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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
PATRÍCIA FREITAS SCHEMES ASSUMPÇÃO
A INTEGRALIDADE EM SAÚDE E O DEBATE DO SERVIÇO SOCIAL
FLORIANÓPOLIS
2007
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PATRÍCIA FREITAS SCHEMES ASSUMPÇÃO
A INTEGRALIDADE EM SAÚDE E O DEBATE DO SERVIÇO SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social –
Mestrado, da Universidade Federal de Santa
Catarina como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Drª. Regina Célia Tamaso
Mioto.
FLORIANÓPOLIS
2007
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AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo
auxílio financeiro que garantiu dedicação exclusiva na elaboração desta dissertação.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, especialmente à
querida Profa. Dra. Heloísa Maria José de Oliveira.
À Regina por acreditar em mim, propor desafios que seriam impossíveis de cumprir
sem a sua sabedoria e conhecimentos me guiando sempre. Por ser mais que uma professora,
uma pessoa que me compreendeu em toda a minha integralidade nos momentos de crise, de
pré-casamento e de distância. Você é demais!
Aos professores membros da banca: Prof. Dr. Helder, Profa. Dra. Maria Virgínia e
Profa. Dra. Maria Teresa. Muito obrigada pela disposição, atenção e contribuições para com
este trabalho.
Ao Núcleo de Estudos em Políticas Públicas (NESPP/UFSC), pelo conhecimento
agregado e crescimento acadêmico. Em especial às colegas Luiza Gerber e Fran Alves.
Às alunas da 5ª fase do curso de Serviço Social semestre 2007.1, por me receberem
na disciplina Processo de Trabalho no Serviço Social: famílias e segmentos sociais
vulneráveis, no período do estágio de docência.
A todos os colegas do mestrado, em especial:
Valter Martins, por seu desempenho brilhante enquanto representante
discente e por ser uma pessoa muito especial;
Fer Borba e Cláu Chupel, por serem amigas de todas as horas inclusive nas
férteis e inférteis intelectualmente. Obrigada por compartilhar o choro e as
gargalhadas e por sempre terem uma palavra amiga;
Lis Preuss, muito obrigada pelo incentivo e otimismo nos momentos de
maior dificuldade na composição do trabalho;
Dani Manfrini, por continuar sendo um exemplo pra mim.
A todos os amigos de perto e de longe que torceram e colaboraram de alguma forma,
em especial:
As meninas do “apê”: Mila, Bia, Eve e Lara que me hospedaram com tanto
carinho;
Ana “Banana”, por ser mais que amiga, por ser irmã;
Cíntia, por não ter chegado nem cedo e nem tarde, mas na hora certa.
Obrigada pela companhia, pelo notebook, pelo incentivo decisivo na reta
5
final;
Ao Andrew e à Cora, por todo o apoio e amizade real e virtual e pela
tradução do resumo.
A todos os meus familiares e principalmente aos meus pais, Orli e Nadir, pelo apoio
incondicional em todos os sentidos e por compreenderem minha ausência. Sem vocês
certamente eu não estaria aqui, pois são essenciais na minha vida.
À Elisa, minha irmã, pelas discussões teóricas e de irmãs mesmo. Pelo exemplo de
pesquisadora e de pessoa íntegra. Continuo querendo ser igual a você quando crescer.
Ao Taybar, meu esposo, aquele que bem de perto acompanhou os momentos mais
importantes, e de certa forma, as conquistas e concretizações mais difíceis da minha vida nos
últimos anos e ainda não desistiu de mim. Eu escolhi te amar pra vida toda, obrigada por
compartilhar comigo da mesma decisão.
E, finalmente a Deus por Sua infinita grandeza, bondade e graça que me alcançaram.
“Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras
são admiráveis e a minha alma o sabe muito bem. Os teus olhos me viram a substância ainda
informe e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado,
quando nem um deles havia ainda” (Salmo 139).
6
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres: trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade.
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RESUMO
ASSUMPÇÃO, Patrícia Freitas Schemes. A integralidade em saúde e o debate do Serviço
Social. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Florianópolis: UFSC/CSE/PGSS, 2007.
Orientadora: Regina Célia Tamaso Mioto.
Este trabalho coloca em discussão o princípio doutrinário do SUS, a Integralidade e o debate
do Serviço Social pós Movimento de Reconceituação. Para tanto nos utilizamos de uma
pesquisa bibliográfica sobre o debate atual da Integralidade e do Serviço Social. Com o intuito
de compreender a gênese da política de saúde no Brasil e seus desdobramentos no decorrer da
história, iniciamos o trabalho com uma contextualização desta política, que teve nas primeiras
décadas de 1900 seu início, passou por diversos processos e no final do mesmo século teve
seu ápice com a promulgação da Constituição Federal e posteriormente a criação do SUS.
Destacamos neste âmbito o Movimento da Reforma Sanitária que influenciou a consolidação
de um novo paradigma de saúde no país, baseado no direito à saúde e principalmente voltado
para a compreensão de que a saúde é resultante de um conjunto de fatores, como a educação,
a habitação, o saneamento, o lazer, etc. Neste bojo de discussões e de reivindicações da
sociedade civil em conjunto com os militantes da Reforma Sanitária, a política de saúde vai se
delineando até alcançar a forma do SUS, que tem seus princípios firmados
constitucionalmente. Formam parte destes princípios a Integralidade, a Universalidade e a
Equidade. A integralidade, foco de nosso estudo, é compreendida pelos autores como um
conceito polissêmico, sendo que o significado constitucional que lhe é atribuído não se faz
suficiente para abarcar as implicações teóricas e práticas que este princípio exige. Deste modo
destacamos alguns dos sentidos atribuídos à Integralidade em sua interface com a área da
saúde, presentes na assistência à saúde, no exercício e na formação profissional. Com relação
ao Serviço Social destacamos brevemente sua trajetória no Brasil e a inserção dos
profissionais no campo da saúde, considerado desde o início da profissão no país como
importante local de atuação, e que se tornou o espaço profissional com maior presença de
assistentes sociais. O fato de a Integralidade fazer parte da ação profissional do assistente
social em todos os campos de atuação e principalmente na saúde, levou-nos a buscar na teoria
crítica dialética o respaldo necessário para encaminhar a discussão. Não poderíamos fazer
outra escolha senão pela teoria crítica de Marx, pois esta é a base teórica fundamental do
Serviço Social desde o Movimento de Reconceituação. Deste modo entendemos que a mesma
é a “bússola” teórico-metodológica norteadora da profissão em conjunto com os preceitos
ético-políticos contidos no Código de Ética. Para sedimentar a importância da teoria crítica
em nosso trabalho, destacamos o método marxista de compreensão da realidade com ênfase
na categoria da totalidade e seu desdobramento na singularidade, particularidade e
universalidade. Procuramos com este arcabouço teórico-metodológico contribuir em três
aspectos para a discussão da Integralidade em saúde e o Serviço Social; no aspecto da
fundamentação teórica, do exercício profissional direcionado para uma prática que privilegia
a Integralidade conforme os preceitos estabelecidos na Reforma Sanitária e da formação
profissional entendida como preponderante na consolidação dos princípios profissionais.
Palavras-chave: Integralidade em Saúde, Serviço Social, Teoria Crítica Dialética, Projeto
Ético-político.
8
ABSTRACT
ASSUMPÇÃO, Patrícia Freitas Schemes. Integrality in Health Care and the Debate in the
Social Services. Dissertation for Master’s Degree in Social Services. Florianópolis:
UFSC/CSE/PGSS, 2007. Professor: Regina Célia Tamaso Mioto PhD.
The purpose of this dissertation is to discuss Integrality, the fundamental principle of the SUS
(Sistema Único de Saúde, the Brazilian National Health System) and the debate in the Social
Services since the “Movimento de Reconceituação” (the progressive rethinking in the
profession since the 1960s). To this end we use a bibliographical study of current debate on
Integrality and the Social Services. In order to understand the beginnings of health policy in
Brazil and its historical development, we seek to see this policy in its historical context, with
its genesis in the first decades of the twentieth century, passing through various changes and
at the end of the same century reaching its climax in the formulation of the Federal
Constitution and afterwards the creation of the SUS. In this context we emphasise the
Movimento da Reforma Sanitária (Sanitary Reform Movement) which influenced the
development of a new paradigm for Healthcare in the country, based on the right to health and
principally focussed in the understanding that health is the result of many factors, such as
education, housing, sanitation, leisure etc.. In the melting pot of debate and demand in
society, stimulated by militants of the Sanitary Reform Movement, health policy was
progressively forged until it took shape as the SUS, which has its principles defined in the
Constitution. Basic to these principles are Integrality, Universality and Equality. Integrality,
the focus of our study, is understood by writers in the field as a polysemic concept, given that
the meaning attributed to it in the Brazilian Constitution is not broad enough to embrace all of
the theoretical and practical implications which the principle demands. In the present work we
discuss some of the meanings given to Integrality in the Health Service, and the work and
training of health professionals. We focus briefly on the history of Social Services in Brazil
and the involvement of professionals in the health care field, considered since the beginnings
of the profession as an important area of work, and which evolved into the professional area
with the largest number of Social Workers. The fact that Integrality is a core-value for Social
Workers in all fields but principally in health care led us to look to critical dialectic theory as
a necessary basis for the development of the discussion. There is no other choice open other
than the critical theory of Marx, given that this is the fundamental theoretical basis in the
Social Services since the Movimento de Reconceituação, and in the same way we understand
that the same theory is the theoretical and methodological compass that orientates the
profession in conjunction with the ethical-political principles contained in the Código de Ética
(the ethical code of the profession). In order to ground the importance of critical theory in our
work we outline the Marxist method and world-view with emphasis on the category of
Totality and its outworking in Singularity, Particularity and Universality. We seek through
this theoretical-methodological basis to contribute in three ways to the discussion of
Integrality in health care and the Social Services: in terms of their theoretical basis, in the
outworking of this basis in a professional practice that highlights Integrality in line with the
principles established in the Movimento da Reforma Sanitária, and in the academic
preparation of professionals understood as being of overwhelming importance in the
consolidation of the principles of the profession.
Key-words: Integrality in Health Care, Social Services, Critical Dialectic Theory, Ethical
Political Project
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões
SUS – Sistema Único de Saúde
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
MS – Ministério da Saúde
PSF – Programa de Saúde da Família
FMI – Fundo Monetário Internacional
PPA - Plano Plurianual
PNHAH – Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospital
PNH – Política Nacional de Humanização
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
CNDSS – Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde
DST – Doença Sexualmente Transmissível
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida -
LAPPIS – Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde
IMS – Instituto de Medicina Social
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
PNPIC – Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares
ABAM- Associação Brasileira de Medicina Antroposófica
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde
CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde
CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
CNS – Conselho Nacional de Saúde
OMS – Organização Mundial da Saúde
LBA – Legião Brasileira de Assistência
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11
2 A POLÍTIA DE SAÚDE NO BRASIL E OS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS
DO SUS............................................................................................................................
19
2.1 Integralidade no contexto da política de saúde...............................................
31
3 O DEBATE DA INTEGRALIDADE NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE....................
36
3.1 Integralidade como “imagem-objetivo”..........................................................
36
3.2 Articulação entre prevenção e assistência à saúde.......................................... 37
3.3 A Integralidade em práticas alternativas......................................................... 41
3.4 A Integralidade como articulação dos serviços - intersetorialidade................ 49
4 O DEBATE DA INTEGRALIDADE E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL..........
56
4.1 A Integralidade como prática profissional não-fragmentada..........................
56
4.2 A Integralidade como trabalho em equipe...................................................... 61
4.3 A Integralidade na formação profissional....................................................... 67
5 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL PARA A
DISCUSSÃO DA INTEGRALIDADE EM SAÚDE....................................................
71
5.1 Considerações acerca dos elementos da teoria crítica.....................................
71
5.2 A perspectiva crítica dialética no Serviço Social: a questão da totalidade..... 80
5.3 Processo de apropriação da teoria crítica no Serviço Social........................... 84
6 POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL PARA A
DISCUSSÃO DA INTEGRALIDADE EM SAÚDE....................................................
94
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................
.
106
11
1 INTRODUÇÃO
A inserção dos assistentes sociais na área da saúde se dá de forma expressiva desde
os primórdios da profissão no Brasil. Com a formulação da política nacional de saúde nos
anos de 1930, a requisição por profissionais de Serviço Social foi significativa e eles
ocuparam inicialmente espaços institucionais como hospitais e ambulatórios. Gradativamente
a área da saúde tornou-se a que mais emprega assistentes sociais.
Para Bravo (2006) a inserção do Serviço Social na área da saúde inicia com a ação
pioneira do Serviço Social no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo,
em 1943, denominado Serviço Social Médico. Fazem parte da ação profissional neste campo,
a racionalidade técnica e os novos conhecimentos do Serviço Social de Caso, Grupo e
Comunidade, influenciados pelos assistentes sociais norte-americanos.
A partir de 1945, houve uma expansão do Serviço Social no Brasil influenciado pelo
quadro mundial que acompanhava o fim da Segunda Guerra Mundial. Bravo e Matos (2006),
importantes interlocutores no que se refere às pesquisas, estudos e publicações sobre o tema
Serviço Social e Saúde, apontam que na década de 1940 a ação profissional nesta área
ampliou-se significativamente, e transformou-se na esfera que mais absorveu os assistentes
sociais. Os autores atribuem tal expansão a fatores como: a adoção de um conceito ampliado
de saúde pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1948 o qual requisitou a atuação de
vários profissionais, inclusive de assistentes sociais, por haver-se dado enfoque ao trabalho
em equipe multidisciplinar. Coube ao Serviço Social enfatizar “a prática educativa com
intervenção normativa no modo de vida da “clientela”, com relação aos hábitos de higiene e
saúde”, e atuar em programas estabelecidos pelas normatizações da política de saúde
(BRAVO e MATOS, 2006, p. 29).
Outro fator diz respeito à contradição causada pela Política Nacional de Saúde
vigente naquele momento, pois a mesma não era de caráter universal e desta maneira instalou-
se uma incoerência entre demanda e oferta de serviços gerando seletividade e exclusão nos
atendimentos. É com a finalidade de viabilizar o acesso dos usuários aos serviços de saúde e
benefícios da previdência que o assistente social é chamado para trabalhar em hospitais,
interpondo-se entre a instituição e a população.
Nas décadas de 1950 e 1960 surgem nos Estados Unidos a medicina integral, a
medicina preventiva e a medicina comunitária que influenciaram os rumos da saúde no Brasil;
porém, não exerceram influência sobre o trabalho dos assistentes sociais, os quais
12
prosseguiram trabalhando em hospitais e ambulatórios, concentrando suas ações no nível
curativo e hospitalar prioritariamente. Apesar de centros de saúde terem sido criados em 1920,
somente em 1975 é que assistentes sociais foram inseridos na equipe formada por médicos,
enfermeiros e visitadores.
O fato de a profissão ser introduzida tão tardiamente em esferas de atuação diferentes
do nível hospitalar e curativo levou Bravo e Matos (2006, p. 30) a sugerir algumas hipóteses,
vejamos:
A exigência do momento concentrava-se na ampliação da assistência médica
hospitalar e os profissionais eram importantes para lidar com a contradição
entre a demanda e o seu caráter excludente e seletivo. Nos centros de saúde,
os visitadores conseguiam desenvolver as atividades que poderiam ser
absorvidas pelo assistente social. Outro componente relaciona-se à pouca
penetração da ideologia desenvolvimentista no trabalho profissional na
saúde. Uma ação considerada importante para os assistentes sociais é a
viabilização da participação popular nas instituições e programas de saúde.
Esta atividade, entretanto, só teve maior repercussão na profissão nos
trabalhos de desenvolvimento de comunidade. O Serviço Social Médico,
como era denominado, não atuava com procedimentos e técnicas do
Desenvolvimento de Comunidade, mas sim, e prioritariamente, com o
Serviço Social de Casos, orientação inclusive da Associação Americana de
Hospitais e da Associação Americana de Assistentes Médico-Sociais. A
participação só era visualizada na dimensão individual, ou seja, o
engajamento do “cliente no tratamento”.
A partir de 1960 uma série de mudanças veio dar novos rumos ao Serviço Social
brasileiro. Até aquele momento a profissão seguia direcionamentos estabelecidos pelo
chamado bloco conservador hegemônico que dominava a produção do conhecimento, as
entidades organizativas
1
da profissão e o trabalho profissional. No entanto, a manifestação de
assistentes sociais com posicionamentos progressistas, questionadores do Serviço Social
conservador começam gradativamente a produzir debates respaldados pelas ciências sociais e
humanas. O tema dessas discussões estava pautado no desenvolvimento e nas repercussões do
Serviço Social na América Latina que adiante colocaria na roda dos debates o caráter
ajustador e assistencial das práticas importadas de outras experiências.
Em meados de 1970, o movimento iniciado pelos assistentes sociais com o objetivo
de repensar a profissão no Brasil corre paralelamente com outro movimento ocorrido na área
da saúde que também tinha cunho de mudança e luta por direitos: o Movimento Sanitário.
1 Bravo e Matos (2006) citam como entidade da categoria a Associação Brasileira de Assistentes
Sociais (ABAS) criada em 1940 e a Associação de Ensino (ABESS) criada em 1946.
13
Como já vimos esse período é regido pela ditadura militar, momento em que nas palavras de
Matos (2003, p.86) “vivia-se sob o teto de um regime autoritário”.
O Serviço Social recebe influências da conjuntura desse período; porém está voltado
ao processo interno de revisão, no qual se deparava com o questionamento e negação do
Serviço Social tradicional. O processo de renovação da profissão está interligado à conjuntura
mundial e tinha por intuito a busca por uma mudança nos rumos societários a serem seguidos.
Todavia, destaca-se o fato de o processo de renovação ter sido um movimento totalmente
voltado para uma revisão interna, não possibilitando sua articulação com outras questões de
extrema importância na sociedade. Bravo e Matos (2006, p. 34) explicam:
O processo de renovação do Serviço Social no Brasil está articulado às
questões colocadas pela realidade da época, mas, por ter sido um movimento
de revisão interna, não foi realizado um nexo direto com outros debates,
também relevantes, que buscavam a construção de práticas democráticas,
como o movimento pela Reforma Sanitária. Na nossa análise esses são os
sinalizadores para o descompasso da profissão com a luta pela assistência
pública na saúde.
Na década de 1980 o descompasso que vinha se apresentando entre Serviço Social e
o movimento mais amplo na área da saúde transformou-se aos poucos. Além disso, essa
década representou para a profissão o início de um amadurecimento que culminou nas
consonâncias posteriormente estabelecidas no plano acadêmico, e no das entidades
representativas da categoria, tendo como base as interlocuções com a teoria e metodologia
marxistas. Porém, na opinião de Netto (1996), houve ainda uma lacuna que se instalou e que
naquela década dividiu o plano teórico-prático profissional devido ao fato de a maioria dos
profissionais adeptos da vertente marxista estar eminentemente inserida nas universidades,
isto é, a nova base teórico-metodológica aderida oficialmente pela profissão não se refletiu ou
não se fez efetiva no plano dos serviços.
Bravo (2006) concorda com Netto e aponta que com a finalidade de superar tais
disparidades ocorridas nos anos de 1980, nos quais o Serviço Social cresceu na busca de
fundamentação e consolidação teóricas, e ao mesmo tempo apresentou poucos efeitos na
intervenção; é preciso voltar-se para a ação profissional e fazer dela prioridade, uma vez que
esse fato reflete na atuação do Serviço Social na área da saúde. Bravo avalia que algumas
mudanças ocorridas, como a postura crítica dos trabalhos em saúde apresentados nos
Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais de 1985 a 1989, foram considerados
insuficientes, pois o Serviço Social adentra a década de 1990 com alterações não
14
significativas da prática institucional e prossegue desarticulado do Movimento da Reforma
Sanitária.
Os anos de 1990 são marcados pela forte entrada do projeto neoliberal no país.
Matos (2003, p.90 e 91) comenta que tal estratégia de rearticulação do capital, trouxe
também:
[...] a defesa de um Estado mínimo para as questões do social, a promoção
de uma reestruturação do mundo do trabalho, em que a precarização e a
drástica redução das conquistas sociais e trabalhistas são propostas em nome
de uma adaptação inexorável aos novos ditames mundiais. O discurso
predominante passa a ser o de que a globalização é um fato inconteste, que
atinge a todos, sendo necessário um conjunto de esforços nessa realidade.
[...] Tendemos a pensar diferente: o projeto neoliberal, as estratégias de
globalização e a reestruturação produtiva não são mais que uma fase tática
de sobrevivência e de manutenção do capitalismo, frente a sua crise
estrutural.
Apesar da tensão entre o projeto neoliberal e o projeto da Reforma Sanitária na
década de 1990, o Serviço Social continua desarticulado, enquanto categoria, do Movimento
Sanitário, apenas reconhece-se no interior da profissão a importância do engajamento nas
questões do Sistema Único de Saúde (SUS). Matos (2003) explica que atrelada às questões
internas do Serviço Social e suas debilidades, está também a investida ideológica no âmbito
da saúde coletiva, que recupera a questão do indivíduo, e do universo micro em detrimento do
universo macro; causando prejuízos à concepção inicialmente defendida e consolidada pelo
Movimento Sanitário.
Ao longo dos anos 1990 foram publicados livros e diversos artigos e inclusive
criados periódicos com o intuito de debater o tema específico de Serviço Social e Saúde.
Ainda, dissertações e teses foram defendidas abordando o assunto e foram realizados diversos
eventos em âmbito nacional onde não somente a questão saúde esteve presente, mas também
uma discussão da seguridade social como um todo.
Pode-se dizer que nessa década instalaram-se no seio das políticas sociais, e neste
caso na política de saúde, dois projetos oponentes: o privatista e o da Reforma Sanitária.
Ambos tiveram reflexos na atuação dos assistentes sociais, influenciaram suas práticas e o
modo de pensá-las teoricamente. O primeiro é radicalmente opositor não somente ao projeto
da Reforma Sanitária como ao projeto ético-político do Serviço Social, por requisitar dos
profissionais ações como: “seleção socioeconômica, atuação psicossocial por meio de
aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde, assistencialismo através
15
da ideologia do favor e predomínio de abordagens individuais”. Já o segundo projeto
apresenta como demandas para a atuação dos assistentes sociais as seguintes questões:
busca de democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde,
atendimento humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde
com a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais,
acesso democrático às informações e estímulo à participação cidadã
(BRAVO E MATOS, 2006, p. 36).
Entretanto, bem como anteriormente destacamos nas palavras de Netto, há um
distanciamento em relação às produções teóricas dessa época e as práticas desenvolvidas
pelos profissionais inseridos nos serviços; e este é um ponto crucial ao qual daremos ênfase
por compreender a necessidade de uma prática profissional voltada às prerrogativas
defendidas pela profissão e pelos projetos complementares (como o da Reforma Sanitária)
integrantes do fazer cotidiano.
Do contexto do fazer profissional aliado às críticas realizadas pelos autores é que
teve origem o esboço da importante ligação entre Integralidade em saúde e a raiz marxista
presente no Serviço Social. Trazer à tona as contribuições de Marx é resgatar as bases teóricas
sobre as quais a Integralidade em saúde e o Movimento Sanitário se firmaram para arcar com
a magnitude de um conceito ampliado de saúde e pautado nos determinantes sociais da saúde
e da doença.
As considerações realizadas pelos autores puderam ser constatadas quando da
oportunidade do Estágio Curricular Obrigatório realizado na Unidade de Internação Pediátrica
do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago da Universidade Federal
de Santa Catarina / Florianópolis
2
, disciplina integrante do currículo do curso de Serviço
Social. Observamos que a prática de campo, muitas vezes torna-se rotineira e automatizada,
influenciando diretamente a qualidade dos atendimentos prestados. Chamou-nos a atenção no
decorrer do período de estágio o modo como eram conduzidas e desenvolvidas as ações
profissionais cotidianamente; e verificamos o que os estudos de Vasconcelos (2006), Bravo e
Matos (2006) e Montaño (2000); dentre outros, apontam com relação às práticas rotineiras,
naturalizadas, institucionalizadas. Identificamos, ainda, a dificuldade dos profissionais de
campo em discutir o tema do Serviço Social e Saúde, respaldados no projeto ético-político
profissional e no projeto da Reforma Sanitária. Sobre o assunto Mioto (2007) escreve:
2
O período de estágio se refere aos semestres 2003.2 e 2004.1.
16
Os assistentes sociais na área talvez por falta de clareza ou de conhecimento
quanto aos projetos em confronto ou por opções ideológicas, têm se inserido
no campo da saúde, muitas vezes, de forma acrítica ou seduzidos pelo canto
das sereias, que é o mercado, na direção oposta ao projeto ético-político.
Posteriormente ao período de estágio, “aventuramos-nos” em iniciar no trabalho de
conclusão de curso (2004) um debate que podemos considerar como latente na profissão: a
Integralidade em saúde. Integralidade esta concebida como um conceito pleno de significados
e que, por isso contribui com várias áreas de conhecimento e tem muito a contribuir com a
prática profissional do assistente social. Observamos que aquelas ações desenvolvidas de
forma rotineira no período de estágio estavam diretamente vinculadas à perspectiva da
Integralidade e prejudicavam sua efetividade. É importante destacar a centralidade deste
princípio considerado prioridade do Movimento da Reforma Sanitária, que idealizou e
garantiu a saúde como um direito de todos (RADIS, 2006).
Falar sobre Integralidade em saúde parece contraditório. Contraditório pelo fato de
que não somos física, psicológica, socialmente ou em qualquer outro aspecto seres apartados
de nossas próprias emoções, de nossas patologias ou de nossa saúde e finalmente das relações
sociais ou interações das quais fazemos ou não parte. Se nada disso ocorre, por que então falar
em Integralidade? Teixeira (2004, p. 90) responde a esta indagação com propriedade. Ele
afirma que hoje estamos falando sobre Integralidade em saúde porque provavelmente existem
muitas coisas “cindidas, separadas, fragmentadas, partidas; no campo da saúde, há muita coisa
a ser integrada e muitas diferentes apostas a respeito de que partes devem ser primordialmente
integradas”. Dessa maneira, para cada sentido apresentado à Integralidade em sua polissemia,
“há uma concepção da cisão, uma visão (problemática) de um mundo feito de pelo menos
mais que um pedaço”.
Mesmo em meio a tantos entraves, significativas conquistas ocorreram como a
promulgação da Constituição Federal em 1988 e a própria contemplação do direito à saúde
contida no texto constitucional e a criação do SUS. É percorrendo essa trajetória histórica que
compreendemos o sentido dos atuais debates e posicionamentos assumidos por aqueles que
diretamente participaram da ampliação de nossos direitos e ainda hoje nos impulsionam,
através da teoria e da prática, a crer em uma realidade diferente em relação ao direito à saúde.
Por isso, Mattos (2003) afirma que a Integralidade está ligada a um ideal de sociedade mais
justa, afinal ela é um princípio que não se concretizou na vida de muitos brasileiros.
Esse pensamento de Mattos nos leva a progredir no que seria o conceito de
17
Integralidade, isto é, entendido não somente como a integração entre políticas, como
observamos no texto constitucional, mas como um ideal societário vislumbrado há tempos e
ainda é perseguido; considerando suas inúmeras abordagens práticas e significações teóricas
que nos orientam.
A Integralidade em saúde ganhou evidência na última década por meio de grupos de
pesquisa, eventos e publicações. Esse destaque diferenciado à Integralidade, que, com a
Universalidade e a Eqüidade forma o tripé sustentador do SUS, chamou-nos a atenção e
levou-nos a pensar e repensar o exercício profissional do assistente social na área da saúde,
principalmente em relação às práticas que proporcionam atendimento integral nos seus
diversos âmbitos.
Diante disso perguntamos: quais os elementos chaves no âmbito do Serviço Social
para a discussão da Integralidade? Para responder à indagação propomos como objetivo do
trabalho estabelecer a conexão entre o debate da Integralidade em saúde e o debate
contemporâneo do Serviço Social, uma vez que a produção em nossa área sobre o assunto é
quase inexistente. Temos a intenção de elencar neste trabalho elementos que possam
contribuir para o debate a partir da perspectiva crítica dialética, numa aproximação com a
discussão do campo da saúde.
Para realizar esse processo, optamos pela revisão da bibliografia existente sobre
Integralidade através de livros
3
, artigos em periódicos, teses e dissertações acessíveis pelo
portal CAPES pertinentes à área da saúde publicados nos últimos 10 anos, por se encontrar
neste período o início das discussões mais específicas sobre o assunto. Consultamos também
documentos governamentais, dentre os quais a Constituição Federal, leis complementares e
publicações do Ministério da Saúde. Privilegiamos a literatura relacionada à trajetória da
política de saúde no Brasil até os atuais debates e embates teóricos e práticos neste campo.
Optamos da mesma forma pela consulta às publicações dos assistentes sociais, pois estes são
considerados profissionais da saúde, observando três elementos principais: a fundamentação
teórica da profissão, o exercício profissional e a formação profissional. Foram observadas as
publicações que tratam do rumo histórico tomado pela profissão como o Movimento de
Reconceituação, os Códigos de Ética, a influência da teoria crítica de Marx e a participação e
construção teórica do Serviço Social no campo da saúde.
O processo de pesquisa que se apresenta está estruturado da seguinte forma: no
3
Grande parte dos livros e artigos selecionados para consulta no decorrer da pesquisa sobre
Integralidade é de publicação do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em
Saúde (LAPPIS/UERJ).
18
primeiro capítulo é apresentada a política de saúde no Brasil e os princípios doutrinários do
SUS, partindo da década de 1920 quando o sistema de saúde estava ligado às Caixas de
Aposentadorias e Pensões até o debate atual da Integralidade. Esse item engloba a
contextualização da saúde pública no país, as bases teóricas que a influenciaram, bem como
as tendências internacionais que contribuíram para balizar e formalizar leis, diretrizes e
conceitos chaves no âmbito da política de saúde brasileira. Observaremos a trajetória
percorrida pela Integralidade e suas interfaces e significados cada vez mais abrangentes e de
suma importância para a efetivação de uma política de saúde como preconizada na legislação.
No segundo capítulo adentramos a discussão específica do princípio da
Integralidade, com ênfase em seu sentido representado pela assistência à saúde. Faz parte
deste eixo o sentido da Integralidade que articula prevenção e assistência à saúde, as
distinções entre as abordagens e principalmente a importância das ações preventivas; e a
Integralidade expressa em práticas alternativas de tratamentos e modos de organizar a vida
individual e coletiva. A articulação dos servos ou intersetorialidade também compõe este
eixo de discussões.
No terceiro capítulo as discussões prosseguem no rumo dos significados atribuídos à
Integralidade, e destacamos o eixo da Integralidade no exercício profissional. A prática
profissional não fragmentada, o trabalho em equipe e a formação profissional são englobadas
por este ponto. A forma de atenção dispensada ao usuário, a troca de saberes e informações no
núcleo das equipes e a formação profissional voltada para os interesses da população atendida
pelo sistema de saúde são práticas que visam a Integralidade, e são competências de todos os
profissionais que buscam cumprir o novo paradigma estabelecido no campo da saúde.
No quarto capítulo abordamos os aportes teórico-metodológicos do Serviço Social
para a discussão da Integralidade em saúde, onde retomamos categorias fundamentais da
teoria crítica dialética de Marx, com a finalidade de demonstrar sua centralidade,
principalmente da categoria totalidade, na abordagem e compreensão da Integralidade.
Retomamos aspectos históricos do Serviço Social, particularmente o Movimento de
Reconceituação que possibilitou delinear o processo de apropriação da teoria crítica no
Serviço Social e imprimir um novo estatuto à profissão.
Por fim, elencamos algumas possíveis contribuições do Serviço Social à discussão da
Integralidade em saúde, e as referências que compuseram este trabalho.
19
2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL E OS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO
SUS
Quando se fala em Sistema Único de Saúde em nosso país observamos que existem
diferenciados posicionamentos sobre o assunto. Por um lado, há aqueles que defendem
arduamente um sistema público e de qualidade, e por outro há também aqueles que ousam
dizer que este é um sistema falido, incapaz de atender à demanda cotidianamente reprimida,
enfim, um caos sem reversão.
Provavelmente os adeptos da segunda idéia desconhecem a história do sistema de
saúde brasileiro, quando somente pessoas com empregos fixos eram atendidas pelo sistema e
os demais tinham que prover sua própria assistência à saúde. Também provavelmente
desconhecem o processo de construção, reflexão e até mesmo de utopia que tempos depois se
converteria em ações concretas e grandes conquistas na perspectiva da seguridade social
brasileira.
A formulação da política de saúde no Brasil data dos anos 1930, e foi organizada em
dois subsetores: o de saúde pública e o de medicina previdenciária. Até os anos de 1960 a
saúde pública foi predominante e tinha como características a ênfase em campanhas
sanitárias, a interiorização das ações para a área de endemias rurais e a criação de serviços de
combate às endemias.
Inicialmente o sistema de atenção à saúde estava ligado às Caixas de Aposentadorias
e Pensões (CAPs) que foram substituídas em 1923 pelos Institutos de Aposentadorias e
Pensões (IAPs), fato que é considerado um marco da medicina previdenciária. A política de
saúde esboçada a partir dos anos 1930 foi consolidada no período de 1945 a 1964, quando
estava focada na racionalização administrativa e na atribuição de maior sofisticação às
campanhas sanitárias. No período de 1964 a 1974, a política de saúde desenvolveu-se
privilegiando o setor privado, devido às influências da ditadura militar que forjou em muito as
forças democráticas. Nos anos seguintes, prossegue a tensão entre os interesses dos setores
estatal e empresarial e a emergência do movimento sanitário (BRAVO, 2006a).
As discussões e lutas iniciais que vislumbravam a necessidade da formulação de uma
política de saúde no país foram encabeçadas por intelectuais da área e movimentos da
sociedade civil, observadores também das grandes desigualdades sociais que despontavam na
sociedade brasileira. Carvalho (2002) colabora com este pensamento, pois segundo a autora,
20
os sanitaristas brasileiros tiveram antiga participação nas lutas não somente contra a ditadura
no golpe de 1964, a exclusão social e a afirmação do direito à saúde; mas desde os anos de
1800 e ainda antes. Faz parte da história desse movimento e de seus integrantes uma luta
constante pela saúde do povo, e uma forte participação na estrutura do Estado.
Foi então, por volta dos anos de 1970 que a Saúde Pública brasileira passou por
mudanças radicais e se transformou em Saúde Coletiva. A inovação no nome indicara que
depois de um longo processo de reelaboração teórica e prática, um novo paradigma fora
construído, uma nova maneira de compreender e agir sobre o processo saúde e doença. A
Saúde Coletiva deriva do modelo preventista, considerado um dos principais fundamentos
teóricos do Movimento Sanitário, ator coletivo que se torna o principal responsável pela
Reforma Sanitária brasileira. O Movimento Sanitário é, conforme a interpretação de Escorel
(1988) citado por Carvalho (2005, p. 95), “um conjunto organizado de pessoas e grupos
partidários ou não, articulados ao redor de um projeto” que se caracteriza segundo a autora
por três práticas para a sua distinção: a teórica, a ideológica e a política.
No que se refere ao movimento preventista, o qual fundamenta suas proposições no
modelo da história natural das doenças, no conceito ecológico de saúde/doença e na teoria da
multicausalidade; pode-se dizer que ele não avançou no sentido de superar a essência das
práticas sanitárias. Porém, mesmo assim contribuiu para fortalecer a capacidade dos interesses
privatistas em saúde; o que não retira a importância dessa abordagem como “primeiro
momento crítico em que o social invade o saber médico ao propor uma tarefa
fundamentalmente educativa – trabalho, portanto, mais ideológico do que clínico”
(CARVALHO, 2005, p. 98).
Com forte influência da teoria marxista, estruturalista e pós-estruturalista francesa, a
Saúde Coletiva combateu a hegemonia biomédica no que diz respeito à pesquisa, ensino e
práticas em saúde. A autora acima citada nos diz que com esta nova visão, a Saúde Coletiva
passou a destacar a determinação social da saúde e da doença e o processo de trabalho em
saúde; e ressaltou a estreita relação entre política e direito à saúde, aglutinando ao campo
sanitário conceitos como democracia, movimentos sociais e políticas públicas. A Saúde
Coletiva se preocupou ainda em enfatizar a criação de um sistema público de saúde que
assegurasse à população um atendimento universal e que contemplasse os vários componentes
do cuidado da saúde. O Sistema Único de Saúde acabou por incorporar várias diretrizes que
foram geradas neste movimento, dentre elas, a inclusão de trabalhadores da saúde e
representantes da sociedade na gestão do sistema.
Silva (1973) citado por Carvalho (2005, p. 102) completa:
21
A Saúde Coletiva nos seus primórdios, afirma a historicidade do social na
determinação social da população compreendendo que a saúde e doença são
elementos polares de um mesmo processo que resulta da interação do
homem consigo mesmo, com outros homens na sociedade e com elementos
bióticos e abióticos do meio.
A produção teórico-crítica da Saúde Coletiva no Brasil resultou na formulação de um
conceito ampliado de saúde e dos seus determinantes, assumidos pela 8ª Conferência
Nacional de Saúde e posteriormente pela Constituição Federal e pela legislação
infraconstitucional. Da mesma maneira os prinpios e diretrizes concernentes ao direito à
saúde, à cidadania, à universalização, à eqüidade, à democracia e à descentralização tiveram
forte influência das ciências sociais sobre o campo da Saúde Coletiva. Houve também a
influência do movimento preventista e da saúde comunitária no que se refere às propostas de
formulação de um sistema único de saúde, e ainda da rede regionalizada de serviços de saúde,
do atendimento integral, participação da comunidade, ações de promoção, proteção e
recuperação da saúde (FLEURY, 1997).
Luz (1994, p.136) acrescenta o seguinte:
A concepção de saúde como um “direito civil” – ou seja, como um direito
do cidadão e um dever do Estado – é a segunda grande posição de base em
relação aos temas específicos da política para o setor. Discutida na VIII
Conferência da Saúde, essa questão suscitou acaloradas discussões até
outubro de 1988, quando a nova Constituição reconheceu formalmente este
direito social de cidadania, tanto tempo postergado pela República.
Fleury (1997, p.07), ao falar da Reforma Sanitária diz:
É inédita em nossa história de autoritarismos vários, a capacidade de
formular uma reforma social tão profunda desde a sociedade, construindo ao
mesmo tempo um projeto e seus atores, de tal forma que logrou alcançar a
hegemonia necessária para se transformar em política pública. A interação
sociedade/Estado/sociedade, neste processo, é elucidativa das inúmeras
possibilidades que podem ser criadas pela democracia, sem ser preciso que
adotemos medidas autoritárias tão ao gosto de nossas elites de plantão, nem
mesmo um modelo liberal de democracia que é estranho à nossa cultura
política e as nossas instituições.
Entre o período de 1974 e 1988 a Saúde Coletiva se preocupou em reorganizar o
Estado e reformar o sistema de saúde redefinindo seus mecanismos de gestão. As ações
22
macropolíticas foram priorizadas tendo por objetivo intervir nas condições sociais que
produzem a doença (DÂMASO, 1989 apud CARVALHO, 2005).
Além disso, como já enunciamos acima, muitas foram e são as dificuldades
encontradas neste percurso; e Luz (1994) elucida que parte das dificuldades na década de
1980 se explica devido ao predomínio de um projeto político hegemonizado por forças
políticas nacionais conservadoras e pelo influxo crescente do ideário neoliberal na formulação
de políticas públicas no Brasil. Nesse contexto, grupos de interesse rearticularam-se com a
intenção de diluir, impedir ou desaprovar proposições constitucionais que apontassem para a
construção de um Sistema de Saúde público.
Mais do que um arranjo institucional, o processo da Reforma Sanitária é um projeto
civilizatório, isto é, tem por objetivo produzir mudanças dos valores predominantes na
sociedade brasileira, tendo a saúde como eixo de transformação e a solidariedade como valor
estruturante. Da mesma maneira, “o projeto do SUS é uma política de construção da
democracia que visa à ampliação da esfera pública, à inclusão social e à redução das
desigualdades” (RADIS, 2006, p. 21).
Carvalho (2005) avalia que a década de 1980 foi um período de resultados positivos,
dentre os quais o autor destaca a gradativa descentralização dos serviços para os estados e
municípios e a progressiva unificação das ações de saúde em uma única instituição, o Sistema
Único de Saúde (SUS). O SUS é a concretização do texto constitucional que declara a partir
de 1988 a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Este novo sistema traz
consigo inúmeros desafios, a começar pela grandiosidade que é fazer cumprir o conteúdo
legalmente instituído, no que tange à administração, organização, execução, e tantos outros
aspectos referentes à assistência cotidiana, entre os quais, a qualidade dos serviços prestados
pelos trabalhadores.
A superação do paradigma flexneriano, integra a lista de desafios a serem superados
pelo SUS, sendo que este ainda se faz presente orientando a organização dos serviços de
saúde no sentido de reforçar o modelo médico hegemônico. Portanto, há a necessidade de se
superar este aspecto, uma vez que o SUS não se reduz “a um conjunto de estabelecimentos de
assistência médico-hospitalar, centrado no diagnóstico e na terapêutica alopática” (FLEURY,
1997, p. 21).
Por um lado existem desafios referentes às práticas em saúde, por outro, o SUS e as
políticas públicas de um modo geral, passam a enfrentar a partir dos anos de 1990 outros
“contra-ataques”; estamos falando das políticas de cunho neoliberal as quais o governo de
Fernando Collor de Mello foi o primeiro a tentar implementar. Este projeto político-
23
econômico veio a se consolidar naquela década em total contradição ao que vinha sendo
construído pelo projeto da Reforma Sanitária. As políticas neoliberais instalam-se no campo
da saúde introjetando em meio ao SUS um projeto de saúde articulado ao mercado.
Bravo (2006, p. 35), escreve sobre esse projeto chamado privatista ou de mercado:
Este pautado na política de ajuste tem como tendências a contenção dos
gastos com a racionalização da oferta e a descentralização com isenção de
responsabilidade do poder central. Ao Estado cabe garantir um mínimo aos
que não podem pagar ficando para o setor privado o atendimento aos
cidadãos consumidores. Como principais características destacam-se: o
caráter focalizado para atender às populações vulneráveis, a desconcentração
dos serviços e o questionamento da universalidade do acesso.
Nogueira e Mioto (2006), ao falarem sobre os desafios atuais do SUS nos dizem que
a presença de interesses antagônicos desde o processo de implementação do SUS, faz-se
presente no que tange a sua consolidação pautada nos princípios norteadores como a
universalidade, a equidade e a integralidade; bem como em relação às dificuldades para
construir modelos assistenciais ancorados na concepção ampliada de saúde, marco inicial do
processo de proposição do próprio SUS.
As autoras supracitadas assinalam que a universalização do direto à saúde garantindo
o acesso irrestrito dos cidadãos aos serviços, a abertura de espaços de participação popular
possibilitando o controle social e a aprovação das leis ns. 8.080 e 8.142 que instituíram e
regulamentaram o SUS, foram avanços permeados de conflitos entre os projetos antagônicos
dos grupos de interesses ligados ao setor. Nogueira e Mioto (2006, p. 221), ao falar sobre o
acirramento dos embates no processo de reforma do Estado, momento onde as contradições
entre as duas propostas se acirraram, completam:
De um lado, no período da implantação da proposta constitucional, da
aprovação da legislação complementar e infraconstitucional, as forças
conservadoras retornaram com vigor e retardaram a inclusão da saúde na
agenda governamental. Cabe notar, ainda, que as inovações mais radicais
relativas ao modelo de atenção proposto pela legislação dos SUS somente
tem seu início com a Norma Operacional Básica n. 96, em 1996. Por outro
lado o relativo refluxo dos movimentos populares, nas décadas que se
seguiram à aprovação da Constituição, foi um fato marcante. A
desqualificação das ações coletivas, denominadas pejorativamente de
comportamentos jurássicos, durante o Governo de Fernando Henrique
Cardoso contribuiu para a desmobilização de grupos ligados ao setor saúde,
retardando e favorecendo a atuação dos grupos vinculados ao ideal privatista.
24
Autores como Bravo (2006) colaboram com a idéia supracitada ao afirmar que desde
o final dos anos 1980 esses embates já se faziam presentes na esfera nacional, com a presença
de incertezas em relação à efetiva implementação do Projeto da Reforma Sanitária, devido a
aspectos como a ineficácia do setor público, as tensões com os profissionais de saúde e a
reorganização dos setores conservadores contrários à reforma, que passam a direcionar as
ações no setor a partir de 1988. A despolitização do processo devido ao afastamento da
população da arena das discussões e decisões políticas, é segundo os autores outro fator
desfavorável.
Dessa forma, tem-se por um lado o elemento reformador com o papel de transformar
instituições e processos, e por outro lado o revolucionário superável apenas com a efetiva
mudança nas práticas e na qualidade de vida, e conseqüentemente de saúde da população.
Bravo (2006) considera a construção democrática como único caminho para se conseguir a
Reforma Sanitária e a mobilização política, desafios postos aos setores progressistas que
adentraram os anos de 1990 com o dever de viabilizá-los.
Porém, nessa década assistiu-se ao avanço das políticas neoliberais, onde o Estado
teve seu papel redirecionado. Nesta esfera ocorreu a chamada Reforma do Estado ou Contra-
Reforma que em conjunto com a Reforma Constitucional (mais voltada para o setor da
previdência), tinham por intuito desmontar a seguridade social brasileira. A Contra-Reforma
tinha como objetivo nada mais que redirecionar o papel estatal, desviando-o de suas funções
básicas ao passo que expandia sua presença no setor produtivo. Esse novo modelo preza pela
descentralização, eficiência, controle dos resultados, redução dos custos e produtividade. O
Estado passa de responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social a regulador e
promotor, repassando para o setor privado suas atividades (BRAVO, 2006b).
Com relação à política de saúde nesse contexto, pode-se dizer que a mesma seguiu a
tendência das demais políticas, sendo atacada pelos ajustes e reducionismos impostos pelo
mercado. A proposta uma vez formulada nas décadas anteriores deu lugar ao descumprimento
dos preceitos constitucionais no que tange ao desrespeito dos princípios básicos do SUS, os
problemas orçamentários e à prioridade da assistência médico-hospitalar em prejuízo das
ações de promoção e proteção.
Prosseguindo nesse encadeamento de idéias, é importante ressaltar o rumo tomado
pela política de saúde, em especial no que se refere aos novos programas adotados pelo
Ministério da Saúde (MS) nessa década e o intuito com o qual foram implementados.
No ano de 1994, o MS assumiu como estratégia prioritária para a organização da
atenção básica, no âmbito do SUS, o Programa de Saúde da Família (PSF). Este tem como
25
principal propósito “reorganizar a prática de atenção à saúde em novas bases e substituir o
modelo tradicional, levando a saúde para mais perto da família e, com isso, melhorar a
qualidade de vida dos brasileiros” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
De outro lado, sabe-se que a emergência do PSF como política prioritária no campo
da atenção à saúde no Brasil faz parte do processo de reforma setorial a qual nos referimos
anteriormente. Para Monnerat (2006) o processo de implementação do SUS trouxe consigo
uma série de medidas e ações governamentais voltadas para o aprofundamento da
descentralização do setor em direção aos municípios, e estes passaram a ser responsáveis por
novas funções, anteriormente competentes à esfera federal. Tais mudanças no desenho
organizacional do setor de saúde no país são influenciadas por organismos internacionais os
quais impõem (no caso latino-americano) um plano de ajuste estrutural da economia e de
reforma do Estado, com a admissão do panorama de racionalização do gasto público.
Vejamos o que diz Monnerat (2006, p. 103) acerca das agências multilaterais:
[...] Vários estudos têm salientado a forte influência dos organismos
financeiros multilaterais, sobretudo do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional (FMI) na definição da agenda de reformas na área
social, dentre elas a da saúde. As proposições destas agências para a área da
saúde assentam-se no diagnóstico da inadequação dos gastos sociais, que
seriam excessivos e não atingiriam as regiões e os grupos sociais mais
pobres. [...] Neste quadro, as recomendações apresentadas pela agenda do
Banco Mundial voltam-se para a adoção de medidas de racionalização e
contenção de gastos para o setor, num contexto de aumento da demanda
social em saúde.
Nos anos que se seguiram, outros programas e políticas foram sendo implementadas
pelo MS, como o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospital (PNHAH), que
mais tarde veio a se chamar Política Nacional de Humanização (PNH). Alves (2006) ao falar
da PNH afirma:
A necessidade de traduzir os princípios do SUS em “modos de operar” a
produção de saúde como produção de sujeitos, o aspecto subjetivo como eixo
articulador das práticas e a disseminação de ações humanizadoras pela rede
assistencial balizam a transversalidade da humanização como política.
Em 2003, com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve por parte do
MS a proposição de adiantar a Conferência Nacional de Saúde que ocorreria em sua 12ª
26
edição somente em 2004. O intuito era conseguir articular as mudanças pertinentes a partir de
propostas advindas da sociedade, pois se fazia necessária, na visão do MS, a participação de
gestores, usuários, profissionais, prestadores de serviço, representantes do Ministério Público,
Parlamentares, técnicos e especialistas; para superar os paradoxos do SUS (RELATÓRIO DA
12ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 2004).
Em 2005 o Ministério da Saúde aprovou o Plano Nacional de Saúde (PNS) e neste
documento consta uma análise da atual situação do sistema de saúde do país e apontamentos
para a melhoria na gestão e execução, com base em um planejamento que teve estudiosos em
sua coordenação como Gastão Wagner de Sousa Campos. Neste documento um olhar apurado
sobre a política de saúde deixa nítida a situação desafiadora em que o SUS se apresenta:
O SUS, apesar de se configurar como uma proposta bem sucedida vem
evidenciando um conjunto de desafios para o alcance dos princípios e
diretrizes assegurados no seu arcabouço jurídico-legal, quais sejam:
universalidade, integralidade, eqüidade, descentralização da gestão,
hierarquização da atenção, financiamento das três esferas e controle social
(PNS, 2005, p.07).
O Plano Nacional de Saúde vem ocupar uma lacuna existente entre as ferramentas de
gestão de cada esfera de governo, principalmente o Plano Plurianual (PPA) e o orçamento,
insuficientes para articular as ações das várias esferas de governo em busca da Integralidade
da atenção e da efetividade e eficiência das mesmas.
Os desafios a serem enfrentados – e evidenciados na análise situacional procedida –
integram o rol de dimensões do desenvolvimento de um sistema de grande envergadura e
vitalidade. Tais dimensões, talvez, não tenham a possibilidade de estar plenamente
contempladas num plano estratégico, mas são, certamente, objeto de articulação no conjunto
de propostas em desenvolvimento por municípios, estados e União no esforço em direção à
melhoria do acesso e da qualidade dos serviços oferecidos e à garantia de direitos previstos na
Constituição brasileira. Nesse sentido, o grande objetivo proposto para o presente Plano
Nacional de Saúde – e contemplado no PPA do governo federal – é:
Promover o cumprimento do direito constitucional à saúde, visando à
redução do risco de agravos e o acesso universal e igualitário às ações para a
sua promoção, proteção e recuperação, assegurando a eqüidade na atenção,
aprimorando os mecanismos de financiamento, diminuindo as desigualdades
regionais e provendo serviços de qualidade, oportunos e humanizados (PNS,
2005, p.07).
27
Neste sentido, Paim (1994) em estudos anteriores anunciara ser de fundamental
importância a reorientação do sistema de atenção à doença vigente, para que haja a construção
de um sistema de saúde preocupado com os determinantes sócio-ambientais da saúde.
Enfatizar a promoção da saúde, a qualidade de vida e do ambiente, a prevenção das doenças
reorganizando a assistência médico-hospitalar; constituem na opinião do autor caminhos para
a superação dos desafios postos.
Esse processo de reorientação da política de saúde denota a retomada dos princípios
defendidos e propostos pelo Movimento Sanitário anteriormente, que retornam trazendo
consigo dois principais aspectos de extrema importância, considerados bases dos movimentos
iniciais na compreensão de que a saúde é resultante de um conjunto amplo de condições: a
promoção da saúde e os determinantes sociais.
Observamos no posicionamento de Paim que sua defesa pela ênfase na promoção da
saúde e de outros elementos está sem dúvida interligada a uma visão mais ampliada da saúde;
estamos nos referindo à concepção ampliada de saúde que desde a Reforma Sanitária e mais
contemporaneamente com a “nova saúde pública
4
” coletiva, “estende significativamente a
abrangência das ações de saúde ao tomar como objeto o ambiente – local e global – em
sentido amplo”, caracterizando assim a promoção da saúde. (CZARINA e FREITAS, 2003).
A promoção da saúde traduz-se em expressões próprias à realidade atual, tais como,
políticas públicas saudáveis, colaboração intersetorial, desenvolvimento sustentável. Além
disso, resgata-se a perspectiva de relacionar saúde e condições de vida, e destaca-se o quanto
variados elementos – físicos, psicológicos e sociais - estão vinculados à conquista de uma
vida saudável, enfatizando-se a importância tanto do desenvolvimento da participação
coletiva quanto de habilidades individuais (CZARINA, 2003, p. 09).
Czarina (2003, p. 09), explica:
O termo promoção da saúde ressurgiu nas últimas décadas em países
industrializados, particularmente no Canadá. Uma das origens importantes
desse ressurgimento foi o questionamento da eficiência da assistência
médica curativa de alta tecnologia. A partir da necessidade de controlar os
custos crescentes do modelo biomédico, abriu-se espaço para criticar o
estreitamento progressivo que este modelo produziu na racionalidade
sanitária e no resgate do pensamento médico social que, em meados do
século XIX, enfatiza relações mais amplas entre saúde e sociedade.
Buss (2003, p. 15), ao analisar o discurso vigente no campo da promoção da saúde
4 Expressão utilizada por Czarina e Freitas (org), 2004.
28
conclui que:
Partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus
determinantes, a promoção da saúde propõe a articulação de saberes técnicos
e populares e a mobilização de recursos institucionais e comunitários,
públicos e privados para seu enfrentamento e resolução. Ela surge como
reação à acentuada medicalização da saúde na sociedade e no interior do
sistema de saúde.
No caso da América Latina, a medicina social assumiu uma posição progressista, em
oposição a algumas correntes que se caracterizam como conservadoras e visavam a mudanças
nas estratégias de regulação estatal – como a redução do papel do Estado. O Brasil seguiu
igualmente as tendências progressistas o que colaborou para a formação de uma tradição
crítica própria. Um sinalizador disto foram os resultados da VIII Conferência Nacional de
Saúde em 1986, realizada no mesmo ano da I Conferência Internacional de Promoção da
Saúde em Otawa, conhecida como marco fundador do movimento da promoção da saúde no
mundo.
Além da conferência de Otawa, ocorreram também as de Adelaide (1988) e Sundsval
(1991) que estabeleceram as bases conceituais e políticas contemporâneas da promoção da
saúde. Em 1997 ocorreu a conferência de Jakarta e em 2000 a do México. Observa-se que em
todas as cartas redigidas nestas conferências, há a presença de um “componente
internacionalista”
5
, seja no entendimento dos problemas ou nas propostas de intervenção. De
um modo geral, o discurso prevalecente no campo da promoção da saúde procura caracterizá-
la pela Integralidade, tanto no entendimento dos problemas no processo saúde-doença-
cuidado, quanto nas respostas propostas aos mesmos (BUSS, 2003). A abordagem integral da
promoção da saúde se dá em sua interação com o desenvolvimento humano sustentável, na
valorização do conhecimento popular e participação social, na articulação com outros
movimentos sociais, na proposição da criação de ambientes favoráveis.
Na concepção de Buss (2003), hoje o termo está associado a um conjunto de valores
de vida, solidariedade, eqüidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e
parceria. Refere-se também a uma combinação de estratégias: ações do Estado, da
comunidade, dos indivíduos, do sistema de saúde e de parcerias intersetoriais.
A concepção moderna adotada sobre promoção da saúde a caracteriza como a
constatação do papel protagonizante dos determinantes gerais sobre as condições de saúde, ou
5 Termo utilizado por Buss, 2003.
29
seja:
a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a
qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição,
de habitação e saneamento, boas condições de trabalho, oportunidades de
educação ao longo de toda a vida, ambiente físico limpo, apoio social para
as famílias e indivíduos, estilo de vida responsável e em um espectro
adequado de cuidados de saúde. Suas atividades estariam, então, mais
voltadas ao coletivo de indivíduos e ao ambiente, compreendido, num
sentido amplo, por meio de políticas públicas e de ambientes favoráveis ao
desenvolvimento da saúde e do reforço da capacidade dos indivíduos e das
comunidades (BUSS, 2003, p. 19).
Esses determinantes sociais da saúde-doença, já estiveram presentes no Informe
Lalonde, documento divulgado no Canadá em 1974, onde estavam contemplados o aspecto
biológico, o ambiente, o estilo de vida e a organização da assistência à saúde.
Uma pesquisa publicada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD) em 2005 classificou o Brasil como 13ª economia do mundo e em contrapartida como
8º país com pior distribuição de renda. Esses indicadores da gigantesca desigualdade social no
país culminaram no ano seguinte na criação da Comissão Nacional sobre Determinantes
Sociais da Saúde (CNDSS), cujo intuito é de “propor políticas eficientes baseadas em
pesquisas fincadas na realidade para combater as desigualdade e mobilizar a sociedade”. A
definição de determinantes sociais da saúde é aqui entendida como: “elementos de ordem
econômica e social que afetam a situação de saúde de uma população: renda, educação,
condições de habitação, trabalho, transporte, saneamento, meio-ambiente” (RADIS, 2006, p.
11).
O então ministro da saúde na época da formação da CNDSS Saraiva Felipe, disse ao
se lembrar da resistência democrática dos sanitaristas brasileiros frente ao golpe de 1964 e sua
intermitente busca de um sistema de saúde favorável às demandas da população, que a criação
do CNDSS é um momento culminante deste processo. A criação desta comissão traz um novo
fôlego para a questão dos determinantes sociais da saúde, afinal na VIII Conferência Nacional
de Saúde esse tema era dominante e acabou sobrepujado por uma visão mais centrada na
tecnologia médica.
Os determinantes sociais da saúde podem ser caracterizados como as condições
sociais em que as pessoas vivem e trabalham, isto é, as características sociais dentro das quais
a vida transcorre. Eles apontam, seja para características específicas do contexto social que
afetam a saúde, seja para o modo como as condições sociais traduzem esse impacto sobre a
30
saúde. O conceito de determinantes sociais está ligado aos fatores auxiliadores de uma vida
saudável e não ao auxílio ou assistência obtida pelas pessoas em uma situação de doença
(COMISSÃO NACIONAL DE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2006).
A concepção ampliada de saúde retratada na promoção da saúde e nos determinantes
sociais teve forte influência na formulação do texto constitucional e também do SUS.
Derivam destes conceitos os princípios doutrinários norteadores do sistema que são: a
universalidade, a eqüidade e a integralidade.
Sustentar um sistema de saúde universal significa que todos os cidadãos brasileiros
teriam acesso universal e igualitário aos serviços e ações de saúde. Nogueira e Mioto (2006,
p. 222) complementam que esta mudança rompe com uma desigualdade histórica, na qual os
cidadãos eram classificados em primeira e segunda classe. Vejamos:
Os de primeira classe eram os que integravam o mercado de trabalho, tendo
acesso à medicina previdenciária. Os de segunda classe tinham suas
necessidades de saúde atendidas unicamente através de um precário sistema
constituído pelas santas Casas de Misericórdia, pela boa vontade da classe
médica e pelos raros serviços mantidos pelo Ministério e Secretarias
Estaduais de Saúde.
A eqüidade se refere ao fato de que todo cidadão é igual perante o SUS e será
atendido conforme suas necessidades. Os servos de saúde devem considerar as diferenças
presentes em cada população e, deste modo, levar em conta as peculiaridades de cada grupo,
classe social ou região; e seus problemas específicos, diferenças no modo de viver, de adoecer
e de ter oportunidades de satisfazer suas necessidades de vida. “O SUS não pode oferecer o
mesmo atendimento a todas as pessoas, da mesma maneira, em todos os lugares. Se isto
ocorrer, algumas pessoas vão ter o que não necessitam e outras não serão atendidas naquilo
que necessitam” (WESTPHAL E ALMEIDA, 2001, p. 35).
Cecílio (2001, p. 120) adota uma definição de eqüidade apresentada por Malta
(2001) e considerada consensual pelos militantes da saúde:
A equidade é entendida como a superação de desigualdades que, em
determinado contexto histórico e social, são evitáveis e consideradas
injustas, implicando que necessidades diferenciadas da população sejam
atendidas por meio de ações governamentais também diferenciadas (...).
Subjacente a este conceito está o entendimento de que as desigualdades
sociais entre as pessoas não são dadas 'naturalmente', mas sim criadas pelo
processo histórico e pelo modo de produção e organização da sociedade.
31
A Integralidade, em uma breve aproximação, pode ser compreendida como a
combinação das ações de saúde voltadas para a prevenção e a cura. Além disto, os serviços de
saúde devem privilegiar atendimentos que sejam capazes de: compreender as múltiplas
condições de vida dos indivíduos e populações, os fatores responsáveis pelo adoecimento e
morte para que possam ser minimizados ou até erradicados, possuir uma equipe de trabalho
qualificada, privilegiar a voz daqueles que procuram os serviços – ouvir as demandas, etc.
Universalidade, eqüidade e Integralidade formam uma teia, um encadeamento; nas
palavras de Cecílio (2001, p. 125) um signo. “Signo produzido pela Reforma Sanitária
brasileira que fala de uma utopia, no limite [...] por tudo que está em jogo: a infinita
variabilidade das necessidades humanas e as finitas possibilidades que temos, até mesmo, de
compreendê-las”.
No intuito de contribuir para essa construção já iniciada e historicamente defendida e
reafirmada por seus militantes, e também de resgatar premissas básicas do significado da
Integralidade em saúde, como nos propomos neste trabalho; é que daremos seguimento às
discussões que atravessam o tema no próximo item.
2.1 Integralidade no contexto da política de saúde
A Integralidade em saúde pode ser entendida num panorama geral como componente
de um novo enfoque para o direito à saúde. Nogueira (2002) lembra-nos de que considerar as
pessoas em sua totalidade, ou seja, como pessoas não apartadas de seus fatores sócio-
econômicos, culturais e dos determinantes da saúde, e principalmente, não reduzí-las à cura
de uma doença, mas pelo contrário estender os cuidados ao mundo da vida espiritual e
material faz parte de um modelo integral de atenção.
O significado que encontramos no texto constitucional para Integralidade compõe
uma série de diretrizes:
Art. 198 – As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de
acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização com direção única
em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para
atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III –
participação da comunidade [...] (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 2001 p.
167).
32
A mesma Integralidade faz parte do tripé doutrinário do SUS, juntamente com a
universalidade e a equidade, onde encontramos a seguinte definição:
Integralidade – as ações de saúde devem ser combinadas e voltadas, ao
mesmo tempo, para a prevenção e a cura. Os serviços de saúde devem
funcionar atendendo o indivíduo como um ser humano integral, submetido às
mais diferentes situações de vida e de trabalho, que levam a adoecer e a
morrer. O indivíduo deve ser entendido como um ser social, cidadão que
biológica, psicológica e socialmente está sujeito a riscos de vida. Dessa
forma, o atendimento deve ser feito para a sua saúde e não só para as suas
doenças. Isso exige que o atendimento deva ser feito também para erradicar
as causas e diminuir os riscos, além de tratar os danos. Ou seja, é preciso
garantir o acesso às ações de: Promoção (que envolve ações também em
outras áreas, como habitação, meio ambiente, educação etc.); Proteção
(saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas, vigilância a
saúde e sanitária etc.); Recuperação (atendimento médico, tratamento e
reabilitação para os doentes) (ALMEIDA E WESTPHAL, 2001, p. 35).
Santos (2006), ao falar acerca das definições legais atribuídas à Integralidade, afirma
que a Constituição não a define, apenas preconiza que as ações curativas sejam integradas às
ações preventivas para que se evite a dicotomia, buscando-se a demarcação do campo de
atuação do SUS. Da mesma forma a Lei 8.080/90, no artigo 7
6
, tenta definir a Integralidade,
mas não o faz com clareza, afirma a autora.
Observamos tanto no âmbito do texto constitucional, como no que se refere ao SUS,
um entendimento da Integralidade como abrangente, um princípio que procura abarcar uma
série de prerrogativas da vida humana, imbricadas de condicionamentos variantes de acordo
com determinadas realidades e possibilidades; os quais se expressarão ou se desenvolverão
conforme cada contexto. O estudo da Integralidade é desafiador, sua aplicação implica
reconhecer múltiplos fatores, dentre eles a unicidade institucional dos serviços de saúde para
o conjunto de ações promocionais, preventivas, curativas e reabilitadoras, e que as
intervenções de um sistema de saúde sobre o processo saúde-doença conforma uma totalidade
que envolve os sujeitos do sistema e suas inter-relações com os ambientes natural e social
(MENDES, 1995, p.145).
A atribuição de diversos significados à Integralidade não quer dizer que eles sejam
opostos ou contraditórios, cada significado que lhe é atribuído complementa e contribui para
6 O referido artigo dispõe: integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
caso em todos os níveis de complexidade do sistema.
33
uma maior compreensão de todos os seus sentidos. Apesar do reconhecimento da unicidade
existente, o conceito de Integralidade ainda é pleno de ambigüidades. Por exemplo, Camargo
(2003, p.36), afirma que “na melhor das hipóteses [Integralidade] é uma rubrica conveniente
para o agrupamento de um conjunto de tendências cognitivas e políticas com alguma
imbricação entre si, mas não completamente articuladas”.
Nessa direção Mattos (2001, p.42) afirma que:
Integralidade, no contexto do movimento sanitário, parece ser assim: uma
noção amálgama, prenhe de sentidos. Nessa [...] - o que é Integralidade –
talvez não deva ser uma resposta unívoca. Talvez não devamos buscar
definir de uma vez por todas a Integralidade, posto que desse modo
poderíamos abortar alguns dos sentidos do termo e, com eles, silenciar
algumas das indignações de atores sociais que conosco lutam por uma
sociedade mais justa.
Ainda para esse autor:
[...] a Integralidade não é apenas uma diretriz do SUS definida
constitucionalmente. Ela é uma “bandeira de luta”, parte de uma “imagem
objetivo”, um enunciado de certas características do sistema de saúde, de
suas instituições e de suas práticas que são consideradas por alguns (diria
eu, por nós), desejáveis. Ela tenta falar de um conjunto de valores pelos
quais vale lutar, pois se relacionam a um ideal de uma sociedade mais justa
e mais solidária (MATTOS
, 2001, p. 42).
Além disso, reconhece-se que esse princípio embora não esteja presente na
totalidade das políticas, pode ser encontrado no âmbito de políticas especificas como, por
exemplo, a política de atenção à mulher e a política de DST/AIDS. Desde a criação em 1986,
pelo Ministério da Saúde, do Departamento de DST/AIDS, foi-se projetando uma política de
atendimento aos portadores, pautada no princípio de Integralidade, e graças a isso se pode
observar que essa iniciativa fez com que a taxa de crescimento da contaminação pelo vírus,
estimada pelo Banco Mundial em 1,2 milhões para o ano de 2000, fosse reduzida pela metade;
de modo semelhante às taxas de mortalidade foram reduzidas entre 50% e 70% (LAPPIS,
2004).
Com relação à política de atenção à mulher Mattos (LAPPIS, 2004) destaca o
seguinte:
34
[...] A política da mulher, por exemplo, teve nos anos 80 um grande avanço
na Integralidade quando se recusou pensar a mulher exclusivamente como
mãe. Isso permitiu perceber a mulher como um ser humano e com
especificidades de gênero inerentes à nossa cultura. Houve limites para
desenvolver a Integralidade plenamente no campo das políticas, mas já
temos algumas conquistas derivadas dessa luta. Um exemplo é a legislação
que garante o direito de uma mulher que teve a mama retirada por conta do
câncer poder reconstituí-la pelo SUS. Esse tipo de iniciativa representa uma
atitude concreta de Integralidade, porque não se resume à questão de
controlar a doença, mas percebe que a reconstituição da mama após uma
cirurgia agressiva é uma necessidade na nossa cultura e, portanto está no
campo do direito.
Mais recentemente, uma conquista dos direitos da mulher ocorreu em setembro de
2006 quando a Lei Maria da Penha foi sancionada. É uma lei de combate à violência
doméstica e familiar contra a mulher, que tornará mais rigorosa a punição dos agressores.
Houve inclusive alterações no código penal, permitindo a partir de então que o agressor possa
ser preso em flagrante ou tenha prisão preventiva decretada (RADIS, 2006), e pode-se
considerar que esta é uma forma de garantir a Integralidade das mulheres.
O princípio da Integralidade, assim como todo o movimento que o originou, opõe-se
ao modelo biomédico dominante. Foi este motivo que levou o Laboratório de Pesquisas sobre
Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS), do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ), em 2004, a formar o EnsinaSUS.
Este projeto é uma linha de atuação do LAPPIS e visa identificar, apoiar e desenvolver
experiências de ensino e pesquisa capazes de transformar a formação em saúde,
fundamentando-se no princípio da Integralidade, na direção da consolidação do SUS como
uma política de Estado de garantia do direito à saúde (RADIS, 2006, p.10, LAPPIS, 2007).
Pinheiro (2006), uma das pesquisadoras do LAPPIS, compreende que a Integralidade
é um princípio universal e constitucional, fruto de amplo movimento social e que segue um
caminho de permanente construção. Ela concorda com Mattos ao definir a Integralidade como
polissêmica por não se limitar a uma diversificação dos sentidos, carregando valores que
merecem ser definidos e que respeitam as diferenças nos vários pontos do Brasil. A
pesquisadora destaca também a característica de polifônico que o termo possui. “É polifônico
porque ouve as vozes silenciadas em espaços institucionais que não têm canais de escuta e
acesso à informação e à comunicação, ou seja, não têm visibilidade para suas demandas”
(PINHEIRO, 2006, p. 11).
Para seu pleno desenvolvimento a Integralidade necessita ser influenciada por
35
diversos conhecimentos que contribuem para sua realização e construção, pois como afirma
Pinheiro (2006) a Saúde Coletiva é contrária à fragmentação das saúdes públicas. Ela destaca
três importantes áreas do setor saúde que contribuem para a materialização da Integralidade:
“temos a área de política, planejamento e gestão na saúde; as ciências sociais humanas em
saúde e, por fim, a epidemiologia” (PINHEIRO, 2006, p. 12).
Foi no estudo dos elementos que compõem o princípio da Integralidade e seus
sentidos que compreendemos as palavras de Pinheiro ao se referir à necessidade da
confluência de saberes para se ter realmente uma prática integral. No intuito de apreender
sobre o assunto iniciamos nossa pesquisa em 2004 com o trabalho de conclusão de curso
intitulado, “A Integralidade como Princípio Doutrinário do SUS: retomando a discussão e
centralizando o debate na prática cotidiana da intervenção profissional”
7
.
A partir daquela primeira aproximação com a Integralidade em saúde, observamos
ser de suma importância investigá-lo mais profundamente. Como já enunciamos acima, o
conceito de Integralidade é denso de significados e estes carregam consigo a diversidade de
experiências empíricas e a pluralidade de visões que são objeto de análise dos autores
dedicados a estudá-lo. Observamos que a Integralidade é abordada pelos autores a partir de
correntes teóricas variadas e, com base nisto podemos afirmar a presença não somente de
pluralidade, mas principalmente de ecletismo nos pensamentos formulados conforme veremos
a seguir.
Desta maneira, organizamos o texto que se segue a partir de diferenciadas
abordagens, significados ou sentidos que são atribuídos ao princípio da Integralidade, os quais
identificamos no decorrer das leituras selecionadas para o estudo. Pudemos eleger dois eixos
de discussão nos quais as expressões de Integralidade estão inseridas, que são: da assistência à
saúde e do exercício profissional.
7 TCC elaborado para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social/UFSC, 2004.
36
3 O DEBATE DA INTEGRALIDADE NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Falar de assistência à saúde implica uma série de fatores que congregam a promoção
à saúde desde a prevenção às doenças, o acesso a tratamentos, a possibilidade de o usuário
escolher o tipo de tratamento ao qual ele quer ser submetido, a interação entre políticas e
programas nos quais ele precisará ingressar etc. No campo teórico este conjunto de elementos
é abordado a partir de diferentes referenciais, fato que nos chama a atenção e exige cautela na
interpretação dos mesmos. Neste capítulo pode-se observar a presença de correntes teóricas
bem distintas que numa primeira aproximação parecem conduzir para um foco comum, porém
quando melhor analisadas a partir de um referencial teórico pré-estabelecido, revelam-se
díspares em suas interpretações, como veremos.
3.1 Integralidade como “imagem-objetivo”
Referir-se à Integralidade como uma “imagem objetivo”, termo utilizado por Mattos
(2001), significa defini-la como um enunciado de certas características do sistema de saúde,
de suas instituições e de suas práticas que são consideradas por alguns desejáveis. Ela tenta
falar de um conjunto de valores pelos quais vale lutar, pois se relacionam a um ideal de
sociedade mais justa e solidária, como enunciamos acima (MATTOS, 2001).
Mattos (2001) explica que “imagem objetivo” não se refere a uma utopia, mas a
certa configuração de um sistema ou situação que alguns atores no campo político consideram
desejável, pelo fato de julgarem que tal configuração pode ser tornada real num horizonte
temporal definido.
O autor complementa:
Enuncia-se uma imagem objetivo com o propósito principal de distinguir o
que se almeja construir, do que existe. Toda imagem objetivo tenta indicar a
direção que queremos imprimir à transformação da realidade. De certo
modo, uma imagem objetivo parte de um pensamento crítico, um
pensamento que se recusa a reduzir a realidade ao que “existe”, que se
indigna com algumas características do que existe, e almeja superá-las. Os
enunciados de uma imagem objetivo sintetizam nosso movimento. [...] Ela
sempre é expressa através de enunciados gerais. [...] funcionam como tal,
exatamente para abarcar várias leituras distintas, vários sentidos diversos.
37
[...] Toda imagem objetivo é polissêmica. [...] ela não diz de uma vez por
todas como a realidade deve ser. Ela traz consigo um grande número de
possibilidades de realidades futuras, a serem criadas através de nossas lutas,
que têm em comum a superação daqueles aspectos que se criticam na
realidade atual (que almejamos transformar) (MATTOS, p. 41-42, 2001).
Para exemplificar a concreticidade de sua teoria, Mattos (2001), lembra-nos das
mudanças ocorridas na política de saúde brasileira desde os anos de 1970 até os dias atuais, e
com isto demonstra o caminho percorrido em direção aos objetivos traçados e alcançados,
mas que ainda podem ser forjados pelo estrangulamento de recursos públicos ou pela difusão
das idéias ofertadas por algumas agências internacionais. A luta, segundo o autor, continua e é
travada cotidianamente no interior dos serviços de saúde, nas arenas de negociação, etc.
Atualmente há uma tendência de afastamento entre a saúde coletiva e a medicina.
Ocorre que a postura médica típica é a recusa de reconhecer que todo paciente em busca de
auxílio é bem mais do que um aparelho ou sistema biológico com lesões ou disfunções e que
fazer qualquer coisa a mais, além de tentar, por meio dos recursos tecnológicos disponíveis,
“silenciar o sofrimento supostamente provocado por aquela lesão ou disfunção, é
absolutamente inaceitável” (MATTOS, 2001, p. 48).
Entende-se ser necessário o tratamento imediato dos sujeitos, mas atrelado a isto,
propõe-se uma visão ampliada deste mesmo sujeito, das interações vivenciadas por ele e das
causas que provocaram tal sofrimento. Diante desse diagnóstico o profissional poderá
antecipar futuros sofrimentos e realizar as profilaxias necessárias. Uma atitude voltada para a
Integralidade em saúde privilegia uma atenção combinada entre assistência à saúde e
prevenção, o que colabora para o primeiro e importante alvo e significado: o alcance da
Integralidade como “imagem objetivo”.
A articulação entre prevenção e assistência à saúde se apresenta como um segundo
significado da Integralidade como veremos a seguir.
3.2 Articulação entre prevenção e assistência à saúde
O sentido da Integralidade conhecido legalmente é a articulação entre a prevenção e a
assistência à saúde. No texto constitucional encontramos que uma das diretrizes das ações e
serviços públicos é seguir um atendimento integral, com prioridade para as atividades
38
preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. Do mesmo modo, na lei nº. 8080/90, está
prevista a assistência às pessoas por meio de ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde, por intermédio da realização integrada de ações assistenciais e das atividades
preventivas (ABEPSS, 2006).
As práticas assistenciais são àquelas realizadas junto aos sujeitos que necessitam de
tratamento imediato para amenizar ou até curar a doença de que estão sendo acometidos. Para
tanto, a biomedicina se detém em estudar a causa das doenças e o tipo de tecnologia utilizada
para combatê-las. Mattos (2003, p. 53) diz que o fato de a biomedicina se deter na questão dos
sofrimentos atribuíveis à doença ao ponto de alguns profissionais negarem o sofrimento do
outro que não se reduz à doença, e de negarem também o sofrimento provocado pelas
tecnologias de diagnóstico e tratamento, é considerado um reducionismo em confronto com o
qual o sentido da Integralidade foi sendo forjado.
Com relação às ações preventivas, Czarina (2003, p. 45) as define como:
Intervenções orientadas a evitar o surgimento de doenças específicas,
reduzindo sua incidência e prevalência nas populações. A base do discurso
preventivo é o conhecimento epidemiológico moderno; seu objetivo é o
controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de
doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os projetos de
prevenção e de educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação de
informação científica e de recomendações normativas de mudanças de
hábitos.
Portanto, as práticas preventivas se distinguem das assistenciais porque nelas o
conhecimento sobre as doenças e as tecnologias permite à biomedicina antecipar-se à
experiência do sofrimento provocado pela enfermidade. Sobre isso Mattos (2003, p. 53)
escreve:
Conhecemos hoje os fatores de risco de muitas doenças e dispomos de
tecnologias que reduzem as probabilidades de se desenvolver uma doença.
Tornou-se possível, assim, propor ações voltadas a evitar o sofrimento
provocado pela doença. É sobre essa diferença que se podem distinguir as
práticas assistenciais das preventivas. Enquanto as primeiras são
demandadas a partir de uma experiência de sofrimento percebida como se
fosse individual, as preventivas não. Exatamente por isso, no que se refere
às organizações dos serviços de saúde, um dos sentidos de Integralidade era
o de indicar as vantagens de articular as ações voltadas para responder à
demanda assistencial com aquelas destinadas à prevenção.
39
O autor complementa:
[...] as ações preventivas diferem radicalmente das assistenciais, posto que
não são demandadas pelos usuários, implica que não basta simplesmente
defender a utilização de tecnologias de diagnóstico precoce ou incentivar
comportamentos supostamente mais saudáveis de modo articulado com as
ações assistenciais. Há que se diferenciar um uso dessas formas de
intervenções preventivas que simplesmente expande o consumo de bens e
serviços de saúde ou que simplesmente integra os dispositivos de sustentação
da ordem social (através da regulação dos corpos) do uso judicioso e
prudente dessas mesmas técnicas de prevenção, feito na perspectiva de
assegurar o direito dos benefícios à saúde. Integralidade e prudência andam,
pois, juntas (MATTOS, 2001, p. 50).
Daí deriva a importância de todos os profissionais de saúde, em especial o médico,
em seu contato com o paciente com algum sofrimento, valerem-se do encontro para avaliar
fatores de risco de outras doenças e indicadores de vulnerabilidade social e psicológica, por
exemplo, que não necessariamente são os envolvidos no sofrimento concreto daquele
paciente; esta atitude ilustra uma prática voltada para a Integralidade, uma vez que congrega
assistência e prevenção.
Nesse sentido da Integralidade, assistência e prevenção devem estar articuladas, não
em conformidade com o sugerido pelo modelo da medicina preventiva, que tentava suprimir a
distinção entre prevenção e assistência pelo simples enunciado de que tudo é prevenção. Na
concepção da Integralidade as “atividades preventivas são profundamente distintas das
experiências assistenciais, essas diretamente demandadas pelo usuário”. As chamadas práticas
de diagnóstico precoce e demais práticas preventivas devem ser exercidas com cautela, pois
caracterizam o processo de medicalização
8
; e neste sentido a medicina preventiva é altamente
medicalizante no sentido de ampliar as possibilidades de aplicar com certa eficácia técnica os
conhecimentos sobre a doença, para regrar aspectos da vida social. “Por meio dela, a medicina
não só trata doentes; ela recomenda hábitos e comportamentos. Ela invade a vida privada para
sugerir modos de vida mais saudáveis, ou seja, supostamente mais capazes de impedir o
adoecimento”. (MATTOS, 2001, p. 49).
Sabe-se que atualmente a prevenção, ou mesmo a descoberta de uma doença em seu
estágio inicial colabora na redução dos danos causados pela doença ou diminue e até excluem
o aparecimento de determinadas enfermidades, porém serão inválidas técnicas de diagnóstico
8 Mattos, 2001, p. 49; utiliza-se do termo medicalização para indicar um processo social através do
qual a medicina foi tomando para si a responsabilidade sobre um crescente número de aspectos da
vida social.
40
precoce ou tão avançada tecnologia se os profissionais em contato com elas não souberem
decodificá-las em benefício do paciente. O profissional de saúde, ao atender o sujeito que veio
até ele motivado por algum sofrimento, deve ter uma postura investigativa, isto é, aproveitar
“o encontro para apreciar fatores de riscos de outras doenças que não as envolvidas no
sofrimento concreto daquele paciente, e/ou investigar a presença de doenças que ainda não se
expressaram em sofrimento”; privilegiando, portanto assistência e prevenção (MATTOS,
2001, p. 49).
Portanto, entende-se que no plano das políticas de saúde as ações preventivas e
assistenciais têm impactos diferenciados: a primeira surge para responder a determinadas
necessidades ou demandas do usuário, enquanto a segunda tem como foco ampliado
modificar o quadro social de uma doença, e segundo Mattos (2003) “pode inclusive modificar
a demanda futura por serviços assistenciais. Ambas, quando adequadas, constroem a
legitimidade das políticas de saúde”.
Mattos (2003) ainda ressalta a importância de compreender que tanto assistência
quanto prevenção devem estar aliadas, pois é “duplo dever do sistema assegurar a resposta às
necessidades e as demandas por ocasiões preventivas e assistenciais”. E ele diz que isso
ocorre por conta de dois fatores:
Ambas, quando adequadas, constroem a legitimidade das políticas de saúde.
Com efeito, cada vez que o sistema de saúde não responde adequadamente à
demanda que a ele se apresenta (seja ela justificável ou não pelos
parâmetros técnicos), se corrói a sustentação política de um sistema de
saúde que pretende assegurar o acesso universal e igualitário. Nesse sentido,
atender a demanda é um imperativo do direito. Por outro lado, a emergência
de epidemias para as quais conhecemos dispositivos de controle também
corrói as bases de sustentação do sistema de saúde.
Ao se referir ao modo como as políticas de enfrentamento a certas doenças são
elaboradas, Mattos (2003, p.55) afirma que elas não podem se reduzir a “[...] políticas que têm
por único objetivo reduzir a magnitude de certas doenças”. Isso implica dizer que no
momento da formulação dessas políticas é necessário ir além de indicadores epidemiológicos;
ele indica como desafio a elaboração de políticas que compatibilizem controle, erradicação ou
mesmo mudança de magnitude da doença em âmbito municipal, por exemplo, e o acesso dos
portadores da doença aos serviços de assistência.
Na perspectiva da Integralidade, os desafios apresentados pelas doenças vão além da
oferta de serviços assistenciais, devem estar voltados para questões referentes às
41
possibilidades futuras de redução do número de portadores dessa doença. Para tanto “as
políticas de saúde pautadas na Integralidade devem basear-se numa perspectiva ampliada de
apreensão das necessidades assistenciais” (MATTOS, 2003, p. 56).
É relevante destacar que políticas elaboradas com caráter integral abordam não
somente as pessoas portadoras de determinadas doenças, mas todos os usuários do sistema, e
devem prever que o usuário portador da doença é portador também de um amplo conjunto de
necessidades que não podem ser apreendidas por meio de formulários.
Desse modo, podemos dizer que políticas pautadas na Integralidade abordam tanto
ações preventivas como assistenciais, e ainda, “partem de uma apreensão ampliada das
necessidades das pessoas portadoras ou não da doença
9
” (MATTOS, 2003, p. 56).
3.3 A Integralidade em práticas alternativas
A demanda por serviços de saúde decorrentes de problemas psicossociais, o
desequilíbrio da relação demanda-oferta dos serviços públicos de saúde e do limites do
modelo biomédico, evidenciam a necessidade de rever os modelos de atenção
disponibilizados à população.
No ano de 2006 foi criada junto ao Ministério da Saúde a Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS. Esta política atende, à necessidade
de conhecer, apoiar, incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas
na rede pública de muitos municípios e estados, entre as quais se destacam aquelas no âmbito
da Medicina Tradicional Chinesa-Acupuntura, da Homeopatia, da Fitoterapia, da Medicina
Antroposófica e do Termalismo-Crenoterapia (PNPIC, 2006).
Vejamos:
Atuar nos campos da prevenção de agravos e da promoção, manutenção e
recuperação da saúde baseada em modelo de atenção humanizada e centrada
na Integralidade do indivíduo, a PNPIC contribui para o fortalecimento dos
princípios fundamentais do SUS. Nesse sentido, o desenvolvimento desta
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares deve ser
entendido como mais um passo no processo de implantação do SUS.
9
Mattos (2003) complementa que uma dimensão específica dessa ampliação é a que diz respeito aos
direitos das pessoas. A questão não se refere apenas ao direito ao acesso aos serviços de saúde.
Refere-se ao conjunto de direito da pessoa.
42
Ainda:
Considerando o indivíduo na sua dimensão global - sem perder de vista a
sua singularidade, quando da explicação de seus processos de adoecimento e
de saúde, a PNPIC corrobora para a Integralidade da atenção à saúde,
princípio este que requer também a interação das ações e serviços existentes
no SUS. Estudos têm demonstrado que tais abordagens contribuem para a
ampliação da co-responsabilidade dos indivíduos pela saúde, contribuindo
assim para o aumento do exercício da cidadania (PNPIC, 2006, p.4-5).
A PNPIC caminha na busca da ampliação das ofertas de saúde, da oportunidade de
acesso a serviços antes restritos à prática de cunho privado e, também, da disponibilização aos
usuários de opções preventivas e terapêuticas de diferentes abordagens. A PNPIC almeja
“concretizar tais prioridades, imprimindo-lhes a necessária segurança, eficácia e qualidade na
perspectiva da Integralidade da atenção à saúde no Brasil” (PNPIC, 2006).
De outro lado, temos as produções acadêmicas bem avançadas em relação a esse tipo
de práticas. Lacerda e Valla (2003) trazem como alternativas terapêuticas o apoio social e a
homeopatia para a construção da Integralidade das ações na relação oferta e demanda dos
serviços de saúde.
Segundo os autores:
O apoio social tem origem no pensamento acadêmico, a partir da década de
1980, e aponta para a possibilidade de enfrentamento dos problemas de
saúde-doença, via estabelecimento de relações solidárias entre os sujeitos.
Os trabalhos iniciais sobre o apoio social e saúde foram desenvolvidos por
John Cassel (1976), que compilou evidências de que o isolamento e a ruptura
dos vínculos sociais aumentavam a vulnerabilidade dos sujeitos ao
adoecimento em geral. (LACERDA e VALLA, 2003, p.173).
A ruptura à qual os autores fazem referência pode ser desencadeada por fatores
psicossociais, agregados às mudanças repentinas de vida, como por exemplo, separações,
adoecimentos, desemprego ou migração, violência, luto, etc. Portanto, este pensamento parte
do pressuposto de que o rompimento das relações aumenta a vulnerabilidade dos sujeitos ao
adoecimento. Essa ruptura de vínculos pode estar ligada a diferentes fatores principalmente os
psicossociais associados a mudanças inesperadas de vida. Também se justifica ao evidenciar
que o capitalismo enquanto modelo socioeconômico contribui para o aumento das
disparidades das classes sociais devido à má distribuição de renda, que gera violência, uso de
43
drogas e desemprego, entre outras expressões da questão social.
Recorrentemente encontramos profissionais de saúde, que assim como já temos
discutido neste trabalho, estão centrados apenas nos aspectos físicos ou biológicos produzidos
pelas doenças nas pessoas e populações, sem considerar o contexto no qual os mesmos estão
inseridos. Muitas vezes as causas das patologias desenvolvidas pelos usuários não estão
diretamente ligadas somente a um desequilíbrio das funções corporais, mas a determinantes
sociais que influenciam seu cotidiano. Um exemplo disto é o aumento considerável do
aparecimento de determinadas síndromes, que desencadeiam depressão, ansiedade e outros
transtornos. Tais sintomas são responsáveis por grande parte da demanda por atendimentos
nos serviços públicos.
Cassel (1976), Berkman (1985) e Spiegel (1997), apud Lacerda e Valla (2003, p.
174) destacam a importância do apoio social:
[...] o apoio social fornecido através dos relacionamentos sociais ajuda os
sujeitos a terem maior controle das situações estressantes e a enfrentarem
melhor as adversidades da vida, com benefícios à saúde física e mental,
conforme diversos estudos.
Associada ao apoio social está a formação de redes que conforme Bowling (1994),
apud Lacerda e Valla (2003, p. 174), consistem em “uma teia de relações sociais que circunda
os diversos indivíduos conectados pelos laços ou vínculos sociais” permitindo que os recursos
de apoio fluam através desses vínculos que não necessariamente se estabelecem por toda uma
rede, mas também de forma singular entre os sujeitos.
O apoio social pode ser entendido como os vários recursos emocionais, materiais e
de informação recebidos pelos sujeitos através de relações sociais, sejam elas de cunho mais
íntimo com amigos e familiares, ou de grupos e redes sociais. É um processo em que há
correspondência de ambas as partes, e o resultado gerado é positivo tanto para quem recebe
como para quem oferece o apoio, pois os envolvidos obtêm uma “sensação de coerência de
vida e maior sentido de controle sobre a mesma”. Neste processo as pessoas compreendem
que necessitam umas das outras, principalmente no que tange “à dimensão da Integralidade na
atenção e no cuidado à saúde” (VALLA, 2005, p. 104).
Apesar de o apoio social ser benéfico e poder ser acessado por qualquer sujeito
independente de sua classe social, as pesquisas realizadas apontam para o aparecimento desta
estratégia de enfrentamento dos problemas de saúde eminentemente nas classes populares,
44
onde o acesso aos serviços de saúde é restrito e a população convive com a escassez de
recursos financeiros.
Valla (2005, p. 107) relata:
[...] é importante analisar o modo como as classes populares vêm se
organizando, tecendo estratégias e táticas para enfrentar os problemas do
cotidiano por meio das atividades e práticas de apoio social, como a
organização de alguns grupos religiosos. Uma das premissas é que, por falta
de recursos, as classes populares procuram centros religiosos para solucionar
seus problemas de saúde. As religiões evangélicas pentecostais, apesar de
coexistirem com o mundo moderno, resistem à marginalização que o
capitalismo impõe e fazem frente às dificuldades que as classes populares
enfrentam em seu dia-a-dia, dificuldades que não vêm sendo resolvidas junto
ao governo e aos partidos políticos. [...] é preciso ter cuidado ao interpretar
as ações das classes populares e sua relação com a religião, pois o que pode
ser visto como tentativa de resolver exclusivamente um problema material,
na verdade pode ser resultado da vontade de viver a vida mais plenamente
possível. Desse modo, a busca religiosa pode ser o resultado da procura por
uma explicação, um sentido que torne a vida mais coerente, o que por sua
vez é uma das propostas do apoio social.
Corten (1996) citado por Valla (2005) relata o fato de muitos líderes de religiões
evangélicas acreditarem que alguns males não são físicos, mas psicossomáticos, e por isso
dispensarem a utilização de medicamentos. É nesta perspectiva, afirma o autor, que o cuidado
integral assume relevância nestas religiões, na medida em que lida com os sentimentos das
pessoas e auxilia no apoio emocional, propiciando elevação da auto-estima através de
palavras e gestos de conforto e solidariedade.
Tais ações são possibilitadas no momento dos cultos evangélicos, entendidos como
espaços de convívio e de práticas de apoio social. Apesar de estas igrejas não provocarem a
promoção ou a organização de ações coletivas, no sentido de mudanças nas estruturas sociais
da sociedade de forma mais abrangente, não se pode desprezar o efeito terapêutico que a
participação nos cultos e outras atividades em grupo desenvolvidas por estes cristãos lhes
proporciona:
“Seja porque cuida dos fiéis por meio do apoio social/emocional oferecido
pelas palavras de conforto e estímulo, sem culpabilizá-los por suas atitudes,
ou por propiciar um ambiente acolhedor, no qual os sujeitos são ouvidos em
suas queixas e problemas, ou ainda pela formação de uma rede social, em
que se divulgam as ofertas de trabalho e emprego” (VALLA, 2005, p. 112).
Com relação aos serviços públicos de saúde e o apoio social, frente ao desequilíbrio
45
entre demanda e oferta, pode-se dizer que o apoio social tem sido uma estratégia de defesa
utilizada pela população com a finalidade de “romper com o isolamento causado pela cultura
individualista que predomina na sociedade capitalista atual” (LUZ, 2001, p. 28).
Outra prática alternativa de saúde que estudamos é a homeopatia. Esta integra a lista
de práticas da PNPIC, como vimos acima. A homeopatia é um sistema médico complexo de
caráter holístico, tem seu fundamento no princípio vitalista e no uso da lei dos semelhantes
enunciada por Hipócrates no século IV a.C. Foi desenvolvida na Alemanha por Samuel
Hahnemann no século XVIII, após a prática de estudos e reflexões baseados na observação
clínica e em experimentos realizados na época. A partir de então, esta racionalidade médica
se expandiu por várias regiões do mundo, estando hoje firmemente implantada em diversos
países da Europa, das Américas e da Ásia. No Brasil, a homeopatia foi introduzida por Benoit
Mure em 1840, tornando-se uma nova opção de tratamento (PNPIC, 2006).
Desde a década de 1980 a homeopatia é reconhecida no Brasil como especialidade
médica pelo Conselho Federal de Medicina, em 1992 foi reconhecida pelo Conselho Federal
de Farmácia e em 2000 pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária. A partir dos anos de
1980 a homeopatia ganhou destaque como prática de saúde e inclusive foi disponibilizada na
rede pública de atendimento em alguns municípios.
Com a PNPIC (2006, p.18), a homeopatia representa uma estratégia para a
construção de um modelo de atenção centrado na saúde, pois:
• Recoloca o sujeito no centro do paradigma da atenção, compreendendo-o
nas dimensões física, psicológica, social e cultural. Na homeopatia o
adoecimento é a expressão da ruptura da harmonia dessas diferentes
dimensões. Desta forma, essa concepção contribui para o fortalecimento da
Integralidade da atenção à saúde.
• Fortalece a relação médico-paciente como um dos elementos fundamentais
da terapêutica, promovendo a humanização na atenção, estimulando o
autocuidado e a autonomia do indivíduo.
• Atua em diversas situações clínicas do adoecimento como, por exemplo,
nas doenças crônicas não-transmissíveis, nas doenças respiratórias e
alérgicas, nos transtornos psicossomáticos reduzindo a demanda por
intervenções hospitalares e emergenciais, contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida dos usuários.
• Contribui para o uso racional de medicamentos, podendo reduzir a
fármaco-dependência.
A homeopatia entende as enfermidades como alterações na saúde do corpo e da
mente desencadeadas pelo desequilíbrio vital (HANEMANN, 1921, apud LACERDA e
VALLA, 2003); enquanto a biomedicina trabalha com o conceito de saúde como ausência de
46
doença, centrado na relação entre normal e patológico (CANGUILHEM, 1978, apud
LACERDA e VALLA, 2003).
Portanto, a homeopatia está voltada para a cura do sujeito e não somente centrada no
desaparecimento dos sintomas nosológicos, o que para seus adeptos, é onde se estabelece a
grande diferença em relação à biomedicina, pois ao invés de suprimir sintomas o que pode
agravar o processo de adoecimento, busca-se o desaparecimento definitivo dos mesmos.
Porém, segundo Lacerda e Valla (2003), um dos maiores problemas dos serviços públicos é
justamente a crescente medicalização como única forma terapêutica, sem considerar que
muitos problemas de saúde são resultantes de determinantes psicossociais e o que está sendo
feito é “medicar os problemas da vida”. É recorrente no cotidiano a desvalorização dos
sentimentos e da emoção dos usuários, pois são considerados doentes para a biomedicina
somente aqueles portadores de uma patologia diagnosticada.
Mesmo com a valorização da homeopatia por parte de Lacerda e Valla (2003, p.191),
ambos alertam que os médicos homeopatas ainda são poucos colaborativos com a prática do
apoio social. Eles dizem que embora os homeopatas investiguem as relações das pessoas, os
vínculos sociais, e a forma de agir dos sujeitos no mundo, é preciso que incorporem a
dimensão da rede social dos pacientes na sua prática cotidiana, assim, ao identificar que os
sujeitos sofrem com processos de perda ou demonstram dificuldade de se relacionar, devem
estimulá-los a desenvolver atividades de socialização. “Além disso, a possibilidade de ter
profissionais de saúde integrados em rede amplia o acolhimento e o cuidado dos sujeitos
doentes e seus familiares”.
Silva Jr. (2003, p. 124) complementa a idéia supracitada:
As equipes de saúde exploram pouco os espaços relacionais com os usuários
como espaço terapêutico e pouco conhecem sobre outras tecnologias que
oferecem apoio psicológico, vivências alternativas e ações que desloquem o
eixo terapêutico da correção de “disfuncionalidades” biomecânicas para o
fortalecimento da auto-estima, dos espaços afetivos, da autonomia e da vida
saudável.
Homeopatia e apoio social juntos estimulam a autonomia, concentram-se no cuidado,
conduzem os usuários a um projeto de vida diferenciado; que lhes dá esperança e fortalece
seus sonhos. “Nessa perspectiva, poderemos caminhar para práticas de saúde mais eficazes,
que incluam a participação ativa dos sujeitos e integrem seus direitos de cidadania e de
qualidade de vida” (LACERDA e VALLA, 2003, p. 192).
47
Além da homeopatia, integra também a PNPIC/SUS a Medicina Tradicional Chinesa
– Acupuntura. Esta se originou na China, e caracteriza-se por um sistema médico integral que
utiliza uma linguagem simbólica para retratar as leis da natureza e que valoriza a inter-relação
harmônica entre as partes visando à integridade. Seu fundamento é a teoria do Yin-Yang, ou
seja, o mundo está dividido em duas forças, desta forma os fenômenos são interpretados como
opostos complementares. Portanto, o objetivo deste conhecimento é obter meios de equilibrar
esta dualidade.
A Acupuntura é uma tecnologia de intervenção em saúde que aborda de forma
integral e dinâmica o processo saúde-doença no ser humano. Ela permite que outros recursos
terapêuticos sejam aplicados concomitantemente a ela. A acupuntura compreende um
conjunto de procedimentos que permitem o estímulo preciso de locais anatômicos definidos
por meio da inserção de agulhas filiformes metálicas para promoção, manutenção e
recuperação da saúde, bem como para prevenção de agravos e doenças.
No Brasil, a acupuntura foi introduzida há cerca de 40 anos. Desde 1999, a consulta
médica em Acupuntura está inserida no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS), o
que permitiu acompanhar a evolução das consultas por região e em todo país. Dados desse
sistema demonstram um crescimento de consultas médicas em acupuntura em todas as
regiões. Em 2003, foram 181.983 consultas, com uma maior concentração de médicos
acupunturistas na região Sudeste (213 dos 376 cadastrados no sistema) (PNPIC/SUS, 2007).
A Fitoterapia, outra prática inserida na PNPIC/SUS (2007, p. 18), é definida como:
Uma "terapêutica caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas
diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substâncias ativas
isoladas, ainda que de origem vegetal". O uso de plantas medicinais na arte
de curar é uma forma de tratamento de origens muito antigas, relacionada aos
primórdios da medicina e fundamentada no acúmulo de informações por
sucessivas gerações. Ao longo dos séculos, produtos de origem vegetal
constituíram as bases para tratamento de diferentes doenças.
Desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, a OMS tem expressado a sua posição
favorável a respeito da utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário, tendo em conta
que 80% da população mundial se utiliza de algum tipo de planta ou preparações destas no
que se refere à atenção primária de saúde. Atrelada a isso, destaca-se a participação dos países
em desenvolvimento neste processo, já que possuem 67% das espécies vegetais do mundo.
O interesse popular e institucional vem crescendo no sentido de fortalecer a
Fitoterapia no SUS. A partir da década de 80, diversos documentos foram elaborados
48
enfatizando a introdução de plantas medicinais e fitoterápicos na atenção básica no sistema
público (PNPIC/SUS, 2007).
Além da acupuntura, homeopatia e fitoterapia encontramos ainda como Práticas
Integrativas o Termalismo Social ou Crenoterapia e a Medicina Antroposófica. O primeiro,
foi introduzido no Brasil durante a colonização portuguesa, porém há registros de que desde o
Império Grego já fosse uma terapia utilizada. O Termalismo consiste na utilização de águas
minerais, de forma terapêutica, no tratamento de saúde.
A Medicina Antroposófica, por sua vez, foi introduzida no Brasil há 60 anos. É
considerada uma abordagem médico-terapêutica complementar, de base vitalista, cujo modelo
de atenção se dá de maneira transdisciplinar, com o intuito de alcançar a Integralidade em
saúde. Combinados à terapêutica da Medicina Antroposófica estão medicamentos de base
homeopática e fitoterápica (PNPIC, 2007). Esta abordagem entende o ser humano:
como portador de quatro estruturas essenciais, de quatro elementos
constituintes, também habitualmente chamados de "corpos". Uma analogia
pode ser feita tanto com os quatro reinos da natureza como também com os
quatro elementos alquímicos fundamentais. São eles:
• CORPO FÍSICO: é a estrutura sólida, substancial, existente em diversas
formas em todos os reinos da natureza (mineral, terra).
• CORPO VITAL ou ETÉRICO: é o fundamento da vida, das características
puramente vegetativas (crescimento, regeneração e reprodução), presentes
em todos os organismos vivos (vegetal, água).
• CORPO ANÍMICO ou ASTRAL: é o fundamento da organização
sensitiva do homem. Ele reordena os processos biológicos, permitindo a
aparição do sistema nervoso e da vida psíquica no mundo animal e no
homem (animal, anima, alma, ar)
• ORGANIZAÇÃO DO EU: é a organização própria do homem,
considerada como nossa entidade espiritual e responsável pela
autoconsciência, reorganizando as atuações dos outros três corpos. Sua
presença determina o surgimento do andar ereto e as capacidades de falar e
pensar. Está relacionada com o calor no âmbito do organismo (espírito,
calor, fogo) (ABAM, 2007).
Ainda:
Assim, o diagnóstico em Medicina Antroposófica envolve, além da
anamnese, do exame clínico e dos exames complementares, a pesquisa
dessas estruturas não sensíveis da natureza humana (corpo vital, corpo
anímico e organização do Eu), por meio de metodologia própria, inspirada
no estudo fenomenológico do modelo vivo saudável.
A terapêutica antroposófica envolve o uso de medicamentos específicos,
procedentes de substâncias dos reinos mineral, vegetal e animal, utilizados
de acordo com processos farmacêuticos próprios de diluição e dinamização,
além de terapias complementares, tais como: terapia artística, massagem
rítmica, aplicações externas, euritmia curativa, musicoterapia, quirofonética,
49
dentre outras. Como a Medicina Antroposófica não se contrapõe à Medicina
Acadêmica, há a possibilidade de uso concomitante dos medicamentos
convencionais, quando necessário (ABAM, 2007).
3.4 A Integralidade como articulação dos serviços - intersetorialidade
A partir da promulgação da Constituição de 1988 e da posterior criação do SUS a
política nacional de saúde é submetida a operar mediante o “dilema da intersetorialidade”
10
explicitada em um ambiente tradicionalmente setorial, pressupondo mediação com outros
atores para a introdução de mudanças necessárias à viabilização da política (ANDRADE,
2006, p. 29).
Guedes (2001) lembra-nos que aliadas à nova política de saúde, surgem também
novas diretrizes, como a descentralização, prevista na lei nº. 8080/90, onde consta: “ênfase na
descentralização dos serviços para os municípios e regionalização e hierarquização da rede de
serviços de saúde” (CRESS, 2002, p. 165). Para o SUS a descentralização era definida na
concepção federalista, uma vez que coube à própria Constituição Federal tornar os municípios
integrantes da Federação. Estas unidades subnacionais adotaram inicialmente um desenho de
atuação prioritariamente individualizador e fragmentado da rede de serviços. Aliado a este
processo houve o predomínio de uma indefinição de papéis e poderes entre as diferentes
esferas do governo, dificultando sobremaneira a unificação do comando do SUS (GUEDES,
2001).
Desse modo, o movimento nacional ocorrido no período, com seus embates iniciais
gerados por uma nova concepção de política de saúde, foram influenciados por outro
movimento: o da promoção da saúde. Como já destacamos acima, a promoção da saúde teve
seu conceito fortemente discutido na Conferência de Otawa em 1986 onde se concluiu que a
mesma “consiste em proporcionar aos povos os meios para melhorar a saúde e exercer maior
controle sobre ela” (ANDRADE, 2006, p. 50).
O conceito de promoção da saúde trouxe consigo uma nova ótica de significado para
o entendimento do que seria saúde. Sabe-se que esta foi apreendida em uma concepção ampla
que abarca em seu domínio as condições de vida como um todo das pessoas e das populações.
Voltemos, portanto, à intersetorialidade. Pode-se dizer que a intersetorialidade ocupa
um espaço privilegiado em meio a essas discussões e formulações teórico-práticas. Isto se
10 A expressão entre aspas é utilizada por Andrade (2006).
50
explica pelo fato de, a partir dos novos modelos de saúde construídos, novas demandas terem
surgido. Vejamos o que nos diz Andrade (2006, p.50):
[...] as determinações de saúde foram sendo relacionadas ao impacto das
dimensões sociais, culturais, econômicas e políticas nas coletividades para
alcançar um desenvolvimento social mais eqüitativo. Ressalta-se, ainda, a
“combinação de estratégias”, ou seja, a promoção da saúde demanda uma
ação coordenada entre os diferentes setores sociais, ações do Estado, da
sociedade civil, dos sistemas de saúde e de outros parceiros intersetoriais.
Em suma, a saúde não é assegurada apenas pelo setor saúde.
A afirmativa de Andrade é um chamado à responsabilização mútua de todas as
esferas governamentais, para a ação intersetorial priorizando a promoção da saúde e suas
interfaces como a Integralidade. É preciso que os vários setores ajam sobre os problemas de
forma articulada culminando em ações eficazes, fruto da democratização de informações e
descentralização do poder e das ações (BIDLOWSKI, 2004).
A valorização do sentido de intersetorialidade tem se destacado no sentido da
integração efetiva das políticas e serviços de saúde com outros serviços. Um exemplo disto foi
o termo de compromisso firmado entre o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), e o Conselho
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), em 2004, em favor da saúde da
população negra, reconhecendo que:
A falta de um conhecimento científico da saúde da população brasileira afro-
descendente é fruto do conceito equivocado de que no Brasil existe uma
democracia racial; que o princípio da eqüidade social, regional, de gênero, de
raça e de etnia, para ser exercida, exige a atuação intersetorial, por meio de
parcerias entre diversas áreas governamentais levando à integração das
políticas públicas e ao fortalecimento da participação social, cabendo ao
Ministério da Saúde, no papel de gestor federal; “dispor de todas as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde”, por meio da
Política Nacional de Saúde, em parceria com os gestores estaduais e
municipais (SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE, 2006).
Para alcançar o objetivo de inclusão social e redução dos diferentes graus de
vulnerabilidade a que está exposta a população negra; o termo de compromisso supracitado
deve priorizar a produção dos conhecimentos científicos, capacitação dos profissionais de
saúde (promoção de mudanças de atitudes), informação da população e atenção à saúde. Fica
nítido que a intersetorialidade está na pauta de diferentes esferas de serviços e que isto
51
pressupõe uma mudança radical no modelo de atenção das políticas setoriais; elas têm como
incumbência executar um serviço articulado e criativo, e desta forma praticar a Integralidade
em saúde.
Dentre os temas discutidos como integrantes da polissemia da Integralidade, também
encontramos a intersetorialidade, entendida como a articulação entre os serviços de saúde e de
toda a rede adjacente, que se caracteriza de acordo com dinâmica da administração pública da
qual faz parte.
Mattos (2001) pondera ser esse sentido da Integralidade correspondente a uma crítica
da desagregação entre as práticas de saúde pública e as assistenciais. Ele diz que “o princípio
da Integralidade aqui se aplica a partir da indignação com certas características das práticas
então existentes, indignação que permanece atual” (MATTOS, 2001, p. 54). O autor
exemplifica sua crítica considerando inadmissível o fato de uma mulher com hanseníase ser
acompanhada por um médico que não saiba como está se dando seu acompanhamento
ginecológico desta paciente e vice-versa
11
. A mesma avaliação se aplica ao caso de um
homem diabético, com tuberculose e hérnia inguinal que tenha de dar entrada em três pontos
distintos do sistema de saúde para encaminhar a resolução de seus problemas.
Para responder as suas próprias críticas, Mattos (2001) declara que a noção de
Integralidade exigiria certa “horizontalização” dos programas anteriormente verticais.
Segundo o autor, as equipes das unidades deveriam passar a pensar suas práticas, sobretudo
desde o horizonte da população a que atendem e das suas necessidades, e não mais a partir do
ponto de vista exclusivo de sua inserção específica neste ou naquele programa do ministério
(MATTOS, 2001, p. 55).
Mattos (2001) discute, ainda, dois aspectos que aprofundam a reflexão da
Integralidade ligada à organização e a prática dos serviços de saúde. A primeira se refere ao
destaque dado à epidemiologia e a segunda ao risco da restrição na esfera dos serviços
ofertados.
O autor explica:
[...] não há dúvidas de que a epidemiologia oferece ótimas ferramentas para
uma das percepções das necessidades de serviços de saúde de uma
11 O autor explica que sua indignação é composta neste momento por razões técnicas: de um lado,
entre os estigmas da hanseníase está a idéia equivocada que suprime o direito reprodutivo das
mulheres com hanseníase. De outro, há interferências medicamentosas entre as substâncias
utilizadas no tratamento e a eficácia dos anticoncepcionais orais. Por fim, entre as medicações
potencialmente úteis no manuseio dos quadros reacionais está a talidomida, substância sabidamente
capaz de provocar malformação, cujo uso só pode ser feito em mulheres quando os profissionais
estão seguros de que a paciente não tem risco de engravidar durante o tratamento (Mattos, 2001, p.
64, nota n. 5).
52
população, mas de modo algum ela oferece a única forma de caracterizar
tais necessidades, nem tais necessidades apreendidas epidemiologicamente
são mais do que, por exemplo, aquelas outras manifestas através da
demanda espontânea. Algumas ações simplesmente não podem ser
apreendidas pela dimensão epidemiológica [...]. Por sua vez, a demanda
espontânea pode ser vista como expressão de uma outra forma de percepção
das necessidades de saúde que de modo algum pode ser ignorada quando se
discute a organização de serviços de saúde. E a demanda espontânea não se
reduz a um perfil de morbidade, pois outras podem ser as razões dos que
buscam os serviços de saúde (MATTOS, 2001, p. 56).
O autor defende a idéia de que os serviços devem estar ordenados para realizar uma
apreensão ampliada das necessidades da população ao qual atendem.
Cecílio (2001, p. 117), diz que “a Integralidade da atenção como fruto de uma
articulação de cada serviço de saúde, seja em um centro de saúde, uma equipe de PSF, um
ambulatório de especialidades ou um hospital [...] e outras instituições não necessariamente
do setor de saúde” é tarefa para um esforço intersetorial. O autor parte do princípio de que a
Integralidade da atenção deve ser pensada na esfera “macro”, isto é, a (máxima) Integralidade
no espaço singular do serviço pensada como parte de uma Integralidade mais ampliada que se
realiza em uma rede de serviços de saúde ou não. Isto quer dizer que a Integralidade deve ser
pensada em rede e utilizada pelas equipes de saúde como objeto de reflexão de novas práticas
da equipe, em particular a compreensão de que ela não se dá em um lugar só; e que a melhoria
das condições de vida é tarefa para um esforço intersetorial.
Portanto, é necessário que o foco de atenção da Integralidade seja ampliado para
todos os setores dos serviços de saúde, pois muitas vezes isto acontece somente no nível
primário de atenção, sendo que a Integralidade não se realiza nunca em um só serviço, ela é
um objetivo de rede.
Nessa perspectiva Junqueira e Inojosa (Datasus, 2004), dizem que:
As estruturas setorializadas tendem a tratar o cidadão e seus problemas de
forma fragmentada, com serviços executados solitariamente, embora as
ações se dirijam à mesma criança, à mesma família, ao mesmo trabalhador e
ocorram no mesmo território e meio-ambiente. Conduzem a uma atuação
desarticulada e obstacularizam mesmo os projetos de gestões democráticas
e inovadoras. O planejamento tenta articular as ações e serviços, mas a
execução desarticula e perde de vista a Integralidade do indivíduo.
Essa realidade segundo os autores é recorrente no aparato estatal, porque as políticas
são elaboradas conforme interesses de grupos existentes no interior das instituições e não da
53
população. Contrapõe-se a essa prática setorial uma lógica que está voltada para atender a
população. Para os autores citados, a intersetorialidade nas práticas de saúde tem exigido por
parte das equipes um conhecimento dos indivíduos e grupos da população, juntamente com as
determinações sociais que condicionam suas situações de vida. Para tanto, os autores propõem
a articulação entre dois eixos: o da descentralização e o da intersetorialidade.
Para Junqueira e Inojosa a intersetorialidade está diretamente ligada à forma de
administração dos municípios e conseqüentemente das secretarias de saúde. Eles citam o
exemplo da cidade de Fortaleza - CE, que passou por uma reforma administrativa, e a
Prefeitura Municipal de Campinas - SP, as quais, partindo da descentralização e da
intersetorialidade, procuram superar a dicotomia setorial da ação concreta. Portanto, “uma
reforma administrativa tem que contemplar as necessidades dos cidadãos em sua
Integralidade” (JUNQUEIRA E INOJOSA, DATASUS, 2004).
Tomando como referência a experiência da cidade de Fortaleza, os autores apontam
a necessidade de romper com antigas e rígidas formas de organização municipal e avançar
para uma lógica que privilegie as necessidades dos cidadãos. E ainda:
Além do centro das relações entre o governo municipal e o cidadão fluir
para o âmbito local a reorganização do trabalho descentralizado e
intersetorial busca viabilizar que, nesse espaço, o munícipe retome a sua
identidade, a Integralidade de seus direitos e que o governo da sua cidade
promova o alcance de uma qualidade de vida digna da condição de cidadão
(JUNQUEIRA E INOJOSA, DATASUS, 2004).
Outros autores destacam a participação dos cidadãos como essencial não somente
nos momentos de fiscalização e controle das ações do Estado ou reivindicação dos seus
direitos, mas principalmente na formulação das políticas públicas (FERLA, CECCIM e
PELEGRINI, 2003). Esses citam o exemplo do Rio Grande do Sul, onde desde 1999, a
política de saúde foi fundada na idéia da Integralidade da atenção. Para pôr o novo modelo de
atenção em prática e garantir a intersetorialidade do sistema, algumas modificações foram
realizadas, a começar pela descentralização e estrutura horizontal das secretarias resultando
no fortalecimento das representações regionais. O planejamento, acompanhamento e
gerenciamento do sistema acompanharam a descentralização com as macrorregiões de
atenção integral à saúde.
A intersetorialidade pode se expandir para além da saúde, isto é entre as políticas,
afinal os sujeitos não podem ser vistos somente dentro de espaços institucionais isolados.
54
Mioto (2004, p. 12) ao se referir às políticas relacionadas a famílias em situação de risco
afirma ser necessário superar a focalização:
A centralidade da família é garantida à medida que com base nos
indicadores das necessidades familiares, desenvolva-se o processo de
atenção às famílias dentro dos princípios da universalidade e Integralidade
sustentada pela intersetorialidade e pela interdisciplinaridade. Dessa forma
falar de famílias e políticas públicas implica em pensar numa política de
articulação entre as políticas para que não se incorra em processos de
fragmentação e se mantenha o acesso e a qualidade dos serviços para o
atendimento de todas as famílias.
Precisamos de um esforço intersetorial para superar a fragmentação e a pontualidade
ainda tão presentes na resposta às demandas. Cecílio (2001, p. 119) nos desafia ao dizer que
“não temos nos ocupado com a questão da Integralidade de uma forma mais “completa”, pelo
menos do ponto de vista daquela pessoa concreta que, naquele momento, busca alguma forma
de assistência”. A Integralidade ampliada ou completa, conforme Cecílio (2001, p. 120),
significa uma “relação articulada, complementar e dialética, entre a máxima Integralidade no
cuidado de cada profissional, de cada equipe e de cada rede de serviços de saúde e outros”. O
cuidado das demandas individuais ou coletivas, em qualquer espaço dos serviços de saúde,
deve congregar as potencialidades e as possibilidades de outros saberes disponíveis na equipe
e em outros serviços, sejam eles de saúde ou não.
No ano de 2004 ocorreu em Brasília a 12ª Conferência Nacional de Saúde (CNS).
Em seu relatório final consta como parte integrante das diretrizes gerais a Articulação
Intersetorial das Políticas Públicas e Políticas Públicas Específicas (Reforma Agrária;
questões étnicas, culturais, sociais e ambientais; currículos escolares/formação educacional;
etc.). Integram o texto destas diretrizes os seguintes pontos:
Promover a articulação entre os serviços públicos de saúde, as instituições de pesquisa
e a sociedade, nas três esferas de governo, adotando a intersetorialidade como
estratégia fundamental no desenvolvimento de tecnologias adequadas para a redução
de iniqüidades e aumento da inclusão social, de forma a possibilitar a realização de
diagnósticos integrados, inovação de ações sobre a coletividade, processos de trabalho,
e a avaliação de resultados das ações implementadas;
Implementar ações intergovernamentais, com recursos específicos das respectivas
áreas, criando instrumentos normativos para garantir a perenidade das ações
intersetoriais, com vistas ao enfrentamento dos problemas nacionais prioritários em
55
defesa da vida;
Desenvolver políticas intersetoriais, nas três esferas de governo, assegurando o
controle social, voltadas a garantir a promoção da saúde e a qualidade de vida
envolvendo prioritariamente os seguintes setores e instituições – saúde, educação,
seguridade social, urbanismo, meio ambiente, agricultura, trabalho, cultura, esportes,
transporte, Ministério Público, justiça, segurança, assistência social, Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial (SEPIR) e Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher
(SEDIM), dentre outras;
Garantir a descentralização de recursos do governo para o desenvolvimento de ações
integradas, sustentáveis e intersetoriais, orientadas pelas características socioculturais
e geográficas, configuradas a partir dos contextos de risco apontados nos diferentes
perfis epidemiológicos e sociais, priorizando as áreas de segurança alimentar e
nutricional, saneamento básico, meio ambiente, trabalho e educação;
Criar e implementar uma agenda intersetorial para a saúde da população brasileira nas
três esferas de governo, articulando ministérios e secretarias estaduais e municipais de
saúde, segundo a natureza do problema a ser tratado;
Efetivar a Integralidade das ações que visam à promoção, proteção e recuperação da
saúde, dirigidas a todas as fases da vida e de forma abrangente para toda a população,
garantida por meio de políticas públicas sustentadas em adequado arcabouço legal e
com efetivo controle social.
Além da integração dos serviços, o relatório da 12ª CNS ressalta que “a articulação
entre os diversos ministérios é o caminho para a consolidação da Reforma Sanitária. Significa
conferir prioridade a problemas de saúde e garantir sua abordagem de forma intersetorial
como política de governo”. Deste modo, a articulação intersetorial mais próxima da área da
saúde é a efetivação de um sistema de seguridade social ativo e operante em suas diversas
esferas (RELATÓRIO da 12ª CNS, 2004, p. 43).
Ainda que a integração dos níveis e das instituições prestadoras de serviços de
atenção e cuidado resulte em maior Integralidade, seu significado é bem mais abrangente que
isto. O ideário da Integralidade é composto por um processo que se inicia na “formulação de
políticas do nível macro pelo Estado, passa pela gestão e gerência nos distintos níveis até a
produção de ações de cuidado de saúde por meio das práticas para a atenção e o cuidado dos
indivíduos” (COSTA, 2004).
56
4 O DEBATE DA INTEGRALIDADE E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL
O avanço em direção à efetivação da Política Nacional de Saúde e seus preceitos
passa necessariamente pelas práticas de planejamento, gestão e execução intermediadas pelos
recursos humanos. Daí a importância de destacar o exercício profissional como sendo um
sentido da Integralidade, lembrando que este processo se inicia na formação acadêmica a qual
é responsável por direcionar o perfil dos futuros profissionais do setor público e privado. Uma
formação voltada para a promoção da saúde, atenta aos determinantes sociais da saúde e da
doença e para o trabalho em equipe; é fundamental para o rompimento da hegemonia
biomédica. Neste capítulo, observaremos a importância destas prerrogativas, e algumas
perspectivas do exercício profissional que visam a Integralidade.
4.1 A Integralidade como prática profissional não-fragmentada
O sentido da Integralidade como prática profissional não fragmentada é entendido a
partir do exercício profissional. Ou seja, espera-se que os profissionais de saúde tenham um
olhar mais atento a seus pacientes/usuários não restringindo suas observações à relação saúde
– doença, mas interpretando os vários fatores que intervêm nela. Em suma, não fragmentar os
usuários enquanto partes de um corpo ou desvinculados de seu contexto sócio-econômico-
cultural.
De maneira geral, ao se referir à Integralidade, pode-se imaginar que isto implica
proporcionar ao usuário atendimento pleno conforme é seu direito: acesso a cuidados que vão
além da cura de uma doença, atendimento para suas necessidades psicológicas, sociais; e
profissionais atentos aos inúmeros fatores (saneamento básico, desemprego, violência e
outros) que contribuem para o surgimento de patologias, os quais com base nisto
encaminharão o tratamento do usuário conforme suas reais necessidades.
Um atendimento focado somente nos aspectos físicos pode resultar em um
diagnóstico distorcido e até mesmo em tratamento não adequado. Por isto não se pode reduzir
um sujeito, que é atravessado por diversas determinações, a um corpo ou às doenças que é
acometido. É preciso ir além deste olhar, vejamos:
57
O conceito de doença constitui-se a partir de uma redução do corpo humano,
pensado a partir de constantes morfológicos e funcionais, as quais se definem
por intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia. A doença é
concebida como dotada de realidade própria, externa e anterior às alterações
concretas do corpo dos doentes. O corpo é assim desconectado de todo o
conjunto de relações que constituem os significados da vida (Mendes
Gonçalves, 1994), desconsiderando-se que a prática médica entra em contato
com homens e não apenas com seus órgãos e funções (Canguilhem, 1978)
(CZARINA, 2003, p. 41).
Pelo fato de o médico ser tradicionalmente reconhecido pela população como o
profissional de saúde por excelência, e por ter contato com as pessoas em situação de doença,
além de, também, por pertencer a uma categoria de profissionais que juntamente com
enfermeiros e outros trabalhadores da saúde estiveram à frente do Movimento Sanitário, as
referências que se encontram estão ligadas às suas práticas ou como elas deveriam ser
inclusive com relação à Integralidade. Com relação a isso Mattos (2001, p.50) diz que:
A atitude de um médico que diante de um paciente busca prudentemente
reconhecer, para além das demandas explícitas relacionadas a uma
experiência de sofrimento, as necessidades de ações de saúde, como as
relacionadas ao diagnóstico precoce ou à redução de fatores de risco, ilustra
um sentido da Integralidade profundamente ligado aos ideais da medicina
integral. Sentido que pode ser facilmente estendido para além das técnicas
de prevenção. A abertura dos médicos para outras necessidades que não as
diretamente ligadas à doença presente ou que pode vir a se apresentar –
como a simples necessidade da conversa – também ilustra a Integralidade.
Podemos facilmente reconhecer que as necessidades dos que buscam
serviços de saúde não se reduzem à perspectiva de evitar tal sofrimento [...].
Nesse sentido o autor alerta que obviamente não só o médico, mas todos os
profissionais envolvidos no processo de atenção a saúde devem desenvolver uma prática
integral e escreve:
[...] Quando um agente comunitário que segue rumo a suas visitas
domiciliares se defronta com o convite de um morador para uma prosa
sobre um problema que o aflige, ele pode aplicar não a medicina integral,
mas a Integralidade. Quando esse mesmo agente, no cumprimento de suas
funções de pesar as crianças com menos de 24 meses, busca ativamente nas
crianças da casa (que não podem ser pesadas com a balança portátil que
leva) os indícios de carência nutricional, também põe a Integralidade em
prática. Ou quando um funcionário de um pronto – socorro se preocupa em
informar a um acompanhante que ficou fora da sala de atendimento a
evolução de um paciente [...] A Integralidade, mesmo quando diretamente
ligada à aplicação do conhecimento biomédico, não é atributo exclusivo
58
nem predominante dos médicos, mas de todos os profissionais de saúde
(MATTOS, 2001, p.51).
É, portanto, uma responsabilidade de todos os profissionais da saúde estabelecer um
contato e até mesmo vínculo com o usuário objetivando contribuir para a superação do
problema apresentado. Caso contrário poderá ocorrer resistência por parte do usuário à
intervenção profissional sobre a realidade social, seu corpo, mente e vontade; e seu
envolvimento parcial, em decorrência de aspectos que lhe são desagradáveis ou lhe agridem a
sensibilidade, pode fazer com que grande parcela dos serviços produzidos resultem em
fracasso (CAMPOS, 2006).
Outro ponto a ser observado com relação à prática profissional na área da saúde,
principalmente saúde pública é o dos atendimentos rápidos devidos à grande demanda, o que
impede uma relação mais estreita ou o estabelecimento de um vínculo entre paciente/usuário e
profissional. Este aspecto foi destacado em uma pesquisa documentada por Pinheiro (2001, p.
83), onde a dificuldade de ouvir as demandas dos usuários e de reconhecê-los como sujeitos
com desejos, temores e crenças, não são observados, o que pode até mesmo provocar danos à
vida do usuário:
A relação médico-paciente foi apontada por unanimidade pelos atores
entrevistados como sendo um dos principais problemas na difícil equação
entre demanda e oferta nos serviços de saúde prestados nas instituições. A
gênese dessa problemática reside no fato de as relações pessoais serem
pouco valorizadas nas ações de saúde, seja como recurso terapêutico no
processo de cura dos pacientes seja como elemento de interseção nas
relações entre usuário/profissional, usuário/serviço e profissional e serviço.
O estabelecimento de vínculos entre o profissional e a pessoa que ele atende é
essencial nos atendimentos de saúde. Um exemplo disto pode ser a confiança que o usuário
deposita no médico ou em qualquer outro profissional. Confiar em alguém desconhecido é
decorrente de um processo de conquista, de formação de vínculo e principalmente de
liberdade e igualdade nas relações. Se não houver confiança por parte do usuário, na mesma
proporção, não existirá a colaboração do mesmo, fator essencial para a cura. (COSTA, 2004).
Silva Jr. (2003, p. 122) colabora com essa idéia dizendo que “a dificuldade de ouvir
as demandas dos pacientes e de tratá-los como outro sujeito, com desejos, crenças e temores
tem sido a causa de inúmeros fracassos na relação entre os trabalhadores de saúde e a
59
população”. Merhy (1998) citado por Silva Jr. afirma que de modo geral, os usuários “não
reclamam da falta de conhecimentos tecnológicos no seu atendimento, mas da falta de
interesse e de responsabilização dos serviços”, o que os deixa, inseguros, desinformados,
desamparados, desprotegidos, desrespeitados e desprezados.
Campos (2006) ao sugerir alguns pontos sobre a reforma da prática profissional em
saúde afirma:
Na assistência individual o sujeito que sofre algum tipo de intervenção é
quase que sempre tomado como se fosse um objeto inerte e passivo, como
um ser incapacitado de esboçar qualquer reação, positiva ou negativa, às
ações do agente que trata da cura. Ou seja, a relação profissional/cliente é
concebida como um intercâmbio entre um sujeito potente – geralmente o
médico – e um objeto suposto de ser dócil, ativo apenas quando presta
informações necessárias ao diagnóstico e de quem se espera “servidão
voluntária”. A própria denominação “paciente”, que é usualmente atribuída
ao doente, já é um dado revelador do sentido principal dessa relação:
paciente significa “aquele que possui a virtude de suportar os sofrimentos
sem queixa” (CAMPOS, 2006, p. 181).
O autor completa sua crítica observando a postura assumida pelo doente no processo
de cura, onde o mesmo não passa de simples informante, afinal lhe é retirado o direito de falar
e nunca lhe é garantido o uso da palavra para a advertência ou para manifestar sua vontade e
opinião. Desta maneira, fica claro que o engessamento das práticas no modelo positivista,
biologicista e mecanicista, exclui as dimensões sociais e subjetivas resultando em um
desconhecimento da influência decisiva na história da doença. Esta atitude ignora que a
vontade de cura, ou de adoecer e morrer varia de paciente para paciente e que estes são
elementos essenciais para o estabelecimento de processos de diagnóstico e de terapêuticas
eficazes (CAMPOS, 1990 apud CAMPOS, 2006).
Na perspectiva dos usuários a Integralidade é associada ao tratamento digno,
respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo. Esses sentidos se aproximam da idéia de
Integralidade defendida pelos estudiosos do LAPPIS, como sendo um termo plural, ético e
democrático.
Costa (2004) ao falar acerca do significado de tratar (referindo-se ao cuidado em
saúde), diz que podemos interpretar a palavra cuidar como tratar corretamente e que isto
implica em reconhecimento do outro no modo como os profissionais ocupam seu lugar na
relação com o usuário. A autora sugere que uma postura de empatia, expressa na maneira de
falar, livre de coerção, inclusive no fato de não obrigá-lo a aceitar medidas, condutas ou
60
prescrições decididas por quem o atende; façam parte do contato que se estabelece entre
ambos.
O diálogo é um importante instrumento no estreitamento das relações entre
profissionais e usuários; ele constitui segundo Costa (2004), ao se referir à relação médico-
paciente, parte do tratamento cuidadoso e domina uma dimensão decisiva de toda a ação
médica. O diálogo humaniza a relação entre diferentes indivíduos e permite a aproximação e
confiança, aspectos necessários no processo de cura. A autora complementa suas análises
destacando que o médico não pode se prevalecer do seu poder e pretender dominar o paciente;
ele deve restringir-se a aconselhá-lo e auxiliá-lo. “O tratamento requer liberdade de decisão ao
doente e não somente que se formulem prescrições e se definam procedimentos e exames”.
Autores como Schraiber (2004) fazem uma ligação entre a questão da ação
profissional junto aos usuários e a atuação do profissional como parte da equipe de trabalho.
A autora afirma ser necessário romper com a total independência profissional de decisão para
compartilhá-la com outros profissionais. Outros autores dizem que a incapacidade dos
profissionais de aglutinarem suas visões em um só núcleo de discussão comum dos casos,
acaba desfocando a Integralidade do usuário, por formarem-se várias visões fragmentadas
acerca de um mesmo caso.
Silva Jr. (2003) colabora com o pensamento de Schraiber, pois acredita que uma
abordagem ampla das situações de saúde-doença não envolve somente o olhar do profissional
sobre o usuário, mas a própria interação da equipe, por isso alguns autores defendem o
estabelecimento de uma referência na equipe para o usuário, como por exemplo, que um ou
mais profissionais possam estabelecer uma relação com o mesmo e deste modo acompanhar e
estudar sua maneira de viver e interpretar suas demandas.
Em concordância com os autores acima está também Campos (2006, p. 187) ao
afirmar “que a eficácia da ação de todos os profissionais da saúde, no seu campo específico,
sempre depende, em diferentes medidas, da incorporação e da utilização” de noções como a
da psicanálise entre outras; “e que para o processo de cura é fundamental o envolvimento
absoluto do paciente”. Além do manejo da anatomia, da fisiopatologia, da semiologia e da
farmacologia, deveriam fazer parte das habilidades básicas e de saberes técnicos dos
profissionais de saúde conceitos ampliados sobre as relações sociais, a psicologia, os
determinantes sociais da saúde e da doença, a promoção à saúde; ou seja, uma integração
entre as ciências da saúde e as ciências sociais (e todo o campo considerado subjetivo).
61
4.2 A Integralidade como trabalho em equipe
A institucionalização do conhecimento foi tomada a partir do século XX como
orientadora da formação profissional e trouxe consigo a fragmentação. Na segunda metade do
século XX há a tentativa de incorporar o social de forma mais sistematizada, o que
contribuiria para o entendimento dos processos de saúde-doença e das práticas de saúde não
somente no modelo biológico e hospitalocêntrico. Era o início da busca por relações
interdisciplinares, a partir da medicina, que incorporam variáveis e fatores sociais, são
exemplos disto a Medicina Integral e a Medicina Social. Enquanto no primeiro modelo
procurava-se uma convergência no nível do indivíduo, na Medicina Social o projeto é buscar
os determinantes sociais numa perspectiva analítica (NUNES, 1995).
Nunes (1995, p. 109) nos diz que diversas foram as referências utilizadas a partir dos
anos de 1970 para compreender a saúde:
Fatores estruturais, como o desenvolvimento econômico, ou as forças
produtivas e as relações de produção, passam a ser importantes referências
conceituais para se entender a saúde, estabelecendo-se uma análise crítica,
especialmente a partir da segunda metade dos anos 70, aos modelos teórico-
conceituais derivados do funcionalismo e divulgados pela Sociologia Médica
norte-americana. [...] A Saúde Coletiva como temática e como campo de
práticas teóricas, pedagógicas e técnicas torna-se o objetivo de estudiosos,
especialmente a partir do início dos anos 80.
Desde então há a busca por uma integração entre as disciplinas que compõe o quadro
de influências sobre a saúde, desde a Física até a Epidemiologia, a Psicologia, a Antropologia,
a Ética, a Educação, a Genética, a Ciência Política, a História, etc.
Porém, em meio a todos esses saberes há campos de conhecimento que não se
comunicam, e segundo Morin (1988) citado por Nunes (1995, p. 110) “entre todos estes
fragmentos separados há uma zona enorme de desconhecimento”. Ao passo que se promove a
articulação das competências uma vez em “domínios disjuntos” gera-se a possibilidade de
formar “o anel completo e dinâmico, o anel do conhecimento”.
Quando transpomos toda essa construção para a área da Saúde Coletiva, onde o
objeto - a saúde - exige dos profissionais uma atenção e visão multifacetadas para apreender
62
as demandas, compreendemos a interdisciplinaridade como um “horizonte necessário
12
e que
para alcançá-lo é essencial romper barreiras historicamente construídas, como por exemplo, a
prioridade das ciências biomédicas em detrimento do social, desde a formação dos
profissionais, o que se reflete também no campo de trabalho e na capacitação e gerenciamento
dos recursos humanos.
Na arena da saúde comumente encontramos o trabalho em equipe, inclusive quando
nos reportamos a esta área é difícil imaginar um hospital funcionando apenas com
enfermeiros ou fisioterapeutas. As ações de saúde exigem prioritariamente a equipe de
trabalho que na confluência de saberes opera suas atividades, este trabalho é uma expressão
da interdisciplinaridade a qual proporciona criatividade e avanço e é considerada uma prática
essencial à Integralidade em saúde, pois, deste modo, as demandas atendidas serão observadas
a partir de diferentes focos, e as respostas dadas serão voltadas para uma visão integral.
Com relação ao trabalho em equipe Meirelles (1998, p. 15), apud Nogueira (1998, p.
42) considera:
A equipe como um grupo de pessoas, que desenvolve um trabalho de forma
integrada e com objetivo comum, com interdependência, lealdade,
cooperação e coesão entre os membros do grupo, a fim de atingirem maior
eficácia nas suas atividades. Esta equipe é construída pelos seus membros,
que trabalham de forma dinâmica suas emoções, sentimentos e expectativas
até atingirem equilíbrio e participação verdadeira de todos os membros do
grupo nas ações.
Atualmente, tem-se ouvido muito sobre a troca de saberes e o intercâmbio de
informações entre as áreas profissionais, isto favorece o trabalho das equipes e recebe o nome
de multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
Mas essa forma de trabalho não é tão recente, pois desde a década de 1960 o tema da
interdisciplinaridade integra a agenda de discussões e publicações de importantes trabalhos
apoiados pela UNESCO como também a realização de seminários. Na década seguinte, o
tema foi alvo de um seminário realizado na Universidade Federal do Pará intitulado
Interdisciplinaridade nas Ciências Sociais; e na década de 1980 ganhou destaque devido à
implantação do Sistema Único de Saúde que enfoca assistência integral, e supõe a ação
interdisciplinar (NOGUEIRA, 1998, p. 41).
Desde suas primeiras contribuições, os estudos sobre a interdisciplinaridade tiveram
12 Expressão entre aspas utilizada por Nunes (1995, p. 111).
63
destaque tanto para a área da saúde como para a social, verifica-se deste modo, a atualidade
deste tema e sua importância nas práticas de saúde. Entende-se que uma postura
interdisciplinar vai além da integração dos profissionais que atuam em um mesmo espaço; ela
atinge a busca por ações integradas na prestação de serviços, a associação da docência e
serviço ou a questão de interface entre o biológico e o social (NUNES, 1995).
O trabalho em equipe desenvolvido a partir da interdisciplinaridade “promove a
troca de informações e de conhecimento entre disciplinas, mas, fundamentalmente, transfere
métodos de uma disciplina para outras” (RODRIGUES, 2000, p.126). Por isso, sugere um
intercâmbio entre as disciplinas o que promove interlocução por meio de áreas de
conhecimento como também impede que os saberes se cristalizem em si mesmos.
Japiassu (1976) citado por Nunes (1995, p. 97) ao falar sobre a origem da
interdisciplinaridade diz o seguinte:
O fenômeno interdisciplinar tem dupla origem: uma interna, tendo por
característica essencial o remanejamento geral do sistema de ciências, que
acompanha seu progresso e sua organização; outra externa, caracterizando-
se pela mobilização cada vez mais extensa dos saberes convergentes em
vista da ação.
Nunes (1995) afirma que a interdisciplinaridade é uma tentativa de sair da
compartimentalização e nos alerta para que a questão não pode se tornar uma corriqueira
simplificação de interligar conhecimentos. Além do plano do conhecimento ou da teorização
deve-se levar em consideração o domínio da intervenção efetiva no campo da realidade social.
Encontra-se ainda um novo conceito, o da trandisciplinaridade que “instala-se na
interação entre sujeito e objeto, na compreensão de que a realidade é multidimensional e na
compreensão do que Rodrigues chama de um jogo de exclusão-inclusão” (RODRIGUES,
2000, p.129). Rodrigues (2000, p.131), ainda acrescenta que “as disciplinas precisam
reassumir os sujeitos sociais (em contraposição à exclusão do sujeito) em sua Integralidade;
não eliminar de seu pensamento, de sua epistéme, a alma, o conteúdo, as emoções, o
sofrimento; não eliminar o vivente”.
O trabalho multidisciplinar é outro modo de abordagem utilizado pelas equipes.
Segundo Rodrigues (2000, p.126), caracteriza-se sendo:
[...] estudo de um mesmo objeto por várias disciplinas; não há necessidade
de integração entre elas, uma vez que cada qual concorre com seus
conhecimentos específicos no estudo de determinado assunto, podendo, no
64
máximo, resultar em certa organicidade de apresentação dos resultados ou de
contribuições. São visíveis os níveis de cooperação das diferentes disciplinas
e também a peculiaridade produzida pela conseqüente orientação dos
conhecimentos envolvidos naquele estudo.
Mais comumente encontramos equipes de trabalho em saúde focadas na
multidisciplinaridade e na interdisciplinaridade; mas pode-se notar que a idéia de
transdisciplinaridade tem muito a contribuir na Integralidade da saúde.
Na área da saúde, o trabalho em equipe se destaca por contribuir no diagnóstico do
usuário, pois a partir de vários olhares profissionais e da troca de conhecimentos específicos
torna-se mais completa a abordagem e a compreensão da demanda trazida pelo mesmo, e
conseqüentemente a resposta dada será completa às suas necessidades não somente físicas
como sociais e psicológicas.
A falta de comunicação entre os profissionais das equipes de trabalho é um fator
negativo que pode acarretar prejuízos para as pessoas atendidas, como ações sobrepostas,
repetidas e até mesmo desnecessárias, causando grandes transtornos aos usuários. Por isso é
fundamental buscar no conhecimento dos membros da equipe as abordagens mais adequadas
à condução dos casos.
As equipes de saúde estão muitas vezes atentas somente ao histórico trazido pelos
usuários por meio dos relatos e dos exames realizados anteriormente; porém não se detêm no
fato de que a ênfase nestes procedimentos e a incapacidade de produzir núcleos comuns de
discussão do caso produzem e reproduzem visões fragmentadas, desfocando a Integralidade
do paciente/usuário. O esforço da construção de um eixo comum entre os profissionais onde o
usuário é o centro da atenção e das ações dos profissionais é um desafio para as equipes.
(SILVA Jr., MERHY e CARVALHO, 2003).
Cecílio (2001, p. 115) contribui dizendo que:
É possível adotar a idéia de que a Integralidade da atenção precisa ser
trabalhada em várias dimensões para que seja alcançada da forma mais
completa possível. Numa primeira dimensão, a Integralidade deve ser fruto
do esforço e confluência dos vários saberes de uma equipe
multiprofissional, no espaço concreto e singular dos serviços de saúde,
sejam eles um centro de saúde, uma equipe de Programa de Saúde da
Família (PSF) ou um hospital. Poderíamos denominá-la “Integralidade
focalizada”, na medida em que seria trabalhada no espaço bem delimitado
(focalizado) de um serviço de saúde.
65
Camargo Jr. (2003, p. 39), colabora com a idéia citada acima ao escrever que o
trabalho interdisciplinar e multidisciplinar é fundamental, pois indivíduos isolados, ou mesmo
categorias de profissionais inteiras, no olhar do autor, são limitados para atender as
“demandas apresentadas pelos sujeitos que sofrem”. Aos profissionais cabe ter uma postura
de “compreensão ampliada dos determinantes do processo de saúde-doença, até para evitar a
tentação de atuar para além das fronteiras de sua competência técnica”.
Desta maneira, diante dos conhecimentos expostos, e ao assistir à crescente
fragmentação dos campos de saber, os estudiosos verificam que a discussão da
interdisciplinaridade ou da multidisciplinaridade não pode mais ser adiada e que é de suma
importância para a efetivação de um sistema de saúde pleno no desenvolvimento de seus
pressupostos. Para isto torna-se preciso ultrapassar as barreiras epistemológicas,
institucionais, psicossociológicas e culturais, ou seja:
Os primeiros são dados pelo fato de as disciplinas se tornarem auto-
suficientes e presas em suas especialidades. Obstáculos institucionais são os
estabelecidos quando ocorre a separação de cada disciplina num campo
administrativo isolado. Os psicossociológicos reforçam a separação e
transformam cada especialidade numa verdadeira fortaleza. Finalmente, os
obstáculos culturais são os criados pelas próprias condições que formulam o
conhecimento iniciado naquele campo (GUSDORF, 1977 apud NUNES,
1995, p. 108).
Vale lembrar a responsabilidade designada à formação profissional voltada para o
trabalho em equipe, pois as propostas de uma formação multiprofissional/interdisciplinar já
estão postas como realidade em nossa sociedade para a área da saúde, sendo que não há mais
espaço para qualquer invocação contrária. Ceccim (2005, p. 259) afirma que a “prova disto é
a constância da designação do trabalho em equipe em qualquer circunstância propositiva da
elevação da qualidade do trabalho e da formação em saúde”. O trabalho em equipe é
regulamentado e orientado pelas diretrizes para a formação dos profissionais, pois consta nas
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação da grande área da saúde, e
também, nos Princípios e Diretrizes para a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
para o SUS.
O trabalho em equipe é uma imposição da própria sociedade. Porém, os conflitos
entre os profissionais ou categorias profissionais é um elemento presente no cotidiano. Por
isso Ceccim (2005, p. 260) sugere que de antemão se negocie “em cada realidade os modos,
meios, processos e dinâmicas para a sua efetivação”.
66
Ceccim (2005, p. 271) ao falar sobre a postura das equipes escreve que a equipe
“deveria ser objeto de fundação do trabalho em saúde, lugar de experiência profissional e
ferramentas de apropriação de saberes e práticas e de transformação”. O autor acrescenta:
Como lugar de experimentação, experiência, apropriação e de transformação
e, sendo o território de responsabilização pela terapêutica, a equipe deve ser
cenário de proteção e não de ameaças, invenção do trabalho protegido e não
reposição de rivalidades corporativas. Em lugar do caráter restritivo do
trabalho entre múltiplos profissionais, o desafio do trabalho protegido pela
equipe multiprofissional.
Frente a estes desafios de se desenvolver uma equipe que efetivamente atue em
harmonia, Teixeira e Nunes (2006) afirmam que para cumprir com a reciprocidade e
mutualidade exigidas, é preciso desenvolver relações sociais horizontais contrapostas às
propostas pelo modelo assistencial de saúde tradicional biomédico hegemônico. Isto significa
ouvir e processar o que o outro diz, pensa e conhece; e ainda, trabalhar a partir da ótica do
outro, introjetar novos conhecimentos, para então produzir práticas inovadoras e criativas.
Para tanto, é exigida uma postura de visão de mundo diferenciada, ou seja, uma visão pautada
na totalidade.
Destarte, observamos que essa discussão desemboca no tema proposto neste
trabalho, um modelo amplo de assistência à saúde, isto é, identificado com o paradigma
sanitário com vistas à atenção integral tendo como objetivo máximo a cidadania. Já que
trabalhamos a partir de uma ótica onde o adoecimento é resultante de determinantes sociais e
que este mesmo processo transforma a visão de indivíduos doentes para sujeitos sociais, nossa
prática e conhecimento também terão que mudar. Faz-se necessária a troca de saberes, o
intercâmbio entre os setores; sendo que uma única modalidade profissional não dará conta da
realidade social posta (TEIXEIRA e NUNES, 2006).
Além disso, as ações das equipes de saúde na efetivação de suas práticas, as quais
requerem o exame crítico, tanto de seu modo de agir e de seus processos de trabalho, como na
busca da desfragmentação de seus saberes e práticas sem perder suas especificidades (Gomes,
Pinheiro e Guizardi, 2005), são aspectos desafiadores para a superação das rotinas, dos
protocolos instituídos, da “automatização” cotidiana.
67
4.3 A Integralidade na formação profissional
A Integralidade na formação profissional é um dos sentidos que se encontra em
destaque na pauta das discussões sobre o tema, por ser o responsável pela reflexão no âmbito
acadêmico.
Campos (2006) critica a formação dos profissionais de saúde no Brasil, pois em sua
opinião tal formação reforça a postura biomédica tradicional. Segundo o autor o ensino (da
medicina) está voltado para que os futuros profissionais abordem seus usuários com uma série
de procedimentos técnicos, o mais objetivos possível; sem considerar as interfaces do social e
da subjetividade de cada paciente. Campos (2006, p. 183) sugere que os profissionais
desenvolvam uma “atenção hábil e sistemática”, afinal os dados subjetivos tão desprezados,
estão no cerne da prática médica e podem ser tornados mais objetivos deste modo.
A formação profissional é uma questão que está diretamente ligada à busca de
práticas integrais em saúde, pois o “debate sobre a Integralidade facilita a perspectiva de
novas abordagens que contribuam estrategicamente para a organização dos serviços e dos
processos formativos” (HENRIQUES e ACIOLI, 2005, p. 298).
Os estudos têm indicado que para se ter profissionais atuando com base em práticas
integrais há a necessidade de uma formação acadêmica voltada para a Integralidade ou de
capacitação continuada para os profissionais já inseridos nos serviços. Essa questão já está
sendo repensada no meio acadêmico, pois muitos profissionais estão sendo formados sem
noção do que esta prática verdadeiramente significa ou como funciona. Muitas universidades
julgam ter currículos que instrumentalizam seus acadêmicos à Integralidade pelo simples fato
de desenvolverem determinadas atividades em comunidade, quando se deveria compreender a
Integralidade como uma prática a ser construída que se traduz em uma abordagem completa
do profissional para com o usuário. Pinheiro (LAPPIS, 2004) diz que:
Se pegarmos currículos da graduação, por exemplo, muita gente se acha
‘integral’ só porque põe o aluno duas horas por semana para trabalhar na
comunidade da favela. Não é isso! Falamos de um conjunto de práticas que
defendem um grupo de valores que precisam ser exercitados dia-a-dia. E, no
caso da formação, é preciso que haja ferramentas pedagógicas que dêem ao
aluno condições para desenvolver habilidades e saber manejar o cuidado em
saúde como um valor e um instrumento da construção da Integralidade. Eu
trabalho a Integralidade como uma construção em dois planos, o sistêmico e
o individual. Um está relacionado com a atenção como política e a rede de
serviços de saúde; o outro tem a ver com a questão do cuidado, com a
incorporação de novas tecnologias assistenciais que prestam atendimento de
68
qualidade ao usuário.
Vê-se, portanto, que a reforma curricular é uma mobilização favorável à elaboração
de currículos que respondam ou estejam condizentes com as necessidades de saúde do país,
esta é a proposta do Ministério da Saúde com o Aprender SUS
13
. Nesta perspectiva, o eixo
condutor da discussão é a Integralidade, e para fomentar este trabalho o primeiro passo
conforme Feuerwerker (2004) é incentivar as pessoas a desenvolverem experiências que
busquem construir uma formação direcionada para a Integralidade, o que como já é sabido
envolve trabalhar com um conceito amplo de saúde, com a idéia de equipe, pôr as
necessidades do usuário no centro da atenção, isto é, no centro do pensamento, da produção,
do cuidado e da organização dos serviços. “Precisamos partir da construção, da
experimentação para produzir conhecimento em torno da Integralidade tanto do ponto de vista
da organização das práticas como da formação” (FEUERWERKER, LAPPIS, p. 2).
Henriques e Acioli (2004, p. 297), ao se referirem às relações entre profissional e
usuário e sua conexão com a formação profissional, enunciam:
Parece claro que toda a produção sobre o cuidado na saúde [...], de modo
geral, traduz um real desejo de garantir que esse momento de relação entre
profissional de saúde e o paciente seja momento de diálogo ético na
interação de ambos os sujeitos. No entanto, tal relação precisa se traduzir em
elementos concretos, desde o espaço da formação profissional, no qual a
produção do cuidado envolve múltiplos sujeitos e precisa ser compreendida a
partir da incorporação de ferramentas de diferentes áreas do conhecimento.
Principalmente precisa ser experimentado ao longo da formação, como
espaço de interação dos saberes que considerem os diferentes fatores
produtores do sofrimento que gerou a necessidade do cuidado, bem como
das práticas colocadas para aliviar aquele sofrimento.
As autoras supracitadas sinalizam um caminho para os profissionais e equipes
superarem tais dificuldades. Elas afirmam que há a necessidade de desenvolver processos de
trabalho capazes de lidar com problemas complexos presentes no cotidiano da sociedade e
que se traduzem nas dificuldades trazidas pelos usuários nos atendimentos. Neste sentido, há
também a necessidade de os profissionais terem um olhar ampliado e que compile saberes em
favor dos usuários. Com relação à formação profissional, ações como a ampliação no tempo
13
“O Aprender SUS é a tradução do desejo do Ministério da Saúde de estabelecer um diálogo
organizado com o setor da educação para construir um perfil de formação profissional que dialogue
com as necessidades de atenção à saúde no país” (FEUERWERKER, LAPPIS, 2004, p. 1).
69
de estágio, o incentivo à pesquisa e outras que ampliem a integração dos alunos com a
realidade favorecem este processo.
Oliveira (2005, p. 308), apresenta ferramentas utilizadas para superar as lacunas da
formação profissional chamadas “cenários diversificados no ensino-aprendizagem”, que têm
por objetivo “ampliar a atuação dos territórios e das práticas em saúde”, por meio das
interfaces entre: “métodos didático-pedagógicos, áreas de práticas e vivências, utilização de
tecnologias e habilidades cognitivas e psicomotoras, valorização dos preceitos morais,
filosóficos e éticos, processo de trabalho, deslocamento do sujeito e do objeto”. Deste modo,
o processo ensino-aprendizagem pode ser compreendido como uma proposta de mudança e,
enfim, apresenta-se “como uma questão de processos inseridos cotidianamente”.
Um aliado nesse percurso tem sido o já citado LAPPIS, que apóia e contribui para o
desenvolvimento das novas experiências, através de material informativo, laboratórios e
importantes pesquisas que têm mapeado experiências de práticas de Integralidade em saúde
por todo o Brasil. O LAPPIS tem como pressuposto a condição de que as elaborações sejam
uma construção coletiva das várias profissões da saúde e articuladas com uma proposição de
mudança. Além de reformulações nos currículos de cursos superiores, o olhar do LAPPIS
também está voltado para a residência, segundo Feurerwerker (2004), “este é o mote do
diálogo que está se abrindo”.
Acioli (LAPPIS, 2004, p. 05) escreve:
Percebemos a Integralidade como uma das bases conceituais mais
importantes dentre os princípios do SUS, como estruturante no processo de
atenção à saúde. E por isso tão difícil de ser implementada. Formamos
pessoas que estão sendo preparadas e orientadas para cuidar de outras
pessoas. E como você vai cuidar do pedaço de alguém, sem considerá-lo de
uma maneira mais ampla e integral, de acordo com o contexto – familiar,
físico e também subjetivo? Para formar pessoas nesse sentido, temos que
tentar articular a razão com o sensível. Porque estamos falando de coisas
que não são dadas no prontuário nem na entrevista, são percebidas aos
poucos, requerem um processo de superação e convívio. E nem sempre os
serviços de saúde estão organizados para isso. Atingir isso é muito difícil,
principalmente porque, em geral, as unidades acadêmicas são muito
isoladas, tanto dos serviços quanto entre si. Queremos que as pessoas
trabalhem em equipe, mas não exercitamos quase nada em equipe. Isso é
um nó para a formação.
Acioli também comenta a experiência vivenciada na Faculdade de Enfermagem da
UERJ onde “o projeto político-pedagógico, tem como missão formar enfermeiros que tenham
70
capacidade de perceber as necessidades individuais e coletivas; trabalhar a partir dos
pressupostos e no contexto do SUS
14
”.
Oliveira, Koifman e Marins (2004), descrevem a experiência vivenciada no
Departamento de Saúde da Comunidade da UFF
15
, e afirmam que a aprendizagem a partir da
busca da Integralidade, da formação humanista do médico, do compromisso social e
comportamento ético, que atualmente são alguns dos objetivos da faculdade, passam por uma
aprendizagem de caráter participativo, trabalho nos serviços de saúde, o que motiva a
compreensão crítica da realidade.
14
Todo o processo de reforma curricular da Faculdade de Enfermagem da UERJ é descrito por
Henriques e Acioli no livro: Cuidado, as fronteiras da Integralidade de Roseni Pinheiro e Rúben
Araújo Mattos, 2004, p. 293-305.
15
Essa experiência é descrita no livro citado acima das páginas nas 307-319.
71
5 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL PARA A
DISCUSSÃO DA INTEGRALIDADE EM SAÚDE
A teoria crítico-dialética tem centralidade teórico-metodológica no Serviço Social a
partir do chamado Movimento de Reconceituação iniciado em meados da década de 1960 não
somente no Brasil, mas em toda a América Latina. Dada esta influência, justifica-se o novo
direcionamento tomado pela profissão em relação à revisão do Código de Ética e à
formulação das Novas Diretrizes Curriculares.
Dessa maneira, observamos que a profissão ao se inserir nas discussões sobre
Integralidade em saúde deve partir de sua própria construção profissional para alicerçar suas
contribuições, fazendo referência a seu projeto ético-político, o qual se fundamenta na
perspectiva crítica. Retomar tais balizas se faz sempre necessário para responder a questões
advindas frente a novos temas, afinal compreendemos que a profissão tem referenciais bem
firmados que como bússolas apontam o caminho a ser seguido.
A estruturação desse capítulo está voltada para a discussão da matriz teórica
fundamental do Serviço Social, a crítica dialética, com destaque para o método marxista e a
ênfase em categorias basilares neste processo. A categoria da totalidade ganha evidência nesse
processo, por ser compreendida como central e nas palavras de Löwy (1989) como a única
capaz de abordar os fenômenos sociais com rigor e profundidade.
A teoria crítica foi o marco teórico sustentador do Movimento de Reconceituação do
Serviço Social e influenciou as mudanças e rupturas ocorridas a partir deste processo de
repensar a profissão no Brasil e na América Latina. Por isto, trazemos brevemente neste
capítulo a trajetória deste período de tomadas de decisões que direcionaram e deram
sustentabilidade aos rumos que a profissão viria a seguir.
Destarte, procuramos na finalização do capítulo sugerir algumas contribuições do
Serviço Social para a discussão da Integralidade em Saúde.
5.1 Considerações acerca dos elementos da teoria crítica
A perspectiva crítica tem lugar privilegiado no Serviço Social. Ela é a base teórica
norteadora da profissão desde o Movimento de Reconceituação iniciado em 1965 que envidou
72
esforços para superar a segmentação metodológica existente (Montaño, 2000). A perspectiva
crítica presente na teoria marxista trouxe elementos fundamentais para pensar as ações
profissionais dos Assistentes Sociais.
Marx, ao compor suas obras inspirou-se na filosofia clássica alemã, e também na
economia clássica inglesa, na luta de classes e na teoria do valor trabalho
16·.
Estas influências,
ou seja, os estudos das idéias mais avançadas, dos sistemas filosóficos e das teorias
econômicas e sociais, farão com que Marx procure exaustivamente o fio condutor que o leve
ao conhecimento pleno da dinâmica das sociedades modernas (Malagodi, 1988).
O materialismo dialético é questão central nos estudos de Marx. Lukács (1968),
referindo-se ao materialismo dialético escreve que Marx e Engels o elaboraram em oposição
às diversas tendências da ideologia burguesa de seu tempo e contra certas correntes do
incipiente movimento operário, que ainda não podiam se libertar da influência burguesa.
Malogodi (1988) define a importância do materialismo dialético a partir de três
pontos:
O materialismo dialético é o resultado de grandes transformações sociais e políticas e
do grande desenvolvimento cultural e econômico que constituíram a revolução
burguesa;
Ele significa também, o ponto de partida de uma nova revolução na história da
humanidade, a revolução socialista ou proletária;
E por último, o materialismo dialético promoveu uma revolução na própria forma de
fazer ciência.
O mesmo autor afirma ainda que a dialética é o movimento pelo qual as realidades
sociais se desdobram e dão origem a novas realidades. É algo inerente ao movimento da
história; e é também, a concepção metodológica que permite captar este movimento no que se
refere ao passado e ao presente.
Segundo Ianni (1988) a teoria marxista da realidade é fundamentalmente uma teoria
crítica radical da sociedade capitalista. Marx estava comprometido com o conhecimento da
realidade. Ianni escreve:
Ocorre que a dialética não é apenas uma forma de pensar. É um modo de
ser; ou melhor, o modo de ser do real. O mundo dos fatos e acontecimentos
é um mundo dialético. Cabe ao pensamento – em forma dialética tão
aprimorada quanto possível – apanhar a dialética do real. É a realidade
social que é dialética. Marx apanhou a dialética do real em sua forma mais
desenvolvida (o capitalismo) (IANNI, 1988, p. 147).
16 Notas em aula ministrada pela Profa. Dra. Ivete Simionatto em 20/06/2006.
73
Conforme Ianni (1988), a dialética engloba relações, processos e estruturas
constitutivas dos fatos. Esse é o âmbito no qual se expressam as diversidades, as hierarquias,
as desigualdades, as divisões e outras formas de relações de antagonismo e contradição. É no
momento da reflexão sobre o real, que o pesquisador descobre as contradições que fundam o
movimento desse real.
Marx elaborou, simultaneamente, o método de análise e interpretação do capitalismo
(LÊNIN citado por IANNI, 1982, p. 8). Isto fica evidente em suas obras, como por exemplo,
no Método da Economia Política (1983), onde ele estabelece alguns dos critérios de sua
cientificidade, tais como: iniciar a pesquisa pelo real e pelo concreto, observar a realidade em
sua totalidade e considerar que o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas
determinações, logo, unidade da diversidade (MARX, 1983).
No prefácio da 1ª Edição e no pósfácio da 2ª Edição de O Capital, Marx também nos
orienta quanto ao seu método de pesquisa. No primeiro deixa visível o objeto e os objetivos
de sua investigação: “Nesta obra, o que tenho de pesquisar é o modo de produção capitalista e
as correspondentes relações de produção e de circulação” (MARX, 1998). No Posfácio, Marx
(1986) fala sobre a economia política na Alemanha e na França e sobre o poder político
conquistado pela burguesia na Inglaterra. Ele diferencia o método de exposição do método de
pesquisa:
A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de
analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão
íntima que há entre elas. Só depois de concluído este trabalho, é que se pode
descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará
espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada, o que pode dar a
impressão de uma construção a priori (MARX, 1986, p. 16).
Marx compreendia que o objeto e o método de seu trabalho eram elementos
necessários e encadeados do mesmo processo de conhecimento, e que a análise dialética opera
como uma técnica de desmascaramento, pois exige a crítica das idéias, conceitos ou
representações, sob os quais as pessoas, as classes e as coisas aparecem na consciência e na
ciência.
O autor alemão estabelece alguns elementos que norteiam seu método de
investigação
17
. Primeiramente, ele parte do princípio de que a melhor forma para iniciar a
pesquisa é partir do particular para o geral, do simples ao complexo, da parte para o todo. Ele
17 Ibidem em 13/06/2006.
74
parte de categorias mais simples até chegar à totalidade mais ampla. A abstração inicial deve
se dar a partir do concreto. Este concreto apresenta duas dimensões: 1) concreto pensado - as
mediações (que são reflexões para desvendar o objeto) auxiliam o pesquisador a passar do
abstrato para o concreto, pois conduzem à essência do mesmo. O concreto só o é a partir das
múltiplas determinações observadas. O caminho do desvendamento teórico é a razão teórica,
o conhecimento que conduz às mediações e que culminará no concreto pensado, isto é, a
realidade analisada, esgotada. 2) o concreto abstrato - este se detém somente à primeira visão
da realidade que é abstrata, portanto só a observa em sua aparência.
Marx (1983, p. 218) em O Método da Economia Política ilustra com suas próprias
palavras o que trazemos acima:
Os economistas do século XVIII, por exemplo, começaram sempre por uma
totalidade viva: população, Nação, Estado, diversos Estados; mas acabaram
sempre por formular, através da análise, algumas relações gerais abstratas
determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor, etc. A
partir do momento em que esses fatores isolados foram mais ou menos
fixados e teoricamente formulados, surgiram sistemas econômicos que
partindo de noções simples tais como o trabalho, a divisão do trabalho, a
necessidade, o valor de troca, elevaram-se até o Estado, às trocas
internacionais e ao mercado mundial. Este segundo método é evidentemente
o método científico correto.
Ianni (1988) colabora com essas idéias afirmando que o método dialético trata de
refletir acerca dos fatos com o objetivo de assimilar os nexos internos, constitutivos destes
fatos. A pesquisa ou reflexão caminha da aparência para a essência, das partes para o todo, do
singular ao universal, guardando estes momentos e suas articulações na explicação, na
categoria construída pelo pensamento. Parte-se do dado concreto, e pela reflexão, apreendem-
se as determinações que constituem o dado. Gradativamente, a realidade em questão aparece
viva, em movimento. E o resultado, assim como já vimos, é o concreto pensado, uma
construção teórico-prática ou lógico-histórica; a categoria dialética.
Kopnin (1978, p. 85) afirma que o movimento do pensamento abstrato para o
concreto é um meio de obtenção da autêntica objetividade no conhecimento. Marx citado por
Kopnin (1978) diz que o método de ascensão do abstrato ao concreto é apenas um meio pelo
qual o pensamento apreende o concreto e o reproduz espiritualmente concreto.
No segundo aspecto dois elementos se destacam: a relação entre sujeito e objeto e a
relação teoria e prática. A relação entre sujeito e objeto significa que o sujeito pesquisador
tem que estar debruçado plenamente sobre a realidade pesquisada, e ainda, estabelecer estreita
75
relação com o objeto a ser investigado
18
.
Ianni (1988, p. 15) ao se referir a esse elemento e à necessidade de empenho do
pesquisador, afirma:
Não se trata simplesmente de opor ou substituir interpretações. Trata-se de ir
até ao fundo das relações, processos e estruturas, apanhando, inclusive e
necessariamente, as representações ideológicas ou teóricas construídas sobre
o objeto e impregnadas nele. Daí a razão porque toda a obra de Marx parece
polêmica. O que há por sob a polêmica é uma exigência profunda da própria
interpretação do real.
Para Kopnin (1978) o marxismo relaciona sujeito e objeto na base real em que eles
são unificados na história; a dialética subjetiva é o mesmo movimento objetivo, porém, sob
uma forma de existência diferente da natureza. É na atividade prática dos seres humanos onde
se verifica uma coincidência mais plena de sujeito e objeto, a atividade humana se processa e
é dirigida por leis e formas do pensamento com a realidade objetiva que fora dele se encontra.
O autor defende que o pensamento como relação teórica do sujeito com o objeto surge e se
desenvolve a base da interação prática entre eles e se caracteriza pelas seguintes
peculiaridades:
1. Essa interação tem caráter material. A prática não é uma relação
lógica, mas concreto-sensorial, material. Os resultados da interação
prática são direta ou indiretamente acessíveis à contemplação
empírica, pois surtem efeito a mudança do objeto e,
simultaneamente do próprio sujeito;
2. A prática é uma forma essencialmente humana de atividade, de
interação entre o homem e os fenômenos da natureza. Neste sentido
o homem atua não como indivíduo, mas como membro da
sociedade, da humanidade.
3. O prático é a atividade racional do homem. A prática une realmente
o sujeito com o objetivo e cria os objetos, as coisas existentes
independentemente da consciência do homem; o pensamento os une
apenas teoricamente, criando imagens, medidas de possíveis coisas
e processos da realidade (
KOPNIN, 1978, p. 168).
O autor acrescenta que no materialismo dialético, o objeto se incorpora à estrutura da
prática, por um lado, e, por outro, a própria prática se insere na realidade objetiva, que se opõe
ao pensamento do homem (KOPNIN, 1978, p. 169). Kopnin ainda propõe que, o prático e o
18 Ibidem.
76
teórico estão necessariamente inter-relacionados; o teórico encontra no prático sua
consubstanciação material, e é por meio desta, que se dá o processo de verificação da
veracidade objetiva do conteúdo do pensamento. Para o autor o marxismo não julga a prática
a um momento subordinado, ela é incorporada à teoria do conhecimento e não ao
conhecimento. Isto é, a prática é definida como atividade diferente do conhecimento, ela tem
lugar e papel estabelecidos pelo marxismo no movimento do pensamento. Por si mesma a
prática não é atividade teórica e reduzí-la ao conhecimento implicaria cometer um erro, pois
estaria se substituindo a atividade material, prática pelo pensamento teórico.
O terceiro ponto abordado se refere à relação teoria e método. Esta relação
proporciona que o concreto se torne concreto pensado. Para entender melhor esta ligação
precisamos trabalhar o conceito mediação. As mediações consistem em reflexões para
desvendar o objeto, elas estão presentes na realidade. São elementos, categorias que auxiliam
a desvendar a realidade. As mediações buscam a legalidade dos processos sociais; buscam as
suas dinâmicas específicas; buscam a relação das particularidades com a totalidade,
asseguram a síntese das múltiplas determinações, são estabelecidas somente por meio do
pensamento, ou seja, da razão teórica e possibilitam desvendar a imediaticidade dos
fenômenos sociais
19
. Na medida em que se formulam análises e se estabelecem mediações,
reproduz-se a realidade; a síntese do próprio real.
No quarto ponto destacamos a relação presente-passado e a historicidade. É o
presente que ajuda a explicar e compreender o passado. Existe uma relação dialética entre
presente e passado e passado e presente. Na análise dialética, a historicidade do objeto é dada
pelo jogo dos antagonismos produzidos nos desenvolvimentos das forças produtivas e das
relações de produção (IANNI, 1988, p. 33).
Conforme Löwy (1998) o marxismo foi a primeira corrente a situar o problema do
condicionamento histórico e social e a desmascarar as ideologias de classe do discurso
pretensamente neutro e objetivo dos economistas e outros cientistas sociais.
Ianni afirma que Marx sempre captou a historicidade das relações, processos e
estruturas sociais. Em o 18 Brumário Marx escreve: “os homens fazem sua própria história,
mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX
citado por IANNI, 1988, p. 52).
Em O Capital Marx começa sua análise pela mercadoria e a desdobra em outras
19 Ibidem.
77
várias categorias até chegar ao Estado burguês. Conforme Ianni (1988, p. 36) isto significa:
Pouco a pouco, e ao mesmo tempo, surge o capitalismo, a sua história e a
sua historicidade. Nesse sentido é que para Marx a história é dada a partir
do presente, pela análise da dialética do presente. O presente do capitalismo
repõe toda a história, na medida em que todo o passado indispensável ao
entendimento do presente ressurge no interior das relações presentes. [...] O
presente põe e repõe relações, processos e estruturas que exigem a pesquisa
do passado.
Em Carta a P. V.Annenkov, Marx (1982, p. 84) faz uma crítica a Proudhon:
Como se vê, as formas econômicas sob as quais os homens produzem,
consomem, comerciam, são transitórias e históricas. À medida que
adquirem novas forças produtivas os homens modificam seu modo de
produção; e, com o modo de produção, modificam também todas as relações
econômicas, as quais nada mais eram que as relações necessárias àquele
modo de produção. Eis que o Sr. Proudhon não compreendeu – e muito
menos demonstrou. Incapaz de acompanhar o movimento real da história,
ele nos apresenta um devaneio supostamente dialético. Não sente a
necessidade de aludir aos séculos XVII, XVIII e XIX, visto que sua história
se desenrola nos ambientes nebulosos da imaginação e paira muito alto,
acima do espaço e do tempo. Em resumo, não é a história: são velhos
disparates hegelianos; não é uma história profana. É uma história sagrada, é
a história das idéias.
Löwy (1998) propõe idéias essenciais do historicismo que são as seguintes: 1) todo
fenômeno cultural, social ou político é histórico e não pode ser compreendido senão por meio
de e na sua historicidade; 2) existem diferenças entre fatos naturais e fatos históricos; 3)
ambos, objeto da pesquisa e sujeito pesquisador, estão imersos no fluxo da história.
O ser histórico do homem é estudado pelo materialismo histórico
20
, que em conjunto
com a dialética materialista, forma um todo único indivisível. Iniciando pelo problema
fundamental da filosofia e terminando na teoria da verdade, nenhuma problemática do
materialismo dialético se resolve sem a concepção materialista da história (KOPNIN, 1978, p.
63-64).
Devido a todos esses fatores observados, concluímos que a postura do materialista
dialético é necessariamente a de um realista, afinal; investiga as relações reais, efetivas da
sociedade, o que existe de fato. E aí se apresenta uma das principais características do método
20 Segundo Bottomore (2001) o materialismo histórico designa o corpo central de doutrina da
concepção materialista da história, núcleo científico e social da teoria marxista.
78
desenvolvido por Marx, isto é, partir do real, da realidade empírica, imediata para torná-la um
concreto pensado por meio da teoria. Malagodi (1988) acrescenta que o pesquisador deve ter
atitude de pesquisa, esforçar-se para conhecer estritamente a realidade efetiva; ter uma atitude
de profunda indagação.
Como pudemos observar nas discussões supracitadas, é recorrente o uso da categoria
totalidade. Malagodi (1988) acredita que a universalidade do materialismo dialético é possível
porque ele não se detém na observação da sociedade a partir de um prisma de interesses
particulares. O caráter universal desse conhecimento provém do esforço de compreender o
conjunto do movimento, a totalidade da vida nas sociedades, ou seja, o passado, o presente e
suas tendências para o futuro (MALAGODI, 1988, p. 21).
Compreendemos que o materialismo dialético apreende as sociedades como um
todo, sem fragmentá-las em partes. É importante destacar que a totalidade é formada por
totalidades menores que a compõem, porém, estas não são em momento algum menos
importantes, pois são totalidades igualmente complexas
21
. A totalidade é, portanto, mais do
que a soma da partes que a constituem.
Konder (2005) ressalta que a visão do conjunto sempre é provisória e nunca pode
pretender esgotar a realidade a que se refere. A realidade é sempre mais rica do que o
conhecimento que se tem sobre ela. Certamente, há algo que sempre escapa às sínteses, mas
isto não destitui o pesquisador do esforço de elaborar sínteses para entender melhor a
realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem desvendar a estrutura
significativa da realidade, e é essa estrutura que é a chamada totalidade.
Prado Júnior (2006, p. 6) ilustra a discussão utilizando o exemplo da floresta e das
árvores:
[...] uma totalidade é sempre mais que a simples soma de suas partes. E em
que consiste esse “mais”? Precisamente na relação que congrega aquelas
partes e faz delas um sistema de conjunto que absorve e modifica sua
individualidade anterior. Ou antes, a transforma em nova individualidade que
é a função do todo e somente existe nesse todo. O modo de ser, a
individualidade das diferentes árvores que compõem a floresta não é o
mesmo quando consideradas independentemente do conjunto e sistemas de
relações que é a floresta.
Carlos Nelson Coutinho citado por Konder (2005), afirma que a dialética não pensa
o todo negando as partes, nem pensa as partes abstraídas do todo. Ela pensa tanto a
21 Ibidem.
79
contradição entre as partes como a união entre elas.
Netto (1996, p. 38) ao falar sobre ontologia e totalidade comenta que o caráter de
totalidade do ser social não o identifica como um “todo” ou um “organismo”
22
, que integra
funcionalmente partes complementares, mas sim, um sistema histórico-concreto de relações
entre as totalidades que se estruturam conforme o seu grau de complexidade. O autor
continua:
A menor componente da totalidade concreta, ela mesma uma totalidade de
menor complexidade, jamais é um elemento simples: o ser que se especifica
pela práxis é, quando já pode ser verificado faticamente, altamente
complexo. Por isto, mesmo a unidade da totalidade concreta que é a
realidade social não pode ser integramente apreendida nos termos habituais
da “função”, categoria explicativa válida para o sistema de relações
todo/parte; ela só pode ser adequadamente tomada quando a investigação
histórica estabelece, na totalidade concreta, aquele(s) complexo(s) que é
(são) ontologicamente determinante(s) para a sua reprodução.
Michel Löwy (1989), importante interlocutor sobre o tema, aponta a centralidade da
teoria crítica justamente por ela partir de uma visão dialética da totalidade
23
social, e por isto,
é a única capaz de abordar os fenômenos sociais com rigor e profundidade. O próprio Marx
(1987) ao falar sobre o conhecimento da vida cotidiana se preocupa em salientar sua
abordagem filosófica diferenciada dos demais filósofos, afinal para ele a filosofia não tem
somente a função de interpretar o mundo, mas essencialmente a finalidade de transformá-la, a
partir do ponto de vista da classe proletária.
Lukács (1974) apud Netto (1989, p. 78) afirma que a categoria totalidade, extraída
pela razão teórica da estrutura do real é uma das categorias centrais de Marx porque “a
totalidade concreta é [...] a categoria fundamental da realidade”.
Kosik (1989, p. 35) ao falar sobre o tema afirma que “totalidade não se entende
simplesmente como o todo, nem como todos os fatos;”, mas sim: “realidade como um todo
estruturado, dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de
fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”.
Ademais de todas as considerações realizadas acerca da totalidade, salientamos o
cunho de divisor teórico que esta categoria representa isto porque a postura metafísica
anteriormente considerada como hegemônica é profundamente questionada afinal:
22 Aspas originais do texto de Netto.
23 Destaque dado pelo autor.
80
A posição da totalidade, que compreende a realidade nas suas íntimas leis e
revela, sob a superfície e a casualidade dos fenômenos, as conexões internas
necessárias, coloca-se em antítese à posição do empirismo, que considera as
manifestações fenomênicas e casuais, não chegando a atingir a compreensão
dos processos evolutivos da realidade. Do ponto de vista da totalidade,
compreende-se a dialética da lei e da casualidade dos fenômenos, da
essência interna e dos aspectos fenonicos da realidade, das partes e do
todo, do produto e da produção. Marx se apossou desta concepção dialética,
purgou-a das mistificações idealistas e, sob este novo aspecto, dela fez um
dos seus conceitos centrais da dialética materialista (KOSIK, 1989, p. 34).
Além de a totalidade ser considerada esse “divisor teórico” em relação à metafísica,
pode-se afirmar que ela ganha centralidade no bojo da teoria crítica uma vez que enquanto
categoria ontológica representa o concreto, síntese de várias determinações. Destarte, o olhar
do assistente social não pode prescindir da totalidade enquanto categoria que lhe pode revelar
o conjunto de relações presentes nas expressões da questão social.
5.2 A perspectiva crítica dialética no Serviço Social: a questão da totalidade
A proposta de discussão apresentada pelas correntes que discutem a Integralidade em
saúde parte essencialmente da afirmação de que os indivíduos devem ser observados e
compreendidos na Integralidade de suas condições de vida. Por outro lado, temos destacado
que o posicionamento do Serviço Social com relação a este tipo de abordagem envolve
fundamentalmente a categoria totalidade, pois julgamos que não há outro meio para
compreender a Integralidade em saúde senão pelo viés da totalidade.
A partir da compreensão marxista o processo de conhecimento dos fenômenos
sociais (objeto de investigação) é compreendido da ótica da totalidade, isto é, como
complexos sociais e não fatos isolados. Pontes (2000) descreve estes complexos como
estruturas sócio-históricas vivas, reais, componentes do ser social que se encontram em
permanente movimento, uma vez que a realidade é necessariamente tensa e contraditória.
A totalidade concreta só é alcançada por meio de uma categoria central, a mediação.
Netto (1989) avança dizendo que a estrutura da realidade é realizada por meio de mediações
que o movimento dialético realiza. O autor acrescenta:
Na reconstrução do movimento da totalidade concreta, é a categoria da
mediação que assegura a alternativa da “síntese das muitas determinações”,
81
ou seja, a elevação do abstrato ao concreto – mais exatamente, assegurando
a apreensão da processualidade que os fatos empíricos (abstratos) não
sinalizam diretamente.
Aprofundando a discussão sobre mediação Pontes (2000) classifica a categoria como
sendo ontológica e reflexiva. É ontológica, pois está presente em toda realidade independente
do conhecimento do sujeito; e é reflexiva porque a razão ultrapassa o plano da aparência em
direção à essência e precisa construir intelectualmente mediações para reconstruir o próprio
movimento do objeto. Para o autor as mediações funcionam como meio de condução por onde
fluem as relações entre as instâncias da totalidade.
Como esse é um movimento da razão que busca reconstruir com a maior semelhança
possível o movimento do real, acaba refletindo o movimento das categorias ontológicas e
também as constrói categorias intelectivas. Para Pontes (2000, p. 41) a forma metodológica
mais fecunda no plano do pensamento dialético é aquela que se expressa na tríade categorial
singular, universal e particular. O autor exemplifica:
Parte-se do entendimento de que o ser social (compreendido como
totalidade) e seus complexos dinâmicos estão submetidos a uma dada
legalidade social
24
, resultado da própria processualidade daquele. Legalidade
esta que, mesmo tendo um caráter de universalidade para o ser social, se
expressa em cada complexo de modo particular, ou seja, uma dada lei
histórico-social que se apresenta como uma férrea necessidade no dizer de
Marx (1988:5) manifesta-se em cada complexo determinada pelas
necessidades e conexões internas dos fenômenos e processos sociais.
Considerando que o Serviço Social é uma profissão de natureza interventiva o autor
ao apontar caminhos em busca de uma ação profissional do Serviço Social mais exitosa, tendo
como referência o projeto ético-político sugere a “(re) construção ontológica de seu objeto de
intervenção profissional”. Para tanto, deve-se partir da tríade singularidade, universalidade e
particularidade, buscando compreender o espaço de intervenção como um campo de
mediações estruturado sobre determinações histórico-sociais constitutivas dos complexos
sociais.
Em seus estudos Pontes (2000) elaborou um esquema de referência com relação às
três esferas supracitadas. Nesta representação a singularidade é entendida como o campo da
24 Legalidade Social é entendida por Pontes (2000, p. 40) como “forças tendenciais que
historicamente se impõem à sociedade e por ela também é construída demarcando certos
condicionamentos do ser social”.
82
imediaticidade, onde os fatos se encontram em sua aparência, assim como problemas sejam
eles individuais, familiares, psicossociais, organizacionais ou programático-operativos. O
plano da singularidade é a expressão dos objetos em si mesmos, onde se apresentam os traços
irrepetíveis das situações singulares da vida em sociedade, que se apresentam como coisas
fortuitas, rotineiras ou casuais. Vejamos um exemplo que se aplica ao Serviço Social:
A demanda institucional aparece ao intelecto do profissional despida de
mediações, paramentada por objetivos tecnoperativos, metas e uma dada
forma de inserção espacial (bairro, município, etc.); programática (divisão
por projetos, programas ou áreas de ação) ou populacional (criança, idoso,
migrante, etc.). Numa palavra, a demanda institucional aparece na
imediaticidade como um fim em si mesma, despida de mediações que lhe
dêem um sentido totalizante.
(PONTES, 2000, p. 44-45).
Nesse ponto, o autor destaca a importância dos dados relativos à subjetividade dos
sujeitos e sua individualidade, uma vez que estas compõem ontologicamente o real e
interferem no movimento das categorias sociais. Pontes (2000) ancorado em Faleiros (1985)
destaca também a necessidade de estar atento ao domínio da facticidade, isto é, do
conhecimento empírico do real; condição chave para sua ultrapassagem. O objeto de
intervenção não pode ser visto restritivamente do ângulo da singularidade, pois não
ultrapassará as demandas institucionais e nem alcançará ações mais contundentes no campo
das transformações sócio-institucionais.
Na singularidade, as mediações, determinações e a própria legalidade social estão
ocultas, porque este é o plano da imediaticidade. Pelo fato de a singularidade corresponder à
esfera da imediaticidade é que o sujeito cognoscente assimila as categorias sociais como
formas autônomas do ser. Neste nível, estas categorias aparecem despidas de determinações
históricas.
Pontes (2007, p. 85), afirma:
Assim, para se operar a ultrapassagem da singularidade é preciso “buscar a
legalidade de cada processo social”, através da apreensão das determinações
onto-genéricas dos processos sociais. Não se trata de uma busca externa ao
objeto, de nenhuma determinação transcendente ao ser; trata-se de uma
captação a partir dos próprios fatos – aqui entendidos como “sinais
empíricos” – e do seu automovimento, das mediações com a dimensão de
Universalidade.
83
A universalidade por sua vez, encontra-se no campo da legalidade social, onde estão
as leis tendenciais históricas: divisão social do trabalho, relações sociais capitalistas, relação
capital- trabalho, relação estado - sociedade, políticas econômicas, políticas sociais entre
outras determinações. Ambas, singularidade e universalidade enviam para a particularidade
elementos como as demandas institucionais e as demandas sociais.
A esfera da universalidade compreende as grandes determinações e leis tendenciais
de um dado complexo social, tais leis e determinações na esfera da singularidade tornam-se
ocultas pela dinâmica dos fatos, nesta esfera parecem explicar-se a si mesmas. Nesse plano é
preciso apreender que as categorias históricas do ser social podem estar interferindo em
determinado problema ou fenômeno social que está sendo enfrentado. Deste modo, é
fundamental assimilar como se dá a construção e o funcionamento do campo de mediações da
intervenção profissional. Em síntese, pode-se dizer que é necessário capturar no cotidiano a
interferência das forças e das leis sociais, observando realmente sua concretude e visibilidade.
Pontes (2000, p. 46), observa:
Sem que se apreendam cognitiva e ontologicamente esses processos
complexos, a configuração das demandas sociais para a intervenção de
sujeitos (profissionais e instituições) torna-se efetivamente empobrecida, e
consequentemente o resultado do que a intervenção profissional pode
alcançar no plano organizacional.
Finalmente temos a particularidade, denominada por Lukács (1970) como campo das
mediações onde ocorre a síntese de determinações, ou seja, nesta esfera ocorre a reconstrução
do objeto de intervenção. É o espaço reflexivo onde a legalidade universal se singulariza e a
imediaticidade do singular se universaliza. É neste espaço que o concreto pensado se
materializa, após ter passado pela fase de negatividade ou superação da aparência, e avança
para um sistema de mediações que se interceptam, o qual é responsável por articulações,
passagens e conversões histórico-ontológicas entre os complexos componentes do real.
A particularidade é caracterizada como campo de mediações, pois na dialética entre
o universal e o singular a particularidade é a alavanca para desvendar o conhecimento do
modo de ser do ser social. Neste campo de mediações os fatos singulares se vitalizam com as
grandes leis tendenciais da universalidade e dialeticamente as leis universais impregnam-se de
realidade.
Pontes (2007, p. 169) escreve:
84
Neste processo de particularização comparecem, através de aproximações
sucessivas, as determinações histórico-sociais, bem como as modificações,
que permitem aos sujeitos cognoscentes-intervenientes na trama das relações
sociais em presença, desocultar instâncias da totalidade social envolvidas
naquelas relações e que deixam de ter um “fim em si mesmo” porque
perdem o caráter de isolamento, ou seja, o problema singularmente posto
institucionalmente à ação dos profissionais.
O autor acrescenta:
O trabalho, com as mediações e nas mediações, conduz à compreensão de
que este movimento de dessingularização, universalizador, deve caminhar no
sentido da particularização daquelas situações problemáticas. Esta
particularização garante a dimensão insuprimível da singularidade e a
necessária visão de totalidade social (universalidade), possibilitando ao
agente garantir, em tese, tanto as respostas tecnicamente necessárias no
plano do imediato (garantindo acesso aos serviços sociais) quanto
desdobramentos mais imediatos no plano da conscientização mútua
(profissional e usuário-cidadão) e da organização dos segmentos excluídos
(PONTES, 2007, p. 184-185).
Sem a compreensão da ação da mediação, a categoria do particular se resume numa
polarização dicotômica entre o universal e o singular. A mediação tem “papel vertebral”
25
nos processos sociais, pois promove articulação entre os diversos complexos e instâncias da
sociedade. Somente com a apreensão das determinações promovidas pela mediação é que é
possível a perspectiva da totalidade.
5.3 Processo de apropriação da teoria crítica no Serviço Social
O chamado Movimento de Reconceituação do Serviço Social foi um movimento
heterogêneo e plural ocorrido em toda a América Latina que colocou em pauta a discussão de
um novo posicionamento da profissão ante a conjuntura particular dos anos de 1960; década
marcada por uma crise da “civilização urbano-industrial”
26
que se disseminava por todas as
esferas da vida social. Na América Latina esse movimento é permeado pelas expectativas de
mudança a partir da Revolução Cubana, quando a possibilidade histórica de uma nova ordem
25
“” Expressão utilizada por Pontes (2007, p. 87).
26
“” expressão utilizada no texto Editorial da Revista Serviço Social e Sociedade, n. 84, 2005, p.3.
85
societária no continente fora vislumbrada. Netto (2005) destaca que a reconceituação se
inscreve num processo muito mais amplo, de caráter mundial e Iamamoto (2006) completa
dizendo que este movimento representou um marco decisivo no desencadeamento do processo
de revisão crítica do Serviço Social no continente.
O Serviço Social, inserido em tal conjuntura histórica sofre influência de todo o
contexto que o rodeava e a partir da revisão crítica que ocorria nas ciências sociais, em
conjunto com o debate sobre a dependência e as teorias do desenvolvimento; com a
emergência da chamada Igreja Popular e a teologia da libertação; com a presença do
movimento estudantil e a contestação nas universidades; com o movimento de contra-cultura
que rompe valores tradicionais e dissemina, principalmente na juventude, novos
comportamentos e expressões culturais comprometidos com a transformação social; encontra
neste bojo o panorama apropriado para promover o questionamento de determinadas práticas
profissionais como as do Serviço Social Tradicional (EDITORIAL, 2005).
No editorial da Revista Serviço Social e Sociedade (2005, n. 84) que se dedica a
uma homenagem aos 40 anos do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na
América Latina encontramos a seguinte observação:
Imbuída desse caldo cultural, a reconceituação do Serviço Social na
América Latina foi marcada pela ação de grupos profissionais de
vanguarda, reunidos em torno do questionamento ao tradicionalismo, às
bases conservadoras do Serviço Social, à importação acrítica de modelos de
intervenção, na defesa de um Serviço Social latinoamericano comprometido
com um projeto de desenvolvimento para o continente.
Netto (2005) assinala que a partir de 1965 o Serviço Social se encontra num
contexto acentuado de destituição de suas práticas tradicionais na maioria dos países onde a
profissão já havia se institucionalizado. Esta conjuntura é marcada pela difícil transição da
década de 1960 para 1970 quando uma forte crítica abate o “Serviço Social Tradicional”
27
o
qual desenvolvia sua prática de modo empirista, reiterativo, paliativo, burocrático e
funcionalista, com vistas a enfrentar as incidências psicossociais da questão social sobre
indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado
factual ineliminável.
Tais questionamentos se desenvolvem na totalidade das intensas mudanças ocorridas
também no nível continental, no bojo da efervescência das lutas sociais demarcadas pelo
27
“” expressão utilizada pelo autor no texto original.
86
avanço do capitalismo mundialmente. Em meio a tantas influências e transformações
ocorridas neste quadro histórico, não somente o Serviço Social se depara com a necessidade
de rediscutir determinados aspectos, este movimento ocorre concomitantemente nas ciências
sociais e é o mesmo movimento que influencia a saúde. Iamamoto (2006, p. 206-207)
complementa:
No seu conjunto, as ciências sociais se indagam quanto a seus parâmetros
teórico-explicativos e ao seu papel; ampliam e renovam sua pauta temática,
em resposta aos novos desafios históricos emergentes no continente. O
pensamento social latino-americano busca reconciliar-se com sua própria
história, questionando as teorias exógenas e subordinando sua validação à
capacidade que apresentem de explicar e iluminar os caminhos particulares
trilhados pelo desenvolvimento na América Latina em suas relações com os
centros avançados do capitalismo. [...] O movimento de reconceituação
perfilou-se como um movimento de denúncia, de autocrítica e de
questionamentos societários, que tinha como contraface um processo
seletivo de busca da historicidade, que apostasse na criação de novas formas
de sociabilidade a partir do próprio protagonismo dos sujeitos coletivos.
A partir dos anos de 1970 a presença da teoria marxista foi observada em análises e
propostas profissionais demonstrando um rompimento com as próprias produções anteriores
do Serviço Social. A descoberta do marxismo pelo Serviço Social latino-americano cooperou
significativamente para um processo de ruptura teórica e prática com a tradição
profissional, nas palavras de Iamamoto (2006). Por outro lado, o modo como se processou tal
aproximação com a teoria de Marx provocou alguns equívocos e impasses de ordem teórica,
política e profissional cujos reflexos perduram em determinados aspectos.
Um dos equívocos cometidos no momento da aproximação com a perspectiva
crítico-dialética foi a transferência de inquietudes advindas da militância política para a esfera
da prática profissional sem fazer as distinções necessárias e dificultando a análise criteriosa de
suas mútuas relações.
Outro fato que dificultou um pleno entendimento e aproximação com a teoria
marxista foi a desatenção com as fontes clássicas e contemporâneas. Ao invés disto, a
disseminação do pensamento marxista se deu por meio de manuais aliados à contribuição de
alguns autores ligados à militância política (Lênin, Trotsky, Guevara) cujas produções foram
apropriadamente escolhidas “numa óptica utilitária, em função de exigências prático-
imediatas, prescindindo-se de qualquer avaliação crítica” (IAMAMOTO, 2006, p. 211).
Observando o caminho pelo qual a Reconceituação foi se construindo, conclui-se
87
que o personagem mais ausente é o próprio Marx. Nas palavras de Iamamoto (2006) “foi uma
aproximação a um marxismo sem Marx”, que resultou em um ecletismo potencializado pela
herança intelectual e política das bases conservadoras e positivistas, da qual o Serviço Social é
adepto e contra a qual se opunha o Movimento de Reconceituação.
O encontro do Serviço Social latino-americano com o marxismo provocou certa
tensão devido ao ecletismo com que se apresentava afinal este, expressava-se como
conciliação no plano das idéias e estava ligado a um tipo de “chamamento à militância” que
diluía as bases profissionais do Serviço Social. Iamamoto (2006, p. 212) explica que essa
tensão se estabeleceu:
entre os propósitos políticos anunciados e os recursos teórico-
metodológicos acionados para iluminá-los; entre pretensões político-
profissionais progressistas e os resultados efetivamente obtidos. Com isso o
discurso que se pretendia marxista passou a conviver com uma bagagem
eclética, que não era capaz de operar a efetivação das intenções declaradas,
fazendo com que a ruptura anunciada não fosse integralmente realizada.
Especificamente no Brasil, destaca-se a experiência da Escola de Serviço Social da
Universidade Católica de Minas Gerais, apesar de o debate brasileiro até meados de 1970
estar desfocado das discussões ocorridas nos demais países da América Latina. A
Reconceituação ocorre efetivamente no país somente no período da crise da ditadura
concomitantemente com o movimento da sociedade civil contra o regime militar. Esta
conjuntura resultou em uma modernização da profissão que atualiza sua herança conservadora
levando o Serviço Social a se adequar à ideologia dos governantes e a discutir internamente
sobre elementos que supostamente confeririam à profissão um perfil característico, quando na
verdade suas construções teóricas são invadidas pelo pensamento estrutural funcionalista e
pelo discurso positivista. O Serviço Social se volta para as questões instrumentais e
metodológicas bem expressas pelos modelos de diagnóstico e planejamento na intenção de
atender a demanda da burocratização das atividades.
Netto (2005) diz que na década de 1970 a renovação profissional materializada na
Reconceituação se viu paralisada pelas investidas da ditadura patrocinada pelos Estados
Unidos derrotando qualquer alternativa democrática, reformista ou revolucionária. O
movimento se esgotou devido às represálias brutais a muitos protagonistas do movimento que
foram presos, torturados, exilados e até mesmo fizeram parte da lista de desaparecidos da
ditadura.
88
Mesmo com as investidas contrárias à Reconceituação, Netto (2005) destaca
conquistas alcançadas que marcaram a trajetória do Serviço Social latino-americano, como a
articulação e uma nova concepção da unidade e intercâmbio entre os assistentes sociais; a
explicitação da dimensão política da ação profissional; a interlocução crítica com as ciências
sociais e a inauguração do pluralismo profissional. O autor enfatiza uma conquista deste
movimento:
A principal conquista da Reconceituação, porém, parece localizar-se num
plano preciso: o da recusa profissional do Serviço Social de situar-se como
um agente técnico puramente executivo (quase sempre um executor final de
políticas sociais). Reivindicando atividades de planejamento para além dos
níveis de intervenção microssocial, valorizando nas funções profissionais o
estatuto intelectual do assistente social, a Reconceituação assentou as bases
para a requalificação profissional, rechaçando a subalternidade expressa na
até então vigente aceitação da divisão consagrada de trabalho entre
cientistas sociais (os teóricos) e assistentes socais (os profissionais “da
prática”) (NETTO, 2005, p. 12).
Fizeram parte da Reconceituação alguns equívocos que na análise de Netto (2005)
foram principalmente a amálgama entre profissão e militarismo provocada pelo ativismo
político; a recusa às teorias de outros países e o “confucionismo ideológico”
28
que procurava
congregar as inquietudes da esquerda cristã e das novas gerações revolucionárias resultando
por conceber a eclética mistura de autores como Paulo Freire e Mao Tsé-Tung. Curiosa e
paradoxal, a Reconceituação, responsável pelo início da interlocução do Serviço Social com o
marxismo, apreendeu desta, quase sempre, o que nela havia de menos vivo e criativo.
Na passagem dos anos 1970 para os 1980 observou-se que os assistentes sociais
permeados pela conjuntura da reativação do movimento sindical e o protagonismo dos novos
sujeitos sociais
29
vislumbraram novas perspectivas no sentido de romper com o
tradicionalismo. Estes assistentes sociais investiram no plano da organização da categoria
profissional e na formação acadêmica. Ambas as ações tiveram saldos positivos; na primeira,
houve uma forte articulação nacional que oficializou os Congressos Brasileiros de Assistentes
Sociais como um fórum sólido e representativo da categoria profissional. Com relação à busca
do aperfeiçoamento acadêmico o resultado foi a consolidação da pós-graduação em nível de
mestrado e doutorado a partir da instituição de um currículo de âmbito nacional.
Esses importantes passos em relação à inserção dos assistentes sociais no ambiente
28
“” expressão utilizada originalmente por Netto, 2005, p. 12.
29
Expressão utilizada em itálico pelo por Netto, 2005, p. 17.
89
acadêmico proporcionaram nos anos de 1980 o desenvolvimento de uma perspectiva crítica,
tanto teórica quanto prática, constituída a partir da Reconceituação. Ocorreu a retomada da
crítica ao tradicionalismo com o foco nas conquistas anteriores sedimentadas pelo
movimento, por isto a afirmação de Netto (2005, p. 18) de que “é adequado caracterizar o
desenvolvimento do “Serviço Social crítico” no Brasil como herdeiro do espírito da
reconceituação”. A profissão passa a ser reconhecida pelo compromisso com as instâncias
menos favorecidas da população, pelo zelo com a qualificação acadêmica, pelo diálogo com
as ciências sociais e pelo investimento maciço na pesquisa. Netto complementa:
É precisamente este “Serviço Social crítico” que vem redimensionando
radicalmente a imagem social da profissão e hoje é reconhecido no plano
acadêmico como área de produção de conhecimento, interagindo
paritariamente com as ciências sociais e intervindo ativamente no plano da
formulação de políticas públicas. É este “Serviço Social crítico” que dispõe
de hegemonia na produção teórica do campo profissional, desfruta de
audiência acadêmica nacional e internacional e goza de respeitabilidade
pública, inclusive pela intervenção política. É este “Serviço Social crítico”,
ele mesmo diferenciado, marcado por polêmicas e debates internos,
diversificado teoricamente e ideologicamente plural que, no Brasil
contemporâneo expressa o espírito da Reconceituação e não há nenhum
exagero em afirmar que, sem o movimento dos anos 1960/1970, tal Serviço
Social não existiria. A existência deste “Serviço Social crítico” – que hoje
implementa o chamado projeto ético-político – é a prova conclusiva da
permanente atualidade da Reconceituação como ponto de partida da crítica
ao tradicionalismo: é a prova de que, quarenta anos depois, a
Reconceituação continua viva. (NETTO, 2005, p. 18).
As ações dos assistentes sociais que se comprometeram mesmo em meio a entraves,
como a ditadura militar, são classificadas por Barroco (2007) como uma mostra de
compromisso ético-político. Esta parcela da categoria escolheu encontrar novas bases de
legitimação para o Serviço Social, numa conjuntura de repressão e supremacia conservadora
na profissão, e é deste modo considerada vertente de ruptura.
O novo sentido buscado pela profissão tem na Reconceituação a ética como
categoria central na construção de um projeto diferenciado. A ética quando compreendida
teoricamente é a prática ético-moral dos homens, deste modo, a insuficiência de
sistematização ética na profissão no período da Reconceituação não impediu que a vivência
prática se encarregasse de gerar um novo ethos, pautado em experiências históricas de luta
social pela liberdade. Estas mudanças vieram acompanhadas de etapas de construção bem
definidas; num primeiro momento nos anos de 1960 e de 1970 onde se deu início à nova
90
moralidade profissional construída na participação política, na influência crítica do
movimento de Reconceituação da América Latina, na aproximação com o marxismo, na
militância católica progressista, etc., em seguida na reformulação dos Códigos de 1986 e
1993.
Barroco (2007, p. 168) observa que determinadas lacunas formadas na
Reconceituação avançam para a compreensão plena e isenta de ambigüidades:
A produção marxista supera os equívocos das primeiras aproximações, o
ethos profissional é auto-representado pela inserção do assistente social na
divisão sócio-técnica do trabalho, como trabalhador assalariado e cidadão.
A formação profissional recebe novos direcionamentos, passando a contar
com um currículo explicitamente orientado para uma formação crítica e
comprometida com as classes subalternas. Em 1986, o Código de Ética,
praticamente igual ao de 1948, é reelaborado, buscando-se garantir uma
ética profissional objetivadora da nova moralidade profissional.
O amadurecimento intelectual alcançado pelo Serviço Social permitiu a superação
dos equívocos do marxismo vulgar por meio da retomada das fontes do pensamento do autor.
Nos anos 1980 Gramsci é incorporado em produções da profissão e influencia o novo
Currículo de Serviço Social em 1982 e a elaboração do Código de Ética de 1986, considerado
expressão formal da ruptura ética com o tradicionalismo do Serviço Social. Ambos, Código
de Ética e reformulação curricular de 1982 “são marcos de um mesmo projeto que pressupõe
o compromisso ético-político com as classes subalternas e a explicitação da direção social da
formação e da prática profissional” (BARROCO, 2007, p. 170).
O Código de Ética de 1986 aponta para a necessidade de uma ética profissional que
“reflita uma vontade coletiva, superando a visão acrítica, onde os valores são tidos como
universais e acima dos interesses de classe”. A nova ética é então definida como “resultado da
inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora e, consequentemente, de uma nova visão
da sociedade brasileira”. O princípio da nova ética é assim explicitado: “A categoria, através
de suas organizações, faz uma opção clara por uma prática profissional vinculada aos
interesses desta classe” (CFAS, 1986; apud BARROCO, 2007, p. 176).
O fato desse código expressar uma concepção ética mecanicista por não apreender as
mediações, peculiaridades e dinâmicas da ética, identifica-o com pontos de divergência em
relação ao pensamento de Marx. Barroco (2007, p. 177) explica:
Na medida em que o compromisso e as classes não são tratados em suas
91
mediações em face da ética profissional, o Código não expressa uma
apreensão da especificidade da ética; em vez de se comprometer com
valores, compromete-se com uma classe, o que é o mesmo que afirmar que
tal classe é, a priori, detentora dos valores positivos, o que configura uma
visão idealista e desvinculada da questão da alienação. Ao não estabelecer
as mediações entre o econômico e o moral, entre a política e a ética, entre a
prática política e a dimensão política da prática profissional, o Código
reproduz as configurações tradicionais da ética marxista.
O Código de 1986 tem sua importância, mas Barroco (2007) afirma que ele não
acompanhou os avanços teórico-metodológicos e políticos da década de 1980, e ainda, que
estes avanços não foram traduzidos em um debate ético abrangente nem na elaboração de uma
literatura específica.
No que se refere à revisão do texto do Código de 1986, destaca-se o fato de a
democracia ter sido tomada como valor ético-político central, “na medida em que é o único
padrão de organização político-social capaz de assegurar a explicitação dos valores essenciais
da liberdade e da eqüidade”. Ainda, atentou-se para a questão da delimitação do exercício
profissional de modo a permitir que os valores fossem e sejam presentes nas relações “entre
assistentes sociais, instituições/organizações e população, preservando-se os direitos e deveres
profissionais, a qualidade dos serviços e a responsabilidade diante do usuário” (BRASIL,
1997, p. 15).
Barroco (2007, p. 200) ao falar sobre a revisão do Código de 1986 escreve:
Entendeu-se, sobretudo, a necessidade de estabelecer uma codificação ética
que desse concretude ao compromisso profissional, de modo a explicitar a
dimensão ética da prática profissional, afirmar seus valores e princípios e
operacionalizá-la objetivamente em termos de direitos e deveres éticos.
Neste sentido, o recurso à ontologia social permitiu decodificar eticamente
o compromisso com as classes trabalhadoras, apontando para a sua
especificidade no espaço de um Código de Ética: o compromisso com
valores ético-políticos emancipadores referidos à conquista da liberdade.
O Código de 1993 demonstra em sua composição um avanço teórico notável,
resultado do acúmulo anterior; ele é considerado a superação das fragilidades do Código de
1986. O processo histórico que culminou na aprovação desse Código certamente influenciou
seu processo de arranjo; o momento é marcado pela sensibilização da sociedade civil com
relação à questão ética, o que se materializa em mobilizações que reivindicam a ética na
política e na vida pública, conduzindo a atos como o impeachment do presidente Collor em
92
1992. Por trás de ações desta natureza está, na verdade, o descontentamento social cujas
determinações não encontram na ética elementos de superação. Além disso, há o acirramento
das influências do banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que prevê a
subordinação dos países da América Latina e sua adesão ao mundo globalizado e ao
neoliberalismo.
É importante destacar que o Código de 1993 contempla as categorias do método
crítico dialético, permitindo o trânsito entre as construções teórico-metodológicas, os campos
de intervenção profissional e das próprias ações profissionais da dimensão prática em
contexto como por exemplo a totalidade, e ao mesmo tempo propicia uma base de
fundamentação ao debate da pós-modernidade que sugere a negação de tais categorias. Nesse
Código a dimensão prático-operativa é abordada de modo coerente com seus fundamentos, ou
seja, tem por eixo a defesa e a universalização dos direitos sociais e de mecanismos
democráticos de regulação.
No que tange à competência ético-política profissional compreendida como a
particularidade do compromisso profissional para com os valores e princípios do Código,
atenta-se para o fato de que:
ela não depende somente de uma vontade política e da adesão a valores,
mas da capacidade de torná-los concretos, donde sua identificação como
unidade entre as dimensões ética, política, intelectual e prática, na direção
da prestação de serviço sociais (BARROCO, 2007, p. 205).
A autora destaca também que:
A partir de 1993, o Código de Ética passa a ser uma das referências dos
encaminhamentos práticos e do posicionamento político dos assistentes
sociais em face da política neoliberal e de seus desdobramentos para o
conjunto dos trabalhadores. É nesse contexto que o projeto profissional de
ruptura começa a ser definido como projeto ético-político referendado nas
conquistas dos dois Códigos (1986 e 1993), nas revisões curriculares de
1982 e 1996 e no conjunto de seus avanços teórico-práticos construídos no
processo de renovação profissional, a partir da década de 1960
(BARROCO, 2007, p. 206).
Esses fatos certamente demonstram avanços significativos no atual Código de Ética
como resultado do acúmulo profissional dos anos 1980 e dos avanços teórico-políticos
conquistados no Código de 1986, determinando um novo e substancial patamar na trajetória
93
do Serviço Social brasileiro. A elaboração deste Código implicou um processo coletivo de
debates e reflexões que foram essenciais e culminou em legitimidade no conjunto dos
assistentes sociais, o que não significa a ausência de opiniões diversas e contraditórias em
meio aos debates. Frente a este embate, Barroco (2007) afirma que as bases de reflexão agora
situadas na perspectiva crítica sinalizam e possibilitam o enfrentamento de dilemas e opções
em face das quais as controvérsias continuarão em aberto e provavelmente nunca se
esgotarão.
O Movimento de Reconceituação foi importante porta de entrada para a teoria crítica
marxista no Serviço Social, e tal destaque é reconhecido por toda a profissão. Tal influência
delimitou os marcos e rumos teóricos a serem tomados e seguidos pela profissão, rumos estes
que orientam o fazer profissional em todas as instâncias de atuação. A partir disto, podemos
dizer que dois elementos são fundamentais para pensar qualquer discussão e inserção dos
assistentes sociais nos diferentes campos: o primeiro implica compreender e assumir uma
postura de nítida escolha de determinadas categorias teóricas que façam referência e tenham
conexão com a teoria social de Marx, a qual deve nortear tanto as discussões no plano teórico
como no prático, pois nela se encontram os elementos chaves que dão sustentabilidade aos
assistentes sociais em qualquer espaço profissional (como é o caso na área da saúde).
O segundo elemento se faz presente nesse movimento histórico onde o Serviço
Social constrói não somente um referencial teórico-metodológico, mas também um destacado
projeto ético-político expresso na consolidação de seu Código de Ética que traz a defesa
intransigente dos direitos dos cidadãos, a ampliação e a consolidação da cidadania, a defesa
da democracia, etc. Ambos, o projeto ético-político e os fundamentos teórico- metodológicos,
compõem o que podemos denominar pilares do exercício profissional, ferramentas essenciais
ao desempenho do assistente social em seu local de exercício profissional.
94
6 POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL PARA A DISCUSSÃO DA
INTEGRALIDADE EM SAÚDE
A revisão bibliográfica sobre Integralidade em saúde presente neste trabalho e a
discussão pertinente ao Serviço Social permitem-nos traçar alguns pontos de reflexão, na
tentativa de construir um diálogo entre esta temática no campo saúde e a profissão.
Entendemos que uma das maiores contribuições deste trabalho, para os assistentes
socais, está no fato de que é uma pesquisa inédita na profissão e que se dispôs a observar a
produção sobre Integralidade em saúde e situar a compreensão e a contribuição do Serviço
Social neste debate a partir das bases da teoria crítica dialética. Além disso, buscamos
conhecer e apreender os significados atribuídos à Integralidade em saúde bem como as teorias
que dão sustentação aos mesmos, discernindo as influências teóricas presentes nos discursos.
Compor esta pesquisa nos fez superar desafios, como por exemplo, construir um
trabalho estritamente teórico e comprometido com as bases teóricas da profissão. Para que
isto acontecesse buscamos criteriosamente analisar as fontes de pesquisa tendo como
parâmetro as construções teóricas da Reforma Sanitária e do Serviço Social.
Acreditamos que o debate teórico construído pelo Serviço Social no decorrer de sua
trajetória fundamentado na teoria crítica de Marx é um ponto a ser destacado, pois a
Integralidade em saúde não pode ser abordada apenas de uma ótica ou perspectiva, mas
trabalhada em conjunto com a concepção ampliada de saúde. Esta compreendida como direito
de todos os cidadãos ao acesso pleno de seus direitos de saúde, educação, habitação, lazer,
alimentação, determinantes sociais da saúde.
Pensar a Integralidade em saúde do ponto de vista do Serviço Social implica
necessariamente considerar a categoria da totalidade como pedra angular na compreensão da
realidade social e no desvendamento da mesma com as lentes apropriadas para tal.
Lembrando que a totalidade é uma categoria ontológica que representa o concreto (síntese de
determinações), a qual Lukács (1979) descreve como um complexo constituído de complexos
subordinados, ou seja, toda parte é também um todo, sem eliminar o caráter de elemento.
Sabe-se que no trabalho de reconstruir o movimento do real com fidelidade, a forma
metodológica “mais fecunda” (nas palavras de Pontes, 2000), é a composta pelas categorias
singularidade, universalidade e particularidade, como já sinalizamos. Elas são responsáveis
por mediar diferentes aspectos da realidade social contribuindo deste modo para pensar a
Integralidade além das fronteiras da individualidade, ou seja, compreendendo a singularidade
95
nas suas mediações com a particularidade e a universalidade.
O projeto ético-político do Serviço Social é outra base de sustentação e contribuição
da profissão para a discussão Integralidade, uma vez que tem sua expressão maior no Código
de Ética profissional elaborado a partir de discussões articuladas em torno da democracia que
é tomada como valor ético-político central; onde encontramos os princípios fundamentais
norteadores do agir profissional dos assistentes sociais. Faz parte destes princípios a defesa
intransigente dos direitos humanos, opção por um projeto profissional vinculado ao processo
de formação de uma nova ordem social e articulação com os movimentos de outras categorias
profissionais que partilhem dos princípios deste Código (BRASIL, 1993).
Além disso, o Serviço Social está comprometido juntamente com os profissionais da
área da saúde com a defesa e promoção da saúde e dos princípios norteadores do SUS;
Eqüidade, Universalidade e Integralidade; atentando para os determinantes sociais da saúde e
da doença.
Seguindo o rumo das discussões sobre Integralidade, em diálogo com Cecílio (2001),
observamos que o posicionamento do autor com relação a este princípio é de que ele precisa
ser pensado e trabalhado em várias dimensões a fim de que seja alcançado do modo mais
completo possível. Ao falar sobre as necessidades de saúde o autor destaca quatro conjuntos
que apontam para a satisfação das mesmas: ter “boas condições de vida”, ter acesso e poder
consumir toda tecnologia de saúde capaz de melhorar e prolongar a vida, desenvolver
vínculos afetivos entre equipes ou profissionais de saúde e usuários (vínculo entendido como
relação de confiança) e ter autonomia no modo de conduzir a vida.
Pereira (2002), importante referência na área das políticas sociais discute acerca da
temática de necessidades humanas básicas e da importância deste conceito no marco dos
direitos sociais e das políticas públicas. A autora faz alusão a Pisón (1998) que diz:
Necessidades e bem-estar estão indissoluvelmente ligados no discurso
político e moral e, especialmente, na prática corrente dos governos. Não há
serviços sociais sem a delimitação daquelas necessidades a serem
satisfeitas. E, ao mesmo tempo, a relação entre as necessidades e os direitos
sociais está no núcleo de muitos problemas e discussões que se produzem
na atualidade (PISÓN, 1998 apud PEREIRA, 2002, p. 37).
Apoiada em Cabrero (1994), Pereira (2002, p. 66) ressalta que o conceito essencial
de necessidades humanas deve estar baseado na universalidade. Esta universalidade por sua
vez:
96
Não implica a generalização etnocentrista das necessidades do centro para
as periferias, das sociedades industriais para as subdesenvolvidas, mas um
debate que defina o conjunto das necessidades no âmbito de todos os
mundos existentes, apontando para um profundo sentido de redistribuição
dos recursos no plano mundial.
Pereira (2002, p. 66) dialoga com os autores Doyal e Gough os quais sustentam o
posicionamento a favor da idéia de que todos os seres humanos em todos os tempos, em todos
os lugares e em todas as culturas, têm necessidades básicas comuns. Estes autores afirmam
haver um “consenso moral, perfeitamente detectável em diferentes visões de mundo, de que o
desenvolvimento de uma vida humana digna só ocorrerá se certas necessidades fundamentais
(comuns a todos) forem atendidas”.
Os autores definem ainda o que chamam de “sérios prejuízos” à vida, caso as
pessoas não tenham suas necessidades básicas supridas; estes prejuízos seriam impactos
negativos que impedem ou colocam em risco a possibilidade objetiva dos seres humanos de
viver física e socialmente em condições plausíveis de poder expressar a sua capacidade de
participação ativa e crítica. Os efeitos nocivos destes danos sofridos pelos seres humanos
independem de sua vontade, do lugar ou da cultura em que se verificam.
Os autores concluem que as necessidades básicas são objetivas e universais.
Objetivas porque a sua especificação teórica e empírica independe de preferências
individuais; e universais porque a percepção de sérios prejuízos é a mesma para todos os
indivíduos seja qual for a cultura.
A saúde física é considerada uma necessidade básica, e sem ela os homens estarão
impossibilitados inclusive de viver, é uma necessidade natural que afeta a todos os seres vivos
e que em principio não diferencia homens de animais, muito embora os homens requeiram
provisões de teor humano-social, ou seja:
Trata-se, portanto, de reconhecer que mesmo no plano das satisfações de
necessidades físicas ou biológicas, a origem do homem, como salienta
Marx, não está nem na natureza, concebida abstratamente, nem na
totalidade da sociedade, concebida também de forma abstrata. Tal origem
está visceralmente ligada à práxis humana, que só é humana na medida em
que o trabalho (ou a atividade) realizado pelo homem difere da atividade de
outras criaturas vivas (PEREIRA, 2002, p. 69).
Finalmente destacamos a ação profissional dos assistentes sociais como contribuição
significativa à Integralidade, uma vez que por meio dela ocorre o cumprimento dos princípios
97
estabelecidos no Código de Ética, na Constituição Federal, no SUS e demais preceitos legais
competentes a estes profissionais. Em conjunto com a ação profissional pode-se fazer
correlação com os eixos presentes no primeiro capítulo deste trabalho e seus desdobramentos.
Os eixos discutidos são: a Integralidade na assistência à saúde e a Integralidade no exercício
profissional.
Com relação aos elementos do Serviço Social que elencamos em conexão com a
Integralidade observamos similaridades. Autores como Mattos (2001) defendem que a
Integralidade é uma “imagem-objetivo” por se almejar que ela se torne num horizonte
temporal definido a impressão real do caminho traçado hoje. O Serviço Social por sua vez,
visa alcançar certa unicidade e consolidação em seu projeto profissional, ou seja, caminha em
direção a uma “imagem-objetivo”, com bases e objetivos muito bem delimitados nos
princípios do Código de Ética.
Enquanto profissionais inseridos nas equipes de saúde, os assistentes sociais apontam
dificuldades de trabalhar interdisciplinarmente, segundo os resultados da pesquisa realizada
por Mioto e Rosa (2007)
30
. As conclusões desta pesquisa estão em Rosa (2007, p. 11), onde a
autora relata que os assistentes sociais se identificam e “são identificados pela equipe
multiprofissional como os responsáveis pela valorização, busca e estímulo do trabalho
interdisciplinar”, fato que destaca a inserção diferenciada dos assistentes sociais nas equipes
de trabalho.
Nogueira e Mioto (2006) sinalizam que a partir da implementação do SUS, a adoção
do paradigma da “produção social da saúde” produziu uma rearticulação dos discursos e das
práticas profissionais tradicionais no campo da assistência à saúde, e que o Serviço Social
adquire um novo estatuto a partir da proposição deste paradigma. As autoras afirmam:
É justamente através desta apropriação que as ações profissionais
encontram um novo espaço para sua discussão. Deve-se observar, no
entanto, que construir essa nova posição do Serviço Social impõe colocá-lo
no âmbito da discussão interdisciplinar que tem se realizado no campo de
conhecimento da saúde coletiva. Tal procedimento permite dar concretude,
direcionalidade e visibilidade à profissão, tanto a partir de seu projeto de
formação profissional, historicamente construídas, e re-visitadas sob a luz
do projeto ético-político do Serviço Social. Essa discussão torna-se
fundamental para impulsionar e assegurar a transformação das práticas
30
A pesquisa realizada por Mioto e Rosa intitulada “Processo de construção do espaço profissional do
Assistente Social em contexto multiprofissional: um estudo sobre o Serviço Social na Estratégia
Saúde da Família” pode ser consultada na íntegra no relatório de pesquisa entregue ao CNPQ.
Dados e resultados da referida pesquisa estão no Trabalho de Conclusão de Curso de Rosa, ao qual
fazemos referência.
98
profissionais no contexto da reforma sanitária.
Além disso, a atuação do Serviço Social é desempenhada com vistas à
intersetorialidade, compreendida como a articulação entre os vários serviços, vários setores e
várias políticas organizadas em uma rede de serviços similares e complementares que possa
ser facilmente acessada pelos usuários. A intersetorialidade, portanto, não se restringe à área
da saúde ou da assistência social, afinal frequentemente os usuários de um determinado
serviço necessitam acessar outros direitos ao mesmo tempo, e é competência dos assistentes
sociais garantirem a proteção social através da promoção e acesso aos direitos.
Nesse contexto, Nogueira e Mioto (2006, p. 275) destacam a interdisciplinaridade e a
intersetorialidade como pilares da Integralidade. A primeira por ser compreendida como:
um processo de desenvolvimento de uma postura profissional que viabiliza
um olhar ampliado das especificidades que se conjugam no âmbito das
profissões, através de equipes multiprofissionais, visando integrar saberes e
práticas voltadas à construção de novas possibilidades de pensar e agir em
saúde.
E a segunda:
como uma nova forma de trabalhar, de governar e de construir políticas
públicas visando à superação da fragmentação dos conhecimentos e das
estruturas institucionais para produzir efeitos significativos na saúde da
população e exige articulação entre sujeitos de diferentes setores sociais e,
portanto, de saberes, poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas
complexos (REDE UNIDA, 2000; JUNQUEIRA, 2004 apud NOGUEIRA e
MIOTO, 2006, p. 275).
Em relação à formação profissional é importante destacar que na medida em que as
diretrizes curriculares se construíram a partir da teoria crítica dialética, a categoria totalidade
tornou-se central no processo de formação dos assistentes sociais, nestes termos,
A capacitação teórico-metodológica e histórica é que permite uma
apreensão do processo social como totalidade, reproduzindo o movimento
do real em suas manifestações universais, particulares e singulares, em seus
componentes de objetividade e subjetividade, em suas dimensões
econômicas, políticas, éticas, ideológicas e culturais, fundamentado em
categorias que emanam da adoção de uma teoria social crítica
(ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 152).
99
Ainda:
A perspectiva fundante da formação profissional é um rigoroso trato
teórico, histórico e metodológico da realidade social. Sua hipótese é a
adoção de uma teoria social crítica e de um método que permita a apreensão
do singular como expressão da totalidade social. É a historização do
movimento da realidade que permite perceber as tendências do real. A
implicação dessa formulação é problematizar a sociedade do ponto de vista
da reprodução social, qualificando a unidade da produção material e da
reprodução das relações sociais. Considerando ser a questão social o foco
central da formação profissional, o Serviço Social, nas suas determinações
sócio-históricas e ídeo-políticas, deve requalificar as respostas profissionais
da questão social, definindo diretrizes e metas da formação profissional a
serem desenvolvidas, quais sejam: capacitação teórico-metodológica,
investigativa, teórica, investigativa articulada à intervenção profissional,
ético-política, capacitação para apreender as demandas, para apreender as
novas mediações e injunções nos campos tradicionais da prática
profissional, bem como as demandas emergentes, capacitação técnico-
política e teórica para compreender a prática profissional
(ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 166-167).
É válido destacar que a formação acadêmica dos assistentes sociais pode ser
considerada privilegiada, visto que, o currículo é composto por disciplinas como antropologia,
psicologia social, sociologia, ética e as demais áreas específicas da profissão fundamentadas
na teoria crítica. Tais conhecimentos conduzem os futuros profissionais a questionar e analisar
a realidade social. Especificamente no campo da saúde, destaca-se a prerrogativa de defender
um sistema de saúde no qual o direito à saúde estabelecido constitucionalmente é cumprido
em oposição ao modelo biomédico tradicional.
Precisamos, todavia enfatizar os desafios a serem superados pelo Serviço Social.
Dentre os inúmeros desafios a serem enfrentados e superados pelos assistentes sociais e outros
profissionais na busca da garantia dos direitos dos cidadãos cotidianamente, Vasconcelos
(2006, p. 242) ressalta “a necessidade de projetar e empreender uma prática, tendo em vista a
participação consciente e de qualidade no enfrentamento” da orientação econômico-social
(neoliberalismo) rumo aos interesses históricos da classe trabalhadora. Para tanto, é mister
romper com qualquer prática conservadora e contraditória ao projeto hegemônico da
categoria, e principalmente desenvolver práticas efetivamente condizentes com o referido
projeto.
A mesma autora realizou uma pesquisa sobre a realidade do Serviço Social no
cotidiano dos serviços de saúde em municípios e constatou que:
100
[...] há uma desconexão, uma fratura entre a prática profissional realizada
pelos assistentes sociais, os quais, direta ou indiretamente, tomam como
referência o projeto ético-político e as possibilidades de prática contidas na
realidade, objeto da ação profissional, as quais só podem ser apreendidas a
partir de uma leitura crítica da realidade, fruto de uma conexão sistemática –
ainda não existente- entre a prática profissional e o debate hegemônico da
categoria.
Marilda Iamamoto (2006), um expoente no que tange às referências para o Serviço
Social no Brasil, ao escrever sobre os desafios que se apresentam na atualidade aos assistentes
sociais, afirma que um dos maiores deles é o desenvolvimento, por parte dos profissionais, de
“sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes
de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano”.
Além da colocação de Iamamoto, identificamos outras questões discutidas pelos
autores e compreendidas como pontos a serem superados. A primeira delas diz respeito à
dicotomia teoria e prática destacada por Montaño (2000). O autor comenta sobre a influência
exercida pelo positivismo no Serviço Social, afirmando que esta corrente teórica causou
influxo e deixou seqüelas na profissão; principalmente sobre a idéia de desarticulação entre
teoria e prática. É recorrente a apresentação de críticas por parte dos próprios assistentes
sociais em relação à dicotomia teoria e prática, afinal a teoria marxista propõe a observação
da totalidade social para que possa haver uma real compreensão dos fenômenos.
Montaño (2000, p. 16) escreve:
Esta segmentación, muchas veces está marcada por la reproducción de la
separación profesional, muy al gusto del positivismo, entre el que conoce, el
“cientista” (sociólogo, economista etc.), y el que actúa, el profesional de
campo (asistente social, educador etc., vistos como agentes “de la práctica”);
otras veces es marcada por la identificación de uma supuesta teoría
“específica” del Servício Social, está considerada como el “conocer para
actuar” (diferenciada de la “teoría pura” de los “cientistas”), donde la teoría
(“del Servicio Social”) se reduce a la mera sistematización de las prácticas
y/o el conocimiento situacional (diagnóstico).
O autor prossegue suas análises afirmando que o produto das situações descritas é o
distanciamento do conhecimento crítico aliado às possibilidades de intervenção
transformadoras, e ainda, que a ação prática interventiva se isola das possibilidades críticas de
conhecimento. A práxis é resumida à prática cotidiana imediata; a teoria social por sua vez se
101
exaure em abstrações; e a teoria “específica”
31
do Serviço Social se esgota no conhecimento
operativo.
Outro fator que colabora para esta dicotomia é o de que os profissionais privilegiam
as especializações em detrimento da compreensão da dinâmica social por inteiro. Neste caso,
o conhecimento decodificado da realidade pelo profissional se apresentará de maneira
fragmentada resultando em uma resposta igualmente fragmentada e parcial (MONTAÑO,
2000).
Vasconcelos (2006) em sua pesquisa identificou que independente do tipo de
unidade de saúde, diferenças entre os usuários e das demandas dirigidas ao Serviço Social; os
profissionais mantêm uma postura de subalternidade ao movimento das instituições sem
perceber ativamente as demandas que se apresentam a ele. Deste modo, os assistentes sociais
não buscam estudar a gênese das demandas apresentadas pelos usuários nos atendimentos
nem as demandas institucionais, atentando apenas para a realização das demandas
espontâneas ou selecionadas e dirigidas ao Serviço Social pelos demais profissionais.
Com a finalidade de romper com essas práticas conservadoras, a autora destaca a
importância da definição clara e consciente das referências ético-políticas e ainda de uma
perspectiva teórico-metodológica que:
colocando referências concretas para a ação profissional, possibilite a
reconstrução permanente do movimento da realidade objeto da ação
profissional, enquanto expressão da totalidade social, gerando condições
para um exercício profissional consciente, crítico, criativo e politizante, que
só pode ser empreendido na relação unidade entre teoria e prática
(VASCONCELOS, 2006, p. 253).
Destarte, o perfil exigido para o profissional em contato com a realidade social e suas
interfaces e apto a lidar com as mesmas deve compreender uma capacitação teórico-
metodológica, ético-política e técnico-operativa pautada na teoria crítica que aponta para a
apreensão crítica da realidade na perspectiva da totalidade. Além disso, deve atentar para a
análise do movimento histórico, a compreensão do significado social da profissão e a
formulação de respostas para as demandas presentes na sociedade.
Tal consistência se faz necessária perante as diversas vertentes teóricas que se
apresentam constantemente como alternativa às bases do Serviço Social e que correntemente
influenciam muitos profissionais desatentos. A apropriação de teorias exteriores ao Serviço
31 Aspas originais do texto de Montaño.
102
Social sem questioná-las põe em risco a unicidade almejada pela categoria desde o
Movimento de Reconceituação. É necessária uma real compreensão dos novos discursos a fim
de estabelecer uma posição coerente com as bases profissionais, esta é uma das proposições
deste trabalho, localizar a Integralidade em saúde no e a partir do pensamento teórico do
Serviço Social, e deste modo contribuir com propriedade e sobriedade com este campo do
conhecimento.
No desenrolar desse movimento, o assistente social calcado nas bases teóricas
indispensáveis, desenvolve sua prática de forma delineada contemplando a promoção da
saúde, a prevenção das doenças, a qualidade do profissional e do atendimento prestado ao
usuário, a perspectiva dos determinantes sociais da saúde e da doença, etc.; isto é, a
Integralidade em saúde. Porém, precisamos atentar para as implicações de chegar a este
patamar de compreensão. Acreditamos que além da superação da dicotomia teoria e prática
um segundo fator exerce papel fundamental, a interdisciplinaridade.
A interdisciplinaridade se destaca tanto no campo da produção do conhecimento
como no desafio prático na pesquisa e nos processos pedagógicos. No primeiro Frigotto
(2000) aponta para a necessidade de a interdisciplinaridade fundar-se no caráter dialético da
realidade social que é, una e diversa. O autor explica:
O caráter uno e diverso da realidade social nos impõe distinguir os limites
reais dos sujeitos que investigam os limites do objeto investigado. Delimitar
um objeto para a investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo
arbitrariamente. Ou seja, se o processo de conhecimento nos impõe a
delimitação de determinado problema, isto não significa que tenhamos que
abandonar as múltiplas determinações que o constituem. E, neste sentido,
mesmo delimitado, um fato teima em não perder o tecido da totalidade de
que faz parte indissociável (FRIGOTTO, 2000, p. 27).
Com relação ao segundo ponto, o autor destaca que deve haver um posicionamento
radicalmente favorável ao materialismo histórico, com o intuito de romper com o ecletismo e
com o dogmatismo. Além disto, tanto com relação à pesquisa como ao trabalho pedagógico é
indispensável ao trabalho interdisciplinar, que as concepções de realidade, conhecimento e os
pressupostos e categorias de análise sejam criticamente explicitados.
O caminho pelo qual nos conduz Frigotto (2000) em suas considerações desemboca
na terceira questão a ser destacada, a formação profissional. O educador destaca como ponto
crucial para a prática do trabalho interdisciplinar, sobrepujar-se à dominação de uma
formação fragmentária, positivista e metafísica.
103
Merhy (1997) apud Nogueira e Mioto (2006, p. 274) ao falar sobre o importante
aspecto coletivo nos serviços de saúde escreve:
Nestes muitos anos de militância e acumulação de experiências vivenciadas
na busca da mudança do modo de produzir saúde no Brasil, aprendemos
que: ou esta é uma tarefa coletiva do conjunto dos trabalhadores de saúde,
no sentido de modificar o cotidiano do seu modo de operar o trabalho no
interior dos serviços de saúde, ou os enormes esforços de reformas macro-
estruturais e organizacionais, nas quais nos temos metido, não servirão para
quase nada.
Essa perspectiva, na opinião das autoras, possibilita superar a dissonância existente
entre a prática dos assistentes sociais e o projeto ético-político, entre a teoria e a prática e
entre a intenção e a ação. Indicam ainda que a possível falta de nitidez ou conhecimento por
parte dos assistentes sociais em relação aos projetos em confronto ou talvez por opção
ideológica tenha caracterizado a inserção destes profissionais “no campo da saúde muitas
vezes de modo acrítico, ou seduzidos pelo canto das sereias, que é o mercado, na direção
oposta ao projeto ético-político”.
Sabe-se que o Serviço Social a partir da elaboração das novas Diretrizes Curriculares
para o Curso, sob a coordenação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social – ABEPSS e com apoio das outras entidades da categoria – decorre de um amplo
debate realizado pelas Unidades de Ensino a partir de 1994, que resultou na sua aprovação em
1996. Desde então vem ocorrendo, em todo o país, a revisão dos currículos de Serviço Social
sob essas novas diretrizes, que aprofundam as bases do processo de revisão curricular de
1982, quando a formação profissional do assistente social rompeu com suas bases
conservadoras, assumindo uma perspectiva histórico-crítica de profissão (CFESS, 2005).
Além disso, Nogueira e Mioto (2006, p. 219) ao discutirem a inserção do Serviço
Social no campo saúde e a articulação da ação profissional às diretrizes do SUS, propondo um
debate que contemple tanto o aspecto do projeto da reforma sanitária quanto o projeto ético-
político, destacam que congregar ambos os projetos “sinaliza para um estatuto diferenciado da
profissão no campo da saúde”. Sua argumentação está embasada em três pontos:
O primeiro está relacionado à concepção ampliada de saúde e a um novo
modelo de atenção dela decorrente, incluindo-se a atenção à saúde como um
dos pilares estruturantes dos sistemas públicos de bem-estar construídos no
século passado (Campos e Albuquerque, 1999).
104
A base de composição deste processo tem sido a nova visão analítica sobre o
processo saúde-doença a partir do reconhecimento dos determinantes sociais o que amplia as
pesquisas sobre modalidades de atenção inovadoras devido à preocupação com a
resolutividade dos sistemas públicos nacionais de saúde. Nesta mesma linha, a promoção da
saúde vem se constituindo como campo abrangente de práticas em conjunto com a articulação
entre prevenção e cura; acrescida de adensamento conceitual que responde ao modelo de
atenção à saúde proposto pelo SUS.
O segundo ponto é que,
atualmente, ocorre um movimento de reorganização e atualização das
práticas em saúde através dos Pólos de Capacitação Permanente e
Atualização Profissional em vários níveis, para distintas categorias
profissionais e para programas específicos, instituídos pelo Ministério da
Saúde (MS). Tal movimento, vinculado à Política Nacional de Educação
Permanente do MS tem buscado qualificar recursos humanos para atuação
nos moldes preconizados pelos princípios e diretrizes do SUS. Por essa
razão amplia-se a preocupação com a especificidade do Serviço Social à
medida que se observam outras profissões alargando suas ações em direção
ao social. Fica evidente a força que a temática do social, e do trabalho com
o social, vem ganhando no âmbito da saúde, através das diferentes
profissões.
E, finalmente, o terceiro ponto, é paradoxalmente, a “desqualificação pela qual vem
passando os aspectos relacionados ao social”. As autoras fazem esta afirmação, embasadas na
análise do formato de programas como o de Agentes Comunitários de Saúde, na qual, é
atribuída aos profissionais a execução de ações complexas e inadequadas com seu nível de
habilitação. Destaca-se também, o fato de a supervisão do programa ser atribuída ao
enfermeiro. Isto reforça a escassa preocupação com uma ação técnica mais competente e
aponta para uma visão reducionista da área contrapondo-se à concepção preconizada na
Constituição Federal.
É válido destacar que a superação de questões como a de estatuto de profissão
paramédica, típico do modelo biomédico e como é reconhecido o Serviço Social, passa pelas
três etapas destacadas acima. Além disso, trabalhar na perspectiva do direito à saúde
privilegiando o exercício do princípio da Integralidade, garantido constitucionalmente e na
legislação complementar, e ancorado nos pilares da interdisciplinaridade e da
intersetorialidade, possibilita também uma inserção diferenciada do assistente social na área
da saúde. Além disto, se almejamos contribuir para alcançar a consolidação plena do Projeto
105
Sanitário é fundamental enquanto categoria profissional, reafirmar um exercício pautado na
teoria crítica.
A Integralidade, que além da interdisciplinaridade e da intersetorialidade, possui
outros significados, integra um debate nem sempre atento às bases da Reforma Sanitária.
Frente às várias tendências teóricas que discutem a Integralidade, observamos a necessidade
de recolocar as discussões nos trilhos da teoria marxista que inspirou a construção do
Movimento Sanitarista. Enquanto à Integralidade são atribuídos os mais diversos significados
a partir das mais diferentes concepções, é necessário ter discernimento a fim de identificar os
elementos que não condizem com sua essência. Neste sentido, o Serviço Social pode dar sua
contribuição, uma vez que tem na teoria crítica a fundamentação de seus princípios e
parâmetros do exercício profissional, apesar de ainda hoje ter como desafio a busca da
consolidação efetiva e unívoca de seu projeto ético-político.
106
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