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JULIANA MENDANHA BRANDÃO
Resiliência: de que se trata?
O conceito e suas imprecisões
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JULIANA MENDANHA BRANDÃO
Resiliência: de que se trata?
O conceito e suas imprecisões
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da
UFMG, como requisito parcial para
obtenção do grau de mestre em Psicologia.
Área de concentração: Psicologia Social
Linha de Pesquisa: Cultura, Modernidade e
Subjetividade
Orientador: Prof. Dr. Miguel Mahfoud
Co-orientadora: Profa. Dra Ingrid Faria
Gianordoli-Nascimento.
Belo Horizonte, 2009
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150 Brandão, Juliana Mendanha
B814r
Resiliência [manuscrito]: de que se trata? : o conceito e /
2009 suas implicações /Juliana Mendanha Brandão. – 2009.
136. f.
Orientador: Miguel Mahfoud.
Co-orientador: Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Minas
Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
.
1. Psicologia - Teses 2. Resiliência (Traço da personalidade) -
Teses 3. Stress (Psicologia) - Teses 4. Psicologia do
desenvolvimento - Teses. I. Mahfoud, Miguel. II. Gianordoli-
Nascimento, Ingrid Faria. III. Universidade Federal de Minas
Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. IV.Título
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam na capacidade do ser
humano de ser sempre mais e que lutam por isso.
E ao Theo, que me faz querer ser sempre mais.
AGRADECIMENTOS
Ao prof. Dr. Miguel Mahfoud por sua sabedoria serena e firme, suas
orientações precisas e encorajadoras e por acreditar em mim. Sua melhor frase: “você
quis a bicicleta, então, pedale!” Sem a sua presença na minha trajetória, acho que eu
nunca teria escolhido fazer pesquisa.
À profa. Dra. Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento, pela ajuda na
organização de meu texto, pelos questionamentos provocantes e apontamentos sobre as
encruzilhadas teóricas em que me metia, pela acolhida.
A Daniel Silveira que chegou à Resiliência antes de mim e enriqueceu tanto
minha pesquisa. Obrigada pela riquíssima bibliografia e pela troca de informações e
idéias.
Ao meu querido Daniel Marinho Drummond, colega e amigo de muitas e
ótimas horas, pela disponibilidade, atenção e boas análises na qualificação.
Ao colega e primo querido Tiago Brandão, próximo e distante ao mesmo
tempo, pela eficientíssima ajuda no inglês.
A Bernardo Castro, grande conhecedor da resiliência, obrigada pela
disponibilidade e pelas conversas de alto nível.
Ao Prof. Dr. Jack Block da Universidade de Berkeley, Califórnia, por sua
disponibilidade à distância, pelos textos desapegadamente enviados, pela prontidão nas
respostas das minhas infinitas e insistentes indagações.
A Guilherme Rancanti “Bicudo” pelas mini-aulas e orientações de história e
utilíssimos textos.
À minha amada mãe Naná através da qual Deus me deu a honra de nascer,
por seu exemplo de robustez, amor incondicional, apoio, escuta de minhas viagens
intelectuais e pela ajuda com nosso bebezinho. Se eu for para o Theo um pouquinho do
que você foi e é para mim, o Theo terá a segunda melhor mãe do mundo, porque a
primeira sempre será você!
Ao meu amor Guto, pela sua impaciente paciência, ajuda tecnológica e
linguística. Agora, estarei pronta para nossas aventuras em família!
A Aline Rabelo, pelo companheirismo e diversão, pelo convite e acolhida
em Montes Claros.
A Romina, que entrou nessa aventura do mestrado antes de mim e me
ajudou com seus modelos de projeto.
Ao meu pai, por ter me proporcionado ótimas condições de educação e me
ensinado valores preciosos.
A Celma, pelos cuidados indispensáveis ao meu lar.
A Maria Célia Bonnati, psicoterapeuta, pela ajuda infinita em meus
processos resilientes, por ter me ajudado a me encontrar e às minhas serenidade e
alegria.
Ao meu irmão Cook e cunhada Aline, meus primos queridos, meus tios e
tias, padrinhos, sogros, cunhados e amigos, pelo carinho e porto seguro.
Aos meus clientes e alunos que trouxeram e trazem tanto aprendizado e
riqueza para minha vida.
Reconhece a queda
E não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima
(
Paulo Vanzolini em Volta por cima)
Nossa história não é um destino.
Nada fica escrito para sempre. A verdade de hoje não o será amanhã, Os
determinismos humanos são de curto prazo. Os sofrimentos nos obrigam a
metamorfosear-nos e nunca perdemos a esperança de mudar a maneira de viver.
(Cyrulnik, 2001)
RESUMO
Este pesquisa se trata de um estudo teórico sobre o conceito de resiliência
realizado a partir de textos referenciais da literatura nacional e internacional sobre o tema.
Foi motivado pela identificação de uma grande variedade de conceitos de resiliência e pela
falta de consenso entre os pesquisadores a respeito de qual fenômeno deveria ser
investigado: a resistência ao estresse, representado por sujeitos que não se abalam diante de
situações de risco; ou os processos de superação e recuperação dos abalos sofridos em
virtude das situações adversas.
Inicialmente, são discutidas as origens históricas e etimológicas da resiliência,
assim como sua conceituação na Resistência dos Materiais. É apresentada uma reescrita da
história das pesquisas sobre resiliência nos âmbitos internacional e nacional e o
questionamento da idéia de que o conceito teria vindo da física. Os principais estudos
precursores sobre o tema são discutidos, assim como as concepções de invulnerabilidade,
antiga nomenclatura para o fenômeno.
A seguir, é apresentado o estado atual das conceituações de resiliência e
discutido o fato de o conceito ser entendido como traço ou processo, como inato ou
adquirido, permanente ou circunstancial. As conceituações de resiliência são divididas em
dois grandes grupos: um que inclui as concepções associadas ao sentido de adaptação e
outro que abarca definições em que ela é entendida como superação. Foram também
discutidas as maneiras de se conceber “adaptação” que estão associadas ao conceito de
resiliência: no sentido piagetiano; como adaptação positiva ligada à noção de competência;
ou ainda em um sentido de crítica à sociedade. São debatidas as noções que concebem que a
sobrevivência já implicaria resiliência e que esta pode ser considerada em sujeitos que
continuam a apresentar psicopatologias e condutas anti-sociais.
Por fim, situamos a resiliência como processo e não como traço e propomos a
nossa definição para o conceito – o processo em que um sujeito enfrenta adversidades, se
abala, supera as adversidades e o seu próprio abalo e amadurece, desenvolvendo-se a partir
deste enfrentamento –, optando por considerar como resiliência os fenômenos de
recuperação e superação e não os de resistência ao estresse. Essa definição traz uma maior
precisão para o campo de estudo. Sugere-se ainda que o fenômeno de resistência ao
estresse, associado a traço de personalidade seja estudado a partir do conceito de
hardiness/robustez.
Palavras-chave: resiliência, resistência ao estresse, invulnerabilidade às
adversidades, adaptação psicológica, robustez
ABSTRACT
This research is a theoretical study on the concept of resiliency based upon
referential texts of national and international literature on the theme. It was motivated
by the identification of a wide variety of concepts of resiliency and by the lack of
consensus among researchers concerning which phenomenon should be investigated:
resistance to stress, represented by a subject that do not give up in the face of risk
situations; or coping processes and recovery after traumas suffered because of adversity.
First, historic and etymologic sources of resiliency are discussed, as well as
its concept in materials resistance. Then, is shown a rewriting of the history of the
studies of resiliency at international and national spheres, and the idea that resiliency
concept came from physics is questioned. The main precursor’s studies on the subject
are discussed, as well as the concept of invulnerability, prior nomenclature for the
phenomenon.
Next, is introduced the current understanding of resiliency and discussions
about the concept to be understood as a trait or process, as innate or acquired, as
permanent or circumstantial. The conceptualizations of resiliency are divided into two
major groups: one that includes the conceptions associated to adaptation and one that
covers settings in which it is understood as overcoming. It is also discussed ways to
understand “adaptation” that are associated with the concept of resiliency: as proposed
by Piaget; as an effective adjustment linked to the concept of competence; or in a sense
of criticism to the society. It is also discussed the concepts in which survival already
would imply resiliency and that this could be seen in an individual that still presents
psychotic mental illness and anti social behavior.
Finally, we classify resilience as a process rather than trait and propose our
definition to the concept – the process where a individual faces odds, suffers, overcomes
the failings and his own trauma and gets mature\ stronger, learning from this process –
by choosing to consider resilience as a recovery phenomena and not the resistance to
stress. This definition brings greater precision to the field of study. We also propose the
concept of hardiness to study the phenomenon of resistance to stress, associated with
trait of personality.
Keywords: resiliency, resistance to stress, invulnerability to adversities,
psychological adaptation, hardiness
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1- A resiliência invadindo a minha vida 12
2- Definindo a pesquisa: do contato direto com a Fênix ao trabalho teórico 13
3- Reunindo o material 19
4- O corpus da pesquisa: três correntes de estudos e a literatura brasileira 22
I- RESULTADOS
I. 1- Saltando para trás: problematizando as origens do conceito de resiliência 30
1.1. Buscando o entendimento através da física 30
1.2. Resiliência na ponta da língua: origens etimológicas 34
1.3. Discutindo a origem física da resiliência e a escolha do termo para os estudos 37
1.4. A resiliência e o “Espírito do Tempo”: contingências históricas 42
1.5. Em busca dos precursores da resiliência 55
1.6. Discutindo a invulnerabilidade 61
I.2- Atualmente
2.1. E a resiliência? Traço ou processo? 67
2.2. Resiliência: um conceito em aberto 74
2.3. Organizando as diferentes definições de resiliência: adaptação X superação 77
2.4. Adaptação piagetiana, adaptação positiva e “sobre adaptação” 85
2.5. Sobrevivência, psicopatologia e delinqüência 96
II- O QUE PROPOMOS COMO RESILIÊNCIA, AFINAL?
II.1- Personalidade resiliente? 104
II.2- Resiliência e robustez: inatas ou adquiridas? 111
II.3- Fatores, enfrentamento e coping 114
III- CONSIDERAÇÕES FINAIS 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 126
12
INTRODUÇÃO
1- A resiliência invadindo minha vida
Ouvi
1
falar de resiliência pela primeira vez há quatro anos, no rádio do carro.
Ouvi e me encantei a ponto de me lembrar ainda hoje do lugar por onde estava passando
no momento. Anotei em um papel o nome “resiliência”, desconhecido e então estranho,
e comecei a pensar neste tema em minha vida e nas vidas das pessoas que eu
acompanhava como psicóloga, a partir do que eu ouvira no rádio.
Ouvi a comparação de resiliência com a elasticidade de uma vara que se
enverga mas não quebra. Ouvi a comparação da resiliência com a Fênix que renasce das
cinzas. Entendi que falar de resiliência é falar de força, de flexibilidade e de superação.
É falar de um ser humano rompendo barreiras, enfrentando o que parece impossível de
se vencer, juntando forças para lutar sabe-se lá de onde. Lidando com as provações da
vida, com suas dificuldades, dores, doenças, perdas. Superando-as e crescendo.
Reconstruindo sua vida, seu “eu”. É falar de algo que sempre existiu e a humanidade
sempre deu provas disso. Mas que sempre parece surpreender.
Talvez surpreenda porque ainda se ache mais “normal”, ou mais esperado,
sucumbir diante de grandes adversidades. E muitos se perguntam, enquanto
pesquisadores investigam: como alguns enfrentam e crescem enquanto outros
sucumbem? Ou, utilizando o termo cujo uso é bem recente no Brasil: como e por que
alguns demonstram resiliência perante as dificuldades que a vida lhes impõe e outros
não?
1
Optou-se por escrever a introdução deste trabalho usando a primeira pessoa do singular porque se
entende que aqui é explicitada uma trajetória muito particular e pessoal.
13
Se eu já me interessava em fazer um curso de mestrado, essa palavra, essa
“coisa” chamada resiliência me incitou a pensar seriamente no assunto e a elegi como
tema de meus estudos. Também quis tentar responder à pergunta acima. Quis estudar
pessoas que enfrentavam dificuldades e as superavam, pessoas que se refaziam, pessoas
que “se dobravam, mas não se quebravam”, pessoas vencedoras, mesmo que tivessem
“perdido” algumas vezes.
2- Definindo a pesquisa: do contato direto com a Fênix ao trabalho teórico
Refletindo sobre minha prática como psicóloga clínica, notei que já havia me
deparado com pessoas assim. Várias pessoas que acompanhei chegavam buscando ajuda
em momentos de vida muito difíceis para eles, sofrendo vários tipos de infortúnios,
como perdas materiais e de entes queridos, doenças incapacitantes ou crônicas,
transtornos psiquiátricos, problemas no trabalho ou a falta dele, problemas familiares,
de relacionamento, financeiros. Chegavam geralmente abatidos, abalados, sentindo-se
muitas vezes sem forças para enfrentar as adversidades que lhes apresentavam. Mas, de
algum modo, enquanto eu os acompanhava, percebia uma transformação acontecendo e
eles conseguiam enfrentar os problemas e vencê-los. E depois disso, pareciam
diferentes, melhores, mais desenvolvidos emocional e espiritualmente
2
, mais fortes. O
espaço da psicoterapia parecia ser o “palco” onde a grande “peça” da resiliência se
desenrolava, onde a experiência de enfrentamento e transformação acontecia.
2
O termo “espiritual” relaciona-se à noção de “espírito”, tal como é concebida pelos fenomenólogos.
Ales Bello (2006) explica que a esfera do espírito é que compreende os atos de controle, que envolvem
reflexão, decisão, avaliação e se ligam “aos atos da compreensão, da decisão, da reflexão, do pensar” (p.
39). Tais atos não são de ordem psíquica nem corpórea, mas espirituais. Oliveira (2005), por sua vez,
explica que a espiritualidade envolve a possibilidade da reflexão absoluta e constitui a liberdade
originária do ser humano.
14
A primeira definição não leiga que encontrei para a resiliência foi: “a
capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por
experiências de adversidade” (Grotberg, 2005, p. 15). Relacionei esse conceito às
experiências dessas pessoas que enfrentavam suas dificuldades e se transformavam e
comecei a pensar em um possível projeto de pesquisa. Quis estudar essa capacidade que
se mostrava nos processos terapêuticos. E achei que a clínica
3
seria boa “fornecedora”
de sujeitos para uma pesquisa sobre resiliência.
Entrei para o curso de Mestrado, na UFMG, com essa idéia. Fiz meu projeto
apoiada em uma perspectiva fenomenológica que me ajudaria a estudar a experiência da
resiliência, a partir do relato de sujeitos que a vivenciassem. A via de acesso a esses
sujeitos se daria a partir de indicação de psicoterapeutas que os acompanhassem ou
tivessem acompanhado em processo terapêutico e que identificassem a resiliência
ocorrendo no decorrer da psicoterapia.
Esperava que esse recorte de sujeitos possibilitasse a descrição das
experiências de resiliência desde seu início, desde que os sujeitos começavam a
enfrentar suas dificuldades. A indicação de psicoterapeutas garantiria que eu teria como
sujeitos de pesquisa pessoas que chegaram à terapia abaladas por alguma(s)
adversidade(s) e que passavam por um percurso de enfrentamento, superação e
transformação que era “testemunhado”.
Porém, à medida que minha revisão bibliográfica foi avançando, percebi que
grande parte dos estudos sobre resiliência não tinha como sujeitos de pesquisa esses
3
Cabe esclarecer que não estou considerando como mostra de resiliência todo resultado terapêutico.
Quando um indivíduo chega à psicoterapia com determinada queixa e determinado sintoma e, passado um
período de tratamento, aquele sintoma desaparece e a queixa parece resolvida, não necessariamente
ocorreu um processo de resiliência. Estou aqui chamando de resiliência, em relação aos atendimentos que
acompanhava, a experiência do sujeito que apresentava, além da “resolução” da queixa e dos sintomas,
um crescimento pessoal a partir de sua maneira de enfrentar e superar as adversidades que lhe ocorriam
ou ocorreram.
15
indivíduos que se abalavam, enfrentavam e se transformavam. O mais comum era que a
resiliência fosse estudada a partir do exame de sujeitos que pareciam não se abalar
diante de ameaças ou adversidades que costumam abalar a maioria das pessoas, sendo
mais fortes ou mais resistentes que outros em situação semelhante.
Essas pesquisas procuravam entender: que características têm essas pessoas
que não se abalam mesmo estando sujeitas a riscos, os quais, com muita probabilidade,
atrapalham o desenvolvimento de tantos? O que faz com que não se abalem ou com que
tenham resultado positivo?
Percebi que, comparando a pesquisa que eu queria fazer com essas, a minha
pergunta era outra: o que acontece no processo no qual um sujeito se abala, enfrenta o
que o atinge, vence esse desafio e se transforma? Como se dá esse percurso?
Entre a pesquisa sobre resiliência que eu queria empreender e as mais
comumente realizadas, tornou-se nítida a diferenciação quanto à escolha dos sujeitos,
assim como o que se queria entender. Comecei a me perguntar: eu e esses pesquisadores
pretendíamos estudar o mesmo fenômeno?
Essas observações a respeito da escolha dos sujeitos para uma pesquisa sobre
resiliência e a respeito das perguntas geradoras de seus objetivos me fizeram perceber
que o tema era muito mais complexo do que eu imaginara. Ele tinha muito mais
maneiras de ser concebido e uma variação considerável de definições. Eis alguns
exemplos:
“Capacidade de enfrentar e superar com sucesso situações adversas.” (Trombeta
e Guzzo, 2002, p. 9)
“O conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o
desenvolvimento saudável do indivíduo, mesmo este vivenciando experiências
desfavoráveis”. (Pesce e colaboradores, 2005, p. 436)
16
“Não apenas a capacidade individual para lidar com as adversidades, mas
também a capacidade de uma comunidade de pessoas para prover os recursos de
saúde necessários para criar e sustentar bem estar, proporcionando
oportunidades individuais para acessar recursos de saúde de maneiras
culturalmente relevantes
4
. (Ungar e colaboradores, 2008, p. 2)
“A resiliência é entendida como a capacidade de resistir às adversidades
humanas.” (Pereira, 2001, p. 87)
“A resiliência se define como a capacidade dos seres humanos de superar os
efeitos de uma adversidade a que estão submetidos e, inclusive, de sairem
fortalecidos da situação.”
5
(Melillo, 2004a, p. 63)
“A habilidade para se esquivar de eventos negativos usando emoções positivas
para dar conta”
6
. (Tudage, Fredrickson e Barret, 2004, p. 1162)
“Resiliência refere-se a uma classe de fenômenos caracterizados por bons
resultados a despeito de sérias ameaças à adaptação ou desenvolvimento.”
7
(Masten, 2001, p. 228)
“Caracteriza-se como um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que
possibilita ter uma vida sadia, mesmo vivendo em um meio insano”. (Melillo,
Estamatti e Cuestas, 2005, p. 61)
“A resiliência é muito mais que o fato de suportar uma situação traumática,
consiste também em reconstruir-se, em comprometer-se em uma nova dinâmica
de vida.”
8
(Vanistendael e Lecomte, 2004, p. 91)
4
…“not just a individual’s capacity to cope with adversity but was also the capacity of the person’s
community to provide the health resources necessary to nurture and sustain well-being, providing
individuals opportunities to access health resources in culturally relevant ways.”
5
“La resiliencia se define como la capacidad de los seres humanos de superar los efectos de una
adversidad a la que están sometidos e, incluso de salir fortalecidos de la situación.”
6
…“the ability to bounce back from negative events by using positive emotions to cope.”
7
Resilience refers to a class of phenomena characterized by good outcomes in spite of serious threats to
adaptation or development.”
17
“A capacidade de ser sensível à adversidade, à dor ou ao estresse; a
possibilidade de contar com fatores que permitam resistir a este estímulo para
logo ser capaz de construir, utilizando a aprendizagem outorgada pela dor como
uma possibilidade para a reconstrução.”
9
(Kotliarenco e Lecannelier, 2004, p.
124)
“A capacidade para recuperar e manter um comportamento adaptado após um
dano.” (Blum, 1997, p. 16)
“Manifestação da capacidade de transcender.” (Barbosa, 2006, p. 3)
“É adaptação positiva em resposta à adversidade.”
10
(Waller, 2001, p. 292)
“Reflete a habilidade para manter um equilíbrio estável.”
11
(Bonanno, 2004, p.
20)
“A capacidade para triunfar e para viver e desenvolver-se positivamente, de
maneira socialmente aceitável, apesar da fadiga ou da adversidade que podem
implicar risco grave de resultado negativo.”
12
(Vanistendael
13
, citado por
Cyrulnik, 2001, p. 10)
“Manifestação de adaptação positiva a despeito de significativa adversidade na
vida.”
14
(Luthar, 2007, p. xxix)
“Resiliência é operacionalmente definida (...) como um dinâmico processo de
desenvolvimento que reflete evidências de adaptação positiva a despeito de
adversidades significativas na vida.”
15
(Cicchetti, 2007, p. xx)
8
“La resiliencia es mucho más que el hecho de soportar uma situación traumática; consiste también em
reconstruirse, em comprometerse em uma nueva dinâmica de vida.”
9
La capacidad de ser sensible a la adversidad, el dolor o el estrés; la posibilidad de contar com fatores
que permitan resistir este estímulo para luego ser capaz de construir, utilizando el aprendizage otorgado
por el dolor como uma posibilidad para la reconstrucción.”
10
“…is positive adaptation in response to adversity.”
11
“…reflects the ability to maintain a stable equilibrium
12
“La capacidad para triunfar e para vivir y desarollarse positivamente, de manera socialmente
aceptable, a pesar de la fatiga o de la adversidad, que suelen implicar riesgo grave de desenlace
negativo.”
13
Vanistendael, S. (1998) Clés pour devenir: la résilience, Les Vendredis de Châteauvallon, nov.
14
“… the manifestation of positive adaptation despite significant life adversity.”
18
Tais definições parecem, à primeira vista, semelhantes, uma vez que falam
de adversidades, danos ou ameaças e de uma resposta positiva a isso. E todas são
definições para resiliência. Consequentemente, parecem apontar para um mesmo
fenômeno. Porém, quando os estudos empíricos sobre o tema são examinados mais
detalhadamente, percebe-se que as escolhas de seus sujeitos de pesquisa variam muito
entre si, sendo orientadas de acordo com definições diferentes. E isso leva a pensar que
os estudos talvez estejam investigando fenômenos diferentes.
Assim, percebi que havia pesquisas sobre resiliência que estudavam, como
era meu intuito fazer, sujeitos que, após se abalarem, se recuperavam e se
transformavam (Cyrulnik, 2001; Grotberg, 1999, 2005; Murphy, 1987; Walsh, 2005) e
outras que estudavam sujeitos que, vivendo sob estresse e vivenciando momentos na
vida potencialmente traumáticos, não se abalavam (Anthony, 1987a e b; Bonanno,
2004, Masten, 2001; Trombeta e Guzzo, 2002; Werner e Smith, 1989). Havia ainda
pesquisas que examinavam os dois fenômenos indistintamente como sendo resiliência.
Existiam também pesquisadores que avaliavam a resiliência a partir de critérios de
adaptação ou ajustamento social, enquanto outros afirmavam que a resiliência implica
em uma postura crítica da sociedade (Galende, 2004; Melillo, 2004a; Tavares, 2001).
Percebi também que os trabalhos sobre resiliência, tanto neste país, quanto
em outros, partem para estudar o fenômeno sem delimitá-lo com precisão. Podemos
dizer isso porque há, como já foi apresentado, inúmeras definições de resiliência. E
muitos trabalhos empíricos começam a apresentar seus resultados sem deixar claro que,
entre as muitas definições possíveis de resiliência, se está escolhendo uma delas, uma
forma específica de se tomar o fenômeno. E isso leva a resultados tão díspares quanto
inconsistentes.
15
Resilience is operationally defined [in this volume] as a dynamic developmental process reflecting
evidence of positive adaptation despite significant life adversity.”
19
A fim de delimitar melhor o campo, tornou-se fundamental entender os
diversos sentidos que o termo resiliência ganhou ao longo dos anos de teorização a seu
respeito. Como apontam Libório, Castro e Coêlho (2006), “é difícil lidar com a variação
nas definições e no uso das terminologias na literatura teórica e de pesquisas sobre
resiliência porque ela reflete pouco consenso, com variação substancial na
operacionalização e avaliação dos construtos” (p. 108).
Minha preocupação com essas questões e a visualização de possibilidades de
contribuição para as lacunas percebidas na teoria começaram a tomar uma dimensão
muito maior do que o previsto para o que seria a revisão bibliográfica de um trabalho
empírico. Por isso, resolvemos mudar os rumos de minha pesquisa e definimos que eu
faria um trabalho teórico sobre resiliência, a fim de se enfrentar as imprecisões do
conceito e de tornar possível que pesquisas empíricas subsequentes tratem o tema com
mais rigor.
3- Reunindo o material
Assim, a partir dessa mudança de rumos no trabalho, a revisão bibliográfica
ganhou uma nova dimensão passando a ser não um só ponto de partida ou uma
referência para um trabalho prático, mas também a fonte de dados a serem analisados
criticamente para constituir o cerne desta dissertação.
O critério para a reunião do material que foi utilizado para a revisão
bibliográfica e para a análise documental se iniciou pela acessibilidade e se desenvolveu
em direção aos autores referenciais e às fontes primárias identificadas. Posteriormente,
foram buscados os textos que trariam esclarecimentos e apontamentos importantes
sobre os temas a serem discutidos.
20
Em outras palavras, os primeiros textos analisados indicaram outros através
de suas citações e referências bibliográficas. Os textos e autores mais citados foram
então procurados e os principais autores de referência sobre o tema, tanto nacionais
quanto internacionais, foram sendo evidenciados. A partir dos textos dos autores-chave
da resiliência procurei encontrar suas fontes primárias, a fim de conhecer o processo
histórico de construção do conceito para entendê-lo melhor.
Assim, primeiramente, os poucos livros brasileiros publicados sobre o
assunto, assim como os poucos livros traduzidos, foram adquiridos; as duas dissertações
produzidas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre o tema foram
estudadas (Canelas, 2004; Silveira, 2006) e inúmeros artigos brasileiros, acessados.
Posteriormente, identifiquei como principais autores sobre o tema as
brasileiras Débora D. Dell’Aglio, Maria Ângela M. Yunes e Heloísa Szymanski, Sílvia
H. Koller; os anglo-saxões Ann Masten, Edith Grotberg, Emmy Werner e Ruth Smith,
Michael Rutter, Suniya Luthar; os latino-americanos de língua espanhola Aldo Melillo,
Elbio N.S. Ojeda, Francisca Infante, Mabel Munist e Maria Angélica Kotliarenco; e o
europeu Boris Cyrulnik. A esta relação poderiam ser acrescentados outros nomes de
pesquisadores que, embora não sejam tão citados ou tenham poucas publicações
conhecidas na área, têm um trabalho relevante para o campo da resiliência. Entre outros,
são exemplos destes casos as brasileiras Luisa H. A. P. Trombeta e Raquel S. L. Guzzo,
Simone G. de Assis, Renata P. Pesce e Joviana Q. Avanci, o canadense Michael Ungar,
o americano Jack Block e os portugueses José Tavares e Helena Ralha-Simões.
De modo geral, tive como método checar os dados apresentados nos textos
dos autores mais citados em busca de uma reconstrução do conceito e do entendimento
de suas ambivalências. Se se dizia que a resiliência vinha da física, eu ia buscá-la na
física. Se algum autor apontava precursores do tema, eu ia em busca destes. Se eu via
21
que o termo invulnerabilidade era o termo antecessor da resiliência, eu tinha que
entendê-lo em sua fonte. Se algum pesquisador referencial diferenciava resiliência de
outros conceitos, como a própria invulnerabilidade, coping ou hardiness, tais conceitos
eram buscados em suas fontes primárias para que fosse possível entendê-los bem a fim
de se poderem estabelecer relações entre os mesmos e a resiliência. Se a literatura
situava os estudos sobre o tema no movimento da Psicologia Positiva, tal movimento
deveria ser mais bem conhecido.
Dessa forma, de “fonte em fonte”, fui conhecendo melhor o campo teórico
da resiliência, identificando melhor seus conceitos e suas lacunas, suas imprecisões e
até as leituras equivocadas que um autor fazia de outro.
As origens da resiliência foram reconstituídas e foi identificado um dado a
elas relacionado que só aparece em textos de língua latina e que não tem
correspondência em textos internacionais de língua inglesa – o fato de que a resiliência
viria da física, amplamente repetido pelos autores brasileiros. O porquê dessa diferença
entre os textos latinos e anglo-saxões foi buscado através de uma investigação no campo
da resistência dos materiais e na etimologia, o que permitiu que se levantasse uma
hipótese a respeito dessa possível origem do conceito.
Ao longo do processo de análise do material reunido, ficaram cada vez mais
explícitas, como já foi dito, a diversidade de definições de resiliência e as várias formas
de tomar o assunto. Tais formas foram organizadas e diferenciadas de acordo com as
teorias que as embasam e analisadas criticamente. Isso possibilitou uma organização do
campo e um caminho para uma melhor delimitação do conceito. As perguntas a serem
respondidas nesta dissertação foram encontrando um caminho esclarecedor.
O que seria e o que não seria resiliência, afinal? De onde vem esse conceito?
E essa palavra? Quais são os termos precursores? E os autores? A resiliência seria um
22
traço de personalidade ou um processo? Como se relacionam resiliência, ajustamento e
adaptação, em seus vários sentidos? Como se concatenam, nas teorias sobre a
resiliência, os constructos associados de coping, fatores de risco, fatores de proteção,
vulnerabilidade? O que diferencia a resiliência de conceitos de outras abordagens, como
a tendência atualizante da Psicologia Humanista, o conceito de hardiness/robustez?
Como esses citados conceitos podem ser organizados de forma a ajudar na delimitação
da definição de resiliência?
Mas é importante esclarecer que a pesquisa bibliográfica aqui realizada não
abarcou nem procurou abarcar todo o material disponível sobre a resiliência. No
decorrer da análise documental, textos foram procurados ou não, utilizados ou
dispensados, de acordo com sua utilidade para responder às perguntas acima.
A seguir, a organização do material utilizado na análise.
4- O corpus da pesquisa: três correntes de estudos e a literatura brasileira
Alguns autores apontam que os estudos sobre a resiliência podem ser
organizados em três correntes: a norte-americana ou anglo-saxônica, a européia e a
latino-americana (Ojeda, 2004; Fantova, 2008). Realmente, a partir de uma revisão
bibliográfica mais ampla é perceptível a diferença no “tom” dos textos sobre resiliência.
A corrente norte-americana seria mais pragmática, mais centrada no indivíduo, tomando
como avaliação da resiliência dados observáveis e quantificáveis, comumente com
enfoque behaviorista ou ecológico transacional. A resiliência aqui surge como produto
da interação entre o sujeito e o meio em que está inserido. A européia teria uma
perspectiva ética, mais relativista, com enfoque comumente psicanalítico, tomando a
visão do sujeito como relevante para a avaliação da resiliência. De acordo com Fantova
23
(2004), para esta corrente, a resposta do sujeito às adversidades transcende os fatores do
meio, é “tecida” a partir da dinâmica psicológica da pessoa, o que possibilita uma
narrativa íntima e uma narrativa externa sobre a própria vida. Já a corrente latino-
americana, é mais comunitária, enfocando o social como resposta aos problemas do
sujeito em meio às adversidades.
É importante observar, no entanto, que, embora haja diferenças bem claras
nas formas de concepção de resiliência nas três correntes, sempre há autores que têm
suas idéias mais correlatas a uma corrente de origem diferente à sua localização
geográfica. Michael Ungar, por exemplo, é canadense e poderia estar partilhando das
idéias de seus vizinhos americanos, mas propõe um estudo mais qualitativo da
resiliência, utilizando de metodologias de história de vida (Ungar, 2005). A literatura
brasileira sobre o tema, por sua vez, apesar de ser produzida na América Latina, guarda
mais semelhanças com a corrente americana do que com a latina, embora seja mais
crítica que a americana.
No Brasil, foi possível identificar que o estado do Rio Grande do Sul é o que
mais produz sobre resiliência. O maior propulsor de trabalhos do estado é o Centro de
Estudos Psicológicos sobre Meninos e Meninas de Rua, o CEP-RUA, criado
originalmente na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pela professora
Sílvia Helena Koller, com o objetivo de pesquisar a população de rua, como o próprio
nome do Centro indica.
O CEP-RUA
reúne psicólogos, estudantes de graduação, Mestrado e Doutorado em
Psicologia e profissionais de áreas afins interessados nas em estudos sobre
crianças, famílias e adolescentes em situação de risco social e pessoal, com
ênfase na promoção de saúde, resiliência e avaliação de redes de apoio social
e afetivo. (www.msmidia.com/ceprua, acesso em 14/07/2009).
24
A partir da criação do centro de estudos na UFRGS, núcleos de pesquisa
foram sendo formados em seu interior, como o NEPA – Núcleo de Estudos e Pesquisa
em Adolescência , e o NEPRPP – Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Resiliência e
Psicologia Positiva, assim como outras universidades do estado do Rio Grande do Sul
constituíram seus próprios CEP-RUA, como grupos acadêmicos independentes do da
UFRGS, mas “inspirados” nele. Atualmente, há um centro de estudos na FURG
(Fundação Universidade do Rio Grande), na Universidade de Caxias do Sul e em Novo
Hamburgo.
Considerando-se o CEP-RUA original, na UFRGS, com todos os seus
núcleos de pesquisa, e as filiais em outras instituições, pode-se dizer que os
pesquisadores que os integram são responsáveis por grande parte dos artigos produzidos
no Brasil sobre resiliência. Particularmente as coordenadoras Sílvia H. Koller, Débora
Dalbosco Dell’Aglio (da UFRGS) e Maria Ângela Mattar Yunes (da FURG)
produziram e produzem muito sobre o tema, geralmente a partir da perspectiva da
Abordagem Ecológica do Desenvolvimento Humano de Urie Bronfenbrenner
16
e/ou da
Psicologia Positiva (Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeira, 1998; Dell’Áglio, Koller e
Yunes, 2006; Lisboa e colaboradores, 2002; Poletto e Koller, 2008; Yunes e Szymanski,
2001, 2005 entre outros).
A abordagem Ecológica é um modelo que se aplica bem ao entendimento da
resiliência como um processo dinâmico e interacional em que ambiente e indivíduo
interagem em uma relação recíproca. Infante (2005, p. 25) explica:
A perspectiva que norteia o modelo ecológico-transacional de resiliência
consiste em o indivíduo estar imerso em uma ecologia determinada por
diferentes níveis, que interatuam entre si, exercendo uma influência direta
em seu desenvolvimento humano. Os níveis que formam o marco ecológico
são: o individual, o familiar, o comunitário (vinculado aos serviços sociais),
e o cultural (vinculado aos valores sociais). Ao decifrar esses processos
16
Bronfenbrenner, U. (1981). Ecology of human development: experiments by nature and design.
Cambridge, Massachussets: Harvard University Press. (Publicado em língua portuguesa pela Artmed
Editora, em Porto Alegre, 1996, sob o título: A ecologia do desenvolvimento humano.)
25
dinâmicos de interação entre os diferentes níveis do modelo ecológico,
poder-se-á entender melhor o processo imerso na resiliência.
Já a Psicologia Positiva é um movimento da psicologia contemporânea
focado nos aspectos potencialmente saudáveis do homem, ao invés de focalizar os
aspectos psicopatológicos como faz a psicologia tradicional. De acordo com Snyder e
Lopez (2009), “é o enfoque científico e aplicado da descoberta das qualidades das
pessoas e da promoção de seu funcionamento positivo”. Yunes (2006) aponta a
resiliência como um “construto inserido nas prioridades de investigação da Psicologia
Positiva” (p. 43).
Além do estado do Rio Grande do Sul ser o maior produtor de estudos sobre
a resiliência no país, ele é também o precursor. Foram justamente pesquisadores do Rio
Grande do Sul que produziram os primeiros trabalhos de resiliência no país, em 1996, o
que se deu aproximadamente 20 anos depois que os americanos e os ingleses
começaram a pesquisar sobre o tema. De acordo com Souza e Cerveny (2006b), que
fizeram um levantamento bibliográfico nas bases de dados CAPES, SciELO e
Universia, percebe-se que os dois primeiros trabalhos publicados naquele ano sobre
resiliência têm como autor ou co-autor o professor doutor da UFRGS, Cláudio S. Hutz
17
e um deles têm como co-autora a fundadora do CEP-RUA/UFRGS, a professora
doutora Sílvia H. Koller (Hutz, Koller e Bandeira, 1996).
Depois do CEP-RUA, pode se considerar a Fundação Oswaldo Cruz (Fioruz)
e o seu Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli
(CLAVES), do Rio de Janeiro, como outro pólo produtor sobre o tema no Brasil. Já
produziram um livro (Assis, Pesce e Avanci, 2006) que divulga pesquisa sobre
17
Hutz, C. S. (1996) Resiliência psicossocial: fatores de proteção e vulnerabilidade [anais]. Reunião
Anual de Psicologia [on-line], 26. Disponível: www.universiabrasil.net/teses; Hutz, C. S.; Koller, S. H. e
Bandeira, D.R. (1996) Resiliência e vulnerabilidade em crianças em situação de risco. Em S. H. Koller
(org.) Aplicações da psicologia na melhoria da qualidade de vida. (Coletâneas da ANPEPP, no 12,
pp.79-86) Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia.
26
resiliência com adolescentes, além de artigos referenciais (Junqueira e Deslandes, 2003;
Pesce, Assis, Santos e Oliveira, 2004; Vergara, 2008; entre outros).
A revisão bibliográfica não evidenciou outro grupo de pesquisa brasileiro
interessado particularmente em resiliência, mas pesquisadores independentes em São
Paulo (Goes, 2004; Sapienza e Pedromônico, 2005; Souza e Cerveny, 2006a e b entre
outros), Minas Gerais (Canelas, 2004; Silveira, 2006 e 2008), Espírito Santo (Martins,
2007), Distrito Federal (Couto-Oliveira, 2007; Silva e Alves, 2007) e Ceará (Lemos e
Cavalcante Júnior, 2006).
Apesar da grande produção do sul do país e do grupo de pesquisa CEP-RUA
interessado particularmente em resiliência, é interessante notar que há mais
disponibilidade de teses e dissertações sobre resiliência em São Paulo do que naquela
região.
Os documentos reunidos para análise neste trabalho (artigos, livros, teses e
dissertações) são oriundos da literatura brasileira e das três correntes citadas, embora
seja visível que há mais textos da corrente anglo-saxônica do que das outras. Esse maior
número de textos anglo-saxões se deve ao fato de não ser nosso objetivo nos pautar por
essa organização fazendo um trabalho comparativo entre as três correntes. Interessa-nos
mais discorrer sobre o campo, traçando a trajetória da resiliência desde seus primórdios
para entender suas origens até podermos visualizar como se organizam os conceitos do
tema hoje em dia. Uma vez que as origens do conceito se situam nas pesquisas de
americanos e ingleses, que se tornaram as bases para os desenvolvimentos posteriores
do tema, os textos desses autores são dominantes na presente pesquisa.
Além de textos da psicologia e psiquiatria, integram o corpus de pesquisa
deste trabalho, livros da física ou engenharia sobre Resistência dos Materiais, que
27
situam a resiliência nessas áreas, e dicionários que ajudaram na compreensão das
origens etimológicas do termo “resiliência”.
Abaixo, a explicitação do material utilizado neste trabalho:
7 livros sobre Resistência dos Materiais, sendo 1 internacional sobre a
história da disciplina (Timoshenko, 1953); 3 internacionais traduzidos (Beer e Johnston
Jr, 1989; Nash, 1982; Timoshenko, 1976) e 3 nacionais (Amaral, 2002; Pinto, 2002;
Silva Júnior, 1974);
10 dicionários, sendo 1 de inglês (Fowler, Fowler e Allen, 1990), 2
português-inglês (Novo Michaelis Dicionário Ilustrado, 1971; Torcato, 1997), 2 inglês-
português (Houaiss e Avery, 1970; The New Michaelis Ilustrated Dictionary, 1972;), 2
de português (Ferreira, 1986; Garcia, 1974;), 2 de latim (Faria, 1967; Saraiva, 2000;) e 1
português-inglês e inglês-português (The Oxford Portuguese Dictionary, 2002);
Da literatura anglo-saxônica, 10 livros, sendo 3 traduções (Flach, 1991;
Snyder e Lopez, 2009; Walsh, 2005) e 7 na língua original inglesa (Luthar, 2003; Wolin
e Wolin, 1993; Grotberg, 1999; Anthony e Cohler, 1987c; Werner e Smith, 1989, 1992,
2001);
Da literatura européia, 3 livros, sendo um traduzido para o espanhol
(Cyrulnik, 2001) e 2, para o português (Cyrulnik, 2003; 2005);
4 livros da literatura latino-americana, sendo um traduzido para o
português (Melillo e Ojeda, 2005) e 3 no espanhol original (Kotliarenco, Cáceres e
Fontecilla, 1997; Melillo, Ojeda e Rodríguez, 2004; Munist, Santos, Kotliarenco, Ojeda,
Infante e Grotberg, 1998);
4 livros brasileiros (Dell’Aglio, Koller e Yunes, 2006; Trombeta e
Guzzo, 2002; Assis, Pesce e Avanci, 2006; Hoch e Rocca L., 2007);
28
2 livros “híbridos”, isto é, com autores de diferentes correntes: Grotberg
(2006), que reúne textos de autores americanos e latino-americanos; e Tavares (2001),
que reúne textos de autores portugueses e brasileiros;
29 artigos de autores anglo-saxões, incluindo textos sobre coping e
hardiness (Block, 1999; Block e Kremen, 1996; Blum, 1997; Bonanno, 2004; Contrada,
1989; Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis e Gruen, 1986; Foster, 1997;
Kalawski e Haz, 2003; Kobasa e Puccetti, 1983; Lindström, 2001; Luthar, 1991; Luthar
e Zigler, 1991; Maddi, 2002, 2005, 2008; Martineau, 2001; Masten, 2001; Masten e
Coatsworth, 1998; Roth, Wiebe, Fillingim, Shay, 1989; Rutter, 1985; Rutter, 1993a e b;
Steinhauer, 2001; Tugade, Fredrickson, Barret, 2004; Ungar, 2005a e b; Ungar, Brown,
Liebenberg, Cheung, Levine, 2008; Waller, 2001; Woodard, 2004);
22 artigos brasileiros (Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira, 1998; Castro,
2005; Góes, 2004; Hutz, Koller e Bandeira, 1996; Junqueira e Deslandes, 2003; Lemos
e Cavalcante Júnior, 2006; Lisboa, Koller, e colaboradores, 2002; Pesce, Assis, Santos e
Oliveira, 2004; Pesce, Assis, Santos, Malaquias e Carvalhaes, 2005; Molina-Loza,
2003; Pinheiro, 2004; Poletto e Koller, 2008; Sapienza, Pedromônico, 2005; Silva e
Alves, 2007; Silva, Elsen, Lacharité, 2003; Silveira e Mahfoud 2008; Souza e Cerveny,
2006a e b; Vergara, 2008; Wagner e Silveira, 2007; Yunes 2003; Yunes, Mendes e
Albuquerque, 2005; Yunes e Szymanski, 2005);
11 Teses e dissertações brasileiras (Balancieri, 2007; Barbosa, 2006;
Canelas, 2004; Cecconello, 2003; Couto-Oliveira, 2007; Job, 2000; Martins, 2007;
Poletto, 2007; Rachman, 2008; Santos, 2006; e Silveira, 2006) e 1 espanhola (Fantova,
2008);
29
Além de livros e artigos de história, história da psicologia, psicologia
geral, psicologia humanista-existencial etc. que foram usados nas análises deste
trabalho.
Assim, a partir desse material são investigados: o fato de a resiliência ter
sido uma idéia importada da física; o uso da palavra resiliência na psicologia e sua
origem etimológica; a história dos estudos do tema; seus pesquisadores e estudos
precursores; e as formas como a resiliência é definida. São discutidos: os conceitos de
coping, fatores de proteção e risco, vulnerabilidade e fatores de resiliência. São
apresentados como opção de delimitação do campo de estudo os conceitos:
invulnerabilidade, resistência ao estresse; hardiness/robustez; tendência atualizante.
A partir de tudo isso, espera-se trazer uma maior precisão ao conceito de
resiliência contribuindo para um maior rigor nas pesquisas empíricas sobre o tema.
Vamos então aos resultados.
30
I- RESULTADOS
I.1- Saltando para trás: problematizando as origens do conceito de resiliência
1.1. Buscando o entendimento através da física
Na literatura brasileira, pode-se dizer que há um consenso a respeito do
conceito da resiliência ser originário da física ou do termo “resiliência” ter sido
“importado” dessa disciplina (Assis, Pesce e Avanci, 2006; Balancieri, 2007; Couto-
Oliveira, 2007; Junqueira e Deslandes, 2003; Libório, Castro e Coelho, 2006; Molina-
Loza, 2003; Poletto, 2007; Poletto e Koller, 2006, 2008; Rocca L., 2007; Souza e
Cerveny, 2006 a e b; Trombeta e Guzzo, 2002; Yunes, 2003; Yunes, Mendes e
Albuquerque, 2005; Yunes e Szymanski, 2001, entre outros).
E, realmente, é o conceito de resiliência ligado à física e engenharia que
domina os verbetes de dicionários e enciclopédias brasileiros, embora alguns já
introduzam as elaborações da psicologia sobre o assunto. A explanação da enciclopédia
eletrônica Wikipedia é um exemplo de como são tratadas algumas noções sobre o tema
às quais o senso comum tem acesso. Segundo a enciclopédia, a resiliência
se refere à propriedade de que são dotados alguns materiais, de acumular
energia quando exigidos ou submetidos a estresse, voltando em seguida ao
seu estado original, sem qualquer deformação - como um elástico ou uma
vara de salto em altura, que se verga até um certo limite sem se quebrar e
depois retorna com força, lançando o atleta para o alto.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Resili%C3%AAncia, acesso em 20/11/2007.)
E completa:
A psicologia tomou emprestada essa imagem, definindo resiliência como a
capacidade do indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir
à pressão de situações adversas - choque, estresse, etc. - sem entrar em surto
psicótico.
A despeito da simplificação do tema no verbete, a explanação acima reuniu
idéias que integram a conceituação da psicologia sobre o tema. O uso da imagem de um
31
elástico que, sofrendo uma pressão, modifica sua estrutura original para, em seguida,
voltar a ela, ou de uma vara de bambu ou de metal que se enverga, mas não quebra, são
comumente utilizadas como ilustrações para o conceito de resiliência.
Segundo Tavares (2001),
Quer na mecânica quer na física quer na medicina, há a idéia de material
sólido, de textura fiável, flexível e consistente, saudável, subjacente ao
conceito de resiliência que permite a esse objecto ou sujeito, que no fundo
não são mais que “pacotes” de energia, de informação a diversos e mais ou
menos elevados níveis de complexidade e organização, capazes de auto-
regular-se e auto-recuperar-se, voltar à sua forma ou posição inicial. (p. 46)
É importante considerar, no entanto, a despeito dos pontos em comum das
conceituações da resiliência na psicologia, na física e em outras áreas que utilizam o
conceito, que não se pode perder de vista as peculiaridades de cada ramo do
conhecimento e sua forma própria de se apropriar de um termo e teorizar sobre ele.
Yunes e Szymanski (2001, p. 16) alertam que se deve considerar “que a Psicologia
apropriou-se de um conceito construído dentro de um modelo matemático e devemos ter
muita cautela para não incorrer em comparações indevidas”.
Uma diferença fundamental entre a resiliência estudada pela física e aquela
pela psicologia foi ressaltada por Junqueira e Deslandes (2003) no que se refere ao
retorno do ente (objeto ou pessoa) ao seu estado anterior à pressão sofrida. A resiliência,
para a psicologia, em algumas de suas conceituações, envolve algo além do retorno ao
que se era antes, pois envolve um crescimento a partir da superação da pressão. Logo, a
resiliência do ser humano pode significar que, após sofrer um abalo, uma “deformação
em sua estrutura”, o homem não só se recupera deste abalo, voltando ao que era antes,
como se torna mais forte ou melhor depois dele. Poletto (2007) é mais incisiva a
respeito dessa questão ao afirmar que a idéia de voltar à forma original após o impacto
de um estressor está superada, pois “o sujeito aprende, cresce, desenvolve e amadurece”
(p. 17).
32
Mas se tantos autores da psicologia apontam para a origem física do termo e
do conceito “resiliência”, torna-se importante entender como essa ciência trata o
assunto.
Nas ciências exatas, o termo integra os estudos sobre resistência dos
materiais e já era usado desde, pelo menos, 1807, quando o inglês Thomas Young
publicou a obra
18
em que a noção de módulo de elasticidade foi introduzida pela
primeira vez. Segundo Timoshenko (1953), nesta obra, Young fala de resiliência ao
apresentar uma discussão sobre fraturas de corpos elásticos produzidas por impacto. Ao
que parece, no entanto, o significado de resiliência para esse pesquisador não é o
mesmo dos dias atuais, embora guarde semelhanças. Em determinado momento de seu
texto, Young diz: ... “o poder de resistir a um movimento muito rápido, o qual eu, em
outra ocasião, arrisquei chamar resiliência”
19
(Timoshenko, 1953, p. 98).
Young pode ser considerado um dos precursores do uso do termo porque,
além da citação acima, a palavra “resiliência” no índice remissivo da obra de
Timoshenko (1953)
20
sobre história da Resistência dos Materiais remete ao inglês, não
apresentando mais nenhum cientista que tenha usado o termo antes dele.
Atualmente, para a disciplina Resistência dos Materiais, a resiliência é
definida como a capacidade de um material de “absorver energia na região elástica”
(Nash, 1982, p. 5), sendo a região elástica aquela capaz de voltar à forma original
quando finda a causa de sua deformação (Pinto, 2002). Beer e Johnston Junior (1989)
explicam que “a capacidade do material estrutural suportar um impacto sem ficar
18
Young, T. (1807) A course of lectures on natural philosophy and the mechanical arts., London:
Johnson (2 vol.).
19
“… power of resisting a very rapid motion, which I have, on another occasion, ventured to call
resilience”.
20
Este livro é a mesma fonte bibliográfica citada pela pesquisadora Maria Ângela Mattar Yunes em
vários de seus trabalhos sobre o tema (Yunes e Szymanski, 2001; Yunes, 2003; 2006). Porém, aparece
nestes trabalhos com a seguinte referência imprecisa: Timosheibo, S.P. (1983) History of strength of
materials. Stanford, Stanford University Press. É importante que se faça essa correção já que muitos
pesquisadores sobre resiliência usam essa referência como fonte secundária, a partir dos trabalhos
muitíssimo citados de Yunes.
33
deformado permanentemente depende de sua resiliência” (p. 522). Físicos e engenheiros
utilizam a noção de módulo de resiliência para calcular a quantidade máxima de energia
que um dado material pode absorver ao ser submetido a determinado impacto,
deformando-se sem se romper e voltando posteriormente à forma primitiva. Tal noção
relaciona-se ao limite de elasticidade do material.
Observamos que a idéia que uma das concepções que a psicologia tem da
resiliência – de modo geral, capacidade para se recuperar de abalos sofridos ou de se
abalar e voltar ao que se era antes do abalo – tem mais a ver com o conceito físico da
elasticidade do que propriamente de resiliência. Isso porque a elasticidade seria a
característica dos materiais de se deformarem e voltarem à sua forma original após o
fim da causa da deformação (Pinto, 2002). Para que se deformem sem se romper é
necessária a resiliência que implica na absorção da energia do impacto.
Mas nem tudo que resiste a pressões ou a abalos apresenta resiliência, pois
há materiais que sob pressão não se deformam e, nesses casos, o material nem
absorveria a energia do impacto. Estes materiais seriam considerados resistentes, mas
não elásticos. Quando um material resiste a um impacto deformando-se pouco ou nada,
ele é considerado rígido (Amaral, 2002). Este material, após certo limite de força
aplicada sobre ele, se rompe de maneira irreversível, sem ter havido deformação. Um
material elástico, por sua vez, também pode se romper ou sofrer outro tipo de
deformação permanente, mas somente depois de ultrapassado seu limite de elasticidade
e seu “módulo de resiliência”, ou seja, a quantidade de energia passível de ser
absorvida. Na definição de Timoshenko (1976, p. 312) o módulo de resiliência é
definido como “a maior quantidade de trabalho específico de deformação que pode ser
acumulado numa barra sem deformação permanente.”
34
A partir deste entendimento dos conceitos da Resistência dos Materiais, caso
se quisesse transpor de forma mais fidedigna o conceito de resiliência da física para a
psicologia ou as ciências humanas estudarem, ao se focalizar a resiliência das pessoas,
os estudos deveriam investigar o quanto as pessoas poderiam suportam de pressão, ou
de estresse, antes de apresentarem abalo psicopatológico irreversível. Já se os estudos
quisessem observar como as pessoas se abalam, se transformam sob uma pressão e se
recuperam posteriormente, eles estariam investigando a elasticidade (psicológica)
humana. Com isso, parece que, se o conceito de resiliência usado pela psicologia foi
originado na física, na resistência dos materiais, ele foi transposto de maneira distorcida,
pois se relaciona mais com o conceito de elasticidade do que de resiliência.
Além dessas observações sobre os conceitos físicos, chamou a atenção o fato
de que, em seis livros pesquisados sobre Resistência dos Materiais, ampla e atualmente
usados, o assunto não aparece em dois (Amaral, 2002; Pinto, 2002), tem poucas linhas
dedicadas ao conceito em três (Nash, 1982; Beer e Johnston Junior, 1989; Silva Júnior
1974) e, no livro do autor mais importante da área (Timoshenko, 1976), aparece em
nota de rodapé (p. 312). Com isso, se tem a impressão de que, hoje, o termo
“resiliência” é mais utilizado pelas ciências humanas e pela psicologia, do que pelas
ciências exatas. E parece pouco provável que um assunto que nas ciências exatas seja
dotado de tão pouca significância tenha ultrapassado o limite de uma área de
conhecimento para gerar interesse dos pesquisadores da psicologia.
1.2. Resiliência na ponta da língua: origens etimológicas
Já em relação às origens etimológicas, pode-se dizer que a palavra
“resiliência” comporta a idéia, presente na física, de um retorno ao que se era. A palavra
35
vem do latim resilio, resilire. Resilio,
21
de acordo com dois dicionários latim-português
(Faria, 1967; Saraiva, 2000), seria derivada de re (partícula que indica retrocesso) e
salio (saltar, pular), significando saltar para trás, voltar saltando.
No Brasil, o termo “resiliência”, até ser utilizado, a partir do fim da década
de 1990, nos estudos de psicologia e se espalhar para um público leigo através de
matérias de auto-ajuda veiculadas na mídia, era desconhecida da maior parte da
população. Não fazia parte do vocabulário coloquial brasileiro. E o que se poderia saber
sobre ele nos dicionários, que refletem o uso que os falantes da língua fazem de uma
palavra, era seu significado técnico ligado à física. O Novo Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa (Ferreira, 1986), por exemplo, traz as seguintes definições para a
palavra “resiliência”:
Resiliência [do ingl. resilience] S.f. 1. Fís. Propriedade pela qual a energia
armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão
causadora de uma deformação elástica. 2. Fig. Resistência ao choque.
O oposto parecia acontecer com as palavras “resilience” e “resiliency” na
língua inglesa. Ao que tudo indica, provavelmente há mais de 30 anos, elas já faziam
parte do vocabulário coloquial de falantes de língua inglesa, com uma significação
menos “técnica”, menos ligada à física, e mais relacionada a fenômenos humanos.
Yunes (2001, 2003, 2006), buscando também a significação para a resiliência em
dicionários de Inglês (Longman
22
) e português (Novo Aurélio), já havia notado essa
diferença na atribuição de significados das duas línguas. Ela apontou que o dicionário
de inglês que examinou coloca a definição ligada a fenômenos humanos em primeiro
plano, confirmando, na língua inglesa, uma maior familiaridade ou prioridade para o
uso do termo nesse tipo de fenômeno. Segundo Yunes (2003, p. 76), o dicionário
21
Tavares (2001, p. 46) comete uma incorreção ao dizer que resiliência viria de re + salio, significando
“ser elástico”. Se ele se referiu à origem latina da palavra, essa significação não confere.
22
Longman Dictionary of Contemporary English (1995). (3a ed.) Harlow: Longman Dictionaries.
36
Longman traz a seguinte definição: “habilidade de voltar rapidamente para o seu usual
estado de saúde ou de espírito depois de passar por doenças, dificuldades etc.:
resiliência de caráter”
23
.
Essa maior familiaridade da língua inglesa com a palavra resiliência fica
muito evidente quando se observam dicionários bilíngües em suas duas versões: inglês-
português e português-inglês. Os conhecidos dicionários Michaelis (Novo Michaelis
Dicionário Ilustrado, 1971; The New Michaelis Illustrated Dictionary, 1972) e Oxford
(Fowler, Fowler e Allen, 2002) não apresentam a palavra resiliência, para ser traduzida
do português para o inglês, mas apresentam as palavras “resilient”, que corresponde ao
adjetivo “resiliente”, e “resilience/resiliency”, correspondente a resiliência, para serem
traduzidas para o português. Oxford diz que, enquanto “resilient” significa “elástico” ou
“resistente”, “resilience”, quer dizer “elasticidade” ou “resistência”. Michaelis traz
como traduções para “resilience”, elasticidade, ressalto e alegria; e, para “resilient”,
“que ressalta, elástico, que se recupera prontamente, alegre, jovial”. De forma
semelhante, o dicionário Barsa (Houaiss e Avery, 1970, p. 460) define “resilience, -cy
como “elasticidade, capacidade de rápida recuperação (saúde, bom humor, etc).”
Interessante notar que nenhum dos três dicionários citados aponta as palavras
“resiliente” e “resiliência” como traduções para “resilient” e “resiliency/resilience”. É
como se não existissem no português, termos equivalentes aos vernáculos da língua
inglesa.
Por outro lado, esses significados citados já estavam presentes em 1970, no
dicionário de inglês Barsa, e, em 1972, no Michaelis, pelas datas das edições
examinadas. Isso nos faz perceber que, antes que os primeiros artigos que a psicologia
produziu sobre o tema da resiliência aparecessem, a palavra já era, com muita
23
Em inglês: “the ability to return quickly to your usual health or state of mind after suffering an illness,
difficulties etc.: resilience of character.”
37
probabilidade, usada pelos falantes da língua inglesa, o que não acontecia com os
falantes brasileiros do português. Vai ao encontro dessa idéia, o fato de o próprio
dicionário Aurélio, citado mais acima, atribuir a origem da palavra à língua inglesa,
ainda que aponte uma origem latina para o verbo “resilir”. Kalawski e Haz (2003, p.
366) também creditam ao inglês a origem do termo espanhol “resiliencia”, explicando
que este é uma “castelhanização” das palavras “resiliency/resilience”.
Sabe-se que o fato de uma palavra constar em um dicionário não garante que
ela seja usada realmente, mas serve como indicativo. Por outro lado, a palavra que não
consta pode indicar seu pouco uso ou até sua inexistência na língua do dicionário.
Pela análise do vernáculo em dicionários de português, deduzimos que os
falantes do português de Portugal já conheciam a palavra resiliência antes dos
brasileiros, talvez pelo acesso anterior que os europeus tiveram ao que era dito sobre o
tema, talvez pelo vocabulário coloquial do país ter o termo incorporado ao vocabulário.
Isso pode ser inferido pelo fato de o dicionário português Lello (Torcato, 1997), versão
português-inglês, no ano em que os primeiros artigos brasileiros sobre o tema foram
publicados, já trazer o que aparece uma tradução leiga para os termos “resiliência” e
“resiliente”: respectivamente, “resilience, resiliency, elasticity” e “resilient, rebounding,
elastic”.
1.3. Discutindo a origem física da resiliência e a escolha do termo para os
estudos
Essas considerações a respeito da palavra “resiliência” na língua portuguesa
e na inglesa e do conceito na disciplina da Resistência dos Materiais se prestam a
questionar a idéia de que a noção de resiliência para a psicologia veio da física ou das
38
ciências exatas. Começamos esse questionamento após a observação de que tal origem
física só é relatada pela literatura brasileira e por alguns outros autores de língua latina,
mas não é dito em nenhum momento pelos precursores das pesquisas (anglo-saxões) e
pelos principais pesquisadores internacionais sobre o tema, como Michael Rutter,
Norman Garmezy, Ann Masten, Emmy Werner e Ruth Smith, Michael Ungar, Edith
Grotberg, Suniya Luthar, entre outros.
Na literatura brasileira, é praticamente unanimidade creditar à física a
origem dos estudos da resiliência. Além dos brasileiros, encontramos alguns autores de
língua de origem latina que também apontam que a resiliência teria essa origem
(Cyrulnik, 2001; Fantova, 2008).
Mas, pelo menos no Brasil, é interessante notar que isso começou a ser
propagado de maneira maciça desde que Maria Ângela Mattar Yunes (2001; 2003;
2006; Yunes e Szymanski, 2001; 2005) começou a publicar os textos em que dá a
entender que a noção para a psicologia viria da física, embora, nem sempre, afirme isso
categoricamente. A autora fala do tema em relação à ciência exata, de sua origem e
significado neste campo de conhecimento e das conceituações para a física trazidas em
dicionários.
A partir dessas publicações, que se tornaram referenciais, quase todos os
autores brasileiros interessados no tema passaram a reproduzir essa informões,
citando Yunes, mas afirmando mais objetivamente que a resiliência da psicologia tinha
sua origem na física (Assis, Pesce e Avanci, 2006; Balancieri, 2007; Couto-Oliveira,
2007; Junqueira e Deslandes, 2003; Molina-Loza, 2003; Poletto, 2007; Poletto e Koller,
2006, 2008; Rocca L., 2007; Souza e Cerveny, 2006 a e b; Yunes, Mendes e
Albuquerque, 2005; entre outros). Os poucos textos sobre resiliência que existiam no
39
país antes dessas publicações de Yunes não traziam esses dados, o que pode ser
percebido na publicação de 1996, de Hutz, Koller e Bandeira.
Tem-se a impressão de que os pesquisadores de língua latina necessitam de
uma explicação objetiva para o uso crescente de uma palavra desconhecida em seus
estudos. Com isso, acabam por atribuir o conceito da resiliência a outras ciências.
Trombeta e Guzzo (2002, p. 16), por exemplo, apontam que, de acordo com Flach
(1991)
24
, “o termo [resiliência] foi importado de outras ciências e empregado na
psicologia para designar a capacidade de resistir, a força necessária para a saúde mental
durante a vida.” Porém, o que Flach escreveu em seu texto não corresponde à
interpretação das autoras acima. Ele diz:
O conceito de resiliência provavelmente ficou muito tempo fermentando em
minha mente subconsciente. Não há dúvida de que isso foi estimulado pelo
estudo dos clássicos no 2º grau, mas só ganhou forma depois que me formei
médico e psiquiatra e vim a conhecer o significado de estresse, a adversidade,
a ruptura e a renovação (...). O que é resiliência? É o termo que escolhi para
descrever as forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessarmos
com sucesso as mudanças em nossas vidas. (p. 11).
Na página seguinte, o autor completa: “Claro, a resiliência não é uma
questão meramente psicológica. É física também. Ter resiliência exige que os processos
fisiológicos dos nossos corpos, ativados pelo estresse, funcionem bem” (p. 12). E mais
adiante: “A essas forças necessárias para administrar os ciclos de ruptura e reintegração
ao longo das nossas vidas eu denominei resiliência; e é essa capacidade que está no
cerne do que chamamos de saúde mental” (p. 61). Nesses trechos é possível observar
que ele não diz que o termo veio de outras ciências. Diz que o conceito, não o termo, foi
estimulado pelos estudos do ensino médio; diz que o termo foi escolhido por ele
25
, mas
24
As autoras apontam o ano de 1988 para a citada referência. Porém, 1988 é o ano da publicação original
da obra, na língua inglesa. Em português, a primeira edição é o de 1991.
25
Nesses trechos, o autor americano Frederic Flach dá a entender que foi ele o criador ou o proponente do
conceito da resiliência, o que não é apontado pela literatura referencial internacional. Seu livro também
não apresenta referências bibliográficas para que se possam confirmar suas informações.
40
não diz de onde o tirou; e, por fim, relaciona a física à resiliência, mas no sentido de que
ela faria parte da dinâmica do corpo físico da pessoa.
O trecho abaixo, de Munist e colaboradores (1998), explica a respeito do
início do uso do termo e nos servirá de exemplo para mostrar como as informações,
dependendo da maneira como são dispostas, podem levar a interpretações equivocadas:
Desde a década de 1980, existe um interesse crescente por ter informação
sobre aquelas pessoas que desenvolvem competências apesar de terem sido
criadas em condições adversas, ou em circunstâncias de apresentar patologias
mentais ou sociais. Concluiu-se que o adjetivo “resiliente” tomado do inglês
resilient”, expressava as características mencionadas anteriormente e que o
substantivo “resiliência” expressava essa condição. Em espanhol e em
francês (résilience) se emprega em metalurgia e engenharia civil para
descrever a capacidade de alguns materiais de recobrar sua forma original
depois de serem submetidos a uma pressão deformadora. Assim, o termo foi
adotado pelas ciências sociais para caracterizar aqueles sujeitos que, apesar
de nascerem e viverem em condições de alto risco, se desenvolvem
psicologicamente sãos e socialmente exitosos
26
. (p. 8)
Tal trecho, retirado de importante obra da literatura latino-americana sobre
resiliência, o Manual de Identificación e promoción de la resiliência, é claro ao dizer
que os termos “resiliente” e “resiliência” foram tomados do inglês para nomear o que
estava sendo estudado. Também é claro ao dizer que a palavra, no espanhol e no
francês, não pertencia ao vocabulário da psicologia ou das Ciências Sociais. Porém,
possibilita uma interpretação equivocada nas orações finais ao dizer que o termo foi
adotado pelas Ciências Sociais, logo depois de defini-lo em relação às ciências exatas,
dando a entender que as Ciências Sociais tomaram o termo da metalurgia e engenharia.
26
Desde el decenio de los años ochenta ha existido um interés creciente por tener información acerca
de aquellas personas que desarrollan competencias a pesar de haber sido criado en condiciones
adversas, o en circunstancias de presentar patologías mentales o sociales. Se concluyó que el adjetivo
“resiliente” tomado del inglês “resilient”, expresaba las características mencionadas anteriormente y
que el sustantivo “resiliencia” expresaba esa condición. En español y en francés (résilience) se emplea
en metalurgía e ingeniería civil para describir la capacidad de algunos materiales de recobrar su forma
original después de ser sometidos a uma presión deformadora. Así, el término fue adotado por las
ciências sociales para caracterizar a aquellos sujetos que, a pesar de nacer e vivir en condiciones de alto
riesgo, se desarrollan psicológicamente sanos y socialmente existosos”.
41
É bastante perceptível como os autores de língua inglesa não se preocupam
em explicar a origem do termo resiliência em seus trabalhos. Não atribuem à física o
uso do termo, embora às vezes utilizem, para ilustrar suas idéias, símiles
que usam a constituição física de algum material. Por outro lado, é muito comum que,
pesquisadores de línguas latinas, como os brasileiros, que não tinham o termo em seu
vocabulário, queiram justificá-lo e, então, atribuí-lo às Ciências Exatas.
Um exemplo interessante desse fato aparece em um texto do pesquisador
Michael Rutter. Esse autor, precursor dos estudos, referência importante para a
psicologia e psiquiatria, publicou em 1993 (Rutter, 1993a), no Journal of Adolescent
Health, o texto “Resilience: some conceptual considerations”, onde não disse que o
termo resiliência teria vindo da física. No entanto, na versão em espanhol deste artigo
(Rutter, 1993b) que é apresentada nesse mesmo número da revista, o tradutor
acrescentou ao texto, uma nota de rodapé que traz a definição da física para a resiliência
e explica que ela é uma noção afim ao conceito psicológico e por isso, o mesmo termo é
usado nas duas situações. Mas Rutter não afirma isso em nenhum momento.
A partir do que se apresentou, nos perguntamos: se os pesquisadores que
começaram a estudar o fenômeno da resiliência e escolheram esse termo para nomeá-lo
não atribuem uma origem física ao que estudam, por que os autores de língua latina o
fazem?
Parece que o fato de a palavra “resiliência” não fazer parte do vocabulário
brasileiro coloquial ou do vocabulário de falantes de outras línguas latinas gerou uma
necessidade de entender e justificar então de onde ele teria vindo. Tendo sido
encontrado o conceito da física e o termo não ser conhecido fora deste âmbito de
conhecimento, pareceu plausível supor que a idéia de resiliência para a psicologia teria
42
vindo da ciência exata. E, no Brasil, como tal origem foi divulgada por uma
pesquisadora respeitada, ela passou a ser considerada fato.
Mas para os precursores dos estudos da resiliência, falantes do inglês, a
palavra provavelmente já era conhecida – fora do âmbito da Resistência dos Materiais –
e foi escolhida por ser considerada adequada para designar os fenômenos que eram
estudados e que abrangiam capacidade de resistência a pressões e estresses, processos
de recuperação, regeneração, adaptação, características de personalidades flexíveis e
moldáveis às circunstâncias.
É importante lembrar que os dicionários de inglês já traziam em si, para a
palavra “resiliência”, os significados de elasticidade, recuperação, resistência, saúde e
bom humor que as teorias psicológicas da resiliência relacionaram posteriormente a tais
fenômenos estudados. Se essas teorizações tivessem sido baseadas nos estudos da física,
elas teriam sido feitas à custa de distorções no uso das nomenclaturas, pois o significado
de resiliência para a física, como já foi dito, não é o mesmo para a psicologia.
Agora, passa-se a buscar o entendimento a respeito do surgimento desses
primeiros estudos sobre os fenômenos que foram chamados de resiliência e, na
seqüência, os estudos precursores mais citados pelos demais pesquisadores do tema
serão comentados.
1.4. A resiliência e o “Espírito do Tempo”: contingências históricas
Embora a temática do crescimento psicológico do ser humano e da
superação de dificuldades já tenha sido alvo dos estudos da psicologia anteriormente, o
uso do termo “resiliência”, pela área, assim como a forma como as pesquisas da
43
resiliência são feitas é bem mais recente. Como diz Tavares (2001, p. 43), estudioso
português, “a resiliência é um conceito novo de uma realidade antiga”. E
complementando esse pensamento, Ralha-Simões (2001) explica que essa “realidade
antiga” é
vista agora sob uma perspectiva que se procura inovadora face aos olhares
de que era alvo noutras abordagens, quando era invocada de outros modos e
sob outras designações, mas continuando a ser, indubitavelmente, algo
operacionalmente útil para nos ajudar a compreender como é possível
concretizar a nossa legítima necessidade de auto-realização, apesar dos
contextos antagônicos e destrutivos que, não raramente, envolvem o nosso
percurso de vida ao longo de todo o processo de desenvolvimento
. (p. 95)
Cyrulnik (2001) lembra que Anna Freud e Françoise Dolto
27
já observavam
crianças que passavam por períodos de muita perturbação e se tornavam adultos
equilibrados e sadios. Anthony (1987 b) também aponta que Anna Freud
28
descreveu o
caso de Jean Drew, filha de mãe diagnosticada com esquizofrenia paranóide, que se
desenvolveu bem ao longo da vida.
Wagner e Silveira (2007), por sua vez, discutindo resiliência e processos de
superação, fizeram uma revisão crítica de alguns conceitos e abordagens teóricas do
passado que já lançavam luz sobre tais processos. As autoras citam, como conceitos que
se associam à capacidade de superação, a tendência à transcendência e a busca de
sentido, da escola logoterápica de Viktor Frankl
29
; a auto-atualização, da abordagem
humanista de Carl Rogers
30
(ou Abordagem Centrada na Pessoa); a noção de Daimon de
James Hillman
31
; além da auto-eficácia, da Teoria de Aprendizagem Social de
27
Freud, A. e Burlingham, D. (1994) Infants without families. Londres: George Allen; Freud, A. (1965)
Le normal et le pathologique chez L’Enfant. Paris: Gallimard; Dolto, F. (1987) La difficulté de vivre.
Paris: Carrèrre.
28
Freud, A. (1969). The writings of Anna Freud: Vol.5: research at the Hampstead Child-Therapy Clinic
and other papers. New York: International Universities Press.
29
Frankl, V. (1990). Dar sentido à vida. (2ª edição, A. E. Allgayer, trad.) Petrópolis: Ed. Vozes.
30
Rogers, C. (1975). Terapia centrada no cliente. (M. C. Ferreira, trad.) São Paulo: Martins Fontes.
(Original publicado em 1951).
31
Hillman, J. (1997). O código do ser: uma busca do caráter e da vocação pessoal. (A.C. Silva, trad.; 2ª
edição) Rio de Janeiro: Paz e Terra. (Original publicado em 1996).
44
Bandura
32
. Citam ainda alguns autores que se debruçaram sobre o mesmo tema:
Carreteiro
33
, Guareschi
34
, Tillich
35
, Habermas
36
e Gordon Allport
37
.
A citada escola logoterápica, por si só, já foi relacionada à resiliência nos
trabalhos de Silveira (2006; Silveira e Mahfoud, 2008). Este autor destacou conceitos,
como a busca do sentido da vida, a força de resistência do espírito, o auto-
distanciamento e a intenção paradoxal, a auto-transcendência e a derreflexão que,
segundo ele, iluminam o entendimento sobre a resiliência.
Além da Logoteoria, de Frankl, outros teóricos do movimento da Psicologia
Humanista-Existencial já tratavam de temas que permeiam as experiências resilientes.
Carl Rogers e Gordon Allport (que já foram apontados), Abraham Maslow, Charlotte
Bühler, Rollo May, entre outros, já investigavam as potencialidades do ser humano, não
apenas as patologias. De maneira geral, neste movimento da psicologia, “o homem é
visto como fonte e centro de valores, e está em permanente fluxo como uma forma de
superar a si mesmo” (Erthal, 2004, p. 62).
Já sem fazerem referência à Psicologia Humanista-Existencial, Block e
Kremen (1996) citaram diversos conceitos que, segundo eles, estão relacionados aos
fenômenos de adaptabilidade humana e resiliência: auto-eficácia (que também foi citada
por Wagner e Silveira, 2007), força do ego, estabilidade emocional, coping,
competência, hardiness, auto-regulação, modulação de resposta, inteligência emocional,
etc..
32
Bandura, A. (1997) Self-efficacy: the exercise of control. New York: W.H. Freeman and company.
33
Carreteiro, T. C. (2004) A doença como projeto: uma contribuição à analise das formas de filiações e
desfiliações sociais. In: B. Sawaia (org.) As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. (5ª edição.) Petrópolis: Ed Vozes.
34
Guareschi, P. (2004) Psicologia Social Crítica. Porto Alegre: EDIPUCRS.
35
Tillich, P. (1972) A Coragem de ser. (E. Malheiros, trad.) Rio de Janeiro: Paz e Terra.
36
Jürgen Habermas, principal representante da Escola de Frankfurt, citado por Guareschi, a respeito da
Teoria Crítica.
37
Allport, G.W. (1962) Desenvolvimento da personalidade: considerações básicas para uma psicologia
da personalidade.(H. A. Simon, trad.) São Paulo: Ed.Herder.
45
Assim, como nova tentativa de teorização e compreensão de alguns
fenômenos sobre os quais as ciências humanas e a psicologia já se debruçaram em
outros tempos, o termo resiliência começou a ser utilizado por essas áreas de
conhecimento para designar desde histórias de sobrevivência e traço de personalidade a
complexos processos, que variam da adaptação/ajustamento social, à reconstrução do
eu, passando por processos de recuperação de pessoas que sofreram abalos psíquicos
por causas diversas e por histórias de pessoas que parecem apresentar resistência ao
estresse.
Segundo nossa pesquisa, os estudos da resiliência começaram a emergir em
massa, a partir de investigações dos anglo-saxões, no final da década de 1970 e,
principalmente, início da década de 1980, a partir de uma série de contingências
históricas e sócio-culturais que provocou uma convergência de interesses e objetos de
pesquisa de diversas áreas da psicologia. A psicologia, então, a partir de pesquisas sobre
falhas, deficits, doenças e fatores de risco passou a focalizar aspectos positivos da vida
humana provocando uma mudança de paradigma e possibilitando que temas como a
resiliência começassem a ser examinados.
Essa mudança de paradigma se deu pela passagem da chamada abordagem
ou enfoque de risco para o que depois foi chamado enfoque da resiliência. Para Munist
e colaboradores (1998), os dois enfoques são consequência da aplicação do método
epidemiológico aos fenômenos sociais. Enquanto “o enfoque de risco se centra na
enfermidade, no sintoma e naquelas características que se associam com uma elevada
probabilidade de dano biológico ou social”
38
, o enfoque da resiliência “mostra que as
forças negativas, expressas em termos de danos ou riscos, não encontram uma criança
38
El enfoque de riesgo se centra en la enfermedad, en el síntoma y en aquellas características que se
asocian con una elevada probabilidad de daño biológico o social.”
46
inerte na qual se determinarão, inevitavelmente, danos permanentes”
39
(Munist e
colaboradores, 1998, p. 10). De acordo com Luthar e Zelazo (2003), a diferença básica
dos dois enfoques é a natureza negativa ou positiva dos fatores que cada um focaliza.
Na abordagem de risco, os resultados negativos do desenvolvimento e os fatores
também negativos que nele interferem é que são focalizados, como a presença de
distúrbios psicológicos e a doença mental de um dos pais. Já na abordagem da
resiliência, dimensões tanto positivas quanto negativas são focalizadas nos resultados de
um desenvolvimento e nos fatores que atuam sobre este.
Garmezy (1989), no prefácio do livro “Vulnerable but invencible: a
longitudinal study of resilient children and youth”, de Werner e Smith, obra considerada
por alguns um marco dos estudos da resiliência (Garmezy, 1989; Infante, 2005; Silveira,
2006, Melillo, 2005, Fantova, 2008), fala de se estar vivendo, em 1982, ano em que foi
publicado originalmente o livro, no limiar de um Zeitgeist.
Goethe, citado por Brozek e Guerra (2008, p. 10), define Zeitgeist como um
“conjunto de opiniões que dominam um momento específico da história e que, sem
nosso saber, ou inconscientemente, formam o pensamento de todos os que vivem em
seu contexto”. Assim, o Zeitgeist forma a cultura de um tempo e de um espaço
compreendendo idéias, conhecimentos, crenças e atitudes e podendo produzir desde
outras idéias, até instituições (jornais e casas editoriais) e movimentos científicos (como
a psicologia experimental, a humanista e, mais recentemente, a Psicologia Positiva).
Garmezy (1989) notou a mudança no Zeitgeist na passagem dos anos de
1970 para os de 1980 a partir da observação da proliferação de estudos de estresse e
coping, feitos por pesquisadores de áreas diversas como psiquiatria, biologia do
desenvolvimento, psicologia do desenvolvimento, psicopatologia e sociologia. Além
39
“...muestra que las fuerzas negativas, expresadas em términos de daños o riesgos, no encuentran a un
niño inerte en el cual se determinarán, inevitablemente, daños permanentes.
47
disso, segundo o autor, palavras e expressões como “resiliência”, “força do ego” (ego
strenght), “resistência ao estresse” etc. foram tornando-se cada vez mais freqüentes na
linguagem científica. Para Garmezy, a obra pioneira de Werner e Smith (1989), da qual
ele escrevia o prefácio, era parte dessa nova emergência na ciência, pois examinava
crianças em risco, sua vulnerabilidade, e avançava examinando coping e crescimento e
apontando que, “entre as crianças de alto risco, há as resilientes e as invencíveis (p.
xvii)
40
.” Ou seja, através dessa descrição de Garmezy, nota-se que a citada obra fazia a
passagem do enfoque do risco para o da resiliência.
Quando se diz que as pesquisadoras examinavam crianças em risco, se está
dizendo que tais crianças estariam expostas aos chamados fatores de risco, definidos
como influências potenciais para atrapalhar o desenvolvimento normal de um indivíduo.
Werner e Smith (1992) definem fatores de risco da seguinte maneira: “riscos biológicos
ou psicossociais que aumentam a probabilidade de resultados negativos no
desenvolvimento em um grupo de pessoas”
41
(p. 3). Dito de outra maneira, esses
fatores “relacionam-se com toda sorte de eventos negativos de vida, e que, quando
presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar problemas físicos,
sociais ou emocionais” (Yunes e Szymanski, 2001, p. 24). De acordo com Masten
(2001), eles são estabelecidos como preditivos de resultados indesejáveis a partir uma
associação estatística de alta probabilidade com maus resultados no futuro.
Já vulnerabilidade refere-se à “predisposição individual para o
desenvolvimento de psicopatologias ou de comportamento ineficazes em situações de
crise” (Hutz, Koller e Bandeira, 1996, p. 80). Murphy (1987), pioneira nos estudos de
vulnerabilidade e coping, explica que as crianças podem ser mais ou menos vulneráveis,
sendo difícil haver alguém totalmente invulnerável. Por isso, ela, juntamente com
40
“… even among high-risk children there are the resilient and the invincible ones.”
41
...“biological or psychosocial hazards that increase the likelihood of a developmental outcome in a
group of people”.
48
Moriarty
42
(citadas por Anthony, 1987a) propõem o conceito do “continuum de
vulnerabilidade” ao longo do qual as pessoas podem ser classificadas. Trombeta e
Guzzo (2002, p. 32) esclarecem que “quanto mais proteção e menos risco, menor
vulnerabilidade e quanto mais risco e menos proteção, maior vulnerabilidade”; sendo
importante esclarecer que proteção ou fatores de proteção “referem-se às influências
que modificam, aperfeiçoam ou alteram a resposta da pessoa aos riscos ambientais que
predispõe a um resultado mal-adaptativo”
43
(Rutter, 1985, p. 600). Para Werner e
Smith (2001), tais fatores “protegem ou melhoram a reação da pessoa a situações de
estresse ou adversidade crônica a ponto de sua adaptação ser mais bem sucedida do que
seria caso, os fatores não estivessem presentes” (p. 3)
44
.
Coping, por sua vez, como explicam Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira
(1998), “tem sido descrito como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para
adaptarem-se a circunstâncias adversas ou estressantes” (p. 273). Ou, na definição
muitíssimo citada de Folkman e Lazarus
45
e aqui adaptada pelas autoras acima,
coping é definido como um conjunto de esforços, cognitivos e
comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivos de lidar com
demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de
stress e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos
pessoais. (p. 276)
A literatura brasileira costuma adotar a palavra em inglês, por se considerar
que não há, no português, uma palavra correspondente a coping que expresse a
complexidade do conceito. Alguns autores sugerem que ela poderia ser traduzida como
42
Murphy, L.B. e Moriarty, A.E. (1976). Vulnerability, coping and growth. New Haven, CT:
YaleUniversity Press.
43
Protective factors refer to influences that modify, ameliorate, or alter a person’s response to some
environmental hazard that predisposes to a maladaptative outcome.”
44
…“that buffered or ameliorated a person´s reaction to a sstressful situation or chronic adversity so
that his or her adaptation was mores successful than would be the case if the protective factors were not
present.”
45
Lazarus, R.S. e Folkman, S. (1984) Stress, appraisal, and coping. New York: Springer.
49
“estratégias de confronto”, “formas de lidar com” (Pereira, 2001, p. 80) ou como
“enfrentar” e “adaptar-se” (Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira, 1998, p. 294).
Voltando às origens dos estudos sobre a resiliência, podemos dizer que as
idéias de Martineau (2001) são concordantes às de Garmezy, pois a autora afirma que
foi a partir dos mais de 1040 estudos sobre coping e competência que as pesquisas sobre
resiliência originaram-se, quando psicólogos infantis observaram a “anomalia” de
crianças que aparentavam invulnerabilidade a traumas. Em sintonia com essas
observações, Rutter (1985), Masten (2001), Masten e Powel (2007); Masten e
Coatsworth (1998) e Waller (2001) também apontam que foi estudando crianças em
risco de desenvolverem problemas psicopatológicos ou de comportamento, devido a
circunstâncias genéticas ou ambientais que poderiam predispô-las a isso, que os
pesquisadores começaram a perceber aquelas que estavam submetidas às mesmas
condições de risco, mas se desenvolviam bem.
Werner e Smith (1989), por sua vez, afirmam que o advento de pesquisas
longitudinais que acompanhavam populações desde o nascimento também pesou para
que a psicologia pudesse olhar o desenvolvimento normal ou positivo das crianças, após
anos de preocupação com patologias. Segundo as autoras, se os estudos retrospectivos
feitos até então “criavam uma injustificada impressão de uma inevitabilidade de
resultados” (p. 3)
46
, os novos estudos provocaram um aumento da consciência sobre a
capacidade de adaptação das crianças e suas habilidades de enfrentamento.
Isso porque os estudos retrospectivos tomavam sujeitos que já apresentavam
problemas no desenvolvimento e buscavam em sua história o que poderia ter provocado
tal resultado. Ou seja, apenas os riscos, a psicopatologia e o mau desenvolvimento eram
focados. Já os estudos prospectivos, longitudinais, tomavam para estudo sujeitos em
46
[Such “follow-back” studies have often] created an unjustified impression of an inevitability of
outcome.”
50
situação de risco e tais sujeitos, frequentemente, “surpreendiam”, mostrando boa
adaptação, bons resultados. A resiliência se mostrava nestes estudos que traziam essa
“nova” metodologia.
Mas se o Zeitgeist ou “espírito do tempo” contribuiu para provocar, no fim
dos anos 1970, uma mudança de foco na psicologia e a emergência dos estudos da
resiliência, o próprio Zeitgeist foi também formado a partir da conjuntura sócio-
histórica do citado período. Isso porque entendemos que as idéias não surgem
diretamente de idéias, como defende uma perspectiva internalista na História da
Psicologia. O homem desenvolve suas idéias a partir de sua relação com mundo em que
se insere. Assim, a história de uma idéia ou de uma ciência relaciona-se com a
conjuntura histórica, social, ideológica, filosófica e econômica (Cambaúva, Silva e
Ferreira, 1998).
Dessa forma, devem-se procurar quais contingências históricas e sócio-
culturais teriam atuado para mudar o “espírito do tempo” em que começaram a surgir os
estudos da resiliência. Talvez os pesquisadores da época não soubessem dizer com
clareza o que estava ocorrendo mundialmente ou em seus países e que pode ter feito
com que tivessem um novo olhar para seus objetos de estudo ou que percebessem agora
fenômenos que antes já aconteciam, mas não eram estudados. Como diz Ankersmit
(2001, p. 125), “a mentalidade de uma era revela-se apenas por contraste com um outro
período.” E ainda: “Assim como o peixe não sabe que está nadando em água, o que é
mais característico, onipresente em uma época, não é do conhecimento desta mesma
época. Não é revelado até esta época se concluir.” (p. 124)
Masten e Coatsworth (1998) situam a origem dos estudos sobre a resiliência
em algumas condições sócio-históricas que teriam emergido nos Estados Unidos, nos
51
anos setenta, e que ameaçavam o desenvolvimento infantil saudável. Segundo os
autores,
riscos consideráveis para as crianças tornaram-se aparentes nas taxas de
divórcio, nascimentos por mães solteiras, gravidez na adolescência, abuso de
crianças, falta de moradia e pobreza entre jovens famílias com crianças, e
avançaram em problemas como suicídio, abuso de substâncias e violência
(p. 205)
47
.
Os autores relacionaram tais condições com o florescimento das pesquisas
sobre resiliência, pois, segundo eles, foi investigando os riscos aos quais a infância
estava submetida, que o citado fenômeno foi observado.
Para Masten e Coatsworth,
quando um grande número de crianças da sociedade deve superar riscos e
desvantagens para se tornar competente, torna-se particularmente importante
entender como a competência é alcançada em contexto de adversidade (p.
205)
48
.
Como, para esses autores, estudar a resiliência representa entender “como
crianças superam adversidades para alcançar bons resultados de desenvolvimento”
49
(p.
205), neste momento histórico, em que a sociedade americana sentia que seu futuro
estava ameaçado pelos riscos que sua infância corria, tornava-se importantíssimo
entender como se poderia escapar às ameaças e aos riscos. E aí, os estudos da resiliência
se multiplicaram.
A informação histórica trazida por Masten e Coatsworth sobre os anos em
que os estudos da resiliência iniciaram sua proliferação está de acordo com a descrição
que o historiador Eric Hobsbawn (2001) faz do período em seu livro “Era dos
Extremos: o breve século XX”.
47
“High risks for children have been apparent in rates of divorce, births to single parents, teenage
pregnancy, child abuse, homelessness and poverty among young families with children, and surges in
problems like suicide, substance abuse, and violence.”
48
“…when large number of a society’s children must overcome hazards or disadvantage to become
competent, it becomes particularly important to understand how competence is achieved in the context of
adversity.”
49
“[the study of resilience] – how children overcome adversity to achieve good developmental outcomes
– [arose from the study of risk...]”
52
Segundo esse autor, após uma “Era de Ouro”, acontecida no pós-guerra até
mais ou menos 1975, o mundo vivenciou um período de crise em que houve
desemprego em massa e a pobreza e as desigualdades sociais e econômicas se
aguçaram. Mesmo as cidades ricas do ocidente capitalista tiveram que conviver com
mendigos e cidadãos sem-teto. Por outro lado, havia menos inquietação social porque os
países capitalistas ricos proviam ao seu povo sistemas de previdência e seguridade
social generosos.
Além disso, os tempos passaram a ser marcados pelo individualismo, que
substituiu paulatinamente a coletividade característica de uma era anterior em que a
vida, o trabalho e os prazeres eram vivenciados em massa. Tal individualismo é
conseqüência das profundas transformações sociais atreladas ao extraordinário
crescimento econômico por que passou o mundo na anterior “Era de Ouro”. É
conseqüência também da tecnologia emergente acessível às massas, agora em melhor
situação econômica, e da lógica do mercado. A televisão, o vídeo e o telefone são
exemplos de novas tecnologias que fizeram com que o homem moderno deixasse de
compartilhar a vida em público. De acordo com Hobsbawm (2001), “a prosperidade e a
privatização destruíram o que a pobreza e a coletividade na vida pública haviam
construído” (p. 301). As pessoas perderam suas referências e “o velho vocabulário
moral de direitos e deveres, pecado e virtude, sacrifício, consciência, prêmios e castigos
não mais podia ser traduzido na nova linguagem de satisfação de desejos” (p. 332).
A palavra “comunidade” passou a ser usada de maneira vazia enquanto
movimentos separatistas de regiões mais ricas de vários países eram gerados por um
“egoísmo coletivo de riqueza”. Por esse egoísmo coletivo, as regiões mais ricas da
Espanha – a Catalunha e o País Basco – queriam dela se separar; a Eslovênia e a
Croácia queriam a divisão na Iugoslávia; a República Tcheca, a divisão na
53
Tchecoslováquia; e até o estado mais rico do Brasil, o Rio Grande do Sul, apresentou
sinais de separativismo. As lutas étnicas também eram movidas por dinheiro. Segundo o
historiador,
a essência da política étnica ou assemelhada em sociedades urbanas, ou seja,
sociedades quase por definição heterogênea, era competir com outros grupos
semelhantes por uma fatia dos recursos do Estado não étnico, usando a
ferramenta política da lealdade grupal (p. 417).
Por fim, ao longo dos anos de 1980, o mundo viu a Guerra Fria perder o
sentido enquanto o bloco socialista, encabeçado pela URSS, ruía, pondo fim à utopia da
coletividade altruísta que poderia prover as necessidades da humanidade através de uma
divisão justa de riquezas. Com isso, as pessoas acabaram por perder as bases que
sustentavam sua visão de mundo até então bipartido entre as forças do socialismo ou do
capitalismo.
Com todas essas transformações, a própria disciplina História passou a
estudar mais indivíduos do que comunidades. As biografias, histórias de homens que se
destacavam individualmente em uma época, passaram a ser contempladas novamente.
E nesse contexto de aumento de pobreza e riscos, de desmobilização social,
de transformações de valores morais e de maior importância do indivíduo sobre a
coletividade é que proliferaram os estudos da resiliência, entendida, nesse início, a partir
de uma perspectiva bastante individualista.
É sabido que, além dessas transformações relatadas, alguns países viviam
momentos específicos importantes em sua história, os quais poderiam marcar também o
encaminhamento de sua ciência. A Polônia, a Alemanha e outros tantos países que
viviam sob o regime comunista e/ou ditatorial passaram por transformações profundas.
O Brasil, ao longo dos anos 80, vivenciou o processo de abertura democrática, teve
novamente um presidente civil depois de anos de ditadura militar e vivenciou as
eleições diretas em 1989 (Hobsbawm, 2001). Porém, o Brasil só passaria a pesquisar
54
sobre resiliência no fim dos anos 1990 e o que este trabalho focaliza são as
transformações por que passaram os países capitalistas ricos ocidentais, uma vez que
foram eles que iniciaram os estudos sobre a resiliência, principalmente os EUA e a
Inglaterra.
Assim, pesquisadores americanos e ingleses focalizavam a pobreza, cada vez
mais evidente, e os possíveis riscos que ela provocava ameaçando o desenvolvimento
saudável das crianças. E na busca por entender melhor os efeitos deletérios da pobreza
sobre o desenvolvimento infantil, começaram a perceber que havia indivíduos que não
pareciam se abater.
Em diferentes linhas de pesquisa, profissionais de várias formações,
observando crianças submetidas a outros fatores de risco, como alcoolismo,
drogadicção e doenças mentais de seus cuidadores, notaram aquelas que, contra todas as
probabilidades, se desenvolviam satisfatoriamente.
Autores da época chamaram esses indivíduos de invulneráveis, invencíveis
(Anthony e Cohler, 1987c). Mas como esses não seriam os termos mais adequados para
os fenômenos que se tornavam visíveis, “resiliência” passou a nomeá-los e mais estudos
sobre ela foram realizados.
Este trabalho vai se deter agora nos autores que estudavam risco e
vulnerabilidade, passaram a estudar competência e coping e, imbuídos do “espírito de
seu tempo”, geraram e acompanharam o nascimento dos estudos da resiliência
tornando-se nomes referenciais para os pesquisadores que vieram depois.
55
1.5. Em busca dos precursores da resiliência
Grande parte dos autores que escrevem sobre resiliência apontam alguns
pesquisadores internacionais como fundamentais para o início dos estudos. Emmy E.
Werner, Ruth Smith e Norman Garmezy, americanos, e Michael Rutter, da Inglaterra,
são os nomes mais citados (Assis, Pesce e Avanci, 2006; Grotberg, 1999; Infante, 2005;
Lindström, 2001; Masten e Powell, 2007; Ojeda, 2004; Poletto e Koller, 2006; Yunes,
2006 entre outros).
O trabalho de Werner e Smith, como já foi dito, é considerado um marco dos
estudos de resiliência (Fantova, 2008; Garmezy, 1989; Infante, 2005; Melillo, 2005;
Silveira, 2006), principalmente o livro “Vulnerable, but invencible: a longitudinal study
of resilient children and youth” (1989), escrito a partir dos resultados de uma pesquisa
longitudinal que as pesquisadoras empreenderam na ilha de Kauai, no Havaí, durante
mais de 40 anos. Essa pesquisa se iniciou em 1955 acompanhando, na época, todas as
gravidezes em curso na ilha e, a partir de então, as crianças daí nascidas até que
tivessem alcançado a meia-idade (Werner e Smith, 1989, 1992, 2001).
O livro citado, publicado originalmente em 1982, é o terceiro de uma série
de cinco e apresenta os resultados obtidos na pesquisa a partir da análise de dados dos
sujeitos já com a idade de 18 anos. As próprias autoras dizem que o estudo ali
apresentado é único, pois se baseia em uma coorte grande e multirracial de crianças, que
representa todos os nascimentos de uma comunidade inteira e que é acompanhada do
período perinatal ao início da vida adulta, com pouco desgaste da amostra de sujeitos
(Werner e Smith, 1989).
A idéia inicial das pesquisadoras não era focar a resiliência, como
observaram também outros autores (Poletto e Koller, 2006; Yunes 2001, 2006), mas
56
investigar os efeitos de um conjunto de fatores de risco sobre o desenvolvimento das
crianças. Por isso, Garmezy (1989) comenta que o primeiro volume da série de livros –
The Children of Kauai:a longitudinal study from the prenatal period to age ten
50
–, de
1971, pode ser visto como um catálogo de sofrimentos, pois elenca os efeitos de
estresse cumulativo sobre a população estudada. O segundo volume, de 1977, “Kauai´s
children come of age
51
”, examina as possíveis correlações entre os estressores e
problemas de saúde mental e comportamentos anti-sociais dos sujeitos de pesquisa,
analisados então aos 18 anos.
Já o terceiro livro da série é um marco da resiliência por representar uma
mudança de foco, de olhar, de uma pesquisa anteriormente voltada aos riscos e danos,
mas que passa a focalizar o outro lado da “moeda da vulnerabilidade,” encontrando
resultados inesperadamente positivos em um grupo de alto risco e tentando entendê-los
(Garmezy, 1989). Assim, nesse momento em sua pesquisa, as norte-americanas
objetivam investigar a capacidade das crianças para o enfrentamento do estresse
perinatal, da pobreza e de psicopatologias dos pais; examinar as diferenças de gênero na
vulnerabilidade e na resiliência e; principalmente, identificar fatores de proteção que
fazem a diferença entre as crianças de alto risco resilientes (que apresentam bom
desenvolvimento), e aquelas de alto risco que desenvolveram problemas de aprendizado
e comportamento (Werner e Smith, 1989).
Como resultados de sua pesquisa, Werner e Smith identificaram uma série
de fatores que caracterizavam os adolescentes considerados resilientes e que os
diferenciava de seus pares não-resilientes: mais autocontrole, um auto-conceito mais
positivo, uma atitude perante a vida mais educada, responsável e voltada para
50
Werner, E. E., Bierman, J. M. e French, F. E. (1971). The children of Kauai: a longitudinal study from
the prenatal period to age ten. Honolulu: University of Hawaii Press.
51
Werner, E. E, e R.S. Smith. (1977) Kauai´s children come of age. Honolulu: University of Hawaii
Press.
57
realizações, interesses e atividades menos estereotipadas como sendo masculinas ou
femininas. Já entrando para a vida adulta, os resilientes eram mais coerentes e
conseguiam atrair mais fontes de apoio informais, além de expressar desejo de
prosseguir seu crescimento psicológico.
Fatores relacionados ao ambiente no qual os jovens resilientes eram criados
e que contribuíam para a resiliência também foram elencados: a idade do pai de sexo
oposto ao jovem; o número de crianças na família; o espaço de tempo entre os
nascimentos dos filhos; o número e o tipo de outros possíveis “cuidadores” das crianças;
a ocupação laboral da mãe; a quantidade de atenção dada à criança pelos responsáveis
primários; a disponibilidade de um irmão como cuidador ou confidente na infância; na
adolescência, estrutura, regras e coesão familiar; presença de uma rede multigeracional
informal de parentes e amigos; e um número cumulativo de eventos de vida estressantes
crônicos na infância e adolescência (Werner e Smith, 1989).
É importante estabelecer que a resiliência das crianças, para Werner e Smith,
nesta publicação (1989), significa
sua capacidade para lidar eficazmente com as tensões internas de suas
vulnerabilidades (tais como padrões instáveis de reatividade autonômica,
desequilíbrios de desenvolvimento, sensibilidades incomuns) e tensões
externas (tais como doenças, perdas importantes, e dissolução da família) (p.
4)
52
.
Assim, entende-se que as características relacionadas acima aumentam a
capacidade dos jovens estudados para lidar com as tensões a que estão submetidos.
Esses resultados apresentados pelas pesquisadoras americanas são
emblemáticos da mudança de foco das pesquisas em psicologia e psiquiatria infantil
porque, se antes, elas procuravam fatores que estariam associados com os maus
52
… “their capacity to cope effectively with the internal stresses of their vulnerabilities (such as labile
patterns of autonomic reactivity, developmental imbalances, unusual sensitivities) and external stresses
(such as illness, major losses, and dissolution of the family).”
58
resultados ou desenvolvimento deficiente de parte das crianças (enfoque de risco),
agora, focalizando aquelas consideradas mais resistentes ao estresse, elas apresentavam
o que era relevante para o bom desenvolvimento infantil a despeito dos riscos que o
tinha ameaçado (enfoque de resiliência).
De acordo com Infante (2005), o estudo de Werner e Smith representa bem
uma primeira geração dos estudos sobre a resiliência em que o principal objetivo era
distinguir as crianças que se adaptavam bem às adversidades (as consideradas
resilientes) daquelas que não se adaptavam, elencando fatores de risco e de resiliência
que atuavam nos dois casos. Tais fatores eram organizados em três grupos:
características individuais, aspectos familiares e características do ambiente em que as
pessoas estão inseridas. Segundo Infante, a segunda geração de pesquisas sobre o tema,
que começou a publicar a partir dos anos 1990, já estaria interessada na dinâmica do
processo da resiliência e não apenas nos fatores.
Os outros autores-chave do início dos estudos da resiliência, os psiquiatras
Norman Garmezy e Michael Rutter, tiveram acesso ao manuscrito da citada obra de
Werner e Smith e perceberam que ali estava escrito e documentado algo a respeito do
que eles conversavam muito. Os dois tinham um interesse comum pelo estudo de
crianças ainda chamadas “resistentes ao estresse” ou “invulneráveis” e vinham tentando
organizar um seminário sobre estresse, coping e desenvolvimento infantil. Esse
seminário já era sinal da emergência dos novos objetivos de estudo da psicologia que
Garmezy atribuiu ao Zeitgeist, já mencionado. (Garmezy, 1989).
Norman Garmezy, antes de se interessar pela resiliência, pesquisava
“antecedentes de psicopatologia”, ou seja, a história pregressa dos que desenvolviam
doenças mentais. Começou a estudar crianças filhas de pais mentalmente doentes
justamente pelos altos riscos que elas correm de também desenvolverem desordens
59
psiquiátricas. Porém, mudou o foco de seus estudos ao perceber aquelas que se
desenvolviam surpreendentemente bem e essa mudança levou-o a fundar o “Projeto
Competência”, na década de 1970, que estudaria competência, adversidade e resiliência
(Masten e Powell, 2007). Para Masten e Powel, a competência é avaliada “em termos de
uma trajetória registrada de execução/desempenho eficiente em tarefas que são
proeminentes para pessoas de uma dada idade, sociedade ou contexto, e tempo
histórico” (p. 5).
53
Michael Rutter, por sua vez, efetivou várias pesquisas nas quais se
evidenciava o fenômeno da resiliência (antes mesmo de ser assim nomeado), sendo até
hoje um dos nomes referenciais para os estudos da área. Pesquisou crianças que vieram
de lares desfeitos por conflitos e analisou os efeitos de diversos fatores de risco aos
quais suas amostras de sujeitos estavam expostas: discórdia na família,
institucionalização, baixa renda, família numerosa, doença mental da mãe,
criminalidade de um dos pais. Pesquisou a relação entre a ausência da figura da mãe e o
aparecimento de psicopatologias em seus filhos (Cf. Yunes, 2001, 2006; Poletto e
Koller, 2006). De acordo com Yunes, as pesquisas de Rutter geraram uma observação
muito propagada entre os interessados pela resiliência: “um único estressor não tem
impacto significativo, mas que a combinação de dois ou mais estressores pode diminuir
a possibilidade de conseqüências positivas” (Yunes, 2006, p. 55).
Seus comentários a respeito do porquê do termo invulnerabilidade ter sido
substituído por resiliência também são repetidamente citados (Assis, Pesce e Avanci,
2006; Infante, 2005; Junqueira e Deslandes, 2003; Kotliarenco, Cáceres e Fontecilla,
1997; Poletto e Koller, 2006; Trombeta e Guzzo, 2002; Yunes, 2001, 2006; Yunes e
Szymanski, 2001, entre outros). De acordo com Rutter (1985, 1993), o termo
53
[We have defined competence] in terms of a track record of effective performance in developmental
tasks that are salient for people of a given age, society or context, and historical time.”
60
“invulnerabilidade” tem uma conotação que parece implicar uma resistência absoluta e
inalterável ao estresse, aplicável a todas as circunstâncias de risco e ainda associa-se a
um traço intrínseco do indivíduo. Rutter explica que a resistência ao estresse é relativa e
mutável, não é uma qualidade fixa do sujeito. Varia de acordo com as circunstâncias
que a pessoa enfrenta e com fase de desenvolvimento que ela está vivendo. A pessoa
pode resistir a determinado estressor e não a outro. E ainda, de acordo com o autor, as
bases dessa resistência são tanto constitucionais quanto ambientais. Por tudo isso, ele
propõe que termo “resiliência”, sendo mais “relativo”, é preferível a
“invulnerabilidade”.
Rutter (1985) influenciou muitos pesquisadores com suas idéias a respeito da
resiliência, inclusive Werner e Smith que citaram suas observações no quarto livro que
escreveram sobre a pesquisa de Kauai, nesse momento, analisando seus sujeitos que
alcançavam os 32 anos (Werner e Smith, 1992). As autoras explicam que, se nas
primeiras abordagens sobre resiliência e vulnerabilidade, os pesquisadores enfatizavam
resultados de desenvolvimento negativos que estariam associados com um único fator
de risco, posteriormente, como orientava Rutter, passaram a considerar os efeitos
interacionais entre múltiplos fatores.
Dessa forma, transformando pouco a pouco a forma de estudar e de entender
o fenômeno da resiliência, esses pioneiros, que já pesquisavam o desenvolvimento
infantil desde as décadas de 50 e 60, embora, nesta época, com enfoque nos riscos,
foram lançando as bases das teorias que até hoje alicerçam o campo de pesquisa e
desencadeiam projetos de prevenção a intervenção. Tais projetos podem focalizar a
diminuição dos fatores de risco (como a falta de educação formal ou de emprego) e/ou o
aumento e melhoria dos fatores de proteção (com, por exemplo, programas de
acompanhamento escolar e/ou psicossocial) (Cf. Masten, 2001).
61
De acordo com Masten e Powell (2007),
O vislumbre desses pioneiros se estendeu para além da observação de boa
adaptação ou desenvolvimento quando muitos esperam problemas ou
perturbações. A façanha deles estava em dar-se conta, e então convencer
outros, que a compreensão do que viria a ser chamado “resiliência” no
desenvolvimento individual tinha potencial para informar planos de ação,
programas de prevenção e intervenções. O trabalho e as idéias deles
inspiraram outros a empreenderem estudos de competência e saúde mental
de crianças ameaçadas por significante risco ou adversidade, com a meta
básica de aumentar as chances e desenvolvimento de futuras gerações de
crianças em face de tais riscos (p. 2)
54
.
1.6. Discutindo a invulnerabilidade
Para estes autores referenciais citados acima, por sua vez, outros
pesquisadores lhes foram precursores e são tidos como importantes para o surgimento
das idéias sobre resiliência que ainda hoje são discutidas: Manfred Bleuler, psiquiatra
suíço, que estudou descendentes de pacientes esquizofrênicos que não desenvolviam
patologias; Lois B. Murphy, americana, que questionou o fato de a literatura científica
sobre a infância em seu país focar apenas aspectos negativos de desenvolvimento,
realizou importantes estudos sobre coping, e que já discutia vulnerabilidade e resiliência
em 1969; e E. James Anthony, psiquiatra, que discutiu e divulgou o termo
“invulnerável”, que nomeou por muito tempo as crianças que mais tarde seriam
chamadas de resilientes (Anthony, 1987a e b; Garmezy, 1989; Lindström, 2001; Masten
e Powell, 2007; Murphy, 1987; Rutter, 1985, 1993a e b; Werner e Smith, 1989, 1992).
Vamos nos deter aqui a falar de Anthony, particularmente de suas explanações sobre a
invulnerabilidade, porque isso nos ajudará a discutir o conceito da resiliência.
54
The insight of these pioneers extended beyond the observation of good adaptation or development
when one might expect problems or disorder. Their achievement was in realizing, and then convincing
others, the understanding what would come to be called resilience in individual development had the
potential to inform policy, prevention programs, and interventions. Their work and ideas inspired others
to undertake studies of competence and mental health in the lives of children threatened by significant
risk or adversity, with the ultimate goal of improving the chances and development of future generations
of children faced with such risks.”
62
Anthony, a partir de estudos com famílias de pacientes psicóticos, tal como
fizeram Bleuler e Garmezy, introduziu a expressão “criança psicologicamente
invulnerável” para designar aquelas que alcançavam saúde emocional e apresentavam
alta competência apesar de estarem expostas a adversidades severas e/ou prolongadas
(Rutter, 1985; Werner e Smith, 1992). Para o autor, essa competência que as crianças
apresentavam significava “a capacidade para resolver com eficácia problemas
apresentados na vida diária, levando a uma sensação de mestria e auto-estima positiva”
55
(Anthony e Cohler 1987b, p. 49).
Anthony (1987a) explica que o termo “invulnerável” foi aplicado a partir do
seu entusiasmado reconhecimento inicial da existência do “anômalo grupo” das crianças
que não se abatiam por seus pais psicóticos. Para nomeá-las, também usou os termos
superphenic”, “supercycloid” e “supernormal”. O autor parece ressentido ao dizer que
“invulnerável” recebeu críticas por parecer mais mitológico do que científico e que foi
pouco a pouco substituído pelo “menos provocativo termo resiliência (p. 148)”. Apesar
disso, reconhece que uma completa invulnerabilidade é fictícia e que uma criança pode
ser imune à exposição aos seus pais psicóticos, mas ainda ser vulnerável a outros tipos
de estresse. De qualquer forma, antes de ser substituído pelo termo “resiliente”, os
invulneráveis passaram a ser chamados “resistentes ao estresse”, como observou Block
(1999).
A partir de suas observações e de estudos de outros pesquisadores, Anthony
notou que tanto sociedades, como famílias ou indivíduos podem reagir diferentemente
frente à adversidade. Em função disso, cunhou a analogia das bonecas de vidro,
plástico e aço que são afetadas de maneiras diferentes ao receberem a pancada de um
martelo. A primeira se quebra irremediavelmente; a segunda se abala e é marcada para
55
Competence – the capacity to effectively resolve problems presented in daily life, leading to a sense of
mastery and positive self-esteem.”
63
sempre de alguma forma pela pancada; e a última apenas emite um som ao ser atingida,
mas não é abalada em sua estrutura. Anthony (1987b) acrescenta que a conseqüência
para as três bonecas seria outra se houvesse algum tipo de proteção entre elas e a
pancada. Dessa forma, entende-se que o resultado das pancadas nas bonecas varia de
acordo tanto com as características e a força aplicada do martelo, quanto com as
características e a resistência das bonecas, além da variação advinda de fatores do
ambiente que se interpõem entre o martelo e as bonecas.
Analogicamente, o autor explica que o resultado do confronto dos riscos
com as crianças expostas a eles varia de acordo tanto com a natureza e a severidade dos
riscos, quanto com a vulnerabilidade e a resiliência da criança, sendo que aqui a
resiliência aqui entendida como sinônimo de resistência. Para Anthony (1987b), isso
torna a predição de resultados extremamente difícil.
Como se pode ver, embora Anthony tenha utilizado o termo invulnerável e
desencadeado muitos trabalhos que também o utilizaram para designar as crianças que,
mais tarde, seriam classificadas como resilientes, em seu livro “The Invulnerable
Child”, de 1987, ele já usava a palavra “resiliência”, assim como os outros autores do
livro (Cohler, Murphy, Moriarty, Felsman e Vaillant entre outros). O prefácio da obra,
entretanto, esclarece que, embora se entenda que não haja criança completamente
invulnerável, optou-se por usar essa palavra no título do livro por se acreditar que este
termo atinge mais fortemente o ponto da “invencibilidade psicológica” do que o termo
resiliência (Anthony e Cohler, 1987a)
É de se observar que os pesquisadores não substituíram o termo
“invulnerabilidade” inteiramente nem instantaneamente a partir do momento em que
“resiliência” começou a ser usado. Durante um período (fim dos anos 70 e anos 80), as
duas palavras eram usadas para designar a mesma classe de fenômenos relacionada à
64
resistência às adversidades. Dessa forma, a palavra “resiliência” era usada no lugar de
“resistência” integrando a concepção que os autores tinham de invulnerabilidade.
Anthony mesmo, como se viu acima, entendia que a invulnerabilidade de uma pessoa
dependia do grau que ela apresentava de vulnerabilidade ou de resiliência (resistência)
aos riscos ou às adversidades.
Mas assim como resiliência não tem apenas uma definição, a
invulnerabilidade e outros termos, usados nos primeiros trabalhos sobre esses grupos de
pessoas que resistiam às adversidades, também não têm definições consensuais.
Para Garmezy (1989, p. xix), por exemplo, invulnerável é criança saudável
em lugar não saudável. É como se essa criança que se apresenta bem em um meio em
que está exposta a riscos fosse não atingível. Já Werner e Smith (1989), no livro em que
Garmezy fez essa definição, categorizam esse mesmo tipo de criança, que se desenvolve
bem apesar de exposta a riscos, como vulnerável (como no título de seu livro
Vulnerable but invencible: a longitudinal study of resilient children and youth”),
justamente por estar exposta a riscos, mas invencível por ter se “salvado” e apresentar
desempenho positivo ou competência.
O próprio Anthony (1987b) traz uma lista com cinco tipos de
invulnerabilidade que está, segundo ele, incompleta – o que mostra que o conceito é um
tanto quanto ambivalente e aberto. Na visão do autor, os três primeiros tipos seriam, na
verdade, pseudo-invulnerabilidades e apenas dois representariam as características dos
verdadeiros invulneráveis. Abaixo, a lista com os tipos de Anthony:
1- Invulnerabilidade como sociopatia. Anthony (1987b) refere-se a esse tipo
como “fenômeno Meursault”, por causa do personagem do livro “O Estrangeiro”, de
65
Camus
56
. Neste livro, Meursault não reage à morte da mãe e não demonstra fortes
emoções em relação a nada. Os indivíduos invulneráveis como ele não sofrem porque
não se “engajam” na vida. Eles não demonstram sensibilidade em relação aos
acontecimentos e “administram” os eventos da vida para não se estressar. Não têm
intimidades com os outros e não se aproximam de novos objetos de amor por causa de
ter sofrido nas mãos de seus objetos primários. Segundo Anthony, esse tipo
invulnerável desenvolve cedo na vida defesas de supressão, isolamento e
distanciamento dos objetos.
2- Invulnerabilidade do superprotegido. Por causa do excessivo cuidado da
mãe, goza de ótima saúde, mas “mantém-se psicologicamente apegado, dependente,
evitante e auto-centrado (p. 44)
57
”. Ele seria pseudo-invulnerável porque na verdade
não foi desafiado pela vida, não foi submetido aos riscos. Segundo Anthony (1987b),
ele tende a sofrer uma “pane” logo que deixar o ambiente “mágico” da proteção
materna.
3- Outra pseudo-invulnerabilidade é a dos pseudo-heróis que se glorificam
em demonstrar suas proezas, especialmente quando há uma platéia para testemunhar.
Para se notabilizarem e se ajustarem à comunidade, demonstram ótimas performances
em tarefas muito difíceis, mas escondem sua frágil condição. São essencialmente
tímidos e carentes e desenvolveram excessivamente defesas contra-fóbicas e uma
compulsão exibicionista. “Quando as dificuldades ou perigos aumentam além de certo
ponto, as tendências fóbicas subjacentes irrompem abertamente e seu exibicionismo
torna-se socialmente perturbador e inaceitável” (p. 44)
58
.
56
Referência dada por Anthony (1987b): Camus, A. (1954) The stranger. New York: Knopf. Em
português, uma edição mais recente da mesma obra citada: Camus, A. (2005) O estrangeiro. (A. Quadros,
trad., 26ª edição) Rio de Janeiro: Record. ( Original publicado em 1942)
57
“…but as a consequence they remain psychologically attached, dependet, avoidant, and self-centered.”
58
When the difficulties or dangers increase beyond a certain point, the underlying phobic tendencies
erupt into the open, or their exhibitionism may become socially disruptive and unacceptable.”
66
4- Verdadeira invulnerabilidade de verdadeiros heróis. Quando as coisas
parecem piores, esses indivíduos, ao invés de entrarem em pane, melhoram seu
desempenho. Parecem fortes desde crianças e são dotados de amplo leque de
competências. Suas defesas normais, habilidades de coping e criatividade crescem com
a idade. Têm relacionamentos duráveis, habilidades interpessoais e são queridos pelos
pares. Demonstrando desejo de aprender, curiosidade e envolvimento, são queridos
também pelos professores. Mostram muita competência a despeito (e às vezes por
causa) de ambientes e experiências estressantes. Têm autocontrole e responsabilidade e
são mais reflexivos do que impulsivos.
5- Invulnerabilidade de alguns que recuam diante dos riscos, se recuperam
dos abalos e vulnerabilidades da vida e vão fazendo isso ao longo do tempo. Geralmente
começam a vida fracos, frágeis, mas a despeito disso, apresentam uma implacável
decisão de não sucumbir e, com muita persistência, enfrentam as adversidades em uma
incansável luta pela sobrevivência. Com alto grau de criatividade, são capazes de
transformar pela fantasia uma realidade dura, mas como isso pode atenuar a noção que
têm de sua vulnerabilidade, eles podem se tornar suscetíveis a um abalo maior
emocional.
É possível perceber a partir desta lista, que Anthony entende a
invulnerabilidade e, conseqüentemente, a vulnerabilidade, como fazendo parte das
estruturas intrínsecas do indivíduo, ou como sendo um traço de sua personalidade.
O traço de personalidade é um aspecto duradouro do comportamento de uma
pessoa e representa um ou mais aspectos de sua constituição caracterológica e
tendências comportamentais (OMS, 1993). De acordo com Formiga e colaboradores
(2004), o constructo dos traços de personalidade pode ser definido como “características
individuais consistentes do comportamento exibido pelo indivíduo em situações
67
diversas, normalmente concebidas como disposições” (p. 4). De acordo com Gordon
Allport, citado por Kaplan e Sadock (1993), “os traços são as unidades principais da
estrutura da personalidade” (p. 200) e representam sua essência. Podem ter origens
genéticas e, sendo assim, “nascem” com o indivíduo; ou podem ser construídos na
relação sujeito-ambiente.
Nessa perspectiva, o tipo 4 seria especialmente dotado de habilidades de
enfrentamento, coragem e força, enquanto o tipo 1 seria dotado de insensibilidade,
frieza. Os tipos 2 e 3, sendo “pseudoinvulneráveis”, mostram-se fortes, mas são, na
verdade, fracos, pois um é superprotegido e o outro é patologicamente carente e
exibicionista. Já tipo 5 tem fragilidades, mas a persistência para lutar e vencer. Cada
tipo é de uma determinada maneira e, pela forma como Anthony os apresenta, eles não
poderiam se transformar: eles são assim e não estão assim. Têm como traços de
personalidade a invulnerabilidade ou a vulnerabilidade. Mesmo que Anthony considere
que a vulnerabilidade e a invulnerabilidade possam ter origens tanto genéticas quanto
ambientais, pela maneira como ele apresenta suas idéias sobre esses conceitos, parece
que o autor entende que, quando a característica se apresenta, já se tornou constitucional
da pessoa, já é um aspecto de sua personalidade.
I.2- Atualmente
2.1. E a resiliência? Traço ou processo?
Sendo os estudos da resiliência um “capítulo seguinte” aos estudos da
invulnerabilidade, é natural que os pioneiros da resiliência ainda tivessem uma
compreensão do fenômeno estudado semelhante às idéias de seus precursores.
68
Assim, nos primeiros estudos, como aponta Waller (2001), a resiliência era
concebida como uma qualidade de alguns indivíduos, ou como resultado de traços de
personalidade ou de estilos de coping que os caracterizaria como resilientes, ao passo
que existiriam os sujeitos não-resilientes, não dotados de capacidade para resistir ou
para enfrentar as adversidades. Essa concepção ainda vinha associada à idéia de a
resiliência ser uma característica mais inata do que passível de ser adquirida.
Mas é importante reforçar que um traço de personalidade não
necessariamente é inato. Pode se construir ao longo da vida de uma pessoa em sua
relação com o ambiente, como foi dito anteriormente. Pode-se entender isso através de
um exemplo simples: lavar as mãos antes das refeições é um hábito adquirido, mas a
higiene pode se tornar uma característica da pessoa, um traço de personalidade que foi
se constituindo pelo processo de educação. A resiliência também poderia ser entendida
dessa forma, como uma possibilidade para qualquer pessoa, conforme apontam Assis,
Pesce e Avanci (2006). Porém, não o era nos estudos iniciais.
Além de considerar a resiliência um traço, os estudos pioneiros, tais como
citados por Libório, Castro e Coelho (2006), Souza e Cerveny (2006b), Walsh (2005),
Yunes (2006) e Yunes e Szymanski (2001), também entendiam a resiliência como uma
característica permanente dos sujeitos que ainda eram considerados invulneráveis, ou
invencíveis, mesmo que não fossem mais nomeados dessa maneira. Porém, para Rutter
(1993), é justamente a nomenclatura de “invulnerável” que carrega esse sentido de traço
inato e permanente. A resiliência teria “herdado” esse sentido.
Pensamos que essa visão da resiliência como um traço de personalidade, ou
como sendo inata e permanente seja resultante não só dos sentidos associados com a
nomenclatura precursora (invulnerabilidade), mas também de um tipo de pesquisa que
69
era realizada pelos pesquisadores da primeira geração dos estudos da resiliência
59
e
ainda o é.
Nesses estudos, focados nos riscos, uma população ou pessoas que vivem em
condições difíceis e para as quais é provável um desenvolvimento insatisfatório, são
tomadas como sujeitos de pesquisa (Bonanno, 2004; Cecconelo, 2003; Hammen, 2007;
Trombeta e Guzzo, 2002; Werner e Smith, 1989, 1992, 2001; Zucker, Wong, Putler e
Fitzgerald, 2007). Se alguns sujeitos dessa amostra apresentam-se bem nessa situação,
ou se desenvolvem normalmente, considera-se que ali houve resiliência e nomeia-se
esse grupo dos que se saíram bem como resilientes. Esse grupo dos resilientes é
comparado com o grupo das crianças que também são competentes, mas não estão em
meio a muito estresse, e com aquelas que estão em meio a alto estresse, mas não
mostram competência. A partir de então, o pesquisador busca os fatores que fizeram
com que os indivíduos do grupo dos resilientes se adaptassem tão bem às situações ou
as enfrentasse bem e o pesquisador elabora uma lista de características deste grupo de
pessoas estabelecendo um perfil dos resilientes. A pesquisa de Werner e Smith (1989),
discutida como marco dos estudos do tema em capítulo precedente, é uma mostra desse
tipo de investigação. O capítulo 1.5 apresentou a lista de características pessoais dos
resilientes que as pesquisadoras elaboraram em seus resultados.
Vários outros pesquisadores apresentaram um conjunto de atributos das
pessoas consideradas resilientes. Flach (1991), por exemplo, aponta como
características:
um forte e flexível sentido de auto-estima; independência de pensamento e
ação, sem medo de depender dos outros ou relutância em ficar nessa
condição de dependência; a habilidade de dar e receber nas relações com os
outros, e um bem estabelecido círculo de amigos pessoais, que inclua um ou
mais amigos que servem de confidentes; um alto grau de disciplina pessoal e
um sentido de responsabilidade; reconhecimento e desenvolvimento de seus
próprios talentos; mente aberta e receptiva a novas idéias; disposição para
sonhar; grande variedade de interesses; apurado senso de humor; percepção
59
A respeito da divisão dos estudos sobre a resiliência em gerações, ver capítulo 1.5.
70
de seus próprios sentimentos e do sentimento dos outros, e capacidade de
comunicar esses sentimentos de forma adequada; grande tolerância ao
sofrimento; concentração, um compromisso com a vida, e um contexto
filosófico no qual as experiências pessoais possam ser interpretadas com
significado e esperança, até mesmo nos momentos mais desalentadores da
vida” (p. 124).
Melillo, Estamatti e Cuestas (2005), por sua vez, citam o que foi designado
como os pilares da resiliência: introspecção, independência, capacidade de se relacionar,
iniciativa, humor, criatividade, moralidade e auto-estima consistente. Nota-se nestes
dois exemplos de enumeração de características de sujeitos resilientes que o foco dos
estudiosos é muito mais o fator individual, disposicional do que o relacional. E isso
pode fazer com que a resiliência seja entendida como um traço de alguns.
Luthar, Cicchetti e Becker
60
, citados por Yunes (2006), afirmam que o fato
de a resiliência ser entendida como traço foi provocado pelo uso ocasional da expressão
“criança resiliente” por pesquisadores que, na verdade, nem concebem o fenômeno
como um atributo disposicional e, muito pelo contrário, são adeptos de uma visão
processual e dinâmica da resiliência. Elas explicam que o termo “criança resiliente” se
refere mais à pressuposição de condições de resiliência do que a características pessoais.
Atualmente percebe-se ser mais comum que os pesquisadores entendam a
resiliência como um processo a ser desenvolvido dinamicamente na interação do sujeito
com sua história, seu entorno e com a adversidade com que se defronta, do que como
um traço. Porém, muita pesquisa ainda é apresentada com o viés da resiliência-
característica pessoal, principalmente no Brasil onde os estudos sobre o tema são mais
recentes. As idéias de Libório, Castro e Coêlho (2006) vão ao encontro com o que foi
dito ao apontarem que, apesar dos pesquisadores-referência atuais defenderem o caráter
processual, dinâmico e relativo da resiliência, ainda acontece de o tema ser tratado a
60
Luthar, S. S., Cichetti, D. e Becker, B. (2000). The construct of resilience: a critical evaluation and
guidelines for future work. Child Development, 71 (3), 543-562.
71
partir de perspectivas individualizantes, não-relacionais, deterministas, absolutizantes,
estáticas e estigmatizantes.
Rachman (2008), investigando a compreensão que os pesquisadores
brasileiros têm do constructo resiliência, tomou como objeto de estudo os trabalhos de
pós-graduação strictu sensu em Educação e Psicologia da Educação, produzidos sobre o
tema, no país, nos anos 2002 a 2007. A autora apontou que menos da metade dos
trabalhos examinados enxergava a resiliência como um processo dinâmico, ligado a
uma situação de enfrentamento de adversidades. De 14 trabalhos analisados, apenas 6
mostravam essa concepção. Segundo ela percebeu, a maior parte ainda entendia a
resiliência como um traço, característica do indivíduo, ou de forma híbrida, ora vista
como processo, ora como característica, qualidade da pessoa. Rachman identificou que
todos os trabalhos que já concebem a resiliência de forma processual são de
pesquisadores do Rio Grande do Sul, justamente o estado onde notamos maior tradição
nos estudos sobre o tema neste país. Isso denota uma maior maturidade da pesquisa.
Para a pesquisadora, a compreensão da resiliência como um traço, condição
constitutiva do sujeito, leva à utilização do termo da forma substantivada (como em
“nossas resiliências”) ou adjetivada, como em “criança resiliente”. Porém, alertam
Masten e Powell (2007), não é apropriado chamar, adjetivar ou “diagnosticar” uma
pessoa como resiliente. Para as autoras, a resiliência é uma descrição de um padrão
geral e diagnosticar uma pessoa como resiliente seria como encaixá-la no padrão,
definindo-a totalmente para todos os tempos de uma só maneira, permanentemente.
Mais adequado seria dizer: “essa pessoa mostra características de resiliência (p. 5)
61
Junqueira e Deslandes (2003) propõem: “não podemos falar de indivíduos resilientes,
61
This person shows the features of resilience.”
72
mas de uma capacidade do sujeito de, em determinados momentos e de acordo com as
circunstâncias, lidar com a adversidade, não sucumbindo a ela” (p. 229).
Luthar e Zelazo (2003) explicam que entender a resiliência como um traço
pessoal de algumas pessoas em risco que “se dão bem” na vida acarreta o fato de que
aquelas que não têm o mesmo sucesso são responsabilizadas ou culpabilizadas
pessoalmente pela sua falha, por não “terem” a resiliência. Culpabiliza-se a vítima,
como diz Ryan
62
, citado por Waller (2001). E isso acaba por estigmatizá-la. Ryan
assinalou como esse “culpabilizar a vítima” tem sido usado ao longo da história para
“retratar os problemas sociais de minorias étnicas como defeito próprio, preferivelmente
a reconhecer a responsabilidade da sociedade na formação e manutenção dos mesmos”
63
(Waller, 2001, p. 291).
Para que se identifique a concepção adotada de resiliência (como traço ou
processo), Luthar e Zelazo (2003) propõem, para a literatura em inglês, que se utilizem
a palavra “resilience”, com “e” no final, para nomear a concepção da resiliência como
processo; e “resiliency”, com “y”, para a conotação de característica de personalidade. E
insistem para que os pesquisadores deixem claro sua visão sobre o tema. Porém, não há
evidências de que essas propostas foram adotadas.
Embora atualmente ainda exista uma “confusão” entre essas duas visões
sobre o tema, entende-se que uma perspectiva amadurecida do mesmo é aquela que o
entende como um fenômeno processual que envolve, como aponta Lindström (2001):
Primeiro, fatores relacionados com o indivíduo (genética, idade, fase do
desenvolvimento, sexo, constituição, experiência de vida e histórico de vida).
Segundo, o contexto (suporte social, classe social, cultura, ambiente).
Terceiro, a quantidade e qualidade do evento de vida (se desejável, se
controlável, sua magnitude, clusters, duração no tempo e efeitos a longo
prazo) (p. 136).
62
Ryan, W. (1971). Blaming the victim. New York: Vintage Books.
63
... “portray the social problems of ethnic minorities as their own fault, rather than recognizing society’s
responsibility in the formation and maintenance of social problems.”
73
O autor ainda acrescenta os fatores de proteção como uma quarta dimensão
que atua sobre a resiliência. Nós, no entanto, entendemos que tais fatores estariam já em
meio aos dois primeiros citados, pois tanto as características do sujeito quanto as do
contexto podem funcionar como proteção frente às adversidades.
Concluindo, deve-se ter clareza em relação à concepção de resiliência que se
adota. Aqui entendemos que o conceito não deve ser concebido como um atributo
natural e nem como se fosse permanente, fixo, estático, como se o sujeito resiliente
tivesse sempre uma mesma capacidade de enfrentamento e superação e que essa
capacidade não variasse de acordo com as circunstâncias enfrentadas. A resiliência se
transforma se as circunstâncias mudam. Ela é processual e dinâmica. Cada processo de
enfrentamento de adversidades acontece de uma determinada forma que dependerá de
quem enfrenta, do que se enfrenta e de quais circunstâncias envolvem o processo. Cada
pessoa pode apresentar resiliência de uma maneira diferente. Os mesmos sujeitos
podem apresentar o processo de resiliência de formas diversas em situações diferentes,
podendo usar de mecanismos de enfrentamento diferentes, podendo sofrer mais ou
menos em cada situação. E até adversidades semelhantes, os sujeitos podem não
enfrentar da mesma forma (Yunes, 2006; Walsh, 2005, Waller, 2001).
Entretanto, Assis, Pesce e Avanci (2006) acreditam que existe uma
“continuidade instável” na manifestação da resiliência ao longo da vida de uma pessoa:
As pessoas costumam manter a forma de agir dentro do seu parâmetro de
possibilidades, mesmo que esta evolua ou que retroceda em determinadas
circunstâncias. A força da continuidade, todavia, pode ter suas raízes
balançadas se algum evento estressante ou a conjunção desses eventos
destruir o limite individual de suporte ao sofrimento. Nesses casos,
manifesta-se mais intensamente a instabilidade existente em um indivíduo
até então com evidente capacidade de superação dos problemas (p. 21-22).
74
2.2. Resiliência: um conceito em aberto
Se a resiliência ainda é considerada por alguns um traço de personalidade e
por outros, não, notam-se na literatura muitas outras divergências na conceituação do
tema. E se os pesquisadores acadêmicos não chegam a um consenso a respeito de sua
definição, a mídia e o senso comum, se apropriando livremente das discussões da área,
aprofundam as contradições.
A pesquisadora canadense Martineau
64
, citada por Yunes (2003), aponta que
pessoas ou coisas (desde produtos cosméticos até pneus) são descritas como resilientes
tanto por resistirem quanto por provocarem mudanças. Martineau relata também que
pessoas famosas, analisadas pela mídia, costumam ser classificadas como resilientes
tanto por terminarem seus casamentos quanto por tolerá-los. Uma banalização do
conceito já é visualizada em diálogos informais quando as pessoas se auto-classificam
como resilientes ou não-resilientes.
Ungar (2005a) relata um aumento de referências ao tema na imprensa
popular e em escritos clínicos. Ele aponta que qualquer pessoa que supera qualquer tipo
de adversidade pode ser considerada como um exemplo de vida de resiliência e entende
que o termo resiliência tem se tornado onipresente, mas também sem significado.
E enquanto o senso-comum se apropria da palavra resiliência e revistas
leigas
65
e alguns autores a utilizam como auto-ajuda como se as teorias sobre o
fenômeno estivessem suficientemente estabelecidas, os estudiosos acadêmicos da
resiliência, que realizam trabalhos consistentes sobre o tema, ainda não chegaram a
conclusões que proporcionem um corpo teórico coerente, haja vista as diversas
64
Martineau, S. (1999) Rewriting resilience: a critical discourse analysis of childhood resilience and
politics of teaching resilience to “kids at risk”. University of British Columbia, Canadá. Tese de
doutorado não publicada.
65
Só citando com exemplo, no Brasil, em agosto de 2007, a revista UMA (Editora Símbolo) publicou a
matéria de Juliana Motter “Resiliência: o Poder de ressurgir das cinzas”.
75
variações do conceito, entendimentos díspares da natureza do fenômeno relacionados a
diferentes visões de homem dos pesquisadores e usos diversificados do termo.
Segundo Infante (2005), em concordância ao que já foi dito anteriormente,
algumas conceituações referem-se à resiliência como uma capacidade humana, passível
de ser desenvolvida em todas as pessoas, enquanto outras a consideram traço inerente a
alguns indivíduos, como uma característica inata e estática. A autora aponta que há
também referências à resiliência como soma de fatores de proteção que influem no
desenvolvimento do indivíduo, ou como processo de adaptação em situações adversas.
Já Silva, Elsen e Lacharité (2003) observaram nas teorias da resiliência, duas
dicotomias sob ponto de vista conceitual. A primeira considera a resiliência ora como
resultado de desenvolvimento que emerge em circunstâncias adversas, ora como o
próprio acontecer do desenvolvimento ou como uma “trajetória desenvolvimental
positiva” (p. 153). A outra dicotomia é observada quando alguns autores entendem a
resiliência como a capacidade de enfrentamento sem prejuízo para o desenvolvimento,
enquanto outros a entendem como a capacidade de enfrentamento apesar do impacto
que as adversidades exercem sobre a vida.
A partir da análise documental aqui realizada, notam-se ainda, discordâncias
sobre a resiliência ser uma capacidade (potencialidade), um processo de enfrentamento
ou o resultado deste. E mesmo entre os que a definem, por exemplo, como processo de
enfrentamento, há formas diferentes de tomar o assunto: alguns vêem o enfrentamento
que resulta no ajustamento da pessoa à sociedade (Luthar, 1991; Luthar e Zigler, 1991;
Masten, 2001), outros vêem o enfrentamento para a sobrevivência (Pinheiro, 2004) e
outros, para a recuperação e reconstrução (Cyrulnik, 2003; Flach, 1991; Murphy, 1987;
Walsh, 2005). E de acordo com a visão e com a definição que o pesquisador tem da
resiliência, a forma de pesquisá-la se altera.
76
De maneira semelhante, Souza e Cerveny (2006a) mostram que definições
diversas abordam o conceito “resiliência” sob diferentes aspectos:
Presença de traços de personalidade; o desenvolvimento normal sob
condições difíceis; a manifestação de competência apesar das condições
difíceis; o desenvolvimento da capacidade de adaptação bem sucedida,
salientado a competência manifestada na vida adulta; a condição de
resistência e o resultado do equilíbrio entre fatores protetores e de risco. (p.
25)
Segundo as autoras, enquanto a primeira definição traz a idéia da resiliência
como traço imutável desconsiderando a influência do meio, a segunda parece considerar
a resiliência um processo desenvolvido com condições difíceis. Já a terceira definição
apresenta a resiliência como comportamento que parece independer das condições em
que ocorre. Ainda para Souza e Cerveny (2006a), se a última definição salienta o
equilíbrio e a manifestação de respostas adequadas resultantes de variáveis mediadoras
e moderadoras entre fatores de risco e proteção, a penúltima, “envolve uma atitude ou
capacidade que impede que a pessoa seja afetada pela adversidade (p. 25).”
Junqueira e Deslandes (2003) também deixam claro que a resiliência possui
muitas definições e o conceito ainda está em construção e debate. Essas autoras
realizaram um estudo de revisão crítica do tema cujo enfoque foi os “antagonismos,
ambigüidades e descensos no interior desse debate” (p. 228). Elas selecionaram textos
produzidos por órgãos importantes do campo da saúde da criança e do adolescente,
além de representativos textos acadêmicos norte-americanos e europeus, e conseguiram
identificar polarizações no conceito de resiliência em torno de alguns eixos como
“adaptação/superação”, “inato/adquirido” e “permanente/circunstancial” (p. 227).
Os dois últimos eixos citados acima já foram discutidos no capítulo anterior,
que deixou claro que, principalmente no início dos estudos sobre o tema, a resiliência
era entendida como inata e permanente, característica estrutural de alguns indivíduos. E
que, atualmente, apesar de alguns autores que a tomam como nos primórdios das
77
pesquisas, entende-se que ela pode ser alcançada, adquirida, e que pode se mostrar ou
não dependendo das situações por que passam os sujeitos, não devendo ser considerada
permanente. Estando isto posto, o eixo adaptação/superação é que será mais
profundamente discutido.
2.3. Organizando as diferentes definições de resiliência: adaptação X superação
Entendemos que essa forma de organizar as conceituações da resiliência em
eixos de significado é útil para visualização de como elas vêm sendo concebidas e
também como um ponto de partida para novas reflexões. Por isso, a proposta de
Junqueira e Deslandes (2003) será aqui apresentada e discutida antes de propormos
outras formas de se entender as diferenças nas concepções do tema.
Para estabelecerem o eixo adaptação/superação, Junqueira e Deslandes
observaram duas maneiras diferentes de se conceber a resiliência: uma que enfoca o
caráter adaptativo dos indivíduos que, frente aos traumas e adversidades, desenvolvem
comportamentos adaptados às expectativas sociais (pólo adaptação); e outra que enfoca
o sentido de superação do trauma vivido que é elaborado simbolicamente (pólo
superação). Assim, foram categorizadas no pólo adaptação as definições de resiliência
que têm um sentido de ajustamento passivo às normas sociais; e, no pólo superação,
aquelas que implicam em uma elaboração ativa dos traumas vividos, como uma maneira
própria de significar as adversidades e lidar com elas.
As autoras, estudando a resiliência relacionada à violência contra a criança,
criticam a visão de adaptação de algumas definições porque podem implicar em uma
perspectiva individualista de superação individual dos traumas através da conformidade
diante da violência.
78
Considera-se muito interessante essa maneira de organizar e de se perceber
as diferenças nas concepções do tema aqui estudado, tanto que aqui ela é tomada como
ponto de partida para novas reflexões. No entanto, as definições que as autoras trazem
como exemplos para cada um dos pólos do eixo proposto nem sempre deixam claro
porque estariam neste pólo e não em outro. Por exemplo, Junqueira e Deslandes (2003)
exemplificam o pólo “adaptação” com a definição de Blum
66
– “capacidade de se
recuperar e de manter um comportamento adaptado após um dano” (p. 231) – e a de
Steinhauer
67
– “adaptação extraordinariamente boa diante de estresse grave e contínuo”
(p. 230). Por outro lado, para o pólo “superação”, trazem as definições de Haynal
68
“capacidade de atribuir significado a um evento traumático” (p. 231) – e de Cyrulnik
69
– “capacidade de se adaptar a diferentes meios e de superar problemas distintos,
construindo-se como sujeito na adversidade” (p. 231). Até aí, essas definições não
deixam muitas dúvidas de o porquê estariam em um pólo ou noutro. Mas quando as
autoras mostram como representativas do pólo “superação”, as definição de Bouvier
70
“capacidade de sair-se bem e de maneira aceitável pela sociedade, apesar de grave
estresse ou de uma adversidade que possam comportar um grave risco” (p. 231) – e de
Poilpot
71
– “capacidade de sair-se bem, mesmo em situações difíceis ou traumáticas” (p.
231) – , a diferenciação que fazem para os dois pólos começa a ficar confusa, já que
essas definições parecem remeter também à adaptação.
66
Blum, R. W. (1997). Risco e resiliência: sumário para o desenvolvimento de um programa.
Adolescência Latino-americana, 1 (1), 16-19.
67
Steinhauer, P. D. (2001). Aplicaciones clínicas y de servicio de la teoria de resiliencia con referencia
particular a los adolescentes. Adolescência Latino-Americana, 2, 159-172.
68
Haynal, A. (1999) Les orphelins savent rebondir. Em B.Cyrulnik (org.). Ces enfants qui tiennent les
coup (pp.45-59), Revigny-sur-Ornain: Hommes et perspective.
69
Cyrulnik, B. (1999) La résilience: um espoir inattendu. Em M. –P. Poilpot (org.). Souffrir et se
Construire (pp.13-24). Rammonville: Editions Érès.
70
Bouvier, P. (1999) Abus sexuels et résilience. Em M.-P. Poilpot (org.). Souffrir et se construire (pp.
125-161). Ramonville: Editions Érès.
71
Poilpot, M. -P. (1999). Introdution. Em M.-P. Poilpot (org.). Souffrir et se construire (pp. 7-11).
Ramonville: Editions Érès.
79
Propomos neste trabalho outra forma de sistematizar as definições de
resiliência a partir da mesma antinomia adaptação/superação. Consideramos que no
pólo da adaptação devem ser colocadas as definições da resiliência que entendem o
fenômeno de maneira mais próxima à símile do elástico que se estica e volta depois ao
que era. Aqui, o sujeito se adaptaria, ajustaria ao impacto de uma adversidade, de riscos
ou danos sofridos, podendo ser observado posteriormente em seu estado de
desenvolvimento normal, não necessariamente crescendo mais a partir do
enfrentamento. Já no pólo da superação, estariam as definições de resiliência que
compreendem um fenômeno de transformação e crescimento a partir do encontro do
sujeito com as adversidades. Nas definições de resiliência classificadas neste último
pólo, o sujeito abalado não volta a ser o que era, como acontece com um elástico: ele se
torna melhor do que antes, mais desenvolvido, mais forte e, talvez, mais preparado para
outros enfrentamentos.
Exemplificando a nossa idéia de adaptação para o conceito de resiliência,
apresentamos algumas definições:
“Os mecanismos que permitem às pessoas comportar-se ou desenvolver-
se normalmente sob condições adversas” (Linsdström, 2001, p. 133);
“Capacidade de recuperar e manter um comportamento adaptado após
um dano” (Blum, 1997, p. 16);
“O conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam o
desenvolvimento saudável do indivíduo, mesmo este vivenciando experiências
desfavoráveis” (Pesce e colaboradores, 2005, p. 436);
80
“História de adaptações exitosas no indivíduo que foi exposto a fatores
biológicos de risco ou eventos de vida estressantes”
72
(Kotliarenco e colaboradores,
1997, p. 5, sintetizando a idéia de vários autores);
Nessas definições de resiliência classificadas por nós no pólo adaptação, em
contraposição ao pólo superação, têm-se a concepção de que o sujeito, após o
enfrentamento de uma adversidade, problema ou desafio, não necessariamente se
desenvolve para além do que ele já conseguiria sem o mesmo enfrentamento. Ele
apenas continua o seu caminho de desenvolvimento saudável conseguindo, como dizem
Junqueira e Deslandes (2003, p. 229), “desenvolver comportamentos ‘adaptados’ ao que
é esperado pela sociedade”.
Mas é importante notar que, mesmo nesse agrupamento de definições da
resiliência que tem aspectos semelhantes, o que permite que sejam classificados dentro
deste pólo a que chamamos “adaptação”, há divergências importantes entre os autores
sobre o que deve e o que não deve ser considerado resiliência. Bonanno (2004), por
exemplo, que pode ser classificado neste pólo ao dizer que a “resiliência reflete a
habilidade para manter um equilíbrio estável (p. 20)
73
,” difere resiliência de
recuperação. Este autor estuda a resiliência em sujeitos que, expostos a eventos
potencialmente perturbadores, mantêm o funcionamento físico e psicológico saudável,
de maneira relativamente estável. Estes sujeitos aparentemente não se perturbam diante
de eventos que costumam abalar outras pessoas. Para Bonanno, estudar sujeitos que se
perturbaram ou apresentaram algum nível de psicopatologia após contato com
adversidades e que depois voltaram a ser como eram, seria estudar outro fenômeno, o da
recuperação, que para o autor é diferente da resiliência. Com isso, a definição de
resiliência de Blum (1997, p. 16), por exemplo, – “capacidade de recuperar e manter um
72
“Historia de adaptaciones exitosas en el individuo que se ha visto expuesto a factores biológicos de
riesgo o eventos de vida estresantes.”
73
“…resilience reflets the ability to maintain a stable equilibrium.”
81
comportamento adaptado após um dano” –, para Bonanno, estaria mais ligada à de
“recuperação”. Já a de Linsdström (2001, p. 133), que descreve resiliência como “os
mecanismos que permitem às pessoas comportar-se ou desenvolver-se normalmente sob
condições adversas”, teria mais correspondência com suas concepções.
É interessante pensar que se há autores que diferem os fenômenos de
recuperação e resiliência, há outros que consideram que é justamente a recuperação que
deve ser estudada nas pesquisas de resiliência. A precursora do tema Lois Murphy
(1987) ilustra essa “corrente” ao escolher estudar a resiliência enquanto recuperação a
curto ou longo prazo. E a pesquisadora explica que, em sua concepção, o fenômeno
estudado, definido como “a capacidade para recuperar-se de um estado perturbado”
74
(p. 99), “envolve aspectos globais da criança como um todo – crescimento e impulso
para o crescimento, equilibração após desequilíbrio”
75
(p. 101). Essa concepção de
Murphy já pode ser categorizada dentro do pólo “superação”, pois tematiza o
crescimento que se dá a partir do encontro do sujeito com as adversidades.
Esclarecemos, no entanto, que a diferenciação ou classificação das
definições de resiliência em um pólo ou noutro se baseia basicamente na análise dos
trechos dos textos em que os autores apresentam tais definições. Isso pode acarretar que
uma definição seja classificada em um pólo, enquanto que as idéias como um todo do
autor tenham mais correspondência com a concepção representada pelo outro pólo. A
definição de resiliência apresentada acima por Murphy (1987), por exemplo, tomada
isoladamente, poderia ter sido categorizada tanto como representativa do pólo
adaptação, como do pólo superação. “A capacidade para recuperar-se de um estado
perturbado” é uma definição muito vaga e imprecisa e poderia gerar diferentes
interpretações. Porém, pelo conjunto dos argumentos da autora, apresentados ao longo
74
... “the capacity for recovery from disturbed state...”
75
... “involves global aspects of the whole child – growth and growth drive, equilibration after
disequilibrium.”
82
de seu artigo, pudemos perceber que sua concepção era mais representativa do pólo
superação.
Grotberg (1999, 2005, 2006) é também representativa do “pólo superação”.
A autora traz uma definição que, segundo ela, é uma das mais divulgadas e dela
derivariam outras variações: a resiliência é “a capacidade humana para enfrentar, vencer
e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade” (Grotberg, 2005, p.
15). Ralha-Simões (2001) avança nessa idéia:
Resiliência traduzir-se-ia, por conseguinte, numa capacidade pessoal para
enfrentar a adversidade, de modo não só a resistir-lhe ou a ultrapassá-la com
êxito, mas a extrair daí uma maior resistência a condições negativas
subseqüentes, tornando-se os sujeitos mais complexos e menos vulneráveis
em função daquilo em que se modificaram após terem sido submetidos a
esse tipo de experiência (pp. 96-97).
Aldo Melillo (2004b), vice-diretor do Centro Internacional de Informação e
Estudos da Resiliência (CIER), que funciona na Universidade de Lanús, na Argentina,
também utiliza uma definição de resiliência relacionada à idéia de superação: “a
capacidade dos seres humanos de superar os efeitos de uma adversidade a que estão
submetidos e, inclusive de sair fortalecidos da situação”
76
(p. 63). Esse autor é
claramente contrário às concepções de resiliência que a entendem como uma adaptação
sem crescimento ou como um retorno ao que se era. Ele esclarece: “se há autores que
traduziram resiliência como “elasticidade”, em nosso atual conceito, nada disso se
mantém; a resiliência não supõe nunca um retorno ad integrum a um estado anterior à
ocorrência do trauma ou da situação de adversidade: nada mais é igual”
77
(Melillo,
2004a, p. 1).
76
“La capacidad de los seres humanos de superar los efectos de uma adversidad a la que están
sometidos e, incluso, de salir fortalecidos de la situación.”
77
“Si bien hay autores que han traducido resiliencia como “elasticidad”, en nuestro actual concepto
nada de eso se mantiene; la resiliencia no supone nunca un retorno ad integrum a un estado anterior a la
ocurrencia del trauma o la situación de adversidad: ya nada es lo mismo”
83
As definições acima se encontram no “pólo superação”, pois apontam
claramente o enfrentamento de adversidades que são superadas e o caráter fortalecedor
dessa experiência.
McCubbin, Thompson e McCubbin
78
, citados por Souza e Cerveny (2006a),
também trazem uma definição que pode ser classificada neste pólo superação, apesar de
usarem nela a palavra “adaptação”: “processo de adaptação aos eventos estressores que
ultrapassa o simples ajustamento, pois envolve a mudança de crenças e de visão de
mundo” (p. 119).
Essa definição deixa clara uma conjugação entre o que concebemos, nessa
dissertação, para o “pólo superação” (a idéia de resiliência como propulsora de
transformação), e a concepção para o “pólo superação” explicitada por Junqueira e
Deslandes (2003) (superação de trauma a partir de uma elaboração ativa), pois explicita
uma transformação pessoal que vai além do ajustamento, da adaptação, e explicita
também a elaboração pessoal ao falar de mudança de crenças e de visão de mundo. Na
verdade, pode-se dizer que, geralmente, a transformação e o crescimento que se dão no
processo de resiliência são frutos de uma elaboração que se faz das adversidades, como
comentam muitos autores (Assis, Pesce e Avanci, 2006; Cohler, 1987; Cyrulnik, 2001,
2003; Flach, 1991; Libório, Castro e Coêlho, 2006; Ralha-Simões, 2001 entre outros).
Em concordância com essa idéia de elaboração pessoal que tece a resiliência,
assim como das idéias de superação e recuperação, está Walsh (2005) que define a
resiliência como “a capacidade de se renascer da adversidade fortalecido e com mais
recursos” (p. 4). E explica: “é um processo ativo de resistência, reestruturação e
crescimento em resposta à crise e ao desafio.” Ao se referir a um “renascimento”, a
78
McCubbin, H.I.; Thompson, A.L. e McCubbin, M.A. (1996) Family assessment: resiliency, coping and
adaptation. Madison: University of Wisconsin Publishers.
84
autora ressalta o aspecto da transformação que se efetua a partir do enfrentamento da
adversidade.
Se existem muitos autores que dizem que os sujeitos que apresentam
resiliência o fazem apesar das adversidades, Walsh (2005) faz questão de salientar que
a resiliência se constrói por causa delas, a partir do encontro do sujeito com elas.
Explica: “como os pesquisadores descobriram, a resiliência é forjada pela adversidade,
não apesar dela. As crises e as dificuldades da vida podem extrair o melhor de nós
quando enfrentamos os desafios” (Walsh, 2005, p. 7). A autora cita o estudo de
Higgins
79
que descobriu que os adultos estudados emergiram com forças porque foram
extremamente “testados” pelo sofrimento.
Experimentaram as coisas de forma mais profunda e intensa e deram maior
valor à vida. Com freqüência, isso se tornou uma fonte de ativismo social,
um compromisso em ajudar os outros a superarem suas dificuldades; com o
tempo, experimentaram maior crescimento por intermédio desses esforços
(Walsh, 2005, p. 7).
A concepção de Cowan, Cowan e Shulz
80
, citados por Polleto e Koller
(2006, p. 31) concorda com as idéias de Walsh ao apontar que “a resiliência refere-se
aos processos que operam na presença de risco para produzir conseqüências boas ou
melhores do que aquelas obtidas na ausência do risco”. O trecho do texto de Assis,
Pesce e Avanci (2006) acrescenta a essa questão:
A capacidade de resiliência implica encontrar forças para transformar
intempéries em perspectivas. Sem dúvida, as adversidades são um fator
necessário para se tecer o amadurecimento do caráter e a resiliência, mas
isoladamente são insuficientes para promovê-la (p. 57).
Mas há muito mais o que ser discutido a respeito dos significados sub-
entendidos ou explícitos nas diversas formas de se conceber a resiliência. A principal
79
Higgins, G. O. (1994). Resilient adults: Overcoming a cruel past. San Francisco: Jossey-Bass.
80
Cowan, P.A., Cowan, C.P. e Schuz, M.S. (1996). Thinking about risk and a resilience in families. Em
E. M. Hetherington e E. A. Blechman (Eds.), Stress, coping and a resiliency in children and families (pp.
1-38). New Jersey: Lawrence Erlbaum.
85
discussão se relaciona com o termo “adaptação”, que integra grande parte das teorias
sobre o tema e que costuma ter significados diferentes que se associam a diferentes
ideologias.
2.4. Adaptação piagetiana, adaptação positiva e “sobre adaptação”
Alguns autores, ao falarem de resiliência, evocam o termo “adaptação” em
um sentido piagetiano (Anthony, 1987b; Block e Kremen, 1996; Ralha-Simões, 2001;
Santos, 2006; Santos e Dell’Aglio, 2006). Para Piaget (1983, 1987, 2003), o termo não
está associado com passividade, mas sim com o mecanismo por excelência do
desenvolvimento, do processo de organização e complexificação da inteligência. Para o
autor, o sujeito desenvolve-se graças a processos sucessivos de adaptação a situações
novas que incluem os mecanismos de assimilação e acomodação.
Através do mecanismo de assimilação, o sujeito integra às suas estruturas
algo do meio com o qual interage, ou seja, interpreta o novo conhecimento a partir de
sua maneira já estruturada de conceber as informações. Já na acomodação, as estruturas
do sujeito se modificam para “acomodar” uma situação nova; ele muda sua forma de
conceber o conhecimento para se acomodar ao que é novo.
Piaget (2003) explica que o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação
define a adaptação. Macedo (1983) deixa clara a teoria:
Assimilação e acomodação são, portanto, mecanismos complementares, não
havendo assimilação sem acomodação, e vice-versa. A adaptação do sujeito
ocorre através da equilibração entre esses dois mecanismos, não se tratando,
porém, de um equilíbrio estático, mas sim essencialmente ativo e dinâmico.
Em termos mais precisos, trata-se de sucessões de equilibração cada vez
mais amplas, que possibilitam as modificações dos esquemas existentes, a
fim de atender à ruptura de equilíbrio, representada pelas situações novas,
para as quais não exista um esquema próprio (p. xii).
86
Em relação à resiliência, a adaptação, nessa acepção piagetiana, ajudaria a
deixar os indivíduos mais flexíveis e, consequentemente, menos vulneráveis às
adversidades e aos desafios que a vida traz. Ralha-Simões (2001) explica:
Na verdade, a menor vulnerabilidade que alguns indivíduos demonstram, a
qual estaria na base de sua resiliência, seria conseqüência não de uma
espécie de escudo protector que os torna mais impermeáveis ao exterior do
que as outras pessoas, mas resultaria de uma acrescida flexibilidade interna
que lhes tornaria possível continuar a interagir com êxito, nessas
circunstâncias, modificando-se de uma forma adaptativa face aos confrontos
adversos com o meio exterior (p. 107).
Santos (2006) apresenta seu ponto de vista:
Devolvendo ao termo a perspectiva dialética que Piaget (...) lhe confere,
pode-se dizer que adaptação positiva tem um sentido ativo. Assim, o
indivíduo assimila características do ambiente e, nesse mesmo ato de
assimilar, já o modifica, produzindo, em seguida, uma resposta que
transformará as características do próprio ambiente (p. 15).
Essa é uma das formas como a resiliência pode ser associada à adaptação,
aqui entendida, ao mesmo tempo, como uma maneira de lidar com as vicissitudes do
meio que podem abalar o indivíduo e como um mecanismo de desenvolvimento. Nessa
perspectiva, os mecanismos adaptativos comporiam a resiliência.
Mas há outros entendimentos a respeito do termo “adaptação” que levam a
diferentes concepções de resiliência. De acordo com Melillo (2004b), o termo é
comumente associado à resiliência, principalmente na literatura anglo-saxônica, onde,
ligado à palavra “positiva”, formando “adaptação positiva”, integra grande parte das
definições do tema.
A definição de Waller (2001) é emblemática da visão de muitos
pesquisadores anglo-saxões. Para essa autora, resiliência seria “adaptação positiva em
resposta à adversidade”
81
(p. 292). Também Luthar (2007), no prefácio do livro que
organizou sobre o tema reunindo importantes nomes da área (Ann Masten, Dante
Cichetti, Michael Rutter, entre outros), explica que, nesta obra, os autores usam o termo
81
Resilience, simply stated, is positive adaptation in response to adversity.”
87
resiliência para representar “a manifestação de adaptação positiva a despeito de
significativa adversidade na vida”
82
(p. xxix).
Infante (2005), explicitando a visão de Luthar e outros sobre o tema,
apresenta três componentes que, segundo ela, devem estar presentes no conceito de
resiliência:
1- A noção de adversidade, trauma, risco ou ameaça ao desenvolvimento
humano;
2- A adaptação positiva ou superação da adversidade;
3- O processo que considera a dinâmica entre mecanismos emocionais,
cognitivos e socioculturais que influem no desenvolvimento humano (p.
26).
E explica:
A adaptação positiva permite identificar se houve um processo de
resiliência. A adaptação pode ser considerada positiva quando o indivíduo
alcançou expectativas sociais associadas a uma etapa de desenvolvimento,
ou quando não houve sinais de desajuste. Em ambos os casos, se a adaptação
positiva ocorre, apesar da exposição à adversidade, considera-se uma
adaptação resiliente (p. 27).
Essa autora, no entanto, chama atenção ao caráter ideológico que se liga à
idéia de adaptação que está associada à de desenvolvimento normal e às expectativas de
uma sociedade. Deve-se questionar: o quê define o que é normal? Quem define? Quais
seriam os parâmetros de avaliação para um desenvolvimento normal? São questões que
não podem deixar de ser levantadas quando se trabalha com uma definição de
resiliência que carrega essa idéia de adaptação.
Melillo (2004b), representante da corrente latino-americana dos estudos de
nosso tema, diz que associar a resiliência à adaptação positiva é um problema, porque
essa expressão parece implicar uma desconsideração de que o sujeito é um agente ativo
que age sobre a sociedade e pode transformá-la. Falando em relação aos regimes
totalitários que vigoraram e vigoram na América do Sul, o autor diz que se a resiliência
82
“The term resilience represents the manifestation of positive adaptation despite significant life
adversity”.
88
é pensada em termos de adaptação positiva nesses contextos, ela pode significar apenas
uma sobrevivência subjugada.
Galende (2004) demonstra concordância com as idéias de Melillo (2004b) e
aponta que a adaptação como sinal de submissão a uma dada realidade não deve ser
considerada resiliência. Ele explica:
...não se trata do laço social nem da resignação para adaptar-se aos
imaginários dominantes, é a capacidade da idéia crítica, aquela que percebe
a realidade de sua existência e se propõe (ambição) a superá-la. Superá-la no
pensamento e na imaginação é condição primeira para atuar sobre ela; a
capacidade resiliente se desprenderá da performance deste comportamento.
O imaginário da adaptação, a resignação e a proposta de aceitar a realidade
como destino são os obstáculos maiores para o desenvolvimento de
comportamentos resilientes (p. 59)
83
.
Tavares (2001) complementa essa concepção ao dizer que a resiliência, na
sociedade emergente, deve ser construída no sentido de tornar as pessoas mais fortes e
mais equipadas para poderem intervir socialmente e não, tornando-as mais insensíveis,
passivas e conformadas.
Em vista do que foi dito, Melillo (2004b) propõe que se use a palavra
adaptação apenas se ela tiver um significado de “transformar ativamente”, como
explicou Zukerfeld
84
, em um estudo que define quatro tipos de adaptação. O primeiro
“adaptar-se”, implicado nessa transformação ativa, segundo Melillo (2004b), é o único
compatível com a resiliência e envolve o entendimento de que “a pessoa, em sua
convivência social, deve ter normalmente a capacidade de fazer uma apreciação crítica
83
... “no se trata del lazo social ni de la resignación para adaptarse a los imaginários dominantes, es la
capacidad de la idea crítica, aquella que percibe la realidad de su existência y la vez se propone
(ambición) superarla. Superarla en el pensamiento y la imaginación es condición primera para actuar
sobre ella; la capacidad resiliente se desprenderá de la performance de este comportamiento. El
imaginário de la adaptación, la resignación y la propuesta de aceptar la realidad como destino son los
obstáculos mayores para el desarollo de comportamientos resilientes.”
84
Zukerfeld, R. (1998, maio). Psicoanálisis actual: tercera tópica, interdisciplina y contexto social,
trabalho apresentado no III Congreso Argentino de Psicoanálisis e II Jornada Interdisciplinaria, em
Córdoba, Argentina, 22-25 de maio de 1998.
89
dessa realidade e também de agir para sua transformação; isto tem a ver com saúde
mental”
85
(p. 79).
Quando não há uma percepção adequada e crítica da realidade e/ou não se
consegue agir para a transformação que se faz necessária para uma pessoa, Zukerfeld
fala de uma “desadaptação”, própria da neurose e psicose, que produz sintomas. Outro
tipo de adaptação é o que o autor chama de “para-adaptação”, dos que desafiam
confusamente criando novas realidades. “Trata-se do estilo adaptativo próprio do campo
das adicções, os estado fronteiriços, as “loucuras privadas”, etc., onde predominam a
negação e a confusão”
86
(Zukerfeld
87
, citado por Melillo, 2004b, p. 79). O último tipo
de adaptação elaborado por Zukerfeld é a “sobre adaptação” que envolve uma
adequação formal mas exagerada às expectativas sociais, que provoca um prejuízo à
realidade psíquica.
Essa “sobre adaptação” tem relação com a noção de “resiliência
performativa” desenvolvida por Martineau
88
, citada por Yunes (2001, p. 36) e Yunes e
Szymanski (2001, p. 35). A resiliência performativa é definida como “conformidade às
normas sociais, sucesso acadêmico e empatia pelos outros, porém manifestos apenas
com o objetivo de agradar ou enganar” (Yunes e Szymanski 2001, p. 35). Tal
manifestação de conformidade às vezes se dá por um “preço” demasiado alto para a
saúde mental de um sujeito. Ele pode aparentar estar muito bem em relação a algo que
teve que enfrentar em sua vida ou já enfrentou, mas por trás de uma aparente superação,
85
“La persona, en su convivência social, debe tener normalmente la capacidad de hacer uma
apreciación crítica de esa realidad y tambíen de accionar para su transformación; esto tiene que ver con
la salud mental.”
86
Se trata del estilo adaptativo próprio del campo de las adicciones, los estados fronterizos, las
‘locuras privadas’, etcétera, donde predominan la desmentida y la confusión”.
87
Zukerfeld, R. (1998, maio). Psicoanálisis actual: tercera tópica, interdisciplina y contexto social,
trabalho apresentado no III Congreso Argentino de Psicoanálisis e II Jornada Interdisciplinaria, em
Córdoba, Argentina, 22-25 de maio de 1998.
88
Martineau, S. (1999) Rewriting resilience: a critical discourse analysis of childhood resilience and
politics of teaching resilience to “kids at risk”. University of British Columbia, Canada. Unpublished
doctoral tesis.
90
há sofrimento, alguma psicopatologia ou condutas em desacordo com o que é aceito
socialmente.
O que Block e Kremen (1996) discutem a respeito do conceito de adaptação
complementa essas idéias. Os autores apontam que entender o processo de adaptação
em um sentido de “ajustamento social” implica uma conformidade a certas condições e
valores da sociedade, mas não em saúde psicológica. Pelo contrário, pode produzir
pessoas “adaptadas” vivendo em um silencioso desespero ou ainda pessoas adaptadas,
mas não adaptáveis.
Em nossa análise, percebemos que muitas pesquisas sobre a resiliência, que
a definem a partir da “adaptação positiva”, acabam por estudarem a resiliência
performativa ou sujeitos “sobre adaptados”.
Entende-se que não é intenção dessas pesquisas estudarem esse tipo de
“fenômeno”, mas acabam por fazê-lo ao tomar para avaliação da resiliência os critérios
da adaptação positiva, ou seja, o alcance de determinadas expectativas sociais
compatíveis com determinada etapa de desenvolvimento ou a ausência de sintomas de
desajuste.
Em 1993, Rutter já observava:
...há muitos estudos sobre resiliência que tomam um só tipo de
psicopatologia como critério, e logo tiram conclusões sobre a resiliência
baseando-se em indivíduos que não têm essa característica específica. Há
estudos que tomaram como resultado, variáveis de comportamento anti-
social. Os resultados têm mostrado que algumas das crianças supostamente
resilientes mostram depressão, que é descrita então como o “preço” da
resiliência. Esta parece ser uma maneira muito enganosa de conceber as
coisas
89
. (Rutter, 1993a, p. 691)
89
“...hay demasiados estudios sobre resiliencia que toman um solo tipo de psicopatologia como criterio,
y luego sacan conclusiones sobre la resiliencia basándose em indivíduos que no tienen esa característica
específica. Hay estúdios que han tomado como resultado variables de comportamiento antisocial. Los
resultados han mostrado que algunos de los niños supuestamente resilientes muestran depresión, que se
describe entonces como el “precio” de la resiliencia. Esto parece ser uma manera muy enganosa de
concebir las cosas.”
91
Masten e Powell (2007), por exemplo, explicam que dois aspectos devem ser
observados para se inferir se um sujeito apresenta resiliência: a pessoa estar “indo bem”
90
e haver ou ter havido risco ou adversidade significativos para superar. Este “indo
bem” é avaliado através do que as autoras chamam de “competência”, a qual é definida
“em termos de uma trajetória registrada de execução/desempenho eficiente em tarefas
que são proeminentes para pessoas de uma dada idade, sociedade ou contexto, e tempo
histórico” (p. 5)
91
. As autoras explicam que para demonstrar competência, uma pessoa
não tem de fazer grandes ou notáveis realizações, mas apenas ter um comportamento
compatível com a média de determinada população.
As pesquisas que seguem esses critérios definidos pelas autoras acima não
têm necessariamente como parâmetro de avaliação de resiliência apenas um tipo de
conduta anti-social ou psicopatologia. Mesmo assim, baseando-se geralmente apenas no
“critério competência”, essas pesquisas podem estar avaliando a resiliência de maneira
“enganosa”, como alertou Rutter (1993a) acima. No mínimo, enfatizam alguns aspectos
do fenômeno de enfrentamento de adversidades em detrimento da observação da saúde
mental dos sujeitos.
Uma pesquisa com adolescentes citada por Luthar (1991; Luthar e Zigler,
1991) exemplifica o que foi dito. A autora explica que, para corrigir a negligência de
pesquisas sobre resistência ao estresse que desconsideravam o coping bem sucedido em
seus resultados, a competência social passou a ser usada como parâmetro de avaliação
da resiliência, mais do que a ausência de sintomas. Essa competência social é avaliada
então a partir de uma base observável e comportamental, cujos dados colhidos são
oriundos de apreciações de pais, professores, pares, assim como de notas escolares.
Como notou Yunes (2001) a respeito dessa mesma pesquisa, o próprio sujeito estudado
90
As autoras usam “doing okay” (Masten e Powell, 2007, p. 4).
91
[We have defined competence] in terms of a track record of effective performance in developmental
tasks that are salient for people of a given age, society or context, and historical time.”
92
não é ouvido, ao que acrescentamos que seu “mundo interno” não é levado em conta. A
partir dessa metodologia, o estudo revelou que “crianças rotuladas como resilientes são
significantemente mais depressivas e ansiosas do que crianças competentes de
ambientes menos estressantes (p. 600)”
92
. As crianças consideradas resilientes nesse
estudo são aquelas que apresentam alta competência estando submetidas a ambiente
com alto grau de estresse.
Luthar e Zigler (1991) justificam esses resultados dizendo que é possível que
os chamados “resilientes” tenham reações de natureza mais internalizada às
experiências estressantes, expressas sob a forma de sintomas encobertos, ao invés de
reagirem com sintomas externalizados, como comportamento agressivo ou condutas de
acting out.
Pode-se dizer que as crianças dessa pesquisa apresentaram comportamento
adaptativo, mas não saúde emocional, pois reagiram com sintomas internalizados e não
externalizados perante as situações estressantes. Com isso, os autores acima apontam
para a necessidade dos pesquisadores de crianças classificadas resilientes reconhecerem
a distinção entre comportamento adaptativo e saúde emocional.
A respeito desses resultados, Kalawski e Haz (2003) sugerem que a
resiliência seja avaliada por medidas que incluíssem os sintomas internalizados e os
externalizados. Dessa maneira, crianças que apresentassem ansiedade ou depressão,
mesmo que apresentassem competência social, não seriam consideradas resilientes.
Somente aquelas que apresentassem, globalmente, boa saúde mental poderiam ser
classificadas como resilientes. Entretanto, esses autores acrescentam que, se os
processos que levam aos resultados relacionados à competência social forem diferentes
92
“…that children labeled as resilient were significantly more depressed and anxious than were
competent children from low stress backgrounds.”
93
daqueles relacionados à competência emocional, poder-se-ia considerar que existem
“resiliências diferentes”.
Nesse sentido, como uma solução para as discrepâncias entre a classificação
de sujeitos como resilientes e os sintomas que apresentavam em algum âmbito de sua
vida (social, emocional etc), em 1993, Luthar
93
, citada por vários estudos (Hutz, Koller
e Bandeira, 1996; Santos, 2006; Santos e Dell’Aglio, 2006 entre outros) sugeriu que as
pesquisas sobre resiliência deveriam estudar três tipos diferentes de resiliência:
acadêmica, social e emocional. A resiliência acadêmica seria avaliada pelas habilidades
de resolução de problemas e à aprendizagem de novas estratégias; a emocional, pela
auto-estima, o senso de auto-eficácia, a capacidade de adaptação etc; e a resiliência
social pelo senso de pertencimento a um grupo, o não-envolvimento em delinqüência, o
ter um grupo de amigos, relacionamentos íntimos etc.. Nessa perspectiva, uma pessoa
pode apresentar resiliência em uma área e não em outras. E um sujeito não ser avaliado
como apresentando resiliência em uma das áreas, não impede de se considerá-la em
outras áreas.
Mas voltando à discussão sobre as pesquisas que apresentam como
resultados pessoas “resilientes” com problemas emocionais, Luthar e Zigler (1991)
citaram outras pesquisas com resultados semelhantes aos deles (Miller
94
; Parker e
colaboradores
95
e Peck, 1987). Uma das pesquisas citadas foi realizada por Peck (1987)
que utilizou de metodologia de estudo de casos e ainda utilizava a nomenclatura
“invulnerabilidade” para nomear o que depois se chamou resiliência. Esse autor
descreveu os casos de três pacientes atendidos em psicanálise, cujo processo terapêutico
foi analisado posteriormente de acordo com os conceitos de invulnerabilidade e
93
Luthar, S. S. (1993) Annotation: methodological and conceptual issues in research on childhood
resilience. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 34, 441-453.
94
Miller, A. (1979) The drama of the gifted child. New York: Basic Books
95
Parker G. R.; Cowen, E. L.; Work, W. C. e Wyman, P. A. Test correlates of stress-resilience among
urban scholl children. Manuscrito submetido para publicação.
94
mastery
96
”, propostos por Anthony, em 1974
97
. Nesta data, tais conceitos,
significavam respectivamente: “um estado da mente induzido na criança pela exposição
a riscos” e “uma força que leva o sujeito a testar constantemente sua robustez contra o
ambiente e se afirmar, mesmo contra esmagadoras probabilidades”
98
(p. 318).
Segundo Peck (1987), os casos apresentados reforçaram sua tese de que a
“mastery” (ou sua tendência para controlar ou dominar o ambiente) dos invulneráveis é
“uma variação complexa e adaptativa do fenômeno de repetição nos transtornos de
estresse pós-traumático” (p. 315)
99
. A partir dos casos analisados, o autor levantou a
hipótese de que impelidos pela força “mastery”, em um esforço constante para dominar
o ambiente, os sujeitos invulneráveis (ou resilientes) se colocam em contato
periodicamente com altos riscos que eles muitas vezes não podem dominar, o que
provoca ansiedade e depressão.
Radke-Yarrow e Brown
100
, citados por Ralha-Simões (2001), também
relatam transtornos psicológicos em sujeitos considerados resilientes ao dizerem que
indivíduos menos vulneráveis têm mais que o dobro de propensão de apresentar
perturbações psicossomáticas do que a população não-resiliente. Porém, segundo Ralha-
Simões, os autores por ela mencionados apontam que a concepção de resiliência pode
ter que ir além da sobrevivência ou superação de situações difíceis, passando a incluir
“índices de felicidade e de prazer em estar vivo (p. 111).”
96
Palavra que, em português, pode significar mestria, domínio, controle, conhecimento, mas que pelo
sentido atribuído no texto, optamos por deixar no original em inglês.
97
Anthony, E.J. (1974). The syndrome of the psychologically invulnerable child. Em E.J. Anthony e C.
Koupernik (Eds.), The child in his family: Children at psychiatric risk (International yearbook, vol. 3).
New York: Wiley.
98
“[Invulnerability (and vulnerability) are states of mind induced in the child by exposure to risks….
Mastery is a force that leads one to test his strength constantly against the environment and to assert
himself, even against overwhelming odds”.
99
…“is an adaptive complex subvariant of the phenomena of re-enactment in posttraumatic stress
disorders.”
100
Radke-Yarrow, M.; Brown, E. (1993) Resilience and vulnerability in children of multi-risk families.
Development and psychopathology, 5, 581-92.
95
Entendemos que vários tipos de fenômenos diferentes são abarcados quando
se avalia a resiliência em função da manifestação de competência na presença de
adversidades ou riscos. Isso porque podem manifestar competência aqueles que foram
atingidos e sobreviveram bem; aqueles que sobreviveram com sequelas psicológicas,
mas internalizadas e ainda não detectadas; aqueles que se reconstruíram a partir dos
danos, recuperando-se e se aprimorando para além do que seria esperado antes das
adversidades; e aqueles que nem foram atingidos de fato pelas adversidades. Porque se
entende aqui que estar exposto a um risco – assim considerado pelas probabilidades –
não quer dizer ser de fato afetado.
Ou seja, por fim, por esses critérios de avaliação da resiliência, são
abarcados todos os fenômenos incluídos nas definições “superação” e nas definições
“adaptação”; lembrando que as definições “adaptação” da resiliência englobam tanto
casos dos sujeitos que são abalados e respondem com o desenvolvimento “normal”,
esperado pela sociedade, mesmo que paguem um “alto preço” por este
desenvolvimento, quanto os casos dos que sempre se apresentaram bem estando em
meio a riscos, ou seja, os que foram resistentes ao estresse.
E relembrando os tipos de invulnerabilidade que foram explicitados por
Anthony (1987b)
101
, pode-se dizer que, todos eles, avaliados pelos critérios de
adaptação positiva (resiliente), seriam considerados característicos de resiliência pela
“aparência final” que têm. Portanto, assim seriam classificados: o psicopata que mostra
invulnerável por ser insensível aos acontecimentos; o superprotegido que parece
invulnerável porque nunca foi exposto aos riscos; o exibicionista; o realmente forte que
nunca se abalou; e o inicialmente frágil que enfrenta com perseverança as “provas” da
vida. Os pseudo-resistentes e os verdadeiros tornar-se-iam parte de um mesmo
101
Ver nesta dissertação capítulo 1.6.
96
fenômeno, assim como os “resilientes performativos” ou os “sobre adaptados”.
Considerar-se-ia que todos apresentam resiliência por apresentarem competência
segundo critérios da sociedade, externos a seu mundo interno.
Se a visão de resiliência como adaptação positiva deve ser revista porque
coloca “coisas distintas em um mesmo barco” e porque pode implicar sujeitos
subjugados que apresentam competência socialmente aceitável a despeito dos
sofrimentos internos e não observáveis que apresentam, há críticas a serem feitas
também à visão de, por exemplo, Melillo (2004b) e Galende (2004), que a entendem a
partir de um enfoque de uma transformação social. Entender que a resiliência deve
implicar sempre resistência social, ou não ser dominado pelo “sistema”, pode acarretar
o entendimento de que a sobrevivência já seria considerada resiliência, mesmo que se
apresente (ou principalmente se apresentando) com uma conduta socialmente
inaceitável.
E há autores que abertamente levantam essa questão: “Manter-se vivo não
seria uma forma de resiliência?” (Pinheiro, 2004, p. 72) E ainda: “Não seria resiliente
todo aquele que se tornou um sobrevivente na vida, mesmo cometendo atos contrários
às normas sociais?” (Pinheiro, 2004, p. 72) É sobre essas questões que vamos discutir
no próximo capítulo.
2.5. Sobrevivência, psicopatologia e delinqüência?
Libório, Castro e Coêlho (2006) apontam que reduzir a resiliência à
sobrevivência do indivíduo seria não considerá-la como fenômeno sócio-afetivo, mas
uma questão para a biologia e a medicina. E acrescentam: “se o enfoque for ampliado
97
de forma tão abrangente, faltarão critérios diferenciais para a avaliação dos resultados
das pesquisas” (p. 100).
Já Block (1999) critica a concepção de resiliência como sendo a mera
sobrevivência, porque, segundo o autor, esta pode se dever simplesmente à sorte, não
dependendo do sujeito que sobrevive. Block cita a sobrevivência de algumas pessoas ao
holocausto como exemplos de casos cuja manutenção da vida pode ter dependido em
alguns momentos da boa vontade de um guarda, ou seja, da sorte dos acontecimentos.
Realmente, Job (2000), que estudou relatos dos sobreviventes ao holocausto, relata que
o fator sorte foi muito citado como significativo para a sobrevivência naquela ocasião,
embora não fosse suficiente para explicá-la.
Mas em relação a relacionar a resiliência à sobrevivência, Block (1999)
conclui:
É errado chamar o sobrevivente de indivíduo resistente ao estresse ou
resiliente. Parece que, como uma freqüência que nunca foi examinada,
indivíduos que são apenas inquestionavelmente sortudos têm sido premiados
com o mais honorífico rótulo de serem “resilientes”
102
(p. 2).
Além de podermos dizer que muitas vezes a sobrevivência se deve à sorte,
podemos dizer também que nem todos os que sobrevivem às adversidades apresentam-
se bem após o enfrentamento. E se há os que sobrevivem com sequelas psicológicas
crônicas, sem jamais superar emocionalmente o encontro com a adversidade, existe
quem parece nem se abalar com a maior das adversidades. Há alguns, todavia, que são
profundamente abalados pelo encontro com a adversidade, mas passam por um processo
de recuperação e apresentam-se posteriormente melhor emocionalmente e socialmente
do que os que nunca se abalaram. O que pode se dever ao poder fortalecedor da
adversidade, como acreditam Walsh (2005) e também Cyrulnik (2001).
102
“it is incorrect to call the survivor a “stress-resistant” or “resilient” individual. It seems likely
that, with a frequency that has never been examined, individuals who were unquestionably only lucky
have been awarded the more honorific label of being “resilient””.
98
Este último autor cita o trabalho de Robinson
103
que ilustra essas
observações. Robinson fez um estudo com as aproximadamente duzentas mil pessoas
sobreviventes do Holocausto que viviam em Israel na época de seu estudo e apurou que
vinte e oito por cento sobreviveram aos campos de concentração, dez por cento foram
resistentes armados e cinqüenta e oito por cento se esconderam. O autor observou que
todos os sobreviventes, com exceção dos resistentes armados, sofreram de depressão
por vários anos depois da guerra. Por outro lado, os que mais sofreram de depressão
foram os que depois apresentaram as melhores conquistas sociais e familiares, enquanto
os resistentes armados já adultos se contentaram com uma posição social apenas
mediana.
Cyrulnik levanta algumas hipóteses, sob a forma de perguntas, a respeito da
não depressão dos resistentes armados:
Essas crianças foram resistentes porque já eram mais resilientes? O
sentimento de adesão que uniu os resistentes os protegeu da depressão? Ou a
identidade narrativa, o relato que fizeram em seu fórum interno, durante os
anos do pós-guerra (“eu sou o que, na idade de oito anos, enfrentou o exército
alemão”) lhes deu um sentimento sobre si mais próximo ao do herói do que
ao da vítima?
104
(p. 20)
Por outro lado, o autor defende que o triunfo posterior em relação à vida
familiar e à “aventura social” (p. 20) dos que exibiram maior depressão no período pós-
guerra se deveu a uma necessidade de se sobreporem à “imensa ferida dos campos de
concentração”
105
(p. 20). E completa: “A depressão os obrigou a buscar a felicidade!”
106
(p. 20).
103
Robinson, R. (1994) The present state of people who survived the Holocaust as children. Acta
Psychiatrica Scandinavia, no. 89, p. 242-245.
104
Esos niños fueron resistentes porque eran más resilientes? El sentimiento de adhesión que unió a los
resistentes los protegió de la depresión? O la identidad narrativa, el relato que hicieron em su fuero
interno, durante los años de la post-guerra (“ yo soy el que a la edad de ocho años se enfrentó al ejército
alemán.”), les dio um sentimiento de si más cercano al del héroe que al de la víctima?”
105
...“inmensa herida de los campos de concentración.”
106
“La depresión los obligó a buscar la felicidad!”.
99
A partir do que foi exposto podemos refletir que todos estes grupos de
sobreviventes passaram pelo encontro com uma das adversidades máximas: o
holocausto. A sobrevivência dos que se esconderam e dos que foram resistentes
armados dependeu muito da iniciativa deles próprios. A sobrevivência dos que foram
para os campos de concentração pode ter se devido também à sorte. Mas assim como a
trajetória de cada um dos grupos foi diferente durante a guerra, também foi após a
mesma. Cada grupo construiu uma história.
Pode-se dizer que o grupo dos resistentes armados venceu a adversidade
ainda durante a guerra e que o grupo dos campos de concentração foi mais plenamente
vitorioso após guerra, após vencer as marcas de depressão provocadas pela guerra.
Podemos considerar que este último grupo apresentou resiliência porque
passou por um processo de enfrentamento de adversidades (que o abalou provocando a
depressão), por um processo de superação das marcas deste enfrentamento e mostraram
um crescimento posterior. Já o grupo dos resistentes armados mostrou sua resistência,
literalmente armada, durante a guerra e sua resistência emocional após a mesma. Não
houve o processo de abalo, representado por uma sintomatologia psicopatológica, e nem
a recuperação posterior. Ao que parece, pelo relato do estudo, eles conseguiram não se
abalar. Grande parte da literatura sobre resiliência, principalmente a anglo-saxônica,
atribuiria a esses sujeitos a resiliência por terem se apresentado bem apesar dos riscos
que correram.
Poderíamos identificar este grupo dos resistentes armados com aquele tipo
de invulnerabilidade, descrito por Anthony (1987b), dos verdadeiros heróis, dos sujeitos
que se mostram mais fortes perante os desafios da vida. O outro grupo, por sua vez, que
apresentou depressão e depois se recuperou, pode ser relacionado com o último tipo
100
descrito por Anthony: aquele que exibe suas fragilidades, mas ao longo de sua trajetória,
se recompõe.
Mas antes de prosseguirmos, é importante fazer algumas observações a
respeito de, mais uma vez, a depressão ser citada como um dado nos estudos de
resiliência. Nas pesquisas de Luthar e Zigler (1991), já comentadas, as crianças
classificadas como resilientes apresentavam competência e pareciam bem. No entanto,
sofriam de ansiedade e depressão. Isso nos fez questionar se essas pesquisas
identificavam realmente resiliência ou resiliência performativa/sobre adaptação.
Mas, no estudo de Robinson, citado por Cyrulnik (2001), a depressão
aparece como um componente do processo de enfrentamento e superação das
adversidades. Ela fez parte de um momento intermediário do processo. E foi após todo
esse processo, que a resiliência foi considerada. Ou seja, ao se considerar a resiliência, a
depressão já havia sido superada e os sujeitos já apresentavam outras conquistas nos
âmbitos familiares e sociais.
Entendemos que a concepção de resiliência implica o fato de as pessoas
apresentarem-se bem – social e emocionalmente –, após um processo de enfrentamento
e superação de adversidades. Em outras palavras, para se considerar que houve
resiliência, o resultado final desse processo de enfrentamento e superação não pode
implicar psicopatologia, embora esta possa ter se apresentado durante o percurso. Em
concordância com essa posição, estão Ungar e colaboradores (2008) que apontam que a
resiliência é considerada a partir do que a comunidade define como saudável e
socialmente aceitável.
De forma semelhante, entendemos o aparecimento da delinqüência em um
processo de resiliência. A delinqüência ou condutas anti-sociais podem aparecer em um
processo de enfrentamento de adversidades, tanto como efeito dessas adversidades
101
quanto como uma forma de lidar com elas. Uma criança, por exemplo, que vive em uma
comunidade dominada pelo tráfico de drogas e sente-se ameaçada por essa realidade,
pode compactuar com a violência tornando-se agente do tráfico para proteger sua vida.
Porém, ao nosso ver, para que se considere que houve resiliência, é necessário que, após
o processo de enfrentamento dos riscos e adversidades, que pode incluir condutas anti-
sociais, haja uma trajetória de recuperação dos abalos sofridos em direção à saúde
emocional e a condutas socialmente aceitáveis.
Diferentemente dessa posição, Cyrulnik (2001) afirma que a delinquência
pode ser uma forma de resiliência ou um caminho para ela. E aponta:
Para os que estão socializados, vender drogas é um crime, enquanto que para
os que foram socialmente humilhados, é um comportamento de salvação, de
restabelecimento, de resiliência inclusive. (...) Impedidos em sua aventura
social e cultural, se convertem em resilientes graças a sua delinqüência
107
(p.
19).
Cyrulnik explica que, através da delinqüência, algumas pessoas conseguem
dar boas condições de vida a suas famílias e, desta forma, reparam as suas próprias
vidas. Cyrulnik considera esse processo de reparação, mesmo que através da
delinqüência, um processo de resiliência.
Porém, essa posição do autor é contraditória com a definição (de
Vanistendael
108
) para a resiliência que ele apresenta inicialmente em seu texto: “a
capacidade para triunfar, para viver e desenvolver-se positivamente, de maneira
socialmente aceitável, apesar da fadiga ou da adversidade, que podem implicar risco
grave de desenlace negativo”
109
(p. 10). A contradição está no fato de Cyrulnik aceitar
107
Para los que están socializados, vender drogas es un crimen, mientras que para los que han sido
socialmente humillados, es un comportamiento de salvación, de restablecimiento, de resiliencia incluso.
Entrabados en su aventura social y cultural, se convierten resilientes gracias a la delincuencia.”
108
Vanistendael, S. (1998) Clés pour devenir: la résilience. Les Vendredis de Châteauvallon, nov.
109
La capacidad para triunfar, para vivir y desarrollarse positivamente, de manera socialmente
aceptable, a pesar de la fatiga o de la adversidad, que suelen implicar riesgo grave de desenlace
negativo.”
102
que a resiliência se dê através da delinquência, mas utilizar uma definição do fenômeno
que exclui essa possibilidade.
Santos (2006) também questiona que a delinquência desqualifique a
resiliência. A autora afirma que se, por exemplo, o roubo pode ser considerado uma
desadaptação quando provoca exclusão e prisões, também pode representar um meio de
sobrevivência e, nesse caso, ser uma “resposta adaptativa positiva a um risco” (p. 111).
A autora explica:
É difícil dizer se há possibilidade de evitar a delinquência quando não se tem
outra opção de sobrevivência física e psicológica além das ruas. As drogas e
o roubo, por consequência, vêm como os primeiros caminhos que se impõem
a um adolescente sem ter para onde ir ou fugir (p. 104).
A partir do que foi exposto, percebe-se que não há consenso sobre os
critérios para se avaliar se um sujeito apresenta ou não resiliência. Alguns autores
consideram que certos fatores, como a psicopatologia ou a delinqüência, a excluem,
enquanto outros consideram esses fatores como fazendo parte (mobilizadora) dos
processos resilientes.
Muitos outros dissensos foram discutidos ao longo deste trabalho. Foi
apresentada a discussão a respeito de a resiliência ser entendida como traço ou como
processo, como inata ou adquirida, como permanente ou circunstancial; de ela ser
concebida como superação ou adaptação em suas muitas concepções; e de ela ser
avaliada a partir dos critérios da competência.
Muitas definições de resiliência foram também apresentadas, algumas
considerando a resiliência como capacidade, outras como um processo, outras, como
resultados de um enfrentamento. Conceitos foram apresentados como relacionados à
temática da resiliência: vulnerabilidade e invulnerabilidade, fatores de risco e proteção,
coping.
103
No próximo capítulo, a partir do que foi discutido, nos dedicaremos a
esclarecer nossa proposta de concepção do fenômeno da resiliência, organizando um
pouco o campo de estudo.
104
II- O QUE PROPOMOS COMO RESILIÊNCIA AFINAL?
II.1- Personalidade resiliente?
Sobre a discussão a respeito de a resiliência ser um traço de personalidade ou
um processo, podemos dizer que a grande maioria dos autores-referenciais sobre o tema
atualmente se posiciona como favorável à segunda opção: seria um processo dinâmico
pelo qual as pessoas em situação de risco passam e não, uma característica da
personalidade (Assis , Pesce e Avanci, 2006; Castro, 2005; Luthar, 1991; Martineau,
2001; Masten, 2001; Yunes, 2006 ; entre outros). Tomada como um processo dinâmico
em que pessoas em situação de risco lidam satisfatoriamente com as adversidades, as
pesquisas buscam entender seu funcionamento.
Porém, não se pode deixar de considerar que, assim como existem pessoas
mais sensíveis, “hiper-vulneráveis”, que sucumbem diante de adversidades corriqueiras
da vida, existem também aquelas que são realmente menos abaladas que a maioria,
diante das mais ameaçadoras adversidades e que parecem ser caracteristicamente mais
resistentes às adversidades ou que parecem enfrentá-las mais facilmente. São os casos
aos quais Anthony (1987b) se referiu quando caracterizou os invulneráveis de tipo 4:
eles teriam uma robustez inerente e uma grande capacidade de lidar com as ameaças que
poderiam afetá-los.
É importante esclarecer que não estamos afirmando que existam pessoas
totalmente invulneráveis a quaisquer ameaças, em quaisquer circunstâncias. Apenas
apontamos a existência daquelas que parecem ser mais fortes, mais resistentes ao
estresse que a maioria em situações semelhantes. Anthony e Cohler (1987a) lembram do
105
conceito do “continuum de vulnerabilidade”
110
(p. x), de Murphy e Moriarty
111
, que
lança uma luz a essa questão.
Nos extremos desse continuum, haveria a “hiper-vulnerabilidade” e a
invulnerabilidade. As pessoas, em relação aos riscos a que se submetem, podem ser
localizadas em qualquer ponto do continuum, havendo algumas, muito frágeis, no
extremo da vulnerabilidade, e outras poucas, próximas ao extremo da invulnerabilidade.
Ao longo do continuum, estaria a grande maioria das pessoas que ora são mais fortes,
ora mais frágeis, enfrentando, de acordo com a situação, as adversidades com mais
sucesso ou menos.
Muitos estudos em resiliência estudam pessoas que estão próximas ao
extremo da invulnerabilidade e que parecem não se abalar diante das adversidades
(Bonanno, 2004; Masten, 2001; Werner e Smith, 1989, 1992, 2001; entre outros). Para o
estudo desses casos de resistência ao estresse, propomos que se utilize o conceito, ainda
pouco conhecido no Brasil, de hardiness ou robustez (em sua tradução para o
português).
Alguns autores internacionais (Pereira, 2001; Walsh, 2005) discutem tal
conceito em meio às discussões sobre resiliência, relacionando-o a uma personalidade
resiliente. Kotliarenco e colegas (1997) apontam que o conceito de robustez, definido
como uma característica de personalidade, pode ser considerado afim ao de resiliência.
Como explica Pereira (2001), hardiness relaciona-se com um tipo de personalidade
particularmente resistente ao estresse. Outros autores, como Munist e colaboradores
(2005), consideram que resiliência e robustez são conceitos diferentes e que é um erro
considerá-los a mesma coisa, sem, no entanto, deixar clara a diferenciação entre os dois.
110
Continuum of vulnerability
111
Murphy, L. B. e Moriarty, A. E. (1976). Vulnerability, coping and growth. New Haven: Yale
University Press.
106
Hardiness ou robustez é um conceito que surgiu no fim dos anos de 1970,
embasado pela Psicologia Existencial e derivado dos estudos de personalidade e das
diferenças individuais para se lidar com o estresse, além dos estudos da psicologia
social e do desenvolvimento. (Kobasa e Puccetti, 1983; Maddi, 2002). Desta forma,
embora elaborada mais ou menos na mesma época em que os estudos sobre a resiliência
se difundiram amplamente, a noção de hardiness foi concebida como traço de
personalidade.
Segundo Maddi (2002), um dos idealizadores do conceito, hardiness é a
melhor operacionalização disponível para a noção de coragem existencial. O autor
explica que é dessa coragem que se precisa para enfrentar as escolhas e as incertezas da
vida, que costumam provocar uma ansiedade ontológica. A definição de coragem do
dicionário Webster’s New Collegiate
112
, citado por Woodard (2004), ajuda-nos a
entender o significado da robustez: “força mental ou moral para arriscar-se, perseverar e
resistir a perigo, medo, ou dificuldade”
113
(p. 174).
A noção de hardiness foi concebida como uma disposição da personalidade
que atua como reforçadora da resistência ao estresse e que é composta por três
características ou traços adaptativos pessoais: controle (ou sentimento de controle),
compromisso (ou senso de compromisso) e desafio (ou senso de desafio) (Contrada,
1989; Roth e colaboradores, 1989).
Kobasa e Pucetti (1983) explicam que as pessoas “robustas”
comprometem-se com o que fazem (mais do que se sentem alienadas),
geralmente acreditam que podem, ao menos parcialmente, controlar os
eventos (...) e consideram a mudança como um desafio normal ou ímpeto
para o desenvolvimento (mais do que uma ameaça). Em sua percepção e
avaliação dos eventos da vida especificamente estressantes, pessoas robustas
encontram oportunidades para o exercício de tomada de decisão, a
confirmação de prioridades da vida, o arranjo de novas metas (...). Seu senso
básico de propósito e envolvimento na vida mitiga o potencial perturbador de
qualquer ocorrência singular. O estilo de coping das pessoas robustas reflete
112
Webster’s New Collegiate Dictionary (1999). Springfield, MA: Merriam.
113
…mental or moral strength to venture, persevere, and withstand danger, fear, or difficulty.”
107
sua crença na própria efetividade, assim como sua habilidade para fazer bom
uso de outros recursos humanos e ambientais. Coping para elas consiste em
transformar eventos estressantes em possibilidades e oportunidades para seu
desenvolvimento pessoal e de outras ao seu redor
114
(p. 840).
Propomos que o conceito de hardiness/robustez seja aplicado no estudo da
resistência ao estresse ou dos casos em que as pessoas não se abalam diante das
adversidades, sendo esse “não abalo” passível de ser creditado a características de
personalidade. Em outras palavras, que os casos de resistência ao estresse sejam
analisados a partir do conceito de hardiness.
Mas é importante que cada caso seja analisado separadamente para que se
entenda a que se deve a resistência. Isso porque a robustez pode ter atuado no
enfrentamento das adversidades, mas pode ser que a pessoa não tenha se abalado
simplesmente porque não foi de fato exposta a riscos.
Essa última hipótese se relaciona àquele tipo de pseudo-invulnerável citado
por Anthony (1987b), que parece invulnerável, mas, na verdade, não esteve em contato
com os riscos da vida, tendo sido superprotegido pela mãe. Pode ser que, tão logo esse
sujeito esteja realmente em contato com adversidades, ele sucumba, mostrando sua
fragilidade.
Pode ser também que a resistência ao estresse, ou o não abalo diante das
adversidades, se dê em razão de alguma psicopatia, como Anthony também analisou ao
propor seu primeiro tipo de pseudo-invulnerável.
114
Persons high in hardiness easily commit themselves to what they are doing (rather than felling
alienated), generally believe that they can at least partially control events (…), and regard change to be a
normal challenge or impetus to development (rather than a threat). In the perception and evaluation of
specific stressful life events, hardy persons find opportunities for the exercise of decision making, the
confirmation of life’s priorities, the setting of new goals (…).Their basic sense of purpose and
involvement in life mitigates the potential disruptiveness of any single occurrence. The coping styles of
hardy persons reflect their ability to make good use of other human and environmental resources. Coping
for them consists of turning stressful events into possibilities and opportunities for their personal
development and that of others around them.”
108
Por outro lado, avaliações errôneas a respeito dos riscos a que os sujeitos
estão submetidos também podem acarretar em uma atribuição equivocada de resistência
ao estresse e de robustez. Isso porque pode ser que as situações consideradas de risco ou
difíceis para o pesquisador, não o sejam para os sujeitos. Como Masten (2001) apontou,
“muitos indicadores de risco são arbitrariamente rotulados desta maneira”
115
(p. 228).
Logo, esses sujeitos podem não ter vivenciado o estresse imaginado pelo pesquisador,
nem enfrentado adversidades, já que a situação não é assim avaliada por eles e, assim,
não se pode se considerar que houve resiliência, resistência ao estresse ou robustez.
Essas possibilidades de atribuição equivocada de robustez e de resiliência
nos estudos sobre os fenômenos de enfrentamento de adversidade levam à necessidade
de que as metodologias de pesquisa considerem mais o ponto-de-vista dos próprios
sujeitos estudados a respeito dos riscos que enfrentam e da maneira como o fazem.
A partir do exposto, propomos que a utilização do conceito de hardiness nas
pesquisas de resistência ao estresse envolva a diferenciação entre dois fenômenos: a
resistência ao estresse, entendida como o não abalo em situações de confronto com a
adversidade; e a resiliência, que compreende o processo em que um sujeito enfrenta
adversidades, se abala, supera as adversidades e o seu próprio abalo e amadurece,
desenvolvendo-se a partir deste enfrentamento. O primeiro fenômeno seria analisado a
partir das teorias de hardiness e o segundo, estudado como resiliência.
Sendo assim, nossa concepção de resiliência tem um sentido de superação,
mais do que de adaptação
116
. Ela envolve um processo de superação de adversidades e
crescimento a partir de uma elaboração pessoal. Os casos de resistência ao estresse em
que sujeitos conseguem “apenas” manterem-se bem, apesar das adversidades, ou se
adaptarem ao meio, mantendo sua estabilidade sem se abalarem – o que corresponde à
115
“most risk indicators are arbitrarily labeled this way.”
116
Para rever a discussão a respeito de concepções de resiliência com sentido de superação ou adaptação,
ver capítulo 2.3..
109
concepção de resiliência com sentido de adaptação –, deverão ser analisados à luz do
conceito de hardiness.
A partir dessa perspectiva proposta, e retomando o estudo feito por
Robinson
117
(citado por Cyrulnik, 2001) com sobreviventes ao holocausto, podemos
dizer que o grupo dos que sobreviveram como resistentes armados não seriam
considerados como apresentando resiliência. Esse grupo provavelmente apresentava as
três atitudes robustas citadas acima: compromisso, controle e desafio. Eles desafiaram
os acontecimentos, a guerra, a destruição, como autores, como guerreiros que optaram
corajosamente pela causa da luta pela sobrevivência. Eles estiveram em confronto com
as adversidades e as enfrentaram com o controle nas mãos. Demonstraram robustez.
Por outro lado, os outros sobreviventes apresentaram abalo emocional,
depressão. Após algum tempo, no entanto, eles tinham reconstruído suas vidas e
alcançado conquistas pessoais e sócio-econômicas. Nesse caso, consideramos que
houve resiliência.
Dos tipos invulneráveis de Anthony (1987b), o tipo 4, que para muitos
representa resiliência, por demonstrar força perante as adversidades, não é assim
considerado por nós, porque não se abala. Ele seria representativo de hardiness. Já o
tipo 5 seria tomado como resiliência, por reunir aqueles casos de pessoas que se abalam
e parecem frágeis, mas enfrentam as dificuldades e as vencem.
Um caso estudado por Cairns e Cairns
118
, citado por Castro (2005) ajudará a
entender a diferenciação que propomos entre resiliência e hardiness. Para Castro, tal
caso é interessante aos estudos da resiliência por tratar de pessoas que, mesmo em meio
a sérios fatores de risco, demonstram uma perfeita adaptação social. Cairns e Cairns
acompanharam uma população de senhoras, negras, sozinhas, vivendo em um ambiente
117
Robinson, R. (1994) The present state of people who survived the Holocaust as children. Acta
Psychiatrica Scandinavia, no. 89, p. 242-245.
118
Cairns, R. e Cairns, B. (1994). Lifelines and risks. New York: Cambridge University.
110
hostil, pobre e violento e que, surpreendentemente, mostravam um alto grau de
satisfação com a vida. “Indo bem” em meio a adversidades, foram consideradas
resilientes. Castro explica como faziam para sentirem-se bem:
Essa população tinha um altíssimo nível de satisfação com a vida,
particularmente porque focava suas sensações de gratificação nas coisas que
estavam disponíveis (a fé, amigos, família e saúde) e davam pouco valor ao
que estava fora de alcance (a negligência dos governantes, a possibilidade de
uma melhora econômica). (p. 5).
Na concepção aqui proposta, esse caso não seria tomado como resiliência,
porque as senhoras não sofreram um abalo emocional. Pela descrição do caso, elas
apresentam pelo menos duas atitudes robustas: o compromisso e o controle. Eram
compromissadas com sua fé, com amigos, família, saúde. E, por não se importarem com
o que estivesse fora de seu alcance, provavelmente tinham o sentimento de controle de
suas vidas. A descrição, no entanto, não nos permite refletir a respeito do senso de
desafio, outra atitude que compõem a robustez.
Esse caso também pode ser lido a partir das concepções de resiliência que
envolvem o sentido de adaptação, no sentido de conformismo social. E o que Castro
(2005) discute é justamente que, com essa postura de conformismo diante das
adversidades, as senhoras não contribuem em nada para a transformação do local, que
continuará, provavelmente, com as mesmas condições ruins para novas gerações que
vierem a habitar o local. E as autoridades continuarão acomodadas diante de uma
situação em que as pessoas que, supostamente, deveriam estar incomodadas não
reclamam. Concordamos com essa análise do autor, mas consideramos que o caso das
senhoras não se trata de resiliência.
111
II.2- Resiliência e robustez: inatas ou adquiridas?
Se a robustez é uma característica da personalidade, nem por isso é
considerada traço inato da pessoa. Como já explicamos anteriormente
119
, os traços de
personalidade podem derivar tanto de predisposições quanto de interações com o
ambiente. Assim, Maddi (2002, 2005, 2008), por exemplo, afirma várias vezes que a
robustez pode ser adquirida e aponta a existência de programas de treinamento em que
as pessoas aprendem a desenvolver as três atitudes robustas que a compõem e que
implicam em coragem.
O autor explica que a robustez se desenvolve em pessoas que são
encorajadas por seu meio a acreditarem que podem transformar adversidades em
oportunidades e que percebem isso acontecendo. Posteriormente, os resultados obtidos
em seus enfrentamentos das situações difíceis servem para construir e alimentar as
atitudes robustas de compromisso, controle e desafio que constituem a coragem
existencial. E justamente essa coragem existencial é que torna possível enfrentar os
riscos que a vida impõe sem permitir que esses riscos abalem a pessoa. Ou seja, essa
coragem existencial possibilita a resistência ao estresse.
O que os idealizadores da concepção de hardiness – Maddi, Kobasa,
Koshaba, entre outros – defendem é que a coragem, operacionalizada pelo conceito de
hardiness ou robustez, pode ser alcançada ao longo da vida, tornando possível um
enfrentamento bem sucedido das dificuldades da vida sem prejuízo para a saúde física e
mental dos sujeitos.
Por outro lado, Bonanno (2004), Kobasa e Puccetti (1983) e Maddi (2008)
apontam que a robustez fomenta resiliência e é um caminho possível para a mesma.
119
Conferir capítulo 2.1.
112
Mesmo que esses autores se refiram a resiliência como sinônimo de resistência ao
estresse, ou de não-abalo diante de adversidades, entendemos que seu apontamento seja
válido para a nossa proposta.
Tomamos como definição de resiliência, um processo (não um traço) que
compreende o enfrentamento de adversidades, o abalo e a superação, pensando que essa
superação envolve um crescimento que supera o estado que a pessoa apresentava antes
do encontro com a adversidade. Então, como a robustez ajudaria a promover
resiliência? Da mesma forma como ela ajuda uma pessoa a não se abalar diante das
adversidades. Se uma pessoa que se abalou por estressores quaisquer puder desenvolver
em si os sentimentos de controle, compromisso e desafio, que compõem a personalidade
robusta – entendendo as adversidades como oportunidades (desafio) nas quais se pode
engajar (compromisso) conscientemente (controle) –, ela provavelmente enfrentará as
dificuldades mais facilmente, terá mais chances de se recuperar do abalo sofrido e
crescerá com a experiência. Como dizem Assis, Pesce e Avanci (2006), transformará
“intempéries em perspectivas” (p. 57). Em outras palavras, apresentará resiliência.
Se é possível que a robustez seja desenvolvida através da vida ou de
treinamentos que tenham essa finalidade e se a robustez fomenta resiliência, podemos
dizer que também a resiliência é um processo que pode ser desenvolvido por qualquer
pessoa, que todo sujeito tem essa possibilidade.
Relacionada a essa concepção de resiliência como potencialidade, está a
noção de “potencial de resiliência” tal como definem Assis, Pesce e Avanci (2006).
Segundo essas autoras, esse potencial “trata-se de uma energia inerente aos seres
humanos, que precisa ser nutrida e potencializada ao longo de toda a existência de cada
um” (p. 13) e pode ser mais desenvolvida ou menos. A robustez pode ser uma forma de
potencializá-la.
113
Essa noção de “potencial de resiliência” é afim à noção de tendência
atualizante, de Carl Rogers, da Psicologia Humanista, a qual postula que todo
organismo tem uma tendência para o crescimento e uma capacidade para se desenvolver
plenamente em direção ao que, para ele, é valorizador ou enriquecedor (Rogers e
Kinget, 1977).
O potencial de resiliência diferencia-se da tendência atualizante pela
especificidade do enfrentamento de adversidades. A primeira seria uma tendência de
todo ser humano para tal enfrentamento, enquanto que a segunda diz respeito a um
crescimento de forma geral. Além disso, a tendência atualizante se refere a um
crescimento independente de adversidades e o potencial de resiliência, a uma
possibilidade que todos têm de enfrentar as dificuldades e crescer a partir daí.
Porém, segundo a teoria de Rogers, o exercício da tendência atualizante ou
da capacidade para o crescimento depende de um conjunto de condições,
principalmente, de um contexto de “relações humanas positivas” (p. 40) desprovidas de
ameaça. Embora vários autores concordem que as relações interpessoais são
fundamentais para essa efetuação (Baruch e Stutman, 2006; Canelas, 2004; Cyrulnik,
2001, 2003, 2005; Lindström, 2001; Masten e Coastworth, 1998; Rutter, 1993, Tavares,
2001; Walsh, 2005; Werner e Smith, 1992; Yunes e Szymanski, 2001; entre outros), é
justamente quando há ameaças ao desenvolvimento, que o potencial de resiliência pode
se efetuar.
A partir disso, podemos dizer que o potencial para a resiliência é inato,
inerente, mas não a sua efetuação. Podemos dizer que há sempre uma capacidade para a
resiliência, mas que sua efetuação dependerá de uma série de contingências: do
encontro com a adversidade, dos mecanismos de enfrentamento, de fatores de
resiliência.
114
II.3- Fatores, enfrentamento e coping
Ao falar de fatores de resiliência, Grotberg (2005) os diferencia dos fatores
de proteção. Para a autora, os fatores de proteção podem ser identificados como
imunidade ao perigo ou neutralizadores do risco, ajudando a pessoa a evitar o contato
com o risco. Já os fatores de resiliência ajudariam no enfrentamento do mesmo.
Grotberg sugere:
Por exemplo, se uma escola tem um cartaz avisando que não aceita pessoas
estranhas em suas dependências, não há qualquer adversidade com que lidar.
Essa é uma estratégia de proteção de que as crianças precisam, que não deve
ser confundida com resiliência. Mas, se uma pessoa estranha segue uma
criança na saída da escola e lhe oferece doces, nesse caso se requer resiliência
(p. 18).
No entanto, neste trecho onde Grotberg utiliza o termo “resiliência”,
poderíamos usar as expressões “fatores de resiliência” ou “estratégias de
enfrentamento”. Isso facilitaria compreender que se uma criança precisar lidar com uma
adversidade ou uma ameaça, ela precisará dispor de maneiras para enfrentar a situação,
vencer e se fortalecer pela experiência.
Assim, se tomarmos os fatores de resiliência como aqueles que influem
positivamente na maneira como a pessoa enfrentará as adversidades, pode-se dizer que
as definições usuais para fatores de proteção, na verdade, referem-se aos fatores de
resiliência. Quando, por exemplo, Rutter (1985, p. 600) ou Werner e Smith (2001, p. 3)
definem os fatores de proteção, respectivamente, como “influências que modificam,
aperfeiçoam ou alteram a resposta da pessoa aos riscos ambientais que predispõem a um
resultado mal-adaptativo”
120
e como fatores que “protegem ou melhoram a reação da
pessoa a situações de estresse ou adversidade crônica a ponto de sua adaptação ser mais
120
… influences that modify, ameliorate, or alter a person’s response to some environmental hazard that
predisposes to a maladaptative outcome.”
115
bem sucedida do que seria caso os fatores não estivessem presentes”
121
, eles estão, em
nossa perspectiva, definindo fatores de resiliência.
Assim, podemos considerar com clareza que alguém pode ter inúmeros dos
chamados fatores de proteção como, por exemplo, boa condição sócio-econômica,
família estruturada, saúde física e mental e, mesmo assim, nunca demonstrar resiliência.
Pode ser que os fatores o protejam das adversidades, mas que, quando se defrontar com
uma, se abale irrecuperavelmente.
Tomemos alguns exemplos de fatores de proteção e de fatores de resiliência.
São fatores de proteção: a condição sócio-econômica, porque dá condições
para que as pessoas vivam em regiões menos violentas e se submetam a menos riscos
desta natureza; pais equilibrados emocionalmente, porque salvaguardam os filhos de um
contato estressante com desequilíbrios psicopatológicos; escolas de tempo integral, que
evitam que as crianças fiquem mais tempo nas ruas expostas a influências nefastas; etc.
Por outro lado, são fatores de resiliência, por favorecerem o enfrentamento
efetivo das situações adversas: ter habilidades cognitivas; ter auto-estima; ter
autocontrole; ter um sentimento de eficácia; ter um bom humor; relacionamentos com
pessoas significativas; possuir modelos positivos em quem se espelhar; ter interesses e
hobbies variados; maior sociabilidade; tolerância com diferenças individuais;
criatividade; avaliação realista das situações; habilidade de delimitar objetivos;
perseverança; flexibilidade; fé; visão positiva do mundo; etc.
Esses fatores listados acima fazem parte do levantamento feito por Polk
122
,
citado por Job (2000), que organizou, a partir de uma revisão de literatura sobre
resiliência, os fatores que contribuem para a mesma.
121
… “buffered or ameliorated a person´s reaction to a sstressful situation or chronic adversity so that
his or her adaptation was mores successful than would be the case if the protective factors were not
present.”
116
Mas muitos outros autores elaboraram suas listas de fatores de resiliência.
Walsh (2005), a partir de seus estudos sobre resiliência familiar, propôs “elementos
fundamentais” (p. 23) ou “processos-chave” da resiliência familiar que, para a autora,
são: os sistemas de crença familiar, os padrões organizacionais da família e os processos
de comunicação. Os sistemas de crença foram considerados elementos fundamentais da
resiliência uma vez que as expectativas que se têm das situações a serem enfrentadas, o
sentido dali extraído, as perspectivas de enfrentamento, a esperança e a fé influenciam
muito no processo de enfrentamento e superação das adversidades. Já os padrões
organizacionais da família funcionariam como “amortecedores de choques” (p. 78) e
envolveriam sua flexibilidade, conexão ou coesão e seus recursos sociais e econômicos.
Por fim, os processos de comunicação facilitariam o funcionamento familiar à medida
que sejam dotados de clareza e proporcionarem uma “expressão emocional aberta” e
uma “resolução colaborativa dos problemas” (p. 129).
Grotberg (2005), por sua vez, organizou os fatores resilientes em quatro
categorias que abrangem habilidades interpessoais e de resolução de conflitos, apoio
social e força intrapsíquica. As categorias são:
Eu tenho
Pessoas do meu entorno em quem confio e que me querem
incondicionalmente.
Pessoas que me põem limites para que eu aprenda a evitar os perigos
ou problemas.
Pessoas que me mostram, por meio de sua conduta, a maneira
correta de proceder.
Pessoas que querem que eu aprenda a me desenvolver sozinho.
Pessoas que me ajudam quando eu estou doente, ou em perigo, ou
quando necessito aprender.
Eu sou
Uma pessoa pela qual os outros sentem apreço e carinho.
Feliz quando faço algo bom para os outros e lhes demonstro meu
afeto.
Respeitoso comigo mesmo e com o próximo.
Eu estou
Disposto a me responsabilizar por meus atos.
Certo de que tudo sairá bem.
122
Polk, L. V. (1997) Toward a middle-range theory of resilience. ANS Advances in Nursing Science, 19
(3), 1-13.
117
Eu posso
Falar sobre coisas que me assustam ou inquietam.
Procurar a maneira de resolver os problemas.
Controlar-me quando tenho vontade de fazer algo errado ou
perigoso.
Procurar o momento certo para falar com alguém.
Encontrar alguém que me ajude quando necessito. (p. 17)
No entanto, mesmo com tantos fatores identificados, não se pode deixar de
considerar que a resiliência não é determinada por alguma combinação particular dos
mesmos. Como aponta Rodríguez (2005), “a resiliência, apesar dos progressos como
conceito, se mantém fiel às suas origens, reservando um lugar do humano, que é
imprevisível, e que sob a forma de uma afortunada ou criativa combinação de fatores,
segue surpreendendo”.
A forma com que a resiliência se apresentará dependerá também de como as
pessoas enfrentarão as adversidades. E para entender esse enfrentamento, podem ser
utilizadas as teorias de coping.
Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998) definem coping como o “conjunto
das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas ou
estressantes” (p. 273). Já Assis, Pesce e Avanci (2006) explicam que copingé mais do
que um único mecanismo de adaptação; é um constante processo adaptativo do qual o
indivíduo lança mão ao administrar adversidades cotidianas e inesperadas, vencendo-as,
minimizando-as ou tolerando-as” (p. 88).
Um dos modelos de coping mais citados na literatura, o de Folkman e
Lazarus
123
envolve, segundo Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998), quatro
proposições mais importantes:
(a) coping é um processo ou uma interação que se dá entre o indivíduo e o
ambiente; (b) sua função é de administração da situação estressora, ao invés
de controle ou domínio da mesma; (c) os processos de coping pressupõem a
noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e
cognitivamente representado na mente do indivíduo; (d) o processo de coping
123
Folkman, S. e Lazarus, R. S. (1980) An analysis of coping in a middle-aged community sample.
Journal of Health and Social Behavior, 21, 219-239.
118
constitui-se em uma mobilização de esforço, através da qual os indivíduos
irão empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar
(reduzir, minimizar ou tolerar) as demandas internas ou externas que surgem
da sua interação com o ambiente. (p. 276)
O coping pode ser focado nas emoções, tendo como função regular o estado
emocional provocado por situações estressantes, ou focado no problema, quando o
objetivo é atuar diretamente no que causou o estresse. (Antoniazzi, Dell’Aglio e
Bandeira, 1998; Assis, Pesce e Avanci, 2006; Folkman e colaboradores, 1986; Lisboa e
colaboradores, 2002)
Em relação à resiliência, é fundamental esclarecer que as estratégias de
coping fazem parte do processo de resiliência, uma vez que o enfrentamento das
adversidades é uma fase do mesmo. No entanto, coping não é resiliência. Além disso,
nem toda estratégia de enfrentamento é bem sucedida e, por isso, nem sempre resultará
em resiliência.
Ralha-Simões (2001), refletindo a respeito da relação entre coping e
resiliência, diferencia os dois conceitos, aos moldes do que fez Foster (1997), situando o
segundo no âmbito da estruturação da personalidade. Embora a autora entenda, como
nós, que coping integra a resiliência, sua concepção de resiliência, em nossa
perspectiva, corresponde a robustez. Ralha-Simões propõe:
o termo resiliência seria reservado para uma organização mais durável e
estruturada, que assumiria como que a manutenção ativa, mesmo que apenas
em termos potenciais, de capacidades de coping e de adaptação que iriam
assegurar a gestão estratégica do confronto com os desafios exteriores,
utilizando para tal numerosos mecanismos, entre os quais alguns deles
adaptativos e de coping, que, embora nem sempre tivessem resultados
imediatamente aparentes, se tornariam evidentes com o tempo.
(p.101)
Propomos que a resiliência não seja tomada como organização durável e
estruturada, como característica da personalidade, mas como processo desencadeado a
119
partir do encontro de um sujeito ou grupo de sujeitos com adversidades que acarretará
um enfrentamento (onde as estratégias de coping irão atuar), superação e crescimento.
Ainda sobre os mecanismos de enfrentamento de adversidade, é útil trazer a
contribuição de Fantova (2008). Este autor propõe três tipos de resiliência: a ativa, a
passiva e a ilegal. Na ativa, a pessoa tem consciência das condições em que vive, das
adversidades e riscos que enfrenta e opta por enfrentá-los atuando nelas. Na passiva, a
pessoa também tem consciência do que se passa e do que a afeta, mas aceita essa
realidade e lida com ela vendo possíveis vantagens ou aprendizados na situação. Já na
resiliência ilegal, a pessoa lida com as adversidades e até as supera utilizando meio
ilegais, não aprovados socialmente.
Vamos desconsiderar aqui a resiliência ilegal, uma vez que ela pode ser
incluída nos outros dois tipos e que a delinqüência já foi descartada por nós como
comportamento de resiliência, e refletir principalmente sobre a resiliência passiva.
Entendemos que existem situações para as quais a resiliência passiva seja o
único caminho de enfrentamento. Silveira (2006) aponta como um fator de resiliência
justamente a resignação, que relaciona-se com situações em que se deve “aceitar o que
não pode mudar, e enfrentar o que pode ser mudado” (p. 78). Realmente, há
adversidades para as quais o melhor caminho para a saúde emocional da pessoa é a
resignação e sobre as quais não se pode agir diretamente. Para esses casos, lembramos
das estratégias de coping focadas na emoção que visam a atuar sobre o estado
emocional e não, no estressor em si.
Finalizando, entendemos que, assim como a resiliência não tem uma
“fórmula certa” que irá produzi-la, composta de determinada conjugação de fatores,
também não há estratégias de enfrentamento que sejam sempre eficazes,
120
independentemente da situação. Mas como aponta Rutter
124
, citado por Assis, Pesce e
Avanci (2006), “as estratégias a serem utilizadas pelos sujeitos envolvidos na situação
são tão mais bem sucedidas quanto forem mais flexíveis, adaptáveis e adequadas diante
da circunstância estressora” (p. 90).
124
Rutter, M. (1987) Psychosocial resilience and Protective Mechanisms. American Orthopsychiatric
Association, 57 (3), pp. 316-331.
121
III. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após esse percurso de pesquisa através da literatura sobre resiliência,
evidenciou-se que as teorizações sobre o tema permanecem pouco precisas.
Não há consenso entre os pesquisadores se a resiliência é um processo ou um
traço, se é permanente ou circunstancial, inata ou adquirida. Se é uma capacidade, um
processo ou o resultado dele, se é avaliada por critérios de competência, de ajustamento
social, de saúde emocional, ou apenas pela sobrevivência do sujeito às adversidades.
Não acordaram sobre as concepções de adaptação que estão a ela ligadas. Ainda não
está claro se a resiliência a que se referem está relacionada a um fenômeno de
resistência ao estresse, em que os sujeitos não se abalam diante das adversidades, ou
relacionada a fenômenos de recuperação de abalos provocados pelas adversidades. E o
que é o mais sério: sem a consciência de que as teorias de resiliência comportam todas
essas concepções, os autores não se posicionam quanto à perspectiva que adotam. Os
resultados de suas pesquisas empíricas tornam-se inconsistentes e os textos, marcados
de vieses.
Por tudo isso, os estudos sobre a resiliência devem se pautar por escolhas.
Cada pesquisador tem de escolher, em primeiro lugar, qual fenômeno estudará: a
resistência ao estresse ou a recuperação. Essa escolha, que define a concepção de
resiliência, influi diretamente na escolha de sujeitos de pesquisa, nos objetivos e na
análise dos dados.
Depois, é importante posicionar-se quanto ao fenômeno escolhido tomando
resiliência como traço, característica de personalidade (e então será investigada a
personalidade dos que resistem ao estresse ou dos que se recuperam), ou como processo
(e então será investigado o processo de resistência ou de recuperação).
122
Cada escolha dessas afeta diretamente os resultados de uma pesquisa. Optar
por conceber a resiliência como traço ou processo define pesquisas muito diversas entre
si. Por outro lado, escolher avaliar a resiliência pelo critério da competência implica
uma análise de dados muito diferente da que é feita quando se avalia com o critério da
saúde emocional.
Para nós, resiliência não seria um traço de personalidade. Defendemos que
seja um processo em que pessoas atingidas por adversidades e abaladas por elas lidam
com a mesma de maneira a superá-la, e tornam-se mais desenvolvidas a partir desse
enfrentamento, mais auto-realizadas e apresentando um bem-estar – o que exclui casos
de pessoas que enfrentam adversidades e apresentam psicopatologias. Se uma pessoa
sofre danos emocionais e apresenta sintomas psicopatológicos e/ou comportamento
anti-sociais no decorrer de um processo de enfrentamento, mas depois os supera, isso é
parte do processo de resiliência. Estudar a resiliência é, então, tratar de fenômenos de
recuperação e superação.
Consideramos também que não se deve descartar o estudo da resistência ao
estresse e, por isso, sugerimos que o conceito de hardiness/robustez seja aplicado a este
fenômeno.
Entendemos que tanto a resiliência quanto a robustez não são inatas nem
permanentes, mas adquiridas. E que há um potencial de resiliência que todas as pessoas
têm e que torna possível a todos se recuperarem de abalos sofridos a partir de encontros
com a adversidade. Todos também podem desenvolver uma personalidade robusta,
embora muitos não o façam e demonstrem sempre suas vulnerabilidades.
Mas chegando ao final de nosso trabalho, arriscamo-nos a expressar uma
observação a respeito das diferenças nas concepções de resiliência dos pesquisadores
anglo-saxões e dos outros pesquisadores. Percebemos que, para a maioria dos anglo-
123
saxões, a resiliência é um fenômeno relacionado à resistência ao estresse e, sendo assim,
são escolhidos como sujeitos de pesquisa pessoas que não se abalaram em situações
adversas e demonstram o que eles chamam de competência. A noção de adaptação, em
sentido de ajustamento social, está inserida nessa concepção. Já para os pesquisadores
brasileiros e os outros de língua latina, os estudos de resiliência estão relacionados aos
fenômenos de resistência ao estresse, mas também aos de recuperação, de superação.
Em conseqüência dessa concepção ambivalente do conceito, nesses estudos “não-anglo-
saxões”, são escolhidos como sujeitos de pesquisa tanto pessoas que se abalaram e se
recuperaram, quanto aquelas que permaneceram bem todo o tempo.
Os pesquisadores estão estudando fenômenos diferentes sob a mesma
nomenclatura, dando o nome genérico de resiliência a todos ou a qualquer um dos
fenômenos.
Percebemos que a pesquisa anglo-saxônica em geral, com a exceção de
alguns autores (Flach, 1991; Grotberg, 2005; Murphy, 1987; Walsh, 2005) estuda o
fenômeno da resistência ao estresse, sem se referir aos fenômenos de recuperação e
superação, enquanto que a pesquisa feita por pesquisadores de língua latina confundem
os dois fenômenos, chamando-os de resiliência. Perguntamo-nos o porquê da diferença.
Por que será que um grupo de pesquisadores não tem dúvida de que a resiliência que
estudam é a resistência ao estresse e o outro estuda dois fenômenos como se fossem um
só?
Consideramos que essa resposta se relaciona com o fato de que os
pesquisadores anglo-saxões e os outros iniciaram seus estudos sobre a resiliência em
pontos de partida distintos. Os anglo-saxões estavam estudando justamente o fenômeno
de resistência ao estresse, ao qual chamavam invulnerabilidade, quando mudaram a
nomenclatura para resiliência. Chamava-lhes a atenção a existência das pessoas que
124
tinham toda a probabilidade de apresentar mau desenvolvimento, mas apresentavam-se
bem. Em seus estudos sobre invulnerabilidade e resiliência, não estavam procurando
entender pessoas que se recuperavam de traumas ou que se abatiam em situações de
risco mas depois ficavam bem. Ao longo do tempo, em sua maioria, continuaram a
estudar basicamente o mesmo tipo de fenômeno, embora tenham avançado muito em
suas teorizações.
Os brasileiros e os pesquisadores de língua latina, por sua vez, começaram
seus estudos sobre o tema cerca de vinte anos depois dos americanos e ingleses e seu
ponto de partida foi a literatura anglo-saxônica (como não poderia deixar de ser, pois
era a única disponível). Sendo assim, começaram a estudar resiliência como resistência
ao estresse. No entanto, posteriormente, começaram a trazer definições de resiliência
que incluíam o sentido de superação e começaram a estudar o fenômeno de recuperação.
Começamos a pensar que talvez a busca pelas origens do termo “resiliência”
nas ciências exatas, busca que não aconteceu nas pesquisas dos anglo-saxões, tenha
influenciado essa “mudança de foco” dos estudos. Isso porque, para a Resistência dos
Materiais, como já foi dito
125
, a noção de resiliência está ligada ao conceito de
elasticidade dos materiais que se deformam sob pressão, mas depois voltam à sua forma
original, demonstrando poder de recuperação. Em outras palavras, quando a pressão que
deforma os materiais elásticos não ultrapassa seu limite de elasticidade, ou seja, seu
módulo de resiliência, tais materiais se recuperam dos abalos sofridos.
Dessa maneira, como os pesquisadores não anglo-saxões da psicologia e das
ciências sociais foram buscar uma base para seus estudos nas ciências exatas, nas quais
a resiliência tem esse sentido de recuperação, inferimos que a concepção de recuperação
que a resiliência passou a ter possa ter vindo dali.
125
Conferir capítulo 1.1.
125
Essa diferença de concepções de resiliência traz conseqüências importantes
para os projetos de intervenção social que utilizam o conceito. Os projetos advindos da
concepção de resistência ao estresse objetivam proporcionar essa resistência ao máximo
de pessoas possíveis e, para isso, potencializam os fatores de proteção e tentam
minimizar a ação dos fatores de risco. Esses projetos visam conseguir um máximo de
pessoas competentes e bem adaptadas que não se abalem diante das adversidades. Seus
objetivos não estão voltados para os que já sucumbiram intentando recuperá-los.
Por outro lado, projetos de resiliência baseados em concepções de superação
e recuperação já se voltam aos que se mostram mais fragilizados diante de adversidades,
com objetivos de fortalecê-los, recuperá-los e torná-los mais fortes.
Como se pode ver, as escolhas que um pesquisador faz a respeito de seu
tema de estudo trazem conseqüências não só para a própria ciência, que se alimenta de
pesquisas, como para populações que podem se beneficiar dos frutos das mesmas.
Esperamos que as reflexões que fizemos neste trabalho possam contribuir com a ciência
ajudando os estudiosos da resiliência a visualizar melhor seu campo de estudo.
126
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