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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
NOS ELOS DE UMA FILIAÇÃO MULTIRRACIAL:
A ADOÇÃO INTER-RACIAL NOS LIMIARES
DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
SILVANA DA SILVA RUFINO
Florianópolis, agosto de 2003.
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SILVANA DA SILVA RUFINO
NOS ELOS DE UMA FILIAÇÃO MULTIRRACIAL:
A ADOÇÃO INTER-RACIAL NOS LIMIARES
DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal de Santa Catarina, como exigência para a
obtenção do título de Mestre em Serviço Social.
PROFESSORA REGINA CÉLIA TAMASO MIOTO, Dra.
Orientadora
Florianópolis, agosto de 2003.
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AGRADECIMENTOS
Um trabalho acadêmico é sempre uma produção coletiva e solidária, apesar de
demandar muito trabalho de um sistematizador que, para elaborá-lo criticamente no sentido de
fazer avançar a atividade intelectual, tem necessidade de partir do grau de desenvolvimento em
que esta exige. Sem a colaboração intelectual de uns e o incentivo, amizade, carinho, dedicação,
solidariedade, financiamento, hospedagem, apoio emocional de outros, este trabalho,
possivelmente não estaria concretizado.
À professora e orientadora deste trabalho, Dra. Regina Célia Tamaso Mioto, pela
dedicação e orientação no decorrer do processo de construção deste conhecimento: sem sua
ajuda, com certeza seria muito mais difícil chegar até aqui. Todas as palavras que poderia lhe
dizer, são singelas demais para agradecer toda a dedicação, respeito, compreensão, confiança e
amizade que despendeu para comigo: com certeza guardo comigo seu exemplo de competência e
seriedade profissional.
Aos mestres do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFSC,
principalmente às professoras doutoras Marli Palma de Souza e Catarina Maria Schmickler pelas
sugestões e recomendações sólidas para o trajeto acadêmico.
Ao professor Dr. Reinaldo Matias Fleuri, do Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFSC, pela disponibilidade e orientações informais no decorrer desse processo, e as formais
durante o exame de qualificação.
À Coordenadoria para Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pela
concessão de Bolsa de estudos, sem a qual teria sido impossível enfrentar esta empreitada.
Às minhas queridas companheiras da primeira turma de mestrado em Serviço Social,
pelo apoio nas horas incertas, troca de idéias e sugestões, apesar de muitas vezes distantes; um
agradecimento especial à Michelly - minha companheira de viagens e congressos - pelo
companheirismo constante.
À minha especial amiga, Fabiana Fernandes, dedicada companheira, pelas palavras de
solidariedade nos momentos mais difíceis.
À amiga, Adriana, pela amizade e companheirismo presentes, pela troca de idéias e
sugestões.
A todos os meus familiares pelo carinho e preocupação constantes. Aos meus pais, por
suas presenças e dedicado amor.
À todos meus sinceros agradecimentos e a minha profunda gratidão.
Que Deus os abençoe!
SUMÁRIO
NOS ELOS DE UMA FILIAÇÃO MULTIRRACIAL:.............................................................. 1
A ADOÇÃO INTER-RACIAL NOS LIMIARES ...................................................................... 1
SILVANA DA SILVA RUFINO ................................................................................................ 1
SILVANA DA SILVA RUFINO .................................................................................................. 2
NOS ELOS DE UMA FILIAÇÃO MULTIRRACIAL:.............................................................. 2
A ADOÇÃO INTER-RACIAL NOS LIMIARES ...................................................................... 2
Orientadora ............................................................................................................................. 2
AGRADECIMENTOS..................................................................................................................3
SUMÁRIO................................................................................................................................... 5
BENDITOS FRUTOS .................................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 8
CAPÍTULO I ............................................................................................................................... 15
ENTRE O DESEJO E A NECESSIDADE: CONSIDERAÇÕES .......................................... 15
SOBRE UMA FILIAÇÃO CONSTRUÍDA .............................................................................. 15
1.1 U
M
P
OUCO DE HISTÓRIA
:
CAMINHANDO PELAS ORIGENS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO
........... 15
1.2 E
M
N
OME DA
L
EI
:
ASPECTOS JURÍDICOS E A EVOLUÇÃO LEGAL DA ADOÇÃO
........................ 20
1.3 V
IAJANDO
P
ELO
U
NIVERSO
C
ULTURAL
:
AS DIVERSAS FORMAS DE CONJUGAR O VERBO
ADOTAR
...................................................................................................................................... 24
1.4 I
NSTITUCIONALIZAÇÃO X
A
DOÇÃO
:
UMA RESPOSTA POSSÍVEL
? ........................................... 30
1.5 R
ESGATANDO O
D
IREITO DE
S
ER
F
ILHO
:
UM BREVE PANORAMA SOBRE A ADOÇÃO TARDIA
.33
1.6 A
ADOÇÃO
I
NTERNACIONAL E O
C
ENÁRIO
B
RASILEIRO
........................................................ 36
CAPÍTULO II.............................................................................................................................. 40
ENTRE MITOS E PRECONCEITOS: OS DESAFIOS DA ADOÇÃO INTER-RACIAL . 40
2.1 A B
USCA PELOS
A
SSEMELHADOS
:
O PRECONCEITO RACIAL NO PROCESSO DE ADOÇÃO
........ 40
2.2 D
A
S
ENZALA ÀS
S
OCIEDADES
A
TUAIS
:
A BUSCA DE CIDADANIA DOS CIDADÃOS AFRO
-
BRASILEIROS
............................................................................................................................... 51
CAPÍTULO III ............................................................................................................................ 85
TRANSITANDO ENTRE CULTURAS: A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL COMO
EXPERIÊNCIAS DE ENCONTROS........................................................................................ 85
3.1 E
DUCAÇÃO
I
NTERCULTURAL
:
A COMPLEXIDADE DA RELAÇÃO ENTRE CULTURAS DIFERENTES
................................................................................................................................................... 85
3.2 N
OS
L
IMIARES DE
J
OGOS DE
C
ONTRASTES
:
UM BREVE DEBATE SOBRE A CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADES
.............................................................................................................................. 97
3.3 T
RAJETOS DE
E
XPERIÊNCIAS
I
NTERCULTURAIS
:
A FAMÍLIA COMO INSTITUIÇÃO
INTERCULTURAL POR EXCELÊNCIA
........................................................................................... 102
CAPÍTULO IV........................................................................................................................... 110
“CELEBRAÇÃO DAS DIFERENÇAS”: A BUSCA DO ENCONTRO NUMA
EXPERIÊNCIA DE ADOÇÃO INTER-RACIAL ................................................................. 110
4.1 O
QUE
P
RETENDEMOS
B
USCAR
:
DOS OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS DA PESQUISA
......... 111
4.1.1 Objetivo Geral ............................................................................................................ 111
4.1.2 Objetivos Específicos.................................................................................................. 111
4.2 D
E QUE
M
ANEIRA
T
RABALHAMOS
:
DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
112
4.2.1 Tipo de Pesquisa......................................................................................................... 112
4.2.2 Coleta de Dados ......................................................................................................... 113
4.2.3 Instrumento de Coleta de Dados ................................................................................ 114
4.2.4 Registro dos Encontros............................................................................................... 117
4.2.5 Análise dos Dados ...................................................................................................... 117
4.2.6 Procedimentos Éticos ................................................................................................. 119
4.3 R
ETRATOS DE UMA
F
AMÍLIA
M
ULTIRRACIAL
:
UMA EXPERIÊNCIA VIVENCIADA
................. 119
4.4 P
ERCORRENDO
C
AMINHOS
, B
USCANDO
S
AÍDAS
.... :
A ANÁLISE E O TRATAMENTO DOS DADOS
OBTIDOS
................................................................................................................................... 125
4.4.1 Para Além dos Laços de Sangue: as particularidades de uma experiência de adoção
............................................................................................................................................. 125
4.4.2 Celebrando o Encontro com o Novo: cruzando pontes que conduzem a novos
processos educativos ........................................................................................................... 134
CAPÍTULO V ............................................................................................................................ 157
POSSÍVEIS SINAIS DE LUZ NUM MAR DE ESCURIDÃO: ALGUMAS....................... 157
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA ESTUDADO ........................................................... 157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 165
BENDITOS FRUTOS
Benditos vós os frutos que não do nosso ventre
Bem-aventurados nós que fomos os agraciados
Bendito o ventre fecundo que os gerou
Bem-aventurados nós que convosco crescemos!
Se da Terra fértil se difunde a Vida
É do sol, da luz e das nuvens que ela medra
Se do solo que se originaram não havia adubo
É da fecundidade de nossa espera que se nutrem!
Bendito o ventre que os abrigou
Bem-aventurados nós que explodimos em Vida
A cada sorriso vosso, a cada ventura
E que por vós nos descobrimos em grandezas
Que não nos conhecíamos capazes!
Bendita a hora em que abrimos nossas portas
Para deixar entrar as verdadeiras árvores da Vida
Hora esta em que todos os filhos do Mundo
Passaram a ser também os nossos
Chegara para nós também o futuro!
Bendita simbiose esta que cruza vidas:
A do ventre que vos abrigou e nossos corações
E nesta fundição de humanidade que
Vós filhos
São nossos preciosos legados
Benditos frutos, filhos nossos, que nos fazem
Seres tão bem-aventurados!
Elba Maria Blois Aita
(TER-NA Adoção – Oficina de Adoção – Porto Alegre – RS)
INTRODUÇÃO
Com as mudanças que se processam na sociedade atual, a família, como espaço da
vida privada e de sociabilidade, se fortalece, sendo reconhecida, como o meio que melhor atende
as necessidades bio-psico-sociais de crianças e adolescentes.
No Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a instituição familiar é apontada
como um direito à medida que é priorizado como local de sociabilidade favorável aos interesses e
às necessidades do segmento infanto-juvenil.
Como prática antiga, e que vem multiplicando-se nas sociedades modernas, a adoção
trata-se de uma medida que, possibilita as chances do exercício da paternidade e da maternidade
reforçando a idéia de que “nas relações entre pais e filhos há um vínculo mais forte, no qual as
obrigações morais acontecem de maneira mais significativa”.
1
Embora a convivência familiar em meio adotivo esteja estabelecida no ECA como
um direito comum a todas as crianças e adolescentes em situação de abandono, seu acesso é
dificultado quando se leva em conta o quesito cor/etnia, entre outros dados de identificação do
adotado.
A adoção constitui-se no ato de vincular a criança desamparada a uma nova família,
com os mesmos direitos de um filho biológico. Todavia para que tal fato se concretize, vários
obstáculos muitas vezes, são apresentados e, necessariamente, terão que ser vencidos para que a
adoção venha a ser efetivada.
Os obstáculos são vinculados a questões burocráticas e de ordem cultural, vinculadas
à criança e, conseqüentemente, aos adotantes, que em sua maioria, criam barreiras, fazendo
restrições em relação à criança.
É aqui então, que emerge o preconceito racial no processo de adoção, através das
exigências impostas pelos postulantes, que ao se cadastrarem expõem como idealizam e como
desejam a criança, tratando a questão como um ato mercantilizável.
“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de
razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” e “[...]
a instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz”.
2
O preconceito racial, entendido enquanto uma atitude e comportamento orientados
pela noção de que as diferenças corporais e a aparência, implicam diferenças em potencial e
valor, e está, portanto, em explícita oposição ao princípio de igualdade em dignidade e direitos
exposto no texto acima, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, uma vez que a
existência da compreensão, da tolerância e da amizade entre os grupos raciais representa um
benefício para toda a humanidade, havendo a harmonização entre as diferenças.
A produção empírica sobre a adoção inter-racial, no Brasil e também em outros
países, ainda é nova e pouco explorada por pesquisadores sociais, vindo a favorecer concepções
equivocadas sobre o assunto.
A adoção de crianças negras por famílias brancas evidencia, além da adoção
propriamente dita, uma grande disposição de enfrentar desafios, especialmente em nosso país, em
que as faces do preconceito racial estão diluídas na sociedade. Esse, é um dos dilemas que
permeiam a adoção inter-racial e por isso, podemos considerá-la como uma tarefa complicada.
1
SARTI, Cyntia. A família como Espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 1996, p.51.
2
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Silveira
3
em seu estudo, destaca que, no contexto das práticas judiciárias, observam-
se desigualdades de acesso a determinadas medidas legais, que por vezes, estão fundamentadas
em discriminações e estereótipos decorrentes de padrões de beleza, que ainda vigoram na
sociedade.
Em outro estudo, Rufino
4
, constatou uma certa dificuldade de transmitir as questões
referentes à cultura e origem da população negra à criança negra adotada por uma família branca,
fazendo com que o processo de construção social e cultural da identidade dessa criança fosse
prejudicado, evidenciando um baixo nível de auto-estima em relação à sua origem étnica.
De acordo com Schreiner
5
, a maioria das crianças que crescem em um ambiente onde
suas identidades raciais são negadas, tendem a desenvolver uma atitude emocional não saudável
em relação às suas origens étnicas, uma vez que podemos considerar as primeiras vivências da
infância, como fundamentais no processo de formação da identidade social da criança, e na
formação de futuros preconceitos e conflitos, mantendo-se ao longo da vida, sensível aos
contextos que a sociedade impõe.
Baseados nessa visão, nos propomos a compor a análise do processo de adoção inter-
racial numa outra perspectiva, distanciando-se um pouco da ótica jurídica e da discriminação dos
postulantes à adoção, em relação à criança adotada. Propomos um trabalho baseado na
perspectiva da Educação Intercultural buscando uma relação de diálogo entre as diferenças,
entendendo que esta pode trazer valiosas contribuições para a superação de estereótipos e
3
SILVEIRA, Ana Maria. Particularidades da Adoção: a questão da etnia. São Paulo, 2002. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
4
RUFINO, Silvana S. As Faces e as Contrafaces da Adoção Inter-racial: um estudo da realidade catarinense.
Florianópolis, 2000. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em ServiçoSocial). Centro Sócio Econômico.
Universidade Federal de Santa Catarina.
5
SCHREINER, E.N.P. Identidade Negra e Adoção Inter-racial. Boletim Nas Janelas da Adoção. São Paulo, n.
22/23, p. 6-7, junho de 2000.
discriminações de toda ordem, nos convidando a repensar os diferentes aspectos e componentes
da adoção inter-racial.
Nas relações, a interculturalidade orienta processos que se baseiam no
reconhecimento do direito à diversidade e à luta contra todas as formas de discriminação e
desigualdade social, com o intuito de promover relações de reciprocidade, de diálogo e
igualitárias entre sujeitos diferentes. Nessa direção, constitui-se um processo permanente e
inacabado, impulsionado pela intenção de promover uma relação recíproca entre sujeitos
marcados por uma política de diferenças, para além de uma coexistência pacífica, num mesmo
território. Esta então, seria a condição fundamental para qualquer processo ser qualificado de
intercultural.
Por isso, decidimos neste trabalho, trabalhar a adoção inter-racial numa opção que
possibilita uma relação e uma educação intercultural, que dissolvem justamente, os mecanismos
que geram a discriminação e os preconceitos, que são construídos socialmente, assim como a sua
própria desconstrução
6
.
O eixo central das argumentações desta pesquisa, aliadas a outras categorias, que
contribuirão para o conhecimento do contexto pesquisado, buscando uma forma distinta de
visualizar relações, é então o da educação intercultural. Propomos, uma relação fundada na
interação de sujeitos diferentes, numa experiência em que o encontro se traduza numa ocasião de
crescimento para ambos os lados, existindo um reconhecimento recíproco dos direitos e da
dignidade das pessoas em relação.
A partir daí, consideramos as primeiras vivências da criança como determinante no
processo de formação da identidade social, de futuros preconceitos e conflitos, tomando a família
como instituição primeira e primordial na formação de uma criança, e situamos a adoção inter-
racial, colocando-a como desafio numa educação intercultural, onde “a educação deixa de ser
entendida apenas como a transmissão de informações de um indivíduo para o outro [...] e passa a
ser concebida como construção de processos em que diferentes sujeitos desenvolvem ações de
reciprocidade entre si”.
7
A educação intercultural propõe o desenvolvimento de estratégias que promovam a
construção de identidades e o reconhecimento das diferenças. As perspectivas atuais de
compreensão das diferenças exigem uma visão mais complexa do diferente, surgindo assim, um
“campo híbrido, fluído e polissêmico, ao mesmo tempo promissor, da diferença, que se constitui
nos entre-lugares das enunciações de diferentes sujeitos e identidades sócio-culturais”.
8
Segundo Fleuri
9
, o conceito de diferença indica uma nova perspectiva que aponta
para uma compreensão do hibridismo – espaço que não prioriza e nem superpõe categorias, mas
indo além disto, busca novas possibilidades de relações pessoais e sociais entre sujeitos marcados
por uma política de diferenças - e da ambivalência que constituem as identidades e relações
interculturais. Com isso, a intercultura se configura como objeto de estudo interdisciplinar e
transversal.
Como convite a experienciar esse entre-lugar, essa fronteira entre culturas diferentes,
questionando o modo de lidar com a realidade e redescobrindo as possibilidades de
aprendizagens de uma convivência intercultural, direcionamos este estudo, buscando analisar a
complexidade da formação das relações, num contexto multicultural entre sujeitos culturalmente
6
FLEURI, Reinaldo M. Citação durante a Qualificação do Projeto dessa Dissertação em 10/03/2003.
7
FLEURI, Reinaldo M. Desafios à Educação Intercultural no Brasil. Percursos: Revista do Núcleo de Estudos em
Políticas Públicas da Universidade do Estado de Santa Catarina. NEPP – v.1, n.1. Florianópolis: Editora, Outubro de
2000, p.125
8
FLEURI, Reinaldo M. et.alli. A Questão da Diferença da Educação: para além da diversidade. 2002, p. 01 [No
Prelo]
9
FLEURI, Reinaldo M. 2000.
diferentes, baseada na interação e na reciprocidade, como fator de crescimento cultural e
enriquecimento para ambos os lados.
Para chegarmos aos resultados, nos propomos a estudar algumas categorias chaves
para contextualização, compreensão e conhecimento conciso da referida realidade, e embora
envolvendo conceitos distintos na análise das relações estabelecidas numa adoção inter-racial,
tornam-se complementares.
Buscando atingir os objetivos propostos, a pesquisa, cujos resultados constituem o
corpo desta dissertação, tem caráter qualitativo, tendo uma natureza teórica - empírica, que não
pretende somente constatar fenômenos, mas na medida do possível, mediá-los com a totalidade e
respaldá-los com os devidos referenciais teóricos.
O presente trabalho foi estruturado por capítulos que versam sobre temáticas
específicas, buscando dar uma seqüência aos assuntos que, de tal modo, explicite uma idéia de
conjunto e complementaridade.
O primeiro capítulo trata das origens do instituto da adoção e suas particularidades,
procurando demonstrar a sua evolução legal ao longo dos anos no Brasil e também em alguns
países, onde a adoção adquire diversos significados. A relação entre institucionalização de
crianças e adolescentes e a adoção, a cultura do abandono e ainda outras modalidades de adoção
– adoções tardias e internacionais - , são enfocadas também, nas páginas iniciais.
O segundo capítulo aborda os obstáculos e os principais desafios que a adoção inter-
racial comporta no contexto brasileiro, seguido de uma breve análise sobre a luta pela cidadania
dos cidadãos afrodescendentes, e suas conquistas até chegarmos a atualidade.
Considerando o eixo temático deste trabalho, o terceiro capítulo enfoca a educação
intercutural e a complexidade da relação entre culturas diferentes, através do diálogo e respeito ao
diferente. Enfatizamos também, um breve debate sobre a construção de identidades, como
processo de descoberta, de aprendizado e de reconhecimento, explicitando, finalmente, a família
como instituição intercultural por excelência, sendo uma das instituições mais antigas de
educação, com extrema importância na formação de sujeitos.
No quarto capítulo, inicialmente mostramos as particularidades metodológicas da
pesquisa, com os referenciais utilizados, visando atingir os objetivos propostos. Analisa-se a
adoção inter-racial a partir dos resultados obtidos na pesquisa, destacando os desafios que essa
complexa experiência nos aponta.
Por fim, temos um quinto capítulo, que, ao invés de apontar respostas, invoca para
uma reflexão sobre as possibilidades e limites existentes na atuação dos profissionais de Serviço
Social junto a esta temática.
Num universo de antagonismos e de negação, entre o compromisso ético de luta e de
defesa dos direitos de proteção integral a todo o segmento infanto-juvenil
10
, destaca-se a
relevância teórica dessa pesquisa, com intuito que traga benefícios à comunidade científica, uma
vez que obterá dados (hoje inexistentes) sobre experiências de adoção inter-racial no Brasil,
incentivando um maior debate sobre o assunto. Beneficiará também os profissionais de Serviço
Social - que se destacam como figura fundamental nos processos de adoção- criando e fazendo
emergir novos parâmetros para o preparo e acompanhamento de pais candidatos à adoção inter-
racial; e ainda às famílias adotantes, que poderão ter mais informações sobre as reais
possibilidades de constituição de uma família multirracial.
CAPÍTULO I
ENTRE O DESEJO E A NECESSIDADE: CONSIDERAÇÕES
SOBRE UMA FILIAÇÃO CONSTRUÍDA
1.1 Um Pouco de história: caminhando pelas origens do instituto da adoção
A preocupação com crianças sem uma família vem de tempos muito antigos, e a
adoção sempre existiu na história da humanidade, como podemos comprovar nas histórias de
Moisés, que foi adotado pela filha do Faraó, e dos gêmeos abandonados, Rômulo e Remo,
fundadores de Roma. O império romano foi governado por mais de um século pelos filhos
adotivos de Otávio, o Augusto, que, por sua vez, foi filho adotivo de Júlio César. Foram os
romanos que estabeleceram as bases da adoção legal na idéia de filiação, conferida por um
certificado aos pais adotivos, e na transmissão do nome de família por meio da adoção
11
.
Na história bíblica, Moisés, o filho das águas, escolhido por Deus para libertar o
povo hebreu, e adotado pela filha do faraó, foi criado como membro da corte egípcia, assumindo,
quando adulto, a identidade hebraica. A condição de membro da corte, adquirida através da
adoção, facilitou sua missão de retirar os escravos hebreus do Egito rumo à terra prometida.
No rico imaginário das histórias infantis, também existem inúmeros personagens que
fazem parte de famílias adotivas.
O herói Super-homem, da literatura infantil e com ampla difusão no cinema e
televisão, foi abandonado pelos pais biológicos que desejavam salvá-lo da destruição cósmica que
seu planeta, Kripton, estava prestes a sofrer. Enviado ao planeta Terra, ele é encontrado por um
10
O artigo 19 do estatuto da Criança e do Adolescente alega: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e
educado no seio de sua família, e excepcionalmente, em família substituta, assegurada à convivência familiar e
comunitária (...). (Grifo meu)
casal que o adota. O personagem Simba do filme O Rei Leão, ficou perdido no meio do deserto e
foi adotado por uma família bastante diferente da sua: um javali e um roedor do deserto.
Enquanto medida que possibilita a garantia de vínculos de criação e de filiação, a
adoção abre novas perspectivas de agregação a contextos familiares, independentemente dos laços
de consangüinidade.
Instituição jurídica com ampla conotação social, o processo conhecido hoje como a
adoção de crianças sempre existiu e foi praticado desde a mais remota antigüidade. Criado com as
mais diferentes finalidades, atendeu a razões de ordens culturais, religiosas, políticas, econômicas e
afetivas.
Entre os babilonenses, a adoção foi minuciosamente disciplinada no Código de
Hamurabi, 1728-1686 a.C. que, revelando uma civilização adiantadíssima para época tão
afastada, data-se as origens históricas do instituto da adoção.
12
Historicamente, a adoção não se conforma com nenhum esquema de evolucionismo
linear. Instituição de grande importância na sociedade romana, onde os césares costumavam desta
forma, legitimar o direito político de seus sucessores, a adoção, durante a Idade Média caiu em
desuso durante muito tempo, por ser contrária ao sistema de feudos da época, que seguia os
termos da consangüinidade, tendo pouca importância na Europa antes do século XX.
13
A adoção surgiu historicamente atendendo a imperativos da ordem religiosa. O
homem primitivo acreditava que os vivos eram governados pelos mortos. Por este motivo,
apaziguava com preces e sacrifícios, os ancestrais falecidos para que protegessem os seus
descendentes. O culto aos mortos, que encontramos em algumas religiões primitivas, explica a
expansão do instituto da adoção e o papel que desempenham no mundo antigo.
11
WEBER, L.N.D. Laços de ternura: pesquisas e histórias sobre adoção. Curitiba: Santa Mônica, 1998.
12
ALMADA, Ney de Mello. Manual de Direito de Família. São Paulo: Brasiliense, 1989.
A Bíblia, o Código de Hamurabi e as Leis de Manu, já se referem à adoção, que
também foi objeto de legislação nas cidades gregas.
Os juristas que estudam este assunto gostam de atribuir o surgimento da preocupação
pública com órfãos aos estragos das guerras mundiais. E, de fato, na maioria dos países europeus,
houve uma proliferação de legislação sobre adoção, já a partir do período entre guerras.
Para Fonseca
14
, até este ponto, a adoção, quando existia, dizia respeito principalmente
à transmissão de bens, de um nome familiar e, eventualmente, de poder político. O adotante tinha
que ser de idade avançada (50 anos era o mínimo colocado, por exemplo, no Código
Napoleônico) e os adotados eram freqüentemente adultos. Desta forma, mantinham um alto
número de pessoas sem herdeiros, fazendo com que o patrimônio de muitas famílias escoasse
para o senhor feudal, ou para a Igreja.
Nesta época, o Estado Moderno não tinha os mesmos motivos que a Igreja para
colocar obstáculos à adoção, já que seu poder econômico residia em outras bases que não o
patrimônio de famílias sem herdeiros. Seus interesses eram norteados para ordem pública, ou
seja, na socialização adequada aos jovens sem família. É por este motivo que, durante a primeira
metade do século, as discussões jurídicas centraram-se na transferência do poder familiar,
deixando a questão da herança em segundo plano. Mas a adoção também vinha ao encontro das
necessidades de um poder público que estendia sua influência cada vez mais para dentro da
intimidade familiar. Aproveitava-se a responsabilidade de garantir direitos individuais – neste
caso, o bem estar da criança - para intervir na vida familiar e, assim, estreitar o controle sobre a
vida dos súditos.
13
FONSECA, Cláudia. Caminhos da Adoção. São Paulo: Cortez, 1996, p. 117.
14
FONSECA, Cláudia. 1996
Segundo Sznick
15
, em Roma, o instituto se cristalizou, estando originalmente
vinculado ao culto dos mortos, mas adquirindo em seguida importância política. Conheceu-se a
adrogatio (ad-rogação) para as pessoas sui juris (não dependentes de outras) e a adoptio para as
alieni juris (sob autoridade alheia). A ad-rogação tinha importância política e necessitava da
aprovação dos comícios. Houve uma reforma da legislação, na época de Justiniano, no sentido de
proteger os direitos do adotado, distinguindo-se entre a adoção plena, realizada por ascendente do
adotado, e a menos plena realizada por estranho. Ao mesmo tempo, estabeleceram-se certos
requisitos para a adoção, a fim de que imitasse a natureza, exigindo-se certa diferença de idade
entre o adotante e o adotado.
Na antigüidade, a adoção tinha mais base política e religiosa do que familiar. A
família primitiva, fundada sobre o liame de sangue e, conforme a vontade do pater, poderia
escolher seus membros com a finalidade de assegurar o culto ancestral. Nesta concepção, mais
jurídica do que biológica, era fácil admitir a passagem de uma família para outra, e a adoção era
um dos meios de aceder à família civil. Servia para adquirir o direito do cidadão ou a qualidade
de patrício e, ao mesmo tempo, era utilizada para assegurar a transmissão do poder imperial.
16
Entre os hebreus, a adoção era conhecida pelo nome lerivato; entre os gregos, tesis; e
entre os atenienses, poíesis, eispoíeses e tesis (só os cidadãos podiam adotar e serem adotados).
Em Esparta teve escasso emprego e devia ser confirmada na presença do rei.
Entretanto, pelas Leis de Licurgo, as crianças permaneciam com os pais até a idade de sete anos,
passando depois à tutela do Estado, que formava na arte da guerra.
17
As Ordenações Filipinas, embora não lhe desse regulamentação adequada,
reconheciam o instituto da adoção. No Código de Napoleão, importante documento jurídico e
15
SZNICK, Valdir. Adoção. São Paulo: Leud, 1988
16
Op.Cit.
legislativo dos segmentos modernos da História do Direito, a adoção se endereçava aos maiores,
sendo consensual e mais do que um modo de criar filiação. Era um meio de transmitir o nome e a
fortuna. Tal posicionamento legislativo veio, depois, a criar sérios embaraços na ocasião em que
abundavam a França em órfãos de guerra, surgindo a modificação em 1923, para permitir-lhes a
adoção.
18
A Lei Francesa, de 19 de julho de 1923, modificou o instituto e passou a aceitar a
adoção de menores, já que o Código de Napoleão admitia apenas a adoção de maiores (art. 346),
colocando, em primeiro lugar, os interesses do adotado, e permitindo-a somente se houvesse justo
motivo para ele, ficando assim em segundo plano, as necessidades e interesses dos adotantes.
19
Na maioria das legislações é admitida a adoção. Mesmo Portugal, que a desconhecia,
a fez ressurgir no Código Civil em vigor desde 1966, centrado no interesse do adotando, para
suprir eficazmente a situação de carência moral, afetiva, espiritual e material em que se encontre.
Segundo Weber
20
, entre os germanos, a adoção também servia para dar continuidade
à família, mas com uma essência diversa; uma vez que se tratava de um povo guerreiro,
procurava-se nela um modo de perpetuação da família, para que pudesse levar adiante as
campanhas empreendidas pelo pai adotivo. Diferente da adoção romana, a germânica não
produzia vínculo de parentesco: nem o adotado era herdeiro dos bens do pai adotivo, somente
podendo suceder-lhe por ato de última vontade ou por doação entre vivos.
É somente com o decorrer da história, que o instituto adoção vai lentamente
amadurecendo e afirmando-se num novo espírito, como instrumento mais idôneo para satisfazer
ao sentimento cristão de paternidade e proteção, de quem não tivesse os filhos de sangue.
17
Op.Cit.
18
ALMADA, Ney Mello. 1989.
19
GATELLI, J.D. Adoção Internacional de Acordo com o Novo Código Civil: procedimentos legais utilizados
pelos países do mercosul. Curitiba: Juruá, 2003.
1.2 Em Nome da Lei: aspectos jurídicos e a evolução legal da adoção
Segundo Gatelli
21
o conceito de adoção, para a terminologia jurídica (sentido
técnico), indica um ato jurídico através do qual, de conformidade com a lei, uma pessoa toma ou
aceita como filho uma outra.
A origem da palavra adoção “deriva do latim adoptio, que significa dar seu próprio
nome a, pôr um nome em; tendo, em linguagem mais popular, o sentido de acolher alguém”.
22
Segundo dados históricos, as primeiras leis sobre adoção eram estritamente gidas e
articuladas pela adoção de interesses, visando atender essencialmente a garantia da transmissão
de bens e do nome, sendo efetivamente utilizada para fins de sucessão e de garantia de
patrimônio.
Uma das grandes barreiras para a introdução da adoção na lei comum foi o conflito
dos princípios de herança. A terra somente poderia ser herdada por pessoas ligadas por laços
sangüíneos, sem poder ser dada em vida ou morte por vontade de proprietário. Por isso, foi
somente em 1925 que a adoção foi criada no sistema legal inglês, por meio de um estatuto.
23
Já nesta época, o preconceito em relação à adoção podia ser visto claramente nas leis,
que usualmente protegiam os filhos de sangue. Cultuavam-se expressamente os laços de sangue e
o instinto do amor materno, tratando, como coadjuvantes, os filhos adotivos. Em muitos dos
tratados jurídicos acerca da adoção, desde o Código Napoleônico, o assunto aparece em termos
como imitação da natureza e filhos naturais e fictícios.
Em controvérsia aos preceitos romanos de continuidade e perpetuidade familiar,
atualmente percebemos a preocupação do legislador com a proteção da criança e do adolescente,
20
WEBER, L.N.D, 1998.
21
GATELLI, J.D. 2003
22
Op.Cit. p. 20
deixando de lado a arcaica acepção romana, vindo a definir a finalidade da adoção como "mais
social, protecionista e humana”.
24
São particularidades legais da adoção em alguns países:
Inglaterra - a adoção é regulada por uma seqüência de leis, permitindo a adoção somente
plena e para menores de 18 anos com todos os direitos de um filho legítimo.
França - é disciplinada pelo Código Civil, e prevê dois tipos de adoção: a plena, integrando
menores de quinze anos à família adotiva, extinguindo laços com a família biológica; e a
simples, para qualquer idade, instaurando ligação com a família adotiva, mas mantendo laços
com a família biológica.
Itália - é regulada pela Lei 431 de 1967 prevendo adoção plena para menores e adoção
simples para maiores e menores, em casos particulares.
Espanha - é disciplinada leis de 1958 e 1970, com adoção plena para menores de quatorze
anos ou maiores que já estejam convivendo com os adotantes; e adoção simples, que não dá
ao adotado os direitos de filho legítimo.
Argentina - a Lei 19.134 prevê a adoção plena para menores, com os direitos de um filho
legítimo, extinguindo seu vínculo com a família natural, exceto para efeitos matrimoniais, e a
adoção simples, que não extingue todos os vínculos entre o adotado e sua família de sangue.
25
No Brasil, o progresso relacionado à adoção ocorreu com a instituição do Código de
Menores de 1916, passando a existir três procedimentos básicos para a adoção: a Adoção Simples
e a Adoção Plena, sendo ambas regidas pelo Código de Menores; e a Adoção Civil, realizada
23
WEBER, L.N.D. 1998.
24
OENNING, M. P. Efeitos Sucessórios da Adoção no Tempo. Florianópolis,1996. Trabalho de Conclusão de
Curso (Graduação em Direito) – Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina, p. 11
25
Op.Cit.
através de escritura em cartório, por meio de um contrato entre as partes, usualmente denominada
adoção tradicional e adoção civil.
O Código Civil de 1916 estipulou algumas flexibilidades nos termos da adoção.
Determinava que a criança poderia portar o nome de seus pais biológicos, o de seus pais adotivos,
ou poderia simplesmente, optar pelos dois sobrenomes. Fonseca
26
, nomeia este tipo de filiação,
de filiação aditiva.
Apesar da implantação da adoção irrevogável, a Legitimação Adotiva de 1965, ainda
delegava à criança uma parte menor na herança, se nascessem filhos biológicos dos pais
adotantes.
A partir da promulgação do Código de Menores de 1979, houve uma substancial
modificação no processo de adoção. O Código instituiu o caso inédito da adoção plena e
irrevogável, onde a criança passaria a integrar a família dos pais adotantes em todos os sentidos.
Ao lado dessa adoção plena, realizada por uso de escritura, por meio de sentença judicial e
cancelando o registro anterior, continuou a existir a adoção simples - também sob controle
judicial - tendo por idéia básica fazer com que a criança não ficasse totalmente vinculada aos
adotantes, para facilitar uma possível anulação.
A Constituição Federal de 1988 conseguiu romper com a distinção legal vigente até
este período, determinando que filhos adotivos e biológicos são iguais em direitos, deixando de
enfrentar as filiações que saíssem da órbita da filiação considerada legítima. Este preceito consta
na Constituição Federal em seu Artigo 227, § 6º, e é repetido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA
27
), em seu Artigo 20:
26
FONSECA, Cláudia. 1998.
27
A partir deste ponto, usaremos somente a sua sigla para designá-lo.
Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação.
Assim, é dentro de todo um processo de movimento histórico que surgem as
primeiras leis brasileiras sobre adoção, das quais apresentaremos, no quadro
28
abaixo, algumas
das principais particularidades, através de sua evolução temporal.
LEIS CÓDIGO CIVIL LEI 3.133 LEGITIMAÇÃO
ADOTIVA (4.655)
CÓDIGO DE
MENORES
ECA
Ano da lei
1916 1957 1965 1979 1990
Idade
Mínima
do
Adotante
50 anos 30 anos 30 anos 30 anos 21 anos
Idade do
Adotando
Sem restrição Sem restrição 7 anos 7 (plena) e
18 (simples)
18 anos
Diferença
de Idade
18 anos 16 anos 16 anos 16 anos 16 anos
Perma-
nência
Revogável Revogável Irrevogável a) simples: revogável
b) plena: irrevogável
Irrevogável
Filiação
Aditiva (parentesco
civil criado entre
adotante e adotado
sem romper o vínculo
com família
consangüínea)
Aditiva Substitutiva (cessa a
ligação com a família
consangüínea)
a) simples: aditiva
b) plena: substitutiva
Substitutiva
(integração
total do
adotando na
nova família)
Herança
Só pessoas sem prole
legítima têm direito a
adotar filhos. Se
permanecer filho
único, o adotado herda
integralmente.
Havendo filhos
legítimos
supervenientes à
adoção, o adotado terá
direito à metade do
que couber ao filho
legítimo.
Se for filho único, o
adotado herda tudo. Se
ao tempo da adoção os
adotantes já têm filhos, o
adotado nada herda.
Se há filhos legítimos
supervenientes à adoção,
o adotado terá direito à
metade do que couber ao
filho legítimo.
Se for filho único, o
adotado herda tudo. Se
ao tempo da adoção os
adotantes já têm
filhos, o adotado nada
herda.
Se há filhos legítimos
supervenientes à
adoção, o adotado terá
direito à metade do
que couber ao filho
legítimo.
a) simples: se for
filho único, o adotado
herda tudo. Se ao
tempo da adoção os
adotantes já têm
filhos, o adotado nada
herda.
Se há filhos legítimos
supervenientes à
adoção, o adotado
terá direito à metade
do que couber ao
filho legítimo.
b) plena: direitos
iguais
Direitos
Iguais
(igualdade de
condições
com os
‘filhos de
sangue’)
Com isso, atualmente devem ser reconhecidos por Lei e em igualdade de condições,
todos os filhos, biológicos ou adotivos.
28
Fonte: FONSECA, Cláudia. 1998, p.121.
Veronese e Oliveira
29
, acreditam que é justamente no cerne das relações familiares
que se concretiza e se estabelece o verdadeiro direito, e "por mais que o direito, através de
normas, tente alcançar o justo e equilíbrio das relações familiares, há algo que se lhe escapa, há
algo não normalizável, pois estas relações são regidas também pelo inconsciente."
Assim, sobressaindo um pouco do âmbito do Direito, das leis e das normas,
avolumamos nossa visão pelo mundo afora, percorrendo diversas culturas, onde o sistema da
adoção possui significados diferentes dos que costumamos presenciar.
1.3 Viajando Pelo Universo Cultural: as diversas formas de conjugar o verbo adotar
Existem pessoas do mundo ocidental que, quando pensam em adoção, simbolizam
esta prática, rodeada de preconceitos e de estigmas, como algo longe do natural.
30
Por isso,
sentimos a necessidade de destacar algumas formas de constituir uma família, que não seja por
fins biológicos, em diferentes partes do mundo.
Na Polinésia Francesa, a adoção corresponde a uma regra da sociedade, constituindo-
se numa norma, e a sua ausência requer uma explicação. Nesta cultura, a adoção consiste na
coexistência de duas famílias (biológica e adotiva), não caracterizando abandono e rejeição, mas
sim, um gesto de amizade realizada, principalmente, entre parentes e amigos. Assim, não existem
crianças abandonadas, à medida que todas são acolhidas voluntariamente, e os casais estéreis já
têm conhecimento de que alguns amigos lhe confiarão tantas crianças quantas desejarem criar.
Nesta cultura "a pessoa pode ser genitor pela natureza, mas torna-se pai pela vontade e
29
VERONESE, Josiane R.P., OLIVEIRA, Luciene C.P. Adoções e Relações Familiares. Revista Katálysis. n.2,
Florianópolis: Editora da UFSC, p. 49-60, maio de 1998.
30
WEBER, L.N.D. 1998.
compromisso. Assim, para eles, a parentalidade não é uma questão de biologia, mas antes de tudo
uma tarefa civil e social".
31
Na Oceania, costuma-se considerar o bebê como pertencente primeiramente ao clã
matrilinear, devendo ser alocado de acordo com o bem do grupo. A mãe que não aceitar dar seu
filho a uma velha solitária ou a uma prima estéril, pode perfeitamente ser tachada de egoísta.
32
Segundo Weber
33
, por possuírem uma concepção cíclica da vida, o fato de confiar a
educação de crianças a terceiros é uma tradição antiga na África, principalmente, com o intuito de
proporcionar à criança o conhecimento acerca da vida de seu clã, e fazer com que compreendam
que o núcleo familiar não é composto exclusivamente por pai e mãe, mas por outras pessoas
também. Uma família pode doar seu filho a outra, por amor, amizade, reconhecimento, como
forma de presente. A adoção é socialmente controlada na África pelo fato de não se confiar uma
criança a um desconhecido.
Os Gonjás da África Ocidental põem seus bebês em circulação, seja por razões de
divórcio, seja para estreitar os laços de solidariedade interna das linhagens. Geralmente, a criança
é mandada aos seis ou sete anos, à casa de uma prima ou de algum conhecido da família, a
dezenas ou centenas de quilômetros da casa dos pais biológicos, para receber alguma formação
profissional. Segundo Fonseca
34
, lá as crianças entram em circulação, a fim de entrelaçar ramos
geograficamente dispersos no grupo familiar.
No Alto Volta (Burkina Fasso), entre os Mossis (patrilineares), as jovens mães são
encorajadas a dar seus bebês a uma esposa mais idosa; assegura-se assim, a estabilidade das
31
Op.Cit, p.62.
32
FONSECA, Cláudia. 1996.
33
WEBER, L.N.D. 1998.
34
FONSECA, Cláudia. 1996.
mulheres mais jovens que, de outra forma, poderiam estar tentadas a deixar o domicílio conjugal,
e retornar à casa dos pais
35
.
Já no Havaí, a adoção é bastante comum, possuindo o significado de fortalecer a
aliança entre amigos como uma transação generosa. Para a população havaiana, a adoção é uma
construção social, onde o parentesco não está relacionado com a noção biológica, mas sim, algo
essencialmente cultural.
36
A riqueza brasileira também é caracterizada por uma diversidade de formas de
filiação adotiva. Alguns dos etnólogos brasileiros costumam utilizar a expressão circulação de
crianças para designar toda e qualquer transação onde a responsabilidade de uma criança é
passada de um adulto para outro, ou seja, o processo que usualmente conceituamos de adoção.
Este processo ocorre quando a criança deixa a casa dos pais biológicos sem perder sua identidade
social original, e os pais, por sua vez, costumam colaborar com os pais adotivos na criação da
criança. É caracterizado por possuir "formas alternativas de organização vinculada a uma cultura
urbana popular".
37
Esse processo de circulação de crianças é um fenômeno que os ingleses popularmente
chamam de fosterage, marcado por uma transferência (neste caso, da filiação) apenas parcial, e
num curto período de tempo.
Numa pesquisa realizada em camadas populares da cidade de Porto Alegre - RS,
Fonseca
38
confirma a existência de dados que mostram um número surpreendente de famílias
urbanas de baixa renda que abrigam algum tipo de filho de criação. Acredita ela, que algumas
mães de grupos populares concordam em dar seus filhos para outra mãe criar, pois crêem não ser
35
Op.Cit.
36
WEBER, L.N.D. 1998.
37
FONSECA, Cláudia. 1996, p. 15
38
Op.Cit.
esta questão a mais significante. Muitas mulheres idealizam que seu filho será criado melhor em
outra família com mais condições e oportunidades de proporcionar um futuro diferente daquele
que elas poderiam oferecer.
Nestes casos, os elos entre os dois lares - adotivo e biológico - da filiação
estabelecem uma relação de amizade, proporcionando a criança passar parte de seu tempo nos
lares de suas duas mães. Aproximadamente 70% das mulheres que Fonseca
39
entrevistou em sua
pesquisa, participaram de algum processo de circulação de crianças, como receptoras ou como
doadoras.
Ainda no Brasil, podemos visualizar uma cultura que costuma explicitar a adoção
ligada a clandestinidade, ao segredo e aos estereótipos que historicamente a rodeiam. Em suas
vias obscuras, ocorre a chamada adoção à brasileira, caracterizada quando pais adotantes
registram uma criança que não é sua, como seu filho biológico, uma prática considerada ilegal e
por lei traduzida como falsidade ideológica.
O registro do filho alheio como próprio é prática largamente utilizada, apesar de
constituir figura delituosa, ao menos em tese
40
, a que a lei comina pena de reclusão, a não ser que
o agente tenha sido impulsionado “por motivo de reconhecida nobreza, hipótese da qual a pena é
de detenção de um a dois anos”.
41
A justiça tem se pronunciado contrária a essa prática, mas relativamente ela é bem
tolerada. Por tratar-se de uma prática criminosa, não se tem dados precisos sobre ela, mas alguns
pesquisadores
42
acreditam que no Brasil a porcentagem a este tipo de adoção alcança os 90% do
39
FONSECA, Cláudia. 1996.
40
Código Penal, artigos 242, 245 e 299.
41
Op.Cit. Artigo 242, parágrafo único.
42
DIAS, Cristina Maria de S.B. Adoção: avanços e obstáculos. Boletim Adoção em Terre des Hommes. Curitiba,
n.78, ano VII, dezembro de 1995, p.1-4.
total de crianças adotadas registradas em cartório. Segundo dados de Weber de 1995
43
, os
adotantes com nível sociocultural menos privilegiado, realizam em maior número esta forma de
adoção.
Comumente costuma-se justificar esta prática, criticando o processo de adoção,
acusando-o de ser por demais lento, exagerado de formalidades e burocracias, desconhecendo
questões extremamente relevantes. Uma delas, refere-se ao poder judiciário, responsável por todo
o processo legal de adoção, que atualmente encontra-se num estágio de crise institucional com
excesso de demandas, carência de recursos humanos, materiais etc. Além disso, deve seguir os
procedimentos da Lei 8069 - Estatuto da Criança e do Adolescente, tomando cuidados básicos
para impedir que haja a ocorrência de um novo processo de rejeição. Podemos citar ainda, a
existência de pessoas de má índole, que se utilizam desta forma de colocação em família
substituta, para as diversas formas de exploração infantil.
Outro aspecto que presenciamos na cultura brasileira é o fato de muitas pessoas
realizarem a adoção esperando que os futuros filhos adotivos lhes dêem maior satisfação talvez,
até, que seus filhos biológicos, pois os criaram por gesto de caridade e não de obrigação. Assim
sendo, muitos pais adotivos esperam que as crianças adotadas lhes sirvam de amparo na sua
futura velhice. Estes são apenas alguns dos muitos mitos presentes em alguns postulantes à
adoção em todo o país, certamente ligada a todo um processo de total desinformação ao tratar
este assunto.
Em recente pesquisa realizada por Weber
44
sobre opinião acerca da adoção, constata-
se esta desinformação sobre o assunto. Percebeu-se que muitas pessoas acreditam que "é
interessante adotar crianças com mais de dez anos para que possam auxiliar nos serviços
43
WEBER, L.N.D. 1998.
44
WEBER, L.N.D. 1998.
domésticos", que "cedo ou tarde o filho adotivo vai dar problema", "uma criança adotada vai
sofrer preconceitos e ser tratada diferente pelos outros", entre muitos outros depoimentos.
Em relação a este tema, Fonseca
45
acredita que as crianças são acolhidas por duas
razões: uma é o prestígio que os pais adotivos passam a ter nas redes sociais; a outra se refere ao
prazer derivado do convívio com uma criança, pois as "crianças dão sentido a existência diária
[...] elas são onipresentes - heróis ou diabinhos - brincando de bola na rua, tomando banho de
lama depois da chuva, folheando gibis na casa de uma vizinha, etc. É por causa delas que se briga
(as crianças se atiram pedras, as mães não se falam mais) e é por meio delas que se faz
amizades”.
Percebe-se com isso que dar os filhos com garantia viva em contratos econômicos,
militares ou políticos, e ainda, sociais e afetivos, entre adultos, é uma prática observada em
diversos cantos do mundo, e, embora no Brasil, crianças e adolescentes tenham sido
contemplados com uma lei que acompanhou os passos da modernidade, alguns critérios de
subjetividade utilizados na sua operacionalização dificultam o acesso a algumas medidas. Os
cidadãos que não atendem aos modelos estéticos, culturais e econômicos, produzidos por uma
estrutura social antagônica, vivem o drama das desigualdades e são discriminados por suas
diferenças. É o caso das crianças e adolescentes declarados como abandonados que, por razões
vinculadas às suas particularidades, não conseguem ser inseridos em famílias adotivas.
Em razão de suas diferenças
46
, crianças e adolescentes sofrem determinações
derivadas das desigualdades produzidas na sociedade submetendo-as a critérios seletivos. Esses
diferentes, continuam a lotar instituições esperando, um dia, resgatar o direito e o desejo de ser
filho .
45
FONSECA, Cláudia. 1996, p.26.
1.4 Institucionalização x Adoção: uma resposta possível?
De acordo com Carvalho
47
, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 1990, do total de crianças e adolescentes existentes no Brasil, cerca de 53,5% vivem
em situação de pobreza, e muitas dessas crianças abandonadas e carentes convivem no chamado
processo de triangulação: casa, rua e instituição.
Igualmente à adoção, a prática de internar crianças órfãs e abandonadas existe
muito tempo, tendo como finalidade separar pessoas do convívio familiar e social por motivos
diversos, mas principalmente, por razões de doenças ou crimes.
O abrigo em entidade é entendido como uma alternativa de moradia provisória, que
pressupõe um contínuo empenho de restabelecimento para criança, da possibilidade da vida
familiar e da construção de seu projeto de vida. De acordo com o ECA, é considerado como
medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para posterior colocação das
crianças e adolescentes em família substituta, não implicando em privação da liberdade. (Art.
101)
A institucionalização de crianças foi criada como um dispositivo que pretendia
"proteger a criança", mas o que realmente ocorre é, simplesmente, uma segregação familiar e
social de crianças e adolescentes marginalizados (carentes, abandonados, doentes, autores de ato
infracional). Após o abrigamento de crianças - medida que deveria ser tomada como recurso
extremo e por curto período de tempo - existe uma grande probabilidade da ocorrência do
abandono em instituições.
46
Por serem negras, por estarem com idade acima dos considerados adotáveis (zero a dois anos), ou por possuírem
alguma doença ou deficiência física
Para Weber
48
, a criança institucionalizada é o protótipo dos resultados devastadores da
ausência de uma vinculação afetiva estável e constante e, ainda, dos prejuízos causados por um
ambiente empobrecido e opressivo ao desenvolvimento infantil.
Numa nova tentativa de definir os direitos da criança e do adolescente como dever da
família, da sociedade e do Estado, e que devem ser assegurados com prioridade absoluta, no
Brasil, em julho de 1990, foi promulgado o ECA, em substituição ao antigo Código de Menores
de 1979. Uma das prerrogativas mais básicas e primordiais do ser humano, e que consta nesta lei,
é o direito à convivência familiar e comunitária.
Uma das formas de devolver dignidade e respeito às crianças e adolescentes
abandonados proporcionando o direito primário de convivência familiar e comunitária, é a
adoção, que nesse sentido moderno ocorre necessariamente em situações chamadas de adoções
tardias (de crianças maiores), morais (crianças deficientes ou com graves problemas de saúde) e
inter-raciais.
Quando falamos de adoção, podemos entender que existem centenas de pessoas
querendo adotar uma criança, e também milhares de crianças esquecidas nas instituições,
desejando uma família substituta, e que esses segmentos podem encontrar-se.
Weber
49
, realizou uma pesquisa com pais e filhos adotivos e com a população em
geral indicando alguns determinantes para este desencontro de crianças e adolescentes
institucionalizados e postulantes à adoção. A principal variável encontrada resume-se em uma
palavra: preconceito, seja consciente, ou não. De acordo com as opiniões de boa parte da
população encontradas nesta pesquisa, as pessoas:
47
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (coord.). Cadernos de Ação - Trabalhando Abrigos. n.3. São Paulo:
Centro Brasileiro para Infância e Adolesncia, março 1993.
48
WEBER, L.N.D. Institucionalização X Adoção: um caminho possível? Boletim Adoção em Terre des Hommes.
Ano VIII, n.83/84, 26 de maio de 1996.
Têm medo de adotar crianças mais velhas (acima de seis meses), pela dificuldade na
educação;
Têm medo de adotar crianças de cor diferente da sua, pelo “preconceito dos outros”;
Têm medo de adotar crianças com problemas de saúde, pela incapacidade de lidar com a
situação, e pelas despesas que podem gerar;
Têm medo de adotar uma criança que viveu muito tempo em instituições de abrigos pelos
vícios que poderia trazer consigo;
Sentem medo de que os pais biológicos possam requerer a criança de volta;
Sentem medo de adotar crianças, sem saber a origem de seus pais biológicos, pois a
marginalidade dos pais seria transmitida geneticamente;
Culpabilizam os pais pelo internamento e abandono dos filhos, e pensam que o governo
deveria controlar a natalidade, principalmente em mulheres pobres;
Pensam que uma criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas;
Acreditam que a adoção visa, primordialmente, o adotante, e não a criança, sendo um último
recurso para pessoas que não conseguem ter filhos biológicos;
Acreditam que a adoção pode servir como algo para desbloquear algum fator psicológico, e
tentar ter filhos naturais;
Acham que quando a criança não sabe que é adotiva, ocorrem menos problemas, assim, deve-
se adotar bebês e fazer de conta que é uma família “natural”;
Acham que as adoções realizadas através dos Juizados são demoradas, discriminatórias e
recorreriam à adoção à brasileira caso decidissem adotar;
Consideram que somente os laços de sangue são fortes e verdadeiros.
49
Op.Cit.
Apesar da institucionalização de crianças e adolescentes ter surgido como uma
tentativa de solucionar o problema do abandono, vem se mostrando ineficaz, não atingindo as
verdadeiras causas dos problemas (miséria social, carência de apoio sócio-educativo...), uma vez
que não possibilita qualquer tipo de retorno às famílias de origem, acabando por excluir crianças
de uma convivência familiar e comunitária.
Parece-nos claro, então, que a institucionalização deste contingente de crianças e
adolescentes fadados ao abandono, não se constitui a melhor das soluções, pois acaba por privá-
los de um convívio afetuoso, que lhes permitem uma intimidade e cumplicidade, somente
possíveis numa relação familiar inexistente numa instituição.
Em contrapartida, não podemos pensar que os elementos e efeitos trazidos pela
institucionalização, sejam de um determinismo absoluto para sua vida futura. Esta situação
poderá ser passível de mudanças.
O encontro de laços afetivos é uma situação suficientemente poderosa e, por isso, a
adoção poder se traduzir em uma das maneiras de modificar a vida de crianças e adolescentes
esquecidos nas instituições, pois da mesma forma que existe todo um contingente de crianças
institucionalizadas, há centenas de pessoas desejando adotar um filho. E porque não unir esses
dois contingentes?
Como forma de enriquecimento do trabalho, destacaremos a seguir, algumas
modalidades da adoção dos chamados diferentes, ou seja, daqueles considerados inadotáveis por
possuírem características peculiares.
1.5 Resgatando o Direito de Ser Filho: um breve panorama sobre a adoção tardia
A adoção é considerada tardia quando a criança a ser adotada tiver mais de dois anos.
Tais crianças, ou foram abandonadas tardiamente pelas mães que, por circunstâncias pessoais ou
sócio-econômicas, não puderam continuar criando-as, ou foram “retiradas” dos pais pelo poder
judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em seu poder familiar
50
e, outras vezes, em
menor número, por serem crianças órfãs.
Vargas
51
nos lembra que, tanto na adoção tardia, como na vida, as chances de sucesso
ou fracasso das relações que se estabelecem, dependem da capacidade de suporte, de entrega, de
trocas afetivas, profundas verdadeiras entre os protagonistas.
Enquanto muitos postulantes esperam ansiosos para poder adotar um bebê,
percorrendo os mais diversos caminhos na sua busca, um grande número de crianças, que já
ultrapassaram os três ou quatro anos, aguardam uma família que os acolha. Porém, à medida que
passa o tempo, e elas crescem, esta possibilidade vai ficando cada vez mais remota.
Postulantes à adoção manifestam a vontade de viverem todas as experiências do filho,
desde as primeiras fraldas e mamadeiras; receios com relação à adoção de crianças maiores, que
se manifestam em medos das seqüelas psicológicas deixadas pelo abandono e institucionalização,
das influências provocadas pelo ambiente de origem, das dificuldades de adaptação, dos possíveis
ressentimentos guardados pela criança, dos “maus” costumes, das lembranças da família anterior,
dificultando a criação de novos vínculos familiares. Todas são razões que contribuem para a
diminuição das chances de adoção dessas crianças.
Em contrapartida, existem razões que impulsionam a adoção de uma criança que
passou a primeira infância, pois existem casos de futuros adotantes que, apesar de desejarem
50
Com a Lei 10.406/02 adotou-se o termo “poder familiar” em substituição ao termo “pátrio poder”, que seria a
denominação que a lei dá para o “poder” que os pais detêm sobre os filhos, ficando na verdade como um conjunto de
deveres que implicam em zelar pela pessoa e pelos bens dos filhos.
realmente um filho, temem a possibilidade de adotar uma criança que possa apresentar alguma
anomalia, e, acolheriam com maior tranqüilidade uma criança maior, cujo grau de saúde física e
mental, já esteja mais bem definido.
Em outras situações, para algumas pessoas já não tão jovens, atender às exigências de
um bebê, constitui um obstáculo, pois não possuem a energia necessária que a situação requer.
Todavia, sentem-se dispostos a ter outros cuidados, pertinentes de uma criança maior.
Da mesma forma, existem casais, com filhos adolescentes ou adultos, que têm a
vontade e disponibilidade afetiva para terem um outro filho. Como a adaptação com um bebê lhes
parece mais difícil, a opção por um menino, ou uma menina, mais independente, que já corre,
brinca, e exterioriza seus sentimentos, seria a mais adequada. Além disso, lhes daria a
oportunidade de se sentirem novamente jovens pais, revivendo experiências e permitindo dar um
amor paternal que nestes casos, está vivo e presente.
Em muitas situações, essas crianças de difícil colocação familiar, só conseguem ser
encaminhadas para adoção de famílias estrangeiras, embora estas também tenham preferência por
adotar crianças mais novas.
A adoção internacional, embora se constitua uma medida excepcional, de acordo com
o ECA, segundo Silveira
52
, é amplamente utilizada na colocação de crianças tidas como
inadotáveis em território nacional. Em virtude disso, discorreremos brevemente sobre as
particularidades da adoção de crianças e adolescentes em famílias estrangeiras.
51
VAGAS, Marlizete M. Adoção Tardia: um estudo do processo de adaptação criança-família. Boletim Adoção
em Terre des Hommes. Ano VII, n.69, 26 de março de 1995, p. 04
52
SILVEIRA, A.M. Particularidades da Adoção: a questão da etnia. São Paulo, 2002. Dissertação (Mestrado em
Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
1.6 A adoção Internacional e o Cenário Brasileiro
A adoção internacional passou a ter maior expressão com o envolvimento das nações,
expressando-se de forma mais acentuada após a Segunda Guerra Mundial, momento em que a
comunidade internacional passou a preocupar-se com a exclusão e o abandono sociais que, de
certa forma, surgiram paralelamente ao desenvolvimento industrial.
Segundo Gatelli
53
, na década de 60, a comunidade internacional e a Organização das
Nações Unidas (ONU, criada em 1945) já demonstravam uma preocupação no que se refere à
adoção internacional. Tanto que, em 1960, por iniciativa da ONU, a adoção por estrangeiros
passava a ser debatida com maior ênfase, e tornava-se objeto de discussão e estudo num
seminário na cidade de Leysin, na Suíça, onde se idealizaram os Fundamental Principles for
Intercountry Adoption - Leysin
54
.
O início das adoções internacionais concretizou-se após a Segunda Guerra Mundial,
especificamente quando crianças órfãs e abandonadas, principalmente da Europa, foram adotadas
nos Estados Unidos e Canadá; data-se um crescimento nos anos 50 e 60, com crianças da Coréia,
Vietnã e regiões asiáticas.
55
Em 1980, após o Vietnã e Coréia terem modificado suas leis, limitando a saída de
crianças, as agências internacionais voltaram suas expectativas para a América Latina.
O primeiro país latino-americano que incorporou a adoção internacional foi a
Colômbia, seguido do México, El Salvador, Honduras e, em um curto período de tempo, toda a
região.
53
GATELLI, João Delciomar. 2003.
54
Princípios Fundamentais para Adoção Internacional – Leysin, Suíça.
55
WEBER. L.N.D. 1998.
Segundo Weber
56
, existem várias formas de uma criança ir para o exterior; para tanto,
explicita duas delas:
Adoção legal – com o objetivo de conseguir uma criança para pessoas que não podem ter
filhos biológicos ou, visando o interesse da criança em encontrar uma família; e
Adoção supostamente legal – realizada a cargo das agências internacionais de adoção, com
subornos a funcionários e indução de mães ao abandono.
A adoção internacional é um assunto controvertido. Tem sido uma preocupação de
juristas em nível internacional, que tentam coordenar as diferentes leis nacionais, a fim de
prevenir contra abusos e garantir os direitos da criança adotiva. Os boatos sobre gangues que
seqüestram bebês para vendê-los no exterior circulam, no mínimo, desde o início da década de
70. Nos Estados Unidos e na Europa, jornais e livros contaram histórias grotescas sobre a compra
de bebês do terceiro mundo para uso em experiências médicas. Apesar de a maioria destas
histórias serem, sem dúvida, a sustentação de uma opinião pública ávida por assuntos
comoventes, é inegável que as autoridades brasileiras descobriram redes especializadas no
comércio da adoção internacional.
No Brasil, a primeira proposta de um plano de adoção internacional de crianças
carentes foi realizada pela Ministra da Saúde e da Família da França em 1976, ao encontrar-se
com o então Ministro Brasileiro da Previdência Social, Nascimento e Silva. Tal proposta não foi
bem vista por algumas autoridades brasileiras, mas o episódio serviu para despertar o governo
para o problema. Um novo Código de Menores foi promulgado nos anos seguintes, facilitando,
inclusive, a adoção por estrangeiros
57
.
56
Op.Cit.
57
GATELLI, João Delciomar. 2003.
Segundo Gatelli
58
, o Brasil é um dos países do Mercosul que já incorporou, em sua
legislação interna, os mecanismos necessários a uma adoção internacional, de acordo com as
exigências da Convenção Relativa à Proteção e à Cooperação em Matéria de Adoção
Internacional, concluída em Haia, em 29 de maio de 1993 (Convenção de Haia).
A adoção por estrangeiros, antes da Constituição Federal de 1988, que prevê a
possibilidade dessa adoção em seu artigo 227, §5º, era praticada no Brasil de duas formas: uma,
por escritura pública sem qualquer intervenção da autoridade judiciária, quando se tratava de
adotando que estivesse sob o pátrio poder
59
, e a outra, de menor em situação irregular, sob
intervenção e dependente do judiciário.
De acordo com Gatelli
60
, a adoção de criança e adolescente por escritura pública, hoje
proibida no Brasil, foi largamente utilizada, principalmente por poder se realizar sem a
participação direta dos adotantes, que se faziam representar por procuradores com poderes
especiais, o que é hoje, também, expressamente vedado por nossa legislação
61
.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que a colocação em família substituta
estrangeira constitui-se medida excepcional, e poderá ser condicionada a estudo prévio e análise
de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá um laudo de habilitação para
instituir o processo (arts. 31 e 52).
Quando funciona bem, mesmo que os pedidos nacionais tenham, sistematicamente,
prioridade, a adoção internacional serve principalmente para absorver crianças de difícil
colocação: negras, mais velhas ou que apresentam algum problema físico. Os pais estrangeiros
58
Op.Cit.
59
Hoje, denominado “poder familiar”, como já citado anteriormente
60
GATELLI, João Delciomar. 2003.
61
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), artigo 39, parágrafo único.
passam por um processo de seleção rigorosa, e a adaptação da criança à nova família é
monitorada, às vezes durante anos, após sua chegada.
De acordo com isso, Fonseca
62
, vê a importância em desmistificar a ideologia
filantrópica – por exemplo, os europeus ou norte-americanos que falam da adoção de uma criança
do terceiro mundo como um ato de “solidariedade norte-sul”. Esta solidariedade, que exclui todo
o contato com a família biológica das crianças adotadas, é mais baseada em estereótipos
mitificados do que na realidade.
Por isso, a autora não vê justiça colocando-se contrário à adoção internacional, uma
vez que são prioritárias as solicitações de casais brasileiros. Assim, “recusar pelo zelo xenófobo,
a permissão para estas crianças serem adotadas, seria apenas nacionalizar a miséria".
63
Como uma outra modalidade de adoção, considerada em conjunto com as demais
explicitadas linhas atrás, a adoção inter-racial no Brasil é permeada de mitos e estereótipos, os
quais conheceremos, mais profundamente, no capítulo próximo.
62
FONSECA, Cláudia. 1996.
63
FONSECA, Cláudia. 1996, p. 138.
CAPÍTULO II
ENTRE MITOS E PRECONCEITOS: OS DESAFIOS DA ADOÇÃO INTER-RACIAL
2.1 A Busca pelos Assemelhados: o preconceito racial no processo de adoção
A análise do processo de colocação em família adotiva põe na pauta de discussão, a
discriminação às crianças e aos adolescentes, que são marcados pela pobreza e pelas diferenças
étnicas.
A busca pelos assemelhados e a dificuldade de aceitar crianças que não se encaixem
nos padrões da estética vigente no imaginário da sociedade brasileira, são aspectos que têm sido
incorporados no interior das práticas judiciárias, e revelam a intolerância às diferenças raciais, e a
negação à diversidade étnico-cultural.
Embora seja uma prática antiga, a colocação de crianças em lar adotivo, como uma
alternativa de estruturação parental pelas vias dos laços de afinidade, multiplicou-se nas
sociedades modernas, principalmente com o crescimento do fenômeno do abandono nos grandes
centros urbanos industriais.
Através de dados históricos destacados anteriormente, ressaltamos o preconceito em
relação à adoção, explícito nas leis, que usualmente protegiam os filhos de sangue. No Brasil, a
Constituição Federal de 1988, conseguiu romper com a distinção legal vigente até este período.
A adoção constitui-se no ato de vincular a criança desamparada a uma nova família,
com os mesmos direitos de um filho biológico. Todavia, para que tal fato se concretize, vários
obstáculos, muitas vezes, são apresentados e, necessariamente, terão que ser vencidos para que a
adoção seja realizada.
Os obstáculos são vinculados a questões burocráticas e de ordem cultural, vinculadas
à criança e, conseqüentemente, aos adotantes, que normalmente criam obstáculos fazendo
restrições em relação ao adotando. Com isso, esquece-se que as crianças "disponíveis" à adoção,
estão precisando integrar uma família, e não apenas preencher um vazio de um casal, que não
teve condições de ter seu filho biológico.
Um dos objetivos do ECA é garantir aos que se encontram em situação de risco
pessoal e social o direito à convivência familiar, seja na modalidade da adoção, ou por outra
medida que lhes assegure a possibilidade de um pleno desenvolvimento. Mas muitas pessoas que
desejam adotar, estão em busca de um filho que não puderam conceber pelos laços da
consangüinidade, razão pela qual, procuram na adoção, a possibilidade de encontrar uma criança
para suprir esta ausência.
Os pretendentes em geral, quando indagados acerca de suas expectativas sobre a
criança que desejam como filho, argumentam que gostariam de adotar àquela que correspondesse
ao modelo que idealizaram, e que tenha traços raciais semelhantes aos seus.
Mesmo com os avanços em direção ao reconhecimento e garantia de direitos de
crianças e negros na sociedade brasileira, ainda permanece a ideologia racial de mais de cem anos
atrás. Deste modo, traços fenotípicos
64
, como a cor da pele, têm se constituído como um dos
principais entraves no acesso igualitário à justiça, mesmo em se tratando de sujeitos em situação
peculiar de desenvolvimento.
Silveira
65
alega que, quando indagados acerca da cor/etnia da criança desejada,
apenas 1,4% dos cadastrados revelaram que, particularmente este fator não era importante. Ela
64
São aspectos do indivíduo, as características que podemos observar, tais como: a morfologia, a fisiologia, o
comportamento, a cor da pele, a forma do nariz, a forma dos olhos, o tipo dos cabelos... (SILVEIRA, 2002).
65
SILVEIRA, Ana Maria. Particularidades da Adoção: a questão da etnia. São Paulo, 2002. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
afirma que esse aspecto conduz a hipótese de que, os traços raciais dos sujeitos são considerados
como um poderoso instrumento de elegibilidade no âmbito das adoções.
Enquanto prática social, a adoção é atravessada por crenças, valores e padrões de
comportamento construídos e vigentes até então.
Dentre os limites e preconceitos que atravessam o processo de adoção, verificamos o
preconceito racial, constituindo-se um dos sérios entraves quanto à escolha do adotado.
Na aplicação da medida da adoção, o grupo de origem negra que integra a relação dos
excluídos, parece se destacar negativamente dos demais. A intolerância às diferenças raciais se
configura na atitude de adotantes que expressam suas preferências, geralmente por crianças
brancas.
A população afrodescentente
66
foi e continua sendo vítima das formas societárias
mais opressivas, excludentes e autoritárias que, durante muitos séculos, construíram e
determinaram o viver em sociedade. Mas alguns setores da sociedade, atualmente, fingem não
perceber o fenômeno da discriminação, sofrido por esta parcela da população, fazendo assim,
com que reine a mitologia da igualdade entre etnias e povos, como forma de camuflar uma
realidade presente.
O Brasil é um país que possui uma população negra bastante grande, ficando atrás,
mundialmente, somente da Nigéria. Mesmo assim, há uma certa minimização e desqualificação
deste segmento nacional humano tão vasto e com grande presença sócio-cultural.
O preconceito contra a população afrodescedente brasileira instaura-se em todos os
setores da sociedade. Sendo assim, não poderia manifestar-se de forma distinta na adoção de
crianças e adolescentes afrodescententes.
Na adoção, o preconceito racial emerge a partir das exigências impostas pelos casais
requerentes, que ao se cadastrarem, expõem como idealizam e como desejam a criança, tratando a
questão como um ato mercantilizável.
Essas exigências são impostas, com o intuito de que seus futuros filhos se
assemelhem, o mais próximo possível, às características físicas dos postulantes, a fim de evitar
preconceitos futuros e constrangimentos à família.
Segundo Silveira
67
, a preferência pela cor/etnia
68
da criança está, muitas vezes,
relacionada ao preconceito encontrado no contexto da família extensa. Algumas pessoas revelam
que adotariam crianças sem fazer restrições a qualquer característica física, mas defrontam com
resistências por parte de seus familiares.
Uma pessoa que toma a decisão de adotar uma criança, cujas características raciais, ou
de cor de pele sejam diferentes das suas, tem grande probabilidade de enfrentar os preconceitos
no Brasil, pois vivemos numa sociedade em que os preconceitos são, direta ou indiretamente,
manifestados pelas pessoas. E por isso, muitas vezes cometemos injustiças, delitos contra as
crianças, sobretudo, em estado de abandono.
De acordo com Schreiner
69
, desde a década de 70 nos Estados Unidos, e mais
recentemente na Inglaterra, grupos de trabalhadores sociais têm se oposto à adoção e ao
acolhimento de crianças negras em famílias brancas. Em 1983, a Associação de Assistência aos
66
Estamos cientes que o termo afrodescendente pode não ser o mais adequado, mas foi uma opção que tivemos neste
momento, tomada em função de este termo estar sendo largamente utilizado pela mídia e por militantes do
movimento negro.
67
SILVEIRA, Ana Maria. 2002.
68
Segundo Silveira (2002), embora tenha aumentado significativamente o número de candidatos identificados como
sendo de origem negra, representados por um percentual de 5%, mais de 50% do total de candidatos cadastrados,
desejam adotar uma criança de etnia branca, independente de suas origens raciais. Isto leva a considerar que a
exclusão de origem negra no processo adotivo, é verídica também em famílias negras, ou seja, nem sempre os
adotandos são aceitos em seu próprio grupo racial. Destacamos isto, por estarmos cientes da situação, mas que não
nos alongaremos nesta discussão, por não estar pertinente ao objetivo do estudo.
69
SCHREINER, E.N.P. Identidade Negra e Adoção Inter-racial. Boletim Nas Janelas da Adoção. São Paulo, n.
22/23, p. 6-7, junho de 2000.
Trabalhadores Negros e Profissionais Coligados, apresentaram evidências à Comitiva Seleta da
Assembléia Legislativa em defesa da reivindicação a respeito de que as crianças negras deveriam
ser outorgadas exclusivamente a famílias negras. Vejamos as principais justificativas
apresentadas por eles:
As crianças negras que convivem com famílias brancas não chegam a desenvolver uma
identidade negra positiva, confundindo identidades e desenvolvendo um conceito negativo a
seu respeito, acreditando, ou mesmo desejando serem brancos.
A menos que sejam muito cuidadosamente treinadas e acompanhadas, as famílias brancas não
conseguem transmitir às crianças negras, a habilidade e "técnicas de sobrevivência" que eles
necessitam para lidar com as práticas racistas da sociedade.
As crianças crescerão sem a capacidade de relacionar-se com pessoas negras e, ao mesmo
tempo, terão experimentado a rejeição da sociedade branca.
Esta mesma autora relata ainda, que estudos que foram realizados nesta área têm
demonstrado que a maioria das crianças, que foram adotadas num sistema inter-racial, de fato
tiveram pouco contato com seu próprio grupo racial, pois suas famílias adotivas tendem a viver
em áreas predominantemente brancas e de classe média. Enquanto os estudos relatam um
considerável grau de ajuste familiar e bons resultados educacionais com crianças negras adotadas
por famílias brancas, existe a evidência de que, uma razoável proporção de crianças que, de
forma errada, se identificam como brancos e mostram uma preferência pela brancura.
Em outro estudo americano citado por Schreiner
70
, 30 crianças adotadas inter-
racialmente foram comparadas com outras 30 crianças negras adotadas por famílias negras. Em
ambos os grupos, as crianças tinham a idade aproximada de 14 anos. Elas eram diferentes em
70
SCHREINER, E.N.P. 2000.
suas próprias percepções raciais: enquanto as crianças adotadas com famílias afrodescendentes,
descreviam a si mesmos como negros, apenas um terço das crianças adotadas por famílias de
outra cor o fizeram deste modo; os outros se descreviam como mestiços, humanos, americanos
ou, em três casos como brancos. Os autores notaram que as crianças adotadas no sistema inter-
racial, que estavam vivendo em comunidades e freqüentando escolas integradas racialmente,
eram aqueles que, mais freqüentemente, descreviam-se como negros.
A adoção inter-racial evidencia todos estes desafios. E como o Brasil, que ficou na
contramão da história, como um dos últimos países a abolir as chagas da escravidão,
apresentando um número elevado de crianças e adolescentes afrodescendentes abandonados e/ou
em instituições de abrigo, como poderemos lidar com esse problema? A adoção poderá dar
resposta a essa indagação e dar solução a essa realidade fragmentada das crianças
afrodescendentes?
Na questão da cor da criança revela-se toda a pobreza das palavras
bonitas. Ninguém é racista, mas poucas ousam adotar crianças negras.
Para que a adoção colorida seja bem sucedida, deve existir por parte dos
pais (brancos) firmeza, maturidade, amor, que permitam ao seu filho,
enfrentar a sociedade hipócrita.
71
Alguns autores, por suas palavras, discordam do fato de crianças negras serem
adotadas apenas por famílias negras, como é o caso de Weber
72
, que acredita ser necessário
resgatar o verdadeiro sentido de proteção à criança e rever o conceito de criança adotável.
Segundo ela, criança adotável deve passar a ser toda aquela que não tem possibilidades de ser
criada por sua família de origem, e passa, portanto a estar pronta a integrar-se a uma família
substituta.
71
SCHUEPP citado por PAIXAO, M.F. O Preconceito Racial na Adoção de Crianças na Vara da Infância e da
Juventude de João Pessoa. João Pessoa, 1999. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social).
Universidade Federal da Paraíba. (grifo nosso), p. 68.
Small
73
, recomenda três aspectos principais sobre adoção inter-racial. Primeiro, as
Agências de adoção (no caso do Brasil, os Juizados de Infância e Juventude) deveriam efetivar
adoções inter-raciais em casas que fossem capazes de fornecer uma identidade racial positiva
para a criança, e em famílias que fossem capazes de propiciar a ela o aprendizado de técnicas
necessárias para conviver em uma sociedade racista. Segundo, essas agências ainda, deveriam ter
um programa de treinamento para pais que optassem por realizar uma adoção inter-racial. Em
terceiro e, por último, sugere que em adoções inter-raciais, as crianças devam ter idade inferior a
um ano.
Em 1993, os pesquisadores Kallgren e Caudill
74
avaliaram algumas agências de
adoção com o intuito de verificar se elas seguiam os passos recomendados por Small, em 1984.
Os resultados indicaram como pontos fortes das agências, a colocação de crianças em idade
precoce, a avaliação de capacidade dos adotantes em aceitar e conviver com diferenças étnicas, e
o aconselhamento sobre os preconceitos que permeiam este tipo de adoção. Em contrapartida,
constataram não estarem totalmente preparadas para identificar as necessidades da adoção inter-
racial, sugerindo que devam se esforçar um pouco mais em relação ao aconselhamento aos pais;
que providenciem leituras acerca do assunto; que organizem grupos de apoio para que esses pais
adotivos possam trocar experiências com outros em situação similar.
As pouquíssimas pesquisas existentes no Brasil acerca da adoção inter-racial,
explicitam um número bastante reduzido desse tipo de adoção. Rufino
75
, em recente pesquisa
realizada em algumas cidades catarinenses, em relação ao número de crianças e adolescentes
72
WEBER, L.N.D. 1998.
73
Citado por WEBER, L.N.D. 1998.
74
Op.Cit.
75
RUFINO, Silvana S. As Faces e as Contrafaces da Adoção Inter-racial: estudo da realidade catarinense.
Florianópolis, 2000. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social). Centro Sócio Econômico.
Universidade Federal de Santa Catarina.
afrodescendentes institucionalizados nas regiões do estado, constatou um número
surpreendentemente baixo, em relação às adoções inter-raciais. Vejamos:
Na região que se integra a cidade de Tubarão - a Região Sul -, uma cidade onde a população
afrodescendente corresponde a 8,11% do total de 95.062 habitantes
76
, constatou-se 7,11% de
crianças e adolescentes afrodescendentes, do total de crianças institucionalizadas. Ocorreu,
nos últimos três anos, um total de 109 adoções; 11% delas foram com crianças
afrodescendentes e destas, 58,33% de adoções foram inter-raciais
Na cidade de Joinville, integrando a Região Norte, com população de 347.151 habitantes,
onde 21,83% são de descendência negra. Do total de crianças institucionalizadas nesta região,
7,05% são afrodescendentes; em contrapartida, de um total de 123 adoções nesta cidade, 4%
das adoções foram com crianças desse grupo e destas, 75% caracterizaram-se como adoções
inter-raciais, no mesmo período citado acima.
Já na cidade de Lages, na Região Centro-oeste, com uma população estimada em 151.235
habitantes, com 15,17% de cidadãos afrodescendentes, 19,80% das crianças e adolescentes
institucionalizadas, também são afrodescendentes; nas adoções, de um total de 104, 7% delas
foram com estas crianças e, destas, 57,14% foram caracterizadas adoções inter-raciais.
Na Região Oeste, sendo representada pela cidade de Chapecó, 17,12% de uma população de
123.050 habitantes, são cidadãos afrodescendentes; 22,34%, do total de crianças
institucionalizadas, são crianças também afrodescendentes; e do total de 50 adoções, 12%
foram realizadas com estas crianças e, destas, 50% caracterizaram-se como inter-raciais.
Por fim, na região de Florianópolis - Região Central -, uma cidade com 9,93% de cidadãos
afrodescendentes, de uma população de 255.390 habitantes, 28,92% das crianças
76
Dados do Censo de 1991 (IBGE).
institucionalizadas são afrodescendentes; em contrapartida, apenas 5% do total de 62 adoções,
foram com crianças afrodescendentes e, destas, 66,67% foram inter-raciais.
Weber
77
, numa pesquisa realizada em todo Brasil constatou que 31% dos pais brancos
adotaram filhos pardos, e somente 4,5% adotaram crianças negras.
Em outro estudo específico da cidade de Curitiba - PR realizado por Weber
78
,
observou-se uma diferença significativa entre adoções nacionais e internacionais, envolvendo
crianças negras. Do número de processos em que constava a cor da criança adotada, somente 5%
dos brasileiros realizaram adoções inter-raciais, sendo que com crianças pardas. Em
contrapartida, 44% dos estrangeiros realizaram adoções inter-raciais com crianças pardas, e 12%
com crianças negras.
Assim, a realidade nos expressa uma maioria absoluta dos pretendentes tendo o sonho
de concretizar o desejo de paternidade. Com isso, procuram adotar crianças mais novas, com
características físicas semelhantes às suas, capazes de passarem por seus filhos verdadeiros. E,
como resultado de todo esse processo de características físicas impostas e escolhas, temos uma
fila de crianças negras, crescendo em instituições, aguardando, com cada vez menos esperanças,
o dia de ter um lar e constituir uma família.
Desta forma, percebemos a cruel realidade do abandono de crianças negras em
instituições e da adoção inter-racial, com seus entraves e desafios, em todo o território nacional.
A inserção de uma criança e ou adolescente em família adotiva está ligado ao desejo
daqueles que querem adotar. Conciliar as necessidades da criança com o desejo dos adotantes,
tem sido mais difícil do que se imagina, uma vez que, as necessidades da criança ou do
77
WEBER, L.N.D. 1998.
78
Op.Cit.
adolescente disponibilizados para adoção, devem se sobrepor a qualquer interesse daqueles que
desejam adotar.
Weber
79
, em sua pesquisa verificou que boa parte dos serviços de adoção do país
revelam uma postura contrária às adoções inter-raciais, embora quase sempre argumentam que
são os adotantes que têm preconceitos raciais. A autora cita o depoimento de uma senhora de São
Paulo que explicita esse preconceito: “a assistente social me disse, por telefone, que a criança
tinha um probleminha: ela era feia e negra”.
Numa pesquisa realizada numa das comarcas de São Paulo, Silveira
80
, demonstra que
muitos daqueles que atuam no processo de colocação de crianças em família adotiva, tendem a
considerar a proximidade racial, entre adotandos e adotados, como um fator necessário. Neste
sentido, constatou-se nas fontes documentais consultadas que há um maior detalhamento dos
traços fenotípicos das crianças disponibilizadas para a adoção. Além dos caracteres relativos à
cor, são considerados outros que dão visibilidade à aparência: “A assistente social nos comunicou
que Patrícia é uma criança parda clara... Quase branca; tem olhos castanhos e cabelos
encaracolados”.
Esta autora ainda constatou que os pretendentes, no geral, quando indagados acerca de
suas expectativas sobre a criança que desejam adotar, argumentam que gostariam de adotar uma
criança que correspondesse ao modelo que idealizaram, alguém que tenha traços raciais
semelhantes aos seus: 53,4% dos inscritos para adoção, independente de suas origens raciais,
desejam adotar uma criança de etnia branca.
[...] as preferências por cor/etnia da criança está, muitas vezes, relacionada ao
preconceito encontrado no contexto da família extensa. Algumas pessoas
79
WEBER, L.N.D. 1998, p.238.
80
SILVEIRA, Ana Maria. 2002, p.98.
revelam que adotariam crianças sem fazer restrições a qualquer característica
pertinente à sua identidade. Porém defrontam com resistências por parte de seus
familiares.
81
Outro destaque dado nesta pesquisa é o fato das categorias utilizadas para designar as
cores das crianças para adoção: além das categorias brancos, pretos, pardos-claros, pardos-
escuros e mestiços (crianças descendentes da raça amarela), existe ainda uma codificação de cor,
na qual o pardo é indicado como menos pardo ou mais pardo. O pardo nestas sub-divisões é
identificado pelos símbolos mais (recebendo um ou dois símbolos +), ou menos (-), que, de
acordo como as explicações obtidas dos profissionais, significa mais claro ou mais escuro.
Esta pesquisa indica ainda, que o direito à convivência familiar adotiva tem ocorrido
de maneira desigual quando se levam em conta alguns aspectos relacionados às características de
crianças e adolescentes, disponíveis para adoção. Partes da identidade destes sujeitos, como sexo,
idade, cor/etnia, por vezes, acabam se sobrepondo ao seu estado de vulnerabilidade, funcionando
como critérios que podem dificultar ou facilitar a sua colocação em lar adotivo.
[...] esta pesquisa vem confirmar que na escala do branqueamento, ser pardo
claro no contexto da adoção significa ser quase branco, e por conseguinte, ter
maiores possibilidades de acesso ao direito de conviver em família adotiva. No
entanto, ser preto, negroide ou com traços negroides predominantes, significa
permanecer institucionalizado e ter pouquíssimas chances de ser incluído na
ordem de ‘preferência nacional’.
82
81
SILVEIRA, Ana Maria. 2002. p.125
82
Op.Cit. p. 159.
2.2 Da Senzala às Sociedades Atuais: a busca de cidadania dos cidadãos afro-brasileiros
Conhecer os conceitos envolvidos no sistema das relações raciais no Brasil,
compreender o modo como eles operam, na teoria e na prática, é fator básico para se combater o
racismo.
De acordo com a Literatura, “o preconceito é um conceito antecipado e sem
fundamento razoável; opinião formada sem ponderação; superstição, convencionalismo”.
83
Como julgamento antecipado, a palavra preconceito é caracterizada pela formação de
uma opinião sem avaliação prévia dos dados e fatos. Esse pré-julgamento, por fim, poderá
acarretar ações contra grupos étnicos, religiosos, sociais ou qualquer outro que se identificar
como diferente, afastando-os, enquanto minorias
84
, da distribuição dos benefícios sociais.
Teodoro
85
, trabalhando conceitos relacionados ao racismo destaca o preconceito como
um conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos
fatos, idéia preconcebida e também como um julgamento ou opinião formada sem levar em conta
o fato que os conteste.
O preconceito pode manifestar-se de modo verbal, reservado, público e ainda
comportamental, sendo que neste último caso, é referido como discriminação que, por sua vez,
caracteriza-se pela atividade com o intuito de agressão, separação ou tratamento desfavorável
daqueles que tem raças diferentes, grupos étnicos diferentes.
83
FERNANDES, F. et.alli. Dicionário Brasileiro o Globo. 45ed. São Paulo: Globo, 1996.
84
Quando falo de minorias, falo em termos de visibilidade social e não em quantidade populacional, como o negro,
por exemplo.
85
TEODORO, Maria de Lourdes. Elementos básicos das políticas de combate ao racismo brasileiro. In.
MUNANGA, Kabengele (org.) Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo: Edusp/
Estação Ciência, 1996, p. 95-111.
Para Marinho
86
, a discriminação pode ser conceituada como o ato de identificar
diferenças e, a partir delas, afastar e distinguir. Ela é também, uma prática difundida e amparada
pelas teorias racistas, por ser sua resultante.
As teorias que sustentam a superioridade de uns sobre os outros, baseado em
diferenças biológicas ou étnicas, ou seja, a teoria racista, foi segundo Santos
87
, cultuada pelos
homens pelo medo do diferente, a incapacidade de se relacionar com o outro de forma igual, e a
necessidade de ser pertencente a um grupo entendido como superior.
No final do século XVII, com o Iluminismo e o progresso científico, alguns
estudiosos procuraram fundamentar por meio científico as idéias racistas, através de estudos que
comprovam as diferenças entre as raças.
Hoje, devido a diversos estudos genéticos, pode-se afirmar que as raças são iguais
geneticamente e que não existe nenhum fator que imponha a superioridade de uma raça sobre a
outra. Marinho
88
, afirma que as diferenças entre as raças são apenas culturais e/ ou geográficas,
pois as biológicas não existem. Segundo ela, o conceito raça já foi substituído pela expressão
grupos étnicos.
Assim, para os seres humanos, raça existe apenas uma: a humana. O que existem são
etnias. O termo etnia, por sua vez, tem origem etimológica de ethos, povo remetendo a idéia de
reunião de indivíduos pertencentes à mesma cultura, abordando influências culturais,
psicológicas, ambientais entre tantas outras.
86
MARINHO, Cláudia M.R. O Racismo no Brasil: uma análise do desenvolvimento histórico do tema e a
eficácia da Lei como instrumento de combate à discriminação racial. Florianópolis,1999. Trabalho de Conclusão
de Curso (Graduação em Direito). Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina.
87
SANTOS, Joel Rufino dos. O Que é Racismo. São Paulo: Brasiliense, 1994.
88
MARINHO, Cláudia M.R. 1999.
Segundo Cunha
89
, por muito tempo, pensou-se que a definição de grupo étnico
pertencesse à biologia. O critério que substituiu o de raça após a Segunda Guerra Mundial – essa
guerra que praticou um genocídio em nome da pureza racial – foi o critério da cultura. Grupo
étnico seria, então, aquele que compartilharia valores, formas e expressões culturais, e “embora
seja relativamente satisfatório o critério cultural, na medida em que corresponde a muitas das
situações empíricas encontradas, ele deve ser usado de modo adequado. Isso significa que devem
dele ser erradicados dois pressupostos implícitos: o de tomar a existência dessa cultura como uma
característica primária, quando se trata, pelo contrário, de conseqüência da organização de um
grupo étnico; e o de supor em particular que essa cultura partilhada deva ser obrigatoriamente a
cultura ancestral”.
Assim, grupos étnicos distinguem-se de outros grupos, por exemplo, de grupos
religiosos, na medida em que se entendem a si mesmos e são percebidos pelos outros como
contínuos ao longo da história, como portadores de uma cultura e de tradições que os distinguem
de outros.
Segundo Marinho
90
, na atualidade as principais noções teóricas do racismo derivam
das idéias desenvolvidas por Artur de Gobineau no século XVIII, deformando o sentido de raça,
utilizando-o para justificar diferenças e comportamentos contrários às raças consideradas
inferiores. Por meio desta teoria surge a doutrina Eugênica, objetivando “melhorar” as raças
humanas, impondo a raça branca como a superior, alegando estar sendo contaminada pela negra e
pela amarela.
89
CUNHA, Manoela C. Parecer sobre critérios de Identidade Étnica. In. Antropologia do Brasil: mito, história e
etnicidade. São Paulo: Brasiliense-EDUSP, 1986, p. 113-119.
90
MARINHO, Cláudia M.R. 1999.
Santos
91
, por sua vez, alega que as principais teorias racistas foram criadas visando
atingir os negros e os judeus; mas outros grupos sofrem identicamente com esta discriminação.
Na Grécia antiga, por exemplo, havia uma forma de racismo, a xenofobia
92
, que era alimentada
contra os bárbaros, como eram chamados aqueles que não eram gregos.
Outra manifestação racista ocorreu mais recentemente, no período da Segunda Guerra
Mundial, na Alemanha, entre os anos de 1939 e 1945, com uma política do estado nazista de
Hitler, acarretando o assassinato de cerca de seis milhões de judeus em virtude de um exaltado
nacionalismo.
De acordo com Guimarães
93
, a palavra racismo tem diversos significados diferentes.
Pode ser referido como sendo uma doutrina, científica ou não, que prega a existência de raças
humanas como diferentes qualidades e habilidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais. É
também denominado como um corpo de atitudes, preferências e gostos instruídos pela idéia de
raça e de superioridade racial, no plano moral, estético, físico ou intelectual.
Doutrinas distintas que competem o termo racismo, Appiah
94
, considera três cruciais.
A primeira doutrina é a visão do racialismo, de que tem características hereditárias, possuídas por
membros da espécie humana, que permitem dividí-las num pequeno conjunto de raças, de tal
modo que todos os membros dessas raças compartilham entre si certos traços e tendências que
eles não têm em comum com membros de nenhuma outra raça. Esses traços e tendências
característicos de uma raça, constituem, segundo a visão racialista, uma espécie de essência racial
e faz parte do teor do racialismo, que as características hereditárias essenciais das “Raças do
91
SANTOS, Joel Rufino dos. 1994
92
Xenofobia, s.f. Aversão às pessoas e coisas estrangeiras (do grego xenos + phobos) – FERNANDES, F. et.alli.
Dicionário Brasileiro Globo. 45.ed. São Paulo: Globo, 1996.
93
GUIMARÃES, A.S.A. Preconceito e Discriminação: queixas e ofensas e tratamento desigual dos negros no
Brasil. Salvador: Novos Toques, 1998.
94
APPIAH, K.A. Na Casa de Meu Pai: a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 33-
35.
Homem” respondam por mais do que as características morfológicas visíveis – cor da pele, tipo
de cabelo, feições do rosto – com base nas quais formulamos nossas classificações informais.
A segunda doutrina que este autor destaca é a que se poderia chamar de “racismo
extrínseco”: eles fazem distinções morais entre os membros das diferentes raças, por acreditarem
que a essência racial implica certas qualidades moralmente relevantes. A base da discriminação
que esses racistas fazem entre os povos é a crença de que os membros das diferentes raças
diferem em aspectos que justificam o tratamento diferencial; aspectos – como a honestidade, a
coragem ou a inteligência – incontrovertidamente considerados (ao menos na maioria das
culturas contemporâneas) aceitáveis como base para o tratamento diferencial das pessoas.
A terceira e última, seriam os racistas intrínsecos, ou seja, pessoas que estabelecem
diferenças morais entre os membros das diferentes raças, por acreditarem que cada uma tem um
status moral diferente, independentemente das características partilhadas por seus membros.
Assim como, por exemplo, muita gente presume que o simples fato de ser biologicamente
aparentada com outra pessoa – um irmão, uma tia, um primo – lhe confere um interesse moral por
essa pessoa, o racista intrínseco sustenta que o simples fato de ser de uma mesma raça é razão
suficiente para preferir uma pessoa à outra. Para esse racista, nenhuma quantidade de provas de
que um membro de outra raça é capaz de realizações morais, intelectuais ou culturais, ou de que
tem características que, em membros de sua própria raça, haveriam de torná-lo admirável ou
atraente, serve de base para tratar essa pessoa como ele trataria os membros similarmente dotados
de sua própria raça.
A não aceitação da diferença é uma das formas mais conhecidas de manifestação
racista. Também chamada de heterofobia, pode se manifestar através do segregacionismo
caracterizado pelo afastamento daquela raça considerada diferente, inferior ou de assimilação.
Santos
95
, atenta para dois tipos de segregações: uma é a chamada segregação racial,
podendo ocorrer de várias formas e a mais conhecida delas, o Apartheid, teve como cenário o
país África do Sul; a outra é a segregação extralegal, que não está expressa em leis, onde os
indivíduos discriminados passam a viver em guetos e freqüentar apenas alguns lugares
permitidos.
A assimilação é uma outra forma de manifestação heterofóbica. É também conhecida
como a teoria do branqueamento da raça negra; aqui, esta cultura ao invés de incorporada, é
“engolida” pela imposição branca por meio de suas crenças, religiões, políticas, gostos e
preferências, que passam a prevalecer.
No sistema brasileiro, segundo Santos
96
, mais do que o medo do diferente e a crença
na superioridade de uns sobre os outros, as teorias racistas também objetivam a manutenção do
status social, pois aqui, a discriminação ocorre contra o negro pobre, já que estes dois motivos,
muitas vezes se confundem, pois a grande maioria dos negros são pobres.
O racismo, assim, manifesta-se nos entremeios das atitudes e camuflado pela crença
de que o único problema existente é o econômico, ou seja, que o negro não tem possibilidades de
ascensão social em virtude de ser pobre, e não por sua etnia. A necessidade de preservar seu
espaço na sociedade faz com que muitos estabeleçam diferenças entre si, com a intenção de
pregar a superioridade de uma etnia sobre a outra.
A discriminação por sua vez, pode ser exercida de maneira direta e indireta. A direta,
diz respeito às atitudes expressas e regras claras, através de proibições, distinções e tratamento
desigual. Já a indireta, é manifestada não por meio de palavras ou atos; é conhecido como
racismo cordial, que se percebe através de olhares e gestos não intencionais distinguindo o
95
SANTOS, Joel Rufino dos. 1994.
96
Op.Cit.
diferente, ou ainda por atitudes que muitas vezes são vistas como brincadeiras. São os atos sutis,
que com aparente inexpressividade são considerados normais.
Na Convenção Internacional que discutiu sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação racial, esta expressão compreende a discriminação direta como “[...] qualquer
distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica, que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades
fundamentais no domínio político, econômico e social, cultural ou em qualquer outro domínio da
vida pública”.
97
O brasileiro convive quotidianamente com atitudes preconceituosas, mas parece haver
uma tendência de insistir em reduzí-las, caracterizando-se como ser cordial para provar que não é
racista. Silva
98
, afirma que o homem cordial, característica que, segundo ela, o brasileiro se
orgulha, alimenta o mito da democracia racial e omite o racismo, pois “pelo lado social e político,
o Brasil foi calcado em uma hierarquia, onde é comum aceitar a história da escravização do negro
e do índio, e conseqüentemente achar natural a miséria em que se encontra a massa de mestiços
oriunda desses negros e índios”.
Isso explica ainda, porque nos dias atuais ocorrem massacres contra estes povos,
como a queima de índios (episódio de Brasília) e se matam crianças na rua (episódio da
Candelária em 1992), como tentativas pitorescas de limpeza étnica.
Em algumas pesquisas de opiniões realizadas com objetivos distintos, muitas vezes a
pergunta sobre a raça do entrevistado é excluída com o pretexto de que esta indagação possa
97
SILVEIRA, Ana Maria. 2002, p.17.
98
SILVA, Érica Sarmiento da. O Mito da Democracia Racial: o mito do racismo cordial no Brasil – a visão
mitológica, antropológica e jornalística. Rio de Janeiro, 1999. Monografia (Graduação em Comunicação Social –
Habilitação em Jornalismo). Faculdade Estácio de Sá, p.80.
causar desconforto ou sensação de discriminação. Segundo Santos
99
, no censo de 1972, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) retirou a pergunta “Qual é a sua cor?”.
Alegou o presidente desta instituição que é inútil saber quantas são as pessoas de cor, pois não
temos nenhum problema racial no país.
Segundo Silva
100
, o homem cordial pode existir somente por interesses pessoais, pois
quando convém ao prestígio social, o mito entra em ação, mas quando não lhe é conveniente, o
racismo assume a sua devida posição. Expõe que,
o mito, esconde, na realidade a verdadeira hierarquia e os conflitos da
sociedade brasileira, porque faz parecer que tudo é harmonioso, que
apesar das diferenças, todos estão realmente juntos, não importando as
diferenças de cor [...] que todos admiram a beleza da mulata [...] com um
mito que acoberta os conflitos em nome de uma história bonita.
Esse racismo cordial vem sendo apontado como a forma mais comum de racismo no
Brasil, e por não ser expresso, torna-se na prática mais complicado caracterizá-lo, mais difícil de
combater e amenizar a denúncia do racismo por meio de uma lógica absurda: se não há racismo,
não há motivos para se organizar e lutar contra algo que não existe. Desta forma, enfraquecem os
movimentos, e, por conseqüência, todo o poder de manifestação da população negra.
É sabido que a população negra é segregada socialmente, e sua ascensão social é
dificultada devido a razões históricas e estruturais; a mobilidade social dessa população é vista
como uma exceção à regra; no esporte, na política, nas artes e no campo intelectual; os modelos
para a população negra são poucos, principalmente aqueles que, ao alcançarem postos de
destaque, procuram assumir sua negritude, e contribuir para que mais negros atinjam uma
99
SANTOS, Joel Rufino dos. 1994.
100
SILVA, Érica Sarmiento da. 1999, p.81.
identidade social satisfatória. Essa falta de oportunidades, implica que tal população seja
visualizada como inferiores, acabando por fazê-los acreditar que realmente o são.
Referente às possibilidades de desenvolver uma identidade pessoal, ao negro foi
dificultado, mesmo estando relacionado aos seus ancestrais. Segundo Chagas
101
, a queima de
arquivos que documentava a chegada de escravos ao Brasil, dificulta o conhecimento sobre seus
dados biográficos, que em sua maioria, são incompletos e omissos. Diferentemente acontece com
o grupo branco, que, mesmo filho de imigrantes conhece e valoriza suas raízes: “[...] referente à
identidade do eu, como conseqüência dos aspectos anteriores, o eu do negro, despido de bom
nível de auto-estima, é fragmentado pela dicotomia branco-negro, prevalecendo a negação da
negritude”.
A visão estereotipada do negro que é disseminada pela ideologia atinge o objetivo
desejado, discriminando-o como inferior de forma a ser assumida como verdade indiscutível e
mantendo assim, os argumentos que justificariam tratamentos desiguais para negros e brancos.
Para Bandeira
102
, a vertente cultural revelou e comprovou a negritude de nossa
cultura, como catalisadora de nacionalidade e brasilidade, ainda que não tenha patrocinado o
reconhecimento nacional dos direitos sociais dos seus agentes. A percepção social do potencial
político do reconhecimento da negritude cultural, como conteúdo de identidade nacional, vem
sendo manipulada e desgastada pelos ‘brancos’ através da folclorização da cultura negra.
É exatamente desta forma que os estereótipos com suas funções sociais vão contribuir
para criação e preservação de ideologias de grupos, para explicar ou justificar uma variedade de
ações sociais.
101
CHAGAS, C.C. Negro: uma identidade em construção. Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p.20.
102
BANDEIRA, Maria de Lourdes. Território Negro em Espaço Branco. São Paulo: Brasiliense, 1998.
O estereótipo é um termo de origem grega, composto pelo binômio stereos, que
significa rígido, e tipos, que significa modelo. Ele indica, portanto, um modelo rígido a partir do
qual se interpreta o comportamento de um sujeito social, sem considerar o seu contexto e a sua
intencionalidade. Ele seria um “complexo de idéias aceitas sem a mais fundada crítica a respeito
de uma situação, classe, raça ou grupo social particularizado; complexo de atos favoráveis ou
desfavoráveis, atribuído por componentes de um grupo em relação a outro”.
103
Segundo Pereira
104
, os estereótipos envolvem um processo onde os indivíduos que
pertencem a um determinado grupo apreendem a simbologia que envolve a estereotipia, e
reproduzem-na ao longo da história, garantindo a manutenção das diferenças identitárias entre os
grupos.
Para este mesmo autor, os estereótipos representam atribuições de um grupo sobre
outro e podem ser de dois tipos que se intercomplementam por não existir uma fronteira
demarcada entre eles: referentes às características não-psicológicas de um grupo (por exemplo, a
sua riqueza ou poder, condições ecológicas em que vive, sua cor de pele), e referentes às suas
características psicológicas.
Os estereótipos e preconceitos se mostram como produção consensual de um
determinado grupo e servem como categorias explicativas das diferenças étnicas. Essas
categorias, ao traduzirem as diferenças, são articuladas dentro da conjuntura de uma nação de um
grupo perante outro.
Tanto no passado como no presente, esta prática da estereotipia contra o negro é
utilizada de forma sutil, mas obtém grandes resultados.
103
OLIVEIRA, Anselmo P. O discurso da Exclusão na Escola. Joaçaba: UNOESC, 2002, p. 21.
104
Op.Cit.
Os livros didáticos e a televisão continuam mantendo o padrão discriminatório, ou
evidenciando em gravuras e textos a raça negra em desenhos desvalorativos, ou simplesmente
omitindo a figura do negro.
Conclui-se com isso, alertando o dano que essa prática provoca contra o negro,
especialmente a criança negra, em pleno momento de evolução, estaremos
contribuindo para devolver ao negro o que lhe é constantemente negado – o
direito de ser diferente. [...] a escola que, para criança é o início da inserção na
sociedade já recebe a criança negra segregando-a; a mesma prática é percebida
nas igrejas, centros de lazer, revistas infantis, enfim em todos os veículos de
comunicação social.
105
O sistema escolar, principalmente a rede pública, onde se concentra a maioria da
população negra, utiliza métodos e procedimentos didáticos inadequados a essa população, o que
favorece ao longo dos anos, reprovação e conseqüente evasão escolar.
Conforme visualiza Baía
106
, se o professor resolve, numa de suas aulas com seus
alunos de primeiras séries ensinar-lhes o uso do dicionário e escolher as palavras negro e branco,
as crianças vão encontrar a definição de negro e de branco, respectivamente, como: “que recebe a
luz e não a reflete; preto. Escuro. Sombrio. Denegrido, requeimado do tempo, do sol. Lutuoso,
fúnebre. Que causa sombra. Que traz a escuridão. Tenebroso. Tempestuoso. Indivíduo da raça
negra. Escravo; homem que trabalha muito” e “da cor do leite ou da neve; alvo, cândido, claro:
[...] diz-se da raça caucásica. Que é dessa raça [...] limpo. [...] homem da raça caucásica. Patrão,
senhor [...]”.
Com isso, a criança negra tende, não raras vezes, a negar a sua identidade social e sua
pertença racial nos espaços que interage, onde é vista de modo inferior, subalterno e feio. De
outro lado, a criança branca assimila uma auto-estima positiva: superior, dirigente, bonita.
105
CHAGAS,C.C. 1996, p. 29.
Essas crianças reproduzem atitudes que traduzem a forma pela qual foram
formadas em núcleos de sociabilidade primária, como a família, a secundária
como a escola. Isto é: os negros são inferiores, não merecem respeito; os brancos
são superiores. Portanto, as construções da identidade social da criança se
produzem por entre as experiências vividas por ela nos grupos sociais.
107
Quando a história conta de forma ingênua a saga do povo negro
108
, e quando a sua
cultura é utilizada no que se convém ao lucro (carnaval, por exemplo) e a folclorização, e não
valorizada e incentivada, nega-se ao negro a possibilidade mínima de conquistar uma identidade
pessoal, social e racial satisfatória.
Na realidade brasileira o preconceito contra o negro é fabricado de forma sutil e
eficaz, ressaltando-se, conforme esboça Chagas
109
, as seguintes formas:
a) Respaldo na legislação, sendo sedimentados em atos oficiais que decretam a marginalização
do povo negro;
Bula Papal de 16 de junho de 1452 – conferido ao rei de Portugal permissão para invadir,
buscar, capturar e subjugar os sarracenos, pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de
Cristo.
Lei complementar a Constituição de 1824 – proibindo negros de freqüentarem escolas, por
que eram considerados doentes de moléstias contagiosas;
106
BAÍA, W.A. A Criança Negra nos Currículos Escolares: notas em curso. “Novas Identidades na Amazônia:
crianças e adolescentes em destaque” – Anais do V Seminário Avançado em Serviço Social. Mestrado em Serviço
Social – Universidade Federal do Pará. Belém, maio de 2000, p. 73.
107
BAÍA, W.C. 2000, p.73.
108
A historiografia oficial transmitiu por muito tempo a idéia depreciativa do negro passivo e submisso, que teria
aceitado, sem reação, a sua escravização, porque a instituição escravista já lhe era familiar na sua terra de origem.
Essa imagem foi desmentida pela atmosfera de tensões permanentes que marcaram o Brasil durante os três séculos
de escravidão: suicídios e fugas dos escravizados, assassinato dos mestres, revoluções. (MUNANGA, 1996)
109
CHAGAS, C.C. 1996.
Lei de Terras de 1850, n. 601 – a partir desta nova lei as terras só poderiam ser obtidas
através da compra. As terras conquistadas pelos negros na formação dos quilombos eram
agora vendidas a preços inacessíveis a eles;
Lei do Ventre Livre – 1871: institucionalização do ‘menor abandonado’ e ‘menino de rua’.
Lei do Sexagenário – 1885 – institucionalização do desamparo à velhice.
Decreto 528 – Emigrações Européias (1890) – exclusão do negro do trabalho nas indústrias;
b) Escamoteamento da discriminação racial, através da falsa imagem de que não há racismo no
Brasil;
c) Ideologia do branqueamento, que tem como conseqüência à ausência de modelos negros em
que se possa respaldar e facilitar que ele se assuma enquanto raça. Há, inclusive, a
colaboração intencional dos meios de comunicação nesse sentido;
d) Disseminação do sentimento de culpa no negro, responsabilizando-o pela condição de
indignidade e subvida em que vive;
e) Ufanismo
110
que aliena e esconde a exploração e desvalorização da raça e cultura: apologia da
mulata como objeto sexual, folclorização da religião;
f) Omissão da história real do negro.
A redução do grupo negro a condições de indignidade e não cidadania, culmina com
uma má conseqüência para esta população: o negro acaba assumindo-se como responsável e
causa de tudo que lhe é atribuído pela sociedade; ao assumir sua inferioridade, responsabiliza-se
pelo tratamento desigual.
São conseqüências danosas para o povo negro, que o afetam em seus aspectos
psicológicos e sociais, que Chagas
111
resume assim:
110
Ufanismo, s.m. Otimismo quanto às possibilidades do país. Fonte: TERESARIOL, Alpheu. Minidicionário da
Língua Portuguesa. Erechim-RS: Edelbra, 1996.
Ausência ou baixo nível de auto-estima;
Negação da etnia negra;
Identidade atribuída pelo grupo branco;
Apatia, inércia, desesperança;
Assunção da inferioridade e auto-responsabilidade por não atingir ascensão social.
Sem uma auto-estima positiva, um grupo social não pode, através do processo de
comparação social, sentir-se com os mesmos direitos que os outros grupos e, assim, iniciar um
movimento em direção a mudanças sociais.
Não possuindo uma identidade social satisfatória e aceitando as categorizações
externas, sem tentar mudanças pessoais e/ou sociais, o grupo negro acaba colaborando na
manutenção dos estereótipos.
Os estereótipos atribuídos aos negros – inferior, incapaz, vadio, indolente, e muitos
outros – aliados à força dos meios de comunicação, que lhes confirma essas imagens e idéias,
mantém tanto o grupo branco como o grupo negro com essa visão desvalorativa acerca dessa
etnia. Como conseqüência, há a dificuldade de o povo negro assumir a sua negritude e algumas
vezes, até leva a busca de identificação com as características da etnia branca, negando a sua
própria etnia.
Segundo Appiah
112
, nas obras dos sofistas pré-socráticos há argumentos no sentido
de que é o caráter individual, e não a cor da pele, que determinavam o valor de uma pessoa. Os
gregos identificavam os povos por sua aparência característica, tanto em aspectos biológicos,
como a cor da pele, dos olhos e do cabelo, quanto em questões culturais, como penteados, o corte
da barba e os estilos de vestuário. E, embora tivessem uma opinião negativa da maioria das
48
CHAGAS, C.C. 1996.
culturas não gregas – chamavam os estrangeiros de bárbaros -, eles respeitavam muitos
indivíduos de aparência diferente (em particular quanto à cor da pele) e presumiam, por exemplo,
haver adquirido muito de sua cultura do povo de pele mais escura do Egito. Já no velho
testamento, como seria de se esperar, o que se considera característico nos povos, são menos a
aparência e os costumes, do que sua relação, através de um ancestral comum com Deus.
A identidade que o grupo negro introjetou para si continua sendo atribuída pelo poder
hegemônico do grupo branco que tem a seu favor todos os recursos, inclusive impunidades que
favorecem a manutenção dessa postura perversa.
Por isso, destaca-se a importância, da tomada de consciência de que existem
impedimentos concretos para que o processo de tornar-se negro inicie sua evolução. Chagas
113
,
expõe algumas propostas e estratégias de mobilização:
Divulgação da cultura negra;
Não à prática de atitudes preconceituosas na família;
Ocupação de espaços que favorecem gerar modelos negros em situação favorável à auto-
estima;
Tomar conhecimento da verdadeira história da raça negra;
Incentivo por parte das famílias a assumir a diferença étnica, valorizando-a;
Necessidade de estar ligado à fonte que motive o desenvolvimento da auto-estima;
Valorização da raça e criação de condições de conscientização e auto-aceitação, entre tantas
outras.
A questão do negro hoje ressalta o aspecto da luta na medida em que identidade
étnica pode servir de via à sua afirmação como ator social e político.
49
APPIAH, K. 1997.
113
CHAGAS, C.C. 1996.
Ao dizer que alguém é negro, adjudicamos mentalmente determinada cultura. A
expectativa é que ele sambe, que seja malandro e bom de bola, que esteja ligado a um orixá - e
teríamos mais expectativas, se conhecêssemos mais do seu contexto cultural. Se ele não faz nada
disso, é visto como um negro diferente.
Santos
114
, alega que não sabemos qual o desenho exato das culturas negras brasileiras
– elas não aparecem isoladas de outras: o que há são contextos justapostos, mas formando um
continum, o que permite a um indivíduo participar de vários contextos ao mesmo tempo, que na
atualidade, coincidem cada vez menos com as etnias.
Mas pergunta-se: o que é enfim, um negro? Uma identidade incertamente biológica,
inconscientemente histórica, seguramente sociológica e imprecisamente cultural?
Este autor, conta um caso de Malcom X, o maior líder do movimento negro dos
Estados Unidos, que quando criança, sua mãe, uma mulher clara de cabelos lisos, arranja um
emprego reservado a brancos. Certo dia houve um problema em casa e o garoto correu ao
emprego dela para prevení-la. No dia seguinte foi despedida, porque, tendo um filho preto, quase
certamente pertencia à raça negra.
Este incidente não aconteceria desta forma no Brasil, seria até mesmo inimaginável,
pois aqui não existe segregação legal ou formal e a discriminação se faz, geralmente, com base na
cor e não na etnia. Isso nos remete a pensar que grande parte da população, e talvez uma maioria,
se autoclassifica como quer. A não ser que seja inquestionavelmente negro (pela cor), o negro o
será se quiser. Influirá também, é claro, o que os outros acham que ele é.
Surge então outra indagação: porque o desejo de branquear? Certamente para fugir
das injustiças que resultam do processo de hierarquização racial existente no Brasil, que coloca o
branco no topo, e o negro na posição de inferior na escala social.
(...) revolto-me diante do ‘novo negro’, que ‘quer subir na vida’ e isolar-se
‘daquela gentinha negra’ e repudia os movimentos negros
115
, ‘ porque eles dão
azar’. Os três casos traduzem o ardil da democracia racial fictícia, cuja função é
aprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem à negação de si próprio,
constrangê-lo a ver-se como ele pensa que é visto pelos brancos. A pessoa
interage com seu mundo, e para resguardar sua identidade, precisa começar por
negá-lo e transformá-lo.
116
D´Adsky
117
, lembra que “cidadão de segunda categoria, o negro pode valorizar sua
identidade a partir da tomada de consciência da sua marginalização, sem a qual se torna difícil
para ele reivindicar seu lugar ao sol”.
A experiência histórica específica dos negros - a escravidão – deixou-os marcados
durante muitas gerações, o que segundo Munanga
118
, teria atrasado seu acesso e sua participação
em diversos setores da vida nacional, criando um declínio e uma certa estagnação econômica em
relação aos membros de outros grupos étnicos. Combinando esse passado histórico com a
discriminação racial, continua a prejudicar a etnia negra: “as estatísticas sobre indicadores
econômicos relacionados à população negra estão hoje disponíveis graças a reintrodução no
quesito Cor no censo oficial, a partir de 1980, devido às reivindicações dos movimentos negros”.
O acesso do negro ao sistema produtivo caracteriza-se por uma concentração
desproporcional nos setores de atividades que absorvem a mão-de-obra menos qualificada e
menos remunerada. Daí a desigual participação entre negros e brancos na distribuição da renda
nacional e no consumo do produto social, evidenciando uma estrutura em que os preconceitos e a
discriminação racial têm um papel fundamental.
114
SANTOS, Joel Rufino dos. A Questão do Negro na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1990.
115
Movimento Negro é o conjunto de instituições e personalidades que, desde então, travam organizadamente a luta
contra o racismo. (SANTOS, 1990, p.6)
116
FERNANDES, Florestan. O Significado do Protesto Negro. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989, p.26.
117
D’ADSKI, Jacques. Pluralismo e Multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. São Paulo, 1997.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Universidade de São Paulo, p.85.
Segundo Munanga
119
, a historiografia oficial transmitiu por muito tempo a idéia
depreciativa do negro passivo e submisso, que teria aceitado, sem reação, a sua escravização,
porque a instituição escravista já lhe era familiar na sua terra de origem. Essa imagem foi
desmentida pela atmosfera de tensões permanentes que marcaram o Brasil durante os três séculos
de escravidão: suicídios e fugas dos escravizados, assassinato dos mestres, revoluções. As fugas
em bandos organizados e a formação de quilombos, constituem manifestações de resistência ativa
e podem ser interpretadas como estratégia de ruptura, como tentativas de libertação e de
construção de novo modelo de sociedade, inspirado nos quilombos africanos.
Com isso, explicita-se a idéia de que as vitimas do racismo não cruzaram os braços,
passaram por um processo de conscientização, permitindo desvendar as máscaras da democracia
racial.
No contexto desse processo, na véspera da revolução de 1930, alguns negros se
reuniram em São Paulo para criar a Imprensa Negra, com intuito de denunciar as práticas
discriminatórias evidentes no mercado de trabalho, no ensino e nos espaços de lazer. Dessa
imprensa, nascera em 1931, a Frente Negra, considerada como o maior movimento racial de
caráter explicitamente político, que transformada em partido político em 1936, foi suprimida pela
ditadura Vargas, como os demais partidos políticos. No entanto, seu sopro reaparece no fim da
ditadura, em 1945, através da Primeira Convenção Nacional do Negro Brasileiro e do Teatro
Experimental do Negro, para retomar a luta racista reprimida
120
.
118
MUNANGA, Kabengele. O Anti-Racismo no Brasil. In. MUNANGA, Kabengele (org.) Estratégias e Políticas
de Combate à Discriminação Racial. São Paulo: Edusp: Estação Ciência, 1996, p. 82.
119
Op.Cit.
120
MUNANGA, Kabengele. 1996, p. 83-84.
Os movimentos negros com o sentido de desencadear a tomada de consciência da
população negra, surgiram inicialmente em solo americano. No Brasil, os movimentos emergiram
com os quilombos, como grandes marcos de revolta contra o poder dominador.
Na década de 60, apesar das ações de revolta (individual ou coletiva) não serem
caracterizadas como negritude, o sentido da palavra começa a ganhar amplitude na poesia, no
teatro (TEN - Teatro Experimental do Negro, em 1944), na imprensa negra, da Frente Negra
Brasileira em 1937, da Associação de Negros Brasileiros em 1945; e em 1978, surge o
Movimento Negro Unificado (MNU) com o objetivo de combater o mito da democracia racial.
121
No início do movimento negro, uma das principais reivindicações era a criação de leis
mais severas, que punissem o agressor racista, uma vez que verificamos que as leis brasileiras,
desde o império, se desenvolveram de forma camuflada e pouco visível.
Das antigas legislações brasileiras, nem as Ordenações Filipinas e nem o Código
Criminal de 1830, continham dispositivos que penalizassem a discriminação racial. Somente com
o fortalecimento do movimento abolicionista que, em 28 de setembro de 1871, foi aprovada a Lei
do Ventre Livre (n.º 2.040, conhecida também como Lei Rio Branco) declarando livres todos os
filhos de mulheres escravas nascidas a partir da data da lei. Após esta, foi criada a Lei dos
Sexagenários (n.º 3.270) em 1885, libertando automaticamente todo escravo que atingisse 60
anos de idade. E logo após, veio a Lei Áurea (n.º 3.553) de 13 de maio de 1888, extinguindo
definitivamente a escravidão no país.
Após seis décadas de declarada extinta a escravidão brasileira, a Lei Afonso Arinos –
nome do legislador e autor da proposta - n.º 1.390 de 03 de julho de 1951, inclui contravenções
penais à prática dos atos resultantes de preconceito de raça ou de cor. Segundo esta lei, as práticas
consideradas como discriminação racial não são enquadradas como crime, mas sim uma simples
contravenção penal. “Esperou-se mais de sessenta anos para editar uma lei contra a discriminação
não-existente ‘oficialmente’, lei que, diz-se en passant, não teve nenhuma eficácia”.
122
É com a Carta Magna de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, que se mantém a
garantia de igualdade perante a lei e inaugura a constitucionalização do crime de preconceito à
raça. Mas é somente em 1988 – marco brasileiro de luta pelos direitos humanos - que a
Constituição Cidadã faz referência à prática de racismo e não somente da discriminação racial.
Em conseqüência da atual Constituição Federal, e um século após a Abolição, foi
promulgada uma nova lei, graças às pressões dos movimentos negros: em 05 de janeiro de 1989
é aprovada a Lei Caó (n.º 7.716), de autoria do Deputado Carlos Alberto de Oliveira,
criminalizando a discriminação racial, mas não definindo os crimes resultantes de manifestações
verbais do preconceito. Este somente foi contemplado pela Lei n.º 9.459 de 13 de maio de 1997,
que trata do “crime do preconceito” alterando os artigos 1.º e 20.º da Lei Caó:
Art. 1.º serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional
[...]
Art. 20.º [...] praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
raça, etnia, religião ou procedência nacional.
123
Esta lei acrescenta ainda, um terceiro parágrafo ao artigo 140.º do Código Penal, para
apenar com reclusão de um a três anos e multa, a injúria que consiste na utilização de elementos
referentes à raça, cor, etnia religião ou origem.
Apesar da lei em vigência representar um avanço, ao considerar qualquer prática
discriminatória como um crime inafiançável e sujeito à reclusão, não se mostrou eficaz, porque é
121
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO: 1978-1988, 10 anos de luta contra o racismo. Salvador, 1988.
122
MUNANGA, Kabengele. 1996, p. 87.
123
MARINHO, Cláudia M.R. 1999.
preciso, nesse domínio, comprovar a flagrância e apresentar testemunha que, de praxe, não é da
cor da vítima negra.
Segundo Turra e Venturi
124
, em épocas recentes, no ano de 1988, o país ocupava a
70º posição da lista de qualidade de vida da ONU. Na distribuição de cor, o negro ficaria na 108º
posição mundial de qualidade de vida, enquanto os brancos na 48º posição. Estes autores nos dão
outros dados:
50 % dos negros têm renda individual mensal, no máximo de dois salários mínimos;
O salário médio pago aos negros no mercado de trabalho da grande São Paulo é de
praticamente a metade do salário pago aos brancos pela mesma função;
Os negros detêm apenas 1% nos postos de trabalho em nível estratégico no país;
Entre profissionais igualmente preparados, o branco tem 90% mais chances de ficar com vaga
no emprego;
Num universo de mais de 5.000 pessoas entrevistadas, apenas 4% dos negros conseguiram
acesso ao nível superior;
Os não brancos no Brasil têm 4/5 anos de média de escolaridade, os brancos 6/7 anos;
Apenas 2% dos aproximadamente 50 mil alunos da USP (Universidade de São Paulo) são
negros;
A expectativa de vida dos negros é de 64 anos, enquanto dos brancos é de 70 anos;
Hoje os negros e mulatos correspondem a 10% da classe média brasileira.
Apesar desses dados, não se pode negar que a população negra conseguiu algumas
vitórias nos últimos anos, como as leis explicitadas anteriormente.
124
TURRA, C., VENTURI, G. (orgs.) Racismo Cordial: a mais completa análise sobre preconceito de cor no
Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
Há um reconhecimento por parte da sociedade brasileira de que de fato a população
negra foi e vem sendo prejudicada no acesso a vários espaços de estrutura social, no emprego, na
educação. A ausência de políticas públicas implica prejuízos irreparáveis a este segmento.
Segundo Munanga
125
, a partir dos anos 80, sente-se uma mudança de atitude e de tom
de voz por parte de algumas personalidades políticas e governamentais, uma espécie de confissão
ainda tímida sobre a existência do racismo no Brasil, do preconceito e da discriminação racial de
fato. Com a abertura democrática, quase todos os partidos políticos começaram a oferecer espaço
aos candidatos negros a partir das eleições de 1982.
Em 11 de maio de 1984, o Senhor André Franco Montoro, então governador do
Estado de São Paulo, cria o Conselho de Participação e de Desenvolvimento da Comunidade
Negra, tendo como finalidade, desenvolver estudos relativos à condição da Comunidade Negra;
propor medidas que visassem à defesa de seus direitos; e a eliminação da discriminação racial
que impede a sua plena inserção na vida econômica, política e cultural.
De acordo com Munanga
126
, na ocasião da instalação dos membros deste Conselho,
em 29 de Agosto de 1984, o Senhor Tancredo Neves, candidato à presidência da República na
época, enviou um telegrama ao governador André Franco Montoro com o seguinte conteúdo:
Esta campanha devia começar em São Paulo, por tudo que esse importante
Estado representa na assimilação e no interesse de todas as raças, respeitando
todas as crenças, ao aproveitar e criar meios para que a construção do progresso
não seja apenas privilégio de alguns, mas o direito de todos. Se for eleito, como
espero, essa será uma das minhas preocupações, como Presidente da República.
Essas palavras revestiram uma importância particular para a Comunidade Negra, pois
foi a primeira vez que um candidato à presidência da República, se interessou por seus
problemas.
Em 1988, ano do Centenário da Abolição, ocorre a criação da Fundação Cultural
Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura. No tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares,
rememorado em 20 de novembro de 1995, os discursos sobre a necessidade de implementação
das políticas, ações afirmativas, ações positivas, discriminações positivas, políticas
compensativas, enfim, todas as expressões equívocas e equivocadas inspiradas na realidade norte-
americana, soaram com muita força, ocupando o lugar dos discursos habituais.
Em 1996, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, é criado o Grupo de
Trabalho Interministerial (GTI) para Valorização da População Negra, vinculado ao Ministério
da Justiça e à Secretaria dos Direitos da Cidadania, formado por representantes da sociedade civil
e do governo federal, com o objetivo de inserir a problemática negra da agenda nacional. Este,
dividiu sua área de atuação em dezesseis áreas estratégicas, chamadas Grupos Temáticos que são:
Informação – quesito cor; Trabalho e Emprego; Comunicação; Educação; Relações
Internacionais; Terra (Remanescentes de Quilombos); Políticas de Ação Afirmativa; Mulher
Negra; Racismo e Violência; Saúde; Religião; Esportes; Legislação; Estudos e Pesquisa –
Ciência e Tecnologia; Cultura Negra; Política e Estratégia. Esse GTI foi criado e em pouco
tempo, extinto.
Com o atual presidente da República, foi instituído, através de Decreto, em 10 de
março 2003, um Grupo de Trabalho Interministerial, para elaborar proposta para a criação da
Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial. Diz o seguinte:
Art. 1º. Fica instituído, no âmbito da Presidência da República, Grupo de
Trabalho Interministerial para elaborar proposta para a criação da Secretaria
Especial de Promoção da Igualdade Racial, voltada, precipuamente:
125
MUNANGA, Kabengele. 1996.
126
MUNAGA, Kabengele. 1996, p. 87.
I - à coordenação das ações relativas à política nacional de combate ao racismo
e às práticas resultantes de preconceito de descendência ou origem nacional ou
étnica;
II - à formulação, acompanhamento e avaliação da política nacional de defesa
dos que sofrem preconceito ou discriminação racial ou étnica;
III - promoção das articulações necessárias à implementação da política
nacional de combate ao racismo e à discriminação racial ou étnica.
127
O Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, 21 de março, foi a data
da criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Esta data, criada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1969, é uma lembrança aos mortos no massacre
de Shaperville, África do Sul.
Em 21 dias do mês de março do ano de 1960, 20 mil negros saíram pelas ruas da
cidade de Johannesburgo, na África do Sul, protestando contra a lei do passe, que obrigava as
pessoas a andarem com cartões de identificação. A África do Sul vivia o auge do apartheid, um
regime que promovia a segregação racial através de leis e práticas públicas. De acordo com a
Constituição do país, todos eram obrigados a usar os cartões que estabeleciam locais por onde
elas podiam ou não passar. Apesar de ser um protesto pacífico, o exército sul-africano atirou
covardemente sobre os manifestantes de Shaperville. O resultado foi trágico: 69 mortos e 186
feridos. Como lembrança desse dia de luta da população negra mundial, a ONU aprovou, em
Assembléia Geral de 21 de novembro de 1969, o Dia Internacional pela Eliminação da
Discriminação Racial.
Foi no dia 21 de março de 2003 então, que o Diário Oficial da União publicou a
Medida Provisória, criando a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial,
nomeando Matilde Ribeiro
128
como primeira titular.
127
Decreto de 10 de março de 2003. Disponível em: <www.portalafro.com.br>. Acesso em: 05 mai. 2003.
128
Matilde Ribeiro, que tem status de ministra, é assistente social, militante negra e feminista doutoranda em Serviço
Social pela PUC-SP, e tem como área de especialização Políticas Públicas e Gestão Ambiental, assessorou o
As propostas para a formulação da nova Secretaria foram tiradas do programa “Brasil
sem Racismo”, referência para a construção da política pública assumida como uma peça do
programa de governo do então presidente Senhor Luís Inácio Lula da Silva. Nele constam nove
áreas para intervenção sobre a questão racial: Terras de quilombos; Trabalho, Emprego e Renda;
Saúde; Educação, Cultura e Comunicação; Mulher; Juventude; Segurança; Relações
Internacionais; Gestão Pública, Governo e Sociedade.
Esta secretaria deverá assessorar diretamente o presidente da República na
formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade
racial. A Medida Provisória também dá um prazo de 90 dias para constituir um grupo de trabalho
para elaborar proposta de regulamentação do Conselho Nacional de Promoção de Igualdade
Racial (CNPIR).
São palavras do presidente Senhor Luís Inácio Lula da Silva durante a cerimônia de
criação desta secretaria:
Essa situação injusta e cruel (de discriminação) é produto da nossa história de
escravidão que durou quatro séculos no Brasil, deixando marcas profundas em
nosso convívio social, mas também é resultado da ausência de políticas públicas
voltadas para superá-las.
129
Além da criação desta Secretaria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indica para
uma das vagas abertas no Supremo Tribunal Federal (STF), com a escolha do primeiro negro
para ocupar uma cadeira de ministro da mais alta corte do país, Joaquim Benedito Barbosa
Sindicato dos Metalúrgicos no ABC, nas questões de gênero e raça, e foi coordenadora da Assessoria dos direitos da
Mulher de Santo André – SP e integrou o governo Lula de transição.
129
Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de posse da Ministra Matilde Ribeiro, na
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, no Dia Internacional de Combate à Discriminação
Racial Disponível em: <www.sintuf.org.br>. Acesso em: 05 mai.2003.
Gomes
130
. A escolha inédita no Brasil de um negro para o Supremo Tribunal Federal tem caráter
simbólico e é uma vitória dos movimentos de defesa de direitos humanos, em especial, os que
trabalham no combate ao preconceito racial. É também uma sinalização de que o governo Lula
pretende dar espaço a políticas de combate ao preconceito, somando-se à criação da Secretaria de
Políticas e Promoção da Igualdade Racial.
Apesar de toda essa evolução legal, das conquistas dos movimentos sociais negros, e a
idéia de que o racismo não tenha diminuído, consideramos como pontos positivos todas as
mobilizações e lutas sociais para que chegássemos aaqui.
Em contrapartida, a falta de possibilidades de ascensão na sociedade, a opressão, a
segregação social e econômica, são formas de racismo que não são atingidas pela lei. Esta forma
de racismo impede o crescimento da população afro-brasileira, como o acesso às escolas e ao
mercado de trabalho de forma igualitária.
No Brasil, de um modo geral o negro é visto como uma figura que somente possui
méritos como jogador de futebol ou como músico; a mulher negra é considerada como símbolo
sexual, enfatizando seu erotismo, encerrando-se assim suas qualidades.
O racismo na sociedade brasileira é tão implícito nas concepções de relações sociais,
que seus protagonistas não se percebem mais racistas. Toda a carga da herança cultural que
modelou a sociedade brasileira é tão fundamentada no racismo, que nem os próprios negros
escaparam à assimilação de sentimentos contrários à raça negra.
130
Joaquim Benedito Barbosa Gomes, 48, é procurador da República no Rio de Janeiro e em Brasília desde 1992,
Negro e com atuação marcada pelos trabalhos sobre ação afirmativa contra o racismo, tendo publicado o livro "Ação
Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade". Formado pela Universidade de Brasília, em 1979, atuou como
advogado também no Rio, nos EUA e na França. Fez mestrado em direito constitucional, direito administrativo e
direito público comparado e doutorado em direito público pela Universidade de Paris-2. Professor-adjunto do
Departamento de Direito do Estado da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Segundo Santos
131
, devido ao mito da democracia racial, entende-se que o negro tem
maior dificuldade em vencer por culpa exclusiva sua, já que as condições estão à disposição de
todos. Nessa concepção, o negro teria culpa exclusiva de sua não ascensão social e a idéia que o
racismo lhe persegue.
Mas o racismo brasileiro é bastante evidenciado na vida dos cidadãos afro-brasileiros.
Segundo Vergara
132
, em São Paulo, a morte violenta, através da arma de fogo é a causa mais
freqüente de morte entre os negros. A educação também se constitui um “privilégio” da
população branca, pois o analfabetismo entre os negros chega a ser o dobro observado entre os
brancos.
No mercado de trabalho observamos as diversas dificuldades da população negra que
reúne poucas possibilidades de ingressar na escola ou faculdade. Essa população, que geralmente
é “pobre”, sofre com diversos problemas para obter boa qualificação. O acesso ao trabalho é
outra limitação, por meio de baixos salários e políticas discriminatórias, já no processo de
seleção, com o fator “boa aparência” que historicamente exclui cidadãos afro-brasileiros.
A pesquisa jornalística realizada pela Folha de São Paulo e a DataFolha, no ano de
1995
133
, confirma em números, que a democracia racial é mesmo um mito. Segundo dados,
apesar de 89% dos brasileiros afirmarem existir preconceito de cor contra negros, somente 10%
admitem ter um pouco ou muito preconceito, mas, de forma indireta, 87% revelam algum
preconceito, ao pronunciar ou concordar com enunciados preconceituosos, ou admitir
comportamentos de conteúdo racista em relação a negros. Segundo Turra e Venturi
134
, “os
131
SANTOS, Joel Rufino dos. 1994.
132
Vergara citada por MARINHO, Cláudia R.M. 1999.
133
TURRA, C.; VENTURI, G. 1995.
134
Op.Cit, p.11.
brasileiros sabem haver, negam ter, mas demonstram, em sua imensa maioria, preconceito contra
negros”.
Como conclusão a esta pesquisa, estes autores acrescentam ainda que,
Esta pesquisa apresenta de certa forma uma radiografia da 'democracia
racial' brasileira. Ela mostra que a grande maioria dos brasileiros não
acredita nela e ao mesmo tempo procura praticá-la ou ao menos dar a
impressão do que o faz. [...] negros, pardos, brancos e outros se
distinguem quase, tanto na convicção de que os brasileiros têm
preconceito de cor - branco contra preto, preto contra branco - quanto à
negação de que ela ou ele pessoalmente seja preconceituoso. E para tornar
o quadro ainda mais enigmático, poucos são os negros e pouquíssimos os
pardos que dizem já terem sido discriminados.
135
Em contrapartida a isso, buscando-se a concretização de políticas que venham
"corrigir" os efeitos do racismo e o desequilíbrio da balança social, em alguns países começou-se
a estudar a implantação das políticas de Ação Afirmativa.
Com a criação (e rápida extinção) do Grupo de Trabalho Interministerial para a
Valorização da População Negra pelo governo de Fernando Henrique Cardoso em 1996,
cresceram as discussões sobre a implantação de políticas de Ação Afirmativa no Brasil.
Ações afirmativas são medidas especiais e temporárias tomadas pelo Estado
e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo
de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade
de oportunidade e tratamento, bem como a compensar perdas provocadas pela
discriminação e a marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de
gênero e outros (...) elas visam combater os efeitos, no presente, das
discriminações ocorridas no passado.
136
Ela pode ser entendida como um conjunto de estratégias políticas, cuja finalidade é
promover a igualdade de oportunidades sociais, por meio de um tratamento preferencial daqueles
135
TURRA, C.; VENTURI, G. 1995, p.11-12.
que historicamente tem sido perdedores na disputa pelas oportunidades sociais. É também
definida como políticas de discriminação positiva.
De acordo com Marinho
137
, nos Estados Unidos a ação afirmativa foi implantada pelo
presidente Richard Nixon, visando assegurar vagas para a população negra em universidades e
repartições públicas, determinando cotas obrigatórias de participação dos negros nestas
organizações, com o objetivo de tentar anular os efeitos e impedimentos que esta população
sofreu. Os negros querem a existência da ação afirmativa, ao contrário dos brancos, que
entendem ser um racismo "invertido", pois beneficiaria uma parte da população por causa da sua
cor.
Marinho
138
, afirma existir, em relação à implantação da ação afirmativa no país, duas
posições.
Uma delas, favorável, acredita que os objetivos serão alcançados por meio da
promoção da igualdade entre pessoas, seja através de políticas públicas, ou de normas que
garantam um espaço proporcional ao tamanho da população afro-brasileira. Desta forma,
possibilitaria meios efetivos e adequados para que essa população consiga sua ascensão social,
por meio da eqüidade de oportunidades.
A outra, é contrária, por acreditar que essa prática somente agravaria o racismo
proporcionando benefícios específicos a somente algumas pessoas, simplesmente em virtude de
sua cor. Assim, aumentaria a prática racista com o argumento de que os negros não teriam
condições de ingressar em algumas instituições, se não fossem as políticas de Ação Afirmativa.
136
GRUPO DE TRABALHO INTERMINISTERIAL – População Negra. Ministério da Justiça, Secretaria dos
Direitos da Cidadania. Brasília, 1996, p.10.
137
MARINHO, Cláudia M.R. 1999.
138
MARINHO, Cláudia M.R. 1999.
As duas posições citam o caso norte-americano para pautar suas análises: a primeira
acredita que essa prática estaria sendo extinta dos Estados Unidos, pois os objetivos já teriam
sido alcançados; a segunda acredita que essa prática estaria sendo eliminada em virtude de não ter
alcançado seus objetivos.
Desde 2000, tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado, alguns projetos de lei
prevendo cotas para negros em todo país, como o projeto do ex-senador Abdias do Nascimento,
que prevê reserva de 40% das vagas em universidades e empresas, e o da ex-senadora e atual
Ministra da Assistência e Promoção Social Benedita da Silva, que repassa ao estado a tarefa de
obrigar as empresas de comunicação à contratação de pelo menos 40% dos negros em todas as
etapas de sua produção.
No âmbito dos movimentos sociais, alguns projetos de lei estão em discussão tratando
da criação do Fundo Nacional para Políticas de Ação Afirmativas, do Conselho Nacional de
Promoção da Igualdade de Oportunidades, e ainda outras, que dispõe sobre a diversidade étnico-
racial nas empresas, universidades, em uma aplicação similar das políticas de ação afirmativa nos
Estados Unidos.
Assim como algumas universidades do país já adotaram o sistema de cotas para
negros, como é o caso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), aqui em nosso estado,
a comissão de estudos para a elaboração da proposta de políticas públicas de ação afirmativa da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) definiu em 20% o percentual de cotas para
negros na universidade. Este índice somente deverá ser inserido no vestibular para ingresso em
2004, já que a universidade precisa de tempo para se adequar à nova situação.
Enfim, mesmo com a evolução legal apresentada anteriormente, relativa aos crimes de
racismo não terem diminuído, ressaltamos um ponto favorável: o grande crescimento das
discussões acerca do problema. Mas ainda se faz necessário que o problema do racismo seja
"admitido" por toda a população, por meio de discussões objetivas e inteligentes, para que se
resulte em soluções reais e não somente paliativas, ou que venham a camuflar toda essa realidade
expressa; e que o grupo negro possa ter mais visibilidade social e, conseqüente, a auto-estima
recuperada.
A raiz da falta de auto-estima
139
dos afrodescendentes está num passado de
escravidão, quando milhares de homens e mulheres foram arrancados de sua terra, trazidos à
força, ameaçados e torturados. O massacre emocional e mental que o negro sofreu e ainda sofre é
intenso. As mensagens de inferioridade que vivencia no dia-a-dia, fazem com que ele, sem
perceber, as assuma como verdadeiras. Transformar esses conceitos envolve todo um processo de
autoconhecimento.
Conforme estudos americanos citados anteriormente, a maioria das crianças que
crescem em um ambiente onde suas identidades raciais são negadas, tendem a desenvolver uma
atitude emocional não saudável em relação às suas origens étnicas, pois “desde criança,
recebemos e aprendemos a introjetar ideologias que a sociedade pretende perpetuar e a família é a
instituição que inicia a pessoa nesse aprendizado. Depois, outras instituições dão continuidade a
este processo”.
140
Como sabemos, as primeiras vivências da criança influenciam diretamente o processo
de formação da identidade social. Chagas
141
, para explicar este fenômeno recorre a Piaget. Para
este pesquisador,
o desenvolvimento do juízo moral da criança descreve a transição do estágio em
que o valor das opiniões é avaliado mais pela origem daquelas do que pelo seu
conteúdo para o estágio em que a criança começa a interagir e a cooperar com
139
SILVA, Ana Maria et.alli. (1999) tem a auto-estima como a estima por si próprio; é a pessoa gostar de si mesma,
aceitar-se com os defeitos e virtudes, dar o merecido valor às qualidades que possui e buscar corrigir as suas
dificuldades.
140
CHAGAS, C.C. 1996, p. 27-28.
141
Op.Cit, p. 37
seus iguais. Ela começa a assumir, conceitualmente, o papel do outro. Tudo isso
depende do desenvolvimento do pensamento operatório, mas também da
‘emergência de uma nova moralidade’, a passagem da coação à cooperação. Esta
passagem não se fará, se a criança estiver exposta a uma só fonte de informação
e enquanto estiver com medo dessa verdade.
Desta forma, a infância tem papel fundamental para a formação de futuros
preconceitos e conflitos, mantendo-se ao longo da vida, sensível aos contextos que a sociedade
“impõe”.
Segundo Silva
142
, a criança que cresce sem ter garantidas as suas necessidades básicas
de afeto, atenção, alimentação e higiene terá a sobrevivência seriamente comprometida. A
identidade do ser humano é formada através da relação com o outro, com base no processo
original de identificação.
Essa identidade passa pela cor da pele, pela cultura, ou pela produção cultural do
negro; passa pela sua contribuição histórica na sociedade brasileira, de sua visão de mundo, de
sua religião. Mas isso não quer dizer que para se sentir negro, seja preciso necessariamente,
freqüentar o candomblé ou outras religiões africanas, não quer dizer que se tenha que escutar
samba ou outro tipo de música dita negra. Isso faz parte de um processo de consciência. A partir
do momento em que se valorize essa religião, essa música, essa arte como cultura diferente, e não
inferior às outras culturas, isso basta para construir uma identidade positiva.
E ainda, consideremos que hoje, brancos e negros brasileiros compartilham, muito
mais do que percebem, modelos comuns de comportamento e idéias: “os primeiros são mais
africanizados, e os segundos, mais ocidentalizados do que acreditam”.
143
142
SILVA, Ana Maria et.alli.Gostando Mais de Nós Mesmos: perguntas e respostas sobre a auto-estima e a
questão racial. 2ed. São Paulo: Gente, 1999.
143
MUNANGA, Kabengele. Mestiçagem e identidade afro-brasileira. In: OLIVEIRA, I. (coord.) Relações Raciais e
Educação: alguns determinantes. Niterói-RJ: Intertexto, 1999, p. 15
Segundo Munanga
144
, os movimentos negros organizados enfatizam a reconstrução
de identidades como uma das plataformas mobilizadoras no caminho para a conquista da
cidadania, preconizando que cada grupo respeite sua imagem, memória coletiva, respeitando ao
mesmo tempo a identidade dos outros. Mas esta proposta esbarraria numa mestiçagem cultural,
pois o espaço do jogo de todas as identidades não é delimitado explicitamente:
Como cultivar seu jardim se não é separado dos jardins dos outros? No Brasil
atual, as cercas e as fronteiras entre as identidades vacilam, as imagens e os
deuses se tocam, se assimilam e se unificam; por isso, tem-se certa dificuldade
em construir identidade racial e/ou cultural “pura”, que não se mistura com a
identidade dos outros.
145
Por isso, propomos analisar a adoção inter-racial, numa relação fundada na interação
de sujeitos diferentes, buscando promover uma experiência, em que esse encontro se traduza
numa ocasião de crescimento para ambos os lados, reconhecendo reciprocamente seus direitos e
dignidade, como forma de considerar os aspectos positivos, e não de exclusão de uma relação
entre etnias diferentes: isso é a educação intercultural.
144
Op.Cit.
145
MUNANGA, Kabengele. 1999, p. 16.
CAPÍTULO III
TRANSITANDO ENTRE CULTURAS: A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL COMO
EXPERIÊNCIAS DE ENCONTROS
3.1 Educação Intercultural: a complexidade da relação entre culturas diferentes
Pensar no surgimento da tematização da Educação Intercultural implica relacioná-lo
ao fenômeno da globalização - do saber e das comunicações pensando a unidade humana na base
de sua diversidade cultural - e o aparecimento de novos padrões de regulação social.
146
As sociedades do século XXI, com a globalização entre continentes distantes, que
aparentemente afirmaria a necessidade de articulação das diferenças culturais, e a superação das
desigualdades, parecem, ao contrário, fortalecer as diferenças culturais e desigualdades, com o
surgimento de novas formas de exclusões sociais, colocando o problema da sociabilidade, da
convivência entre indivíduos e grupos, como um desafio constante.
Atualmente as relações sociais e interculturais baseiam-se na busca por novas
modalidades de gerar conhecimentos. Pode-se verificar isso, no debate entre o monoculturalismo
– compartilhamento por todos os povos e grupos de uma cultura universal – e o multiculturalismo
– reconhecimento de que cada povo e grupo social desenvolvem, historicamente, uma identidade
e cultura próprias.
Para além desse debate, tem-se a perspectiva intercultural, que é aquela baseada na
interação e na reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de crescimento cultural e de
146
STOER, Stephen. Desocultando o vôo das andorinhas: educação inter/multicultural crítica como movimento
social. In: Transnacionalização da Educação: da crise da educação à “educação” da crise. Porto: Afrontamento,
2001, p. 245-275.
enriquecimento para ambos os lados, estabelecendo uma relação crítica e solidária entre as
diferenças.
A Declaração sobre Raça e Preconceitos Raciais, um documento da UNESCO
147
datada de 1978, foi um dos primeiros textos a propor os conceitos fundantes da Educação
Intercultural. Ela afirma que “todos os povos e grupos humanos, qualquer que seja a sua
composição ou sua origem étnica, contribuem conforme sua própria índole para o progresso de
civilizações e das culturas, que na sua pluralidade e em virtude de sua interpretação, constituem o
patrimônio comum da humanidade”, enfatiza ainda que “o processo de descolonização e outras
transformações históricas conduziram a maioria dos povos precedentemente dominados a
recuperar sua soberania de modo a fazer com que a comunidade internacional seja um conjunto
universal e ao mesmo tempo diversificado”, reconhece assim, “o direito de todos os povos
humanos à identidade cultural e ao desenvolvimento da sua própria via cultural no contexto
nacional e internacional”.
148
Segundo Scherer-Warren
149
, o multiculturalismo e as relações sociais interculturais
destacam-se como temas da atualidade e de grande relevância neste período da história. Com a
globalização, não sendo apenas um fenômeno econômico, mas que também ocorre nas dimensões
culturais e políticas, vêm se impondo com mais força no cenário mundial, o desafio de novas
relações interculturais. “No plano político, os movimentos sociais tornam-se cada vez mais
transnacionais; e no cultural enfrentam o desafio da hibridação, da diversidade e do respeito à
diferença”.
147
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
148
FLEURI, Reinaldo Matias. Desafios à Educação Intercultural no Brasil. Revista Percursos. Florianópolis: NEEP,
Outubro de 2000, p. 115-116.
149
SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos Sociais e a Dimensão Intercultural. In. FLEURI, Reinaldo M. (org.)
Intercultura e Movimentos Sociais. Florianópolis: Mover/NUP, 1998, p.31.
Desta forma, ainda que se verifique uma tendência à homogeneização com a expansão
da dimensão econômica da globalização, é pela expansão de suas dimensões culturais e políticas
que “os novos movimentos sociais, de mulheres, ecológicos, regionais, étnicos e outros, se
organizam a partir de suas identidades coletivas específicas”, nas décadas de 60 a 80, exigindo
reconhecimento, respeito às diferenças culturais e defendendo novos direitos, desencadeando a
“crescente interação destes movimentos entre si, [...] surgindo a necessidade de abertura ao outro
e à reciprocidade nas trocas”.
150
Através da dimensão cultural e política da globalização, com a exaltação do mútuo
respeito à diferença, emana a abertura ao outro, que implica numa prática de convivibilidade e de
reciprocidade entre indivíduos oriundos de diversas culturas.
Tanto o multiculturalismo quanto o interculturalismo, referem-se aos processos
históricos em que as culturas entram em contato e interagem entre si, mas o reconhecimento da
diversidade cultural admite diferentes enfoques.
Segundo Fleuri
151
, os termos Multi ou pluricultural indicam a situação de
coexistência, um ao lado do outro, sem haver, necessariamente, uma interação entre os grupos
culturais diferentes. Por outro lado, o termo transcultural e a perspectiva transcultural identificam
estruturas semelhantes de relação social, sem que as culturas interajam entre si.
Diferente disso, a relação intercultural indica a situação onde pessoas de culturas
diferentes entram em interação, considerando não apenas o processo histórico de coexistência entre
as diferentes culturas, mas também uma proposta de mudança.
O interculturalismo supõe a deliberada inter-relação entre diferentes culturas. O
prefixo inter, indica uma relação entre vários elementos diferentes: marca uma reciprocidade
150
SCHERER-WARREN, Ilse. 1998. p. 31
151
FLEURI, Reinaldo Matias. 2000.
(rompendo com o isolamento) e, ao mesmo tempo uma separação (diferença); refere-se ainda a um
processo dinâmico marcado pela reciprocidade de perspectivas: representações sociais construídas
em interação.
A Educação Intercultural assim, apresenta-se como,
[...] um processo, ou seja, um caminho aberto, complexo e multidimensional,
pois envolve uma multiplicidade de fatores e de dimensões: a pessoa e o grupo
social, a cultura e a religião, a língua e a alimentação, os preconceitos e as
expectativas. [...] não se traduz a uma simples relação de conhecimento: trata-se
da interação entre sujeitos. Isto significa uma relação de troca e de reciprocidade
entre pessoas vivas, com, rostos e nomes próprios, reconhecendo reciprocamente
seus direitos e sua dignidade. Uma relação que vai além da dimensão individual
dos sujeitos e envolve suas respectivas identidades culturais diferentes.
152
Uma relação entre culturas diferentes produz confrontos e visões de mundo distintas,
contribuindo para que os indivíduos modifiquem seu modo de compreensão da realidade, uma
vez que dá possibilidades de compreender e assumir pontos de vista diferentes de interpretar as
relações a que estão expostos, traduzindo-se em oportunidades de crescimento da cultura pessoal
de cada um, na busca por modificar o que impede a construção de uma sociedade mais justa, mais
livre e solidária.
A complexidade da relação entre culturas coloca em evidência a necessidade de se
considerar a existência de uma fronteira cultural, uma borda deslizante e intervalar nas relações,
que estimula “o desejo de reconhecimento de outro lugar e de outra coisa”, para além de uma
simples divisão e classificação binária da existência humana; bem como, a de ser este espaço
intervalar da cultura, um “espaço de intervenção (tensão-negociação-tradução) que introduz a
reinvenção criativa da existência, fundada num profundo desejo de solidariedade social: a busca
do encontro”.
153
152
NANNI apud FLEURI, Reinaldo Matias. 2000. p. 118
153
BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998, p. 27-29.
Emerge daí, a necessidade de “um outro lugar”, onde as potencialidades e
necessidades pessoais possam encontrar algo positivo de si mesmos em uma fronteira, que não
necessariamente é o lugar onde algo termina, mas que pode ser o ponto a partir do qual algo
começa a se fazer presente, e as diferenças possam ser articuladas, e não excluídas.
Segundo Canclini
154
, as hibridações
155
atualmente nos levam a concluir que todas as
culturas são de fronteiras, elas “se desenvolvem em relações com outras artes: o artesanato migra
do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo
são intercambiados com outros. Assim, as culturas perdem a relação exclusiva com seu território,
mas ganham em comunicação e conhecimento”.
As relações entre pessoas de culturas diferentes são consideradas em sua maioria,
partindo de uma lógica binária (índio x branco, negro x branco, centro x periferia, criança x
adulto, homem x mulher...) não permitindo a compreensão da complexidade das relações de cada
pólo, nem a reciprocidade e os significados advindos dessas relações. Desta forma, o conceito de
dominação cultural, “se enredado numa lógica binária e bipolar, pode levar a supor que os
significados produzidos por um sujeito social são determinados unidirecionalmente pela
referência cultural de outro sujeito. Tal entendimento pode reforçar o processo de sujeição na
medida em que, ao enfatizar a ação de um sujeito sobre o outro, obscurece o hibridismo das
identidades, a ambivalência e a reciprocidade das relações sociais, assim como a capacidade de
autoria dos diferentes sujeitos sociais”.
156
E é a experiência de uma educação intercultural que
154
CANCLINI, Nestor G. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 1998, p. 348.
155
Canclini (1998) utiliza essa expressão pela possibilidade de abranger diversas mesclas interculturais – não apenas
as raciais, às quais costuma limitar-se o termo ‘mestiçagem’ – e porque permite incluir as formas modernas de
hibridação, melhor do que sincretismo, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos
simbólicos tradicionais.
156
FLEURI, Reinaldo Matias. Educação nos limiares entre culturas. Revista Marco Social: educação para valores.
Instituto Souza Cruz, Jan/2003, p. 13.
possibilitará a desconstrução desta visão lógica binária que acompanha as visões de mundo
atuais.
Acentua-se aqui, o problema que o diferente porta nas relações de encontro,
emergindo a experiência do confronto; confronto este que historicamente é pouco percebido
como positividade (possibilidades de entre-lugares, de hibridismos, onde algo pode começar a se
fazer presente) e, normalmente acentua a negatividade (a eliminação, a exclusão, lugar onde algo
termina).
Para explicar a complexidade dessa lógica binária, Fleuri
157
utiliza Severi destacando
que os tipos de distinção geralmente assumidos são baseados na oposição: ou/ou levando-nos a
escolher um dos pólos, excluindo os outros. Mas numa análise complexa, são propostas
diferentes premissas para tal distinção: a conexão e/e, onde as oposições não são eliminadas, mas
com a possibilidade de conexões num contexto em que haja a coligação, superando as oposições,
não porque as contradições desaparecem, mas porque produzem mudanças que envolvem os
agentes da oposição. Por isso, há de se “considerar como correlacionados (pensar
contemporaneamente) tanto a diferenciação das identidades quanto às estruturas de conexão”.
Assim, tal complexidade implica a relação entre contextos que se constroem conjuntamente.
O reconhecimento das complexas relações interculturais se traduz na possibilidade de
mudança dos processos de exclusão estabelecidos pela adoção de mecanismos culturais
hegemônicos, que contamina a visão de mundo nas relações como bipolarizado, dissociada dos
antagonismos e contradições de que é composta a vida humana e que vê, de um lado, o centro, de
outro, a periferia em relação de oposição, ignorando as contradições da história e as
157
FLEURI, Reinaldo Matias. 2000, p.122.
ambivalências que constituem a estrutura da subjetividade humana e de seus sistemas de
significação cultural.
Parafraseando Souza
158
, “ver a realidade sempre e somente como uma alternativa
entre dois pólos opostos [...] mata a complexidade da existência humana, mata a nossa forma de
conhecer a nós mesmos e ao mundo circundante”.
A educação intercultural como desafio de ampliar nossa compreensão para além de
uma visão exclusivista de dominações e resistências, recuperando na natureza humana o seu
caráter de manifestações ambivalentes, antagônicas e contraditórias, co-habitando com a
diversidade de estruturas e processos históricos, sociais e políticos e ainda como desafio de
relações entre os diferentes sujeitos, constitui-se como o próprio lugar do aprender.
159
Como um impacto ao conceito de homem, o conceito de cultura destaca-se como um
“conjunto de mecanismos simbólicos para controle do comportamento humano, [...] fornecendo o
vínculo entre o que os homens são intrinsecamente capazes de se tornar, e o que eles realmente se
tornam, um a um”.
160
Entendendo a cultura como um processo relacional, dotada de uma dimensão do
humano em níveis profundos (pessoal e coletivo), destaca-se como condição essencial para a
existência do homem, sendo a base de sua especificidade.
Diferentemente dos animais inferiores, cujas fontes genéticas de informação ordenam
suas ações, o homem possui capacidades inatas de respostas muito gerais. Sendo assim, sua
capacidade de ação é mais complexa e criativa, que depende de sistemas de controle
158
SOUZA, Maria Izabel Porto de. Construtores de Pontes: explorando limiares de experiências em educação
intercultural. Florianópolis, 2002. (Dissertação de Mestrado em Educação). Centro de Ciências da Educação,
Programa da Pós Graduação em Educação, Universidade Federal de santa Catarina, p. 18.
159
FLEURI, Reinaldo M. 2003, p.11.
160
GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de janeiro: LTC Editora, 1989.
extracorporais para orientar sua ação. A cultura então pode ser vista como “um conjunto de
mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de
computação chamam de ‘programas’) – para governar seu comportamento”.
161
De acordo com sua identificação a estes diferentes universos de relações e
identidades, as pessoas desenvolvem formas diferentes de se conduzir e de interpretar a realidade,
assumindo seus sistemas de valores (religiosos, políticos, étnicos...), que servem para orientar
suas ações e suas relações com os outros.
Do ponto de vista do indivíduo, estes símbolos são dados e encontrados em uso na
comunidade em que vive, utilizando-os para se orientar na construção dos acontecimentos,
através dos quais ele vive. “Sem a referência a padrões culturais – sistemas organizados de
símbolos significantes – o ser humano seria incapaz de governar seu comportamento, e sua
experiência não apresentaria qualquer forma. A cultura – a totalidade acumulada de tais padrões –
é, pois, uma condição essencial da existência humana e sua principal base de concretização
específica”.
162
Segundo Souza
163
, a “essência” do ser humano pode ser desenvolvida na relação entre
sujeitos de culturas diferentes, buscando compreender os sentidos de suas ações no contexto dos
padrões culturais de cada um, uma vez que a compreensão da cultura de um povo expõe a sua
normalidade sem reduzir sua particularidade, dando possibilidades de conversar com eles.
Da idéia de essência, emana a idéia de representação do outro que, sob uma
indeterminada natureza humana, elimina a diferença, homogeneíza os padrões culturais, e
justifica a exclusão daqueles que não se adaptam a estes padrões culturais universalizantes, o que
161
GEERTZ, Clifford. 1989, p. 56.
162
FLEURI, Reinaldo M. 2003, p. 11.
163
SOUZA, Maria I.P. 2002.
é passível de acontecer, quando se desconecta natureza de cultura, quando se naturaliza a
existência humana. Por isso, não se trata de reduzir o outro ao que pensamos ou queremos dele,
mas de abrir e dar passagem do desconhecido ao conhecido.
É assim, que somos convidados a elucidar nossos padrões culturais como mais um
dentre os existentes, possibilitando o encontro com o diferente. Sob esta perspectiva, a educação
intercultural preocupa-se com as relações entre sujeitos culturalmente diferentes, não buscando
somente aprender o caráter de diversas culturas, mas também compreender os sentidos que suas
ações assumem nos seus respectivos padrões culturais.
Na sociedade contemporânea não se sustentaria nenhum tipo de essencialização da
cultura, na visão de Bhabha
164
, uma vez que a natureza humana seria híbrida de identidades.
Identidades num contínuo trânsito em que se cruzariam várias culturas, gerando ambivalências,
entre-lugares, espaços liminares, num contínuo vaivém, abrindo fronteiras de articulação das
diferenças culturais, formando sujeitos nos entre-lugares de raça, gênero, geração, classe,
estabelecendo a passagem para “um outro lugar”, tornando improvável a dominação assimiladora
de uma cultura sobre outra cultura ou a força de homogeneizações e etnocentrismos. O
hibridismo como contaminação de culturas, não seria mais centrado numa única cultura, ao
contrário, seria a fronteira enunciadora de diversas vozes e histórias que inventam novas culturas.
Baseado nisso, este autor destaca a existência de uma fronteira cultural que abre uma
nova perspectiva de se ver a cultura, não mais como a repetição do passado (das idéias fixas e
estáticas de cultura e de identidade) e nem como a diferença tornada absoluta (que intercede a um
exclusivismo de essência), mas a busca do encontro com uma cultura híbrida e desconhecida,
164
BHABHA, Homi K. 1998.
uma vez que considera os indivíduos não coisificados pela cultura, mas como sujeitos que
intervêm na cultura, reelaborando-a, recriando-a, resignificando-a.
Esses hibridismos culturais que, através da intervenção criadora e da posição dos
sujeitos humanos, estariam em contínuo percurso por margens deslizantes, espaços intersticiais,
movimentos em diversas direções, constituindo um jogo miscigenado, que nos lançaria para
outros lugares e outras coisas, transitando por territórios culturais diferentes, para o território do
inter (entre-lugares), provocando um distanciamento do que, até então, era familiar, nos
invadindo e nos desnorteando, exigindo novas significações, ou seja, para além da pura diferença
cultural.
Para exemplificar o deslocamento da lógica binária através da qual as identidades de
diferença são freqüentemente construídas (negro/branco, eu/outro), Bhabha
165
, utiliza uma
metáfora de Renée Green, utilizando a arquitetura do prédio de um museu: “usei a arquitetura
como referência, usando o sótão, o compartimento da caldeira e o poço da escada para fazer
associações entre certas divisões binárias como superior e inferior, céu e inferno. O poço da
escada tornou-se um espaço liminar, uma passagem entre as áreas superior e inferior, sendo que
cada uma delas recebeu placas referentes ao negro e ao branco”.
O poço da escada significando um espaço liminar, situado no meio das designações de
identidade, passa a ser o processo de interação simbólica, o elo de construção da diferença entre
superior e inferior, negro e branco. O movimento do poço da escada (ir e vir) – temporal e de
passagem que ele propicia – evita que as identidades se estabeleçam em polaridades a cada
extremidade dele. Essa passagem intersticial entre identificações fixas, abre a possibilidade de
um hibridismo cultural que acolhe a diferença sem uma hierarquia suposta ou imposta.
165
BHABHA, Homi K. 1998, p. 22
Bhabha
166
nos instiga a olhar um outro espaço – o espaço do hibridismo, das
mestiçagens, das misturas – resultado do cruzamento descontínuo de várias expressões culturais,
lançando-nos no espaço das ambivalências, onde o contraditório, o antagônico, o dissenso podem
coexistir.
Esta concepção híbrida de cultura se coloca contrária a toda visão de bipolarização e
dicotomização da realidade, considerando a realidade, não como a existência de pólos essenciais,
mas de complexas redes interativas e híbridas; ela é sustentada na linguagem, dando ênfase a
enunciação da diferença cultural, o que significa ir além do reconhecimento e do acolhimento
das diversidades, da crítica aos racismos e discriminações de todas as ordens, de exclusões e
inclusões, individuais e grupais como descrição do efeito de concepções preconceituosas e
estereotipadas.
Este espaço de hibridismo possibilitaria a ultrapassagem de oposições dadas –
dominantes e dominados -, não se tratando mais de uma coisa e nem de outra, e nem ainda a
superposição de ambas as categorias, mas de um entre-lugar indo além e abrindo o desejo de
outro lugar e outra coisa, podendo ser identificado como “novas possibilidades de relações
pessoais e sociais entre sujeitos marcados por uma política de diferenças”.
167
É então, no cerne da fronteira cultural que se estabelecem as relações interculturais,
dentro da possibilidade de uma fronteira não ser o ponto onde algo termina, mas o ponto no qual
algo começa a se fazer presente; onde a responsabilidade ética para com o outro e para com o
planeta sejam vividas; onde todas as diferenças culturais possam ser expressas e defendidas de
toda e qualquer forma de dominação; onde a convivência com a diferença seja uma aprendizagem
166
BHABHA, Homi K. 1998.
167
FLEURI, R.M., SOUZA, M.I.P Entre Limites e Limiares de Culturas: educação na perspectiva
intercultural. 2002, [No Prelo], p. 07.
contínua de invenção de articulações possíveis, negociadas, que nos possibilitem a convivência
compartilhada, propondo,
[...] uma relação que se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas.
Entre sujeitos que decidem construir contextos e processos de aproximação, de
conhecimento recíproco e de interação. Relações estas que produzem mudanças
em cada indivíduo, favorecendo a consciência de si e reforçando a própria
identidade. Sobretudo, promovem mudanças estruturais nas relações entre
grupos. Estereótipos e preconceitos – legitimadores de relações de sujeição e
exclusão – são questionados, e até mesmo superados, na medida em que
sujeitos diferentes se reconhecem a partir de seus contextos, de suas histórias e
de suas opções.
168
Os aspectos de uma experiência de relação intercultural nos apontam desafios para a
compreensão das relações humanas à medida que nos move a investigar as possíveis fronteiras
culturais que ultrapassam as classificações e análises polarizadas.
A realização de descobertas recíprocas de “si mesmos”, numa troca de visões de
mundo que expande a relação para além dos limites da exclusão, onde os sujeitos possam se ver
como sujeitos híbridos, num “movimento de vaivém, sem aspirar a nenhum modo específico ou
essencial de ser que pensa as coisas como categorias monolíticas e fixas”;
169
onde possa haver
processos simbólicos de negociação ou tradução, tornando possível a articulação de elementos
antagônicos ou contraditórios; onde haja a ultrapassagem das bases de oposição de dominantes e
dominados, tratando-se enfim, de um entre-lugar que contestaria os campos de ambas as
categorias.
168
FLEURI, R.M., SOUZA, M.I.P. 2002. p.13.
169
BHABHA, Homi. 1998, p. 19.
3.2 Nos Limiares de Jogos de Contrastes: um breve debate sobre a construção de
identidades
Como processo de descoberta, numa viagem de conhecimento, de aprendizado e de
reconhecimento, a identidade é tomada como “o sinal referencial de um conjunto de costumes,
práticas e significados, uma herança duradoura, uma categoria sociológica facilmente
identificável, um conjunto de traços e/ou experiências compartilhadas”.
170
Cassab
171
, alerta ao fato de que a definição da categoria teórica de identidade como
elemento conceitual articulador da análise sobre a produção da subjetividade na
contemporaneidade, comporta alguns riscos. O mais imediato deles é o de, em uma leitura
apressada, considerá-la como uma segunda pele, aderida ao sujeito, como um rótulo
classificador, que funciona como clichê reificador e justificador de desigualdade.
As identidades são construções sociais com bases materiais e históricas, baseadas
sobre percepções de conhecimento, maneiras de ver e de sentir experiências vividas de poder, ou
seja, que conhecimento é legítimo e deve ser levado em conta, qual experiência deve ser
celebrada, e como o poder entre os diferentes conhecimentos e experiências, pode ser negociado.
As pessoas se identificam de determinadas maneiras, com o intuito de protegerem
suas formas de vida, de se unirem a quem lhes dá valor, de serem reconhecidas e sentirem-se
como, efetivamente, pertencentes a um grupo, um clã, a uma tribo, a uma comunidade.
As identidades se constroem num processo de contestação e de luta, e estão sujeitas a
múltiplas interpretações, não sendo marco fixo, nenhuma substância essencial que algumas
170
TORRES, Carlos Alberto. Democracia, Educação e Multiculturalismo: dilemas da cidadania em um mundo
globalizado. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 238.
171
CASSAB, Maria A.T. Jovens Pobres e o Futuro: a construção da subjetividade na instabilidade e incerteza.
Niterói: Intertexto, 2001.
pessoas compartilhem em virtude de sua origem, raça, filiação religiosa, preferência sexual, sexo
ou classe, mas sim, um processo de aprendizagem, que depende do contexto e que efetivamente
está aberto à interpretação.
Stuart Hall
172
, distingue três concepções de identidade muito diferentes. São elas:
Identidade do Sujeito do Iluminismo: baseada na concepção da pessoa humana como sujeito
centrado, dotado das capacidades de razão e consciência da ação, emergindo quando o sujeito
nasce e permanecendo o mesmo ao longo de sua existência – ele nomeia de concepção
individualista.
Identidade do Sujeito Sociológico: sujeito não autônomo e auto-suficiente, mas formado na
relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito valores,
sentido e símbolos do mundo que ele habitava – chama-a de concepção interativa.
Identidade do Sujeito Pós-moderno: produzida pelo processo de identificação em que nos
projetamos em nossas identidades culturais, este sujeito não possui uma identidade fixa,
essencial ou permanente; ela é formada e transformada continuamente em relação às formas
pelas quais somos representados e interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. Ela é
definida historicamente e não biologicamente, onde a identidade plenamente unificada,
completa e segura, é uma fantasia.
Para este autor, “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades,
algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas”.
173
Assim, a identidade sendo definida
historicamente, seria formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais
somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam, de tal forma que à
172
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós Modernidade. 4ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
173
Op.Cit., p. 12.
medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais, poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. Hall
174
apresenta para análise da
complexidade da identidade e hibridação de culturas, o caso de um juiz negro, que foi acusado de
assédio sexual a uma mulher negra, sua funcionária. Várias possibilidades de identidades em jogo
fluíram deste acontecimento. Alguns negros apoiaram o assediador, baseados na questão de raça;
outros a ele se opuseram, tomando como base a questão sexual. Alguns ainda estavam divididos,
dependendo do fator identitário que prevalecesse: seu sexismo ou seu liberalismo. As mulheres
negras estavam divididas, dependendo da forma como se identificavam com respeito ao racismo
e ao sexismo. As mulheres brancas estavam divididas, conforme sua posição ou manifestação de
apoio ao feminismo. Além disso, as fragmentações identitárias eram também atravessadas pela
relação entre um membro da elite judiciária e uma funcionária subalterna, trazendo para dentro
do jogo a questão da classe social.
Nessa experiência de jogo de identidades e suas conseqüências políticas, Hall
175
,
destaca os seguintes elementos: que as identidades eram contraditórias, se cruzando ou se
deslocando mutuamente; que as contradições atuavam tanto fora, na sociedade, atravessando
grupos políticos estabelecidos, quanto dentro da cabeça de cada indivíduo; que nenhuma
identidade singular, como de classe social, por exemplo, podia alinhar todas as diferentes
identidades, como uma identidade mestra; que existem hoje identificações rivais e deslocantes,
emergentes de novas identidades oriundas dos novos movimentos sociais (o movimento negro,
por exemplo); que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou
174
HALL, Stuart. 1998, p. 18-20.
175
Op.Cit.
representado, num processo descrito como uma mudança de uma política de identidade (de
classe) para uma política da diferença.
Sarti
176
, considera as identidades como definidas em função das relações a que os
indivíduos estão expostos, baseadas nos processos de identificação – pela necessidade de
afirmação em um grupo de referência – e de diferenciação – pela necessidade do contraste para
sua direção positiva, sendo identidades em movimento, definidas e redefinidas por contrastes.
As identidades dependem ainda da “historicidade das lutas que exerceram influência
sobre a consciência social em dado momento cronológico, fazendo da experiência, e da
consciência da experiência, um processo importante de compreensão, e sentido pelos indivíduos
que tentam compreender as condições de suas vidas”, sendo “um processo agônico, como uma
complexa e enroscada mistura de prazer e dor, e que envolve o fazer sentido em nível individual,
mas que também pode ser proclamada no nível das comunidades e dos movimentos sociais. Por
isso, a conscientização ultrapassa a amplitude da consciência psicológica individual; ela é de fato
um fenômeno que vai além da consciência psicológica de Freud (o superego), além da própria
consciência individual, estando plenamente envolvida com a consciência histórica ou coletiva,
isto é, com o assim chamado campo da intersubjetividade”.
177
A identidade tomada como processo de construção e não compreensível fora da
dinâmica que rege a vida de um grupo social em sua relação com outros grupos distintos, não
deve ser pensada como coisa, como permanência estática de algo que é sempre igual a si mesmo,
176
SARTI, Cyntia. A Família como Espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. São Paulo: Autores
Associados, 1996.
177
TORRES, Carlos Alberto. 2001, p. 245.
seja nos indivíduos, seja nas sociedades e nas culturas, “não podendo entender essa construção
sem o contexto onde ela se dá”.
178
Para explicar isso, Montes
179
, utiliza a história dos escravos negros libertos, que nos
finais do século XIX, voltaram para a Nigéria. Esses negros, que aqui no Brasil eram africanos,
ao chegarem na Nigéria descobrem, assustadíssimos, que lá são brasileiros!
Na Nigéria eles eram chamados negros brancos, e causavam o maior espanto,
simplesmente porque eram católicos. Como a maioria dos negros à sua volta era protestante e
apenas os padres eram católicos, eles eram negros brancos porque, no sistema de relações em que
se encontravam, a cor tinha deixado de ser relevante, tinha simplesmente sumido, para que eles
pudessem ser identificados, em função desse contexto que permitia, de lado a lado, o jogo da
identificação. Esses mesmos negros, que eram aqui os africanos, acusados de serem fetichistas, lá
viraram católicos, pois ao chegarem, começaram a valorizar a comida, a arquitetura e uma série
de outros signos identificatórios deles enquanto brasileiros, já que isso os distinguia dos outros
negros, com os quais mantinham relações, e lhes permitia adquirir uma nova posição de prestígio
e poder.
Observem, então, que esse jogo extraordinário, esse qüiproquó maravilhoso,
mostra como a identidade se afirma enquanto resultado de um processo, situada
num dado contexto, e em função de um sistema de relações sociais, fundado
num jogo determinado de interesses. É um conceito relacional e contrastivo,
com uma dimensão política sem a qual é impossível entende-lo. Entretanto, por
mais que se diga que a identidade é uma construção, ela não é aleatória; está
fundada em determinados elementos estruturais que não podem ser negados.
180
178
MONTES, Maria Lúcia. Raça e Identidade: entre o espelho, e invenção e a ideologia. In: SCHWARCZ, L. et.alli.
Raça e Diversidade. São Paulo: Estação Ciência, 1996, p.56.
179
Op.Cit.
180
Op.Cit, p. 60.
Nos defrontamos então, com um ciclo ininterrupto de construção de identidades, num
jogo de contrastes, com elementos que não são aleatórios, mas que são, no entanto, re-
significados de acordo com o contexto, de interesses e de posições de poder, que fazem com que
um grupo reivindique uma nova visibilidade dentro da sociedade.
Assim, a identidade significa então, “um recorte num jogo de identificações, que vai
permitir a um determinado grupo reconhecer-se e ser reconhecido pelas características que o
identificam e que o distinguem dos demais, segundo essas categorias ele se identifica, e é pelos
outros identificados”.
181
Baseando-se nisso, surge a indagação: de que maneira se processa a formação dos
sujeitos nesse entre-lugares?
Desta forma, por acreditar na possibilidade de uma experiência positiva em torno da
adoção inter-racial e na possibilidade da formação de uma família que se pode denominar de
multirracial, é que nesse contexto, destacamos a família como instituição primordial e primeira,
na formação de identidades em crianças.
3.3 Trajetos de Experiências Interculturais: a família como instituição intercultural por
excelência
Segundo Amaral
182
, educar é transmitir e reproduzir valore,s perpetuá-los ou
transformá-los, visando a existência futura de uma pessoa ou grupo sendo, portanto, o principal
agente ideológico e transformador da sociedade e uma das mais importantes tarefas que ela se
181
MONTES, Maria Lúcia. 1996, p. 63.
182
AMARAL, Rita. Educar para Igualdade ou para Diversidade? A socialização e a valorização da negritude
em famílias negras. Disponível em: <www.aguaforte.com/antropologia/educarparaque.html >. Acesso em:
15/04/2003.
propõe. Entre as instituições sociais que moldam e regulam valores, a mais importante é a
família, com seus padrões de ‘técnicas’ de criação e educação de crianças. São as práticas
educacionais e de socialização que originam traços que formam, mais tarde, os traços culturais
gerais de um grupo.
Educar para os valores – considerando-os como sistemas simbólicos de opções de um
grupo social que orientam as opções pessoais de seus integrantes - implica desenvolver a
capacidade humana de decidir os sentidos de sua ação cotidiana em relação com as opções que se
configuram coletivamente, no contexto de uma comunidade que compartilha os mesmos
referenciais culturais.
183
A tensão aumenta quando se considera a relação entre sujeitos e entre grupos que se
identificam com valores e culturas diferentes. “O confronto entre uma pessoa e outra, entre um
grupo e outro, pode configurar processos de sujeição, de exclusão, ou até mesmo de eliminação
de um pelo outro”. Ou, ao invés disso, “pode gerar processos de aprendizagem recíproca, não só
no sentido de que uma pessoa se educa mediante a relação com outra, mas também no sentido de
que uma cultura se transforma ao interagir com outra”.
184
As relações entre os diferentes sujeitos como lugar do aprender, leva-nos a concordar
com Brandão
185
, quando afirma que “ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou
na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender a ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver,
todos os dias misturamos a vida com educação”.
183
FLEURI, Reinaldo M. 2003.
184
FLEURI, R. M. SOUZA, M.I.P. 2002, p. 10
185
BRANDÃO. C.R. O Que é Educação. 14ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 08.
Segundo Mioto
186
, esta afirmação comporta pelo menos três aspectos. O primeiro diz
respeito à universalidade da educação em que sua experiência não é privilégio de algumas
pessoas ou grupos, mas é comum a todos os homens, em todos os lugares. O segundo decorre do
primeiro e define a educação como inerente à própria vida, não decorrendo em determinado
espaço de tempo, mas como processo contínuo dentro de uma relação que não dissocia vida de
educação. O terceiro é o fato de que a educação implica relação entre pessoas, não se restringindo
à área do saber, no sentido estrito do conhecimento, mas permeia todo o relacionamento humano,
através do qual se aprende a conhecer, a sentir, a fazer, a conviver e a ser.
A família é uma das instituições mais antigas de educação e “mesmo os grupos que
como os nossos dividem e hierarquizam tipos de saber, de alunos e de usos de saber, não podem
abandonar por inteiro as formas livres, familiares e/ou comunitárias de educação. Em todos os
cantos do mundo, primeiro a educação existe como um inventário amplo de relações
interpessoais no âmbito familiar: mãe-filha, pai-filho, sobrinhos-irmão da mãe, irmão mais velho-
irmão caçula, e assim por diante. Esta é a rede de trocas de saber mais universal e mais
persistente na sociedade humana”
187
. A escola então, como um “sistema pedagógico controlado
por um poder externo a ele, atribuído de fora para dentro a uma hierarquia de especialistas e
destinado a reproduzir a desigualdade através da oferta desigual do saber, é uma conquista tardia
da história da cultura”.
188
Para Mioto
189
então, a família é um dos espaços experienciais mais importantes,
porque além de representar o fruto das experiências de relações entre homens, nas quais todos os
186
MIOTO, Regina C.T. Família e Educação. Campinas-SP, 1989. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade
de Educação. Universidade Estadual de Campinas.
187
BRANDÃO, C.R. 1985, p.31-32.
188
Op.Cit, p.32-33.
189
MIOTO, Regina C.T. 1989.
seus integrantes estão simultaneamente inseridos (pai e filho, adulto e criança), as experiências de
relações que se realizam no interior da família marcam profundamente a forma de ser de cada
homem frente ao mundo.
A família, enquanto lugar constituinte da estrutura cultural, foi se transformando
através dos tempos, em sentido estrutural e global, como tradução do sentido que os homens
foram dando a sua existência. Como lugar comum de todos os homens, em todas as épocas, pode
ser tomada como o ponto de encontro da cultura, e como a única instituição cujos membros têm
uma história comum e a profundidade das relações nela estabelecidas, e lhe garante um futuro, se
não juntos, pelo menos interligados.
O grande argumento de que a família é um espaço intercultural por excelência nos é
dado por Lévi-Strauss
190
. Segundo este autor, com a invenção universal do tabu do incesto, a
família assinala o momento da passagem da natureza à cultura. As teses sobre a família como fato
natural, fundado sobre a essência biológica do ser humano, caem por terra, expressando a
passagem do fato natural da consangüinidade para o fato cultural da afinidade.
A solução estrutural do enigma do incesto, dada pelo autor, assinala uma viravolta
para as ciências do homem: expressa a passagem do fato natural da consangüinidade para o fato
cultural da afinidade. A proibição do incesto é a regra de reciprocidade por excelência, e a
exogamia é sua expressão enquanto regra fundamental do parentesco, “obrigando” a casar com o
“outro”, isto é, com um membro de outro clã. A troca recíproca das mulheres significa assegurar
a circulação contínua dos bens por excelência que o grupo possui, ou seja, suas mulheres e suas
filhas.
190
LÉVI-STRAUSS, Claude. O Problema do Incesto. In. CANEVACCI, Mássimo (org.) Dialética da Família:
gênese, estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva. 4ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Para Lévi-Strauss
191
,
[...] a proibição do incesto não é tanto uma regra que proíba casar com a mãe,
com a irmã ou com a filha, mas, sobretudo uma regra que obriga a ceder a
outros a mãe, a irmã ou a filha. É a regra do dom por excelência. E é
precisamente esse aspecto, desconhecido com muita freqüência, que permite
compreender seu caráter: todos os erros de interpretação da proibição do incesto
nascem da tendência a ver no casamento um processo descontínuo que, em
todos os casos singulares, extrai de si mesmo os próprios limites e as próprias
possibilidades.
Com a proibição do incesto emerge a garantia da vitalidade dos grupos humanos,
excluindo assim, a possibilidade de ver a família biológica como um sistema fechado de relações,
determinando, através de seu caráter social, as regras para a formação dos pares e os meios para
ligar as pessoas entre si.
192
Segundo Mioto
193
, a partir da descoberta das determinações de Lévi-Strauss, foi
possível estabelecer toda uma rede de relações entre a qual o indivíduo está inserido, não como
indivíduo isolado, mas como indivíduo relacionado. Cita um exemplo: “a maternidade não
significa apenas a relação de uma mulher com um filho, mas também sua relação com outros
membros do grupo, como irmã, como esposa, como prima ou como estranha, do ponto de vista
do parentesco. Então, as relações de parentesco, ao mesmo tempo em que definem o indivíduo
dentro do grupo, determinam os que estão incluídos no grupo e excluem os outros”.
Solucionado o enigma da proibição do incesto, pode-se ver claramente que a família
não está calcada na essência biológica do homem: por isso. pode-se afirmar que a família é como
um fato cultural historicamente determinado e intercultural por excelência.
191
LÉVI-STRAUSS, Claude. 1985, p. 190.
192
MIOTO, Regina C.T. 1989.
193
Op.Cit., p.20.
Pode-se assegurar então, que a família é um dos lugares privilegiados de educação
intercultural, pois nela coexistem sempre algumas culturas, tanto de famílias diferentes, como
entre membros que se identificam por outras referências, como por exemplo, as gerações
(criança, jovem, adulto, idoso), o gênero (homem, mulher, homossexual), a etnia e a pertença
regional (negro, índio italiano, gaúcho...), entre outros. A partir de sua identificação com
diferentes universos de relações e identidades, os membros desenvolvem diversas formas de se
conduzir e interpretar a realidade, assumindo seus valores (religiosos, políticos, étnicos...) que,
por sua vez, orientam suas opções e relações com outras pessoas e com outros grupos.
Atualmente a família vem sendo definida e discutida a partir de referências e de
lugares diferentes, entre essas definições. Por isso, podemos entendê-la como “um núcleo em
torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas, dentro de um projeto de
vida em comum, em que compartilham um cotidiano, e, no decorrer das trocas intersubjetivas,
transmitem tradições, planejam seu futuro, acolhem-se, atendem aos idosos, formam crianças e
adolescentes”.
194
Podemos entender família também, como um “núcleo de pessoas que convivem em
determinado lugar, durante um lapso de tempo, mais ou menos longo e se acham unidas (ou não)
por laços consangüíneos. É marcado por relações de gênero e, ou de gerações, e está
dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida”.
195
Nesse sentido a família
é o espaço onde aprendemos a ser e conviver, ou seja, é a matriz da identidade individual e social.
Enquanto mediadora das relações entre sujeitos e coletividade, a família encerra um projeto de
194
SZYMANSKI, Heloísa. Viver em Família como Experiência de Cuidado Mútuo: desafios de um mundo em
mudança. Revista Serviço Social & Sociedade. nº. 71 – Edição Especial. São Paulo:Cortez, 2002, p. 10
195
MIOTO, Regina C.T. Cuidados Sociais Dirigidos à Família e a Segmentos Sociais Vulneráveis. In: CFESS,
ABEPSS, CEAD/NEB-UNB (org). O Trabalho do Assistente Social e as Políticas Sociais. 1ed, v.4, Brasília:
NED-CEAD/UNB, 2000, p.216.
vida baseado na solidariedade entre gerações, ao mesmo tempo em que é geradora de formas
comunitárias de vida.
Sarti
196
, no seu estudo sobre famílias de classes populares destaca que a importância
da família para os pobres está relacionada às características de nossas instituições públicas,
incapazes de substituir as funções privadas da família, dada a escassez atual de serviços de
educação, saúde, previdência, amparo à velhice e à infância, somados à fragilidade dos sindicatos
e partidos políticos, como instrumentos de mediação entre o indivíduo e a sociedade, já que o
processo de adaptação ao meio social e a vida cotidiana dos pobres, é mediado pela família. As
relações estabelecidas ali fundam-se num código de lealdades e de obrigações recíprocas, próprio
das relações familiares, que viabilizam e moldam seu modo de vida, fazendo da família e do
código de reciprocidade nela implícito, um valor para os pobres.
Assim,
[...] a família não é apenas o elo afetivo mais forte dos pobres, o núcleo da sua
sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam
seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social: a família
é uma questão ontológica para os pobres. Sua importância não é funcional, seu
valor não é meramente instrumental, mas se refere à sua identidade de ser social
e constitui o parâmetro simbólico que estrutura sua explicação do mundo.
197
Podemos dizer então, que as famílias podem ser simultaneamente descritas como
instituições fortes, por serem um componente central da integração social, mediante a qual, os
indivíduos podem encontrar refúgio contra o desamparo e a exclusão, e ainda porque é nelas que
se dá a reprodução, e onde são transmitidos valores culturais básicos; e frágeis pelo fato de que
não estão livres de despotismo, violência, confinamentos, desencontros e rupturas.
196
SARTI, Cyntia. 1996.
197
Op.Cit. p. 33.
A família ensina o homem a lidar com a própria vida, dando-lhe estruturas de
relacionamento que lhe permitirão estabelecer outras relações com os homens.
É nela que se aprende a língua, a expressão cultural por excelência e o
instrumento privilegiado no relacionamento, entre os homens. É dentro dela que
se aprende a lidar com os fatos naturais da vida, sexo, nascimento e morte, a
partir da vivência que se tem dos mesmos e da transmissão de toda a história
mítica da cultura afeita a eles. É pela educação da família, enfim, que é possível
estabelecer uma continuidade entre gerações.
198
A família se define assim, como o lugar de acolhimento do homem, e tem a difícil
tarefa de constituí-lo como sujeito, e percorrer com ele o caminho da cultura, fazendo com que,
além de reconhecer-se a si mesmo, carregue dentro de si estruturas de relacionamento que o
identifiquem como parte integrante do grupo, e que lhe permitam relacionar-se com outros
homens, integrar-se em outros grupos.
As relações e as trocas estabelecidas na família, que são carregadas de afetos,
imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo direções no modo de ser
perante aos fatos da vida e aos outros: essa é a base sobre a qual a criança irá constituir sua
identidade e desenvolver futuros relacionamentos com objetos, idéias e pessoas.
198
MIOTO, Regina C.T. 1989, p. 23-24.
CAPÍTULO IV
“CELEBRAÇÃO DAS DIFERENÇAS
199
”: A BUSCA DO ENCONTRO NUMA
EXPERIÊNCIA DE ADOÇÃO INTER-RACIAL
Conforme colocamos na introdução este estudo, foram poucas as pessoas que se
dispuseram a estudar sobre a adoção inter-racial. Nesse universo, os estudos apresentados são, em
sua grande maioria, quantitativos e que destacam o preconceito racial de postulantes à adoção.
Alguns autores internacionais, têm abordado o problema da adoção inter-racial, enfatizando
principalmente, seus efeitos psicológicos.
A temática da adoção inter-racial é bastante complexa, fazendo emergir diversos
aspectos, desde a sua realização até o processo relacional entre etnias e culturas diferentes,
estabelecidos na nova família. Por isso, destacamos o diferencial deste estudo, propondo que,
num processo de relações familiares, baseadas no diálogo, na troca de experiências, na
reciprocidade entre sujeitos diferentes, possam se traduzir identidades múltiplas onde todos
constroem e reconstroem a própria identidade.
Quanto ao universo pesquisado, ressaltamos que o projeto inicial compreendia, três
famílias, com as quais tivemos contato por meio de encontros destinados aos grupos de apoio à
adoção. Num primeiro momento, tínhamos a intenção de trabalhar com famílias, cujos filhos
tivessem idade inferior a 15 anos, e que estivessem em diferentes “fases de crescimento”, como
por exemplo, um na pré-adolescência (aproximadamente 12 anos), outro na meia infância
(aproximadamente 8 anos) e, ainda um no início da infância (aproximadamente 2 anos).
199
O termo celebração da diversidade/diferenças, está sendo atualmente utilizado por alguns pesquisadores para
designar a possibilidade de respeito ao diferente a partir do diálogo, na certeza de que há a possibilidade de conviver
harmoniosamente, apesar de tantas diferenças.
Porém, os sujeitos da pesquisa foram modificados, devido a alguns obstáculos
enfrentados durante a fase exploratória. Mas tais mudanças não interferiram no conhecimento da
realidade estudada. Desta forma, o universo restringiu-se a apenas uma família, que realizou uma
adoção inter-racial, e que reside numa cidade do litoral do estado de Santa Catarina.
Destacaremos nas próximas linhas, as especificidades da pesquisa proposta neste trabalho.
4.1 O que Pretendemos Buscar: dos objetivos geral e específicos da pesquisa
4.1.1 Objetivo Geral
Discutir a adoção de criança negra por família branca, buscando conhecer as
particularidades de uma relação entre sujeitos diferentes, num contexto multicultural: as
múltiplas relações estabelecidas na família, com muitos sujeitos, tendo como referência,
diferentes culturas.
4.1.2 Objetivos Específicos
Identificar a existência do processo de reciprocidade e dialogicidade nas relações
familiares, visando o reconhecimento das diferenças neste espaço;
Conhecer as experiências ligadas à discriminação racial (positivas ou negativas) que
favoreceram ou dificultaram o processo de identificação social dessa criança;
Compreender como ocorrem as interlocuções familiares com outras instituições, com as
quais a família está relacionada, como por exemplo, a escola;
Identificar as formas com que são construídas as relações inter-raciais nessa família, e
como lidam com essa questão.
4.2 De que Maneira Trabalhamos: dos procedimentos metodológicos da pesquisa
Ocupando lugar central no interior das teorias sociais, a metodologia faz parte da
visão de mundo nelas contidas, constituindo-se como caminho e instrumental de abordagem da
realidade: “o próprio processo de desenvolvimento das coisas”.
200
A pesquisa seria então, “[...] uma atitude e uma prática teórica de constante busca que
define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação
sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria
e
dados”.
201
4.2.1 Tipo de Pesquisa
Tradicionalmente, a presente pesquisa seria classificada como Pesquisa Aplicada.
Mas, usando uma classificação alternativa de Pesquisa Social
202
, esta será uma Pesquisa
orientada para o problema específico, onde os resultados são previstos para ajudar a lidar com
problemas práticos e operacionais.
Quando pensamos em realizar tal pesquisa, procuramos conhecer as conveniências e a
utilidade de cada método disponível, que estivesse relacionado com os objetivos propostos.
Minayo
203
aponta para o fato de que as pesquisas sociais, que buscam um maior aprofundamento
da realidade e do tema que ora se pretende abordar, não podem ficar restritas ao referencial
apenas quantitativo.
200
MINAYO, Maria.C.
O Desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2ed. São Paulo:
HUCITEX-ABRASCO, 1993
, p.22
201
Op.Cit. p. 23
202
Classificação utilizada por Minayo (1993).
203
MINAYO, Maria C. 1993.
Baseado nisso, além de ser uma Pesquisa Orientada Para o Problema Específico, ela
possui caráter qualitativo, caracterizando-se por uma natureza teórica - empírica, que não
pretende apenas constatar fenômenos, mas, na medida do possível, mediá-los com a totalidade, e
respaldá-los com os devidos referenciais teóricos.
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que existe uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito; elas, de acordo com Chizzotti
204
, fundamentam-se em dados
coligidos nas interações interpessoais, na co-participação das situações informantes, analisadas a
partir da significação que estes dão aos seus atos. Por possibilitar a participação, a compreensão e
a interpretação do entrevistador, como parte do processo de conhecimento, atribuindo um
significado através da interpretação de um fenômeno, decidimos optar por este tipo de pesquisa.
4.2.2 Coleta de Dados
Respeitando o fato de que os procedimentos metodológicos devem estar de acordo
com o objeto a ser pesquisado, e que os mesmos devem ser fidedignos, válidos e eficientes para
atingir os resultados esperados, optamos por um instrumento de coleta de dados, que melhor se
adaptou ao objeto estudado.
Para o delineamento do objeto, dividimos a pesquisa em etapas: a primeira, que
aconteceu concomitantemente - a revisão de literatura e a construção do marco teórico,
destacando as categorias centrais do trabalho, os conceitos e as noções utilizadas por diferentes
autores; a segunda, com a coleta de dados, trabalhando com o Estudo de Caso; e por fim, a
análise dos dados coletados.
204
CHIZZOTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 2ed. São Paulo: Cortez, 1998.
Com base nos objetivos propostos, esta pesquisa também se classifica como uma
Pesquisa descritiva, porque possibilitou a descrição das características da família, e como uma
Pesquisa Exploratória, porque conduziu a familiarização com o problema, visando tornar mais
explícito o aprimoramento de idéias estimulando a compreensão do problema.
205
Quando definimos os objetivos do trabalho, não nos restringimos num trabalho de
campo neutro, mas baseados em referenciais teóricos e também em aspectos operacionais, que
envolvem questões conceituais, já que o “campo social não é transparente e, tanto pesquisador
como atores, sujeito-objeto da pesquisa interferem dinamicamente no conhecimento da
realidade”.
206
4.2.3 Instrumento de Coleta de Dados
O Estudo de Caso na pesquisa qualitativa caracteriza-se fundamentalmente, pelo
“estudo profundo e exaustivo de um ou de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e
detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante os outros delineamentos
considerados”.
207
Essa técnica de pesquisa supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno
adequadamente, a partir da exploração intensa de um único caso. Prática caracterizada pela
reconstrução da história do indivíduo, o estudo de caso pode ser visto como “um conjunto de
dados que descrevem uma fase ou totalidade do processo social de uma unidade, em suas várias
205
GIL, Antônio C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3ed. São Paulo: Atlas, 1991.
206
MINAYO, Maria C. 1993. p. 107
207
GIL, Antônio C. 1991. p.58.
relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família,
um profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação”.
208
E, por viabilizar a consideração de vários aspectos relativos ao fato estudado e dentre
todas as técnicas de interrogação apresentar maior flexibilidade, elencamos, como instrumento de
coleta de dados, a Entrevista, definida como uma “[...] conversa [...] feita pelo entrevistador,
destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo
entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo”.
209
Optamos por esta técnica de trabalho de campo, por apresentar-se também como “[...]
uma forma de interação social [...], uma forma de diálogo assimétrico em que uma das partes
busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação”
210
e por permitir colher
informações “ao nível mais profundo da realidade que os cientistas sociais costumam denominar
‘subjetivos’. Só podem ser conseguidos com a contribuição dos atores sociais”.
211
Como instrumento privilegiado de coleta de dados nas ciências sociais, e por revelar
condições estruturais, como sistemas de valores, normas, o tipo de entrevista aqui utilizado, foi
da entrevista parcialmente estruturada, que segundo Gil
212
, “[...] é guiada por uma relação entre
pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso”. Essa forma de
entrevista combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de
discorrer sobre o assunto proposto, sem respostas ou condições pré-estipuladas pelo pesquisador.
A entrevista semi-estruturada parte da elaboração de um roteiro, consistindo em
enumerar da forma mais abrangente possível, as questões que o pesquisador quer abordar,
208
GIL, Antônio C. 1991, p. 59.
209
MINAYO, Maria C. 1993, p.108.
210
GIL, Annio C. Metodologia de Pesquisa em Serviço Social. Cadernos Técnicos. nº. 23. Brasília: SESI-DN,
1996, p. 63-69.
211
MINAYO, Maria C. 1993, p.109.
212
GIL, Antônio C. 1991, p. 92.
partindo dos pressupostos ligados ao objeto de investigação. O entrevistador não se apega a
perguntas prefixadas, para fazer intervenções, que visem aprofundar o nível de informações ou
opiniões dos entrevistados.
Nessa entrevista semi-estruturada/não-estruturada, o roteiro serviu apenas de
orientação para o pesquisador, onde a ordem dos assuntos abordados, não abrangeu uma
seqüência, sendo determinada por ênfases definidas pelos próprios entrevistados.
Além da entrevista, utilizamos a técnica da observação como complementação de
informações, uma vez que “a observação dá acesso a uma ampla gama de dados, inclusive os
tipos de dados cuja existência começou a estudar, e portanto é um método bem adequado aos
propósitos do estudo de caso”.
213
Através de uma atenção receptiva a todas as informações prestadas, quaisquer que
sejam, intervindo com discretas interrogações de conteúdo, com sugestões que venham a
estimular a expressão de questões que interessem à pesquisa, a observação foi realizada durante o
período de contato com a família, observando o contexto familiar, o espaço de moradia, a casa, os
compartimentos, os detalhes expressos, os álbuns de fotografias, os porta retrato (considerando
que selecionamos as fotos mais importantes para expor em algum ponto da casa).
213
BECKER, Howard S. Método de Pesquisa em Ciências Sociais. 4ed. São Paulo: Hucitec, 1999, p. 118.
4.2.4 Registro dos Encontros
Para que pudéssemos contar com todo o material fornecido pelo informante,
utilizamos a gravação como instrumento de armazenamento dos dados coletados,
complementadas por informações gerais sobre atitudes e comportamentos, transcritas através de
notas pelo entrevistador, transformadas em indicadores para análise posterior.
4.2.5 Análise dos Dados
A análise e a interpretação dos dados consistem em “estabelecer uma compreensão
dos dados coletados; confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões
formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-se ao contexto
cultural da qual faz parte”.
214
Segundo Minayo
215
, os pesquisadores costumam encontrar três obstáculos quando
partem para análise dos dados obtidos na pesquisa de campo: o perigo da apreensão espontânea,
como se o real se mostrasse nitidamente ao entrevistador; o obstáculo que leva o pesquisador a
sucumbir à magia dos métodos e técnicas, esquecendo-se da fidedignidade às significações
presentes no material e referidas a relações dinâmicas; e a dificuldade de se juntarem teorias e
conceitos muito abstratos com os dados recolhidos no trabalho de campo.
Por isso, a análise do material recolhido no trabalho de campo, busca sempre atingir
alguns objetivos: a ultrapassagem da incerteza, o enriquecimento da leitura – ultrapassagem do
olhar imediato - e a integração das descobertas - indo além das aparências.
214
MINAYO, Maria C. 1993, p.68
215
Op.Cit.
A expressão mais utilizada nas ciências sociais para designar o tratamento dos dados
na pesquisa qualitativa é Análise de Conteúdo, caracterizada por
[...] um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas
mensagens.
216
Buscando atingir os significados no material qualitativo, algumas técnicas de Análise
de Conteúdo têm sido desenvolvidas, como a Análise de Expressão, Análise de Relações, Análise
Temática (de Avaliação ou Representacional) e Análise da Enunciação.
A análise de dados trata de classificar, categorizar, compilar dados, descrevê-los,
analisá-los e chegar a conclusões a respeito das hipóteses levantadas no início da pesquisa, para
confirmá-las ou para refutá-las.
217
Nesta pesquisa, utilizamos como procedimento de análise de
dados, a técnica da Análise da Enunciação que trabalha com o continente do discurso e suas
modalidades, e com as condições de produção das palavras, partindo do princípio que “a estrutura
de qualquer comunicação se dá numa triangulação entre o locutor, seu objeto de discurso e o
interlocutor. Ao se expressar, o locutor projeta seus conflitos básicos através de palavras,
silêncios, lacunas”.
218
A análise da Enunciação apóia-se na concepção de comunicação como um processo,
e não como um dado estático, e ainda, do discurso como palavra em ato, por isso, a entrevista é
seu material privilegiado.
216
Bardin, citado por MINAYO, Maria C. 1993, p.199.
217
CHIZZOTI, Antônio. 1998.
218
MINAYO, Maria C. 1993, p. 206.
4.2.6 Procedimentos Éticos
Respeitando o fato de que, todas as pesquisas envolvendo seres humanos devem
atender às exigências éticas e científicas fundamentais, baseamo-nos na Resolução 196/1996 do
Conselho Nacional de Saúde, que incorpora quatro referenciais básicos – autonomia, não-
maleficência, beneficência e justiça – para a realização desta pesquisa.
Utilizamos como principais aspectos éticos, a ponderação de riscos e benefícios,
primando sempre em favorecer, evitando danos aos sujeitos envolvidos e, respeitando sua
dignidade. Realizamos as entrevistas somente após o consentimento livre e esclarecido dos
entrevistados, optando por uma linguagem clara para que tomassem conhecimento dos objetivos
da pesquisa, bem como seus possíveis riscos e principais benefícios.
Esta pesquisa foi aprovada
219
pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos,
pelo processo de nº 231/2002, por unanimidade, em reunião deste comitê, do dia 24 de fevereiro
de 2003.
4.3 Retratos de uma Família Multirracial: uma experiência vivenciada
Conforme a proposta metodológica do referencial escolhido, descreveremos o contato
que tivemos com uma família (pais brancos) que decidiu adotar uma criança negra (adoção inter-
racial).
O primeiro encontro, foi através do VII ENAPA – Encontro Nacional de Pais
Adotivos e Grupos de Apoio à Adoção – em Mogi das Cruzes, no estado de São Paulo, em maio
de 2002. Neste evento, ao final de uma das oficinas, ao relatar as dúvidas e alguns dados
219
Parecer dado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina,
em anexo.
adquiridos sobre a adoção inter-racial, houve manifestação e interesse por parte de um homem, o
Sr. João, cuja família havia adotado uma criança negra, colocando-se a disposição para auxílio
neste estudo.
Definida a metodologia a ser seguida, foi no momento da coleta de dados, que
entramos em contato, por telefone com a família. Uma Senhora com nome de Laura, atendeu-nos
com boa receptividade e atenção, concordando amigavelmente com o processo de coleta de dados
ora proposto, dispondo-se em contribuir, dentro das suas possibilidades, no que fosse necessário
para a realização do estudo. Assim, marcamos a data e o horário de nosso encontro, propriamente
dito.
No dia e hora já estipulados, fomos recebidos e acolhidos pela família durante
praticamente o dia todo. Cada momento era importante: entre observações, consulta a fotografias
e álbuns de fotos (iconografia), conversas informais e uma entrevista semi-estruturada, iniciamos
o confronto teórico prático.
A família composta pelo pai, Sr. João, pela mãe, Sra. Laura e pelos três filhos: Iara de
um mês (biológica), Inajara de dois anos e meio (biológica) e André, de treze anos e meio (por
adoção); contava neste dia, com a visita da avó materna e de uma tia, que residia em outra cidade,
fatores que motivaram ainda mais nosso trabalho.
Inicialmente, o Sr. João mostrou as dependências da casa, os quartos do casal, do
André, e da Iara, enquanto a Sra. Laura e sua mãe, avó de André, encaminhavam o Almoço. Logo
percebemos, o grande apego pelas fotografias, pois estavam presentes no quarto do casal,
lembrando os bons momentos da família, como o casamento, as festas de Natal, os filhos, as
viagens...
Um outro dado interessante, é que numa parede do corredor da casa, observamos
diversos quadros com fotos, que, segundo o Sr. João, são de seus antepassados e de sua esposa,
fato que consideramos um tanto raro, pois fotos antigas em destaque na casa, é um importante
indício da valorização da família.
Esta família expressou uma cumplicidade intensa entre seus membros, com
tratamentos de carinhos, pela maneira de falar uns com os outros, e ainda pelos toques, gestos e
olhares que marcam o sentimento da união.
Os filhos, são tratados por “filho” e “filha”, não expressando diferenciações entre o
filho por adoção, e as duas filhas biológicas.
Sobre isso, o Sr. João contou-nos um fato inusitado:
[...] quando a Laura ficou grávida, nós o [André] levávamos sempre conosco
no pré-natal, nas ultra-sonografias, ele sempre via a Inajara no monitor; só um
dia que ele ficou um pouco triste, e perguntei: o que que foi filho? - ele disse: é
comigo foi tudo diferente. Expliquei pra ele, que Deus escolheu caminhos
diferentes, mas o amor é o mesmo, e nunca mais perguntou. Ele tem muito
carinho pela Inajara, cuida dela, brinca com ela...
Numa conversa informal com o André, sobre escola, preferências e desejos, notamos
que parecia ser bastante tímido – percepção desenvolvida durante todo o tempo em que estivemos
com sua família, porém muito atento em todas as nossas conversas. Quando conversávamos,
individualmente, somente respondia: soube destacar o que queria, o que gostava e o que achava
importante, como os times de futebol que admira, o gosto pela Argentina –país de origem do pai-,
a sua vontade de cursar medicina, as viagens que fez com a escola...
Depois de familiarizados com a morada, passamos a vivenciar um pouco a vida de
André, através de fotos que ele mesmo mostrou, a pedido do pai. Primeiramente apontou fotos de
algumas viagens com a escola. Não satisfeitos com isso, pedimos para que trouxesse mais fotos, e
então, levou-nos até um quarto de televisão, localizado nos fundos da casa, onde guardava um
quadro com álbuns, nos quais continham poucas fotos de André e das outras duas meninas,
compostos, na sua maior parte, por fotos das viagens do casal.
Dentre as poucas fotos, recordava o André, a primeira comemoração de Natal em que
estava presente na família, resumida em dois retratos: um deles aparecia com toda a família da
Sra. Laura e outra, estava somente o casal, André, e Papai Noel, que segundo o ele, a cada ano é
representado por um tio diferente. A comemoração de seu primeiro aniversário junto com a nova
família, também, fazia parte do pequeno acervo fotográfico do menino.
A mesa estava posta, e após uma oração de agradecimento, inclusive por nossa
presença naquele lar, o almoço foi servido.
Estando todos satisfeitos, iniciamos uma conversa informal, que nos permitiu tocar no
assunto da adoção do André. Então, sugerimos a gravação da conversa, incluindo algumas
perguntas sobre a caracterização da família e as particularidades do processo de adoção. E assim,
iniciamos efetivamente a entrevista.
A família pesquisada é de classe média, com renda familiar em torno de dez salários
mínimos, onde o Sr. João, atualmente com 35 anos, tem o terceiro grau completo, com graduação
em Direito, e trabalha como funcionário público municipal, e, a Sra. Laura, atualmente com 38
anos, com o terceiro grau incompleto, na área de processamento de dados, trabalha como
funcionária do poder judiciário, sendo possuidores de casa própria.
Conta-nos o Sr. João, que entre o casal já existia o interesse na adoção e, logo após o
casamento, surgiu uma criança recém-nascida que tinha sido abandonada no hospital, que já
despertava o interesse de outro casal devidamente cadastrado no Juizado da Infância e da
Juventude daquela cidade e que teriam preferência pela adoção. Sem intenção de prejudicar
ninguém, João e Laura não insistiram neste caso.
[...] falei que não queríamos prejudicar ninguém, que queríamos adotar para
ajudar e se não tivesse ninguém interessado. Aí então falou que tinha uma
criança de oito anos, e então senti na hora que era ele. E ele falou: mas ele é
negro. E eu disse, não tem problema é ele mesmo, porque a gente sente na
pele.E então quando ele falou que o André era assim, eu já disse: é ele mesmo,
e não tem problema de idade, de raça. (Sr. João)
Foi quando souberam do caso do André, que chegou ao conhecimento da Sra. Laura
no seu trabalho, onde é assessora do Juiz da Vara da Infância e da Juventude, e por já ter
acompanhado uma das audiências envolvendo o menino.
Conta o casal, que André vivia num abrigo no Rio de Janeiro, e lá, foi adotado por
uma família, onde o pai pertencia a corporação da Marinha do Brasil. Assim que legalizaram a
adoção da criança, o pai foi transferido para Santa Catarina. Quando chegaram aqui, André fugiu
de casa, alegando sofrer violência física constante praticada pelos pais adotivos, e foi abrigado
novamente numa instituição de uma cidade no litoral deste estado.
[...] ele tinha oito anos e meio e estava há 7 meses no abrigo quando o
adotamos; antes, mandaram [o juiz] fazer um acompanhamento psicológico
com o casal e eles foram uma vez e depois não foram mais, sumiram, sem
deixar endereço sem nada. (Sra.Laura)
Tendo conhecimento do caso, Sra. Laura, numa conversa com o esposo, demonstrou
o interesse em adotar o menino. Contam-nos, que no outro dia já foram visitá-lo, levando alguns
presentes, e tentando conversar com ele, para manterem o primeiro contato:
[...] levamos uns caderninhos, uns lápis; ele era baixinho, convidamos ele para
vir passar o final de semana aqui em casa, falei que em casa tínhamos
cachorros... tivemos uma conversa com ele, e ele aceitou. Depois levamos ele
de volta, e aí teve um feriado e ele ficou quase a semana inteira aqui em casa.
(Sr.João)
Segundo a Sra. Laura, o casal entrou com um pedido de guarda provisória, que foi
aceito, posteriormente pelo juiz; logo após, fizeram o pedido de guarda definitiva, e, somente
depois de algum tempo de convivência (o casal e a criança), quando saiu o resultado do processo
de destituição do poder familiar do casal, que o havia adotado antes, o que possibilitou o pedido
de abertura do processo de adoção.
Quando indaguei sobre a existência de algum contato com o outro casal que havia
adotado o André, a Sra. Laura responde:
[...] eu tive contato com eles por causa do Fórum [audiência]. No começo eles
não sabiam, mas depois ela ficou sabendo. O João falou com ela, pediu a
certidão de nascimento dele, ela queria cobrar, aí a gente conseguiu através de
um amigo dele que mora no Rio de Janeiro e pegou uma segunda via no
cartório. Vi algumas vezes eles aqui na praia também, mas o André também
nem queria saber de vê-los...
Finalizando esta explanação
220
do encontro com a família, destacamos a explicação
valiosíssima, que o Sr. João expõe para a chegada de André em suas vidas e em sua família. Ele
nos conta isso, de uma maneira bastante peculiar:
O que a gente acha, uma explicação religiosa para isso, é que Deus destinou
esse casal para trazer o André desde o Rio de Janeiro até nós, porque um casal
não vai pegar uma criança que não tem nenhuma obrigação para judiar dele;
não tem uma outra explicação. Porque assim que eles pegaram o André, ele foi
transferido para cá. É claro que pode ter outra explicação, mas parece
coincidência!
220
A título de esclarecimento, nessa dissertação não destacamos nenhuma fala do André, porque no momento da
entrevista ele não aparece como voz, mas tivemos a sua participação em outros momentos do contato com a família.
Entretanto, sua participação se restringiu a uma comunicação pouco verbal, e de difícil transcrição para o relato.
Ainda destaco o fato de, segundo o seu pai, o André sentir-se “invadido” e não gostar muito de relatar sua vivência.
Assim, como forma de não induzir ou forçá-lo a falar, optamos por relatarmos somente as falas dos outros membros
da família.
4.4 Percorrendo Caminhos, Buscando Saídas.... :a análise e o tratamento dos dados obtidos
Considerando o fato desta pesquisa ter sido de natureza teórico-empírica, a qual não
pretende apenas constatar fenômenos, mas mediá-los com a totalidade, os dados obtidos foram
analisados a partir de um referencial teórico, de acordo com as categorias que respaldam o
trabalho.
Assim, buscamos prioritariamente não apenas explicitá-los, mas transpor todas as
dificuldades de articular as categorias teóricas, com os resultados obtidos, utilizando também, a
aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como política e preceito legal, como
referência para análise dos dados coletados.
A experiência da adoção inter-racial vivenciada, nos apresenta questões complexas,
nos evocando a elucidar vários aspectos, não somente da educação intercultural que, neste
trabalho, temos como pano de fundo, mas, questões de cunho afetivo, envolvendo as diversas
fases da vida dessa criança (hoje pré-adolescente).
Por isso, optamos por dividir a análise dessa experiência em dois tópicos: um
primeiro, expressando as particularidades dessa adoção; e um segundo, com as relações expressas
na família, permitindo um encontro com o novo, com o diferente, implicando numa nova
experiência educativa.
4.4.1 Para Além dos Laços de Sangue: as particularidades de uma experiência de adoção
Através da experiência da adoção da família contatada, percebemos alguns aspectos
das particularidades do processo existente entre o desejo de adotar e a concretização dessa
adoção.
O primeiro deles, é a devolução de crianças já adotadas:
[...] ele estava há 7 meses no abrigo quando o adotamos; antes, mandaram
fazer um acompanhamento psicológico com o casal e eles foram uma vez e
depois não foram mais, sumiram, sem deixar endereço sem nada. (Sra. Laura)
A devolução de uma criança pode ocorrer durante o período em que o casal está com a
guarda, que é o período estabelecido pela Justiça, anterior à sentença de adoção. Uma vez dada a
sentença, a adoção é irrevogável
221
, embora há casos, como o de André, em que a criança, já filho
para todos os efeitos, se vê rejeitada pelos pais adotivos que delegam a outros (embora não
diretamente), ou então à uma instituição, a responsabilidade que assumiram ao adotá-lo, a qual
não conseguiram, ou não desejavam dar continuidade..
Após a sentença definitiva, a pessoa que adota, ou seja, a família interrompe
progressivamente qualquer relacionamento com os serviços que acompanharam o processo de
adoção e, em caso de necessidade, os pais recorrem a outros profissionais, em busca de ajuda.
Esta é uma conduta, legalmente correta, mas seria interessante que, mesmo depois da
sentença definitiva, continuassem os laços com os técnicos, ou com os grupos de apoio às
adoções, o que permitiria enfrentar eventuais dificuldades, logo que surgissem, não permitindo
que elas se aprofundassem.
Algumas vezes, a família adotiva recorre à justiça quando se defronta com tais
problemas, buscando solucionar os conflitos existentes com seus filhos (fugas, mau
comportamento), que também são comuns nas famílias com filhos biológicos. No caso dos pais
adotivos, podem ocorrer fantasias, atribuídas às características pessoais que cada pessoa carrega
221
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), artigo 48.
consigo desde o nascimento, desconsiderando, assim, os fatores sociais e culturais no processo de
educação da criança.
Antes da devolução, seria recomendável que as famílias adotantes solicitassem
auxílio, em situações como as que foram detalhadas no caso de André, já que, a única maneira de
acabar com os conflitos é tentar conhecer a situação do problema e descobrir onde estão as
barreiras que impedem a comunicação e a circulação dos afetos; do contrário, o resultado é uma
quebra de vínculos, buscando o encaminhamento da situação (devolução) para a Justiça.
[...] na audiência, o juiz perguntou se ele queria voltar para casa e ele disse
que queria ficar no abrigo; o juiz conversou muito com eles, e demorou quase a
tarde inteira na audiência e determinou o tratamento psicológico para ver se
ele voltava para casa, para ver se voltavam os vínculos, mas não deu certo; e
daí infelizmente, ou melhor felizmente, porque senão não estaria com a gente, e
hoje está bem melhor. (Sra. Laura)
Observamos que o Sr. João e a Sra. Laura fazem parte de um grupo de pessoas que se
sentem socialmente responsáveis nas questões como abandono e a marginalização de crianças e
adolescentes; são tomados por uma ‘culpa’, que os leva a tentar amenizar, se não resolver o
problema, optando pela adoção como uma resposta a essa necessidade.
O abrigo em entidade é entendido como uma alternativa de moradia provisória que
pressupõe um contínuo empenho de restabelecimento para criança, da possibilidade da vida
familiar e da construção de seu projeto de vida. De acordo com o ECA
222
, é considerado como
medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para posterior colocação de
crianças e adolescentes, em família substituta, não implicando em privação da liberdade.
222
Artigo 101.
A institucionalização de crianças foi criada como um dispositivo que pretendia
"proteger a criança", mas, o que realmente ocorre é simplesmente uma segregação familiar e
social de crianças e adolescentes marginalizados (carentes, abandonados, doentes, autores de ato
infracional). Após o abrigamento de crianças - medida que deveria ser tomada como recurso
extremo e por curto período de tempo - existe uma grande probabilidade da ocorrência do
abandono nas instituições.
Vários autores, que estudaram os efeitos trazidos por uma institucionalização,
comprovam que uma criança institucionalizada é caracterizada por uma ausência de vinculação
afetiva estável e constante, e de todos os prejuízos causados por um ambiente impróprio para o
desenvolvimento infanto-juvenil.
Segundo Weber et.alli
223
, o tipo de socialização vivenciada nos abrigos, foi
caracterizada por essa ausência de vínculos afetivos capazes de prover a criança com um
referencial afetivo e cognitivo necessário à elaboração de uma concepção de si mesmo e do
mundo, situação esta que se agrava pelos sentimentos de rejeição e abandono.
Segundo Guirado
224
, as características mais freqüentemente encontradas no
comportamento de crianças separadas de suas mães e mantidas em sistemas de internato,
conforme estudos realizados por Bowlby, foram os seguintes:
Crianças separadas de suas mães entre 3 e 6 meses: apresentam falta de atenção e
expressividade diante de estímulos, sono agitado, propensão a estados febris transitórios,
enfraquecimento, palidez entre outros;
223
WEBER,L.N.D. et.alli. Filhos da Solidão: institucionalização, abandono e adoção. Curitiba: Governo do
Estado do Paraná, 1996.
224
GUIRADO, Marlene. A Criança e a FEBEM. São Paulo: Perspectiva, 1980
Crianças separadas de suas mães entre 6 meses e 1 ano: apresentam, além das características
anteriores, falta de apetite, insônia, repúdio a estímulos e depressão.
Crianças separadas de suas mães entre 1 e 3 anos: nos primeiros dias se tornam angustiadas,
negam-se a receber consolo e alimento, recusam mães substitutas; depois de alguns dias
mostram-se apáticas com mutismo absoluto; em médio prazo podem apresentar afeto alegre,
mas superficial, nas relações afetivas; quando a mãe retorna, podem apresentar reação hostil,
exigências excessivas e ciúmes agudos;
Crianças separadas de suas mães entre 3 e 6 anos: o efeito aparenta ser menos nocivo, mas
evidencia-se um comportamento com ausência de domínio sobre as emoções, um estado
nervoso, insegurança no amor materno, redução no rendimento escolar e desenvolvimento
físico prejudicado.
De acordo com esta mesma autora, em estudos retrospectivos realizados com
adolescentes que tiveram, em sua primeira infância, relações perturbadas com sua mãe, ou que
foram separados delas, pode-se observar: superficialidade nas relações, ausência de sentimentos
verdadeiros, inacessibilidade a qualquer tipo de ajuda, atitude evasiva, falta de concentração em
atividades escolares, isolamento afetivo, mentiras, desobediência, distração, entre tantos outros.
Por isso, a separação da mãe seria uma das variáveis mais importantes da
determinação de uma evolução, prejudicada nas relações afetivas ao longo dos primeiros anos de
vida de uma pessoa.
Weber
225
ainda destaca outro estudo acerca da criança institucionalizada, abordando
questões referentes ao meio emocional, físico e social, em que as crianças são submetidas, onde
o meio físico continha pouca estimulação visual, auditiva, motora e lingüística, enquanto o meio
225
WEBER, L.N.D. et.alli. 1996.
emocional era caracterizado por ausência de variações emocionais, positivas ou negativas. Já no
meio social, a autora destaca alguns aspectos:
A oportunidade de praticar algumas habilidades comuns na vida do lar é impossível na
instituição, por ser a criança confinada no berço, limitada na locomoção e exploração
ambiental, além de não ser observada individualmente para o esforço de comportamentos
novos desejáveis;
A motivação fornecida por pais, irmãos e demais familiares, a qual estimula e facilita a
aprendizagem, está quase que totalmente eliminada em uma instituição;
A rotina da instituição, estabelecida para racionalizar o trabalho de uma equipe de
funcionários para que possam atender um maior número de crianças, num menor espaço de
tempo faz com que as necessidades individuais da criança passem despercebidas.
Destacamos uma das falas do casal:
[...] [o André] é somente um pouco quieto, tímido, mas com os amigos ele se
solta, fica no telefone, sai... no começo, tinha um pouco de receio, até talvez
pelo tratamento que tinha do outro casal. Então a gente chegava no quarto,
abria a porta e ele já se assustava. (Sr. João)
Ás vezes ele esconde as coisas que faz errado, por medo talvez, mas quando
perguntamos, ele responde, fala, ri sabendo que fez algo errado. (Sra. Laura)
É desta forma que os danos psicológicos decorrentes da institucionalização acabam
por apresentar problemas de desenvolvimento na criança e no adolescente, tornando os vínculos
afetivos prejudicados, pelas limitações de atitudes espontâneas, mas que podem ser passíveis de
mudanças.
Registramos aqui, como necessidade fundamental para a evolução da conduta dessas
crianças (em uma adoção tardia), a capacidade da mãe, em ser continente das necessidades do
filho, em exercer a maternagem, diferindo daquela feita com um recém-nascido, onde as
necessidades básicas são satisfeitas de uma forma quase que automática pela mãe, que já se
antecipa a tais necessidades. No caso de uma criança maior, há a necessidade de estar disponível,
sendo flexível para atender as necessidades nos momentos menos esperados, pois conforme
explicitado nos capítulos anteriores, “tanto na adoção tardia, como na vida, as chances de sucesso
ou fracasso das relações que se estabelecem dependem da capacidade de suporte, de entrega, de
trocas afetivas profundas, verdadeiras, entre os protagonistas”.
226
Não podemos acreditar que os elementos e efeitos trazidos por uma
institucionalização sejam de um determinismo absoluto para a vida futura da criança ou
adolescente. O encontro de laços afetivos é uma situação suficientemente poderosa, para gerar
consciência de si e do mundo, proporcionando condições para "reinventar" os modelos de família
numa sociedade.
O pensamento comum tende a acreditar que as crianças e adolescentes que "povoam"
as instituições de abrigo estão protegidas lá; tem uma boa alimentação e estão sendo bem
cuidadas. Há muitos tipos de instituições, algumas mais e outras menos ocupadas. Porém, em
nenhuma delas existe o básico para o ser humano: viver com uma família, criar laços afetivos e
sentir-se afetivamente completo.
Rufino
227
realizou uma pesquisa para traçar o perfil das crianças afrodescendentes
institucionalizadas em regime de abrigo no estado de Santa Catarina, mostrando que 34% dessas
encontravam-se abrigadas por período superior a quatro anos – demonstrando um descompasso
entre o funcionamento dos abrigos, e a Lei 8069/90 (ECA), que prevê o abrigo como medida
226
VAGAS, Marlizete M. Adoção Tardia: um estudo do processo de adaptação criança-família. Boletim Adoção
em Terre des Hommes. Ano VII, n.69, 26 de março de 195, p. 04.
227
RUFINO, Silvana S. As Faces e as Contrafaces da Adoção Inter-racial: um estudo da realidade catarinense.
Florianópolis, 2000. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social). Centro Sócio Econômico.
Universidade Federal de Santa Catarina.
provisória -; que em 41% dos casos a situação econômica
228
precária e o abandono, foram
motivos relevantes para o abrigamento dos filhos; e que em 44% dos casos, a família não visita a
criança.
É assim que, de carentes financeiramente essas crianças e adolescentes adquirem a
conotação de abandonadas, uma vez que não há uma relação de continuidade familiar, por sua
prolongada permanência nestas instituições de abrigo.
Com a análise do UNICEF
229
, estimando a existência de 180 milhões de crianças
"esfomeadas" no mundo, nos próximos anos, e de acordo com a realidade já existente, milhares
de famílias brasileiras, atualmente, são "obrigadas" a transformar a instituição de abrigo, num
refúgio para solução de alguns de seus problemas. A vida, com péssimas condições de saúde,
moradia e educação, faz com que os pais abriguem seus filhos, para que possam garantir a
sobrevivência de outros membros dessa família, não percebendo o dano que essa brusca quebra
de vínculo familiar, acarretará para o desenvolvimento de tal criança ou adolescente.
Por isso destacamos também como tarefa dos abrigos, o desenvolvimento de ações
voltadas ao breve retorno familiar, para que essas crianças e adolescentes não passem anos a fio
nestas instituições, demonstrando às famílias, que desta forma, não perderão, ou terão o poder
familiar sobre seus filhos suspenso, mesmo que não sejam decretados judicialmente, pois de
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o tempo de permanência numa instituição
deve ser limitado, citando em seu artigo 101, que o abrigo deve ser medida provisória e
excepcional.
228
Ressaltamos aqui, que de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 23, a falta ou a
carência de condições financeiras não se constitui motivo justificado para suspensão por perda do poder familiar.
229
Dados de Weber et.alli (1996).
E, numa tentativa fracassada de retorno familiar, poderia se vislumbrar mecanismos
de colocação destas crianças e adolescentes afrodescendentes em famílias substitutas, ou de
encaminhamento para adoção, inclusive a adoção inter-racial, pois a família ainda constitui-se na
melhor instituição capaz de oferecer suporte necessário e adequado para qualquer criança e
adolescente em desenvolvimento, não importando a diferença de etnias nela existente.
Isso nos leva a crer na existência de uma cultura da institucionalização, e que, uma
vez que a criança tenha vivido neste meio, carrega consigo uma gama de sentimentos e modos de
vida significativos, tendo, fora deste meio, dificuldades para a sua sobrevivência e seu
desenvolvimento, bem como sua inserção em outras instituições sociais, como a família, a escola,
a igreja, por exemplo. Conforme explicitado no capítulo dois, a criança institucionalizada é o
protótipo dos resultados de ausência de vínculos afetivos estáveis e constantes prejuízos causados
por um ambiente empobrecido e opressivo ao desenvolvimento infantil.
O homem se forma pelo encontro consigo mesmo e com o outro e sem o
processo de autoconhecimento e sem a interação social não haverá
homem. Assim, como o desconhecimento de si mesmo impossibilita o
desenvolvimento das potencialidades latentes, o efeito do malogro da
integração social normal será a ausência do horizonte temporal ou a
indiferença pelo futuro. Esse defeito de socialização pode ter caráter
patológico e aumentar o nível de exclusão social.
230
Um outro ponto que destacamos, é o fato de a primeira família que adotou o André no
Rio de Janeiro, e onde ele recebia maus tratos, era de ascendência negra, contrariando a idéia de
que crianças negras devam ser outorgadas exclusivamente a famílias negras, como recomenda
alguns estudos americanos, citados no segundo capítulo deste trabalho, garantindo assim, uma
230
SILVA, Roberto da. Os Filhos do Governo: a formação da identidade criminosa em crianças órfãs e
abandonadas. São Paulo: Ática, 1997, p. 58
experiência positiva, e emergindo a idéia de que não é a cor/etnia tanto da família que adota,
quanto da criança adotada, que vai definir o sucesso de uma relação.
A busca pelos iguais nas adoções, é defendida por alguns estudiosos e profissionais
que atuam nesta área. Entretanto, Weber
231
destaca que outros autores alegam a não existência de
diferença no ajustamento e sucesso de uma adoção, considerando a diferença de cor ou de raça
entre pais e filhos adotivo. Por outro lado, Silveira
232
destaca que os profissionais que atuam com
casos de adoção, justificam o posicionamento contrário à inserção de crianças em família de
cor/etnia diferentes das suas, e são justificadas por uma possível rejeição, alegando que uma
criança pode ser menos rejeitada se for colocada em seu próprio grupo racial.
Neste sentido, falar das dificuldades de integração entre adotantes e adotados,
significa repensar o modo de agir em sociedade, o atual modelo de relacionamentos existente,
pois quando se busca um encontro com o novo, podendo primar por experiências educativas
através de diálogos e respeito às diferenças, o que resulta é uma espécie de celebração das
diferenças, com um fio de unicidade que as une, e com a certeza de que é possível uma
convivência harmoniosa, apesar de tantas diferenças.
4.4.2 Celebrando o Encontro com o Novo: cruzando pontes que conduzem a novos processos
educativos
[...] lá no abrigo tinha um outro menino que judiava um pouco dele, um pouco
maiorzinho que ele e ele ficava trancado no quarto a noite para não apanhar e
falei para minha esposa, se é por mim, o André não voltava pra lá, já ficava
aqui em casa. E ele passou um mês mais ou menos aqui, e então conversamos
com ele, e ele concordou quando perguntamos se queria ficar conosco.
231
WEBER, L.N.D. Laços de Ternura: pesquisas e histórias de adoção. Curitiba: Juruá, 1998.
232
SILVEIRA, Ana Maria. Particularidades da Adoção: a questão da etnia. São Paulo, 2002. Dissertação
(Mestrado em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[...] sobre a adoção a gente conversou com ele, em agosto (1998) ele começou
a ficar conosco, e depois em janeiro (1999) ele começou a chamar de pai, de
mãe. E então falamos para ele: se voquiser ser adotado por nós, nós
seremos teus pais, mas você tem que querer, se você não quiser vamos te dar o
mesmo apoio, carinho, vai continuar morando conosco, cuidar, isso é
independente. Mas se você quiser ser adotado por nós, aí a coisa muda, você
vai ter que nos respeitar como pais, o carinho, vai ser filho nosso, vai ter
direitos e obrigações: esclarecemos que filho por adoção não é nem castigo e
nem privilégio, que teremos filhos biológicos depois, e vai ter os mesmos
carinhos, mesmas obrigações. Agora se você não quiser, vai continuar a
mesma coisa, você vai continuar morando lá em casa, o carinho vai ser o
mesmo. E ele disse que queria. (Sr. João)
Segundo Souza
233
, acolher é uma forma de expandir o nosso horizonte interno, de
maneira a possibilitar aberturas para que novas imagens e associações se unam à rede de relações
que organiza a nossa maneira de ver o mundo. “E para acolher o mundo das crianças é preciso
acolhê-las. É preciso criar um ambiente em que elas possam encontrar confiança, afetividade e
crença nas suas capacidades de ser e estar no mundo”.
Por isso, o ato de hospedar é um ato recíproco, de intercâmbio entre as partes,
comportando um hibridismo, pois tanto aquele que hospeda como o hóspede, vivenciam a
condição de terem que acolher ou hospedar, reciprocamente, outros espaços, outras vidas. A
partir daí, experimentam o contato com as fronteiras das diferenças culturais, não como uma
forma de deficiência, mas com o respeito pelo saber e ser do outro, fortalecendo relações de
solidariedade, entre-ajuda, afetivas e a convivência com a diferença, não compreendida como
carência, mas como formas diferentes de ser e estar no mundo.
Conforme citado no capítulo anterior, a família é um dos espaços experienciais mais
importantes, porque além de representar o fruto das vivências das relações entre pessoas as
experiências de relações realizadas na família marcam a forma de ser de seus membros.
233
SOUZA, Maria I.P. Construtores de Pontes: explorando limiares de experiências em educação intercultural.
Florianópolis, 2002. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Santa Catarina, p. 91-92.
[...] entre nós ela (a família) não é apenas uma instituição social capaz de ser
individualizada, mas constitui também e principalmente um valor. Há uma
escolha por parte da sociedade brasileira, que valoriza e institucionaliza a
família como uma instituição fundamental à própria vida social. Assim, a
família é um grupo social, bem como uma rede de relações. [...] é um dado de
fato da existência social [...] e também constitui um valor [...].
234
Segundo Szymanski
235
, a família exerce seu papel socializador de diferente maneiras,
conforme os modos de ser que seus membros foram desenvolvendo ao longo de suas vidas,
utilizando-se de práticas educativas familiares através de trocas intersubjetivas, que possibilite a
construção de saberes, práticas e hábitos sociais, emanando “uma compreensão e uma proposta
de ser-no-mundo com o outro”.
A chegada do André na família do Sr. João e da Sra. Laura, segundo o relato,
‘desestruturou’ o cotidiano da família, que não havia se preparado anteriormente para receber
uma criança em sua casa, e dividir com ela, os momentos familiares bons e ruins.
[...] éramos só nós, então tínhamos que nos reestruturar: por exemplo,
compramos um xampu, específico para o cabelo dele, e passou um mês e
notamos que o xampu não descia, não baixava e então perguntei: e o xampu,
não está usando? - ele não sabia que o xampu era para cabelo, ele sempre
usava o sabonete, nunca tinha usado xampu. Então ele aprendeu coisas que
para nós era normal, era um hábito, como apontar um lápis, usar uma régua,
era como começar de novo. (Sr. João)
[...] ele convidou um amiguinho para vir aqui, e ele não sabia como receber,
porque nunca tinha recebido nenhum amiguinho em casa, então explicamos
que quando chega visita, devemos dar atenção, porque a visita era para ele,
então ele não sabia o que fazer, ficava perdido. A gente recebe, acompanha, faz
sala, conversa e agora já ele sabe até demais (risos).. (Sra. Laura)
234
DAMATTA, Roberto. A Família como Valor: considerações não-familiares sobre a família à brasileira. In:
ALMEIDA, Angela M. et.alli. Pensando a Família no Brasil: da colônia à modernidade. Rio de Janeiro: Espaço e
Tempo/UFRJ, 1987, p. 125.
235
SZMANSKI, Heloísa. Viver em Família como Experiência de Cuidado Mútuo: desafios de um mundo em
mudança. Revista Serviço Social & Sociedade. nº. 71 – Edição Especial. São Paulo: Cortez, p.9-25, 2002.
[...] também no primeiro dia da escola, eu fui levar ele, acompanhá-lo, e ele
perguntou: os pais fazem isso? Mas foi bom, foi um aprendizado e temos que
estar sempre dispostos a aprender coisas novas.(Sr. João)
A educação aparece sempre onde existem formas sociais de condução da conjunção
ensinar e aprender. Segundo Brandão
236
, é caracterizada como uma fração do modo de vida dos
grupos sociais, que produzem e praticam, para que possam reproduzir, entre todos os que
ensinam, e também aprendem, o saber que atravessa os códigos de conduta, as regras do trabalho,
da religião, todos os dias a vida de uma pessoa, através de trocas que existe onde a educação
habita.
A presença da reciprocidade e do encontro com o outro, tem a presença assegurada de
um projeto como marca de uma educação intercultural. Por isso, Souza
237
nos lembra, que a
palavra encontro, comporta uma ambigüidade de deslocamento de sentido; palavra de origem
latina, no seu sentido etimológico foi traduzida pela reunião da palavra contro, que significa
relação de pessoas que se encontram em oposição umas às outras, e a partícula in, pode ter um
duplo sentido: como preposição dirigir-se contra a”, correspondendo a um embate, e como
prefixo, indicando uma negação – “não dirigir-se contra a”, correspondendo a uma articulação.
Por isso, ela aponta para um “entre-lugar”, podendo representar tanto a aproximação, como o
embate entre diferentes.
Este encontro pode abrir fronteiras, evidenciar entre-lugares que antes não eram
percebidos, possibilitando um deslocamento, que conduz a uma identidade intervalar que rompe
com a visão de estabelecer-se entre uma coisa ou outra.
236
BRANDÃO, C.R. O Que é Educação. 14ed. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 10-11.
237
SOUZA, Maria I.P. 2002, p. 15.
Esse deslocamento é possibilitado por meio das relações familiares, baseadas no
diálogo, na troca de experiências, na reciprocidade entre sujeitos diferentes, que se traduzem em
identidades múltiplas e, por meio desse processo, todos constroem e reconstroem a própria
identidade.
Nos defrontamos constantemente, como nesta família, com um ciclo ininterrupto de
construção de identidades, com elementos que são re-significados de acordo com o contexto, e
citando mais uma vez Hall
238
, destacando que, a identidade sendo definida historicamente, seria
formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou
interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam, de tal forma que à medida que os sistemas
de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais, poderíamos nos
identificar – ao menos temporariamente.
E, lembramos também, mais uma vez o que já abordamos no capítulo anterior, em que
o confronto entre uma pessoa e outra, pode configurar processos de sujeição, de exclusão, ou até
mesmo de eliminação de um pelo outro. Mas também, ao contrário disso, pode possibilitar
processos de aprendizagem recíproca, em que uma pessoa além de educar, (re)educa-se numa
relação com a outra: é a realização de descobertas recíprocas de “si mesmos”, numa troca de
visões de mundo que expande a relação para além dos limites da exclusão, onde os sujeitos se
vêem como sujeitos híbridos.
Um fato engraçado e curioso, citado pela Sra. Nair (avó do André):
[...] quando fomos viajar para Argentina, ele estava parado quietinho, e o
motorista perguntou: e tu, vai viajar com quem? - Com meus pais, eles tão ali!
- ele respondeu. E então eu falei: Ah, eu sou a avó dele. Na hora não me toquei,
238
HALL, Stuart. 1999, p.12.
porque pro motorista era estranho, não tinha nenhum casal negro. Então a
gente não se toca da cor, pra gente é tão normal ele ser neto, ser filho, mas pro
motorista era diferente.
A sociedade, ainda está despreparada para viver a situação da adoção inter-racial, uma
vez que a filiação adotiva ainda é vista com restrições, e devido ao caráter de subalternidade que
o negro ocupou desde a época da colonização, evidenciando uma representação sociocultural, e
uma constante discriminação a esta parcela da população.
[...] a sociedade não está acostumada a ver casal branco com filhos negros, a
maioria, acho que 95% dos [meus] amigos não, mas tem sempre quem
pergunta, porque adotar, ou porque negro, mas acho que é somente num
primeiro momento, uma surpresa, mas depois, fica tudo normal. (Sr. João)
Embora, algumas pesquisas
239
, já explicitadas anteriormente, demonstrem que poucos
são os postulantes à adoção que se disseram indiferentes em relação a cor da criança, muitos dos
outros casais cadastrados podem vir a adotar crianças de outra etnia, através de programas da
divulgação do instituto adoção, por meio da sociedade civil e dos Grupos de Apoio à Adoção
240
(GA's) espalhados pelo país.
Para isso, é condição essencial que as pessoas se desfaçam de seus medos,
inseguranças e mitos - dos desejos de compor uma família que se assemelhe o mais próximo de
uma biológica - pois enquanto continuam em meio a esses receios, as crianças também continuam
em instituições de abrigo.
239
D’agostini (2000), com dados de 3,17% dos postulantes cadastrados e Silveira (2002) com dados de 1,4%.
240
Grupos de Apoio à Adoção constitui-se numa sociedade sem fins lucrativos, cujos membros (na maioria das vezes
pais adotivos) trabalham voluntariamente para divulgar a adoção, previnir o abandono, preparar adotantes,
acompanhar pais adotivos, encaminhar crianças para adoção e de uma maneira mais ampla, conscientizar a sociedade
sobre a adoção. É uma isntituição importante que surge do movimento da sociedade civil, com interesse único de
resguardar a criança o direito de viver em ambiente familiar e comunitário.
[...] não podemos deixar que essas crianças sejam filhos de ninguém. O Estado
as deixou a margem, seus pais a abandonaram, a instituição é somente uma
'passagem' sem lugar para vínculos; seu mundo é limitado por si mesmo e cheio
de ausências. A sensação é de vazio, de dor, às vezes indiferença, ou
perplexidade por estar ali sem ninguém. São filhos da solidão. Seu sonho é ter
uma mãe e um pai.
241
E assim, destacamos a importância de que os postulantes à adoção inter-racial, sejam
preparados por profissionais capacitados, uma vez que existe uma distância entre o desejo e a sua
realização, e há um longo um caminho a ser percorrido para que se possa realizar uma adoção.
Essa preparação é importante, não para que os postulantes possam tornar-se bons pais ou boas
mães, mas para que tenham consciência e certeza daquilo que vão requerer junto à Justiça.
Vale acrescentar que essa preparação ainda é válida não somente para que possamos
resolver os problemas de preconceito e discriminação contra crianças, que por características
peculiares, são muitas vezes excluídas do processo de colocação em família substituta, mas, para
inserirmos um novo estatuto na adoção inter-racial, para a possibilidade de constituição de uma
família que prima pelo respeito ao diferente, através de uma unicidade que confirme a certeza de
que há possibilidade da convivência harmoniosa, apesar das diferenças. É somente desta forma,
que poderão se constituir famílias multirraciais, onde a criança adotada, seja respeitada com a
mesma dignidade dos demais integrantes desta família.
Segundo o Sr. João, o diálogo existente entre os membros de sua família, sempre
possibilitou ao André, a certeza de que realmente pertence aquele meio, não dando margem para
comentários preconceituosos, pelo fato de ser filho por adoção e por ser negro.
[...] quanto aos amigos, ele sempre teve muitos amigos, que vêm aqui, eles
saem juntos, telefonam; entre eles acho que nunca houve preconceitos. É
porque o André tem certeza, e quando a pessoa tem certeza, ela elimina as
dúvidas da sociedade; o fato de ter a segurança – olha ele é meu pai, ela e
241
WEBER, L.N.D. et.alli, 1996, p.153.
minha mãe – a postura dele já impõe. Os colegas, na escola sempre dizem: É a
mãe do André, o pai do André. (Sr. João)
Neste ponto, podemos citar Souza
242
destacando, a necessidade de dialogizar o outro
e não de se tentar representá-lo, como significação deste outro a partir da perspectiva da sua
condição, apreendendo a sua diferença e produzindo um ato de tradução cultural. Tradução, no
sentido estrito da palavra, significando “conduzir alguma coisa de um lugar a outro”, “transferir,
transportar entre fronteiras, característica das culturas híbridas”, produzindo um ato de tradução
cultural não se apossando do outro, explicando-o ou significando-o, mas ouvindo-lhe e
absorvendo a sua diferença, realizando uma transferência de significado.
Por isso concordamos, na relação existente na família de André, com o que
discutíamos anteriormente: nessa relação emerge a necessidade de “um outro lugar”, onde as
potencialidades e necessidades pessoais possam encontrar algo positivo de si mesmos em uma
fronteira, que não necessariamente é o lugar onde algo termina, mas que pode ser o ponto a partir
do qual algo começa a se fazer presente, e as diferenças possam ser articuladas, e não excluídas.
E mais do que isso, urge a necessidade de exclusão dos tipos de distinção assumidos,
baseados numa oposição entre uma coisa e outra, substituindo-a pela conexão e/e
243
, onde as
oposições não são eliminadas, mas com conexões num contexto em que haja a coligação,
superando as oposições, não porque as contradições desaparecem, mas porque produzem
mudanças que envolvem os agentes da oposição.
Assim, induzindo a uma relação entre contextos que se constroem conjuntamente,
numa celebração da diversidade, enfatizando a diferença cultural, significando ir além do
242
SOUZA, Maria I.P. 2002, p. 31
243
FLEURI, Reinaldo M. 2000, p. 122.
reconhecimento e do acolhimento das diversidades, da crítica aos racismos e discriminações de
todas as ordens, de exclusões e inclusões, individuais e grupais, como descrição do efeito de
concepções preconceituosas e estereotipadas.
Entendemos a adoção inter-racial como um desafio numa opção que assume uma
relação intercultural, emergindo a possibilidade de uma educação intercultural, para que se
dissolvam justamente os mecanismos que geram a discriminação e os preconceitos, que por
serem construídos socialmente, no entanto a sua desconstrução é feita também socialmente em
processos de relação: relações de diálogo, de reciprocidade, de respeito às diferenças, na busca
por um “outro lugar”.
É claro que sempre ocorrem alguns fatos inusitados, como com a maioria dos
afrodescendentes no Brasil, explicitando preconceitos e estereótipos, contra esta parcela da
população. Destaca o Sr. João que:
[...] uma vez, ele chegou meio agitado da rua, e eu já notei, e perguntei: o que
foi filho? – Ah, me xingaram de negro! Eu respondi, mas não pode te xingar de
negro, porque negro não é xingamento, é um orgulho, porque é tua casa, tua
família.
Segundo Silva
244
, devemos tentar recuperar o sentido afetivo do termo “negrinho”,
assim como os aspectos positivos do ser negro, ensinando a criança a exigir que a tratem pelo
nome, e não por apelidos ou referências às suas características físicas. Em casa, o ato de chamar
carinhosamente de “negrinho” provoca uma receptividade positiva, contribuindo até para
aumentar a auto-estima, pois o que ofende não é a palavra, e sim o tom de xingamento.
244
SILVA, Ana Maria et.alli. Gostando Mais de Nós Mesmos: perguntas e respostas sobre auto-estima e
questão social. 2ed. São Paulo: Gente, 1999, p. 32-33.
A auto-estima baseia-se em reconhecer-se como pertencente a determinado grupo
étnico, e identificar-se, mesmo sem levantar bandeiras. Ser negro, sentir-se negro e sentir-se bem
assim, em qualquer lugar é o grande desafio, uma questão de atitude, como a de aceitar as outras
pessoas com as suas diferenças.
Destacamos nas discussões anteriores, as diversas conseqüências para o povo negro,
que afetam seus aspectos psicológicos e sociais, e entre elas, a ausência, ou baixo nível de auto-
estima, sem a qual, o grupo negro não se sente com os mesmo direitos que os outros grupos.
Uma pessoa com auto-estima baixa cultiva, com relação a si mesma, fortes
sentimentos de ansiedade e incerteza, pois tem como referência, aquilo que presume que pensam
a seu respeito. Por isso, sofre grande prejuízo em sua individualidade, pois depende dos outros
para pensar a respeito de si mesma. Para o afrodescendente brasileiro, em particular, esse tipo de
prejuízo faz com que dificilmente estabeleçam relações de igualdade com os outros, e sim de
inferioridade.
Numa pesquisa realizada por Rufino
245
, constatou-se uma certa dificuldade de
transmitir as questões referentes à cultura e origem da população negra à criança negra, adotada
por uma família branca, fazendo com que o processo de construção social e cultural da identidade
dessa criança fosse prejudicado, evidenciando um baixo nível de auto-estima em relação às suas
origens étnicas. Vejamos o depoimento dessa mãe:
[...] as pessoas são racistas, ele era racista e não aceitava o fato de ser negro;
ele dizia que não era negro, pois ninguém nunca havia dito isso pra ele. Eu
mostrava a cor da minha pele – lá em casa todo mundo é bem claro – e ele dizia
que era da mesma cor e foi muito difícil convencê-lo de que era negro [...] ele
não queria ser negro, tanto que hoje ele não gosta; ele só tem amigas loiras, as
namoradinhas loiras; ele não quer nem o branco moreno, tem que ser branco,
mas ainda loiro.
A rejeição é a defesa contra aquilo que não quero para mim, porque me faz mal.
Segundo Silva
246
, a rejeição à condição racial é aprendida no decorrer do processo de
socialização dos indivíduos negros, porque vivemos em uma sociedade que, em sua maioria,
tende a negar qualidades positivas aos negros. Desta forma, a criança que nega ou rejeita sua
condição racial o faz porque recebe provas diárias de que o outro ocupa todos os espaços sociais,
e as pessoas do seu grupo racial não; por isso, quando a criança diz que não quer ser negra, está
mostrando que não deseja ser maltratada, ridicularizada, envergonhada, ter seu valor diminuído
etc.
A relação com o outro, com o diferente na perspectiva da educação intercultural,
pressupõe a construção de reciprocidade, de encontros, sem sobrepor nenhuma categoria (negro,
branco, homem, mulher), possibilitando visualizar o outro como sujeito híbrido, num espaço que
não aspira nenhum modo peculiar de ser, que pensa os fatos como categorias fixas, ocorrendo o
que Bhabha
247
denomina de processos simbólicos de negociação ou tradução, possibilitando a
articulação de elementos antagônicos ou contraditórios: o entre-lugar significando o desejo de
outro lugar e outra coisa, com novas possibilidades de relações pessoais e sociais.
Segundo Souza
248
, os processos de diferenciação que a nossa espécie é capaz de
realizar, estabelecem cisões na dimensão complexa da ponte que, ao mesmo tempo em que separa
as margens, as reúne: lugares de muitos passantes que pedem pontes para realizar a travessia em
direção ao encontro.
Sempre e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos
ou apressados dos homens (e mulheres) para lá e para cá, de modo que eles
245
RUFINO, Silvana S. 2000, p.81-82.
246
SILVA, Ana Maria et.alli. 1999.
247
BHABHA, H. 1998, p.22.
248
SOUZA, Maria I.P. 2002, p. 27.
possam alcançar outras margens. A ponte reúne enquanto passagem que
atravessa.
249
Então, podemos considerar a ênfase ao diálogo com as diferenças culturais para num
processo único construir uma história que reúna a diversidade através de pontes, na construção de
uma sociedade mais justa, entendendo que a igualdade só será possível com a aceitação das
diferenças.
Bhabha
250
já nos alertava, no capítulo anterior, que atualmente não se sustentaria
nenhum tipo de essencialização da cultura, pois a natureza humana seria híbrida de identidades,
num contínuo trânsito em que se cruzariam várias culturas, gerando entre-lugares, abrindo
fronteiras de articulação das diferenças culturais, formando sujeitos nos entre-lugares de raça,
gênero, geração, classe, estabelecendo a passagem para um outro lugar. O hibridismo desta
forma, seria a fronteira enunciadora de diversas histórias que inventam novas culturas.
Esses hibridismos culturais, estariam em contínuo percurso por espaços intersticiais,
movimentos em diversas direções, constituindo um jogo miscigenado, que nos lançaria para
outros lugares e outras coisas, transitando por territórios culturais diferentes, para o território do
inter (entre-lugares), exigindo novas significações, para além da pura diferença cultural.
Chas
251
num depoimento prático, útil para pais adotivos – falando também enquanto
pai adotivo, numa experiência de adoção inter-racial - destaca o que seria necessário fazer para
ajudar a promover uma identidade racial saudável em suas crianças. Destaca então que
[...] ação deve se voltar simultaneamente em duas estratégias. Primeiramente,
devemos cercar nossas crianças com atitudes reveladoras da valorização e do
249
Martin Heidegger: citado por FLEURI, Reinaldo M. Educação nos limiares entre culturas. Revista Marco Social:
educação para valores. Instituto Souza Cruz. Janeiro, 2003, p.10
250
BHABHA, Homi K. 1998.
251
CHAS, Todd. Construindo uma Identidade Racial. Boletim Nas Janelas da Adoção. Ano 4, nº24, 01 de agosto
de 2000, p.05.
respeito que sentimos pela sua origem. Não importa onde você mora, você pode
começar a introduzir leituras, música, bonecas e desenhos que celebrem a
identidade racial de seu filho. Esta experiência pode ser positiva para toda a
família, mesmo que não seja fácil. Minha mãe pode dar seu testemunho. Ela
espantou-se ao descobrir que não havia um único cartão de aniversário com
uma criança negra na cidade da Flórida. Ela tomou como missão pessoal à
conscientização das pessoas, e hoje, a loja de cartões e sua papelaria favorita,
diversificaram adequadamente seus estoques.
Para poder construir com ela (a criança) uma relação diálogo, em uma adoção inter-
racial destaca-se a necessidade partilhar aquilo que a ela pertence, como a sua história, a história
de seu grupo étnico, para que o processo de “gostar de ser negro”, comece a se fazer presente,
dando possibilidade para a construção de uma identidade racial saudável.
Por isso, este mesmo autor cita, como um segundo ponto de valorização e construção
de uma identidade racial saudável:
O segundo aspecto de nossa ação é mais difícil. Não é sempre fácil criar
relacionamentos pessoais com membros de comunidades afro-americanas, em
lugares como a baía de São Francisco, por exemplo. Mas felizmente existem
diversos eventos (tais como concertos, comemorações de feriados, cultos de
igreja, desfiles e passeatas) e algumas alternativas de consumo (tais como
cabeleireiros, loja de roupas e restaurantes) que proporcionam acesso a
exemplos dos costumes americanos. Mais importante do que isso existem
outras crianças negras, além de seus filhos. Uma forma mais fácil de estabelecer
uma amizade com famílias afro-americanas é através de nossos filhos. Então,
como podemos iniciar este processo? Bem, oferecer-se para trabalhar nas
escolas públicas locais ajuda no processo (e as escolas vivem precisando de
voluntários!), mas existem outras formas bem sucedidas. É inevitável que
outras crianças se aproximem para ver o bebê ou brincar com nossas crianças.
Nós damos preferência aos parques freqüentados por crianças negras. Esta
filosofia é valida para todos os ambientes incluindo bibliotecas, supermercados
e restaurantes. Quando nós não esperamos pela solução, mas a construímos,
conseguimos, certamente, alternativas para desenvolver as relações adequadas
que beneficiarão nossas crianças.
252
O gostar de ser negro depende da forma que se desenvolve a auto-estima da criança.
Esse processo consiste em ações que promovam o resgate da cultura e história do negro,
252
CHAS, Todd. 2000, p.05.
evidenciando também seus heróis, uma vez que os modelos favoráveis à etnia, podem facilitar o
fortalecimento desta auto-estima.
Procuramos sempre buscar valorizar e resgatar [a cultura] o negro; ele
começou a fazer capoeira e fiz junto; resgatar a importância da contribuição
da cultura negra, as coisas boas, o dolos] Martin Luter King, Nelson
Mandela. E sempre destaco, não é benefício e nem prejuízo, é uma
circunstância de cada um, e sempre buscar as coisas boas de cada um, de cada
raça, e ele acompanhou bem. E ele sabe, ele valoriza. (Sr. João)
Segundo Silva
253
, podemos, junto com as crianças, descobrir instrumentos que lhes
possibilitem: conversar sobre as diferenças raciais em casa e na escola; aprender a gostar de si
mesmas; aprender a respeitar quem é diferente. Afinal é necessário que as crianças (assim como
os adolescentes e os adultos) entendam que os seres humanos - embora os fatos possam levar a
crer no contrário - devem ser julgados pelo caráter, e não pela cor da pele.
Na escola ele tem professores negros, e já colocamos ele na escola adventista –
porque na época eu trabalhava lá -, por eles trabalharem bem a parte moral,
de convivência, comportamento, apesar de sermos de outra religião, porque
são princípios que a gente valoriza, trabalhos contra álcool, drogas. E é tudo
bem, porque ele não se discrimina, lá ele não é discriminado; a gente não se
discriminando, não dá espaço para isso, ele age com naturalidade o fato de ser
negro e ter uma família branca. (Sr. João)
Diferente do caso do André, na pesquisa citada anteriormente realizada por Rufino,
na época escolar a e (branca que adotou um filho negro) alega que o filho teve uma professora
negra em uma das primeiras séries - pois teve que passar várias vezes por esta fase - e foi um dos
piores anos para a criança, surgindo problemas tanto na escola quanto na própria casa deles.
[...] foi um ano terrível pra ele [...] foi a última escola que foi convidado
a se retirar. E eu não tive coragem de chegar para professora e dizer que
era por causa dela, e fiquei com medo de ela não entender, de ela ficar
magoada; hoje eu faria diferente. Eu pediria para que, não que contasse
253
SILVA, Ana Maria et alli. 1999, p.28.
para professora, mas que fizesse com que ele trocasse de turma, porque
ele não estava preparado ainda. [...] ela até era legal e mimava bastante
ele; era uma ótima professora. Eu tentava fazer ele pensar diferente.
A escola constitui-se numa das instituições que podem favorecer uma real integração
da criança negra, por caracterizar um ambiente de vida particularmente significativo para a
formação pessoal e social da criança.
São diversas as situações que podem envolver diretamente a instituição escolar no
desenvolvimento da criança. Uma delas é a observação de questões sociais e educativas
relacionadas à diversidade cultural de seus alunos, bem como à diversidade racial.
Segundo Figueiredo
254
, os contos infantis e mitologias ajudam as crianças a construir
sua identidade, em que se colocam no lugar dos heróis e vivenciam as sensações dos
personagens. Os sentimentos de inferioridade e auto-rejeição são as conseqüências mais comuns
na auto-estima de quem não se reconhece nas histórias contadas na escola.
Esta autora, destaca um projeto elaborado por uma professora para despertar o
respeito às diferenças, após presenciar diversas atitudes racistas. Pediu à classe que desenhasse os
heróis preferidos, já prevendo o resultado: a maioria citou personagens brancas. Ela aproveitou os
dados e ensinou, nas aulas de Matemática, como elaborar gráficos: 94% de
personagens brancas, 4% de orientais e 2% de negras.
Depois apresentou o herói Kiriku, do filme Kiriku e a Feiticeira, um desenho
animado que se passa na África, em que todas as personagens são negras. A turma assistiu ao
filme, reescreveu a história e a sinopse e fez resenhas. Em seguida a professora pediu um
exercício de comparação com os contos de fadas tradicionais e o levantamento das
características desse gênero literário. Para começar, lançou a pergunta: por que não vemos
personagens negras em outras histórias? Os alunos conseguiram se lembrar de algumas, como o
Negrinho do Pastoreio, o Zumbi e Tia Nastácia. Qual a diferença entre eles e Kiriku? "Ele é um
herói, professora", responderam.
A outra atividade foi de leitura de livros cujas personagens principais são negras,
como Luana, de Aroldo Macedo. Em seguida as crianças pesquisaram em jornais e revistas
reportagens sobre racismo, enquanto a professora mostrava fotos e histórias de grandes ícones
brasileiros negros, como o professor Milton Santos.
Em Ciências, foram estudadas diversas versões para a criação do mundo, e a
professora apresentou lendas africanas e indígenas. Aqui, um aluno muçulmano trouxe sua
experiência e enriqueceu a discussão sobre pluralidade cultural.
É de fundamental importância para o desenvolvimento da criança afrodescendente, o
posicionamento que os professores assumem frente a ela, e mais ainda, frente ao problema da
diferença racial, pois segundo Pinto et.alli.
255
, as crianças não recebem o mesmo tratamento na
escola. Muitos professores reservam uma cota maior de contato físico e palavras de carinho aos
alunos brancos, fazendo com que os alunos negros sintam-se inferiorizados, e com que os
brancos passem a crer que tem mais valor que os colegas.
Antes de freqüentar a escola, as crianças já conhecem o preconceito e sabem que as
pessoas são discriminadas conforme a sua cor. Por isso Pinto et.alli.
256
propõem que a escola
passe a discutir a questão do racismo, o quanto antes puder.
254
FIGUEIREDO, T. A. Porque os Heróis Nunca são Negros? Disponível em:< black_famil[email protected]>
Acesso em: 19 dez.2002.
255
PINTO, Tânia R. et.alli. O Silencio vai acabar. Nova Escola. o Paulo, n.º120, março de 1999, p. 10-17.
256
Op.Cit.
Em sua experiência, Soares
257
mostra que, entre alunos repetentes, com notas baixas
ou problemas de comportamento, o número de negros ou descendentes de negros é muito grande.
Isso acontece, segundo ele, devido a baixa auto-estima, que este estudante tem.
Neste sentido, os professores que tentam aceitar esse rendimento inferior, sentindo
pena e protegendo esta criança de maneira diferenciada, podem estar, inocentemente, dizendo-lhe
que ele é inferior.
Ainda referente às escolas, na pesquisa de Rufino
258
, a mãe destaca o fato de que as
pessoas tratam as crianças adotadas de forma diferenciada. Segundo ela, as pessoas discriminam
as crianças sem ao menos perceber ou se darem conta do que estão fazendo, apresentando
dificuldades em lidar com a questão naturalmente com uma intenção explícita de mimar.
[...] é a questão do paternalismo, da pena mesmo [...] é mais fácil elas
aceitarem no sentimento da pena do que da rejeição.[...] no caso da
professora negra, ela era carinhosa com ele e não porque ele era adotivo;
ela até tentava entender, porque ele estava num mundo diferente agora, e
não por pena.
Em relação à filiação adotiva na escola, esse tipo de paternidade e maternidade
poderiam ser visualizadas com a mesma dignidade daquelas baseadas nos laços de sangue. Mas
destaca-se ainda, a importância de colocar esta questão numa representação da família que não
seja estereotipada, levando em conta os novos modelos, que vem se afirmando na sociedade.
Durante uma das falas do Sr. João, ele cita um acontecimento muito interessante que
aconteceu na escola de seu filho, durante uma das aulas:
[...] uma vez, um professor que foi fazer um trabalho sobre genética, sobre pai
e mãe, e o que herdou de cada um deles. E o professor disse que filhos por
257
Citado por PINTO, Tânia R. et.alli. 1999.
258
RUFINO, Silvana S. 2000.
adoção não precisavam fazer. Ai eu falei: Filho, você vai pegar uma folha e vai
colocar tudo que você herdou do seu pai e de sua mãe. Ele falou: Mas como?
Você herdou o bom humor da mãe, a alegria, e tolerância que a mãe tem e isso
é muito mais importante que a parte física, você herdou muita coisa do pai e da
mãe, o respeito do pai...Notei que isso foi somente um despreparo da
professora.
Segundo Fleuri & Souza
259
, isso explicita a maneira como os educadores (as) podem
separar e absolutizar partes de um contexto cultural mais amplo e complexo, impedindo a
convivência de padrões culturais que aparentam ser contraditórios, mas que fazem parte da
mesma realidade.
Estes autores citam um fato curioso que aconteceu numa escola: a educadora pede
que as crianças citem três animais que os alunos conhecessem. Então, uma das crianças responde:
“Feio, Scubidu e Pavaroti”, resposta que foi considerada incerta pela educadora. Inconformada,
buscou defender-se dizendo que Feio era seu gato, Pavaroti seu periquito e Scubidu seu cachorro.
Fleuri & Souza alegam que a educadora, tendo como referência a concepção genética
dos animais (cachorro, gato e periquito), deixou de lado a referência cultural da criança de
considerar seus animais pelos nomes. Então o que ocorreu foi “uma superposição de padrões
culturais na resposta da criança, complexizando o sentido cultural de animal e uma
homogeneização e simplificação na resposta esperada pela educadora, embasada em um único
padrão cultural”.
260
A visão do professor pode explicitar o descaso com a particularidade de André,
deixando de lado a referência que ele tinha (pais que não lhe transmitiram caracteres físicos, mas
sim de comportamento, de ações...). No caso do André, sua resposta e seu trabalho desviam-se de
um único padrão cultural estabelecido pelo professor, pois dentro de seu contexto, este último
259
FLEURI, R.M. SOUZA, M.I.P. Entre Limites e Limiares das Culturas: educação na perspectiva
intercultural. 2002, p.15-16. [No Prelo]
260
Op.Cit, p.16.
tinha um significado para “características herdadas”, mas foi aberto por André, que colocou em
movimento outro significado a partir de seu contexto. Assim, “o(a) enunciador(a) de um discurso
não pode nunca fixar o significado de uma forma rígida, porque as palavras são
‘multimodulantes’, elas sempre carregam ecos de outros significados que elas colocam em
movimento[...]”.
261
Alloero et.alli.
262
, atenta para a dificuldade, além do despreparo de alguns professores
para lidar com a questão da filiação adotiva, de encontrar materiais escolares que apresentem uma
paternidade e maternidade que se diferencie da questão biológica, caracterizada principalmente
por uma relação afetiva que se consolida com a convivência compartilhada.
[...] é muito importante que os docentes, as associações de pais, os
institutos de pedagogia, os autores de livros e as editoras, em conjunto,
enfrentem o problema da família na sua realidade atual. É muito
importante que contribuam positivamente para modificar as percepções
dos papéis familiares, para tornar possível o confronto entre a imagem
(dos livros) e a realidade para cada educador.
263
A escola representa, uma fundamental agência de socialização e formação da criança,
e sua intervenção incide fortemente sobre o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade,
podendo contribuir – em termos mais gerais – para a superação de tantos lugares-comuns, de
tantos preconceitos ainda presentes na sociedade e na sua própria estrutura formativa.
Em todos os seus níveis a escola pode, e deve, dar uma importante contribuição para a
compreensão dos diversos aspectos de uma adoção. Essa contribuição se dará, principalmente,
através da reformulação do conceito de paternidade e maternidade, entendido não apenas como
261
ALLOERO, Luíza et.alli. Adoção e Escola. Boletim Adoção em terre des Hommes. Ano VII, nº 76/77, 26 de
outubro de 1995, p.02.
64
Op.Cit.
263
Op.Cit.
derivado de uma relação biológica, mas também, e, sobretudo como conseqüência de uma relação
afetiva, construída dia após dia, considerando-a com a mesma dignidade daquela “de sangue”,
não colocando essa questão numa representação da família não estereotipada, levando em conta
os novos modelos existentes na atual realidade social.
As mudanças vividas em nossa sociedade e o advento de novas formações familiares,
devem ser levadas em consideração nos livros utilizados pelos professores, pois ajudarão a
moldar as percepções dos jovens alunos, formando suas representações da realidade.
Segundo Alloero et.alli
264
, os poucos estudos nessa área revelam que os livros
escolares ainda utilizam, em sua grande maioria, os estereótipos que caracterizam o modelo de
família “oficial”, em que o conceito de paternidade e maternidade está exclusivamente baseado
nas ligações biológicas.
Para Silva
265
, os pais podem auxiliar a escola a contemplar de forma positiva a
diversidade racial, e também as várias formas de constituir família, doando materiais que
permitam às crianças perceberem a diversidade racial, como por exemplo, equipando a biblioteca
com livros que tenham personagens negros apresentados de maneira positiva, e indicando,
quando possível, brinquedos e material pedagógico, ou oferecendo a seu filho revistas com
pessoas negras para os trabalhos escolares, uma vez que “[...] nem sempre o preconceito é
explícito. Às vezes, ele se manifesta na forma como os professores tratam a criança, como se ela
fosse menos inteligente. Oferecem a ela menos carinho e permitem que os colegas a deixem fora
das atividades ou destinem-lhe, por exemplo, papéis inferiores em brincadeiras e jogos”.
Além disso, as crianças tendem a criar laços afetivos com os professores, que passam
a ser o segundo modelo, feminino ou masculino, mais importante depois da mãe ou do pai, e, ao
264
ALLOERO, L. et.alli. 1995.
67
SILVA, Ana Maria et.alli. 1999, p.39-40.
prejudicar uma criança negra, o professor está produzindo efeitos sobre o conjunto das outras
crianças e incentivando, indiretamente, atitudes incompatíveis com o processo educacional. “Um
professor que discrimina é um pai ou mãe que rejeita”.
266
A construção da identidade passa por olhar para fora e identificar alguém que se
admire. Qual criança não quis um dia, ser igual ao pai, à mãe, a um tio ou
primo? À medida que ela cresce, vai precisar de outros ídolos, outros modelos
com os quais possa se identificar e nos quais possa espelhar-se. Certamente se
formos buscar na nossa história, encontraremos grandes homens e mulheres
negros
267
.
268
Assim, é superando as formas de relação baseadas na exclusão para não ver as
diferenças culturais como oposições, que Souza
269
menciona o educador brasileiro Paulo Freire,
que enfatizou, a necessidade de não se negar a diferença, mas de com ela se buscar a interação, a
reciprocidade entre homens e mulheres que se educam em relação, mediatizados pelo mundo,
fazendo emergir a abertura para o encontro entre dois mundos diferentes, produzindo também o
encontro com a alteridade como confronto. Esses confrontos são traduzidos como conflitos que
possibilitam ir para além das visões de discriminação e estereótipos – legitimadores de relações
de sujeição e exclusão - alimentados em nossas culturas. “Um ir além, para outro lugar,
possibilitando a expansão de nossa identidade e a expansão de nosso conhecimento de nós
mesmos e do mundo que nos cerca”. Por isso, “[...] o encontro com a alteridade não é apenas a
exclusão e dominação, mas pode ser ponte de encontro com outras possibilidades de ser no
mundo”.
266
SILVA, Ana Maria et.alli. 1999, p.40.
267
Zumbi ou a revolucionária Luiza Mahin. Há escritores como Luís Gama, Cruz e Souza, Lima Barreto, Solano
Trindade, Carolina de Jesus e engenheiros como André Rebouças; há o abolicionista José do Patrocínio, escultores
(Aleijadinho era mulato), pintores e músicos. Existem ainda líderes carismáticos, como o ex-senador Abdias
Nascimento
268
SILVA, Ana Maria et.alli. 1999, p.49.
Acredito que incentivar o respeito e a admiração por outras culturas não
predominantes, realçará a identidade negra de meus filhos. Desenvolver uma
finidade com outros grupos tem como grande sentido o combate ao isolamento
que uma criança adotada inter-racialmente pode sentir. Participar de uma
celebração do ano novo Chinês, do festival de Cinco de Mayo (comunidade
latina) ou uma parada de orgulho gay, incentivam não somente estes
relacionamentos interculturais entre aliados naturais, mas abrem um reino
inteiro de possibilidades para pais brancos que procuram promover a identidade
racial de suas crianças.
270
Ser no mundo, questionando e superando estereótipos e preconceitos, uma vez que
sujeitos diferentes se reconhecem a partir de suas histórias e opções, celebrando “o híbrido, a
impureza, a mistura, a transformação que deriva de novas e inesperadas combinações. Aquela
que se exalta na degeneração e teme o absolutismo do puro. Mestiçagem, mistura, um pouco
disso e um pouco daquilo é o modo através do qual o novo entra no mundo. [...] é um canto de
amor em relação ao nosso ser marginalizado. Por todo o percurso da história humana, os
apóstolos da pureza – com aqueles que sempre afirmaram possuir uma explicação completa –
semearam destruição entre os seres humanos que eram simplesmente misturados [...].
Experimentar qualquer forma de migração, significa receber uma lição sobre a importância de
tolerar o ponto de vista dos outros. Poder-se-ia quase dizer que a emigração deveria se construir
em exercício para todos os aspirantes à democracia”.
271
E, novamente utilizando-nos das palavras de Bhabha
272
, conforme a discussão
apresentada no capítulo anterior, destacamos, numa adoção inter-racial, a necessidade, mais do
que nunca, da existência de uma fronteira cultural que abre uma nova perspectiva pela busca do
269
SOUZA, M.I.P. 2002, p.64.
270
CHAS, Todd. 2000. p.05.
271
RUSHDIE, Sakman citado por SOUZA, Maria I.P. 2002, p.134.
272
BHABHA, Homi K. 1998.
encontro com o novo, o desconhecido, considerando sujeitos envolvidos na relação, como
pessoas que intervém na cultura, no contexto, reelaborando-a, recriando-a, resignificando-a.
Enfim, com a possibilidade de ver nos outros sempre uma diferença e nunca uma
inferioridade, sempre uma paridade e nunca uma segregação, enfrentando o tema da diferença
não pelo seu cancelamento, mas pela sua valorização, é que a educação intercultural, como
predisposição a aprender e conhecer “coisas” novas como objeto de interação, se coloca contra
qualquer tipo de cultura que se considere superior, impedindo a compreensão e a aceitação de
outros e outras, contra qualquer tipo de preconceito e de intolerância.
Somente enfatizar a indignação como fator de negação, não é o bastante. É
importante ter consciência desta relação, pensando na sua possibilidade de superação de
explorador e explorado, porque somente desta forma poderemos construir uma nova forma de
sociedade, uma nova forma de relação, uma nova forma de transgredir as relações, que hoje estão
vigindo e que são permeadas pela exploração e discriminação, tanto nas relações inter-pessoais
como nas relações sociais e econômicas, estruturais da sociedade.
Enfim, mais do que aqui, tentar explicitar respostas, essa experiência de relação
intercultural nos aponta desafios, para a compreensão das relações inter-pessoais e sociais, nos
instigando a dar mais atenção aos possíveis entre-lugares, as fronteiras entre uma cultura e outra,
e ultrapassar as classificações e análises polarizadas, construindo relações de reciprocidade,
superando os princípios de sujeição de exclusão, numa perspectiva de descobertas de novos
caminhos de compreender e apreender as questões de identidade e pluralidade cultural no cenário
brasileiro.
CAPÍTULO V
POSSÍVEIS SINAIS DE LUZ NUM MAR DE ESCURIDÃO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMA ESTUDADO
Apesar de todos os avanços do nosso tempo, alguns temas permanecem tratados de
forma preconceituosa, ou esquecidos dos meios científicos, como é o caso da adoção. Mesmo
sendo uma prática corrente da sociedade desde tempos remotos, continua encoberta no silêncio,
alimentada por medos e mitos.
Embora existam algumas pesquisas quantitativas sobre a adoção inter-racial no Brasil,
e também sobre as discriminações existentes nos procedimentos da adoção, destaca-se que o
debate sobre o assunto tem se restringido às práticas judiciárias, tendo em vista as desigualdades
de inclusão de crianças e adolescentes negras em família substituta.
Por isso o que tentamos explicitar, com o decorrer do presente estudo, é exatamente a
complexidade de uma situação peculiar de adoção inter-racial, envolvendo diversos aspectos, que
iniciam no processo que antecede a sua concretização, e se prolongam durante todas as outras
vivências da família em questão.
Destacamos ainda, que este trabalho, foi uma primeira aproximação com a temática,
tentando elucidar os aspectos referentes a uma experiência concreta de adoção inter-racial nos
limiares da educação intercultural, que nos conferiu dificuldades de apropriação de uma
perspectiva teórica, que pudesse dar conta da discussão e da análise dos dados que obtivemos.
Por isso, ressaltamos que, futuramente esse debate aqui exposto, poderá traduzir-se em uma
análise mais aprofundada.
Uma experiência de adoção inter-racial, por fazer emergir questões de peculiar
complexidade, convida-nos a fazer algumas considerações, com intuito de finalizar o estudo a
que nos propomos.
É condição essencial, a vivência e reconhecimento positivo, pela criança, das
características culturais e biológicas que ela adquiriu originalmente, e em particular, a cor da sua
pele, uma vez que os cidadãos afrodescendentes possuem ‘marcas’ a olhos vistos. Traços
fenotípicos, como a cor da pele, são componentes da negritude, e que expressa a diferença,
mesmo no caso da não-identificação, pois ela – a cor – expressa a marca de identidade de um
grupo. Sendo assim, não há como negar a história pregressa de uma criança negra, pela existência
de traços demarcados.
Baseado nisso e considerando as primeiras vivências da criança como determinante
no processo de formação da identidade social, tomando a família como a instituição primeira e
primordial na formação dessa identidade, é que situamos neste estudo a adoção inter-racial, como
uma forma de educação intercultural, onde “a educação [...] (além de ser) entendida como a
transmissão de informações de um indivíduo para o outro [...] passa a ser concebida como
construção de processos em que diferentes sujeitos desenvolvem ações de reciprocidade entre
si”.
273
A educação intercultural busca o desenvolvimento de estratégias, que promovam a
construção de identidades e o reconhecimento das diferenças, fazendo surgir, o “campo híbrido,
273
FLEURI, Reinaldo M. Desafios à Educação Intercultural no Brasil. Revista Percursos. Florianópolis: NEEP,
Outubro de 2000p. 125 (grifo nosso).
fluído e polissêmico, ao mesmo tempo promissor, da diferença, que se constitui nos entre-lugares
das enunciações de diferentes sujeitos e identidades sócio-culturais”.
274
A busca por novas possibilidades de relações pessoais e sociais entre sujeitos
marcados por uma política de diferenças; a procura de “um outro lugar”, onde as potencialidades
e necessidades possam encontrar escoamento positivo das pessoas em relação, numa fronteira que
não é o lugar onde algo termina, mas onde alguma coisa começa a se fazer presente, onde as
diferenças possam ser articuladas e não excluídas: aqui está a possibilidade de formação de
identidades que não se estabelecem em polaridades, mas sim em interação.
Por isso, a experiência de adoção inter-racial – que também pode ser considerada uma
adoção tardia – que vivenciamos e explicitamos neste estudo, traduz-se numa rica experiência de
educação intercultural, que explicita a superação das relações de dominação, que geralmente
comportam as relações entre diferentes, abrindo possibilidades para um hibridismo cultural como
forma de acolhimento das diferenças.
A experiência da família do Sr. João e da Sra Laura é por excelência um espaço
liminar como “um processo de interação simbólica que se dá entre o ir e vir, entre uma coisa e
outra, um movimento temporal e uma passagem que evita que as identidades de cada extremidade
se estabeleçam em polaridades primordiais”
275
primando sempre pelo o desejo de um outro lugar.
Desta forma, se uma criança afrodescendente é adotada por pais brancos, sentindo-se
e sendo sentida como um verdadeiro membro dessa família, com a mesma dignidade e respeito
perante os outros, constata-se o prenúncio da possibilidade de constituição de uma família
multirracial, mesmo em sociedades, em que ainda permanecem fortes os sinais e as barreiras
estabelecidas entre as diferentes etnias.
274
FLEURI, R.M. et ali. A Questão da Diferença na Educação: para além da diversidade. 2002 [No Prelo], p.01.
275
BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1998, p.22.
Esta conscientização poderá permitir à criança afrodescendente adotada por pais
brancos, que ela possa mostrar-se à sociedade que tanto a discrimina e a marginaliza - ao meio
extrafamiliar - não como um "hóspede" ou um filho "bastardo", mas como um real componente
de uma família que é, e que pode se considerar multirracial, que contribui e valoriza a diversidade
étnica, ressaltando a dignidade de crianças e adultos de todas as etnias, através do encontro de
pessoas que se transformam ao interagirem com outras.
Assim, nesses momentos finais de reflexão enfatizamos a importância de que os
profissionais que trabalham com a adoção inter-racial – em particular os assistentes sociais
276
- se
apropriem das questões aqui enfocadas, para que possamos superar o impacto da adoção inter-
racial somente pela discriminação que carrega consigo, transportando-nos para um debate que
enfatize a relação ali estabelecida, que pode se traduzir numa experiência de convivência
harmoniosa com as diferenças.
Não pretendemos ter uma resposta absoluta e verdadeira para nenhuma das questões
explicitadas no decorrer deste trabalho, mas sim invocarmos para uma reflexão sobre as
possibilidades e limites existentes na atuação dos profissionais de Serviço Social, junto a esta
temática.
O debate sobre a adoção inter-racial no Serviço Social ainda é bastante novo, fato que
dificulta uma intervenção efetiva junto aos casos que exigem uma atuação profissional
especializada. Embora a questão da discriminação racial seja um tema que, atualmente, vem se
destacando em nível nacional e internacional, a problemática específica da adoção inter-racial,
276
De acordo com os artigos 150 e 151 do ECA, os serviços auxiliares da Justiça da Infância e Juventude envolvem
equipe interprofissional composta por assistentes sociais e psicólogos. Segundo Silveira (2002), a esses profissionais
caberiam a realização do estudo psicossocial, visando a seleção dos pretendentes à adoção e as medidas necessárias
para a inserção de crianças ou adolescentes em família adotiva. De acordo com o ECA, a autoridade judiciária
somente irá deferir os pedidos de inscrição para adoção, após consulta prévia aos profissionais que o auxiliam e
ouvido o Ministério Público.
ainda é pouco explorada, sendo pouquíssimos os pesquisadores que se dispuseram a estudá-la,
vindo a distorcer algumas concepções sobre o assunto.
Por isso, destacamos ser de competência do assistente social, enquanto profissional,
que se baseie na pesquisa, como forma de enriquecer a sua produção teórica, e contribuir para os
avanços nesta área.
A pesquisa docente e discente, na graduação e pós-graduação, é um recurso
indispensável para a compreensão das múltiplas formas de desigualdades
sociais e dos processos de exclusão delas decorrentes – econômicos, políticos, e
culturais -, sua vivência e enfrentamento pelos sujeitos sociais na diversidade de
sua condição de classe, gênero, raça e etnia. [...] É também o chão para a
construção das respostas do Serviço Social, consubstanciadas em propostas de
trabalho nos marcos das políticas sociais públicas e privadas e das lutas dos
vários segmentos sociais pela preservação de suas condições de vida e trabalho
dos direitos sociais e humanos.
277
Essa necessidade exige que o profissional deixe claro em suas intervenções que as
conquistas não devem ocorrer apenas por uma questão de sobrevivência, mas, acima de tudo, que
desenvolva ações que visem a conscientização de que todos os cidadãos afrodescendentes – e
aqui damos destaque às particularidades presentes nos procedimentos de adoção que tem
contribuído para a discriminação racial, onde crianças negras têm sido preteridas por não se
encaixarem nos padrões de beleza vigentes no imaginário social - merecem lutar por seus
espaços, não de maneira desigual como usualmente ocorre, para conseguir a igualdade de deveres
e direitos em relação à outras etnias.
277
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional.
São Paulo: Cortez, 1998, p. 274-275.
É fundamental, então, compreendermos que precisamos considerar e respeitar outros
arranjos familiares, que apresentam estruturas diferenciadas do modelo estabelecido como ideal,
pois o essencial é a qualidade das relações que se mantém nestas famílias, uma vez que,
[...] é impossível falar de modelos familiares moralmente superiores,
culturalmente mais civilizados ou psicologicamente mais sadios. O que se
constata é um enorme leque de práticas de organização doméstica e social,
dando prova da criatividade dos humanos para inventar formas culturais
conforme o contexto em que vivem.
278
Assim, colocamos como indicativos de mudança para os assistentes sociais, a busca
pelo rompimento com os modelos tradicionais de família, casal e criança, pois estes não mais
correspondem à realidade vivenciada. Tanto os pesquisadores quanto os profissionais que lidam
com a prática do instituto da adoção, podem fazer isso, trazendo a temática da adoção inter-racial
para o centro dos debates, na área da criança e do adolescente, não por esta ser uma solução para
os problemas de abandono de centenas de crianças afrodescendentes excluídas e abandonadas no
país, pois esta é uma questão estrutural e que, portanto, requer medidas de natureza político-
econômica e social, visando o seu efetivo enfrentamento e combate. Mas, a discussão é plausível,
à medida que acreditamos que quando uma família biológica passa a não "assumir" mais seu filho
por motivos quaisquer, a adoção inter-racial pode ser a opção para constituir, na alternativa mais
satisfatória, por ser uma medida que garante às crianças e adolescentes afrodescendentes, o
direito essencial de poderem desenvolver-se em um contexto familiar, efetivamente integrados,
com os mesmos direitos de um filho biológico, sendo respeitado pelas suas diferenças, através do
diálogo, e com a certeza de que podemos sim, primar pela convivência harmoniosa entre as
diferenças: é a celebração da diversidade!
278
FONSECA, Cláudia. Caminhos da Adoção. São Paulo: Cortez, 1996, p.21.
A participação dos assistentes sociais neste debate, então, se faz pertinente à medida
que evoca a explicitação dos limites, entraves, equívocos, mitos e preconceitos que permeiam a
adoção inter-racial, e adota uma postura pró-adoção inter-racial, pois somente desta forma, será
possível superá-los e criar novas bases para formação de uma nova cultura da adoção, eliminando
idealizações, medos, inseguranças e constrangimentos, para que se criem elementos favoráveis a
sua concretização.
E é primando pela efetivação do compromisso ético e político da profissão, que o
assistente social, ao trabalhar com a temática da adoção, especificamente a inter-racial, poderá
realmente objetivar a construção de melhores condições, de termos uma forma de vivência
afetiva e igualitária para todas as crianças em suas famílias, seja biológica ou adotiva, racial ou
multirracial.
É por estas e outras muitas preocupações que acometem as famílias adotantes de
crianças afrodescendentes, que se faz bastante prudente, que tais famílias sejam apoiadas
acompanhadas e preparadas pelos profissionais de Serviço Social, não para que se tornem bons
pais e boas mães, mas para que se fortaleçam e se tornem mais seguros em relação a esse ato,
para que conseqüentemente tenham condições e subsídios para o enfrentamento das futuras e
previsíveis reações que a adoção inter-racial provoca nas pessoas.
Por isso, além dos indicativos de mudanças propostos, e como forma de reforçar as
idéias para que haja realmente mudanças visíveis e experiências positivas, destacamos o trabalho
que os Grupos Estudos e Apoio à Adoção vem desenvolvendo em todo Brasil, que tem ganhado
força e visibilidade, no sentido de incentivar e facilitar as adoções necessárias.
Esses grupos têm procurado desmistificar a idéia, de que somente as adoções de
bebês recém-nascidos, saudáveis e com características semelhantes às do casal adotante têm
chance de sucesso e de que somente junto às famílias tradicionalmente organizadas é possível o
desenvolvimento saudável e satisfatório de crianças e adolescentes.
A participação das famílias adotantes nestes grupos tem somado as experiências e
ainda possibilitado que as angústias e preocupações sejam compartilhadas, tornando-se também
um grupo de referência e de apoio emocional/afetivo e social, no sentido de desenvolvimento de
projetos que visem à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e comunitária e
que, além disso, busca a mobilização da sociedade em prol da adoção.
[...] Nosso grupo é aberto à participação de pais e filhos adotivos, de
pretendentes à adoção, de lideranças comunitárias, de profissionais de diversos
ramos e todas as pessoas da comunidade que acreditam que a família é o melhor
ambiente para o desenvolvimento saudável de toda a criança e adolescente.
279
E enfim, "(...) assim caminha a humanidade..." com os seus diversos avanços e
retrocessos, atendendo a interesses de todos os âmbitos, conciliando e mediando ações com o
objetivo primordial de encontrar apenas um lugar ao sol. E, é exatamente desta forma, que os
assistentes sociais devem caminhar em prol da adoção inter-racial, acreditando na possibilidade
de constituição de uma família multirracial, com a convivência, através do diálogo, do encontro
com o novo, da reciprocidade, que faz uso da celebração das diferenças, como um elo que une
todas elas.
279
CRISTOFOLINI, Eliete Maria. Porque Participo do Grupo Gerando Amor? In: Nas Janelas da Adoção. Ano V,
n.43/44, p. 2, Mai/jun de 2002.
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