociais (RS) é importante, na medida
em que isto significa aprofundar e melhorar os conceitos epistemológicos sobre esse
tema tão importante para a compreensão da sociedade.
Sabe-se que as representações sociais são elementos simbólicos que as pessoas
expressam mediante o uso de palavras e gestos. No caso do uso de palavras, utilizando-
se da linguagem oral ou escrita, as pessoas explicitam o que pensam, como percebem
esta ou aquela situação, que opinião formulam acerca de determinado fato ou objeto,
que expectativas desenvolvem a respeito de algo.
A noção de representação social tem sido estudada em diferentes áreas do
conhecimento. Na Filosofia, o termo adquiriu, em geral, o significado de uma
reprodução da percepção retida na lembrança. Nas Ciências Sociais, as RS são
entendidas como “categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na,
justificando-a ou questionando-a” (MINAYO,1997, p. 89).
Inicialmente, esse conceito foi mais profundamente estudado na Sociologia, com
os trabalhos do sociólogo Émile Durkheim, por volta de 1897. Ao utilizar o termo
representação, Durkheim referia-se ao conceito de representação coletiva. Com isso, o
autor ratificava a especificidade do pensamento coletivo em detrimento do pensamento
individual. O conceito de representação coletiva se refere a categorias de pensamento
pelas quais a sociedade elabora e expressa sua realidade. Segundo Durkheim (1963,
apud MOSCOVICI, 2001), as representações coletivas não se reduzem às
representações dos indivíduos. As RS coletivas, também, não são dadas a priori, nem
consideradas universais, mas surgem a partir de fatos sociais. A teoria durkheimiana
considera as representações coletivas fenômenos reais dotados de elementos próprios e
que se comportam de forma autônoma. Dessa forma, o que se pretende demonstrar é
que os fatos sociais têm existência própria e independem daquilo que pensa e faz cada
31
indivíduo em particular, embora todos possuam sua consciência individual, seu modo
próprio de interpretar a vida, podem-se notar, no interior de qualquer grupo ou
sociedade, formas padronizadas de conduta e pensamento.
Na Psicologia Social, o conceito de RS foi introduzido pelo francês Serge
Moscovici, através de seu trabalho intitulado La Psychanalyse, son image et son public,
publicado no ano de 1961. Nesta obra, Moscovici busca em outras áreas,
especificamente na Sociologia, fundamentos teóricos que lhe permitam contrapor-se à
perspectiva individualista e “psicologizante” de tradição norte-americana e inglesa,
dominante na Psicologia Social até então. Nesse processo de reelaboração teórica da
área, Moscovici retoma os trabalhos de Durkheim, especialmente sua ênfase no papel
do social na construção da realidade. Embora considerando o conceito de representação
coletiva, o conceito de representação social discutido em La Psychanalyse difere
profundamente daquele presente na teoria durkheimiana, pois o conceito elaborado por
Durkheim se refere a uma classe muito genérica de fenômenos psicológicos e sociais,
considerando entre eles a ciência, os mitos e a ideologia, percebendo-os como formas de
conhecimentos inerentes à sociedade. Também porque a concepção de representação
coletiva é vista como algo estático, talvez em razão da estabilidade dos fenômenos
observados pelo estudioso e que não correspondiam à realidade da sociedade observada
por Moscovici em seu estudo. Além disso, para Durkheim, as representações coletivas
eram entidades explicativas absolutas e, por isso, não necessitavam ser explicadas,
apenas constatadas.
Moscovici ressalta, na teoria de representação coletiva de Durkheim, o fato de
esta ter destacado o lado social da consciência e, dessa forma, oferecer-lhe “um
primeiro abrigo conceitual para suas objeções ao excessivo individualismo da
psicologia” (SÁ, 1995, p. 22). Partindo da premissa de Moscovici (2001), não há
separação entre o universo externo e interno do sujeito; sujeito e objeto não são
essencialmente distintos, eles formam um conjunto inseparável. Isso significa que um
objeto não existe por si mesmo, mas somente em relação a um sujeito, indivíduo ou
grupo; é a relação do sujeito com o objeto que o determina, como no caso da escrita,
que existe na relação entre o escrevente e o texto, na relação de um grupo social,
como o escolar, com a escrita, entre outros. Ao formar a representação de um objeto, o
sujeito, de certo modo, o constitui, o reconstrói em seu sistema cognitivo, de forma a
32
adequá-lo a seu sistema de valores, o qual, por sua vez, depende de sua história e do
contexto social e ideológico em que está inserido. Dessa maneira, é histórica/social e
ideológica, a forma como o letramento concebe a escrita.
Em seu estudo das representações sociais no contexto da psicologia social,
Moscovici (2003) considera que nunca podemos obter nenhuma informação que não
tenha sofrido distorções devido a essas representações, cuja primeira função é
familiarizar objetos ou pessoas. Essa forma convencional facilita a compreensão e o
encaixe em categorias predeterminadas. Para o autor, “nenhuma mente está livre dos
efeitos dos condicionamentos anteriores que lhe são impostos por suas representações,
linguagem ou cultura” (op. cit., p.35). Tais convenções, no entanto, costumam ser
inconscientes e dificilmente temos noção delas e esse é, justamente, seu principal
trunfo, pois tendemos a ver o mundo representado como o natural, a realidade única, a
verdade por excelência. A segunda função das representações é funcionar como força
prescritiva, ou seja, como uma noção de continuidade, de algo que existia antes de
nós e que continuará a existir depois de nós, conforme podemos observar na seguinte
afirmação:
Todos os sistemas de representações, todas as imagens e todas as descrições
que circulam dentro de uma sociedade, mesmo as descrições científicas,
implicam um elo de prévios sistemas e imagens, uma estratificação na
memória coletiva e uma reprodução na linguagem que, invariavelmente,
reflete um conhecimento anterior e que quebra as amarras da informação
presente (op. cit., p.37).
As representações sociais são autônomas e nos pressionam a vê-las como
realidades incontornáveis. Para Moscovici (2003), elas podem até ser comparadas a um
objeto material, tamanho seu peso, ou mesmo como algo mais pungente ainda. “Talvez
seja uma resistência ainda maior, pois o que é invisível é inevitavelmente mais difícil de
superar do que o que é visível” (op. cit., p.40). Quanto mais a representação se distancia
do convencionalismo de suas origens, mais se parece fossilizada e imutável. Dessa
forma, como já foi sugerido anteriormente, quanto menor é nossa consciência das
representações que temos, mais influentes elas são.
Ao estudar a representação social, estudamos como o ser humano procura
compreender o mundo e não como ele se comporta. Moscovici (2003) avisa que a
33
compreensão é uma faculdade inerente ao ser humano, mas antes se acreditava que ela
fosse advinda do mundo externo, enquanto agora tudo leva a crer que a comunicação
2
social possui grande importância na construção dessa compreensão do mundo.
A compreensão é a faculdade humana mais comum. Acreditava-se
antigamente que esta faculdade fosse estimulada, primeira e principalmente,
pelo contato com o mundo externo. Mas aos poucos nós nos fomos dando
conta que ela na realidade brota da comunicação social (MOSCOVICI,
2003, p.43).
Assim, o autor concebe as relações entre indivíduos e sociedade de forma
dialética e tenta, em seus estudos, afastar-se tanto da perspectiva psicologizante da
psicologia dominante, quanto da perspectiva sociologizante da teoria durkheimiana.
Ao propor tal noção de RS, Moscovici pretendeu introduzir nos estudos dos
fenômenos psicosociológicos as dimensões sociais, históricas e ideológicas, assim como
os aspectos simbólicos ligados às relações sociais e de comunicação e aos contextos de
interação social. Assim sendo, o conceito de RS acaba por ocupar uma “posição mista
no cruzamento de uma série de conceitos psicológicos e sociológicos” (MOSCOVICI,
1978). Na concepção moscoviciana, a representação social é, em síntese, um conjunto
de conceitos, explicações e afirmações que se originam na vida diária, no curso de
comunicações interindividuais.
Segundo Moscovici (1978), dois processos básicos na representação social:
a ancoragem e a objetivação. Trata-se de dois processos que são como duas faces de
uma mesma moeda: a objetivação esclarece como se estrutura o conhecimento do
objeto. Já a ancoragem é o processo que dá sentido ao objeto que se apresenta à
compreensão dos indivíduos.
Objetivar é transformar uma abstração em algo quase físico. Objetivação é o
processo através do qual se cristaliza uma representação: noções abstratas são
transformadas em imagens cujo conteúdo interno, após descontextualizar-se, forma um
núcleo figurativo para, por fim, transformar as imagens em elementos da realidade. É
importante também salientar que, para qualificar uma representação como social, é
preciso definir o agente que a produz e enfatizar que a representação tem como função
2
O termo comunicação na Psicologia Social não carrega o mesmo significado que na Lingüística, ou seja,
quando se diz que a comunicação social ajuda a compreender o mundo é no sentido de interação entre as
pessoas e os grupos.
34
contribuir exclusivamente para os processos de formação de condutas e de orientação
das comunicações sociais. A objetivação “iconiza” uma idéia, transformando-a em
imagem. Esse mecanismo ajuda a tornar mais concreta uma realidade. “Procuramos
aliar um conceito com uma imagem, descobrir a qualidade icônica, material, de uma
idéia, ou de algo duvidoso” (OLIVEIRA; WERBA, 1998, p.109).
Ancorar é trazer para categorias e imagens conhecidas o que não está ainda
classificado e rotulado. É transformar o que é estranho em algo familiar, ou seja,
ancorar o desconhecido em representações já existentes. Assim, o novo objeto da
representação ganha sentido; o que é novidade passa a ser parte integrante e enraizada
no sistema de pensamento oficial (ciência) ou em outras representações e, por sua vez,
passa a fazer parte do sistema de integração entre o indivíduo e o mundo social porque o
que é comum ao grupo permite compartilhar comunicação e influenciar a ação. Pela
ancoragem, o objeto estranho se enquadra em um paradigma ou protótipo existente,
sendo reajustado para se encaixar em determinada categoria. Toda idéia ou pensamento
precisa de ancoragem, cuja classificação visa, entre outros objetivos, facilitando a
interpretação, permitir a compreensão de intenções ocultas e formar opiniões. Oliveira e
Werba (1998) destacam que a ancoragem é sempre provida de juízo de valor, uma vez
que as classificações não são isentas de subjetividade.
Na contemporaneidade, o senso comum é o lócus para compreender as
representações sociais. O senso comum abarca o que os autores chamam de universo
consensual, em oposição ao universo reificado tratado pelas ciências. Portanto, nenhum
conhecimento especializado se faz necessário para a compreensão das representações,
que “restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objetos e
acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e coincidem
com nossos interesses imediatos” (MOSCOVICI, 2003, p. 52). Uma importante
contribuição das representações sociais é justamente colocar o senso comum como
objeto de estudo para ajudar a compreender fenômenos sociais.
A finalidade última de qualquer representação é a familiaridade, isto é, fazer
com que algo antes desconhecido se torne familiar e mais facilmente compreensível.
Experimentamos objetos e acontecimentos em graus variados de familiaridade. Há
coisas que nos são próximas e outras das quais apenas ouvimos falar. Podemos ter, de
acordo com nossos planos e desejos, maior ou menor interesse em adquirir
35
familiaridade com algo. Isso se verifica no momento da aquisição do conhecimento, tal
como afirmam estudos sobre letramento, que crianças, familiarizadas com a escrita,
que têm contato com textos escritos antes de entrarem na escola, possuem uma maior
chance de êxito na escola (HEATH, 1993). Algumas situações são mais resistentes, ou
seja, complicadas de se encaixarem no acervo, mas sempre procuramos detectar nelas
alguma familiaridade. Quando algo nos é estranho, nossa tendência é tentar aproximá-lo
de nós para compreendê-lo melhor. É profunda a propensão para dar uma existência
conosco àquilo que tinha uma existência sem nós, para nos fazer presentes onde
estamos ausentes, familiares em face ao que nos é estranho” (MOSCOVICI, 1978,
p.64).
Denise Jodelet (2001), preocupou-se com a sistematização da teoria da
Representação Social tentando dar uma feição mais objetiva à retórica „francesa‟ de
Moscovici” (SÁ, 1998, p. 73).
uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um
objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum
a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou
ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada,
entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto
de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e
à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações
sociais. (JODELET, 2001, p.22).
Desse modo, as RS se tornam sistemas de interpretação que influenciam as
relações dos indivíduos com o mundo e com os outros, orientando as condutas e formas
de comunicação, assimilação de conhecimento, desenvolvimento individual e de grupo,
bem como, transformações sociais (JODELET, 2001). Por isso, refletir sobre a RS no
contexto educacional é tão importante, visto que a construção do conhecimento escolar
exige transformação individual e social.
A comunicação também possui um papel fundamental para a teoria das RS, pois,
de acordo com a autora, nas trocas e interações ocorridas tem-se um universo
consensual. Moscovici, ao examinar a incidência da comunicação, a apresenta em três
níveis:
1) Ao nível das emergências das representações cujas condições afetam os
aspectos cognitivos. Dentre essas condições, encontram-se: a dispersão e a
36
defasagem das informações relativas ao objeto representado e que são
desigualmente acessíveis de acordo com os grupos; o foco sobre certos
aspectos do objeto, em função dos interesses e da implicação dos sujeitos; a
pressão à inferência referente à necessidade de agir, de tomar posição ou de
obter o reconhecimento e a adesão dos outros elementos que o
diferenciar o pensamento natural em suas operações, sua lógica e seu estilo;
2) Ao nível dos processos de formação das representações, a objetivação e a
ancoragem que explicam a interdependência entre a atividade cognitiva e
suas condições sociais de exercício, nos planos da organização dos
conteúdos, das significações e da utilidade que lhe são conferidas;
3) Ao nível das dimensões das representações relacionadas à edificação da
conduta: opinião, atitude e estereótipo, sobre os quais intervêm os sistemas
de comunicação midiáticos. Estes, segundo pesquisas sobre sua audiência,
têm propriedades estruturais diferentes, correspondentes à difusão, à
programação e à propaganda. A difusão é relacionada com a formação das
opiniões; a programação com a formação das atitudes e a propaganda com a
dos estereótipos (JODELET, 2001, p.30).
A comunicação, então, se mostra uma fonte de relações de influência
determinante das RS e do pensamento social, tendo uma grande importância nos
processos representativos, já que ela é o vetor de transmissão da linguagem que é
portadora em si mesma das representações, pois partilhar uma idéia ou uma linguagem
é afirmar um vínculo social e uma identidade” (op. cit., p.34). Neste sentido, temos que
as RS governam a linguagem e que as atividades sociais “expressam suas
representações em linguagem” (MOSCOVICI, 2003, p.373), sendo então para o autor a
linguagem um espaço onde se constroem e se transformam as RS, pois é no discurso
que ocorre um contínuo processo de trabalho social, transformando o estranho em
familiar, porque “não representações sociais sem linguagem, do mesmo modo que
sem elas não há sociedade” (op. cit., p.219).
O universo das representações sociais é o universo consensual, sendo que a
linguagem desempenha um importante papel, facilitando associações de idéias,
reconstruções de regras e valores, em que o desconhecido passa, simbolicamente, a
conhecido. A RS é um processo cotidiano inevitável. Por isso, é preciso levar em
consideração que ações humanas são influenciadas seja de forma positiva ou negativa
por suas nuances, que são repassadas e negociadas por meio da comunicação. Assim:
Interrogar o discurso parece, então, fundamental, não somente porque ele é
revelador primeiro da RS (que é uma RS não-verbalizada, e sobretudo como
ter acesso a ela senão pela linguagem), mas também porque é o lugar de
expressão da RS, tanto quanto as outras práticas sociais do sujeito.
(GROSSMANN; BOCH, 2006, p.31).
37
È através da linguagem, então, que são reveladas as RS, por meio de discursos e
comportamentos, como apresentam os trabalhos de Jean-Claude Abric (2001). Segundo
esses trabalhos, o conteúdo cognitivo das representações mostra as grandes
contribuições das pesquisas experimentais para a teoria das RS. Os comportamentos
individuais ou de grupos são determinados pelas representações elaboradas em e sobre
uma situação e os elementos que a constituem. Segundo este teórico, o conteúdo das
representações se organiza em um sistema central e um periférico, com características e
funções específicas. Para o autor:
a representação é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de
crenças e de informações referentes a um objeto ou a uma situação. É
determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, sua
vivência), pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela
natureza dos vínculos que ele mantém com esse sistema social (ABRIC,
2001, p. 156).
A partir desta proposição, Abric (2001) elaborou o conceito de núcleo central da
representação, que tenta responder ao caráter ao mesmo tempo estável e mutável, rígido
e flexível das representações. Em pesquisas sobre a estrutura interna e a dinâmica das
representações, surge a hipótese de que elas se organizam em torno de um núcleo
central, que seria um elemento fundamental, pois determina sua significação e sua
organização. O núcleo central da representação é determinado pela natureza do objeto
apresentado e pela relação que o sujeito mantém com esse objeto, sendo o elemento
mais estável e resistente à mudança. Também chamado de núcleo estruturante, o núcleo
central possui duas funções essenciais:
uma função geradora: é o elemento pelo qual se cria ou se transforma a
significação dos outros elementos constitutivos da representação. É
aquilo por meio do qual esses elementos ganham um sentido, uma
valência;
uma função organizadora: é o núcleo central que determina a natureza
dos vínculos que unem entre si os elementos da representação. É, neste
sentido, o elemento unificador e estabilizador da representação. (ABRIC,
2001, p. 163)
38
Com isso, uma representação se transforma ou evolui apenas superficialmente
em seus elementos periféricos, uma mudança de significação quando o núcleo
central é posto em questão. Por fim, o autor traz que, mesmo sendo de extrema
importância as pesquisas experimentais e fonte de muitas contribuições, são os estudos
qualitativos que se mostram “instrumentos indispensáveis e freqüentemente mais ricos
em informações - inclusive teóricas - para o conhecimento e a análise das
representações sociais” (op. cit., p.169), o que ancora e justifica nossa escolha em fazer
um estudo qualitativo - interpretativo do problema recorrente em nosso ensino - a
dificuldade para escrever.
O sujeito, ao mesmo tempo em que constitui as representações, é por elas
constituído e, para tanto, as exigências cognitivas para a aprendizagem são tão
importantes como as exigências afetivas. Para Jodelet (2001), as representações são
frutos da interação entre indivíduos, integrados em determinadas culturas que, ao
mesmo tempo, constroem e produzem uma história individual e também produzem uma
história social.
Na relação professor-aluno, está implicada a noção de sujeito social, o que
reafirma que a capacidade cognitiva é dependente ou está relacionada à motivação, aos
sentimentos e afetividades presentes no relacionamento entre os sujeitos. Este conceito
de relação entre sujeitos está pautado na teoria dialética de que os indivíduos interferem
com sua história, sua ideologia e sua prática na construção, não apenas do
conhecimento, mas na capacidade de mudança da realidade onde estão inseridos. Esse
pressuposto torna necessário relacionar o processo de ensino e aprendizagem com
questões mais complexas do aprender.
As reflexões a respeito de representação social levam a concluir que o ser
humano, objeto e sujeito da história, se desenvolve através do processo de comunicação,
onde a representação social, dinamicamente, estrutura e é estruturada. Para analisar as
representações que um indivíduo tem da escrita e de seu ensino, é necessário captar a
visão que ele tem de escrita e de como ocorreu seu processo de aprendizagem, sabendo
que tal visão dependerá do aprendizado e aprimoramento da habilidade de escrever do
indivíduo e seu grupo social e de sua relação estabelecida com os outros. Esta relação
não é apenas objetiva, mas também subjetiva, pois o escrevente se confronta na escola
com o texto e, ao mesmo tempo, com a imagem que elaborou do corretor/professor e
39
com a imagem que construiu da língua escrita. Por sua vez, ouvir o indivíduo significa
tentar compreender como suas RS se constituíram nestas relações.
Portanto, após termos discutido os conceitos importantes da teoria do
letramento, bem como, das RS, a fim de embasarmos nossa análise, constatamos que há
uma confluência nas concepções dessas teorias, na medida em que a teoria do
letramento e das RS o sujeito como dinâmico, alguém que se constitui e constitui a
sociedade ou o objeto na interação/comunicação. Em alguns casos, o discurso
hegemônico é transmitido tal como recebido; porém, em outros, uma apropriação e
uma re-organização dos significados que lhes foram fornecidos, que ocorre via RS,
desenvolvida no processo de interação social, influindo nas práticas e pensamentos dos
grupos. Dessa forma, para essas teorias o sujeito é um ser social que se constitui na
interação pela linguagem, seja ela verbal ou não-verbal. Além disso, para ambas, o
aspecto cognitivo depende de aspectos culturais, sociais e ideológicos. A aprendizagem
não depende apenas do modelo de ensino e aprendizagem, mas de questões mais
amplas, e construídas anteriormente em seus grupos sociais, como a RS do objeto e os
padrões de interação com o texto escrito, bem como, o uso do oral no escrito ou da
escrita na oralidade.
Definidos, então, os conceitos teóricos que sustentam a análise deste trabalho,
descreveremos, no próximo capítulo, os aspectos metodológicos que caracterizam este
estudo como uma pesquisa qualitativa interpretativa de nuances etnográficas.
40
CAPÍTULO II
O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
Este capítulo destina-se a descrever os caminhos percorridos para a realização
desta pesquisa, desde a orientação epistemológica do tipo de pesquisa realizada,
passando pelos procedimentos adotados no trabalho de campo, até o percurso realizado
na análise dos dados e escrita deste relatório.
2.1 A natureza da pesquisa
Para investigar e refletir sobre as representações sociais de escrita e de seu
ensino, reveladas por alunos do Ensino Médio, constatei a necessidade de realizar uma
pesquisa qualitativa interpretativa. A opção por essa linha metodológica deve-se ao fato
de ela permitir que o pesquisador não esteja à margem da realidade que estuda, mas
esteja nela, envolva-se com ela, o que permite buscar conhecer mais sobre o que
acontece em sala de aula, procurando entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos
participantes da situação estudada.
A pesquisa qualitativa ou interpretativa, segundo Mason (1998), está preocupada
em como o mundo social é interpretado e experienciado, entendido e produzido,
baseando-se em métodos de geração de dados flexíveis e sensíveis ao contexto social
em que o dado foi gerado. A expressão gerar dados vem da perspectiva dos estudos
qualitativos que acreditam que a pesquisa é uma atividade subjetiva “já que é entendida
como um modo particular de organizar a experiência humana por meio do discurso,
sendo, portanto, uma construção social” (LOPES, 1994, p. 333). Assim, os dados não
são retirados prontos, não são algo dado e objetivo, pois essa metodologia pressupõe
uma atividade de geração e interpretação por parte do pesquisador.
Ainda, segundo Mason (1998), esse processo de geração de dados exige do
pesquisador capacidade de pensar e agir estrategicamente, ao combinar preocupações
intelectuais, filosóficas, técnicas, práticas e éticas para estar consciente das decisões
tomadas e suas conseqüências.
41
A pesquisa qualitativa é situada, tenta apreender a realidade complexa e as
várias vozes que constituem o mundo social. De acordo com Moita Lopes (1994),
devemos considerar o envolvimento de questões relativas a poder, ideologia, história e
subjetividade. Dentro dessa perspectiva, Mason (1998) afirma que essa metodologia de
pesquisa deve ser conduzida como uma prática ética e com olhar voltado ao contexto
político-social da prática da pesquisa ao pensar no potencial emancipatório que esta
pode ter. Dessa forma, a pesquisa pode vir a proteger os grupos menos favorecidos, os
mais pobres, os menos escolarizados, contanto que tomemos cuidados para que seus
resultados não sejam utilizados para contribuir com a desvalorização desses grupos
(KLEIMAN, 2002, p.198). Com isso, a abordagem qualitativa tem se afirmado como
promissora possibilidade de investigação em pesquisas realizadas na área da educação.
Entre os tipos de pesquisa qualitativa, destaca-se o etnográfico. Segundo
Bortoni-Ricardo (2008), para que uma pesquisa seja reconhecida como do tipo
etnográfico, deve preencher, antes de tudo, os requisitos da etnografia, que têm como
premissas a observação das ações humanas e sua interpretação, a partir do ponto de
vista das pessoas que praticam as ações. Sendo assim, este estudo também se constitui
como uma pesquisa de nuances etnográficas, que o período em que o trabalho e a
observação foram realizados foi de curta duração, devido às exigências de cumprimento
de prazos do mestrado, mas possui características da metodologia etnográfica.
A etnografia é um processo guiado preponderantemente pelo senso
observador/interpretador do pesquisador. Assim, a utilização de técnicas e
procedimentos etnográficos não segue padrões rígidos ou pré-determinados, mas sim, o
senso que o etnógrafo desenvolve a partir do trabalho de campo no contexto social da
pesquisa. As técnicas previamente definidas, muitas vezes, têm que ser formuladas ou
criadas para atender à realidade do trabalho de campo. Nesta perspectiva, o processo de
pesquisa será determinado explícita ou implicitamente pelas questões propostas pelo
pesquisador. Trata-se de gerar dados aproximando-se da perspectiva que os
participantes têm dos fatos, mesmo que não possam articulá-los. Para conseguir captar
esse sentido, as ações do próprio pesquisador precisam ser analisadas da mesma forma
que as ações das pessoas observadas. Portanto, todo processo é interpretativo.
Para Geertz (1989), praticar etnografia não é somente estabelecer relações,
selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter
42
um diário; "o que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco
elaborado para uma „descrição densa‟” (GEERTZ, 1989, p. 15). A maior preocupação
da etnografia é obter uma descrição densa, a mais completa possível, sobre o que um
grupo particular de pessoas faz e o significado das perspectivas imediatas que ele tem
do que faz. O objeto da etnografia é esse conjunto de significantes em termos dos quais
os eventos, fatos, ações e contextos são produzidos, percebidos e interpretados e sem os
quais não existem como categoria cultural.
O estudo das representações sociais concebe os indivíduos como sujeitos
históricos que estão sempre imersos em uma coletividade. O entendimento deste
indivíduo, por sua vez, implica o cruzamento de saberes provenientes de diferentes
áreas. Assim sendo, fez-se necessário um tratamento metodológico que, sem abrir mão
das singularidades do indivíduo, conta de aspectos resultantes das relações sociais
nas quais o indivíduo se encontra inserido, e permita a elaboração de um saber que
resulte do cruzamento de vários saberes. Entendendo que as representações são
mediadas pela linguagem e que a apreensão destas representações se
fundamentalmente através dos discursos que as corporificam, busquei também uma
metodologia que permitisse ao aluno falar de si e de suas experiências com a escrita.
No contexto escolar, a pesquisa do tipo qualitativo e etnográfico permite que se
chegue bem perto da escola, dos alunos e dos professores para tentar entender como
operam os mecanismos de dominação e resistência no seu dia-a-dia, os mecanismos de
opressão e de contestação, ao mesmo tempo em que são vinculados e reelaborados,
conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e de sentir a realidade e o
mundo. Por isso, mergulhar na realidade cotidiana é uma condição para que se possa
compreender o que se passa na escola. É no cotidiano que a escola se revela como um
espaço de confrontos e interesses entre um sistema oficial que distribui funções,
determina modelos, define hierarquias, e a realidade dos sujeitos alunos, professores,
funcionários que não são apenas agentes passivos diante da estrutura. Em seu fazer
cotidiano, esses sujeitos, por meio de uma complexa trama de relações que inclui
alianças e conflitos, transgressões e acordos, fazem da escola um processo permanente
de construção social.
43
Entre os princípios da pesquisa de cunho etnográfico que contribuem para o
processo interpretativo característico desse tipo de metodologia estão a reflexividade e o
estranhamento.
De acordo com o princípio da reflexividade, o pesquisador precisa estar em
constante processo de reflexão a respeito do seu lugar e do lugar social dos seus
participantes. Identificar a sua posição ontológica diante das questões em análise na
comunidade e salas de aula investigadas é de fundamental importância para apresentar
os fatos, segundo o ponto de vista dos participantes, apresentando assim a visão êmica.
Segundo Erickson (1984, p. 62), é preciso “adotar a instância crítica de um filósofo,
questionando continuamente os fundamentos do convencional, examinando o óbvio,
aquilo que é tido por certo pelos participantes internos da cultura, que se tornou
invisível para eles”.
Ao iniciar uma pesquisa, o pesquisador traz para a experiência certos esquemas
de interpretação. Dessa forma, sua tarefa consiste em tomar cada vez mais consciência
acerca dos esquemas de interpretação das pessoas observadas e acerca de seus próprios
marcos de interpretação culturalmente aprendidos, os quais ele levou ao campo. O
investigador deve ultrapassar seus métodos e valores, admitindo outras lógicas de
entender, conceber e recriar o mundo, pois, como lembra Erickson (1989), o estudo
etnográfico deve se orientar para a apreensão e descrição dos significados culturais dos
sujeitos. Para frear, em alguma medida, a intuição irrefletida, é necessário estabelecer
uma relação constante e dinâmica entre as perguntas de pesquisa e o trabalho de campo.
O grande desafio nesses casos é saber trabalhar o envolvimento e a
subjetividade, mantendo o necessário distanciamento que requer um trabalho científico.
Uma das formas de lidar com esta questão tem sido o estranhamento, um esforço
sistemático de análise de uma situação familiar como se fosse estranho. Trata-se de
saber lidar com percepções e opiniões formadas, reconstruindo-as em novas bases,
levando em conta, sim, as experiências pessoais, mas filtrando-as, com apoio do
referencial teórico e de procedimentos metodológicos específicos, como, por exemplo, a
triangulação. Ou seja, além de utilizar a observação em campo, pode-se fazer uso de
entrevistas, questionários, gravações em áudio e vídeo, etc., sempre na tentativa de
triangular os dados para a análise. Além disso, o pesquisador pode buscar, ainda, uma
diversidade de sujeitos e diferentes perspectivas de interpretação de dados. Esses
44
cuidados metodológicos e um forte apoio do referencial teórico podem ajudar a manter
o distanciamento, diminuindo os problemas apontados (ANDRÉ, 1995).
2.2 O ambiente da pesquisa e os procedimentos utilizados
Ao considerar as orientações da pesquisa etnográfica, optamos por realizar a
pesquisa em uma escola que não conhecêssemos, pois havia uma preocupação com o
estranhamento da situação, ou seja, com o desafio de saber trabalhar o envolvimento e a
subjetividade, mantendo o necessário distanciamento que requer todo trabalho
científico. Em virtude dessa preocupação de realizar a análise de uma situação familiar
como se fosse estranho, ao invés de realizar a pesquisa em um contexto escolar
conhecido, optamos por um colégio estadual de ensino fundamental e médio com o qual
não havíamos tido contato anteriormente.
Em meados de 2007, fizemos o primeiro contato com a diretora do colégio, a
qual se mostrou amistosa com a realização de nossa pesquisa e interessada nas possíveis
contribuições de nosso estudo. Como inicialmente queríamos compreender as RS dos
alunos ao final do Ensino Médio, houve a indicação de que trabalhássemos com a
professora Aline
3
e seus alunos.
Seguimos alguns encaminhamentos prévios, recomendados por Erickson (1989)
e que ajudam a estabelecer uma relação de confiança: a) procuramos adquirir o maior
conhecimento possível a respeito das relações interpessoais, a fim de evitar conflitos; b)
apresentamos aos participantes, sempre que necessário, os objetivos da pesquisa; c)
deixamos claro que as gravações e o conteúdo das entrevistas seriam usados somente
com o devido consentimento dos participantes; d) explicamos que seus nomes seriam
substituídos por nomes fictícios.
Todos esses cuidados e procedimentos foram explicados à diretora, à professora
e aos alunos. Depois de receber a permissão da diretora para realizar a pesquisa, fomos
apresentadas à professora Aline, uma pessoa receptiva e disposta a ajudar na realização
de nosso estudo. A professora Aline é mestre em estudos literários e costuma sempre
3
Trata-se de um pseudônimo.
45
fazer cursos de atualização, o que corroborou para que fosse sempre muito solícita e
simpática, abrindo sua sala de aula para que refletíssemos sobre as RS de seus alunos.
De início, era intenção que o material de análise da pesquisa fosse formado por
questionários e textos produzidos pelos alunos sobre escrita. No entanto, em virtude do
trabalho final da disciplina “Fala-em-interação”, tive o interesse também pela
observação e gravação de aulas, que, para complementar a pesquisa, optei por realizar
com os participantes da mesma. Isso se mostrou interessante para a complementação
dos dados, sendo mais uma fonte de análise, mas que, devido ao tempo que as
transcrições exigem e a qualidade de áudio do material estar comprometida, esses dados
não compõem o corpus deste trabalho.
Ancoradas na intenção inicial, que era de refletir sobre as RS de alunos ao final
do Ensino Médio, aguardei o mês de novembro para começar as observações. Escolhi
trabalhar com uma das três turmas que havia no colégio, em função do horário, pois a
turma em questão tinha aulas geminadas de Língua Portuguesa, o que possibilita um
tempo maior de contato e observação. Dessa forma, determinei a turma B como lócus
de pesquisa. A primeira observação foi feita no dia 31/10/2007 e as outras nas quatro
semanas posteriores, totalizando oito aulas, de cinqüenta minutos cada, todas
observadas e gravadas.
No primeiro contato com a turma, expliquei os objetivos da pesquisa, os
procedimentos e o cuidado em manter o anonimato dos participantes. Decorrente dos
resultados obtidos, levantei novas questões que me fizeram optar por mais observações,
mas contrariamente às primeiras, que ocorreram ao final do Ensino Médio, resolvi
investigar as representações sociais de escrita dos alunos no início do Ensino Médio,
para saber com quais representações os alunos iniciam e terminam essa fase escolar.
Para tanto, em 2008, novamente observei e gravei oito aulas da professora Aline,
porém, a sala de aula escolhida foi uma primeira série do Ensino Médio. Os
procedimentos de apresentação foram os mesmos, expliquei aos alunos os objetivos da
pesquisa e nossa preocupação com o anonimato dos participantes. Novamente foram
gravadas oito aulas e realizadas anotações das situações relevantes.
Após seis aulas de observação, nas duas vezes em que participei das interações
de sala de aula no terceiro e no primeiro ano do Ensino Médio, entregueis aos alunos
um questionário com dezesseis perguntas acerca da representação deles sobre escrever e
46
sobre como se havia dado o seu aprendizado de escrita. Expliquei-lhes que o
questionário fazia parte da pesquisa que estava sendo realizada e que utilizaria as
respostas para refletir sobre as RS de escrita e de seu ensino. Junto ao questionário,
também foi apresentada uma proposta textual, visando à exposição das idéias dos alunos
sobre o tema pesquisado, a fim de possibilitar a triangulação dos dados, para uma
análise interpretativa mais consistente.
2.3 O colégio e os participantes da pesquisa
Para propiciar o distanciamento necessário à observação dos dados, escolhi um
colégio que trabalhasse com o Ensino Médio, próximo à minha residência, o que
facilitaria as observações.
O colégio escolhido pertence à rede pública de ensino e possui Ensino
Fundamental e Médio, nos períodos da manhã, tarde e noite. O período da manhã foi
escolhido porque era quando a professora Aline lecionava. O colégio, de grande porte,
situa-se em um dos maiores bairros da cidade de Maringá-PR e atende cerca de 2.400
alunos, pertencentes a todas as classes sociais, porém predominam as classes média e
baixa.
No terceiro ano, estudavam vinte e nove adolescentes, com idade média de
dezessete anos, metade dos quais estavam inscritos no vestibular e, portanto, focados
nisso. A outra metade estava voltada para o mercado de trabalho, como declarado pela
professora Aline à pesquisadora. A turma era bastante agitada, porém, extremamente
organizada para os assuntos que lhe interessavam, como um churrasco que estavam
organizando, para o qual a professora e a pesquisadora foram convidadas, e um grito de
guerra muito criativo que usaram para dar boas vindas à pesquisadora, além de um
vídeo que eles produziram com o grito de guerra para apresentar durante o churrasco.
Tratava-se, efetivamente, de uma turma animada e acolhedora.
A turma de primeiro ano tinha vinte e sete alunos, com idade média de quinze
anos, que se mostraram mais tímidos, porém, não menos curiosos que os de terceiro
ano. Eram mais calmos e dedicados aos conteúdos pragmáticos.
47
2.4 Os instrumentos utilizados no trabalho de campo
O trabalho de campo realizou-se através de quatro instrumentos de pesquisa: as
gravações e anotações de campo (observação), a aplicação do questionário e o
desenvolvimento de um texto sobre a representação de escrita. Descreveremos a seguir
as observações e anotações em diário de campo, o questionário e sua aplicação, bem
como, a produção do texto.
2.4.1 As observações e gravações das aulas
As oito aulas observadas no terceiro ano ocorreram ao final do mês de outubro e
durante o mês de novembro, ou seja, no final de uma importante etapa para os
adolescentes. Isso fez com que nem minha presença nem dos gravadores inibisse os
alunos que, num primeiro momento, se mostraram curiosos, principalmente, em relação
às anotações realizadas. Mas, na segunda aula, tudo parecia normal para eles. Em
decorrência do final do ano, a turma era bastante barulhenta: estava muito entusiasmada
com a programação do referido churrasco de comemoração. Todo o resto não importava
muito.
Essa grande movimentação e a intensa interação entre os alunos fizeram com
que as gravações, em muitos momentos, se tornassem inaudíveis, pois o que se ouvia
eram barulhos de muitas vozes ao mesmo tempo.
A aceitabilidade da pesquisa foi um ponto em comum entre as turmas, sendo que
o primeiro ano se mostrou mais curioso em relação à pesquisa e a pessoa da
pesquisadora em si, apresentada à turma como também professora de Língua
Portuguesa. Nesta turma, as interações são melhor identificáveis, principalmente
quando o foco de atenção é a professora Aline; nos outros momentos prevalece um
atravessar de vozes, difícil de distinguir.
48
2.4.2 O questionário
O questionário foi elaborado em decorrência das perguntas de pesquisa que
tínhamos e baseado nas questões de uma entrevista semi-estruturada realizada como
cumprimento de requisito de avaliação de uma das disciplinas do mestrado, o que nos
embasou para montar as dezesseis perguntas presentes no questionário aplicado.
As perguntas eram discursivas para que os alunos pudessem expor sem nenhuma
influência suas RS de escrita e do ensino da mesma, contando algumas experiências
vividas durante o percurso escolar.
Desse modo, o questionário apresentava as seguintes questões:
1. Você gosta de escrever? Por quê?
2. Quando você gosta de escrever?
3. Você considera que sabe escrever?
4. Para você, o que é saber escrever?
5. Como se aprende a escrever?
6. Como se ensina a escrever?
7. Quem mais lhe ajudou a aprimorar sua escrita? Como?
8. Conte uma experiência boa envolvendo escrita que você se lembra.
9. Conte uma experiência má envolvendo escrita que você se lembra.
10. Em quais momentos na escola você gosta de escrever?
11. Na sua opinião, quais os exercícios de escrita que foram mais relevantes e quais
não foram?
12. Fora da escola, com que finalidade você usa a escrita?
13. Qual a relação entre a escrita que se aprende na escola e a que você usa na
sociedade?
14. O que é um texto para você?
15. Qual a importância do ensino da escrita?
16. Você tem dificuldade em escrever? A que você atribui essa dificuldade?
Embora algumas questões tenham sido feitas da perspectiva do professor, como
a questão “6. Como se ensina a escrever”, consideramos que os alunos, por terem
concluído o Ensino Fundamental ou estarem concluindo o Ensino Médio, deveriam ter
maturidade para refletir e avaliar metodologias de ensino.
No terceiro ano, a atividade foi livre, apenas ressaltamos a importância de eles
participarem. Assim, dos vinte e nove questionários entregues, somente oito foram
devolvidos respondidos. Já, no primeiro ano, a professora Aline, tentando fazer os
alunos participarem mais da pesquisa, atribuiu à atividade o valor de um visto que seria
49
acrescentado a notas de tarefas, o que fez com que dos vinte e sete questionários
entregues vinte e um fossem devolvidos respondidos.
2.4.3 O texto
Juntamente com o questionário, foi entregue aos alunos uma proposta textual
baseada em um texto, para que eles dissertassem sobre o tema. Segue abaixo a proposta
apresentada:
A escrita reflete a compreensão de estruturas e comportamentos sociais e
suas práticas. Assim, o texto escrito se torna uma mediação entre o homem e
o mundo, sendo por meio deste determinado por uma época e um contexto.
A produção escrita, abordada desta forma, é vista como um ato comunicativo
e não como um mero agrupamento de palavras que objetiva cumprir uma
obrigação escolar. Com isso, como ocorreu seu processo de aprendizagem da
escrita? Nesse momento você se sente preparado para realizar eficientemente
as atividades de escrita exigidas pela sociedade? Por quê?
01. Faça um texto dissertativo abordando o tema trabalhado no texto de
apoio acima.
O tema não foi lido nem trabalhado com os alunos, em virtude de procurarmos
incomodar o menos possível as aulas e para que os alunos se sentissem livres para
escreverem o que quisessem sobre suas reais RS e não as que achassem ser as melhores,
as esperadas.
Após o trabalho de campo, iniciou-se a leitura e estudo dos questionários e
textos, lembrando que, no trabalho qualitativo de pesquisa, a análise dos dados ganha
consistência na elaboração do relatório. Nesse sentido, Erickson (1989) estabelece duas
tarefas básicas à realização de uma análise: a primeira é a geração, através da indução,
de afirmações empíricas, para a qual é necessária uma imersão no corpus da pesquisa,
uma revisão de todo ele. A segunda tarefa é estabelecer um conjunto de evidências que
estabeleçam as afirmações empíricas. Para tanto, torna-se necessário examinar os dados
e testar a validade das informações que foram geradas, procurando confirmá-las com
evidências.
Em síntese, neste capítulo, apresentei as bases e instrumentos metodológicos que
sustentaram e permitiram a realização do presente trabalho. Inicialmente, destaquei os
50
pressupostos da abordagem qualitativa de pesquisa, especificamente, as de
características de cunho etnográfico. Em seguida, apresentei a descrição do percurso do
trabalho, com todos os seus elementos. Assim, concluí ser possível a interpretação das
RS desses alunos do Ensino Médio sobre a escrita e seu ensino, o que apresentarei na
análise, no próximo capítulo deste trabalho.
51
CAPÍTULO III
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A ESCRITA E SEU ENSINO
Este capítulo tem como objetivo fazer a descrição e a análise dos dados
coletados com os alunos de primeiro e de terceiro ano do Ensino Médio. Os dados
obtidos foram organizados em asserções, que emergiram, passo a passo, nas leituras do
corpora. Dessa forma, o levantamento dessas asserções é decorrente de um mapeamento
das recorrências encontradas nos dados.
As leituras dos dados foi um exercício realizado com base nas RS de escrita e de
seu ensino, partindo das relações que os sujeitos estabelecem ao atribuírem significado
às coisas, neste caso à escrita, e ao manifestarem seus sentimentos, suas atitudes, suas
ações e seus valores em relação à mesma. Assim, é objetivo deste capítulo responder as
perguntas de pesquisa, mostrando, por um lado, as RS apresentadas pelos alunos, e, por
outro, de que forma os alunos elaboram o seu texto escrito na escola.
3.1 A representação de escrita dos alunos
Os alunos do ano concebem a escrita como forma de escrever bem, ou seja,
todos destacam a questão formal; no ano, muitos afirmam que escrever é
apresentar bons argumentos, convencer, atuar na sociedade. Assim, percebemos que
uma diferença entre a representação social dos alunos do primeiro ano e a dos alunos do
terceiro ano.
Quando questionados se gostavam de escrever, os alunos do primeiro ano
declararam, em sua maioria, que sim, mas justificaram o gosto pela escrita associando-o
a questões formais, como podemos ver no gráfico a seguir.
52
Gráfico síntese da pergunta “Você gosta de escrever?”
Vemos que uma parcela muito maior de alunos que dizem gostar de escrever
do que os que dizem não gostar. Estes últimos os que dizem não gostar de escrever
também justificam a falta de gosto para escrever com a questão formal.
As justificativas para gostarem ou não de escrever se voltam para aspectos
formais da língua e uma forte valorização da letra/caligrafia que, para eles, precisa
ser bonita, legível.
Sim. Porque ajuda você a ler mais rápido e ajuda você a errar menos nas
palavras (Lucas, 1º ano).
Gosto porque é uma forma de aprender palavras que às vezes não
conseguimos escrever e é uma importância muito grande para nós mesmos
(Ana, 1º ano).
Eu gosto um pouco porque aprende a colocar os acentos e deixar a letra mais
bonita (Maria, 1º ano).
Sim. Eu acho legal e quanto mais praticar melhor fica a caligrafia (Júlia,
ano).
Sim. Porque quando a gente escreve a gente aprende letras ou palavras novas
à gente vê se está errado ou certo e arruma (Priscila, 1º ano).
Não, prefiro ler, pois a minha letra não é boa, me sinto diferente dos outros,
por isso prefiro ler, pois leio bem (Felipe, 1º ano).
Não. Porque a minha letra é muito feia (Gabriela, 1º ano).
53
As respostas apresentadas mostram que, para os alunos do ano, não uma
relação entre escrever e produzir textos. A escrita, para eles, relaciona-se a ter letra
bonita e aprender palavras, idéia centrada em aspectos formais da língua, como a
ortografia, a acentuação e a caligrafia. Eles reafirmam uma RS de escrita como produto
(conforme concepção do modelo autônomo de letramento), porque se trata de algo
mecânico, no qual, é possível ler e errar menos, aprender palavras, acentuar melhor e
deixar a letra mais bonita, a partir de repetições/exercícios repetitivos. O contrário
também ocorre, pois o ter uma boa caligrafia, ter uma letra feia é razão para não
gostarem de escrever. Portanto, a escrita passa a ser a chance de aprender palavras
bonitas e melhorar a sua escrita em termos formais.
Ao ingressarem no contexto escolar, os alunos têm contato com professoras que,
consensualmente, possuem uma letra bonita porque aprendem a desenhar melhor as
letras para poderem ensinar aos alunos a fazerem isso, o que não significa que haja
relação entre saber desenhar as letras e escrever bem, como expressam os alunos. Essa
RS apresentada por Maria e Júlia pode ter se construído no período inicial do Ensino
Fundamental, quando é comum as crianças fazerem exercícios de cópia em cadernos de
caligrafia e, sendo este um dos primeiros contatos com a escrita, constituiu-se em uma
RS que têm de escrita. Assim, a letra bonita, como a da professora, pode ser
determinante para a representação de que escrever é fazer cópia, pois, dessa maneira, ao
fazerem essa atividade, melhoram a caligrafia através da repetição.
Em síntese, as características destacadas revelam uma concepção de escrita
como produto, como homogênea e autônoma; pouco importa o sentido, a interlocução, a
prática social, ela é o instrumento através do qual devem revelar o que sabem sobre
escrita, em termos formais.
As respostas dos alunos do 3º ano, por sua vez, foram bastante diferentes.
Chama a atenção o gosto pela escrita relacionado à possibilidade e necessidade de expor
idéias e sentimentos, adquirindo, dessa forma, uma função social e não apenas escolar.
Sim. Porque não gostar de escrever se o mercado de hoje, exige um
Português claro e objetivo, é uma maneira ótima de expressar seus
conhecimentos, em cima de um tema exigido, de esvaziar a alma, nas linhas
de um papel (Anderson, 3º ano).
Sim, porque é na escrita que eu posso organizar as minhas idéias (Camila, 3º
ano).
54
Sim, gosto muito de escrever, me identifico muito, de juntar idéias, críticas,
sugestões para tentar mostrar aos demais, alguma coisa (Rafaela, 3º ano).
Sim, porque eu consigo expressar as minhas opiniões e colocar no papel o
que eu sinto (Amanda, 3º ano).
Sim, mas às vezes eu não gosto muito principalmente quando estou copiando
trabalho (Gabriela, 3º ano).
Sim gosto de fazer dissertações, pois treinamos e aguçamos nosso senso
crítico (Marcela, 3º ano).
Sim, pois é onde eu posso impor minhas idéias (Bruna, 3º ano).
Depende, às vezes sim principalmente quando eu escrevo sobre coisas que
eu gosto, às vezes não quando tenho que copiar uma coisa que já estou
careca de saber (Mariana, 3º ano).
De acordo com as respostas dos alunos do terceiro ano, a escrita é uma
expressão pessoal, serve para expressar conhecimentos, aspecto importante para o
mercado de trabalho, também serve para organizar e expressar idéias, opiniões, críticas
e sugestões, tendo a consciência de que através da escrita é possível expor ou impor
idéias. Essas respostas parecem indicar que a escrita para eles possui uma função social.
Anderson aponta ainda para outra concepção de escrita a escrita como lugar de busca
e revelação, uma forma de expressão, através da qual ele pode esvaziar a alma. Desse
modo, uma diferença nas respostas, mas os alunos do ano também apresentam a
concepção de escrita autônoma ao revelarem o mito do letramento, reafirmando a
escrita como exigência do mercado de trabalho.
A diferença entre as respostas para gostar de escrever dos alunos de primeiro e
terceiro ano se dá, provavelmente, porque novas motivações vão sendo geradas à
medida que as necessidades de uso da escrita vão surgindo. Os alunos do primeiro ano
estão mais distantes do mercado de trabalho e da função social da escrita se
compararmos com os do último ano do Ensino Médio, visto que a escrita parece ainda
estar muito relacionada à escrita escolar. Os alunos do terceiro ano, por sua vez,
destacam a função social da escrita. Eles acreditam que a usarão para o mercado de
trabalho, para adquirir experiência profissional como forma de conseguir entrar na
faculdade, no caso dos que pretendem prestar vestibular.
55
Com isso, as representações se modificam e se reestruturam com o novo saber
que vai sendo incorporado no discurso e nas práticas dos grupos sociais. De produto, a
escrita passa a se tornar ferramenta para conseguir um bom trabalho e também
instrumento através do qual podem organizar e expressar suas idéias (Camila),
expressar opiniões e sentimentos (Amanda), juntar idéias, sugestões e críticas e mostrá-
las aos outros (Rafaela), culminando na percepção de Bruna, para quem a escrita, mais
do que expressar ou mostrar idéias, como dito pelas outras alunas do grupo, é lugar no
qual o indivíduo pode impor suas idéias, ou seja, persuadir.
Esses últimos dados permitem definir as RS de escrita dos alunos do terceiro ano
como tendo uma visão funcional, pois apontam para algumas práticas sociais da escrita.
Trata-se de meninas que apresentam uma transformação das RS, se suas respostas forem
comparadas às dos alunos do primeiro ano, pois revelam em seus dizeres a consciência
de algumas das funções que a escrita tem na sociedade, como expressar, criticar,
sugerir, opinar ou impor.
Estes dados sobre o gosto pela escrita revelam também algo que é recorrente no
cenário escolar: a preferência por respostas afirmativas, já que é função da escola
ensinar a escrever e tornar essa habilidade acessível a todos, o que nem sempre
acontece. A escrita, como vimos nos estudos sobre letramento, muitas vezes não
pertence ao contexto social desses educandos, que, por não reconhecerem como deles
esse universo letrado, acabam rejeitando-o. Desse modo, de acordo com Kleiman
(1995), para a escola uma maneira de se aprender como funciona o sistema de
escrita, bem como usá-la, indiferentemente dos contextos. Escrever restringe-se a
dominar a norma culta, sem a preocupação com a adequação ao interlocutor e ao
contexto de produção. Assim, a escrita é vista comumente como um bem em si mesma,
como um fator preponderante para o desenvolvimento cognitivo do sujeito, isto é,
qualquer indivíduo poderia ter o mesmo desempenho na aquisição e no uso deste
recurso social, independente de seu contexto sócio-cultural.
No entanto, se sentem na obrigação de fazer parte de um universo letrado, pois
acreditam que assim podem ser ratificados pelo professor e pela escola, visto que é
esse universo letrado o mais valorizado pela sociedade e imposto a todos os alunos,
como discutem Kleiman (1995) e Tfouni (1995). A parcela menor, que afirma não
56
gostar de escrever, apresenta o estranhamento de uma linguagem que não lhe pertence,
diferente da que usa em casa ou com os amigos.
Por outro lado, consoante os discursos sobre o gosto pela escrita, na questão
Para você, o que é saber escrever, as respostas apresentadas pelos alunos do primeiro
ano enfatizam que a escrita tem a função de expressar o pensamento e de comunicar-se.
-se também, pelas respostas do ano que a capacidade de escrever está ligada à de
leitura e, novamente, sobressai o aspecto formal, saber escrever é ter uma boa caligrafia
e não ter erros de gramática.
Saber, passar o que pensa, sentir e falar para uma folha de papel (Ricardo, 1º
ano).
É dizer no papel o que está na nossa mente ou o que lemos em algum lugar
(quadro ou outra folha de papel) (Felipe, 1º ano).
É saber se comunicar por meio de cartas, textos etc. É estar preparado
realizar eficientemente as atividades de escrita exigidas pela comunidade
(Carolina, 1º ano).
Se comunicar com as pessoas através de letras (Marcos, 1º ano).
Gostar de ler (Daniele, 1º ano).
É saber ler (Denise, 1º ano).
Temos então que alguns alunos concebem a escrita como comunicação e uma
forma de expressão do pensamento e dos sentimentos. A função de comunicação é
abordada como se escrever fosse “passar para o papel” o que pensamos, sem refletir
sobre as transformações e sanções necessárias quando escrevemos. Para Daniele e
Denise, saber escrever é gostar de ler, menção ao fato de que para se saber escrever bem
é preciso ser um bom leitor, um indivíduo que lê bastante, RS muito presente nos
discursos de professores, que, para estimularem seus alunos a lerem, atrelam as duas
atividades, dando assim igual importância para as duas.
Em muitas respostas, como veremos abaixo, prevalece a RS de que saber
escrever é ter uma boa caligrafia e/ou dominar a norma culta. De forma breve e tímida,
uma referência à função de argumentar, porém a resposta de Gabriela desenvolve-se
pelo aspecto gramatical de que saber escrever é “não ter erros e ter uma letra legível”.
57
Uma letra legível e bonita (Mateus, 1º ano).
A letra saber os acentos, os pontos (André, 1º ano).
Para mim saber escrever é formando as palavras e aprendendo a ler (Priscila,
1º ano).
É saber acentuar, saber a onde vai ss, ch, x, z, são, cão, e ter certeza (Júlia, 1º
ano).
É colocar acentos nos lugares certos (Maria, 1º ano).
Saber escrever é ter consciência do que está escrevendo, prestando atenção
em acentos, pontos e vírgulas em textos ou frases (Ana, 1º ano).
Saber escrever e saber escrever as palavras corretamente sem erros a
pontuação e acentuação (Lucas, 1º ano).
É saber escrever legível e com uma caligrafia apresentável (Bruno, 1º ano).
Ortografia correta (Rafael, 1º ano).
Escolher as palavras certas (Roberto, 1º ano).
Saber escrever é não ter dúvida de como é o certo (João, 1º ano).
Sem erros, é uma letra legível (Mariana, 1º ano).
Saber argumentar, saber as palavras como não ter erros de português e ter
letra legível (Gabriela, 1º ano).
O modo como foram expostas as respostas revela uma concepção de escrita
autônoma, que Street (1995) chamou de modelo autônomo de letramento, que se
caracteriza por perpetuar a concepção de ler e escrever como mera aquisição do código
da ngua, de forma autônoma, que se basta em si mesma, pois compreende que o
indivíduo que conhece o código está pronto para transitar em todos os contextos
letrados, concepção precípua da ideologia escolar.
Nesse modelo, compreende-se que o ato de ler se circunscreve à decodificação
das palavras, à compreensão delas em sentenças e em parágrafos, sem, contudo, se
conceber a leitura e a escrita como constituintes de práticas sociais, que se dão na
interação, entre os conhecimentos partilhados de autor e leitor, o que significa
movimentar mais de uma RS.
58
Isso nos leva a considerar que toda a percepção do dado novo estará sempre
incorporada das crenças e valores sócio-históricos que configuram a formação social de
cada indivíduo, fazendo com que as RS de escrita adquiridas anteriormente não sejam
mudadas e sim transformadas a partir das novas interações. É o que exemplifica a fala
de Gabriela, que apresenta uma RS diferente da dos demais, sendo necessário, segundo
ela, para se escrever bem, saber argumentar. A aluna complementa sua resposta, no
entanto, com aspectos formais, demonstrando que escrever bem também é saber
argumentar, uma inserção de um discurso escolar recente. Essa reprodução de
discursos conflitantes em seus dizeres reflete que sua RS de escrita não é apenas
autônoma, mas também não está completamente desvinculada dessa RS, pois também
destaca o aspecto formal, já que a mesma, como apresentado anteriormente, declara não
gostar de escrever, por ter uma letra feia.
O terceiro ano, por sua vez, quando comenta o que é escrever bem, mescla suas
respostas apresentando ora aspectos sociais para a escrita, ora aspectos formais,
destacando a necessidade de respeitar regras gramaticais e ter uma boa caligrafia, mas
ressalta também a importância da coerência e da exposição de idéias, argumentos e
opiniões.
Ter uma noção devida da coerência, e da concordância numa frase, é saber o
uso correto das palavras, encaixando em seu devido lugar, sem fazer o texto
perder o sentido e o desfecho (Anderson, 3º ano).
Ter sabedoria (Camila, 3º ano).
Saber juntar idéias, com as palavras devidamente corretas, saber as regras,
como a pontuação entre várias outras (Rafaela, 3º ano).
Saber escrever não é somente “escrever” em si, mas também saber
interpretar e expressar seus argumentos (Amanda, 3º ano).
Escrever as palavras certas e com letra legível (Gabriela, 3º ano).
É conseguir desenvolver bem a língua (Marcela, 3º ano).
Ter idéias, argumentos, opiniões...(Bruna, 3º ano).
É saber ler e escrever o que foi lido corretamente (Mariana, 3º ano).
Em contraste com as justificativas para gostar de escrever, nas quais destacaram
a escrita como possibilidade de expor idéias e sentimentos, percebe-se que aqui uma
59
maior valorização do aspecto gramatical, pois a RS de uma escrita agradável que
envolve os momentos em que eles gostam de escrever é diferente da RS de escrever
bem. Para o primeiro ano está vinculado a uma boa forma e para o terceiro a uma
articulação entre conteúdo e forma, obedecendo às características do gênero requisitado.
Quando perguntado como deve ser exercida de forma satisfatória essa atividade,
salienta-se a necessidade de apresentar uma letra legível e uma escrita correta. Eles
parecem não abandonar o conceito da autonomia da escrita, apenas transformam-no
minimamente em nova RS.
Conforme Moscovici (1978, p. 57), “o que re-presenta um ser, uma qualidade, à
consciência, quer dizer, presente uma vez mais, atualiza esse ser ou essa qualidade,
apesar de sua ausência ou até de sua eventual inexistência” e a “representação de um
objeto é uma reapresentação diferente do objeto” (p. 58). O que os alunos revelam nessa
reapresentação do objeto escrita é que, mesmo tendo sido transformadas, suas
representações anteriores encontram-se presentes, fortalecendo o princípio de que há
uma mudança de conceito e não uma troca e, claro, nenhuma mudança se reestrutura
completamente, pois uma representação se transforma ou evolui apenas
superficialmente em seus elementos periféricos, segundo Abric (2001), conforme
apresentado na seção 2.2.
Quando foram questionados sobre sua capacidade de escrever, a maioria dos
alunos do primeiro ano se mostrou segura e afirmou que sabia escrever, como ilustrado
no gráfico abaixo.
60
Gráfico síntese da pergunta “Você julga que sabe escrever?”
A maioria afirma que sabe escrever e isso contraria, de certa forma, uma
ideologia decorrente do mito do letramento, qual seja, a idéia de que não sabemos
direito a nossa própria língua materna, e de certa forma a ideologia do erro, tão presente
durante um longo período na escola e que faz com que os alunos acreditem que não
sabem escrever.
Em suas justificativas, alguns ressaltaram, no entanto, o aspecto formal, pois,
para eles, a escrita está relacionada com uma letra bonita e com o domínio de regras
gramaticais.
Não, você está vendo a minha letra (André, 1º ano).
Não posso dizer que me considero, pois às vezes tenho algumas dificuldades
em palavras diferentes (Ana, 1º ano).
Sim, embora não escreva com uma letra boa (Felipe, 1º ano).
Eu considero que sei escrever as palavras em 78% de certeza, mas às vezes
dá um “branco” (Júlia, 1º ano).
Eu considero que sei escrever, mas se tiver algum erro eu vou e arrumo
(Priscila, 1º ano).
As respostas de André e Ana reafirmam o conceito de escrita como domínio dos
aspectos formais da língua, como a ortografia e a caligrafia, um conceito muito presente
na escola e na sociedade. Bagno (2000) afirma que para a sociedade “É preciso saber
65%
15%
20%
Sim
o
Mais ou Menos
61
gramática para falar e escrever bem” (p. 62). Para dar conta disso, a escola co-constrói a
cultura do erro, valorizando a forma e não o conteúdo. Felipe afirma que sabe, mas
revela, pelo uso da conjunção concessiva “embora”, que escrever é ter letra bonita. A
resposta de Júlia chama a atenção, pois usa um dado estatístico para argumentar que
sabe escrever, independente de ter branco algumas vezes. A porcentagem apresenta a
RS de uma premissa social e científica que é a impossibilidade de contestação de dados
matemáticos que adquirem o status de verdade inabalável. Então, para revelar que não
sabe tudo sobre escrita, não tem 100% de certeza, a aluna usa um número fracionado,
que também é mais parecido com os índices de pesquisa que costuma ver. Priscila usa a
mesma estrutura de discurso de Felipe e Júlia, afirmando que considera saber escrever e,
depois, utiliza uma conjunção concessiva (mas) para apontar que comete erros, e
quando isso ocorre, ela os arruma. Esse dado re-afirma uma RS de que a escrita correta
é algo inalcançável, sendo necessário ressaltar que, mesmo escrevendo bem, não
dominam completamente todos os aspectos a escrita.
De forma mais ampla, os alunos do terceiro ano consideraram que escrevem
bem: três alunos responderam apenas sim e as outras respostas apresentaram
justificativas para a afirmação, destacando a importância dessa habilidade para o
mercado de trabalho e, diferentemente do primeiro ano, não houve menção ao aspecto
formal.
Sim. Eu como também jovem da geração moderna e de um país alfabetizado,
que procuram a melhor maneira de exercitar a escrita, por ser exigida pelo
mercado de trabalho (Anderson, 3º ano).
Sim, sempre tiro notas boas em redação (Bruna, 3º ano).
Particularmente sim (Marcela, 3º ano).
Sim, com o tempo fui adquirindo um tempo melhor de estudo e aprendendo
melhor a escrita (Amanda, 3º ano).
Um pouco (Rafaela, 3º ano).
Essa diferença entre as respostas dos alunos de primeiro e terceiro ano pode ser
recorrente da transformação que a RS de escrita sofre durante o Ensino Médio, pois,
segundo Moscovici (1974), no dia a dia as pessoas analisam, comentam filosofias de
62
vida não oficiais, que têm um decisivo impacto em suas relações sociais, em suas
escolhas, na forma como concebem o mundo e o que nele há. No Ensino Médio isso
provavelmente ocorre, pois é um período no qual os alunos são adolescentes e, como
característica dessa fase, se moldam ao grupo ao qual pertencem, compactuando das
mesmas atitudes e formas de pensar.
As RS possuem, como salienta Abric (2001), uma organização significante, isto
é, não são apenas reproduções da realidade, mas estão imersas em um contexto mais
imediato e outro mais global. No caso do Ensino Médio, o que é mais imediato são as
aulas e as relações sociais com os pares, os amigos, e o mais global talvez seja a
concepção de língua subjacente a todo o ensino e a concepção de Ensino Médio
construída na nossa sociedade.
A escrita é tida como agradável quando adquire uma função social para os
alunos do ano, pois, para que haja esse gosto, é necessário que esses alunos se
identifiquem com ela. O prazer de escrever é relacionado pelos alunos ao assunto sobre
o qual redigem, quando este é de interesse ou de domínio do aluno, ou para expressão
de seus sentimentos.
Quando o assunto está muito a meu interesse (Felipe, 1º ano).
Quando é algo que me interessa (João, 1º ano).
Quando eu faço meus textos, poemas e quando e quando eu estou copiando
textos sobre filosofia da internet (Gabriela, 1º ano).
Quando a aula está interessante (Rodrigo, 1º ano).
Quando eu vou fazer texto que eu tenho tudo gravado na mente (Júlia,
ano).
Quando faço textos e outras coisas (Priscila, 1º ano).
História, mas eu erro bastante o jeito certo (Daniele, 1º ano).
Gosto de escrever quando surgem novas receitas (culinária) em minha
cabeça ou quando vou escrever uma carta para alguém (Carolina, 1º ano).
Sempre que estou triste, isto é, a maioria do tempo (Ricardo, 1º ano).
63
Percebemos que várias respostas que se referem a situações fora da escola
(internet, escrever receitas, carta, quando está triste). Assim, o gostar de escrever e o
quando escrever estão mais relacionados a escrever fora da escola.
Para os alunos do ano, o gosto pela escrita e os momentos preferidos para
utilizarem essa linguagem/esse tipo de linguagem também estão relacionados às funções
sociais da escrita, como expressar felicidade, ansiedade ou tristeza. Eles também gostam
de escrever quando têm domínio do assunto sobre o qual irão redigir, dando ênfase à
expressão de sentimentos. Dessa forma, diferentemente das outras questões, na pergunta
Quando você gosta de escrever?, houve uma similaridade entres as respostas dos alunos
do primeiro e do terceiro ano.
Quando eu estou feliz (Camila, 3º ano).
Quando estou ansiosa ou triste (Bruna, 3º ano).
Quando estou sozinha, com idéias e sinto necessidade de escrevê-las
(Rafaela, 3º ano).
Quando tenho que fazer redação ou algum tipo de carta ao editor (Amanda,
3º ano).
Quando eu estou no MSN ou quando estou expondo minhas idéias (Gabriela,
3º ano).
Quando eu escrevo nas folhas para conversar.... ou quando estou no MSN
(Mariana, 3º ano).
Escrevo quando há um assunto a ser discutido, tipo uma dissertação. Quando
não faltam palavras é a melhor hora para treinar a gramática (Anderson,
ano).
Mesmo apresentando RS diferentes em relação à escrita, terceiro e primeiro ano
gostam de escrever, quando essa atividade tem uma função social, quando serve para
expressar seus interesses, seus sentimentos. Outros apontam que apreciam os eventos
em que escrevem, quando o assunto é conhecido ou de interesse dos alunos, de forma
que a escrita é fácil e usual. Isso ocorre porque, nos exemplos citados, a escrita tem um
significado para esses alunos no caso, adolescentes - e não exige deles a demonstração
de uma linguagem “correta”.
64
Um número reduzido de participantes afirma gostar de escrever na escola,
mostrando que, mesmo havendo alunos que apreciam escrever na escola, em ambas as
séries, esse número é bastante pequeno.
Este dado é revelador porque nos faz refletir sobre a função que a escola deveria
ter diante da realidade que esses alunos evidenciam em relação à escrita. Se houvesse
um trabalho voltado para a funcionalidade da escrita, como explica Geraldi (1997,
p.137) apresentando as cinco condições de produção para que o aluno pudesse escrever
um texto, talvez encontrariam razão para gostar de escrever na escola, transformando a
sua RS de escrita. Se eles tiverem o que dizer; uma razão para dizer o que tem a dizer;
para quem dizer o que tem a dizer; constituam-se como locutor, enquanto sujeito que
diz o que diz para quem diz; puderem escolher estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d),
talvez consigam ver o texto escrito como o local em que podem se posicionar, expressar
seus sentimentos, ou seja, a produção escrita como um ato interlocutivo.
O gosto e a valorização da escrita existe, por parte dos alunos, mas é marcada a
diferença entre a escrita agradável, que é a usual e cotidiana, e a escrita escolar, que é a
formal e correta.
Sobre a importância da escrita, os alunos do terceiro ano a atribuem ao seu uso
em sociedade como forma de comunicação e necessidade profissional, reconhecendo
também a sua função de argumentação e exposição de idéias, como podemos ver nas
respostas a seguir:
É importante para mostrarmos a sociedade pontos de vista, aprendermos a
juntar as palavras e transmitir algo a sociedade em geral (Rafaela, 3º ano).
Muito grande, pois a escrita é um dos ensinos mais fundamentais, pois sem a
escrita não há educação (Mariana, 3º ano).
Muito, pois nós precisamos da escrita, do ensino para nós termos um
trabalho bom (Camila, 3º ano).
Significa o cartão postal de um país, uma competência e qualificação maior
das pessoas nas áreas que elas exercem (Anderson, 3º ano).
O que podemos observar é que para eles, a RS predominante é a hegemônica, a
de que essa habilidade pode trazer-lhes, ou até mesmo garantir-lhes, um futuro
profissional melhor, ou até mesmo reconhecimento social, ou seja, idéias comuns à
65
sociedade letrada, que considera a escrita como algo útil e indispensável para ascensão
social, como visto no mito do letramento.
Para a maioria dos alunos do primeiro ano, a escrita é importante pela
comunicação, é reconhecida no sentido de melhorar o ensino, para formar pessoas, e
valorizada por melhorar o futuro de cada um. Assim, ao tratarem da importância da
escrita, destacam o caráter social de escrever e não o gramatical como relataram
anteriormente.
Para nós estarmos incluídos na sociedade, pois sem estudo o
conseguiríamos fazer nada (Lucas, 1º ano).
A escrita faz parte de nosso dia-a-dia, sem ela não seríamos nada, seríamos
todos analfabetos (Ana, 1º ano).
Para ficar mais inteligente, porque o mundo precisa da escrita para se
comunicar (Gabriela, 1º ano).
Sem a escrita, as pessoas não poderiam (antigamente) se comunicar com as
outras do outro lado do mundo e hoje talvez nem existiria a internet, que
também é uma forma de se comunicar (e-mail, chats, entre outros meios)
(Carolina, 1º ano).
Sem a escrita você não chega a lugar nenhum (João, 1º ano).
A escrita é reconhecidamente importante para os alunos por sua função social.
Desse modo, é relevante verificar que as RS construídas dentro e fora da escola são
diferentes. Na escola, a escrita é gramatical, já na sociedade ela é uma forma de
comunicação, de ascensão profissional e um divisor de águas.
Outro fator muito interessante a ser destacado a partir de algumas respostas
acima é o quanto a representação hegemônica de escrita está enraizada nos alunos. Para
Lucas, a escrita garante a inclusão na sociedade, pois sem estudo ninguém consegue
fazer nada. Para ele, o “analfabeto” está excluído e não é capaz de realizar nenhuma
função social, pensamento que é fruto do mito do letramento. É claro que não podemos
desconsiderar a complexidade da questão relacionada à exclusão social quando a pessoa
não possui a escrita, mas não ser letrada não significa estar à margem do mundo e nem
ser incapaz.
66
Esse tipo de representação desmerece quem não é letrado como uma pessoa sem
importância, que não é ninguém, com pouca capacidade intelectual, incapaz de
conseguir êxito profissional...
Sobre essa questão - a escrita em sociedade e a escrita escolar - para os alunos
Rodrigo e Roberto do primeiro ano, a escrita é bem diferente nessas situações variadas,
bem como para Gabriela e André, acrescentando ser mais legal escrever na sociedade,
pois se é livre para falar de sua vida e não precisa escrever tudo certo como na escola.
Constantemente no MSN e quando eu escrevo minhas poesias. É muito
diferente, pois usamos gírias e no MSN, a escrita é muito diferente
(Gabriela, 1º ano).
Para anotar um recado, um bilhete e em várias outras coisas. É diferente, ex:
no MSN, você conversa com os amigos de uma forma diferente da conversa
com as professoras (Felipe, 1º ano).
Tipo, tenho um caderno e nesse caderno eu conto a minha vida nele. Na
escola tem q ser tudo certo e na sociedade eu corto as palavras, é mais legal
(André, 1º ano).
Diariamente, pois usamos a escrita no nosso dia-a-dia para escrever cartas,
bilhetes, telefones e também no computador. A escrita que usamos é mais
culta e na sociedade usamos uma escrita mais variada (Lucas, 1º ano).
Fora da escola não utilizo muito a escrita, para fazer tarefas em casa. Na
escola usamos a escrita para aprender e na sociedade usamos a escrita de
várias maneiras, como por exemplo, escrever notícias ruins ou boas, fazer
protesto etc. (Ana, 1º ano).
A escrita está relacionada a tudo, na escola aprendemos a escrever, na
sociedade usamos o que aprendemos na escola para deixar para a sociedade
(Ricardo, 1º ano).
Uso a escrita para desenvolver textos, os deveres escolares. Eu acho que é a
mesma tanto no trabalho quanto na escola (Priscila, 1º ano).
O destaque para a diferença entre a escrita na sociedade e a escolar é a RS de
que na escola essa atividade requer o uso de uma linguagem culta, a qual eles têm mais
dificuldade em dominar. Fora da escola, eles têm razão para escrever, não é uma forma
de avaliação ou demonstração de conhecimento; eles escrevem para interagir e,
principalmente, para expressar seus sentimentos. Gabriela e Felipe marcam fortemente a
percepção de que na sociedade escrevem recados, bilhetes, poesias, se comunicam no
67
MSN, diferenciando essa escrita - com a qual podem usar gírias e escrever mais
livremente, da escrita praticada na escola.
André usa a escrita para falar de seus sentimentos e de sua vida, diferencia esse
evento do escolar, porque pode escrever como quer e não precisa se preocupar com as
regras e exigências da linguagem culta, impõe-se apenas com o que diz, com o conteúdo
de seus textos, “o que faz ser bem mais legalde acordo com o aluno. Lucas percebe
e relata que, na escola, a escrita deve ser culta e na sociedade ela pode ser variada,
constatando a diversidade lingüística existente no meio social, que muitas vezes a escola
ignora, impondo apenas a língua hegemônica. Essa variação também é apontada por
Ana, que considera a escrita escolar uma forma de aprendizagem para a prática social.
No entanto, Ricardo e Priscila têm representações divergentes das apresentadas
por seus colegas de grupo/sala. Para os alunos, na sociedade usa-se a escrita aprendida
na escola e, para Priscila, é a mesma escrita utilizada no trabalho e na escola. Isso
mostra o que Moscovici (1974) discute, pois, mesmo as RS sendo fruto coletivo, sua
dinâmica e flexibilidade permitem aos indivíduos terem RS diferentes, decorrentes do
confronto e coexistência das percepções de cada aluno.
Depreendemos, então, que a RS de escrita na escola e fora dela são divergentes
entre os alunos de primeiro e terceiro ano. Uns consideram que a escrita na sociedade é
igual a que usam na escola, outros pontuam que a escrita no universo escolar e no
social é bem diferente.
São apresentadas várias RS sobre escrita. A escrita é tida como forma, para
aperfeiçoar a gramática, cópia; como comunicação através de cartas e e-mails; ou com
funções sociais como expressar-se, adquirir conhecimento, auto avaliar-se. também
nesse dado a constatação de uma RS de língua, que admite a existência de variação
lingüística: as pessoas escrevem diferente e que na escola a escrita é mais formal do
que na sociedade.
Segundo Minayo (1997), as RS situam-se, portanto, na interface entre o
individual e o coletivo, pois, como vimos, nem todos os alunos do mesmo grupo/sala
pensam igualmente, mas entre eles opiniões confluentes. Essas RS conformam-se
num processo construtivo, simbólico e criativo, em que conteúdos mais estáveis se
68
articulam com outros mais dinâmicos, como pudemos ver nas diferenças entre os
discursos de primeiro e terceiro ano, bem como, entre os alunos de mesma série.
A objetivação dos estudantes sobre escrita ocorre de três maneiras diferentes:
como forma, como função social ou como método de ensino, e é distinta entre os alunos
de primeiro e terceiro ano. Para os alunos do primeiro ano, a objetivação é calcada na
representação de escrita como forma, baseada em regras de acentuação, de pontuação e
de caligrafia. Concebem-na com função social no dia-a-dia, um aprendizado de palavras
novas; expressão dos sentimentos; comunicação; consciência; ascensão profissional. E
também como um método de ensino; como refacção; treino de gramática; cópia.
Está ancorada, portanto, na imagem de que essa é uma atividade escolar,
desenvolvida por exigência da sociedade, uma importante forma de comunicação, a qual
não deve possuir erros gramaticais, ter um bom vocabulário, refacção de textos,
agradável quando é usada para fins sociais e usuais ou quando o assunto sobre o qual se
escreve é dominado ou interessante.
Os alunos do terceiro ano têm a objetivação da escrita fundamentada na RS de
função social e metodologia de ensino, como os de primeiro ano, mas diferenciam-se
em não enfatizar a RS de escrita como forma. A escrita como função social, para eles, é
uma forma de: exigência do mercado de trabalho; expressão dos conhecimentos,
opiniões, sentimentos; importante; imposição de idéias; forma de argumentar;
coerência; coesão; redação; cartas; leitura; expressão de felicidade, ansiedade e tristeza;
conversa; texto; comunicação; ascensão profissional e social; fundamental; inteligência;
qualificação; ofícios; declarações; auto-avaliação; e-mail; letras de músicas. Porém,
também levantam aspectos formais, como os apontados pelo primeiro ano, regras;
pontuação; letra legível; concordância; uso correto de palavras; mostrar que sabe; usar
palavras corretas. Mesmo que as RS sejam transformadas, algumas objetivações podem
ser as mesmas.
Essa confluência de algumas respostas do primeiro e do terceiro ano também ocorre
com a ancoragem, pois, para os alunos do terceiro ano, a escrita é uma forma de
comunicação e expressão em que expressam os conhecimentos, argumentos, idéias,
sentimentos, críticas, opiniões e sugestões; uma forma de impor idéias, de colocar no
papel o que sentem; ter sentido e desfecho; saber interpretar e expressar argumentos;
desenvolvimento da língua; uma forma de evitar a solidão expressando os sentimentos;
69
uma forma de conversar com folhas de papel, de ter um trabalho bom, um futuro
profissional; uma maneira de adquirir conhecimento; ou para se auto-conhecer. Assim,
reconhecem que a escrita tem um papel ou um valor social em suas vidas.
Os alunos do terceiro ano fazem mais claramente uma diferença entre saber
escrever, que envolve questões formais, e produzir um texto. Produzir um texto envolve
questões como coerência, argumentação, exposição de idéias, e escrever questões
formais. Nas respostas do primeiro ano isso ainda não fica tão evidente, tudo parece
estar relacionado com “escrever bem”. Isso talvez aconteça porque no Ensino Médio se
trabalha muito a produção textual a partir das teorias da Linguística Textual, o que por
um lado é bom porque leva os alunos a perceber os usos sociais da escrita, mas por
outro ainda distancia a escrita escolar da escrita em sociedade.
Em síntese, apresentamos nesta seção as RS de escrita dos alunos de primeiro e
terceiro ano. Na seção seguinte, em complemento a esta, analisaremos as RS de ensino
da escrita apontadas por esses mesmos alunos.
3.2 A representação dos alunos sobre o ensino da escrita
Conforme Moscovici (2003), ainda que as ideologias e seus impactos sejam
postulados de maneira descendente, ou seja, de um grupo pensante para a massa, estas
idéias chegam aos grandes grupos e aos indivíduos e, por eles, são interpretadas. As
pessoas e os grupos em seus universos cotidianos conversam, trocam idéias, comentam
sobre os assuntos que ouviram ou leram em determinado meio e ocasião. Há, desta
forma, a recepção de informações, mas não de maneira passiva. Os grupos recriam as
teorias outrora ouvidas, formulam novas filosofias a partir dos conhecimentos presentes
na ciência e nas ideologias, estas funcionam como alimento para a formulação de tais
recriações.
Desse modo, mesmo tendo conhecimento dos discursos do que seja ensinar a
escrever, os alunos, ao terem terminado o Ensino Fundamental, como é o caso do
primeiro ano, e estarem terminando o Ensino Médio, como é o caso do terceiro,
construíram uma RS do que seja ensinar a escrever a partir do que ouviram e ouvem, do
que viveram e do que conhecem.
70
Quando os alunos foram questionados sobre como se ensina a escrever?, nas duas
séries encontramos RS semelhantes, enfatizando a fase inicial da escrita de ensinar o
alfabeto ou de juntar as letras e o aspecto gramatical de regras a serem seguidas. A
importância da leitura também é destacada em ambas as séries, o que evidencia a
representação de que para se ensinar a escrever é preciso que se ensine e incentive a
leitura, discurso muito comum no universo escolar.
Primeiro aprendendo o nome de cada letra e depois juntando-as e formando
palavras (Mariana, 3º ano).
Primeiramente ensinando a ler (Amanda, 3º ano).
Através de exercícios, exemplos, temas aplicados, incentivo a leitura
(Anderson, 3º ano).
O ensino da escrita é apresentado de formas diferentes, primeiramente a RS é de
que o ensino da escrita é uma prática mecânica, trazendo como exemplos exercícios
iniciais da vida escolar. As respostas também ressaltam a leitura como forma de adquirir
conhecimento em escrita. Assim, a RS deles de ensino da escrita está atrelada ao ensino
da leitura, como se para escrever fosse necessário ler. Isso evidencia a desconsideração
das condições de produção para se escrever, ratificando a RS de escrita apenas como
codificação.
Anderson apresenta como RS de ensino da escrita uma metodologia aplicada
pelo professor. Ao invertermos sua resposta, temos primeiro a leitura, depois a
apresentação do tema, que ocorre comumente através de discussões orais, nas quais
surgem exemplos acerca do tema, lido e aplicado a situações cotidianas dos alunos e,
então, exercícios.
respostas que dão ênfase ao professor, no ensino da escrita, para este ensino
ocorrer é necessário um bom profissional, com uma RS de professor como transmissor e
não mediador
4
. Essas RS são expostas pelos alunos do primeiro ano, como podemos
verificar a seguir.
4
Concebemos professor mediador como aquele que pratica a mediação, entendida a partir dos estudos de
Vygotsky (1987), como um processo interativo, constituído pela troca de conhecimentos e de relações
inter e intrapessoais.
71
Ensinando a ler e depois sílabas, palavras, frases e depois a fazer textos
(Lucas, 1º ano).
Com muita dedicação e paciência (Júlia, 1º ano).
Ensinando o abecedário (Bruno, 1º ano).
Primeiramente para se ensinar a escrever tem que ter um bom conhecimento
de escrita. Mas o principal passo é ensinar para a pessoa (normalmente
crianças) o alfabeto, depois as sílabas e ainda ajudar a criança a formar
frases. Mas também depois desse aprendizado ensinar as pessoas a usar os
verbos de forma correta, de acordo com os tempos verbais. (Carolina,
ano).
Ao expor suas RS sobre ensino de escrita, respondendo ao questionário (p.50), o
primeiro ano enfatiza em suas respostas: ora o professor ora o aluno; exemplificando
com a leitura e exercícios estruturais, principalmente os trabalhados nas séries iniciais
do Ensino Fundamental, tais como: trabalhar as letras do alfabeto, juntar letras e
sílabas, separar vogais e consoantes, formar frases, ditados. Esses exercícios fazem
parte de um rol no qual também constam outros, como desenvolvimento de pequenos
textos, cartas, bilhetes, poesias, cartazes, enfim, exercícios interacionais, como
propostos pelos documentos oficiais (PCNs), mas que são menos relatados pelos alunos
do que os estruturais. Revela-se, por esse dado, que os discursos interacionais presentes
nas falas de professores e de alunos não se transformam em práticas de sala de aula
capazes de re-significar as RS dos educandos.
As divergências que ocorreram entre as RS de escrita dos alunos de primeiro e
terceiro ano não se mantiveram ao relatarem sobre como consideram que deve ser o
ensino da escrita. Ambas as séries caracterizam o ensino da escrita pelo aspecto formal
e bastante atrelado ao aspecto cognitivo do aprender a escrever e não ao aspecto social,
referindo-se a exercícios estruturais de morfologia e pontuação, o ensino e a valorização
da leitura também é recorrente nas respostas.
Nas RS de ensino de escrita, a leitura é fundamental para a maioria dos alunos.
Essa representação é muito difundida no meio social e escolar, por isso, para os alunos o
ensino da leitura é uma maneira de fazê-los escreverem melhor, um discurso muito
ouvido tanto das professoras quanto na televisão e na sociedade. Nesse sentido, é como
se somente a leitura preparasse o aluno para escrever bem. Um embasamento com boas
informações é importante para se escrever, porém não é garantia de um bom texto, são
72
necessários outros conhecimentos como a adequação ao gênero, à linguagem e ao
contexto. Aspectos fundamentais ao ensino da escrita, mas que não estão presentes nas
RS dos alunos.
Ocorre que, diante da enorme massa de traduções que executamos
continuamente, constituímos uma sociedade de sábios amadores (MOSCOVICI, 1961),
na qual o importante é falar do que todo o mundo fala, uma vez que a comunicação é
berço e desaguadouro das representações, como é o caso da repetição do discurso
escolar e televisivo da necessidade do incentivo à leitura. Temos como exemplo as
campanhas “Viva leitura” ou “Viagem através da leitura”, entre outras, de incentivo a
leitura, divulgadas regularmente pelo MEC em todas as emissoras de televisão.
A RS mais recorrente apresentada pelos participantes é de que ensinar a escrever
é ensinar forma, regras. Assim, mesmo concebendo a escrita como tendo uma função
social, objetivando-a como expressão dos pensamentos e dos sentimentos, forma de
impor idéias, críticas ou sugestões, como foram as RS de escrita do terceiro ano, a
representação de ensino deles não se transformou, permaneceu praticamente estática. O
que mostra a não concretização dos discursos interacionistas, que se mantém na fala e
não na prática.
Quanto aos questionamos sobre quem os ajudou a aprimorar a escrita, a
intenção era saber se quem havia ajudado no processo de aprimoramento da escrita
tinham sido apenas os professores de português ou se os professores de outras
disciplinas também seriam citados, bem como familiares, amigos ou cursos extras. No
entanto, as respostas se voltam para a aquisição inicial da escrita e não ao seu
desenvolvimento nas séries finais do Ensino Fundamental. Tal ocorrência pode ter
acontecido porque: a) os alunos não entenderam o termo aprimorar, que o
questionário foi respondido em casa sem a ajuda da professora; b) eles realmente têm
fundamentada sua RS de escrita na aquisição inicial da mesma.
Dessa forma, os alunos responderam que a professora lhes ensinou a escrever,
referindo-se quase sempre às professoras das séries iniciais do ensino Fundamental. A
maioria do primeiro ano também cita os pais como participantes desse processo. Os
alunos não se vêem como agentes de sua aprendizagem, que é tida como um produto
adquirido na infância e não como um processo. A RS de ensino da escrita é relacionada
à aquisição do código, junção de letras e palavras e à letra bonita. As respostas
73
ressaltam três aspectos importantes: 1º) a participação dos pais nesse processo; 2º) a
percepção da variação lingüística, que influencia a escrita; e 3º) a não presença da fala
na escrita, como podemos verificar nas respostas abaixo:
Meus pais me ensinaram a escrever os nomes de toda a minha família, assim
fui sabendo juntar as letras e escrever outras palavras (Bruno, 1º ano).
Minha professora do Pré 3, me ensinando a soletrar, querendo ou não a fala
influencia a escrita (Ricardo, 1º ano).
Minha mãe com um caderno de caligrafia (Gabriel, 1º ano).
Minha mãe e uma professora que tive, ela fez eu fazer caligrafia (André,
ano).
Minha mãe me ensinando a juntar palavras, ela é professora (Gabriela,
ano).
Minha família fazendo com que escrevesse o alfabeto várias vezes (Felipe,
1º ano).
Minha mãe e minha irmã fazendo eu fazer caligrafia (Lucas, 1º ano).
Quem me ajudou foi a minha mãe, com a ajuda dela foi melhor com a
caligrafia (Priscila, 1º ano).
É possível afirmar que a participação dos pais na aquisição da escrita foi
marcante, porque verificamos a repetição dessa informação nas respostas dos alunos.
Além disso, dão uma grande importância à caligrafia, isto é, ter uma letra bonita, algo
muito cobrado no ensino tradicional e ratificado pelos pais. A RS de ensino da escrita
está centrada na alfabetização para os alunos do primeiro ano. Assim, não a escola
constrói as RS sociais dos alunos, mas o meio social, a família principalmente, o que
nos mostra que as RS vão sendo construídas socialmente e, como estudado na Teoria
das Representações Sociais, uma representação nunca muda completamente, ela apenas
se transforma.
Os alunos do terceiro ano citam que quem lhes ensinou a escrever foi o professor
e, diferentemente dos alunos de primeiro ano, não mencionam os pais nesse processo,
apenas Marcio e Gabriela fazem essa referência. Isso mostra que o momento da
aprendizagem é outro, a RS da escrita está pautada na produção de texto, sofrendo uma
transformação. A lembrança, ainda muito forte para o primeiro ano, da participação dos
74
pais durante a alfabetização, não está mais presente para o terceiro ano, pois, para eles,
escrever não é mais juntar sílabas ou palavras, mas treinar para escrever cada vez
melhor.
A professora do colégio e a professora do cursinho. Não tem como aprender
a escrever só lendo então temos que treinar (Bruna, 3º ano).
A professora, treinando (Camila, 3º ano).
Os professores com todo trabalho desenvolvido durante todos os anos letivos
(Anderson, 3º ano).
Muitos professores me incentivavam e falavam que desde cedo eu tinha
facilidade em escrever, com isso consegui aprimorar (Amanda, 3º ano).
Professores, com dicas de como usar as palavras, informações exemplos de
escrita (Rafaela, 3º ano).
Os professores do colégio que estimularam a criar textos (Marcela, 3º ano).
A minha mãe e as professoras de português (Gabriela, 3º ano).
A professora de português e meus pais (Mariana, 3º ano).
Os relatos apresentados pelos alunos do terceiro ano diferem dos relatos dos
alunos de primeiro por marcarem como agente no ensino da escrita, na maioria, apenas
os professores. O que se justifica quando lembramos que a RS de escrita entre as duas
séries também é diferente, pois, para o primeiro ano escrita é forma, caligrafia e
pontuação e para o terceiro possui funções sociais. Para eles, a escrita é processo e isso
tem relação com o momento que estão vivendo, como cita Bruna e Camila, se referindo
ao cursinho pré-vestibular.
Como trabalhei com esse tipo de ensino, minha experiência me fez
reconhecer, na forma verbal “treinando”, usada por Camila, uma RS de ensino referente
a cursinho, porque a função do professor, nesse contexto, é treinar o aluno para escrever
melhor para o vestibular e esse termo é comumente usado. Assim, revela-se na fala das
alunas uma RS de escrita para o vestibular, que faz parte de uma transformação recente
de sua RS porque esse exame é aplicado apenas no final do Ensino Médio, sua
importância social é tão forte que ele faz parte e re-significa a RS das alunas antes
mesmo de o terem realizado. Esse tipo específico de ensino, como treino, é bastante
75
intenso e costuma ser eficaz para o contexto de vestibular, e, mesmo sendo cursos
rápidos, parecem ser capazes de transformar as RS de alguns alunos.
Os alunos entram no Ensino Médio com a representação de escrita que
construíram nas séries iniciais do Ensino Fundamental, de quando foram alfabetizados,
e é nessa fase que reconstroem, re-significam suas RS, pois seria uma forma de
processamento constante do novo, que requer tempo para a re-significação da
cristalização de tradições, diferente para cada indivíduo.
A articulação de conteúdos mais estáveis a conteúdos mais dinâmicos faz com
que, para a elaboração das representações, concorram permanências e diversidades que
serão mais facilmente compreendidas se relacionadas ao tempo que perpassa a
construção dos significados sociais, quais sejam: o tempo longo, que contém as RS mais
estáveis e duradouras, e o tempo curto. Para os alunos do primeiro ano, o tempo longo é
o da infância, quando são; e no tempo curto, que traz o “aqui e agora” da interação, está
contido o variável, o peculiar, o subjetivo, o contraditório, a originalidade. Pertencem ao
tempo curto os conteúdos mais instáveis das representações, que para os alunos é a fase
do Ensino Médio (SPINK, 1993).
Dessa forma, as RS não são uma cópia nem um reflexo ou uma imagem
fotográfica da realidade: são uma tradução, uma versão desta. Estão em transformação
como o objeto que tenta elaborar, neste caso, a escrita e seu ensino. A representação é
dinâmica, móvel. Isto indica que o sujeito do conhecimento é um sujeito ativo e criativo
e não uma tábula rasa que recebe passivamente o que o mundo lhe oferece, como se a
divisória entre ele e a realidade fosse um corte bem traçado.
Constatou-se também uma diferença de RS entre os alunos do primeiro e
terceiro ano ao relatarem eventos envolvendo escrita. Primeiramente, relataram
experiências boas que tiveram.
Uma das melhores experiências boa envolvendo escrita, que eu me lembre
foi quando, na primeira vez que eu escrevi uma carta de feliz dia das mães
para ela, ela ficou tão feliz e eu também (Mariana, 3º ano).
Uma boa experiência é quando escrevo dissertações, sempre tira notas boas,
mas uma especial que era para fazer sobre o projeto que acaba com os
direitos trabalhistas, quando escrevi a dissertação achei que tinha ficado
péssima, cheia de erros, mas para minha surpresa tirei a nota máxima nela
(Rafaela, 3º ano).
76
Foi no vestibular de inverno da UEM, sobre o tema pedido, as inteligências e
habilidades que certas pessoas adquirem, tive a honra de falar sobre nosso
presidente Luis Inácio Lula da Silva, cuja especialidade é ter um bom
relacionamento com o povo brasileiro (Anderson, 3º ano).
Temos marcado que quando a escrita tem uma função, quando ela constitui uma
prática social ou trata de um assunto conhecido, apreciado, os alunos sentem prazer em
escrever, como o exemplo citado por Mariana, que se sentiu feliz, pois seu cartão tinha
a função de demonstrar carinho e também havia um interlocutor interessado apenas na
mensagem e não em seus erros; ter agradado a sua mãe a fez feliz e marcou esse evento
de letramento permeado de afetividade. Os outros dois exemplos são de escrita escolar,
os alunos destacam o gosto pelo tema desenvolvido. Fica evidente também que são
situações recentes, como o ensino de dissertações característico do Ensino Médio, e o
exemplo citado por Anderson, que relata sobre o vestibular de inverno, evento ocorrido
três meses antes da pesquisa.
Vale ressaltar que, quando os alunos falam sobre o ensino da escrita, as respostas
estão centradas principalmente nos pais e no professor, enquanto no dado em que eles
relataram uma experiência boa com escrita, as respostas estão centradas no eu. Essa
subjetivação faz com que eles se sintam agentes e produtores de seus textos, escrevendo
sobre coisas significativas para eles ou tendo uma razão para escrever, subsídios para
desenvolver um bom texto. São aspectos que transformaram o evento de escrita em algo
agradável.
um consenso nas escolas, mais fortemente marcado nas particulares, mas
existente nas públicas também, que todos devem fazer faculdade, seguir para o Ensino
Superior, re-afirmando, de certa forma, o mito do letramento. Essa RS marcada pela
influência do vestibular faz com que os alunos re-signifiquem sua concepção de escrita,
transformando-a, pois a escrita, nesse evento, é um produto que deve ser avaliado, é o
meio para medir o seu conhecimento e para selecioná-los para entrar (ou não) na
universidade.
Os discursos citados pelos alunos do terceiro ano são eventos de escrita
relacionados ao contexto atual em que eles vivem, marcando novamente que suas RS de
escrita são decorrentes do presente e não de um passado em que essa representação
escolar começou a ser construída.
77
Assim, transparece nos excertos que a aprovação do interlocutor é determinante
para a construção dessa RS, como também o meio, o interesse, o domínio do assunto e a
interação com o outro, fundamentais para a formação de uma RS positiva, conforme
demonstrado por Mariana, Anderson e Rafaela. Como confirmam Moscovici e Nemeth
(1974), quando apresentam que as RS, “são conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma
produção de comportamentos e relações com o meio, o de uma ação que modifica uns e
outros e não o de uma reprodução” (p.48), assim o que marca a atividade como positiva
é essa relação com o outro, como cita Mariana, ou com o meio, que proporciona uma
escrita agradável por apresentar um tema interessante para os educandos.
A minoria dos alunos se dispôs a contar uma experiência positiva, uma
lembrança boa relacionada a um evento de escrita. Nas respostas a seguir, de Roberto e
Denise, é valorizada a aprovação da escrita, ou seja, esse momento é marcado
positivamente porque os textos foram bem avaliados. Ricardo ressalta a
funcionalidade da escrita e relata que ao escrever sobre um filme que tinha assistido a
interação entre os alunos foi divertida, pois sabiam sobre o que escrever. Carolina e
Felipe pontuam como importante haver um interlocutor porque isso torna o evento
prazeroso, mas na escola são raros os momentos em que outro interlocutor, além do
professor, que costuma ler os textos com a intenção de avaliá-los.
Um dos meus textos foi classificado (Roberto, 1º ano).
Quando eu tirei a melhor nota em uma escrita (Denise, 1º ano).
Quando a professora pediu para que nós assistíssemos a um filme para que
pudéssemos escrever sobre ele. Foi bom, pois nós nos reunimos e nos
divertimos muito (Ricardo, 1º ano).
Juntei várias receitas culinárias que eu inventei e fiz um mini livro. Minha
família adotou, tive até que fazer uma cópia para a minha tia de Cascavel
(Carolina, 1º ano).
Uma história humorística que teria que ler na frente da escola toda (Felipe,
1º ano).
Dessa forma, os alunos pontuam como positivo em um evento de escrita ter
características de condições de produção, como as propostas por Geraldi (1997) e
abordadas nos PCNs (1998), em que o que dizer, razões para se dizer, como se dizer
e um interlocutor interessado no conteúdo do texto e não em sua forma.
78
Os relatos de Priscila e Ana, a seguir, são baseados na representação de escrita
inicial, da fase da aquisição da escrita, sendo que mesmo havendo muitos outros eventos
envolvendo a redação de textos, eles não mudaram a RS inicial, mostrando assim que as
RS dessas alunas ainda não sofreram mudança, como a dos demais, ou esse momento
foi muito significativo para elas. A RS de ensino da escrita, para Priscila, está atrelada à
alfabetização, a codificação de letras e sílabas, evidenciando que para a aluna escrever é
uma atividade mecânica. Ana também tem sua RS de ensino da escrita calcada na
aquisição da escrita, entretanto relata uma atividade de letramento, com significado,
expressando em dois códigos diferentes a mensagem, o que possibilitava a ela ter o que
dizer. As representações são características de uma determinada época e contexto
histórico, por isso, a sua alteração ocorre muito lentamente.
Eu lembro quando a professora juntava pares de letras (Pa, Pe, Pi, Po, Pu) e a
gente formava com outros pares e depois escrevia o que tinha formado
(Priscila, 1º ano).
Minha experiência boa que eu me lembro foi no pré. Eu tinha um caderno de
desenho e todos os dias a professora pedia pra gente desenhar um desenho e
escrever o que deveria dizer aquele desenho, mas eu escrevia algumas coisas
erradas e hoje me recordo de como é gostoso escrever aquilo que gostamos
de fazer, seja coisas boas e coisas ruins (Ana, 1º ano).
Assim, como observado nos relatos de experiências boas envolvendo escrita, as
RS não se configuraram como homogêneas nem entre os alunos das duas séries nem
entre os da mesma série, confluindo com o que diz a teoria moscoviciana de que,
mesmo sendo sociais, dentro de uma sociedade, as RS não são as mesmas, pois é
através do confronto entre as diferenças que a dinâmica ocorre e torna possível sua
reconstrução. Desse modo, as RS são também uma forma de os indivíduos explicarem e
fundamentarem as suas opiniões e comportamentos.
Em relação a contar uma experiência negativa, em comparação à positiva, foram
menos os alunos que quiseram responder no primeiro ano, a maioria respondeu não se
lembrar de nada ou não ter nenhuma lembrança negativa. Os relatos tanto de primeiro
quanto de terceiro ano destacam experiências frustrantes, como ser avaliado
negativamente, escrever sobre algo de que não gostavam ou não sabiam, escrever por
obrigação ou quando a situação de escrita era desagradável, triste/ ridícula, situações
opostas às positivas, às boas lembranças. O processo de transformação dessas RS é o
79
mesmo, isto é, se tirar nota boa em um texto faz o aluno gostar de escrever, tirar nota
ruim possui o sentido inverso, isso também quanto a saber sobre o que irá escrever ou
não saber, é bom e ruim respectivamente.
Anderson, do terceiro ano, marca como uma lembrança ruim seus textos iniciais,
conforme resposta a seguir, pois não possuíam a formatação gramatical que ele
considera ideal. Neste caso, a avaliação negativa do aluno não reflete sobre a
funcionalidade de sua escrita, nem a adequação à idade e nível escolar, apenas reproduz
um discurso tradicional de que bons textos são aqueles escritos de acordo com as
normas gramaticais, não havendo coerência entre a proposta e a avaliação realizada.
Na época do Ensino Fundamental escrevíamos cartas para os pais no dia
comemorativo, poemas que lecionávamos para a menina amada, uma
verdadeira bagunça gramatical, mais parecia uma sopa de letras que
chamávamos de “aprendi a escrever” (Anderson, 3º ano).
A aluna Amanda, que não apresentou uma atividade de escrita boa, expôs uma
experiência ruim, o que revela que a escrita para a aluna deixou mais lembranças ruins
do que boas. A razão de a lembrança ser ruim deve-se a sua funcionalidade, pois o
assunto era triste, ela atribui não ter gostado porque era uma carta triste, de despedida.
Em um dia que tive que escrever uma carta de despedida para um amigo e
tive que escrever contando tudo que tínhamos passado (Amanda, 3º ano).
As representações apresentadas nos relatos de eventos bons ou ruins envolvendo
escrita são contrárias às RS de exercícios que ajudam a escrever bem, pois, nesse último
caso, escrever é saber gramática. Isto se revela quando os alunos citam exercícios que
consideram importantes para escrever melhor. Percebemos que há uma dissociação
entre gostar ou não de escrever e escrever bem, porque, para que essa habilidade seja
vista com prazer, ela dever ter funcionalidade e/ou um interlocutor interessado apenas
na mensagem expressa, mas, para que eles considerem que escrevam bem, é preciso que
saibam gramática. Isto fica bastante evidente quando descrevem os exercícios que os
ajudaram a aprimorar a escrita.
Não sei, todos foram muito bons, gosto bastante de resumir textos (Ricardo,
1º ano).
80
Pesquisas de palavras que não entendi foram mais relevantes. Os que não
foram são cópias de textos ou outras coisas (Ana, 1º ano).
Relevantes não sei. Os que não foram foi minha professora de português
fazer eu contar de alguma coisa em minha vida, eu odeio isso (André,
ano).
Acho relevante quando pedem um resumo e mandam fazer o vocabulário das
palavras não compreendidas (Júlia, 1º ano).
Ditado, exercícios de separação de sílabas são relevantes (Gabriela, 1º ano).
Acho relevante separação de sílabas, ditado etc (Denise, 1º ano).
Bom no meu aprimoramento da escrita, os exercícios que mais me ajudaram
foram ditados e repetições de frases (Carolina, 1º ano).
Ditado de palavras e significado de palavras são relevantes (Priscila, 1º ano).
Relevantes: caligrafia, acentuação, interpretação de textos (Mariana, 3º ano).
Relevantes foram o de ponto e rgula. Não foram relevantes acentuação
(Gabriela, 3º ano).
Gramática, pontuação, palavras corretas, como escrevê-las essas coisas, para
mim não houve assunto que não foi relevante (Rafaela, 3º ano).
Relevantes: caligrafia, acentuação, fonemas, concordância, interpretação de
texto, separação de sílabas. Não relevantes: nenhum (Anderson, 3º ano).
Ao se manifestarem sobre exercícios que os fizeram escrever melhor, a RS de
terceiro e primeiro ano é a mesma: exercícios gramaticais. O que evidencia que, mesmo
sendo transformada a RS de escrita no Ensino Médio, a RS de ensino da escrita
permanece a mesma, revelando que os discursos interacionistas vigentes não se
transformam em práticas capazes de re-significar a representação de ensino.
O critério da construção e reconstrução das RS é qualitativo, depende de nossas
relações culturais, afetivas e sociais. É um processo contínuo de mudanças, como visto
nas falas de Bruna e Camila (p. 77), que estão re-significando suas RS com base no
vestibular e suas implicações. As RS têm um movimento, diferente dos conceitos
científicos, principalmente devido à difusão pelos veículos de comunicação de massa,
explicando assim a razão de os alunos, algumas vezes, não repetirem os discursos da
escola tradicional, pois re-significam aquilo que ouvem, lêem e, principalmente, aquilo
que vivem.
81
Assim, a objetivação dos alunos de primeiro e terceiro ano sobre o ensino da
escrita é similar porque eles destacam um ensino baseado em: exercícios de separação
de vogais, consoantes e sílabas, ensinar as letras (o alfabeto), juntar letras, palavras e
frases, valorização por nota, interlocutor marcado e leitura. Dessa forma, o processo de
ancoragem é fundamentado em uma visão do ensino da escrita por meio de exercícios
formais, de regras estruturais/tradicionais.
Revela-se por esses dados que a RS de ensino de escrita construída durante a
aquisição da mesma não é transformada. Os alunos trazem em seus dizeres exemplos de
exercícios estruturais como os utilizados para a aprendizagem da codificação e somente
esses são citados como exemplos. Não menção a importância de aspectos das
condições de produção ou do conhecimento das características dos gêneros textuais.
Isso porque os alunos não são acostumados a refletir na escola sobre sua escrita e o que
é importante para melhorá-la, tendo como RS de que escrita é escrever bem” e não
escrever e reescrever textos.
Em suma, nesta segunda seção, foram analisadas as RS de ensino de escrita dos
alunos de primeiro e terceiro ano. Observamos que as duas séries têm como RS de
ensino da escrita o aspecto formal, o ensino de gramática tradicional, com exercícios de
regras gramaticais e estruturais, repetindo em seus discursos o que vivenciaram na
escola sem, muitas vezes, refletir sobre a metodologia de ensino.
Na seqüência, realizamos uma análise dos textos produzidos por esses mesmos
participantes, a fim de verificar como as suas RS de escrita e de seu ensino interferem
e/ou são co-construídas nesses textos.
3.3 Os textos produzidos pelos alunos com o tema: a escrita e seu ensino
A proposta textual temática entregue aos alunos apresenta uma discussão acerca
da concepção de escrita baseada em RS oriundas dos estudos de letramento em que a
escrita é tida como compreensão de estrutura e comportamentos sociais, uma mediação
entre o homem e o mundo, determinada por um contexto histórico-cultural. Dessa
forma, a escrita é tida como interação, um ato comunicativo e não um agrupamento de
palavras e frases a serem avaliadas gramaticalmente.
82
Para tanto, a temática questionava como ocorreu o processo de aprendizagem de
escrita do aluno e se ele se sentia preparado para exercer as atividades de escrita
exigidas pela sociedade, sendo necessário justificar seus argumentos. A partir disso e de
um roteiro de perguntas, foi solicitado aos participantes da pesquisa desenvolverem um
texto dissertativo.
Os textos do terceiro ano, de um modo geral, apresentam uma estrutura
dissertativa, com coerência e apresentação de informações. A linguagem utilizada é
formal, todavia simples, com alguns usos de elementos de coesão.
[...] Desde então, a escrita está sendo valorizada pelo Governo que está,
inclusive, exigindo que as crianças de no mínimo 7 anos saibam escrever e
os jovens de 17 anos a formação do 2º grau [...] (Amanda, 3º ano).
Na sociedade em que presenciamos hoje, é muito importante sabermos mais
sobre a escrita, pois para se ter um bom emprego, é bom saber escrever, se
expressar e tentar melhorar sempre mais [...] (Aline, 3º ano).
A escrita é de grande importância para a sociedade, seu dominio faz com que
o mercado de trabalho de amplie para profissionais de diversas áreas [...]
(Camila, 3º ano).
Hoje em dia, à várias formas de comunicação como a televisão, rádio entre
outras destaca-se a escrita, um meio que possibilita a compreensão de
assuntos relacionados a sociedade [...] ( Gabriela, 3º ano).
Estes trechos salientam uma RS em comum entre os alunos: a grande
importância da escrita. Amanda ressalta que a escrita é valorizada pelo Governo, por ser
uma exigência de que crianças e adolescentes saibam escrever, revelando sua RS de que
escrita é codificação, é estar alfabetizado, confirmando a RS apresentada na seção
3.2. Aline e Camila apresentam em seus textos a idéia hegemônica de que a sociedade
valoriza muito a escrita e que para se ter um bom emprego é preciso escrever bem,
reforçando a RS apresentada em 3.1 de que a escrita, para os alunos do terceiro ano,
têm uma função social. Gabriela também tem uma RS de escrita com função social, pois
pontua que a escrita é uma forma de comunicação que possibilita a compreensão da
sociedade, mostrando exemplos sociais como a televisão e o rádio e não exemplos
escolares. Assim, a escrita, para essa aluna, é um meio de relacionar-se melhor com o
mundo ao qual pertence e não uma atividade meramente escolar.
83
Em termos de RS, os alunos apresentam nos textos que a escrita é muito
importante para a sociedade. Amanda reforça sua posição re-apresentando na conclusão
sua RS de que a escrita é importante e saber escrever é estar alfabetizado. Marcela,
Camila e Aline (que não responderam o questionário) destacam a valorização da escrita
pela sociedade, para o mercado de trabalho e o futuro profissional. As RS expostas
conversam com as encontradas sobre escrita, ou seja, essa produção textual teve para
esses alunos uma função social e não escolar, que ela possuía as características que
fazem com que eles apreciem um evento de escrita, que é saber sobre o assunto que
deveriam escrever e ter um interlocutor interessado no conteúdo e não em avaliar a
forma.
Hoje em dia, a escrita vem sendo muito exigida no mercado de trabalho. [...]
a escrita está sendo valorizada pelo governo. [...] Concluindo, a escrita é de
suma importância em nossas vidas (Amanda, 3º ano).
Muitas pessoas no Brasil são analfabetas e não conseguem desenvolver a
escrita corretamente o que não os favorece profissionalmente. Em países
desenvolvidos um fato muito importante é que o número de analfabetos é
muito reduzido. E assim existem profissionais com uma qualidade superior
(Marcela, 3º ano).
A escrita é de grande importância para a sociedade, seu domínio faz com que
o mercado de trabalho se amplie para profissionais de diversas áreas
(Camila, 3º ano).
Na sociedade em que presenciamos hoje, é muito importante sabermos mais
sobre a escrita, pois para se ter um bom emprego, é bom saber escrever, se
expressar e tentar melhorar sempre mais. (Aline, 3º ano)
Nos discursos das alunas, vê-se claramente expresso o mito do letramento,
segundo o qual a escrita é uma forma de ascensão social e profissional e um fator para
um país ser desenvolvido ou não, que a escrita é associada a pensamento lógico;
quem não dispõe dela não tem esse pensamento, relacionando o desenvolvimento do
indivíduo, bem como de um país, à alfabetização. Sendo assim, o domínio do código
escrito é algo que se espera em todas as comunidades nas quais os indivíduos sejam
reconhecidos como alfabetizados. Quando isso não ocorre, como descrito por Bagno
(2000), é consensual pensar que aquele que não faz uso do código escrito para interagir
seja incapaz de raciocinar logicamente, de inferir informações ou de se expressar
84
oralmente e, portanto, incapaz de ter um bom emprego ou conseguir ascender
socialmente.
O mesmo é visto no texto de Rafaela, que expõe outro mito: a visão de escrita
como inspiração, um dom, pois, para ela, sua escrita é decorrente de sua mente fértil que
a ajuda a fazer seus textos.
Sempre gostei de escrever, mas ler era raro, desde pequena sempre tive uma
mente muito fértil para a escrita isso me ajudava muito nas redações
(Rafaela, 3º ano).
Em decorrência dessa RS, a aluna foi a única a considerar estar parcialmente
preparada para realizar atividades de escrita exigidas pela sociedade “vamos dizer que
estou preparada parcialmente, porque sempre temos algo para aprender”, sendo então a
boa escrita algo inalcançável, que o fato de ainda haver coisas para se aprender faz
dela alguém parcialmente preparado para escrever bem. A boa escrita é tida como uma
entidade, que ninguém tem, pois todos apresentam que não estão preparados e que
nunca estarão. Revela-se, dessa forma, que a escrita não é tida como um processo
permeado por níveis de exigência capazes de serem alcançados.
Nesse momento da minha vida não me sinto totalmente preparada, pois hoje
no mundo lá fora está sendo exigidas muitas coisas dificeis, mas eu acho que
devemos nos aperfeiçoar na escrita sempre porque temos muito que aprender
sempre (Dayane, 3º ano).
Não acho que estou totalmente preparada para atividades exigidas pela
sociedade, pois sempre estarei que estar aperfeiçoando meus estudos e minha
escrita para estar preparada pro mundo das atividades escritas (Mariana,
ano ).
Nunca estamos preparados para enfrentar as atividades de escrita exigidas
pela sociedade, pois temos que sempre estar nos aprimorando e treinando
para estarmos cada vez mais aptos a se comunicar em qualquer situação
(Bruna, 3º ano).
As alunas declaram não se sentirem preparadas para escrever em sociedade,
independente da situação, isso significa que sua RS é de uma escrita difícil, como
expresso por Dayane. As três alunas citam o mesmo termo aperfeiçoar relatando a
necessidade de sempre estarem melhorando, o que não significa que não estão prontas
para desenvolver algumas atividades.
85
Para Gabriela, a escrita tem várias funções sociais, pois a aluna destaca essas
funções em diversos formatos: cartas, relatórios, concursos vestibulares e destaca a
variabilidade de linguagem formal/informal, dando menos relevância à questão
gramatical.
Hoje em dia, à várias formas de comunicação como a televisão, rádio entre
outras destaca-se a escrita, um meio que possibilita a compreensão de
assuntos relacionados a sociedade
A escrita em geral tem importância notável ao homem pois é um meio
comunicativo que abrange as formas, críticas, idéias apresentadas pelo autor,
pode ser utilizada em vários meios, como na composição de cartas,
relatórios, concursos vestibulares. Ela pode ser formal, informal, com
palavras usadas mais no cotidiano ou mais adaptadas com regras,
concordâncias verbais entre outros (Gabriela, 3º ano).
A exemplificação não garante autoria para seu texto. A aluna ancora a escrita
como comunicação e desenvolve uma estrutura baseada em exemplos de quão é
importante a escrita para a sociedade atual. Ao analisar o texto, vemos que ela detém,
mas não organiza nem controla a dispersão de informações, construindo a tese de que a
escrita tem importância e é algo notável para o homem, mas não recupera esta tese
através de movimentos de retroação do dito. Quando são lançados novos enunciados
para a progressão da cadeia de significação, eles se perdem, o que faz o texto não ter
autoria, conclusão baseada nos estudos de Tfouni (2006), que caracteriza como autor
aquele que organiza, controla e manipula seus discursos com começo, meio e fim. Isso
não se no texto de Gabriela. O texto é uma explicitação de representações difundidas
no meio escolar, televisivo e social, repete conceitos sem refletir sobre eles, princípio
fundamental para a autoria, segundo Tfouni.
O cenário referente ao primeiro ano é oposto ao terceiro, pois a série entregou
menos textos que questionários, inclusive um número menor do que o entregue pelo
terceiro ano. As estruturas textuais também são divergentes, sem nos esquecermos que a
modalidade dissertativa é desenvolvida no Ensino Médio, esperávamos encontrar textos
que fossem argumentativos, mas sem a estrutura canônica de uma dissertação.
Roberto e Ana copiam a pergunta da proposta temática questionando se eles se
sentem preparados para realizar atividades de escrita exigidas pela sociedade e ambos
escrevem exatamente a mesma resposta, conforme segue abaixo, apenas com uma
adequação de gênero textual, quando Ana diz que não se sente preparada e Roberto
86
preparado, o que nos leva a crer que um copiou do outro, por concordar com a resposta
ou por não querer refletir a respeito. No questionário, havia uma pergunta similar a essa:
qual a relação entre a escrita que se aprende na escola e a que se usa em sociedade?
Roberto responde que, para ele, é bem diferente a escrita nessas duas situações e para
Ana na escola se aprende a escrever e na sociedade se usa essa escrita para dar notícias
ou fazer protestos.
Não me sinto preparado(a) ainda, porque a sociedade exige um tipo de
escrita diferente; que vou aprender com o passar dos anos. (Roberto; Ana, 1º
ano)
Dessa forma, vemos que eles realmente não se sentem preparados para realizar
atividades de escrita na sociedade, pois a RS de escrita que possuem é a de que devem
dominar regras gramaticais distantes de sua realidade, não dando tanta importância à
escrita como meio/oportunidade de opinar e argumentar.
Rafael e Lucas, por sua vez, desenvolveram apenas um parágrafo afirmando não
se sentirem preparados para a escrita social, pois também têm a RS de que a escrita na
escola é culta e na sociedade é variada (Lucas), pois como Ana eles acreditam que na
escola se aprende, e na sociedade se usa. Entretanto esses usos podem ser diferentes das
possibilidades aprendidas, o que não os prepara para escrever na sociedade. Rafael diz
não saber se posicionar, mas que, para trabalhar, sabe que terá que ler e escrever bem.
No momento eu não me acho completamente eficiente para realizar uma
prova complexa ou uma atividade de porte grande, acho que tenho que
estudar bastante, ainda falta muita coisa para aprender, se no caso esta prova
for uma faculdade ou universidade (Rafael, 1º ano).
Eu acho que não estou preparado para algum concurso, preciso aprender
mais sobre a escrita. Acho que ainda não estou preparado, pois o que a
sociedade exige não estou completamente preparado preciso mais de
insentivo quanto de apoio, pois se não formos apoiados não conseguiremos
nada, alem disso precisamos de nos mesmos nos ajudar, pois se não quiser-
mos ai não adianta nada (Lucas, 1º ano).
Em ambos os textos, percebi que a escrita é ancorada no vestibular, do qual eles
acreditam que saibam pouco, mas ao qual se referem como uma prova de faculdade ou
universidade (Rafael) ou “concurso” (Lucas). Essa escrita de vestibular, muito
87
mitificada, adquiriu a RS de que não é pertence a eles, por isso, não se sentem
preparados, pois é uma habilidade de um contexto ao qual não têm acesso, sabendo que
esse concurso é elitizado. E ele se caracteriza, para Rafael, como “uma prova complexa
ou uma atividade de porte grande”, distante de sua realidade, mas almejado, por fazer
parte de um falso discurso hegemônico de que todos têm acesso à educação. Como
Lucas afirma, é necessário mais incentivo e apoio, discurso muito comum entre os
professores. No entanto, sabemos que as universidades foram criadas para uma minoria
que tem acesso ao ensino em universidades públicas e para quem pode pagar por uma
graduação particular. Assim, a escrita dos alunos não é, para eles, a exigida pela
sociedade, descartando todos os outros tipos de usos dessa habilidade.
Priscila também desenvolve seu texto em apenas um parágrafo, como Rafael e
Lucas, mas relata que “sem a escrita não seríamos nada [...] não saberíamos as letras e
nem ler”, tendo como as alunas do terceiro ano a explicitação de uma RS hegemônica
de que só quem é alfabetizado é capaz e pode ser alguém.
Já Roberto copiou as perguntas da proposta temática e as respondeu em forma de
questionário, o que nos faz refletir sobre o fato de que ele se confundiu por ter sido
requisitado um texto dissertativo e, para não deixar de fazer o exercício, o realizou
como sabia, aplicando uma estratégia diferente, porém executando a tarefa. Ana teve
uma atitude semelhante, ela primeiro desenvolveu um texto atendendo ao tema pedido e
depois copiou e respondeu as questões.
Essas ações nos levam a crer que os alunos costumam responder muitos
questionários, é um exercício comum em todas as disciplinas. Durante o terceiro e
quarto ciclo do Ensino Fundamental, a produção de textos não é tão enfatizada quanto
nos ciclos iniciais, em que se trabalha a aprendizagem da escrita e a elaboração de
textos. no Ensino Médio uma preocupação com a preparação dos alunos para
concursos que exigem textos escritos. Assim, os alunos, acostumados a responderem
questionários, reconhecem mais essa prática e a fazem mesmo quando solicitado um
texto.
Denise produz o primeiro parágrafo de seu texto em que não uma mera
repetição de discursos escolares ou midiáticos, mas sim uma reflexão de informações. A
aluna faz uma reflexão, apresentando a RS de que a escrita é importante para a
sociedade, capaz de propiciar um bom emprego ou inversamente excluir quem não sabe
88
escrever, também acrescenta que a escrita possibilita aprender coisas novas, mantendo
sua posição e exemplificando para reforçá-la, um indício de autoria.
Hoje nós usamos a escrita como um meio de sobreviver nesse mundo. Pois
sem a escrita nós não temos um trabalho digno para sustentarmos, não
aprendemos coisas novas e somos excluídos da sociedade (Denise, 1º ano).
Seu texto apresenta uma percepção do que ocorre na sociedade, que é a exclusão
de pessoas analfabetas e a desvalorização profissional das mesmas, obrigadas a se
submeterem a trabalhar por um salário muito baixo, incapaz de as sustentar, como
descrito pelo mito do letramento. Ao relacionar a dignidade não a um tipo de trabalho,
mas sim ao fato de ele não prover sustento ao trabalhador, a aluna reflete sobre esse
problema social apresentando uma RS de escrita como ascensão social, mas de uma
forma reflexiva e não reprodutiva.
No entanto, no restante de seu texto esse processo reflexivo de apresentação das
informações não ocorre, elas são lançadas sem nenhum comentário, deixando lacunas
por falta de complementos e problemas de coesão.
O meio de comunicação hoje em dia não e nada se você não saber ler nem
escrever pois o mundo está crescendo e com isso coisas novas vão
aparecendo. Mas se você não tiver um escrita for analfabeto o mundo vai te
deixando pra trás
Mas hoje tem muitas oportunidades de-se aprender a escrita tanto para os
mais jovens tanto para os mais velhos. Como escolas e outros meios públicos
de sua comunidade. (Denise, 1º ano).
Observamos que nesses dois parágrafos a aluna acrescenta informações de que a
escrita é importante para a sociedade, porém não uma manipulação dos enunciados,
uma retroação ao dito, para que seja formado um eixo de começo, meio e fim. Isso
faz com que seu texto, mesmo tendo um bom começo, não tenha autoria como um todo,
pois nesses dois últimos parágrafos vemos a repetição dos discursos escolares e
midiáticos, como vimos apresentado nos outros textos de seu grupo. Dessa forma,
constatamos que, mesmo havendo diferenças individuais, as RS prevalecem no coletivo.
Priscila e Denise reafirmam o mito do letramento de que quem “hoje em dia não se é
nada se você não saber ler nem escrever”, depreciando a capacidade de agir e pensar das
pessoas que não dominam essas habilidades.
89
Temos então que, tanto nos textos de primeiro quanto de terceiro ano, não
autoria, apenas um indício de autoria no texto de uma aluna de primeiro ano (Denise),
mas que não se desenvolve posteriormente. Podemos concluir que a escola transforma
as RS dos alunos, mas o faz por meio do mesmo processo reprodutivo, o que faz dessa
transformação não uma reflexão adquirida pelos alunos e sim uma mera reprodução de
discursos hegemônicos.
3.4 Representação de escrita versus representação de ensino de escrita
Os alunos do terceiro ano têm uma RS de escrita com função social, mas a RS
do ensino da escrita está mais fortemente relacionada à visão gramatical e estrutural.
Essa divergência ocorre porque, na maioria das vezes, os alunos têm contato com a
escrita fora da escola e é nesse momento que eles a re-significam e a apreciam, quando
essa habilidade possui um interlocutor interessado no conteúdo da mensagem e não em
sua forma. Diante dos relatos sobre ensino de escrita, o que prevalece é a voz dos
discursos tradicionais, de que ensinar a escrever é ensinar regras formais. Mesmo nos
relatos de experiências positivas e negativas relacionadas à escrita mantém-se a RS de
escrita como produto, como hegemônica.
Outro dado é que várias das experiências boas e ruins estão relacionadas a
práticas escolares, de avaliação por exemplo. Isso é uma evidência de que talvez esses
alunos participem ou participaram basicamente de práticas de letramento escolares
(Soares, 2003b).
Quanto à construção e/ou re-significação das representações, foi possível
observar algumas diferenças entre as duas séries, enquanto os alunos do primeiro ano
reproduzem muito a experiência que tiveram nas séries iniciais do Ensino Fundamental,
em especial na fase de alfabetização, no terceiro ano estão orientados para o vestibular e
para a atuação profissional. Eles têm uma representação de escrita e outra representação
de produção textual.
As RS de escrita e de ensino se transformaram pouco, na periferia, por estarem
calcadas em uma concepção de escrita muito arraigada em nossa sociedade, oriundas
dos pais, que tiveram um ensino tradicional, e dos professores que reproduzem os novos
90
discursos oficiais de escrita com função social, mas ainda carregam as práticas de
ensino e as RS constituídas em sua formação.
Tendo em vista as respostas e análises expostas, apresentaremos as objetivações
e ancoragens, dos alunos de primeiro e de terceiro ano, dois processos de formação do
pensamento social (MOSCOVICI, 2001).
Quadro - Síntese das RS sobre escrita e ensino da escrita dos alunos de primeiro
e terceiro ano.
O: objetivação
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
A: ancoragem
ESCRITA
ENSINO DA ESCRITA
P
R
I
M
E
I
R
O
A
N
O
O: regras; letra bonita; acentuação; pontuação;
ortografia; útil no dia- a- dia; aprender palavras
novas; importante; passar o que pensa e o que sente;
falar com uma folha de papel; se comunicar por meio
de cartas; comunicação com as pessoas através das
letras; ter consciência; escolher as palavras certas;
não ter brancos; saber muitas palavras; treinar
gramática; ascensão profissional; cópia.
A: atividade variada; desenvolver atividade exigida
pela sociedade; uma forma importante de
comunicação; não errar gramaticalmente; ter um
bom vocabulário; saber refazer os textos; legal
quando serve para se comunicar ou quando o assunto
é interessante; uma forma de expressar os
sentimentos; tarefa de casa.
Visão formal, ancorada na escrita como aplicação de
regras normativas.
O: ensinar o alfabeto, ensinar a ler, juntar letras/
palavras/ frases, separar vogais e consoantes,
dedicação, paciência, cópia, expressão do
pensamento, caligrafia, valorização, interlocutor,
nota, ditado, separação de sílabas, vocabulário,
repetição de frases, resumo.
A: gramática, um profissional que possui um bom
conhecimento de escrita, usar os verbos e os tempos
verbais de forma correta, fazer textos, escrever os
nomes da família, interessante quando se domina o
assunto, bom quando se tem para quem escrever ou
se recebe uma valorização, ruim quando o texto é
desvalorizado ou o assunto é desconhecido, ensinar o
significado das palavras, ensinar a resumir, ensinar a
interpretar textos.
Visão formal, ancorada em exercícios estruturais.
91
T
E
R
C
E
I
R
O
A
N
O
O: exigência do mercado de trabalho; expressão dos
conhecimentos, opiniões, sentimentos; importante;
imposição de idéias; saber argumentar; coerência;
coesão; concordância; uso correto de palavras; ter
sabedoria; juntar idéias; palavras corretas; regras;
pontuação; letra legível; desenvolver a língua;
redação; cartas; leitura; expressão de felicidade,
ansiedade e tristeza; conversa; texto; comunicação;
ascensão profissional e social; fundamental;
inteligência; qualificação; ofícios; declarações; auto-
avaliação; e-mail; letras de músicas.
A: As formas de ancoragem estão relacionadas à
visão de escrita funcional, utilizada para expressar os
conhecimentos, argumentos, idéias, sentimentos,
críticas, opiniões e sugestões; uma forma de impor
idéias, de colocar no papel o que se sente; ter sentido
e desfecho; saber interpretar e expressar argumentos;
desenvolvimento da língua; uma maneira de evitar a
solidão expressando os sentimentos; de conversar
com folhas; uma forma de ter um trabalho bom, um
futuro profissional; uma forma de adquirir
conhecimento, ou se auto-conhecer.
A visão de escrita está ancorada na função social,
calcada em exercícios e eventos sociais, como passar
no vestibular ou conseguir um bom emprego, o que é
bem típico da fase em que esses adolescentes estão.
O: ensinar o alfabeto, juntar letras, formar palavras,
ensinar a ler, exercícios, regras, informações, cursinho,
treino, aprimorar, criar textos, interesse pelo tema,
interlocutor, nota, carta de despedida, carta de amor,
bagunça gramatical, pontuação, acentuação,
concordância, caligrafia, fonologia, vocabulário.
A: um bom profissional que saiba escrever, incentivo a
leitura, repetição, aprendizado longo, uma nota boa,
um tema interessante, uma experiência ruim quando o
texto é desvalorizado ou a função do texto causa
tristeza, quando o texto não é gramaticalmente correto
ele não é agradável, ensino regras gramaticais de
pontuação, concordância e acentuação.
Visão formal, ancorada em exercícios estruturais.
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação de mestrado foi realizada com o objetivo de compreender as RS
de escrita e de seu ensino para alunos do Ensino Médio. Buscamos identificar suas
representações para, a partir deste estudo do tipo etnográfico, pensar em formas de
ensino de escrita, com base nos estudos do letramento, que possam contribuir com a re-
significação, com a transformação das RS para que os alunos aprendam a escrever de
modo satisfatório nas variadas práticas sociais. Para alcançarmos nosso objetivo, este
estudo procurou responder a algumas perguntas de pesquisa, que retomamos a seguir.
Primeiramente, procuramos identificar as RS de escrita que os alunos têm, ao
iniciarem o Ensino Médio, e constatamos que ela é relacionada a aspectos formais, à
caligrafia; implica saber regras de acentuação, ortografia e pontuação. para o terceiro
ano, a escrita tem uma RS diferente, pois essa atividade passa a adquirir uma função
social, como a de juntar e organizar idéias, expressar opiniões, críticas, sugestões ou
sentimentos, se comunicar através de cartas, sejam elas para dar notícias boas ou ruins,
argumentar ou impor idéias. Assim, os alunos reconhecem inúmeras atividades em que
utilizam a escrita fora da escola.
As razões da existência das RS decorrem da necessidade que os sujeitos sociais
têm de se situar, de compreender o que acontece, de entender os outros e se fazer
entender, de assumir posições e decidir ações, de dar, enfim, sentido ao mundo e à vida.
Eles fazem isso quando dizem usar a escrita para expressar seus sentimentos, para se
comunicarem, expor ou impor idéias e argumentos, fazendo, dessa forma, a escrita ser
importante para suas vidas. Com isso, as RS podem ser definidas como categorias de
pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, explicando-a,
justificando-a ou questionando-a (JODELET, 2001).
Outra reflexão importante que os dados permitiram realizar é que a escrita fora
da escola é uma atividade apreciada, interessante, pois eles têm uma razão para
escrever, que não é ser avaliado, e um interlocutor interessado na mensagem e não na
forma de seu texto. A escrita, nesta circunstância, adquire uma função, a de expressar os
sentimentos ou se comunicar através de cartas, bilhetes ou chats de bate papo, como o
MSN. Alguns alunos do terceiro ano também destacam que gostam de escrever quando
o assunto é interessante ou dominado por eles, sendo assim, a escrita, quando não é
93
escolar, tem função social, porque não é apenas uma demonstração de uma linguagem
culta que muitas vezes não lhes pertence.
Nos textos, os alunos afirmam não estar preparados para realizarem atividades
de escrita na sociedade, pois a escrita é tida como uma entidade, por isso, inalcançável.
Assim, as atividades referidas por eles como exemplos de escrita que gostam são
exemplos de fora da escola, as atividades escolares são lembradas por poucos, pois
exigem deles uma linguagem que não é característica de seu contexto. Ao dizerem que
não se sentem preparados para escrever para a sociedade, têm como RS de escrita a
exigida pelo vestibular ou para conseguirem um bom emprego.
A RS de ensino de escrita para as duas séries é de que ensinar a escrever é
ensinar gramática, através de exercícios estruturais, como juntar letras, sílabas para
formar palavras. Também dão muita importância à ortografia, à acentuação e à
pontuação. Assim, a RS de ensino da escrita está relacionada com ensino
tradicional/estrutural.
Também era nosso objetivo refletir sobre qual a contribuição do conceito de RS
para o conceito de letramento e, através da análise dos dados, vimos que uma certa
complementação entre esses dois conceitos, pois as RS de escrita construídas ao longo
da vida influenciam na aquisição de letramentos, no caso analisado, mais
especificamente, do letramento escolar. A construção e estagnação das representações
de escrita fazem os alunos acreditarem que, por não dominarem a escrita hegemônica,
não estão preparados para utilizá-la socialmente.
Através da realização deste trabalho, confirmamos o fato de que as RS
influenciam no aprendizado do aluno e que é papel da escola construir uma
transformação das mesmas, desmistificando a escrita como algo quase que inalcançável.
Ao invés disso, a escola poderia re-significar a RS de escrita a favor dos alunos,
ajudando-os a compreender que eles sabem escrever e têm competência para algumas
atividades, mas que precisam aprimorar o conhecimento e saber adequar a escrita para
certos contextos formais, extinguindo, assim, a RS de que eles não sabem escrever.
Vimos que a teoria da RS e o letramento concebem o sujeito como fruto da
interação social e/ou da comunicação. Essa confluência também ocorre na concepção de
aprendizagem tida como uma questão sócio-cultural. Para o letramento, ela se pela
interação; para a teoria das RS, ela ocorre via comunicação, que, para Jodelet (2001, p.
94
30), “aparece como condição de possibilidade e de determinação das representações e
do pensamento sociais”, pois para a autora é pela comunicação que se transmitem as
RS.
Para Gilly (2001), a área educacional aparece como um conjunto privilegiado
para se observar como as RS se constroem, evoluem e se transformam no interior de
grupos sociais, o que colabora para elucidar o papel dessas construções nas relações
desses grupos de alunos, no caso da nossa pesquisa, adolescentes.
Dessa forma, essas teorias concebem o sujeito como um ser social que se
constitui na interação pela linguagem, seja ela verbal ou não-verbal. Além disso, para
ambas, o aspecto cognitivo depende de aspectos culturais, sociais e ideológicos. A
aprendizagem não necessita apenas do modelo de ensino e aprendizagem, mas de
questões mais amplas e construídas anteriormente em seus grupos sociais, como as RS
dos objetos e os padrões de interação com o texto escrito, bem como o uso do oral no
escrito ou da escrita na oralidade.
A TRS repensada a partir do letramento teria grandes contribuições, no sentido
de considerar a linguagem, não mais como comunicação, e sim como forma de
interação entre os sujeitos, pois as RS não são simplesmente transmitidas, os indivíduos
interagem, co-constroem e re-significam os dizeres uns dos outros, acrescentando seus
conhecimentos prévios e suas experiências. Não como receber, passivamente, de
forma igual, a RS do outro, porque é nessa troca entre os sujeitos que as RS são
transformadas e continuadas, um processo lento, porém contínuo.
Por fim, procurando responder se é possível repensar as RS a partir das teorias
de letramento, podemos afirmar que a teoria do letramento contribui para a teoria da
RS, na medida em que evidencia a relação da aprendizagem com aspectos culturais e
sociais. A RS elucida que a comunicação entre os sujeitos faz com que suas
representações sejam acionadas, em menor ou maior grau, mas é no social que a
aprendizagem ocorre ou é influenciada por ela, através de aspectos culturais e sociais.
Desse modo, a escola, ao desconsiderar as RS dos alunos e dos grupos aos quais eles
pertencem, não será capaz de transformar suas representações e, conseqüentemente, não
conseguirá sucesso no processo de ensino e aprendizagem, na aquisição do letramento
escolar.
95
O sistema escolar, apesar de todas as discussões teóricas e evidências empíricas,
não foi alterado suficientemente para transformar as RS dos alunos sobre o ensino da
escrita. Parece que caminhou rumo à separação entre escrita e produção textual,
conforme evidenciam os dados do ano. O sistema continua, no entanto, incapaz de
lidar com as diferenças culturais, naturalizando o fracasso escolar e cristalizando a
concepção de que as dificuldades de aprendizagem escolar do indivíduo de baixa renda
decorrem de suas condições de vida.
As mudanças nas RS compreendem a modificação das circunstâncias externas,
que levaria a progressivas transformações na escola a partir de práticas sociais. As
novas práticas, por sua vez, poderiam mobilizar novos esquemas cognitivos e os novos
esquemas ativados modificariam as RS. Portanto, as mudanças nas práticas escolares
poderiam desestabilizar as antigas e sedimentadas RS. Cabe a nós, pesquisadores,
proporcionar reflexões sobre tais práticas, desestabilizando crenças e dogmas de escrita
e seu ensino.
Em termos de contribuição teórica, esta pesquisa possibilitou uma discussão
sobre a relação e a complementação entre a teoria das RS e a do letramento. Porém, esta
é uma área muito ampla em que outras pesquisas podem investigar melhor o conceito de
linguagem adotado pela TRS, que concebe a linguagem como comunicação
diferentemente do letramento que a concebe como interação.
96
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