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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS
PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E
SUSTENTABILIDADE
LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO
Campos dos Goytacazes - RJ
Julho/2006
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LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO
DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E
SUSTENTABILIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Políticas Públicas e
Processo, na Faculdade de Direito de
Campos/RJ, como requisito à obtenção
do título de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Miriam Fontenelle
Campos dos Goytacazes - RJ
Julho/2006
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LÍVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO
DESERTIFICAÇÃO, GOVERNANÇA E
SUSTENTABILIDADE
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Políticas Públicas e
Processo, na Faculdade de Direito de
Campos-RJ, como requisito à obtenção
do título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. João Ricardo Dornelles
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/Rio
_____________________________________________
Prof. Dr. Florian Hoffman
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/Rio
_____________________________________________
Orientadora: Profª.Drª. Miriam Fontenelle
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Campos dos Goytacazes - RJ, 07 de julho de 2006.
DEDICO ESTE TRABALHO
Ao Washington (pai) pela força e apoio incondicional.
À Rita de Cássia (mãe) pela confiança, tranqüilidade e
intuição.
À Terezinha (avó), meu amor e minha vida!
À Larissa (irmã querida) pela energia e alegria de
sempre.
À Michelle, grande amiga e parceira nas pesquisas do
mestrado.
À Nívia, amiga fiel.
A toda a família, amigos e amigas que, de longe ou
perto, torceram bastante por mais esta vitória.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram
para a minha constante formação acadêmica, mormente
aos mestres e doutores que, com suas pesquisas
científicas, permitiram a realização deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Leonardo Greco pela atenção especial,
inspiração em relação ao tema escolhido e incentivo
durante a pesquisa.
Ao Prof. Dr. João Ricardo Dornelles pela espiritualidade
e cuidado que teve comigo durante o curso de mestrado.
Consigno aqui um agradecimento especial à Profª. Drª.
Miriam Fontenelle pela amizade, temperança, respeito e
ensinamentos a mim oferecidos durante a orientação
deste trabalho, e, principalmente pela paciência em,
inúmeras vezes, atender-me quando precisei.
EPÍGRAFE
“Nós da sociedade civil, mobilizada desde o mês de
agosto através da Articulação no Semi-Árido; nós que,
nos últimos meses, reunimos centenas de entidades
para discutir propostas de desenvolvimento sustentável
para o semi-árido; nós dos Sindicatos de Trabalhadores
Rurais, das Entidades Ambientalistas, das Organizações
Não Governamentais, das Igrejas Cristãs, das Agências
de Cooperação Internacional, das Associações e
Cooperativas, dos Movimentos de Mulheres, das
Universidades; nós que vivemos e trabalhamos no semi-
árido; nós que pesquisamos, apoiamos e financiamos
projetos no Sertão e no Agreste nordestinos, queremos,
antes de mais nada, lançar um grito que não temos
sequer o direito de reprimir: QUEREMOS UMA
POLÍTICA ADEQUADA AO SEMI-ÁRIDO!”
Declaração do Semi-árido (ASA - Brasil)
RESUMO
A presente pesquisa tem por fim a análise da degradação ambiental, conhecida
como desertificação, suas causas e seu impacto sobre o homem. A partir do
reconhecimento mundial do problema, vários documentos internacionais foram
elaborados, com ênfase ao combate desse fenômeno, tais como: o “Plano das
Nações Unidas de Combate à Desertificação”, a “Agenda 21” e a “Convenção
Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou
Desertificação, particularmente na África”. No Brasil, a desertificação atinge,
principalmente, a Região Nordeste. Assim, o governo brasileiro ratificou a
convenção internacional e, conforme a orientação dada nesse acordo, preparou a
sua própria Política Nacional de Controle da Desertificação. Tendo em vista a
necessidade de envolvimento da sociedade civil na formulação, execução e
controle dos programas de combate à desertificação, este estudo ocupou-se em
demonstrar a doutrina jurídica que destaca a dimensão participativa do conceito
de “Estado Democrático de Direito”. E, finalmente, o Zoneamento Ecológico-
Econômico, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei
6.938, de 31 de agosto de 1981, foi examinado e apontado como instrumento
imprescindível para a adequação da utilização dos recursos naturais, nas regiões
afetadas ou suscetíveis à desertificação.
Palavras-chave: Desertificação; Plano das Nações Unidas de Combate à
Desertificação; Agenda 21; Convenção Internacional de Combate à Desertificação
nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação, particularmente na África;
Política Nacional de Controle da Desertificação; Sociedade Civil; Zoneamento
Ecológico-Econômico.
ABSTRACT
The research presented in the next pages aims at the analysis upon the
environmental destruction, its causes and its impacts over the human beings.
Having the known environmental degradation phenomenon as an important issue
that concerns the whole world, many international moves have been developed
emphasizing the mentioned problem, as the following listed ones: The Plan of
Action to Combat Desertification, The Earth Charter and The United Nations
Convention to Combat Desertification in the countries affected by desertification,
most of them in Africa. The fact is that Brazil in not rid of that, since desertification
has focused its roots in the northeast region of the country. In that way the
Brazilian government has ratified an international agreement through which
developed its own National Desertification Control Policy. Having in mind the
necessary involvement of the civil society by formulating, executing and controlling
the desertification control policies, this research tries to show the doctrinal study
about the concept of “Democratic Estate of Law”. Finally, the Ecological-Economic
Zoning, important instrument in the National Environment Policy, created by the
Brazilian Law nº 6.938, was examined and pointed as a necessary instrument to
regulate the use of natural resources in regions affected or submitted to
desertification process.
Key-words: Desertification; Plan of Action to Combat Desertification; Earth
Charter; United Nations Convention to Combat Desertification in the countries
affected by desertification, most of them in Africa; National Desertification Control
Policy; Civil Society; Ecological-Economic Zoning.
SUMÁRIO
Introdução..............................................................................................................11
PRIMEIRA PARTE:
DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS
1. O reconhecimento do problema em nível mundial.............................................14
2. O conceito de desertificação..............................................................................19
3. As causas da desertificação...............................................................................22
4. O impacto da desertificação sobre o homem.....................................................39
SEGUNDA PARTE:
A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS
5. A I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação................................43
6. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD).............................................................................................................48
7. A Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados
pela Seca e/ou Desertificação, particularmente na África.....................................66
TERCEIRA PARTE:
O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO
8. Introdução ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e à Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA).....................................................................79
9. A construção participativa do Programa de Ação Nacional de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (Pan-Brasil)................................85
QUARTA PARTE:
GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
10. Democracia e Estado de Direito....................................................................102
11. Afinal, o que é democracia?...........................................................................107
12. A democracia participativa ............................................................................119
QUINTA PARTE:
O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE) PARTICIPATIVO
13. O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) e o combate à
desertificação.......................................................................................................140
14. Ordenamento [ordenação] territorial e as justificativas para a sua
implantação..........................................................................................................142
15. Zoneamento, Urbanismo e função social da propriedade.............................147
16. Aspectos conceituais do zoneamento ambiental ou ZEE..............................152
17.O ZEE e a Política Nacional do Meio Ambiente..............................................158
Conclusão............................................................................................................174
Referências..........................................................................................................187
Índice Geral..........................................................................................................193
Introdução
A partir da década de 1970, a desertificação chamou a atenção mundial,
pois, entre as importantes degradações ambientais que estão afetando os países
que possuem regiões áridas, semi-áridas e subúmidas secas, tal fenômeno
visivelmente constitui a maior ameaça.
A despeito de o problema ter sido reconhecido em amplitude mundial e,
desde 1977, ano em que foi celebrada a “I Conferência das Nações Unidas sobre
Desertificação”, houver sido praticados planos de ação e combate ao fenômeno,
há de se considerar que a desertificação está, ativamente, em marcha.
Em 1991, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PNUMA informou que a aplicação de recursos e a reversão dos processos de
desertificação haviam sido bastante modestos. Oportunamente, sugeriu-se a
elaboração de uma Convenção das Nações Unidas, especificamente para tratar
do tema, ela foi acordada em 17 de junho de 1994, data que ficou marcada como
o “Dia Mundial da Luta contra a Desertificação”.
O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da
Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por
Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, em 25 de junho de
1997, passando a vigorar, para o Brasil, em 24 de setembro de 1997.
A primeira parte deste trabalho é inteiramente dedicada à análise da
desertificação. Nesse sentido, procurou-se demonstrar a evolução do problema, o
conceito de desertificação, assim como as causas e conseqüências mais
admitidas para o fenômeno.
A segunda parte da pesquisa ocupou-se, cronologicamente, dos
documentos internacionais direcionados ao tema. Assim, foram examinados: o
“Plano de Ação das Nações Unidas para Combater a Desertificação”, que expõe
programas com a finalidade de impedir o avanço do processo, recuperar as áreas
desertificadas para o uso produtivo e garantir o desenvolvimento sustentável das
regiões propensas ao fenômeno; a “Agenda 21”, que se dirige, na II Seção,
capítulo 12, aos programas de manejo dos ecossistemas frágeis, dando ênfase à
luta contra a desertificação e a seca; e, finalmente a “Convenção Internacional de
Combate à Desertificação nos Países Afetados pela Seca e/ou Desertificação,
Particularmente na África”, que trouxe a definição de termos, objetivos e
princípios, além das obrigações das Partes que convivem com o problema.
A terceira parte deste estudo mostra o problema no Brasil, e as políticas
nacionais adotadas para o seu controle. Nesse âmbito, foi abordada a Resolução
CONAMA, de 22 de dezembro de 1997 e o Programa de Ação Nacional de
Combate à Desertificação (PAN-Brasil), finalizado em 2004.
Tendo em vista o destaque dado, em todos os documentos
supramencionados, à necessidade da participação pública ativa na formulação,
execução e controle dos programas a serem implementados, no combate à
desertificação, precisou-se trazer à baila os argumentos, doutrinariamente
embarcados na concepção de “democracia participativa”, que confirmam a
atuação do Estado, de seus agentes e cidadãos, na forma sustentada pelos
documentos analisados.
Assim, a quarta parte, desta investigação, traça uma abordagem sobre o
“Estado Democrático de Direito” e o novo paradigma da gestão da coisa pública,
no qual a democracia passa a ser concebida enquanto “espaço de debate
blico”. Salientou-se, sobretudo a participação popular em questões ambientais,
uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 abriu uma
brecha que legitima legalmente a participação da sociedade civil, ao reconhecer o
direito que têm os cidadãos ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, bem
como o dever do Poder Público e da coletividade de defender e preservar o meio
ambiente para as presentes e futuras gerações.
Por fim, a quinta parte faz a conexão entre o Zoneamento Ecológico
Econômico ZEE e o problema da desertificação. Como instrumento da Política
Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981,
recepcionada pela CRFB de 1988, o ZEE, foi, posteriormente regulamentado pelo
Decreto do Executivo 4.297, de 10 de julho de 2002. Nessa perspectiva, este
trabalho se assentou no exame desse instrumento, identificando conceitos e
legislação aplicáveis. Ademais, coube demonstrar a correlação e coordenação do
ZEE com outros instrumentos da política, particularmente a Avaliação Ambiental
Estratégica AAE e o Licenciamento Ambiental.
PRIMEIRA PARTE: DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E
CONSEQÜÊNCIAS
1. O reconhecimento do problema em nível mundial
No início do século XX, o mundo necessitava do trigo e pagava um bom
preço por ele. Os fazendeiros do meio-oeste americano aravam e plantavam o
trigo como nunca, principalmente após a colheita fenomenal de 1926. Devido ao
clima seco, tais fazendeiros buscaram expandir a agricultura em mais terras,
visando a um maior lucro, não demonstrando qualquer preocupação com a
ocorrência de danos ao solo.
1
Em 1930, em meio à grande depressão, os povos das grandes planícies
do meio-oeste americano temeram o fim do mundo, vez que a terra se encontrava
demasiadamente ressecada e, no verão, registravam-se as mais altas
temperaturas. Desde então, grandes tempestades levantavam o solo frouxo,
formando uma cortina de poeira que circulava pelos campos e destruía a lavoura
de trigo que ainda resistia à seca.
2
Paul Bonnifield
3
relata que no domingo, 14 de abril de 1935, “o dia estava
morno e agradável, quando:
[...] uma brisa delicada choramingou fora do sudoeste. De
repente uma nuvem apareceu no horizonte. Os pássaros voaram
rapidamente, mas não rápido o bastante para a nuvem que
viajava a sessenta milhas por hora. Este dia, que muitos povos
da área recordam prontamente, foi nomeado „domingo preto‟.
No dia seguinte à tempestade, Robert Geiger, um correspondente
associado à imprensa, criou o termo Dust Bowl para enquadrar “uma área de
aproximadamente 388.500 quilômetros quadrados, que inclui Oklahoma, uma
longa e estreita faixa do Texas e trechos vizinhos ao Colorado, Novo México e
Kansas”.
4
O termo vingou e passou a ser utilizado para descrever a combinação
trágica entre a degradação do solo e as extremidades climáticas que ocorrem nas
grandes planícies do meio-oeste americano.
5
Esse acontecimento motivou os cientistas a iniciarem um conjunto de
pesquisas, denominando tal processo como desertificação e, ainda hoje, muitos
1
MACINTOSH, Phyllis. DESERTIFICATION: Earth's Silent Scourge. Texto publicado em 2004. Disponível em:
<http://usinfo.state.gov/products/pubs/desertific/experience.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2006.
2
MACINTOSH, Phyllis. DESERTIFICATION: Earth's Silent Scourge. Texto publicado em 2004. Disponível em:
<http://usinfo.state.gov/products/pubs/desertific/experience.htm>. Acesso em 10 de janeiro de 2006.
3
BONNIFIELD, Paul. 1930’ Dust Bowl. In: Excerpts from The Dust Bowl, Men, Dirt and Depression. Disponível em
<http://www.ptsi.net/user/museum/dustbowl.html>. Acesso em 11 de janeiro de 2006.
4
Id. Ibid.
5
MACINTOSH (2004). Op. cit.
especialistas consideram o America’s Dust Bowl, o exemplo clássico de como o
mau uso da terra, agravado pela seca, pode transformar o solo produtivo em
poeira.
6
O termo desertificação foi primeiramente usado por um francês chamado
Aubréville, em 1949, ao descrever a sua percepção sobre a expansão do deserto
do Saara para as regiões de savanas.
7
Em 1973, a região do Sahel, uma zona de transição para os climas
tropicais, situada na África, precisamente à margem sul do Saara, havia sofrido
cinco anos ininterruptos de seca.
A grande seca do Sahel, que começou em 1968, foi atribuída
principalmente à baixa precipitação da chuva, vez que, na normalidade se atingia
anualmente o índice de 284 mm, e, naquela ocasião o índice foi muito abaixo da
média, registrando somente 122 mm. Nos anos seguintes, o imprevisível
comportamento do tempo oscilava, aque, em 1972, foi registrado o pior índice
de precipitação anual, 54 mm. Em 1973, o cenário, que apresentava um
espetáculo de “vastas migrações e campos de refugiados”, chamou a atenção
mundial e serviu como estímulo para o apelo das Nações Unidas à cooperação
internacional no combate à desertificação, incluindo a convocação de uma
conferência internacional sobre o tema, à qual foi submetido um plano de ação.
8
6
Id. Ibid.
7
____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997.
p. 08.
8
____________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 13-14. Nesta obra, exprime-se que a
situação do Sahel, no quinto ano de seca, era a mais crítica possível, sendo assim descrita: “O Lago Chade esteve
reduzido a um terço da sua dimensão normal e nada significava como reservatório de água. No inverno precedente, os
rios Niger e Senegal não haviam extravasado, o que fez com que grande parte da melhor terra agrícola de cinco países
(Nigéria, Mali, Alto Volta, Senegal e Mauritânia) permanecesse seca e estéril. As faltas de chuva significaram a perda de
valiosas pastagens anuais do Sahel do Norte, tal como se mostra no estudo do caso do Niger; à medida que a seca
continuava e a reserva de água ficava mais exaurida, generalizava-se a morte dos arbustos e árvores com valor alimentar,
iam secando os poços superficiais estacionais em grande parte do Sahel, restringia-se a exploração das pastagens até
alcançar nível crítico. Gado esfomeado e enfraquecido concentrava-se em redor dos bebedouros, e ali destruía totalmente
a vegetação e o solo, ou então, deslocava-se para o sul na tentativa frequentemente infrutífera de procurar pastagens.
Deixava atrás de si uma paisagem nua, a cozer ao sol, na qual surgiam e tendiam a ligar-se entre si trechos de desertos
recentemente criados, dando a impressão de que o grande deserto do Sahara estava a caminhar para o sul. Mais ao sul,
os agricultores eram atingidos por um estado similar de seca, que causava sucessivos fracassos das colheitas, o que fazia
O mundo se deparou com uma série de perguntas não respondidas. A
seca do Sahel era a evidência de mudanças maiores no clima global? O Saara
estava expandindo para o sul? Que implicações isso teria para os países
diretamente envolvidos? Para seus vizinhos? Para a comunidade internacional?
O que poderia ser feito para amortecer o impacto, ou para impedir mudanças
desastrosas?
9
Atento ao aspecto geral das informações que estavam disponíveis, e,
tendo em vista o exemplo da África, Heitor Matallo Junior
10
afirmou que:
[...] no caso africano, a sedentarização das populações antes
nômades, mudanças nos modelos de exploração tradicional dos
recursos naturais, a estruturação de um mercado demandante de
produtos agrícolas em zonas áridas, os desmatamentos para a
produção de energia e incorporação de novas terras ao processo
produtivo, associadas aos problemas da pobreza da população,
formam o complexo conjunto de causas básicas dos processos
de desertificação.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar que, não obstante o
reconhecimento mundial do problema da desertificação ter surgido com a questão
africana, o fenômeno havia sido apontado como um fator de declínio de
civilizações muito antigas, como foi o caso das terras de regadio dos Sumérios e
Babilônicos, nas quais, devido à insuficiência de drenagem, a produtividade
agrícola foi destruída como conseqüência dos sais concentrados.
11
Não possibilidade de se quantificar exatamente a área total de terras
degradadas devido à utilização pelo homem, desde quando a agricultura se
desaparecer as tradicionais pastagens dos retolhos. As reservas regionais de alimentos estavam exaustas e todos os
sistemas sahelianos de criação de gado se encontravam em ruptura completa”.
9
UNITED NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New
York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março
de 2006.
10
MATALLO JUNIOR, Heitor. Desertificação. 2.ed. Brasília: UNESCO. 2003. p. 09.
11
Outros exemplos desse entendimento são: a seca prolongada que danificou a base agrícola dos Harapanos, quando
estes haviam erguido uma civilização primitiva onde atualmente é o Paquistão, e a verificação de que o litoral mediterrânico
da África era mais produtivo no tempo dos Romanos do que nos dias de hoje. Conforme, _________. Desertificação: Uma
visão global. In Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 14.
iniciou. No entanto, alguns peritos sugeriram que a taxa de degradação vem
aumentando significativamente durante as últimas cadas, apontando que ela
equivale, atualmente, a pelo menos 50.000 quilômetros quadrados por ano.
12
É importante a constatação que se a partir da compreensão pelo
homem de que a desertificação está a acelerar, para que este se dedique mais às
pesquisas quanto a esse tema. No entanto, mesmo que o conhecimento do
fenômeno em si não seja algo tão novo, o reconhecimento da desertificação como
um problema global é o recente que nem mesmo a palavra “desertificação”
figura nos dicionários. Por isso, muita controvérsia ainda a respeito do seu real
significado.
13
Os dados que explicitam a situação mundial pertinente aos processos de
desertificação indicam que tais problemas incidem sobre 33% da Terra, onde
vivem aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, número que corresponde a 42%
da população mundial.
14
Por outro ângulo, a região subsaariana, que comporta mais de 200
milhões de habitantes, apresenta o problema de maneira mais acentuada, pois ali
cerca de 20% a 50% das terras já estão degradadas. Entretanto, a degradação do
solo também é severa em regiões da Ásia e da América Latina, sendo que, nesta
última, mais de 516 milhões de hectares são afetados pela desertificação, com
um cálculo de perda anual de 24 bilhões de toneladas de camada arável do
solo.
15
12
Id. Ibid., p. 14.
13
_________. Desertificação: Uma visão global. In Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 14.
14
ADAMS, C. R.; ESWARAN, H. Global land resources in the context of food and environmental security, apud, GAWANDE,
S. P. Advances in Land Resources Management for the 20 th Century. New Delhi: Soil Conservation Society of India. 2000.
p. 35-50. Disponível em: <http://www.fao.org/ag/agl/agll/lada/emailconf.stm>. Acesso em 21 de outubro de 2005.
15
FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). A new framework for conservation-
effective land management and desertification control in Latin America and Caribbean Guidelines for the preparation and
implementation of National Action Programs. Rome: FAO. 1998. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/W9298E.htm>.
Acesso em 21 de outubro de 2005.
2. O conceito de desertificação
Segundo Francisco Mañas
16
, desertificação é um vocábulo que vem
sendo utilizado, pela comunidade científica desde, pelo menos, 1949, quando
Aubréville publicou um livro com o título Clima, Bosques y Desertificación en el
África Tropical”.
Rubio
17
atesta que se trata de um termo complexo, bastante
controvertido, freqüentemente utilizado de forma errônea e, devido à imprecisão
do seu significado, de difícil conceituação.
Em contrapartida, conforme Ibáñez
18
, pode-se dizer que é um termo
bastante intuitivo, podendo ser objeto de tratamento em estudos, sem
necessariamente ter de dar conta do seu significado estrito.
Na verdade, o fenômeno da desertificação varia muito de acordo com o
grau de desenvolvimento, conhecimento científico, cultural, econômico e social
das populações afetadas, por conta disso, já foram formuladas mais de cem
definições, porém nenhuma caracteriza plenamente o processo de degradação e
conseqüentemente, nenhuma tem aceitação universal.
19
Heitor Matallo Júnior
20
afirma que “a idéia de „degradação da terraé ela
mesma uma idéia complexa, com diferentes componentes”. Sendo estes os
componentes confirmados: a) degradação de solos, b) degradação da vegetação,
c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da qualidade de vida da
16
MAÑAS, Francisco Martin de Santa Olalla. El riesgo de desertificación. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-
Prensa Libros S. A. 2001. p. 18.
17
RUBIO, J. L. Desertificación. Un término complejo. Quercus. 1992. p. 20-21.
18
IBAÑEZ, J. J. et al. Los geosistemas mediterráneos en el espacio y en el tiempo. In: La evolución del paisaje
mediterráneo en el espacio y em el tiempo. Implicaciones en la desertificación. Logroño: Geoforma Ediciones. 1997. p. 27-
130.
19
MAÑAS (2001). Op. cit. p. 18.
20
MATALLO JUNIOR, Heitor. Indicadores de Desertificação: histórico e perspectivas. Brasília: UNESCO. 2001. p. 24.
população. Depreende-se que todos eles dizem respeito a áreas específicas de
conhecimento, tratando-se, respectivamente, de componentes físicos, biológicos,
hídricos e socioeconômicos. Mais ainda, nas palavras de Heitor Matallo Junior
21
,
“as áreas de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradição
de pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particulares e
adequadas a seus objetos de estudo”. Portanto, infere-se que não a menor
possibilidade de sobrepor uma área à outra.
O problema que convém ressaltar é que como o objeto, desertificação,
ainda não foi suficientemente delimitado, não como atribuí-lo a um programa
de pesquisa específico. Nas palavras de Matallo Júnior
22
, “o que tem ocorrido é o
desenvolvimento do tema no contexto dos programas setoriais, ou segundo os
diferentes paradigmas já estabelecidos”.
No entanto, a definição de desertificação mais amplamente admitida foi
formulada por ocasião da “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento” CNUMAD -, que foi realizada no Rio de Janeiro,
Brasil, entre 03 e 14 de junho de 1992, e da “Convenção das Nações Unidas
sobre o Combate à Desertificação” UNCCD -, acordada em 17 de junho de
1994.
Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas
consolidaram um importante documento internacional de proteção ao meio
ambiente a Agenda 21 -, que será analisada em capítulo próprio. Entretanto, é
importante aqui reproduzir alguns termos do capítulo 12 da referida agenda, posto
que, se refere diretamente ao “Manejo de ecossistemas frágeis: a luta contra a
desertificação e a seca”, trazendo como marco o conceito de desertificação, que
21
MATALLO JUNIOR, Heitor. Indicadores de Desertificação: histórico e perspectivas. Brasília: UNESCO. 2001. p. 25.
22
Id. Ibid., p. 26.
assim fica entendida como “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e
subúmidas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas
e de atividades humanas”.
A UNCCD, em seu primeiro artigo, que, por sua vez, cuida das definições
dos termos utilizados ao longo da Convenção, repetiu o conceito de desertificação
apresentado na Agenda 21, não deixando dúvidas sobre a concordância com a
definição que estava colocada no referido documento. No entanto, a
Convenção delineou o que pode ser entendido por degradação do solo ou da
terra, assim dispondo:
[...]
f) Por degradação da terra entende-se a redução ou perda, nas
zonas áridas, semi-áridas e sub-úmidas secas, da produtividade
biológica ou econômica e da complexidade das terras agrícolas
de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens
naturais, das pastagens semeadas das florestas e das matas
nativas devido aos sistemas de utilização da terra ou a um
processo o combinação de processos, incluindo os que resultam
da atividade do homem e das suas formas de ocupação do
território, tais como:
I. a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água;
II. a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas
ou econômicas do solo, e
III. a destruição da vegetação por períodos prolongados.
[...]
Mesmo que o conceito presente nos documentos internacionais seja
descrito de forma genérica, a desertificação incorpora um significado universal no
sentido de ser reconhecida como um processo degradador em nível global que
necessita ser combatido.
Equivalente à conceituação trazida pelos documentos acima citados é o
entendimento de Mañas
23
, quando assevera que desertificação é:
un proceso complejo que reduce la productividad y el valor de los
recursos naturales, em el contexto específico de condiciones
23
MAÑAS (2001). Op. cit. p. 18.
climáticas áridas, semiáridas y subhúmedas secas, como
resultado de variaciones climáticas y actuaciones humanas
adversas.
Nesse sentido, a desertificação, numa visão puramente agronômica,
pode ser considerada como uma diminuição da produtividade dos solos, como
resultado do uso e gestão inadequados dos recursos naturais em territórios
fragilizados pelas condições climáticas adversas. Nas palavras de Mañas
24
es
un conjunto de procesos o manifestación de fenómenos implicados em el
empobrecimiento y degradación de los geoecosistemas terrestres por impacto
humano”.
Não obstante a visão ampla admitida nesta pesquisa, não custa
evidenciar que não se trata de um problema meteorológico ou ambiental somente,
mas sim de uma ruptura do equilíbrio entre o meio ambiente e o sistema de
exploração humana, ocasionada por uma crise climática, socioeconômica e
ambiental que, por sua vez, desencadeia um novo processo de degradação,
dificultando ou impedindo a conservação do solo, imprescindível para o
desenvolvimento sustentável.
Logo, a desertificação pode ser apontada como uma patologia ambiental
complexa, fruto de um processo composto por múltiplos fatores, que se inter-
relacionam e integram diversas áreas de conhecimento.
3. As causas da desertificação
Foi assinalado, no capítulo anterior, que os processos de degradação são
os mecanismos responsáveis pela diminuição da qualidade do solo, sendo que
24
MAÑAS (2001). Op. cit. p. 19.
tais processos normalmente são agrupados em degradação física, química e
biológica. Entretanto, vale dizer que Joan Carles Colomer Marco e Juan Sánchez
Díaz
25
consideram que esta distinción resulta un tanto arbitraria y poco
satisfactoria, puesto que, muy frecuentemente, se producen de manera
simultánea”.
De fato, o solo constitui um sistema dinâmico e complexo em que vários
componentes interagem. Mas, a despeito de não haver um método
universalmente válido para identificar a desertificação, bem como, suas causas,
não se devem desconsiderar os estudos pré-existentes sobre os possíveis
diversos fatores que incidem concomitantemente sobre o fenômeno, mesmo que
tais estudos reflitam um somatório de metodologias.
Assim, Marco e Díaz
26
afirmam que procesos como la erosión,
salinización, lixiviación, acidificación, etc., son procesos que de forma natural se
están produciendo, sin que requieran la intervención humana”, porém, esses
mesmos processos, quando acelerados ou induzidos por atividades humanas,
causam degradação ou desertificação.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FAO - enumera genericamente os fatores responsáveis pela maior severidade da
desertificação, identificando-os como: a) O rigor das condições climáticas durante
um período considerado, em vista de critérios de precipitação anual; b) A pressão
populacional e o padrão de vida das pessoas envolvidas; e c) O nível de
desenvolvimento do país e a qualidade de medidas preventivas adotadas.
27
25
MARCO, Joan Carles Colomer; DIÁZ, Juan Sánchez. Agricultura y procesos de degradación del suelo. In: Agricultura y
desertificación. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p.112.
26
Id. Ibid., p.112.
27
FOOD AND AGRICULTURE OF THE UNITED NATIONS (FAO). Symposium on land degradation and poverty. Rome:
FAO/International Fertilizer Industry Association (IFA). 2000. p. 03. Disponível em:
<http://www.fao.org/docrep/X5317E/x5317e00.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2005.
Todavia, existe a necessidade urgente de se atuar para combater a
desertificação, vez que se trata de um processo dinâmico, tendo sido
constatado que a desertificação pode alimentar-se a si e tornar-se auto-
acelerada
28
. Assim, o atraso no combate ao processo de degradação torna a
recuperação do solo excessivamente dispendiosa, podendo chegar a um limiar de
degradação irreversível. Por conseguinte, faz-se imprescindível apresentar as
causas específicas, mais admitidas para esse fenômeno, mesmo que
relacionadas com diferentes áreas.
Convém salientar que as causas da desertificação foram destacadas de
vários estudos interdisciplinares que, outrora, resultaram em um dossiê voltado à
preparação da Conferência de Nairóbi em 1977 e no posterior plano de ação
global para combater o fenômeno.
3.1. Ação dos fatores climáticos no processo de desertificação
Muito embora o homem seja considerado o principal aparelho de
desertificação, o conhecimento do processo não deve limitar-se exclusivamente
ao lado humano. fatores naturais relevantes para a identificação das áreas
suscetíveis à desertificação, dentre os quais o clima é preponderante.
Em escala global e regional, as zonas áridas são definidas a partir de
critérios de drenagem, tipos de vegetação e características climáticas.
29
Esses
aspectos influenciam o meio ambiente ao ponto de gerar limitações às atividades
humanas.
28
____________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.23.
29
____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997.
p. 02.
Assim, a aridez pode ser simplesmente definida como um déficit de
umidade devido às circunstâncias climáticas, o qual configura a base para a
designação das regiões em que ocorre a desertificação.
30
A falta de umidade devido às condições climáticas adversas pode ser
observada a partir de quatro situações. A primeira tem em vista a estabilidade
atmosférica que incide, por exemplo, nos desertos tropicais, visto que o ar
subsidente é relativamente seco. A segunda é denominada “continentalidade”,
onde a distância dos oceanos inibe a penetração dos ventos úmidos. A terceira,
por sua vez, é a “topografia”, quando as montanhas formam uma barreira às
nuvens de chuva. E, finalmente, a quarta situação advém das correntes oceânicas
frias que contribuem para a existência de zonas desertas litorâneas, uma vez que,
provocam a redução da evaporação.
31
A intensidade do índice de aridez varia de região para região em razão
dos diferentes níveis de ficit de umidade. na comunidade científica uma
aceitação da nomenclatura utilizada por Thornthwaite (1948) e Meigs (1953).
32
Para esses autores, as áreas subúmidas secas caracterizam-se pelo
potencial de evapotranspiração variável entre 0,5 e 0,65. Assim, configurada
uma precipitação sazonal, ou seja, sujeita à estação. Tais áreas se mostram
bastante suscetíveis à degradação, pois a precipitação sazonal implica em
períodos de extrema seca. Além disso, a agricultura é amplamente praticada
nessas áreas, o que realça a probabilidade de degradação. As áreas semi-áridas
retratam-se pelo potencial de evapotranspiração variável entre 0,20 e 0,50. Trata-
se de regiões que propiciam a pastagem, para que aparentemente são
adequadas, porém obviamente ficam prejudicadas pelo alto déficit de umidade.
30
____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997.
p. 02.
31
Id. Ibid., p. 05
32
Id. Ibid., p. 05.
Nas áreas áridas, os índices de evapotranspiração assumem valores entre 0,05 e
0,2. São regiões onde o pastoreio é possível, mas muito precário, tendo em vista
a variabilidade climática. Por fim, as regiões hiperáridas que se configuram pelos
índices de evapotranspiração menores que 0,05, são regiões que batem os
recordes de períodos sem precipitação. Nelas se localizam os verdadeiros
desertos.
33
Contudo, vale dizer que há uma diferença entre os desertos extremos
e as áreas propícias à desertificação.
Em 1992, a UNEP Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente -, publicou no Mapa Mundial de Desertificação a indicação das cinco
principais cinturas de deserto: 1) O deserto de Sonora do México norte-ocidental e
a sua continuação até às bacias de deserto dos Estados Unidos sul-ocidentais; 2)
O deserto de Atacama, uma estreita faixa litoral a oeste dos Andes, desde o sul
do Equador até o Chile central; 3) Uma vasta cintura desde o Oceano Atlântico
até a China, incluindo o deserto do Saara, o Arábico, do Irã e da U.R.S.S., bem
como o deserto de Rajastão, no Paquistão e na Índia, os desertos de Takla-
Makan e de Gobi, na China e na Mongólia; 4) O Kalaari e as sua adjacentes
terras áridas, na África do Sul; 5) A maior parte da Austrália.
Saliente-se, como explica Kenneth Hare
34
, que os climas desérticos
colidem severamente com o homem, que a soma da falta de chuva e o excesso
de calor torna a superfície terrestre nos desertos, em grande parte ou
completamente, vazia de vida.
Hare
35
considera como desertas “todas as áreas terrestres, das quais a
vida permanente foi essencialmente excluída por falta de chuva”, assim, para
33
____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP. 1997.
p. 05.
34
HARE, F. Kenneth. Clima e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências . Tradução de Henrique de Barros
e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.124.
35
Id. Ibid., p. 124.
esse autor, “o povoamento de tais áreas está essencialmente confinado a oásis
ribeirinhos ou de águas subterrâneas”.
Constatou-se que o declínio da produtividade biológica desertificação
se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas, semi-áridas e
subúmidas secas. No entanto, cumpre assinalar que os próprios desertos
extremos, hiperáridos, não estão sujeitos a posterior degradação, visto que já não
apresentam potencialidade produtiva.
36
Portanto, pela lógica, as áreas desérticas
estão excluídas da preocupação mundial, no que se refere ao fenômeno da
desertificação.
Ainda quanto à ação dos fatores climáticos, não se pode deixar de
mencionar o estudo feito, em 1996, por Williams e Balling
37
. No livro Interactions
between climate and desertification”, produzido pela World Meteorological
Organization WMO -, esses autores notaram que a desertificação pode afetar o
clima, assim como o clima pode afetar a desertificação.
Ocorre que a mudança climática induzida pelo homem, em escala global,
especificamente pela emissão de gases que provocam o efeito estufa, causa um
enorme impacto nas terras secas, alterando os seus regimes climáticos. Por outro
lado, as ações humanas, nessas regiões, alteram a natureza de sua superfície,
fato que, também afeta o contrapeso de energia da atmosfera e a ocorrência de
precipitação, provocando mudança climática.
38
36
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p.17.
37
WILLIAMS, M. A. J.; BALLING, R. C. Interactions between desertification and climate. London: Edward Arnold. 1996,
apud ____________. Climatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP.
1997. p. 08.
38
Id. Ibid., p. 08.
3.2. A relação entre o homem e um “meio ambiente difícil”
A interação entre o homem e um ambiente difícil pode ser explicitada por
meio dos sistemas de vida adotados em ecossistemas secos. Nesse contexto,
reflete-se a premissa de que o Homo sapiens é, genética e
comportamentalmente, mais adaptável ao seu ambiente do que qualquer outro
animal.
39
Isso se a partir dos profundos conhecimentos humanos das ecologias
locais que fundamentam estratégias mais destras do que seriam capazes outros
animais. Exemplo é o fato de que a mobilidade e o conhecimento do terreno
permitem explorar locais com chuvas apenas ocasionais.
40
Assim:
São eles capazes de se dispersarem para explorar recursos
muito esparsos, já que não se lhes depara o obstáculo da
propriedade. A sua variada dieta é suficientemente nutritiva para
lhes permitir que sobrevivam mesmo nos piores tempos. Utilizam
o fogo para gerir a sucessão das plantas e atrair a caça às boas
pastagens e a cercarem, embora mantenham sob outros
aspectos uma relação normal entre o predador e presa.
41
Importante ressaltar que a principal peculiaridade da organização social
dos caçadores-coletores é que esses fazem com que o seu número seja
compatível com os limites dos seus recursos. Assim, para Warren e Maizels
42
,
“com a possível excepção do fogo, não parece que estes povos hajam causado
grandes danos à resiliência dos ecossistemas dos quais dependem há milênios”.
White
43
, por sua vez, esclarece que as origens da agricultura e dos
sistemas de criação de gado são controversas, mas, concernente ao início da
39
WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências.
Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 304.
40
Id. Ibid., p. 304.
41
Id. Ibid., p. 304.
42
Id. Ibid., p. 304.
43
WHITE, R. O. Evolution of land use in south-western Asia. In: A history of land use in arid regions. Paris: UNESCO, apud
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 304.
grave alteração do meio ambiente pelo homem, não dúvidas de que ela se
deveu ao uso dessas técnicas.
Especificamente em ecossistemas caracterizados pela riqueza da terra,
o impacto das atividades humanas é bem menos acentuado do que nos
ecossistemas secos, distintos, pois a desertificação é o resultado habitual. Isso
ocorre porque o homem penetra em certos ambientes delicados, como os
agravados pela seca, e neles atua vislumbrando suprir as suas necessidades de
sobrevivência, sem a compreensão das sensibilidades e limitações ambientais do
local.
As duas principais formas de exploração humana das terras secas são: a
pecuária (extensiva ou apascentação de gado) e a agricultura (de sequeiro ou de
regadio).
44
Porém, ao lado das atividades de exploração, não se pode esquecer da
crescente urbanização nos desertos e terras áridas. Segundo Kates
45
:
As cidades e as vilas estão a absorver cada vez mais a
população das terras secas, de modo que a urbanização, embora
ocupando proporção muito pequena da área, tem os seus
próprios problemas ecológicos.
Como todas as cidades, as assentadas em terras secas também exigem
muito das terras circundantes, contribuindo, portanto, com várias formas para a
aceleração do impacto adverso sobre elas. Assim, não se pode desconsiderar a
relação da urbanização com o processo de desertificação.
44
Essas formas são utilizadas desde os sistemas altamente especializados, dependentes de mercados externos, aaos
mais tradicionais que inventaram estratégias e adquiriram aptidão para enfrentar as pressões e os riscos impostos pelos
ambientes áridos. Conforme, _________. Desertificação: Uma visão global. In Desertificação: causas e conseq6uências.
Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 44.
45
KATES, R.W.; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Demographic, Social and Behavioural Review. UNEP. 1976, apud
WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 337.
3.2.1. Pecuária
Os sistemas pecuários, segundo Kates
46
, caracterizam-se pelo “recurso a
animais não estabulados que colhem uma reduzida proporção da vegetação
natural”.
Tipicamente, nesse meio ambiente complexo, os criadores de gado
enfrentam a questão climática de várias maneiras, como, por exemplo,
disseminando o gado em grandes áreas de pastagem de modo tal que a pressão
da apascentação resulte ligeira, tornando-lhes possível o aproveitamento sem
esgotamento dos ecossistemas secos.
47
Ocorre que, ao chegar a seca, observa-se uma natural relutância dos
criadores em reduzir o efetivo de animais possuído durante os anos precedentes,
o que pode dar origem à sobreapascentação, tornando, com isso, bastante
prejudicadas as pastagens afetadas pela seca. Ademais, quando a seca
termina, os criadores não hesitam em explorar as pastagens onde não ocorreu a
regeneração.
48
No mesmo sentido, Antonio Del Cerro Barja e José Manuel Briongos
Rabadán
49
apontam para uma necessidade de demarcação da área que está em
processo de regeneração, expondo que:
El número de cabezas de ganado que puede albergar un
determinado espacio natural es un factor decisivo para la
planificación forestal. En numerosas ocasiones, el ganado es una
herramienta capital para la conservación de los ecosistemas,
sobre todo em los denominados ecosistemas
agrosillvopastorales, si bien la regeneración de las especies
arbóreas exige el acotamiento al ganado em las zonas que tienen
que ser regeneradas.
46
KATES, R.W.; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Demographic, Social and Behavioural Review. UNEP. 1976, apud
WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 46.
47
Id. Ibid., p. 337.
48
Id. Ibid., p. 47.
49
BARJA, Antonio Del Cerro; RABADÁN, José Manuel Briongos. La vegetación natural. In: Agricultura y desertificación.
Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A. 2001. p. 213.
Na opinião de Montoya
50
, em 1987, las dehesas em el momento actual
están muertas como sistema biológico”. Essa crítica feita em relação aos prados
portugueses e espanhóis também conforma para a indiscutível falta de
regeneração que eles têm sofrido, trazendo, como conseqüência, a morte de
ecossistemas. É oportuno acrescer que prados, no dicionário, significam “terrenos
cobertos de plantas herbáceas próprias para pastagem”.
Assim, é particularmente importante observar quando a deterioração
atinge as pastagens, dado que se verifica, segundo Montoya
51
, pelas condições
da vegetação, não somente porque as plantas são a base da pastagem, mas
também porque desempenham papel importante na estabilidade dos
ecossistemas das terras secas.
Há de se ter em vista que as primeiras plantas a serem removidas são as
que pertencem às espécies mais apetitosas, deixando no terreno as menos
apreciadas. Daí, que essas últimas referidas, em períodos de seca, tornam-se
muito valiosas, pois, além de constituírem o único alimento disponível ao gado,
funcionam como “plantas perenes fixadoras do solo”, não podendo ser pastadas
até sua extinção. É notório que a destruição da vegetação somada à pulverização
do solo são efeitos característicos dos locais onde o gado se reúne, tal como no
bebedouro, onde o pisoteio é mais intenso.
52
Corroborando o que foi exposto acima, Andrew Warren e Judith K.
Maizels
53
exprimem que provas da desertificação em relação ao sistema
pecuário, sendo apoiadas na observação direta das próprias pastagens,
50
MONTOYA, J. M. La ordenación forestal de montes de frondosas mediterráneas. In Conservación y desarrollo de las
dehesas portuguesa y española. Ministerio da Agricultura, Pesca y Alimentación, Madrid. 1987, apud BARJA, Antonio Del
Cerro; RABADÁN, José Manuel Briongos. La vegetación natural. In: Agricultura y desertificación. Madrid: Mundi-Prensa
Libros S. A. 2001. p. 214.
51
Id. Ibid., p. 214.
52
Id. Ibid., p. 48.
53
WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências.
Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 280.
especificamente sobre “a composição destas, a estrutura da vegetação por idades
e as freqüências relativas das espécies apetecidas e não apetecidas”.
Nesse ínterim, ecologistas e gestores de explorações pecuárias
procederam a estudos no intuito de avaliar o seu impacto sobre o meio ambiente
em tempos de seca. Conforme Warren e Mayzels
54
, “destes estudos ressalta
usualmente uma imagem negra do estado dos recursos forrageiros do mundo
seco”.
Assim, a partir dos inquéritos efetuados nos Estados Unidos, que
trouxeram um diagnóstico da condição das explorações pecuárias ocidentais,
parece haver um acordo de que os efeitos da sobreapascentação, nos finais do
século XIX e nas primeiras décadas deste século, acabaram por se revelar, como
era inevitável, após as secas do ano 1930.
Nesse sentido, Warren e Maizels
55
indicam, como melhores provas da
existência dos danos sustentados, os estudos em Utah, “onde um exame
cuidadoso mostrou que a seca tivera pouco efeito sobre determinada área não
apascentada, mas que um trecho densamente apascentado sofrera enormes
prejuízos”.
3.2.2. Agricultura
Sem dúvida alguma, a agricultura é tida como a atividade humana de
maior incidência sobre os solos, principalmente a partir da segunda metade do
54
WARREN, Andrew; MAIZELS, Judith K. Mudança ecológica e desertificação. In: Desertificação: causas e conseqüências.
Tradução de Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 280.
55
Id. Ibid., p. 281.
século XX, que foi marcado pela intensificação das práticas agrícolas e do
desenvolvimento tecnológico.
56
Muito se enfatiza a agricultura de sequeiro como método que expõe e
perturba o solo, aumentando o risco de erosão.
57
No dicionário, o termo
“sequeiro” figura como “lugar que não tem a umidade suficiente para auxiliar a
vegetação”. Dessa forma, a agricultura de sequeiro é típica de terras semi-áridas,
nas quais é possível a adoção de técnicas especiais com o objetivo de coletar,
armazenar, proteger e aproveitar todas as gotas de água. As culturas resistentes
à seca geralmente são os cereais, tais como: trigo, cevada, centeio, sorgo e milho
miúdo.
58
Um grande problema ocasionado por esse tipo de agricultura é a
tendência, verificada em sucessivas décadas, em produzir uma única cultura
especializada, isso posto, causa a depleção e ruptura de muitos solos semi-áridos
outrora dotados de excelentes estruturas e fertilidade.
59
Nas regiões semi-áridas do tipo mediterrânico, como o sul da Austrália, a
Província do Cabo, a sudoeste da África do Sul, e partes da Califórnia, que se
caracterizam pela elevada mecanização na produção de cereais para exportação,
a dedicação à monocultura originou a falta de leguminosas nas rotações culturais
e uma virtual ausência de produção pecuária, o que contraria o retorno ao solo da
matéria orgânica. Assim, essa circunstância, aliada à remoção da colheita e do
cobertor vegetal pela ceifa mecânica, fez com que o solo perdesse os seus
elementos nutritivos.
60
56
MARCO et al. (2001). Op. cit. p. 114.
57
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 54.
58
Id. Ibid., p. 53.
59
Id. Ibid., p. 54.
60
Id. Ibid., p. 57.
A agricultura de sequeiro também pode ser trabalhada em ambientes
ligeiramente úmidos ou tropicais. Desse modo, Warren e Mayzels
61
explicam que
“cultivadores indígenas ultrapassaram o problema dos baixos rendimentos dos
campos secos e inférteis recorrendo à agricultura itinerante”. Nesse ponto, vale
lembrar que a agricultura itinerante é característica predominante na região do
Sahel, especificamente no Níger, onde uma área de 12 milhões de hectares cerca
de 8 milhões são cultivados sob esse sistema.
62
Com efeito, os agricultores itinerantes contam com algumas estratégias
para laborar em terras secas onde poucas culturas são viáveis, que, segundo os
autores supramencionados, consistem em:
[...] abater a vegetação não herbácea de pequenas parcelas de
terra, e em recuperar grande parte dos nutrientes minerais (em
especial, o fósforo) nela contidos, quer queimando-a, quer
deixando-a decompor-se no local, mantendo o solo revestido e só
cavando ligeiramente com enxadas.
63
Quando se percebe que as produções estão decaindo, impõe-se
abandonar a terra, deixando-a em pousio
64
por alguns anos seguintes, no intuito
de se restabelecer a sua fertilidade.
65
Essa medida funciona como observam
Warren e Mayzels
66
:
Durante este tempo, as árvores e os arbustos voltam a rebentar a
partir dos toros e extraem nutrientes das camadas profundas do
solo; a vegetação recuperada adiciona detritos ao solo que assim
reconstitui a sua matéria orgânica e o seu teor em azoto; ao
mesmo tempo, as raízes das ervas ligam o solo, fazendo com
que recupere uma estrutura resistente á erosão.
61
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309.
62
BRAUN, H. Shifting cultivation in África (evaluation of questionnaires). In: Shifting Cultivation and Soil Conservation in
Africa. Rome: FAO. 1973, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309.
63
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309.
64
No dicionário o termo “pousio” figura como “repouso periódico, de um ou mais anos, em que se deixam certas terras de
semeadura para recuperarem a fertilidade”, ou então “terreno cuja cultura se interrompeu para esse repouso”.
65
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 309.
66
Id. Ibid., p. 309.
Um ponto negativo, que pode ser observado em regiões semi-áridas
tropicais, como ao sul do Sahel africano, ou na orla do deserto de Rajastão, é que
as savanas arborizadas são geralmente desbravadas pelo fogo, a fim de oferecer
cama às sementes, embora muitas árvores sejam deixadas de pé.
67
Acontece
que, embora as queimadas possam ser úteis no sentido de renovar as ervas e
preparar a cama para as sementes, elas são prejudiciais quando utilizadas
excessivamente e fora do tempo oportuno. Assim, explica-se a assertiva de que
as queimadas podem levar à destruição do mus e à baixa fertilidade, afetar a
estabilidade do solo e as boas relações com a água da camada superficial onde
as sementes germinam.
68
Ademais, em vista das presentes pressões populacionais e da
conseqüente fome de terra que acelera o processo agrícola, o agricultor que
recorre à queimada se vê obrigado a retornar com o plantio no mesmo local antes
mesmo de a terra estar recuperada, passados 15 anos em vez de, por exemplo,
20.
69
À medida que a fertilidade declina, as produtividades das culturas
diminuem e o impacto adverso auto-acelera-se. Acrescente-se que:
Nestas regiões, a pluviosidade, embora localizada, é
freqüentemente intensa, causando a erosão das superfícies
cultivadas, que ficam encharcadas e cuja estrutura é
severamente danificada. Os períodos secos que alternam com a
ocorrência das chuvas cozem a superfície do solo na qual se
formam crostas, atrasando a germinação e desenvolvimento das
sementes.
70
67
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 59.
68
Id. Ibid., p. 59.
69
Id. Ibid., p. 59.
70
Id. Ibid., p. 59.
Como prova da relação entre as culturas de sequeiro e o processo de
desertificação, Warren e Maizels
71
se referem ao declínio da produtividade em
locais do Oriente Médio e do Norte da África, onde houve o alargamento da
monocultura em terras secas impróprias, no período entre 1948 e 1964. Também
os autores citam a observação de Williams, quando esse registra o decréscimo da
produtividade da cultura do trigo na Austrália do Sul até 1900, atribuindo a
redução à baixa fertilidade do solo provocada pelas técnicas de cultivo de
sequeiro.
72
Ao lado da agricultura de sequeiro tem-se o sistema agrícola de regadio
que se distingue por ser uma operação bem mais dispendiosa e que provoca
alterações no regime dos principais ecossistemas solo, água e atmosfera ,
porém também propicia os efeitos indesejáveis da desertificação, por isso requer
uma gestão hábil. É intressante acrescentar que o termo “regadio” figura no
dicionário como “terreno que tem água de rega”.
Em se tratando de agricultura nas regiões áridas e semi-áridas, o regadio,
a forma mais produtiva, ocorre em tal grau que ocupa 13% das terras cultivadas
no mundo. Salienta-se que, embora nem todos os 250 milhões de hectares de
regadio estejam localizados em desertos e terras secas, a maior parte deles, está
ligada à prevalência de condições áridas.
73
São designados pontos favoráveis apoiados pelo sistema de regadio,
visto que a rega fornece água que pode ser usada na beneficiação de terras
desertas, quer porque permite que estas sejam cultivadas, quer porque lava os
71
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 283.
72
WILLIAMS, O. B. The perception of the soil erosion hazard in South Australia. Canberra: Hazard Symposiu. 1976, apud
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 283.
73
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 60. O autor traça uma interessante
comparação entre o regadio e a agricultura de sequeiro aludindo que: “O regadio conduz ao aumento de seis vezes a
produtividade dos cereais e de quatro a cinco vezes a das raízes alimentares. A importância do regadio no
desenvolvimento agrícola é revelada pelo facto de que as terras regadas estão a aumentar à taxa anual de 2,9 ao ano, a
comparar com a de 0,7% para as culturas de sequeiro”.
solos salinizados. Entretanto, alerta-se para que sejam aplicados princípios
eficientes de gestão da água, porque o fracasso ou desperdício desta pode
conduzir à queda da produtividade. Nesse sentido, explica-se que:
A evaporação, o excesso de água e a drenagem inadequada
podem produzir alagamento do solo, o que reduz a produtividade
devido a insuficiente arejamento e a salinização, conduzindo
eventualmente à perda da terra cultivável.
74
Saliente-se, ainda, que sempre que se comete o erro de deixar no solo os
sais solúveis contidos na água de rega, o excesso de evaporação e transpiração
ocasiona salinização e alcalinização. Assim, os resultados mais prováveis
traduzem-se em quedas na produtividade, restrições às escolhas de culturas e,
por fim, em perdas de terras irrigáveis que, em termos monetários, para serem
recuperadas, são muito dispendiosas. Nenhuma outra forma de desertificação é
mais custosa do que essa.
75
Warren e Mayzels
76
lembram que os exemplos mais citados de aumento
de salinização e alagamento aparecem nos grandes esquemas de regadio ao
longo do rio Indus, no Paquistão. As estimativas são inquietantes, posto que, no
total de 15 milhões de hectares de área regada (09 milhões semeados
anualmente), 10 milhões estão afetados desta ou daquela maneira pela salinidade
ou alagamento, e 02 milhões severamente afetados.
Outros dados foram apresentados por Allison
77
no que tange aos danos
ocasionados em determinada área regada nos Estados Unidos. Este pesquisador
calculou que 27% da área regada nesse país estão afetados, de algum modo,
74
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 62.
75
Id. Ibid., p. 60.
76
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 285.
77
ALLISON, L. E.. Salinity in relation to irrigation. 1964, apud WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 285.
pela salinidade, sendo que, apenas entre 1929 e 1939, aproximadamente 400.000
hectares foram inutilizados.
3.2.3. Urbanização
A urbanização acompanha os sistemas de exploração das terras secas
mencionados acima. Os desertos e as terras áridas têm experimentado uma
acelerada urbanização nos últimos 50 anos. Consoante a definição de “urbano”
como aquele que habita na cidade, pode-se dizer que são urbanos 20 a 30 por
cento dos 680 milhões de pessoas que vivem nas terras secas.
78
As comunidades que se formam em terras secas têm impacto direto
sobre o meio ambiente, suscitando questões adicionais atinentes ao processo de
desertificação.
Problemas surgem, por exemplo, das dificuldades com a remoção e
depósitos do lixo, já que este geralmente é depositado nos arredores das cidades,
e sua vigilância não é facilitada. Ressalte-se que esse método é encorajado pela
generalizada atitude segundo a qual a terra deserta é inexaurível e destituída de
valor.
79
Fato é que a remoção pela água dos desperdícios domésticos ou
industriais pouco acontece, devido à insuficiência do seu fluxo. Assim, ocorre a
poluição química e bacteriana dos solos e da água subterrânea, conduzindo aos
inerentes perigos para a saúde.
78
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992. p. 71.
79
Id. Ibid., p. 71.
Outra questão importante é o aumento do consumo de água per capita
com a urbanização. Nesse assunto, Warren e Maizels
80
enfatizam que:
Os sistemas de abastecimento de água às cidades nas áreas
secas vão, freqüentemente, buscar água a aprovisionamentos
subterrâneos que lentamente voltam a encher, e constituem
por isso um risco potencial para a desertificação. A evacuação da
água usada também pode causar problemas ecológicos.
Finalmente, a National Academy of Sciences orienta para o caso de não
existir drenagem conveniente nessas áreas, desse modo, “os esgotos podem
alcançar águas estagnadas e, devido à evaporação, transformarem-se em
soluções concentradas de sais e nutrientes capazes de esterilizar as terras
próximas”.
81
A partir da ocorrência do processo de desertificação nas terras
circundantes, alerta-se para os efeitos que as cidades tendem a suportar, como:
os ventos quentes e as tempestades de poeira.
4. O impacto da desertificação sobre o homem
A desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando,
particularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos
recursos naturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos
os refugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome.
82
Dentro das comunidades, também se verifica a existência de povos mais
afetados do que outros, tendo em vista a distribuição desigual de renda e riqueza.
Desse modo, as conseqüências da desertificação são mais acentuadas para as
80
WARREN et al. (1992). Op. cit. p. 338.
81
NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES. More water for arid lands. In: Promissing Technologies and research
opportunities. Washington D. C. 1974, apud WARREN et al. (1992). Op. cit., p. 338.
82
EVERS, Yvette D. The social dimensions of desertification: Annotated Bibliography and Literature Review. UNEP. 1996.
p.11-14.
mulheres, os idosos e as crianças, que adquirem responsabilidades com o cultivo
nas terras secas, quando os homens saem em busca de outras fontes de renda.
83
Tais grupos também são caracterizados pela fragilidade política, não
possuindo, ainda, um espaço para demonstrar sua habilidade no sentido de
mitigar os efeitos da desertificação.
84
Com efeito, as regiões secas do mundo tendem a estar geograficamente
e politicamente marginalizadas. Isto é devido, em parte, às dificuldades inerentes
à administração que tem de lidar com populações dispersas, ou seja, residentes
em regiões muito distantes, e até mesmo inacessíveis. Ademais, observa-se a
baixa prioridade dada a causa, pelos governos.
Destarte, a falta de iniciativa política destas populações tende a
desanimar o Estado em seus investimentos, como na provisão dos serviços
sociais, tais como saúde e educação. Isto porque não uma compreensão
bastante, para o governo, sobre as características originais das comunidades,
traduzidas pelos sistemas sociais de organização e de produção de alimentos, e,
sobretudo, pelos impactos ambientais subjacentes aos problemas de saúde.
No México, a pobreza nas áreas rurais gravadas pela seca é o maior fator
determinante da migração. Tem-se que 75% dos migrantes mexicanos para os
Estados Unidos saem das zonas rurais áridas. A infertilidade do solo,
conseqüência da desertificação, impede o plantio para subsistência, resultando,
pois, em pobreza e migração.
85
83
EVERS, Yvette D. The social dimensions of desertification: Annotated Bibliography and Literature Review. UNEP. 1996. p.
31-32.
84
Id. Ibid., p. 31-32.
85
SCHWARTZ, Michelle Leighton. Desertification and Migration in Mexico. In: World Atlas of desertification. 2. ed., UNEP.
1997. p. 161.
Sem dúvida, aqui há a necessidade de se fazer uma ponte entre a
questão dos refugiados ou migração forçada, analisada, na maioria das vezes,
pelos sociólogos, e os problemas ambientais, abraçados pelos ecologistas.
As mudanças ambientais, no caso, advindas pelo fenômeno da
desertificação, ocasionam a migração de populações para regiões em que as
condições são economicamente mais favoráveis. Concomitantemente, outros
problemas, étnicos e/ou políticos, surgem, especialmente, quando os refugiados
da seca se deslocam para os grandes centros urbanos. O histórico êxodo rural de
populações rurais para as cidades, atraídas pelos processos de desenvolvimento,
é uma das causas de aumento da periferia e da violência.
Muito embora haja esta percepção, faltam instrumentos legais que
protegem os refugiados dos problemas ambientais. A “Convenção de 1951,
relativa ao Estatuto dos Refugiados” descreve o refugiado como perseguido em
razão de raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas
opiniões políticas”, e que se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e
não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele
país”. Claramente, aquele que foge devido aos problemas ambientais, não está
sob esta definição. Pelo raciocínio extraído da Convenção, o refugiado ambiental
teria proteção se fosse forçado a fugir para outro país em virtude de
repressões (guerras) que poderiam ser geradas por destruição ambiental.
Contudo, vale dizer que não interesse em estender o conceito de
refugiados para aqueles que migram forçadamente por fatores ambientais, visto
que, a maioria dos países receptores pretende, inclusive, restringi-lo. Dessa
forma, a solução recai não em favorecer os povos a migrar-se, mas sim em
combater a degradação ambiental, promovendo o desenvolvimento sustentável.
Eliminar a migração ambiental forçada, por motivo de desertificação, é uma tarefa
política em longo prazo, que envolve uma reformulação das práticas
insustentáveis e uma aproximação da população com as raízes do problema.
SEGUNDA PARTE: A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS
INTERNACIONAIS
5. A I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação
Antes de analisar alguns dos prescritos elaborados após a I Conferência
das Nações Unidas sobre Desertificação, seria útil mencionar o processo pelo
qual foram criados.
A Assembléia Geral resolveu, através da Resolução 3337, XXIX, de 17
de dezembro de 1974, delegar a responsabilidade de preparar o encontro ao
diretor executivo da United Nations Environment Programme UNEP -, na época,
Mostafa Kamal Tolba, que reuniu um grupo formando o Secretariado da
Conferência da ONU sobre Desertificação.
86
Nas palavras de Mostafa K. Tolba
87
:
Tem sido prática das Nações Unidas, ao preparar a
documentação para as conferências mundiais, encomendar uma
série de textos, cada um dos quais respeitante a um aspecto do
tema geral em causa.
Portanto, a recomendação era de que todo conhecimento disponível
sobre desertificação fosse inteiramente disponibilizado. Nesse intuito, o referido
86
GOVERNING COUNCIL. 30 (III) Implementation of General Assembly resolution 3337 (XXIX). In: International co-
operation to combat desertification. Disponível em
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?DocumentID=93&ArticleID=1381&l=en>. Acesso em 11 de
janeiro de 2006.
87
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.
diretor executivo extraiu extensivamente os recursos da comunidade científica
mundial.
Quatro grupos de revisão da comissão, financiados pelo programa de
desenvolvimento da ONU, observaram a relação existente entre a desertificação e
clima, desertificação e mudança ecológica, desertificação e tecnologia e, por fim,
desertificação e a sociedade.
88
Mostafa K. Tolba
89
exprime que “ao procurar cumprir esta directiva,
deparou-se ao Secretariado uma situação curiosa”. Notou-se que as causas da
desertificação já eram conhecidas, assim como as técnicas para impedir o avanço
do processo. Todavia, “todo este saber estava fragmentado entre uma grande
variedade de outras disciplinas: climatologia, agronomia, pecuária, ciência
veterinária, geografia, ecologia, biologia”.
Infere-se que a visão do fenômeno não foi apresentada tendo em vista
um cenário global, mas sim baseada nos processos reais de desertificação
constatados em cada país. Contudo, foi preparado um dossiê que serviu como o
principal documento direcionado aos delegados da Conferência, ressaltando o
tema em quatro assuntos: clima, mudança ecológica, tecnologia e aspectos
sociais.
Emergiu, de todo esse trabalho de perícia, um retrato fascinante da
relação fluida entre a humanidade e a biosfera, ficando evidente que a
desertificação não era um problema só de alguns países.
88
UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New
York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março
de 2006.
89
_________. Desertificação: Uma visão global. In: Desertificação: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de
Barros e Ário Lobo de Azevedo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1992.
Com base em dados climáticos, enfatizou-se que mais de 1/3 (um terço)
da superfície da Terra é caracterizado por deserto ou semideserto, mais ainda,
15% (quinze por cento) da população mundial vivem nessas áreas.
90
Também foi destacado que cerca de 30 milhões de quilômetros
quadrados, correspondendo a 19% da superfície terrestre, estão ameaçados pelo
processo de desertificação, sendo que essa área está distribuída entre mais de
2/3 (dois terços) da totalidade de países do mundo.
91
Finalmente, cerca de 500 delegados de 94 países reuniram-se em
Nairóbi, capital do Kenya, África, de 29 de agosto a 09 de setembro de 1977, para
discutir os problemas da desertificação e elaborar o Plano de Ação para o
Combate à Desertificação.
92
5.1. O plano de ação das Nações Unidas para combater a desertificação
(PACD)
O Plano de Ação para Combater à Desertificação PACD - foi promovido
na ocasião da I Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação.
O objetivo imediato desse Programa é impedir o avanço do processo de
desertificação e, quanto às terras degradadas, se possível, recuperá-las para o
uso produtivo. o objetivo final é garantir a sustentabilidade, dentro dos limites
ecológicos, das terras áridas, semi-áridas e subúmidas, entre outras que se
apresentarem vulneráveis ao processo de desertificação, no intuito de melhorar a
qualidade de vida de seus habitantes.
90
UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New
York: United Nations. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março
de 2006.
91
Id. Ibid.
92
Id. Ibid.
Nesse sentido, a orientação que se é pela promoção de uma
campanha que direcione seus esforços para priorizar o desenvolvimento, a
provisão das necessidades básicas humanas e a produtividade sustentada.
O plano em tela alerta para a relação de interdependência entre o
desenvolvimento, população afetada, tecnologia e produtividade biológica. Diante
das aspirações expressas pelas Nações Unidas em sua carta patente
93
, no
sentido de melhorar a qualidade de vida e prover as necessidades básicas de
todos os povos, todas essas etapas devem estar presentes nos esforços dos
governos para combater a desertificação.
Aspecto relevante, apresentado pelo PACD, é a confirmação de que as
causas da desertificação variam entre as regiões do mundo afetadas, devido às
diferenças em suas características ecológicas e suas estruturas sociais e
econômicas. Por isso, cada região pode requerer uma aproximação distintiva em
relação aos problemas da desertificação. Nesse intuito, o PACD assinalou que a
gerência de recursos naturais roga o uso de métodos específicos para combater a
desertificação, enfatizando que a determinação real das prioridades será dada às
políticas e planos nacionais.
Também se reconhece, no plano de ação da ONU, que os países
afetados, ou com probabilidade de serem afetados pela desertificação, estão em
estágios diferentes, concernente à apreciação dos problemas causados pelo
fenômeno e à habilidade em lidar com eles.
Então, tais Estados deverão igualmente seguir uma determinada
seqüência em seus esforços para combatê-la. Preliminarmente, define-se a
magnitude do impacto do problema e, em seguida, são elaborados e
93
NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas de 26 de junho de 1945. Disponível em: <http://www.onu-
brasil.org.br/documentos_carta.php>. Acesso em 16 de março de 2006.
implementados programas com base no que foi esboçado pelo plano da ONU.
Vale dizer que nos Estados onde os programas foram implementados, deverá
ser feito o monitoramento do seu progresso, bem como a avaliação de sua
utilidade para fins de repasse das informações à comunidade internacional.
Importante recomendação específica é a introdução de uma gestão do
solo aperfeiçoada e eficaz nas áreas sujeitas à desertificação. Nos termos do
PACD, essa boa gestão envolve uma larga escala de medidas sociais,
econômicas, institucionais, técnicas e legislativas. Para tanto, orienta-se que, nas
áreas afetadas ou vulneráveis, a gestão e planejamento do uso do solo sejam
baseados em métodos ecologicamente sadios e introduzidos em conformidade
com a eqüidade social.
5.1.1. O plano da ONU e a participação popular
O Plano da Ação para Combater à Desertificação PACD - indica que a
prevenção e o combate à desertificação dependem da consciência pública e da
participação popular. Assim, nos balizamentos do PACD, as populações deverão
ser envolvidas nas tomadas de decisões que afetam diretamente suas vidas.
Ademais, a participação popular também será um meio importante para se fazer o
uso de experiências e habilidades desenvolvidas pelas comunidades afetadas.
94
Recomenda-se, sobretudo, que a participação popular seja máxima,
favorecendo, desse modo, um exame das reais necessidades e aspirações dos
povos, integralizando-o aos programas de combate à desertificação.
94
UNITES NATIONS CONFERENCE ON DESERTIFICATION (UNCOD). Round-up, plan of action and resolutions. New
York: United Nations, 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em 16 de março
de 2006.
Para tanto, essa recomendação depende do aumento da conscientização
geral sobre o problema e de uma melhor compreensão científica das tecnologias,
sejam elas velhas ou novas, desde que utilizadas pelas comunidades atingidas.
Deverão ser promovidos fóruns e amplos debates públicos, estimulando a
participação popular, especialmente daqueles setores da população que
tradicionalmente tiveram seu papel limitado.
Finalmente, para que isso se torne viável, grupos ou organizações
deverão ser formados, no intuito de visitar as áreas vulneráveis, e, nessa
oportunidade, distribuir publicações ilustrativas de fácil entendimento e,
principalmente, informar a respeito de quando as decisões importantes serão
tomadas.
6. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD)
Em dezembro de 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou
a Resolução 44/228 determinando a realização, até 1992, de uma “Conferência
sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento que pudesse avaliar como os países
haviam promovido a proteção ambiental desde a Conferência de Estocolmo de
1972.
Na sessão que aprovou essa resolução, o Brasil ofereceu-se para sediar
o encontro em 1992. Sobre esse fato, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva
95
acrescenta que:
Numa fase inicial causou espécie o fato de o Brasil haver-se
candidatado a sediar a Conferência, pretensão esta também
manifestada pela Suécia. Os motivos da candidatura podem ser
resumidos a dois: provar aos demais países que o Brasil participa
95
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito Ambiental Internacional: Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e
os desafios da nova ordem mundial. Rio de Janeiro: Thex editora, 1995. p. 35.
das preocupações ecológicas; e aproveitar a oportunidade para
mobilizar no Brasil a opinião pública em todos os níveis da
administração, federal, estadual e municipal, a fim de criar uma
consciência ecológica.
Logo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento CNUMAD - ficou conhecida como “Cúpula da Terra” (Earth
Summit), e marcou-se sua realização para o mês de junho de 1992, de maneira a
coincidir com o Dia do Meio Ambiente (05 de junho).
Dentre os objetivos principais dessa Conferência, destacam-se os
seguintes: a) examinar a situação ambiental mundial desde 1972 e suas relações
com o estilo de desenvolvimento vigente; b) estabelecer mecanismos de
transferência de tecnologias não poluentes aos países subdesenvolvidos; c)
examinar estratégias nacionais e internacionais para incorporação de critérios
ambientais ao processo de desenvolvimento; d) estabelecer um sistema de
cooperação internacional para prever ameaças ambientais e prestar socorro em
casos emergenciais; e) reavaliar o sistema de organismos da ONU,
eventualmente criando novas instituições para implementar as decisões da
conferência.
96
Essa Conferência foi organizada pelo Comitê Preparatório da
Conferência (PREPCOM), que foi formado em 1990 e tornou-se responsável pela
preparação dos aspectos técnicos do encontro. Durante as reuniões do
PREPCOM antecedentes à Conferência, foram preparados e discutidos os termos
dos documentos que seriam assinados em junho de 1992, no Rio de Janeiro.
O PREPCOM foi também importante na medida em que inovou os
procedimentos preparatórios de conferências internacionais, permitindo um amplo
debate político e intercâmbio de idéias entre as delegações oficiais e os
96
FELDMANN, Fabio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA. 1997. p. 16.
representantes dos vários setores da sociedade civil, por meio de entidades e
cientistas. A participação ativa de atores não governamentais nesse processo
demonstrou um indício do seu papel cada vez mais importante em negociações
internacionais.
Finalmente, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento” realizou-se no Rio de Janeiro, entre 03 e 14 de junho de 1992,
contando com a presença de 172 países (apenas seis membros das Nações
Unidas não estiveram presentes), representados por aproximadamente 10.000
participantes, incluindo 116 chefes de Estado. Além disso, receberam credenciais
para acompanhar as reuniões cerca de 1.400 organizações não governamentais e
9.000 jornalistas.
97
Tal Conferência da ONU propiciou debate e mobilização da comunidade
internacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de
comportamento, visando à preservação da vida na Terra.
Pertinente ao objeto desse estudo, foi a constatação, em 1991, pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA -, de que a
aplicação de recursos e a reversão dos processos de desertificação, na forma
indicada pelo Plano de Ação Mundial, haviam sido bastante modestos, por isso,
vários países com problemas de desertificação, especialmente a África,
resolveram propor, durante a Rio-92, a elaboração de uma Convenção específica
sobre o tema, vez que seria um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os
países que a assinaram a assumir, de fato, os compromissos nela prescritos.
97
FELDMANN, Fabio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA. 1997. p. 16.
6.1. A Agenda 21 e o desafio do “desenvolvimento sustentável”
A Agenda 21 é um acordo formalizado em um plano de grandeza
histórica, resultado do amadurecimento do debate no âmbito da comunidade
internacional a respeito da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e
a proteção ambiental e, conseqüentemente, sobre a continuidade e
sustentabilidade da vida no planeta Terra.
Geraldo E. do Nascimento e Silva
98
sinaliza que se constatou que “muitas
das atuais tendências do desenvolvimento resultam em numero cada vez maior
de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem dano ao meio ambiente”. A
partir dessa premissa, o entendimento da Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento foi no sentido de que era necessário um novo tipo
de desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em alguns
lugares por alguns anos, mas em todo o planeta até um futuro longínquo. Essa é
a fórmula do “desenvolvimento sustentável”.
Não custa lembrar que, no interregno entre as duas grandes
Conferências da ONU sobre o Meio Ambiente, a de 1972 e 1992, houve
momentos em que a comunidade internacional se reuniu para discutir os grandes
temas que envolvem a questão da sustentabilidade da vida no planeta Terra.
Atendendo a essas reuniões, foram publicados relatórios abordando a
compatibilidade entre o desenvolvimento econômico e a proteção do meio
ambiente.
Dentre esses relatórios, convém destacar alguns que serviram de
subsídio para a definição do conteúdo da Agenda 21, tais como: “A Estratégia
Mundial para a Conservação da Natureza” (WWF e IUCN - 1980) e “O Nosso
98
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento (1995). Op. cit., p. 46.
Futuro Comum” (relatório da Comissão sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
da ONU 1987).
O primeiro relatório citado foi elaborado sob o patrocínio e supervisão do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), da União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e do Fundo Mundial para a
Vida Selvagem (WWF). Esse documento explora, basicamente, as interfaces
entre conservação de espécies e ecossistemas e entre a manutenção da vida no
planeta e a preservação da diversidade biológica, introduzindo, pela primeira vez,
o conceito de "desenvolvimento sustentável".
O segundo relatório foi publicado em 1982 e ficou mais conhecido como
"Relatório Brundtland", elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas e presidida por Gro Harlem
Brundtland, primeira-ministra da Noruega, na época. Enfim, o “Relatório
Brundtland consolida uma visão crítica do modelo de desenvolvimento adotado
pelos países industrializados e mimetizado pelas nações em desenvolvimento,
ressaltando a incompatibilidade entre os padrões de produção e consumo
vigentes nos primeiros, o uso racional dos recursos naturais, bem como a
capacidade de suporte dos ecossistemas. Conceitua-se como sustentável o
modelo de desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias
necessidades. A partir de sua publicação, o "Nosso Futuro Comum" tornou-se
referência mundial para a elaboração de estratégias e políticas de
desenvolvimento ecocompatíveis.
A inédita Agenda 21, dentre os acordos assinados na Conferência do
Rio-92, tem particular importância por representar um consenso mundial e um
compromisso político de alto nível, mais ainda, por constituir o primeiro esforço de
sistematização de um amplo programa de ação de transição para o
desenvolvimento sustentável.
6.2. As seções da Agenda 21
A Agenda 21 configura uma pauta de ações de longo prazo, compondo-
se de temas, projetos, objetivos, metas, planos e mecanismos de execução. Essa
pauta de ações está descrita em 04 seções, 40 capítulos, 115 programas, e
aproximadamente 2.500 ações específicas a serem implementadas.
As quatro seções se subdividem em capítulos temáticos. A I Seção cuida
das “dimensões econômicas e sociais”, tratando: da cooperação internacional
para acelerar o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento e
políticas internas correlatas; das relações entre o meio ambiente e a pobreza; das
mudanças nos padrões de consumo; dos fatores demográficos e o
desenvolvimento sustentável; da promoção das condições da saúde humana; da
promoção do desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos; e da
integração entre meio ambiente e desenvolvimento nas tomadas de decisão.
A II Seção, por sua vez, se dirige à “conservação e gerenciamento de
recursos para o desenvolvimento”, tratando: da proteção da atmosfera; da
abordagem integrada do planejamento e gerenciamento dos recursos terrestres;
do combate ao desflorestamento; do manejo de ecossistemas frágeis, dando
ênfase à luta contra a desertificação e a seca; do gerenciamento dos
ecossistemas frágeis, especialmente do desenvolvimento sustentável das
montanhas; da promoção do desenvolvimento rural e agrícola sustentável; da
conservação da biodiversidade; do manejo da biotecnologia; da proteção dos
oceanos, mares e zonas costeiras; da proteção da qualidade e do abastecimento
dos recursos dricos; do manejo das substâncias químicas e tóxicas, incluindo o
tráfico ilegal de resíduos perigosos; do manejo dos resíduos sólidos,
especialmente em relação ao tratamento dos esgotos; e do manejo seguro dos
resíduos radioativos.
A III Seção cuida do “fortalecimento do papel dos grupos principais”,
ocupando-se: com a ação mundial das mulheres, com vistas a um
desenvolvimento sustentável e eqüitativo; com a infância e juventude no
desenvolvimento sustentável; com o reconhecimento e fortalecimento do papel
das populações indígenas; com o fortalecimento do papel das Ong‟s, tidas como
parceiras no desenvolvimento sustentável; com o fortalecimento do papel do
comércio e da indústria; com a comunidade científica e tecnológica; e com o
fortalecimento do papel dos agricultores.
Finalmente, tem lugar a IV Seção que, trata dos “meios de
implementação”, aclarando sobre: os recursos e mecanismos de financiamento;
sobre a transferência de tecnologia, cooperação e fortalecimento institucional;
sobre a ciência para o desenvolvimento sustentável; sobre a promoção do ensino,
da conscientização e do treinamento; sobre a cooperação internacional para o
fortalecimento institucional dos países em desenvolvimento; sobre os arranjos
institucionais internacionais; sobre os instrumentos e mecanismos jurídicos
internacionais; e sobre a informação para a tomada de decisões.
6.3. A desertificação na Agenda 21
Os programas de manejo de ecossistemas frágeis, com foco na luta
contra a desertificação e a seca, estão presentes na II Seção e correspondem ao
capítulo 12 da Agenda 21, no qual se apresenta o conceito de desertificação
como sendo “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e subúmidas
secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de
atividades humanas”.
Assim, o foco dos programas que seguem é dado às áreas áridas, semi-
áridas e subúmidas secas, com prioridade à implementação de: medidas
preventivas nas áreas ainda não afetadas ou apenas levemente afetadas pela
desertificação; medidas corretivas para sustentar a produtividade de terras
moderadamente desertificadas; e medidas regeneradoras para recuperar terras
secas seriamente ou muito seriamente desertificadas.
Daí, infere-se a preocupação tanto em relação às terras degradadas
quanto àquelas consideradas suscetíveis ao processo de desertificação.
Nesse escopo, vários programas foram incluídos no referido capítulo: a)
Fortalecimento da base de conhecimentos e desenvolvimento de sistemas de
informação e monitoramento para regiões propensas à desertificação e seca, sem
esquecer os aspectos econômicos e sociais desses ecossistemas; b) Combate à
degradação do solo por meio, inter alia, da intensificação das atividades de
conservação do solo, florestamento e reflorestamento; c) Desenvolvimento e
fortalecimento de programas de desenvolvimento integrado para a erradicação da
pobreza e a promoção de sistemas alternativos de subsistência em áreas
propensas à desertificação; d) Desenvolvimento de programas abrangentes de
antidesertificação e sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao
planejamento ambiental nacional; e) Desenvolvimento de planos abrangentes de
preparação para a seca e de esquemas para a mitigação dos seus resultados,
que incluam dispositivos de auto-ajuda para as áreas propensas à seca e
preparem programas voltados para enfrentar o problema dos refugiados
ambientais; f) Estímulo e promoção da participação popular e da educação, sobre
a questão do meio ambiente, centradas no controle da desertificação e no manejo
dos efeitos da seca.
O “fortalecimento da base de conhecimentos e desenvolvimento de
sistemas de informação e monitoramento para regiões propensas à desertificação
e seca”, tem, como base para ação, as avaliações realizadas pelo mundo entre
1977 e 1991, nas quais se verificou uma insuficiência de conhecimentos sobre os
processos de desertificação, especialmente em relação aos países em
desenvolvimento, que apresentam uma capacidade limitada para gerar as
informações pertinentes.
No que toca o “combate à degradação do solo por meio, inter alia, da
intensificação das atividades de conservação do solo, florestamento e
reflorestamento”, é sugerida a aplicação de medidas preventivas nas terras não
ainda degradadas e de medidas corretivas e de reabilitação nas terras secas um
pouco degradadas ou seriamente degradadas, inclusive em regiões afetadas por
movimentos de dunas de areia, por meio da introdução de sistemas de uso da
terra saudáveis, socialmente aceitáveis, justos e economicamente viáveis.
Para o “desenvolvimento e fortalecimento de programas de
desenvolvimento integrado para a erradicação da pobreza e a promoção de
sistemas alternativos de subsistência em áreas propensas à desertificação”,
enfatizou-se que, normalmente nas regiões áridas e semi-áridas, suscetíveis à
desertificação, as populações não têm recursos para manter padrões de vida
adequados, vivendo dos sistemas tradicionais de subsistência, habitualmente
inadequados e insustentáveis, sobretudo diante da crescente pressão
demográfica. Nos termos da Agenda 21, “a pobreza é um fator preponderante na
aceleração do ritmo da degradação e da desertificação”. Em decorrência disso,
faz-se imprescindível adotar medidas que permitam reabilitar e melhorar os
sistemas agropastoris, com vistas a obter um manejo sustentável das pastagens e
sistemas alternativos de subsistência.
O “desenvolvimento de programas abrangentes de antidesertificação e
sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao planejamento
ambiental nacional” se justificam na questão do desenvolvimento dependente dos
recursos naturais, verificada, principalmente, nos países em desenvolvimento.
Assim, a interação entre sistemas sociais e recursos terrestres torna o problema
ainda muito mais complexo, fazendo-se necessária uma abordagem integrada do
planejamento e do manejo dos recursos terrestres. Os planos de ação voltados
para o combate à desertificação e à seca devem incluir aspectos de manejo do
meio ambiente e do desenvolvimento, adotando assim a abordagem integrada
dos planos nacionais de desenvolvimento e dos planos nacionais de ação para o
meio ambiente.
Em relação ao “desenvolvimento de planos abrangentes de preparação
para a seca e de esquemas para a mitigação dos resultados da seca”, a base
para ação consiste na sua gravidade, que afeta grande parte dos países em
desenvolvimento, lembrando que, devido a esse fenômeno, em meados da
década de 1980, morreram cerca de 03 milhões de pessoas na África
subsaariana. Com isso sugere-se que os sistemas de pronto alerta na previsão de
secas possibilitarão que se implementem planos de emergência para o caso de
ocorrerem secas. Com pacotes integrados no nível de exploração agrícola ou de
bacia hidrográfica, como, por exemplo, estratégias alternativas de cultivo,
conservação do solo e da água e promoção de técnicas de captação da água,
seria possível aumentar a capacidade de resistência da terra à seca e atender às
necessidades básicas, minimizando assim o número de refugiados ambientais e a
necessidade de atendimento de emergência para a seca. Ao mesmo tempo, são
necessários dispositivos de emergência para o atendimento durante os períodos
de grande escassez.
Finalmente, o “estímulo e promoção da participação popular e da
educação, sobre a questão do meio ambiente, centradas no controle da
desertificação e no manejo dos efeitos da seca”, se explicam por razões
plausíveis, visto que, como preceituado na Agenda, a experiência adquirida até a
presente data acerca dos êxitos e fracassos dos programas e projetos aponta
para a necessidade de apoio popular para as atividades relacionadas ao controle
da desertificação.
A orientação segue para que se ultrapasse o ideal teórico da participação
popular, reunindo os esforços para lograr um envolvimento popular concreto e
participativo. Desse modo, os objetivos específicos inseridos neste programa são:
1. Desenvolver e aumentar a consciência e os conhecimentos do
público em torno da desertificação e da seca, inclusive
introduzindo a educação ambiental nos currículos das escolas
primárias e secundárias;
2. Estabelecer e promover uma parceria efetiva entre as
autoridades governamentais, tanto no plano nacional como local,
outras agências executivas, organizações não-governamentais e
usuários da terra atingidos pela seca e a desertificação, dando
aos usuários da terra um papel responsável nos processos de
planejamento e execução, com o objetivo de que decorram
plenos benefícios dos processos de desenvolvimento;
3. Garantir que os parceiros compreendam as necessidades,
objetivos e pontos de vista recíprocos pondo a sua disposição
uma série de meios, como treinamento, sensibilização da opinião
pública e diálogo aberto;
4. Apoiar as comunidades locais em seus próprios esforços para
combater a desertificação, e valer-se dos conhecimentos e da
experiência das populações atingidas, garantindo participação
plena para as mulheres e populações indígenas.
Para que sejam exeqüíveis tais programas específicos, cabe ao governo
tomar algumas providências, especialmente, como assinalado na Agenda,
adotando políticas e estabelecendo estruturas administrativas para um “processo
de tomada de decisões mais descentralizado”, assim como “uma implementação
mais descentralizada”.
6.4. O desenvolvimento rural e agrícola sustentável
A Agenda 21 contempla, ainda na II Seção, capítulo 14, as áreas de
programas com vistas à “promoção do desenvolvimento rural e agrícola
sustentável”.
Pela Agenda em vigor, a “promoção do desenvolvimento rural e agrícola
sustentável” se justifica na percepção de que a agricultura se encontra diante da
necessidade de aumentar cada vez mais a produção nas terras exploradas,
evitando, no entanto, que ocorra a sua exaustão. Isso porque, a população dos
países em desenvolvimento cresce velozmente e não se sabe se os recursos e
tecnologias disponíveis satisfarão as exigências alimentares ou de outros
produtos agrícolas dessa população nos próximos 20 anos.
Nesse sentido, o principal objetivo da realização do desenvolvimento rural
e agrícola sustentável é aumentar a produção de alimentos de forma sustentável
e incrementar a segurança alimentar. Isso implica tanto em medidas de
manutenção e aperfeiçoamento da capacidade das terras agrícolas, quanto em
conservação ou recuperação dos recursos naturais nas terras com menor
potencial produtivo, assim, assegurar-se-á a razão homem/terra sustentável.
Especificamente, no que toca à “conservação e reabilitação da terra”,
consta como base para ação, a ênfase dada à erosão dos solos, destacando-a
como o mais grave problema ambiental mundial, vez que a despeito de essa
questão estar mais acentuada nos países em desenvolvimento, se verifica que,
em todos os países, se agravam os problemas de salinização, encharcamento,
poluição e perda da fertilidade do solo.
Por outro lado, até a elaboração da Agenda 21, observou-se que os
esforços para controlar a degradação das terras, sobretudo nos países em
desenvolvimento, encontraram sucesso limitado. A partir de então, a Agenda
salientou a necessidade de serem criados e implementados programas nacionais
e regionais de conservação e reabilitação das terras bem planejados, de longo
prazo, com forte apoio político e recursos financeiros adequados.
Essa questão também engloba a indispensável participação popular. Em
outras palavras, para a obtenção do “desenvolvimento rural e agrícola
sustentável”, faz-se necessário promover a sensibilização do público quanto ao
papel da participação popular e das organizações civis. Nos termos da Agenda, o
público alvo seriam os grupos de mulheres, jovens, populações indígenas e
habitantes de regiões sob ocupação, comunidades locais e pequenos
agricultores.
Para isso, os governos devem envolver a sociedade em assuntos de
prática de manejo dos solos, na elaboração de acordos que modifiquem a forma
de utilizar os recursos, nos direitos e deveres associados ao uso da terra, da água
e das florestas, no funcionamento dos mercados, nos preços, entre outros.
6.5. O papel dos atores do desenvolvimento sustentável
O papel dos atores do desenvolvimento sustentável é tratado na III Seção
da Agenda 21, que focaliza o “fortalecimento do papel dos grupos principais”,
evidenciando as formas de apoio a grupos sociais organizados e minoritários que
podem colaborar para a sustentabilidade.
no preâmbulo dessa seção, destaca-se a ênfase dada à ampla
participação da opinião pública na tomada de decisões relativas ao meio
ambiente, uma vez que, no contexto do meio ambiente e desenvolvimento, surge
a necessidade de novas formas de participação.
Nas balizas da III Seção sobressai a necessidade de que os indivíduos,
grupos e organizações participem dos procedimentos de avaliação do impacto
ambiental e conheçam e participem também das tomadas de decisões,
especialmente daquelas que possam vir a afetar as comunidades nas quais vivem
e trabalham. Para tanto, as áreas de programas oportunamente referidos são
dotadas de meios para avançar na direção de uma autêntica participação social
em apoio dos esforços comuns pelo desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, indivíduos, grupos e organizações devem ter acesso à
informação pertinente ao meio ambiente e desenvolvimento detida pelas
autoridades nacionais, vistas como, nos termos da Agenda 21, “informações
sobre produtos e atividades que têm ou possam ter um impacto significativo sobre
o meio ambiente, assim como, informações sobre medidas de proteção
ambiental”.
Dentre os capítulos que se seguem nessa seção, tem-se a “Ação
mundial pelas mulheres com vistas a um desenvolvimento sustentável e
eqüitativo”, que contém, dentre outros objetivos fundamentais, o de eliminar os
obstáculos à plena participação da mulher no desenvolvimento sustentável e na
vida pública, bem como estabelecer mecanismos para avaliar os impactos de uma
política de meio ambiente e desenvolvimento sobre a mulher. Nesse ponto,
menção às áreas que exigem medidas urgentes, apontadas como as “zonas
rurais sujeitas a secas, desertificação e desmatamento [...]”, que devem ser
tomadas para evitar que a degradação rápida do meio ambiente afete a vida da
mulher e da criança.
Outro capítulo coloca em foco a infância e à juventude no
desenvolvimento sustentável”, contendo os seguintes programas: a) “Promoção
do papel da juventude e de sua participação ativa na proteção do meio ambiente
e no fomento do desenvolvimento econômico e social”, cuja base para ação está
na participação ativa dos jovens em todas as fases do processo de tomada de
decisão, visto que os programas afetam sua vida atual e têm repercussões no
futuro. b) “A criança no desenvolvimento sustentável”, que tem, como uma das
bases para ação, a garantia de que os interesses da infância sejam levados em
conta no processo participatório conducente ao desenvolvimento sustentável e à
melhoria da qualidade do meio ambiente.
A III Seção também se reporta ao “Reconhecimento e fortalecimento do
papel das populações indígenas e suas comunidades”. Resta claro, pelo
raciocínio apresentado, que, dentre os objetivos, faz parte o que preza por
estabelecer mecanismos para intensificar a participação ativa das populações
indígenas e suas comunidades na formulação de políticas, leis e programas
relacionados com o manejo dos recursos.
Finalmente, não se poderia deixar de sobrelevar o “Fortalecimento do
papel dos agricultores”, que, como é conhecido neste estudo, a relação entre
as atividades rurais e a natureza é muito estreita, pois, ao mesmo tempo em que
se produz, deve-se tomar cuidado com o manejo inadequado dos solos que os
torna vulneráveis.
A base para a ação desse Programa está centrada na preocupação com
a conservação do meio físico por parte dos agricultores que, por sua vez, dele
dependem para sua subsistência.
Então, a Agenda 21 contempla a necessidade de políticas públicas
voltadas aos agricultores, a fim de que estes mesmos gerenciem seus recursos
naturais de maneira eficiente e sustentável. Para tanto, é necessário a
descentralização das tomadas de decisões, entregando-as a organizações locais
e comunitárias, no intuito de mudar o comportamento da população e implementar
estratégias agrícolas sustentáveis.
6.5.1. As organizações não governamentais (ONG’s)
Importante alvo deste estudo é o capítulo 27 da IV Seção, que se ocupa
do “Fortalecimento do papel das organizões não-governamentais: parceiras
para o desenvolvimento sustentável”.
Das linhas dirigidas no referido capítulo, apreende-se que a Agenda 21
reconhece que as organizações não governamentais (ONG‟s) desempenham um
papel fundamental na modelagem e implementação da democracia participativa.
É certo que um dos principais desafios que a comunidade mundial
enfrenta na busca da substituição dos padrões de desenvolvimento insustentável
por um desenvolvimento ambientalmente saudável e sustentável é a necessidade
de estimular o sentimento de que se persegue um objetivo comum em nome de
todos os setores da sociedade. As chances de forjar um tal sentimento
dependerão da disposição de todos os setores de participar de uma autêntica
parceria social e diálogo, reconhecendo, ao mesmo tempo, a independência dos
papéis, responsabilidades e aptidões especiais de cada um.
Assim, as organizações não governamentais (ONG‟s), por possuírem
uma variedade de experiência e um vasto conhecimento em campos específicos,
se tornam peças importantes para a implementação de um desenvolvimento
sustentável.
Não obstante as qualidades que encerram as ONG‟s, para que seja
assegurada a sua contribuição no desenvolvimento sustentável, terão de
promover a máxima comunicação e cooperação possível entre si, com as
organizações internacionais e com os governos nacionais e locais.
No mesmo sentido, Édis Milaré
99
assevera que:
As chamadas organizações não-governamentais ONGs, ao
lado das Organizações Intergovernamentais OIs, são, no
campo do direito internacional, um produto da democratização
das nações e, por conseguinte, das relações internacionais, bem
como da necessidade de cooperação recíproca, nos mais
variados temas, que os Estados passaram a sentir de forma cada
vez mais intensa.
99
MILARÉ, Édis; LOURES, Flavia Tavares Rocha. O papel do terceiro setor na proteção jurídica do ambiente. In: Revista
de Direito Ambiental, n. 35, ano 9, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 107.
As organizações intergovernamentais ou internacionais são entidades
coletivas constituídas por ato solene firmado entre Estados soberanos. Já as
organizações não governamentais, que também são entidades coletivas, são
criadas por um ato jurídico nacional, não podendo representar, em regra, a
vontade dos Estados, mas sim os anseios de uma coletividade que não tem
personalidade jurídica de Direito Internacional.
100
Por outro lado, considerando o cenário internacional, vê-se que as ONG‟s
m desempenhando as mais diversas atividades. Édis Milaré
101
destaca as
seguintes:
a) a assessoria prestada aos Estados em assuntos e questões
técnicas que exigem maior especialização entre seus
debatedores; b) a forte capacidade de mobilização da opinião
pública internacional, que induz, nos Estados, a implementação
de políticas públicas coerentes com a agenda internacional
ambiental; c) a divulgação de programas ambientais promovidos
pelas agências da ONU.
Entretanto, a fim de permitir que as organizações não governamentais
desempenhem seu papel de parceiras no desenvolvimento sustentável,
especialmente em relação à execução da Agenda 21, os governos, em conjunto
com as Nações Unidas, devem concatenar um exame dos procedimentos e
mecanismos formais para a participação dessas organizações em todos os níveis,
da formulação de políticas e tomada de decisões à implementação, bem como,
instituir meios flexíveis e eficazes para obter a tão esperada participação máxima.
Interessante anotar que, no Brasil, a legislação prevê a participação das
ONG‟s em órgãos de controle ambiental, tal como o CONAMA Conselho
Nacional do Meio Ambiente. Conforme a Lei 6.938/81, artigo 5º, “integram o
plenário do CONAMA” [...] VIII - a) “dois representantes de entidades
100
SOARES, Guido F. S. As ONGS e o direito internacional do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, n. 17, ano
05, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000. p. 51.
101
MILARÉ, Édis; LOURES, Flavia Tavares Rocha (2004). Op. cit. p. 107.
ambientalistas de cada das Regiões Geográficas do País”; b) “um representante
de entidade ambientalista de âmbito nacional; c) “três representantes de
associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do
combate à poluição, de livre escolha do Presidente da República”.
7. Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países
Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África
Ainda durante a Conferência Rio-92, vários países com problemas de
desertificação propuseram à Assembléia Geral que aprovasse a negociação de
uma Convenção Internacional sobre o tema da desertificação. Por conta disso, a
Assembléia Geral, através da resolução 47/188, aprovou a negociação da
Convenção, que foi realizada a partir de janeiro de 1993 e finalizada em Paris, em
17 de junho de 1994, data que se transformou no “Dia Mundial da Luta contra a
Desertificação”.
102
A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”
(UNCCD) traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem seus
esforços no combate a esse problema.
Tal instrumento internacional entrou em vigor a partir de 26 de dezembro
1996, três meses depois que o qüinquagésimo país a ratificou. Até setembro de
2005, 190 países e a União Européia tinham-na ratificado.
103
Pelo Brasil, a “Convenção das Nações Unidas para o Combate à
Desertificação” foi assinada em 15 de outubro de 1994, em Paris. Em seguida, o
documento foi submetido ao Congresso Nacional que o aprovou pelo Decreto
Legislativo n° 28, de 12 de junho de 1997.
102
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (Secretaria dos Recursos Hídricos). Desertificação: III Conferência das Partes da
Convenção das Nações Unidas.
103
SECRETARIAT OF THE UNITED NATIONS CONVENTION TO COMBAT DESERTIFICATION. Fact Sheets on UNCCD.
Last revised September 2005. Publicado em: <http://www.unccd.int./>. Acesso em 18 de janeiro de 2006.
O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da
Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos Países Afetados por
Seca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África, em 25 de junho de
1997, passando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 24 de setembro de 1997.
Finalmente, o Decreto 2.741, de 20 de agosto de 1998, promulgou a
Convenção, que foi apensada ao mesmo, devendo, portanto, ser cumprido em
todos os seus termos.
7.1. Definição dos termos, objetivos, princípios e obrigações das Partes
A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”, em
seu artigo 1°, traz algumas definições dos termos utilizados por ela, tendo em
vista, como foi referido neste estudo, a variedade de conhecimentos científicos
que tangenciam esta matéria.
Nesse sentido, para os efeitos da Convenção, entende-se por
desertificação, a “degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e subúmidas
secas, resultantes de vários fatores, incluindo as variações climáticas e atividades
humanas”.
O combate à desertificação compreende “as atividades que fazem parte
do aproveitamento integrado da terra”, nas zonas descritas no conceito acima,
“com vistas ao desenvolvimento sustentável” e com o objetivo de prevenir ou
reduzir a degradação das terras, reabilitar as parcialmente degradadas e/ou
recuperar as degradadas.
A seca também é definida como “fenômeno que ocorre naturalmente
quando a precipitação registrada é significativamente inferior aos valores
normais”. Nesse passo, por mitigação aos efeitos da seca entendem-se “as
atividades relacionadas com a previsão da seca e dirigidas à redução da
vulnerabilidade da sociedade e dos sistemas naturais àquele fenômeno”.
No que se relaciona à terra, a Convenção a descreve como “sistema
produtivo terrestre que compreende o solo, a vegetação, outros componentes da
biota e os processos ecológicos e hidrológicos que se desenvolvem dentro do
sistema”. Portanto, nos termos da Convenção, a degradação da terra se
caracteriza pela:
[...] redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-
úmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e da
complexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras
agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, das pastagens
semeadas das florestas e das matas nativas devido aos sistemas
de utilização da terra ou a um processo o combinação de
processos, incluindo os que resultam da atividade do homem e
das suas formas de ocupação do território, tais como:
IV. a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água;
V. a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas
ou econômicas do solo, e
VI. a destruição da vegetação por períodos prolongados.
[...]
As zonas áridas, semi-áridas e subúmidas são as encontradas em todas
as áreas do planeta, “com exceção das polares e das sub-polares, nas quais a
razão de precipitação anual e evapotranspiração potencial está compreendida
entre 0,05 e 0,65”.
No artigo 2°, a Convenção em tela indica como objetivo imediato:
O combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca
grave e/ou desertificação, particularmente na África, através da
adoção de medidas eficazes em todos os níveis, apoiadas em
acordos de cooperação internacional e de parceria, em um
quadro de uma abordagem integrada, coerente com a Agenda
21, que tenta em vista contribuir para se atingir o
desenvolvimento sustentável nas zonas afetadas.
Sendo assim, pode-se apreender como objetivo mediato, o qual se
considera para a consecução do objetivo principal, a necessidade de aplicação,
nas zonas afetadas, de “estratégias integradas” em longo prazo, baseadas
simultaneamente, no “aumento de produtividade da terra e na reabilitação,
conservação e gestão sustentada dos recursos naturais”, no propósito de
“melhorar as condições de vida, particularmente ao nível das comunidades
locais”.
no artigo 3°, a presente Convenção arrola alguns princípios
direcionados às Partes, fundamentais para o combate à desertificação:
a) Garantia do desenvolvimento participativo, sendo que, nas balizas da
Convenção:
As Partes deverão garantir que as decisões relativas à
concepção e implementação dos programas de combate à
desertificação e/ou mitigação dos efeitos da seca serão tomadas
com a participação das populações e comunidades locais e que,
nas instâncias superiores de decisão, será criado um ambiente
propício que facilitará a realização de ações aos níveis nacional e
local;
b) Cooperação entre as Partes, na medida em que:
As Partes deverão, num espírito de solidariedade internacional de
parceria, melhorar a cooperação e coordenação aos níveis sub-
regional, regional e internacional e concentrar recursos
financeiros, humanos, organizacionais e técnicos onde eles forem
necessários;
c) Parceria no intercâmbio de conhecimento científico, ao passo que:
As Partes deverão fomentar, num espírito de parceria, a
cooperação a todos os níveis de governo, das comunidades das
organizações não governamentais e dos detentores da terra, a
fim de que seja melhor compreendida a natureza e o valor do
recurso da terra e dos escassos recursos hídricos das áreas
afetadas, e promovido o uso sustentável;
d) Solidariedade ou mutualidade de interesses e deveres, segundo a qual
as Partes deverão tomar plenamente em consideração as necessidades e as
circunstâncias particulares dos países Partes em desenvolvimento afetados”.
Em prol dos objetivos e princípios descritos na dita Convenção, as Partes
receberam algumas obrigações gerais, previstas no artigo 4°, as quais, podem ser
realizadas individualmente ou em conjunto, por meio de acordos bilaterais ou
multilaterais.
Em geral, as Partes devem: a) Adotar uma abordagem interdisciplinar,
considerando os aspectos físicos, biológicos e socioeconômicos do processo de
desertificação; b) Atribuir uma atenção especial aos países Partes em
desenvolvimento, endividados, no intuito de “criar um ambiente econômico
internacional favorável à promoção de um desenvolvimento sustentável”; c)
Integrar as estratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à
desertificação e de mitigação dos efeitos da seca; d) Promover a cooperação
internacional, em matéria de proteção ambiental, especificamente, no que tange à
conservação dos recursos em terra e hídricos; e) Reforçar a cooperação sub-
regional, regional e internacional; f) Cooperar com as organizações
intergovernamentais competentes; g) Promover a utilização dos mecanismos e
acordos financeiros bilaterais e multilaterais existentes, suscetíveis de mobilizar
e canalizar recursos financeiros substanciais para o combate à desertificação;
Aos países Partes afetados recaem algumas obrigações específicas, tais
como: a) Alocar recursos, dentro de sua capacidade, para combater a
desertificação e/ou mitigar os efeitos da seca; b) Formular estratégias,
estabelecendo prioridades, em seus planos ou políticas de desenvolvimento
sustentável, visando ao combate à desertificação; c) Atacar as causas da
desertificação, não desconsiderando os fatores sócioeconômicos que contribuem
para o processo; d) Facilitar a participação das populações locais, incluindo
mulheres e jovens e ainda recorrendo ao apoio das ONG‟s; e) Criar um ambiente
favorável, recorrendo ao reforço da legislação pertinente em vigor e, no caso de
esta não existir, à promulgação de nova legislação, bem como promoção de
novas políticas públicas com base em programas de ação em longo prazo.
Finalmente, aos países Partes desenvolvidos incidem outras obrigações
específicas, como: apoiar ativamente os países afetados, disponibilizando
recursos financeiros substanciais, encorajando a mobilização de tais recursos
oriundos do setor privado, promovendo o acesso à tecnologia, ou outros
conhecimentos técnicos adequados.
7.2. Instituições: Conferência das Partes (COP) e outros órgãos articulados
O principal órgão da Convenção é a Conferência das Partes (COP),
formada pelos governos que a ratificaram e as organizações de interação
econômica regional, como a União Européia. Este órgão supremo é assistido em
suas tarefas por outros dois órgãos subsidiários que são: o Comitê de Ciência e
Tecnologia (CST) e o Comitê de Revisão e Implementação da Convenção (CRIC).
A COP, até 2005, havia realizado sete sessões, tendo sido a primeira em
Roma, datada de 1997. Este órgão se tem reunido de dois em dois anos, a partir
de 2001.
Uma das funções principais da COP é revisar os relatórios submetidos
pelas Partes, que, por sua vez, detalham como estão desenvolvendo seus
compromissos. A COP faz recomendações, tendo como base esses relatórios.
Tem também o poder de fazer emendas à Convenção, ou adotar novos anexos,
tais como o anexo de implementação regional. Dessa maneira, a COP pode guiar
a Convenção no caso de as circunstâncias globais ou as necessidades nacionais
mudarem.
O Comitê de Ciência e Tecnologia (CST) assiste a COP em matérias
científicas e tecnológicas. Trata-se de um órgão subsidiário cuja função é fornecer
à COP as informações e os pareceres em matérias científicas e tecnológicas
tendo em vista o combate à desertificação e a mitigação dos efeitos da seca. É
um órgão multidisciplinar, aberto às Partes e composto por representantes do
governo com notório saber em suas respectivas áreas de especialização. Desse
modo, oferece regularmente à COP relatórios de seus trabalhos, que são
incluídos em suas sessões, e é responsável pela continuação dos trabalhos da
Convenção no interregno entre as sessões da COP.
O Comitê de Revisão e Implementação da Convenção (CRIC) auxilia a
COP na revisão e execução da Convenção. Foi estabelecido durante a COP 5, no
intuito de receber as informações vindas dos países Partes, assim como da CST
para repassá-las à COP. O CRIC realiza suas sessões anuais durante e entre as
sessões ordinárias da COP. Os processos de revisão iniciados pelo CRIC, que
incluem as contribuições de níveis sub-regional e regional, permitirão que se
extraiam conclusões que são propostas à COP, para que esta tome medidas
concretas na implementação da Convenção. A revisão deve ser conduzida pelas
linhas temáticas determinadas pela COP.
A COP também é servida por um Secretariado Permanente, que presta
serviços a fim de organizar suas reuniões e dos seus respectivos órgãos
subsidiários, copiar e transmitir relatórios, facilitando sua consulta, prestar
assistência, quando solicitada, aos países afetados, entre outras tarefas.
Um mecanismo global (GM) ajuda a COP a promover fundos para a
realização das atividades e programas relatados na Convenção. Entretanto, não
foi concebido para levantar ou administrar fundos. Ao contrário, o GM incentiva
doadores, receptores, bancos de desenvolvimento, ONG‟s, entre outros, a
mobilizar fundos e canalizá-los para os mais precisados. É custeado pelo “Fundo
Internacional para Agricultura e Desenvolvimento IFAD e está sob a
autoridade da COP, que revê periodicamente suas políticas, modalidades
operacionais e atividades.
7.3. Os programas de ação: NAP’s, RAP’s e SRAP’s
A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação se
implementada pelos programas de ação em vel nacional (NAP), regional (RAP)
e sub-regional (SRAP).
Assim, as Partes da Convenção devem consultar os seus respectivos
programas de ação para que possam realizar uma gestão mais integrada e
participativa sobre os recursos naturais das terras secas.
Tem havido, por parte dos países, um esforço significativo no intuito de
criar um programa sistematizado. Nesse ponto, a solidariedade internacional tem
contribuído bastante para o início de projetos com o compartilhamento das
políticas sedimentadas. Isso ocorre de maneira eficaz, mas não completamente,
pois os programas, obviamente, necessitam ainda de adaptação às circunstâncias
regionais particulares.
Até agosto de 2005, 77 NAP‟s haviam sido preparadas e adotadas.
Não custa enfatizar que a Convenção traz em seus anexos algumas exigências
específicas de implementação para a África, Ásia, América Latina e Caribe, norte
do Mediterrâneo e leste europeu.
Os programas são considerados referências para um processo em
andamento que consiste em planos de redução da pobreza e desenvolvimento
sustentável das áreas áridas. Assim, das linhas da Convenção, especificamente
do artigo 10, apreende-se que os esforços em combater a desertificação devem
ser inteiramente integrados com outros programas de desenvolvimento. A
inversão da degradação da terra está ligada à diminuição da pobreza, pois ambas
as ações envolvem segurança alimentar, educação, treinamento e reforço da
capacidade de comunidades locais, assim como mobilização das ONG‟s.
Mais ainda, sugere-se o desenvolvimento de projetos que viabilizem
formas alternativas de subsistência suscetíveis de gerar rendimentos nas zonas
mais vulneráveis à seca.
Nesse sentido, os programas também devem esboçar estratégias em
longo prazo, além de serem formulados com a participação ativa de comunidades
locais. O processo participativo permite que governos possam coordenar e
administrar seus recursos mais eficazmente, dirigindo-se às causas sócio-
econômicas subjacentes da desertificação. Essas aproximações, por sua vez,
dão particular atenção às medidas preventivas e incentivam um comprometimento
com práticas sustentáveis. Assim, os programas devem-se mostrar
suficientemente flexíveis em acomodar novas iniciativas e adaptações locais,
especialmente quando as circunstâncias variam.
Ainda no que tange aos objetivos dos programas de ação nacionais, vê-
se que dependem imediatamente da identificação dos fatores que contribuem
para a desertificação e das medidas de ordem prática necessárias ao seu
combate e à mitigação dos efeitos da seca. Sabendo-se que a desertificação
pode-se dar a partir de vários fatores, que variam conforme a região, cumpre às
Partes da Convenção “reforçar a capacidade de cada país na área de
climatologia, meteorologia e hidrologia e os meios para construir um sistema de
alerta rápido em caso de seca”.
Similarmente, porque a desertificação afeta e é afetada por outros
interesses ambientais, tais como a perda da diversidade biológica e mudança do
clima, as NAP‟s necessitam promover sinergias com programas que tratam de
tais questões. Desse modo, as Partes têm sugerido a realização de oficinas
envolvendo pontos focais das três Convenções, a fim de facilitar a execução de
trabalhos em conjunto.
Paralelamente aos programas nacionais, no artigo 11 da Convenção
vigente ficou estabelecido que programas de ação regionais (RAP‟s) e sub-
regionais (SRAP‟s) podem ser implementados com o intuito de reforçá-los, sendo
que tais programas devem respeitar as disposições previstas no artigo 10, que
rege os programas nacionais. Até agosto de 2005, 03 programas regionais e 09
sub-regionais já haviam sido lançados.
7.4. Desertificação e desenvolvimento participativo (bottom-up approach)
A “Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”
enfatiza a forte aproximação das comunidades locais aos processos de tomada
de decisão.
Sabendo-se que, tradicionalmente, as comunidades locais foram
participantes relativamente passivos em relação aos projetos de desenvolvimento
da ONU, a referida Convenção as trata como atores de inigualável importância no
combate à desertificação. As comunidades locais e seus líderes, assim como as
organizações não governamentais deverão trabalhar em conjunto na formulação e
execução dos programas de ação. Para tanto, os governos devem promover
campanhas de conscientização, especialmente em relação aos termos propostos
pela Convenção.
Em geral, os peritos do governo iniciam os projetos, definindo
imediatamente, sem consulta, os seus objetivos e as atividades necessárias. Às
vezes, visitam as comunidades locais para publicizar seus planos, formulando,
assim, um convite para participação dessas comunidades na execução dos seus
projetos. No entanto, a Convenção trouxe uma proposta distinta, de baixo para
cima, na qual os programas para combater a desertificação devem originar-se em
nível local. Isso posto, as comunidades diretamente afetadas devem participar de
todas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.
A iniciativa de projetos, compartilhada com a comunidade local, é a chave
para a sustentabilidade, porque quando os peritos cultores dos programas se
retiram da comunidade, é ela quem deve fazer com que os projetos sobrevivam.
Além disso, quem está de fora não tem a mesma capacidade de identificar as
prioridades locais.
As comunidades locais possuem uma valiosa experiência e compreensão
do seu próprio ambiente, sendo que, se os projetos de uso da terra, bem como de
outros recursos naturais forem elaborados sem a sua participação, correrão o
risco de se tornarem ineficientes.
O desenvolvimento participativo posto na Convenção, reconhece os
direitos das populações afetadas sobre os seus recursos naturais. Entretanto,
ainda se pergunta: Quem de fato, são atores do desenvolvimento participativo?
Os participantes ativos devem ser os envolvidos diretamente na gerência e uso
dos recursos naturais. No caso da desertificação, os pequenos fazendeiros e
pastores estão mais intimamente em contato com a terra. Todavia, que contar
também com a contribuição dos líderes locais, tidos como representantes da
comunidade, das autoridades regionais ou municipais, dos peritos técnicos, das
ONG‟s, entre outros.
É importante frisar que, depois de planejado o programa de combate,
pelos participantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar
o seu progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, é
fundamental para que apreciar o resultado obtido, como também, para confabular
as etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil a
delegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central ou
federal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.
Finalmente, para que seja alcançada a participação local, capacitada
para a elaboração dos programas, é essencial que haja uma campanha de
conscientização forte sobre o que está disposto na Convenção. As ONG‟s podem
exercer um papel fundamental na campanha de capacitação para o planejamento
das populações locais.
TERCEIRA PARTE: O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA
DESERTIFICAÇÃO
8. Introdução ao Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e à Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA)
No Brasil, a Lei 6.938/81, de 31 de agosto de 1981, que “dispõe sobre a
política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação”, instituiu, através de seu artigo 6°, o Sistema Nacional de Meio
Ambiente SISNAMA.
Na lição de Paulo de Bessa Antunes
104
, o SISNAMA tem por finalidade
precípua “estabelecer uma rede de agências governamentais nos diversos níveis
da federação, visando assegurar mecanismos capazes de, eficientemente,
implementar a Política Nacional do Meio Ambiente”, que, por sua vez, tem os
seus objetivos delineados, especialmente, no artigo da Lei 6.938/81. Essa
norma jurídica exprime como meta:
A preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental
propícia à vida, visando assegurar ao País, condições de
desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança
nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...].
O SISNAMA conta com o apoio de seus órgãos integrados, sendo que,
na forma da Lei 6.938/81, artigo 6°, são “órgãos e entidades da União, dos
Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as
Fundações instituídas pelo Poder Público”.
Na mesma linha, pode-se dizer também que são os órgãos formadores
do SISNAMA: a) Órgão Superior, identificado como o Conselho de Governo; b)
Órgão consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente
104
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 79.
CONAMA -; c) Órgão executor, que é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis IBAMA -; d) Órgãos Setoriais, que se
caracterizam pelos órgãos da Administração Federal, direta e indireta ou
fundacional; e) Órgãos Seccionais, que são identificados como órgãos ou
entidades estaduais responsáveis por programas ambientais, ou pela fiscalização
de atividades utilizadoras de recursos ambientais;
105
8.1. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
Especificamente, o Órgão Superior, qualificado como o Conselho de
Governo, se integra à Presidência da República, estando encarregado do
assessoramento imediato ao Presidente da República.
Explica Paulo Affonso Leme Machado
106
que o Conselho de Governo é
composto por Ministros de Estado, titulares dos órgãos essenciais da Presidência
da República, como a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos SAE -,
e pelo Advogado-Geral da União, sendo presidido pelo Presidente da República
ou pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil.
Nessa linha, foi criado o Conselho Nacional do Meio Ambiente
CONAMA -, pelo artigo 6°, inciso II, da mencionada Lei 6.938/81, com a nova
redação dada pela Lei 8.028/90, tendo, por finalidade, assessorar, estudar e
propor ao Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para o meio
ambiente e os recursos naturais e deliberar, nos limites da sua competência,
acerca das normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
105
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 83.
106
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed., São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1999. p. 98.
Dessa forma, Paulo de Bessa Antunes
107
salienta que o CONAMA “é uma
entidade dotada de poder regulamentar em razão de expressa determinação
legal”. Assim, a competência do referido órgão está estabelecida no artigo 8°, da
Lei 6.938/81.
8.1.1. A Resolução CONAMA n° 238 de 22 de dezembro de 1997
O Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA -, conforme as
atribuições que lhe foram conferidas pela Lei 6.938/81 e pelo Decreto
regulamentador 99.274, de 06 de junho de 1990, aprovou em 22 de dezembro
de 1997, na 4Reunião Ordinária do Plenário, através da Resolução 238, a
Política Nacional de Controle da Desertificação.
Nesse documento, foram estipulados, como “Marcos Referenciais para
uma Política Nacional de Controle da Desertificação”, o Capítulo 12 da Agenda
21, vez que traz diretrizes específicas para o enfrentamento do problema, e a
Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e à Seca, que
enfatizou a necessidade de se tomarem medidas para combater o problema,
familiarizadas em programas de ação nacionais.
Como objetivos básicos da Política Nacional em análise, com a finalidade
de alcançar o premente desenvolvimento sustentável nas regiões propensas à
desertificação e à seca, incluem-se, entre outros: a formulação de “propostas de
curto, médio e longo prazo para a prevenção e recuperação das áreas atualmente
afetadas pela desertificação”; o empreendimento de “ações de prevenção da
degradação ambiental nas áreas de transição entre o semi-árido, o subúmido e o
úmido, com vistas à proteção de diferentes ecossistemas”; articulação da ação
107
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 84.
governamental, em todas as esferas do governo, aspirando à “implementação de
ações locais de combate e controle da desertificação e dos efeitos da seca”;
contribuição para o “fortalecimento do município”, para que sejam desenvolvidas
estratégias locais de controle da desertificação; e, finalmente, contribuição para a
articulação entre os órgãos do governo e os não governamentais, no intuito de
buscar um “modelo de desenvolvimento econômico e social compatível com as
necessidades de conservação dos recursos naturais e com a eqüidade social”.
Para a consecução dos objetivos acima citados, a Política Nacional de
Controle da Desertificação identifica sete componentes e estabelece algumas
ações prioritárias, “cuja responsabilidade de implementação alcança vários
setores governamentais”, devendo estar assentada em um sólido processo
participativo da sociedade civil e das ONG‟s.
A seleção desses componentes estratégicos visa à elaboração do Plano
Nacional de Combate à Desertificação, que será analisado no capítulo seguinte.
São identificados como componentes:
a) “Fortalecimento e Interação Institucional”, com a finalidade de criar
uma articulação institucional para elaboração e implementação do Plano Nacional
de Combate à Desertificação, que depende de cooperação técnica;
b) ”Fortalecimento da comunicação e fluxo de informação sobre a
desertificação”, no intuito de se criar uma rede de informações e documentação
sobre o assunto, em todos os seus aspectos;
c) “Capacitação gerencial e técnica de pessoal em gestão de recursos
naturais em áreas sujeitas à desertificação”, tendo em vista que essas pessoas
deverão atuar em pesquisas sobre o controle e recuperação de áreas em
processo de desertificação, inclusive articuladas com as comunidades locais, para
absorverem as suas práticas e conhecimentos empíricos;
d) ”Conscientização, sensibilização e mobilização dos atores do
desenvolvimento sustentável em áreas sujeitas a risco de desertificação”. Nesse
sentido, a população informada sobre a prevenção, controle e recuperação do
fenômeno, se torna apta a participar efetivamente da elaboração de projetos e
programas de implementação de combate ao problema;
e) “Criação de uma capacidade operacional de controle da desertificação
em nível local”, para que haja um contato permanente entre as autoridades locais
e a sociedade civil organizada, capaz de formular as propostas imediatas de ação
para combater a desertificação. Sendo assim, a orientação segue também pela
necessidade de formação dos Conselhos Municipais nas áreas desertificadas ou
sujeitas à problemática;
f) “Elaboração de estratégias de monitoramento, prevenção e
recuperação das áreas em processo de desertificação”, para tanto, é
extremamente oportuno sublinhar a orientação a fim que se realize o zoneamento
ecológico-econômico, visando à racionalização do uso dos recursos naturais, em
áreas sujeitas à desertificação, bem como se elabore planos diretores municipais
que contemplem as variáveis ambientais que propiciam esse processo;
g) “Definição de projetos e ações prioritárias”, no intuito de prevenir,
recuperar ou controlar a desertificação em áreas sujeitas a ela.
Outro ponto a ser destacado, na Política Nacional de Controle da
Desertificação, é a orientação para que se compatibilize a legislação existente,
que se refere à conservação de recursos naturais, com as exigências da
prevenção, controle e recuperação das áreas suscetíveis ou em processo de
desertificação.
Ademais, a Resolução vigente também acentua a necessidade de se
instituírem mecanismos, “com vistas à sensibilização dos vários setores de
governo e da sociedade quanto à problemática, bem como envolvê-los em
processos de formulação de novas políticas e estratégias”, inclusive
incorporando-os às políticas setoriais. Atribui-se a importância desta disposição
ao caráter multidisciplinar que esta temática assume, por isso, é indispensável a
assimilação de todos os conhecimentos disponíveis sobre o assunto.
Finalmente, enfatiza-se, no documento, que as “diretrizes propostas não
esgotam a discussão sobre o tema”, não obstante configura o início do processo
de implementação de uma política nacional preocupada com o combate à
desertificação, em especial, com o “desenvolvimento sustentável na região semi-
árida”.
9. A construção participativa do Programa de Ação Nacional de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil)
O processo de construção do Programa de Ação Nacional de Combate à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca PAN (Brasil) teve início em
2003.
A partir de abril de 2003, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério
do Meio Ambiente SRH/MMA - assumiu o papel de facilitadora da interlocução
nas esferas de maior decisão do governo, assim como nos processos
descentralizados de tomada de decisão. Nesse âmbito, constituiu-se, portanto,
uma Coordenação Técnica de Combate à Desertificação CTC -, destinada a
prestar suporte técnico aos trabalhos de elaboração do PAN (Brasil).
108
Desde então, a CTC cuidou da parte de estruturação do programa, dando
ênfase ao Ponto Focal Nacional. Ao lado dessa coordenação, foi criado, pela
Portaria 265, de 23 de junho de 2003, o Grupo de Trabalho Interministerial
GTIM -, no intuito de propor mecanismos de elaboração e implementação do PAN
(Brasil), envolvendo, nesse labor, os diversos segmentos governamentais (federal
e estaduais), como também, a sociedade civil organizada. Assim, o GTIM conta
com o apoio de representantes de sete Ministérios
109
, seis Instituições Públicas
Federais
110
e quatro instâncias da sociedade civil.
Sublinhem-se as instâncias da sociedade civil organizada que
contribuíram ou vêm contribuindo para o processo de produção e execução do
PAN (Brasil). São elas: Rede Internacional de ONG‟s sobre Desertificação
RIOD; Articulação no Semi-Árido Brasileiro ASA -
111
(representada pela
Associação Maranhense para a Conservação da Natureza AMAVIDA);
Fundação Grupo Esquel FGEB -; e, Rede de Educação no Semi-Árido Brasileiro
RESAB - (representada pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária
Apropriada IRPAA).
Dentre elas, destaca-se a participação do Grupo de Trabalho de Combate
à Desertificação da Asa GTCD -, instituído em junho de 2003, e constituído por
28 organizações não governamentais com a missão de articular a rede de
108
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 61.
109
Os Ministérios envolvidos nesse processo são: Ministério do Meio Ambiente MMA; Ministério da Integração Nacional
MI; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS; Ministério da Agricultura, Pecuária e do
Abastecimento MAPA; Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA; Ministério da Ciência e Tecnologia MCT; e,
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão MPOG.
110
As Instituições Públicas Federais que apóiam esse projeto são: Agência Nacional de Águas ANA; Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA; Companhia de Desenvolvimento dos do São Francisco e do
Parnaíba CODEVASF; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE; Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária EMBRAPA; e Banco do Nordeste do Brasil S.A. BNB.
111
Mais informações sobre a ASA no site: <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em 27.03.2006.
organizações sociais nas ASD‟s, que são as áreas suscetíveis à desertificação, a
saber:
As ações do GTCD têm sido importantes no que se refere à
ampliação do grau de participação da sociedade civil, com
atuação nas ASD, na elaboração e implementação do PAN
Brasil. Suas iniciativas também têm contribuído positivamente
para o fortalecimento das relações com os governos estaduais,
de sorte que as demandas da sociedade reflitam-se nas políticas
regionais, e que as ações dos governos locais sejam
concatenadas com as da sociedade civil.
112
Nas balizas do Plano Nacional em análise, depreende-se a analogia com
as atribuições determinadas na Convenção de Combate à Desertificação,
especialmente no que tange à criação de Pontos Focais Estaduais, pois a
SRH/MMA incentivou a sua criação, em 11 Estados brasileiros abrangidos pelo
Programa, os quais, por sua vez, são representados pelos governos estaduais
(especificamente através dos secretários de meio ambiente, ou recursos hídricos),
pela sociedade civil (por meio da ASA, cujos membros são escolhidos por eleição
nos colegiados estaduais) e Assembléias Legislativas.
113
Os Pontos Focais Estaduais, mantidos pela articulação do governo com a
sociedade civil, servem para participar as questões ao governo federal, sendo que
“essa relação propicia ao governo federal uma interface/interlocução mais estreita
com os governos estaduais e desses com a sociedade”.
114
Ainda para fortalecer essa articulação, dentro dos Pontos Focais
Estaduais, foi criada a figura do Ponto Focal Parlamentar, que é o responsável
112
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 63.
113
É necessário anotar que em novembro de 2003 foi realizado um treinamento sobre os conceitos e políticas de combate à
desertificação, para facilitar a integração das ações entre os governos e os representantes da sociedade civil.
114
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 63.
pela “disseminação das discussões políticas no âmbito das Assembléias
Legislativas e pelas negociações junto às demais instâncias governamentais”.
115
A articulação entre as três esferas - governo, sociedade civil e parlamento
- é realizada pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio
Ambiente, que, é oportuno repisar, atua como Ponto Focal Nacional.
Saliente-se que a construção do PAN (Brasil) foi caracterizada por um
processo participativo dividido em dois aspectos fundamentais: a) O aspecto
técnico, centrado em estudos e revisão das políticas existentes; b) O aspecto
político, relacionado ao envolvimento dos diversos atores institucionais, tanto
governamentais como não governamentais.
116
Da interface entre esses dois aspectos, infere-se a busca pela integração
entre as propostas emanadas da sociedade civil organizada com as políticas
públicas do governo.
Importante anotar que os aspectos técnicos foram definidos a partir da
sistematização das propostas advindas das dinâmicas estaduais realizadas nos
estados abrangidos pelo Programa, à luz das políticas e programas existentes,
para sua análise e (posterior) adequação aos princípios preconizados pela CCD.
Ao mesmo tempo, os aspectos políticos também partiram das dinâmicas
estaduais, sendo organizados e coordenados pelos Pontos Focais Estaduais, com
a participação do governo e da sociedade civil organizada, e lograram êxito de
mobilizar uma gama considerável de atores regionais em torno da construção.
117
Caracterizando essa aproximação com a sociedade civil organizada,
foram realizadas duas grandes Oficinas Estaduais nos meses de março/abril e
115
Id. Ibid., p. 64.
116
Ib. Ibid., p. 65-66.
117
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 65-
66.
maio/junho de 2004, nos 11 estados abrangidos pelos Programas. Nessa
expectativa, delas participaram mais de 1.200 representantes de cerca de 400
instituições governamentais e não governamentais. É bom diferenciar que, nas
primeiras oficinas estaduais o principal objetivo se ateve a levantar as propostas
de ações para o PAN (Brasil), ao passo que nas segundas oficinas, o foco foi
dirigido para sistematizar tais ações por eixo temático.
118
Tendo em vista a amplitude do problema, distribuído em diversos temas,
foi decidido que os programas de ações do PAN (Brasil) seriam organizados em
quatro grandes áreas temáticas, tal como segue: a) Redução da Pobreza e da
Desigualdade; b) Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva; c)
Preservação, Conservação e Manejo Sustentável dos Recursos Naturais; e, d)
Gestão Democrática e Fortalecimento da Institucional.
Dessa forma, depois de sistematizadas as áreas temáticas por suas
respectivas Comissões, foi apresentada a primeira versão do Programa, que, por
sua vez, se tornou o objeto de discussão, durante o mês de julho de 2004, através
de uma videoconferência, aberta ao público, a qual envolveu a participação das
Assembléias Legislativas dos 11 estados, abrangidos pelo Programa. Saliente-se
que, por ocasião dessa videoconferência, foi possível promover o primeiro
encontro formal entre os três Pontos Focais Estaduais. Ademais, toda a
documentação relatada naquela oportunidade foi disponibilizada para consulta
e/ou sugestões na internet, por meio do portal: <http://desertificacao.cnrh-
srg.gov.br>.
118
Além dessas Oficinas, não custa ressaltar a realização do III Encontro Nacional dos Pontos Focais, em Olinda
(Pernambuco), nos dias 22 e 23 de abril de 2004, no qual “contou-se com a participação da maioria dos atores envolvidos
no processo: Pontos Focais Estaduais, membros do GTIM, membros das comissões temáticas e parlamentares”. Nesta
oportunidade, “foram discutidas as ações demandadas nas primeiras Oficinas Estaduais e analisados os textos iniciais
produzidos pelas Comissões Temáticas”.
Infere-se que, de fato, o processo de elaboração do PAN (Brasil) ocorreu
de forma participativa, seguindo a orientação dada pela CCD. Particularmente, a
criação dos “Pontos Focais Governamentais e Não Governamentais” nos 11
estados abrangidos pelo Programa favoreceu o diálogo entre o governo e a
sociedade civil organizada. Com efeito, a metodologia adotada, caracterizada pela
realização dos encontros e/ou Oficinas Estaduais para discutir e/ou sistematizar
as áreas temáticas também pode ser considerada bastante satisfatória.
9.1. O Brasil e as suas respectivas Áreas Suscetíveis à Desertificação
ASD’s
Em congruência com as definições apresentadas pela Convenção de
Combate à Desertificação”, as Áreas Suscetíveis à Desertificação ASD‟s -
concentram-se, em sua maior parte, no Nordeste brasileiro, onde predominam os
espaços semi-áridos e subúmidos secos. Ao lado dessas áreas, também existem
outras, de igual forma, afetadas pelos fenômenos das secas, localizadas, porém,
nas regiões adjacentes ao Nordeste, especificamente, nos estados de Minas
Gerais e do Espírito Santo.
Nos dados apresentados pelo Sumário Executivo do PAN (Brasil), em
conjunto, as ASD‟s representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72% do
território brasileiro, abrigando uma população de mais de 31,6 milhões de
habitantes, isso corresponde a 18,65% da população do país.
119
Acrescente-se aos processos de desertificação ocorridos nessas áreas
que:
119
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p.
xxiv.
De maneira bem sumária, pode-se assinalar que sobre uma
variada gama de unidades geoambientais, em sua maioria
bastante vulneráveis à ação humana, ocorre uma uniforme e
inadequada distribuição fundiária, aliada a uma expansão urbana
desordenada, sobre as quais incidem, também uniformemente, a
destruição da cobertura vegetal, o manejo inadequado de
recursos florestais, o uso de práticas agrícolas e pecuárias
inapropriadas e os efeitos socioeconômicos da variabilidade
climática.
120
Como resultados estampados desse fenômeno no Brasil, têm-se a
ampliação das mazelas sociais e a redução da capacidade produtiva, que, de
certa maneira, faz com que as ASD‟s “apresentem, apesar das pressões
antrópicas, um quadro de baixo dinamismo ou estagnação da atividade
econômica”. Desse modo, os habitantes das ASD‟s, pode-se incluir também o
meio ambiente, na busca pela sobrevivência, tornam-se cada vez mais
vulneráveis e frágeis.
121
Nos espaços semi-áridos do Brasil, o fenômeno da desertificação foi
identificado cientificamente a partir de 1970. Na ocasião, João Vasconcelos
Sobrinho
122
publicou um estudo pioneiro explicando que estava a se formar “um
grande deserto com todas as características ecológicas que conduziram à
formação dos grandes desertos hoje existentes em outras regiões do mundo”. O
autor informou que se tratava de um “deserto atípico, diferenciado do típico
deserto saariano, pela incidência de precipitações e natureza do solo, mas com
as mesmas implicações de inabitabilidade”.
No Nordeste, as áreas mais afetadas pelas secas, reconhecidas
oficialmente, foram delimitadas em 1936 sob a denominação de “Polígono das
Secas”, conforme a Lei 175, de de janeiro de 1936. Importante ressaltar que,
naquela época, a área do referido Polígono compreendia uma superfície de
120
Id. Ibid., p. xxiv.
121
Id. Ibid., p. xxiv.
122
VASCONCELOS SOBRINHO, João. O deserto brasileiro. Recife: UFPE/ Imprensa Universitária. 1974. p. 07.
672.281.098 quilômetros quadrados. Essa delimitação espacial perdurou até
1989.
123
A figura do “Polígono das Secas” foi substituída pela “Região Semi-Árida
do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste FNE”, em conformidade
com a Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989
124
. Desde então, a Região Semi-
Árida do FNE representa a área de atuação da “Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste SUDENE”.
Em 2000, a superfície compreendida como Região Semi-Árida do FNE
correspondia a 895.254,40 quilômetros quadrados, sendo integrada por 1.031
municípios. Nessa área, viviam 19.326.007 habitantes, desse total, 56,5 %
habitavam em áreas urbanas e 43,5%, em áreas rurais.
Com efeito, as ações do PAN (Brasil) se inserem nas regiões
climaticamente caracterizadas por semi-áridas e subúmidas secas. Saliente-se,
portanto, que os estados abrangidos pelo Programa são: Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de
Minas Gerais.
Convém mencionar que, em 1983, João Vasconcelos Sobrinho
125
observou, como evidência da desertificação nos solos nordestinos, o
aparecimento de determinadas manchas que, por sua vez:
[...] apresentam-se descarnadas, como espécies de erupções
epidérmicas. São áreas de solos rasos, quase que reduzidas ao
afloramento rochoso, sem capacidade de retenção de água, pois,
cessadas as chuvas, elas ficam imediatamente desidratadas. Os
solos dessas áreas também apresentam deficiências em matéria
123
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. 09.
124
BRASIL. Lei 7.827 de 27 de setembro de 1989. Regulamenta o art. 159, inciso I, alínea c, da Constituição Federal,
institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste -
FNE e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste - FCO, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 27.03.2006.
125
VASCONCELOS SOBRINHO, João. Processos de desertificação no Nordeste do Brasil: sua gênese e sua contenção.
Recife: Sudene. 1983. p. 25-26.
de nutrientes, que contribuem para potencializar sua vocação
para a desertificação.
Portanto, com base na ocorrência dessas manchas, Vasconcelos
Sobrinho apontou a existência de “Núcleos de Desertificação”, sendo locais onde,
mesmo em períodos de chuva, a vegetação pouco ou não se recupera.
126
Com a contribuição de Sobrinho, foi possível identificar as áreas mais
atingidas pelo fenômeno, como áreas-piloto. Nesse seguimento, a partir de 1990,
o “Núcleo Desert”, da Universidade Federal do Piauí UFPI -, produziu novos
estudos nessas áreas com vistas à Conferência Internacional e Seminário Latino-
Americano da Desertificação CONSLAD.
127
Entre março e novembro de 1996, foram feitas visitas de campo em
quatro áreas, dentre as destacadas como áreas-piloto, para investigação sobre a
desertificação no semi-árido brasileiro. Desse fato, constatou-se que a principal
causa para a intensa degradação dessas áreas foi a substituição da caatinga pela
agricultura e pecuária, bem como pela mineração, extração de argila de solos
aluviais e retirada de madeira para lenha. Desde então, tais áreas foram
identificadas como de “alto risco à desertificação” ou “núcleos desertificados”, a
saber: Gilbués, Irauçuba, Seridó e Cabrobó.
9.2. Foco do PAN (Brasil) e Eixos Temáticos do Programa
O alvo primordial e compartilhado conscientemente nas linhas gerais do
PAN (Brasil) é o apoio ao desenvolvimento sustentável nas Áreas Suscetíveis à
126
Id. Ibid., p. 25-26.
127
Vale aditar que, nos termos do PAN (Brasil): “Este foi um momento importante do ponto de vista político e de inserção
do bloco da América Latina na CCD, pois havia certo grau de dificuldade em se englobar outras áreas do planeta, além das
áreas do continente africano. Esta situação abriu novas perspectivas para que outras regiões, com base no Anexo da
América Latina, formulassem e incluíssem seus próprios anexos, como foi o caso do norte do Mediterrâneo e da Ásia”.
Desertificação ASD‟s -, por meio do estímulo e da promoção de mudanças no
modelo de desenvolvimento em curso nessas áreas.
128
Imprescindíveis aliados à meta do desenvolvimento garantidor da
sustentabilidade dos recursos naturais são, nos termos do PAN (Brasil): o
combate à pobreza e às desigualdades nessas regiões, a ampliação da
capacidade produtiva, a conservação, preservação e manejo sustentável dos
recursos e a gestão democrática e fortalecimento institucional.
129
Nessa perspectiva e conforme exposto neste estudo, o Programa em
curso traça uma estratégia para sua implementação em torno desses quatro eixos
temáticos, com seus respectivos desdobramentos. Cumpre, a seguir, explicitar
acerca de tais áreas temáticas, destacando-se que a execução das ações
programáticas se encontra a cargo das instituições públicas do governo nos três
níveis (federal, estadual e municipal), bem como das organizações não
governamentais, e demais entidades civis organizadas.
9.2.1. Redução da Pobreza e da Desigualdade
A intrínseca relação existente entre a pobreza e os processos de
desertificação é um tema amplamente debatido. O consenso que se desenvolve
entre os estudiosos da desertificação, identifica a pobreza como fator resultante
dos processos de desertificação e, simultaneamente, fator realimentador. Assim,
corrobora-se esse entendimento verificado no caso brasileiro em que:
A gradativa perda da capacidade produtiva dos recursos naturais,
inclusive da fertilidade natural dos solos, reduz de forma
128
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
129
Id. Ibid., p.76-84.
inexorável a possibilidade de produção de riquezas, acarretando,
entre outras conseqüências, a redução da renda das pessoas.
130
Nesse contexto, as comunidades submetidas a tais condições tendem,
em busca de sua sobrevivência ou da superação de sua condição de fragilidade,
a pressionar a base de recursos, na maioria das vezes depauperada,
aumentando assim os impactos negativos nas esferas ambiental, econômica e
social.
Associada à pobreza na Região Nordeste e dela agravante é a
desigualdade no uso e distribuição dos recursos naturais, tais como a terra e a
água. Nessa linha, Gerd Spavorek
131
explica que “50% dos menores agricultores
ocupam, no Nordeste, cerca de 2,1% da área total dos imóveis rurais e os 5%
maiores ocupam 67,6% da mesma área”.
Via de regra, o cenário que se apresenta é figurado por uma enorme
concentração de trabalhadores rurais, pequenos agricultores, que dispõem de
pequenas parcelas de terras, pouco férteis, das quais dependem, sobretudo, para
a produção de alimentos visando à própria subsistência, mas necessitando
produzir algo excedente comercializável. Isso implica, naturalmente, em sobre-
utilizar os recursos naturais, contribuindo, dessa forma, para agravar os
processos de degradação.
Dessa maneira, o PAN (Brasil) reafirma que “a combinação desses
elementos (pobreza e desigualdade) promove nas Áreas Suscetíveis à
Desertificação ASD‟s - uma evidente aceleração dos processos de degradação”.
Nessa lógica, é vital que os meios de prevenção e o combate à desertificação
130
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
131
SPAVOREK, Gerd. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas & Letras Editora,
2003, apud MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e
Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e
Editoração. 2004. p. 76-84.
sejam implementados simultaneamente com o combate à pobreza e à
desigualdade.
132
A partir de tais considerações, é oportuno mencionar que o PAN (Brasil)
anuncia algumas ações políticas correlatas com essa temática, que o podem
deixar de ser implementadas nas ASD‟s, tais como: a) Reestruturação Fundiária
nas ASD‟s; b) Educação; c) Fortalecimento da Agricultura Familiar e Segurança
Alimentar; d) Seguridade Social (Saúde, Assistência e Seguridade Social).
9.2.2. Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva
Em consonância com o que foi explanado nesta pesquisa, pode-se
afirmar que a sustentabilidade nas Áreas Suscetíveis à Desertificação ASD‟s -
inexoravelmente é um grande desafio ao desenvolvimento do Brasil. É importante
repisar que isso ocorre devido às restrições que esse ambiente impõe às relações
econômicas, sociais e políticas que ali se estabelecem. Ainda se esclarece que:
Apesar de as taxas de crescimento da economia da Região
Nordeste ter sido, quase sempre, maiores que a taxa média do
País, pelo menos até os anos de 1980, esse crescimento esteve
concentrado nas regiões litorâneas, fora das ASD, apesar de a
região objeto do PAN Brasil ter contribuído também para esse
desempenho. Entretanto, nas ASD os padrões de crescimento
foram, ao longo do tempo, muito mais irregulares e menos
significativos. Em conjunto, esses processos resultaram na
manutenção das desigualdades sociais e pobreza nessas áreas.
133
Vê-se que tais restrições, ou conseqüências da desertificação, como
anteriormente já foi comentado, podem levar à crença da impossibilidade de
132
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. 76-
84.
133
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
ampliação sustentável das ASD‟s. Fatalmente será inviável o desenvolvimento
sustentável nas ASD‟s nordestinas, caso permaneçam imutáveis os padrões e os
modelos usuais de crescimento da atividade econômica, fundados na
transposição quase mecânica de modelos e tecnologias de regiões temperadas
sujeitas a menores restrições.
Nesse descompasso, as ASD‟s, realmente, demandam que se amplie a
sua capacidade de resposta aos problemas e desafios inaugurados pelo processo
de desertificação. Ao mesmo tempo, não uma política federal unificada,
integrada e articulada para a promoção do desenvolvimento sustentável da
capacidade produtiva das ASD‟s.
Pertinente às políticas estaduais autônomas, complementares ou não às
políticas federais, essas ainda não foram suficientes para engendrar resultados
positivos, uma vez que fomentam um processo de desenvolvimento produtivo
sem, todavia, levar em consideração as condições especiais ou restrições
impostas pelo processo de desertificação.
Observe-se que, por essas razões também se fundamenta o movimento
da sociedade, que, por sua vez, vem reafirmando enfaticamente, como presente
na Declaração do Semi-Árido, que é possível a “convivência com o semi-árido”.
9.2.3. Preservação, conservação e manejo sustentável dos recursos naturais
Antes de explicitar o posicionamento do PAN (Brasil) em relação a este
ponto temático, é relevante construir um breve panorama do meio ambiente
estabelecido nas regiões brasileiras que sofrem com o problema da
desertificação.
Em geral, a região brasileira afetada pelo fenômeno da desertificação
apresenta uma vegetação nativa bastante diversificada, composta especialmente,
por troncos e ramos tortuosos, súber espesso, apresentando desde formas
campestres bem abertas até formas relativamente densas, florestais
denominadas de savana (Cerrado) e savana estépica (Caatinga).
O bioma Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro em área,
caracterizando-se por uma formação do tipo savana tropical, que ocupa 23,9% da
superfície do Brasil
134
. Estima-se que, nesse bioma, existam “mais de 10.000
espécies de plantas”.
135
O Cerrado abrange, em sua maior parte, a região central do Brasil,
estendendo-se pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, entretanto também se assenta no oeste de Minas Gerais e da Bahia, ao sul
do Maranhão e parte do Piauí, chegando a Rondônia e ao Pará.
Já o bioma Caatinga é uma vegetação típica do Nordeste brasileiro,
porém também incluída em partes do Maranhão e de Minas Gerais. Trata-se de
um bioma único, exclusivamente brasileiro, considerado o quarto maior em área e
composto por pelo menos uma centena de paisagens únicas, com predominância
da savana estépica.
Convém destacar que “a caatinga constitui um dos biomas brasileiros
mais alterados pelas atividades humanas”, sendo que 56% da sua área original,
que era de 1.037.517,80 quilômetros quadrados
136
, foram modificados em
134
Cerca de 20% do Cerrado brasileiro estão bem conservados, sendo que, em torno de 2,49% destes estão protegidos por
Unidades de Conservação Federais, conforme IBAMA. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma.
2003. Disponível em: <http://www2.ibama.gov.br/unidades/geralucs/estat/biomas/ucuso.pdf>. Acesso em 26 de março de
2006.
135
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
136
CONSELHO NACIONAL DA RESERVA DA BIOSFERA DA CAATINGA. Cenários para o bioma Caatinga. Recife:
SECTMA. 2004. p. 283.
razão da ocupação com “lavouras permanentes, lavouras temporárias e a
ocupação pelo chamado „efeito estrada‟”.
137
Tais biomas, Cerrado e Caatinga, sofrem uma excessiva pressão sobre
seus recursos naturais, além das “mudanças bruscas do ciclo hidrológico (secas e
enchentes)”. As tensões englobam a adoção de “estratégias de sobrevivência”
138
,
que, sobremodo, exaurem os recursos pelo uso da terra, cujas causas imediatas
são a utilização inapropriada e a degradação dos recursos naturais (água, solo,
vegetação).
Em outras palavras, a população que habita as ASD‟s apresenta uma
relação de extrema dependência dos recursos naturais dessas áreas. Entretanto,
o corte da vegetação sem um determinado plano de manejo florestal, contribui
fortemente para a redução qualitativa e quantitativa da cobertura florestal,
expondo o solo à erosão e à perda de sua camada mais fértil.
9.2.4. Gestão democrática e fortalecimento institucional
À luz da Convenção Internacional de Combate à Desertificação nos
Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação”, o Brasil, ao aderir a ela e
ratificá-la, consolidou o seu compromisso com a democracia participativa, no
intuito de garantir os direitos e deveres dos atores envolvidos nos processos de
combate ao problema.
Do ponto de vista do governo federal, é conditio sine qua non, para a
garantia a todos os brasileiros do status de cidadãos, que se combata à
137
Ademais, a Caatinga é um dos biomas menos protegidos por unidades de conservação, tendo privilegiadas somente
cerca de 2% da sua área total, conforme IBAMA. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma. 2003.
Disponível em: <http://www2.ibama.gov.br/unidades/geralucs/estat/biomas/ucuso.pdf>. Acesso em 26 de março de 2006.
138
Incluem-se nessas estratégias as técnicas de “corte raso da vegetação e o uso do fogo, assim como a grande demanda
de madeira nativa para o abastecimento industrial (pólos de cerâmicas, áreas de carvoarias, pólos gesseiros e caieiros) e
para consumo interno (lenha para energia)”.
desigualdade social e econômica. Com efeito, “busca-se estabelecer um novo
contrato social que favoreça o nascimento de uma cultura política de defesa das
liberdades civis e dos direitos humanos” e, nessa mesma linha, o Estado tem de
estar adaptado às exigências do desenvolvimento, fundado, não somente na
sustentabilidade ambiental, mas também na sustentabilidade social e
econômica.
139
No âmbito do PAN (Brasil), a estratégia assumida tem caráter
participativo e, sobretudo, assenta-se no fortalecimento da democracia em todas
as suas dimensões. Esse fortalecimento prevê o desenvolvimento de relações
plurais e democráticas, baseadas na eqüidade.
140
Dessa feita, atenção especial deverá ser dispensada à formação e
habilitação de líderes comunitários, bem como ao envolvimento das sociedades
civis organizadas, a fim de que esses atores possam efetivamente contribuir para
a implementação das políticas públicas dirigidas ao combate à desertificação.
O fortalecimento institucional, na linha da Convenção de Combate à
Desertificação, implica necessariamente “fortalecer os „atores relevantes‟, criando
condições para ampliar suas capacidades institucionais nas áreas de
conhecimento técnico, execução e gestão de iniciativas orientadas para o efetivo
combate à desertificação”. Desse modo, é indispensável o apoio de novas
institucionalidades com capacidade de contribuir efetivamente para solucionar as
questões adjacentes ao combate à desertificação.
141
Assim, o PAN (Brasil), em seu escopo, indica, como primeira ação para a
gestão democrática, o monitoramento e avaliação das atividades. Explica-se, no
139
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
140
Id. Ibid., p.76-84.
141
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
Programa, que o princípio que orienta a consolidação e a aplicação do sistema de
monitoramento e avaliação é dado pela participação qualificada de todos os
atores envolvidos no combate à desertificação. Essa premissa vale desde a
“elaboração dos indicadores, passa pela coleta de dados e vai até a avaliação dos
avanços e impactos, facilitando o acesso à informação e à democratização das
tomadas de decisão.
Ao lado do monitoramento e avaliação, têm-se, como outra orientação, as
atividades de melhoria dos conhecimentos, voltadas para superar os limites e
fragilidades do conhecimento existente no Brasil em torno dos processos de
desertificação. Contudo, tais atividades têm de estar de acordo com o novo
paradigma estabelecido, que é o de “conviver com o ambiente onde ocorre esse
fenômeno”, e não mais tentar combater a seca.
Nessa perspectiva, devem-se equacionar os desafios do
desenvolvimento sustentável, contanto que se proporcionem os instrumentos
necessários à informação.
Finalmente, o PAN (Brasil) evidencia a necessidade de fortalecimento
das dinâmicas estaduais, que deverão ser “animadas e articuladas pelos Pontos
Focais Estaduais (Governamentais e da Sociedade Civil)”, os quais, por sua vez,
como foi delineado nesta pesquisa, conformarão os espaços de participação
mais importantes para analisar os problemas locais causados pela desertificação
e para discutir e pactuar possíveis soluções entre os atores.
142
Dessa forma, é de suma importância que esses espaços aconteçam
também durante a implementação e monitoramento do Programa. Associada a
142
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
isso, a orientação segue para que esse movimento seja alimentado e
descentralizado para o âmbito local, inclusive envolvendo as prefeituras locais.
QUARTA PARTE: GOVERNAA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
10. Democracia e Estado de Direito
Antes de se debruçar sobre os contornos abarcados na concepção de
“Estado Democrático de Direito”, convém demonstrar, mesmo que de forma
abreviada, que essa idéia é fruto de uma evolução que perpassa pelos conceitos
de “Estado de Direito” e, posteriormente, “Estado Social de Direito”.
O “Estado de Direito” aconteceu a partir do momento em que o pluralismo
jurídico esculpido na Idade Média não mais se adaptava aos crescentes anseios
de liberdade, igualdade e segurança do sistema econômico e político, que, na
época, era engendrado pela burguesia. Dessa forma, em sua origem, o “Estado
de Direito” incorporou um conceito liberal, daí falar-se inclusive em “Estado Liberal
de Direito”.
Didaticamente, José Afonso da Silva
143
destacou algumas características
básicas desse Estado, tais como: a) “Submissão ao império da lei”, emanada
formalmente do Poder Legislativo; b) “Divisão de poderes”, em Legislativo,
Executivo e Judiciário, que convivem de forma harmônica e são independentes
entre si; e, c) ”Enunciado e garantia dos direitos individuais”.
Não obstante as peculiaridades supramencionadas, denota-se que a
concepção liberal de Estado serviu como apoio aos direitos do homem,
143
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 116.
especialmente ao garantir direitos fundamentais, em outras palavras, convertendo
os súditos em cidadãos livres.
Consoante Pablo Lucas Verdú
144
, a concepção liberal “se tornara
insuficiente, pelo que a expressão Estado de Direito evoluíra, enriquecendo-se
com conteúdo novo”. De fato, verificou-se que o individualismo e o
abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças.
Nesse sentido, ainda acrescenta Verdú
145
:
Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como
liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de
sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem
renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na
atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista, para
transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota
uma dogmática e pretende realizar a justiça social.
Como desfecho, infere-se que o “Estado Liberal de Direito” ou “Estado de
Direito” permutou-se para o “Estado Social de Direito”, no qual, para José Afonso
da Silva, “o qualitativo social refere-se à correção do individualismo clássico
liberal pela afirmação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de
justiça social”.
146
Da mesma maneira, anota Elías Díaz
147
, indicando que houve nessa
nova forma de Estado a compatibilização entre dois elementos: “o capitalismo,
como forma de produção, e a consecução do bem-estar social geral, servindo de
base ao neocapitalismo típico do Welfare State”.
Ainda assim, a concepção de Estado Social de Direito demonstrou que
por si não bastava, mesmo que revestida por um tipo de Estado preocupado
144
VERDÚ, Pablo Lucas. La lucha por el Estado de Derecho. Bologna: Real Colégio de España Publicaciones. 1975. p. 94,
apud, SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p.
117.
145
Id. Ibid., p. 119.
146
SILVA, (2000). Op. cit. p. 119.
147
DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo. 1973. p. 96, apud,
SILVA, (2000). Op. cit. p. 119.
com o bem-estar geral, voltado para garantir o desenvolvimento da dignidade da
pessoa humana, José Afonso da Silva
148
assinala para o fato de que sua
“ambigüidade é manifesta”.
Nessa perspectiva, salienta o referido autor que isso ocorreu
primeiramente porque a “palavra social es sujeita a várias interpretações”,
sendo assim, comporta várias acepções ideológicas do que é “social” e
“direito”.
149
Na mesma direção, Paulo Bonavides
150
conclui seu entendimento,
explicitando que:
A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista,
Portugal salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França,
com a Quarta República, especialmente, e o Brasil, desde a
Revolução de 30, foram Estados Sociais, o que evidencia que o
Estado Social se compadece com regimes políticos antagônicos,
como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo.
O segundo ponto a ser questionado é a importância de se qualificar o
Direito e não o Estado com o “plus” Social. Essa assertiva se explica nas palavras
de Elías Díaz
151
, quando admite a possibilidade de que o grande capital encontrou
fácil entrada nas novas estruturas demoliberais, chegando, assim, a constituir-se
como peça chave e central do Welfare State. D, deduz-se que o próprio modelo
capitalista tendeu a abafar qualquer eventualidade socialista, quando o qualitativo
Social esteve ligado ao Estado. Portanto, conclui José Afonso da Silva
152
que, ao
enobrecer o Direito com o Social, se “definiria uma concepção jurídica mais
progressista e aberta, e então, em lugar de „Estado Social de Direito‟, diríamos
„Estado de Direito Social‟”.
148
DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo. 1973. p. 96, apud,
SILVA, (2000). Op. cit. p. 119.
149
Id. Ibid., p. 119.
150
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed., São Paulo: Editora Malheiros. 1996. p. 16.
151
DÍAZ, Elias. Estado de derecho y sociedad democrática. Madrid: Editorial Cuadernos para el Diálogo, 1973. p. 121,
apud, SILVA, (2000). Op. cit. p. 120.
152
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17.ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 121.
Esse aspecto está abrangido no pensamento de Jurgen Habermas
153
,
quando alerta para a “carência democrática de legitimação”, que ocorre sempre
que a deliberação dos que tomam parte nas decisões democráticas não
corresponde ou coincide com a deliberação daqueles que estão na mira dessas
decisões.
Contudo, vale abrir um parêntese nessa evolução para aclarar que o
Estado de Direito, seja simbolizado pelo “Estado Liberal de Direito”, ou mesmo
pelo “Estado Social de Direito”, nem sempre caracterizou um Estado Democrático,
posto que este se fundamenta no princípio da participação popular.
154
Desse modo, o “Estado Democrático” contrapõe-se ao “Estado Liberal de
Direito”, vez que o engenho deste, como exprime Bonavides
155
, não se pauta pela
“presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco
na teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação”. Pelo
contrário, a essência do “Estado Liberal de Direito” decorre do princípio da
legalidade, em que a lei se expressa como “norma jurídica geral e abstrata”,
munida pela razão. Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho
156
, “sendo
regra geral, a lei é regra para todos”. Dessa forma, conclui-se que “dela e dela
defluiria a igualdade”.
Nessa linha de raciocínio, José Afonso da Silva
157
lembra que “a
igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda num elemento
puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis”, não percorrendo
sobre a “base material que se realize na vida concreta”. A construção do “Estado
153
HABERMAS, Jurgen. Nos limites do Estado. Folha de São Paulo: Caderno Mais, em 18 de julho de 1999. p.05.
154
CROSA, Emilio. Lo stato democratico.Torino: UTET. 1946. p. 25, apud SILVA, (2000). Op. cit., p. 121. Emilio Crosa
explica que o Estado Democrático “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não
se exaure, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado
Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento”.
155
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6. ed., São Paulo: Editora Malheiros. 1996. p. 16.
156
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva. 1988. p. 60-61.
157
SILVA, (2000). Op. cit. p. 122.
Social de Direito” não foi suficiente para assegurar a justiça social nem a autêntica
participação democrática do povo no processo político.
Nesse momento, tem lugar o “Estado Democrático de Direito”, afirmado
na criação de um novo conceito, que insere um componente revolucionário de
transformação do status quo. Esse modelo de Estado é qualificado pela abertura
à essência democrática. José Afonso da Silva
158
assevera que:
[...] o Estado Democrático de Direito, apenas abre as
perspectivas de realização social profunda pela prática dos
direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos
que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as
exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade
da pessoa humana.
Por outro ângulo, o princípio da legalidade é basilar no “Estado
Democrático de Direito”, pelo que, obviamente, o Estado, que é de Direito, está
subordinado ao império da lei. No entanto, essa lei tem de realizar o princípio da
igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização
das condições dos socialmente desiguais. Por ser ela o ato oficial de maior realce
na vida política, o deve resumir-se, portanto, a um ato jurídico abstrato, geral,
obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas sim, ao mesmo tempo
condizer com a atuação da vontade popular.
Pela ordem, a Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de outubro de 1988, trouxe no caput de seu artigo 1°, o
seguinte enunciado: “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito”. Em seguida, nos incisos desse preceito, a
referida Carta Constitucional enumerou os seus respectivos fundamentos, sendo
eles: “I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os
158
Id. Ibid., p. 124.
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”. Ainda
nesse dispositivo, acrescentou o parágrafo único, pelo qual: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”.
Nessas palavras, encontra-se instaurado o “Estado Democrático de
Direito” no Brasil, que, por sua vez, está doutrinariamente embarcado na
concepção democrática participativa, porque envolve a participação crescente do
povo no processo decisório e na formação dos atos de governo. Enfim, José
Afonso da Silva
159
adverte para que tais perspectivas pressuponham “o diálogo
entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de
formas de organização e interesses diferentes da sociedade”.
11. Afinal, o que é Democracia?
A democracia não é tida somente por um valor ou fim em si mesmo, mas
também reflete um meio de “convivência humana”, sendo alimentada
gradualmente pelo evolver social, desde que mantido sempre o princípio básico
de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do
povo.
Na explicação de José Afonso da Silva
160
, diz-se que a democracia é um
processo que denota a historicidade de um povo e revela-se pelos direitos
fundamentais que ele tem conquistado no percurso de sua narração, dado que
pertence à história do povo. Por outro lado, admite-se a concepção de Lincoln que
159
SILVA, (2000). Op. cit. p. 123.
160
SILVA, (2000). Op. cit., p. 130.
conceitua a democracia como “governo do povo”. Assim, José Afonso da Silva
161
conclui que “a democracia é um processo de convivência social em que o poder
emana do povo, de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em
proveito do povo”.
Para haver democracia, basta existir uma sociedade. Nesta, se o
“governo emana do povo, é democracia; se não, não o é”. E em relação àqueles
que acreditam que nunca houve a democracia em sua pureza, José Afonso da
Silva
162
leciona que eles a concebem como “um conceito estático, absoluto, como
algo que que instaurar-se de uma vez e assim perdurar para sempre”. Na
verdade, a democracia é o oposto disso, forma-se em um processo dialético que
vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução,
incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores.
Em conclusão, pode-se afirmar que a democracia nunca se realiza
inteiramente, pois, como se expressa, a cada nova conquista, sempre serão
avistadas novas perspectivas a serem realizadas visando ao aperfeiçoamento
humano.
Mas o conceito de democracia pode descortinar-se não a partir da idéia
de “convivência social”, e sim como uma “relação governamental”, daí falar-se em
“democracia política”. Nesse sentido, Luiz Pinto Ferreira
163
entende que a
democracia é a “forma constitucional de governo da maioria, que, sobre a base da
liberdade e igualdade, assegura às minorias no parlamento o direito de
representação, fiscalização e critica”.
Diante dessa assertiva, o referido autor ressalta que a democracia se
assenta em três princípios, o “princípio da maioria”, o “princípio da igualdade” e o
161
Id. Ibid., p. 132.
162
Id. Ibid., p. 133.
163
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 6.ed., São Paulo: Saraiva. 1983. p. 189.
“princípio da liberdade”.
164
No mesmo sentido, José Afonso da Silva
165
lembra
que Aristóteles dizia que “a democracia é „o governo onde domina o número‟,
isto é, a maioria, mas também disse que „a alma da democracia consiste na
liberdade‟, sendo todos iguais”.
Ainda o mencionado autor, atenta que não se diga que maioria é
princípio, porém “simples técnica de que se serve a democracia para tomar as
decisões governamentais no interesse geral, o no interesse da maioria que é
contingente”.
166
Da mesma forma, devem-se colocar a igualdade e a liberdade como
fundamentos ou valores da democracia, e não como princípios. Assim, infere-se
que, realmente, os dois princípios que dão essência à democracia são: a
soberania popular, segundo a qual o povo é a única fonte do poder, que se
exprime pela regra de que todo poder emana do povo, e, ao lado desse princípio,
a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja efetiva
expressão da vontade popular.
Pode-se pensar que a democracia é um instrumento de realização dos
“direitos políticos”, que, por sua vez, torna reais os “direitos econômicos e
sociais”, dos quais os “direitos fundamentais” dependem, especialmente para
garantir a liberdade, “expressão mais importante”. Além disso, os direitos
econômicos e sociais são de natureza igualitária, sem os quais os outros não se
efetivam realmente.
Interessante anotar o posicionamento de Maria Victoria Benevides
167
,
quando amplia a noção de democracia para instrumento de realização do
164
FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. 6.ed., São Paulo: Saraiva. 1983. p. 189.
165
SILVA, (2000). Op. cit. p. 133.
166
Id. Ibid., p. 134.
167
BENEVIDES, Maria Victoria. Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia. In: Reforma Política e
Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu. 2003. p. 86.
princípio da “soberania popular ativa”, focalizando o respeito aos Direitos
Humanos, visto como um “compromisso com a ética e uma política energética de
inclusão social”. Assim, a referida autora realça a exigência de se unificar a idéia
de “democracia política” com a de “democracia social”, rompendo-se com a
definição tradicional de democracia que a restringe, nas palavras da autora, “à
existência de direitos e liberdades públicas individuais e eleições periódicas
indispensáveis, é óbvio”.
Por outro ângulo, a autora supracitada, quando define os limites da
soberania popular, também advoga para que haja “controle sobre as
possibilidades de abuso de poder, inclusive o do povo soberano”. Nesse sentido,
Benevides
168
assevera que: “Se democracia significa „governo do povo‟, a
soberania popular sem freios e regras não sustenta um regime democrático”.
Assim, a democracia não acontece sem a limitação dos poderes governamentais
e popular e sem respeito aos direitos humanos. Pelo contrário, a soberania
popular tende fatalmente ao abuso da maioria e à sua transformação, por
exemplo, em “ditadura do proletariado”, ditadura da oligarquia partidária ou
ditadura de um déspota.
169
O objetivo político da democracia é amplamente apontado por
Burdeau
170
, como sendo “a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua
participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, esta
obrigado a observar”.
168
Id. Ibid. p. 86.
169
BENEVIDES, Maria Victoria. Nós, o povo: reformas políticas para radicalizar a democracia. In: Reforma Política e
Cidadania. São Paulo: Editora Fundação Perseu. 2003. p. 86-87. Vale reproduzir o entendimento da autora quando afirma
que “é evidente que soberania popular ativa não significa a participação integral do povo na vida pública (o que Norberto
Bobbio discutiu como o perigo do „cidadão total‟). Rousseau, o grande e radical defensor da democracia direta, reconhecia
que o povo não pode abandonar suas atividades privadas para se dedicar à administração da coisa pública o que cabe,
precipuamente, aos governantes e aos membros da burocracia estatal, nos vários níveis”.
170
BURDEAU, Georges. La democracia. 3. ed., Barcelona: Publicações Europa-América. 1975. p. 581 e 608, apud SILVA
(2000). Op. cit. p. 138.
Do ponto de vista formal, a democracia se mostra pelo vínculo entre o
povo e o governo, sendo aquele elemento considerado na formação deste.
Entretanto, partindo de uma concepção substancial, a relação povo-governo
converte-se numa relação de poder, e a democracia num governo de ação
popular. Mais ainda, tendo em vista o critério teleológico, a dinâmica povo-
governo pode concentrar-se no propósito de garantir a liberdade e a democracia
será puramente política, ou poderá visar à consolidação da soberania do povo
através da instituição de um regime de democracia social.
Tradicionalmente, no conceito que se deve a Lincoln, a democracia é o
“governo do povo, pelo povo e para o povo”. Do povo, vez que este é a fonte e, ao
mesmo tempo, titular do poder, pelo qual exerce a sua soberania, princípio
fundamental do regime democrático. Pelo povo, entende-se que o governo se
baseia na vontade popular, que o legitima para o seu exercício do poder, por meio
da técnica de representação política. Para o povo, implica liberar o homem de
toda imposição autoritária e garantir o máximo de segurança e bem-estar.
Mas, quem é o povo? Nessa razão, José Afonso da Silva
171
aduz que:
Há uma tendência reacionária para reduzir o povo ao conjunto de
cidadãos, ao corpo eleitoral, como se os membros deste fossem
entidades abstratas, desvinculadas da realidade que os cerca,
como se ao votar o cidadão não estivesse sob a influência de
suas circunstâncias de fato e ideológicas.
Portanto, na visão de José Afonso da Silva, o “corpo eleitoral” simboliza o
povo, mas não constitui o povo, trata-se de uma “simples técnica de designação
de agentes governamentais”. Essa questão fica superada, quando se imagina que
171
SILVA (2000). Op. cit. p. 139.
o povo é aquele que enfrenta os problemas, compartilha dos “temores, a fome, as
alegrias e as tristezas”.
172
11.1. Formas de democracia
A democracia é, em geral, qualificada, especialmente pelos
constitucionalistas, em três tipos: democracia direta, indireta ou representativa e
semidireta.
A democracia direta consiste no exercício dos poderes governamentais
diretamente pelo povo, fazendo leis, administrando e julgando. Engendrada como
forma mais aberta de participação, a democracia direta foi mais bem representa
em Atenas (cidade-estado), onde a participação se estendeu ao conjunto da
população masculina cidadã por dois séculos. Ressalva se faz é que esse
exemplo não pode ser caracterizado como um modelo includente, posto que, na
lição de Norberto Luiz Guarinelo, “dizia respeito apenas aos cidadãos masculinos
e excluía, de qualquer forma de participação política, as mulheres, os imigrantes e
os escravos”. Em contrapartida, no âmbito restrito de cidadãos, representou uma
“experiência notável de participação direta no poder de todas as camadas sociais,
independentemente da riqueza ou posição social”. Assim, a participação em
Atenas era direta, exercida por um corpo de cidadãos ativos, que representavam
a si mesmos, por meio do voto individual de seus membros. Ademais, Norberto
Luiz Guarinello
173
enfatiza que:
Nunca se desenvolveu a noção de representação, nem partidos
políticos doutrinários, nem uma clara divisão de poderes
constitucionais ou qualquer noção abstrata de soberania: esta
podia residir na assembléia, ou num conselho mais restrito, ou
172
Id. Ibid., p. 140.
173
GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na antiguidade clássica. In: História da cidadania. São Paulo: Contexto.
2003. p. 40-41.
mesmo na lei em geral, dependendo das circunstâncias
específicas e do jogo de interesses e forças em conflito.
A democracia indireta ou representativa, considerada a mais importante
por diversos autores, é aquela na qual o povo não podendo dirigir os negócios do
Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e
da complexidade dos problemas sociais, concede aos seus representantes
eleitos, periodicamente, as funções de governo.
Norberto Bobbio
174
, quando trata da democracia dos modernos, exprime
que o primeiro argumento contra a democracia dos antigos, ou direta, é a
afirmação de que ela só era possível nos Estados menores, nos quais, era fácil ao
povo reunir-se e todos os cidadãos conheciam os demais. Ainda escreve
Bobbio
175
que:
Quando Hegel exaltava a monarquia constitucional como única
forma de governo em que se poderia reconhecer o espírito do
mundo após a revolução francesa, havia um governo
republicano que se tornara forte o suficiente para chamar a
atenção de alguns espíritos inquietos e quase proféticos num
grande espaço: os Estados Unidos da América.
Nesse espírito, nasce a República junto com o governo representativo,
calçada na premissa de que não é possível a democracia direta nos grandes
Estados. Dito isso, pôde-se estabelecer uma diferenciação entre essas duas
formas de democracia, na medida em que, no caso da República, “há uma
delegação da ação governativa a um pequeno mero de cidadãos eleitos pelos
outros”, mais ainda, “ela pode ampliar a sua influência sobre um maior número de
cidadãos e sobre uma maior extensão territorial”. Em outras palavras, a
passagem da democracia direta à indireta foi “objetivamente determinada pelas
condições do ambiente”, isso faz com que a República “não seja tanto uma forma
174
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed.,
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 150.
175
Id. Ibid., p. 150.
oposta à democracia, mas sim a única democracia possível em determinadas
condições de território e população”.
176
Assim, enfatiza-se que, a partir da publicação, em 1835, do livro “Da
democracia na América”, de Aléxis de Tocqueville, houve a consagração do “novo
Estado, no novo mundo, como forma autêntica da democracia dos modernos
contraposta à democracia dos antigos”. Para Tocqueville, a distinção entre
democracia direta e indireta não tem mais nenhuma relevância, uma vez que, nas
suas palavras: “às vezes é o próprio povo que faz as leis, como em Atenas; às
vezes são os deputados, eleitos por sufrágio universal, que o representam e
agem em seu nome, sob a sua vigilância quase direta”.
177
Saliente-se que, na lição de Tocqueville, o que importa é que o poder
esteja “de fato, ou diretamente nas mãos do povo, que vigore como „a lei das leis‟
o princípio da soberania popular, donde „a sociedade age por si mesma‟ e não
existe poder fora dela‟”.
178
Um ponto fundamental, em destaque na democracia dos modernos,
referido por Bobbio, é o pluralismo, que impressiona quando se observa a
tendência que m os seus membros em se ”associarem entre si com o objetivo
de promover o bem público”, tanto que, “independentemente das associações
permanentes, criadas pela lei [...], uma multidão de outras, que devem o seu
surgimento e o seu desenvolvimento tão-somente a vontades individuais”.
179
Dessa forma, Tocqueville
180
infere que o associacionismo “converte-se num
critério novo para distinguir uma sociedade democrática de uma não
democrática”. Vale reproduzir suas palavras:
176
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed.,
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 150-151.
177
TOCQUEVILLE, Aléxis de. De la démocratie em Amérique. Paris: Grosselin. 1835, apud BOBBIO (1999). Op. cit. p. 151.
178
Id. Ibid., p. 151.
179
TOCQUEVILLE, Aléxis de. De la démocratie em Amérique. Paris: Grosselin. 1835, apud BOBBIO (1999). Op. cit. p. 151.
180
Id. Ibid., p. 151.
Nas sociedades aristocráticas, os homens não precisam unir-se
para agir, porque já estão solidamente mantidos juntos. Cada
cidadão rico e poderoso forma ali como que a cabeça de uma
associação permanente e necessária, composta por todos
aqueles que dele dependem e que ele faz concorrer para a
execução de seus desígnios. Nas democracias, pelo contrário,
todos os cidadãos são independentes e ineficientes, quase nada
podem sozinhos e nenhum dentre eles seria capaz de obrigar
seus semelhantes a lhe emprestar sua cooperação. Se não
aprendem a se ajudar livremente, caem todos na impotência.
Em suma, nos moldes supramencionados, os Estados representativos,
pautados na soberania do povo e no fenômeno da associação, reconhecem-se
como democráticos, pelo alargamento do voto ao sufrágio universal masculino
e feminino, e desenvolvimento do associacionismo político até a formação dos
partidos de massa e o reconhecimento de sua função pública.
181
Entretanto, em vista do modelo democrático-representativo, não se pode
deixar de mostrar a posição contrária da doutrina moderna, que recusa a
assertiva pela qual “o povo realmente se governe por meio de seus
representantes”.
182
A essa altura, convém lembrar a consideração de Gaetano
Mosca
183
, que apontou o fato de que “é sempre uma minoria quem governa”, não
havendo, portanto, “nem o governo de um só, nem o governo de todos ou da
maioria”. Manoel Gonçalves Ferreira Filho
184
denota que, em 1896, esse autor
publicou a tese de que:
o povo não se governa, nem jamais se governou, mas que,
sempre uma elite a classe dirigente é o que fez, e faz. É esta
classe que efetivamente governa, no sentido preciso de que toma
as decisões políticas fundamentais.
Isso ocorre porque quando a minoria governa, a democracia não tem
caráter democrático. Logo, a minoria se fecha “ao acesso de quem vem de baixo”.
181
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, 7.ed.,
Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. 1999. p. 152.
182
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 25.
183
MOSCA, Gaetano. The rulling class. 3.ed. MacGraw Hill. 1965. p.329, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 26.
184
Id. Ibid., p.329, apud FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 26.
Daí, a doutrina contemporânea, capitaneada por Robert Dahl
185
, pretende uma
poliarquia, “governo de muitos” ou “aproximação contemporânea da democracia”,
fundada na idéia de “continua adaptabilidade (responsiveness) do governo às
preferências dos cidadãos, considerados politicamente iguais”. Para tanto, é
necessário que se cumpram algumas condições, distribuídas em três grupos.
186
O
primeiro grupo conduziria à “possibilidade de o cidadão formular preferências”,
importando que haja: 1) liberdade de formar ou aderir a organizações; 2)
liberdade de expressão do pensamento; 3) direito de voto; 4) direito dos líderes
políticos competirem buscando apoio; 5) existência de fontes alternativas de
informação. O segundo grupo pauta-se na “possibilidade de manifestar
preferências” com condições de: 1) elegibilidade; 2) eleições livres e honestas.
Finalmente, o último grupo consiste em ter o cidadão suas “preferências levadas
em conta”, o que reclamaria do governo instituições para fazer as políticas
dependerem das preferências exprimidas pelo voto ou por outros modos.
187
Ferreira Filho
188
salienta que muitos cientistas políticos, “mesmo sem ir
até o extremo de Robert Dahl”, enfatizam a necessidade de se dar à democracia,
ou poliarquia, “uma definição empírica, extraída da organização que, como
comprova a experiência prática, faz o governo corresponder ao „desejo‟ dos
governados”.
Vale dizer, ainda na lição de Ferreira Filho que o termo “desejo”
compreende duas interpretações. A primeira significa que “a democracia, no
mundo contemporâneo, se reduz ao consentimento do povo (governed
democracy), por oposição à democracia governante (governing democracy) da
185
DAHL, Robert. A preface to democratic theory. Universidade de Chicago, 1956. p. 84, apud FERREIRA FILHO (2001).
Op. cit. p. 27.
186
FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 27.
187
DAHL, Robert. Polyarchy. 4.ed., New Haven-London: Yale University, 1973. p. 09, apud FERREIRA FILHO (2001). Op.
cit. p. 27.
188
FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 28.
Antigüidade”. A segunda compreensão não exclui a primeira, é a que “insiste na
responsiveness, no afeiçoar-se a política democrática ao que deseja o povo”.
189
É bem verdade que, no mundo moderno, dada a complexidade e
extensão das sociedades, é impossível que um só governe e, ao mesmo tempo, é
improvável ou inviável que todos, ou a maioria de fato, desempenhem tal tarefa.
Todavia, não se pode minimizar a importância da representação para o regime
democrático, pois que, é cediço que ela configura a chave para o funcionamento
dos sistemas democráticos contemporâneos.
Na visão empírica apresentada por Ferreira Filho
190
, conclui-se que:
A democracia contemporânea, ou poliarquia, consiste numa
forma de governo em que o povo participa decisivamente na
escolha dos seus representantes (eleição), todos os seus
integrantes em de igualdade quanto ao peso de sua
participação (voto) e à elegibilidade.
Desse modo, apreende-se que a eleição é o ponto-chave da democracia,
que permite que haja uma seleção de baixo para cima, impedindo a
cristalização como casta da minoria governante. O governo, por meio dos
representantes que o povo elege, tem por fim servir ao interesse geral, e não a
interesses privados.
Entrementes, a doutrina tem buscado formas de aprimorar a democracia,
ou poliarquia, veiculada como “governo do povo, pelo povo e para o povo”. A
despeito dessa perspectiva, Ferreira Filho
191
afirma que a sua imaginação ainda
não ultrapassou as “fórmulas da democracia semidireta, que atenuam, embora
não substituam o governo representativo”.
Pode-se dizer que a tendência era considerar a representação política
apenas pelo exercício do direito ao voto como a única forma de participação
189
Id. Ibid., p. 28.
190
Id. Ibid., p. 31.
191
FERREIRA FILHO (2001). Op. cit. p. 33.
suficiente para a realização da democracia. A velha lição de Rousseau, que infere
que a soberania reside na vontade popular, pode ter uma interpretação mais
abrangente, no sentido de não abandonar o modelo representativo, tão
fundamental à democracia, mas agregar ao governo novos institutos de
participação, mediante os quais possam ser recolhidas manifestações da
sociedade civil, não agrupada, mas também, individualmente. Muito embora
essa sociedade não forme parte do governo, é imprescindível que a mesma
esteja especialmente interessada nas decisões a serem tomadas.
Nesse passo, a idéia de participação pretende a revitalização do sistema
de tomada de decisões no “Estado Democrático de Direito”, sem se pressupor
que ela questionar as suas bases fundamentais. Na visão de Garcia de
Enterría, trata-se simplesmente de um acréscimo de conhecimentos para a
tomada da melhor decisão no processo de aplicação da lei.
192
Em linhas gerais, a democracia semidireta é a democracia representativa,
porém enobrecida pelos institutos de participação direta do povo nas funções de
governo, por isso, também pode ser chamada de “democracia participativa”.
193
Nesses termos, corrobora-se que mecanismos capazes de conferir à
representação política maior solidez, possibilitando a “atuação das organizações
populares de base na ação política”.
194
Não obstante a relevância de um exame específico e mais profundo,
perpassando por todas as formas de democracia acima apontadas, sejam elas,
na forma direta, indireta e semidireta, este estudo se ocupará, a seguir, tão
somente em delinear a democracia participativa ou semidireta, cujas arestas são
essenciais para a assimilação do foco central desta pesquisa.
192
ENTERRÍA, Garcia de. Principios e modalidades de la participaión ciudadana en la vida administrativa. Madri: Civitas.
1989. p. 442.
193
Id. Ibid., p. 140.
194
Id. Ibid., p. 141.
12. A democracia participativa
Com a institucionalização, entendida por estabelecimento de bases legais
que possibilitem a interferência da sociedade civil nos negócios públicos,
estabelece-se, na visão de Adolfo Ignácio Calderón
195
, “um novo paradigma na
gestão da coisa pública”, no qual a democracia passa a ser concebida enquanto
espaço de debate público, onde as decisões importantes da sociedade seriam
tomadas nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), num processo
de debate e discussão junto às diversas forças que interagem na sociedade civil.
A participação é um conceito que é integralmente compreendido se
tratado em conjunto com outros, como “democracia”, “cidadania” e “direitos do
cidadão”.
O novo paradigma incorporado na idéia de “democracia participativa”
compatibiliza as idéias de representação política e participação popular, sem
querer penetrar na discussão de que, em sociedades plurais democráticas, é
sabido que os interesses de grupos, por vezes, não confluem com os interesses
de todos, acolhe-se na idéia de que a ampliação da democracia pela participação
da sociedade pelo menos tempera ou aperfeiçoa os atos do governo
representante. Daí, poder falar-se em “governança”, refletida na busca do
atendimento dos anseios, interesses e aspirações dos governados.
195
CALDERÓN, Adolfo Ignácio. Meio ambiente: democracia e participação popular. In: Meio ambiente: participação,
representação & legitimidade. Ano II, n. 6, São Paulo: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea CEDEC. 1997. p.
02.
Convém destacar a síntese, apresentada por Roland Pennock
196
, das
razões pelas quais a participação deve ser incrementada pelas vias
constitucionais e legais das democracias contemporâneas. Preliminarmente, pela
simples e óbvia razão de alcançar o aprimoramento da governança (eficiência);
em segundo lugar, para propiciar mais freios contra o poder de interesses
escusos sobre o governo (legalidade); em terceiro, para garantir, sempre mais,
que nenhum interesse seja negligenciado ou excluído na consideração
governamental para a tomada de decisões (justiça); em quarto, para garantir, pela
participação de mais pessoas informadas e sábias, que se chegue a uma
sabedoria coletiva, à maneira aristotélica, que sobrepasse mesmo a do mais
sábio e prudente governante (legitimidade); em quinto, pela responsabilidade que,
assim, se infunde nos indivíduos, pelas conseqüências de suas ações políticas,
aprimorando-se pelo equilíbrio, que isto importa entre a realização de seus
desejos pessoais e do interesse coletivo (civismo); sexto, para tornar o produto
governamental mais aceitável e, portanto, de um lado, garantindo o mais fiel
cumprimento de suas determinações e, de outro, reduzindo o risco de
descontentamentos (ordem).
Enfim, salienta-se, neste estudo, que a prática democrática não se deve
limitar aos mecanismos da democracia meramente representativa. Nesse sentido,
José Joaquim Gomes Canotilho
197
aborda o vínculo entre a democracia e a
participação no Estado, elucidando que:
O princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com
dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais.
Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais
importantes postulados da teoria democrática representativa
196
PENNOCK, J. Roland. Democratical Political Theory. N. Jersey: University Press Princeton. 1979. p. 261, apud
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de participação política: legislativa, administrativa, judicial. Rio de Janeiro:
Editora Renovar. 1992. p. 38.
197
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 1998. p.
278.
órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário.
Em segundo lugar, o princípio democrático implica em
democracia participativa, isto é, estruturação de processos que
ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a
democracia, participar nos processos de decisão, exercer
controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs
políticos democráticos.
Com a consagração de uma “dimensão participativa” à democracia, ou ao
princípio democrático, como sugere o autor, ao lado da existente “dimensão
representativa”, elevou-se a orientação do input que, na preleção de Canotilho
198
,
significa que “o homem se transforma em homem através da
autodeterminação, e a autodeterminação reside primariamente na participação
política”.
Em remate, o autor supramencionado assimila que, entre o conceito de
democracia reduzida a um processo de representação e o conceito de
democracia como otimização de participação, “a Lei Fundamental „apostou‟ num
conceito complexo-normativo, traduzido numa relação dialética (mas também
integradora) dos dois elementos representativo e participativo”.
199
Nesse aspecto, denota-se que não pode haver uma idéia de
sobreposição de democracias, isto é, a democracia participativa ou semidireta
preferencialmente à representativa, ou vice-versa, visto que, como tem sido
abordado nesta pesquisa, faticamente, as duas teorias funcionam como aliadas.
Trabalhados em conjunto, os dois conceitos formam aquilo que Maria
Victoria de Mesquita Benevides
200
denomina “cidadania ativa”. Para tanto,
confluem no Estado os modelos de participação na atividade legislativa,
administrativa e jurisdicional.
198
Id. Ibid., p. 278.
199
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Livraria Almedina. 1998. p.
278-279.
200
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa. Referendo, plebiscito e iniciativa popular. São Paulo: Editora
Ática. 1998.
Pedro Jacobi
201
sustenta que “a participação constitui-se num meio
fundamental de institucionalizar relações mais diretas, flexíveis e transparentes
que reconheçam os direitos dos cidadãos”. Nesse contexto de pressão social
apresenta-se a busca por uma cidadania ativa que disponha dos instrumentos
para o questionamento da ordem estabelecida. Essa forma de atuação política,
sem vida, facilita e torna mais direto o contato entre os cidadãos e as diversas
instituições do Estado, possibilitando que se levem mais em conta os interesses e
opiniões da sociedade civil, antes que o poder público tome sua decisão.
Mesmo Hans Kelsen
202
, um autor apegado aos aspectos formais, em seu
estudo sobre a democracia, declara que a gestão do interesse público não se
restringe ao processo legislativo, ao contrário, tende a avançar pelo campo da
execução das normas, ensejando a “democracia da execução”.
Por outro lado, partindo de um protótipo diferente de Kelsen, Norberto
Bobbio
203
também se refere à necessidade de um grau de democracia exercida
em todas as esferas públicas, pronunciando que:
In altre parole, quando si vuol conoscere se ci sai stato uni
sviluppo della democrazia in um dato paese si dovrebbe andare a
vedere se sai aumentato no il numero di coloro che hanno il diritto
di participare alle decisioni che li riguardano ma gli spazi in cui
possono esercitare questo diritto.
Ainda que a doutrina concorde com a relevância do efeito da
participação pública na democracia, ela diverge em relação à sua natureza,
201
JACOBI, Pedro. Participação popular e a construção de uma nova institucionalidade. In: Meio ambiente: participação,
representação e legitimidade. Ano II, n. 6, São Paulo: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea CEDEC. 1997. p.
01.
202
KELSEN, Hans. A democracia. Tradução por Vera Barkow, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla, Ivone
Castilho Bernadetti, São Paulo: Martins Fontes. 1993. p. 80.
203
BOBBIO, Norberto. Il futuro della democrazia. Una defesa delle regole del gioco. Torino: Eunaudi. 1984. p. 16.
enquanto, uns a consideram um princípio
204
, outros em os direitos de
participação
205
, outros, ainda, tratam a participação como poder político
206
.
Para os fins deste estudo, a participação se enquadra nessas três
concepções, tendo em mira que ela pode caminhar sob pontos de vista distintos.
Em outras palavras, a participação popular pode ser aludida como um princípio
que decorre do ordenamento jurídico, como um direito declarado na ordem
jurídica constitucional e infraconstitucional, explícita ou implicitamente, ou como
um poder político derivado do fenômeno fático, que é o controle do poder público.
Segundo as linhas desenvolvidas até aqui, a participação pública pode
parecer uma tarefa fácil. Pelo contrário, para que sujeitos simples se transformem
em cidadãos, não no sentido estrito da participação pelo exercício dos direitos
políticos, mas em cidadãos capazes de fazer uma intervenção participativa na
administração, inclusive, associados de maneira organizada, inúmeros
obstáculos a serem transpostos.
Entrementes, vale reproduzir a opinião severa de Maria Victoria
Benevides
207
:
O povo é incompetente para votar em questões que não pode
entender; é incoerente em suas opiniões (quando as tem) e é,
ainda, politicamente irresponsável; o povo tende a votar na forma
mais conservadora e, quando muito solicitado, torna-se apático
para a participação política, o povo é mais vulnerável do que seus
representantes, às pressões do poder econômico e dos grupos
superorganizados; o povo é dirigido pela tirania da maioria e
dominado pelas paixões.
Nessa lição, apóia-se a idéia de que converter meros espectadores em
agentes é o maior desafio da participação. No entanto, não é tarefa impossível.
204
CANOTILHO (1998). Op. cit. p. 278.
205
Assim descreve HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade II. Trad. Flavio Beno
Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1977.
206
Como exemplo, BRITTO, Carlos Ayres de. Controle Social e participação popular. In Revista Trimestral de direito
público. São Paulo: março de 1992.
207
BENEVIDES (1998). Op. cit. p. 80.
Por isso, a participação pública efetiva conta com o maior volume praticável de
informações, e o Estado, em consonância com os princípios da legalidade e
publicidade, tem o dever de disponibilizá-las.
Ademais, a todos não deve ser permitido o acesso às decisões
políticas, mas também se torna imprescindível que a sociedade conheça as
variáveis discutidas no processo decisório. Nesse caminho, a sociedade estará
apta a ser inserida no processo decisório público, mesmo que, num primeiro
momento, acrescente as suas idéias e/ou instruções, como tem ocorrido no
âmbito dos debates ou das audiências públicas, e, posteriormente, controle as
atividades dos órgãos do governo.
Corrobora o que foi dito acima Moreira Neto
208
, explicitando que a
participação pública na esfera política está entrelaçada com algumas presunções,
“a publicidade oficial alcança a todos e que todos tenham conhecimento dos atos
do governo, assim como de que a comunicação social esteja ao alcance de todos
numa sociedade aberta e democrática”.
Nesse mister, é bom acentuar o óbice da educação que precisa ser
superado ao lado da garantia de informação. Logicamente, não adianta publicizar
a informação essencial ao processo de participação pública, se a população não
está preparada para assimilá-la, ou não conhece os meios pelos quais é feita a
comunicação. A título exemplificativo, Bobbio
209
chama a atenção para as novas
tecnologias que formam o que os americanos denominam “computercracia”, e
que, sobremodo, podem influenciar na disparidade do acesso à informação,
produzindo uma verdadeira “exclusão digital”.
208
MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p.193.
209
BOBBIO (1984). Op. cit. p. 50.
12.1. A dimensão participativa e a Administração Pública
Muito embora haja concordância nos estudos apresentados pela
comunidade científica, que comprovam a relevância de um exame exclusivo e
minucioso sobre as formas de participação pública, tanto em âmbito legislativo
como em sede jurisdicional, e essas formas de participação se encontrem
ressaltadas no ordenamento constitucional vigente, para os fins da presente
pesquisa, merece especial atenção a figura da participação ou comunicação
pública na órbita administrativa.
210
Sendo notório que o legislador não consegue alcançar todas as hipóteses
que a realidade social pode apresentar, o corpo executivo assume uma visível
pluralidade de funções, e, como resultado provável dessa atuação, exerce uma
nítida liderança nas tomadas de decisões. Na verdade, tudo que se exige, em
conformidade com o posicionamento explicitado durante este estudo, é que haja
certa abertura por parte da administração do governo, no intuito de ensejar a
participação democrática de seus cidadãos em suas decisões.
Desse modo, convém demonstrar como as modalidades de participação
administrativa têm sido apresentadas de maneira diversificada, mas com o
mesmo fim de aproximar o administrado da decisão, tornando-a, por conseguinte,
cada vez mais afinada com os interesses a que se dirige.
Com efeito, a participação pública na função administrativa pode realizar-
se, numa visão ampla, por meio de consulta prévia.
211
Assim, algumas
modalidades específicas estão em uso, tais como: “audiências públicas,
210
Em linhas gerais, tem-se que, em âmbito legislativo, a comunicação com o cidadão pode se dar, conforme a previsão na
Constituição Federal de 1988, por plebiscito, referendo ou iniciativa popular. Em sede jurisdicional, a participação pública
dos cidadãos é permitida nas tutelas coletivas, pela via individual da ação popular, pela ação civil pública ou pelo mandado
de segurança coletivo. Corroboram esse entendimento, GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel &
WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1988.
211
MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 90.
debates públicos, coleta de opiniões, participação institucional de administrados
em colegiados mistos e, finalmente, também em nível institucional, a adoção de
assessorias especiais”.
212
Pedro Jacobi
213
discute o tema e argumenta que:
A participação consultiva, embora possa ser levada em conta,
não interfere diretamente no poder decisório, podendo acontecer
tanto na fase de planejamento como na fase de definição e de
implantação de políticas públicas.
Entretanto, a participação pública pode resultar no envolvimento da
sociedade civil na verdadeira ação de tomada de decisão. Segundo Jacobi
214
, “a
participação resolutiva e a participação fiscalizadora implicam a intervenção no
curso da atividade pública, portanto representam participação no processo
decisório, interferindo diretamente no modus operandi da Administração Pública”.
A importância da distinção entre participação consultiva e deliberativa
reside no fato de que a primeira permite um compartilhar do poder decisório sobre
processos de gestão e de formulação de políticas, enquanto a segunda envolve
os atores sociais em seu controle, resultando na possibilidade de ações corretivas
e/ou reorientadoras da gestão da coisa pública.
Em geral, esses instrumentos públicos de participação possibilitam à
administração tomar conhecimento dos posicionamentos de seus administrados
em torno de algum assunto específico, de interesse coletivo ou difuso. Nessas
etapas, os indivíduos participantes, ou grupos interessados, podem discutir
amplamente as medidas propostas.
212
Id. Ibid., p. 90.
213
JACOBI (1997). Op. cit. p. 01.
214
Id. Ibid., p. 02.
Na visão administrativista de Moreira Neto
215
, a participação pública em
suporte à administração “visa principalmente à legitimidade dos atos da
Administração Pública, embora, incidentemente possa servir a seu controle de
legalidade”.
Cumpre, sobretudo, enfatizar que esse autor confirma o entendimento de
que a participação administrativa pode dar-se em diversas modalidades
216
, dentre
as quais algumas não necessitam de expressa previsão constitucional, posto que
despontam como uma “solução de especial interesse para o Direito blico
contemporâneo, cada vez mais comprometido com a realização da legitimidade”.
217
Em outras palavras, com base na legitimidade, Moreira Neto
218
advoga que o
grande desafio do Direito Público, neste momento, figura não em envolver os
administrados nas opções legislativas, mas também, casuisticamente, participá-
los nas tomadas de decisão em âmbito administrativo.
Gustavo Binembojm
219
, por sua vez, ao tratar da relação entre a
democracia e a Administração Pública, realça o que se convencionou chamar de
“democratização do exercício da atividade administrativa não diretamente
vinculada à lei”. Nesse passo, o autor sustenta que:
Tal democratização é marcada pela abertura e fomento à
participação dos administrados nos processos decisórios da
Administração, tanto em defesa dos direitos individuais
(participação uti singulus), como em nome de interesses gerais
da coletividade (participação uti cives).
Mas o incentivo à participação social nos processos de formulação das
decisões administrativas não está imune a críticas, que não se pode
215
MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 87.
216
Id. Ibid., p. 87. Na mesma linha de pensamento, esse autor orienta para que a participação aconteça em qualquer dos
campos da atividade administrativa do Estado: “se externa, no exercício do poder de Polícia de Polícia, na prestação dos
serviços públicos, no Ordenamento Econômico, no Ordenamento Social e no Fomento Público, ou se interna, na gestão de
seu pessoal, de seus bens e de seus serviços”.
217
Id. Ibid., p. 87.
218
Id. Ibid., p. 88.
219
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização.
Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p. 77.
desconsiderar a tese de alguns autores que exprimem certa preocupação com a
eficiência administrativa, tendo em vista “os resultados das tramitações mais
demoradas e burocráticas, quanto mais aberta ao povo fosse a participação”.
Nesse intuito, Agustín Gordillo
220
trabalha com essas dissidências, concluindo
que, em última análise, a participação configura também uma forma de eficiência.
Ainda é importante mencionar que, ao lado da obrigatoriedade prevista
no ordenamento constitucional ou infraconstitucional, também se verifica a
discricionariedade atribuída aos administradores ao implantarem os meios de
participação popular. Em consonância com a visão de Moreira Neto
221
, “a
legitimidade da ação administrativa não se esgota na vinculação obrigatória à
finalidade, que é o interesse blico, expresso ou implicitamente definido em lei”.
Daí, infere-se que boa parte dos atos praticados pela Administração Pública é de
natureza discricionária, pautados na decisão sobre a conveniência e
oportunidade.
222
Nesse ponto, é oportuno acentuar a idéia apresentada por Maria Paula
Dallari Bucci
223
em relação ao processo de formulação de políticas blicas, o
qual “representa o modo de formação da vontade administrativa no espaço da
ação discricionária”.
Como desfecho, saliente-se que a atuação discricionária da
Administração Pública ao engendrar as políticas blicas, em conformidade com
o instaurado “Estado Democrático de Direito”, pode elevar os processos de
220
GORDILLO, Agustin. La Administración Paralela. Buenos Aires: Editora Civitas. 1982. p. 06, apud MOREIRA NETO
(1992). Op. cit. p. 88. Cumpre salientar que em sentido amplo, esse autor advoga que “a eficiência não consiste apenas
em adotar a melhor solução, em termos de custos e de tempo, de abrangência e de qualidade, como também a mais
legítima, por ser a que melhor corresponde aos interesses do administrado”.
221
MOREIRA NETO (1992). Op. cit. p. 124.
222
Ver a esse respeito, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e discricionariedade: novas reflexões sobre os
limites e controle da discricionariedade. 4.ed. , Rio de Janeiro: Forense. 2002.
223
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 250. Ademais, esta
autora ainda elucida que: “Especialmente num país de regime presidencialista, em que os aparelhos do governo e da
Administração se confundem no Poder Executivo, se pode concluir que o direito administrativo interessa às políticas
públicas, assim como as políticas públicas interessam ao direito administrativo”.
participação pública, instituindo novas formas de participação ou propulsando as
formas usuais.
12.1.1. Participação Pública e Gestão Ambiental
Preliminarmente, convém elucidar que o foco deste estudo se assenta na
necessidade de participação pública como meio de articulação entre o Estado e a
sociedade civil, através dos instrumentos de socialização da formulação de
políticas blicas ambientais, verificados pelos projetos e programas do governo.
Em outras palavras, este trabalho se ocupará especialmente da participação
consultiva e deliberativa em instâncias do Executivo que permitem o acesso da
sociedade civil organizada aos processos de gestão dos recursos naturais. Trata-
se, na realidade, da ampliação da possibilidade de ação democrática.
Entretanto, é preciso mencionar que a dimensão da participação política
ambiental pela via indireta também tem seus aspectos relevantes, especialmente,
no que tange ao fenômeno característico das últimas décadas, que é a aparição
dos “partidos verdes”. Nesse intuito, a consciência ambiental está no foco dessas
novas formações políticas que fazem da ecologia o suporte para as suas idéias.
Assim, esses partidos apreendem a incorporação da causa ecológica nos seus
programas de governo.
A participação popular nas políticas públicas como um todo entrou no
vocabulário de especialistas quando, a partir da década de 70, em temas
relacionados ao desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas ONU -
passou a adotá-la em seus documentos.
Dessa forma, Stiefel e Wolfe
224
lembram seis aspectos que devem ser
levados em conta na análise da participação popular e que foram indicados por
estudiosos da United Nations Research Institute for Social Development
UNRISD.
O primeiro aspecto exprime a participação popular de “última instância”,
ou em face dos excluídos, descrita com a finalidade de enfrentar os processos de
exclusão em nível de participação da sociedade civil. Outro foco é a consideração
pelos movimentos ou organizações de atores com potencial de participação, que,
por sua vez, “são aqueles que apresentam estruturas organizacionais
permanentes, têm capacidade de escolha e manutenção de lideranças, se
relacionam em rede com outros movimentos de excluídos”. A terceira fonte é a
“identificação de atores individuais, que ocupam espaços participativos e
representam setores da sociedade”. A quarta, “são os componentes participativos
muitas vezes presentes em projetos e programas governamentais e de
organizações internacionais”. O quinto elemento corresponde às “iniciativas
participativas integrantes de políticas nacionais”. E, finalmente, o sexto seria a
verificação de “estruturas e ideologias antiparticipativas, em geral desenvolvidas
por oligarquias, em defesa de seus próprios interesses, contra a participação
popular”.
Dentre esses elementos, sublinhe-se, para os fins deste estudo, o tópico
que sinaliza para as participações populares nas políticas públicas nacionais e,
mais ainda, acrescente-se a ele a participação em nível estadual e local.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 caracteriza-se
por estar imbuída de uma ideologia participacionista, reflexo de um amplo
224
STIEFEL, M.; WOLFE, M. A voice for the Excluded Popular Participation in Development: Utopia or Necessity. Zed
Books Ltd. & The United Nations Research Institute (Unsrid), Genebra. 1994, apud, FURRIELA, Rachel Biderman.
Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP). 2002. p. 30.
movimento democrático-popular que se articulou nas principais capitais brasileiras
na época da Assembléia Nacional Constituinte. Nas palavras de Adolfo Ignácio
Calderón
225
:
A existência desta ideologia fica evidente não só pela inclusão de
mecanismos de participação direta (plebiscito, referendo e
iniciativa popular) e a substituição da fórmula „todo poder emana
do povo e em seu nome será exercido‟, pela frase „todo poder
emana do povo que o exerce por meio de seus representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição‟, mas
também, porque ao longo do texto constitucional foram
incorporados princípios gerais que estabelecem as bases gerais
para a participação da população na gestão da coisa pública.
Como exemplo do que foi dito pelo autor, pode-se mencionar que a
referida Constituição determina que o planejamento nos municípios seja realizado
com a cooperação das associações representativas da sociedade civil; ou ainda,
na área da assistência social, a participação da população deve dar-se por meio
das organizações representativas na formulação de políticas e no controle das
ações; e, no âmbito do Sistema Único de Saúde SUS -, este deve ser
organizado tendo como diretriz a participação da comunidade.
No tocante à questão ambiental, infere-se que a Constituição não foi tão
explícita como nos exemplos citados acima, entretanto abriu uma brecha que
sustentaria legalmente a participação da sociedade civil, ao reconhecer o direito
que têm os cidadãos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o
dever do poder público e da coletividade de defender e preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, depreende-se o dever da
sociedade de participar não somente através da pressão e interlocução com o
poder público, mas também com ações cotidianas individuais no intuito de garantir
esse direito eminente.
225
CALDERÓN (1997). Op. cit. p. 03.
Em âmbito internacional, a Agenda 21 propõe uma associação mundial
em prol do desenvolvimento sustentável, prevendo, como condição da
consecução desse objetivo, a participação blica em diferentes momentos e
instâncias. Ao longo desse plano de ação, encontram-se dispositivos sobre
participação pública na gestão do meio ambiente em pelo menos 20 de seus 40
capítulos, que propõem a ampla e eqüitativa participação de todos os setores da
sociedade.
Em linhas gerais, a Agenda 21 prevê a mais ampla participação pública,
especialmente através do envolvimento ativo das organizações não
governamentais (ONG‟s) e todos os grupos relevantes na tomada de decisões.
Enfatiza, contudo, a participação popular de pessoas pobres, e em particular
mulheres, indígenas, jovens, idosos e deficientes, em diferentes níveis de gestão,
mas principalmente nos grupos comunitários locais, com o objetivo de promover o
desenvolvimento sustentável. Assim, propõe que a formulação e a tomada de
decisões, em todos os segmentos, devem dar-se através de processos
consultivos, sempre que possível com base em reuniões comunitárias, grupos de
trabalho regionais e seminários nacionais, conforme apropriado.
Mereceu destaque a participação das ONG‟s, em cujo capítulo específico
está disposto que a independência dessas organizações é um atributo essencial e
constitui condição prévia para a participação genuína.
A idéia que se apreende é que a busca da sustentabilidade deve partir da
incorporação do preceito da participação pública em processos de gestão dos
recursos ambientais. Porém, esse desafio é tanto maior quanto menor for a
tradição democrática dos países e de suas instituições.
Outro instrumento internacional importante, no que se relaciona com a
participação pública ambiental, é a “Convenção de Aarhus”, firmada durante a
Conferência Ministerial da série “Meio Ambiente para a Europa”, em 21 de abril de
1998, e endossada pela Comissão Econômica para a Europa da Organização das
Nações Unidas.
226
Embora assinada pelos países da Comunidade Européia em
25 de junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus, ela começou a valer
19 dias após o depósito do instrumento de ratificação pelo 16º país signatário na
Secretaria Geral das Nações Unidas (ONU). Com a ratificação pela Hungria em
29 de maio e pela Estônia em 6 de junho de 2001, completou-se o número
mínimo de 16 ratificações.
Tal documento trata do “Acesso à informação, à Participação Pública em
processos decisórios e à Justiça em Matéria Ambiental”, constituindo uma das
normas mais completas e atuais acerca da participação popular em gestão
ambiental.
Válida para os países da Comunidade Européia, representa avanço no
Direito Internacional do Meio Ambiente, na medida em que estipula regras claras
sobre participação blica em processos de decisão ambiental. Garante também
o acesso dos cidadãos a informações relevantes sobre qualidade ambiental e o
acesso à justiça para proteger o direito de todos a um meio ambiente sadio.
227
Na tradução de Furriela
228
, o artigo da Convenção dispõe sobre a
participação blica em atividades específicas e prevê que os países membros
deverão observar o seguinte:
- Sempre que houver um determinado processo de tomada de
decisão o público interessado deverá ser informado em sua fase
inicial, em forma e tempo adequados, sobre os seguintes
226
Dados disponíveis em: <http://www.unep.org>. Acesso em 30 de maio de 2006.
227
Dados disponíveis em: <http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=1122>. Acesso em 30 de maio de 2006.
228
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP).
2002. p. 39-40.
aspectos: a) a atividade proposta e qual o aspecto a ser decidido;
b) a natureza da decisão a ser tomada; c) a autoridade pública
responsável pela tomada da decisão; d) o procedimento a ser
adotado (quando inicia, quais as oportunidades para participação
pública, indicação de autoridade que pode fornecer informações
ou de onde podem ser obtidas informações, indicação de
autoridade que pode ser consultada no processo, indicação de
qual informação ambiental está disponível sobre a atividade
proposta); e) e o fato de que a atividade é sujeita a procedimento
de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço;
- O procedimento de participação pública deverá incluir
cronogramas razoáveis para as diferentes fases, permitindo
tempo suficiente para que o público se informe e se prepare para
participar efetivamente na tomada da decisão ambiental.
- Os empreendedores que sujeitam atividades a aprovação
devem se estimulados a identificar o público relevante para
participar das discussões e, ainda, a fornecer informações sobre
os objetivos de sua solicitação, antes de requererem uma licença.
- Cada país membro deverá solicitar das autoridades
competentes que facilitem o acesso a toda informação relevante
para o processo de tomada de decisão disponível, que deverá
conter, no mínimo, os seguintes dados: a) descrição do local e
das características físicas e técnicas da atividade proposta,
incluindo uma estimativa dos resíduos e emissões possíveis; b)
uma descrição dos impactos significativos da atividade proposta
sobre o meio ambiente; c) uma descrição das medidas previstas
para prevenir e/ou reduzir os efeitos, inclusive as emissões; d)
um resumo não técnico dos itens acima; e) uma descrição das
principais alternativas consideradas pelo solicitante; f) dados
sobre relatórios e opiniões formulados para as autoridades
públicas.
- O público poderá apresentar por escrito, ou numa audiência
pública, ou numa audiência com o solicitante, qualquer
comentário, informação, análise ou opinião que considere
relevante com relação à atividade proposta.
- O resultado da participação pública deve ser devidamente
considerado no processo de tomada de decisão.
Quando a decisão for tomada pela autoridade pública, o público
deve ser informado rapidamente sobre essa decisão, de acordo
com procedimentos apropriados. O texto da decisão deverá ser
acessível a todos, contendo as razões e justificativas daquela
decisão.
- Uma atualização ou reconsideração das condições de operação
de uma atividade deve observar todos os preceitos contidos
neste artigo 6°.
- As disposições do referido artigo devem ser aplicadas por cada
país membro, quando apropriado, às decisões relativas à
introdução de organismos geneticamente modificados no meio
ambiente.
Também é importante frisar o artigo 7° da Convenção que de acordo com
Furriela
229
, trata da participação pública na definição de planos, programas e
políticas relativas ao meio ambiente e define que:
Cada parte deverá estabelecer os dispositivos práticos para o
público participar durante a preparação de planos e programas
relacionados ao meio ambiente, de forma transparente e justa,
mediante a prestação de informações relevantes ao público. O
público a participar deverá ser identificado pela autoridade
pública, levando-se em consideração os objetivos da Convenção.
Na medida do possível, as Partes deverão promover a
participação pública também no que concerne à elaboração de
políticas ambientais.
Ademais, ainda tem lugar a menção ao artigo que dispõe sobre a
participação pública na elaboração de resoluções (normas infralegais), e assim,
conforme Furriela
230
, esse dispositivo estabelece que:
As partes devem promover a participação num estágio
apropriado, e enquanto há ainda opções a serem discutidas,
durante o preparo pelas autoridades públicas de resoluções ou
outras normas vinculantes que possam ter impacto significativo
sobre o meio ambiente.
Tais preceitos adotados em âmbito internacional podem ser observados e
até servir de modelo para a formulação de normas no Brasil que passariam,
então, a ser incorporadas nas práticas de gestão pública ambiental, em
consonância com o instaurado paradigma democrático dos processos decisórios.
No ordenamento jurídico brasileiro, existem instrumentos importantes que
podem prestar-se à proteção do meio ambiente, dado que permitem a
participação do cidadão nas três esferas do governo.
Em sede do Poder Legislativo (federal, estadual ou municipal), à luz do
Constituição da República Federativa de 1988, o cidadão, ou grupo de cidadãos,
pode participar da gestão da coisa pública, propondo novas leis, ou sugerindo
229
FURRIELA, Rachel Biderman. Democracia, cidadania e proteção do meio ambiente. São Paulo: Annablume (FAPESP).
2002. p. 39-40.
230
Id. Ibid,. p. 39-40.
mudanças nas existentes através do encaminhamento de um Projeto de Lei
Complementar ou Ordinária de Iniciativa Popular, bastando que se obtenha um
número mínimo de assinaturas de eleitores. Outras formas de participação direta
previstas acontecem por meio do plebiscito, uma consulta ao povo acerca de
assuntos do seu interesse, e através do referendo, que também é uma consulta,
só que diz respeito a projeto em tramitação, ou já votado pelo Legislativo.
231
ainda que atuar junto ao Legislativo, no âmbito das Comissões do
meio Ambiente, que existem permanentemente na Câmara e no Senado Federal.
Trata-se de órgãos técnicos encarregados de analisar, avaliar e decidir sobre
todas as propostas de novas leis. Vale dizer que essas Comissões também
existem nos legislativos estaduais e municipais e servem de fórum para
discussões de interesse da sociedade. Nos termos da Constituição Federal de
1988, artigo 58, §2°, algumas de suas atribuições são: 1) Realizar audiências
públicas com entidades da sociedade civil para discussões as mais variadas
possíveis; 2) Convocar ministros de Estado para prestar informações sobre
assuntos da sua área; 3) Receber petições, reclamações, representações ou
queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou
entidades públicas; 4) Solicitar depoimentos de qualquer autoridade ou cidadão;
5) Apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de
desenvolvimento e sobre eles emitir pareceres.
No âmbito do Poder Judiciário, o cidadão pode atuar individualmente ou
através de organizações não governamentais, como as entidades ambientalistas,
entidades de defesa do consumidor ou de direitos humanos, promovendo ações
judiciais em defesa do meio ambiente, ou ainda, através de representações
(denúncias) encaminhadas ao Ministério Público. diversos tipos de ações que
231
Artigos 14, incisos I, II, III e artigo 61 da CRFB/1988.
podem ser utilizadas para a defesa do meio ambiente, dentre as quais se
destacam a Ação Popular e a Ação Civil Pública.
232
Na esfera do Executivo, diferentes espaços para a participação dos
cidadãos, que se torna visivelmente importante nos Conselhos do Meio Ambiente
existentes nos veis federal (Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA),
estadual (Conselhos Estaduais do Meio Ambiente COEMAS e CONSEMAS) e
municipal (Conselhos Municipais do Meio Ambiente CONDEMAS).
Se bem que a Constituição Federal de 1988 não institucionalizou nenhum
tipo de Conselho, contudo, verifica-se em Leis Federais específicas, ou em várias
Constituições Estaduais e em Leis Orgânicas Municipais, a determinação da sua
criação, obviamente nos diversos níveis da estrutura do governo. É necessário
enfatizar que, em alguns casos, são criados Conselhos de caráter meramente
consultivo, em outros, têm o caráter deliberativo, definindo prioridades
governamentais, fiscalizando e avaliando as ações do Executivo.
Destarte, os Conselhos costumam ter em sua composição representantes
de entidades ambientalistas e de outros segmentos da sociedade civil, tais como
representantes dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre
outros. Alguns desses órgãos têm função regulamentadora, o que torna a
participação nesses espaços ainda mais interessante para os vários segmentos
da sociedade com interesse em proteger o meio ambiente. Nesse sentido, Édis
Milaré
233
explica que:
Além do poder de iniciativa de lei, a presença de representantes
da comunidade, indicados livremente pelas associações civis,
nos conselhos e órgãos de defesa do meio ambiente, enseja
atuação efetiva na criação do Direito tutelar ambiental. É o que
ocorre, por exemplo, com as atividades do CONAMA, órgão
colegiado de âmbito nacional que tem como competência, entre
232
Artigos 5°, inciso LXXIII e 129, inciso III c/c §2° da CRFB/1988.
233
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4.ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2005. p. 233.
outras, estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao
controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com
vistas ao uso racional dos recursos ambientais.
Saliente-se, principalmente, que a sociedade pode atuar na defesa do
meio ambiente de forma direta, tomando parte na formulação e na execução de
políticas blicas ambientais. Entretanto, como assevera Milaré
234
, citando Álvaro
Mirra, nesse caso a participação popular tem sido mais deficiente, seja pela
“ausência de um canal direto que ligue a comunidade aos órgãos da
Administração Pública”, seja pela “falta de composição paritária nos órgãos
colegiados”.
Nesse contexto, os cidadãos devem estar atentos, especialmente às
atividades de Zoneamento Ambiental ou ZEE, procurando manifestar-se quando
iniciativas e discussões relativas a planos, programas ou atividades a serem
implementadas em sua região ocorrerem.
No âmbito desse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, a
Avaliação de Impacto Ambiental assume extrema importância. Na ocasião da sua
elaboração acontecem as audiências públicas em que a coletividade e as
entidades ambientalistas podem, então, influir na forma de execução de planos
e/ou atividades que incidem sobre o meio ambiente.
Em conclusão, é oportuno realçar que não participação eficaz sem o
acesso à informação pertinente àquilo que se pretende decidir. Portanto, ela deve
ser de qualidade, facilmente disponível, fidedigna, acessível aos interessados e,
finalmente, útil ao processo. Mas não é só, a informação também deve ser
traduzida, ou decodificada, para que os dados sejam utilizados da maneira mais
racional possível. Daí a importância de destacar o papel da Educação Ambiental
234
Id. Ibid., p. 233.
para o aprimoramento da participação da sociedade na gestão dos recursos
ambientais, sem perder de vista a busca pelo novo modelo de desenvolvimento
baseado na sustentabilidade.
QUINTA PARTE: O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE)
PARTICIPATIVO
13. O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) e o combate à
desertificação
Sobremodo, o Zoneamento Ecológico - Econômico (ZEE) configura um
instrumento imprescindível para as regiões afetadas ou suscetíveis à
desertificação, visto que, é necessário para a adequação da utilização dos
recursos naturais, bem como para nortear as políticas de desenvolvimento.
A partir do Zoneamento Ecológico-Econômico ZEE -, instrumento
fundamental para a gestão territorial, os entes governamentais (nas diversas
áreas da federação) poderão balizar suas opções e iniciativas, servindo ao
mesmo tempo como elemento orientador para as ações do setor privado e das
parcerias entre os agentes sociais e econômicos (públicos e privados).
Por outro lado, sua disponibilidade permite identificar e monitorar os
processos de desertificação, pressões, estados e respostas das ações de
combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca. Ademais, oferece toda
a base necessária a uma eficiente gestão ambiental.
Sem conta, o ZEE é um instrumento indispensável para embasar as
decisões do governo que se referem à orientação de processos de
desenvolvimento, ao ordenamento territorial, à conservação da biodiversidade e à
gestão e monitoramento das áreas suscetíveis ou afetadas pela desertificação.
No que tange à disponibilidade de informações sobre os elementos
caracterizadores da desertificação no Brasil, tem-se um elevado grau de
desconhecimento por parte das populações afetadas. Paradoxalmente, um
volume relativamente grande de informações acerca dos aspectos
especificamente socioeconômicos e ambientais nas regiões brasileiras de climas
semi-árido e subúmido seco, porém estas ainda se encontram dispersas.
A conjunção desses fatores se revela como um grande desafio para o
ZEE. Nesse sentido, exprime-se que esse instrumento terá efetividade limitada se
a institucionalidade da gestão ambiental e sua descentralização não forem
reestruturadas e fortalecidas. Essa diligência inclui a “capacitação do pessoal” e
“melhoria na rede de informações”.
235
Incita a discussão o fato de que, como ocorre nas ASD‟s brasileiras:
[...] ocupações seculares geraram tradições, culturas,
comportamentos e modelos de padrões de desenvolvimento que,
mesmo que possam ser considerados, do ponto de vista
científico, inapropriados, apresentam forte resistência a um tipo
de ordenamento impositivo.
236
Por isso, não se pode deixar de mencionar que o ZEE (processo de
ordenamento territorial e definição de prioridades), deve ser construído a partir de
uma metodologia que combine a realização de amplos processos de consulta e
negociação com os agentes econômicos e sociais presentes na área e com os
estudos cnicos e científicos. Assim, os subsídios serão oferecidos como
orientadores aos processos de tomadas de decisão governamental.
235
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (SRH). Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca: PAN Brasil. Brasília: MMA e Centro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração. 2004. p. 76-
84.
236
Id. Ibid., p.76-84.
Destarte, o problema da desertificação merece a atenção da sociedade
civil e dos gestores de políticas públicas. Há necessidade de uma diligência
voltada para a gestão democrática, justificada pelo fato de que, durante décadas,
apenas um pequeno número de pesquisadores e gestores públicos estiveram
familiarizados e envolvidos com as questões da desertificação, sua prevenção e
combate.
14. Ordenamento [ordenação] territorial e as justificativas para a sua
implantação
No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 define como competência da União, em seu artigo
21, inciso IX, in verbis, “elaborar e executar planos nacionais e regionais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”.
Muito embora o termo utilizado pela Carta Constitucional seja
“ordenação”, tem-se falado com mais freqüência em “ordenamento”. Vale dizer
que para Aurélio Buarque de Holanda, no Novo Dicionário da Língua Portuguesa,
o termo ordenação é sinônimo de ordenamento e significa “ato ou efeito de
ordenar; [...] disposição, arranjo metódico, arrumação [...]”. Ademais, para esse
mesmo autor, “ordem” implica “disciplina” ou “subordinação”.
O ordenamento territorial, no entendimento de José Heder Benatti
237
,
equivale à “busca de um equilíbrio entre os equipamentos habitacionais e de
produção e a distribuição fundamental da população”.
237
BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais
no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p.
105.
A expressão “ordenamento territorial” envolve um conceito bastante
dinâmico que gira em torno de três elementos: as atividades humanas, o espaço
em que elas se encontram e o sistema formado por ambos.
Saliente-se o conceito de ordenamento territorial previsto na Ley
Cántabra que assim define:
La ordenación del territorio es el conjunto de criterios, normas y
planes que regulan las actividades y asentamientos sobre el
territorio con el fin de conseguir una adecuada relación entre
territorio, población, actividades, servicios e infraestructuras.
Assim, pode-se dizer que ordenar um território consiste tecnicamente em
identificar, distribuir, organizar e regular as atividades humanas que ali se
estabelecem, de acordo com critérios e prioridades. Tais ações constam de um
plano genérico que visa disciplinar, principalmente, a ocupação e a exploração do
solo, procedendo-se a uma análise da estrutura e funcionamento do conjunto de
elementos que nele operam.
Enfim, o ordenamento territorial significa a reorganização do território,
fomentada, de maneira racional, pelo Estado. No que tange à forma de utilização
do solo para a obtenção de um desenvolvimento eqüitativo, equilibrado e
sustentável da região.
De acordo com a Carta Européia de Ordenamento Territorial:
La ordenación del territorio es la expresión espacial de la política
económica, social, cultural y ecológica de toda la sociedad, cuyos
objetivos fundamentales son el desarrollo socioeconómico y
equilibrado de las regiones, la mejora de la calidad de vida, la
gestión responsable de los recursos naturales, la protección del
medio ambiente y, por último, la utilización racional del territorio.
Nessa perspectiva, do ponto de vista administrativo, o ordenamento
territorial é uma função pública que responde à necessidade de disciplinar o
crescimento espontâneo das atividades humanas públicas ou privadas e garantir
uma espécie de justiça sócio-espacial, fundamentada pelo respeito aos princípios
da função social da propriedade e do desenvolvimento que transcende o mero
crescimento econômico e se centra na qualidade de vida da sociedade.
Ademais, o ordenamento territorial também possui um caráter político,
pois, é o Poder Público quem define as estratégias de desenvolvimento e,
conseqüentemente, o modo como as atividades devem ser exercidas. Nesse
passo, também decide, de acordo com a legislação específica, os instrumentos de
planejamento a serem utilizados.
A primeira justificativa para a implementação do ordenamento territorial é
a carência de um enfoque planejado para o desenvolvimento, evidenciando-se
sua utilidade como método planificado de ataque e prevenção dos problemas
inerentes ao meio ambiente - o deixar fazer dificilmente garante o cumprimento
dos critérios de racionalidade e sustentabilidade que exige o conceito de função
social da propriedade.
A experiência tem apontado para uma reflexão e previsão do futuro, vez
que o lugar para o crescimento espontâneo que desvincula suas atividades
do meio ambiente, pautado em comportamento o solidário e insustentável em
longo prazo. Tal crescimento provoca o desequilíbrio territorial, configurado pela
ocupação e uso desordenado do solo, degradação ambiental, destruição dos
recursos e externalidades socioeconômicas de todo tipo.
Com efeito, a intervenção em áreas de bem comum depende de uma
sociedade desenvolvida capaz de, primeiro, prever os mecanismos de
intervenção e, logo, aplicá-los com eficiência.
Outra justificativa para o ordenamento territorial é a necessidade de
superação de certos paradigmas sociais.
238
Vale dizer que a sociedade apresenta
alguns paradigmas que, de maneira recorrente, se dão em todos os países e
regiões. Essas tendências obstaculizam o enfoque integral e planificado que
comporta o instituto em apreço.
O primeiro paradigma é a tendência do estilo de desenvolvimento que
acarreta o desequilíbrio territorial. De fato, o tipo de desenvolvimento que impera
se projeta no território segundo o modelo denominado centro-periferia e se
caracteriza pela concentração de populações e atividades em determinados
pontos. Assim, a orientação determina que o zoneamento abarque todos os
níveis, especialmente, no que se refere às relações campo-cidade (zoneamento
rural).
O segundo emblema o as formas de consumo e comportamento
irracional por parte da população. De maneira equivocada, a população costuma
relacionar a felicidade com o contínuo aumento do consumo de energia e bens
materiais, sem levar em consideração que isso traz conseqüências evidentes para
a exploração dos recursos naturais.
O terceiro protótipo é a tensão entre o interesse público e o interesse
privado. Sem dúvida, o interesse privado, coincidente com o dos agentes
socioeconômicos, pode impedir os efeitos do princípio da função social da
propriedade como garantidor do funcionalismo do sistema territorial.
Outro paradigma a ser superado é o concernente à aparente contradição
entre conservação e desenvolvimento. Por esse aspecto, endossa-se que o
próprio comportamento dos agentes socioeconômicos manifesta uma ação
238
OREA, Domingo Gómez. Ordenación Territorial. Espanha: Mundi-Prensa Libros. 2001. p. 39.
depredadora sobre os recursos naturais, que aparece como forma de exploração
ilimitada em busca da rentabilidade.
Convém repisar que as degradações ambientais podem derivar de uma
incorreta seleção de atividades localizadas em ambientes que não as suportam,
por outro lado também, a sobreexploração dos recursos naturais renováveis e não
renováveis torna-se incompatível com os vetores ambientais: ar, água, vegetação
e solo.
Paralelamente, o impacto da passividade, verificado pelo abandono do
solo após situações ambientais indesejáveis, auto-alimenta a degradação que
cresce, se não houver a medida de intervenção, como no caso dos processos
erosivos nos quais os efeitos se convertem em causas.
Com razão, pode-se afirmar que os planos de ordenação territorial são os
instrumentos mais adequados para prevenir e combater tais problemas.
Assim, o plano deve traçar, com nitidez, as definições das ações de cada
entidade, seja ela, federal, estadual, regional ou local, coordenando-as com as
diligências especificadas dos diversos setores, como agricultura, indústria,
turismo, infra-estrutura, conservação do meio ambiente, entre outros. É preciso
dizer que a coordenação de caráter setorial se estende não somente aos entes
administrativos, mas também às demais entidades de caráter privado. Dessa
maneira, pode-se ter em vista a garantia da coerência nas realizações e
consecução dos objetivos em longo prazo.
15. Zoneamento, urbanismo e função social da propriedade
Indubitavelmente, não há que se falar em zoneamento sem situar que ele
nasce como uma ramificação da idéia de urbanismo. Nesse sentido, Paulo de
Bessa Antunes
239
destaca que “o zoneamento é contemporâneo do urbanismo e,
de fato, surgiu com o planejamento das modernas cidades industriais que ele
surgiu”.
No âmbito do direito urbanístico, o zoneamento se enquadra,
especialmente no momento do planejamento urbano, que implica a ordenação do
uso e ocupação do solo. José Afonso da Silva
240
explica que o zoneamento é
qualificado como “instrumento legal utilizado pelo Poder blico, para controlar o
uso da terra, as densidades de população, a localização, a dimensão, o volume
dos edifícios e seus usos específicos, em prol do bem-estar geral”. Por outro lado,
esse autor também assevera que o zoneamento pode servir como divisão de uma
comunidade em zonas para o fim de “regular o uso da terra e dos edifícios, a
altura e o gabarito das construções, a proporção que estas podem ocupar e a
densidade da população”.
Isso ocorre, ressalte-se, porque o território urbano deve ter uma
destinação funcional e racional dada às diversas ocupações. Assim, o
zoneamento se apresenta como uma espécie de operação feita no plano da
cidade com o fim de atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar. Tem
por base a discriminação necessária entre as diversas atividades humanas
reclamando cada uma um espaço particular.
No mesmo sentido, considerando a visão urbanística da França, Paulo
Bessa Antunes
241
traz à baila o conceito de Yves Prata que, por sua vez,
distingue o zoneamento como “técnica consistente em determinar nos
239
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8. ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2005. p. 157.
240
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 3. ed., São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 230.
241
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 155.
documentos de planificação urbana o destino da utilização do solo segundo a
natureza das atividades dominantes, definindo aquelas que serão permitidas”.
Segundo José Afonso da Silva
242
, pode-se dizer que o zoneamento
territorial urbano tende a ser o principal objetivo do planejamento urbanístico, na
medida em que este se configura, se houver um conjunto de normas legais
que representem o direito de propriedade e o direito de construir em conformidade
com o princípio da função social, ou seja, por meio de imposições à liberdade de
uso e de edificação. Mais ainda, aduz o mesmo autor que:
Essa natureza do zoneamento decorre, nos nossos dias atuais,
não tanto do poder de polícia, mas da competência que se
reconhece ao Poder Público de intervir, por ação direta, na ordem
econômica e social, e, portanto, no domínio da propriedade
privada, a fim de conformá-la à sua função social.
243
Faz-se necessário aqui um breve esclarecimento acerca da relação entre
o poder de polícia e a função social da propriedade. A lição da clássica doutrina
diz que os atos normativos provenientes da Administração Pública (quando
exerce o seu poder de polícia), precipuamente, condicionam a liberdade e a
propriedade dos indivíduos, impondo-lhes um “dever de abstenção”, no intuito de
conjugar os comportamentos aos “interesses sociais consagrados no sistema
normativo”.
244
Em contrapartida, o princípio da função social da propriedade, nas
palavras de Eros Grau
245
, “impõe ao proprietário ou a quem detém o poder de
controle, na empresa o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não
apenas de não o exercer em prejuízo de outrem”. Portanto, infere-se que se trata
de uma concepção completamente distinta daquela atribuída ao poder de polícia,
242
SILVA (2000). Op. cit. p. 233.
243
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4.ed.,São Paulo: Malheiros. 2003. p. 269.
244
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros. 2000. p. 675.
245
GRAU, Eros Roberto. A ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 213.
que simplesmente determina o non facere, conquanto, “a função social da
propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos
prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de não fazer”.
No mesmo sentido, André Lima
246
assinala que:
O poder de polícia é atributo do poder público, como poder-dever
de agir quando em risco está a integridade, a saúde, o bem-estar
da população. A função social da propriedade é um “ônus” que
integra e legitima o exercício do direito, condicionando-o. Via de
regra o poder de polícia se expressa pela imposição cogente de
um não-fazer ao proprietário, quando por sua vez o cumprimento
da função social da propriedade se realiza por meio de uma
obrigação de caráter positivo, um “fazer”.
José Heder Benatti
247
, ao afirmar que “estamos diante de uma nova
concepção de propriedade”, expõe que a função social é um elemento que
estrutura e modifica o conteúdo mesmo do direito de propriedade”, mais ainda,
que “a introdução da função social na Constituição leva a uma nova idéia de
propriedade: a propriedade constitucional privada”. Por esse aspecto, conclui-se
que o zoneamento é um importante instrumento de conformação do princípio da
função social da propriedade, na medida em que tal intervenção do Poder Público
visa estabelecer o conteúdo e as condições do exercício do direito de
propriedade.
Nessa perspectiva, é bom lembrar que o ordenamento territorial se
configura em um conjunto de critérios, normas e planos de governo, com vistas à
disciplina das atividades exercidas em um determinado espaço, a fim de obter
uma compatibilização entre o território, população, atividades, serviços e infra-
246
LIMA, André. Zoneamento Ecológico-Econômico à luz dos direitos socioambientais. Curitiba: Juruá. 2006. p.176.
247
BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais
no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p.
185. Para esse autor: “O interesse coletivo (a função social) e o interesse do particular (utilização privada) podem
harmonizar-se se o conteúdo do direito de propriedade for a expressão de uma exploração do bem que seja socialmente
útil. Somente sob essa ótica pode-se falar em propriedade constitucional, porque a “identidade entre a utilidade privada e a
social se alcança, enfim, mediante a intervenção blica que determina a dimensão e o exercício do conteúdo dominial”
(VAZQUEZ, 1988:64). Desse modo, a propriedade constitucional passa a ser um instrumento importante de transformação
econômico-social para garantir o bem-estar social”.
estruturas. Assim, o zoneamento urbano é um dos instrumentos de eficácia do
ordenamento territorial, pois possui caráter normativo e vincula tanto o Poder
Público como o particular ao respeito às características e funcionalidades de um
dado espaço territorial, em conformidade com o princípio da função social da
propriedade.
Nesse sentido e a despeito das divergências conceituais acerca da
natureza do zoneamento caráter indicativo ou vinculante -, José Heder
Benatti
248
reconhece que “mesmo não sendo esse o único objetivo do
zoneamento, de modo geral pode-se dizer que as medidas tomadas no
zoneamento, para buscar soluções aos problemas ambientais, acabam
estabelecendo limitações ao direito de propriedade”. Dessa forma, deduz-se que,
se o zoneamento, em virtude do planejamento urbano, provoca limitações ao
direito dos cidadãos, por exemplo, ao discriminar os possíveis ou não possíveis
usos em suas propriedades, este possui força normativa-vinculante.
Dada a origem do conceito de zoneamento, nas sociedades
industrializadas e urbanizadas e na necessidade do estabelecimento de áreas
com padrões de ocupação bem definidos, orienta Fernando Alves Correia
249
que
no direito norte-americano se emprega o termo zoning para caracterizar a técnica
de repartição ou demarcação do solo. No mesmo sentido, com base no Blacks
Law Dictionary, Paulo Bessa Antunes
250
acrescenta que zoning significa:
A divisão de uma cidade ou vila em bairros, por regulamentos
legais, e a determinação e a aplicação, em cada bairro, de
normas concernentes à estrutura e à arquitetura dos prédios e de
normas prescrevendo o uso que os prédios podem ter dentro dos
bairros. Divisão de terra em zonas, e dentro destas zonas,
regulamentação da natureza do uso da terra e as dimensões
físicas do uso, incluindo altura, recuos e áreas mínimas.
248
BENATTI (2003). Op. cit. p. 292
249
CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Livraria Almedina. 1997. p. 36.
250
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 155.
Pelo enfoque urbanístico, -se que a função do zoneamento se
concentra na expansão das cidades, portanto a qualificação dos solos, nos
planejamentos urbanos, fica adstrita à destinação urbana. Nesse sentido,
Domingo Gómez Orea
251
explica que:
El urbanismo ha abusado de concepciones y estereotipos
geométricos en la ordenación del espacio, como si el territorio
fuese una especie de lámina en blanco a la que se puede traducir
todo tipo de formas idealizadas en un dibujo, sin considerar que
el territorio es anterior a las actividades humanas y que existe
una especie de determinismo geográfico fundamentado en la
lectura de aquél, en el conocimiento de las oportunidades y
condicionantes del territorio para acogerlas.
Não obstante tais razões, Orea
252
concorda que o planejamento urbano é
o instrumento que mais rapidamente tem incorporado os critérios atinentes ao
meio ambiente físico em suas atuações. Segundo esse autor, na Espanha, isso
ocorre, especialmente, quando:
La ordenación del territorio supera ampliamente al planeamiento
urbanístico hasta tal punto que la legislación autonómica vigente
exige la revisión de los planes locales de urbanismo cuando no
se adapten a las previsiones de los planes de ordenación
territorial.
Todavia, a cnica mais elementar de zoneamento, que se assenta na
fixação de áreas destinadas à habitação e à indústria, evoluiu para o
estabelecimento de outras funções específicas como, por exemplo, o zoneamento
ambiental. Nesse passo, salienta José Afonso da Silva
253
que a figura do
zoneamento ambiental amplia o conceito de zoneamento urbano, porque o
configurará apenas este, como instrumento que preconiza uma estrutura mais
orgânica para as cidades, visto que não será restrito a esse ambiente. Desse
251
OREA, Domingo Gómez. Ordenación Territorial. Espanha: Mundi-Prensa Libros. 2001. p. 39.
252
Id. Ibid., p. 39.
253
SILVA (2003). Op. cit. p. 268.
modo, pode-se afirmar que o zoneamento ambiental se insere na proteção de
todas as áreas de interesse no meio ambiente como um todo.
Sobretudo, não se pode olvidar que o zoneamento, tanto urbano como
ambiental, conforma essencialmente no uso e ocupação do solo, porém, esses
instrumentos não podem perder de vista o interesse do bem-estar e da realização
da qualidade de vida da população.
16. Aspectos conceituais do zoneamento ambiental ou ZEE
O zoneamento ambiental surge como uma proposta preventiva em longo
prazo, de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável. Édis
Milaré
254
pontua que esse instrumento “se ocupa das bases de sustentação das
atividades humanas que requisitam os espaços naturais de cunho social, como é
o solo, em geral, e os grandes biomas, em especial”. Assim, o zoneamento
ambiental tenciona compatibilizar o desenvolvimento das atividades econômicas
com a utilização dos recursos naturais, por isso também pode ser chamado de
zoneamento ecológico-econômico (ZEE). Em outras palavras, pode-se dizer que
o ZEE se insere no debate em que o foco está no desenvolvimento sustentável e
na noção de gestão integrada dos recursos naturais, tem como objetivo conciliar
preservação e desenvolvimento econômico.
José Heder Benatti
255
salienta que é por meio dessa gestão que a
“possibilidade de antever e prevenir os problemas ambientais; regular as relações
entre os sistemas socioculturais e o meio ambiente físico; e garantir a renovação
e preservação desses recursos”.
254
MILARÉ (2005). Op. cit. p.416.
255
BENATTI, José Heder. Aspectos legais e institucionais do zoneamento ecológico-econômico. In: Revista de Direito
Ambiental, n.29, ano 8, jan. - mar., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 104.
Mais ainda, como mostra Milaré
256
, tal recurso pode ser definido como
“resultado de estudos conduzidos para o conhecimento sistematizado de
características, fragilidades e potencialidades do meio, a partir de aspectos
ambientais escolhidos em espaço geográfico delimitado”.
O ordenamento territorial visa à aproximação genérica e integrada do
meio físico como um todo, na qual se realça a relação entre este e as atividades
humanas, com base nos estudos das compatibilidades e incompatibilidades
existentes, propondo-se, assim, um novo modelo de desenvolvimento e as
medidas para alcançá-lo. Nessa perspectiva, o zoneamento ambiental (ou ZEE)
se insere pela análise de setores específicos com foco em ecossistemas próprios,
nos quais se descortinam as degradações e os impactos que os afetam, bem
como as atividades humanas que colaboram para a diminuição de sua
potencialidade. Em outras palavras, o zoneamento ambiental, figurado como um
processo de cognição do meio ambiente natural, existe em função do
ordenamento territorial que, por sua vez, o engloba. De maneira simplificada, o
zoneamento ambiental tende a aproximar os objetivos do ordenamento à gestão
integrada dos recursos naturais.
Importa salientar que o ZEE não equivale ao zoneamento do direito
urbanístico que, conforme explicado neste estudo, tem conotação normativo-
vinculante. Em outras palavras, o ZEE não objetiva, especificamente, o
parcelamento do território a fim de determinar que atividades serão
autorizadas.
257
256
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 416.
257
Vale reproduzir a crítica feita no ZEE do Acre, que exprime que: “Nos Estados amazônicos onde se elaborou leis
estaduais de zoneamento, têm ocorrido dificuldades consideráveis. As leis estaduais de zoneamento tipicamente são
baseadas em mapas com escalas muito genéricas (1:1.000.000 e 1:250.000) que dividem o Estado inteiro em diferentes
.zonas., estipulando as atividades permitidas e proibidas em cada uma delas. Esse tipo de macrozoneamento normalmente
comete equívoco, em função da falta de informações sobre as características específicas de cada local, inclusive em
relação às realidades e aspirações de populações locais. Enquanto isso, as leis de zoneamento muitas vezes acabam
servindo como uma cortina de fumaça., ocultando a necessidade de reformas urgentes entre políticas governamentais que
Nesse sentido, está deturpada a definição do governo do estado de
Rondônia, cujo Zoneamento Socieconômico-Ecológico (ZSEE) foi aprovado pela
Lei Complementar Estadual 233, em 06 de junho de 2000. Para o referido
governo, o zoneamento é um instrumento que tem como “objetivo principal a divisão de uma
unidade geográfica em áreas homogêneas visando ordenar a ocupação desse espaço
territorial e indicar políticas públicas e ações governamentais consentâneas”.
258
Para Benatti
259
, o ZEE assume uma concepção não-prescritiva e conforma apenas
uma etapa do planejamento. Desse modo, este autor assinala que o ZEE consiste:
Na produção, coleta, análise e sistematização de informações
sobre o território, para que o poder público, em todas as suas
esferas (municipal, estadual e federal) e poderes (legislativo,
executivo e judiciário) possa ter elementos para implementar
políticas dentro das suas competências constitucionais visando
ao adequado ordenamento territorial.
Ademais, acrescente-se a definição expressada por Schubart, citado por
André Lima
260
, que trata do zoneamento como:
O resultado de um processo político-administrativo, que utiliza o
conhecimento técnico, ao lado de outros critérios, para
fundamentar a adoção de diretrizes e normas legais, visando
atingir objetivos socialmente negociados, que implicam em um
conjunto de sanções ou incentivos sociais que regulam o uso de
recursos e a ocupação do território.
Enfim, as duas definições acima transcritas caracterizam o ZEE como um
instrumento indicativo, ou, nos dizeres de André Lima
261
, como “referencial
informativo para a adoção de diretrizes e normas que visem o ordenamento do
território em bases sustentáveis”. Nessa razão, a edição das normas deve estar
têm contribuído para problemas de degradação ambiental e conflitos sociais na região amazônica”. (ACRE. Governo do
Estado do Acre. Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Zoneamento ecológico-
econômico: indicativos para a gestão territorial do Acre - documento final. Rio Branco: SECTMA, 2000. V. 3.)
258
RONDÔNIA. Governo do Estado de Rondônia. Zoneamento Socioeconômico-Ecológico (ZSEE). Porto Velho: Governo
de Rondônia, 2000. Disponível em: <http://www.rondonia.ro.gov.br/revistas/zoneamento/port/index.htm>. Acesso em 10 de
maio de 2006.
259
BENATTI, José Heder. Aspectos legais e institucionais do zoneamento ecológico-econômico. In: Revista de Direito
Ambiental, n.29, ano 8, jan. - mar., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 104.
260
LIMA (2006). Op. cit. p. 96.
261
Id. Ibid., p. 96.
de acordo com as diretrizes do ZEE, que, por sua vez, as justificam ou
fundamentam.
Destarte, o ZEE funciona como um instrumento técnico-político de
orientação para a tomada da decisão. Assim é reconhecido pela Secretaria de
Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente:
O ZEE torna-se um importante instrumento para subsidiar a
formulação de políticas territoriais da União, Estados e
Municípios, orientando os diversos níveis decisórios na adoção
de políticas convergentes com as diretrizes de planejamento
estratégico do país. Busca, assim, conservar o capital natural e
diminuir os riscos dos investimentos.
De fato, um dos objetivos do ZEE é “dotar o Governo de bases técnicas”
para que este decida a melhor forma de uso e ordenação do território, portanto, a
palavra final sobre as restrições de certos usos da terra caberia ao Governo ou à
Assembléia Legislativa, mediante a elaboração de leis. Sendo assim, o
zoneamento com essa característica, está de acordo com a finalidade prevista
pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
(SAE/PR)
262
, ou seja:
Um instrumento técnico de informação sobre o território,
indicativo, portanto, mas também um instrumento político por
excelência, de regulação do uso do território, e de negociação
entre os vários setores do governo, o setor privado e a sociedade
civil. Como tal, a implementação dos resultados do ZEE deve
traduzir-se em normas legais de diversos níveis, que em seu
conjunto, compõem o ordenamento territorial.
Para além da concepção normativista de zoneamento, utilizada no direito
urbanístico, e da concepção indicativa ou informativa, explicitada ao longo deste
capítulo, acrescente-se a proposta de Benatti
263
, que, por sua vez, defende um
262
BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais
no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p.
299.
263
Id. Ibid.,. p. 300.
modelo de zoneamento participativo, pautado pela “descentralização” e
“flexibilização normativa”. Conforme assevera este autor:
O zoneamento assume um papel de destaque na construção de
um canal de diálogo entre os órgãos públicos, o setor privado e a
sociedade civil, podendo influir nas políticas de proteção
ambiental e de desenvolvimento de uma determinada região,
sendo, portanto, também um espaço importante de composição
dos conflitos sociais sobre as distintas formas de uso e manejo
do solo e dos recursos naturais. Nessa concepção, o ZEE e,
conseqüentemente, as atribuições desempenhadas pelas demais
instâncias, não seria fundamentalmente “normativista”, nem
simplesmente “indicadores de condutas”. Na realidade, haveria a
superação dessas duas vias.
A descentralização facilita a participação dos interessados nas fases de
elaboração, implementação e monitoramento do ZEE. É indubitável que os
Zoneamentos Ecológico-Econômicos Estaduais representam a descentralização.
Contudo, a orientação de Benatti
264
segue no sentido de prolongar a discussão
aos foros regionais, municipais e locais, isto é, em níveis mais próximos dos
cidadãos. Para ele, não se pode desconsiderar a ação do indivíduo (seringueiro,
agricultor, pecuarista, madeireiro, garimpeiro etc.) incorporado à dimensão de
uma coletividade, que pode viabilizar ou inviabilizar a política de gestão dos
recursos naturais de uma determinada área.
Atinente à “flexibilização normativa”, esta significa um ponto de equilíbrio
entre a visão normativista e a visão meramente indicativa. No entendimento de
Benatti
265
:
264
Id. Ibid., p. 300. Ainda na explicação de Benatti: “Quando se consolidam níveis de participação, que vão do federal ao
local, ou vice-versa, em cada instância há a possibilidade da participação de novos sujeitos sociais. A Comissão Estadual é
constituída por órgãos e entidades de representação estadual ou nacional; nas Comissões Regionais ou Municipais conta-
se com a presença de órgãos e entidades locais ou regionais, tais como sindicatos, associações de âmbito municipal ou
regional, prefeituras, secretarias municipais etc. Na prática, essa descentralização permite que mais atores sociais “tenham
voz”, apresentem reivindicações e propostas para seu cotidiano, como também conheçam seus direitos e deveres. Esse
processo possibilita, pois, que esses atores sociais sejam informados de outras opções que escapam à sua compreensão
no seu dia-a-dia (podemos dar como exemplo a própria discussão sobre a importância de se realizar um ZEE regional ou
local, sob a orientação das diretrizes estaduais e federal)”.
265
BENATTI, José Heder. Direito de Propriedade e Proteção Ambiental no Brasil: apropriação e o uso dos recursos naturais
no imóvel rural. Tese de dourado. Belém: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/ Universidade Federal do Pará, 2003. p.
300.
O zoneamento não pode ter como resultado principal a divisão do
Estado em zonas que definem o que pode e não pode ser feito
em uma determinada área. De fato, a ação do zoneamento deve
ser pautada pelas informações que serão levantadas nos
diversos estudos já elaborados, em andamento e os que serão
produzidos. Podemos citar o levantamento fundiário, os estudos
sobre os conflitos socio-ambientais; os estudos e levantamentos
básicos de solo, geomorfologia, geologia, vegetação, hidrografia,
climatologia, fauna, sensoriamento remoto etc. Esse material
técnico servirá de subsídio para a tomada de decisão do ZEE.
Logo, a participação não se concretiza apenas com a realização de
eventos, em atividades isoladas, mas é um processo que está em constante
atuação, realizando-se por meio do debate político, da participação “cidadã”, que
também ocorre por meio de eventos integrados (reuniões, seminários, audiências
públicas, instâncias colegiadas etc.). Por isso, justifica-se uma metodologia
flexível do zoneamento, para se ter a capacidade de incorporar novos elementos
que vão surgindo como produto da participação.
A idéia sugerida é trabalhar com diretrizes normativas, voltadas para o
manejo ou preservação dos recursos naturais. Tais diretrizes poderiam definir o
conteúdo de decretos, resoluções ou instruções normativas. No mesmo sentido,
André Lima
266
destaca que o ZEE pode ser definido como:
Instrumento de planejamento e coordenação das ações de
intervenção do Estado na ordem econômica e social e para a
definição de diretrizes normativas sobre a ocupação do território,
o uso dos recursos naturais e a conservação dos ecossistemas.
Portanto, pode-se dizer que as diretrizes normativas previstas no ZEE
vinculam o poder público e as atividades privadas, na medida em que conformam
o princípio da função social da propriedade, desde que haja compatibilidade entre
266
LIMA (2006). Op. cit. p. 159.
os instrumentos normativos que dão vigência às diretrizes previstas pelo ZEE e a
ordem jurídica em vigor.
267
17. O ZEE como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente
Paulo de Bessa Antunes
268
corrobora o entendimento de que a Carta
Constitucional brasileira de 1988 reconhece o zoneamento, quando afirma que “o
artigo 21, inciso IX, da Constituição Federal fornece uma primeira referência do
poder-dever da União em relação ao zoneamento”.
Com efeito, no direito ambiental brasileiro, o zoneamento ambiental (ou
ZEE) representa uma providência importante, visto que ostenta a condição de
princípio e instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei
6.938, de 1981, recepcionada pela CRFB de 1988. Como um dos princípios, o
zoneamento ambiental está prescrito no artigo 2°, inciso V
269
, e deverá ser
implementado em consonância com os objetivos gerais previstos na referida Lei.
Adiante, o artigo 9°, inciso II, indica o zoneamento ambiental como um dos
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Finalmente, o Decreto do Executivo 4.297, de 10 de julho de 2002,
regulamentou o artigo 9°, inciso II, da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981,
estabelecendo critérios mínimos para o Zoneamento Ecológico Econômico
(ZEE) do Brasil.
Logo, o artigo 2° do Decreto em análise traz a definição de ZEE como:
267
Ademais, André Lima elucida que: “A concretização do ZEE opera pelo estabelecimento pelo Estado de diretrizes gerais,
planos de ação e de políticas públicas, assim como, de diretrizes normativas para, com fundamento no poder de polícia e
na função socioambiental da propriedade [imóvel e dos meios de produção], disciplinar as possibilidades de uso dos
recursos ambientais condicionando-as aos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente e aos Direitos Socioambientais
Constitucionais”.
268
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 159.
269
Art. - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade
ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...] V - controle e
zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
Instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente
seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e
privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental
destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos
hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo
o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de
vida da população.
Em seguida, nos termos do artigo 3°, o ZEE tem por objetivo geral
organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados
quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente,
utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos
serviços ambientais dos ecossistemas. Mais ainda, apreende-se do parágrafo
único deste dispositivo que o ZEE estabelecerá vedações, restrições e
alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso,
inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais”.
A leitura desses preceitos suscita dúvidas acerca da natureza do ZEE, se
diretriz mandamental ou indicativa, que tais dispositivos determinam a
obrigatoriedade de observância desse instrumento pelo Poder Público e pelo
particular. Ademais, sublinhe-se que o ZEE, tal como descrito na Lei supra,
vincula as decisões dos agentes públicos e privados, podendo, inclusive,
estabelecer limitações à exploração do território.
Como enfatizado neste estudo, constam, no ZEE, diretrizes normativas,
entretanto, dependendo do grau de clareza e objetividade [especificidade] que
apresentam, podem influenciar diretamente na eficácia desse instrumento.
Como lembra André Lima
270
, diretriz pode significar o “caminho, rumo,
direção, critérios e procedimentos para o alcance de uma finalidade”, bem como,
“denota o sentido de comando, regra, norma”. Conforme a especificidade da
270
LIMA (2006). Op. cit. p. 123.
diretriz, esta pode ensejar um comando (regra específica) ou um dispositivo
indicativo, assumindo um caráter principiológico.
Desse modo, à luz da interpretação dos dispositivos acima mencionados,
admite-se que o ZEE, além de indicativo, pode traçar diretrizes específicas
vinculantes ao poder público (em suas políticas públicas) e ao particular (nas
atividades econômicas de impacto ambiental), desde que tais diretrizes
mandamentais sejam bastantes em si para delimitar uma conduta e estejam em
plena consonância com o princípio da função socioambiental da propriedade e
com o ordenamento jurídico em vigor. Nesse sentido, vale reproduzir os dizeres
de André Lima
271
:
A depender da escala de intervenção de suas diretrizes e
diagnósticos, o ZEE pode se transformar em um importante
instrumento para a aferição e conformação dos indicadores e da
materialidade dos critérios para o cumprimento da função
socioambiental das propriedades.
As diretrizes do ZEE, sejam gerais ou específicas, devem, em
consonância com o artigo 14 da citada Lei, conter, no mínimo, as seguintes
questões:
I - atividades adequadas a cada zona, de acordo com sua
fragilidade ecológica, capacidade de suporte ambiental e
potencialidades;
II - necessidades de proteção ambiental e conservação das
águas, do solo, do subsolo, da fauna e flora e demais recursos
naturais renováveis e não-renováveis;
III - definição de áreas para unidades de conservação, de
proteção integral e de uso sustentável;
IV - critérios para orientar as atividades madeireira e não-
madeireira, agrícola, pecuária, pesqueira e de piscicultura, de
urbanização, de industrialização, de mineração e de outras
opções de uso dos recursos ambientais;
V - medidas destinadas a promover, de forma ordenada e
integrada, o desenvolvimento ecológico e economicamente
sustentável do setor rural, com o objetivo de melhorar a
convivência entre a população e os recursos ambientais, inclusive
271
Id. Ibid., p. 178.
com a previsão de diretrizes para implantação de infra-estrutura
de fomento às atividades econômicas;
VI - medidas de controle e de ajustamento de planos de
zoneamento de atividades econômicas e sociais resultantes da
iniciativa dos municípios, visando a compatibilizar, no interesse
da proteção ambiental, usos conflitantes em espaços municipais
contíguos e a integrar iniciativas regionais amplas e não restritas
às cidades; e
VII - planos, programas e projetos dos governos federal, estadual
e municipal, bem como suas respectivas fontes de recursos com
vistas a viabilizar as atividades apontadas como adequadas a
cada zona.
O artigo da referida Lei, trata do processo de elaboração e
implementação do ZEE, estabelecendo em seus incisos que este instrumento:
I - buscará a sustentabilidade ecológica, econômica e social, com
vistas a compatibilizar o crescimento econômico e a proteção dos
recursos naturais, em favor das presentes e futuras gerações, em
decorrência do reconhecimento de valor intrínseco à
biodiversidade e a seus componentes;
II - contará com ampla participação democrática, compartilhando
suas ações e responsabilidades entre os diferentes níveis da
administração pública e da sociedade civil; e
III - valorizará o conhecimento científico multidisciplinar.
No que tange aos princípios aplicáveis ao ZEE, apontados no artigo 5° da
Lei supra, são eles: função socioambiental da propriedade, prevenção,
precaução, poluidor-pagador, usuário-pagador, participação informada, acesso
eqüitativo e integração.
Acrescente-se o princípio da utilização racional do território e gestão
responsável dos recursos naturais, que, por sua vez, implica três premissas: 1)
Conservar os processos ecológicos essenciais, vez que o desenvolvimento
sustentável, como uma estratégia mundial para a conservação se pauta pela idéia
de que existem limites para a utilização de recursos, a fim de que se mantenha
em longo prazo o potencial de utilização do solo e de seus recursos; 2) Respeitar
os critérios ecológicos de sustentabilidade, que devem ser arrolados em análise e
diagnóstico do meio ambiente; 3) Evitar a localização de atividades em regiões de
alto risco ambiental, a saber, o uso racional dos recursos ambientais deve levar
em conta os processos naturais como inundação, vulcanismo, sísmica, entre
outros.
17.1. A correlação entre o ZEE participativo e outros instrumentos da
Política Nacional do Meio Ambiente
Para afirmar a correlação (coordenação) entre os instrumentos
272
da
Política Nacional do Meio Ambiente, previstos na Lei 6.938/81, é preciso, antes de
tudo, esclarecer que tais instrumentos obedecem aos mesmos princípios
norteadores da referida Política, que, por sua vez, também estão discriminados,
especificamente no artigo da Lei mencionada. Vale dizer que tais princípios
dependem da implementação dos instrumentos, isoladamente ou em conjunto,
para serem efetivamente realizados.
O primeiro princípio está descrito no inciso I do referido dispositivo, que
prescreve a ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico,
considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”. Assim, é
incumbência do Poder Público zelar pela proteção do meio ambiente, por tratar-se
de um “bem de uso comum do povo” e, portanto, envolver nítidos interesses
sociais.
Em seguida, destaca-se no inciso II a “racionalização do uso do solo, do
subsolo, da água e do ar”. Desse modo, os instrumentos da Política Nacional do
272
Artigo 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:
I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
II - o zoneamento ambiental;
III - a avaliação de impactos ambientais;
IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria
da qualidade ambiental;
VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo
Poder Público Federal, Estadual e Municipal;
VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental;
Meio Ambiente devem-se ater a critérios, previstos em legislações específicas
destinadas à regulamentação de acesso a tais recursos, visando à eficiente
gestão ambiental.
No inciso III, encontra-se o “planejamento e fiscalização do uso dos
recursos ambientais”. Segundo Édis Milaré
273
, “em última análise, o que aqui se
dispõe é, na prática, um desdobramento para não dizer reiteração do princípio
anterior”. Ademais, como se depreende do que foi exposto, esse princípio está
diretamente relacionado com o Zoneamento Ambiental.
Pela ordem, o inciso IV se refere à “proteção dos ecossistemas, com a
preservação de áreas representativas”. Saliente-se o objetivo das Unidades de
Conservação, institucionalizadas pela Lei 9.985/2000, que se ocupa da
preservação dessas áreas representativas do meio ambiente natural, sempre alvo
de cuidados e proteção especial.
O inciso V fala do “controle e zoneamento das atividades potencial ou
efetivamente poluidoras”. Assim, ressalte-se, mais uma vez, a presença do
zoneamento ambiental como instrumento que envolve ações preventivas e
corretivas, e limita, pois, a realização desse tipo de atividades em qualquer lugar.
Nesse intuito, e importante dizer que tais atividades estarão sujeitas tanto a leis
específicas de uso e ocupação do solo como às diretrizes normativas previstas no
âmbito do zoneamento.
no inciso VI, encontra-se a previsão de “incentivos ao estudo e à
pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos
ambientais”. Nesse ponto, cumpre esclarecer a necessidade de estudos e
273
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 434.
pesquisas promovidas tanto pelo Poder Público como pela sociedade, objetivando
o uso sustentável dos recursos naturais. Ademais, como infere Milaré
274
:
Sabe-se que o desenvolvimento de tecnologias ambientais (no
caso, aquelas requeridas para o gerenciamento de recursos
naturais), por mais específicas que elas sejam, não poderá
efetivar-se fora de um contexto de desenvolvimento tecnológico
do país como um todo.
O princípio explicitado no inciso VII diz respeito ao “acompanhamento do
estado da qualidade ambiental”. Sendo assim, em referência às atividades
humanas que interferem diretamente no meio ambiente, é prudente que seja
realizado um monitoramento baseado no “estabelecimento de padrões de
qualidade ambiental” e na “avaliação de impacto ambiental”, ambos instrumentos
da Política Nacional do Meio Ambiente.
A “recuperação das áreas degradadas” é um princípio esculpido no inciso
VIII. Nesse sentido, Milaré
275
lembra que:
Toda recuperação de área, toda recomposição do meio físico são
onerosas. O agravante das intervenções antrópicas
degradadoras do meio é que elas poderiam ter sido previstas e
seus impactos neutralizados ou minimizados. Por isso, grande
parte das áreas degradadas vão requerer a reparação dos danos
por força da responsabilidade objetiva, independentemente de
outras sanções aplicáveis.
Preconizando uma ão preventiva, o inciso IX determina a “proteção de
áreas ameaçadas de degradação”. Nesse passo, vale sublinhar o “Estudo de
Impacto Ambiental”, o estabelecimento de “Unidades de Conservação” e o
“Zoneamento Ambiental”, como instrumentos eficazes para alcançar este intento.
E, finalmente, como princípio previsto no inciso X, a “educação ambiental
a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando
capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”. Esse princípio
274
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 435. Assim, vale realçar a busca de conhecimentos engendrada pelo CNPq, PNUMA,
UNESCO e PNMA, entre outros.
275
Id. Ibid., p. 436.
assume extrema importância, posto que é, como salientado na presente
pesquisa, posto que é fundamental a participação da sociedade organizada na
defesa do meio ambiente, inclusive nas várias fases de elaboração de políticas
públicas (planos, programas e projetos), desde o nível nacional, passando pelo
regional, até o local. Portanto, essa participação ativa também de ser
contemplada na realização dos diversos instrumentos da Política Nacional do
Meio Ambiente.
Da leitura desses princípios, apreende-se a integração que há entre eles
e os instrumentos discriminados na Política Nacional do Meio Ambiente.
Entretanto, para que tais mandamentos sejam alcançados efetivamente deverá
haver uma coordenação entre esses instrumentos. Em outras palavras, a
efetividade dos princípios preconizados pela Política Nacional do Meio Ambiente
está condicionada à sinergia entre os instrumentos previstos na referida Política.
Por uma questão de delimitação, a seguir será demonstrada a correlação
entre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) participativo e a Avaliação
Ambiental Estratégica (AEE). Em seguida, também se explicitada a
necessidade de se conjugar o ZEE com o Licenciamento Ambiental.
17.1.1. Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)
A partir da constatação de que na maioria dos casos o dano ambiental é
reflexo de uma política governamental ineficiente, marcada por planos e
programas de governo que não abrangem todas as hipóteses requeridas pela
proteção ambiental, vislumbra-se que a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE),
prévia, pode-se conformar em um importante instrumento para nortear as opções
governamentais. Nesse sentido, exprime Milaré
276
que:
O estrategista ambiental que quer decididamente ganhar as
batalhas na defesa do meio ambiente, estará atento às origens
dos males, origens estas que, com freqüência indesejável,
parecem neutras ou inocentes, passando despercebidas. Uma
políticas governamental está sujeita a falhas ambientais, não tem
o condão da infalibilidade e da eficácia ambiental.
Com efeito, a palavra “estratégia” relaciona-se ao ato precedente à ação
que deverá, portanto, orientá-la, servindo de indicativo dos melhores caminhos
para se obter os melhores resultados. Assim, pode-se dizer que a Avaliação
Ambiental Estratégica (AAE) se insere em sede de planos, programas e projetos
governamentais que englobam a variável ambiental. Assim é para Paulo Egler
277
,
que trata da Avaliação Ambiental Estratégica como “um processo de avaliação
ambiental para políticas, planos e programas PPPs”.
A AAE é vista também como uma das formas de Avaliação de Impacto
Ambiental (AIA)
278
, instrumento de gestão ambiental da Política Nacional do Meio
Ambiente. Entretanto, vale reafirmar, se centra na integração prévia do plano,
programa ou projeto com o meio ambiente.
Sem vida, para que haja maior aproximação da Administração Pública
com as interfaces ambientais, é imprescindível que ela ocorra em níveis nacional,
estadual e municipal. Nessa razão, Milaré
279
aponta para o fato de que a
Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) “vem reforçar, com muita oportunidade, o
276
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 531.
277
EGLER, Paulo C. G. Avaliação Ambiental Estratégica considerações sobre métodos para sua realização, apud LIMA
(2006). Op. cit. p. 185.
278
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 530.
279
MILARÉ (2005). Op. cit. p. 532. Ainda enfatiza esse mesmo autor que: “A responsabilidade da Administração Pública
pela preservação do meio ambiente não se confina ao órgão central, ou seja, ao Ministério do Meio Ambiente (esfera da
União), às Secretarias do Meio Ambiente (esfera dos Estados) e às Secretarias ou Departamentos (esferas dos
Municípios). Tal responsabilidade é compartilhada por outros órgãos das respectivas Administrações Públicas; aliás, em
última análise, ela alcança de cheio o próprio Poder Público, recaindo, na grande maioria dos casos, sobre o Poder
Executivo. Assim, estão em foco os chamados órgãos setoriais dos Sistemas de Meio Ambiente”.
papel e a necessidade dos Sistemas do Meio Ambiente (desde o SISNAMA até os
Sistemas Municipais, passando pelos Estaduais)”.
Mesmo sendo o AAE uma figura ainda mal delineada pela doutrina e pela
legislação nacional vigente, não custa destacar que, obviamente, em seu
conjunto, deve constar a identificação de impactos, a valoração dos mesmos e as
respectivas medidas de prevenção. Ademais, o resultado desse estudo deve ser
informado em um documento final bem detalhado, a fim de facilitar a participação
pública.
Vista a AAE como um instrumento de gestão ambiental utilizado na etapa
de análise de planos, programas ou projetos, ela se afina com o ZEE, pois que
um dos seus principais objetivos é o desenvolvimento de uma avaliação do uso
do território que venha a considerar, de forma efetiva, no processo de tomada de
decisão, a integração dos domínios econômico, social e ambiental. Nesse sentido,
Egler
280
afirma que “a implantação do AAE no País pode vir a representar um
reforço para o ZEE e vice-versa”.
Por outro ângulo, André Lima
281
aduz que o ZEE e a AEE constituem
uma “evolução necessária no plano da efetividade dos direitos socioambientais
constitucionais”. Desse modo, esses instrumentos podem e devem ser
desenvolvidos de maneira articulada entre si, possibilitando uma maior justiça
socioambiental em âmbito de planejamento de políticas públicas.
280
EGLER, Paulo C. G. Avaliação Ambiental Estratégica considerações sobre métodos para sua realização, apud LIMA
(2006). Op. cit. p. 186.
281
LIMA (2006). Op. cit. p. 186.
17.1.2. Licenciamento Ambiental
Dentre as diretrizes para a elaboração do ZEE, além da ampla
participação democrática, destaca-se o preceito do artigo 3°, § único, do Decreto
4.297/2002 que determina que o ZEE deve levar em consideração a importância
ecológica, limitações e fragilidades dos ecossistemas, daí resultando, nos termos
do dispositivo, em “vedações, restrições e alternativas de exploração do território
e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades
incompatíveis com suas diretrizes gerais”.
Observe que tal dispositivo pode ser muito bem alcançado com a
aplicação simultânea de outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente,
o Licenciamento Ambiental
282
.
Por meio do licenciamento ambiental, o Estado estabelece limites e
parâmetros para o exercício de atividades que utilizam os recursos naturais.
Assim, a Administração Pública, a fim de que a atividade privada não prejudique a
ordem pública, se vale do seu poder de polícia
283
, impondo freios à atividade do
particular. Paulo de Bessa Antunes
284
concorda com esse entendimento quando
afirma que:
As intervenções sobre o meio ambiente estão submetidas ao
controle do Poder Público, mediante a aplicação do poder de
polícia. O mais importante dentre todos os mecanismos que
estão à disposição da Administração para a aplicação do poder
de polícia ambiental é o licenciamento ambiental.
282
Lei 6.938/81 Art. - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: [...] IV - o licenciamento e a revisão de
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;
283
O conceito normativo de Poder de Polícia encontra-se no artigo 78 do Código Tributário Nacional, que assim prescreve:
“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene,
à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de
concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais
ou coletivos”.
284
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 127.
Desse modo, infere-se que, caso a atividade humana interfira nas
condições ambientais, o Estado deve exercer o controle sobre tal atividade.
Ademais, está instaurado o Estado Democrático de Direito, com fundamento na
lei e em princípios jurídicos claramente definidos, que refletem a vontade geral da
nação, por conseguinte, o poder de polícia está submetido ao princípio da
legalidade. Em outras palavras, a Administração Pública deve agir em
conformidade com a base constitucional e legal vigente. Assim, pode-se dizer,
como nas palavras de Paulo Bessa Antunes
285
, que “somente se permitem
atividades cujos impactos ambientais estejam compreendidos dentro dos padrões
fixados normativamente”.
Nesse passo, tendo em vista que o ZEE se apresenta, nos termos do
artigo do Decreto 4.297, de 10 de julho de 2002, como um instrumento que
estabelece diretrizes normativas relativas às medidas e padrões de proteção
ambiental, devendo ser obrigatoriamente seguido na implantação de projetos, ele
deve servir como subsídio e ser necessariamente respeitado na ocasião de o
Poder Público conceder ou não a licença para prática de determinada atividade
potencialmente poluidora. Desse modo, no licenciamento ambiental se fará a
vinculação entre a decisão do Poder Público e as diretrizes normativas do ZEE.
Na tomada de decisão deverão ser observadas as possíveis vedações, restrições
e alternativas de exploração do território previstas no ZEE.
Então, desde que observadas e atendidas as exigências explicitadas na
legislação ambiental, assim como nas diretrizes normativas do ZEE, a licença
ambiental poderá ou não ser concedida.
Importa ressaltar a exigência de determinados procedimentos a serem
seguidos rigorosamente na ocasião do licenciamento de uma atividade
285
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 129.
potencialmente poluidora, como é o caso do Estudo Prévio de Impacto Ambiental
(EIA), e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA).
Paulo Bessa Antunes
286
denota que o EIA tem por fim “examinar os
diferentes custos de um projeto”. Desse modo, cabe ao empreendedor avaliar se
os custos do seu projeto ultrapassam os benefícios a serem alcançados. Se isso
ocorrer, tal projeto se torna economicamente inviável.
O mesmo autor assinala que “desde a década de 50 do século XX, vem-
se desenvolvendo uma metodologia de análise de custos de projetos que ficou
conhecida como „avaliação social de projetos‟”. Evidentemente que esta
metodologia tem por foco não apenas o empreendedor particular, mas, sobretudo,
a sociedade. Na verdade, a avaliação social importa pela análise das
“externalidades dos projetos”, que, nos dizeres de Paulo Bessa Antunes
287
, “são
os resultados não desejados advindos da implementação de um dado projeto”.
Desse modo, as externalidades podem ser positivas, resultando em benefícios
para o empreendedor, mas também podem ser negativas, quando ocorrem
problemas não diagnosticáveis.
Nesse aspecto, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) abrange a análise
da relação custo/benefício dos projetos, ocupando-se especialmente, com as
conseqüências advindas deles sobre o meio ambiente.
Nos termos da Resolução CONAMA n° 1, de 23 de janeiro de 1986, fixou-
se o conceito normativo de impacto ambiental, sendo:
Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de
matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta
ou indiretamente, afetam:
I a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II as atividades sociais e econômicas;
286
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 249
287
Id. Ibid., p. 249.
III a biota;
IV as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
V a qualidade dos recursos ambientais.
Dessa forma, certo é que as atividades humanas podem produzir um
impacto negativo sobre o meio ambiente e, no caso de intervenções humanas
com repercussão sobre o rol acima discriminado, que, na verdade é bastante
amplo, tem-se configurado o impacto ambiental.
No ordenamento jurídico constitucional brasileiro, o Estudo de Impacto
Ambiental está previsto no artigo 225, § 1°, inciso IV
288
, sendo obrigatório para a
implantação de obra ou atividade potencialmente degradadora do meio ambiente
e exigido pelo Poder Público, no caso o Poder Executivo, por tratar-se de ato
administrativo, este, por sua vez, dará ampla publicidade ao estudo.
Essa publicidade tem por fim assegurar que a sociedade possa ter
conhecimento do EIA, e, inclusive, apresentar suas críticas e sugestões ao projeto
proposto. Sem dúvida, o EIA é um instrumento técnico que pode ser fundamental
no sentido de viabilizar a participação dos cidadãos na Administração Pública.
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) faz parte do procedimento de
licenciamento ambiental, entretanto acrescente-se que, no entendimento de Paulo
Bessa Antunes
289
e Vladimir Passos de Freitas
290
, as conclusões do EIA não
obrigam a Administração. Isso posto, a Administração Pública pode tomar a
decisão sem, necessariamente, limitar-se aos estudos elaborados. Não se pode
olvidar que tais termos servem para auxiliar a tomada de decisão pela
Administração blica, que deverá ser fundamentada, caso esta não chancele as
288
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as
presentes e futuras gerações. § - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV - exigir, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
289
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 287.
290
FREITAS, Vladimir Passos de. Direito Administrativo e Meio Ambiente. Curitiba: Juruá. 1993, p.57.
conclusões do EIA. Essa fundamentação, de fato, é vinculante para a
Administração.
Os requisitos necessários para que o EIA possua validade jurídica estão
distribuídos em uma série de Resoluções do Conselho Nacional do Meio
Ambiente CONAMA. Dentre tais requisitos, destacam-se as diretrizes gerais
previstas na Resolução n° 01, de 23 janeiro de 1986, in verbis:
Artigo - O estudo de impacto ambiental, além de atender à
legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei
de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes
diretrizes gerais:
I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização
de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do
projeto;
II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais
gerados nas fases de implantação e operação da atividade ;
III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou
indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de
influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia
hidrográfica na qual se localiza;
lV - Considerar os planos e programas governamentais,
propostos e em implantação na área de influência do projeto, e
sua compatibilidade.
Nesse ponto, é imperativo destacar, como requisito formal, a realização
de audiências públicas para viabilizar a participação democrática da sociedade
civil na defesa do meio ambiente. Fala-se em requisito formal, pois, muito embora
a Resolução CONAMA 09, de 03 de dezembro de 1990, estabeleça que as
audiências públicas sejam realizadas sempre que o órgão ambiental “julgar
necessário”, há obrigatoriedade para o Poder Público de abrir um edital para que
os interessados, no prazo de 45 dias, se assim desejarem, solicitem a sua
convocação.
Assim, a audiência promoverá a integração dos cidadãos com a defesa
do meio ambiente, uma vez que, tomarão conhecimento do conteúdo e das
conclusões presentes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no seu respectivo
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Ademais, no entendimento de Paulo
Bessa Antunes
291
, a audiência “tem a função de ser um momento no qual pode
ser feita a aferição das repercussões junto à sociedade, do empreendimento
proposto”.
Nesse contexto, a opinião pública sobre o projeto será bem-vinda, para
que os agentes públicos possam conhecê-la. Assinale-se que a audiência pública
é uma atividade de natureza consultiva e não possui caráter decisório. Contudo,
desde que os administradores públicos tomem conhecimento das críticas e
sugestões da sociedade, devem, ao menos, levá-las em consideração na tomada
da decisão, por exemplo, promovendo um reexame dos pontos criticados na
audiência.
Conclusão
1) A desertificação pode ser apontada como uma patologia ambiental complexa,
fruto de um processo composto por múltiplos fatores, que se inter-relacionam e
integram diversas áreas de conhecimento. Logo, é importante a constatação que
se dá a partir da compreensão pelo homem de que a desertificação está a
acelerar, para que este se dedique mais às pesquisas quanto a esse tema.
2) A própria idéia de degradação da terra é complexa, pois envolve diferentes
fatores. Sendo estes os componentes confirmados: a) degradação de solos, b)
degradação da vegetação, c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da
qualidade de vida da população. Depreende-se que todos eles dizem respeito a
áreas específicas de conhecimento, tratando-se, respectivamente, de
componentes físicos, biológicos, hídricos e socioeconômicos. Entretanto, as áreas
291
ANTUNES (2005). Op. cit. p. 305.
de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradição de
pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particulares e
adequadas a seus objetos de estudo, isso dificulta a aceitação de um conceito
universal de desertificação.
3) Contudo, a definição mais amplamente admitida foi formulada por ocasião da
“Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento”
CNUMAD -, que foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, entre 03 e 14 de junho de
1992, e da “Convenção das Nações Unidas sobre o Combate à Desertificação”
UNCCD -, acordada em 17 de junho de 1994.
4) Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas consolidaram
um importante documento internacional de proteção ao meio ambiente a
Agenda 21. Assim, nos termos do capítulo 12, desse documento, desertificação
significa “a degradação do solo em áreas áridas, semi-áridas e subúmidas secas,
resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de atividades
humanas”.
4) Por outro ângulo, a desertificação também é considerada quando uma
diminuição da produtividade dos solos, resultado do uso e gestão inadequados
dos recursos naturais em territórios fragilizados pelas condições climáticas
adversas.
5) A necessidade de se atuar para combater o problema é muito urgente, porque
se trata de um processo dinâmico que se auto-alimenta e acelera rapidamente. O
atraso na recuperação das áreas afetadas pode torná-la excessivamente
dispendiosa, havendo, ainda, a probabilidade de se atingir um limiar para além do
qual passa a ser ecologicamente irreversível.
6) Uma das causas para a designação das áreas sujeitas a esse fenômeno é a
aridez, que pode ser verificada pelo déficit de umidade, devido às circunstâncias
climáticas. Assim, constatou-se que o declínio da produtividade biológica
desertificação se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas,
semi-áridas e subúmidas secas, do mundo.
7) As atividades humanas, pecuária e agricultura, também geram impactos
bastante acentuados em ecossistemas secos. Isso ocorre, porque o homem
penetra em certos ambientes delicados, como os agravados pela seca, e neles
atua vislumbrando suprir as suas necessidades de sobrevivência, sem a
compreensão das sensibilidades e limitações ambientais do local.
8) Além disso, é oportuno destacar que a urbanização em terras secas causa
impacto direto sobre o meio ambiente, suscitando questões adicionais atinentes
ao processo de desertificação.
9) Concluiu-se que o fenômeno tem causas e conseqüências humanas, visto que,
a desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando,
particularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos
recursos naturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos
os refugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome.
10) Em 1977, a Organização das Nações Unidas se reuniu, na “I Conferência das
Nações Unidas Sobre Desertificação”, a fim de elaborar o Plano de Ação para
Combater à Desertificação PACD. Desse modo, o objetivo imediato desse
Programa é impedir o avanço do processo de desertificação e, quanto às terras
degradadas, se possível, recuperá-las para o uso produtivo. o objetivo final é
garantir a sustentabilidade, dentro dos limites ecológicos, das terras áridas, semi-
áridas e subúmidas, entre outras que se apresentarem vulneráveis ao processo
de desertificação, no intuito de melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.
11) Importante alvo deste estudo foi a indicação, no âmbito do PACD, da
necessidade da consciência pública e participação popular para a prevenção e
combate à desertificação. Assim, é cediço que as populações deverão ser
envolvidas nas tomadas de decisões que afetam diretamente suas vidas.
12) Para combater a desertificação, faz-se imprescindível observar os preceitos
descritos na Agenda 21, que corroboram o desafio do desenvolvimento
sustentável. A constatação de que as tendências atuais de desenvolvimento
aumentam a pobreza e geram graves danos ao meio ambiente, fez com que a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento reivindica-se um
novo tipo de desenvolvimento, capaz de manter o progresso humano e garantir o
equilíbrio ecológico, em todo o planeta.
13) No entanto, a Agenda 21, na II Seção, capítulo 12, colocou em foco
programas direcionados ao combate à desertificação, priorizando a
implementação de medidas preventivas nas áreas ainda não afetadas ou
levemente afetadas pelo fenômeno, medidas corretivas para sustentar a
produtividade de terras moderadamente afetadas, e, medidas regeneradoras para
recuperar terras muito secas ou seriamente desertificadas.
14) Para tanto, a Agenda 21 destacou as seguintes diligências: a) Fortalecimento
da base de conhecimentos e desenvolvimento de sistemas de informação e
monitoramento para regiões propensas à desertificação e seca; b) Combate à
degradação do solo por meio, inter alia, da intensificação das atividades de
conservação do solo, florestamento e reflorestamento; c) Desenvolvimento e
fortalecimento de programas de desenvolvimento integrado para a erradicação da
pobreza e a promoção de sistemas alternativos de subsistência em áreas
propensas à desertificação; d) Desenvolvimento de programas abrangentes de
antidesertificação e sua integração aos planos nacionais de desenvolvimento e ao
planejamento ambiental nacional; e) Desenvolvimento de planos abrangentes de
preparação para a seca e de esquemas para a mitigação dos resultados da seca;
f) Estímulo e promoção da participação popular e da educação, sobre a questão
do meio ambiente, centradas no controle da desertificação e no manejo dos
efeitos da seca;
15) Ênfase é dada à ampla participação da opinião pública na tomada de
decisões relativas ao meio ambiente, uma vez que, no contexto do meio ambiente
e desenvolvimento, surge a necessidade de novas formas de participação. Isso
posto, afirmou-se, durante este estudo, que as organizações não governamentais
(ONG‟s) exercem uma importante função, pois facilitam a modelagem e
implementação da democracia participativa.
16) Em 1991, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PNUMA
informou que a aplicação de recursos e a reversão dos processos de
desertificação haviam sido insuficientes. Daí, sugeriu-se a elaboração da
“Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação”, vez que seria
um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os países Partes que a
assinaram a assumir, de fato, os compromissos nela prescritos.
17) Esse documento traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem
seus esforços no combate ao problema, visto que, em geral, os peritos do
governo iniciam os projetos, definindo imediatamente, sem consulta, os seus
objetivos e as atividades necessárias. Às vezes, visitam as comunidades locais
para publicizar seus planos, formulando, assim, um convite para sua participação
na execução dos seus projetos. No entanto, a Convenção trouxe uma proposta
distinta, de baixo para cima, na qual os programas para combater a desertificação
devem originar-se em nível local. Isso posto, as comunidades diretamente
afetadas, em conjunto com as organizações não governamentais, devem
participar de todas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.
18) É importante frisar que, depois de planejado o programa de combate, pelos
participantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar o seu
progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, é
fundamental para apreciar o resultado obtido, como também, para confabular as
etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil a
delegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central ou
federal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.
19) No Brasil, o Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA -, conforme as
atribuições que lhe foram conferidas pela Lei 6.938/81 e pelo Decreto
regulamentador 99.274, de 06 de junho de 1990, aprovou em 22 de dezembro
de 1997, na 4Reunião Ordinária do Plenário, através da Resolução 238, a
Política Nacional de Controle da Desertificação.
20) Isso se deu, no país, por conta da identificação das Áreas Suscetíveis à
Desertificação ASD‟s que se concentram, em sua maior parte, no Nordeste
brasileiro, onde predominam os espaços semi-áridos e subúmidos secos. Tais
regiões representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72% do território
brasileiro, abrigando uma população de mais de 31,6 milhões de habitantes, isso
corresponde a 18,65% da população do país.
21) A partir dessa constatação, e em consonância com a orientação dada na
“Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação”, que deverá ser
implementada por programas de ação em nível nacional, regional ou sub-regional,
o governo brasileiro elaborou, em conjunto com a sociedade civil, o Programa de
Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN Brasil).
22) Esse programa desenvolve eixos temáticos, imprescindíveis à meta do
desenvolvimento garantidor da sustentabilidade dos recursos naturais nas ASD‟s,
quais sejam: o combate à pobreza e às desigualdades, a ampliação da
capacidade produtiva, a conservação, preservação e manejo sustentável dos
recursos, a gestão democrática e o fortalecimento institucional.
23) Até aqui, pretendeu-se demonstrar a evolução do problema em nível mundial
e a solução apresentada nos documentos internacionais, assim como, na Política
Nacional de Controle à Desertificação e no seu respectivo programa de ação. A
essa altura, tem lugar os argumentos insculpidos no ordenamento jurídico
brasileiro, e que confirmam a atuação do Estado, na forma sustentada pelos
documentos acima mencionados.
24) No Brasil, o “Estado Democrático de Direito” encontra-se instaurado, e, está
doutrinariamente embarcado na concepção democrática participativa, porque
envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação
dos atos de governo. Desse modo, poder-se-á falar em “governança”.
25) Se o Estado é democrático, e de direito, está subordinado ao império da lei.
No entanto, ela tem de realizar o princípio da igualdade e da justiça não pela sua
generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente
desiguais. Por ser ela o ato oficial de maior realce na vida política, o deve
resumir-se a um ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem
jurídica existente, mas sim, ao mesmo tempo condizer com a atuação da vontade
popular.
26) A noção de democracia deve ser ampliada para a realização do princípio da
“soberania popular ativa”, realçando o respeito aos Direito Humanos. Assim, a
idéia apreendida, durante a pesquisa, é a necessidade de se unificar o paradigma
da “democracia política”, que se restringe à defesa dos direitos e liberdades
públicas individuais e às eleições periódicas, com o novo modelo de “democracia
social”, que visa à garantia do máximo de segurança e bem-estar.
27) Realmente, a eleição é o ponto-chave da democracia, já que permite que haja
uma seleção de baixo para cima, impedindo a cristalização como casta da minoria
governante. Entretanto, a doutrina tem buscado formas de aprimorar a
democracia, no sentido de não abandonar o modelo representativo, tão
fundamental à democracia, mas agregar ao governo novos institutos de
participação, mediante os quais possam ser recolhidas manifestações da
sociedade civil, não só agrupada, mas também, individualmente.
28) Surgiu, portanto, um novo paradigma na gestão da coisa pública, no qual a
democracia passa a ser concebida enquanto espaço de debate público, onde as
decisões importantes da sociedade podem ser tomadas nos três níveis de
governo (federal, estadual e municipal), num processo de discussão junto às
diversas forças que interagem na sociedade civil.
29) O grande obstáculo a ser transposto é converter meros espectadores em
agentes. Todavia, não é tarefa impossível. Para tanto, a participação pública
efetiva deve contar com o maior volume praticável de informações, e o Estado,
em consonância com os princípios da legalidade e publicidade, tem o dever de
disponibilizá-las.
30) Muito embora seja visível a relevância de um exame exclusivo e minucioso
sobre as formas de participação pública, tanto em âmbito legislativo como em
sede jurisdicional, para os fins da presente pesquisa, mereceu especial atenção a
figura da participação ou comunicação pública na órbita administrativa.
31) Com efeito, a participação pública na função administrativa pode realizar-se,
numa visão ampla, por meio de consulta prévia. Assim, algumas modalidades
específicas estão em uso, tais como: audiências públicas, debates públicos,
coleta de opiniões, participação institucional de administrados em colegiados
mistos e, finalmente, também em nível institucional, a adoção de assessorias
especiais.
32) Enfatizou-se, neste trabalho, que esse tipo de interferência somente pode
acontecer na fase de planejamento, definição e implantação de poticas públicas.
Entretanto, a participação também pode resultar no envolvimento da sociedade
civil na verdadeira ação de tomada de decisão, sendo deliberativa, e, criando a
possibilidade de ações corretivas e/ou reorientadoras (controle) da gestão da
coisa pública.
33) No tocante à questão ambiental, infere-se que a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 abriu uma brecha que sustenta legalmente a
participação da sociedade civil, ao reconhecer o direito que têm os cidadãos ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como o dever do Poder Público e
da coletividade de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e
futuras gerações. Nesse sentido, depreende-se o dever da sociedade de
participar não somente através da pressão e interlocução com o Poder Público,
mas também com ações cotidianas individuais no intuito de garantir esse direito
eminente.
34) Na esfera do Executivo, diferentes espaços para a participação dos
cidadãos, que se torna visivelmente importante nos Conselhos do Meio Ambiente
existentes nos veis federal (Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA),
estadual (Conselhos Estaduais do Meio Ambiente COEMAS e CONSEMAS) e
municipal (Conselhos Municipais do Meio Ambiente CONDEMAS).
35) Se bem que a Constituição Federal de 1988 não institucionalizou nenhum tipo
de Conselho, contudo, verifica-se em Leis Federais específicas, ou em várias
Constituições Estaduais e em Leis Orgânicas Municipais, a determinação da sua
criação, obviamente nos diversos níveis da estrutura do governo. É necessário
enfatizar que, em alguns casos, são criados Conselhos de caráter meramente
consultivo, em outros, têm o caráter deliberativo, definindo prioridades
governamentais, fiscalizando e avaliando as ações do Executivo.
36) Destarte, os Conselhos costumam ter em sua composição representantes de
entidades ambientalistas e de outros segmentos da sociedade civil, tais como
representantes dos trabalhadores, do setor produtivo, de universidades, entre
outros. Alguns desses órgãos têm função regulamentadora, o que torna a
participação nesses espaços ainda mais interessante para os vários segmentos
da sociedade com interesse em proteger o meio ambiente.
37) Nesse contexto, os cidadãos devem estar atentos, especialmente às
atividades de Zoneamento Ambiental ou ZEE, procurando manifestar-se quando
iniciativas e discussões relativas a planos, programas ou atividades a serem
implementadas em sua região ocorrerem.
38) Sobremodo, o Zoneamento Ecológico - Econômico (ZEE) configura um
instrumento imprescindível para as regiões afetadas ou suscetíveis à
desertificação, visto que, é necessário para a adequação da utilização dos
recursos naturais, bem como para nortear as políticas de desenvolvimento.
39) Com efeito, no direito ambiental brasileiro, o zoneamento ambiental (ou ZEE)
representa uma providência importante, visto que ostenta a condição de princípio
e instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938, de
1981, recepcionada pela CRFB de 1988. Ademais, o Decreto do Executivo
4.297, de 10 de julho de 2002, regulamentou o artigo 9°, inciso II, da referida Lei,
estabelecendo critérios mínimos para o Zoneamento Ecogico Econômico
(ZEE).
40) O zoneamento ambiental surge como uma proposta preventiva em longo
prazo, de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável, pois tenciona
compatibilizar o desenvolvimento das atividades econômicas com a utilização dos
recursos naturais, por isso também pode ser chamado de zoneamento ecológico-
econômico (ZEE).
41) De acordo com o estudo feito nesta pesquisa, o ZEE assume a concepção de
instrumento de planejamento e coordenação das ações de intervenção do Estado
na ordem econômica e social e para a definição de diretrizes normativas sobre a
ocupação do território, o uso dos recursos naturais e a conservação dos
ecossistemas.
42) A idéia sugerida é trabalhar com diretrizes normativas, voltadas para o manejo
ou preservação dos recursos naturais. Tais diretrizes poderiam definir o conteúdo
de decretos, resoluções ou instruções normativas.
43) Isso posto, a partir da construção do ZEE, os entes governamentais (nas
diversas áreas da federação) poderão balizar suas opções e iniciativas, servindo
ao mesmo tempo como elemento orientador para as ações do setor privado.
44) Da leitura dos princípios inscritos na Política Nacional do Meio Ambiente,
infere-se a necessidade de integração e coordenação (sinergia) entre eles e os
demais instrumentos discriminados nela. Por uma questão de delimitação, foi
demonstrada a correlação entre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE)
participativo e a Avaliação Ambiental Estratégica (AEE). E, ainda, a necessidade
de se conjugar o ZEE com o Licenciamento Ambiental.
45) Vista a AAE como um instrumento de gestão ambiental utilizado na etapa de
análise de planos, programas ou projetos, ela se afina com o ZEE, pois que um
dos seus principais objetivos é o desenvolvimento de uma avaliação do uso do
território que venha a considerar, de forma efetiva, no processo de tomada de
decisão, a integração dos domínios econômico, social e ambiental.
46) Dentre as diretrizes para a elaboração do ZEE, além da ampla participação
democrática, destaca-se o preceito do artigo 3°, § único, do Decreto 4.297/2002
que determina que o ZEE deve levar em consideração a importância ecológica,
limitações e fragilidades dos ecossistemas, d resultando, nos termos do
dispositivo, em “vedações, restrições e alternativas de exploração do território e
determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades
incompatíveis com suas diretrizes gerais”.
47) Observe que tal dispositivo pode ser muito bem alcançado com a aplicação
simultânea de outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, o
Licenciamento Ambiental.
48) Nesse passo, tendo em vista que o ZEE se apresenta, nos termos do artigo 2°
do Decreto 4.297, de 10 de julho de 2002, como um instrumento que estabelece
diretrizes normativas relativas às medidas e padrões de proteção ambiental,
devendo ser obrigatoriamente seguido na implantação de projetos, ele deve servir
como subsídio e ser necessariamente respeitado na ocasião de o Poder Público
conceder ou não a licença para prática de determinada atividade potencialmente
poluidora. Desse modo, no licenciamento ambiental se faa vinculação entre a
decisão do Poder Público e as diretrizes normativas do ZEE. Na tomada de
decisão deverão ser observadas as possíveis vedações, restrições e alternativas
de exploração do território previstas no ZEE.
49) Importa ressaltar a exigência de determinados procedimentos a serem
seguidos rigorosamente na ocasião do licenciamento de uma atividade
potencialmente poluidora, como é o caso do Estudo Prévio de Impacto Ambiental
(EIA), e seu respectivo Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA).
50) Nesse ponto, é imperativo destacar, como requisito formal do EIA, a
realização de audiências públicas para viabilizar a participação democrática da
sociedade civil na defesa do meio ambiente. Fala-se em requisito formal, pois,
muito embora a Resolução CONAMA 09, de 03 de dezembro de 1990,
estabeleça que as audiências públicas sejam realizadas sempre que o órgão
ambiental “julgar necessário”, obrigatoriedade para o Poder Público de abrir
um edital para que os interessados, no prazo de 45 dias, se assim desejarem,
solicitem a sua convocação.
51) Assim, a audiência promoverá a integração dos cidadãos com a defesa do
meio ambiente, uma vez que, tomarão conhecimento do conteúdo e das
conclusões presentes no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e no seu respectivo
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
52) Finalmente, conclui-se que o licenciamento ambiental também é um
importante instrumento no combate à desertificação, tendo em vista que a
realização deste, numa dada região que conta com o ZEE, deve estar de
acordo com as diretrizes normativas já instituídas pelo Programa. Ademais, a
realização do licenciamento das atividades potencialmente poluidoras colaborará
com a eficácia do ZEE, na medida em que, no ato licenciatório, pode-se limitar,
restringir, ou até mesmo, vedar, a implantação de determinados
empreendimentos.
Referências
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ÍNDICE GERAL
Introdução.............................................................................................................11
PRIMEIRA PARTE:
DESERTIFICAÇÃO: CONCEITO, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS
1. O RECONHECIMENTO DO PROBLEMA EM NÍVEL MUNDIAL.................................14
2. O CONCEITO DE DESERTIFICAÇÃO.........................................................................19
3. AS CAUSAS DA DESERTIFICAÇÃO...........................................................................22
3.1. AÇÃO DOS FATORES CLIMÁTICOS NO PROCESSO DE DESERTIFICAÇÃO......24
3.2. A RELAÇÃO ENTRE O HOMEM E UM MEIO AMBIENTE DIFÍCIL........................28
3.2.1. Pecuária.........................................................................................................30
3.2.2. Agricultura......................................................................................................32
3.2.3. Urbanização..................................................................................................38
4. O IMPACTO DA DESERTIFICAÇÃO SOBRE O HOMEM...........................................39
SEGUNDA PARTE:
A DESERTIFICAÇÃO NOS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS
5. A I CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESERTIFICAÇÃO.................43
5.1. O PLANO DE AÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA COMBATER A
DESERTIFICAÇÃO (PACD)..............................................................................................45
5.1.1. O plano da ONU e a participação popular................................................47
6. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO (CNUMAD)....................................................................................48
6.1. A AGENDA 21 E O DESAFIO DO “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”............51
6.2. AS SEÇÕES DA AGENDA 21....................................................................................53
6.3. A DESERTIFICAÇÃO NA AGENDA 21......................................................................55
6.4. O DESENVOLVIMENTO RURAL E AGRÍCOLA SUSTENTÁVEL.............................59
6.5. O PAPEL DOS ATORES DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL......................61
6.5.1. As organizações não governamentais (ONG‟s).......................................64
7. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO NOS
PAÍSES AFETADOS PELA SECA E/OU DESERTIFICAÇÃO, PARTICULARMENTE NA
ÁFRICA..............................................................................................................................66
7.1. DEFINIÇÃO DOS TERMOS, OBJETIVOS, PRINCÍPIOS E OBRIGAÇÕES DAS
PARTES.............................................................................................................................67
7.2. INSTITUIÇÕES: CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP) E OUTROS ÓRGÃOS
ARTICULADOS..................................................................................................................71
7.3. OS PROGRAMAS DE AÇÃO: NAP‟S, RAP‟S E SRAP‟S...........................................73
7.4. DESERTIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO (BOTTOM-UP
APPROACH)......................................................................................................................76
TERCEIRA PARTE:
O BRASIL E A POLÍTICA NACIONAL DE CONTROLE DA DESERTIFICAÇÃO
8. INTRODUÇÃO AO SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (SISNAMA) E À
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (PNMA)....................................................79
8.1. O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE (CONAMA)..................................80
8.1.1. A Resolução CONAMA n° 238 de 22 de dezembro de 1997.................81
9. A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROGRAMA DE AÇÃO NACIONAL DE
COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA (PAN-
BRASIL).............................................................................................................................85
9.1. O BRASIL E AS SUAS RESPECTIVAS ÁREAS SUSCETÍVEIS À
DESERTIFICAÇÃO (ASD‟s)..............................................................................................89
9.2. FOCO DO PAN (BRASIL) E EIXOS TEMÁTICOS DO PROGRAMA.........................93
9.2.1. Redução da Pobreza e da Desigualdade..................................................94
9.2.2. Ampliação Sustentável da Capacidade Produtiva...................................95
9.2.3. Preservação, conservação e manejo sustentável dos recursos
naturais....................................................................................................................97
9.2.4. Gestão democrática e fortalecimento institucional...................................99
QUARTA PARTE:
GOVERNANÇA E PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
10. DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO.................................................................102
11. AFINAL, O QUE É DEMOCRACIA?.........................................................................107
11.1. AS FORMAS DE DEMOCRACIA............................................................................112
12. A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA .........................................................................119
12.1. A DIMENSÃO PARTICIPATIVA E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.......................125
12.1.1. Participação pública e gestão ambiental...............................................129
QUINTA PARTE:
O ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO (ZEE) PARTICIPATIVO
13. O ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO (ZEE) E O COMBATE À
DESERTIFICAÇÃO.........................................................................................................140
14. ORDENAMENTO [ORDENAÇÃO] TERRITORIAL E AS JUSTIFICATIVAS PARA A
SUA IMPLANTAÇÃO......................................................................................................142
15. ZONEAMENTO, URBANISMO E FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.............147
16. ASPECTOS CONCEITUAIS DO ZONEAMENTO AMBIENTAL OU ZEE................152
17. O ZEE E A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE.......................................158
17.1. A CORRELAÇÃO ENTRE O ZEE PARTICIPATIVO E OUTROS INSTRUMENTOS
DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE...........................................................162
17.1.1. Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).................................................166
17.1.2. Licenciamento Ambiental.........................................................................168
Conclusão...........................................................................................................174
Referências.........................................................................................................187
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