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do Rap) começou a andar de um lado pra outro na sala, dizendo repetidas
vezes que ele não podia perder o celular. “Da onde eu vou tirar 200
contos?” – dizia ele. Eu falei com um aluno que tinha relógio, para que a
gente controlasse a hora e se desse tempo poderíamos fazer uma atividade
musical. Nisso, o aluno do Rap pediu para que eu fosse novamente ao
banheiro às 15:45h. Eu meio a contra gosto disse que iria ver o que eu
poderia fazer e continuei a aula. O clima já estava tenso na sala e os outros
alunos diziam para ele se virar e deixar pra lá. Chegado o horário, ele
inquieto, pediu que eu fosse novamente ao banheiro. Eu sem saber o que
fazer, “enrolei” um pouco, mas acabei indo. Encontrei a diretora no corredor
e disse que iria ao banheiro. Fui, procurei novamente e não achei nada. Fui
para a sala e já havia tocado o sinal. Falei para o aluno do Rap que não
havia nada lá. Ele não acreditou, mas o que eu podia fazer se era verdade!
Assim que levei os instrumentos para a sala dos professores, a diretora
fechou a porta da sala por uns instantes e disse que esse aluno tinha
roubado o celular da vice-diretora e tinha tirado o chip e atirado o celular no
nosso banheiro! “Meu Deus” - eu pensei!Fiquei com medo de falar alguma
coisa, mas então a diretora continuou a contar e disse que ela e um
funcionário da Susepe desconfiaram das “idas” ao banheiro desse aluno e
foram verificar e encontraram o aparelho. A vice-diretora disse que ele tirou
o celular da sua bolsa na sala dos professores com os professores diante
dele, mas que já havia cancelado o número do celular. Eu não falei nada,
até porque se eu tivesse achado esse celular, não sei o que faria, às vezes
acho que entregaria para ele, mas pensando corretamente, não pode entrar
celular na cadeia, somente a diretora, a vice e a supervisora podem transitar
com celular no presídio. Pois é, a diretora falou com o supervisor da Susepe
e eles iriam suspender a carteira desse aluno para não mais estudar. Bom,
o mais estranho que aconteceu também é que os colegas confirmaram que
ele tem tuberculose e, pelo regimento, ele não poderia estudar e deveria
estar no jumbo. Jumbo é cela onde ficam os presos doentes que não podem
se misturar por transmitir doenças aos demais detentos. Não contei nada
pra ninguém por medo que de repente eu poderia estar sendo cúmplice de
um roubo. Esqueci de contar que esse aluno sugeriu que eu deixasse
aberto o cadeado do banheiro dos professores e eu disse que não poderia
fazer isso e disse ainda que eu não poderia me complicar, pois eu sou
professora voluntária e isso vetaria meu trabalho. Um aluno chegou a
perguntar se eu não ganhava nada para dar aula para eles e eu respondi
que não ganhava nada, que fazia esse trabalho gratuitamente e ele
respondeu assim como os outros alunos que eu não poderia deixá-lo entrar
no banheiro dos professores. Foi uma situação difícil para mim e que tirou
meu sono. Ainda me sinto culpada por não saber como agir numa situação
dessas (Diário de campo – 26/06/07, p. 1-2).
Acredito que lendo esse diário, de repente, as emoções vividas por mim
naquele dia não sejam transparecidas, e o medo e a angústia de não saber como
agir nessa circunstância não estejam tão esclarecidas. Talvez essa possa não ser
considerada uma situação de medo, mas se pensarmos que estamos num Presídio,
onde existem pessoas de todas as “espécies”, assim como notícias que
acompanhamos nos jornais de rebelião e mortes nas cadeias, um filme passa na
sua cabeça e acabamos pensando no pior.
Na verdade, ainda não sei o que faria numa situação dessas. E é pelo fato
ocorrido que ainda considero essa minha jornada curta, mas ao mesmo tempo