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UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES
URI – CAMPUS DE SANTO ÂNGELO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO
REPENSANDO O SUBSISTEMA PENAL A PARTIR DE FENÔMENOS CRIMINAIS
DE ALTA COMPLEXIDADE E DA TEORIA DOS SISTEMAS
LUÍS GUSTAVO DURIGON
SANTO ÂNGELO
2009
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LUÍS GUSTAVO DURIGON
REPENSANDO O SUBSISTEMA PENAL A PARTIR DE FENÔMENOS CRIMINAIS DE
ALTA COMPLEXIDADE E DA TEORIA DOS SISTEMAS
Dissertação de Mestrado em Direito para
obtenção do título de Mestre em Direito,
Universidade Regional Integrada do Alto
Uruguai e das Missões – URI Campus de
Santo Ângelo, Departamento de Ciências
Sociais Aplicadas, Programa de Pós-
Graduação em Direito – Mestrado.
Orientador: Prof. Dr. Leonel Severo Rocha
SANTO ÂNGELO
2009
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LUÍS GUSTAVO DURIGON
REPENSANDO O SUBSISTEMA PENAL APARTIR DE FENÔMENOS CRIMINAIS DE
ALTA COMPLEXIDADE E DA TEORIA DOS SISTEMAS
Dissertação de Mestrado submetido à Comissão Julgadora do Programa de Pós-Graduação em
Direito Mestrado da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
Campus de Santo Ângelo como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre
em Direito, Área de Concentração: Direito Público, Linha de Pesquisa: II Cidadania e
Novas Formas de Solução de Conflitos.
Comissão Julgadora:
______________________________________
Prof. Dr. Leonel Severo Rocha
Orientador
_______________________________________
Professor André Leonardo Copetti
Examinador
_____________________________________
Professor Doutor
Examinador
Santo Ângelo, 30 de junho de 2009.
DEDICATÓRIA
À minha “complexa”, grandiosa e amada falia,
sem a qual esse trabalho teria sido bem mais difícil, talvez
impossível...obrigado por tudo...
À Karen, com amor... minha pedra preciosa,
alguém que sempre esteve comigo...
Ao meu estagiário/afilhado, não necessariamente
nessa ordem, (que torna o direito um pouco engraçado);
Aos amigos, velhos (onde estão?) e novos, que
tornam a vida mais divertida....
A todos vocês, perdoem-me a ausência e algum
mau humor.
AGRADECIMENTOS
São muitos (...)
Ao meu orientador Prof. Dr. Leonel Severo Rocha, por ter acreditado na ideia inicial;
pelos caminhos sistêmicos apontados e, acima de tudo, pelo amigo que se tornou ao longo e
ao final desta pesquisa;
À Universidade de Santo Ângelo (URI/SAN), por ter me acolhido, primeiramente,
como mestrando e, posteriormente, como professor do curso de Graduação em Direito, do
qual muito me orgulho;
A todos os professores do curso de Mestrado, em especial ao Prof. Dr. João Martins
Bertaso (pela tranquilidade e luzes transmitidas em momentos de angústia dissertativa), Prof.
Dr. And Leonardo Copetti Santos (cujas críticas sempre foram recepcionadas como
estímulo e desafios), e ao Prof. Dr. Noli Bernardo Hahn, (pela simplicidade com que ensina a
complexidade);
Aos professores colegas da (URI), Prof. Ms. Jacson Roberto Cervi e Prof. Ms. Janete
Rosa Martins, que souberam compreender alguns momentos de dificuldade ainda que não
tivessem obrigão para tanto;
Aos meus colegas de mestrado, que a nossa turma se reúna para cafés filosóficos em
futuro próximo e que todos conquistem seus espaços para que possamos debater nossas
dissertações na perspectiva de um mundo melhor;
À querida Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), por ter me repatriado e apoiado
para encarar novos desafios da carreira universitária;
Ao Prof. Dr. Luis Luisi in memorian, por ter-me aberto as portas da academia e ao
Prof. e advogado Dr. Pedro Augusto Sant’ana Nunes, por ter permitido a passagem por esta
porta e me apoiado de forma incondicional nos meus primeiros passos enquanto professor;
À minha colega Prof. Ms. Andréia Moser Keitel, combatente advogada, cuja ajuda
diária na dura arte de advogar foi fundamental para que eu pudesse finalizar essa pesquisa;
Aos meus alunos, que me fazem crescer a cada dia, que encontrem seus verdadeiros
espaços e lutem por uma sociedade mais justa e igualitária no exercício de suas profissões;
Enfim, a todos aqueles que me ajudaram e não conseguirei citar, mas nem por isso
estão sendo esquecidos, o meu sincero agradecimento.
...as pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem
programadas pelo computador, nem compradas pelo
supermercado e nem olhadas pelo televisor...
....as pessoas trabalharão para viver, ao invés de viver
para trabalhar...
... serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos
da alma...
...cada noite será vivida como se fosse a última e cada
dia como se fosse o primeiro ....
Eduardo Galeano
...também morre quem atira...
O Rappa
RESUMO
O subsistema penal se edificou no mundo ocidental sob os pilares do Estado
Democrático de Direito, com forte influência do Iluminismo e da escola finalista da ação de
Hans Welzel. Ainda que o Direito Penal brasileiro tenha passado por uma grande reforma
(1984), foi calcado em um contexto social com características completamente diversas do
modelo da sociedade do século XXI. Nesse novo cenário, afloram figuras penais delitivas de
alta complexidade (as facções criminosas e as organizações delitivas), cuja ferramenta
teórico-normativista e kelseniana é insuficiente para observar e buscar novas formas de
análise e minimização desses conflitos, notadamente porque esta teoria ainda está
fundamentada em um paradigma epistemológico cartesiano, o que acaba por contribuir para a
ineficácia do subsistema penal brasileiro. Para tanto, é necessário uma mudança de paradigma
epistemológico, que abarque os aportes sistêmicos que constituem o referencial mais
adequado para tratar fenômenos criminais complexos. Assim, ressurge, no universo do
subsistema penal (Alemanha a partir do segundo s-guerra), uma nova matriz interpretativa
do Direito Penal chamada de funcionalismo (moderado de Claus Roxin e radical sistêmico de
Günther Jakobs), que tem como marco comum a utilização da política criminal como meio de
aproximação e oxigenação da dogmática penal à demanda dos sistemas sociais na pós-
modernidade. Todos estes influxos teóricos Europeus (Alemanha e Itália/contra-corrente
Ferrajoli), acabam sendo recepcionados na América Latina e consequentemente no Brasil,
onde as teorias funcionalistas parecem, aos poucos, ser compreendidas no universo da
academia penal. Alia-se a isso o fato de Niklas Luhmann, com sua teoria dos sistemas,
oferecer um aparelho teórico fantástico para o Direito Penal e seus fenômenos, na medida em
que coloca à disposição do observador uma oportunidade para tirar o Direito Penal do
marasmo em que mergulhou ao longo dos anos, em especial por não ter assumido a
maturidade teórica suficiente para adentrar no mundo da s-modernidade. Acredita-se ser
possível essa inserção, sendo que os fenômenos penais complexos apontados têm sido um dos
grandes contribuintes para este debate. Para tanto, propõe-se uma política criminal sistêmica e
de cooperação internacional, para que, através de diversos acoplamentos estruturais com
outros subsistemas, o Direito Penal se diferencie funcionalmente e se autorreproduza quando
necessário, sempre observando a gravitação das garantias, possibilitando-se, assim, um
Direito Penal autopoiético.
Palavras-chave: Fenômenos penais complexos. Funcionalismo. Teoria dos Sistemas. Política
criminal.
ABSTRACT
The criminal subsystem built itself in the western world on the pillars of the
Democratic State of Law, with strong influence of the Enlightenment and the action finalist
school of Hans Welzel. Although the Criminal Law has gone through a major reform (1984),
it was based in a social context with features completely different from the model of society
of the XXI century. In this new scenario, criminal figures of high complexity emerge ( the
criminal factions and the criminal organizations), whose Kelseniana and theoretical-normative
tool is insufficient to observe and find new forms of analysis and minimization of these
conflicts, especially because this theory is still based on a cartesian epistemological paradigm,
which ultimately contributes to the ineffectiveness of the Brazilian criminal subsystem. For
this, it is necessary a change of epistemological paradigm that embraces the systemic
contributions that constitute the most appropriate benchmark to treat complex criminal
phenomena. So, it reemerges in the universe of the criminal subsystem (Germany from the
second post-war), a new interpretative matrix of the Criminal Law called functionalism (
moderate from Claus Roxin and systemic radical from nther Jakobs), which has as a
common mark the use of the criminal policy as a mean of approach and oxigenation of the
criminal dogmatic to the demand of the social systems in post-modernity. All these European
theoretical inflows ( Germany and Italy / counter-current Ferrajoli) end up being approved in
Latin America and therefore in Brazil, where the functionalist theories seem to be understood
in the world of the criminal academia. It is joined to this the fact of Niklas Luhmann, with his
theory of systems, provides a fantastic theoretical apparatus to the Criminal Law and its
phenomena, as it makes available to the observer an opportunity to take the Criminal Law out
of the stagnation in which it was plunged over the years, especially for not having taken the
theoretical maturity sufficient to enter in the world of post-modernity. It is believed that this
integration is possible, because the complex criminal phenomena mentioned have been the
major contributors to this debate. For this, it is proposed a systemic criminal policy and
international cooperation so that, through various structural engagements with other
subsystems, the Criminal Law becomes functionally distinct and reproduce itself when
necessary, always observing the gravity of the guarantees, making possible, this way, an
autopoiética Criminal Law.
Keywords: Complex criminal phenomena. Functionalism. Theory of systems. Criminal
policy
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
.................................................................... 10
1 DA CRIMINALIZAÇÃO DE CONDUTAS INDIVIDUAIS À
CRIMINALIZAÇÃO DE COMPLEXIDADES DELITIVAS
FRAGMENTADAS......................................................................................
12
1.1 QUADRILHA E BANDO........................................................................................... 23
1.2 O SURGIMENTO E A REPRODUÇÃO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS ......... 31
2 CRIME ORGANIZADO: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES
DE UMA OBSERVAÇÃO SISTÊMICA LUHMANNIANA....................
46
2.1 CRIME ORGANIZADO: ASPECTOS HISTÓRICOS...........................................
46
2.1.1 A máfia enquanto organização criminosa.............................................................. 46
2.1.2 Características que ajudam a identificar uma organização criminosa............... 51
2.1.3 A insuficiência dos mecanismos legais de controle ao crime organizado............ 58
2.2 DA MIGRAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO CARTESIANO PARA O
PENSAMENTO SISTÊMICO COMPLEXO.................................................................
61
2.2.1 Um novo paradigma para o subsistema penal em tempos de incerteza: a
questão da complexidade..................................................................................................
67
2.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS DUAS GRANDES FASES DA OBRA DE
9
LUHMANN: DO FUNCIONALISMO À AUTOPOIESE E SUA POSSIBILIDADE
DE APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL .....................................................................
73
2.3.1 O subsistema penal e o crime organizado em uma perspectiva sistêmica-
autopoiética........................................................................................................................
78
2.3.2 A inserção do risco ao subsistema penal na pós-modernidade via tipicidade.... 81
2.3.3 Tempo e subsistema penal: necessidade de uma nova observação...................... 87
3
POR UMA POLÍTICA CRIMINAL SISTÊMICA: UM NOVO
HORIZONTE PARA O DIREITO PENAL (TRANS) NACIONAL.......
92
3.1 PROLEGÔMENOS EM MATÉRIA DE POLÍTICA CRIMINAL....................... 92
3.1.1 A globalização reflexiva e a reedição da política criminal inimiga pós 11 de
setembro de 2001...............................................................................................................
97
3.1.2 O funcionalismo radical sistêmico de Günther Jakobs e o funcionalismo
moderado de Claus Roxin................................................................................................
102
3.2 APROXIMAÇÕES: GARANTISMO E TEORIA DOS SISTEMAS ....................
119
3.3 REFLEXÕES PARA UMA POLÍTICA CRIMINAL SISTÊMICA......................
126
3.3.1 Da necessidade de um Direito Penal cooperado....................................................
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................
138
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 142
OBRAS CONSULTADAS................................................................................................ 148
ANEXOS............................................................................................................................ 150
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa busca (re)pensar alguns aspectos do subsistema penal brasileiro a
partir de algumas práticas delitivas que se sobressaem na dinâmica da sociedade pós-moderna.
Ao longo do trabalho, pretende-se responder se o direito penal encontra-se aparelhado
dogmaticamente para trabalhar com algumas categorias delitivas que são a marca do século
XXI, bem como se é possível aplicar algumas referências da teoria sistêmica de Niklas
Luhmann como o meio ideal em busca desta aparelhagem.
A escolha do tema deu-se em virtude da crença de que é possível oxigenar o Direito
Penal para que possa constituir uma disciplina apta a encarar os novos desafios do cenário
globalizado, ainda que isso o implique uma total sobreposição da matriz sistêmica sobre
orientações teóricas dominantes.
Assim, busca-se em 3 capítulos, trabalhar com a possibilidade do Direito Penal ser
interpretado de uma forma sistêmica e autopoiética.
No primeiro capítulo o analisadas algumas considerações sobre as teorias aptas a
tratar das criminalização das condutas individuais em matéria de Direito Penal. Busca-se
trilhar o caminho das complexidades delitivas fragmentadas, nas quais se constata que o
concurso de pessoas é a uma das únicas ferramentas que dispõe a dogmática penal para tratar
de temáticas de maior complexidade, que geralmente envolvem um maior número de pessoas,
dentre outras características.
Nessa trilha, os delitos de quadrilha ou bando suscitam os primeiros debates, na
medida em que não é qualquer concurso de pessoas que necessariamente implica tais
modalidades delitivas, bem como é importante apontar a diferenciação entre tais estas e o
crime organizado; ao lado da análise das facções criminosas, surgidas e reproduzidas de
maneira autopoiética no interior dos cárceres brasileiros, estando hoje espalhadas por todo o
subsistema penal.
No segundo capítulo, aborda-se o crime organizado e as possibilidades de uma
observação sistêmica desse fenômeno, sendo que ao longo da presente pesquisa optou-se pela
denominão subsistema penal ao invés de sistema penal, por estar sendo utilizado como
referencial teórico a matriz sistêmica de Luhmann. Nesse capítulo, apontam-se os primeiros
traços de uma organização criminosa, advindas das máfias estrangeiras. Pretende-se, ainda,
identificar e apontar alguns métodos sistêmicos capazes de diagnosticar o que se entende pelo
11
crime organizado. Já que a conceituação fechada parece não ser o melhor caminho, uma vez
que ignora observações, pois são obtidas tão somente por uma ideia normativista.
Para tanto, tornou-se necessária uma migração epistemológica, pois as premissas
cartesianas parecem não estar preparadas para tratar de questões de alta complexidade, tais
como os fenômenos delitivos apontados neste trabalho. Nesse diapasão, esboçou-se algumas
considerações acerca da complexidade e da teoria de Niklas Luhmann como sendo a grande
ferramenta a ser utilizada pelo observador jurídico nos tempos atuais, bem como uma visão
sistêmica a partir de outros subsistemas com a finalidade de melhor observar o crime
organizado hoje. Não se ignora, no entanto, algumas tentativas de conceituação realizadas
pela doutrina; agregando-se, ainda, a questão da necessidade do Direito Penal equalizar o
risco juntamente com uma nova observação sobre o significado de tempo para o Direito Penal
na sociedade contemporânea.
no terceiro capítulo, apresenta-se a maneira pela qual o subsistema penal e os
fenômenos criminais de alta complexidade, podem ser observados, diagnosticados e
minimizados. Destaca-se que essa será uma preocupação constante ao longo desta dissertação.
Para tanto, apresenta-se a política criminal como a grande ferramenta a oxigenar a dogmática
penal com a finalidade de tirar a poeira que se estabeleceu nos Códigos Penais ao longo dos
anos.
Assim, elenca-se as principais correntes de política criminal na atualidade e as teorias
que as sustentam, tais como o funcionalismo radical sistêmico de Günther Jakobs e o
funcionalismo moderado de Claus Roxin, para a partir de tais teorias propor algumas
aproximações entre a teoria sistêmica de Luhmann e o garantismo penal de Ferrajoli em busca
de uma política criminal sistêmica e de cooperação entre os países.
Nas considerações finais, faz-se então um breve esboço de qual seja o caminho da
inserção do Direito Penal na pós-modernidade, ou seja, a sua possibilidade de aplicação
autopoiética.
A pesquisa é feita utilizando-se o todo hipotético-dedutivo, tendo como método de
procedimento a consulta de livros e artigos de revistas especializadas, bem como a utilização
de um caso prático, apontado como sendo a 1º decisão (sentença/diferença) no Brasil a adotar
alguns aportes da teoria luhmanniana para resolver uma demanda judicial extremamente
complexa.
O referencial teórico para tanto é a matriz sistêmica de Luhmann, pois considera-se
possível a sua aplicação no Direito Penal em busca de sua inserção no contexto das demandas
sociais do século XXI.
1 DA CRIMINALIZÃO DE CONDUTAS INDIVIDUAIS À
CRIMINALIZAÇÃO DE COMPLEXIDADES DELITIVAS
FRAGMENTADAS
O fenômeno criminal sempre foi uma constante na história das sociedades, uma vez
que as práticas delitivas são próprias da natureza humana
1
. Esta constatação, por si só,
deslegitima os discursos que pretendem acabar com a criminalidade, seja ela clássica ou de
massa (que se expressa nos delitos de furto, roubo e homicídio, entre outros), seja a
criminalidade pós-moderna decorrente de um novo cenário mundial que adveio da sociedade
globalizada
2
que se tornou um terreno fértil para novas modalidades delitivas, especialmente a
partir da mundialização da economia, (tais como os crimes de lavagem de dinheiro e tráfico
de seres humanos, tráfico de drogas, entre outros), alguns deles praticados por organizações
criminosas.
Conforme aponta o penalista alemão Claus Roxin, verbis:
Em todas as sociedades existirá sempre uma certa medida de delinqüência;
assim como as doenças e as más formações são inevitáveis, em todos os tempos
existirão homens cuja deficiência intelectual ou estruturas de caráter psicopático
fazem imposvel sua integração social e por isso terminarão praticando crimes.
Isto não se poderá evitar jamais (ROXIN in CALLEGARI; GIACOMOLLI e
KREBS, 2001, p.13).
Desde logo, é importante afastar-se de qualquer referencial teórico reducionista que é
incompatível com a complexidade que vem sendo a marca constante da sociedade pós-
moderna
3
, geradora de incertezas e rutporas de todo um modelo mecanicista industrial, uma
1
“O crime, além de fenômeno social, é um episódio da vida de uma pessoa humana. o se pode ser dela
destacado e isolado. Não se pode ser reproduzido em laboratório, para estudo. Não pode ser decomposto em
partes distintas. Nem se apresenta, no mundo da realidade, como puro conceito, de modo sempre idêntico,
estereotipado. Cada crime tem a sua própria história, a sua individualidade; não há dois que possam ser
reputados perfeitamente iguais”. (TOLEDO, 2000, p. 79).
2
As denominadas associações criminosas, que sempre preocuparam a sociedade, de um modo geral, e os
governantes, em particular, que temiam principalmente os ataques políticos, nas primeiras décadas do século
XX, ganham nova dimensão no final desse mesmo século, passando a exigir não apenas sua revisão conceitual,
mas, fundamentalmente, sua adequação político-criminal à pós-modernidade, que é abrangida, dominada e, por
que o dizer, seduzida e ao mesmo tempo violentada pela globalização, que se reflete diretamente na
criminalidade, seja organizada, seja desorganizada. (Bitencourt, p. 236)
3
Constatado o acelerado anacronismo de muitas formas e modelos jurídicos de caráter uvoco, linear, causal e
determinista forjados nos séculos passados, torna-se indispensável a abertura para um outra compreensão dos
fenômenos complexos. A conjugação de fatores tais como o desenvolvimento recente das tecnologias da
informação, globalização da economia, aceleração das mutações culturais, multiplicação dos fenômenos
transculturais, surgimento de novos riscos ambientais em escala planetária, sofisticação crescente dos todos
de controle social, desenvolvimento de modelos alternativos de regulação, tudo se opõe aos cânones filosóficos
de direitos criados para atender às demandas dos séculos de outrora. Os juízes, legisladores e juristas em geral, já
13
vez que não se pode tratar o fenômeno delituoso de maneira velada, distante das questões
complexas que envolvem o mundo atual. No entanto, nem todos os pesquisadores concordam
com a expressão denominada pós-moderna.
Neste diapasão, registra-se o pensamento de Schwartz, para quem:
Importante ressaltar que a doutrina discorda quanto à denominação (pós-
modernidade e/ou modernidade da modernidade) e/ou o corte exato que possa
caracterizar a nossa época. Isso porque esse é um período descontínuo, e que o
permite falar de um corte entre a modernidade e a pós-modernidade (SCHWARTZ
in CALLEGARI; GIACOMOLLI e KREBS, 2001, p 35).
De qualquer sorte, ao longo dos tempos, a estruturação teórica do Direito Penal – aqui
abordado como um subsistema do direito e este como um subsistema
4
da sociedade -, esteve
voltada para tratar as condutas
5
delitivas de maneira individual.
Importante salientar desde logo o marco teórico da presente pesquisa, baseada na ideia
de uma sociedade complexa que tem como característica a questão relacionada ao risco e a
novas formas de comunicação, demandas estas que o Direito Penal, aos poucos vem sendo
chamado a tratar, als, como vem ocorrendo na maioria dos países europeus.
Nesse novo cenário social mundializado, busca-se aplicar ao estudo do Direito Penal,
outras matrizes interpretativas, pois se entende que as tradicionais (normativistmo analítico e
a matriz hermenêutica) são insuficientes para tratar alguns problemas da pós-modernidade
(ROCHA, 2005)
Assim, opta-se por uma análise do Direito Penal a partir dos aportes teóricos
sociológicos e filosóficos de Niklas Luhmann
6
que entende o direito como um subsistema de
o sabem, hoje, como responder às demandas de regulação diante das situações cada vez mais ininteligíveis,
segundo os parâmetros rígidos, causais e lineares tradicionais. Um olhar maniqueísta sobre a sociedade não
permite dar soluções puramente ideais ao formidável espectro de variáveis e indeterminações advindas de uma
conjuntura complexa. (DINIZ, in BARRETO, 2006, p.649).
4
Esta denominação foi utilizada, de acordo com a perspectiva sistêmica de Luhmann, por tratar o direito como
um subsistema de comunicação na sociedade complexa.
5
[...]a configuração do elemento ação, como elemento básico do delito, ganha os primeiros contornos na obra
de Luden, em 1840, recebendo melhor definição no Manual de Berner em 1857. Nessa época, se falava em
ão antijurídica e culpável, embora sem distinguir claramente uma da outra, o que veio a ocorrer, em 1867, com
a definição de Lhering, reconhecendo a antijuridicidade, no Direito Civil, como um elemento objetivo,
representando a contrariedade ao juridicamente desejável. Esse conceito de antijuridicidade foi transplantado
para o Direito Penal, basicamente por Von Liszt (1881), sendo acrescido da culpabilidade, por exigência da
responsabilidade subjetiva, própria do direito penal”. (BITENCOURT, 2008, p. 198)
6
Um dos maiores juristas do século XX, podendo ser comparado no direito somente com a obra de Hans Kelsen.
Niklas Luhmann nasceu em Lünenburg na Alemanha. Formado em Direito, ele realiza os seus primeiros passos
na administração, onde trabalhou até os 35 anos. A partir de então ele abandona a administração pela pesquisa
em ciência administrativa e teoria da organização. Obteve o doutorado em 1966, sendo habilitado a exercer a
função de professor no mesmo ano, em Münster, sob a orientação de Helmut Schelesky. Luhmann ministrou as
suas atividades docentes, de 1968 a 1993, data de sua aposentadoria, continuando a participar de sua atividades
como professor emérito de Sociologia, na Universidade de Bielefeld. Realizou um estágio de pesquisa em
14
comunicação na sociedade complexa. Nessa linha de ideias, salienta-se o pensamento de
Leonel Severo Rocha, para quem:
A teoria dos sistemas de Luhmann procura explicar a sociedade como sistema
social. É importante nesta matriz epistemológica demonstrar-se que certos elementos
sicos tornam posveis distintas formas, entre infinitas possibilidades, de interação
social. Isto implica em uma grande complexidade, que exige cada vez mais
subsistemas, como o direito a economia, a religião, etc., que por sua vez se
diferenciam criando outros subsistemas e assim sucessivamente. Existem então
dois problemas principais que a sociedade se coloca: a complexidade e a dupla
contingência (ROCHA, et al, 2005, p.35) [grifo nosso].
A linha de ideias da estruturação normativa das condutas individuais penais foi
calcada nos aportes iluministas que alcançaram ao Direito Penal alguns postulados que
passaram a edificar o sistema jurídico penal (a partir de 1930, fundadas na ideia da teoria do
tatbestand
7
que rompeu com os Estados autoritários), limitando-se à análise de fenômenos
criminais de forma individualizada, desrevestido, portanto, do marco da complexidade.
Frise-se que tais aportes surgiram - nullum crimen nula poena sine lege
8
- , alcançaram
ao Direito Penal alguns postulados que passaram a constituir o seu verdadeiro patrimônio.
Ainda assim, a era iluminista necessita de uma nova refleo, para que se possam observar
fenômenos que aentão ficavam à margem dos episódios jurídicos. Neste sentido, Schwartz
salienta que
O momento atual que atravessa a humanidade é chamado por alguns autores,
como Luhmann, por exemplo, de um neo-iluminismo, pois o domínio de rias
técnicas e tecnologias (das mais variadas áreas do saber) proporcionou ao homem
uma qualidade de vida impensável há algum tempo (SCHWARTZ, in CALLEGARI;
GIACOMOLLI e KREBS, 2001, p.35) [grifo nosso].
Harvard nos EUA, em 1960, onde foi influenciado por Talcott Parsons. Foi um grande polemista, sendo o seu
debatedor mais célebre Jürgen Habermas. Escreveu 48 livros e mais de 471 artigos e ensaios científicos. O mais
importante foi Soziale Systeme, 1984. Morreu em Bielefeld [...].(ROCHA, in Barreto, 2006, p. 550).
7
“a palavra Tatbestand (literalmente “estado de fato”) tem sido traduzida de diversos modos nas línguas
românicas. A maioria dos autores italianos usa a expressão “fattispecie”, mas outros, como B.Petrocelli,
preferem apenas, o termo “fatto”. Em traduções francesas do Código Penal alemão de 1871, a locução
“gesetzliche Tatbestand” aparece como “élements légaux”. Na versão espanhola do mencionado alemão, feita
em 1945 por M. Finzi e R. Nunez, a locução referida é traduzida como “contenido legal del hecho”.
Anteriormente, na monografia intitulada Ernst Beling e la teoria del Tatbestand, o referido M. Finzi traduz o
Tatbestand por “delito tipo” expressão que é usada depois por S. Soler ao traduzir o pequeno, mas denso
trabalho de E. Beling Die Lehre vom Tatbestand. Outros autores, como F. Antolisei e L. Pietro Castro, preferem
o traduzir a palavra Tatbestand, que reputam intraduzível. Os autores portugueses e brasileiros em geral têm
usado o vocábulo “tipo” para referir-se ao Tatbestand [...] (LUISI, 1987, p. 13).
8
Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
15
De qualquer sorte, ainda que se pense no pós-iluminismo, a questão da pertinência das
condutas individuais para o Direito Penal está diretamente relacionada à própria estruturação
dos elementos integrantes do delito.
Assim, relacionadas à ação juridicamente relevante para esse subsistema do direito,
encontram-se três principais teorias, tais como a causal-naturalista da ação, a teoria social da
ação e a teoria finalista da ação.
A teoria causal-naturalista da ação, ainda que esteja superada, por não conseguir
explicar os crimes culposos e omissivos, pouco se importava com a vontade do agente, ou
seja, a sua intencionalidade, que, segundo ela, constituí-se elemento da culpabilidade.
Conforme as palavras de Bittencourt (2004, p.200), “o que quis (ou seja, o conteúdo de sua
vontade) é por ora irrelevante: o conteúdo do auto de vontade somente tem importância no
problema da culpabilidade”
para a teoria social da ação, considerada pela maioria dos doutrinadores como uma
teoria intermediária entre a “teoria causal-naturalista” e a “teoria finalista da ação”, não deve
ser analisado o conteúdo da vontade da conduta, mas sim um caráter de natureza social, ou
seja, é a relevância das consequências delitivas que deve determinar a pertinência ou não da
atuação penal.
Utilizando-se as palavras de Zaffaroni, “dentro desta concepção, chega-se a sustentar
que somente podem ser ações com relencia penal as que perturbam a ordem social e que,
por definição, devem formar parte desta interação”. (1999, p. 426)
Com o advento da teoria finalista da ação, amplamente adotada no Brasil, partindo das
premissas de Hans Welzel
9
, que são consideradas dominantes no seio da comunidade jurídica
penal, tanto doutrinariamente
10
quanto jurisprudencialmente, ainda que venha recebendo
9
Hans Welzel nasceu em 1904, na cidade alemã de Artern, e faleceu na cidade de Bonn, em 1977. Realizou
estudos de Filosofia e Direito nas Universidades de Jena e Heidelberg. Foi professor de Filosofia do Direito e
Direito Penal nas Universidades de Colônia, Göttingen e Bonn. Doutor Honoris Causa pelas Universidades de
Toulouse (França), Tessalônica (Grécia), Tóquio (Japão) e Seul(Coréia do Sul). Como sua atividade docente, foi
igualmente intensa a sua produção científica. Dentre seus escritos podem ser mencionados:Die Naturrechtslehre
Samuel Pufendorfs (a doutrina do direito natural de Samuel Pufendorf); Naturalismus und Wertphilosophie im
Strafrecht (Naturalismo e filosofia dos valores no direito penal); Kausaität und Handlungs (Causalidade e ação);
Uber Wertungen im Strafrecht (sobre as valorações no direito penal); Studien zum System des Strafrechts
(estudos sobre o sistema jurídico-penal); Das neue Bild des Strafrechtssystems (o novo sistema jurídico-penal); e
Das Deustche Strafrecht (Direito Penal alemão), entre tantos outros. Suas principais obras foram traduzidas para
o espanhol, italiano, grego, japonês e coreano (cf. José Cerezo Mir, Nota Necrológica: Hans Welzel. ADPCP,
tomo XXX, 1977, p.518-520). (PRADO, 1997, p.7)
10
A teoria da imputação objetiva, os novos estudos sobre o problema do concurso de agentes, os delitos de
perigo e cumulativos, o direito penal do inimigo, o sistema penal integral, as teses acerca do bem jurídico
refletem com clareza como, em passos largos e firmes, o direito penal vai abandonando a dualidade
“causalimos-finalismo” que por muito tempo significou seu foco principal. O fim do jusnaturalimo (reafirmado
pelo desencantamento com o mundo) e a crise do positivismo (perpretada pela complexidade da sociedade
moderna) impulsionaram uma nova forma de pensar as modalidades penais e o direito penal como um todo, ou
16
algumas críticas e contrapontos
11
, deslocou-se o elemento volitivo da culpabilidade para o
tipo penal - tatbestand - uma vez que toda a ação humana tem um fim, sendo o conteúdo da
vontade matéria atinente à conduta, portanto, com uma localização geográfica no universo da
tipicidade.
Essas premissas estiveram presentes reforma do Código Penal de 1984, e fora o grande
marco teórico do Direito Penal do século XX, baseadas na ideia dos delitos praticados de
forma individual, sendo que o aparato penal existente para tratar delitos complexos, que
geralmente envolvem um maior número de delinquentes (obviamente que não identificados só
por esta característica), é tão somente o concurso de pessoas.
No tocante à obra de Welzel, cabe destacar as contribuições de Prado:
O sistema jurídico-penal, idealizado por Welzel, de grande coerência lógica,
estriba-se em sólidas e definidas bases ontognoseológicas e metodológicas, com
notória influência da fenomenologia. Trata-se de uma construção jurídica que tem
como ponto de partida a concepção do homem como ser livre, digno e responsável, e
que se encontra governada pelos valores fundamentais da segurança jurídica e da
justiça substancial (2006, p.8).
para o mestre Luis Luisi
12
, criador de uma verdadeira escola de penalistas gchos,
o querer humano passou a ser o tema central da teoria finalista da ação. Segundo a obra
deixada pelo penalista cruzaltense,
Partindo desses pressupostos, a ação humana é compreendida por Hans
Welzel e seus discípulos como uma realidade ordenada, e com um contexto ôntico
definido que a configura. Ao apreender a essência dos fatos do querer e do
conhecimento do homem postos como objetivas realidades, na posição de objetos
do conhecimento verifica-se que o conhecer e o querer humanos se voltavam
sempre para uma meta; visam um objetivo. O conhecimento é conhecimento de
algo, posto ante o sujeito. O querer é querer algo posto como fim pelo sujeito. A
característica ontológica, portanto, do conhecer e do querer humanos está nesta
“intencionalidade”, isto é, nesta finalidade”, que é sempre, por força da normação
ôntica, visada pelo agente. A ação, portanto, como decorrência desta estrutura
ontológica, é sempre, enquanto autenticamente humana, “exercício de atividade final
(LUISI, 1987, p.39) [grifo nosso]. .
seja, propiciaram um formato teórico de abertura cognitiva entre o direito penal e a respectiva sociedade a ser
regulada. (NETTO, 2006, p.15)
11
Tais como as teorias funcionalistas que serão abordadas no capítulo II.
12
Dentre tantos atributos humanistas que poderiam ser dispensados a obra do emérito Prof. Luis Luisi,
resumidamente, José Luis Guzmán Dalbora salienta “Una de las características de sua talla de maestro,
precisamente, residia en la capacidad de entablar uma comunicación franca y directa con los jóvenes
estudiosos, ayudándoles en sus proyectos (...) Con razón la Asociatión Brasileña de Professores de Ciências
Penais anuncio la triste notícia, diciendo que “su fallecimiento representa para el país la perdida de un gran
jurista y un extraordinário ser humano”. (DALBORA, Revista de Estudos Criminais, n.º 23, 2006, p. 13)
17
Assim, ao realizar um verdadeiro fechamento do estudo referente às teorias da ação, de
fundamental importância para o objeto a que se propõe inicialmente o presente trabalho, ou
seja, analisar a estrutura jurídica penal tradicional e as condutas delitivas individuais com a
finalidade de projetar o universo das condutas multifacetadas ou fragmentadas e da
necessidade ou não de novos referenciais teóricos para o fim de analisá-las, é importante
destacar as ideias de Bittencourt, senão vejamos:
Da análise de acabamos de fazer das três teorias, constatamos que cada uma
destaca determinados elementos da ação, aqueles que consideram mais relevantes,
para uma adequada aplicação do Direito Penal. Assim, a teoria causal leva à
imputação do resultado e ao desvalor do resultado; a teoria finalista destaca a
natureza intencional da ação e o desvalor desta; e, finalmente, a teoria social insere o
contexto social geral na valoração da ação. Em outros termos, a teoria causal da ação
o considera a essência da ão humana, mas a possibilidade de atribuir determinado
resultado a dita ação. As teorias final e social, ao contrário, valorizam a essência da
ão humana em si, embora sob pontos de vista distintos: a teoria final da ação em
relação ao fenômeno humano interno, e a teoria social enquanto acontecimento na
vida social comum. Na verdade, os dois pontos de vista não se excluem, mas se
complementam. A teoria social nos termos definidos por Maurach, Wessels e
Jescheck – e a teoria final coincidem em seus resultados práticos: na classificação dos
elementos estruturais do fato punível, nas diferentes fases do crime e na localização
do dolo e da culpa no tipo penal (2004, p.207) [grifo do autor].
Nesse sentido, é importante destacar, como forma de introduzir a discussão que será
uma constante ao longo desta pesquisa, que a teoria finalista da ação vem sofrendo algumas
críticas do modelo funcionalista, especialmente o funcionalismo sistêmico de Günther Jakobs,
para quem a verdadeira função do Direito Penal consiste em reafirmar a exisncia da norma
em virtude da frustração de uma expectativa normativa
13
, sem que isso implique
desconsideração com a proteção de bens jurídicos, conforme será tratado no capítulo terceiro.
Neste diapasão, vale observar o pensamento do referido penalista alemão, para quem
A finalidade da pena é restabelecer a vontade geral através de uma negação; é
dizer, de uma negação da negação. Quem comete um delito expressa um especial
esboço do mundo, uma especial concepção do mesmo, porque para ele não vige o
ordenamento jurídico, mas sua vontade particular, (uma negação). Com a pena, o
estado manifesta que essa concreta concepção não vale e que deve imperar a vontade
geral (negação da negação). Dessa maneira se restabelece a vincia do direito
13
(...) caracterizam-se pela determinação em não assimilar os desapontamentos. O caso de desapontamento é
previsto como posvel – é sabido que o mundo é complexo e contingente, e que, portanto, os outros podem agir
de forma inesperada – mas de antemão isso é considerado irrelevante para a expectativa. Mas está relevância não
está fundamentada na experimentação natural como no caso de se saber que uma casa permanecerá de
mesmo que outra seja demolida ela se baseia em processos de neutralização simbólica, pois uma expectativa
em si, ou seja, como expectativa propriamente dita, não indiferente sua satisfação ou seu desapontamento.
Sendo assim, as normas são expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafáticos. Seu sentido
implica na incondicionabilidade de sua vigência na medida em que a vigência é experimentada, e portanto
também institucionalizada, independente da satisfação fática ou o da norma. (Sociologia do Direito p. 57)
18
(sínteses). A partir deste fundamento, Jakobs aplica uma teoria institucional do
direito, que entende as normas como estrutura da sociedade. O direito, na concepção
de Niklas Luhmann, é uma estrutura através da qual se facilita a orientação social, e a
norma, uma generelização de expectativas. A configuração fundamental da sociedade
se produz através do direito, e a missão do Direito Penal é garantir essa configuração.
As expectativas sociais se estabilizam através das sanções. (CALLEGARI (et al.),
2005, p.13)
É visível que há um deslocamento do verdadeiro centro do sistema penal, que deixa de
ser a proteção de bens jurídicos (exclusivamente) para tratar de uma nova função do Direito
Penal, uma espécie de superação da obra de Welzel. Assim, destacam-se as ideias de Lynett,
para quem
Depois da obra de Hans Welzel não se construiu um novo sistema de Direito
Penal. Esta tarefa se iniciou com o mais importante de seus discípulos, Günther
Jakobs, que, no ano de 1983, no prólogo à primeira edição de seu tratado de parte
penal, assinala as linhas de uma obra que rompe definitivamente com a tradição
finalista. Contrário a ela, Jakobs menciona que a elaboração das categorias
dogticas o pode fazer-se com base numa fundamentação ontológica do direito
(LYNETT, et al., 2005, p. 11).
Tanto é verdade a existência das críticas funcionalistas, que por sua vez também são
criticadas - não raras vezes de forma equivocada - que transitam entre os estudiosos do
Direito Penal, algumas vozes que sustentam a existência de um pós-finalismo, a partir da ideia
da inseão da categoria do risco e das questões advindas da complexidade do universo social.
Nessa linha de ideias, salientam-se as palavras de Bottini para quem, in verbis:
A atual organização social e a aparição do risco como fator estruturante
impõem ao pensamento penal a reflexão sobre seus fundamentos. A construção
dogtica contemporânea e as considerações sobre a aplicação dos delitos de perigo
abstrato refletem as contradições do discurso social sobre o papel do risco. A análise
das propostas apresentadas a seguir indica uma plêiade de idéias, algumas voltadas
para a ampliação da intervenção penal para controlar atividades arriscadas e antecipar
ao máximo a tutela estatal a fim de evitar suas conseqüências danosas, outras
dirigidas à limitação da utilização dos delitos de perigo abstrato, relevando seu
potencial para a aplicação arbitrária do direito penal. As diferentes teorias
relacionadas à construção e aplicação dos tipos de perigo abstrato refletem a
dificuldade de adaptar os conceitos metodológicos tradicionais aos novos paradigmas
do direito penal, e sua análise revela a complexidade que envolve a construção de
uma dogmática adequada aos novos preceitos do direito penal da atualidade ( 2007,
p.139).
Ainda assim, o Direito Penal finalista ainda prevalece na academia. E essa
estruturação finalista e iluminista sempre foi voltada para atender a uma demanda social
decorrente de uma criminalidade clássica (furtos, roubos, homicídios, entre outros), esta
estrutura jurídica passa a encontrar enormes dificuldades para tratar de fenômenos
19
contemporâneos, tais como as práticas delitivas decorrentes do crime organizado, dada a
complexidade das ações tomadas por esses grupos. Assim, destaca-se o pensamento de Roxin
ao constatar que “o Direito Penal chega muito tarde, pois apenas é possível que,
encarcerando-se este homem, chegue-se a corrigir sua deteriorada socialização” (2001, p. 12).
Para tratar dessa nova forma de criminalidade, o Direito Penal conta tão somente com
o instituto do concurso de pessoas
14
, que não raras vezes se mostra insuficiente para observar
um fenômeno complexo, fragmentado e transnacional.
Se por um lado toda a estrutura do Direito Penal fora montada por Welzel para fins de
satisfazer questões relacionadas às condutas individuais, no máximo utilizando-se do instituto
do concurso de pessoas, por outro, o atual contexto sociopolítico criminal mundial es a
exigir novas formas de tratamento ao Direito Penal, em especial a partir do advento da
globalizão, sem que isso implique um rompimento com os postulados humanitários que
foram paulatinamente outorgados ao Direito Penal a partir do século XVIII.
Analisando os aparatos existentes no artigo 29 do Código Penal, existe a regulação
normativa para aqueles crimes realizados por mais de um agente em comuno de vontades.
Basicamente, três são as teorias dogmáticas que pretendem estudar e explicar o
fenômeno do concurso de pessoas, tais como a teoria pluralista, a teoria dualista e a teoria
monísta ou unitária, esta última, adotada pelo Código Penal brasileiro.
Para a primeira (teoria pluralista), cada delinquente comete um único crime, ou seja,
haverá tantos crimes quantos forem os participantes. Conforme se observa, a teoria pluralista
ignora que o agrupamento de pessoas para a realização de práticas delitivas está direcionado à
produção de um único resultado, sendo que a comuno de esforços é justamente no sentido
de atribuir uma melhor possibilidade de êxito na investida criminosa, pois, por exemplo, não é
o número de homicidas que determina o número de cadáveres.
Para a segunda teoria (dualista), admite-se a ideia da exisncia de crimes diversos
para as pessoas relacionadas à realização da conduta, ou seja, dá-se um tratamento especial ao
praticante da ação nuclear prevista no tipo penal, relevando em segundo plano quem vem a ter
uma conduta participativa.
A referida teoria esprevista no Código Penal - como exceção - no tratamento penal
outorgado ao delito de aborto, na medida em que a gestante que pratica aborto ou consente
14
Art. 29 CP: Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de
sua culpabilidade. & 1º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um
terço.
& 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.
20
que o mesmo se realize, responde pela figura penal do artigo 124 do diploma repressivo,
enquanto que o terceiro que realiza o aborto responde por figura penal diversa, qual seja, o
artigo 126 do mesmo diploma legal.
A terceira teoria (mosta), adotada pelo ordenamento jurídico penal brasileiro,
sustenta que todos os envolvidos em uma atividade criminosa respondem pelo mesmo delito,
na medida de sua culpabilidade, distinguindo-se tão somente os aspectos relacionados à
autoria e à participação.
Nas palavras de Bittencourt (2004, p. 433), “o crime é o resultado da conduta de cada
um e de todos, indistintamente. Essa concepção parte da teoria da equivalência das condões
necessárias à produção do resultado”.
No que tange à configuração do concurso de pessoas, a doutrina penal brasileira
apresenta alguns requisitos indispensáveis que devem estar presentes no concurso de pessoas,
tais como a pluralidade de participantes e de condutas, a relevância causal de cada conduta, o
vínculo subjetivo entre os participantes e a identidade de infração penal (BITTENCOURT,
2008, p. 435).
Ainda que os requisitos indispensáveis para que se configure o concurso de pessoas
seja decorrência gica da ppria natureza do instituto, no presente trabalho a sua análise se
torna relevante no sentido de identificar, ou o, tais características nas condutas criminosas
de maior complexidade; bem como de verificar se é possível trabalhar-se na atualidade tão
somente essas ferramentas.
Ainda no tocante ao concurso de pessoas, rios são os aspectos dogmáticos e as
nomenclaturas que recebem o estudo do referido instituto, tais como as questões ligadas à
coautoria, à participação (instigação / cumplicidade), à autoria mediata (quando se serve de
uma outra pessoa para a realização do delito) e à autoria colateral (que se caracteriza
justamente por não haver liame subjetivo entre os concorrentes, embora ambos pratiquem
conduta similar).
Assim, as questões relacionadas ao concurso de pessoas também estão moldadas sobre
bases estritamente normativistas (teoria pura do direito de Hans Kelsen), calcadas tão somente
em ideias de condutas individuais para a caracterização do ilícito, sendo o concurso de
pessoas a única ferramenta conceitual capaz de buscar um embasamento para as infrações
praticadas de forma organizada, o que desde logo parece se evidenciar ser insuficiente para
tratar de problemas complexos, especialmente no que tange a uma nova criminalidade que se
manifesta de forma exacerbada na aurora do século XXI.
Neste diapasão, vale sublinhar o pensamento de Roxin ao destacar que, in verbis:
21
O combate contra a criminalidade organizada (se por esta se entende tráfico
de drogas ou de seres humanos, exportação de armamento proibido, manipulação de
impostos ou outros tipos de corrupção) é difícil ganhá-lo através da sanção individual
do autor; porque a organização fundamental permanece e frequentemente se subtrai
da ão persecutória da autoridade penal através de sua base de operações
internacional e sua irreconhecível estrutura. (ROXIN in CALLEGARI;
GIACOMOLLI e KREBS, 2001, p. 12)
Com o advento da globalização, novos bens judicos penais passam a integrar o
horizonte do tecido social, fazendo com que, em alguns casos, passem a ser tutelados,
também, direitos difusos
15
, universo esse que até pouco tempo era completamente ignorado
pelas ciências penais.
Assim, conforme destaca Franco, no que tange à criminalidade organizada, vale
registrar, in verbis:
De um lado, não se pode deixar de reconhecer que o modelo globalizador
produziu novas formas de criminalidade que se caracterizam, fundamentalmente, por
ser uma criminalidade supranacional, sem fronteiras limitadoras, por ser uma
criminalidade organizada no sentido de que possui uma estrutura hierarquizada, quer
em forma de empresas lícitas, quer em forma de organização criminosa e por ser uma
criminalidade que permite a separação tempo-espaço entre ação das pessoas que
atuam no plano criminoso e a danosidade social provocada. Tal criminalidade,
desvinculada do espaço geográfico fechado de um Estado, espraia-se por vários
outros e se distancia nitidamente dos padrões de criminalidade que tinham sido até
então objeto de consideração penal. A criminalidade econômica, a criminalidade das
drogas, a criminalidade ecológica, a criminalidade organizada etc., enfim, os crimes
of the powerful dependem, em face das rias fases de sua operacionalidade, de um
número elevado de ações delituosas, que podem até ser devidamente caracterizadas;
no entanto, enquanto expreso de criminalidade montada na base de um sistema
reticulado, não se sabe, ao certo, o lugar de sua realização nem se mostra
descomplicada e identificação de seus atores (2001, p. 253).
Isso traz para o universo do Direito Penal um novo horizonte, manifestando a
necessidade de revisar diversos conceitos e designações estritamente normativos a fim de
se buscarem novas formas de interpretação, de observação e de contribuição para a
15
“Se anteriormente, portando, o tipo culposo saía da periferia do direito penal e ganhava posição de destaque no
sistema punitivo diante de sua imprescindibilidade social, agora, seguem os mesmos passos os tipos de perigo,
novos pilares de expectativas de controle social aos bens jurídicos difusos, demarcadores da realidade penal as
sociedade de risco [...]. No caso dos atuais bens jurídicos difusos, sua caractestica diferenciadora é a orientação
da tipicidade penal no sentido de proteger uma determinada instância social ou localidade social na qual as
pessoas interagem com os mais diversos tipos de comportamentos [...] Os crimes de perigo, entendidos como
antecipadores da tutela penal, ao mesmo tempo em que antecipam a punição considerando a lesividade
individual, punem a existente lesividade sistêmica da instância. A partir do momento em que a indústria
consegue poluir em larga escala de sorte a comprometer o meio ambiente, jamais no sistema de produção
capitalista vai se imaginar o fechamento de fábricas. É possível conceber, contudo, e até para não se esgotar a
matéria natural, modalidades penais de gerenciamento da forma com que se pode produzir (sistema penal
gerencial) (SALVADOR NETTO, 2006, p. 103) [grifo do autor].
22
minimização dos fenômenos criminais complexos, tais como as facções criminosas e o crime
organizado.
A abertura dos mercados, aliada à transposição de fronteiras e a uma certa
desconsideração do conceito de soberania, gerou a expano de diversos organismos
transnacionais, fazendo com que a criminalidade assuma uma nova feição, na medida em que
se vale do grande aparato tecnológico que se encontra à disposição daqueles que detêm o
poder econômico.
Tanto é verdade que, nesse novo paradigma
16
, paralelamente às questões relacionadas
a novas formas de criminalidade, surgiu um novo ramo, ou melhor, para usar a matriz
luhmanniana, um novo subsistema dentro do próprio subsistema do Direito Penal,
denominado Direito Penal Econômico.
Para Callegari, o Direito Penal Econômico pode ser conceituado da seguinte maneira:
Em sentido estrito, o Direito Penal Ecomico é o conjunto de normas
jurídico-penais que protegem a ordem socioeconômica, entendido como regulação
jurídica do intervencionismo estatal na Economia. Bajo Fernandez assinala que a
intervenção do Estado e do Direito em zonas antes abandonadas à livre iniciativa é o
que, em princípio, se denomina Direito Penal Ecomico. O que caracteriza o Direito
Penal Econômico é ser um grau de intervenção estatal na economia, precisamente o
mais intenso do intervencionismo mediante o exercício do ius puniendi (2003, p.21).
Pode-se perceber que a criminalidade tomou ares de empresa criminosa, na qual o
Direito Penal, com as mesmas ferramentas para tratar da criminalidade clássica -
normativismo - não consegue compreender e, consequentemente, ser eficaz no combate às
complexidades delitivas fragmentadas.
Assim, mesmo antes de se analisar o fenômeno do crime organizado, é necessário
apontar alguns aspectos que apresentam as categorias relacionadas à quadrilha/bando, e às
facções criminosas, para se observar - de forma diferenciada - quais características estão
presentes nas ações praticadas pelo crime organizado, eis que não raras vezes tais categorias
o tratadas de forma idêntica.
Quanto ao crime organizado, pretende-se analisá-lo sob a ótica de um novo prisma, ou
seja, de uma nova fonte de observação do direito, qual seja, a teoria sistêmica de Niklas
16
Um paradigma não é um instrumento nas mãos da ordem dominante, mas igualmente a construção de
defesas, de críticas e de movimentos de libertação. Todas as formas de resistência repousam sobre princípios não
sociais de legitimação. Todo o paradigma é uma forma particular de apelo a uma ou outra representação daquilo
que chamo de sujeito e que é a afirmação cujas formas são variáveis da liberdade e da capacidade dos seres
humanos de criar-se e de transformar-se individual e coletivamente. (TOURAINE, 2005, p. 13)
23
Luhmmann, pois se entende esta como a mais adequada para tratar de fenômenos complexos,
universo em que o Direito Penal – desavisadamente – veio por habitar de forma definitiva.
1.1 QUADRILHA E BANDO
No tocante às questões que envolvem a pluralidade de sujeitos que realizam condutas
delitivas, torna-se importante agregar àquelas apontadas no item anterior, algumas
considerações sobre o tipo penal constante no artigo 288 do Código Penal
17
brasileiro que
define o que se entende pelo crime de quadrilha ou bando (melhor seria quadrilha e bando),
seja para diferenciar das questões que envolvem o pprio concurso de pessoas (ainda que tal
figura delitiva apresente o elemento normativo do concurso necessário, pois se trata de um
crime plurissubjetivo), seja para projetar, no decorrer da presente pesquisa, a presença ou não
de alguns traços característicos que definem o que se entende por uma organização criminosa.
Desde logo, é importante destacar as ideias de Bitencourt, para quem in verbis:
[...] faremos uma rápida análise político-criminal da criminalidade
organizada, que não se confunde com o crime de quadrilha ou bando tipificado na
cada de 1940. Nesse sentido, merecem ser, de certa forma, resgatados os
antecedentes daquele dispositivo na lavra de lson Hungria, in verbis: No Brasil,
à parte o endêmico cangaceirismo do sertão nordestino, a delinqüência associada
em grande estilo é femeno episódico. Salvo um ou outro caso, a associação para
delinqüir não apresenta, entre nós, caráter espetacular. Aqui e ali são mais ou
menos freqüentes as quadrilhas de rapinantes noturnos, de salteadores de bancos
em localidades remotas, de abigeatores (ladrões de gado), de moedeiros falsos, de
contrabandistas e, ultimamente (sic), de ladrões de automóveis. Como se percebe,
essa é a anatomia jurídica do antigo e atual crime de quadrilha ou bando. Outra
coisa é o fenômeno mundial que recebe a denominação de crime organizado ou de
organização criminosa (2008, p. 237) [grifo do autor].
Embora o diploma penal de 1940 utilize a conjunção alternativa (quadrilha ou
bando)
18
, na realidade, tais categorias conceituais têm características distintas.
Assim, quando o legislador se refere à expressão bando
19
, certamente a direciona a um
grupo de pessoas/delinquentes que se reúnem de forma desorganizadas, ou com um mínimo
de organização, o que difere completamente do delito de formação de quadrilha e de qualquer
17
Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de
1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.
18
“A palavra quadrilha pressupõe o número de quatro membros. Para que não surgissem controvérsias futuras,
quando a associação tivesse cinco ou mais membros, o legislador reforçou o termo, com o emprego também de
bando. É que bando dá a idéia de maior quantidade, número ilimitado de participantes, agrupamentos, exércitos.
O Código guatemalteco, quando se refere à Polícia, usa a expreso bando de polícias (art.474)”. (MEHMERI,
2000, p. 809).
19
Entre nós também a expressão bando indica número volumoso de integrantes, normalmente incontáveis
(Bando de Lampo, Bando de Antônio Conselheiro etc).Adilson, pág. 809.
24
prática delitiva realizada pelo crime organizado, conforme será verificado no decorrer do
presente trabalho.
De acordo com Pierangeli:
A palavra bando apresenta um sentido de associação de malfeitores sem
organização interna, ou organização precária, com chefia eventual, que atua
preferencialmente no interior, servindo de exemplos os bandos de Antônio
Conselheiro, a que se refere Euclides da Cunha em “Os Sertões”, e de Lampião, que
intranqüilizaram grande parte do nordeste do seu tempo (2007, p. 680).
Dessa forma, verifica-se que o bando
20
, tal como preconiza o Código Penal, parece
não apresentar - entre os seus atores um intelecto mais aguçado a ponto de planejar com
cautela e organização uma conduta delitiva. Não há um líder específico em suas ões, e elas
não necessariamente são conduzidas de maneira sintonizada, uma vez que os condutores das
práticas infracionais podem ou não se apresentarem de forma hierarquizada.
O mesmo não se pode dizer da quadrilha, que es mais voltada para a violência
urbana e que se vale de uma série de recursos e estratégias organizacionais o existentes na
formação dos bandos. Por tais raes, aproxima-se um pouco mais do que se entende por uma
organização criminosa, embora se tenha certa resistência em considerá-la como expressão do
crime organizado.
Mais uma vez conm destacar o magistério de Pierengeli:
A palavra quadrilha liga-se à delinqüência que opera preferencialmente nas
cidades e apresenta, quase sempre, organização e obediência a chefia, possuindo uma
maior gama de recursos, inclusive sofisticados, que pelo seu âmbito de atuação
alcança quase sempre o crime organizado. São exemplos de quadrilhas de Andinho e
Fernandinho Beira Mar (Idem, p. 680).
O que vem a caracterizar o crime de quadrilha ou bando é a associação de um
determinado grupo de pessoas (mínimo de 4 pessoas) voltados para a prática reiterada de
20
“[...] a doutrina, de modo geral, trata quadrilha e bando como sinônimos (“Quadrilha ou bando são termos que
a lei emprega como sinônimos”, conforme FRAGOSO, Heleno Cláudio, 1981, p.288). Embora, concretamente, a
distinção não adquira relevância maior, Ariovaldo Alves de Figueiredo (1985-1986, pág. 383) aponta traços que
distinguiram as duas modalidades: “Diferencia-se, no Código, o sentido das palavras “quadrilha e bando”.
Assim, quadrilha é um agrupamento de pessoas malfeitoras, de salteadores, que obedecem as ordens de um chefe
e de cujo objetivo é furtar, roubar, praticar latrocínios. Bando é também associação de malfeitores, mas sem
organização interna, sem chefe definido, objetivando, da mesma forma que a quadrilha, furtar, roubar, matar para
furtar”. Para Marcello Araújo (1977, p.40-41), o “bando se distingue da quadrilha porque aquele é rural e,
geralmente, se forma pela união mais ou menos desorganizada de criminosos, cujas atividades criminosas o
convergentes.[...] A quadrilha, por outro lado, é urbana e, ainda segundo Deocleciano D’Oliveira, nela
organização e estrutura. A quadrilha possui escalões e o comando é bem definido, nascendo geralmente de um
prévio ajuste entre seus principais membros, sendo que os participantes dos graus inferiores da hierarquia ficam
sujeitos à rígida disciplina, submetidos à vigilância permanente, verdadeiros súcubos nas mãos dos chefes, sem
que isto importe dizer que a participação destes decorra de coação”. O Código Penal brasileiro, definitivamente,
trata as expressões como sinônimas” ( in FAYET JR; MAYA, 2008, p.278).
25
crimes indeterminados, ainda que, em alguns casos, possa ocorrer certo direcionamento das
práticas delitivas.
Em realidade, trata-se de uma modalidade delitiva em que resta configurado o delito
tão logo ocorra a associação
21
, independente de qualquer prática delitiva, sendo que, se esta
vier a ocorrer, restará configurada a modalidade de concurso material de crimes, cuja solução
normativa é outorgada pelo artigo 69 do Código Penal, logicamente que tão somente com
aqueles agentes que vierem a praticar a conduta delitiva posterior.
Segundo Fayet Júnior, o delito de quadrilha (ou bando):
Pode ser conceituado como reunião, junção, agrupamento estável ou
permanente de quatro indivíduos ou mais, com o propósito de perpetrar um número
indeterminado de crimes, sendo havido, para além disso, como um delito coletivo
perfeitamente autônomo (2008, p.279).
O tipo penal ora dissertado procura proteger a paz pública
22
, na medida em que a
associação para práticas delitivas acaba por ocasionar uma perturbação na ordem social.
Neste contexto, Estellita salienta que
Quanto ao bem jurídico, muito embora esteja entre aqueles crimes que
tutelam a “paz pública”, observa Sheila Jorge Selim de Sales, após discutir a
objetividade jurídica no sistema italiano (onde o crime está no capítulo dos crimes
contra a ordem pública), que a “paz blica nada mais [sic] que uma conseqüência
da ordem pública, e, ao tutelar a primeira, nossa lei penal tem em vista o sentimento
coletivo de segurança, evitando-se que este seja abalado com a prática de crimes”
(2009, p.16) [grifo do autor].
É preciso salientar que o delito de quadrilha ou bando trata de uma modalidade
delitiva em que se torna indispensável a presença do concurso necessário de pessoas
23
-
24
, de
21
Crime formal, que não exige a produção de um resultado naturalístico. Não se pode ignorar que de uma certa
forma, a tipificação do delito de quadrilha ou bando, sem a produção de um resultado, acaba por gerar uma
punição dos atos preparatórios, o que é inviável em matéria de direito penal.
22
As legislações penais, desde épocas remotas, sempre se preocuparam com o intenso perigo à paz pública que
representavam a formação de gangs, máfias e toda a sorte de associações especificamente estruturadas com
propósitos delituosos. (MEHMERI, 2000, p.809).
23
A legislação brasileira exige no mínimo quatro pessoas para se caracterizar a figura delitiva constante no
artigo 288 do Código Penal, sob pena de se tratar de fato atípico. Esse número mínimo exigido, difere de
algumas legislações estrangeiras. Assim, segundo Ney Fayet Júnior, “os códigos italiano e argentino, por
exemplo, estabelecem a exigência de três agentes no mínimo; a legislação francesa o explicita a quantidade
de pessoas necessárias para a configuração do delito”. Nessa linha de idéias, cabe destacar o artigo do Código
Penal Francês, apontado por Ney Fayet, verbis: Art. 450-1. “Constitue une association de malfaiteurs tout
groupement forme ou entente établie en vue de la préparation, caractérisée par un ou plusieurs faits matériels,
d’um ou plusieurs crimes ou d’un ou plusieurs délits punis de dix ans d’emprisonnement. ( in FAYET JR;
MAYA, 2008, p.280).
24
Já o Código Penal Suíço, segundo Mehmeri “considera atos preparatórios para o crime a organização e o
plano concreto para a prática de um dos delitos que estão enumerados no art. 260”. (2000, p.808).
26
forma permanente e estável, ou seja, não basta o liame subjetivo entre os agentes para as
práticas delitivas, ainda que direcionadas para diversos crimes, o que faz com que a simples
questão quantitativa não seja suficiente para configura o tipo penal de quadrilha ou bando.
Neste aspecto, cabe realizar uma diferenciação que, o raras vezes, acaba por se
tornar obscura para muitos operadores do direito: quais as diferenças e semelhanças existentes
entre o delito de quadrilha ou bando (Societas delinquentium)
25
e a figura do concurso de
pessoas (Societas in crimine)
26
.
Nesta linha de ideias, pode-se afirmar que a pluralidade de agentes constitui,
inegavelmente, uma semelhança entre as duas figuras penais. No entanto, no tocante ao crime
de quadrilha ou bando, a associação necessariamente tem que ser estável, permanente e
voltada para a prática indeterminada de delitos, ao contrário do concurso de pessoas, em que o
agrupamento é eventual e temporário, sendo, inclusive, voltado para a prática de delito
determinado.
Segundo leciona mais uma vez Fayet nior, in verbis:
Significa que não é suficiente um simples acordo de vontades.E a reunião
eventual, esporádica mesmo que para a prática de diversos crimes, não será capaz de
caracterizar a quadrilha, exatamente por estar ausente a nota de permanência ou
estabilidade. É essa característica que, basicamente, irá distinguir esse tipo penal em
foco do mero concurso de pessoas, figura jurídica que se individualiza pela
transitoriedade ou momentaneidade da conjugação de esforços entre os agentes para a
prática de determinado crime[...] Além disso, como regra geral, no concurso eventual,
os indivíduos reúnem-se para o cometimento de um certo crime, enquanto na
quadrilha prevalece a indeterminação do número de infrações penais (2008, p.286).
Ademais, no delito ora analisado, a simples associação já configura o tipo penal,
enquanto que em relação ao concurso de pessoas, have punição se ao menos os
comparsas iniciarem os atos executórios.
Em outras palavras, o crime de quadrilha ou bando não admite tentativa
27
, ao contrário
do concurso de pessoas, cuja punibilidade na forma tentada para a prática de um determinado
25
Associação, mais ou menos estável, permanente, com o propósito de práticas delituosas, para o futuro;
número limitado de membros (mínimo de 4); são puníveis seus membros, independente do efetivo cometimento
de crime; a pretensão é cometer vários crimes” (MEHMERI, 2000, p. 808).
26
“Associação transitória, eventual, com o propósito de prática delituosa determinada, imediata e exclusiva; sem
número limitado de participantes e puníveis se o crime vier a ser, pelo menos, tentado (Idem, ano 2000, p.
808).
27
Em sentido contrário, Adilson Mehmeri, in verbis: O assunto é controvertido. Noronha não a admite, por
tratar-se de atos preparatórios. Damásio de Jesus, com o mesmo argumento, tem semelhante posição, bem como
Heleno Fragoso, Salles Júnior e tantos outros norios doutrinadores. Esse entendimento não se reveste de poder
convincente. A possibilidade de tentativa ressurge das próprias ilustrações dadas pelos autores que a rejeitam.
Damásio de Jesus: “A simples reunião para acordar os termos nos quais a quadrilha será formada não indica que
o crime esteja consumado. É necessário que o bando tenha começado a operar”.(Código Penal anotado, cit.,
p.690). Obviamente, se essas reuniões, programadas e realizadas, o consumam o crime, porque dependem
27
delito é perfeitamente viável (art. 14, II do CP), desde que, obviamente, a figura delitiva assim
o permita.
Em verdade, salvo melhor juízo, o delito de quadrilha ou bando é uma verdadeira
exceção à vedação de enquadramento penal dos atos preparatórios
28
, eis que se pune
independentemente da prática de qualquer outro delito (que passa a criar o concurso material
de crimes). Ou melhor, mais uma vez, nas palavras de Fayet Júnior (2008, p.301), “cuida-se
de um tipo penal precariamente garantista, por permitir a antecipação punitiva (ao tipificar
atos meramente preparatórios que são, em regra, atípicos), sob o argumento de que as
associações constituem um potencial perigo [...]”.
Diversas são as outras análises dogmáticas que podem ser apontadas no tocante ao
delito de quadrilha ou bando, tais como as questões relacionadas à eventual participação de
inimputáveis no número de agentes exigido pelo tipo.
No que tange à questão relacionada à capacidade penal, o artigo 288 do diploma
repressivo não exige que os integrantes da quadrilha sejam revestidos de imputabilidade
29
.
Esse parece ser o argumento central utilizado pela doutrina e jurisprudência para o fim de
caracterizar o crime de quadrilha ou bando, mesmo que um de seus integrantes (mínimo de 4
pessoas) seja inimputável. Neste sentido, mais uma vez destacam-se as lições de Fayet Júnior:
Majoritariamente, a doutrina e a jurisprudência entendem que essa situação
o é capaz de afastar a existência do crime. A argumentação baseia-se,
fundamentalmente, no fato de a norma não ter efetuado qualquer exigência quanto à
imputabilidade de todos os participantes, tendo em consideração, tão-só, a
pluralidade de pessoas, em vista do perigo que a união representa (2008, p. 281).
Ainda que prevaleça tal entendimento
30
, não se pode ignorar que a parte geral do
diploma penal, que é um verdadeiro outdoor para a aplicação de todos os tipos penais
da efetiva operação, isso significa que o óbice involuntário superveniente caracteriza a frustração do propósito
criminoso. Ocorrerá a tentativa.[...] Se esses atos forem simplesmente preparatórios, como argumentam os
doutos juristas, haverá ocorrência de outra esquisitice no direito penal brasileiro: atos preparatórios de atos
preparatórios (como é considerado por todos o crime em exame).” (MEHMERI, 2000, p. 813).
28
Esse é o sentido do artigo 31 do Código Penal: Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio,
salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.”
29
“Para ser alcançado esse número mínimo de quatro, contam-se todos que se associem, pouco importando que
dentre eles haja inimputável, porque também entra na contagem. Não é necessário que haja chefe ou der, que
eles se conheçam ou que estejam juntos, nem, que sejam todos identificados” (MENHERI, 2000, p. 808)
30
“A doutrina, de um modo geral, tem incluído também no número legal mais de três pessoas - os
inimputáveis, como, por exemplo, os doentes mentais ou menores de dezoito anos, ou seja, os penalmente
irresponsáveis. A despeito de esse tema ser mais ou menos pacífico na velha doutrina nacional, merece uma
reflexão mais elaborada no âmbito de um Estado Democrático de Direito, que não admite, em hipótese alguma,
qualquer resquício de responsabilidade objetiva. Veja-se, por exemplo, a participação de crianças ou
adolescentes, os quais são absolutamente inimputáveis e, consequentemente, não têm a menor noção do que está
acontecendo. Incluí-los, em tais hipóteses, em uma associação criminosa representa uma arbitrariedade
28
constantes na parte especial, estabelece alguns critérios relacionados à imputabilidade penal
(sistema biopsicológico).
Nessa linha argumentativa, merecem destaque as ideias de Vargas, ao destacar a
necessidade de in verbis:
Quatro sejam capazes de ação e de culpabilidade, pois a lei se refere ao
especial fim de agir (dolo específico): para o fim de cometer crimes. Considerando
que pode cometer crimes pessoa capaz, segue-se a exigência de que pelo menos
quatro sejam capazes. Qualquer argumento em contrário esbarra na lei. Capacidade de
direito penal não se transfere, nem se toma por empréstimo (VARGAS, 1993, apud
FAYET JÚNIOR, 2008, p.281).
Ainda que tais argumentos sejam de difícil rechaço, prevalece a ideia da irrelevância
de um dos integrantes da quadrilha ou bando serem pessoas inimputáveis, posição doutrinária
esta que parece ser, no mínimo, duvidosa e de uma constitucionalidade discutível, uma vez
que afronta os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Sobre este modelo de Estado, ainda que o seja objeto direto da presente pesquisa,
vale registrar o pensamento de Copetti, para quem:
A consolidação do conceito de Estado Democrático de Direito passa num
primeiro momento pela instituição do Estado Liberal de Direito, num segundo, pelo
Estado Social de Direito, para, num momento final, pós-Segunda Guerra, chegar ao
modelo que hoje temos abstratamente à nossa disposição na Constituição Federal de
1988 (2000, p. 51).
Portanto, não se pode admitir que a configuração típica do delito de quadrilha ou
bando com a presença de um inimputável para compor onimo legal esteja de acordo com o
modelo constitucional que está à disposição do Direito Penal.
Outras questões também norteiam a aplicabilidade do referido tipo penal, no que
tange, por exemplo, ao fato de existir algum agente desconhecido
31
no universo do
agrupamento de delinquentes. Segundo as palavras de Ney Fayet (2008, p.283), “a
impossibilidade de reconhecimento de algum, ou de alguns dos agentes, não é causa para a
desmedida, mesmo que, in concreto, não se atribua responsabilidade penal a incapazes, utilizando-os tão
somente para compor o número legal. Certamente, quando o legislador de 1940 referiu-se a mais de três
pessoas” visava indivíduos penalmente responsáveis, isto é, aquelas pessoas que podem ser destinatárias das
sanções penais. Para reforçar nosso entendimento, invocamos o magistério daquele que foi, sem dúvida alguma,
o maior penalista argentino de todos os tempos, Sebastian Soler, in verbis: “Ese mínimo debe estar integrado por
sujetos capaces desde el punto de vista penal, es decir, mayores de dieciséis años”. (BITENCOURT, 2008, pág.
247)
29
exclusão do tipo penal”, passando a evidenciar o largo horizonte para a formação da
tipicidade.
Ademais, sublinhe-se ainda que a questão relacionada à absolvição de um dos agentes
integrantes da quadrilha ou bando merece maior destaque quando o número de réus que
respondem ao processo penal limita-se ao número legal exigido pelo tipo (mínimo de 4
pessoas, conforme já referido).
Logicamente que, uma vez absolvido um dos integrantes, e permanecendo um número
de réus inferior a 4 (quatro) resta impossível configurar o enquadramento da conduta fática à
conduta exigida pelo tipo penal, uma vez que nesta hipótese acaba por gerar uma verdadeira
atipicidade.
Mais uma vez, Fayet nior sublinha, in verbis:
Na hipótese de ser absolvido algum suposto membro da quadrilha, por falta
de provas quanto à sua participação, se não remanescerem, apesar dessa situação, ao
menos, quatro pessoas, o fato será atípico, em razão da ausência do quorum mínimo
de participantes no delito de quadrilha (2008, pag. 284).
Necessário referir, ainda, que as questões relacionadas às causas de extinção da
punibilidade e isenção de pena, se concedidas a um dos agentes, em nada afetaa questão
ligada à tipicidade, uma vez que o fato em si subsistirá, sendo impossível tão somente a
questão relacionada à punibilidade, eis que tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, como
elementos formadores do crime, permanecem intactos. (FAYET JÚNIOR, 2008).
Afora as questões relacionadas à quadrilha armada, vem sendo palco de uma grande
celeuma doutrinária a possibilidade do tipo penal em tela ser aplicado indiscriminadamente
aos delitos societários, surgidos no seio de uma criminalidade econômica.
A par desse panorama, salienta-se que, originariamente, a associação de pessoas para a
atividade empresarial é voltada para a prática de atividades lícitas, não se podendo, pois, falar
em antijuridicidade.
Tanto é verdade que o Código Civil de 2002 (art.966) tem um livro especial dedicado
ao direito da empresa, definindo, inclusive, o que se entende pela atividade empresária.
o delito de quadrilha ou bando tem em seu nascedouro o dolo específico para a
prática de atividades ilícitas de forma permanente e esvel, não se confundindo, pois, com os
crimes societários, que têm finalidade distinta.
Nessa linha de ideias, salienta-se o pensamento de Estellita para quem:
30
É por isso que não é admissível que toda a imputação da prática de crime
ecomico contra quatro pessoas ou mais, atuando em contexto de sociedade
empresarial (sócios, gerentes, diretores, funcionários etc.), venha acompanhada, ipso
facto, da imputação do crime de quadrilha ou bando. A confusão entre a reunião de
pessoas para a prática de atos ilícitos com o crime descrito no artigo 288 do Código
Penal subverte a ordem jurídica, que, como se viu, expressamente autoriza a reunião
de pessoas para o exercício da atividade empresarial (2009, p.30).
Conforme se observa, o motivo da reunião das pessoas é completamente diverso. Os
sócios comerciais reúnem-se para atividades lícitas (ainda que posteriormente venham a
cometer algum delito), os quadrilheiros, para atividades ilícitas no seu nascedouro, na sua
origem, ou melhor, na sua intencionalidade lesiva (elemento subjetivo).
Assim, de se ter cuidado ao analisar a justa causa para a ação penal a ponto de
legitimar a denúncia dos sócios para além dos delitos por eles praticados provavelmente de
natureza econômica e tributária uma vez que, o raras vezes, alguns operadores do direito
confundem a natureza societária plúrima com o delito de quadrilha ou bando.
Neste sentido, mais uma vez merecem destaque as conclusões de Fayet Júnior:
Trata-se de limitações interpretativas que devem ser observadas,
obstaculizando-se o crescimento de uma prática, arbitrária e abusiva, de serem
lançadas acusações aos indivíduos, pelo crime de quadrilha, pelo simples fato de
fazerem parte do quadro societário (ou desempenharem qualquer atividade nesse
domínio), e haverem praticado, nesse contexto, outros delitos quaisquer (notadamente
os de índole financeira) (2008, p.30).
Dessa forma, não se devem confundir as figuras apontadas, tampouco toda e qualquer
quadrilha ou bando vai apresentar as características de uma organização criminosa, ainda que
possam estar presentes de maneira isolada em alguma oportunidade.
Assim, o delito de quadrilha ou bando está mais próximo de uma criminalidade de
massa do que uma criminalidade organizada, uma vez que dificilmente está presente a
corrupção dos agentes públicos para que se realizem os delitos praticados pela quadrilha ou
bando, ao contrário do que ocorre nas organizações criminosas, em que tal figura delitiva é
uma constante.
Neste sentido, convém destacar o magistério de Bittencourt:
É esta criminalidade de massa que perturba, assusta e amea a população.
Por isso, a necessidade de se distinguir com precisão criminalidade organizada e
criminalidade de massa. Nessa linha, criminalidade de massa compreende assaltos,
invasões de apartamentos, furtos, estelionatos, roubos e outros tipos de violência
contra os mais fracos e oprimidos. Essa criminalidade afeta diretamente toda a
coletividade, quer como vítimas reais, quer como vítimas potenciais. Os efeitos dessa
forma de criminalidade são violentos e imediatos: não o apenas econômicos ou
físicos, mas atingem o equilíbrio emocional da população e geram uma sensação de
insegurança (2008, p.239).
31
Assim, fazem-se as presentes considerações com a finalidade de, ao mesmo tempo em
que se busca o caminho rumo às condutas delitivas fragmentadas, deixa-se para trás qualquer
confusão que se possa fazer entre concurso de pessoas, crime de quadrilha ou bando e o que
efetivamente se entende por uma organização criminosa.
No entanto, em busca desse caminho das condutas fragmentadas características da
sociedade s-moderna torna-se necessário observar também, um novo fenômeno, não
menos complexo, que surgiu no seio dos cárceres brasileiros, qual seja, as facções criminosas.
1.2 O SURGIMENTO E A REPRODUÇÃO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS
O esquecimento estatal para com aqueles que cumprem pena nos presídios brasileiros,
aliado às condições desumanas do cárcere e à superpopulação
32
carcerária têm sido um foco
autorreprodutor de criminalidade no universo do subsistema penal
33
brasileiro.
Esse universo insalubre acabou por constituir o nascedouro de ações subversivas
coletivas e sincronizadas, através de movimentos carcerários denominados facções
criminosas
34
,que, paradoxalmente, surgiram dentro dos presídios, local que – em tese
deveria ser controlado pelo Estado a fim de proporcionar a ressocialização, que, na prática
na maioria das vezes - não passa de mera falácia dogmática.
Neste sentido, vale destacar o jornalismo criminal investigativo de Percival de Souza:
A mis-en-scène foi adquirindo uma configuração que ninguém poderia
imaginar. O crime, como entidade, estruturou-se dentro das prisões, até aqui o último
dos lugares para pensar numa formatação criminal, porque as pessoas estão na prisão
e, em tese, privadas da liberdade, isoladas da sociedade, imobilizadas pelas células e
32
Atualmente o Estado do Rio Grande do Sul convive com um de seus maiores paradoxos carcerários até então
existentes, na medida em que, algumas decisões devidamente fundamentadas, estão impedindo o cumprindo de
mandados de prisão porque não há mais espaço físico para os presos, sob o legítimo argumento de que o Estado
(Executivo) ao longo de mais de 20 anos de vigência da Lei de Execução Penal, o implementou as medidas
recomendadas.
33
Chamamos sistema penal ao controle social punitivo institucionalizado que na prática abarca desde que se
detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma
atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define os
casos e condições para esta atuação. Esta é a idéia geral do sistema penal em um sentido limitado, englobando a
atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes e funcionários e da execução penal. Em um sentido
mais amplo, entendido o sistema penal tal como o temos afirmado como controle social punitivo
institucionalizado, nele se incluem ações controladoras e repressoras que aparentemente nada têm a ver com o
sistema penal”. (ZAFFARONI, 1999, p.70)
34
O Rio de Janeiro é o Estado pioneiro a criar setores especializados para combater as facções criminosas. Neste
sentido: Criada em 2003, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro (SEAP)
definiu como uma de suas prioridades o restabelecimento da ordem e da disciplina nos presídios [...]. A partir
desse quadro, a SEAP instaurou uma “política antifacções criminosas” no Rio de Janeiro. (CALDEIRA, Revista
de Estudos Criminais, n.º 23, 2006, p. 107)
32
pulverizadas psicologicamente pelas grades. [...] Origem paulista, era esse o Primeiro
Comando da Capital, o PCC, a frente do crime formada por prisioneiros. No começo,
tinha um código, o mero 1533, porque 15 corresponde à décima quinta letra do
alfabeto, P, seguida duas vezes pela terceira letra, C. Portanto, PCC. Com estatuto.
Com batismo. Com rituais de entrada. Com pagamento de mensalidade. Com
garantias de apoio para quem estivesse fora ou dentro dos cárceres. Com
investimentos. Com compra de pessoas que atuam profissionalmente em rios
níveis, inclusive o jurídico, providenciando a graduação daqueles que seriam os
doutores do crime. Criou-se, aos poucos, uma irmandade, ao estilo mafioso, na qual
todos passaram a ser tratados e compromissados como “irmãos”. Os embriões foram
o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, e o Serpentes Negras, em São Paulo.
(SOUZA, 2006,p.21).
Esses agrupamentos, por sua vez, embora possam evidenciar algumas semelhanças
enquanto fenômeno, em realidade, apresentam configuração completamente distinta dos
institutos do concurso de pessoas e do delito de quadrilha ou bando, bem como em relação às
questões relativas ao crime organizado embora se comuniquem com este - dada a sua
diferença normativa e pragmática.
O surgimento das facções criminosas
35
está fortemente ligado, entre outras
circunstâncias, à necessidade da existência de líderes dentro do sistema carcerário, para que
sejam negociadas diversas questões com o poder oficial, entre elas, a própria mantença de
certa “tranquilidade” dentro dos presídios.
36
Nesta linha de ideias, Caldeira salienta, in verbis:
Essas facções têm poder para intimidar agentes penitenciários e recursos para
suborná-los. Além disso, desfrutam de condições para se comunicar com o exterior,
através de familiares, advogados, assistentes religiosos ou por meio de celulares e
radiotransmissores. As lideranças dessas organizações impõem disciplina à massa
carcerária e dispõem de poder até sobre a vida dos detentos.( Revista de Estudos
Criminais, n.º 23, 2006, p.107/108)
No entanto, diagnosticar os verdadeiros motivos que acabaram por gerar as facções
criminosas no universo do sistema carcerário, embora possa parecer algo simples, tal como o
vácuo estatal deixado pelas autoridades responsáveis, é uma tarefa ardilosa que não merece
respaldo na primeira resposta encontrada, pois se trata de um fenômeno múltiplo, de diversas
35
“O crime organizado não surgiu da noite para o dia. Ele tem adeptos dentre e fora das prisões. O crime
organizado sente necessidade de mostrar um lado bom. A sociedade organizada tenta compreender, mas não tem
como tolerar algumas situações. Parte do crime estruturado conta com adeptos identificados ou nas sombras. A
sociedade revoltada quer ver todos os criminosos bem de longe, repudia a construção de novos presídios em suas
cidades e sugere que eles sejam feitos em florestas distantes ou em ilhas inacessíveis, “no meio do mar”.
(SOUZA, 2006, p.13)
36
Ao mesmo tempo, as lideranças têm evidente interesse em que a ordem nas prisões não sofra abalos
consideráveis: a desestabilização que podem eventualmente provocar e a reação da autoridade, normalmente
violenta, constituem reais ameaças à sua posição privilegiada. (COELHO, 2005, p.131)
33
facetas, pois assim é a sociedade transnacionalizada que tem como emergente o
multiculturalismo
37
.
Neste ponto, com base em alguns aportes da sociologia criminal, aliada à ideia do
multiculturalismo ainda que não seja objeto da presente pesquisa cabe realizar um rápido
corte epistemológico para frisar a diversidade cultural na qual está mergulhada a massa
carcerária brasileira, decorrente, entre outros fatores, da globalização da informação
(comunicação) e das dimensões continentais brasileiras, fazendo com que tais (sub) grupos
acabem por se fechar em seus modelos de atuação e linguagem com a finalidade de manter a
unidade de suas ões. São, portanto, um foco rico para a formação de subculturas que
acabam por gerar as facções. Daí a aproximação entre o multiculturalismo e o subsistema
carcerário, embora os apenados, ao adentrarem no cárcere sofram todo um processo de
etiquetamento e despersonalização, que acaba por torná-lo tão somente mais um atrás das
grades. Isso demonstra a falência o da pena de prisão, mas da própria idéia
ressocializadora.
Nessa linha de ideias, sublinhe-se o pensamento de Barata, para quem in verbis:
[...] não só a estratificação e o pluralismo dos grupos sociais, mas também as
relações típicas de grupos socialmente impedidos do pleno acesso aos meios legítimos
para a consecução dos fins institucionais, dão lugar a um pluralismo de subgrupos
culturais, alguns dos quais rigidamente fechados em face do sistema institucional de
valores e normas, e caracterizados por valores, normas e modelos de comportamento
alternativos àquele (1999, p.74).
Em realidade, o surgimento das facções
38
constitui o maior fenômeno penitenciário do
culo XXI
39
, originário de diversos fatores tais como a inoperatividade do subsistema penal,
37
Uma vez que aqui se pretende analisar alguns fenômenos do direito penal com outras matrizes interpretativas,
com base em aportes sociológicos, é posvel fazer uma aproximação do sistema prisional com a matriz
multicultural, sem fugir ao tema central, dada a riqueza de (sub)culturas que estão imersas no sistema penal
brasileiro. Assim, é importante salientar o pensamento do Professor José Alcebíadez de Oliveira Júnior para
quem [...] o multiculturalismo não se encontra no núcleo das discussões sociológicas atuais, como porta,
consigo, um número enorme de questões interligadas, o que torna difícil para o pesquisador a delimitação de um
caminho prévio com objetivos definidos, como seria possível quando se procura acessar lugares já cartografados
ou mapeados. Tal constatação reforça o interesse pelo seu estudo em relação com o Direito, ciência que, no final
das contas, no âmbito da pós-modernidade, é que tem que dar respostas de sentido moral e prático, com caráter
institucional, às controvérsias no âmbito da cidadania, tendo que se enfrentar com aspectos objetivos e subjetivos
do conhecimento”. (Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito - MESTRADO URI - , N.1, 2006, p.
162)
38
“A instalação do crime organizado dentro da prisão é a primeira grande novidade penitenciária do século XXI.
Se o Primeiro Comando da Capital foi fundado em 1993, o fato é que sua primeira grande demonstração de
organização aconteceu com rebeliões simultâneas em 2001. Até então, os presídios poderiam ser no máximo,
fontes de informação para o esclarecimento de determinados casos, fora das prisões. Comandar o crime, é a
primeira vez. A verdade das ruas nem sempre está dentro dos processos, o que provoca ajustes de contas com
resultados quase sempre fatais. O PCC ocupou um espaço vago. Não é comum ver pessoas que trabalham no
sistema penal circulando pelas prisões. Portanto, a sociedade castiga mandando para o cárcere, mas não sabe
34
a falta de instrumentos e recursos adequados para a investigação policial; a inflação penal, o
baixo número de operadores do direito (juízes, promotores, defensores públicos, delegados de
polícia)
40
e as condições sub-humanas do sistema carcerário, entre outros, fazendo com que a
execução penal não tenha nenhum caráter ressocializador
41
e atue tão somente como um braço
forte e repressor do Estado (aliás, o único conhecido por essa população). Não bastasse isso,
as teorias disponíveis para a grande maioria dos operadores o possuem ferramentas capazes
de contribuir para o desvelamento dos fenômenos que cada vez mais assombram a população.
É justamente em relação a este último fator, especialmente a partir da superpopulação
carcerária
42
, em que se produzem e reproduzem ações criminosas, em um mecanismo de fluxo
e refluxo, que a ação estatal acaba por não contribuir com nenhum resultado no sentido de
minimizar a alimentação desse grande organismo criminal
43
.
Assim, vale destacar o pensamento de Roxin para quem, in verbis:
como é o lugar para onde se manda. quem se delicie com o sofrimento imposto, imaginando o que está
acontecendo com os autores de certos tipos de crimes.” (SOUZA, 2006, p.12)
39
Não se desconhece o relato do sociólogo Edmundo Santos Coelho, ao apontar a existência das facções em
meados de 1983. Salienta o referido autor: O primeiro confronto direto das duas facções deu-se na noite de 12 de
abril de 1983, quando houve um tiroteio na 3º galeria da Ilha Grande, da manhã do dia 13 à tarde do mesmo dia,
foram assassinados cinco internos, quatro dos quais em unidades do complexo penal da rua Frei Caneca [...].
Naquela noite, ficara declarada guerra aberta entre as facções; para a administração do sistema penal, começava
o problema de como isolar os grupos, em meio a uma crescente onde de violência. (2005, p. 127).
40
O crime organizado construiu seu formato, estabeleceu seus códigos, criou uma nova linguagem, avançou
sobre funcionários de presídios, sobre juízes, policiais, promotores, advogados e jornalistas. Conseguiu
atemorizar a todos, paralisar cidades, causar a expectativa dos dias seguintes.[...]Esse é o mundo do crime
moderno, que transforma presídio em escritório, líderes de facções em patrões, dominados em empregados,
cemitérios em valas de teorias. A função da prisão nunca foi essa. Solução, ela deixou de ser. Estranho,
enigmático mundo. (SOUZA, 2006, p.14)
41
aparentemente está à disposição do sujeito escolher o sistema de valores ao qual adere. Em realidade,
condições sociais, estruturas e mecanismos de comunicação e de aprendizagem determinam a pertença de
indivíduos a subgrupos ou subculturas, e a transmissão aos indivíduos de valores, normas, modelos de
comportamento e técnicas, mesmo ilegítimos. (BARATA, 1999, p. 74).
42
Dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional, indicam, no Brasil, um déficit de mais de
135.000 vagas. Dos 336.358 presos existentes no país, 262.710 cumprem pena em penitenciárias sob condições
precárias. Ocorrem em média duas rebeliões e três fugas por dia. São 345 mil mandados de prisão expedidos e
o cumpridos, em um país em que são praticados mais de 1 milhão de crimes por ano. Ainda segundo o
departamento penitenciário nacional (DEPEN), o Brasil possui 175 estabelecimentos prisionais em situação
precária, sendo necessária a construção de mais de 130 prisões para que não haja superlotação, a um custo médio
de US$ 15 milhões de dólares para cada unidade prisional construída. Segundo dados publicados pela Fundação
Internacional Penal e Penitenciária, o Brasil é o país da América Latina com a maior população carcerária, bem
como com o maior déficit de vagas vinculadas ao sistema prisional brasileiro. O México ocupa o segundo lugar
neste ranking com 151.724 presos e um déficit de 38.214 vagas, seguido da Colômbia e do Chile, com um déficit
de 8.074 vagas para um montante de 39.985 presos”. (PORTO, 2005. p.21).
43
[...] é importante destacar que está em andamento no Rio de Janeiro uma forte crise dentro das facções. Por
conta disso, existem sim uma “lei do silêncioentre os presos e os agentes penitenciários e autoridades da SEAP
sobre a dimensão do problema das facções. Somente em setembro de 2005, pelo menos três presos de grande
importância do CV foram assassinados pelo coletivo.Um quarto integrante da facção foi salvo de um
enforcamento por um guarda penitenciário. Dos quatro casos, apenas um teve alguma exposição nos jornais:o
assassinato do traficante de armas e drogas conhecido como Marquinho Niterói”. (CALDEIRA, Revista de
Ciências Criminais, n.º 23, 2006, p.111).
35
Deve-se fazer o cálculo do efeito da infecção criminal que pode ter a pena
privativa de liberdade. O autor, que perdeu suas relações anteriores, associa-se na
penitenciária com aqueles que comandam e eles o dirigem diretamente até o caminho
da criminalidade. Não são poucos os delitos perpetrados por pessoas que se
conheceram no centro penitenciário e que posteriormente operaram
conjuntamente.Assim, a pena privativa de liberdade pode envolver definitivamente
um delinquente relativamente inofensivo no ambiente criminal (ROXIN in
CALLEGARI; GIACOMOLLI e KREBS, 2001, p.12).
O que deveria ser a porta de saída do subsistema acaba sendo uma fonte de
alimentação do próprio subsistema, uma veia aberta, uma verdadeira roda viva, uma vez que,
nas atuais condições dos presídios brasileiros - com raras exceções -, o cumprimento da pena
funciona como verdadeiro castigo, despersonalizando o preso que passa a receber toda a carga
repressiva do Estado.
Assim, nesse quadro de falência, nasceram e se reproduziram de forma autopoiética
44
no interior de alguns presídios brasileiros - as facções criminosas
45
- que adquiriram uma
considerável força corruptora das bases do Estado e consequentemente, das bases da própria
democracia, criando uma verdadeira e perene tensão do sistema prisional com a sociedade e
com os centros de manipulação do poder, sendo que, atualmente, na maioria dos Estados
brasileiros, a situação parece estar escapando do controle.
Esse fato tem contribuído significativamente para o surgimento de praticamente duas
espécies de direitos, ou seja, um “direito oficial” (ditado pela ordem dominante) e um “direito
não-oficial” (ditado pelas subculturas carcerárias, guetos e gangues) que passam a se
intercomunicar entre si. (SCHWARTZ, 2007).
Nesse sentido, convém destacar as ideias de Schwartz para quem, in verbis:
[...] existe um direito oficial, válido e vigente para determinado corpo social.
Há, por outro lado, um direito não-oficial, também válido e vigente, porém para os
excluídos, ou, em linguagem luhmannianna, para a periferia do sistema social, local
em que as decisões do centro chegam somente de forma reflexa. (Revista de Estudos
Criminais, n.º 25, 2007, p.72).
44
Qual é a noção a partir que podemos ter de um sistema que é ligado ao passado e ao futuro simultaneamente,
que lida com a idéia de paradoxo? Chamamos isso de autopoiesis. O sistema autopoiético é aquele que é
simultaneamente fechado e aberto, ou seja, é um sistema que tem repetição e diferença, tendo que equacionar no
seu interior esse paradoxo, que os operadores do Direito vão usar como critério para tomar decisões. Assim, a
idéia de autopoiese surge como uma necessidade de se pensar aquilo que não poderia ser pensado”. ( ROCHA, et
al, 2005, p.38).
45
[...] não é o consenso que produz o sentido das decisões, mas a diferenciação.As organizações são as
estruturas burocráticas encarregadas de tomar decisões coletivas a partir da programação e código dos sistemas.
Os sistemas adquirem a sua identidade numa permanente diferenciação com o ambiente e os outros sistemas,
graças as decisões das organizações”.(ROCHA, et al, 2005, pag. 37)
36
A exclusão social pode ser diagnosticada tanto pelos aportes do sistema econômico
totalitarista, quanto pelos aspectos relacionados à sociologia. Nessa linha de idéias, salienta-se
o pensamento de Young, in verbis:
Desse modo, os excluídos criam divisões entre eles mesmos, com freqüência
sobre bases étnicas, muitas vezes quanto à parte da cidade em que se mora, ou, mais
prosaicamente, (ainda que para alguns profundamente), para que time de futebol se
torce. É muito importante observar, como destaca Willis, que isso cria problemas
de segurança e tranqüilidade para outros membros da comunidade, particularmente
as mulheres. Eles são excluídos, criam uma identidade que é rejeitadora e
excludente, excluem outros mediante agressão e dispensa, e são, por sua vez,
excluídos e dispensados por outros, sejam diretores de escola, seguranças de
shoppings ou supermercados, cidadãos honestos” ou o policial em sua ronda. A
dialética da exclusão está em curso, uma amplificação do desvio que acentua
progressivamente a marginalidade, num processo pírrico que envolve tanto a
sociedade mais ampla como, crucialmente, seus próprios atores, os quais, na melhor
hipótese, se metem na armadilha de uma série de empregos sem nenhuma
perspectiva, ou, na pior, de uma subclasse de ociosidade e desespero” (2002, p.31).
O fato de existir uma sociedade de direitos e uma sociedade sem direitos
46
,
especialmente nas grandes metrópoles brasileiras, o legitima ações das elites das tropas
47
no
sentido de romper com o modelo de direitos fundamentais, criando-se neo-torturas e práticas
que nada mais são do que a reprodução da violência com a roupagem estatal que se pretende
legítima.
Isto acaba por oxigenar o fenômeno da inflação criminal, uma vez que uma das
principais causas responsáveis por este fenômeno expansionista, que procura caminhar na
mesma velocidade da delinquência, é certo consenso midiático emitido pelos formadores de
opinião. Neste sentido, Salvador Netto sublinha, in verbis:
De outro lado, as decisões, no anseio desesperado deste mesmo controle,
assumem um julgamento tanto mais arbitrário quanto lastreado em uma tida e suposta
“opinião blica”, que, de forma ambivalente, ao mesmo tempo em que critica a
ciência penal, por entendê-la distante e diletante, a utiliza como mero argumento de
convencimento para decisões pré-determinadas, dissimulando-a e
descontextualizando-a (2006, p.83) [grifo do autor].
46
[...] “o sistema jurídico não conhece outro Direito a não ser o seu. Somente um observador externo estaria no
limite de quebrar essa facticidde do Direito, e, com isso, introduzir uma diferença”. (CLAM, et al, 2005, p. 128).
47
A partir do filme tropa de elite é possível evidenciar o quanto o “direito oficial” contribui para a
fenomenologia do crime, uma vez que a estréia da obra deu-se praticamente pela pirataria. A partir desse mesmo
filme, verifica-se também o quanto a população brasileira clama por segurança, a partir da insegurança que
impera socialmente, ainda que ocorra um rompimento com os direitos fundamentais. Isso fica evidenciado na
medida em que, uma semana após o “lançamento”, a revista VEJA de 17de outubro de 2007, aponta que 72%
dos entrevistados pelo Instituto Vox Populi consideram que os bandidos são tratados como merecem (alguns
executados sumariamente). Nesse sentido, não há dúvida de que a mídia contribui significativamente para dar os
rumos da política criminal, sem qualquer respaldo jurídico, reproduzindo – também – violência.
37
E é nesse universo caótico do subsistema carcerário que surgiu, no mês de agosto de
1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) na casa de custódia e tratamento Dr. Arnaldo
Amado Ferreira de Taubaté, também conhecida como Piranhão ou Masmorra, justamente
onde o princípio da dignidade da pessoa humana sequer auferiu a conceituação de natureza
formal.
O PCC era o nome dado ao time de futebol dos apenados que cumpriam pena em um
dos sistemas mais severos do país, sem direito à visita íntima e com direito apenas a uma hora
de sol por dia.
É importante destacar que as facções criminosas originaram-se - também - através de
lutas por reconhecimento da precariedade das condições do subsistema prisional, o que
poderia ser visto como um direito de resistência ao contrato social, especialmente a partir do
momento em que este descumpre com sua parcela.
Quanto ao direito de resistência, sublinhem-se as ideias de Buzanello, in verbis:
O direito de resistência, preventivamente, funciona como instrumento
inibidor dos abusos do poder e, repressivamente, tem a força de garantir o pronto
restabelecimento da ordem democrática violada. A submissão que os regimes
políticos autoritários impõe aos povos não pode passar incólume e tem que dispor de
mecanismos constitucionais e legais que o autorizem a resistirem em nome da
dignidade humana ou da ordem democrática (2003, p.XXII).
Nessa linha de ideias, é importante salientar que o direito de resistência implica uma
forte oposição ao sistema político considerado legítimo, ainda que as práticas desse (sub)
sistema não sejam revestidas desta peculiaridade, podendo ser evidenciado como um direito
de segunda ordem. Conforme as palavras de Salo de Carvalho:
O direito de resistência é um dos mecanismos jurídicos que servem para
tutelar os direitos pririos. Sua característica principal é de interveão subsidiária,
ou seja, quando são violados os bens jurídicos fundamentais: juridicamente o direito
de resistência é um direito secundário, do mesmo modo que são normas secundárias
aquelas que dispõem a proteção das normas pririas: é um direito secundário que
intervém em um segundo momento, quando são aviltados os direitos de liberdade, de
propriedade e de segurança, que são primários. Diferente, também porque o direito de
resistência tutela os outros direitos, mas não pode ser por sua vez tutelado, e portanto
deve ser exercido com risco e perigo próprio (CARVALHO, apud BOBBIO, 2003, p.
242).
Ainda que o surgimento das facções esteja diretamente ligado às condições precárias
do cárcere e amesmo aos movimentos de resistência, elas no decorrer dos anos, acabaram
por proporcionar uma mudança significativa em sua finalidade.
38
Tal fato se evidencia na medida em que o PCC recebeu um caráter político, ainda que
de forma não partidária (embora ideologicamente tenha uma linha de atuação definida), a
partir do momento em que o seu maior líder, (Marcos Willians Herbas Camacho), mais
conhecido como Marcola”
48
passou a denominá-lo não mais como o Primeiro Comando da
Capital, mas sim, como o Partido da Comunidade Carcerária.
Esse partido, ao longo de mais de 10 anos, reproduziu-se, cresceu e se organizou,
migrando para diversos Estados Brasileiros. Hoje está dividido não mais em uma estrutura
piramidal, mas em células que a permitem a continuidade das atividades criminosas mesmo
com o isolamento de seus líderes.
Comparando essas células sociais com a matriz luhmanniana, especialmente com os
aportes da autopoiese, é possível observar a intercomunicação entre esses (subsistemas), de
modo a criar uma verdadeira autorreprodução dos organismos criminosos (direito não-oficial).
Mantém-se cada unidade de comando (internamente no cárcere) que por sua vez acaba por
receber as influências do seu entorno, seja através da corrupção de alguns agentes públicos,
seja através das próprias visitas que levam, para dentro do subsistema carcerário, informações
(comunicação) capazes de gerar a reorganização e a autoreprodução das ações criminosas a
serem tomadas (decisão).
Assim, é possível constatar a expansão das facções criminosas para todo o universo
carcerário
49
do subsistema penitenciário brasileiro, em especial nos grandes centros de
segregação de liberdade. Nesse sentido, alarmantes são os dados trazidos pelo Ministério
Público de São Paulo, ao analisar a maior rebelião da história da humanidade, a qual
evidencia a forte atuação do PCC, ao constatar que:
O apogeu desta facção criminosa adveio quando ocorreu a maior rebelião
prisional da qual se tem notícia no mundo, a chamada Megarrebelião”, em 18 de
fevereiro de 2001. Tal rebelião envolveu 29 presídios com ões criminosas
48
“O lendário Marcola passou a assumir, gradativamente, uma pose de supremo comandante do PCC. O apelido,
segundo ele mesmo, nasceu nos tempos em que, ainda menino, freqüentava a praça da Sé como outros garotos
cheiradores de cola Mistura de Marco com cola: Marcola”. (SOUZA, 2006, p. 42/43.)
49
“Vários exemplos, contudo, mostram que investimentos humanizados podem produzir resultados
surpreendentes. Os ataques de maio de 2006 em o Paulo tiveram uma razão aparentemente singela, mas
própria da ansiedade nos presídios: o cancelamento das visitas no domingo do Dia das Mães. Para alguns
desinformados, isso poderia ser ridículo. Mas não é. Marcola, o líder do PCC, não tem e, mas lutou pelo
direito dos companheiros enclausurados, seus subordinados, de vê-las. Os ataques poderiam ser evitados se
houvesse um mínimo de bom senso no intransigente governo de São Paulo. Os deres do PCC queriam ver a
mamãe! Fora das muralhas, o motivo pode ser considerado banal. Os presos se rebelaram e foram para cima”,
como se diz nos presídios. Atacaram. As mães representam uma grande foa também no sistema. Diretor
habilidoso cativa as mães e garante a disciplina através delas. Preso pode não respeitar ninguém, mas ouve o
clamor da mãe, que cumpre a pena junto com o filho, de tanto acumular sofrimentos. Quem não sabe de nada
disso, não faz a menor idéia do que se passa dentro da prisão. Não é ridículo. É verdade”. (SOUZA, 2006.
p.12/13).
39
simultâneas. O Governo estima em 28 mil o número de rebelados reunidos pelo
Primeiro Comando da Capital, em 19 municípios. Conforme sustentado pelo
jornalista Alexandre Silva, para se ter uma idéia da dimensão do ato, a Polícia Civil
de São Paulo, no mesmo dia, era formada de 35 mil homens. Nem Luis Carlos Prestes
conseguiu mobilizar tantas pessoas em sua ofensiva mais famosa, na década de 20.
Prestes atravessou, com a sua coluna, 13 Estados do país, por dois anos, reunindo um
contingente fixo de 1.500 homens (PORTO, 2007, p. 75) [grifo nosso].
Tamanha é a organização desta facção que, ao adquirir o status político de Partido, o
PCC criou o seu próprio estatuto, o que evidencia o seu caráter organizacional, conforme se
observa no anexo A. (PORTO, 2007).
Paralelamente ao PCC reproduziram-se diversas facções em diferentes estados
brasileiros. Para citar alguns exemplos, em São Paulo, nasceram o Comando Revolucionário
Brasileiro da Criminalidade (CRBC), a Comissão Democrática de Liberdade (CDL), a Seita
Satânica (SS), as Serpentes Negras e o Terceiro Comando da Capital (TCC). Já no Rio de
Janeiro, criou-se o Comando Vermelho, os Amigos dos Amigos (ADA), o Terceiro Comando
(TC). (PORTO, 2007).
No Paraná, estruturou-se o Primeiro Comando do Paraná (PCP). Já no Distrito
Federal, além de alguns comandos legitimados, existentes e próximos aos centros de poder,
criou-se o movimento Paz, Liberdade e Direito (PLD). Em Minas Gerais, surgiu o Primeiro
Comando Mineiro (PCM) e o Comando Mineiro de Operações Criminosas (COMOC)
(PORTO, 2007).
No Rio Grande do Sul, destacam-se os Manos e os Brasas, ambos criados no interior
do Presídio Central de Porto Alegre, o qual adquire o desgostoso status da cadeia mais
populosa do país e consequentemente a mais violenta. Isso tem provocado um acirrado debate
na comunidade gaúcha. (PORTO, 2007)
Mas a proliferação das facções criminosas persiste. Em Pernambuco, há o Comando
Norte-Nordeste (CNN). O Rio Grande do Norte tem o Primeiro Comando de Natal (PCN). O
Mato Grosso do Sul, dispõe do Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul (PCMS) e o
Primeiro Comando da Liberdade (PCL). (PORTO, 2007).
Como se percebe, as facções irradiaram-se para todo o subsistema carcerário
brasileiro, constituindo-se em mais um problema de direito penitenciário, além daqueles de
praxe conhecidos. Estas facções, que se reproduziram e se organizaram quase
silenciosamente, estão a comandar as ações do subsistema carcerário. E porque o dizer, da
própria comunidade desencarcerada. Isso se evidencia, na medida em que, cada vez mais, os
integrantes do corpo social contratam empresas de segurança privada, fazem seguros contra
furto e roubo, gradeiam suas casas, e ainda por cima, colocam cerca elétrica para sua
40
proteção, gerando, assim, um verdadeiro paradoxo. Afinal de contas, quem espreso? Quem
está controlando quem?
É, neste universo paradoxal, que as facções criminosas (não como negar a sua
existência) são apontadas nesta pesquisa como uma das grandes novidades carcerárias do
culo XXI.
Nesta perspectiva, dadas as práticas subversivas realizadas pelas facções criminosas,
que ferem as normas de um “direito oficial”, (SCHWARTZ, 20007) pode-se pontar a
dificuldade em reconhecer o movimento das facções como um movimento inserido dentro da
ordem constitucional implícita
50
de um direito de resistência, na medida em que criam uma
verdadeira revolução armada comandada dentro dos cárceres brasileiros, ainda que alguns
teóricos
51
, não afastem a luta armada desse perfil.
Importante frisar que o tipo penal de resistência
52
, previsto no artigo 329 do Código
Penal, não se confunde
53
com a modalidade de resistência até aqui abordada, uma vez que o
tipo penal tem como pressuposto a resistência contra a execução de ato legal, mediante
violência ou ameaça a funcionário público ou seu auxiliar, independente de eventual pena
correspondente à violência.
De qualquer sorte, no tocante aos apenados que cumprem penas privativas de
liberdade nos estabelecimentos penais, e até mesmo outras espécies de pena, deve ser inserida
a questão da alteridade
54
. Assim a dignidade da pessoa humana deve ser entendida em uma
50
“A essência da resistência implícita está na materialidade dos princípios do regime democrático e se combina
com os elementos constitucionais formais, como os princípios da dignidade da pessoa humana e do pluralismo
político, erguidos como fundamentos do Estado Democrático (art. 1º, III, V, CF) e com a abertura e a integração
do ordenamento constitucional de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados e tratados (art. 5º, par. 2º, CF); por fim, pela constitucionalização das espécies de direito de resistência
(greve e a objeção de consciência). (BUZANELLO, 2003, pag.211).
51
“A Guerrilha mais importante foi a do Araguaia, sendo o maior movimento rural armado contra o regime
militar, formada por militantes do PC do B (...). Foi também nesse período que sumiu muita gente, os chamados
desaparecidos políticos, como os Dep. Rubens Paiva e Stuart Angel Jones. Estima-se que cerca de vinte mil
pessoas, foram de alguma forma, diretamente atingidas pela repressão potica durante os anos da ditadura. O
saldo é de 206 mortos e 144 desaparecidos políticos. Por parte dos agentes de repressão do Estado, houve 98
mortes e nenhum desaparecido”. (Idem, p.323)
52
Art. 329. Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para
executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos. Par.1º Se o
ato, em razão da resistência, não se executa: Pena reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Par. 2º. As penas deste
artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
53
Nessa linha de idéias, não que se confundir o delito de resistência com os delitos de Desobediência (aonde
o o emprego de violência ou grave ameaça a ordem emanada pela autoridade estatal), bem como com o
delito de Desacato (prática de atos que procurem causar a honra subjetiva do funcionário público).
54
“A negação da alteridade é, portanto, uma falha comunicacional que impede a auto-reprodução (e a revolução)
do sistema jurídico brasileiro e da cultura gerada em torno de si. Na hipótese de percepção de horizontes de
sentido possíveis, advindos dessa miríade comunicacional, seria possível concordar com a seguinte afirmação de
TEUBNER: “É na “lei do asfaltodas grandes cidades norte-americanas ou no “quase-direitodas favelas do
Brasil, nas formas informais das culturas políticas alternativas...que se encontram todos os ingredientes da pós-
modernidade: o local, o plural e o subsersivo”.(SCHWARTZ, Revista de Estudos Criminais.2007. p. 83).
41
dupla dimensão, assegurando-se a unidade axiológica do subsistema jurídico, independente ou
não de rompimentos epistemológicos.
Nesse sentido, destacam-se as ideias de Sarlet, para quem, in verbis:
[...] podemos descobrir as duas dimensões da dignidade. uma dignidade
fundamental, substancial, que é dividida de forma igual entre todos os homens,
qualquer que seja sua situação ou os seus danos à realidade externa. Essa dignidade
fundamental exige, porém, a realização de atos, manifestando estes a dignidade que
chamamos “atuada”. Dessa forma, se o princípio é absoluto, não se trata de um
conceito estático. A dignidade é inalienável e ela é chamada a se realizar. É por isso
que querer opor a dignidade à liberdade ou à igualdade não faz sentido. A
expressão “respeitar a dignidade da pessoa humana” deve ser tomada em toda a sua
amplitude. Eis o que torna a sua utilização bastante difícil no direito (2005, p.86).
Para tratar essa problemática, em contrapartida, o legislador brasileiro, em vez de
produzir normas penais que assegurem a dignidade em sua dupla dimensão, como forma de
minimizar o fenômeno violento, acaba por repetir discursos criminalizadores
55
e
endurecedores da realidade do cárcere – direito penal simbólico - muitas vezes desrespeitando
direitos fundamentais.
Quanto ao simbolismo das normas jurídicas, vale destacar o pensamento de Neves in
verbis:
Considerando que a atividade legiferante constitui um momento de
confluência concentrada entre sistemas político e jurídico, pode-se definir a legislação
simbólica como produção de textos cuja referência manifesta à realidade é normativo-
jurídica, mas que serve, primária e hipertroficamente, a finalidades políticas de caráter
o especificamente normativo-jurídico [...]. Evidentemente, quando o legislador se
restringe a formular uma pretensão de produzir normas, sem tomar nenhuma
provincia no sentido de criar os pressupostos para a eficácia, apesar de estar em
condições de criá-los, há indício de legislação simbólica (2007, p.31).
Nessa linha de ideias, percebe-se, pois, que ao lado da legislação penal não são criadas
condições capazes de concretizá-las no mundo da vida, constituindo-se em um mero
simbolismo, incapaz de enfrentar as mazelas do Direito Penal. Notadamente, de todos os
ramos do direito, ou melhor, de todos os seus subsistemas, pode-se afirmar que o Direito
55
No entanto a solução apresentada pelos detentores do poder estatal passa o somente pela esfera legislativa,
conforme já referido, sempre tão alerta, tão atuante para as questões emergentes, quando não está envolvida nas
raízes de sua própria corrupção (historicamente o poder legislativo sempre esteve voltado a atender os interesses
da burguesia). A elaboração de leis penais de emergência sempre é a solução encontrada, tais como a lei dos
crimes hediondos e a criação do regime disciplinar diferenciado, afora outras legislações penais especiais. Com
isso se cria uma verdadeira legislação penal do terror, tratando os delinqüentes como verdadeiros inimigos,
sendo violada uma gama de garantias penais e processuais historicamente concebidas. Não resta vida de que
os mecanismos de controle da criminalidade precisam ser aprimorados para que muitos delitos não fiquem
impunes. Mas não se pode, sob o discurso de emergência que visa tão somente mascarar uma solução e atender o
clamor público, esquecer as garantias penais e processuais penais cuja contribuição iluminista assegurou
inclusive, porque não dizer, as primeiras matrizes dos Estados Democráticos.
42
Penal é o que mais é afetado pela legislação simbólica, fortemente arraigada em uma ideia de
teoria pura do direito. Neste sentido, Meliá sublinha: “Quando se usa em sentido crítico o
conceito de Direito penal simbólico, quer-se, então, fazer referência a que determinados
agentes políticos tão-só perseguem o objetivo de dar a impressão tranquilizadora de um
legislador atento e decidido” (2005, p.58).
Assim, segundo Schwartz, é preciso pensar o subsistema do direito, em especial o
Direito Penal, com outros horizontes interpretativos, com a finalidade de fugir do simbolismo
estéril e estático, incapaz de gerar novas formas de encarar os fenômenos criminais,
notadamente os revestidos de alta complexidade, tais como os delitos de quadrilha ou (e)
bando e, em especial, as facções criminosas e o crime organizado, entre outros fenômenos
criminais que se inserem no contexto da complexidade. Segundo Schwartz, in verbis:
A proposta é, com base na teoria dos sistemas sociais autopoiéticos, permitir
uma nova forma de observação desse fenômeno. A necessária comunicação entre os
subsistemas sociais possibilita respostas diferentes em uma sociedade altamente
diferenciada, periférica e de terceiro mundo (Brasil) (2007, p.74).
Não se trata de reconhecer como ideal os ilícitos praticados pelas facções criminosas
ou por qualquer movimento carcerário (ligado ouo ao crime organizado). Trata-se, sim, de
observar esses fenômenos que ainda se encontram velados para a maioria dos estudiosos, no
sentido de buscar a sua origem, a sua motivação, a sua interação com outros subsistemas, e,
em especial, os desvalores que passam a ser institucionalizados no interior do subsistema
carcerário a partir da despersonalização e do etiquetamento.
Nessa linha de ideias, Baratta salienta, in verbis:
Estes, através de mecanismos de interação e de aprendizagem no interior dos
grupos, são interiorizados pelos indivíduos pertencentes aos mesmos e determinam,
portanto, o comportamento, em concurso com os valores e as normas
institucionalizadas pelo direito ou pela moral oficial”. Não existe, pois, um sistema
de valores, ou o sistema de valores, em face dos quais o indivíduo é livre de
determinar-se, sendo culpável a atitude daqueles que, podendo, não se deixam
“determinar pelo valor”, como quer uma concepção antropológica da culpabilidade,
cara principalmente para a doutrina penal alemã (concepção normativa, concepção
finalista) (1999, p.73/74) [grifo do autor].
Assim, percebe-se que o universo da massa carcerária, nascedouro das facções
criminosas, embora com ramificações nas ruas (sistema fechado e aberto), é um foco
constante de autorreprodução de subculturas que acabam se voltando tão somente para
práticas criminosas, não por estarem negando certos valores determinantes da sociedade, mas
43
por estarem exercendo (ainda que não reconhecidos pelo aparato estatal) os “valores” que se
institucionalizaram enquanto modelos comportamentais acessíveis, semelhantes - porém de
forma inversa - a outras expressões comportamentais daqueles que não delinquem, justamente
por terem acessado modelos e valores diversos, próximos do Estado Social, longe das mazelas
criminais.
Por mais que não se possa reduzir a problemática das facções criminosas a estas
premissas, este é um ponto que se destaca como uma análise interdisciplinar do fenômeno,
que acaba por se comunicar não só com matrizes multiculturais - como rapidamente abordado
-, mas com a própria sociologia do Direito Penal, que vem se refortalecendo nos debates que
envolvem as temáticas penais.
Nesse horizonte delineado, mais uma vez é pertinente salientar as ideias de Baratta:
A teoria das subculturas criminais mostra que os mecanismos de
aprendizagem e de interiorização de regras e modelos de comportamento, que estão
na base da delinquência, e em particular, das carreiras criminosas, não diferem dos
mecanismos de socialização através dos quais se explica o comportamento normal.
Mostra, também, que diante da influência destes mecanismos de socialização, o peso
específico da escolha individual ou da determinação da vontade, como também o dos
caracteres (naturais) da personalidade, é muito relativo. Deste último ponto de vista, a
teoria das subculturas constitui não uma negação de toda teoria normativa e ética
da culpabilidade, mas uma negação do próprio princípio da culpabilidade, ou da
responsabilidade ética individual, como base do sistema penal (1999, p.76).
Por estas e outras razões, apontadas no decorrer da presente pesquisa, que se ventilam
com a possibilidade de um rompimento epistemológico no que tange aos estudos das ciências
criminais, no sentido de dar valor às ideias sistêmicas, que não ignoraram o campo dos
sistemas sociais como um mecanismo de alimentação dos subsistemas acoplados, é claro,
respeitando os direitos fundamentais historicamente concebidos.
Dessa forma, traçando um paralelo com o tópico anterior (1.1), no tocante a quadrilha
ou bando, ao contrário do que se pensa, o referido delito difere em alguns aspectos do que se
entende por uma facção criminosa, pois a figura penal do artigo 288 do Código Penal, embora
exija a questão da estabilidade e permanência para as práticas delitivas, não apresenta a
formação de estatutos pprios organizados, tampouco exige o pagamento de uma espécie de
mensalidade com necessidade de aprovação para fazer parte da facção, criando-se uma
verdadeira irmandade de apoio ao comando (poder), inclusive com ajuda e submissão
daqueles que, inclusive, estão “aparentemente” fora do subsistema carcerário, embora
permaneçam integrantes do subsistema criminal.
44
Neste sentido, mais uma vez torna-se pertinente apontar as lições de Fayet Júnior, para
quem in verbis:
Apesar disso, também não se exige que a quadrilha possua estrutura
altamente organizada, com estatutos e regimentos internos. Tampouco precisa estar
formalizada: basta a reunião fática ou rudimentar. Como bem remarca Eusébio
Gómez, “no es necesario, desde luego, para tener como cierta la existência de una
asociacion ilícita, que esta se haya constituído con las formalidades que comúnmente
se observan en la constitución de las sociedades consentidas por el derecho. No se
requiere que ella se rija por um estatuto, ni que disponga de un local para sus
reniones, ni siquiera que estas se lleven a cabo, puesto que el entendimiento entre los
sócios puede producirse por cualquier medio (2008, p.287/288).
as facções criminosas apresentam uma hierarquia bem organizada, que se
autorregula. Além disso, as funções de cada integrante encontram-se bem delineadas.
Do ponto de vista da criminologia
56
, pode-se utilizar das subculturas de Cohen
57
, para
justificar a exisncia de um ponto de vista sociológico do direito penal das facções
criminosas através da estratificão social, em especial devido ao fato de que grande parte da
massa carcerária que cumpre pena nos presídios brasileiros é composta por jovens
delinquentes, especialmente de delitos relacionados ao patrimônio. Isso acaba por gerar a
seguinte indagação: o subsistema penal está a serviço de que modelo? Assim, mais uma
vez cabe acrescentar o pensamento de Barata, para quem in verbis:
E é Cohen quem desenvolve completamente este aspecto problemático da
teoria das subculturas.Em um famoso livro, analisa a subcultura dos bandos juvenis.
Esta é descrita como um sistema de crenças e de valores, cuja origem é extraída de
um processo de interação entre rapazes que, no interior da estrutura social, ocupam
posições semelhantes. Esta subcultura apresenta a solução de problemas de adaptação,
para os quais a cultura dominante não oferece soluções satisfatórias. A questão
fundamental posta por Cohen refere-se às razões de existência da subcultura e do seu
conteúdo específico. Estas razões são individualizadas (de maneira diferente, mas
complementar em relação à teoria de Merton) reportando a atenção às características
da estrutura social. Esta última induz, nos adolescentes da classe operária, a
incapacidade de se adaptar aos standards da cultura oficial, e além disso faz surgir
neles problemas de status e de autoconsideração. Daí, deriva uma subcultura
caracterizada por elementos de “não-utilitarismo”, de malvadeza” e de
“negativismo” que permite, aos que dela fazem parte, exprimir e justificar a
hostilidade e a agressão contra as causas da própria frustração social. (1999, p.73).
56
“Em suma, a criminologia permite, aos juristas, soclogos, psicólogos, etc., uma possibilidade de análise
sistetica e crítica da realidade do controle social, ou específica do controle jurídico-penal, a partir das
necessidades e propósitos de tais sistemas, sem compromisso teórico com algum com eles”. (FAYET JÚNIOR,
in ELBERT, 2003,p.11).
57
Não se desconhece a crítica feita por Alessandro Baratta em relação a teoria das subcuturas criminais, ao
salientar que “a teoria das subculturas, todavia, o se lança para além do ponto em que chegaram as teorias dos
fatores econômicos da criminalidade, no âmbito da criminologia liberal contemporânea”.( 1999, p. 83)
45
O fato é que não uma normatização dogmática do que se entende por uma facção
criminosa, mas isso não significa que ela não exista no universo fático. Certamente não se
consegue visualizá-la o somente com a lupa do normativismo. É necessário que o
observador se utilize de outros aportes, mais diretamente ligados a um direito reflexivo que
não ignore as manifestações do tecido social e suas complexidades, tampouco desconsidere as
questões atinentes às subculturas.
Aliada a questão das facções criminosas que surgiram no século passado e passaram a
ser difundidas na aurora do século XXI, na década de 90, ingressou no subsistema penal
brasileiro no mesmo período - a legislação referente ao crime organizado (lei n.º 9.034/95)
que também será observada na presente pesquisa (não somente em relação aos aspectos
dogmáticos), entendidos estes fenômenos como sendo de alta complexidade e que estão a
provocar um verdadeiro repensar do subsistema penal.
Dessa forma, conforme destacado, não se pretende trabalhar tão somente com as
matrizes lineares, normativistas e cartesianos, mas sim com algumas observações advindas
dos aportes teóricos sistêmicos de Niklas Luhmann (ainda que não se esgote a utilização de
suas ferramentas), pois se entende esta como sendo a teoria mais capacitada para tratar dos
fenômenos criminais complexos que despontam no universo da sociedade atual.
2 CRIME ORGANIZADO: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES DE
UMA OBSERVAÇÃO SISTÊMICA LUHMANNIANA
2.1 CRIME ORGANIZADO: ASPECTOS HISTÓRICOS
O crime organizado é um fenômeno fortemente ligado ao processo de globalização,
o que acaba por mitigar alguns apontamentos históricos no que tange ao seu surgimento
enquanto objeto de estudo.
De qualquer sorte, as primeiras manifestações surgem ainda no século XVI, em
países como Itália, Japão e a China, todos com características fortemente marcadas por estilos
mafiosos, que passarão a ser analisados como prolegômenos desse segundo capítulo.
2.1.1 A Máfia enquanto organização criminosa
Na busca de aspectos históricos relacionados ao crime organizado, encontram-se os
primeiros apontamentos na Máfia italiana
58
(Siciliana), na máfia chinesa e na máfia
americana
59
-
60
.
58
Fala-se pela primeira vez de mafiosos em 1862-1863, numa comédia popular de grande sucesso intitulada
justamente I mafiusi di la Vicaria, ambientada em 1854 entre os camorristas detidos na cadeia de Palermo. Em
abril de 1865, é feita uma menção a máfia, ou associação delinquente” num documento reservado assinado
pelo prefeito de Palermo, Filippo Gualterio, e em 1871 a lei de segurança pública refere-se a ociosos,
vagabundos, mafiosos e suspeitos em geral”. Nos quinze anos seguintes, o termo convive com outro camorra –
sem referência a caracterizações regionais, sicilianas ou napolitanas, e sem diferenciações conceituais unívocas.
A palavra camorra indica mormentes sistemas de controle ilegítimo dos mercados, dos leilões públicos, dos
contratos, do voto, e, às vezes, as fontes referem-se aos ambientes urbanos, deixando os rurais para a máfia.
Entretanto, também temos usos opostos: os protagonistas de I mafiusi di la Vicaria, por exemplo, são artesãos
urbanos, enquanto o prefeito de Palermo em 1874, Giocchino Rasponi, define a máfia como malandragem de
cidade”. (LUPO,2002, p.14)
59
“Passam duas décadas e a palavra máfia aparece também no lado americano, definindo uma misteriosa
organização, remontando a períodos antiqüíssimos, que conservaria sua cabeça pensante na ilha e espalharia por
toda parte seus gregários; para estigmatizar uma alien conspiracy, um complô alienígena levado avante por
“socialistas, nacionalistas ou outros”. Não falta suspeita de uma cumplicidade do governo italiano, como naquela
vinheta satírica de fins do século XIX, na qual um flautista mágico atrai para além do oceano os imundos ratos
do velho mundo, inclusive o mafioso, em meio ao júbilo dos reinantes europeus e o desespero do tio Sam.(Idem,
p.17).
60
“Faz muitos anos que ela era secreta, tão secreta que ninguém sabia de sua existência. Havia as cinco famílias
mafiosas de Nova York, e eu ouvira falar de algumas porque morava na Avenida 101. Quando a gente
passava pelo velho Jerome Theatre, avistava um lugar chamado Bergin Hunt and Fish Club, tendo à janela um
grande vidro laminado no qual se ostentava um enorme peixe. Lá dentro, uns homens de chapéu fumavam e
jogavam baralho. Estavam seguros, pois eram quase totalmente protegidos pela ignorância reinante daqueles
tempos. O chefe do FBI, J.Edgar Hoover, declarara que isso de Máfia não existia. A Máfia concordava de bom
grado. Os agentes federais não enxergavam mais longe que ele”.(BRESLIN, 2008, p.44).
47
No entanto, ao mesmo tempo em que o crime organizado encontra uma dificuldade
conceitual devido à sua constante dinamicidade e caráter multinacional, da mesma forma a
expressão máfia é um termo que não encontra uma definição correta e precisa pois, segundo
as palavras do professor universitário italiano, “se tudo é máfia, nada é fia”. (LUPO, 2002,
p.14)
Ainda assim, percebe-se que - especialmente a partir da Sicília - a máfia se
reproduziu para outros continentes
61
, de modo a criar uma verdadeira rede interligada por uma
organização funcional, estando marcada por uma interdependência entre as relações políticas,
comerciais e eleitorais, dentre outras. Essa interdependência faz com que apresente traços
similares ao que encontramos atualmente nas organizações criminosas, notadamente os
aspectos sistêmicos ligados à corrupção.
Nessa linha de idéias, embora a máfia o seja sinônimo de crime organizado tal
qual se entende hoje, cabe destacar as considerações firmadas por Pacheco, para quem in
verbis:
Máfia e crime organizado têm algo em comum: a difícil tarefa em se propor
uma definição, pois a polissemia do assunto se repete e quem começa a refletir
sobre o problema da máfia corre o risco de ser arrastado pela superinundação
ideológica do tema (2008, p. 59).
Salienta-se que as organizações criminosas que apresentam algumas características
mafiosas estão tipificadas penalmente na Itália desde 1982, mais especificamente no artigo
416, sendo configurada quando existirem um plus em sua finalidade, ou seja, não basta que
estejam direcionadas a práticas de delitos de forma indeterminada. Elas exigem uma evidente
capacidade de intimidação, evidenciadas inclusive nas telas do cinema através do clássico do
filme o poderoso chefão, além de que os seus integrantes - formados por 3 (três) ou mais
pessoas - tenham real discernimento e consciência em relação a essa capacidade de
intimidação. (PACHECO, 2008).
61
Segundo a acepção hoje predominante, máfia corresponderia à criminalidade regional siciliana, camorra à
criminalidade regional napolitana; por simetria, a mídia introduziu recentemente um termo análogo para a
Calábria, ou seja: ndrangheta. Podemos depois acrescentar uma máfia chinesa, turca, colombiana, russa, e assim
por diante. Porém, estamos só no início da confusão de linguagens, visto que o termo assume acepções bem mais
amplas, distantes até do campo da criminalidade organizada. Ela pode referir-se à influência de lobbies,
associações secretas, aparelhos estatais desviados, serve para indicar uma estreita relação entre política, negócios
e criminalidade, uma difusa ilegalidade ou corrupção, um mau hábito feito de favoritismos, clientelismo, fraudes
eleitorais, incapacidade de aplicar as leis de maneira imparcial (LUPO, 2002, p. 13) [Grifo nosso].
Salienta-se também, segundo Pacheco, “ao contrário do que muitos acreditam, o diversos os grupos que
conduzem suas atividades dentro desse estilo, por exemplo, outras organizações italianas, como a Camorra,
Sacra Corona Unita e N’Dranguetta e tantas outras em terras estrangeiras, como a japonesa Yakusa ou as Triads
chinesas.” (Crime organizado p. 60).
48
Ultrapassada a questão apontada no que tange ao direito penal italiano, o que se
percebe - a exemplo das organizações criminosas - é uma relação direta (comunicação)
existentes entre a máfia, a política e consequentemente a corrupção. Já o caráter intimidatório
encontra-se visível não por ações violentas ou armadas que agem como um estado paralelo
(tal como vem acontecendo nas favelas cariocas) mas também no poder estatal, que de
maneira silenciosa obviamente que havendo interesse recíproco - acaba por avalizar
62
condutas relacionadas a criminalidade mafiosa.
De qualquer sorte, tanto as máfias quanto as organizações criminosas, sempre
tiveram ações ligadas a uma idéia de redes, com apoio estatal caracterizado pela corrupção
dos poderes públicos, traduzindo suas ações em delitos relacionados ao tráfico de armas,
tráfico de drogas e recentemente o tráfico de seres humanos, dentre outros delitos
relacionados.
Em relação ao tráfico de armas, vale sublinhar a crítica realizada por Eduardo
Galeano, para quem “no mundo como ele é, mundo ao avesso, os países responsáveis pela paz
universal são os que mais armas fabricam e os que mais armas vendem aos demais países”
(1999, p.7).
No que se refere ao tráfico de drogas, destaca-se que referido delito foi o grande
responsável por uma verdadeira reviravolta dos negócios da máfia italiana. Na medida em que
se tornou um mercado inevitável para aqueles que já agiam determinados por assassinatos em
busca de mais poder e riqueza, as máfias passaram a oferecer mais do que segurança, fator
esse fortemente ligado à questão do capitalismo e necessidade de lucro em toda e qualquer
atividade.
Assim como apontado no capítulo I, no que diz respeito às facções criminosas,
Pacheco aponta algumas considerações que evidenciam o princípio de inicial de um
movimento de resistência na história da formação das máfias, a saber, in verbis:
As descrições mais remotas dessas associações podem ser identificadas no
início do século XVI e tinham como fundo motivador e organizacional os
movimentos de proteção contra as arbitrariedades praticadas pelos poderosos do
Estado, em relação a pessoas que geralmente residiam em localidades rurais, menos
desenvolvidas e desamparadas de assistência dos serviços públicos (2008, p. 22).
Nesse prisma, é possível fazer um paralelo com as questões apontadas no capítulo I,
pois em sua origem, tanto as facções criminosas quanto a origem das máfias, acabam por
62
Como entre os séculos XIX e XX, já afirmava o chefe de polícia palermitano Ermanno Sangiorgi, “os
chefões da máfia estão sob a tutela dos senadores, deputados e outros personagens influentes que os protegem e
os defendem para depois, por sua vez, serem por eles protegidos e defendidos” (LUPO, 2002, p.35).
49
fundar-se na tentativa de se estabelecer um verdadeiro estado paralelo, cada vez mais
aprimorado, atuando justamente em um vazio estatal que acaba por se tornar um farto
universo para práticas delitivas. Nessa linha de idéias, Pacheco identifica a presença da
resisncia na fia chinesa, ao apontar que “figurando entre as mais antigas dessas
organizações, estão as Triads chinesas, com origem no ano de 1644, estabelecidas
inicialmente como movimento popular para expulsar os invasores do Império” (2008, p.22).
Percebe-se que uma característica marcante de toda e qualquer máfia, constitui na
facilidade que desfrutam de se adaptarem às novas realidades sócio-políticas, conforme
apontado anteriormente. Em relação às TriadsI, é possível verificar que migraram suas
atividades, pois deixaram de lado a proteção à população (extorsão), para o incentivo ao
cultivo do ópio em Taiwan e, posteriormente, à exploração do tráfico de heroína (PACHECO,
2008).
No Japão, verifica-se a existência da Yakusa cuja prática é uma espécie de
agiotagem na compra de ações das empresas, utilizando-se da ameaça de revelação dos
segredos a empresas concorrentes, caso não lhe sejam alcançados valores astronômicos
(PACHECO, 2008). Ainda no que tange a busca histórico-jurídica
63
do que se entende por
uma organização criminosa, depara-se, inevitavelmente e novamente, com a fia italiana
surgido no universo de um direito de resistência.
Nesse sentido, salienta-se que “[...] na Itália, país onde há alguns anos se realizou a
Operazione Mani Pulite, a tão propalada organização, modernamente conhecida por Máfia,
teve início com o movimento de resistência contra o Rei de Nápoles” (PACHECO, 2008,
p.23).
Assim, ao contrário do que determina o senso comum teórico
64
, a idéia de
organização criminosa acompanha a própria história da delinquência, embora constitua um
fenômeno reorganizado no contexto da sociedade s-moderna. Nessa linha de idéias,
Pacheco salienta que “a prática criminosa em níveis de maior ou menor organização é tão
63
Ainda que Luisi aponte a presença de algumas máfias na fronteira sul do Brasil, conforme se verá no capítulo
III.
64
O sentido comum teórico dos juristas é, assim, o conjunto de crenças, valores e justificativas por meio de
disciplinas específicas, legitimadas mediante discursos produzidos pelos órgãos institucionais, tais como os
parlamentos os Tribunais, as escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública [...] A
significação dada ou construída via senso comum teórico contém um conhecimento axiológico que reproduz os
valores, sem, porém, explicá-los. Conseqüentemente, essa reprodução dos valores conduz a uma espécie de
conformismo dos operadores jurídicos. Por isso, não é difícil ou temerário dizer que os paradoxos originários da
sociedade repleta de conflitos e contradições acabam sendo, exatamente, diluídos no interior desse corpus
denominado de sentido comum teórico do saber jurídico. (STRECK, 2001, p. 41).
50
antiga quanto a própria história das nações, o que não surpreende, pois o crime é fator que
compõe a convivência social desde os mais distantes tempos” (2008, p.23).
Conforme se observa, as organizações criminosas se adaptaram em tempos remotos,
sendo que atualmente referida adaptação também ocorre. Nesse sentido, mais uma vez
destacam-se as idéias de Pacheco:
As organizações criminosas se ajustaram de forma perfeita ao processo de
globalização da economia, o qual implica um fluxo relativamente livre de capitais
através de sistemas altamente informatizados. As dimensões e as formas de
organização do crime no mundo contemporâneo nada têm a ver com aquilo que
existia há duas ou três décadas (2008, p.24) .
Com o advento da globalização, fortemente caracterizada por uma abertura de
mercado e das fronteiras nacionais, agregadas à inovações tecnológicas e de grandes fluxos de
transações financeiras, dentre outras características, as organizações criminosas passaram a se
adaptar a esse novo modelo de globalização da economia, porém, com a roupagem dada pela
característica principal da sociedade pós-moderna, ou seja, a questão da complexidade.
É justamente nesse contexto que se devem analisar as organizações criminosas, que
não mais necessariamente - buscam ocupar os espaços estatais, mas tão somente se
locomover nos espaços vazios deixados pela ineficácia do subsistema estatal, fruto da própria
era globalizada, que acaba por balançar os pilares dos Estado-nação, não raras vezes
rompendo de maneira abusiva as questões ligadas à soberania.
A partir da 1º conferência mundial sobre o crime organizado realizada em Nápoles
no final do século XX, a ação das organizações criminosas passou a adquirir a roupagem
internacional, na medida em que põem em risco muitas das atividades lícitas dos Estados
soberanos. Isso se evidencia pela ppria adequação que as organizações pretenderam com o
advento da globalização (PACHECO, 2008). Acarreta, ainda, a necessidade de se buscar uma
sintonia entre os diversos países, para que não se tomem ões isoladas, sob pena de sua
ineficácia no tratamento a esta espécie de delinquência, conforme será abordado no capítulo
III.
Na realidade, a busca de precedentes históricos pouco contribuiu para a análise do
crime organizado no século XXI, possuindo uma referência muito mais ilustrativa, na qual se
encontram algumas características como a auto-organização, a concentração de poder e a
corrupção.
Em concordância com essa concepção, Zaffaroni salienta:
51
[...] o organized crime como tentativa de categorização é um fenômeno do
nosso século e de pouco vale que os autores se percam em descobrir seus pretensos
precedentes históricos, mesmo remotos, porque entram em contradição com as
próprias premissas classificatórias. É absolutamente inútil buscar o crime organizado
na Antiguidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc.
(ZAFFARONI, apud PACHECO, 2008, p. 26)
Ainda que pertinente a crítica de Zaffaroni, não é demais buscar referências
históricas, com o objetivo de trilhar o caminho a ser desvelado. De qualquer sorte, não
dúvida de que as organizações criminosas são fruto da sociedade s-moderna, por mais que
não se ignore seus primeiros traços firmados nos séculos passados, envolvendo as ações
praticadas pelas máfias ao redor do mundo.
Na atualidade, o resgate de aspectos históricos tornou-se importante para provocar a
busca das categorias conceituais de dificílima observação, especialmente devido ao caráter
mutante dessas organizações.
Sendo a sociedade atual uma dança interminável dessas mutações, calcadas pela
categoria da incerteza, consequentemente, as organizações criminosas acabam por receber
também essa feição, constituindo-se, ao lado das facções criminosas, como um dos fenômenos
criminais mais complexos do direito penal pós-moderno.
Nessa perspectiva, é necessário identificar alguns traços marcantes dessas
organizações, para diferenciá-las de outras modalidades delitivas complexas apresentadas no
primeiro capítulo, no caminho da utilização de novas ferramentas teóricas a serem aplicadas a
todo o subsistema penal no limiar do século XXI.
2.1.2 Características que ajudam a identificar uma organização criminosa
À primeira vista, parece fácil conceituar o que se entende por crime organizado.
Diz-se somente a primeira vista porque, na realidade, para se identificar o que se entende por
crime organizado, há que se transitar sobre diversos subsistemas, pois o mesmo aparece
camuflado em diversos segmentos sociais.
No entanto, uma coisa é inequívoca: nem tudo o que a mídia noticia compreende o
crime organizado. A utilizão da expressão em vão acaba por contribuir para vulgarizar o seu
verdadeiro significado, passando-se a confundir meras quadrilhas e bandos com organizações
criminosas.
Por isso, salienta-se mais uma vez o pensamento de Pacheco:
52
A visão da imprensa é alarmista. Não que a atividade delituosa organizada
realmente não seja um problema de grande envergadura e de conseqüências
nefastas para as sociedades, porém há uma histeria desenfreada por parte dos meios
de comunicação que dá aos leitores, telespectadores e ouvintes, impressões um
tanto quanto questionáveis sobre a temática (2008, p.34).
Segundo alguns noticiários televisivos e alguns periódicos, quase todo ilícito penal
constitui crime organizado, havendo uma inapropriada divulgação de um fenômeno que não
raras vezes acaba por se tornar irreal e que em nada contribui para decifrar seus traços
característicos.
Assim, sobre o poder da mídia, vale registrar Castesls, para quem:
[...] devido a possibilidade da mídia e à possibilidade de visar o público-alvo,
podemos afirmar que no novo sistema de mídia, a mensagem é o meio. Ou seja, as
características da mensagem moldarão as características do meio. Por exemplo, se a
manutenção de um ambiente musical de adolescentes for a mensagem (uma
mensagem muito explícita), a MTV será programada sob medida para os ritos e
linguagem dessa audiência não apenas no conteúdo, mas em toda a organização da
estação, bem como na tecnologia e no projeto de produção/transmissão de imagens
[...] sempre sob o controle de poderosos grupos financeiros nacionais e internacionais.
(2008, p. 425).
Não há vida de que a dia influencia o universo do subsistema penal. Tais
considerações são apontadas por Rolim, para quem, in verbis:
[...] o primeiro problema a ser destacado quanto à maneira pela qual a mídia
retrata o crime, notadamente o crime violento, diz respeito à tendência de divulgar
eventos dramáticos a partir de um “tensionamento” de sua singularidade com as
dimensões do particular e do universal. Dito de outra forma: o que é apresentado
como fato” um assassinato, por exemplo parece desejar “emancipar-se” de suas
circunstâncias e já é mostrado, invariavelmente, sem que se permita qualquer
referência às condições que poderiam ser identificadas como precursoras da própria
violência. Quando essa forma de noticiar o crime se torna a regra o que,
infelizmente, é o caso -, passa a ser improvável que os fenômenos contemporâneos da
violência sejam percebidos pelo público em sua complexidade (2006, p.190) [grifo do
autor].
A mídia tem sido decisiva na degeneração do fenômeno, não do crime
organizado, mas dos demais delitos como um todo, especialmente, os que m como vítimas
pessoas brancas e das classes mais afortunadas. Casos como os que envolveram a família
Nardoni, ou Cristiane Richtholen, tendem a chamar mais atenção do que os diversos
homicídios ocorridos diariamente nas favelas do Brasil.
Isso acaba por evidenciar a influência da mídia no discurso do direito penal e do
processo penal, uma vez que não raras vezes, após a prática de algum delito dessa natureza,
não faltam vozes legislativas para indicar um novo tipo penal, um aumento de pena, uma nova
53
impossibilidade de concessão de algum benefício ou até mesmo a redução da menoridade
penal como no caso da morte trágica no menino João Hélio no Rio de Janeiro. Tais práticas
delitivas necessitam ser reprimidas, mas precisam ser tratadas também as consequências
delitivas que irão minimizar o fenômeno da violência.
Nesse sentido, os programas de televisão que se dedicam apenas ao jornalismo
criminal, acabam por contribuir de forma significativa para uma reflexão estéril, sem
conteúdo, que leva em consideração somente os aspectos sensacionalistas e fantasiosos,
descomprometido com um verdadeiro debate sobre o fenômeno que permanece, assim,
desvelado.
Assim, mais uma vez vale registrar o pensamento de Pacheco:
A manutenção do medo realmente tornou-se rentável para diversos setores.
Não se trata apenas da indústria de armamentos, nem da rede privada de empresas
de segurança, que se agigantam e ostentam faturamentos altíssimos em decorrência
desse culto ilimitado ao pânico e ao medo. A programação que privilegia os
temores coletivos eleva os índices de audiência das emissoras e proporciona que
anúncios veiculados naqueles horários sejam negociados a preços milionários. As
empresas anunciantes, por seu turno, obtêm grandes resultados em suas vendas
(2008, p. 34).
Com isso não se pretende afirmar que a dia, em especial a televisão, não aponte
algumas atitudes da criminalidade organizada. O que se está dizendo é que nem tudo o que é
divulgado como sendo crime organizado constitui essa espécie e que, não raras vezes, esse
veículo comunicativo encontra-se pré-determinado para lançar idéias que não representam a
verdadeira feição do crime organizado.
Mas se não se pode levar em consideração a mídia para identificar as organizações
criminosas (entendidas nesta pesquisa como crime organizado), como se identificar, então,
alguns traços que caracterizam essa variedade de fenômeno criminal?
Pode-se, assim, começar a operar com alguns aportes da matriz luhmanniana, tal como
o mecanismo de redução de complexidade delitiva, para se chegar o mais próximo possível do
fenômeno, uma vez que sua conceituação é notadamente dificultosa.
65
Sobre a utilização desse mecanismo, vale sublinhar as considerações de Schwartz,
para quem a complexidade é, então, reconstruída a partir de outro prisma: a de sua redução.
É sua redução que, paradoxalmente, permite a evolução social, e mais: é o que permite toda a
origem da interação social” (2005, p.69).
65
Ademais, toda a conceituação tende a atender a um paradigma cartesiano, ao qual se pretende superar nesse
trabalho.
54
Portanto, para se buscar essa redução, além das questões supramencionadas, é
necessário destacar, mais uma vez, que a criminalidade organizada não se confunde com a
criminalidade de massa. Esta pode ser identificada como a criminalidade comum que está
presente no cotidiano, traduzida nos delitos de homicídio, furto, roubo, estupro, dentre outras
modalidades delitivas. Já a criminalidade organizada, ou melhor, o crime organizado, está
fortemente caracterizado pela inserção da tecnologia nas práticas delitivas, além da marca
constante da corrupção dos poderes, dentre outras circunstâncias.
A tentativa de conceituação o parece ser a forma mais segura de tratar o fenômeno
do crime organizado, pois a tendência é que tal conceituação acabe por engessar o seu
verdadeiro significado e as suas mais variadas formas de expressão. De qualquer sorte, a lei
9.034/95 que trata do crime organizado, não traz nenhum conceito específico sobre o que
significam tais organizações. Assim, cabe registrar a crítica emanada por Gomes, ao salientar:
Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é
uma alma, uma enunciação abstrata em busca de um corpo, de um conteúdo
normativo que atenda ao princípio da legalidade. Enfim, juridicamente não se sabe
ainda o que é uma organização criminosa no Brasil (GOMES, apud PACHECO, 2008,
p. 50).
Ainda assim, não se ignora o conceito proposto por Callegari, ao referir que
[...] uma organização criminosa constitui uma estrutura criminógena que favorece a
comissão reiterada de delitos (facilitando sua execução, potencializando seus efeitos e
impedindo sua persecução) de maneira permanente (já que a fungibilidade de sues
membros permite substituir os seus integrantes). Em consequência, é possível que sua
mera existência suponha um perigo para os bens jurídicos protegidos pelas figuras
delitivas que serão praticadas pelo grupo e, por tanto, constitui um injusto autônomo,
um “estado das coisas” antijurídico que ameaça a paz pública. (2008, p. 21/22)
Dada a complexidade do tema, ainda que pertinente a ideia conceitual,
66
esse parece
parece não ser o melhor caminho, conforme já destacado. Assim, é válido, por isso, registrar
as palavras de Mendroni, para quem:
66
Definição dos Criminologistas: “Crime organizado é qualquer cometido por pessoas ocupadas em
estabelecer em divisão de trabalho: uma posição designada por delegação para praticar crimes que como divisão
de tarefa também inclui, em uma análise, uma posição para corruptor, uma para corrompido e uma para um
mandante”. Grifei
Definição do FBI: “Qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo objetivo primário é a
obtenção de dinheiro através de atividades ilegais.Tais grupos mantêm suas posições através do uso da violência,
corrupção, fraude ou extorsão, e geralmente m significado impacto sobre os locais e regiões do País onde
atuam”. Grifei
Interpol: “Qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal objetivo seja o ganho de dinheiro
através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela imposição do temor e a prática da corrupção”. No Brasil,
Guaracy MINGARDI apresentou a seguinte definição: Guaracy Mingardi: Grupo de pessoas voltadas para
55
Não se pode definir para atribuir características rígidas, com formas pré-
estabelecidas. Aliás, tolice é a definição legal, pois, como dito, em um País como o
Brasil existirão diferentes organizações criminosas com distintos modus operandi
conforme a deficiência Estatal da região que adotem para operar. Eventual definição
que incorpore a legislação penal vigente fará restringir os dispositivos processuais que
lhe possam ser aplicados, caso a sua tipificação se torne difícil (MENDRONI, 2002,
p.9).
Por outro lado, a não conceituação do que se entende por uma organização criminosa,
acaba por gerar alguns problemas no campo da tipicidade, pois há que se ter cuidado para não
se cair na armadilha de criar um tipo penal demasiadamente aberto, razão pela qual, na esteira
de redução de complexidade, torna-se fundamental identificar alguns elementos
identificadores, algumas formas de execução e os principais delitos correlacionados.
Nessa caminhada do Direito Penal na pós-modernidade, ainda que não se deva
abandonar os postulados adquiridos pelas ciências penais abaixo de muita sangue e barbáries,
também não se deve ignorar que a questão da tipicidade precisa ser melhor equacionada para
absorver o universo das demandas dos subsistemas sociais, sem que isso implique um
retrocesso em matéria repressiva.
Pode-se afirmar que nas organizações criminosas uma questão central comum a
todas as suas formas, quais sejam, a questão da corrupção. Quanto a essa prática delitiva (que
no direito penal brasileiro está tipificada nos artigos 317, 333, 337-B e 337-C do diploma
repressivo), tão antiga quanto à história da humanidade, Pierangeli leciona, in verbis:
Na Bíblia, em várias passagens aparece a corrupção: “Quem desvia os justos
para a via cairá na sua própria fossa”(Provérbios, 28.10), texto que vem sendo
interpretado como Quem procura, de alguma forma, a corrupção dos puros, sofrerá
as conseqüências de seu ato” (Atila J. Gonzalez e Ernomar Octaviano). Ainda entre
os hebreus, pela lei mosaica, o juiz corrupto era punido com a flagelão, enquanto
na Grécia, a pena era a de morte. Diz Hungria que a história noticia “que o rei
Cambises mandou esfolar vivo um juiz venal, cuja pele foi guarnecer a cadeira
onde devia sentar o seu substituto. [...] Nosso Código Criminal de 1830 incriminava
a corrupção com os nomes de peita (art. 130) e suborno (art.133). No art.130 punia-
se o recebimento de dinheiro ou outro donativo, ou aceitação de promessas. A
incriminação no art. 133 consistia no deixar-se corromper por influência ou
petitório de alguém [...]”. As penas eram idênticas: perda do emprego com
atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que
compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e
da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por
setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela,
a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção
do território. [...] A prosito, o Estado de Nova York, -ressalte-se, um dos mais assolados pela Criminalidade
Organizada, quando escreveu o seu Ato de Controle ao Crime Organizado em 1986, considerou que por causa da
sua imensa diversidade de natureza, torna impossível precisar o que é Organização Criminosa”. Grifei.
(MENDRONI, 2002, pag. 7).
56
inabilitação para outro qualquer, multa igual ao tresdobro da peita, e prisão por três
a nove meses (2007, p.841).
Nessa trilha identificadora de alguns traços marcantes do que constitui o crime
organizado, é possível observar que tais ações estão calcadas em práticas continuadas, que
têm à disposição o uso alternativo da violência - tendo-se como “recurso” a grave ameaça -,
bem como a própria corrupção conforme fortemente destacada nos parágrafos anteriores,
além de organização funcional e multiplicidade de frentes delitivas (PACHECO, 2002).
O crime organizado em si não constituiu um tipo penal de maneira aunoma, fazendo
com que se utilize de uma gama de modalidades delitivas constantes no Código Penal
67
e na
legislação especial, para fins de tipicidade, já que a lei trata mais especificamente as questões
relacionadas à prova e aos procedimentos investigatórios.
Diz-se que a corrupção
68
é uma marca constante das ações propostas pelo crime
organizado porque ele atua em um vácuo estatal, no qual passa a estabelecer relações com o
poder constituído, de forma perene para dar sustentáculo a suas ações (acoplamentos
estruturais).
Nessa linha de idéias, vale repisar que o Código Penal, ao preceituar os crimes de
corrupção passiva (art. 317 do CP) e corrupção ativa (art. 333 do CP), ainda está longe de ser
eficaz para a minimização da corrupção, uma vez que tais dispositivos não são aplicados na
mesma proporção em que se desenvolvem suas práticas nos poderes da República. Isso não
significa que qualquer delito de corrupção, seja na modalidade ativa, seja na modalidade
passiva, esteja diretamente relacionado ao crime organizado, o que vai depender da
67
Neste sentido, fazendo-se uma rápida triagem no Código Penal brasileiro, é possível identificar os seguintes
tipos penais: (estelionato e outras fraudes, crimes contra as marcas de indústria e comércio, crimes de
concorrência desleal, corrupção de menores, tráfico de pessoas, crimes contra a segurança dos meios de
comunicação e transporte e outros serviços públicos, crimes de moeda falsa, crimes de falsidade de títulos e
papeis públicos, crimes de outras falsidades documentais, crimes praticados por funcionário público contra a
administração em geral, crimes praticados por particular contra a administração em geral, crimes praticados por
particular contra a administração pública estrangeira, crimes contra a administração da justiça, crimes contra as
finanças públicas, dentre outros, sem falar nas tipos penais presentes nas legislações especiais, tais como o
tráfico de drogas, a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro, dentre outros.
68
A palavra corrupção tem seus correspondentes em coecho (espanhol), corruption (francês), corruzione
(italiano), e Bestechung (alemão); em todas a venalidade gira em torno da função pública, mas diversamente do
que ocorre em outras legislações, estabeleceu-se uma clara distinção entre corrupção ativa e passiva. Na
corrupção passiva, tem-se em consideração a conduta do funcionário corrompido, enquanto na ativa considera-se
a conduta do corruptor. Neste delito, vislumbra-se um tráfico de autoridade, no qual o funcionário vende ou
procura vender um ato de ofício” (Fragoso). Atente-se, desde logo, que o se exige a corrupção ativa para que
possa ocorrer a passiva, como ocorria no Código Penal de 1890. O nosso legislador de 1940 inspirou-se no
Código Penal suíço (art. 315), mas adotou uma redação bem mais técnica. A lei francesa de 8 de fevereiro de
1945 e o Código Penal espanhol anterior também tiveram a lei suíça como fonte inspiradora (Pierangeli, pag.
842).
57
complexidade do contexto fático, das relações entre os subsistemas e das ferramentas teóricas
capazes de realizar a melhor observação.
O que se está a afirmar é que todas as práticas decorrentes do crime organizado
acabam por ter presentes às questões da corrupção. Talvez possa estar o primeiro passo
para minimizar o fenômeno.
No entanto, essa preocupação parece não ser do Brasil. Basta analisar que o Supremo
Tribunal Federal, em mais de 20 anos da Constituição Federal, não apresenta nenhuma
condenação de político por corrupção, o que causa no nimo uma forte perplexidade em um
país onde os escândalos se repetem de maneira desenfreada, ou melhor, se (auto)reproduzem.
A corrupção se desenvolve entre uma diferença entre o código binário proposto por
Luhmann - lícito e ilícito isto é, ocorre uma sobreposição de estruturas ilícitas que acabam
por oferecer, em alguns casos, segurança ao cidadão, sobre a licitude das questões
apresentadas pelo Estado, de poucos atrativos.
Isso acaba por gerar aquilo que Marcelo Neves denomina de “corrupção sistêmica”, ou
seja, uma contaminão do subsistema do direito (aqui estudado sob o enfoque do direito
penal) pelas manifestações de seu entorno, ou das questões que se encontram na periferia do
subsistema jurídico.
Nesse sentido, Neves salienta:
A chamada corrupção sistêmica tem tendência à generalização nas
condições típicas de reprodução do direito na modernidade periférica, atingindo o
próprio princípio da diferenciação funcional e resultando na alopoiese do direito. Não
se trata, portanto, de bloqueios eventuais de reprodução autopoiética do direito
positivo, superáveis através de mecanismos imunizatórios complementares do próprio
sistema jurídico. O problema implica o comprometimento generalizado da autonomia
operacional do direito. Diluem-se mesmo as próprias fronteiras entre sistema jurídico
e ambiente, inclusive no que se refere a um pretenso direito extra-estatal socialmente
difuso (2007, P.147) [grifo doautor].
Assim, a corrupção sistêmica acaba por invadir o universo do direito, tornando-se
terreno fértil para manifestações do crime organizado em suas mais diversas formas, tais
como o tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos, o tráfico de armas, dentre outros delitos.
Ao lado da corrupção sistêmica, vale sublinhar novamente a presença de outros
elementos constantes nas organizações criminosas, tais como a estrutura hierárquico-
piramidal, a divisão orientada das tarefas, a participação de membros restritos, a participação
de agentes públicos (corrupção), a finalidade de obteão de dinheiro e poder, a necessidade
de certo domínio territorial que não raras vezes ultrapassa as fronteiras dos Estados nacionais,
tudo isso voltado para a produção de diversas atividades executórias. (MENDRONI, 2002).
58
Registradas esss considerações, vale rememorar que a violência é um dos últimos
recursos a serem utilizados pelo crime organizado, tarefa esta executada por agentes
específicos e não pelo alto escalão da organização, cuja finalidade é evitar o alarde social,
minando, assim, as possibilidades investigarias e eliminando vestígios, que acaba por
contribuir para a inoperância dos órgãos de controle e repressão.
2.1.3 A insuficiência dos mecanismos legais de controle ao crime organizado
A respeito dos mecanismos legais de controle e identificação do crime organizado,
pode-se afirmar, desde logo, que a lei 9.034/95 (constante no anexo B), que dise sobre a
“utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas”, por si , acaba por se tornar insuficiente para o controle dessas
ações, na medida em que não se procura uma linha preventiva que dificulte as ações do crime
organizado.
Sobre isso, vale destacar o pensamento de Roxin (in CALLEGARI, GIACOMOLLI, KREBS,
2001, p.15) Os bancos deveriam permitir ao fisco a revisão, desde o princípio, de todos os
grandes movimentos de dinheiro; isto seria uma grande medida eficaz contra a criminalidade
organizada em comparação à sanção de um pequeno vendedor de drogas”.
O controle rigoroso de ões ligadas às movimentações financeiras pode constituir
uma estratégia importante no controle de tais ações, associadas também a outros mecanismos,
tais como a cooperação internacional, que também será abordada no decorrer da presente
pesquisa. Sob esse prisma, registre-se o contundente pensamento de Galeano, para quem, in
verbis:
As possibilidades de que um banqueiro que depena um banco desfrute em
paz o produto de seus golpes o diretamente proporcionais às possibilidades de que
um ladrão que rouba um banco para a prisão ou para o cemitério [...] A economia
mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado. Os organismos
internacionais que controlam a moeda, o comércio e o crédito, praticam o terrorismo
contra os países pobres e contra os pobres de todos os países com uma frieza
profissional e uma impunidade que humilham o melhor dos lança-bombas [...] Os
bancos mais conceituados são os que mais narcodólares lavam e mais dinheiro
roubado guardam (1999, p.6).
Ao lado da referida legislação, pode-se apontar diversos outros mecanismos legais
que, de formas ou de outra, encontram-se atrelados à verdadeira finalidade da lei de combate
ao crime organizado, a saber:
59
- lei 9.807/99 (estabelece normas para a organização e a manutenção de programas
especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de
Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou
condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial
e ao processo criminal);
- possibilidade de formação de força tarefa, a ser constituída basicamente pelo
Ministério Público e a Polícia;
- possibilidade de delação premiada, constante na lei do crime organizado;
- possibilidade de quebra de sigilo bancário e fiscal;
- lei 9.613/98 (Dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores, a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos
neste Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF e dá outras
providências);
- lei 7.492/86 (Define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras
providências);
- lei 9.296/96 (Regulamenta o inciso XII, parte final do art.5º da Constituição Federal.
- possibilidade de utilização de agentes infiltrados.
Se por um lado o direito material e processual penal apresentam diversos mecanismos
de controle e minimização do fenômeno do crime organizado, conforme destacado
anteriormente, por outro resta saber se esses apontamentos legislativos são suficientes para
minimizar o fenômeno ou, no mínimo observá-lo.Ao que parece, a resposta é negativa.
O mundo normativo-legislativo, ainda trabalha com a idéia das certezas absolutas,
sendo muito difícil normatizar todas as possibilidades existentes em um universo social de
alta complexidade. Ademais, as diversas legislações supracitadas, são todas elaboradas em
contextos temporais diversos e sem sincronia, sem qualquer contextualização, o que poderia
facilitar a ação de todo os operadores do direito, a serviço do subsistema penal. Não
comunicação entre as legislações, o que acaba por contribuir mais para a expansão da inflação
criminal do que para o próprio tratamento do fenômeno delitivo.
Nessa linha de ideias, destacam-se as idéias de Cunha nior:
A aplicação cega da norma mostrou-se mais nociva que o próprio conflito de
interesse, gerando temerárias injustiças. A mediação hermenêutica, as mudanças
históricas, as novas demandas sociais, as exigências éticas, as vicissitudes dos casos
concretos, a abertura e a principiologia do sistema jurídico o variáveis contínuas e
maleáveis que comprovam que tamm no mundo do Direito acabaram certezas,
60
ilusões e determinismos (CUNHA JÚNIOR, in BARRETO, 2006, p.230) [Grifo
nosso].
Esse fenômeno expansionista sobrecarrega o princípio da legalidade, o que acaba por
contribuir para certa crise de ineficácia do subsistema penal, aonde ainda impera a idéia de
que é possível acabar com a criminalidade, seja ela de massa ou organizada, o somente com
a edição de novas leis. Assim, se por um lado o princípio da legalidade foi importante para a
sustentação dos Estados Modernos, por outro, o seu uso desenfreado tem contribuído para
gerar uma expansão do direito penal (COPETTI, 2000).
No mundo globalizado e complexo, ainda que seja fundamental a preocupação com o
não rompimento do modelo protetor de direitos fundamentais, resta saber se tal modelo
normativo está de acordo com os anseios da sociedade s-moderna, completamente
modificada em relação ao tempo em que o princípio da legalidade restou estabelecido.
(COPETTI, 2000).
Nesse contorno reflexivo, cabe apontar com as pprias palavras de Copetti, o
seguinte:
O princípio da legalidade, enquanto ativo somente dentro de uma relação
formal de aplicação da lei, é insuficiente para atender às demandas da justiça
dentro da esfera da atuação estatal penal nos parâmetros da sociedade atual. A
ele precisam ser somados instrumentos que possibilitem aos legisladores e aplicadores
da lei realizar uma leitura substancial do femeno sujeito à incidência da lei penal,
impondo-os limites desta ordem, e não somente de natureza meramente formal (2000,
p.113) [Grifo nosso].
Registradas tais ideias, o se pretende uma leitura formal do fenômeno do crime
organizado e seus problemas de tipicidade. É necessário mais que uma leitura substancial do
fenômeno, a começar pela matriz jurídica a ser aplicada, pois não se compreende o que se
entende por crime organizado senão se compreender o que se entende por sociedade atual. E
com isso não se preocupou a matriz normativista Kelseniana.
Nessa esteira, registra-se o pensamento de Rocha:
Assim sendo, num primeiro momento, na modernidade, o normativismo
surge como um sistema judico fechado, em que as normas lidas se relacionam
com outras normas, formando um sistema dogmático hierarquizado; e, num segundo
momento, na globalização, surgem hermenêuticas que dizem que as normas jurídicas,
no sentido Kelseniano, no sentido tradicional, não o possíveis, que é preciso haver
uma noção alargada, uma noção mais ampla que inclua também regras, princípios,
diretrizes políticas, com uma participação maior da sociedade. A hermenêutica, é um
avanço da crítica jurídica porque aprofunda a questão da interpretação normativa,
dando uma função muito importante aos juízes, advogados, e aos operadores do
direito em geral. Isto quer dizer que a hermenêutica fornece ideologicamente muito
61
mais poder de ação. Entretanto, a hermenêutica jurídica também possuiu lacunas
teóricas. A hermenêutica jurídica abre um importante ponto de preferência para a
análise da sociedade, para a compreensão do direito. Mas ela o explica
suficientemente o que seja a sociedade. (ROCHA, et al., 2005, p.26).
Assim, é hora de agregar ao presente trabalho os aportes teóricos sistêmicos de
Niklas Luhmann, pois talvez não exista um fenômeno penal tão sistêmico e complexo quanto
ao crime organizado
69
, cuja análise o pode se limitar ao contexto dos Estados Nacionais,
sob pena do não desvelamento do fenômeno.
2.2 DA MIGRAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO CARTESIANO PARA O
PENSAMENTO SISTÊMICO COMPLEXO
O conhecimento científico como um todo está calcado no paradigma mecanicista da
determinação e da certeza das pesquisas realizadas, que sempre deu maior ênfase as partes e
não ao todo.
No universo do direito com base em uma teoria pura, tal como proposta por Kelsen -
matriz teórica ainda dominante nas práticas jurídicas, atreladas tão somente a aspectos formais
e dogmáticos - prevalece à idéia de análise das partes dos fenômenos, impossibilitando a
análise de tudo que cerca o direito no contexto da complexidade globalizada subsistemas
tais como a política, a economia e a informática, tão presentes nas questões relacionadas ao
crime organizado e às constantes interações decorrentes.
Essa forma de pensamento mecanicista acaba por impossibilitar uma melhor
compreensão dos fenômenos complexos, necessitando haver uma ruptura epistemológica em
decorrência da própria dinâmica social e da hipercomplexidade das questões emergentes do
culo XXI, tornando possível que o direito - em especial o direito penal e processual penal -
possam efetivamente constituir uma ferramenta capaz de atender, explicar e observar as
demandas sociais. Segundo esse raciocínio, vale destacar o pensamento de Rocha:
A partir desta ruptura epistemológica proposta pela matriz pragmático-
sistêmica, vislumbra-se uma epistemologia circular e não mais linear como
tradicionalmente enfocada. Entretanto, para que seja possível o perfeito entendimento
deste novo enfoque com que é vislumbrada a teoria e prática do Direito, necessita-se
uma abordagem das características decorrentes da auto-referencialidade do sistema
jurídico (ROCHA, in Direitos Culturais, 2006, Revista nº 1, p. 182/182).
69
Bem como as facções criminosas.
62
É importante salientar também, no que tange a mudança epistemológica necessária
70
para compreensão de fenômenos complexos, as idéias de Fritjof Capra, para quem:
A tensão básica é a tensão entre as partes e o todo. A ênfase nas partes tem
sido chamada de mecanicista, reducionista ou atomística; a ênfase no todo, de
holística, organísmica ou ecológica. Na ciência do século XX, a perspectiva holística
tornou-se conhecida como “sistêmica”, e a maneira de pensar que ela implica passou
a ser conhecida como “pensamento sistêmico” (CAPRA, 1996, p. 33) [grifo do autor].
Ainda que a complexidade seja a marca do tempo atual, a grande maioria dos juristas
insiste em manter referências estritamente cartesianas
71
, seja no universo das academias, seja
na prática forense, sob o pretexto do mito conservador da segurança jurídica.
A estas alturas, cabe indagar: é possível falar em segurança jurídica com base o
somente em um único referencial, ou seja, é possível falar em segurança jurídica, em tempos
de incerteza e de completa inseguraa? A resposta parece ser única: não.
Não se pode falar em segurança jurídica tão qual pretende a dogmática jurídica,
atrelada a uma visão purista e conservadora. O que se pode alcançar é o máximo grau de
razoabilidade de segurança jurídica através da ferramenta redutora de complexidade presente
na matriz pragmática-sistêmica.
Aliás, em relação à (in) segurança jurídica, vale destacar o pensamento de Andrade:
[...] a ênfase conferida no discurso dogmático à segurança jurídica não tem
sido acompanhada de uma discussão explícita do seu significado. Por isto mesmo,
pode-se dizer que a segurança jurídica é um signo dogmatizado no seu interior; uma
idéia-força em nome da qual se fala (1997, p. 138/139).
Muito se fala em segurança jurídica
72
e pouco se diz sobre ela, servindo como um mito
na mão das idéias puristas, uma ficção, que procura impedir novas discussões em relação ao
70
Não é demais rememorar que até pouco tempo as questões relacionadas ao direito penal estavam fortemente
ligadas e legitimadas em um único subsistema, qual seja, a religião, pois esta ainda se confundia com o Estado,
sendo que o crime era sinônimo de pecado, sem qualquer comunicação com outros subsistemas sociais.
71
René Descartes foi o criador do pensamento analítico. Sua idéia central consiste em analisar isoladamente as
partes componentes do todo, analisando-os como organismos independentes, para o fim de compreender
fenômenos complexos. Um exemplo do pensamento cartesiano pode ser identificado pela cronologia do tempo
(dias, horas, datas) meras convenções, de quebramento das partes. Não se encontra, porém, no pensamento de
Descartes, a interação entre as partes no funcionamento do todo, composto por algo além da mera junção de
todas as partes, bem como a sua capacidade de auto-organização e de autor-reprodução.
72
Como ter segurança jurídica em um sistema processual probatório que ainda está calcado basicamente na
prova testemunhal de reconhecida limitação?
63
subsistema penal, criações dogmáticas que ainda tomam conta do imaginário dos juristas
(WARAT), identificadas em várias outras expressões
73
.
Neste sentido, sublinhe-se as palavras de And Trindade (2007, p.80), ao destacar que
“[...] as certezas e, por conseguinte, a própria segurança jurídica, foram refutadas enquanto
elementos integrantes de um sistema dinâmico como o jurídico. Utilizando-se dos aportes
luhmannianos, o referido autor aponta que [...] restam, pois as expectativas e as
possibilidades”.(Idem, id.)
A segurança jurídica, tal como ela vem sendo debatida no Brasil, acaba sendo um dos
fatores que identificam por que o direito tem uma resistência muito grande, em especial o
Direito Penal, para que se migre do paradigma estritamente cartesiano para questões que
propiciem um pensamento sistêmico, indispensável para compreender os anseios dos
fenômenos criminais da pós-modernidade.
Segundo esses parâmetros, pode-se afirmar que o pensamento sistêmico, antes mesmo
de ser trazido para o universo dos sistemas sociais tal como fez Luhmann, surgiu no contexto
das ciências biológicas, que estudaram os organismos vivos e suas interações a partir do
estudo das células, com contribuições da psicologia (Gestalt) e da física quântica (CAPRA,
1996)
Sobre a biologia organísmica, vale apontar as idéias de Capra:
O bioquímico Lawrence Henderson foi influente no seu uso pioneiro do
termo sistemapara denotar tanto organismos vivos como sistemas sociais. Dessa
época em diante, um sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades
essenciais surgem das relações entre suas partes, e “pensamento sistêmico”, a
compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo maior. Esse é, de fato,
o significado raiz da palavra “sistema”, que deriva do grego synhistanai (“colocar
junto”). Entender as coisas sistematicamente significa, literalmente, colocá-las dentro
de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações (1996, p.39) [grifo do autor].
Esse processo, em termos biológicos, pode ser explicado através das células
74
. A
questão é que as células passam a se combinar para formar os tecidos, estes os órgãos e os
órgãos os organismos. Isso traz uma forte idéia de organização, também aplicada aos sistemas
sociais e, consequentemente, ao direito. Isso faz com que, no dizer de “cada um desses
sistemas forma um todo com relação às suas partes, enquanto que, ao mesmo tempo, é parte
de um todo maior”. (CAPRA, 1996, p.40).
73
Tais como a questão ligada a verdade real, como se fosse possível existir uma verdade que não fosse real, ou
como se fosse possível ao homem alcançar um juízo certo e determinado no que tange a verdade.
74
Já no que tange aos sistemas sociais, pode ser explicada pela economia, pela potica ou pelo pprio direito.
64
Nessa linha de pensamento, ao transportar a questão da complexidade para o universo
do direito, aqui entendido como direito penal, Cunha nior aponta, in verbis:
O princípio hologramático, um dos mais importantes no paradigma da
complexidade, é definido como a inscrição engrama do todo em cada uma das
partes singulares que lhe constituem. Num holograma, cada ponto contém a presença
do objeto inteiro ou quase inteiro, ao passo que todas as partes memorizadas do todo,
ou seja, o todo está na parte da mesma maneira que a parte está no todo. Por isso,
dividindo-se a imagem do holograma não temos imagens mutiladas, mas várias
imagens completas. Esse princípio nos faz perceber como, apesar de terem sua
singularidade, as partes somente podem ser entendidas a partir do todo em que se
inserem, pois cada uma delas encerra um microtodo virtual. É exatamente dessa
maneira hologramática que deve ser compreendida a norma jurídica: ela é parte que
encerra dentro de si o todo do ordenamento jurídico, seus valores, princípios e
fundamentos, bem como todo o ordenamento encerra em si cada norma jurídica.
(CUNHA JÚNIOR, in BARRETO, 2006, p.233).
Portanto, do pensamento sistêmico advém a idéia de coneo, na medida em que não
se pode analisar as partes isoladamente, da mesma forma que a totalidade não se traduz na
mera soma de todas as partes, o que pode ser apontado como uma verdadeira chave de leitura
da teoria dos sistemas, que passa a afastar-se das certezas deterministas e trabalhar com a
idéia das probabilidades/contingência, na linguagem luhmanniana.
Mais uma vez, recorre-se a Capra, para quem:
As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas podem
ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre as
partes e o todo foi revertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes
podem ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em conseqüência disso,
o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em
princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, o que é o
oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de
entendê-la; o pensamento sistêmico significa colo-la no contexto de um todo mais
amplo (1996, p.41) [grifo do autor].
Assim, ao romper com as questões lineares, o pensamento sistêmico acaba também
por afastar a idéia de hierarquia, trazendo uma forte concepção de redes interativas, contrária
à ideia de velhos dogmas que apontam a construção do conhecimento como um edifício. Isso
aparentemente traz um problema para o direito, notadamente no que envolve a questão da
hierarquia das normas constitucionais. Emprega-se o termo “aparentemente” porque a
Constituição Federal pode ser concebida como diferenciação funcional, ou seja, é através da
constituição que ocorrerá a interação entre o subsistema político e o subsistema jurídico,
sendo que o direito, em especial o Direito Penal, continuará levando em consideração a
questão atinente aos direitos fundamentais, pois eles continuam a gravitar dentro do sistema.
65
O pensamento em rede passa a constituir também como uma característica da
sociedade atual, o que é muito bem apontado por Castels ao referir que:
[...] as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada
vez mais organizados em torno de redes. Redes constituem a nova morfologia social
de nossas sociedades e a difusão da gica das redes modifica de forma substancial a
operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.
Embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e
espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para
sua expansão penetrante em toda a estrutura social (1999, p.565).
Como se percebe, o conceito de rede, aqui trabalhado em analogia com o pensamento
sistêmico, acaba por invadir o universo social dando uma nova dinâmica nas relações e
intercomunicações.
Nesse sentido, mais uma vez Castels salienta:
Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva
se entrecorta. Concretamente, o que um é depende do tipo de redes concretas de
que falamos.São mercados de bolsas de valores e suas centrais de serviços auxiliares
avançados na rede dos fluxos financeiros globais. São conselhos nacionais de
ministros e comissários europeus da rede política que governa a União Européia. São
campos de coca e de papoula, laboratórios clandestinos, pistas de aterrissagem
secretas, gangues de rua e instituições financeiras para lavagem de dinheiro na rede de
tráfico de drogas que invade as economias, sociedades e Estados no mundo inteiro.
o sistemas de televisão, estúdios de entretenimento, meios de computação gráfica,
equipes para cobertura jornalística e equipamentos móveis, gerando, transmitindo e
recebendo sinais da rede global da nova mídia no âmago da expressão cultural e da
opinião pública na era da informação [...] Redes o estruturas abertas capazes de
expandir de forma ilimitada, integrando novos s desde que consigam comunicar-se
dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação
(valores ou objetivos de desempenho). Uma estrutura social com base em redes é um
sistema aberto altamente dinâmico suscetível de inovação sem ameaças ao seu
equilíbrio. (1999, p.565).
Percebe-se, então, no pensamento sistêmico, a mudança de paradigma das partes para
o todo, este analisado de forma contextualizada, no contexto da auto-organização e das
diversas possibilidades decorrentes em um contexto de complexidade.
Assim, mais uma vez Capra aponta:
Na mudança do pensamento mecanicista para o pensamento sistêmico, a
relação entre as partes e o todo foi invertida. A ciência cartesiana acreditava que em
qualquer sistema complexo o comportamento do todo podia ser analisado em termos
das propriedades de suas partes. A ciência sistêmica mostra que os sistemas vivos não
podem ser compreendidos por meio da análise. As propriedades das partes não são
propriedades intrínsecas, mas podem ser entendidas dentro do contexto do todo
maior. Desse modo, o pensamento sistêmico é pensamento “contextual”; e, uma vez
que explicar coisas considerando o seu contexto significa explicá-las considerando o
seu meio ambiente, também podemos dizer que todo o pensamento sistêmico é
pensamento ambientalista. Em última análise como a física quântica mostrou de
66
maneira tão dramática – não partes, em absoluto. Aquilo que denominamos parte é
apenas um padrão numa teia inseparável de relações. Portanto, a mudança das partes
para o todo também pode ser vista como uma mudança de objetos para relações
(1996, p.46).
Toda essa mudança de paradigma implica admitir que o conhecimento científico não
possa ser realizado distante do ser humano, o que justifica a concepção luhmaniana em
colocar a questão do observador.
Em conformidade com essa afirmação, registra Trindade, in verbis:
Assim, quando um paradigma o conseguir mais responder as demandas do
meio, iniciado estará o processo de mudança paradigmática. Abre-se, dessa forma,
campo para o surgimento/descoberta de novos paradigmas. A descoberta começa com
a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira,
a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal [...]
A aceitação do novo paradigma vai possibilitar a explicação de fenômenos que não
encontravam guarida no paradigma anterior e o emprego de outros instrumentos, uma
vez que o fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras
(2007, p.72).
Como bem observa Cunha nior (2006, p.231) “o reconhecimento dessas dimensões
mais sofisticadas do real exige um novo paradigma que possa corresponder a essa realidade
complexa”.
Ao contrário do que possa parecer, o desafio da presente pesquisa não consiste em
saber se é possível aplicar os conhecimentos sistêmicos vindos da biologia ao subsistema do
direito
75
, tarefa realizada por Luhmann, mas, sim, da possibilidade de aplicar a presente
matriz no subsistema penal, em especial na análise tocante ao crime organizado e suas
diversas facetas.
Para tanto, é necessário uma verdadeira reforma do pensamento, pois o subsistema
penal como um todo parece não ter ingressado, ainda, no contexto do século XXI
76
. Assim,
sublinhem-se as reflexões de Bindé, para quem in verbis:
A reforma do pensamento é, em todo caso, indispensável se nós quisermos
sair do esgotamento do Iluminismo...para o lado das luzes e não para o lado da
noite e das brumas.Em todo caso, é absurdo pretender entrar no século XXI e
acreditar poder resolver os problemas da paz e do desenvolvimento, do crescimento
da população mundial, da proteção ao meio ambiente, da garantia de abastecimento
alimentar, do acesso ao saber, da passagem da sociedade da informação para a
sociedade do conhecimento, dos vínculos entre cultura e desenvolvimento,
baseando-se somente nos métodos da racionalidade técnico-científico-econômico-
industrial-burocrática, a fortiori, com uma confiança cega (ou interessada)
75
Em especial o direito penal.
76
Basta analisar as mazelas carcerárias. Em tempos de pós-modernidade, o subsistema carcerário, notadamente o
gaúcho, parece reviver as barries apontadas por Beccaria e Foucault.
67
unicamente nas políticas do laissz-faire (BINDÉ, in MENDES, 2003, p. 19) [grifo
do autor].
Desta forma, torna-se necessário trabalhar com a idéia da complexidade dentro do
subsistema penal. É o que se pretende no subitem a seguir.
.
2.2.1 Um novo paradigma para o subsistema penal em tempos de incerteza: a questão
da complexidade
Muito se fala em complexidade na sociedade s-moderna, mas pouco se diz sobre o
que ela é. Ainda assim, ela parece ser a marca do século XXI, razão pelas quais muitos
estudiosos têm se debruçado sobre essa temática. O direito penal e processual penal ou os
subsistemas do subsistema penal parecem ignorar tais fatores, constituindo uma das razões
que, ainda hoje, o tornam um aparato estatal penal obsoleto. Basta analisar que tanto o Código
Penal quanto o Código de Processo Penal brasileiros, datam da década de 40.
O crime organizado parece ter provocado a necessidade latente da inserção do
subsistema penal como um todo nesta nova era, notadamente, porque os integrantes de tais
organizações utilizam-se de todo um aparato tecnológico para conseguir sucesso em suas
investidas criminosas. Mas por que será que as organizações criminosas representam tudo
isso, ou seja, a quebra das certezas normativas cartesianas e deterministas?
Justamente porque o século XXI, ao deixar evidente a migração do paradigma das
certezas para o das incertezas, espelha justamente o que há de atual no que se refere a
aplicação estatal e tratamento dado ao crime organizado.
Essa mutação é salientada por Gauer ao destacar que in verbis:
[...] como a atual mutação no vel do lugar da experiência, hoje “acelerada”
de modo irreversível, é posvel falar, se não de uma epistemologia da incerteza” (a
validade das leis científicas teria forte caráter de reversibilidade), pelo menos de uma
convicção segundo a qual, em vez de verdades universais e imutáveis, estamos diante
de interpretações e narrativas (2004, p. 9).
O crime organizado é um fenômeno que demonstra justamente essa mudança
paradigmática, na medida em que sequer se consegue definir o que se entende por uma
68
organização criminosa (ao menos com a lupa normativista), ao mesmo tempo em que o
Estado passa a não ter nenhuma certeza de tais ações
77
.
Assim, o crime organizado traz evidente a noção de contingência, pois no universo de
suas ações, aquilo que é considerado crime organizado em uma primeira observação pode não
ser na segunda, exercendo, nesse ponto, importante contribuição à atuação dos Tribunais
Revisores
78
.
A idéia da complexidade parte, dentre outros pontos, da questão relacionada à
dinâmica social, obviamente que não podendo ser explicada em termos deterministas. Uma
vez que o crime organizado é dinâmico, fica evidente a insuficncia do paradigma
normativista para sua análise, até porque sob esta ótica é ignorada a questão do observador.
Assim, na linha da articulação de um pensamento complexo, fundamental para
analisar as demandas do subsistema penal no contexto da sociedade pós-moderna, pode-se
valer-se das reflexões de Egdar Morin para quem, Complexus significa, originariamente,
aquilo que é tecido junto. O pensamento complexo é um pensamento que busca distinguir
(mas não separar), ao mesmo tempo que busca reunir. Coloca-se, assim, um outro problema-
chave: tratar da incerteza” (in MENDES, 2003, p.71) [grifo do autor].
Sob esse prisma, não há dúvida de que o pensamento sistêmico luhmanniano, ao
abordar a questão da complexidade, não se contenta com a análise detalhada das partes, mas,
sim, em sua capacidade de auto-organização sistêmica e das interações d decorrentes.
A respeito do paradigma da complexidade, vale destacar, novamente, as afirmações de
Cunha Júnior ao sublinhar que:
[...] é forçoso se reconhecer que a realidade jurídica, o fenômeno jurídico e
a regulação jurídica são necessariamente complexos e, em alguns casos,
hipercomplexos. Sendo assim, pode-se falar numa ontologia complexa do Direito, o
que automaticamente nos habilita a falar também numa epistemologia complexa do
direito (in BARRETO, 2006, p.231).
Percebe-se, pois, que o século XXI traz um novo paradigma que balança
completamente os pilares do conhecimento determinista, calcado na certeza dos fenômenos
jurídicos, insuficiente para analisar as questões advindas de um contexto completamente
globalizado e, consequentemente, de múltiplas relações.
77
O que passou a constituir um grande paradoxo, na medida em que o Estado, ao invez de vigiar, passou a ser
vigiado.
78
Isto quando os acórdãos não são elaborados tão somente pelos assessores, ou quando os Desembargadores e
Ministros, sem conhecer a matéria, proferem o voto “acompanhando o relator”.
69
Mais uma vez, sublinhe-se, pois o pensamento de Cunha nior: “[...] uma
disposição de hiperconectividade dentro do campo jurídico, pois são infinitas as
possibilidades de conexão entre os planos de significado, podendo gerar um sem-número de
sentidos possíveis no ordenamento jurídico” (in BARRETO, 2006, p.232).
Isso remete os fenômenos até aqui abordados (quadrilha e bando, facções, crime
organizado) à aparente impossibilidade de observação no contexto da sociedade atual. No
entanto, a complexidade não de ser empecilho para que se proceda a observações de primeira
e segunda ordem. Trata-se apenas de uma evidência que o pode ser ignorada, e de um
desafio a mais para o direito, em especial o subsistema penal, caso pretenda oficialmente
adentrar no contexto das relações sociais.
Nessa linha, mais uma vez Edgar Morin salienta:
A inteligência parcelada, compartimentalizada, mecanicista, disjuntiva,
reducionista, destrói a complexidade do mundo em fragmentos distintos, fraciona os
problemas, separa o que está unido, unidimensionaliza o multidimensional. Trata-se
de uma inteligência ao mesmo tempo míope, hipermetrope, daltônica, caolha; ela
muito frequentemente acaba ficando cega. Ela aborta todas as possibilidades de
compreensão e de reflexão, eliminando, também, todas as possibilidades de um juízo
corretivo ou de uma visão a longo prazo. Dessa forma, quanto mais os problemas se
tornam multidimensionais, mais existe incapacidade de se pensar sua
multidimensionalidade; quanto mais progride a crise, mais progride a incapacidade de
se pensar a crise; quanto mais os problemas se tornam planetários, mais eles se tornam
esquecidos. Incapaz de visualizar o contexto e a complexidade planetária, a
inteligência cega se torna inconsciente e irresponável (MORIN, in MENDES, 2003,
p.71).
Deve-se agregar à forte crítica realizada por Morin, o transporte que Luhmann fez da
complexidade para o universo do direito, ao apontar:
O ordenamento jurídico, tal como nós o conhecemos atualmente, é uma
construção de alta complexidade estruturada. Complexidade deve ser entendida aqui e
no restante desse texto como a totalidade das possibilidades de experiências ou ações,
cuja ativação permita o estabelecimento de uma relação de sentido no caso do
direito isso significa considerar não apenas o legalmente permitido, mas também as
ões legalmente proibidas, sempre que relacionadas ao direito de forma sensível,
como, por exemplo, ao se ocultarem. (LUHMANN, 1983, p.12)
Em relação às organizações criminosas, nesse diapasão, é possível observar que as
ações delitivas são ocultadas dos órgãos estatais de controle, que acaba por ignorar as
contingências advindas desse contexto nada simplório, contribuindo, assim, para a
ineficiência do subsistema penal. Nesta linha de pensamento, Schwartz destaca, in verbis:
70
O mundo apresenta mais possibilidades do que o senso humano pode
perceber. O mundo é complexo demais para sua capacidade sensitiva. A contingência
reside no fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências
poderiam ser diferentes das esperadas. Disso se deduz que a contingência possui,
intrínseca, a possibilidade de desapontamento (SCHWARTZ; ROCHA; CLAM,
2005, p.70).
De todas essas questões, o que a matriz sistêmica luhmanniana pretende é utilizar o
método de redução dessa complexidade (tão presente no subsistema penal que é composto de
várias unidades: polícia, operadores do direito, prisões, etc) com a finalidade de possibilitar
uma evolução social.
Isso implica que a teoria sistêmica, observa “não somente o que é permitido, mas
também o que é proibido” (LUHMANN, 1983) como forma de não ignorar as diversas
possibilidades sociais que acabam por elevar a categoria da complexidade
79
.
Do que fora abordado até aqui, aparentemente pode-se pensar que a idéia de
complexidade induz a identificação de certa complicação sobre o tema, ou seja, tudo o que é
complexo acaba por ser complicado, o que não traduz a realidade.
Tal explicação é mais bem observada - novamente - por Cunha nior ao salientar:
Alguns tendem a confundir complicado com complexo. Desde deve ser
desfeito esse equívoco: o complicado é apenas o que está confuso e, uma vez desfeita
a confusão, tornará simples. Por isso, não deixa de operar no plano da visibilidade,
mesmo que conturbada. O complexo diz respeito a uma unidade indissolúvel de
interações que jamais será reduzida à simplicidade. Com efeito, opera no plano da
invisibilidade, embora latente. Assim, o muito complicado pode ser pouco complexo
e o pouco complicado pode ser muito complexo. Ao passo que o complicado pode ser
simplificado, o complexo jamais poderá sê-lo (in BARRETO, 2006, p. 231).
Sendo assim, não se pode confundir complexidade com complicação, o que acaba por
confundir a mente de muitos operadores. Parafraseando o autor, pode-se afirmar que a grande
contribuição advinda da complexidade para o direito, é justamente o seu mecanismo de
redução, que não ignora as diversas possibilidades. Segundo o professor Rocha, “a
complexidade é, então, reconstruída a partir de outro prisma: a de sua redução. É sua redução
que, paradoxalmente, permite a evolução social, e mais: é o que permite toda a origem da
interação social” (2005, p.69).
Aplicando tais categorias à presente pesquisa, pode-se afirmar que ao se constatar o
que se entende ou o que se observa por crime organizado, não se pode ignorar aquilo que não
o é.
79
O Direito penal, tal como ele é, ocorre justamente o contrário. Com raras exceções como as causas excludentes
de ilicitude, antijuridicidade e culpabilidade, ele se preocupa tão somente com as condutas proibitivas, pois está
calcado na idéia do livre arbítrio.
71
A todas essas é possível indagar: Como será possível então a formação do pensamento
complexo?
Para responder tal indagação, apontam-se sete princípios guias para pensar de forma
complexa. Princípios esses que devem ser interpretados de forma interativa, a saber (MORIN,
2003):
1º) Princípio sistêmico ou organizacional;
2º) Princípio hologromático;
3º) Princípio do ciclo retroativo;
4º) Princípio do ciclo recorrente;
5º) Princípio de auto-ecoorganização (autonomia, dependência);
6º) Princípio diagico;
7º) Princípio da reintrodução do conhecido em todo o conhecimento.
Ainda que Morin não utilize da matriz luhmanniana para a estruturação de sua teoria, é
possível diagnosticar que, no campo da complexidade, tais referenciais são importantes para
serem agregados à presente pesquisa, favorecendo uma melhor observação do subsistema
penal.
Assim, no que tange ao princípio sistêmico (primeiro princípio), mais uma vez cabe
frisar a necessidade de jamais desconsiderar o todo, tão pouco interpretá-lo como a mera
junção de todas as partes, como salienta Morin:
[...] Pascal: eu acredito ser impossível conhecer o todo sem conhecer suas
partes e de conhecer as partes sem conhecer o todo”. A idéia sistêmica, que se opõe à
idéia reducionista, é a de que “o todo é mais do que a soma das partes”. Do átomo à
estrela, da bactéria ao homem e à sociedade, a organização do todo produz qualidades
ou propriedades novas em relação às partes isoladas [...] (2003, p.72)
no aspecto relacionado ao segundo princípio, pode se dizer que cada subsistema
(penal) é parte de todo ao mesmo tempo em que contém o todo, assim como, analogicamente,
pode-se afirmar que “a totalidade do patrimônio genético está presente em cada célula
individual”. (MORIN, 2003, p.72).
Trazendo tal observação para o universo dos sistemas sociais, é possível afirmar com
as palavras de Morin que, de igual forma, “a sociedade está presente em cada indivíduo no
que diz respeito ao todo através da sua linguagem, da sua cultura e de suas normas” (2003, p.
72). Embora Luhmann dê mais evidência à questão da comunicação, não resta vida de que
esta contém parte da integralidade do subsistema, ao mesmo tempo em que é parte deste.
72
É possível afirmar, então, que em cada comunicação advinda do subsistema carcerário,
por exemplo, está presente também parte do subsistema penal como um todo, com toda a
carga de deficncias que são transportadas pelos indivíduos para fora das grades via
comunicação, ao passo que - contrário senso os benefícios penais (progressão de regime,
livramento condicional) funcionam como um verdadeiro mecanismo de realimentação das
mazelas carcerárias.
No tocante ao crime organizado não é diferente. A toda ação (unidade) (corrupção, por
exemplo) está presente não a parte, mas o todo, integrado e interagido com o subsistema
lícito, portanto, impossível ser compreendido de maneira cartesiana.
Em relação ao terceiro e quarto princípio, a idéia do pensamento complexo quebra
com as idéias lineares, observando processos auto-reguladores e auto-organizadores, ou seja,
na linguagem luhmanniana autopoiése – capaz de permitir a autonomia do sistema. Sobre o
subsistema carcerário, mais uma vez utilizado como exemplo, referida questão fica evidente,
na medida em que os presos que cumprem pena privativa de liberdade praticamente ignoram
o Código Penal ou parte dele, bem como as normas internas da administração carcerária. Diz-
se isso porque os presos criam seus verdadeiros digos de conduta, tamanha é a organização
que surgem dentro de um universo carcerário de riquíssimas possibilidades, ou seja, as
penitenciárias são altamente autopoiéticas.
A respeito do quinto princípio, ao mesmo tempo em que um pensamento complexo
tem a marca da autorregulação e da auto-organização, isso acaba por gerar uma verdadeira
autonomia e independência dos sistemas. Assim, conforme Morin, “o princípio da auto-
ecoorganização vale, evidentemente, de maneira específica para os humanos, que
desenvolvem sua autonomia dependentes da sua cultura, e para as sociedades que dependem
de um ambiente geoecológico (2003, p.73). Luhmann vai trabalhar este idéia a partir da
comunicação, cujas interações sistêmicas irão possibilitar essa autonomia.
Em relação ao sexto princípio, a questão dialógica procura unir as noções ao invés de
separá-los, uma vez que o indissociáveis. Nas palavras de Morin, “a dialógica permite-nos
aceitar racionalmente a associação de noções contraditórias para conceber um mesmo
fenômeno complexo” ( 2003, p.74). No subsistema do direito, tal concepção é primordial,
que não se pode aceitar a solução de uma única direção, sob pena de não desvelamento dos
fenômenos penais de alta complexidade.
No sétimo princípio, busca-se agregar as idéias advindas até o presente momento do
pensamento linear, ou seja, embora ocorra um visível rompimento epistemológico, não se
pretende sobrepor o pensamento sistêmico complexo em relação a tudo aquilo que fora
73
estudado e descoberto até o presente momento. Trata-se de reintroduzir as questões em um
novo paradigma de conhecimento, ao qual, sem vida, o sistêmico encontra-se mais
adequado para tratar as demandas advindas no seio dessa nova forma de sociedade.
Nessa linha de pensamento, próxima a uma revolução epistemológica, vale destacar,
mais uma vez, as palavras de Morin:
A segunda revolução científica, mais recente, ainda inacabada, é a revolução
sistêmica, que introduz a organização nas ciências da terra e a ciência ecogica; ela,
sem vida, se prolongará como revolução de auto-ecoorganização na biologia e na
sociologia. O pensamento complexo é, portanto, essencialmente, o pensamento que
lida com a incerteza e que é capaz de conceber a organização. Trata-se de pensamento
capaz de reunir, contextualizar, globalizar, mas ao mesmo tempo de reconhecer o
singular, o individual, o concreto (2003, p.77) [Grifo nosso].
Sendo assim, não resta vida de que o subsistema penal atual carece de tais
mecanismos sistêmicos de observação e controle, notadamente, nos fenômenos penais
complexos abordados até aqui. De igual sorte, os referenciais teóricos tradicionais precisam
ser revistos, com a finalidade de construir a ponte entre o defasado direito penal e a s-
modernidade, o que parece ser possível com a obra de Niklas Luhmann, conforme se verá a
seguir.
2.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS DUAS GRANDES FASES DA OBRA DE
LUHMANN: DO FUNCIONALISMO À AUTOPOIESE E SUA POSSIBILIDADE DE
APLICAÇÃO NO DIREITO PENAL
A matriz pragmática-sistêmica de Niklas Luhmann, aqui, abordada como referencial
teórico da presente pesquisa, pode ser dividida basicamente em duas grandes fases, a saber: o
funcionalismo de Parsons e a autopoiese (Maturana / Varela).
Cumpre neste momento, trazer para o universo do subsistema penal alguns referenciais
surgidos na fase da obra Luhmann (utilizando-se do funcionalismo estrutural de Parsons),
tais como: sistema social, complexidade (já analisada no subitem 2.2.1), contingência,
comunicação, limites, diferenciação funcional, Código e função.
Primeiramente, deve-se apontar que é possível descrever um sistema social sem ficar
atrelado a uma sociologia clássica, insuficiente para tratar de questões complexas
(SCHWARTZ, 2005).
Essa parece ser a primeira grande (des)coberta do pensamento luhmanniano, ou seja,
observar que as ferramentas tradicionais interpretativas não podem ser utilizadas para analisar
74
fenômenos nada convencionais, aos quais o direito e em especial o direito penal e processual
penal não estão acostumados a lidar.
Assim, em um primeiro momento, estando o crime organizado inserido no sistema
penal (subsistema), parece claro que uma teoria dos sistemas (uma mega teoria como pretende
Luhmann), tenha muito a acrescentar ao Direito Penal. Desde logo, é possível identificar que
a teoria dos sistemas luhmanniana pode, sim, servir de referencial ao direito penal, na medida
em que se torna possível a partir de seus aportes, observar o que até então era impossível ser
observado, bem como admitir que as variantes do subsistema penal ou as ações do crime
organizado, poderiam ser tomadas de forma diversa.
Nesse sentido, a continncia parece ter espaço no universo do subsistema penal.
Segundo Schwartz (2005, p.70) “ela reside no fato de que as possibilidades apontadas para as
demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas. Disso se deduz que a contingência
possui, intrínseca, a possibilidade de desapontamento.
Outro aporte da teoria sistêmica que também parece ter lugar no universo do
subsistema penal é a questão da comunicação, notadamente, quando se refere ao crime
organizado.
Sob esse prisma, Villas Boas Filho salienta, verbis:
A definição da comunicação enquanto unidade sintética de três operações
seletivas (mensagem, informação e compreensão) é, ademais, fundamental à
sustentação do pré-requisito da clausura operacional nos sistemas sociais. Como se
sabe, os sistemas autopoiéticos são sistemas operativamente fechados, não obstante
sejam cognitivamente abertos. Ora, para que a sociedade, entendida como sistema
autopoiético, possa estar baseada na comunicação, é preciso que ela inclua as três
operações seletivas indicadas acima, de modo a torná-las parte do sistema, pois,
caso contrário, seria forçoso admitir a possibilidade de informação, de mensagem
ou de compreensão fora da sociedade, oque para Luhmann é inconcebível, uma vez
que a sociedade é um sistema social que, pautado na comunicação, deve abranger
toda a comunicação possível. Não há, nem pode haver, comunicação entre a
sociedade e o ambiente. A comunicação é uma operação exclusivamente social.
Ocorre apenas no âmbito da sociedade, podendo certamente ser irritada por fatores
egenos, os quais, entretanto, são vertidos em comunicação para poderem ter
ressonância na sociedade. Entretanto, essa caracterização somente é possível se a
comunicação for definida não como uma ação ou como uma classe especial da
ação, como é o caso da ação comunicativa de Habermas, mas como síntese das três
operações seletivas apontadas acima (2009, p.39/40).
Nesse aporte sobre a comunicação reside uma das maiores críticas de impossibilidade
de aplicação da teoria dos sistemas de Luhmann ao universo do subsistema penal, em especial
75
o direito penal. Todos sabem que o direito penal tradicional
80
, sempre esteve calcado na
questão central da pessoa humana e sua dignidade.
Na teoria sistêmica, Luhmann a comunicação como sendo algo central no universo dos
sistemas sociais. Isso por si parece inviabilizar toda e qualquer possibilidade de aplicação
da teoria dos sistemas ao subsistema penal (direito penal), na medida em que há um
deslocamento do centro das atenções: da pessoa humana à comunicação.
Sobre isso, é importante destacar o pensamento de Schwartz para quem, in verbis:
Portanto, a sociedade é comunicação. E tudo o que se comunica faz parte da
sociedade ou é sociedade.A sociedade é uma realidade com clausura auto-referencial
ordenada de forma auto-subsititutiva, de vez que tudo que deve ser substutuído ou
mudado, em seu interior, deve ser mudado ou substituído a partir de seu próprio
interior. É assim que a sociedade se comunica, se transforma e se complexifica (2005,
p.71).
Nesse prisma, registrado o verdadeiro deslocamento do centro das atenções dos
sistemas sociais, alguns críticos apressados não admitem a impossibilidade de aplicação da
teoria dos sistemas de Luhmann ao direito penal, pois o fato de uma sociedade ser composta
basicamente por comunicação (mensagem, informação, compreensão), implicaria em deixar
em segundo plano a sua composição através de cidadãos, ou seja, da pessoa humana,
rompendo, pois, com o princípio da dignidade.
Segundo Clam, esse deslocamento é evidenciado da seguinte maneira, in verbis:
O sistema luhmanniano determina o sistema como diferença(sistema-
ambiente) e o pensa como enclausurado sobre sua própria auto-referência. A
conseqüência desta desontologização” é um anti-humanismo metodológico que
recusa conceber os sistemas sociais à partir de indivíduos-atores que pretendidamente
os constituem. Ela se equipara a uma renovação radical do aparato categórico e
conceitual. Isso atribui à sociologia luhmanniana, um caráter de fábrica de
interdisciplinaridade: a teoria da auto-organização autopoiética (Maturana, Varela), a
neo-cibernética (v.Förster), a teoria da comunicação (Bateson), a gica operativa
(G.Günter) ou diferencialista (G.Spencer Brown), a teoria da desconstrução textual
(Derrida), são as suas principais fontes. (2005, p. 153)
No entanto, tal deslocamento realizado por Luhmann (pessoa humana / comunicação),
parece ser insuficiente para afastar por completo a teoria dos sistemas do direito penal. Isso
porque, obviamente, as comunicações partem das diversas relações estabelecidas entre as
pessoas humanas, que continuam sendo observadas e valoradas no universo do sistema social.
80
Conforme destacado no item 2.2.1 a opção pelo paradigma sistêmico e complexo, embora implique em uma
ruptura epistemológica, não implica na necessidade de serem abandonados os outros modelos, pois não se trata
de uma sobreposição de teorias, mas de um acréscimo às concepções até então predominantes.
76
Se não sociedade sem comunicão, como quer Luhmann, obviamente que o
comunicação sem pessoas humanas. Por isso entende-se inapropriada a crítica que entende
impossível a aplicação da teoria dos sistemas ao direito penal. Essas referidas críticas
constituem em um exacerbado conservadorismo, ao invés de se admitir as bases do novo.
No que abrange aos limites, pode-se afirmar que os sistemas sociais estão atrelados ao
sentido como processo originário da comunicação (SCHWARTZ, 2005), ou seja, as fronteiras
dos sistemas são fronteiras de sentido. Schwartz sublinha, ainda, que “o sentido é, em
verdade, o meio pelo qual o sistema traz para si a complexidade do seu entorno. O horizonte
de possibilidades dado pelos sistemas reside na unidade de sua diferença com o entorno”
(2005, p.73).
No caso do Direito Penal, pode-se assegurar que tais fronteiras podem ser atribuídas
aos direitos fundamentais, notadamente, quando reinvindicados dentro dos sistemas sociais.
Assim, a complexidade que se encontra no entorno, são trazidas para o universo do sistema.
em relação ao direito de forma funcionalmente diferenciada, é possível diagnosticar
que este processo de diferenciação é permanente, realizado através dos diversos subsistemas.
Para que o direito seja assim encarado, em especial o Direito Penal, torna-se necessário que
após o resultado de suas relações com o ambiente, opere-se certo isolamento, sem que, no
entanto, fique imune aos ruídos do seu entorno.
Conforme Luhmann:
A instauração de mecanismos reflexivos torna necessário um certo
isolamento contra a interferência de processos diferentes. Um tal insulamento de
processos reflexivos só pode ser garantido na realidade social através da diferenciação
e da especificação de sistemas sociais parciais correspondentes.Nessa medida, a
reflexividade correlaciona-se com a diferenciação funcional:por causa da
diferenciação ela torna-se necessária, mas é a diferenciação que a possibilita (1983,
p.18).
A questão a saber nesse tópico é como o subsistema do direito penal pode ser
entendido com a categoria da diferenciação funcional. Assim, dado a dificuldade de
conceituação do crime organizado, por exemplo, justamente porque o normativismo não
consegue observar a complexidade que está em seu entorno - torna-se necessário observar as
questões que estão na periferia do subsistema normativo penal. O objetivo é observar
observar, até mesmo o que não é o crime organizado, para posteriormente, comunicando-se
com o ambiente e seus diversos subsistemas, ir criando as diferenciações necessárias a fim de
identificar quais caractesticas das organizações criminosas estão presentes a ponto de
merecer ou não uma análise do direito penal.
77
Por exemplo, nem toda a facção criminosa (tratada no capítulo I) constitui
necessariamente uma organização criminosa. Assim como as quadrilhas e bandos, por sua
especificidade e diferenciação, podem ter ou não as características do crime organizado.
Melhor dizendo: aquilo que deve ser tratado pelo direito penal como crime organizado, nem
sempre vai surgir no universo do próprio direito penal, pois são os outros subsistemas
(políticos, econômicos, tecnológicos) que em constantes interações com o subsistema penal
irão possibilitar o diagnóstico das organizações lícitas ou ilícitas.
Sobre essas considerações, o sociólogo alemão salienta:
Isso não significa que o direito surge a partir de si mesmo, sem um estímulo
externo; mas sim que só se torna direito aquilo que passa pelo filtro de um processo e
através dele possa ser reconhecido. Nesse mesmo sentido, a diferenciação do direito
o quer dizer que o direito não tem nada a ver com as outras estruturas,
regulamentações e formas de comunicação social e estaria como que solto no ar; mas
tão- que agora o direito está mais consequentemente adequado à sua função
específica de estabelecer a generalização congruente de expectativas comportamentais
normativas, aceitando dos outros âmbitos funcionais apenas aquelas vinculações e
aqueles estímulos que sejam essenciais para essa função especial (LUHMANN, 1983,
p.19).
Assim, sob essa perspectiva, a diferenciação funcional pode sim servir ao subsistema
penal, na medida em que esse, constantemente, se diferencia das questões ligadas ao crime
organizado. Isso efetivamente traz uma mudança, pois além do direito ser visto com um
sistema funcionalmente diferenciado, as questões relacionadas à justiça ficam à margem do
direito, e constituem, antes de tudo, um princípio de natureza ética (LUHMANN, 1983).
Segundo o próprio professor alemão, “[...] processos reflexivos pode ser garantido
na realidade social através da diferenciação e da especificação de sistemas sociais parciais
correspondentes. Nessa medida, a reflexividade correlaciona-se com a diferenciação funcional
[...]” (LUHMANN, 1983, p. 17/18). Pode-se, assim, concordar com as idéias de Trindade,
para quem “a diferenciação funcional é o ponto central de qualquer sistema autopoiético
(2008, p.133).
Não dúvida de que o subsistema penal pode ser visto com os aportes da
diferenciação funcional, pois diversas são as estruturas que o compõem (decisões jurídicas,
legislativo, judiciário, penitenciárias, polícia, doutrinas, jurisprudência) sendo que só vai
interessar ao direito penal, aquilo que irá passar pelo seu próprio filtro, fazendo com que sua
diferenciação afaste do subsistema penal aqueles elementos que lhe são estranhos.
78
Isso pode trazer uma grande ajuda à dogmática jurídica, porque ela não é capaz de
observar os fenômenos que estão no seu entorno.
81
Sob essa ótica, pode-se agregar que os
fenômenos penais complexos podem servir-se dos pprios princípios constitucionais penais
(legalidade, culpabilidade, proporcionalidade, dentre outros) para realizar, caso a caso, a
diferenciação funcional mais pertinente, capaz de gerar uma melhor autonomia do subsistema
penal, a partir de sua própria auto-regulação.
Assim, cabe destacar mais uma vez o pensamento de Trindade, para quem in verbis:
Para que os Direitos fundamentais passem a ser aceitos como uma
diferenciação do sistema jurídico, faz-se indispensável a verificação de um código
binário que possa realizar a diferenciação dos seu entorno. Esse código é a
representação da seleção que deve ocorrer entre interior e exterior de um sistema
autopoiético (2008, p.135).
Dessa forma, o crime organizado não pode ser um conceito estritamente fechado,
incapaz de receber as influências do meio social altamente complexo em que está inserido
82
.
Ele necessita de uma abertura para outros subsistemas, para que se possibilite o posterior
fechamento de seu verdadeiro significado, utilizando-se do código binário proposto por
Luhmann para determinar o seu universo de atuação, a ponto do direito penal poder intervir
com uma melhor eficácia e com verdadeiros mecanismos capazes de proporcionar uma
completa observação dos fenômenos criminais de alta complexidade.
2.3.1 O subsistema penal e o crime organizado em uma perspectiva sistêmica-
autopoiética
Como apontam os estudiosos da teoria sistêmica luhmanniana, a segunda fase da obra
de Luhmann é marcada pela idéia de autopoiése.
Mais uma vez cabe apontar que a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann é
considerada a mais adequada para tratar com fenômenos complexos, tal como vem se
mostrando o direito penal no final do culo XX e início do século XXI, seja através de
facções criminosas ou na expressão do crime organizado. Considera-se a mais recomendada
81
O que não está nos Códigos não existe.
82
Nessas condições o direito, e mesmo suas bases, não podiam satisfazer as novas necessidades metódicas de
certeza absoluta na transferibilidade intersubjetiva das concepções. Além disso, o direito o era mais capaz de
absorver em sua própria estrutura o elevado risco implícito no novo conceito de verdade, seu caráter apenas
hipotético e a constante possibilidade de seu falseamento através da pesquisa descentralizada (!). Isso forçou
uma distinção radical entre a verdade cienfica e o direito, e ainda a adequação de ambos aos respectivos riscos
(LUHMANN, 1983, p.24/25).
79
para os fenômenos penais complexos, na medida em que rompe com alguns postulados
cartesianos de análise linear do conhecimento e consequentemente dos fenômenos jurídicos,
para calcar-se em uma perspectiva sistêmica, que valoriza o todo a partir da intercomunicação
de suas diversas partes.
O conceito de autopoiese parte de algumas categorias advindas da biologia
diagnosticadas por Humberto Maturana e Francisco Valera, aos quais sabiamente Luhmann
transportou para o universo dos sistemas sociais.
Assim, primeiramente, a autopoiese é um conceito da biologia a qual procura explicar
o funcionamento dos organismos vivos através de um padrão de organização e das diversas
interações ou acoplamentos estruturais que se desencadeiam no interior dos sistemas vivos.
A célula humana é o exemplo mais preciso do que se entende por um organismo
autopoiético, pois, “não há, na natureza, um sistema autopoiético mais simples do que uma
célula [...]” (CAPRA, 1996, p.159).
Vale enfatizar as palavras de Neves, para quem in verbis:
O conceito de autopoiese tem sua origem na teoria biogica de Maturana e
Varela. A palavra deriva etimologicamente do grego autos (por si próprio) e poíesis
(criação, produção). Significa inicialmente que o respectivo sistema é construído
pelos próprios componentes que constrói. Definem-se então os sistemas vivos como
quinas autopoiéticas: uma rede de processos de produção, transformação e
destruição de componentes que, através de suas interações e transformações,
regeneram e realizam continuamente essa mesma rede de processos, constituindo-a
como unidade concreta no espaço em que se encontram, ao especificarem-lhe o
domínio topológico de realização. Trata-se, portanto, de sistemas homeostáticos,
caracterizados pelo fechamento na produção e reprodução dos elementos (2007,
p.127).
Já o professor Rocha entende a autopoiese da seguinte maneira, in verbis:
O sistema autopoiético é aquele que é simultaneamente fechado e aberto, ou
seja, é um sistema que tem repetição e diferença, tendo que equacionar no seu interior
esse paradoxo, que os operadores do direito vão usar como critério para tomar
decisões. Assim, a iia de autopoiese surge como uma necessidade de se pensar
aquilo que o poderia ser pensado (ROCHA, 2005, p.38).
Muito se discute a possibilidade de se aplicar os aportes autopoiéticos ao sistema
social, mesmo que, originariamente, a autopoiese tenha sido determinada para outros fins
(biológicos, notadamente), pois “O problema maior é que a autopoiese foi definida com
precisão para sistemas no espaço físico e para simulações, por meio de computador em
espaços matemáticos”. (CAPRA, 1996, p.171).
80
Capra procura sustentar sua assertiva, salientando que “os seres humanos podem
escolher se querem obedecer, ou como querem obedecer, a uma regra social; as moléculas não
podem escolher se devem ou não interagir” (1996, p.172).
Os pioneiros da autopoiese no campo da biologia Humberto Maturana e Francisco
Varela apresentam opiniões distintas a respeito da aplicabilidade dos conceitos de
autopoiese nos subsistemas sociais.
Nesse sentido, mais uma vez Capra salienta:
Maturana não concebe os sistemas sociais humanos como autopoiéticos, mas
sim como o meio no qual os seres humanos realizam sua autopoiese biológica por
intermédio do linguageamento” (“languaging”). Varela sustenta que a concepção de
uma rede de processos de produção, que está no próprio âmago da definição de
autopoiese, pode não ser aplicável além do domínio físico, mas que uma concepção
mais ampla de “fechamento organizacional” pode ser definida para sistemas sociais.
Essa concepção mais ampla é semelhante à de autopoiese, mas não especifica
processos de produção. A autopoiese, na visão de Varela, pode ser vista como um
caso especial de fechamento organizacional, manifesto no nível celular e em certos
sistemas químicos (1996, p.172).
A verdade é que Luhmann foi quem migrou o conceito de autopoiese para o campo
dos sistemas sociais, tendo ênfase a questão da linguagem na sociedade e das diversas
expectativas que são criadas em torno das relações de interação.
De acordo com segundo o professor de Viena:
Essa escola de pensamento foi introduzida na Alemanha pelo sociólogo
Niklas Luhmann, que desenvolveu a concepção de autopoiese social de maneira
consideravelmente detalhada. O ponto central de Luhmann consiste em
identificar os processos sociais da rede autopoiética como processos de
comunicação: os sistemas sociais usam a comunicação como seu modo particular de
reprodução autopoiética. Seus elementos são comunicações que são...produzidas e
reproduzidas por uma rede de comunicações e que não podem existir fora dessa rede
(CAPRA, 1996, p. 172) [Grifo nosso].
Nesse contexto do século XXI, a autopoiese surge para o direito - ousa-se dizer -
também para o direito penal e seus fenômenos fragmentados - como uma nova fonte de
interpretação para o observador.
Nessa linha de idéias, Clam leciona, verbis:
Começaremos nossa exploração do Direito autopoiético por seus aspectos
“clássicos”. Unidade, autonomia, fronteiras do sistema jurídico. Tais conceitos, dito
de outra forma, referem que um sistema e não vários – permite sua autodefinição,
identificando suas próprias operações na mesma proporção dos aspectos que devem
ser repensados por intermédio de novas figuras de autopoiese. Ora, até então a
teoria havia tentado compreender a quase totalidade dos femenos do Direito
funcionalmente diferenciado a partir dos processos de positivação (2005, p.113)
[grifo do autor].
81
É necessário frisar que a teoria dos sistemas autopoiéticos de Niklas Luhmann, ao
contrário do que se pensa, dada a complexidade que também está presente nas práticas
processuais, pois espelham o cotidiano social, deixou de ser considerada uma teoria de alta
abstração para ganhar contornos práticos e efetivos.
Nesse sentido, vale registrar, ainda que firmada em autos de processo civil nos quais
se discute a dissolução de uma complexa sociedade rural, que os aportes luhmannianos se
encontram firmados em decisão judicial, onde procurou reduzir complexidade, conforme se
nota pelo anexo C.
A partir de tal decisão, proferida nos autos do processo número 10300041232 da
Vara Cível da Comarca de Cruz Alta, ainda que timidamente, pode-se apontar que constitui a
primeira sentença judicial calcada nos aportes luhmannianos, verdadeiro marco na história do
Poder Judiciário brasileiro.
Essas breves constatações práticas e não somente teóricas, evidenciam a importância
da teoria dos sistemas para a observação de conflitos no âmbito da prática jurídica, de
fundamental importância para se compreender e observar o direito no contexto da
complexidade, marca da sociedade pós-moderna, uma vez que, a autopoiese pode servir como
estrutura reguladora da unidade do direito penal na pós-modernidade.
2.3.2 A inserção do risco ao subsistema penal na pós-modernidade via tipicidade
A dinâmica e a complexidade das diversas relações estabelecidas nos sistemas sociais
fazem com que na atualidade a questão do risco nunca tenha estado tão presente, podendo
servir de aporte para o observador na tomada de novos processos decisórios.
O risco é inerente aos sistemas sociais, ou melhor, “na sociedade complexa, o risco
torna-se um elemento decisivo”. (ROCHA, 2005, p.36). A equalização do risco na sociedade
pós-moderna e sua inserção no direito penal para que o cometimento de alguns delitos possam
assim ser analisados é uma das questões cruciais deste subitem, ao lado da indagação se o
direito penal deve ou não abarcar tal categoria no interior do seu subsistema e através de qual
elemento da teoria geral do delito?
Ainda que a tradição do direito penal não deva ser menosprezada em hipótese alguma
- direito penal finalista, garantista e humanitário - pois, conforme destacado no subitem 2.2, o
pensamento sistêmico e complexo e as matrizes que melhor tratam da temática, não
82
necessariamente precisa se sobrepor a teorias e métodos epistemológicos historicamente
concebidos, mas sim agregar aos mesmos mecanismos de melhor compreender a
complexidade que está no entorno dos subsistemas (muito mais do que dentro dele).
Assim, é notória a inserção do risco no universo dos subsistemas sociais e
consequentemente no direito, uma vez que se fala em risco até mesmo da própria mantença da
espécie humana, o que acaba por contagiar os demais subsistemas, tais como o direito
ambiental, o direito do consumidor, o direito a saúde e porque não dizer, o direito penal e suas
variantes pragmáticas e teóricas.
O risco acaba por produzir comunicação no direito, pois se encontra no entorno do
sistema, local fértil em manifestações que devem, sim, ser observadas pelo subsistema do
direito penal, obviamente que tão somente nos limites que lhe cabe (limites de sentido).
Destaca-se mais uma vez o pensamento do professor Rocha, que tendo como
referência os aportes luhmannianos, leciona, in verbis:
O risco é um evento generalizado da comunicação, sendo uma reflexão sobre
as possibilidades de decisão. Na literatura tradicional, o risco vem acompanhado da
reflexão sobre a segurança. Nesta ótica, Luhmann prefere colocar o risco em oposição
ao “perigo”, por entender que os acontecimentos sociais são provocados por decisões
contingentes (poderiam ser de outra forma) queo permitem mais se falar de decisão
segura. A sociedade moderna possui condições de controlar as indeterminões, ao
mesmo tempo que não cessa de produzi-las. Isto gera umparadoxo” na comunicação.
Nesta ordem de raciocínio, concordamos com Luhmann, no sentido de que a
pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova concepção da sociedade
centrada no postulado de que o risco é uma das categorias fundamentais para a
sua compreensão (ROCHA, 2005, p.36) [Grifo nosso].
Sendo assim, qualquer pesquisa que pretenda colocar um pé na pós-modernidade, não
deve desconsiderar a categoria do risco. No universo do subsistema penal por exemplo, em
especial o subsistema carcerário, existe uma constante ligação com os demais subsistemas,
que gradativamente vão realizando diversos acoplamentos estruturais com a comunidade
desencarcerada, também eivada de riscos e paradoxos, devendo o direito penal recepcionar
estas categorias para o fim de - no processo decisório buscar sua autonomia a partir da
autorregulação.
Na grande parte das ações realizadas pelo crime organizado, por exemplo, a questão
do risco aparece como central, na medida em que as ações do crime organizado podem
envolver um número indeterminado de pessoas que acabam sendo atingidas de maneira
83
reflexiva por tais práticas, sem falar no modus legislandi do poder legislativo
83
brasileiro, que
menospreza por completo questões contingenciais.
Isso evidencia que, no subsistema penal, a questão do risco adquire uma importância
ímpar, o que vem gerando uma acirrada discussão entre os operadores penais/observadores
penais, uma vez que a inserção dos aportes sistêmicos para o universo do direito penal acaba
por causar - aparentemente - um verdadeiro terremoto em todas as estruturas penais clássicas.
Assim, pode-se afirmar que a característica do direito penal na sociedade de risco
acaba por causar uma “desorganização dos argumentos gicos e legitimadores das decisões
do próprio sistema” (NETTO, 2006, p.83). Logicamente que a inserção do risco no universo
do direito penal está longe de se tornar algo pacífico e majoritário (doutrinária e
jurisprudencialmente), sendo que tal adequação, sem dúvida, deve ser realizada em respeitos
aos direitos fundamentais.
Também é verdade que o direito penal não deve ficar imune aos ruídos de seu entorno,
sob pena de continuar sendo uma ciência obsoleta para tratar dos problemas da sociedade pós-
moderna, tais como as manifestações decorrentes das complexidades delitivas tais como
abordadas até aqui.
Nessa esteira, não seria exagero afirmar que o direito penal encontra-se em uma nova
era dogmática, que não necessariamente precisa sobrepor-se à dogmática tradicional,
conforme destacado, mas tão somente acrescer alguns elementos conceituais e práticos
aptos a abarcar a complexidade da sociedade atual.
Mais uma vez, é relevante frisar as palavras de Salvador Netto, para quem in verbis:
O momento da ciência penal, assim, é um momento de incertezas e
questionamentos, uma vez que sua construção, como formato de relações sociais
determinadas, o mais espelha a realidade concreta, restando d a afirmação da
contrariedade entre formas e relações de produção (NETTO, 2006, p.83).
A nova realidade social deve-se, basicamente, às novas relações advindas da
tecnologia, da informática, do meio ambiente, e no que se refere ao direito penal e à presente
pesquisa, por que não dizer, do crime organizado. Todos esses fatores e fenômenos são
altamente detentores de riscos sociais, principalmente tratando-se do Direito Penal riscos
estes que não conseguem ser controlados, sequer observados pelo direito penal tradicional,
83
Nesta linha de idéias, cabe salientar que as leis penais jamais passaram por uma análise sistêmica entre si,
tampouco levando em consideração as orientações da Constituição de 1988, limitando-se a argüir-se,
basicamente, a (in)constitucionalidade das leis. Não há sistematização. Criam-se leis penais sem levar em
consideração outras leis penais existentes, sem observar os bens jurídicos envolvidos e os significados de
determinadas orientações políticas criminais, gerando, não raras vezes, uma verdadeira bagunça legislativa.
84
firmados em tempos de certeza, devido, basicamente, a uma questão: ser portador de
elementos de baixa complexidade.
84
Esses reflexos dos novos tempos não devem ser desconsiderados pelo subsistema do
direito, sendo que sua diferenciação funcional atrelada ao Código Direito/não direito, acabará
por determinar o universo de sua atuação, ou seja, o subsistema do direito penal deve ser
aberto
85
para observar os fenômenos sociais que necessitam de sua interferência. Ao mesmo
tempo precisa ser fechado para se autoregular, afastando do sistema aquilo que não deve ser
objeto de sua observação, árduo trabalho para o observador, que o pode ignorar preceitos
fundamentais, sob pena de a teoria sistêmica servir para fins distantes das idéias do Estado
Democrático de Direito.
Ainda quanto ao aparente abalo das estruturas penais clássicas causadas pela questão
do risco, destaca-se, in verbis:
Na formulação de BECK – como de outros autores como GIDDENS e
LUHMANN surgiu a sociedade do risco, onde as estruturas são explodidas por
completo pela afirmada modernização reflexiva, colocando-se o afastamento da
realidade imposta na simples causalidade, e trazendo uma nova modalidade de
convivência capitalista demarcada na figura dos riscos, da necessidade preventiva, do
perigo da autodestruição; todos trazidos pelos “sapatos silenciosos da modernidade”,
hoje questionadores do anterior encantamento com o controle possível e absoluto das
ciências e da tecnologia (NETTO, 2006, p.88) [grifo do autor].
Se o direito penal não deve tratar das contingências do mundo pós-moderno, a questão
do risco deve ser ignorada por completo, mantendo-se a estrutura de análise tão somente com
os postulados finalistas e garantistas, indispensáveis para um determinado momento histórico,
mas talvez insuficiente para o momento atual, uma vez que tais orientações teóricas ficam
adstritas à proteção dos direitos e liberdades individuais, o avançando em questões
contingenciais de alta complexidade. Isso parece, mais uma vez, por firmar a teoria sistêmica
de Luhmann como o referencial adequado para ser utilizado pelo subsistema penal,
especialmente para fenômenos penais complexos.
Por outro lado, se o direito penal pretende comunicar-se de “igual para igual” com a
sociedade pós-moderna, não dúvida de que necessita abarcar em seu universo a categoria
do risco, como mais uma ferramenta (ao lado do finalismo e garantismo), para tratar da
84
Com isso não se quer dizer que o direito penal clássico, especialmente sua aplicação seja considerado
demasiadamente fácil, pois se estaria ignorando a dificuldade advindas de questões relacionadas ao instituto da
prescrição, por exemplo. Dificuldade não se confunde com complexidade.
85
Em outras palavras, o conteúdo e extensão dos tipos penais incriminadores passam a ser delimitados não por si
mesmos, conforme pretendeu o padrão clássico, mas através de fatores sociais (exógenos) incorporados ao
sistema de forma racional pela imputação objetiva (NETTO, pag. 128).
85
criminalidade de alta complexidade. Nesse sentido, sublinhe-se que abarcar a figura do risco
torna-se mister para a tentativa de compreensão das decisões no mundo s-moderno e,
principalmente, na área criminal”. (SCHWARTZ, in CALLEGARI, GIACOMOLLI, KREBS,
2001, p.42).
Assim, respondendo as indagações formuladas no início deste tópico, parece claro que
a comunicação entre risco e direito penal, deve dar-se no campo da teoria geral do delito,
notadamente na tipicidade, justamente porque tal elemento da figura delitiva o comporta
descrição de questões penais de maior complexidade.
Isso se evidencia, por exemplo, quando os doutrinadores de direito penal não
conseguem atribuir com exatidão o que verdadeiramente significa - juridicamente falando o
crime organizado no Brasil, ainda que tenhamos legislação específica para tanto.
86
Assim, mais uma vez destaca-se o pensamento de Schwartz, para quem in verbis:
O risco pode ser entendido como um evento generalizado presente em todas
as camadas da sociedade e que se espalha via comunicação, qualquer que seja sua
forma, e que é intrínseco a qualquer ato decisional.Uma sentença penal que analisa os
requisitos do art. 59, do CP, é um decisum de alto risco, pois não certeza alguma
que o juiz saiba exatamente, para exemplificar, o comportamento da vítima. Na
Direito Penal, por exemplo, quando o legislador-programador tem que tomar uma de
decisão a respeito da criminalização ou não do aborto, qualquer que seja o sentido da
decisão, é uma decisão de risco e que somente foi tomada porque poderia ser adotada
a outra possibilidade. Veja-se: o importante é a decisão, que deveria (e foi) tomada.
Mas não se pode negar que ela pode ser falível (SCHWARTZ, in CALLEGARI,
GIACOMOLLI, KREBS, 2001, p.36).
Utilizando-se mais uma vez dos aportes luhmannianos referendados por Netto, vale
destacar, in verbis:
A integração do risco no delito, trazendo-o para a própria configuração da
tipicidade, possui claramente uma de suas bases de elaboração na sociologia de
LUHMANN, onde o direito se coloca com uma estrutura de importante correlação
com a sociedade dinâmica, entendida como um macro sistema estruturado pelo
sistema jurídico dotado de interesses sobre o meio envolvente (2006, p.95).
É importante frisar, novamente, que não se advoga pela inserção do risco como uma
forma de rompimento com os direitos fundamentais, até porque Luhmann não ignora a
Constituição como unidade integrante dos sistemas sociais. Assim, “não se trata de ser mais
ou menos garantista na defesa dos corolários clássicos em detrimento do ‘direito penal do
risco’, mas simplesmente notar as alterações das relações sociais” (NETTO, 2006, p. 106).
86
Se Luhmann aborda a Constituição como sendo um acoplamento estrutural entre o
direito e o sistema político, como se pode pensar que os direitos fundamentais estariam fora
das análises sistêmicas?
Buscando sustentação para essa assertiva, sublinhem-se as palavras de Neves, in
verbis:
É possível também uma leitura no sentido de que a Constituição na acepção
moderna é fator e produto da diferenciação funcional entre direito e política como
subsistemas da sociedade. Nessa perspectiva, a constitucionalização apresenta-se
como o processo através do qual se realiza essa diferenciação. De acordo com esse
modelo, Luhmann define a Constituição como acoplamento estrutural” entre
potica e direito. Nessa perspectiva, a Constituição sem sentido especificamente
moderno apresenta-se com uma via de “prestações” recíprocas e, sobretudo, como
mecanismo de interpenetração (ou mesmo de interferência) entre dois sistemas
sociais autônomos, a política e o direito, na medida em que ela possibilita uma
solução jurídica do problema de auto-referência do sistema político e, ao mesmo
tempo, uma solução política do problema de auto-referência do “sistema jurídico”.
[...]Através da Constituição como acoplamento estrutural, as ingerências da política
no direito não mediatizadas por mecanismos especificamente jurídicos são
excluídas e vice-versa. (2007, p.65/66).
Sendo assim, ainda que se fale em ums-iluminismo ou pós-finalismo, como se verá
no capítulo a seguir, além de preciso é possível realizar a inserção do risco de acordo com os
preceitos constitucionais.
Novamente busca-se respaldo nas palavras de Netto:
Neste sentido, a impossibilidade do tipo penal em tutelar esta nova realidade
faz-se explicativa.Esta mesma constatação coloca o direito penal na encruzilhada de
permitir a alteração de seus corolários clássicos – com todas as críticas pertinente – ou
assumir, definitivamente, sua passividade em face de todo o ocorrido. As novas
tendências de tipicidade penal vêm apontando para a readaptação que o sistema
jurídico vem fazendo diante das atuais relações sociais. O mercado financeiro e de
capitais e os padrões de comportamento nestes inseridos, o controle da remessa de
divisas, a introjeção no mercado de capitais provenientes do crime (lavagem de
dinheiro), a confiabilidade nos valores mobiliários, a degradação do meio ambiente, a
energia nuclear, entre outros, são fenômenos da sociedade de risco que o direito penal
começa a reconhecer por meio da tipificação (2006, p.181).
Esse ponto da pesquisa traz outra questão crucial. Como falar em tipicidade
87
que
abarque o risco e questões de alta complexidade, se toda a estruturação dos tipos penais está
calcada na descrição xima das condutas delitivas, o que não se mostra mais possível em
tempos de incerteza, inclusive advindas das questões penais, tais como o crime organizado?
87
O mais importante, contudo, é como o direito penal, tendo em vista a necessidade de tutela destes novos bens
jurídicos impostos pela reflexividade da sociedade de risco, direciona a tipicidade para tal controle. (NETTO,
2006, p. 181)
87
Ainda: - como trabalhar tais questões, que aos poucos inserem as categorias sistêmicas
para o universo do direito penal sem romper com uma gama de direitos e liberdades
individuais, garantidos ao longo da história com muito sangue pelas conquistas humanitárias?
Essa é outra encruzilhada para o observador, o que parece ser desvendado pela
autopoiese como a verdadeira estrutura do sistema jurídico aliada a uma nova observação do
tempo em matéria penal e de uma nova política criminal, o que será abordado a seguir.
2.3.3 Tempo e subsistema penal: necessidade de uma nova observação
Outra questão que merece destaque e reflexão, no universo dessa nova forma de
sociedade transnacionalizada na qual se insere o subsistema do direito e por sua vez o
subsistema do direito penal, é a questão relacionada ao tempo, em especial, o tempo de
cumprimento das penas privativas de liberdade.
Diante do cenário de uma sociedade rápida
88
, veloz
89
, que através da informação acaba
por estabelecer uma comunicação que se espraia para todos os subsistemas sociais, cabe
indagar se o tempo do cumprimento das penas é o mesmo tempo social advindo das novas
relações.
Com a imposição da sanção, seja através da pena privativa de liberdade, seja através
das medidas de segurança, há uma verdadeira ruptura do tempo social para o tempo do direito
penal, ou seja, migra-se de um tempo dinâmico e complexo, para um tempo estático e linear.
É nesse tempo linear (porque isso é verdadeiramente a pena tempo de cumprimento) que o
sujeito em contato com o subsistema carcerário vai ter que se “ressocializar” para voltar a
conviver com um tempo que não encontra dentro da prisão, ou seja, um tempo dinâmico e
complexo calcado de contingência, marca das relações sociais.
Sobre isso, Messuti aborda, in verbis:
Ao construir a prisão, pretende-se imobilizar o tempo da pena. Separá-lo do
tempo social que transcorre no espaço social. A prisão é uma construção no espaço
88
Ainda que se entenda que o subsistema penal deva trabalhar como um nova concepção de tempo distanciando-
se de sua concepção estática e aproximando-se de uma concepção que abarque os sistemas sociais, a inserção
dessa nova forma de observação deve dar-se com cautela. O processo penal por exemplo, dificilmente
conseguirá obter a mesma velocidade do tempo social, especialmente porque o processo tem um tempo de
maturidade para que possa ser realizado um julgamento que observe o maior número possível de possibilidades
condenatórias e absolutórias, uma vez que não raras vezes a celeridade processual se confunde com a quebra de
garantias substanciais, o que não deve ocorrer no universo de um direito penal democrático.
89
Tanto é verdade que o tempo no direito passou a ter uma nova dimensão, que em alguns casos não se costuma
mais convencionar quantos kilômetros de distância se tem de um local para outro, mas sim quanto tempo se leva
de um lugar para outro.
88
para calcular de determinada maneira o tempo. O fluir do tempo se opõe à firmeza do
espaço. O ordenamento jurídico, mediante a prisão, procura dominar o tempo (2003,
p.33).
Como se percebe, o ordenamento jurídico ainda trabalha com a idéia de tempo estático
em desacordo com as características da sociedade pós-moderna, calcadas em uma forte idéia
positivista, ou, melhor “a teoria a respeito da dimensão temporal dominante no direito é o
normativismo, que impõe na dogmática jurídica a concepção de tempo de Kant/Newton”
(ROCHA, in BARRETO, 2006, p. 800).
Essa noção, a partir da teoria da relatividade (Albert Einstein), muito tempo foi
abolida dos paradigmas epistemológicos, mais ainda hoje permanece dominante no seio
prático do direito, mesmo que em tempos de alta complexidade. Mais uma vez o professor
Rocha leciona, in verbis:
O fato é que depois de Albert Einstein, que também não é o culpado por ser o
mensageiro, a teoria da relatividade vai destruir a noção de tempo linear, abrindo
lugar para as teorias da indeterminação e da imprevisibilidade. Isto é, não mais
tempo do antes e do depois, o passado e o futuro. Assim, deixa de ter sentido toda
uma epistemologia montada numa racionalidade ligada a idéia de tempo e espaço
newtoniano (Idem, p.801) [grifo do autor].
A respeito dessa relação, sublinhe-se o pensamento de Lopes Júnior, para quem in
verbis:
O próprio tempo do rcere deve ser pensado a partir da distinção
objetivo/subjetivo, partindo-se do clássico exemplo de EINSTEIN, a fim de explicar a
Relatividade: “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma
hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um
fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido
que uma hora. Isso é relatividade”. O tempo na prisão deve ser repensado, pois está
mumificado pela instituição e gera grave defasagem, enquanto tempo de involução.
Com certeza, dez anos de prisão hoje não equivalem – em tempos de tormento,
sofrimento e desconexão com a dinâmica social a 10 anos de prisão quando da
concepção do Código Penal, em 1940. O conteúdo aflitivo (tempo subjetivo) é
infinitamente maior (LOPES JÚNIOR, in GAUER, 2004, p. 174) [grifo doautor].
Sobre essa ótica, qual seria então a matriz adequada para tratar a categoria do tempo
no seio da sociedade pós-moderna e quais os reflexos disso para o subsistema penal,
mormente no momento de cumprimento das penas privativas de liberdade ou até mesmo no
cumprimento de prisões cautelares de discutível constitucionalidade?
A matriz sistêmica, mais uma vez, é o referencial teórico adequado para tal análise,
especialmente, porque através dela é possível observar fenômenos não observados ou
89
observados com visível limitação. É o caso das manifestações decorrentes das complexidades
delitivas, em especial, do crime organizado, que se estrutura no seio da sociedade de forma
camuflada, incapaz de ser observado tão somente pelo normativismo.
Conforme mais uma vez aponta Rocha in verbis:
O fato preponderante da matriz sistêmica é o fato de que ela permite
observações de segunda ordem, que aponta para uma série de questões
completamente diferentes da expectativas tradicionais ligadas a noção clássica da
física do Tempo/Espaço. A matriz sistêmica parte da idéia de Tempo construído
dentro da Complexidade e do Caos. A teoria dos sistemas é uma teoria
originariamente ligada desde Talcott Parsons (Sistema Social, 1976) aos processos de
tomada de decisões. Todo processo de tomada de decisões está vinculado a uma
noção de tempo. Decidir é fazer. Decidir é participar do processo de produção do
futuro, por isso decidir é produzir tempo (ROCHA, in BARRETO, 2006, p.801).
Sob esse prisma, não resta dúvida de que as sentenças penais condenatórias não devem
ignorar a produção de tempo que estão produzindo, ou seja, não devem ficar limitadas a
preceitos abstrados do tipo penal, calcados em um tempo remoto
90
com limites abstratos de
tempo sem qualquer referência com o tempo da sociedade atual.
Nesse sentido, Ost aponta que:
[...]o tempo é uma instituição social, antes de ser um fenômeno físico e uma
experiência psíquica [...] Mas quer o apreendamos sob sua face objetiva ou subjetiva,
o tempo é, inicialmente, e antes de tudo, uma construção social e, logo, um desafio
de poder, uma exigência ética e um objeto jurídico (OST, 2005, p.12).
Assim, não restam dúvidas de que no subsistema carcerário, por exemplo, não
qualquer preocupação com o futuro, sendo essa, sem dúvida, uma das causas de sua
inoperância, dentre outros fatores, na medida em que a retirada das expectativas acabam por
minar qualquer possibilidade de reinserção social. Nesse sentido, o professor de Bruxelas
destaca:
[...] em direito penal, especialmente, imagine um instante em que tenhamos
repentinamente a certeza de que tudo deve acabar, que o futuro não existe...que valor
prático teriam ainda as leis promulgadas, os julgamentos decididos, as penas a serem
cumpridas? A justiça penal só é eficaz se temos um futuro e um objetivo. (p.359)
Ao pensamento de Ost, pode-se agregar as idéias de Luhmann para quem:
A expectativa contém um horizonte futuro de vida consciente, significa
antecipar-se ao futuro e transcender-se além daquilo que poderia ocorrer
90
Não é demais rememorar que o Código Penal data de 1940.
90
inesperadamente. A normatividade reforça essa indiferença contra eventos futuros
imprevisíveis, busca esta indiferença tentando desvendar o futuro. O que acontecerá
no futuro torna-se a preocupação central do direito. Quanto futuro será necessário
para que se possa viver sensatamente no presente, isso constitui uma variável
essencialmente evolutiva, e reside o ponto onde as mudanças nas necessidades
sociais invadem o direito (1983, p.166).
Assim, na realidade dos subsistemas penais, o se observa qualquer preocupação com
o futuro, fazendo com que o direito acabe por ignorar sua função enquanto planejamento e
enquanto estabilização do seu próprio subsistema, ignorando questões contingenciais.
Luhmann aponta que “[...] a contingência é o pressuposto, a ordem é a meta e o meio
inadequado é um direito penal insuficientemente resguardado em termos políticos” (1983,
p.167).
Direito e tempo são conceitos que estão completamente entrelaçados, uma vez que a
diferenciação funcional, marca dos sistemas sociais avançados, acaba por tornar o tempo
fluído, rápido, não delimitado em lapsos temporais pré-determinados. Ainda, segundo o
professor alemão, “uma tal concepção desfigura a especificidade do tempo:exatamente a
diferenciação entre futuro, presente e passado” (idem, p.169).
Nesse diapasão, novamente, Rocha aponta que o tempo
[...] é a sucessão contínua de instantes nos quais se desenvolvem eventos e variações
das coisas. Para a teoria dos sistemas é a observação da realidade a partir da diferença
entre passado e futuro. Relaciona-se com a temporalidade jurídica: formas singulares
adquiridas pelo tempo em relação às diversas manifestação, processualização e auto-
observação do Direito. (ROCHA, in BARRETO, 2006, p.800).
Assim, resta claro que o subsistema penal precisa ser debatido
91
no tocante ao tempo
das penas, uma vez que as dimenes temporais cartesianas não mais justificam a
epistemologia do século XXI.
Se o tempo, na sociedade pós-moderna, adquire uma nova faceta como construção
social a partir da tomada das decisões, não resta vida de que o subsistema penal precisa ser
(re)aparelhado de aportes teóricos capazes de possibilitar tal discussão, fazendo-se por aqui,
também, o caminho para inserir o subsistema penal no contexto do século XXI. Sob essa
ótica, encontra-se o pensamento do professor do Vale dos Sinos, para quem “o tempo é
imediato, impedindo que a Teoria do Direito possa se desenvolver dentro dos padrões
91
Seria interessante realizar uma análise dos tipos penais previstos na parte especial do Código Penal, e a partir
de tais aportes, vislumbrar uma nova observação no que tange ao tempo de cumprimento das penas privativas de
liberdades, considerações estas que deveria constar no imaginário dos julgadores ao definir os limites concretos
de cumprimento das penas.
91
normativistas Kelsenianos. Por isso, a importância das teorias sistêmicas para a observação da
complexidade do Direito atual”.(ROCHA, in DIREITOS CULTURAIS, 2006, p. 182).
Porém, resta saber de que forma pode ser possível utilizar tais aportes para que o
subsistema penal e seus fenômenos complexos, tais como o crime organizado, possa ser
tratado no universo dessa nova forma de sociedade. Isso será possível através de um outro
mecanismo, qual seja uma nova política criminal.
3 POR UMA POLÍTICA CRIMINAL SISTÊMICA: UM NOVO
HORIZONTE PARA O DIREITO PENAL (TRANS) NACIONAL
3.1 PROLEGÔMENOS EM MATÉRIA DE POLÍTICA CRIMINAL
Na atualidade, a política criminal passou a assumir uma importância ímpar para
determinar os novos rumos do subsistema penal brasileiro, devido aos (in)fluxos da
globalização e da alta complexidade dos sistemas sociais, categoria esta que vem sendo
fortemente reestudada nos países Europeus, notadamente a Alemanha.
No que a este segmento das ciências penais, sublinhe-se as idéias de Carvalho, para
quem in verbis:
Segundo Franz Von Liszt a política criminal nasce na segunda metade do
século XVIII na Itália, fundamentalmente com o advento da publicação da obra de
Beccaria em sua preocupação com as formas eficazes de prevenção do delito e o
conteúdo legislativo efetivo para alcançar tal finalidade (2006, p.81).
Conforme aponta o professor e penalista Salo de Carvalho, ainda hoje se percebe a
importância da obra de Beccaria, que deve servir como marco para traçar os novos rumos da
política criminal, logicamente que aparelhado de novos conceitos e ferramentas teóricas
interpretativas, capazes de contribuir para uma nova sistematização clamada pelo contexto da
sociedade atual em matéria de criminalidade.
Nesta linha de idéias, mais uma vez destacam-se as idéias de Carvalho:
Os princípios e diretrizes que fornecerão os mecanismos de entendimento da
complexa e mutável vida social e, principalmente, de sua projeção ao futuro da lei
penal seriam definidos pela política criminal. Define-se, portanto, política criminal
como o contenido sistemático de princípios garantidos por la investigación
científica de las causas del delito y de la eficácia de la pena -, según los cuales el
Estado dirige la lucha contra el delito, por medio de la pena y de sus formas de
ejecucion”. Criticar a legislação penal vigente à luz dos fins do direito penal e da
pena, e propor sua reforma, adequando a lei à realidade, seriam as duas funções
primordiais do novo ramo das ciências criminais [...] Portanto, segundo Marc Ancel, é
em Liszt que se encontra a determinação, em primeiro plano, da noção de política
criminal cientificamente orientada, ou seja, é no autor alemão que a política criminal
nasce como ciência (2006, p.82) [grifo do autor].
No caminho desta conceituação relacionada a política criminal, novamente destacam-
se as idéias de Carvalho, para quem:
93
A política criminal é definida, portanto, como sendo o conjunto de princípios e
recomendações para reagir contra o fenômeno delitivo, através das agências de
punitividade. O Estado, ao monopolizar toda a forma de reação contra o delito,
necessitaria das orientações político-criminais. A política criminal atuaria como
conselheira dos órgãos de segurança pública, e se limitaria a indicar ao legislador
onde e quanto criminalizar condutas (2006, p.83).
As referências apontadas podem-se agregar ainda as clássicas idéias de Nilo Batista,
ao apresentar a política criminal como um universo rico de significados a serem seguidos
pelos sistemas penais. Neste sentido
Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem
novas ou antigas propostas do direito penal, das revelações empíricas propiciadas pelo
desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas
da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação
da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação (BATISTA, 2002,
p. 34).
A partir destas premissas, pode-se afirmar então que a política criminal
92
pode ser
dividida basicamente em dois grandes movimentos a saber: uma política criminal de lei e
ordem, calcada na teoria das janelas quebradas
93
, e outra das liberdades, fundada em ideais de
natureza garantista.
No que tange a primeira, sublinhe-se as idéias de Canterji ao destacar que:
Foi na gestão de Rudolph Giuliani que a doutrina das janelas quebradas,
implantada em Nova York, tornou-se vitrine para o mundo. O combate, nesse caso,
era feito de forma agressiva na tentativa de repressão da pequena delinqüência, dos
mendigos e dos sem-teto. Estes ideais m origem em teoria formulada por James
Q.Wilson e George Kelling denominada broken Windows theory (teoria da janela
quebrada) em 1982. Nesta, a ideologia explicita que através da luta contra os
pequenos distúrbios do cotidiano é possível reduzir as patologias criminais (2008,
p.44).
Referido movimento acabou sendo recepcionado de forma reflexiva na América
Latina e no Brasil, advindos das ações implantadas nos Estados Unidos, especialmente na
cidade de Nova York, que pretendeu varrer das ruas todo e qualquer delito, dando certo ar de
92
Entende-se também a política criminal como um conjunto de ações práticas e teóricas de diversos segmentos
(executivo, legislativo, judiciário, doutrinadores e pesquisadores) que buscam legitimar os novos rumos do
sistema penal frente a um universo de incertezas.
93
Salo de Carvalho descortina a zona esfumaçada existente entre a teoria da janela quebrada e o movimento de
lei e ordem ao salientar que “percebe-se uma nítida simetria entre as propostas potico-criminais propugnadas
pelos MLO e as oferecidas pelos defensores da Tolerância Zero”, baseadas no incremento da repressão penal.
Todavia, enquanto estes primam pela repressão à criminalidade de rua e bagatelar, entendendo a intolerância
como o único mecanismo de prevenção do caos e da desordem social, aqueles reivindicam alta punibilidade às
ofensas dos bens jurídicos interindividuais, sobretudo os delitos contra à pessoa e o patrimônio”. (CANTERJI
apud CARVALHO, 2008, pag. 47).
94
tranqüilidade e segurança a seus cidadãos. Isto está muito bem evidenciado em Wacquant
para quem:
De Nova York, a doutrina da “tolerância zero”, instrumento de legitimação
da gestão policial e judiciária da pobreza que incomoda a que se vê, a que causa
incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa
sensação de insegurança, ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência -,
propagou-se através do globo a uma velocidade aluciante. E com ela a retórica militar
da guerra” ao crime e da reconquista” do espaço público, que assimila os
delinqüentes (reais ou imaginários), sem-teto, mendigos e outros marginais a
invasores estrangeiros – o que facilita o algama com a imigração, sempre rendoso
eleitoralmente (2001, p.30).
Esta corrida pelo encarceramento de um dos países que se diz ícone da democracia,
colocou os Estados Unidos em primeiro lugar no ranking do encarceramento no mundo, ao
lado dassia. Neste sentido, mais uma vez Wacquant
94
destaca:
[...] 10 anos mais tarde, os efeitos encarcerados haviam saltado para 740.000
antes de superar 1,5 milhão em 1995 para roçar os dois milhões no final de 1998, ao
preço de um crescimento de quase 8% durante a década de 90. Se fosse uma cidade, o
sistema carcerário norte-americano seria hoje a quarta maior metrópole do país. Essa
triplicação da população carcerária em 15 anos é um fenômeno sem precedentes nem
comparação em qualquer sociedade democrática [...]. Apenas a Rússia, cujo índice
dobrou desde a derrocada do império soviético para se aproximar de 750 para cada
100.000, está hoje em condições de disputar com os Estados Unidos o título de
campeão mundial do encarceramento (2001, p.81).
Nesta linha de idéias, analogicamente, vale registrar o alerta realizado por Castels, no
que tange a necessidade das empresas manterem-se em alta no mercado da bolsa de valores.
Na presente pesquisa, notadamente as empresas responsáveis pela carceragem privada, ao
destacar que:
Empresas de alta tecnologia dependem de recursos financeiros para manter seu
esforço contínuo pela inovação, produtividade e competitividade.O capital financeiro
atuando diretamente por meio de instituições financeiras ou de forma indireta
mediante a dinâmica dos mercados das bolsas de valores, condiciona o destino das
indústrias de alta tecnologia. Por sua vez, a tecnologia e a informação são ferramentas
decisivas para a geração de lucros e apropriação de fatias do mercado. (CASTELS,
2008, p. 568)
Esse movimento da corrida pelo encarceramento nos Estados Unidos, acabou por gerar
uma “ação afirmativa carcerária”, não raras vezes encontrada no Brasil com um
encarceramento maciço de negros e pobres. No dizer de Wacquant, “a indústria da
94
Salienta-se, pois, que os dados de Loic Wacquant, são obtidos em 1997. Porém, pelos rumos da política
criminal adotada na maioria dos países do globo, acredita-se que tais índices só aumentaram de 1997 para cá.
95
carceragem é um empreendimento próspero e de futuro radioso, e com ela todos aqueles que
partilham do grande encerramento dos pobres nos Estados Unidos” (WACQUANT, 2001,
p.93).
Nessa linha de idéias, mais uma vez o professor da Universidade da Califórnia
salienta, verbis:
Como prova da quinta tendência-chave da evolução penitenciária norte-
americana, temos o “escurecimento” contínuo da população detida, que faz com que,
desde 1989 e pela primeira vez na história, os afro-americanos sejam majoritários
entre os novos admitidos nas prisões estaduais, embora representem apenas 12% da
população do país.[...] Em probabilidade acumulada na duração de uma vida, um
homem negro tem mais de uma chance sobre quatro de purgar pelo menos um ano de
prisão e um latino uma chance sobre seis, contra uma chance sobre 23 de um branco
(WACQUANT, 2001, p.93/94).
Esses movimentos de política criminal, através da comunicação, migraram dos
Estados Unidos, atingiram grande parte da Europa, especialmente a partir da década de 80,
recebendo também tais influxos a América Latina e o Brasil, o que acaba por se evidenciar em
algumas legislações, tais como a lei dos crimes hediondos, o regime disciplinar diferenciado,
culminando naquilo que se denomina direito penal do inimigo, se é que pode existir um
direito penal dessa natureza.
Não bastasse isso, atualmente a tendência da política criminal vem a ser justamente
este modelo de flexibilização das garantias e sua supressão, notadamente a partir do crime
organizado. Nesta linha de idéias, sublinhe-se que:
A tendência da política criminal atualmente é no sentido de superar o modelo
de garantias penais e processuais penais, adquiridas após anos de muito debate e
esforço, e substituí-los por outro de segurança do cidadão ou, ao menos que
demonstre esta suposta segurança (CALLEGARI, in MELIÁ, BARBOSA, 2008,
p.12).
Tanto é verdade que vem surgindo no direito penal uma nova categoria que está
levando o direito penal para um retrocesso, ao se preocupar tão somente com as questões da
segurança coletiva em detrimento dos direitos e garantias individuais, conforme se observa
pelos apontamentos de Rocha in verbis:
Uma área que se materializou e evoluiu desde a idéia de Estado liberal até
chegar a uma noção de Estado de bem-estar. De um Direito penal positivo, até um
direito penal mínimo, de recuperação do delinquente, muito mais voltado para o
interesse social. No entanto, ao contrário do que poderia se pensar, o Direito penal,
hoje, e não estou falando somente no Brasil, não na própria Europa é caracterizado
pela idéia de vingança e de segurança. O Direito penal da globalização está
96
completamente desinstitucionalizado de suas características tradicionais. O problema
do Direito Penal passou a ser explicitamente a segurança, pois a sociedade quer
segurança, esse é o novo instituto que está surgindo dentro do Direito Penal
(ROCHA, in Revista de Direitos Culturais, n. 1, p.194).
Por outro lado, pode-se apontar o movimento garantista, do direito penal mínimo, na
observância dos direitos e garantias individuais como postulado absoluto, marco de toda a
estruturação do direito penal desde o iluminismo.
Observa-se que no Brasil um verdadeiro misto dos influxos de política criminal a
ser adotada, na medida em que, tendo por base o poder legislativo, ora são promulgadas leis
que atendem a movimentos de lei e ordem (tais como a lei dos crimes hediondos, a lei do
crime organizado, a lei Maria da Penha
95
e a ppria lei seca), ora são promulgadas leis que
buscam uma descriminalizão, tais como o tratamento do usuário na nova lei de drogas e o
próprio Juizado Especial Criminal.
Isto faz com que o Brasil não tenha adotado ainda uma política criminal coerente, por
mais que a academia tenha contribuído decisivamente para o debate, com a publicação de
diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado que procuram dar uma nova visão a
temática.
Todavia o Poder Legislativo responsável por solidificar as questões sociais que estão a
sua volta, não consegue analisar os fenômenos contemporâneos, devido, basicamente, a outro
problema: o histórico despreparo do legislador brasileiro em lidar com questões relacionadas
a política criminal, e em especial ao subsistema do direito penal, especialmente porque
sempre esteve preocupado e voltado para atender aos interesses da burguesia (COPETTI,
2000).
Mais uma vez surge o seguinte problema:
- Será possível enfrentar a criminalidade organizada sem romper com o modelo de
garantias? Entende-se que sim, e a resposta se encontra não só no paradigma funcionalista e
na necessidade de uma análise sistêmica dos fenômenos criminais, como também em uma
maior eficácia dos aparelhos de controle.
Neste sentido, Luisi continua lecionando e apontando soluções, verbis:
95
Ainda que não se ignore a importância da lei como femeno de desvelamento do problema da violência
contra a mulher no Brasil, a aplicabilidade prática da referida legislação no cotidiano forense tem gerado uma
rie de questionamentos, especialmente pelo risco de serem decretadas prisões cautelares com base tão
somente na palavra de vítima e em medidas protetivas decretadas sem qualquer obserncia dos pressupostos
processuais.
97
O grande problema que surge na elaboração desse necessário diploma legal
unificado é o seu ajustamento, de um lado, aos princípios constitucionais do estado
democrático de direito e de outro lado com as exigências de uma disciplina
normativa capaz de efetivar a prevenção e a repressão deste tipo de delinqüência. E
me indago: Será possível enfrentar a criminalidade organizada, respeitando-se as
garantias do estado democrático de direito, e do seu direito penal substantivo e
adjetivo? Ou necessário se faz um direito penal e processual penal de emerncia,
com sacrifício nas garantias individuais? Entendo, como um jurista que vem
pregando um direito penal mínimo, respeitoso dos direitos humanos, que necessário
se faz achar a forma de conciliação entre o enfrentamento real, e não meramente
simlico, do crime organizado, e o respeito aos postulados constitucionais em que
se expressam as garantias dos cidadãos. Acredito ser possível essa conciliação
desde que os Estados se disponham a enfrentar com os recursos necessários e o
pessoal especializado a gravíssima realidade do crime organizado (2003, p.201).
Assim, pretende-se agregar a estas questões, os debates políticos-criminais que estão
ressurgindo no século XXI, especialmente no que tange a introdução da teoria dos sistemas de
Niklas Luhmann para o universo do subsistema penal brasileiro, no sentido de contribuir com
os novos rumos da política criminal, notadamente nos aspectos referentes a fenômenos
criminais de alta complexidade. Para tanto, são necessárias novas considerações sobre o
fenômeno da globalização, o que será realizado a seguir.
3.1.1 A globalização reflexiva e a reedição da política criminal inimiga pós 11 de
setembro de 2001
Os atentados contra as torres gêmeas americanas ocorridos em Nova York no dia 11
de setembro de 2001, levou os Estados Unidos
96
a instaurarem um plano de ação contra
ataques terroristas, que acabou por gerar alguns reflexos na política criminal Européia
97
e
também da América Latina, com influxos semelhantes ao movimento criminalizador da
década de 80, conforme apontado no item anterior.
Sob o ícone de combate ao terrorismo, Günther Jakobs (penalista alemão) reedita o
direito penal do inimigo, ainda que se discuta se isso efetivamente possa ser chamado de
96
“[...] diferentemente do discurso que parece predominar nos EUA no qual se reconhece abertamente que se
trata de uma guerra, na qual não importa nem sequer a aparência jurídica -, na velha Europa (e na Espanha) os
agentes políticos que impulsionam estas medidas o fazem sob o estandarte de uma pretendida e total
normalidade constitucional, incrementando, assim, ainda mais, os riscos que por contágio ameaçam de perto o
Direito penal em seu conjunto”. (MELIÁ, in JAKOBS, MELIÁ, 2005, p.14).
97
O direito penal do inimigo que no dizer de Zaffaroni, acarreta a passagem de um Estado de Direito para um
Estado de Polícia e acaba por gerar uma verdadeira paranóia nos órgãos responsáveis pela segurança blica.
Basta lembrar a trágica morte de um brasileiro executado pela polícia em um metrô na Inglaterra (Londres),
devido a uma suposição irreal que o confundiu com um terrorista, notadamente porque carregava uma mochila
e corria pelo metro para pegar o trem que estava prestes a partir. Um suspeito em potencial, um inimigo em
potencial. Uma falha irreparável. Um inocente acusado e executado em nome de um suposto direito penal do
inimigo, cheio de contradições e muito vulnerável a erros desta espécie.
98
direito penal em um Estado Democrático de Direito, aonde a condição de cidadão não pode
ser minimizada, tampouco ser sobreposta em razão de uma (i)legitima ação estatal repressora.
Diz-se que o direito penal do inimigo é reeditado, porque como bem aponta Luisi, é
possível diagnosticar a presença dessa orientação potica criminal desde Atenas a as
Ordenações bem como na Alemanha nazista. Neste sentido, como sempre, Luisi leciona,
verbis:
Não é incorreto afirmar que o direito penal do inimigo não constitui, no
essencial, algo novo. Está presente ao longo da história do direito penal. É possível
demonstrar, em um breve escorço histórico, a constante presença de um direito
penal mais gravoso distinto de um direito penal menos rigoroso. Em Atenas,
Dracon não estabeleceu esta diferença porque a legislação penal por ele elaborada
previa a pena de morte para todos os delitos [...] No mundo romano, o delito de
perduellio, ou seja, o delito de traição à pátria em suas variadas hipóteses, era, tanto
na repressão ordinária como na repressão extraordinária, sancionado com a pena de
morte, mediante a fustigação e decaptação com o machado. O perduellis era, no
universo jurídico penal romano, o inimigo da pátria. Não se lhe reconhecia a
condição de pessoa. No direito penal medieval, consolidado nas Ordenações
Européias dos séculos XV a XVII – das quais pela sua brutal severidade se
destacam as Ordenações Portuguesas Afonsinas, Manoelinas e Filipinas tinham,
nos livros, pertinentes aos delitos como inimigos a serem punidos com morte cruel
(a vivicombustão, precedida de torturas) os hereges, os apóstotas, os feiticeiros, os
pederastas, afora os autores dos crimes de lesa majestade, previstos em numerosas
hipóteses.[...] Na primeira metade do século XX, os totalitarismos nazista e
bolchevique usaram o direito penal para justificar, com duvidosa “legalidade”, a
eliminação física de centenas de milhares de seus “inimigos”. Os judeus e os não-
arianos em geral eram os inimigos do nazismo. Os burgueses e contra-
revolucionários eram os inimigos de Lênin e de Stálin (in CALLEGARI, et al.,
2007, p. 113/114).
Nesta linha de idéias, Zaffaroni também aponta alguns precedentes histórios, ao relatar
que:
Nada é muito novo no direito penal, de modo que a pré-história da
legitimação discursiva do tratamento penal diferenciado do inimigo pode ser
situada na Antiguidade e identificada em Protágoras e Platão. Este último
desenvolveu pela primeira vez no pensamento ocidental a idéia de que o infrator é
inferior devido à sua incapacidade de aceder ao mundo das idéias puras e, quando
esta incapacidade é irreversível, ele deve ser eliminado. Protágoras sustentava uma
teoria preventiva geral e especial da pena, mas também postulava um direito penal
diferenciado, segundo o qual os incorrigíveis deviam ser excluídos da sociedade
(2007, p. 83).
Assim, diz-se que Jakobs reeditou a pretensão de se instaurar de forma legítima um
direito penal do inimigo, porque em realidade, conforme apontado, na história do direito penal
tais manifestações foram uma constante.
Salienta-se que Jakobs insere a discussão atual no seio dos Estados Democráticos, ou
seja, percebe-se clara diferea entre origem do direito penal do inimigo (inimigos do regime
99
estatal dominante) e as questões apontadas no contexto da s-modernidade (inimigos da
globalização para alguns).
Sob este prisma, ainda que a análise das práticas terroristas possa ter como pano de
fundo a questão de caracterizar-se com um movimento de resistência ao processo de
globalização, desde logo, rechaça-se a idéia de que os atentados terroristas
98
possam ser
reconhecidos dessa forma, ou seja, não são revestidos da legitimidade da resistência ao
modelo de globalização imperialista americana - o totalitário quanto os movimentos
religiosos
99
orientais
100
- pois as práticas subversivas, assim como acontece com as facções
criminosas, conforme abordado no primeiro capítulo, acabam por tirar esta legitimidade das
ações terroristas.
Nessa linha de idéias, destaca-se o pensamento de Buzanello, para quem, verbis:
[...] retoma-se a questão do terrorismo e qual sua estratégia final, ao
questionar: esse terrorismo se move com ou sem causa. A luta sem causa é a morte e a
destruição por si só; a luta com causa faz tudo isso em nome de uma idéia que diz
defender, como contra a globalização ou a determinação dos povos, no caso a dos
palestinos. Terrorismo nunca pode ser justificado como direito de resistência, pois um
movimento que usa a violência indiscriminadamente contra inocentes, ainda que
como meio para fins louváveis, não pode pretender que agem em respeito aos direitos
humanos (2003, p. 399).
Assim, ainda que se reconheçam práticas e movimentos que caminham na contra-mão
do modelo globalizador, tal como o rum Social Mundial
101
, não se pode reconhecer em um
98
“O terrorismo é certamente a face mais trágica e perversa da resistência antiglobalização, como se constatou
nos Estados Unidos, mas não como ignorar, nesta terrível prática, a idéia de que nem todo mundo está
contente com o modelo americano, democrático para uns, maquiavélico para os excluídos dessa grande festa,
pois agora a dita pós-modernidade de natureza individualista passa a produzir micro-revoltas, individualizadas,
as quais, na França, têm em Michel Onfray um de seus maiores defensores. Há um exagero na visão
antiamericana, mas de outro lado não se trata de um país ingênuo ou que não faz parte da humanidade, como
se estivessem acima dela e fossem diferentes dos outros cidadãos do mundo. Esse traço da cultura política
norte-americana evidencia confusão entre valores e interesses próprios e valores e interesses da humanidade.
Explica o desprezo por decisões multilaterais relativos a comércio, meio ambiente, clima, etc., quando
contrariam qualquer interesse nacional. Se condenamos o terrorismo recente, repudiamos também o
holocausto dos judeus, perpetrado pelo governo de Hitler e no lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima
e Nagasaki. Condenamos as intervenções militares dos Estados Unidos na Arica do Sul e Caribe desde
1982, que patrocinaram os rios golpes de Estado. Todo esse terrorismo de Estado é proclamado em nome da
“liberdade” e da “democracia”. (BUZANELLO, 2003, p. 400)
99
“A guerra contemporânea tem ênfase no terrorismo de fundo religioso, mais de grupos e menos de Estado
(Hisbollah libanesa ou Al Qaeda de Bin Laden)”.(BUZANELO, 2003, p. 399).
100
Ainda que não se confunda religião com as questões multiculturais, fica evidente a importância do
multiculturalismo, pontuado no item 1.2 do primeiro capítulo, na medida em que a política criminal acaba por
receber influxos da matriz multicultural para tratar femenos penais de natureza complexa.
101
“A Carta de princípios do Fórum Social Mundial estabelece, entre outros, que é um espaço aberto de encontro
para o aprofundamento da reflexão, o debate democrático de idéias, a formulação de propostas de entidades e
movimentos da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por
qualquer forma de imperialismo, e estão empenhadas na construção de uma sociedade planetária centrada no
ser humano. As alternativas propostas no Fórum contrapõem-se a um processo de globalização capitalista
100
Estado Democrático de Direito, práticas subversivas terroristas e, por conseqüência, violentas
e de extermínio como legítimas a enfrentar a onda globalizante e totalitarista que avança para
todos os cantos do planeta de forma desenfreada e a desrespeitar a dignidade dos povos,
especialmente, dos mais desfavorecidos economicamente.
Sob essa ótica, salienta-se que de uma certa forma, a globalização tal como vem
ocorrendo acaba por produzir de maneira sistêmica uma violência aparentemente invisível,
mas originária da estrutura social, que por sua vez, se reproduz e acaba por produzir mais e
mais violência, que acaba por desaguar no tecido social em um mecanismo infindável de
possibilidades, aonde a ação estatal é praticamente inoperante para minimizar os fenômenos
criminais.
Neste diapasão, sublinhe-se o pensamento de Santos, para quem:
Fala-se, hoje, muito em violência e é geralmente admitido que é quase um
estado, uma situação característica do nosso tempo. Todavia, dentre as violências de
que se fala, a maior parte é, sobretudo, formada de violências funcionais derivadas,
enquanto a atenção é menos voltada para o que preferimos chamar de violência
estrutural, que está na base da produção das outras e constitui a violência central
original. Por isso, acabamos por apenas condenar as violências periféricas particulares
(2001, p.5).
Percebe-se, pois, que a violência mais ameaçadora da tranqüilidade das relações
sociais, ao contrário do que se pensa, não é aquela estampada nas capas dos jornais de grande
circulação nacional, ou nos telejornais, mas sim aquela estruturada pelo modelo imposto pela
globalização, comandado pelas grandes empresas financeiras multinacionais que acabam por
ditar as regras do jogo. Conforme afirma Castels, “em todo o mundo, a lavagem de dinheiro
de negócios criminosos diversos flui para esta mãe de toda a acumulação que é a rede
financeira global” (2008, p.569).
Isto acaba por produzir um verdadeiro globalitarismo, sem chances para uma nova
forma de globalizar o planeta e seus povos, como uma via de o única, incapaz de dialogar
com os Estados Nacionais que vem cada vez mais se deteriorando em nome de uma idéia
transnacional de livre circulação do mercado, um verdadeiro império do dinheiro e da
informação (SANTOS, 2001).
Nesse sentido, mais uma vez destacam-se as idéias de Santos, para quem:
comandado pelas grandes corporações multinacionais e pelos governos e instituições internacionais a serviço
de seus interesses. Elas visam fazer prevalecer, como uma nova etapa da história do mundo, uma globalização
solidária que respeite os direitos humanos universais.[...] O Fórum o se opõe a integração globalizada, mas
questiona o tipo de globalização que é imposta, que é específica de integração econômica voltada para os
interesses de investidores e instituições financeiras. Precisamos alimentar a esperança que um outro mundo é
possível”. (BUZANELLO, 2003, p. 407).
101
Ao nosso ver, a violência estrutural resulta da presença e das manifestações
conjuntas, nessa era de globalização, do dinheiro em estado puro, cuja associação
conduz à emergência de novos totalitarismos e permite pensar que vivemos num
época de globalitarismos muito mais do que globalização. Paralelamente, evolmos
de situações em que a perversidade se manifestava de forma isolada para uma
situação na qual se instala um sistema de perversidade, que, ao mesmo tempo, é
resultado e causa de legitimação do dinheiro em estado puro, da competitividade em
estado puro e da potência em estado puro, consagrando, afinal, o fim da ética e o fim
da política (2001, p. 56).
Os parâmetros para a tomada de decisões é tão somente a vontade das grandes
empresas que dominam o mercado financeiro em detrimento de uma grande massa de
excluídos sociais, muitos deles integrantes da massa carcerária e da parcela desviante dos
cidadãos que acabam por não encontrar outra alternativa a não ser cair nas redes da
criminalidade, seja ela de massa, seja ela organizada. Conforme novamente aponta Manuel
Castels:
A construção social das novas formas dominantes de espaço e tempo
desenvolve uma meta-rede que ignora as funções não essenciais, os grupos
subordinados e os territórios desvalorizados. Com isso, gera-se uma distância social
infinita entre essa metarrede e a maioria das pessoas, atividades e locais do mundo.
Não que as pessoas, locais e atividades desapareçam. Mas seu sentido estrutural deixa
de existir, incluído na lógica invivel da metarrede em que se produz valor, criam-se
digos culturais e decide-se poder. Cada vez mais, a nova ordem social, a sociedade
em rede, parece uma meta-desordem social para a maioria das pessoas (2008, p.573).
Esses agrupamentos, que para Marx constituiriam os explorados sociais, em uma
relação de jogo de poder ligado a classe econômica, passam a ser considerados como
excluídos sociais, com uma função completamente diversa, ou seja, os explorados são
fundamentais para a manutenção do sistema, enquanto os excluídos, nessa nova dinâmica
social, são perfeitamente dispenveis. Daí porque o seu tratamento, em relação ao direito
penal, como verdadeiros inimigos.
Nesta linha de idéias, destaca-se o pensamento de Zaffaroni, publicado em obra de
comemoração aos 30 anos da faculdade de direito de Cruz Alta, em homenagem ao emérito
Prof. Luis Luisi, in verbis:
La principal consecuencia social de este fenômeno de poder es la generación
de un amplio y creciente sector excluído de la economia. La relación explotador-
explotado ha sido reemplazada por una no relación incluído-excluído. La
bibliografia especializada especialmente alemana y europea en general habla
con frecuencia de la brasileñización como generalización de un modelo con un 20%
de incluídos y un 80% de excluídos (sociedad 20 por 80), que da lugar a una
sociedad con aislados guetos de ricos fortificados en un mar de probreza. En
semejante modelo pcticamente no hay espacio para las clases medias. El excluído
102
no es el explotado: el último es necesario al sistema; el primero esdemás, su
existência misma es innecesaria y modesta, es um descartable social.
(ZAFFARONI, in COPETTI, et al, 2001, p. 143).
É justamente nesse ponto que se torna possível fazer um enlace entre a política
criminal inimiga e a globalização, uma vez que aquela acaba por ditar - no combate ao
terrorismo, por exemplo, - as regras a serem adotadas no combate a criminalidade como um
todo, assim como a globalização perversa, acaba se expandindo para todas as partes do globo.
Dessa forma, resta analisar como o funcionalismo penal trabalha com a idéia da política
criminal, em busca de uma idéia sistêmica e de cooperação.
3.1.2 O funcionalismo radical sistêmico de Günther Jakobs e o funcionalismo moderado
de Claus Roxin:
O funcionalismo radical sistêmico de Jakobs está assentado, dentre outras
considerações, no direito penal do inimigo
102
. Pretende o penalista alemão fundamentar a
possibilidade de sua incidência com alguns aportes jusfilosóficos dos contratualistas, que
serão brevemente relatados na presente dissertação, justificando a atuação do direito penal no
sentido de coagir o ser humano delinquente, uma vez que restou rompido o contrato social
firmado para uma harmoniosa convivência social.
Assim, Jakobs aponta verbis:
102
No cenário nacional, algumas manifestações estatais deste tipo, além das elecandas no capítulo I (tropa de
elite), pode ser observada em alguns dispositivos legais, notadamente no artigo 52 da Lei de Execução Penal,
inserido no sistema penal no ano de 2003. Em virtude de tal regime, estabeleceu-se algumas regras carcerárias
extremamente rigorosas, que atingem tanto presos provisórios quanto condenados definitivos, que dentre
outras circunstâncias, admitem ao apenado o somente duas horas de sol por dia, tem como duração o tempo
de 360 dias, podendo ser repetido até o limite de 1/6 da pena aplicada. Não bastasse as rigorosas sanções
impostas, que rompe com uma série de direitos fundamentais (proporcionalidade, presunção de inocência,
humanidade, dentre outros), a parte legislativa que permite diagnosticar a presença do direito penal do inimigo
é a que refere as “fundadas suspeitas” dos apenados em participação de organizações criminosas, quadrilha ou
bando, como sendo suficiente para inserir o sujeito/inimigo neste severo regime de cumprimento da pena.
Conforme detalhado no capítulo primeiro, organização criminosa não se confunde com quadrilha ou bando,
havendo, pois, uma evidente desproporcionalidade das sanções penais. Embora expressamente não esteja
presente tal confuo no referido dispositivo, de uma certa forma o legislador brasileiro colocou “todos no
mesmo saco”, ignorando a diferenciação funcional que as categorias conceituais de cada modalidade delitiva
assumem no contexto penal. Poder-se-ia dizer que o fundamento para a inserção de tais grupos neste regime,
encontra amparo na parte do texto legislativo que indica a expressão fundadas suspeitas conforme já relatado.
Mas mesmo que fundadas não deixam de ser suspeitas o que parece ser insuficiente para o universo do direito
penal. Melhor seria então, trabalhar com a idéia dos requisitos da prisão preventiva, que mesmo assim seriam
passíveis de crítica. Por outro lado, ainda que timidamente, o cenário internacional parece apresentar uma
pequena possibilidade de afastamento do direito penal do inimigo, embora pareça ser infelizmente a
tendência da política criminal internacional, por isso propõe-se outra de forma diversa. Diz-se isso porque o
novo Governo americano, manifestou publicamente a intenção em fechar a prisão de Guantàmano, que abriga
o terroristas como suspeito de terroristas, com julgamentos sumários e quase nenhuma possibilidade de
defesa.
103
[...] o delinquente infringe o contrato, de maneira que não participa dos
benefícios deste: a partir desse momento, já não vive com os demais dentre de uma
relação jurídica. Em correspondência com isso, afirma Rosseau que qualquer
malfeitor que ataque o direito social deixa de ser membro do Estado, posto que se
encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor.
A conseqüência diz assim: ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como
cidadão (in CALEGARI, 2005, p.26).
Na linha da jusfilosofia contratualista, Jakobs destaca também as idéias de Fichte ao
salientar que:
[...] quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se
contava com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, em sentido
estrito perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa a um
estado de ausência completa de direitos (2005, p. 24).
Percebe-se, pois, tanto em Rosseau como em Fichte, conforme destaca Jakobs, que a
prática de qualquer ilícito penal acaba por retirar do delinquente a sua condição de parte
integrante do contrato social, consequentemente, este mesmo personagem passa a ser
carecedor de legitimidade capaz de manter o seu status de cidadão, sendo afastado do
ordenamento jurídico, que passa a se voltar com toda a sua foa contra o mau-feitor.
Por outro lado, segundo as palavras de Jakobs, Hobbes apresenta uma roupagem um
pouco diferente para a questão do rompimento do contrato, de maneira que, a princípio,
Hobbes não afasta do delinquente a sua condição humana enquanto sujeito de direitos e
obrigações.
Nesta linha de idéias, destacam-se as palavras de Jakobs, ao dizer que:
[...]cidadãos não pertubem o Estado em seu processo de auto-organização. De
maneira plenamente coerente com isso, HOBBES, em princípio, mantém o
delinquente, em sua função de cidadão: o cidadão não pode eliminar, por si mesmo,
seu status. Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de
alta traição: Pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa
uma recaída no estado de natureza...E aqueles que incorrem em tal delito não o
castigados como súbditos, mas como inimigos. Para Rosseau e Fichte, todo
delinquente é, per si, um inimigo; para Hobbes, ao menos o réu de alta traição assim o
é (2005, p. 27).
Sob esse prisma jusfilosófico, destaca-se ainda o pensamento de Kant
103
, que ao tratar
da questão da limitação do poder estatal, centra-o na passagem do “estado de natureza” ao
103
Kant irá, desse modo, se juntar ao debate sobre as condições de legitimação da política. Parece que ele é o
primeiro a propor uma resposta à questão colocada por Rosseau, a saber, o que legitima o contrato como tal
o contrato entendido como a fundamentação da moderna teoria da integração social. A resposta de Kant é
104
“estado estatal. Kant afirma ser possível que uma pessoa obrigue outra a fazer parte da
constituição, deixando, pois, em aberto a questão do sujeito que se nega a fazer parte dela.
Jakobs pretende resolver este problema com os escritos do próprio Kant denominado
“Sobre a paz na terra” salientando:
Entretanto, aquele ser humano ou povo que se encontra em um mero estado
de natureza, priva...(da) sic segurança (necessária), e lesiona, já por esse estado,
aquele que está ao meu lado, embora não de maneira ativa (ato), mas sim pela
ausência de legalidade de seu estado (statu iniusto), que ameaça constantemente; por
isso, posso obrigar que, ou entre comigo em um estado comunitário-legal ou
abandone minha vizinhança. Consequentemente, quem o participa na vida em um
estado comunitário-legal, deve retirar-se, o que significa que é expelido (ou impelido
à custodia de segurança); em todo caso, não há que ser tratado como pessoa, mas
pode ser tratado, como anota expressamente Kant, como um inimigo (2005, p. 29).
Conforme se percebe, para Rosseau e Fichte, todo aquele que rompe com o contrato
social deve ser considerado como um inimigo, para Hobbes, apenas deve ser considerado
dessa maneira aqueles que têm uma conduta de alta traição, enquanto Kant considera inimigo
todo aquele que não adere ao contrato social. Hobbes e Kant, precariamente, reconhecem a
existência de um direito penal do cidadão, embora admitam a possibilidade de coexistir o
direito penal do inimigo (JAKOBS, 2005).
Ao que parece é que o quer fazer Jakobs. No entanto, o penalista alemão parece
esquecer que os modelos dos subsistemas penais democráticos em tempos de s-
modernidade são completamente distintos dos modelos totalitários e do tempo dos pensadores
clássicos, importantes como ponto de referência é verdade, mas insuficientes para explicar e
legitimar o contexto e as complexidades que envolvem as práticas delitivas na sociedade pós-
modernas.
Assim, torna-se importante identificar o contra-ponto realizado pelo professor
espanhol Manuel Cancio Meliá que critica duramente a possibilidade da existência do direito
penal do inimigo, por basear-se em um direito penal do autor e não do fato, criticando-se,
inclusive, sobre a possibilidade de chamar-se isso de direito penal, pois estar-se-ia a criar um
verdadeiro estado de exceção
104
.
simples e se encontra nos princípios a priori. Ele interpreta o contrato não mais como um fato dado, mas como
um norma que se torna critério para determinar a sociedade civil. Esta, por sua vez, não é de modo algum a
expressão de alguma consideração utilitarista. A alternativa encontrada por Kant em relação a Hobbes não é
mais o Leviatã, mas a proposta de uma aliança de cidadãos. A noção de Kant do contrato social posiciona-se
claramente em contraste com a idéia hobbesiana do contrato como subjugação. Kant não tomou este caminho
das perpectivas sociais” (MILOVIC, in BARRETO, p. 500).
104
As críticas ao direito penal do inimigo não devem fechar os olhos para as algumas práticas existentes nas três
esferas do Poder, preocupando-se o somente com aspectos teóricos, pois não raras vezes o direito penal
assim se mostra nessas instâncias.
105
Nesta linha de idéias, o professor espanhol da Universidade Autônoma de Madrid
sublinha, in verbis:
[...] o conceito de Direito Penal do inimigo pode ser concebido como
instrumento para identificar, precisamente, o não-Direito penal presente nas
legislações positivas: por um lado, a função da pena neste setor, que difere da do
Direito penal verdadeiro, por outro, como consequência do anterior, a falta de
orientação com base no princípio do Direito penal do fato.(MELIÁ, in CALLEGARI,
GIACOMOLLI, 20005, p.66)
Em realidade, o direito penal do inimigo seria, segundo Meliá, com os aportes de Silva
Sanches, a terceira velocidade do direito penal, o que acabaria gerando uma certa
flexibilização das garantias, daí porque o grande rechaço – reflexivamente da obra de
Luhmann para a aplicabilidade de sua teoria ao subsistema do direito penal. Uma culpa que
não é sua, mas sim de Jakobs.
Assim, mais uma vez cabe sublinhar o pensamento de Meliá, verbis:
Segundo Jakobs, o Direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos:
em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que
neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de
referência: o fato futuro), no lugar de como é habitual retrospectiva (ponto de
referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas o
desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é
considerada para reduzir, correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar,
determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. De
modo materialmente equivalente, na Espanha Silva Sanchez tem incorporado o
fenômeno do Direito penal do inimigo a sua própria concepção político-criminal. De
acordo com sua posição, no momento atual estão se diferenciando duas velocidades
no marco do ordenamento jurídico-penal: a primeira velocidade seria aquele setor do
ordenamento em que se impõe penas privativas de liberdade, e no qual, segundo Silva
Sánchez, devem manter-se de modo estrito os princípios político-criminais, as regras
de imputação e os princípios processuais clássicos. A segunda velocidade seria
constituída por aquelas infrações em que, ao impor-se penas pecuniárias ou
restritivas de direito tratando-se de figuras delitivas de cunho novo - , caberia
flexibilizar de modo proporcional esses princípios e regras clássicos a menor
gravidade das sanções. Independentemente de que tal proposta possa parecer acertada
ou não uma questão que excede destas breves considerações -, a imagem das duas
velocidades induz imediatamente a pensar como fez o próprio Silva Sanchez no
Direito Penal do inimigo como terceira velocidade, no qual coexistiriam a imposição
de penas privativas de liberdade e, apesar de sua presea, a flexibilização dos
princípios político-criminais e as regras de imputação. (MELIÁ, in CALLEGARI,
GIACOMOLLI, 2005, p.67/68)
De qualquer sorte, Jakobs vem provocando um grande debate doutrinário, na medida
em que, com base nas premissas apontadas anteriormente e apropriando-se de algumas idéias
da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, trabalha com a idéia de uma teoria funcionalista,
que atualmente se apresenta com duas grandes orientações a saber: o funcionalismo radical
106
sistêmico (normativismo-monista – 1983); e o funcionalismo moderado de Claus Roxin
(1962).
Neste ponto, é preciso fazer um breve recorde conclusivo. Não se compreende porque
grande parte da doutrina finalista rechaça com veemência as idéias de Niklas Luhmann.
Em primeiro lugar, porque de fato, por tratar-se de uma teoria de alta abstração e de
difícil compreensão, poucos juristas a compreendem a ponto de poder criticá-la.
Em segundo, porque não foi Luhmann quem criou o direito penal do inimigo, mas sim
Jackobs, com base em alguns de seus aportes (basicamente a questão das expectativas).
O fato de Luhmann dar mais ênfase em sua teoria a questão da comunicação, não
significa que esteja desconsiderando a questão da centralidade da pessoa humana e
consequentemente da sua dignidade, de fundamental importância para o direito penal. Até
porque funda sua teoria em tempos democráticos, ainda que sua a escrita de sua obra tenha
ocorrido em décadas passadas.
Se Jackobs exagera com a concepção inimiga, não significa que a teoria dos sistemas
de Luhmann deva ser afastada do subistema penal, uma vez que se acredita em um direito
penal democrático e sistêmico, que respeite as garantias, pois ao contrário do que se pensa,
elas não são eliminadas do subsistema penal pela concepção funcionalista.
Assim, fechada a janela, cabe tecer algumas considerações em relação a origem
funcionalista luhmanniana, conforme aponta Schwartz:
A teoria de Parsons teve grande influência no pensamento de Luhmann. Essa
teoria tem fortes raízes weberianas, mas traz significativos avanços. Em verdade,
Parsons tenta unir o pensamento de Durkheim e Weber, procurando demonstrar que
ambos podem ser conciliados na busca de uma sociologia jurídica. Dessa maneira,
toda a interação duradoura pressupõe normas, e sem elas não constitui um sistema.
Mais, Parsons descreve e procura refletir a sociedade a partir das idéias de sistemas
advindos da biologia (Maturana e Varela) e da Cibernética (Bertalanffy). Na idéia de
sistemas parsoniana, aparece como central a idéia de ação social, elemento essencial
do pensamento weberiano.Sobre essa igualdade, Luhmann ressalta que as teses de
Parsons podem ser classificadas como variações da fórmula: ação é sistema. Mas ao
contrário dos autores pós-weberianos, Parsons não conjuga a ação com o indivíduo, e
sim, com o sistema, de tal forma que a ação somente pode ser compreendida sob a
forma sistêmica.(SCHWARTZ, et al, 2005, p. 56/57)
Nota-se pois, em Luhmann a forte influência do pensamento de Parsons, notadamente
no que tange a double contingency o que acabou por estruturar a edificação do primeiro
capítulo da Sociologia do Direito, ou seja, as questões relacionadas a complexidade,
contingência, dentre outras.
Assim, vale destacar algumas idéias de Talcott Parsons, salientadas por Machado:
107
“Para Parsons, portanto, o direito é um jogo de regras que são reforçadas por
alguns tipos de sanções, que o legitimadas de alguns modos e aplicado de alguns
modos”. Merece ser destacado, entretanto, que a definição das condutas desejáveis
pelo sistema social (e, por conseguinte, daqueles comportamentos que merecem ser
punidos ou estimulados), segundo Parsons, não deve ser feita pelo Direito, até
porque este não é rico em informações como o sistema cultural, nem rico em
energia como o sistema econômico. Esta tarefa de definição de escolhas da
condutas deve ficar, de regra, delegada ao sistema cultural (no que diz com os
valores a serem preservados), ao sistema político (com sua definição das metas
socialmente definidas, tendo o sistema ecomico a função de adaptação dos
objetivos às condições físicas existentes. Em outras termos, não se pode pensar na
criação de um novo” Direito sem se levar em consideração que para Parsons “para
cada um dos subsistemas, os outros três constituem o que chama de seu meio
ambiente. Como subsistema encontra-se, portanto, em relação de interação e troca
com cada um dos outros subsistemas” (MACHADO, in FAYET JÚNIOR, 2003,
p.189).
Nestas constantes interações, a estrutura funcionalista de Luhmann, ou melhor, no
funcionalismo estrutural, a estrutura de um sistema passa a ser menos relevante do que sua
função, vista como um organismo de regulação que amplia as possibilidades de observação,
tornando mais palpável o sistema jurídico (SCHWARTZ, 2005). Ou melhor, nas palavras do
pensador sistêmico “É assim que a análise funcional estruturalista pressupõe o
reconhecimento das diferenças mediante informação/comunicação. Com ela, pode-se perceber
o existente como contigente e o diverso, como comparável” (Idem, p. 63).
Mais uma vez, sublinhe-se o pensamento de Schwartz, para quem:
Exsurge, nesse contexto, a importância da observação. Nessa lógica, a grande
contribuição de Luhmann reside na proposição de que a única realidade é a realidade
das observações, ou, em outras palavras, a pergunta sobre o que é real somente é
possível porque existe um observador que a faça, e o “real” somente existirá enquanto
observação. Com outras palavras: somente o observador é capaz de fazer a
comparação equivalente das funções que compõe o sistema. (2005, p.65)
Ao lado da questão da observação, é importante destacar que o direito, e em especial o
direito penal, ainda que em comunicação com os subsistemas sociais, de forma alguma perde
os seus referenciais, ou seja, a sua autonomia mantêm-se intacta devido a sua clausura
operacional. Assim, novamente, sublinhem-se palavras de Schwartz, para quem:
Nesse diapasão, a importância de se estabelecer o direito como um
subsistema autônomo se dá pelo fato de que tal subsistema criou uma rede recursiva
interna e universal que o diferencia do entorno, de tal forma que se enclausurou
operativamente e vai ser o único subsistema responsável por problemas relativos à sua
unidade, conseguindo, dessa forma, uma diferenciação funcional [...]
Portanto, a questão do Direito, sob o perscrutamento funcionalista estrutural, em
observar a unidade da diferença das funções equivalentes que compõem esse
subsistema. Trata-se, pois, de comparar a função do sistema jurídico (Direito/não-
108
Direito), para que se possa (re)descubrir possibilidades outras que tornem possível a
(re)construção de sentido de seu objeto (2005, p. 66/67).
Salientadas estas essas breves considerações a respeito da teoria dos sistemas de
Luhmann, sem ter a preteno de esgotá-las, cabe indagar:
- mas afinal, de que forma as queses funcionalistas são absorvidas (acopladas) ao
subsistema do direito penal e o que efetivamente se entende para este ramo do direito. Melhor
dizendo: o que se entende por funcionalismo penal ?
Essas questões estão relacionadas a verdadeira finalidade do direito penal, calcadas em
razões de política criminal. Segundo Schmidt
Por funcionalismo entende-se a construção do sistema penal e do conteúdo de
suas categorias a partir de considerações de política criminal voltadas ao controle
social. Essa afirmação é bastante ampla, assim como o são as diversas vertentes do
funcionalismo. Na verdade, não se podem agrupar todas as correntes funcionalistas
num único substrato, podendo, sobre elas, recaírem algumas classificações.
(SCHMIDT, in FAYET JÚNIOR, 2003, p. 107)
Ainda que o funcionalismo penal possa se apresentar com diversas variantes,
conforme aponta o autor supracitado, a presente pesquisa ficara recortada no universo do
funcionalismo radical/estratégico de Jakobs e o funcionalismo moderado/estrutural de Claus
Roxin.
Conforme salienta Ricardo Breier, a questão do funcionalismo sistêmico na atualidade
acaba por evidenciar uma verdadeira (re)construção metodológica da dogmática penal s-
finalismo, o que determina uma rachadura nas estruturas dos sistemas penais, ainda que em
realidade não constitua uma grande novidade, pois na Europa tais questões vem sendo
discutidas algumas décadas, sendo que, especialmente na Espanha e na Alemanha, as
teorias funcionalistas renascem com grande força reconstrutora.
A teoria funcionalista traz uma mudança de paradigma, na medida em que pretende
dar uma outra noção a verdadeira finalidade do direito penal, especialmente pela sua
defasagem perante fenômenos de alta complexidade. Nessa linha de idéias, “[...] o várias
interpretações possíveis da realidade, o que vem confirmar os aspectos de complexidade e
contingência da sociedade (variedade de escolhas) descritos por Luhmann”.(MORAES, 2009,
126)
109
Ou seja, a função do direito penal não se limita a proteção de bens jurídicos
105
, mas
como sendo um instrumento capaz de garantir a funcionalidade e eficácia do sistema social e
seus subsistemas.
Um das grandes críticas que a dogmática tradicional e finalista vem sofrendo, reside
no fato de ter se preocupado tão somente em bases ontológicas, deixando de lado os aspectos
ligados a natureza social, ou seja, a estruturação dos tipos penais por exemplo estão
completamente em desacordo com as questões que se encontram no entorno (ambiente de alta
complexidade), daí porque parece ser possível a aplicação da categoria da autopoiese ao
direito penal.
Esta idéia heteropoiética clássica, embora importante sobre o ponto de vista da
legalidade (substancial), deixa o subsistema do direito penal completamente defasado em
relação as sociedades calcadas em ambiente complexos. Aliás, sob a ótica luhmanniana, ousa-
se afirmar que sequer é possível falar em um sistema penal, pois esse é rigorosamente fechado
e avesso a comunicação, uma das questões centrais da teoria sistêmica.
A crítica ao modelo estritamente ontológico é apontada por Breier ao destacar que
Atualmente, a doutrina resgata antigos postulados filosóficos-científicos
reproduzidos por pensadores alemães, o que está oferecendo um novo rumo para a
dogtica penal, como, por exemplo, a reformulação histórico-conceitual da política
criminal de Liszt por Roxin e os postulados sistêmicos-sociais de imputão de
Jakobs. Tais posicionamentos estão a oferecer um novo rumo metodológico, distinto
dos postulados exclusivamente ontológicos. O objetivo vem a ser o de aproximar e
redefinir os institutos do Direito Penal com as novas questões da sociedade moderna.
(BREIER, in FAYET JÚNIOR, 2003, p.134)
No que tange ao funcionalismo de Jakobs, que radicaliza com a idéia do direito penal
do inimigo, conforme apontado anteriormente, o penalista alemão pretende renormatizar os
conceitos gerais no que tange aos elementos delitivos. Assim como Roxin, porém de forma
diversa, conforme se verá a seguir, acredita que as bases ontológico-finalistas são
insuficientes para sustentar os sistemas penais da atualidade, passando a utilizar-se das
categorias sistêmicas sociais como um novo modelo para o Direito Penal (BREIER, 2003).
Assim, mais uma vez destacam-se as idéias do professor do Vale dos Sinos, para quem
105
“O conceito de bem jurídico que aqui se defende é também um conceito de bem jurídico crítico com a
legislação, na medida em que pretende mostrar ao legislador as fronteiras de uma punição legítima. Ele se
diferencia do assim denominado conceito metódico de bem jurídico, segundo o qual como bem jurídico
unicamente se deve entender o fim das normas, a ratio legis. Este conceito de bem jurídico deve ser
rechaçado, pois não aporta nada que mais além do reconhecido princípio da interpretação
teleológica”.(ROXIN, in CALLEGARI, GIACOMOLLI, 2006, p.20).
110
A teoria sistêmica vem sendo considerada como a teoria que mais se
desenvolveu no pensamento doutrinal penal alemão nos últimos tempos. Jakobs
associa-se às concepções de Luhmann de que o Direito é o instrumento que serve para
a estabilização social. Distinto do abstratismo determinado pelo positivismo de que a
norma está edificada em conteúdo valorativo, a teoria sistêmica trata esta questão não
como um ponto crucial, mas sim como uma conseqüência da própria norma. A
suposta garantia individual instituída pela ponderação jurídica vai ao encontro da
subjetividade individual como o centro do sistema social, o que segundo a teoria
sistêmica, permite uma maior expansão no consenso de valorações éticas. Tal
indicativo, renova o paradigma abstrato (despersonalização) para um sistema de
expectativas de comportamentos. (BREIER, in FAYET JÚNIOR, 2003, p.145)
É exatamente neste ponto que se percebe a aproximação que Jakobs realiza com a
teoria sistêmica de Luhmann, no sentido de estabilizar expectativas, que passaria a ser a
verdadeira função do direito penal.
Nessa linha de idéias, mais uma vez Breier salienta, verbis:
Em vários escritos, o professor alemão expõe sua tese, no sentido de firmar
que as premissas do Direito Penal devem partir do caráter normativo, o que está
amplamente identificado com a corrente funcional-sociológica do filósofo
Luhmann
106
. A norma fundamental, expressada pela concepção Kelseniana, deixa de
alcançar seus objetivos na sua criação e denominação própria. Em vez dos termos
mandatos e desobediência, vamos falar de validez e frustração de expectativas. Fora
desse contexto, o que for considerado antinormatizado, com base em regras
meramente normativas, distante do acontecer social, o possuem relevância
sistêmica. (BREIER, in FAYET JÚNIOR, 2003, p. 145)
Assim, visto que a aproximação localiza-se basicamente na questão das expectativas,
salienta-se que Luhmann as define como sendo de natureza cognitiva e normativa.
Para a primeira, trata-se da “referência às relações do homem com os ocorridos na
natureza”.(LYNETT, in CALLEGARI, et al, 2005, p.14.) Nas palavras de Luhmann
[...] Ela aponta para o tipo de antecipação da absorção de desapontamentos,
sendo assim capaz de fornecer uma contribuição essencial para o esclarecimento dos
mecanismos elementares de formação do direito. Ao vel cognitivo são
experimentadas e tratadas as expectativas que, no caso de desapontamentos, são
adaptadas a realidade. (1983, p. 56)
Assim, no que tange as expectativas cognitivas, percebe-se que ocorrendo um eventual
desapontamento, é possível a sua adequação a realidade, sendo justamente isso que Jakobs
utiliza para o fim de buscar a estabilização do subsistema penal, deslocando o foco de
proteção do bem judico como verdadeira finalidade do direito penal para a questão da
afirmar a vigência da norma, ou “o que protege o direito penal são os mecanismos que
106
Ainda que Luhmann transite com naturalidade pela filosofia, é no campo da sociologia que reside o centro de
sua obra.
111
permitem manter a identidade de uma sociedade, é dizer, as expectativas fundamentais para
sua constituição.(LYNETT, in CALLEGARI et al, 2005, p. 15)
Isto significa que essa mudança da finalidade do direito penal deve - necessariamente -
ignorar a função de proteção dos bens jurídicos?
Entende-se que não, pois não se trata de sobrepor o funcionalismo ao
finalismo/garantismo, mas sim em trabalhar com a idéia de aproximação teórica, pois ambas
têm como finalidade uma melhor eficácia do direito penal, até porque foram elaboradas e (re)
pensadas em tempos de Democracia (ainda que não raras vezes exista tão somente de maneira
formal).
no tocante as expectativas normativas elas tratam das “relações do homem com os
demais membros da interação social” (LYNETT, 2005, p. 14). Nesta linha de idéias, segundo
Luhmann
Nas expectativas normativas ocorre o contrário: elas não são abandonadas se
alguém as transgride. No caso de esperar-se uma nova secretária, por exemplo, a
situação contém componentes de expectativas cognitivas e também normativas. Que
ela seja jovem, bonita, loura, se pode esperar, quando muito, ao nível cognitivo;
nesse sentido é necessária a adaptação no caso de desapontamento, não fazendo
questão de cabelo louro, exigindo que os cabelos sejam tingidos, etc. Por outro lado
espera-se normativamente que ela apresente determinadas capacidades de trabalho.
Ocorrendo desapontamento neste ponto, não se tem a sensação de que a expectativa
estava errada. (1983, p. 56)
Assim, vale registrar o fechamento realizado por Luhmann no que tange as duas
modalidades de expectativas
107
, ao salientar que
107
As diferenças têm como fundamento que é distinta a resposta que se quando uma regularidade da
natureza muda a forma de reagir ante um fato social. Frente ao descumprimento de uma expectativa de uma
expectativa cognitiva, como deve reagir o homem? Mantém a expectativa frente a natureza ou deve mudar seu
comportamento? Se alguém que durante anos construiu sua casa de madeira a uma determinada distância de
uma fonte de água, sobre a base de que ainda que no caso de o rio transbordar a água não alcançará a
construção, observa que devido as mudanças atmosféricas a corrente ameaça seguidamente a casa e termina
por arrastá-la, qual deve ser seu comportamento: volta a construir a casa no mesmo lugar, ou muda de lugar,
calculando que a água não o alcançará em caso de enchente? Nestas situações, a pessoa não pode manter a
expectativa, e o conflito se resolve mudando a própria conduta. A resposta a defraudação de uma expectativa
normativa é distinta. Quando outro membro da interação social se comporta de forma diversa ao esperado, o
homem pode seguir confiando nessa expectativa apesar de seu descumprimento, porque o sistema social tem
um mecanismo para que se mantenha como modelo da orientação social: a sanção.Atras desta o Estado
afirma que, apesar de que se tenha rompido uma norma de conduta (há uma negação), o cidadão pode seguir
confiando nela, porque com a imposição da pena se afirma que não vige a especial concepção do mundo que
tem o sujeito (há uma negação da negação), e por isso a pessoa pode seguir orientando sua conduta com base
nas expectativas gerais. É dizer, com a imposição da pena se mantém a vigência da norma como modelo de
contato social. Exemplo: uma pessoa transita pela rua em seu veículo e tem preferência diante de um
semáforo. Não obstante, outro cidadão viola a norma de trânsito e lhe produz uma lesão. Nestas hipóteses,
apesar da defraudação da expectativa (o respeito ao direito de preferência) as pessoas podem seguir
orientando-se sobre a base de que os demais cumprirão no futuro nas normas de trânsito, porque com a
imposição de uma pena o sistema reafirma que seguem vigentes umas determinadas expectativas. A sanção
serve, então, para a estabilização das expectativas sociais”. (LYNETT, in CALLEGARI, et al, 2005, p. 14/15)
112
Dessa forma as expectativas cognitivas são caracterizadas por uma nem
sempre consciente disposição de assimilação em termos de aprendizado, e as
expectativas normativas, ao contrário, caracterizam-se pela determinação em não
assimilar os desapontamentos. (1983, p. 56)
A questão funcionalista está então atrelada a qual vem a ser a verdadeira função do
direito penal no contexto das sociedades pós-modernas, que deve considerar as diversas
relações sociais e os diversos subsistemas d decorrentes. Neste cenário se insere os
fenômenos criminais complexos apontados no capítulo I, uma vez que devido ao fato de que
as expectativas estão inseridas em um universo riquíssimo em possibilidades, pois estão
diretamente relacionadas a condutas de outras pessoas (e outras comunicações), é muito difícil
determinar o comportamento do outro, tal como ocorre nas ações praticas pelo crime
organizado.
Daí porque a dificuldade do subsistema direito penal em absorver esse fenômeno
delitivo.
Nessa linha de idéias, mais uma vez Breier leciona:
O delito não pode ser mais visto como uma mera infração à norma de
natureza pessoal (singularidade), e sim, como um fenômeno de relações sociais. Aqui
se encontra a amplitude de que o Direito Penal tem que reestruturar. “Cabe rogar ao
Direito penal que realiza esforços para assumir novos problemas sociais, até que o
sistema jurídico alcance uma complexidade adequada com referência ao sistema
social. O delito é algo cientificamente de maior complexidade, sendo que a teoria do
delito, com fundamentos abstratos, limita-se em rios aspectos contextuais, o que o
impede a formação da norma; exemplo: o que é um bem jurídico para a sociedade? O
agente primeiro infringe a norma ou o bem jurídico que ela protege? (BREIER, in
FAYET JÚNIOR, 2003, p. 146)
Isso acaba por mexer também na estrutura da culpabilidade, que o passa a ser visto,
sob a ótica funcionalista, tão somente como um juízo de reprovação de natureza individual,
mas a ser basilada por queses relacionadas a reação estatal advindas dos sistemas sociais.
Tal concepção, comparada à ótica garantista que será abordada a seguir, parece não ter
qualquer chance de aplicação, até porque, aparentemente, as idéias de Jakobs parecem ignorar
as conquistas no campo das liberdades individuais que o direito penal alcançou ao longo de
sua história desde o movimento iluminista.
Novamente, o professor Breier leciona relatando que
Ao definir a contradição do comportamento para com a norma, nasce o
problema de imputação pessoal, ou seja, qual o real comportamento que pode ser
considerado típico e antijurídico? Quais os limites? Creio que a resposta está
113
direcionada para uma nova linha investigatório-conceitual dos elementos da teoria do
delito, a partir da orientação sistêmica de Direito penal. (2003, in FAYET JÚNIOR, p.
147)
Como visto, a concepção funcionalista praticamente rompe com a idéia finalista,
aonde se estruturou todo o direito penal moderno, a partir do momento em que Jakobs coloca
a teoria da pena não mais sob os aspectos da ressocialização, mas sob o foco da prevenção
geral positiva, calcados em algumas idéias de Hegel e da teoria dos sistemas de Luhmann.
Nessa linha de idéias, mais uma vez aponta-se o pensamento de Lynett, para quem
Poderíamos afirmar que se trata de uma nova leitura de Hegel através da
concepção do direito de Niklas Luhmann. A finalidade da pena é manter a vigência da
norma como modelo de contato social. Com seu comportamento, o infrator rompe
umas expectativas normativas e a pena tem como função demonstrar que a sociedade,
apesar da desautorização da norma, pode seguir confiando na vincia das mesmas.
Com base em uma das leis da dialética, Hegel desenvolveu sua teoria da pena. O
filósofo alemão entendeu que uma vontade geral que está constituída pelo direito
abstrato, e frente a ela se contrapõe uma vontade particular que, com seu
comportamento, nega essa vontade geral. A finalidade da pena é restabelecer a
vontade geral através de uma negação; é dizer, de uma negação da negação. Quem
comete um delito expressa um especial esboço do mundo, uma especial concepção do
mesmo, porque para ele não vige o ordenamento jurídico, mas sua vontade particular
(uma negação). Com a pena, o estado manifesta que essa concreta concepção não vale
e que deve imperar a vontade geral (negação da negação). Dessa maneira se
restabelece a vigência do direito (sínteses). A partir deste fundamento, Jakobs aplica
uma teoria institucional do direito, que entende as normas como estrutura da
sociedade. O direito, na concepção de Niklas Luhmann, é uma estrutura através da
qual se facilita a orientação social, e a norma, uma generalização de expectativas.A
configuração fundamental da sociedade se produz através do direito, e a missão do
Direito Penal é garantir essa configuração. As expectativas sociais se estabilizam
através das sanções. (in CALLEGARI et al, 2005, p. 13).
De todos os aportes da teoria sistêmica, somente estes pontos são utilizados por
Jakobs, o que por si , parece deslegitimar a idéia de que é impossível aplicar a teoria
sistêmica ao direito penal. Até porque, conforme apontado, não foi Luhmann quem criou a
categoria do direito penal do inimigo, tampouco Jakobs, que (re) edita este pensamento,
conforme nos ensina o sempre lembrado professor Luis Luisi.
De igual sorte, vale registrar as críticas apontadas por Moraes no que tange a
inaplicabilidade da teoria dos sistemas ao direito penal, verbis:
O grande problema da teoria de Luhmann, segundo seus críticos, é a sua
despreocupação com os aspectos materiais dos conflitos de interesses que ocorrem no
meio social e o seu desprezo pelas desigualdades materiais existentes entre os
membros da coletividade. Além disso, segundo os críticos, Luhmann partiria da
premissa tida como equivocada de que os indivíduos aceitarão as decisões do
aparelho estatal somente porque tiveram acesso ao procedimento (2009, p. 102).
114
Moraes, ao sublinhar o pensamento de Francisco Muñoz Conde, salienta que a teoria
sistêmica é incapaz de apresentar qualquer crítica ao sistema, seu funcionamento e suas ações,
sob o argumento que:
[...] a teoria sistêmica conduz para uma concepção preventiva integradora do
direito penal, em que o centro da gravidade da norma jurídico-penal em que passa da
subjetividade do indivíduo para a subjetividade do sistema. [...] Quando desde a teoria
sistêmica se fala em “funcionalidade” da norma jurídico-penal, nada se diz sobre a
forma específica de seu funcionamento nem sobre o sistema social para o qual a
norma é funcional. Desde esta perspectiva, o conceito de função, é demasiadamente
neutro e realmente não serve para compreender a essência do fenômeno jurídico
punitivo. [...] Em última instância, a teoria sistêmica conduz para substituição do
conceito de bem jurídico pelo de “funcionalidade do sistema social” perdendo a
essência do direito penal o último ponto de apoio que existe para a crítica do direito
penal positivo (2009, p. 103).
A primeira vista, a crítica apresentada por Muñoz Conde parece ser insuperável, na
medida em que, ao se confiar demasiadamente no sistema (em especial no subsistema penal),
estar-se-ia confiando também demasiadamente no papel do poder legislativo.
No entanto, mais uma vez vale repisar:
- o que deve interessar ao direito penal no contexto da s-modernidade, é como as
garantias irão gravitar nos sistemas (e subistemas que se diferenciam funcionalmente), sendo
que a existência dos direitos e garantias fundamentais não pode implicar em um afastamento
do direito penal da realidade dos sistemas sociais, sob pena de permanência da sua defasagem.
Assim, uma vez ultrapassada as idéias funcionalistas sistêmicas de Jakobs, é preciso
tecer algumas ponderações no que tange ao funcionalismo moderado de Claus Roxin, rumo a
uma nova política criminal.
Roxin foi o verdadeiro propulsor do funcionalismo em matéria de direito penal,
movimento este iniciado na Alemanha na década de 60, trazendo a política criminal para o
universo dos critérios do justificação do direito penal como forma de limitar os excessos de
poder, tomando por base alguns cririos de Voz Liszt (BREIER, 2003).
Se por um lado Jakobs parece o se preocupar com os bens jurídicos, Roxin cuida de
mantê-lo em seu sistema funcionalista, ao lado de uma nova concepção no que tange a
culpabilidade.
Nesta linha de idéias, novamente sublinhe-se o pensamento de Breier, para quem:
Roxin parte da dicotomia de bem jurídico e de ressocialização, caracterizando
a pena em duas funções: prevenção de natureza geral abstratismo (proteção dos bens
jurídicos) e especial concretismo (ressocialização do agente infrator), a reconhecida
teoria relativa da pena [...] Os pametros da pena estariam determinados pelos limites
115
de uma nova concepção de culpabilidade, ou seja, uma culpabilidade somente como
função de limite e não como fundamento da pena. (BREIER, in FAYET JÚNIOR,
2003, p. 138)
A idéia de culpabilidade enquanto limite do poder estatal parece ter eco em um
subsistema penal falido, na medida em que, a superpopulação carcerária
108
e os altos índices
de reincidência – conforme apontado no capítulo primeiro acabam por indicar que o
fundamento da pena e o juízo de reprovação aliado a uma utópica ressocialização, são dados
que exigem uma nova para as categorias conceituais do direito penal, notadamente no que
tange a teoria geral do delito.
Na medida em que o direito penal parece estar tão afastado do contexto das relações
sociais
109
a idéia de Roxin de aproximar a dogmática penal da realidade social merece no
mínimo ser estudada enquanto nova possibilidade de análise dos fenômenos de alta
complexidade que envolvem o subsistema do direito penal.
Nesta linha de idéias, mais uma vez leciona Breier:
[...] Roxin, através de uma metodologia instituída por Liszt, idealizasse a
junção da dogmática penal com a política criminal como fundamento para uma
construção limitativa dos elementos da teoria do delito. Roxin preconizava que um
sistema penal orientado por princípios de política criminal converteria a construção da
dogmática penal para as reais necessidades sociais. A orientação de Roxin parte de
três exigências que considera importante para o desenvolvimento de um novo sistema
metodológico jurídico-penal. São elas: ordem e clareza conceitual e a aproximação da
realidade com orientações de política-criminal. Os elementos delimitadores do fato
punível (tipicidade – função de satisfazer a determinação e taxatividade definidas pelo
princípio da legalidade, antijuridicidade – como sede de resolução dos conflitos
sociais que se origina pela colisão de interesses individuais e/ou supra-individuais e
culpabilidade como limite da intervenção punitiva do Estado) necessitariam a partir de
então, de uma nova orientação construtiva, a qual estaria sob o desenvolvimento
exclusivo da política criminal. (BREIER, in FAYET JÚNIOR, 2003, p. 139)
Dessa forma, atras desta espécie de funcionalismo moderado Roxin pretende
tirar o direito penal de uma posição imutável, incapaz de observar outros fenômenos que estão
a sua volta, situação esta que insere o direito penal em uma postura acrítica, calcada em uma
extremada tradição, que sob o grito das garantias e liberdades individuais extremamente
importante é verdade, mas não a única observação acaba tornando o direito penal
ineficiente, o que acaba por contaminar todo o restante do subsistema.
108
Registre-se que a explosão do subsistema carcerário chegou a tal ponto que o próprio Poder Judiciário do Rio
Grande do Sul está a iniciar um movimento de alarme da sociedade no que tange as condições subumanas do
cárcere, a ponto de determinar rodízio de presos ou impedir a prisão, não por falta de fundamento legal das
prisões cautelares por exemplo (o que mereceria uma discussão própria), mas por falta de vagas nos presídios
gchos. Isso esta a gerar um verdadeiro paradoxo em matéria de direito penitenciário.
109
Até pouco tempo o Código Penal ainda trabalhava com categorias tais como “mulher honesta”.
116
Não resta dúvida de que não é fácil vencer a tradição. Até porque, toda vez que surge
uma nova teoria em matéria de direito penal, se tem medo que as mesmas acabem rompendo
com um modelo de direitos e garantias fundamentais. Isto se evidencia na medida em que as
idéias de Roxin parecem causar um verdadeiro susto nas escolas penais humanitárias,
notadamente pela difusão de algumas idéias no que tange a tipicidade, tais como destaca,
incansavelmente, destaca Breier, in verbis:
A noção de que toda a conduta deverá previamente estar descrita no tipo
penal, não seria mais considerada como a única fonte de garantia junto ao cidadão. A
lei penal, pelo contrário, atras do preceito nullum crime, teria que trazer consigo
uma maior dimensão na tipificação do comportamento delituoso. O indicativo seria a
regulamentação social, ou seja, um Direito penal identificado com a realidade
específica, objetivando reestruturar a sistemática individualista da escola finalista. A
premissa de que os fatores sociais estariam alheios ao Direito penal estaria com os
dias contados. O novo modelo científico obrigatoriamente levaria a rios
questionamentos a respeito de quais seriam os critérios reestruturais da dogmática, ou
seja, os conteúdos determinantes do moderno Direito Penal. (BREIER, in FAYET
JÚNIOR, 2003, p. 140)
Na medida em que Roxin pretende que a culpabilidade seja utiliza como critério
limitador do poder estatal, não que se temer a dinâmica típica, que passa a levar em
consideração também a realidade social e o somente aspectos descritivos previstos pelo
legislador.
Portanto, a inserção da política criminal como o grande carro chefe nas idéias de
Roxin, revelam um direito penal muito mais eficiente para absorver algumas demandas
sociais. Com isso, não se está dizendo que se pretende resolver sociais através do direito
penal. Pretende-se tão somente, que o direito penal - como suporte nos sistemas sociais -
consiga observar o inobservado, tais como as ações do crime organizado se apresentam
perante a sociedade brasileira, o que acaba por conduzir o direito penal em um descrédito,
culminando com seu atestado de falência perante a complexidade.
Assim, mais uma vez sublinhe-se o pensamento de Breier para quem verbis:
Sem dúvida as propostas de Roxin direcionaram o Direito penal para uma
dimensão de maior abrangência através do ingresso da política criminal. Tal evento
possibilitou e ainda possibilita, na atualidade, uma maior discussão sobre as questões
referentes à criminalização, à descriminalização e à despenalização [...] O
ressurgimento da política criminal como fonte de renovação e conexão metodológica
atualmente está sendo considerado pela doutrina majoritária como a corrente de maior
aceitação acadêmico-científica, principalmente pelo elo que proporciona entre o
injusto penal e os Direitos fundamentais.(BREIER, in FAYET JÚNIOR, 2003, p.
144)
117
Nesta linha de idéias, Bitencourt ao analisar o funcionalismo de Roxin enquanto teoria
pós-finalista, o faz com propriedade ao diferenciar das premissas do funcionalismo de Jakobs,
ao apontar que:
Enfim, o funcionalismo de Roxin não se confunde com o de Jakobs porque,
apesar de ambos admitirem uma estrutura teleológica da dogmática penal, Roxin não
admite a possibilidade de os valores jurídicos serem obtidos a partir dos seus próprios
pontos de vista normativos. Roxin propõe uma dogmática plena de dados empíricos
que se ocupa das realidades da vida de forma muito mais cuidadosa que um finalismo
concentrado de estruturas lógico-reais em tanto abstratas. Mas é verdade que o
parâmetro de decisão político-criminal, que seleciona e ordena os dados empíricos
jurídico-normativamente relevantes, tem preponderância.[...] Distinguem-se,
basicamente, a partir da renormatização total do sistema e suas categorias e no grau
de relativização (ou absolutização) do aspecto metodológico funcionalista. A
diferença mais significativa, no entanto, reside das referências funcionais mediante as
quais atribuem conteúdos aos conceitos. O normativismo teleológico preocupa-se
com os fins do Direito Penal, ao passo que o normativismo sistêmico se satisfaz com
os fins da pena, isto é, com as conseqüências do Direito Penal. Em síntese, a
orientação teleológica funcional norteia-se por finalidades poticas-criminais,
priorizando valores e princípios garantistas; a orientação funcionalista-sistêmica leva
em consideração somente necessidades sistêmicas e o Direito Penal é que deve
ajustar-se a elas. (BITTENCOURT, 2008, p. 78)
Assim, a verdade é que as teorias funcionalistas, sejam elas radicais ou moderadas,
passam a assumir uma importância ímpar para o subistema penal, na medida em que insere na
dogmática penal um importante debate advindo da política criminal, que precisa ser melhor
equalizado é verdade, mas nem por isso deixa de ter uma relevância enquanto forma de retirar
a esterilidade do direito penal. Quanto a importância da política criminal, sublinhe-se as idéias
de Schmidt, para quem
Se, por um lado, o dogmatismo acrítico pode manter a ciência penal
estagnada frente às mudanças sociais contemporâneas, a potica criminal
universalizante, ao contrário, pode levar esta mesma ciência penal a viajar
normativamente alto demais. É chegada a hora de arregaçarmos as mangas e
debruçarmo-nos para uma discussão séria de política-criminal brasileira. (SCHMIDT,
in FAYET JÚNIOR, 2003, p. 125)
Dessa forma, a orientação funcionalista parece adequada para inserir o direito penal
na sociedade pós-moderna, concepções estas que podem coexistir com predicados de natureza
garantista. Em sentido similar, Rochefort, professor de direito penal da Universidad de los
Andes, sublinha, in verbis:
Además de las estructuras de legitimidad que hemos denominado “formales
(si bien en cuanto estructura no puede establecerse diferencia alguna entre ellas, sino
solo desde la perspectiva de un observador de segundo orden), puede afirmarse
también la existencia de ciertas estructuras de legitimidad material. A diferencia de
las anteriores, estas estructuras no implican que siempre se legitime la operación del
118
Derecho penal a partir de la negación de la pena (~pena), sino también mediante una
disminución de la intervención punitiva (menos pena). Dentro de esta clase de
estructura se encuentran entre otros el principio de subsidiariedad, de
fragmentariedad, proporcionalidad, humanidad, igualdad, exclusiva proteción de
bienes jurídicos, culpabilidad y non bis in idem. (ROCHEFORT, in DÍEZ, 2005,
p.274).
Este novo direito penal, ainda que desinstitucionalizado, pode sim adentrar na era
pós-moderna sem perder os seus postulados indissociáveis, sendo a política criminal uma
importante ferramenta para este fim.
Nesta linha de idéias, mais uma vez destaca-se o pensamento de Schmidt, para quem
in verbis:
Nenhum autor moderno de Direito Penal poderá ser encarado com a devida
seriedade científica caso pretenda desenvolver uma teoria geral do delito e, em
especial, um sistema jurídico penal, sem atentar para a necessidade de construção dos
significados dos valores de política-criminal que devem ser perseguidos pelo sistema.
O sistema proposto por Liszt, de total separação entre a dogmática e a política
criminal, se encontra suficientemente superado pelo sistema funcional
(principalmente a partir da obra de Roxin), que evidencia a necessidade de
aproximação entre a Teoria Geral do Delito e a Política Criminal como forma de
realização do Direito Penal. (SCHMIDT, in FAYET JÚNIOR, 2003, p. 130).
Sob essa ótica, acredita-se ser possível realizar esta aproximação, até mesmo das
orientações de política criminal, antes mesmo de se aproximar com a dogmática penal, tal
como preconiza Schmidt:
Assim é que teríamos uma justificativa metodológica para um Direito Penal
funcionalista-garantista que, em suas incursões dogmáticas, labore a partir de
conceitos como os de tipicidade e ilicitude materiais, co-culpabilidade etc. Este seria
o modelo de ciência penal conjunta que, sem dar as costas aos ditames da política
criminal, mostra-se compatível com os direitos fundamentais (2003, p. 133).
Nesse sentido, a política criminal pode funcionar como uma filtragem (notadamente a
partir da diferenciação funcional) que se ingresse no universo do subsistema penal, que por
mais avançado que seja, continuará mantendo suas mazelas.
Assim, segundo Roxin
Podem-se eliminar casos leves cujo fato delitivo causa perturbações
sociais; assim, é possível suspender o procedimento penal e em seu lugar impor
determinados serviços (talvez na cruz vermelha ou outras instituições sociais). Isto
poupa o autor da discriminação social que supõe a condenação; mas ao mesmo tempo
lhe deixa claro que o Estado não pode tolerar sua conduta (in CALLEGARI. et al,
2001, p. 19).
119
Com as análises até aqui elaboradas, percebe-se que o modelo funcionalista não
precisa necessariamente - se sobrepor as idéias tradicionais do direito penal
(iluminismo/garantismo), embora os superem em largos passos no sentido de observar o
inobservado.
Na verdade, o que precisa ficar claro na busca de um subsistema penal que não ignore
a complexidade dos sistemas sociais, é qual será o papel das garantias no universo da teoria
dos sistemas.
Para tanto, entende-se adequada uma aproximação entre a principal teoria que
preconiza as garantias como centro do sistema penal (FERRAJOLI) e alguns aportes
sistêmicos (LUHMANN), que por sua vez privilegia a idéia da comunicação entre os
subsistemas, conforme será exposto no tópico a seguir.
3.2 APROXIMAÇÕES: GARANTISMO E TEORIA DOS SISTEMAS
A teoria do garantismo penal proposta pelo italiano Luigi Ferrajoli pode ser
considerada como o grande marco do direito penal humanitário e garantista do século XX,
enquanto que a teoria dos sistemas, tanto no século passado quanto no século XXI, é a
referência mais indicada para se observar uma sociedade altamente complexa, globalizada e
contingente.
Surgida em oposição a modelos penais autoritários, e porque não dizer absolutistas, a
teoria do garantismo agrega novas matrizes ao pensamento iluminista, criando uma verdadeira
escola de direito penal que vem sendo muito recepcionada no Brasil, em especial no Rio
Grande do Sul, tanto na academia quanto nas práticas forenses
110
.
De matriz iluminista e preconizando cada vez mais a consolidação de um Estado de
Direito, a teoria garantista tem em seu bojo alguns contrapontos que passam a ser uma
constante no pensamento de Ferrajoli. O penalista italiano propõe um modelo de direito penal
mínimo em contraposição e um modelo de direito penal máximo, buscando sobrepor o
interesse do mais fraco - indivíduo - na verdadeira relação de poder que se estabelece no
universo do processo penal, aonde, obviamente, o estado repressor acaba por constituir o
braço mais forte e mais pesado com toda a gama de ferramentas punitivas que se encontram a
seu dispor.
110
Tal como a 5º Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
120
Assim, Ferrajoli proe a teoria do garantismo sustentada basicamente em três pilares,
tais como a necessidade de um novo modelo normativo, de uma nova concepção da teoria
jurídica de validade das leis e de uma nova filosofia política de legitimação (COPETI, 2000).
No que tange ao sistema normativo Ferrajoli sustenta que:
[...] garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no
que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidadede SG, próprio do
Estado de Direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema
cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica
de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano
jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em
garantia dos direitos dos cidadãos. É, consequentemente, “garantista” todo o sistema
penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente
(FERRAJOLI, 2002, p. 684) [grifo do autor].
Nesse sentido, tendo como referência o pensamento de Ferrajoli, no que tange a
estruturação do modelo epistemológico de garantias criado pelo penalista italiano, o professor
And Copetti salienta alguns parâmetros com a finalidade de apurar o grau de garantias
inerentes a cada sistema penal, senão vejamos:
O sistema garantista SG compõe-se de dez axiomas, seis de natureza penal e
quatro de origem processual, incluídos todos os termos antes referidos, estruturados
de uma forma escolástica, segundo o próprio autor, a saber: A1)Nulla poena sine
crimine (princípio da retributividade); A2) Nullum crimen sine lege (princípio da
legalidade lata); A3) Nulla lex poenalis sine necessitate (princípio da necessidade ou
da interveão mínima); A4) Nulla necessitas sine iniuria (princípio da lesividade);
A5) Nulla iniuria sine actione (princípio da materialidade); A6) Nulla actio sine culpa
(princípio da culpabilidade); A7) Nulla culpa sine iudicio (princípio da
jurisdicionalidade); A8) Nullum iudicio sine acusattione (princípio da separação entre
juiz e acusação); A9) Nulla accusatio sine probatione (princípio da carga da prova);
A10)Nulla probatio sine defensione (princípio do contraditório). A estes princípios
acrescentaríamos o da proporcionalidade da pena, que julgamos de fundamental
importância num contexto garantista de aplicação da lei penal (2000, p.116).
Nessa linha de idéias, é possível sustentar que o direito penal não é capaz de tratar dos
problemas da sociedade complexa tão somente com o modelo normativo dominante no direito
penal, que se preocupa tão somente com uma legalidade formal, incapaz de assegurar a
efetividade de direitos substanciais, em especial, no que toca ao direito penal, daqueles
instrumentos capazes de satisfazer o devido processo legal, a presunção da inoncia, a
culpabilidade e a proporcionalidade, dentre outros postulados iluministas.
Nesse diapasão, na esteira das idéias do professor Copetti, vale destacar:
[...]cabe-nos questionar se o modelo normativo da legalidade formal, em que
a lei aparece como condicionante, ainda é adequado, diante de uma sociedade tão
121
modificada, cultural e tecnologicamente, como a atual, para atender aos anseios de
justiça material de todos os cidadãos, especialmente no campo de atuação estatal
penal, cuja justificação tem sido alvejada diariamente pelos fatos produzidos pelo
sistema. A resposta pode ser uma: o. O princípio da legalidade, enquanto ativo
somente dentro de uma relação formal de aplicação da lei, é insuficiente para atender
as demandas de justiça dentro da esfera da atuação estatal penal nos parâmetros da
sociedade atual. À ele precisam ser somados instrumentos que possibilitem aos
legisladores e aplicadores da lei realizar uma leitura substancial do fenômeno sujeito à
incidência da lei penal, impondo-os limites desta ordem, e não somente de natureza
meramente formal (2000, p.113).
Acrescenta-se a isso, o fato de que a incerteza da sociedade atual que traz como
emergente a categoria do risco e as novas relações dos sistemas sociais, faz com que o direito
penal acabe tendo que se tornar - também - aberto para o futuro
111
, situação esta não muito
simples de equalizar, mas nem por isso impossível, uma vez levado em consideração a
complexidade dos subsistemas.
Por outro lado, historicamente, o direito penal sempre esteve voltado para o passado,
em virtude do princípio da legalidade. Como equilibrar essa questão temporal, diante de novas
demandas, e como equilibrar uma prevenção mais eficaz sem romper com o sistema de
garantias, parece constituir o grande desafio para o penalista do futuro.
O segundo pilar da teoria garantista consiste em uma nova concepção de teoria
jurídica de validade das leis. Pode-se sublinhar algumas palavras do Ferrajoli, ao destacar
que:
Em um segundo significado, garantismo” designa uma teoria jurídica da
“validade” e da efetividadecomo categorias distintas não entre si mas, também,
pela “existência” ou “vigor” das normas. Neste sentido, a palavra garantismo exprime
uma aproximação teórica que mantem separados o sere o “deve ser” no direito; e,
aliás, põe como questão teórica central, a diverncia existente nos ordenamentos
complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas
operacionais (tendentemente anti-garantistas), interpretando-a com a antinomia
dentro de certos limites fisiológicos e fora destes patogica que subsiste entre
validade (e não efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas
(2002, p. 684) [grifos do autor].
Assim, a concepção de validade das leis para Ferrajoli vai muito além da idéia
proposta por Kelsen, pois são nítidas e pertinentes as distinções apontadas na teoria garantista
entre as categorias de vigência, validade e eficácia das leis penais, o que de certa forma é
confundido pelo pensamento kelseniano.
Nessa linha de idéias, pode-se agregar o pensamento de Salo de Carvalho “[...] a idéia
conjugada de legitimidade e legalidade originou uma teoria jurídica assentada no dogma da
111
Tenha-se como exemplo, em matéria penal, as questões relacionadas a clonagem humana, a pesquisa com
embriões, o extermínio de embriões excedentes, os organismos geneticamente modificados, as questões
ambientais, dentre outros.
122
presunção de regularidade dos atos do poder, identificando a validade das normas com sua
mera existência” (2003, p. 101).
Dessa forma, não se pode conceber a validade de uma lei, ou de um tipo penal, tão
somente por sua inserção ou imersão no subsistema penal. Tampouco admitir sua validade por
ter sido argüido por argumentos de autoridade que acabam eliminando qualquer possibilidade
de observação diversa. É necessário que ocorra uma adequação, sob pena de afastamento da
norma do subsistema, proposto na presente pesquisa através da diferenciação funcional do
direito penal.
Nesse diapasão, sublinhe-se novamente as idéias Carvalho (apud FERRAJOLI):
Como ressalta Ferrajoli, os conceitos de vigência e validade são assimétricos
e independentes: enquanto vigência diz sobre a forma dos atos normativos, ou seja, é
questão de correspondência ou subsunção das normas às regras de procedimento e
competência; validade corresponde a significado, trata-se de uma questão de
coerência ou compatibilidade das normas produzidas com os valores materiais
encontrados nas Constituições (2003, p. 102).
Dessa afirmativa, pode-se abstrair que a teoria garantista não se contenta com modelos
meramente formais do positivismo estritamente dogmático (CARVALHO, 2003).
Sendo assim, neste prisma, é necessário buscar cada vez mais uma adequada leitura
substancial do princípio da legalidade, aliada a uma nova concepção de validade das leis, para
agregar-se, posteriormente, no que tange ao terceiro pilar de Ferrajoli, uma nova filosofia
política de legitimação (COPETTI, 2000).
Sob este aspecto, segundo as palavras do próprio penalista italiano, sublinhe-se in
verbis:
Segundo um terceiro significado, por fim, “garantismo” designa uma filosofia
política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos
bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade. Neste
último sentido, o garantismo pressupõe a doutrina laica da separação entre direito e
moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto de vista externo na
valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “deve ser” do direito. E
equivale à assunção, para os fins da legitimação e da perda da legitimação ético-
política do direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo
(FERRAJOLI, 2002, p.685).
Com esses aportes teóricos, a teoria garantista pretende afastar toda e qualquer
arbitrariedade Estatal - minimizar a violência ao agente que ingressa no subsistema penal,
passando o Estado a ter outra finalidade, ou seja, ao invez de ter um fim em si mesmo passa a
ser um instrumento capaz de assegurar a presença de todas as garantias penais durante a
persecução penal.
123
Registradas essas breves incursões da teoria garantista, cabe indagar, na esteira da
proposição deste tópico da pesquisa, como é possível (e se é possível) fazer uma aproximação
teórica entre a teoria garantista de Ferrajoli e a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann em
busca de uma política criminal que atenda as demandas dos sistemas sociais complexos?
Desde logo, salienta-se a resposta preliminar apresentada pelo professor Germano
Schwartz, ao salientar que “Ambas podem e devem coexistir mutuamente e de forma
harmônica, visto que seus pressupostos podem ser combinados” (in CALLEGARI. et al,
2001, p. 44).
Ainda que a resposta possa ser dada de plano, é preciso apontar o caminho da
aproximação. Em um primeiro momento, tal tarefa parece impossível, especialmente por se
tratar de teorias que aparentemente caminham em sentidos opostos, ou seja, o garantismo
como uma teoria heteropoiética e a teoria dos sistemas como uma teoria autopoiética.
Esse ponto de desencontro das teorias parte da idéia de que o garantismo tenta resolver
- por si - os problemas do direito penal a partir de uma perspectiva interna, eis que
Ferrajoli nega que a complexidade do sistema social é um dos fatores determinantes da crise
do direito
112
, dando a idéia de que o direito penal é capaz de solucionar suas controvérsias a
partir de sua própria perspectiva. Com isso, praticamente nega-se a contingência
113
do mundo
global e complexo.
Para responder os problemas de um mundo globalizado, Ferrajoli propõe a teoria do
garantismo, calcada na realização da democracia, como a única possibilidade, ignorando a
contingência do mundo pós-modernos e das diversas possibilidades decorrentes de uma
sociedade altamente complexa.
Ainda que nesta pesquisa esteja sendo utilizado muito das contribuições e idéias do
ilustre professor Germano Schwartz, não se compactua de uma de suas idéias no sentido de
que a teoria de Ferrajoli, ao intitular-se como única possibilidade no mundo s-moderno,
acabe por representar resquícios totalitaristas, conforme afirma o autor ao apontar que
“Ferrajoli defende que está é a única possibilidade, podendo-se verificar nesta afirmativa,
112
Ferrajoli defende que a crise do sistema atual passa por três aspectos: a) a crise de legalidade ou ausência ou
ineficácia dos controles, traduzindo-se na ilegalidade do poder, surgindo daí o denominado Estado Paralelo; b)
inadequação do Estado ao Welfare State; c) crise do estado social, face aos deslocamentos dos lugares de
soberania, na alteração dos sistemas de fontes, e, portanto, em um enfraquecimento do constitucionalismo
(SCHWARTZ, in CALLEGARI, et al, 2001, p. 39).
113
“Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências
poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo
inexistente, inatingível, ou a algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta (por
exemplo, indo-se ao ponto determinado), o mais lá está. Em termos práticos, complexidade significa seleção
forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assimir-se riscos” (LUHMANN,
1983, p. 47).
124
resquícios totalitários que vão contra qualquer idéia contrária, e que, nesse sentido, seria
antidemocrática”. (SCHWARTZ, 2001, p.40).
Ainda que as idéias de Ferrajoli possam constituir tenham uma forte convicção
ideológica-política-criminal, é muito difícil observar o garantismo como um sistema com
resquícios totalitarista, pois estar-se-ia a negar toda a estruturação da teoria que consiste
justamente em afastar os modelos autoritários e garantir o máximo possível não só das
garantias penais, mas também a felicidade do mais fraco nesta relação de poder com o Estado,
bem evidenciada nas lides forenses.
Outro problema que pode ser apontado na teoria garantista como o grande marco
teórico para resolver problemas penais complexos, deve-se ao fato de trabalhar com a idéia de
igualdade, o que não condiz com a realidade tica da sociedade, sendo uma matriz incapaz de
tratar com o problema das diferenças, tão presente no mundo globalizado.
Nessa linha de idéias, retoma-se o pensamento de Schwartz, in verbis:
O problema básico desta idéia garantista é que parte do pressuposto de todos
serem iguais, sem perceber que esta é uma abstração jurídica não correspondente no
mundo dos fatos. Ocorre que não somos iguais, antropologicamente e
sociologicamente falando. Há ricos e pobres. Há negros e brancos. O mundo moderno
é uma sociedade de diferenças não reconhecidas pelo garantismo. Claro que o
discurso de Ferrajoli é importante. Porém, é irreal. Marx dizia que a sociedade em
que o humano está inserido é classificada em classes e diferenças. Caso não se
acreditasse nisso, cair-se-ia na armadilha burguesa. Ou, talvez pior, em uma
totalitarismo leninista, por exemplo (in CALLEGARI et al, 2001, p.40).
Outro aspecto a agregar em relação a insuficiência do garantismo para minimizar os
problemas do direito penal da atualidade, deve-se ao fato de que a heteropoiese, por ser uma
teoria estritamente fechada, não é capaz de dar conta de questões completas que estão no
entorno do sistema pelo simples fato de que o poder encarregado de formar normas penais e
processuais é externo ao sistema de garantias.
Nesse sentido, salienta-se que “[...] é falho acreditar que o direito é heteropoiético e
que é capaz de se autoproduzir internamente sem que se olhe para o exterior. Basta referir que
o programador do direito é alguém alheio a ele: o legislador” (SCHWARTZ, 2001, p.41).
Como se percebe, o garantismo penal, ao contrário da teoria dos sistemas, não admite
a idéia de um sistema aberto (além de fechado), ou seja, não admite a comunicação além da
Constituição e dos direitos fundamentais, restringindo-se a seu interior. Uma auto-regulação
interna demais, que não absorve nada do que está no entorno e não se acopla com outros
subsistemas.
125
Assim, ao contrário do que sustenta a teoria garantista, o direito penal não pode
permanecer estritamente fechado. É necessário realizar uma abertura para o ambiente, aonde
efetivamente encontra-se toda a complexidade da sociedade pós-moderna, realizando diversos
acoplamentos estruturais
114
com outros subsistemas, para o fim de, através da autopoiese,
reduzir a complexidade minimizando riscos, tomando decisões e produzindo a diferença. O
papel das garantias passa a ser de contribuir para a diferenciação funcional do direito penal,
ao invez de manter exageradamente fechado no universo da dogmática.
O fechamento da teoria garantista - embora importante como limite ao poder penal
exacerbadamente repressivo acaba por se tornar insuficiente para análise de fenômenos
complexos, especialmente aqueles decorrentes do crime organizado.
Assim, no caminho da aproximação entre a teoria sistêmica e a teoria do garantismo,
percurso este trilhado por Schwartz
115
, nada mais apropriado do que referendar novamente
suas idéias, como caminho a ser seguido rumo a uma nova política criminal, ao salientar que:
[...] a teoria dos sistemas pode absorver em seu interior o garantismo. Em sua
operação fechada o direito é extremamente positivo e baseado na Constituição,
elementos que Ferrajoli indica como pressupostos de sua teoria. O que importa, para
Luhmann, é que o direito se legitime pelo seu procedimento, que no momento atual
baseia-se em direitos fundamentais, como quer Ferrajoli. Mas o que não se pode
esquecer é que o direito é fruto evolutivo de uma sociedade e que dela não pode estar
distante, sob pena de antidemocracia, entendendo-se democracia como a possibilidade
de decisões diversas e não unitárias. A teoria dos sistemas está baseada no paradoxo.
É positivista e ao mesmo tempo aberta, reconhecendo diferenças e vendo nas
diferenças a possibilidade de seu avanço. O que possibilita ser aberta é exatamente o
fato de ser positiva em seu interior (in CALLEGARI, et al, 2001, p.44).
Nessa linha de idéias, a partir da teoria dos sistemas que procura uma comunicação
com todas as áreas do saber, é possível afirmar que o garantismo penal constitui um
subsistema do subsistema do direito penal, cuja comunicação é direta com os sistemas sociais,
114
Para que o processo autopoiético ocorra, é imprescindível que haja comunicação com outros sistemas. Essa
técnica de troca comunicativa é denominada de “acoplamento estrutural”. O acoplamento estrutural serve para
que outros sistemas que possuam conteúdos pertencentes também ao sistema jurídico realizem trocas
comunicativas. Nesse caso, pode-se afirmar que um mesmo fato do mundo da vida pode ser incluído em mais
de um sistema. Isso ocorre devido à possibilidade do conteúdo do fato ser aceito por mais de um código
seletor. Como exemplo desse acoplamento estrutural pode-se citar a Constituição. Ela serve de elo entre o
sistema jurídico e político, “juridicizando relações políticas e mediatizando juridicamente interferências da
Potica no Direito”. (TRINDADE, 2008, p. 89)
115
Ao contrário do que alguns filósofos e operadores do Direito propugnam, o sistema jurídico não pode ser
visto como um sistema heteropoiético (Ferrajoli) e incomunicavelmente fechado (positivismo Kelseniano).
Isso nega a mobilidade a um problema extremamente dinâmico, além de dar menos visibilidade ao que
necessita ser visualizado. O direito deve ser analisado sob a ótica sistêmica, que amplia o seu campo de
atuação e o faz ser pensado como algo muito maior, mais contextual e mais complexo do que sua
hierarquização e forma de análise verticalizada/organizacional”. (SCHWARTZ, 2005, p. 67)
126
fixando-se o ponto de encontro entre as teorias, tornando-se importantes ferramentas a
análise de fenômenos penais complexos (SCHWARTZ, 2001).
Não bastasse isso, a convivência entre as modelo funcionalista e o modelo garantista é
perfeitamente possível. Ocorre é que as garantias terão que gravitar no sistema, sem que isso
implique em relativização. E isto realmente parece ser pouco compreendido, ou sequer
interesse de compreensão, pois implica na necessidade de uma reciclagem teórica nada
cômoda.
3.3 REFLEXÕES PARA UMA POLÍTICA CRIMINAL SISTÊMICA
No que tange a política criminal a ser adotada para o subsistema penal, especialmente
para os fenômenos penais complexos apontados no capítulo I, necessidade de se pensar
novos horizontes, pois na atualidade, não há um consenso sobre as medidas a serem adotadas.
Nesse diapasão, Roxin sinaliza verbis:
As tendências da política criminal mudam com a moda. Por uma parte, existe
num primeiro plano o esforço pela reintegração social do autor, por outra, busca-se
fazer frente à criminalidade mediante a firmeza e a dissuação. De momento, estende-
se esta segunda tendência que parte da América do Norte -, a qual se funda em todo
o mundo como um meio para dar popularidade aos políticos, pois partindo de um
conhecimento profano resulta verdadeiro que o endurecimento das penas diminui a
criminalidade. Por conseguinte, com semelhante política se pode ganhar votos e ao
mesmo tempo demonstrar firmeza. Também na Alemanha, onde a pena privativa de
liberdade retrocedeu amplamente somente cinco por cento de todas as penas se
cumprem como pena privativa de liberdade -, ressoa a chamada à construção de
prisões; contra isso, uma medida afável de ressocialização, como é a remuneração do
trabalho na prisão, só se pode conseguir passo a passo por nosso tribunal
constitucional contra a tenaz resistência dos políticos. Do meu ponto de vista, as penas
rigorosas – sobretudo as privativas de liberdade – são na verdade imprescindíveis para
os delitos capitais, mas o o um meio de reação adequado contra as pequena e
media criminalidade, as quais são numericamente preponderantes (in CALLEGARI,
et al, 2001, p.11).
Na medida em que o funcionalismo traz para a discussão dogmática a inserção da
política criminal, entende-se que esta deve ser feita sob uma ótica sistêmica, levando em
consideração os diversos subsistemas daí decorrentes.
E a teoria sistêmica de Luhmann fornece um importante referencial teórico, na medida
em que permite diversos acoplamentos estruturais, ou seja, elos de comunicação com outros
subsistemas, tais como o poder legislativo, o poder judiciário, a economia, a religião, a
educação, o sistema político, a segurança publica, dentre outros, para que o direito consiga
selecionar os elementos que passarão a compor a sua estrutura.
127
Nessa linha de ideias, vale destacar o pensamento de ROCHA, para quem:
É neste sentido, então, que a auto-referência, pensada de forma pura, conduz
a tautologias, necessitando de uma assimetrização (auto-observação), no sentido de
desparadoxizar os paradoxos que constituem a realidade circular do Direito. Isso se
realiza através de um fechamento operativo, no qual o Direito atua auto-
referencialmente com seus elementos internos em relações reciprocamente recursivas
e circulares. Entretanto, com o escopo de orientar a aplicação da codificação binária
(Direito/Não-Direito), o sistema se abre para influência do sistema social ou de outros
sistemas parciais (Economia, Política, Religião, Moral, Ciência). Esta abertura
somente é possibilitada devido à clausura operativa, pois quanto maior o fechamento
de um sistema, tanto mais estável e apto estará este a uma abertura cognitiva
(sensorial). As informações provenientes do exterior do sistema apenas adquirem
relevância sistêmica e serão internalizadas por este quando passíveis de adequação à
codificação biria, obtendo um sentido jurídico. Portanto, a teoria autopoiética busca
obter soluções sociais para a auto-referência através da ocultação e neutralização dos
paradoxos, aplicando-os de uma forma criativa. Os paradoxos deixam de ser
impedimentos ao processo de tomada de decisões, passando a ser um profícuo campo
de análises para reflexões sobre a aplicação do Direito (2006, in Revista de Direitos
Culturais, p. 187)
Nesse diapasão, os acoplamentos estruturais, como forma de comunicação, passa ser
de fundamental importância para a elaboração de uma política criminal sistêmica, voltada a
realização de um direito penal mais adequado a realidade brasileira das complexidades
delitivas, notadamente o crime organizado, pois para Rocha o acoplamento estrutural
consiste na dependência recíproca do sistema e meio envolvente, ou seja, numa interação que
se realiza a partir de um observador que construirá a sua descrição segundo a aplicação da
distinção sistema/ambiente” (2005, p. 190).
Assim, para que o subsistema penal e o direito penal possam ser analisados, possa
permitir a autopoiese, é necessário que permaneça em constante interação com os demais
subsistemas. Neste sentido, Trindade aponta:
Para que o processo autopoiético ocorra, é imprescindível que haja
comunicação com outros sistemas. Essa cnica de troca comunicativa é denominada
de “acoplamento estrutural”. O acoplamento estrutural serve para que outros sistemas
que possuam conteúdos pertencentes também ao sistema jurídico realizem trocas
comunicativas [...]. Como exemplo desse acoplamento estrutural pode-se citar a
Constituição. Ela serve de elo entre o sistema jurídico e o político, juridicizando
relações políticas e mediatizando juridicamente interferências da Política no Direito
(2008, p.89).
Sob essa ótica, vale frisar o pensamento de Teubener ao diagnosticar a importância da
Constituição como forma de permitir os acoplamentos, que de forma alguma deve ficar fora
da análise sistêmica penal aqui pretendida. Teubener sublinha que:
128
Las constituciones civiles ni son meros textos jurídicos, ni se trata aqui de la
constitución ctica de ordenes sociales. Debería hablarse de elementos de una
constitución civil en sentido estricto solo cuando se genere una conjunción, plena de
presupuestos, entre procesos sociales autônomos y procesos jurídicos autônomos,
dicho en el lenguaje de la teoría de los sistemas, cuando queden establecidas con
caráter permanente acoplamientos estructurales entre esquemas de ordenación
específicos del subsistema y las normas jurídicas (...). La gracia del acoplamiento
estructural está en que de este modo, ambos el processo jurídico y el proceso social
se limitan recíprocamente en sus posibilidades de influencia. Se bloquea la
dominación de un orden por el outro, sus posibilidades de influência. Se bloquea la
dominación de un orden el outro, sus respectivas autonomias pasan a ser posibles y
las irritaciones reprocas se concentran em vias de influencia estrictamente limitadas
y abiertamente institucionalizadas (in DÍEZ, 2005, p. 107/108).
Se o Brasil realmente pretende realizar uma política criminalria, que realmente
possa constituir um algo novo no cenário das perspectivas de minimização do crime
organizado, o próprio estudo da política criminal a ser inserida nos diversos setores da
sociedade deve sofrer uma mudança epistemológica.
Assim, tomando como exemplo alguns subsistemas, o poder legislativo deve procurar
elaborar leis penais que atendam não o núcleo de direitos e garantias fundamentais
constantes na Constituão Federal, mas por sua consigam aproximar o direito penal das
relações sociais - não para resolver fenômenos sociais - mas para torná-lo mais palpável e
comunicativo com um mundo de infinitas possibilidades.
A inserção de qualquer tipo penal ao subsistema penal, deve observar se não está
havendo o rompimento com outras normas lançadas em sua órbita, buscando uma
sistematização de todo o aparato do direito penal material e processual no sentido de criar-se
uma mão única, ou ao menos, evitar choques entre normas penais, tão raro no inflacionado
sistema penal hoje existente.
Agrega-se a isto a necessidade de um aparelhamento do Estado em todas as suas
instâncias, no sentido de possibilitar mecanismos de controle realmente eficaz, servindo-se,
pois, do aparato tecnológico para poder “dialogar” de igual para igual com toda a estrutura do
crime organizado, possibilitando assim uma nova observação e o desvelamento do fenômeno.
Mais uma vez destaca-se o pensamento do professor Leonel Severo Rocha, ao referir
que in verbis:
A validade das legislações depende das decisões que as aplicam de uma
forma interpretativa (jurisprudência) e essa interação demonstra que a legislação é um
ponto de acoplamento entre o sistema jurídico e o sistema político, estando a
legislação na periferia do sistema, enquanto que os Tribunais se encontram no centro
deste (2006, p. 189).
129
De igual sorte, o poder judiciário precisa assumir uma nova postura. Ao menos tempo
que em matéria penal não deva se confundir celeridade processual com quebra de garantias,
faz-se necessário que procure efetivamente desvelar os fenômenos criminais, não aplicando
tão somente uma postura formal e sim substancial de resolução dos conflitos. É preciso se
aparelhar intelectualmente para abarcar em suas decisões as categorias dos riscos e dos
paradoxos, como forma de não ficar as cegas no cenário do século XXI. Não se pode admitir
neste contexto, um processo penal que ainda trabalhe com a idéia da verdade real e de alguns
outros mitos que no dizer de Warat estão presentes no imaginário da grande maioria dos
juristas. Não se pode admitir que o processo penal ainda esteja fortemente ligado - em tempos
de tecnologia – a uma prova testemunhal extremamente falha, pois falha é a natureza humana.
As práticas forenses ainda estão calcadas nas idéias de que “o mundo é o que está nos autos”.
Os tempos de incerteza parecem mostrar justamente o contrário, ou seja, em diversas
oportunidades o mundo é tudo, menos o que está nos autos, deixando o julgador às cegas, o
que o faz realizar uma justiça da mesma forma.
Uma vez que grande parcela dessa criminalidade organizada está inserida em um
contexto econômico, aonde a lavagem de dinheiro contribuiu significativamente para oxigenar
as ações do crime organizado, todas as grandes transações nacionais e internacionais devem
ser rigorosamente fiscalizadas
116
e suas contas prestadas. Não raras vezes referidas transações
escondem práticas ilícitas que o direito penal e sua lupa normativista o conseguem
observar, servindo, pois, a economia, como um grande mecanismo de controle preventivo.
Em um estado laico, a religião deve ficar afastada do direito. No entanto, como ainda
mantém uma grande força política, não custa ao direito penal escutá-la, ainda que seja para
rechaçá-la, notadamente nos crimes que envolvem grandes questões da humanidade, tais
como o debate que recentemente o Brasil ultrapassou no que tange as células tronco e
questões de alta complexidade que dominarão o cenário do direito penal na pós-modernidade.
Nos currículos escolares deve ser incluída a discussão no que tange a alguns direitos
básicos, em especial as disposições da criança e do adolescente e do estatuto do idoso, para
que se construa desde logo as noções de cidadania e as idéias de que o crime não compensa.
Não se deve tentar afastar - tão somente - as crianças da droga ou da criminalidade apenas
dizendo do mal que tais situações proporcionam, pois, dada a precariedade moral em que se
encontram na periferia do subsistema econômico - ainda que seja paradoxal - as mazelas
116
“Os bancos deveriam permitir ao fisco a revisão, desde o princípio, de todos os grandes movimentos de
dinheiro; isto seria uma grande medida eficaz contra a criminalidade organizada em comparação à sanção de
um pequeno vendedor de drogas”(ROXIN, in CALLEGARI. et al, 2001, p. 15).
130
provadas pelas drogas e pela criminalidade acabam de uma forma ou outra recompensando o
sujeito.
Deve-se sim, procurar políticas educacionais públicas para que as crianças e os jovens
tenham acesso a outras iniciações (inclusão digital, por exemplo), que efetivamente lhe
provem que vale a pena afastar-se do universo criminoso. Efetivamente isto parece ser
impossível de ser realizado nas favelas brasileiras. Mas há que se pensar em longo prazo e não
somente em doses paliativas que simplesmente mascaram o problema a cada troca de
governo.
Nesse diapasão o subsistema político adquire fundamental importância, na medida em
que se deve buscar a realização imediata de algumas medidas preventivas de controle do
crime organizado, ao passo que deverá possuir também um aparato para longo prazo,
direcionando as ações para a efetiva realização do Estado Social.
As políticas públicas de ateão e inserção do egresso do subsistema penal, por
exemplo, precisam urgentemente ser implementadas, para que a prestação de serviços ao
crime organizado deixe de ser um atrativo para os ex-apenados, caso efetivamente se pretenda
reduzir os alarmantes índices de reincidência.
A segurança pública por sua vez, necessita de práticas preventivas e não somente
repressivas, sendo necessário que esteja aberta a discussão interdisciplinar, caso contrário
inobstante o endurecimento da repressão – os efeitos práticos não serão os desejáveis.
No que tange ao subsistema carcerário, por exemplo, a construção de novos presídios,
por si só, não resolverá o problema, porque a falência do subsistema carcerário que está a
serviço do crime organizado é um fenômeno altamente complexo que naturalmente não
pode ser resolvido com uma única solução. Ademais, deve-se procurar evitar que os sujeitos
cheguem ao presídio (o direito penal chega tarde demais) e não simplesmente construir novas
arquiteturas, sob pena de cair-se na armadilha do encarceramento semelhante às questões
apontadas nesta pesquisa por Wacquant, no que tange ao encarceramento de negros e pobres
ocorridos nos Estados Unidos na década de 90, notadamente a partir da idéia da privatização
do sistema carcerário.
É preciso pensar novas formas de sanções e limites temporais para as penas restritivas
de direitos, mantendo-se as penas privativas de liberdade em casos de extrema necessidade,
seja para reprimir crimes capitais ou exercidos com violência ou grave ameaça, seja para
reprimir o crime organizado.
Aos presos que estão dentro do subsistema é necessário ser-lhes assegurada a
realização de terapia, para fins de melhor ajustar o tempo de cumprimento das penas
131
privativas de liberdade. Em relação às medidas de segurança, por exemplo, um outro sério
problema do subsistema penal
117
, há necessidade de efetivamente serem implantadas
condições humanas para o funcionamento dos estabelecimentos, evitando assim que se
reproduza uma violência institucionalizada.
Não dúvida de que é possível realizar uma política criminal que leve em
consideração todas estas questões, além das idéias funcionalistas, garantistas e sistêmicas
apontadas até aqui, para que efetivamente a dogmática penal possa estar mais bem aparelhada.
E se a teoria sistêmica é o grande referencial teórico das sociedades complexas, o subsistema
penal dela o pode se furtar. Como aponta Boas Filho o instrumental sistêmico torna-se,
pois, uma eficiente ferramenta para uma autodescrição dessa sociedade e de seu direito e não
uma heterodescrição com base em perspectivas advinda de outros contextos” (2009, p.XIII).
Agrega-se a tais considerações, a necessidade de cooperação no que tange as ações
voltadas contra o crime organizado entre os Estados (nacionais e internacionais), sob pena
das medidas políticas criminais ainda que sistêmicas e bem intencionadas, acabem também
se tornando ineficazes para o observar os fenômenos penais complexos. Mas tais
considerações serão tecidas no tópico a seguir.
3.3.1 Da necessidade de um Direito Penal cooperado
Ainda que a presente pesquisa não pretenda analisar questões ligadas ao direito penal
internacional, no decorrer do trabalho vislumbrou-se a necessidade de criação de uma política
criminal que leve em consideração também - aspectos externos do território brasileiro, dada
uma certa crise do princípio da territorialidade a que esta submetido o direito penal, em
especial, devido a quebra da soberania decorrente da globalização.
Em relação à soberania no mundo atual, Ferrajoli aponta verbis:
[...] o fim dos blocos e, ao mesmo tempo, a crescente interdependência
ecomica, política, ecogica e cultural realmente transformaram o mundo, apesar
do aumento de sua complexidade e de seus inúmeros conflitos e desequilíbrios, numa
aldeia global. Hoje, graças à rapidez das comunicações, nenhum acontecimento no
mundo nos é alheio e nenhuma parte do mundo nos é estranha. É exatamente a soma
117
A mídia tem tocado muito no problema das penas privativas de liberdade devido a superpopulação carcerária,
que tem atingido dados insustentáveis. Na realidade, o fenômeno super-populacional não representa nenhuma
para quem se dedica ao estudo do direito penal e suas mazelas. O que causa estranheza é que pouco se fala no
problema das medidas de segurança cumpridas através da internação, que também virou um verdadeiro
depósito de seres humanos, dada a precariedade das condições nos manicômios brasileiros. Mas também há
que se compreender: - a quem interessa discutir isso?
132
desses fatores que torna hoje mais urgente e, simultaneamente, mais concreta do que
em qualquer outro momento do passado, a hipótese de uma integração mundial
baseada no direito (2002, p. 47).
Efetivamente, as integrações mundiais, se por um lado não constitui tarefa fácil, por
outro passa a ser uma alternativa às nações, especialmente em matéria de política criminal,
que deve se comunicar, ou seja, ao mesmo tempo em que deve manter a unidade interna
pois o direito penal continua soberano deve abrir-se para as questões que estão sendo
debatidas pela comunidade internacional, tornando-se uma política criminal aberta e fechada
ao mesmo tempo, e, consequentemente, autopoiética.
Quanto à importância desse direito internacional cooperado, mais uma vez Ferrajoli
sinaliza:
Fora do horizonte do direito internacional, de fato, nenhum dos problemas
que dizem respeito ao futuro da humanidade pode ser resolvido, e nenhum dos valores
do nosso tempo pode ser realizado: não apenas a paz, mas tampouco a igualdade, a
tutela dos direitos de liberdade e sobrevivência, a segurança contra a criminalidade, a
defesa do meio ambiente concebido como patrimônio da humanidade, conceito que
também inclui as gerações futuras. E isso depende não apenas do caráter global do
tamanho desses problemas, pois uma integração do mundo se realizou em todos os
planos e em todas as esferas de vida em relação às quais tais problemas se colocam:
na economia, na produção, na exploração e no aproveitamento dos recursos, nos
equilíbrios ecológicos, na grande criminalidade organizada, no sistema das
comunicações (2002, p. 51) [grifo nosso].
Talvez por isso na Europa, especialmente a partir da União Européia, já se vislumbre a
existência de um direito penal europeu, passos estes que provavelmente serão adotados pelo
MERCOSUL no sentido de criar as condições para um direito penal internacional
comunitário, e consequentemente a realização de uma política criminal sistêmica na América
Latina.
A idéia de um direito penal no MERCOSUL, notadamente nas questões que envolvem
o crime organizado, tempos foi vislumbrada pelo professor Luisi, ao referir que, in
verbis:
O crime organizado no Brasil, tem vinculação com o crime organizado de
outros Países do MERCOSUL, e encontra-se em franco e lamentável progresso. E
os fatos são de tal notoriedade que a chamada imprensa investigativa tem dado
nocia da existência de organizações criminosas que atuam na área do tóxico, dos
armamentos da falsificação de moedas, etc. Impressionante é a recente declaração
do Presidente da Estatal Uruguaia, Junta Nacional Antidrogas, Alberto Scaravelli,
que afirmou existir no sul do Brasil, na fronteira com o Uruguai instaladas
organizações criminosas como as máfias russa e nigeriana, a Yacuza japonesa,
afora os cartéis da região. E afirma, ainda, que na fronteira Brasil e Uruguai
“estruturas de crime internacional de primeira grandeza”.[...] Ante este quadro a
mim parece que a legislação brasileira é manifestamente inadequada. E, sobretudo,
133
se faz imperativa uma unificação da legislação dos Países do Mercosul no sentido
de viabilizar, um efetivo enfrentamento da criminalidade organizada. Estes
instrumentos legais devem obviamente abranger tanto o aspecto substantivo, como
o processual e o penitenciário (2003, p. 200).
Por outro lado, quanto ao direito penal Europeu, vale registrar o estudo de Lopes de
Lima:
Na Europa, o penalista não trabalha apenas com o conceito estrito de direito
penal. Opera com um conceito mais amplo, fruto de uma evolução jurídica: a matéria
penal. Esta engloba ao mesmo tempo o sistema penal propriamente dito direito
penal e processual penal e o sistema de represo quase-penal ou sistema
administrativo-penal (2007, p. 29).
A importância deste direito penal cooperado deve-se basicamente às novas formas de
criminalidade transnacional, que se apoiou sobre certa crise da soberania, notadamente a
partir do século XXI, diagnosticada por Ferrajoli sob as seguintes premissas:
O Estado nacional como sujeito soberano está hoje numa crise que vem tanto
de cima quanto de baixo. De cima, por causa da transferência maciça para sedes
supra-estatais ou extra-estatais (a Comunidade Européia, a OTAN, a ONU e as muitas
outras organizações internacionais em matéria financeira, monetária, assistencial e
similares) de grande parte de suas funções defesa militar, controle da economia,
política monetária, combate a grande criminalidade que no passado tinha sido o
motivo do próprio nascimento e desenvolvimento do Estado. De baixo, por causa dos
impulsos centrífugos e dos processos de desagregação interna que vêm sendo
engatilhados, de forma muitas vezes violenta, pelos próprios desenvolvimentos da
comunicação internacional, e que tornam sempre mais difícil e precário o
cumprimento de outras duas grandes funções historicamente desempenhadas pelo
Estado: a da unificão nacional e da pacificação interna (2002, p.48/49) [grifo
nosso].
Sabe-se que o direito penal brasileiro está calcado, dentre outros aspectos, no
princípio da territorialidade esculpido no artigo do diploma repressivo, como bem aponta
Bittencourt:
O conceito de território nacional, em sentido jurídico, deve ser entendido
como âmbito espacial sujeito ao poder soberano do Estado. O território nacional
efetivo ou real – compreende: a superfície terrestre (solo e subsolo), as águas
territoriais (fluviais, lacustres e marítimas) e o espaço aéreo correspondente. Entende-
se, ainda, como sendo território nacional por extensão ou flutuante as
embarcações e as aeronaves, por força de uma ficção jurídica. Em sentido estrito,
território abrange solo (e subsolo) contínuo e com limites reconhecidos, águas
interiores, mar territorial (plataforma continental) e respectivo espaço aéreo (2008, p.
177).
134
Embora o princípio da territorialidade esteja sujeito as regras da
extraterritorialidade
118
, podem-se dizer que em virtude de uma das principais características
da globalização a transnacionalização as práticas realizadas por algumas organizações
criminosas acabam por atuar em um vazio legislativo, na medida em que desprezam as
fronteiras da territorialidade elencadas no artigo 5º do Código Penal, criando mais um
problema a ser enfrentado por este subsistema.
Nesse sentido, sublinhem-se as idéias de Schwartz, para quem:
O crime organizado cresceu à sombra da (i)legalidade e atua em um território
transnacional. Assim é que o crime organizado coloca em xeque a questão da
territorialidade em Direito Penal e põe a sociedade em estado de alerta, de vez que
avoca para si funções típicas do Estado sem que tenha legitimidade para tanto (in,
CALLEGARI. et al, 2001, p. 34).
Percebe-se, pois, que o princípio da territorialidade não está de acordo com a realidade
global
119
. E este déficit é diagnosticado a partir das condições temporais e sócio-políticas de
elaboração do diploma repressivo.
Tal realidade aliada a crise dos Estados nacionais acaba por tornar necessário - no
desmonte do crime organizado - uma cooperação penal internacional, tarefa nada fácil de
operacionalizar, na medida em que amesmo internamente é difícil falar em cooperação das
unidades federativas.
Nesse diapasão, as formas de cooperação estabelecidas pela polícia e poder judiciário
firmadas pela União Européia, através do Tratado da União Européia
120
, desde que respeite as
liberdades individuais, parece ser um modelo a ser estudado na América Latina.
Sobre o referido modelo, vale destacar as idéias de Lopes de Lima, para quem in
verbis:
A cooperação judiciária em matéria penal visa a facilitação da cooperação
entre magistrados europeus, a facilitação da extradição, a resolução de conflitos de
competência e a adoção de certas regras penais uniformes no tocante à criminalidade
organizada, do terrorismo e do tráfico de drogas, crimes que violam tanto interesses
nacionais como comunitários (2007, p. 267).
118
Somente nos casos excepcionais elencados no artigo 7º do Código Penal.
119
O que falar então dos crimes realizados pela internet !
120
Nesta linha de idéias, vale destacar aqui alguns artigos do Tratado de União Européia, a saber: “Artigo 30: 1.
A ação em comum no domínio da cooperação policial abarca, entre outras ações: [...] d) a avaliação em
comum das técnicas de investigação particulares concernentes à detecção das formas graves de criminalidade
organizada. 2. O Conselho encoraja a cooperação por intermédio da EUROPOL e, em particular, nos cinco
anos que seguem a data de entrega em vigor do Tratado de Amsterdã:[...] c) favorece o estabelecimento de
contatos entre magistrados e investigadores especializados na luta contra a criminalidade organizada e que
trabalham em estreita cooperação com EUROPOL; e d) instaura uma rede de pesquisa, de documentação e de
estatísticas sobre a criminalidade transnacional”(LOPES DE LIMA, 2007, p.265/266).
135
Sublinhem-se, neste sentido as palavras de Roxin ao salientar que “se queremos
fortalecer a segurança individual e garantir a paz social, tanto como seja possível,
necessitamos de uma ciência interdisciplinar da prevenção na qual esteja incluída a
cooperação do Direito Penal” (in CALLEGARI, 2001, p. 15).
Nesse mesmo sentido, no tocante ao fortalecimento da idéia de cooperação, registre-se
também o pensamento de Barbosa, ao registrar tal experiência no direito penal Colombiano:
En el âmbito internacional, debe destacarse el fortalecimiento de los
instrumentos de cooperación y asistencia judicial destinados a combatir la
delincuencia organizada como fenômeno global. Al respecto, los avances mas
significativos se vienen presentando en la entrega de detenidos y condenados, y la
creación de órganos judiciales especializados em la lucha contra el crimen
organizado, em este âmbito el ejemplo viene dado por la orden de detención europea
(in CALLEGARI, 2008, p. 63).
Assim, por mais paradoxal que possa parecer, na América Latina, a Colômbia parece
mostrar caminhos para enfrentar a criminalidade organizada, o através da cooperação
penal, mas também através de um sistema investigatório/acusatório e com diversas medidas
preventivas de controle que parecem sinalizar a possibilidade deste embate. Nesta linha de
idéias, novamente destaca-se o pensamento da professora da Universidade de Salamanca, ao
relatar que:
En el mismo sentido, la implementación del sistema penal acusatório en el
país há possibilitado la adopción de nuevas medidas em la lucha contra la
macrocriminalidad, y la criminalidad organizada, que se han ajustado a los
requerimientos internacionales que se han venido formulando con tal propósito. Entre
las medidas procesales en la lucha contra la criminalidad organizada, pueden
senalarse la implementación de las investigaciones bajo un rigoroso control judicial;
el fortalecimento de las investigaciones financeiras y patrimoniales sobre entramados
ecomicos de los grupos criminales, los mecanismos de protección de victimas,
testigos e intervenientes en los procesos penales. En efecto, en Combia la ley 906 de
2004 y la implementación del sistema acusatório, han venido fortaleciendo tales
medidas como el comiso, la extinción de domínio, el embargo y secuestro de bienes,
las rebajas por colaboración e la justicia, entre otras (BARBOSA, 2008, p.63).
A importância da cooperação penal e o estabelecimento de novos mecanismos de
controle assumem um papel fundamental, na medida em que se pode pensar em prevenir ao
invés de tão somente reprimir, como sinaliza o direito penal colombiano, verbis:
Las iniciativas internacionales en la prevención, persecución y represión de la
criminalidad organizada han sido muy importantes en cuanto han posibilitado la
adopción de medidas e instrumentos comunes al interior de los Estados que las han
adoptado. En este sentido, instrumentos como la Convención de las Naciones Unidas
136
contra la Delincuencia Organizada Transnacional y las Directivas y Recomendaciones
de la Unión Europea han supuesto la adopción de instrumentos supranacionales
encaminados a la lucha contra la criminalidad de gran escala (BARBOSA, 2008, p.
103).
Assim, aponta-se que é possível enfrentar a moderna delinqüência organizada, desde
que o Estado efetivamente constitua mecanismo eficientes de controle, notadamente no
campo econômico e implante políticas públicas para a implementação do Estado Social. Ao
lado de tais considerações, a política criminal deve ser adequada e não somente visar a
supressão de garantias penais em nome de uma suposta segurança, tal como a tendência
mundial atual.
Para tanto, é possível sim utilizar alguns os aportes apontados da matriz sistêmica de
Niklas Luhmann sim, sem implicar em rompimento com um sistema de garantias. E não se
es a trabalhar em contradição, pois rompimento epistemológico proposto no capítulo II
refere-se a novas formas de encarar os fenômenos criminais complexos, notadamente no que
tange ao crime organizado.
Nessa esteira, vale registrar:
La jerarquía normativa no solo significa autogénesis, sino también
autocontrol del Derecho. El próprio Derecho declara antijurídicas ciertas normas
emitidas conforme a Derecho cuando su contenido se halla em contradicción con
normas jurídico-constitucionales de rango superior (TEUBNER, in DÍEZ,2005, p.
112) .
Acredita-se, pois, na possibilidade de realização de um direito penal funcionalista e
autopoiético, para torná-lo capaz de ter contato com a realidade e os sistemas sociais, ao
mesmo tempo em que mantém os pés nas garantias, que podem ser vistas enquanto unidade e
função do subsistema penal, e porque não dizer, enquanto uma expectativa do pprio
subsistema.
Assim, é preciso auferir que na Europa
121
a possibilidade de aplicação da teoria dos
sistemas de Niklas Luhmann ao direito penal, vem sendo matéria bastante debatida,
notadamente pela contribuição da obra Teoria dos Sistemas y Derecho Penal fundamentos y
posibilidades de aplicación.
Sob este prisma, destaca-se as idéias de Díez, professor da Universidad Autônoma de
Madri, para quem in verbis:
121
É claro que o se pode simplesmente importar modelos. É preciso discuti-los no universo da sociedade
brasileira, em especial, os observadores do direito penal.
137
A lo largo de la exposición espera haberse mostrado que la teoría de sistemas
permite realizar interessantes aportaciones a temas tan claves en Derecho penal como
la relación entre culpabilidad y pena. Por supuesto, ello no significa que esta forma de
observar y describir las cosas sea la única posible; únicamente intenta establecer
nuevas posibilidades de resaltar ciertos aspectos comunicativos de un sistema, como
es el jurídico, de profunda raigambre social. Y es que, en definitiva, la adopción de
los postulados del constructivismo operativo sc. Epistemologia de la teoría de los
sistemas sociales autopoiéticos – supone la incorporación de importantes avances que
se han producido en las ciencias de la comunicación a partir de la segunda mitad del
siglo XX fundamentalmente. Las ganancias teóricas que lo elle pueden derivarse son,
por lo menos en opinión de quién escrible estas líneas, considerablemente importantes
(2005, p. 433/434).
Ao lado de tais idéias está a importância da teoria dos sistemas enquanto meio de
comunicação eficiente a transitar entre a dogmática e a política criminal. Tamanha são as
reflexões neste campo do direito ou as “ganâncias teóricas” como prefere o autor supracitado,
que quem diga que “un delito es la comprensión de la comunicación imputable de una
información contraria al Derecho penal”(BLECKMANN, 2005, p. 360). A todas estas, pode-
se apontar que a teoria dos sistemas tem muito a contribuir para a dogmática do direito penal,
senão vejamos:
El benefício central de una dogtica jurídico-penal con información de
teoría de sistemas es la prestación de integración de esta teoría. Hace posible una
heterodescripción científica de la realidad social del Derecho penal y la mantiene
accesible también para la construcción teórica interna al Derecho. Esta puede
beneficiarse en dos âmbitos: por um lado, el método funcional y la orientación,
llevada a cabo desde puntos de vista teóricos, con base en problemas de referencia,
hacen posible una dogmática más adecuada a la sociedad. Correflexionando acerca de
los limites del Derecho, tiene mejores oportunidad de producir consecuencias
sociales. Por outro lado, la dogmática gana esencialmente en complejidad y
profundidad teórica, porque hace comparables supuestos de hecho que hasta ahora se
consideraron incomparables (BLECKMANN, in DÍEZ, 2005, p. 383).
Assim, a teoria sistêmica tem muito a contribuir com o direito penal, notadamente a
partir de uma política criminal sistêmica e de cooperação, para que o subsistema penal tenha
efetivamente instrumentos teóricos suficientes para encarar as complexidades delitivas, o que,
até agora, não se vislumbrou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato do Direito Penal brasileiro ter sido estabelecido sobre as bases de uma
sociedade cujas relações, ainda, estavam firmadas em paradigmas estritamente individualistas
e conservadores, fez com que este ramo das Ciências Penais acabasse por se tornar obsoleto
para sintonizar-se com o contexto da sociedade pós-moderna, altamente dinâmica, globalizada
e complexa.
Alguns agrupamentos penais tais como os delitos de quadrilha e bando foram os
primeiros no universo do subsistema penal a trazer esta problemática, o que acabou sendo
aprimorado a partir do surgimento das facções criminosas no universo carcerário brasileiro,
organismos criminais esses que se autoreproduziram para todos os Estados da Federação.
Embora o Direito Penal outorgue às facções um tratamento na linha de uma política
penal inimiga, em especial a partir da implementação através da lei de execução penal do
regime disciplinar diferenciado, tal fenômeno ainda não foi tratado pelo Direito Penal
normativista, pois carece de uma conceituação formal e de formas mais adequadas de seu
controle e prevenção. Nem por isso, deixa de existir no mundo fático, sendo sua observação
perfeitamente visível a partir da utilização de alguns aportes teóricos sistêmicos, notadamente
a partir de sua autoreprodução e sua organização não necessariamente piramidal, na medida
em que as facções formam diversos ciclos comunicativos.
Ao lado disso, observou-se também que as máfias podem ser constatadas como as
primeiras manifestações do crime organizado, cuja inserção na sociedade pós-moderna e
posteriormente no sistema normativo brasileiro, acabou por gerar um descompasso imenso
entre e realidade fática e a realidade normativa, evidenciando a limitão da matriz kelseniana
para tratar fenômenos criminais dessa natureza.
Isso fica claro ao passo que o legislador penal e grande parte da doutrina, sequer
conseguem conceituar com precisão o que se entende por crime organizado. Tal realidade
comprova, mais uma vez, que estão sendo utilizados aportes dogmáticos penais inadequados,
visto que se torna quase impossível conceituar com precisão tal fenômeno.
Assim, apontou-se algumas características que podem ajudar a diagnosticar as
manifestações do crime organizado, a partir da inserção da ideia da complexidade e,
paradoxalmente, sua redução, começando-se por apontar que nem tudo o que é noticiado na
grande mídia brasileira constitui tal fenômeno. Esse diferencia-se das quadrilhas e dos
bandos, que possuem natureza distinta, e da grande criminalidade de massa, sendo que umas
de suas característica principais constitui a inserção da tecnologia e a corrupção dos poderes,
139
o que leva a uma violência difusa. Ainda que não se desconheça alguns conceitos formais, não
se pretendeu trabalhar tão somente com tais categorias, pois se observou que qualquer
tentativa de conceituação recairia em uma possibilidade extremamente limitada, o que pode
contribuir para a mantença de uma cegueira normativa, em especial por ignorar a questão da
contingência.
Tal fato, se por um lado parece causar um grande problema para o Direito Penal
tradicional - pois parece romper suas bases -, por outro, clama por uma mudança
epistemológica que ultrapasse os aportes cartesianos. É justamente por aqui que se dá
também - a inserção da teoria sistêmica para o universo do direito penal.
Assim, a estruturação das ideias do pensar complexo é fundamental para o operador do
direito, com mais ênfase ainda no Direito Penal, área em que a teoria dos sistemas vem sendo
debatida com mais fervor, notadamente, a partir da Europa.
Para tanto, propõem-se alguns referenciais que não são números clausus para que
se possibilite o pensar sistêmico (sistêmico ou organizacional, hologramático, ciclo retroativo,
ciclo recorrente, autonomia, dialógico, reintrodução do todo em cada parte).
Isso evidentemente causa uma grande discussão em matéria de Direito Penal, na
medida em que não constitui algo comum, sendo o crime organizado o verdadeiro carro chefe
de toda a discussão que se estabeleceu o só no Brasil, mas, também, no mundo.
Observou-se, ainda, que algumas categorias da teoria sistêmica luhmanniana, partindo-
se do funcionalismo de Parsons e, posteriormente, dos biólogos Maturana e Varela, tem sim
aplicabilidade no mundo do Direito Penal. Justamente, aqui, reside um ponto central do
problema que restou desvelado, na medida em que Luhmann tem como o centro referencial de
sua teoria a questão da comunicação, o que, para muitos penalistas - por si só - torna
impossível sua aplicação no Direito Penal, uma vez que se desconsidera por completo a
pessoa humana. Para superar esse impasse, pretendeu-se demonstrar que, se por um lado não
existe sociedade sem comunicação, por outro, o existe comunicação sem pessoas, ao passo
que a teoria luhmanniana fora elaborada para observar a sociedade como um todo e não
somente o direito penal.
Esse, segundo os referenciais sistêmicos, pode manter sim sua autonomia e suas
unidades, mas por sua vez não deve deixar de se comunicar com outros subsistemas sociais
que estão no seu entorno, sob pena de manter-se estático.
A questão parece causar desconforto quando se pretende abarcar para o Direito Penal a
categoria do risco, inerente a todas as sociedades, não podendo ser um aporte desconsiderado
pelo Direito Penal. O mecanismo que tal ramo do direito dispõe para tanto é justamente
140
através da tipicidade, sem que isso implique uma desconsideração com os postulados de
natureza iluminista, embora as teorias funcionalistas estejam apontando para o pós-
iluminismo. Nesse sentido, a autopoiese apresenta um papel fundamental, abarcando o risco
dentro do direito penal, podendo a partir do código proposto por Luhmann e de forma
funcionalmente diferenciada - afastar do sistema aquelas premissas que o lhe dizem
respeito, tarefa a ser realizada pelo observador.
Para que seja possível repensar o subsistema penal e os fenômenos criminais de alta
complexidade, vislumbrou-se também a necessidade de uma nova observação a respeito da
categoria do tempo, pois o direito penal o tem como algo estático e não como uma
representação social, o que também acaba contribuindo para sua inoperância e afastamento da
realidade globalizada.
Uma vez que o crime organizado vem causando essa grande discussão na academia
brasileira; vislumbrou-se, pois, como o fenômeno adequado para trazer a teoria sistêmica para
a dogmática penal. Ratifica-se, então, que um dos caminhos para uma melhor observação e
minimização desse fenômeno violento estruturalmente, é a necessidade de uma reflexão do
que, efetivamente, deva ser a política criminal no século XXI.
Diz-se isso porque, os atentados de 11 de setembro de 2001 acabaram por reeditar a
ideia de um direito penal do inimigo, passando a ser a tendência da Política Criminal a ser
adotada na grande maioria dos países, torna-se necessário uma reestruturação desses
apontamentos. Dessa forma, as teorias funcionalistas acabam por apresentar uma feição
inovadora nesse aspecto, porque conseguem aproximar o direito penal da realidade complexa
dos sistemas sociais.
Para tanto, propõe-se uma nova política criminal (sistêmica) a qual precisa considerar
vários aspectos que estão em outros subsistemas para que o direito penal realmente possa ser
eficaz no mundo s-moderno, visto que o seu excessivo enclauramento, embora importante
do ponto de vista dos princípios constitucionais, acaba por torná-lo inoperante.
Nessa linha de idéias, vislumbrou-se então a possibilidade de aproximação entre a
teoria sistêmica e o garantismo penal, pois uma enlace entre tais aportes teóricos.
Considerando que, no mecanismo de redução de complexidade utilizado pela matriz
sistêmica, as garantias penais e processuais podem servir para - de forma funcionalmente
diferenciada - escolher o que interessa ou não para o universo do direito penal, notadamente
na questão da identificação do crime organizado.
Propõe-se, ainda, que nada adianta utilizar-se de uma teoria altamente capaz de
enfrentar as mazelas do crime organizado, se não for trabalhada a ideia de um Direito Penal
141
cooperado. A fim coibir e prevenir as ões delitivas transnacionais, torna-se necessário um
direito penal integrado entre os países vítimas de suas ações que se espalham difusamente
para o globo.
Entende-se possível tirar o Direito Penal do universo feudal e inseri-lo na sociedade
pós-moderna, em especial para tratar das questões dos fenômenos de alta complexidade tais
como os apontados na presente pesquisa. E mais: acredita-se ser possível essa passagem sem
perder os direitos e garantias fundamentais, pois a Constituão Federal – embora não sendo o
centro dos sistemas de Luhmann permite o acoplamento estrutural entre o direito e a
política.
Isso se torna possível porque no subsistema penal, por exemplo, a função das garantias
passa a ser a sua gravitação nos subsistema penal, mantendo-se com isso a sua unidade e
terminologia ppria para afastar deste toda a conduta ou criminalização que possam violar
esse subsistema.
Por fim, não se pretendeu apontar um caminho de mão única e, certamente, o tema
proposto será objeto de críticas, debates e reflexões. De qualquer forma, acredita-se na
possibilidade de um novo Direito Penal, que efetivamente se comunique na pós-modernidade,
tornando-o mais eficaz para encarar os desafios do mundo globalizado. Esse Direito Penal, ao
mesmo tempo em que deve manter as garantias no sistema, precisa se tornar mais apto para
enfrentar as demandas criminais de alta complexidade. Em outras palavras, precisa se tornar
um Direito Penal sistêmico e autopoiético, mantendo-se, pois, logicamente, o seu viés
democrático e humanitário.
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Alegre, n.º 4, p.33/47, 2001.
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____Para entender Luhmann e o direito como sistema autopoiético. Porto Alegre:
Livraria do advogado, 2008.
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Saraiva, 2000.
TOURAINE, Alain. Um novo paradigma para compreender o mundo de hoje.2º Ed.Rio
de Janeiro: Vozes, 2006.
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Zahar, 2001.
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finalista.Tradução de Luiz Régis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001
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modernidade recente. Rio de Janeiro: Renavan, 2002.
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Brasileiro.2º Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999.
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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2002
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ECO, Humerto. Como se faz uma tese. Tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza. 19º Ed.
São Paulo: Perspectiva, 2004.
EAGLETON, Terry. A idéia de Cultura. Tradução de Sandra Castello Branco. São Paulo:
UNESP, 2005.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da
Silva e Guacira Lopes Louro. 10º Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 30º Ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Rio de
Janeiro: Vozes, 2005.
GOMES, Luiz Flávio; YACOBUCCI, Guilermo Jorge. As grandes transformações do
Direito Penal Tradicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
JAKOBS, nther. Tratado de Direito Penal. Teoria do Injusto Penal e da
Culpabilidade. Tradutores: Geraldo de Carvalho e Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Belo
Horizonte: Del Rey, 2008.
JAPIASSU, Hilton. Introdução ao pensamento epistemológico. 6º Ed. Rio de Janeiro:
Livraria Francisco Alves Editora, 1991.
JÚNIOR, JoAlcebíadez de Oliveira (Org.). Faces do Multiculturalismo. Santo Ângelo:
EDIURU, 2007.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11º Ed. São Paulo: Atlas S.A, 2004.
PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil.Evolução histórica. 2º Ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. Ed. São Leopoldo:
Unisinos, 2005.
____STRECK, Lenio Luiz (org). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
____PÊPE, Albano Marcos Bastos. Genealogia da crítica jurídica: de Bachelard a
Foucault. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.
SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. Eficiência e Direito Penal. Tradução: Maurício Antônio
Ribeiro Lopes. São Paulo: Manole, 2004.
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ROSA, Fabrízio. Crimes de Informática. 2º Ed. São Paulo: Bookseller, 2006.
STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. 2º Ed. Porto Alegre: 2004.
SCHIMIDT, Andrei. O princípio da legalidade penal no Estado Democrático de Direito.
Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001.
____ O método do Direito Penal sob uma perspectiva interdisciplinar. Rio de Janeiro:
Lumem Júris, 2007.
STRECK, Lenio Luis; MORAIS, José Luis Bolzan (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e
Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2008.
TRINDADE, Jorge; BREIER, Ricardo. Pedofilia - aspectos psicológicos e penaisPorto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
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WARAT, Luis Alberto. Com a colaboração de Leonel Severo Rocha. O direito e sua
linguagem. 2º Ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor.
ZANIOLO, Pedro Augusto. Crimes Modernos O impacto da tecnologia no
Direito.Curitiba: Juruá, 2007.
ANEXO A – Estatuto do PCC
1. Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido.
2. A luta pela liberdade, justiça e paz.
3. A união da luta contra as injustiças e opressão dentro da prisão.
4. A contribuão daqueles que estão em liberdade com os irmãos que estão dentro da prisão,
através de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.
5. O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido, para que não haja conflitos
internos, porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a
irmandade, será excluído e repudiado do Partido.
6. Jamais usar o partido para resolver conflitos pessoais, contra pessoas de fora. Por que o
ideal do partido está acima de conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário
a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça
em conflitos externos.
7. Aquele que estiver em liberdade “bem estruturado”, mas que esquecer de contribuir com os
irmãos que estão na cadeia, serão condenados a morte sem perdão.
8. Os integrantes do partido tem que dar bons exemplos a serem seguidos. E por isso o Partido
não admite que haja: assalto, estupro e extorsão dentro do sistema.
9. O Partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal,
mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, a solidariedade e o interesse comum ao Bem
de todos, porque somos um por todos e todos por um.
10. Todo integrante tem que respeitar a ordem e disciplina do Partido. Cada um vai receber de
acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a
decisão final será dos fundadores do partido.
11.O Primeiro Comando da Capital PCC – fundado no ano de 1993, numa luta descomunal
e incansável contra a opressão e as injustiças, do Campo de Concentração “anexo” à Casa de
Custódia e Tratamento de Taubaté, tem como lema absoluto “a liberdade, a justiça e a paz”.
12. O partido não admite rivalidades internas, disputas do poder na liderança do comando,
pois cada integrante do comando sabe a função que lhe compete de acordo com sua
capacidade de exercê-la.
13. Temos que permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um
massacre, semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992,
onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre este que jamais será esquecido
na consciência da sociedade brasileira. Porque s do Comando vamos sacudir o sistema e
fazerem essas autoridades mudarem a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças,
opressão, tortura, massacre nas prisões.
14. A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado de São Paulo
a desativar aquele Campo de Concentração, “anexo” à Casa de Custódia e tratamento de
Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do Comando, no meio de tantas lutas inglórias e
tantos sofrimentos atrozes.
151
15. Partindo do Comando da Capital do QG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e
simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado, numa guerra sem trégua, sem
fronteiras, até a vitória final.
16. O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando
se espalhou por todos os sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar
também no lado de fora, com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis, mas nos
consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional.
Em coligação com o Comando Vermelho CV e PCC iremos revolucionar o país dentro das
prisões e o nosso braço armado será o “Terror dos Poderosos” opressores e tiranos que usam o
Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade,
na fabricação de monstros.
Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos. Poderosos, mas estamos preparados,
unidos e um povo unido jamais será vencido.
LIBERDADE, JUSTIÇA E PAZ !!!
O QUARTEL GENERAL DO PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL, EM COLIGAÇÃO
COM O COMANDO VERMELHO”.
(PORTO, 2007, p. 77).
152
ANEXO B – Lei do Crime Organizado
LEI 9.034/95
Lei 9.034, DE 03.05.1995
Dise sobre a utilização de meios operacionais para prevenção e repressão de ões
praticadas por organizações criminosas.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte lei:
CAPÍTULO I
Da Definição de Ação Praticada por organizações criminosas
Art. 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que
versem sobre icitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações
ou associações criminosas de qualquer tipo. (Redação dada pela Lei 10.217, de 11.04.2001)
Art. Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos sem prejzo dos
previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:(Redação
dada pela Lei 10.217, de 11.04.2001).
I – (Vetado)
II a ão controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se sue
ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz
do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações;
III o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e
eleitorais.
IV a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústico, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial; (inciso
incluído pela Lei 10.217, de 11.04.2001)
V infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação,
constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização
judicial.(inciso incluído pela Lei 10.217, de 11.04.2001)
Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá
nesta condição enquanto perdurar a infiltração.(Parágrafo incluído pela Lei 10.217, de
11.04.2001).
CAPÍTULO II
Da preservação do sigilo constitucional
Art. Nas hipóteses do inc. III do art. 2º desta Lei, ocorrendo a possibilidade de
violação do sigilo preservado pela constituição ou por lei, a diligência será realizada
pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.(vide ADIN 1570-2 de
153
11.11.2004, que declara a inconstitucionalidade do art. 3º no que se refere aos dados “Fiscais”
e também “Eleitorais”.)
Parágrafo primeiro Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de
pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos
do sigilo.
Parágrafo segundo O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da
diligencia, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos
documentos que tiverem relevância probatória, podendo para este efeito, designar uma das
pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.
Parágrafo terceiro O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo,
em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso,
na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que o poderão dele servir-se para fins
estranhos caso de divulgação.
Parágrafo quarto Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a
diligência, serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que
poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.
Parágrafo quinto Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e
endereçado em separado ao juízo competente, para revisão, que dele tomará conhecimento
sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público
e ao Defensor em recinto isolado para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam
mantidos em absoluto segredo de justiça.
CAPÍTULO III
Das disposições Gerais
Art. 4º Os órgãos da polícia judiciária estruturarão setores e equipes de policiais
especializados no combate à ação praticada por organizações criminosas.
Art. 5º A identificação criminal de pessoas envolvidas com ação praticada por
organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.
Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1 a
2/3 quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e
sua autoria.
Art. 7º Não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que
tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.
Art. 8º O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de
que trata esta Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e
vinte) dias, quando solto.(Redação dada pela Lei 9.303, de 5.09.1996)
Art. 9º O réu o poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta lei.
Art. 10 Os condenados por crime decorrentes de organização criminosa, iniciarão o
cumprimento da pena em regime fechado.
Art. 11 Aplicam-se, no que não forem incompatíveis, subsidiariamente, as disposições
do Código de Processo Penal.
Art. 12 Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 13 Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 3 de maio de 1995, 174º da Independência e 107º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
154
ANEXO C Parte da 1º decisão no Brasil a aplicar aportes da teoria sistêmica de Niklas
Luhmann a um caso concreto
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