mitificação do rei perdido em Alcácer-Quibir, D. Sebastião. O narrador vê traços do
sebastianismo nos grupos fanatizados surgidos nos sertões, o que, mais uma vez, daria
suporte à sua argumentação a respeito do caráter retrógrado e conservador das
populações habitantes dessas paragens. Observemos, então, mais uma passagem do
texto euclidiano selecionada por nós a fim de ilustrar as relações que procuramos fazer
até agora:
“Considerando as agitações religiosas do sertão
e os evangelizadores e messias singulares, que,
intermitentemente, o atravessam, ascetas
mortificados de flagícios, encalçados sempre pelos
sequazes numerosos, que fanatizam, que arrastam,
que dominam, que endoudecem – espontaneamente
recordamos a fase mais crítica da alma portuguesa, a
partir do século XVI, quando, depois de haver por
momentos centralizado a História, o mais
interessante dos povos caiu, de súbito, em
decomposição rápida, mal disfarçada pela corte
oriental de D. Manuel.
O povoamento do Brasil fez-se, intenso, com D.
João III, precisamente no fastígio de completo
desequilíbrio moral, quando ‘todos os terrores da
Idade Média tinham cristalizado no catolicismo
peninsular’.
Uma grande herança de abusões extravagantes,
extinta da orla marítima pelo influxo modificador de
outras crenças e de outras raças, no sertão ficou
intacta. Trouxeram-na as gentes impressionáveis,
que afluíram para a nossa terra, depois de desfeito
no Oriente o sonho miraculoso da Índia. (...) da
mesma gente que após Alcácer-Quibir, (...)
procurava, ante a ruína iminente, como salvação
única, a fórmula das esperanças messiânicas.
Esta justaposição histórica calca-se sobre três
séculos. Mas é exata, completa, sem sobras. Imóvel
o tempo sobre a rústica sociedade sertaneja,
despeada do movimento geral da evolução humana,
ela respira ainda na mesma atmosfera moral dos
iluminados que encalçavam, doudos, o Miguelinho
ou o Bandarra. Nem lhe falta, para completar o
símile, o misticismo político do sebastianismo.
Extinto em Portugal, ele persiste todo, hoje, de
modo singularmente impressionador, nos sertões do
Norte.” (Id., p. 140)