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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARICILDA DO NASCIMENTO FARIAS
As representações dos negros nos livros escolares utilizados em Mato
Grosso na Primeira República (1889 – 1930)
Cuiabá-MT
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MARICILDA DO NASCIMENTO FARIAS
As representações dos negros nos livros escolares utilizados em Mato
Grosso na Primeira República (1889 – 1930)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação no Instituto de Educação da Universidade
Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção
do título de Mestre em Educação na Área Educação,
Cultura e Sociedade, Linha de Pesquisa História da
Educação.
ORIENTADOR: PROF. DR. NICANOR PALHARES SÁ
Cuiabá-MT
2009
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F219r
Farias, Maricilda do Nascimento.
As representações dos negros nos livros escolares utilizados em Mato
Grosso na Primeira República (1889-1930). / Maricilda do Nascimento
Farias – Cuiabá (MT): A Autora, 2009.
177 p.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato
Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Nicanor Palhares Sá.
Inclui bibliografia.
1. Livros Escolares. 2. História da Educação. 3. Representações dos
negros. I. Título.
CDU: 37(94)(=414.02)
DEDICATÓRIA
A minha mãe, Maria Faustina, mulher forte, destemida,
que na busca de realizar o seu sonho, formar os quatro
filhos, tornou-se retirante.
Ao meu filho, Pedro Lucas Camargo Farias, que soube
compreender as minhas ausências, que por várias noites
dormiu em meio aos livros espalhados na cama e, ainda
muito pequenino, tinha que pular pilhas de livros para
chegar até a mamãe em busca de um abraço e um beijinho.
Filho, acabou!!!
Ao meu namorado, Marcos Roberto Gonçalves, pelo
companheirismo incondicional e por cultivar o nosso amor
nos momentos mais difíceis desta trajetória.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida, por iluminar os caminhos que trilhei e pela sua infinita
misericórdia.
Ao professor doutor Nicanor Palhares Sá, por me oportunizar desfrutar a exigência
inquestionável de sua orientação.
Aos professores integrantes da banca examinadora, Circe Maria Fernandes Bittencourt e
Lourenço Ocuni Cá, pela atenção e pelas contribuições no processo de qualificação.
À professora doutora Marlene Gonçalves, que me presenteou com amáveis
ensinamentos durante o período de estágio e ao longo da tessitura desta pesquisa.
À professora doutora Elizabeth Madureira Siqueira, pelas valiosas sugestões e
contribuições nos primeiros passos deste trabalho.
Aos professores Renilson Rosa Ribeiro e Marco Antônio de Oliveira, pelo pronto
atendimento as minhas solicitações.
A Maria Auxiliadora, pela atenção e revisão criteriosa deste texto.
À funcionária da Biblioteca Nacional, Geni, pela localização de alguns livros escolares.
Aos funcionários da Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela
afabilidade no atendimento a mim dispensado.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Ao meu pai, João Saturnino de Farias, e aos meus irmão, Juliana, Mauricélia e
Mauricio, por tudo que representam na minha vida e pela convivência fraterna.
A minha sempre amiga Luciana do Carmo de Assis e Silva, pelo incentivo,
companheirismo, sugestões e sábias críticas construtivas.
A Isaura, Antônio, Adria, André, Meyre e Yallen, por possibilitar-me realizar um
sonho.
A Salete, Carvalho e Karita, pela acolhida amável e por proporcionar-me o tão valioso
alento familiar.
A Luciene dos Santos, pela compreensão por minhas ausências e pela fiel amizade.
A Mary Diana, pelo apoio fraternal na organização sistemática desta pesquisa.
A Nailza Barbosa, pelo companheirismo, cumplicidade e amizade construída.
A Cláudia Regina Pinheiro da Silva, pela compreensão, amizade, viabilização do
término desta investigação e pelo exemplo de liderança.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo perscrutar as representações dos negros nos livros
escolares adotados em Mato Grosso na Primeira República (1889-1930). Esse recorte
temporal contempla os primeiros anos da abolição dos escravos, a instauração da
República, o ideário republicano educacional, as questões do nacionalismo e o
surgimento, no Brasil, das teorias racistas, utilizadas na construção do mito da
democracia racial. A análise documental empreendida na investigação pauta-se em
relatórios de presidentes do Estado, em regulamentos da Instrução Pública, no
regimento interno de escolas, em atas do Conselho Superior da Instrução Pública, em
livros de almoxarifado e em materiais didáticos utilizados em Mato Grosso no período
em questão. Trata-se de uma pesquisa histórica subsidiada pelas áreas de História
Cultural e de História da Educação. A articulação das fontes documentais e
bibliográficas evidencia que, com a instauração da República, a idéia de nacionalidade
foi permeada por um conjunto de concepções e de representações sobre a população
brasileira, com ênfase na sua composição étnico-cultural. A presença do elemento negro
e do mestiço era, não raro, tomada como fator explicativo da inferioridade racial e do
atraso cultural do país. A escola deveria refletir os princípios e anseios da nova ordem
republicana que se pretendia instaurar. Mais do que isso, deveria ser um veículo de
transmissão dos valores do novo regime. Entretanto, em meio a um discurso que visava
à homogeneidade nacional, ao analisar alguns livros escolares amplamente utilizados no
início da República em diversas escolas mato-grossenses e brasileiras, percebe-se que,
mesmo com as imposições políticas, institucionais, sociais e editoriais, vários autores de
obras didáticas, ao elaborar a transposição didática, não se eximiram de veicular suas
apropriações diante das representações postas para aquele contexto.
Palavras-chave: Livros escolares. História da Educação. Representações dos negros.
ABSTRACT
This work aims at scanning the representations of Black people in the school books in
use in the state of Mato Grosso during the First Republic (1889-1930). This time span
covers the first years of the abolition of slavery, the establishment of the Republic, the
republican ideals of education, the issues of nationalism and the emergence in Brazil of
racist theories, used in the building of the myth of racial democracy. The documentary
analysis undertaken in this research is based on Chairmen of the State’s reports, on
Public Instruction regulations, on schools internal rules, on minutes from the Higher
Board of Education, on warehouse ledgers and on didactic material used in the state of
Mato Grosso during the mentioned period. This is a historical research provided by the
areas of Cultural History and of History of Education. The connection of documentary
and bibliographic sources shows that, with the establishment of the Republic, the idea of
nationality was permeated by a set of concepts and representations about the Brazilian
population, with emphasis on its ethnic and cultural composition. The presence of the
Black element and of the Mestizo was often taken as an explanation to racial inferiority
and to the country’s cultural backwardness. The school should reflect the principles and
aspirations of the new republican order that was pretended to be installed. More than
that, it should be a vehicle for transmitting the values of the new regime. However, in
the middle of a speech which aimed at national homogeneity, when analyzing some
textbooks widely used at the beginning of the Republic in various schools in the state of
Mato Grosso and in Brazil, we have found that even with the political, institutional,
social and publishing impositions, several authors of didactic works, when preparing the
didactic transposition, did not avoid spreading their own appropriations of the
representations made for that specific context.
Keywords: School books. History of Education. Representations of the Black people.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................
14
1 - MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES...........................................................
22
1.1 – A Escola Republicana na lógica da modernidade................................................ 32
1.2 – Negros: incluídos ou excluídos na moderna Escola Republicana?...................... 38
1.3
Grupos Escolares e livros didáticos: símbolo da homogeneização do
saber..........................................................................................
.....................................
51
1.4 Atas e Regulamentos do Conselho Superior da Instrução Pública de Mato
Grosso............................................................................................................................
57
2 – O ENSINO DE HISTÓRIA E A PRODUÇÃO DIDÁTICA..................................
70
2.1 – Livros escolares: idéias e ideais em circulação no Estado de Mato Grosso na
Primeira República........................................................................................................
95
2.2 – Livros didáticos veiculados e utilizados nas Escolas mato-grossense na
Primeira República........................................................................................................
101
2.3 – O circuito do Livro Escolar.................................................................................. 108
3 – VERDADES QUE PARECEM MENTIRAS...........................................................
112
3.1 – Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo.............................
113
3.2 – Nossa Pátria, Rocha Pombo................................................................................. 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
135
REFERÊNCIAS................................................................................................................
142
ANEXOS............................................................................................................................
151
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 -
Crianças entre 5 e 11 anos freqüentadoras da escola segundo o
Recenseamento de 1890 na Freguesia, em Cuiabá.........................
43
Quadro 02 -
Atribuições do Conselho Literário e do Conselho da Instrução
Pública.............................................................................................
58
Quadro 03 -
Composição do Conselho Superior da Instrução Pública de Mato
Grosso (1889-1910)........................................................................
59
Quadro 04 -
Seleção de conteúdos do programa de ensino de História do
Liceu Cuiabano ano letivo de 1887................................................
77
Quadro 05 -
Corpo docente das diversas cadeiras do Liceu Cuiabano, no
período de 1880 a 1896...................................................................
89
Quadro 06 -
Conteúdos de Educação Cívica e Moral e Historia do Brazil.........
91
Quadro 07 -
Livros de História utilizados nas escolas mato-grossense na
Primeira República..........................................................................
102
Quadro 08 -
Mapa do almoxarifado: entrada e saída de livros didáticos de
História............................................................................................
102
Quadro 09 -
Distribuição das matrículas dos grupos escolares de Mato Grosso
103
Quadro 10 -
Títulos localizados dos livros didáticos de História, utilizados nas
escolas mato-grossenses, durante a Primeira República.................
116
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 -
Livro Ata do Conselho Superior da Instrução Pública de Mato
Grosso 1903 a 1929...........................................................................
56
Figura 02 -
Regimento Interno do Conselho Superior da Instrução Publica do
Estado de Mato Grosso de 1903........................................................
56
Figura 03 -
Escala hierárquica dos espaços de poder entre os presidentes de
província, inspetores e professores....................................................
57
Figura 04 -
Capa do livro "Breves lições de História do Brasil" de Creso Braga
(1922)................................................................................................
62
Figura 05 -
Autógrafo de Ruy Barbosa................................................................
65
Figura 06 -
Capa do livro didático "Minha Pátria" de J. Pinto e Silva (1922).....
67
Figura 07 -
Desenho da fachada do Instituto Histórico e Geográfico de Mato
Grosso.................................................................................................
69
Figura 08 -
Livros didáticos utilizado nas escolas mato-grossenses, durante a
Primeira República.............................................................................
69
Figura 09 -
Tese para o concurso a cadeira de História da Escola Normal Pedro
Celestino ............................................................................................
76
Figura 10 -
Livro - Porque me ufano o meu paiz - Affonso Celso (1905)...........
80
Figura 11 -
Regulamento do Liceu Cuiabano, 1916.............................................
86
Figura 12 -
Contra-capa do Livro Lições de História do Brasil, 1907, do autor
Joaquim Manoel de Macedo..............................................................
87
Figura 13 -
Livros escolares utilizados nas escolas mato-grossenses, durante a
Primeira República.............................................................................
94
Figura 14 -
Nota constante da capa do livro Breves Lições de História do
Brasil, de 1922...................................................................................
109
Figura 15 -
Livros didáticos de História, utilizados nas escolas mato-
grossenses durante a Primeira República..........................................
111
Figura 16 -
Livro – Nossa Patria e o autor Rocha Pombo...................................
119
Figura 17 -
Pelourinho.......................................................................................... 123
Figura 18 -
Dia de Festa....................................................................................... 125
Figura 19 -
Lundú................................................................................................. 127
Figura 20 -
Na Villa.............................................................................................. 128
Figura 21 -
Muxirão ou pixeirão........................................................................... 129
Figura 22 -
“Verdadeiros heróis” da guerra contra a invasão holandesa.............. 131
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 -
População infantil entre 5 e 11 anos na Freguesia da Sé, segundo o
Recenseamento de 1890....................................................................
44
Gráfico 2 -
Crianças negras frequentadoras da escola segundo o
Recenseamento da Freguesia da Sé, de 1890 ...................................
44
Gráfico 3 -
Crianças pardas frequentadoras da escola segundo o
Recenseamento da Freguesia da Sé, de 1890 ...................................
45
Gráfico 4 -
Crianças brancas frequentadoras da escola segundo o
Recenseamento da Freguesia da Sé, de 1890 ...................................
45
INTRODUÇÃO
“O mestiço é vigoroso e hábil. A cruza não lhe sacrificou nem a
energia física do servo, nem a inteligência do senhor. Tanto o branco
como o negro tinham de aclimar-se: porém o mulato ou o mameluco
era a planta nativa [...]. Os que negam o valor dos nossos mestiços,
como os que afirmam sua superioridade, falseiam a verdade, porque a
vêem unilateralmente. Os nossos mestiços nem são todos
absolutamente inferiores, nem todos absolutamente superiores. Há,
entre nós, mestiços superiores e mestiços inferiores.” (OLIVEIRA
VIANA, ano apud SILVA, 1959, p. 179.)
[...]
“Foi grande a influência exercida pelo negro; [...]. Não na vida
econômica, porém, se verificou seu influxo; também na constituição
do tipo brasileiro, na formação moral e nos costumes [...].
As crendices, as superstições do negro, com sua efetividade,
refletiram-se na formação de nossa gente, que herdou dela uma certa
negligência crioula, uma resignação heróica para suportar a miséria,
uma concepção um pouco fatalista e quiçá leviana da vida, sem
grandes preocupações do futuro, o hábito do trabalho, sem amor, mas
também sem revolta, e, enfim, a melancolia impressa mais na música
e na poesia do que no estado da alma habitual do povo.” (SILVA,
1959, p. 41-42).
Esses fragmentos integram a 39ª edição de História do Brasil
1
, obra do autor
Joaquim Silva, escrita nas primeiras décadas do regime republicano, mais precisamente
em 1959, circulando e sendo utilizada como livro didático em diversas escolas brasileiras
durante toda a metade do século XX. Trata-se da produção que serviu de fonte de
inspiração e provocou questionamentos, interrogações e motivações para a realização
desta pesquisa, cujo objeto de estudo são as representações vinculadas aos negros nos
livros escolares
2
adotados em Mato Grosso durante a Primeira República (1889-1930),
buscando-se evidenciar as relações (ou a ausência delas) entre essas representações e as
concepções educacionais vigentes no período em questão.
Pensar o cotidiano escolar como prática de produção, re-produção e construção
do conhecimento, para alguns pesquisadores, pode sinalizar a importância que os livros
1
Acredita-se ser oportuno esclarecer que, apesar de a circulação e utilização desse livro nas escolas
brasileiras ter sido marcante na 2ª metade do século XX, a obra apresenta-se imbuída dos pensamentos
e concepções do início do mesmo século.
2
De acordo com o Guia do Banco de Dados Livros Escolares Brasileiros (1810-2005) (LIVRES, 2005, p.
7), consideram-se livros escolares ou livros didáticos todas as obras cuja intenção original é
explicitamente voltada para o uso pedagógico, sendo manifestada pelo autor ou editor da produção.
Nessa concepção inserem-se, além dos livros didáticos mais comuns, também denominados
compêndios ou manuais escolares, as obras conhecidas como paradidáticas, coletâneas de literatura
produzidas para as escolas e, ainda, atlas e dicionários especialmente editados para uso pedagógico.
15
escolares tiveram na construção do imaginário social brasileiro, conferindo aos negros
uma imagem reconhecidamente tão negativa.
As representações dos negros construídas juntamente com o ideal republicano,
na opinião de alguns estudiosos
3
, estão em parte situadas no inconsciente coletivo da
sociedade atual, corroborando os preconceitos, os estereótipos e os valores que
codificam determinadas atitudes.
Nessa perspectiva, a importância da representatividade dos livros escolares na
constituição do saber histórico escolar merece destaque. Não que sejam eles a peça
fundamental do processo de ensino-aprendizagem, mas durante toda a Primeira
República, eles se apresentaram como uma importante referência para os intelectuais,
professores e alunos. Daí o interesse aqui expresso em investigar e compreender as
representações dos negros neles veiculadas.
O livro didático é uma fonte de pesquisa privilegiada para a História da
Educação, haja vista ter feito parte da vida escolar de provavelmente todas as pessoas.
Ao longo de todo o processo de escolarização, em todos os veis de ensino, atuou de
modo imponente para fazer ou reconstruir boa parte da História. Quem, em uma dessas
conversas sobre o assunto, nunca se lembrou da cartilha em que foi alfabetizado? Ou,
ainda, quem nunca se lembrou de um texto que seu livro didático?
As pesquisas, sobretudo as históricas, têm indicado que os manuais escolares
são fontes preciosas de estudos, seja no campo da educação, das mentalidades, da
linguagem, das ciências, ou mesmo da economia, quando é focalizado como uma
mercadoria (CHARTIER, 1990; CHOPPIN, 2004). Assim, o livro didático constitui
uma fonte complexa, de múltiplas facetas e formas, que viabiliza diferentes olhares
investigativos. No entanto, em pesquisa na biblioteca setorial do Instituto de Educação
da Universidade Federal de Mato Grosso (IE/UFMT), não foram identificadas pesquisas
de cunho histórico, em especial aquelas que datam do período aqui recortado sobre os
livros didáticos de História.
Diante do exposto, percebe-se que, apesar da importância desse material
didático-pedagógico no cotidiano da escola e como significativa fonte de investigação
no cenário mato-grossense, as pesquisas que o tomam como objeto de estudo ainda são
pouco numerosas, principalmente as de fundo histórico.
3
Cf. MUNANGA (2005).
16
Nesse sentido, considera-se relevante realizar um estudo sobre os livros
escolares de História que veicularam em Mato Grosso na Primeira República, não
para se preencher esse hiato no campo investigativo local, mas também por ser um
suporte que veicula, em cada página, em cada volume, os valores, ideologias,
estereótipos e preconceitos de uma determinada sociedade, inserida em um determinado
espaço/tempo.
Neste trabalho de pesquisa, o período eleito, de 1889 a 1930, contempla
acontecimentos importantes que marcaram a sociedade brasileira, dentre os quais o
processo de escolarização dos negros. Na verdade, marca a implantação da República,
os primeiros anos após a libertação dos escravos, o nacionalismo, a instituição do ensino
primário público e gratuito e o advento das teorias racistas no Brasil, utilizadas na
construção do mito da democracia racial
4
.
Quanto ao processo de investigação propriamente dito, procedeu-se ao
levantamento, seleção e análise de fontes documentais localizadas no arquivo do Grupo
de Pesquisa em História da Educação e Memória (GEM), vinculado ao Programa de
Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso; no Arquivo Público de Mato
Grosso; no Arquivo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso; no Arquivo do Colégio
Liceu Cuiabano; na Biblioteca Nacional; na Faculdade de Letras do Rio de Janeiro; na
Biblioteca do Livro didático da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
(FEUSP); na Biblioteca Municipal de Cuiabá; e em acervos particulares.
Esta pesquisa, de caráter histórico, buscou subsídios no âmbito da História
Cultural e da História da Educação, para compreender a historiografia e as
representações vinculadas aos negros nos livros didáticos da Primeira República (1889-
1930) em Mato Grosso.
Para coletar dados significativos e que possibilitassem a esta investigação a
mais real reconstrução da leitura da época, fez-se necessário localizar, reunir,
selecionar, organizar e analisar fontes documentais prenhes de acontecimentos
históricos mediatizados pelas ações dos homens e mulheres daquele tempo.
4
Fernandes (1978, p. 262) traduz bem essa questão do mito da democracia racial: “Não existe democracia
racial efetiva (no Brasil), onde o intercâmbio entre indivíduos pertencentes a ‘raças’ distintas começa e
termina no plano da tolerância convencionalizada. Esta pode satisfazer às exigências de ‘bom tom’, de
um discutível ‘espírito cristão’ e da necessidade prática de ‘manter cada um em seu lugar’. Contudo, ela
não aproxima realmente os homens senão na base da mera coexistência no mesmo espaço social e, onde
isso chega a acontecer, da convivência restrita, regulada por um código que consagra a desigualdade,
disfarçando-a acima dos princípios da ordem social democrática.”.
17
Dessa forma, pode-se refletir que a pesquisa histórica é uma difícil e fascinante
tarefa de reconstrução do passado, a qual passa pela seleção não aleatória de períodos e
acontecimentos, com o objetivo de reconstruir fatos e vidas.
Nesta investigação, concebe-se a História não como transmissão de verdades
prontas e acabadas, mas como conhecimento historicamente produzido, sendo sua
reconstrução um texto de cultura, porque na compreensão do real está a reflexão do
pesquisador.
Logo, quando as fontes revelam dados ao investigador, este deve se respaldar
não no que está sendo representado, mas na reflexão que lhe permite questionar tal
representação. E, para essa reconstrução do passado, considera-se fonte investigativa
todo e qualquer vestígio deixado pelo homem, em que o trato e as interpretações
documentais baseiam-se na noção de documento apresentada por Le Goff (1984, p.
103): “[...] uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda
que pelo silêncio.”
Disso decorre, então, em alguns momentos desta pesquisa, a comparação do
trabalho do historiador/pesquisador com o trabalho do arqueólogo, que busca os objetos
em diferentes sítios escondidos e, consequentemente, revela as várias leituras possíveis.
Neste trabalho, utilizam-se as mais diversas fontes documentais que circularam
em Mato Grosso no período de 1889 a 1930, destacando-se: livros escolares; relatórios
de presidentes do Estado; relatórios de diretores da Instrução Pública; atas do Conselho
Superior da Instrução Pública, legislação; livros de almoxarifado com registros de
entrada e saída de material didático; fotografias; diários de classes; planejamentos
escolares; planos de cursos; jornais; revistas; e documentos variados, tudo isso
possibilitando a reconstrução e a compreensão das representações veiculadas sobre os
negros nos livros escolares.
No tocante aos livros escolares localizados, o principal procedimento de
análise situa-se no âmbito da configuração textual
5
e icnográfica, uma vez que se
concebe serem os textos e as imagens prenhes de sentidos históricos e significados
5
Recorre-se à configuração textual (MORTATTI, 2000, p. 31) por compreender o texto como um sentido
plural, contraditório e que dá significado ao mundo. Segundo Silva (2007, p. 27), privilegiar tal
procedimento é sentir a necessidade de ler, ouvir o que o autor quer dizer com a estruturação da sua
obra e, consequentemente, realizar uma interpretação mais real possível do contexto sócio-histórico de
veiculação do material que certamente respaldou a prática de inúmeros profissionais de Mato Grosso.
18
culturais. Para tanto, aporta-se em Chartier (1990), especialmente em seu estudo sobre a
História Cultural e em suas noções de representação e apropriação.
As representações revelam como um dado grupo apreende o mundo social,
convergindo-as em discursos intencionais e envolvendo práticas, apropriações e
contextos de contorno social. Assim, essas representações são construídas de acordo
com a apreensão do mundo, não revelando, consequentemente, discursos neutros, antes
carregados de intencionalidades impostas por um determinado grupo. Nesses termos:
As representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são
sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí,
para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos
com a posição de quem os utiliza. (CHARTIER, 1990, p. 17).
Portanto, a análise aqui proposta passa pela compreensão tanto das
representações sociais e culturais quanto da apropriação ou não dessas representações
pelos próprios indivíduos envolvidos nesse processo.
Por outro lado, parece interessante, também, se trabalhar a noção de apropriação,
permite pensar as diferenças no processo de recepção. Ou seja, as práticas culturais
devem ser compreendidas sob o cerne das diferenças, de modo que um mesmo bem
cultural pode ter sido usado de maneira diferente por grupos diferentes, em função das
ideias, das representações, das disposições de habitus de cada um deles.
Na visão de
Chartier (1990, p. 136-137), pensar desse modo é compreender que:
As apropriações culturais permitem também que não se considerem
totalmente eficazes e radicalmente aculturantes os textos ou as
palavras que pretendem moldar os pensamentos e as condutas. As
práticas que deles se apoderam são sempre criadoras de usos ou de
representações que não são de forma alguma redutíveis à vontade dos
produtores de discursos e de normas. O acto de leitura não pode de
maneira nenhuma ser anulado no próprio texto, nem os
comportamentos vividos nas interdições e nos preceitos que
pretendem regulá-los. A aceitação das mensagens e dos modelos
opera-se sempre através de ordenamentos, de desvios, de reempregos
singulares que são o objecto fundamental da história cultural. [...] O
que equivale a dizer, simultaneamente, que as práticas contrastantes
devem ser entendidas como concorrências, que as suas diferenças são
organizadas pelas estratégias de distinção ou de imitação e que os
empregos diversos dos mesmos bens culturais se enraízam nas
disposições do habitus de cada grupo.
19
Assim sendo, de se convir que a apropriação do texto didático acontece de
formas diferentes na medida em que são diferentes os contextos e os grupos que dele
tomam posse.
Corrêa (2000, p. 12), em seu estudo sobre a importância dos livros escolares
como fonte de pesquisa em História da Educação, adverte para a necessidade de se
desvendar esse material didático-pedagógico, especialmente por acreditar que são
portadores de conteúdos reveladores de representações e valores predominantes num
certo período de uma dada sociedade e que, simultaneamente à historiografia da
educação e da teoria da história, permitem rediscutir intenções e projetos de construção
e de formação social.
Diante desse assunto, Fonseca (1999 apud CORRÊA, 2000, p. 12) assim se
posiciona:
O livro didático e a educação formal não estão deslocados do contexto
político e cultural e das relações de dominação, sendo, muitas vezes,
instrumentos utilizados na legitimação de sistemas de poder, além de
representativos de universos culturais específicos. [...] Atuam, na
verdade, como mediadores entre concepções e práticas políticas e
culturais, tornando-se importante na engrenagem de manutenção de
determinadas visões de mundo.
Para Chartier (1990, p. 134), os livros são veículos de circulação de ideias que
traduzem valores e comportamentos que se pretendem ensinar. Logo, podem servir
como indicadores no projeto de formação social desencadeado pela escola, em
determinado tempo e espaço:
A relação entre o livro escolar e escolarização permitem pensar na
possibilidade de uma aproximação maior do ponto de vista histórico
acerca da circulação de idéias sobre o que a escola deveria
transmitir/ensinar e, ao mesmo tempo, saber qual concepção educativa
estaria permeando a proposta de formação dos sujeitos escolares. [...]
Nesse aspecto em particular, vincula-se à história das instituições
escolares e, amplamente, à das políticas educacionais. (CORRÊA,
2000, p. 13).
Nesse sentido, a sociedade representada pelos livros escolares corresponde a
uma reconstrução que obedece a motivações diversas, segundo a época e o local de
circulação. Por conseguinte, o livro didático não é um simples espelho da realidade;
antes, modifica-a para educar gerações, às vezes deformando imagens, esquematizando-
20
as, modelando-as; frequentemente silenciando os conflitos sociais, os atos delituosos ou
a violência cotidiana. Para essas análises, dialoga-se, especialmente, com Choppin
(2004).
O autor adverte que os pesquisadores não devem se deter nos fatores explícitos,
ou seja, nas ideias expressas pelos estudiosos, importando, antes, aquelas que lhes são
subjacentes. É necessário, então, prestar atenção naquilo que eles silenciam, pois se o
livro didático é considerado um espelho, pode ser também uma tela.
Desse modo, foi necessário ler as linhas e, sobretudo, as entrelinhas da
estrutura do livro escolar, numa tentativa mais apurada de se realizar a mais real leitura
possível, nesse caso específico, das representações dos negros no referido material de
pesquisa.
Para que melhor se compreendam o percurso e as discussões desenvolvidas no
correr desta investigação, esta dissertação está organizada em três capítulos: o Capítulo
I é reservado à reconstituição histórica da construção do imaginário social brasileiro, a
fim de que se compreendam as práticas e representações mais marcantes no espaço
escolar, nos livros didáticos e na sociedade brasileira do final do século XIX e início do
século XX.
Para a reconstituição desse período histórico, foram estabelecidos diálogos com
alguns autores que conduziram a pesquisa a diferentes espaços e diferentes leituras
acerca das questões que aqui se propõem investigar. Em Mato Grosso, percorrendo
trilhas históricas e ruas da cidade de Cuiabá do final do século XIX, deparou-se com a
casa-escola, na qual se adentrou e foi-se recepcionado por um belo menino negro, de
inteligência aguçada, cabelos macios e que mantinha sempre um lindo sorriso no rosto,
conhecido por Agostinho.
Em conversa com o notável anfitrião, foi-lhe explicada a pesquisa, e ele
prontamente correu para apanhar os parcos livros didáticos que possuía, esclarecendo
que aqueles de histórias ilustradas com gravuras eram os seus prediletos. Os livros e e o
menino exerciam grande fascínio sobre a pesquisadora, que, segurando as mãos dele, foi
conduzida até o grupo escolar onde o garoto estudava.
Penetrando aquele espaço, sempre de mãos dadas, chegou-se a uma sala, que
mais parecia um pequeno arquivo, na qual Agostinho mostrou algumas leis,
regulamentos e atas escolares. A companhia de Agostinho era muito agradável, mas era
preciso avançar para a etapa seguinte da pesquisa...
21
O Capítulo II aborda o ensino de História, os livros escolares, as instituições e
os intelectuais que deram legitimidade aos ideais republicanos de nação. Dessa vez, nas
caminhadas pelo centro de Cuiabá, já no início do século XX, encontrou-se um padre de
notável erudição. Ao lhe explicar a pesquisa, muito elegantemente pronunciou: Pro
Pátria cógnita atque immortali. Estou convidando-a para um chá da tarde, no Instituto
Histórico e Geográfico de Mato Grosso.”
Aceito o convite, o encontro rendeu à pesquisadora o contato com a
intelectualidade mato-grossense, alguns professores de História, com o que se pôde ir
reconstituindo um pouco do saber histórico produzido e veiculado nos livros didáticos
durante a Primeira República em Mato Grosso. Foi então que se viu despertada a paixão
pelos livros e seus textos, seus autores, sua materialidade e ideologias impressas, tendo
aumentado o desejo de se conhecer mais de perto esse objeto...
O capítulo III dedica-se a analisar alguns livros de História veiculados e
utilizados pelos professores e alunos nas escolas mato-grossenses durante a Primeira
República. Para a construção desse capítulo, pensou-se nos livros didáticos que
Agostinho utilizara em sua vida escolar e tentou-se localizá-los. Porém, ele, no afã de
cursar uma faculdade, havia ido embora da cidade. Onde, então, localizar livros tão
antigos? Em meio a essa dúvida, teve-se conhecimento de um ilustre professor da
capital, que ali se encontrava a passeio para prestigiar a inauguração o Instituto
Histórico e Geográfico de Mato Grosso, em 1919. O professor, ao tomar conhecimento
desta pesquisa, apresentou-se como membro do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, professor do Colégio Pedro II e autor de diversos livros didáticos,
mostrando-se disposto a contribuir com a investigação.
E foi assim, dialogando com alguns autores e atores históricos, que se
conseguiu trilhar os caminhos, às vezes emaranhados, às vezes tortuosos, desta
caminhada.
Finaliza-se o texto desta pesquisa com as considerações obtidas por meio da
articulação, ainda que breve, entre fontes documentais e bibliográficas, descrevendo-se
uma possível leitura das representações dos negros impressas nos livros escolares
veiculados em Mato Grosso, no final do século XIX e início do século XX, que
configura o objetivo norteador desta investigação.
22
1 MENTIRAS QUE PARECEM VERDADES
6
A análise das representações dos negros nos livros escolares em circulação no
estado de Mato Grosso, no período de 1889-1930, requer que se proceda a uma breve
reconstituição histórica sobre a construção do imaginário social brasileiro, facilitando a
compreensão das práticas e representações mais marcantes na sociedade daquele
período.
Acerca disso, Chartier (1990, p. 38) acredita que: “[...] um homem que viveu
em tempos passados deve ser inteligível não relativamente a nós, mas aos seus
contemporâneos.”
Crê-se na importância de se buscar alguns elementos da construção do
imaginário social brasileiro referente à população negra, no início da República, para
que se possa compreender até que ponto essas representações, elaboradas juntamente
com o ideal republicano, estão em parte situadas no inconsciente coletivo da sociedade
atual e possuem uma dimensão na qual brotam e são cultivadas as crenças, os
estereótipos e os valores que codificam certas atitudes.
Vale ressaltar que a existência das raças não tem o menor suporte da biologia e
da genética, como comprovam os resultados das pesquisas do Projeto Genoma
7
. Todos
somos uma espécie humana. O que existem realmente são os fenótipos diferentes - a
aparência física de cada ser humano. O fato de uma pessoa ter a pele escura não
significa que tenha predominância de ascendência africana. A cor da pele e os traços
6
Mentiras que parecem verdades (1980) é uma obra de Humberto Eco que trata de pesquisa realizada na
Itália, sobre as ideologias impressas em livros escolares. Toma-se emprestada essa expressão por
acreditar que no período republicano foram popularizadas ideologias fundamentadas em teorias raciais
no imaginário do povo brasileiro. Posteriormente, as pesquisas revelaram como cognatos tais princípios
divulgados e inculcados na e para a população.
7
O Projeto Genoma é um consórcio internacional que tem por objetivo mapear todos os genes da espécie
humana até o ano de 2005. Em 1990, esse projeto contava com o envolvimento de mais de 5.000
cientistas. Basicamente, 18 países iniciaram programas de pesquisas sobre o genoma humano, entre
eles o Brasil. Até agora já se sabe que todos os seres humanos são 99,99% idênticos do ponto de vista
biológico, de sorte que a cor da pele não indica a ascendência genética de ninguém. O coordenador do
Projeto Genoma no Brasil, o geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade de Minas Gerais
(UFMG), desenvolveu a pesquisa intitulada Retrato Molecular do Brasil, estabelecendo com precisão,
do ponto de vista da genética, a ascendência dos brasileiros. Foram estes alguns dos resultados
alcançados: 97% dos brancos brasileiros têm ancestrais europeus pela linhagem paterna; nesse mesmo
grupo, pela linhagem materna, 39% m ascendência européia; 33%, ameríndia; e 28%, africana; e, ao
todo, 61% dos brasileiros brancos m herança indígena ou africana (PENA; BERTOLINI, 2004 apud
MÜLLER, 2006).
23
fisionômicos não necessariamente provam o que ela é, qual a sua ascendência genética
(PENA apud MÜLLER, 2006, p. 107).
Porém, no dia a dia da sociedade ainda se fala em raças, conceito que continua
possuindo um valor social, simbólico, embora não apresente nenhum valor para a
genética:
As raças têm existência social, existem no imaginário da sociedade, e
isso contribui para a cotidiana construção das desigualdades raciais no
Brasil. Por esse motivo, os pesquisadores que examinam a maneira
como se processam as relações raciais no país continuam utilizando o
termo raça, mesmo que os estudos sobre a genética humana tenham
destruído a crença em uma separação da espécie humana baseada
nessa idéia. (MÜLLER, 2006, p. 104-105).
Contudo, se a raça não existe como conteúdo biológico:
No imaginário e na representação coletiva de diversas populações
contemporâneas existem raças fictícias e outras construídas a partir
das diferenças fenotípicas como a cor da pele e outros critérios
morfológicos. E a partir dessas raças fictícias ou “raças sociais” que se
produzem e se mantêm os racismos populares. (MUNANGA, 2003, p.
6).
Nesse sentido, o conceito de “raça” explica seu uso enquanto realidade social e
política, pois, além de ser uma construção social, é, também, uma categoria de
dominação e exclusão presente nas relações sociais que se estabelecem e são permeadas
por práticas discriminatórias.
Segundo Rosa (2002), nas últimas décadas do século XIX e início do século
XX, o Brasil atravessava um período marcado pela crise e extinção das instituições
imperiais escravistas, cujos desdobramentos resultaram na implantação do regime
republicano. Emergiu, nesse contexto, intenso debate acerca da formação da nação e do
cidadão brasileiro, estabelecendo-se a necessidade de criação de novas tradições e
instrumentos capazes de assegurar a identidade e a coesão social. A grande questão do
momento cercava não a organização de uma nova vida social e política, mas também
a construção de um universo nacional próprio à legitimação do novo regime.
À luz do quadro teórico que vigorava na época
8
, as aspirações das elites
intelectuais e políticas brasileiras de conduzir o país à modernidade, de igualá-lo às
8
Rosa (2002) evidencia que, dentre as diversas correntes europeias de pensamento, destacaram se: o
liberalismo, o evolucionismo, o positivismo e o darwinismo social.
24
modernas nações europeias eram confrontadas com a herança do passado colonial,
visualizado, sobretudo, na contingência de uma população dominantemente mestiça,
imersa na ignorância e desprovida dos sentimentos de patriotismo e de nacionalidade,
bem como dos padrões de comportamento do mundo civilizado (ROSA, 2002, p. 15).
Flávio dos Santos Gomes (2003), ao pesquisar a construção da cidadania no
Brasil, enfatiza que, com o fim da escravidão, o processo de lutas e também as
desigualdades, considerando os trabalhadores e suas etnias, não desapareceram. A
caracterização e a reprodução das desigualdades ganharam, a propósito, outras
dimensões:
O escravo vira negro. Como? Não mais havendo a distinção jurídica
entre os trabalhadores, a marca étnica - e histórica - da população
negra é reinventada como fato social. A sociedade brasileira, mais do
que permanecer desigual em termos econômicos, sociais e
fundamentalmente raciais a partir de 1888 (portanto, temos que
considerar as experiências desde a colonização), reproduz e aumenta
tais desigualdades, marcando homens e mulheres etnicamente. A
questão não foi somente a falta de políticas públicas com relação aos
ex-escravos e seus descendentes no pós-abolição. Houve mesmo
políticas públicas no período republicano reforçando a intolerância
contra a população negra. (p. 462).
Volpato (1993), em seu estudo sobre o processo de coisificação em que esteve
submerso o negro durante todo o período escravista em Mato Grosso, afirma que, com o
ideal de progresso e civilização adotado no início da República, o conceito de trabalho
foi reformulado. O homem pobre livre, que era marginal para o sistema escravista,
passou a ser encarado como o vadio, e o escravo, até então elemento vital ao sistema de
estruturação da sociedade, foi lentamente transformado no negro, tornando-se
responsável por todas as situações de atraso vividas pelo país.
O jornal A Reação, que circulava no Estado, ao criticar, em 10 de março de
1913, a ação da polícia de não permitir que os indivíduos pobres e negros sem trabalho
transitassem em total liberdade, obrigando-os a escolher patrão e regulamentar sua
situação de trabalho, por intermédio de uma caderneta adquirida por 2$000 de réis, com
essa postura o periódico demonstrou a representação dos negros construída no meio
social:
A constituição garante ao indivíduo o direito de não ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma cousa, sinão em virtude de lei. A
medida do Dr. chefe de policia ela não tem força de lei e nem na lei se
escuda. A disposição penal citada não pode ser interpretada de modo a
autorizar o dr. Chefe de policia a “fornecer cadernetas” aos
25
empregados domésticos, “obrigando-os” a trabalhar e “escolher
patrão”. [...] A determinação do Dr. Chefe de policia tornou-se
antipathica e quicá perniciosa, depois que ficou estabelecido o preço
de 2$000 para aquisição das cadernetas. Antipáthicas o é exigir de
uma pobre gente que trabalha e ganha insignificâncias, a quantia de
2$000 para ficar obrigada a não ter direito de trabalhar por vontade
própria. Perniciosa porque o vadio, o miserável que a quizer
adquirir terá de munir-sa dessa quantia, talvez por meios ilícitos.
(p. 01-a, grifos nossos).
Os trechos dessa matéria, intitulada Pelo trabalho livre, que a princípio
condenou os abusos cometidos pela polícia sobre os homens negros, pobres e sem
emprego, buscaram subsídios inclusive na Constituição para defender esses indivíduos,
no entanto terminaram por classificá-los como vadios, miseráveis e propensos a práticas
de crimes ilícitos. Assim, no imaginário social brasileiro, a imagem do homem negro
desempregado estava intrinsecamente associada ao vadio, ao miserável e ao praticante
de atos ilícitos.
Para Müller (2006, p. 108): “[...] a discussão que se travou durante toda a
Primeira República girou em torno de como institucionalizar um projeto de nação que
conferia a negros e indígenas um lugar social subalterno, uma cidadania de segunda
categoria.”
O artifício ideológico que se articulou nessa época, em íntima relação com o
discurso científico, contribuiu para a construção, dentro do corpo social, de uma
imagem negativa dos negros, a qual atuou como vírus poderoso, que naturalizava a
condição social subalterna desse grupo e justificava a exploração econômica, a rudeza
do aparato repressivo e o exercício oligárquico do poder.
Patto (1999) concebe que no período republicano as teorias raciais começaram a
desempenhar no Brasil o papel que vinham desempenhando na Europa desde o século
anterior. Hobsbawm (1979) resume tais teorias como recurso ideológico de justificar o
domínio de brancos sobre não brancos, de ricos sobre pobres, de civilizados sobre
primitivos.
A presença de críticas às desigualdades e à opressão capitalista no país gerou,
nesse período, a necessidade de se justificá-las, pois: “[...] o liberalismo não tinha
nenhuma defesa lógica diante dos clamores de igualdade e democracia. Portanto, a
bandeira ilógica do racismo foi inventada, a própria ciência, o trunfo do liberalismo,
podia provar que os homens não são iguais.” (HOBSBAWM, 1979, p. 277). Isso
26
permitiu a Hobsbawm (1979) concluir que: “[o] darwinismo social
9
e a antropologia
racista pertencem não à ciência do século XIX, mas à sua política.”
Müller (1999), ao estudar o pensamento de Manuel Bomfim (1993, p. 307)
10
com relação às teorias racistas, acrescenta que o autor define o darwinismo social como
uma forma utilizada pelos países imperialistas para justificar o domínio econômico que
exerciam sobre o restante da humanidade. No entanto: “Convém repetir: não razões
científicas, nem outras, que autorizem o sociólogo a declarar um povo, qualquer que ele
seja, incapaz de progredir.” (BOMFIM apud MÜLLER, 1999, p. 49).
Por outro lado, José Veríssimo, autor do livro A Educação Nacional, publicado
em 1985, influenciou intensamente os debates sobre a importância da difusão do ensino
primário para a formação da nação na Primeira República, acreditando na inferioridade
de negros, mestiços e índios. Em sua obra havia uma preocupação com o soerguimento
da parte boa, a população branca, conforme se pode conferir no seguinte trecho:
“Somos um país sem povo. Somos o produto de três raças perfeitamente distintas. Duas
selvagens e portanto, descuidosas e uma em rápido declínio depois de uma gloriosa,
brilhante e fugaz ilustração.” (VERÍSSIMO apud MÜLLER, 1999, p. 60).
Dessa forma, os negros e os mulatos passaram na República a ser objeto de
atenção da ciência e a arcar com o peso das mazelas sociais e econômicas que
assolavam o país. A condenação do cruzamento racial, que fez da mestiçagem o mal do
país, encontrou acolhida nas faculdades de medicina. O médico baiano Nina
Rodrigues
11
foi um dos porta-vozes mais enfáticos dessa teoria.
O fim do sistema escravista colocou uma população de ex-escravos na rua, e
uma outra, predominantemente mestiça, foi concebida pela elite dominante como
problemática para a formação da nação brasileira. A mestiçagem era, pois, um problema
a ser resolvido em face do movimento de consolidação da identidade nacional: “O medo
da desagregação total da nação brasileira quer pela miscigenação com uma raça inferior
9
Conforme diz Alexandre (2006), os adeptos do darwinismo social acreditavam que no passado havia
raças puras e que o cruzamento estava degenerando a raça. Para eles, o processo de seleção natural
criaria raças puras, a partir da diversidade, desde que fossem adotadas medidas eugênicas para conduzir
a mudança biológica no sentido do progresso.
10
Bomfim, médico e ensaísta, abandonou a medicina por questões pessoais e dedicou-se à educação,
tendo sido diretor da Instrução Pública na gestão de Pereira Passos e professor da Escola Normal do
Distrito Federal.
11
Nina Rodrigues, positivista, considerava que os negros e o alto grau de mestiçagem seria uma
influência negativa por pertencerem a uma raça biologicamente inferior. (SANTOS, 2002).
27
quer pela simples destruição da raça branca por mãos negras ocupava a mente desses
primeiros emancipacionistas.” (SANTOS, 2002, p. 105).
Diante da tese do determinismo racial, tendo como base o darwinismo social,
pouco se poderia esperar de uma nação composta por raças pouco desenvolvidas, como
a negra e a indígena, isso sem se falar dos mestiços, maioria absoluta na população
brasileira. A saída que se configurou para o problema nos anos de 1920 foi o
lançamento da tese da reversibilidade da degeneração racial (SCHWARCZ, 1994).
A teoria da degenerescência passou a orientar os pressupostos eugenistas, que
estiveram em voga nas últimas décadas do século XIX e persistiram no meio médico
brasileiro até a década de 1940. Segundo Müller (2006), os eugenistas defendiam que os
mestiços, por terem herdado os defeitos de negros e brancos, terminariam por
desaparecer.
O impasse criado pela concepção do povo brasileiro como biologicamente
degenerado levou os intelectuais à originalidade do pensamento racial brasileiro. Uma
costura engenhosa unindo-se as linhas do evolucionismo e do darwinismo social
permitiu, conforme Schwarcz (2002, p. 18), que se enxergassem saídas para o país sem
que se precisasse negar a inferioridade dos negros:
Do darwinismo social adotou-se o suposto da diferença entre raças e
sua natural hierarquias, sem que se problematizassem as implicações
negativas da miscigenação. Das máximas do evolucionismo social
sublinhou-se a noção de que as raças humanas não permaneciam
estacionadas, mas em constante evolução e “aperfeiçoamento”,
obliterando-se a idéia de que a humanidade era uma.
Assim, no início do século XX, o ideal de branqueamento popularizou-se. A
esperança era que levas de imigrantes que aportavam ao Brasil branqueassem o país no
espaço de poucas gerações. E: “A popularidade de tais idéias não era acidental, pois
possibilitavam um compromisso engenhoso entre a teoria racista e as realidades da vida
social brasileira” (SKIDMORE apud MÜLLER, 1999, p. 46).
Nesse momento, encontrava-se em processo de construção o mito da democracia
racial, que conferia lugares sociais distintos a brancos, negros e indígenas:
Esse ideário estava sendo institucionalizado no incipiente sistema
de ensino público criado, ainda, nos anos 10 e 20 do século XX.
Priorizava-se construir a identidade nacional por meio da escola, com
seus programas de ensino, com os livros didáticos e com a professora
28
primária, simbolizando a encarnação da pátria e, preferencialmente, de
cor branca. (MÜLLER, 2006, p. 109)
.
Ao analisar o livro História do Brasil, da 4ª série ginasial, de autoria de Joaquim
Silva (1959, p. 41-42), que circulou e foi utilizado como livro didático em diversas
escolas brasileiras durante a metade do século XX, percebe-se o quanto os materiais
didáticos serviram para institucionalizar as ideias em voga:
2) A formação étnica [...] como acontece entre outros povos, não
constitui, assim, o brasileiro, uma raça pura; os elementos de sua
formação, - o branco, o índio e o negro - calderam-se desde o início da
época colonial, dando origem a vários tipos mestiços: o mameluco (ou
mameluco) ou cabloco, descendente de branco e índio; o mulato, de
branco e negro; o cafuzo, de negro e índio e ainda outros, oriundos do
cruzamento de tais tipos. [...] A assimilação de elementos indígenas e
pretos na massa de nossa população continua, a par de contingentes
portugueses, italianos, alemães, árabes, eslavos e outros que afluem do
Velho Mundo; cresce assim, cada vez mais, nos grupos mestiços, a
porcentagem de sangue branco. É de notar que não em nossa terra
preconceitos ou questões raciais; e, por isso, o grande estadista
americano Teodoro Roosevelt notou, com razão, que o futuro nos
reserva uma grande benção; “ter evitado e solvido um problema
altamente perigoso, quisá mortal, um conflito racial de vida e de
morte.” (p. 41-42).
Nesse trecho, evidencia-se a disseminação do mito da democracia racial nas
escolas brasileiras, o qual pressupunha a inexistência de racismo no país, propagando,
ao contrário, uma convivência harmoniosa entre as raças.
Müller (2006, p. 111) avalia que:
Segundo alguns autores, essa foi a forma mais perniciosa de racismo
que poderia se incrustar em nossa sociedade, pois, além de deixar as
vitimas do racismo impotente para reagirem a situações de
discriminação, possibilitava àqueles que fossem ou parecessem
brancos a liberdade para utilizar artifícios racistas, muito sutis para
serem contestados. A frase “o brasileiro tem preconceito de ter
preconceito”, de autoria de Florestan Fernandes (1960), traduz muito
bem o mito da democracia racial.
É importante salientar que existia, sim, democracia racial, mas desde que cada
um soubesse bem o seu lugar social. As elites consideravam que a heterogeneidade
cultural da população brasileira, marcada pelas crenças e tradições das três raças
fundadoras, era contraproducente, verdadeiro obstáculo ao progresso do país.
29
Em outro trecho do referido livro de Joaquim Silva, percebe-se a maciça
participação da escola nas múltiplas funções de difundir, inculcar e homogeneizar as
representações construídas e produzidas, a fim de inferiorizar os negros seja no campo
social, cognitivo ou cultural:
2) A formação étnica III - o negro
1. O mestiço. “O mestiço é vigoroso e hábil. A cruza não lhe
sacrificou nem a energia física do servo, nem a inteligência do senhor.
Tanto o branco como o negro tinham de aclimar-se: porém o mulato
ou o mameluco era a planta nativa [...] Os que negam o valor dos
nossos mestiços, como os que afirmam sua superioridade, falseiam a
verdade, porque a vêem unilateralmente. Os nossos mestiços nem o
todos absolutamente inferiores, nem todos absolutamente superiores.
entre nós, mestiços superiores e mestiços inferiores.” (OLIVEIRA
VIANA apud SILVA, 1959, 179).
[...]
3. Influência do negro. Foi grande a influência exercida pelo negro;
[...]. Não só na vida econômica, porém, se verificou seu influxo;
também na constituição do tipo brasileiro, na formação moral e nos
costumes. [...]. As crendices, as superstições do negro, com sua
efetividade, refletiram-se na formação de nossa gente, que herdou dela
uma certa negligência crioula, uma resignação heróica para suportar a
miséria, uma concepção um pouco fatalista e quiçá leviana da vida,
sem grandes preocupações do futuro, o hábito do trabalho, sem amor,
mas também sem revolta, e, enfim, a melancolia impressa mais na
música e na poesia do que no estado da alma habitual do povo.”
(SILVA, 1959, p. 42).
Mato Grosso não ficou imune a essa fabulosa construção das representações
negativas dos negros, juntamente com os ideais republicanos. Em pesquisa em
periódicos mato-grossenses da época, foram localizados trechos que demonstram o
quanto a cultura dos povos negros era estereotipada e discriminada pela elite letrada:
A feitiçaria é actualmente, o meio de vida mais rendoso, em nossa
capital. Contra essa enganosa tapeação, entretanto, não tem se
manifestado a nossa autoridade policial. Uma senhora que se diz
“prodigiosa” roubou absurdamente a nossa população, sendo que,
inerte, a isso assistiu a delegacia de policia da capital. Somente agora
depois que essa feiticeira pode usurpar da população, as maiores
sommas, lançando a desgraça sobre muitas pessoas, é que a nossa
delegacia resolveu cumprir a sua missão. [...] o comparecimento
urgente de nossa autoridade policial a casa de Mne. nhasinha é o
que pedimos, afim de que se extermine com essa bárbara prática,
própria somente para os negros da África que desconhecem a
civilização. M. Silva 23/02/1930. (CORREIO DA SEMANA, 03 mar.
1930).
Para os autores sociais, a cultura do negro era não sinônimo de atraso, crime,
práticas bárbaras e não civilizada, como também caso de polícia:
30
Mesmo as representações sociais colectivas mais elevadas tem
existência, isto é, o são verdadeiramente a partir do momento em
que comandam actos. [...], das representações do mundo social que, a
revelia dos actores sociais, traduz as suas posições e interesses
objectivamente confrontados e que paralelamente, descrevem a
sociedade tal como pensam que ela é ou como gostariam que fosse.
(CHARTIER, 1990, p. 19).
Nesse contexto, a formação da nação implicava formar o povo brasileiro, quer
por meio da incorporação e assimilação de imigrantes europeus na perspectiva do
branqueamento da população brasileira, quer pela via civilizadora da educação popular.
Para Souza (1998), a expressão educação popular comportava sentidos amplos e
restritos. Quando atrelada à questão da democracia, era utilizada no sentido de educação
para todos, ou seja, educação elementar sem distinção de classe, e dessa forma,
concebida como um direito e dever dos cidadãos e também do Estado. Todavia, quando
aplicado à perspectiva dos seus destinatários, o termo adquiria uma conotação de classe.
Dessa forma, segundo a autora, era clara a diferenciação entre o ensino secundário e o
superior - direcionados para a educação das elites - e o ensino primário e profissional -
destinados à educação do povo.
Valle (1997) estabelece que instruir um povo era sinônimo de civilizá-lo: dotá-lo
de um conjunto de saberes (reformulados sobre bases empíricas e científicas) e de
capacidades racionais, entendidos como úteis à vida social e política. Educar o povo
significava desenvolver-lhe os sentimentos e as disposições morais, a fim de dotar a
sociedade de comportamentos homogêneos e funcionais voltados para seu próprio
desenvolvimento.
A ciência e a educação, vistas como fatores de mudança social, civilização e
progresso, embasavam a percepção de que a construção da nação e a incorporação do
país à ordem moderna - compreendida como urbana e industrial - passavam pela difusão
da Instrução Primária:
Se estava na ordem do dia construir-se a nação e levar o país à
modernidade, qual deveria ser o mecanismo preferencial de
transformação das mentalidades e de criação da integração e do
sentimento nacional? A escola. A escola primária e de preferência
pública deveria ser oferecida massivamente a toda a população que
aqui vivia. Começou-se a entender que a escola era o espaço
privilegiado para a realização de rituais simbólicos que construiriam e
reafirmariam o pertencimento à nação e o sentimento de
nacionalidade. Através da escola, seriam difundidos os mitos de
31
origem: a bravura dos bandeirantes; a bondade do senhor de escravos.
Da mesma maneira, não havia instituições melhor para conformar
novos valores morais e hábitos de trabalho e de higiene, relativos a
uma sociedade que se queria “moderna”, urbana e industrial;
enfim da conformação de novas mentalidades (MÜLLER, 1999, p.
58, grifos nossos).
Müller (1999) retoma aspectos focalizados em algumas regulamentações da
Instrução Primária do estado de Mato Grosso, dentre as quais o Regimento Interno dos
Grupos Escolares de 1910 (MATO GROSSO, 1910), que aborda questões como a
universalidade do ensino, a preocupação com o livro escolar e a inspeção dessas obras:
Art. 6. A mobília escolar constará da que for determinada pela
Directoria Geral da Instrução Pública, devendo sua construcção ter por
base os modelos que mais facilitem a inspesção, a responsabilidade
individual dos alumnos e a satisfação dos preceitos hygienicos. [...]
Art. 8. Os livros e mais objectos destinados ao ensino preliminar serão
os approvados e mandados adoptar pelo conselho superior da
Instrução publica, com exclusão de quaesquer outros. [...] Art. 61. É
gratuita a matricula nos Grupos escolares e será facultada a todas as
crianças indistinctamente com as restricções deste regimento.
Os artigos e 61, pouco mencionados, são reveladores do quanto a aliança
entre médicos e educadores traduziu a reiteração de alguns dos pressupostos eugenistas
no ambiente escolar, que resultaram em experiências cotidianas associadas aos materiais
didáticos e às práticas pedagógicas. A preocupação com a adequação da mobília,
constatada no artigo 6º, estava intrinsecamente relacionada com o processo de
higienização, presente nas ideologias sanitaristas da época.
Rosa (2002) informa que a necessidade de se instituir e expandir um espaço
social (escola pública) e uma cultura escolar
12
, formadores da nova nação e dos seus
novos cidadãos, articulava-se não com a [re]constituição e legitimação do Estado e
de suas estratégias de ordenação do social, mas também com a formação de uma classe
trabalhadora, adequadamente preparada para responder às exigências do processo de
urbanização e do desenvolvimento industrial.
Faria Filho (1999a) assinala que a questão da importância e do lugar da
Instrução Pública na construção da nação perpassa toda a Europa e as Américas dos
séculos XIX e XX. No Brasil, ao longo do período imperial e da Primeira República,
12
O termo cultura escolar é adotado na acepção proposta por Júlia (2001, p.10). No próximo capítulo,
esse conceito será abordado de forma mais ampla.
32
essa questão esboçava-se na crescente iniciativa dos governos provinciais,
posteriormente estaduais, em organizar e difundir a Instrução Pública, mais
especificamente a elementar, junto às classes populares.
Prosseguindo em suas análises, Rosa, pouco referenciado, percebe que se
ressaltavam as funções sociopolítica e ideológica da educação popular, devendo a escola
integrar o indivíduo na sociedade urbana e industrial por meio de uma cultura moral e
científica e de uma ética disciplinadora - ética do dever, da responsabilidade e da
produtividade.
Desde a instauração da República, intensificaram-se os debates acerca da
construção da nacionalidade. A ideia era que: “[...] não tínhamos um povo, havia de
formá-lo.” (MÜLLER, 1999, p. 2000). A escola, por sua vez, tornou-se um espaço
privilegiado para a construção da nação, através da construção da identidade e do
sentimento nacionalista. Defendia-se que a escola primária formasse a mentalidade
popular através da difusão da história oficial e da disseminação de hábitos, valores e
comportamentos próprios de sociedades urbanizadas e modernizadas (XAVIER, 2006,
p. 255).
Nesse sentido, a instituição escolar foi um importante ambiente de circulação e
transmissão dos ideais republicanos, tendo sido sua participação nesse processo
indispensável, especialmente por ter institucionalizado mecanismos que favoreceram à
República legitimar seu poder. Sobre a institucionalização do espaço escolar como lugar
privilegiado para a disseminação e homogeneização do discurso republicano, tratar-se-á
logo adiante.
1.1 A ESCOLA REPUBLICANA NA LÓGICA DA MODERNIDADE
Para se compreender a construção da lógica da modernidade no espaço escolar,
buscaram-se subsídios nas ideias e nos projetos de reformas educacionais empreendidos
ainda no período pré-republicano, dentre os quais se destacam as propostas apresentadas
por Rui Barbosa, em seus Pareceres sobre a Reforma do Ensino Primário e das várias
instituições complementares da Instrução Pública
13
.
13
Souza (2000) destaca que esses Pareceres foram redigidos entre 1882 e 1883, tendo Rui
Barbosa, nesse trabalho, se apropriado de extensa e atualizada bibliografia de origem
estrangeira, predominando obras em língua francesa e inglesa. Para a autora, o documento
constitui uma das primeiras obras - e a mais completa delas - sobre a organização pedagógica
da escola primária e sobre política de educação popular produzida no Brasil, no século XIX,
33
Ressalte-se que, ao se servir dos Pareceres de Rui Barbosa como pano de fundo
desta pesquisa, não se tem o propósito analisá-los; está-se apenas percorrendo as
nuances do pensamento educacional que vigiam no conturbado período de transição do
Império para a República, percebendo que as ideias e os pensamentos tão em voga neste
último período têm suas raízes, ainda, naquele primeiro.
Rosa (2002) verifica que Rui Barbosa empreendeu um minucioso estudo teórico
acerca da situação educacional no Brasil nos anos finais do Império, sintetizando nos
Pareceres sublinhados as ideias e os modelos pedagógicos em circulação na Europa e
nos Estados Unidos, bem como o ideário liberal e cientificista que permeava o
pensamento social dominante de seu tempo.
A chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta e esta: a
ignorância popular, mãe da servilidade, da miséria. Eis a grande
ameaça contra a existência constitucional e livre da nação; eis o
formidável inimigo, o inimigo intestino, que se asila nas entranhas do
país. Para vencer, revela instaurarmos o grande serviço da “defesa
nacional contra a ignorância”, serviço a cuja frente incube ao
parlamento a missão de colocar-se, impondo intransigentemente à
tibieza dos nossos governos o cumprimento do seu supremo dever
para com a pátria. (BARBOSA apud VALLE, 1997, p. 51).
Barbosa defendeu a necessidade do ordenamento do espaço escolar, de mobílias
e de materiais didáticos adequados, incluindo os compêndios e manuais de leituras,
além do estabelecimento de medidas preventivas às doenças infecto-contagiosas. Seus
Pareceres, em sua maioria, foram negligenciados e sequer foram discutidos na Câmara
dos Deputados. No entanto, Rosa (2002) aponta que grande parte das concepções e
propostas neles contida foi adotada nas reformas da Instrução Pública realizadas no país
nas primeiras décadas republicanas.
De acordo com Faria Filho (2002), Rui Barbosa procedeu em seus textos a uma
fundamentada crítica à educação escolar brasileira, propondo sua reforma radical.
Dentre suas críticas endereçadas aos métodos e aos mestres, o parecerista afirma que:
“Reforma dos métodos e reforma do mestre: eis numa expressão completa, a reforma
escolar inteira; eis o progresso todo e, ao mesmo tempo, toda a dificuldade contra a
mais endurecida de todas as rotinas, - a rotina pedagógica.” (BARBOSA, data apud
FARIA FILHO, 2002, p. 604).
contendo as representações educacionais em voga na época, tanto no âmbito nacional quanto
internacional.
34
Rui Barbosa (BARBOSA apud FREIRE, 1998, p. 116)
considerava o método
intuitivo, uma nova metodologia de ensino, a base da reforma educacional brasileira:
O ensino intuitivo [...] foge de tudo quanto é arbitrariamente
convencional e formalístico. Repudia as nações “a priori” [...].
circunscreve a parte catequética, didática, expositiva da missão do
professor. Restitui aos fatos, diretamente consultados pelo aluno, a
parte preponderante, que lhes cabe na educação do homem. Não
permite que o professor veja, ouça, compare, classifique, conclua pelo
discípulo. Cinge-se, quanto ser possa, a facilitar o estudantinho
primário as condições da observação e da experiência solicitando-o
constantemente a exercer todas as aptidões, sensitivas e mentais que
põe a inteligência em comunicação viva com o mundo exterior.
Com relação aos métodos de ensino, a renovação didático-pedagógica da escola
primária proposta por Barbosa se fundamentava nas ideias de Pestalozzi e Froebel,
tendo como eixo norteador uma nova forma de se conceber e praticar o ensino,
consubstanciada no método intuitivo, também designado lições de coisas e que se apoia
em uma concepção filosófica e científica segundo a qual a aquisição de conhecimentos
advém da experiência, da observação e dos sentidos.
O Regulamento da Instrução Pública de Mato Grosso, datado de 1896,
recomendava a aplicação do método intuitivo nas escolas públicas. No entendimento de
Amâncio (2000), essa recomendação, no Regulamento de 1910, soava como nova,
tendo em vista um programa de ensino bem explicitado, acompanhado de horário e
distribuição gradativa das matérias de ensino, sob a supervisão de um diretor escolar.
Isso não se estendia à legislação da Instrução Pública, que se adiantando à pratica
pedagógica - a qual aparentemente teimava em não acompanhá-la - determinava, no
Regulamento Geral de 1896, a aplicação desse método no ensino das matérias escolares.
É o que se observa em alguns de seus artigos, apresentados a seguir:
Art. 10º - A escola elementar professa:
§ 1° - Leitura corrente de impressos e manuscritos;
§ 2º - Calligraphia e escripta;
§3º - estudo prático para a língua materna;
§4º - Exércícios de intuição, ou noções de cousas acompanhadas de
exercícios de leitura e escripta e de explicações sobre formas, côres,
números, dimensões, tempo, sons, qualidade dos objectos, medidas,
seu uso e applicação;
§5º - arithmetica pratica até divisão por dois algarismos; problemas
fáceis sobre as quatro operações; noções geraes sobre numeração e
valores dos algarismos; grandeza com a unidade; conseqüências
resultantes dessa comparação; generalidade sobre os modos de dividir
35
e subdividir a unidade; diversas espécies de fracção resultante de
semelhante divisão.
§6º - Cultura moral; commentário das narrativas dos livros de leitura e
dos factos da vida escolar;
§7º - Geografia physuca e história do Estado;
§8º - Costura simples nas aulas de meninas. (MATO GROSSO, 1896).
Em consonância com o método intuitivo, o artigo 11 do mesmo Regulamento
alerta para o tipo de livro ideal aos exercícios de leitura, o livro com estampas:
Art. 11 - Os exercícios de leitura serão feitos de preferência em livros
com estampas, para melhor applicação das noções de cousas; devendo
o professor por sua parte limitar ao mínimo possível as regras e
definições, attendendo ao caracter mais pratico do que theorico desta
primeira parte do ensino primário.
Não faltaram para a Instrução Pública Primária de Mato Grosso, nos anos
iniciais da República, regulamentos que a normatizassem. Em termos de
regulamentação/normatização, a introdução do método intuitivo no ensino mato-
grossense não se restringiu ao Regulamento de 1896, cujos princípios foram retomados,
quase com as mesmas palavras, pelo Regulamento da Instrução Pública Primária de
1910.
Art. 12º - O ensino nas escolas primárias será tão intuitivo e prático
quanto possível, devendo nelle o professor partir sempre em suas
prelecções do conhecido para o desconhecido e do concreto para o
abstrato, abstendo-se, outrossim, de perturbar a intelligencia da
criança com o estudo, prematuros de regras e definições, mas antes,
esforçando-se para que os seus alumnos, sem se fatigarem, tomem
interesse pelo assumptos de que houver de tratar cada lição (MATO
GROSSO, 1910).
Contudo, não se pode inferir que os pensamentos pedagógicos embutidos nessa
legislação, que traduzia o pensamento e a proposta educacional dos intelectuais e
administradores da Instrução Pública de Mato Grosso nas primeiras décadas do período
republicano, tenham sido vivenciados pelos professores e alunos nas práticas escolares.
E isso porque nenhuma fonte documental escrita forneceu indicações do que foi
efetivamente realizado. “Entre o enunciado e o concretizado há uma distância permeada
por um silêncio resistente, o qual muito lenta e fragmentariamente permite um certo
adentramento.” (AMÂNCIO, 2000, p. 140).
36
Neves e (2006), estudando as práticas pedagógicas da primeira metade do
século XX, relacionam a questão do método com a compreensão de mundo, de ciência,
de ideais e de construção teórica. Logo, não bastava ensinar a ler e escrever, isto é, não
era mais suficiente instruir; era preciso educar em todos os aspectos. Nessa perspectiva,
a questão mais importante era formar cidadãos políticos capazes de compreender o
sentido da República.
A moderna escola primária idealizada por Rui Barbosa deveria ser regida pela
arte de prevenir e de corrigir
14
o corpo e a mente das crianças, como sugerem as teses
foucaultianas relativas aos processos de disciplinarização e coerção social.
O jornal A Situação, em circulação no estado de Mato Grosso, publicou em 20
de abril de 1873 uma matéria reveladora desse processo de disciplinarização do corpo e
da mente, como se observa neste trecho:
Mas todos sabem que quando os povos são ignorantes, mal educados,
habituados a certos costumes, e a certos vícios, é necessário forçá-los
a querer aquilo mesmo que é de seu proveito e interesse, até que a
instrução, a experiência e a reflexão os ilustre e os ponha em estado
de o quererem e fazerem espontaneamente.
Segundo Rosa (2002), o projeto engendrado por Rui Barbosa defendia a
implantação de uma escola primária moderna, de caráter obrigatório, universal e laico,
pautado em novos métodos e conteúdos de ensino.
Nessa direção, a introdução de novas disciplinas nos programas de ensino
inseria-se na perspectiva de uma formação escolar articulada com a lógica da
modernização e do progresso social e material do país. Nesse sentido, Barbosa defendia
a inclusão de conteúdos relativos a ciências, à educação moral e cívica, à ginástica, ao
desenho, à sica e ao canto, ao sistema de pesos e medidas, aos trabalhos manuais, à
higiene e à economia doméstica, entre outros.
Vale aqui registrar Forquin (1993), para quem toda forma de educação,
particularmente a escolar, supõe um processo de seleção e de reelaboração dos
conteúdos de cultura a serem transmitidos para as novas gerações. Nesse processo,
14
Foucault (1984 apud ROSA, 2002), no texto Vigiar e Punir, estabelece analogia entre tais processos e
a ortopedia enquanto arte de prevenção e correção da deformação de uma forma canônica,
sublinhando a relatividade/historicidade das significações atribuídas aos conceitos de
normalidade/anormalidade, aplicativos ao comportamento social.
37
entram em jogo os conflitos de interesse, as relações de poder, bem como os
fundamentos ideológicos norteadores das disputas por autonomia e/ou hegemonia entre
os diversos grupos sociais:
A “seleção cultural escolar” não se dá do mesmo modo e com a
mesma intensidade em diferentes sociedades e épocas, mas sua
matéria prima inscreve-se sempre sobre aquilo que constitui num
momento dado a cultura de uma sociedade, isto é, o conjunto dos
saberes, das representações, das maneiras de viver que têm curso no
interior desta sociedade e são suscetíveis, por isso, de dar lugar a
processos (institucionais ou não) de transmissão e de aprendizagem.
(FORQUIN, 1993, p. 31).
Rui Barbosa propunha, então, um ensino primário mais científico e menos
literário, bem como dotar de caráter enciclopédico os programas escolares, em
substituição a uma escolarização restrita aos rudimentos da leitura e das habilidades de
escrever e contar.
Na visão de Rosa (2002), Barbosa se posicionava contra o que denominou
irracionalismo na concepção e na prática de metodologias e conteúdos da escola
brasileira de sua época, que, no seu entender, não se comprometia com o
desenvolvimento da inteligência. Para ele, esse método era debilitado, viciado e
sobrecarregado diante da capacidade de entendimento das crianças, pautado na leitura e
repetição formal dos livros, por ele caracterizado como de uma “fraseologia vã”.
Durante a Primeira República, os livros escolares sofreram influências dos novos
métodos e do pensamento vigente. Araripe Junior, ao prefaciar o livro didático História
do Brasil, de João Ribeiro, 13ª edição (1935), discutindo o valor pedagógico do livro
didático, destaca as mudanças sofridas por essa literatura na Inglaterra, na Alemanha e
nos Estados Unidos, advertindo para a importância do ensino pela retina e enaltecendo
o methodo como a maravilha da escola e a delicia do professor:
Uma inoculação electrica dos conhecimentos necessários à vida pelos
processos simplificadores da economia do esforço intelectual e pelo
desenvolvimento do gosto artístico latente em todo homem que não
seja um cretino. Já se encontra, por exemplo, os Albuns históricos de
lavisse, que ensinam pela retina e professores que preconizam a
aplicação à história de uma espécie de methodo Berlitz; isto é, a
creação de estados de consciência no alumno em virtude de contínuos
mergulhos num meio de resurreição histórica. Comprehende-se,
porem, que sacrifícios de paciência e de dinheiro não são precisos para
promover esses passeios históricos maravilhosos e constituir gabinetes
38
de trabalho de modo a utilisarem-se todos os esforços do professor. Na
falta de taes recursos reatam o manual e a verve do mestre. Na
Alemanha e nos Estados Unidos a confecção de semelhantes manuaes
suppletorios tem-se tornado uma questão vital. Methodo é a maravilha
da escola e a delícia do professor; e no que entende com a pedagogia
histórica, completamente abolidos os processos de exposição, ainda
infelizmente usados em nossas escolas, e que apenas servem para
crear no alumno antipathias profundas por essa casta de estudos, o
manual é a carta de navegação pela qual o peior piloto póde levar o
discípulo ao porto do destino. O auctor da História do Brasil procura
justamente fazer entrar a corrente pedagógica, que tem produzido
esses trabalhos, nos seus hábitos de ensino. T. A. Araripe Junior.
(RIBEIRO, 1935, p. 9-11).
Percebem-se, por esse prefácio, as influências do método intuitivo, através dos
conselhos de deslocamento da pedagogia do ouvir para a do olhar
15
, bem como as
dificuldades das condições de trabalho dos professores das escolas públicas que se
espalhavam pelo país. Assim, desde o Império, o ideal de universalização da educação,
de mudança no método de ensino, nas práticas educativas, dentre outros, já faziam parte
do debate das elites intelectuais e adentraram a República. Vale lembrar que, no final do
Império, teve início a libertação dos escravos. Então, como ficou a questão do negro
nesse contexto? Ele também frequentava a escola primária proclamada pelos
republicanos?
1.2 NEGROS: INCLUÍDOS OU EXCLUÍDOS DA MODERNA ESCOLA
REPUBLICANA?
Pensar o espaço escolar enquanto espaço de desigualdade é um tanto quanto
contraditório, uma vez que, com a República, se acirraram ainda mais as discussões em
torno da igualdade. Portanto, a desigualdade é uma questão muito complexa de se tratar,
mesmo porque envolve fatores que geralmente se ocultam no nível da percepção
objetiva. E, quando o assunto é a desigualdade entre brancos e negros na educação, tal
complexidade amplia-se. Entretanto, as pesquisas apontam para sua existência, seja de
forma latente ou escancarada.
Souza (1998), ao pesquisar o movimento escolanovista no estado de São Paulo,
analisou um inquérito destinado aos professores que atuavam no ensino em 1926 e
15
Sobre a pedagogia do ouvir e do olhar, ver Vidal (1999).
39
organizado por Fernando de Azevedo, a pedido do jornal O Estado de São Paulo,
constatando que, para os profissionais da educação, o ensino popular tinha uma
destinação específica: preparar o trabalhador para o mundo do trabalho. Essa era,
inclusive, a opinião de Sud Mennhcci
16
:
Para quem o ensino primário deveria encaminhar de forma rápida a
obtenção dos meios para o sustento do homem - esta seria a escola
popular - o segundo, destinado a formação de uma sólida cultura
geral deveria permanecer restrito às elites pelas condições
econômicas e sociais, e pelas incapacidades fisiológicas dos
indivíduos (AZEVEDO apud SOUZA, 1998, p. 39)
Reis e (2006) afirmam que em Mato Grosso se projetava uma educação
diferenciada para as lideranças políticas, os trabalhadores e a população em geral. Para
os líderes, propunha-se uma educação mais sofisticada e literária; para os trabalhadores,
uma instrução voltada à profissionalização; e para os demais, somente o ensino das
primeiras letras, que incluía ler, escrever e contar, garantindo-lhes o exercício do voto:
O ideário republicano apregoava um regime de participação política
no qual era necessário o mínimo de escolarização, para se ter a
garantia do voto, a exemplo de algumas nações européias. Desta
forma, a educação se tornou pauta indispensável nos discursos
políticos e a idéia de escolas para todos se proliferou em todo o país,
apesar de que, na maioria das regiões, não tenha se concretizado
(ALVES apud REIS; SÁ, 2006, p. 29).
O discurso do Sr. Dr. Augusto Fleury, proferido na solenidade de instalação do
Liceu Cuiabano
17
, realizada a 07 de março de 1880, e publicado no jornal A Província
de Mato Grosso, em 1880, corrobora a ideia de segregação educacional, após tecer um
longo comentário sobre a importância da reforma educacional e a necessidade da
instrução primária obrigatória. Em sua fala, avaliou o ensino secundário, que ora se
estabelecia no Liceu Cuiabano, como necessária a certa classe mais adiantada da
sociedade: “A instrução secundária, complemento da primária, não é menos necessária a
certa classe mais adiantada da sociedade.”
16
Sud Mennhcci foi um dos educadores que respondeu ao inquérito de 1926.
17
O Liceu Cuiabano, instalado na capital mato-grossense no final do século XIX, refletiu, de certa forma,
segundo Zanelli (2001), as intenções que nortearam o projeto de educação proposto pela elite política
imperial, assim como representou o pensamento da elite regional acerca da natureza e dos objetivos do
ensino secundário provincial.
40
e Siqueira (2006), traçando o cenário educacional de Mato Grosso no século
XIX e abordando a implantação do nível secundário de ensino no final do Império,
evidenciam o incondicional apoio do Estado e também os esforços das elites políticas
para a concretização daquele estabelecimento de ensino, que serviria de local para a
preparação de seus filhos rumo às faculdades imperiais.
Com base no projeto modernizador, cujo objetivo era transformar a sociedade de
forma a elevar o significativo contingente de homens livres do estágio da barbárie ao de
civilização, não bastava educar as crianças, sendo também necessário instruir os demais
membros da família. O temor pelo ócio exercitado pela população negra, pobre e
analfabeta levou as elites mato-grossenses a traçar estratégias de ocupação desse tempo
em atividades escolares.
Assim, em todo o Império foram feitas experiências de implantação de
cursos ou escolas noturnas para os adultos que, pela tradição cultural,
mantinham um comportamento condenável, tanto no tocante aos
hábitos como aos costumes. [...] Em Mato Grosso esse esforço foi
implementado, por diversas vezes, sem qualquer sucesso. (SÁ;
SIQUEIRA, 2006, p. 136).
Com relação aos negros recém-libertos, o grande cuidado recaía em sua
formação moral. O Relatório da Instrução Pública de Mato Grosso, de 1889, ao
demonstrar a preocupação do estado de Mato Grosso com a inserção dos ex-escravos na
esfera escolar, fornece pistas do lugar reservado aos negros nessa instituição elitista e
qual a representação deles elaborada por essa sociedade:
É necessário dotar-se as escolas de todos os meios precisos para que
regularmente possam funcionar. Em vez de criar 10 escolas com
profusão, convém antes tel-as nos centros populosos. Mas dotá-las
de professores habilidosos e providos dos meios necessários para que
o ensino primário seja conscienciosamente e a província não dispenda
inutilmente as suas rendas. É também demasiadamente exíguo o
subsidio destinados aos meninos pobres, principalmente agora que a
população escolar tende à aumentar e é de necessidade indeclinável
attender aos ingênuos e adultos, libertos pela lei de 13 de Maio,
hoje em pleno gozo de sua liberdade, sem os princípios de moral e
religião, eivados dos vícios do captiveiro e no mais completo
obscurantismo. Urge mais do que nunca uma boa distribuição das
escolas e escolhe-se os lugares em que mais convinham estabelecer-
las. É problema que, a meu ver, talvez não possa ser resolvido sem
a criação de aulas noturnas, públicas ou particulares
subvencionadas. [...] Com relação a freqüência dos matriculados nas
escolas de fora da capital, principalmente as mais remotas, não tenho
todas as estatísticas que me habilitem a emitir juízo seguro sobre esta
41
e conhecer seus resultados e aproveitamento dos alunos, visto como os
professores não remettem regularmente os mapas ou não são
minuciosos na sua organização, motivo por que não tenho podido
cumprir exatamente e como deseja o artigo da lei provincial 726
de 01 de março do ano passado. (RELATÓRIO DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 1889, grifos nossos).
A partir desse documento, pode-se inferir que em Mato Grosso, com o fim da
escravidão, o escravo virou o negro eivado dos cios do cativeiro e no mais completo
obscurantismo da moral e da religião.
Bittencourt (1993, p. 154) pondera que, para a maioria dos educadores que
apoiavam a escolarização dos trabalhadores livres, a História ensinada deveria voltar-se
para a preservação da ordem e da obediência:
[...] a História a ser ensinada desde o ano escolar para os
trabalhadores livres que emergiam em substituição aos escravos,
deveria inculcar determinados valores para a preservação da ordem, da
obediência à hierarquia para chegar ao progresso. O conceito de
cidadania, criado com o auxílio dos estudos de História, serviria para
situar cada individuo em seu lugar na sociedade: cabia ao político
cuidar da política e ao trabalhador comum restava o direito de votar e
de trabalhar dentro da ordem institucional. Os feitos dos “grandes
homens”, de seres predestinados, haviam criado a nação e
representantes destas mesmas elites cuidaram de levar a nação ao seu
destino.
Nesse cenário, o citado relatório demonstra a posição do estado de Mato Grosso
em face da necessidade de escolarização da população negra na transição entre o
escravismo e o capitalismo. O lugar do negro nesse processo estava associado à
educação para o trabalho, e o ensino noturno que lhe era destinado atendia tanto ao
desejo da elite em mantê-los como mão de obra no mercado de trabalho, quanto aos
ideais republicanos de civilizar o povo brasileiro.
Percebe-se, assim, a contradição no nível do discurso: ao enfatizar a necessidade
do Estado em subsidiar a educação de negros e pobres, colocava-se a favor dos negros.
No entanto, essas mesmas posições favoráveis à democratização do ensino eram
fundamentadas em argumentos preconceituosos sobre a esses segmentos da população.
Ou seja, o mesmo discurso que exaltava a necessidade de ampliação da educação para
42
atender aos negros recém-libertos e ingênuos
18
baseava-se em argumentos
preconceituosos.
Essas ideias também foram responsáveis pela produção de estigmas contra os
negros, desqualificando-os para a vida política e social. Além disso, contribuíram para a
produção de um imaginário que reforçava a marginalização da maioria da população
brasileira. Essa visão negativa dos negros e pobres perpassava o próprio entendimento
do tipo de educação a ser ofertada ao povo.
Na acepção de Martinez (1997, p. 12), esse não é um discurso que nasceu com a
República. Já no final do Império, com a Lei do Ventre Livre, de 1871, o Ministro e alto
Conselheiro da coroa, Carlos Leôncio de Carvalho, defendeu a educação inclusiva para
as crianças beneficiadas por essa lei, argumentando: “[...] a propagação da educação não
significava um ato de humanidade. Era, ao contrário, justificada pela existência de
inúmeros menores abandonados à ignorância, verdadeiro ‘perigo’ para o Estado.”
Por outro lado, esse posicionamento do Estado em face do processo de
escolarização dos povos negros tentava dar respostas aos socialmente abandonados, aos
jovens vistos como perigosos e problemáticos para a sociedade branca.
Todavia, e Siqueira (2006), ao abordar a implantação do ensino noturno no
final do Império, afirmam que o discurso modernizador e regenerador não foi suficiente
para garantir o funcionamento dos cursos noturnos em Cuiabá, que, após alguns meses
da abertura das aulas, foram fechados por falta de alunos.
Para Souza (1998), a escola primária pública, que deveria derramar para todos a
luz da alfabetização, cumprindo, assim, sua missão civilizadora de regeneração da
sociedade brasileira, operacionalizava a seleção dos eleitos. Fazia, pois, valer os
princípios abstratos da democracia burguesa, e a crença na igualdade social fundada no
mérito era exacerbada, revelando a profunda contradição existente entre os ideais e a
política de democratização do ensino, a qual pode ser observada ao se analisar o
Regimento Interno dos Grupos Escolares de 1910.
Capítulo II
Da matrícula
Art. 61. É gratuita a matricula nos Grupos Escolares e será facultada a
todas as crianças indistinctamente com as restrições deste Regimento.
18
Ingênuo era o termo utilizado para designar os filhos das escravas beneficiadas pela Lei de 1871,
denominação cunhada pelo Ministro do Império e alto conselheiro da coroa, Carlos Leôncio Carvalho
(NATIVIDADE; CUNHA JR., 2003).
43
Art. 62. Serão matriculados as crianças cujos paes ou tutores
apresentarem aos Directores o pedido de matricula e derem, por
escripto, as informações exigidas pelo presente regimento, desde que a
lotação das respectivas classes comporte os matriculados.
Art. 63. A matricula será feita pelo director no respectivo livro e
deverá constar della os seguintes esclarecimentos relativos a cada
alumno:
a) numero de ordem;
b) nome;
c) dia, mês e anno do nascimento;
d) filiação, que conterá o nome do pae ou responsável;
e) nacionalidade;
f) data da matrícula primitiva (dia, mês e anno);
g) residência (local, nome da rua e nº da casa).
§ Único. Alem das columnas para os referidos esclarecimentos, haverá
mais uma columna para observações e outra para eliminações.
Art. 64. A matricula será feita em cada anno lectivo, precedendo
publicação de editaes pó 15 dias, antes do inicio do funcionamento das
aulas.
§ 1. O Director publicará o edital, chamando os interessados a
exhibirem certidão de idade e attestado de vacinação ou de
revaccinação dos pretendentes à matricula. (MATO GROSSO, 1910).
De acordo com o art. 61 do Regimento, a matrícula era “facultada a todas as
crianças indistinctamente”, porém com algumas restrições expressas. Ora, era aberta
para todas as crianças ou para aquelas que atendiam aos interesses de uma determinada
classe social?
Igualmente, no art. 62, “Serão matriculadas as crianças cujos paes ou tutores
apresentarem por escripto as informações exigidas pelo presente regimento”, nota-se
outra restrição guardando mais uma contradição: em uma sociedade na qual a grande
maioria da população pobre era constituída de analfabetos, como estes apresentariam
por escrito um rol de informações?
É importante salientar também que a organização familiar da população menos
abastada e negra não era igual à da elite. Fernandes (1978), em seu estudo sobre a
integração dos negros na sociedade de classes, descreve que muitas famílias eram
constituídas por mães solteiras, de modo que algumas crianças eram desprovidas da
companhia paterna. Além disso, a gratuidade do registro de nascimento ainda não era
um direito legal assistido a todas as crianças, sendo que, provavelmente, uma
considerável parcela dos meninos e meninas em idade escolar não eram registrados/as.
Foi o que advertiu o jornal A Reação, que circulou em Cuiabá em 10 de março de 1913:
“Em geral, o povo de classe inferior nem siquer registra o nascimento dos filhos. O
registro civil entre nós, de facto, não existe, sinão para a minoria culta.”
44
Nesse contexto, o acesso das crianças pobres e negras à educação, se não era
impossibilitado, era no mínimo dificultado. Nesse momento, a irônica frase de Souza
(1998) é pertinente: na retórica, escola pública, universal, gratuita e laica; de fato, escola
pública seletiva e para poucos.
Natividade e Cunha Jr. (2003), examinando o lugar dos negros na educação no
período de transição do século XIX para o XX, revelam que mesmo com toda a
dificuldade encontrada por essa população no que tange à instrução pública, alguns de
seus membros romperam as barreiras e percorreram caminhos que os conduziram à
instrução. A pista fornecida por esses autores é que uma das possibilidades encontradas
foram as conhecidas irmandades de negros - a do Rosário e a de São Benedito, entre
outras -, as quais exerceram decisiva influência na instrução desse povo, vista também
como forma de romper os limites impostos pelo escravismo.
Ao verificar o censo de 1890
19
da Freguesia da (centro) e Freguesia de São
Gonçalo (Porto) em Cuiabá, constatou-se um número considerável de crianças negras e
pardas que frequentavam a escola e sabiam ler. Na Freguesia da Sé, do total dos 6.836
indivíduos, 1.174 eram crianças entre 5 e 11 anos, das quais 161 eram negras; 651,
pardas; e 362 brancas. O quadro a seguir resume as categorias de cor utilizadas nesse
levantamento:
Raça Número de crianças Frequentavam a escola
Preta 161 40
Parda 651 251
Branca 362 238
Quadro 1 - Crianças entre 5 e 11 anos freqüentadoras da escola segundo o Recenseamento de 1890 na
Freguesia da Sé, em Cuiabá
Fonte: Peraro (2003).
A partir do referido censo e de uma triagem cuidadosa elaborada pela
pesquisadora Mary Diana da Silva Miranda
20
(2009), por ocasião da produção de sua
dissertação de mestrado, tornou-se possível quantificar proporcionalmente as crianças
19
Dados disponíveis no CD-ROM intitulado A população urbana de Cuiabá em 1890, de Maria Adenir
Peraro (2003).
20
Mary Diana da Silva Miranda, mestranda, membro do Grupo de Pesquisa História da Educação e
Memória (GEM), da UFMT. Atualmente, desenvolve uma investigação sobre as crianças negras na
Instrução Primária em Mato Grosso e gentilmente cedeu para este estudo os dados estatísticas
referentes às crianças em idade escolar.
45
negras, pardas e brancas que frequentavam as escolas na região central de Cuiabá, no
período em questão:
Gráfico 1 - População infantil entre 5 e 11 anos na Freguesia da Sé, segundo Recenseamento de
1890
Fonte: Peraro (2003).
Gráfico 2 - Crianças negras frequentadoras da escola segundo Recenseamento da Freguesia da
Sé, de 1890
Fonte: Peraro (2003).
46
Gráfico 3 - Crianças pardas frequentadoras da escola segundo Recenseamento da Freguesia da
Sé, de 1890
Fonte: Peraro (2003).
Gráfico 4 - Crianças brancas freqüentadoras da escola segundo Recenseamento da Freguesia da
Sé, de 1890
Fonte: Peraro (2003).
47
Para Miranda (2009), os dados apresentados anteriormente demonstram que em
Mato Grosso a Instrução Pública e Primária nem sempre se manteve alheia às
necessidades das crianças negras.
Haja vista todo o processo de exclusão social sofrido pelos negros, tais
informações aguçam alguns questionamentos: que escola as crianças negras
frequentavam? Os estabelecimentos de ensino frequentados por negros e pardos eram
públicos ou privados? E mais: esses grupos cumpunham uma parcela da elite cuiabana?
As fontes não revelam muitas informações a esse respeito, e as perguntas se mantêm
com todo o seu peso.
Em Mato Grosso uma possível resposta à primeira questão pode ser a casa-
escola, sobre a qual incidiam menos fiscalização do Estado, como sinaliza o
Regulamento Orgânico da Instrução Pública da Província, publicado no jornal A
Situação, em 12 de novembro, de 1874:
Art. 24. Ficão isentos de qualquer inspecção e também das obrigações
especilicadas no presente capítulo, os professores, mestres ou mestras
que ensinarem em família, embora tenhão alumnos de outras famílias,
sendo contractadas exclusivamente para o ensino doméstico, uma vez
que a escola não se em caracter publico por meio de anúncios ou
convites. Neste caso, porém, deverá o chefe de família remeter até o
dia de Dezembro de cada ano um mapa dos alumnos que ensinar e
de seu estado de adiantamento, sob pena de uma multa de 20$000 a
60$000 reis imposta pelo inspector geral das aulas, com recursos para
o governo da província. Inspectoria geral das aulas em Cuiabá, 12 de
novembro de 1874.
Foi possível observar em Cuiabá, por meio da legislação educacional, a
coexistência de três modalidades de ensino: a pública, a particular e a doméstica. A
primeira, ministrada às expensas do poder público; a segunda, realizada em
estabelecimentos particulares, à custa das famílias ou educadores; e a terceira, na
residência dos alunos ou pelos próprios pais ou por professores remunerados por estes
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 115).
De acordo com Paião (2006), muito antes de o governo provincial começar a se
ocupar com o ramo da instrução, gestando a escola pública e traçando-lhe os ângulos de
interesse sob forma legal, os professores privados, atuantes em escolas particulares e
domésticas, já se faziam presentes na província de Mato Grosso.
48
A instrução pública cuiabana durante todo o período imperial desconheceu
estruturas físicas escolares especificamente criadas para esse fim. Em geral as aulas
funcionavam em espaços híbridos, nas casas dos professores, em cômodos separados e
disponibilizados nos horários de estudos para as atividades pedagógicas (SIQUEIRA,
2000).
O anúncio do professor Pedro Tito, publicado no jornal Echos de Cuiabá, no ano
de 1884, é revelador da clientela das escolas domiciliares, bem como da dificuldade
financeira da população pobre em frequentar a escola, ainda que pública:
Pedro Tito do Espírito Santo declara ao público que abriu uma escola
particular do sexo masculino, propondo-se a ensinar gratuitamente as
primeiras letras aos meninos extremamente pobres que existem nas
imediações do baú, nesta capital, em número crescido e não podendo
freqüentar escolas públicas pela falta exclusiva de meios. Por isso
resolve fazer este anúncio, chamando a atenção de seus pais, tutores
ou educadores, que se acha à disposição, a fim de aproveitarem este
tão fácil meio para incutir em seus meninos a instrução. A sua
residência é na rua do Baú. (SANTO apud PAIÃO, 2006, p. 34).
Com base no censo de 1890, Paião traça um breve perfil dos professores e
professoras da instrução privada de Cuiabá desse período, dentre os quais se
encontravam vários educadores negros. Infere, assim, que no Império havia uma
parcela da população de cor negra instruída. O perfil traçado do professor Agostinho
Lopes de Souza corrobora tal afirmação e também exemplifica a dificuldade desse
grupo social em dar continuidade aos estudos:
Brasileiro, 30 anos, preto, solteiro, católico. Morava sozinho numa
residência ao lado da tesouraria da fazenda, na freguesia da Sé, na
quadra da Rua do Coronel Alencastro, n. 5, onde passou a lecionar,
em 1885, como professor particular das matérias de “primeiras letras,
português e aritmética”. (SOUZA, 19 nov. 1885 apud PAIÃO, 2006,
p. 88). Dedicou-se ao magistério por não poder dar vazão ao desejo de
continuar a estudar. Antes de ser professor, foi aluno do curso de
Línguas e Ciências Preparatórias do Liceu Cuiabano, tendo sido
colega de Firmo Rodrigues (1871-1944), que, em suas memórias,
reservou-lhe algumas passagens: “Era preto, paupérrimo e de uma
educação invejável. Sabia costurar e bordar. Muito benquisto entre os
alunos. Dedicou-se ao magistério primário como professor público de
escolas rurais. Morreu na maior pobresa.” (PAIÃO, 2006, p. 88).
O professor Agostinho assim é descrito por seu colega Firmo Rodrigues (1885):
“[tinha] uma educação invejável [e era] benquisto entre os alunos [...]”, mas, ainda
49
assim, não conseguiu dar continuidade aos estudos. A dificuldade encontrada pelo
professor parece não ter representado um caso específico e sim a realidade da maioria
dos negros e negras que viviam em Cuiabá naqueles tempos.
Ao observar o espaço familiar das professoras e professores negros e pardos,
percebe-se que a maioria dos membros que o integravam, em especial as crianças,
sabiam ler, como pode ser evidenciado no perfil descrito da professora Bernardina Rich:
Professora particular, moradora da Freguesia da Sé, Travessa
Voluntários da Pátria, n. 79. Tinha 18 anos, era brasileira, parda,
solteira e católica. Vivia numa casa com 20 pessoas. As mulheres
trabalhavam como quitandeiras e criadas, e os homens eram
taberneiros, funileiros e ajustes
21
. As crianças em idade escolar sabiam
ler.
Isso também se revelou na descrição sobre o professor Sebastião José da Costa
Maricá:
Brasileiro, pardo, 66 anos de idade, professor aposentado da instrução
pública. Católico, casado com a parda Felippa Augusta Maricá, de 44
anos. Residia na 34ª quadra da rua Barão de Melgaço, n. 1071, Sé.
Nesse endereço viviam mais 14 pessoas, todas pardas com
sobrenomes diversos dos seus; dentre elas, 1 carpinteiro, 1 taverneiro
e 1 pedreiro. Todas as pessoas menores de 10 anos sabiam ler.
A partir dos perfis dos professores das escolas particulares do início da
República, pode-se compreender que as residências das famílias negras eram habitadas
por grupos familiares numerosos e possíveis agregados, sendo pertinente a hipótese de
um número expressivo de crianças ter sido alfabetizado por esses agentes da educação.
A partir dessas informações, pode-se inferir que, apesar de o campo de trabalho
ter sido destinado aos negros, uma parcela dessa população, ainda que reduzida,
conseguiu embrenhar-se pelas brechas do sistema e adentrar o espaço escolar. Isso,
porém, não significava que sua permanência estaria garantia por muito tempo. Para eles,
a conquista de uma vaga era apenas o primeiro passo de uma trajetória marcada por
dificuldades.
Essa hipótese não diminui a grande exclusão educacional e social a que
estiveram sujeitos os negros e as negras mato-grossenses durante todo o período
republicano. Ela apenas conduz a reflexão de que por mais que o discurso dominante
21
Ajuste é a ação ou efeito de ajustar contas e mercadorias (CALDAS apud PAIÃO, 2006, p. 89).
50
tentasse uma homogeneização, este era permeado por um relacionamento circular feito
de influências recíprocas entre a classe dominante e a classe subalterna
22
. Para uma
maior compreensão das práticas cotidianas, Certeau (1996) chama a atenção para a
importância de se deslocar o olhar dos grandes homens da história para o homem
comum.
A resistência do negro em meio a todo esse processo de negação de direitos não
tornou sua luta menos sofrível. Entretanto, seguir nessa trilha implicava perceber a
sociedade interagindo de forma mais dinâmica, sem que as pessoas se mantivessem
enclausuradas e estanques em categorias específicas.
Para Chartier (1990, p. 16-17):
As percepções sociais não são de forma alguma discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sócias, escolares, políticas) que
tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar,
para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. [...] Ocupar-
se dos conflitos de classificações ou delimitações não é, portanto,
afastar-se do social [...], muito pelo contrário, consiste em localizar os
pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos
imediatamente materiais.
Segundo Reis e (2006), o antigo sistema escolar excludente, elitista e
desprovido de sentido, até então existente, era foco de grandes insatisfações e
preocupações por parte tanto dos administradores como da população em geral,
principalmente porque ele não mais atendia aos clamores da população recém-liberta.
Faria Filho (2002b, p. 30), ao abordar o movimento caracterizado pela ideia de
universalização da educação básica para a população, assim o define:
O crescente movimento em defesa da instituição como via de
integração do povo à nação e ao mercado de trabalho assalariado, que
se viu sobremaneira fortalecido com a proclamação da República e
com a abolição do trabalho escravo, significou também um momento
crucial de produção da necessidade de refundar a escola pública, uma
vez que aquela que existia era identificada como atrasada e
desorganizada. Tal escola, assim representada, não podia levar avante
tarefas tão complexas como aquelas projetadas para a mesma.
22
Termo utilizado por Ginzburg (2006), remetendo-se à expressão gramsciana classes subalternas, por
ser suficientemente ampla e despida das conotações paternalistas de que estão imbuídas as classes
inferiores.
51
Esse cenário discursivo permeou a construção de locais pensados e destinados
especificamente à instrução do povo, espaços esses apropriados para as práticas
educativas, dos quais emergiram os grupos escolares, símbolo da homogeneização do
saber disseminado, também se ampliando as normatizações e fiscalizações pertinentes
aos métodos de ensino e aos livros didáticos.
1.3 GRUPOS ESCOLARES E LIVROS DIDÁTICOS: SÍMBOLOS DA
HOMOGEINIZAÇÃO DO SABER
Ao longo desta investigação, verificando especialmente a integração/exclusão
dos recém-libertos da escravidão no processo de escolarização, foram encontradas
documentações pertinentes à instituição e implantação dos grupos escolares em Mato
Grosso. Considerando que esses estabelecimentos de ensino constituíam-se numa
representação do ideário republicano de modernização educacional e, segundo Souza
(1998), configuraram um novo modelo de organização escolar no início da República,
parece que se tornaram um importante vetor para a compreensão dos ideais republicanos
materializados e disseminados no processo de escolarização.
Reis e (2006) esclarecem que o ataque sistemático ao modelo escolar vigente
- as escolas isoladas e rurais - era uma constante no novo período. Todos exigiam uma
escola que fosse realmente capaz de educar o povo, com professores verdadeiramente
preparados para orientar os alunos na direção correta, de superar a insuficiência e as
deficiências por que passava o ensino. Caberia à educação formar solidamente a
conduta dos indivíduos, prescrevendo-lhes regras que estariam em conformidade com a
harmonia social.
Souza (1998, p. 138), ao analisar os grupos escolares de Campinas, em São
Paulo, durante a Primeira República, argumenta que, nos primeiros anos após a criação
dos grupos escolares, estes possivelmente tenham sido escolas de elite, como também
afirmam Reis Filho (1981) e Antunha (1978). No entanto, não tardaram a se transformar
em escolas populares, e, como explicita Souza, ainda no início do século era comum a
convivência entre crianças provindas das classes dirigentes e filhos de trabalhadores.
A autora, verificando fotos das turmas do 3º Grupo Escolar de Campinas,
datadas de 1910, observa que os trajes das crianças não eram luxuosos e que havia nas
52
diversas salas de aula uma parcela de crianças negras, demonstrando a diversidade da
clientela atendida nessa instituição.
Acredita-se ser oportuno relembrar enfaticamente que, em Mato Grosso, durante
a Primeira República, os grupos escolares representavam uma pequena fração das
escolas existentes. Ademais, reitere-se que a entrada das classes populares na escola
também não significava que sua permanência fosse garantida por muito tempo. Para os
filhos dos trabalhadores, a conquista de uma vaga era apenas um começo de uma
trajetória marcada por dificuldades.
Porém, a criação dos grupos escolares era supervalorizada pelos
administradores do ensino em Mato Grosso, por representar a materialidade da
homogeneização organizacional. O Relatório da Diretoria, datado de 1911, corrobora tal
afirmação:
Somente a instituição dos grupos escolares, com suas classes
homogêneas, sujeito a unidade de programa, de horário e de
orientação, constantemente sob as vistas do Diretor [...], oferece
resultados mais fecundo. A sucessão regular dos exercícios dá ao
estudo variedade, movimento e animação, ao tempo que estimula a
aplicação e evita o cansaço; excita a atenção dos indolentes atraindo-
os para assuntos variados [...] evita a falta de tempo, facilita o serviço
da classe e prepara os alunos para terem, mais tarde, ordem na vida,
que é sua dignidade e pontualidade, que é sua força. (MATO
GROSSO, 1911, p. 2).
Os valores disseminados na escola deveriam repercutir na casa e na rua. Para
Boto (1998, p. 14), tratava-se, na verdade, de proceder a uma uniformização geral da
sociedade, pois: “[...] urgia, como contrapartida, homogeneizar símbolos, criar valores e
referências comuns, superar todo e qualquer regionalismo.”
A criação do grupo escolar representou uma reorganização da estrutura e do
funcionamento da escola, e, no intuito de atingir os moldes pretendidos, estes tiveram
seus conteúdos reproduzidos e seus métodos previamente determinados.
Nessa perspectiva, Reis e Sá (2006, p. 90-91) demonstram que entraram em cena
os regulamentos como instrumentos normatizadores da estrutura escolar, no âmbito
tanto administrativo quanto pedagógico:
Esses Regulamentos eram a garantia de que tudo iria caminhar na
mais perfeita harmonia. Assim, a instrução elementar foi sofrendo
algumas alterações, que acabaram definindo, paulatinamente, os tipos
de escola e as modalidades organizacionais tidas e mantidas na
53
Primeira República com as que estavam coesas com as exigências da
sociedade e do período. Nesse sentido, os Regulamentos, por meio de
suas determinações minuciosas, procuraram imprimir, em suas
diversas expressões, um controle nos setores administrativos e
pedagógicos das escolas.
Nesse contexto, de mãos dadas com os métodos de ensino, os livros didáticos
surgiram como poderosos aliados da pedagogia moderna. Indicando o que se deveria
estudar, esse material retirou a autonomia do professor, que deixou de tomar a decisão
em torno do quê e como ensinar, passando essa atribuição para a seara dos programas de
ensino, frequentes nas Reformas e Regulamentos e seus conteúdos, consubstanciados no
livro didático. Para Siqueira (2000, p., 227): “Passando por um irreversível processo de
homogeneização, o saber escolar tinha nos métodos e nos compêndios elementos
garantidores dessa uniformidade.”
Assim, no final do Império as autoridades educacionais denunciaram a falta
de compêndios nas escolas, bem como de livros e cartilhas, cuja escassez, segundo o
Presidente Herculano Pereira Pena, em mensagem expedida à Assembleia Legislativa,
em 1862, contribuía para a ausência de uniformidade no ensino, uma vez que: “[...] no
esforço de contribuir com a instrução dos filhos, muitos pais ofereciam à escola os
livros que dispunham - nem sempre os mais adequados.” Muitas crianças estudavam ou
liam apenas o que lhes era proporcionado pelos pais: “[...] ficando aos mestres a
obrigação de proibir o uso do que for incorreto, ou por qualquer modo inconveniente.”
(MOACYR apud AMÂNCIO, 2008, p. 71).
O Pe. Ernesto Camillo Barreto, em Relatório datado de 1874 e apresentado ao
Presidente da Província de Mato Grosso, José Miranda Reis, denunciava essa variedade
de compêndios utilizados nas escolas:
[...] a variedade invade até os compêndios e os modelos de
aprendizagem; cada qual leva para as escolas o livro que mais lhe
apetece, ou que primeiro encontra e muitas vezes tiras de jornais. A
cartilha, em geral, tem sido o mestre de leitura, das classes mais
adiantadas. (MATO GROSSO, 1874).
Por essa via, percebe-se a preocupação das autoridades educacionais com os
possíveis desvios que os livros e textos denominados incorretos ou inconvenientes,
utilizados nas escolas mato-grossesnses, poderiam causar às crianças e jovens. Em
54
contrapartida, evidencia que os livros escolares possibilitariam a uniformização do
conteúdo a ser repassado nas escolas do Estado.
Como avalia Bittencourt (1993, p. 17): “[...] o estabelecimento da educação
escolar foi planejado e acompanhado pelo poder governamental que passou a se utilizar
de vários mecanismos para direcionar e controlar o saber disseminado.Daí o livro
didático constituir-se em um instrumento privilegiado de controle estatal sobre o ensino
e a aprendizagem dos diferentes níveis escolares.
A partir do regime republicano ampliaram-se as formas de vigilância sobre esse
material didático-pedagógico. O controle sobre a literatura escolar conduziu a criação de
órgãos burocráticos especiais. Em Mato Grosso foi criado o Conselho Superior da
Instrução Pública, que entre outras competências deixava explícita em seu regimento
interno, de 1909, a aprovação dos livros e compêndios adotados nas escolas locais.
A própria legislação pertinente evidencia a ampliação gradativa dos mecanismos
de fiscalização aplicados aos livros e compêndios escolares:
[...] CAPÍTULO VII
DEVERES DOS PROFESSORES
Artigo 38 - Ao professor público primário cumpre:
[...] § - Lecionar pelos livros e compêndios adotados e propor ao
diretor Geral a adoção dos que julgar convenientes. (MATO
GROSSO, 1889).
[...] CAPÍTULO VI
Da imposição das penas disciplinares
Art. 189. A pena de multa de 30$000 e 60$000 reis terá logar nos
seguintes casos:
[...] § 3º Quando admitta ao ensino livros e compêndios que não
tenham sido competentemente autorizados [...] (MATO GROSSO,
1910).
[...] CAPÍTULO III
Do material escolar
[...] Art. 8. os livros e mais objetos destinados ao ensino preliminar
serão os approvados e mandados adoptar pelo conselho Superior da
Instrução pública, com exclusão de quaesquer outros. (MATO
GROSSO, 1910).
As regulamentações da Instrução Pública de Mato Grosso, referentes aos
deveres ou penas disciplinares dos professores, apresentam sistemática e explicitamente
artigos sobre o uso dos livros didáticos adotados pelas autoridades educacionais
competentes: “Os professores que usassem livros proibidos estavam sujeitos a punições,
dos superiores, com possibilidades de multas.”
(MATO GROSSO, 1910).
55
Entretanto, verifica-se no artigo 38, § 3º do Regulamento de 1889, que os
professores gozavam de certa liberdade para a adoção dos livros didáticos, o que talvez
se tenha devido ao momento de transição do Império para a República, o qual foi
marcado pela influência dos ideais liberais. Essa liberdade, porém, deve ser entendida
dentro de alguns limites, pois as representações sociais não são discursos neutros: “[...]
eles tendem a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os próprios
indivíduos, as suas escolhas e conduta.” (CHARTIER, 1990, p. 17).
A preocupação com os livros didáticos nas primeiras décadas da República
associa-se ao projeto civilizatório republicano, no qual a escola era entendida como o
caminho necessário para o sucesso do projeto de construção de uma nação moderna. O
Estado, então, procurou controlar a educação escolar, interferindo em esferas nas quais
o saber era produzido e nas formas como era utilizado e disseminado.
Bittencourt (1993, p. 74-75), analisando esse material didático-pedagógico nesse
período, conclui:
A política do livro escolar representou um dos traços característicos da
produção cultural feita por uma elite que procurava se inserir no
mundo “civilizado”, preservando paradoxalmente, de maneira
intransigente, privilégios de uma sociedade hierarquizada e
aristocrática. A manutenção desse controle exigiu a criação de uma
legislação para evitar “desvios”, comprovando que o projeto
concebido pelo poder estatal sofria “distorções” em seu processo de
elaboração.
A legislação incide tanto no prisma dos mecanismos de controle quanto nas
possíveis práticas transgressoras. “O acto de leitura não pode de maneira nenhuma ser
anulado no próprio texto, nem os comportamentos vividos nas interdições e nos
preceitos que pretendem regulá-los.” (CHARTIER, 1990, p. 136).
A ata do Conselho Superior da Instrução Pública de Mato Grosso, datada de 21
de dezembro de 1920, que censura trechos da obra didática Vultos Matogrossense, de
Glicério de Povoas, demonstra claramente a preocupação com as ideias em circulação
nesses materiais e a efetivação, no Estado, de seus mecanismos de controle:
Sob a presidência do Senhor doctor Estevão Alves Côrrea, Dirctor
Geral da Instrução. [...] As quatorze horas, previamente designadas
pelo Senhor Presidente, havendo número legal de membros
presentes, deu-se início os trabalhos, mandando em seguida que se
procedesse a leitura da acta da sessão anterior. [...] após a
aprovação da acta o Senhor Presidente procedeu a leitura do
56
seguinte parecer, referente ao livro intitulado “Vultos Matto
Grossenses”, da lavra do professor Glicério Povoas e apresentado
pela commissão especial eleita na sessão anterior. Parecer: - A
commissão especial do Conselho Superior da Instrução Pública
do Matto Grosso, encarregada de dar parecer sobre o livro
Vultos Mattogrossenses do professor Glicério Povoas, tendo
com attenção lido e examinado o referido trabalho e considerando
que ele vem preencher uma sensível lacuna da nossa história,
digo da nossa literatura didática, contribuindo para o
aperfeiçoamento da nossa cultura cívica, com a divulgação dos
feitos de valor dos nossos grandes homens, entre nós bem pouco
conhecidos; Considerando que é o único livro do gênero que se
refere a mattogrossenses, mas; Considerando também que não é
convincente que ele contenha as biographias de
administradores e políticos que ainda existem a em torno dos
quais a crítica apaixonada, a maior parte das vezes injustas e
exageradas se exerce de modo altamente prejudicial à
serenidade imparcial dos cultos cívicos que devem premiar os
verdadeiros méritos e os exemplos dignos de imitação;
Considerando finalmente que o culto das pessoas ainda
militantes no scenário político ou administrativo pode
occasionar o desenvolvimento de explorações partidárias ou de
sentimentos bajulatórios e utilitaristas; é de parecer que seja o
livro “Vultos Mattogrossenses” adotado nas escolas do Estado,
uma vez que dele sejam retirados os resumos biográphicos das
pessoas que ainda vivem. Sala das sessões do Conselho Superior
da Instrução Pública de Matto Grosso em Cuiabá 21 de Dezembro
de 1920; “Assignados - Philogonio de P. Corrêa, relator, João
Pedro Gardes, João Teles Tino Corrêa Cardoso. Terminada a leitura
o Senhor presidente submeteu-o á approvação do mesmo Conselho
sendo unanimente approvado. (ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA
DO CONSELHO SUPERIOR DA INSTRUÇÃO PÚBLICA EM
CUIABÁ, 21 dez. 1920, grifos nossos).
Esse trecho da ata traduz a atuação do Conselho Superior da Instrução Pública
de Mato Grosso tanto na decisão sobre os títulos dos livros didáticos que poderiam ser
adotados nas escolas do Estado, quanto nas escolhas dos seus conteúdos. Para Amâncio
(2000, p. 214-215):
Esse fato, por si, é indicativo da importância desse recurso didático,
visto que o espaço por ele ocupado, era determinado e legitimado
pelo órgão consultivo da presidência do estado para questões
educacionais. Não era ocupado arbitrária e gratuitamente, como
pode parecer à primeira vista.
Nota-se que a preocupação com o saber disseminado nos livros didáticos
conduziu a administração pública a ampliar as formas de vigilância sobre esse material.
Quanto a essa questão, Bittencourt (1993, p. 68) considera que as normas oficiais foram
57
criadas juntamente com o estabelecimento de um corpo burocrático encarregado de
acompanhar a organização administrativa escolar em geral.
A estreita ligação entre o livro didático e o poder instituído condicionou esta
pesquisa à análise de algumas fontes documentais externas. Tendo o Conselho Superior
da Instrução Pública o importante papel de definir programas de ensino, a adoção ou a
substituição dos livros escolares, a introdução de qualquer método de ensino, bem como
a operacionalização das normas regentes do funcionamento das escolas e a carreira do
magistério, acredita-se ser oportuno tecer algumas considerações sobre este órgão, na
tentativa de melhor se compreender sua composição e atuação.
1.4 ATAS E REGULAMENTOS DO CONSELHO SUPERIOR DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA DE MATO GROSSO
Com a Reforma de 1872, regulamentada pela Lei Provincial nº 15, de 04 de
julho de 1887
23
, instituiu-se um conselho ligado à direção e inspeção da instrução
23
Conforme o artigo 110: “A inspeção e direção da instrução em toda a província competem ao
presidente da província; ao Inspetor-geral das aulas e inspetores paroquiais; ao Conselho Literário; e
aos professores.” (SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 48).
Figura 2 -
Livro ata do Conselho
Superior da Instrução Pública de
Mato Grosso - de 1903 a 1929
Fonte: APMT
Figura 1 -
Regimento Interno do
Conselho Superior da Instrução
Pública do Estado de Mato Grosso
de 1903.
Fonte: APMT
58
pública mato-grossense. Conforme Siqueira (2000, p. 130), o governo provincial visava
unificar o ensino primário, eliminando o primário complementar e determinando os
horários, compêndios, métodos de ensino e sistema de fiscalização. A implantação de
tais medidas implicou a ampliação de mecanismos de controle do sistema de ensino.
Nesse movimento, um organismo foi criado para coordenar essa
homogeneização, o Conselho Literário, que funcionava como um tribunal de
julgamento exclusivo das questões da instrução. Contudo, analisando os processos
disciplinares da entidade, Siqueira (2002) conclui que esses processos apenas se
referiam aos professores e nunca às autoridades mais elevadas, como o Inspetor Geral e
os Inspetores Paroquiais. Dessa forma, o Conselho se posicionava estrategicamente
entre os Presidentes da Província e os Inspetores e Professores, delimitando, assim, os
espaços de poder na escala hierárquica:
Figura 3 – Escala hierárquica dos espaços de poder entre os Presidentes de Província, Inspetores e
Professores
Fonte: SIQUEIRA, 2000, p. 131
Dessa forma, o Conselho Literário fortaleceu as ações de fiscalização mediante a
atuação do Inspetor Geral e dos Inspetores Paroquiais, elementos que representavam os
olhos e ouvidos do poder. Rosa (2002) define que, com a reforma republicana de 1891,
a designação Conselho Literário foi substituído por Conselho Superior da Instrução
Pública, mantendo-se, porém, inalterado o cerne das atribuições que ambos
comportavam:
59
Do Conselho Literário (Cf. Lei Provincial
15, de 04 de julho de 1873, art. 116 a
121)
Do Conselho da Instrução pública (Cf.
Decreto 10, de 7 de novembro de 1891,
art. 5 a 10)
Art. 120 - O conselho tomará parte em todos
os negócios em que sua intervenção for
exigida por este regulamento. Especialmente
será consultado nos seguintes termos:
§ - Sobre o exame dos melhores métodos e
sistemas práticos de ensino.
§ - Sobre a escolha e revisão dos
compêndios.
§ - Sobre sistema a adotar-se nos exames
de habilitação para os concursos das cadeiras
vagas.
§ - Sobre a proposta de criação de escolas
reclamadas pelas necessidades de instrução.
§ - Sobre a elaboração das bases para
qualquer reforma ou melhoramento de que
carecer a instrução.
§ 6º - Sobre a apreciação do merecimento dos
professores que devem ter acessos.
§ - Sobre a elaboração do regimento
interno das escolas públicas.
Art. 121 - O Conselho julgará, com apelação
ex-offício para o Presidente da Província, as
infrações disciplinares a que estejam impostas
penas maiores que as admoestações,
repreensões, multa superior a 50$000 réis, ou
suspensão por mais de 15 dias.
Art. 10 - Ao Conselho Superior da Instrução
Pública incumbe:
§ 1 - Dar parecer
I - Sobre programa de estudos e métodos de
ensino;
II - Sobre adoção de livros e utensílios
escolares;
III - Sobre o merecimento dos pendentes a
cargo do magistério, em casos de concursos,
bem como sobre a regularidade do processo
relativo ao mesmo concurso;
IV - Sobre elaboração de bases para qualquer
reforma de que careça o ensino;
V - Sobre o regime interno de quaisquer
estabelecimentos públicos de instrução
primária;
VI - Sobre gratificações, vitaliciedade,
remoções e conservação dos professores
públicos.
§ 2 - Julgar os processos disciplinares que
forem instaurados contra os professores
públicos, ficando sua deliberação sujeita a
aprovação do Presidente do Estado, a quem
serão remetidos os recursos necessários.
§ 3 - Organizar seu regimento interno com
aprovação do Governo.
Quadro 2 - Atribuições do Conselho Literário e do Conselho da Instrução Pública
Fonte: Rosa (2002, p. 41).
Silva (2003), analisando a composição do Conselho Superior da Instrução
Pública de Mato Grosso (1889-1910), percebe a articulação estabelecida no sentido de
controlar a composição do organismo, garantindo-se a maioria dos membros indicados
pelo Presidente da Província/Estado e, consequentemente, a vitória nas decisões,
atitudes, conflitos etc. que pudessem, na prática de suas atribuições, desencadear algum
atrito ou vontade diversa à do dirigente maior da educação no período.
Verifica-se, também, que nos regulamentos por meio dos quais os professores
eram eleitos por seus pares para participar do Conselho, esses constituíam a minoria
absoluta do colegiado. Nesse sentido, tais membros, teoricamente, não tinham
condições de se articular numa participação mais efetiva nas decisões que cercavam a
educação regional. Essa situação pode ser visualizada mais claramente no quadro a
seguir:
60
Ano Componentes Forma de Ingresso
1889 03 membros natos
01 professor
Eleito
1891 Diretor Geral
02 professores do Liceu
02 professores públicos primários da capital
04 pessoas distintas
*A Lei não cita se eleitos ou
indicados.
Eleitos
Escolhidos pelo Presidente do
Estado
1896 Presidente do Estado (Presidente nato)
Diretor Geral
Secretário do governo
02 cidadãos
*não possuía professores na sua composição
Nomeados pelo Presidente do
Estado
1903 Diretor Geral
Presidente da Câmara Municipal da capital
Secretário do governo
01 professor do Liceu
01 professor do ensino primário da capital
03 cidadãos
Eleito
Eleito
Nomeados pelo Presidente do
Estado
1910 A legislação não cita a composição do Conselho -
Quadro 3 - Composição do Conselho Superior da Instrução Pública de Mato Grosso (1889-1910)
Fonte: Silva (2003, p. 29).
A partir desses dados, pode-se inferir que, estando assim composto, o poder era
efetivamente exercido de acordo com a vontade política dominante. Segundo Silva
(2003, p. 31), os membros escolhidos pelo Presidente do estado de Mato Grosso
(Coronel, Desembargador, Major, dentre outros) faziam parte da elite, ficando claras, ou
explícitas, as linhas de autoridade
24
.
Os regulamentos e o regimento interno do Conselho foram construídos dentro de
ideais de absoluto controle administrativo e político por parte do Presidente da
Província e, posteriormente, do Estado. A propósito, Weber (1999, p. 193) esclarece
que:
Toda dominação manifesta-se e funciona como administração. Toda
administração precisa, de alguma forma, da dominação, pois, para
dirigi-la é mister que certos poderes de mando se encontrem nas mãos
de alguém. O poder de mando pode ter aparência muito modesta [...].
Isso ocorre, em mais alto grau, na chamada administração
diretamente democrática. Chama-se de “democrática” por duas razões
que não coincidem necessariamente, a saber: 1) porque se baseia no
pressuposto da qualificação igual, em princípio, de todos para a
direção dos assuntos comuns, e 2) porque minimiza a extensão do
poder de mando.
24
Expressão tomada por empréstimo de Reis e Filho (1995, p. 23), quando estes se reportam a uma
reforma legislativa no estado de São Paulo.
61
Diante disso, a ocupação dos cargos eletivos por parte dos professores
escolhidos entre si poderia demonstrar que a comunidade participava de um órgão
importante para a educação, fazendo parte de um processo democratizante, e
minimizava, assim, o poder de mando. Entretanto, Silva (2003) adverte que não
constatou nas fontes pesquisadas indícios de decisões, discussões, propostas, dentre
outros, que demonstrassem alguma participação democrática.
Os membros eleitos tinham mandato de dois anos, podendo ser reeleitos. Os que
ocupavam cargo de confiança, como o Diretor da Instrução Pública e o Secretário do
Governo, permaneciam enquanto estivessem ocupando a função, pois a membresia do
Conselho era destinada ao cargo e não à pessoa que o ocupava.
É importante observar que os membros que ocupavam o cargo através da
nomeação do Presidente do Estado nele se mantinham enquanto a sua permanência
fosse de interesse da Presidência, conforme se pode observar no Regulamento de 1896,
em seu art. 140: “[...] que os conservará enquanto bem servirem.”
Segundo Silva (2003), a partir do Regimento Interno de 1903, o Conselho
Superior da Instrução Pública passou, além das funções deliberativas previstas nos
regulamentos anteriores, a decidir em grau de recurso em última instância sobre as
reclamações, as penas impostas pelas autoridades de ensino, na forma dos regulamentos
da Instrução Pública; a aprovar, mediante parecer de uma comissão especial por si
nomeada, os métodos e sistemas práticos de ensino, assim como a adoção e revisão ou
substituição de compêndios escolares; e a processar e impor penas regulamentares aos
membros do magistério público.
Com relação aos livros didáticos, o referido Regimento é mais enfático e cria
uma comissão especial eleita pelo Conselho para analisar as obras didáticas. É o que se
pode observar nestes artigos:
Art. 8º: Ao Conselho Superior compete além das atribuições que como
autoridade consultiva lhe são confferidas pelas leis e regulamentos da
Instrução Publica, especialmente: [...] 2: Approvar mediante parecer
de uma commissão por si nomeada os methodos e sistemas práticos de
ensino, assim como a adocção e revisão ou substituição de
compêndios escolares. [...] Art. 22º: Os livros e trabalhos didactos
submettidos à approvação do conselho serão sempre sujeitos ao
parecer de uma commissão especial eleita pelo mesmo conselho, que
attenderá na escolha a competência dos nomeados no assumpto sobre
que versar o trabalho. (MATO GROSSO, 1903).
62
Talvez, dada a importância dos livros didáticos na manutenção e legitimação do
poder instituído, observa-se que nas atas do Conselho os pareceres das comissões
formadas para aprovar essas obras eram fundamentados e representativos das ideias
vigentes, bem como das concepções de métodos de ensino e leitura. Isso pode ser
constatado na Ata de Reunião do Conselho do dia 21 de agosto de 1915, cuja pauta era
a análise de vários livros, dentre eles o Primeiro Livro de Leitura, de Álvaro Paes de
Barros, apresentados para apreciação e possível adoção. Depois de uma minuciosa
explanação do método analítico, a comissão emitiu o seguinte parecer:
Encarregados de dar parecer sobre o “Primeiro Livro de Leitura” de
Álvaro Paes de Barros, apresentado ao Conselho Superior da Instrução
Pública do Estado de Matto Grosso, temos a honra de o fazer do
seguinte modo: [...] Enfim, o livro consiste numa miscellania de
processos sem obedecer a nem um methodo, sem gravuras cujo
alcance é tão fácil de se conceber; não está nos casos de ser approvado
principalmente para Matto Grosso, que já iniciou a introdução do
methodo racional - o analytico - de acordo com a orientação trazida
pelos professores normalistas contractados em S. Paulo para reformar
o nosso ensino. Cuyaba 28 de agosto de 1915. Alexandre Magno
Addor, relator. Philogonio de P. Corrêa, Jayme Joaquim de Carvalho.
Posto em discussão e a votos o parecer supra, foi elle approvado no
sentido de não ser acceito o livro de que se trata. (ACTA DO
CONSELHO SUPERIOR DA INSTRUÇÃO PÚBLICA, 1915, p. 47-
49).
Esse trecho conclusivo do parecer da Comissão merece destaque por dois
importantes motivos para esta pesquisa: o primeiro diz respeito ao poder de veto do
Conselho Superior da Instrução Pública no tocante à escolha dos livros didáticos serem
utilizados nas escolas públicas de Mato Grosso; o segundo está relacionado à
importância dada pela comissão às gravuras utilizadas nos livros.
Como toda ação desencadeia uma reação, Bittencourt (2004, p. 482) acredita que
as editoras, sabendo da ligação entre o livro didático e o poder instituído, traçavam
estratégias para aprovação de suas obras:
As estratégias das primeiras editoras centraram-se na aproximação ao
poder institucional, podendo-se entender por essa via o critério de
escolha dos autores. Estes correspondiam a um perfil que expressava
essa dependência política. Compêndios, cartilhas eram textos que
precisavam da aprovação institucional para que pudessem circular nas
escolas, o que acabava por direcionar as opções dos editores na
seleção dos autores. Entende-se, portanto, a preferência por autores
oriundos do Colégio Pedro II ou da Academia militar. Além de
63
assegurarem uma vendagem, dificilmente seus nomes seriam vetados
pelos conselhos educacionais que avaliavam as obras.
Mediante esse contexto, torna-se importante ampliar o debate da produção
didática também para a esfera política. Comece-se por observar o livro Breves Lições de
História do Brasil, de Creso Braga (1922), em cuja capa o autor abre uma nota
exemplificando as estratégias políticas utilizadas para a aceitação e aprovação da obra
pelos Conselhos Superiores da Instrução Pública de diversos estados:
Figura 4 - Capa do livro Breves lições de História do Brasil
Fonte: Creso Braga (1922).
64
Adiante, as primeiras páginas do livro são destinadas às transcrições dos
Pareceres dos Conselhos, inclusive o de Mato Grosso, favoráveis a sua adoção:
ESTADO DE MATTO GROSSO
Approvação e adopção officiaes pela Instrucção publica e pelo
Governo do Estado de Matto Grosso.
SECRETARIA DO GOVERNO
PARECER Nº 4
A commissão especial do Conselho Superior da Instrucção, á qual foi
presente, para emittir seu parecer, a petição do Sr. Creso Braga, para
que seja adoptado, nas escolas publicas, o seu livro intitulado
“BREVES LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRASIL”, tendo estudado
detidamente o mesmo livro e;
Considerando que dentre os diversos livros sobre História do Brasil,
em uso nas nossas escolas, os que mais completam o seu fim tornam-
se, entretanto, deficientes para o aproveitamento das classes mais
adiantadas;
Considerando que um livro, tratando dos factos do Brasil, desde o seu
descobrimento até os nossos dias, porém, concisos, historiados
succintamente e em fiel ordem chronologica, seria de grande utilidade
para o conhecimento da vida do nosso Paiz, aos nossos jovens
conterrâneos;
Considerando que o livro intitulado “Breves Liçções de História do
Brasil” preenche perfeitamente o fim desejado, podendo servir não
para estudo da nossa História às classes mais adiantadas das escolas,
mas, também como livro de leitura, - é a mesma commissão de
parecer que seja adoptado, nas escolas primárias do Estado, por sua
verdadeira utilidade, o livro “Breves Lições de História do Brasil” de
Creso Braga. Sala das sessões em Cuyabá, vinte e oito de Fevereiro de
1920.
(a a) Antonia J. Ribeiro de Farias, Relatora
João Pedro Cardés.
Philogonio de Paula Corrêa.
CONFERE COM O ORIGINAL. Secretaria do Governo do Estado de
Matto Grosso, em Cuyabá 23 de junho de 1920.
J. Dias de Barros / Official maior / VISTO / Padre M. Gomes de
Oliveira. Director. NOTA - Segundo as normas administrativas do
Estado de Matto Grosso, a adopção do livro resulta do acto acima que
é, a um tempo, de aprrovação e adopção. (BRAGA, 1922, p. XXIX-
XXX).
Posteriormente aos Pareceres, o autor denomina Juizo critico as diversas
congratulações de políticos e pessoas ilustres, aprovando-o e parabenizando-o pela
referida obra. É o que se pode verificar na felicitação do Secretário Geral do estado do
Rio de Janeiro, Enéas de Castro:
65
Meu caro Creso.
Tenho em meu poder o volume de suas “Breves Lições de História do
Brasil”, que teve a gentileza de me mandar. Li com toda attenção o
seu apreciado trabalho e felicito o meu illustrado amigo pela rara
felicidade que teve na concepção d’aduella obra. Simples, de uma
appehensão fácil para os pequenos leitores a quem é destinado, vem o
seu trabalho prestar um relevantissimo serviço à nossa mocidade,
bastando para proval-o a boa acolhida que teve da Instrução Publica
dos Estados de S. Paulo e Rio de Janeiro. Agradecemos a sua
lembrança, subscrevo-me com grande estima e muita consideração.
Att.º Adm.º Obr.º e muito seu amigo
(a) Enéas de Castro. Secretário Geral do Estado do Rio de Janeiro.
(BRAGA, 1922, p. LII).
A partir desse texto, apreende-se a intenção do autor/editora em demonstrar a
aproximação do autor com o poder instituído, valendo-se, inclusive, de laços de
amizades para dar maior legitimidade à aceitação da obra.
O último tópico, antes do prefácio, intitulado Principaes julgamentos da
Impresa, é destinado a explicitar a aceitação da obra didática pelos diferentes jornais e
periódicos em circulação do período. O trecho do Jornal do Commercio, datado de 11
de março de 1919, explicita o envolvimento direto do autor com o poder instituído e a
aprovação do livro pela imprensa local:
PRINCIPAES JULGAMENTOS DA IMPRENSA
LIVROS NOVOS
Breves Lições de Historia do Brasil - Creso Braga.
O Sr. Creso Braga pertence a essa nova geração brasileira que trabalha
e se esforça para produzir alguma cousa de praticamente útil.
Funccionario do Ministerio da Agricultura, pouco tempo teve
occasião de prestar bons serviços ao Estado do Rio de Janeiro, como
official de gabinete das duas administrações precedentes. No meio de
todos esses seus affazeres, o Sr. Creso Braga encontrou momentos
para fazer um bello trabalho didactico a que deu o título de Breves
Lições de Historia do Brasil.
Esse trabalho é de grande utilidade para o ensino. Tem mesmo certas
originalidades, na feitura e disposição dos assumptos. [...]. Além
disso, a exposição histórica é narrada de maneira concatenada,
trazendo os diversos tópicos dos nossos annaes pequenas indicações
ao lado, ou à margem. E, assim, o ensino é dosado de modo a se ter no
fim da leitura uma sensação de conjucto do que fomos, do que somos
e do que seremos historicamente. Por tudo isso, o livro do Sr. Creso
Braga é no gênero, um dos melhores trabalhos à docência escolar.
Agrada e educa, junta o útil ao agradável. E tudo isso a par de uma
attação sympathica de confecção material, o que, comquanto
secundaria, não deixa de ter sua importância para o sucesso de
livraria. (JORNAL DO COMMERCIO, 11 mar. 1919).
66
Possivelmente, o fato de Creso Braga ter pertencido ao quadro do governo tenha
rendido maior credibilidade a sua obra, e disso, por sua vez, o autor/editora talvez tenha
tirado amplo proveito.
A referida passagem sob análise do Jornal do Commercio faz alusão a um rol de
julgamentos apresentados por Creso Braga em seu livro. Ou seja, o autor/editora
utilizava-se também do apoio dos grupos de intelectuais para ampliar a aceitação de sua
obra. O autógrafo de Ruy Barbosa, um dos principais intelectuais e políticos da época,
no livro Breves Lições de História do Brasil, representa a utilização estratégia de
legitimação do livro didático:
Figura 5 - Autógrafo de Ruy Barbosa
25
Fonte: Braga (1922, p. LXXVII-LXXIX).
O julgamento do jornal O Sericicultor, de Barbacena, de 27 de abril de 1919, a
respeito desse mesmo livro, destaca a importância das gravuras utilizadas por Braga em
sua produção:
HISTÓRIA DO BRASIL
O Sr. Dr. Creso Braga, como novidade em trabalhos de tal disciplina,
adoptou em sua obra o systema de estampar à margem de cada
25
Transcrição do “Autographo de RUY BRABOSA: Para as ‘Breves Lições de História do Brasil de
Creso Braga - A pátria é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o
tumulo dos antepasfados: a comunhão da lei, da língua e da liberdade. Os que servem são os que não
infamam, os que não conspiram, os que não sublevam, os que não desalentam, os que não emudecem,
os que não acovardam, mas resistem, mas ensinam, mas se esforçam, mas pacificam, mas discutem,
mas praticam a justiça, a admiração, o enthusiasmo. Ruy Barbosa’.”
67
episódio ou acontecimento uma indicação resumida do texto, o que é
de grande proveito para a retentiva, ferindo-lhe a impressionalidade,
por essa espécie de chamadas, que methodizam a memória e facilitam
a recapitulação, assim com as consultas. Com muito apreço, qui
exprimimos as nossas sinceras felicitações ao dr. Creso Braga, e
tomamos a liberdade de chamar a attenção do magistério para esse
excellente trabalho, graças ao qual muito fácil se torna o mister de
incutir no espírito das creancas, os acontecimentos da nossa historia.
(O SERICICULTOR, 27 abr. 1919 apud BRAGA, 1922, p. LXIX).
Essas ilustrações tinham um papel fundamental, não podendo, absolutamente,
ser desprezadas, uma vez que se constituíam numa importante ferramenta do método
intuitivo, que estava em implantação nos diversos estados brasileiros nesse período,
sobretudo em Mato Grosso:
As estampas visavam tornar o ensino mais agradável evitando-se
“fadigar o intelecto das crianças”. Desse modo, apresentar um livro
sem gravuras naquele período era inadmissível, pois evidenciava
desconhecimento dos princípios básicos que regiam o ensino
“moderno”. (AMÂNCIO, 2000, p.190).
Analisando os livros didáticos utilizados nas escolas mato-grossenses do período
em tela, constata-se que os autores e editoras gradativamente se adequavam às novas
exigências e que, a partir dos anos de 1920, as estampas foram se tornando cada vez
mais frequentes, como também se observa no livro Minha Pátria - Ensino de História
do Brazil, de J. Pinto e Silva (1922):
68
Figura 6 - Capa do livro didático Minha Pátria
Fonte: J. Pinto e Silva (1922).
Para Bittencourt (1993, p. 75), uma vez que se faz necessário criar uma
legislação para evitar desvios, comprova-se que o projeto concebido pelo poder estatal
sofria distorções em seu processo de elaboração.
Se os livros didáticos foram, de fato, colaboradores da disseminação dos ideais
republicanos, é imprescindível, portanto, que se discutam suas dimensões de lugar de
memória e de formadores de identidades.
Para Silva (2007), a sociedade representada por esse material didático-
pedagógico corresponde a uma reconstrução que obedece a motivações diversas,
segundo a época e o local em que se inserem. Assim, não são um simples espelho da
realidade, antes a modificando para educar gerações, às vezes deformando imagens,
esquematizando-as, modelando-as, frequentemente de forma favorável.
Sistematicamente, silenciam os conflitos sociais, os atos delituosos ou a violência
cotidiana, sentido em que Choppin (2004, p. 557) diz: “[...] os historiadores se
interessam justamente pela análise desta ruptura entre a ficção e o real, ou seja, pelas
intenções dos autores.”.
69
Resgatar o livro didático como fonte documental é uma difícil e fascinante
caminhada, devido, por um lado, a sua complexidade e, por outro, ao seu suporte
privilegiado para recuperar os conhecimentos considerados fundamentais para
determinada sociedade em determinada época.
70
2 O ENSINO DE HISTÓRIA E A PRODUÇÃO DIDÁTICA
Figura 8 - Livros didáticos utilizados nas
escolas mato-grossenses durante a Primeira
República
Fonte: BRAGA (1922); POMBO (19..); SILVA (1922)
O livro caracteriza-se por si só como um objeto histórico, cultural, social,
educativo e didático, fato que amplia o interesse desta pesquisa por esse objeto
multifacetado, sobre o qual, por conseguinte, se viabiliza o lançamento de múltiplos
olhares. Para Silva (2007, p. 44), o pesquisador, ao tomar o livro como objeto de estudo,
em especial o didático, deve ter a clareza de que esse material, assim como a escola,
está inserido em um contexto político e social, de sorte que não como distanciá-lo
das ideologias impressas pelo espaço-tempo em que fora produzido.
Nessa perspectiva, acredita-se que uma investigação direcionada para o livro
didático de História deve, em primeiro lugar, mobilizar o contexto histórico, social e
cultural dessa disciplina mas não com o objetivo de desencadear uma discussão da
Figura 7 -
Desenho da fachada do Instituto Histórico e
Geográfico de Mato Grosso
Fonte: Revista IHGMT (2001).
71
história das disciplinas escolares, mesmo porque esse âmbito de investigação foge do
que propõe esta dissertação. De outro modo, considera-se pertinente tecer essa
abordagem, ainda que rapidamente, para que sejam compreendidos os caminhos
percorridos pela construção da historiografia brasileira e sua influência na construção e
nas modificações empreendidas no livro didático de História.
Isso se justifica pelo fato de os estudos relacionados ao livro evidenciarem que
ele carrega marcas do seu tempo, da sociedade em que está inserido, procurando, dessa
forma, atender a ideias, conceitos e práticas do respectivo período. Logo: “[...] não
produção cultural que não empregue materiais impostos pela tradição, pela autoridade
ou pelo mercado e que não esteja submetida às vigilâncias e às censuras de quem tem
poder sobre as palavras e os gestos.” (CHARTIER, 1990, p. 137).
Sabe-se que a constituição do objeto livro é o resultado de um complexo de
elementos materiais - tinta, papel, letras e imagens -, mas, sobretudo, da ação sofrida
por um complexo de relações de poder da realidade sócio-histórica. Nesses termos,
conhecer essas relações de poder, mesmo que superficialmente, as quais constituem o
percurso do ensino de História no transcorrer dos anos, contribuirá para a tessitura desse
cenário fundado em/por movimentos de contradição.
Abud (2008, p. 29) esclarece que a trajetória da história como disciplina
escolar no Brasil se efetivou com a criação do Colégio Pedro II, no final da regência de
Araújo Lima, em 1837, mesmo ano de fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), estabelecendo-se nesse período uma estreita relação entre ambas as
instituições:
Enquanto o Colégio Pedro II fora criado para formar os filhos da
nobreza da corte do Rio de Janeiro e prepará-los para o exercício do
poder, cabia ao IHGB construir a genealogia nacional, no sentido de
dar identidade à nação brasileira e “formar, através do ensino de
História, uma ciência social geral que (ensinasse) aos alunos, ao
mesmo tempo, a diversidade das sociedades do passado e o sentido de
sua evolução.” (FURET apud ABUD, 2008, p. 30).
Ainda segundo a autora, após a Independência de 1822, momento em que o
Brasil se estruturava como nação, a História acadêmica e a História da disciplina escolar
confundiam-se em seus objetivos, pois a nacionalidade era a grande questão posta à
sociedade brasileira. As classes dirigentes atribuíam a si mesmas o direito de escolha do
passado, visto como um caminho percorrido pela humanidade em direção ao progresso,
72
iluminado pelo conceito de nação. “A História era o estudo das mudanças e, no final do
século XIX, era um método científico e uma concepção de evolução: ela se desenvolve
buscando o fortalecimento do Estado, conformação material da nação.” (FURET apud
ABUD, 2008, 30).
Acerca do assunto, Bittencourt (1993, p. 138) assim se posiciona: “[...] a
constituição da História como disciplina escolar definiu-se inicialmente pelas propostas
dos liberais brasileiros envolvidos nos debates educacionais da década de vinte do
século XIX.” Portanto, havia um desejo dos intelectuais em construir uma história laica
da nação que se formava sob a dominação de um Estado independente: “[...] mas não
[se] desejava[m] abolir os princípios educativos da Igreja Católica.”
Contudo, para se conhecer mais a fundo a natureza dessa proposta, procedeu-se
à análise do Relatório (MATO GROSSO, 1911) expedido pelo professor Leowigildo
Martins de Mello, diretor da Escola Normal e Modelo anexa, à Secretaria dos Negócios
do Interior, Justiça e Fazenda de Mato Grosso, responsável pela pasta da Educação no
Estado no período em questão. No documento, capta-se que o histórico da construção da
escola laica deixa claro o não rompimento com os valores cristãos:
A natural evolução da educação condduziu a escola, através de phases
diversas, até ao typo leigo, hoje universal. - Na antiga escola oriental a
educação tinha por fim a religião, a divindade; na grego-romana, a
convivência social, o estado; na christã, o homem inseparável das suas
relações com Deus; na escola hodierna, a educação tem por fim a
formação do cidadão, a formação do organismo individuo-social.
Primeiramente educou-se o homem para a divindade; mais tarde,
para o Estado; ultimamente, o homem pelo homem e para Deus; na
actualidade educa-se o homem para si mesmo e para a sociedade.
Esta ultima educação é o typo da escola leiga moderna. É uma
escola humana, sem religião, mas não é contra Deus; e tanto assim
é, que reconhece e observa o dever de deixar a cargo da família do
educando, o direito de ensinar a este a religião que melhor lhe pareça.
Naquele momento, a História inserida nos currículos tinha como principal
objetivo legitimar o poder e os privilégios da elite brasileira, tal como se dava o
processo de inculcar os padrões culturais do mundo cristão, símbolo do mundo
civilizado.
Dentro das perspectivas dos educadores desejosos de ampliar as
disciplinas do ensino elementar, o ensino de história teria dois
objetivos. Serviria como lições de leitura, com temas menos áridos,
para “incitar a imaginação dos meninos” e para fortificar o “senso
moral”, aliando-se à Instrução Cívica, disciplina que deveria substituir
73
a “Instrução Religiosa”. [...] o ensino de História era considerado
como necessário, prevalecendo-se como objetivo fundamental a
formação moral, concebendo-se a História como exemplo para futuras
gerações. (BITTENCOURT, 1933, p. 151-157).
Na Primeira República, o movimento republicano utilizou-se de inúmeros
meios para formar os cidadãos brasileiros nos moldes que julgava pertinente com os
seus ideais. Várias foram as instituições que atuaram nesse projeto, dentre elas o IHGB,
associações, clubes e as escolas. Estas, por sua vez, foram de suma importância para a
disseminação dos ideais republicanos, pois se formaram através do ensino das diferentes
matérias e principalmente de História várias gerações de estudantes que aprenderam
determinados valores morais e cívicos e possivelmente os colocaram em prática.
Uma das diferenças fundamentais nos programas de História do Império para
os da República situa-se no fato de que naqueles primeiros uma parcela dos heróis havia
descido dos Céus, ou seja, os temas históricos iniciavam-se com narrativas bíblicas e
personagens da História Sagrada; nestes últimos, os vultos destacados para servir de
modelo representativo das virtudes da nação eram os seres terrenos.
Corsetti (1999, p. 740-747), ao realizar um estudo sobre o ensino de História na
Primeira República no Rio Grande do Sul, afirma que com esse regime de governo
houve um deslocamento dos feitos destacados da Igreja - a Criação, a Queda, o dilúvio,
Abraão, José, Moisés e o Deserto, os profetas que anunciaram o Messias, o Salvador do
mundo - para as virtudes heroicas e patrióticas de algumas figuras - Colombo, Cabral,
Anchieta, Tomé de Souza, Henrique Dias, Tiradentes, D. Pedro I, D. Pedro II. Para o
autor, podia-se acrescentar mais um ou outro, mas a lógica não era alterada. Foi a fase
da configuração dos grandes vultos da Pátria, de cidadãos civis em substituição aos
heróis bíblicos, momento em que emergiu a preocupação em delinear os contornos dos
heróis nacionais. (BITTENCOURT, 1993, p. 167).
Na acepção de Schena (1999, p. 262), no Brasil o lugar privilegiado da
produção historiográfica permaneceu sob o domínio de um grupo muito restrito, que se
aproximava da tradição iluminista e desempenhou um papel decisivo na construção da
historiografia e das visões e interpretações que seriam propostas nas discussões da
questão nacional.
Foi durante o processo de consolidação do Estado Nacional que se viabilizou
um projeto para pensar a História brasileira de forma sistematizada, cujo
empreendimento contou com a contribuição do IHGB, com relação ao qual interessa,
74
neste estudo, mostrar a orientação por ele adotada em face da História. Nesse sentido,
vale lembrar que o papel reservado a esse estabelecimento, conforme adverte Schwarcz,
(1993, p. 99) vinculou-se à composição de uma História nacional para um país
extremamente vasto e carente de delimitações não apenas territoriais. Assim, unificar a
nação significava construir um passado que se pretendia singular, embora claramente
marcado pelo perfil dos influentes grupos econômicos e sociais que participavam dos
diversos Institutos, nos quais os sócios eram escolhidos, antes de tudo, em função de
suas relações sociais.
Em Mato Grosso, a instalação do Instituto Histórico e Geográfico fez parte das
comemorações do bicentenário da fundação de Cuiabá, tanto que a ata de criação da
entidade data de de janeiro de 1919. Porém, somente quase um século depois, ao se
analisar o regimento interno do Instituto, percebeu-se a influência das relações sociais e
econômicas na escolha dos sócios:
CAPÍTULO V
Dos Sócios
Art. 14 - o Instituto terá as seguintes categorias de Sócios:
-Fundadores
-Efetivos
-Correspondentes
-Beneméritos
-Honorários
[...]
Art. 18 - São Sócios Beneméritos os que, não sendo Sócios efetivos ou
correspondentes, proporcionarem real benefício material ao Instituto.
(REVISTA IHGMT, 1994).
Percebe-se que a composição do IHGMT parece seguir a mesma lógica do
IHGB, ou seja, podem ser sócios, beneméritos, aqueles que: “[...] proporcionarem real
benefício material ao Instituto.” Nesse sentido, apoiando-se nas palavras proferidas por
D. Aquino Corrêa
26
(1919), em seu discurso pronunciado por ocasião da instalação do
Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, pode-se afirmar que a árvore do pau-
brasil, mbolo do IHGB: “[...] alargara a majestosa ramalhada por todos os Estados,
onde abrolharam, em rápida floração luminosa, as sociedades congêneres.”
Ao analisar a ata da sessão fundadora do Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso, nota-se que seus primeiros membros pertenciam à elite econômica, social,
26
Presidente do Estado, bispo e primeiro presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.
75
política e intelectual do Estado, o que se pode evidenciar na composição dos sócios
fundadores:
- Presidente: D. Francisco de Aquino Corrêa - intelectual, bispo e Presidente do
estado de Mato Grosso;
- Secretário: Antônio Fernandes de Souza - Contador Geral da Usina do Itaicy,
o maior empreendimento industrial do século XIX; jornalista e historiógrafo;
colaborador de diversas revistas e jornais do Estado;
- Vice-Presidente: Joaquim Pereira Ferreira Mendes - Desembargador,
Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Justiça e Fazenda, no período de 1912 a
1915;
- Vice-Presidente: Philogônio de Paula Corrêa - Professor de História,
político (exerceu o mandato de vereador e Deputado Estadual).
Schwarcz (1993) observa que a composição social dos associados dos
Institutos Históricos e Geográficos denotava claramente as ligações com os grupos de
poder econômico e político da época. Além disso, compreende que esses Institutos
tinham como objetivo construir uma história nacional: “[...] recriar um passado,
solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando homogeneidade em personagens e
eventos até então dispersos.” (p. 101).
Pesquisando as notícias publicadas na imprensa local em 1919, referentes à
fundação do IHGMT, percebe-se não apenas a elitização dos sócios fundadores, mas
também a apropriação da bipolarização social: elite x povo. O jornal A Cruz, de 20 de
abril de 1919, assim descreve a solenidade:
Às 19 horas realizou-se em o Palácio da Instrução, a segunda parte do
programa, que constou da inauguração do Instituto Histórico de Mato
Grosso. Achando-se presentes ao ato as dignas autoridades do
estado, representantes de todas as classes sociais, foi por S. Exa.
Revmo. D. Aquino Corrêa, que é também presidente do Instituto,
aberta a sessão, produzindo magistral peça oratória, escolhendo por
tema a divisa: “Pro Pátria cognita atque immortali”. Ouviu-se em
seguida o hino de Mato Grosso, cantado por 21 alunas da qual, usou
da palavra o professor Pilogônio de Paula Corrêa, que empolgou por
espaço de uma hora o seleto auditório, sendo ao terminar
delirantemente aplaudido. Encerrada a sessão, retiraram-se os
numerosos assistentes para a Praça da República, onde a grande
massa popular, num borborinho de festa deleitava-se com a
exibição de escolhidos filmes cinematográficos.
76
A bipolarização social representada no jornal católico mato-grossense A Cruz,
conduziu a reflexão acerca da concepção de que a sociedade se formava com o
nacionalismo: as elites de um lado e o povo de outro, este último sendo considerado
simplesmente como massas que deveriam ser guiadas por aquelas primeiras.
Nesse movimento, a historiografia discute a definição da nação brasileira, bem
como define o outro em relação a ela, seja no plano interno ou externo. Índios e negros
ficaram excluídos desse projeto, por não serem portadores da noção de civilização, haja
vista que: “[...] o conceito de nação operado é eminentemente restrito aos brancos.”
(GUIMARÃES, 1988, p. 7).
Em 1844, o IHGB promoveu um concurso com o objetivo de premiar trabalhos
que elaborassem planos de escritura da História do Brasil. A tese vencedora foi a de
Karl Friedrich Philipp Von Martius, naturalista alemão e sócio correspondente do
Instituto, a qual se centrou nas três raças formadoras do povo brasileiro e defendia que o
historiador deveria mostrar a missão específica reservada ao país: “[...] realizar a idéia
da mescla das três raças.”
Qualquer que se encarregue de escrever a História do Brasil, paiz que
tanto promette, jamais deverá perder de vista quais os elementos que
ahi concorrerão para o desenvolvimento do homem. São esses porém
de natureza muito diversa, tendo convergido de um modo muito
particular as três raças... (REVISTA DO IHGB, data apud
SCHWARCZ, 2002, p. 112).
Para Müller (1999, p. 72), os membros do IHGB que compuseram a História
do Brasil terminaram por estabelecer a ideia de uma hierarquia entre as raças: ao branco
cabia representar o papel de civilizador, sendo também sua responsabilidade aperfeiçoar
o índio; e o negro era o responsável pelo atraso da nação. “A interpretação racial que
Von Martius elabora do Brasil, tenderá, em anos posteriores, a ser recuperada. [...] e, a
idéia da existência de uma hierarquia entre as raças permanecerá.” (SCHWARCZ, 2002,
p. 112-113).
Um texto localizado no Arquivo da Escola Estadual Liceu Cuiabano, intitulado
“Formação do povo brasileiro” e que, segundo informações apresentadas na capa do
documento, trata de uma tese para concorrer à vaga da cadeira de História da Escola
Normal Pedro Celestino, inaugurada em de fevereiro de 1911, nesta capital,
demonstra que a ideia de centrar no tema Formação do povo brasileiro, no ensino de
77
História, permeou não apenas os discursos dos sócios do IHGMT, mas também a
formação de professores.
Figura 9 - Tese para o concurso à cadeira de História
da Escola Normal Pedro Celestino
Fonte: Arquivo do Liceu Cuiabano.
Coursetti (1999, p. 740) informa que os Institutos Históricos e Geográficos
Brasileiros se constituíram em espaços de um saber histórico característico do século
XIX. Assim, tinham cunho oficial, típico da congregação, e seu interior era composto
por uma elite intelectual aliada à elite econômica e financeira. Ressalte-se que os
Institutos tinham interesses políticos evidentes, já que a concepção de História ali
difundida relacionava-se à busca de eventos que possibilitassem a construção de uma
identidade nacional.
Em face disso, o descobrimento foi resgatado como um marco de origem. A
independência ganhou qualidade de justiça e patriotismo, tendo sido transformada num
recomeçar da vida nacional fundamental para a sua identidade. Nessa linha de atuação,
buscou-se a definição de uma cronologia histórica necessária para a configuração da
imagem de nação.
Esse modelo historiográfico parece que tomou fôlego e espalhou-se nas
diferentes Províncias/Estados brasileiros. Em Mato Grosso, apesar de o Instituto
78
Histórico e Geográfico ter sido fundado apenas em 1919, apreende-se essa cronologia
histórica a partir dos programas de ensino e dos livros didáticos adotados nas escolas
primárias e secundárias. Tal situação pode ser observada no quadro abaixo, que exibe a
seleção de conteúdos do programa de ensino de História do Liceu Cuiabano para o ano
letivo de 1887:
Conteúdos
Portugal no final do século XV, sua marinha
exploração e Cristovão Colombo.
1 - Descoberta do Brasil e seus primeiros
exploradores.
2 - Gentis do Brasil.
3 - Cristovão, Jaques, e Martin Affonso de
Souza.
4 - Colonização de D. João III. Capitanias
hereditárias e seus donatários.
5 - estabelecimento de um governo geral,
Thomé de Souza até Mem de Sá.
6 - Divisão do Brasil em dois governos, sua
reunião em um só - domínio da Espanha e
estado em que se achava o Brasil.
7 - Francisco de Souza, Diogo Botelho,
Manoel Telles Barreto.
8 - Nova divisão em dois governos, sua
reunião em um só. Capitanias do norte.
9 - Primeira e Segunda invasão hollandeza até
a retirada de Mathias de Albuquerque.
10 - Guerra hollandesa até a paz com a
Hollanda.
11 - Administração civil e religiosa, questões
sobre índios Irenaos Bechmau.
12 - Palmares, sua destruição, guerra dos
Mascates e dos Emboabas.
13 - Colônia do Sacramento - Espanhóis no
Sul e Franceses no Rioagano.
14 - Brasil no reinado de D. João V - 1706-
1750.
15 - Jesuítas, lutas ao sul, Marques de
Pombal.
16 - Primeiras idéias de Independência em
Minas - Tiradentes.
17 - Transmigração da família real para o
Brasil, franceses ao norte, e espanhóis ao Sul.
18 - Revolução pernambucana - 1817 -
Regresso da família real.
19 - Regência de D. Pedro até Ipiranga.
20 - D. Pedro I.
Quadro 4 - Seleção de conteúdos do programa de ensino de História do Liceu Cuiabano - ano letivo de
1887
Fonte: Zanelli (2001, p. 89).
Desse modo, os esforços do IHGB foram conduzidos a escrever a História do
Brasil como um palco de atuação de um Estado iluminado e civilizador. Seus
componentes trataram a questão como um processo linear, cronológico, marcado pela
noção de progresso. A importância dessa postura em relação à sequência dos fatos
influenciou, também, os livros escolares. O parecer da Comissão Especial do Conselho
Superior da Instrução Pública de Mato Grosso, em 1920, que aprovou a adoção do livro
didático Breves Lições de História do Brasil, de Creso Braga, nas escolas locais,
demonstra tal influência: “[...] Considerando que um livro, tratando dos factos do
Brasil, desde o seu descobrimento até os nossos dias, porém, concisos, historiados
succintamente e em fiel ordem chronologica, seria de grande utilidade para o
conhecimento da vida do nosso Paiz, aos nossos jovens conterrâneos. (BRAGA,
1922, p. XXIX, grifos nossos).
79
Entretanto, essa linearidade temporal da História, centrada sobretudo nos
aspectos políticos, também foi alvo de críticas por parte de alguns intelectuais mato-
grossenses. Essa situação pode ser observada no texto publicado pelo Correio do Estado
(1923), reproduzindo o discurso proferido aos professores da Escola Modelo de Cuiabá,
em 03 de março de 1923, por Rubens de Carvalho
27
, diretor da referida escola:
História de um povo a simples narração, em ordem chronologica, dos
acontecimentos políticos. A isso chamaríamos história política. Ao
lado della, no envolvimento de uma nação, ocorreram os
acontecimentos scientificos, artísticos, religiosos, econômicos, etc.
[...] A história de um povo, como simples narração de factos, não é
sciencia, e, quando ensinada, tem por fim fazer conhecidos dos
homens actuaes desse povo, as phases de seu desenvolvimento, as
luctas sustentadas pela conservação de sua integridade, as etapas
percorridas na conquista da sua civilização, os homens que mais se
distinguiram pela sua intelligencia, pela sua abnegação, pelo seu
civismo, os exemplos edificantes das collectividades e dos indivíduos
que viveram nas diferentes épocas. A História de um povo, como
interpretação e comparação desses mesmos factos, é sciencia e quando
ensinada, tem por fim dar aos homens actuaes, pela esperiencia
generalisada do que passou, a previdência so que de vir, traçando-
lhes o melhor caminho.
Perceber as contradições de apropriação dos discursos, neste momento, é
importante para refletir que: “[embora] as representações sociais aspirem à
universalidade, são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam.”
(CHARTIER, 1990, p. 17). E, por mais que o discurso da elite intelectual republicana
tendesse impor uma ordem, a apropriação dependeu das competências, posições e
disposições dos sujeitos envolvidos no processo. É o que adverte Chartier (1990, p. 58-
59):
Ler, olhar ou escutar são, efectivamente, uma série de atitudes
intelectuais que - longe de submeterem o consumidor à toda-poderosa
mensagem ideológica e/ou estética que supostamente o deve modelar -
permitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança ou
resistência. [...] Daí o reconhecimento das praticas de apropriação
cultural como forma diferenciada de interpretação.
27
Rubens de Carvalho, professor paulista convidado e contratado pelo governo de Pedro Celestino para
empreender uma reforma na Escola Normal do Estado de Mato Grosso em 1923, vindo então a assumir
sua direção e a participar, posteriormente, da reorganização do ensino primário em 1927, normatizada
pelo Regulamento da Instrução Pública Primária nesse mesmo ano.
80
Todavia, em meio a tais divergências, havia o consenso entre os intelectuais em
torno da construção da galeria dos heróis nacionais:
Inicialmente, percebe-se a preocupação quanto à determinação de uma
periodização para a História brasileira marcada pelos eventos que
levaram à constituição da nação brasileira, domesticando o tempo para
a construção do sentimento de nacionalidade. Denotou-se, por outro
lado, ao se construir uma História civil, a busca em situar os heróis, as
figuras que deveriam permanecer na memória social como exemplos,
seguindo os pressupostos de uma concepção de História “como mestra
da vida”. (BITTENCOURT, 1993, p. 214-216).
Para
Bittencourt (1993), foram se consolidando os personagens históricos
como modelos a serem seguidos, e tornou-se necessária a composição das galerias de
brasileiros ilustres, cujos feitos deveriam ser conhecidos e divulgados. Surgiram, assim,
compêndios empenhados na valorização do sentimento nacional, que foram a marca de
uma nova fase da produção em História.
Philogônio de Paula Corrêa
28
, em seu discurso por ocasião da instalação do
Instituto Histórico de Mato Grosso, ocorrida em 08 de abril de 1919, assim define a
missão do Instituto, conforme noticia a Revista do IHGMT (1994, grifos nossos):
Instala-se hoje o nosso Instituto histórico. A sua missão é nobre. É
tornar bem conhecidas a nossa grandeza e a nossa raça. É
imortalizar os feitos dos que se foram, é imortalizar os heróis, é
escolher modelos para o futuro. [...] E eis porque, nesta data tomamos
com os nossos antepassados o compromisso solene de publicar e
seguir os ensinamentos da sua obra. E nem se diga que heróis não
possuímos e que, por ser nova, não tem ensinamentos à nossa história.
O discurso de exaltação da mescla das três raças, da valorização da pátria e do
heroísmo propalava-se também em Mato Grosso. Corrêa, dando continuidade a sua fala,
congratula o Presidente Honorário, o Sr. Conde de Affonso Celso, pela produção do
livro Porque me ufano do meu paiz:
De mato Grosso se pode repetir o que do Brasil já disse o nosso
presidente honorário, o Sr. Conde de Affonso Celso, no seu livro
“Porque me ufano o meu país” verdadeiro hino às grandezas da
Pátria.
28
Primeiro vice-presidente do Instituto Histórico de Mato Grosso, o professor de História Phifogônio de
Paula Corrêa se destacou em diversas atividades: foi diretor do Liceu Cuiabano, diretor da Escola
Normal “Pedro Celestino”, diretor da Instrução Pública, historiógrafo, jornalista, membro da Comissão
de Planejamento Econômico do Estado e membro fundador da Associação de Imprensa Mato-
Grossense. Também, colaborou em vários periódicos e nas revistas do IHGMT e da Academia Mato-
grossense de Letras (REVISTA DO IHGMT, 1994).
81
É superior pela sua grandeza territorial, pela sua beleza, pela sua
riqueza, pela variedade do seu clima, pelo elemento formador da sua
população e pelos nobres predicados do caráter do seu povo. Não se
humilha, nunca foi vencido, é de heroísmo a sua história.
A referida obra foi amplamente utilizada como livro de leitura no Brasil até o
início da década de 1940, tendo sido, possivelmente
29
, apropriado por professores mato-
grossenses.
Figura 10 - Capa do livro Porque me ufano o meu paiz, de Affonso Celso, 1905
Fonte: Celso (1905)
A referência ao livro em apreço justifica-se pelo fato de ele materializar as
representações de nação construídas pela elite naquele momento. Nessa perspectiva, o
livro traz não a valorização do sentimento nacional, o civismo, como também a
exaltação da formação do povo brasileiro. Entretanto, ao exaltar as três raças, dissemina
29
Diz-se “possivelmente” porque não foram encontradas fontes documentais que explicitassem sua
utilização nas escolas mato-grossenses. Entretanto, o livro fora localizado no acervo das obras raras da
Biblioteca Municipal de Cuiabá, fato que realmente não evidencia seu uso. Entretanto, a assinatura
encontrada na contracapa do exemplar de Maria Luzia Antunes Maciel, primeira professora do ano
feminino da Escola Modelo de Cuiabá, e a data registrada a lápis, 31/06/1909, fornecem pistas de uma
possível utilização, se não por alunos, por professores que trabalharam nesse período.
82
em seus textos o mito da democracia racial e a hierarquização das raças, como se pode
perceber nos trechos a seguir:
O mestiço brazileiro
Do cruzamento das três raças - portugueza, africana e índia - originou-
se o typo do mestiço brazileiro, chamado mameluco quando provém
da união entre branco e o selvagem, cafuz ou caboré quando se
engendra da do selvagem com o negro. A denominação popular -
caboclo - designa os primeiros, - cabra - os segundos. Por sua energia,
coragem, espírito de iniciativa, força de resistência a trabalhos e
privações, ganharam os mamelucos justa celebridade no período
colonial. Apresentam os cafuzes as qualidades dos mamelucos, a
par de seus defeitos, entre os quaes avulta o da imprevidência,
total despreocupação do futuro. Os mestiços brazileiros
contribuíram e contribuem efficazmente para a formação da riqueza
publica. Só elles exercem certas tarefas. Não se prestam a trabalhos,
sedentários, mas são exímios na exploração da industria pastorial,
importante num paiz como o Brazil, onde abundam os campos. (p.
81-82, grifos nossos).
Para o autor da obra, os negros não serviam para os trabalhos sedentários, mas
eram importantes ao desenvolvimento do país como mão de obra nos trabalhos braçais.
Celso associava à imagem do negro a imprevidência e total despreocupação do futuro.
E, quanto aos brancos? Quais as representações elaboradas?
Os portuguezes
A história o registra noticia de um povo que, com menos recursos,
mais fizesse do que o portuguez. Larga é a sua contribuição para o
progresso humano, que nunca empeceu. Subjugou o mar tenebroso,
dilatou o perímetro aproveitável do planeta; e, sendo um dos mais
diminutos e menos povoados reinos da Europa, formou esse colosso -
o Brazil. Dá mostras de injustiça e ingratidão o brazileiro que ataca ou
deprime Portugal. [...] A sua literatura, a sua arte? Portugal creou o
estylo gothico manoelino; possue Camões, uma das summidades do
pensamento universal. A sua heroicidade, a sua resignação, o seu
esforço? Onde quer que os portuguezes fixem domicilio, na Asia,
na Africa, na Oceania, dão bellos exemplos de união, patriotismo,
amor ao trabalho, philanthropia; elevam monumentos à caridade
e à instrução. Em parte nenhuma é infecunda a sua passagem.
Desfralda-se altiva, tantos séculos, a sua bandeira branca e azul!
Jamais teve nodoas, a não serem de sangue briosamente vertido.
Nunca se abateram os cincos escudos das suas armas. Honra aos
desbravadores do nosso paiz! (p. 75-76, grifos nossos).
Parece que, para Affonso Celso, a imagem dos negros vinculava-se à
resignação e ao trabalho braçal, enquanto aos brancos cabia o heroísmo, o patriotismo e
83
o reconhecimento intelectual e artístico. Teria sido essa a representação veiculada nos
livros escolares em circulação na Primeira República?
Circe Bittencourt (1993, p. 212-226) avalia que no período de transição do
Império para a República, devido à necessidade de formação de um sentimento
nacionalista aliado à concepção de História, intensificaram-se as divergências entre os
intelectuais quanto aos temas que caracterizariam o nacionalismo. Com efeito, dois
tipos de autores e obras passaram a marcar os livros didáticos de História nessa fase: os
provenientes do setor militar e os intelectuais representantes de uma ala mais
progressista das elites e que se aglutinavam em torno do cientificismo
30
da Escola de
Recife.
Na acepção dos militares, a questão do nacionalismo voltava-se para a
necessidade de um reconhecimento de pátria, delineando-se o corpo da nação em seus
aspectos físicos, suas tradições de lutas e conquistas. Contudo: “[...] percebiam o povo
segundo a visão européia: mestiços que resistiam a se submeter à civilização. Era um
nacionalismo que se curvava diante da europeização.” (BITTENCOURT, 1993, p. 224).
Os intelectuais mais progressistas defendiam e concebiam o nacionalismo
como a busca de uma identidade, como meio de um reconhecimento das especificidades
da população e da cultura brasileira. Para exemplificar o posicionamento desses grupos,
Bittencourt (1993, p. 226, grifos nossos) refere-se a Silvio Romero:
Silvio Romero, representante desse grupo, incorporou em seu texto
didático de História os estudos antropológicos para travar um combate
contra o racismo e o exclusivismo difundido pela literatura histórica
proveniente da Europa ilustrada e incorporada com serenidade pelas
nossas elites econômicas e pelos intelectuais que se encarregavam de
perpetuar, nas escolas, o ideário civilizatório branco. Insistiu na
impossibilidade de simplificar a questão racial, divulgada pelos livros
europeus, demonstrando a impossibilidade da humanidade ser dividida
em raças “puras”: não é tudo; os próprios três troncos principais de
nosso povo já eram resultado de diversos cruzamentos especiais.
Em meio a tais divergências, novamente algumas unanimidades permearam a
produção didática nacional, entre elas: a construção de uma História do Brasil fundada
pela ação de heróis e a institucionalização da História profana nas escolas:
30
O movimento intelectual cientificista aglutinava figuras notáveis da chamada Escola de Recife, tais
como Silvio Romero, João Ribeiro, Schiefler, Capristrano de Abreu, entre outros, tendo se oposto, no
campo educacional, ao domínio religioso e à hegemonia cultural da França.
84
Os liberais concordes com a disseminação da alfabetização, com o
cerceamento do voto do analfabeto, situavam a escola como
instituição privilegiada na constituição da cidadania. A História
escolar teve como missão aliar-se ao ensino do civismo,
encarregando-se da formação moral do cidadão. Este foi o período da
consolidação da História como sustentáculo da “pedagogia do
cidadão”.
(BITTENCOURT, 1993, p. 221).
A seguir, destacam-se alguns trechos dos discursos de D. Francisco de Aquino
Corrêa, intitulado “Pro Pátria cógnita atque immortali!”, e de Philogônio de Paula
Corrêa, ambos proferidos por ocasião da instalação do Instituto Histórico e Geográfico
de Mato Grosso, em 1919, e publicados na Revista do IHGMT (1919). Por meio desses
textos, explicita-se a crença de que os ideais da elite intelectual local entrelaçaram-se
com os ideais da elite intelectual brasileira no que tangia à construção da nação:
PRO PÁTRIA CÓGNITA ATQUE IMMORTALI!
Toda a propaganda é pouca. Com que entusiasmo, pois, não devemos
saudar o aparecimento de uma instituição que visa peculiarmente
“publicar os documentos concernentes à história, à geografia e
arqueologia de Mato Grosso, bem como à etnografia dos seus
indígenas e à biografia dos seus homens ilustres!”.
Benvinda a sociedade que traz por tenção em suas pacíficas armas,
esta palavra luminosa:
Por pátria Cógnita!
Pela Pátria sempre mais conhecida! [...]
[...]. instala-se nesta hora, mercê de Deus, o seu Instituto Histórico,
cujo esforço contínuo será reviver as gloriosas tradições e imortalizar
a alma bandeirante e estóica do povo matogrossense.
Eis porque, Srs., é com verdade emoção de patriotismo que, ao
declarar aberta esta sessão e instalado o Instituto Histórico de Mato
Grosso, repito solenemente a palavra que encerra, como em uma
nobre legenda heráldica, toda a grandeza do seu formoso ideal cívico:
Pro Pátria cógnita atque immortali!
Pela Pátria conhecida e imortal! (p. 229-232).
O discurso de Philogônio de Paula Corrêa é enfático quanto ao patriotismo, aos
aspectos físicos da formação do Estado-nação e ao heroísmo militar:
[...] Mato Grosso colônia! Um século inteiro de esforço pela dilatação
das nossas fronteiras, de organização da nossa grandeza territorial. É o
século de Luiz de Albuquerque. Formou-se nele o matogrossense
puro, produto genuíno do bandeirante ousado e do guapo guaicuru,
que devia arrostar com estoicismo sem rival, entregue aos seus
recursos exclusivos, as dificuldades sem nome, as tremendas
convulsões que abalaram o gigante nesses treze lustros homéricos do
nosso regime monárquico, durante os quais não sabe o historiador o
que mais admirar: se a sabedoria dos nossos administradores,
85
sintetizados na figura luminosa do Barão de Melgaço, se a facilidade
com que entre nós sempre se aclimataram todas as idéias nobres, todas
as conquistas do pensamento humano ao serviço da civilização, ou se
a vibrante narrativa de um poema inteiro de bravuras praticadas pelos
nossos heróis militares nessa epopéia brilhante da resistência à
inesperada e brutal invasão paraguaia. Aqui germinou, com pujança
sem par, a semente bendita do abolicionismo, regada por sociedades
formadas dos mais eminentes filhos desta terra. Foram delirantes os
festejos com que saudamos a notícia da Áurea lei, antecipada pelos
seus valorosos precursores de Miranda, que anos antes da sua
promulgação tinham a felicidade de terminar os seus discursos
bradando cheios de orgulhos: não escravos em Miranda”. [...].
Narrar as nossas grandezas e transformá-las em proveitosas lições
para o futuro, é a tarefa, árdua por certo, mas altamente patriótica, da
nossa útil associação. [...] E amanhã quando as nossas grandezas e os
ensinamentos do nosso passado, divulgados e aprendidos, fizerem
inflamar no mais justo orgulho o coração matogrossense, sentir-nos-
emos felizes por sermos os iniciadores desta cruzada bendita que tem
por fim imortalizar os nossos mortos distintos. (p. 233-237).
Percebem-se no discurso de Philogônio de Paula Corrêa não só a influência dos
intelectuais militares e a visão eurocêntrica da História, como também a hierarquização
das raças. É interessante notar que, ao se referir à formação do povo mato-grossense,
designa apenas duas raças: o branco, representado pelo bandeirante; e o índio,
representado pelos povos indígenas guaicurus
31
. Quanto aos negros, estes não são
contemplados como integrantes desse processo formativo. Levando em consideração
que em Cuiabá, de acordo com o recenseamento de 1890, mais de 70% da população
era constituída por negros e pardos, essa omissão parece um tanto quanto curiosa. Ou
não?
Neste momento, é interessante ressaltar a afirmativa de Schwarcz (1993, p.
137), para quem: “[...] os institutos cumpriram à risca o ditado que diz que para bem
lembrar é preciso muito esquecer.” A amnésia de Philogônio de Paula Corrêa quanto à
importância dos negros na formação do povo mato-grossense foi ingênua ou proposital?
O certo é que os institutos, enquanto locus de uma elite intelectual, social, econômica,
política e cultural do país, contribuíram na construção de uma História branca e
europeia no Brasil.
Os Institutos Históricos e Geográficos foram ressaltados nesta pesquisa para
demonstrar sua aproximação com a produção das obras didáticas de História, uma vez
que, segundo Guimarães (1988), Schwarcz (1993), Bittencourt (1993), Müller (1999),
31
Povos indígenas que habitavam Mato Grosso no período colonial. Os Guaicurus foram conhecidos
como cavaleiros, uma vez que se utilizavam com destreza e agilidade da arte hípica e, a exemplo dos
Paiaguás, foram violentamente atacados pelos bandeirantes (SIQUEIRA, 2002, p. 60-65).
86
Dávila (1970), Abud (2008), entre outros, o IHGB e o Colégio Pedro II foram as duas
instituições que credenciaram e deram legitimidade aos autores dos referidos livros na
área de História.
Os primeiros escritores de textos didáticos tiveram, estreitas ligações
com o saber oficial não apenas porque eram obrigados a seguir os
programas estabelecidos mas, porque estavam “no lugar” onde este
mesmo saber era produzido. A primeira interlocução que eles
estabeleciam era exatamente com o poder educacional
institucionalmente organizado. O “lugar” de sua produção situava-se
junto ao poder e era para o poder, nos colégios destinados à formação
das elites, dialogando com intelectuais e políticos assentados no
governo e participantes do IHGB. (BITTENCOURT, 1993, p. 205).
Era comum membros do IHGB serem professores do Colégio Pedro II. Assim,
as duas instituições representaram, em conjunto, as instâncias de produção de
determinado saber histórico.
O significado desse atrelamento é importante, porque a isso subjaziam
vinculações políticas que determinavam a própria direção a ser seguida no estudo da
História Universal, conforme nomenclatura da época, e no estudo da História do Brasil.
Ademais, ao mesmo tempo, o Colégio Pedro II era a escola secundária mais importante
do Brasil e serviu de modelo para as outras instituições públicas e privadas de ensino
que se constituíram no século XIX e início do século XX. O Regulamento do Liceu
Cuiabano de Mato Grosso, baixado com o Decreto 417, de 11 de janeiro de 1916,
explicita essa equiparação ao Colégio Pedro II:
87
Figura 11 - Regulamento do Liceu Cuiabano, 1916
Fonte: Acervo do APMT.
Os professores do Colégio Pedro II gozavam de prestígio nacional, e, como
mencionado no capítulo anterior, vários deles escreveram livros didáticos. Logo, a
estreita ligação entre o ensino de História e a produção didática materializava a
associação entre o IHGB e essa unidade de ensino. O autor Joaquim Manoel de Macedo
representa bem a tríade: professor do Colégio Pedro II, membro ativo do IHGB e autor
de livros didáticos:
88
Figura 12 - Contracapa do Livro Lições de História do Brasil, 1907, do autor Joaquim Manoel
de Macedo
Fonte: Macedo, 1907.
Talvez seja relevante salientar que naquele momento os livros escolares
apresentavam-se para os professores como um importante instrumento de apoio no
processo de aquisição de leituras. No caso específico de Mato Grosso, de acordo com o
Regulamento da Instrução Pública de 1880, os concursos públicos para a docência não
89
exigiam habilitação profissional específica, requerendo apenas a comprovação da
capacidade profissional, a propósito o último dos itens requisitados:
Artigo 81 - poderão propor-se ao magistério público os cidadãos
brasileiros que provarem os seguintes requisitos:
1º - Maioridade legal;
2º - Moralidade;
3º - Insenção de culpa;
4º - Capacidade profissional.
(SÁ; SIQUEIRA, 2000, p. 165).
De acordo com o mesmo Regulamento, a capacidade profissional era
verificada por meio de exame de habilitação envolvendo provas nas modalidades oral e
escrita, tendo como referência os conteúdos do ensino secundário e versando somente
sobre as disciplinas professadas na cadeira que estivesse em concurso. Eram
dispensados da prova de capacidade profissional os diplomados pelos Liceus, pelas
Escolas Normais, ou por quaisquer Faculdades do Império.
Para Siqueira (2000, p. 44), em Mato Grosso, a partir das três últimas décadas
do século XIX, as diretrizes da instrução pública ficaram a cargo de uma elite de
intelectuais composta por indivíduos com formação superior advindos das Faculdades
de Direito, de Medicina e de Engenharia e por oficiais militares. É o que se pode
observar no quadro a seguir, que apresenta a formação do corpo docente que atuou nas
diversas cadeiras do Liceu Cuiabano, no período correspondente entre 1880 e 1896:
90
Professores Profissão Cadeiras
1 - Dormevil dos Santos Malhado Médico Pedagogia/Metodologia
2 - José Magno da Silva Pereira Capitão Gramática Portuguesa
3 - Belarmino Augusto de Mendonça Lobo Capitão Matemática Elementar
4 - Antônio Corrêa da Costa Engenheiro Matemática Elementar
5 - João Pedro Gardés Bacharel em Letras Francês e Inglês
6 - Antonio Pereira Catilina da Silva Professor Latim
7 - José Estevão Corrêa Tenente Filosofia e Retórica
8 - Antônio Manoel da Costa Barros Doutor História e Geografia
9 - Caetano Manoel de Faria Albuquerque Engenheiro Matemática Elementar
10 - Camilo Accioli Silva Bacharel em Direito Francês e Inglês
11 - Saturnino da Silva Rondon - Matemática Elementar
12 - Francisco da Costa Ribeiro Alferes História e Geografia
13 - José Leite Pereira Gomes Filho Médico Matemática Elementar
14 - Eduardo Poyart Bacharel Filosofia/ Retórica/
Francês
15 - José Bernabé de Mesquita Advogado Latim/Filosofia/Retórica
16 - Januário da Silva Rondon Bacharel Latim/Português/
Pedagogia
17 - Arthur Cavalcante do Livramento Capitão Português e Pedagogia
18 - João Alves Guerra Funcionário Público
Federal
Matemática Elementar
19 - Emiliano Augusto de Mattos Bacharel em Direito Português e Pedagogia
20 - Demétrio da Costa Pereira - Latim
Quadro 5 - Corpo docente das diversas cadeiras do Liceu Cuiabano, no período de 1880 a 1896
Fonte: Zanelli (2001, p. 99).
Ao observar que as duas cadeiras de História eram ocupadas por profissionais
sem habilitação na área, pode-se inferir o quão importante foram os livros escolares na
vida desses agentes educativos, perpassando inclusive os quesitos de formação docente
e instruções metodológicas.
Outro fator que merece destaque é o fato de a História ensinada nas escolas não
estar contida apenas nos compêndios de História. Outros livros escolares, como os de
leitura, as seletas
32
e os de Educação Moral e Cívica auxiliavam na disseminação do
saber produzido nessa área.
O trecho do livro de leitura de Hilário Ribeiro, Novo Quarto Livro de Leitura,
de 1910, utilizado nas escolas mato-grossenses, é revelador dos valores morais,
patrióticos e cívicos disseminados também em livros dessa natureza:
32
As seletas são compilações de trechos de autores diversos que serviam, em princípio, para o estudo da
língua, trazendo invariavelmente extratos sobre temas históricos (BITTENCOURT, 1993, p. 211)
91
Quarta Parte
EDUCAÇÃO CIVICA
A Patria
A patria é o paiz em que nascemos. Cuja historia é o nosso patriotismo
e cujo pavilhão é a nossa honra.
Se eu vos perguntares o que é a pátria, que respondereis, meus
amigos? Qual d’entre vós é capaz de dizer-me o que é a patria? - É o
paiz em que nascemos, a terra de meus paes e a minha terra. Sou
pequeno ainda, mas o que é verdade é que penso desde em servil-a
e projetel-a um dia, se for necessário. - Bravo, Jorge!... Mas de que
modo servirás a tua patria? - Muito bem; basta que eu seja instruído,
honesto e trabalhador. Quando vejo um homem vadio ou encontro um
criminoso, sempre digo Amim mesmo: - Se pensassem na patria não
praticariam actos indignos d’ella!... O que ama o seu paiz, deve
honral-o e engrandecel-o! - Bravo, bravo, meu filho! Disseste bem; é
preciso pensar na família e na patria, em todos os actos da vida. Onde
não há virtudes privadas, não há também virtudes cívicas. (p. 193).
Para Bittencourt (1993, p. 166), a introdução do ensino de Instrução Moral e
Cívica nas escolas representou um apêndice da História, ou um acréscimo a esta
disciplina, servindo para desenvolver o sentimento patriótico e direcionando a moral
secular.
Segundo Müller (1999, p. 86), em Mato Grosso, devido à preocupação em se
manter a integridade territorial, por tratar-se de um Estado de fronteira, o programa da
disciplina de Educação Moral e Cívica centrou-se na valorização da integridade
territorial, daí a ênfase nos símbolos nacionais: a bandeira nacional e a reafirmação dos
dias pátrios.
Analisando o Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Matto
Grosso, de 1910, foram localizados os conteúdos de Educação Cívica Moral e de
Historia do Brazil
33
no programa de ensino elaborado para as escolas isoladas,
percebendo-se que ambas as disciplinas se complementavam. Enquanto a História
popularizava o eurocentrismo e os heróis nacionais, a Moral e Cívica se
responsabilizava pelas questões de patriotismo, civismo e os valores morais
disseminados nos ideais republicanos para a construção de um Estado-nação:
33
Utilizam-se as designações Educação Cívica Moral e Historia do Brazil por serem fiéis às grafias
utilizadas no Regulamento de 1910, encontrado no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT)
92
Educação Cívica e Moral Historia do Brazil
1 - A Pátria. A Bandeira como symbolo da
Pátria. Descripção da Bandeira.
2 - Deveres para com a pátria. Exemplos de
amor à tria pela descripção de scenas onde
figurem heróes da poaz, da guerra, das
sciencias, etc. que se sacrificaram ou muito
fizeram pela Patria.
3- Estudo dos Feriados Nacionaes.
4 - Governo; sua necessidade.
Impossibilidade da existência de uma
sociedade sem governo. Demontração desta
verdade por meio de exemplos. Diversas
formas de governo.
5 - Demontração das vantagens do governo
republicano: igualdade, a liberdade e a
fraternidade. Como se forma o governo. O
voto.
[...]
8 - os serviços públicos: administração e
funccionalismo civil; obras pias; manutenção
da ordem e policia; manutenção da paz e da
soberania nacional: o exercito e a armada.
9 - A instrucção publica: sua necessidade;
guerra ao analphabetismo.
10 - Emulação do caracter dos alumnos pela
leitura de scenas Moraes que demontrem as
vantagens do amor á verdade, ao bello e á
virtude
11 - Guerra á mentira, á hypocrisia, á
supertição, á inveja, etc. mostrando o
professor á classe exemplos de fealdade de
taes acções.
12 - Educação intensa do caracter nacional,
pela leitura ou exposição de factos ou scenas
dignificantes, próprias para incutirem um
elevado amor á Pátria, como: Antônio João e
a defesa da fronteira; a união das três raças na
lucta hollandeza; Greenhalgh e a defesa da
bandeira, etc.; exemplos de homens que
primaram pelo devotamento á Pátria:
sympathia pelas classes encarregadas da
guarda e manutenção da nossa integridade
territorial e soberania nacional.
1 - Cristóvão Colombo. Vasco da Gama.
2 - Descobrimento do Brasil.
3 - Povos que habitavam o Brasil por occasião
do descobrimento. Os colonos. As capitanias
hereditárias. Martim Affonso e João Ramalho.
4 - Estudo detalhado do governo colonial.
5 - A catechese dos indígenas. Anchieta.
6 - As invasões francezas.
7 - O dominio hespanhol e a guerra
hollandeza.
8 - O Bequimão. Guerra dos mascates.
9 - Bandeirantes e emboabas. Descobrimento
de Matto-Grosso e fundação de Cuiabá.
Resenha histórica de Matto-Grosso.
10 - Tirandentes.
Quadro 6: Conteúdos de Educação Cívica e Moral e Historia do Brazil
Fonte: Regulamento da Instrução Pública Primária do Estado de Matto Grosso (1910).
As listas de conteúdos sinalizam a preocupação oficial do Estado e as
discussões que perpassavam os meios intelectuais. Mais do que isso:
93
[...] eram um instrumento ideológico para a valorização de um corpus
de idéias, crenças e valores centrados na unidade de um Brasil, num
processo de uniformização, no qual o sentimento de identidade
nacional permitisse o ocultamento da divisão social e a direção das
massas pelas elites. (ABUD, 2008, p. 34).
Xavier (2006, p. 258-259), pesquisando a formação da nacionalidade no
âmbito da cultura escolar, concluiu que a escola, enquanto espaço de circulação e
transmissão de ideais, buscou no ensino de História, nos livros escolares, nas
comemorações cívicas e na disciplina uma forma de atuarem como mediadores entre
concepções e práticas políticas e culturais, tornando-se importante componente da
engrenagem de manutenção de determinadas visões de mundo e de História.
Em Mato Grosso, as comemorações cívicas também estiveram presentes no
interior das escolas, conforme se pode observar no artigo do jornal A Reação, de de
dezembro de 1912:
Festa da Bandeira
Accedendo ao convite que gentilmente nos foi endereçado pelo nosso
intransigente confrade, professor Gustavo Fernando Kuhulmann,
digno director do Grupo Escolar do districto desta capital, tivemos
o prazer de assistir, no dia 19 do fluente, em o edifício em que
funcciona aquelle estabelecimento de ensino, a atrahente e sympathica
festividade escolar, promovida por aquelle director, para commemorar
a data anniversária do decreto do governo Provisório, que instituiu a
actual Bandeira Nacional. Essa bella festa cívica foi iniciada às nove
horas da manhã, com o acto solenne da elevação do pavilhão nacional
da fachada do estabelecimento, ouvindo-se nessa occasião, o hymno
nacional executado pela bem ensaiada banda do Batalhão policial do
Estado.
Após esta cerimônia, o Sr. Professor Kuhlmann convidou o venerando
cidadão Director Geral da Instrução Pública, major Estevão Corrêa,
para presidir a sessão solenne, sendo convidadas, igualmente, para
tomar assento junto á mesa, os exms. Srs. Coronel Joaquim Caracciolo
Peixoto de Azevedo, Presidente da assembéia Legislativa e tenente-
coronel Manoel Escolastico Virginio, Governador desta cidade. Em
acto continuo, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão, concedendo,
nessa ocasião a palavra ao illustrado professor Kuhlmann, que
produziu um brilhantismo discurso allusivo á data que commemorava.
Calorosos applausos cobriram suas ultimas palavras. [...] Como
remate dessa encantadora festa, fez-se ouvir o Hymno Nacional, que
foi ouvido com o Maximo respeito, conservando-se todo o auditório
em pé. Sr. Kuhlmann foi de estrema gentileza para com os
convidados, fazendo depois distribuir á petizada finos bolos, doces e
bonbens.
A presença das mais altas autoridades locais e a própria veiculação do
acontecimento no jornal A Reação são pistas da importância das solenidades cívicas que
94
as escolas, com a República, trouxeram para seu interior, possivelmente sob a influência
dos ideais republicanos.
A pesquisadora Maria Lúcia Rodrigues Müller (2008, p. 33), examinando
fotografias referentes a Instrução, datadas da Primeira República, afirma que as imagens
analisadas mostram uma estreita relação entre a afirmação dos rituais pátrios e a escola.
Inicialmente, porém, a autora constata que: “Até os anos 1910, as cerimônias cívicas
eram realizadas na Prefeitura ou em outros locais [...]”E acrescenta que os participantes
dessas festas eram pessoas comuns da cidade, homens e mulheres, negros, mestiços,
escuros. Enfim, a pesquisadora informa que, no início dos anos 20, essas festividades
foram transferidas para as escolas e que, como se pode observar no noticiário do jornal
A Reação, citado anteriormente, o público participante e os atores das solenidades
não eram os mesmos; passaram a ser os alunos, os professores e as autoridades.
Na Primeira República houve uma constante preocupação do Estado,
representado pelas elites que se alternavam no poder, com as práticas políticas e
culturais disseminadas tanto no interior das escolas como fora dos seus muros. Daí a
importância dada aos livros escolares, às comemorações cívicas e ao ensino de História.
Assim:
Não foi por acaso que a história tornou-se obrigatória nos currículos.
O ensino de História serviu de base para a formação do cidadão
nacional. A escola deveria alfabetizar grande número de alunos e
assegurar um determinado saber que fosse transmitido aos futuros
cidadãos brasileiros. A República tratou de cuidar da constituição da
galeria dos heróis nacionais, pela instituição tanto dos feriados e festas
cívicas, quanto pela seleção dos personagens a serem cultuados,
determinando uma segunda vertente do alcance da História que
extrapola os próprios muros da escola. (NADAI, apud SCHENA,
1999, p. 272).
A importância dos livros escolares na disseminação e permanência de discursos
fundadores da nacionalidade conduziu esta pesquisa a discutir suas dimensões como um
lugar de memória, evidenciando saberes já consolidados e aceitos socialmente.
95
2.1 LIVROS ESCOLARES: IDEIAS E IDEAIS EM CIRCULAÇÃO NO ESTADO
DE MATO GROSSO NA PRIMEIRA REPÚBLICA
Figura 13 - Livros escolares utilizados nas escolas mato-grossenses durante a Primeira
República
Fonte: Braga (1922), Silva (1922), Pombo (19..), Celso (1905)
Os livros, assim como as escolas, têm sua existência delimitada por um
contexto político e social. Logo, precisam ser considerados como resultantes de um
conjunto de normas, disposições e determinações culturais.
Os textos escritos que consubstanciam livros têm uma longa história.
Inventados no Oriente, nas civilizações asiáticas, eram usados na China desde o século
XI. No Ocidente muito tempo o livro vem sendo condicionado ao funcionamento da
escola. Comenius, em 1657, preocupado com a possibilidade de ensinar tudo a todos,
escreveu sua Didactica Magna, um manual de ensino cuja metodologia visava
possibilitar ao professor instruir centenas de alunos ao mesmo tempo. Ademais: “[...] o
autor propõe um livro com fins didáticos, que além do conteúdo, traria também as
tarefas a serem desenvolvidas por ano, mês, dia e hora.” (SILVA, 2007, p. 64).
O livro didático apresenta-se hoje como um importante instrumento para o
professor e para o aluno no processo de ensino-aprendizagem, sendo indiscutível o
grande espaço que conquistou no cotidiano escolar. No Brasil, os primeiros livros foram
produzidos a partir de 1810 pela Imprensa gia, que introduziu a história do livro
brasileiro e posteriormente foi denominada Imprensa Nacional. “Na tensão entre
anacronismo e modernidade, inscreve-se a ambivalência peculiar à história do livro
didático no Brasil, com repercussões no plano cultural, econômico e pedagógico, por
96
consequência, na história social da leitura no país.” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2003, p.
128).
Em Mato Grosso, somente em meados do século XIX foi implantada a imprensa
na Província, porém, de acordo com Siqueira (2000, P. 227), durante todo o século XIX
não foi registrada qualquer obra impressa. Dessa forma, os compêndios didáticos
utilizados nas escolas mato-grossenses provinham da Europa e do Rio de Janeiro.
Esse fato não impediu a publicação de algumas obras didáticas de autores locais,
como é o caso do compêndio intitulado Quadro Chorographico de Matto Grosso
(1918), de Estevão de Mendonça, lente catedrática do Liceu Cuiabano. Tal fato pode
ser observado no parecer emitido em 1905 pelo Conselho Superior da Instrução Pública
a respeito dessa obra:
Além do mérito que revela pela correção e elegância de sua forma,
[...] vem preencher uma das mais palpitantes necessidades do ensino
público primário, fornecendo à mocidade os conhecimentos
necessários da história e geographia do Estado, disciplinas estas que
fazem parte das que constituem o programa de estudos tanto nas
escolas elementares como nas complementares; é de parecer que a
mesma obra seja não considerada de reconhecida utilidade [...],
como adoptada nas escolas públicas do Estado, tão logo seja impressa
e exposta à venda. (CONSELHO SUPERIOR DA INSTRUÇÃO
PÚBLICA, 07 out. 1905).
No trabalho de pesquisa documental realizado por Fátima Aparecida da Cunha,
bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e
apresentado na avaliação do CNPq/2001 ao Grupo de pesquisa em História da Educação
e Memória/UFMT, a autora elabora uma relação dos livros mais usados nas escolas
públicas primárias em Mato Grosso, de 1910 a 1930, da qual consta a Corografia de
Mato Grosso, de Estevão de Mendonça, que circulou no meio escolar entre os anos de
1911 e 1912
34
.
A análise dos textos dessas obras permite-nos observar que as ideias neles
veiculadas não constituem de forma nenhuma discursos neutros, representando, antes,
os valores morais, sociais e culturais considerados importantes naquele espaço/tempo. O
primeiro texto do livro didático Minha Pátria, de J. Pinto e Silva, publicado em 1922,
pode ser tomado como exemplo desse cenário:
34
Rosa (2002, p. 88), ao analisar a relação de materiais escolares do almoxarifado da Diretoria da
Instrução Pública, criado por ocasião da reforma de 1910, admite que a adoção desse compêndio fora
bastante limitada em Mato Grosso, tanto nas escolas primárias quanto nas secundárias.
97
Fizemos, hoje eu e meus condiscipulos, uma visita ao Pantheon-
escolar. O mesmo salão espaçoso, irreprehensivelmente asseado,
como no saudoso dia da sua inauguração. Tudo na melhor ordem
possível: retratos, paizagens, mappas, etc., continuam formando
secções distinctas, de modo a facilitar o estudo de cada uma dellas.
Aqui, armários envidraçados encerram interessantes collecções de
objectos históricos; alli estantes e mesas estão repletas de documentos
sobre o mesmo assumpto. E todas essas coisas, apesar de inanimadas,
nos fazem vibrar a alma, pois todas ellas recordam a tria que tanto
estremecemos. Ao penetrar na vasta sala sente-se um desejo
irresistível de aprender, de saber. Acompanhou-nos o nosso novo
professor, joven ainda, de maneiras distinctas e delicadas. Pela sua
paciência, pelo seu trato sempre affavel, pela clareza de suas lições,
em pouco tempo conquistou a sympathia de toda a classe. “Meus
caros discípulos”, disse-nos elle, “já sabeis o fim que nos traz aqui,
estou certo de que sois muito amigos da nossa mãe-commum, a pátria
brazileira. Notae, porém, o seguinte: não é bastante dizer-se amigo de
seu paiz; é preciso sêl-o realmente. Ser patriota é trabalhar sempre e
sempre pelo engrandecimento da pátria. E, para isso, não melhor
meio do que imitar os exemplos de amor-patrio que nossos
antepassados nos legaram. Mais ainda: esses ensinamentos devemos
aprendel-os, não dos patrícios illustres, como de quaesquer outros
grandes homens.” (p. 7-8).
Narrativas como essa antecipavam o teor os textos históricos do livro didático
em apreço. Logo, as ideias difundidas em livros dessa natureza não disseminam apenas
valores, mas também comportamentos:
Ora, o menino tinha estudado todas as suas lições; estava, pois,
aborrecidíssimo, por não ter mais em que se occupar. Lembrou-se,
então de ir ajudar o pae que, encerrado em seu gabinete, estava
copiando uma das cartas commerciaes. Dirigiu-se ao escriptorio do
papae, pediu-lhe permissão para entrar, e disse-lhe ao que vinha. -
Obrigado, meu filho, mas não convém que me auxilies nas copias.
Entretanto, vou aproveitar a tua boa vontade. Olha, toma este álbum e
vae arranjando as gravuras nelle contidas. (SILVA, 1922, p. 32-33).
Em face do teor das informações veiculadas, os livros didáticos de História
serviram como engrenagem de manutenção do poder de uma elite dominante.
Tornaram-se verdadeiros intermediários entre as concepções e práticas políticas e
culturais.
Corrêa (2000, p. 19) admite que o livro escolar faz parte de uma cultura escolar,
é organizado, veiculado e utilizado com uma intencionalidade, já que é portador de uma
dimensão da cultura social mais ampla. Por isso, esse tipo de material serve como
98
instrumento, por excelência, da análise sobre a mediação que a escola realiza entre a
sociedade e os sujeitos em formação.
Para a autora, o livro didático permite que se entenda a instituição escolar vista
por dentro, por ser ele portador de parte dos conteúdos do currículo escolar naquilo que
diz respeito ao conhecimento. E, tratando-se dos livros que foram organizados e
distribuídos em escolas do século XIX e XX, podem-se observar, em seu conjunto,
elementos de vários âmbitos da cultura social:
Nesse sentido, entendo que a contribuição avança pelo fato de não se
restringir exclusivamente às práticas escolares, mas também, e
principalmente, ao seu conteúdo, uma vez que os elementos contidos
no livro dão vida e, ao mesmo tempo, significado às práticas
escolares. (CORRÊA, 2000, p. 18).
Acredita-se ser oportuno, neste momento, dialogar com Julia (1993, p. 15) sobre
a noção de cultura escolar:
Um conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a
incorporar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão
desses saberes e a incorporação desses compartimentos, normas e
práticas ordenadas de acordo com finalidades que podem variar
segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou
simplesmente de socialização).
Os conteúdos veiculados nos livros escolares utilizados na Primeira República
atendiam a condutas e comportamentos socialmente aceitáveis, do ponto de vista moral
e ético (normalizações sociais), e válidos para sua época e contexto histórico. Na visão
de Corrêa (2000, p. 18), são as normalizações sociais que a priori determinam o que
deve ou não ser ensinado nas escolas. De certo modo, a legislação legitima as
expectativas valorativas que a sociedade quis ou quer ver disseminadas por meio dessas
instituições.
No contexto das escolas mato-grossenses, os livros didáticos adotados nessa
mesma época foram sistematicamente selecionados pelo Conselho Superior da Instrução
Pública, como se viu anteriormente, podendo-se encontrar, nas publicações escolares,
trechos como este:
Ainda Bem! O nosso paiz, meu rapaz, carece de homens
independentes, fortes e que possam dar alguma coisa. Cresce com a
idéa de fazer a Matto-Grosso todo o bem que um filho carinhoso e
99
rico deve fazer a seus Paes pobres... Os nossos Estados precisam de
homens de valor e de dedicação. A terra produz muito, é prodigiosa de
fertilidade; mas isso não basta para lhe dar importância.
prosperam os paizes em que os homens são cultos e trabalhadores.
Cresce com a Idea de cortar o teu Estado de estradas de ferro, de
lhe estudar as culturas, de fazer propaganda para colonisar os
seus sertões, de lhe augmentar as industrias, de corresponder,
enfim, ao muito que lhe deves, retribuindo-lhe em benefícios os dons
naturaes que délle e dos teus herdaste. Cresce com o pensamento de
tornar o teu Estado o primeiro. Essa ambição o engrandecerá.
Comunica aos teus collegas de classe essas idéas de patriotismo,
atira a semente a torto e a direito que em algum cérebro Ella póde
encontrar terreno próprio para a sua germinação! (ALMEIDA,
1911, p. 183-185).
A partir dessa passagem do livro de leitura de Julia Lopes Almeida, intitulado
Historias da Nossa Terra e publicado em 1911, pode-se inferir quais as normalizações
sociais a sociedade quis ver disseminadas nos textos escolares naquele espaço/tempo.
Nesse sentido, se se podem evidenciar o patriotismo, o valor ao trabalho e a
educação, o progresso representado pela indústria, o devido comportamento de um
cidadão para com o seu Estado, de certa forma se tem a representação dos valores
morais e éticos que aquela sociedade queria ver propagados e apropriados.
Conforme já dito, é o reflexo do consenso dos intelectuais do Brasil com relação
à necessidade de se construir e disseminar a galeria dos heróis nacionais, homens
ilustres que deveriam representar o panteão histórico brasileiro. Assim, buscou-se em
Almeida a representação dada aos negros reconhecidos como esses heróis, como é o
caso de Henrique Dias, cabo de guerra que teve importante participação na expulsão dos
holandeses do Nordeste do país.
Encontra-se na mesma obra um texto intitulado “O Preto Velho”, do qual
seguem alguns trechos:
O PRETO VELHO
[...] Olhamos, e vimos um preto esfarrapado cambalear e cair na
calçada.
- Coitado! Disse Maria, o pobrezinho morre!
- qual! Respondi eu desdenhosamente;
Elle está bebe...
Não conclui a phase, porque meu pae attrahido pelas piedosas
exclamações de minhas irmãs, estava já à janelle, dardejando um olhar
zangado sobre mim.
- Vae, João disse-me elle, desce à rua socorre aquelle infeliz, seja elle
quem fôr e o que fôr. Não faças máo juízo de ninguém!
Corri. A chuva augmentava; curvei-me, chamei o velho, sacudi-o; mas
o desgraçado nem abria os olhos! Meu pae deixou-me estar alli
100
ajoelhado por alguns minutos e mandou depois recolher o velho ao
vestíbulo da nossa casa. [...]
Passando algum tempo, o pobre recobrou os sentidos e confessou estar
morrendo de fome e frio! [...]
Estava o preto quente e confortado, quando bateram com força à
porta; elle então estremeceu, balbuciando: - Estou perdido!
De fato, entraram dois soldados que o procuravam, dizendo que esse
preto velho era um preso evadido da cadeia do Recife. O pobre caíra
de externuado. [...]
Meu pae pediu em voz baixa aos soldados que não declarassem ao
de nós qual fora o crime dáquelle homem. Minha mãe dava ao infeliz
conselhos de submissão e paciência; e assim, o velho entregou-se
resolutamente aos soldados.
A hora da saída, Maria, que é a mais pequena e a mais curiosa de nós
todos, perguntou ao preso, furtivamente:
- como se chama você?
- Henrique Dias, balbuciou elle cabisbaixo.
- O nome dáquelle homem não vos suggére nada de respeitável e de
grande? (p. 83-88).
Ao analisar o mencionado texto, verifica-se que a imagem dos negros está
associada a termos pejorativos, à miséria e à criminalidade. Por outro lado, também
institui o comportamento ideal para esse grupo etnorracial: “Minha mãe dava ao infeliz
conselhos de submissão e paciência; e assim, o velho entregou-se resolutamente aos
soldados.
Quando a imagem do branco aparece sistematicamente em oposição à do negro,
independentemente do assunto tratado, isso não é representativo de algo? Será que esse
tipo de saber disseminado não reflete o modelo de imagem que vale a pena ser
incorporada e na qual os alunos devem se espelhar?
Ao considerar que os textos que integrantes dos livros escolares eram registros a
serem decodificados quanto aos saberes a inculcar nas jovens gerações, estes, por sua
vez, representavam os valores morais e comportamentais de determinada sociedade em
determinado contexto histórico.
Logo, não é de se estranhar o desejo pelo branqueamento da população. Se tudo
que era bom estava associado à imagem do branco, e ao negro associava-se a imagem
negativa, possivelmente esses fatores contribuíram para a proliferação e popularização
das teorias racistas, tão em voga naquele período.
Tais enfoques evidenciam que o livro escolar não se reduz a um suporte de
conteúdos educativos ou a um instrumento pedagógico para métodos de ensino. Como
destaca Choppin (2004), trata-se também de um veículo de ideologia e de cultura que
tem sua importância acentuada por ser destinado às novas gerações de maneira ampla e
101
generalizada. A pluralidade das dimensões que pode ser atribuída ao livro escolar faz
dele uma fonte contínua de interesse especial para os diferentes pesquisadores.
2.2 LIVROS DIÁTICOS VEICULADOS E UTILIZADOS NAS ESCOLAS
MATO-GROSSENSES NA PRIMEIRA REPÚBLICA
A partir das fontes documentais localizadas no Arquivo Público de Mato Grosso;
no acervo do Grupo de Pesquisa em História da Educação e Memória (GEM), vinculado
ao programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso; no Arquivo da
Assembleia Legislativa de Mato Grosso; e em pesquisas bibliográficas, foi possível
localizar os títulos dos livros didáticos de História utilizados no estado de Mato Grosso
no decorrer da primeira República.
Essa constatação foi viabilizada por um trabalho de pesquisa minucioso, tendo
dispensado exaustivas leituras documentais, sobretudo das atas do Conselho Superior da
Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, das relações de material escolar do
almoxarifado da diretoria Geral da Instrução Pública e dos livros de entrada e saída de
material das escolas.
Na medida em que a investigação assemelha-se ao labor de um arqueólogo, que
busca objetos em diferentes sítios escondidos, a localização de atas mencionando
pareceres da Comissão Especial do Conselho da Instrução, designada para avaliar os
livros escolares a serem adotados pelas escolas públicas mato-grossenses, constituiu-se
em verdadeiras conquistas para este estudo. Um exemplo desses achados é o parecer
abaixo:
Ata da sessão ordinária do Conselho Superior da Instrução Publica de
10 de abril de 1920. Acompanhando o volume de Breves lições de
Historias do Brasil, do Creso Braga, veio o parecer da comissão
pedindo adapção de tal compemdio por sua verdadeira utilidade
expressou-se o seu relato nos seguintes termos: “Parecer” A comissão
especial do Conselho superior da Instrução á qual foi presente para
emittir seu parecer a petição do senhor “Creso Braga” para que seja
adaptado nas escolas publica os seu livro intitulado “Breves lições de
Historias do Brasil”, tendo estudado detidamente o mesmo livro e,
considerando que dentre os diversos livros sobre Historias do Brasil
em uso nas nossas escolas, os que mais completam o seu fim tornou-
se, entretanto, deficientes para o aproveitamento das classes mais
adiantadas; Considerando que um livro tratando dos fatos do Brasil
desde o seu descobrimento até os nossos dias porem concisos,
historiados sucintamente e em fiel ordem chronologica seria de grande
utilidade para o conhecimento da vida do nosso paiz aos nossos jovens
102
conterrâneos; Considerando que o livro intitulado “Breve Lições da
Historia do Brasil” preenche perfeitamente o fim desejado, podendo
servir não para estudo da Historia do Brasil ás classes mais
adiantadas das escolas mas também como livro de leitura. E a mesma
commissão de parecer que seja adaptado nas escolas publicas
primarias do Estado, por sua verdadeira utilidade, o livro
intitulado “Breve Lições de Historia do Brasil” de Creso Braga.
Sala das sessões em Cuyabá, 28 de Fevereiro de 1920 (assignado)
Antonia Jorgina Ribeiro de Faria (relatora). (GARDIZ; CORRÊA,
1903-1929, livro 94).
A localização dos títulos das obras didáticas nas atas do Conselho Superior da
Instrução Pública ainda não era suficiente para afirmar sua utilização nas escolas de
Mato Grosso. Recorreu-se, então, às relações dos materiais escolares do almoxarifado
da diretoria Geral da Instrução Pública e aos livros de entrada e saída de material das
unidades de ensino, no intuito de cruzar os dados e chegar ao que realmente se
pretendia.
Segundo Silva (2007, p. 22-23), do ponto de vista metodológico é difícil
estabelecer uma fiel diferença entre veiculação e utilização de livros didáticos,
mesmo porque nem sempre a circulação de um dado título garante que ele tenha sido
adotado, como também não garante um uso efetivo, orientado pelos princípios
metodológicos assumidos ou recomendados por seus autores.
No entanto, o fato de os livros serem mencionados nos documentos, a
despeito de terem sido utilizados ou não no espaço escolar, representa um forte
indício das concepções em voga naquele presente histórico. A esse respeito, Cardoso
e Amâncio (2005, p. 08)
35
consideram que:
A circulação de determinados títulos em determinados períodos indica
uma opção (imposição?) política-pedagógica que merece ser analisada
e discutida, especialmente porque acreditamos que não existe material
didático neutro, visto serem construídos por seres humanos reais que
têm interesses diversificados.
O cruzamento das fontes documentais e bibliográficas possibilitou a esta
pesquisa identificar os seguintes livros de História utilizados nas escolas mato-
grossenses no período em tela:
35
Referimo-nos ao Relatório de Pesquisa intitulado Políticas educacionais e práticas pedagógicas em
alfabetização: um estudo a partir da circulação de cartilhas em Mato Grosso - 1910-2002, desenvolvido
pelas Professoras Doutoras Cancionila Janzkovski Cardoso e Lazara Nanci de Barros Amâncio, do
Depto. de Educação, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, UFMT, campus de Rondonópolis.
103
Título
Autor
Ensino
Lições de História do Brasil Joaquim Manoel de Macedo Secundário
História do Brasil Rocha Pombo Secundário
Nossa Patria Rocha Pombo Primário
Breves lições de História do Brasil Creso Braga Primário
Minha Patria João Pinto e Silva Primário
Quadro 7 - Livros de História utilizados nas escolas mato-grossenses na Primeira República
Fonte: Construção da autora.
Analisando a relação do Almoxarifado da Diretoria Geral da Instrução Pública
do Estado de Mato Grosso entre os anos de 1924 e 1927, constata-se que a quantidade
de livros que saiu do estoque era reduzida comparativamente à quantidade de alunos
matriculados no mesmo período. Para ilustrar tal fato, segue no quadro abaixo os livros
de História utilizados para a Instrução Primária nas escolas mato-grossenses, no ano de
1925, quais sejam Nossa Pátria, do autor Rocha Pombo, e Minha Pátria, de João Pinto
e Silva. Verifica-se um número reduzido de exemplares tanto no estoque quanto em
termos de saída:
Títulos
Estoque
e
entrada
Saída mensal de livros de História de 1925 (jan./dez.)
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Maio Jun.
Jul.
Ago.
Set.
Out.
Nov.
Dez.
Nossa
Pátria,
de
Rocha
Pombo
77 - 6 6 - - - - 6 - - - 12 6
Minha
Pátria,
de
J. Pinto
e Silva
56 - - - - - - - - - - - 12 -
Quadro 8 - Mapa do almoxarifado: entrada e saída de livros didáticos de História
Fonte: Amâncio (2000).
Segundo mensagem expedida por Mário Corrêa da Costa, governador do Estado
de Mato Grosso, o número de alunos matriculados em 1925, apenas nos grupos
escolares do estado de Mato Grosso era de 2.327. A esse propósito, Amâncio (2000)
informa que as matrículas obedeciam a seguinte distribuição:
Grupos Escolares 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano Total
Escola Modelo 238 167 138 110 653
Grupo Escolar Senador Azeredo 169 70 56 19 314
104
Grupo Escolar Espiridião Marques 49 44 30 16 139
Grupo Escolar de Rosário Oeste 96 31 24 15 166
Grupo Escolar Caetano Pinto 76 36 17 6 135
Grupo Escolar Luiz de Albuquerque 103 91 70 38 302
Grupo Escolar Antônio Corrêa 150 47 22 14 233
Grupo Escolar Joaquim Murtinho 157 41 36 4 238
Grupo Escolar Afonso Pena 103 20 15 9 147
Total 1141 547 408 231 2327
Quadro 9 - Distribuição das matrículas dos grupos escolares de Mato Grosso
Fonte: Amâncio (2000).
Considerando o contingente de matriculados, 2.327 estudantes, verifica-se que o
total de livros de História, 48, que deram saída do almoxarifado é um número
insignificante. E, mesmo que tivesse ocorrido a distribuição total do estoque, o número
de exemplares ofertados corresponderia a menos de 6% (seis por cento) dos alunos.
O autor, ao proceder a uma análise das cartilhas que circulavam no Estado no
período em questão, levanta algumas indagações pertinentes também para esta pesquisa:
quais seriam os critérios de distribuição desses livros? Todos os alunos recebiam os
livros gratuitamente? Será que a Diretoria Geral da Instrução Pública fornecia livros
escolares aos alunos considerados indigentes? a Diretoria Geral da Instrução Pública
repassaria o material aos demais alunos mediante a cobrança de algum valor monetário?
Será que os alunos compravam os livros de livreiros particulares? Ou será que os
professores recorriam a outros recursos não autorizados ou não previstos pela
Diretoria?
No afã de responder a algumas dessas perguntas, recorreu-se a outros
documentos em busca de uma melhor distribuição dos livros escolares. As observações
encontradas por Amâncio , em 1918, no mapa escolar do professor João Pereira Gomes,
da Primeira Escola de Miranda, podem esclarecer algumas dúvidas nesse sentido:
Alunos matriculados - 38; freqüência regular - 22; os motivos da
pouca freqüência apontados pelo professor são: doenças, alguns
alunos foram para fazendas, outros mudaram-se e outros não têm
justificativa. O caso de dois alunos: Simeão Reis Guadros (11 anos,
comportamento regular) e Sant´Anna Rodrigues (8 anos, bom
comportamento) merecem maior atenção. O professor explica que
Simeão não teve freqüência em setembro por “falta de meios para
comprar livro”; em outubro esse aluno volta a freqüentar as aulas
usando um Primeiro Livro de Feitura. O caso de Sant´Anna
parece mais grave pois sua ausência em setembro é justificada
também por “falta de meios de comprar livro”, mas a aluna não
105
volta a freqüentar as aulas. No mês de outubro suas faltas são
consideradas “sem motivos justificado”. (p. 225, grifos nossos).
As observações do professor Gomes não revelam que os livros escolares
eram comprados, como também demonstram a dificuldade dos alunos em adquiri-los
de sorte que em alguns casos essa carência fora motivo de desistência da escola.
O relatório do professor Leowigildo Martins de Mello (MATO GROSSO,
1911), diretor da Escola Normal e Modelo annexa, enviado ao Secretário de Estado
dos Negócios do Interior, Justiça e Fazenda, ao se referir aos materiais escolares
também vem elucidar alguns questionamentos:
A escola possue em deposito e em uso livros didacticos dos melhores
autores nacionaes que se tem dedicado á literatura pedagógica infantil.
Porém esses livros são destinados às classes adeantadas, não tendo
ella um único exemplar daquelles de que precisa para o ensino da
classe mais atrazada. E, considerando as condições especiaes da praça
cuyabana, que, alem de não possuir todo o material exigido na escola,
ainda vende o pouco que tem por preço que não está ao alcance de
todas as bolsas, seria de urgente necessidade, para bem da marcha
regular do ensino, uma intervenção do poder competente, no sentido
de facilitar á população escolar pobre, a aquisição de tal material. A
legislação estadual manda fornecer material aos alumnos indigentes.
Mas, alem destes, a quasi totalidade da população escolar das escolas
publicas, é pobre e só com sérios e penoso sacrifício conseguem
comprar um ou outro objecto exigidos pela applicação dos modernos
methodos de ensino. E isto pela razão de que taes objectos são
vendidos por um preço excessivo. Para sanar tal estado de coisas, seria
opportuna uma intervenção do Governo, no sentido que passo a expor:
- Não seria penoso ao poder competente fazer a escola uma dotação
completa do material didactico, habilitando-a ao fornecimento geral
de seus alumnos. Tal fornecimento seria feito gratuitamente, como é
de lei, aos alunos reconhecidamente indigentes. Aos demais, a escola
forneceri-mediante indemnisação, que seria cobrada da razão única
de custo de material posto em Cuyabá. [...]. Para que tal se consiga, é
bastante que o Governo autorize a directoria da instrucção a fazer
compra do primeiro fornecimento ás escolas, e ao Thesouro do
Estado, a creação da caixa escolar. O pecúlio desta será constituído
com a indemnização paga pelos alumnos em virtude do material
fornecido pela escola, fundo esse que será destinado exclusivamente a
acquisição de material escolar. È provável que se revoltem contra este
projecto os livreiros de nossa praça, que, mesmo, se poderiam dizer
lesados em seus interesses. Porém, mais interessados que os livreiros
são os chefes de familia que cuidam da educação de seus filhos e,
estes, certamente, não negariam applausos ao Governo, pois
reconheceriam a justiça de tal acto, visando unicamente a facilidade
maior da conffunsão do ensino em todas as camadas sociaes.
106
Esse documento indica que o Estado realmente doava livros escolares apenas
para os alunos considerados indigentes, o que conduz a reflexão de que estes eram
bem poucos, haja vista o reduzido número do material distribuído.
O professor também sugere a criação de uma caixa escolar para sanar o
problema da falta de livros nas escolas, a qual parece ter sido autorizada pelo
governo, pois o jornal local Correio do Estadopublicou, em 04 de março de 1923,
uma matéria intitulada Uma bella iniciativa, referindo-se a essa ocorrência na Escola
Normal e Modelo anexa:
Uma bella iniciativa
O Sr. Professor Rubens de Carvalho, diretor das Escolas Normal e
Modelo annexa desta capital, tomou a si o encargo de fundar uma
“Caixa Escolar”, destinada a fornecer o material escolar necessário
aos alumnos da Escola Modelo. Para realizar esse desiderato,
convocou aquelle professor, uma reunião preliminar, que foi
effectuada no salão nobre do Palacio da Instrução, no dia 21 do
corrente. Presidiu essa reunião, o exmo. Sr. Dr. Virgilio Alves Corrêa,
d. Secretário do Interior, Justiça e Fazenda. O professor Rubens,
usando da palavra, expoz o motivo daquella reunião, salientando as
grandes vantagens da fundação da “Caixa Escolar, que tão excellentes
resultados tem produzidos em toda parte. Ao que nos conta, a
contribuição mínima será de 1$000. Para essa bella inicitiva temos
palavras de louvor. (CORREIO DO ESTADO, 04 mar. 1923).
Os documentos parecem conduzir o diagnóstico de que apenas um reduzido
número de alunos teve acesso aos livros escolares. Pode-se questionar: o objetivo da
elite republicana de inculcar e homogeneizar seus ideais por meio dessas obras fora
totalmente alcançados? Ou melhor, foi realmente homogêneo?
Para Chartier (1999), essas relações constituem-se mediante um “movimento
contraditório
36
”. Em uma vertente posiciona-se o leitor, que se depara com regras e
padrões caracterizados em uma obra, ou seja, de certa forma, “o autor”, o livreiro-
editor”, “o comentador”, “o censor”, dentro das suas expectativas, tentam cercear a
leitura, fazendo com que os textos produzidos por eles sejam compreendidos sem
36
As palavras e expressões que aparecem entre aspas neste trecho são tomadas emprestadas de Roger
Chartier, empregadas em seu livro A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os
séculos XIV e XVIII, na primeira parte da obra, intitulada A ordem dos livros. Nesse tópico, logo na
primeira página, o autor tece muito bem a questão das relações com o texto: leitor-leitura. Nesta
dissertação, elas também aparecem na tentativa de esclarecer essas relações com o texto,
especificamente com o texto didático, ou seja, com o objeto da investigação: livros didáticos de
História.
107
qualquer variação possível de significação, de sentidos. Na outra vertente, deparamo-
nos com a leitura, que se apresenta de maneira móvel, flexível, “rebelde e vadia”,
como a caracteriza Chartier, uma vez que os leitores mobilizam infinitas estratégias
para “subverter as leituras impostas”, procurando ler as entrelinhas, ler o não lido e o
não dito.
Nesse sentido, o estudioso acrescenta:
O livro sempre visou instaurar uma ordem; fosse a ordem de sua
decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou,
ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou
permitiu a sua publicação. Todavia, essa ordem de múltiplas
fisionomias não obteve a onipotência de anular a liberdade dos
leitores. Mesmo limitada pelas competências e convenções, essa
liberdade sabe como se desviar e reformular as significações que as
reduziram. Essa dialética entre a imposição e a apropriação, entre os
limites transgredidos e as liberdades refreadas não é a mesma em toda
parte, sempre e para todos (p. 08).
Rastreados os títulos dos livros escolares veiculados ou utilizados em Mato
Grosso na Primeira República, esta pesquisa deparou-se com outro obstáculo: a
localização das obras. Iniciou-se, pois, outra etapa da pesquisa, desta vez com a
mudança do cenário e dos atores. Assim como o arqueólogo, passou-se a buscar dados
em outros sítios: acervos particulares, sebos, na Biblioteca Nacional, no acervo de obras
raras da Biblioteca Municipal de Cuiabá e na Biblioteca do Livro Didático da FEUSP,
dentre outros.
A localização de algumas obras didáticas constituiu-se num ponto importante
para a seleção das que foram analisadas: Porque me ufano do meu paiz, de Affonso
Celso (1905); Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo (1907);
Historias da nossa Terra, de Julia Lopes de Almeida (1911); História do Brazil,
História do Brasil, e Nossa Patria, todos de Rocha Pombo (1919); Minha Patria, de
João Pinto e Silva (1922); Breves lições de História do Brasil, de Creso Braga (1922); e
História do Brasil, de João Ribeiro (1935).
Silva (2007, p. 86-87) recorda que o processo de veiculação dos tulos é apenas
uma parte do circuito do livro escolar. Nesse sentido, mesmo esta pesquisa tendo como
foco a análise textual desse material, é imprescindível considerar o processo que
envolve a sua história, o que justifica a compreensão do livro didático de História dentro
desse circuito.
108
2.3 O CIRCUITO DO LIVRO ESCOLAR
37
Os livros, de uma maneira geral, passam pelo mesmo ciclo de vida de uma
pessoa, e sua história é significativa em cada fase desse processo. Ele pode ser descrito
como um circuito de comunicação: “[...] que vai do autor ao editor (se não é o livreiro
que assume esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao vendedor, e chega ao leitor.”
(DARNTON, 1990, p. 112). Da ponta inicial, o autor, até chegar à ponta final, o leitor,
inúmeras implicações interferem nesse intercurso, as quais são mobilizadas na tentativa
de instaurar a ordem do livro, que seria a coerção do texto sobre o leitor. Mas, para
Darnton (1990), é este interlocutor que encerra tal ciclo, pois vida à palavra
impressa, de forma a influenciar o autor antes e depois do momento de produção.
Essa influência do leitor sobre o autor não é difícil de perceber nas edições dos
livros dos mais diversos gêneros textuais. Para Silva (2007, p. 86): “[...] essa
interferência pode se manifestar em forma de reflexão do autor a respeito de trabalho
anterior, no caso das reedições, ou mesmo prever algumas situações de reações adversas
que poderão surgir.”
Machado de Assis, por exemplo, sempre reserva em seus textos um espaço para
conversar com um provável interlocutor, a quem se dirige empregando algumas
expressões dialógicas repentinas, tais como “Abane a cabeça leitor”. Esses fatos
linguísticos inda podem ser percebidos nas reedições de suas obras, às quais, por algum
motivo, o autor introduz alterações em relação ao texto original.
Eis algumas das situações em que o autor se aproxima do leitor, e, dessa
forma, no caso do livro didático, em que o autor se aproxima do leitor-professor. Assim:
O circuito percorre um ciclo completo. Ele transmite mensagens,
transformando-as durante o percurso, conforme passam do
pensamento para o texto, para a letra impressa e de novo para o
pensamento. A história do livro se interessa por cada fase desse
processo e pelo processo como um todo, em todas as suas variações
no tempo e no espaço, e em todas as suas relações com outros
sistemas, econômico, social, político e cultural, no meio circundante.
(DARNTON, 1990, p. 112).
37
Circuito elaborado por Silva (2007, p. 86), a partir da expressão utilizada por Márcia de Paula Gregório
Razzini, no artigo “Livros e leitura na escola brasileira do século XX”. O texto destaca aspectos
relevantes na trajetória da história do livro e da leitura na escola do século XX. Mais informações ver
Razzini (2005).
109
Na acepção de Silva (2007, p. 87), o circuito do texto escolar de fato não é
diferente; ele faz o percurso completo: do autor ao leitor - professor e aluno. São
inúmeras as situações nas quais o autor se aproxima do leitor-professor, por exemplo,
quando ele antecipa uma provável escolha ao referir que a obra está de acordo com a lei
que direciona a educação em um determinado espaço/tempo; ou quando o apresenta
como uma imposição do próprio sistema. Em outras palavras, às vezes a condição para
veiculação e adoção dos títulos didáticos é que eles estejam em conformidade com o
currículo oficial vigente, o que, de certa forma, não deixa de ser um cerceamento às
escolhas.
O livro didático de História Lições de História do Brasil, do autor Joaquim
Manoel de Macedo, publicado em 1907, é esclarecedor desse diálogo com o professor.
O autor, no prefácio da obra, ao dialogar com o professor, tenta explicar o porquê de seu
livro didático ser tão volumoso, se é destinado ao estudo por crianças, assim
argumentando:
Uma obra escripta para servir ao estudo de meninos não deve ser
longa, e o nosso compendio á primeira vista desagradará pela sua
aparente extensão; affigura-se-nos porém que um rápido exame do
livro demonstrará que este avulta pelas explicações, pelos quadros
synopticos e pelas perguntas que seguem ás lições com o fim de
facilital-as, e de graval-as na memória dos discípulos. (MACEDO,
1907, p. 01).
Aqui, o autor provavelmente leva em consideração a opinião do leitor-
professor. Há, também, outro diálogo com o professor, por parte do organizador da
obra:
ADVERTENCIA
Encarregado, pelo editor das lições de História do Brasil do dr.
Joaquim Manoel de Macedo, de completar este compendio, tratei
antes do mais, de respeitar o plano adoptado pelo seu autor. Era isso
principalmente o que cumpriu fazer, para não sacrificar o caracter de
um livro, que nove edições sucessivas consagraram. Rio de janeiro,
14 de novembro de 1905. (MACEDO, 1907, p. 02).
o autor Creso Braga, em seu livro didático Breves lições de História do
Brasil, de 1922, traz já na capa da obra duas informações importantes, o que subentende
110
um diálogo com o professor e o cumprimento da imposição do sistema vigente na
Primeira República, conforme se pode apreender na foto a seguir:
Figura 14 - Nota constante da capa do livro Breves Lições de História do Brasil, de 1922
Fonte: Braga, 1922
Como se pôde observar no capítulo anterior, não era raro, durante a Primeira
República, constatar nas edições didáticas o anúncio de que as obras tinham aprovação
do Conselho Superior da Instrução Pública ou eram equiparadas ao plano do Colégio
Pedro II. Para Razzini (2005, p. 106-107):
O controle da instituição patrocinadora da educação sobre o livro
didático sempre fez parte da história desse objeto cultural, seja no
ensino religioso, leigo, público ou privado. Daí a necessidade da
freqüente composição entre os que na ponta da produção (autores e
editores) e os agentes encarregados da aprovação dos livros para uso
dos seus consumidores finais, os alunos.
João Pinto e Silva, autor de Minha Patria, também datado de 1922, igualmente
dialogando com o professor, enaltece o sucesso da obra anterior para justificar seu
direcionamento às práticas escolares desse profissional:
ADVERTENCIA
Seguindo neste livro plano idêntico ao já exposto no que, sob o
mesmo titulo, publicamos para o segundo anno preliminar, resolvemos
repetir aqui as Notas exaradas no outro, por nos parecerem de grande
alcance para o fim da presente obra.
Eil-as:
111
- Explique o professor ao alumno os termos de cada lição,
principalmente os gryphados.
2ª - Chame-lhe a attenção sobre as illstrações do texto.
- solicite-o na parte histórica, por meio de questionários bem
formulados.
4ª - faça- interpretar a lição lida.
5ª - Empregue o mappa-geographico, sempre que for preciso.
- Faça o alumno desenvolver, oralmente, ou por escripto, os
exercícios indicados no fim de cada lição Autor. (p. 07).
Chartier (1994, p. 9), ao analisar os problemas e condições históricas do livro,
destaca três polos que definem o espaço dessa história: a análise dos textos, a partir de
suas estruturas e objetivos; a história do livro, com todas as formas que o tornam
escrito; e o estudo das diferentes práticas associadas a esses objetos ou de suas formas
produzindo usos e significações diferenciadas. O processo no qual as obras adquirem
sentido tem, portanto, uma relação triangular: entre o texto, o objeto que lhe serve de
suporte e a prática que está ligada a este. As variações na relação entre estes três polos
implicam mudanças de significação.
Ao situar esta investigação no primeiro desses polos - a análise dos textos -,
não se descarta a importância das outras dimensões que participam do processo de
construção do texto escolar. E esse destaque acontece em razão do delineamento da
pesquisa e do próprio objeto de estudo: a representação dos negros nos livros escolares
utilizados em Mato Grosso na Primeira República.
Então, o próximo capítulo reúne as análises textuais e icnográficas das
representações dos negros veiculadas em dois livros escolares de História que foram
utilizados nas escolas matogrossenses, no período em tela. Os dois livros foram
recrutados para análise devido a sua ampla utilização nas diversas escolas brasileiras
durante o período em tela.
112
3 VERDADES QUE PARECEM MENTIRAS
Este capítulo é dedicado a analise de alguns livros didáticos de História que
circularam e foram utilizados pelos professores e alunos nas escolas mato-grossenses
durante a Primeira República, mais precisamente no período compreendido entre o final
do século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Porém, recuos e avanços
temporais foram exigidos pelo próprio processo da investigação, a fim de permitir a
contextualização necessária e adequada ao cumprimento dos objetivos definidos para
esta pesquisa.
Não se deteve aqui na realização de uma análise exaustiva das fontes
encontradas, ou, ainda, não se elegeu como objetivo criticar as obras didáticas em
Figura 15 - Livros didáticos de História utilizados nas escolas mato-
grossenses durante a Primeira
República
Fonte: Pombo (19..); Macedo (1907)
113
questão; concentrou-se, sim, na busca pela compreensão das representações dos negros
apresentadas em tais publicações.
Destaque-se que Mato Grosso não era um Estado produtor de livros escolares,
nem exportador de teorias via publicação de textos didáticos. De acordo com Silva
(2007, p. 85): “Mato Grosso era nutrido
38
pelas produções didáticas de outros centros.”
Esse fator implica a reflexão de que muitos dos livros escolares adotados nas
escolas mato-grossenses possivelmente também o foram em estabelecimentos de ensino
de diversos outros Estados brasileiros, de modo que a localização dessas obras nessas
diferentes regiões constitui-se, por si só, num indício dessa hipótese. Igualmente, alguns
estudos analisados no correr desta pesquisa corroboram essa ideia.
Dar-se-á início, neste momento, a um diálogo, mediante a tessitura de algumas
considerações a respeito do livro Lições de História do Brasil, de Joaquim Manoel de
Macedo, datado de 1907 e cuja escolha se deu em função de a obra ter sido aprovada em
1880 pela Congregação
39
do Liceu Cuiabano para uso no ensino secundário, tendo sua
utilização adentrado o período republicano.
3.1 LIÇÕES DE HISTÓRIA DO BRASIL, DE JOAQUIM MANOEL DE
MACEDO
Para discorrer sobre esse tópico, tecer-se-á uma breve biografia de Joaquim
Manoel de Macedo, por acreditar que sua trajetória de produções bibliográficas
representa com propriedade um grupo de intelectuais e escritores de livros escolares da
Primeira República.
Como muitos estudiosos da época, Macedo exerceu várias funções: foi escritor,
político e professor do Imperial Colégio Pedro II; participou ativamente do IHGB;
atuou também como membro da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, do
Conselho Diretor de Instrução pública da Corte e sócio do Conservatório Dramático do
Rio de Janeiro. Dentro desse amplo conjunto de atividades, segundo Andrade (2008),
destacam-se quatro frentes: a política, a imprensa, a escrita e o ensino de História.
38
Silva (2007, p. 85) emprega o termo nutrido por compreender que, à medida que se compra e se adota
determinado material, está-se nutrindo, valendo-se das teorias e concepções que o constituem.
39
Utiliza-se o termo “congregação” por ser a designação utilizada na Ata da Congregação dos Professores
do Liceu Cuiabano, para aprovação dos compêndios do ensino secundário público (18 set. 1880).
114
Na política, Macedo foi deputado provincial do Rio de Janeiro, na legislatura de
1854 a 1859, e deputado geral, em 1863, 1867 e 1878, pelo partido Liberal; além de ter
estado sempre ligado à família Imperial, na qual chegou a ser professor de História do
Brasil das princesas Isabel e Leopoldina.
Na imprensa, destacou-se pelas crônicas semanais que escrevia nos periódicos
A Nação, jornal do partido Liberal, entre 1852 e 1854; Jornal do Comércio, de 1855 a
1862; e A Reforma, também do partido Liberal, entre 1869 e 1870.
Na escrita, Joaquim Manoel de Macedo se tornou popular com a obra A
Moreninha (1844) e, como cronista, suas principais contribuições foram as publicações
de A Carteira do meu Tio, datado de 1855, e Memórias do Sobrinho de meu Tio,
publicado entre 1867 e 1868.
No ensino de História, foi o primeiro professor de História do Brasil do
Internato e Externato do Imperial Colégio Pedro II tendo ali ingressado em 1849 e
permanecido até vir a falecer, em 1882.
Durante o período em que desempenhou a função docente, o autor escreveu
dois manuais de História do Brasil, ambos denominados Lições de História do Brasil,
sendo, porém, um para uso dos alunos daquela unidade escolar e o outro para uso dos
alunos das escolas de instrução primária. Essas obras, em 1865, além de terem sido
adotadas no Imperial Colégio, passaram a ser recomendadas para todos os outros
colégios do Império, haja vista o Pedro II, como citado anteriormente, ter servido de
modelo para as demais instituições de ensino secundário.
O livro Lições de História do Brasil ora analisado é sua cima edição,
publicada em 1907 e organizada por Olavo Bilac, que, em suas próprias palavras,
manteve inalterado o plano adotado pelo autor:
ADVERTENCIA
Encarregado, pelo editor das lições de História do Brasil do dr.
Joaquim Manoel de Macedo, de completar este compêndio, tratei
antes do mais, de respeitar o plano adoptado pelo seu autor. Era isso
principalmente o que cumpriu fazer, para não sacrificar o caracter de
um livro, que nove edições sucessivas consagraram. Rio de janeiro,
14 de novembro de 1905. O.B. ( p. 02).
A postura adotada por Bilac reforça o que ele próprio explicita em seu texto: a
obra de Joaquim Manoel de Macedo teve ampla aceitação e foi adotada em diversas
escolas brasileiras, podendo tal receptividade ser justificada por tal número de edições,
115
uma vez que a análise aqui empreendida tem por objeto, como se disse, sua décima
edição.
Em face disso, é importante ressaltar que o livro veicula as representações
sociais por certo pertinentes ainda ao Império, época contemporânea do autor.
Lições de História do Brasil teve como livreiro-editor H. Gardiner e consta de
519 ginas não ilustradas. No entanto, logo nas páginas iniciais, o autor apresenta
prováveis justificativas aludindo à espessura do material, pois era destinado a um
público jovem e caracteriza o que julga ser uma extensão aparente:
Uma obra escripta para servir ao estudo de meninos não deve ser
longa, e o nosso compendio á primeira vista desagradará pela sua
aparente extensão; affigura-se-nos porém que um rápido exame do
livro demonstrará que este avulta pelas explicações, pelos quadros
synopticos e pelas perguntas que seguem ás lições com o fim de
facilital-as, e de graval-as na memória dos discípulos. (p. 01).
Com relação aos negros, na obra prevalece o silêncio: em meio às 519 páginas,
o autor destinou apenas quatro para abordar a história dos negros no Brasil. Porém,
Choppin (2004, p. 22) adverte que as escolhas dos autores tanto com relação à seleção
dos fatos quanto na sua forma de abordá-los não são neutras, e, nessa perspectiva: “[...]
os silêncios são também bem reveladores: exige dos manuais uma leitura em negativo!”
Macedo se refere aos negros somente em relação à destruição dos Palmares e à
abolição. E, ao abordar a Guerra Hollandeza, o máximo a que chega é mencionar
Henrique Dias:
De volta á várzea de Recife reuniram-se aquelles chefes a Henrique
Dias que ficara mantendo o cerco que já se tinha posto a essa cidade, e
fundaram sobre uma eminência que dominava a planicie um arraial
fortificado que se chamou do Bom Jesus, em lembrança do outro que
tivera o mesmo nome; e a 7 de Outubro de 1645, nesse novo arraial,
foi João Fernandes Vieira acclamado governador. (p. 196).
O autor não enaltece as qualidades de comando e a importância de Dias na
expulsão dos holandeses e, ao se referir a Antônio Philippe Camarão, companheiro de
batalha daquela personalidade histórica, nomeia-o índio:
O bravo D. Antônio Philippe Camarão, victima de febre violenta,
índio tão illustro, tão hábil capitão, e intrépido soldado, tão notável
pelos seus serviços, que merecera do rei Philippe IV a graça do título
116
de Dom para elle e seus herdeiros, o foro de figalgo, o habito da
ordem de Christo com uma pensão pecuniária, e a patente de capitão-
mor dos índios. (p. 198).
Como se vê, Macedo enaltece Camarão com atributos de peso. A propósito, no
momento de produção da obra, as discussões indianistas
40
encontravam-se a pleno
vapor, e grande parcela dos povos negros ainda se confinava nas senzalas.
Para Ribeiro (2004, p. 246-247), em relação aos negros como parte formadora
do povo brasileiro, Macedo opta pelo silêncio e limita a presença desse grupo étnico
racial ao quilombo dos Palmares, povoando a memória nacional a ser ensinada nos
bancos escolares:
Macedo era contra a escravidão, embora não tivesse escrito sobre o
assunto uma linha no seu manual escolar. Não fez qualquer nota sobre
o elemento da raça negra como co-partícipe na construção da nação
brasileira porque sua preocupação era definir os foros de civilização
que a Monarquia de Dom Pedro II carregava e o negro não era
passível de tal assimilação. Ela estava fora da encenação monumental
do ato de formação da nacionalidade brasileira no texto didático de
Macedo.
Joaquim Manoel de Macedo parece realmente não dar voz aos negros, e muito
menos espaço. Em sua obra, dedica pouco mais de meia gina para se referir a um dos
ícones da resistência desse povo, o quilombo dos Palmares, refúgio que, ainda, é
focalizado apenas no momento em que foi destruído. Como não bastando esse recorte
na realidade dos fatos constitutivos desse embate, o negro é retratado como simples
coadjuvante do protagonismo vitorioso do homem branco. Desse modo, as conquistas e
a organização do quilombo dos Palmares não figuram no texto, ainda que ali se
reunissem várias aldeias de quilombolas
41
totalizando mais de 20 mil moradores, a
mesma população de Salvador, capital do Brasil na época (SCHIMIDT, 2005, p. 209).
Ademais, ao retratar os negros, o autor os associa à criminalidade, à desordem
e à violência:
Aproveitando-se da desordem, das emigrações e do abandono de
fazendas e propriedades, durante a guerra hollandeza, muitos escravos
fugiram e foram acoutar-se nas faldas da serra da Barriga e
provavelmente em outras matas, formando quilombos, onde pelo
correr do tempo outros escravos se reuniram aos primeiros,
40
Indianistas eram os intelectuais que discutiam a inclusão do índio na categoria de brasileiro e não
indianistas eram os que rejeitavam essa ideia.
41
Quilombolas eram pessoas que viviam nos quilombos.
117
procurando assim livrar-se da opressão do captiveiro, e sem dúvida
também a elles se ajuntaram desertores e criminosos. [...] A existência
dos Palmares era um perigo para as capitanias onde existiam e
avizinhavam com esses quilombos. (p. 224).
Enfim, enaltece as figuras de Domingos Jorge Velho e dos paulistas por terem
conquistado Palmares:
Em 1667, o paulista Domingos Jorge Velho obrigou-se a destruir
aquelles quilombos e a aprisionar os quilombolas [...], e seguindo-se
encarniçada campanha, e muitos combates, em que ostentaram todo o
seu valor os Paulistas commadados por Domingos Jorge Velho,
conseguio conquistar definitivamente os Palmares em 1697. (p. 225).
Nesse cenário, parece que o autor transmite a mensagem do que pode acontecer
aos insurgidos e exalta a superioridade dos brancos.
O próximo tópico a retratar os negros é no capítulo da Abolição intitulado: A
Abolição e a República (1888-1889). Esse capítulo fora escrito por Olavo Bilac, pois,
neste período, Joaquim Manoel de Macedo já havia falecido.
Para Bilac, a escravidão fora mantida devido à impossibilidade de os
governantes garantirem a permanência do equilíbrio dos cofres públicos caso ocorresse
a libertação dos escravos:
O Brasil foi um dos últimos paizes a decretar a emancipação dos
escravos. Isso foi motivado pela impossibilidade, em que sempre se
viram os governos, de realisar de chofre essa medida humanitária, sem
comprometer gravemente afortuna publica e particular: basta dizer que
no dia 13 de maio de 1888, quando foi assignada a lei da abolição,
ainda existiam no Brasil mais de setecentos mil escravos. (p. 423).
Sendo assim, levando-se em consideração os quase trezentos anos de
escravidão no Brasil, os negros eram tratados como mercadoria, provavelmente valiosa
para a nação. O texto também é esclarecedor do rol de prioridades estabelecidas pelo
Estado brasileiro, dentre as quais, ao que tudo indica, as questões humanitárias
realmente não eram assunto de pauta. Em um país no qual a escravidão de pessoas
perdura tanto tempo, é um tanto quanto contraditório falar em medida humanitária. Ou
não?
Nesse contexto, as conquistas sobre os negros que almejavam a liberdade,
deram-se num processo tranquilo, sem lutas, sem guerra: “[...] uma glória, porém, cabe
118
á nossa nacionalidade, a de ter effectuado essa reforma social sem derramamento de
sangue, entre expansões de jubilo intenso e fraternal.” (MACEDO, 1907, p. 428).
Parece que o autor esquece ou silencia que nas páginas anteriores faz referência à
encarniçada campanha de combate ao quilombo dos Palmares.
Nesses termos, a libertação dos escravos é apresentada como uma iniciativa
dos homens brancos, sendo aos negros concedida uma posição de expectador desse
processo:
Só com a lei de 1850 (devido ao estadista Eusébio de Queiroz) ficou o
tráfico realmente extincto. A lei de 28 de setembro de 1870, devida
principalmente ao visconde do Rio Branco, e sanccionada pela
princesa D. Isabel que na ausência do Imperador exercia a regência do
Império, veio completar a de Eusébio de Queiroz - declarando livres
todos os nascidos de ventre escravos. (MACEDO, 1907, p. 428-429).
Diante desse cenário, o autor adota a posição de que tal movimento libertador
aconteceu definitivamente ou pela generosidade dos senhores de escravos ou pela
vitória da propaganda abolicionista: “[...] em 13 de maio de 1888, a princeza D. Isabel,
que pela terceira vez exercia a regência, sancionou a lei decretada pelas camaras, por
proposta do ministério João Alfredo, declarando extincta a escravidão no Brasil.” (p.
429).
E, nesse processo de libertação descrito na obra em apreço, também o
lugar de destaque para a princesa Isabel, a exemplo do que ocorria em outros livros
didáticos em circulação no mesmo período. Primeiramente, o autor referenda Eusébio
de Queiroz, com a lei de extinção do tráfico negreiro, e, depois, João Alfredo, com a lei
de extinção da escravidão no Brasil. Àquela figura real, restou-lhe apenas a sanção das
leis em virtude da ausência do Imperador, fato que pode estar associado às ideias do
movimento republicano, que no ano seguinte proclamou a República.
Entretanto, por mais que os filtros sociais, políticos, econômicos e culturais do
discurso tentem impor uma ordem, era impossível sufocar e calar milhares de negros
que lutaram para mudar o próprio destino e o de sua gente. Em decorrência disso,
flagram-se contradições ao longo do texto de Macedo, como no caso do envolvimento
dos negros na luta pela liberdade: ora figuram como simples coadjuvantes do processo,
ora como protagonistas.
119
Começaram, então, as alforrias em massa, obtidas, quer pela
generosidade dos senhores de escravos, quer pelo resgate effectuado
por meio de subcripções populares. [...] Em 1888, a agitação chegara
ao seu auge. Bandos compactos de escravos abandonavam as
fazendas; o exercito recusou-se terminantemente a intervir para
suffocar esses levantes. (p. 429).
E, mesmo de forma subliminar, percebe-se no livro a resistência desses grupos
à escravidão: “[...] muitos escravos fugiram e foram acoutar-se na serra da barriga,
formando quilombos, onde pelo correr dos tempos outros escravos se reuniram aos
primeiros, procurando assim livrar-se da oppressão do captiveiro”. (p. 224).
Apesar de o autor ignorar a administração política, social e militar necessária
para governar, aproximadamente, vinte mil quilombolas residentes em Palmares,
afirma: “[existia ali] uma espécie de governo, cujo chefe denominava-se zumbi.” (p.
224).
Parafraseando Chartier (1990, p. 18-19), a partir do momento em que as
representações sociais comandam atos, mesmo que à revelia dos atores sociais que as
elaboram, elas traduzem as posições e interesses desses indivíduos. Assim, tais
representações passam a ter existência e descrevem a sociedade tal como pensam os
membros que a integram, ou como gostariam que ela fosse.
A partir dessa análise, nota-se que o estudo das representações veiculadas aos
negros nos livros escolares compreendem bem mais os valores, comportamentos e
normas estabelecidos pelos brancos do que fatos relativos aos próprios negros. Por esse
prisma, parece que o livro Lições de História do Brasil foi elaborado por um emissor
branco para um receptor também branco.
120
3.2 NOSSA PÁTRIA, DE ROCHA POMBO
Será analisada a partir deste momento a 60ª edição do livro Nossa Pátria, de
autoria de Rocha Pombo, da qual não consta o registro da data de publicação, embora
em sua apresentação, elaborada pelo próprio autor, encontre-se indicado o ano de
1917
42
. A obra, bastante ilustrada, narra os fatos da História do Brasil em seus processos
evolutivos, e foi adotada por professores e alunos mato-grossenses nas primeiras
décadas do século XX, como consta da referenciada relação elaborada pelo
Almoxarifado da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso, de
1924 a 1927, e dos relatórios do Conselho Superior da Instrução Pública.
O livro foi destinado ao ensino primário, como se constata nas palavras do autor
ao apresentar sua obra:
Este livrinho e feito para a intelligencia das creanças e dos homens
simples do povo.
Neste dias, que alvorecem tão novos, em que se procura crear o culto
da pátria, penso que o primeiro trabalho para isso é fazer a pátria
conhecida daquellles que a devem amar.
42
Possivelmente, essa data se refere a uma das primeiras publicações do livro em apreço. Em face disso,
adotar-se-á nesta investigação a indicação [19--], referindo-se ao século certo de edição da obra ora
analisada.
Figura 3 - Livro - Nossa Patria e o autor Rocha Pombo
Fonte: Pombo ([19--]).
121
Não se ama uma terra sinão quando alguma coisa sagrada a ella nos
prende - algum sacrifício, ou alguma tradição gloriosa.
São essas coisas que firmam a nossa existência moral.
[...]
Rio - 1917
Rocha Pombo
(p. 03).
Antes de se lançar um olhar mais cauteloso e aprofundado à obra de Rocha
Pombo, em busca de maiores detalhes, acredita-se ser oportuno elencar algumas
informações sobre o autor. Nascido em Morrestes, no Paraná, no ano de 1857, foi
historiador, professor, político, escritor, jornalista e membro do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro. Era abolicionista e republicano, tendo sido eleito deputado,
quando se transferiu para a corte e logo se habilitou para lecionar no Colégio Pedro II e
na Escola Normal. Escreveu vários livros didáticos de História, romances, contos e
poesias. Chegou a ser eleito, em 16 de março de 1933, para oculpar a cadeira 39 da
Academia Brasileira de Letras, que tem como patrono Francisco Adolfo de Varnhagen,
mas faleceu antes de tomar posse.
Situar Rocha Pombo em seu espaço/tempo faz-se necessário para uma melhor
compreensão de sua obra. Inicie-se dizendo que, ao contrário da postura adotada por
Joaquim Manoel de Macedo, que, conforme visto, optou pelo silêncio em relação aos
negros como parte constituinte do povo brasileiro, o autor, em seu livro didático Nossa
Pátria, possivelmente influenciado pelas ideias republicanas, lançou-se por um caminho
em que ressalta os três elementos formadores dessa gente na construção da nação.
O livro é constituído de 150 páginas, subdividas em 51 tópicos sucintos, e,
daquele total, 57 páginas apresentam gravuras, das quais 25 são destinadas aos negros.
A hierarquização das raças” e o mito da democracia racial permearam os
textos dessa publicação, de sorte que nas primeiras páginas do capítulo I, intitulado
“Nossa Pátria”, o autor refere-se à “igualdade entre as raças”: “De certo que devemos
amar todos os homens. O nosso semelhante, qualquer que seja o seu paiz e a sua raça, é
sempre um ente sagrado. Tudo na vida nos diz muito claro que todos os homens são
irmãos, e como taes devem amar-se.” (p. 06).
Entretanto, esse discurso de fraternidade e igualdade é logo interrompido nas
páginas seguintes, no tópico denominado “Os africanos”, em cuja narrativa o autor
ressalta a necessidade de mão de obra para a manutenção da economia colonial
122
portuguesa na América e, diante da dificuldade de escravizar os índios, justifica a
escravidão africana:
Esta gente era também selvagem como os indios, e vivia lá quasi
como os indios viviam aqui. Apenas os africanos não eram livres
como os indios; tinham os seus reis, chamados sobas, que com elles
eram muito crueis. Aqueles reis vendiam gente como si fosse gado.
Sabendo disso, os nossos colonos mandavam comprar quantos
queriam para os ajudarem nas plantações. (p. 31).
Esse trecho é revelador da construção de uma história etnocentrica e da
hierarquização das raças, e o autor continua seu relato reforçando o mito da democracia
racial:
Quasi todos, em vez de odiar, ficaram logo querendo bem aos
senhores. Sobretudo as mulheres foram as grandes amigas das
creanças.
Trabalhadores, obedientes e muito espertos, os africanos fizeram
muito pelo progresso do nosso paiz.
Soffreram bastante sahindo lá do meio dos seus; e as vezes o sacrificio
para elles era tão grande que chegavam a morrer de saudade.
Afinal a raça foi recompensada, pois descendentes daquellles pobres
escravos hoje são iguaes aos antigos senhores, e sem duvida muito
mais felizes do que os parentes que ficaram lá na Africa. [...]
Hoje, somos todos como irmãos.
(p. 32).
Com o tom adotado na elaboração de seus textos, Rocha Pombo forja uma
imagem amena e não violenta da escravidão conduzida pelos portugueses no Brasil,
além de defender que ela salvou os negros de um futuro sem perspectivas, resgatando-os
da África selvagem, aproximando-os da civilização e finalmente garantindo-lhes a
liberdade e a igualdade.
Florestan Fernandes (1978, p. 30), procedendo a uma revisão sistemática das
teses da benevolência e suavidade da escravidão, argumenta terem sido elas justificadas
pelos pesquisadores tributários dessa perspectiva, não somente pela dura, rbara e
cruel realidade da escravidão, mas também pela própria violência inerente ao sistema
escravista, a qual se constitui numa de suas principais formas de controle e manutenção.
De acordo com Ribeiro (2008, p. 68), a imagem do senhor de escravo como
alguém “humanitário”, do Brasil como “paraíso racial” e da África como “viciosa”,
terra da barbárie, esteve presente no discurso dos abolicionistas da segunda metade do
século XIX.
123
É importante lembrar que os autores dos livros didáticos são frutos de um
determinado tempo/espaço. Logo, a escrita da História é sempre uma interpretação e
reinterpretação de quem a produz. Diante disso, devem-se apreciar com certo cuidado
alguns trechos das narrativas por eles elaboradas e que, de uma forma ou de outra,
parecem escapar-lhes da sua autonomia. Nesse contexto, o jogo contraditório fundado
nas/pelas palavras dos escritores pode ser revelador e fornecer possíveis pistas para
outras interpretações e reconstituições de uma mesma sociedade.
O trecho pouco citado do livro de Rocha Pombo é ilustrativo dessa
contradição. Referindo-se à chegada dos negros ao Brasil como escravos, o autor
declara que: “[...] em vez de odiar, ficaram logo querendo bem aos senhores.”
Entretanto, no parágrafo que sucede ao que traz essa informação, afirma: “Soffreram
bastante sahindo lá do meio dos seus; e ás vezes o sacrificio para elles era tão grande
que chegavam a morrer de saudade.”
Então, o autor acreditava mesmo que a escravidão era aceita pelos negros? Ou
essa idéia é uma construção do autor? A despeito desses questionamentos, neste
momento da pesquisa o interessante é perceber que, mesmo com todos os filtros sociais,
econômicos, políticos e culturais, mesmo com as várias tentativas de amenizar os
horrores da escravidão, é impossivel apagar as cicatrizes e as mazelas sociais e culturais
disso decorrentes.
Ao fianlizar o tópico XI, intitulado “Os europeus”, o autor caracteriza as
representações de cada elemento formador das três raças:
Vê-se, portanto, que a população do Brasil se formou dessas tres raças
que temos indicado: os indios, que estavam aqui; os africanos, que
vieram como escravos; e os europeus, que tomaram conta do paiz.
Por isso, o brasileiro tem as qualidades mais notáveis dessas tres
raças: - é altivo, amoroso e intelligente. (p. 35).
Por conseguinte, a “democracia racial” tão enfatizada na Primeira República no
Brasil e transposta para os livros escolares “era possível” desde que cada sujeito
conhecesse e aceitasse o seu devido lugar na hierarquização social. Logo, não passou de
um mito, de uma construção sem alicerce.
Rocha Pombo, ao descrever a organização das vilas no período colonial, mais
uma vez caracteriza os papéis sociais de brancos e negros:
Quando o numero e a importância dos moradores já permitisse a
formação de uma camara, a freguesia e elevada á classe de Villa.
124
Essa camara era composta de umas quantas pessoas escolhidas entre
os homens bons da Villa, quer dizer - entre a gente principal.
Era incumbida de reger a Villa.
No dia em que o povoado passava de freguesia à classe de Villa, era
preciso também levantar-se na praça principal, em frente da casa da
camara, uma columna ou poste de madeira, que se chamava
pelourinho.
Este poste significava o poder e a justiça do rei. Nelle se amarravam
os criminosos e os escravos que deveriam ser castigados. (p. 44).
A bipolaridade entre brancos - “homens bons” - e negros - criminosos - era
uma constante nos textos didáticos desse período, configurando representações que
marcaram inúmeras produções dessa natureza.
Após a ênfase dada à necessidade da construção de pelourinhos nas vilas, o
autor apresenta uma imagem de negros sendo castigados no pelourinho, sob o olhar
atento de uma plateia de “criminosos” e “homens bons”.
Figura 17 - Pelourinho
Fonte: Pombo ([19--], p. 45).
Essa imagem é repleta de representações da sociedade colonial, a partir da qual
o artista, lançando um olhar etnocêntrico, construiu sua obra. Ao observar a cena,
verificam-se negros sendo castigados por outros negros sob o olhar atento de homens
brancos - “homens bons” e negros. Essa demonstração de poder dos “homens bons” em
praça pública tem um significado: dar exemplo aos demais negros. Também podem ser
125
notados negros fazendo parte do corpo de ordenança
43
e outros castigando os próprios
companheiros, numa demonstração de que aos “obedientes” seriam concedidas
pequenas vantagens.
Acrescente-se que as imagens apresentadas no livro de Rocha Pombo podem
ter sido escolhidas e apresentadas não somente pelo autor, mas por outros profissionais
que fizeram parte do processo de produção final da obra - editoração, publicação etc.
Bittencourt (2008, p. 75), referindo-se a Ernest Lavisse, expressa que, para esse
historiador:
“Ver as cenas históricas” era objetivo fundamental que justificava ou
ainda justifica a inclusão de imagens nos livros didáticos em maior
número possível, significando que as ilustrações concretizam a noção
altamente abstrata do tempo histórico. Para Lavisse, as gravuras dos
livros serviram ainda para facilitar a memorização dos conteúdos,
sendo que o autor tinha cuidados especiais em apresentar, no corpo da
página, o texto escrito mesclado a cenas que reforçavam as
explicações escritas pelo autor.
Portanto, mesmo o livro Nossa Patria não fazendo apologia à escravidão, ainda
que apresente, sem nenhum comentário crítico, imagens retratando os negros em cenas
como as pouco descritas, isso contribui para a construção das representações
fortemente negativas associadas a esse povo.
Percebe-se que Rocha Pombo fugiu da construção de uma História estritamente
política, factual e personalista, ao apresentar com frequência nas narrativas e nas
imagens aspectos do cotidiano, como aqueles representativos das atividades realizadas
pelas mulheres:
As mulheres viviam quase fechadas no interior das casas,
cuidando dos serviços domésticos.
Esses serviços eram, então, mais penosos do que hoje. As mulheres
tinham de fazer toda roupa da família.
É verdade que as roupas não eram muitas [...].
Mas, se as roupas eram poucas, deviam ainda assim, custar muito a
fazer, porque eram feitas a mão. Não havia, como hoje, machinas de
costura. E era preciso ainda fazer o próprio panno, tecendo a e o
algodão em pequenos teares, pois o pouco panno que vinha da Europa
era muito caro.
43
Corpo de ordenança: instituição militar responsável pela segurança pública dos municípios no período
colonial. Constituíam as tropas mais diretamente manipuláveis pelos proprietários rurais. Os oficiais,
embora nomeados pelo governador, eram escolhidos a partir de uma lista tríplice organizada pelas
câmaras municipais, intensamente controladas pelos proprietários rurais. (FERNANDES, 1973, p. 36-
37)
126
Alem de tudo isso que as mulheres tinham de fazer para toda a
família, os trabalhos da cozinha eram mais difficeis. Não havia
fogões. Fazia-se fogo de lenha debaixo de uma trempe de ferro; e
sobre essa trempe punha-se a panela de barro.
Não havia phosphoros; e era preciso conservar o fogo sempre acceso.
Chamava-se mesmo - guardar o fogo.
Quando este se apagava, era preciso pedir fogo ao vizinho. Dahi se
como era custosa a vida para as famílias.
Mas também é certo que as donas de casas contavam com o
auxilio das escravas; e quasi sempre não tinham mais que o
trabalho de as governar. (p. 47-49, grifos nossos).
Ao focalizar o cotidiano das mulheres, o autor finaliza suas observações
afirmando: “[...] que as donas de casas contavam com o auxílio das escravas; e quasi
sempre não tinham mais que o trabalho de as governar.” Logo, esses aspectos flagrados
do dia a dia representam as atividades desenvolvidas pelas escravas domésticas, que
às mulheres brancas cabia apenas “governar as escravas”.
A imagem exibida a seguir retrata as famílias coloniais e corrobora o fato de
que quem desenvolvia as atividades na casa do senhor eram os escravos domésticos:
Figura 18 - Dia de Festa
Fonte: Pombo ([19--], p. 47).
Crê-se ser oportuno destacar que algumas representações da casa-grande
veiculadas nos livros escolares também serviram para disseminar as teses da
127
“benevolência” do senhor de escravo e da “docilidade” da escravidão brasileira. No
entanto, ao abordar o cotidiano colonial, Pombo traz à tona aspectos da rotina diária
dessa gente, fugindo das abordagens estanques e momentâneas (a destruição dos
Palmares e a abolição, por exemplo) atribuídas à população negra e que são
características de alguns livros escolares contemporâneos ao dele.
Ribeiro (2004, p. 263), examinando o livro de História do Brasil de Rocha
Pombo, destinado ao nível superior de ensino, afirma que o autor retratou nas páginas
que o integram aspectos da presença do escravo negro na vida cotidiana dos seus
senhores, no espaço privado da casa-grande, lugar privilegiado anos mais tarde por
Gilberto Freyre na construção de sua interpretação sobre o passado colonial português.
Provavelmente, a preocupação de Rocha Pombo em pensar o espaço
da casa-grande, estivesse baseada na obra de Capistrano de Abreu,
que, em Capítulos de História Colonial (1500-1800), atribuiu
importância à história social e dos costumes e onde, pela primeira vez,
aparecia a casa-grande e a senzala. (RIBEIRO, 2004, p. 265-624).
Nos textos e imagens apresentadas no capítulo XVI de sua publicação, Rocha
Pombo aborda o cotidiano da vida nos sítios, dizendo inicialmente que: “[...]
moravam na Villa as famílias que dispunham de recursos... Os que não contavam com
taes meios de vida, e eram pobres, tinham de viver com as famílias pelas vizinhanças
das povoações, occupando-se de lavoura e criação.” (p. 50). A imagem a seguir
recupera uma visão dessa vida no sítio:
128
Figura 19 - Lundú
Fonte: Pombo ([19--], p. 50).
Prosseguindo em suas observações, continua com a descrição das atividades
diárias da população pobre que vivia nos sítios:
Os moradores pobres, porém, não tinham escravos, e viviam nos seus
sítios plantando alguma coisa, e tendo usos e costumes que se
pareciam muito com os dos índios...
Para essa gente era uma verdadeira felicidade ir à Villa (ir á capella -
como se dizia).
os mais remediados é que no dia de festa conseguiam isso. Havia
muitos que morriam sem saber o que era a Villa...
Mas, a gente do sitio, que não tem Cavallo ao menos, anda sempre a
pé; e, por isso, os que moram mais longe nem sempre podem ir á
Villa.
Fora dos tempos de festa o lavrador pobre só vai á Villa ou á freguesia
vender as suas lavouras e comprar algumas coisas de que precise.
Na Villa encontra melhores preços; mas os fiscaes da camara quase
lhe tiram tudo, como ainda hoje, infelizmente, acontece em algumas
cidades. (p. 51-52).
Logo após esse texto, encontra-se no livro uma imagem intitulada “Na Villa”,
conduzindo o leitor à interpretação de que se trata de moradores pobres do sítio:
129
Figura 20 - Na Villa
Fonte: Pombo ([19--], p. 52).
Mesmo o autor não mencionando nas narrativas que os pobres eram os negros,
as imagens inseridas ao longo do texto apontam para essa hipótese. Volpato (1993, p.
193-199), estudando sobre a vida cotidiana e a escravidão em Cuiabá, revela que uma
parcela de negros livres vivia na zona rural, sobrevivendo da caça, da pesca, da colheita
frutos silvestres e da lavoura. Sendo assim, talvez, ao se referir aos pobres, o autor
contemple uma parcela da população de negros libertos.
Mais adiante Rocha Pombo conclui esse capítulo descrevendo algumas
características dos “homens pobres”:
Mas uma coisa muito curiosa se dava entre aquelles pobres homens,
que iam ficando como fora da sociedade: eram muito amigos uns dos
outros e muito unidos.
Como as roçadas (córtes de mattas) e outros preparativos para as
plantações, eram trabalhos muito pesados e não podiam ser feitos por
um homem, aquelles lavradores entre si se ajudavam com muita
alegria.
Era bastante que qualquer delles desse aviso aos outros de que
precisava de um ajutório para fazer uma derrubada, e todos acudiam
prompto; e o serviço era feito no mesmo dia com grandes festas.
Chamavam a isto de muxirão ou pixeirão. (p. 53).
E, para finalizar, dispõe após esse texto esta imagem que mais uma vez é
representada por negros:
130
Figura 21 - Muxirão ou pixeirão
Fonte: Pombo ([19--]).
Retomando as considerações de Volpato, capta-se que as difíceis condições de
vida exigiam dos pobres livres a construção de relações de proximidade e solidariedade
(p. 202). Mas, Rocha Pombo, ao atrelar à imagem desse segmento social aspectos
positivos, como a solidariedade e o trabalho, foge dos estereótipos - negros x
criminalidade, negros x animalidade - característicos de algumas obras didáticas desse
período.
Ao trazer para o corpo desta pesquisa imagens utilizadas como recurso
pedagógico do livro Nossa Patria, não se pretendeu submetê-las a uma análise técnica e
iconográfica, a intenção foi apenas buscar a relação do conteúdo dessas ilustrações com
o contexto histórico e social em que se inserem.
Logo, as interpretações, deduções e especulações apresentadas partem do olhar
constitutivo de valores de um determinado tempo histórico, partem de alguns interesses
e apropriações, ou seja, partem do chão em que se pisa.
No capítulo seguinte, intitulado “Quilombos” o autor centra sua atenção nos
negros. Mais uma vez ele início à abordagem tratando do cotidiano das mulheres
negras escravizadas a partir do momento de sua chegada ao Brasil:
Muitos dos africanos que eram trazidos para o Brasil, principalmente
as mulheres, ficavam nas cidades. Começaram logo a entender a
língua dos brancos, e a aprender algum trabalho ou algum officio.
131
Eram, então, chamados escravos ladinos e valiam muito mais do que
os outros.
As raparigas entravam logo nos serviços domésticos, aprendendo tudo
com muita facilidade, e tornando-se preferidas ás indias. (p. 54).
Evidencie-se também que, ao delinear esse cotidiano, Rocha Pombo foge dos
padrões de uma historiografia estritamente eurocêntrica, branca e masculina, tão própria
daquele contexto histórico.
Mesmo o autor apresentando de forma explícita e implícita o mito da
democracia racial e a hierarquização das raças, não omitiu o infortúnio e a resistência
dos negros à escravidão:
Mas o maior numero de escravos, assim que chegavam, iam para as
fazendas ou para os engenhos; e ahi como se estivessem fora do
mundo, passavam a viver como um rebanho, debaixo da vontade do
senhor.
É por isso que não tendo comunicação com mais ninguém sinão com
os seus irmãos de raça e de sina, lhes era difficil aprender de prompto
a língua dos brancos; e assim conservavam por muito tempo quase
todos os usos, costumes e festas lá da África...
Havia, porem, senhores muito deshumanos, que tratavam as pobres
creaturas como si fossem simples animaes. E então, a vida que
levavam na senzala e no trabalho, de sol a sol, era para os míseros
uma continua amargura. (p. 56).
Diferentemente de Macedo, que opta por retratar o quilombo dos Palmares
apenas no momento de sua destruição, Rocha Pombo se refere aos diversos refúgios
existentes nas capitanias como símbolos da resistência negra e referenda aquele como
sendo o mais célebre deles:
Não demorou que os fugitivos (chamavam-se negros fugidos) se
fossem reunindo no interior das matas, e ahi vivendo como tinham
vivido na África.
Deu-se a essas habitações o nome de quilombos, e houve grande
numero delles em todas as capitanias.
Os mais celebres foram os dos Palmares. (p. 56-57).
Embora exalte Palmares, o autor priva-se de emitir qualquer juízo de valor ao
abordar tanto os aspectos da organização política, econômica, social e cultural do
quilombo, quanto o massacre e extermínio dos quilombolas. Seria isso devido ao fato de
Palmares ter representado uma fissura que poderia separar ao invés de unir?
Sendo Rocha Pombo partidário das discussões das elites políticas e intelectuais
em torno da urgência de se construir uma identidade e um sentimento nacionalistas, a
132
tônica do seu trabalho está na união e não na fissura das três raças. A ênfase dada ao
“heroísmo das três raças” na guerra contra os holandeses em Recife sinaliza essa
acepção.
Após apresentar a imagem a seguir, apresentando os “verdadeiros heróis” da
guerra contra a invasão holandesa,
Figura 22 – “verdadeiros heróis” da guerra contra a invasão holandesa
(da esquerda para a direita, João Vieira, André Vidal, Henrique Dias e Felipe
Camarão)
Fonte: Pombo ([19--], p. 71).
assim conclui o texto:
As três raças tinham povoado o Brasil ali estiveram sempre alliadas
contra aquelles usurpadores: os Henrique Dias e os Camarão não se
mostraram menos bravos e dignos que os André Vidal e os João
Vieira.
Os lances daquella guerra, como as batalhas dos Guararapes e outras,
mostraram que os colonos já eram capazes de defender a terra que era
sua. (p. 71-72).
A forma como o autor organiza a disposição dos textos e das imagens em sua
obra parece revelar sua insistência em defender uma ação irmanada das três raças na
formação do povo brasileiro. Para Ribeiro (2004, p. 266), Rocha Pombo buscou na
guerra contra os holandeses um modelo representativo para comunicar ao leitor-aluno
do presente, de forma apaixonada, que, além dos sofrimentos e diferenças existentes
entre as raças, houve no passado nacional o interesse maior com o sentimento de pátria,
surgindo daí a união que constituiu a nação brasileira.
Ao contrário do cenário apresentado no livro Breves Lições de História do
Brasil, que configura a abolição dos escravos como uma iniciativa dos homens brancos,
133
restando aos negros apenas o papel de espectador, Pombo enfatiza a luta e a resistência
dos negros nesse processo:
E, então, travou-se quase uma luta, porque os senhores diziam que
sem os escravos, que trabalhavam nas fazendas e nos engenhos,
cahiriam todos na miséria, e que o Brasil todo ficaria pobre.
Por isso, muitos tinham medo de esperar-se. Os escravos começaram a
fugir das fazendas e dos engenhos, e os soldados do exército não
quizeram prendel-os e a nação inteira gritava pela abolição (p. 137).
O autor descreve o movimento abolicionista como uma luta popular, em
especial dos negros. E, na galeria dos protagonistas desse embate, alude a Luiz Gama
44
,
Patrocínio e Joaquim Nabuco, entre outros:
Começou-se por todas as províncias a exigir que ninguém mais fosse
escravo num paiz livre como o nosso.
Homens de talento e de coragem, como Patrocínio, Joaquim Nabuco,
Luiz Gama e tantos e tantos, foram clamando, pela imprensa e da
tribuna. (p. 137).
De acordo com Ribeiro (2004, p. 268), Pombo, quando discorre em seu livro
escolar sobre a luta dos negros contra a escravidão, valoriza a presença deste elemento
racial na composição da nacionalidade.
Finalizando estas apreciações, aponta-se o destaque que esse intelectual atribui
à figura dos negros, em especial às mulheres, na construção das relações entre a senzala
e a casa-grande. Todavia, não se deve esquecer da importância do tempo/espaço e do
lugar social ocupado pelo autor no processo de apropriação das representações postas
aos sujeitos históricos.
Logo, algumas análises comparativas entre o livro Breves Lições de História
do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo, e Nossa Pátria, de Rocha Pombo, tiveram
como objetivo perceber as apropriações e representações de contextos históricos
distintos. A obra de Macedo sendo fruto do Império e a de Rocha Pombo
contemporizando os primeiros anos da República e uma sociedade pós-abolição.
Daí o reconhecimento das práticas de apropriação cultural como formas
diferenciadas de interpretação. “Compreender estes enraizamentos exige, na verdade,
44
Luiz Gama era escravo e, aos dez anos de idade, foi vendido pelo pai, aprendeu a ler e escrever, fugiu
do seu senhor e conseguiu provar que havia nascido livre. Com a ajuda e proteção de amigos, começou
a estudar as leis e tornou-se rábula, aquele que exercia a profissão de advogado, mas não possuía
diploma. Defendia na justiça os cativos, escondia em casa negros fugidos e argumentava que um
escravo que matasse o seu senhor, fazê-lo-ia em legítima defesa (PILLETTI, 1997, p. 45).
134
que se tenha em conta as especificidades do espaço próprio das práticas culturais, que
não é de forma nenhuma passível de ser sobreposto ao espaço das hierarquias e divisões
sociais.” (CHARTIER, 1999, p. 25-28).
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao perscrutar as representações dos negros veiculadas nos livros didáticos
utilizados nas escolas mato-grossenses durante a Primeira República, essas obras foram
tomadas como um produto cultural, logo, atrelado aos determinantes espaço/tempo.
Dessa forma, procurou-se contextualizar o período eleito para compreender esse
privilegiado objeto de pesquisa e os valores ideológicos nele impressos.
Percebeu-se, no transcorrer da investigação, que a massificação de discursos
embasados em teorias científicas distorcidas, durante o final do século XIX e o início do
século XX, possivelmente não só contribuíram para a construção, dentro do corpo
social, de uma imagem negativa dos negros, que pouco a pouco tiveram naturalizada
sua condição social subalterna, como também justificaram a exploração econômica, a
rudeza do aparato repressivo e a perpetuação do poder de uma elite oligárquica.
Na República, os negros tornaram-se alvo de atenção para a ciência e arcaram
com o peso das mazelas sociais e econômicas que assolavam o país. Nesse contexto, a
condenação do cruzamento racial, a teoria do branqueamento e a construção do mito da
democracia racial permearam os discursos da elite brasileira e encontraram acolhida no
espaço escolar, cenário em que uma importante ferramenta destacou-se como suporte
indispensável para a instituição das idéias em voga: o livro didático.
As elites republicanas, concentradas na construção do mito da democracia
racial, incumbiram-se de reservar lugares sociais específicos para brancos e negros,
atribuindo ao espaço escolar múltiplas funções: difundir, inculcar e homogeneizar as
representações construídas e produzidas com a finalidade de inferiorizar os negros nos
âmbitos social, cognitivo ou cultural.
Desse modo, viram-se intensificados os debates de caráter nacionalista, e a
escola, por sua vez, tornou-se um ambiente privilegiado para a constituição da nação,
mediante a construção de uma identidade e de um sentimento com essa marca. Iniciou-
se, então, o processo de implantação de uma escola empenhada em formar a
mentalidade popular, por meio da difusão da história oficial e da disseminação de
hábitos, valores e comportamentos próprios de sociedades urbanizadas e modernizadas.
Nesse sentido, a escola atuou como um importante espaço de circulação e
transmissão dos ideais republicanos, tendo sido indispensável sua participação nesse
processo, especialmente pela institucionalização de mecanismos que favoreceram à
136
República legitimar o seu poder. Porém, essa instituição de ensino apresentou-se como
um território de contradições, de construção do conhecimento e não de mera
transmissão e reprodução de ideologias.
Na análise aqui empreendida sobre as publicações didáticas que circularam e
foram adotados nas escolas de Mato Grosso no período eleito, observou-se que os
autores e editoras gradativamente se adequavam às novas exigências educacionais
daquele espaço/tempo, tanto que, a partir dos anos 20, as imagens que estampavam as
páginas desse material foram se tornando cada vez mais frequentes.
É possível que tal situação seja explicada pela estreita relação existente entre o
livro didático e sua produção com as concepções educacionais em vigor na época
focalizada. Nesses termos, com a implantação do método intuitivo, os livros escolares
sofreram influências desse novo modelo educacional, razão do aparecimento das
gravuras impressas, então concebidas como indispensáveis para o ensino primário. A
propósito, essa relevância dada às gravuras manifestou-se, inclusive, quando se
tornaram um quesito a ser considerado quando da aprovação ou não de determinada
obra pelo Conselho Superior da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso.
Com relação aos negros recém-libertos, a grande preocupação das autoridades
mato-grossenses incidia na formação moral desse grupo e em sua educação para o
trabalho. O relatório da Instrução Pública de Mato Grosso de 1889, ao demonstrar a
problemática enfrentada pelo Estado para a inserção dos ex-escravos na esfera escolar,
fornece pistas do lugar reservado a eles nessa instituição elitista e das representações
dos negros para a sociedade. Nesse sentido, a bandeira levantada em prol do ensino
noturno para os negros, defendida pela elite republicana, atendia tanto ao desejo dessa
minoria dominante em mantê-los como mão de obra no mercado de trabalho, quanto aos
ideais republicanos de civilizar o povo brasileiro.
Porém, mesmo sendo destinado aos negros o espaço do labor, uma parcela
dessa população, ainda que reduzida, conseguiu embrenhar-se pelas brechas do sistema
e ter acesso ao espaço escolar. Todavia, isso não significava que a permanência na
escola seria garantida por muito tempo. Para os negros, a conquista de uma vaga era
apenas o primeiro passo de uma trajetória marcada por dificuldades, e o nível de
escolarização conquistado por alguns deles não diminuiu o grande índice de exclusão
educacional e social que sofreram durante todo o período republicano em Mato Grosso.
É neste cenário que dar-se início em Mato Grosso à implantação dos grupos
escolares. Com o propósito de atingir os moldes pretendidos pelos ideais republicanos
137
no tocante à modernização e à civilização, esses centros de ensino passaram a
reproduzir os conteúdos e os métodos previamente determinados, materializados e
disseminados no processo de escolarização.
Isso configurou um processo de homogeneização que se tornou uma das
principais preocupações das autoridades políticas e educacionais mato-grossenses, para
quem os livros escolares poderiam ser fortes aliados na disseminação dos ideais
pretendidos, uma vez que possibilitariam a uniformização do conteúdo educativo e
evitariam a utilização de materiais inadequados, denominados incorretos ou
inconvenientes, utilizados nas escolas locais, os quais poderiam ser nocivos à educação
das crianças e jovens de nosso Estado.
Em face disso, o poder governamental passou a utilizar vários mecanismos
para direcionar e controlar o saber a ser disseminado. Daí o livro didático ter-se
constituído em um instrumento privilegiado do controle estatal sobre o ensino e a
aprendizagem nos diferentes níveis escolares, em função do que se ampliaram a
vigilância sobre a literatura escolar, desencadeando a criação de órgãos burocráticos
especiais. Em Mato Grosso, foi criado o Conselho Superior da Instrução Pública, que,
entre outras competências explicitadas em seu regimento interno de 1909, consta a
aprovação dos livros e compêndios adotados nas escolas mato-grossenses.
O movimento republicano utilizou-se de inúmeros meios para formar os
cidadãos brasileiros nos moldes que julgavam pertinentes com os seus ideais. Várias
foram as instituições que atuaram nesse projeto, dentre elas o Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB), associações, clubes e as escolas.
Nessa proposta figurava claramente a função social atribuída à escola: integrar
o indivíduo na nova sociedade, urbana e industrial, por meio de uma cultura moral e
científica e de uma ética disciplinadora. Por outro lado, ficava implícita a difusão
diferenciada da cultura e a legitimação da hierarquia das raças.
Nesse momento, a História que figurava nos currículos tinha como principal
objetivo legitimar o poder e os privilégios da elite brasileira. Os membros do IHGB, ao
comporem a História da nação, terminaram por estabelecer a idéia da existência de uma
hierarquia entre as raças: aos componentes da raça branca cabia representar o papel de
civilizador, sendo também sua responsabilidade aperfeiçoar a índia. E ao negro era
imputada a causa do atraso do país (SCHWARCZ, 2002, p. 112).
138
Essas idéias puderam ser apreendidas impressas nas páginas dos livros
escolares utilizados nas escolas mato-grossenses. O livro de leitura Porque me ufano do
meu paiz, de Affonso Celso, aborda em seus textos não a valorização do sentimento
nacional, o civismo, mas também a exaltação da formação do povo brasileiro pelas três
raças. No entanto, ao fazê-lo, disseminou o mito da democracia racial e a
hierarquização das raças.
Partindo-se do princípio de que os textos constantes dos livros escolares são
registros a serem decodificados quanto aos saberes a se inculcar nas jovens gerações,
deve-se levar em conta que eles encerram em suas linhas - e entrelinhas - valores morais
e comportamentais de determinada sociedade inserida em um determinado contexto
histórico.
Os documentos encontrados direcionam a leitura de que apenas um reduzido
número de alunos teve acesso aos livros escolares. Então, pode-se questionar: o objetivo
da elite republicana de inculcar e homogeneizar seus ideais por meio dos livros
escolares foi totalmente alcançado? Ou melhor, foi realmente homogêneo? Neste ponto
das reflexões aqui efetuadas, vale lembrar que o livro, segundo Chartier (1999), sempre
visou instaurar uma ordem, embora haja as interferências do leitor, que, de uma forma
ou de outra, pode subverter a leitura pretendida. Diante desse referencial, talvez até
mesmo os alunos que tiveram contato com os textos veiculados nos livros escolares em
Mato Grosso puderam realizar outras leituras além das desejadas pelos autores; ou seja,
os leitores desses materiais - alunos e professores - puderam ler o não dito.
Esses questionamentos manifestam-se e apresentam importância, uma vez que
aqui se considera o caráter ambíguo do livro. Isto é, mesmo sendo destinado a
homogeneizar e divulgar determinadas crenças, a inculcar normas, regras e valores, ele
pode, também, instaurar diferenças, passíveis de ser desencadeadas pelo fato de o leitor
realizar leituras plurais, que Chartier (1999, p. 08) caracteriza como rebeldes e vadias.
Esses atributos decorrem do fato de essas diferentes leituras mobilizarem infinitas
estratégias para subverter as leituras impostas. Criam-se estratégias que possibilitam a
leitura, nas entrelinhas, do não lido e do não dito.
Mato Grosso no final do século XIX e início do século XX, nutriu-se, da
produção didática de outras localidades. Entretanto, esse fator não constitui em
impedimento para as leituras plurais, rebeldes e vadias que alunos e professores mato-
grossenses realizaram. O cruzamento das fontes documentais e bibliográficas viabilizou
139
a localização dos principais títulos dos livros didáticos de História utilizados nas escolas
mato-grossenses daquele tempo, o que pode ser visualizado no quadro abaixo:
Título
Autor Ensino
Lições de História do Brasil Joaquim Manoel de Macedo Secundário
História do Brasil Rocha Pombo Secundário
Nossa Patria Rocha Pombo Primário
Breves lições de História do Brasil Creso Braga Primário
Minha Patria João Pinto e Silva Primário
Quadro 10 - Títulos dos livros didáticos de História utilizados nas escolas mato-grossenses
durante a Primeira República
Nota: Construção da autora.
O fato de Mato Grosso não ter produzido livros escolares conduziu a reflexão
de que muitos dos livros de História utilizados nas escolas mato-grossenses
possivelmente foram adotados também em escolas de outros Estados brasileiros, sendo
a localização de tais obras nessas localidades um indício dessa hipótese.
Ao longo da Primeira República, parte significativa dos autores provinha do
meio acadêmico, do IHGB e eram professores do Colégio Pedro II. Esses intelectuais
vivenciavam o processo de construção do saber erudito concomitantemente ao processo
de criação da História oficial. Talvez em razão do número restrito de autores, as obras
permaneciam por maior tempo no mercado, sendo reeditadas inúmeras vezes, em
conseqüência do que as escolas brasileiras acabavam adotando os mesmos títulos. Nesta
pesquisa, tomou-se como objeto de estudo a 60ª edição do livro Nossa Pátria, de Rocha
Pombo, o qual foi localizado na Biblioteca Municipal de Cuiabá.
Com o exame dos livros didáticos de História utilizados nas escolas mato-
grossenses, notou-se que, mesmo cabendo aos negros a função de personagens
secundários, marginalizados e coadjuvantes dos brancos, os grandes sujeitos históricos
em cena”, eles parecem ter resistido às representações postas. De forma explícita ou
implícita, os textos deixaram transparecer a importância da população negra na
construção da nação brasileira, importância essa configurada nas entrelinhas dos textos,
ainda que à revelia da intenção do autor, na medida em que este relata a luta cotidiana
desse povo para alcançar a liberdade e manter sua dignidade.
Contudo, essa interpretação não anula a contribuição dos materiais didáticos na
elaboração de representações negativas dos negros no imaginário coletivo; antes,
esclarece que, apesar de todos os filtros impostos, sejam eles institucionais, sociais ou
140
editoriais, inúmeros autores não se eximiram de veicular suas apropriações das
representações estabelecidas em determinado contexto.
Para apresentar o desfecho desta pesquisa, reporta-se aqui a três ilustres
personalidades. A primeira é Agostinho Lopes de Souza, o menino lindo, sorridente,
perspicaz e de cabelos fofinhos com quem se entrou em contato no final do século XIX
e gentilmente apresentou à pesquisadora a casa-escola, o grupo escolar e os livros
didáticos. Agostinho, que fora embora para o Rio de Janeiro estudar, retornou bacharel
em História e ficou tão entusiasmado quando informado de que os livros analisados
nesta pesquisa foram aqueles por ele utilizados durante sua vida escolar, que resolveu
tecer algumas percepções sobre as representações dos negros nos livros, Breve Lições
de História do Brasil, de Joaquim Manoel de Macedo, e Nossa Patria, de Rocha
Pombo.
E assim Agostinho dá início a suas considerações...
Tratando-se de Breves lições de História do Brasil, é importante destacar que a
obra é fruto do Império, não causando estranhamento que os milhares de negros que
viviam no país ficaram restritos a dois fatos históricos: a destruição dos Palmares e a
abolição. Nas poucas páginas destinadas a esse povo, era invariável e exclusivamente
relacionado com a escravidão.
No entanto, mesmo Macedo tendo abordado dois importantes acontecimentos
históricos para os negros, estes não passaram de meros coadjuvantes do protagonismo
dos brancos.
Breves lições de História do Brasil era um livro muito espesso e não
apresentava figuras impressas, de sorte que eu, ainda muito criança, sentia um pouco de
cansaço durante as leituras. Então, sempre que era possível, dedicava-me a ler Nossa
Patria, de Rocha Pombo, especialmente porque trazia em suas páginas muitas gravuras
e uma narrativa histórica de mais fácil compreensão para um leitor imaturo.
Mas, o interessante mesmo era ver Pombo abordando algumas questões que
não são encontradas com facilidade em outros livros, como o cotidiano das mulheres
negras e dos negros recém-libertos e a resistência da população negra à escravidão. E,
apesar de preconizar as teorias racistas, que conferiam aos brancos uma posição
hierárquica superior em relação a índios e negros, o autor expõe a formação do povo
brasileiro sem camuflar os conflitos entre os povos.
141
Agradecendo as contribuições de Agostinho, estende-se o convite, neste
momento, a Nelson Mandela, sul-africano Prêmio Nobel da Paz em 1993, para
apresentar suas sábias palavras:
Mais ainda permanece a esperança de que também estes sejam
abençoados com razão suficiente para entender que a história não será
negada e que a nova sociedade não poderá ser criada pela repetição de
um passado repugnante, ainda que refinado ou sedutoramente
maquiado. [...] Que as aspirações de todos nós provém que Martin
Luther King Jr. Estava certo quando disse que a humanidade já não
poderia estar tragicamente ligada à noite sem estrelas do racismo e da
guerra.
45
E quem encerra este diálogo é Martin Luther King:
Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o
verdadeiro significado de sua crença nós celebraremos estas
verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados
iguais...
Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia
viver em uma nação onde elas nãoserão julgadas pela cor da pele, mas
pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!
46
Antes do ponto final, faz-se oportuno salientar que as interpretações,
especulações e indagações apresentadas nesta pesquisa, partem do olhar de um
determinado ponto. Ou seja, “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para
compreender é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer, como
alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos
alimenta. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação
47
”.
45
Trecho do Discurso de aceitação e conferência do Nobel, proferido por Nelson Mandela e publicado na
obra intitulada Declarações de Paz em Tempos de Guerra, organizada por Emir Sader e Cláudia Mattos
e publicada em 2003.
46
Trecho do discurso de aceitação e conferência do Nobel, proferido por Martin Luther King em 1963.
47
Metáfora a Águia e a galinha de Leonardo Boff.
142
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REVISTA/IHGMT, 1994, Tomos CXLI-CXLII, ANO LXVI
RIHCGB, 1844, p. 389-390, apud, SCHWARCZ, 2002
150
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BRAGA, Creso. Breves lições de História do Brasil. São Paulo: Thypografia
Piratininga, 1922.
CELSO, Affonso. Porque me ufano do meu paiz. Rio de Janeiro/São Paulo:
LAEMMERT & C., 1905.
MACEDO, Joaquim Manoel de. História do Brasil para uso das Escolas de
Instrução Primária. 10 ª ed. Rio de Janeiro: H. GARNIER LIVREIRO, 1907.
POMBO, Rocha. História do Brazil para o ensino secundário. 19ª ed. São Paulo/Rio
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Janeiro: Editores Proprietários WEISZFLOG IRMÃOS, 1919.
RIBEIRO, João. História do Brasil: curso superior segundo os programas do Collegio
Pedro II. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1935.
RIBEIRO, Hilário. Novo Terceiro livro de leitura. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1910.
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Companhia Editora Nacional, 1959.
SILVA, J. Pinto e. Minha pátria: ensino da História do Brazil no terceiro anno do
curso preliminar. 16ª ed. São Paulo: Thypografia Siqueira, 1922.
151
ANEXOS
152
JORNAL. A Reação, Cuiabá-MT, 10 DE MARÇO DE 1913. APMT, cx-022.
A polícia é como que uma sentinella avançada da tranqüilidade publica e,
consoantes nos diz o Código Francez “o meio que serve o Estado para manter a ordem
publica, a liberdade e a propriedade e a segurança individuaes”.
(D’O Debate).
Excellente occasião nos proporciona o conceituado orgam do partido
Republicano Conservador neste Estado de patentearmos, á luz meridiana da opinião
publica, veracidade dos princípios liberaes racionalistas que por vezes temos explanado:
principios de tolerância recíproca, de justiça desapaixonada, de ausência de
preconceitos. Excellente occasião, repetimos, nos offerece. O debate de discutirmos, nos
limites do justo, do razoável, humano emfim, um assumpto que se prenfedemos.
Aqui mostraremos que discutimos sem enfraquecimento - quanto mais quebra -
da cortezia que mantemos com os jornaes dignos, decentes e cortezes desta capital.
Mostraremos que, censurando actos e opiniões não confundimos taes actos e opiniões
com as pessôas que a estas patrocinam e praticam aquelles,embora as censuras sejam
rigorosas e cheias de ardor que as conclusões racionaes infundem.
Concordamos com articulistas contradictor quando se refere á liberdade e á
divergencia das opiniões, nos limites do razoavel; é este justamente o fundamento dos
ideaes que defendemos. Por isso que, como bem diz Payot, “nenhum homem, nenhum
grupo de homens conhece a verdade toda”, a ninguém é dado o querer que a sua opinião
prevaleça á força, sem admitir, sem desejar até, a contradição. Concordamos outrosim,
que quando o ilustre articulista se refere á utilidade das discussões superiores a calmas.
E, si por estes “principios reguladores do pensamento humano” fosse educado o
nosso Povo, o nosso progresso moral e político seria muito mais apreciável. Não
teríamos a lastimar tantas luctas sanguinolentas, oriundas da intolerancia que ainda se
prega em nosso Paiz e que alguns obcecados pretendem restabelecer em plena
Republica, por meio de uma violenta e desabusada propaganda.
153
Teríamos mais civismos e menos paixão, mais probidade e menos fanfarronada;
teríamos o espírito das reflexões calmas e não esse espírito precipitado que por ahi anda;
seriamos mais originaes e menos imitadores.
Foi justamente com a máxima reflexão que citamos em nosso artigo inicial, o
principio não constitucional como republicano e philoshofico. Nem se supponha que
iríamos demonstrar a illegalidade da ordem do dr. Chefe de Policia diante de tal
axicma, sem o havermos analysado profundamente.
Justamente porque a policia não detem uma “funcção abstracta”, e portanto
superior, ella não pode ceifar na ceára da educação moral dos indivíduos nem torcer um
direito por força de uma necessidade.Necessidade alguma, por mais verdadeira que seja,
pode sobrepor-se ao direito mais insignificante, por isso que “a maior necessidade é
mínima em face do mínimo direito”.
A constituição garante ao individuo o direito de não ser obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma cousa, sinão em virtude de lei. Tudo quanto não for
expressamente determinado me lei não pode ser imposto a ninguém. Por mais
necessária que pareça examinada por uma única face - a medida do dr. Chefe de
Policia, ella não tem força de leis e nem na lei se escuda. A disposição penal citada pelo
articulista não pode ser interpretada de modo a autorizar o dr. Chefe de Policia
a”fornecer cadernetas” aos empregados domésticos,”obrigando-os” a trabalhar e a
escolher “patrão”.
Além disso, analysando bem essa disposição de lei, notamos que não basta
deixar de exercitar profissão, officio ou qualquer mister em que ganhe a vida; é preciso
também não possuir meio de subsistência e domicilio certo em habite, para incorrer na
pena.
Quanto ao ”meio de subsistência”, logicamente o possúe o homem ou mulher de
recados, que obtém aqui e ali do que viver, ao mendigo que se socorre da caridade
publica, o vendedor ambulante, emfim, todos quantos ganham a vida honesta. Embora
miseravelmente. Esses não estão incursos nas penas que, alias claramente, o Código
estabelece para taes casos, penas essas que podem ser applicadas mediante processo
regular. Porém, nada nos diz que esse indivíduos não estejam sujeitos á determinação do
dr. Chefe de Policia. Ora, si a determinação do dr. Chefe de Policia attinge a quem a lei
não attinge, não está dentro da mesma lei, por isso que é mais extensa do que esta.
Além disto, a medida do dr. Chefe de Policia não é a applicação da pena estabelecida
pelo código e sim uma “coacção arbitraria do individuo ao trabalho”. E, como não será
154
uma “violação a liberdade de crença”, si não, uma, porém, muitas crenças se oppõem
directamente a ella?
Por maior que seja a feição preventiva da policia ella não pode prever onde a lei
não prevê. O seu meio, o seu único meio legal é a “vigilância” e nunca a interferência
na vida particular de cada um, a menos que prejudique á collectividade. Mas, o meio de
que se serviu o dr. Chefe de Policia não previne a vagabundagem, por isso que o habito
vicioso de um individuo não se corrige por um simples acto official. Muito menos esse
meio porá paradeiro á malandrice. Que o dr. Chefe de Policia estivesse bem
intencionado não o negamos; mas, negamos que seja licito o meio illegal de que se quiz
servir, por isso que lhe fallecem attribuições para tanto. De propósito, subepigraphamos
Este artigo com palavras do articulista do O Debate, nas quaes cita o Código
Francez. Por ahi se que a missão da Policia é manter a ordem publica, a liberdade, a
propriedade e a segurança individuaes. E é justamente a liberdade individual que a
ordem do dr. Chefe de policia vem desassegurar,ou, pelo menos, restringir.
O individuo livre trabalha porque quer e não porque a isso seja obrigado. A
vontade de trabalhar determinada pelas necessidades da subsitencia, compete á moral do
individuo e escapa á alçada policial que é garantir a ordem publica, manter emfim e não
obrigar. Porque razão a Policia terá de garantir ao capitali8sta a posse do meio que lhe
dá subsistência sem trabalho e obrigar o desprotegido da fortuna procurar patrão?
Não se estará assim acentuando “por um excesso de autoridade”, a desigualdade,
a injustiça social, donde pode brotar a desharmonia?
Evidentemente, não razão alguma para se adoptar uma medida tal com uma
determinada classe. Todos são iguaes perante a lei. Si a policia pudesse obrigar a
trabalhar, o seu papel nas greves não seria só garantir a propriedade e aquelles que
quizessem trabalhar. Seria também coagir os que se abstivessem do trabalho a voltar
para elle. Não é só: todos os dias estão entrando em nosso território indivíduos de
procedência e precedentes duvidosos, que não tem profissão, que nos diz por isso que
de tal não pagam imposto: são os sacerdotes que introduzem no povo, a par de uma
moral religiosa innegavelmente falsa, o vírus da folia, dos fandangos, que conduzem
justamente ao mal que o dr.Chefe de Policia pensou prevenir. A este não se exige
passaporte porque a constituição não permitte: vae-se agora exigir da criadagem a
obrigatoriedade de retiras as “cardenetas? E não parece que é um “excesso de
pessimismo” julgar que todo individuo que não tenha occupação certa seja desonesto?
155
Pode se corrigir a vagabundagem, mas, por meios que não sejam alem de
coercivos inexeqüíveis. O exemplo nos vem de todos os grandes centros onde, além do
policiamento regular que não possuímos, procurou-se estabelecer o regime das
cadernetas. É justamente nesses grandes centros onde a ociosidade, a mandrilice mais
campeiam. O regime das cadernetas ahi chega a ser as vezes uma burla de que muitos se
servem para illudir os mais.Attestados falsos , nos dirão. Mas de que estamos nós
saturados? Não é disso mesmo? Demais, nem todos os meios são iguaes. Mesmo que a
regulamentação do trabalho fosse realmente verdade noutros centros, entre nós ella
encontrará maiores dificuldades: Em geral, o povo de classe inferior nem siquer registra
o nascimento dos filhos. O registro civil entre nós de facto, não existe, sinão para a
minoria culta.
De todo este artigo, que não pode ser vasado nos molde coordenados do
primeiro por ser uma resposta mais ou menos directa, resulta, portanto, ficarem pe
todas as afirmações que haviam feito justificando-as. E agora temos que acrescentar
mais:
A determinação do dr. Chefe de Policia tornou-se antiphatica e quiçá perniciosa,
depois que ficou estabelecido o preço de 2$000 para aquisição das cardenetas.
Antiphatica porque o é exigir, de uma pobre gente que trabalha e ganha insignificâncias,
a quantia de 2$000 para ficar obrigada a não ter direito de trabalhar por vontade própria.
Perniciosa porque o vadio, o miseravel que a quizer adquirir terá de munir-sa
dessa quantia talvez por meio ilícitos.
Pedindo, enfim, desculpas, ao nosso contradictor por esta indigesta molle,
pedimos-lhe, também, que sem rodeios, nos prove que a medida do dr. Chefe de Policia
é legal, justa, razoavel, moral, tolerante, simphatica e que não poderá ser perniciosa. Si
o fizer, submetter-nos-emos ás razões. Por enquanto, continuamos a censural-a em
nome da Liberdade humana, em nome do trabalho livre.
156
ACTA DA SESSÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO SUPERIOR DA
INSTRUÇÃO PÚBLICA EM CUIABÁ, AOS 21 DE DEZEMBRO DE 1920.
CONSELHO SUPERIOR DA INSTRUÇÃO PÚBLICA EM CUIABÁ, AOS 21 DE
DEZEMBRO DE 1920.
Sob a presidência do senhor doctor Estevão Alves Corrêa, Director Geral da
Instrucção, reuniu-se no dia vinte e um de dezembro do ano de mil novecentos e vinte, o
Conselho perior da Instrução Pública, achando-se presentes os seguintes senhores
membros:. Coronel João Celestino Corrêa Cardoso, Major Joaquim Gaudie de Aquino
Corrêa, Bacharéis João Pedro Gardis e Plhilogonio de Paula Corrêa e Dona Idalina
Ribeiro de Faria, como representante eleita do professorado primário. Deixaram de
comparecer os senhores: Doctor Antonio Fernandes Trigo Loureiro e Padre Manoel
Gomes de Oliveira. Ás, quatorze horas, previamente designadas pelo Senhor Presidente,
havendo numero legal de membros presentes, deu-se inicio aos trabalhos, mandando em
seguida que se procedesse á leitura da acta da sessão anterior. Terminada esta, foi a acta
posta em discussão, e não havendo quem sobre Ella quizesse usar da palavra para
discutil-a, foi posta em discussão, digo approvação foi approvada sem observações e
depois assinada. Após a approvação da acta o senhor presidente procedeu a leitura do
seguinte parecer, referente ao livro intitulado “Vultos Mattogrossenses”, da lavra do
professor Glycerio Povoas e apresentando pela commissão especial eleita na sessão
anterior: parecer: A commissão especial do Conselho Superior da Instrução Pública do
Matto Grosso, encarregada de dar parecer sobre o livro “Vultos Mattogrossenses” do
professor Glycerio Povoas, tendo com attenção lido e examinado o referido trabalho e,
Considerando que ele vem preencher uma sensível lacuna da nossa história, digo;da
nossa litteratura didactica, contribuindo para o aperfeiçoamento da nossa cultura cívica,
coma a divulgação dos feitos de valor dos nossos grandes homens, entre nós bem pouco
conhecidos; Considerando , que é o único livro , no gênero que se refere a
mattogrossenses, mas; Considerando também que não é conveniente ele contenha as
biografhias de administradores e políticos que ainda existem e em torno dos quaes a
critica apaixonada, a maior parte das vezes injustas e exagerada, se exerce de modo
altamente prejudicial á serenidade imparcial dos cultos cívicos que devem premiar os
verdadeiros méritos e os exemplos dignos de imitação; Consideram do finalmente que o
157
culto das pessoas ainda militantes no scenario político ou administrativo, póde
occasionar o desenvolvimento de explorações partidárias ou de sentimentos
bajulatorios e utilitaristas; é de parecer que seja o livro “Vultos Mattogrossenses”,
adaptado nas escolas do Estado uma vez que dele sejam retirados os resumos
biographicos das pessoas que ainda vivem. Sala das sessões do Conselho Superior da
Instrução Publica do Estado de Matto Grosso em Cuiabá, 11 de Dezembro de 1920
“Assignados: Philogonio de P. Corrêa, relator, João Pedro Gadis, João Celestino Corrêa
Cardoso.
Terminada a leitura o Senhor presidente submetteu-o á approvação do mesmo
conselho sendo unanimemente approvado.
158
ACTAS DA SESSÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO SUPERIOR DA
INSTRUÇÃO PUBLICA EM 4 DE AGOSTO DE 1928.
Aos quatro dias do mez de Agosto de mil novecentos e vinte oito, ás quatorze
horas, com a presença dos Senhores Doutor Cesário Alves Corrêa, Diretor Geral da
Instrução Publica, como presidente, e Coronel Manoel Felizardo da Costa Campos,
dona Thereza Lobo Queiroz, Bacharel Jaime Joaquim de Carvalho e Doutores Olegário
Moreira de Barros e Alyrio de Figueredo, como membros, reuni-se ao Conselho
Superior da Instrução Publica. Havendo numero legal de membros presentes á hora
previamente designada o Senhor Presidente abre a sessão mandando ler a acta da sessão
anterior. Procedida a essa leitura é a acta submettida á approvação e em seguida
aprovada. Declara então o Senhor Presidente, haver convocado a presente reunião afim
de submetter á sua apreciação e estudo o trabalho didático intitulado esboço da
História da Literatura Brasileira, de autoria do SRs Bel Nilo Povoas, sendo nessa
sessão lido o seu requerimento pelo mesmo Senhor Presidente. Depois de explicado o
fim da presente reunião pede o SRs. presidente que se proceda, de accordo com o
regimento interno á eleição de uma commissão especial afim de dar parecer sobre o
trabalho apresentado. Procedendo-se á eleição, são aclamados membros da dita
commissão os seguintes senhores: Dr. Olegário Moreira de Barros, Alyrio de Figueredo
e Bacharel Jayme Joaquim de Carvalho. Entregue o trabalho ao relator escolhido, Dr.
Alyrio de Figueredo, Im Presidente por encerrada agradecendo aos membros
presentes o haverem attendido o seu convite. Em seguida mandou que se lavrassem a
presente acta, que deverá ser lida e submetida á approvação na próxima reunião. Eu
Antonio Corrêa da Silva Pereira, Secretario do Conselho Superior a escrever e sbscrevo.
Em addtamento á presente acta, declaro que o Senhor professor Fernando Leite
Campos, esteve na reunião do Conselho, não funcionando por ter jurado suspeição. Eu
Antonio Corrêa da Silva Pereira, Secretario do Conselho lavrei a presente acta e fiz o
additamento acima.
159
ACTA DA SESSÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO SUPERIOR DA
INSTRUÇÃO PUBLICA AOS DEZ DIAS DO MEZ DE ABRIL DE MIL
NOVECENTOS E VINTE.
Sob a presidência do Senhor Doutor Estevão Alves Corrêa, Diretor Geral da
Instrução Publica, reuniu-se o Conselho Superior da Instrução, aos dez dias do mês de
Abril de mil novecentos e vinte, numa das salas do edifício em que funciona a mesma
Diretoria, achando-se presentes os seguintes senhores membros: Coronel João Celestino
Corrêa Cardoso, Bacharéis João Pedro Gardiz e Philognio de Paula Corrêa e Dona
Antonia Jorgina Ribeiro de Faria. Deixaram de comparecer os senhores Padre Manoel
Gomes de Oliveira. Doutor Antonio Fernandes Trigo Loureiro, Major Joaquim Gaudie
de Aquino Corrêa sendo que os dois últimos por se acharem ausentes desta Capital. Ás
quatorze horas designadas para dar inicio aos trabalhos, o senhor doutor presidente
mandou que se procedesse á leitura da acta da sessão anterior, que lida e submetida á
approvação, foi unanimente approvada. Em seguida passou-se á leitura dos pareceres
referentes ás seguintes obras: Gymnastua Brazileira por Leon Horvad; Arithimetica
Elementar livro série G. A. Bücher, Methodolgia e Pedagodia ProAlyrio França;
Breve Lições de Historia do Brasil, prof Celso Braga, Livro de Leitura de Erasmo
Braga intitulado “Serie Braga” Quanto as duas primeiras obras foi a commissão do
parecer que sejam as mesmas aconselhadas para consulta dos senhores professores do
Estado, é o seguinte o parecer citado.”Parecer”- A commissão especial do Conselho
Superior da Intrução Publica do Estado de Matto Grosso á qual foram presentes a
Arithimetica Elementar de G.A.Bücher (Livro Iº) e Gymnastua Brasileira” do professor
Léon Horvad e de parecer que sejam os mesmos livros acumulados para consultas dos
senhores professores do Estado. Sala das sessões do Conselho Superior da Instrução
Publica do Estado de matto Grosso em Cuyabá, 28 de Fevereiro de 1920 ( assinado)
Philogonio de Paula Corrêa (relator) Antonia Jorgina Ribeiro de Faria, João Pedro
Gardez. A mesma comissão no trabalho do senhor professor Alyrio França opinou pela
remessa dessas obras, á Escola Normal afim de ser estudada pela respectiva
Congregação é esse o “PARECER” A Comunicação especial do Conselho Superior
da Instrução Publica do Estado de Matto Grosso á qual foram presentes para dar
parecer, os compêndios de Pedagogia e Methodologia do professor Alyrio França.
Attendendo a que o estudo da Pedagoia de methodologia e feito em Matto Grosso
160
na Escola Normal desta Capital e, Attendendo ainda que pelo §2º e do artigo do
Regulamento que baixou com o decreto 266 de 3 de Dezembro de 1910 pelo qual se
rege a Escola Normal do Estado á sua Congregação compete adaptar compêndios,
ignorar e ar parecer sobre trabalho referente ao ensino publico; É de parecer que a
congregação da Escola Normal sejam enviadas os trabalhos do professor França. Sala
das sessões do Conselho Superior da Instrução Publica em Cuyabá, 28 de Fevereiro de
1920.(asssignado, Philogonio de Paula Corrêa, relator), Antonia Jorgina Ribeiro de
Faria, João Pedro Gardiz. No trabalho do senhor professor Erasmo Braga, livro de
leitura intitulado “Serie Braga”, opinou a commissão que o mesmo pode ser adaptado
nas nossas escolas como livro de leitura esternando-se a respeito no seguinte
”Parecer”__ A Commissão especial do Conselho Superior da Instrução á qual foi
presente para emitir parecer a petição dos senhores Weixgflog Irmão, de João Paulo,
para que seja adaptado nas escolas publicas do Estado o livro de leitura de Erasmo
Braga, intitulado “Serie Braga” tendo se lido com attenção julga que pode ser adaptado
como livro de leitura nas nossas escolas primarias. Sala das sessões em Cuyabá, 28 de
Fevereiro de 1920. (assignado, Antonia Jorgina Ribeiro de Faria, relatora), Philogonio
de Paula Corrêa, João Pedro Gardiz. Acompanhando o volume de Breves lições de
Historias do Brasil, do Creso Braga, veio o parecer da comissão pedindo adopção de tal
compemdio por sua verdadeira utilidade expressou-se o seu relato nos seguintes termos:
”Parecer” A comissão especial do Conselho superior da Instrução á qual foi presente
para emittir seu parecer a petição do senhor” Creso Braga” para que seja adaptado nas
escolas publica os seu livro intitulado “Breves lições de Historias do Brasil”, tendo
estudado detidamente o mesmo livro e Considerando que dentre os diversos livros sobre
Historias do Brasil em uso nas nossas escolas, os que mais completam o seu fim tornou-
se entretanto, deficientes para o aproveitamento das classes mais adiantadas;
Considerando que um livro tratando dos fatos do Brasil desde o seu descobrimento até
os nossos dias provem concisos, historiados sucintamente e em fiel ordem clronologica
seria de grande utilidade para o conhecimento da vida do nosso paiz aos nossos jovens
conterrâneos; Considerando que o livro intitulado “Breve Lições da Historia do Brasil”
preenche perfeitamente o fim desejado, podendo servi não so para estudo da Historia do
Brasil ás classes mais adiantadas das escolas mas também como livro de leitura. E a
mesma commissão de parecer que seja adaptado nas escolas publicas primarias do
Estado, por sua verdadeira utilidade, o livro o livro intitulado “Breve Lições de Historia
do Brasil” de Creso Braga. Sala das sessões em Cuyabá, 28 de Fevereiro de 1920
161
(assignado) Antonia Jorgina Ribeiro de Faria (relatora), João Pedro Gardez; Philogonio
de Paula Corrêa. Além dos citados pareceres, foram ainda apresentado ao Conselho
firmados pela commissão especial mais os seguintes relativo aos requerimentos de
Carolina Pompeu de Camargo, pedindo a pensão de 20, 000 para seu sobrinho Mario de
Camargo Pinto, continuar seus estudos numa das Academias Superiores da Republica,
sendo-lhe deferido tal pedido no parecer que segue. “PARECER” __ A Commissão
especial do Conselho Superior da Instrução Publica do Estado de Matto Grosso,
encarregada de dar o parecer sobre o requerimento no qual Dona Carolina Pompeu de
Camargo pede uma pensão ao Governo afim de que seu sobrinho e educando Mario
de Camargo Pinto, ex- aluno do Lyceu Cuiabano, possa continuar seus estudos no Rio
de Janeiro. Considerando que o referido Mario de Camargo Pinto fez com regularidade
o curso completo do Lyceu Cuiabano obtendo notas satisfatórias nos seus exames
conforme prova o documento junto sob 3; Considerando ser o peticionário
mattogrossense, tendo nascido nesta Capital á rua Antonio João no dia 8 de Julho do
ano de 1902, como se evidencia do Documento 1; Considerando mais ser ele
reconhecidamente pobre sendo sua pobreza attestada pelo Senhor doutor delegado de
Policia desta Capital no Documento 2; Considerando finalmente que o candidato é ,
não simplesmente pobre mas também orfhão de pai e mãe, sacrifício da sua tia Dona
Carolina Pompeu de Camargo, a quem entretanto não sobram recursos para custear a
instrução superior do seu sobrinho que só poderá ser feita na Capital da Republica; É de
parecer que seja concedida ao estudante mattogrossense Mario de Camargo Pinto uma
pensão mensal, na forma requerida, devendo ter inicio o pagamento da alludida pensão
desde a data em que o candidato provar estar matriculado em uma das academias
superiores reconhecidas pela Republica. Sala das sessões do Conselho Superior da
Instrução Publica em Cuyabá, 25 de Fevereiro de 1920. (assignado) ____ Philogonio de
Paula Corrêa, relator, Antonio Jorgina ribeiro de Faria, João Pedro Gardez.
162
RELATÓRIO: 1911. O DIRETOR DA ESCOLA NORMAL E MODELO
ANNEXA DESTINADO A SECRETARIA DOS NEGÓCIOS DO INTERIOR,
JUSTIÇA E FAZENDA DE MATO GROSSO.EXMO. SR. SECRETÁRIO DE
ESTADO DOS NEGÓCIOS DO INTERIOR JUSTIÇA E FAZENDA.
De acordo com as disposições regulamentares em vigor venho submettér ao
preclaro Juízo de V. Exa. o historico de minha acção profissional na instrução publica
desta Capital.
Em Junho do anno de 1910 o antecessor do actual Governo Exmo. Sr. Coronel
Pedro Celestino Corrêa da Costa, dirigiu-se ao Estado de S .Paulo, afim de obter dous
normalistas para o serviço de reorganização do ensino neste Estado ,patriótico
emprehendimento que tão salutarmente tem sido secundado pelo Governo do Exmo. Sr.
Dr. Joaquim Augusto da Costa Marques. O Estado de S. Paulo, accedendo
gostosamente a distinção com que o honrava o Estado irmão, designou-me e ao meu
collega, professor Gustavo Kulhmann, para servirmos a’s ordens do Governo de Matto
Grosso, a cuja disposição fomos postos em 1 de Junho de 1910, data em que nos
apresentamos no Ri de Janeiro ao Exmo. Sr. Dr. Annibal de Toledo, então delegado de
Matto Grosso para os fins do contracto. Chegando a esta Capital em data de 1 de agosto,
fomos logo apresentados ao Exmo. Sr. Presidente do Estado , que mandou lavrar
conosco o contracto que se fazia mister. Afim de bem nos aquilatarmos do mechanismo
pedagógico que movimentava as escolas primarias da Capital, procedemos
circunstanciadas visitas a’s mesmas, tendo ficado a meu cargo as do 1º districtos e as do
2º designadas ao meu collega.
Bem orientado sobre o estado da instrucção primaria, lembrei ao então Sr.
Presidente do Estado a creação imediata de dous grupos escolares nesta capital, única
senda que tornava viável o projecto de reorganização escolar.
E isto fiz, levado não só pela exuberantes vantagens que grupo escolar apresenta
sobre a instituição das escolas isoladas, como também por ter considerado impossível
qualquer empreendimento reorganizador nestas, attento o estado de atrazo em que as
mesmas se encontravam.
Das escolas visitadas não haviam uma que funcionasse de accordo com as leis
methodologicas mais geraes. O horário e o programa em detalhe eram desconhecidos
do professor. Sua orientação pedagógica ia além da pratica que por si unicamente
163
conseguira. Desta sorte não me admirou a diversidade de methodo seguido, nem a falta
de unidade no ensino. Louvei mesmo os professores, pois a’ míngua de uma orientação
definida, elles se suppriam com a intuição natural de que eram dotados. Uma escola
encontrei mesmo, onde, por entre a confusão das outras disciplinas, brilhavam
vislumbres de orientação pedagógica no ensino da leitura e da geographia. Na
distribuição das classes havia a mesma desorientação: - os alunos eram os mesmo tempo
da 5º, classe em leitura, da 3º, em escrita e da 1º em números, isto é, não havia harmonia
no desenvolvimento gradual das faculdades infantis. A leitura e a escripta era
desenvolvidas com prejuízo das demais disciplinas preliminares. Consideração tal
estado de coisas, para que a reorganização se iniciasse pelas escolas isoladas, mister se
tornava um normalista para cada uma, pois nada havia que se aproveitasse, - tudo estava
por fazer.
Somente instituição do grupo escolar, com sua classes homogêneas, sujeito a
unidade de programa, de horário e de orientação, constantemente sob as visitas do
Director, apresentava probabilidades de um sucesso. Desta sorte, pedi sua creação e
insisti sobre sua conseqüente installação.Instituição pedagógica completamente nova no
meio mattogrossense, o grupo escolar teve contradictores que temiam pelos resultados
possíveis. A despeito destes, o Governo resolveu satisfatoriamente o magno problema,
creando e installando dous grupos escolares nesta Capital. E hoje Exmo. Sr. Dr.
Secretario do Interior, ninguém mais duvida das vantagens indiscutíveis de tal
instituição escolar, pois, falam bem alto os resultados obtidos no curto espaço de um
anno lectivo e a confiança do povo nella é attestada pela matricula em tal
estabelecimento que iniciou suas aulas com menos de duzentos alumnos e encerrou-as,
a 30 de novembro do anno próximo findo, com numero superior a quatrocentos.
INSTALLAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR
O decreto Nº. 258 de 20 de agosto de 1910 creou nesta Capital dous grupos
escolares e mandou que no serviço dos mesmos se observasse e regimento interno dos
congeneres paulistas, localizando-os , um no e outro no districto. Designou-me o
Governo para a regencia do grupo escolar do districto, annexando-lhe as seguintes
escolas: 1 ª. Escola complementar do sexo feminino, regida por D. Alzira Valladares e
as 1ª, 3ª e 4ª. Escolas elementares, também do sexo feminino, e a 3ª. Do sexo masculino,
regidas respectivamente pelas Sras. Almira de Mendonça, Maria Luzia Antunes Maciel,
164
Azelia Mamoré, Antonia Georgina Ribeiro de Faria, Albertina Ribeiro de Faria e
Joaquina de Cerqueira.
Para o funccionamento do grupo escolar do districto,
foram sublocados dous prédios da rua de Março. Se bem que taes casa não
preenchessem as condições pedagógicas e hygienicas exigidas em prédios escolares,
foram ellas as mais adaptáveis encontradas, quando, autorizado pelo Governo, visitei
diversas para proceder à escolha.Depois de adaptal-a e melhoral-as o mais possível,
dotando-as do material escolar existente na Capital, foi designado o dia 3 de setembro
de 1910 para a solennidade da inauguração.
INAUGURAÇÃO
As 11 horas da manhã de 3 de setembro de 1910, no edifício do grupo escolar,
presentes o Sr. Coronel Presidente do estado, funccionalismo federal e estadual, o
Director e os adjunctos dos mesmo grupos, declarou inaugurado e isntallado o grupo
escolar do primeiro districto, tendo –se lavrado de tal solennidade a seguinte acta: - As 2
horas da tarde de 3 de setembro do ano de 1910 , no gabinete da directoria do grupos
escolar do districto, sito em 16 da rua de Março, nesta cidade de Cuyabá,
capital do Estado, presentes o Exmo.Sr. Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa,
Presidente do estado , autoridades federaes, estaduaes e escolares e demais pessoas que
este termo subscrevem, por S.S. o Sr. Presidente do Estado foi declarado installado e
inaugurado o grupo escolar de districto da Capital. A direcção pedagógica do mesmo
foi confiada ao professor Leowgidildo Martins de Mello, contractado em S. Paulo para
prestar seus serviços profissionaes ao ensino publico de Matto Grosso , tendo-se-lhe
designado para auxiliares as Exmas. Sras. D.D. Maria Luzia Antunes Maciel, Joaquina
de Cerqueira, Almira de Mendonça, Alzira Valladares, Azelia Mamoré e Antonia
Georgina Ribeiro de faria. Do que, para constar, foi lavrado o presente termo no livro de
visitas do mesmo estabelecimento, que vae assignado por todos os presentes.
(Seguem-se assignaturas diversas)
Ao ser installado o grupo era esta organização:
anno masculino - a cargo da adjuncta D. Joaquina de Cerqueira; idem
feminino idem idem D. Maria Luzia Antunes Maciel ; idem masculino idem
idem D. Alzira Valladares; idem feminino D. Almira de Mendonça; idem
165
masculino idem idem D. Antonia de Faria idem feminino idem idem D. Azelia
Mamoré .
À falta de preparo conveniente dos alunnos obrigou a direcção do grupo a não
crear o 4º anno de ambas as secções, por ocasião da installação.
ORGANIZAÇÃO
Installado o grupo escolar, estava preparado o terreno para receber a semente
promissora de futuros resultados, isto, é, estavam às classes promptas para serem
orientadas. Ia ser iniciado o trabalho mais penoso. Os alunnos, mal preparados e mal
habituados, peiados pela natural desconfiança que lhes infundia a nova isntitruição,
offereciam serias dificuldades á acção reorganizadora. Os professores, adstrictos ao
pernicioso methodo da decoração, ao ensino de todas as disciplinas por intermédio do
livro tratadista, não estavam também em condições favoráveis á reorganização. Por
ultimo, a falta completa do material pedagógico e do mobiliario escolar necessários á
applicação dos methodos novos, e a proximidade do anno lectivo, levaram a direção do
estabelecimento a cuidar unicamente da organização disciplinar do grupo, até que,
dotado do apparelho escolar completo, o serviço orgânico pudesse ser iniciado em todas
as suas partes. Por estas razões, os mezes de setembro, outubro e novembro de 1910,
foram destinados ao training de professores e de alunnos sob a direcção constante do
Director. Banidos do ensino todos os livros, excepto o de leitura, condemnada para
sempre a decoração, foi meu trabalho neste lapso de tempo, orientar aos professores no
modo de fazer suas explicações pela linguagem oral e aos alunnos na maneira de melhor
aproveita-las.
HORARIO
Uma das maiores lacunas que encontrei nas escolas isoladas por occasião das
visitas que lhes fiz, foi a falta de horário. Uma escola sem horário, é na phrase de um
grande mestre, Montaigne, um centro atrophiador das faculdades infantis. Na escola,
onde creanças em grande numero são reunidas sob a direcção de um só sistema de
educação, a primeira preocupação do docente, deve ser attender á distribuição
conveniente dos alumnos, pelos diversos momentos da classe, lei que, em pedagogia, se
chama emprego de tempo.Uma escola dotada de bom horário torna seu serviço mais
166
fácil para mestres e alumnos e offerece resultados mais fecundos. À sucessão regular
dos exercícios ao estudo variedade, movimento e animação, ao mesmo tempo que
estimo a applicação e evita o cansaço:excita a attenção dos indolentes attraindo para
Assumptos variados; coragem aos que não tendo aptidão das as disciplinas,
esperam com impaciência o momento do exercicício em que se pode salientar; evita a
irreflexão de alunnos que custa de uns se poderiam dedicar mais ao conhecimento de
outros estudos; evita a falta de tempo, facilita o serviço da classe e prepara os alumnos
para terem, mias tarde, ordem na vida, que é sua dignidade, e pontualidade, que sua
tarde, ordem na vida que é sua dignidade, e pontualidade, que é sua força.São estas ,
dentre outras, as razões que pugnam em prol dos bons meios de empregar o tempo
escolar.Questão sobremodo difícil e complexa, apezar de sumidades pedagógicas a Ella
terem dedicado seus estudos, ainda não se disse a seu respeito a ultima palavra. Um
bom horário deve obedecer aos seguintes princípios: - a) Ocupar toda classe;
b)proporcionar a duração dos exercícios á edade e ao desenvolvimento physico e
intellectual dos alumnos; c) abranger o programa completo, destinando a cada matéria o
tempo exigido pela sua maior ou menor difficuldade ou facilidade; d) alternar em horas
sucessivas elementos mais difficeis com outros menos difficeis. Attendendo a estes
princípios e também desejando estabelecer um plano horario subscripto pela
pratica, daptei o que vae em o annexo 1. Depois de haver manuseado durante um
anno, posso asseverar possuir elle aptimas condições pedagógicas, pois além dos
resultados colhidos de seu emprego, nenhum caso de fadiga cerebral ou de
atrofhiamento qualquer foi por mim observado.
PROGRAMA
A expressão programa, applicada ao ensino, offerece dous sentidos: - simples
enumeração das matérias do ensino; exposição detalhada do desenvolvimento que se
deve dar a cada disciplina, isto é, proporcionar ás faculdades infantis o quantum de
conhecimentos a serem ministrados. Disto resalta naturalmente a importância do
programa na escola. Si em nosso meio os agentes da educação fosse oriundos de uma
escola profissional, bastaria que o programa enumerasse unicamente as disciplinas que
devem ser estudadas na escolas primaria. Mas, tratando-se de agentes de educação
estranhos a um curso pedagógico regular, é claro que o programa deve lhes precisar a
qualidade e quantidade dos conhecimentos a ensinar. Da combinação do horario com o
167
programa resulta a obediência á mais geral das leis pedagógicas e, ao mesmo tempo, ao
fim da educação:_ desenvolvimento gradual e harmônico das faculdades infantis.
Contraponham-se as escolas a esta disposição, e surgirá logo, como protesto eloqüente e
terrível, o atrophiamento geral ou parcial das faculdades infantis. Em o annexo 2,
incluo a este o programa que adoptei no grupo escolar. Não tenho a veleidade de fazel-
o passar por cousa minha. É uma adaptação do que se preceitua nos grupos escolares
paulistas. Certo alguns defeitos e acompanham.As lacunas que por ventura existem
nelle, serão removidas quando a pratica, a experiência, os resultados no-los definirem.
CURSO DO GRUPO ESCOLAR
EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA
Munido do horario e do programa encetei a reorganização escolar, atacando
pelas bases os erros que encontrei e que acima foram citados. A educação moral e
cívica, que na escola deve ser objecto de um carinho e de um cuidado extremos,
mereceu da minha parte especial attenção, por não ser processado nas disciplinas
ensinadas ás creanças, até ao momento da installação do grupo escolar. Seu
desenvolvimento foi operado não só pelo ensino dos deveres e direitos cívicos ao
alcance infantil, como também pela comemoração das datas nacionais. Desta sorte, a
escola, para a creança assumiu feições de um templo amorável e bom, onde a Família, a
Sociedade e a Pátria eram constantemente cultuadas, com sinceridade, pelo amor e pelo
respeito infantis. As escolas não podem, não devem descurar os ensinamentos cívicos.
Desde o evento grandioso de 15 de novembro de 1889, que transformou radicalmente as
instituições sociaes que nos regiam, o ensino publico é leigo em nossa pátria. Por leiga
se deve entender a escola que respeita todas as religiões, sem professar qualquer dellas,
e não escola contraria a qualquer credo ou a Deus, segundo pregam, com intuitos
pequeninos alguns phariseus do ensino em nosso meio social. A educação só pode ser
completa e perfeita desde que desenvolva gradual e harmonicamente as faculdades
inttelectuaes, moraes e physicas dos educandos. Nos tempo idos da monarchia, em que
a religião era unida ao Estado, a educação moral se realizava por meio do ensino do
catecismo cathólico romano aos alumnos. Proclamada a Republica e com esta a
liberdade de cultos, foi banido da escola o ensino religioso. Desde então se fez mister
nova orientação para a educação moral. Collimando receber em seu seio filhos de todos
168
os credos, respeitando-lhes e mantendo-lhes as opiniões religiosas, a escola adaptou por
sua a sublime religião da família, da Sociedade e da Pátria que, comum a todas as
crenças, a nenhuma se contrapõe. Sua moral é o ensinamento dos deveres para com os
seus, de cada qual para consigo, para com os seus, para com a sociedade e para com a
Pátria. E isto se faz pelo estimulo do patriotismo, ministrando ao alumno o
conhecimento dos heroes verdadeiros, daquelles que, por seus ritos e virtudes
cívicos, dignos se fizeram do nosso amor e do nosso respeito.
A natural evolução da educação conduziu a escola, atravez de prhase diversas,
até ao typo leigo, hoje universal. Na antiga escola oriental a educação tinha por fim a
religião, a divindade; na grego-romana, a convivência social, o Estado; na christã, o
homem inseparável das sua relações com Deus;na escola hodierna, a educação tem por
fim a formação do cidadão, a formação do organismo ondividuo-social. Primevamente
educou-se o homem para divindade; mais tarde, para o Estado; ultimamente, o
homem pelo homem e para Deus; na actualidade educa-se o homem para si mesmo e
para a sociedade. Esta ultima educação é o typo da escola leiga moderna. É uma escola
humana, sem religião, mas não é contra Deus; e tanto assim é que conhece e observa o
dever de deixar a cargo da família do educando, o direito de ensinar a este a religião que
melhor lhe pareça. Tal é o único typo de educação humana, de accordo com os
modernos conceitos que a moderna sociologia faz sobre o homem. Levado por taes e tão
poderosas considerações, não poupei esforços para que a educação moral e cívica fosse
realmente desenvolvida na escola a meu cargo. E esse esforço foi alcançado theorica e
praticamente pelo ensino dos direitos e dos deveres do homem, em harmonia com maior
ou menor desenvolvimento intellectual das faculdades infantis; praticamente, pela
comemoração infantil das datas nacionais, dos homens grandes da Patria, tornando-se as
creanças outros tantos elos dessa sympathica, amorável cadeia cívica , que liga o
passado ao presente e prepara, pelo amor e respeito á Sociedade, os homens de amanhã,
a Patria futura.
EDUCAÇÃO INTELECTUAL
Como se viu, na intruducção deste trabalho, até o momento em que foi iniciada a
reorganização do ensino, o ministério deste nas escolas publicas da Capital, não
obedecia a um plano determinado de orientação. È verdade que o regulamento, então
em vigor, cogitava do ensino intuitivo, condemnava os processos retrógados da
169
decoração e esboçava um plano programma ou, melhor, enumerava as matérias que
deveria ser ministradas na instrução primaria. Mas, senhor de um apparelho escolar
defeituoso, acanhado e incompleto, insciente em matéria de uma orientação definida,
abandonado a si mesmo, o professor não podia observar o regulamento e, por tal, não
devemos culpa-lo. Mostrava-se ao educador o fim a que seu labor era destinado, mas se
lhe não forneciam os meios necessários para que collimasse o alvo desejado. Além
disso, deixados os professores a si mesmos, realizando o trabalho educativo pelos meios
que melhor e mais práticos lhes pareciam ser, era natural que soprasse pela escola uma
tal desorganização, bem como, se observasse nellas uma accentuada divergência de
vistas. Desta sorte, cada escola reflectia, naturalmente, as predilecções d seu dirigente.
Aqui, viam-se alunos que liam optamente, mas escreviam e calculavam mal; alli
meninas que bordavam a seda e o ouro impeccavelmente, porém, que não sabiam
casear, remendar, pregar botões, ou fazer qualquer dessas pequeninos nadas do serviço
domestico.Impunha-se á reorganização, estabelecer um plano uniforme de
conhecimentos a se ministrar, fixando previamente a quantidade e a qualidade dos
mesmos,bem como estabelecer o tempo que cada disciplina deveria ser consagrado.
Esta medida veio evitar o grande inconveniente da desharmonia no ensino, fixando de
vez o desenvolvimento geral da educação intellectual. Estabelecimento de instrucção
elementar e complementar aqui existente, o grupo escolar é um curso primário, seriado
em quatro classes distinctas para ambos os sexos. Por essas classes, primeira, segunda,
terceira e quarta distribuem-se gradativamente, os conhecimentos que constituem a
instrucção são preliminar, ou melhor, primaria, propriamente dicta, de matérias
ensinadas da primeira e quarta classe obedecem a um plano uniforme; de tal natureza
que o educando ,ao iniciar o seu curso na primeira classe, recebe conhecimentos,
dosados pedagogicamente, de todas as disciplinas consagradas no programa geral do
grupo escolar. Com esta orientação, o grupo escolar apresenta uma uniformidade
perfeita em suas aulas e impossibilita completamente o desenvolvimento maior de
outros conhecimentos. Os programas da primeira á quarta classe, contém de accordo
com desenvolvimento particular de cada classe, as seguintes matérias: -
Leitura linguagem oral e escripta arithimetica geographia historia pátria
sciencias physicas e naturaes e hygiene - educação moral e cívica- geometria- musica –
desenho – gynastica e trabalhos manuaes.
Em o annexo 2, vae o programa detalhado destas matérias, pelo qual se
avaliará da qualidade e da quantidade de cada uma, nas quatro classes do grupo escolar.
170
Não foi sem grandes dificuldades que se conseguiu o desenvolvimento approximado
desse programma, pois luctava contra tal desideratum a falta dos meios indispensáveis,
a falta dos apparelhos mais necessários para que isso se realizasse. Comtudo, á boa
vontade dos meus auxiliares e á applicação dos educandos, deve em grande parte a
consecução desse objectivo a , hoje, o desenvolvimento intellectual no grupo escolar, é
harmonico, uniforme e methodico em todas as suas phases.
EDUCAÇÃO PHYSICA
Estudando a evolução physicologica do homem, como a psychologica, podemos
asseverar que todos os seus actos psychicos teem profundas relações com a sua vida
orgânica. Em nenhum momento da vida os phenomenos psychicos se apresentam como
essencialmente diferentes e independentes dos physicologicos. Estudando a educação,
na sua mais ampla accepção, podemos affirmar que ella é um todo indivisível que na
phase de Motaigne, não tende desenvolver uma intelligencia ou um corpo, mas sim um
todo, como uma parelha de cavallos, atrelados ao mesmo carro. Não seria por tanto
natural que a escola cuidasse dos educando moral e intellectualmente, desprezando a
educação physica. Já de muito conhece o vulgar mens sana in corpore sano.Para
que a intelligencia se desenvolva e se capacite para o aprendizado intellectual,mister se
torna que o organismo também de desenvolva e se fortifique, é necessário que haja
harmonia nessa evolução physio-paychicologica.Não bastassem taes considerações para
convencer da importância educação physica methodizada, e eu lembraria, no passado
recehellenica, cuja historias tantas lições nos dá em matéria de educação.
Convencido de que, principalmente em nosso meio, muito se devia cuidar da
educação physica, teria immediatamente posto em pratica a gynastica escolar moderno,
se o grupo escolar estivesse para isso aparelhado. Porém tal não acontecendo, limitei
esta parte do programa a passeios campestre os quaes, além de oferecer aos alumnos um
campo mais hygienico para a boa respiração e mais próprio para os jogos infantis,
tornavam mais proveitosas por serem praticas, as lições coia-s. Este systema de
gynastica é hoje adoptado nos países de educação adentada, e seria muito útil de tal
assumpto cuidassem nossos programas escolares.
PREDIO ESCOLAR
171
A mais urgente medida a se tomar, é a mudança da escola para outro prédio.
Nenhuma das casas que ella occupa actualmente , offerece as condições hygienicas e
pedagógicas exigidas nos prédios escolares. Nem mesmo poderão adaptar taes prédios
para escolas, pois, sobre serem péssimas as divisões internas, onde a luz e o ar não
penetram em quantidade sufficiente, estão localizado em uma rua anti-hygienica, que
recebe as águas servidas das casas da parte superior, conservando-as em depósitos e
estagnadas. Esta ultima condição, só por si, justifica uma providencia urgente, no
sentido de afastar a escola desse local repleto de miasmas, desse foco de micróbios
perigosíssimos para a normalidade da vida escolar.
MOBILIARIO ESCOLAR
O mobiliário em uso no grupo escolar é do typo adoptado escolas norte
americanas, offerecendo todas as vantagens que se podem anferir de carteiras
verdadeiramente escolares. Somente uma pequena parte delle impróprio para escolas
primarias, por ser destinada a escolas secundaritas. O mobiliário destinado aos alunos,
nas classes, é, pois, perfeito e uniforme. Outro tanto se não pode dizer do mobiliário
destinado ao serviço da classe, que é de mau typo e muito ordinário. Pode-se mesmo
considera-lo imprestável. E a unica causa dessa mau aquisição, reside no facto de se ter
encarregado da compra desse material, pessoal não idones e incompetente que, além de
fazer á instrucção o fornecimento de material de modelo condenmnado , ainda exigiu
por elle um preço verdadeiramente exorbitante.
MATERIAL DIDATICO
A escola possue em deposito e em uso livros didacticos dos melhores autores
nacionaes que se tem dedicado á literatura pedagógica infantil. Porém esses livros são
destinados às classes adeantadas, não tendo ella um único exemplar daquelles de que
precisa para o ensino da classe mais atrazada.E, considerando as condições especiaes da
praça cuyabana, que, alem de não possuir todo o material exigido na escola, ainda
vende o pouco que tem por preço que não está ao alcance de todas as bolsas, seria de
urgente necessidade, para bem da marcha regular do ensino, uma intervenção poder
competente, no sentido de facilitar á população escolar pobre, a aquisição de tal material
. A legislação estadual manda fornecer material aos alumnos indigentes. Mas, alem
172
destes, a quasi totalidade da população escolar das escolas publicas , é pobre e com
sérios e penoso sacrifício conseguem comprar um ou outro objecto exigidos pela
applicação dos modernos methodos de ensino.E isto pela razão de que taes objectos são
vendidos por um preço excessivo. Para sanar tal estado de coisas, seria opportuna uma
intervenção do Governo, no sentido que passo a expor: -
Não seria penoso ao poder competente fazer a escola uma dotação completa do
material didactico, habilitando-a ao fornecimento geral de seus alumnos. Tal
fornecimento seria feito gratuitamente, como é de lei, aos alunos reconhecidamente
indigentes. Aos demais, a escola forneceri-mediante indemnisação, que seria
cobrada da razão única de custo de material posto em Cuyabá. A adopção dessa medida
traria consigo dous importantes resultados:
a)apparelhar a escola para poder desenvolver , com uniformidade e harmonia, e
sem programa de ensino;
b) evitar ao Estado futuros dispêndios com novas compras de material.
Actualmente a escola não pode fornecer a todos os seus alumnos e estes não
podem comprar o material de que precisam, já porque é muito caro, já porque não existe
na praça. Esta anormalidade acarreta sérios prejuízos, pois por mais boa vontade que
tenha o educador para cumprir seus deveres, a sua acção é constantemente cercada por
falta de meios. Pela mesma razão por que por mais hábil operário, falto de seus
instrumentos, consegue obras toscas e imperfeitas, o educador, sem o apparelho
escolar completo e perfeito, pode conseguir educação imperfeita , anormal,
atrophiadora das faculdades infantis. Mas, por outro lado as condições financeiras do
Estado, não permitem ao Governo, por agora, dispender grandes sommas com a
instrucção, no sentido de aparelhar as escolas para fornecimento gratuito aos alumnos
todos.Pois bem parece que acceita a medida atraz indicada, as escolas poderão
funccionar regularmente e o Governo fará economias grandes na verba relativa á
aquisição de material didactico. Para que tal se consiga, é bastante que o Governo
autorize a directoria da instrucção a fazer compra do primeiro fornecimento ás escolas, e
ao Thesouro do Estado, a creação da caixa escolar.
O pecúlio desta será constituído com a indemnização paga pelos alumnos em
virtude do material fornecido pela escola, fundo esse que será destinado exclusivamente
a acquisição de material escolar. È provável que se revoltem contra este projecto os
livreiros de nossa praça, que, mesmo, se poderiam dizer lesados em seus interesses.
Porém, mais interessados que os livreiros são os chefes de familia que cuidam da
173
educação de seus filhos e, estes, certamente, não negariam applausos ao Governo, pois
reconheceriam a justiça de tal acto, visando unicamente a facilidade maior da
conffunsão do ensino em todas as camadas sociaes.
CORPO DICENTE
Tem sido tal a concorrência de candidatos a matricula em ambas as secções do
grupo escolar, que a direcção desse estabelecimento tem sido obrigado rejeitar
candidatos, por insufficiencia do prédio. O facto da procura de matricula é bastante
significativo para escola e importa a acceitação dos novos methodos pelo povo, mesmo
apezar das injustas campanhas que lhe têm movido certos indivíduos por intuitos que
não sei alcançar. E o annexo Nº4, vae um resumo do movimento de matricula e
frenquencia de campos durante o anno lectivo, pelo qual se vera que o maximo da
matricula attingiu ao elevado total de quatrocentos e trinta e seis alumnos, e o maximo
nunca foi inferior a quatrocentos.
CORPO DOCENTE
O corpo docente do grupo escolar é constituído de 8 adjuncto e 2 adjunctos.
Aquellas leccionam a cinco classes femininas e as três primeira masculinas. O facto de
haver três professoras dirigindo classes masculinas, assenta no principio de
superioridade da mulher sobre o homem, em matéria de paciência e do carinho. Sendo
as primeiras classes mais difficeis e aquellas onde ffluem maior numero de creanças em
tenra edade, devem ser dirigidas, de preferência, por mulheres, pois o resultado do
ensino alli, depende exclusivamente da paciência, do carinho e da dedicação da mestra
para com seus alumnos . Não seria justo que deixasse de mencionar neste capitulo o
carinho, a dedicação, o amor que o corpo docente do grupo consagrou ao ensino durante
o período a que se refere este relatório. Seria injustiça declinar nomes. Todos
trabalharam devotamente e foram fieis no cumprimento dos seus deveres. Essa união de
esforços, essa convergência de vistas para o mesmo fim, essa unidade de sentimentos,
tudo contribuiu poderosamente para que o grupo escolar alcançasse a confiança que
actualmente lhe concede a sociedade cuyabana. Em annexo Nº discrimino o corpo
docente e as alterações por que elle passou n decorrer do anno lectivo próximo findo.
174
CORPO ADMINISTRATIVO
O escolar administrativo do grupo escolar compõe-se de um director, um
porteiro e dous serventes. O porteiro do estabelecimento e os serventes foram sempre
pontuaes no exercício dos seus cargos. Adeante, na parte referente ao corpo
administrativo da Escola Normal, me estenderei mais sobre este capitulo. O annexo
5 mostra as alterações sofridas pelo corpo administrativo.
DISCIPLINA GERAL
È bastante eloqüente, para provar a superioridade da actual orientação escolar, o
facto de se não ter applicado penas disciplinares a corpo dicente do grupo escolar, no
decurso do anno lectivo a que se refere este relatório. A actual orientação banin por
completo o castigo physico. Os alumnos são corrigidos unicamente por meios dóceis,
moralisadores. A disciplina escolar repousa unicamente no amor mutuo entre o
educador e o educando, de que resulta a superioridade moral daquelle e o respeito deste.
Á escola de hoje é diversa da de outr’ora. A creança, ao vir para aula, sente que a
escola é uma continuação do lar. O mesmo amor, o mesmo carinho, os mesmo cuidado
que a infância tem no seio da familia, são-lhe dedicados pela escola. È natural, portanto
que a creança venha espontaneamente para a escola.
E quando se tem conseguido este resultado, quando a creança a escola lhe
sorrir, abrindo-lhe carinhosa, amorosamente os braços, quando tal se conseguia a
indisciplina é letra morta e o resultado do ensino deixou de ser um problema, para ser
um facto. E, com orgulho o affirmo, o grupo escolar conseguiu ser , para seus
educandos, a continuação da familia.
175
JORNAL. Correio do Estado. Cuiabá-MT, ano III, 115, 04 de março de 1923 .
APMT. Cx – 022.
O Ensino de Historia
Muita gente se engana a respeito do ensino primário, confundindo-o com um
ensino sem plano, desconnexo, unilateral: ler, escrever e contar, ler o livro, depois o
2º, depois o depois o depois o 5º; escrever uma carta, e executar as 4 operações,
verificando-as com a prova dos noves fora. Passar para outro livro e passar para outro
anno do curso é para os que pensam assim, a mesma cousa. Quanta falsidade de
conceitos! Vós que ensinaes, sabeis melhor do que eu a que distancia da verdade estão
essas ideás. Vós, que observaes attentamente os vossos alumnos, sabeis, que não se trata
de passar de livro, mas de desenvolver as faculdades todas da intelligencia,
sensibilisando aquellas faculdades chamadas de acquisição, fortalecendo as de
conservação e exercitando as de elaboração. s, que conheceis e continuares sempre
estudando a psychologia infantil, avaliaes o desacerto de alguém que julgasse de pouca
responsabilidade os vossos trabalhos.
Vós, que preparaes em casa as vossas lições, diariamente, antes de vir para a
escola, pela meditação sobre o que vindes ensinar naquelle dia, e como o fareis, para
facil e perfeita, comprehensão de vossas classes, estaes convencidas de que o ensino,
ainda que primário, deve ser harmonico, integral, graduado, racional, previdente dos
fins a attingir.
Na escola primaria se ensina a ler, a escrever, a contar, assim também como se
ensina o desenho, a geometria, a geographia, a musica, a história, as sciencias physicas
e as sciencias naturaes. É como se vê, um programma integral de instruição, verdadeira
base de uma cultura generalizada. Mas esse mesmo programa de instruicção integral,
deve ser um programma de educação intellectual completa: e para que seja, é preciso
que cada sciência conserve o seu espírito e esse methodo devem estar presente a cada
lição. Assim, nunca deixará o professor de perguntar a si mesmo, ao iniciar o ensino de
cada disciplina de programa do programma: porque se formou esta sciencia?
Uma sciencia, diz Claparéde, é sempre uma resposta ou uma tentativa de resposta
a uma pergunta que o homem se propõe; uma pergunta sempre que alguma cousa o
admira. Mas essa admiração continua Claparéde, é, por sua vez, provocada por algum
embaraço na maneira de conceber os phenomenos ou se adaptar a elles: é quando o
176
homem se sente desprovido de automatismo ou hábitos, que lhe permittem agir num
caso dado, que se põe a reflectir sobre a maneira de organizar a sua conducta, e esta
reflexão, que o conduz a indagar da natureza e successão dos phenomenos, leva o à
investigações scientificas. Como se vê Claparéde dá para o berço das sciencias –
utilitarismo. E embora muitos conhecimentos hajam inscriptos no rol do cabedal
humano por obra de puro desejo de saber e como consequencia do espírito de
indagação, que é innato nos homens, tenham todo, elles bem depressa uma feição
utilitária e essa feição utilitária de ser a norma invariável de ensino nas escolas
primarias. Ao iniciar o ensino de uma disciplina a uma classe deve o perguntar a si
mesmo: qual a utilidade do ensino que vou ministrar? O fim da escola não preparar o
homem para a vida, pela instrucção e pela educação?
Entremos no assumptos da nossa palestra – o ensino de Historia. Não se
entenda por Historia de um povo simples narração, em ordem chronologica, dos
acontecimentos políticos. A isso chamaríamos Historia política. Ao lado della no
envolvimento de uma nação, ocorrem os acontecimentos scientificos, artísticos,
religiosos, econômicos, etc.
Historia de um povo, ou melhor, Historia de Civilisação de um povo é, para
Monod, o conjuncto das manifestações da actividade e do pensamento desse povo,
considerados em sua successão. A historia pode ser simples narração de factos e pode
ser a interpretação e comparação desses factos.
A Historia de um povo, como simples narração de factos, não é sciencia, e,
quando ensinada, tem por fim fazer conhecidos homens actuaes desse povo, as phases
do seu desenvolvimento, as luctas sustentadas pela conservação da sua integridade, as
etapas percorridas na conquista da sua civilisação, os homens que mais se distinguiram
pela sua intelligencia, pela sua abnegação, pelo seu civismo, os exemplos edificantes
das collectividades e dos indivíduos que viveram nas diferentes épocas.
A Historia de um povo, como interpretação e comparação desses mesmos
factos, é sciencia e; quando ensinada tem por fim dar aos homens actuaes, pela
esperiencia generalizada do que passou a previdência do que de vir, traçando-lhes o
melhor caminho.
Não vos direi que o ensino de Historia ás classes dos primeiros annos
preliminares deva ter um caracter scientifico. As inducções históricas não estão ao
alcance de espíritos ainda encerrados no casulo das intuições ficarão para depois, para
os cursos complementares, secundários e superiores; ficarão para aquelles que ides
177
agora instruir nos factos do nosso passado, conduzindo-os, de surpreza em surpreza, de
curiosidade em curiosidade, atravez de 4 seculos; ficarão para aquelles cujos espíritos
ireis agora iniciar na contemplação do desenvolvimento nacional, dando-lhes os
porquês, as causas, as conseqüências de cada mudança de regimem. Agora, portanto,
não ides ensinar a História como sciencia, mas tão somente como narração do passado
nacional, como repositório de exemplos, os mais edificantes, de nomes os mais
renováveis, de acções as mais heróicas, de civismo o mais puro. È esse o vosso papel:
pintar aos olhos dos vossos alunnos o Brasil asphyxiado dos primeiros mezes de 1822, o
Brasil agitado de 31, o Brasil fremente de 64, o Brasil generoso de 88 o Brasil
esperançoso de 89, o Brasil progressista, emprehendedor e forte de nossos dias, por obra
e valor de todos os seus filhos; o Brasil previdente de agora, preparado, instruído,
robustecendo os seus futuros homens. Sabereis colorir todos esses quadros e anima-los e
movimenta-los e torna-los estimáveis; sabereis alimentar com elles a intelligencia das
creanças ao mesmo tempo que alimentar as suas virtudes; sabereis fixar conhecimentos
e desenvolver sentimentos; sabereis fazer conhecida e amada das creanças a nossa
Historia.
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