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UNIVERSIDADEFEDERALDEPERNAMBUCOUFPE
CENTRODEARTESECOMUNICAÇÃO
PROGRAMADEPÓSGRADUAÇÃOEMTEORIADALITERATURA
NÍVELDOUTORADO
CristinaLúciadeAlmeida
Oelogiodaformaliterária
naspoéticasdePaulValéryeOsmanLins
Julho
2009
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CristinaLúciadeAlmeida
Oelogiodaformaliterária
naspoéticasdePaulValéryeOsmanLins
Tese de Doutorado apresentada ao
ProgramadePósgraduaçãoemLetrasda
Universidade Federal de Pernambuco
para obtenção do grau de Doutor em
TeoriadaLiteratura.
Orientador:Prof.Dr.LourivalHolanda
Julho
2009
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Almeida,CristinaLúciade
OelogiodaformaliterárianaspoéticasdePaul
Valéry e Osman Lins / Cristina Lúcia de Almeida –
Recife:OAutor,2009.
188folhas.
Tese (doutorado) – Universidade Federal de
Pernambuco.CAC.Letras,2009.
Incluibibliografia.
1. Literatura comparada. 2. Valéry, Paul, 1871 
1945Críticaeinterpretação.3.Lins,Osman,1924
1978  Crítica e interpretação. 4. Educação 
Literatura.I.Título.
82.09 CDU(2.ed.) UFPE
809 CDD(22.ed.) CAC200977
Dedico
Aosquemedãovida:
minhaamada,razãoelibertão,CrisiaMariana,
Gialloamado,cumplicidadeadinfinitum,
minhafamíliaemeusamigos.
Agradecimentos
ALourivalHolanda,pelaluzliterária,confiançaeincentivo.
AoprogramadePósgraduãoemLetrasdaUFPE,
funcionários,professoreseamigosqueacompanharammeu
percursonaconstruçãodestetexto.
Àturma“ArecepçãodePaulValérynoBrasil,USP2005.2,
ministradapeloprofessorRobertoZular,umgrandelemenesse
barco.
AoColégiodeAplicaçãodaUFPE,peloapoionafasefinalde
escrita.
APeronRiosesuarevisão,terceiroolhodenossastríades.
ADeus,oprincípiodoverbo.
RESUMO
Ateseaquiapresentadavisaàcomparãodosprojetosliteráriosde
PaulValéryeOsmanLinsnoquedizrespeitoaoelogiodaformaliterária,o
trabalho apurado com a linguagem e o compromisso social como
exploradoreseampliadoresdarealidade.Paratal,revisitamosolivro
Guerra
semtestemunhas
deOsmanLinseobservamosomodocomoesseautor
está familiarizado com a poética valeriana de composição, o rigor, a
geometria; como também está atualizado com a recepção do poeta
francêsenquanto escritorquesoubefazer usodo acasona elaborão da
obraliteráriaenãoenquantosimplesformalista.Opresentetrabalhoinsere
se no âmbito da crítica enquanto crião, ou no dizer de Leyla Perrone
Moisés (1998), no livro
Altas literaturas
, característica principal da
modernidadeliteráriaedosescritoresempenhadosemrefletirsobreoatode
escrever. A partir da análise comparativa das poéticas desses autores
mostramos como a concepção de forma literária para eles envolve uma
postura ativa do profissional das letras no que diz respeito ao ensino da
educão literária, uma revalorização da análise do texto literário
considerandoseutodo,fazendovaleroqueJoãoAlexandreBarbosa(1990)
denominoudeleituraintervalar,oselosentrealiteraturaeoutrasáreasdo
conhecimento.
Palavraschave: Literatura Comparad Paul Valéry; Osman Lins;
Educãoliterária.
ABSTRACT
Theobjectiveofthethesispresentedhereistocomparetheliteraryworkof
Paul Valéry and Osman Lins regarding to their elaboration of the literary
form, their use of the language and the social commitment to enlarge and
explore the reality. To do this, we revisited the book
Guerra sem
Testemunhas
(1969) by Osman Lins and observed how the author is not
onlyfamiliarwiththepoeticstyle,therigorandthegeometryofthevalerian
styleofwriting,butisalsoupdatedtothethoughtsoftheFrenchpoetasa
writer who knew how to make the use of the chance to produce a literary
composition.Thisworkcomesundercriticisminthecreation,orinthewords
ofLeylaPerroneMoisés(1998),inthebook
Altasliteraturas
,theprincipal
characteristicsofmodernliteratureandwriterscommittedtoreflectontheact
of writing.Wepointed out howthe conception of the literary form of these
authorsinvolveanactivepositionwithregardstotheteachingofliterature,to
arevaluationoftheanalysisoftheliterarytextasawhole,tovalidatewhich
JoãoAlexandreBarbosa(1990)calledthereadinginterval,thelinksbetween
literatureandotherareasofknowledge.
Keywords: Comparative Literature, Paul Valéry; Osman Lins; Literary
Education.
RÉSUMÉ
La thèse ciprésentée envisage la comparaison entre le projet littéraire de
PaulValéry et celuidOsmanLins, en ce quiconcerneléloge delaforme
littéraire,letravailépuréaveclelangageetlecompromissocial.Ànotreavis,
alors, ces écrivan sont des explorateurs, des amplificateurs de la réalité.
Pourcefaire,nousavonsreprislelivre
Guerrasemtestemunhas
,écritpar
OsmanLins,etnousavonsmisenrelieflamanièreparlaquellecetauteur
est familiarisé avec la poétique valérienne de la composition, de part sa
rigueuret sagéometrie.NousobservonsaussicommentOsmansestbien
renseignéàproposdelareceptiondupoètefrançaisentantquécrivainqui
asufaireusageduhasardaumomentdelaconstructiondeloeuvrelittéraire
–passimplemententantqueformaliste.Cetravailsetrouvedanslespace
de la critique comme création – ou, selon les paroles de Leyla Perrone
Moisés(1998),danslelivre
Altasliteraturas
,descaracteristiquesprincipales
de la modernité littéraire et des écrivains engagés à réflechir sur lacte
décrire.Apartirdelanalysecomparativeentrelespoétiquesdecesauteurs,
nousavonsmontrécommentlaconceptiondelaformelittéraire–poureux–
suppose une allure active des professionnels des lettres par rapport à
lenseignement de léducation littéraire, une revalorisation de l’analyse du
texte littéraire dans sa totalité.Tout cela confirme ce que João Alexandre
Barbosa(1990)aappelé
lalecturedelintervalle
,leslacetsentrelalittérature
etdautreschampsdelaconnaissance.
MOTSCLÉS: Littérature comparée; Paul Valéry; Osman Lins; Education
littéraire.
ListadeAbreviaturas
1.ObrasdePaulValéry
CA1 CahierI
CA2 CahierII
ES EgoScriptor
PPA Petitspoèmesabstraits
OE1 OeuvresI
OE2 OeuvresII
VA Variedades
CM– OCemitérioMarinho
EA– EupalinosouoArquiteto
IMLV–IntroduçãoaométododeLeonardodaVinci
2.ObrasdeOsmanLins
GST GuerrasemTestemunhas
NN NoveNovena
AV Avalovara
ARCG ArainhadosCárceresdaGrécia
DIDG DoidealedaGlória
ET EvangelhonaTaba
CE Casosespeciais
Se,porenãoseiqueexcessodesocialismoouebarbárie,todasasnossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina
literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no
monumento literário – Roland Barthes (
Aula
, 1977, Trad. Leyla Perrone
Moisés.SãoPaulo:Cultrix,1988)
Sabemos que em literatura uma mensagem ética, política, religiosa ou mais
geralmentesocialsótemeficiênciaquandoforreduzidaàestruturaliterária,à
formaordenadora.Taismensagenssãolidascomoquaisqueroutras,enão
podem ser proscritas; mas a sua validade depende da forma que lhes dá
existência como um certo tipo de objeto.”  Antônio Cândido (
O direito à
literatura
,1995)
Oqueosuneéumaexperiênciapartilhadadalinguagempoéticaeoprojeto
comum de levála a um padrão universal de excelência. – Leyla Perrone
Moisés(
Altasliteraturas
,1998).
SUMÁRIO
Introdução,oferenda..................................................................................p.12
1.Oelogiodaforma:provaedegustão................................................p.25
1.1.Ospólosdooroboro..................................................................p.33
1.2.Dosilêncio,balbucios................................................................p.40
1.3.Norastrodaprova......................................................................p.51
2.Asfrontesdaguerra: ............................................................................p.73
2.1.Ameta:linguagem.....................................................................p.79
2.1.1.Oidealdelínguapuravaleriano.............................................p.87
2.1.2.Asvirtualidadesdalinguagem osmaniana.............................p.99
2.2.Oautor(in)diferente..................................................................p.119
2.2.1.OdiscursosobreaHistóriaemPaulValéry..........................p.128
2.2.2.OescritoreasociedadeparaOsmanLins...........................p.137
3.Porumaeducãoliterária..................................................................p.145
3.1.LiçõesdePoéticanoCollègedeFrance..................................p.148
3.2.Aformãodoleitorosmanino.................................................p.153
3.3.Doelogioàação.......................................................................p.167
Conclusões,semfim................................................................................p.177
Referênciasbibliográficas........................................................................p.183
12
Introdução,oferenda
O que encontramos nas coisas mais semelhantes é a
diversidade,avariedade”.
1
(Montaigne)
Emartenãoháprogresso,nãoháavanço,emtermosdevalor.
Além disso, em nossas sociedades ocidentais a arte, e em
particular a literatura, não tende a produzir um concerto
harmonioso, mas tem tido cada vez mais uma função crítica,
contestadora, eumafeição dilacerada emtodos os níveis; entre
concepções antagônicas do homem e do universo, entre
concepções conflituosas do que é original ou nacional, entre
pesquisas formais múltiplas e divergentes.”
2
(Leyla Perrone
Moisés)
O que nos move, incita, remoça, é o texto literário, o êxtase na
contemplãoereflexãoliterária.Aliteraturaéoniforme
3
,metamorfoseante,
ela é a nossa chave de interpretão, é a nossa aposta, o nosso vetor
potencializador da imaginão, transformador do real, motivador dos
possíveis.OelogiodaformaliterárianaspoéticasdePaulValéryeOsman
Linséumapesquisavoltadaàanálisedaformaenquantoconstruçãodeum
modo de dizer singular, específico do literário e em constante mudança
porqueintrinsecamenterelacionadoaoautoremseucontextodeprodução.
1
Montaigne,Michel.Ensaios.Vol.2.Daexperiência.NovaCultural.SãoPaulo,NovaCultural,1996,
p.355.
2
PerroneMoises, Leyla. Flores na escrivaninha – Ensaios. 1.ª Reimpressão. São Paulo, Cia. Das
Letras,1998,p.93.
3
Oniformesignifica
quetemouécapazdeadquirirtodasasformas.
(Houaiss).O críticoJoão
AlexandreBarbosausouosufixooni quandofalou,nolivro
ParaSpinosa
(p.265),da‘presença
onívoradoleitorquetudotransformaemalimentoparaimaginação’.
13
ALiteraturaenquantodisciplinafoipormuitasvezesatribunalcomo
ré, entendida enquanto difusora de ideologias conservadoras estéreis.
Podemos relembrar a década de setenta quando a pósmodernidade
nomeadaescatologicamenteasentenciouàmorte.Outromomentoemque
a Literatura foi posta em xeque, nos anos 80, na querela entre a teoria
literária e os estudos culturais
4
, étema do artigo Em defesa daliteratura”
(Folha,Mais!18/06/2000),deLeylaPerroneMoisés.Aautoramostraquea
defesa da Literatura é necessária não no que diz respeito à carência de
produção,umavezqueosnúmerosdaspublicõesevendasnaeditoriade
textosclassificadostantocomoliteraturadeentretenimento,comoaliterária
 a que tem o compromisso com a forma, a tradição literária aumentam
cada vez mais. O que a preocupa eela vê a necessidade de defesa é a
Literatura como disciplina na escola e na universidade, como também a
indefiniçãodevaloresnasliteraturascomintençãoliterária,deacordocomo
conceito de literatura literária, ocidental, fruto do Iluminismo e do
Romantismo.
Para PerroneMoisés (1998), esse conceito, apesar de ser datado,
não é estático; transformase com as novas práticas experimentais dos
escritores e as novas tecnologias de informão, e não deveria cair em
desuso, sendo urgente para isso repensar a importância de valores
4
Nãoénossoobjetivonosestendersobreesseassunto,muitoamplo,temadeváriasteses,masapoiar
acríticadeLeylaPerroneMoisésrelacionadaaosestudos culturaisqueavaliamostextosliterários
porquestõespoliticamen tecorretasenãoestéticas. Noartigo“Desconstruindoos‘estudosculturais’,
PerroneMoisés(2007,p.167)afirmaquetemmanifestadosuasidéiassobre‘osestudosculturais’à
maneiran orteamericana,porqueelesaoconsideraremotextoliteráriocomoumdiscursoideológico
entre outros, apenas um documento social e histórico, estão esmagando os estudos propriamente
literários. Para  PerroneMoisés, “o texto literário o é um discurso à parte, mas um discurso
particular, que exige uma leitura baseada em conceitos e valores específicos, e que, portanto, seu
estudonãopodenemdevesersubsumidoeobliteradopelosestudos culturais”.
14
essenciais,masnuncafixos.Afixidezémomentânea,dizOctavioPazem
Omonogramático
5
.
O fato é que a Literatura literária, que já foi “cimento de
nacionalidades por seu caráter enciclopédico – a visada histórica não
excluía a estética – foiperdendo seu território como disciplina escolar nos
cursos básicos, quando foi acoplada aos estudos de Comunicão e
Expressão, e depois, tanto nos P
arâmetros Curriculares para o Ensino
Médio
(2002), como nas
Orientões curriculares
para o Ensino médio
(2006), quando foidiluída na disciplina de Língua Portuguesa, na área de
Linguagens,códigosesuastecnologias.
Nos cursos superiores não foi muito diferente: algumas disciplinas
relacionadasà teorialiterária,e aanálisedeobrascanônicasdeixaramde
existirnas universidades. O resultado foi o abandono do texto literário em
proldotextopoliticamentecorretosegundoaescolhadosculturalistasque,
ironicamente,acabaramporcriaroutrocânone,odasminoriasnegandoa
especificidadedoliterário,igualandooatodaproduçãodalíngua,escritaou
falada,verbalounãoverbal.
Aquestãooqueéliteratura?érevisitadanonossoelogiodaforma
porque continua sendo fundamental para a educão das sensibilidades
literárias. Dos tantos livros sobre essa temática destacamos o de Marisa
Lajolo,
Literatura: leitores e leitura
(2001), porque é totalmente diferente
daconcepçãodeLiteraturadeLeylaPerroneMoisés,em
Altasliteraturas
(1998), que melhor identifica a linha trica desta tese. Marisa Lajolo, no
livrocitado,criaumaoposiçãoentre“oclubedosleitoresanônimos,aqueles
5
Paz,Octávio.Omonogramático.Riodejaneiro.Guanabara,1988.
15
queconsideramliteraturatudoqueseproduzcomoexpressãodeemoções,
emlivrosounão,emoposiçãoaogrupodeprofessoresresmungõesque
buscamaleituradetextoscomliterariedade.Paraaautora,aliteraturanão
morreu,masmudoumuito:
Aliteratura,hoje,pareceestádiodefutebolemdiadefinalde
campeonato: sempre cabe mais um, e tem até cambista
vendendoingressoparaquemchegatarde.Mashátambém,é
claro, o setor das numeradas e das cadeiras cativas: pois a
literatura de que falam os que resmungam continua viva,vai
bem, obrigada, e até manda lembranças. Apenas não está
maissozinhaemcena.”(p.10)
EsseposicionamentodeMarisaLajoloéculturalistaeaparentemente
democrático, pois, embora afirme que a literatura literária convive com
romancesexotéricos,deautoajuda,policial,novelasefilmes,oquesetem
visto na sala de aula e nas pesquisas de mais vendidos, é que o público
leitorcontemporâneoestásendocoibido,numaideologiadaalienão,pelo
excesso de informão, divulgãoda mídia, a preferir os livros com uma
linguagem mais acessível, visando ao entretenimento; diferente do texto
literário,queexploraaomáximoalinguagem,trazendonaformacomplexaa
alterão da realidade e consequentemente a reflexão sobre o real e a
atuão em busca de mudanças. A época da recusaàs facilidades, como
proclamam Osman Lins e Paul Valéry, foi esquecida. Agora se vive uma
apologiadofácil,daleituradinâmicasemreflexão.
16
Asimplicõesdosusosdeumaeoutraconcepçãodeliteraturasão
imprescindíveis para o desenvolvimento desta tese. Elas resultam num
contexto de batalha entre culturalistas e tricos da literatura, alguns com
posiçõesretrógradas,reaçõesconservadoras,moralistasepreconceituosas,
noquedizrespeitoaquestõespolíticasepedagógicasquenãoabsorvemos.
Podemosdestacar,porexemplo,dentreoutros,oprofessorHaroldBloom(
O
CânoneOcidental
, 2003)e seu ataqueincisivo aos estudos culturais, em
defesadeumcânonefixoestritamenteocidental,tendocomoeixoprincipal
Shakespeare.Aocontrário,oexemplodosensatoFrankKermode(
Oapetite
pela poesia
, 1993), quando aponta os valores ativos nas grandes obras
literáriaseasvantagensculturaiseexistênciasdesualeitura”.Ocríticonão
abre mão da Literatura literária, por isso lê a literatura contemporânea
pensandonosvaloresdamodernidade.Dessemodo,noscolocamosaolado
deKermodeedePerroneMoiséscomodivulgadoresdanãorupturaentrea
tradição e o contemporâneo, por uma concepção de literatura que não
coloque em oposição forma e contdo, e que não atribua valores por
posicionamentospolíticosesimestéticos.
Essa postura equilibrada de Kermode ficou mais visível a partir de
1995,quandooslivrosintituladosemdefesadaliteraturapretendiamiralém
das querelas e focar mais uma vez o texto literário. Tanto
A Defense of
Poetry
deMarkEdmundson(Cambrige),comoadePaulH.Fry(Stanford),e
em 1999,
Literature
, de Peter Widdowson, objetivam o que, no livro
"Defesa e Ilustração da Literatura"
, o professor Lourival Holanda (1998)
traduziu pelo caráter de resistência próprio da Literatura literária. Além de
17
políticas de leitura e universitárias, a alta literatura dura, pedra maleável,
permanece.
Étomandopartidodaliteraturaliteráriaquecomamosnossoelogio
daformanaspoéticasdePaulValéryeOsmanLins.Nopercursobrancoda
página, cada letra digitada prenuncia novos húmus, passo sinuoso de
formiga,alinhaondulante nãosignifica perdadesentido, orumoestánas
antenasenoalvo,nãonareta.Umadasteoriasquenosguia,aLiteratura
Comparada, não é utilizada para confirmar uma hipótese de relão de
parentesco entre um precursor e um continuador, mas, para nesse jogo
combinatório, contemplar um rosto arcimbaldiano
6
 bipartido a princípio,
mas como não se trata de um contato binário, dos projetos literários em
questão,emergeumcânoneesuasinterconexões.
ALiteraturaComparada (Nitrini,2000,p.133)éutilizada nesse texto
enquantométodoqueprocura,semcairnojogohierárquicodasinfluências,
discorrersobreassimilitudeseasdiferençasnosprojetosliteráriosdesses
escritores.Tratasedeestudarumafraternidadeliteráriaqueresisteatravés
dosséculosàdiluição daarte crítica,reflexiva,libertadora. Asconcepções
decomposãoliterária,emprosaoupoesia,tantocomoasnoçõesdeautor
eleitor,são–comoosvaloreselencadosporLeylaPerroneMoisés(1998)e
aspropostasdeItaloCalvino(1995)paraonossomilênio–umpórticopara
aliteraturadoséc.XXI.
6
GiuseppeAr cimboldo(15271593),pintoritalianopioneiroemusarvegetaisparacomporuma
fisionomiahumana,eleéchamadoaquicomometáforadeumrostofeitodeváriosrostos.
18
A hipótese norteadora é que a referência a Paul Valéry feita por
OsmanLinsem
GuerrasemTestemunhas
7
,primeirolivrodeensaiosdesse
escritor,não é reverêncianem
influenza
à gripe formalista. As citões de
Osmanaopoetanãosãoesporádicas,elasaparecemempontoschavedo
ensaio e se configuram como prova, degustão, de que é possível
resguardarnareconstituiçãodabibliotecaimagináriaosmaniana,tendosido
dispersa a concreta, o projeto literário desse poeta francês. Através dos
textos de Paul Valéry
8
O Cemitério Marinho
9
, o ensaio
Acerca do
CemitérioMarinho
10
e
EupalinosouoArquiteto
11
citadosnoensaiode
Osman,mostraremostambémqueoescritorpernambucanofazumaleitura
atualizada dapoéticadePaulValéry: o poetadorigor com aformanão a
desvinculatotalmentedosentidohistóricoqueaimpulsiona.
Ométodoacolhidonestateseéumaexperiênciade compartilhar.A
leitura comparativa entre as poéticas de Osman e Valéry, o prazer de
perceber no jogo de semelhanças e diferenças entre eles não uma
complementão, mas um circuito aberto de circulão de energias que
harmonicamenteseajustamnumalógicaimaginativa.
Nesse sentido, o crítico literário João Alexandre Barbosa (2005),
exímio leitor do poeta francês e do escritor pernambucano, ao escrever o
artigo
Reflexões sobre o método
12
, faz um histórico dessa palavra (do
7
Aediçãoutilizadaéade1974,SãoPaulo:Ática.Anãoserquandocompararmoscomaprimeira
edição,quando faremosadevidareferência.
8
AscitaçõesdetrechosdasobrasdePaulValeryaparecerãodeacordocomastraduçõesbr asileiras
existentes.Quandonão,serãotraduçõesminhascomarevisãodoprofessorPeronRios,seguidasda
referênciaaotextooriginal.
9
Valéry,Paul.OCemitérioMarinho.Trad.JorgeWanderley.ColeçãoAqueduto.Fontana.1974.
10
VALÉRY,Paul(1999).
Variedades
.TraduçãodeMaizaMartinsdeSiqueira.SP,Iluminuras.
11
VALÉRY,Paul. (2001).EupalinosouoArquiteto.Tr aduçãodeOlgaReggiane.SP,Editora34.
12
RevistaZunái: www.revistazunai.com/ensaios/joao_alexandre_barbosa_reflexoes_metodo.htm
19
grego,significacaminhoparachegaraumfim)desdeasistematizaçãopor
Descartes e a divulgão pelos cartesianos, aplicado independente do
objeto,aométodoquenãoentesaoandardaconstruçãodoconhecimento.
Nesse texto, Barbosa cita a concepção fundamental de Paul Valéry,
segundoaqualummétodoéfrutodemétodos,experiênciascomaleitura
doobjeto,comotambéméumrecortedanossabiografia:
aperspectivaapartirdaqualosdomíniosdosmeiosartísticos,
das técnicas e das cncias se respondem mutuamente pela
instaurãodaquiloqueValérychamadelógicaimaginativa,ou
analógica,equesefunda,deacordocomopoetafrancês,no
encontro derelões
,para usar suas próprias palavras,entre
coisascujaleidecontinuidadenosescapa.”
Poressagica,oencontroentreOsmaneValérysevalida.Embora
esses escritores não tenham vivido a mesma época histórica, não foram
contemporâneos no tempo, mas dialogam no que diz respeito às
concepçõesliterárias.
O período de produção de Valéry abarcaofim do século dezenove
até 1945.Época em que as vanguardas criticavam as escolas tradicionais
parnasianosimbolistas e ditavam as leis. Nesse contexto, o poeta francês
nemsepetrificounatradiçãonemergueunovosdeuses,caminhounamão
dupla com a leveza dos pássaros, sabendo bem onde pousam para os
próximosvôos.
NocontextodaproduçãodeOsmanLins,1950até1978,percebemos
algosimilar.Opósmodernismoexplodiaasimesmoemmultiplicidadessem
20
nexos, mas o pernambucano não se deixou levar por experimentalismos
soltoseimpregnousedetradiçãoemodernidade.Aproximarmosaquiesses
autores é como colocar dorso contra dorso dois nomes e suas escolhas,
duas épocas, percebendo a força singular que os moveram, a Literatura,
força que faz cachoeiras longínquas alcançarem os rumos de acesso ao
mesmorio,oelogiodaformaliterária.
Barthes, no livro
Como viver Junto
(2003), discorre sobre essa
convivência atemporal.O autor aponta a oposição entre a linearidade dos
métodoseasimultaneidadedacultura.AconcepçãodeculturaparaBarthes
éfundamentadanaconcepçãodemétodoaquiutilizado,afugadarotinado
método pela lógica imaginativa, para não esterilizar o pensamento em
relão às nuanças e variões do contingente cultural tão enriquecedor
paraoconhecimento.Nossoelogio,derivadodelogium,étantomaisrazão
quantoimaginão.Otrabalhoseinserenoâmbitodapoéticaedareflexão
crítica de escritores clássicos, aqueles que, segundo Valéry, trazem um
críticodentrodesi(VA,p.25)
OdiálogocomatradãoliteráriafrancesanasobrasdeOsmanLins
jáfoicontempladoporváriostricosecríticosdaliteratura,masapenasno
quedizrespeitoaoNovoRomancefrancês,autorescomoGrilleteButorsão
inclusivereferenciadospelopróprioOsmannolivro
Marinheirodeprimeira
viagem
13
, um memorial de viagem à França. Mas, como veremos em
detalhesadiante,aindanãohaviatrabalhoacadêmiconoquedizrespeitoà
propostadestatese,ondeveremosquenosensaioseromancesdeOsman
13
Lins,Osman.Marinheirodeprimeiraviagem.1.edição,1963,Civilizaçãobrasileira.
21
LinsapresençadeValérypodeserconsideradacomoumachavedeleitura,
ummétodointerpretativo.
AcomparãoentreapoéticadeOsmanLinsePaulValéry,alémde
fato inédito na fortuna crítica dos autores, é essencial para quem faz da
literaturaoespomáximoderesistênciaemtemposdediluição.Um
locus
que agrega ondas símiles, díspares e tensas, que, pela concentrão,
balançaereergueasestruturasdaarteliterária.Tratasedeumaoferenda
ao leitor que acredita no projeto de escritores dedicados ao ofício de
escrevercomoo máximoexercício decidadaniae solidariedadeestéticae
social.
Odiálogo,comosugereLeylaPerroneMoisés(1990),écontestadore
dilacerador,baseadonumaconcepçãodeLiteraturaComparadaCríticaque
destacaosantagonismoseconflitosdessesautoresesuasobras,mostrase
atenta à análise das absorções e integrões como superão das
influências, desmonta ativamente os elementos da obra para encontrar os
processos de produção e as possibilidades de recepção. Em sumo, é
obstinadapormanterovínculotensoeindissovelentreaobraliterária,o
mundoquenoscercaeseusquestionamentos.
É nosso objetivo apresentar as disjunções e conjunções no
pensamento poético desses escritores para dar continuidade aos estudos
sobre a Imaginão Crítica
14
em defesa de uma literatura com função
estéticaesocialpreservadas.Tratasedapoéticadorigor,denominadapor
14
ALMEIDA,Cristina.2003.Dissertaçãodemestrado.Paginário:
AimaginaçãocríticaemOsman
LinseI.Calvino
.ProgramadePósGraduaçãoemLetraseLinguística,UFPE.
22
Valérydeéticadaforma”
15
,noensaio
AcercadoCemitérioMarinho
.Ética
– a forma, o rigor na execução do ato de fazer (partir do caos da
indeterminãoaocosmodaformapoética).Aéticadaformaéasuspensão
temporáriadopúblico,alargarotempodaprodução.Éticaquesetransforma
aquiemelogio,equeestápresentenaobrafictíciaeensaísticadeOsman
Linsquandoelegeuométododopoetafrancêsaoafirmar:Asoberaniada
consciência e o governo da atenção, que Valéry, na ordem do espírito,
preferiaatudo,constituemminhasregrasmestras.(
GST
,p.17).
PaulValéryapresentaemsuaobracríticaepoéticaafiguradoartista
enquantoanimalracional,matemático,coordenadordasuaprópriaatividade
construtiva: realidade explicada analiticamente ao invés de atribuídas a
fatoresmísticosoubiográficos.Poressemotivo,acríticaliteráriabrasileira
doiníciodoséculoXXorelacionaapenasaoformalismopurista.Mas,como
mostraremosaqui,aleituraqueOsmanfazdoprocessodecomposiçãoda
obra em Paul Valéry já via  na linha de Augusto de Campos e João
AlexandreBarbosaquenapoéticadeValéryo
cogito
selibertadascadeias
silogísticas. O autor posicionase criticamente diante dos fatos da crião
literária.Ointelectoeocorpo,dizValéryem
MonsieurTeste
16
.
A inspirãoque ele exclui é apenas o fogo romântico e oratório, o
furordoqualtantotemposefalouassociandooaosdonsvaticinantesdados
porDeus.Aorigormatemáticoseacrescentaentão,naconstruçãodaobra
dearte,aironia,potênciadetransformãodoespírito.Oespíritonãoéa
capacidade de encontrar, mas o poder para transformar, criar e construir
15
VA,p.161.
16
TraduçãodeCristinaMachado.EditoraÁtica,1997.
23
compreendendo.Noâmbitodacrião,opapelfundamentalédesenvolvido
pelaimaginão,umalógicaimaginativa’quepermiteconcebereorganizar
aunidadedoseventos.
Organizamosateseemtrêspartes.Nocapítulo1,pormeiodefontes
comoRobertoZular(2001),ClaudinaFialho(2005),OdaliceCastroeCosta
Silva (2000), pretendemos explorar a hipótese que sustenta a tese: a
familiaridadedapoéticadeOsmanLins,atravésdereferênciasexplícitas,as
citões,eimagensrecorrentesnoprojetoliteráriodessesescritores,coma
poéticadePaulValéryamostrasdagenealogialiteráriaqueuneosautores
noquedizrespeitoaoelogiodaforma.
Nacapítulo2,apontaremosodesenvolvimentodenossahipótesenos
temas explorados pelos que primam pela forma: a linguagem literária e a
função social da literatura. Entram em cena também autores como
Guimarães Rosa e Fernando Pessoa como levantadores das bandeiras
defendidaspelosautoresaquiemquestãonocampodebatalhaliterário:a
importânciadalinguagem,ocompromissoemcriarumalíngualiteráriaque
sejasingularemrelãoàfaladocotidiano,mesmoquandoessaéutilizada
como recurso poético e narrativo; e a função social doescritor, enxadrista
verbal,movimentandoarealidadecomoaspasnumtabuleirodexadrez.
Nocapítulo3,discorreremossobrealigãodosautoresquefazemo
elogiodaformaliteráriaemsuasobrascomoensinodeLiteratura.Veremos
algunsensaiosdePaulValérysobreessatemáticaetambémveremoscomo
o livro
Guerra sem testemunhas
faz um diálogo com
Do ideal e da
24
Glória
17
e
A rainha dos Cárceres da Grécia
18
no que diz respeito à
educão da razão e das sensibilidades. Osman Lins e Paul Valéry
ensinaram literatura na Academia e tiveram a oportunidade de expor os
problemas na educão literária, como também fizeram a defesa de um
ensinodeLiteraturacondizentecomarealidadeliterária.
AproximaremosessaanáliseàconcepçãodeAntônioCândido(1988)
sobre o direito à literatura, que acreditamos ser uma educão para a
sensibilidadeliterária,autoreleitorcríticos.Traremostambémasreflexões
maisatuaisdeLeylaPerroneMoiséis(2006)sobreanecessidadedefazer
chegar literatura para todos. Segundo a autora, o caminho é uma
reformulãodoensinobásico,fundamentalemédio,éprecisodefendera
Literaturaenquantodisciplinaescolarnesseperíododeformãodojovem,
base para a formão do leitor em geral e do leitor que escolherá como
carreiraprofissionalocursodeLetras.
Através do elogio da forma literária, por sua autonomia relativa e
especificidade mutável, mostraremos a Literatura como arte, expressão
individual e coletiva de uma época, e refletiremos sobre sua situão na
escolaenauniversidadetendoemvistaaurgênciadereformulãodessa
disciplina e dos paradidáticos, visando à escolha de autores e textos que
valorizamofazerliterário.
17
Lins,Osman. DoidealedaGlória.ProblemasinculturaisdoBrasil.Summuseditoria,SP,1977.
18
Lins,Osman.ArainhadoscárceresdaGrécia.EditoraGuanabara,RJ,3ed,1986.
25
1.Elogiodaformaliterária:provaedegustação
O
Dicionário de termos literários
19
traz a síntese de um histórico do
conceitodeforma,ligadoàaparência,aoaspectoestruturalemoposiçãoao
contdo. Desse ponto de vista, a forma do texto estaria ligada a uma
concepçãodegêneroquedistinguepoema,conto,romance,dejornal,carta,
diários, entre outros. Essa concepção de forma está associada a uma
concepçãodeliteraturaqueaprisionaotextoemrótulos,emestruturasnão
variáveis.Peloquejálemosnaintrodução,nãoéesseconceitodeformae
literaturaqueosescritoresaquiestudadoselogiamequenóspretendemos
analisar.
Forma: valise. Os sentidos variam, cada linha trica reflete uma
roupagemdiferente.Aofalar emformaliterária,direcionamos aconcepção
aqui utilizada. Num histórico dos usos dessa palavra na literatura, da
esterilidade do rótulo parnasiano à multiplicidade do pósmoderno, ela
sempre foi oniforme, aquela que tem o poder de camuflarse e fazerse
distinta.Nãodefinimosformaemoposiçãoacontdo,porqueentendemos
quenãoháessebinômio.
Forma: texto. E mais especificamente nos reportamos ao texto que
apresenta valores literários. Eles podem aparecer tanto na linguagem
versificadacomonanarrativa.Formaliteráriamoderna,nosentidodecrítica
einovadoretradicional,nosentidodepermanenteeclássica.Aformaaqui
é a linguagem, a organização da língua, sua transfigurão em literário, a
desautomatizaçãodalíngua.
19
Ver
www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/F/forma.htm
26
Nossa concepção de literário é sinônimo de Poesia e Literatura –
independentedogêneroemprosaouverso–e,comodizAntônioBrasileiro
(2002,p.92),estárelacionadaà
percepçãodomundonumaforma
:
Algo como uma reinstalão da sensibilidade na idéia, uma
recomposão dos fatos e das relões, possivelmente muito
maltratadas pelo só pensar. A sensibilidade, no que tem ela de
mineral e visceral; a idéia, no que sugere de perenidade e
libertão.
Então,nãofaremosumelogioaosgênerostextuaisconvencionadosa
ter como predominância o poético poemas, contos, romances  nem ao
literário como uma das características do texto, como na publicidade. A
questão é de valorizar a literariedade, o que faz de um texto, um texto
literário, associada a outros valores da alta modernidade enquanto
modus
operandi
da arte literária. Essa concepção de literariedade é herança do
Formalismo Russo, mas não se prende a ele, teve o ápice na alta
modernidade com os escritores que refletiam sobre o processo de escrita,
masosultrapassa.
Osformalistasrussossistematizaramsuasteoriasporvoltade1917,
grande época de revoluções políticas, lingüísticas e literárias. Segundo o
dicionário literário consultado, um dos próprios fundadores, Jakobson,
citando Todorov, afirma que essa etiqueta foi dada pelos
detratores para
estigmatizar toda a análise da função poética na linguagem
. A função
poéticasegundoTodoroveraocomosediz’,e nãooque sediz’,função
27
referencial.Ocritériodeliterariedadecomo afirmaConpagnon(1999,p.41)
ao descrever as idéias dos Formalistas, é a
desfamiliarização
ou
estranhamento
, a literatura renova a sensibilidade linguística dos leitores
através de procedimentos que desarranjam as formas habituais e
automáticasdasuapercepção.”
aliterariedade,presenteemalgunsgênerostextuais,nãodefinea
literatura,elaéplural,mutável,estáassociadaaoutrosvaloresdatradição
literária.Oproblematricodosformalistas,acríticamaisseveraqueeles
sofreram foi na verdade em relação à análise do texto ignorando as
realidadessociaisconcernentesàsuaprodução.
Ofatoéque,natentativadepreservarumachado,umarenovãono
campodaanáliseliterária,elessefecharamnumaredomaeprivilegiarama
forma descontextualizada. O próprio Todorov (2009), no recente e
importantíssimo
ALiteraturaemPerigo
,reconheceosresultadosdeseguir
a risca uma teoria puramente formalista, uma educão que privilegia o
estudodenomenclaturas,asfigurasdelinguagem,porexemplo,ouoestudo
doestudodotexto,deixandoàpartealeituradasobraspropriamentedita:
Oconhecimentodaliteraturanãoéumfimemsi,masumadasvias
régias que conduzem à realização pessoal de cada um. O caminho
tomado atualmente pelo ensino literário, que dá as costas a esse
horizonte (“nesta semana estudamos metonímia, semana que vem
passaremos à personificão"), arriscase a nos conduzir a um
impasse–semfalarquedificilmentepoderátercomoconseqüênciao
amorpelaliteratura.”(p.33)
28
Comocorrentetrica,oformalismoestásuperado,umdospróprios
fundadoresjáodisse, masnãoinvalidado.SegundoTodorov,aindanesse
livro,podemosmanterosbelosprojetosdopassadosemterdevaiartudo
queencontrasuaorigemnomundocontemporâneo.Osganhosdaanálise
estrutural,aoladodeoutros,podemajudaracompreendermelhorosentido
deumaobra.”(p.32).Ofatodenãoterem incluídoocontextodaprodução,a
História,oAutor,oLeitor,nãonosimpededevalorizarograndedivisorde
águasna Teoriada Literatura:a noçãodeliterariedade,oselementosque
fazem de um texto, um texto literário; o estranhamento, o espanto, o
espasmoqueoliterárionospossibilita.
Mas, como vimos na introdução desta tese, os princípios que
nortearam a concepção moderna de Literatura, hoje estão sendo
questionados em oposição a uma idéia de literatura enquanto um gênero
textualamaisnoroldosgênerosgeneralizantes.Aquinãoabrimosmãodo
achado formalista, a defesa da especificidade diferencial da Literatura em
prosa e em verso. Para Coleridge e os escritores que fazem o elogio da
forma, a Literatura nos liberta da letargia do hábito. O que a maioria não
querver,équeopuroentretenimentoéocomezinhodosacontecimentos.
Naânsiaemcomunicarelespreferemarapidezdalinguagemreferencialao
rigor da contemplão reflexiva da linguagem poética. Mas como canta
Lenine
20
,fazendosoarasuatradiçãoliterária,écoisadepoetanavegarna
contramão.Énessaviaqueosautoresaquiestudadosseencontramenos
fazemasvezesdeguia.
20
Música
Motedonavio
nosCDsBaquesolto(1983)eOdiaquefar emoscontato(1997).
29
Para não cairmos nos deméritos da cegueira que o tempo da
produção impõe a alguns produtores, não nos estenderemos muito mais
sobreaspolêmicasarespeitodoFormalismoRusso.Sobreissojáexisteo
livrodeCristovãoTezza,
Entreaprosaeapoesia
(2003,93).Tezzamostra
umcapítuloextensosobreahistóriadessacorrentetricaconsideradapor
eletãoheterogêneaquantocadaumdosmembrosquedelaparticiparam.O
autortambémressalta queotermoformalista’setornoupejorativoporque
muitos seguidores e divulgadores eram extremistas. Para esses, a
literariedadeapareciaapenascomoconseqüênciadaforma,fôrma,utilizada.
Oqueimportadepoisdemineradoobarroéoouro.Osamantesda
literaturapensam e repensam a alta modernidade, porque eles, como nos
diz Leyla PerroneMoisés, associou a literariedade dos formalistas aos
valoresimprescindíveisparaqueotextopermanecesseliterárionatradição
ena experimentão.
Altasliteraturas
(1998,17)é
umlivropara amantes
da literatura, num momento em que se detectam (com indignão ou
resignão, às vezes com indiferença) sinais muito claros e universais de
desapropelaleituraededeclíniodoensinodas‘humanidades
.
Desdesuapublicão,finaldadécadadenoventa,hámaisoumenos
10 anos, a autora recebeu o rótulo de conservadora. Podemos ver um
exemplodissonoartigopublicadoem2008
21
noqualIzabelTeixeiraafirma
que
a obra é muito prestigiada pelos críticos de orientão conservadora,
poiselarepresentaosvaloresmoraistradicionaisdasociedade.
Alémdisso,
aautoradoartigoafirmaqueolivroéprescritivo,enãodáespoparaas
21
w
ww.uefs.br/nep/labirintos/edicoes/01_2008/11_artigo_izabel_cristina_dos_santos_teixeira
.pdfdata10/10/2008.
30
literaturas contemporâneas, as minorias, a literatura póscolonial, e outras
informõesquealeituraatentadolivronega.
Não se trata apenas de defender um livro que defende a alta
literatura,nemdedefenderumlivrodesumaimportâncianafundamentão
tricadessatese.Aquestãoédehonestidadeecoerênciacomateoriaea
trica, por isso é preciso esclarecer ao que o livro se presta. Perrone
Moisés apresenta a oscilão dos valores na
Bolsa Literária
(1998, p.17),
nenhumdelesligadosaquestõesmorais.Apresençadevaloresessenciais
na literatura de um certo cânone, o de escritorescríticos, foi a base da
concepçãodeliteraturaenquantoreflexão do fazerpoéticoedafunçãoda
literatura no mundo. Esses valores estéticos são essenciais, mas são
oscilantes, mesmo assim estariam sendo renegados para favorecer os
textosproduzidospelasminoriasque consideramasquestõesestéticas.O
resultado disso se percebe nas universidades, no aumento de centros e
disciplinas de estudos culturais e o fechamento de projetos literários
(PerroneMoisés1998,p.191).
Oensinodaliteraturacomavisadadosestudosculturaisprivilegiaas
questõessociais,deixandodeladoporradicalismo, olegadoformalista do
estudo da forma literária. Esse é o ponto principal da crítica de Leyla
PerroneMoisés.Éonossoeixo.Osescritoresaquiescolhidoscomo
corpus
depesquisasãoconsideradosconservadorespormuitosprofessoresdesta
e de várias universidades. São considerados ultrapassados emrelação às
questões sociais que abordaram, e são considerados como pedras no
caminhodosqueencaramaleituraliteráriacomobandeira paraideologias
31
minoritárias. Mas,comoaautora,tenazmenteinsistimos,resistimos,enão
abrimosmãodaavaliãodaliteraturaporcritériosestéticos:
O fio da navalha em que me sinto é justamente não cair nem no
culturalismo,nemlevaráguaaomoinhodoconservadorismopolíticoou
moralista. (...)Quandoeu meoponhoaos culturalistas, issonão quer
dizer que eu não endosse as causas que eles defendem, como as
identidades étnicas e sexuais. O que não endosso é que aliteratura
sejaavaliadaapartirdessescritérios.
22
Osvaloreselencadosnocapítulo4de
Altasliteraturas
sãocritérios
estéticos – como, por exemplo, maestria técnica, concisão, exatidão,
visualidade e sonoridade, intensidade, impessoalidade, universalidade,
novidade – que estão em conformidade com o ideal de forma literária na
poéticas de Paul Valéry e Osman Lins. Em vários textos desses autores
podesenotarumououtrovalordaaltamodernidade.LeylaPerroneMoisés
nãoafirma emlugaralgumqueessesvaloresnão podemserencontrados
em textos daliteraturaafricana ou outras consideradas minoritárias; oque
ela afirma é que há uma tendência, em alta nas universidades, de
desprezarem os valores estéticos, eles nãosão estudados para garantir a
ênfasenocontextosocial,exploraseagoraavozdasminorias.
OquePerroneMoisés(1998)nomeia valoresdaaltamodernidade’,
Italo Calvino(1997p.11)chamavalores,qualidades ouespecificidadesda
literatura’. São, como o título do livro indica, propostas recorrentes em
22
Citadonoartigo“Umacertaenciclopédiapoética:cismasemtornodapoesiapós80”de
WilberthSalgueiro. http://www.revistaipotesi.ufjf.br/volumes/9/cap09.pdf
32
obras
23
representativas da literatura universal,
uma tradição literária que
continuaininterruptaháoitoséculos
(p.8).Asconferências–leveza,rapidez,
visibilidade,exatidão, multiplicidade e consistência – seriamrealizadas em
1985, na Universidade de Havard, mas o escritor faleceu antes, deixando
prontascinco,dasseislõesprogramadas.Essasliçõesrepresentampara
Calvinosuaconfiançanaliteratura,comseusmeiosespecíficos,emdizero
mundodeformamaiscomplexa.
A voz da literatura é irisada. São tantas nuanças, tantas aquarelas,
imagensesculpidascomesemcanetas,lápis,dedos,sons,nopapelouna
tela. Daliteraturaoral à escrita, tantas formas. Onosso elogio da forma é
plural,mascriterioso,temumnexo,vaiagregandoà família literáriaquem
temavisãoperiféricaapurada.Osolhosvencemalimitãofísicadoglobo
ocular, giram em vários ângulos, mas mantêmse no eixo. Literatura de
resistênciacomoformaimanentedaescrita”(Bosi,2002,p.129),umnão
lançadoàideologiadominante.”
Oprojetoliteráriodosescritoresaquipesquisados,OsmanLinsePaul
Valéry, é coerente no conjunto de suas obras, com esses valores e
propostasdePerroneMoiséseCalvino.Arecusaaofácilpormeiodoelogio
daformaestápresentenospoemas,ensaiose
Cahiers
deValéry,enocaso
de Lins, nas narrativas, ensaios e entrevistas. Vamos assim, em espirais
concisasadentrandonaleituracomparadadessaspoéticas.
1.1.Ospólosdooroboro:
23
Obras,detodosostempos,deautorescarosaoescritoritaliano,comoHomero,Leopardi,Dante,
Ariosto,GuidoCavalcanti,Diderot,Flaubert,Gadda,Goethe,Joyce,Kafka,Leonar dodaVinci,
Sterne,Mallarmé,PaulValéry,Queneau,dentreoutros.
33
A serpente que morde a própria cauda simboliza a união de pólos
aparentementeopostos.Muitomaisqueasimplificãodosentidodeauto
suficiência,acabapersegueealcançaacaudaquemperseguequem?,
numaautoalimentãoebuscaincessantedecompletudequenosremeteà
idéiadeformaliteráriaaquiapresentada.
Adorno
24
numa de suas Notas sobre a Literatura,
O artista como
representante,
analisaotextoDegas,dança,desenhodePaulValérypara
desconstruir a antítese obtusa entre arte engajada e arte pura”. O esteta
alemão mostra que a obra de Valéryse abstém de atalhos em dirão a
praxis
,umabelaimagemparadizerquepelodistanciamentodasociedade,
máximasimbolista,opoetarepresentamelhorapossibilidadedemudançae
compromisso social, pois pode ver o mundo e atuar nele de modo não
imediatista e efêmero (como é o caso de algumas intervenções públicas),
maspermanenteeeficaz,atravésdalutacomalinguagemeaescolhade
textosrevolucionários:
Valéry, com a ética da forma, tem uma intuição mais profunda
sobreaessênciasocialdaartedoqueoimediatismodateoriada
obradearteengajada.Poisateoriadaobradearteengajada,tal
comoelahojesepropagou,simplesmentepassaporcimadofato
que domina de modo irrevogável a sociedade de troca: a
alienãoentreoshomensetambémentreoespíritoobjetivoea
sociedadequeeleexprimeejulga”(p.157)
24
ADORNO,Theodor.2003.Notasdeliteratura1.RJ,LivrariaDuasCidadeseEditora34.
34
Otto Maria Carpeaux, na sua
História da Literatura Ocidental
25
(1964,2783),aofalardaimportânciadoSimbolismoparaapoesiamoderna,
mostracomoalgunscríticosapresentaramjulgamentosseveros(comoosde
EdmundWilsoneDavidDaiches)aessaescolaeaosseusrepresentantes
(Valéry entre eles), por causa de uma interpretão sociológica. Para
Carpeaux, há uma diferença entre simbolistas e esteticistas, os primeiros
aceitaram o espiritualismo antimaterialista dos tradicionalistas e o
evasionismo estilizado dos esteticistas, mas não aceitaram o dogma da
tradiçãonemoceticismoestético.”
Porcontadessapercepção,ocríticopôdeconcluirqueoevasionismo
valeriano era diferente, não se tratava de orgulho ou timidez, como os
esteticistasdaescoladeAnatoleFrance,muitocriticadopelopróprioValéry.
Aocitaroversofinal,Ilfauttentredevivre”dopoemamaisconhecidode
Valéry,
OcemitérioMarinho
,Carpeauxafirma:
ApoesiadeValéryjásedefiniucomoumprocessoem
andamentoentreaatividadevitaleacontemplaçãocéptica(ou
aténiilista)emoutraspalavras,entreosubconscienteobscuro
eaconscnciaclara, produzindoseo poemadiante doleitor
noespointermedriodasemiconsciência–edaí,concluise
adificuldadedecompreenderessapoesia:ohermetismo.”
CarpeauxnãoapresentaopensamentodeValéry
sobreAexistência
do Simbolismo
, um dos ensaios incluídos na tradução brasileira
"
Variedades",
organizadaem1999porJoãoAlexandreBarbosa.Ali,Valéry
25
Carpeaux,OttoMaria.HistóriadaLiteraturaOcidental.Vol.VI.EdiçõesOCruzeiro,1964,p.2783.
35
afirma que os poetas que não se encaixavam em nenhum grupo
preexistente receberam o nome de simbolistas como umrótulo dadopela
posteridade”, o período de 1860 a 1900 foi nomeado assim por simples
convenção.Esseensaioesclareceriamuitoasintuõesdocríticobrasileiro
em relão a essa escola, inclusive porque é nesse texto que Valéry, ao
defender ironicamente os três pontos de acusão aos simbolistas sem
amarras – obscuridade, preciosismo e esterilidade , afirma a importância
dessa escola para a poesia feita naquela época de futilidade e facilidade,
poucodedicadaàslentaselaborões,aliberdadedesonharemeditar.(VA,
p.76)
Carpeaux percebe o elogio da forma ao afirmar que o objetivo
principal de Valéry não era somente a música como o erapara Mallarmé,
mas também a fórmula matemática. O crítico brasileiro, embora ainda
estivesseconfundindofórmula eforma,faz umaexcelenteleituradopoeta
francês em relão aos outros críticos brasileiros da época. As fórmulas
matemáticas para Valéry nunca foram petrificadas, ele estava sempre
trabalhando com análise combinatória visando à busca de novas
possibilidadesdecrião.Foraalgumasinformõesdatadas,correntesna
épocaemqueocríticoCarpeauxescrevesuahistóriadaliteraturaocidental,
oqueficadeleéalinhadepensamentoquedefendemosenquantorevisão
dapoéticavalerianaeelocomapoéticaosmaniana,oelogiodaforma:
Um problema arquivelho da estética, a relão forma e
conteúdo, está em Valéry resolvido por meio de uma equão
matemática.Valéry,opoeta,foiengenheiro,matemático.Renunciou
36
à sica de Mallarmé, só para enriquecer asua poesia devalores
geotricos,esculturais,visuaisenfim.(...)Háquemprefiraaprosa
deValéryàsuapoesia.HáquemconsidereValérymaiorartistaque
poeta.Comointeligênciaemprosaecomoartistaemversosnãohá,
nesteséculo,quemselhecompare”.(p.2786)
HádessemodoumdiálogotriconospensamentosdeAdornoe
Carpeaux. Neles aparece mais de perto, e enquanto elo, o isolacionismo/
formalismo do escritor, a indissolubilidade da forma e do fundo (
Ego
Scriptor
26
),comopodemospercebertambémnotrechodos
Cahiers
dePaul
ValeryselecionadoetraduzidoporAugustodeCampos
27
:
Singular movimento interior que me conduziu, uma
parte, a não querer considerar senão a forma das
expressões,nasuaobjetividade,emsuaestruturageral
e por classes de um grupo inteiro;  e de outra
aprofundarofundo–atéopuroinexprivel”.
Tratase, segundo Lourival Holanda, de um formalista no melhor
sentido da palavra
28
: O fato literário é da ordem da forma, vértice da
triangulãodagêneseliterária,juntocomodesejodeescrituraeostextos
atratores.Falaremformaéfalaremdisposiçãodalinguagem,organização
e vitalidade. O poeta seleciona da língua um repertório de palavras que,
dispostas ao seuolhar crítico, compõe novas palavras, vivifica as antigas,
26
Valéry,Paul.EgoscriptoretPetitpoèmesabstraits. p.171. EditionGallimar d,1992.
27
CAMPOS,Augusto.PaulValéry:Aserpenteeopensar.Brasiliense,1984.
28
HOLANDA,Lourival.(1998).DefesaeIlustraçãodaLiteratura.(Noprelo,aesperadepublicação
urgentedevidoan ecessidadedecompartilharoespecíficoliterário,cúmplicedoelogiodaforma.
37
criaimagens,realidades textuais:umapalavra éumabismosemfim,diz
Valéry, por isso investe, como Leonardo da Vinci, em projetar e construir
suaspontes.
Leyla PerroneMoisés(1990,p.107)noslembra bem que o trabalho
comaformanãoéalienãoaocontdo,equeessadicotomiafoiimposta
porcertatendênciamedusantequenuncafuncionouemLiteratura:
Contrariamente ao que pensam os que têm uma concepção
meramente instrumental da linguagem, a formalização
(pejorativamente chamada de artifício), na literatura, não é
alienãoesimabuscadeumacertaverdade.Otrabalhoda
formaéindispensávelporquesóeladáaquelavisãoaguçada
que abre trilhas no emaranhado das coisas. Ao selecionar, o
escritoratribuivalores,eaofazerumarranjonovosugereuma
reordenão do mundo. É por este artifício da forma que a
literatura atinge uma verdade do real, e é por atingir essa
verdadequeelaescandaliza.”
O compromisso com a forma, enfatizado por Leyla PerroneMoisés
(1990) é muito característico nas poéticas de Paul Valéry e Osman Lins,
como também em outros autores que primavam e primam pelo rigor na
construção, sabedores de que o acaso, quando não é dominador, é bem
vindo.JuntoaJoãoAlexandreBarbosa,aautorarevisouoFormalismoeo
Estruturalismo esterilizantes e pôde concluir que a responsabilidade ética
comasformasqueosescritoresmodernostêmcomovalor
38
nãoéapenasessaformasensívelnamaterialidadedodiscurso,
mas,aomesmotempo, aformado sentido,noarranjo justo das
referências,naexplorãodasconotões.Aformaé,assim,uma
espécie de rede ardilosamente tramada para colher, no real,
verdades que não se vêem a olho nu, e que, vistas, obrigam a
reformularopróprioreal.”
Infelizmente, por uma prática tendenciosa de alguns modernistas
inconseqüentes  escolher ícones, imobilizar concepções, para quebrar
imagens e não recompor vitrais a imagem de Valéry sobre a
harmonia/hesitão entre som e sentido fixouse no tempo da forma, no
som,oritmodopoema,ficandoosentido,aesperadeumtoquependular:
Pensem em um pêndulo oscilando entre dois pontos simétricos.
Suponham que uma dessas posões extremas representa a
forma,ascaracterísticassensíveisdalinguagem,osom,oritmo,
asentonões,otimbre,omovimento –emumapalavra,aVoz
em ão. Associem, por outro lado, ao outro ponto, ao ponto
conjugadodoprimeiro,todososvaloressignificativos,asimagens,
asidéias;asexcitõesdosentimentoedameria,osimpulsos
virtuaiseasformõesdecompreensão–emumapalavra,tudoo
que constitui o contdo, o sentido de um discurso. Observem
entãoosefeitos dapoesiaemvocêsmesmos.Acharãoque, em
cadaverso,osignificadoproduzidoemvocês,longededestruira
formamusicalcomunicada,reclamaessaforma.(VA,p.205)
Quem rotula o poeta francês como puro formalista geralmente está
analisandoapenasospoemasdoperíodoinicial,vistoscomotradicionalistas
39
por conta do rigor com a métrica e a rima, e não a sua prosa, como o
exemploacimamostra,consideradainventiva.AugustodosCampos(1988)
nãofazessadiferencião,eleconsideraariquezadapoesiavaleriananos
dois campos de atuão. Ao traduzir e comentar poemas como
A Jovem
Parca
e
Oesboçodeumaserpente
29
percebemosotrabalhorigorosocom
alinguagemnoslimitesdatensãoentreosomeosentido.
Ao compararmos o projeto literário de Valéry e Osman podemos
notarqueoescritorbrasileiro,diferentedopoetafrancês,nãofoiacusadode
isolacionismo. A escola da vez, no ano de 1950 e 60, era o concretismo.
Apesar de não ter sido rotulado nesse grupo, pôde ser lido como um
herdeiro, e até mesmo continuador dessa escola literária, pois em suas
experimentõesapartirde
Nove,novena(1966)
,estavasempreincluindo
elementos visuais para caracterizar personagens e até mesmo o foco
narrativo.
Eracostume,naquelaépoca,rotularosautoresqueprimavamotexto
literário e priorizavam as questões estéticas como descomprometidos
socialmente.Osmannãofoiconsideradoreacionário,mesmoenfatizandoas
questõesdeexperimentãoformal,comoospoetasdoconcretismo,porque
ladeado aos experimentos formais na narrativa, o escritor pernambucano
desenvolvia uma atuão em prol da profissionalização do escritor, o que
envolvia mostrar a função social que este desempenhava como essencial
paraampliaroimaginárioeamemóriadeumpovo.
Osmanexploravaapolíticadaformaliterária,essaquenãodissociao
trato estético do texto com as questões sociais. O livro
Guerra sem
29
EssespoemasdePaulValéryestãoreunidosemsuasOuevr es1.Pléiade.
40
Testemunhas
que percorreremosaqui,aproximandodoprojetoliteráriode
Paul Valéry, é um exemplo de como o escritor não silenciou sobre o seu
tempo, e soube ler bem o trabalho com a forma. Para ele, a função do
escritornãodeveserimpostapeloEstadoouporpartidospolíticos,oescritor
nãopodeterumavisãoestereotipadadascoisas,eletemocompromissode
sabereexpordequeladoestáoseuespírito(
ET
,p.128).
1.2.Dosilêncio,balbucios
OprofessorRobertoZular
30
,
Nolimitedopsfértil:osescritosde
Paul Valéry entre 1894 e 1896
, de um certo modo também contempla o
elogiodaformanapoéticavaleriana.FundamentadonosestudosdePierre
BoulezsobreoquadrodePaulKlee,MonumentonoLimitedoPaísFértil',o
autor sugere uma poética de gerão da forma no arco da tensão entre
estruturaeimaginão,cálculoeritmo,ordemeacaso.”(p.11)
SegundoZular,apoéticadagerãodasformassignificaconsiderar
aformaenquantopercurso:
o movimento formal deve se dar num jogo em que a estrutura, o
controle e as coerções, incitam a imaginão e a própria crião,
desdenhandooseupapeldemeraarticuladoraformal.Istoé,fazse
necessáriocolocaraestruturacomomobilizadoradeumapoética,em
uma relão de interdependência sem a qual ambas se tornam
estéreis.”(p.12)
30
TesededoutoradodoprofessorRobertoZular, peloprogramadepósgraduaçãodaUSP.O
professordesenvolveoprojetodepesquisa“Arecepção dePaulValérynoBrasil”.
41
OpoetafrancêsfoitemadadisciplinaAéticadasformas:arecepção
dePaulValérynoBrasil’,ministradaem2005naUsp,daqualpudemostero
prazer de participar. O professor Zular mostrava com o rigor e a paixão,
típicodosvalerianos,aquelesquetêm‘umapetitepelapoesia’
31
,asrelões
de recepção dos críticos e dos criadores, Drummond, João Cabral, Wally
Salomão,MariodeAndrade,HaroldoeAugustodeCampos,JoãoAlexandre
Barbosa,dentreoutros,todoscomalgumacitãoexplícitaoumesmocom
poemaseestudosemhomenagemaofrancês.
OprojetodoprofessorZularcontemplaarecepçãodeValérynoBrasil
em poetas e críticos literários até a década de 40. Aqui, no entanto,
ampliamosaquestãotemporaldessapesquisa,porqueacreditamosqueas
relões comparativas são atemporais. Essa amplião, mantém nos
leitoresdeliteraturaapaixonadospeloespecíficoliterário,aobsessãopela
poéticada
ComédiaIntelectual
valerianaoregistrododramadoescritorna
construção de uma obra  que ele sonhava ler, e que encontramos nos
ensaiosdeVariedadesetambémnos
Cahiers
32
:umexemploderegistrodo
exercício diário do drama do homem criador, sua epopéia do provisório,
historiadordesimesmo,aquelequehesitaentrelembrançaeesquecimento,
escritaememória,tantonasartescomonasciências.
Anotapreliminar a2ªediçãodoensaiodeOsman Lins(GST,p.12)
reforçaaidéia deOsmanser participante da
ComédiaIntelectual
sonhada
porPaul Valéry.Depoisde explicarasmudançasemrelaçãoaoscortese
31
AfrasecitadadeValéryestánoensaioQuestõesdePoesia,trad.Brasileira,p.171eapar ececomo
epígrafedolivrocomomesmotítulo,Umapetitepelapoesia,deFrankKermode,1993.
32
AediçãoutilizadodosCahierséa daPleiade,1974,emdoisvolumes.UsaremosassiglasCA1e
CA2.
42
acréscimos da 1ª edição (não é nossa proposta aprofundar a comparão
das edições, pois isso exigiria um viés da crítica genética que não fora
proposto) Osman reafirma o lado confessional do seu livro que a crítica
poucoatentou:otemaquaseromanescodoindivíduonumahoradecrise,
questionando,só,aolongodedoisanos,agrandezaeamisériadoofíciode
escrever, centro da sua existência.” Tema quase romanesco, diz Osman,
dramadacomposição,dizValéryeassimladoalado,seguemcomaleveza
calviniananomundoirisadodouniversoliterário.
Os
Cahiers
são a obra máxima de meditão incessante sobre o
homem que faz. Na época em que a primeira edição de
Guerra sem
Testemunhas,
em 1969, ainda não circulavam na edição completa da
Pléiade, mas já existiam vários fragmentos organizados e publicados pelo
próprio Valéry, como também a sua obra completa,
Oeuvres
33
, já estava
circulandodesde1957.Embuscadealgumregistrodenotasparticularesde
Osman em relão à leitura desses textos, no IEB
34
, não conseguimos
encontrarnadaquefavorecesseumestudodecríticagenéticaemrelãoà
marginálianoslivrosdabibliotecadeOsman.
Lá,resguardadosobatuteladeSandraNitrine,queliberouoacervo
atenciosamente paraconsulta, encontramos
Odiáriode Bordo
osmaniano.
NãocmosnatentãodeladeálonessepontoaValéry,opoetafrancês
tambémintitulouosprimeirosescritosdos
Cahiers
como
JournaldeBord
).
Osmanuscritososmanianossãotrechosdoqueseriamaistardepublicado
em
Marinheiro de primeira viagem,
sem nenhum registro explícito ou
33
AediçãodeOevresIeIIutilizadaédaPléiadeemdoisvolumes,1957.Siglas:OEV1eOEV2.
34
InstitutodeEstudosbrasileiros–USP.
43
implícitoreconhecidoaoescritorfrancês.Aretóricadosilêncio? Balbucios,
ao que muito se esquiva se apura, memória de Guimarães, gérmen para
novasinvestidas.
Esse silêncio de Osman em relão a Valéry, pelo menos no que
pudemos conferir no acervo do autor no IEB, está também nos ensaios
copilados em
Evangelho na Taba
e
Do ideal e da glória
, nenhuma
referência direta sobre o pensamento de Paul Valéry na sua composição
literária. Os escritores citados são sempre os romancistas clássicos,
DostoievskieGide,comoosquefiguravamsoborótulodoNouveauRoman,
comoRobbesGrillet,MichelButor,oquegerouumadistânciaentreobrase
atémesmoumaoposição,postaaprovaaqui,emrevisão.
OsilênciodeOsmanemrelaçãoaValérynãofoisozinho.Nosanos
daproduçãoosmaniana,50a70,períododenominadopósmodernismo, a
cotão de Valéry foi abaixo, considerado reacionário por uma parte dos
escritores e críticos, tudo que se publicava sobre ele também era
desacreditado.Tantoqueumlivrode1933,deAndréMaurois,
Introdução
aométododePaulValéry
,sóchegouatertraduçãonoBrasil,porFábio
Lucas,em1990.
Nesse pequeno livro já constam os pontos principais da poética
valeriana. Maurois já percebia que o rigor valeriano não é clareza total,
superficialidade,masexatidãoqueabarcaohermetismo;tambémpercebia
que a crítica aos sistemas totalitários não era niilismo Valéry com os
Cahiers
montaumsistemaaforístico;eporfim,sabiaqueasconvençõese
restrições valerianas não tinham como objetivo a verdade absoluta mas a
44
poesia,únicaarmacontraalinguagemcomum.
Mauroisseinspirounolivro
IntroduçãoaoMétododeLeonardoDa
Vinci
, publicado em 1895, considerado pela crítica um dos textos mais
importantedeValérysobreaelaborãoesoluçãodotemaprincipaldoseu
ensaísmo:oprocessodecomposiçãodoconhecimentoartísticoecientífico.
O livro é uma crítica à concepção de Literatura enquanto simples
representão da realidade, ela é construção de novas realidades. A
questão principal de Valéry nesse livro é demonstrar que o conhecimento
nãoseseparadaconstruçãodoconhecimento.Apoesianãoseseparada
construçãodapoesia.Poesiaésaber,conhecimento,construção.Oatode
escrever,fazerpoesia,épensarseusmodosdeconstrução.
Pignatari
35
,pioneironoBrasilnosestudossobreesselivrodeValéry,
afirma que o poeta francês ao introduzir um método para Leonardo, não
rotula um estilo de trabalho e de pensar a composição das obras, mas
escreve umacultura das possibilidades dométodo, sempreem relaçãode
semelhança e diferença ao objeto estudado. Não pretende instituir um
modelo de método aplicável, mas um modelo de processo de método
modificadopeloobjeto.
A intenção hipotética do seu ensaio, de um espírito que deseja
imaginar umespírito,éque todadescoberta implicaemumnovométodo,
ouseja,oobjetoiconizaseumétododeanálise,aqualéconsideradapelo
autor como uma paixão ou aventura do intelecto, a consciência da
experimentãopsíquica
36
.Apresençadaaventura,daexperimentão,na
35
Pignatári,Décio.Semiótica.1979.Perspectiva.
36
Aediçãoutilizadaparaa
IntroduçãodométododeLeonardodaVinci
éadaeditora34,1993.
45
análise rigorosa é o que o poeta chamou de uso do possível no
pensamento, controlado pelo máximo de conscncia possível (p.15), o
espodemoradadoinstinto,apresençadasvariões,doacasoobjetivo
dossurrealistas.
SenosensaioseentrevistasdeOsmannãoapareceexplicitamenteo
nome de Valéry, podemos ver seus rastros. Perguntado sobre o estado
específiconomomentodecrião,valerianamenteresponde:
Hámomentosem queoatocriadorsemanifesta,serealiza,
através do resultado material do trabalho: um determinado
número de palavras escritas. Mas a crião é um processo
contínuo, umaatividade que seprolonga através do repouso,
do sono, e até dos momentos de esterilidade, nos quais,
invariavelmente, alguma coisa se forma, se define, foge,
oferecese.Maséprecisocultivaressaatividade,nãodeixála
morrer,ensinálacomoseensinaumcavalo.”
37
Sobre a elaborão de um plano literário e o que o antecipa, a
gestão do texto, o tempo de sua crião, fala em
estudo, paciência e
método
que não estão na esfera da contabilidade do tempo. Nunca
podemos precisar, com exatidão, o tempo de gestão, a meditão que
precedeadecisãodeiniciálo.”(ET,p.133)
EssapreocupãocomoprocessoeaproduçãodaobralevaOsman
avivenciarumasituãocaraaPaulValéry:avigíliadoautor.Estarsempre
acordado,serresponsávelporcadapalavrautilizadaemsuaobra,saberas
37
LINS,Osman.EvangelhonaTaba,1979,p. 129.
46
soluçõeseriscosimpostospelaescolhadeumaououtrapalavranoprojeto
literário.Esserigorcomquetrataaobra,nãodispensatotalmenteoacaso.
Aobraéviva,masnãoodomina.
Oautorémaisexplícitoem
GuerrasemTestemunhas
quandoabre
olivrocomumametáforanáuticadomarinheiroquedirigeobarcorumoa
descobertas planejadas, sábio, porém, de que embora monitorado com
guiasbússolas,háventosmaispotentesqueasmaquinarias.Especulões
rigorosas,nacrítica enacrião,as mesmasqueValéryviuemLeonardo
daVinciequeOsmanviuemValéry.Aexatidão,umadaspropostasdeItalo
Calvino (1995), não desconsidera o acaso, mas parte do princípio de um
rigor matemático na elaborão das obras. A esse respeito Osmanafirma
sobre
Avalovara
,ementrevista
38
:
Estabeleciumalinhadeconstruçãomuitorigorosaedentrodisso
solteiasrédeas.Essarigidezseestendeatéaonúmerodelinhas
de cada parágrafo. Gide dizia que o artista deve se apoiar nas
dificuldadesetambémacreditonisso.
SuzanaSilva
39
,noartigo
Elogiodaexatidão
,estabeleceumdiálogo
entrePaulValéryeItaloCalvino.AautorapartedetrechosdePaulValéry,
citados por Calvino em
Seis propostas para o próximo milênio
para
mostrar como esse valor literário, a exatidão, é central na obra deles. Os
trechos de Valéry são do ensaio
Situação de Baudelaire
, (Variedades,
38
LINS,Osman.Op.Cit.
39
SILVA,SuzanaSouto.1999.Elogiodaexatidão.In
Universa
,v.7,n.3.pp.453466.
Brasília:U niversidadeCatólica.
47
1999) um libelo ao demônio da lucidez”, principal responsável pela
combinãoentreinteligênciacríticaevirtudedapoesia.Aexatidãoéuma
propostamuitosignificativaparaOsman.AreferênciaaotextodeSilvaserve
como amostra de que através de algumas citões em referência a outro
autor épossível fazer Literatura Comparada.Valéry dá oexemplo quando
praticanesseensaioumcomparatismocrítico,atrocadevalores:
Poe dá a Baudelaire o que tem e recebe o que não tem. Poe
entregaaBaudelaireumsistemacompletodepensamentosnovose
profundo. Esclareceo, fecundao, determina suas opiniões sobre
muitos assuntos: filosofia da composição, teoria do artificial,
compreensão e condenão do moderno, importância do
excepcional e de uma certa estranheza, atitude aristocrática,
misticismo, gosto pela elegânciae pela precisão até política...Mas
em trocadessesbens Baudelaire dáaopensamento dePoe uma
extensãoinfinita.Eleopropõeparaofuturo.(VA.p.27).
ValéryeOsmantrocamvalores.Aindaquandonãoháprecursividade
explícita, podemos inferir o diálogo. Valéry dá a Osman a concepção de
literaturaenquantocomposição,onobilíssimorigordasexigênciasformais,
a construção sempre em processo. E Osman lança Valéry para o futuro,
mostraopoderde resistênciadapoesiaàlinguagemsuperficial,enquanto
forma literária que utiliza uma linguagem dentro da linguagem, um tom
específicoepermanentedentrodassuastransformões.Amaraforma,diz
Valéry, não se limita a contemplação, mas a buscar as forças sobre as
formas,oquemoveastransformões.(ES,p.34)
48
Essa concepção de poesia enquanto construção exige um longo
períododemeditão.AlfredoBosi(1993,189),nolivro
Osereotempoda
poesia,
faz uma reflexão sobre esse período de curtição. Ele chama a
polissemiadoadjetivoquedizcomperfeiçãootempodenascimentodeuma
flor, de um amor, de uma obra: Lenta: flexível,dúctil, malvel; capaz de
durar;porissopersistente(lentusamor,dizTibuloemumadesuaselegias:
umamortenaz);porissoresistente.”
Valorizaroprocessodeformãodaobra,paraValéryjáéaobra,por
issoque parachegar até o público valesedas contingências,o tempo de
entrega de um texto, a intervenção exigente dos amigos, ou do editor
apressado. Essa convivência com a escrita, como afirmou Valéry, no seu
tempo jáera rara:Aquímicada arterenunciou àperseguiçãodoslongos
funcionamentosquedetêmoscorpospuroseàpreparãodoscristaisque
sópodemserconstruídosecrescenacalma.Elasedevotouaosexplosivos
e aos tóxicos (VA, p.76). Hoje, durão, tenacidade, resistência, são
palavrasquaseextintasnovocaburiodaLiteraturasupraproduzida.Urge
tiraropódessaspalavras,fazêlasrespirar.
Claudina Fialho de Carvalho
40
, em dissertão de mestrado,
determina como João Cabral de Melo Neto desenvolveu em sua obra o
pensamento do escritor francês no que diz respeito ao poeta arquiteto,
engenheiro da poesia. Carvalho apresenta os temas da teoria valeriana
como a valorização do exercício intelectual e a consciência precisa do
processodeconstruçãopoéticaeaorganizaçãotextualdaídecorrente”para
40
CARVALHO,ClaudinaFialhode.2004.EmPerfil:Jo ãoCabraldeMelo Netoe
PaulValéry.SãoPaulo:FFFLCH/USP.
49
apontarsemelhançascomCabralemostrarcomoestealicerçasuasidéias
no ensaísmo de Valéry. Fundamentada em Gerard Gennette, para o qual
algumasepígrafessãocomoumcomentárioquecolaboramparaespecificar
ou evidenciar o sentido do texto que introduzem, a autora parte de uma
citão de trecho valeriano, epígrafe de abertura na obra completa de
Cabral,parafazertodasassuasdeduçõescomparativas.
OsmanLins,ementrevista,aoafirmarqueAvalovaraéumromance
sobre o romance (ET,p.240)aponta João Cabral de Melo Netocomo seu
correspondenteempoesia.Osmansereferia naquelemomentoao fato de
queatemáticametalinguísticaforaintensificada,porcausadaconsciência
de que aleitura estava ameaçada pelaincompreensão,pela brutalidadee
pela grosseria. Compreendese por isso que o romance se ocupe com
frequênciadoromanceeapoesiadapoesia.”
Muitoteríamosadizersobreessesdoispernambucanos.Atuantesda
Literaturaemprosaepoesia,ambossão,comsuasespecificidades,líricos.
Valorizam a concepção de linguagem que harmoniza e tenciona som e
sentido,herançavaleriana.Valorizamopapelsimultâneodoescritorperante
a sociedade: explorar os potenciais lingüísticos do seu país, criar valores
novoseperpetuarosvaloresuniversaisdaLiteratura.
AoapontarasespecificidadesdeCabralemrelãoaValéry,noque
diz respeito à análise do
Anfion
dos dois autores, a atualização do mito,
inovão cabralina, em oposição à reconstrução do mito grego, valerian
diferenciarabuscadeumalinguagempurapreconizadaporValéry,(nãoem
termos de contdo mas construção analítica) em relão à linguagem
50
miscigenadacabralina,aautoraconcluiqueasdiferençasmaisaproximam.
Embora o resultado do processo de construção mude, a concepção de
poesia em processo e trabalho máximo de explorão da linguagem
permanece. A dissertão de Claudina foi outra prova, degustão, para
nossa hipótese. Cabral via Valéry, Osman via Cabral, Osman via Valéry:
fraternidadedeescolhasliterárias.
Antoine Compagnon, no livro
La Seconde Mainou letravail de la
citation
, (1979), apresenta a história do que ele considera um gênero
textual,a citão, e suas característicasdiferentes apartir dos objetivos a
cumprir.Tratasedoque alinguísticanomeoudiscursoreportado.Logono
primeirocapítulodeCompagnon,umacitãodeValérysobreascitões,o
poetafrancêsparecemesmoserviraváriossenhores.Paraeleotrabalhode
escritor é colocar na obra seus próprios fragmentos e os dos outros. A
citão tal qual ela mesma, diz Compagnon (p.19), é uma metáfora, um
encontro, um conviteàleitura, solicita, provoca, excita como um piscar de
olhos:Lacitationtentedereproduiredanslécritureunepassiondelecture,
de retrouver linstantanée fulgurance de la sollicitation, car cest bien la
lecture,solliciteuseetexcitante,quiproduitlacitation.”(p.27)
SegundoCompagnon,acitãopodesatisfazerváriasfunções,entre
elas,erudição,invocãodeautoridade,amplificão,ornamentão.Nãoé
onossofocoelencarascitões que Osmanfaz nesselivroorepertório
dele ergue a epígrafe de Deolindo Tavares e suas poesias – das quais
Osman traz o personagem Willy Mompou, voz dialogante e múltipla – a
epígrafe de Sartre quejustificaa escolha do título em relão aspalavras
51
guerra
e
testemunha
, além dos mais de cem livros mencionados, uma
verdadeiraBibliotecaosmaniana.
Com Compagnon mostraremos as imagens da representão
simbólicadocitar,especificamentenoquedizrespeitoaostrechosdePaul
Valéry:éumverdadeirotrabalhodeescrituraeleitura,umelogioaoautor,
àssuasteorias,mesmoquesejaparanegálas.Citãoéintertextualidade,
ésinaldacirculaçãodotexto.Aocitar
OCemitérioMarinho
e
Eupalinos
de
PaulValéryem
GuerrasemTestemunhas
,Osman chamaparaseutexto
tantoopoema,oensaioexplicativosobreopoema,comotodaumapoética
dagêneseliterária.Gêneseliteráriaegênesedoescritor,seuprocessoem
conheceralíngua emque escreve, alinguagemliterária eas escolhas do
percursoaseguir,aoexplorálas.
1.3.Norastrodaprova
NoprimeirocapítulodeGuerrasemTestemunhas,
Oatodeescrever
,
otítulovalesedotemaqueiconizouValéry,oato,oprocessodaescrita
Quisfazerdaformaumaidéiaeprocureiinventaratéapartepassivadoato
deescrever(CA
I,p.118
)Osmandiscorresobreosproblemasenfrentados
pelo escritor diante da página em branco, processo de reflexão sobre a
escritaqueantecedeoiníciodaexecuçãodoplanodaobra.Éparaoatode
escreverqueoautormostratervertidosuavida,desdeosanosmaisverdes
ecomumcertosentidofestivoeaomesmotempocomgravidade,comose
alguém mehouvesseincumbidode aperfeiçoálo(GST,p.22).Concepção
52
compartilhadacomValéry,quandoafirma“Umpoemadeveserumafestado
intelecto.Nãopodeseroutracoisa.Festa:éumjogo,massolene,regrado,
significativo;imagensdoquenãoécomum.”(Oeu2,p.546)
Poressaconjunçãofestaeintelecto,ironiaerigor,oescritorsabeque
a lentidão no ato da escrita nem sempre é esterilidade, é reflexão e até
mesmo um tema para a escrita. Osman cita esse postulado gideano
segundooqualoescritor,longedeevitarouignorarsuasdificuldades,nelas
deveapoiarse”(GST,p.13).Destacamosaquiaimportânciadapresençade
citõesatrechosdeGidenoensaioGuerrasemtestemunhasdeOsman.A
relão de amizade entre Gide e Valéry será chamada não por simples
biografismo, mas porque gerou uma correspondência ampla e plena de
temassobreacriãoliterária,sobreaconcepçãodoscadernosdereflexão
dosescritoresnoquedizrespeitoaosobstáculosdaliteraturatransformados
emliteratura.OpróprioValérynosCahiers(I,83),reafirmouissoaoescrever
Eumeorgulhodosmeusobstáculos
.Elestambémdebatiammuitosobrea
tensãoentre oescritoprivadoeopúblico.Daíinferirmosumaconexãode
OsmancomasidéiasdeValéry,viaGide.
VemosareferênciadeOsmanaGidecomoumametonímiaaValéry.
Algunsescritoresestãotãoimpregnadosdeoutrosquecitálosécitartodos
osseus.ÉbomlembrarqueGideeraromancistaeValéryfazsériascríticas
ao romance daquela época, a literatura em prosa, oscilante entre tons
realistasevanguardistas,amaioriasemapreocupãocomolirismo,coma
linguagempoética.
Afamosaoposiçãovaleriana–prosa(andar)xpoesia(dança)–não
53
podeserlidaforadocontextoemquefoiapresentada.Podemosentendero
fatodeOsman,romancista,aocitarGide,romancista,comoumarevisãoàs
críticas que Valéry fazia ao romance como um modelo datado (na prosa
realista o andar é linear, tem um fim) que estava sendo praticado apenas
enquanto representão direta do real sem o trabalho com a linguagem
própria do apuramento formal no romance dança da linguagem como
praticouedefendeu Osman. Valéry esboçouumromance
41
, a narrativada
construção de um personagem, M.Teste é considerado como o ideal de
prosaromanescabuscadopelopoeta.
Ainda no mesmo capítulo de
Guerra sem Testemunhas
, Osman
utilizaaexpressãocomposiçãodolivro,oquejáodiferenciadatradicional
concepção de crião do livro e o aproxima de Valéry, que desde 1896
utiliza e divulga o termo composição, mais usado em música. Como não
existemsinônimosperfeitoscadapalavraéumtom,aescolhadeOsman
eValérypor‘composition
42
,noquedizrespeitoaoexercíciocomaescrita,é
avalorizaçãoouoelogiodaformametamorfoseante:omanejodematérias,
afiguradas‘mãosàobra’éfundamentalnoentendimentodaliteraturacomo
artifício.
Leyla PerroneMoisés, (1990,109) no ensaio Criação do texto
literário,fazumpercursonaspalavrasqueorientaramasteoriasdagênese
literária, como, por exemplo, crião, invenção, produção, representão,
expressão, palavras que já estão um tanto quanto desgastadas. Embora
.
42
Apalavra‘composition’éusadaporValérydesde‘Aintr oduçãoaométododeLeonardoDaVinci’
eretomada emoutrosensaios.OtermoapresentadoemOevresI,p.1505édoensaio‘Acercado
CemitérioMarinho’,fundamentalnapoéticaescritadeOsmanLinsemGuerrasemTestemunhas.
54
pararesolveressapolêmicaaautoraopteporrecuperarapalavracrião,
acrescentando a expressão texto literário, com a acepção de construção
textual, ela se aproxima do termo composição, escolhido por Valéry e
Osmane,aoseumodo,endossaonossoelogiodaforma:aobraliteráriaé
construção do real e convite reiterado ao seu ultrapassamento.
Composiçãodosquesabemdispormatériasparaelaborãodotexto,labor
com sabor, palavras que, selecionadas da circulão comum, são
enxertadasemcenáriosquepotencializamosseussonsesentidos.
No mesmo parágrafo em que Osman comenta a dificuldade que
antecedeacomposiçãodaobra,oromancistafalaqueseucomentárionãoé
introdutório,ouesboçodeobra,elejáconsideraestaremplenoassuntoao
qual se propõe, um dos dramas do escritor, esse período crucial que
empedraasmãosaindaqueoespíritoestejaamilmovimentos.Adescrição
desse período faz referência direta, ainda que implícita, à ética da forma”
que Paul Valéry apresentou e defendeu no ensaio
Acerca do cemitério
Marinho
: elaborarlongamente os poemas, mantêlos entre o ser eo não
ser,suspensosdiantedodesejo,duranteanos
43
.Tratasedomesmotermo
citadoanteriormentenavozdeAlfredoBosi(1993),eutilizadoporValéry,a
formaemprocesso,alentidãoparacurtiracomposiçãoliterária.DizOsman
queoseuobjetivoéestudaralentaprogressãodeumtextoeosperíodos
mortos,ouaparentementemortos(GST,p.13).
Na página seguinte, Osman nos apresenta outro objetivo muito
valeriano,fazerumrelatóriosobreoatosecretodeescrever(GST,p.14).
Os
Cahiers
deValérysãosegredosdaauroraliterária,aconstruçãodiária,
43
Variedades,p.161.
55
comtempodemarcado,umvíciocontrolado,umapurarsesemrascunhos.
Para o professor Zular, esses cadernos de anotão de Paul Valéry são
escritos em espiral, uma experiência em constante devir, o que mais uma
veznosaproximadeOsman,cujafiguradaespiraléumleitmotivemsuas
narrativas,principalmenteemAvalovara.Émuito apropriadooquedisseo
professorJoãoAlexandresobreesseexercíciodoespírito,emartigosobrea
traduçãobrasileiradopoema
OCemitérioMarinho
44
,odiáriovalerianonão
éumabiografia,masumalinguagembiográfica”,umguardarsiitaliano,um
olharasinomundo.
Interessante também a concepção de que segredo, segundo o
professorRobertoZularemtesecitada,nãoéavareza:
Guardarparapossibilitarumariquezadedecantõesecorrero
riscodasescolhas.Guardarcomodefesa–necessária–dopoder
disciplinarquenosobrigaàutilidade(epressupõenasestruturas
existentes osvalores quecomandamessautilidadee,sobretudo
hoje, nos obriga ao imediatismo). Guardar, paradoxalmente, em
seu sentido prospectivo: permitir o remanejamento subjetivo que
esse espaço exige e criar valores a partir desse
remanejamento.”(p.253)
Aindanapágina 14dolivro
GuerrasemTestemunhas
,noschama
atençãoaexpressãotratocomamatéria”,compromissoemanuseiocoma
palavra: Nem uma palavra lhes será atribuída sem licença e aprovão.
(GST,p.16)Amaterialidadecom que os escritoresmodernoslidamcomo
44
In:AsIlusõesdaModernidade.Perspectiva.(1986)
56
texto, usufruindo de sua consistência maleável, barro úmido, pronto a ser
transformado em combinões felizes (GST, p.16). A palavra
matéria
também pertence ao vocabulário de Valéry: é o trabalho apurado com a
palavra e a gerão da obra concreta, um feito. E mais, é um lago
margeado,largo,seupercursoatéomarésubterrâneo.
Diz Valéry sobre a relão intrínseca entre matéria e forma nos
trechostraduzidoseselecionadosporAugustodeCampos
45
:
Desenvolvo minha idéia, porque ela me fala do meu
intelectualismo.Eulhedigoquenãosedeveconfundir–queeu
souumformal–equeofatodeprocederpelasformasapartirdas
formas em dirão à matéria das obras ou das idéias dá a
impressãodeintelectualismoporanalogiacomalógica.Masque
essasformassãointuitivasnaorigem(p.80)
*
Eeudecidi nãomedeixarmanobrarpelalinguagem.O
que eu, devo em parte, ao trabalho de poesia sob condições
formais, o qual induz a tomar as palavras e as idéias por sua
manejabilidadematerial.(p.87)
Pelo que apresentamos até agora, inferências unem as poéticas
valerianaeosmaniana.Apartirdapágina15dolivrobússola,
Guerrasem
Testemunhas
,aparecepelaprimeiravezonomedopoetafrancês.Nomear
éinvocar,chamarmaisperto.Osmanestáescrevendosobreospoetasque
45
PaulValéry:ASerpenteeopensar.Brasilien se.(1984)
57
criamsoboúnicoefeitodainspirão,conformeconfiguradoporPlatão,no
Ion
, e, como também testemunha Blake, e seus contatos com espíritos
celestiais, compondo às vezes sob ditado direto, segundo escreve a um
amigo,sempremeditãoemesmocontraminhavontade’.Emoposiçãoa
estes, cita Sartre (in Madelaine Chapsal,
Os escritores e a literatura
) e
MatilaC.Ghyca (
Lenombred’Or
)comumareferência aValéry,exemplo
dequemrenunciaaoilusionismoeàebrieznaescrita.
Em seguida, sob o signo da lucidez valeriana, Osman enfatiza sua
escolha pela forma literária na área ficcional e conclui seu raciocínio
posicionandoseaoladodeValéry:
O mesmo Valéry arriscase a afirmar que Bach não
haveria alcançado ‘a força de limpidez e a soberania de
combinões transparentes se houvesse acreditado que as
esferasditavamsuamúsica.
Na área ficcional, renegando a inconsciência, ou seja,
insurgindonos contra a má consciência, haveremos de governar
dentro do possível a obra em geral e, em particular, os
personagens. Negarlhesemos, honestamente, qualquer parcela
devontade”. (GST,p.16)
Aqui, fazemos um destaque para a posição osmaniana de que a
inconsciênciaéchamadaporeledemáconsciência,ouseja,aindaquemá,
permanece consciência, o governo dela é dentro do possível e não
totalmente.
Maisvalerianoainda,OsmanafirmaqueImaginarumlivro,planejá
58
lo, é incitar o espírito a entrar em ão, a expressarse em torno de um
núcleo,umfocoimantado.(GST,p.17).AconcepçãovalerianadeEspírito
(E)éatensãoexistenteentreCorpo(C)eMundo(M)–CEM
46
–superão
dadicotomiasujeito/objeto.OEspíritoédeforçamotriz,adisposiçãoparao
fazer, nesse caso, a escrita literária. As contingências que transformam e
modificam o plano são submetidas à avalião do autor,um processo de
recusaeinclusão peloqualcontinuoresponsável.Numacitãochave,já
apresentadanaintroduçãoeleitmotivdestatese,Osmanécontundente:
NãotenhonemdesejoasiluminõesdeumBlake,não
abdico deminhalucidez; do queescrevo está banidoo
acaso. A soberania da consciência e o governo da
atenção, que Valéry, na ordem do espírito, preferia a
tudo,constituemminhasregrasmestras.
Osmannegacomtodasasletrasailuminãoqueprivilegiaalgumas
pessoas e as deixam passivas, sem nenhuma ão diante da obra, que
acabasendofrutodeumaautoriadesconhecida.Soberaniadaconsciência,
governodaatenção,sãoescolhasvalerianas,regrasmestras,nacondução
do veículo literário e que atingem também a ordem do espírito. Valéry
passougrandepartedeseutemposededicandoaos
Cahiers
,aoprocesso
degerãodaforma,comoexercíciosdoespírito.
A citão que mais aproxima Osman a PaulValéry paradoxalmente
os distingue. A ordem do espírito é a opção de Valéry, diz Osman, ao
contrário dele que faz sua opção pela área ficcional. Em nossa análise
46
SiglautilizadaporValérynosCahiersparaatríade:corpo,espíritoemundo.
59
comparativa, uma das maiores diferenças entre Osman e Valéry é que o
primeiro pratica o elogio da forma visando à obra, à publicão; já Valéry
visaaoprocessodeformãodoespírito,oquelevaaoprocessodaobraao
infinito,equechegaàpublicãoporcontingências,umeditorapressado,e
atémesmo,comofoinocasodos
Cahiers
,asuamorte.
É interessante perceber que o trechochave na composição desta
tese,nasegundaediçãodolivroGuerrasemTestemunhas,1974,vemcom
uma nota retomando e ampliando o comentário do escritor no que diz
respeito à poética valeriana das recusas conscientes até na esfera do
inconsciente:
Reforçandooquefoidito,desejoacentuarquemesmo
as contribuições do inconsciente sofrem uma certa
espécie de exame, do que resulta serem ou não
incorporadas à obra. Não concluir que, para o escritor,
seja evidente a origem de todos os elementos que
integram o seu livro. Como explicaria, por exemplo, o
próprio Valéry, a origem e a subseqüente aceitão
daquele ritmo que, segundo confessa, deu origem ao
CemitérioMarinho.(p.17)
Osman Lins, antes mesmo de Augusto de Campos (1988), já tinha
umaleituracríticadaéticadarecusa,dalucidez,valeriana.Nãosetratava
denegaroacaso,masdebaniloquandooexcessonãofornecessário.A
explicão de Valéry sobre a aceitão do ritmo inicial do poema esta no
ensaio
Acerca do Cemitério Marinho
. Osman traz o poema e o ensaio
60
sobreopoemaparamostraraimportânciadosaberfazer,econheceraobra
no que ela tem de intelecto e de mistério. Nesse trecho de Guerra sem
Testemunhas, Osman reforça que em oposição aos escritores
cursivos
,
iluminados, que eram escravos das surpresas e guiados pelo acaso, ele
opta pelos escritores de
bordejar
, aqueles que combatem suas trevas,
autorizando ou não a invasão das divindades. A reflexão sobre a poesia
como dizia Octavio Paz, em
O arco e a Lira
, é o mistério revelado que
permanecemistério.
NessepontodolivroentramosnacitãodiretaaopoemadeValéry
O Cemitério Marinho
, e ao ensaio sobre esse poema. A tradução pelo
pernambucanoJorgeWanderleydessepoemamotivouotextoLeituraViva
doCemitério,docríticoJoãoAlexandreBarbosa(2007).Épossívelverificar
nesseensaioopontodestacadoporOsmanLinsnacitãoacimanãoera
evidente para Valéry todos os elementos que integram seu poema, o
primeiroritmo,umaestrofecomseisversosdedezsílabas,veiocomabrisa
milenardoMediterrâneo.Tratasedeumabiografiaficcionalizadanaqualo
escritorautorizasuapresença.
AlexandreBarbosa(2007)ressaltaqueopoematraduzidoporJorge
Wanderley vem a público junto com a edição da Pléiade dos
Cahiers
valerianoserevela,parasurpresadosleitoresdeValérydaquelaépoca,um
escritorautobiográfico,oumelhorumalinguagemautobiográficabuscando,
sem cessar, os limites da lucidez por entre o esvaziamento das
linguagens.”
47
Essa reflexão do crítico João Alexandre mostra um diferencial na
47
BARBOSA,JoãoAlexandre.(2007). AcomédiaintelectualdePaulValéry, p.53.
61
recepção de Valéry por Osman Lins em relão à recepção feita pelos
outrosautoresnaquelaépoca:amaiorialiaopoetafrancêscomopuramente
técnico, e Osman já percebia o que Barbosa afirma: o ato poético para
Valéry consiste na concilião tensa entre o mistério e a consciência do
saberliterário.
AoaproximarmosbrevementeopoemadeValérydolivrodeOsman
percebemosqueaepígrafedePíndaronopoematraztodaaconcepçãode
vidaliteráriaelinguagemparaessesescritores:Óminhaalma,nãoaspiraà
vida imortal, mas esgota o campo do possível. A atuão poética não
objetivaaimortalidade,masaespeculão,oesgotamentodaspesquisase
experimentõessobrealinguagem,campodopossível.Essa aberturaao
possível favorece o interesse dos escritores por vários campos do
conhecimento, da linguagem matemática e musical, das descobertas
científicasnocampodabiologia,daarqueologiadosaberpelahistóriaepela
filosofia.Daartecomodisposiçãoparaofazer.
Conformeo que jáfoiditonocantodeOsman,é possívelperceber
nele,oressoardepalavrasvalerianasnosversosabaixoselecionados,um
cantoformadopelosecosdosventosemarésdoCemitérioMarinho:
Omonsilence!...Édificedanslâme,
Maiscombledorauxmilletuiles,Toit!
(Ómeu
silêncio
!...Edifícioemminhalma
Douradocumedemiltelhas,Teto!)
*
Regardetoi!...Maisrendrelalumière,
62
Supposedombreunemornemoitié.
(Masolha!...Tera
luz
porcriatura
Supõedesombraumatristemetade.)
*
JesuisemtoiLesecretchangement.
Eusouemtisecreta
alterão.
48
Silence
,
 lumiere
,
 changement
, palavras recorrentes na poética
valerianaquetambémcompõeocenáriodecriãoosmaniana.Juntocom
Valéry, Osman acredita no trabalho silencioso que rege as reflexões no
períodoentreoplanoeaobra,épocadeembatecomaspalavras,matéria
do arquiteto da linguagem, construtor de textos: Este silêncio ativo, no
qual,acertaalturado
QuartetodeAlexandria
,possivelmenteem
Justine
,diz
Lawrence Durrell, a realidade pode ser reelaborada e revelada no seu
aspectoverdadeiramentesignificativo,é,emgeral,noquemedizrespeito,
ummeio,oúnico,deconhecer.”(GST,p.20)
Os autores meditam através da escrita silenciosa, as investidas da
canetaaopapel, treinamentoda frase,queharmonicamenterespondeaos
golpes, expondose monumento lingüístico: o sentido do escrever como
laboriosaconquistadoreal,funçãoexpressacomrigorporGeorgeGusdorf,
a quem decerto retornarei nesta obra: Ao agir sobre os vocábulos,
descobremse asidéias: a atenção àpalavra, advinda do esforço aplicado
emevitarosequívocoseasimprecisõesdalinguagemcorrente,éatenção
aorealeasipróprio.(GST,p.21)
48
NossopropósitoaotrazeropoemadeVarynãoéanalisálo esimfazerumailustra çãodesuaforça
napoéticaosmaniana.LademosàtraduçãodeJorgeWanderleyaooriginalparapercebermosaforça
daseleçãodaspalavrasnaformaliterária.
63
Écomessadisposiçãodebuscadapalavraparaconstruirmundose
asimesmoqueOsmanconcluioprimeirocapítulodoseulivro,explicando
queemboracumprapapelpessoaldemelhorajuizarseuofíciodaescrita,o
livro dirigese aos leitores, participantes nessa construção: Voltando para
eles meu exame, jogo sobre a mesa, o que pode serme decisivo, aquilo
para o que tenho feito verter a minha vida ao ato de escrever. Ato que
sempreenfrentei,desdeosanosmaisverdes,comumcertosentidofestivo
eaomesmotempocomgravidade”.(p.22)ImagemcaraaPaulValéry,vida
ematodaescritaeapoesiacomofestadointelecto(MAROUIS,1990).
Assim como o poema, o ensaio
Acerca do Cemitério Marinho
também presente no livro de Osman é um convite ao elogio da forma
literária,àéticaeàestéticanaliteratura,aocompromissocomoprocesso
deformãodaobra:ExistiaumaespéciedeÉticadaformaquelevavaao
trabalhoinfinito.”(VA,p.161).Valéryafirmavavivermuitocomseuspoemas,
umaocupãodedurãoindeterminada.
Foiparaentenderofuncionamentodapoesiaquecomouaestudar
o funcionamento da mente. Ética: a forma, o rigor na execução desse ato
(partedocaosdaindeterminão aocosmodaforma). Avisãode Valéry,
seu objetivo, é alargar o tempo para a produção. Um poema é
construção/reflexão do ato – dizer além da intenção. O ato de escrever é
desdobramento sobre oprocesso,émimetizão do poema. Mododenão
abrirmãodocaosedoacasonaescrita.Oprocessoemrelaçãoaopoemaé
tambémopoema.
Daí a ideia de que para Valéry a escrita tem função terapêutica. O
64
sujeitomudaaescritaeaescritamudaosujeito.Amudançapromovidapela
escrita era pessoal e social. Mudar a escrita significa um investimento do
sujeitoafavordenovasrealidades:
A literatura, portanto só me interessa profundamente na
medida em quecultiva o espírito em certas transformões–
aquelas nas quais as propriedades excitantes da linguagem
desempenhamumpapelfundamental(VA,p.164)
Osmantambémcompactuacomessepodertransformadordaescrita.
Escrevererapraeleabuscadelucideznoquedizrespeitoaosaspectosda
estética, da formão do sujeito e da sociedade. Por isso optava pelos
escritosdebordejar:
aquelesdosquaisbempoucosabeoescritoraoempreendê
los e ao longo dos quais, arduamente, avança e descobre,
revelase, devassa territórios que desconhecia, podendo
sucederlhe,durantearealizaçãodaobra,chegaraevidências
e surpresas que lhe ameaçam os alicerces da vid
permanecerá interessado nas revelões da sondagem e
mesmonoprocessodasondagem,empenhandonesseesforço
todasasreservasdoespírito.(GST,p.19)
Valéry, ironicamente, no ensaio aqui mencionado,
Acerca do
CemitérioMarinho
,nãoaconselhaessapráticaaninguém,eleconheciaos
jovensdesua“épocapremente,confusaesemperspectiva.Estamosemum
65
banco de brumas. (Va,p.162). Ele parecia falar para uma plateia
contemporânea. A situão hoje ainda segue sem rumo. O que nos deixa
esperançosos é que alguns entenderam a mensagem do poeta. João
Cabral, Joaquim Cardozo, Osman Lins, são exemplos de continuidade
transformadora.
Alguns críticos perceberam, mesmo brevemente, o diálogo
Valéry/Osman. Odalice de Castro e Silva no livro
A obra de arte e o
intérprete
(2000),faladeumpossívellevantamentodosautorescitadosnos
livrosdeOsmanLinscomoaelaborão deum
inventáriocrítico(lírico,)
o
quepodemoschamardebibliotecaimaginária:
um cânone de obras e autores que tem desafiado programas e
projetos apriorísticos, ao longo dos séculos, no mundo ocidental,
resistindo a levantes e insurreições (das novas escolas) e
mantendosevivos,porqueestãoemcirculação,pelavirtualidadede
sentidosqueencerrameirradiam,comoseguardassemaessência,
asubstância(
eon
)literária”.(p.33).
Escritores que,por meio do elogioda formaliterária, dizem maisdo
real, epermanecem, refeitos, em cada novaleiturae interpretão.Nesse
contexto,aautorachamaPaulValéryparafalar
dovalordaobravalorcomo
medidade juízocrítico,
ouseja,opapelda artenavidaé inserirse como
obstáculodaalienãodocotidiano.(p.81).Coloca,assim,OsmanLinsao
ladodePaulValérycomoadeptodessaobracomvaloresestéticosesociais
preservados,masnãofazumacomparãodetalhadadaspoéticasdesses
escritores.
66
Odalice Castro apresenta apenas um comentário sobre o conto
Um
pontonocírculo
,em
Nove,novena
(1966)deOsmanLins,textonoqualo
escritorpernambucanoinsereaimagemdaescritaegípciacomooequilíbrio
entre a vida e o rigor, entre a desordem e geometria’. A autora destaca
nesse trecho a leitura de André Maurois sobre a reflexão valeriana do
métododeLeonardodaVinci:
reflexãodetodosaquelesquenãotecemcommãoligeiraum
luminoso disfarce da complexidade das coisas.(...) A
semelhança manifestase na conscncia lúcida com que,
narrativaapós narrativa, foicomposto o políptico da escritura
osmaniana,
Nove,Novena
.”(p.284)
A autora nãodestacaque a personagem feminina construída nesse
conto mostra a utilização – antes mesmo do ensaio
Guerra sem
Testemunhas
, e no âmbito da crião nomeada ficcional, os textos
narrativos–deimagenscarasaPaulValéry. Osmanjácompactuava,desde
Nove, novena
, com a poética tensa do rigor valeriano: Hoje, amanhã,
sepultadaounão,ouevocada,ouesquecida,recusomeaexistirsóemmeu
rigor;ouemminhadesordem.Sejaestemomento,eassimminhaexistência,
osângulosdosgmetraseosbichosdofuracão.”(NN.p,29)
Aspalavraseimagensquerepresentavamanteriormenteaoposição
ordem/desordem em Osman e Valéry são utilizadas como atividades de
passagemsimultâneas,sempreemtensão.Em
Introduçãoaométodode
Leonardo Da Vinci
, Valéry desenvolve a ideiade passar da desordem à
67
ordem (p.44), da abstrão à construção, como a percepção dos lugares
geométricosnacontinuidade,oespoentreumeoutro,oentrelugarpara
pensar o pensamento com o pensamento numa escala de continuidades
que vai ao infinito. A preocupão e o demônio de Valéry é estudar os
pontosdeligãodessascontinuidades:
saber comonelasedesvanecem esses informesfarrapos de
espo que separam objetos conhecidos e arrastam após si,
ao acaso, intervalos; de como se perdem a cada instante
miríades de fatos, salvo o pequeno número que a linguagem
desperta”(IMLV,p.11).
A noção de pensamento contínuo está interligada a de que a
linguagem altera o real, provoca uma vertigem da analogia, a
impossibilidade de uma parada (idem, p.43). Valéry busca se 'assenhorar'
dessas paradas, dos lugares geométricos da continuidade em sua
complexidade infinita. (idem, p.53). Para Valéry, o segredo do gênio de
Leonardoestáemterencontradoounoesforçoquefez paraencontraras
relõesentrecoisascujasleisdecontinuidadenosescapam(idem,p.23).
Leonardotemumsensode simetriaqueproblematiza tudo,é umsistema
completo em si mesmo (idem, p.5565). Diferente do homem da
especialidade superficial ele é o homem da universalidade e do
aprofundamento.Sabe queprecisamosdacomunicãoentre asdiversas
atividades do pensamento (idem, p.81). É o homem da construção e da
consciênciadaconstrução.
68
É do processo de construção, composição da obra de arte e do
pensamento, que Valéry fala o tempo todo. Ele estuda as operões do
espírito para saber Por qual série de análises obscuras se realiza a
produçãodeumaobra”.Suaconclusãoéqueoobjetivodeumaobra,nãoé
tantooefeitoqueprovocaránoleitor,masfazerimaginarumagerãodela
mesma tão pouco verdadeira quanto possível (idem, p.17). Por isso,
considera o silêncio de alguns artistas em relão à gerão de sua obra
comodesconsiderão,ignorância,àsoperõesdoespírito.Conhecimento
nãoseseparadaconstruçãodoconhecimento.Desconsiderarissoemba
avistaàscoisasnãonomeadas,edesprezaafunçãodaobradeartedenos
ensinar“quenãotínhamosvistooquevemos(idem,p.35).
Por meio de Leonardo, Valéry revifica o imaginário, a presença da
lógica imaginativa na arte e na ciência. A distância entre elas é aparente,
diferençaquantoaosresultadosdeumaedeoutranãosignificaoposição:
na primeira, a imaginão vem a serviço de resultados com probabilidade
desconhecida e na segunda, como a busca de resultados certos ou
prováveis.
A crião de um personagem numa obra ensaística nos dá um
exemplo claro dessa lógica imaginativa valeriana. Osman Lins assina o
ensaio
 Guerra sem testemunhas
, mas divide a autoria com dois
narradores,umescritorempenhadoeseuduplonoprocessodeconhecero
atodecomposãoeoselosestabelecidosentreoamadurecimentodaobra
edo espírito.Aindanoprimeirocapítulodolivro,oensstafazsoaroutra
voznotexto,vozesdialogantes,guiasnorteadoresdoexércitodeescritores
69
dessa guerra. A apresentão do narrador de papel é um exemplo do
trabalhodeconstruçãocomaestruturadolivroealinguagemliterária.Trata
se de umfragmentoricode metáforas, como écomum na construçãodos
personagensnanarrativaficcionalosmaniana:
Outra voz ressoa em minha boca, a voz das perguntas, das
retificões, avoz de outro, de outros, mas invocada por mim. Se
existe outra voz, outra boca existe, e havendo outra boca, outra
caba haverá, outros pés, outras mãos, outrafigura, um cúmplice.
Para que nenhum de nós para conduzir a obra, o que seria
contrárioaosmeusprojetoseàminhatendência,dividiremosambos
aplenitudeeopesodopronome“eu.(GST,p.17,18)
A ficcionalidadedesseensaio estáno fatodo autor criar narradores
emdobradiça,oensstacriaumpersonagemnarradorqueéescritor,para
dividir a narrativa, e o narrador personagem escritor nomeado Willy
Mompow,àsvezesanunciadocomoWM,criaumparceirogeométrico,um
sinal com 2 triângulos, invertidos em relação ao outro, sinal que segundo
Willy Mompou é ínfima parcela do que sou, e observase, a mim Willy
Mompou,quetambémoespreito.(GST,p.18).
Então temos, neste ensaio, três planos de narrativa: do real ao
imaginário,eamboscondividemoladoconfessionalepolêmicodotexto.A
notaaopédapáginanosesclareceesseplanodaobra,queaindaestavase
definindo e comava a se efetivar a partir daquela construção de uma
línguatríplice:
70
Acodenos encimar com um determinado sinal (rs), as partes do
texto atribuídas ficticiamente a um de nós, o parceiro; quanto ao
escritorWillyMompou, tambémele não detodoreal, seráanunciado
singelamente pela indicão WM, que dominará os passos de sua
responsabilidade.Conquantosejamos,umeoutro,imaginados,tomar
seáaopédaletraoquehouverdeconfessionalnolivro,bemcomoas
posiçõeseidéiasneleexpostas.(GST,p.18)
Nesse jogo pronominal,nós dividido,destacamos a ambiguidade da
frase conquanto sejamos, um e outro, imaginados. Se quem fala nesse
trechoaindaéavozdoensaísta,eletambémseconsideraimaginado,oque
mostra a ficcionalização do autor, experimentão constante na obra
osmaniana.SeéWillyMompou,Osmancriaumpersonagemcomumpoder
dedespersonalização,quefaladisipormeiodopronomeele,ecitanafrase
a presença de seu parceiro sinal geométrico, seres imaginados, seres de
linguagem.
Oatodenomearumpersonageméumadasquestõesprincipaisda
construção de uma obra, a escolha do nome Willy Mompou como
personagem narrador do livro
Guerra sem Testemunha
tem uma
explicãofreqüentenaliteratura,aintertextualidade.Fazreferênciaaoutra
obraliterária,comotambéméumdirecionamentoideológico.Oescritorem
questãofoipoucoconhecidona sua época,morreuaos24anos,edeixou
uma obra com poemas de apurado trabalho formal sem deixar de lado o
compromissosocial.WMéumpersonagemcomvidapregressa,foitiradodo
livro
Poesias
de um escritor pernambucano chamado Deolindo Tavares
71
(1918Recife/Pernambuco1942Niterói/RiodeJaneiro)eque,juntocoma
citãodeSartreformamasepígrafesdolivrodeOsmanaquirevisitado.
SobreDeolindoTavares,opoetaAlbertodaCunhameloescreveuum
artigo–resenhanomomentoemqueeralançadaaterceiraediçãodolivro
Poesias:
ApoéticadeDeolindo,seéquepodemosfalarnaexistênciadeum
corpo verbal, onde textura e estrutura estão intencionalmente a
serviçodeumacosmovisãosedimentada,sejanaquefor,parece
estar claramente definida nos versos a seguir, revelando uma
incipiente repulsa ao que hoje chamamos de construtivismo em
poesia (apesar de que suas várias versões de um só poema
desvelemaartesãolatentedentrodeleequenãotevetempodese
desenvolver),completamentecompreensívelnumpoetaquepossuía
sua obra como única arma contra a adversidade, tornandoa uma
extensãodetodooseuser.
49
Um poeta que não teve tempo de se desenvolver, criticou o
construtivismo esterilizante na literatura, mas que deixou em seus
manuscritos uma mostra do seu trabalho com a linguagem. Um
representante simbólico de um livro dedicado aos que têm a paixão da
escritaeestãonamesmalutasilenciosacomapalavraecontraasmazelas
dasociedadeopressora.UmapoesiaquesegundoOswaldoCosta
50
mostra
umaaguçadaleiturasobreoreal,sobreoindivíduoeocotidiano.Poesia,
49
Ver http://www.interpoetica.com/figura_da_vez17.htm.
50
Fragmentos de um poeta: reflexão crítica da poesia modernista de Deolindo Tavares.
OsvaldoCesarRodriguesCosta.Dissertaçãodemestrado,UFPE,2003.
72
povoadapelaóticaneosimbolista,apresentaelementosimportantes,paraa
construçãodeumaleituracríticasobreonossotempo.”
DeolindoTavares,modernistada1ªfase,consideradoneosimbolista
na linhagem de Valéry, não se deixou levar pelo vanguardismo niilista e,
comoosmodernistasda2ªgerãobrasileira,apresentouemsuaprodução
um trabalho apurado com a linguagem, explorando o ato de escrever e a
função do poeta na sociedade, é de suma importância no contexto de
Guerra sem Testemunhas,
exemplo da meticulosa estrutura desse livro,
que só havia sido lido em seus tópicos temáticos e não em sua estrutura
ficcional. É relevante considerálo porque faz parte da construção de uma
obra,dapesquisaqueOsmanempreendeuparaproduzilaedalinguagem
poéticaquenestaobraimpera.
As referências a PaulValéry no ensaio deOsman Lins, adisciplina
sobre a recepção de Valéry no Brasil, o artigo sobre Valéry e Calvino, a
dissertão sobre Valéry e Cabral, e a breve menção ao diálogo entre
OsmaneValéryemcríticarecente,comotambémasconcepçõesdemétodo
eformadefendidasporJoãoAlexandreBarbosaeLeylaPerroneMoisésea
leitura de
Guerra sem Testemunhas
em sua estrutura ficcional, validam,
comodegustão,onossoelogiodaforma.
Atesesegueagora,napróximatrincheira,asfrontes:asconcepções
delinguagemeafunçãosocialdaobradessesautoresque,seemalguns
momentosparecemdistanciálos,emoutrosabremo leque epromovema
circulãodoaredasidéiasqueosenvolvem.
73
2.Asfrontesdaguerra
Oensaio
GuerrasemTestemunhas
discorresobreohomemcriador
da forma literária, antes, durante e depois do processo de crião. É a
convicção de um autor, que, embora envolvido com a sociedade e os
problemasesoluçõesestéticasepolíticasdotempoemquenasceu,viveu
nomomentodaescrita,umperíodode
solistência
51
,nodizerdeGuimarães
Rosa,períodoemqueoescritorunesolidãoeexistênciaparanomearoato
de escrever e deixar soar harmonicamente o coro dissonante do qual se
alimenta.
AestruturadesseensaiofoianalisadaporAnaLuizaAndrade(1987)
nolivropioneiro
OsmanLins:CríticaeCriação.
Segundoaautora,
Guerra
Sem Testemunhas
é exemplo de uma postura moderna adotada por
OsmanLins:aconscientizaçãosocialeestética.Opontodepartidaémuito
interessanteeoestudodetalhadoelogioso,masdezanosdepoisdeescrito,
trazemosalgunstemaspassíveisàrevisão.
Oprimeiropontodizrespeitoàhibridizaçãodogênero,frutodeuma
postura moderna, crítica. A atenção à forma do ensaio com recursos
ficcionais é uma modalidade da crítica literária moderna denominada por
Roland Barthes em suas obras, como escritura (a experimentão da
linguagem), assuntobastanteexploradoporLeylaPerroneMoisésnolivro,
Texto,CríticaeEscritura
(1977).
51
“Euestousó.Ogatoestásó.As árvoresestãosós.Masnãoosódasolidão,osódasol istência”.
(84).InAve,palavra.3ed.1985.
74
Nesse contexto, Andrade faz uma análise do livro, segundo ela por
questões didáticas, separando a parte ensaística da parte fictícia. De um
lado afirma que a corrente ensaísta de
Guerra sem Testemunhas
diz
respeitoaotompolêmicodasquestõesrelacionadasaoescritoreaocampo
deprodução,editorial,etc;edooutrolado,aficcional,diriarespeitoaotom
confessionaldoescritornomomentodacrião.Essaseparãonãoparece
ser a proposta de Osman quando afirma que Entrelamse nos dez
capítulos do ensaio, duas correntes: uma confessional e uma polêmica”.
(GST,p.12).
Oautorafirmaclaramentequeolivroéumensaioecontinuadizendo
que a crítica e a imprensa valorizaram mais o lado polêmico nele. No
entanto, gostaria que o lado confessional não fosse obscurecido porque
documentaumapaixãoqueoautorsonhaacenderouintensificaremoutros
homens.” (p.12). Desse modo, não lemos
Guerra sem Testemunhas
separandoficçãoeensaísmo,poisessamisturaéaformaescolhidaporLins
paradizerarelãodedobradiçaquecirculaoescritor,sempreemtensão
comalínguareferencial,maisapropriada,segundoateoria,aoensaio,ea
línguaconotativaàficção.
Mesmo assim, Ana LuizaAndrade chega ao ponto dedizer Guerra
não é um ensaio e também não é um romance”. (p.53) A separão em
gênerosfixosnãocabenumaobradeteorexperimentalista.Obrainovadora
porqueousou romper osgrilhões da academia – foi feitaaprincípiocomo
dissertãoparaobtençãodetítulodemestrenaUniversidadedeMarília
SP, onde Osman Lins foi por alguns anos professor – sem abrir mão do
75
cuidadocomaformaliterária.AobradeLinsaquirevisitadaéumensaio,no
sentido do ensaio como Adorno defende em
O ensaio como forma
: O
ensaionãocompartilhaaregradojogodaciênciaedateoriaorganizadas.
52
O entrelamento do discurso referencial e literário – a crião de
interlocutoresfictícios,depapel,umnarradorpersonagem,WillyMompoue
seucúmplicedialogantegeométrico,comovimosnocapítuloanterior–dá
nos a base para afirmar que Osman faz nesse ensaio um exercício de
escrituraconscientedasquestõestricassobreaexplorãodalinguagem.
Escritorcompunholíricoapurado,apráticadeescritaosmaniananesselivro
étambémumelogiodaformaliterária.
Osman pratica ali o biografismo típico Valeriano. O poeta francês
afirmou no ensaio
Poesia e pensamento abstrato
que não existe teoria
que não seja fragmento cuidadosamente preparado de alguma
autobiografia’. (VA, p.196). O fato de Osman criar um personagem autor
Willy Mompou, WM, e um duplo rs, mostra exatamente essa
metabiografia:noalémdavida,aficçãogeradora,personagensdepapel,o
autor ficcionalizado fala com mais força, ultrapassa a finitude da voz no
infinitodotexto.
Ser
GuerrasemTestemunhas
umlivroconfessionalétambémmuito
significativoparacaracterizarOsmanaoladode Valérycomo personagem
da
Comédia intelectual
. O crítico João Alexandre Barbosa (2007),
supracitadonestatese,leitorinspirado,umdospioneirosnoBrasiladedicar
estudossobreapoéticadeValéry,intitulouumacoletâneadeartigosseus
52
InTheodorW.Adorno.Notassobr eliteratura.1994,Ática,p.173.
76
sobreopoetafrancês,
AcomédiaintelectualdePaulValéry
,enfatizando
esseprojetodopoeta.
Ocríticoapontaasreferênciasaotermovaleriano,primeironotexto
de Valéry sobre Da Vinci,
Note et Digression
53
, quando o poeta vê
Leonardo como o personagem principal desta Comédia Intelectual; e
segundo, no ensaioconferência sobre Voltaire, de 1944, quando o poeta
afirma:
sonhar com uma obra singular, que seria difícil de fazer,
masnãoimpossível,quealguémalgumdiafará,equeteria
lugar, no tesouro de nossas Letras, junto à Comédia
Humana’, de que seria um desejável desenvolvimento,
consagradaàsaventuraseàspaiesdainteligência.Seria
uma Comédia do Intelecto, o drama das existências
dedicadasacompreendereacriar".
54
Podemos perceber ainda nesse artigo a associão que João
Alexandrefazda
Comédiaintelectual
deValéryaoelogiodaforma.Parao
críticobrasileiro,atríadevalerianalinguagem,poesiaeconhecimento–em
todaaprodução,estápresenteemproposições,imagenspoéticas,cálculos
matemáticoseatédesenhos.Aocitarotrabalhoapuradocomospoemas
O
CemitérioMarinho
e
Esboçodeumaserpente
,segundoele,frutodeum
processodeescritaereescritalentoetrabalhoso,vindosapúblicoem1920,
ocríticodiz:
53
TraduzidonomesmovolumedeIntroduçãoaométododeLeonardodaVinci,Editora34, 1998.
54
TraduçõescitadasporAlexandreBarbosa,inAcomédiaintelectual,Iluminuras,2007,pp.86e87.
77
OpatamardarealizaçãopoéticaemValéryéalinguagemda
poesia articulando as reges mais diversas econtraditórias de
uma personalidade, evoluindo entre emoções, sensões,
merias pessoais e culturais e uma aguda consciência
reflexivaacercadoprópriofazerpoético.”
Essa visitão a
Comédia intelectual
junto com o elogio da forma
literáriadãocontinuidadeeaprofundamAimaginãocrítica”.
55
AgoraPaul
Valéry aparece dialogando com a concepção osmaniana de obra crítica e
poética, da figura do artista enquanto animal racional, matemático,
coordenador da própria atividade construtiva: realidade explicada
analiticamente ao invés de atribuída apenas a fatores místicos ou
biográficos.
Essas afirmões nos levam ao segundo problema no livro de Ana
LuizaAndrade:aautoranãofaznenhumamençãoàimportânciadeValéry
em
Guerra sem Testemunhas
e muito menos na poética osmaniana. Na
partededicadaainfluências,onome dofrancêséobscurecido pelaleitura
damodanaquelaépoca,acomparãoentreOsmanLinseosromancistas
donovoromancefrancês.Aleituramaisconhecidanessavertenteestáno
livro
Poéticas em confronto – Nove, novena e o Novo romance
, de
SandraNitrine(1987,p.19).Neleaautoraexplicaaobsessãoemaproximar
Nove,novena
do Novo Romance francês no âmbito da críticaestrangeira
porque a tradução desse livro na França foi em 1971, contexto de
efervescênciadessatendêncianessepaís.
55
Almeida,Cristina.
Paginário:aimaginaçãocrítica
.2003.DissertaçãodeMestrado.Programade
sgraduaçãoemTeori adaLiteratura.UFPE.
78
ReginaIgel,nolivro
OsmanLins:UmaBiografiaLiterária
(1988),no
entanto,reconheceodiálogodeOsmancomPaulValérynoquedizrespeito
àopçãopelalucidez,pelarejeiçãoàinspirão,pelaescolhadaconsciência
e elaborão de planos no ato de crião. (p.167). A autora também é
certeira ao falar sobre a presença da dobradiça narrativa entre Willy
Monpou, WM, e rs. Ela vai mais perto do que entendemos ser esse
recurso, quando afirma que a geometria das letras e das figuras juntas
desenham um paralelogramo, uma figura que representaria os exércitos
gregos,germânicosegauleses,quemarchavamemfalangesesignificariao
espíritocombativodoensaio:
Nostextos,WMe
rs
nãosãoantagônicos:
sãocomplementosdeumtodoqueéoenssta.(p.169).
A leitura de Regina Igel tanto no que diz respeito à presença de
Valéryem
GuerrasemTestemunhas
comonoquedizrespeitoàescolha
estilística por um gênero híbrido e combativo nos mostra o gérmem da
análisemaisdirecionadaaquenospropomos.Afamiliaridadedapoéticade
Osman Lins com a de Valéry vai nessas duas linhas: a lucidez e
conscientizaçãodacomposãoliteráriaeocombatecontraumasociedade
opressoraecerceadoradaliberdade.
A ideia de aprofundar a imaginão crítica via Paul Valéry e sua
Comédia intelectual
(o primado da forma, o processo de crião, a
concepção de linguagem literária, os conceitos de literatura e as relões
comasociedade)vaiabordaragoraaanálisecomparativadolivro
Guerra
semTestemunha
e
Avalovara
,com
EgoScriptor
,odiálogo
Eupalinos,ou
79
o arquiteto,
e trechos dos
Cahiers
valerianos, textos fundamentais na
poéticadacomposiçãodessesescritores.
Vejamos,então,comoseinterpenetrameserepelemasconcepções
deOsmaneValérynoquedizrespeitoàsfrontesdeguerraselecionadas,
chamamosparaessemomentooutrosescritoresquecompartilhamoelogio
daforma,amesmadisposiçãoparaoliterário.
2.1Ameta:linguagem
O canto dePaulValéry eOsmanLins sobre a linguagem, o
modus
operandi
doescritorencararefazerusodapalavraedasintaxe,dalíngua,
pararenomear o mundo no papel, será aquifundamentado não em textos
tricossobreafilosofiadalinguagem,masemtextosliterários.Éumcanto
semelhanteaodopássaro
Mãedelua
,avemiméticaqueseconfundecomo
habitat, observadora de noturno olhar, raridade da fauna brasileira, que
aparece no romance Grande Sertão: Veredas
56
de Guimarães Rosa e é
nomeadoporRiobaldo,
lugúgem
.
O verbete dicionarizado linguagem não foi suficiente para nomear
aquele tom melancólico, lúgubre, e que soa articulado e repetitivo com o
verbosereirmisturandopassadoepresentefoi,foi,foi.Segundoalenda
tratasedeumlamentopelaperdadoamado,mastambémmetaforizauma
concepçãodelinguagemquealargaorealemexperimentõessintáticase
56
NovaFronteira,20ªedição,1984.“Osenhorn ãoescutou,emcadaanoitecer,alugúgemdocant oda
mãedelua”.p.375.
80
morfológicasquereestruturamanarrativaficcional,oritmopoéticoeomodo
deleromundo.
Um clássico é sempre um elogio à forma, um convite do autor ao
imagináriodacriãoficcional,aosmeandrosdanarrativa,àaventuranae
da linguagem. Aqui veremos que a vontade de língua pura’ valeriana
aparece no romance de Guimarães como princípio de renomeação do
mundopelacriãodepalavrasereordenãodasintaxeemOsmanLins
pela escolha de uma linguagem que transita na abstrão
ad infinitum
de
uma espiral na geometria de um quadrado. A palavra finda, funda, uma
narrativa com uma estrutura em dobrada, simultaneamente aberta e
fechada. O máximo de explorão da forma pela linguagem. Tudo nos
lembraque somos moinhodoreal, engenhariamovidaalinguageme dela
motor.
Davi Arrigucci Jr. (2002,17) ao falar da poética drummondiana
tambémnosmostraessetrabalhoapuradodopoetamineirocomapalavra.
Ocríticoafirmaqueseomundonosalimentadesentimentosesensões
diversas  entre elas os estados poéticos cabe ao poeta registrar esses
estados numa forma única, capaz de abarcareparadoxalmente deixar de
abarcar,osestadosematos,oprocesso,emobra.Écomoumacantilena
hipnóticaque nãoresigna.Emliteraturaosecos são novaspalavras:para
outrarealidadeoutralinguagem.
Valéry, Osman e Guimarães, tríade tentadora, é fruto de uma
disposição ofertada pela literatura comparada: viagem simultânea, vários
transportes.Hánelesoapetitepeloconhecimentosobreofuncionamentoda
81
linguagem,alínguaenquantoidiomaemquemsesocializam,emais,sobre
o funcionamento da linguagem literária que faz o homem comunicar e
contemplaromundoqueoimanta.Apresençadetrechosdolivro
Grande
Sertão:veredas
nestatesenãosignificafugaaotema,masdirecionamento
trico.Combinarescritoresémontarumquebracabaestéticoesocialno
qual as pas não estão com seus cortes acabados, o imaginário nos
permite o encaixe. Vislumbramos uma metáfora das instalões
contemporâneas,tãopresentesnasexposiçõesartísticasaoarlivreouem
museus:entramosliteralmentenaobradearte.
É função da crítica literária entrar no redemoinho e sair sem poeira
nosolhos.Nãotentar,comonoslembraValéry,acompanharavelocidadedo
trempelolado defora.Antesseguirviagem,compartilharoritmodotexto.
João Alexandre Barbosa (2007), no artigo
Permanência e continuidade de
PaulValéry
,citandoNortrophFrye,nosdáumagrandeliçãodafunçãoda
crítica e do próprio ato de leitura: para ler um poema é preciso conhecer
tantoalínguanaqualopoetaescreveu,comoalinguagemliterária.
Aquiacrescentamos,éprecisoconheceralínguaqueopoetacriou.É
nesse sentido que trazemos exemplos da
lugúgem
na travessia Roseana.
Grande Sertão: Veredas
é um livro múltiplo, é um romance, tratado de
psicologia, ensaio de teoria literária, mapa de uma região, a depender do
leitor.
Lugúgem
nacriãoaforística,quando,porexemplo,Riobaldofalade
certo rigor que Não esperdiça palavras. Ou quando apresenta o seu
significado para a palavra puridade: À puridade, eu sentia assim: feito se
82
estivessepego numaignorância– masque nãoeradefaltade estudo ou
inteligência,maisumaminhafaltadecertosestados.”(p.425)
Também podemos perceber essa atenção no trato da palavra, na
criaçãodeumalíngua,quandoeleserefereao“amordemilitriz”:
Essasentendemdetudo,práticasdabelavida.Queguardam
prazerealegriaparaopassantegostarexatodaspessoas,a
gente só gosta, mesmo, puro, é sem se conhecer demais
socialmente...Euchegassedenoite,eelasestavamcomcasa
alumiada,parameadmitir.Comoqueoamorgeralconservaa
mocidade, digo – de Nhorinhá, casada com muitos, e que
sempreamanheceuflor.(p.491)
Não é a intenção destacar a importância da concepção de língua e
poesiapuravalerianaparaGuimarãesRosa,oqueresultariaemoutratese,
nemtambémmostrarainfluênciadesseromancenapoéticaosmaniana.O
autor em entrevista, ao ser perguntado sobre a situão da literatura
brasileira no ano de publicão de
Guerra sem testemunhas
, citando
escritores como Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Jorge Amado, Érico
Veríssimo,éincisivoemsuaresposta,
mandaaverdadequelhediga,não
ostenhopormodelossobnenhum aspecto.Meusrumos são outros.”
(ET,
p.159)
Era 1969, e depois Osman chegou até a publicar um ensaio sobre
Clarice Lispector, mas silenciou sobre Rosa, o que não impossibilita a
presença deste nesta tese. Veremos a seguir que o livro no qual Osman
teoriza sobre a importância da linguagem na construção da obra,
Guerra
83
semtestemunhas
,eoromanceAvalovara,ondeeleexploraaomáximoas
possibilidades da linguagem tem um tratamento muito parecido com a
língua,linguagem,nosentidoda
lugúgem
deGuimarães–acriãodeuma
linguagem singular para a Literatura, na sintaxe ou no vocabulário, e que
vemosumelocomateoriada
línguapura
deValéry.
Lúgugem
, trabalho apurado com a língua, criões linguísticas que
abarquemanovarealidadenomeada,ouso,explorãodepalavrasnuma
sintaxe diferenciada,e origorcomapalavrarevelandoacompreensãoda
melancoliadalinguagem,umainsuficiênciadeexatidão,aperdadoquese
queria dizer. Por isso, a busca da palavra mais exata, da sintaxe mais
apropriada para moldar uma sensão tão presente nas obras de Paul
ValéryeOsmanLins.
A
lugúgem
também revela uma identidade, um temperamento, um
espíritopaciente,explorador,presentenessesescritores,comofoiexplicado
porGuimarãesementrevista
57
:
s sertanejos somos muito diferentes da gente temperamental
do Rio ou Bahia, que não pode ficar quieta nem um minuto.
Somos tipos especulativos, a quem o simples fato de meditar
causaprazer.Gostaríamosdetornaraexplicardiariamentetodos
ossegredosdomundo.Chocamostudooquefalamosoufazemos
antesdefalaroufazer.”(p.79)
Apaciêncianãocaracterizaapenasumpovo,osertanejo,nodizerde
Guimarães, mas o estado de uma fraternidade de escritores que
57
GuimarãesRosa,João.Ficção Completa.NovaAguilar, 1994.
84
reconhecem a necessidade de reservar um tempo para curtir a palavra e
aclararmelhoroquesequerdizer.Clarezaquenãodescartaohermetismo.
Exatidão,umtirocertonalinguagemreferencialconsagrandooinstanteem
verbopoético.
A
lugúgem
de Guimarãesdizmelhorquequalquerteorialiteráriaou
filosóficasobreaexplorãodalinguagemfeitapeloescritorquefazoelogio
da forma. O próprio Valéryteorizou sobre o assunto, noentanto, segundo
consenso crítico, não ousou na criação de palavras e recursos que
pudessemnomearoimpossívelporelealmejado,ograuzerodaescrita:“Se
nós fôssemos verdadeiramente revolucionários (à maneira russa),
ousaríamostocarnasconvençõesdalinguagem.(TraduçãodeAugustode
Campos,
ASerpenteeopensar
,p.99)
As poéticas de Paul Valéry e Osman Lins caberiam bem na
concepçãode literatura com teor metaficcional, os poemas sobrepoemas,
romances sobre romances. Mas optamos pelo que Valéry preferiu chamar
de uma linguagem dentro da linguagem
58
, para, talvez, evitar o
tautologismodoquemaistardeveioaserumaautoreflexividadeexcessiva
que levava à esterilidade. A linguagem literária não prega o isomorfismo
forma/contdo, mas a tensão geradora de suas especificidades, a
mimetizaçãodopercursodoescritornoprocessocriativo.
A aventura pela linguagem do poeta francês, como veremos, é
diferenciadadadeOsmanLins.Apartirdomomentoemqueaconcepção
de poesia de Valéry foi fundamentada no excesso de restrições, o poeta
conduziusuaescritaparaareflexãosobreapoesiaeseretiroudapráticade
58
VA,p.30,p.200.
85
poemasvalorizaçãodoprocessodecriãomaisdoqueaobra.Contrário
à prosa corrente, a marcha do realismonaturalismo de sua época, Valéry
acreditavaquealinguagemsótemplenarealizaçãonadançadapoesia.
Seu silêncio poético aconteceu no campo da publicão, parou sua
produçãodepoesiaparadedicarseameditãodofazerpoéticodoponto
ondeelenasce,dofuncionamentodocérebro,donascimentodalinguagem,
demodoque produziuuma prosa aforísticaque,segundoopoeta,nãose
configuracomoobra.Opoetaparecetersedeixadoaprisionarpelodemônio
da lucidez e optou pela escrita dos
Cahiers
, exercícios do espírito,
considerado por ele a antiobra. Alguns fazem uma obra, eu fo meu
espírito.(CAI,p.30).
JáOsmanLinsnãoabriumãodaobraplanejadaeexecutadaatéas
últimasconseqüências:escrevoamesmafrasecinco,dez,vintevezes,até
obteraexatacorrespondênciaentreaexpressãoeosentido.Oumelhor:até
queumatensãoentreaspalavraseoquesignificamseestabela.(ET,p.
156).Afirmouváriasvezesementrevistaqueapalavraerasuamatériade
trabalho,énelaqueoescritorinvestesuasnovasconcepçõesdenarrativa,
sua lucidez, sua vontade de exatidão: Tenho uma atitude de respeito à
palavra,àminhalínguaeaomeupovo.(Idem,208).
Seus textos funcionam como um lembrete da função da palavra,
afirmava que ela não era simplesmente a falência do sentido, a
arbitrariedadedosigno,masqueela
surgiuparasuperardealgummodoa
nossa mudezenãoparaampliála
.(Idem, p.252).Dessemodo, nãofazia
dafalibilidadedapalavraummoteparasuanarrativa,pelocontrário,através
86
dosseustextosapalavraganhavaaresdecompletudedodizer,diziauma
imagemcomcem,mil,quantaspalavrasfossempossíveisparafazeroleitor
visualizaroqueeletinhavisto.Porissonãofaziaconcessãoaoescolherum
vocabulário temendo o afastamento do público que gosta de facilidades.
Escreviaparasieparaopúblicoeabalançanãotinhaduasmedidas.
Enquanto Valéry resistia à publicão e se dedicava a um
preciosismo que o fazia render a forma ao infinito, o rebuscamento
osmaniano na frase visa à publicão, é a busca pelo leitor crítico, como
podemos ver no leitor exigido por
Avalovara
(1973) e por
A rainha dos
cárceres da Grécia
(1976). Embora a concepção de leitor para esses
autoressejamparecidas,umleitorficcionalizado,produzidopeloautor.Em
Valéry,nãoháespera,expectativa,investimento,deumarespostaimediata
dopúblico;jáOsmanescreveparaopúblicobrasileiro,contemporâneodele,
daí sua proposta de educão do leitor, sendo essa também a função da
críticaedaescola:ajudaralermaisemelhor.
Os escritores aqui comparados apresentam duas concepções de
linguagens teoricamente semelhantes, a necessidade de crião de uma
línguaquenomeieonovorealcriado,masnapráticadistintas.PaulValéry,
segundo João Alexandre (2007, p.28), é mais inventivo na prosa, na
teorização:
os textos criativos de Valéry se conservam numa linha de
fronteiracomreferênciaàTradição,continuamatradiçãofrancesadofimdo
século XIX
. Já Osman Lins é inventivo tanto no ensaio Guerra sem
Testemunhas, como nos romances. Em
Avalovara
, por exemplo, cria um
universocosmogônico,edáaspalavrasdeumpalíndromoantigoopoderde
87
sagrar reis e estabelecer mundos. São disjunções no que diz respeito ao
pensamentoeàpráticadalinguagemliteráriaquecomoveremosaseguir,
singularizamosescritores.
2.1.1.OidealdelínguapuraemPaulValéry
Através da leitura de fragmentos dos
Cahiers I
, sob o tópico
Language
,edealgunsversosdos
Pequenospoemasabstratos
59
podemos
perceber como se configura a concepção de linguagem em Paul Valéry.
ParaPimentel
60
,emtesededoutoradosobreosestudosfilosóficosdopoeta
francês, a obra de Valéry, pelo seu caráter fragmentar, só pode ser
analisada levando em considerão que o objeto de interpretão é
provisórioefrágil.Assim,ostrechosselecionadosparaanálisepodemesão
passíveisdecontradição,porqueédopensamentovalerianoesseredizerse
desmentindo: Nossas contradições são o testemunho e os efeitos da
atividadedenossopensamento.
61
UmdoscapítulosdePimentel(2008,p.99)dizrespeitoàconcepção
de linguagem de Paul Valéry. O autor mostra que o poeta não distingue
língua delinguagem.Ambaspodemsignificaremalgunstrechosidioma,e
em outros trechos a aptidão humana para desenvolver sistemas de
representõesoucomunicõesosmaisvariadosedistintos,sejamverbais
ounão.OmaisimportanteparaValéryéestudarofuncionamentodapoesia
59
PublicadosjuntamentecomEgoScriptor,ediçãojácitada.
60
TesedeDoutoradodeBrutusPimentel,PaulValéry:Estudosfilosóficos.2008.p.19.Programade
pósgraduaçãoemFilosofi adaUSP.
61
DePaulValery,OuvresI,p.377.TraduçãodePimentel,2008.
88
por meio do estudo do funcionamento da linguagem, nessas duas
modalidadese,consequentemente,ofuncionamentodamente,ocomoda
questão.Ateoriavalerianadelínguapuranãosedissociadesuaconcepção
depoesiapura.Opurismo paraValéry,comoveremos,não émoralista, é
analítico,elequertirardalíngualiteráriaaporçãodelinguagemreferencial
quepossibilitaacomunicãodireta.
Oprimeirofragmento,nos
Cahiers
,selecionadoporValéryparaabrir
a temática da linguagem, diz respeito à sua natureza enquanto fonte de
abstrão, responsável por erros e contradições. Para Valéry, toda
discussão filosófica gira em torno da linguagem. Para ele não temos nem
corpo nem alma, temos palavras. Daí a concluir que a palavra é clara
quandoausamoseobscuraquandoaanalisamos.
Tratase de uma análise da linguagem feita com proposições
preliminaresqueconsideramaimpossibilidadedeestudálaemsi,sendopor
isso necessário localizála no meio psíquico. As considerões valerianas
são muitas vezes tão embebidas pela crítica à abstrão que se tornam
abstratas. Não vamos adentrar nessa análise filosófica e, sim, ficar com a
beleza das imagens: As palavras fazem parte de nós mais do que os
nervos. Não conhecemos nosso cérebro senão por um ouvirdizer.” (CA I,
p.382).
EssecuidadocomapalavralevaráValéryalutarcontraalinguagem
comum,referencial,quetendeàgeneralização(poisvisaàcomunicão)e
aproporainvençãodeumalínguaparacadaser,línguaquesuspenderiaa
convenção do dicionário pela elaborão de uma linguagem na qual os
89
vocábulos recebessem suas definições pelo uso que o indivíduo quisesse
fazer dele visando à contemplão de novas realidades, um dicionário
singular para cada usuário. A consagrão do poeta seria criar uma
linguagemdentrodalinguagem
:
Seriaprecisomostrarquealinguagemcontémrecursosemotivos
misturadosàs suas própriaspráticasediretamentesignificativos.
Odever,otrabalho,afunçãodopoetasãocolocaremevidência
essasforçasdemovimentoedeencantamento,essesexcitantes
da vida afetiva e da sensibilidade intelectual em ão que, na
linguagem usual, são confundidos como sinais e meios de
comunicãodavidacomumesuperficial.Opoetaconsagrasee
consomeseportanto,emdefinireconstruirumalinguagemdentro
dalinguagem.”(VA,p.30).
A poesia é uma arte da linguagem, certas combinões de
palavras podem produzir uma emoção que outras não. (Idem,
p.200).
Concepçãobempróximada
lugúgem
deGuimarães,singularidadeda
linguagem que a aproxima da poesia: A linguagem é mais apropriada à
poesiadoqueàanálise.”(CAI,p.384). Palavraepoesiaenquantofatos
mentais e não sombras de dicionário. (idem, p.385). E acrescenta sua
ambição literária: Percebo que minha ambição literária é (tecnicamente)
organizar minha linguagem de modo a fazer dela um instrumento de
descobertas–umoperador,comoaálgebra–ou,antes,uminstrumentode
90
exposição e dedução de descobertas e observões rigorosas.” (idem, p.
386).
NoartigoValéry,lelangageetlalogique’inseridonolivro
Fonctions
de l’esprit – treize savants redécouvrent Paul Valéry
62
, Jacque
Bouveresse(1983)estudaaconcepçãodelinguagemdessepoetafrancês
comoaparecenos
CahiersI
.Oensaístaprincipiafazendoumlevantamento
dos pontos principais dessa teoria: primeirono que diz respeito a crítica à
linguagemcomum,poisValéryaconsideranatural,comoinconvenientede
serherdadaeimposta,nadaavercomseuprojetodeumalínguainventada
e individual para satisfazer as necessidades de resolver e criar nossos
problemas. Para comprovar suas observões o escritor cita trechos de
Valérycomo:
Nãoexistiriametafísicasenossalinguagemfossefabricão
pessoal, nossas convenções feitas por nós. Para nossas
necessidades reais, próprias para transmissão a nósmesmos, para
conservação e combinão. Porque nós cremos que as palavras
sabem mais sobre isso do que nós! Contêm mais do que nós – e
mesmomaisdoqueohomem.”(CAI,p.452)
Aleituradesseautorcoincidecomnossalinhadeanálise,mostrando
um Valéryque temcomoparâmetroparasuacriãoliteráriaalinguagem
enquantoconstruçãoindividual.Tratasedeumarealidadehumanatodo
momentoestamoscriandonossasrealidadesapartirdaselãodepalavras
62
Fonctionsdel'espri t. TreizesavantsredécouvrentPaulValéry,Paris:Hermann,1983.
91
que fazemos paranomlas, o que significa simultaneamente esconder e
mostrar,levadaaoextremonotrabalhodoartistacomaformaliterária.Para
Bouveresse,esteéofioquenoslevaàdefiniçãovalerianadepoesiapura:
genuína, de gênio, singularização, linguagem especializada segundo um
pontodevista.Eassimchegamosaoconceitovalerianodepurezanalíngua
enapoesia,nosentidodeanáliseapuradadapalavra:
Minhaideiafoiconceberumalínguaartificialfundadasobreorealdo
pensamento,língua pura,sistemadesignos– explicitandotodos os
modos de representão; que seja para a língua natural o que a
geometriacartesianaéparaageometriagrega,excluindoacrençana
significõesdostermosemsi,estipulandoacomposiçãodostermos
complexos, definido eenumerando todos os modosdecomposição. 
(CAI,p.425)
EssapaixãopelalinguageméquefazPaulValéryserconhecidopelo
rigor na criação, pela reescrita contínua, caracterizada não apenas pela
buscadepreciosismos–delesfazumbomuso–masprincipalmentepela
busca da palavra precisa. Para o poeta francês, precisar é uma
necessidade,esignifica,comoemquímica,medidaaproximada,desejode
pureza analítica, o que certa vez chamou de equilíbrio instável ou de
tensãoprolongadaentreosomeosentido.PurezaéparaValéry‘assepsia’
da situão verbal, tirar o pó e pesopelo uso da palavra, fazêla respirar,
renovar o pulmão: é preciso escolher: ou reduzir a linguagem à função
transitivadeumsistemadesinais;ousuportarquealgunsespeculemsobre
92
suas propriedades sensíveis, desenvolvendo os efeitos atuais, as
combinõesformaisemusicais.”
63
A tese de Pimentel (2008), ao citar o ensaio
Acerca do Cemitério
Marinho
confirmaesseidealde
línguapura
quevaimaistardeincorrerna
expressão
poesiapura
:nãoháoposiçãoentreformaecontdo,abstrão
e concretude, há tensões. Os pêndulos sintonizados nem sempre se
entrecruzam. O ideal de
poesia pura
é a prática da materialidade da
linguagem e não a busca da forma ideal, é a busca por não ceder à
linguagem referencial, é a luta contra a prosa narrativa linear, a favor da
linguagem da poesia, a tensão forma/contdo e não o isomorfismo,
igualdade forma/contdo. O próprio Valéry, posteriormente, substitui a
palavrapura’pelaabsoluta’
64
,natentativadetiraropesodainterpretão
moralista e discriminatório que a palavra pureza apresentou naquele
contexto. A palavra absoluta’ que estava sendo usada na música de
Wagner, dizia com mais precisão a ideia de trabalho analítico com a
linguagem,apuroformal.
Todaessaprecisãonaescolhadaspalavrasmostraaimportânciade
Valéry ter nomeado os poemas que vamos ler aqui como
Pequenos
PoemasAbstratos
.Pormaisparadoxalquepossaparecer,anaturezada
abstrão, do ideal de língua pura, está ligada à concretude da concisão
enquantovalorliterário,paradigmaparaapoéticadamodernidade.Elatem
valoratemporal,sendosinônimadeprecisão,exatidão,eprincipalmenteda
63
EmtextosobreMallarmé,OuvresI,p.651.
64
PoésiePure. Notespouruneconférence.OuvresI,p.1447.
93
teoria da condensão de Pound, no
ABCda literatura
65
.
O poeta inglês
retomaovocábuloalemãoeoitalianoeformula:
DICHTEN=CONDENSARE=POESIA.
Apalavraconcisãotambémpodeserlidacomoumaruptura,cisão.
Dasformasextensasparaasformasbreves.Ésquilojácriticavaumtipode
retórica que se prolonga e não diz nada: A cidade não ama o discurso
longo.
66
Algunspoetaspararompercomcertapoesiaextensaediscursiva
optarampordizermuitoemepigramaseaforismos.Issonãosignificadizer
que poemas de grande extensão não possam ser concisos. Dessa
perspectiva,
Grande Sertão: Veredas
e Avalovara também poderiam ser
consideradasobrasconcisas.Opoetapodeserextensoeserconciso;eser
brevesemoser.Aconcisãopodetransformarseemdemôniodebrevidade
ou no que Fabio Weintraub, poeta paulista contemporâneo, chamou em
entrevista de poemaspílula com ingredientes vencidos e sem receita
médica”.
67
Enfatizamos aqui a concisão enquanto condensão. Voltando à
químicavemosqueumareaçãodecondensãoacontecequandoduasou
mais moléculaspequenasedispersas, comoa dosgases,se combinam e
formam uma molécula maior e menos dispersa como a dos líquidos. Para
chegar a essa molécula grande, as simples são excluídas e as outras
diluídas,massuasespecificidadespermanecem,sendopossívelseparálas
novamente.Valeametáforadedizermuito,asmoléculaspequenas,vendo
pouco, a molécula grande. Ponto ou temperatura de orvalho é uma
65
AbcdaLiteratura.Cultrix,SP,1997.
66
CitadonolivroBrevehistóriadaretóricaantiga,ArmandoPlebe.E.P.U/EDUSP,1998.
67
Ver http://www.geocities.com/soho/lofts/1418/fabio.htm
94
expressão cientifica e poética para dizer o instante em que se dá a
condensão.Uminstante,transição,ear/águaviraorvalho.Assimtambém
a
arsconcision
valeriana.
O que era abstrão, aluta do escritor com as palavras no poema,
tornase concretude na interpretão do leitor, afirma João Alexandre
Barbosa (2007,75). O crítico fala da poesia e abstrão em Paul Valéry
trazendo aleituraea análise minuciosa detrês poemas considerados por
eleepelacríticafrancesa,tradicionais,pelorigordaformafixa,osoneto,do
ritmometrificadoedasrimasemparelhadas.
Tanto
A adormecida
, na tradução de Augusto de Campos  Que
embora a alma ausente, em luta nos desertos/ Tua forma ao ventre puro,
quevesteumfluidobro,/Vela.Tuaformavela,emeusolhos:abertos–
valorizandoorigordaformaedavigíliadoeulírico;como
Ospassos
68
,sua
lentidão e dúvida na elaborão do ato, na tradução de Guilherme de
Almeida–Filhosdomeusilêncioamante,/Teuspassossantosepausados,/
Paraomeuleitovigilante/Caminhammudosegelados.”–mostramojogo
entreabstrãoeconcretude.Paraocrítico:
Nãosetratadeumusoabstratodalinguagem,masdacriãode
umespo–oespopoético–emqueareordenãodosvalores
da linguagem implica na crião de uma linguagem dentro da
linguagem,comodizopoetnemumusoprático,queterminapela
compreensãodalinguagemutilizada.’(Barbosa,2007,82)
68
AquinãopodemosesqueceravozdoprofessorJoãoAlexandreBarbosarecitandoentre
fervorosoecalmoessepoemaemaulanaUSP.
95
Esse jogo entre abstrão e concretude também é visto nos
Pequenospoemasabstratos
69
deValéry(apartirdeagoraPPA,comoforam
chamadosporele).Elesserãoapresentadosaquiporumaóticaorvalharque
precisaasimprecisõesdaáguaedoar.Sãopoemasemprosa,escritosda
juventude quando sob a égide de Rimbaud e Baudelaire o poeta queria
inventar novos gêneros, e ao longo de sua vida, quando optou pelo vício
programadodeescrevertodososdiaspelamanhã.
Como já vimos e confirmamos com o professor João Alexandre
Barbosa,oconceitodeabstratoemValérynãoexcluiodeconcreto;pelo
contrário, a maior parte desses poemas são exemplos da precisão em
representaromundoeaexistênciamaterialmente,nele,palavraesom,tudo
é matéria. Atento ao dicionário e ao mundo, com o ouvido delicado de
poeta, sabia que a etimologia de abstrão significava ‘separão,
isolamento, mas sabia também que as palavras não têm uma função
definida,umrótuloinvariável,nãoexisteilhasemmar.
Isolamento aqui é metáfora de singularidade, buscar o sentido
abstratodapalavraéisoláladousocomum:Digomaravilhoso,emboranão
seja excessivamenteraro. Digomaravilhosonosentido quedamosa esse
termo quando pensamos nos prestígios e nos prodígios da antiga magia.
(...).”
70
ComonoabstracionismodeWilliamJames, Valérydá àabstrão
valorigualaodasrealidadesconcretas'.
Oque apalavra abstratoquersublinharé apossibilidadesobreos
feitos desta abstrão, quer seja por sensões, percepções, lembranças,
69
PaulValéry.EgoScriptorEtPetitspoèmesabstraits. Gallimard.1992.
70
Sobrea concepçãodeabstraçãoparaValéryleiam“PoesiaePensamentoabstr ato”.EmVariedades,
Iluminuras,1999,206.
96
ideias,coisasimaginadas,sonhos,emoçõesouporoperõesmentaismais
generalizadasquetodasessascategorias.
Paradesfazeraleituramoralistaeconteudísticaquealgunsfizeram
doseuconceitodepoesiaabstrataoupoesiapura,ValéryabreseuPPA
comumpoemaintitulado
AMistura.
Penseiemcoisasqueridas,fundantes
EmCauchy,emFaraday,
Naartedeconstruir,
Emmelodiasmisturandoseentresi,
Nomovimentodosbarcos
Nasala,naorquestraenaCena
DaÓpera,tãopsíquicodesenho.
Alua,ali,comoumavela.
(p.3)
Comoestritomínimodepalavrastudoédito.
Lemélange
valerianaé
uma lista de coisas caras ao poeta, sua tradição matemática, musical, e
poética.Aimagemlugarcomumdaluacircularésubstituídapelaimagemde
uma vela, valorizando o sentido da iluminão manual que só permanece
acesacomogestohumano.Aquivemoselementosartísticosedocotidiano
compondoum
dessinsipsychique
muitoconcreto.Aformaàsvezesfechada
sobre ela mesmaeaberta sobre todas asinterrogões,faz decada PPA
uma Quinta essência de si mesmo e dos prolongamentos no espírito do
leitor,comonopoema:
Asdiversõesmeentediaram–
97
Notédio,nofundodotédio
Umaflor,
Umadescobertadeclaracor
Constante.
Masdemasiadoaspirada,amadaemdemasia
Semelhanteemexcessoamim,tornase
Tormento,tornase
Amarga,intensa,implacável...
Recorroaoprazerqueentedia.(p.7)
Overbo‘ennuyercomoem“
Lesamusementsmontennuyé
,aparece
diversasvezesnospoemasdeValéry,relacionadoàspráticasdocotidiano,
aos acontecimentos superficiais do diaadia que tiram do poeta a
concentrão ao literário e paradoxalmente acabam por leválo à
composiçãodopoema.AepígrafedolivrodepoemasdeCarlosDrummond
de Andrade,
Claro enigma
, (1951),
Les événements mennuient,
Os
acontecimentosmeentediam,dolivro
RegardssurLemondActuale
,foi
pormuitotempointerpretadocomoomodomenoscoloquialemaisabstrato
deDrummondescreverpoesia,passandoumaidéiadedistanciamentodos
problemas sociais. Mas, como lemos no PPA citado acima e veremos no
decorrerdessatese,otédiovalerianoéprodutivo,eatémesmoprazeroso:
umaflor quenascenoasfalto,mesmonãosendopropíciooambiente,ela
resiste.Aflorpoesia.
SeValéry,nospoemasdepoiscopiladosnolivro
Charmes
(1922)–
comosugereacríticaespecializada–obraplanejadaepublicadadepoisde
váriasrevisões,éopoetatradicionaldoversofrancêssemmaioresvôosna
98
explorão da linguagem, e nos
Cahiers
ele visa à antiobra, a obra em
eternoprocesso,passandoareflexõessobreofazerpoético,nos
Pequenos
poemasabstratos
elealargaoconceitodeversotradicionalcomotambém
osentidodaspalavrasemimagenspoéticasnuncavistas,comonostrechos
abaixo,umareinvençãodomar:
Observando o mar, o muro, vejo uma frase, um círculo, uma dança.
Observandoocéu,océuimensoenualargatodososmeusmúsculos.
Observoocomtodoomeucorpo.
(p.13)
*
Omar,acoisamaisantigaeintactadoglobo.Tudooqueeletocaé
ruíntudooqueabandonaénovidade.(p.33)
Olharcomocorpotodosignificacontextualizar,nãodissociarrazãoe
a emoção. A
danse
da poesia sai do verso metrificado, da forma fixa, e
chega à prosa poética. Desse trecho podemos inferir que não podemos
utilizarindistintamenteaoposiçãofeitainicialmentepelopoeta,entreaprosa
(andar)eapoesia(dança).Valérynessespoemassaidoversoevaiàfrase,
suaorganizaçãoultrapassaoslimitesdoverso.Comovimosacimanojogo
entre
ruine
e
nouveauté
deummarsemprerecomado.
A poesia é aqui uma de suas delícias formais (CA I, Ego, p.36).
Abstrão expressa em termos concretos (CA I, Poésie, p.87) como o
própriopoetaafirmadepois.Odito,atodedureza:propriedadequímicado
querisca.Odiamante,porquesópodeserriscadoporoutroéapedramais
99
dura, símbolo valeriano do poema, sua meta. Eis o orvalho, lá, longe, ao
reflexodaluz,diamante.
2.1.2.Asvirtualidadesdalinguagemosmaniana
Comojávimosatéaqui,oelogiodaformaliterárianãoéumlibeloao
formalismo.Éumateseque intenta através do estudo das concepçõesde
linguagem e sociedade na espiral dos projetos poéticos de Osman/Valéry
apresentar uma nova proposta de literatura comparada fundada na
composição de rostos literários caleidoscópicos, multifacetados, por um
cânoneliterárioquepriorizaosvaloresestéticosconquistadospelatradão
erenovadosnamodernidade.
Oestudodeumensaiocomo
GuerrasemTestemunhas
,textoque
surgiusobasebeuniversitária,foiemprincípiodissertãodemestradodo
professor Osman Lins, durante magistério no curso de Letras em Marília,
SP.OlivroprovocaaAcademiaquesubmeteospesquisadoresàburocracia
textualecientíficacortandoaspossibilidadesdeousarmosem especulões
estruturaiselingüísticasqueumtrabalhodepesquisacomaLiteraturapode
noslevar.Essasubversãodométodoqueretesa,emtesepoética,éfrutodo
rigoredaironiadeOsmanLinscompartilhadocomValéryecultivadopelos
quesentemanecessidadedeultrapassarasmargensdocampuseestender
o conhecimento para os que estão longe da Universidade e perto da
Literatura.
Alguns programas de pósgraduão hoje estão abertosàsrupturas
no gênero tese. Conforme artigo A ficção que vale doutorado de Edgar
100
Murano para a revista
Língua Portuguesa,
novembro de 2008, alguns
dessestrabalhoschamadospelaABNT,deexperimentais,porexemplo,um
romance aprovado como tese e posteriormente premiado com o prêmio
Jabutinaáreadeficção.
ApráticainovadoradeOsmanLins,ohibridismodogênerofictícioe
acadêmico,nãofoicitadonoartigodeMurano,queapresentacomopioneiro
no gênero romancetese
Variante Gotemburgo,
1977, de Esdras
Nascimento. O fato é bastante importantena revisão da leitura de
Guerra
semTestemunhas
porqueesselivrocomoqualOsmanganhouotítulode
Mestresempre foilidoapenas pela vertenteensaística,diferente denossa
proposta que considera o hibridismo do gênero, o pêndulo ficcional e
ensaístico.
Alinguagem,oexpressar,éoprimeiroproblemaaoqualsecolocao
artistacriador.Alinguagemcomo metaenãoametalinguagem,odiscurso
dofazerpoéticoporelemesmoémuitasvezesesterilizante,opoema(todo
construído) é o rigor na construção, no processo de elaborão. O artista
cria suas restrições para compor suas regras e vencer os obstáculos.
Guerra sem testemunhas
é também um elogio da forma literária, escrito
numa linguagem poética que explora o uso de metáforas e a construção
aperspectivadopontodevistadanarrativa.
A linguagem, verbale nãoverbal, é matéria para a crião poética,
contdoecontinentedeOsmanLinsePaulValéry.NolivrodeOsmanque
estamosanalisandonãoexistenenhumcapítuloespecíficonoqualoescritor
desenvolve suas concepções de linguagem. O tema da primeira fronte de
101
guerraaquianalisadoperpassaportodososcapítulosdoensaioosmaniano
como a bússola do escritor que está em contato com a tradição, mas não
abremãodaaventura:
Diria,dalinguagem,serasuabússola,seupontodecontatocoma
tradição. No entanto, trabalhar essa linguagem também deveria
constituirumaaventura: ambicionavaexplorar–comliberdadeeao
mesmo tempo com rigor – suas virtualidades: mas sustentandose
dentrodopossível,emsuasleisjáfirmadas(Lins,GST,p.176)
ParaumescritorcomoOsmanLins,todocompromissocomaformaé
umareflexãosobrealinguagem,sobreopoderconstrutordoverbo,aforça
transformadora das palavras. Para Osman elas se constituem semelhante
ao que nos lembra Cassirer (1972) no livro
Linguagem e Mito
, sobre os
deuses momentâneos, efêmeros, mas com força criadora,
daimons
que
potencializamarealidade.
Nãoédeestranharapresençarecorrente,noensaioosmaniano,do
livrodeGeorgeGursdorf,
Apalavra
71
,paraoqual
osentidodeescreveré
umalaboriosaconquistadoreal.
Umdostrechosdesselivrofundamentalna
concepçãodelinguagemparaOsmanaparecelogonoprimeirocapítulodo
ensaio:
Ao agir sobre os vocábulos, descobremse idéias; a atenção à
palavra, advinda do esforço aplicado em evitar os equívocos e as
imprecisõesdalinguagemcorrente,éatençãoaorealeasipróprio.’
(GST,
p.21).
71
Edições70, Lisboa,1995.
102
Mais uma vez, a luta contra a imprecisão da palavra é um
compromisso individual e social. Uma visitão ao livro de Gursdof nos
mostra como Osman estava embebido dessa leitura. Gursdorf cita
Nietzsche
72
aodizeremsua
GaiaCiência
queoshomensdegêniosãoos
criadores de nomes, aqueles que fazem ver aquilo que ainda não foi
nomeado.EcitaValéryaofalardosgrandespoetasqueafirmamoparadoxo
da linguagem, na fronteira entre o nomear, exprimir, dar existência, e o
inexprimível
73
. Concepções que Osman desenvolveu no ensaio aqui
revisitadoequefundamentamoelogiodaformaliterária.
NalinhadeFrancisPonge(
Método
,1997)paraquemtomarpartido
das coisas é levar em considerão as palavras, Osman Lins escolhe a
palavrapeloritmovisíveleassimrevificaossentidosemcadanovosoprode
vida à palavra pó. A ética do escritor com os signos é, no silêncio ou na
tagarelice, tatear uma forma e sentidos por avanço ou esquiva. A enxada
cavaaterra,ohomemsemeia,apálavra.
O apurado trabalho com a linguagem leva o escritor a um trabalho
apurado com a estrutura da obra. No capítulo dois do livro
Guerra sem
Testemunhas
, o direcionamento do foco narrativo para WM, que oscila
pronominalmenteentreoeueonós,paraexplicar
apresençamaldefinida
doparceironolivro
:
recursobanal,mascomafunçãodetornarmenosárido
umtextoacadêmico,coincidecomodiscursoosmanianodaimportânciada
pacncianaelaborãodaobra:
72
IdemGusdorf,p.37.
73
IdemGusdorf,p.74.
103
Ante o papel (buscar tranquilamente a frase, experimentar
algumas de suas muitas possibilidades, aguardar o instante em
que orões e períodos se encadeiem, trabalhar sobre eles
peranteavida(saberqueesforçoalgumpodesubstituirotempo
em nosso processo de maturão e que nossos progressos se
efetuamemsegredo)”.(GST,p.28)
Jánocapítulo3,ofoconarrativosedirecionaaoparceirogeométrico.
ElenarraomomentoemqueWillyMompoudáumaconferêncianaEscola
de Belas Artes. Há um enredo bem trado que envolve os personagens
escritores sempre em espos de exposição das ideias como as
Universidades e Academias, espos de debate sobre os problemas que
envolvem o escritorno momento de produção daobra, afunção social do
escritor e sua relão com os editores a mídia, o campo literário, como
teorizaPierreBourdieunolivro
Asregrasdaarte
.
O capítulo 4 tem como foco narrativo uma junção de narradores.
AparecepelaprimeiravezWrsM,oduploestáacolhido,duasbocasfalam
simultaneamente. O tema agora é organização das palavras no texto, as
milharesdepalavrasregidaseinvocadaspelonossoespírito,disciplinadas
pelo nosso trabalho.” (GST, p.46) As palavras aqui são chamadas de
engenhosas relões abstratas e simultaneamente precisas, eficazes.”
(idem) O que também nos remete a concepção de palavra ligada à
abstrão,vistaanteriormenteemPaulValéry.
No capítulo 5 temos WM no foco narrativo, dessa vez narrando a
experiência do autor Osman Lins, passados nove meses da escrita da
104
primeira frase do livro. Os momentos de interrupção da escrita, as
depressõeseraivasligadasaessesperíodosdeescassorendimento.Oque
gera reflexão sobre o escritor e a máquina editorial, os prazos para
conclusão da obra e a relãode dependência entre escritor e editor. O
ensaioassumeseexplicitamenteconfessional.
Ocapítulo6,
Oescritoreoteatro
,trazumdiferencialnaestruturada
narrativa que vai reaparecer também no capítulo 8,
O escritor e o leitor:
diálogos entre WM e rs, um jogo de perguntas e respostas. São
comentários,ratificõeseretificões,umaconversaemtornodasrelões
doescritoreaproduçãoteatral.Gostaríamosdedestacar,nocapítulo6,a
segunda referência direta a Paul Valéry, quando a voz do parceiro
geométrico,nadamaisvaleriano,lembraoaWMtrechoAmaiorliberdade
nasce do maior rigor (GST, p.92)  do livro
Eupalinos ou o Arquiteto
74
,
umadaspasparateatrodePaulValéry.Vemosaquiumadefesadaforma
fechada que possibilita aberturas. Do mesmo jeito que a liberdade
proporcionarigor.
OcontextodessafrasenolivrodeValéryéafaladeSócratesaFedro
sobre
os artistas equilibristas da razão
, os que inventam restrões por
considerarem a superão dos obstáculos, o espo máximo de
especulação da linguagem e do real. Tal superão se dá, segundo o
cratesdeValéry(p.157),pelaescolhadaforma:competeàformatomar
do obstáculo o que necessita para avançar. Tratase realmente de uma
leituraquealimentouorigornotratocomalinguagemprópriodeOsmane
dos narradores de Guerra sem Testemunhas. A fala de WM a este
74
EupalinosouoArquiteto.PaulValéry.Editora34,2ªedição,1999,p.143.
105
comentáriocomprovaqueosnarradorescompartilhamcomopontodevista
deValéry:Éútildetemposemtempos,trabalharmosdentrodelimitões
que não estabelecemos. São circunstâncias que nos exercitam e
disciplinam, podendo mesmo corrigir certos vícios de concepção.” (GST,
p.92)
Enquantonocapítulo7ofoconarrativoestátododirecionadoaWilly
Mompou, falando do tema das relões do escritor com o livro, a
especulaçãodavigênciadosvaloressobreosquaisestáassenteoofíciode
escrever(p.118),nocapítulo9temosavozdoparceirogeométriconarrando
umaentrevistaqueWMconcedeuaumaemissoradeTV.Nessaentrevista
debate também estavam presentes outros intelectuais, como dois
professores catedráticos de Português, com os quais o escritor discorreu
sobre
Asregrasdalíngua
.
rs inicialmente critica os professores de não conhecerem a
literaturamodernaedeapresentarememseusmanuaisumaliteraturanão
atualizada e com um conceito ligado ao purismo gramatical. As questões
queelesfizeramaWMdiziamrespeitoaconceituarfigurasdelinguagemea
fazer análise gramatical dOs Lusíadas. O que foi recusado por WM, uma
vez que sua concepção era delíngua viva, que circundasse o escritor e,
ondequerqueeleestivesse,vibrasseemseuíntimo,umhorizontemóvel”
(GST,p.173)nodizerdeGursdorf.
A discussão era na verdade sobre a importância do conhecimento
gramatical da língua para os escritores modernos. Para os gramáticos,
muitos vanguardistas pregavam o fim da Gramática tradicional por não
106
conhecêla, mas o que Willy Mompou defende é que, para o verdadeiro
escritor, explorar as virtualidades da linguagem inclui o conhecimento da
gramática como usos da língua, o que não poderia estar dissociado do
problemadaformaedaconcepçãodemundo.WMexemplificaissocomo
fato de ter escolhido em suas obras o uso do pronome eu em suas
potencialidades. Somente o conhecimento gramatical dos usos desse
pronome permitiu ao autor a ubiquizão que praticou na estrutura de
Guerra sem Testemunha
, quando faz condividir o eu do autorensaísta,
comos‘eusdosnarradorespersonagens.
Entraremosagoranocapítulo8,aterceirareferênciaexplícitaaPaul
Valéry,quandoosnarradoresconversamsobreaimportânciadoleitorpara
o escritor. A referência de Osman ao poeta francês nesse tema é muito
importante porque demarca mais uma semelhança/diferença entre os
escritoresaquicomparados.
O poeta francês,ironizando o mercado editorial de seutempo, pelo
comodismodesubstituirotermoleitorporconsumidor(VA,p.182),dizque
o escritor que pratica a ética da forma desconsidera consumidores e
produtores visando ao estudo rigoroso do processo de formão da obra.
Osman Lins faz a mesma distinção entre consumidores e leitores e opta
comoValéry,pelosegundo,“cadaescritorelaboraoseuleitor(GST,p.151),
aquele que confirma e amplia o significado da obra” (GST, p.155). No
entanto, Osman não fica apenas na reflexão sobre o processo de
composição,eleproduzsuaobranumritmopausado,masfreqüente.
107
Osman também enfoca nesse capítulo a importância do tratamento
comalinguagematravésdoritmodotextoeemconseqüênciaavalorização
doleitorinspiradodePaulValéry(VA,p.198),executantedesseritmo:Éa
execuçãodopoemaqueéopoema.Foradela,essasequênciadepalavras
curiosamentereunidassãofabricõesinexplicáveis.(Idemp.184).
ParaOsman,oritmodotextoéfrutodotrabalhocomalinguageme
alimenta o leitor que percebe as relões de sentido na reorganizão da
sintaxe,nousoeelipsedepontuão:
Aspectoessencialdaobraliterária–oritmo,acadapassoevocado
ou sugerido pelas vírgulas, pontos, travessões, parágrafos, pela
extensão dos termos e períodos, enfim por toda uma série de
recursosgráficoseestilísticos(GST,p.156)
Validando a importância do ritmo associado à construção da
linguagem emsua poética, o narradorfaz nova referência a Valéry, o que
demostra mais uma vez a cumplicidade de idéias no que diz respeito ao
elogiodaformaliterária.Opoetafrancês–mesmosendoconsideradopelo
narrador como cerebral, por seu excesso de racionalidade – deixouse
dominar pelo ritmo do poema antes mesmo de saber sua forma ou seu
contdo:
MesmoocerebralValéry,sofreoseupoder:dominouo,segundo
confessaaumamigo,oritmodecassilábicodoCemitérioMarinho,
antesqueseprecisassememseuespíritooselementosverbaiseo
assuntodopoema.”(GST,p.157)
108
A concepção osmaniana de linguagem aparece em todo o ensaio
narrativa, mas agora vamos centrar nossa análise no fato de o ensaísta
colocarnafaladeWMumacríticaaosqueapoiamadiluiçãodalinguagem
em superficialidadespara atingiro grande público,da mídia televisiva,por
exemplo,afirmandoaslimitõesdalinguagemeadificuldadequeotexto
literáriobemtrabalhadoofereceaoleitor.Apartirdisso,escreverbemestaria
associado à clareza aprisionada em gramáticas e em muitos poemas e
romancessemvoos:
O avanço dos meios de comunicão de massa, todos
adversos a reflexão, com a sua audiência malvel,
contrastando com a penetrão lenta e difícil das obras
literáriasondeomundoécontempladocompurezaeaudácia,
predispõe muitos intelectuais a esta enfermidade altamente
danosa,quetendeaparalisaroescritor,ouaminarasforças
que o sustentam e o fazem consagrarse no seu trabalho: a
desconfiançaantealinguagem.(GST,p.203)
Segundootrechoselecionadoacima,WMconsideraadesconfiança
antealinguagemumaenfermidadedanosaqueparalisaoescritor.Paraele
oescritorsabelidarcomaslimitõesquea linguagem nosimpõe,pois o
fatodeserescorregadianãopetrificasuasmãos.Elecontinuanessamesma
página, fé na palavra, a vê com mais clareza: inúteis, sem ela, todas as
conquistasequaisquertentativadesalvão.”(idem)
109
O escritor é um defensor da linguagem, sua confiança nas
possibilidades da língua é uma questão de vida e morte. Mas defender a
linguagemnãoécerceála,érevivificála:
Desgastase a linguagem pelo uso capcioso? Tem o escritor de
protegêla contra a erosão, restaurando a sua integridade e
restituindolhe a eficácia. Quem destruiria as bússolas e os mapas
estelares existentes nos navios, a pretexto de que os tempos são
tempestuosos?Seencampamosocartazpublicitárioeoutrosmeios
ditosimediatosdecomunicão,estamosapenasabdicandodoúnico
meiodequedispomosparainquirirarealidadeeexternarcommaior
oumenoreficácianossavisão.(p.204)
Dez anos após escrever
 Guerra sem Testemunhas
, Osman
escreveu,
Casos especiais
, textos encomendados para a televisão. Ele
consideraessestextoscomoumatentativadeincursãonamídiatelevisiva,
suporte que não possibilita grandes explorões com a linguagem. No
prefácioàpublicãodesselivro,em1978,Osmanexplicaqueaceitouessa
experiência por dois motivos: primeiro porque a proposta daquela série
procurafugiràrotinadosenlatadoseondeaterrívellutapelaconquistade
altos índices de audiência, se não desaparece é atenuada.” (CE, p.6);
75
e
segundo, pelo compromisso de escritor, conhecido como hermético, na
publicão doslivrosque cheguemaumpúblicoquepordiversosmotivos
nuncativeramacessoaumaobraliterária:
75
CasosEspeciaisdeOsmanLins.P.6.Summuseditorial,RJ,1978.
110
Uma tentativa como esta, que não nos afasta do nosso projeto
básico, do qual vem a ser como que uma ramificão, significa
umapausaemnossoangustianteisolamento.Umarealizaçãoque
é, ao menos, mais sincera, mais honesta, vence a massa de
produtosrealizadoscomfins comerciais esemqualquerrespeito
pelopúblico.(CE,p.8)
AconcepçãodelinguagemdeOsmanLins,seucompromissocoma
criação de uma linguagem literária que mantém sua especificidade no
turbilhão da linguagem comum, ao mesmo tempo em que é uma reflexão
sobre o fazer literário e as relões do escritor com a sociedade, é muito
similaràdePaulValéry:opoetafrancêstambémseempenhoueminventar
uma língua singular dentro da linguagem usual e fazer uso dela contra a
antiarte,enessecasoespecíficoaantiliteratura.
Para enfatizar mais ainda essa concepção de linguagem, veremos
alguns exemplos do trabalho apurado de Osman Lins no romance
Avalovara
–umromancesobreaescritadeumromance.Ovoomaisalto
dopássaroosmanianorefletesobreasexperimentõescomalinguageme
aatuãodoescritornasociedade,outroelogiodaformaliterária.
A metalinguagem foi muito utilizada na pósmodernidade como
escapatória do ato, da prática da forma literária em suas explorões
linguísticaseestruturasnarrativas.Aescritasobreaescritafoimuitasvezes
escamoteação,fugadarealidadesocialeliterária.Alguns analisaramesse
romanceexclusivamenteporsuareflexibilidademetalinguística,ofatodeser
um romance sobre a construção do romance, um escritor no processo de
111
escritadeseuromance.Mas,areflexibilidadeem
Avalovara
nãovalepersi,
elaéperpassadapelofazer,peloconstruirumadefesadotrabalhocoma
materialidade da palavra. É uma defesa da arte não enquanto simples
ornamento,masenquantonecessidadedeautoconhecimentosobreoofício.
Em
Avalovara
veremosqueaLiteraturaéumdiscursosobreaLiteraturae
também um fato literário. Uma não abre mão da outra, a meta é a
linguagem.
Umas das epígrafes desse romance Chegar ao mundo é tomar a
palavra, transfigurar a experiência em um universo do discurso.  é um
trechodolivrodeGeorgeGusdorf,
Apalavra
,muitoreferenciadoem
Guerra
sem testemunhas
. Ela nos dá tanto a concepção do romance aqui em
questão como da Literatura, arte que tem a palavra como matéria de
trabalho. Uma das temáticas do livro, o percurso de Abel ao escrever o
romance
Aviagemeorio
,éumaexplorãodalinguagemqueolevaao
conhecimento de si mesmo, do amor e da literatura: a experiência com a
palavraéexploradaaquitantonocampodacomunicãohumana,comona
comunicãoliterária.
Paranãocairmosnoresumodolivroeperderoessencial,comodiz
Valéryem
Leonardoeosfilósofos
76
(p.203),oucomocontundentemente
afirma Osman prática superficial, difunde e reanima a idéia corrente
segundo a qual a história é o romance”, em
A rainha dos cárceres da
Grécia
(p.10), vamos selecionar trechos onde a experimentão com a
linguagemrevelaateoriaepráticada
lugúgem
Guimarães.
76
IntroduçãoaométododeLeonardodaVinci.Editora34.1998.
112
AestruturageométricadeAvalovaraconsistenainserçãodaslinhas
narrativas do romance numa espiral que percorre as letras de um
palíndromo incrustadasnumquadrado.Opalíndromoé afrasesímboloda
duplicidadedesentidonoromanceeaparecenalinhanarrativadaletraS,
sobotítulo
Aespiraleoquadrado
.
SATORAREPOTENETOPERAROTAS,paraoscontemporâneosde
Loreius e Ubonios, personagens principais dessa temática, a frase seria
clara, mas trazia dois significados importantes para a concepção de
linguagemosmaniana:Olavradormantém cuidadosamenteacharrua nos
sulcos. E também: O Lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua
órbita.” (AV, p.29) O sentido denotativo, referencial, representando o
significadoliteraldaprimeiratraduçãoeoconotativo,poético,representado
pelasegundatraduçãoequeseriaumaalegoriadoromance,podendoser
entendidacomoasrelõesdoescritorcomsuaobra.Osmandáapalavra
um tratamento que a tensiona entre o contexto histórico da época da
produção,que requeruma linguagem referencial,eatransfigurãodesse
realem ficção,formaliteráriareclamadapelalinguagempoética.
Alinguagemdoamor,nesselivro,éricaemerotismoeemmetáforas
de reflexão sobre o uso da palavra. Sob o signo da letra R, o tema da
inominável,personagemrepresentadageometricamenteporumcírculocom
umpontonocentro,fundidaaumaespiralcomhastesreviradas.Sobotítulo
e Abel, encontros, percursos, revelões
, podemos ver um exemplo
desseerotismolinguísticoecorporalnafaladeAbel,opersonagemescritor:
113
Alínguaquenteeagitada,feitaparadegustarossaboresdaTerra,
inverteestafunçãoefazsealimento.Sabealicor.Dequê?Beboo
sucosemprerenovadodessefrutovivo.Embebomedorumorososer
abro – e sinto, no meu peito, como se a mim pertencessem,
crescerem seus peitos. Não terão apenas o arredondado, mas
também o colorido das rosáceas (duas grandes rosáceas sobre
rosáceas menores) e neles fulgem, estou certo, palavras pouco
usuais.(AV,p.17)
Daflexibilidadedalínguanaanatomiadocorpohumano,móbileem
suafixidez,degustaeédegustada.Sabealicor.Nessepontooleitortem
umencontrocomumaestruturalinguisticamenteinusitada.Oestranhamento
dosformalistasfaznosrecuarparareconstruirarealidadepelareconstrução
da língua. Sentir o licor não causaria impacto, por isso a necessidade de
buscarapalavra,afraseexata.
Embebomedorumorososerabro...”outrapausaparaaausência
depontuão,oritmoalteradoressignifica.Autilizaçãodapalavrarosácea’,
não muito comum no cotidiano, para descrever os peitos duplicados pelo
abronosquaisfulgempalavraspoucousuais,mostracomoabuscade
palavrasquedeixaramdecircularpopularmentepermanecemimantadasde
sentidosquandotransfiguradasaocontextopoético.
Tambémnafaladainominadaháesseusodepalavraspoucousuais.
PodemosverumexemplonalinhatemáticaregidapelaletraO,
Históriade
,nascidaenascida
:
114
Obsedamme as esponjas, seres de vida estreita, sempre a
trocarem de sexo, ora expelindo óvulos, ora fecundandoos,
obsedamme as esponjas, há quinhentos milhões de anos já
existiam,hesitavamentreumsexoeoutro,étudooquefaziame
fazem, assim continuam, essa conformidade imotame apavora.”
(AV,p.24)
Obsedar,nodicionário Houaiss(oguardadorde palavras éfonte de
pesquisaparaosarqulogosdalíngua),significamolestar,incomodar,mas
tambémpodeserusadonosentidodecausaridéiafixa.Hánessaescolha
vocabular para falar do tema que é uma das chaves de leitura do livro –
como a conformidade das coisas apavora os que refletem sobre a
concepçãodeelaborãodaobraeafunçãodoescritornomundo–uma
dirão. Obsedar não é simples incômodo é uma idéia fixa. Aqui não
podemos perdero elo comPaulValéry quetambémescreveu suasideias
fixasnessalinhatemáticaequeusouafiguradaesponjacomumsentido
semelhanteaodeOsmanLins.
A imagem da esponja aparece em
 Eupalinos
, como vimos
anteriormente, um dos livros de Valéry citados em
Guerra sem
Testemunhas
, no momento em que Fedro faz uma comparão entre as
pessoasque,sãosemelhantesaumpolvoqueinterrogaáguaspovoadas,
escolhe, salta, agita seus tentáculos na espessura das ondas,
vertiginosamenteapossandosedoquelheconvém,easquesãoimóveis
comoasesponjas:Quantasesponjasconhecemos,semprecoladassobum
pórticodeAtenas,absorvendoerestituindo,semesforço,todasasopiniões
115
flutuantes à sua volta? Esponjas de palavras, banhadas e embebidas
indiferentementedecrates,Anaxágoras,Mileto,doúltimoquefalou!...O
crates,esponjasetolostemistoemcomum:aderem.”(EU,p.149).
A preocupão com a palavra exata leva à preocupão com a
imagem exata, e para isso recorre a outras áreas de conhecimento
buscando até mesmo na ciência a poeticidade das coisas. Como fazem
numaatitudeinversa,IlyaPrigogine,em
Anovaaliança
,eKapra,nolivroe
filme
O ponto de mutação
, quando levam as imagens poéticas para o
discursodurodaciência.
Avalovara
explora a linguagem e a estrutura da obra em uma
potencialidade ainda não vista na literatura brasileira daquela época.
SegundoadescriçãodonarradornalinhatemáticadaletraS,
Aespiraleo
quadrado
, podemos ver as chaves da organização desse romance: um
gênerohíbrido,simétricoaopoemainscritonoquadradomágico.
Cada letra percorrida pela espiral cinabrina”, vermelha, conforme
descrão do exemplar na Biblioteca Marciana em Veneza, tem uma
temáticaatribuídapeloautordoquadradomágico.AletraRnopoema,por
exemplo, estava dedicada a palavra divina, nomeadora das coisas e
ordenadoradocaos.(AV,p.84).Onarradorafirmaqueostemasdopoema
não correspondem aos temas do livro, o R do romance traz a história de
amordaInominadaeAbel.
Masatemáticadapalavradivina,nomeadora,oRdopoema,aparece
comfrequêncianoromanceeemváriaslinhastemáticas.Porexemplo,no
temaregidopelaletraA,
Rooseascidades,
oescritortratadacomunicão
116
entreestrangeiros.Odiálogo entreumaalemãe umbrasileiro,falando em
francês, simboliza a comunicão incompleta, mas que faz chegar ao
porto.(AV,p.133)Interessantenotarquenumadasvoltasdaespiralaessa
temática,umdosmomentosdedesencontrofísicoeamorosoentreRoose
Abel,eleexprimesuasensãonumaformaaindanãonomeadaDisp(em
milimpressões)ersome”.(Av,p.81).
NotemaO,
Históriade nascidaenascida
,anarrativadahistória
dos dois nascimentos da Inominada, o primeiro biológico, e o segundo
quandocomouafalar,aosnoveanos,trata dodiscursodapersonagem
sobre as palavras, e suas danões, pois ela sente que em seu corpo
flutuaumpequenoléxicoarbitrário.”(AV,p.118)
EaindanotemaT,
Cecíliaentreles
,ondealinguagemdoamoré
transfiguradanumritmopoéticoquenãofazdistinçãoentreprosae verso,
ambosreceptáculosdapoesia,ambos aconchaonderessoaamúsicado
mundo
77
:
Ó agir humano, ó sucessão de coisas, detendevos se podeis.
Tempo,contrariateucurso,violateuritmo,interrompeteusereno
fluxoimpassíveloudesaba,semleitoesemcomporta,sobremim.
Cecíliaestácomigo.Seurosto,vistocontraaspedrasdapraiaeo
mar – o mar vermelho e verde nesta hora da tarde , parece
simultaneamenteeternoefluido,fugindoàminhaposseemesmo
àcontemplação.(AV,p.181)
77
ImagemcaraaOctavioPazem oArcoeaLira:Apoesiaéo caracolonderessoa amúsicado
mundo.
117
Frases com uma alta dose de condensão de imagens poéticas,
talvezumexercíciodeescrituraparaAbel,poisaindanessetemaeleexpõe
seu desejo de escrever um livro  Jogar umas palavras contras outras,
exercer sobre elas uma espécie de atrito, fustigandoas, até que elas
desprendam chispas: até que saltem, dentre as palavras, demônios
inesperados.” (AV, p.182) – e ficar na sua alçada, intentar maquinões
comaspalavras.”(AV,p.183)
Oelogiodaformaliterárianãodissociaapuroformalecompromisso
social. Osman Lins é contundente sobre essa questão tanto no ensaio
narrativa
GuerrasemTestemunhas
comonoromance
Avalovara
.Osdois
livrosforamescritosnaépocadaditadura,grandeopressoradoartistapor
meio da censura. Nessecontexto,Osmanfoi consideradopela críticauma
das vozesdissonantescontraaopressão nomomento mesmoemqueela
estáatuando.
Umsite
78
nainternetquesepropõeahipertextodesseromance–um
suportemuitointeressanteparaaLiteratura,masquenãosubstituiolivro–
apresentaváriaspossibilidadesdeleitura.Nalinhadeleiturapolítica,talqual
um índice remissivo, podemos localizar exatamente o uso da palavra
opressãonoromance.PorexemplonotemaR6,Aopressãoinfiltrasenos
ossos e invade tudo, e no tema R15  Sei bem: há, tem havido outros
males na Terra, sempre e inúmeros. A opressão, fenômeno tendente a
legitimarmuitosoutrosmaleseemgeralosmaisprósperos,reduzapalavra
78
http://www.um.pro.br/avalovara/
118
a uma presa de guerra, parte do território invadido. Lida o escritor, na
opressão,comumbemconfiscado.”
É uma das funções do escritor se debruçar em reflexões sobre os
usos da língua como crítica do real. Nesse contexto, Osman é exímio em
trabalhar a tensão linguagem referencial – o discurso histórico nessa
narrativa – e linguagem poética, o discurso ficcionalizado. Ainda em
Avalovara,notemaR
, eAbel:encontros,percursos,revelões
,Abelse
questiona sobre o seu ofício de escrever em face da opressão. Quem
simboliza essa opressão no livro é o personagem lipo, ser híbrido de
mostroehumano.Ofatodepoucaspessoasenxergaremseurostoquando
iluminado é o modo poético de transfigurar a realidade da ideologia
dominante da época, a alienão da maioria das pessoas. Mesmo nesse
contextodesfavorável,oescritorexpõeaforçadosusosdapalavracontraa
opressão:
A palavra sagra os reis, exorciza os possessos, efetiva os
encantamentos. Capaz de muitos usos, também é a bala dos
desarmadoseo bicho quedescobreascarcaspodres.(AV,
p.226)
Tratase mais uma vez de um elogio da forma literária. A força da
metáfora da palavra enquanto bicho que descobre as carcas expõe o
cuidadodo escritorcomarenomeaçãodascoisaseprenunciao poderda
línguaemexporasmazelasdasociedade,umaampliãodoreal,pêndulo
linguagemesociedade,específicodalinguagempoética.
119
A metalinguagem
per si
desconsidera os valores estéticos. A
linguagem como meta explora a materialidade das palavras, suas
ressonânciasnotextoliterário.Ocompromissodosescritoresquefazemo
elogio da forma é com a reinvenção – nunca se abster da luta pela
construçãodenovasrealidadesdalínguaemcadapoemaenarrativa.Não
ficarpresoaosmoldestradicionais,mastambémnãoficaraoléu,molasolta.
2.2.Autores(in)diferentes
A Literatura tem como uma de suas funções alterar o significado
dosvocábulosnodicionário,fazerreviveroquefoiamortecido,versentidos
eestruturaspossíveisnagramáticaemruínas:ampliaaspalavras,emato,
fazendo delas monstros, quimeras da significão. Pretendemos
desenvolver nesse capítulo como o posicionamento desses escritores em
relãoàfunçãodoescritornasociedadeédiferenciadopelaconcepçãode
obra enquanto elogio da forma, compromisso com os valores estéticos e
sociais.
Barthes(2003),arqulogodapalavra,noschamaatençãoparaa
importância de estudar a etimologia, para numa espécie de implosão dos
termosvermosquedaspalavraspodemosexplorarbemmaisdoqueoque
asuperfícienosoferece.Nolivro
ComoviverJunto
,porexemplo,alargao
sentidodapalavra
acedia’
paradesinvestimentoenãodúvida,resignão;e
120
autarquia,deautosuficiênciaparaacapacidadequeoartistatemdeauto
refazimento,feitoosoldeDjavan
79
que'vivedapróprialuz'.
É nesse sentido que lemos a palavra indiferença’, implodindoa,
para mostrar que nos autores aqui estudados ela ultrapassa o sentido
consagrado e significa estar na diferença, singularidade. No dicionário
Houaissessapalavranãoquerogesto,éoestadodequemnãoseenvolve
comassituões,boasoumás.Osusosdessetermoestãorelacionadosà
falta de interesse, de atenção, descaso,negligência, apatia, frieza,altivez,
desconsiderão, distanciamento, ignorância, desprendimento, dentre
outras,oqueexplicaomodocomoelatemsidoutilizadapormuitoscomoo
nãoenvolvimento,conformismo,resignão.
Tal acepção podemos ver no discurso da publicidade que, com o
objetivodeconvenceroleitorconsumidoracomprarumprodutoafirma:"É
impossível ser indiferente" (Fiat Palio 2005), numa retórica da aceitão
explícita. E tambémvemos o mesmo sentido no discurso político, quando
lemos"Odeioosindiferentes"emGramsci,omilitante,cientistapolíticoativo.
Ou na frase "Isolamento é indiferença", em Simone Weil, filósofa de
GravidadeeGraça.Hádefato,umafrentedecombateaessesubstantivo.
Emoposiçãoaodiscursodicionarizante, algunsartistaselogiama
(in)diferença,porumgestomaturado,lúcido.JáemWatteau(séculoXVI)no
quadro"oindiferente", umnobredemãospensassepreparaparaapose,
atomedidoqueprecedeafixidez.Tratasedeumafiguradotoposbarroco
que representa bem o ideal da prudência poetizado por Ricardo Reis,
heterônimopessoano,naodesobreosjogadoresdexadrez,poemautilizado
79
TrechodamúsicaLuz,nocdcomomesmotítulo,1982.
121
aquiparateorizarasrelõesentreoescritoreasociedadenaspoéticasde
PaulValéryeOsmanLins.
Aindiferençaévistanessepoemaenquantoumideal,ecomotodo
ideal se configura não em si mesmo, mas enquanto busca. Ela se torna
possível através da leitura do poema de Ricardo Reis, que, por um jogo
paradoxal, é indiferente sem sêlo, sem rótulo. Na implosão da palavra
indiferença’,saímosdosentidode
nãodiferencião
,smosdoprefixoin,
de negão, para a preposição em, e ressignificamos a palavra para o
sentidode
dentrodadiferença
,oolhardedentro,oque significaumolhar
maisapuradoàscoisas.Oescritordedentrodasociedade,atuanteemsua
produção intelectual ensaística e como poeta ou romancista, transmuta a
carne em verbo, oscila entre o finito da carne e o infinito do verbo. Seu
compromissoécomotextoemsuasquestõeséticaseestéticas.
Ricardo Reis por Fernando Pessoa
80
, em suas
Páginas de
doutrina estética
, temuma biografia lacunar, nascido no Porto em 1887,
educadoemcolégiodejesuítas,nocontatocomalíngualatinafezseleitor
deHorácioeadmiradordaculturaclássicagrecolatina.Em1919,depoisda
proclamão da República em Portugal, exilouse no Brasil por seus
pensamentos monarquistas. Destino trado, Ricardo Reis vestiu sua
máscara,epreencheucompoemassuabiografia,vidaduplamentedepapel,
é o personagem que se sabe personagem. Segundo PerroneMoisés
81
,
Reis "é consciente de que é ficção, personagem dramática com a
particularidadededizerpoemas."
80
Obrasemprosa.RJ,EditoraNovaAguilar,1995.
81
PERRONEMOISÉS,Leyla. 2001.FernandoPessoa:aquémdoeu,alémdooutro.3ªed.SãoPaulo,
MartinsFontes.p.288.
122
Algumas considerões sobre o poema
Ouvi contar
82
[1998,
pp.267168] nos levarão, pela lógica imaginativa, ao discurso de Valéry e
Osman sobre a atuão dos escritores na sociedade. Veremos que a
diferença entre eles mais uma vez os aproxima. Ambos se recusam às
facilidadesdomundocontemporâneo,masporcaminhosdiversos.Enquanto
Paul Valéry recorre aos mitos para retratar/obscurecer a realidade,
ampliandoa, Osman Lins recorre ao humano e ao contexto social de seu
tempo,àssubversõesquealinguagempropiciaparaaconquistadenovos
territóriosdepapel.
O poema de Ricardo Reis inicialmente nos mostra o cenário de
oposiçãoentreasõesdaguerra(invasãonacidade,mulheresgritavam)e
aindiferençadoxadrez(nãoseiqualguerra,jogavamseujogocontínuo),o
eu lírico afastase da situão narrada sobo signo de quem não participa
masouvecontar:
Ouvicontarqueoutrora,quandoaPérsia
Tinhanãoseiqualguerra,
QuandoainvasãoardianaCidade
Easmulheresgritavam,
Doisjogadoresdexadrezjogavamoseujogocontínuo.
Taloposiçãomundo/tabuleiroéaparenteporque,enquantojogode
estratégiadeguerra,oxadrezfunciona comoumaespéciede treinamento
82
AversãoOuvircontaranalisadanestateseestánaObra poéticaeditadano BrasildaNovaAguilar,
1998,masregistroapresençadeumaversãoanterior,1994,pelaImprensaNacionalCasadaMoeda
emLisboa,EdiçãocríticadeFernandoPessoavol,III,l evementealterada.Deixoàcríticagenéticao
estudosobreestasvariantes.
123
mentalnaãodedefesadoRei.ÉnessesentidoadefiniçãodoXadrezde
Idel Becker
83
em três aspectos: jogo  ciência  arte. O caráter dico é o
mais visível, porquejogo de pas marcadas por funçõesregulares enão
alteráveis; porém, o Xadrez, mais que isso, é um esporte intelectual que
servese do raciocínio e do repouso. Como ciência requer estratégia,
técnica, estudo, pesquisa, ideal de perfeição visando à sobrevivência. E
como arte, é harmonia, imaginão crítica, contemplação, mensagem de
belezaeencantoespiritual.
A crítica literária já consagrou Fernando Pessoa como exímio
jogador.LeylaPerronedizqueaimaginãodePessoaéuminterminável
jogo de xadrez. Ricardo Reis apresentase como a construção máxima
dessejogo.Suaescrituraéfeitaempapeltabuleiro.Elenãofoiimobilizado
porsualucidez,nãoéumreiemxeque.Ointervalodajogadaésobriamente
refrescado com
um púcaro de vinho
. Embriagado de razão e de poesia,
como Baudelaire dos poemas em prosa, adia sempre o término de sua
jogada,tratasedeumapartidasemlancesdefinitivos.
O alheamento do mundo e de si mesmo é um dos pilares que
sustentaaideologiadesenvolvidaporFernandoPessoanarevista
Athena
.
Das revistas vanguardistas produzidas pelo grupo de Orpheu,
Athena
é a
última,ponteparaa
Presença
,e propõeumareconstruçãoda antiguidade
clássica, baseada na junção das formas antigas aos temas universais
modificadoscom as inovõesda modernidade. Tratase deumatentativa
debuscaraperfeiçãoestéticaatravésdopaganismo.
83
BECKER,Idel.1990.Manualdexadrez.21ªed.SãoPaulo,Nobel.
124
Nos cinco números da revista predominam Alberto Caeiro – 'o
próprio paganismo', não pensa em nada, sente, apenas sente a natureza
sempossuílanemunirseaela–eRicardoReis(estepensador,epicurista
por si mesmo, pensa no prazer calmo da vida), seu caráter ambivalenteé
devido ao seu tom "latino por educão alheia e semihelenista por
educão própria. Nesta revista estão os heterônimos que mais se
aproximam dos poemas ortônimos de Pessoa, ele mesmo, um Pessoa
maduro,que,
pertodacidade
,
longedeseusruídos
,vêosacontecimentos
comareflexãodosjogadoresdexadrez.
Muitosinterpretaramalheamentocomodesinteresse,mas,opoema
éexato,osjogadoresestãopertodacidade,estãocomosolhososcilantes
entreojogoeaguerra.Ficamlongedoseuruídocomoobjetivodediscernir
melhorosacontecimentos.Aconcentrãodopoetaqueofazresguardarse
em certo retiro é visando à fabricão de novas jogadas, uma nova
organizaçãodalinguagemquepossibiliteumavisibilidadediversadoreal.A
indiferençaé aquiatocrítico, éogestodepeloisolamento,ilharse,sentir
melhoromarqueorodeia:éticaepoéticadasrecusas,nodizerdeAugusto
deCampos,
84
sobrePaulValéry.
ParaPierreBourdieu
85
Oqueosestóicoschamavamdeataraxia
éindiferençaouserenidade daalma, despreendimento,nãodesinteresse”.
(p.140).Nãoexisteatodesinteressado,nadaégratuito,aindiferençaéum
posicionamento. EmReiséapercepçãodasdiferenças,oreconhecimento
da pluralidade das coisas e de nossa capacidade e desejo de escolher
84
Campos,Augusto.ASerpenteeopensar.SP.Brasiliense,1984.
85
Bourdie,Pierre.Razõespráticas: sobreateoriadaação,pp.137–142. PapirusEditora,SP,1996.
125
abdicálas.AindiferençadeReisnãoémelancólica,élúcida,escolhe,sabe
oqueabdicaeporquê;comojápercebeuPerroneMoisés(2001,p.54)éa
reflexão sutil sobre a vitória do ceticismo irônico. O distanciamento é
pensado, pesado, não é ausência, anulamento. Reis é o mais consciente
dos heterônimos de sua condição fictícias. Sua lucidez é considerada, por
alguns, o sentido do fenômeno da heteronímia pessoana. Ele mostrase
conscientedequeéumaficção,éartifício,linguagemmanipuladapormãos
de artesão consciente do ato de compor personagens verbais. Por isso
considera inútil questionar questionando, assistindo o/ao espetáculo do
mundo:
Mesmoquederepentesobreomuro
Surjaasanhudaface
Dumguerreiroinvasor,ebrevedeva
Emsanguealicair
Ojogadorsolenedexadrez,
Omomentoantesdesse
(Éaindadadoaocálculodumlance
Praaefeitohorasdepois)
Éaindaentregueaojogopredileto
Dosgrandesindiferentes.
Elogio aos
grandes indiferentes
, a sabedoria de Reis ensina a
aceitãovoluntáriadofadoinvoluntário.Serreidesimesmoésercomoum
reisemxeque,emão,éterconsciênciaparaescolheraindiferençacomo
ideal e assumila enquanto impossibilidade. É semelhante à
grandiosa
126
indiferença
,a
indiferençainteressada
,elocomavidanaimagemparadoxal
deClariceLispectoraoapresentarasreflexõesdeG.Hdepoisdoencontroe
da recepção do estranho, representado por uma barata, no romance
A
paixãosegundoG.H
86
.
AindiferençainteressadanocasodopoemadeReispromoveuma
submissão parcial, temporária. Erguido o poeta, o jogador entregase à
memóriade
umjogobemjogado
,porque,dadoporilusório,oxadrezprende
aalma,é umaredoma,umsimulacrodoreal, simulãodebatalhas,com
vencedoresdepedra,esimultaneamentepreparaeenriqueceoato,comoa
leveflechadeZenão,simultaneamenteparadaeemmovimento:
Ah!Sobassombrasquesemquerernosamam,
comumpúcarodevinho
aolado,eatentossóainútilfaina
Dojogodexadrez
Mesmoqueojogosejaapenasumsonho
enãohajaparceiro,
Imitemosospersasdestahistória.
Eenquantoláfora,
oupertooulonge,aguerraeapátriaeavida
chamampornós,deixemos
queemvãonoschamem,cadaumdenós
sobassombrasamigas
sonhando,eleosparceiros,eoxadrez
asuaindiferença.
86
Lispector,Clarice.ApaixãosegundoG.H.EditoraRocco,RJ,1998.pp.121,122.
127
Sonharasuaindiferença,esseéoidealdeRicardoReis.Abusca
incessanteporelaéaconsciênciadesuadiferençaenquantopersonagem
fictícia,edasuaposturadedistanciamentoparaobservaremelhoragiràs
pressões do real. Como as forças da natureza que não permitem o
alheamentototaldamatériaefazcomqueapedracedaaotempo,aovento,
à água e a si mesmo. E a esfinge, ao pó, que a encobre e dá poder de
revelão.
Valemonos de imagens poéticas como teoria para fundamentar
nossatese.(In)diferente,estaremsituãodiferenciada,singularidade.Não
aceitar tudo como o indiferente da acepção comum, alheio à vastidão de
sentidosnessevocábulo.Prudênciaparasaberdizernãoerecusarogrito
queecoa,masnão duraporque tempoderdealcancetemporário. Aética
das recusas dos gestos explícitos, por um silêncio de pássaro em canto
pintadonumquadro.
RicardoReiséomaisvalerianodosheterônimos.Nãosimplesmente
porseusideaisneoclássicos,avoltaaosmodelosclássicosquebuscavam
no mito a perfeição eharmonia da obra. É muito comum ler na recepção
críticadospoemasdePaulValéry,tantono
Albumdeversanciens
(1920)
comoem
Charmes
(1922),aindicãodeumaescritatradicionalumafase
marcadapelapresençadoParnasianismoedoSimbolismo.Nessasescolas,
aextremaelaborãoformal e ohermetismo muitas vezesdistanciavamo
poetadareflexãosobreocontextodeproduçãodesuaobra,ousobrefatos
importantesdaépoca.Oexcessodeesteticismodosneoclássicosfezcom
quealgunsrotulassemtodososescritores(decertaformaenvolvidoscomo
128
ideal de arte pela arte’) com o mesmo epíteto, os desinteressados pela
realidade,habitantesdastorresdemarfim.
Mas, como estamos mostrando no decorrer desta tese, e vamos
mostrar a seguir, já existe uma corrente crítica que faz uma revisão da
recepçãodeValérynoBrasil.Oprojetodeiniciãocientíficaelaboradopor
Roberto Zular é de fundamental importância para mostrar o que nos
fundamentanoquedizrespeitoànoçãodeacontecimento.
2.2.1.OdiscursodaHistóriaemPaulValéry
O poema
Ouvir Contar
nos remete a um ensaio de Valéry em
Regardssurlemondactuel.
OtrechoOsacontecimentosmeentediam
87
tornouse clássico porque é epigrafe do livro
Claro enigma
de Drummond,
como falamos anteriormente naleitura do PPA. O fragmento écitadocom
freqüênciapararotularopoetafrancêsdesimbolista
88
alheioaosproblemas
sociaisdomundo,fechadoemsuatorredemarfim.Masessacitãoestá
descontextualizada e desconsidera a continuão do ensaio que diz "os
acontecimentossãoaespumadomar,euqueroomar"
89
.
Camilo (2005), ao analisar o livro de Drummond, faz também uma
revisão da postura social de Paul Valéry. A concepção de acontecimento
queinteressaaopoeta francês,nessetrecho, nãoéosuperficial,osfatos
em si, mas a profundidade, o que os originaram. Ele não nega os
87
Apud Camilo, Wagner.
Drummond : Da Rosa do povo à rosa das t revas
. p.157.SP, Atelier
Editorial,2005. 
88
WILSON,Edmund.
OCastelodeAxel
.Trad.JoPauloPaes.2ed.CompanhiadaLetras,SP, 2004.
89
OuvresII. « Lesévénementsnesontquel’écumedechoses».p.1158.
129
acontecimentos, mas a facilidade com que eles são vistos, em superfície,
espumadomar.Elequervermaisprofundo,queromar,acomplexarede
queprovocaosfatosdesuaépoca.
Arevisãodaposturaatuantedessepoeta,mesmoemseussilêncios,
feitaporAdorno,citadonoiníciodatese,eporCamilo(2005),évisívelno
ciclodeconferênciasorganizadoporAdautoNovaesedepoispublicadopela
Companhia das Letras, na coletânea
Poetas que pensaram o mundo
(2005)e
Osilênciodosintelectuais
(2006).
Otexto
Ofimdomundofinito
deMichelDeguy(2005)publicadona
primeira coletânea, mostra um poema em prosa de Valéry,
Ventos do
Nordeste
90
,querespondeàquestão:
PorondePaulValérypoderiaaindaser
deatualidade?
(p.372).Noprimeiromomentodesuaanálise,oautorafirma
que existem duas leituras da obra desse poeta: uma acadêmica,
enfraquecedoraporqueestática,localizaonosmanuaisentreossimbolistas,
em oposição a uma leitura a partir da valorização das complexidades
abordadas por Valéry tanto no que diz respeito ao pensamento pensar o
pensamento,comonocasodepensaroprocessodeformãodaobra,a
linguagemdopoemaedamente.
Colocandoseafavordosegundotipodeleitura,oautormostracomo
PaulValérysetornouumheróidaliteratura,primeiroporquenãodeucrédito
a filosofia, nem a história, porque ambas não se reconheciam como
literatura, escritura; e segundo porque o poeta inventa uma teoria da
recepçãodaliteratura,tomaapeloladodoleitor,enquantorelãomutável
90
InPoésiePerdue,lespoèmesenprosedesCahiers,2000,Gallimard.
130
e contingente entre livro e leitura, prefigurando certas abordagens
inovadoras atuais da sociologia e da teoria da literatura (Jauss).” (p.376)
Uma poética que valoriza o leitor como produtor e consumidor da obra,
executantedoritmodaobra,ouaindapartícipenagerãodaforma,como
veremosmaisdetalhadamenteaindanessecapítulo.
Opoema
VentosdoNordeste
mostraaidéiafixadeValéryemtentar
responderapergunta,Oquepodeumhomem?Aconsciênciadafragilidade
humana, o ser nada, como chave para explorar as potencialidades do
homem,podersertudo.Oautorenfatizanopoemaemprosaqueanalisaa
fraseAterra seráapenasumacidade.Nada maissefará naturalmente –
isto é, às cegas vendo em Valéry uma espécie de
vidência extralúcida
(p.380)quepermiteavalidadedessepoetahoje,seupensamentosobreo
fim do mundo finito, isolado, para uma concepção de mundo interligado e
movido pela busca do conhecimento de tudo. O homem que pensa a si
mesmo e o mundo, pensa a si mesmo no mundo, questiona as palavras,
investigaasorigens,osprocessos,ohomemquepodenadaepodeonada
omito,apoesia,aprosaqueétudo.
O artigo de Adauto Novaes (2006),
Intelectuais em tempo de
incerteza
,nacoletâneao
Silênciodosintelectuais
,tambémvainessalinha
de revisão da postura de Valéry enquanto intelectual que se dedicou a
desvendar os mecanismos da civilização do Ocidente e sua radical
transformão. (p.8) Novaesrecuperaoensaiode Valéry La politique de
lesprit, notre souverain bien como os ensaios emRegard sur Le monde
actuel, com a tese de que s outros, civilizações, sabemos agora que
131
somosmortaisecomacríticadapassagemdaciênciasaberparaaciência
poder,emostraumpoetaemconsonânciacomoseutempo,umpensador
atuantedarealidadequenãocessouseucombatecomalinguagemcomum,
porumadicçãoespecificamenteliterária.
Nossoobjetivoatravésdessasfonteséampliálasmostrandomaisum
poucosobreaatuãodeValérycomoescritorquepensouomundo.Para
issotrazemosasidéiasprincipaisdeumensaiopublicadoem
Variedades
,
Discurso sobre a história
91
. O ensaio é direcionado aos jovens do Lycée
JansondeSailly,efoipronunciadoem1932,numeventodedistribuãode
prêmios desse liceu. O autor coma com uma lembrança de uma
lembrança, a interpretão diferente de duas senhoras diante de quadros
dosheróisfranceses.EssalembrançaestavadeacordocomoqueLanson
dizia numa palestra a respeito do contraste de sentimentos dos
historiadores em relação aos homens e acontecimentos da Revolução
Francesa”.
Para Valéry esse contraste ocorre porque em toda polêmica e
discussão há uma obscura e cega vontade de ter razão (VA, p. 111).
Historiadores,conscientesounão,diantedosmesmosdados,documentose
comoobjetivodeencontraraverdadedividemse,opõemsecomofacções
políticas(VA, p.112). Estãomaissensibilizadosadeterminadosfatosepor
uma força de dissensão histórica’ (idem) não se interessam e até
desprezamacontecimentosqueatrapalhemsuasteses.Paraopoeta,cada
historiadorconstróisuaépocaeestabeleceseusheróisevilões.Afirmaque
91
Variedades,p.111.
132
não há positivismo ou rigor que apague a impossibilidade de separar o
observadordoobjetoobservado(idem).
Valéry dá em seu texto um conceito parcial de fato histórico,
acidentesdeacordo,coincidênciasdeconsentimento(idem).Paraeleum
fatoéescolhido,convencionado,apartirdesuaimportância,eestasempre
é subjetiva, nasce de um sujeito. Ele não condena as convenções do
discurso da história, mas a negligência dos historiados em não tornar a
convençãoexplícitaaoespírito,mostrandocomoélamentávelaausênciade
revisãodosfundamentosdaHistória,comojáestavamfazendonasciências
exatas.
PorconsiderarodiscursodaHistóriaumfatomental,memória,Valéry
valorizatambémafunçãoeaimportânciadaimaginão.Dizqueatuanos
historiadoresumaporçãodefatosimaginários,movidospelaconjunçãoSE,
repleta de sentido e possibilidade de mudanças.’ (VA, p.114). Essa
conjunçãodáàHistória,aforçadosromancesedoscontos.Porsisó,um
fato histórico não tem significado, o real prestase a uma infinidade de
interpretões. O que é, na verdade, uma crítica à função da História
tradicionaldeestudaropassadoparapreverofuturo:
Éporissoquemeabstenhodeprofetizar.Sintofortementeejádisse
antes, que
entramos no futuro de marcha àré
. Essa épara mim a
maisseguraeamaisimportanteliçãodaHistória,poisaHistóriaéa
ciênciadascoisasquenãoserepetem.Ascoisasqueserepetem,as
experncias que podem ser refeitas, as observões que se
superem pertencem àFísicae, atécerto ponto, àBiologia.” (VA,
p.116)
133
Afunçãodanovahistória,segundoaconcepçãovaleriana,não éa
previsão do futuro, entrar no futuro com os olhos no passado significa a
possibilidade de ver melhor o presente. Ao discursar sobre o discurso da
História, Valéry faz uma análise de sua época. Uma idade crítica em que
coexistem muitas coisas incompatíveis, nenhuma delas vencedoras ou
inertes,etodasaindaincompreensíveis.Dáum conselho aosjovens,ode
repensareretomartudo,principalmentenessaépocadefacilidades,emque
oesforçointelectualefísicosãopoupados.Umaépocaperigosa,cheiade
atalhosparaatingirosobjetivossempercorrerlongoscaminhos.Atalhosque
diminuemtambémosvaloreseesforçosnaordemdoespírito:
É preciso, portanto, armar seus espíritos; o que não significa que
basta se instruir. Isso é apenas possuir o que nem sonhamos em
utilizar, em anexar ao pensamento. Existem conhecimentos como
existem palavras. Um vocabulário restrito,mas como qual se sabe
formardiversas combinõesémelhorquetrintamilvocábulosque
sóservemparaatrapalharosatosdoespírito.”(p.117)
A importante atuão de Valéry como pensador de seu tempo foi
dentreoutrasdarsuacontribuiçãosobreodiscursodaHistória.A
musa
da
memória de um povo, tal qual a poesia, não deveria desconsiderar a
imaginão, o trabalho de combinão das palavras como motivador dos
atosdoespírito.
AtesedeRobertoZulartambémvainessalinhadeestudoerevisão
dafunçãosocialdePaulValérycomopoetaepensadordomundo,frutoda
expectativa criada em relãoà função do poeta de intervir na sociedade
134
como personagens de visão e motivão para mudanças. Zular (2003)
discorre sobre isso quando pergunta em sua tese,
Valéry cont(r)a que
História?
Sua resposta mostra que o poeta simultaneamente está contra
umaconcepçãodeHistóriatradicional,simuladoradeumaimparcialidadedo
autor,umdiscursopositivistaquenãorepensaoreal,emcontrapartidacom
oque o poeta conta: umaHistória que atravésdo estudo do passado não
visaàprevisãodofuturo,masàmelhorpercepçãodopresente.
ÉinteressanteapontarparaabiografiadePaulValérynomomentode
sua produção, período em que o poeta convive com várias guerras. Zular
(2003)citaumtextode FrançoisValéry,filhodopoeta,
Astrêsguerrasde
PaulValéry
,paramostrararelãoambíguaqueoescritorestabelececom
aHistória:
ValérynasceapósaguerraFrancoPrussianade1870(perdueparLa
France), atravessa a Guerra de 19141918 (‘les années les plus
sanglantes peutêtre quon na jamais vues, aboutit à une victoire si
précaire’) emorre pouco após a Segunda Grande Guerra (após une
interminableetdureoccupation)”.
92
Essas guerras, segundo o professor Zular, deixaram poucos tros
noscadernosdeValéry,masfundamentaramaescritadopoema
AJovem
Parca
como também a crítica ao historicismo presente nos ensaios de
Variedades
e
Regards sur Le monde actuel
. A crítica recente de Paul
Valéry, como vimos nos ensaios das coletâneas feitas por Adauto Novais,
92
InBourjea,Serge(Ed.) PaulValéryetlePolitique.L’Harmattan,Paris,1994.p.18,citado inZular,
Robert o. (2003). Nolimitedopaísfértil,p.40.
135
compartilhacomoposicionamentodeZularesomasignificativacontribuição
para arevisão da postura política de PaulValéry.Antes deles tínhamos o
estudodeAugustodeCampos,jánadécadade80,quandootambémpoeta
lia poeticamente e socialmente a atuão de Valéry como pensador do
mundoeconcluíaqueessaparticipãocomoampliadordorealnãoofez
distanciardotrabalhoapuradocomaformaliterária.
O rigor das recusas citado no texto de Valéry,
Carta sobre
Mallarmé
, traduzido por Augusto de Campos em
Via Linguaviagem
93
, na
apresentão da tradução do poema
A Jovem Parca
, fundamenta uma
poéticade
resistênciaaofácil:
O trabalho severo, em literatura, se manifesta e se opera por
recusas.Podesedizerqueeleémedidopelonúmeroderecusas.
Que, se o estudo da freqüência e da espécie de recusas fosse
possível, ele seria devalor capital para o conhecimento íntimo de
umescritor,poisnosesclareceriasobreadiscussãosecretaquese
trava, no momento de uma obra, entre o temperamento, as
ambões,asprevisõesdohomem,e,deoutrolado,asexcitõese
osméisintelectuaisdoinstante.”(InCampos,1987,p.14)
Tratasedeumpoemaqueapreocupãocomaformadedizer,diz
maisdahistória,atravésdodistanciamentodalinguagemhistoricista.Valéry
nãonosdáogritodasvanguardas,masosussurrodosmitos.Augustode
Campos recupera uma carta de PaulValéry a George Duhamel,de 1929,
93
Campos,Augusto.ViaLinguaviagem.Companhiadasletras,SP,1987.
136
para mostrartrechos que aludemao contexto político da época em que o
poetaescreveuopoema
AJovemParca
:
Tudo se passa como se a guerra de 19141918, durante a
qualelefoifeito,nãotivesseexistido.
E,noentanto,eu,queofiz,seimuitobemqueofizsubsigno
Martis.Eunãoseiexplicaramimmesmo,masnãopossoconceber
queeuotenhafeitosenãoemfunçãodaguerra.
(...)Euofiznaansiedade,emeiocontraela(...)nãohavia
nenhumaserenidadeemmim.Pensoportantoqueaserenidadeda
obra não demonstra a serenidade do ser. Pode acontecer, ao
contrário, que ela seja efeito de uma resistência ansiosa a
profundas perturbões, e responda, sem a refletir em nada, à
expectativadecatástrofes.
Sobre essas questões, toda a crítica literária me parece
deverserreformulada.(idem,p.31)
AugustodeCamposapresentaacríticaqueValéryfazàrecepção
dada pelos críticos ao poema
A Jovem Parca
, ao fato de ter uma forma
bastantetrabalhada,512alexandrinos,emrimasparalelas,divididoem16
fragmentos de dimensões irregulares (de 5 a 82 versos)” (p.31) e ser
compostonumalinguagemherméticacomacomplexidadequeremeteaos
mitos,mostradoneoclassicismovaleriano,dousodosentidodeindiferença
enquanto sabedoria, ascetismo , e não se desvincula do contdo
referencialaocontextodaGuerra,mesmonãosendoexplícito.Sobreisso,
João Alexandre Barbosa (2005) afirmaria, posteriormente, no livro
A
bibliotecaimaginária
(p.22)queopoema
AJovemParca
mostraaforte
137
presençadeumcertoidealclássicoqueterminaporser,porassimdizer,um
movimento compensatório de tranqüilidade com relação aos
disjecta
membra
dasconvulsõessociaisepolíticasdotempo.”
Aanálisedessepoema,feitaporAugustodeCampos,éminuciosae
como o próprio poema não cabe em resumos. Nossa intenção em
referenciálaéparaindicarumarecepçãocríticadiferenciadaemrelaçãoà
postura de Paul Valéry como escritor atuante no contexto de sua época.
Tanto em poemas como em ensaios, o poeta francês mostrou que seu
silêncio era eloquente, ele não corta os los entre poesia e sociedade.
Pensar a historicidade das formas não é desconsiderar a literariedade do
texto.
Daíafunçãosocialdopoeta,dizeromundorecriandoo.Quantomais
o poeta exercita a linguagem, o mundo se refaz. Do caos do mundo ao
cosmodotexto,revelaroreal,mostrareesconder,enãodescrevêlo.Nesse
jogoentrealinguagemreferencialeapoética,ganhaaliteraturaeganhaa
sociedade, elas se retroalimentam. Por isso que o que muitos rotulam de
indiferença ao contexto histórico nesse escritor não pode ser confundido
comodesinteressepelasquestõessociais.Éantesodiscursodadiferença,
ummovimentodesuspensãodarealidadepararevelálavelando.
2.2.2.AfunçãosocialdoescritorparaOsmanLins
Essecompromissodoescritorcomosocialsemabrirmãodosvalores
estéticosétambémcaracterísticodeOsmanLins.Emboraopernambucano
138
tenhacitadoPaulValéry,em
Guerrasemtestemunhas
,diretamentenoque
dizrespeitoaorigorosotrabalhodecomposiçãodaobra,oatodeelaborar
umalinguagemdentrodalinguagemnãohánenhumareferênciaexplícita
sobre a postura política do poeta francês podemos ver em Osman essa
preocupão em tratar assuntos do seu tempo, na ficção, no ensaio, no
ensaioficçãoenaficçãoensaio,tamanhohibridismoedançadegêneros.
A citão de
Eupalinos
, A maior liberdade nasce do maior rigor.”
(GST,p.92),porexemplo,ésignificativa tantonoque dizrespeitoaotrato
comalinguagem,comotambémcomocompromissosocialdoescritor.Ela
também pode ser interpretada como a necessidade de, diante de um
contexto de rigor, como a ditadura militar brasileira, contexto em que o
ensaio foi produzido, através do trabalho apurado com a linguagem dar
maior liberdade ao escritor. O embate com regras excessivas exige maior
criatividade,maiorexplorãocomalinguagempradriblaracensura,oque
revela a potencialidade da obra como atuante silenciosa e insistente num
contextonãofavorável.Portentarabafaravozdosescritoresquesubvertem
a ordem, a censura acaba por fazer uma homenagem ao escritor, aquele
quepelassutilezasdalinguagemexpõeoossodomundo.(GST,p.189).
Numa coletânea de ensaios sobre os
Anos 70, ainda sob a
tempestade
organizadaporAdautoNovaes(2005)
94
vemosotestemunho,
escrito porintelectuaispersonagens da décadano 'calor da hora', sobre a
cultura produzida nos anos de chumbo no Brasil e Avalovara de Osman
Linsestálistadoentreumdestestestemunhos,comoescritorqueexploraos
acontecimentosemsuaraiz.
94
Novaes,Adauto.(2005).Anos70,aindasobatempestade.EditoraAeroplano,Senac,RJ.
139
É consenso da crítica a postura de Osman Lins como pensador de
seu tempo. A temática das relões do escritor com a obra e com a
sociedadeaparecenolivro
Guerrasemtestemunhas
emvárioscapítulos.
Apresentaremos aqui os trechos que mostram como o pensamento
osmaniano está diretamente relacionado à ética das recusas, segundo a
atuão do escritor para Paul Valéry, na linha dos grandes indiferentes,
como tambémacríticaqueOsmanfazaosescritoresquesedeixamlevar
peloconceitodeindiferençavulgar,enãoestabelecemnaobra,móbilede
fenômenos estéticos e sociais (GST,p.44), o vínculo essencial com o
mundo:Umaobraéexpressãoglobaldenossoespíritonumadeterminada
época:elanãopodeserfalhaemalgunsdosseusaspectosfundamentaise
bemsucedidaemoutros.”(idem,p.62)
O conceito de obra literária para Osman na voz dos narradores de
Guerrasemtestemunha
estáligadoaotextoescritocom
empreendimento,
com o indispensável sentido de composão (GST, p.48) sendo o valor
estéticoumfatortidocomomalvel,existentenasobrasprimas,edeque
ele não abre mão. Para eles, o valor estético pode até estar ausente em
outros textos literários, desde que a obra seja concebida como plano,
inventividade com eixo. Embora não diferencie obra literária de obra não
literária pelo valor estético o autor não abremão da estéticaem sua ética
enquantoescritor.Aelaborãodoplanodaobranãoésuficiente,épreciso
realizála,eissosóépossívelquandooescritoratingeafasedeharmonia
entreaconsciênciadofazerartísticoeaconcepçãodemundo.
140
É considerada como a virtude do escritor, poupar suas forças
visando seu empreendimento, o que requer um
espírito seletivo alerta
.
Osman nos remete à
ética das recusas
de Paul Valéry, quando afirma:
Urge,poroutrolado,criaremseuespíritoumnúcleoinvulnerável,ondea
obra haverá de prosseguir, dia a dia, alheia a quaisquer vicissitudes. (...)
Tudo isto, por certo, atingirá o autor, inoculandose na obra: nada, se ele
franqueoudeterminadoestágioperanteomundoeapalavra,virádesviarou
perturbarsuaconcepção.”(GST,p.27)
A questão deOsman nãoé em relação à recusa às vicissitudes do
mundo que atrapalham o ato do escritor no momento da solidão de sua
composição,masquandoacomposição,aobra,apresentaexplicitamentea
recusa ao mundo como fuga do contexto histórico no qual foi elaborada.
Osman faz uma crítica à opção de alguns escritores pela literatura de
escape, fundamentados na dupla significão da literatura como fuga e
engajamento.NavozdosnarradoresWrsMoensaístaafirma:
Inclusive a responsabilidade invocada e exigida pela chamada
literatura
engagée
nem sempre escapa de se transformar em
válvula deescape,fugaaoverdadeiro empenho queéoescritor
com o mundo. Pode ser, o alistamento – não dizemos que é
sempre,esimquepodeser–tãoinoperanteeescapistaquanto
umfilmedasProduçõesWaltDisney.(GST,p.51).
Do mesmo modo que a literatura engajada pode não ter realmente
ligão com o mundo, contestar o real, criticar os governos opressores, o
texto que trabalha a forma pela explorão da linguagem apresenta o
141
interessepelocontextohistórico,essencialparasuaprodução,pelanegão
aparente.Enfrentaromundoéamaiorprovaqueoescritorenfrentaporque
elesemostracomouma“sombraardente”(GST,p.51)aqualsóaospoucos
pode ser observada com risco de não cegar. Recusa que muitas vezes
assume aspectos de adesão a bens mais importantes que os bens
imediatos.”(idem)
ParaWrsMdependendodaevoluçãodoautor,elevaifecharseu
espíritodiantedomundosensível,ouvaisorvêlocomapetite.(GST,p.52).
Osescritoresqueoptampelosegundocaminhosãoosqueenfrentamoreal
enãosimplesmenteo descrevem,pelasubversãodoreal elesintroduzem
em sua obra o mundo sensível sem que ele a estorvem, sem que nos
apercebamosdesuapresençavorazedominadora.”(GST,p.57).Amarca
daverdadeiraliteraturanãoéamímesedoreal,masatensãoentrefrasee
significado, a vibrante e interminável oscilão entre o texto e o mundo
(GST,p.61).
Comprometidocomoutraespéciederealidade,aquefoitransfigurada
no texto por meio da intimidade que o escritor tem com a língua, o autor
escrevecomoquemconquistaterritórios.DaíaimportânciadecitarOrtegay
Gassetesuavoltaàetimologiadapalavraautor,comoaquelequeaumenta.
O escritor é aquele que aumenta a realidade através do trabalho apurado
com a linguagem, por meio do elogio da forma literária, compromisso
estéticoesocial.
Aos que insistem em associar a solidão do escritor, o isolamento
essencial no ato da escrita, ao desinteresse pelo contexto social WM é
142
contundente:Asolidãodoescritor,emseuquartofechado,éaparente.Ele
está,naverdade,ligadoaoshomens,sejamounãoseusleitores,porvias
bemmaisfortesqueavizinhançamaterial(GST,p.146).
Segundoosnarradores,oatoderecolhersenumaéticadasrecusas
para,pelotrabalhoapuradocomalinguagem,ampliaroreal,nãoéogrande
empecilhoparaaatuãodoescritornasociedade.Aliberdadedoescritor
nemmesmoécerceadatotalmentepelasmãosdacensura.Paraoescritor
WM, em debate com os censores, segundo a narrão do seu parceiro
geométrico, éaindiferençaqueoscerca’,(GST,190),mortalparaoautor.
OconluiodaindiferençaemrelaçãoaoescritoreaolivronoBrasil(p.192).
Apalavraindiferença’aquiéusadanoseusentidodicionarizadoparaexpor
odescasodealgunseditoresnotratocomapublicãoedivulgãodeum
livro quando este nãoatinge as grandes massas e, consequentemente os
rendimentosfinanceirosdesejados.
NocapítuloX,
Oescritoreasociedade
,onarradorWMdiantedofato
deestaroensaioemfasedeconclusãoeterumavisãomaisesclarecidade
sua obra, se despededo parceiro e assume em vários trechos o peso do
pronome eu: Empreendo afinal, a redão desse capítulo, o último (...)
(GST,p.193).[...]Emaisumavezonarradorassociaacondiçãodoescritor
no mundo contemporâneo a implicões éticas e estéticas (idem, p.194).
Alémdisso,afirmaqueessarelão–segundoSartre,outrolemeemseu
ensaio, umas das epígrafes que sustentam o ensaio de Osman Lins –
compõeosentidodeliteraturacomonegatividade,ousejacomadúvida,a
recusa,acríticaeacontestão(GST,p.196)
143
Diante de um mundo que desconsidera a literatura em sua
especificidade, como entretenimento, similar à indústria cultural, mundo
onde os valores não são enredados e subvertidos devido apenas à
ingenuidade ou à ignorância,e sim a um processo global de mistificão,
semparalelonaHistória–eimposto,comoumsistema,portodososmeios
disponíveis(GST,p.199)–oespodaliteraturaedoescritorseresguarda
no campo da resistência. Essa resistência é feita por recusas, certo
afastamentodassolicitõescontemporâneas,a busca de mídiasque são
sucesso de público, ou a publicão indeterminada de livros que não
consideramaconcepçãodeobraemundo:
Ciente de que uma certamargem de degredo lhe éindispensável,
faz assim mesmo o que está em seu poder para ultrapassar os
círculosdarecusaeparaqueomundo,semvoz,nãopera.Eletem
aconsciênciaearesponsabilidadedeser.”(GST,p.203).
Ultrapassaroscírculosdarecusaéaconcepçãodefendidaaquipelos
autores (in)diferentes. Aqueles que fazem uso da técnica, do elogio da
forma, exploram a linguagemsemo formalismo oco, escritores como Paul
ValéryeOsman, nas palavras de Sartre– querestabelecema linguagem
em sua dignidade.” (GST,p.205)  e de Lukács para quem uma decidida
modificãodeformanuncaéumaquestãopuramenteformal.(GST,p.209)
A busca do ornato, o trabalho com a
lugúgem
literária e suas
virtualidadesestáligadaaosocial:Cabeaosescritores,aosdefensoresda
linguagem, empreender conscientemente e sem tibieza, tanto por motivos
144
estéticos quanto por razões éticas, o regresso ao mundo(GST,p.213). A
consciência da função social do escritor não significa ão política,
partidária:Comaobraliterária,epornenhumoutromeio,équerealmente
ageoescritor:suaãoéseulivro.”(GST,p.219)Dopontodevistasocial,
portanto, sem que isto signifique desinteresse do escritor em relação ao
destinodoshomensedospovos,seráumservidornamedidaemqueservir,
com o máximo empenho e a maior dignidade possível,àliteratura.” (GST.
p.220)Servir,mostraraqueveio.
145
3.PorumaEducaçãoLiterária
Pertencentes a uma linhagem de poetas pensadores – segundo
Fernando Pessoa
95
,
daqueles em que o poeta e o pensador estão
absolutamente fundidos
Paul Valéry e Osman Lins elaboraram obras
poéticaserefletiramcriticamentesobreoprocessodecomposiçãodaforma
literária
natensãopendularentreosomeosentido
.Masosescritoresaqui
estudados ultrapassaram o binômio de atuão na área artística e
intelectual, eles assumiram o posto de educadores, daqueles raros que
sendopoetasprofessoresnãodeixam deserprofessorespoetas
96
.
Apoéticadessesautoresabarcatambémosescritossobreoensino
daLiteraturanaFrançaenoBrasilrespectivamente.Emcontextossociaise
educacionaisdiferentes,elesprofessaramsuacrençaededicãonoensino
daLiteraturaquefazoelogioda formaliterária,otrabalho apuradocoma
linguagem e o compromisso com o social. No caso do poeta francês, as
aulasforamsobrePoética,noCollègedeFrance,enocasodeOsmanLins,
Literaturabrasileira,naUniversidadedeMaríliaemSãoPaulo.
Para Northoph Frye
97
, a Literatura  tanto quanto a intuição, a
sensibilidadeeogostonãoestánaesferadoensino(adisciplinaligadaa
instituão escolar ou universitária) e sim da educão (atitudes e valores
ligadas a experiências em qualquer espo). Mas como diz Valéry
98
, a
95
PessoaInédito.FernandoPessoa .(Orientação,coordenaçãoeprefáciodeTeresaRitaLopes).
Lisboa:LivrosHorizonte,1993.p. 239.
96
AffonsoRomanodeSant'Anna– Poesiasobrepoesia.1975.
97
TheStubbornStructure,1974.CitadoinOlugardaliteratura,AzevedoCarlos,1999.Revistada
FaculdadedeLetras“Línguaseliteraturas”Porto.
98
CA2.p.1564.coll
146
distinção entre ensino e educão não significa dissocião. Sob o título
Enseignement(CA1,p.1554)
eletraosprincípiosdaformãohumana.
Opoetanãodissociaoensinodarazãoeaeducãodossentidos:
A. Enseigner au sens plein du terme: les choses précises qui sont
instrumentes, les moyens – régçes.recettes – les élements, les
grammaires,lesconventionsdemesure–lesdéfinitionsetc.
B. Éduquer les sens (em même temps que A). Musique, dessin,
rythmique.
C. Éduquer Le caractere – s ensembles, lês groupes, La vie sociale
appriseparleséquipes.
D. Exciter – lês curiosités – par certains exemples de CE que peut
lhomme.(...)
OensinodaLiteraturaentrariaaquitantonoquesitoB,aeducãodo
sentido, como no quesito D, excitar a curiosidade com exemplos do que
podeohomem,oestudodoprocessodeelaborarsuasobras.RubemAlves
(2002), muito empenhado na educão dos sentidos, mais tarde diria No
corpodecadaalunoseencontram,adormecidos,ossentidos.(...)Épreciso
despertálos, para que sua capacidade de sentir prazer e alegria se
expanda.”
99
A Literatura é um despertador sem ruídos, os sons que ela
provocadespertaossentidostantoparaareflexãodoqueselêcomoparaa
contemplão do ruflar do vento naspáginas de um livro, ou adançados
dedosnasteclasdocomputador.
99
ALVES,Rubem.Porumaeducaçãoromântica.Campinas:Papirus,2002,p.112114.
147
Para Azeredo (1999,p.14),
o lugar da literatura
100
no nosso ensino
deveserpreservado,havendo,noentanto,anecessidadederepensarmos
suaestruturanoquedizrespeitoaosmodosdeusodacriãoliteráriacomo
transmissãoeanálisedevaloresestéticoseéticos:
estudoecompreensãodacriaçãoliterária,contraacorrentedos
sábios da narratividade que a procuramreduzir a umaciência e
queafastamaobraliteráriadaexperiêncianoreal,transformando
a em corpo rígido e inerte, pronto a ser autopsiado segundo
categoriastécnicaseconceptuaispretensamenteobjetivas.”
AlgunsensaiosdeValéry,em
Varieté
101
,mostramelementosdessa
educão literária. Centraremos nossa leitura no ensaio
Primeira aula do
curso dePoética
noCollègedeFrance,eapartir daífaremosalgunselos
comfragmentosdos
Cahiers
.OsensaiosdeOsmannolivro
Doidealeda
Glória
direcionadosaosprofessoresdoensinobásico,fundamentalemédio,
como também aos professores universitários, nos dão mostras do modo
particulardeencararoensinodeliteraturanaEscolaenaUniversidade.Os
escritoreseducadoresaquipesquisadostrabalhamaleituracomoelemento
agenciador da própria invenção literária”, como afirma João Alexandre
Barbosa (1995,265). É nosso objetivo mostrar que, mesmo com algumas
diferenças,elescompartilhamumaconcepçãodeeducãoliteráriavisando
àorientãodeumleitorcrítico.
100
Azeredo,Carlos.RevistadaFaculdadedeLetras‘Línguaseliteraturas’.Porto,XVI,1999.
101
Algunsdessesensaiosnão for amtraduzidosna antologiabrasileiraeapareceoaquicomas
referênciasdooriginal,emfrancês.
148
3.1.AsLiçõesdePoéticanoCollègedeFrance
N’
APrimeiraauladocursodePoética
102
noCollègedeFrance,1937,
Valéryassumecomestranhezaeemoçãoo iníciodeumanovacarreira,a
deprofessor,“numaidadeemquetudonosaconselhaaabandonaraaçãoe
arenunciaraotrabalho.(VA,p.179).Eletambémagradeceaaceitãode
umanovamatéria,Poética,afirmandoquetantoosprofessoresdoColge
como o ministroda educãofrancesa permitiram esse acontecimentopor
pensarem que certas matérias – mesmo não sendo objeto de ciência por
contadesuanatureza–senãopodemserpropriamenteensinadas,podem
ser comunicadas como fruto da experiência individual de alguém que ao
longodosanosaelassededicou.
PercebemosjánoiníciodotextotrêsliçõesdeValéry.Aprimeiradiz
respeito a ser professor como uma profissão de fé no objeto ensinado.
Ensinaréprofessarumaexperiênciaindividual,oprofessornãodevedeixar
que um programa preestabelecido o apague, há que se manter o espo
para sua selão de ensinamentos. A segunda, a ão de criar matéria
específica para o ensino de literatura e apresentálas como projetos às
instituões, ões de um escritor que não insulou seu conhecimento. E a
terceiraé que amatéria que ele iria assumir não era
proprement objet de
science
103
.
Valéry aponta nessa frase seu distanciamento dos estudos da
Literatura enquanto
Ciência,
conforme faziam na época os Formalistas,
102
PremièreleçonDucoursdePoétique. Ouvre I,p.1340. AtraduçãousadaédeMaizaMartinsde
SiqueiranaseleçãobrasileiraVariedades,Iluminura s,1999.
103
Valéry,Paul.OuvreI,p.1430.
149
russosounão,edepoisosprimeirosEstruturalistas.PraJakobsonoobjeto
daciêncialiterária,nãoeraaLiteratura,eraaliterariedade,oqueparaeles
isolavaotextodoseucontextodeprodução.Comojávimos,aliterariedade
enquanto conjunto de características que fazem de um texto um texto
literário só nosinteressa quando associada ao contexto e a outras teorias
comoosvaloreselencadosporLeylaPerroneMoisésem
AltasLiteraturas
(1998) e as
Seis propostas para o próximo milênio
(1999) de Italo
Calvino.
LongedeestudarapoesiaenquantoCiênciaformalista,Valérypassa
a explicar a dirão que dará a sua disciplina. Diferente do sentido usual,
regido pela facilidade de ser um conjunto de regras científicas,
classificatórias, que deviam ser ensinadas como as regras de uma
gramática, o poeta francês recupera o sentido primitivo de Poética. A
etimologiada palavraoremeteaosentido de
fazer
,umfazerquetermina
emalgumaobraequeeuacabareirestringindo,embreve,aessegênerode
obrasqueseconvencionouchamardeobrasdoespírito.Sãoaquelasqueo
espíritoquerfazerparaoseuprópriousoempregandoparaessefimtodos
os meiosfísicosquepossam lheservir.”(VA,p.181).Oensinoda Poética
enquantovalorizaçãodaobradoespírito,anunciadoporValéry,éumamaior
valorização
daaçãoquefaz doqueaobrafeita
.(idem)
PoéticaparaValérysediferenciadomodocientificistatambémnoque
dizrespeitoàHistóriadaLiteraturaedaCríticadostextoscomoeramfeitas
naquela época. A poética faz uso da noção de valor, a raridade, a
150
inimitabilidade de uma obra e algumas outras propriedades que o faz
comparara
Ilíada
,comooutrasobrasdoespírito,aoouro.
Elereconhecequeocontextosocialinfluenciaaprodução,aãodo
espírito em produzir, como também o consumo da obra, pois durante o
trabalhooespíritovaievoltaincessantemente doMesmopara oOutro;e
modifica o que é produzido por seu ser mais interior, através dessa
sensãoparticulardojulgamentode terceiros.’Mesmoassim,afirma que,
porquestãodemétodorigoroso, separaaprocuradagerão daobrade
nosso estudo e a produção de seu valor dos efeitos que podem ser
originadosaquiouali,nestaounaquelacaba, nesta ounaquela época.’
(VA,p.183).
Nessemomento,Valérydiferenciaaproduçãodaobra,dovalordado
pelo consumidor nesta ou em qualquer época. Estabelece assim sua
concepção, para muitos polêmica, de que otempo da produção não pode
ser comparado ao tempo do consumo. Os estudiosos de Valéry que
interpretamessetextodemodoisolado–comosesuasobrasnãotivessem
conexãoumascomasoutras–desconsideramquequandonessaaulaele
substituiotermoleitorporconsumidorestáfalandodeumatendênciada
época,aleituracomoconsumo,enãodoseuidealdeleitor.Oescritornão
produzsuaobravisandoesseconsumidorfácil,anteselefabricacomaobra
umleitorquetemligãocontínuacom ela.
Ainda nessa lição Valéry faz uma crítica à prática detestável (VA,
p.186) de usar as obras como pretexto para análise gramatical,
memorizaçãodaortografia edeclamão emrecitais.Aanálisedeveria se
151
voltarparaaexecuçãodaobra:Éaexecãodopoemaqueéopoema.
Fora dela, essas sequências de palavras curiosamente reunidas são
fabricões inexplicáveis (idem). Por isso que pode haver divergências
interpretativas na leitura da mesma obra: essa diversidade possível dos
efeitoslegítimosdeumaobraéaprópriamarcadoespírito.”(idem)
Essaconcepçãodeobraenquantoprocesso,noestadodeexecução,
proporciona vários efeitos e interpretões legítimas, o que nos remete à
concepção de leitor que ele apresenta no ensaio
Poesia e Pensamento
abstrato
104
oleitorinspirado,aquelequeproduzeampliaaobrajuntamente
comoautor.
A execução de uma obra poderia parecer impossível para alguns
porque,segundoValéry,édifíciloleitoracompanharopercursodoautorna
elaborãodaobra.Otempodeleituradealgunsnãocoincidecomotempo
deproduçãodosautores.Mesmoqueoleitornãosejaobjetodeestudode
sua matéria, estabelecer a gerão da obra é levar em considerão a
educãodoleitoremgeralparaultrapassaroslimitesdainterpretãoda
obraerefletirsobreomomentode produçãodoautor.PaulValéryinveste
nesseleitorcríticoparaconscientizálodequeaobraéumato,aãode
fazêlaésuperioraoresultado.
O método de leitura que ele considera ideal e que ele tenta
desenvolver em suas aulas de
Poética
está transcrito desde 1919 na
IntroduçãoaométododeLeonardodaVinci
105
(p.79):
104
Poésieetpenséeabstraite.OuvreI,p.1314.
105
TraduçãodeGeraldoGersondeSouza,ediçãoutilizadadurantetodaatese.Editora34,RJ,1998.
152
nocasodapoesiasedeveestudálaprimeiramenteenquantopura
sonoridade,lêlaerelêlacomoumaespéciedemúsica,introduziro
sentidoeasintençõesnadicçãosomentequanto setivercaptado
muito bemosistemados sons queumpoemadeveoferecer, sob
penadeesvaziarse.”
Como podemos observar,essaleitura nãoabre mão da forma e do
sentidodotexto,conciliandoumeoutroparanadicçãodoleitorpercebera
dicçãodoautornaobra.Obraqueestásempreemprocessonasrecriões
doautorenasinterpretõesdoleitor.
Em outro texto sobre o ensino da poética no Collège de France
106
Valéry afirma que essa matéria é um estudo que tem por objetivo formar
uma idéia mais exata possível das condições de existência e
desenvolvimentodaLiteratura,umaanálisedosmodosdeãodessaarte,
seusmeioseadiversidadedesuasformas.
APoéticadeValérylevaemconsiderãoqueumareflexãosobrea
Literatura dever estudar o uso diferenciado que ela faz da linguagem
comum,ouseja,levaremcontaasinvençõesexpressivasesugestivasque
fazem possível a explorão da palavra, e as restrições que o artista cria
parachegaracriarumalinguagemdentrodalinguagem.(Oe2,p.1441).
Antônio Brasileiro (2002, p. 64), no livro
Da inutilidade na poesia
,
recuperaumadasliçõesde PaulValéry,emQuestionsdepoésie”(Oe1,
p.1281)paramostraressanecessidadededesaprendertudo:
Desaprender no sentido de fugir das armadilhas da linguagem
sedimentadapeloscostumesaíimplícitos,oscostumesimpostospela
106
OuvresII,p.1439.
153
academia. Da enxurrada de trabalhos que há séculos se vem
consagrando à poesia, são poucos, os que não impliquem uma
negãodesuaexistência.”
Essa leitura da obra literária só é possível numa disciplina que
consideraaautonomiarelativaeaespecificidadedoliterário.ParaValéryas
palavras da terminologia da arte literária, forma, estilo, ritmo, influência,
inspirão variamde acordo como trico que aemprega, por isso é de
sumaimportânciadesaprendêlasepassaràobservãopessoalemesmo
introspectiva da obra, desde que seja expressa com a precisão que elas
exigem.
3.2.Aformaçãodoleitorosmaniano
MesmoqueOsmannãoconcordecomaidéiadequeaãodefazer
seja superiora obra,aidéia deleitorexecutantecomovimos emValéry é
compartilhada quando o escritor pernambucano afirma: O leitor é um
executante,nãonosentidoemqueosatoresdeteatroexecutamouvivem
umtexto.Suaexecuçãoprocuraantesdetudooritmo(GST,p.156).
Guerrasemtestemunhas,
comojávimos,trazumcapítulosobreas
relões do escritor com o leitor no qual podemos veruma concepção de
leitor semelhante à de Valéry. Para o poeta francês há escritores que
escrevemparaumpúblicoexistente,eoutrosqueinventamseupúblico(Oe
2,p.1442),eparaOsmancadaescritorelaboraoseuleitor(GST,p.152).É
nogrupodosqueinventamoseupúblicoquetantoValérycomoOsmanse
154
enquadram. Nesse sentido, não subestimam o leitor e por isso põeno de
frente a um mundo onde os problemas não são propostos e solvidos de
maneiraconfortável.”(GST,p.152)
ParaOsman,dentreasartesexistentes,oapreciadordaarteliterária
é o mais exigido, por isso a necessidade de orientão e preparão.
Embora todas as artes exijam, para serem retamente julgadas, informes
sobre história da arte e evolução dos estilos, experiências anteriores,
sensibilidade exercitada, noção dos cânones (GST,154), a leitura de um
livroédiferenciadaporquesolicitaoqueele chamoude pactodinâmico.
Ouseja,umcontatofísicoevisceralcomolivro,consideradoumobjetode
afeto, com períodos de aproximão e afastamento, como acontece nas
relõeshumanas.
AomesmotempoemqueOsmandesejaoleitorcrítico,elesabeda
necessidadeedoprazerdaleituracomoentretenimento.Éporissoquenão
ignoraaleituracontemplativa,leitura,consideradaporalguns,imperfeita,a
que faz o leitor degustar um poema ou romance. A voz do narrador WM
afirma: Semparadoxo, penso quealeitura deve serimperfeita.Previsível
certamargemdedesinteresse,enfadooudistrão.Assimsãooscontatos
humanos.”(GST,p.158).TratasedeumaironiaàteoriadeArthurNisin,que
defende uma leitura exclusivamente crítica, no sentido de acadêmica,
perfeita,universitária.
Osman é contundente quando critica posteriormente em
Do ideal e
da glória
107
(p.15) o modo canhestro como quase todos apresentam aos
educandos a literatura brasileira.” Ao analisar aproximadamente 50 livros
107
Lins,Osman.Doidealedaglória.Problema sinculturaisbrasileiros.SP,Summus,1977.
155
didáticos,oautormostracomoelesestãoinatualizadospordesprezarema
produção literária contemporânea e como eles se prendem ou ao estudo
estruturalistaformalistadaobraouaoestudodahistórialiteráriapormeiode
resumos dos livros escolhidos por critérios que não consideram a
especificidadedaLiteratura.
Segundo Osman, os principais vícios dos autores de livros
paradidáticos no que diz respeito ao contato escolar do aluno com a
Literatura são: propensão à rotina, alheamento pela nossa literatura
contemporânea; embevecimento confuso ante a literatura do passado;
absolutaausênciadesensodosvalores;desprezoporqualquerespéciede
ordem ou princípio diretor na selão dos textos; tendência a omitir
informões sobre os escritores ou a prestar informões inatualizadas.
(DIDG, p.37). Problemas bastante atuais. A análise detalhada de um
paradidáticocomoLinguagens(1995)deWillianCereja,adotadoemescola
dereferêncianoRecifemostrariapelomenosalgunsdessesvícios.
Masaintençãoaquinãoéanalisarparadidático,antespercebercomo
acríticafeitaporOsmanaeleséimportante,éumexemplodesuaatuão
comoprofessorquedefendeaLiteraturaenquantoformaliteráriaespecífica.
Aeducãoparaformaramemórialiteráriadojovemdeveconsideraresse
critérioaoselecionarostextosliteráriosaserestudados.
OsmancitaalgunsautorescomoAntônioCândido,queenriqueceriao
estudo dos alunos no Ensino Médio com o livro
Presença da Literatura
Brasileira,
de1964.MuitomelhorariaoensinodaLiteraturaseaescolhados
manuaislevasseemconsiderãooscritériosdeOsmanLins.Emboranão
156
tenhaatuadocomoprofessordoensinomédioesimuniversitário,nocurso
deLetras,Osmanpercebecomoosalunoschegam àuniversidadecomuma
carência de leitura dos textos principais da Literatura brasileira, como
tambémdaLiteraturainternacional.
É um círculo vicioso que precisa ser eliminado: o professor se
acomoda no livro didático que não trata a Literatura com especificidade e
nãoformaaeducãoliteráriadoaluno,oalunoresisteàleitura,eoíndice
de rendimento nas avaliões de interpretão de texto cai. Não que o
estudodaLiteraturadomodopreconizadoporessesautoressejaasalvão
do problema da educão geral, mas seria um grande avanço para a
educãodassensibilidadesliterárias.
AexperiênciadeOsmancomoprofessoruniversitáriofoimovidapelo
desejo,nãoderecuperarotempoperdidopelosalunos,masdefazercom
queeles,oualguns,pelomenos,tivessemapredisposiçãoparaoliterário.
Para isso usou o recurso da teatralização, motivador para os alunos.
Diferente de Valéry que dedicou o estudo de sua matéria ao processo de
fazerumaobra,Osmanagiacomoumdivulgadordasobraseestimulavaos
leitoresalunosarecriaremasobrasemoutrossuportes.
Essaexperiênciadidática(DIDG.p.69)foipossívelparaOsman,que
tinhaestudadoeproduzidoTeatro.MasconformeopróprioOsmanafirma,
não se pode esperar que todos os professores e alunos sejam também
teatrólogos e atores. O que sua experiência enfatiza é o incentivo da
criatividade na leitura dos textos. No artigo
A oficina Alegre e efêmera,
Osman concebe um plano de crião de textos que visava a uma
157
compreensãodedeterminadosprocessosliterários,vistos,porassimdizes,
ativamentededentro(idem,p.75).
Esse trabalho de oficina do texto incluía a leitura de contos e a
formãodeumnovoproduto,plantadomodestamentenumaexperiênciade
leitura’.(idem.p.76).Naleituradecontosestavacontempladatantoomodo
como osalunosreceberamostextos,sepassaramporalgumacatarsena
leitura, como também o conhecimento de teorias do foco narrativo, da
construçãodos personagens,o tempoe oespona narrativa,ointricado
jogodoenredo,diferenciadodoassuntodoconto. Demodoque,segundo
Osman, foi possível chegarse a uma intimidade com muitos aspectos da
criaçãoliteráriaqueasimplesteorizaçãonãopermitiria.Comotambémse
criouentreprofessorealunoaalegriadefazerjuntos.
Osman é muito contundente quando fala da necessidade de uma
reformaduranoensinosuperior,nocursodeLetras.Elefazumacríticaaos
professoresqueestudamcomosalunostextostricosquandoessesnem
mesmo tem contato com o texto dos escritores. Segundo Osman, o
professor que esbanja erudição – no que diz respeito às correntes
estruturalistaseformalistas–paraalunosquenãosabemorealsentidodo
objeto de estudo, a Literatura, contribui para gigantesca máquina de
enganarqueéoensinobrasileiro.
Essa reforma seria muito importante para o Ensino Fundamental e
Médionoquedizrespeitoaoensinodaeducãoliterária,umavezqueos
cursos de Letras formam professores para atuar nessa área. Mudando a
dirão doestudodaLiteraturanaUniversidade anteriormente,notempo
158
de Osman a teoria em voga mais difundida era o Formalismo e
Estruturalismo,otextolongedocontexto,hojeéoCulturalismo,ocontexto
longe do texto  o resultado seria uma educão básica que valorizasse o
especificoliterárioemseuelogiodaforma,otextoeocontexto.
AreformaqueOsmanpedianadécadade70,nocontextobrasileiro
deplenadivulgãodoestruturalismofrancês,equeValérytambémqueria,
do seu modo, na década de 30, com a criação da matéria
Poética
não
vinculada a cientificismos, está sendo reivindicada nos dias de hoje por
Todorov (2009), um dos criadores das teorias que cientificizaram o
conhecimentoliterário.
Olivrojácitadoanteriormente,
ALiteraturaemPerigo,
nãosignifica
paraTodorovummeaculpa’,masumrepensarsobreainfluênciadeuma
escola que ele tanto divulgou como necessária para certo contexto e sua
aplicãodesmesuradaterresultadonumafastamentodaleituraliteráriana
tensãoformaesentidomaispróximoaoleitornãouniversitário.
Em entrevista ao jornal O globo
108
, em virtude do lançamento da
tradução do livro no Brasil, o autor aponta como um dos problemas do
ensinodeLiteraturanaFrançaumaconcepçãodaliteraturaquemeparece
inutilmenteestreitaeempobrecida:aquedeixaemsegundoplanoaquestão
do sentido e postula a ruptura da continuidade entre a obra e o mundo
comum habitado pelo autor e pelos leitores.’ O autor também afirma que,
comoumdoscriadoresdoestruturalismoeformalismo,nãosearrependedo
queescreveuhá45anosequecorrespondiaa‘necessidadesdomomento:
108
Prosa&Verso OGlobo 24/1/2009
159
Eu critico nãosão as noçõesformalistas ouestruturalistas mas
um certo uso que pode ser feito delas, apartir do momento em
queelas setornamo centro doconhecimento, quando deveriam
permanecer um simples meio de permitir ler melhoros textos, e
portanto de compreendêlos melhor. Acrescento que essas
mudanças de perspectiva não datam para mim de hoje, faz
muitos anos que combinei às perspectivas estruturalistas outras
abordagens,denaturezamaisideológica,histórica,ou moral.(...)
Naliteratura,nãovejocomosepoderiaadmirarumaformaseela
nãoparticipassedaconstruçãodeum.sentido
O elogio da forma literária feito por Paul Valéry e Osman Lins
compactua com essa concepção de Todorov. O ensino da literatura não
deve se fecharna análise formal do textosem considerarossentidos que
ela prisma. Entra em cena agora, a necessidade de uma educão que
motiveoalunoàleituraliterária,mostrandoqueestaéum
modusoperandi
específico e múltiplo, muito próximo dele,deflagrador de suas emoções e
reflexões.Umaartequetrabalhaaexplorãodapalavra,aexperimentão
com alinguagem,a organizaçãodasintaxe,o modo dedizerde umautor
emdeterminadocontexto.
A discussão sobre a educão do leitor, na poética de Osman Lins
temseuápicenoromance
ArainhadosCárceresdaGrécia
(1977).Olivro
reeditado recentemente faz um libelo à educão das sensibilidades
literárias. A reedição favorece o acesso de novos leitores, mas
principalmentedosreleitores,aquelesapaixonadospelapoéticaosmaniana,
os que conheciam a obra pela boca dos críticos literários, e os próprios
160
críticos que ainda buscam, visto o potencial da obra em permanecer
segredo,proliferarseussentidos.
Com a reedição, alguns escritores foram convidados para falar do
romance. O comentário mais marcante feito pela crítica contemporânea
apontaumcaráterdeobradatada,apenasumagrupamentodeilustrões
fragmentáriasquenãoseconcentramemnadafaltalheavisãodemundo
quelhedariasentido,oqueexigemaisdoqueapenasumpersonagemde
palavras.”OfracassodarazãodeCristóvãoTezza,publicadona
Folhade
S.Paulo,Mais!,09/10/2005
apresentacomprecariedadeaestruturadessa
obra.
O melhor crítico de
A rainha dos Cárceres da Grécia
é o
personagemleitorqueestálendoolivro.Énoencalçodessenarrador,com
adesconfiança própria doleitorconsciente,que seguimososeupercurso,
seus rastros, assumindo o perigo de irmos ao encontro antes de uma
armadilha do que até a presa. Por isso, com cautela lemos o exemplo
modelar de abordagem de um romance, denominado pelo narrador, de
heterogêneo.
ARCGéumlivroqueexplorouaomáximooconceitodeLiteraturae
suafunçãohumanizadora.Umlivroqueseglosaotempotodonasmalhas
do imaginário e do real. Um livro que nos revela sua temática: a arte da
ficção em geral (p. 57) e o homem desarmado perante um meio hostil.
(p.147).Éumdoslivrosmaisdifíceisda Literatura brasileira,um desafioe
conviteàleitura:comofalarmaisdeumlivroquejávemcomsuacrítica?O
161
quedizerdolivroseopersonagemnarradorétambémleitoreabordatodas
asfacetasdoquesepedehojenaanálisedoromance?
O narrador é um professor de ciências naturais e não um crítico
especializado. Ele ironiza o tempo todo a leitura cientificizante de um
romance, leitura muito comum em seu tempo. Mesmo assim podemos
perceber ecos de uma teorialiterária, nosmoldes de Antoine Compagnon
em
OdemôniodaTeoria
,maisabrangente.Onarradorfazumaanálisedo
enredo de ARCG como o ato de dispor os eventos e de elaborar uma
linguagemquenãosabemosseosrefleteouseapenasservesedelespara
existir.(p.10).Afirmaqueopontodevistanesseromanceé“umafatalidade:
oromancistaexperimentao,disfarçao,lutacomele,subverteo,multiplica
o, apagao e sempre o tem de volta. Ampla a escolha e variada a
nomenclatura.(p.65)Paraeleaconstruçãodospersonagensnãoobjetivava
recriar personagens legendárias, mas, lançando mão de pistas
onomásticas, preparar uma espécie de inscrição cifrada, que, descoberta,
ampliasse os horizontes da obra.” (p.31
) O
espo não é nada trivial e
amplia a significão do seu livro. (p.107) E o tempo não considera a
cronologia’(p.201).
Masnemtudoquesefaladesseromancenoromanceéumaanálise
da análise da obra. Atentamos por exemplo, e voltamos em círculos
concêntricos à hipótese da tese, à outra voz, silenciosa, que surge na
narrativa osmaniana. Nenhuma referência explícita no romance, o que é
muitosignificativo,nelefigurammaisde50livrosdabibliotecadonarrador.
Foraosrecortesdejornaiserevistas,osprovérbioseascançõespopulares,
162
uma vasta apresentão de nomes entre os quais vários clássicos da
narrativa (Borges, Levis Carrol, Stendhal, Diderot, Graciliano Ramos,
GuimarãesRosa,RobertMusil,Gide,Dostoievski,Sterne,Unamuno,Joyce),
e poetas (Dante, Petrarca, Virgílio), como também, tricos da literatura,
autoresdelivrosdepirataseartesdivinatórias.
Énessa multidão que vemos de perfil, a voz do poeta francês Paul
Valéry. Ele que, como já mostramos detalhadamente esteve presente por
meiodeseuslivroscitados(
OCemitérioMarinhoeEupalinos
)em
Guerra
semtestemunhas
,figuraem
ArainhadosCárceresdaGrécia
com sua
luminarausência.
A rainha dos cárceres da Grécia
junto com
 Guerra sem
Testemunhas
são capítulos daquela
comédia intelectual
valeriana que
falamosnodecorrerdessatese:asagadeumnarrador(leitoreescritor)na
compreensão de um livro que está intrinsecamente relacionado com sua
vida.Comédianãonoqueelatemderisível,masnofatodeterminarbem,
comoregistropermanentedasreflexõesdoautorsobreoatocriador.
ARCGdácontinuidadeàtemáticadeGSTnoquedizrespeitoaessa
comédia.Agoraaaventuraintelectual(ARCG.p.143)éexpostanavozde
umaescritoramarginalizada,quenãoconseguiupublicarseulivroemvida,
expondo desse modo sua concepção de escritor enquanto pária na
sociedade, um verdadeiro ude no meio do rio, metáfora utilizada pela
autoradolivroemrelãoàMaria deFrança,suapersonagemdobradiça.
Segundoaanálisedonarrador,MariadeFrançasignificaaconsciênciado
homem diante de sua condição de desarmado no meio hostil e
163
simultaneamente resistente à opressão das classes dominantes e ao
esquecimentodamemóriadaespéciepelaviadaLiteratura.
Umacomédiaintelectual,umasátiracríticaqueexpõeoladonegroe
cru do ofício de escrever (ARCG, p.185), como podemos ver tambémno
trecho síntese da orão de Julia Marquezim Enone: Santo Afonso
Henriques!Fazeidemimumaescritora.Massóisto.Nadadefestivais,de
júris em concursos (de beleza ou literários), de cargos em repartições
chamadasculturais,decapelas,defrasesdeespírito.Livraimedofascínio
quetantosdosnossosautores, hoje,têmpelo convíviocom osricos,pela
adoção obrigatória de livros seus na área estudantil, pelas viagens com
passagemehotelpagos.Fazeimeorgulhosadaminhacondãodepáriae
severanomeuobscurotrabalhodeescrever.”(ARCG,p.46)
Enfatizonessetrechoapalavra
severa’.
Umapalavrafundamentalna
concepção do texto literário para os escritores modernos. Tanto Osman
como Valéry (Introduçãoao método de Leonardo da Vinci, 1919) teorizam
sobreo
rigorobstinado,
serseveroconsigomesmonoatodeescrever.Em
textojácitadonestatese,
LettresurMallarmé
(Oe1,p.641)–traduzidopor
Augusto de Campos no livro
Via Linguaviagem
– Valéry usa a mesma
palavracitadanaorãodapersonagemosmaniana:Letravailsévere,em
littérature,semanifesteetsoperepar
desrefus
.”
Há em ARCG vários exemplos do método de produção literária de
Julia Marquezim. O narrador fala na mão do rigor, a esquerda, que
simboliza a justiça”(p.51), fala também na adestrada mão (p.178) da
escritora que muitas vezes, segundo seu testemunho, consagrava por
164
vezes manhãs e tardes a um parágrafo (p.114). Essa postura como já
vimos, é bem nomeada por Valéry como a ética da forma’(VA, p.161). A
ética da forma
, a durão prolongada na composão da obra, é o que
permiteotom obscurodaobraliterária,arevelãodosegredoquecontinua
segredo.
Outroexemplode confluênciaerevisitãoqueOsmanLinsfaz em
relãoàconcepçãodeescritoremValéryénoquedizrespeitoaovícioda
escritadiáriadeseus
Cahiers
,víciocomhoramarcada.Falandosobreessa
empreitada,Valéryusaaimagemdaaranhaquetecesuateiasemfuturoe
sempassado,passoapassosemsabercomoenemporque:ainsiquune
araignée file sa toile sans lendemain ni passé, ainsi quun mollusque
poursuivraitsonéliminationdhélice–nevoyantnipourquoinicommentilne
cesseraitdelasecréter,depasenpas.”(CA1,p.13)
ARCC também se configura como um diário, um caderno de
anotões. Osman usa a mesma imagem ampliada, resquício talvez da
leitura dos gglifos marcados no Peru, que só a distância permitemse
visíveis.Essafiguradaaranhaévozvalerianarevisitadaeampliada,aranha
consciente.Évozdeumcorodeescritoresque,comoBarthes,em
Oprazer
dotexto,
divulgamumateoriadotextocomo
hifologia(hiphoséotecidoea
teiada aranha):
Esterepentinoatordoamentofrenteà cambiante natureza
daescrita.Souumaaranhacuspindoaminhateia.Mas,fontedateia,fizme
ambíguo (o eu da escrita é uma cápsula cava) e nada me proíbe de
escrever–oquepodeounãoserfalso–que,simultaneamente,toateia
emetoamim.(ARCG.p.198).
165
Oromanceemquestão,conformenosdizopróprionarrador,édono
de estrutura complexa e abissal, não pretende representar o mundo, mas
atuar nele como um deflagrador de significados, tornando assim mais
intricado o elo livro e mundo. É um romance de formão e educão
literária.
Essa educão literária consideraria os alunos em suas
potencialidades.PaulValéry,falandosobreLeonardodaVinci,mostracomo
a educão literária desse artista múltiplo consolidou seu gênio. Há uma
certa apreensão em relão à palavra gênio, utilizada pelos idealistas e
ultraromânticosparadisseminaraidéiadeescritorcomoumsalvador,herói
dosmalesdomundo,aquelequerecebeodomdadivinainspirão.
Pensar na etimologiadessapalavra podenosesclarecera proposta
deumaeducãoliteráriavisandoàssingularidadesdoleitoredoescritor.
SegundooHouaiss,gêniovemdolatim
genìus,i
esignificavaa'divindade
particular que presidia ao nascimento de cada pessoa e a acompanhava
duranteavida.’Essesignificadofoiestendidoàporçãoespiritualoudivina
decadaum.Masnãopodemosesquecerque
gênio
tambémfuncionacomo
sufixoligadoànoçãode'nascimento,origem,descendência'.Por conta da
multiplicidade de sentidos das palavras não podemos ficar apenas com a
concepçãotradicionaldegênioenquantoaptidãonaturalparaalgo,ouseja
um dom, mas pensarmos na palavra gênio enquanto personalidade, o
conjuntodostrospsíquicosefisiológicosquemoldamotemperamentoeo
humordecadapessoa.
166
Énessesentido que PaulValéryvêemLeonardoopressupostodo
Homem Universal, aquele por meio do qual pode se configurar uma
educão literária para o desenvolvimento do nosso gênio. Ela
corresponderia à
perikalia
grega,a educãoparaobelo,sendoosentido
deeducãopraValérybemsemelhanteaodedesconstrução(conhecera
construção): A educão profunda consiste em desfazerse da educão
primeira”(IMLV,p.35).OHomem,paraValéry,éopoderdoEspírito,eesse
éfrutodatensão,doestranhamento,entreocorpoeomundo.Asoperões
doespíritosãoodramainterior,a
comédiapessoal
(idem,p.21),a
mecânica
interna
(idem, p.31) da construção do conhecimento, sempre movediças,
irresolvidas, à mercê do momento (idem, p.19). São por si mesmas
indescritíveis,evariáveis,contínuas,dependendodadurão,dotempoque
aelasdedicamos.
Vemosem
ArainhadosCárceresdaGrécia
essaeducãoliterária
voltada para as singularidades. O romance narra a persistência de Julia
Marquezim em escrever um romance em meio hostil ao escritor. Narra
também a persistência de Maria de Françaem busca de seus benefícios,
confirmandooconceitode gênio enquantopersonalidaderesistentee forte
embuscadosseusobjetivos.AofalarsobreJulia,onarradordescrevesua
expressãodegenialidade”comoalgoforadasmedidasequeremovetudo
para cumprirse. Ainda: coragem de ousar e a disposição incansável para
levaratermoumprojetodesmedido.(ARCG,p.61)
ÉsobafundamentãotricadeJeanPaulSartre–paraquema
obrasóexistenoníveldecapacidadedoleitor;apartirdaí,serianecessária
167
uma educão, esclarecendoo.” (ARCG, p.157) – que Osman Lins
desenvolveseuromancedeformão:todotipodeleitor,comtodasassuas
diferençaselimitões,tantooleitorcomumcomooerudito,sãoconvidados
alercommaisacuidade,oquesignificasomardesordem egeometria.
3.3.Doelogioàação
O modo como a poética de Osman Lins e Paul Valéry valorizam a
literatura como arte da palavra e fator fundamental na educão humana
contribuirá muito para ampliar as reflexões atuais sobre a necessidade de
repensar a Literatura enquanto disciplina no ensino básico, por uma
educãoliteráriaque nãosepareovalorestéticoe ovalorsocial de uma
obra.
Essaeducãodassensibilidadesliteráriaspodeserpossívelatravés
de um programa de leitura dos clássicos atemporais, fundamentado no
conceito de clássico apresentado por Italo Calvino em
Porque ler os
clássicos
109
,umlivroquepersistecomorumormesmoondepredominaa
atualidade mais incompatível. Um programa de educão literária que se
faz urgente aplicar, e que não poderia ser fixo, precisaria ser sempre
reinventado, como também não poderia se bastar no tempo de aula da
disciplinaLínguaPortuguesa.
Osman Lins e Paul Valéry se dedicaram com afinco à divulgão
literária.ElesvestirameassumiramoriscodomantodeMedéia.Omanto,
preparadoporessapersonagem,presenteàsuarival,foirevestidocomtrês
109
Porquelerosclássicos,p.15.1998.CompanhiadasLetras.SP.
168
planos: no primeiro, uma superfície com o trado minucioso dos vitrais
barrocos,transparênciaforjadanumtecidocoloridocomnuançasdebranco
epreto,alémdoamareloeazul,sombrasdahistóriaedomito;nosegundo
haviauma confortadora capa de algodão consistente, antídoto parao frio,
umamassabrancafeitasobamedidadaimensidãodocorpoaservestido;
por fim, e para o fim, uma camada apurada de veneno, suficiente para
queimara peleda almade quem amouopróximo,comprometido comum
amorjaz.
Osescritoresaquiestudadosinstigamoutrosprofessoreseescritores
avestiressemanto, metáfora dapalavra. Seu sentidoestético,antidotale
envenenador,dizdaliteratura,mestraemexplorareampliaressessentidos.
Asociedademuitasvezestemeuas potencialidadesdolivroe,paratentar
neutralizar a literatura, muitas vezes proibiu a circulão de textos que
poderiamserfatordeperturbãoerisco.
No entanto, os escritores que fazem o elogio da forma literária
acreditam com Antônio Cândido (1988, 186)
110
que exatamente por seu
papelformadordapersonalidade,paraobemeparaomal,todostêmdireito
àliteratura,elaéumbemcompressíveldaquelesquecomocasa,comidae
vestimenta não podem ser negados ao ser humano: a literatura
correspondeaumanecessidadeuniversalquedevesersatisfeitasobpena
demutilarapersonalidade,porquepelofatodedarformaaossentimentose
à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e portanto nos
humaniza.”
110
Odireitoàliteratura.p.186.inVáriosescritos. 4ed.2004.
169
TemdefatoaLiteraturaosentidohumanizador,nãodeinstruçãopara
servir a uma moral, mas no sentido de explorar as possibilidades do
humano.Ofatodequeosdesníveissociaistenhamreputadoaosdaclasse
baixaodireitoapenasàliteraturapopular,eaosdaclassealtaàshonrarias
da literatura erudita, nunca agradaram a concepção de literatura dos
escritoresaquiestudados:obrasliterárias,semfronteiras,quetematizama
denúncia e a contemplão. É nesse sentido que suas poéticas são de
formão,exploramaformaliterárianomomentodesuagerão,processo
criativoehistória,alémde,esimultaneamente,exploraraformadohomem
nouniverso.
ArealidadeeducacionalhojenãomudoumuitodaépocaemquePaul
Valéry e Osman Lins escreveram, se vivessem em nossa época eles
provavelmente manteriamsuaafirmãosobreotempoemquevivia,uma
época em quenão setemmemórialiterária’.Nessecontextodesfavorável
ao estudo do específico da forma literária, a profissão de professor de
Literatura fica cada vez mais rara. Grande parte dos estudantes
universitários do curso de Letras direciona seus estudos ao ensino da
LínguaPortuguesaoudeLínguaestrangeira.E,nessesentido,asquestões
sobre a autonomia relativa da literatura e sua especificidade ficam
suspensas, mergulhadas num programa de estudo de gênero textual que
generalizatudo.
No caso do Brasil, Osman não se calaria sobre a LDB nº
9.394/2005
111
 que rege a educão básica, ensino Fundamentale Médio
hojegeneralizaraeducãoliteráriadiluindoacomocontdodadisciplina
111
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm
170
Língua portuguesa e da parte diversificada em Artes; e determinar como
obrigatóriooensinodesicaenquantodisciplina,antesdiluídoemArtes
comopartediversificada–eoensino,comodisciplinaenãocomocontdo,
deFilosofiaeSociologia.
Aeducãobásica,quedaria amemórialiterária aosjovens,acaba
nãosendocontempladacomodeveriacomumensinodaLiteraturainiciado
desdeofundamental.Oresultadoéaelitizaçãodestamatéria,pois,apenas
osquedecidemserprofessoresdeLetras,ouosquetiveramumaeducão
familiar nessa área, continuarão lendo textos especificamente literários ou
poderão estudar metodologicamente, e às vezes de forma precária, a
LiteraturacomodisciplinanaUniversidade.
O desprezo pela educão literária foi feito de modo explícito nos
ParâmetrosCurricularesNacionais
112
naáreadeLinguagem,códigosesuas
tecnologias (2002), quando afirmam: Os contdos tradicionais de ensino
de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história da literatura são
deslocadosparaumsegundoplano.Oestudodagramáticapassaaseruma
estratégia para compree8nsão/interpretão/produção de textos e a
literaturaintegraseàáreadeleitura”(p.18)econcluem:Aolerestetexto,
muitoseducadorespoderãoperguntarondeestáaliteratura,agramática,a
produção do texto escrito, as normas. Os contdos tradicionais foram
incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida
comoespodialógico,emqueoslocutoressecomunicam(p.144).
112
UmdosprimeirosdocumentosdoMinistériodaeducaçãodoBrasila situaradisciplinaLíngua
portuguesanaáreadeLinguagens,CódigoseTecnologias,consolidandoumensinodelíngua
fundamentadonosgênerostextuais,ediluindooensinodaliteraturanessadisciplina.
171
Diante desses fragmentos, alguns professores de Literatura
demonstraramseusprotestos,conscientesdequearelatividadeemdiscutir
oqueéliteraturanãosignificaqueelanãodeveserdiscutida.Comoofez
LeylaPerroneMoisésnoartigocitadonaintroduçãodestatese,Defesada
Literatura”(1995),nolivro
Altasliteraturas
(1998)emaisrecentementeno
ensaio“Literaturaparatodos(2006).
AnosdepoisdoprimeiroartigodeLeyla,edesuainvestidaafavorde
um estudo literário voltado pros valores estéticos, fazendo do seu modo o
elogio da forma, CláudioWiller,
Em defesa da literatura
, (2002)
113
, é mais
radicalemsuaposturaaoapontardiretamenteasfalhasdoqueaideologia
dosPCNesconde.Eleafirmaque,parafalarsobreliteratura,umafontebem
mais consistente que os PCNéErnest R.Curtius, quandodiz queela faz
parte da educãodesde os gregos:Desde então a literatura é disciplina
escolar,acontinuidadedaliteraturaeuropeiaestáligadaàescola”.
Aoinvésderompercomaliteraturaenquantodisciplina,Willerpropõe
amanifestãodosprofessoresdaáreaporumensinovoltadoparaaleitura
daliteraturacomodisciplinasemprerelacionadaàsáreasdeconhecimento
que ela intercala. Essa também é a proposta de João Alexandre Barbosa
(1990), a leitura intervalar
114
, o intervalo é o tempo/espo em que a
literatura se afirma como literatura sendo sempre mais do que literatura
porqueapontandoparaesferasdoconhecimentoapartirdasquaisosigno
literárioalcançaarepresentão.”
113
Ver http://www.jornaldepoesia.jor.br/ag25willer.htm
114
Aleituradointervalo.p.11.
172
Dos protestos contra a concepção de literatura nos PCN nos
remetemos ao artigo de Pereira e Vasconcelos (2007) porque quando ela
falasobrea Literaturaeo ensinonacontemporaneidadecita apostura de
OsmanLinscomocríticodametodologiadeeducãoquenãovisaàforma
literária pelo convívio com a obra, e sim à história literária através de
apostilaseresumos.
O escritor pernambucano continua como uma referência para uma
reforma da educãoliteráriaque preze aleitura contemplativae aleitura
crítica. É interessante também notarnesseartigo a voz de LeylaPerrone
Moséis(2006),sempreresistenteàdiluiçãodoensinodaliteratura.Oartigo
Literaturaparatodos
dePerroneMoisésestápublicadonarevistaLiteratura
eSociedaden.9,enelevemosemdetalhesaconsciênciadeumaintelectual
dedicadaàLiteratura.Elaafirmaquearaizdainquietãodosprofessores
universitários ao receber no curso de Letras alunos que não apresentam
uma memória literária está principalmente no ensino básico. Para ela é
preciso estudar os documentos do Mec que diluíram a Literatura como
disciplinanadenominãomaisabrangentedeLínguaportuguesa.
Areformanoensinodaliteratura,comorequeriamOsmaneValéry,e
atualmente Todorov, é também invocada por PerroneMoisés. Segundo a
autora, para reformular esse período de formão do jovem leitor, seria
necessário que os docentes universitários saíssem um pouco de suas
pesquisas pessoais e preocupões corporativistas, para se interessarem
pelo que ocorre no âmbito oficial e regulador do ensino.” (p.19). Como
motivão de uma reação dos acadêmicos brasileiros, ela afirma que na
173
França,em 2002, a ameaça da retirada do ensinoliterário tradicional dos
currículosdoensinomédioocasionounadamenosqueaquedadoministro
daeducão,ClaudeAllègre.(p.20)
O protesto de pesquisadores sensibilizados com a gravidade da
questão gerou uma resposta do Ministério da Educão, que, desta vez
orientado por profissionais comprometidos com o ensino da literatura
literária, Lígia Chiappini e Haquira Osakabe, avançou positivamente na
defesadaespecificidadedaLiteratura’.Em 2006oMEClançaumsubstituto
paraosPCN,as
Orientaçõescurricularesparaoensinomédio
115
.
Embora ainda tratea Literatura como contdo dadisciplina Língua
Portuguesaparaoensinomédio, eaconsidereummododiscursivo entre
vários, inclusona áreaLinguagem,digo esuasTecnologias,apresenta
umcapítuloextensosobreaimportânciadoconhecimentodaLiteraturana
formãodoleitorcrítico, validandoaodiscursoliterárioadiferençadeser
um discurso artístico específico. Um discurso que utiliza da transgressão,
possibilitada pelo trabalho com a forma, como entendemos forma literária
nesta tese: a explorãodas virtualidades da linguagem e o compromisso
social de exercício da liberdade, o que faz da literatura um agente do
amadurecimentocríticoesensíveldoaluno.
Diferente dos PCN anteriores que escolhiam as obras pela
importânciadedenúnciasocial,asOrientaçõescurricularesparaoensino
médioconsideramostextoscomoinsuficientesparaleituraliteráriasenão
apresentaremqualidadeestética.Aorientãoédistinguirumtextoliterário,
115
OrientaçõesCurricularesparaoEnsinoMédio.Vol.1.2006.MEC.Revisã odosParâmetros
curricularesparaoensinodeLínguaPortuguesa.
174
riconaabordagemdiferenciadadareflexãosocialelinguística,deumtexto
deconsumo,ricoemclichês,estertipos,sensocomum.
Na leitura das
Orientões curriculares
fica subentendido que os
impassessobreoqueensinaremLiteraturanãodeveeliminarseulugarna
Escola.Seoalunobrasileirodehoje,consideracompositorescomoLeninee
ZecaBaleiro,poetasdacontemporaneidade,maispróximodeles,muitomais
queDrummondouHildaHilst–éimportantelembrarquealgunstricosda
literatura,LuisTatiteJoséMiguelWisnik,compositoresecantores,também
consideramChicoBuarqueeAntônioCíceropoetas.Épreciso,noentanto,
mostrarasdiferençasentre osgênerosondealiterariedadeaparececomo
umadascaracterísticasdotexto,eondeelaé
modusoperandi
.Relacionar
osgênerostextuaisnãosignificadiluílosnumageneralização,masorientar
apercepçãodasdiferenças.
Um relato de experiência pessoal nos dá um exemplo de como
elaborar políticas de leitura com ênfase no elogio da forma que faz uma
ruptura com o livro didático, visando ao estudo da literatura como
convivênciacomaobra.Oprojeto
Porquelerosclássicos
tevedurãode
quatro meses numa turma de primeiro ano científico de uma escola
laboratórioparaformãodeprofessoresuniversitários.
DiantedeumprogramaquediluioensinodaLiteraturanadisciplina
Língua portuguesa, o professor apresentou uma proposta de estudar os
clássicosdaliteraturaporumanovaperspectiva.Inicialmentedebaterama
concepção de alta literatura para Leyla PerroneMoisés, como também as
concepções de Clássicos para Italo Calvino. Depois de refletirem sobre
175
esses posicionamentos, organizaramjuntos um seminário onde os grupos
escolheram obrasde autoresrepresentativoscomoHomero, Shakespeare,
Dante,EdgarAlanPoe,DostoiévskieKafka.
Oresultadofoimarcadoporapresentõesentusiasmadasdealunos
que entraram pela primeira vez em contato com textos significativos da
literatura universal. Muitos afirmaram que não tinham lido estas obras
anteriormenteporpreconceito,poisimaginavamqueosclássicos–essaéa
imagemdemuitoslivrosdidáticos–estãoultrapassadosequeoestudoda
Literatura em sala de aula deve priorizar textos da Literatura brasileira e
suasescolasespecíficas.
Estudarliteraturadesdecedoresultaránaformãodeleitoresmais
críticosdiantedarealidade,edecidadãosdiferentesdapersonagemcomo
peito de lata
apresentada na canção
Cara a cara
de Chico Buarque (cd
lançadoem1990):
Tenhoumpeitodelata
Eumnódegravata
Nocorão
Tenhoumavidasensata
Sememoção
Tenhoumapressadanada
Nãoparopranada
Nãoprestoatenção
Nosversosdestacanção
Inútil
176
Segundo PerroneMoisés (2000), numa sociedade utilitarista, tudo o
que nao rende a moeda da vez, tornase inútil. O modo negativo como
algunsconsideramainutilidadedapoesia,daliteraturaoudacanção,deve
seropontodepartidaparaumaconcepçãopositivadapoesiainútil:
Usandoaspalavrascomoutrosfinsquenaoospráticos,sendoum
inutensílio(PauloLeminsk),opoemapõeemquestãoautilidadedos
outrostextosedapróprialinguagem.Afirmandocoisasinverificáveis,
irredutíveisaumreferente,opoemaquestionaaverificabilidadeea
referencialidade das mensagens que nos chegam cotidianamente.
(p.32)”
Nessainutilidade,afunçãodaliteraturaedeseuensinoviveeresiste:
a leitura contemplativa e reflexiva, o tratamento artístico da linguagem
cotidiana,a multiplicidadedossentidosnotexto, oconhecimentodevárias
áreasdaatuãohumanaeinumana,aampliãodoreal,pelalinguagem,
em mundos possíveis. O elogio da forma literária não tem fim. Como diz
HildaHilst(1999,p.125):
Irodomeumomento:quandoeumorrer
Umacoisainfinitatambémmorre.Édifícildizêlo:
MORREOAMORDEUMPOETA.
Eissoétanto,queoteuouronãocompra,
Etãoraro,queomínimopedo,detãovasto
Nãocabenomeucanto.
177
Conclusões,semfim
TodométodopõeoconhecimentonumleitodeProcusto.Semcaba
ateseperdearazãoeaimaginãoqueamenteemsintoniacomouvidos,
nariz,bocaeoolharpropiciam.Sempés,atesefixanaprateleira.Método:
medode,naneblina,nãoatingirumporto.
Nascidaenascidaentrerelógiosotempodistraiaperplexidadede
uns, para os quais ele simplesmente mede umespo predeterminadode
vidaemorteampliaasolidãodeoutrosessatesechegaenfimasuas
conclusões.
OelogiodaformaliterárianaspoéticasdePaulValéryeOsmanLins
se fez possível por uma concepção de Literatura comparada ligada a
recepçãodaobradeumautorporoutro.Asinferências,odiálogoatravésde
imagens e palavras recorrentes nas poéticas desses autores, como as
citões de obras do escritor Paul Valéry nas obras de Osman Lins nos
propiciaram uma leitura diferenciada e inovadora sobre as questões
relacionadas com o fazer literário e seus usos visando à educão das
sensibilidades literárias. A explanão sobre o elogio da forma nesses
autoresétambémumadefesadaLiteraturaparaaresistênciadoliterárioem
temposdediluição.
OsmanfazumarevisãodoqueValérychamadeabolirainspirão
daobra,entendidaagoracomoapresençadoacasoautorizado.Paraeles,
o entusiasmo não é o estado de alma do escritor, é o pontapé inicial. O
escritor pode tornarse mestre de seu pensamento transfigurando a sua
178
própriavidapsicológicanomundorigorosoderelõeslógicas.Oartistase
aproxima então do filósofo que é especialista do universal, constrói para
compreender a variedade do descontínuo, diversas formas de
conhecimento:umaciênciadosvaloresdaão,aética,eumaciênciados
valores expressivos, a estética. Tratase de valorizar a lucidez construtiva
comesobreamatéria.
Ametaficçãoemetapoesiadessesescritoresnãodesconsideramos
valoresquefazemdotexto,literatura.Aqualidadeartísticadeumaobraestá
associada à consciência crítica, em oposição à padronização das obras
visando vendagens sem nenhum alcance literário. A escolha de valores
fundamenta o rigor, um dos motivos primordiais ansiados pelos escritores
críticos: o exame da técnica, das escolhas possíveis no amplo campo da
tradiçãoliterária.
Emsuasobrascabeatéumacríticaàmetalinguagem
persi
,muitas
vezesesterilizante,sematensãoprimordialquedáritmoaotexto,atensão
entreosomeosentido.A
linguagemdentrodalinguagem
envolveatensão
entre impulsos distintos e conciliantes: forma e contdo, recordar e
esquecer,terpresenteemanterentreparênteses,aproximarseeafastarse.
Umaambiguidadequeoescritornãotemaintençãoderesolver.
Nessa conjuntura de pensar a literatura como um pêndulo entre
pontossimétricos,oque’dizereocomodizer,oelogiodaformaliterária
mostrou que tanto para Valéry como para Osman,
o contdo reclama a
forma
, como se um não existisse sem o outro, e mais, como se um
valorizasse,revivificasseooutro.
179
Noquedizrespeitoàimportânciadalinguagem,pormeiodaimagem
da
lugúgem
de Guimarães Rosa mostramos a singularização da língua
literária.ParaValéryoidealdelínguapurateorizadonos
Cahiers
notópico
destinadoa
Langage
nãodizrespeitoamoralismos,masàpurezaanalítica,
aorigornaselãoeacriãodeumcampolexicalquesaindodedentroda
linguagemcomumseconfiguracomolinguagemliterária,alinguagemcomo
meta. Para Osman Lins, tanto em
Guerra sem Testemunhas
como em
Avalovara
, alíngua se refaz na aventura com a estrutura, a ficção como
meta,otextoemseutodo,umaexperimentãodaslinguagenspossíveis.
Quantoàsituãodosautoresemrelaçãoàsociedade,utilizamosa
análise do poema
Ouvir contar
do heterônimo pessoano, Ricardo Reis,
como teoria para alargar o sentido da palavra indiferença’. Os artistas,
semelhante aos jogadores de xadrez, através do simulacro da arte,
mimetizam a atuão política fazendo com que seus gestos sejam mais
duradourosdoquepanfletosougritossemconsistência.
Nesseponto,Valéryeseusilêncioeloquentedestoaemmodo,mas
não em força, da voz de Osman, que utilizou com pulso forte, os meios
midiáticos que possuía para denunciar as forças invisíveis e visíveis
responsáveis pela diluição da literatura e da liberdade. Desse modo, a
indiferença’ não se configura como desinteresse, mas uma postura
diferenciada do escritor fundamentada numa ética das recusas. Eles não
acreditavam numa literatura engajada politicamente, mas numa literatura
que,transfigurandoorealàlinguagem,dissessemaisdarealidade.
180
Os escritores críticos defendem acirradamente os valores artísticos
aprimorados através de uma tradão literária que acredita  como
Baudelaire que a efemeridade não exclui a perenidade. Valores que
transcendem em novas concepções, novos apontamentos, esboços para
novasproduçõesporquepresentes emnovosmundos,comoporexemplo:
um ideal de equilíbrio entre técnica e inspirão, sensibilidade ao que de
seleção existe no acaso; o aperspectivismo, deslocamento dos pontos de
vista na narrativ o artifício, a consciência de que um texto é escritura e
fingimento;oornamentoemsuavisibilidade,porumafraseexuberanteem
concentrãodeimagensselecionadas;exatidão,saberafalênciadalíngua
em apresentar imagens, a desconfiança da linguagem; a multiplicidadeao
escolhertemasemotivosparanovasexperimentões.
A consciência crítica é um valor da literatura moderna que
gostaríamos de ver preservado. A literatura moderna investe na escritura,
obrasháemqueacríticaéobjetodofazer,objetodeficcionalização.Para
Leyla PerroneMoisés (1978) o vocábulo escritura’ significa a realização
plena da linguagem, no sentido de que as fronteiras entre linguagem
referencial e poética são abolidas. Paul Valéry e Osman Lins são desses
escritoresqueabsorveramacríticacomoumelementoestruturantedeseus
textos. Um poeta prosador e um prosador poeta, ambos optaram por não
subestimar o público e produzir o máximo do que seus espíritos eram
capazesdeexplorarnapáginaembranco.
A imaginão possibilita a abertura, a especulação da linguagem
poéticadentrodalinguagemcomum,eaomesmotempoaespeculãode
181
outros domínios da linguagem, áreas de conhecimento que são fontes
valiosasdemetáforas.Erguese umanova cabaliterária, umnovorosto
nacomposiçãodoperfilosmanianoevaleriano.LiteraturaComparada,jogo
demontacabas,umaanálisecombinatórianacríticaliterária.
Os escritores aqui pesquisados mostraramse atuantes também na
orientãoeducacional.Suaspropostasdeumaleituranãocientificizanteda
Literatura são de grande ajuda para uma reforma no currículo da escola
básica:oestudodaconcepçãodeformaliterária–trabalhocomalinguagem
econtextualizaçãosocial,importantesparaaformãodamemórialiterária
do jovem – exige um tempo que não cabe na disciplina de Língua
Portuguesa, sendo necessário a crião de uma matéria direcionada
especificamenteàeducãoliterária.
Poderíamos,paraconcluirdiferente,dizerdarecepçãodeValéry
emPernambuco,dogrupodeLiteraturaquesereunianoRecifede40
e 50, no Café Lafaiette, para estudar os franceses, cenário de
resistência que imantou o imaginário de Osman Lins em relão ao
projetoliteráriodeValéryesuasconcepçõesdepoesia.Arecepçãode
Valéryédesumaimportâncianaliteraturapernambucana.
NãobastassecitarJoãoCabraldeMeloNetoeopróprioOsman
Lins,paratermosumaidéia,em1926,quandoValéryentravaparaa
Academia Francesa, a
Revista Pernambucana
publicava os
pensamentos do Cahier B, 1910. Uma frase de Valéry nesse jornal
chamaaatençãoportratardeumdosassuntosrelacionadosaotema
182
de nossatese, nela,oideal literáriode colocarsobre umapágina, o
leitor.Eisumgérmenparainvestigõesfuturas.
Muitas conclusões são sem fim, não se demarca o término e
comodeumamor,nemdeumaidéia.Deixamosatesecomportas
abertas.Convidamososleitoresavisitarosesposfacesdosautores
mencionados,convitesempressa,feitocomvida,aindaquenarápida
disposão,concisa,dessaspáginas.Oquefizemosnessetranscorrer
nosdeuumrastro delevespegadas,cabeaoleitorrepisálasedar
lhesrelevo.Háquesedizerdavontadedenãoterminarparanãominaro
objeto de estudo mimetizado, otexto em processo é sempre um fanalpra
novascombinões.
183
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