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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Aprendizagem e Ação Docente
SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA APRENDIZAGEM
DA LEITURA POR ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES
LÚCIA CRISTINA DALAGO BARRETO
MARINGÁ
2008
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MESTRADO
Área de Concentração: Aprendizagem e Ação Docente
SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA APRENDIZAGEM
DA LEITURA POR ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES
Dissertação apresentada por LÚCIA CRISTINA
DALAGO BARRETO à banca examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Maringá, na Área de
Concentração em Aprendizagem e Ação
Docente, como requisito parcial para a obtenção
do grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Áurea Maria Paes
Leme Goulart
MARINGÁ
2008
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LÚCIA CRISTINA DALAGO BARRETO
SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA APRENDIZAGEM DA
LEITURA POR ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES
Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre
em Educação no Programa de s-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Maringá, pela seguinte banca examinadora:
Professora Drª Áurea Maria Paes Leme Goulart (Orientadora)
Universidade Estadual de Marin– UEM
Professora Drª Sonia Maria Viera Negrão
Universidade Estadual de Marin– UEM
Professora Drª Ana Lúcia Guedes Pinto
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Maringá, março de 2008.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida e proteção nos momentos bons e nos momentos mais difíceis.
Aos meus pais, Otávio e Salete, pelo apoio incondicional e a presença constante em
mais uma etapa de minha vida.
Ao meu irmão, Luiz Antonio, pelo companheirismo.
Ao meu esposo, Julio César, pela segurança, confiança e pelas palavras otimistas
nos momentos em que mais precisei. E, também, pela paciência e renúncia a alguns
de nossos sonhos.
Ás professoras da Banca Examinadora: Profª Drª Roseli Fontana Cação, pela
seriedade de suas colocações na Banca de Qualificação, Profª Ana Lùcia Guedes
Pinto, pela disponibilidade e respeito, Profª Drª Sonia Negrão, pela riqueza de suas
reflexões e Profª Drª Analete Regina Schelbauer, pela sensibilidade de suas
palavras.
Aos professores e amigos do Curso de Mestrado, pelo companheirismo e pelos
momentos de alegria e aprendizagem compartilhados.
Aos secretários do programa de Mestrado, Márcia e Hugo, pela dedicação a qual
realizam seu trabalho.
À professora Maria de Lourdes Longhini Trevisani, pela seriedade da revisão
concebida à pesquisa.
Ao diretor, a supervisora pedagógica e aos professores da instituição pesquisada,
pela confiabilidade e colaboração prestadas a este estudo.
Aos meus alunos da Sala de Recursos, que a todo o momento demonstraram
envolvimento e participação nas atividades propostas.
À amiga Nilza, pela companhia e pelos momentos de diálogo e troca de opiniões,
nas diferentes etapas e situações vivenciadas por nós, nesses dois anos de
convivência e estudo.
E, em especial, à minha orientadora Profª Drª Áurea Maria Paes Leme Goulart, pela
sensibilidade, profissionalismo, humildade, confiança, e, sobretudo, pela
oportunidade de convivência, aprendizagem e amizade. Muito obrigada...
BARRETO, Lúcia Cristina Dalago Barreto. SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO DA
APRENDIZAGEM DA LEITURA POR ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES.
136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Estadual de Maringá. Orientadora:
Áurea Maria Paes Leme Goulart. Marin, 2008.
RESUMO
O processo pelo qual ocorre a aprendizagem de adolescentes com dificuldades escolares vem
sendo objeto de discussão de muitos pesquisadores e estudiosos da área. É justamente a
compreensão desse processo, mais especificamente, como ocorre o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores concomitante ao aprendizado da leitura por alunos freqüentadores de Sala
de Recursos de à séries, constitui-se nosso objeto de investigação, sob os parâmetros da
Teoria Histórico-Cultural. Assim, a pesquisa se estrutura em duas fases. Na primeira, está o
estudo bibliográfico, amparado na obras de Vigotski, Leontiev, Luria, Rubinstein representantes
da Teoria Histórico-Cultural, e outros como Theodoro da Silva, Zilberman, Lajolo e Orlandi, que
mesmo pertencentes a diferentes concepções tricas, fundamentam e definem o ato da leitura
como uma ptica social apreendida por meio das relações sociais. A segunda fase da pesquisa,
faz uma investigação teórico-prática das dificuldades escolares apresentadas pelos alunos, em
especial no desenvolvimento das funções psicológicas relacionadas à aprendizagem da leitura,
estabelecida por meio da realização de ações e atividades práticas e alise do material coletado.
A análise dos dados revela o resultado da mediação realizada pela professora-pesquisadora,
sobretudo em relação à compreensão da leitura como signo elaborado historicamente e utilizada
socialmente como um elemento transmissor do conhecimento humano por meio da língua escrita.
Como o comprometimento intelectual está presente em alguns alunos encaminhados para as Salas
de Recursos, foi possível evidenciar que os estímulos e as oportunidades que lhes são dadas
propiciam a aprendizagem e a inclusão destes adolescentes no processo educacional.
Consideramos fundamental, portanto, desvendar as mediações necessárias para que esses alunos
com dificuldades escolares desenvolvam tais funções e se beneficiem da leitura como
instrumento fundamental à promoção de seu desenvolvimento.
Palavras-chave:Funções psicológicas superiores. Leitura. Dificuldades escolares.
Aprendizagem. Mediação.
BARRETO, Lúcia Cristina Dalago Barreto. ROOM OF RESOURCES: A STUDY OF THE
LEARNING OF THE READING FOR STUDENTS WITH SCHOOL DIFFICULTIES.
136 f. Dissertation (Master's degree in Education) - State University of Marin. Guiding:
Golden Maria Paes Leme Goulart. Maringá, 2008.
ABSTRACT
The process for which happens the adolescents' learning with school difficulties is being object of
many researchers' discussion and studious of the area. It is exactly the understanding of that
process, more specifically, as it happens the development of the superior psychological functions
concomitant to the learning of the reading for students visitors of Room of Resources of 5th to
8th series, our investigation object is constituted, under the parameters of the Historical-cultural
Theory. Like this, the research is structured in two phases. In the first, it is the bibliographical
study, aided in the works of Vigotski, Leontiev, Luria, Rubinstein representatives of the Theory
Historical-cultural, and other like Theodoro of Silva, Zilberman, Lajolo and Orlandi, that same
belonging to different theoretical conceptions, they base and they define the action of the reading
as a social practice apprehended through the social relationships. The second phase of the
research, makes a theoretical-practical investigation of the school difficulties presented by the
students, especially in the development of the psychological functions related to the learning of
the reading, established through the accomplishment of actions and practical activities and
analysis of the collected material. The analysis of the data reveals the result of the mediation
accomplished by the teacher-researcher, above all in relation to the understanding of the reading
as sign elaborated historically and used socially as an element transmitter of the human
knowledge through the written language. As the intellectual compromising is present in some
students directed for the Rooms of Resources, it was possible to evidence that the incentives and
the opportunities that they are given propitiate the learning and these adolescents' inclusion in the
education process. We considered fundamental, therefore, to unmask the necessary mediations so
that those students with school difficulties develop such functions and benefit of the reading as
fundamental instrument to the promotion of his/her development.
Word-chave:Funções psychological superiors. Reading. School difficulties. Learning.
Mediation.
LISTA DE SIGLAS
APAE Associação de Pais e Amigos Excepcionais
CEB mara da Educação Básica
CEE Conselho Estadual de Educação
CNE Conselho Nacional de Educação
DEE Departamento de Educação Especial
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
NRE Núcleo Regional de Educação
SEED Secretaria de Educação do Estado
SEESP Secretaria da Educação Especial
TDE Teste de Desempenho Escolar
UNESCO Organização Educacional Científica e Cultural das Nações Unidas
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................10
2 EDUCAÇÃO GERAL OU ESPECIAL? UM FOCO À SALA DE
RECURSOS...........................................................................................................16
2.1 Educação ou Educação Especial?..................................................................16
2.2 Exclusão ou Inclusão: Uma relação dialética...............................................22
2.3 As Bases Legais da Sala de Recursos............................................................28
3 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DO ESCOLAR.................36
3.1 Elementos que Contribuem para a Formação do Ser Humano.................37
3.2 Linguagem: Principais aspectos do seu desenvolvimento..........................42
3.3 A Relação entre as Funções Psicológicas Superiores e a Formação do
Pensamento......................................................................................................49
3.4 O Ato de Ler na Contemporaneidade..........................................................65
4 IMPLANTAÇÃO DA SALA DE RECURSOS E O PROCESSO DE
APRENDIZAGEM DA LEITURA....................................................................81
4.1 Da Sala de Recursos.......................................................................................82
4.2 Da Organização da Pesquisa.........................................................................86
4.3 Aprendizagem e desenvolvimento cognitivo................................................91
4.4 A Mediação e a Compreensão Estabelecidas pela Leitura.......................100
CONCLUSÕES..................................................................................................122
REFERÊNCIAS.................................................................................................131
10
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem como tema maior o estudo do desenvolvimento das funções
psicológicas superiores por meio da aprendizagem da leitura de alunos com dificuldades
escolares, freqüentadores da Sala de Recursos de 5ª à 8ª rie de uma escola pública de Ivatuba-
PR.
A pesquisa está respaldada na perspectiva Histórico-Cultural, cujos representantes
destacamos, Vigotski (1982, 1983, 1996, 1998), Leontiev (2004), Luria (1979, 1986, 1990, 1991)
e Rubinstein (1973). Concomitantemente, ainda, apoiamo-nos em Theodoro da Silva (1986,
1992, 1993, 1997, 2005), Zilberman (1991), Orlandi (2005) e outros representantes da concepção
dialética de leitura, abordada em todo o trabalho. Os primeiros contribuem para a compreensão
do desenvolvimento e da aprendizagem, em particular, o desenvolvimento da linguagem e das
funções psicológicas superiores. Os demais nos subsidiam no entendimento da leitura como
prática social, respaldando a concepção de formão do indivíduo como leitor por meio das
relações sócio-históricas vivenciadas e mediadas pelos sujeitos que o circundam.
Este estudo, por suas características metodológicas, trata-se de uma pesquisa-ação e se
estrutura em duas fases. A primeira está pautada no estudo bibliográfico, em que são utilizados os
autores citados, e define o ato da leitura como uma prática desenvolvida socialmente. E a
segunda, de cunho teórico-prático, identifica as dificuldades escolares, especialmente no campo
da leitura, e propõe ações e atividades práticas que resultam numa análise do desencadeamento
ou não da aprendizagem.
Os quatro adolescentes, de 11 a 15 anos, previamente selecionados, fazem parte de um
grupo de 21 alunos, freqüentadores de uma Sala de Recursos de à 8ª rie, de um colégio
estadual do município de Ivatuba, no Norte do Paraná. Consideramos necessário destacar que os
alunos foram selecionados por apresentarem dificuldades mais acentuadas de aprendizagem em
relação aos demais colegas. Esses jovens são oriundos de uma sala no ensino regular, cuja
organização foi pautada na tentativa de estabelecer um grupo homogêneo no que diz respeito às
dificuldades escolares, ou seja, foi organizada tomando-se como critério as dificuldades escolares
apresentadas pelos alunos e não a possibilidade de propiciar, entre diferentes participantes, a
oportunidade de trocas.
O interesse pelo tema surgiu primeiramente da escassez de pesquisa e materiais
publicados a respeito desse apoio especializado (Sala de Recursos) e conseqüentemente, da
11
possibilidade de aprofundar os estudos a respeito das funções psicológicas superiores e da
contribuição da leitura no desenvolvimento de tais funções, visto que, sou professora da rede
pública de ensino a aproximadamente dez anos. Iniciei minha trajetória profissional em 1997 com
as séries iniciais do Ensino Fundamental, no município de Doutor Camargo no qual tive a
oportunidade de trabalhar com turmas multiseriadas, alfabetização e 3ª e ries, com as quais
mais me identifiquei. No ano de 2005 ingressei no Quadro Próprio do Magisrio do Estado do
Paraná, atuando na área da Educação Especial, primeiramente em uma escola especial e, depois,
na Sala de Recursos de 5ª àsérie, em um colégio estadual de uma cidade vizinha a que resido
Ivatuba, na qual desenvolvemos a pesquisa e ainda trabalho.
Cabe salientar, que ao trabalhar com alunos de 4ª rie comecei a estudar paralelamente a
aprendizagem da leitura e da escrita, o sob o foco da perspectiva Histórico-Cultural, mas
especificamente a respeito da leitura, tema ao qual me despertava maior atenção e me instigava a
busca por novos conhecimentos, pois comecei a perceber em minha prática de sala de aula como
a aprendizagem da leitura, de certa forma, corroborava intrinsecamente à aprendizagem de
diferentes conteúdos, influenciando, portanto, na aprendizagem de todas as disciplinas.
Essa necessidade e motivação pessoal pelo tema aumentaram no momento em que
comecei a atuar na Sala de Recursos de à 8ª série e, sucessivamente, passei a lidar diretamente
com alunos com dificuldades escolares, os quais eram encaminhados pelos professores do ensino
regular com dificuldades semelhantes, ou seja, a grande maioria relacionada à dificuldade em ler
e interpretar textos, problemas, documentos históricos, mapas e outros materiais escritos que
circulam dentro e fora do ambiente escolar.
Optamos, portanto, por uma atuação, ao mesmo tempo de professora-pesquisadora, na
qual propusemo-nos a realizar uma análise de minha prática como mediadora no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, por meio de atividades de leitura.
Nesse sentido, elencamos os objetivos que norteiam o trabalho:
Situar a Sala de Recursos, entendida como apoio especializado, em relação à Educão
Geral, sob a perspectiva da Teoria Histórico-Cultural.
Verificar o provável desenvolvimento da linguagem e das funções psicológicas
superiores de alunos com dificuldades escolares por meio do uso de um elemento
mediador – a leitura.
Acompanhar e registrar a criação de uma Sala de Recursos, identificando e analisando os
instrumentos utilizados para seleção e matrícula dos alunos.
12
Evidenciar como se o desenvolvimento das funções psicológicas superiores nos
alunos selecionados, realizando uma análise qualitativa e identificando as mediações
pedagógicas, responsáveis ou não pela sua aprendizagem.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, de cunho teórico e prático ao mesmo tempo,
primamos pela reflexão a respeito da ação do professor e a reorganização de sua ação, de modo
que ambos caminhassem concomitantes. Assim, o estudo se justifica pela premência de materiais
que abordem o tema e, sobretudo, para a colaboração na garantia da dignidade, do respeito e dos
direitos individuais e coletivos mencionados pela Constituição Federal e pelas Diretrizes
Curriculares para a Educação Especial na Educação Básica, que propõem a inclusão de alunos
com necessidades especiais, com o auxílio de alguns recursos e serviços educacionais
especializados.
O conhecimento a respeito do desenvolvimento das funções psicológicas superiores e do
domínio da leitura compreendida como prática social é de fundamental importância a todos os
profissionais da educação, especialmente aos que trabalham com alunos que apresentam
dificuldades escolares e, conseqüentemente, necessitam de mediações especificas, estejam em
Salas de Recursos ou não.
Os registros e estudos a respeito desses objetos de pesquisa, aqui concebidos e
constituídos como signos interiorizados historicamente por meio das relações sócio-históricas do
homem com seus pares, desde os primeiros registros nas cavernas pré-históricas até as leituras
virtuais da contemporaneidade, demonstram mudaas na concepção dessa prática e dessas
funções ao longo de toda a história.
Afinal, o que são funções psicológicas superiores? Como compreendemos a leitura como
prática social? Que leitor queremos formar? E qual a relação entre o desenvolvimento das
funções psicológicas superiores e a aprendizagem dessa prática? Qual o papel do professor, como
mediador da aprendizagem, na atribuição de sentidos a determinados signos? Esses e outros
questionamentos perpassam nossa pesquisa na busca de respostas, por meio de reflexões a
respeito das mediações, estabelecidas na sala de recursos, que sustentaram nossas investigações.
A leitura, sob a perspectiva Histórico-Cultural, constitui-se em ato formador de indivíduos
capazes de pensar autonomamente e, em particular, de compreender as informações emitidas
cotidianamente pela sociedade (SILVA, 1986). Nesse sentido, acreditamos que a formação de
leitores críticos, maduros, possibilitará maior envolvimento entre as diferentes classes sociais,
uma vez que “[...] leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o
13
significado de tudo o que já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das
gentes e da vida” (LAJOLO, 1991, p. 53).
A linguagem, compreendida como signos elaborados pelo meio social, permite a
atribuição de significação à atividade mental dos homens, a formação da consciência e o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (LURIA, 1979). Produzida no decorrer da
sucessão de gerações, permite a acumulação, transmissão, generalização e abstração dos
conhecimentos elaborados historicamente. Oriunda das relações entre os homens,
[...] a linguagem o desempenha apenas o papel de meio de
comunicação entre os homens, ela é também um meio, uma forma da
conscncia e do pensamento humanos, não destacado ainda da produção
material. Torna-se a forma e o suporte da generalização consciente da
realidade. Por isso, quando, posteriormente, a palavra e a linguagem se
separam da atividade prática imediata, as significações verbais são
abstraídas do objeto real e podem portanto existir como facto de
conscncia, isto é, como pensamento (LEONTIEV, 2004, p.93-94).
O desenvolvimento das funções psicogicas superiores
1
, dentre elas, a atenção, a
percepção, a memória, a abstração e a generalização, relacionadas à aprendizagem da leitura,
especificamente, em alunos com dificuldades escolares, tem sido o foco de nossa pesquisa. O
entendimento a respeito da formação e da manifestação prática dessas funções permitiu-nos o
planejamento de mediações que podem corroborar com a aprendizagem.
Assim, o empenho em compreender como ocorre o desenvolvimento dessas funções à
medida que se efetiva a aprendizagem da leitura por alunos com dificuldades escolares,
identificando as mediações pedagógicas que contribuem para esse aprendizado, permeia os
objetivos e todo o desenvolvimento desta pesquisa.
O texto que se segue, organizado em três sessões, traduz a pesquisa e o trabalho de alise
realizado. A sessão inicial, intitulada Educação Geral ou Educação Especial? Um foco à Sala
de Recursos, busca realizar uma breve análise a respeito da relão existente entre educação e
educação especial, por meio de uma relação dialética entre os conceitos de inclusão e exclusão,
que sustentaram a implantação de imeros suportes especializados, como a Sala de Recursos.
Assim, a sessão se encerra com o esclarecimento das bases legais que regulamentam o
funcionamento desse apoio.
1
Vigotski esclarece que as funções psicológicas superiores são formadas por meio de um processo dialético e de
uma transformação qualitativa de fatores externos e internos, resultando em relações interiorizadas de ordem social
(VYGOTSKY, 1983).
14
A sessão seguinte, apresentado como Aprendizagem e Desenvolvimento do Escolar:
A contribuição da linguagem, busca identificar a transformação histórico- social do homem, por
meio do contato com seus pares e, notadamente, pela utilização dos instrumentos, dos signos e
em especial, da linguagem, elementos primordiais ao desenvolvimento e aprendizagem do ser
humano. Nessa discussão, procuramos trazer elementos que auxiliassem a compreensão a
respeito das funções psicológicas superiores e a aprendizagem da leitura. A leitura, portanto,
concebida como um processo de elaboração de sentidos, faz com que a formação do leitor
priorize a imaginação, a participação, a crião e, fundamentalmente, a sensibilidade,
possibilitando uma participação ativa na busca pela compreensão.
As reflexões iniciais focalizam a utilização dos instrumentos mediados pelo trabalho e,
em seguida, pelo uso de signos, mediados pela linguagem, os quais o responsáveis pela
formação do pensamento, e sobretudo, pela diferenciação entre os homens e os animais. A
linguagem, como produto histórico, possibilita ao homem não apenas a sua comunicação, mas a
transmissão dos conhecimentos desenvolvidos no meio social. Nesse sentido, a interiorização das
significações criadas socialmente e as relações existentes entre as funções psicológicas superiores
e a formação do pensamento ocorrem pela presença da linguagem, transmitidas pelos inúmeros
signos compreendidos pela leitura.
A última sessão, com o título Implantação da Sala de Recursos e a Compreensão do
Processo de Aprendizagem da Leitura, encontra-se organizado em duas partes. A primeira, faz
a descrição do processo de implantação e funcionamento desse apoio especializado numa escola
pública do norte do Paraná, bem como identifica e a analisa os instrumentos utilizados para a
seleção e matrícula dos alunos. A segunda parte apresenta as atividades de leitura desenvolvidas
com os alunos, as mediações realizadas e as estratégias e caminhos utilizados para a
aprendizagem dos alunos com dificuldades escolares. Juntamente, efetua-se uma análise
qualitativa dos resultados obtidos por meio das intervenções realizadas, levantando os aspectos
desenvolvidos e as principais mudanças ocorridas durante o estudo, que garantem uma
comparação entre os elementos destacados inicialmente e as transformações ocorridas durante
todo o processo de mediação.
Finalmente, nas conclusões, analisamos o desenvolvimento da pesquisa, destacando
alguns aspectos mais relevantes em relação aos resultados obtidos e elencando outros, como as
dificuldades, elementos constitutivos e fundamentais à realização desta pesquisa. Refletir a
respeito do papel do professor e a importância do planejamento de mediações que indiquem o
desenvolvimento ou não da aprendizagem finalizam nossa discussão.
15
16
2 EDUCAÇÃO GERAL OU ESPECIAL? UM FOCO À SALA DE
RECURSOS
A presente sessão tem como objetivo situar o leitor em relação ao nosso objeto de
pesquisa – a Sala de Recursos compreendendo sua natureza e especificidade em relação ao
atendimento de alunos com deficiência mental e/ou dificuldades de aprendizagem em um colégio
estadual no município de Ivatuba-PR.
Nesse sentido, primeiramente discutimos a respeito do enfoque segregacionista que tem
sido dado à educação especial, ou melhor, suscitamos algumas reflexões frente à dicotomia
existente na forma de pensar a educação. Em muitas escolas da rede ensino ainda hoje, entende-
se a educação especial isolada da educação. Nessa modalidade de ensino, tem sido preconizado
um atendimento individualizado a alunos com necessidades educacionais especiais não os
compreendendo, em primeira instância, como crianças, seres humanos que fazem parte de um
grupo social.
Essa visão dicotômica contém em si dois conceitos que interagem dialeticamente o da
inclusão e o da exclusão. Compreendê-los como parte de um sistema social e político, criado por
meio das diferenças e de um caráter homogeneizador, explica, por exemplo, a recente criação de
alguns apoios educacionais na escola, dentre eles a Sala de Recursos, um elo amenizador entre
esses dois posicionamentos.
Assim, conhecer o processo de regulamentação e os documentos que legitimam esse
apoio nas escolas públicas do Estado do Paraná, sua origem e as justificativas para sua criação,
torna-se essencial à compreensão da atual realidade educacional e do papel exercido pela
Educação Especial em nossas escolas.
2.1 Educação ou Educação Especial ?
Este é um questionamento que inquieta e ao mesmo tempo mobiliza educadores dedicados
ao estudo de questões que permeiam o contexto escolar. Ou seja, devemos compreender a
Educação Especial com base em suas características particulares ou concebê-la como parte de
um todo – a educação?
17
Kassar (1995) propõe essa discussão, que ainda divide, segundo ela, a opinião de
muitos estudiosos. Nesse sentido, aponta uma problemática ligada às pesquisas voltadas à
Educação Especial. A necessidade de se conhecer as especificidades dos alunos com
necessidades especiais para que sejam atendidos com melhores resultados faz com que muitos
pesquisadores dediquem-se ao seu objeto de pesquisa em particular, desconsiderando–o como
parte de um contexto maior, formado por aspectos socioculturais, políticos e econômicos.
Essa abordagem tem como característica marcante o entendimento de que, no
plano empírico, o objeto relaciona-se mecanicamente com seu meio e, para seu
conhecimento, precisa ser desligado desse contexto. Existe a crença na
possibilidade de objetividade total perante o objeto, pressupondo-se neutralidade
por parte do cientista, pois a construção do conhecimento se com a
constatação do fato empírico (KASSAR, 1995, p. 17).
Por concordarmos com a autora, acreditamos que estabelecer essa dissociação entre
educação e educação especial nada mais é do que defender uma concepção de ciência pautada
no objetivismo diante do objeto a ser estudado, constatando a experiência por meio do
empírico, sem que se estabeleça uma relão dialógica entre o objeto de pesquisa e o contexto
ao qual está inserido.
Assim, ao estudarmos a Sala de Recursos, e mais especificamente as mediações voltadas
às atividades de leitura com alunos que apresentam dificuldades escolares, não é possível
fazê-lo como um objeto estanque e isolado de um contexto escolar maior a escola que
freqüentam, sua história de vida, suas experiências de aprendizagem, entre outros. Ainda nas
palavras da autora:
A percepção da existência do fato empírico, na construção do conhecimento, não
é a apreensão do real. O conhecer o se dá pela simples constatação do objeto.
O empírico precisa ser profundamente analisado para que se possa chegar ao
conhecimento do real. O conhecimento do real, do concreto, implica a apreensão
das inúmeras relações históricas, materiais, nas quais o empírico se inscreve,
incluindo seu movimento e as contradições inerentes à sua existência (KASSAR,
1995, p. 18).
Ross (2006), ao discutir a problemática da educação especial, apresenta essa dissociação
entre educação especial e educação geral, defendida pela perspectiva tecnicista, como causa
de um “isolamento educacional, culminando com uma distinção ideológica entre as
instituições.
18
Enquanto a era da industrialização impôs a necessidade da educação da
maioria dos trabalhadores, e, por conseqüência, justificou o investimento na
realização de pesquisas educacionais, a educação especial surgiria com uma
finalidade diametralmente oposta à educação geral (ROSS, 2006, p. 3).
Diante de tais considerações, nos perguntamos: por que considerá-la como especial? Qual
a sua finalidade? Educar ou institucionalizar?
A educação especial, historicamente, herdou um caráter institucionalizante. Criaram-se
recursos e metodologias sem que fossem organizadas práticas pedagógicas coerentes que
atendessem às reais necessidades das pessoas com alguma necessidade especial: “[...] a
caracterização de especial à educação atribui aos seus agentes a função de protecionismo,
assistencialismo e não a de fornecer elementos culturais essenciais rumo à emancipação
desses sujeitos” (ROSS, 2006, p. 3).
Outro aspecto que, segundo o autor, contribuiu para a dissociação entre a educação e a
educação especial refere-se à concepção cnica, ligada ao campo educacional. À medida que
ambos se intercalam com um mesmo fim, e sobretudo, quando a concepção clínica sobrepõe-
se à educacional, corre-se o risco do isolamento de indiduos biológica e fisicamente
diferentes, com o intuito de manter a ordem. Desse modo, a educação assume a
responsabilidade de reparar as limitações próprias da deficiência. “A pessoa com deficiência
teria toda a produção, toda sua vida relacionada à condição física imediata (ROSS, 2006, p.
5).
Naturalizar e homogeneizar são ões que impedem o entendimento real das necessidades
e inibe o caráter de compensação, essencial à inclusão educacional e social dos alunos com
necessidades educacionais especiais. “Obstinar-se contra o ficit, esse é o erro” (SKLIAR
apud ROSS, 2006, p. 12). Essa concepção de deficiência faz com que muitas instituições e
profissionais organizem suas práticas, caracterizadas pela baixa expectativa em relação a seus
alunos, como natural.
Nessa perspectiva, espera-se que as capacidades de cada um se potencializem
naturalmente. A proclamada desigualdade natural entre estes sujeitos seria
justificada pelas diferenças e mediações culturais e sociais existentes nas
relões entre os sujeitos (ROSS, 2006, p. 7).
Para Kassar (1995, p. 25), “[...] a problemática das desigualdades sociais acaba sendo
“camuflada” pela separação do ‘especial’”. Esse é um rio risco possível quando o especial
19
adentra os muros da escola comum. Cumpre-se o objetivo de simplesmente criar apoios e
recursos que, em vez de incentivarem a acolhida das diferenças, fortalecem-nas com uma
prática pedagógica descontextualizada da educação entendida como unidade, que engloba as
especificidades de atendimento educacional a diferentes segmentos. Desse modo,
Quando a educação especial é abordada com base na sua especificidade,
desvinculada da educação, acaba, muitas vezes, caracterizando-se por uma
descontextualização nas discussões teórico-metodológicas [...]. O excesso de
especificidade em educação especial faz veicular a idéia da o-pertinência dos
problemas “especiais” para o ensino regular (KASSAR, 1995, p. 26).
A autora, com essas colocações, evidencia a existência de uma compreensão equivocada a
respeito da inserção dos apoios especializados como segmentos isolados, que, muitas vezes,
passam a ser compreendidos não como um suplemento ou complemento, mas como o único
responsável pelo trabalho realizado com os alunos que apresentam necessidades educacionais
especiais.
Mazzotta (1987) complementa essa discussão ao estudar a necessidade de organização de
um currículo especial para os alunos deficientes mentais educáveis. Observou que o ensino
especial baseava-se, tradicionalmente, na crença de que os fracassos escolares eram oriundos
dos “defeitos inerentes ao aluno”, dando origem, portanto, à segregação desses alunos em
ambientes especiais. se passaram duas décadas de discussão a respeito da necessidade de
reformulação e, diante disso, surgem novos questionamentos: como encontramos os alunos
considerados especiais em nossas escolas regulares? Incluídos ou segregados?
Nosso objetivo maior não se pauta em responder a esses questionamentos, mas suscitar a
reflexão do leitor a respeito de questionamentos que ainda incomodam muitos pesquisadores
da área da educação e profissionais da área engajados em apoios pedagógicos.
Nesse sentido, o autor conclui que:
Atualmente, o pensamento educacional tem apontado para a direção da
elaboração de um currículo especialpara[...] ‘cada escola, no sentido de que
cada uma configura uma realidade específica, determinada pela combinação dos
fatores internos e externos que atuam na sua organização e funcionamento’. Tal
curculo deve ser “especial”, no sentido de que deve ser elaborado para atender
às necessidades únicas de cada escola do sistema de ensino em função das reais
necessidades de seus alunos, e não para atender categorias ou tipos idealizados
de alunos (MAZZOTTA, 1987, p. 118).
20
Segundo o autor, essa é uma alternativa para que a dicotomia entre educação e
educação especial, gradualmente, diminuindo e o “especial” torne-se parte de um sistema
sócio-educacional unificado. Assim, as situações que, até então, foram consideradas como
especiais passarão a serem percebidas como situações comuns; e as difereas individuais
tornar-se-ão sociais, de modo que as experiências dos alunos passem a ser organizadas com
um único objetivo – a aprendizagem.
Omote, em concordância com Mazzotta, aponta que o estudo das deficiências deve partir
e tomar como princípio as diferenças individuais:
As diferenças individuais o características apresentadas por pessoas
específicas. Na medida em que algumas delas se destacam e lhes são atribuídas
significações de desvantagem e de descrédito social, essas diferenças não podem
ser vistas tão somente como variações nas características inerentes a algumas
pessoas. É necessária uma linguagem de relações e não de atributos para serem
descritas e estudadas essas diferenças (deficiências). Nenhuma diferença é, em si
mesma, vantajosa ou desvantajosa do ponto de vista psicossocial. A mesma
característica pode ter o sentido de vantagem ou de desvantagem dependendo de
quem é o portador ou o ator e de quem são os seus outros, isto é, a sua
audiência, assim como de outros fatores circunstanciais definidos pelo contexto
no qual ocorre o encontro (OMOTE, 1994, p. 66).
Nesse sentido, o autor alerta para o risco que a escola corre quando centra sua atenção
exclusivamente ao aluno e elabora um atendimento diferenciado em função de determinada
deficiência, ignorando as razões dessa dificuldade e considerando apenas que suas
dificuldades são determinadas interna e unicamente pela sua deficiência.
A deficiência o pode ser vista como uma qualidade presente no organismo da
pessoa ou no seu comportamento. Em vez de circunscrever a deficiência nos
limites corporais da pessoa deficiente, é necessário incluir as reações de outras
pessoas como parte integrante e crucial de fenômeno, pois são essas reações que,
em última instância, definem alguém como deficiente ou não-deficiente
(MAZZOTTA, 1987, p.67-68).
A deficiência não pode, portanto, ser compreendida apenas como algo inerente ao
indivíduo, mas, também, produzida por um grupo social, que estabelece, segundo o autor,
desvantagens a certas diferenças pessoais. Por isso, considera tanto a deficiência como a não-
deficiência como partes de um mesmo tecido, as quais evidenciam ou não suas “emendas”,
baseando-se na concepção que a desencadeou.
21
Assim, ser diferente ou deficiente são termos que podem indicar certa incapacidade
detectada, e expressam uma parte de um todo, de uma sociedade.
A deficiência e a não-deficiência fazem parte do mesmo quadro; fazem parte do
mesmo tecido-padrão. As pessoas deficientes, mesmo que sejam portadoras de
alguma incapacidade objetivamente definida e constatável, não constituem
exceções da normalidade mas fazem parte integrante e indissociável da
sociedade (OMOTE, 1994, p. 69).
Tais colocações nos permitem entender melhor o significado de inclusão. Incluir alunos
com necessidades educacionais especiais o é simplesmente criar espaços especializados no
interior das escolas regulares, ou colocá-los em classes comuns, é mudar o olhar e nossa
postura, como educadores, em relação à deficiência. “Implica quebra de paradigmas,
reformulação do nosso sistema de ensino para a conquista de uma educação de qualidade, na
qual o acesso, o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos [...]”
(SERRA, 2006, p. 33).
Garantir a convivência social não é sinônimo de inclusão. A inclusão ocorre, de fato,
quando são efetivadas políticas educacionais que garantam a aprendizagem e a participação
social, e que ambas - educação e educação especial sejam discutidas conjuntamente.
A fronteira entre educação e educação especial constitui, desse ponto de vista,
uma primeira discriminão: a de impedir que a pedagogia especial discuta
afazeres educativos; a de ter que, como conseqüência, refugiar-se e envergonhar-
se como se tratasse de um tema sem importância [...] (SKLIAR apud ROSS,
2006, p. 9).
Qual a importância de se discutir o diferente em uma sociedade que objetiva a
homogeneidade? Ross (2006) atenta para os riscos desse debate. Afinal, implicaria em rever e
repensar não somente conceitos e práticas pedagógicas ligadas à educação especial, mas, em
particular, à educão de forma geral.
O que fazer diante da crise enfrentada pela Educação Especial? O ponto de partida
poderia ser o de livrar as pessoas da condição de inferioridade e desigualdade,
compreendendo o processo de exclusão gerado em nossa sociedade.
2.2 Exclusão e Inclusão: uma relação dialética
22
A relação permanente e dialética existente entre os conceitos de inclusão/exclusão, aqui
relacionados à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais e considerada sob
uma perspectiva histórico-cultural, o pode ser compreendida apenas por uma análise
momentânea e atual dos fatos, mas, por meio da origem histórica das relações sociais que os
elucidam.
Nosella (1998), ao realizar um “balanço” da escola brasileira no final do século XX,
dividindo-a em três momentos, contribui para essa discussão. O primeiro momento é
representado pela escola Republicana (1989-1930), mantida pela política do ensino primário, na
qual o rigor científico se afasta da escola, transformando-a em cuidadora dos mais fracos como
uma extensão da família e mantenedora da classe dominante. O segundo, denominado como
escola populista (1930-1970), ocorre quando a escola é aberta aos trabalhadores, deixando de ser
para poucos. A autoridade da escola republicana passa a ser contestada num momento em que o
populismo político administra a crise conservadora. E, finalmente, o autor elege a escola do final
do século XX como o terceiro momento, no qual essa instituição presencia contradições,
apoiando ou negando o neoliberalismo. A escola passa a ser unitária, criando várias modalidades,
dentre elas a educação especial, foco de nossa discussão.
Frigotto (1998), ao delimitar as décadas de 1950 e 1960, evidencia a elaboração e o uso
do conceito de capital humano, o qual objetivava a explicação das desigualdades sociais, que, por
meio do modo fordista de produção em massa, pretendia o aumento do emprego e a diminuição
das diferenças sociais. Esse conceito entra em crise após a queda do Muro de Berlin, na década
de 1980, quando o socialismo, ao evidenciar seu colapso, contribui, paralelamente, para a
disseminação e o fortalecimento da teoria neoliberal.
O autor refere-se à Era de Ouro, assim denominada por Hobsbawn, afirmando que esse
período chega ao fim, e dá início à idéia de sociedade sustentável ou auto-sutentável por meio das
perspectivas de destruição do meio ambiente, diminuição do trabalho e exclusão. A escola passa
a lidar com os conceitos de globalização e privatização da ciência e da tecnologia. A educação
passa a desenvolver habilidades sicas do conhecimento, atitudes e valores que preconizam a
qualidade, a produção e a competitividade em razão da empregabilidade. O lema deste fim de
século passa a ser “trabalhar menos para que todos trabalhem”, justificando a real desigualdade
(FRIGOTTO, 1998).
Gentili (1998) admite que a crise da Era de Ouro do capitalismo modificou,
essencialmente, a função da escola, ou seja, de formadora para o emprego à formadora do
23
desemprego. A escola, como integradora econômica privada, ou seja, passa a ser responsável
por formar as habilidades e as competências necessárias ao mercado empregador. Segmentos,
como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e o Grupo dos Sete (G7),
ligados a esses ideais propagam a privatização como solução da crise iniciada nos anos 70, e o
capitalismo mantém suas relações sociais de exclusão, garantindo a exploração da mais-valia
(FRIGOTTO, 2000).
Frigotto (2000) com base em Gramsci, referencia seu conceito de escola unitária, na qual
é necessário que se critiquem as verdades existentes, transformando-as em ações vitais. Esta
escola, segundo o autor, romperia com a exclusão social, sem processos educativos imediatistas e
voltada à formação humana, baseada nos conhecimentos elaborados socialmente pelo homem.
Trata-se de um novo plano da práxis, o qual concebe a relação escola/realidade como essencial à
formação intelectual.
Assim, para que se compreenda a relação dialética inclusão/exclusão, é de suma
importância o esclarecimento de que, se existem práticas de inclusão, essas advêm de um sistema
“maior” que, concomitantemente, produz exclusões. Para Gentili (1998), a escola pública é uma
armadilha do capital, por estender seu poder às massas e, ao mesmo tempo, cria, muitas vezes,
práticas que camuflam” a exclusão. A mudança da escola pública, segundo o autor, depende,
também, da participação dos movimentos sociais; por isso, compara a marcha pela escola pública
com a marcha pela terra, ambas têm os objetivos de minimizar ou erradicar a desigualdade social
gerada pelo sistema capitalista.
Saviani (1991) defende essa mudaa, salientando que a escola pode priorizar uma teoria
que acabe com a marginalizão, por meio de três ações: entender a natureza, compreendendo as
relações entre escola e sociedade; lutar contra a marginalidade e ser uma escola de qualidade que
atenda à classe trabalhadora. E complementa que, desta forma, a escola deixará de ser um fator
duplo de marginalização: primeiro, quando atende aos ideais burgueses e, segundo, quando exclui
os que ingressam no seu sistema de ensino.
Com base nas colocações acima, fica evidente que é possível encaminhar do processo
de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no momento em que
compreendermos a expansão e a obrigatoriedade da Educação Básica, “[...] como condição
indispensável não para o desenvolvimento econômico e social como também para realizar o
pressuposto da democracia – a igualdade [...]” (GUHUR, 2003, p. 45).
A Educação Especial, como modalidade da Educação Básica, passa a ser incorporada, a
partir da cada de 1930, pelas instituições e escolas especiais para surdos, cegos e deficientes
24
mentais; e, trinta anos mais tarde, com as classes especiais no sistema regular de ensino. Guhur
(2003), ao levantar esses e outros aspectos, tece uma crítica aos inúmeros trabalhos de pesquisa
na área da educação que, ao discutir a inclusão, enfatizam aspectos isolados do acesso à
educação. “Ignora-se que a inclusão, por constituir-se fenômeno social, pode ser entendida
enquanto parte essencial da exclusão, com destaque para o caráter contraditório presente na sua
afirmação/negação” (GUHUR, 2003, p. 51).
Nesse sentido, em concordância com a autora, não pretendemos entender, nem mesmo
situar a Sala de Recursos como um elemento isolado da realidade social, mas compreendê-la em
um contexto maior, o da educação como um todo. Podemos ainda questionar: Qual a razão para a
criação das Salas de Recursos de à 8ª séries? Dar continuidade ao trabalho desenvolvido
pelo apoio especializado nos anos iniciais do ensino fundamental? Como o ensino regular vem
lidando com os alunos que apresentam necessidades educativas especiais? o seria mais um
apoio criado com o objetivo de “mascarar” um processo implícito de exclusão?
Mendes (2003, p. 36), chama atenção para os riscos da adoção de uma “política de
educação inclusiva, ou seja,
[...] podemos confundí-la com inserção escolar”, quando os alunos são
colocados na classe comum sem apoio para alunos e professores. Podemos
traduzi-la como integração escolar”, quando apenas tiramos alunos de classes
especiais e escolas especiais e os colocamos na classe comum. Corremos o risco
de transformar as “classes de recursos” na “bola da vez”, quando as usamos para
substituir nossas tão massacradas classes especiais” das escolas públicas, para
atender aos mesmos alunos indesejados do ensino regular.
Desse modo, mesmo não sendo nosso objetivo principal analisar a viabilidade deste
serviço especializado na rede regular de ensino, e sim discutir a leitura como elemento mediador
na Sala de Recursos com o intuito de auxiliar a formação dos profissionais que nela atuam, não
podemos, simplesmente, anali-la sem antes compreendê-la como parte de uma estrutura maior
e, em particular, refletir a respeito da sua inserção no sistema público de ensino, como um
“respaldo” à inclusão e, ao mesmo tempo, um recurso combatente à exclusão. Afinal, se está
havendo a necessidade especial ou mesmo dificuldade de aprendizagem, como evidenciam os
casos selecionados para essa pesquisa, certamente, é porque o ensino regular ainda não consegue
lidar com as diferenças na aprendizagem existente entre os alunos.
Corroborando com essa discussão, Mendes (2003) apresenta duas correntes pertencentes à
Educação Inclusiva. Uma defensora da inclusão total dos alunos com necessidades educacionais
especiais e a outra, defensora da inclusão parcial, ou seja, que esses alunos recebam atendimento
25
ou apoio paralelo à freqüência nas salas comuns, por exemplo, nas Salas de Recursos.
Apresentamos a diferença entre as duas correntes, cujos adeptos são, também, denominados
“inclusionistas totais” e “inclusionistas”, com o objetivo de situar nosso objeto de estudo frente às
inúmeras perspectivas relacionadas à inclusão, entendendo esse apoio especializado não como a
“bola da vez”
1
, que mascara a exclusão, mas como um dos elementos de suporte à inserção dos
alunos, com alguma deficiência ou necessidade especial, no ensino regular e não como o único
suporte de apoio à inclusão.
A verdadeira inclusão deveter como alicerce um processo de construção de
consensos (valores, políticas e princípios) proveniente de uma reflexão coletiva
sobre o que é escola, quais as suas funções, os seus problemas e a maneira de
solucioná-los. Deve-se buscar uma reflexão orientada para o diagnóstico e para a
ação, e isso o se limita ao atendimento dos princípios normativos legais que
justificam a inclusão. É preciso, [...] adotar a concepção de homem que traça as
ações e orienta as formas para pensar na própria integração (MATTOS, 2002, p.
20).
Diagnosticar e promover a ação são duas atitudes fundamentais a toda instituição que
objetiva a real inclusão, caso contrário, estaremos elaborando políticas públicas que garantam a
manutenção da concepção do capital humano voltado à formação de indivíduos mantenedores de
um sistema que exclui (seleciona) pela qualidade” e ignora (elimina), considerando nocivas as
diferenças. Ainda nas palavras da autora,
[...] observamos que a sociedade possui uma visão de homem padronizada e
classifica as pessoas de acordo com essa visão. Elegemos um padrão de
normalidade e nos esquecemos que a sociedade se compõe de homens diversos,
e que ela se constitui na diversidade, assumindo de um outro modo as diferenças
(MATTOS, 2002, p. 13).
Assumir de um outro modo as diferenças e concebê-las como essenciais a um processo de
ensino-aprendizagem, que utiliza-se da heterogeneidade como um aliado na transmissão e
elaboração histórica e cultural do conhecimento, podem ser um grande avanço do processo de
inclusão e educação dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Mazzotta (1987), ao analisar a educação dos alunos deficientes mentais, como
comentado anteriormente, propõe que não se pense e nem se organize um atendimento
1
Termo utilizado pela autora para indicar o excesso de responsabilidades depositado a esse apoio especializado.
26
pedagógico sedimentado na deficiência, generalizando-a, mas nas características e
necessidades próprias daquele aluno em especial, respeitando sua individualidade. E
complementa:
[...] 'são as necessidades educacionais individuais, globalmente consideradas,
confrontadas com os serviços educacionais existentes na comunidade, que
devem subsidiar a definição da via ou dos recursos a serem utilizados para
educação de qualquer pessoa’, e o a categoria, o tulo, o estigma de
deficiente, com as negativas e perniciosas conseqüências de sua generalização
(MAZZOTTA, 1987, p. 37).
Nesse sentido, aponta a importância da elaboração de um currículo especial, que cada
escola atenda a “[...] uma realidade específica, determinada pela combinação dos fatores
internos e externos que atuam na sua organização e funcionamento(MAZZOTTA, 1987, p.
118). Elaborar um currículo que, realmente, atenda às necessidades é um dos primeiros passos à
formação de uma educação inclusiva e não apenas integradora.
Para Oliveira (2003), a dialética exclusão/inclusão é, primordialmente, uma questão
política, no sentido em que a deficiência é compreendida não apenas pelas suas características
próprias, mas pelas condições de inter-relações impostas pelo meio escolar e social. “No entanto,
o processo é singular e deve ser construído com base no projeto pedagógico de cada escola,
estabelecendo diretrizes que garantam a aprendizagem na heterogeneidade” (OLIVEIRA, 2003,
p. 36). Conviver com as diferenças demanda, portanto, a criação de adaptações curriculares e,
notadamente, autonomia e flexibilização por parte das instituições de ensino, dentre elas, nas
instâncias administrativa, organizacional, técnica, arquitetônica, pedagógica e curricular.
O conceito de igualdade, compreendido como um dos fundamentos essenciais da
Educação Inclusiva, não significa tornar todos iguais. Incluir não é ‘nivelar’ nem uniformizar o
discurso e a prática, mas exatamente o contrário: as diferenças, em vez de inibidas, são
valorizadas” (SANTOS; PAULINO, 2006, p. 12).
Santos acrescenta, nesse sentido, que defender um imaginário de uma sociedade
igualitária é reforçar o conceito neoliberal de hegemonia, acentuando a marginalização e a
exclusão. “Neste processo crescente de exclusão, o ‘outro’, o diferente, o que o domina os
códigos da modernidade’, o tem acesso ao processo de globalização em suas diferentes
dimensões” (SANTOS, 2006, p. 21). Assim, para questionar se ocorre ou não ocorre a inclusão
escolar, pressupõe encontrarmos argumentos suficientes que respondam à dialética
inclusão/exclusão, ou seja, questionar quais são as ações da sociedade em relação à inclusão,
27
como argumenta Saviani (1991) a “educação é condicionada pela estrutura social” e não pode
ser a única responsável por essas mudanças.
A escola perpetua essa “lógica de exclusão” no momento em que elabora critérios únicos
de avaliação para a conduta e a intelectualidade, reprovando e, assim, excluindo do processo
educacional aqueles que não correspondem às suas expectativas de aluno, de homem e de
sociedade (SANTOS, 2006). Esclarece, ainda, “o conceito de inclusão passou de uma idéia a uma
luta, um movimento que tem por essência estar presente em todas as áreas da vida humana,
inclusive a educacional”’ (SANTOS apud SILVA, 2006, p. 49).
Serra (2006) aponta a exclusão educacional ao indicar a existência de inúmeros alunos
segregados em salas de aula supostamente inclusivas, que exercem a inclusão apenas como um
ato de convivência. Para que ocorra a inclusão, faz-se necessário mais, muito mais, e, como
outros autores já citados, Mazzotta destaca a importância da revisão do conceito de currículo, de
modo que as experiências vivenciadas pelos alunos em sala de aula tenham uma relação
intrínseca como sua vida diária, social. Desse modo, a prática pedagógica é o elemento mediador
dessas experiências, podendo ou não promover a aprendizagem, de acordo com sua formação e
capacitação profissional.
Diferentes estudos destacam a questão dos recursos humanos como o elemento essencial à
prática efetiva da inclusão, salientando que,
[...] a necessidade de recursos humanos devidamente capacitados para atuar em
classes inclusivas implica não o conhecimento a respeito das especificidades
da deficiência com a qual se vai trabalhar, mas também uma reflexão crítica
acerca do sentido da educação e de suas finalidades (SERRA, 2006, p. 36).
Professores do ensino regular e da educação especial deveriam relacionar-se como aliados
em busca dos mesmos objetivos, e não como detentores” de um saber direcionado unicamente à
sua área de atuação. Infelizmente, essa não é a realidade de muitas escolas, alguns professores do
ensino regular, por falta de conhecimento ou comodismo” depositam toda a responsabilidade
nos serviços de apoio, como se estes fossem os únicos responsáveis pela aprendizagem e inclusão
de alunos com necessidades educativas especiais e/ou dificuldades escolares.
Construir e cultivar políticas de inclusão pressupõe planejar novas formas de
atuação, com intencionalidade e ousadia, a fim de que os aspectos criativos do
trabalho docente possibilitem novas formas de intervenção que garantam a
participação de todos em diferentes campos de atuação e em diferentes espaços.
Aqui, mais uma vez, o sujeito professor entra em cena, na medida em que
planejar é pensar e criar estratégias. O pensar é um ato individual, mas não é
28
solitário. Afinal, não podemos esquecer que ninguém pensa sozinho. Pensar
envolve ouvir e ser ouvido pelos outros. É no pensar com o outro e para o outro
que o professor pode encontrar as estratégias adequadas a cada tipo de situação e
problema enfrentado (SALGADO, 2006, p. 62).
A autora, ao analisar a formação e a ação pedagógica do professor no processo de
inclusão, conclui que a prática depende fundamentalmente da sua constituição histórica, seus
valores e convicções. Sugere a utilização dos três AAA, de Nóvoa: aderir, agir e
autoconscientizar-se, essenciais à transformação de verdades e conceitos em novos paradigmas,
que garantam uma relação dialógica entre os sujeitos, e que a educação possa ser “especial” para
todos.
2.3 As Bases Legais da Sala de Recursos
Paralelamente as discussões a respeito da dialética inclusão/exclusão, foram elaborados,
nacional e internacionalmente, documentos e declarações cujo objetivo principal concentra-se
na garantia à inserção social das pessoas com deficiência e ou/ necessidades educacionais
especiais. E por intermédio dessas discussões e necessidades de apoio à inclusão, foram
criados vários suportes, dentre eles, a Sala de Recursos, que, em seu princípio, atendia apenas
alunos freqüentadores das ries iniciais do ensino fundamental e, atualmente, estende-se a
todos os anos do ensino fundamental.
Jannuzzi, ao resgatar historicamente a educação do deficiente no Brasil, cita que a
educação especial surgiu em razão da “[...] necessidade de integração de conhecimentos
vindos de ciências [...]” (2004, p.195). Assume, desse modo, um caráter de filantropia no
final do séc. XIX, período em que surgiram duas instituições governamentais para a educação
de deficientes visuais e auditivos. no século XX, a medicina, que até então mantinha
exclusividade para explicar as questões da educação especial, foi aos poucos substituída pela
psicologia e, por meio das Sociedades Pestalozzi, surgiram as Associações de Pais e Amigos
Excepcionais (APAEs) nos anos de 1950 e, posteriormente, campanhas para a educação de
deficientes visuais, auditivos e mentais.
Com o fim da influência exclusiva da medicina, a educação especial passa a ser enfatizada
no seu aspecto educacional e, mais especificamente, na década de 1990, o enfoque ensino-
29
aprendizagem é priorizado, tendo início uma série de estudos e publicações na área que
abordam a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de
ensino.
Carvalho (1997) cita os principais documentos internacionais que abordam a deficiência
no âmbito da educação:
[...] ‘(a) Declaração de Cuenca, de 1981; (b) Declaração de Sunderberg, 1981;
(c) Resoluções da XXIII Conferência Sanitária Panamericana, 1990; (d)
Declaração Mundial de Educação para Todos, 1990; (e) Informe Final do
Seminário da UNESCO, realizado em Caracas, 1992; (f) Declaração de
Santiago, 1993; (g) Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para
Pessoas com Incapacidades, aprovadas em Assembléia Geral das Nações
Unidas, 1993; e (h) Declaração de Salamanca, de Princípios, Política e Prática
em Educação Especial, 1994’. (CARVALHO, 1997, p. 33).
Dentre eles, destacamos a Declarão Mundial para Todos, de 1990, realizada em
Jontiem, Talilândia, a qual reuniu as bases executivas da Organização Educacional Científica
e Cultural das Nações Unidas (UNESCO), Fundo Internacional de Emergência das Nações
Unidas em prol da Criança (UNICEF) e do Banco Mundial. Desse encontro, resultou a
elaboração de pressupostos que deram origem a dez objetivos, apresentados sob forma de
artigos, presentes na Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das
Necessidades Básicas de aprendizagem, os quais renovam o direito à educação para todos
considerando as diferenças individuais.
Em relação à Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, em
Salamanca, na Espanha, em junho de 1994, patrocinada pela UNESCO, resultou na
Declaração de Salamanca, a qual reafirma os pressupostos da Declarão Universal dos
Direitos Humanos, de 1948 e da Declaração Mundial de Educação para Todos, de 1990,
instituindo Linhas de ão que atendessem a todas as crianças, cujas necessidades originam-
se de alguma deficiência ou dificuldade de aprendizagem.
Carvalho (1997) faz referência ao termo dificuldade de aprendizagem e salienta que esse é
o primeiro documento educacional que o cita como parte da educação especial. Enfatiza-se,
portanto, a inclusão das crianças e jovens com necessidades especiais nas escolas comuns.
“Essa recomendação consensual levou ao conceito de escola inclusiva’, cujo principal
desafio é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de, bem sucedidamente,
educar a todas elas, inclusive aquelas que possuam desvantagens severas” (CARVALHO,
1997, p.57).
30
A escola, ao lidar com o especial, deveria criar meios para atender à diversidade,
respeitando as diferenças individuais e contradizendo o conceito de homogeneidade.
No campo da educação, tal se reflete no desenvolvimento de estratégias que
procuram proporcionar uma equalização genuína de oportunidades. A
experiência em muitos pses demonstra que a integração de crianças e jovens
com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente alcançada em
escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade (BRASIL,
1994, p. 61).
Em relação aos princípios e fins da educação nacional voltados à educação especial,
devemos citar alguns documentos, dentre eles, a Constituição Federal de 1998, a Lei das
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei n° 9.394/96 _ o Parecer do
CNE/CEB n° 17/01, a Resolução 10.436/02, a Deliberação 02/03 e o Decreto n° 5.626, de
22 de dezembro de 2005. A implantação das Salas de Recursos é melhor especificada no
inciso V do artigo 8° da Resolução CNE/CEB n° 2/2001, o qual prea sua implantação em
escolas municipais e estaduais, com o objetivo de apoiar os sistemas de ensino,
complementando ou suplementando o processo de escolarização (ALVES, 2006).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 indica mudaas ligadas à
Educação Especial e reafirma o direito à educação pública e gratuita de pessoas com
necessidades especiais. Carvalho (1997) assinala os avanços, bem como os “ranços”
encontrados na Lei. Dentre os parágrafos destacados pela autora, eso parágrafo que diz
respeito aos serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades
da clientela de educação especial. Os mesmos, segundo ela, devem ser oferecidos não
somente aos alunos, mas aos professores e à família, com espaços físicos e horários de
atendimento adequados, incluídos no projeto pedagógico de cada escola. E complementa:
Todos almejamos uma sociedade mais equânime e mais justa e a nova ordem
econômica internacional exige medidas de prevenção, de reabilitação e de
equiparação de oportunidades. Para tanto, além de integrar/incluir alunos no
ensino regular, é indispensável melhorar a qualidade de educação que
oferecemos, para todos. Ou, em outras palavras, vale a pena enfrentar o desafio
de integrar, ao ensino regular, toda a experiência acumulada na educação
especial, sem segregá-la num subsistema, à parte (CARVALHO, 1997, p. 109).
Segundo o inciso 5 do art. 9°, os apoios especializados, dentre eles as Salas de Recursos,
podem ser oferecidos no ensino regular, direcionando seu atendimento ao aluno e ao
professor ou professores da classe comum, e nas organizações especializadas, ligadas à rede
de ensino regular. E no artigo 11 define:
31
II. Sala de Recursos: serviço complementar de natureza pedagógica que se
utiliza de recursos educacionais específicos e adequados às necessidades
especiais dos alunos, oferecido dentro do próprio contexto escolar e conduzido
por professor especializado (CARVALHO, 1997, p. 119).
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial, instituídas pela Resolução n° 02/2001,
da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, em consonância com a
Constituição Federal e a Lei das Diretrizes e Bases, definem as Salas de Recursos como um
apoio especializado, com o objetivo de dar suporte ao atendimento realizado nas classes
comuns.
Salas de recursos: serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor
especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para
os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da
rede regular de ensino. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de
equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais
especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas pximas nas
quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente ou
em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais
especiais semelhantes, em horário diferente daquele em que freqüentam a classe
comum (BRASIL, 2001).
Assim, de acordo com a mesma Resolução, os alunos freqüentadores desse apoio
especializado podem ser subdivididos em três grupos:
1. Educandos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações,
não vinculadas a causas orgânicas ou relacionadas a condições, disfunções,
limitações ou deficiências;
2. Dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas, como cegueira, surdez,
surdo-cegueira ou distúrbios acentuados de linguagem, que necessitem adaptações
curriculares, recursos e materiais especializados;
3. Altas habilidades/superdotação, com o objetivo de aprofundar e enriquecer esses
conteúdos ou concluir em menor tempo a série a qual se encontra (BRASIL, 2001).
No Estado do Para, aprovou-se, em junho de 2003, a Deliberação 02/03, a qual
institui normas para a Educação Especial, modalidade da Educação Básica para os alunos
com necessidades educacionais especiais, no Sistema de Ensino do Estado do Paraná. A
mesma reafirma que a educação deverá ser preferencialmente oferecida no ensino regular,
32
assegurando, em seu Parágrafo Único, a educação de qualidade a todos, em todas as etapas
da educação básica, com os apoios e recursos necessários.
Esses apoios e recursos, segundo o art. 5°, são definidos a partir dos problemas de
aprendizagem, podendo ser de caráter temporário ou permanente, que, denominados no art.
6°, inciso I, de acordo com o já citado nas Diretrizes Curriculares, podem ser decorrentes de:
[...] dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de
desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares,
não vinculadas a uma causa orgânica específica ou relacionadas a distúrbios,
limitações ou deficiências (PARANÁ, 2003).
Na seção II, artigo 13 e inciso VII, apresenta a Sala de Recursos como um dos serviços de
apoio especializado ofertado pela escola regular, com o objetivo de atender às necessidades
educacionais especiais.
Em maio de 2004, o Departamento de Educação Especial do Estado do Para,
considerando os preceitos legais que regem a Educão Especial citados até o momento,
expede a Instrução 05/04 estabelecendo critérios para o funcionamento da Sala de
Recursos para o Ensino Fundamental de à séries, na área da deficiência mental e
distúrbios de aprendizagem.
Com o objetivo de atender aos alunos freqüentadores das ries finais do Ensino
Fundamental e os alunos egressos da Educação Especial das séries iniciais, a Sala de
Recursos passa a ser implementada em todas as escolas publicas do Estado do Paraná.
Organizada para 20 horas semanais, o número máximo de alunos é de 30, atendidos por
intermédio de cronograma, em grupos de até dez alunos ou individualmente, conforme a faixa
etária e /ou necessidades pedagógicas semelhantes. O aluno, portanto, deve receber
atendimento de acordo com suas necessidades podendo freqüentar de dois a quatro dias
semanais, não ultrapassando duas horas/aula diárias.
A programação elaborada deve observar as áreas do desenvolvimento cognitiva, motora e
socioafetiva-emocional, de forma a subsidiar os conceitos e conteúdos defasados no processo
de aprendizagem. Os conteúdos programáticos estabelecidos pela Secretaria de Educação
Especial do Estado do Para, definidos e divulgados a partir da implantação das Salas de
Recursos de 5ª à 8ª séries em 2005, são:
Língua Portuguesa:
Linguagem oral e escrita
Interpretação e produção textual
33
Grafemas e fonemas
Ortografia
Ampliação vocabular
Argumentação
Concordância verbal e nominal
Acentuação
Matemática:
Linguagem matemática
Raciocínio lógico matemático
Números naturais, decimais, múltiplos e divisores
Sistemas de medidas, peso, litro e distância
Equações de 1º grau
Área cognitiva:
Sensação, percepção, atenção, concentração
Memória
Conceitualizão
Área socioafetiva-emocional:
Relação interpessoal e intrapessoal
Auto - estima, auto - imagem
Consciência afetiva
Hábitos de estudos
Interesse, motivação
Organização do pensamento e ações
Criatividade
Disciplina, limites
Área Psicomotora:
Esquema corporal, lateralidade
Organização espacial, temporal
Tônus, postura, equilíbrio
Coordenação dimica manual (PARANÁ, 2006)
34
O documento Sala de Recursos Multifuncionais: espaço para o atendimento
educacional especializado, elaborado pelo Ministério da Educação e Secretaria da Educação
Especial, em 2006, ao se referir ao atendimento dos alunos com deficiência mental nas Salas
de Recursos, reafirma as áreas de desenvolvimento e esclarece que [...] os professores
realizam a mediação docente de forma a desenvolver os processos cognitivos, também
chamados processos mentais, que oportunizam a produção do conhecimento” (ALVES,
2006, p. 21). Nessa perspectiva, cabe ao professor:
realizar atividades que estimulem o desenvolvimento dos processos mentais:
atenção, memória, raciocínio, imaginação, criatividade, linguagem, entre
outros;
proporcionar ao aluno o conhecimento de seu corpo, levando-o a usá-lo
como instrumento de expressão consciente na busca de sua independência e
na satisfação de suas necessidades;
fortalecer a autonomia dos alunos para decidir, opinar, escolher e tomar
iniciativas, a partir de suas necessidades e motivações;
propiciar a interação entre os alunos em ambientes sociais, valorizando as
diferenças e a não - discriminão;
preparar materiais e atividades específicas para o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos (ALVES, 2006, p. 23-24).
Matiskei (2004), ao discutir a respeito das políticas públicas de inclusão instituídas
pela Secretaria de Estado da Educação, na função de Chefe do Departamento de Educação
Especial, assinala a importância de um atendimento especializado aos alunos que
apresentam necessidades especiais. Nesse sentido, refere-se aos apoios e serviços
especializados disponibilizados aos sistemas de ensino, dentre eles, as Salas de Recursos,
totalizando, segundo dados da SEED/DEE em 2004, um mero de 78 programas
implantados nas escolas estaduais do Paraná; esse número se expandiu consideravelmente
até 2007, abrangendo 367 dos 399 municípios do Estado.
Segundo a autora, a expansão do atendimento aos alunos com necessidades
educativas especiais “[...] escondicionada tanto ao rendimensionamento dos projetos
políticos-pedagógicos das escolas quanto à política de expansão de serviços de apoio no
ensino regular [...]”, e complementa: desse modo, assumimos nossa responsabilidade de
forma mais intensa, preenchendo lacunas existentes em função da omissão do Estado nos
últimos anos” ( MATISKEI, 2004, p. 197).
Reconhecemos a política de inclusão adotada pelo Estado do Para e seus
avanços e conquistas no tocante à criação das Salas de Recursos como apoio às escolas
35
regulares e públicas. No entanto, essa “expansão acelerada” em todas as escolas
públicas do Paraná em um relativo curto espaço temporal, faz-nos pensar em algumas
questões, que não serão discutidas nesta pesquisa, porque nosso enfoque em relação às
Salas de Recursos é outro, mas que nos inquietaram durante o levantamento das bases
legais desse serviço em nosso Estado. Dentre elas: Por que estender esse apoio
especializado às séries finais (5ª à séries) do Ensino Fundamental? As existentes nos
anos iniciais (à 4ª rie) não estão sendo suficientes ao atendimento dos alunos que as
frequentaram?
Em relação aos alunos egressos de à 4ª rie das classes especiais ou mesmo de
Salas de Recursos, quatro anos o seriam suficientes para que as dificuldades sejam
sanadas? Destacamos que a atual Sala de Recursos de 5ª à ries não atende apenas a
alunos com deficiência mental, como também dificuldades escolares.
E por que, tantos problemas de aprendizagem estão sendo atendidos pelas Salas de
Recursos? Não existe o risco de eximirmos o ensino regular de assumir suas
responsabilidades de ensino-aprendizagem? Os encaminhados às Salas de Recursos não
estariam evidenciando problemas de “ensinagem” e não apenas aprendizagem?
No decorrer deste trabalho, retomaremos alguns desses questionamentos, ao
analisar a prática e mediações realizadas em sala de aula para demonstrar se eles se
confirmam ou não. Por outro lado, buscaremos corroborar com possibilidades de
mediações, ao utilizar a leitura como um instrumento mediador no trabalho com alunos
que apresentam dificuldades escolares, esperando possibilitar um elemento a mais na
formação e prática pedagógica tanto dos professores especialistas responveis pelas Salas
de Recursos quanto aos profissionais do ensino regular, compreendidos como partes
integrantes de um todo – a educação.
Entendemos que a leitura, concebida como um dos vários elementos mediadores
no processo de ensino-aprendizagem e, portanto, compreendida como um signo elaborado
historicamente e propagado socialmente pela linguagem permite ao homem não apenas a
sua comunicação, mas a sua utilização como um instrumento que possibilita a
compreensão do contexto ao qual está inserido. Assim, faz-se necessário que o professor,
responsável pelas mediações, conheça os principais aspectos envolvidos na aprendizagem
e desenvolvimento do escolar e, sobretudo, como a leitura pode ser um importante aliado
nesse processo. É o que abordaremos na sessão seguinte.
36
3 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DO ESCOLAR
A presente sessão aborda elementos que promovem a aprendizagem, concebendo a Sala
de Recursos como um apoio especializado, parte da educação especial e integrante da educação
geral, que prima pelo acolhimento das diferenças e pelo seu entendimento.
A formação e a aprendizagem do ser humano, discutidas por Leontiev, Vigotski, Luria
1
e
outros que corroboram e evidenciam seus estudos e análises sob a perspectiva Histórico-Cultural,
fundamentam a presente reflexão. Nesse sentido, os autores utilizam-se de instrumentos, signos e,
sobretudo, da linguagem e, concomitantemente, do trabalho com o objetivo de subsidiar o
processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores e, por decorrência, a mediação.
A linguagem oriunda da necessidade de comunicação, criada historicamente pelo homem,
desenvolveu-se como resultado da história social, transformando-se num elemento essencial ao
conhecimento humano, à capacidade de generalização e abstração e à formação do
comportamento consciente. “A produção da linguagem, como da consciência e do pensamento,
está diretamente misturada na origem, à atividade produtiva, à comunicação material dos
homens” (LEONTIEV, 2004, p. 93).
O desenvolvimento da linguagem e do trabalho permitiu ao homem a formação de novos
sistemas psicológicos, as funções psicológicas superiores, dentre elas, a atenção, a percepção e a
memória, elencadas como objetos de análise neste trabalho e entendidas como primordiais para a
constituição da generalização e da abstração humanas. Estudos realizados pelos psicólogos russos
mostram que essas funções têm sua formação na infância e modificam-se durante a vida pela
relação entre a base biológica e as interações com o meio social. Todas lãs funciones pquicas
superiores son relaciones interiorizadas de ordem social, son el fundamento de la estructura social
de la personalidad
2
” (VYGOTSKY, 1983, p. 151).
Formadas, portanto, pela transformação qualitativa dos fatores culturais em internos, as
funções psicológicas evidenciam, segundo Vigotski (1998), um processo dialético, constituído
por elementos coletivos, sociais e individuais. Assim, por intermédio das mediações sociais, os
1
Vigotski (1896-1934), Luria (1902-1977) e Leontiev (1903-1979) são três dos principais representantes da
psicologia soviética dos séculos XIX e XX, dedicados à psicologia cognitiva (percepção, memória, atenção, etc.),
estudaram temas não apenas da psicologia do desenvolvimento, como também as relações entre linguagem e
pensamento, com implicações na neurologia, psiquiatria e educação.
2
Todas as funções psicológicas superiores são relações interiorizadas de ordem social, são o fundamento da estrutura
social da personalidade (VYGOTSKY, 1983, p. 151, tradução nossa)
.
37
indivíduos passam a elaborá-las internamente, regulando e condicionando as atividades nas
quais estão inseridas e delas necessitam para que se efetive sua prática social. Essa foi uma das
principais dificuldades apresentadas pelos sujeitos desta pesquisa, ou seja, a de relacionar os
fenômenos da realidade entre si e entre seus conhecimentos anteriores.
Segundo Luria (1990), ao passar da infância à adolescência, fase em que se encontram os
alunos da pesquisa, as operações lógicas e os processos psicológicos que orientam o pensamento
e permitem a análise da realidade sofrem uma significativa mudaa, permitindo-lhes que
relacionem com maior concretude, os conceitos abstratos.
Desse modo, a leitura, como uma prática social na sua efetivação, pode contribuir
substancialmente na formação do pensamento, desenvolvendo a capacidade de ler criticamente,
analisar as informações e as inúmeras mudanças promovidas pela sociedade contemporânea.
3.1 Elementos que Contribuem para a Formação do Ser Humano
A compreensão dos elementos que contribuem para o desenvolvimento e a aprendizagem
do ser humano é essencial ao estudo de um objeto mais específico _ a aquisição da leitura como
mediadora do desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Nesse sentido, a
transformação histórico-social, assim denominada por Vygotsky e Luria (1996), ocorreu
gradualmente do homem primitivo ao homem cultural moderno, por meio da ontogenia, ou seja,
do seu contato com outros homens em um determinado meio social e cultural, resultando numa
série de percepções e habilidades que constituem seu intelecto.
Luria (1979) promove a análise dessa diferenciação, atribuindo a esta três elementos
fundamentais. O primeiro, corresponde à atividade consciente do homem voltada à necessidade
do ser humano em conviver e comunicar-se socialmente. O segundo, refere-se à capacidade do
indivíduo de refletir, interpretar e analisar as condões do meio ambiente de forma mais
aprofundada se comparada à do animal. O terceiro e último, diz respeito à aquisição de
conhecimentos por meio das experiências acumuladas e transmitidas pelas gerações anteriores.
“A influência do ambiente resulta no surgimento de novos mecanismos [...]; por assim dizer, o
ambiente se torna interiorizado [...]” (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 179).
38
Desse modo, a transformação humana ocorre à medida que as atividades conscientes
desenvolvidas pelo homem exigem a aquisição de novos conhecimentos, reflexão e
interpretação dos acontecimentos, que, assimilados pela experiência humana, passaram a ser
acumulados historicamente e internalizados pela aprendizagem.
Leontiev (2004, p. 76) contribui, nesse sentido, quando afirma que “[...] o aparecimento e
o desenvolvimento do trabalho [...] acarretam a transformação e a hominização do cérebro, dos
órgãos de atividade externa e dos órgãos dos sentidos”. Baseado nas idéias de Marx e Engels, o
autor argumenta, ainda, que o trabalho pode ser compreendido como o elo entre o homem e a
natureza. Os homens, ao fabricarem instrumentos, utilizam-nos para atender suas necessidades
frente ao mundo exterior. Desse modo, trabalho e linguagem possuem uma característica social
comum levam os indiduos a cooperarem entre si com o objetivo de produzir e de se comunicar.
Engels afirma que, ao direcionar o trabalho aos elementos da natureza, o homem a
transforma em riqueza. Em outras palavras, o trabalho “[...] é o fundamento da vida humana.”
(ENGELS, 1979, p. 9). O desenvolvimento da mão como conseqüência do trabalho permitiu a
descoberta pelo homem de novos horizontes e a consolidão de laços sociais, ao mesmo tempo
que produziu a necessidade de comunicação, cria a linguagem. Desse modo, o cérebro
desenvolve-se paralelamente à progressão dos seus instrumentos imediatos, como os órgãos
sensoriais, chegando à formação do pensamento e, sobretudo, à capacidade de abstração e
percepção do mundo. A esse respeito, o autor esclarece:
A reação do desenvolvimento do cérebro e dos sentidos que o servem, da
consciência progressivamente esclarecida, da capacidade de abstração e de
raciocínio, sobre o trabalho e a linguagem, deu a ambos um estímulo sempre
renovado para que fosse possível prosseguir o seu desenvolvimento [...]
(ENGELS, 1979, p. 219).
Vygotsky e Luria (1996) referem-se aos instrumentos, relacionando-os ao nível de
desenvolvimento psicológico:
A capacidade de fazer uso de ferramentas torna-se um indicador do nível de
desenvolvimento psicológico. Podemos afirmar com toda segurança que esses
processos de aquisição de ferramentas, juntamente com o desenvolvimento
específico dos métodos psicológicos internos e com a habilidade de organizar
funcionalmente o próprio comportamento, é que caracterizam o
desenvolvimento cultural [...] (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 183).
39
Leontiev (2004, p. 88) destaca que “[...] o fabrico e o uso dos instrumentos é
possível em ligação com a consciência do fim da ão de trabalho”. Nesse sentido, diferencia o
uso dos instrumentos pelos homens, que o fazem consciente e socialmente com o objetivo de
atender a uma necessidade, do uso feito pelos animais, que o fazem por meio de uma atividade
imediata, sem a presea da consciência, como, por exemplo, a busca pelo próprio alimento.
Segundo Góes (2002, p. 106), o uso dos instrumentos pode ser utilizado com o “[...]
propósito de promover a interação social e a participação na cultura, desenvolver a linguagem e
as formas de significar o mundo, e elevar os níveis de pensamento”. Com essa reflexão, a autora
nos auxilia a relacionar, portanto, a utilização dos instrumentos ao desenvolvimento intelectual de
indivíduos com necessidades especiais, exaltando o objetivo de inse-los socialmente e auxiliá-
los na internalização de conhecimentos.
No campo psicológico, os signos assumem papel de instrumentos. “El signo, al principio,
es siempre um medio de relación social, un medio de influencia sobre sí mismo
3
(VYGOTSKY,
1983, p. 146). Empregado, inicialmente, como meio de comunicação, o signo é incorporado ao
comportamento social dos homens, fato que ocorre primeiro de forma externa, socialmente, e
depois, se internaliza. Quando o aluno, por exemplo, utiliza o conhecimento que possui sobre
determinado assunto na relação com os conhecimentos novos, está, na verdade, utilizando os
signos numa operação interna, resultando em novas relações.
Pino (1993) aponta as transformações neurobiológicas ocorridas na espécie humana,
conforme estudos paleantológicos, como, por exemplo, a postura ereta, a liberação das mãos, o
lento e progressivo crescimento do volume cerebral e, consequentemente, uma nova configuração
das regiões frontais, além das mudanças nas relações entre homem e natureza, como responsáveis
pela constituição da natureza humana.
Tais transformações estão na origem da atividade produtora do homem, algo
totalmente novo na história da evolução. Essa atividade se manifesta, de forma
particular, na produção de instrumentos com os quais o homem transforma a
natureza, imprimindo-lhe sua marca e na invenção do sistema de signos – com
os quais pode pensar e comunicar a outros sua experncia (PINO, 1993, p. 9).
Assim, o uso dos signos passa a circular socialmente tendo como elemento mediador a
palavra, sentido e significado às atividades do homem, permitindo sua inserção em um mundo
simbólico e cultural.
3
O signo, ao principio, é sempre um meio de relação social, um meio de influência sobre si mesmo” (VYGOTSKY,
1983, p. 146, tradução nossa).
40
O uso dos signos opera dialeticamente no homem, ou seja, criança que, no início do
desenvolvimento psicológico, resolve um problema de forma impulsiva, passa a resolvê-lo, pelo
contato com os signos, de forma consciente, por meio da ligação entre o estímulo e o signo
auxiliar. “O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico [...]. Ela (a
criança) reconstrói o processo de escolha em bases totalmente novas” (VIGOTSKI, 1998, p. 46).
O autor considera, portanto, que a utilização ou mesmo a internalização dos signos pelas
crianças é elaborada pelas inúmeras transformações qualitativas, que permitem a ela utilizar os
signos externos, transformando-os em signos internos. Essa potencialidade existe desde os
estágios mais iniciais do desenvolvimento do indivíduo.
Vygotsky (1983) afirma que a lei genética do desenvolvimento cultural pode ser
compreendida da seguinte forma:
[...] toda función en el desarrollo cultural del niño aparece en escena dos veces,
en dos planos; primero en el plano social y después en el psicológico, al
principio entre los hombres como categoría interpsìquica y luego en el interior
del niño como categoría intrapquica
4
(VYGOTSKY, 1983, p. 150).
Um exemplo citado pelo autor é a própria palavra. A princípio, é utilizada externamente
na companhia de adultos e, ao ser internalizada, passa a ser utilizada pela criança, nas relações
sociais existentes entre ela e as pessoas, ou seja, pela comunicação mediatizada.
Leontiev (2004) toma como referência a discussão realizada por Vigotski a respeito do
desenvolvimento cultural infantil para explicar o processo voluntário de uma ação. Para o autor, a
ação voluntária nos humanos é, inicialmente, mediada por um sinal externo, por meio do qual
uma pessoa age por meio do comportamento de outra. Para o pesquisador, a ação do sujeito
somente torna-se voluntária e, portanto, um processo intrapsicológico, porque intelectualmente
internalizado, essa ão é desencadeada pelo próprio sujeito, sem a presença de um sinal
mediatizado pelo outro. Nas palavras do autor:
A interiorização das ões, isto é a transformação gradual das ações exteriores
em ões interiores, intelectuais, realiza-se necessariamente na ontogênese
humana. A sua necessidade decorre [...] das aquisições do desenvolvimento
histórico da humanidade, em particular das do pensamento e do conhecimento
humanos (LEONTIEV, 2004, p. 197).
4
[...] toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, em dois planos; primeiro no plano
social e, depois, no plano psicológico, ao princípio, entre os homens como categoria interpsíquica e em seguida, no
interior do indivíduo como categoria intrapsicológica” (VYGOTSKY, 1983, p. 150, tradução nossa).
41
Essas reflexões nos ajudam a estabelecer uma relação com a leitura, compreendendo-a
como a inter-relação de inúmeros signos, responvel pela inserção social e cultural do indivíduo
num mundo repleto de informações que necessitam ser “digeridas” pelos homens, como seres
sociais. Nesse sentido, sugerimos um ensino da leitura que desenvolva no aluno não apenas à
capacidade de internalizar os significados e informações, mas, fundamentalmente, a capacidade
de dar sentido e compreender a intenção da mensagem como possibilidade real de interação
social. Citamos, como exemplo, o leitura de uma charge” e o entendimento da intençãoda
divulgação de determinada reportagem pelos jornais televisivos.
Essa internalização passa por inúmeras “[...] transformações em função da significação
que elas têm ou adquirem no meio social (PINO, 1993, p. 12). Na verdade, quando objetivamos
a aprendizagem da leitura por nossos alunos, não estamos referindo-nos a ela como um objeto ou
coisa, mas, como uma capacidade intelectual de generalizar e abstrair a real significação do que
estamos lendo, identificando as diferentes leituras que podem ser realizadas de um mesmo objeto,
texto ou situação que circula socialmente. “O significado, é portanto, o elo de ligação entre uma
coisa material (grafema, fonema) e outra coisa material ou não” (PINO, 1993, p. 13).
Segundo Leontiev (2004), não é possível compreender a formação do psiquismo humano
sem conceber esse processo como obrigatório na ontogênese do homem. Ou seja, não nascemos
com aptidões inatas e sim apropriamo-nos delas por meio das experiências com outros indivíduos
de gerações anteriores, desenvolvidas social e historicamente. O saber-fazer, assim denominado
pelo autor, “[...] deve entrar em relações com os outros homens e com a realidade humana
material” (LEONTIEV, 2004, p. 185). E mais,
[...] podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a
natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda
preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da
sociedade humana. [...] As gerações humanas morrem e sucedem-se, mas aquilo
que criaram passa às gerações seguintes que multiplicam e aperfeiçoam pelo
trabalho e pela luta as riquezas que lhe foram transmitidas e “passam o
testemunho” do desenvolvimento da humanidade (LEONTIEV, 2004, p. 285).
Assim, por meio da aquisição dos instrumentos utilizados no trabalho e da aquisição da
linguagem, o homem apropriou-se e apropria-se historicamente, das diferentes significações
ontogênicas que permitiram e permitem a hominização do cérebro e a formão da consciência,
principal diferença entre os homens e os animais.
42
3.2 Linguagem: Principais aspectos do seu desenvolvimento
A linguagem, aqui compreendida como manifestação oral, escrita, visual, corporal entre
outras e elemento primordial à aprendizagem da leitura e formação do pensamento, pode ser
analisada com base nas relações de trabalho, já existentes entre os elementos do grupo pré-
hominiano, os quais comunicavam-se, inicialmente, pelo gesto de indicação “isto
promovendo a adaptação e a orientação das suas necessidades (THAO, 1974). O mesmo ato
pode ser observado numa criança que estende o dedo para apontar um objeto que deseja.
Com o desenvolvimento do pensamento, e conseqüentemente da linguagem, o signo de
indicação passa a ser interior e a palavra passa a assumir a função antes realizada pelo gesto.
Vigotski contribui nesse sentido quando afirma:
Isto ocurre cuando el niño pasa al pensamiento con ayuda del linguaje, cuando
su pensamiento deja de ser tan sólo un movimiento de estimulación de un
residuo a otro, cuando pasa a una actividade lingüística que no es otra cosa que
un sitema de combinaciones de los resultados de la experiencia pasada
5
(Vygotsky, 1983, p. 275).
Desse modo, dá-se a origem do significado das palavras por um desenvolvimento social,
que aos poucos, passa a ser intencional e planejado. “Vista dessa perspectiva, a linguagem é um
produto histórico e significante da atividade mental dos homens, mobilizada a serviço da
comunicação, do conhecimento e da resolução de problemas (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 85).
Leontiev (2004) esclarece que a capacidade de comunicação pela linguagem é a
propriedade da espécie humana que permite a acumulação e a transmissão dos conhecimentos
desenvolvidos pelo meio social. E complementa:
A linguagem é aquilo através do qual se generaliza e se transmite a experiência
da prática sócio-histórica da humanidade; por conseqüência, é igualmente um
meio de comunicação, a condição da apropriação dos indivíduos desta
experiência e a forma da sua existência na consciência” (LEONTIEV, 2004, p.
184).
5
“Isto ocorre quando a criança passa ao pensamento com a ajuda da linguagem, quando seu pensamento deixa de ser
apenas um movimento de estimulação de um resultado a outro, quando passa a uma atividade lingüística que não é
outra coisa que um sistema de combinações dos resultados da experiência passada (Vygotsky, 1983, p.275, tradução
nossa).
43
Conforme Luria (1979), a linguagem associada ao trabalho é a responsável pela formação
do pensamento e pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como a percepção, a
atenção, a memória, e, consequentemente, a generalização e abstração do conhecimento, objetos
de nossa análise. Essas funções permitem ao homem generalizar e abstrair do mundo que o rodeia
as informações pertinentes e necessárias à sua sobrevivência, diferenciando-o dos animais que
expressam e comunicam seus estados por meio de gritos e outros sinais, sem designar suas ações
e qualidades por meio da palavra como é pertinente ao homem.
Vygotsky (1982) ao estudar os resultados encontrados nas investigações de Kohler,
conclui que nos animais “[...] se manifiesta uma inteligencia parecida a la humana en ausencia de
un linguaje más o menos comparable al humano, luego las operaciones intelectuales son, en los
antropóides, independientes del “linguaje
6
” (VYGOTSKY, 1982, p. 92). Essas experiências
demonstram, portanto, que o chipanzé, elemento de sua pesquisa, mesmo possuindo um intelecto
semelhante ao homem, não possui os “estímulos residuais” e as “representações”, realizando uma
reação instintiva e não consciente e intencional, tratando-se de uma linguagem emotiva, que não
é suficiente para que ocorra o contato significativo entre seus semelhantes.
Vigotski (2001) comenta que pesquisas da época demonstraram que a linguagem começa
a ser interiorizada a partir do primeiro ano de vida da criança, ou fase pré-intelectual quando os
primeiros gestos, balbucios e movimentos começam a designar as primeiras funções da fala.
no segundo ano, o pensamento e a fala, que até então estavam dissociados, cruzam-se, iniciando
um novo momento o de nomeão; ocorre a ampliação do vocabulário, chegando a amplo
desenvolvimento da linguagem, uma vez que a fala alcança a base intelectual e o pensamento
torna-se verbal.
Desse modo, a transformação humana ocorre à medida que as atividades conscientes
desenvolvidas pelo homem, em especial a linguagem, possibilitam lhe e, ao mesmo tempo,
exigem dele a aquisição de novos conhecimentos, a reflexão e a interpretação dos
acontecimentos, que, elaborados no decorrer da experiência humana, passaram a ser acumulados
historicamente. Nessa perspectiva, é possível afirmar , com o auxílio de Schaff (1964, p. 146),
que [...] a linguagem é um sistema em que as significações definidas estão subordinadas a
suportes materiais definidos (potenciais, realizados no acto da palavra) – a complexos sonoros”.
6
[...] se manifesta uma inteligência parecida à humana na ausência de uma linguagem mais ou menos comparável à
humana, logo as operões intelectuais são, nos antropóides, independentes da linguagem(VYGOTSKY, 1982,
p.92, tradução nossa).
44
Nesse sentido, a verbalizão do pensamento passa a ser uma implicação da linguagem.
Ou seja, “[...] todo o pensamento, todo o acto de pensamento (humano) implica o emprego de
uma língua definida, de uma língua em princípio formada e assimilada pelo indivíduo, no
decorrer da comunicação inter-subjetiva (SCHAFF, 1964, p. 147).
De acordo com a explicação do autor, podemos concluir que o pensamento do homem é
responsável por sua orientação no mundo, sendo improvável a existência do pensamento sem a
presença da linguagem. Ao mesmo tempo, é possível inferir que não existe função comunicativa
da linguagem sem pensamento. Parafraseando o autor: “[...] não podemos cortar o recto sem ao
mesmo tempo cortar o verso” (SCHAFF, 1964, p. 209).
Luria (1979) elenca três mudanças importantes na consciência do homem em relação ao
surgimento da linguagem. A primeira, refere-se à capacidade de designar objetos e elementos do
mundo exterior, dirigindo a eles sua atenção e conservando-os na memória. A segunda, diz
respeito à possibilidade de generalização e abstração assegurada pelo domínio das palavras. E
finalmente, a linguagem como veículo de transmissão dos conceitos e conhecimentos acumulados
historicamente.
Mori e Palangana (2000), ao discorrerem a respeito da linguagem e das capacidades
cognitivo-afetivas, evidenciam sua sistematização por meio dasões sociais dos homens.
É da reconstituição interna de algo externo, quer dizer da linguagem social, que
emerge o pensamento individual e, com ele, a capacidade para se auto-regular. O
alcance desta capacidade para abstrair, associar, discriminar e generalizar está,
pois, estreitamente vinculado à qualidade da linguagem interiorizada. Decorre
sobretudo dela a imagem e a compreensão que cada um tem do real (MORI;
PALANGANA, 2000, p. 61).
Como ressalta Vigotski (2001), a linguagem, primeiramente, torna-se psicologicamente
interior e, num momento posterior, torna-se fisiologicamente interior; um exemplo desse
momento é a fala egocêntrica, em que a linguagem encontra-se em processo de interiorizão. A
linguagem organiza suas funções ao percorrer três etapas: linguagem exterior, linguagem
egocêntrica e linguagem interior. Um exemplo dessa última fase é quando a criança consegue
pensar ou realizar uma ação sem verbali-la. Assim, a linguagem interior passa por inúmeras
mudanças estruturais e funcionais até se separar da linguagem exterior, reconhecendo sua função
social; ocorre o domínio das estruturas da linguagem e as mesmas tornam-se fundamentais à
organização do seu pensamento. E finalmente, [...] um desarrollo no es simplemente
45
continuación directa de outro, sino que se modificado también su natureza misma, pasando
del desarrollo biológico al sociohistórico
7
(VYGOTSKY, 1982, p. 117).
Nessa etapa de transição das funções interpsíquicas para as funções intrapsíquicas, faz-se
presente a linguagem egocêntrica. Nas palavras de Vigotski:
Hemos de decir que, al parecer, el linguage egocéntrico, aparte de su función
puramente expresiva y de descarga, aparte del simple acompamiento de la
actividad infantil, ‘se convierte con gran facilidad en pensamiento, en el sentido
propio de la palabra’, es decir, asume la función de una operación planificadora,
o de resolución de las dificultades que surgen en el curso de la actividad
8
(VYGOTSKY, 1982, p. 108).
Outro aspecto levantado pelo autor é que a unidade da linguagem não é homogênea e sim
complexa, constitui-se de aspectos internos, como o sentido, e de aspectos externos, como o som.
Desse modo, a linguagem externa e a linguagem interna se diferenciam por seu grau e não por
sua natureza, lembrando que a ausência ou presença da vocalização é apenas um dos aspectos
considerados para tal diferenciação:
El lenguaje externo es el proceso de transformación del pensamiento en la
pavabra, su materialización y objetivacion. El lenguaje interno es un proceso de
sentido opuesto, que va de fuera adentro, un proceso de evaporación del lenguaje
en el pensamiento
9
(VYGOTSKY, 1982, p. 307).
Nesse processo em que a linguagem externa é interiorizada, podemos dizer que ocorreu a
abstração do aspecto sonoro da linguagem, principal traço dessa linguagem. Aumenta, portanto,
na criança, a capacidade de pensar e imaginar as palavras, administrando mentalmente sua
imagem, sem a necessidade de pronunciá-las, como ocorria anteriormente na linguagem externa.
Essa é, segundo o autor, a principal diferenciação entre as duas linguagens. Enfim, el lenguaje
7
[...] um desenvolvimento não é simplesmente continuação direta de outro, mas tem que ser modificada sua própria
natureza, passando do biológico ao sócio-histórico” (VYGOTSKY, 1982, p. 117, tradução nossa).
8
Temos de dizer que, ao aparecer, a linguagem egocêntrica, separada de sua função puramente expressiva e de
manifestação, separada do simples acompanhamento da atividade infantil, ‘se converte com grande facilidade em
pensamento, no sentido próprio da palavra’, ou seja, assume a função de uma operação planificadora, ou de
resolução das dificuldades que surgem no decorrer da atividade (VYGOTSKY, 1982, p.108, grifos do autor,
tradução nossa).
9
A linguagem externa é o processo de transformação do pensamento em palavra, sua materialização e objetivação. A
linguagem interna é um processo de sentido oposto, que vai de fora para dentro, um processo de evaporação da
linguagem no pensamento (VYGOTSKY, 1982, p. 307, tradução nossa).
46
se convierte’ en intelectual y el pensamiento pasa a realizarse a través del lenguaje
10
(VYGOTSKY, 1982, p. 113).
Vygotsky (1983) afirma que, à medida que a linguagem se desenvolve, ocorre uma
reestruturação do pensamento, surgindo o pensamento lingüístico. Schaff corrobora com suas
idéias, afirmando que “o pensamento humano é lingüístico e, por tal motivo, abstracto e
generalizante: toda a palavra generaliza” (SCHAFF, 1964, p. 211). Por isso, o autor cita, como
eixo dos estudos, o processo de abstração e de generalização na organização da percepção e
compreensão conceitual da realidade, visto que:
‘Todo comportamento de um organismo vivo é função de uma certa orientação
no mundo’. Mas, d’entre os diferentes tipos de orientação no mundo, há um que
se distingue graças à função da ‘abstração’ e da ‘generalização’, e que é
propriedade exclusiva do homem, mais, do indivíduo que não perdeu a
faculdade da linguagem em conseqüência de uma doença (SCHAFF, 1964, p.
180).
Assim, a linguagem realiza a função de simbolização do pensamento humano. Vygotsky e
Luria (1996) diferenciam o pensamento infantil do pensamento adulto, afirmando que o primeiro
é um reflexo imediato e ingênuo do mundo, enquanto o segundo é uma associação complexa de
experiências e inferências por meio das generalizações.
Leontiev (2004) sintetiza essa questão afirmando que o pensamento nos homens, como o
próprio conhecimento, desenvolve-se em consonância à conscncia social, que se forma pela
linguagem, tornando-se a base da generalização consciente da realidade. “A consciência é o
reflexo da realidade, refratada através do prisma das significações e dos conceitos lingüísticos,
elaborados socialmente” (LEONTIEV, 2004, p. 94).
Baseado nas idéias de Marx, Leontiev (2004) assinala que a consciência no homem se
constitui por meio do trabalho e do uso dos instrumentos, por isso, não possui uma história
independente e sim relacionada à transformação humana e social. A fabricação dos instrumentos
e os processos de produção passaram a exigir do homem que as operações se tornassem
conscientes e sistematizadas. Assinala que:
10
“[...] a linguagem ‘se converte’ em intelectual e o pensamento passa a manifestar-se pela linguagem
14
(VYGOTSKY, 1982, p.113, tradução nossa).
47
Esta estrutura interna elementar caracteriza-se pelo fato do sentido dos
fenômenos reais coincidir ainda totalmente para o homem com as significações
elaboradas socialmente e fixadas na linguagem, forma sob a qual os fenômenos
chegam à consciência (LEONTIEV, 2004, p. 121).
Tal estrutura, que nos primórdios da civilização era insuficiente à compreensão das
significações, modifica-se com a divisão social do trabalho e com a propriedade privada, as quais
exigem novas condições sócio-econômicas e ao mesmo tempo provocam o isolamento intelectual
da classe assalariada, proprietária apenas, da sua capacidade de trabalho; comandada por uma
ideologia dominante que reforça as relações sociais existentes e impede sua conscientização.
Luria (1979) alerta para a função da linguagem na formação da conscientização do homem:
Enquanto sistemas de códigos que designam objetos, suas ações, qualidades ou
relões e serve de meio de transmissão de informão, a linguagem teve
importância decisiva para a posterior reorganização da atividade consciente do
homem. Por isso têm razão os cientistas que afirmam que, a par com o trabalho,
a linguagem é o fator fundamental de formação da consciência (LURIA, 1979,
p. 80).
Leontiev (2004) esclarece que o reflexo consciente caracteriza-se por uma relação interna
entre sentido e significação. Ambos permitem a ligação e a interação refletida pela linguagem,
transformando-se em consciência mediante as relações estabelecidas pelo homem com o meio
social. “A significação é, portanto, a forma sob a qual um homem assimila a experiência humana
generalizada e refletida” (LEONTIEV, 2004, p. 101). O homem, portanto, depara-se com
inúmeras significações criadas historicamente e as integra ao seu pensamento pelo sentido
subjetivo que pessoalmente remete às mesmas.
O sentido, segundo o autor, deriva da relação e da atividade do homem, “[...] criado pela
relação objetiva que se reflete no cérebro do homem, entre aquilo que o incita a agir e aquilo para
o qual a sua ação se orienta como resultado imediato” (LEONTIEV, 2004, p. 103).
Podemos estabelecer, nesse momento, um paralelo entre essas reflexões e nosso objeto de
pesquisa, a leitura. Qual é o sentido da leitura desenvolvida em nossas escolas? E qual o sentido
para o aluno, das leituras realizadas ou indicadas pelo professor? A leitura só terá um sentido para
o aluno se o objetivo para tal escolha estiver realmente claro e vai ao encontro de suas
necessidades pessoais.
Assim, faz-se necessário estabelecermos a diferença entre sentido e significação. Objeto
de discussão de Leontiev e Luria, visto que sua relação constitui o principal elemento da estrutura
48
interna da conscncia humana. Luria (1986) esclarece que esses dois conceitos eram
considerados idênticos pela psicologia clássica e passaram a ser diferenciados, mais
recentemente, por psicólogos de outros países e estudiosos da psicolingüística. Nas palavras do
autor:
Por significado, entendemos o sistema de relões que se formou objetivamente
no processo histórico e que está encerrado na palavra. [...] Por sentido,
entendemos o significado individual da palavra, separado deste sistema objetivo
de enlances; este está composto por aqueles enlances que têm relação com o
momento e a situação dados (LURIA, 1986, p. 45).
Podemos definir o significado ou significação como um elemento externo ao indivíduo,
elaborado socialmente. Em contrapartida, o sentido, é um elemento interno e construído
pessoalmente, podendo diferenciar-se em razão do contexto ao qual está inserido e dos objetivos
e necessidades de cada indivíduo. Nessa perspectiva, a leitura possui um significado formado ao
longo da história como um elemento transmissor de informação. No entanto, cada indivíduo
criará um sentido de leitura, baseado nos seus interesses e experiências pessoais.
Leontiev (2004, p. 143) destaca que “[...] a transformação psicológica essencial é então a
da relação principal da consciência, a relação entre o sentido e a significação”. Cita como
condição essencial à consciência humana que o sentido realize-se psicologicamente nas
significações e no conhecimento, caso contrário o sentido dado a determinado elemento não
existirá totalmente para o homem, ou seja, não fará parte de seu pensamento.
Podemos afirmar, portanto, que a linguagem é o elemento mediador que transmite a
significação criada historicamente e possibilita a formação do sentido e do pensamento no
homem, regulando seus processos psíquicos superiores. Inicia seu desenvolvimento pelo reflexo
do grito, passando à linguagem oral e escrita e culminando com a linguagem interna que permite
a compreensão representada no ato de ler.
3.3 A Relação entre as Funções Psicológicas Superiores e a Formação do
Pensamento
A formação das funções psicológicas superiores e o desenvolvimento da aprendizagem da
leitura devem ser relacionados, não privilegiando as funções elementares (GÓES, 2002). O
49
funcionamento das funções superiores baseia-se fundamentalmente nas possibilidades de
compensação proporcionadas pelo grupo social no qual o indivíduo está inserido.
Vigotski (1983) evidencia que essa compensação ocorre por meio de um processo
dialético de complexa periodicidade e de uma transformação qualitativa de fatores externos e
internos, os quais resultam na constituição das funções psicológicas superiores, dentre elas, a
memória, a atenção e a percepção, primeiramente, culminando com a abstração e generalização,
elementos que configuram a formação do pensamento. A focalização, num primeiro momento,
das funções de atenção, memória e percepção, reconhecendo-as como primordiais na
aprendizagem da leitura, o se deu aleatoriamente, mas pela hipótese de que tais funções
estariam ausentes ou não evidentes no comportamento dos sujeitos pesquisados.
Desse modo, consideramos fundamental sua compreensão para alcançar o entendimento
do desenvolvimento das capacidades de abstração e generalização por meio da leitura, objetivo
maior de nosso estudo. “Todas las funciones psíquicas superiores son relaciones interiorizadas de
orden social, son el fundamento de la estructura social de la personalidad
11
(VYGOTSKY,
1983, p. 151).
Um dos principais objetivos dos estudos realizados pela Teoria Histórico Cultural a esse
respeito é evidenciar que a formação específica de cada uma dessas funções, constitui-se por
elementos coletivos e sociais, reconhecendo “[...] la base natural de las formas culturales del
comportamiento. La cultura no crea nada, tan sólo modifica las aptitudes naturales en
concordancia con los objetivos del hombre
12
” (VYGOTSKY, 1983, p. 152).
Nesse sentido, o autor apresenta o desenvolvimento das funções psicológicas superiores
como um processo de domínio da própria conduta pelo indivíduo, não como simples controle de
formas externas e sim reações de sua conduta interna. Por isso, considera e elenca, na maioria de
suas obras, a influência social e os signos como reguladores dessas funções. Visto que o signo,
elemento exterior ao indivíduo, torna-se parte constitutiva dele ao internalizar suas funções
sociais.
Dentre os signos mais importantes, destacamos a linguagem como um meio formador das
funções psicológicas superiores, permitindo a subordinão da criança, por exemplo, à linguagem
do adulto que a orienta, auxilia na atribuição de significações e de regulação de sua conduta.
Luria (1986, p. 97) esclarece que a função da linguagem inicia-se quando a mãe faz a relação de
11
“Todas as funções psíquicas superiores são relações interiorizadas de ordem social, são o fundamento da estrutura
social da personalidade” (VYGOTSKY, 1983, p. 151, tradução nossa).
12
“[...] a base natural das formas culturais do comportamento. A cultura não cria nada, somente modifica as atitudes
naturais em consonância com os objetivos do homem” (VYGOTSKY, 1983, p. 152, tradução nossa).
50
“[...] uma palavra a um objeto e quando a reação da criaa adquire um caráter específico”.
Góes (2002, p. 104) complementa ao afirmar que:
Somente quando a linguagem corresponde a algo vivenciado, que por ser
significado, ocorre a verdadeira compensação, pois aí a linguagem propicia a
formação de conceitos, contribui para o pensamento generalizante e para a
construção das funções psicológicas superiores”.
As funções psicológicas superiores priorizadas neste capítulo, formadas pela
transformação qualitativa de fatores externos em internos, evidenciam, segundo Vigotski, um
processo dialético constituído por elementos coletivos e sociais. Assim, por intermédio das
mediações sociais, os indivíduos passam a dominar internamente essas funções, regulando e
condicionando as atividades nas quais estão inseridos e delas necessitam para que se efetive sua
prática social.
A primeira função psicológica elencada nesse estudo é a percepção. Sokolov (1969, p.
144) a conceitua como o “[...] reflejo del conjunto de cualidades y partes dos objetos y
fenómenos de la realidad que actúan directamente sobre los órganos de los sentidos
13
”. Essas
relações tuas das qualidades diferenciam-se, segundo o autor, conforme as experiências
prévias de cada indivíduo a respeito do mundo real no qual está inserido, ou seja, depende dos
seus conhecimentos, necessidades e interesses. Por isso, um mesmo objeto pode ser percebido e
analisado de forma diferenciada pelos indivíduos, podendo inclusive ser objeto de profunda
análise para um e passar totalmente despercebido para outro, apesar de ambos estarem num
mesmo contexto.
É uma complexa atividade analítica-sintética do cérebro condicionada pela prática social
dos indivíduos. Luria, em concordância com Sokolov, afirma “[...] que a percepção é um
processo complexo envolvendo complexas atividades de orientação, [...] uma análise e síntese
dos aspectos percebidos e um processo de tomada de decisão” (LURIA, 1990, p. 37). Depende,
portanto, da práxis humana estabelecida historicamente, incluindo aspectos que mudam e
alteram-se de acordo com o desenvolvimento sócio-cultural. Um exemplo é o estudo a respeito da
percepção das cores, que possuem a denominação diferenciada de acordo com as mudanças
culturais da sociedade nas quais estão inseridas.
Vários estudiosos, dentre eles Humboldt, analisaram as diferenças entre a nomeação das
cores nos diferentes sistemas de linguagem e a influência dessas estruturas nos processos
13
“[...] reflexo do conjunto de qualidades e partes dos objetos e femenos da realidade que atuam diretamente sobre
os órgãos dos sentidos” (SOKOLOV, 1969, p. 144, tradução nossa).
51
cognitivos. Dentre as várias hipóteses levantadas pelo estudioso, uma delas corresponde ao
fato de que “[...] os aspectos lingüísticos têm um impacto sobre a percepção e em particular sobre
a percepção de cores” (LURIA, 1990, p. 39). Desse modo, algumas cores podem ser identificadas
por diferentes termos ou mesmo a ausência ou presença de um grande número de subcategorias
para indicá-las, variando de acordo com a extensa variedade de línguas e nacionalidades
existentes.
Outra evidência que confirma a diversidade de alise e síntese é que alguns indivíduos
possuem uma percepção mais sintética, ou seja, fixam-se nos fatos ocorridos socialmente, e
outros, no entanto, possuem uma percepção mais analítica, ou seja, voltam-se à alise dos fatos,
relacionando seu significado e compreensão a outros contextos e situações. Nesse sentido, a
leitura de um texto pode, ao mesmo tempo, levar o leitor a contextualizar analiticamente o meio
no qual está inserido, ou simplesmente ser lido e dele extraído ou sintetizado apenas as
informações evidentes e superficiais.
Luria (1991) elenca alguns traços peculiares à percepção. O primeiro, refere-se ao caráter
ativo e imediato, ou seja, a capacidade de análise e síntese do objeto observado pelo indivíduo. O
segundo, indica o caráter material e genérico, ou seja, a capacidade de generalização que envolve
os traços essenciais do objeto. O terceiro e último, diz respeito à constância e correção, ou seja, a
capacidade de percepção direta do objeto, sendo móvel e direcionada à atividade proposta ao
sujeito. Assim, a percepção possui de maneira geral um caráter racional de reconhecimento o
qual permite que primeiramente, o indivíduo realize a perceão do objeto e, posteriormente, o
generalize por meio da linguagem.
Sokolov (1969) afirma que um dos principais elementos para o reconhecimento é a
palavra, por meio dela a criança forma sua percepção e Vigotski (1998) confirma,
complementando que o uso dos instrumentos e da fala influencia diretamente as funções
psicológicas, sobretudo a percepção que, por meio da rotulação, função primária da fala,
possibilita à criança selecionar um objeto, isolando-o e, por fim, compensando suas possíveis
dificuldades pela linguagem. A criança começa a perceber o mundo o somente através dos
olhos, mas também através da fala (VIGOTSKI, 1998, p. 43). Nesse momento, a percepção
passa a ser verbalizada, deixando o ato de rotular e adquirindo uma função sintetizadora, a qual
garante formas mais complexas da percepção cognitiva.
Luria, em concordância com os outros estudiosos elenca as palavras como instrumentos
básicos do pensamento, tornando possível a identificação das inúmeras “[...] diferenças de
conteúdos de consciência e estrutura de processos mentais” (LURIA, 1990, p. 33).
52
Outro aspecto elencado por Sokolov (1969) é a racionalização da percepção, que inicia-
se pelo seu aspecto mais simples, o de reconhecimento. Este necessita do apoio de signos
distintos que permitem que o objeto seja classificado em uma ou outra categoria, formando um
sistema de conexões temporais. O reconhecimento ocorre, por exemplo, quando, na leitura,
identificamos apenas algumas letras e, rapidamente, lemos a palavra inteira, compreendendo o
seu significado. No entanto, esta é uma prática social que precisa ser apreendida por meio da
mediação realizada pelo educador, auxiliando o aluno a melhorar sua capacidade de perceber.
Rubinstein (1973) salienta que o ser humano deixa de realizar uma percepção involuntária
e passa a observar de forma orientada devido às suas experiências cotidianas, no trabalho e na
resolução dos problemas diários que a vida lhe expõe. Esta é base para a formação do
comportamento humano racional e a tomada de consciência.
A percepção não só pressue no sujeito a capacidade para reagir a um estímulo
sensível, mas também a aptidão para se tornar consciente da correspondente
qualidade sensível que é propriedade de um determinado objecto
(RUBINSTEIN, 1973, p. 134).
É justamente essa relação entre a percepção e a capacidade de ação do homem no mundo
que o rodeia que alicerça a base de toda a transformação histórica da humanidade; assim, [...] a
percepção humana é historicamente condicionada [...]” (RUBINSTEIN, 1973, p. 154).
Percebemos o mundo que nos rodeia por meio de uma consciência social, produto da prática
humana, constituída por um sistema de conceitos transmitidos pela linguagem:
Este sistema, que fica consignado na linguagem, representa o produto da
evolução histórico-social. A percepção humana é uma forma cognoscitiva social
que se deve a toda a evolução histórica da humanidade. Percebemos o mundo
através do prisma da consciência social. O produto de toda prática social da
humanidade forma e orientação à nossa percepção (RUBINSTEIN, 1973, p.
155).
Sokolov (1969) salienta que a percepção humana possui um caráter seletivo, por meio do
qual o homem seleciona alguns objetos ou partes dos mesmos baseados em causas objetivas, as
quais refletem estímulos e particularidades das condições externas, como a força, a mobilidade e
o contraste; e em causas subjetivas, as quais dependem das necessidades e interesses do indivíduo
a respeito de determinado objeto. A atitude emocional do indivíduo é, portanto, de grande
influência em sua capacidade seletiva, ou seja, sob um estado de indiferença, a percepção torna-
53
se superficial, ao contrário de um momento em que ocorre um estado de envolvimento
emocional, a percepção torna-se mais objetiva e detalhada.
Enfim, podemos tornar nossa percepção mais consciente e generalizada na medida em que
voltamos nossos interesses e sentimentos no contexto ao qual estamos inseridos, desencadeando
um enredamento emocional e, ao mesmo tempo, racional diante do objetivo ou situação
vivenciada. Quando esse envolvimento é possível, o indivíduo passa a realizar uma observação
consciente e ativa que possibilita a direção da sua atenção.
A atenção, assim como a percepção passa por um processo de formação pelas interações e
mediações do indiduo com o seu meio social. Vygotsky (1983, p. 213) define que “[...] en el
proceso nervioso dominante se engendran las bases orgánicas de aquel proceso de la conducta
que recibe el nombre de atención
14
”.
O desenvolvimento cultural da atenção inicia-se, portanto, com o contato social da criança
com os adultos, que a orientam na utilização de estímulos externos e signos artificiais,
possibilitando a resolução de uma tarefa interna na qual a atenção passa a ser mediada e não mais
imediata.
Vygotsky e Luria (1996) afirmam que a atenção é uma das funções mais importantes na
vida do organismo humano, por organizar seu comportamento e prepará-lo para a percepção dos
estímulos exteriores provindos do meio e contexto em que se encontra inserido, auxiliando-o a
selecionar aqueles mais importantes ao atendimento de suas necessidades e interesses. Quando
uma criança nasce, apresenta uma atenção instintivo-reflexiva voltada aos estímulos
predominantes, como o seio de sua e. No momento em que se inicia seu contato e interação
consciente com o ambiente que a cerca, o estímulo instintivo enfraquece e “[...] é preciso que
surja a atenção artificial, voluntária, “cultural”, que é a condição mais necessária para qualquer
trabalho
15
(VYGOTSKY; LURIA, 1996, p.196).
Gonobolin (1969) define a atenção como um reflexo seletivo de elos que implica rescindir
simultaneamente de todos os demais. Em outras palavras, o rebro possui a capacidade de
excitabilidade e inibição que permite que uma de suas áreas seja estimulada e outra seja,
concomitantemente, inibida. É interessante observar que ambas podem ocorrer ao mesmo tempo,
inibindo e estimulando as mesmas partes do cérebro, desencadeando o que conhecemos como
déficit de atenção.
14
“[...] no processo nervoso dominante se produzem as bases orgânicas daquele processo de conduta que recebe o
nome de atenção (VYGOTSKY, 1983, p. 213, tradução nossa).
15
“O termo trabalho é utilizado pelo autor para designar uma ação”.
54
Os estudos realizados pelo autor anteriormente citado evidenciam uma diferenciação
entre atenção voluntária e involuntária. A atenção involuntária é o reflexo de orientação motivado
pelas trocas e oscilações do meio exterior quando um estímulo atua pela primeira vez no
indivíduo. Nesse sentido, inúmeros fatores podem ser destacados como operantes na atenção: a
força do estímulo, o contraste entre os estímulos como a própria forma, cor ou tamanho do
objeto, as mudanças bruscas ou repetidas de estímulos, a novidade dos objetos e fenômenos
apresentados e, em especial, o estado de ânimo do sujeito movido por interesses e necessidades a
respeito do objeto apresentado.
Direcionar a atenção é uma das principais ações que a criança necessita aprender para que
realize qualquer operação prática com sucesso. Nesse sentido, a fala exerce uma função essencial
quanto ao domínio da atenção de maneira dinâmica: a criança “[...] pode perceber mudanças na
sua situação imediata do ponto de vista de suas atividades passadas, e pode agir no presente com
a perspectiva do futuro” (VIGOTSKI, 1998, p. 47).
Por meio dos estímulos culturais que lhes são oferecidos, o ser humano, ainda em
desenvolvimento, passa a concentrar-se na atividade realizada, aprendendo a ignorar outros
estímulos criados pelo ambiente. “‘Dispositivos específicossão criados na criança, permitindo-
lhe regular suas operações psicológicas, diferenciar entre o essencial e o não-essencial, perceber
como as situações difíceis se submetem a determinados fatores fundamentais, centrais”
(VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 197).
Vigotski (1983) menciona estudos realizados por Ribot que, ao relacionar o
desenvolvimento da atenção ao desenvolvimento da sociedade, classifica a atenção involuntária
como natural. Cita ao mesmo tempo Titchener que, em concordância com Ribot, aponta a atenção
involuntária como atenção primária, ou seja, a mesma representa uma etapa inicial do
desenvolvimento da atenção voluntária.
A atenção voluntária para Gonobolin (1969) é determinada pelos fins da atividade
consciente, ao que se dirige, àquilo que vai se focalizar. A base, portanto, da atenção voluntária
são as conexões formadas com as experiências passadas, entre uma e outra tarefa. Desse modo, o
autor elenca alguns fatores que podem dificultar ou impedir que a atenção voluntária do aluno se
volte à atividade a ser desenvolvida, dentre eles, os estímulos externos, por exemplo, apelos
visuais, estados especiais do organismo como cansaço ou enfermidade e pensamentos,
representações ou sentimentos não relacionados ao que se está fazendo.
Para que esses fatores sejam superados, Gonobolin (1969) indica alguns cuidados, como a
simples atitude de recolher os objetos que possam desviar a atenção do aluno, diminuir a
55
intensidade dos sons, organizar o local de trabalho com iluminação e silêncio, explicitar a
importância da significação da tarefa e o lugar que ela ocupa na vida do sujeito, auxiliar o
aprendiz a interiorizar a prática de lembrar a si mesmo que é necessário ser atento e,
fundamentalmente, realizar mediações por meio de questionamentos e desafios acerca do que está
sendo realizado.
Vigotski (1983), ao defender a tese de Titchener, referida anteriormente, como
fundamental à investigação da atenção, cita três etapas mencionadas pelo autor, relacionadas ao
desenvolvimento dessa função psicológica superior. A primeira refere-se à atenção primária ou
natural, a segunda indica a atenção secundária ou mediada e a última diz respeito à fixação.
Assim, a atenção voluntária se diferencia da atenção involuntária pelo modo como se constitui e
não pelo modo do seu funcionamento. Nas palavras do autor:
[...] la atención voluntaria es um proceso de atención mediada arraigada
interiormente y que el proprio proceso está enteramente supeditado a las leyes
generales del desarrollo cultural y de la formación de formas superiores de
conducta. Eso significa que la atención voluntaria, tanto por su composición,
como por su estructura y función no es el simple resultado del desarrollo natural,
orgánico de la atención, sino el resultado de su cambio y reestruturación por la
influencia de estímulos-medios externos
16
(VYGOTSKY, 1983, p. 224).
Dentre os estímulos do meio externo, Vigotski destaca a influência dos signos,
enfatizando a importância da linguagem, que, por meio da palavra, realiza sua primeira função, a
de indicação. “[...] las palabras son para o niño como una especie de salidas que encuentra en su
camino para la adquisición de experiencia
17
(VYGOTSKY, 1983, p. 232).
No início, o adulto utiliza-se da palavra para orientar a atenção da criaa, que, ao
interiorizar essa função, passa a utilizá-la como um meio indicador, orientando-a e, ao mesmo
tempo, formando conceitos e novas idéias. A linguagem, portanto, direciona as relações abstratas
possibilitando ao indivíduo a atribuição de um significado aos signos utilizados socialmente.
Gonobolin (1969) identifica algumas particularidades à atenção, como o grau de
concentração, intensidade e fixação, esclarecendo que, no adolescente, fase em que se encontram
16
“[...] a atenção voluntária é um processo de atenção mediada estabelecida interiormente e que o pprio processo
está inteiramente relacionado às leis gerais do desenvolvimento cultural e da formação de formas superiores de
conduta. Isso significa que a atenção voluntária, tanto por sua composição, como por sua estrutura e função, não é o
simples resultado do desenvolvimento natural, orgânico da atenção, mas o resultado de sua mudança e reestruturação
pela influência de estímulos do meio externo (VYGOTSKY, 1983, p. 224, tradução nossa).
17
“[...] as palavras são para a criança como uma espécie de saída que encontra em seu caminho para a aquisição de
experiência” (VYGOTSKY, 1983, p. 232, tradução nossa).
5
6
os alunos da pesquisa, a atenção apresenta-se com maior constância, concentração e
intensidade, ao mesmo tempo em que é característica da idade certa impulsividade, o que
dificulta o seu controle. Nesse sentido, torna-se essencial o papel de mediador do professor,
oferecendo-lhes atividades de leitura que despertem o seu interesse pelo saber e priorizando a
forma de exposição e a seleção dos conteúdos.
Finalmente, direcionamos nossa discussão para a memória. Essa terceira função
psicológica superior, enfatizada em nossos estudos, tem sido objeto de pesquisa de inúmeros
estudiosos, dentre eles, Vigotski (1983, p. 251), o qual direciona suas investigações ao confrontar
dois tipos de memória, a “mneme”, que designa as funções orgânicas, e a “mnemotécnica”, que
refere-se aos procedimentos culturais da memória; objetiva, portanto, ao compará-las,
compreender sua estrutura e sua origem. Assim, “[…] la verdadera función de la memoria es
destacar en la esctrutura la palabra precisa y orientar toda la operación hacia su memorización
18
”.
Sokolov (1969) conceitua a memória como o reflexo do que existiu no passado,
processando-se por meio da formação de conceitos temporais suficientes para sua atualização ou
funcionamento no futuro. Desse modo, tem sua importância relacionada ao acúmulo de
experiências, à recordação e ao reconhecimento que possibilitam sua utilização numa atividade
posterior. “Sin fijar la experiencia en la memoria no es posible ninguna enseñanza, ningún
desarrollo intelectual ni práctico
19
” (SOKOLOV, 1969, p.202).
A memória se processa por meio de associações, ou seja, reflexos das relações que o
indivíduo realiza entre os objetos e os fenômenos, em particular no tempo e no espaço, elencando
suas semelhanças e diferenças, o que possibilita a criação de conexões temporais no córtex
cerebral, servindo de base fisiológica aos processos de memória. Dentre as principais associações
realizadas pelo rebro humano, o autor destaca as que ocorrem por contigüidade, ou seja, a
relação dos objetos e fenômenos por meio do tempo e do espaço, a associação por semelhança,
quando objetos e fenômenos fazem-nos recordar algo semelhante, e por contraste, quando objetos
e fenômenos são recordados pelas suas diferenças.
Vygotsky e Luria (1996) relatam estudos a respeito da capacidade de memorização, os
quais concluem que:
18
“[...] a verdadeira função da memória é destacar na estrutura a palavra precisa e orientar toda a operação para sua
memorização” (VYGOTSKY, 1983, p. 251, tradução nossa).
19
“Sem fixar a experiência na memória, não é possível nenhum ensino, nenhum desenvolvimento intelectual nem
prático” (SOKOLOV, 1969, p. 202, tradução nossa).
57
Como se , o desenvolvimento da memória na inncia e adolescência
progride bastante lentamente e, se os dados que caracterizam esse processo
forem comparados com os relativos a adultos, fica evidente que um adulto
lembra-se, na média, de menos palavras do que um adolescente de 13 a 14 anos
de idade. Parece que a memória mal se desenvolve e que, na maturidade, temos
que reconhecer que existe a mesmo certa deteriorização (VYGOTSKY;
LURIA, 1996, p. 185).
Ao mesmo tempo, a memória de uma criança não se diferencia da de adulto simplesmente
pelo seu “fortalecimento” natural, mas, sim, pela capacidade de aquisição culturalde métodos
de memorização, que possibilitam a utilização de signos condicionais ou internos. A memória,
pois, não pode ser estudada apenas pelo seu desenvolvimento maturacional e sim pela forma
como a cultura criou e desenvolveu os mecanismos que auxiliam a memorização. O não
desenvolvimento desses mecanismos faz com que muitos alunos pouco ou nada se lembrem das
leituras realizadas, dificultando a possibilidade de relação entre os elementos presentes no texto e
o próprio conhecimento do aluno, anterior à leitura.
Entre os inúmeros signos que podem ser utilizados para seu desenvolvimento no momento
de formação dos mecanismos, Vigotski (1983) cita o próprio desenho como um excelente
instrumento na memorização. No entanto, para que venha a ser utilizado, é preciso ser ensinado e
compreendido por meio da linguagem. Sokolov (1969) afirma que a relação entre a memória e a
linguagem ocorre pela fixação, que auxilia no reconhecimento e recordações posteriores, ou seja,
as palavras permitem fixar na memória e recordar as experiências sociais.
Vigotski (1983), em seus relatos de pesquisa a respeito de crianças mentalmente atrasadas
e primitivas
20
, argumenta que o desenvolvimento das mesmas em relação à memória baseia-se
em duas linhas: a natural, constituída pelos elementos biológicos e/ ou involuntários e a cultural,
formada pelas suas experiências com o meio social e organizada por atos voluntários.
Sokolov (1969) estabelece uma diferenciação entre a memória involuntária, quando
fixamos elementos em nossa memória sem saber para que e sem utilizar nenhum método auxiliar,
e a memória voluntária, quando planejamos a fixação de algo determinado, utilizando meios
auxiliares. Ao mesmo tempo, diferencia a memória de fixação automática da memória de fixação
racional. A primeira ocorre quando são remetidos elementos à memória, criando conees
temporais isoladas que refletem a conseqüência externa dos objetos e fenômenos. Já a segunda,
apóia-se em sistemas de conexões temporais formadas anteriormente, que constituem a
experiência do sujeito.
20
Termos utilizados pelo autor, na década de 1980, para designar crianças com necessidades especiais.
58
La fijación racional en la memoria se basa en asociaciones generalizadas y
sistemáticas; éstas son reflejo de las cualidades y relaciones principales y
essenciales de los objetos. Cuando se fija en la memoria razonadamente se crean
conexiones poe el sentido, las cuales son asociaciones agrupadas y generalizadas
por medio de la palabra, en grupos, complejos y sistemas
21
(SOKOLOV, 1969,
p. 208).
O autor ressalta que, para ocorrer a fixação de algo na memória, são indispensáveis a
compreensão e ao mesmo tempo a repetição. Seus argumentos, nesse sentido indicam que a
repetão possibilita uma comparação mais detalhada de objetos e fenômenos parecidos, criando
conexões temporais mais detalhadas em nossos sistemas de conexão, nos quais a fixação torna-se
mais racional. Esse tipo de memorização se diferencia da fixação automática, porque prioriza a
compreensão e não apenas a repetição sem o estabelecimento de relações entre os objetos e
fenômenos fixados.
É fundamental que o aluno aprenda a criar pontos de apoio, que consistem a relação dos
elementos que serão fixados na memória com os conhecimentos adquiridos anteriormente; “[...]
esto significa incluir lo que se estudia en los sistemas de conocimientos que ya se tienem,
estableciendo la semejanza y la diferencia com aquello que ya se conece por la experiencia
anterior [...]
22
” (SOKOLOV, 1969, p. 209). Por isso, a necessidade do reconhecimento das
diferenças individuais, visto que cada indivíduo apresenta um tipo de memória, dependendo do
treinamento, da aprendizagem, da própria atividade profissional e, em particular, das experiências
anteriores de cada indivíduo, mediadas pelos signos.
As experiências anteriores, mediadas pelos diversos signos, que dão origem à leitura, são
essenciais à outras duas funções aqui delimitadas nesse estudo a generalização e a abstração.
Com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como a atenção, a memória e a
percepção, o indivíduo chega a essas duas funções mais complexas, que lhe permitem analisar os
fenômenos da realidade que o cercam, classificando-os e diferenciando-os entre si.
Nesse sentido, a leitura passa a ser um instrumento de mediação, pois possibilita ao aluno
o contato com a realidade por meio da linguagem oral, escrita, musical, gestual, corporal, entre
outras, repletas de significados e conceitos explícitos e implícitos, que necessitam ser
21
A fixação racional na memória se baseia em associações generalizadas e sistemáticas;estas são reflexos das
qualidades e relações principais e essenciais dos objetos. Quando se fixa na memória racionalmente se criam
conexões pelo sentido, as quais são associações agrupadas e generalizadas por meio da palavra, em grupos,
complexos e sistemas” (SOKOLOV, 1969, p. 208, tradução nossa).
22
“[...] isto significa incluir o que se estuda nos sistemas de conhecimentos que já se tem, estabelecendo a
semelhança e a diferença com aquilo que se conhece pela experiência anterior [...]” (SOKOLOV, 1969, p. 209,
tradução nossa).
59
compreendidos pelo desenvolvimento de tais funções psicológicas superiores, base para a
formação do pensamento. Estudos realizados por Vigotski e mencionados por Luria
demonstraram que:
[...] a linguagem é o elemento mais decisivo na sistematização da percepção; na
medida em que as palavras são, elas próprias, produto do desenvolvimento
cio-histórico, tornam-se instrumentos para a formulão de abstrações e
generalizações e facilitam a transição da reflexão sensorial não-mediada para o
pensamento mediado, racional (LURIA, 1990, p. 66-67).
Assim, as diferentes interpretações da realidade, aqui concebidas como as diversas leituras
realizadas pelos indivíduos, decorrem, segundo o autor, das possíveis diferenças existentes no
sistema de elementos psicológicos que norteiam a formação do pensamento de cada sujeito por
meio das relações anteriores com o meio que o cerca mediadas pela linguagem.
Menchiskaia (1969) evidencia que o homem, num primeiro momento, faz a análise geral
dos fenômenos que o cercam para, depois, separá-los do particular.
La generalización es la separación mental de lo general en los objetos y
fenómenos de la realidad, y, basándose en ella, es su unificación mental. La
comparación de los objetos y fenómenos es una premisa indispensable para la
generalización. lo por medio de la comparación, el sujeto puede descubrir lo
que hay de general en ellos, si son parecidos entre , y solamente comparando
los objetos y fenómenos de la realidad se puede establecer cuáles son sus
aspectos generales, se les puede reunir mentalmente en un mismo grupo, se les
puede generalizar
23
(MENSCHISKAIA, 1969, p. 239).
Reconhecer os aspectos gerais de um objeto, classificando-o segundo sua categoria e com
a capacidade de mover-se de uma categoria a outra é, segundo Luria, uma das principais
características do pensamento abstrato. Ou seja,
[...] o generaliza com base em suas impressões imediatas, mas isola certos
atributos distintos dos objetos como base de categorização; a essa altura, faz
inferências sobre os fenômenos, destinando cada objeto a uma categoria
específica (relacionando-o a um conceito abstrato). atingiu um estágio que
23
“A generalização é a separação mental do geral nos objetos e femenos da realidade, e, baseando-se nela, é uma
unificação mental. A comparação dos objetos e femenos é uma premissa indispensável para a generalização.
Somente por meio da comparação o sujeito pode descobrir o que há de comum neles, se são parecidos entre si, e
somente comparando os objetos e fenômenos da realidade se pode estabelecer quais são seus aspectos gerais, se
podem ser reunidos mentalmente em um mesmo grupo, se podem ser generalizados” (MENCHISKAIA, 1969, p.
239, tradução nossa).
60
alguns investigadores preferem chamar de período de ‘análise através da
síntese’. Depois de estabelecer um sistema taxonômico bem fundado para
subordinar diversos objetos a uma mesma categoria, o adolescente desenvolve
um esquema conceitual hierárquico que expressa “graus de similaridade”
progressivamente maiores (por exemplo: rosa-flor-plantas-mundo orgânico).
Daqui em diante esse esquema determinará todo o seu método de classificação.
Obviamente, uma vez que a pessoa tenha feito a transição para tal modo de
pensamento, ela se concentrará, principalmente, nas relações categoriaisentre
os objetos eo em seu modo concreto de interação (LURIA, 1990, p. 69).
No momento que o indivíduo consegue, portanto, generalizar os objetos e femenos,
destacando o que é geral e isolando as demais características, ele está, segundo Menchiskaia
(1969), realizando o processo mental denominado de abstração. Esse processo pode ser
evidenciado na leitura, no momento em que o leitor destaca as principais informações de um
texto, isolando-as das demais (idéias secundárias) e compreendendo-as como elementos que
corroboram na produção de sentido às idéias principais. Fica evidente que a generalização e a
abstração são dois processos indissociáveis, como cita o autor “[...] es imposible unificar
mentalmente todos los árboles si no nos abstraemos de lãs diferencias que existen entre ellos
24
(MENCHISKAIA, 1969, p. 240).
Esse período ou estágio denominado por Luria como capacidade de análise e síntese,
como apontamos anteriormente, e discutido por Menchiskaia, permite dividir mentalmente o
todo em partes, isolando os signos, qualidades e aspectos característicos e, ao mesmo tempo,
permite realizar, em contraposição, a síntese, que é justamente a unificação mental das partes, dos
signos, das qualidades ou informações de um texto, por exemplo. O autor relaciona esses
processos à leitura:
Cuando leemos, separamos distintas frases, palabras y letras del texto y, al
mismo tiempo, las ligamos unas con otras: las letras las reunimos en palabras,
las palabras en oraciones, las oraciones en unas u otras partes del texto. Cuando
se relata algún acontecimiento, mentalmente se disgregan algunos episodios
aislados; pero, al miesmo tiempo, se marca la relación de unos con otros, la
dependencia entre ellos. Esto mismo tiene lugar en todas las actividades del
pensamiento
25
(MENCHISKAIA, 1969, p. 237).
24
“[...] é impossível unificar mentalmente todas as árvores se não abstraímos as diferenças que existem entre elas”
(MENCHISKAIA, 1969, p. 240, tradução nossa).
25
“Quando lemos, separamos frases, palavras e letras distintas do texto e, ao mesmo tempo, relacionamos umas com
as outras: as letras são reunidas em palavras, as palavras em orações, as orações em partes do texto. Quando se relata
algum acontecimento, mentalmente se desagregam alguns episódios isolados, mas, ao mesmo tempo, marca-se a
relação de uns com os outros, a dependência entre eles. Isto acontece em todas as atividades do pensamento”
(MENSCHISKAIA, 1969, p. 237).
61
O autor destaca a necessidade da atividade prática para o desenvolvimento desses dois
processos antagônicos que interagem entre si e, ao mesmo tempo, agem intrinsecamente na
capacidade de generalização e abstração, base da formação do pensamento.
A ão prática, segundo o estudo empreendido pelo autor já citado, pressupõe a mediação
do professor na atividade de leitura, no sentido de fazer junto, buscar o que está impcito no texto
como um dos elementos responsáveis pela formação dessas capacidades. Elenca ações como
condição para desenvolver esses dois processos, como fazer sua comparação, comparando
informações, aspectos ou mesmo textos entre si; explicar algumas referências substanciais não
expressas na superfície do texto e essenciais ao seu entendimento; comparar as partes do texto e
diferentes textos, identificando características recorrentes ou não como elementos que garantem
a significação, entre outras, com o objetivo de enfatizar a leitura como uma prática social
constituída por inúmeros signos criados historicamente, tendo como base e premissa o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores para essa aprendizagem.
A linguagem, representada pela palavra, e a mediação do professor junto aos alunos, pela
ação de fazer com, são elementos essenciais para que as funções psicológicas superiores, que
inicialmente são involuntárias, isto é, funções elementares, tornem-se voluntárias e, reguladas
pelo próprio indivíduo, corroborem na aquisão do conhecimento.
A instrução formal, para Luria (1990), altera a atividade cognitiva e permite, por meio das
palavras, que o pensamento prático e concreto transforme-se em pensamento teórico e abstrato.
Naturalmente, ao fazer a transição do pensamento concreto para o teórico,
não é imediatamente que as pessoas adquirem a capacidade de formular
suscintamente suas idéias. Manifestam praticamente a mesma tendência
discursiva que caracterizava seus hábitos anteriores de pensamento. Com
o decorrer do tempo, contudo, superam a tendência de pensar em termos
visuais e podem apresentar abstrações de maneira mais sofisticada
(LURIA, 1990, p. 132).
Desse modo, propiciar discussões e leituras coletivas de temas sociais, promovendo novas
experiências com a linguagem/palavra, é de extrema importância para que alunos, que
apresentam ou não dificuldades escolares, reflitam a respeito do que lêem e passem a codificar as
idéias em esquemas conceituais que permitam a transição das operações práticas em teóricas.
Como argumenta o autor: “Definir um conceito pela classificação de um objeto, fenômeno ou
atividade específica numa categoria mais ampla vem a ser uma das operações mais elementares
do pensamento abstrato” (LURIA, 1990, p. 113).
62
Concordamos com Vigotskii (1988), Luria (1990) e Leontiev (2004), quando afirmam
que o intelecto é a relação dialética entre as capacidades de atenção, memória, percepção,
generalização e abstração, que independem entre si, porém o desenvolvimento de cada uma delas
corroborra para o desenvolvimento das demais, culminando com a formação do pensamento.
A formação do pensamento e dos processos psicológicos, segundo Luria (1988), não se dá
interiormente, ou seja, no interior da célula viva, mas nas relações que o indivíduo mantém com o
meio exterior, estabelecidas pelos estágios do desenvolvimento histórico
26
.
Esta é a razão pela qual a consciência, como um reflexo da realidade objetiva,
tem uma função biológica essencial, habilitando o organismo a encontrar seus
propósitos, a analisar a informação que chega a ele e a armazenar seus traços.
[...] Por esta razão, a consciência é a habilidade em avaliar as informações
sensoriais; em responder a elas com pensamentos e ações críticas e em reter
traços de memória de forma que traços ou ações passadas possam ser usados no
futuro (LURIA, 1988, p. 196).
Formar indivíduos capazes de compreender a realidade que os circunda, analisando-a,
avaliando-a e respondendo a ela com pensamentos críticos deveria ser um objetivo unânime entre
as escolas contemporâneas.
Gentili (2002) contribui no aprofundamento desta questão ao discutir a relação trabalho-
educação no capitalismo contemporâneo por meio da Teoria do Capital Humano
27
. A escola,
sobretudo na década de 1990, passa a ser concebida como entidade integradora, ou seja, elemento
fundamental na formação do capital humano, que proporcionaria o aumento da riqueza social por
meio de uma força de trabalho qualificada. O indivíduo passou, então, a ser apresentado como
um consumidor do conhecimento. A possibilidade de obter uma inserção efetiva no mercado
depende da capacidade do indivíduo em consumiraqueles conhecimentos que garantam essa
inserção” (GENTILI, 2002, p. 262).
Segundo o autor, entre as décadas de 1980 e 1990, os índices de escolarização tanto na
Arica Latina como no Brasil melhoraram. No entanto, na América Latina, a desigualdade
social indica que 210 milhões de pessoas viviam, nesse período, abaixo da linha da pobreza.
Quais práticas sociais advieram dessa teoria que, em vez de diminuir, aumenta a
desigualdade? Ampliamos a escolarização e continuamos os mais pobres? Que leitura deve ser
26
Luria relaciona os estágios de desenvolvimento à formação da consciência, baseando-se em Vigotski, o qual
estabelece, nos primeiros estágios de sua formação, as impressões emocionais diretas e, nos estágios posteriores, a
capacidade de abstrair e generalizar por meio da linguagem (LURIA, 1988, p. 197 e 198).
27
Teoria originada e sustentada pelo desenvolvimento capitalista, marcada pelo crescimento ecomico nas décadas
de 1950 e 1960, concebe à escola a função de formação e integração do indivíduo à vida produtiva.
63
feita desses dados? Uma leitura descontextualizada, decodificada e segmentada? Essa tem sido
a leitura reproduzida e ensinada pela grande maioria das instituições escolares. Linear, constante
e voltada a aceitar, como certo, tudo o que o sistema capitalista nos ime.
Ler, certamente, parece não ser fundamental à maioria dos alunos freqüentadores dessas
instituições, porque a concebem como um ato mecanizado. As informações lhes são transmitidas
de forma objetiva, para que não precisem pensar, e acabadas, para que não lhes permitam
questionar. Vivemos a era em que se tem acesso a uma infinidade de materiais para leitura. Mas o
que fazemos com aquilo que lemos, ou melhor, o que é ler numa sociedade contemporânea?
Nesse contexto, a ênfase passa a ser dada às competências
28
. Que competências são essas?
As que formam um cidadão capaz de reconhecer seus direitos ou um indivíduo com habilidades
necessárias à produção?
3.4 O Ato de Ler na Contemporaneidade
O ato de ler na escola tem sido objeto de investigação de muitos pesquisadores ao longo das
últimas décadas do século passado, marcado por forte dissociação entre o ato de ler e a
alfabetização. Desse modo, a idéia de leitura, vinculada ao silêncio e à concentração e como uma
atividade solitária e individual, passa a ser desmistificada tomando um outro sentido – das
relações sociais.
Rojo (2007) salienta que ler, no início da segunda metade do século XX, ainda era visto
como um ato simplista, voltado à decodificação de grafemas e fonemas como requisito básico à
significação da linguagem do texto. A alfabetização partia das letras às sílabas e à palavra e,
delas, à frase, ao parágrafo e ao texto linearmente, garantindo que a capacidade de decodificação,
principal capacidade desta concepção linear de leitura, fosse desenvolvida.
Após 50 anos de investigação, outras capacidades de leitura, como a compreensão, passam a
ser discutidas, nas quais o foco passa a ser a relação texto/leitor e não a extração de informações
do texto:
28
Perrenoud, sociólogo suíço, é um dos educadores que discute a avaliação e a profissionalização do professor,
tomando como premissa o desenvolvimento das competências. Essas são capacidades, segundo ele, que permitem ao
indivíduo utilizar o conhecimento aprendido na resolução de problemas. E, ainda, cada qual desenvolve suas
competências, de acordo com o ambiente em que vive (RODRIGUES, 2003, p. 92).
64
A leitura passa, primeiro, a ser enfocada não apenas como um ato de
decodificação, de transposição de um código (escrito) a outro (oral), mas como
um ato de cognição, de ‘compreensão’, que envolve conhecimento de mundo,
conhecimento de práticas sociais e conhecimentos lingüísticos muito além dos
fonemas (ROJO, 2007, mineo.).
Num momento seguinte, a ênfase passa a ser dada para a interação entre o autor e o leitor,
concebendo o texto como um elo mediador entre ambos. Assim, as regras e práticas sociais
passam a ser elementos essenciais ao entendimento das intenções e sentidos elaborados pelo autor
no texto. Para Ritter (1999) a língua deixa de ser concebida como abstrata e homonea e passa a
ser concreta e heterogênea, ou seja, a ênfase passa a ser dada à competência discursiva na qual
privilegia-se o uso da ngua em situações reais e concretas. A função do ensino da língua passa a
ser:
[...] ler criticamente, atribuindo sentidos ao texto, escrever para alguém ler, falar
para auditórios diferenciados, com objetivos explícitos e dentro da modalidade
adequada, refletir sobre a própria linguagem. se concebe o estudo da língua
em contexto de uso, de funcionamento, de interação, no qual seus usuários sejam
sujeitos (RITTER, 1999).
A leitura passa a ser compreendida sob a perspectiva sociocultural na qual a prática
discursiva impera.
Mas recentemente, a leitura é vista como um ato de se colocar em relação um
‘discurso’ (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e
posteriores a ele, como possibilidades infinitas de ‘réplica’, gerando novos
discursos/textos (ROJO, 2007, mineo.).
O texto passa a atribuir sentido e apreciões de valor às pessoas e coisas que as cercam,
por meio do espaço social em que se encontram autores e leitores e, conseqüentemente, da
interação entre eles. Rojo (2007) elenca, de forma clara e objetiva, as principais capacidades
desenvolvidas pelas três concepções mencionadas.
Capacidades de decodificação:
Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros sistemas de
representação);
Compreender a natureza alfatica do nosso sistema de escrita;
Dominar as relações entre grafemas e fonemas;
Saber decodificar palavras e textos escritos;
65
Saber ler, reconhecendo globalmente as palavras;
Ampliar a sacada do olhar para porções maiores do texto que meras palavras,
desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura.
Capacidades de interação/interpretação:
Recuperação do contexto de produção do texto;
Definição de finalidades e metas da atividade de leitura;
Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático);
Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento, gráficos, mapas,
etc.) como elementos constitutivos dos sentidos dos textos e não somente da linguagem
verbal escrita;
Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas;
Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos.
Capacidades de compreensão (estratégias):
Ativação de conhecimentos de mundo;
Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos;
Checagem de hipóteses;
Localização e/ou cópia de informações;
Comparão de informações;
Generalização (conclusões gerais dos fatos, fenômenos, situações s análise de
informações pertinentes);
Produção de inferências locais (vocábulos desconhecidos numa frase, período ou
parágrafo);
Produção de inferências globais (pressupostos ou informações implícitas no texto).
Em seguida, destacamos alguns autores que representam as duas últimas concepções de
leitura, como Theodoro da Silva, representante da concepção interacionista (relação
autor/leitor), Orlandi representando a perspectiva discursiva (relação discurso/texto) e, ainda,
nos utilizamos das produções mais recentes de Lajolo e Zilbermam, voltadas à perspectiva da
História Cultural. Faz-se necessário destacar, que esses autores não estão baseados em uma
perspectiva da psicologia, no entanto, corroboram para nossa compreensão a respeito da
aprendizagem da leitura como uma prática social que possibilita a compreensão da realidade a
qual estamos inseridos e o estudo das relações histórico-culturais produzidas ao longo da
história pela humanidade.
66
Nesse sentido, esses autores por meio de seus trabalhos mais atuais contribuem para
esse entendimento, os quais mais se assemelham à perspectiva Histórico-Cultural, e
consequentemente, ao grupo de Vigotski, o qual subsidia todo o desenvolvimento desse
trabalho.
Em função desse objetivo, não privilegiamos uma única concepção de leitura como
norteadora de nossa prática, visto que trabalhamos com uma diversidade de dificuldades
escolares, as quais exigem diferentes mediações. Desse modo, em muitos momentos
(relatados no capítulo 4), utilizamo-nos dessas concepções como norteadoras de nossas
mediações. Em concordância com o trabalho desenvolvido por Ritter (1999) e Pietri (2007),
destacamos em alguns momentos a dimensão sociocultural da leitura, permitindo que o aluno
posicione-se ativamente como ser social e histórico de modo que realize uma leitura do
implícito e das entrelinhas, concebendo-o como um produtor de sentido e, em outros
momentos, priorizando seus conhecimentos anteriores e suas experiências a respeito do
conteúdo.
Discussões realizadas por Orlandi (2005) sob a ótica da perspectiva discursiva revelam a
leitura como “processos de significação”, ou seja, o apenas quem escreve produz sentido,
mas quem lê também o produz por meio de condições sócio-históricas nas quais está inserido.
É pela reflexão sobre a determinação histórica desses processos que vemos a
(produção da) leitura como parte constitutiva deles. Quer dizer: quando lemos
estamos produzindo sentidos (reproduzindo-os ou transformando-os). Mais do
que isso, quando estamos lendo, estamos participando do processo (sócio-
histórico) de produção dos sentidos e o fazemos de um lugar e com uma direção
histórica determinada (ORLANDI, 2005, p. 58).
Com a criação dos signos e instrumentos, conforme denominação de Vigotski, o homem
procura suprir suas necessidades e comunicar sua criação por meio da linguagem. “O signo pede
assim a copresença de indivíduos (autor/leitor) no quadro das relações sociais (e não fora delas),
no confronto de foas políticas e ideológicas” (ORLANDI, 2005, p. 59).
Bortoli (2002) cita a palavra como um signo mediador na interação entre os homens,
sendo variável e flexível ao contexto inserido. Contexto esse não apenas no sentido imediato, mas
também no sentido enraizado historicamente e socialmente pela humanidade. Assim, o texto,
como elemento mediador, não será um elemento passivo e sim ativo nas mãos do leitor:
67
Se um texto é marcado por sua incompletude e se completa no ato de
leitura; se o leitor é aquele que vai fazer funcionar” o texto, à medida que o
opera através da leitura, o ato de ler não pode se caracterizar como uma
atividade passiva. Ao contrário, para essa concepção de leitura, o leitor é um
elemento ativo no processo (BORTOLI, 2002, p. 11).
A autora afirma que o sentido não é, portanto, elaborado exclusivamente pelo autor do
texto, mas também pelo leitor, à medida que interage, compreende e busca seu próprio sentido:
Compreender não significa atribuir um sentido ou descobrir” o sentido que o
autor quis dar ao texto, mas reconhecer os mecanismos de funcionamento do
discurso, de um processo de significação para chegar a uma leitura polissêmica,
ou seja, de muitos sentidos (BORTOLI, 2002, p. 90).
A leitura como um processo de produção de sentidos, não ocorre de forma natural e não-
intencional , muito pelo contrário, constitui-se de uma ideologia produzida historicamente,
repleta de um emaranhado de sentidos produzidos pelas relações de poder que permeiam nossa
sociedade e que, muitas vezes, não são transmitidos pela própria escola.
Nesse sentido, é de extrema importância que o ensino priorize fortemente
a participação do leitor na construção de sentidos. Um leitor ativo,
imaginativo, inteligente, criativo e sensível, que coopere com o autor e
que busque as reais possibilidades de interpretação/compreensão. Não
precisamos de leitores passivos e “reprodutivos”, e sim de sujeitos que
compartilhem com seus pares o real sentido da leitura.
O posicionamento interpretativo do leitor permite a compreensão da riqueza dos signos
elaborados socialmente e que perpassam historicamente a humanidade. Essa interação dialética
permite que a leitura não represente uma interpretação pautada em “achismos”, mas uma relação
interpretativa e compreensiva da obra, fundamentada pelo conhecimento.
Assim, o professor como mediador dessa aprendizagem pode priorizar momentos de
debates e confrontações, encorajando seus alunos a realizarem interpretações a respeito do que
estão lendo e, ao mesmo tempo, respaldá-los nos momentos de dificuldade, ambigüidades e
tropeços no texto. Essa medião, embasada pelo conceito de zona de desenvolvimento proximal
(ZDP)
29
de Vigotski, salienta a necessidade de mediação (ação do professor) num momento em
que o aluno não é capaz de realizar a compreensão do texto sozinho.
29
De acordo com Vigotski a zona de desenvolvimento proximal se constitui no espaço entre o desenvolvimento real
(o que a criança já faz sozinha) e o desenvolvimento potencial ou próximo (o que ela conseguifazer com a
mediação de outra pessoa).
68
Bortoli (2002) utiliza-se do conceito de Vigotski por entender que o professor deve sim
interferir nas zonas de desenvolvimento proximal dos alunos, por meio de estratégias que
possibilitem “[...] avanços, reestruturação e amplião do conhecimento estabelecido pelo
grupo” (BORTOLI, 2002, p. 93) e, finalmente, a compreensão dos elementos implícitos no texto.
Para isso, necessita conhecer o desenvolvimento real dos alunos, ou seja, a capacidade de
compreensão que os alunos já possuem.
Ler passa a ser uma prática social desenvolvida e apreendida pelo indivíduo de forma
programada, intencional e organizada, sendo capaz de interpretar, compreender e sentir prazer em
compartilhar o que leu. No momento em que nos posicionamos a respeito de nossas escolhas,
estamos possibilitando, além de uma referência como leitor ativo, a possibilidade e, em
particular, a liberdade de escolha, fundamental a qualquer indivíduo e leitor.
Silva e Zilberman (2005) pertencentes à perspectiva da História Cultural corroboram com
essa indagação quando referem-se à importância da concepção de leitura veiculada pelas escolas
e pelos professores, no sentido de adotarem o desafio de ensinar a ler e a gostar de ler. Se esta for
a postura incorporada pelos mesmos, a leitura poderá ser entendida dialeticamente, ou seja, não
apenas como um instrumento de manipulação, utilizado pelas classes dominantes para
“conservar” sua ideologia, mas como um instrumento de conscientização e conhecimento. Assim:
[...] uma escola que responde positivamente ao sistema vigente, sem querer
alterá -lo, mas tão somente confirmá-lo e expandi-lo, assume a leitura enquanto
reprodução, valorizando a paráfrase do texto lido, duplicando a visão
hierarquizada e autoritária da cultura, incentivando a recepção passiva e
mecânica, fornecendo interpretações prontas e acabadas. E vice-versa: uma
escola aspirante à mudança social espera que a leitura dos textos propostos
constitua, antes de tudo, um instrumento de conscientização e libertão dos
leitores (ZILBERMAN; SILVA 2005, p. 114).
Enfim, ler para quê? Para que a leitura nos faça pensar com autonomia e criticidade,
compreender e dar sentido à nossa própria vida, de modo que possamos construir nossa história
pessoal e, finalmente, nossa identidade: “[...] a leitura se constitui uma forma de encontro entre o
homem e a realidade cio-cultural, cujo resultado é um situar-se constante frente aos dados
dessa realidade, expressos e interpretados atras da linguagem” (SILVA, 1986, p. 20).
Nesse sentido, o questionamento “O que é ler”? se define por meio das experiências
vividas pelo indivíduo na sociedade. E mais, da qualidade dessas experiências e estímulos que lhe
são proporcionados pelo convívio com outros homens e mediados pela linguagem. A escola e a
família, instituições nas quais a leitura perpassa (ou deveria), assumem, portanto, a
69
responsabilidade em relação a qualidade das leituras oportunizadas e, conseqüentemente, a
formação da concepção de leitura que cada indivíduo conceberá.
Infelizmente a ocultação por parte de uma dessas instituões faz com que muitas vezes o
ato de ler cause aversão a milhares de indivíduos que estão ou estiveram na escola e carregam
consigo um emaranhado de desmotivações e dificuldades que o impedem de compreender muitos
textos. As desmotivações e dificuldades fazem da leitura segundo Bortoli (2002) não um ato, nem
um hábito, mas um comportamento diferenciador entre os privilegiados e uma grande maioria
que a utiliza, na maioria das vezes, como [...] reconhecimento de signos para atividades
imediatas, ligadas à sobrevivência ou pouco mais que isso” (BORTOLI, 2002, p. 33).
Nesse sentido, o papel da escola, para a autora, é justamente o de combater essa
desigualdade na busca da garantia do direito ao conhecimento e ao saber. Assim, a leitura é uma
prática mediadora fundamental para que o aluno desenvolva “[...] a capacidade de construir
relações significativas entre objetos, fatos e conceitos entre os vários ‘nós’ da imensa rede de
conhecimento que enreda a todos” (BORTOLI, 2005, p. 89). Desse modo,
[...] a leitura é mais um modo, um instrumento que especifica os esquemas de
organização escolar, as regras de funcionamento da construção de um
conhecimento lingüístico que remetem às condições de produção desse saber na
escola e na sociedade (RANGEL, 2005, p. 67).
É preciso entender que essa teoria corresponde à elaboração teórica decorrente do nosso
modo de viver, de nos relacionar e de entender o mundo. Nesse sentido, não podemos dissociar a
aprendizagem da compreensão, uma vez que nossa teoria a respeito do mundo e,
conseqüentemente, a utilização da leitura como prática social se constitui por meio do que nos é
ensinado.
Conforme Silva, compreender significa buscar significados a respeito do que acontece ao
seu redor e particularmente a respeito de si mesmo. “Compreensão é projeto, é propósito, é um
modo de existir no mundo” (SILVA, 1993, p. 67). É, portanto, uma maneira de superar-se a si
mesmo e não apenas compreender a inteão do autor, nemo pouco de reprodução exata de um
significado. Nessa perspectiva, destaca-se outra afirmação do autor:
Se a compreensão, na perspectiva ontológica, significa habitar no mundo através
de projetos existenciais, então a leitura, por necessariamente envolver a
compreensão, também vai significar uma saída-de-si ou um projeto de busca de
novos significados. Por outro lado, se compreender é enriquecer-se com novas
proposições do mundo, então ler é detectar ou aprender as possibilidades de ser-
ao-mundo apontadas pelos documentos que fazem parte do mundo da escrita
(SILVA, 1992, p. 70).
70
O ato de ler, evidenciado pela concepção do autor, ao referir-se à compreensão como
busca de significados, pode ser relacionado a três sentidos. O compreender o texto, no qual o
leitor capta a mensagem do texto num nível interpretativo. O segundo, compreender-se no texto,
no qual o leitor se identifica com o texto, estabelecendo relações pessoais e, por último, o
compreender-se pelo texto, ou seja, é quando o leitor se surpreende aprendendo com o texto,
analisando-se por meio dele e, em especial, encontrando informações que o façam analisar o
mundo e rever as relações sociais que o cercam.
Frente a tais colocações, algumas questões vêm à tona: nossas escolas estão propondo
leituras que levam à compreensão? Ou apenas estão priorizando a mera reprodução da mensagem
escrita? Estes e outros questionamentos encontram respaldo na formulação de algumas hipóteses
elaboradas por diferentes autores a respeito do processo de ensino-aprendizagem, no qual a
leitura está inserida.
A desescolarização da leitura faz com que sejam produzidos leitores e não-leitores, ou
seja, leitores que utilizam a leitura como forma de compreensão e leitores que a utilizam apenas
como decodificação do material escrito.
Dessa forma, o estabelecimento da defasagem entre os que possuem maior acesso à leitura
compreensiva e os que não possuem reafirma mais uma vez a divisão social e a exclusão que
permeiam nossa sociedade. Diminuir com essa defasagem é contribuir para que a leitura seja
utilizada pela maior parte da população como uma prática que corrobora ao desenvolvimento do
pensamento e de inserção social. Contribuir para a formação de leitores ativos é propiciar que
esses sujeitos, com necessidades especiais ou não, sintam-se inseridos socialmente e façam parte
de um grupo social representante de uma cultura consciente.
Silva salienta a necessidade de a educação ser concebida como projeto”, no qual a leitura
e o ato de ler façam parte da formação de um pensamento crítico; o escrito transforma-se num
“[...] veiculador da tradição histórica e cultural, passada e presente” (SILVA, 1992, p. 78). Desse
modo, a leitura deixa de ser um ato momentâneo e fragmentado, passando a fazer parte do ser
humano e concebido como um recurso humanamente criado com a finalidade de atribuir
significados.
Significado é o elemento fundamental para que o ato de ler transforme-se num
ato de libertação e proliferação de leitores críticos, que tenham a capacidade de
ler além das letras impressas, extirpando a alienação. Saber ler e executar esse
ato, crítica e freqüentemente, é, em última instância, possuir mais elementos
para pensar a realidade e sobre as nossas condições de vida” (SILVA, 1997, p.
76).
71
Faz-se necessário destacarmos que o desenvolvimento da leitura como um ato de
libertação não ocorre espontaneamente, muito menos naturalmente. Para Silva, a criança nasce
com um potencial físico e psíquico apto à leitura dos signos constituídos culturalmente, no
entanto, sua transformação em ‘leitor’[...] depende do conjunto de estímulos sócio-ambientais ao
qual ela responde e com o qual ela se identifica no transcorrer da sua vida” (SILVA, 1997, p. 98).
Essas e outras práticas não soam estranhamente aos nossos ouvidos, que são objetos de
crítica por muitos autores, apesar de serem comuns a inúmeras instituições escolares que adotam
uma concepção de leitura mecânica e fragmentada, ignorando-a como um modo de interação
entre os homens e as gerações, sem nenhuma sustentação teórica. Concordamos com Silva
quando afirma que “[...] o professor é o intelectual que delimita todos os quadrantes do terreno da
leitura escolar” (SILVA, 2005, p. 19), ou seja, se queremos formar leitores maduros e
competentes, precisamos que os professores o sejam antes.
A falta de sustentação teórica decorrente da formação dos professores faz com que os
mesmos utilizem-se de práticas (não conscientes) que perpetuam atividades como cópia,
paráfrase e memorização como “leitura”. Silva (2005) destaca três problemas existentes na
prática pedagógica do professor. O primeiro diz respeito à perda de naturalidade e ênfase no
reducionismo, como, por exemplo, quando utiliza um texto com o pretexto” de analisar os
aspectos gramaticais ou exercícios fechados de interpretação. O segundo refere-se ao “tripé”
citado anteriormente, cópia, paráfrase e memorização, os quais limitam o leitor à reprodução e
não permitem uma compreensão em busca do sentido e significado. O último assinala a
fragmentação de textos utilizados pelas escolas e contemplados pelo currículo escolar, causando
o “estilhaçamento de conteúdos”, “[...] lançando espinhos torturantes a todo o momento e
acabando por frustar as interações significativas do leitor com os textos” (SILVA, 2005, p. 24).
Lajolo (1991) confirma os problemas levantados acima ao ressaltar que um bom trabalho
em relação à leitura requer um bom professor-leitor. Se assim o for, um texto considerado muito
ruim poderá resultar em um bom trabalho, ou seja, “[...] um bom leitor pode atenuar a carga
negativa de um mau texto, um bom texto pode ser prejudicado por um mau leitor” (LAJOLO,
1991, p. 55). Ao professor, cabe a responsabilidade de promover um encontro verdadeiro entre o
autor e o leitor, de modo que o último consiga deslocar-se do que já leu e sabe, buscando novos
significados e alterando sua compreensão.
72
Silva (1992), em concordância com Lajolo, afirma que podemos denominar essa leitura
de leitura crítica”, uma vez que o leitor desprende-se do texto original e constrói o seu próprio
texto:
Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o deslocamento do
SER do leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples
processo de apropriação do significado; a leitura crítica deve ser caracterizada
como um PROJETO, pois caracteriza-se numa proposta pensada’ pelo ser-no-
mundo, dirigido ao outro (SILVA, 1992, p. 81).
Freire (2005) contribui com essa temática ao analisar a “leitura do mundo”, que
fazemos desde os primeiros anos de vida. Mas, segundo ele, isso não basta, “precisamos ir além”,
ou seja, fazer a leitura do real, que não deve ser a mesma para todos, baseada numa “repetição
mecânica”. É neste sentido que a leitura crítica da realidade, “[...] associada, sobretudo, a certas
práticas claramente políticas de mobilização e de organização, pode constituir-se num
instrumento para o que Gramsci chamaria deão contra-hegemônica” (FREIRE, 2005, p.21).
O autor entende que “[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (FREIRE,
2005, p. 11) e a indica como uma aprendizagem que promove um movimento dialético entre a
linguagem e a realidade. Bortoli, ao comentar essa afirmação, conclui que “[...] a leitura é, antes
de tudo, um processo de aprendizagem e, mais do que isso, todo aprendizado é uma espécie de
leitura” (BORTOLI, 2002, p.18). Desse modo, aprendemos desde o momento do nosso
nascimento ou, segundo alguns psicólogos e estudiosos, desde o ventre materno quando, ao
perceber internamente as relações exteriores, incorporamo-las à formação de nossos conceitos
,valores e experiências individuais.
Para Jolibert (1994), a aprendizagem da leitura ocorre concomitantemente à leitura, ou
seja, não é necessário aprender para depois ler, justamente o contrário, é lendo que se aprenderá.
Essa aprendizagem mediada pelo professor propiciará que o leitor um sentido ao escrito. “Ler
é questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real (necessidade-prazer) numa
verdadeira situação de vida(JOLIBERT, 1994, p. 15). Essa leitura vai desde uma placa até um
livro, na qual o sentido variará de leitor para leitor, dependendo das suas experiências anteriores
e, notadamente, da sua necessidade frente ao material escrito. Martins (2005) contribui com o
questionamento: “Bastará, porém decifrar palavras para acontecer à leitura?” Cita, como
exemplo, a leitura que fazemos do olhar de outra pessoa, de um gesto, de uma situação
vivenciada, do espaço/local ao qual estamos inseridos ou mesmo do próprio tempo suas
mudanças e permanências.
73
Essa elaboração ativa do leitor, segundo Jolibert (1994), efetiva-se por meio de
questionamentos que o mesmo laa ao texto ou à situação vivenciada, possibilitando sua
compreensão. As indagações feitas ao texto, pelo leitor, podem ser um exemplo de estímulos
auxiliares”, assim denominados por Vigotski, que contribuem para a compreensão dos signos
criados, dentre eles, a escrita:
A resposta aos estímulos auxiliares externos é substituída por uma resposta a estímulos
produzidos internamente. Na sua forma mais desenvolvida, esta operação interna
consiste em uma criança captar a verdadeira estrutura do processo, aprendendo a
entender as leis de acordo com os quais os signos externos devem ser usados
(VIGOTSKI, 1998, p. 96).
Quando a mensagem do texto é compreendida, os estímulos que, até então, eram externos
passam a ser internos; ocorre, portanto, a internalização, ou seja, “[...] a reconstrução interna de
uma operação externa” (VIGOTSKI, 1998, p. 74). Esse processo é dialético e ativo por parte do
leitor, dependendo, fundamentalmente, da vivência anterior do mesmo no grupo social. “É por
isso que não se pode aceitar um único sentido fechado para o texto, porque o significado depende
da história de leitura do leitor, a qual é marcada pela experiência [...] (RITTER, 2005, p. 137).
Considerar um único sentido ao texto lido é acreditar numa concepção linear de leitura, pautada
apenas na decifração das palavras escritas.
Perguntas “para que ler e “como ler, segundo Ritter (2005), devem permear a relação
professor-aluno, de modo que a leitura passe a ser uma prática inclusiva. Nesse sentido, o
professor, ao fazer tais questionamentos, deixa de ser o único detentor do saber para portar-se
como um mediador da aprendizagem, que considera e [...] dá ao leitor a condição de revelar-se
como ser humano” (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p. 40).
Menegassi e Angelo (2005) reconhecem algumas condições necessárias ao leitor
competente, que lê buscando, no contexto, o sentido do texto:
a) toda leitura envolve uma produção e não uma extração, simplesmente de
sentidos, constituídos a partir do saber do leitor e das circunstâncias da leitura;
b) tanto “os ditos como os não ditos” fazem parte do texto; assim, saber ler
significa perceber a incompletude do texto e desfazer os efeitos de transparência;
c) cabe ao leitor perceber as estratégias de manipulação presentes no texto, o que
o torna um sujeito ativo – e não um sujeito passivo, tal como propõem as teorias
de decodificação uma vez ele pode perceber a ideologia presente no texto,
questioná-la, julgá-la e colocar-se contra (MENEGASSI; ANGELO, 2005, p.
40).
74
Essas condições são importantes ao conhecimento do professor no momento da
elaboração do planejamento das mediações referentes à aprendizagem da leitura, relacionadas ao
desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
O sentido atribuído ao ato de ler, portanto, se deve à valoração. “Por valoração entendemos
aquilo que está sendo ensinado deva ter um valor, deva ter um sentido tanto para quem ensina
como para quem aprende” (TERZI, 1997, p. 24). Essa valoração, propagada e constituída
socialmente, faz com que o leitor vá à busca ou aguarde a informação passivamente. Devemos,
ainda, considerar que nem todos os alunos chegam à escola com uma valoração da leitura,
cabendo à instituição os estímulos para que a mesma se torne uma prática social interiorizada.
Infelizmente, em muitas instituições escolares,
[...] a criança que não domina as habilidades privilegiadas pela escola não é vista
conforme seu desenvolvimento, mas conforme o que lhe falta para atingir o
padrão pressuposto pela escola, ou seja, o seu déficit (TERZI, 1997, p. 44).
A falta de contato e valoração da leitura faz com que muitos alunos tenham dificuldade em
relacionar e transferir um mesmo conteúdo a vários contextos, contribuindo para que o conceito
de leitura seja entendido como decodificação e não como estabelecimento de sentidos. Essa
dificuldade é, em alguns momentos, reforçada por perguntas livrescas, utilizadas por muitos
professores, privilegiando apenas o que esexplícito no texto, negligenciando o ensino da busca
por novas interpretações e relações que extrapolem as informações do texto.
Discutir essa problemática não é o nosso objetivo de pesquisa, no entanto, tal consideração
faz-se necessária, uma vez que o livro didático ainda é, muitas vezes, o único instrumento
utilizado pelo professor como recurso mediador entre o aluno e a leitura.
Terzi evidencia a importância dos questionamentos realizados pelo professor, como forma de
orientação ao leitor iniciante : [...] é esse questionamento que o leva a buscar todas as
informações necessárias para a construção do sentido” (TERZI, 1997, p. 64). Nessa perspectiva,
quando utilizamo-nos de perguntas e questionamentos explícitos no texto, impedimos que nossos
alunos relacionem as informações e extrapolem o texto, comprometendo a compreensão e não os
ajudando a se formarem leitores.
Ler significa questionar, interrogar e explorar o documento escrito, seja ele um poema, uma
tela, um filme, uma imagem, uma receita ou texto científico. Essa exploração será mais ou menos
produtiva, dependendo das experiências anteriores do leitor diante do texto lido. Por isso, um
único material escrito pode ter diferentes significados para quem o , podendo, inclusive, ser
considerado fácil para uns e quase incompreensível para outros:
75
A essência [...] do ato de ler é, então, selecionar e combinar itens relevantes da
experiência que estão presentes de forma implícita no texto, nas emoções do
autor, no equilíbrio afetivo, nas intenções e no conhecimento anterior do leitor e
que pode esclarecer o significado de um texto (SILVA, 1992, p. 18).
Outro aspecto relevante refere-se à intencionalidade do leitor diante do texto, ou seja,
quando folheamos um jornal, uma revista ou mesmo um cardápio, selecionamos as informações
que melhor solucionam as nossas dúvidas ou atendem melhor às nossas necessidades.
A intencionalidade no ensino da leitura deve, portanto, ser o elemento permeador do
planejamento de todas as disciplinas. Por que estou lendo esse texto? Quando o leitor consegue
responder esse questionamento, certamente a busca e o entendimento do significado se
concretizam. Essa função da leitura também pode ser inferida pelas palavras de SILVA (1992, p.
41):
Os signos impressos, registrando as diferentes experiências humanas, apenas
medeiam as relações que devem existir entre os homens relações estas que
dinamizam o mundo cultural. Sendo um tipo específico de comunicação, a
leitura é uma forma de encontro entre o homem e a realidade sócio-cultural; o
livro (ou qualquer outro tipo de material escrito) é sempre uma emersão do
homem do processo histórico, é sempre a encarnação de uma intencionalidade e,
por isso mesmo, “sempre reflete o humano”.
O excerto acima faz-nos refletir a respeito de nossa prática como educadores e formadores
de leitores. Será que nossos alunos possuem intencionalidade ao lerem os materiais escritos? E
qual a nossa intenção ao trabalharmos com determinado material? Por quê? Para quê? Sabemos
responder a essas perguntas?
Silva (1986) admite que a superação desses questionamentos e que a própria superação da
crise na área da leitura advêm do desenvolvimento de duas frentes:
[...] aqueles que visam transformar as condições de produção da leitura,
democratizando-as e aqueles que visam desmistificar os critérios p-fixados
para a definição do gosto pela leitura. Sem remeter a democratizão da leitura
ao processo de libertação do povo brasileiro e sem modificar radicalmente o
modo pelo qual a leitura é concebida e trabalhada, principalmente no âmbito das
escolas e bibliotecas, estaremos, mais uma vez, tentando tapar o sol com a
peneira (SILVA, 1986, p. 46).
“Tapar o sol com a peneira”, literalmente, não é nossa função como educadores, e sim
desenvolver socialmente o gosto pela leitura e a leitura crítica, como condão fundamental para
uma educação libertadora. O leitor crítico é aquele que confronta e se situa concreta e
76
criticamente diante de um texto escrito, produzindo sentido por meio de suas experiências.
Enfim:
Perder de vista o social é deixar de lado a dimensão política e filosófica das
práticas de ensino. É cair nas malhas da alienação. É não saber definir por que,
para que e para quem trabalhar com o conhecimento. É correr velozmente para
dentro do prédio da escola por medo das contradições da realidade e por achar
que ali – no espaço sagrado essas contradições podem ser acobertadas. É
transformar a sala de aula no paraíso da mentira (SILVA, 2005, p. 89).
Concebemos a escola como mediadora e propulsora de aprendizagens na qual a interação
com o outro e com a cultura estejam presentes em todos os momentos, possibilitando a formação
de elementos que dêem sentido à leitura com um processo de construção social. A leitura,
portanto, compreendida como um signo elaborado historicamente e propagado socialmente pela
linguagem, permite ao homem não apenas a sua comunicação, mas a sua utilização como um
instrumento que possibilita a compreensão do contexto ao qual está inserido e as aprendizagens
significativas que permitam ler criticamente o mundo que o cerca por meio do desenvolvimento
das funções psicológicas superiores, elementos que constituem a formação do pensamento como
um indivíduo incluído socialmente.
Enfim, um leitor apto a lidar com os desafios do contexto atual, constituído por inúmeras
informações e materiais de leitura, que se modificam continuamente, sendo capaz, por meio da
compreensão, de estar atento a essas mudanças, de modo a percebê-las como elementos que
interagem entre si e, finalmente, possam armaze-las na memória para que novas relações sejam
estabelecidas futuramente.
Assim, estaremos contribuindo para formação de sujeitos pensantes, conscientes, e que
possam encontrar na Sala de Recursos um apoio momentâneo, passageiro e acolhedor para suas
dificuldades escolares que, muitas vezes, os impedem de acompanhar os conteúdos da sala
regular. Acompanhar, portanto, a implantação desse serviço especializado, identificar quais as
dificuldades escolares mais recorrentes dos alunos selecionados para a pesquisa e organizar
mediações voltadas à aprendizagem da leitura, podendo ou não desenvolver algumas funções
psicológicas superiores nesses sujeitos, é nosso objetivo para a próxima sessão.
77
4 IMPLANTAÇÃO DA SALA DE RECURSOS E O PROCESSO DE
APRENDIZAGEM DA LEITURA
Nesta sessão, procuramos refletir a respeito do processo de implantação e regulamentação de
uma Sala de Recursos de 5ª à série em um colégio da rede pública do Estado do Paraná, localizado
no município de Ivatuba, na região norte do Estado do Paraná. A pesquisa pautou-se no
acompanhamento e registro da criação da mesma, identificando e analisando os instrumentos
utilizados para seleção e matrícula dos alunos. A escolha por este apoio especializado e este colégio
se deu pelo vínculo de professora que mantemos com o mesmo desde 2006, ano em que iniciamos a
pesquisa. A delimitação por esta turma em particular, justifica-se por só haver uma turma no colégio e
também por optarmos por uma relação de professora-pesquisadora.
Essa relação mesmo apresentando algumas dificuldades como, por exemplo, o envolvimento
emocional e pessoal da professora-pesquisadora com o grupo de alunos, ou ainda, a falta de
distanciamento do objeto de pesquisa, necessário, principalmente, no momento da análise dos dados
foi fundamental ao nosso trabalho, visto que buscamos demonstrar a importância do papel do
professor como mediador na aprendizagem, o que poderia ser menos significativo se realizado por
meio de atividades esporádicas desenvolvidas com um grupo desconhecido. Ou seja, buscamos, por
meio de uma intervenção, desvendar e identificar, no decorrer do processo de aprendizagem da leitura
de alunos que apresentam dificuldades escolares, as mediações pedagógicas utilizadas pelo professor
nesse processo de ensino/aprendizado.
Nesse sentido, optamos por uma pesquisa-ação qualitativa, pautada na perspectiva Histórico-
Cultural, a qual subsidiou-nos a respeito dos processos de ensino e aprendizagem da leitura, de forma
geral e, mais especificamente, como são desenvolvidas as funções psicológicas superiores em alunos
com dificuldades escolares, utilizando, para tal, a reflexão das dificuldades vivenciadas. Ou melhor,
neste estudo, procuramos entender a contribuição da leitura no processo de desenvolvimento de
algumas funções psicológicas em alunos com dificuldades escolares que freqüentam esse serviço de
apoio especializado, isto é, a Sala de Recursos.
Para que alcaássemos o objetivo proposto, foi muito importante a utilização desse tipo de
pesquisa, porque nos permitiu compreender um pouco melhor as relações que permeiam a sala de
aula e refletir a respeito das mudanças de atitudes e comportamentos dos indivíduos. Nesse processo,
ocorre [...] um constante vaivém entre as fases, que é determinado pela dinâmica do grupo de
pesquisadores em seu relacionamento com a situação pesquisada” (GIL, 2002, p. 143).
78
A pesquisa compreendeu várias fases características desse tipo de estudo, como a fase
exploratória, momento em tomamos contato com os documentos disponibilizados pela instituição de
ensino a respeito de nosso objeto de pesquisa a Sala de Recursos. Esses permitiram a formulação do
problema: como a leitura pode ser utilizada como elemento mediador no desenvolvimento das
funções psicológicas superiores (atenção, memória, percepção, abstração e generalização)?
Em seguida, selecionamos o grupo, composto por quatro alunos de e 6ª séries,
freqüentadores desse apoio especializado e, finalmente, com os dados obtidos empiricamente por
meio de atividades orais e escritas, realizamos sua interpretação e análise, baseadas nas contribuições
teóricas que sustentaram todo nosso estudo.
Desse modo, toda a investigação esteve marcada pela relação professor/aluno, na qual
observamos e promovemos ações no decorrer da pesquisa, de modo que a investigação, a reflexão e a
prática estivessem sempre em interação.
4.1 Da Sala de Recursos
O direito à educação e aos conhecimentos produzidos historicamente pelos homens vem
sendo discutido e exigido tanto em instâncias internacionais como nacionais
1
. Em resposta a esses
encontros, declarações e tratados, os órgãos federais, como o Ministério da Educação (MEC) e a
Secretaria da Educação Especial (SEESP) criaram as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na educação sica (BRASIL, 2001), instituída pela Resolução 02/2001, da Câmara de Educação
Básica do Conselho Nacional de Educação. Com o objetivo de garantir a dignidade, os direitos
individuais e coletivos elencados pela Constituição Federal, propõem a inclusão com o auxílio de
alguns recursos e serviços educacionais especiais, dentre eles, a Sala de Recursos, também objeto
desta pesquisa, que [...] suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais
alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino” (BRASIL,
2001, p. 50).
A proposta de criação da Sala de Recursos de 5ª à 8ª séries foi regulamentada no ano de 2005,
sob a instrução nº 05/04, pela Secretaria da Educação Especial do Estado do Paraná, com o intuito de
oferecer apoio especializado aos alunos já matriculados no ensino regular.
1
Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em
Jomtien, na Tailândia, em 1990, e Declaração de Salamanca, na Espanha, 1994.
79
A Sala de Recursos, proposta à deficiência mental, às condutas típicas e à
superdotação/altas habilidades, é um serviço de apoio especializado de 1ª à 8ª séries, como já
apontamos
2
, ofertado no período contrário àquele freqüentado pelo aluno na Classe Comum, sob a
orientação de um professor da Educação Especial, em espaço físico adequado, na qual o atendimento
pedagógico é realizado individualmente ou em pequenos grupos, no ximo de dez alunos.
Dependendo das necessidades de cada aluno, esse atendimento pedagógico é organizado com o
auxílio de um cronograma com vistas ao processo global dos alunos com dificuldade no processo de
aprendizagem, no qual são utilizadas programações específicas,todos, estratégias, atividades
diversificadas e extracurriculares.
A identificão e ou/ avaliação das necessidades educacionais dos candidatos à Sala de
Recursos é realizada na ppria escola, com o auxílio da equipecnico-pedagógica, de forma
contínua e processual, cujo objetivo é o de avaliar os conhecimentos reais dos alunos, bem como as
necessidades que estão comprometendo o processo de aprendizagem dos alunos encaminhados.
Segundo orientações expedidas às escolas da rede pública do Estado do Paraná em 2006, pelo
Departamento de Educação Especial / Secretaria de Estado da Educação, como subdio para a
elaboração das Diretrizes Pedagógicas da Educação Especial na Educação Básica, [...] esse processo
avaliativo ajuda o professor a investigar e acompanhar o desenvolvimento, tanto do processo de
ensino quanto de aprendizagem, refletindo sobre a prática pedagógica e reformulando-a quando
necessário (ALVES, 2006).
Os alunos com problemas de aprendizagem, então detectados, são atendidos pela Sala de
Recursos, preferencialmente em caráter temporário e, eventualmente, de forma permanente,
objetivando a superação das dificuldades levantadas.
No Estado do Paraná, o atendimento educacional dos alunos com necessidades educacionais
especiais fundamenta-se na legislão vigente, com destaque para os seguintes documentos:
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), 9394/96 Capítulo V- art. 58,
59 e 60. (BRASIL, 1996)
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica Parecer 17/01
CNE e Resolução CNE nº 20/01. (BRASIL, 2001)
Diretrizes nº 02/03 – CEE. (PARANÁ, 2003)
Instrução nº 05/04 SEED. (PARANÁ, 2004)
Segundo dados levantados pela Secretaria de Educação Especial do Estado do Paraná e
salientados por Matiskei (2004), dos 399 municípios do Paraná, 367 apresentam algum atendimento
especializado, representando um índice de 92%, totalizando 58.730 alunos atendidos pela Educação
2
Ver capítulo 2, páginas 29-30.
80
Especial, pelas Salas de Recursos, em Centros de atendimento especializado, por Professores de
apoio permanente, Professores intérpretes, Instrutores surdos, Classes Especiais e Escolas Especiais.
No colégio em que a pesquisa se efetivou, a Sala de Recursos de 5ª à 8ª séries foi
implementada e regulamentada no segundo semestre do ano de 2006, período em que a pesquisa teve
início, sendo, portanto, o único Colégio Estadual, segundo informações do Núcleo Regional de
Educação de Maringá, que, no Paraná, ainda não havia implementado esse recurso, sendo um dos
aspectos que nos motivou a escolha dessa instituição de ensino para a realização deste estudo.
Faz-se necessário salientar que é a única instituição estadual, no município, a oferecer os anos
finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, caracterizando-se como um estabelecimento de
pequeno porte, já que atende aproximadamente 300 alunos, distribuídos nos períodos manhã e noite,
com atendimento no período da tarde apenas aos alunos freqüentadores da Sala de Recursos. O
estabelecimento conta com uma direção e duas supervisoras, uma responsável pelo período da manhã
e outra responsável pelo período noturno. A Sala de Recursos, como funciona no período da tarde,
não conta com nenhum acompanhamento pedagógico específico, exceto com algumas visitas da
supervisora do período da manhã, e quando possível eram realizadas visitas da professora-
pesquisadora responsável pelo serviço especializado no turno do ensino regular, freqüentado pelos
alunos.
Acreditamos que a concomitância entre o início da pesquisa e a implantação desse serviço
especializado tenha sido de grande valia, que acompanhamos, diretamente, todo o processo de
regulamentação, vivenciando e analisando com maior precisão os dados e o próprio peodo de
mudanças e adaptações sofrido pela instituição, pelos profissionais e, em particular, pelos alunos.
Todo o processo de regulamentação da sala compreendeu um peodo de aproximadamente um
mês, constituindo-se de oito etapas, desde a tomada de conhecimento até o atendimento aos alunos
em sala.
A primeira etapa constitui-se na leitura de toda a documentão disponível no Colégio pela
pesquisadora e, então, professora responsável pela sala, já que havia documentos datados de 2004,
ano em que a grande maioria dos municípios regulamentou suas ações e adaptou-se à instrução
mencionada. Os documentos compostos, em grande parte, por resoluções estabelecidas pela
Secretaria de Educação do Estado (SEED), Secretaria da Educação Especial (SEESP) e Núcleo
Regional de Maringá (NRE) continham a definição, caracterização e elementos necessários à
implantação desse recurso pela instituição.
As leituras foram realizadas em conjunto com a supervisão pedagógica e a direção, que,
sempre que necessário colaboraram e auxiliaram nas recorrentes dúvidas e necessidades apresentadas
pela professora-pesquisadora. As dúvidas que os mesmos não puderam sanar, mesmo porque se
81
tratava de um “projeto” novo para “todos”, foram sanadas junto à equipe pedagógica da Educação
Especial do Núcleo Regional de Marin. Essa segunda etapa garantiu, portanto, que algumas
informações, como a seleção dos alunos, a conversação com os professores responsáveis pelas
disciplinas de ngua Portuguesa e Matemática, a elaboração e organização do cronograma de
atendimento e o próprio preenchimento da documentação, fossem esclarecidas.
A terceira fase compreendeu a conversação com os professores de Língua Portuguesa e
Matemática, que relataram à professora-pesquisadora, por escrito, aspectos relevantes a respeito dos
alunos previamente indicados pelos próprios professores e que, posteriormente, passariam por uma
avaliação mais detalhada. Essa exposição foi composta por diversas indagações, dentre elas, as
principais dificuldades apresentadas pelo aluno na disciplina, seu relacionamento com colegas e
professores, seu comportamento em sala de aula, sua atitude diante das atividades e trabalhos
propostos.
Foi solicitada aos professores das disciplinas mencionadas que elaborassem uma avalião
pertinente à série em que os alunos se encontravam, constando conteúdos básicos da disciplina no
ensino fundamental e conteúdos específicos da série. A professora considerou relevante aplicar
também o Teste de Desempenho Escolar (TDE) (STEIN, 1994) como complemento à avalião.
Foram priorizados, na grande maioria, alunos da 6ª à 8ª sérieS, pois os alunos de 5ª série já estavam
sendo atendidos pela Sala de Apoio. A aplicação e correção das avaliações foram realizadas em
pequenos grupos, noximo dez alunos, pela professora da Sala de Recursos.
A quinta etapa foi a realização da Anamnese com os pais dos alunos que apresentaram uma
defasagem frente aos conteúdos básicos do ensino fundamental e específicos da rie, anteriormente
detectada pela avaliação escrita dos professores da Classe Comum. A conversação entre os pais e a
professora-pesquisadora da Sala de Recursos foi individual, já que havia informações sigilosas da
vida dos pais e dos próprios filhos, que deveriam ficar restritas. Com base nessas informações,
registradas e posteriormente assinadas pelos pais, foi possível confrontarmos alguns dados relatados a
respeito da vida dos alunos com as dificuldades salientadas pelos alunos na avaliação escrita.
Por meio da análise realizada, elaboramos uma listagem com a seleção dos casos que deveriam
ser priorizados com maior urgência, que, segundo orientação do Núcleo Regional de Educação,
após avaliados, os alunos deveriam começar a ser atendidos imediatamente.
Na mesma semana, foi realizada uma reunião entre a professora-pesquisadora da Sala de
Recursos, o diretor e a equipe pedagógica, compreendida por duas supervisoras. Na mesma,
apresentamos o resultado da avalião realizada e a equipe decidiu quais alunos, prioritariamente,
seriam atendidos no segundo semestre de 2006, o horário de funcionamento das turmas, salientando
que o Colégio oferece as quatro ries finais do Ensino Fundamental (5ª à 8ª séries) apenas no
82
período da manhã, devendo a Sala de Recursos funcionar no contra-turno de matrícula do aluno.
Foram discutidas informações importantes que seriam utilizadas na elaboração do Cronograma de
atendimento.
Nesse período, muitas conversações via telefone ainda foram realizadas, junto à equipe
pedagógica do Núcleo, quanto a alguns casos de alunos e à própria documentação exigida para a
implementão e da regulamentação do funcionamento da sala.
Com todos os principais dados e informações necessárias, chegamos à última etapa, ou seja,
preenchimento dos documentos, encaminhamento ao núcleo e, finalmente, o atendimento aos alunos.
Dentre os documentos mais importantes, é necessário destacarmos o Cronograma de Atendimento,
contendo o horário de atendimento dos alunos, (individualizado ou em pequenos grupos de até dez
alunos), no qual o aluno poderá freqüentar até quatro vezes por semana, no período de duas
horas/aula por dia. Contempla, ainda, o planejamento individual de cada aluno com base nos
conteúdos programáticos estabelecidos por meio das dificuldades escolares identificadas.
Desse modo, aprovada e regulamentada toda a documentação exigida, deu-se início ao
atendimento dos alunos. Esse foi o momento um pouco difícil, já que alguns alunos, por não
conhecerem o objetivo do trabalho, relutaram em participar. Fizeram-se presentes algumas aulas após
o início das aulas, no dia quatro de setembro de 2006.
Durante o segundo semestre desse ano, procuramos levantar as principais dificuldades em
relação ao uso das funções psicológicas superiores nas atividades de leitura e, dentre elas, destacamos
as dificuldades de atenção e concentração dos alunos, que, muitas vezes, os impediam de realizar uma
leitura total do texto. Apresentavam, também, dificuldade de memorização, ou seja, fixação das
informações lidas na memória para, num momento seguinte, serem relacionadas a outras
informações. E, especialmente, apresentavam dificuldade com a percepção, abstração e a
generalização dos conteúdos, o que dificultava a identificação das principais idéias do texto, seu
isolamento e posterior relacionamento com fatos reais e suas próprias experiências.
Enfim, selecionamos quais alunos apresentavam maior defasagem e dificuldades em relação a
essas funções, relacionadas à prática social da leitura e como era a relação desses alunos com os
materiais escritos disponíveis na escola e socialmente.
4.2 Da Organização da Pesquisa
83
Nosso objetivo principal em relação a esta pesquisa, como evidenciado, foi identificar
como os alunos ingressam na Sala de Recursos, quais as principais dificuldades apresentadas pelos
mesmos e, após as mediões realizadas, quais os avanços ou não observados em relação ao
desenvolvimento na aprendizagem desses sujeitos ao final do trabalho. Os grupos atendidos
compreendiam alunos da 5ª à 8ª séries, organizados de acordo com as séries que freentavam, sendo,
portanto, necessário delimitar um grupo, já que existe certa rotatividade dos alunos em virtude do seu
desenvolvimento e do caráter temporário desse apoio especializado, que impediria uma análise
minuciosa do desenvolvimento da leitura pelos alunos.
Selecionamos o grupo que, no ano de 2006, início da pesquisa, encontrava-se na 5ª e 6ª séries
e, no ano de 2007, pertencente à 6ª e 7ª séries. Esses alunos freqüentavam no contraturno, uma classe
regular, de caráter diferenciado das demais, por ter sido organizada levando-se em consideração a
homogeneidade como critério principal ao desenvolvimento da aprendizagem de alunos com
significativas dificuldades escolares. Outra informação relevante foi a constante troca de professores
de Língua Portuguesa, mais especificamente no ano letivo de 2007, o qual quatro professores
assumiram a turma nesse ano.
Consideramos a constituição da sala e a mudança constante de professores como aspectos que
contribuíram para acentuar as dificuldades escolares apresentadas por esses alunos e, ainda,
dificultaram a própria avaliação dos resultados da pesquisa, visto que a análise do desenvolvimento
ou não da aprendizagem dos sujeitos selecionados para a pesquisa foi realizada por meio de dados
levantados juntamente aos professores da Classe Comum. Mas devemos salientar que, mesmo com
toda essa rotatividade, os professores sempre se mostraram dispostos e participativos realizando, com
muita seriedade, os relatórios semestrais, lembrando que, durante a realização da pesquisa, não foram
informados que seus dados seriam analisados. O consentimento foi pedido após a emissão do último
relario, período em que a pesquisa prática já havia se encerrado.
O grupo constituído por quatro alunos, foi atendido em dois encontros semanais, às terças-
feiras e sextas-feiras, num período de duas horas/aula, compreendendo aproximadamente dez meses
de pesquisa. Num dos dias, a professora- pesquisadora trabalhava os conteúdos referentes à Língua
Portuguesa e, no outro, os conteúdos referentes à Matemática. Assim, a leitura, como prática social
específica dessa pesquisa, permeava ambos os conteúdos e disciplinas.
Caracterização dos Alunos
O aluno F, sexo masculino, 15 anos, vive com os pais, ts irmãos e um sobrinho. Seu pai é
aposentado e suae do lar. O grau de escolaridade de ambos não ultrapassou a alfabetização. O pai
84
acredita que a escola é a instituição que podepreparar seu filho para um bom emprego. Afirma
não estar “melhor” economicamente porque não teve oportunidade para estudar.
O aluno FR, sexo feminino, 12 anos, vive com os pais e uma irmais nova. Seu pai é
agricultor, tendo estudado até a 4ª série do ensino fundamental. Sua mãe, do lar, estudou até a 8ª série
do ensino fundamental. A aluna apresenta-se constantemente doente, tendo feito tratamento para
depressão durante um ano, por isso, é bastante faltosa, o que agrava ainda mais suas dificuldades
escolares. Sua mãe demonstra bastante interesse pelo desenvolvimento da filha, com grandes
expectativas em relação ao trabalho desenvolvido pela escola no atendimento de suas dificuldades.
O aluno JV, sexo masculino, 13 anos convive com os pais e um irmão mais velho. Seu pai é
aposentado por problemas de saúde e estudou até a série do ensino fundamental. Sua mãe é
comerciante e concluiu o 2º grau. O aluno apresenta alguns problemas de saúde, como atrofia visual
congênita e problemas respiratórios, fazendo com que se ausente por dias ou mesmo semanas da
escola. Os pais demonstram bastante preocupação, já o levaram para acompanhamento oftamológico,
fonológico, psicológico e fisioterapêutico.
O aluno AM, sexo masculino, 13 anos, convive com os pais e três irmãos. Seu pai é
trabalhador autônomo, o tendo concluído o ensino fundamental. Sua mãe é doméstica, estudando
até a série. O aluno faz acompanhamento neurológico e a mãe demonstrou bastante preocupação
com o filho e expectativas positivas em relação ao trabalho desenvolvido pela escola com o objetivo
de sanar suas dificuldades escolares.
O quadro a seguir apresenta as principais dificuldades identificadas:
85
Sujeito Idade Sexo Diagnóstico Parecer de Língua Portuguesa
JV
13 M Dificuldade de aprendizagem e atrofia
visual congênita
Apresenta dificuldade na
interpretação, na produção de
textos (coesão e coerência) e
disgrafia.
F 15 M Dificuldade de aprendizagem Apresenta dificuldade na leitura
e interpretação, produção de
texto (coerência) e uso de letras
maiúsculas e minúsculas.
FR 12 F Dificuldade de aprendizagem Apresenta dificuldade na
interpretação, realizando uma
leitura decodificada. Não
diferencia os gêneros textuais e
produz textos com problemas de
coesão e coerência.
AM 13 M Dificuldade de aprendizagem Apresenta dificuldades na
leitura e interpretação, não
diferencia os gêneros textuais,
produz textos com problemas de
coesão e coerência. Realiza
algumas trocas ortográficas
(N/M, S/SS,C/S)
Quanto aos níveis de leitura, escrita e aritmética, após a aplicação do TDE, foram
verificados os seguintes resultados:
O participante JV, 13 anos, aluno da quinta série, apresentou resultado inferior nas áreas de
matemática e escrita e classificação no nível médio, correspondentes à idade de 12 anos ou mais,
conforme a tabela referente à idade.
O participante F, 15 anos, aluno da sexta série, apresentou resultado inferior na área de
matemática e classificação no nível médio nas áreas de escrita e leitura, correspondentes à idade de
12 anos, conforme a tabela referente à idade.
O participante FR, 12 anos, aluno da sexta série, apresentou resultado inferior na área da
matemática e classificação no nível médio nas áreas da escrita e leitura, correspondentes a idade de
12 anos, conforme a tabela referente à idade.
86
O participante AM, 13 anos, aluno da sexta rie, apresentou resultado inferior na área da
escrita e classificão no nível médio nas áreas de matetica e leitura, correspondentes à idade de
12 anos, conforme a tabela referente à idade.
A pesquisa compreendeu um período, como citado anteriormente, de aproximadamente dez
meses, nos quais foram desenvolvidas atividades de avaliação e verificão, mas a maioria das
atividades priorizou mediões referentes às dificuldades previamente detectadas e os trabalhos
propostos aos alunos foram registrados, gravados, transcritos e analisados no decorrer de toda a
pesquisa.
As aulas eram freqüentadas pelos alunos no turno contrário ao que estudavam no ensino
regular, ou seja, freqüentavam a Sala de Recursos no período da tarde. Como o colégio atendia aos
alunos de à séries apenas no período da manhã, à tarde tínhamos um espaço tranqüilo e
harmonioso o que viabilizou e favoreceu o desenvolvimento do trabalho, das atividades realizadas e,
conseqüentemente, os resultados obtidos.
Como mencionado, parte das atividades foram gravadas e, posteriormente, transcritas e
analisadas a partir da leitura de inúmeros autores que fundamentam e utilizam a perspectiva teórico-
metodológica escolhida. A presença do gravador não causou inibição à grande maioria do grupo, com
exceção de um aluno que se mantinha em silêncio durante a maioria das atividades e discussões
gravadas. Os demais estavam sempre atentos ao uso do aparelho, demonstrando grande entusiasmo e
curiosidade a respeito do resultado de suas indagações e, mesmo, o efeito de suas vozes. Por isso,
sempre ao final de cada gravão, pediam à pesquisadora que os deixassem ouvir a gravação
realizada.
Em virtude do aluno que ficava inibido frente ao gravador, foram realizadas, em paralelo,
imeras anotações de situações e comportamentos observados e algumas atividades escritas pelos
próprios alunos, nas quais eram registradas as “leituras” realizadas por eles, tornando possível a
análise das mediações propostas.
Objetivamos, portanto, uma pesquisa que não se pautasse em etapas e habilidades específicas
que deveriam ser desenvolvidas pelos alunos no término do trabalho, e sim uma análise do
desenvolvimento deles frente à diversidade de leituras realizadas e quais os resultados das mediações
propostas pela pesquisadora, na maioria das vezes, realizando discuses orais a respeito das leituras
propostas ou registros escritos dos alunos para identificar sua compreensão.
Desse modo, por não nos pautarmos em padrões metodológicos pré-estabelecidos,
procuramos demonstrar a aprendizagem dessa prática em alunos com dificuldades escolares,
utilizando-se de recursos comuns, possíveis a qualquer professor, demonstrando situações e desafios
reais de uma sala de aula voltada à Educação Especial.
87
Os textos e atividades escolhidos pautaram-se na diversidade sócio-cultural dos alunos, de
forma a ampliarem e compreenderem a fuão social da leitura, permitindo sua inserção cultural no
mundo que os rodeia e, ao mesmo tempo, possibilitando que essas leituras colaborassem na resolução
das suas dificuldades, na grande maioria voltadas à interpretação das mensagens escritas.
Preocupamo-nos, a todo o momento, em oferecer diferentes textos com informações que
permitissem discussões voltadas ao conteúdo dos textos e favorecessem o estabelecimento de relações
entre o lido e a realidade na qual estavam inseridos ou não. Assim, rios temas, como a política, a
educação, a tecnologia, as propagandas, entre outros, possibilitaram a formação de uma postura mais
crítica.
Procuramos primar pelo respeito às limitações o só intelectuais e cognitivas, mas
particularmente sociais, as quais restringem o acesso à diversidade de leitura existente no mundo real
desses alunos. Por isso, iniciávamos sempre nossas discussões pelos conhecimentos que os alunos
possuíam a respeito do tema a ser discutido, para que, aos poucos, novas relações fossem
estabelecidas, favorecendo a formão de novos conceitos. Vários materiais foram utilizados, como
livros, revistas, jornais, propagandas, etc. de modo que permitissem o contato dos alunos com
diversos gêneros textuais, mais especificamente os de caráter informativo.
As atividades privilegiaram basicamente três etapas. Na primeira, os alunos estabeleciam um
primeiro contato com o texto por meio de uma leitura silenciosa; na segunda, a pesquisadora realizava
uma leitura oral do mesmo, seguida de um terceiro momento em que era realizada uma discussão
coletiva a respeito do conteúdo do texto e a pesquisadora promovia indagações que permitiam a
reflexão pelos alunos. A organização dessa estratégia de trabalho objetivou a concentração e a
focalização da atenção do aluno à atividade, por meio do desenvolvimento da leitura silenciosa como
primeiro contato com o material escrito. A observação e a confirmação das palavras e da leitura,
anteriormente realizada por meio da leitura oral, tinham o professor como referência de leitor e
mediador durante as discussões realizadas, emitindo indagações essenciais ao entendimento dos
textos. Leitor esse não mais concebido apenas como decodificador, mas, agente transformador e co-
responsável pela sua própria aprendizagem:
[...] os pré-requisitos para uma interação propícia à aprendizagem, sem dúvida
mais diceis de serem alcaados, são os do desenvolvimento de uma valoração
para a escrita e do desenvolvimento de um ambiente alfabetizador propício onde
haja confiança e aceitação recíprocas (TERZI, 1997, p. 40).
Procuramos finalmente, organizar um ambiente acolhedor, voltado ao atendimento das
necessidades e expectativas desses alunos, infelizmente, marcados pelo fracasso escolar.
88
4.3 Aprendizagem e Desenvolvimento Cognitivo
No período de dez meses (setembro/2006 a dezembro/2007), foi possível acompanharmos a
apropriação de conhecimento pelos alunos por meio da leitura. Os alunos entraram em contato com os
diversos gêneros textuais, dentre estes, materiais que circulam socialmente, como revistas, jornais,
propagandas, gráficos e outros.
A primeira atividade proposta em outubro de 2006, como fonte de verificação e informação
para os alunos foi a apresentação de alguns textos de jornais que circulam pelo colégio, com o
objetivo inicial de possibilitar uma exploração visual dos participantes da Sala de Recursos e, a
seguir, estabelecer de uma conversação sob nossa orientação. Após essa exploração inicial,
solicitamos aos alunos que fizessem a leitura de uma notícia do jornal, escolhida individualmente por
eles.
Reproduzimos, abaixo, um dos primeiros diálogos estabelecidos entre a professora-
pesquisadora e os alunos, no qual as letras” são utilizadas para a identificação de cada um deles, o
“P” indica a fala da pesquisadora, e “GRUPO”, corresponde à participação coletiva:
(1)
P- O que vocês mais gostam de ler no jornal?
GRUPO- Esportes, notícias e sobre o mundo.
P- O que vocês encontraram no jornal?
F- Futebol, política.
Os alunos F, FR e AM, que freqüentam a 6ª série, e o aluno JV da série, no início da
pesquisa, demonstraram ter tido contato anterior com esse tipo de material escrito, conseguindo
identificar alguns elementos e temas expostos pelos jornais. O fato evidencia duas possibilidades: ou
que os professores da classe regular haviam empregado esse recurso como material de leitura em
sala de aula, ou o mesmo fazia parte do seu cotidiano. A conversação prosseguiu e as primeiras
89
dificuldades se apresentaram quando a professora-pesquisadora começou a indagar a respeito do
conteúdo da notícia
3
lida por eles.
(2)
P- Qual o título da notícia que você leu?
FR- (O aluno lê) Café prospera em solo pobre.
P- O que fala nessa reportagem?
FR- (O aluno lê) ...trezentos por saca e duzentos mil e descontou quarenta por cento.
P- O que mais?
FR- (Silêncio).
P- Onde foi feita essa reportagem? Fala a cidade, o local?
FR- (Pausa, silêncio, não responde).
P- O que você achou dessa reportagem?
FR- Interessante.
O exemplo demonstra a insegurança por parte do aluno, parecia ter “medo” de errar, por isso,
a cada questionamento, recorria ao texto, lendo o que lhe era solicitado a argumentar. Essa
insegurança foi observada diversas vezes, durante as avaliações iniciais e nas declarações recebidas
dos professores quando o aluno foi encaminhado à Sala de Recursos. Talvez, pelo receio de expor
suas idéias e pensamentos diante do que havia lido, tenha realizado diversas pausas. Mesmo no
momento em que lhe é solicitado dizer o que entendeu da reportagem lida, responde com poucos
elementos, omitindo a opinião a respeito da leitura realizada.
A atividade evidenciou sua dificuldade em relação à compreensão do texto, visto que, esteve
disperso enquanto realizava a leitura silenciosa, não se lembrando do que havia lido durante a
conversação e nem mesmo identificou o assunto comentado pela reportagem. Como se restringiu à
função de percepção aos momentos em que lia um trecho isolado do texto, as funções de
generalização e abstração ficaram impossibilitadas de serem acionadas por não estabelecer nenhuma
relação com as demais informações ou, simplesmente, por manter-se em silêncio.
Outro exemplo é o de JV, aluno da 5ª série, no início da pesquisa. Chegou à Sala de Recursos
com a indicação de problemas de aprendizagem associados às dificuldades na visão e coordenação
motora. A professora-pesquisadora pediu-lhe que, como os demais alunos, também, selecionasse do
jornal uma reportagem que mais o agradasse e fizesse uma leitura silenciosa da mesma. Vejamos
parte do diálogo:
3
Não foi possível a reprodução da notícia lida por FR.
90
(3)
P – Onde é que está acontecendo este fato? Onde foi feita esta pesquisa?
JV- O Ibope e o Datafolha.
P- De onde são o Ibope e a Datafolha?
JV- São pesquisas divulgadas.
O aluno não respondeu, diretamente, à pergunta inicial feita pela professora-pesquisadora,
citou, como resposta, dois elementos que certamente despertaram sua atenção e iniciaram o título do
texto. Apesar da professora-pesquisadora realizar três vezes a mesma pergunta, de forma
diferenciada, o aluno não conseguiu se desprender dos elementos identificados por ele e que estavam
registrados no título e subtítulo.
Esta situação, também identificada por Terzi (1997) em sua pesquisa é denominada pela
pesquisadora de uma estratégia comunicativa. Ou seja, o aluno escolhe informações aleatórias no
91
texto como uma forma de estabelecer uma comunicão com a pesquisadora, garantindo que esse
canal entre ambos se mantenha. Ao se deparar com as palavras “Ibope” e “Datafolha” utiliza-as como
resposta, desconsiderando a pergunta (local onde ocorreu a reportagem). A professora-pesquisadora
prossegue:
(4)
P- Por que foi feita essa pesquisa?
JV- (O aluno fica em silêncio e não responde).
P- Como esta reportagem iniciou? O que ela começou a falar no seu início? Qual a primeira
informação escrita?
JV- ( Permanece em silêncio).
P- Volte ao início da reportagem.
JV- ( O aluno lê o que está escrito).
O aluno demonstra, mais uma vez, não ter compreendido o que leu, interrompe, em
determinado momento, o canal de comunicação ao permanecer em silêncio; a seguir, lê um trecho do
texto, num esforço, talvez, para impedir que a comunicação se rompesse definitivamente. As diversas
perguntas realizadas pela professora-pesquisadora procuraram ajudar o aluno a buscar indícios do que
estava sendo solicitado, no entanto, não foram suficientes para que o aluno entendesse o que deveria
buscar no texto, por isso, é possível que tenha optado pela ausência da fala.
Para que o leitor compreenda o que lê, é necessário que mantenha o que leu na memória,
estabelecendo relações entre as informações e, por fim, que construa uma rede de significações com
as informações que digam respeito a sua vida e os acontecimentos hisrico-sociais. Não conseguimos
perceber isto na fala de JV:
(5)
P- E o que você achou da notícia?
JV- Boa.
P- Boa, por quê?
JV- (Silêncio)
Além de não ter demonstrado que havia mantido na memória o que leu, o aluno
aparentemente o entendeu o que havia lido, por isso, a falta de argumentação a respeito. A não
compreensão do texto, nos parece, foi o elemento responsável pela ausência de opinião própria.
92
Afinal, nos sentimos mais capacitados para opinar quando compreendemos o que estamos lendo e,
concomitantemente, conseguimos estabelecer relações significativas com o conhecimento que já
possuímos a respeito de determinado assunto. Leontiev (2004) corrobora essa explicão, ao afirmar
que, quando o indivíduo depara-se com significações pré-estabelecidas historicamente, integra-as à
sua consciência, atribuindo-lhes um sentido pessoal.
Faz-se necessário salientarmos que as situações expostas, nesse primeiro momento, são
epidios que, mesmo estando presente a mediação constante por parte da professora-pesquisadora
objetivam demonstrar como a leitura estava sendo utilizada pelos alunos no início da pesquisa. Desse
modo, apresentamos algumas situações para exemplificar nosso percurso. Procuramos momentos
específicos em que as dificuldades escolares se evidenciaram, com o intuito de analisá-las e
compreendê-las como uma avaliação inicial dos elementos delimitados neste estudo e que, no
decorrer do trabalho, sofreram mudanças, ou não, pelas mediações pedagógicas realizadas no
decorrer da pesquisa. Assim, escolhemos uma participação de cada aluno para que o leitor os
identifique ao longo de toda a explanação, percebendo as mudanças das apropriações realizadas e as
características próprias de cada um.
O texto a seguir, foi escolhido pelo aluno AM e selecionado para a análise:
93
Fonte: OS ÍNDIOS NO BRASIL. Mitos e Lendas. In: Colão de Olho no Futuro.o Paulo: Abril,
2000. p.34-35.
(6)
P- Qual foi o texto que você leu?
AM- Mitos e lendas.
P- Sobre o que fala esse texto?
AM- (O aluno faz uma pausa e não responde).
P- O que você se lembra do que leu?
94
AM- (O aluno permanece em silêncio).
O aluno AM foi o único a demonstrar bastante desconforto com a presença do gravador,
mantendo-se em silêncio em muitos momentos durante a pesquisa. Por isso, utilizamo-nos de outros
recursos, como o registro por escrito. Nesse momento específico da atividade, a professora-
pesquisadora optou por interromper o diálogo com esse aluno, retomando-o posteriormente.
(7)
P- Qual é mesmo o nome do texto que você leu?
AM- Mitos e lendas.
P- O que você se lembra do texto? Do que fala?
AM- (Mantém-se em silêncio).
P- O que você achou mais interessante nessa leitura?
AM- (Continuou em silêncio).
A professora-pesquisadora fez mais uma pausa, conversou com outro aluno e, pela terceira
vez, retornou à conversação e antes que fizesse qualquer pergunta, o aluno se antecipa e diz:
(8)
AM- Mitos e lendas.
P- Olhe para o livro, para o texto e, o que você se lembrar, você vai me falando.
AM- Cheia de imaginação (pausa). São objetos de transmitir...
P- De transmitir o quê?
AM- Ensinamentos.
P- Isso! E o que mais?
AM- (O aluno lê um trecho do texto).
A professora-pesquisadora, percebendo que a insistência poderia inibir ainda mais o aluno,
finaliza a conversação de modo que os poucos elementos levantados evidenciam, mais uma vez, a
análise proferida anteriormente, ou seja, mesmo com toda inibição causada pelo gravador, os poucos
momentos de fala, as pausas de silêncio e as reações faciais do aluno demonstraram a dificuldade de
compreensão do que havia lido ou, possivelmente, o medo de mais uma vez fracassar perante a
solicitação da professora e dos colegas. É possível observarmos que, em muitos momentos, o aluno
95
necessita de outros elementos para responder as questões. A medida em que a professora-
pesquisadora mudou a forma de questionamento o aluno “ousa” dar algumas respostas.
Há determinadas situações em que o texto para o aluno, não passa de um conjunto de
sentenças, que nem sempre o remete ao significado necessário para a formulação de respostas às
perguntas proferidas pelo professor (Terzi, 1997). Por isso, como nos exemplos anteriores, o aluno
elenca elementos isolados do texto como uma estratégia de manter ou, ainda, iniciar um canal de
comunicação entre os pares. Ao mesmo tempo, quando opta pelo silêncio, pode estar fugindo de mais
uma situação de fracasso, nem sempre é decorrente apenas de suas dificuldades e do pouco domínio
da prática da leitura e atribuição de significados.
Fonte: TIRADENTES. Tiradentes. In: Coleção De Olho No Futuro. São Paulo: Abril, 2000. p. 26-
27.
Outro texto selecionado pelo participante F e utilizado por nós para a avaliação inicial foi o
texto Tiradentes, personagem histórico encontrado na Coleção De Olho No Futuro, organizado pela
Revista Recreio, editora Abril, e indicado a alunos em idade escolar. Com isso, contávamos que
96
novos elementos, provavelmente discutidos em outras áreas de conhecimento, viessem à tona no
momento da leitura.
(9)
P- O que está falando nesse texto?
F- Tá falando que Joaquim da Silva Xavier nasceu em 1746.
P- Quem foi Tiradentes?
F- Joaquim José da Silva Xavier.
P- O que ele fez?
F- Ele retirava muito dente das pessoas. Por isso o nome dele era Tiradentes.
O aluno apresentou-se mais seguro e confiante em suas respostas, no entanto, demonstra um
entendimento limitado a elementos estanques do texto, ou melhor, limita-se a uma única informação
do texto. Utiliza-se de um conceito cotidiano, apreendendo a pergunta como um pedido de
informação e, como não havia compreendido todo o texto, mas apenas decodificado, escolhe
informações que mais se assemelham ao questionamento, baseando-se no seu conhecimento anterior
a respeito do tema discutido pelo texto (Terzi, 1997).
A falta de estabelecimento de relações entre as demais informações do texto impediu-o de
compreendê-lo como um todo, limitando seu entendimento a uma única informação, desconsiderando
as demais. Isso evidencia a inflncia das perguntas livrescas, que, na maioria das vezes, emitem
pistas, condicionando o ato da busca de informações à linearidade apresentada nos textos, em geral
dos livros didáticos.
Observamos que, tanto o aluno AM quanto o aluno F estavam bastante atentos durante a
leitura silenciosa e a conversação realizada pela professora-pesquisadora. No entanto, essa função
cognitiva não foi suficiente para o desencadeamento das demais, como a fixação das informações
lidas na memória ou, em especial, a percepção, abstração e a generalização de que os textos “Mitos e
Lendas” e “Tiradentes” estavam subdivididos em partes e informações que interligavam-se davam
sentido aos temas abordados.
O primeiro momento da pesquisa priorizou a verificação do conceito de leitura interiorizado
pelos alunos e como o o desenvolvimento de algumas funções psicológicas superiores contribuíam
para as suas dificuldades escolares. Por isso, a atitude da professora-pesquisadora, durante as
atividades, foi elaborar questionamentos que evidenciassem a real compreeno dos alunos frente à
leitura proposta, o que exigiu, em muitas situações, que a mesma pergunta fosse feita de maneiras
diferentes.
97
Tal estratégia possibilitou a constatação das principais dificuldades apresentadas pelos
alunos, por meio das quais foram pensados o planejamento das atividades e as mediações
pedagógicas favoráveis à aprendizagem da leitura baseada num processo dialético e constituída,
fundamentalmente, de elementos coletivos e sociais.
Diante das dificuldades detectadas, a pesquisadora optou por uma postura em que salientava
os avanços e ignorava os fracassos, adequando a conversação do material lido ao grau de
desenvolvimento apresentado pelos alunos durante as atividades realizadas. Os pequenos sucessos
evidenciados pelos alunos devem ser valorizados nos diálogos e conversações, que termos, como:
“é isso mesmo!, “muito bem!” ou um simples gesto facial afirmativo do professor poderão ser
fundamentais para a aproximação entre ambos e para que o medo de fracasso seja substituído,
gradativamente, pela vontade de aprender.
4.4 A Mediação e a Compreensão Estabelecidas pela Leitura
Com a verificação realizada, iniciamos as mediações que primaram pelo planejamento de
atividades de leitura voltadas à aprendizagem e ao desenvolvimento das funções psicológicas
superiores. Com o desencadeamento dos encontros, a conversação dos alunos, baseada, até o
momento, em conceitos do senso comum e da linguagem cotidiana, iniciou um processo de
reestruturação com a ajuda de discussões que privilegiaram a compreensão das perguntas proferidas
pela professora-pesquisadora e, concomitantemente, a busca dos seus significados nos textos. Ou
seja:
A mediação do outro desperta na mente da criança um sistema de processos
complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às experiências e habilidades
que ela domina. Mesmo que ela não elabore ou não apreenda conceitualmente a
palavra do adulto, é na margem dessas palavras que passa a organizar seu processo
de elaboração mental, seja para assumi-las ou para recusá-las (FONTANA, 1996, p.
19).
O texto passou a ser tomado como tema e interlocutor entre as mediações realizadas pela
pesquisadora e as repostas dos alunos. A busca destas pelo sentido das perguntas e não do texto como
98
um todo foi aos poucos sendo efetivada pela incorporação da prática de ler, compreensivamente, o
texto todo e dos diálogos realizados. Uma delas, a leitura silenciosa, que, até então, era tida como
simples decodificação das informações pelos alunos, passou a ser evidenciada como um momento de
contato individual com o texto, no qual o principal objetivo deveria ser o de compreendê-lo como um
todo e não como partes e elementos isolados, centralizando a atenção dos alunos ao conteúdo dos
textos.
A leitura compartilhada ou oral, realizada num segundo momento pela professora-
pesquisadora, era utilizada com o objetivo de servir de referência ao aluno, enfatizando a entonação, o
ritmo e a flncia na emissão das palavras, permitindo ao aluno a confirmação ou mesmo a correção
da leitura anteriormente realizada. No momento em que o professor lê em voz alta o texto, aciona a
atenção e a percepção do aluno em relação a aspectos relacionais, palavras ou termos, evitando que
possíveis distorções possam comprometer o entendimento do texto.
Concomitantemente, era estabelecida uma discussão de cada parágrafo, destacando as idéias
relevantes do texto, que, quando possível, eram reportadas à realidade própria de cada um, o que
permitia o estabelecimento de relações entre a leitura e o contexto sócio-histórico. Essas relações são
fundamentais para o desenvolvimento da memória, porque nesse momento, os alunos eram
estimulados a recordar experiências vividas no passado e, com a mediação do professor, relacioná-las
ao conteúdo presente no texto. Quando as informações do texto eram relacionadas aos fatos vividos,
não só a atenção, a percepção e a memória eram estimuladas, mas, em particular, a abstração e a
generalização, como funções essenciais ao entendimento e compreensão das mensagens lidas.
Os resultados das mediações permitiram a verificão de avanços mais evidentes em alguns
alunos e menos em outros, próprios da diversidade e da heterogeneidade apresentadas pelo grupo. O
exemplo abaixo, primeira atividade desenvolvida em março de 2007, denota essa afirmação. O texto é
uma história em quadrinhos com, o título “Cachorrada”.
99
A pesquisadora apresentou o texto, pediu que os alunos fizessem uma leitura
silenciosa e, em seguida, realizou uma leitura compartilhada e foi tecendo alguns questionamentos
paralelos.
No primeiro quadro, o cachorro assiste à TV. Que programa estaria assistindo?
Alguns disseram ser um programa de receitas culinárias e outros a uma propaganda
comercial.
No segundo quadro, aparece o apresentador da cena. A pergunta feita foi: o que fica evidente?
Os alunos repetiram a fala do apresentador “Você não vai resistir. logo uma mordida!,
que consistia em uma estratégia de convencimento aos telespectadores para que comprassem o
produto apresentado ou fizessem a receita proposta.
No terceiro e último quadro, os alunos o questionados: o que o cachorro quis dizer com a
frase:Não suporto essas cenas de terror”?
(10)
P- Por que o cachorro entendeu a cena como um terror?
F- Pensou que ia ser mordido. Fala de cachorro-quente!
(11)
AM- Porque ele é um cachorro. E ele acha que vai ser mordido.
(12)
FR- O cachorro comou a ficar com vontade de comer o cachorro-quente.
100
Os exemplos (10) e (11) demonstram um entendimento do texto que compreende a
posição do cachorro como contrio à situação apresentada. Já o exemplo (12) evidencia outro
entendimento da mensagem do texto, demonstra uma análise, na qual elege os elementos o cachorro
e a propaganda interagindo entre si, permitindo a elaboração de sentidos possíveis à compreensão
do mesmo, ou seja, a fome e o desejo de se comer algo que não se tem. Leva, portanto, a interação
necessária do indivíduo com a palavra e o mundo ao seu redor, mantendo-o intelectualmente ativo
(SILVA, 1986).
Tanto nos exemplos (10) e (11), quando os alunos ao analisarem a situação, tomam como
ponto de partida o sentimento de medo do cachorro desencadeado pelo nome do alimento apresentado
na TV, quanto no exemplo (12), quando o aluno associa a cena de terror à possível fome ou desejo de
comer um cachorro-quente, evidenciam um desprendimento do sentido literal do texto pelos alunos,
buscando, externamente, ou seja, nas relações sociais de violência, medo, fome e desejo, os elementos
que subsidiaram suas interpretações pessoais. Essa relação entre as informações do texto e os
elementos externos/sociais é fundamental para que os alunos cheguem à generalização e à abstração,
funções que permitirão a formão de seus novos conceitos/conhecimentos a respeito de um tema
(MENCHISKAIA, 1969).
Na seqüência de atividades propostas, planejamos a leitura de uma charge do jornal O Diário
do Norte do Paraná, de 8 e 9 de abril de 2007, desenvolvida em abril de 2007. A mesma faz uma
crítica à pobreza no Brasil a partir de uma data religiosa na qual é solicitada aos fiéis a abstinência de
carne na sexta-feira que antecede à Páscoa, denominada sexta-feira santa. Para que os alunos a
compreendessem, deveriam, primeiramente, relacionar a data do jornal à data religiosa, entendendo
assim, a qual sexta-feira, especificamente, se referia o autor. Em seguida, deveriam voltar-se aos
aspectos políticos, econômicos e sociais, evidenciando o consumo de carne como um dos aspectos
que ainda permeia a divisão entre as classes sociais, atingindo fundamentalmente a classe baixa.
101
Fonte: LUKAS, 2007, p. A2.
A leitura de charges não é considerada uma leitura fácil, porque o leitor deve ser capaz de
compreender as entrelinhas” ou preencher os espos com sua vivência, ou seja, a real intenção do
autor, ao produzi-la, é criticar, satirizando determinado contexto. No entanto, nosso objetivo principal
com a realização dessa atividade foi a de constatar se a mediação estabelecida pelo professor auxiliou
os alunos na compreensão do texto. Para isso, é interessante demonstrarmos a diferença entre uma
leitura prévia e individual realizada pelo aluno e outra leitura feita coletivamente, na qual foram
estabelecidas diversas interações entre o grupo.
Iniciamos a atividade com a informação, apenas, a respeito da fonte e da data sem salientar o
seu contexto. Estabelecemos uma leitura compartilhada, sem nenhum comentário, com o objetivo de
que os alunos identificassem a ordem das falas.
A seguir, solicitamos que fizessem uma leitura silenciosa com a finalidade de compreender a
intenção do autor no texto, procurando inferir sua preteno além das palavras escritas. Após a leitura
silenciosa, pedimos que registrassem o que haviam compreendido da leitura realizada.
Quando todos haviam terminado, fizemos novamente uma segunda leitura compartilhada,
realizando alguns questionamentos: O que foi comemorado na data em que foi escrito esse jornal? E
na sexta-feira anterior a essa data?
Alguns a denominaram como sexta-feira santa e outros, no entanto, permaneceram
pensativos. A professora-pesquisadora, perguntou quem praticava a religião católica, salientando que
a data é mais enfatizada por ela, explicando, portanto, o seu sentido para essa religião.
Foram levantados os seguintes questionamentos pela professora-pesquisadora: O que
podemos entender com a frase “Isso é incrível dita pelo padre? Todos os brasileiros podem comer
102
carne todos os dias? Por quê? Por que não querem ou porque não podem? Qual a situação
econômica da maioria das pessoas? O que falta a elas? Qual o alimento que a maioria das pessoas
deixa de comer quando estão desempregadas ou com falta de dinheiro?
Os alunos destacaram, sobretudo, a questão do desemprego, indicando a substituição do
homem pelas máquinas e a falta de qualificão como causas do desemprego.
Desse modo, a discussão foi sendo aprofundada com base no conhecimento determinado
pelos alunos a respeito do tema, para que não houvesse uma padronização de respostas e conceitos
formulados por eles. Essa observação pode ser evidenciada na resposta dos alunos, na segunda etapa
da atividade.
Para finalizar, a professora-pesquisadora pediu para que escrevessem o que mudou na opinião
deles após a discussão. A grande maioria conseguiu compreender a mensagem e a crítica realizada
pelo autor na charge, e o mais importante, cada qual evidenciou sua própria opinião, relacionando-a
aos conhecimentos que possuía a respeito do tema. Os exemplos seguintes demonstram a leitura
realizada inicialmente e posteriormente pelos alunos, após a discussão coletiva.
103
(13) Aluno FR
4
:
A primeira resposta demonstra que o aluno, inicialmente, realizou uma leitura superficial das
informações do texto. Não procurou conhecer/descobrir, na primeira modalidade da leitura, a
intencionalidade do autor, na qual o leitor questiona: Que texto é esse? Quem é o autor? Qual a sua
intenção ao escrevê-lo? Esse primeiro contato com o texto permite a definição da expectativa do
leitor frente ao texto.
No momento seguinte, após a mediação, a expectativa desse aluno mudou e, com
objetividade, demonstrou ter estabelecido relações entre as informações do texto e o contexto sócio-
econômico do qual se referia. Demonstrou ser capaz de se desprender da mensagem escrita, que
destacava a ação entendida pelo homem como pecado, por meio de um elemento maior – a pobreza –,
4
TRANSCRIÇÃO:
P- Leia a charge e escreva o que você entendeu:
FR- Eu entendi que ele comeu carne na sexta-feira santa e ele queria saber se isso é pecado.
P- Após a discussão, o que mudou na sua opinião?
FR- Eu entendi que o padre não está se referindo ao pecado, ele está se referindo à pobreza.
104
já que, em nossa sociedade, é a situação econômica que influencia a alimentação de muitas
pessoas, independentemente de suas crenças ou religião.
(14) Aluno F
5
:
O aluno F, como no exemplo anterior, fez a primeira leitura de modo parcial, no entanto,
estabeleceu uma relação diferente dos demais ao situar o dia do acontecimento (sexta-feira) ao
contexto na qual estava inserida (Páscoa). Possivelmente, seu conhecimento anterior a respeito da
data fez com que estabelecesse essa relação, ocultada tanto pelo texto quanto pela professora-
pesquisadora, no momento inicial da atividade.
Já, na segunda leitura, relacionou as idéias do texto às situações de uma classe social
determinada. Isso fica evidente quando afirma que o padre não se refere ao homem e sim a outras
5
TRANSCRIÇÃO:
P- Leia a charge e escreva o que você entendeu:
F- Eu entendi que o homem está falando o seu pecado para o padre, que comeu, carne na sexta-feira santa antes da Páscoa.
P- Após a discussão, o que mudou na sua opinião?
F- Eu entendi que o padre não se referiu ao homem e, sim, as outras pessoas que está na pobreza e não tem dinheiro para
pagar porque está cheia de conta e recebe pouco no salário.
105
pessoas”, ou seja, conseguiu estabelecer uma contextualização real entre o consumo de carne,
alimento ainda caro para muitas pessoas, aludido pelo padre com a frase Isso é incrível”, como um
fato raro atualmente. Os elementos exemplificados pelo aluno, como a falta de dinheiro e o baixo
salário, foram utilizados para justificar a situação de pobreza vivenciada por muitas pessoas,
demonstrando não apenas o fenômeno, ou seja, a abstinência do alimento, mas notadamente a sua
causa.
O ato de leitura, realizado de forma crítica, fez com que o leitor incorporasse mais
elementos (sociais, políticos e econômicos) que permitiram pensar melhor a respeito da realidade
da maioria das pessoas de nosso país (SILVA, 1997) por meio de um “ato” religioso, que, até
então, era concebido como um ato extremo ou de pecado pela religião católica, realizado por fé e
não por falta de condições econômicas que permitissem seu consumo.
(15) Aluno JV
6
:
6
TRANSCRIÇÃO:
P- Leia a charge e escreva o que você entendeu:
JV- O que eu entendi é que disse ser pecado comer carne na sexta-feira.
P- Após a discussão, o que mudou na sua opinião?
JV- Na minha opinião mudou que os católicos não podem comer carne na sexta-feira santa.
106
A relão alcançada pelos demais alunos, já comentada, também se evidencia nesse exemplo
(15) por meio de outros elementos. JV modificou sua compreensão após a discussão, salientando uma
informação diferente dos demais alunos, ou seja, o consumo de carne pelos católicos na sexta-feira
santa, podendo ser considerada uma nova relação estabelecida pelo aluno, visto que era freqüentador
de uma outra religião que não cultuava o mesmo rito, e que, portanto, não fazia parte dos seus
conhecimentos e vivências anteriores.
As mediações realizadas coletivamente pela pesquisadora fizeram com que esse leitor se
deslocasse das palavras utilizadas pelo autor, conseguindo a compreensão do real sentido das mesmas
e alterasse seu entendimento a respeito do texto (LAJOLO, 1991). Esse desprendimento do texto pelo
leitor, possível pela leitura crítica do SER no mundo, precisa ser concebido como um projeto,
pensado e organizado para que o leitor torne-se capaz de elaborar o seu próprio texto por meio do
original, criado pelo autor (SILVA, 1992).
As capacidades de generalização e abstração, associadas às demais, dentre elas a memória,
desencadeiam no leitor a internalização dos conceitos discutidos pelo texto ou modificação da sua
compreensão, por meio das imeras significações criadas pelo meio social no qual está inserido
(PINO, 1993). Somente a busca do significado, permiti ao aluno estabelecer um elo entre algo
material (texto) e algo não material (mensagem). Devemos salientar que essa prática exige um
“tempo”, e não é o mesmo para todos os alunos. Por exemplo, como os alunos F e FR conheciam
esse rito religioso, a relação entre as causas externas e socais, discutidas pelo autor da charge, ocorreu
107
com maior facilidade. o aluno JV, como nunca havia ouvido ou vivenciado esse ato religioso,
realizou outras relações, que não podem ser desconsideradas se analisarmos seus conhecimentos
anteriores a respeito do tema.
O saber-fazer (LEONTIEV, 2004) é apreendido pelo ser humano pelas suas relações com o
objeto (texto) que o capacitam como leitor hábil e capaz de ir além da junção de algumas letras,
organizadas propositalmente com um sentido, o qual necessita ser compreendido pelo sujeito. Embora
nenhum deles tenha se referido diretamente à incredulidade do padre pelo seu paroquiano ter
conseguido comer carne apesar da pobreza, acreditamos que o avanço deles como leitores ficou
evidenciado. Além disso, ironia é um dos níveis mais difíceis de ser apreendido na leitura pelo leitor
não-proficiente, em particular, os alunos com dificuldades escolares.
Nos exemplos citados, podemos observar que a percepção inicial, utilizada na primeira leitura
pelos alunos, sofre uma modificação após a orientação e discussão dirigida pela professora-
pesquisadora, possibilitando que a situação proposta fosse analisada. Primeiramente, a percepção se
realiza apenas por meio dos aspectos mais simples, ou seja, das informações escritas, avançando,
então, na análise e compreensão do seu significado, tornando-se um ato interpretativo da mensagem
escrita e alcançando a generalização e a abstração.
Para que ocorra a compreensão do subtexto ou sentido do texto, é necessário que o sentido
interno seja abstraído do significado externo (LURIA, 1986). Desse modo, a profundidade da leitura
se diferencia individualmente, pelo nível de conhecimento em que cada indivíduo está, por sua
possibilidade de escolher o significado adequado à palavra por meio da compreensão e inserção dos
mesmos num contexto específico.
As situações relatadas evidenciam a importância fundamental da mediação para que ocorra a
aprendizagem dessa escolha de significados, permitindo o desligamento das palavras originais do
texto, buscando o sentido no contexto marcado pelo tempo e espaço ao qual se referia o texto. Esse
desprendimento necessita da ativação dos conhecimentos adquiridos pelos alunos, que estão na
memória, como nos exemplos (13) e (14), ou da formação de novos conceitos, como no exemplo
(15), por meio de um envolvimento pessoal e de um sentido subjetivo (LEONTIEV, 2004) que
permitam sua compreensão.
O texto passou a ser visto pelos alunos não mais como um amontoado de palavras e imagens,
mas como um elemento significativo, o qual demanda uma interpretação da perspectiva do autor
(TERZI, 1997), seguido da possibilidade de elaboração de suas próprias idéias. As partes do texto
passam a ser compreendidas como informações diferenciadas que, ao final, constituem o texto como
um todo, e as palavras isoladas passam a constituir o material de elaboração da linguagem, as quais,
combinadas entre si, dão sentido ao contexto (ZHINKIN, 1969).
108
A discussão oral dos textos O dicionário, de Heloísa Pires Lima, e o trecho de um artigo
da revista Veja (21/04/98), ambos a respeito do preconceito racial (FARACO; MOURA, 2001, p. 26)
realizada em maio de 2007, exemplificam a elaboração da linguagem realizada pelos alunos em
relação ao texto. Principiamos a atividade apresentando os textos aos alunos e explicando que os
mesmos faziam parte da seqüência de atividades que vinham sendo realizadas em aulas anteriores.
109
110
Pedimos que os alunos fizessem uma leitura silenciosa do primeiro texto, estratégia presente
em todas as atividades, com o objetivo de desenvolver a função da atenção, da concentrão e da
leitura para si, ou seja, do contato individual do leitor com o texto, momento em que são ativados ou
não seus conhecimentos anteriores a respeito do tema. Logo após esse contato individual, foram
realizados os seguintes comentários:
(16)
P- O primeiro texto chama-se O dicionário. Que tipo de texto é esse?
F- É narrativo.
P- Por quê?
F- Porque tem fala dos personagens.
P- Está contando uma história?
F- Fala sobre a vida dela.
Um dos objetivos da professora-pesquisadora durante todo o trabalho foi fazer com que os
alunos aprendessem a diferenciar o gênero textual ao qual pertenciam os textos selecionados. Por
isso, antes de iniciar a discussão a respeito das idéias do texto, buscávamos, coletivamente, a
diferenciação entre os gêneros, por meio dos elementos estruturais de cada texto.
(17)
P- Qual é o assunto desse texto?
F- Fala que ela não queria se negra.
P- Qual a imagem do negro que estava sendo passada à ela?
F- Que não trabalhava.
O exemplo demonstra que o aluno identificou uma das várias informações apresentadas pelo
texto, a qual discute o preconceito racial advindo da imagem do negro como uma raça o habituada
ao trabalho, evidenciando sua percepção a respeito de um dos aspectos que compõe a organização
temática do texto (TERZI, 1997). A leitura geral do texto, com o objetivo de extrair a idéia principal
ou as informações que mais tenham lhe chamado atenção, faz com que o aluno comece a exercitar sua
percepção do texto todo, fixando-o em sua memória (ELKONIN, 1969), por meio do estabelecimento
de relões entre as partes e o contexto geral.
111
As funções psicológicas superiores podem ser desenvolvidas por meio de mediações
como a de focalizar a atenção em proposições explícitas do autor, ou mesmo, selecionar o principal
pensamento de um trecho, utilizando-se da abstração, ou ainda, compreender suas intenções e pontos
de vista com o auxílio da generalização. Essa relação dialética permite uma interpretação
fundamentada no conhecimento, garantindo um posicionamento do leitor frente à leitura realizada.
(18)
P- No segundo parágrafo do texto, lemos a frase: “A coisa está preta”! O que podemos entender com
essa frase?
FR- É que aconteceu alguma coisa ruim.
FR- Quando ela ouviu esta frase ela ficou confusa.
P- O que quer dizer confusa pra você?
FR- É que ela achou que tava falando mal dela.
A frase: A coisa está preta” demonstra o estabelecimento de uma relação entre a posição do
personagem e o contexto discutido no texto o preconceito racial. A metáfora utilizada no texto fez
com que a personagem ficasse intrigada e amedrontada, aumentando a confusão a respeito do que
queria aprender. A utilização desse termo pelo aluno demonstra um avanço na formação de conceitos
(ELKONIN, 1969), evidenciando a busca do entendimento geral da frase por meio de um elemento
distinto, já que a assimilação de um conceito exige, muitas vezes, a relação entre vários elementos.
(19)
P- O que seria a semântica citada pela professora no texto?
F- Escravidão, professora?
(20)
FR- Não sei.
(21)
AM- Ela foi lá e perguntou prá professora para ver se o significado estava certo.
(22)
P- E pela resposta dada pela professora, estava certo ou não? O que a professora explicou? Que negro
é aquilo que estava no dicionário ou que é um pouco diferente?
112
FR- Que é um pouco diferente.
O exemplo (21) refere-se ao aluno que, no início do capítulo, destacamos sua aversão ao
gravador, mantendo-se calado durante quase todo o desenvolvimento da atividade. Nesse momento,
sua participação espontânea demonstrou estar atento à discussão e, particularmente, evidenciou sua
compreensão a respeito de um conceito implícito no texto o de semântica. O direcionamento da sua
atenção voluntária por meio da linguagem (VIGOTSKI, 1983) fez com que acompanhasse o
desenvolvimento das discussões realizadas a o momento, relacionando-as às idéias e conceitos
citados no texto.
(23)
F- Professora, aqui, também tá falando é que o sentido que damos às palavras indica o modo como
vemos o mundo. (O aluno leu um trecho do pagrafo).
P- E o que isso quer dizer?
F- Porque hoje no mundo os outros falam que os negros fazem trabalho tudo mal feito.
O aluno F espontaneamente destacou no texto uma frase e, ao exemplificá-la, demonstrou ser
capaz de realizar uma “leitura do real” (FREIRE, 2005), ou seja, conseguiu estabelecer uma relação
direta entre a palavra escrita e a realidade ao seu redor. É claro que o nível de abstração ateve-se a um
aspecto específico o desprezo pelo trabalho do negro e não a conotação implícita presente no
modo de falar.
A conversação entre o grupo e a professora-pesquisadora permitiu que, aos poucos, os alunos
fossem associando alguns conceitos discutidos no texto, aos seus conhecimentos anteriores, como,
por exemplo, o de semântica. Esse foi um dos nossos principais objetivos, formar leitores que
extrapolem o texto escrito e pela percepção crítica do que lê, encontre um sentido às suas expectativas
e necessidades.
(24)
P- Como a autora conclui o texto?
FR- É que tem que olhar o coração da pessoa e não a aparência.
F- Não importa se é negro ou se é branco, todos tem o mesmo coração.
113
Os exemplos demonstram a utilização das funções cognitivas na análise realizada pelos
alunos, os quais imprimiram um entendimento pessoal frente à mensagem transmitida pela autora
contra o preconceito racial. Nossa percepção a respeito do mundo se forma por meio de uma
consciência social (RUBINSTEIN, 1973), por isso, como professores, devemos priorizar a qualidade
das informações e das mediações como aspectos fundamentais à formação de um bom leitor, afinal,
não nascemos leitores, e sim aprendemos a sê-lo.
(25)
P- O que a autora quis dizer com os opostos se equilibram? Quem são esses opostos em nossa
sociedade?
AM- Os negros.
P- E quem são os opostos do negro?
AM- Os brancos.
P- E o que ela quis dizer com os dois se equilibram?
FR- Que os dois são iguais. Que só muda a cor.
F- Que os dois são seres humanos.
A discussão final do texto corroborou para que a leitura proposta permitisse o questionamento
do texto escrito por meio de uma expectativa real, relacionada a uma situação verdadeira
(JOLIBERT, 1994), aqui delimitada como o preconceito presente em relação à diversidade étnica e
racial. Criar expectativas e ensinar nossos alunos a criar suas próprias expectativas frente à
numerosidade de materiais escritos, têm sido um enorme desafio a ser conquistado. Segue a discussão
do segundo texto:
(26)
P- O texto 2 é um trecho de uma reportagem da Revista Veja do dia 21/04/98. O que diz este trecho?
AM- Eles tiveram três vezes superior que os pais deles.
P- Eles tiveram um padrão de escolaridade três vezes superior a dos seus pais. O que isso quer dizer?
Que estudaram mais ou menos que seus pais?
AM- Estudaram mais do que seus pais.
(27)
P- Um dos colegas citou o preconceito. O que é ser preconceituoso?
FR- É ter nojo do outro.
114
Esses momentos da discussão demonstram que mesmo com poucos argumentos, evidenciados
pela objetividade, a compreensão desse excerto, curto, no entanto, de difícil compreensão,
possibilitou o entendimento da situação atual do negro frente à escolaridade, estabelecendo relações
entre o passado e o presente e, em especial, permitindo que o conceito sobre preconceito racial fosse
o ponto central da discussão.
As experiências demonstradas, até então, procuraram evidenciar como a compreensão, com a
ajuda de um mediador, passou a fazer parte das leituras realizadas pelos alunos. Muitas vezes, faz-se
necessário que o professor, ao perceber a não compreensão do texto pelo aluno, reformule a fala do
aluno ou mesmo, o seu próprio questionamento, utilizando-se de outros elementos, para que o canal
de comunicação não seja rompido e para que esses elementos auxiliem-no na formação do seu
pensamento. Essa mediação da professora-pesquisadora evidenciou-se com clareza no exemplo (26)
quando o aluno buscava evidenciar o grau de escolaridade dos filhos dos negros.
Outra mudança de atitude por parte dos alunos que merece ser destacada foi a busca por
palavras isoladas no texto, que, aos poucos, deixou de ser uma prática escolar utilizada como
resultado de suas interpretações. Percebemos, também com maior freqüência, a atitude do pensar
antes do falar, o que não era evidente inicialmente, quando os alunos falavam sem compreender a sua
própria fala ou, simplesmente, omitiam-na, permanecendo em silêncio. A mudança de atitude
demonstra, portanto, um enfraquecimento da conduta impulsiva apresentada pelos alunos e,
conseqüentemente, um avanço na utilização da atenção voluntária (VYGOTSKY; LURIA, 1996) e no
envolvimento das demais funções psicológicas durante a leitura.
Essa atenção que, inicialmente, era involuntária, ou seja, pouco direcionada e dispersa com
facilidade por estímulos externos, passou a ser progressivamente voluntária, ou seja, direcionada pela
professora-pesquisadora e até pelos próprios alunos, que passaram a organizar melhor o seu
comportamento, possibilitando uma melhor preparação dos alunos à percepção e seleção dos
estímulos (VIGOTSKI; LURIA, 1996) e, no caso específico do texto, das informações mais
adequadas para sua compreensão.
Outra atividade, desenvolvida em junho de 2007 que consideramos interessante apresentar
refere-se à leitura de uma história em quadrinhos de Bill Watterson.
Inicialmente, pedimos para que os alunos fizessem uma leitura silenciosa do texto; em
seguida, levantamos, coletivamente, os principais elementos da história, como as personagens, o
espaço temporal e o local no qual se passava o diálogo, com o objetivo de que os alunos percebessem
a relação entre as personagens e o contexto atual, em que o avanço da tecnologia tem contribuído para
o controle do ser humano pelas máquinas.
115
Pedimos que fizessem uma releitura do texto e escrevessem, individualmente, o seu entendimento
a respeito da leitura após a mediação realizada pela professora-pesquisadora. As escritas dos
alunos demonstram a elaboração de hipóteses de interpretação evidenciadas pelas afirmações “eu
entendi” em relação ao conteúdo.
Aluno JV
8
:
8
TRANSCRIÇÃO:
Eu entendi que o menino ficou escravo da televio, ou seja, das máquinas e a tecnologia está aumentando cada vez mais e
está perdendo muitas pessoas nos empregos. E ficam escravos da televisão, DVD, e aparelhos de hoje.
116
O aluno, apesar de apresentar alguns problemas relacionados à coerência na produção
escrita, é possível inferir sua compreensão a respeito do texto quando afirma que “o menino ficou
escravo da televisão”. Além disso, estabelece uma relão entre a história e a realidade de muitas
pessoas, desempregadas em razão da substituição dos homens pelas máquinas. Ao citar “aparelhos de
hoje”, evidencia sua percepção de tempo e espaço, isto é, estabelece uma relação entre o passado e o
presente juntamente à compreensão das mudanças na vida dos homens oriundas das transformações
tecnológicas.
O desenvolvimento cognitivo e a compreensão dos conceitos científicos começam a se
evidenciar. No momento em que esclarece melhor sua idéia acrescentando “ou seja,” demonstra, ao
mesmo tempo, uma preocupação com a clareza das iias e a relação existente entre os elementos da
história “televisão” emáquinas como impossíveis de serem dissociados nesse contexto.
Nesse exemplo, a percepção, a abstração e a generalização começam a ser sinalizadas, no
momento em que o aluno, por exemplo, seleciona e classifica alguns elementos do texto, como a TV,
relacionando-os a um fenômeno social mais amplo, ou seja, o desenvolvimento da tecnologia e suas
conseqüências à humanidade.
Aluno F
9
:
9
TRANSCRIÇÃO:
Eu entendi que a máquina controla as pessoas, por exemplo, quando uma pessoa está fazendo alguma coisa e pára para
assistir televisão. Eu entendi também que ele falou que vai passar o seu show na TV, o menino quis mostrar para as pessoas
vicia e pode até perder o emprego. Esse texto quis passar uma mensagem que não podemos ser viciados na televio.
117
O aluno também apresenta, como no exemplo anterior, alguns problemas de coerência e
coesão na sua escrita. No entanto, como nosso objetivo de análise nesse momento não é o estudo
desses aspectos, limitaremos nossa atenção aos elementos de compreensão.
No início da pesquisa, salientamos, por meio de exemplos, a falta de argumentação e
posicionamento pessoal dos alunos em relação às discussões e leituras realizadas. Nesse exemplo
em específico, faz-se necessário destacar alguns termos como eu entendi”, “quis mostrar e
“esse texto quis passar uma mensagem” como expressões que denotam a compreensão da
intenção do autor, ou seja, sua crítica à transformação exacerbada da tecnologia e suas
conseqüências. Quando inicia sua fala com “eu entendi”, evidencia segurança na exposição de
seu posicionamento pessoal frente à leitura realizada. Esse foi um aspecto bastante privilegiado
durante as mediações, visto que todos os alunos aqui citados apresentavam uma diminuição da
auto-estima, conseqüência da sua história de fracasso escolar.
Aluno FR
10
:
10
TRANSCRIÇÃO:
Eu entendi que as tecnologias que tomam conta das pessoas. E logo. Então ele falo! - Já está na hora do show na
TV. É a TV que escontrolando ele. Exemplo:Em vez dele assistir o show na TV. Ele pode: Ele poderia praticar
esportes. Ele pensou que não era real o que ele tava lendo, mas é real sim. O que ele está lendo na revista é o que
está acontecendo com ele mesmo. Ele levou a influencia de ficar viciado.
118
O aluno, como nos exemplos anteriores, iniciou a sua escrita com a colocação “eu entendi”,
demonstrando sua posição e opinião pessoal em relação ao assunto. Esse foi um avanço bastante
significativo, a nosso ver, já que o mesmo sempre que emitia sua opinião, logo após, a negava com a
afirmação “mas tá errado”, sem que ninguém o contestasse, reafirmando sua história de fracasso
escolar. Além da segurança na exposição das idéias, conseguiu compreender uma relação implícita no
texto, ou seja, o fato do personagem não ter aplicado à sua vida, aos seus hábitos o que acabara de ler.
Essa prática permite ao leitor buscar o sentido da escrita, indo além e dominando-a. Ao domi-la,
transcende o texto, relacionando-o à sua vida pessoal, extraindo um princípio que lhe permite
transformar e adequar a leitura ao seu contexto real.
Para Silva (1992) essa derivação de novos significados, levando em considerão o contexto e
o que está explícito no texto, é uma das práticas fundamentais ao leitor, porque permite selecionar
119
alguns elementos por meio da percepção, abstraindo-os e generalizando-os pela relão
estabelecida com os elementos exteriores ao texto.
Aluno AM
11
:
O excerto, embora com problemas na organização das idéias, demonstra que o aluno identificou
a intenção do autor, ou seja, de conscientização a respeito do controle das pessoas pelas máquinas.
Além da compreensão, como no exemplo anterior, desprendeu-se do texto ao citar um contexto real,
fazendo-o por meio de exemplos cotidianos – cio das drogas e do cigarro. Esse processo de
significação” ocorre quando o leitor produz sentidos para o texto com base nas condições sócio-
históricas nas quais está inserido (ORLANDI et al., 2005). Manter as palavras lidas na memória e,
posteriormente, estabelecer relações e combinar as informações produzindo uma rede de significações
é essencial à formação de um leitor .
Nesse exemplo, podemos verificar que o aluno, mesmo de forma simplificada, constrói uma
rede de significações quando cita alternativas possíveis além de assistir a TV, como fazer a tarefa
11
TRANSCRIÇÃO:
Eu entendi que esse texto falam sobre as quinas que controlam as pessoas mas isso agora vai mudar porque vai
ser pessoas que vão controlar a televisão. Mas tem algumas pessoas ficam viciadas nessas coisas que passam na
televisão como o vício das drogas e do cigarro por isso que ficam viciados muito e esquece das coisas que tem que
fazer o que está fazendo para ir fazer outra coisa.
Larga uma coisa menos importante do que sua tarefa e ler um livro da escola para assistir televisão.
120
ou ler um livro da escola”. A formão dessa ação voluntária no aluno só é possível quando,
inicialmente, ocorre uma mediação por sinais externos, na qual o professor um sinal e o aluno age
sobre ele (LEONTIEV, 2004). Nessa atividade, em específico, essa relação se fez notável, uma vez
que a professora-pesquisadora discutiu alguns aspectos do texto com o grupo e, posteriormente,
pediu-lhes que relessem individualmente o texto, e só depois escrevessem o que haviam
compreendido.
A abstração e a generalização da linguagem externa por meio dos aspectos sonoros, nesse caso,
a fala do professor e a interação do grupo foram elementos fundamentais dessa atividade. Ou seja, a
formação da linguagem interna pelos alunos ocorreu no momento em que transformaram o
pensamento, elaborado coletivamente, em palavra, escrito individualmente. É um processo de sentido
oposto, o qual ocorre por meio de elementos externos (fala) que possibilitam a formação de elementos
internos (pensamento), manifestados pela linguagem (VYGOTSKY, 1982).
Em relação à fala/discurso “eu entendi, utilizado por todos os alunos nessa última atividade,
podem ser interpretados como atos mecânicos e de imitação. No entanto, acreditamos que essa
postura de posicionamento dos alunos foi uma mudança significativa, visto que, no início, raramente
se posicionavam ou argumentavam a respeito das leituras realizadas. Salientamos ainda que, mesmo
podendo ser interpretado como um ato de simples imitação, deve-se considerar sua relevância para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores pela leitura, entendendo-o como uma prática
importante para que o aluno alcance resultados significativos na sua aprendizagem e, finalmente,
conquiste o domínio autônomo das práticas culturais do pensamento. Ou seja, esse é um dos
princípios básicos da zona de desenvolvimento proximal, momento em que o professor junto ao aluno
realiza mediações considerando seu conhecimento real, com o objetivo de que ele conquiste o
conhecimento potencial.
Outro aspecto, evidenciado em todos os exemplos citados, refere-se à formação da consciência.
Leontiev (2004) afirma que essa formação só é possível por meio das relações do homem com o meio
social. Um conceito se torna consciente ao aluno quando, por meio das significações sociais,
elabora o seu próprio sentido. No momento em que os alunos citaram exemplos, como ler, estudar e
praticar esportes como atividades alternativas à TV, para desvencilhar-se da sujeição à TV,
demonstraram que o conceito trabalhado – dominação dos indivíduos pelas máquinas tornou-se
consciente e generalizado.
Em relação à formação das funções psicológicas superiores, podemos considerar que a
atenção, a memória e a percepção podem ser evidenciadas na leitura dessa hisria em quadrinhos.
Primeiramente, a formação da atenção foi fundamental para que os alunos se concentrassem e se
preparassem para a compreensão dos estímulos externos e, ao mesmo tempo, para a formação da
121
linguagem interna, sobretudo na transformação da ação involuntária em voluntária (VYGOTSKY,
1982; GONOBOLIN, 1969).
O desenvolvimento da memória evidenciou-se no momento em que os conceitos discutidos
foram posteriormente recordados, e os alunos, ao basearem-se nas suas próprias experiências,
escreveram o que haviam compreendido do texto. A relação entre a memória e a linguagem ocorre
por meio da fixação, ou seja, as palavras auxiliam a fixação dos conceitos na memória para que
posteriormente sejam recordados (SOKOLOV, 1969).
A percepção, em seguida, concomitante a abstração e a generalização foram as que mais se
evidenciaram, porque os alunos mostraram-se capazes de estabelecer relações entre o objeto em
discussão e os fenômenos da realidade que os cercam. Conseguiram, notadamente, evidenciar suas
próprias relações, levantando os aspectos mais importantes para si, de modo que as idéias não
seguiram uma mesma ordem, mas foram elaboradas por meio de reflexões diferentes.
Sokolov (1969) afirma que essas relações variam de acordo com as experiências anteriores e
com as necessidades e interesses de cada um a respeito do objeto inserido no mundo real. Esse foi um
dos principais objetivos de nossa pesquisa: entender como a leitura pode contribuir para formar
pessoas mais conscientes, coerentes e que reflitam a respeito das questões sociais de forma coletiva,
desenvolvendo suas funções cognitivas e formando sua própria consciência.
122
CONCLUSÕES
O estudo realizado possibilitou evidenciar que a aprendizagem e o desenvolvimento
ocorrem no interior das relações humanas estabelecidas com o meio e seus pares. E, por meio das
experiências acumuladas ao longo da história e das vivências práticas e cotidianas, o homem
adquire conhecimentos, interioriza valores, cristaliza e/ou modifica comportamentos.
Nesse sentido, a mediação por meio de signos, dentre eles a linguagem, configura-se
como fundamental, é o elemento que não pode deixar de ser lembrado como o principal elo entre
o conhecimento e o homem. Aprendemos com o meio, formamos nosso pensamento e nos
constituímos como homens e seres socioculturais pelas mediações nele vivenciadas. É, também
por meio dela que o biológico e o social relacionam-se, contribuindo para a formação das funções
que, interligadas entre si, promovem a formação do pensamento.
Para a realização desta pesquisa, partimos do pressuposto de que a leitura, como
instrumento mediador, pode desenvolver as funções psicológicas superiores, dentre elas, a
atenção, a memória e a percepção, funções necessárias para o estabelecimento da abstração e da
generalização, culminando, com a formação do pensamento de adolescentes freqüentadores de
uma Sala de Recursos com acentuadas dificuldades escolares em linguagem oral e escrita. Ou
seja, propusemo-nos a investigar se as mediações realizadas pela professora-pesquisadora
poderiam, ou não, avançar na aprendizagem da leitura e ajudar no desenvolvimento dessas
funções.
Assim, foi-nos necessário, primeiramente, entender a Sala de Recursos como um serviço
especializado de cunho pedagógico e objeto menor da Educação Especial por meio de um
elemento maior – a Educação. E, consequentemente, buscar subdios na relação dialética:
inclusão/exclusão para compreendê-la como um elemento específico que visa amparar e subsidiar
uma luta maior a inclusão. Infelizmente, constatamos é que em muitas situações, a Sala de
Recursos deixa de ser um componente menor para ser um componente maior ou, muitas vezes, o
único dentro das instituições escolares, responsável pela inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais e/ou dificuldades escolares. A comunidade escolar, por falta de
conhecimento ou meios e recursos necessários, apega-se a ela como um fim e, como argumenta
coerentemente Mattos (2002), em vez de servir como suporte e apoio especializado, transforma-a
em mais um elemento dissimulador da exclusão.
123
Para que isso não ocorra e nem mesmo a Sala de Recursos deixe de fazer parte da
Educação, elencamos um dos pontos que foram essenciais à nossa pesquisa e ao trabalho
cotidiano em sala de aula, visto que nos encontramos numa posão de professora-pesquisadora.
É a relação estabelecida entre o professor da Sala de Recursos e os professores da classe comum,
em particular, os responveis pelas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. São eles que
fornecem ao professor da educação especial os principais indicadores que direcionam o
planejamento das mediações e no final, são eles que identificam e certificam os avanços ou não
obtidos em relação ao trabalho realizado.
Nesse sentido, consideramos importante, para a conclusão de nosso trabalho de pesquisa,
apresentar trechos dos relatórios desses professores, que assinalam seus posicionamentos pessoais
no início da pesquisa em setembro de 2006 e no seu final em dezembro de 2007.
Vejamos as principais dificuldades relatadas pelos professores de Língua Portuguesa e
Matemática no segundo semestre de 2006:
Alunos
Língua Portuguesa: Matemática
JV
“Escreve faltando letras, dificuldade na
leitura, traçado da letra e produção textual.
Está sempre quieto, sozinho, isolado e não
acompanha o nível da turma”.
“Apresenta dificuldades de
aprendizagem em relação ao domínio
da tabuada, divisão e multiplicação e
não e nem interpreta problemas.
Tenta realizar as atividades, porém não
consegue registrá-las”.
F
“Apresenta muita dificuldade de
aprendizagem: leitura, interpretação,
produção de texto (forma, conteúdo,
ortografia), traçado da letra. Está sempre
quieto”.
“Apresenta dificuldade na interpretação
de problemas, tabuada e operações
(divisão e multiplicação). Demonstra
vontade.
AM
“Apresenta dificuldade de leitura
(interpretação), não escreve com coerência,
não define o nero textual, pontuação e não
apresenta confiança em si mesmo”.
“Apresenta dificuldade na leitura e
interpretação de problemas e
dificuldade de concentração”.
FR
“Só decodifica o interpreta, não consegue
acompanhar o desfecho de uma história
(começo, meio e fim), não diferencia gêneros
textuais nem na leitura, nem na escrita e está
sempre sozinha e muito faltosa”.
“Apresenta séria dificuldade de
aprendizagem, apenas decodifica os
problemas e não os interpreta.
Demonstra imaturidade e está sempre
com algum problema de saúde”.
124
As dificuldades apresentadas pelos professores em relação aos sujeitos dessa pesquisa,
repetem-se na maioria dos casos, coincidindo nas duas disciplinas destacadas. Em especial, a
dificuldade na aprendizagem da leitura foi um dos aspectos elencados pelos professores,
demonstrando suas angústias. É possível observar como as dificuldades estão relacionadas
diretamente aos demais conteúdos e disciplinas escolares.
Apresentamos agora o relato dos mesmos em relação ao grupo de alunos pesquisado no
final do segundo semestre de 2007.
Alunos
Língua Portuguesa: Matemática
JV
“Desenvolve melhor suas produções escritas,
emprega com maior adequação a ortografia, a
acentuação e a pontuação.
“Consegue acompanhar a turma de
acordo com o seu ritmo, está mais
sociável na sala de aula e consegue
realizar algumas atividades sem o
auxílio do professor e dos colegas”.
F
“Está mais participativo, melhorou a
compreensão e a interpretação dos textos”.
“Está demonstrando mais interesse
pelas aulas”.
AM
“Participa mais das atividades e questiona
quando têmvidas”.
“Está demonstrando maior iniciativa
em ler as questões e tentar resolvê-las.
Antes ele nem lia e dizia que não
sabia, hoje tenta, na maioria das vezes
resolve e depois mostra questionando
se está certo”.
FR
Interessa-se mais em desenvolver as
atividades, questionando sempre que
necessário e interpreta os textos com maior
facilidade”.
“Se interessa mais em fazer os
trabalhos e demonstra maior
entendimento das questões
(interpretação)”.
É necessário salientarmos que esses depoimentos, escritos individualmente, fazem parte
de um relatório semestral emitido pelos professores da classe comum ao professor da Sala de
Recursos, para que o mesmo avalie os progressos e planeje as mediações necessárias para o
próximo semestre, ou ainda, considere se o aluno pode ser desligado. Ou seja, tais relatórios
não são procedimentos organizados para a pesquisa, atendem a um regulamento obrigatório desse
serviço especializado. Nenhum professor tem acesso ao relatório dos demais, constituindo-se um
documento sigiloso de uso exclusivo do professor da Sala de Recursos. Outra informação
relevante é a de que os professores foram comunicados que essas informações seriam
125
utilizadas nessa pesquisa e, portanto, consultados se, em anonimato, poderiam ser usadas após
a entrega do último relatório, no final de 2007.
Sem essa relação de confiança estabelecida entre os professores da classe comum e a
professora-pesquisadora possivelmente não teríamos subsídios e informações tão valiosas para
que a pesquisa fosse avaliada, e melhor, certificada por aqueles que vivenciaram ou não os
resultados deste estudo, apontando, a todo o momento, os indicadores para que elaborássemos
nossas mediações. E ainda, que os reais” resultados possam ser avaliados, visto que nosso
objetivo não é avaliar apenas os progressos, mas considerar, também, as dificuldades inerentes a
qualquer pesquisa e prática pedagógica de uma Sala de Recursos.
Levando em consideração os avanços, mais significativos em alguns casos e menos em
outros, e suas dificuldades iniciais, podemos observar que nenhum deles continua apresentando
as mesmas dificuldades. Alguns tiveram suas dificuldades iniciais resolvidas e hoje apresentam
outras, diferentes, mais complexas e próprias da relação ensino-aprendizagem. De modo geral,
algumas informações dos professores, como “desenvolve melhor”, “está mais participativo”,
“está mais sociável”, “apresenta maior iniciativa”, “melhor entendimento”, demonstram que os
professores, além de identificarem suas dificuldades, também estão voltando suas atenções para o
progresso desses alunos, mesmo que irrisório se comparados aos demais alunos, entendendo-os
como o possível a esses alunos, apouco tempo “rotulados” como fracassados, incapazes e à
margem da aprendizagem, ou melhor, excluídos.
O fato se evidencia com o seguinte depoimento: “consegue acompanhar a turma de acordo
com o seu ritmo [...]”. Essa é uma fala ainda pouco freqüente entre os professores do ensino
regular, que, por falta de conhecimento e acompanhamento, homogeneízam todos os alunos como
se todos fossem iguais.
Considerar, portanto, o ritmo, o tempo, as limitações e necessidades e, sobretudo,
desenvolver a sensibilidade de identificar os avanços desses alunos têm sido um dos maiores
desafios da Educação Especial, afinal, não desejamos, com o nosso trabalho de pesquisadora nem
mesmo de professora, que todos se tornem iguais, mas que possam ser conhecidos pelas suas
características próprias e únicas de cada ser humano.
Esta afirmação, se fez presente nos depoimentos acima, se considerarmos que nem todos
apresentaram o mesmo desenvolvimento em relação à leitura como prática social, nem mesmo
desenvolveram todas as funções psicológicas superiores propostas pela pesquisa com o auxílio da
leitura. Mas cada qual demonstrou essas funções de uma dada forma: ou participando mais das
aulas, ou questionando quando lhes surgiam as dúvidas, ou interessando-se mais pelos conteúdos,
126
ou demonstrando maior iniciativa ou, simplesmente, realizando “algumas” atividades sem o
auxílio do professor e dos colegas.
Para um professor que trabalha com os alunos ditos “normais”, possivelmente esses
avanços pareçam irrisórios ou pouco significativos. Mas, para um professor da Educação
Especial, essas atitudes desenvolvidas pelos alunos são extremamente significativas se
comparadas ao momento inicial em que foram avaliados e, notadamente, se forem consideradas
as dificuldades encontradas nessa modalidade de ensino.
Um dos aspectos que merecem destaque é a ampliação do sentimento de confiança em si
próprio e nos professores e colegas, visto que todos os alunos pesquisados apresentavam
características como o isolamento, a baixa auto-estima, a quietude e o próprio medo de errar. Tais
comportamentos foram, paulatinamente, modificados e substituídos por outros, como maior
participação, questionamento das vidas, interesse em realizar as atividades e conteúdos
discutidos, iniciativa, independência e maior sociabilidade. A valorização por parte da
professora-pesquisa dos pequenos sucessos desses alunos, por meio de pistas, gestos e expressões
afirmativas foi fundamental para que, aos poucos, esses alunos voltassem a confiar em si próprio
e corroboraram para que, gradativamente, as marcas deixadas pelo fracasso escolar pudessem ser
substituídas por sinais de inserção e participação social.
Esses aspectos estão diretamente relacionados ao desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. A atenção faz-se presente no momento em que os alunos conseguem
concentrar-se com maior facilidade; a memória, quando participam oralmente das discussões,
utilizam-se de conhecimentos anteriores ou adquiridos em outras aulas e na sua própria vivência;
a percepção, quando demonstram ter compreendido a fala do professor, dos colegas ou da
mensagem escrita e a abstração quando selecionam ou classificam, em um texto ou em uma
experiência vivida, elementos que contribuem para a sua generalização, ou seja, a relação de
diferentes aspectos e características pertencentes a determinada categoria.
Os resultados obtidos até o momento indicam a importância da mediação do professor,
que, ao desenvolver práticas como a da leitura, pode corroborar para o desenvolvimento não
apenas de aspectos e funções delimitadas nesse estudo, mas para a formação educacional dos
sujeitos com ou o necessidades especiais, de modo que passem a ser compreendidos pelo seu
potencial e não apenas por suas dificuldades escolares.
As mediações primaram por atitudes simples, como, por exemplo, a de direcionar a
atenção dos alunos por meio da leitura silenciosa, ou sinalizando com o dedo o texto para que o
aluno redirecionasse sua atenção no momento em que apresentava-se disperso durante a leitura
127
oral e coletiva. Sempre procuramos demonstrar a importância das leituras realizadas para sua
vida no momento das conversações orais e dos questionamentos pessoais, de modo que a prática
de lembrar a si mesmo a necessidade de estar atento em algumas situações fosse, aos poucos,
interiorizada. Assim, recorrentes vezes, a professora-pesquisadora utilizava-se da fala: “existe o
momento de ouvir e o de falar, agora vamos ouvir, ou prestar atenção à leitura...”.
Essa formação da conduta ou da atenção voluntária no ser humano, destacada por
Vigotski (1983) e Gonobolin (1969), -se pelas relações do indivíduo com o seu meio cultural,
mediadas pelos estímulos externos que promovem a reestruturação das características orgânicas
dessa função, ou seja, ela pode ser reorganizada no meio escolar pelas mediações do professor.
Em relação à percepção, as mediações realizadas pela professora-pesquisadora foram as
de ler oralmente o texto para os alunos, de modo que, individualmente, os alunos percebessem
possíveis equívocos e distorções na leitura de termos que pudessem interferir na compreensão do
texto, ou solicitava que os alunos o fizessem de modo que as capacidades de análise e síntese,
fundamentais ao desenvolvimento dessa função, fossem reorganizadas. Constantemente, eram
formulados questionamentos aos alunos, como: “O que fala neste texto? ou Qual é o assunto
deste texto? Esse reconhecimento, assim denominado por Sokolov (1969), é que desencadeia a
racionalização da percepção, permitindo ao indivíduo classificar um objeto em categorias,
formando um sistema de conexões temporais.
Os questionamentos, portanto, não foram utilizados apenas com o objetivo de ativar a
percepção, mas corroborar para que, posterior ou concomitantemente, a abstração e a
generalização fossem ativadas, visto que as funções psicológicas não são estanques e interagem
entre si, em muitas situações ao mesmo tempo.
Rubinstein (1973) destaca a relação intrínseca existente entre a percepção e a capacidade
de ação do homem no mundo que o rodeia por meio da formação de uma consciência social.
Nesse sentido, optamos por textos que discutissem temas reais, sociais, econômicos e políticos,
como a influência da TV ou da tecnologia, o preconceito racial, ou mesmo a fome e a pobreza.
Perceber a realidade na qual estão inseridos talvez seja um dos caminhos para a formação
de sujeitos conscientes. E, para que os fatos que compõem essa realidade possam ser discutidos,
precisamos, primeiramente, lembrá-los e fixá-los na memória para que, posteriormente, sejam
recordados em discussões e atividades futuras. Sokolov (1969) destaca a necessidade da
realização de associações, ou seja, de que o aluno realize relações com objetos e fenômenos por
meio de suas diferenças e semelhanças, situando-os no tempo e no espaço.
128
Diversos questionamentos foram realizados com esse objetivo, por exemplo: O que
você se lembra do texto? Ou do que leu? Como essa reportagem iniciou? Como a autora concluiu
o texto? Ou ainda, em alguns momentos, com o objetivo de resgatar o que foi ou não fixado na
memória, com as perguntas: E o que mais? Quando ocorreu? Em que local?
Inicialmente, os alunos respondiam a esses questionamentos com palavras isoladas do
texto, escolhidas aleatoriamente ou, simplesmente, com o silêncio, demonstrando, portanto, que a
leitura e as mediações realizadas não eram suficientes para que as informações fossem fixadas em
sua memória e, posteriormente, recordadas.
Na medida em que recordávamos o que foi lido, outras funções, como a abstração e a
generalização eram acionadas, pela mediação da linguagem, corroborando na formação do
pensamento racional, pelas atividades psicológicas e na formação de novos conceitos, conforme
nos fundamenta Luria (1990).
Ao utilizarmos a leitura juntamente as mediações/fala como elementos desencadeadores
ou não das funções psicológicas superiores, organizamos atividades de leitura baseadas em
momentos de contato individual com o texto e momentos de conversação em grupo. Pouco a
pouco, os alunos comaram a ser capazes de reorganizar o pensamento categorial e a orientação
abstrata, favorecendo a interpretação dos fatos e fenômenos da realidade que o cercavam, não
apenas por meio das suas impressões imediatas, mas pela capacidade de separá-los em categorias
distintas e relacioná-los a um conceito abstrato (LURIA, 1990).
Como observou Vigotski (1986), as palavras auxiliam a generalização e a abstração, visto
que são elaboradas historicamente por um sistema semântico que organiza seus significados.
Com base nessa afirmação, organizamos mediações que primaram pela análise de informações e
fenômenos sócio-culturais discutidos pelos textos, pelas quais os alunos eram, constantemente,
questionados a respeito dos seus significados. Por exemplo, ao discutir o texto Cachorrada,
problematizamos: No primeiro quadro, o cachorro assiste a TV. A que programa estaria
assistindo? ou Por que o cachorro entendeu a cena como um terror? Os alunos foram instigados a
analisar dois objetos – o cachorro e a cena de terror, entendendo-os como elementos diferentes e,
portanto, pertencentes a categorias diferentes e, ao mesmo tempo, relacio-los entre si, ao
argumentarem a respeito do que seria uma cena de terror para o cachorro. Elaboram, assim, um
conceito abstrato, que, para os alunos F e AM, foi inferido como o risco de ser mordido ou,
interpretado pelo aluno FR, como um desejo de se comer o alimento.
Outras situações, como as de apontar no texto elementos, conceitos e informações, ou
exercitar nos alunos a compreensão de elementos e conceitos implícitos no texto, como, por
129
exemplo, o preconceito racial, a sentica, as creas religiosas, ou mesmo as conseqüências
da tecnologia para o ser humano, foram importantes para que a compreensão dos textos fosse
facilitada. Ou seja, privilegiamos a busca de sentidos, por meio do isolamento de alguns
elementos e, ao mesmo tempo, da sua generalização e relação com outros elementos externos ao
texto.
No entanto, não podemos deixar de apontar alguns aspectos que dificultaram o
desenvolvimento da pesquisa, como o tempo. A sua delimitação foi, ao nosso ver, uma das
maiores dificuldades, porque nossa posição de professora-pesquisadora exigiu-nos um duplo
esforço. Primeiro, o de avaliar as dificuldades escolares apresentadas pelos alunos, planejando
mediações que favorecessem o desenvolvimento das suas funções psicológicas superiores,
utilizando, como instrumento, a leitura; e segundo, a busca teórica por autores pertencentes à
perspectiva Histórico-Cultural que respaldassem nossas ações e posterior análise dos resultados.
Quando nos referimos ao aspecto tempo, não estamos indicando apenas a falta de tempo
cronológico, mas de tempo do conhecimento, uma vez que a realização de uma pesquisa-ação
exige que as leituras sejam internalizadas por meio da reflexão de nossas ações práticas, de modo
que essa relação dialética entre estudo, prática e alise dos resultados ocorra
concomitantemente. Salientamos, portanto, que esse tempo não é o mesmo para todos os
pesquisadores, e nem sempre o mesmo é o suficiente para todas as pesquisas, considerando as
particularidades de cada estudo, de cada pesquisador, e consequentemente, as dificuldades, as
mudanças e as necessidades específicas de cada trabalho.
A escolha pela atuação de professora-pesquisadora é outro aspecto que merece nosso
destaque, pois devem ser considerados ao mesmo tempo, alguns riscos/dificuldades e algumas
facilidades proporcionadas por essa posição de dupla função frente ao objeto de pesquisa. A
facilidade talvez tenha sido a de estar constantemente em contato com o objeto de pesquisa,
possibilitando que a análise dos resultados, bem como a identificação das dificuldades
apresentadas pelos alunos, fossem mais bem explicitados.
Ao mesmo tempo, por estar como dito em contato constante com o objeto de pesquisa,
corremos o sério risco de supervalorizar algumas situações e atitudes demonstradas pelos alunos
ou, simplesmente, ignorar alguns avanços em relação à aprendizagem dos alunos, visto que, em
muitos momentos da pesquisa faz-se necessário um distanciamento do objeto de pesquisa, no
qual a relação intrínseca professora-pesquisadora deve ser dissociada para que a posição de
professora e todo envolvimento pessoal não interfira nas análises realizadas pela posição de
pesquisadora.
130
No entanto, acreditamos que esse risco foi pouco significante no decorrer da pesquisa,
em razão da satisfão pessoal e profissional proporcionada pela posição de pesquisadora, a qual
permitiu-nos demonstrar o quanto é importante e significativo tomarmos como prática a ação de
refletir a respeito de nossas próprias ações e concomitantemente, buscar subsídios teóricos que
fundamentem nossa prática.
Assim, não com o objetivo de justificar, mas de demonstrar nossa consciência em relação
aos possíveis limites encontrados neste estudo, salientamos que nosso objetivo maior se pautou e
sempre se pautará, na formação de pessoas conscientes e atuantes em relação às diversas leituras
expostas cotidianamente no ambiente ao qual convivem. Ambiente este, repleto de textos,
mensagens e comportamentos que emitem ou muitas vezes omitem intenções, valores e
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131
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