Download PDF
ads:
Universidade de Brasília
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Geografia
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MORADIA E DA NATUREZA DOS
MORADORES DE LOTEAMENTOS DE BAIXA RENDA EM ÁGUAS
LINDAS DE GOIÁS – GO
Mestranda: MARIA DAS DÔRES SILVA NÓBREGA - Matrícula: 07/55958
Orientadora: Profª. Drª Marilia Luiza Peluso
Dissertação de Mestrado
Brasília-DF, 05 de agosto de 2009.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ii
Universidade de Brasília
Instituto de Ciências Humanas
Departamento de Geografia
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA MORADIA E DA NATUREZA DOS
MORADORES DE LOTEAMENTOS DE BAIXA RENDA EM ÁGUAS LINDAS DE
GOIÁS – GO
Mestranda: MARIA DAS DÔRES SILVA NÓBREGA - Matrícula: 07/55958
Dissertação de Mestrado submetida ao Departamento de Geografia da Universidade de
Brasília, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do Grau de Mestre em
Geografia, área de concentração Gestão Ambiental e Territorial, opção Acadêmica.
Aprovado por:
_____________________________________
Profª. Marilia Luiza Peluso, Doutora, GEA/UnB
(Orientador)
_____________________________________
Profª. Nelba Azevedo Penna, Doutora, GEA/UnB
(Examinador Interno)
_____________________________________
Profª. Ângela Maria de Oliveira Almeida, Doutora, PSTO/UnB
(Examinador Externo)
Brasília, 05 de agosto de 2009.
ads:
iii
NÓBREGA, MARIA DAS DÔRES SILVA
Representações sociais da moradia e da natureza dos moradores de loteamentos de baixa
renda em Águas Lindas de Goiás - GO, 128 p., 297 mm, (UnB-GEA, Mestre, Geografia,
2009).
Dissertação de Mestrado – Universidade de Brasília. Departamento de Geografia.
1. Moradia e Natureza 2. Representações Sociais
3. Loteamentos 4. Espaço Urbano
I. UnB-GEA II. Título (série)
É concedida à Universidade de Brasília permissão para reproduzir cópias desta dissertação e
emprestar ou vender tais cópias somente para propósitos acadêmicos e científicos. A autora
reserva outros direitos de publicação e nenhuma parte desta dissertação de mestrado pode ser
reproduzida sem a autorização por escrito da autora.
______________________________
Maria das Dôres Silva Nóbrega
iv
DEDICÁTORIA
A meu irmão Marcelo, já falecido, que me ensinou que a vida, dure o que durar, vale
sempre a pena ser vivida, principalmente quando buscamos atingir nossos ideais e objetivos.
A meus pais, que, mesmo com poucas oportunidades de estudos, sempre se esforçaram
para que eu pudesse prosperar em meus estudos e chegar aqui. Sem eles eu jamais teria
conseguido.
A meus irmãos Selma e Márcio, que sempre suportaram os meus momentos de
dificuldades e, com suas palavras de apoio, nortearam, com muita sabedoria, esses momentos
por mim vivenciado.
E, finalmente, a meu irmão Alexandre, que, mesmo longe do meu convívio familiar,
sempre me incentivou para a realização e conclusão desse importante passo em minha vida
profissional e acadêmica.
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente à professora Dra. Marilia Luiza Peluso, por sua dedicação e
orientação aos meus estudos, por ter depositado confiança, incentivando-me e compartilhando
seus conhecimentos, mesmo diante da minha insegurança e, principalmente, por sua
paciência, transformando-me em uma pessoa confiante e capaz de alçar vôos mais altos. A
minha profunda admiração e respeito.
À professora Dra. Ângela Maria de Oliveira Almeida, que acreditou na minha
capacidade acadêmica, dando-me a oportunidade de conhecer uma metodologia de estudo e
uma teoria, que me proporcionou o primeiro contato com o método utilizado, indicando a
primeira leitura para o desenvolvimento da análise, pois vários foram os encontros de
conversação e orientação. A minha gratidão, admiração e respeito.
À equipe do CENTRO MOSCO, pelo auxílio e processamento do corpus das entrevistas
com software ALCESTE. Os meus sinceros agradecimentos.
Aos meus amigos que vivenciaram e compartilharam as falas constantes sobre Águas
Lindas de Goiás, sobre as pesquisas de campo e aplicações das entrevistas, inclusive
dividindo comigo a sensação de como se constrói uma pesquisa acadêmica. A minha eterna
gratidão.
Às minhas colegas e amigas Marizângela e Isaura, que suportaram muito os meus
momentos de fragilidade durante a pesquisa, me indicando e me fortalecendo rumo ao que foi
imprescindível para essa conquista. Com vocês divido os louros dessa vitória.
E, finalmente, à minha grande amiga Rosiane, que dedicou boa parte de suas horas me
acompanhando nas pesquisas de campo a Águas Lindas de Goiás, me ajudando e apoiando,
assim como me propiciando momentos de descontração quando da euforia da análise dos
resultados e discussões da pesquisa. Serei eternamente grata a você.
vi
RESUMO
Esta dissertação discute qual o significado da moradia e da natureza para moradores de
loteamentos situados na Área de Preservação Ambiental (APA) do rio Descoberto, ou seja,
loteamentos irregulares perante a legislação ambiental e urbanística brasileira. Investigar-se-á
os loteamentos enquanto lugares de eventos, tendo por objetivo acessar as representações
sociais da moradia e da natureza para a população de baixa renda, que mora em loteamento na
área de preservação ambiental. Trabalhou-se com a hipótese norteadora de que a prática da
ilegalidade está relacionada às representações sociais que os agentes produtores do espaço de
Águas Lindas constroem sobre a moradia e a natureza. A teoria estudada e que fundamenta a
pesquisa é a das representações sociais e do espaço geográfico, ou seja, a interdisciplinaridade
entre a Geografia e a Psicologia Social. Nas representações sociais, os dois processos que são
examinados no âmbito do espaço social são a objetivação e a ancoragem enquanto dimensão
simbólica que é convertida numa dimensão real e, a realidade, dá-se um ar simbólico. Os
dados foram coletados por meio de entrevistas em dois momentos diferentes: o primeiro, com
entrevistas semidirigidas a moradores, promotores imobiliários e agentes de políticas
públicas; o segundo, com aplicação de entrevistas narrativas somente a moradores dos
loteamentos Jardim das Oliveiras I e II. O corpus das entrevistas foi analisado com o auxílio
do software ALCESTE. Observou-se que, para os moradores, o valor simbólico da moradia e
da natureza enquanto valor de uso é mais importante que o valor simbólico da troca, ou seja,
da mercadoria. É possível, também, compreender, por meio das representações, que a moradia
e a natureza estão em fase de transição, que vai do momento no qual se identificavam quando
moravam com os pais, para outro, que justifica a moradia que adquiriram. A Ancoragem se
porque trazem suas casas anteriores e objetivação porque racionalizam o lugar para poderem
viver nele.
Palavras-Chave: espaço, moradia, natureza, representação social.
vii
ABSTRACT
This paper discuss over the significance from home and nature about to residents of division
of land into lots that if they situate on Preservation Environmental of the rio Descoberto”, in
other words the lots are illegal before the legislation environmental and urban Brazilian. This
research investigated the division of land into lots while place of events, and the point is turn
up the social representations from home and nature for population of low income, this
population lives in the area of environmental protection. The hypothesis of this paper have
been driven that the practice from illegality is related the social representation as the agents
producers of the space of “Águas Lindas” build above the home and the nature. The theory
studied and that based the survey is from the social representations and of the geographic
space, in other words, the interdisciplinarity among the Geography and the Social Psychology.
On the social representations the two processes that they are tested in the scope of the social
space are the objectification and anchor while dimension symbolic is converted on a real
dimension and the reality gives something symbolic. The data have been collection by means
of interviews two moments different: the first, with interviews with the residents, prosecutors
immovable and agents of public policies and the second, with application of interviews
narratives only the residents from the division of land into lots “Jardim das Oliveiras I and II”.
The corpusfrom the interviews has been analyzed with the aid of the software ALCESTE.
It was observed that about to the dwellers the worth symbolic from home and nature while
value of use is more important than the worth symbolic from changes, in other words, from
goods. It is possible, also, understand through the representations of the dwelling and the
nature are in phase transitional among moment on which it is identified when they lived with
the parents, justified the dwelling about acquire. The anchoring is given because they bring it
before their homes and objectification because streamline the place to be able to live in it.
Keywords: housing, nature, social representation, space.
viii
SUMÁRIO
DEDICÁTORIA ......................................................................................................................iv
AGRADECIMENTOS............................................................................................................. v
RESUMO..................................................................................................................................vi
ABSTRACT ............................................................................................................................vii
LISTA DE TABELAS.............................................................................................................xi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ...........................................................................xii
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SIMBOLIZAÇÃO DO
ESPAÇO.................................................................................................................................. 21
1.1 OBJETIVAÇÃO E ANCORAGEM...............................................................................31
1.2 A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA PERSPECTIVA DO ESPAÇO
SOCIAL................................................................................................................................... 32
CAPÍTULO 2 – O CAMPO REPRESENTACIONAL: MORADIA E
NATUREZA............................................................................................................................37
2.1 OS LOTEAMENTOS ...................................................................................................... 41
CAPÍTULO 3 - A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA HABITACIONAL
NO ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL .......................................................................46
3.1 O CONTEXTO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRA.................... 47
3.2 URBANIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DO
ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL .............................................................................. 48
CAPÍTULO 4 - ÁGUAS LINDAS: O OBJETO DE ESTUDO E SEU
CONTEXTO ........................................................................................................................... 53
CAPÍTULO 5 - METODOLOGIA ....................................................................................... 61
5.1. PARTICIPANTES .......................................................................................................... 61
5.2. O INSTRUMENTO DE PESQUISA ............................................................................. 62
5.3. PROCEDIMENTOS DE COLETA............................................................................... 63
ix
5.4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE..............................................................................63
5.5. CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO EXPLORATÓRIO PARA A
PESQUISA FINAL.................................................................................................................69
CAPÍTULO 6 – PESQUISA FINAL: OS MORADORES DOS
LOTEAMENTOS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL........................................................... 79
O CONTEXTO DA PESQUISA ........................................................................................... 79
6.1. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA FINAL........................................................... 81
6.2. INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO...................................................................... 86
6.3. PROCEDIMENTOS DE COLETA............................................................................... 89
6.4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE..............................................................................90
RESULTADOS....................................................................................................................... 90
DISCUSSÃO ........................................................................................................................... 98
1. O ESPAÇO EM QUE VIVO: A MORADIA E SUAS DEMANDAS............................ 98
2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA NATUREZA....................................................... 103
3. RUMO À CONQUISTA DA CASA PRÓPRIA: O LOTE - A
PROPRIEDADE................................................................................................................... 107
4. MEMÓRIAS DA MORADIA E DA NATUREZA........................................................ 111
5. MORADIA E NATUREZA A SUPERAÇÃO DA DUALIDADE ............................... 113
CONCLUSÃO....................................................................................................................... 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 120
ANEXO A - INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS............................................ 125
ENTREVISTAS SEMIDIRIGIDAS - ESTUDO EXPLORATÓRIO .............................125
MORADORES..................................................................................................................125
PROMOTORES IMOBILIÁRIOS................................................................................. 126
AGENTES DE POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................... 127
ANEXO B - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS NARRATIVAS...................................... 128
MORADORES..................................................................................................................128
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno.. 15
Figura 2 - Área de Proteção Ambiental da Bacia do rio Descoberto ................... 17
Figura 3 - Localização de Águas Lindas de Goiás ................................................ 54
Figura 4 - Adensamento populacional de Águas Lindas no período de 1998 a
2000 .......................................................................................................
56
Figura 5 - Localização dos Loteamentos em estudo .............................................. 59
Figura 6 - Reprodução gráfica dos resultados gerados pela análise do ALCESTE 68
Figura 7 - CHD efetuada sobre as 9 entrevist
as com identificação das 7 classes
e suas respectivas relações.....................................................................
69
Figura 8 - Classificação Hierárquica Descendente (CHD) sobre o corpus
discursivo composto de 9 entrevistas ....................................................
71
Figura 9 - Classificação Hierárquica Descendente (CHD) sobre o corpus
discursivo composto de 9 entrevistas ....................................................
72
Figura 10- Análise Fatorial de Correspondência (AFC) sobre o corpus discursivo
composto de 9 entrevistas .....................................................................
74
Figura 11- Foto 1 do Bairro Jardim da Barragem VI ............................................. 76
Figura 12- Foto 2 do Bairro Jardim da Barragem VI ............................................. 76
Figura 13- Foto do loteamento Jardim das Oliveiras I ........................................... 80
Figura 14- Foto do loteamento Jardim das Oliveiras II .......................................... 80
Figura 15- Foto das águas pluviais do loteamento ................................................. 81
Figura 16- Intersecção das classificações sobre o corpus
discursivo composto
de 30 entrevistas ....................................................................................
91
Figura 17- Classificação Hierárquica Descendente (CHD) sobre o corpus
discursivo composto de 30 entrevistas ..................................................
92
Figura 18- Classificação Hierárquica Descendente (CHD) sobre o corpus
discursivo composto de 30 entrevistas ..................................................
93
Figura 19- Análise de Correspondência Fatorial (AFC)
analisadas e das variáveis ......................................................................
97
xi
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Distribuição da população no território brasileiro entre 1940 a 2000 47
Tabela 2 - Crescimento populacional do Distrito Federal de 1960 a 2004 ..........
49
Tabela 3 - Crescimento populacional do Entorno do Distrito Federal de 1991 a
2004 ....................................................................................................
49
Tabela 4 - Dados sócio-econômicos dos participantes do estudo exploratório ... 61
Tabela 5 – Condições sócio-econômicas dos moradores ..................................... 82
Tabela 6 – Mobilidade espacial dos moradores ....................................................
83
Tabela 7 – Condições de moradia dos moradores ................................................ 83
Tabela 8 – Fases principais da entrevista narrativa .............................................. 88
xii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AFC Análise Fatorial de Correspondência
ALCESTE Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto
APA Área de Proteção Ambiental
BNH Banco Nacional de Habitação
CAESB Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília
CDH Classificação Hierárquica Descendente
CEF Caixa Econômica Federal
CELG Centrais Elétricas de Goiás S.A.
CHA Classificação Hierárquica Ascendente
Codeplan Companhia de Planejamento do Distrito Federal
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impactos Ambientais
GDF Governo do Distrito Federal
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU Imposto Predial Territorial Urbano
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PSH Programa de Subsídio Habitacional
RIDE Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno
SANEAGO Saneamento de Goiás S/A
UCE Unidade de Contexto Elementar
UCI Unidade de Contexto Inicial
Χ² Qui quadrado ou Chi2
13
INTRODUÇÃO
A ocupação das cidades brasileiras foi se constituindo pela incorporação de novos e
constantes contingentes migratórios que buscaram trabalho no meio urbano e nele procuram
se fixar. O crescimento da malha urbana, a expansão da rede de transportes e a reorientação
de fluxos migratórios transformaram a ocupação de terras.
A ocupação do solo, principalmente na periferia das cidades e em áreas sensíveis e de
risco, onde a terra é mais barata ou torna-se possível a “invasão” era, e ainda hoje é feita sem
controle governamental. Tal fato é nitidamente observado pela distribuição das residências
decorrente da urbanização brasileira, altamente segregada. A grande valorização da terra,
decorrente da seletividade do território, fez com que pessoas de baixa renda, que não puderam
arcar com o alto preço dos imóveis, procurassem lugares de menor valor dos aluguéis ou da
moradia e migrassem para áreas sempre mais periféricas. Foi o que ocorreu com o conjunto
urbano composto pelo Distrito Federal e Municípios do entorno, em Minas Gerais e Goiás,
formando um embrião de região metropolitana, que em 1998 foi chamada de Região
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE
1
).
Assim, iniciou-se um processo de expansão urbana da Capital Federal marcada pela
proliferação de construções em locais impróprios, cujo uso do solo se destina a áreas de
proteção ambiental, por exemplo, nas quais não deveria haver moradias. Logo, surgiram
problemas de ordem ambiental, fundiário e habitacional que se concentraram, em grande
parte, nas cidades e que, se não forem combatidos, tendem a se agravarem.
Para trabalhar com os problemas ambiental, fundiário e habitacional, o país conta com a
edição do Estatuto da Cidade como instrumento de política urbana. No entanto, esse
instrumento não coíbe novas ocupações irregulares, pois propicia o atendimento das
reivindicações sociais por regularização das áreas ocupadas de forma irregular, segundo
aponta a diretriz XIV:
Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por populações de
baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização,
uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica
da população e as normas ambientais. (ESTATUTO DA CIDADE, 2005,
p.259).
1
A (RIDE) foi criada pela Lei Complementar n ° 94, de 19 de fevereiro de 1998.
14
Assim, o Estatuto da Cidade determina proteção legal ao direito à moradia das pessoas
que vivem na irregularidade, mediante a legalização e urbanização das áreas ocupadas pela
população de baixa renda. A diretriz XIV é um ponto de potencial conflito sócio-ambiental,
pois de um lado tem-se a necessidade de prover condições mais adequadas aos loteamentos
irregulares e por outro a necessidade de proteger as áreas de interesse ambiental. A aplicação
do Estatuto da Cidade pode estimular a ocupação de áreas de risco ou unidades de
conservação de proteção integral, com a certeza de sua futura regularização.
Outro ponto de considerável relevância é que a análise das repercussões da diretriz XIV,
do Estatuto da Cidade, como instrumento de política pública, pode levar os moradores a
ocuparem áreas impróprias para moradias e a criarem expectativas de que não ficarão sem
moradia, porque o Estado tem que prover sua demanda.
No Município de Águas Lindas de Goiás, localizado no Estado de Goiás, na divisa oeste
com o Distrito Federal, a leste de Cocalzinho - GO, a sul de Santo Antônio do Descoberto -
GO e a norte de Padre Bernardo - GO, que faz parte da RIDE
2
(ver figura 1), é notório o
conflito sócio-ambiental.
2
É constituída pelo Distrito Federal, pelos Municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas de
Goiás, Alexânia, Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás, Cristalina, Formosa,
Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre Bernardo, Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do
Descoberto, Valparaíso de Goiás e Vila Boa, no Estado de Goiás, e de Unaí, Buritis e Cabeceira Grande, no
Estado de Minas Gerais.
15
FIGURA 1 REGIÃO INTEGRADA DE DESENVOLVIMENTO DO DISTRITO
FEDERAL E ENTORNO
Fonte: Ministério da Integração Nacional, elaboração cartográfica Rafael Augusto Pinto, Junho/2008.
Santo Antônio do Descoberto aprovava e licenciava os loteamentos implantados longe
da sede do Município, na zona rural e também na Área de Proteção Ambiental (APA) da
Bacia do rio Descoberto antes mesmo que Águas Lindas se tornasse Município. Os
loteamentos iniciais para chácaras de recreio foram reparcelados em lotes de dimensões
urbanas, pois assim seriam mais bem comercializados. Posteriormente, novos loteamentos
surgiram em torno desse embrião de cidade.
Apesar de ter somente 13 anos, Águas Lindas de Goiás apresenta problemas de uma
grande cidade, como demanda por transportes, infra-estrutura urbana e saneamento. O
adensamento populacional de Águas Lindas é consequência da política habitacional
implementada em Brasília, que não atendeu às necessidades das populações com baixos
rendimentos. Segundo o plano diretor de Águas Lindas (2002), a situação dos loteamentos
que se estabeleceram em Brasília incentivou a expansão da periferia.
16
Em 1958, no entanto, se inicia a construção das cidades-satélites. Ao tomar
essa iniciativa o governo inicia o processo de invasões e legitimações dos
espaços, que primeiramente se deu no âmbito do quadrilátero do DF e
posteriormente expandiu-se pela periferia, ou entorno, mantendo sempre o
“cordão umbilical” com o Plano Piloto. (PLANO DIRETOR DE ÁGUAS
LINDAS, 2002, p.6).
Peluso (1999), por sua vez, aborda a situação de uma política habitacional de entrega de
lotes no Distrito Federal, como ocorreu entre 1988 e 1990, antes da primeira eleição direta
para governador. Segundo a autora, essa prática atraiu uma população com a ilusão de
“ganhar” lotes. Como muitas vezes isso não ocorreu, percebeu-se uma redução significativa
da política habitacional popularmente conhecida como “farra dos lotes”. A iniciativa populista
do governo levou, junto com os assentamentos criados no período, à ocupação da terra de
forma ilegal, resultando numa tragédia em termos sociais, urbanos e ambientais.
A população despreparada e despossuída teve de buscar áreas mais baratas para se
estabelecer. Surgiu, então, no entorno e especificamente na área em estudo, um adensamento
significativo. Entre 1995 a 2001, a população de Águas Lindas, de acordo com dados do
Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), praticamente duplicam.
Em 1995 apresentava 61.478
3
habitantes e em 2001 alcançou 105.746 habitantes, ou seja,
apresentou um incremento de aproximadamente 45.000 pessoas.
O crescimento acelerado do Município de Águas Lindas de Goiás, como visualizado
nos dados do IBGE, apresentou uma taxa média anual de 14,4%, no período de 1996-2000,
ultrapassando a marca de 100 mil habitantes em 2000 (ROCHA NETO et al., 2006). Em
2007, o Município alcançou 131.884 habitantes (IBGE, 2008). De acordo com os dados
apresentados, não é difícil avaliar a pressão ocasionada sobre a oferta de bens e serviços,
principalmente, a demanda por moradia.
É importante destacar que parte da APA do rio Descoberto está no Município de Águas
Lindas, (ver figura 2). A área protegida foi criada em 7 de novembro de 1983, sob o Decreto
88.940, cuja legislação ambiental estabelece as medidas prioritárias de proteção que visam
proporcionar o bem-estar das futuras gerações. O Decreto deriva da importância do
represamento de água do rio Descoberto, o qual é responsável pelo abastecimento de
aproximadamente 61% da população do Distrito Federal, segundo a Companhia de
Saneamento Ambiental de Brasília (CAESB, 2007). No entanto, a área protegida vem sendo
paulatinamente ocupada por loteamentos.
3
Altas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
17
FIGURA 2 – ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO DESCOBERTO
Fonte: IBAMA, 2006.
O processo de ocupação das terras em Águas Lindas de Goiás, atualmente, apresenta
diversas irregularidades, como a ocupação de áreas destinadas à proteção ambiental. A área de
proteção permanente no Município foi loteada sem considerar a legislação ambiental. Assim,
a maioria dos loteamentos foi aprovada pelos Municípios vizinhos, como Luziânia e Santo
Antônio do Descoberto, antes da emancipação de Águas Lindas. Diante da ocupação
irregular, o foco do presente estudo são os loteamentos que se localizam na Área de Proteção
Ambiental da Bacia do rio Descoberto do Município, que resulta em conflito sócio-ambiental
diante do dilema da moradia e da preservação ambiental.
A cidade de Águas Lindas, segundo Wada (2003), é resultante da dinâmica
populacional e da urbanização do Distrito Federal, bem como da ausência de legislação
urbanística e gestão ambiental do Município. O Plano Diretor do Município (2002), por sua
vez, acrescenta também a ausência de planejamento regional, assim como a gestão urbana é
inadequada à realidade da cidade, o que contribui para o surgimento e agravamento dos
problemas sócio-ambientais.
18
Assim, evidencia-se a necessidade de subsídios para o planejamento e a gestão do
ordenamento do território da cidade que contribuam para a minimização dos problemas
ambientais e de moradia. Uma das consequências notórias da falta de planejamento está
relacionada à problemática ambiental como resultado do crescimento urbano que tem
avançado sobre áreas protegidas. Entre as tensões, salienta-se, por um lado, a legislação da
(APA) Bacia do rio Descoberto, que impõe limites à ocupação e, por outro lado, a não
observância dos limites pelo avanço das moradias.
As peculiaridades de Águas Lindas, como, por exemplo, o crescimento populacional e a
sua área de proteção ambiental, tornam-se alvo de discussões que envolvem tanto o
planejamento urbano de Brasília, quanto o planejamento do Município e do Estado de Goiás.
Contudo, a complexidade dos processos e fenômenos que envolvem Águas Lindas nos leva a
pensar o espaço urbano em sua totalidade. Um caminho ainda pouco utilizado para
compreender o dilema em que vivem os moradores, que consiste em morar e preservar a
natureza, ou ambos, é o que considera a subjetividade do indivíduo, ou seja, os processos
internos ao sujeito que se materializam no espaço e estruturam os processos externos e
espaciais.
A nova conjuntura gerada em Águas Lindas pelos parcelamentos ilegais justifica
discussões que busquem uma proximidade no estudo interdisciplinar entre o espaço
geográfico e as representações sociais. O entendimento da interdisciplinaridade permeará
tanto os fundamentos da Geografia quanto da Psicologia Social, buscando as representações
sociais por meio da história de vida dos moradores para aquisição da moradia, cujos valores
simbólicos e experiências cotidianas são primordiais na fala dos entrevistados. Assim,
desvendar-se-ão os valores simbólicos dos ocupantes da APA do Descoberto em Águas
Lindas, que vivem, consomem, produzem e planejam o espaço em estudo.
Justifica-se a inserção das representações sociais no presente estudo com o intuito de
acrescentar elementos aos novos caminhos de pesquisas e na sistematização de conhecimentos
traçados no espaço e no pensamento social. Introduz-se o conceito de representação social,
relacionando-o com o referencial teórico em pesquisas e teorias sobre o espaço urbano,
desenvolvido por autores das áreas de sociologia (MARTHA DE ALBA), de psicologia
(MOSCOVICI; JODELET; ALMEIDA) e de geografia (PELUSO).
As representações sociais, segundo De Alba (2006), são dinâmicas se criam e recriam
com o passar do tempo, devido a novas experiências e novos conhecimentos recebidos
mediante o ato criativo de combinar ideias, recordações e sensações. São formas de
19
pensamento social que se originam de diversas fontes, com as quais o homem procura
entender o mundo em que se encontra (MOSCOVICI, 1978).
As questões norteadoras da presente pesquisa referem-se a: quais são as representações
sociais da moradia e da natureza partilhadas pelos envolvidos na ocupação irregular em Águas
Lindas de Goiás? Como os problemas ambientais e urbanos contribuem para a construção
dessas representações? De que maneira tais representações sociais estão relacionadas às
práticas sócio-espaciais e às tentativas de gerir e planejar a cidade?
As indagações objetivam estabelecer as representações sociais da moradia e da natureza
vivenciadas pelos moradores de loteamentos irregulares de baixa renda. Portanto, o objetivo
geral da pesquisa é desvendar as representações sociais da moradia e da natureza expressas
pelos moradores para compreender como racionalizam o conflito sócio-ambiental em
loteamentos de baixa renda do Município de Águas Lindas de Goiás.
De maneira mais específica, o estudo tem como objetivos: a) compreender de que
maneira as representações sociais estão relacionadas às práticas sócio-espaciais que resultam
nos loteamentos ilegais; b) reconhecer como os problemas ambientais e urbanos contribuem
para a construção das representações sociais da natureza e da moradia e c) investigar de que
modo as representações sociais dos moradores interferem nas tentativas de gerir e planejar a
cidade.
Para atingir os objetivos, trabalha-se com as seguintes hipóteses norteadoras do
trabalho: como primeira hipótese, considera-se que a prática da ilegalidade está relacionada às
representações sociais que os agentes produtores do espaço de Águas Lindas constroem sobre
a moradia e a natureza. Como segunda hipótese, considera-se que as representações sociais
dirigem as práticas sócio-espaciais dos agentes e, como terceira hipótese, os agentes
justificam a prática da ilegalidade pela sua realidade social transformada em representação.
A estrutura da presente pesquisa divide-se em duas partes: teórica e empírica. A parte
teórica é dividida em três capítulos. No primeiro, apresenta-se a teoria das representações
sociais. Discute-se tanto o objeto de estudo da Geografia, o espaço, como a teoria das
representações sociais e seus processos constituintes, a objetivação e a ancoragem. Procura-se
a dimensão simbólica da realidade na interdisciplinaridade entre ambas ciências.
No segundo capítulo, desenvolve-se o conceitual teórico da moradia e da natureza.
Trata-se, portanto, dos objetos de estudo explorados no campo representacional em discussão
no âmbito da pesquisa empírica.
20
No terceiro capítulo, aborda-se a construção do problema habitacional do entorno do
Distrito Federal. Para tanto, apresenta–se uma discussão acerca do processo de urbanização
do Distrito Federal, que resulta na segregação sócio-espacial de considerável contingente
humano e no crescimento das periferias do Entorno do Distrito Federal.
A segunda parte apresenta o método de trabalho de pesquisa, que é dividido em dois
capítulos e corresponde aos dois estudos empíricos. Em ambos são apresentados o contexto da
pesquisa, os procedimentos de investigação, tanto de coleta quanto de análise, os resultados e
a discussão, assim como as considerações preliminares de cada estudo empírico.
Para finalizar, retoma-se as hipóteses iniciais e os resultados obtidos na análise,
procurando-se responder à questão central da discussão- quais são as representações sociais
da moradia e da natureza partilhadas pelos envolvidos na ocupação irregular em Águas Lindas
de Goiás? - que resulta nas considerações finais da presente pesquisa.
21
CAPÍTULO 1 – REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E SIMBOLIZAÇÃO
DO ESPAÇO
Os desafios teóricos que fundamentam os processos simbólicos e materiais que apóiam
as representações sociais são: primeiro, estabelecer um diálogo entre materialidade e
simbolismo nesse caso, o aporte teórico é sobre a simbolização do espaço, ou seja, as
representações sociais ligadas à dimensão real e simbólica –, o segundo desafio é identificar o
espaço como ambiente.
A complexidade que constitui o estudo da relação entre materialidade e simbolismo tem
sido pouco explorada na busca de uma unidade teórica, o que permite interrogar a Geografia
acerca do seu objeto de estudo. Assim, indaga-se: é aceitável a unidade do estudo que abarca
a materialidade e o simbolismo?
Na geografia, as possibilidades de um estudo interdisciplinar com o objetivo de alcançar
a totalidade já foram destacadas por Milton Santos (1996). Para ele,
com a globalização do mundo, as possibilidades de um trabalho
interdisciplinar tornaram-se maiores e mais eficazes, na medida em que à
análise fragmentadora das disciplinas particulares pode mais facilmente
suceder um processo de reintegração ou reconstrução do todo (...). Basta que
os enfoques particulares se proponham uma visão contextual, para que,
através da soma de estudos setoriais, seja possível recuperar a totalidade
(SANTOS, 1996, p. 122).
A Geografia, como ciência empírica, se remete à realidade e suas dimensões. A
Geografia sempre lidou com as materialidades que podem ser estudadas sob a forma de
paisagens, de cidade, de territórios usados, de regiões, de ambiente. As marcas e padrões de
organização própria de cada sociedade, “constituem o espaço do homem, a organização
espacial da sociedade” (CORRÊA, 2003, p.52). Portanto, a organização espacial apresenta a
materialidade da sociedade e da natureza, ou seja, o modo particular de estudar a
materialidade social envolve o simbolismo que se encontra presente na efetiva materialização,
e mesmo na organização do espaço.
Santos, entende o espaço geográfico como um sistema indissociável entre objetos e
ações. Em que os objetos são, as materialidades cada vez mais artificiais e as ações levam à
criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço
22
encontra a sua dinâmica e se transforma (SANTOS, 2008, p. 63)”. O autor também afirma que
os sistemas de objetos e ações integram “uma lógica que é ao mesmo tempo, a lógica da
história passada [...] e a lógica da atualidade (SANTOS, 2008, p.77)”. Trata-se segundo
Milton Santos
de reconhecer o valor social dos objetos, mediante um enfoque geográfico. A
significação geográfica e o valor geográfico dos objetos vem do papel que,
pelo fato de estarem em contigüidade, formando uma extensão contínua, e
sistematicamente interligados, eles desempenham no processo social
(SANTOS, 2008, p.77-78).
Na perspectiva de Milton Santos o espaço é o território usado em que o uso se manifesta
na constituição do lugar, onde o processo espacial é solidário. O lugar que à primeira vista
não é familiar torna-se familiar à medida que o conhecemos e o dotamos de valor. Quem atua
nesse lugar são os agentes e/ou atores que vivem e consomem o espaço. O lugar é constituído
por ruas, estradas, avenidas, pelo conhecimento que se tem das pessoas, objetos e ideias que
fluem entre lugares diferentes, segundo Moreira (1994).
O uso do território é não material, como também psicológico/subjetivo, imaginado e
vivido, cujos resultados não são apenas ações objetivas, mas também representações sobre
elas. Os objetos são concretos, mas também simbolizados nada do que é humano é somente
“objeto” e as representações sociais são referências para as ações.
A espacialidade, pensada tendo em vista a noção das representações sociais, apresenta-
se como resultado da elaboração simbólica e subjetiva dos indivíduos, pois remetem a
crenças, conhecimentos do senso comum, que vão servir como estruturadores do sistema de
objetos e de ações. Para Jodelet (1989):
tomar como objeto de estudio una representación social, nos lleva a buscar
cómo, a propósito de un objeto definido del ambiente material, social o
ideal, se construye y funciona un conocimiento que va servir como base de
acción e interpretación (JODELET, 1989, p. 2).
A produção humana, de acordo com Milton Santos, acontece no espaço, o que permite a
autores como Jodelet, Moscovici e Martha de Alba se referirem ao ambiente como espaço. O
ambiente, de acordo com Jodelet (1989), oferece um terreno um tanto propício ao exame do
23
encontro entre o “ideal” e o “material”, que substitui a produção do espaço tanto por fazer e
por pensar a dimensão social, e desenvolve uma perspectiva de reflexão.
A dinâmica do espaço urbano é expressão visível da concentração cada vez maior da
população, da densidade populacional e da heterogeneidade tanto populacional quanto de
serviços e atividades econômicas, as quais constituem condições essenciais do processo social
e dos sistemas de objetos e ações.
A evolução social é nítida no espaço urbano vivido por sujeitos que o consomem a todo
momento. Assim sendo, o espaço urbano apresenta uma dinâmica que envolve a população, o
ambiente, a política, a cultura e a dimensão simbólica, que estão ao nosso redor e fazem parte
do cotidiano, como os transportes, a circulação, a moradia, as áreas de consumo, de lazer e
serviços. Considerar todos esses aspectos num estudo é um desafio. Porém, pensando
naqueles que estão construindo e reconstruindo o ambiente urbano, os sujeitos, atingem
justamente os que dão significado aos diferentes aspectos do espaço.
De Alba (2006), comentando Proshansky, afirma que o espaço, ambiente ou lugar é
concebido como um conjunto de elementos significantes. Portanto, a autora considera o
significado, e não somente a materialidade, que tanto o espaço quanto o sujeito que vive,
consome, planeja e transforma dão sentido um ao outro, isto é, o espaço imprime significado
ao sujeito e vice-versa. No entanto,
Espaço e território são construídos por sujeitos e que os atores são sujeitos
espaciais e espacializados que internalizam e externalizam a sociedade em
condições determinadas por diferenças econômicas e sociais concretas. [...]
Cria-se a tensão entre dois espaços articulados e contraditórios: os pequenos
espaços individualmente significativos e os macro-espaços socialmente
construídos (PELUSO, 2007, p. 5-6).
É o que se pretende atingir buscando na teoria das representações sociais o espaço
enquanto significante e significativo ao sujeito. Para tanto, “o espaço não pode ser estudado
como se os objetos materiais que formam a paisagem trouxessem neles mesmos sua própria
explicação” (SANTOS, 2004, p. 58). Portanto, deve-se ir além da materialidade do objeto,
“espaço”, e sua significação, mas buscar o significado que o sujeito lhe dá, de acordo com as
necessidades individuais e sociais. Mas os indivíduos sofrem influências de outros indivíduos
e dos meios de comunicação com os quais também constituem o pensamento. É importante
conhecer o que os indivíduos pensam e porque pensam, enfatiza Almeida (2001), sobre
24
determinado objeto. Assim, a autora acentua a importância das representações sociais para
compreender a forma como os indivíduos pensam.
Com isso, sujeito e mundo se constituem num espaço material e simbólico de relações
de oposição, afirmação e negação, que se projeta sobre relações sociais mais amplas, em que
o sujeito se posiciona frente a si mesmo, ao mundo e aos outros.
A teoria da representação social é a base da fundamentação do estudo de Moscovici,
que serviu de parâmetro para compreender a formação do espaço de acordo com pesquisas De
Alba (2006; 2004). Trata-se de um conceito teórico, em que o autor busca na análise de um
objeto real a construção de um modelo teórico. No entanto, Moscovici (1978) afirma que é
fácil apreender a representação, mas o conceito nos escapa.
As representações sociais “designam tanto um conjunto de fenômenos quanto o
conceito que os engloba e a teoria construída para explicá-los, identificando um vasto campo
de estudos psicossociológicos” (SÁ, 1993, p. 19). Como diz Moscovici (1978), o termo
representação social tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre
indivíduos. Ou seja, “produz e determina os comportamentos” (MOSCOVICI, 1978, p. 26).
No trabalho realizado por Moscovici sobre a socialização da psicanálise, no livro
pioneiro A Representação Social da Psicanálise, de 1978, o autor desenvolve um
conhecimento que ultrapassa a criação de um campo específico de estudos, pretendendo
realizar um processo de renovação temática, teórica e metodológica da Psicologia Social.
Realizando uma crítica em relação à visão norte-americana (processos psicológicos
individuais), a vertente psicossociológica é vista como uma forma explicitamente social da
Psicologia Social, considerando tanto os comportamentos individuais quanto os sociais.
Assim como os conteúdos dos fenômenos psicossociais.
Moscovici apóia-se no conceito de Durkheim da representação coletiva. Mas o conceito
não é suficiente, apesar de não negá-lo, pois é um conceito ideal para a sociedade primitiva.
Moscovici constrói o conceito de representação social para pensar o mundo, enquanto
Durkheim procurou estabelecer a distinção do pensamento social em relação ao pensamento
individual. Em seu entender:
25
A representação individual é um fenômeno puramente psíquico, irredutível à
atividade cerebral que o permite, também a representação coletiva não se
reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem uma
sociedade. Com efeito, ela é um dos sinais do primado do social sobre o
individual, da superação deste por aquele. Para Durkheim, competia à
Psicologia Social estudar “de que modo as representações se atraem e se
excluem, se fundem umas com as outras ou se distinguem” (MOSCOVICI,
1978, p. 25).
Moscovici buscou nas explicações sociológicas de Durkheim, a possibilidade de uma
não definição dos fatos sociais a partir de explicações psicológicas individuais. Nas
representações coletivas, Durkheim “procurava dar conta de fenômenos como: a religião, os
mitos, a ciência, as categorias do espaço e tempo etc. em termos de conhecimentos inerentes à
sociedade” (SÁ, 1993, p 21). Porém, Moscovici percebe que as representações de seu
interesse não são vistas como imutáveis ou sedimentadas, vindas de sociedades primitivas,
mas as representações de uma sociedade presente no solo político, científico e humano, que
nem sempre possuem tempo para se sedimentar. Sendo assim, inaugura à construção de um
espaço psicossociológico próprio, possuidor de uma modalidade específica de conhecimento,
em que as representações eram vistas como fenômenos e não como dados absolutos e
irredutíveis.
Moscovici encontra um problema durante sua trajetória, qual seja como situar o
conhecimento mobilizado pelas pessoas comuns na comunicação informal da vida cotidiana”
(SÁ, 1993, p.24), pois a comunicação vai além da simples opinião ou atitudes sobre um
determinado objeto social, mas envolvem informações e julgamentos valorativos provenientes
das mais variadas fontes e experiências pessoais e grupais. Para Moscovici “as representações
sociais terminam por constituir o pensamento em um verdadeiro ambiente onde se desenvolve
a vida cotidiana” (SÁ, 1993, p.26), sendo que este “conjunto de conceitos, afirmações e
explicações, que são as representações sociais, devem ser considerados como verdadeiras
teorias do senso comum” (MOSCOVICI, apud SÁ, 1993, p.26). No entanto, o senso comum,
para o autor, demonstrou:
que toda representação social se concentra num símbolo tal que a fixe e a
distinga aos olhos do grupo social. [...] A conexão que tais símbolos
estabelecem entre conhecimento certo e representação social, é ao mesmo
tempo a expressão de uma diferença [...] sentido do real e [...] classificação
cognitiva. [...] A busca de um sentido e a de uma informação satisfatória
(MOSCOVICI, 1978, p.246).
26
O autor considera ainda que existam, na sociedade contemporânea, duas classes
distintas de universos de pensamento: os universos reificados, onde se produz a ciência, com
sua objetividade, seu rigor lógico e metodológico, e os universos consensuais, que
correspondem às atividades intelectuais da interação social cotidiana, pelas quais o
produzidas as representações sociais.
Os fenômenos de representação social segundo o autor são construídos no universo
consensual do pensamento, enquanto que o objeto é elaborado pelo universo reificado da
ciência. Desse modo, o pesquisador transforma o fenômeno em objeto de estudo por meio da
teoria das representações sociais. Portanto, para dar conta dos processos cognitivos e
simbólicos que se relacionam com as práticas, o aporte teórico é o das representações sociais,
que são:
Entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam
incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso
universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos
produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, delas estão
impregnados. Sabemos que as representações sociais correspondem, por um
lado a substância simbólica que entra na elaboração e, por outro, à prática
que produz a dita substância, tal como a ciência ou os mitos correspondem a
uma prática científica e mítica (MOSCOVICI, 1978, p.41).
Representar, segundo Moscovici (1978), é constituir na mente uma “imagem” do
“objeto” que é tomado como referência. Por meio da arte da conversação criam-se
“gradualmente núcleos de estabilidade e maneiras habituais de fazer coisas, uma comunidade
de significados entre aqueles que participam dela” (MOSCOVICI, apud SÁ, 1993, p.29).
Pode-se dizer então, que as representações sociais designam uma forma de pensamento social.
Assim sendo, as representações sociais geram conhecimentos e realidades e não são
somente reflexos das práticas sociais. A vida cotidiana existe a partir do momento em que são
pensados. Portanto, recorre-se a outros conceitos, como opiniões, crenças, valores, ideias e
atitudes para nomear as representações sociais. Uma das reflexões de Moscovici é de que o
senso comum seja considerado como objeto de estudo científico. Portanto, para o autor “[...] o
senso comum, com sua inocência, suas técnicas, suas ilusões, seus arquétipos e estratagemas,
era primordial. A ciência e a filosofia dele extraíam seus materiais mais preciosos e os
destilavam no alambique de sucessivos sistemas” (MOSCOVICI, 1978, p.20).
Ressalta-se que o autor não pretende enfocar a sociologia, mas não a descarta dos
objetos da psicologia e não se limita ao contexto social. Procura entender o processo
27
psicológico nas relações sociais. Não propõe criar uma teoria da sociedade, mas sim como a
sociedade se cria nas relações sociais. O autor procura resgatar o social para a Psicologia.
Diante disso, cabe indagar: o que é social nas representações sociais? Não seria
primeiramente que tais representações são representações da realidade social? Ou será que
tais representações têm origens sociais? De fato, as representações sociais são percebidas
como sociais porque são compartilhadas por indivíduos e como tais constituem a realidade
que influencia o comportamento individual.
Uma representação é social em relação aos grupos sociais quando em pesquisa de
opinião ou de conversação emitem opinião pública. Para compreender esse universo de
opinião, Moscovici (1978) trabalhou com a hipótese de que as representações sociais se
constituem ao longo de três dimensões: ‘informação’, ‘atitude’ e ‘campo de representação’.
Nota-se que:
a informação se refere à organização que um grupo possui em relação a um
objeto social; o campo da representação remete-se a ideia de imagem e de
modelo social, ao conteúdo concreto e limitado das proposições acerca de
um aspecto preciso do objeto das representações; e a atitude termina por
focalizar a orientação global em relação ao objeto da representação social
(SÁ, 1996, p.31).
Moscovici afirma que a mais frequente das dimensões é a atitude, pois a representação
se somente após terem tomado uma decisão. Ademais, as dimensões fornecem um
panorama do conteúdo e do sentido das representações. (1993) indaga: qual a origem da
compreensão dos assuntos e das explicações emitidas pelas pessoas? Jodelet apud (1993)
alerta: são estes originados da própria sociedade ou de pensamentos elaborados
individualmente? “Trata-se, com certeza, de uma compreensão alcançada por indivíduos que
pensam” (SÁ, 1993, p.27), mas que possuem uma semelhança em relação aos seus
pronunciamentos com os de outros membros do grupo de que participa, demonstrando a
possibilidade de todos pensarem juntos sobre os mesmos assuntos. Portanto,
Se uma representação social é uma ‘preparação para a ão’, ela não o é
somente na medida em que guia o comportamento, mas, sobretudo na
medida em que remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em
que o comportamento deve ter lugar (MOSCOVICI, 1978, p.49).
Nesse sentido, os pontos de vista tanto dos indivíduos quanto dos grupos traduzem seu
caráter de comunicação e de expressão. Com efeito, trata-se da substância simbólica “que ao
28
modificarem seu modo de ver, tendem a influenciar-se e a modelar-se reciprocamente”
(MOSCOVICI, 1978, p.49). Por exemplo, uma pessoa que responde a um questionário nada
mais faz do que transmitir seu desejo de ver as coisas evoluírem num sentido ou noutro, ou
seja, categoriza suas respostas.
As representações sociais são criadas para o sujeito sair do estado de perplexidade,
tornando algo que é não familiar em conhecido, ou seja, acomodando o estranho. Com isso, a
pessoa cria novas verdades que aos olhos da ciência comportam contradições, mas a lógica
natural é normal. É fundamental buscar no discurso o não dito, o que se encontra nas
entrelinhas, pois é exatamente nelas que estão construídas as representações sociais.
De Alba (2006), em sua tese de pesquisa realizada na Cidade do México, considera que
a teoria das representações sociais é estabelecida à imagem de um objeto dependendo da
posição que o sujeito ocupa na estrutura social. Jodelet, por sua vez, em sua pesquisa sobre
Loucuras e representações sociais apresenta duas maneiras de estudar as representações:
Globalmente, quando nos apegamos às posições emitidas por sujeitos sociais
(indivíduos ou grupos), a respeito de objetos socialmente valorizados ou
conflitantes, elas serão tratadas como campos estruturados, isto é, conteúdos
cujas dimensões (informações, valores, crenças, opiniões, imagens, etc.) são
coordenadas por um princípio organizador (atitude, normas, esquemas
culturais, estrutura cognitiva, etc.). De modo focalizado, quando nos
apegamos a elas, a título de modalidade de conhecimento, elas serão tratadas
como núcleos estruturantes, isto é estruturas de saber organizando o conjunto
das significações relativas ao objeto conhecido (JODELET, 2005, p.47).
Ainda de acordo com a autora, o modelo seminal de Moscovici fornece os elementos
que constituem aquisições irrefutáveis, principalmente o papel das representações sociais na
constituição de “uma realidade consensual e sua função sociocognitiva na integração da
novidade, na orientação das comunicações e das condutas” (JODELET, 2005 p.47).
A linguagem traduz um conflito entre um grupo particular que ao utilizá-la, difunde-a
espontaneamente pela sociedade “com o seu modo de discurso próprio, lhe resiste e
inconscientemente se lhe conforma. O vocabulário tende a assimilar novo vocabulário”
(MOSCOVICI, 1978, p.233), havendo um desmantelamento e uma substituição na cadeia
lingüística. Assim sendo, constitui-se em uma rede de significados por meio do processo de
“amarração”, ou seja, a ancoragem se por meio do processo de elaboração do mediador
verbal. Portanto, estudar representações sociais compreende estudar seu conteúdo, seus
princípios e a análise da penetração da sua linguagem.
29
As fontes de informações que contribuem para a constituição do pensamento do sujeito
sobre o objeto são variados e vão desde os estudos, as experiências, o rádio, a imprensa e a
conversação, segundo Moscovici (1978). E cada população tem seu modo dominante de
comunicação em relação a sua situação social. Instala-se a conversação no cotidiano das
pessoas, o que para o autor é uma atividade experimental das coletividades. Ela constitui o
veículo mais importante de preservação da realidade.
Destaca-se então, o que Vala caracteriza como dispersão da informação, pois “a
informação não circula da mesma forma, como não circula o mesmo tipo de informação em
todos os grupos sociais, como ainda a ambigüidade da informação não se manifesta da mesma
forma para todos” (VALA apud SÁ, 1996, p.41).
Doise (1984/2001), afirma que “as representações sociais são sempre tomadas de
posição simbólicas, organizadas de maneiras diferentes. Por exemplo: opiniões, atitudes ou
estereótipos, segundo sua imbricação em relações sociais diferentes” (DOISE, 1984/2001,
p.193). Ou seja, as representações sociais dessa maneira constituem os princípios
organizadores das relações simbólicas entre os atores sociais, o que para Bourdieu (1989)
constitui a concepção simbólica.
Deste modo, os valores simbólicos podem ser captados com ajuda da linguagem, da
experiência e dos saberes compartilhados, pois a construção do objeto de pesquisa em
representação social considera o fenômeno ou o problema de investigação como o universo
reificado da prática. As representações sociais, de acordo com Moscovici (1978), se produzem
nos elementos de comunicação, como ressalta Sá:
Na perspectiva psicossociológica de uma sociedade pensante, os indivíduos
não são apenas processadores de informações, nem meros “portadores” de
ideologias ou crenças coletivas, mas pensadores ativos que, mediante
inumeráveis episódios cotidianos de interação social, “produzem e
comunicam incessantemente suas próprias representações e soluções
específicas para as questões que se colocam a si mesmos” (SÁ, 1993, p.28).
Sendo assim, a sociedade deve ser tratada como um sistema de pensamento, da mesma
forma em que esta é tratada como um sistema econômico ou político. Quanto à função das
representações sociais, Abric atribui quatro funções essenciais para as representações sociais:
do saber, identitárias, justificatórias e de orientação. Nas “funções do saber: elas permitem
compreender e explicar a realidade” Abric 1994 (apud 1996, p.44). Por meio do saber
prático do senso comum é permitido aos sujeitos adquirir conhecimento e integrá-lo a um
30
quadro compreensível, em coerência com seu pensamento cognitivo e os valores aos quais
aderem, sendo condição necessária para a comunicação social. Quanto às funções identitárias,
“as representações sociais têm também por função situar os indivíduos e os grupos no campo
social, (permitindo) a elaboração de uma identidade pessoal e social [...], compatível com
sistemas de normas e valores sociais (Ibidem, p.44). As funções de orientação guiam os
comportamentos e as práticas, enquanto as funções justificatórias: “permitem justificar a
posteriori as tomadas de posição e os comportamentos,” (Ibidem, p.44), quando o sujeito
social explica e justifica sua conduta em relação a uma situação ou em relação aos seus
participantes.
O campo de estudo das representações tem se mostrado cada vez mais produtivo e com
novas concepções complementares são oferecidas à teoria. Cabe indagar: como as funções
identificadas servem à teoria das representações sociais? Moscovici (1978, p. 27) afirma que
“uma representação é sempre representação de alguém sobre alguma coisa”. Assim, o
primeiro passo para a elaboração da teoria teria sido a natureza conceitual e figurativa, ou
seja, origina-se a tensão de cada representação entre o pólo passivo do objeto, a figura, e o
pólo ativo do sujeito, que diz respeito à significação. No entender do autor, “a toda figura um
sentido e a todo sentido uma figura (MOSCOVICI, 1978, p.65).” Portanto, sujeito e objeto
estão presentes na construção das representações. Na geografia, a sociedade é que constrói e
reconstrói o espaço, então sujeito e objeto estão presentes, tanto na Geografia, assim como na
Psicologia Social, logo,
Representar uma coisa, um estado, não consiste simplesmente em desdobrá-
lo, repeti-lo ou reproduzi-lo; é reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto.
A comunicação que se estabelece entre o conceito e a percepção, um
penetrando no outro, transformando a substância concreta comum, cria a
impressão de ‘realismo’ [...] (MOSCOVICI, 1978, p.58).
Logo, cada representação apresenta a face figurativa e a simbólica. A teoria retrata a
interligação entre os conceitos, assim como a construção simbólica, ou seja, o caráter
simbólico. O autor abre espaço para o diálogo com outras áreas, pois a realidade não é
separada da Sociologia, da Psicologia e da Geografia. O que acontece é que se enfocam
distintos aspectos. O pensamento do autor estimula o diálogo. É por meio das representações
sociais que os sujeitos se orientam e organizam seus comportamentos, suas ações, intervêm no
31
comportamento coletivo e individual, nas transformações sociais e na definição das
identidades pessoal e social.
1.1 OBJETIVAÇÃO E ANCORAGEM
As representações sociais, tanto para Jodelet quanto para Moscovici, se constituem por
meio de dois processos formadores da teoria: a objetivação e a ancoragem. Não existe a
possibilidade de pensar fora do cognitivo. Para entender o processo social os autores explicam
o psicológico pelos processos de construção das representações sociais.
Segundo Jodelet (2005, p. 47) “os processos constitutivos, a objetivação e a ancoragem,
têm relação com a formação e o funcionamento da representação social.” Assim, a
objetivação, para a autora, “explica a representação como construção seletiva, esquematização
estruturante, naturalização [...]” (JODELET, 2005, p.48). Já a ancoragem “explica a maneira
pela qual as informações novas são integradas e transformadas no conjunto dos
conhecimentos socialmente estabelecidos e na rede de significações socialmente disponíveis
para interpretar o real, [...] (Ibidem, p.48)”, ou seja, ocorre a classificação.
A classificação “tem como finalidade realizar a completa transposição das ideias,
atualizá-las no meio ambiente de cada um e padronizar as várias partes desse meio ambiente”
(MOSCOVICI, 1978, p. 132). Naturalizar e classificar são elementos estruturantes das
representações. De acordo com Moscovici (1978), a naturalização torna o símbolo real,
enquanto a classificação dá à realidade um ar simbólico.
Objetivar “é reabsorver um excesso de significações materializando-as [...]. E também
transplantar para o nível de observação o que era apenas inferência ou símbolo”
(MOSCOVICI, 1978, p.111). Para isso, a passagem dos conceitos e ideias para os
esquemas ou imagens concretas. Assim sendo, edifica o núcleo “imaginante” da
representação, ou seja, a realidade social.
No processo de “amarração”, isto é, da ancoragem, de acordo com o autor, “a sociedade
converte o objeto social num instrumento de que ela pode dispor e esse objeto é colocado
numa escala de preferência nas relações sociais existentes (MOSCOVICI, 1978, p.173).”
Quando isso ocorre, tem-se a classificação, ou mesmo a denominação. Assim sendo, tem-se a
ancoragem, o que contribui para a interpretação das relações interpessoais e das condutas. “Se
as objetivações mostram como os elementos representados de uma ciência se integram a uma
32
realidade social, a amarração permite compreender o modo como eles contribuem para
modelar as relações sociais e como as exprimem.” (MOSCOVICI, 1978, p. 176).
Portanto, um novo olhar da realidade cotidiana, dominada pelo senso comum, pode ser
levado ao mundo científico sem ser considerada vulgar e inadequada. A materialização dos
conceitos:
o modelo figurativo, penetrando no meio social como expressão do ‘real’,
tornou-se por isso mesmo ‘natural’, utilizado como se ele se livrasse
diretamente dessa realidade. [...] A naturalização das ideias assume aqui todo
o seu significado, pois confere uma realidade plena ao que era uma
abstração. (MOCOVICI, 1978, p.127).
Assim, constituem-se os dois processos das representações sociais que são examinadas
no âmbito do espaço social enquanto dimensões simbólicas que são convertidas numa
dimensão real e à realidade dá-se um ar simbólico.
1.2 A DIMENSÃO SIMBÓLICA NA PERSPECTIVA DO ESPAÇO SOCIAL
Os fatos não são apenas materiais, mas também simbólicos e estão ligados às práticas
sociais. Bourdieu (1989) afirma que os ‘sistemas simbólicos’, como a arte, a religião e a
língua são estruturas estruturantes. No entanto, os símbolos para Bourdieu são:
instrumentos por excelência da ‘integração social’: enquanto instrumentos de
conhecimento e de comunicação, eles tornam possível o consensus acerca do
sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução
da ordem social [...] (BOURDIEU, 1989, p.10).
A dimensão simbólica objetiva “[...] apreender estruturas e mecanismos que [...]
escapam tanto ao olhar nativo quanto ao olhar estrangeiro, tais como os princípios de
construção do espaço social ou os mecanismos de reprodução desse espaço (BOURDIEU,
1997, p. 15).” Portanto, a noção de espaço, para o autor, expressa o “conjunto de posições
distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por
sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento
(BORUDIEU, 1997, p. 18).” O que demonstra o quanto a ideia de diferenciação está presente
na noção de espaço. O espaço social é construído por duas dimensões de diferenciação que os
próprios indivíduos e grupos se organizam: o capital econômico e o capital cultural. “As
33
diferenças nas práticas, nos bens possuídos, nas opiniões expressas tornam-se diferenças
simbólicas e constituem uma verdadeira linguagem (BOURDIEU, 1997, p.22)”. Portanto, as
diferenças funcionam “como diferenças constitutivas de sistemas simbólicos (Ibidem, p.22)”.
Existe “um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum
modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer
(BOURDIEU, 1997, p. 27)”. Dito isso, fica implícito que existe um mundo social onde “os
agentes sociais têm a fazer, a construir, individual e, sobretudo coletivamente, [...] (Ibidem,
p.27).” O autor vai mais longe e afirma que “o espaço social é a realidade primeira e última já
que comanda até as representações que os agentes sociais podem ter dele (Ibidem, p.27).”
Com isso cabe indagar: que efeitos simbólicos, como os provocados por representações
sociais da moradia e da natureza relacionam-se à prática? O universo simbólico de uma
cidade, para De Alba (2006), é resultante do imaginário que se alimenta das experiências
direta do espaço, assim como de outras representações provenientes dos meios de
comunicação e de uma ampla gama de discursos sociais e políticos.
Porém, as representações da cidade, ainda de acordo com De Alba, não são somente
construções simbólicas individuais, mas formas de pensamento social que se nutrem de
diversas fontes, entre elas: as experiências passadas e presentes, costumes, crenças, imprensa
escrita, na mídia em geral e outros. Por isso, Moscovici (1978), afirma que o homem constrói
representações para entender o mundo de hoje.
Assim sendo, as funções das representações que cabe destacar na pesquisa é a
orientação de condutas, decisões e ações que serão importantes tanto para o planejamento e
gestão da cidade, como para o cotidiano dos moradores. As representações, no entanto, são
dinâmicas. Isso se porque elas se criam e recriam ao longo do tempo com novas
experiências, novos conhecimentos, com novas ideias, recordações, sensações, criatividade e
uma infinidade de possibilidades que o imaginário permite.
A relação entre materialidade e subjetividade aparece como elo fundamental na
pesquisa. A moradia e a natureza, enquanto fenômenos sociais complexos, suscitam
representações que, para serem compreendidas, remetem a condutas e práticas humanas que
lhes dão suporte e conferem sentidos, em conjunto com os sistemas simbólicos. Devem,
então, ser compreendidas como inerentes ao sujeito, que reúne ideologias e crenças em
representações sociais.
34
Os elementos da realidade simbólica, em estudo, estão relacionados, por um lado, à
contradição conflitos e dilemas da regularização dos loteamentos irregulares e, por outro
lado, a necessidade de proteção da natureza. Desvelar as representações sociais da população
de baixa renda passa por essa ideia de diferenciação de Bourdieu (1997).
Nesse sentido, a representação social também busca relacionar os diferentes aspectos do
ambiente, invocando a dimensão social, para alcançar uma visão unificada do ambiente como
objeto científico, de acordo com Jodelet (1989). Considera-se que a dimensão simbólica e
cultural, assim como as ideologias e as experiências cotidianas, representa importante indício
para a compreensão do ambiente. Ou seja, para a representação ser social é necessário que
suas características sejam comuns a um grupo. Isto significa que o sujeito deve ser entendido
como pertencente a um grupo social e o objeto como conceitos, ideias e vivências que são
comuns ao grupo.
A autora considera a dimensão subjetiva e material como imprescindíveis para a análise
do ambiente, a qual denomina de “sociofísico”, ou seja, “[...] como un producto material y
simbólico de la acción humana cuyo aspecto social está situado en términos de
significaciones” (JODELET, 1989, p. 32).
Portanto, a representação social é constituída em um processo que envolve sujeito e o
contexto social de suas experiências. Assim sendo, o espaço em que se insere o sujeito é
compreendido como um suporte de indicadores simbólicos, de crenças e de expectativas da
população, o que proporciona estudar o seu simbolismo como uma representação social
(RAYMOND & HAUMONT apud JODELET, 1989). As formas espaciais, quando são
utilizadas as representações sociais, seriam projeções espaciais de estruturas internalizadas,
materializadas como representações sócio-espaciais.
Pensar em práticas sócio-espaciais é pensar em um espaço social, ou seja, produzido
socialmente, como resultado de experiências cotidianas e passadas “[...] que reflejan uma
relación social poniendo em juego los processos cognitivos y afectivos, que em el plano
individual o coletivo, están ligadas al compromisso estructural y a la identidad de los
sujetos” (JODELET, 1989, p. 36).
A preocupação com a esfera simbólica é destacada por vários autores contemporâneos
das ciências humanas. Uma unanimidade é a necessidade de buscar respostas aos fenômenos
na subjetividade do homem, pois muitas vezes os fenômenos são considerados apenas os
processos externos e não os movimentos internos dos sujeitos. Moscovici (1978, p. 47),
35
aponta para a lacuna existente na forma como tem sido analisado o fenômeno simbólico,
destacando a maneira insatisfatória apresentada nas abordagens.
Assim, a teoria das representações sociais lança novas bases para a compreensão da
realidade, na medida em que não existe heterogeneidade entre o objeto e o sujeito, entre o
externo e o interno. Por isso:
Quando falamos de representações sociais, partimos geralmente de outras premissas.
Em primeiro lugar, consideramos que não existe um corte dado entre o universo exterior e o
universo do indivíduo (ou do grupo), que o sujeito e o objeto não são absolutamente
heterogêneos em seu campo comum. O objeto está inscrito num contexto ativo, dinâmico,
pois que é parcialmente concebido pela pessoa ou a coletividade como prolongamento de seu
comportamento e existe para eles enquanto função dos meios e dos métodos que permitem
conhecê-lo (MOSCOVICI, 1978, p. 48).
A noção de representações sociais tem na análise do sujeito, nos processos
internalizados a chave para se atingir o conhecimento das ações que se impregnam de valores
e que se transformam em atitudes e em comportamentos. Entende-se que a partir do
movimento e internalização configuram-se práticas que refletem valores subjetivos, direção
em que aponta Peluso. Para ela, quando são:
Interiorizadas as formas espaciais que as relações sociais adquirem, os
sujeitos dotam-nas de símbolos e significados, localizam-se nelas, tomam
decisões, submetem-se, ou não, ao poder, alienam-se e exercem, na
expressão de HELLER (1992) sua genericidade e sua particularidade
(PELUSO, 1998, p.4).
Observa-se que as práticas não estão desligadas dos sujeitos, tendo por seu intermédio a
produção de comportamentos, de ações que correspondem a um estímulo dado, configurado
pela realidade cotidiana que se impregna de valores que refletem o modo de ver e pensar de
cada indivíduo. Assim, na representação social estabelece-se uma dinâmica que envolve o
sujeito, o espaço e o contexto sociocultural em que está inserido.
Os elementos simbólicos e dinâmicos da moradia e da natureza adquirem grande
importância ao considerar o fenômeno da ocupação do espaço por moradias em áreas
caracteristicamente protegidas ambientalmente e habitadas por uma população de baixa renda.
Estes elementos do processo de ocupação urbana encontram expressão significativa na
realidade social da população de baixa renda e vão ao encontro do conflito sócio-ambiental.
36
Assim, os grupos sociais elaboram, a partir de suas práticas e/ou ações, um sistema de
ações decorrentes das representações sociais para lidar com situações complexas que
funcionam como um sistema de referências, dando sentido às condutas e possibilitando a
compreensão da realidade social.
Por sua vez, o conflito sócio-ambiental existe num contexto e se efetiva na relação com
o outro. Trata-se, portanto, de uma interação entre indivíduos situados em dada estrutura
social ocupando papéis sociais e orientados por valores que modelam as possibilidades de
interação.
37
CAPÍTULO 2 – O CAMPO REPRESENTACIONAL: MORADIA E
NATUREZA
As representações sociais não são neutras e não se formam num vazio, pois sempre
estarão apoiadas em algum tipo de conteúdo social que formam seu contexto e produzem
comportamentos, cristalizam significações e formas simbólicas. O contexto básico com que se
trabalha na pesquisa compreende a natureza e a moradia.
Morar é preciso, da mesma forma como vestir e alimentar são necessidades básicas dos
indivíduos. Mumford (2004), afirma que a moradia antecede a cidade:
Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da
aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e
antes de tudo isso, houve certa predisposição para a vida social que o homem
compartilha, evidentemente, com diversas outras espécies animais
(MUMFORD, 2004, p.11).
O homem, inicialmente, utilizou formações naturais, como cavernas para suprir as
demandas de sua morada, porém estas estruturas tendem a caracterizar-se mais como um
abrigo do que como um lar. Entender como o homem iniciou o processo de evolução do
ambiente construído antecede ao momento de sua fixação. Uma das mudanças iniciais estava
relacionada com a afetividade e o respeito aos mortos, pois os primeiros que tiveram moradas
permanentes foram os mortos, seja numa caverna, numa cova, ou num monte de pedras.
As moradias se alteram, “historicamente mudam as características da habitação, no
entanto é sempre preciso morar, pois não é possível viver sem ocupar espaço (RODRIGUES,
2003, p. 11)”. É no interior da casa que o homem realiza diversas necessidades básicas das
pessoas, isto é, além de ser um abrigo, é o lugar onde se dorme, onde são feitas as refeições,
onde se realiza a higiene pessoal, onde se convive com o grupo doméstico, enfim onde se tem
privacidade. A moradia é também local de trabalho, que pode ser de manutenção da própria
casa, como lavar, cozinhar, passar e, muitas vezes, trabalho para a subsistência.
A casa é, em seu sentido mais comum, uma estrutura construída pelo homem para que
esteja protegido, real e materialmente, contra as incertezas do mundo e do comportamento dos
outros. A proteção não é contra a materialidade do não ter onde morar, mas o real pode ser
a subjetividade alheia, pois quando a casa é “dos outros”, as pessoas podem ser cruéis.
38
Rodrigues (2003) observa que não tem como pedir emprestado um quarto, uma cama
para dormir um pouco e depois, simplesmente, ir embora, o que é diferente de pedir um prato
de comida ou roupas para vestir. Aliás, a privacidade e a infracionabilidade que a moradia
permite às pessoas que moram juntas é peculiar.
Para morar é necessário ter capacidade de pagar por esta mercadoria não
fracionável, que compreende a terra e a edificação, cujo preço depende
também da localização em relação aos equipamentos coletivos e à infra-
estrutura existente nas proximidades da casa/terreno. (RODRIGUES, 2003,
p. 14).
A terra urbana, assim como as edificações, constitui mercadorias do modo de produção
capitalista. “A terra urbana é permanente, nunca se desgasta, e as edificações sobre esta terra
têm propiciado a oportunidade de acumular riquezas.” (RODRIGUES, 2003, p.16). Ou seja, o
espaço urbano é produzido e consumido constantemente, isto porque a dinâmica do espaço
urbano é expressão visível da concentração cada vez maior da população, da densidade
populacional e da heterogeneidade tanto populacional quanto de serviços e atividades
econômicas, as quais constituem condições essenciais à reprodução do capital.
No entanto, o espaço urbano que é ao mesmo tempo “fragmentado e articulado, reflexo
e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas (CORRÊA, 2005, p. 9)”
enseja antagonismos que se acentuam em consequência do modo de produção capitalista. Ou
seja, ainda de acordo com o autor, o espaço urbano capitalista “é um produto social, resultado
de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem
espaço (CORRÊA, 2005, p. 11).”
Na perspectiva de Milton Santos, a produção do espaço é resultado da ação dos homens
agindo sobre o seu próprio espaço por meio dos objetos, sejam naturais e ou artificiais. Os
objetos não agem, mas podem ser predestinados a certo tipo de ação que lhes dá sentido. Mas,
como afirma o autor, os objetos hoje se “valorizam”. Portanto, materialidade e eventos são
tomados em conjunto, ou seja, são indissociáveis. No entanto, “há, em cada momento, uma
relação entre valor da ação e o valor do lugar onde ela se realiza; sem isso, todos os lugares
teriam o mesmo valor de uso e o mesmo valor de troca, valores que não seriam afetados pelo
movimento da história (SANTOS, 2008, p.86)”.
A valorização do espaço na cidade entende-se como valorização do terreno. O espaço é
instância e não se valoriza, mas o que se valoriza é o terreno. Portanto, o território transforma-
se em mercadoria. O espaço é abstrato, mas o território da cidade é concreto por sua forma e
torna-se mercadoria.
39
A terra, a água, o ar são indispensáveis à vida. São bens da natureza que foram
“transformados” em mercadorias. A natureza, na perspectiva do senso comum, “é aquilo que
não é artificial. [...] Natural é o que a natureza fez (CARVALHO, 1991, p.9).” Mas, a questão
não é tão simples. Um dos significados da “natureza” diz respeito àquilo que se distingue pela
dinâmica, ritmo, finalidade, formas, reprodução e recriação que cada um ou grupos de seres
que compõem o planeta, o homem torna significante.
Tanto é que o autor assinala os “dois grandes agrupamentos na natureza: os que têm e os
que não têm vida (CARVALHO, 1991, p.11).Porém, isso não nos impede de apreender as
coisas como fenômenos e assim interpretá-los e não simplesmente descrevê-los, de maneira
que os
elementos simbólicos e sua dinâmica adquirem grande importância. Por isso é “que
tem sentido dizer que os homens fizeram ou fazem sua própria história (CARVALHO, 1991,
p.12).” Enquanto a natureza também tem sua própria história, mas que é narrada pelo homem.
Quando falamos de natureza, não falamos somente das coisas, da flora, da fauna, dos
rios, das montanhas, entre outros, mas também da maneira como vemos as coisas, “em
particular integradas a um conceito que nós criamos: a totalidade a que chamamos natureza
(CARVALHO, 1991, p.14).” O que muda ou tem mudado são “os significados que os
agrupamentos humanos a ela têm conferido, ao longo da sua “recente” história sobre o planeta
(CARVALHO, 1991, p.14).”
Por outro lado, admitir que tudo aquilo que é da iniciativa humana é também parte
integrante da natureza, leva a pensar em distintas formas de ver e de racionalizar as coisas.
Para o autor, dependendo do agrupamento humano, do tipo de sociedade ou da classe social,
as explicações e as definições jamais se dissociarão das ideias de mundo de quem fala.
O que se concebe como natureza é exatamente o que está presente no dia-a-dia do
homem, como se fosse algo estático, imutável, um paralelo ao mundo da humanidade. Para o
autor, o homem só conhece aquilo que reconhece como fazendo parte do seu universo.
Atualmente, a relação existente entre sociedade e natureza é aquela pautada na dominação, em
que o homem nela uma fonte de recursos de onde se extrai riquezas que servirão tanto para
a sobrevivência, como para a aquisição do excedente. No entanto,
o fato é que entre os seres que habitavam esse universo, as diferenças
existentes não eram suficientes para colocá-los em ‘mundos’ distintos, tal
como fazemos hoje: de um lado o mundo natural, de outro, o social, cada um
com sua própria alteridade. (CARVALHO, 1991, p 25).
40
A medida que a sociedade vai se tornando mais complexa, novos valores vão sendo
agregados à realidade e o homem vai se separando da natureza, não de forma absoluta e em
todos os lugares, mas onde as ideias começam a ganhar corpo se estrutura um mundo de
diferenciações, de dominação e de poder. Primeiro a natureza é divinizada pelo pensamento
teológico, ou seja, a natureza vem atender aos interesses da instituição religiosa e do restante
que compunha o corpo da classe dominante, modelo de natureza que só vai ser rompido com a
consolidação do modo de produção capitalista, nos culos XVII e XVIII. Como afirma
Carvalho,
na sociedade capitalista, o conhecimento não tem mais o sentido da
reconciliação do homem com o mundo, [...] mas sim como um meio de
controle da natureza, que daqui para a frente vai ter que funcionar como uma
espécie de ‘máquina perfeita’, que o pode falhar no fornecimento da
enorme quantidade de mercadorias, ou posteriormente de matérias-primas,
industriais, que o novo sistema comandado pela burguesia vai requisitar.
(CARVALHO, 1991, p 42).
A natureza é transformada em elemento de sustentação, o que corresponde para Milton
Santos (2008) aos objetos e ações que integram, por meio das técnicas e do trabalho, o modo
de produção capitalista. O meio natural, para o autor, era utilizado pelo homem sem grandes
transformações e ao exercício da vida, da existência do grupo.
No meio natural, para Santos (2008), o homem escolhia da natureza o que considerava
fundamental à vida, e isto não significava que a sociedade não dispunha de técnicas que
pudessem impor transformações às coisas naturais e as leis. “[...] as condições do trabalho
estão em relação direta com um modo particular de constituição da natureza (MOSCOVICI,
1968 apud SANTOS, 2008, p.234).” Ou seja, o trabalho não determina um tipo de sociedade,
mas a constituição da natureza.
No modo de produção capitalista, a terra urbana passa a ser mercadoria. A terra é, de
acordo com Rodrigues (2003) uma mercadoria sui generis, não é produzida, não tem um valor
de produção, mas tem um preço que “é definido pelas regras de valorização do capital em
geral, pela produção social (RODRIGUES, 2003, p.19)”. Outra característica é que a terra
“não se consome e tem seu preço constantemente elevado, e por mais ‘velha’ que fique nunca
se deteriora (RODRIGUES, 2003, p.16-17)”. O consenso é de que o trabalho cria valor. A
terra é uma mercadoria no sentido de que seu preço é definido pelo “estatuto jurídico da
propriedade da terra, pela capacidade de pagar dos seus possíveis compradores
(RODRIGUES, 2003, p.16).”
41
Deste modo, a terra, a moradia e a natureza não circulam, e sim o título de propriedade e
as matérias-primas. Então, o que se vende não é a própria coisa, mas o seu símbolo. Porém,
para os moradores o que tem valor é a propriedade do lote, a ocupação, e não o papel. Diante
disso, entender como se constrói os loteamentos destinados à população de baixa renda em
áreas periféricas é fundamental para se desvendar as representações sociais no contexto em
que se desenvolve o estudo empírico.
2.1 OS LOTEAMENTOS
O espaço urbano é produzido e consumido constantemente. É o espaço para se conferir
a produção de diferentes lugares, como os loteamentos com as mais diversas características,
dentre as quais ressaltam: a densidade populacional, a segregação das classes sociais, a
concentração populacional e de serviços e atividades econômicas essenciais à reprodução do
capital.
O mercado imobiliário não se restringe à população de classe alta. A moradia é uma
mercadoria tanto para a população de altos rendimentos como dos mais baixos rendimentos.
O que diferencia é a maneira como o mercado imobiliário atende às populações. Ressalta-se
que a produção da espacialidade da sociedade urbana não deve ser entendida somente no
sentido econômico, mas também como conteúdo de uma produção social, política e cultural,
de acordo com Penna (2003).
Diante disso, indaga-se: quem produz o espaço enquanto mercadoria? O espaço,
segundo Corrêa (2005), é produzido pelos agentes sociais que o autor denomina de:
proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários,
Estado e grupos sociais excluídos. Foca-se a discussão na ação dos agentes sociais excluídos
que produzem e consomem espaço.
Especificamente, discute-se a ação dos grupos sociais excluídos, isto porque a presente
pesquisa refere-se a uma população de baixa renda que se localiza na periferia do Distrito
Federal. Trata-se, portanto, segundo Corrêa (2005), da população que tem como possibilidade
de moradia a casa produzida pelo sistema de autoconstrução em loteamentos periféricos.
Uma moradia é fruto de um trabalho, de uma edificação efetivada na terra, na natureza.
Portanto, tem um valor de troca, mas sua “importância para o dono de ‘casa própria’ é o valor
42
de uso” (VALLADARES, et al, 1980, p. 51). No caso dos loteamentos, se são, no momento,
“as soluções de morar mais interessantes para os pobres, porque permite o maior número de
conexões e de acertos nos quais eles têm papel positivo e algum poder, isso não quer dizer
que se apresentem sem problemas” (VALLADARES, et al, 1980, p.38). Os problemas, de
acordo com a autora, existiriam em dois níveis:
1) nas ações imediatas e cotidianas que dizem respeito diretamente a
indivíduos, famílias e pequenos grupos e 2) no conjunto urbano enquanto
sistema articulado, condicionador do fenômeno expansão periférica. No
primeiro caso, os aspectos negativos têm caráter palpável e imediato. No
segundo, as suas consequências se fazem sentir a longo prazo e por quem
for capaz de ver o conjunto urbano com uma distância crítica tal, que faça
aparecer as contradições entre seus elementos em relação ao todo. Afinal, as
periferias, se tornam viável a nova estrutura metropolitana brasileira,
também representam a maior ameaça de dissolvê-la em caos e anomia.
(VALLADARES, et al, 1980, p.38-39).
No espaço urbano, insere-se também a produção da moradia. Para que a população de
baixa renda possa resolver seu problema de morar, ela compra um lote em área da periferia
pobre e geralmente em loteamentos clandestinos e sua preocupação inicial é com o valor da
prestação mensal. De posse do seu lote, começa a construção da casa, por meio “de um
processo longo e penoso, calcado na cooperação entre amigos e vizinhos ou apenas na
unidade familiar: a autoconstrução (RODRIGUES, 2003, p.30).”
A construção da moradia se prolonga por muitos anos, absorvendo a maior parte do
‘tempo livre’ da família. Se realiza nos fins-de-semana e, em parte, nas férias, além, é claro,
do dinheiro disponível para a compra do material de construção e da contratação de eventual
trabalhador especializado. Os loteamentos surgem da necessidade de onde e como morar. Para
as camadas populares,
uma questão fundamental é a segurança de um teto, porque mesmo se
eventualmente ficarem desempregados estará seguro pelo fato de terem onde
morar. Mesmo quando se consideram os arremedos de cidades onde moram
e são proprietários, a terra/casa é uma garantia de ter seu lugar na cidade nos
períodos mais difíceis. (RODRIGUES, 2003, p.49).
Para a autora, a produção da cidade é social, mas a renda é apropriada individualmente.
Fato corrente quando se compra um terreno numa área pouco ocupada e nele se constrói. Os
lotes vagos são vendidos a preços mais elevados que os dos primeiros, sem que se tenha
sofrido qualquer transformação.
43
O que ocorre é que os loteamentos destinados à população de baixa renda são
organizados e colocados à venda com pouca ou nenhuma infra-estrutura, o que para
Rodrigues (2003) significa que os compradores se organizam e lutam para obter os
equipamentos e serviços coletivos. “Beneficiam, sem dúvida, aqueles que estão produzindo
seu espaço, mas beneficiam principalmente aqueles que deixaram as terras vazias aguardando
‘valorização’ (RODRIGUES, 2003, p.21).”
Assim, os proprietários de terras atuam para obterem uma maior renda fundiária de suas
propriedades, como afirma Corrêa (2005). Inicialmente, o loteador vende os lotes pior
localizados em relação aos equipamentos e serviços e, em seguida, gradativamente, e à
medida que o loteamento vai sendo ocupado, coloca os demais à venda. A ocupação de alguns
lotes faz aumentar o preço dos demais, ‘valorizando’ o loteamento. “Esta é uma forma de
ocupação programada, onde é também comum deixar lotes estrategicamente localizados para
a instalação de serviços e comércio.” (RODRIGUES, 2003, p.21).
Nos loteamentos de baixa renda, o que predomina é a produção de casa pelo processo de
autoconstrução. No caso, a indústria de edificação está ausente, que é o próprio morador
que edificará sua moradia. Além disso, destaca-se que existe toda uma produção da moradia e
da cidade que não está vinculada ao mercado imobiliário e se encontra ausente de
legitimidade jurídica da propriedade da terra, mas assim mesmo ocorre a produção de
moradias e de cidades. A produção da moradia nos loteamentos ocorre numa diversidade de
processos privados de apropriação do espaço.
Assim, distinguem-se, de acordo com Rodrigues (2003), duas categorias de
proprietários de terras: os “que possuem uma terra para edificar a casa própria e os que
especulam a terra. Aqueles que têm uma casa para morar e aqueles que m muitas casas para
alugar.” (RODRIGUES, 2003, p.24). No caso específico dos loteamentos, ainda de acordo
com Rodrigues, existe um trabalho incorporado, do qual os loteadores esperam obter seu
lucro.
Nos loteamentos clandestinos, ressalte-se que os loteadores não obedecem às normas
jurídicas e urbanísticas previstas. Inclusive, muitas vezes, “não aprovação do projeto ou,
quando há, não é executado como o previsto.” (RODRIGUES, 2003, p.27). Portanto, o ônus
dos loteamentos clandestinos tem recaído sobre os moradores-compradores desses lotes, que
não podem aprovar a planta da casa. Assim, a construção também se torna clandestina, pois os
moradores-compradores não podem ter a documentação da propriedade legalizada, mesmo
tendo pagado pela terra. O que tem acontecido é que:
44
Tem sido frequente a ‘oficialização’ dos loteamentos clandestinos e a anistia
para construções irregulares. Se de um lado constitui-se no atendimento da
reivindicação dos moradores e os beneficia, de outro torna oficial um
loteamento executado irregularmente, permitindo maiores rendas e lucro a
esta forma ilegal de parcelamento da cidade, (RODRIGUES, 2003, p.27).
Assim constitui-se uma das maneiras da população de baixa renda resolver seu
problema de morar, ou seja, eles se sujeitam a comprar um lote em áreas da periferia pobre e
geralmente em loteamentos clandestinos. E, quando não se consegue sequer ser proprietário
nessas condições, passam a lidar com a ideologia dominante de que “é porque se é
preguiçoso, (RODRIGUES, 2003, p.32).” Esta situação dificilmente é reconhecida como “as
condições não permitiram que eu comprasse uma casa (RODRIGUES, 2003, p.32).”
Para Cardoso (1998), o debate das políticas públicas tem como um dos elementos
centrais o acesso a terra e a questão da irregularidade da moradia popular. “Isso se deve, por
um lado, aos mecanismos informais através dos quais a população enfrenta os limites do
mercado fundiário e habitacional, e, por outro lado, a uma precarização da moradia,
(CARDOSO, 1998, p.1679).” Ou seja, o aspecto jurídico, e/ou urbanístico e/ou de infra-
estrutura, e/ou ainda o aspecto ambiental marcam a questão da irregularidade.
Os loteamentos clandestinos em áreas de preservação ambiental revelam as faces
públicas desse mercado informal. O mercado de loteamentos populares da periferia, por outro
lado, precisa reduzir dramaticamente seus custos de forma a viabilizar o baixo preço de
revenda dos lotes, assim como o financiamento direto à longo prazo. Isso se faz através do
desrespeito às normas jurídicas e urbanísticas, através da não implantação de infra-estrutura,
ou através da ocupação de terras impróprias à urbanização.
A informalidade, o risco e a ocupação de áreas de preservação colocam-se, assim, como
questões fundamentais para se pensar, de forma mais abrangente, a problemática do deficit
habitacional (CARDOSO, 1998, p. 1679-80).
O autor destaca que a informalidade existe em domicílios onde o proprietário é
possuidor apenas da construção e não do lote, o que permite identificar os casos de
irregularidade na propriedade da terra. No caso das áreas de proteção e preservação, o autor
considera que “pode-se pensar na viabilidade de substituição daquela área no patrimônio
ambiental daquela comunidade” (CARDOSO, 1998, p. 1681).
Dentro desse contexto, em que natureza e moradia estão unidos, as representações
sociais podem ser compreendidas como práticas espaciais, resultado de relações sociais, de
45
processos cognitivos relacionados a uma identidade individual ou coletiva. Nesse sentido, as
posições ideológicas detêm papel fundamental na constituição de sistemas de representações
ligado à elaboração de imagens espaciais, como apontam Moscovici (1978) e Jodelet (1989).
Assim, “as representações individuais ou sociais fazem com que o mundo seja o que
pensamos que ele é ou deva ser” (MOSCOVICI, 1978, p. 59). Destaca-se que, se toda
representação é uma representação de algo, todo o objeto seria um signo, ou seja, significante
de algo Moscovici (1978).
Diante disso, entender o problema habitacional do entorno do Distrito Federal é
fundamental para se desvendar as representações sociais da moradia e da natureza. Para
investigar a proposição têm-se como objeto empírico de estudo os loteamentos clandestinos
da Área de Proteção Ambiental (APA) da bacia do rio Descoberto no Município de Águas
Lindas de Goiás-GO.
46
CAPÍTULO 3 - A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA
HABITACIONAL NO ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL
A questão da moradia se tornou visível no Brasil efetivamente em um contexto amplo
de reformas urbanas implementadas, de acordo com Ribeiro (1985), devido ao “rápido
crescimento da economia do país, a intensificação das atividades portuárias e,
consequentemente, a sua integração cada vez maior no contexto da economia capitalista
internacional (RIBEIRO, 1985, p.64).” Portanto, a reorganização do espaço urbano exigida,
principalmente na então capital, o Rio de Janeiro, é condizente ao novo momento de
organização econômico-social que passa a nação.
As reformas urbanas na capital do Brasil passaram por um intenso processo que Ribeiro
(1985) denominou de ‘cirurgia urbana’ e expandiram os principais vetores do crescimento da
cidade para fora do seu centro histórico. Daí resultou uma escassez de moradias para a
população de baixa renda, as quais foram obrigadas a procurar uma nova alternativa de
moradia, pois moravam em cortiços proibidos pela falta de salubridade.
Ribeiro (1985), com base em textos de Engels, afirma que o agravamento da crise da
moradia urbana está associada ao modo de produção capitalista, ou seja, que “a penúria de
habitações é fruto dos baixos salários e da instabilidade no emprego (RIBEIRO, 1985, p.17).”
A dinâmica do consumo de moradia é fortemente influenciado pelo funcionamento do
mercado de terras e moradias.
A reprodução da crise da moradia no Brasil atingiu a população com os mais baixos
rendimentos desde a intensificação da reprodução do capital internacional no Brasil. No
entanto, a questão habitacional é um dos problemas brasileiros que ainda persiste e se
intensifica nos dias de hoje. O que se observa é que não controle governamental quando se
trata de para onde e de que forma as cidades deveriam crescer. Uma das maiores responsáveis
pela situação é a maneira como se comporta a dinâmica do mercado imobiliário em relação à
política habitacional, bem como o rápido crescimento das cidades brasileiras e a formação de
periferias. Assim, os temas dos subitens seguintes, abordam primeiro o processo de
urbanização brasileiro, especificamente dos Municípios que se encontram limítrofes ao
Distrito Federal.
47
3.1 O CONTEXTO DO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRA
A urbanização é evidenciada pelas transformações do espaço natural e rural em urbano,
paralelamente à transferência em larga escala da população do campo para a cidade, em razão
de fatores econômicos, sociais e culturais. O processo de urbanização brasileira, analisado por
Milton Santos (2005) considera o âmbito social e econômico na organização do território,
bem como traça a realidade das tendências de ocupação do espaço. Santos ressalta ainda que
no Brasil, somente entre 1940 a 1980 efetivou-se a inversão do lugar de residência da
população do campo para as cidades, atingindo a população urbana em 68,86% da população
total (SANTOS, 2005, p.31). Portanto, nesse período, a população brasileira triplicou,
enquanto a população urbana se multiplicou em sete vezes e meia. Outro ponto de destaque da
urbanização brasileira é que o país foi um dos que mais tardiamente se industrializou, porém
onde mais rápido ocorreu á urbanização.
A expansão generalizada do fenômeno urbano no Brasil foi alcançada “depois de longo
período de urbanização social e territorialmente seletiva” (SANTOS, 2005, p.9). Para Santos,
o processo de urbanização alcançou até 1950 a urbanização das aglomerações com mais de 20
mil habitantes. A fase posterior acentuou a concentração populacional, em que o processo de
urbanização multiplicou-se e as cidades de tamanho intermediário alcançaram o estágio de
metropolização. O censo 2000, do IBGE, revelou que 81,2% da população brasileira viviam
nas cidades, o que correspondeu a um aumento considerável da população urbana quando
comparada com os dados de 1940 (ver tabela 1).
TABELA 1 - Distribuição da população no território brasileiro entre 1940 e 2000
População
1940
1960
1980
2000
Total *
41 milhões
70 milhões
119 milhões
169 milhões
Urbana
26,35%**
45,52%
68,86%
81,2%
*Números aproximados
Fonte: IBGE (2008)
4
**SANTOS (2005)
O ciclo do processo de urbanização brasileira, apesar das mudanças no contexto
socioeconômico e político, continua a manter tendências perversas da urbanização. A
urbanização brasileira adota um modelo geográfico de crescimento espraiado, em que o novo
perfil econômico da grande cidade “é um pólo da pobreza (a periferia no pólo...), o lugar com
4
Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela, acesso Maio de 2008.
48
mais força e capacidade de atrair e manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condições
sub-humanas (SANTOS, 2005, p.9-10).”
O espaço urbano é modificado e sua dinâmica transformada de acordo com as
racionalidades específicas de cada período. No caso atual, a produção é feita de acordo com a
racionalidade capitalista. A cidade é o espaço para se conferir a produção de diferentes
lugares, no que diz respeito a sua caracterização e identificação, assim produzindo um
fenômeno muito comum da racionalidade capitalista contraditória, que é a segregação em que
as classes sociais se agrupam cada vez mais separadamente.
3.2 URBANIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DO ENTORNO DO
DISTRITO FEDERAL
Dentre os estudos empíricos e teóricos desenvolvidos sobre a habitação no Distrito
Federal e seu Entorno destacam-se a pesquisa de Peluso (1999), em que se realçam as
questões habitacionais e o papel das representações sociais e os trabalhos de Paviani (1987),
que abordam o processo de formação de periferias. Os dados do IBGE e do Plano Diretor do
Município de Águas Lindas também se constituíram em fontes de pesquisa iniciais. Outros
autores, importantes para se compreender a urbanização e a segregação sócio-espacial das
áreas limítrofes do DF, serão apresentados à medida que se desenvolver o texto.
Em Brasília, o processo de estruturação da cidade se deu por meio de um planejamento
direcionado para a segregação espacial, hoje evidente tanto no Distrito Federal quanto no
entorno.
Brasília, construída no período expansivo da urbanização brasileira e planejada para
alcançar entre 500.000 a 700.000 habitantes no ano 2.000, na realidade, alcançou 2.043.169
no mesmo ano. A tabela 2 ilustra o crescimento populacional ocorrido no Distrito Federal de
1960 a 2004:
49
TABELA 2 - Crescimento populacional do Distrito Federal de 1960 a 2004
População
Anos
DF
1960
141.742
1970
537.492
1980
1.176.908
1991
1.601.094
2000
2.043.169
2004
2.282.049 (estimada)*
Fonte: IBGE (2008).
* Codeplan
5
.
Como observado, o crescimento exponencial da população do Distrito Federal
demandou espaço para assentamentos urbanos. A política de habitação do Governo do
Distrito Federal (GDF) foi espacialmente seletiva e restritiva à ocupação do território, o que
promoveu um padrão de ocupação caracterizado pela concentração nas cidades-satélites e
dispersa pelo território, do que resultou não a segregação sócio-econômica, como o
crescimento acelerado dos Municípios situados na área de influência direta da Capital Federal.
A grande valorização da terra decorrente da seletivização do território fez com que pessoas de
renda baixa, que não puderam arcar com o alto preço dos imóveis, procurassem lugares de
menor valor dos aluguéis ou da moradia e migrassem para os Municípios próximos. A tabela
3 ilustra o crescimento populacional do Entorno do Distrito Federal entre 1991 a 2004.
TABELA 3 - Crescimento populacional do Entorno do Distrito Federal de 1991 a 2004
Anos
População
Crescimento médio anual estimado do
período % (1991-2004)
1991
560.615
2000
907.565
2004
1.088.116 (estimada)
6,72%
Fonte: IBGE (2008)
6
A mancha urbana formada nos limites do Distrito Federal, ou seja, a RIDE, comporta
aproximadamente mais de 1 milhão de habitantes (IBGE, 2008) e aumenta continuamente. O
crescimento acelerado dos Municípios limítrofes do Distrito Federal, como visualizado nos
5
Dados disponíveis em: http://www.siedf.codeplan.df.gov.br/gft/gftdefault.asp?publico=sim, acessado em maio
2008.
6
Dados disponíveis em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/defaut.php e Codeplan.
50
dados do IBGE, sofreu um aumento populacional com taxas médias anuais de 6,72%, no
período de 1991-2004, sendo as do Distrito Federal da ordem de 3,04% a.a no mesmo
período. Como resultado, desencadeou-se um processo de demanda por moradias
principalmente para a população de baixa renda. O fato de se tratar de uma população de
baixa renda não inviabilizou o acesso à moradia na periferia distante, por meio da compra do
lote.
O acesso ao espaço nas áreas centrais foi restringido, evidenciando ainda mais a
exclusão social, ou seja, a segregação sócio-espacial manifestou-se na reprodução do espaço
de residência. As populações de classes mais baixas acabaram encontrando soluções para suas
necessidades habitacionais, muitas vezes à revelia do mercado imobiliário formal.
A história de Brasília, como revelam Peluso (1987) e Paviani (1987), se desenrola por
uma política de segregação sócio-espacial visível por dois momentos descritos pelos autores.
O primeiro se refere à criação das cidades-satélites do Distrito Federal, cuja população com
baixos rendimentos foi levada para áreas mais distantes do centro. O segundo diz respeito ao
adensamento dos Municípios do Entorno de Brasília, quando por ocasião dos fluxos
migratórios em busca de trabalho, as classes dominantes que possuíam fazendas no entorno
passaram a vendê-las criando um espaço que constituiu a periferia externa do Distrito Federal.
No processo de loteamento, de acordo com Lago (2003), existem dois critérios
correlacionados que servem para definir o assentamento popular como “loteamento”,
independente de sua situação jurídica. O primeiro diz respeito à compra do lote, ou seja, à
existência do mercado. E o segundo é consequência do primeiro e se refere à presença do
agente econômico, no caso, o loteador, o responsável pelo empreendimento.
Ante esses dois critérios, foram implementados os loteamentos em Águas Lindas por
agentes descapitalizados que realizavam a operação sem investir previamente grande soma de
recursos. A periferia limítrofe ao Distrito Federal apresentou uma característica comum a
todos os Municípios, embora os situados a sul fossem os de maior expressão. Inicialmente, os
loteamentos se constituíam em investimentos que eram repassados à população segregada
apresentando duas formas distintas de procedimentos, de acordo com Paviani (1987). De um
lado, os loteamentos financiados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), que contavam
com infra-estrutura e benfeitorias urbanas e que depois se transformaram em Municípios,
como Cidade Ocidental, Valparaízo e Novo Gama.
51
Por outro lado, os loteamentos abertos eram repassados aos moradores por meio de
financiamento próprio, em que as imobiliárias vendiam os lotes sem as condições mínimas de
infra-estrutura e benfeitorias urbanas, nas quais predominavam a autoconstrução da moradia.
Muitos desses loteamentos, com o preço final do lote pouco elevado, ao atingirem grande
população, tornaram-se também Municípios, como Águas Lindas de Goiás.
Dessa maneira, procedeu a regra geral para o incremento do entorno do Distrito Federal
que hoje constitui a RIDE, que apresenta substancial disparidade em relação ao Distrito
Federal, tanto no que diz respeito aos serviços públicos disponibilizados, quanto à oferta de
empregos. Talvez por isso, o intenso fluxo da movimentação pendular para o Distrito Federal
na busca dos serviços públicos, como saúde e educação e, principalmente, empregos.
Assim, o processo de loteamento da periferia do Distrito Federal é resultante da política
habitacional adotada pelo Estado. Este procedimento, adotado com intensidade pelo Governo
do Distrito Federal durante toda a década de 60, sofreu um arrefecimento durante os anos 70 e
80, em função de sensível redução nos investimentos estatais em políticas habitacionais para
as populações mais carentes.
Os loteamentos nos Municípios limítrofes com o Distrito Federal, no Estado de Goiás,
cresceram em um ritmo assustador a ponto de o Município de Luziânia ter sido desmembrado
no curto período de 1990/1996 em três outros: Novo Gama, Valparaízo de Goiás e Cidade
Ocidental.
Águas Lindas de Goiás é um claro exemplo de expansão periférica feita sem controle
por parte dos órgãos competentes, pois parte do Município se localiza na APA do rio
Descoberto, na qual se encontra a barragem do Descoberto. O Município surgiu para abrigar a
população de baixa renda que não encontrava habitação dentro do quadrilátero.
Assim, os Municípios limítrofes ao Distrito Federal, inexoravelmente, como Águas
Lindas de Goiás, expandiram-se, por meio do mercado de lotes, como cus privilegiado da
carência e da ilegalidade. O resultado é um padrão segregador e reprodutor das desigualdades
das classes, o que marca a distância tanto física quanto social entre as classes.
Em diversos estudos (Peluso, 1987; Paviani, 1987; Souza, 2003, 2006), observa-se o
fenômeno da valorização da terra como fator determinante tanto da atração, quanto da
expulsão da população com baixos rendimentos. A atração, para realizar o sonho e o ideal de
ter uma vida melhor, trabalho, saúde e escola para os filhos. A expulsão, quando são afastados
para áreas distantes, onde o preço da terra é mais barato por não possuir infra-estrutura ou
52
mesmo por se tratar de áreas sensíveis ou ambientalmente de risco. Tal situação corresponde à
segregação do espaço do tipo ‘clássica’, em que ocorre “um processo de ‘empurramento’ dos
pobres para espaços desprezados pelas elites e pela pequena burguesia” (SOUZA, 2006, p.
466).
O fenômeno da segregação residencial se diferencia sob o ângulo socioeconômico.
Souza (2003) identifica dois processos de segregação residencial: a induzida e a auto-
segregação. Na segregação residencial induzida as pessoas não escolhem onde morar, pois são
forçadas a migrar para áreas empobrecidas e carentes. Difere da auto-segregação, em que as
pessoas fazem a opção de se afastarem do centro da cidade, ou mesmo da própria cidade. Um
dos maiores responsáveis pela segregação induzida é a dinâmica do mercado imobiliário. Os
migrantes pobres são atraídos pela cidade grande, Brasília. O alto preço da terra dificulta a
permanência nas áreas centrais, enquanto nas periferias, onde o preço dos imóveis é muito
baixo, formam-se loteamentos sem infra-estrutura, muitos localizados em áreas
ambientalmente sensíveis ou de proteção ambiental, que atraem os expulsos.
Da mesma maneira, a população transfigura-se em “agente”, como diz Paviani, (1987),
no momento em que de posse de um lote, constrói barracos para moradia ou aluguel e,
portanto, participa do processo de formação de periferias. É o que ocorre em Águas Lindas.
53
CAPÍTULO 4 - ÁGUAS LINDAS: O OBJETO DE ESTUDO E SEU
CONTEXTO
Águas Lindas se originou de um loteamento de chácaras de recreio às margens da
rodovia federal BR-070, conhecido como Parque da Barragem, quando seu território pertencia
a Santo Antônio do Descoberto-GO, que por sua vez, segundo Bertran (1994, p.112) integrava
o julgado de Santa Luzia, hoje Município de Luziânia-GO. Santo Antônio do Descoberto-GO,
na época, denominado de Santo Antônio dos Montes Claros, era a terceira mina de ouro do
julgado de Santa Luzia.
Águas Lindas deixou de ser Município de Santo Antônio do Descoberto-GO,
emancipando-se em 12 de outubro de 1995. Em três de outubro de 1996, realizou-se a
primeira eleição na cidade, elegendo-se para o cargo de prefeito o Sr. Ordalino Garcia de
Melo, para o período de 1997-2000. O núcleo urbano dista aproximadamente 16 km do
Município de Santo Antônio do Descoberto, 50 km de Brasília, 8 km de Ceilândia, 26 km de
Taguatinga e 200 km de Goiânia - capital do Estado de Goiás.
O Município encontra-se estruturado pelas rodovias BR-070 (que liga Brasília - DF a
Cocalzinho - GO) e a GO-547 (que liga Brazlândia - DF à Cidade Eclética-GO), (ver figura
3). Tem como retângulo envolvente as coordenadas de 15º45’00” e 15º52’30” de latitude sul e
de 48º15’00” e 48º22’30” de longitude oeste, e seu Município corresponde a uma área de 278
km².
54
FIGURA 3 – LOCALIZAÇÃO DE ÁGUAS LINDAS DE GOIÁS-GO
MAPA DE LOCALIZAÇÃO
ÁGUAS LINDAS GOIÁS-GO
Fonte: *IBGE: Malha Municipal 2005- Escala:500.000, customizados pelo programa ARCVIEW 3.2
** adaptado Plano Diretor de Águas Lindas de Goiás, 2002
55
O principal curso d’água é o rio Descoberto, que tem como principais afluentes o
Córrego Moreira, Coqueiro, Mato do Buraco, rio Macaco, em sua margem direita e
Corguinho, Buriti e rio Melchior, na margem esquerda. O rio Descoberto, com extensão
aproximada de 80 km, tem sua nascente na Chapada Vargem Grande e encontra-se represado
próximo às suas nascentes, para o abastecimento de água do Distrito Federal. A sub-bacia
abriga as cidades satélites de Brazlândia, Taguatinga, Ceilândia, Samambaia, no Distrito
Federal, e Águas Lindas e Santo Antônio do Descoberto no Estado de Goiás, com área de
drenagem de aproximadamente 1.400 km².
O adensamento populacional que evolui em torno da barragem é intenso (ver figura 4):
de um lado Águas Lindas, de outro, atividades agrícolas. Como o mapa demonstra, o
adensamento populacional entre os anos de 1998 a 2000 se intensificou, margeando as
principais rodovias do Município: a BR 070 que liga Brasília-DF à Cocalzinho-GO e a GO
547 que liga a Cidade Eclética-GO à Brazlândia-DF.
COCALZINHO
BRAZLÂNDIA
CIDADE
ECLÉTICA
COCALZINHO
BR-070
BRAZLÂNDIA
BRASÍLIA
CIDADE
ECLÉTICA
BR-070
1998
BRAZLÂNDIA
BRASÍLIA
CIDADE
ECLÉTICA
COCALZINHO
BR-070
BRAZLÂNDIA
BRASÍLIA
CIDADE
ECLÉTICA
COCALZINHO
BR-070
DE GOIÁS
GO-547
DE GOIÁS
GO-547
DE GOIÁS
GO-547
GO-547
DE GOIÁS
1995
1996
BRASÍLIA
LEGENDA
MALHA VIÁRIA
RESERVATÓRIO DO DESCOBERTO
VIA REGIONAL BR-070
VIA REGIONAL GO-547
RIOS E CÓRREGOS
LIMITE DO MUNICÍPIO
2000
GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS
PREFEITURA DE ÁGUAS LINDAS
SUPERINTENDÊNCIA DE ARTICULAÇÃO
E APOIO MUNICIPAL
PLANO DIRETOR
ÁGUAS LINDAS DE GOIÁS-GO
CRESCIMENTO URBANO
NORTE
ESCALA 1/150.000
0 1000
2000
3000 m
DATA: Abril/2000
FERNANDO TEIXEIRA & ASSOCIADOS
6
FIGURA 4 – ADENSAMENTO POPULACIONAL DE ÁGUAS LINDAS NO PERÍODO DE 1998 A 2000
Fonte: Plano Diretor de Águas Lindas de Goiás, 2002
56
57
De acordo com o Cartório de Registro de Imóveis de Águas Lindas de Goiás, os
loteamentos mais antigos foram registrados em Luziânia-GO e Santo Antônio do Descoberto-
GO, e os mais recentes no próprio Município. Porém, o cartório confirma a existência de
loteamentos não registrados no Município, entre eles: Recreio Águas Lindas II e III, Jardim
Alterosa, Camping Clube, Jardim das Oliveiras II, Park das Águas Bonitas II, Residencial
Águas Lindas, Solar da Barragem, Vila Esperança, Cidade do Entorno, Residencial Alvorada,
Recreio Águas Lindas, Chácaras Quedas do Descoberto II, Mansões Lago do Descoberto,
Jardim Santana e Jardim Califórnia
7
.
Os loteamentos não são reconhecidos oficialmente pelo cartório, isto é, sabe-se da
existência desses loteamentos, porém eles não têm projeto aprovado. Portanto são irregulares,
ou porque se situam em áreas ambientais que se encontram sob vigência da legislação
ambiental: o Decreto 88.940, de 7 de novembro de 1983, ou por terem sido registrados em
outros Municípios.
Os loteamentos que existem na APA, assim como os demais, acabam interferindo na
qualidade da água da represa da bacia do rio Descoberto, pois o Município não dispõe de uma
infra-estrutura de esgotamento sanitário, ficando a cargo da população o seu próprio destino,
pois utilizam fossas negras, assim como esgotamento a céu aberto.
O Município conta com uma coleta de lixo deficitária fazendo uso das mais diversas
formas de recolhimento: carroças particulares, trator com carroceria. Em algumas localidades,
o serviço é prestado por meio de caminhão convencional de lixo, o que acaba contaminando
as águas de lençóis que abastecem a represa do Descoberto.
De acordo com o Decreto de criação da APA, a aprovação de planos de urbanização
está condicionada à construção de redes de coleta e estações de esgoto adequado, definido
pela Companhia de Saneamento Ambiental de Brasília (CAESB) e pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
O Município de Águas Lindas, porém, não possui estudo de impacto ambiental nem,
consequentemente, de Relatório de Impactos Ambientais (EIA/RIMA), e de acordo com o
gerente ambiental
8
o Município não tem estrutura para elaborá-lo, visto que a prefeitura tem
somente uma gerência ambiental e não uma secretária com profissionais qualificados. A
aprovação de loteamentos e empreendimentos na área se encontra a cargo do governo
7
Informações obtidas no Cartório de Registro de Imóveis de Águas Lindas de Goiás em Fevereiro de 2008.
8
Entrevista realizada em 06 de Março de 2008.
58
estadual. A CAESB e a Saneamento de Goiás S/A (SANEAGO) assinaram um consórcio em
2002 e estão iniciando suas atividades para implantação da rede de esgoto do Município. A
CAESB terá 30 anos de concessão de uso da água do Sistema de Abastecimento do rio
Descoberto. Segundo o gerente ambiental, existem programas habitacionais da Secretaria
Municipal de Solidariedade e Cidadania que está removendo a população que mora próximo
ao rio Descoberto para residir em conjuntos habitacionais.
O Município conta hoje com programas de política habitacional voltados para a
população de baixa renda, o Programa de Subsídio Habitacional (PSH) e o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC). O PSH é um financiamento entre o Município e a Caixa
Econômica Federal (CEF) para atender às famílias de baixa renda. Das famílias, será cobrada
uma parcela simbólica de cinquenta reais por mais de 10 anos. O empreendimento se localiza
no Jardim da Barragem VI (ver figura 5). Foi realizada uma triagem para 200 famílias, das
quais 126 casas estão ocupadas. Faltam construir 74 casas para que o projeto seja concluído.
O programa é de 2003 e da gestão do prefeito JoZito de Gonçalves Cirqueira e se encontra
finalizado, segundo entrevista à Secretaria de Solidariedade e Cidadania do Município
9
.
9
Entrevista realizada em 07 de Março de 2008.
59
Figura 5: Localização dos Loteamentos em estudo
Fonte: Plano Diretor de Águas Lindas de Goiás, 2002, com adaptações da autora.
Ressalte-se que, atualmente, existem 12 invasões nas casas do programa do PSH. Um
levantamento da situação das famílias constata que são precárias suas condições sócio-
econômicas. No entanto, a Secretaria de Solidariedade e Cidadania do Município optou pela
regularização da situação de moradia.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, está se iniciando
e tem previsão para terminar em 24 meses. Para assentar as famílias no local, são previstos
mais oito meses e atenderá 60 famílias na primeira fase. No caso de habitação, existe um
cadastro de famílias que residem prioritariamente em áreas de risco. Parte do recurso será
disponibilizada em equipamentos sociais da região do Jardim Guairá, onde se localizará o
empreendimento. Segundo o projeto, serão construídas quadras de esporte, creche, quadra
poliesportiva, centro comunitário além da galeria de água pluvial.
60
As áreas de risco, ou seja, nascentes, próximas à rede elétrica e invasões de área
pública, segundo o projeto, estão situadas nos bairros: Queda do Descoberto, Jardim Guairá,
Jardim das Oliveiras, Mansões Centro-Oeste, Mansões Pôr-do-sol, Portão da Barragem,
Jardim das Laranjeiras, Lago do Descoberto e Sol Nascente. Todas serão áreas de intervenção
do PAC. O programa selecionará as famílias que tenham o maior número de filhos, portadores
de necessidades especiais, idosos e mulheres solteiras consideradas chefe de famílias. Hoje,
são 158 famílias inscritas. Em suma, foram estas as características ambientais, urbanísticas,
populacionais e de moradia do Município levantadas durante a coleta de dados e informações.
61
CAPÍTULO 5 - METODOLOGIA
Para compreender o estudo exploratório, retomam-se os seguintes objetivos: reconhecer
a área da APA ocupada por moradias irregulares, realizar um levantamento de informações
sobre os moradores e o loteamento, reconhecer os problemas ambientais e urbanos do
loteamento, investigar se os moradores da APA estão sendo removidos para outros
loteamentos. Metodologicamente, a pesquisa tem como objetivo testar os instrumentos, tanto
da coleta de dados, quanto do método de análise das entrevistas, denominado de ALCESTE.
Trabalha-se com a hipótese de que a prática da ilegalidade está relacionada às representações
sociais que os agentes produtores do espaço de Águas Lindas constroem sobre a moradia e a
natureza.
5.1. PARTICIPANTES
A pesquisa exploratória baseou-se inicialmente em três grupos interrogados, que se
compõem de dois agentes de políticas públicas, um promotor imobiliário e nove moradores,
entre os quais quatro são moradores do Programa de Subsídio Habitacional (PSH) e cinco, do
Jardim das Oliveiras I, que corresponde ao local da moradia - que para os participantes é a
moradia própria. Somente um dos entrevistados, um agente de política pública, declarou que
mora em hotel do Município, conforme consta da tabela 4 e corresponde a outros (Out).
Tabela 4: Dados sócio-econômicos dos participantes do estudo exploratório
SEXO IDADE ESCOLRIDADE RENDA FAMILIAR MORADIA
ATUAL
MORADIA
ANTERIOR
M F A I Esc1 Esc2 Esc3 Esc4 Ses1 Ses2 Ses3 Ses4 P Out P AL
4 8 8 4 4 3 3 2 3 5 1 3 11 1 6 6
As variáveis selecionadas neste estudo foram: a) sexo (M - masculino e F - feminino);
b) idade (J - jovens, com idade variando entre 18 e 24 anos; A - adultos, variando entre 25 e
62
59 anos e I - idosos de 60 anos em diante); c) escolaridade (Esc 1 se refere aos analfabetos;
Esc 2 – os que estudaram até o 1º grau; Esc 3 2º grau e Esc 4 – faculdade); d) renda familiar
(Ses
10
1 os que recebem até 500,00 reais; Ses 2 de 501,00 a 1000,00; Ses 3 1001,00 a
1500,00 e Ses 4 de 1501,00 a 3000,00); e) Moradia atual (P própria e Out Outros); f)
Moradia anterior (P – própria e AL – alugada).
Os participantes deste estudo constituem-se basicamente de mulheres com baixa
escolaridade e renda média de até mil reais, que moravam de aluguel e diante do alto preço
dos terrenos e dos aluguéis, mudaram para Águas Lindas. Ressalte-se que, quanto à situação
da moradia anterior, para os moradores que foram entrevistados, seis moravam de aluguel
(AL), entre os quais quatro moram hoje no PSH e dois no Jardim das Oliveiras I. Portanto,
todos que residem hoje no PSH moravam de aluguel e no Jardim das Oliveiras I, dos dois
moradores que possuíam moradia própria (P), um deixou sua moradia na Ceilândia-DF para
os filhos e o outro trocou sua residência em Minas Gerais pelo lote de Águas Lindas e ainda
teve um retorno em dinheiro.
5.2. O INSTRUMENTO DE PESQUISA
Os instrumentos elaborados para detectarem as representações sociais foram entrevistas
semidirigidas, aplicadas aos moradores, agentes de políticas públicas e promotores
imobiliários. Justifica-se a entrevista com diversos agentes de acordo com De Alba (2006)
que, na sua pesquisa na Cidade do México, verificou que a imagem de um objeto depende da
posição que o sujeito ocupa na estrutura social.
As entrevistas semidirigidas permitem, por um lado, abordar os participantes da
entrevista, tanto com perguntas livres, quanto com dirigidas, ou seja, perguntas abertas e
fechadas (ver anexo 1). Portanto, com uma série de questões tanto abertas quanto fechadas. A
primeira parte do instrumento de pesquisa é composta de questões que abordam aspectos
sócio-econômicos e espaciais, o que permite elaborar o perfil do universo dos entrevistados.
Como as entrevistas foram aplicadas a participantes que ocupam papel social distintos
no Município, perguntas em comum a todos, como, por exemplo, o que é “natureza” e o
que é “moradia”, e assim, permitir a investigação do “que pensam os indivíduos acerca de um
10
SES As Condições sócio-econômicas correspondem a uma das variáveis consideradas no estudo
especificamente se refere a renda da família.
63
determinado objeto e porque pensam” (ALMEIDA, 2001, p 131), além de manter uma
possibilidade de comparação das opiniões manifestadas a respeito da moradia e da natureza
dos locais onde existem loteamentos irregulares.
As perguntas livres partem do pressuposto de que cada grupo tem um universo de
opinião particular. Cabe salientar, com base na pesquisa de Moscovici (1978), a distinção
entre as questões que são centradas no grupo, das que são centradas no conteúdo. As dirigidas
ao grupo, segundo o autor, “tende a definir as modalidades de expressão do grupo a propósito
de um objeto dado” (MOSCOVICI, 1978, p. 32), isto significa que procuram demonstrar as
representações em relação ao objeto. Portanto, verifica-se a maneira como os diferentes
grupos têm uma imagem ‘real’ ou ‘ideal’ do objeto. As questões centradas no conteúdo dizem
respeito à moradia e à natureza.
5.3. PROCEDIMENTOS DE COLETA
A aplicação das entrevistas foi realizada pela pesquisadora no mês de março de 2008. A
coleta procedeu com a entrevistadora inquirindo os participantes. As entrevistas duraram de
15 a 30 minutos. Utilizou-se gravador nas entrevistas. Aos participantes identifiquei-me como
aluna da Universidade de Brasília, informei-os sucintamente sobre a pesquisa e solicitei a
participação na pesquisa que tem interesse exclusivamente acadêmico. Também foi utilizada
na pesquisa em campo máquina fotográfica para registro das condições do loteamento.
5.4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Para análise das entrevistas foi utilizado o método de análise de dados textuais
ALCESTE
11
(Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto). Trata-se
de um software produzido por Max Reinert, em 1986, na França, e se presta a análise
quantitativa de dados textuais de maneira automática. “O objetivo é obter uma primeira
classificação estatística dos enunciados simples do corpus, em função da distribuição de
palavras dentro do enunciado, a fim de apreender as palavras que lhes são mais características
11
Analyse Lexicale par Contexte d’ um Ensemble de Segments de Texte”.
64
(RIBEIRO, 2005, p. 244)”. Ou seja, a análise com ALCESTE possibilita distinguir classes de
palavras que representam diferentes formas de discurso a respeito do tópico de interesse.
Portanto, o programa permite uma análise lexicográfica do material textual, oferece
contextos (classes lexicais) que são caracterizados pelo seu vocabulário e pelos segmentos de
textos que compartilham este vocabulário (IMAGE, 1998 apud CAMARGO, 2005, p. 512).”
De Alba (2004), utilizando o software, explora a estrutura e a organização do discurso,
portanto apresenta as representações sociais dos entrevistados. A análise do material
discursivo é realizada por meio da interpretação dos fragmentos do discurso selecionados pelo
programa, com intuito de buscar o significado e repercussões das representações dos
envolvidos na ocupação da área.
O software de análise estatística textual é uma primeira etapa da análise de conteúdo. Os
motivos da utilização do método ALCESTE o, primeiramente, de acordo com De Alba
(2004), a sua compatibilidade com a teoria das representações sociais, pois possibilita a
exploração do texto bruto, evitando as contaminações de análise do investigador. Segundo, a
análise do conteúdo temático e a análise dos mundos lexicais proposta pelo ALCESTE podem
ser complementar, na medida em que pode ser uma primeira etapa de análise do texto que
ajudará a uma melhor interpretação dos resultados levantados pelas entrevistas.
O programa, para a autora, relaciona-se às necessidades e problemáticas dos
investigadores sociais, que se vêem permanentemente confrontados com a análise de
materiais lingüísticos, como entrevistas, relatos da história de vida dos moradores, as
respostas livres às questões abertas, entre outras.
O material para análise com auxílio do ALCESTE demanda um trabalho suplementar de
correção e preparação, após a transcrição das entrevistas, assim como de interpretação dos
dados obtidos com a análise do ALCESTE. Todos os dados coletados devem estar em um
único arquivo, denominado de corpus, cuja Unidade de Contexto Inicial (UCI) corresponde às
divisões de cada entrevista em que todo o material verbal ou anotações produzidas pela
pesquisadora, durante a entrevista ou no momento da sua transcrição, como perguntas,
intervenções e anotações diversas, corresponde ao primeiro índice da estrutura que convém
assinalar para o ALCESTE. O conjunto de (UCIs), o corpus, constitui o material do qual se
elabora a análise.
Assim, indaga-se: como funciona o ALCESTE? Segundo De Alba (2004), o conjunto de
análise estatística do uso discursivo ou o uso de vocabulários em um ou mais textos se
65
desenvolve por um conjunto de etapas. O programa efetua uma análise geral do material que
corresponde à leitura do texto e cálculo do dicionário, à divisão das matrizes e classificação
das Unidades de Contexto Elementares (UCE), à descrição da classificação efetuada e
cálculos complementares.
Dentre as etapas de funcionamento do software, destacam-se, segundo De Alba (2004),
Camargo (2005) e Ribeiro (2005), os seguintes procedimentos do programa: ao analisar o
corpus o programa primeiro reconhece as UCIs, realiza uma primeira fragmentação do texto
em que divide o texto em UCE. As UCEs son segmentos de texto compuestos por sucesiones
de palabras principales (DE ALBA, 2004, p. 1.4). Portanto, distingue entre as palavras
principais ou funcionais (substantivos, verbos e adjetivos) que são co-ocorrentes e as palavras
relacionadas (preposições, conjunções, artigos e pronomes) que são eliminadas. Ou seja, as
UCEs constituem pequenos fragmentos de texto que contêm um enunciado completo. Assim,
na frase seguinte:
“Eu gosto de morar próximo à barragem, porque até o ar fica diferente, por causa da
umidade fica bom viver aqui.” (Participante 7, Março/2008).
Se considerarmos somente as palavras principais - gosto, morar, próximo, barragem,
ar, fica, diferente, umidade, bom e viver - o conjunto de palavras evocam a proximidade de
morar próximo à barragem. Dessa maneira, as palavras principais são aptas a expressar nossos
usos no mundo lexical, enquanto as palavras relacionadas têm um papel secundário, segundo
Reinert (apud De Alba, 2004). O programa realiza a distinção entre as palavras principais e
relacionadas para proceder à eliminação das terminações das primeiras. Assim, ocorre o
procedimento básico a partir do qual se realiza o cálculo estatístico sucessivos.
Cabe ressaltar que a análise das palavras principais não equivale a uma análise temática
do discurso. Isso se porque o ALCESTE não leva em conta a construção sintática da frase.
No entanto, para Reinert (apud De Alba, 2004), o conteúdo temático depende da organização
sintática e semântica dos enunciados, enquanto a lista de palavras principais constitui os
mundos lexicais do discurso, que, de acordo com De Alba (2004), não se define por si
mesmo, senão em relação aos outros. A autora tecnicamente define los mundos lexicales son
un conjunto de palabras principales que tienen una organización habitual (repetitiva) en el
discurso y que se refieren a algo similar” (Ibidem, 2004, p. 1.4).
Portanto, as UCE são resultantes da primeira etapa de análise do programa, qual seja: a
leitura do texto e cálculo dos dicionários, cuja etapa realiza a “primeira segmentação do texto,
66
agrupa as ocorrências das palavras em função de suas raízes e procede ao cálculo da
frequência das formas reduzidas (CAMARGO, 2005, p.514).”
Na segunda etapa, De Alba (2004), Camargo (2005) e Ribeiro (2005), ressaltam que o
programa efetua uma classificação das unidades de contexto em função da semelhança de
vocabulário. Assim, um duplo procedimento de classificação permite comprovar a
estabilidade das classes. O programa realiza uma primeira classificação das unidades de
contexto de determinado tamanho e outra com tamanho superior. De Alba (2004) exemplifica
com dez morfemas lexicais e com doze. Se a classificação é estável, a variação do tamanho do
vocabulário por UCE não muda a estrutura da distribuição das classes nem seu conteúdo.
Assim, cada classe é composta de várias UCEs em que a semântica é homogênea e que
estarão organizadas de maneira que as unidades sejam compostas de enunciados lingüísticos
que comportam uma ideia ou uma representação elaborada pelos sujeitos acerca de si e de seu
mundo compondo as classes. A análise estatística que possibilita a identificação das ideias é a
Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que se destina a calcular as partições em
classes as quais se resume por um “dendograma
12
”.
Em seguida, a terceira etapa fornece os resultados mais importantes. Segundo Alba
(2004), Camargo (2005) e Ribeiro (2005), esta etapa define as classes escolhidas e descreve
as classes obtidas. Para isso, o programa executa vários procedimentos estatísticos
suplementares para cada uma das classes obtidas da etapa precedente. Por conseguinte, realiza
a Análise Fatorial de Correspondência (AFC)
13
realizada a partir da CHD.
A última etapa do programa se destina aos cálculos complementares no qual ocorre um
prolongamento da etapa anterior. Com ajuda de vários procedimentos estatísticos
suplementares, que são segundo Camargo (2005) e Ribeiro (2005) seleção das unidades de
contexto representativas de cada classe, cálculo dos segmentos repetidos por classe, fornece a
Classificação Hierárquica Ascendente (CHA) para cada classe o que permite o estudo das
relações entre as classes, realizam a seleção das palavras mais características das classes para
apresentação em um índex de contexto de ocorrências e por último, permite a exportação das
UCEs para outros programas de informática.
O ALCESTE permite, de acordo com Ribeiro (2005), várias formas de consulta, sejam
etapa por etapa ou sob a forma de relatório completo e/ou simplificado, isto é, consulta aos
12
De Alba (2004) denomina ‘dendograma’ o gráfico que indica o número de classes, sua estrutura e forma de
relação entre as classes.
13
A AFC de acordo com De Alba (2004) é efetuada a partir da tabela de dados apresentados com o dicionário
dos morfemas lexicais.
67
diferentes dicionários, as classes escolhidas ou descrição das classes e da “Índex contextuais
de formas”.
Dentre as etapas de funcionamento do software, destacam-se, segundo análise
empreendida no Centro Internacional de Pesquisa em Representações e Psicologia Social
(CENTRO MOSCO), sob orientação da profª Drª Ângela Maria de Oliveira Almeida, as
seguintes estratégias de consulta para a realização de uma análise qualitativa.
Na pesquisa, foram consideradas as três etapas que correspondem, segundo Ribeiro
(2005), às operações mais importantes que produzem os resultados para interpretação. São as
etapas C1 e C2 que fornecem resultados que permitem a descrição das classes obtidas,
principalmente pelos vocabulários característicos, ou seja, a operação C1 corresponde à
definição das classes escolhidas pelo programa e a operação C2 diz respeito à descrição das
classes. A etapa D1 permite a contextualização do vocabulário típico de cada classe obtido na
etapa C2. Ou seja, foram consideradas as etapas: 1. Definição das classes; 2. Descrição das
classes obtidas, principalmente por meio dos vocabulários característicos; 3. Contextualização
do vocabulário típico de cada classe.
A partir da análise, considerando as etapas C1, C2 e D1, Ribeiro (2005) constrói
graficamente um quadro que sintetiza os resultados gerados pela análise do programa
ALCESTE. O autor exemplifica a construção do quadro com a seguinte composição: a) as
linhas de ligação representam as relações entre as classes sendo que as linhas contínuas
indicam relações fortes e as pontilhadas, relações fracas; b) os retângulos amarelos são os
locais onde são colocados os títulos de cada classe que são atribuídos pelo autor; c) os
retângulos cinza são os espaços no qual se inserem as palavras representativas da classe, ou
seja, as obtidas a partir do χ², frequência e percentual de contribuição na classe que
corresponde à Etapa C da análise do ALCESTE; d) os retângulos azuis, porcentagem da
variação explicada para cada classe em relação ao corpus total, também aparece na Etapa C.
Com isso, obtém-se o seguinte quadro (ver figura 6).
68
FIGURA 6: REPRODUÇÃO GRÁFICA DOS RESULTADOS GERADOS PELA
ANÁLISE DO PROGRAMA ALCESTE
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
a)
---------------------------
b)
c)
d)
Após a construção do quadro, Ribeiro (2005) orienta proceder a uma descrição textual
das informações obtidas das entrevistas, complementando-as com tabelas que informam a
frequência, o percentual e o χ² das palavras selecionada. As palavras que compõem as classes
aparecem no relatório em forma de raiz. Para saber a que palavras se referem, deve-se
verificar o item que mostra a seleção das palavras e das UCE por classes que se encontra no
relatório identificado como a etapa D1.
Para Ribeiro (2005), uma análise mais avançada poderá ser obtida utilizando-se a
Análise Fatorial de Correspondência que no relatório completo aparece como etapa C3 e
constitui a quarta etapa de consulta da pesquisa. Ribeiro (2005) afirma que a
Análise de
Correspondência permite:
Visualizar, sob a forma de um plano fatorial, as oposições resultantes da
C.H.D. Essa análise oferece uma projeção das palavras analisadas em um
plano fatorial, cruzando os fatores 1 e 2, com também das variáveis
suplementares (por exemplo: sexo, idade, escolaridade, etc.). Obtêm-se, com
esta análise, os grandes fatores de agrupamento do discurso (fala, em
formato de texto) dos sujeitos (ou documentos), como também correlações
entre este discurso e as variáveis suplementares. No programa, há duas
formas de leitura dos resultados: uma direta na interface de consulta e, uma
outra, no relatório gerado pelo programa (RIBEIRO, 2005, p.256-257).
A fim de ilustrar a maneira como funciona o programa, é apresentado os dados
analisados provenientes da investigação sobre as representações sociais da moradia e da
69
natureza das entrevistas semidirigidas dos moradores. Isso porque o corpus das entrevistas
dos agentes de políticas públicas e promotores imobiliários não constitui um texto mínimo
que, de acordo com Kronberger e Wagner (2003), é de 10.000 palavras.
5.5. CONTRIBUIÇÕES DO ESTUDO EXPLORATÓRIO PARA A PESQUISA FINAL
Da análise empreendida pelo software reconstrói-se o discurso dos moradores de cada
uma das classes, a partir das palavras e UCEs fornecidas pela análise estatísticas, assim
resultando numa análise qualitativa. Portanto, a análise qualitativa considera tanto os dados
estatísticos como o conhecimento da pesquisadora quanto ao objeto de estudo para que possa
reconstruir o discurso coerente com a realidade investigada, que seja de todos os sujeitos e de
nenhum em particular, demonstrando sua origem social.
A análise oportunizada pelo ALCESTE do corpus das entrevistas dos moradores
identificou nove UCIs que classificou em 183 UCEs entre as quais 155 UCEs, ou seja, 84%
compõem as 7 classes (ver figura 7).
FIGURA 7: CHD EFETUADA SOBRE AS 9 ENTREVISTAS COM
IDENTIFICAÇÃO DAS 7 CLASSES E SUAS RESPECTIVAS RELAÇÕES
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
----9----8----7----6----5----4----3----2----1----0
Cl. 1 ( 54uce) |---O lugar---------+
17 |
Moradia atual
+
Cl. 7 ( 11uce) |-Ilegalidade-------+ |
18 |-
Valor da moradia
-+
Cl. 2 ( 17uce) |
Novos loteamentos
+ |
|
12 |----O outro---------+ |
Cl. 4 ( 20uce) |A cidade--+ |
19 |+
Cl. 3 ( 23uce) |
Mobilidade
+ |
14 |-SEE*+ |
Cl. 6 ( 11uce) |-SES**---+ | |
15 |-Motivos da aquisição----------+
Cl. 5 ( 19uce) |--O lote-------+
* SEE – Condições sócio-espaciais
** SES – Condições sócio-econômica
O dendograma produzido pela CHD indica a presença de uma estrutura hierárquica que
divide as classes em dois eixos, que denominamos de “valor da moradia” e “motivos da
70
aquisição” do lote. Por conseguinte, os eixos englobam três subeixos. O subeixo composto
pelas classes 1 e 7 denominamos “moradia atual”, o subeixo que corresponde às classes 2 e 4
denominamos “o outro” e o subeixo composto pelas classes 3, 6 e 5 que chamamos
“condições sócio-espaciais” (SEE).
O subeixo relativo à “moradia atual” remete tanto ao lugar quanto a seus problemas. No
subeixo “o outro”, os moradores justificam a permanência dos problemas porque os
loteamentos novos continuam proliferando e não solucionam a demanda de infra-estrutura; o
mesmo, os moradores confirmam para a cidade (ver figura 8).
Assim, à classe 1, a qual chamamos “o lugar”, os moradores apresentam um campo
comum das falas sobre o conhecimento que se tem do lugar e do que leva as pessoas a saírem
do loteamento. Na classe 7, que chamamos “ilegalidade”, os moradores reconhecem a
situação do loteamento como área de proteção ambiental quando afirmam que moram na
APA, que sabem que é proibido morar, não acham certo que morem, no entanto continuam
morando.
A classe 2, “novos loteamentos”, aparece como a justificativa de que o problema maior
são os novos loteamentos que estão sendo aberto, mas mesmo assim indica a cidade para
outras pessoas, porque assim estão tirando-as do aluguel.
71
FIGURA 8: CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA DESCENDENTE (CHD) SOBRE O
CORPUS DISCURSIVO COMPOSTO DE 9 ENTREVISTAS
- - - - - R= 0
- - - - - - - - - - - -R= 0.33- - - - - - - - -
- - - - -R= 0.58 - - - - - - - -
----------R= 0.75--------------
Classe 1
O lugar
Classe 7
Ilegalidade
Classe 2
Novos
loteamentos
Classe 4
A cidade
Lugar+ 33.68
Conheço 31.06
Águas Lindas
19.75
Daqui 17.55
Pessoa+ 17.11
Mudar 16.40
Importante
16.21
Gosto 14.39
Lago do
Descoberto
13.71
Assim 12.51
Apa+ 126.15
Sabia 81.71
Proibido 67.64
Pessoal 27.85
Morar 23.77
Ambient+ 16.47
Certo 14.22
Proteção 11.46
Vem 11.46
Nunca 8.48
Novo+ 50.67
Abertos 41.94
Sendo 41.94
Loteamento+
41.32
Estão 26.32
Indicaria 24.32
Moradia 19.82
Bom 17.84
Cidade 13.50
Acho 12.95
Natureza 33.45
Paisagem 26.80
Bonita+ 24.15
Nem 20.70
Lojas 20.65
Tudo 15.47
Tinha 11.16
Jardim Brasília
10.20
Cidade+ 9.67
Aquel+ 9.58
54 UCE =
34.83%
11 UCE =
7.10%
17 UCE =
10.97%
20 UCE =
12.90%
Na classe 4, que denominamos “a cidade”, os moradores falam da moradia e da natureza
da cidade, reconhecem a paisagem natural, acham bonita, mas também mencionam que os
melhores lugares, os que mais cresceram na cidade são os que têm comércio, lojas, eles se
referem ao Bairro Jardim Brasília. Os moradores falam da importância da cidade para si, mas
72
jogam a responsabilidade dos problemas para os que chegaram depois, ou seja, o outro, os
novos loteamentos são bons para tirar do aluguel.
O campo comum das representações, que indica os motivos da mudança, compõe o eixo
que diz respeito aos motivos da aquisição” que, por sua vez, corresponde ao subeixo
“condições sócio-espaciais” em que os moradores falam de sua mobilidade, de suas condições
sócio-econômicas e sobre a aquisição do lote, como justificativas da mudança para o local
(ver figura 9).
FIGURA 9: CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA DESCENDENTE (CHD) SOBRE O
CORPUS DISCURSIVO COMPOSTO DE 9 ENTREVISTAS
R= 0 - - - - - - - -
- - - - - - -R = 0.65 - - - - - - - - -
---R= 0.78------------------
Classe 3
Mobilidade
Classe 6
Condições sócio-
econômicas
Classe 5
O lote
Morava 47.79
Filho+ 33.22
Antes 29.95
Meus 29.95
Ceilândia 29.23
More+ 25.74
Vir 23.56
Moro 19.47
Caro 18.58
Própria 17. 36
Marido 55.02
Bico+ 40.05
Sobrindo 40.05
Sou+ 32.83
Meu 32.83
Trabalha 28.71
Mãe 27.85
Mora 23.55
Veio 21.93
Adquiri 76.26
Fácil 52.48
Lote 45.19
Chama 44.40
Imóvel 38.14
Próprio+ 30.87
Bairro 25.67
Foi 24.82
Jardim das
Oliveiras 23.86
Fiquei 22.04
23 UCE =
14.84%
11 UCE = 7.10%
19 UCE =
12.26%
73
A classe 3, que chamamos de “mobilidade”, remete a: com quem, como e onde morava
e porque se mudou. O que predominou nas falas é que morava com filhos na Ceilândia-DF,
veio morar em Águas Lindas, porque é caro o aluguel na Ceilândia e no Município
conseguiram adquirir uma moradia própria. Na classe 6, que denominamos “condições sócio-
econômicas”, os moradores falam de suas condições, como também das justificativas das suas
escolhas. Normalmente, quem trabalha e tem renda é o marido, muitos vivem de bico,
estudam e a relação com os parentes é motivo da mudança também.
Na classe 5, que chamamos “o lote”, as representações que surgem é sobre a aquisição
do lote pelos moradores. Para eles foi fácil adquirir o imóvel que é próprio e se localiza no
Jardim das Oliveiras I. Portanto, nesta classe somente os moradores do loteamento Jardim das
Oliveiras I falam da aquisição do lote, enquanto os que residem no conjunto habitacional
Jardim da Barragem VI, a fala é sobre a seleção para ganhar a casa.
Portanto, o eixo indica como os moradores vêem sua situação, sua realidade e se
projetam, justificam como saída para aquisição do imóvel próprio, a compra do lote na área
em estudo. Sua situação econômica não permitia outra solução.
Outra constatação dos resultados obtidos pelo ALCESTE diz respeito à Análise
Fatorial de Correspondência, que permitiu estabelecer relações entre as falas e as variáveis
sócio-econômicas dos participantes. Os resultados indicam a presença de duas grandes
dimensões, como pode ser observado na figura 10, que apresenta a projeção das palavras
analisadas e das variáveis.
Na análise fatorial destacam-se as dimensões: a primeira identificada no plano fatorial,
pela seta azul, apresenta informações que partem “da motivação à aquisição da moradia”; a
segunda dimensão agrupa, no plano fatorial, as condições sócio-econômicas dos moradores
que partem de uma “situação precária à aquisição do lote”, o que representa um fator de
ascensão social, esta dimensão está identificada pela seta vermelha no plano fatorial. Portanto,
o desejo se realiza com a aquisição, assim as duas dimensões se completam.
74
FIGURA 10: ANÁLISE FATORIAL DE CORRESPONDÊNCIA (AFC) SOBRE O
CORPUS DISCURSIVO COMPOSTO DE 9 ENTREVISTAS
---------------------------------
C3: A.F.C. du tableau C2_DICB.121
---------------------------------
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
19 | | |
SES
18 | | |
17 | | |
16 |
| |
15 | filho+na tenho em também| |
14 | ela+ | |
13 | Ceilândia | |
12 | antes | |
11 | classe03aluguel3saláriosmore+ | |
10 |Brasília sou +aqui Masculino classe6marido |
9 | meus.morava moram | |
8 | caro mora outr+er |
7 | minha+ Idosos PSH | |
6 | moro | |
5 | vim mãe | tive+tudo da perto |
4 | | os toda+muita+ |
3 | trabalho | outro+ esta certo |
2 | meu ele+estou analfabeto | par+er ainda te não |
1 | continuar dele+ | apa+classe7 fica |
0 +---------com----pretendo----do---.morando.-.vem.voceclasse04.enquanto--+
1 | novo+uma+classe02agora .mudar.tem |
2 | era loteamento+Adultotinha Estao vê cimaclasse01acho próximo|
3 | | mas isso .bom . onde+.conheco
4 | |vez+ daqui como ser. lago_do_desc |
5 | | mesmo
|
6 | | gosto |
7 | | tranquilo coisa+ |
8 | | mim |
9 | | quem chácara+ |
10 | muito+feminino 2salários |
11 | | Jardim dasporque
|
12 | foi até | Oliveiras I |
13 | lote+ | pra ess+ |
14 | gente pagar depois todo+ |
15 | proclasse05prio+ pro |
16 | adquiri+fácil bairro um | |
17 | imóvel chama algum+dizer|
|
18 | | |
19 | |
O lote
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
Da motivação à aquisição da moradia
As relações de oposição ocorrem, de um lado, entre as nuvens que revelam a realidade
das condições da família, da moradia e da mobilidade e, de outro, as vantagens da mudança
para Águas Lindas. A oposição é balizada, sobretudo, entre os participantes do sexo
masculino que recebem até 3 salários mínimos e os idosos que moram no PSH, com o
discurso das mulheres que residem no Jardim das Oliveiras I e recebem até 2 salários
mínimos. Outra oposição evidente na fala é, de um lado, o ideal dos moradores de
75
continuarem a morar e, de outro, as razões que levam a se posicionarem diante das
dificuldades.
Com isso, os resultados mostram que os moradores se distribuem em dois grupos: os
que moram no PSH e os que moram no loteamento da APA. Uma primeira observação que se
faz é que, diante dos dados, nenhum dos moradores do PSH revelou ter sido removido de
APA, mas constata-se que os que moram no PSH são basicamente idosos.
Os moradores ancoram suas falas no fato de terem morado de aluguel, possuírem renda
muito baixa, família com muitos filhos e nos locais de moradia atual, ou seja, no PSH e no
Jardim das Oliveiras I.
Outra constatação é quanto à renda que declararam e indica a situação do vínculo
empregatício que não possuem. A participante 3 vive de programa do Governo Federal, o
Bolsa Família, e de uma ajuda do ex-marido como afirma a moradora:
“Sou mãe solteira tenho cinco filhos uma de dezesseis anos, outro de dez anos, outro de
nove e três anos e estou grávida do quinto filho. O marido me deixou e eu sustento os cinco
filhos. Aqui ninguém trabalha. Vivo da bolsa família. O ex-marido ajuda por semana dando
assim quarenta reais, cinquenta reais o que pode. Ele trabalha em oficina aqui”.
(Participante 3, Março/2008).
A situação da moradora retrata bem o que se verificou como condições sócio-
econômicas das famílias de Águas Lindas que possuem um lote, geralmente grande
quantidade de filhos e a mãe, muitas vezes, é a única que possui uma renda para o sustento da
família. Entre as entrevistas dos nove moradores, seis são mulheres, das quais 50% sustentam
a casa. É o caso das entrevistadas 3, 4 e 6. A entrevistada 4 é aposentada e com ela mora um
sobrinho que tem um filho deficiente de dezessete anos, do qual também recebe uma
aposentadoria, portanto, a renda declarada se refere à aposentadoria dos dois.
A renda declarada pela entrevistada 5, que se encontra desempregada, se refere à renda
do marido. A entrevistada 8 declarou a renda familiar, ou seja, dela e do marido que é pintor.
Observa-se que quando questionados sobre a renda, os moradores mencionaram todos os
rendimentos que a família recebe, seja por meio de trabalho, bicos, aposentadorias ou
programas do governo. Portanto, as condições de compra dos moradores são limitadas e, mais
ainda, assumem a responsabilidade de pagamento de prestação do lote.
Ressalte-se que os entrevistados 3 a 6 são moradores do PSH que se localiza no Jardim
da Barragem VI (ver figura 11 e 12). As figuras evidenciam a realidade dos moradores do
76
programa. As casas são populares e de pequena dimensão. Têm dois quartos, uma sala, uma
cozinha e um banheiro e muitas vezes abriga de 2 a 7 pessoas, de acordo com as entrevistas.
FIGURA 11: FOTO 1 DO BAIRRO JARDIM DA BARRAGEM VI
Fonte: Jardim da Barragem VI, Águas Lindas de Goiás. 06 de Março de 2008. Foto da autora.
FIGURA 12: FOTO 2 DO BAIRRO JARDIM DA BARRAGEM VI
Fonte: Jardim da Barragem VI, Águas Lindas de Goiás. 06 de Março de 2008. Foto da autora.
77
O PSH foi mencionado pelos agentes de política pública como uma das ações
mitigadoras de remoção da população que moravam em áreas ambientais. No entanto, não foi
localizado nenhum morador que se tenha declarado removido de área de proteção ambiental.
Das 126
14
famílias que residem no bairro Jardim da Barragem VI, ou seja, moram nas casas
do programa, nenhuma família declarou ter sido removida de áreas de proteção ambiental. As
condições sócio-econômicas, quais sejam: número de filhos, idosos, deficientes na família,
mães solteiras, baixa renda familiar e o fato de não possuírem imóveis foram determinantes
para a seleção das famílias cadastradas no programa. Somente as entrevistadas 4 e 6 não têm
filhos, mas a entrevistada 4 é idosa e mora com um sobrinho que tem um filho deficiente.
Quanto aos agentes públicos entrevistados, observou-se não serem funcionários de
carreira, mas ocuparem cargos comissionados e possuírem qualificação para a área que atuam.
Um na área específica e o outro em área fim. Ou seja, na Secretária de Solidariedade e
Cidadania, uma assistente social inclusive com experiência na área, e o gerente do meio
ambiente, professor de História, mas com experiência na área ambiental.
Quanto ao grupo dos promotores imobiliários, houve uma forte resistência à
participação. Das seis imobiliárias visitadas somente uma se dispôs a participar da entrevista.
Quando da apresentação da pesquisadora às imobiliárias, foi apresentado o questionário e
explicado o objetivo da pesquisa. Mesmo assim, a resistência persistia inclusive com
justificativas de que a imobiliária não trabalhava com vendas de lote, mas somente com
documentação, isto significa, para o promotor imobiliário entrevistado, que a negociação de
venda dos lotes é realizada por outros e que somente procuravam a imobiliária para
prepararem o documento da venda.
5.6. PESQUISA EXPLORATÓRIA: REDIRECIONAMENTO DO ESPAÇO DE
PESQUISA
A pesquisa exploratória permitiu tomar decisões importantes para proceder à
continuidade da pesquisa, entre elas, conhecer a área da APA ocupada por moradias, portanto,
dentre os loteamentos apresentados pelo Cartório de Registro de Imóveis como irregulares, foi
delimitado um para aplicação do estudo, no caso o Jardim das Oliveiras I. Os problemas
14
Informações obtidas em entrevista realizada em 07 de Março de 2008, a s
ecretária de Solidariedade e Cidadania do
Município
.
78
levantados pelos moradores dizem respeito, principalmente, a situação de ilegalidade do
loteamento, isto é, sabem que moram numa APA.
Quanto à remoção dos moradores mencionada pelos agentes de políticas públicas da
APA para áreas do PSH, não se confirmou, pois o que se viu na área do PSH foram famílias
selecionadas com base em critérios sócio-econômicos, prevalecendo o caso de idosos,
deficientes, mães solteiras, sem imóveis e que moravam de aluguel.
Quanto ao caráter metodológico da pesquisa, destaca-se que, diante das dificuldades
encontradas na aplicação das entrevistas aos promotores imobiliários e aos agentes de
políticas públicas, a pesquisa precisou de um direcionamento quanto aos participantes.
Portanto, a segunda fase de aplicação das entrevistas somente será feita aos moradores de área
de proteção ambiental que são realmente os atingidos pelo conflito estabelecido entre morar e
preservar a natureza.
Quanto ao procedimento de análise, o programa ALCESTE permite realizar a
confirmação das representações sociais, o que resulta na possibilidade de ampliação da
confiança da pesquisadora quanto ao uso do software. Além disso, a análise das entrevistas
com o programa ALCESTE reafirmou que as representações não se encontram polarizada
entre as dimensões da experiência vivida do espaço e da política, mas mostram uma visão
ambivalente dos moradores que vai do positivo ao negativo.
79
CAPÍTULO 6 – PESQUISA FINAL: OS MORADORES DOS
LOTEAMENTOS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
O objetivo geral da segunda parte do estudo é analisar os discursos dos moradores de
loteamentos da APA sobre a moradia e a natureza. Assim, têm-se como objetivos específicos:
a) compreender de que maneira as representações sociais estão relacionadas às práticas sócio-
espaciais que resultam nos loteamentos ilegais; b) reconhecer como os problemas ambientais
e urbanos contribuem para a construção das representações sociais da natureza e da moradia e
c) investigar de que modo as representações sociais dos moradores interferem nas tentativas
de gerir e planejar a cidade.
Para atingir os objetivos, trabalha-se com as seguintes hipóteses norteadoras do
trabalho: como primeira hipótese, considera-se que a prática da ilegalidade está relacionada às
representações sociais que os moradores de Águas Lindas constroem sobre a moradia e a
natureza. Como segunda hipótese, considera-se que as representações sociais dirigem às
práticas sócio-espaciais dos moradores e, como terceira hipótese, os moradores justificam a
prática da ilegalidade pela sua realidade social transformada em representação.
O CONTEXTO DA PESQUISA
O estudo foi desenvolvido somente nos loteamentos Jardim das Oliveiras I e II que se
localizam na Área de Proteção Ambiental (ver figura 5). Esses loteamentos se situam à
margem esquerda da BR 070 e apresentam construções bem variadas. (ver figura 13 e 14).
80
FIGURA 13: FOTO DO LOTEAMENTO JARDIM DAS OLIVEIRAS I
Fonte: Jardim das Oliveiras I, Águas Lindas de Goiás. 16 de Setembro de 2008. Foto da autora.
FIGURA 14: FOTO DO LOTEAMENTO JARDIM DAS OLIVEIRAS II
Fonte: Jardim das Oliveiras II, Águas Lindas de Goiás. 16 de Setembro de 2008. Foto da autora.
No loteamento, é visível o escoamento de águas pluviais se direcionando para a
barragem (ver figura 15). O que caracteriza um dos problemas ambientais visíveis no local.
81
FIGURA 15: FOTO DAS ÁGUAS PLUVIAIS DO LOTEAMENTO
Fonte: Contaminação do Lago, Águas Lindas de Goiás. 20 de Setembro de 2008. Foto da autora.
6.1. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA FINAL
Participaram do estudo trinta moradores dos loteamentos Jardim das Oliveiras I e II,
entre os quais 5 residem no Jardim das Oliveiras I, 24 no Jardim das Oliveiras II e uma das
entrevistadas não reside mais no loteamento (ver tabela 5), mas morou por vários anos e se
mudou, neste ano, por motivos familiares e hoje é sustentada pela filha que reside em
Planaltina-DF. Como não tinha o lote em seu nome e seu marido faleceu, os enteados
venderam a casa e deram-lhe parte do dinheiro, que lhe cabia, o que não foi suficiente para
adquirir outro lote. Restando-lhe o amparo da filha, que alugou um barraco próximo à mesma.
A participante visitava uma de suas ex-vizinhas no momento em que se aplicava a coleta da
entrevista e manifestou-se interessada em contribuir para o estudo.
82
TABELA 5: Condições sócio-econômicas dos moradores
SEXO ESCOLARIDADE IDADE LOCALIZAÇÃO
DA MORADIA
ATUAL
RENDA FAMILIAR
M F Esc1 Esc2 Esc3 Esc4 Esc5 Id1 Id2 Id3 Loc1 Loc2 Loc3 Ses1 Ses2 Ses3 Ses4 Ses5
12 18 3 12 8 5 2 3 19 8 24 5 1 7 16 3 2 2
As variáveis selecionadas neste estudo foram: a) sexo (M - masculino e F - feminino);
b) escolaridade (Esc 1 – se refere aos analfabetos; Esc 2 – os que estudaram até a 4º série; Esc
3 grau; Esc 4 grau e Esc 5 - faculdade); c) idade (J - jovens, com idade variando
entre 18 e 24 anos; A - adultos, variando entre 25 e 59 anos e I - idosos de 60 anos em diante);
d) Localização da moradia atual (Loc 1 – Jardim das Oliveiras II; Loc 2 – Jardim das
Oliveiras I e Loc 3 - Outros); e) renda familiar (Ses 1 os que recebem até um salário
mínimo; Ses 2 até dois salários mínimo; Ses 3 até 4 salários nimos; Ses 4 os que não
informaram a renda e Ses 5 – os que não tem renda).
As condições sócio-econômicas dos participantes revelam, em relação à renda familiar,
variação entre dois mil reais aos que não têm renda e vivem do que os filhos ajudam, mas a
predominância é dos que têm uma renda de até dois salários nimos ses 2. Os dois que
declaram ses 4 são os que não informaram a renda, mas observou-se na entrevista que um é
policial do Município. Inicialmente ficou receoso com a entrevista, não se sentido à vontade
para informar a renda. Da mesma maneira, o outro entrevistado, que é comerciante no
loteamento, não quis informar a renda. A ambos foi informado que não se tratava de
informação primordial para entrevista, o que levou a concluir a entrevista sem grandes
problemas.
A renda ses 5 diz respeito a dois participantes que declararam não possuir renda alguma.
Uma é sustentada pela filha que mora em outra cidade e o outro se encontrava desempregado,
assim como todos da família. A renda ses 1 se refere aos que recebem até um salário mínimo
e ses 3 até 4 salários.
A origem da população é variada, conforme a tabela 6, na qual se encontra a mobilidade
espacial. Verifica-se que os moradores vieram do nordeste, de outros Municípios do Estado de
Goiás e de Minas Gerais. Praticamente, todos foram primeiramente para o Distrito Federal em
83
busca de uma vida melhor e, frente às dificuldades em manter-se nas áreas centrais, migraram
para Águas Lindas.
TABELA 6: Mobilidade espacial dos moradores
ESTADO DE ORIGEM FLUXO
MIGRATÓRIO
DF GO MG NE SP PR TO MT 1º DF 1º ÁGUAS
LINDAS
5 7 4 10 1 1 1 1 26 4
Observa-se que, dos participantes, cinco nasceram no Distrito Federal e a maioria é
procedente da Região Nordeste NE, que abrangem os seguintes Estados: Piauí, Maranhão,
Bahia e Ceará. Outra constatação é que o movimento migratório indica segregação social
induzida em dois momentos: a chegada ao Distrito Federal e posterior mudança para a cidade
periférica. Somente 13,3% dos entrevistados, ou seja, 4 entrevistados foram diretamente de
outros estados brasileiros para Águas Lindas. Assim, a grande maioria do fluxo migratório foi
primeiramente para o DF e posteriormente para Águas Lindas.
Quanto às condições de moradia, a tabela 7 remete a uma situação em que 50% dos
entrevistados moraram de aluguel no Distrito Federal; 30% tiveram residência própria no DF;
10% moraram em lote do GDF; 6,6% moraram no trabalho e em moradia cedida por parente
no Distrito Federal, o que corresponde na tabela a “outros”; e 13,3% correspondem aos que
não moraram no DF e foram direto para Águas Lindas de Goiás.
TABELA 7: Condições da moradia dos moradores
NO DF ANTES DO DF EM ÁGUAS LINDAS
ALUGUEL LOTE
DO GDF
PRÓPRIA OUTROS PRÓPRIA ALUGADA PRÓPRIA ALUGADA INVADIDA
15 03 06 02 28 02 26 03 01
84
Os entrevistados 4, 15, 21, 22 e 27 nasceram no Distrito Federal e entre 1994 a 1998
mudaram para o loteamento em Águas Lindas. O motivo para os entrevistados 4, 21, 22 e 27
foi o aluguel. Afirmaram que moraram de aluguel na QNG e na ‘L’ norte em Taguatinga, na
Ceilândia e em Samambaia. A entrevistada 15 morou com sua mãe de aluguel na expansão da
invasão do Setor ‘O’ na quadra 17, momento em que foi contemplada com um lote em
Samambaia, mas por influência dos outros, assim relata a entrevistada, trocaram o lote de
Samambaia pelo de Águas Lindas:
“Ela (minha mãe) trocou a casa de por essa aqui pau a pau. Antes de ganharmos
esse lote em Samambaia nós morávamos na invasão da dezessete no setor O. Minha mãe
morava de aluguel (antes de vir para Samambaia). O lote de Samambaia foi doado. Ela saiu
de Samambaia e veio pra cá por causa de influência, mas ela gostou daqui que era um
lugar sossegado, menos violento. E aqui alguns anos atrás era igual aquela cidade do
interior, calma, tranquila, igual roça. Minha mãe é uma pessoa de idade, cheia de problemas
de saúde. Ela nem veio conhecer aqui antes de trocar. Aqui tem um irmão da igreja ali, que
ela é muito amiga dele, ai ele que achou essa troca aqui pra ela. Quando minha mãe chegou
na casa às coisas estavam tudo em cima do caminhão pra ela, sem ela ver a casa aqui.
Agora ela gosta daqui. Acho aqui sossegado”. (Participante 15, Outubro/2008).
Para os que moravam de aluguel, no trabalho, ou de favor, é um alívio financeiro terem
adquirido um lote barato, mesmo pagando prestações em áreas caracteristicamente precárias
em infra-estrutura básica e serviços públicos, como saúde, educação e transportes. Também se
observa que os moradores revelaram que quando moravam com os pais, a grande maioria, as
casas eram próprias e geralmente a natureza para eles, a paisagem natural, é uma roça, pois a
maioria morava com os pais na roça. E indicam uma situação de segurança e de tranquilidade
em relação à casa dos pais.
Os entrevistados 3, 9, 10, 16, 28 e 29, que declararam possuir casa própria no Distrito
Federal, também afirmaram, em comum, que a tranquilidade foi um dos motivos da mudança
para o loteamento. Em particular, ressalte-se que, entre os motivos da vinda para o loteamento
em Águas Lindas, para os sujeitos 3 e 10, foi a segurança. Para eles, os locais que moravam
no Distrito Federal eram muito violentos, assim afirmam:
“Antes eu morava na Estrutural, morei lá cinco anos. Eu saí de lá, não foi pela
moradia, porque é um lugar que a gente tem conhecimento. Eu saí mais pelo sossego que
não tinha. Como eu morava num lugar muito agitado, minha mulher vivia doente direto,
85
por causa daquilo. é muito povoado, muito quente. tem muito bar, principalmente no
final de semana”. (Sujeito 3, Setembro/2008).
O entrevistado 10, da mesma maneira, apresenta argumentos no que diz respeito a
tranquilidade.
“É lógico que eu queria um imóvel em Brasília da seguinte forma entre 2000 a 2001, o
governo deu aqueles lotes de beco pros policiais militares lá. Ai, eu conhecia um da área
lá, que recebeu um lote de beco, ai eu fui e comprei. que lá, Brasília é muito tumultuado,
então, eu vim refugiar aqui, e moro aqui sete anos. Essas plantas tudo foi eu que plantei.
Aqui o motivo de eu estar aqui mesmo é mais tranquilidade, é tranquilidade. Mas, pra eu
voltar pra Brasília eu não quero, mas como se diz à maioria o sonho do povo daqui é voltar
pra Brasília”. (Sujeito 10, Setembro/2008).
Especificamente para o sujeito 9, ter se mudado para o loteamento foi a aquisição de
mais lotes. A entrevistada relata que o marido tem dois filhos e resolveram vender a casa na
Ceilândia e comprar um lote para cada filho e para eles. Escolheram Água Lindas, pois o
valor do lote propicia a aquisição. Como relata a entrevistada:
“O meu marido, na realidade, tem dois filhos com a primeira esposa dele e os meninos
cada qual queria sua casa, inclusive a menina dele iria casar na época e precisava de uma
casa. Ai a gente resolveu vender lá e dar pra cada um uma casa, e realmente a gente deu. [...]
Esse loteamento aqui ele é atrasado em termos de comércio e tudo, mas pra morar até que
ele é tranquilo, porque não têm comércio, bares. É por isso que ele é tranquilo. Se tivesse
mais comércio passaria a ser mais agitado eu acho”. (Sujeito 9, Setembro/2008).
A entrevistada 16 revela que o motivo da venda do imóvel na Ceilândia também foi
separação do marido. Para o sujeito 28, que se identificou como o proprietário da chácara que
hoje é o loteamento Jardim das Oliveiras I, ele continua tendo seu apartamento no centro de
Taguatinga, mas que gosta do loteamento porque é tranquilo e tem liberdade, assim expressa:
“Eu moro aqui por gostar, eu tenho um bom apartamento no centro de Taguatinga e
venho pra porque gosto daqui, eu tenho liberdade, de estar no meio do verde, no meio da
minha criação, porque eu adoro criação”. (Sujeito 28, Outubro/2008).
O imóvel que o entrevistado ocupa hoje no loteamento corresponde à dimensão de dez
lotes dos demais moradores. É como uma pequena chácara para ele e sua esposa. O sujeito 29
revelou que a tranquilidade e a proximidade com o trabalho foram fundamentais para a
mudança, como narra:
86
“Eu queria sair do DF queria morar num lugar assim mais afastado, longe do barulho,
do movimento urbano. Eu prefiro um lugar mais sossegado, mais tranquilo. Eu tinha um
apartamento no centro de Taguatinga ai, viemos pra porque aqui é mais tranquilo esse
silêncio esse barulho de passarinho que pra mim é uma paz tão grande. Eu vendi e
viemos pra cá. [...] O lugar, o afastamento, a tranquilidade foi que me fizeram decidir
comprar aqui. É um lugar mais tranquilo, perto da Ceilândia, porque eu trabalhava e
trabalho na Ceilândia. Na época foi tranquilo adquirir o lote aqui.” (Sujeito 29,
Outubro/2008).
O perfil dos moradores demonstra que, mesmo condizente em classificações unânimes
quanto à escolaridade, renda familiar, condições de moradia e mobilidade espacial, nota-se
que da mesma maneira que Peluso (1998) observa em sua pesquisa em Samambaia, pode-se
afirmar o mesmo para os moradores do loteamento em Águas Lindas:
Cada um é um particular quanto à maneira de viver as condições gerais. É o
que se poderia chamar de “bagagem” sócio-econômica e espacial, com a
qual enfrenta-se o mundo e pretende-se fazer parte dele e é o contexto mais
imediato, particularizado, do contexto geral de periferização, pobreza e
expulsão branca da população de baixa renda (PELUSO, 1998, p.83).
O sujeito do loteamento acaba dialogando com o seu espaço de moradia e suas
condições sócio-econômicas, o que proporciona identificar os problemas, apresentar propostas
sobre eles e classificar os outros moradores, os outros loteamentos, as outras cidades. O que
constitui o conteúdo com os quais as representações sociais adquirem sentido.
Os moradores demonstraram várias representações sociais, das quais uma é a
ancoragem na casa dos pais a tranquilidade; outra é a representação social da cidade como
um lugar inóspito, do qual pretendem se afastar. É um contexto de pobreza e expulsão branca,
mas o indivíduo tem uma escolha de acordo com suas representações.
6.2. INSTRUMENTO DE INVESTIGAÇÃO
Trabalha-se com entrevistas narrativas conduzidas por tópicos guias somente aos
moradores de Águas Lindas que se localizam na área de conflito sócio-ambiental, ou seja, as
moradias situadas na APA do rio Descoberto. As entrevistas narrativas contribuem para a
87
expansão e o aprofundamento do objeto de estudo pelo registro narrativo em que a trajetória
de vida dos moradores é o foco principal, o que permite penetrar no universo do pensamento
dos entrevistados e compreender as representações sociais.
A narrativa, para Jovchelovitch & Bauer (2002), é uma tentativa de ligar os episódios
tanto no tempo quanto no sentido. Por isso, o enredo é que dá a coerência e sentido à
narrativa, bem como fornece o contexto para entender os acontecimentos, ações, descrições,
objetivos, moralidade, crenças, valores e relações que geralmente constituem a história.
O enredo é o encadeado de ações executadas que criam sentido para o entrevistador. Ou
seja, são os eventos de uma história para compreender a fala no contexto de sua produção
social. os relatos de fatos vividos são ordenados em uma sequência gica no tempo e no
espaço.
O ato de contar história, de acordo com Jovchelovitch & Bauer (2002), é relativamente
simples e implica em duas dimensões: a cronológica e a não cronológica. A primeira se refere
à narrativa em sequência de episódios e a segunda na construção de um todo a partir de
sucessivos acontecimentos, ou a configuração de um “enredo”.
As entrevistas narrativas seguem regras que Jovchelovitch & Bauer (2002) consideram
primordiais para ativar o esquema da história, provocar narrações dos informantes e conservar
a narração, andando através da mobilização do esquema autogerador. Os autores sistematizam
a técnica nas seguintes fases, como se observa na tabela 8.
88
Tabela 8: Fases principais da entrevista narrativa
FASES
REGRAS
Preparação
Exploração do campo
Formulação de questões exmanentes
15
1. Iniciação
Formulação do tópico inicial para narração
Emprego de auxílios visuais
2. Narração central
Não interromper
Somente encorajamento não verbal para continuar a narração
Esperar para os sinais de finalização (“cada”)
3. Fases de perguntas
Somente “Que aconteceu então?”
Não dar opiniões ou fazer perguntas sobre atitudes
Não discutir sobre contradições
Não fazer perguntas do tipo “por quê?”
Ir de perguntas exmanentes para imanentes
16
4. Fala conclusiva
Parar de gravar
São permitidas perguntas do tipo “por quê”?
Fazer anotações imediatamente depois da entrevista
Fonte: JOVCHELOVITCH & BAUER, p 97, (2002).
Preparar a entrevista narrativa demanda tempo, pois é conhecimento preliminar do
acontecimento principal, no caso o problema a ser investigado, que na pesquisa ocorreu na
coleta de dados iniciais do Município e na aplicação do estudo exploratório. Portanto, o
pesquisador necessita familiarizar-se com o campo de estudo, o que implica realizar
investigações preliminares, ler documentos e tomar nota de fatos e acontecimentos específicos
do campo de estudo. Assim, evidenciam-se as lacunas que a entrevista narrativa deve
preencher como também se consegue a formulação condizente do tópico inicial central e dos
demais.
A entrevista narrativa foi organizada com base em tópicos guias que constitui, segundo
Gaskell (2002), parte vital do processo de pesquisa e necessita atenção detalhada, o que
necessita um entrevistador bem preparado durante a conversação aparentemente natural e
quase casual. O tópico guia sugere títulos, uma guia e funciona como um lembrete (ver anexo
2).
Nas entrevistas narrativas, Jovchelovitch & Bauer (2002) distinguem as questões em
exmanentes e imanentes. As primeiras dizem respeito aos interesses do pesquisador, suas
formulações e linguagem. Enquanto nas questões imanentes se tratam dos temas, tópicos e
relatos de acontecimentos que surgem durante as narrações trazidas pelo informante. Os
15
“Questões exmanentes refletem os interesses do pesquisador, [...] (JOVCHELOVITCH & BAUER, p 97,
2002).”
16
“... as questões imanentes: os temas, tópicos e relatos de acontecimentos que surgem durante a narração
trazidas pelo informante (JOVCHELOVITCH & BAUER, p 97, 2002).”
89
autores ressaltam que a atenção do entrevistador deve ser focada nas questões imanentes, pois
é o momento em que o entrevistador prepara as perguntas para serem realizadas
posteriormente, na fase conclusiva.
As narrativas podem produzir distorções que Jovchelovitch & Bauer (2002) consideram
como parte de um mundo de fatos. A dimensão expressiva do narrador é uma representação
do real, das interpretações particulares do mundo, expressam um ponto de vista de uma
situação especifica no tempo e no espaço e estão inseridas no contexto sócio histórico.
Para realizar entrevista narrativa, o entrevistador precisa ter em mente o objeto de
estudo, os objetivos a serem atingidos, o problema a ser investigado e a hipótese de estudo
(ver anexo 2) e, principalmente, saber como abordar os entrevistados e conduzir a entrevista
no foco da pesquisa e compreender outros assuntos, temas e ou tópicos que são apresentados
pelos entrevistados. Portanto, a fase de preparação nas entrevistas narrativas é fundamental e
definidora do material que é coletado em campo.
6.3. PROCEDIMENTOS DE COLETA
O procedimento primordial que favoreceu ao resultado da coleta foi trabalhar com o
informante-chave que se constitui, no caso da pesquisa, de uma pessoa que conhece a
comunidade, os primeiros moradores e que dispõem de tempo para apresentar o entrevistador
aos entrevistados e muitas vezes, acompanhando a entrevista. Na maioria das vezes, o
informante-chave conduzia o entrevistador à residência do entrevistado, os quais eram
apresentados e marcadas posterior visita para entrevista. O informante-chave da pesquisa foi
conhecido durante a aplicação das primeiras entrevistas narrativas. Na ocasião, o entrevistador
convidou-o a contribuir para pesquisa, pois demonstrou conhecimento, durante a entrevista,
dos moradores e de seus locais de residência.
Todas as entrevistas foram gravadas. Também foi utilizada câmara fotográfica para
registrar imagens do loteamento em estudo. A coleta ocorreu nos meses de setembro, outubro
e novembro de 2008. Na segunda quinzena de setembro e primeira semana de outubro a
coleta foi interrompida devido ao período eleitoral, pois os entrevistados estavam
relacionando o estudo com a propaganda política.
90
As entrevistas duraram de 10 a 45 minutos. Foram coletadas nas casas dos moradores.
Ao todo foram colhidas trinta entrevistas narrativas. Nenhum dos participantes convidados a
participar do estudo se opôs ou se negou a participar. A obtenção do material coletado em
campo durou praticamente dois meses, o que demandou tempo, paciência e dedicação à
coleta.
6.4. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
O procedimento utilizado para a análise dos dados foi o mesmo empregado no estudo
exploratório, ou seja, o método de análise de dados textuais ALCESTE (Análise Lexical
Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto).
RESULTADOS
As representações sociais da moradia e da natureza são desvendadas no âmbito do
campo consensual dos moradores, em que a objetivação e a ancoragem constituem o primeiro
sentido das ideias que torna o símbolo real e que à realidade um ar simbólico. Portanto, a
realidade cotidiana, dominada pelo senso comum é conhecida.
A análise oportunizada pelo ALCESTE do corpus das entrevistas narrativas identificou
trinta UCIs que classificou em 1031 UCEs dentre as quais 819 UCEs, ou seja, 79,44%
compõem as 4 classes (ver figura 16).
91
FIGURA 16: INTERSECÇÃO DAS CLASSIFICAÇÕES SOBRE O CORPUS
DISCURSIVO COMPOSTO DE 30 ENTREVISTAS
17
Fonte: relatório resumido ALCESTE, dezembro, 2008.
Na figura 16.1, visualizam-se as quatro classes e o total de UCEs para cada e suas
respectivas porcentagens são demonstrada na figura 16.4. No caso da classe 1, o programa
classificou 363 UCEs que correspondem a 44,32% do total de 819 UCEs que, por sua vez,
indica 79,44% das 1031 UCEs selecionadas pelo programa, pois foram eliminadas 20,56%
UCEs (ver figura 16.2). Da mesma maneira, se procede à análise para as demais classes.
17
As figuras 16.1, 16.2, 16.3 e 16.4 estão com identificação em francês, pois os gráficos foram copilados do
ALCESTE e significa: 16.1 - Número de u.c.e por classe; 16.2 - Repartição ou
(separação) das u.c.e em classes e não classes; 16.3 - Número de palavras analisadas por
classes; e 16.4 – Repartição ou (separação) de u.c.e em classes.
FIGURA 16.4
FIGURA
16.
1
FIGURA 16.2
FIGURA 16.3
92
A cada classe foi atribuído um nome que resultou do trabalho de interpretação dos
dados fornecidos pelo programa, assim como pelo conhecimento da pesquisadora da área de
estudo e do objeto de pesquisa. Os nomes das classes funcionam como seus descritores.
A análise geral apresenta os resultados por meio de um dendograma da CHD, em que as
entrevistas foram divididas em classes conforme os cálculos efetuados pelo programa. Na
análise do programa foram elencadas quatro classes distintas para as entrevistas narrativas,
que podem ser apreciadas no dendograma fornecido pelo ALCESTE (ver figura 17).
FIGURA 17 - CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA DESCENDENTE (CHD) SOBRE O
CORPUS DISCURSIVO COMPOSTO DE 30 ENTREVISTAS.
----|----|----|----|----|----|----|----|----|----|
9 8 7 6 5 4 3 2 1 0
Cl. 1 ( 363uce) |--
Moradia e suas demandas
--------+
18 |-
o espaço em que vivo-
+
Cl. 2 ( 143uce) |--Natureza-------------------+ |
19 +
Cl. 3 ( 175uce) |-
O lote a propriedade
--+ |
15 |-
Rumo à conquista da casa própria
+
Cl. 4 ( 138uce) |-Memórias -------+
O dendograma indica a presença de uma estrutura hierárquica que divide as classes em
dois eixos. O eixo que engloba as classes 1 e 2, denominamos “o espaço em que vivo” e se
distingue do outro eixo que chamamos “rumo à conquista da casa própria” e compõem as
classes 3 e 4.
O eixo que engloba as classes 1 e 2, denominadas de “moradia e suas demandas” e
“natureza”, respectivamente, que se distinguem das outras duas classes, mas se relacionam
entre si, pois o eixo apresenta as representações sociais da moradia e da natureza. No outro
eixo estão as classes 3 e 4, que se denomina “o loteamento: a propriedade” e “memórias da
moradia e da natureza”, respectivamente, e ambas se separam das demais classes, porém estão
bem mais relacionados entre si, cujo eixo apresenta as justificativas das incoerências do
discurso dos moradores que ancoram na casa dos pais as representações.
O ALCESTE fornece tanto vocabulário específico quanto fragmentos do discurso mais
representativo que compuseram cada classe específica, o que permite interpretar o discurso. A
seleção das palavras que compõem as classes foi realizada levando em consideração o
χ²,
Chi2 ou qui ao quadrado, ou seja, o grau de associação das palavras. Assim, observa-se um
93
determinado campo do pensamento dos moradores, no qual os vocábulos adquirem sentido e
coerência (ver figura 18).
FIGURA 18 – CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA DESCENDENTE (CHD) SOBRE O
CORPUS DISCURSIVO COMPOSTO DE 30 ENTREVISTAS
- - - - - - - - - R= 0- - - - - - - - - -
- - -R= 0,4 - - - - - - - -
-----R= 0,6---------
Classe 1
Moradia e suas
demandas
Classe 2
Natureza
Classe 3
O loteamento: a
propriedade
Classe 4
Memórias da
moradia e da
natureza
Pessoa+ 47.55
Lugar+ 34.46
Ter 32.21
Melhor+ 25.50
Espero 23.75
Daqui 21.74
Vai 20.77
Porque 20.72
Prefeito+ 20.50
Águas_Linda+
20.39
Colocar 17.44
Tem 17.10
Não 16.49
Fal+ 16.16
Ser+ 16.07
Natureza 231.76
Barragem 153.52
Lago+ 148.52
Bonita+ 148.20
Água+ 115.30
Árvore+ 84.03
Perto 65.28
Bonito+ 51.03
Paisagem 50.78
Vista 46.91
Ali 40.35
Ver+ 30.55
Plant+er 28.79
Olhando 28.57
Natur+ 28.57
Lote+ 116.25
Foi 102.51
Comprou 68.89
Comprei 54.69
Vendeu 49.94
Construi+ 35.10
Época 32.48
Veio 30.98
Vim 29.25
Imobiliária 28.38
Meu 28.30
Construiu 25.98
Ela+ 25.89
Antes 25.82
Dele+ 25.71
Era 231.62
Pais 140.56
Meus 130.19
Tinha 93.29
Roça+ 93.21
Pai 92.04
Gostava 82.99
Mato_Grosso
60.10
Própria 59.47
Ca+ser 55.55
Morava 54.30
Mãe 41.74
Alvenaria 34.84
Pequena 34.84
Meu 32.33
363 UCEs =
44.32%
143 UCEs =
17.46%
175 UCEs =
21.37%
138 UCEs =
16.85%
A figura 18 espelha um quadro não fornecido pelo ALCESTE com tal disposição
gráfica. Ele foi criado no processo de análise dos resultados e contém palavras que aparecem
tipicamente em cada classe, sintetizando as características da mesma. Portanto, a figura
mostra as formas reduzidas das palavras distribuídas por classes. Com base nas informações
819 UCEs
94
CHD e nos vocabulários específicos de cada classe é possível identificar a organização das
representações do eixo, assim como o campo consensual das representações em cada classe.
O eixo que engloba as classes 1 e 2, que retrata o local de aquisição da moradia, bem
como as dificuldades e os problemas que os moradores de Águas Lindas enfrentam para
morar, assim como o significado e a importância da moradia e da natureza para si e para a
cidade.
Na classe 1, o discurso dos participantes se organiza em torno dos vocábulos: ‘espero’ e
‘colocar’ associados aos equipamentos de saúde (postos e hospital), de educação (escolas),
urbanização (asfalto, saneamento) e trabalho (indústrias). Trata-se de realizar melhorias no
loteamento e na própria cidade. O uso do vocabulário “daqui” remete a duas ideias distintas:
de um lado refere-se ao gosto daqui, do lugar onde moro” e, de outro, à precariedade do
local, e neste momento os moradores se colocam como “eu não sou daqui”, “eu não sou
precária”, “eu não sou assim”. O vocábulo “lugar” articula as ideias anteriores, expressando
as expectativas de melhoria do espaço ocupado: “o lugar aqui é bom, aqui eu tenho minha
casa própria, mas precisa melhorar. Os políticos precisam trazer saúde, educação, urbanização
e trabalho”.
O vocábulo “pessoa” refere-se ao movimento das pessoas que “vão e voltam”, e para
não voltar tem que ter casa própria em outro lugar. Já “prefeito”, os participantes relacionam a
falta de infra-estrutura tanto do loteamento quanto da cidade. O vocábulo “ter” para os
moradores indicam uma posição, um status, a propriedade do lote que os insere numa posição
diferente dos que moram de aluguel.
Na classe 2, falam da natureza, da paisagem do local e da visão que o loteamento
propícia apreciar como “coisa boa”, mas deixa de ser bom quando o homem não está inserido
na natureza, isto é, quando a natureza aparta, separa, exclui, proíbe morar. Consequentemente,
para os moradores é visto como um aspecto negativo o fato de não poderem morar perto dela,
porque para eles a natureza faz parte de sua vida desde a infância e não tem interesse,
intenção de agredir a natureza e sim preservar, cuidar. No entanto, o sentido comum das
narrativas é “natureza”, “água”, “bonita”, “árvore”, “lago” e “barragem” se referindo a
aspectos positivos da natureza. Porém, quando reconhecem que a água da barragem é para
abastecer a população do Distrito Federal e eles continuam bebendo água de poço, surge um
sentimento de revolta e de abandono quando falam da “água”, “ali”, “perto” não serve a nós,
para Brasília e nós ainda temos que cuidar, mas “é bonita a paisagem”, o ar fica mais
fresco”, “é saudável morar aqui perto”.
95
O eixo “o espaço em que vivo” fala do local que os moradores vivem hoje, tanto no que
diz respeito à moradia atual, quanto à natureza, e acrescentam as justificativas de suas
escolhas, porque é bom, mas demanda serviços públicos e infra-estrutura. A natureza é bonita,
mas a água não é para nós. A partir da situação atual os moradores retomam a sua história de
vida da moradia e da natureza anteriores.
No eixo “rumo à conquista da casa própria” os moradores recordam o momento da
chegada ao loteamento, à aquisição do lote, às expectativas com a aquisição, enfim, como
viviam e de como se vêem num futuro próximo, portanto, uma maneira de se remeterem ao
lugar em que viveram com os seus pais associando ao momento da aquisição do lote em
Águas Lindas (ver figura 18). Para os moradores lembrar o passado representa recordar
momentos de lembranças boas, agradáveis, mesmos que tenham sido narradas as dificuldades,
mas a vida com os pais guarda recordações e o momento da aquisição do lote representa uma
conquista, a realização de um sonho, a aquisição de uma propriedade.
Na classe 3, os moradores relembram o momento da aquisição do lote, da compra do
lote, da construção, dos anos que moram no loteamento. Portanto, a classe indica a conquista
de direito para os moradores, como a propriedade tem um documento de compra e os
pagamentos das prestações que efetuaram. O lote representa para os moradores uma
conquista. Construíram uma casa, têm o direito de ir e voltar todos os dias para sua casa,
mesmo reconhecendo que o loteamento é embargado. “Mas, nossos direitos estão
conquistados, não podemos perder tudo.” (Participante, 1)
Na classe 4, os moradores falam do momento que viveram com seus pais, como era a
moradia, a natureza e se identificam como “eu sou assim”. A casa dos pais “era” “própria”,
“roça”, “alvenaria”, “gostava”, “tinha” e a natureza comparam com uma “roça”. Portanto,
relembram com saudade, gosto e graça dos momentos que viveram com os pais, inclusive das
dificuldades e momentos engraçados.
Portanto, o eixo “rumo à conquista da casa própria” indica as aquisições dos moradores
diante de situações diversas que viveram, mas que os levam a um caminho que é hoje morar
no loteamento.
Com os eixos, constata-se a existência de duas representações diferentes: uma da
moradia e outra, da natureza. As classes 1, 3 e 4, dentre as quatro classes selecionadas pelo
ALCESTE, apresentam o conteúdo das representações sociais da moradia, ou seja, do local
em que vivem e viveram, isto é, a objetivação e a ancoragem, respectivamente. As classes 2 e
96
4 indicam claramente representações da natureza. Observa-se que a classe 4 oferece
representações tanto da moradia quanto da natureza, pois nesta classe os moradores falam de
suas memórias de ambas representações, o que sugere a transmissão dos costumes e tradições
que garantem a perpetuação e ancoram as representações. Então, o mundo passado e
conhecido pelos moradores é referência que constitui o real, o material, assim como o ideal,
que dá sentido e significado às representações da moradia e da natureza.
As diferenças das narrativas são evidenciadas na Análise de Correspondência (ver
figura 19). A oposição fica por conta de que no eixo “o espaço em que vivo”, falam sobre a
situação atual e no eixo “rumo à conquista da casa própria” de situações anteriores e do
distanciamento que os moradores do loteamento estão assumindo em relação ao eixo “o
espaço em que vivo”. As classes 3 e 4 estão bastantes próximas uma da outra, pois, ao falar
das moradias anteriores e da natureza os entrevistados admitem que a “casa dos pais” e a
“natureza” em que viviam é uma referência na sua vida e está a cada dia mais difícil de serem
mantidas, principalmente quando falam da moradia e da natureza do loteamento. As classes se
opõem uma à outra, ao demonstrarem que existe diferença na forma de representar o
distanciamento. Isto é, a representação predominante é de que “a melhor coisa é a casa dos
pais”, porém o lugar é atrasado, não tem emprego, quando chega a certo momento da vida não
tem como continuar a estudar e a trabalhar. Então, se querem continuar estudando e ter um
emprego bom têm que sair e procurar em outra cidade. Portanto, as dificuldades existiram
quando moravam com os pais e continuam existindo no loteamento que moram hoje.
97
FIGURA 19: ANÁLISE DE CORRESPONDÊNCIA FATORIAL: PROJEÇÃO
DAS PALAVRAS ANALISADAS E DAS VARIÁVEIS
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
18 | | visão |
17 | Jardim das Oliveiras IIperto plant+er |
16 | | água +poco+ ..vendo caesb |
15 | | bonito+aquel+ ..ar barragem|
14 | | natureza tomar+ ..vista área+|
13 | | verd+classe 02 rio+
|
12 | | ass+era acabar |
11 | casada fazia quarto+vontade mim estamos|
10 | com quando | prefiro ess+ bom |
9 | irmão+Goiânia São_Paulo | import+antali
|
8 | fomosjá morougalinha+ plantava nasc+ próximo+fica|
7 |tinha caseiClasse 4dele+cinco fazenda+divid+ dess+|
6 |mãe eralote GDFduas marido casinha+| Aluguel
|
5 | em ..morava . cas+er própria barroco me cou
|
4 | no ..eram fiz.. ano+.pegou lembro | caus+er |
3 |me una filho+ veio depois ibama
| |
2 |fuir construiu esposo vendeu esposa
|
1 | inha+vendi+Classe 3morando aluguel comprou |
0 +-Idososvim-foi---..--ela+imobiliária pouco+----------------------------+
1 | grand+vend+luta compramos lote+conseguiu |
2 | Morou favordeixou | |
3 | embargado+ | |
4 | ele+ | |
5 | pagando |
|
6 | | |
7 | | |
8 | |
|
9 | | |
10 |
| |
11 | | Adultos
|
12 | | ter Águas_linda+
13 | | então quer+ não precis+er |
14 | | daqui |
15 |
| Jardim das
nenhum+
|
16 | moradia+ | Oliveiras I guairaCasa própria |
17 | | fal+alguemClasse 1lugar+colocar |
18 | | asfalto .espero melhor+ |
19 | esperava pessoa+ .sossegado saneamento |
20 | | mudar |
+-----|---------|---------|---------+---------|---------|---------|-----+
O conjunto dos eixos e das classes configura-se pela semelhança temática. Porém,
dentro delas, cada classe se diferencia uma da outra por revelar representações distintas. O
eixo das classes 1 e 2 se pela aproximação das narrativas sobre “o que é bom”. Ambas de
certa forma valorizam o loteamento, mas estão separadas por valorizarem o loteamento de
forma distinta. Ou seja, na classe 1 falam do que é bom no loteamento, na cidade, na moradia
e na classe 2 falam da natureza do loteamento, o que pode proporciona um “ambiente mais
saudável”, “com mais verde”, “água do lago”, “ar puro” e “visual”.
O mesmo ocorre no eixo “rumo à conquista da casa própria” formado pelas classes 3 e 4
que estão associados por tratarem de um aspecto, mas postos em classes distintas por
98
divergirem na forma de tratamento. Na classe 3, a narrativa que prevalece é sobre o
loteamento, ou seja, é percebido um discurso do “eu tenho” propriedade de um lote e sua
aquisição. Este “eu tenho” indica “poder” no sentido de liberdade, “eu posso”. Na classe 4,
“memórias da moradia e da natureza”, existe certa valorização, um desejo muito forte, o
afetivo se faz presente nas falas, inexistindo uma explicação de ordem mais racional ao desejo
de dar continuidade aos valores que viveram com os pais tanto na moradia quanto na
natureza. Portanto, atribuem à casa dos pais” certa importância, pois ela é uma referência a
sua vida. O que é um motivo racional, de inspiração cultural.
Desta maneira, organizam-se as representações para discussão teórica do conteúdo das
representações em estudo, as quais indicam as ideias dos entrevistados que se refere ao objeto
de pesquisa.
DISCUSSÃO
O campo consensual das representações sociais com base na análise das entrevistas
narrativas evidencia a realidade da população de baixa renda nos dias de hoje. Inicialmente,
consideram-se as representações sociais da moradia, para que a partir das vivências cotidianas
e de suas significações compreenda a realidade. Dessa maneira, dispondo das narrativas dos
moradores analisam-se os discursos de maneira a chegar às representações sociais.
1. O ESPAÇO EM QUE VIVO: A MORADIA E SUAS DEMANDAS
Os contextos sociais, culturais e históricos da população fazem aumentar a
necessidade do exercício do diálogo entre as representações e o objeto de estudo. O “conjunto
de unidades léxicas que se prendem a uma representação social ou dela se impregnam”
(MOSCOVICI, 1978, p 236) produz uma imagem derivada de uma concepção científica, ou
seja, significante, e uma linguagem teórica na comunicação científica, o significado. Isto
99
produz um fenômeno paradoxal: quanto mais conhecimento, importância e significado um
grupo tem sobre o objeto de estudo, mais ele tende a alongar a narrativa que lhe atribui.
A fala dos moradores revela que a moradia não é uma construção isolada, mas é
resultante do trabalho dos que moram e administram a localidade, de suas relações sociais,
políticas, econômicas, culturais e ambientais. Relações invisíveis, mas que são captadas por
meio do conhecimento de cada indivíduo e do grupo.
Como afirma a moradora:
“Esses (políticos) que entraram agora, por último, esses dois eles não fizeram nada.
Agora, vamos ver se esse que vai entrar agora que eu não sei quem é faça alguma coisa. Eu
espero que esse que entre agora, principalmente que faça colégios, que tenha o segundo
grau, porque aqui não tem. Os que têm são particulares”.
18
(Participante 1).
As relações sociais e políticas estão presentes socialmente e são percebidas “por um
sujeito em função do grupo a que pertence, da informação que ele possui e de sua atitude [...].
Essa presença é ativa e também é ‘falada’.” (MOSCOVICI, 1978, p.96). Isto é, não estão
isolados e sozinhos, pois muito do que precisam para aperfeiçoar a moradia é proveniente de
decisões políticas. Porém, sabem que se trata de uma cidade dormitório e que:
“Então, pra onde foi esse dinheiro? Espero que roube, mas que roubem menos, porque
todos roubam, mas que façam mais, não sei se fazem caixa dois, se existe ou não existe, mas o
povo fala que está na televisão pra todo mundo ver e ouvir, mas que faça alguma coisa”
(Participante 21).
A referência dos moradores é de que as demandas do bairro são resultantes do trabalho
dos políticos locais, mesmo assim, os moradores gostam de onde moram, pois falam de suas
moradias, de suas escolhas, o lugar que escolheram para morar é bom, tranquilo, mas
demanda urbanização. Afirmam os moradores:
“Eu gosto do lugarzinho que a gente mora aqui, porque é mais calmo aqui, porque não
tem movimento é tranquilo, não tem roubo. Mas aqui precisa de mais urbanização, de asfalto,
de educação, de escola também” (Participante 19).
Ao mesmo tempo, os moradores também demonstram suas expectativas do momento da
mudança para o loteamento.
18
As entrevistas foram revisadas e corrigidas conforme a norma culta da Língua Português.
100
“A gente esperava que melhorasse a cidade, que a cidade tivesse mais recursos, como
um hospital maior, porque tem o Bom Jesus, mas ali tem dia que se você precisar de uma
emergência pra uma criança, não tem” (Participante 2).
Da mesma forma, as expectativas de evolução, crescimento e melhorias é acentuada por
diversos moradores, entre os quais se destaca o desenvolvimento de outros bairros que
favorecem e prestam serviços necessários aos moradores do loteamento, assim manifestam
que:
“O Jardim Brasília (Bairro) a evolução lá é maior. Aqui é que não tem nada no
Oliveira (Bairro). Tudo que a gente precisa tem que se deslocar daqui pra lá. Então, o Guairá
(Bairro) é necessário pra gente, não que a gente goste de lá, mas a necessidade é que nos faz
ir muito lá. Aqui tinha que ser diferente a segurança, o lazer gostaria de ter um shopping, um
comércio mais amplo, acredito que isso” (Participante 4).
O discurso é contraditório: de um lado, gostam de onde moram porque é tranquilo e, de
outro, querem justamente o que o deixará movimentado como do lugar em que saíram.
As demandas do loteamento é, em si, um indicador de pobreza e exclusão. Da mesma
maneira, a história pessoal e de aquisição da moradia se confundem e é expressa frente às
respostas quanto às infra-estruturas, às condições de vida e ao abandono, assim não é de
estranhar que a “urbanização” tenha para os moradores de Águas Lindas uma conotação de
mudança.
“Como se diz o ditado, então, aqui - poxa! - os postos não têm condições, não tem
asfalto, você vai procurar uma coisa não tem, vai procurar outra não tem, você fica triste”
(Participante 17).
Da mesma maneira, os moradores se referem à cidade com um discurso contraditório:
“Águas Lindas é uma cidade largada é como eu ti disse eu gosto da minha rua, de
Águas Lindas toda pra cima eu não faço nem questão. Agora, porque aqui é um lugar
sossegado, mas se for assim pra dizer que eu quero que cresça pra ficar pior do que está,
não, que fique no que esta mesmo que cresça pra melhorar, pra ter colégio bom, ter asfalto,
ter água, esgoto, tudo” (Participante 26).
Para os moradores, de acordo com Nóbrega e Peluso (2008, p. 13), urbanizar “não é
necessariamente o crescimento da cidade, mas é vista como um processo de mudança de um
lugar a outro, de um lugar pior para um lugar melhor, visto que expressam poucas esperanças
101
em melhorias na própria cidade”. Mesmo assim, para os moradores, Águas Lindas é onde
puderam comprar um lote e construir uma casa.
O lugar que gosto é de onde eu moro mesmo, porque aqui é mais calmo, tranquilo não
tem essas coisas, mercado e as possibilidades dos outros lugares são menos povoados, tem
menos pessoas, [...].” (Participante 30).
A questão da propriedade da moradia é fator decisivo para se definir onde morar e não
as condições locais e legais para escolha da moradia. No entanto, os moradores que habitam
áreas de preservação ambiental têm conhecimento disso, não podem registrar seus lotes, estão
sob a constante ameaça de despejo e daí constrói suas contradições, seus conflitos e suas
representações. Ou seja, justificam a dissonância cognitiva diante do conflito sócio-ambiental.
As experiências cotidianas dos moradores levam à tomada de decisões diante de situações tão
polêmicas. Assim, indaga-se o que leva as pessoas, mesmo sabendo dos riscos e das
dificuldades, a ocuparem lugares protegidos ambientalmente. A dissonância cognitiva é a
racionalização dos conflitos e as contradições são proibidas e elas são parte das
representações sociais.
De acordo com Peluso (1999), a propriedade de uma casa é um elemento importante
para territorializar o distanciamento desejado pelo sujeito que desliza em direção às classes
inferiores, até pela própria maneira como foi imposta aos trabalhadores. Mas os moradores
dos loteamentos recusam o deslizamento, racionalizando a tranquilidade e a ausência de
marginalidade.
Portanto, o significado da casa própria é impregnado de uma ideologia de dominação e
legitimação de uma ordem que induz a ideia de respeito, autoridade, obediência às leis e às
regras, assim como honestidade e confiabilidade. Pois, a ideologia da casa própria, segundo
Peluso (1999), tem suas raízes em um contexto histórico da crise da habitação para a
população de baixa renda marcada pela industrialização e acelerada urbanização.
“Aqui não tem aquele tumulto, de gente tumultuada, igual nos outros bairros têm. Eu
queria que Águas Lindas tivessem mais indústrias, mais oportunidade, pra gente não ter que
sair daqui pra ir fazer nada fora de Águas Lindas, mais mercado essas coisas”. (Participante
30).
“E pra nos pegar ônibus pra ir por DF nos pegamos qualquer um. Agora quando o
prefeito entrar que ele olhe pro povo daqui. E que ele coloque asfalto nas ruas para passar a
poeira, o esgoto, colégio e saúde, um hospital, um posto de saúde que tenha médico, porque
102
aqui no Guairá (Bairro) tem um postinho de saúde, mas não tem médico, então não adianta”.
(Participante 1).
Contudo, os moradores não pensam em se mudar do loteamento, a não ser que tenham
condições de adquirir outro lote, outra casa, porque para sair daqui e morar de aluguel não
compensa e não conseguirão, a não ser que as oportunidades de emprego e as condições
financeiras venham a melhorar.
“Eu não penso em me mudar daqui, mas tem pessoas que foram embora daqui e dizem
que pra é bom, uns foram para Ceilândia. No começo todos falam que é bom, mas depois
todo mundo começa a voltar de novo por causa um pouco do costume, outro pouco é a
maneira da sobrevivência no outro lugar, às vezes, é o emprego e a moradia acaba
influenciando muito na vida do ser humano”. (Participante 26).
Outros moradores reconhecem:
“Conheço pessoas que mudaram daqui, mas voltaram. Pra ser sincero sair de Águas
Lindas pra não voltar você tem que ir pra sua casa própria, porque se sair de Águas Lindas
pensando que vai se dá bem lá pagando aluguel volta”. (Participante 25).
Ao mesmo tempo, manifesta o desejo, o sonho de morar em outro lugar.
“Mas eu pretendo me mudar de Águas Lindas estamos planejando, mas, não sei por
que tem pessoas que moram tanto tempo e são doidas pra sair daqui e não conseguem,
porque aqui você consegue comprar, mas vender você não consegue.” (Participante 3).
Para isso, os moradores objetivam a representação da moradia nas condições financeiras
como primeira e fundamental para se morar. Portanto, a morada retrata as condições dos
moradores, suas limitações, seus sonhos e desejos alcançados.
“Você não tem um futuro, aquela coisa assim sem segurança nenhuma. Porque a
primeira coisa que você precisa ter pra morar é um dinheiro, porque se você não tiver sua
moradia você tem que pagar um aluguel, então, primeiramente o que influi em tudo isso é o
emprego, é a primeira coisa, a base do ser humano é o emprego” (Participante 26).
Para Munford (2004), morar é uma das necessidades básicas dos indivíduos. Entretanto,
para os moradores, que vivem a situação de Águas Lindas, para morar é preciso ter dinheiro,
ou seja, hoje se vive numa sociedade em que o dinheiro determina as regras do jogo. Observa-
se que a primeira necessidade básica para os moradores é o emprego. Isto revela a condição
da sociedade capitalista. Os moradores assimilaram um modo de morar que são exigidos pela
103
sociedade capitalista, eles reconhecem que podem morar na rua, mas a rua é o pior lugar para
eles.
“Mas tem gente que vive sem moradia eu consigo imaginar como vive essas pessoas é
muito ruim, como aquelas pessoas que vivem nos viadutos, ali não têm moradia, eu acho que
ali é muito doido muito triste, você pensar na vida, sem vosaber como o amanhã vai ser”
(Participante 26).
Na realidade, os moradores ancoram, ou seja, transformam o desconhecido em
conhecido, no caso o desconhecido é morar na rua. Morar no loteamento no que é “bom” e, ao
mesmo tempo, é “ruim”, porque existem as demandas do loteamento. O loteamento inseriu o
morador diante de uma situação de difícil solução em que se sente impotente frente ao
momento que moravam no Distrito Federal, um passado próximo, presente e vivido. Porém,
racionalizam quando afirmam que existem situações piores, mais angustiantes, como os que
moram na rua. Na realidade, os moradores se situam numa posição em que não moram no
melhor lugar, que para eles seria o Distrito Federal, mas também não moram no pior lugar, no
caso a rua, então, moram no loteamento em Águas Lindas.
Outra representação é a maneira como as pessoas vivem.
“Agora depende muito das pessoas de como elas vivem, eu não teria coragem de
indicar Águas Lindas pras pessoas morarem porque não sei como vivem. Eu gosto daqui, mas
não indicaria, porque eu não sei se alguém que eu indicar iria gostar” (Participante 2).
Os moradores ancoram porque trazem suas casas imaginadas, o modo de vida e
objetivam porque racionalizam o lugar para poderem viver nele. No entanto, os moradores
consideram sua moradia própria, mas almejam uma situação estável, o que o é possível
porque o lugar é embargado pelo IBAMA.
2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA NATUREZA
As representações sociais da natureza são discutidas com base nos contextos
elementares disponibilizados pelo ALCESTE. Assim mantém-se um campo consensual das
representações que foram organizadas com base nas narrativas dos moradores.
104
No momento em que os entrevistados narram a natureza eles fornecem uma definição
pessoal, logo se percebe uma unidade dentro do grupo. Os moradores, quando pensam sobre o
que é a natureza, muitos conceitos surgem, mas se elaboram algumas ideias e quase todos
possuem uma representação que distingue a natureza na perspectiva do senso comum como
Carvalho (1991) apresenta. Isto é, os moradores separam a natureza artificial e a natural. A
natureza para os morados é:
“Numa natureza como aquela água ali, com córregos bonitos, com água corrente é
muito bonita. Tem mata fechada pra lá também é muito bonito também. Aqui a única
paisagem bonita que tem é aquela ali próxima da barragem que tem aquela mata lá. É bom
morar aqui próximo da água” (Participante 30).
Os moradores distinguem dentro de uma natureza artificializada, humanizada, o que é
natural. O que chama atenção é a construção de uma realidade compartilhada pelos sujeitos
sociais, segundo Berger & Luckmann (1985), que se incluem dentro dessa natureza, manifesta
sensibilidade, harmonia entre si e o ambiente. Assim, demonstra o morador:
“Pra mim o que me sinto bem aqui é os morros que tem aqui, muitas plantas, tem rios
que passa ali embaixo e a área verde que gosto, muito verde. Pelo menos, aqui tem uma
natureza bonita, porque eu gostei desse loteamento, porque fica perto da barragem, pra
eu não vejo” (Participante 9).
Porém, pensam e relatam a situação dos que se beneficiam mais da água, da barragem.
De acordo com Jodelet (1989), os seres humanos respondem ao seu ambiente como é
percebido e interpretado através de experiências e conhecimentos filtrados pelos sentidos,
como é armazenada e como é aceita, usada e representada.
Assim, os moradores demonstram um sentimento de exclusão, de abandono, de descaso,
pois se sentem excluídos das benesses da natureza.
“O lago pra nós aqui não é muito importante o, não faz muita importância não.
pro DF sim, porque abastece o DF. Aqui não pode morar é uma área de natureza
preservada” (Participante 30).
Ao mesmo tempo em que reconhecem o quanto a natureza é importante, boa, saudável e
bela, mudam de ideia quando consideram que quem mais se beneficia são os outros. Não
conseguem visualizar as benesses da natureza quando pensam, precisamente, nos que
concretamente se beneficiam da água. Nesse momento, é como se a natureza deixasse de ser
importante para eles. Mais uma vez, a representação que sobressai é a que é visível e útil.
105
Portanto, ao mesmo tempo que afirmam que é bom, também manifestam insensibilidade
quando se vêem excluídos do que eles chamam de natureza. Pois, apesar da barragem se tratar
de uma natureza artificializada, eles a vêem como natural. Reforça o morador:
“Morar aqui perto da barragem é bom, porque eu acho que o ar fica mais fresco, tem
uma vista muito bonita ali pra baixo, às vezes quer tomar um baiozinho ali vai e volta se
for por esse lado. Aí é isso” (Participante 26).
Proliferam nos relatos sobre a chegada em Águas Lindas, como se admiraram com a
visão do lago, e quase sem exceção, se espantaram com o “mato”, “ermo” nas cercanias do
loteamento. Muitos moradores relatam descrições de paisagens naturais.
“Uma paisagem natural tem um jardim bonito, flores, árvores, água. Eu acho que a
barragem é muito bonita, ela é uma paisagem natural daqui. tem muitas árvores é o único
lugar assim bonito. Tem a CAESB, lá tem bastantes árvores. Morar aqui perto da barragem é
bom” (Participante 15).
Para os moradores na natureza ou na paisagem natural existindo pelo menos um
elemento natural como a água, pois a barragem é uma paisagem artificial, mas o fato da
presença de água do rio, para os moradores é suficiente para se referirem a uma natureza, a
uma paisagem natural. No entanto, afirmam que:
“Olha aqui pra você ver uma natureza bonita da janela do meu quarto vem ver. Essa
aqui é uma natureza bonita que vejo daqui da janela do meu quarto a barragem com muita
água e árvores.” (Participante 3).
Além disso, os moradores incluem um aspecto visual para definirem a natureza.
“Uma natureza é isso aqui que estou vendo cheio de mato, cheio de morro e a gente
olhando assim a visão perde de vista. Esses morros isso pra mim é natureza”. (Participante
8).
Da mesma maneira, outros moradores se referem:
“A nossa vista aqui é bonita a gente avista a cidade do DF todinha, Ceilândia por ali, a
barragem, aquela água ai, inclusive aqui é bem mais fresco do que no DF.” (Participante
11).
“Essa barragem ai é bonita, é natureza. Eu gosto de ficar olhando, vou pra li e fico. É
bonito pra ver, aguou as plantas, gosto de cuidar das plantas, eu planto uma hortinha.”
(Participante 24).
106
Não somente a barragem é inserida numa paisagem natural ou natureza, mas também
outros elementos que para os moradores compõem a paisagem, como praças, jardins,
plantação e hortas.
“Na natureza tem que ter muitas árvores, uma praça assim com muitas árvores pra
ficar um ambiente mais bonito. Eu acho que aqui tem uma natureza bonita, bem ali tem umas
montanhas e de vem um vento tão bom assim, que tem aquela barragem todinha. É bonito
aquele lugar.” (Participante 13).
“Tem muita plantação, tem manga, abacate, tem essas coisas, mas depende do local e
da época, porque tem época que ver poeira. E é bom morar aqui perto dessa natureza, é
bom, é bom. Porque você olha pro lado e olha pro outro e você esta vendo, você tem uma
vista boa, tá vendo a água, tá vendo o mato.” (Participante 10).
Chegam a comparar a natureza com uma cidade do interior.
“Muitas plantas frutíferas é como se fosse uma cidade do interior. Veja que moramos
aqui próximo da barragem, o que é bom e gosto no sentido de alivio, de curtir, de olhar pro
horizonte e ver aquela água, aquela beleza.” (Participante 4).
Portanto, a natureza para os moradores é a que transmite tranquilidade tanto sonora
como visual e não necessariamente a que possui somente elementos que compõem a paisagem
natural. Os entrevistados relacionam a tranquilidade com a presença da área de preservação da
natureza quando dizem que:
“A natureza é tipo, uma vista como essa que temos aqui. Você ver o lago é tipo assim,
eu nem sei explicar direito, mas é uma paisagem natural porque tem o lago, tem uma área lá
ambiental na beira do lago que é proibido entrar lá, ninguém pode pescar e caçar, então é
uma área de preservação ali”. (Participante 12).
Os moradores sabem que estão em uma área de preservação, no entanto falam da
natureza como referências boas, agradáveis, porém reconhecem que existem outros problemas
e pessoas que estão e podem interferir na natureza.
“Porque a natureza é ter árvores demais que eu gosto, os rios, os córregos, ou seja,
proteger a fauna e a flora, que é o mais importante. Agora veja bem, você olha pra li aquele
lago todo, está todo devastado você não uma árvore na beira do lago, isto quer dizer seca
de nascente, se for abrir mais espaço pra lotes aqui aquilo ali vai acabar.” (Participante 4).
107
E acrescentam, ainda, problemas do loteamento que podem interferir na natureza como
a questão do lixo:
“Jogam lixo. Agora aqui perto tem alguns lugares que fica com a natureza bonita, mas
a maioria dos lugares não. A natureza aqui mesmo tem muito pouco porque olha aqui perto
da barragem é muito bom você ver esses tipos ali, aquelas montanhas, aquela plantação,
depois aquele campo e a água que forma a barragem”. (Participante 2).
“Aqui não, você um monte de lixo na rua, o pessoal não cuida, então vai acabar do
jeito que está indo ai. Olha aqui na beira dessa água aqui tem umas matas”. (Participante 5).
O ambiente que é considerado como sócio-físico, segundo Stokols (1982) apud Jodelet
(1989), e o comportamento se desenvolve como sócio histórico de acordo com Proshansky
(1978) apud Jodelet (1989). Portanto, os moradores relacionam a natureza com aspectos
físicos, e o comportamento, pode-se dizer que é resultante de aspectos sócio históricos.
3. RUMO À CONQUISTA DA CASA PRÓPRIA: O LOTE - A PROPRIEDADE
Um lugar para morar, ou seja, o lote é para os moradores a moradia, a qual considera:
“A moradia é o esteio da pessoa, a base, onde você dorme, chora, rir, acorda, reclama
é a base da família é a moradia.” (Participante 21).
“A moradia é onde a gente reside, é a casa da gente, é o abrigo da gente [...]”.
(Participante 19).
“A moradia é um lar, como se diz o nosso lar aqui [...].” (Participante 20).
Dizer a respeito da moradia que é o “esteio”, abrigo”, “lar” da vida é classificá-la
com base no conteúdo da representação social. Com isso, os moradores ancoram as
representações na moradia que adquiriram e que possuem. Outra, a objetivação é de que a
moradia é infracionável, pois reconhecem como lugar de dormir, chorar, rir, reclamar, ou
seja, o lugar da família que não pode sofrer interferência de outros, não pode ser dividido ao
mesmo tempo com outras pessoas estranhas ao ambiente familiar.
Por isso, valorizam o lugar que moram e lutam para garantir sua posse, mesmo que
isso tenha que acontecer entre parentes, amigos e ou governo. Como relata a moradora, a
situação de seu finado marido.
108
“Abandonou ele e a casa ficou no nome dele e do cunhado dele, depois ela (a ex-
mulher) não queria vender a casa por causa não sei de que e ele estava sofrendo pagando
aluguel e doente naquela Ceilândia velha lá, que lá só tem trem ruim”. (Participante 16).
A questão toda é o lote, da mesma maneira que na pesquisa de Borges (2003), os
moradores de Águas Lindas se referiam constantemente ao lote, símbolo das descrições de
eventos que vivem e viveram como as dificuldades para construir, relata uma moradora.
“Ai ele vinha final de semana, mas quem vinha na semana o IBAMA passava e não
podia construir na semana, porque eles tomavam o material, mas, a gente conseguiu fazer um
barraquinho aqui nos fundos, depois construímos essa casa e passamos pra cá.
Morávamos na Ceilândia em 1993 e meu esposo vinha nos finais de semana, mas eu estava
no Piauí, vim e tive meu filho mais novo e voltei pra lá”. (Participante 1).
No mais das vezes, a construção dos barracos era realizada nos finais de semana, como
modo a evitar a vigilância do IBAMA. Além disso, o relato da moradora indica o lote como
lugar de evento, também chama a atenção para a maneira como as contendas foram narradas,
isto é, tornadas histórias, e, nelas o lote é um elemento crucial na ordenação dos fatos
passados.
Santos (2008) chama a atenção de que “o sujeito no lugar estava submetido a uma
convivência longa e repetitiva com os mesmos objetos, os mesmos trajetos, as mesmas
imagens, de cuja construção participava [...]. Hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma
regra.” (SANTOS, 2008, p. 327-328). O que pode ser constatado nas narrativas dos
moradores quase como constante, o fenômeno da mobilidade.
“A família da minha mulher mora aqui há muito tempo, no loteamento e eu moro aqui
também, o lote é próprio. A primeira vez que eu ouvir falar desse loteamento foi quando, [...]
eu sou motorista, eu viajava da Bahia pra cá, foi que meu cunhado comprou um lote aqui,
falou que aqui estava muito bom e tal, ele começou fez um (lote) barato e tal, eu vim
pra cá, [...].” (Participante 12).
O discurso de quem fala funciona como um trabalho de objetivação da vida para si
mesmo ou “manifesta-se a si, exprimindo aos outros, por conta dos outros” (MAUSS apud
BORGES, 2003, p.130). No entanto, confirmam quando relatam:
“Peguei a mudança dele de Brasília da Ceilândia e trouxe pra cá. ele fez um
barraco e trouxe, dei pra ele, eu fiquei mais na Bahia, aí está mais ou menos com um
ano que eu mudei pra cá.” (Participante 12).
109
O tempo de moradia no loteamento é uma ancoragem dos moradores, igualmente se
justificam, e também se defendem com a construção de um espaço, que para os moradores
representa a legitimação e consolidação de sua vivência de seu cotidiano.
“Eu moro aqui uns seis anos. Compramos o lote eu e meu marido que faleceu e
a gente foi construindo aos poucos. Antes de ele morrer a gente não tinha nada construído”.
(Participante 30).
Aí com dois anos nos pagamos o lote aqui. Compramos o lote e pagou e morando lá.
Foi tranquilo. Os dois trabalhavam então não tinha dificuldade. Quando meu sogro resolveu
vender a casa do setor O, pra ir pra expansão do setor O, eu fui morar de aluguel, com um
ano morando de aluguel foi que construí aqui”. (Participante 27).
“Aqui tem uns quatro anos que moro, antes morávamos na frente de aluguel e aqui é
próprio nosso, na realidade é uma área invadida pela família. Tem uns dez anos que
moramos aqui, quando era fazenda quando surgiu aqui quando passou essas torres e
derrubou essas casas foi quando foi embargado pelo IBAMA. Essas últimas torres aqui
passaram a uns cinco ou seis anos”. (Participante 20).
Os moradores confirmam uma situação paradoxal, qual seja: a de ter um lote que não se
possui. Para eles, o fato de terem pago pelo lote é mais importante do que a própria
documentação que reconhece a propriedade.
A moradia é, em suma, o porto seguro
,
e a sua aquisição representa uma das grandes
conquistas dos moradores em adquirir a sua “casa própria”, é a concretização de um grande
sonho. É uma das prioridades entre os principais objetivos que os moradores buscam em suas
vidas. A moradia própria é a certeza de que em qualquer situação o espaço estará garantido.
A moradia é, antes de tudo, um problema político, pois para os moradores a falta de
vontade para se propor soluções que de fato resolvam em definitivo o problema é visível no
dia a dia da população. A moradia é essencial para que os moradores garantam a qualidade de
vida preservada, pois a posse permite ter esperança em dias melhores.
Outra questão essencial, que as narrativas dos moradores revelam, é que, para cidade, é
melhor novos loteamentos; porém, para os moradores, não faz tanta diferença, porque para
eles quem manda são os políticos, e acrescentam que a opinião deles não adianta. E ainda,
manifestam o medo de remoção do lugar que moram, assim as narrativas dos moradores
giram em torno de que outros loteamentos devem ser abertos, para que cresça a cidade, com
isso acreditam que quanto mais pessoas morando eliminam-se a possibilidade de remoção.
110
“Querer a gente não quer, porque feito assim, às vezes o lugar a gente não gosta, mas
de qualquer forma na hora de tirar mesmo e arrumar todo mundo pra sair é obrigado a sair
não tem outro meio.” (Participante 20).
Ao mesmo tempo, afirmam que o grande problema são os novos loteamentos. Assim, os
novos loteamentos servem tanto como motivo para que não ocorra a remoção do loteamento
como o abjeto de tudo.
“Na época eu até trabalhava no cemitério, porque eu fiz um concurso pro governo.
Saiu uns lotes lá em Planaltina, mas eu mesmo não fui contemplado na época. Saiu pra classe
nossa. Eu vim aqui em noventa e sete ou noventa e oito, eu corri do aluguel e tentei
comprar aqui, mas não deu certo, aí minha irmã ficou”. (Participante 14).
Os laços familiares e os anos que moram no loteamento são objetivações. A
ilegalidade dos loteamentos tem como um dos elementos determinantes o tempo de moradia,
pois é sempre o outro, o que chega depois, o que mora por pouco tempo o problema. Da
mesma maneira objetivam os laços familiares.
“Ai meu irmão trouxe minha mãe, ela morou um pouco em Taguatinga e depois que
conseguiu um dinheirinho foi que comprou esse lote na Morada da Serra e levou minha
mãe, minha mãe doente ai eu fui pra lá agora não lembrou os anos não”. (Participante 16).
“Ai através de uma irmã minha que comprou aqui e veio morar aqui foi que ela falou
que tinha vários lotes aqui pra vender ai à gente veio aqui e gostou, ai nos compramos aqui”.
(Participante 9).
As representações sociais que os moradores constroem sobre a moradia relacionam-se
às suas práticas sócio-espaciais, isto é, moram porque têm direitos garantidos pelo tempo,
pelos anos em que moram no loteamento, pelo pagamento que efetuaram ao loteador.
Justificam-se diante do tempo de moradia e de sua realidade social. Assim, racionalizam os
envolvidos na ocupação da APA do Descoberto.
Ressalte-se que os moradores indicaram a situação de sua residência atual própria, mas
no discurso das entrevistas afirmam que o loteamento se encontra embargado e que não
pagam Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU. Afirmam também que foram orientados
por técnicos do IBAMA a não continuarem pagando as prestações até que a situação se
resolva:
111
Compramos esse lote aqui. Aliás, aqui está embargado devido a Furnas e o IBAMA
também embargou isso aqui. Por causa da água que é muito próximo daqui. E aqui nós
paramos de pagar, a maioria de nós, que mora aqui embaixo não paga mais, porque o
IBAMA disse que não é para pagar mais enquanto não resolver esse problema, se vão tirar
nós daqui ou como vamos ficar. Aí todo mundo parou de pagar. E é assim”. (Participante 1).
Portanto, os moradores reconhecem a situação em que vivem e manifestam suas
representações diante do contexto que convivem e idealizam sonhos, aspirações, desejos de
melhorias tanto na sua vida, quanto para o loteamento e a cidade.
4. MEMÓRIAS DA MORADIA E DA NATUREZA
As memórias da moradia e da natureza são uma referência de vida, o conhecido desde a
infância que, para a maioria dos moradores, é um referencial emocional que torna inteligível e
reconhecível o presente. Os “lugares da memória” são identitários e históricos, de acordo com
Augé apud Peluso (1998), são as casas dos pais.
A origem urbana da maioria dos moradores não deve fazer esquecer, também, que a
maioria dos pais era de origem rural. Mesmo aqueles que se declararam vindos da cidade
reconhecem uma infância na roça. Os nascidos em Brasília são as únicas exceções.
As memórias da casa dos pais dizem respeito às suas condições de existência, à vida
passada com os pais, à relação espaço e natureza, ao modo de vida e que possui uns atributos
rurais desabonado, indicativos de pobreza. Porém, o afeto torna a memória da casa um lugar
grande e bom:
“Todas as lembranças boas são de , porque é onde você nasce, cresce, você tem sua
infância, onde você estuda seu colégio, não tem como você nunca comparar você cresce, você
vira adulto ai já é coisa que você tem de ter responsabilidade”. (Participante 26).
As lembranças dos moradores revelam as dificuldades da vida passada, mas guardam
lembranças boas, agradáveis e reafirmam uma situação almejada no momento, afirmam que a
casa, o espaço em que viveram, era própria.
“Ai, minha mãe morava em outra cidade, quando eu queria passar o final de semana
com minha mãe eu ia, quando não ficava em Goiânia na casa das minhas tias. Meus pais
tinham casa própria na cidade do interior. era uma casinha pequenininha não tinha nem
112
cimento no chão era assim um quintal bem grande cheio de planta, minha mãe gostava de
plantar, criava as galinhas dela, a área era própria.” (Participante 17).
Da mesma maneira, outras narrativas expressam tanto as dificuldades, como as
lembranças boas.
“Levou muito tempo, trabalhava pra tratar de nos, comia farinha com rapadura na
viagem, quando não tinha o que comer. Saiu de Irecê, minha mãe morreu e nos viemos à pé,
andando meu pai e cinco filhos à de Irecê até Formosa de Formosa fomos para
Itapemirim ele pegou a gente e trouxe pra Itapemirim deu casinha pra gente morar, ele
acabou de nos criar.” (Participante 24).
A superação de tantas dificuldades tende a ser expressa em função da “luta” dos
moradores, apesar das lutas cotidianas, pequenas vitórias se sucedem melhorias que são
implementadas e o futuro será melhor do que o passado.
“Eu morava com meus pais em Tocantins do Goiás antes de vir pra Ceilândia eu era
muito criança ainda. Eu gostava muito de lá, a casa era muito boa. Mas era muita coisa
sofrida também era aqui no Goiás. Era casa própria, casinha de barro tinha roça, tampada
de palha. É uma lembrança muito engraçada.” (Participante 8).
Os moradores reconhecem que a moradia é uma herança do modo de vida que
assimilaram quando viveram com os pais. Assim falam que:
“Eu sempre morei em casa, em casas grandes, eu nasci em fazenda e ahoje meus
pais tem fazenda, então é uma coisa hereditária, é comum na família todo mundo morar em
casas grandes, ninguém mora em apartamento”. (Participante 23).
A história das moradias anteriores, repensada como narrativa, evidencia tanto o modo
de vida que os moradores valorizam, almejam e desejam enquanto situação de vida e como
condições de possibilidade da produção de moradia, quantos outros sentidos, atribuídos ao
mesmo fato, isto é, a moradia torna-se hoje a história da passagem do “aluguel” para a “casa
própria”.
A visão dos moradores sobre a natureza quando rememoram o ambiente em que
viveram é basicamente de uma natureza como algo intocável e insere a mesma distante de si.
Assim, narram os moradores:
113
“Lá tinha gado, criava gado, criava porco, muita galinha, plantava muito, muito feijão,
arroz, tinha muita fartura de tudo, tinha muita manga, a gente fazia tapioca, meu pai ia tirar
o leite e a mamãe ia fazer tapioca, era bom demais, oh!...” (Participante 11).
Portanto, para os moradores a natureza é como um ambiente de fazenda e roça em que
vivera.
“Era assim um quintal bem grande cheio de planta, minha mãe gostava de planta,
criava as galinhas dela, a área era própria.” (Participante 17).
“A gente morava no Paraná meu pai tocava roça de café dos outros meeiros e a gente
morou muito tempo assim trabalhando em roça de café o que colhia metade era do padrão e
metade da gente.” (Participante 26).
As lembranças da natureza sempre o narradas com eventos que rememora o ambiente
que viveram com os pais, os familiares. Não relacionam uma distinção da natureza artificial
da natural, mas da que fez parte de suas vidas, sejam elas roça ou cidade do interior.
“Eram seis pessoas na casa. Faz tanto tempo, era uma cidadezinha tão pequena
quase não tinha nada nesse tempo lá à gente só estudava, ia lá pra roça onde meu pai tinha a
horta.” (Participante 13).
“Lá era interior, era roça. Meu pai tem uma fazendinha. Eu gostava de tudo. não
tinha nada que eu não gostava, eu gostava de tudo lá, lá era mato, águas, aves, criavam
porcos, galinhas.” (Participante 10).
As representações sociais deixam de ser o que se fala para se converter naquilo de que
se fala, no entanto, sociedade e natureza possuem uma única história, porque a relação entre
ela e o homem não se de forma abstrata, mas concreta, é a partir da transformação do
natural, que essa sociedade passou a produzir sua própria existência, intermediada pelo
processo do trabalho.
5. MORADIA E NATUREZA A SUPERAÇÃO DA DUALIDADE
Os moradores justificam a ocupação de áreas ambientalmente protegidas com
moradias porque era mato e mato é para ser derrubado e substituído pelas coisas boas,
como: casas, lojas, asfalto, e outros. É como se justificam. E outra, eles buscam sempre
114
retornar a um ambiente de moradia que rememora a casa dos pais. Esta ancoragem já é uma
maneira de racionalizar a dissonância cognitiva.
Outra racionalização é que a ão dos moradores não foi isolada. Para eles os maiores
responsáveis pela situação são os donos das chácaras, as imobiliárias e o próprio governo
local que permitiram o loteamento das áreas ambientais, como afirma uma moradora:
“Não fomos nós que loteamos, foi o dono da chácara, ele mora logo ali”. (Participante
6, Estudo exploratório).
Com isso, “[...] o indivíduo esforça-se por realizar um estado de coerência consigo
mesmo. A tendência de suas opiniões e atitudes, por exemplo, é para existirem em grupos
internamente coerentes (FESTINGER, 1975, p.11).” No conflito estabelecido entre a moradia
e a natureza, a população esforça-se por realizar um estado de coerência consigo mesma.
Portanto, a tendência de suas opiniões e atitudes é para existirem no grupo em que estão
inseridas. Para o autor, a dissonância é “a existência de relações discordantes entre cognições,
é um fator motivante per se. Pelo termo cognição [...] entendo qualquer conhecimento,
opinião ou convicção sobre o meio ambiente, sobre nós próprios ou o nosso comportamento
(FESTINGER, 1975, p.13).”
No conflito em estudo, ou seja, a população de baixa renda mora em uma área de
preservação, em que deveria prevalecer à proteção do ambiente, mas os moradores são
capazes de pensar que a natureza deva ser preservada, porém não gostariam de ser removidos
para outros locais. Eles não se vêem ameaçadores à natureza. Portanto, quando tais
incongruências ocorrem,
estas podem ser muito notórias e até dramáticas, mas se captam o nosso
interesse é, sobretudo, porque se situam em acentuado contraste com um
fundo de coerência. Continua a ser irrefragavelmente verdadeiro, apesar de
tudo, que as opiniões ou atitudes afins tendem a manter-se coerentes entre si
(FESTINGER, 1975, p.11).
Uma pessoa pode saber que mora em um local cujo uso do terreno tem outra destinação
e, no entanto continuar morando. O que ocorre é que as pessoas fazem uma tentativa para
racionalizar sua ocupação irregular. Assim, a pessoa que mora em local destinado à proteção
da natureza, sabendo que isso é ilegal, racionaliza para escapar da dissonância e da
incoerência que: a) precisa morar e não tem dinheiro para adquirir outra casa; b) a prefeitura
sabe que está morando neste local há anos, mas nunca fez nada. Por que agora haveria de tirá-
los do local? c) tem muitos filhos e não pode ficar na rua; d) o Estado tem obrigação de ajudá-
115
los na moradia, pois pagam imposto como qualquer outra pessoa, inclusive IPTU. Têm luz em
casa fornecida pelas Centrais Elétricas de Goiás S.A. (CELG), têm água encanada, por
sistema de poços, fornecida pela SANEAGO. Porém, não têm esgoto, asfalto, escola próximo,
posto de saúde, praça, ponto de ônibus, este inclusive nem entra no loteamento. Sorte de estar
próximo da BR 070. E qualquer ônibus serve para ir para o DF.
“Assim, continuar a morar aqui é coerente com as ideias sobre” (FESTINGER, 1975,
p.12) a moradia e a natureza porque a “redução da dissonância é um processo básico nos seres
humanos [...] (FESTINGER, 1975, p.13).” A dissonância poderá ser reduzida se:
mudar a sua cognição sobre o seu comportamento modificado as suas ações
[...]. Ela poderá mudar os seus ‘conhecimentos’ sobre [...]. Se conseguir
mudar o seu conhecimento de uma ou outra dessas maneiras, terá reduzido,
ou mesmo eliminado, a dissonância entre o que faz e o que sabe.
(FESTINGER, 1975, p.15).
O ponto importante é que existe pressão para que se produzam coerências entre o que
pensam e suas ações para que se evite ou reduza a dissonância, assim continuam morando
porque reduzem a dissonância e justificam para si e os outros os motivos que a fazem
continuar a morar no local. Isto é, o local tem um valor de uso. Portanto, além de saírem do
aluguel e adquirirem um lote próprio, ou seja, sua propriedade, as lembranças passadas
guardam representações da natureza e da moradia que são, de certa maneira, trazidas ao
presente como algo bom.
Premidos entre um presente problemático e um futuro esperado, entre uma natureza distante
e o desejo de retorno ao passado, o morador de Águas Lindas reconhece a natureza como
qualidade de vida, mas sua preocupação é com sua vida de faltas diárias e degradação social e
ambiental.
Pode-se aferir que a questão da moradia em áreas de preservação ambiental só se
tornará “uma preocupação para as autoridades quando os problemas acumulados
ultrapassarem suas fronteiras, quando a relação custo-benefício se inverter” (RIBEIRO, 1985,
p. 68), isto é, quando se chegar à conclusão de que os loteamentos na APA dão mais custos do
que proporcionam benefícios. Assim, se tornará ‘visível’ a questão dos loteamentos na APA.
O agravamento da situação dos loteamentos em APA e das condições de vida de seus
moradores pouco mobiliza a atenção do Estado. A intervenção, quando vir a acontecer, terá,
assim como Ribeiro (1985), ressalta no seu estudo sobre as favelas do Rio de Janeiro:
116
Um caráter paliativo do que uma solução para o problema, na medida em
que o Estado procura apenas compatibilizar as necessidades da população
com os interesses da classe dominante, principalmente os ligados ao setor
imobiliário. Como a compatibilidade de interesses é contraditória, os
interesses a serem preservados serão os do capital, deixando ao trabalho um
legado de exploração e miséria (RIBEIRO, 1985, p. 68).
Como afirma uma moradora:
“Porque a gente sem moradia e saúde não somos nada, porque dinheiro é muita coisa,
mas se você tiver saúde, moradia e tiver moral. A moral da pessoa é muito importante
também, porque sem moral você não consegue morar em lugar nenhum do mundo.”
(Participante 17, estudo final).
Assim, os moradores racionalizam a moradia e a natureza para poderem morar e não
viverem num conflito em que sejam os responsáveis e sim o outro, que podem ser os novos
moradores de loteamentos recentemente abertos, do governo, da prefeitura, dos loteadores e
as imobiliárias.
117
CONCLUSÃO
Uma das principais contribuições geográficas é entender o espaço que, para Milton
Santos, é um sistema indissociável de objetos e ações: é no espaço usado que são visíveis
tanto os objetos como as ações. Assim, evidencia-se as representações sociais da moradia e da
natureza em que a complexidade dos processos de ocupação em áreas protegidas leva a pensar
o espaço urbano em sua totalidade.
A complexidade que envolve o espaço urbano é resultante das representações sociais de
seus moradores da maneira em que vêem os fenômenos, que interiorizam as normas, que
respondem aos estímulos externos. Assim, são produzidos comportamentos que cristalizam
significações e formas simbólicas.
No entanto, a ideia de natureza e moradia na teoria das representações sociais é
apresentada como decorrência da elaboração simbólica e subjetiva dos indivíduos. Assim,
entender o espaço urbano no âmbito das representações sociais é resgatar a ideia de que o
espaço é social, de que o espaço urbano é produzido socialmente, fruto de intencionalidades
de seus diversos agentes produtores.
No caso em estudo, os moradores se em diante de uma situação conflitante quando
reconhecem que a natureza deva ser preservada, porém precisam morar. Com isso, os
moradores se esforçam para racionalizarem suas razões e justificam as suas necessidades de
morar. Os moradores se situam numa posição de necessidades e carências, mas que seriam
incapazes de agredir a natureza, pois quando se vêem integrados ao ambiente ou à natureza
sentem-se numa posição necessária para a preservação, porém quando questionados diante da
lei, da proibição, suas posições são de defesa e agressão ao ambiente ou à natureza.
Nesse sentido, embora a carência e a ilegalidade sejam visíveis no processo de
loteamento, os moradores se igualam como consumidores que se endividam à longo prazo
para terem acesso ao mercado de moradia.
As representações sociais estão baseadas na vivência do espaço – loteamento, cidade – e
nos aspectos negativos, como inseguridade, violência, abandono, assim como nos laços
afetivos que têm com a natureza, com as lembranças da casa dos pais. Assim, considera-se,
com base no estudo final, que a estrutura das representações sociais da moradia e da natureza
é fundamentada nas ideologias do “ter” e do “poder” e não na do “bem-estar”.
118
Isto é, a representação que permeia os discursos dos moradores é ancorada na
propriedade. Para os moradores a moradia é confundida com a propriedade do lote. Morar é
“ter” um lote independente das condições do loteamento, mesmo que reconheçam a situação
precária do loteamento, o que prevalece é a objetivação, a racionalização do morar que é se
livrar de despesas financeiras, como o aluguel, e da tranquilidade que morar pode causar
quando não estão trabalhando, pois pelo menos têm para onde ir e ficar.
Os moradores entendem que o produtor da ilegalidade é o agente econômico, como o
loteador e o Estado como responsável pela ilegalidade por sua omissão. Os moradores
ancoram suas representações em seu contexto histórico, político e econômico a partir dos
quais formulam suas explicações que dão ao desenvolvimento do loteamento, assim como dão
maior importância em seu discurso aos aspectos que expressam os problemas urbanos que se
deparam diariamente.
Da mesma maneira que De Alba (2006), pode-se afirmar que as representações sociais
elaboradas não refletem apenas nas práticas individuais ou coletivas dos moradores, mas
também nas decisões de inversão público e privado.
Uma representação encontrada proveio do local da moradia como de fundamental
importância para a manutenção da propriedade e a representação da natureza enquanto
ambiente que viveram e vivem. As representações elaboradas podem contribuir e justificar a
manutenção da periferia enquanto local de moradia para a população de baixa renda.
Atualmente, o loteamento em estudo apresenta uma população que vive em condições
difíceis, mas idealizam situações melhores. Pois conhecem o que é bom, quando trabalham,
estudam, procuram serviços públicos no Distrito Federal, portanto não vivem isolados e
sabem o que lhes faltam enquanto carências diárias.
São exatamente as contradições e a heterogeneidade de posições encontradas neste
estudo que fazem lembrar as características das representações, que podem ser ao mesmo
tempo estáveis e móveis; rígidas e flexíveis; consensuais, mas também marcadas por fortes
diferenças individuais.
Por certo que, em meio às transformações sociais que acontecem cotidianamente,
existem moradores que valorizam mais o loteamento, enquanto que outros tantos se afastam
do convívio, pois, aos poucos, vão perdendo o interesse pelo loteamento, principalmente
quando não vêem mudanças no loteamento. Em contrapartida, existem outros que são
indiferentes à situação do loteamento, mas que fazem parte desta comunidade,
119
compartilhando e participando dos mesmos serviços, das mesmas demandas. É este o palco
privilegiado dos fenômenos da assimilação e da identificação nos processos constantes na
história de vida dos moradores.
Portanto, as representações sociais correspondem às necessidades oriundas da maneira
como os moradores vêem política, econômica, social e culturalmente as situações que vivem.
É possível então, compreender, por meio das representações esboçadas, que a moradia e a
natureza estão em fase de transição entre um momento no qual se identificavam quando
moravam com os pais, para a atual situação que vivem, justificando, assim, a moradia que
podem adquirir. A Ancoragem se porque os moradores trazem suas casas anteriores e as
imaginadas e a objetivação porque racionalizam o lugar para poder viver nele.
As Representações Sociais se situam na interface da realidade subjetiva e objetiva ao
mesmo tempo. Os moradores partem de uma necessidade de moradia e são motivados
internamente por experiências e memórias anteriores, e por terem vivido dentro de uma
casa, e de já terem possuído um teto. É isso que os mobilizam a aceitar a questão da
ilegalidade, legitimando-a na medida em que são sujeitos que têm direito de morar em algum
lugar. Portanto, são sujeitos que reconhecem a ilegalidade, mas a justificam diante do direito
da moradia.
Os moradores só são reconhecidos como sujeitos quando invadem, porque o Estado vê a
sociedade através do Espaço. O que a sociedade está fazendo, enquanto estão discutindo e a
questão da ilegalidade fica na subjetividade e o se transforma em espaço o Estado não vê,
não são sujeitos. Então, quando se espacializa é que são reconhecidos como sujeitos.
Assim, diante do estudo, a contribuição para a Geografia é os novos caminhos que
podem ser abertos com a interdisciplinaridade. Acredito que a pesquisa possa levar a novas
discussões quanto à questão do conflito sócio-ambiental, sobretudo, com ênfase na situação
dos moradores de baixa renda.
120
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, A.M.O. A pesquisa em representações sociais: fundamentos teóricos
metodológicos. Ser Social, 9, 2001. pp. 129-158.
BERGER, Peter L; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de
sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: editora
Vozes, 1985.
BERTRAN, Paulo. História da terra e do homem no Planalto Central: Eco-histórica do
Distrito Federal: do indígena ao colonizador. Brasília: Solo, 1994.
BORGES, Antonádia. O lote. In: Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da
política. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. Pp. 127-151, 2003.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989.
______, Pierre. Razões práticas sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1997.
BRASIL, Decreto nº 88.940, de 07 de novembro de 1983. IBAMA.
BRASIL, Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos: Lei
n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. – 2. ed.
– Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2005.
CAMARGO, Brígido Vizeu. ALCESTE: um programa informático de análise
quantitativa de dados textuais. In: MOREIRA, Antonia Silva Paredes (org). Perspectivas
teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: UFPB. Editora Universitária,
Pp 511-539, 2005.
CARDOSO, Adauto Lúcio. Meio ambiente e moradia: Discutindo o déficit habitacional a
partir do caso da região metropolitana do Rio de Janeiro. XI Encontro Nacional de
Estudos Populacionais da ABEP, 1998, Caxambu. Anais do XI Encontro Nacional da ABEP,
1998, Pp 1671-1703.
121
CARVALHO, Marcos de. Que e natureza(o). São Paulo: Brasiliense, 1991.
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. edição. São Paulo. Ática, 2005.
______, Roberto Lobato. Região e organização espacial. 7ª ed. Editora ática, 2003.
DE ALBA, Martha. El método Alceste y su aplicación al estudio de las representacines
Sociales del espacio urbano: el caso de la ciudad de México. In: Papers on social
representations, vol. 13, pages 1.1-1.20. disponible <http://www.psr.jku.at/>. 2004.
______, Martha. Esperiencia urbana e imágenes colectivas. In: Estúdios Demográficos y
urbanos, vol. 21, n. 3 (63), pp.663-700, 2006.
DOISE, Willem. Atitudes e representações. In: JODELET, Denise (org). As representações
sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, pp.187-204, 1984/2001.
FESTINGER, Leon. Teoria da dissonância cognitiva. Zahar editores. Rio de Janeiro. 1975.
GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin W. GASKELL,
George (Editores). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS. Plano Diretor de Águas Lindas de Goiás. Lei
municipal nº. 341/02, Águas Lindas de Goiás – GO, 2002.
JODELET, Denise. Las representaciones Sociales del medio ambiente. In: Ponencias
presentadas em las II Jornadas de Psicologia Ambiental, Mallorca. Pp.29-44. (1989).
_____, Denise. Loucuras e representações sociais. Tradução de Lucy Magalhães. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2005.
JOVCHELOVITCH, Sandra; BAUER, W. Martin. Entrevista narrativa. In: BAUER,
Martin W. GASKELL, George (Editores). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um
manual prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
KRONBERGER, Nicole; BAUER, WAGNER, Wolfgang. Palavras-chave em contexto:
Análise estatística de textos. In: BAUER, Martin W. GASKELL, George (Editores).
122
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Tradução de Pedrinho A.
Guareschi. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
LAGO, Lucia Corrêa do. Favela-loteamento: reconceituando os termos. Cadernos
metrópole, n.9, pp. 119-133, 1º sem. 2003. Disponível em:
<http://web.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_content&view=article&id
=93:lago1&catid=35:anpur2003&Itemid=82&lang=en> acessado em Fevereiro de 2009.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia. 14ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. – (coleção
primeiros passos; 48).
MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de
janeiro. Zahar editores, 1978.
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.
Tradução Neil R. da Silva. 4ª ed. 1998, São Paulo: Martins Fontes, 2ª tiragem, 2004.
NOBREGA, M. D. S. ; PELUSO, M. L. A moradia no processo de segregação sócio-
espacial do entorno do Distrito Federal: o caso de Águas Lindas de Goiás. In: XV ENG -
Encontro Nacional de Geógrafos: O espaço não pára por uma AGB em movimento, 2008, São
Paulo. XV ENG - Encontro Nacional de Geógrafos: O espaço não pára por uma AGB em
movimento, 2008.
PAVIANI, Aldo. Urbanização e Metrolização: A gestão dos conflitos em Brasília. Editora
UnB/CODEPLAN: Brasília, 1987.
PELUSO, Marília Luíza. As representações sociais e a construção do espaço geográfico:
teorias e práticas científicas. In: V Jornada Internacional e III Conferência Brasileira sobre
Representações Sociais, 2007, Brasília.
______, Marília Luíza. O Papel das representações sociais do “comprar a casa” na
identificação dos problemas habitacionais. In: PAVIANI, Aldo (org). Brasília – gestão
urbana: conflitos e cidadania. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.
______, Marília Luíza. O morar na constituição subjetiva do espaço urbano. As
representações sociais da moradia na cidade-satélite de Samambaia/DF. Tese de
doutorado (Programa de psicologia social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
1998, mímeo.
123
______, Marília Luiza. Contradições e conflitos no espaço das classes: centro versus
periferia. In: PAVIANI, Aldo. Urbanização e metropolização: A gestão dos conflitos em
Brasília. Editora UnB/CODEPLAN: Brasília, 1987.
PENNA, Nelba Azevedo. Fragmentação do ambiente urbano: crises e contradições. In:
PAVIANI, Aldo e GOUVÊA, L. A. de C. (orgs). Brasília: controvérsias ambientais. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2003, p 57-73.
RIBEIRO, Aldry Sandro Monteiro. Os homossexuais em busca de visibilidade social. 2005. P
266. Tese de doutorado – Universidade de Brasília. 2005.
RIBEIRO, Luís César de Queirós. PECHMAN, Robert Moses. O que é questão da moradia.
São Paulo: Nova Cultural. Brasiliense, 1985.
ROCHA NETO, J. M. ; MENON, F. G. S. ; NÓBREGA, M. D. S. ; LIMA, S. F. C. Brasília
e seu entorno: considerações sobre os desafios de metrópole emergente. Revista Múltipla
(UPIS), v. Vol 14, p. 103-117, 2006.
RODRIGUES, Arlete Moyses. Moradia nas cidades brasileiras. 10. ed. São Paulo:
Contexto, 2003.
SÁ, C. P. de. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: M. J. Spink
(org). O conhecimento no cotidiano. São Paulo: Brasiliense. Pp. 19-45, 1993.
______,C. P. O campo de estudos das representações socais. In: Sá, C. P. Núcleo central
das representações socais. Petrópolis, RJ: Vozes, p.13-50, 1996.
______, C. P. de. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de
Janiero: EdUERJ, 1998.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. 4ªed. 4ª
reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.
______, Milton. A urbanização brasileira. 5ªed. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2005.
______, Milton. Pensando o espaço do homem. 5ªed. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2004.
124
______, Milton. Espaço e método. São Paulo, nobel, 1996.
SOUZA, Marcelo Lopez. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro. Bertrand do
Brasil, 2003.
______, Marcelo Lopez. A prisão e a ágora. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2006.
VALLADARES, Licia do Prado (org). SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos, et al.
Habitação em questão. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1980.
WADA, Satsuqui. Percepção ambiental e realidade local em Águas Lindas – Goiás.
Brasília: Unb/IH/GEA, 2003. Dissertação (Mestrado em Geografia).
Outras fontes:
<http://www.caesb.df.gov.br/Siagua2004/Sistemas_Producao/Sist_Int_Rio_Desco2.pdf>,
acessado em 30.08.07.
<http://www.ibge.gov.br>, acessado em 12.11.2007.
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/defaut. php.> Acesso em maio de 2008.
<http://www.ibama.gov.br/siucweb/unidades/legislacao/coletanea/lei9985.htm.> Lei 9.985,
DE 18 DE JULHO DE 2000. Acesso em: 08 de Setembro de 2006.
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=17&i=P.> Acesso em: Abril
de 2008.
<http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?z=cd&o=17&i=P.> Acesso em: Abril
de 2008.
125
ANEXO A - INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
ENTREVISTAS SEMIDIRIGIDAS - ESTUDO EXPLORATÓRIO
MORADORES
a) Perfil do informante:
1. Nome (ou como posso chamá-lo?):
2. Estado Civil:
3. Quantas pessoas moram no lote?
4. Quantas crianças (nº de filhos) e quantos adultos?
5. Quantos trabalham? (profissão):
6. Renda da família:
7. Quantos estudam? (Em que série):
8. Quais os motivos da vinda para Águas Lindas de Goiás-GO?
9. Há quantos anos você mora em Águas Lindas de Goiás-GO?
10. Quais as outras localidades em que você já morou antes de Águas Lindas?
11. Entre os filhos algum nasceu aqui?
12. Qual é o seu estado de origem?
13. Você pretende continuar morando aqui? Por quê?
b) (objeto de estudo: os loteamentos)
14. O imóvel que você reside é próprio, alugado ou outros?
15. Como se chama o bairro?
16. De quem você adquiriu o lote?
17. Foi fácil adquirir um lote aqui? Por quê?
18. Você indicaria Águas Lindas para outras pessoas como moradia? Por quê?
19. Você acha bom para a cidade os novos loteamentos que estão sendo abertos? Por quê?
c) (Conteúdo – moradia)
20. A moradia é importante para você? Porque sim? Porque não?
21. O que é moradia para você?
22. A sua casa é importante para você? Por quê?
23. A cidade de Águas Lindas é importante para você?
24. Você pretende se mudar de Águas lindas?
25. Conhece pessoas que se mudaram de Águas Lindas? Para onde foram? Gostaram da
mudança? Porque sim? Porque não?
26. De qual lugar você mais gosta em Águas Lindas? Por quê?
27. Você acha que Águas Lindas têm uma paisagem bonita? Onde?
28. Quais os aspectos positivos que você pode destacar da cidade?
29. Quais os aspectos negativos que você pode destacar?
d) (Conteúdo – natureza)
30. O que é natureza para você?
31. Você reconhece em Águas Lindas o que você descreveu? Onde?
32. Moram pessoas nesse lugar?
33. O Lago do Descoberto é importante para Águas Lindas de Goiás-GO? Por quê?
34. Você gosta de morar próximo a Barragem? Por quê?
35. Você sabe que está morando em uma APA (Área de Proteção Ambiental)? Explicar o que
é APA.
36. Sabe que é proibido morar em APA?
37. Acha certo que pessoas morem em APAs?
126
PROMOTORES IMOBILIÁRIOS
a) Perfil do informante:
1. Nome:
2. Grau de instrução:
3. Idade:
4. Profissão:
5. Tempo de trabalho na área:
6. Tempo de trabalho em Águas Lindas de Goiás:
b) (objeto de estudo: os loteamentos)
7. Em sua opinião, o que levou a desenvolver loteamentos em Águas Lindas?
8. Os lotes que você vende ficam em que Bairros ou áreas (localidade, se possível mostrar na
planta)?
9. Qual a faixa de preços dos lotes?
10. Geralmente, como os compradores pagam?
11. Em sua opinião, você considera esse valor elevado ou baixo? Por quê?
12. Como é organizado o loteamento? (Ou) Como se estrutura o loteamento?
13. Qual a documentação necessária?
14. Em que áreas ou bairros é fácil vender lotes em Águas Lindas de Goiás-GO? Por quê?
15. Quais as áreas previstas para futuros loteamentos? (se possível mostrar na planta).
16. Você acha bom para a cidade os novos loteamentos que estão sendo abertos?
c) (Conteúdo – natureza)
17. Quando da venda do lote os compradores fazem alguma exigência? Qual?
18. Tem algum comprador que especifica a área de compra?
19. Qual a área de preferência dos compradores?
20. A proximidade com o Lago do Descoberto é mencionada na compra?
21. Em sua opinião porque os compradores preferem a proximidade com o lago?
22. Você sabe que existe uma APA (Área de Proteção Ambiental) em Águas Lindas? O que
você acha dessa APA?
23. O Lago do Descoberto é importante para Águas Lindas de Goiás-GO? Por quê?
24. Em sua opinião, qual a importância das áreas próximas a APA?
25. O que é natureza para você?
d) (Conteúdo: moradia)
26. Você mora em Águas Lindas de Goiás? Onde?
27. Como você adquiriu seu lote?
28. Quais os motivos que fizeram você vir para Águas Lindas de Goiás-GO?
29. Há quantos anos você mora em Águas Lindas de Goiás-GO?
30. Antes de trabalhar em Águas Lindas de Goiás-GO, você trabalhava em outra localidade?
Onde?
31. Você pretende continuar trabalhando aqui? Por quê?
32. A moradia é importante para você? Porque sim? Porque não?
33. O que é moradia para você?
127
AGENTES DE POLÍTICAS PÚBLICAS
a) Perfil do informante:
1. Nome:
2. Grau de instrução:
3. Idade:
4. Qual a sua função na prefeitura (ou secretária)?
5. Tempo de trabalho na área:
6. Tempo de trabalho em Águas Lindas de Goiás:
b) (objeto de estudo: os loteamentos)
7. Quanto à estrutura fundiária de Águas Lindas, como está organizada?
8. Existem bairros irregulares?
9. Quantos? Onde se localizam?
10. O que a prefeitura tem feito para solucionar esse problema?
11. Existe resistência por parte da população?
12. E os vendedores de lotes oferecem algum problema? Como?
13. Você acha bom para a cidade os novos loteamentos que estão sendo abertos?
c) (Conteúdo – natureza)
14. Quais os principais problemas enfrentados pela prefeitura (ou secretária) no que diz
respeito à natureza (ambiente natural)?
15. Você sabe que existe uma APA (Área de Proteção Ambiental) em Água Lindas? O que
você acha dessa APA?
16. Quais os pontos positivos da existência da APA?
17. E os negativos?
18. Como a prefeitura (ou secretária) pretende solucionar a(s) situação(ões) descrita(s) nos
pontos negativos?
19. O Lago do Descoberto é importante para Águas Lindas de Goiás-GO? Por quê?
20. Em sua opinião qual a importância das áreas próximas a APA?
21. Existem ações voltadas para a preservação da APA e da Barragem? Quais?
22. O que é natureza para você?
d) (Conteúdo: moradia)
23. Você mora em Águas Lindas de Goiás?
24. Antes de trabalhar em Águas Lindas de Goiás-GO, você trabalhava em outra localidade?
Onde?
25. Você pretende continuar trabalhando aqui? Por quê?
26. A moradia é importante para você? Porque sim? Porque não?
27. O que é moradia para você?
128
ANEXO B - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS NARRATIVAS
MORADORES
Perguntas Objetivo Geral Objetivo Específico Hipótese Entrevista Narrativa
(Tópico guias)
1- Quais são as representações
sociais da moradia e da natureza,
partilhadas pelos envolvidos na
ocupação irregular em Águas
Lindas de Goiás?
Desvendar as representações
sociais da moradia e da
natureza expressas pelos
moradores para compreender
como se racionaliza o
conflito sócio-ambiental em
loteamentos de baixa renda
do município de Águas
Lindas de Goiás
a) compreender de que
maneira as representações
sociais estão relacionadas às
práticas sócio-espaciais que
resultam nos loteamentos
ilegais;
Primeira hipótese
considera-se que a prática da
ilegalidade está relacionada
às representações sociais que
os agentes produtores do
espaço de Águas Lindas
constroem sobre a moradia e
a natureza;
Segunda hipótese
considera-se que as
representações sociais
dirigem as práticas sócio-
espaciais dos agentes;
Terceira hipótese, os
agentes justificam a prática
da ilegalidade pela sua
realidade social transformada
em representação.
História da moradia
(conversa descontraída sobre
os vários lugares em que
residiu).
“Poderia me contar sua
História de aquisição da
moradia atual.”
“Poder-me-ia falar sobre as
moradias anteriores.”
“Diante de tudo que me
falaste poderia dizer-me algo
mais sobre a importância da
moradia?”
“Como você descreveria
natureza do(s) local (is) que
morou e do local que
mora atualmente?”
2- Como os problemas
ambientais e urbanos contribuem
para a construção dessas
representações?
b) reconhecer como os
problemas ambientais e
urbanos contribuem para a
construção das
representações sociais da
natureza e da moradia; e
“Você poderia me falar
sobre as dificuldades que
você viveu aqui desde o
momento de sua chegada até
hoje.”
3- De que maneira tais
representações sociais estão
relacionadas às práticas sócio-
espaciais e às tentativas de gerir
e planejar a cidade?
c) investigar de que modo
as representações sociais dos
moradores interferem nas
tentativas de gerir e planejar
a cidade.
“Na sua experiência, me fale
dos novos loteamentos, o
que você acha deles?”.
Fase conclusiva
(Sugestões)
Você indicaria Águas Lindas para outras pessoas como moradia? Por quê?
Você acha que o governo deveria impedir as ocupações irregulares em áreas de preservação ambiental?
Quais sugestões você daria ao governo?
O que você faria se o governo o transferisse sua residência porque está em área de preservação?
Você votaria num governo que o transferisse de sua residência porque está numa APA?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo