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DÉBORA MACEDO ZABALAR
A LEITURA NA REVISTA NOVA ESCOLA: DIALOGISMO E
PRODUÇÃO DE SENTIDO
Dissertação apresentada à Universidade de
Franca como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Linguística
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Marina Célia
Mendonça
FRANCA
2009
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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca
Zabalar, Débora Macedo
Z12L A leitura na revista Nova Escola : dialogismo e produção de sentido /
Débora Macedo Zabalar ; orientador: Marina Célia Mendonça. – 2009
133 f. : 30 cm.
Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca
Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Linguística
1. Linguística – Dialogismo. 2. Análise do discurso. 3. Leitura –
Revista Nova Escola. I. Universidade de Franca. II. Título.
CDU – 801:82-5:82-83
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DÉBORA MACEDO ZABALAR
A LEITURA NA REVISTA NOVA ESCOLA: DIALOGISMO E PRODUÇÃO
DE SENTIDO
COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA
Presidente: Prof
a
. Dr
a
. Marina Célia Mendonça
Universidade de Franca
Titular 1: Prof. Dr. João Wanderley Geraldi
UNICAMP
Titular 2: Prof
a
. Dr
a
. Maria Sílvia Olivi Louzada
Universidade de Franca
Franca, 27/08/2009
DEDICO este estudo aos meus pais, Adelina e Sebastião, que apesar
das adversidades, sempre me orientaram a trilhar o caminho correto.
AGRADECIMENTOS
A Deus pela força física e emocional para desenvolver este trabalho;
à minha orientadora, Prof
a
Dr
a
Marina Célia Mendonça, pela compreensão e pela
forma delicada com que lidou com meus momentos de fragilidade emocional e, sobretudo,
pela grande competência acadêmica que tornou possível a conclusão deste estudo;
a todos os professores do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade
de Franca;
à Prof
a
Dr
a
Maria Sílvia Olivi Louzada e ao Prof Dr Luiz Antonio Ferreira, pelas
valiosas críticas e sugestões ao relatório de Exame de Qualificação, que muito contribuíram
para a finalização deste trabalho;
aos colegas de pós-graduação, pelos momentos de estudo e de descontração;
aos funcionários da Diretoria de Ensino da Região de São Joaquim da Barra,
especialmente aos colegas da Oficina Pedagógica, pela acolhida e convivência; à dirigente
Reni Selma Gomes Mazarão, pela oportunidade; à Lúcia e Ana Maria, pelas orientações.
à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pela concessão do auxílio
financeiro por meio do Programa Bolsa Mestrado, que tornou possível a realização de um
sonho;
aos meus irmãos, cujos exemplos de vida em muito contribuíram para que eu
continuasse meus estudos;
ao meu marido Eduardo, pelo amor e companheirismo que tanto me fortalecem;
enfim, a todas as vozes que ecoam positivamente neste trabalho, minha gratidão e
respeito.
Ainda bem que o que vou escrever já deve estar na certa de algum
modo escrito em mim...
Clarice Lispector
RESUMO
ZABALAR, Débora Macedo. A leitura na revista Nova Escola: dialogismo e produção de
sentido. 2009. 133 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca,
Franca.
Esta dissertação tem como tema a leitura no discurso da revista Nova Escola. A partir dos
estudos do círculo de Bakhtin, procedemos a uma análise dialógica, com o objetivo de
verificar marcas do outro no discurso do periódico. Elegemos os estudos do chamado Círculo
de Bakhtin pela contribuição dos pensadores do referido grupo para os estudos da linguagem
em geral e para a Análise do Discurso, na qual nossa pesquisa se insere. Privilegiamos, neste
trabalho, as reflexões sobre produção de sentido e identidades a partir da alteridade e do
dialogismo desenvolvidas por Bakhtin e pelos demais membros do Círculo. A alteridade, na
nossa pesquisa, constitui o “eu” da revista ao dialogar com discursos da academia sobre
leitura e no instante em que prevê a contrapalavra por parte do público leitor, os docentes do
ensino fundamental e médio. Para verificar marcas da alteridade, realizamos um levantamento
bibliográfico que se encontra no capítulo 2, intitulado “Memória discursiva sobre leitura”, em
que expomos ideias produzidas por estudiosos do tema, além dos principais discursos sobre
leitura presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNs).
Compõem nosso material de análise seis números da revista, publicados entre 1998 e 2008,
sendo o número 18, de abril de 2008, uma edição especial sobre leitura. Quanto à metodologia
adotada para desenvolver a pesquisa, nossas reflexões partem de indícios de relações
dialógicas entre discursos para procedermos à observação de pontos de distanciamento e de
aproximação entre os discursos que atravessam os gêneros presentes em Nova Escola. A
investigação indicou que circulam mensalmente nas páginas do periódico discursos
conflitantes acerca da leitura e do papel do docente na formação de leitores. Acreditamos que
nosso trabalho possa contribuir para ampliar reflexões e discussões acerca da produção de
senso comum pelas mídias, especialmente no que tange à leitura, tema tão caro à educação.
Palavras-chave: leitura; dialogismo; revista Nova Escola.
ABSTRACT
ZABALAR, Débora Macedo. A leitura na revista Nova Escola: dialogismo e produção de
sentido. 2009. 133 p. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca,
Franca.
The subject of this dissertation is the reading comprised in the discourse of Nova Escola
journal. Starting from the viewpoint of Bakhtin Circle, a dialogic analysis to verify the signs
of “the other” in the discourse of that journal was proposed. The Bakhtin Circle was chosen
due to their thinkers contributions to the general language studies and to the Discourse
Analysis, in which this research is fitted in. In this work we emphasized the reflections on the
production of sense and identities from the alterity and dialogism that were developed by
Bakhtin and other members of his Circle. In our research, the alterity constitutes the “I” of
that journal when such one dialogues with academy discourses on reading, and at the moment
in that it foresees the counterword from the reader, the teachers from college and highschool.
In order to verify the alterity signs, we performed a bibliographic revision (Chapter 2),
entitled “Discoursive memory about reading”, in which we displayed ideas produced by
specialists in that matter, besides the main discourses on reading present in the National
Curriculum Parameters of Portuguese Language (NCPPL). Our corpus comprises six issues of
Nova Escola, published between 1998 and 2008, including a special issue on reading,
published in April 18, 2008. With respect to the methodology adopted to develop this work,
our reflections started from indications for dialogic relationships between discourses to
proceed the observation of points that approximate and make distant the discourses of the
genders present in Nova Escola. Our investigation indicated that conflictant discourses on
reading and on the role of teachers in the readers formation monthly circulates in that journal.
We believe that our work could contribute to extend reflections and discussions on the
common sense production by media, specially regarding to the reading, which is a very
valious topic in the education.
Key words: reading; dialogism; Nova Escola Journal.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Gráfico da vendagem de exemplares da revista Nova Escola no
período de 1986 a 2000. 53
Figura 2 Médias mais baixas (em número de pontos) dos alunos de alguns
países. 56
Figura 3 Plano de aula de um texto do gênero anedota. 59
Figura 4 Primeira página da reportagem “Todas as leituras”. 69
Figura 5 Capa da Revista Nova Escola, edição 112, de 1998. 73
Figura 6 Seção “Carta ao leitor” da Revista Nova Escola, edição 112, de maio
de 1998. 74
Figura 7 Reportagem “Passagem só de ida”, publicada na edição especial da
Revista Nova Escola, de abril de 2008. 78
Figura 8 Capa da edição especial da Revista Nova Escola, de abril de 2008. 82
Figura 9 Foto publicada na página 46 da edição especial na Revista Nova
Escola, de abril de 2008. 83
Figura 10 Carta ao leitor. Revista Nova Escola, abril de 2008. 85
Figura 11 Seção “Até 3 anos” da Revista Nova Escola, edição especial de abril
de 2008. 90
Figura 12 Seção “De 4 a 6 anos” da Revista Nova Escola, edição especial de
abril de 2008. 91
Figura 13 Seção “Eu gostei” da Revista Nova Escola, edição especial de abril de
2008. 92
Figura 14 Seção “Entrevista” da edição especial da Revista Nova Escola, de
março de 2008. 96
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................
12
1
DISCURSO, DIALOGISMO E PRODUÇÃO DE
SENTIDO
............................................................................................................
16
1.1 O CÍRCULO DE BAKHTIN.................................................................................. 16
1.2 DIALOGISMO E ALTERIDADE NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA........... 17
1.3 ENUNCIADO, ENUNCIADO CONCRETO E ENUNCIAÇÃO.......................... 18
1.4 GÊNEROS DO DISCURSO E ESFERAS DE ATIVIDADES HUMANAS......... 21
1.5 IDEOLOGIA SEGUNDO BAKHTIN.................................................................... 22
1.6 HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA.............................................................. 25
2
MEMÓRIA DISCURSIVA: A LEITURA COMO PRAZER EM
DISCUSSÃO
......................................................................................................
28
2.1 O DISCURSO ACADÊMICO SOBRE A FORMAÇÃO DO LEITOR................. 28
2.2 O DISCURSO SOBRE LEITURA EM CONTEXTO PEDAGÓGICO: OS
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA
PORTUGUESA....................................................................................................... 47
3
O DISCURSO DA FORMAÇÃO DO LEITOR E A
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR NA
REVISTA NOVA ESCOLA EM DIFERENTES GÊNEROS
...........
52
3.1 PLANO DE AULA – PROFESSOR MAU LEITOR............................................. 55
3.2 A LEITURA NAS REPORTAGENS DE NOVA ESCOLA.................................... 61
3.2.1 O caso da leitura como “hábito”, do professor aprendiz e dos relatos de
experiência............................................................................................................... 63
3.2.2 O caso da mitificação da leitura.............................................................................. 66
3.2.3 O caso da leitura por prazer e para se informar....................................................... 68
3.2.4 A metáfora da leitura como uma viagem................................................................. 72
4 A LEITURA EM EDIÇÃO ESPECIAL DE NOVA ESCOLA: VALORES
EM CONFLITO.................................................................................................... 79
4.1 O DISCURSO NÃO-VERBAL: A LEITURA COMO ATIVIDADE
PRAZEROSA, INTERATIVA E LIBERTADORA............................................... 80
4.2 CARTA AO LEITOR, CAPA, TÍTULOS E SUBTÍTULOS: O LÚDICO
VERSUS O ESPÍRITO CRÍTICO............................................................................ 84
4.3 A LEITURA COMO ATIVIDADE A SER FRACIONADA POR FAIXA
ETÁRIA................................................................................................................... 88
4.4 O GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-PONGUE: VALORES EM
CONFLITO.... 94
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................
100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
104
ANEXOS...........................................................................................................................
110
Anexo A Reportagem “Como semear leitores em sala de aula.” Revista Nova Escola
n. 128, dez. 1999............................................................................................. 110
Anexo B Reportagem “Histórias de leituras sem fim”. Revista Nova Escola, n. 150,
mar. 2002........................................................................................................ 114
Anexo C Reportagem “Todas as leituras”. Revista Nova Escola, n. 194, ago. 2006.... 118
Anexo D Reportagem “Ler por prazer: O X da questão”. Revista Nova Escola,
edição especial n. 18, abril de 2008................................................................ 124
Anexo E Reportagem “A viagem da leitura”. Revista Nova Escola, n. 112, maio de
1998................................................................................................................ 128
Anexo F Entrevista “Programa Livre”. Revista Nova Escola, edição especial n. 18,
abril de 2008................................................................................................... 129
Anexo G Entrevista “Livro precisa ser um vício.” Revista Nova Escola, edição
especial n
.
18, abril de2008............................................................................. 130
Anexo H Entrevista “Leitura não pode ser só folia”. Revista Nova Escola, edição
especial, n.
18, abril de 2008........................................................................... 131
Anexo I Entrevista “Sem temas proibidos”. Revista Nova Escola, edição especial,
n.
18, abril de 2008.........................................................................................
132
Anexo J Entrevista “Janelas para o mundo”. Revista Nova Escola, edição especial,
n.
18, abril de 2008......................................................................................... 133
12
INTRODUÇÃO
A leitura é um tema que desperta o interesse da comunidade científica
brasileira há muitos anos. Vem sendo apontada como uma atividade que poderia resgatar a
qualidade da educação no país se suas práticas fossem melhoradas e reforçadas nas escolas.
Nas últimas décadas, as publicações sobre o tema são inúmeras, e muitas configuram-se como
verdadeiros manuais de práticas de leitura na escola. Em Nova Escola, revista da qual
extraímos o corpus deste trabalho, o discurso da necessidade urgente de se formar leitores é
encontrado com frequência, e a atualização recorrente desse discurso despertou nosso
interesse.
O presente trabalho integra discussões e estudos realizados no interior do
GADI (Grupo de Pesquisa em Análise do Discurso), certificado pela Universidade de Franca.
É fruto de questionamentos oriundos da observação da circulação de discursos sobre leitura
na revista Nova Escola, que podem ser assim resumidos: como o jornalista se apropria do
discurso sobre leitura e o apresenta na revista Nova Escola? A partir de quais discursos ele se
constitui? De que forma ele se dirige ao professor? Que imagens do docente e do ato de ler
são criadas nas páginas de Nova Escola?
A partir daí, propomos a análise das relações dialógicas presentes nos
discursos materializados nos gêneros que compõem o suporte revista impressa, mais
especificamente o discurso sobre leitura que se materializa nas páginas da revista Nova
Escola. Para tanto, foram selecionados para compor o corpus de análise seis números da
referida revista, publicados nos anos de 1998, 1999, 2002, 2005, 2006 e 2008, sendo este
último um número especial sobre leitura.
Nosso objetivo é verificar em que medida o discurso da revista, no que tange à
leitura, é atravessado pelos discursos científico e pedagógico. Interessa-nos, nesse sentido,
refletir acerca dos pontos de distanciamento e de aproximação entre discursos oriundos de
esferas distintas quando tratam do mesmo tema. Para atingirmos este objetivo, é importante
chegar a objetivos específicos, tais como levantar alguns discursos científicos, refletir sobre
os aspectos mais relevantes desses discursos e observar como se dá o diálogo entre essas
esferas, além de investigar como esses discursos ocorrem em diferentes gêneros.
13
A hipótese que nos guia é a de que o discurso da revista Nova Escola, no que
concerne à leitura, constitui-se a partir de diálogos com discursos do senso comum
1
e da
academia e, com isso, pode refletir e refratar os discursos sobre leitura presentes na sociedade.
Nosso trabalho justifica-se pela necessidade de uma melhoria das práticas de
leitura no contexto escolar, comprovada pelo vasto número de publicações a respeito do
assunto, como por exemplo, Geraldi (1984), Ferreira & Dias (2002), Rojo (2004) e Pullin &
Moreira (2008). Além disso, parece-nos interessante promover uma reflexão a esse respeito,
em virtude do amplo alcance das ideias divulgadas por Nova Escola, conforme buscamos
comprovar no capítulo 3. Acreditamos que uma revista como Nova Escola, que tem como
público alvo os professores, produz para eles um senso comum sobre práticas educativas e
relações de ensino, entre elas as práticas de leitura, o que pode se refletir na atuação destes
profissionais.
Dessa forma, consideramos relevante proceder a uma investigação sobre como
o tema leitura vem sendo exposto nos diversos gêneros que compõem a revista Nova Escola,
tais como carta ao leitor, reportagens e entrevistas, além do discurso não-verbal disposto na
revista. Do mesmo modo, refletimos acerca dos discursos que se encontram às margens, dos
não ditos e dos conflitos que um olhar mais ingênuo não consegue captar. Enfim,
consideramos toda a rede dialógica que produz determinados sentidos sobre o ensino da
leitura e sobre o papel do professor nesse contexto.
Para atingir nossos objetivos, buscamos em outros estudos contribuições para
o desenvolvimento de nossa pesquisa. O trabalho de Faria (2001) forneceu-nos dados para a
elaboração do histórico da revista, e a pesquisa de Marcelino (2003) foi fundamental para
nossas reflexões sobre a constituição do discurso do prazer da leitura nas décadas de 1980 e
1990 presente em nosso corpus.
No que se refere à metodologia, realizamos uma análise qualitativa e
comparativa entre discursos provenientes de três esferas de atividades humanas - a científica,
a pedagógica e a midiática - que se materializam, a nosso ver, nas páginas de Nova Escola.
Buscamos observar como se processa o diálogo entre tais discursos e que sentidos sobre
leitura são produzidos a partir desse diálogo. Primeiramente, realizamos uma busca no site da
revista, de onde extraímos vinte reportagens sobre leitura. Destas, cinco foram selecionadas,
às quais, posteriormente, tivemos acesso na versão impressa, que foi eleita como suporte para
1
Neste trabalho, o senso comum é entendido como um conjunto de ideias aceitas como inquestionáveis pela
maioria dos indivíduos de um sociedade.
14
análise. Optamos por restringir nossas análises aos números impressos, em virtude da
possibilidade de incluirmos nas análises os discursos não verbais, que não estão disponíveis
na versão on line.
No que se refere à filiação teórica, a presente pesquisa insere-se na área da
Análise do Discurso e privilegia os estudos sobre as relações discursivas a partir das reflexões
produzidas pelo círculo de Bakhtin. O autor tem sido referência na área quando se trata do
estudo de relações interdiscursivas, sendo base teórica de muitas pesquisas realizadas no
Brasil e no exterior. Bakhtin (1995) postula que todo enunciado faz parte da corrente
comunicativa, que é ininterrupta. Para o autor, qualquer enunciado é resultado de outro, ou
seja, tem sua criação motivada pelo caráter responsivo de outro enunciado e, por sua vez
estrutura-se também como condição de produção para outros enunciados. Dessa forma,
tomamos o discurso sobre leitura da revista Nova Escola como um elo da corrente da
comunicação, que se origina a partir de discursos gerados em esferas de atividades distintas e
que se encaminha para um público leitor, prevendo uma réplica por parte dele. Estas ideias
encontram-se no primeiro capítulo, em que apresentamos conceitos como dialogismo, esfera e
gênero, com os quais vamos operar. Além das obras assinadas pelo círculo de Bakhtin,
buscamos sustentação teórica para os capítulos analíticos em autores que se destacam no meio
acadêmico pelo fato de serem estudiosos da filosofia bakhtiniana. Encontramos nas obras
Bakhtin: conceitos-chave e Bakhtin: outros conceitos-chave, organizadas pela pesquisadora
Beth Brait, artigos como Enunciado/enunciado concreto/enunciação (BRAIT & MELO,
2005), Gêneros Discursivos (MACHADO, 2005), Ideologia (MIOTELLO, 2005) e Diálogo
(MARCHEZAN, 2006) que muito contribuíram para nossa apreensão das principais ideias do
círculo.
No Capítulo 2, reunimos vários estudos realizados acerca do tema leitura em
contexto brasileiro para compor o pano de fundo que constitui a memória discursiva, com a
qual acreditamos que a revista Nova Escola dialoga, além de uma resenha dos PCNs,
destacando aquilo que diz respeito ao nosso tema de pesquisa. Selecionamos alguns números
da revista Leitura: teoria e prática, pois a consideramos um espaço privilegiado para
divulgação de estudos sobre nosso tema de pesquisa. Baseamo-nos também em publicações
de autores como Geraldi, Solé e Lajolo para realizarmos uma comparação com as ideias
difundidas em Nova Escola.
O capítulo 3 apresenta um breve histórico da revista Nova Escola e a análise
de dois gêneros discursivos: um plano de aula e cinco reportagens sobre leitura. Na análise do
plano de aula, destacamos a imagem do professor que é criada a partir de um texto autoritário.
15
Na análise das reportagens, explicitamos aspectos como a mitificação da leitura, a metáfora
do ato de ler como uma viagem e o discurso do prazer de ler.
O capítulo 4 é dedicado à análise de alguns enunciados do número especial. A
questão da adequabilidade da leitura por faixa etária de leitores chamou nossa atenção devido
à frequência com que é atualizada nesta edição.
A contribuição teórica desta pesquisa é aprofundar a discussão sobre a
produção de senso comum sobre leitura pelas mídias e apresentar subsídios para defender que
esse senso comum é heterogêneo, apresentando traços bem definidos de um diálogo com
outros discursos que o definem. Além disso, pretendemos com este trabalho oferecer um
panorama do discurso da revista Nova Escola sobre práticas de leitura e a consequente
imagem do professor que se configura com tal discurso.
16
1. DISCURSO, DIALOGISMO E PRODUÇÃO DE SENTIDO
Neste capítulo, objetivamos apresentar algumas das principais ideias da
filosofia bakhtiniana acerca da linguagem, que se constituem em base para nossas reflexões
nos capítulos analíticos. Como nosso trabalho centra-se nas relações dialógicas entre
discursos sobre leitura materializados nos diferentes gêneros presentes na revista Nova
Escola, faz-se necessária uma explanação de como Bakhtin e os demais membros do círculo
concebem a linguagem e as implicações do conceito de dialogismo nessa perspectiva. Além
dos principais conceitos que constituem a arquitetônica bakhtiniana, apresentamos um pouco
da ideia de heterogeneidade enunciativa, desenvolvida por Jacqueline Authier-Revuz a partir
do pensamento de Bakhtin.
1.1 O CÍRCULO DE BAKHTIN
A obra bakhtiniana é comumente identificada com os dizeres “O círculo de
Bakhtin”. Esta expressão foi criada por estudiosos da obra, que julgaram adequado utilizá-la
por dois motivos. Primeiro, para esclarecer que a obra é fruto do trabalho de um grupo de
estudiosos, e segundo, para destacar Bakhtin, considerado a figura central do grupo, por ser
quem produziu a obra de maior relevância. O grupo de estudos era formado por profissionais
de diversas áreas, que se reuniram primeiro em Nevel e Vitebsk, e posteriormente, em São
Petersburgo. Além de Bakhtin, os intelectuais do círculo que mais interessam aos estudos
discursivos são Valentin N. Voloshinov e Papel N. Medvedev (FIORIN, 2006).
Os três estudiosos mencionados tiveram em comum a paixão pela linguagem e
o fato de atuarem como professores. Voloshinov lecionava e dedicava-se ao estudo da história
da música. Formou-se em estudos linguísticos e, em seguida, cursou pós-graduação na mesma
área. Medvedev era bacharel em direito e também trabalhou como professor de literatura.
Bakhtin formou-se em estudos literários e lecionou literatura.
Os conceitos desenvolvidos pelo grupo não se encontram prontos, separados
em obras ou capítulos. Pelo contrário, estão dispersos pelos vários textos assinados pelos
membros do círculo. Somam-se a isso os problemas de tradução. Disso decorre uma certa
17
dificuldade em se apreender a filosofia bakhtiniana na sua totalidade. Na verdade, o analista
que se propõe a trabalhar com algum conceito do círculo deve ter em mente que só terá
sucesso se o fizer na relação com outros conceitos, visto que eles se encontram bastante
imbricados no conjunto da obra bakhtiniana (FARACO, 2006).
1.
2 DIALOGISMO E ALTERIDADE NA PERSPECTIVA BAKHTINIANA
Nossa proposta de trabalho tem como base teórica o dialogismo, já que na
análise do discurso da revista Nova Escola observamos como se processa o diálogo com o
discurso científico referente à leitura. Obviamente, não escapamos à dificuldade assinalada no
item anterior, nem tampouco podemos nos esquivar de outros conceitos, pois embora o
dialogismo seja conceito basilar no pensamento bakhtinano, não é possível deixar de passar
por termos como enunciação, enunciado, gênero, esfera e outros.
Bakhtin (1995) concebe a linguagem sob o ponto de vista histórico, social e
cultural, com sujeitos e discursos envolvidos nesse processo. Segundo o autor, todo discurso é
sempre construído com base em outro, ou seja, não há discurso original, uma vez que todo e
qualquer discurso apresenta um acabamento específico que lhe permite uma resposta:
Normalmente, quando se fala em dialogismo, pensa-se em relações com
enunciados já constituídos e, portanto, enunciados anteriores, passados. No entanto,
o enunciado está relacionado não só aos que o precedem, mas também aos que lhe
sucedem na cadeia da comunicação verbal. Com efeito, na medida em que um
enunciado é elaborado em função de uma resposta, está ligado a essa resposta, que
ainda não existe. O locutor sempre espera uma compreensão responsiva ativa e o
enunciado se constitui para essa resposta esperada (FIORIN, 2006, p.178).
O dialogismo, portanto, é um princípio unificador do projeto filosófico de
Bakhtin. Consiste nas relações dialógicas existentes entre os discursos e que os dotam de
sentido. De acordo com Bakhtin (1995), o dialogismo está na essência da linguagem, pois é
inerente a todo processo de comunicação, independente de sua extensão ou modalidade. Nas
palavras do autor:
Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma
coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda
inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta
com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (BAKHTIN, 1995, p.98).
18
Na visão do filósofo russo, o sujeito, mesmo sem ter consciência, sempre
modela dialogicamente seu discurso, como uma réplica a outros com os quais entrou em
contato, seja para concordar com eles, seja para discordar. Deste modo, os sentidos se
constroem na relação do já-dito com um novo contexto de produção. O dialogismo, sob essa
ótica, deve ser entendido como uma forma de reação à palavra de outrem e como uma
possibilidade de uma nova resposta. De acordo com Marchezan:
A palavra diálogo é bem entendida, no contexto bakhtiniano, como reação do eu ao
outro, como “reação da palavra à palavra de outrem”, como ponto de tensão entre o
eu e o outro, entre círculos de valores, entre forças sociais. A essa perspectiva,
interessa não a palavra passiva e solitária, mas a palavra na atuação complexa e
heterogênea dos sujeitos sociais, vinculada a situações, a falas passadas e
antecipadas (2006, p.123).
Chama-se dialogismo constitutivo a forma pela qual o caráter dialógico não se
apresenta no fio discursivo. O dialogismo é dito composicional quando o enunciador
apropria-se do discurso alheio e, por meio de marcas linguísticas, a presença do outro torna-se
visível (FIORIN, 2006). São formas do dialogismo composicional o discurso alheio
demarcado (discurso direto e indireto, aspas, negação) e o discurso alheio não demarcado
(discurso indireto livre, polêmica clara, polêmica velada, paródia, estilização e estilo).
1.3 ENUNCIADO, ENUNCIADO CONCRETO E ENUNCIAÇÃO
O dialogismo ocorre, como dissemos, entre discursos, que se manifestam nos
enunciados. Bakhtin não apenas trabalha com esse conceito, como também aponta para uma
distinção entre enunciado, enunciado concreto e enunciação.
Na filosofia bakhtiniana, o enunciado constitui-se como uma unidade de
comunicação e significação, inserida num determinado contexto. Um enunciado pode ser
atualizado diversas vezes, mas nunca será o mesmo, pois em cada situação ele ganha um novo
sentido em função do contexto de produção. De acordo com Brait & Melo (2005), no texto
Discurso na vida e discurso na arte – sobre poética sociológica, Voloshinov defende que o
enunciado compreende três fatores: a) o horizonte espacial comum dos interlocutores, que
seria a unidade do visível; b) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte
dos interlocutores e c) sua avaliação comum desta situação. O termo “comum” sinaliza a
possibilidade de ressignificações, uma vez que, não partilhando da mesma interação, outros
19
interlocutores podem atualizar os enunciados de modo divergente, o que caracteriza, no
pensamento bakhtiniano, o diálogo polêmico.
Conforme dissemos, os enunciados sempre se orientam para uma réplica, que
pode estabelecer uma relação de divergência ou de convergência com o enunciado que o
perpassa (BAKHTIN, 2006). De qualquer forma, o dialogismo se manifesta, pois trata-se de
um princípio constitutivo de todo dizer.
Cabe mencionar que em Estética da criação verbal, Bakhtin (2006) apresenta
diferenças entre enunciados e unidades da língua. Os enunciados, de acordo com Bakhtin,
possuem autor e destinatário. São irrepetíveis, pois ocorrem dentro de diferentes contextos.
Permitem uma réplica, já que apresentam um acabamento específico. Carregam juízos de
valor, emoções e possuem sentido, que é construído na relação dialógica. As unidades da
língua, por sua vez, não apresentam nenhuma das características acima, pelo contrário, são
apenas unidades descontextualizadas e, portanto, desprovidas de sentido.
A enunciação consiste no evento, na produção do enunciado, que envolve
sujeito, contexto verbal e extraverbal. Para Bakhtin (1995, p. 98), a enunciação consiste em
“[...] um elo na cadeia dos atos de fala”. Sendo assim, é importante destacar o papel da grande
temporalidade, que compreende o passado, o presente e o futuro. O enunciado que se produz
hoje relaciona-se com a memória do passado e com a memória do futuro. O já-dito é
absorvido no dizer, e este, pelo seu caráter responsivo, prevê uma resposta. Dentro dessa
perspectiva, a enunciação é o que torna possível a ocorrência do enunciado concreto.
Conforme Bakhtin (1995), os sujeitos da enunciação são indivíduos
socialmente organizados que se inscrevem dentro de um contexto sócio-histórico. Por esse
motivo, a fala do sujeito não pode ser considerada apenas como individual, pois é
condicionada pela posição social por ele ocupada. Além disso, segundo o autor, a alteridade é
fator fundamental na constituição da subjetividade e, por consequência, do discurso, uma vez
que é na relação com o outro que sujeitos e discursos são construídos.
Mendonça (2009) destaca a importância de se considerar não apenas os
interlocutores imediatos da enunciação, mas também o superdestinatário, uma vez que para
Bakhtin há “[...] dois tipos de destinatários: o segundo e o terceiro – este, um
superdestinatário”. O destinatário “segundo” é aquele, mais ou menos próximo que, pela
proximidade, possibilita que o enunciador preveja a contrapalavra. Já o superdestinatário
(terceiro) trata-se de uma instância mais distante que, de acordo com Bakhtin, tem sua
identidade determinada pela época vivida e pode ser representado por Deus, pelo povo ou
pela ciência, por exemplo (MENDONÇA, 2009).
20
Geraldi (2004) propõe, a partir de Bakhtin, um “debruçar” sobre a questão dos
atos singulares, dos eventos em sua relação com a alteridade e com o contexto sócio-histórico
para se apreender sentidos não explicitados. Conforme o autor:
Potencializa-se a complexidade da questão de construir compreensões a partir dos
atos singulares, dos eventos únicos. Trata-se agora de ultrapassar a barreira da
linguagem, aquela mesma que me dá acesso ao evento, para nela encontrar os
indícios do que não sendo explicitado contém precisamente o que merece a
explicitação e possivelmente determinaria a revisão de nossas compreensões da
vida cotidiana (GERALDI, 2004, p. 293).
A proposta de Geraldi relaciona-se com os conceitos de significação e de tema
para Bakhtin. A significação representa “um estágio inferior da capacidade de significar”
(CEREJA, 2005, p. 202). É o significado que as unidades da língua assumem ao longo dos
tempos, em virtude de usos repetidos. Portanto, confere estabilidade de sentido à linguagem e
é considerado fora da interação. O tema, na perspectiva de Bakhtin, por sua vez, é dependente
de um contexto sócio-histórico específico. O contexto, assim como a ideologia, incide sobre o
tema conferindo-lhe mobilidade de sentido e, com isso, várias possibilidades de
ressignificação. O tema se configura como um evento único, um acontecimento singular.
Conforme esclarece Cereja:
O tema é indissociável da enunciação, pois, assim como esta, é a expressão de uma
situação histórica concreta. Como decorrência, é único e irrepetível. Participam da
construção do tema não apenas os elementos estáveis da significação mas também
os elementos extraverbais, que integram a situação de produção, de recepção e de
circulação. Dessa forma, o instável e o inusitado de cada enunciação se somam à
significação, dando origem ao tema, resultado final e global do processo da
construção de sentido. O sistema de significação, entretanto, não se configura como
fixo e biunívoco: o tema se incorpora à significação, de modo que o sistema é
sempre flexível, mutável, renovável (CEREJA, 2005, p. 202).
O problema da diferenciação entre tema e significação na perspectiva
bakhtiniana é de especial interesse para nossos propósitos, em virtude da atualização dos
discursos sobre leitura que acreditamos ocorrer na revista. Dessa forma, essa atualização
conjuga o estável da significação e o instável do tema, produzindo sentido na relação do
sujeito com as memórias (o já-dito e o porvir). No caso da nossa pesquisa, o já-dito é
representado pelos trabalhos arrolados no capítulo 2, que contempla autores como Geraldi,
Britto, Lajolo, Solé e outros. Consideramos que o porvir, ou seja, a memória do futuro
compreende a forma como o discurso de Nova Escola, prevendo uma réplica por parte do
público leitor, dirige-se a ele, conforme objetivamos mostrar nos capítulos 3 e 4.
21
1.4 GÊNEROS DO DISCURSO E ESFERAS DE ATIVIDADES HUMANAS
No seu projeto de dizer, inicialmente, o sujeito faz uma opção em relação aos
gêneros do discurso para compor seu enunciado. Bakhtin (2006) define os gêneros como tipos
de enunciados relativamente estáveis, que se caracterizam pela fusão de três elementos: o
conteúdo temático, o estilo e a construção composicional. O conteúdo temático refere-se ao
“domínio de sentido de que se ocupa o gênero” (FIORIN, 2006, p.62). Não deve ser
entendido como o assunto tratado em um determinado texto, pois o gênero delimita, por meio
do conteúdo temático, o que pode ser tratado, mas existem diversas opções de assunto dentro
dessa delimitação. A construção composicional diz respeito à forma de estruturar um texto, de
organizá-lo. O estilo, por fim, é determinado por uma forma especial de compor o enunciado,
percebido por meio de opções linguísticas, como o léxico e o arranjo das frases.
A variedade de gêneros existentes, bem como seu caráter mutável deve-se à
própria natureza das atividades humanas de estar sempre em desenvolvimento (BAKHTIN,
2006). Isso explica a expressão “relativamente estáveis” empregada por Bakhtin. Os gêneros
do discurso são frutos das esferas de atividades humanas, representam suas condições
específicas, suas finalidades e, juntamente com as esferas, podem sofrer alterações. Nas
palavras de Fiorin:
O gênero une estabilidade e instabilidade, permanência e mudança. De um lado,
reconhecem-se propriedades comuns em conjuntos de textos; de outro, essas
propriedades alteram-se continuamente. Isso ocorre porque as atividades humanas,
segundo o filósofo russo, não são nem totalmente determinadas nem aleatórias.
Nelas, estão presentes a recorrência e a contingência. A reiteração possibilita-nos
entender as ações e, por conseguinte, agir; a instabilidade permite adaptar suas
formas a novas circunstâncias (FIORIN, 2006, p. 69).
Como dissemos, os gêneros representam uma determinada esfera de atividade
humana. Essa noção aponta para a “diversidade de manifestações da atividade humana e de
seus modos de organização em uma dada formação social” (FIORIN, 2006, p.152). Os
gêneros, portanto, são manifestações da cultura e da pluralidade social existentes.
As esferas da comunicação atuam como espaços de relativa coerção que,
possuindo uma lógica particular, delimitam e definem os gêneros do discurso. Portanto, o
sujeito amplia suas possibilidades de comunicação à medida que conhece novos gêneros,
participando das esferas em que estes circulam.
22
Bakhtin (2006) propõe a divisão dos gêneros em primários e secundários. Os
gêneros primários são representantes da vida cotidiana, ocorrem de forma mais espontânea e,
em sua maior parte, na linguagem oral. Já os secundários são mais complexos, como o
discurso científico, o jornalístico e o político, por exemplo. Estes são mais elaborados e
ocorrem, em sua maioria, por meio da escrita.
Os gêneros do discurso são interdependentes. Os primários podem ser
incorporados aos secundários, sendo por estes transformados, ou ainda podem influenciar
uma composição mais elaborada, pertencente ao gênero secundário. Outra ocorrência
possível, que demonstra a relação entre os gêneros, é o fato de eles se cruzarem, dando
origem a gêneros híbridos. Isso acontece com frequência, conforme Fiorin (2006), no gênero
publicitário, onde “o gênero secundário pode valer-se de outro secundário no seu interior ou
pode imitá-lo em sua estrutura composicional, sua temática e seu estilo” (FIORIN, 2006,
p.70). O autor cita como exemplos de gêneros híbridos o romance O beijo da mulher aranha,
de Manuel Puig, em que o autor faz uso de notas de rodapé, próprias de textos científicos,
como se estivesse defendendo uma tese a respeito da personagem; um texto publicitário do
Cartão Nacional Visa, organizado como se fosse um correio sentimental, e o poema Receita
de Nicolas Behr, que mantém a estrutura composicional e o estilo do gênero receita, mas
apresenta como tema uma forma de se fazer poesia.
1.5 IDEOLOGIA SEGUNDO BAKHTIN
Bakhtin (1995) postula que o enunciado carrega pontos de vista, juízos de
valor, uma vez que garante a materialização da ideologia. Para desenvolver a teoria da
ideologia, Bakhtin e os demais membros do círculo partem do conceito de signo. Para eles, o
signo ultrapassa a dicotomia significante/significado proposto por Saussure e adquire um
valor ideológico, uma vez que, além dessa dupla materialidade, o signo carrega uma visão de
mundo. Bakhtin concebe a interação verbal como um espaço privilegiado da materialização
dos fenômenos ideológicos. Nos dizeres de Miotello:
Vozes diversas ecoam nos signos e neles coexistem contradições ideológico-sociais
entre o passado e o presente, entre as várias épocas do passado, entre os vários
grupos do presente, entre os futuros possíveis e contraditórios (MIOTELLO, 2005,
p.172).
23
A partir daí, Bakhtin redireciona o problema da ideologia, aprofundando a
teoria de Marx e Engels. Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin critica o
objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista, expondo sua visão contrária à análise da
ideologia como subjetivista/interiorizada (algo vivo apenas na consciência individual do
homem) e como idealista/psicologizada (uma ideia pronta) (Bakhtin, 1995). Na obra
supracitada também se encontra a teoria bakhtiniana da linguagem e do dialogismo. Nela
Bakhtin enfatiza a heterogeneidade da linguagem em situações sociais, ou seja, as
manifestações da parole, ao contrário de Saussure e dos estruturalistas, que privilegiam a
langue como um sistema abstrato que se repete. Para Bakhtin, a língua é uma criação social,
fruto das interações entre sujeitos. A crítica de Bakhtin às duas orientações da filosofia da
linguagem reside no fato de que, para ele, o subjetivismo idealista reduz a linguagem à
enunciação monológica isolada e o objetivismo abstrato reduz a linguagem a um sistema de
formas, o que impede a apreensão total da linguagem.
Na construção de seu arcabouço teórico, Bakhtin concebe a realidade como
sendo essencialmente contraditória e em permanente transformação, em oposição à
concepção marxista da estabilidade das relações entre as estruturas socioeconômicas. Nesse
sentido, desenvolve a teoria da ideologia do cotidiano - aquela que nasce nas interações sem
padrão fixo, nos encontros fortuitos - e a toma como responsável pelas lentas transformações
sociais, ao passo que a ideologia oficial é vista como um modelo destinado à implantação de
uma única forma de produção de mundo. Na relação dialética entre ambas, Bakhtin
desenvolveu sua concepção de ideologia. A esse respeito, Miotello (2005) escreveu:
Colocados, então, esses conjuntos ideológicos antagônicos frente a frente (...). De
um lado, a ideologia oficial, como estrutura ou conteúdo, relativamente estável; de
outro, a ideologia do cotidiano, como acontecimento, relativamente instável; e
ambas formando o contexto ideológico completo e único, em relação recíproca,
sem perder de vista o processo global de produção e reprodução social
(MIOTELLO, 2005, p.169).
Bakhtin (1995) defende que a ideologia oficial constitui-se com um estrato
mais estabilizado, pois seus conteúdos foram concretizados nas interações sociais, e por isso
são mais aceitos pela sociedade e defendidos pela classe dominante. Por outro lado, a
ideologia do cotidiano promove uma mudança lenta, uma vez que, nesse nível, os signos
estão diretamente ligados aos acontecimentos socioeconômicos, que dificultam o seu
desenvolvimento. Miotello analisa a ideologia do cotidiano em dois estratos: estrato inferior,
24
onde acontecem as interações casuais e por tempo limitado, e o estrato superior da ideologia
do cotidiano, no qual se conquistam mudanças mais rápidas, pois este se materializa nas
organizações sociais determinadas. Como exemplo, Miotello cita a questão do conflito
ideológico materializado na palavra casamento. De acordo com o autor, há uma luta declarada
de sentidos na sociedade: para a ideologia oficial, casamento significa união estável entre
pessoas do mesmo sexo, ao passo que na ideologia do cotidiano esse sentido não é o único,
uma vez que basta pensar nas discussões em torno do casamento de pessoas do mesmo sexo.
Nesse caso, podemos dizer que o estrato superior da ideologia do cotidiano (ONGS e
organizações que fornecem apoio a homossexuais) exerce uma pressão sobre o estrato mais
estabilizado e isso se reflete no sentido instável da palavra em questão.
O círculo de Bakhtin discute ainda a relação do indivíduo com a ideologia. A
biografia do indivíduo e fatores biológicos têm relevância apenas no nível inferior da
ideologia do cotidiano, visto que neste nível as interações entre os indivíduos são superficiais.
Contudo, este indivíduo é completamente envolvido pelas forças sociais, com o
aprofundamento das interações. Dessa forma, questões individuais perdem a importância em
favor da relação eu com o outro. É dessa maneira que consideramos o sujeito neste trabalho,
como uma instância constituída social e ideologicamente na relação com a alteridade. Tais
questões apontam para a não-neutralidade da linguagem e para o fato de que, conforme
Bakhtin, todo enunciado é influenciado pela atuação das forças centrípetas e centrífugas,
sendo que essas últimas procuram fugir do poder centralizador das primeiras. O autor
considera, nesse caso, a função do riso como fator de desestabilização do discurso
oficialmente constituído. É deste modo que o teórico “desvela o fato de que a circulação das
vozes numa formação social está submetida ao poder” (FIORIN, 2006, p.31), mas pode
revelar um confronto com ele. Logo, “se a sociedade é dividida em grupos sociais com
interesses divergentes, então os enunciados são sempre o espaço de luta entre vozes sociais, o
que significa que são inevitavelmente o lugar da contradição” (FIORIN, 2006, p.25).
Segundo Fiorin (2006), Bakhtin utiliza os termos ptolomaica e galileana em
referência às teorias acerca do sistema solar de Ptolomeu e Galileu para qualificar o processo
de construção da consciência. De acordo com o autor russo, a consciência será ptolomaica
quando receber, em maior número, vozes de autoridade, como do partido político ou da
igreja, por exemplo. Tais vozes tendem a fechar a consciência, uma vez que nelas atuam as
chamadas forças centrípetas, responsáveis pela resistência às mudanças. Já a consciência
galileana é mais centrífuga, aberta às transformações.
25
Ainda sobre a consciência, Bakhtin afirma que, ao absorver o discurso alheio,
ocorre a monologização da consciência do sujeito, visto que ele recebe a palavra do outro,
dela se apropria e se esquece de todo processo dialógico envolvido. A esse respeito,
Mendonça escreveu:
Inicialmente, tem-se a palavra do outro, que passa a palavra pessoal-alheia (com a
ajuda de outras palavras do outro) e, posteriormente, a palavra pessoal. Segundo o
autor [Bakhtin], esquece-se, neste último estágio, dessa relação dialógica, e a
consciência se monologiza. É assim que, para Bakhtin, se constitui a “consciência”
do locutor: no esquecimento de que a palavra pessoal é do outro (MENDONÇA,
2006, p. 172).
Dentro dessa rede conceitual arquitetada por Bakhtin, o dialogismo merece ser
destacado, pois é o fio condutor por meio do qual o filósofo estruturou sua concepção de
linguagem e sujeito. De acordo com o autor, o dialogismo é a unidade real da linguagem.
1.6 HETEROGENEIDADE ENUNCIATIVA
Jacqueline Authier-Revuz partiu da filosofia bakhtiniana para dedicar-se aos
estudos da heterogeneidade enunciativa. A autora foi peça importante na consolidação da
mudança do caminho que as pesquisas na área da análise do discurso tomaram nas décadas de
1970 e 1980 na França:
Os trabalhos de Jacqueline Authier-Revuz, centrados de maneira original, insistente
e coerente, tanto no que diz respeito ao delineamento teórico quanto à quase
obsessiva descrição das formas e particularidades do objeto recortado, constituem
sem sombra de dúvida, um dos grandes avanços nos estudos lingüísticos das
últimas três décadas, conquistando para as abordagens enunciativas da língua um
espaço privilegiado, recebido quase que sem restrições pelas diferentes vertentes da
análise do discurso (BRAIT, 2001, p. 8).
Sua pesquisa de maior corpo centra-se na descrição da modalização
autonímica, que, de acordo com ela, revela a heterogeneidade do enunciado.
Para compor seu arcabouço teórico, Authier-Revuz recorreu aos estudos do
círculo de Bakhtin acerca do dialogismo e à psicanálise, a partir da leitura que Lacan realiza
de Freud. Embora distantes à primeira vista, essas teorias ofereceram à autora, cada uma a seu
modo, a noção de não-homogeneidade do discurso; de um “outro” constitutivo do dizer
(BRAIT, 2001).
26
A contribuição bakhtiniana deve-se, de acordo com Brait (2001), aos estudos
do autor que, já na obra Marxismo e filosofia da linguagem, apontavam para a alteridade
como um elemento constitutivo do discurso. No entanto, Brait destaca que é na análise da
novela de Dostoiévski “O duplo” que Bakhtin revela claramente a presença do “outro” na
constituição do sujeito. Segundo a autora, esses estudos foram registrados na obra “Problemas
da poética de Dostoiévski”, em que Bakhtin expõe elementos necessários para a reflexão da
problemática do sujeito cindido, da heterogeneidade e do dialogismo, pautados na linguagem
e na ideologia.
Já Lacan “situou a questão da alteridade, isto é, da relação do homem com seu
meio, com seu desejo e com o objeto, na perspectiva de uma determinação do inconsciente”
(ROUDINESCO & PLON, apud BRAIT, 2001, p.16). De acordo com Brait (2001), a
concepção do “outro” para Lacan difere da visão bakhtiniana, pois esta visão concebe a
alteridade relacionando-a com a ideologia. Entretanto, Authier encontrou nesses autores
importantes contribuições para construir a teoria da heterogeneidade enunciativa:
Se Bakhtin olhou por um lado, e Lacan por outro, Authier, sem homologar as duas
teorias, aproveita-se delas para conferir aos estudos enunciativos o estatuto de lugar
da verificação das confluências e interferências existentes entre sentido, sujeito e
discurso, surpreendidas na materialidade lingüística que expõe ideologia e
inconsciente (BRAIT, 2001, p.23).
Partindo dessas duas concepções, a linguista propõe a distinção entre as formas
da heterogeneidade: constitutiva, mostrada marcada e não marcada. A heterogeneidade
mostrada revela a presença do outro na materialidade linguística, podendo estar marcada na
superfície textual. Segundo a autora:
Heterogeneidade constitutiva do discurso e heterogeneidade mostrada no discurso
representam duas ordens de realidade diferentes: a dos processos reais de
constituição dum discurso e a dos processos não menos reais, de representação,
num discurso, de sua constituição (AUTHIER-REVUZ, 1990, p.32) .
De acordo com Authier-Revuz, a heterogeneidade mostrada consiste em uma
negociação do sujeito com a alteridade. Embora tenha a ilusão de ser a fonte autônoma dos
sentidos, o sujeito demarca fronteiras com a heterogeneidade constitutiva de seu discurso,
abrindo uma brecha no assujeitamento
2
. Assim, sob a forma da denegação, o sujeito acaba por
evidenciar a presença do Outro que o constitui. Nos dizeres da autora:
2
O conceito de assujeitamento é fundante da AD e relaciona-se, em Pêcheux (1990), com as relações do sujeito
com o pré-construído, com as ideologias e com o inconsciente.
27
As formas de heterogeneidade mostrada representam uma negociação com as
forças centrífugas, de desagregação, da heterogeneidade constitutiva: elas
constroem no desconhecimento desta, uma representação da enunciação, que, por
ser ilusória, é uma proteção necessária para que um discurso possa ser mantido
(AUTHIER-REVUZ, 1990, p.33).
A mesma autora estabelece que as formas da heterogeneidade mostrada
revelam dois tipos de autonímia. A autonímia simples é acompanhada de uma ruptura
sintática, como por exemplo, o discurso relatado direto que se introduz por meio de uma
marca linguística. O segundo tipo, mais complexo, diz respeito à conotação autonímica, na
qual “o fragmento designado como outro é integrado à cadeia discursiva sem ruptura
sintática” (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 29). São exemplos os elementos colocados entre
aspas ou em itálico.
A autora cita, ainda, como forma de heterogeneidade, a ocorrência na cadeia
do discurso de uma outra língua, como a palavra stress, em textos escritos em português; um
outro registro discursivo, como uma gíria em textos formais; um outro discurso, por exemplo
quando se acrescenta um discurso feminista, técnico a outro; uma outra modalidade de
consideração de sentido, “recorrendo explicitamente ao exterior, um outro discurso
especificado, ou aquele da língua como lugar da polissemia, homonímia, metáfora, etc...
afastadas ou ao contrário invocadas para constituir o sentido da palavra” (AUTHIER-
REVUZ, 1990, p.30); uma outra palavra (potencial ou explícita nas figuras de reserva) que
indica hesitação, retificação ou mesmo confirma o enunciado e, por fim, um outro, o
interlocutor, em que surgem “operações implicitamente admitidas como indo de si para fora
do discurso, por parte do interlocutor” (AUTHIER-REVUZ, 1990, p.31).
Os estudos de Authier-Revuz, como dissemos, possuem relevância dentro da
AD, pois ampliam os estudos de Bakhtin sobre a condição heterogênea do discurso, revelando
que “o outro não é um objeto (exterior do qual falamos), mas uma condição (constitutiva; pela
qual falamos) do discurso de um sujeito que fala, que por sua vez não é a fonte primeira do
discurso” (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 81). Tal condição dialógica e heterogênea do
discurso é o que procuramos demonstrar nos próximos capítulos. Para isso, apresentamos, na
sequência, um pouco da memória discursiva sobre leitura, que acreditamos ser fonte para os
discursos de Nova Escola.
28
2. MEMÓRIA DISCURSIVA: A LEITURA COMO PRAZER EM DISCUSSÃO
Os discursos sobre o ensino da leitura têm se baseado na questão do gosto, do
prazer em ler. Discute-se com frequência como a escola, instância responsável também pela
formação de leitores, deve proceder a fim de estimular a prática da leitura nos discentes.
Desde as mudanças ocorridas na prática de ensino de língua portuguesa no Brasil pós-
ditadura, o discurso sobre a formação de leitores a partir do prazer tem estado em evidência
em documentos e publicações de cientistas da linguagem e da educação.
Esse discurso chamou-nos atenção no corpus pela frequência com que é
atualizado. As questões principais que mobilizam nossa investigação são: como essa
atualização se dá na revista Nova Escola? Como ela se relaciona com os discursos
considerados fundadores, no país, de uma nova abordagem do ensino de leitura?
Neste capítulo, fazemos o levantamento bibliográfico de alguns desses
discursos, os quais são utilizados, no capítulo seguinte, para uma análise dialógica, de forma a
refletir sobre os efeitos de sentido dessa atualização.
2.1 O DISCURSO ACADÊMICO SOBRE A FORMAÇÃO DO LEITOR
Nas décadas de 1980 e 1990, a crise da leitura foi tema bastante discutido tanto
na esfera de atividade escolar como na esfera acadêmica. Na década de 1980, a leitura era tida
como o grande vilão do fraco desempenho escolar dos alunos brasileiros. A esse respeito,
Marcelino (2003) destaca que:
A evidência da crise estava posta na falta de leitores no país, salientando a falta de
incentivo à leitura nas escolas, a falta de “hábito” de leitura por parte dos alunos, o
número reduzido de leitores no país, levando-se em conta a venda de livros per
capita etc.
Nesses anos de crise, na academia estavam despontando os novos paradigmas
recolhidos nas ciências da linguagem e teorias do conhecimento como Vigotsky e
Bakhtin. Nos congressos e seminários a grande tônica eram as discussões a respeito
da prática da leitura escolar, correção lingüística e produção textual. Os
questionamentos a respeito da obrigatoriedade da leitura, seleção de livros, prazer
de ler começam a ultrapassar a esfera universitária e a atingir as escolas de ensino
fundamental e médio. O livro de Barthes já havia sido publicado na França há
29
quase dez anos e no Brasil, naquele momento, anos 80, estavam criadas as
condições propícias para o surgimento de um novo discurso sobre a leitura da
literatura na escola.
Cremos que foi nesse momento, em que os intelectuais brasileiros estavam
empenhados em realizar mudanças mais sensíveis no meio escolar, juntamente com
a sociedade que pedia uma transformação na escola, que houve a valorização de
determinados discursos a respeito da relação entre leitor/texto e a natureza do elo aí
criado, e se iniciou uma espécie de rejeição do termo “hábito de leitura”. Esse
passou a estar relacionado a práticas mecanicistas, enquanto surgiu uma
valorização da leitura como uma relação de constituição dos sujeitos, como
formação do gosto, fruição (MARCELINO, 2003, p. 73).
A pesquisadora destaca que os temas em evidência naquela década eram, entre
outros, a falta de incentivo à leitura nas escolas, a falta de “hábito” de leitura por parte dos
alunos, a obrigatoriedade da leitura e a falta de prazer dela decorrente, além dos critérios para
a seleção de livros.
Na década de 1990, vários pesquisadores também discutiram a formação do
leitor fundamentada no “gosto” e no prazer pela leitura. Neste período, merecem ser
destacados alguns estudos publicados na revista Leitura: Teoria & Prática. Consideramos
que esse veículo teve um papel importante no país na divulgação de ideias sobre a prática da
leitura na escola e na vida dos brasileiros no que se refere ao assunto.
Marcelino (2003) pontua que a revista surge em meio a um momento de crise
e, por isso, seus discursos encaminhavam-se no sentido de criar métodos para solucionar os
problemas de um país de não leitores. O título do periódico, para a autora, já reflete seu
propósito de funcionar como um subsídio para questões teóricas, mas, sobretudo, para
auxiliar na democratização da leitura no Brasil:
Leitura: Teoria & Prática nasce circunscrita dentro desse pano de fundo: o cenário
discursivo é de uma crise da leitura/educação e, portanto, a revista veicula idéias,
em suas primeiras edições, de acordo com a percepção vigente naquela época. O
cenário sócio-econômico-cultural é o de um aprofundamento das desigualdades
sociais, da exclusão e também da redemocratização do país. O esforço, em ambos
os casos, é o da mobilização geral. As condições para que o discurso do prazer de
ler aflore estão sendo estabelecidas nesse cenário e funcionam como argumentos
para o surgimento da publicação da revista
(MARCELINO, 2003, p.81).
Por tudo isso, consideramos a revista em questão como uma publicação
relevante para as discussões sobre leitura na escola e para funcionar, juntamente com outras
publicações, como ponto de partida para nossas reflexões acerca dos discursos de Nova
Escola referentes ao ato de ler.
Iniciamos nosso levantamento bibliográfico por alguns artigos do livro O texto
na sala de aula (três de Geraldi e um de Silva), publicado inicialmente em 1984, pela
30
Associação Educacional do Oeste do Paraná (Assoeste) e reeditado pela Editora Ática (em
2006, estava em sua quarta edição por esta editora). Consideramos este um dos textos
fundadores de algumas mudanças pelas quais o ensino de leitura passou nessas últimas
décadas. O referido livro é um dos citados nos PCNs e sua importância no contexto
educacional brasileiro é defendida por vários autores, entre eles Marcelino (2003) e Athayde
Jr. (2006).
Marcelino (2003) pontua que essa obra foi base para muitas reformulações
curriculares ocorridas na década de 1980. Em sua pesquisa, a autora mostra que as novas
práticas de linguagem propostas nesse livro “se transformaram em objeto de pesquisas (...) e
mesmo em relatos de experiência” (MARCELINO, 2003, p. 173).
Athayde (2006) destaca em sua tese de doutorado que, ao entrar em contato
com O texto na sala de aula, percebeu que pela primeira vez estava diante de “uma proposta
de efetiva mudança para o ensino da língua”. (...) “Uma proposta para Língua Portuguesa que
articulava “competência teórica e compromisso político”” (ATHAYDE, 2006, p.32).
Geraldi (1984a) discute a propalada “crise do sistema educacional brasileiro” e
comenta que o baixo nível de desempenho linguístico dos alunos é visto como agravante
desse contexto. O autor salienta que muitas justificativas são levantadas para explicar o
problema, algumas delas creditando apenas aos jovens a culpa pela “ineficiência” no uso da
língua. Entretanto, para Geraldi, é necessário reconhecer também que a escola, em geral, não
realiza um bom trabalho com a língua materna. No mesmo artigo, Geraldi remete a uma
questão que, segundo ele, é prévia ao se pensar em ensino: “para que o professor ensina o que
ensina?”. O autor destaca que a resposta a tal questionamento, no que tange ao ensino da
língua materna, engloba um modo de se pensar a linguagem. Podemos concebê-la, segundo o
autor, como expressão do pensamento (gramática tradicional), como instrumento de
comunicação (estruturalismo ou transformacionalismo) e como uma forma de inter-ação
(linguística da enunciação). Geraldi aponta o trabalho dentro da terceira concepção como uma
forma de sanarem problemas no ensino e defende que “esta concepção implicará uma postura
educacional diferenciada, uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de
relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (GERALDI, 1984a, p.43).
Em outro artigo, Geraldi (1984b) apresenta sugestões de atividades práticas
dentro da concepção da linguagem como interação e esclarece que as “sugestões não podem
ser tomadas como “um roteiro a ser cumprido”. Elas constituem apenas subsídios para o
professor, e ao mesmo tempo procuram demonstrar, na prática, a articulação entre atividade
31
de sala de aula e a concepção interacionista de linguagem (GERALDI, 1084b, p. 49). No que
se refere ao trabalho com leitura, o autor sugere trabalho com textos curtos (contos, crônicas,
reportagens, lendas, notícias de jornais, editoriais, etc.) e narrativas longas (romances e
novelas). No segundo caso, o autor sugere que o professor selecione romances para indicar
aos alunos. Estes escolhem um dos livros e realizam leitura individual. Esta atividade pode
ser iniciada dentro da sala de aula e continuar fora do espaço escolar, caso os alunos possam
levar os livros para casa. No final do ano, o aluno teria lido cerca de dez livros. O autor
destaca a importância de não haver cobrança durante a realização desta atividade, como
provas ou fichas de leitura, e assinala o aspecto quantitativo como ponto central do trabalho.
Além disso, os alunos vão trocando os livros com os colegas, e essa interação, de acordo com
o autor, pode ajudar no desenvolvimento do gosto pela leitura:
Nenhuma cobrança deveria se feita, dado que o que se busca é desenvolver o gosto
pela leitura e não a capacidade de análise literária. A avaliação, portanto, deverá se
ater apenas ao aspecto quantitativo (o aspecto qualificativo das leituras realizadas
pelos alunos dependerá, logicamente, da seleção de obras feita pelo professor). O
que, na minha opinião, não se deve fazer é tornar o ato de ler num martírio para o
aluno que ao final da leitura terá que preencher fichas-de-leitura, roteiros ou coisas
parecidas. Nada disso me parece necessário (GERALDI, 1984b, p. 51).
De acordo com o autor, quando o professor percebe que o aluno não está
lendo, seria mais válida uma conversa com este aluno do que cobranças e punições, pois ao
perceber que os colegas estão lendo e comentando, ele sentiria vontade de ler e participar das
conversas também. No entanto, Geraldi esclarece que se o aluno não tiver realizado todas as
leituras estipuladas para aquele bimestre, precisa estar ciente de que deverá tirar essa
diferença no bimestre seguinte:
Uma questão: e se o aluno não tiver lido, ao final do 1
o
bimestre, os três romances
fixados? Na avaliação isto deverá se levado em conta? Na minha opinião, sim. Para
o bimestre seguinte, o aluno estará “devendo” a leitura de maior número de obras
do que o previsto. Uma coisa, no entanto, deve ficar clara tanto para o professor
quanto para o aluno: a situação de fato que fez com que o aluno não tenha
cumprido o mínimo desejado, e isto pode ser verificado em bate-papo informal e
não através de fichas de leitura ou assemelhados. Importa que o aluno adquira o
gosto de ler pelo prazer de ler, não em função de cobranças escolares. Repito aqui o
que já disse: é preferível que um ou outro nos “logre”, dizendo que leu um livro
que na leu, do que estabelecer critérios rígidos de avaliação da leitura. É preciso
também confiar no aluno, e isto representa uma postura quando à educação
(GERALDI, 1984b, p.53).
32
Quanto à atividade com textos curtos, esta deveria servir, após um trabalho
com o texto, de pretexto para a produção de novos textos pelos alunos. Ou seja, segundo o
autor, o texto curto trazido para a sala pelo aluno deve ser lido, discutido, interpretado e servir
para um trabalho de intervenção na forma de o aluno lidar com a realidade e compreendê-la:
(...) as temáticas de tais textos, obedecendo aos interesses dos alunos, devem servir
também ao professor que, através deles, pode romper com a forma pela qual os
alunos interpretam a realidade. Neste sentido, a temática de uma história contada
por uma criança, numa 5
a
série, pode determinar a inclusão de um texto curto na
semana seguinte que permita aos alunos re-interpretar a própria história, tema de
aula da semana anterior (GERALDI, 1984b, p. 54).
Geraldi (1984c), no terceiro artigo considerado relevante para este trabalho,
critica as práticas docentes baseadas na metalinguagem e que não propiciam ao aluno o
domínio de habilidades de uso da língua, além de defender que o trabalho com a língua
materna deve centrar-se em três práticas: da leitura de textos, da produção de textos e de
análise linguística. Segundo o autor, a prática escolar caracteriza-se pela artificialidade no uso
da linguagem, e isso se manifesta claramente no trabalho com leitura, uma vez que o que
ocorre em sala de aula são simulações de leitura, pois os alunos fazem “exercícios”, no
sentido escolar do termo, em que interpretam e analisam textos.
Nesse trabalho, o autor expõe quatro diferentes posturas possíveis dos leitores
diante de textos:
a) a leitura – busca de informações
b) a leitura – estudo do texto
c) a leitura do texto – pretexto
d) a leitura – fruição do texto (GERALDI, 1984c, p.81).
A leitura fruição do texto, o “ler por ler”, de acordo com o autor, não é uma
atividade que marca uma relação do leitor somente com o texto literário. O autor destaca na
leitura fruição seu caráter de gratuidade: “O que define este tipo de interlocução é o
“desinteresse” pelo controle do resultado” (GERALDI, 1984c, p. 86). Assim, pode-se ler um
jornal, por exemplo, somente pelo prazer de se informar. Para o autor, a leitura é uma
atividade pouco valorizada no sistema capitalista, e a escola, como uma instituição que se
presta ao preparo do indivíduo para o “sistema”, não trabalha com atividades que não
culminem em um produto “palpável”. Neste contexto, os professores recusam-se a propor
33
leituras pelo simples prazer de ler, pois consideram importante controlar as leituras dos alunos
e acreditam que isso seja possível por meio de fichas ou provas.
O autor salienta ainda que para incentivar a leitura, é preciso recuperar o
prazer de ler, que foi banido por práticas controladoras e punitivas, e aponta, para tanto, três
princípios, a saber: a) O caminho do leitor (baseia-se no respeito pelas escolhas que
constituem a história de leitura de cada um); b) O circuito do livro (situação em que os alunos
leem livremente, a partir de sugestões de colegas, pela curiosidade que o título ou a capa
podem incitar, etc); c) Não há leitura qualitativa no leitor de um livro só (o autor defende que
uma leitura de qualidade também se constrói através da quantidade de livros com os quais o
aluno tem contato).
É importante destacar que, nesses textos resenhados, Geraldi propõe atividades
que contribuíram muito para o ensino de Língua Portuguesa, como: produção de texto menos
artificial (mais relacionada às produções presentes no cotidiano do aluno); análise linguística
a partir do texto do aluno; e reescrita do texto.
Silva (1984), também em O texto na sala de aula, reflete sobre as atividades
de leitura em contexto escolar. A autora chama atenção para os critérios de seleção que o
professor utiliza para o trabalho com leitura e critica a pequena quantidade de livros que é lida
na escola. Segundo ela, a sugestão dos professores baseia-se na sua própria história de leitura,
ou seja, os professores indicam apenas textos que conhecem, e “como estes profissionais de
modo geral estão há anos impedidos de ler, por falta de tempo, incentivo, dinheiro, etc.”
(SILVA, 1984, p. 74), eles acabam por sugerir obras com as quais tiveram contato no seu
trajeto como estudante. Com isso, os alunos recebem sugestões de clássicos da literatura,
especialmente romances românticos do século XIX, e outras obras que, na visão dos
professores, podem moldar o caráter dos alunos, enquanto muitos livros atuais, que também
poderiam ser indicados, ficam esquecidos.
De acordo com a autora, ao sugerirem os clássicos, os professores apoiam-se
num argumento de autoridade, já que tais livros “trazem consigo o peso da autoridade e a
certeza da impunidade. Estão acima de qualquer suspeita. Não podem ser questionados e
rejeitados publicamente (...)” (SILVA, 1984, p. 74). Outro aspecto importante, que vem da
psicologia, diz respeito ao critério da adequabilidade, através do qual os professores
“acreditam poder seriar, graduar problemas, realidades, fantasias e a leitura dos alunos, tudo
do mais simples para o mais complexo” (SILVA, 1984, p. 75). Para Silva, ao adotar tal
34
critério, o professor não leva em conta o fato de que a história de leitura é algo individual e
que uma prática burocrática e autoritária não garante a formação de leitores.
A autora destaca que para colaborar com a formação de leitores, é mais válida
a sugestão de livros com os quais tivemos uma experiência marcante:
Sugerimos a amigos livros de que fomos leitores entusiasmados, na expectativa de
que eles gostem tanto quanto nós. Da mesma forma, procuramos levar em conta os
interesses, o desenvolvimento intelectual ou as experiências de vida e leitura das
crianças, concretas, às quais damos livros de presente (SILVA, 1986, p.75).
Como vimos, a autora destaca a importância de se desenvolverem, na escola,
atividades de leitura significativas (no caso, considera “significativas” as leituras que
permitem um envolvimento emocional do aluno com o texto que lê). Ou seja: a leitura é
objeto de “entusiasmo”, de prazer e de gosto, portanto não deveria ser atividade burocrática e
esvaziada de seu sentido primordial. Seu artigo dialoga claramente com as ideias de Geraldi
acerca do incentivo à leitura a partir da recuperação do prazer de ler, respeitando as escolhas
individuais dos alunos e aproveitando as sugestões de outros leitores. Enquanto Geraldi
sugere que sejam aproveitadas as sugestões de outros colegas, a autora acredita na
necessidade de o professor constituir-se como um leitor entusiasmado que possa incentivar
essa atividade em seus alunos.
Outro livro que consideramos relevante para as discussões sobre leitura que
interferiram nas relações de ensino no Brasil é Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor, organizado por Regina Zilberman e publicado também no começo da década de
1980. A primeira e a segunda edições dessa obra ocorreram em 1982, e em 1988 o livro já
estava na oitava edição, o que reflete, em números, sua aceitação pelos leitores brasileiros e o
alcance das ideias nele divulgadas.
No livro supracitado, organizado por Zilberman, também encontramos artigos
que versam sobre essas questões. Aguiar (1984), por exemplo, escreve sobre a necessidade de
desenvolver o “hábito” de leitura na escola e a importância que a seleção adequada dos livros
tem nesse contexto. Entretanto, a autora, diferentemente do que aponta Marcelino, não rejeita
a expressão “hábito de leitura”, pois coloca o hábito como consequência do “gosto” ou
“prazer”:
35
Podemos dizer que a criança deve descobrir o prazer da leitura muito antes de
aprender a ler. Tais afirmações remetem à importância do ambiente familiar na
formação do hábito de leitura. (...) Cabe, então, ao professor, iniciar a criança nas
letras e incentivar-lhe gosto, visando a desenvolver o hábito de leitura. (...)
Portanto, o primeiro passo para a formação do hábito de leitura na escola diz
respeito à seleção do material (...) (AGUIAR, 1984, p. 86 – grifo nosso).
A respeito da seleção adequada dos livros a serem lidos, Aguiar (1984)
argumenta que cabe ao mestre adotar quatro critérios para sugerir leituras.
O primeiro deles é a finalidade de leitura. Segundo a autora, o trabalho com
leitura em sala de aula visa basicamente à informação e recreação. Aguiar considera que a
leitura por diversão é de responsabilidade do professor de Português e, por esse motivo “deve
ser uma atividade prioritária no programa de estudos de linguagem. Seu exercício
possibilitará ao aluno uma forma habitual de lazer, ao mesmo tempo em que aguçará seu
espírito de análise e crítica da literatura como expressão cultural” (AGUIAR, 1984, p. 87 –
grifo nosso). Nesse fragmento, na expressão em destaque, prazer e hábito se confundem.
Além disso, a autora coloca o lazer caminhando junto com atividades tradicionais em aulas de
literatura, uma vez que estas formam um aluno conformado com os modelos de crítica
literária.
O segundo critério a ser considerado pelo professor para sugerir leituras é a
qualidade do material. A autora defende que para o sucesso no trabalho com textos infanto-
juvenis, são necessários alguns níveis de adaptação, como o assunto, que deve ser
significativo ao leitor e fazê-lo refletir sobre a realidade; a estrutura da história, que deve
seguir o modelo dos contos de fadas; o estilo, adequado ao vocabulário do leitor; a forma,
narrações lineares e dinâmicas e os aspectos externos, como a capa, o tipo de letra e
ilustração. Percebe-se que a autora aproxima-se de propostas que são criticadas por Silva
(1984), em artigo já citado. Adotando o critério da adequabilidade, o professor não levaria em
conta que a história de leitura é algo individual. Aguiar (1984), em seu discurso
aparentemente moderno, ainda oscila para um discurso autoritário que trata de forma
homogênea os sujeitos-leitores. A polêmica destacada deixa vislumbrar, nos discursos sobre
leitura da época, na esfera acadêmica, um conflito de valores.
Confirmando a não-valorização da diferença, Aguiar (1984) aponta como
terceiro critério para sugerir leituras o interesse dos alunos. Segundo a autora, o professor
deveria levar em conta que o interesse é uma atitude individual, que está relacionado ao sexo,
ao nível sócio-econômico, ao ambiente social e familiar, à idade, e à escolaridade dos leitores.
36
Contraditoriamente, a autora também generaliza que meninos preferem histórias mais
dinâmicas, ao contrário de meninas, que apresentam maior interesse por histórias de amor.
Desta forma, a autora sugere que antes de indicar livros, o professor deve reconhecer as
particularidades de seus alunos, mas essas particularidades estão fechadas em grupos e tipos
estereotipados.
Outro aspecto que a autora considera importante para nortear os professores
com relação à seleção de textos diz respeito à teoria de Jean Piaget, que entende a inteligência
“como uma contínua adaptação biológica à vida, uma interação constante entre o organismo e
o ambiente, que vai atingindo estados de equilíbrio cada vez maiores. Em todos os níveis, a
ação da inteligência supõe sempre um interesse que a desencadeia” (AGUIAR, 1984, p.93).
Com base em Piaget, a autora esclarece que os interesses variam de acordo com os seis
estágios de desenvolvimento e delimita, a partir deles, fases de leitura, bem como sugere
títulos para cada fase:
a) Pré-leitura: neste período, que vai dos três aos seis anos, a criança pode
entrar em contato com livros que tenham pouco texto, bastantes rimas e ilustrações;
b) Leitura compreensiva: compreende a fase de alfabetização, dos seis aos
oito anos. Nesta fase, a criança se interessa por histórias que abordem fatos corriqueiros, que
tratem de escola, família, animais, etc.
c) Leitura interpretativa: dos oito aos onze anos a criança conquista fluência
na leitura e passa da simples compreensão à interpretação dos textos. Seus interesses giram
em torno do fantástico, do maravilhoso, do folclore; portanto são interessantes, nessa fase,
contos de fadas tradicionais e modernos;
d) Desenvolvimento das habilidades críticas: nessa fase, que abarca dos onze
aos treze anos, o leitor já é capaz de posicionar-se diante do conteúdo dos textos, criticando-
os. Os livros favoritos são os que abordam assuntos atuais, ficção científica, policiais e de
fantasmas.
e) Leitura crítica: estende-se dos treze aos quinze anos, fase em que o
indivíduo vive os conflitos próprios da adolescência. Os interesses de leitura giram em torno
de temas psicológicos e sociais, com espaço também para a leitura de poemas, contos,
crônicas e romances.
Uma forma de lidar com as fases do desenvolvimento cognitivo, propostas por
Piaget, é tomá-las como estanques, o que seria contraditório com o discurso da valorização da
diferença dos leitores utilizado pela autora em questão.
37
Nos textos pesquisados neste trabalho, não somente Silva (1984), mas também
Magnani (1995) discute o critério de adequação da obra à faixa etária do aluno, entendendo-o
como uma prática perversa de leitura, através da qual ocorre o que a autora denomina
“peterpanização do leitor”. Segundo a autora, a ideia de que é preciso oferecer textos de
acordo com o que o professor julga ser adequado à capacidade do aluno acaba por prejudicar
o desenvolvimento de sua autonomia.
Para a autora, “ensinar a ler é atuar na formação do gosto de alunos e
professores através da leitura de fato e constante” (MAGNANI, 1995, p. 35) e o professor não
estará contribuindo em nada se seu trabalho com leitura objetivar sempre o entretenimento
por meio de textos facilitados na ilusão de criar o prazer pela leitura. Magnani entende o
gosto como produto do trabalho com uma diversidade de configurações textuais e destaca o
valor do texto literário como fruição estética e conhecimento. Segundo a autora, textos
considerados “difíceis” devem ser oferecidos aos alunos, pois em muitos casos a escola é a
única via de acesso a obras da literatura, que podem levar a avanços na formação do gosto.
Ainda acerca da leitura como prazer e fruição, é importante destacar as
reflexões de Solé (1998), considerando-se sua contribuição para as discussões sobre o ensino
de leitura no Brasil. Para a autora, o prazer da leitura é considerado como uma estratégia a ser
utilizada pelo professor para se formar o leitor. Defende que antes de se pensar em questões
metodológicas concernentes ao ensino da leitura, devem ser considerados alguns equívocos
conceituais. As atividades de leitura tradicionalmente realizadas em sala de aula resumem-se
a uma sequência já bem conhecida pelos alunos. Elege-se um texto (segundo a ordem que o
livro didático apresenta, na maioria das vezes) e cada aluno lê em voz alta um trecho,
enquanto o professor interfere fazendo correções. Após a leitura, os alunos respondem a
questões de compreensão e interpretação, além de exercícios sobre vocabulário, morfologia e
sintaxe. Tal atividade evidencia, de acordo com a autora, que os docentes não entendem bem
o que seja ensinar a ler. Solé destaca que, dessa forma, os professores não estão ensinando a
ler, e sim somente avaliando a compreensão leitora dos alunos.
Para a autora, “quando formula perguntas sobre o texto lido, o professor obtém
um balanço do produto, uma avaliação do que foi compreendido” (SOLÉ, 1998, p.35).
Segundo ela, os professores deveriam não apenas avaliar a leitura, como também, e
principalmente, trabalhar o processo que leva a determinadas interpretações, oferecendo ao
aluno meios para, de fato, compreender o texto.
38
Solé (1998) afirma que o que se pretende com o trabalho realizado na escola é
que os alunos adquiram o gosto de ler e que aprendam lendo. No entanto, esses objetivos nem
sempre são atingidos da forma como se convencionou trabalhar a leitura em sala de aula. A
autora defende o ensino de estratégias para que o leitor possa ter controle sobre o processo de
leitura e, de fato, compreender textos e apresenta algumas estratégias que dizem respeito ao
antes, durante e depois da atividade de leitura com o propósito de formar leitores autônomos:
As estratégias que vamos ensinar devem permitir que o aluno planeje a tarefa geral
de leitura e sua própria localização – motivação, disponibilidade – diante dela;
facilitarão a comprovação, a revisão, o controle do que se lê e a tomada de decisões
adequada em função dos objetivos perseguidos (SOLÉ, 1998, p.73).
Um fator importante para nossa pesquisa é a valorização que a autora dá à
motivação, que, para ela, deve ser trabalhada antes mesmo do início da leitura. Segundo a
autora, uma atividade motiva o aluno se estiver ligada aos seus interesses e se houver um
objetivo esclarecido. Deste modo, a sequência de leitura tradicional dificilmente motivaria os
alunos, já que, ao se trabalhar apenas um texto, não seriam consideradas as diferenças de
interesses dos educandos. Entretanto, para Solé, o interesse pode ser desenvolvido através do
entusiasmo com que o professor apresenta o texto e sua forma de explorá-lo, além do
oferecimento de materiais atraentes, tanto na forma quanto no conteúdo.
Outra questão importante no trabalho prévio com a leitura refere-se aos
objetivos. Segundo Solé, é importante que o aluno tenha consciência de que existem várias
formas de se posicionar diante de um texto, de acordo com um objetivo específico que queira
atingir. A autora cita alguns objetivos de leitura, como ler para obter uma informação precisa,
ler para seguir instruções, ler para obter uma informação de caráter geral, ler para aprender,
ler para revisar um escrito próprio, ler por prazer, ler para comunicar um texto a um auditório,
ler para praticar a leitura em voz alta e ler para verificar o que se compreendeu.
Interessa-nos mais de perto como a autora conceitua o objetivo relacionado ao
prazer da leitura. Para Solé, “o prazer é algo absolutamente pessoal, e cada um sabe como o
obtém” (SOLÉ, 1998, p.96). No entanto, a autora destaca a importância de o leitor
desenvolver seus critérios, através dos quais poderá não apenas selecionar seu material de
leitura, como também avaliá-lo e criticá-lo. Isso pode ocorrer no trabalho com textos
literários, pois, para a autora, embora a literatura geralmente seja associada ao prazer da
leitura, ela pode servir de base para determinadas tarefas, que se forem bem elaboradas,
39
poderão contribuir para o desenvolvimento de critérios de seleção, bem como proporcionar
prazer:
(...) também é muito freqüente que a leitura do texto literário seja associada ao
trabalho sobre estes textos – questionários de comentários de textos, análise da
prosa etc. – que, por outro lado, é totalmente necessário. Por isso, seria útil
distinguir entre ler literatura só para ler e ler literatura – e aqui tem sentido, por
exemplo, que todos os alunos leiam o mesmo fragmento – para realizar
determinadas tarefas que, se abordadas adequadamente, não só não interferirão no
primeiro objetivo, como também ajudarão a elaborar critérios pessoais que
permitam aprofundá-lo (SOLÉ, 1998, p.97).
De acordo com Solé, o texto literário relaciona-se ao prazer e ao trabalho.
Contudo, é necessário que o aluno saiba o objetivo da atividade proposta pelo professor (que,
referente à literatura, pode ser ler por ler ou para fazer atividades), já que assim ele poderá
direcionar o ato de ler e encontrar sentido nele. A autora ainda destaca que embora o texto
literário “seja o tipo de texto ideal para experimentar o prazer de ler, algumas pessoas
desfrutam enormemente quando encontram um texto científico que as faz pensar (...)” (SOLÉ,
1998, p.100). É importante destacar que a autora se aproxima, nesse aspecto, da posição de
Geraldi (1984c), para quem a leitura fruição do texto, o ler por ler, não se restringe à relação
do leitor com o texto literário.
A mesma autora também defende que o conhecimento prévio dos alunos deve
ser levado em consideração pelos professores e afirma que este conhecimento é constituído
por vivências, interesses e que, por meio desta estratégia, os professores podem compreender
o motivo de certas interpretações dos alunos e selecionar melhor os textos a serem
trabalhados:
(...) frente a leitura na escola, parece necessário que o professor se pergunte com
que bagagem as crianças poderão abordá-la, prevendo que esta bagagem não será
homogênea. Esta bagagem condiciona enormemente a interpretação que se constrói
e não se refere apenas aos conceitos e sistemas conceituais dos alunos; também está
constituída pelos seus interesses, expectativas, vivências... por todos os aspectos
mais relacionados ao âmbito afetivo e que intervém na atribuição de sentido ao que
se lê. Além disso, se o professor prevê que um texto ficará além das possibilidades
das crianças, talvez deva pensar em substituí-lo ou em articular algum tipo de
ensino que lhes proporcione o que necessitam (SOLÉ, 1998, p.104-105).
Conforme Solé, o professor pode auxiliar a ativar os conhecimentos prévios
dos alunos por meio de diálogos sobre determinados aspectos do texto, como o título,
ilustração, questionando-os acerca do que eles conhecem a respeito. Dessa forma, o aluno irá
40
relacionar o texto a seus conhecimentos de mundo, estabelecer previsões, o que gera, de
acordo com a autora, motivação e interesse, favorecendo assim a compreensão. Segundo ela,
o leitor irá verificar se suas previsões se confirmam, momento em que a estratégia do
autoquestionamento deve ser ensinada. O leitor que se utiliza de estratégias exerce um
controle sobre o processo de leitura e se questiona sobre o que consegue compreender,
buscando, quando necessário, meios para cobrir as lacunas de entendimento:
Ensinar a ler também significa ensinar a avaliar o que compreendemos, o que não
compreendemos e a importância que isto tem para construir um significado a
propósito do texto, assim como estratégias que permitam compensar a não-
compreensão. Torna a ser uma questão de incentivar uma leitura ativa, em que o
leitor sabe o que lê e por que o lê, assumindo, com a ajuda necessária, o controle de
sua própria compreensão (SOLÉ, 1998, p.130).
As estratégias relacionadas por Solé ao momento após a leitura são: a
identificação da ideia principal, elaboração de resumo e formulação e resposta de perguntas.
Portanto, para a autora, a leitura é interação entre o texto e o leitor, e este deve aprender
estratégias que lhe permitam controlar a atividade de leitura. Cabe à escola, de acordo com a
autora, dotar o aluno de tais instrumentos de compreensão por meio de atividades
significativas. No entanto, segundo ela, “estas atividades não deveriam suplantar a leitura
individual, que cada um realiza pelo prazer de ler e da qual tem pouco sentido – se é que tem
algum – cobrar aprendizagens ou resultados” (SOLÉ, 1998, p.143).
Fica claro, com esta citação, que embora a autora defenda a utilização de
estratégias, considera mais importante a leitura individual, que oferece liberdade e prazer.
Lajolo, em artigos publicados na década de 1980 e reunidos em livro em 1993,
discute técnicas de motivação aplicadas à leitura de textos literários. De acordo com a autora
(LAJOLO, 2008a)
3
, os professores não devem tomar as teorias sobre estratégias de leitura
como soluções milagrosas para a abordagem do texto literário especificamente.
A autora comenta pesquisa da editora Abril em que os professores mostraram-
se satisfeitos com relação ao trabalho que desenvolvem para formar leitores, mas suas falas
eram repletas de expressões relacionadas a cobranças, como “trabalho longo e árduo,
atividade exigida, leitura obrigatória (...)” (LAJOLO, 2008a, p.14). No entanto, para Lajolo,
os professores, na prática, encontram-se muitas vezes desorientados em meio a discussões e
3
Este artigo foi publicado inicialmente em 1983.
41
propostas sobre leitura e buscam soluções imediatas, que podem ser perniciosas para sua
prática, pois “técnicas milagrosas para convívio harmonioso com o texto não existem, e as
que assim se proclamam são mistificadoras, pois estabelecem uma harmonia só aparente,
mantendo intato – quando já instalado – o desencontro entre leitor e texto” (LAJOLO, 2008a,
p. 14).
De acordo com a autora, é importante observar o que tem sido feito em sala de
aula a fim de motivar os alunos para a leitura. Para ela, exercícios que costumam ser
propostos, tais como cruzadinhas e dramatizações, desfiguram a obra literária e não
proporcionam ao aluno um contato mais profundo com o texto.
Em texto que aborda o trabalho com a poesia na escola, Lajolo (2008b)
4
afirma
que a crise da leitura é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa, pois considera que são
poucos os títulos lidos em fase escolar e que é equivocada a forma como as práticas
pedagógicas promovem a leitura. Contudo, a autora sustenta que para solucionar a questão da
qualidade, apenas a seleção de texto não é eficaz. Para ela, as relações entre literatura e escola
(e, consequentemente, entre leitura e escola) são sutis e complexas, e não se resolvem por
uma melhor seleção de textos, quaisquer que sejam os critérios dessa seleção. Além disso, um
bom texto, segundo Lajolo, pode ser mal aproveitado em atividades propostas na escola e, por
conseguinte, pouco contribuir para a solução da crise da leitura.
Ainda sobre atividades patrocinadas pela escola, Lajolo (2008c)
5
questiona o
método uniforme com que professores abordam textos literários. Na verdade, a autora
questiona o fato de professores seguirem suplementos de trabalho e fichas de leitura propostas
em encartes de livros paradidáticos em vez de darem um tratamento mais pessoal ao texto. Na
visão da autora, o professor acredita que dessa forma, delegando a outros um papel que é seu,
poderá despertar o gosto pela leitura:
O problema é que atividades sugeridas indiferenciadamente para muitos milhares
de alunos, distribuídas em pacotes endereçados a anônimos e despreparados
professores, passam a representar a varinha mágica que transformará crianças mal
alfabetizadas e sem livros disponíveis em bons leitores (LAJOLO, 2008c, p.70).
4
Este artigo foi publicado inicialmente em 1984.
5
Este artigo foi publicado inicialmente em 1987.
42
A autora
6
aborda a questão das modalidades de leitura e discorre sobre a
literatura como “modalidade privilegiada de leitura, em que a liberdade e o prazer são
virtualmente ilimitados” (LAJOLO, 2008d, p.105). Entretanto, esclarece a relevância de
outras leituras que são importantes por estarem mais presentes na vida social e que, por essa
razão, acabam por auxiliar no exercício da cidadania.
A autora defende a importância da literatura por proporcionar leituras
conflitantes e discute questões envolvendo leitura, professor e literatura. Nesse sentido,
Lajolo critica não apenas discussões sobre leitura que giram em torno de métodos e
estratégias adotados para promover a leitura, como também a afirmação de que os jovens não
leem ou que há uma queda no interesse por leitura, que, na visão da autora, sugerem a
alienação da leitura:
Se algumas metodologias e estratégias propostas para o desenvolvimento da leitura
parecem enganosas por trilharem caminhos equivocados, o engano instaura-se no
começo do caminho, a partir do diagnóstico do declínio ou da inexistência do
hábito de leitura entre os jovens. Espartilhada em hábito, a leitura torna-se passível
de rotina, de mecanização e automação, semelhante a certos rituais de higiene e
alimentação, só para citar áreas nas quais o termo hábito é pertinente (LAJOLO,
2008d, p.107).
Lajolo destaca também a importância de haver maior liberdade na escola
quando o assunto é leitura. Segundo a autora, o foco desta discussão passa pela formação do
professor de leitura, que deve conhecer vários textos, gostar de ler e, sobretudo, respeitar as
preferências de leitura de seus alunos, não fazendo uso de critérios de seleção para indicar
apenas uma leitura para a turma:
A leitura só se torna livre quando se respeita, ao menos em momentos iniciais do
aprendizado, o prazer ou a aversão de cada leitor em relação a cada livro. Ou seja,
quando não se obriga toda uma classe à leitura de um mesmo livro, com a
justificativa de que tal livro é apropriado para a faixa etária daqueles alunos, ou que
se trata de um tema que interessa àquele tipo de criança: a relação entre livros e
faixas etárias, entre faixas etárias, interesses e habilidades de leitura é bem mais
relativa do que fazem crer pedagogias e marketing (LAJOLO, 2008d, p.109).
Já Orlandi (2006) discute a questão das interpretações possíveis de um texto ao
tratar do tema das condições de produção da leitura escolar. Para a autora, as leituras
legitimadas na escola são aquelas feitas pelos críticos, seguidas pelos professores, que, por
6
Este artigo foi publicado inicialmente em 1984.
43
sua vez, transmitem-nas aos alunos. Ou seja, “as leituras já feitas de um texto e as leituras já
feitas por um leitor compõem a história da leitura em seu aspecto previsível” (ORLANDI,
1998, p.43). De acordo com a autora:
Na escola, a colocação das leituras previstas (possíveis e/ou razoáveis) por um
texto escamoteia, em geral, o fato de que se dá uma leitura prevista para ele, como
se o texto, por si, a suscitasse inteiramente. Exclui-se, dessa forma, qualquer
relação do texto, e do leitor, com o contexto histórico-social, cultural, ideológico
(ORLANDI, 1998, p.44).
Suassuna (1998) aponta, assim como vários outros autores já citados nesta
dissertação, o respeito aos interesses de leitura dos alunos como uma forma de se atingir a
leitura por prazer. A autora argumenta na mesma direção de Geraldi (1984c) no que se refere
ao respeito pelo “caminho do leitor” e pelas escolhas que constituem a história de leitura de
cada um, afirmando que a escola deve evitar avaliar a literatura de massa de modo
preconceituoso, uma vez que o contato com um gibi, por exemplo, pode abrir caminho para a
leitura de um clássico.
Britto (1999) declara que a ideia do prazer do texto tem levado a uma
concepção ingênua de leitura, anulando todo o seu caráter político. O autor entende a leitura
como “um ato de posicionamento político diante do mundo” e considera, juntamente com
Barthes, que a fruição do texto reside na intenção crítica do sujeito e na ruptura por ela
promovida. Para ele, os discursos difundidos sobre a leitura como “uma viagem ou uma
aventura” escamoteiam todo o trabalho que um ato de leitura pressupõe (essas duas imagens
da leitura como viagem, aventura e trabalho, aparecem no discurso da Nova Escola, conforme
analisamos no capítulo seguinte).
Britto explicita que, de acordo com Barthes, o prazer do texto “está ligado a
uma prática confortável de leitura” e a fruição “faz vacilar as bases históricas culturais,
psicológicas do leitor”. Segundo o autor, essa importante diferenciação colocada por Barthes
foi esquecida e prazer, gosto e fruição passaram a ser entendidos da mesma forma. Vale a
pena observar que, como apontamos em resenha anterior, Geraldi (1984c) defende que uma
das formas de leitura a se fazer na escola é aquela como “fruição do texto”. Conforme
mencionamos anteriormente, ao longo da década de 1980 muito se falou em prazer, fruição e
gosto relacionados à prática da leitura, e concordamos com Britto que uma diferença
substantiva entre esses conceitos não é apresentada, pelo menos nos autores pesquisados.
44
Ainda, de acordo com Britto, a ideia da importância da leitura para o
desenvolvimento intelectual dos sujeitos e, por conseguinte, para a evolução da sociedade,
cria uma visão do livro como um verdadeiro objeto mágico, capaz de transformar o mundo.
Nas palavras de Britto:
(...) a leitura deixa de ser uma prática social para tornar-se um ato redentor, capaz
de salvar o indivíduo da miséria e da ignorância. Nesta visão, o livro,
compreendido como objeto que encerraria saberes extraordinários e ensinamentos
maravilhosos, ganha contornos de panacéia (BRITTO, 1999, p.6).
Dessa forma, o autor defende a prática da leitura como uma ação intelectiva,
em que o sujeito constrói conhecimento e não só acumula informações. Para o autor, a leitura
deve ser entendida “não apenas como um procedimento cognitivo ou afetivo, mas
principalmente como ação cultural historicamente constituída” (BRITTO, 1999, p. 6).
Ferreira (1995) redige artigo em que reflete sobre a dicotomia entre ensinar a
ler por prazer e por hábito. Na sua pesquisa “Lendo histórias de leitura”, Ferreira apresenta o
discurso de alunos de 5
as
e 6
as
séries dos anos 89/90 e 92/93 sobre leitura. Chama atenção a
imagem idealizada de leitor criada pelos alunos. Nos depoimentos, fica claro que para eles
leitor é apenas aquele que lê por prazer, que não enfrenta nenhuma dificuldade na leitura.
De acordo com a pesquisadora, ao contrário do gosto, a leitura por hábito
possui um sentido negativo (nesse aspecto, a autora corrobora crítica feita anteriormente por
Lajolo), pois é vista como algo que se realiza de forma artificial, sem despertar o interesse do
aprendiz. A autora sustenta que ambos os tipos de leitura carregam consigo uma ideia errônea
de leitura, pois “negam o ato de ler como trabalho que exige esforço, dedicação, competência,
diálogo e comunhão”. Podemos considerar que a autora argumenta na mesma linha de
raciocínio de Britto, destacando a importância de se pensar a leitura como algo que ultrapasse
as atividades de prazer.
Calil (1994) atualiza a crítica de Lajolo à banalização das atividades escolares
com a leitura. O autor discute o sentido que é atribuído à leitura na escola e também critica o
ensino tradicional de leitura através de textos simples, com frases curtas, evitando o emprego
de palavras “desconhecidas” que, no seu entender, não favorece a formação leitora, mas sim,
impede a possibilidade de ampliar o universo lexical dos alunos. Além disso, o autor comenta
a abordagem dos textos encontrada nos livros didáticos. Nesses materiais, conforme Calil, o
texto torna-se pretexto para o estudo de regras gramaticais e treino ortográfico, sem contar
com as atividades que apresentam perguntas de verificação de entendimento, que, segundo o
autor, não podem ser consideradas trabalho com leitura.
45
Ainda de acordo com Calil (1994), os estudos cognitivos de processamento na
leitura, que, de um modo geral, propõem que o sentido do texto é construído a partir da
interação entre autor, texto e leitor, sustentam-se pela crença na ilusão da univocidade e
transparência da linguagem. O autor, influenciado pelo desenvolvimento dos estudos do
discurso no país, afirma que “de um ponto de vista linguístico-discursivo, a própria
constituição de uma posição de leitor, o movimento sobre o texto e o sentido atribuído para
aquilo que seja ler está determinado por um processo histórico e suas condições de produção”
(CALIL, 1994, p. 99).
Para comprovar sua tese de que não são apenas o domínio linguístico e as
habilidades cognitivas do leitor que garantem a legibilidade de um texto, e para apontar a
importância das condições de produção da leitura, Calil analisa atividades de leitura
realizadas com alunos de 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental. O autor verifica que da
maneira como a professora conduz a aula, determinados sentidos são atribuídos à leitura pelos
alunos, ou seja, os alunos são afetados pelo modo de leitura da professora, uma vez que esta
interrompe e aponta o que é mais importante no texto.
Possenti (1994) também condena essas práticas escolares de imposição de
leituras, que de acordo com ele se baseiam na leitura única, na autoridade e descartam o
trabalho interpretativo do aluno.
Outra autora que discute essa questão é Braga (1998), afirmando que a escola
tem incentivado a formação de leitores reprodutores, que repetem as leituras dos professores
e, dessa forma, não se tornam leitores autônomos. Por outro lado, de acordo com a autora,
propostas pedagógicas mais progressistas que priorizam a leitura embasada na experiência
social do leitor geram leituras ingênuas ou mesmo abrem “espaço para o surgimento de
interpretações totalmente descompromissadas, com limites interpretativos colocados pelo
texto ou pela situação de leitura” (BRAGA, 1998, p.50).
A autora chama atenção para a importância de se desenvolver a leitura crítica
na escola e afirma que tanto abordagens tradicionais como as progressistas criam problemas
que dificultam o desenvolvimento do espírito crítico. O ensino tradicional, por descartar o
leitor da construção do sentido, ocasiona a passividade diante do texto. O oposto é estimulado
pela abordagem progressista que, ao oferecer liberdade interpretativa, tem como consequência
o subjetivismo excessivo. Conforme a autora, “embora um texto possa, em princípio,
propiciar múltiplas interpretações, o ato de ler ocorre dentro de situações sociais delimitadas,
cujas normas tendem a restringir essas possíveis leituras” (BRAGA, 1998, p.54).
46
Diante desse quadro, Braga defende “uma abordagem de ensino que
contextualize e explicite para alunos oriundos de grupos socialmente desprivilegiados as
normas lingüísticas textuais e discursivas pelo padrão letrado” (BRAGA, 1998, p. 51), como
uma tentativa de se desenvolver a leitura crítica e, consequentemente, diminuir a exclusão dos
grupos desfavorecidos.
Borba (1995) reflete sobre a formação dos professores de Língua Portuguesa e
a aponta como uma das causas da dificuldade de se desenvolver um trabalho “verdadeiro”
com leitura. A autora observou a prática de leitura realizada nas aulas de graduação em um
Curso de Letras e constatou o predomínio do autoritarismo, pois o professor não criava
oportunidade de diálogo sobre a leitura com os discentes. Conforme a autora, “uma prática de
leitura encaminhada dessa forma transforma o leitor num consumidor passivo de discursos,
retira-lhes a criatividade de reconstruir o texto lido, além de lhe obstaculizar a possibilidade
de tornar um sujeito de seus atos” (BORBA, 1995, p.8). O professor formado nessas
condições tenderia a adotar na sua prática propostas de leitura semelhantes às que foi
submetido no seu trajeto acadêmico e, assim, perpetuar-se-ia o autoritarismo e a formação de
leitores reprodutores.
A autora defende o ensino das habilidades linguísticas, com o intuito de
desenvolver no aluno a compreensão crítica. Borba afirma que, nesse sentido, deve-se
trabalhar com inferências, relações lógicas, operadores argumentativos; tudo aliado ao
conhecimento de mundo do aluno. Além disso, de acordo com a autora, é importante que o
professor tenha em mente que seu trabalho não é neutro, visto que ele reflete as contradições
da sociedade e, como tal, constitui-se como um meio de se combater a alienação.
Dessa forma, a partir desses indícios, é possível produzir a hipótese de que, na
década de 1990, começa-se a discutir a forma como a escola entendeu a luta dos estudiosos
em valorizar a leitura nas atividades de ensino, ou seja, a forma como a escola assumiu para si
a atividade de desenvolver o hábito ou gosto pela leitura.
Por todo o exposto, fica claro que a discussão sobre a leitura no Brasil é
bastante ampla. Foi na década de 1980 que os rumos do ensino da leitura começaram a ser
efetivamente revistos. Se nossa intenção ao levantar tais estudos é verificar se há e como
ocorrem atualizações destes discursos na revista Nova Escola acerca da leitura, é importante
salientar que discursos divergentes nesse sentido são percebidos já neste capítulo, entre
alguns dos autores citados.
O principal objetivo dos trabalhos levantados, como notamos, é oferecer uma
contribuição para a prática pedagógica da leitura nas escolas, uma vez que o trabalho
47
desenvolvido pelos docentes é alvo de críticas por vários autores. Surge daí a necessidade de
pesquisar metodologias para subsidiar a prática pedagógica referente à leitura. A revista Nova
Escola, como buscamos comprovar nos próximos capítulos, configura-se como um manual de
apoio aos docentes, alterando as características dos gêneros produzidos pela esfera midiática
materializados nas páginas do periódico.
2.2 O DISCURSO SOBRE LEITURA EM CONTEXTO PEDAGÓGICO: OS
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Os Parâmetros Curriculares Nacionais são documentos oficiais do Ministério
da Educação que objetivam estabelecer discussões e melhorias no ensino de todas as
disciplinas. A versão final dos PCNs chegou às mãos dos professores de primeiro e segundo
ciclos do ensino fundamental em 1997. Os volumes referentes ao ensino das disciplinas do
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental foram publicados no ano seguinte
7
. Desde
então, os PCNs têm suscitado discussões, estudos e publicações a seu respeito.
Os volumes dedicados à disciplina Língua Portuguesa abordam a questão do
ensino da língua levando-se em conta o contexto sócio-histórico então vivido pelo país. Na
parte introdutória dos documentos, o trabalho com a língua materna realizado nas escolas é
tomado como principal motivo do fracasso escolar, em virtude de falhas no processo de
ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. De acordo com os PCNs, o não domínio destas
duas competências fere um direito inalienável de todos - o exercício pleno da cidadania - pois
é através da língua que o homem tem acesso às práticas sociais. Neste contexto, as reflexões
propostas nos PCNs para o ensino da língua materna são orientadas por questões sociais,
como “a presença na escola de uma clientela diferente daquela que veio frequentando os
bancos escolares até a década de 60, (...) a constatação mais uma vez do fracasso da escola no
enfrentamento de problemas relacionados à evasão, repetência e analfabetismo” (FERREIRA,
2001).
Pesquisas interdisciplinares em Linguística, Pedagogia, Psicologia e Sociologia
demonstram, segundo Ferreira, a necessidade de se avaliarem as práticas do ensino da língua
e trazem à tona questões como: o conhecimento prévio do aluno, que diz respeito às
7
Neste trabalho, todas as discussões foram baseadas nos PCNs do primeiro e do segundo ciclos do ensino
fundamental.
48
experiências vividas pelo aluno fora do ambiente escolar, mesmo antes do ingresso à escola, e
que devem ser consideradas pelo docente para que o aluno tenha interesse pelo aprendizado; a
noção de erro construtivo, que significa entender os erros como elementos importantes para a
construção do conhecimento; a interação com o objeto do conhecimento, entendida como a
relação entre o sujeito e o objeto a ser conhecido, em que ambos são concebidos num
processo contínuo de construção, uma vez que o sujeito se constitui na interação com o
objeto. Além disso, de acordo com a autora, estudos produzidos especificamente na área da
linguagem verificam a importância do respeito às diferenças dialetais, bem como a
necessidade de se direcionarem os estudos a partir da diversidade de gêneros textuais e de
uma “nova” abordagem da língua nas práticas de leitura e produção de textos.
Em se tratando especificamente da prática de leitura, os PCNs apresentam
várias estratégias para que se formem leitores e escritores competentes, pois de acordo com o
documento, esta seria a finalidade de um trabalho com o texto. Os Parâmetros definem leitura
como “um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do
texto” (BRASIL, 1997, p.53). Consideram que, para que sentidos sejam construídos no ato de
ler, vários conhecimentos, como o linguístico e o de mundo, são mobilizados. Assim, a união
de saberes sobre o autor, sobre o tema do texto e sobre o gênero garantiria uma leitura eficaz.
Segundo o documento, um leitor competente: a) possui autonomia para
selecionar textos e buscar neles informações que atendam a uma necessidade; b) faz uso de
estratégias de leitura como seleção, antecipação, inferência e verificação; c) identifica
informações implícitas e estabelece associação entre textos. A competência leitora é, nessa
perspectiva, produto de uma prática de leitura de textos diversos.
De acordo com os PCNs, a leitura desempenha importante papel na
aprendizagem no primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série) e, por isso,
as atividades envolvendo a leitura precisam fazer sentido para o aluno. Para que a leitura
constitua-se como objeto de aprendizagem, ela não deveria ser descaracterizada, ou seja, seria
preciso criar situações didáticas nas quais fossem trabalhadas a diversidade de textos, de
objetivos e de modalidades de uso da língua.
É importante ressaltar que, de acordo com os Parâmetros, o ato de ler não se
restringe à decodificação (ou seja, a conversão de letras em sons), pois envolve a construção
de sentidos a partir do que se lê. A leitura é tida como um poderoso instrumento na
alfabetização, e é dentro da prática de leitura que os alunos compreendem o sistema
alfabético. Por isso, segundo o documento, é necessário que sejam oferecidos materiais
49
impressos a alunos em fase de alfabetização, uma vez que o contato com textos diversos
favoreceria a reflexão do aluno.
Os Parâmetros criticam a abordagem repetitiva dos textos realizada nas
escolas. Apontam que as atividades envolvendo leitura, no geral, têm-se limitado a
preenchimento de fichas para verificação de entendimento, ilustração do trecho preferido e
leitura em voz alta. Tais atividades, de acordo com os PCNs, podem ser propostas pelos
professores, porém seria preciso desenvolver o trabalho com a leitura com base em questões
sociais, visto que, conforme estes documentos, fora da escola não se lê apenas de uma forma.
Nessa perspectiva, seria preciso criar situações para que o educando percebesse as
especificidades de cada gênero e sua forma de circulação na sociedade.
Para desenvolver a prática de leitura, os PCNs sustentam a importância de os
alunos contarem com modelos de leitores na escola, pois consideram que grande parte deles
não convive com leitores proficientes em casa. Aos educadores caberia a tarefa de apresentar
a leitura como uma tarefa desafiadora e fascinante.
Os Parâmetros apresentam algumas condições que a escola deveria oferecer a
fim de desenvolver a prática e o gosto pela leitura no ciclo I:
Montar uma biblioteca na sala de aula;
Não incomodar os alunos durante a leitura com questionamentos;
Emprestar livros para serem compartilhados com a família;
Dar preferência para a variedade de títulos na aquisição de livros;
Envolver toda a equipe da unidade escolar numa política de formação de
leitores.
Algumas sugestões pedagógicas também são apresentadas:
Leitura diária em sala de aula: pode ser silenciosa ou em voz alta. O
importante é esclarecer sempre o objetivo do texto e promover a ativação do conhecimento
prévio do aluno e o levantamento de hipóteses, por meio da antecipação do tema tratado no
texto;
Projetos de leitura: são situações significativas que podem envolver
diversos gêneros e modalidades de leitura de forma contextualizada;
Atividades sequenciadas de leitura: assemelham-se aos projetos, mas não
objetivam um produto final. Pode-se trabalhar com determinado autor ou tema de interesse da
turma;
50
Atividades permanentes de leitura: momentos promovidos com
regularidade, como “Hora da leitura” e “Roda de leitores”, nas quais o aluno pode
compartilhar sua apreciação de uma obra com os colegas;
Leitura feita pelo professor: o professor escolhe um título e o apresenta
através de uma leitura entusiasmada, com o intuito de funcionar como um modelo.
Os PCNs sustentam que, no momento da leitura, o aluno utiliza todos os
conhecimentos adquiridos para descobrir o que não sabe. Ao professor caberia a tarefa de
promover a circulação de informações e mostrar ao aluno as estratégias possíveis para se
atingir uma leitura eficaz.
O trabalho com a diversidade de gêneros é um ponto muito discutido nos
Parâmetros. O professor deveria não só disponibilizar aos alunos textos de vários gêneros,
como também preocupar-se com as formas de recepção dos textos. Também deveria induzir a
reflexão de que não se leem todos os textos da mesma forma, respeitando a especificidade de
cada gênero.
Quanto aos textos literários, seria dever da escola oferecer aos alunos o contato
com as obras consagradas e explorar a funcionalidade do texto e sua relação com seu contexto
de criação. O professor deveria trabalhar os textos de modo a permitir evoluções, para que o
aluno entendesse o texto literário como obra cultural e ficcional para, assim, avançar na
prática de leitura desse tipo de texto. Para tanto, os PCNs aconselham um trabalho gradual
com a literatura. No início, o professor elegeria textos de que os alunos gostassem, para que
funcionassem como ponto de partida para a ascensão a textos mais complexos.
De acordo com os PCNs, deveria ser de competência da escola organizar uma
verdadeira política de incentivo à leitura, que permitisse oferecer uma biblioteca com títulos
diversos, equipar salas de aula com materiais de leitura, criar situações em que o aluno possa
escolher sua leitura e compartilhar suas impressões com colegas, propor atividades regulares
de leitura, envolver a comunidade a fim de adquirir mais livros e conservar o acervo, mostrar
a importância do trabalho com leitura por todos professores da unidade escolar, pois, de
acordo com os Parâmetros, independentemente da disciplina, todo professor seria professor
de leitura também.
Os PCNs trazem, ainda, algumas sugestões de atividades para os professores
desenvolverem com os alunos, na busca pela formação de leitores:
a) Leitura autônoma: momento de aumentar a confiança do aluno (leitor),
que escolhe os textos e realiza leitura silenciosa;
51
b) Leitura colaborativa: situação em que o professor lê para os alunos e os
questiona utilizando estratégias de leitura para construir os sentidos do texto;
c) Leitura em voz alta pelo professor: é o momento de apresentar aos
alunos a beleza e a qualidade, através da leitura, segmentada por capítulos, de textos mais
complexos e obras mais extensas, cuja leitura autônoma os alunos talvez não se sentissem
encorajados a realizar;
d) Leitura programada: nessa atividade, o professor escolhe um título
considerado difícil para os alunos e programa discussões de partes do texto. Assim, os alunos
sanam suas dúvidas de determinada parte da obra e ficam mais preparados para a leitura do
próximo capítulo, por exemplo;
e) Leitura de escolha pessoal: elege-se um gênero específico, um autor ou
tema e os alunos escolhem o título. Tal situação deveria ser proposta com regularidade a fim
de desenvolver o comportamento leitor e constituir padrões de “gosto pessoal”.
Os Parâmetros garantem que com uma prática intensa de leitura, a escola
contribuiria para a formação global do aluno, pois o inseriria na cultura letrada, viabilizaria o
exercício da criticidade, da fantasia e da imaginação e expandiria sua visão de mundo.
Consideramos os discursos expostos neste capítulo como condições de
produção para nossas reflexões sobre os enunciados acerca das práticas de leitura que se
concretizam nas páginas da revista Nova Escola. Os PCNs são constantemente citados nas
reportagens de Nova Escola e, por isso, achamos por bem averiguar o que se declara acerca da
leitura nestes documentos. A seguir, apresentamos nossas reflexões com base no que
expusemos até aqui, observando a forma como o discurso da revista referente à leitura dialoga
com os estudos que compõem a memória discursiva deste trabalho.
52
3. O DISCURSO DA FORMAÇÃO DO LEITOR E A CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE DO PROFESSOR NA REVISTA NOVA ESCOLA EM
DIFERENTES GÊNEROS
Neste capítulo, inicialmente, buscamos justificar a escolha de nosso corpus,
descrevendo a revista Nova Escola, seu projeto editorial e alguns dados a respeito de suas
vendas. Posteriormente, dois de seus gêneros são alvos de nossas reflexões: um plano de aula
e cinco reportagens, publicadas nos últimos dez anos de circulação da revista.
A revista Nova Escola é uma publicação mensal da Fundação Victor Civita,
vinculada à Editora Abril. Atualmente é considerada a maior revista de educação do país, de
acordo com afirmação da própria Fundação Victor Civita, e isto se justifica, em grande parte,
pelas parcerias com os governos municipais, estaduais e, sobretudo, com o governo federal,
que permite uma grande tiragem, em virtude da distribuição gratuita a escolas e a professores
brasileiros.
A revista começou a circular em março de 1986, em um período que ficou
conhecido como a “década perdida” em termos econômicos, porém marcado por reformas
educacionais e aumento de recursos destinados à educação (SILVA & FEITOSA 2008). Seu
surgimento procurou materializar o desejo expresso pela Fundação Victor Civita, cuja
criação, a exemplo de organizações internacionais, teve o propósito declarado de contribuir
para a formação do professor do ensino fundamental do Brasil. Nas palavras do próprio
Victor Civita:
NOVA ESCOLA, a maior revista de Educação do Brasil, circula em todo o país
desde março de 1986 e é uma publicação da Fundação Victor Civita, entidade sem
fins lucrativos apoiada pelo Grupo Abril. A revista NOVA ESCOLA é vendida a
preço de custo. Você só paga o papel, a impressão e a distribuição porque a
Fundação Victor Civita, criada em setembro de 1985, tem como objetivo contribuir
para a melhoria da qualidade da educação Básica por meio da qualificação e do
apoio ao professor brasileiro (CIVITA, 2009, p.8).
Esta nota, assinada por Victor Civita, o idealizador de Nova Escola, é
publicada no editorial de todos os números da revista sob o título “O que você precisa saber
sobre a revista NOVA ESCOLA e a Fundação Victor Civita”. A afirmação de que a revista é
53
a maior do segmento educacional é uma forma de promovê-la a partir das palavras de uma
autoridade, o jornalista Victor Civita, sobre a qualidade do periódico, e continua sendo
utilizada mesmo após o falecimento do mesmo, ocorrido no quarto ano de publicação da
revista.
Ao longo de mais de duas décadas, o periódico tem se mantido como um
veículo de expressiva divulgação de teorias e práticas pedagógicas, o que torna possível,
graças à sua crescente tiragem, uma ampla inserção entre os profissionais da área. O gráfico a
seguir (Figura 1), elaborado a partir dos dados reunidos por Faria (2001), apresenta as
tiragens da revista de 1986 a 2000, mostrando um aumento de 2,8 exemplares (em milhões)
em 1986 para 5,2 exemplares em 2000. Além disso, a revista também se encontra disponível
na internet desde 1998, sendo que o seu endereço virtual recebe cerca de 3,0 milhões de
visitantes por mês, segundo dados do próprio site da revista.
1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002
0
1
2
3
4
5
6
n
o
de exemplares (em milhões)
ano
Figura 1 – Gráfico da vendagem de exemplares da revista Nova Escola no período de
1986 a 2000.
Fonte: www.anped.org.br
8
Os dados referentes a 1991 e 1992 demonstram uma queda acentuada na
tiragem da revista. De acordo com Faria (2001), esta queda ocorreu em virtude da perda do
subsídio oficial durante o governo Collor, o que comprova a importância das parcerias com os
8
Gráfico construído com base em dados disponíveis no link
http://www.anped.org.br/reunioes/25/ginaglaydesfariat05.rtf
.
54
governos para a revista desde sua primeira edição. De fato, alguns estudos, entre eles os
realizados por Silva & Feitosa (2008), apontam que a revista Nova Escola tem sido, desde o
início de sua circulação, uma espécie de porta-voz dos governos federais e de suas políticas
educacionais, especialmente na ocasião da reforma educacional brasileira implementada
durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Não raramente, Nova Escola divulga
trabalhos do MEC, além de entrevistas com políticos, principalmente ministros da educação.
De acordo com tais pesquisas, o papel da revista é de veicular e promover a legitimação da
ideologia dominante, por meio da adesão da classe docente.
Outros números sobre Nova Escola encontram-se no relatório anual de 2007,
disponível no site da Fundação Victor Civita.
9
De acordo com o relatório, o resultado de
pesquisa realizada pelo Ibope acerca da relação dos professores com a revista apontou que:
96% deles conhecem Nova Escola, 65% leem a revista regularmente, 89% consideram-na útil
para atividades em classe, 88% avaliam que ela acrescenta informações novas e 87%
acreditam que ela ajuda no dia-a-dia. Embora estes números demonstrem a importância da
revista, o site não divulga informações importantes sobre a pesquisa, como o ano de sua
realização, por exemplo.
A seção “Carta do editor” do número 218 da revista Nova Escola, publicada
em dezembro de 2008, tem como título “1 milhão de exemplares” e ocupa duas páginas,
juntamente com a imagem da equipe de produção da revista. Trata-se de um editorial que se
diferencia dos demais pela sua extensão – a seção geralmente ocupa uma página – e pelo tom
comemorativo. Por meio da carta, o diretor de redação Gabriel Grossi anuncia a marca de um
milhão de exemplares da revista em circulação desde o mês anterior, destacando que até então
somente a revista Veja havia alcançado esta marca. O diretor explicita que houve um aumento
de 63 mil para 85 mil revistas vendidas mensalmente nas bancas. Além disso, segundo
Grossi, houve um aumento no número de assinantes durante o ano de 2008, de 311 mil em
janeiro para 330 mil em dezembro. O próprio diretor aponta as parcerias como um dos
grandes responsáveis por este crescimento e cita municípios como Diogo de Vasconcelos
(MG), comprador de apenas 53 exemplares, e São Paulo, que adquire 52 mil revistas. Estados
como São Paulo, Rio de Janeiro e Tocantins também são citados como parceiros. Por fim, o
diretor menciona o Ministério da Educação, que distribui um lote da revista em escolas
públicas que contam com um número superior a 50 alunos matriculados.
9
www.novaescola.org.br.
55
No número 219, que circulou em janeiro e fevereiro de 2009, na seção “Caixa
Postal”, espaço onde Nova Escola publica cartas e e-mails de leitores, foram apresentados os
depoimentos de alguns leitores, como forma de comprovar a repercussão positiva do editorial
do número anterior sobre a tiragem de um milhão de exemplares:
Um milhão de exemplares representa milhões de informações e conhecimentos
disponibilizados aos inúmeros professores e demais públicos envolvidos,
compromissados e apaixonados pela Educação neste imenso Brasil. Tocantins
parabeniza e agradece a toda a equipe de NOVA ESCOLA pelo excelente trabalho
desenvolvido pelo bem da Educação. Maria Auxiliadora Seabra Rezende, presidente
do Conselho Nacional de Secretários da Educação e secretária da Educação e
Cultura do Estado do Tocantins (NOVA ESCOLA, 2009 p. 14).
Uma revista sobre educação que alcança um número tão expressivo de vendas
e, como a leitora afirma, cujas ideias alcançam todo o território nacional, despertou nosso
interesse, uma vez que suas publicações podem estar influenciando a prática profissional de
seus leitores.
Estas questões são aprofundadas neste capítulo dedicado às análises, em que
apresentamos nossas reflexões sobre como pensamentos conflitantes a respeito da leitura
materializam-se nas páginas da revista Nova Escola, por meio de gêneros diversos, como o
plano de aula e a reportagem.
A seguir, procedemos à análise de um plano de aula, publicado em março de
2005, e tecemos considerações a respeito da imagem do docente criada pelo discurso da
revista como responsável pelo incentivo à leitura. Após refletirmos sobre o plano de aula,
analisamos cinco reportagens sobre nosso tema de pesquisa, publicadas em maio de 1998,
dezembro de 1999, março de 2002, agosto de 2006 e abril de 2008, sendo esta última uma
edição especial sobre leitura. Antes de analisarmos as reportagens, discutimos a problemática
da objetividade nos gêneros jornalísticos, a partir das ideias de Lage (2006) e Bakhtin (1995).
3.1 PLANO DE AULA – PROFESSOR MAU LEITOR
Em nossa sociedade, constantemente circulam ideias contrastantes a respeito
da responsabilidade do professor na crise da educação. Obviamente, a classe docente se
defende alegando, entre outros fatores, o descaso dos governos e a negligência familiar. Por
56
outro lado, discursos que transitam em várias esferas sociais creditam aos professores a culpa
pelos problemas educacionais, defendendo a má formação dos docentes.
No que diz respeito à leitura, dados de indicadores como o PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes) revelam o elevado número de alunos que
apresentam dificuldades em realizar a chamada “leitura compreensiva”. Muitos são
enquadrados no grupo dos leitores decodificadores, aqueles que apenas são capazes de
realizar a decodificação de sons e letras sem, contudo, construir sentidos na leitura. Em sua
última edição, que ocorreu em 2006, o programa de pesquisa trienal de competências e
conhecimentos de estudantes na faixa dos quinze anos apresentou os dados a seguir (Figura
2).
0 100 200 300 400 500
Países da OCDE
Brasil
Kirziquistão
Qatar
Azerbaijão
Tunísia
Argentina
Médias mais baixas (em número de pontos)
Países
0
2
4
6
8
10
Figura 2 - Médias mais baixas (em número de pontos) dos alunos de alguns países.
Fonte: www.rotaryeclub.org.br
10
Os professores são apontados como responsáveis por esse quadro por não
contribuírem de forma efetiva para a formação de leitores. Neste contexto, muitos são os
discursos acerca da incompetência dos docentes, e igualmente numerosas são as publicações
que buscam suprir essa defasagem. A maioria dessas publicações apresenta métodos de
ensino ou modelos a serem seguidos para o professor que, de acordo com a imagem criada
10
Gráfico construído com base em dados disponíveis em artigo disponível no referido site, no link
http://www.rotaryeclub.org.br/rotary_chico/edu/Alfabetizacao/GRA-0708-058-G-PISA.pdf.
57
por esses discursos, lê pouco, não sabe ao certo como proceder em sala de aula e necessita,
portanto, de modelos para seguir.
Na revista Nova Escola, esse discurso sobre a incompetência do professor
brasileiro no desenvolvimento de situações de fomento à leitura ocorre muitas vezes velado.
Assim como qualquer periódico, a revista busca “fidelizar”, como diriam os estudos da área
da comunicação, o público-alvo por intermédio de enunciados que aproximam revista e
professor, colocando-os como parceiros na tarefa de elevar a qualidade do ensino. Contudo, o
discurso que se esconde sob estes enunciados, como analisamos neste capítulo, evidencia o
projeto de dizer dos autores da revista: ensinar o professor a desenvolver sua prática
pedagógica. Com isso, fica claro como o profissional é concebido pela revista.
O professor que acompanha as edições da Nova Escola, desprovido de um
olhar mais crítico, pode sentir-se até mesmo prestigiado com suas publicações.
Provavelmente, ele crê que está se informando para incorporar novas teorias e técnicas à sua
rotina de trabalho por meio de um suporte que o valoriza e compreende as dificuldades que
enfrenta.
Intencionamos demonstrar a seguir, com a análise de alguns enunciados, que o
discurso encontrado nas páginas de Nova Escola evidencia valores em conflito presentes na
sociedade sobre a prática docente.
Em 2005 e 2006, a revista Nova Escola publicou mensalmente uma seção
intitulada “sala de aula”. A leitura era um tema recorrentemente explorado com textos de
diversos gêneros, acompanhados de um plano de aula. A partir de 2007, Nova Escola passou
a publicar somente textos ricamente ilustrados na seção “Era uma vez”, trazendo apenas a
indicação “Para ler com seus alunos”. As seções citadas mostram uma mudança no foco da
revista. Antes a prioridade estava no “como ler”, por meio dos planos de aula. Hoje o
destaque é para “o que ler”, com a sugestão de textos.
Seguindo as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa, que, como vimos, aconselham o trabalho com a diversidade de gêneros
discursivos para formar leitores, a revista apresentava, em cada edição de 2005 e 2006, um
gênero discursivo distinto, juntamente com um roteiro de trabalho, que indicava a melhor
forma de se explorar o texto sugerido. Temos aí, portanto, como ensina Bakhtin, um diálogo
proveniente da ativação da memória do passado, que busca nos PCNs de Língua Portuguesa
um enunciado que pode ser refutado ou confirmado. Neste caso, o discurso da revista
parafraseia, ou seja, recupera e confirma o discurso dos PCNs sobre leitura quanto à
importância de oferecer uma diversidade de gêneros aos alunos.
58
Selecionamos como objeto de análise o plano de aula elaborado a partir do
texto “Papagaio Congelado”, pertencente ao gênero anedota, recontado por Ricardo Azevedo,
publicado na edição 180, de março de 2005 (ver Figura 3, p. 59). O plano de aula é
estruturado em três partes: “Como identificar a estrutura de uma piada”, “Anedota de
qualidade tem final inteligente” e “Que tal a turma criar narrativas engraçadas?” Quem assina
esse plano de aula é Roberta Hernandes Alves. Seu roteiro é bastante detalhado e inicia-se
com uma explanação sobre as características do papagaio e sua associação histórica com o
Brasil. A apresentação de tais informações evidencia que, na visão da revista, elas são
fundamentais para o desenvolvimento da aula e que o público leitor as desconhece. Em
seguida, o tom imperativo toma todo o texto. Três parágrafos são introduzidos pela voz de
autoridade, como “Passe, então para um mapeamento das principais marcas que diferenciam
esse gênero dos demais...”, “Discuta se esse texto lembra outras anedotas sobre a ave
tagarela...” e “Peça que os estudantes criem uma anedota nova...”. O uso de verbos no
imperativo ocorre em todo o texto. São doze ocorrências no total.
A autora do plano apresenta ainda cinco questões sobre o texto para serem
aplicadas em sala de aula. Na última parte do roteiro, dedicada à produção oral, Roberta
demonstra como o professor deve orientar os alunos para contar anedotas para a turma:
Todos deverão contar suas anedotas para os colegas, mas antes dê noções de uma
boa apresentação:
estude a anedota antes de contar para não pular etapas e nem se esquecer dos
fatos;
mude a voz de acordo com os personagens, faça gestos e interaja com os
ouvintes, para ter certeza de que eles estão acompanhando a narração (ALVES,
2005 p. 62).
Além de deixar claro que o professor deve orientar seus alunos para a
apresentação da anedota, a autora explicita exatamente o que deve ser dito aos alunos. O
professor, de acordo com a imagem criada no plano de aula em análise, não saberia preparar a
aula e nem mesmo a melhor forma de guiar os alunos na execução da tarefa. Mendonça
(1995) discute essa questão e aponta os autores de manuais didáticos como leitores
privilegiados que sinalizam, autoritariamente, caminhos para o professor, pois este “deve ser
orientado com o máximo de detalhes para que se tenha um mínimo de segurança de que ele se
saia razoavelmente bem” (MENDONÇA, 1995, p.147). A autora considera a prática dessa
linguagem, nos materiais didáticos, como uma das formas de produzir para o professor uma
identidade de “incompetente”.
59
Figura 3 – Plano de aula de um texto do gênero anedota.
Fonte: Revista Nova Escola, 2005, n.180, p. 62
No referido plano de aula, chama atenção também o fato de que em nenhum
momento a autora do plano faz uso de expressões para amenizar o tom autoritário do texto.
Diversos manuais didáticos, em sua versão direcionada ao professor, trazem enunciados como
60
“as atividades aqui apresentadas são sugestões” ou “o professor pode adaptar a aula de acordo
com a realidade de seus alunos” que, de certa forma, suavizam o estilo imperativo presente
nesse tipo de material pedagógico. Nesse caso, temos um texto que se apresenta como uma
receita, como um modelo do que seria a melhor forma de se promover uma situação de
aprendizagem a partir da anedota em questão. O enunciador se coloca, portanto, como uma
autoridade no assunto, enquanto o professor é considerado alguém que, assim como os
alunos, precisa receber lições para aprender a proceder no exercício de suas funções básicas.
No final, a revista disponibiliza o e-mail da autora do plano sob o enunciado
“Quer saber mais?”, o que reforça a autoridade da autora. Além de propor/impor o
pensamento da autora - corroborado pelo periódico - acerca de uma boa aula utilizando o
gênero anedota, a revista também conduz o leitor a buscar mais informações (outros roteiros
de aula?). Tudo isso reforça imagens que promovem um distanciamento entre a autora do
plano, uma especialista no assunto, e o professor-leitor, que no espaço analisado, é delineado
como um reprodutor do discurso alheio, ou seja, como um mau leitor.
A maneira como analisamos o plano de aula em questão aproxima-se dos
estudos de Geraldi (1991) sobre o livro didático. Em seu texto, o autor concebe o manual do
professor como fruto da sociedade controladora da instituição escolar e do processo de
ensino/aprendizagem. Para o autor, a sociedade foi definindo os papéis que professores e
alunos desempenhariam ao longo da história da educação, e o livro didático reflete esse
controle. Nesse sentido, à primeira vista, o livro didático facilita “a tarefa de ensinar, diminui
a responsabilidade pela definição do conteúdo de ensino, preparou tudo até as respostas para
o manual ou guia do professor” (GERALDI, 1991, p.94). Isso permitiu um aumento na carga
horária de trabalho, uma queda na remuneração e a consequente desvalorização da prática
docente perante a sociedade. De acordo com Geraldi (1991), essa questão espelha a
identidade do professor como um capataz, um controlador, um intermediário desqualificado
do processo de ensino/aprendizagem em síntese.
A revista Nova Escola é fruto da esfera midiática, mas, como vimos com a
análise do plano de aula, seu espaço, apesar de repleto de gêneros jornalísticos, que têm como
função primordial e confessa a transmissão de informações, acaba por exercer a função
didática ao dirigir-se para o professor. Este, por sua vez, tem sua imagem construída da
mesma forma que observamos em manuais didáticos: como um sujeito mandado, incapaz de
desenvolver um trabalho intelectual.
61
3.2 A LEITURA NAS REPORTAGENS DE NOVA ESCOLA
Analisamos neste item cinco reportagens sobre leitura, publicadas na revista
Nova Escola em 1998, 1999, 2002, 2006 e 2008. Escolhemos esses números em função de
terem sido publicados após o lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa, pois um dos nossos objetivos é verificar o diálogo entre a revista e esses
documentos – como vimos, os PCNs abordam o tema e propõem atividades para desenvolver
práticas de leitura em contexto escolar. Nosso intuito é verificar influências dos PCNs nas
reportagens sobre leitura de Nova Escola e como se dá o diálogo entre ambos. Além disso,
para atingirmos nossos objetivos, consideraremos também o diálogo estabelecido com
estudos da academia, por um lado, e com os educadores, público-alvo do periódico, por outro.
A hipótese que nos guia é de que o discurso da revista, no que tange à leitura,
constitui-se por meio de diálogos com discursos que transitam em outras esferas de atividades
da sociedade. Antes de passarmos às análises, porém, é importante tecer algumas
considerações a respeito dos gêneros jornalísticos e da reportagem.
A reportagem é um dos textos que compõem o gênero jornalístico. Uma de
suas características seria a objetividade. Contudo, essa é uma questão que vem sendo
discutida por autores como Kunczik (1997), em cujo trabalho encontramos a expressão “mito
da objetividade jornalística” para se referir a essa questão.
O problema da objetividade no jornalismo é antigo e permanece ainda sem
solução. De acordo com Kunczik (1997), quem primeiro levantou a questão foi Tucídides, em
sua obra “Histórias da Guerra do Peloponeso”, há mais de 2.400 anos. O autor afirma que os
depoimentos colhidos sobre os vários fatos da referida guerra eram acompanhados do ponto
de vista de quem os pronunciava. Portanto, a forma como cada pessoa lembrava e interpretava
os acontecimentos acabava por modificá-los.
A polêmica sobre a questão da objetividade jornalística envolve aqueles que
criticam os jornalistas, afirmando que os profissionais não transmitem as notícias com a
devida objetividade e imparcialidade, e outros que afirmam a impossibilidade de total
neutralidade no jornalismo.
De acordo com Lage (2006), a informação é a matéria-prima do jornalismo, e o
jornalista funciona como um tradutor dos discursos que compõem a notícia. Segundo o autor,
o processo de “tradução” engloba, entre outros fatores, a previsão de que tipo de notícias
interessa a determinado público.
62
O processamento mental da informação pelo repórter inclui a percepção do que é
dito ou do que acontece, a sua inserção em contexto (o social e, além desse, toda
informação guardada na memória) e a produção de nova mensagem, que será levada
ao público a partir de uma estimativa sobre o tipo de informação de que esse público
precisa ou qual quer receber. Em suma, o repórter, além de traduzir, deve confrontar
as diferentes perspectivas e selecionar fatos e versões que permitam ao leitor
orientar-se diante da realidade (LAGE, 2006, p.49).
O jornalista, na maioria das vezes, consulta fontes para obter informações para
sua matéria. Podem ser pessoas que testemunharam ou participaram dos fatos, ou mesmo
instituições relacionadas ao assunto. Ao repórter cabe “selecionar e questionar essas fontes,
colher dados, depoimentos, situá-los em algum contexto e processá-los segundo técnicas
jornalísticas” (LAGE, 2006, p.49).
Para Lage, o que ocorre no jornalismo é uma mediação, promovida pelos
jornalistas, entre o fato e a versão jornalística que será divulgada. Segundo o autor, a essência
da profissão reside no processo de percepção e interpretação dos acontecimentos. Na verdade,
para o autor, a questão da representação subjetiva da realidade tem início na fonte, pois “cada
indivíduo da cadeia informativa entende a realidade conforme seu próprio contexto e seu
próprio estoque de memória” (LAGE, 2006, p. 54). Assim, de acordo com o autor, apesar da
questão da objetividade ser tradicional no jornalismo, o repórter não age passiva nem
inocentemente.
Conforme Bakhtin (1995), não existem enunciados neutros, pois, no seu
entender, o signo é ideológico e não apenas reflete como também refrata um dado exterior.
Dessa forma, o pensamento de Lage acerca da objetividade no jornalismo vai ao encontro das
ideias bakhtinianas, já que, para Bakhtin, a subjetividade é inerente ao ser humano e, por isso,
um acontecimento jamais será reportado totalmente livre de índices de avaliação.
No entanto, há uma diferença no pensamento de ambos no que se refere a essa
questão que merece ser explicitada. Para Bakhtin (2006), a relação do sujeito com as vozes
sociais passa por um processo de incorporação das palavras alheias e de esquecimento desse
elemento constitutivo. Ocorre a monologização da consciência, uma vez que o sujeito não
reconhece que se apropriou dos discursos alheios. Lage (2006), por sua vez, entende o
jornalista como alguém que detém o controle sobre a matéria, por fazer a coleta e a
organização dos dados. O jornalista, nessa perspectiva, promove a separação entre o discurso
dele e o das fontes, e acredita que pode chegar à “melhor” interpretação dos dados.
63
3.2.1 O caso da leitura como “hábito”, do professor aprendiz e dos relatos de experiência
Na Edição 128, de dezembro de 1999, Nova Escola traz uma reportagem
intitulada “Como semear leitores em sala de aula” (ver anexo A, p. 110). O subtítulo “Com o
fim dos livros impostos pelas professoras, crianças descobrem o gosto pela leitura” demonstra
qual é a tônica da reportagem: a liberdade como estratégia para formar leitores.
O verbo “semear” foi utilizado metaforicamente no título da reportagem. Diz
respeito à forma como o professor deve abordar a leitura em sala de aula para que se formem
leitores que tenham gosto no ato de ler. O gosto pela leitura seria o “fruto” das atividades
propostas pelo professor. Temos aí um enunciado dialogando com os discursos acerca da
responsabilidade do docente na falta de interesse pela leitura por parte dos alunos. Este
diálogo fica claro quando pensamos nas premissas de escritos de autores como Silva (1984).
A autora inicia seu texto a partir da ideia de que algo vai mal no ensino de leitura e de que é
preciso elaborar uma metodologia que possa alterar esse quadro. Isso fica subentendido no
trecho:
Ler de dois a quatro livros por ano é ler um livro por semestre ou um livro por
bimestre. São duas ou quatro fichas de leitura, duas ou quatro provas de livro, duas
ou quatro coisas quaisquer que marcam o final de uma atividade pensada e
programada para preencher os períodos que burocraticamente fazem o ano letivo, e
ajudar a avaliar o aluno, que deve agir, pensar e aprender nesses períodos e não em
outros. Esse é o compasso que rege o ritual de encomenda, compra, leitura e
trabalho com os livros na escola. Há um tempo para seleção e indicação das obras,
um prazo para a compra, um prazo para a leitura e uma data para entrega da
produção disso tudo, esta última, aliás, o tempo que determina toda a cadeia
anterior (SILVA, 1984, p.71).
Assim, a revista critica a forma tradicional de se promover a leitura na escola e
apresenta “abordagens mais eficazes” para os professores por meio de relatos de experiências.
O discurso que confere grande importância à transmissão de conhecimentos por meio de
relatos de experiências de trabalho é muito forte na esfera pedagógica. Além das “trocas de
experiências” que caracterizam, em geral, os encontros em HTPC (Horário de Trabalho
Pedagógico Coletivo) nas escolas, podemos citar como exemplo os Congressos de Leitura
(COLE), promovidos pela Associação Brasileira de Leitura (ABL), em que relatos de
experiências bem sucedidas com leitura é algo a que se recorre. Em Nova Escola, esse
discurso atualiza-se com frequência, atribuindo ao professor, ao mesmo tempo, um lugar de
aprendiz (afinal, é o público a que se destinam as matérias) e de autoridade, já que é aquele
que narra “uma inovação” em termos pedagógicos.
64
A reportagem inicia-se comentando a experiência de professoras do Rio
Grande do Sul, que tiveram êxito, segundo a revista, no trabalho com leitura ao admitirem,
inicialmente, que fracassaram com as abordagens antigas e permitirem que seus alunos
pudessem escolher o que gostariam de ler:
Antigamente, as professoras Marta Pozzobom e Eliana Muxfeldt indicavam para a
turma os livros de literatura que deveriam ser lidos. A tática, foi preciso admitir,
fracassou. “Os alunos não eram freqüentadores assíduos da biblioteca”, lembra-se a
supervisora Liliana Ferreira. A turma lia o que era pedido, é verdade, mas será que
aproveitava? As questões de entendimento do texto eram sempre do mesmo jeito:
Quem é o personagem principal da história? Onde ela se passa? “As perguntas não
levavam os alunos à reflexão”, analisa a orientadora (PELLEGRINI, 1999, p. 20).
Podemos perceber que estes enunciados aproveitam-se da experiência das
professoras, apresentando-as como exemplos a serem seguidos pelo público-leitor, que deve,
primeiramente, admitir seu fracasso e incorporar práticas como as das
“educadoras/autoridades”. Além disso, nessa reportagem, há um diálogo claro com os PCNs
de Língua Portuguesa quanto às críticas sobre a maneira com que se convencionou trabalhar
leitura na escola, como o preenchimento de fichas após a leitura de um texto indicado pelo
professor:
A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a
um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a
ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se
responde a perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas,
não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta (BRASIL,
1997, p. 43).
A matéria dialoga também com Geraldi (1984c) que, como vimos no capítulo
2, critica a forma artificial como a leitura é conduzida nas escolas. Para o autor “na escola não
se lêem textos, fazem-se exercícios de interpretação e análise de textos” (GERALDI, 1984c,
p.78), o que se constitui como simulações e não leitura de fato.
O item “Criando o hábito da leitura” introduz a ideia da revista de que para
formar o “hábito”, é preciso que se parta da liberdade de escolha, ou seja, o trabalho visa à
formação do hábito por meio da substituição da indicação de livros pela liberdade de escolha.
A revista apresenta, para tanto, as etapas do projeto interdisciplinar de leitura criado pelas
professoras citadas divididas em seis subtítulos: 1. Da palavra-chave ao livro; 2. Da leitura à
representação; 3. De um autor qualquer ao preferido; 4. Da obra ao ator; 5. Do personagem à
história; 6. Do livro à história contada.
65
A terceira etapa traz um diálogo parafrástico com Solé (1998), no que se refere
à estratégia de resumir. Para a autora, “a elaboração de resumo está estreitamente ligada às
estratégias necessárias para estabelecer o tema de um texto, para gerar ou identificar sua idéia
principal e seus detalhes secundários” (SOLÉ, 1996, p.143).
Na revista, o resumo na modalidade oral, ganha esse sentido de apreensão do
tema do texto:
Terminada a leitura, cada um contava à classe o resumo de uma das histórias lidas.
Dessa maneira, todos ficaram conhecendo a maioria dos livros dos dois autores
escolhidos e passaram a desenvolver a capacidade de retransmitir uma história,
resumindo-a a seus aspectos essenciais (PELLEGRINI, 1999, p.21).
Nesta reportagem, gosto e prazer assumem o mesmo sentido. São apresentados
como meios para a “construção de leitores”, ou seja, para criar o “hábito” da leitura. A palavra
“hábito”, neste espaço, possui um sentido positivo para se referir à leitura, pois acaba se
confundindo com as ideias de “gosto” e “prazer”. Entretanto, alguns autores, como Lajolo,
por exemplo, discordam dessa posição, uma vez que entendem “hábito” como sinônimo de
atividade mecânica, que se realiza pelo costume e não pelo gosto ou pelo prazer que ela
proporciona:
Espartilhada em hábito, a leitura torna-se passível de rotina, de mecanização e
automação, semelhante a certos rituais de higiene e alimentação, só para citar áreas
nas quais o termo hábito é pertinente (LAJOLO, 2008d, p.107).
Em consulta ao dicionário Michaelis UOL
11
, encontramos “hábito” como
“inclinação por alguma ação, ou disposição de agir constantemente de certo modo, adquirida
pela freqüente repetição de um ato” e “comportamento particular, costume”. As acepções
apresentadas pelo dicionário, portanto, aproximam-se da forma como Lajolo entende a
questão. O caso da atualização da palavra “hábito”, em Nova Escola, é um exemplo de tema
segundo a concepção de Bakhtin, uma vez que, como vimos, o autor concebe o tema em
oposição à significação, como uma nova forma de significar, em virtude do contexto de
produção do enunciado. Na revista, portanto, “hábito” ganha um valor positivo, perdendo o
sentido daquilo que é negativo pela “automação”, pelo caráter mecânico, tal como o viram
alguns autores da academia, da área da educação e dos estudos linguísticos e literários.
11
Disponível no endereço http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=h%E1bito.
66
A reportagem da edição 150, de março de 2002 (ver Anexo B, p. 114), que
tem como título “Histórias de leitura sem fim”, apresenta também duas experiências com
leitura bem sucedidas na visão de Nova Escola: a biblioteca ambulante de Ribeirão Pires e a
da escola rural de Poços de Caldas. O subtítulo “O melhor jeito de formar leitores é deixar as
crianças livres para investigar, folhear e escolher o que quiserem” confirma o que notamos na
análise anterior. Para a revista, em se tratando de criar o “hábito” da leitura, é preciso que os
alunos experimentem prazer na atividade, e isso se alcança, neste discurso, deixando-os à
vontade para selecionar seu material de leitura.
Fica claro que, nas reportagens analisadas, a questão primordial no discurso de
Nova Escola acerca da leitura baseia-se no prazer de ler. Essa questão reflete o diálogo com
os PCNs e com as pesquisas da década de 1980 que os influenciaram.
3.2.2 O caso da mitificação da leitura
A reportagem da edição 150, de março de 2002 (ver Anexo B, p. 114),
focaliza, como a edição que acabamos de apresentar, a liberdade como estratégia para formar
leitores. Além disso, parte também de críticas a maneiras cristalizadas de abordagem da
leitura em contexto escolar:
Vamos conhecer duas histórias felizes de leitura. Nelas, os livros derrubaram
preconceitos e antigos mitos pedagógicos. O mais persistente deles sugere ao
professor usar textos para treinar encontros consonantais, localizar dígrafos ou
preencher fichas de compreensão. Acreditava-se, assim, matar dois coelhos: um
chamado análise lingüística, outro interpretação. Mas o que estava sendo morto, a
golpes de gramática, era o futuro leitor. Graciliano Ramos relata, em infância, que
tomou raiva e desconfiança dos livros justamente por vê-los como obrigação,
chatice, caceteação. Se alguém como “o velho Graça” trouxe dos tempos de escola
essa péssima lembrança, dá pra imaginar o estrago que a obrigação fez em cabeças
menos preparadas. Ler naquela época, muitas vezes em voz alta e sob estreita
vigilância do mestre, era quase uma sessão de tortura. É claro que muita gente
encontrou gosto na prática, apesar da compulsoriedade. Raramente, porém, isso
aconteceu graças a ela (PRADO, 2002, p. 50).
No item em que Nova Escola apresenta o projeto da escola rural de Poços de
Caldas, encontramos enunciados preconceituosos.
A maioria veste camisetas com furos e têm os pés descalços, sapato só pra ir à
cidade. Mas têm ao alcance livros, autores e edições de primeiro-time, como José
Paulo Paes, Cecília Meireles, Ana Maria Machado ou clássicos internacionais
infanto-juvenis, como As Memórias de Bruxonilda (PRADO, 2002, p 52).
67
Esta citação evidencia a sacralização da leitura. A descrição da vestimenta dos
alunos mostra-os como muito pobres e o uso da conjunção “mas” torna evidente que o fato de
estarem próximos aos livros é argumento que anula a conclusão deduzível do primeiro
enunciado de que esses alunos são desprivilegiados. No discurso da revista, então, o
argumento que tem privilégio nesse movimento dos sentidos na argumentação, introduzido
pela conjunção “mas”, é que os alunos têm acesso aos livros. E isso dá ao livro um status de
algo superior, que liberta o indivíduo da miséria e das más condições de vida; é sagrado,
portanto. Com isso, temos um diálogo parafrástico com Britto (1999), para quem:
O debate sobre as questões de leitura, pelo menos nos últimos vinte anos, tem se
pautado numa espécie de a priori tacitamente estabelecido, ainda que não
explicitamente enunciado, de que a prática de leitura é fundamental para o
desenvolvimento intelectual dos sujeitos, contribuindo de forma inequívoca para a
construção de uma sociedade mais equilibrada, em que haja mais justiça,
produtividade e criatividade. Em outras palavras, o mesmo equívoco que se
constatou acima na compreensão do que seja a informação se manifesta em relação
ao valor da leitura, que deixa de ser uma prática social para tornar-se um ato
redentor, capaz de salvar o indivíduo da miséria e da ignorância. Nesta visão, o
livro, compreendido como objeto sagrado, objeto que encerraria saberes
extraordinários e ensinamentos maravilhosos, ganha contorno de panacéia
(BRITTO, 1999, p.6
).
O último parágrafo da reportagem traz um discurso, além de preconceituoso,
contraditório:
Tão improvável como ver filhos de agricultores lutando para manter livros por perto
é o fato deste projeto ter nascido por iniciativa do proprietário da Fazenda Lambari,
onde se localiza a escola. Investindo nela, ele alimenta a esperança de reter sua mão-
de-obra, sempre tão fugaz. É costume entre as fazendas de café uma itinerância
intensa, que prejudica a produção. Fazendo a ponte entre livros e crianças pouco
afeitas a eles, um grupo de mediadores de leitura trabalha com os professores, há
três anos, a mesma idéia: quem forma leitores, cria cidadãos. Se sairão muitos deste
projeto, ainda é cedo para saber. Mas se não fazê-lo, como sabê-lo? (PRADO, 2002,
p. 53).
O enunciado tenta valorizar a iniciativa do fazendeiro e isso se faz em
detrimento da imagem dos filhos dos agricultores. Neste caso, o preconceito contra os mais
humildes fica claro, pois a maneira como a revista enuncia mostra que o interesse pela leitura
não é comum ocorrer entre as classes menos privilegiadas economicamente. No entanto, de
acordo com a revista, a intenção do fazendeiro ao patrocinar o projeto seria de “reter sua mão-
de-obra, sempre tão fugaz”. Isso contraria o enunciado “quem forma leitores, cria cidadãos”,
uma vez que, se o intuito do idealizador do projeto é manter seus empregados, a leitura não irá
cumprir seu objetivo de formar cidadãos, pelo contrário, servirá para mantê-los presos a uma
situação, sem questioná-la.
68
3.2.3 O caso da leitura por prazer e para se informar
Na reportagem da edição 194, de agosto de 2006 (Figura 4, p. 69 e Anexo C,
p. 118), a jornalista da revista Nova Escola apresenta algumas estratégias para serem
aplicadas com turmas de 1
a
a 8
a
séries a fim de desenvolver as leituras por prazer, para estudar
e para se informar. Chama atenção o fato de a jornalista iniciar sua reportagem com o
enunciado “ler não é fácil”. Com este enunciado, ela procura aproximar-se dos professores,
tentando estabelecer uma relação de confiança com eles, colocando-se como alguém que
conhece as dificuldades enfrentadas pelos docentes na tarefa de ensinar a ler. Essa estratégia
se confirma com o enunciado “Ler, todo mundo sabe, está longe de ser uma tarefa fácil. Dá
muito mais trabalho do que ver televisão, ouvir música ou pensar na vida”, em que a jornalista
tenta solidarizar-se com os professores e, assim, preparar uma situação para expor as ideias da
revista. Consideramos que, com isso, a revista prevê uma resposta por parte do público leitor
no diálogo com o porvir. Assim, Nova Escola dialoga com as possíveis réplicas do
destinatário imediato dessa interação, o docente.
Fica evidente no texto a supervalorização da leitura e a urgência de se realizar
um trabalho nesse sentido. A jornalista coloca a leitura como “o único jeito de se comunicar
de igual para igual com o restante da humanidade” e “como a coisa mais importante que a
escola tem a ensinar”. Neste momento, atualiza-se novamente a mitificação da leitura.
Percebemos claramente que o sujeito que enuncia do interior da revista
apropriou-se do discurso dos PCNs sobre leitura e de estudos realizados por diversos
especialistas. Enunciados como “Conheça as melhores estratégias para ensinar as turmas de 1ª
a 8ª série a ler por prazer, para estudar e para se informar” e “Afinal, ninguém lê uma notícia
de jornal da mesma maneira que mergulha num romance” remetem a publicações de Geraldi
(1984c) acerca da necessidade de se considerarem as especificidades de cada tipo de texto
para se desenvolver um trabalho com leitura, das quais citamos novamente o seguinte trecho:
Leitores, como nos colocamos ante o texto? Longe de querer estabelecer uma
tipologia de vivências de leituras, gostaria de recuperar da nossa experiência
concreta de leitores as seguintes possíveis posturas ante o texto.
a) a leitura – busca de informações
b) a leitura – estudo do texto
c) a leitura do texto – pretexto
d) a leitura – fruição do texto.
Diante de qualquer texto, qualquer uma destas relações de interlocução com o
texto/autor é possível, isto porque mais do que o texto definir suas leituras
possíveis, são os múltiplos tipos de relações que com eles nós, leitores, mantivemos
e mantemos que o definem (GERALDI, 1984c, p.81).
69
Figura 4 – Primeira página da reportagem “Todas as leituras”
Fonte: Revista Nova Escola, 2006, n.194, p.31.
70
Apesar de mencionar três tipos de leitura (ler por prazer, para estudar e para se
informar), há um predomínio da ideia da leitura por prazer. É a primeira modalidade de leitura
a ser discutida e é a que fecha a reportagem em “Tudo para estimular os estudantes a
encontrar mais prazer em ler”. Nesse sentido, notamos também a sacralização da literatura em
“Ter como foco a leitura de textos literários” e a ideia do gosto atrelada ao prazer em “Propor
a leitura individual para estimular preferências...”.
Com os enunciado “projetos e atividades de leitura por prazer devem
desenvolver a escuta atenta (...) no caso de livros longos, promover a leitura do texto em
capítulos”, a reportagem atualiza os discursos dos PCNs sobre a leitura programada (divisão
do texto em capítulos), além da leitura em voz alta pelo professor. A reportagem também
estabelece um diálogo com Possenti (1994) e Calil (1994), que criticam o modo como a
leitura é conduzida nas escolas que, na visão dos autores, forma leitores reprodutores:
A terceira etapa é quando você, professor, deve sair de cena. Se o objetivo é formar
leitores autônomos, capazes de estudar sozinhos, é fundamental que os alunos
compartilhem a leitura e se ajudem nas tarefas de grifar textos e elaborar esquemas
e resumos (BENCINI, 2006, p. 35).
... a forma como o professor conduz a atividade, o que ele faz e como lê, as
intervenções que realiza, o material que escolhe, irá significar um determinado
modo de leitura, que por sua vez atribuirá vários sentidos ao que é ler para os
alunos (CALIL, 1994, p. 106).
No texto “Pragas da Leitura”, Possenti coloca essa postura como uma das
pragas:
Praga mesmo é a resposta certa, a leitura única, a leitura baseada na autoridade, não
no trabalho interpretativo. Se isso é danoso na formação científica, imagine-se na
literatura, que, mais que outro campo, não quer dar uma resposta. O que significa
tal passagem de tal poema Dificilmente se pode fazer uma pergunta mais idiota do
que esta. O que não se tem é o direito de exigir uma única resposta, uma única
leitura. Praga praguenta: a leitura única, uniforme, para todos da mesma série no
mesmo ano no mesmo país (POSSENTI, 1994, p. 31).
A reportagem “Ler por prazer”, publicada na edição especial número 18, de
abril de 2008 (ver Anexo D, p. 125), cita alguns projetos que têm o propósito de incentivar a
leitura. O subtítulo “O X da questão” coloca o prazer mais uma vez no centro das ideias da
revista sobre o desenvolvimento da prática da leitura. Novamente imagens de adolescentes
lendo ao ar livre sugerem a felicidade e a liberdade proporcionadas pelo ato de ler.
Outro ponto que chama atenção nesta reportagem trata-se da “supervalorização
da literatura”. A revista defende que o prazer de ler é encontrado apenas nos textos literários:
71
Ler por prazer é o X da questão. Há quem leia, por exemplo, apenas para se
informar, dedicando regularmente algumas horas de seu precioso tempo a jornais e
revistas – como você, caro leitor, está fazendo neste exato momento. Trata-se de
um hábito mais que saudável, a ser preservado e disseminado, e de suma
importância na chamada “sociedade da informação” em que vivemos. Mas ele não
necessariamente irá transformar você num apaixonado pela palavra escrita. Da
mesma forma, a leitura para estudar, parte da rotina nas salas de aula, tem suas
funções pedagógicas, mas não faz despertar a paixão pela literatura. Quem descobre
prazer numa obra literária nunca mais pára de ler. Quando chega ao fim de um
livro, já está louco para abrir o próximo. E só tem a ganhar com isso (LINARDI,
2008, p. 7).
Assim, ratificando o exposto em outra análise, a revista defende que leitores
são formados a partir do prazer e este somente a leitura de textos literários proporciona. Trata-
se de uma ressignificação dos discursos em prol da formação de leitores, uma vez que, como
vimos, tanto especialistas, como Possenti (1994), quanto os PCNs sugerem que os alunos
tenham contato com gêneros diversos para que se tornem leitores:
Se a escola é também um tempo de preparação, se a leitura é um lugar de trabalho,
uma das consequências é que se deve trabalhar com todos os tipos de textos
relevantes. Não só o literário, embora sem a exclusão do literário. Falo, por
exemplo, da completa ausência de leitura e análise de textos de circulação cada vez
mais elevada, textos que ensinam a fazer coisas (POSSENTI, 1994, p.32).
De acordo com os PCNs:
Um leitor competente só pode constituir-se mediante uma prática constante de
leitura de textos de fato, a partir de um trabalho que deve se organizar em torno da
diversidade de textos que circulam socialmente (BRASIL, 1997, p.41).
Além disso, a questão do prazer é atualizada na revista promovendo um efeito
de sentido que contraria, em parte, Solé, pois para a autora “embora a literatura seja o tipo de
texto ideal para experimentar o prazer de ler, algumas pessoas desfrutam enormemente
quando encontram um texto científico que as faz pensar.” (SOLÉ, 1998, p.100). Fica claro
que, para Solé, o prazer de ler está relacionado a critérios pessoais de seleção de textos. Nova
Escola, dessa forma, generaliza a questão, estabelecendo um diálogo polêmico com essa
ressalva feita pela autora.
72
3.2.4 A metáfora da leitura como uma viagem
O número 112, de maio de 1998 traz uma reportagem de capa intitulada “A
viagem da leitura nas terras do faz-de-conta” (Figura 5, p. 73 e Anexo E, p. 128). Neste
texto, a fantasia é a prioridade, o que se verifica já na capa com a ilustração de um garoto
sobrevoando de balão as páginas de um livro. No livro representado na capa em questão,
temos em primeiro plano a imagem de uma selva e, ao fundo, um balão. Reproduzimos o
texto verbal que é veiculado no livro:
Um vôo na imaginação
Até hoje tem gente que duvida
Se Pedrinho foi mesmo até a
África num vôo de balão. “Foi
Um sonho” ,dizia sua mãe.
“Foi mentira”, implicava a irmã.
“Eu viajei sim”, insistia
Pedrinho. “Foi em um livro” (NOVA ESCOLA, 1998).
A imagem do garoto no balão fora do livro representa o leitor e uma
interpretação possível para essa capa é que ele se sente como o próprio Pedrinho, personagem
da história, viajando de balão em uma selva africana. A carta ao leitor sob o título “Um
passaporte para a vida” também apresenta a metáfora da leitura como uma viagem (Figura 6,
p. 74). O enunciado “Lê-se para sonhar, viajar com a imaginação” ratifica a imagem criada
pela revista acerca da leitura.
No corpo da reportagem, essa metáfora é explicitada:
...ler é uma grande viagem, uma aventura do espírito, algo que nos faz ir além e
além. Como ir além? Refletindo, contestando, concordando, esclarecendo dúvidas
com os pais, professores e amigos e até tentando avançar para horizontes que talvez
sequer o autor tenha imaginado. Essa é a viagem da leitura. E quando vamos para
algum lugar não estamos sendo passivos: isto é, não estamos vendo televisão – ao
contrário, somos o próprio “mocinho” ou “bandido” atuando numa história
(SILVA, JOVER & GUIMARÃES, 1998, p.10).
73
Figura 5. Capa da Revista Nova Escola, edição 112, de 1998.
74
Figura 6 – Seção “Carta ao leitor” da Revista Nova Escola, edição 112, de maio de 1998.
75
Fica claro, com esta citação, que a utilização da metáfora da leitura como uma
viagem diz respeito à fantasia e não se relaciona com a passividade ou com a brincadeira,
motivos das críticas de Britto, para quem, como vimos no capítulo 2, a leitura “comparada a
um narcótico (“quem lê, viaja”), nada tem a ver com a construção de conhecimento ou com a
experiência solidária e coletiva de crítica intelectual” (BRITTO, 1999, p.8). Nesse caso, essa
metáfora ganha um outro sentido: está relacionada à reflexão e à contestação.
A metáfora da leitura como uma viagem, discutida por Britto, encontra-se
presente também em todo o texto da edição 194, de agosto de 2006 (Anexo C, p. 118). O
sujeito jornalista utiliza-se de termos como “companheiros de viagem”, “passaportes”,
“destinos”, “passeio”, “viajantes”, “embarcar” e “aperte o cinto” para referir-se à prática da
leitura, o que evidencia a valorização da leitura literária.
Também encontramos este discurso, que aproxima o ato de ler a uma viagem,
no número especial, de abril de 2008 (ver Figura 7, p. 78). No texto destinado ao público de
10 a 12 anos, o título “Passagem só de ida” e o subtítulo “Na transição da infância para a
adolescência, a garotada tem vontade de descobrir o mundo. E a leitura é, certamente, o
melhor passaporte”, expõem a prática da leitura assim concebida: uma maneira de viajar por
diversos lugares através da imaginação. Dessa forma, novamente, há um diálogo polêmico
com as ideias defendidas por Britto (1999), para quem a leitura vista dessa forma em nada se
relaciona com a construção do conhecimento pressuposta pela atividade de leitura.
Nesse número especial, percebemos outro diálogo conflitante com Britto, pois
no item 2.2, vimos que o autor aponta como um equívoco associar o livro a um objeto
mágico. Portanto, nesta reportagem, encontramos um novo discurso polêmico, pois nos
dizeres da revista, o livro ganha essa conotação: “À medida que as páginas são viradas, o
leitor se vê transportado para uma espécie de realidade paralela – um mundo inteiramente
novo, repleto de descobertas, encantamento e diversão” (LINARDI, 2008, p.7).
Com o enunciado “O maior obstáculo para a formação de leitores está na
própria escola – seja pela falta de um acervo completo, pelo despreparo dos professores ou
por uma programação de ensino que ainda associa a leitura literária a atividades obrigatórias e
cansativas” (TALAMONI, 2008, p.40), a revista, em seu número especial sobre leitura
estabelece mais um diálogo parafrástico com os PCNs, que, como expusemos anteriormente,
criticam a forma repetitiva e sem sentido como a leitura vem sendo trabalhada pelos
professores:
76
A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a
um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para aprender a
ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra por palavra, não se
responde a perguntas de verificação do entendimento preenchendo fichas exaustivas,
não se faz desenho sobre o que mais gostou e raramente se lê em voz alta. Isso não
significa que na escola não se possa eventualmente responder a perguntas sobre a
leitura, de vez em quando desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta
quando necessário. No entanto, uma prática constante de leitura não significa a
repetição infindável dessas atividades escolares (BRASIL, 1997, p. 43).
A partir dos pontos das reportagens que comentamos, observamos que no
gênero cria-se recorrentemente a imagem de não-leitor para o professor, embora tente se
posicionar como parceiro dos docentes. Além disso, essas reportagens priorizam o discurso da
importância de se trabalhar a leitura de forma lúdica para facilitar o acesso aos livros.
Percebemos que a ideia de tornar a prática de leitura uma brincadeira seria a “fórmula
mágica” da revista para despertar em crianças e adolescentes o prazer de ler. Não obstante, a
revista critica categoricamente a forma como muitos professores encaminham atividades de
leitura em sala de aula:
O desafio de fazer uma criança abrir um livro por vontade própria pode aumentar
com o passar do tempo. Algumas tarefas escolares mais afastam o aluno dos livros
do que estimulam o gosto pela leitura. Exemplo clássico: a obrigação de ler
Machado de Assis tende a convencer o aluno de que ler é algo realmente muito
chato. Nesse caso, o que pais, professores e educadores devem fazer? Muito
simples: transformar a necessidade de leitura dos textos literários em prazer
(TALAMONI, 2008, p.42).
É interessante que neste trecho, ao enunciar que é muito simples o que pais,
professores e educadores devem fazer, a própria revista se contradiz, pois, conforme
analisamos anteriormente, os jornalistas colocam-se em muitos momentos como parceiros dos
educadores, expondo que a formação de leitores “não é tarefa simples”. Dessa forma, os
discursos sobre leitura se cruzam contraditoriamente na revista, revelando sua condição
heterogênea e dialógica.
Nos textos analisados, o gênero reportagem sofre influência de discursos que
circulam em outras esferas de atividades humanas. É notório o atravessamento de discursos da
pedagogia, da mídia e da ciência. Com isso, o gênero tomado como objeto de nossas reflexões
é atualizado contendo traços daqueles que o perpassam. É interessante observar que, embora o
corpus analisado neste capítulo se constitua de reportagens, a temática se refere à esfera
pedagógica e isso produz alterações na forma como a esfera jornalística atualiza seus
77
discursos. Notamos que, no caso dos relatos de experiências - bastante comuns no periódico -,
há uma atualização da forma de trazer para a matéria as fontes de informação (não são
somente informações de especialistas sobre o tema que são apresentadas, mas são colhidos
relatos de experiências de professores e coordenadores, que funcionam como o argumento de
autoridade para o público-leitor da revista). Neste caso, alguns professores têm sua fala
legitimada, instalando-se como modelo para os demais. O tom de lição com que as
experiências são direcionadas ao professor (ou seja, parte do estilo das matérias) também se
constitui numa alteração relevante do gênero reportagem a partir do atravessamento pelo
discurso pedagógico. Com isso, instaura-se a imagem de aprendizes para os professores,
público alvo de Nova Escola, o que pode não ocorrer em outros veículos de comunicação.
Verificamos que, como Bakhtin ensina, os gêneros podem se mesclar e
produzir novos gêneros. No caso de Nova Escola, a interferência dos gêneros que transitam na
esfera pedagógica altera as características do gênero reportagem, próprio da esfera
jornalística.
78
Figura 7 – Reportagem “Passagem só de ida”, publicada na edição especial da Revista
Nova Escola, de abril de 2008.
79
4. A LEITURA EM EDIÇÃO ESPECIAL DE NOVA ESCOLA: VALORES EM
CONFLITO
Em abril de 2008, a revista Nova Escola publicou um número inteiramente
dedicado ao nosso tema de pesquisa. Essa edição apresenta projetos de incentivo à leitura,
entrevistas com escritores e leitores famosos, além de reportagens organizadas por faixa etária
de leitores. Consideramos esse número como parte fundamental do corpus desta pesquisa,
uma vez que, por tratar-se de uma edição especial, reúne as principais ideias sobre leitura
publicadas pela revista ao longo dos últimos anos.
A edição especial apresenta, além das reportagens, outros gêneros discursivos
interessantes para nossas reflexões, como carta ao leitor e a entrevista pingue-pongue.
Refletimos também sobre os efeitos de sentido produzidos pelos títulos e subtítulos,
enunciados que introduzem as reportagens, uma vez que, pelo destaque do qual usufruem nas
páginas da revista, chamam atenção do leitor para o texto e explicitam a visão do periódico
sobre a essência da temática a ser discutida.
Embora tenhamos consultado o site de Nova Escola, optamos por restringir
nossas análises, como já afirmado, ao número impresso da revista. Entendemos o suporte de
textos, de acordo com Marcuschi (2003, p. 9) como “uma superfície física em formato
específico que suporta, fixa e mostra que um texto (...) não é neutro e o gênero não fica
indiferente a ele (...) O suporte firma ou apresenta o texto para que se torne acessível de um
certo modo (...)”. Desse modo, na leitura de determinado gênero, o suporte deve ser
considerado como constituinte do enunciado, a fim de se apreender o sentido na sua relação
com o “todo” que o envolve. O autor, ao referir-se ao conceito de suporte de textos, retoma
estudos realizados pela história cultural, especificamente de Roger Chartier (2001) que
promove reflexões em torno da leitura, do livro e da história. Chartier destaca que diferentes
sentidos são atribuídos aos textos em função da maneira como são apresentados. Para o autor,
um mesmo texto pode promover sentidos diversos dependendo do suporte que o materializa,
do período histórico e da comunidade em que circula.
O suporte, portanto, ao interferir nas práticas de leitura, influencia também o
sentido do texto para o leitor. Marcuschi (2003) discute a problemática da conceituação de
80
suporte e sua relação com o gênero. Para o autor, o suporte em que o gênero se realiza
interfere na sua estrutura. O suporte caracteriza-se, além disso, na visão do autor, como
condições de produção de determinado gênero.
Apesar de nossa análise não se centrar em aspectos relativos ao suporte de
textos revista impressa, é importante destacar que esse suporte interfere na interpretação que
fazemos do corpus e nos sentidos que se produzem na prática de leitura da revista. Portanto,
quando analisadas as relações entre imagens e enunciados verbais, e quando analisadas as
relações entre os diversos boxes espalhados pelas páginas que constituem as reportagens
analisadas, estaremos tendo a reflexão proposta por Chartier (2001) como princípio norteador.
4.1 O DISCURSO NÃO-VERBAL: A LEITURA COMO ATIVIDADE PRAZEROSA,
INTERATIVA E LIBERTADORA
Além de analisarmos os enunciados verbais, é essencial refletirmos sobre o
discurso não-verbal, uma vez que tal componente concorre para uma melhor apreensão dos
sentidos dos discursos, anulando a aparente objetividade de alguns dos gêneros que compõem
a esfera jornalística. Notamos que, neste número especial, os discursos não-verbais se
organizam de modo a confirmar as ideias de liberdade e prazer propostas pelos enunciados
verbais.
A capa da revista evidencia, por meio da imagem, o que notamos em outras
edições: a necessidade de se desenvolver a leitura por prazer (ver Figura 8, p. 82). Com a
fotografia de uma jovem lendo sentada na copa de uma imensa árvore, a revista aproxima a
leitura a uma atividade tranquila, que pode ser desenvolvida em contato com a natureza,
sugerindo a ideia de liberdade (reforça esse sentido o fato de a jovem aparecer descalça). Um
sentido que é produzido por essa imagem é também o de a atividade de leitura ser uma fuga
do contato com os outros e com a realidade (ela está no alto, distante de todos e mergulhada
na leitura do livro, que esconde seu rosto do leitor). O fundo da imagem é recoberto pela
folhagem da árvore em questão e, abaixo da jovem, tem-se a seguinte chamada: Leitura:
Descobrir o prazer de ler é o primeiro passo para formar leitores (de qualquer idade). Logo
abaixo, três itens destacam o que o leitor encontrará na revista, sendo que dois deles
81
mencionam a questão da adequação da leitura à idade: “29 projetos que levam a paixão pela
literatura a crianças, jovens e adultos de todo o país” e “158 sugestões de obras literárias,
recomendadas por educadores e divididas por faixa etária”.
Consideramos que na capa da revista, espaço privilegiado para a disseminação
das ideias de qualquer periódico, os enunciados verbais e não-verbais constroem um discurso
do qual podemos depreender a necessidade urgente de se formar leitores e a fórmula para se
atingir isso: o prazer. O título e subtítulo da capa “Leitura: descobrir o prazer de ler é o
primeiro passo para formar leitores (de qualquer idade)”, aliados ao item “29 projetos que
levam a paixão pela literatura a crianças, jovens e adultos de todo o país” apresentam, com o
destaque que a capa de uma revista confere, o discurso da urgência de se desenvolver o leitor
e o prazer e a divisão por faixa etária como estratégias para tanto.
A fotografia que compõe a reportagem “O X da questão”, na página 6 (anexo
D, p. 124), ratifica nossas reflexões. Nela um garoto lê o livro “Willy, o Mágico”, sentado no
chão, encostado em um tronco e rodeado pelo verde. Suas roupas e seu calçado sugerem
conforto e o local, tranquilidade. O mesmo é sugerido na capa da revista, pois a jovem
também se encontra sozinha e usa roupas folgadas. Em ambos os casos, a leitura é uma
atividade solitária, que pode ser desenvolvida fora do ambiente escolar, proporcionando um
momento de sonho, de prazer e de encontro consigo mesmo.
Na página 8 (ver Anexo D, p. 126), como parte da mesma reportagem, temos
uma fotografia com cinco crianças lendo ao ar livre, também em espaço natural, com várias
árvores ao fundo. Trata-se de meninas da comunidade ribeirinha de Nossa Senhora de Fátima,
perto de Manaus. Esta imagem sugere a ideia de socialização, pois cada criança porta um livro
e parece estar trocando impressões sobre as leituras. Neste caso, a leitura é uma atividade de
interação, que proporciona momentos de troca, de discussões em grupo. As fotografias das
demais reportagens também mostram grupo de crianças, na escola ou ao ar livre, desfrutando
de momentos de lazer e prazer proporcionados pelos livros. Dessa forma, nas imagens em
discussão, há ideias contraditórias sobre o ato de ler. Ora a leitura é transmitida como algo
que pode socializar as pessoas, ora é concebida como uma atividade solitária de contato do
sujeito com o livro.
Outro ponto que chama atenção no que se refere à linguagem não-verbal é a
recorrência de imagens que sugerem crianças pertencentes às classes desprivilegiadas
participando de projetos de leitura. Com isso, a leitura ganha um status salvacionista, pois é
colocada como um meio capaz de “salvar” as crianças da pobreza. Um exemplo de imagem
82
que produz esse efeito de sentido encontra-se na Figura 9 (p. 83), em que um grupo de
crianças participa de uma roda de leitura com um monitor do projeto “Expedição Vaga
Lume”. A leitura ocorre em espaço natural, e tanto as crianças como o monitor, usam roupas e
calçados simples que transmitem a ideia de que o projeto esteja contemplando crianças
pertencentes a comunidades pobres.
Figura 8 - Capa da edição especial da Revista Nova Escola, de abril de 2008.
83
Figura 9. Foto publicada na página 46 da edição especial na revista Nova Escola, de abril de
2008.
84
Acreditamos que haja um valor negativo nessa atualização da memória que
trata a leitura como instrumento de salvação e libertação, já que esse discurso omite fatores
sociais perversos de segregação e discriminação. Entretanto, podemos considerar que esteja
havendo uma efetiva, mesmo que lenta, democratização da leitura, uma vez que, as pessoas
com menor poder aquisitivo estão tendo acesso aos livros, por meio de programas como os
citados. Obviamente que os livros não “salvam” as pessoas da miséria, porém é preciso
registrar que há consequências positivas nessas práticas, pois as crianças entram em contato
com histórias que integram o universo cultural, o que talvez não fosse possível sem tais
iniciativas.
Observamos que o projeto gráfico da revista é todo articulado, e que tal
articulação evidencia, por conseguinte, seu projeto discursivo. Nele, determinados sentidos
sobre leitura são criados e recriados, o que comprova sua relação com o momento histórico
em que está inserido. Essa interação com o contexto histórico-social não apenas reflete, como
dissemos, como também refrata as imagens sociais da leitura. Fica claro, portanto, a partir da
análise dos enunciados não-verbais, que um dos efeitos de sentido produzidos é de que a
leitura é uma atividade praticada com maior frequência pelas classes sociais mais abastadas, e
que para que as classes desprivilegiadas economicamente tenham interesse pela leitura, esta
deve ser apresentada como algo prazeroso.
4.2. CARTA AO LEITOR, CAPA, TÍTULOS E SUBTÍTULOS: O LÚDICO VERSUS O
ESPÍRITO CRÍTICO
A carta ao leitor (figura 10, p. 85), assinada pelo diretor de redação Gabriel
Pillar Grossi, intitulada “Leitura e sustentabilidade”, também apresenta o discurso
“salvacionista” sobre leitura. Na visão de Nova Escola, a leitura é capaz de livrar as pessoas
da solidão, da “ilha” em um mundo globalizado, além da restrição da linguagem oral. Fica
claro, nesse contexto, o posicionamento preconceituoso da revista com relação à oralidade,
pois no entender do periódico, “pessoas que não são leitoras têm a vida restrita à comunicação
oral e dificilmente ampliam seus horizontes, por ter contato apenas com idéias próximas das
suas, nas conversas com amigos” (GROSSI, 2008, p.3).
85
Figura 10. Carta ao leitor. Revista Nova Escola, abril de 2008.
86
O termo sustentabilidade é muito utilizado atualmente em função da discussão
em torno do aquecimento global e se aplica a todas as atividades humanas. Diz respeito à
importância de se garantirem as necessidades da geração atual sem alterar negativamente as
condições de vida das gerações futuras. Isso se verifica no discurso não-verbal que
acompanha a carta ao leitor, em que as imagens de um livro antigo, com páginas amareladas e
dois lápis envolvidos por flores remetem ao discurso da “sustentabilidade do
desenvolvimento”, à questão do desmatamento/reflorestamento. Tais imagens levam-nos a
pensar que na produção de materiais de leitura, ocorre uma agressão à natureza, mas isso pode
ser minimizado reflorestando áreas desmatadas. Em outras palavras, o mesmo livro que, de
acordo com Nova Escola, é capaz de promover a conscientização do sujeito para questões
ambientais, provoca danos ao meio ambiente. Caberia, então, a esse sujeito esclarecido graças
ao livro, devolver à natureza o que dela foi retirado.
De acordo com o diretor de redação de Nova Escola, a leitura teria o poder de
garantir o futuro da humanidade. No entanto, em vez de encontrarmos, no interior desse
número especial, projetos para desenvolver o espírito crítico e a consciência cidadã,
(considerem-se os fragmentos da Carta ao Leitor citados a seguir em que essa função é
atribuída à leitura), deparamo-nos com a recorrência de um discurso que reforça o caráter
lúdico da leitura. Dessa forma, a carta em questão apresenta um discurso aparentemente
conflitante com as reportagens que constituem nosso corpus de análise:
Por isso, incentivar a formação de leitores é não apenas fundamental no mundo
globalizado em que vivemos. É trabalhar pela sustentabilidade do planeta, ao
garantir a convivência pacífica entre todos e o respeito à diversidade. Esta edição
especial tem esse espírito (GROSSI, 2008, p.3).
A chamada na capa “Leitura: Descobrir o prazer de ler é o primeiro passo para
formar leitores (de qualquer idade)” também materializa esse aparente conflito de valores no
discurso sobre a leitura (ver Figura 8, p. 82). Neste enunciado, destaca-se não apenas o
discurso da leitura como atividade prazerosa (lúdica), mas também a necessidade de se formar
leitores. Essa necessidade é reforçada na carta ao leitor, um gênero de discurso que
materializa, por excelência, essa necessidade como um projeto de dizer da revista. Dessa
forma, convivem dialeticamente, no número em questão, as ideias de leitura lúdica e
formativa.
87
Além da carta ao leitor, alguns títulos e subtítulos também nos chamaram
atenção na edição especial. O título e o subtítulo “Pequenos a bordo” – “Projetos que
trabalham com crianças da pré-escola despertam o prazer da leitura ainda na fase da
alfabetização” demonstram com nitidez a força do discurso que apresenta a leitura
representada pela metáfora da viagem. O mesmo discurso reaparece em “Passagem só de ida”
– “Na transição da infância para a adolescência, a garotada tem vontade de descobrir o
mundo. E a leitura é certamente o melhor passaporte”. Conforme já expusemos, este modo de
conceber a leitura seria uma fórmula da revista para que o professor aborde o ato de ler
introduzindo encantamento, sonho e possibilidades de conhecer outros mundos, formando,
assim, o leitor ainda nas primeiras fases da vida.
Outro discurso que julgamos merecer destaque pode ser reconhecido no título e
subtítulo “Semeando o futuro – Ao encurtar a distância entre adolescentes e livros, projetos de
incentivo à leitura abrem caminhos para jovens em todo o país”. Verificamos nestes um
reforço do discurso que confere à leitura o poder de salvar os indivíduos das mais diversas
mazelas, havendo também o pressuposto de que os jovens, em geral, não leem. Portanto,
nessa visão, os adolescentes precisam ser salvos da condição de não-leitores, e a revista
coloca as reportagens como fórmulas para que o professor atinja esse fim. Além de tudo,
observamos mais uma vez, que a metáfora da leitura como ato de semear para colher bons
frutos é atualizada, comprovando a força dos discursos metafóricos em Nova Escola.
A reportagem “Ler por prazer” (ver Anexo D, p. 125) cita alguns projetos que
têm o propósito de incentivar a leitura. O subtítulo “O X da questão” coloca o prazer mais
uma vez no centro das ideias da revista sobre o desenvolvimento da prática da leitura. Como
foi afirmado anteriormente, imagens de adolescentes lendo ao ar livre sugerem a felicidade e a
liberdade proporcionadas pelo ato de ler. Verificamos um diálogo em que se recupera ideias
apresentadas por Ferreira (1995). Como vimos, os resultados de sua pesquisa revelaram que
os alunos consideravam como leitores aqueles que liam por prazer:
... por achar que não é leitor, pois só lê por obrigação, está mais uma vez reforçando
a “síndrome do prazer”. Assim, os alunos bastante exigentes com sua concepção de
leitor acabam criando uma imagem mitificada e idealizada desta categoria: leitor é
aquele que lê tudo, em qualquer lugar, em qualquer hora, só por prazer, sem
nenhuma dificuldade ou cansaço (FERREIRA, 1995, p.60).
Com este item, verificamos que o prazer de ler, tão valorizado pela revista,
trata-se de uma estratégia para formar leitores e, por conseguinte, cidadãos. O efeito de
88
sentido que se produz com os enunciados analisados é de que a leitura lúdica está a serviço da
formação do leitor. Esse destaque que se dá à leitura por prazer como um meio para se atingir
um fim leva-nos a pensar que esta não seja considerada como algo positivo em si mesma, o
“ler por ler”, como vimos em Geraldi (1984). Isso se relaciona com o contexto histórico em
que vivemos, marcado pela busca do desenvolvimento de estratégias e metodologias para
sanar a questão da falta de interesse dos alunos pela leitura.
4.3 A LEITURA COMO ATIVIDADE A SER FRACIONADA POR FAIXA ETÁRIA DE
LEITORES
As reportagens que se dividem por faixa etária estão organizadas com as
seguintes vinhetas: “Até 3 anos” (Figura 11, p. 90), “De 4 a 6 anos” (Figura 12, p. 91), “De
7 a 9 anos”, “De 10 a 12 anos”, “De 13 a 15 anos” e “Adultos”. Estas reportagens apresentam
projetos destinados especificamente a determinados públicos em função da idade, trazem
dicas de leitura no rodapé, depoimentos de leitores pertencentes a cada faixa etária discutida,
além de recomendações de especialistas.
Cada reportagem traz algumas seções interessantes para nossas reflexões,
como a sugestão de livros, que já na capa da revista (Figura 8, p. 82) é destacada com o
enunciado: “158 sugestões de obras literárias, recomendadas por educadores e divididas por
faixa etária”. Percebemos que, com estes dizeres, a revista demonstra a importância da
adaptação da leitura para o nível de desenvolvimento do leitor. Isso, de acordo com Nova
Escola, é possível de se realizar tomando como parâmetro a idade do sujeito leitor. São vinte
títulos, em média, sugeridos em cada reportagem, em que são apresentadas também as capas
dos livros, sempre coloridas. Na verdade, o espaço ocupado pelas imagens dos livros é
considerável, pois estas são dispostas no rodapé de todas as páginas das reportagens.
Especialistas em educação, como coordenadores de projetos de leitura, por exemplo, também
indicam um título para cada faixa etária. Além disso, leitores representando cada período da
vida apresentado pelas reportagens dão depoimentos acerca da obra preferida.
89
É interessante como estas sugestões de livros são apresentadas ao leitor. A
seção dedicada aos depoimentos traz o título “Eu gostei” (ver Figura 13, p. 92), enquanto a
que apresenta indicação de especialistas intitula-se “Eu recomendo”. Notamos que, com isso,
o discurso da revista procura transmitir novamente receitas para o docente, uma vez que
apresenta títulos recomendados por autoridades e outros que caíram no gosto de leitores
comuns. Cria-se a imagem da urgência de se desenvolver a capacidade leitora da
criança/jovem/adulto e a necessidade da manutenção de seu interesse pela leitura por meio
dos livros adequados. Fica claro, assim, que o professor, na imagem que se constrói a partir de
tais enunciados, desconhece livros interessantes, que despertariam o desejo de ler em seus
alunos e, portanto, precisa seguir modelos.
Outra seção que julgamos merecer comentário é “Ler é importante porque...”.
Disposta na penúltima página de cada reportagem, o espaço apresenta, em forma de tópicos,
discursos que procuram explicitar a importância da leitura em cada fase da vida:
Com poder de reflexão mais apurado, o adolescente usa o livro para ampliar a
capacidade crítica – não apenas em relação à obra, mas também às questões do
mundo.
O jovem tende a se interessar por um único autor ou uma série com os mesmos
personagens. A leitura que foge a essa regra amplia os horizontes. Nesse processo,
é importante que o adulto interfira, apresentando livros que o jovem não escolheria
por conta própria (SGARIONI, 2008, p. 58).
Com um discurso contundente, a revista procura esclarecer, nessa seção das
reportagens, a necessidade de se considerar a faixa etária do leitor para desenvolver um
trabalho de incentivo à leitura.
A seção “Pitada Literária” (Figura 12, p. 91) também se encontra em todas as
reportagens. Ela se constitui de trechos de obras literárias em prosa e versos com ricas
ilustrações, comprovando mais uma vez o destaque que se dá à leitura de textos literários.
Já na capa da revista (Figura 8, p. 82), como vimos, percebemos a força do
discurso da adequabilidade da leitura por faixa etária em Nova Escola. “Descobrir o prazer de
ler é o primeiro passo para formar leitores (de qualquer idade
12
)”sinaliza a relevância que o
periódico confere a tal discurso. Além disso, logo abaixo desse enunciado principal, três itens
sobre as matérias são apresentados, dois dos quais fazem referência a essa questão: “29
12
Itálico adicionado.
90
projetos que levam a paixão pela literatura a crianças, jovens e adultos de todo o país” e “158
sugestões de obras literárias, recomendadas por educadores e divididas por faixa etária”.
Figura 11 – Seção “Até 3 anos” da Revista Nova Escola, edição especial de abril de 2008.
91
Figura 12 – Seção “De 4 a 6 anos” da Revista Nova Escola, edição especial de abril de 2008.
92
Figura 13 – Seção “Eu gostei” da Revista Nova Escola, edição especial de abril de 2008.
Dessa forma, a revista dialoga contraditoriamente com Magnani (1995) que,
como expusemos no capítulo 2, entende essa prática como prejudicial ao desenvolvimento da
autonomia do aluno. A autora critica práticas em que professores sugerem leituras aos alunos
considerando a faixa etária deles. Para a pesquisadora, essa posição do professor é
93
responsável pelo que ela denomina de “peterpanização do leitor”, uma referência ao
personagem Peter Pan, que não envelhece. Para contribuir com o amadurecimento do leitor, é
preciso, na visão da autora, que textos considerados mais complexos para determinada faixa
etária sejam também trabalhados.
Outra autora que critica essa questão, como também apresentamos no
capítulo 2, é Silva (1984). De acordo com a autora, o critério da adequabilidade por faixa
etária desconsidera a heterogeneidade presente nas escolas:
Na verdade o critério de adequação é tratado pelo professor da mesma forma –
pragmaticamente – que o preço, número de páginas ou enredo, do livro que está
considerando. Na maior parte das vezes ele apenas utiliza a informação incluída nas
referências sobre o livro – “Indicação para a 6ª série” – desprezando as possíveis
considerações que pudesse fazer a partir da sua leitura e do seu conhecimento de
todas as crianças que constituem a 6ª série, e que a fazem ser diferente de qualquer
outra (SILVA, 1984, p.75).
Por outro lado, a organização do número especial de Nova Escola conforme a
idade dos leitores dialoga de modo parafrástico com Aguiar (1984), que expõe a teoria
piagetiana das fases do desenvolvimento humano como um critério para a sugestão de leitura.
A posição da revista diante do conflito instaurado por esses discursos
científicos revela o projeto de dizer do periódico, que prioriza a oferta de receitas, de modelos
“fechados” para o docente que facilitem o desempenho de sua prática em sala de aula. Dessa
forma, critérios de adequabilidade, como os apresentados, encaixam-se nesse projeto de dizer
da revista de ensinar um modo “facilitado” de desenvolver um trabalho com leitura.
É importante destacar também que, na análise até aqui apresentada da edição
especial, verificamos que o suporte de texto revista impressa possibilita o reforço de
determinados sentidos pela revista. Como as reportagens não se constituem apenas de “textos
corridos”, mas também de seções, boxes e enunciados não-verbais, como as fotografias
analisadas, a produção de sentido se dá na relação entre todos esses textos. Nesse caso, há um
reforço, pela forma como todos esses elementos foram dispostos nas páginas da revista, do
discurso da adequabilidade da leitura por faixa etária.
94
4.4 O GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-PONGUE: VALORES EM CONFLITO
A entrevista pingue-pongue é outro gênero da esfera midiática que
consideramos importante ser analisado neste trabalho. Produz um efeito de sentido, para o
leitor, de que se trata de um texto de leitura rápida. Refletindo sobre sua dimensão verbal, o
gênero pode ser considerado como uma reenunciação da interação face a face, já que, para a
publicação, o jornalista faz um enquadramento do discurso do entrevistado. Portanto, na
perspectiva bakhtiniana, que concebe o enunciado como irrepetível, a entrevista pingue-
pongue organiza-se como um enunciado citante, o que explicita, de forma mais ou menos
evidente, a opinião da revista sobre o tema explorado.
O gênero entrevista pingue-pongue ocupa um espaço considerável na edição
especial. São seis entrevistas no total; sendo cinco delas com escritores famosos (Tatiana
Belinky, Heloísa Prieto, Fanny Abramovich, Ruth Rocha, Ivana Arruda Leite) e uma com um
leitor, José Mindlin, “o mais famoso do Brasil”, nas palavras da revista. Os enunciados
traçam, inicialmente, um breve perfil do entrevistado, mencionando a origem de seu trabalho
e suas fontes de inspiração. Trazem também uma fotografia ao lado da entrevista, sugerindo a
realização de quem se dedica ao mundo das letras, já que a maior parte das imagens apresenta
os entrevistados com uma expressão fisionômica que denota satisfação (ver Figura 14, p.
96).
Os entrevistados são pessoas respeitadas no meio literário e suas entrevistas
fecham cada uma das reportagens dedicadas à formação de leitores de acordo com a idade.
Assim, a revista veicula a opinião de um especialista no assunto e a fala dele constitui-se
como a voz de autoridade, atribuindo valor ao conjunto das ideias expostas nas reportagens
sobre leitura. O fato de as entrevistas ocorrerem no fim de cada reportagem confirma isso,
uma vez que solidificam o que foi discutido nas páginas anteriores por meio da fala de um
especialista.
O gênero entrevista pingue-pongue constitui-se como um importante espaço de
divulgação das ideias de Nova Escola acerca de nosso tema de pesquisa em virtude da seleção
das perguntas feitas ao entrevistado. Acreditamos que nas perguntas, temos um reforço do
discurso da revista e a explicitação, mais ou menos clara, do projeto de dizer do autor.
Pelas perguntas publicadas, percebemos a insistência da revista em divulgar
determinados discursos, como a urgência de desenvolver prazer/hábito, a valorização da
leitura de textos literários e a necessidade da transmissão de uma receita para os leitores.
95
Mesmo que o entrevistado responda posicionando-se contrário à revista ou encaminhando o
assunto para outro tema, as perguntas que seguem continuam nessa linha proposta pela
revista.
A primeira entrevistada é Tatiana Belinky. O título da entrevista “O livro é um
objeto mágico” (ver Figura 14, p. 96) estabelece uma polêmica com Britto, que, conforme
explicitamos no capítulo 2, critica esta forma de conceber a prática de leitura representada
pelo livro como objeto mágico, uma vez que, dessa forma, “a leitura deixa de ser uma prática
social para tornar-se um ato redentor, capaz de salvar o indivíduo da miséria e da ignorância”
(BRITTO, 1999, p.6).
Logo no início da entrevista, percebemos que a revista objetiva divulgar o
discurso da adequação da leitura de acordo com a faixa etária. A pergunta que se faz, para
tanto, é “Como estimular a leitura entre crianças de até 3 anos?” Com essa questão, o
periódico cria a imagem da autora como especialista no tema leitura para crianças de até três
anos. Entretanto, a resposta da autora contraria a imagem que se produz na pergunta: “Não
fico me preocupando com idade. Escrevo o que me dá vontade naquele dia, e a faixa etária
que me escolha”. A autora, com esta resposta, marca sua posição, o que levaria a revista a
reconduzir o diálogo. No entanto, o entrevistador mantém sua sequência de perguntas na
mesma linha temática: “Qual é o significado da fantasia no universo da criança?” “Por que os
contos acumulativos – aqueles em que, sucessivamente, se vão acrescentando novos
elementos – funcionam tão bem com os bebês?” “Livro infantil que se presa deve ter moral da
história?” As respostas da autora continuam não se restringindo ao universo infantil. Na
resposta à segunda pergunta, Belinky enfatiza ser o livro um objeto mágico para todos (não
somente para crianças). Na resposta à terceira pergunta, que enfoca os livros para bebês, a
autora destaca que a repetição interessa a toda faixa etária. Na resposta à quarta questão,
Belinky contradiz aqueles que tomam a literatura como um espaço de moralização.
Contraditoriamente, ao lado da fotografia da autora, a revista dispôs um box
em que apresenta o enunciado “Só escrevo o que me dá vontade, sem preocupação com a
idade. E não gosto de moral da história.” Com isso, a entrevista explicita vozes em conflito,
pois Nova Escola é contrariada pela autora desde o início da entrevista; entretanto mantém o
seu discurso nas demais perguntas, mas dá destaque, no box citado, ao ponto de vista da
entrevistada. Reforçando seu ponto de vista, no box presente no rodapé, a revista anuncia que
estão abertas as inscrições para um concurso cultural cujo vencedor será aquele que melhor
responder à seguinte questão: “Como estimular a leitura entre crianças de até 3 anos?”, não
por acaso a primeira questão que introduz a entrevista de Belinky. Por esse caso e pela
96
organização das matérias ao longo da revista, como já dissemos (o número se organiza com
reportagens sobre leitura em diferentes faixas etárias), reforça-se uma voz nesse conflito, que
não é a voz da entrevistada e nem de parte da comunidade científica, como comentado no
item anterior.
Figura 14 – Seção “Entrevista” da edição especial da Revista Nova Escola, de março de
2008.
97
Na segunda entrevista (Anexo F, p. 129), Heloísa Prieto é questionada sobre a
melhor maneira de incentivar a leitura na fase que vai dos quatro aos seis anos. Novamente
observamos que a resposta da entrevistada opõe-se ao discurso da revista:
Expondo a criança ao livro, deixando-a absolutamente livre para escolher. É um
equívoco o adulto querer nortear a leitura infantil, decidir o que é bom e o que é
ruim, dizendo “este livro não serve, não é para sua idade” (NOVA ESCOLA, 2008,
p. 29).
Este enunciado também é destacado na página, ao lado da imagem da escritora,
produzindo o mesmo efeito de sentido da entrevista anterior. Podemos concluir que os demais
enunciados analisados neste capítulo, como a sugestão de livros para cada fase da vida,
entram em conflito com o título “Programa livre”.
Na entrevista com Fanny Abramovich (Anexo G, p. 130), o discurso da
liberdade ganha destaque com o subtítulo “O segredo com crianças de 7 a 9
anos é não forçar
a barra.” A lição para os docentes de como estimular a leitura mais uma vez ganha destaque
ao abrir a entrevista: “Como estimular a leitura entre crianças de 7 a 9 anos? FANNY
ABRAMOVICH Contar histórias com paixão e não forçar a barra são formas de estimular a
leitura.” Vemos que o discurso da liberdade da leitura, da voz da entrevistada, migra para o
título e dá o tom para a entrevista. Talvez por tratar-se de discurso que não entra em
contradição com o projeto de dizer da revista: para formar leitores, é preciso produzir o gosto
(ou “hábito”).
Já na conversa com a autora Ruth Rocha (Anexo H, p. 131), o destaque que
notamos a partir do título e subtítulo “Leitura não pode ser só folia: a autora acredita que o
livro também deve cumprir o papel de enriquecer o vocabulário” contraria alguns discursos de
Nova Escola como a importância da liberdade de escolha e de lidar de forma lúdica com os
materiais de leitura.
O que você acha do estímulo à leitura por meio de atividades lúdicas?
RUTH Concordo, desde que sejam desenvolvidas com inteligência e não
transmitam a ideia de que a folia e o divertimento têm um papel maior do que a
própria leitura. Além disso, os professores deveriam ler os livros infanto-juvenis
antes de indicá-los aos alunos (NOVA ESCOLA, 2008, p.49).
Desta forma, observamos um diálogo parafrástico com as ideias apresentadas
no capítulo 2, quando expusemos críticas de Britto à forma equivocada como a leitura é
entendida por alguns profissionais da área, o que leva a uma visão ingênua do ato de ler. Além
disso, observamos uma crítica da autora aos professores feita pela autora no fim desta
98
resposta, que também é eleita para o box já mencionado. Por sua disposição, ao lado da
fotografia do entrevistado, podemos concluir que a revista elege, de cada conversa, a frase
mais marcante, mais importante, aquela que o público da revista deve perceber de imediato.
Trata-se de um procedimento da escrita jornalística, que nos leva a supor que o jornalista
toma o leitor, de forma geral, como quem deve ser orientado em sua leitura. Esse
procedimento revela também um projeto de dizer da revista, na sua relação com o leitor-
professor e, assim, mais uma vez, a imagem do docente como incapaz e inexperiente no que
se refere à leitura é atualizada.
Outro ponto da entrevista que julgamos interessante ser discutido fica evidente
no seguinte fragmento:
O que fazer se uma criança, aos 10 anos, não demonstra qualquer interesse pela
leitura?
RUTH ROCHA O primeiro passo é descobrir se ela realmente entende o que anda
lendo. Muitas vezes o título não é adequado à sua capacidade de interpretação.
Nesse caso, o ideal é partir para a leitura de textos curtos ou pequenos trechos de
histórias mais longas (NOVA ESCOLA, 2008, p.49).
Neste trecho, novamente, a revista busca uma receita para formar leitores e a
resposta reforça o discurso da revista sobre a questão da adequação da leitura à faixa etária do
leitor. Dessa forma, a revista estabelece mais uma vez um diálogo parafrástico com Aguiar
(1984) e, ao mesmo tempo, dialoga de modo conflitante com Magnani (1995) e Silva (1984),
que, como expusemos na memória discursiva, entendem essa prática como perversa por
impedir o desenvolvimento da autonomia dos alunos.
A escritora Ivana Arruda Leite é a entrevistada eleita pela revista para falar
especificamente sobre o público dos treze aos quinze anos. O que chama atenção, nessa
entrevista (Anexo I, p. 132) é a valorização da leitura de textos literários:
Como despertar o interesse de jovens entre 13 a 15 anos e atraí-los para a leitura?
IVANA ARRUDA LEITE É preciso mostrar que a literatura também pode ser
jovem, não é coisa apenas de gente velha. Daí a importância de temas que tenham a
ver com o universo deles. Também é importante que o livro reflita a realidade que
os cerca. Não há por que evitar assuntos como racismo, por exemplo. Assim, o
jovem cria bases para formar sua própria opinião (NOVA ESCOLA, 2008, p.59).
A revista remete, por meio da pergunta, à leitura de um modo geral, mas a
autora privilegia na sua fala a leitura de textos literários. Essa valorização da leitura de textos
literários, conforme já discutido, origina uma ideia de que podem ser considerados leitores, de
fato, apenas aqueles que leem obras pertencentes ao gênero literário. Sabemos, no entanto,
99
que as pessoas entram em contato diariamente com textos informativos ou prescritivos, por
exemplo, e que estes se constituem em materiais de leitura.
A última entrevista, destinada à formação do leitor na fase adulta, é com José
Mindlin, “dono da maior biblioteca particular da América Latina”, de acordo com a revista
(Anexo J, p. 133). Como nas demais entrevistas, essa também tem início com a tentativa de
obter do entrevistado uma receita para formar leitores, de modo que funcione como uma lição
para os professores. Novamente, tem-se por parte do entrevistado um discurso polêmico com
esse “caráter receituário” que faz parte, infelizmente, da esfera de atividade pedagógica
brasileira há décadas. Como se vê, o discurso dessa esfera invade a esfera da comunicação
midiática na voz da revista em questão:
Como levar um adulto a adquirir o hábito da leitura?
JOSÉ MINDLIN Não há uma receita infalível. Em primeiro lugar, é fundamental
facilitar o acesso das pessoas a livros. O bibliotecário tem um papel importante,
mas o rádio e a TV precisam fazer mais programas sobre livros (NOVA ESCOLA,
2008, p.66).
Podemos considerar, pela discussão apresentada, que o projeto de dizer da
revista, percebido/interpretado nos enunciados analisados, é construir a imagem do
entrevistado como especialista em leitura para determinada faixa etária, a fim de transmitir
para o leitor uma receita de como desenvolver sua prática na escola. Para isso, muitas
respostas são ignoradas e, como vimos, o discurso da revista é reforçado. O leitor da revista é
presumido como alguém que necessita de receitas infalíveis para encaminhar sua prática, e é
em função da imagem desse leitor que o autor dá o acabamento estético aos enunciados que
produz.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso estudo teve por objetivo investigar o discurso da revista Nova Escola no
tocante à leitura. O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu com a observação da
circulação recorrente de discursos sobre o tema em diversos gêneros que compõem o
periódico. A partir de então, propusemo-nos a uma reflexão acerca da constituição de tais
discursos e das imagens sociais por eles geradas.
Uma hipótese que já de início nos norteou foi a provável constituição dos
discursos a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e também das diversas
pesquisas sobre o tema desenvolvidas desde a década de 1980. Com essa ideia, passamos
então a uma leitura cuidadosa dos PCNs e de trabalhos de autores conhecidos pelas pesquisas
na área, o que resultou no capítulo 2 desta dissertação e que se constituiu em memória
discursiva para nossas análises.
Para embasar nossas reflexões, foi preciso também optar por um suporte
teórico que desse conta do diálogo para a qual apontava nossa hipótese inicial. Encontramos
em Bakhtin e nos membros de seu círculo as ideias apropriadas para realizar nosso intento.
Assim, estudamos algumas obras do filósofo russo a fim de apoiar nossas reflexões. As ideias
desenvolvidas por esse círculo sobre o dialogismo, gêneros do discurso, esfera, enunciado,
enunciação, entre outras, sustentaram nossas reflexões.
Selecionamos seis números da revista Nova Escola, publicados após o
lançamento dos PCNs e procedemos a uma análise dialógica para verificar as regularidades
entre os discursos, bem como os pontos de distanciamento entre eles. Constatamos, a partir
desse confronto entre tantas publicações, um discurso contraditório, que mescla diversas
ideias sobre leitura e que, em se tratando de um periódico para professores, cria significados
sociais relevantes para a prática pedagógica, tais como: que alunos e professores não leem
com a devida frequência, que é urgente alterar este quadro e que desenvolvendo estratégias
para que os alunos encontrem prazer no ato de ler isso se torna possível.
101
A leitura há tempos é motivo de preocupação por parte de estudiosos e da
sociedade em geral. Isso se comprova pelo elevado número de trabalhos que podem ser
encontrados nos mais variados meios de comunicação. A ideia que circula é que a leitura pode
transformar a educação no país e, portanto, devem ser criados meios para formar leitores que
tenham, sobretudo, prazer no ato de ler. Dessa forma, cabe aos professores a tarefa de
trabalhar no sentido de promover a leitura de modo prazeroso.
Como vimos, a escola é, há décadas, considerada uma instituição em crise, e os
docentes são responsabilizados pelos males educacionais, que acabam se refletindo nas
demais instituições sociais. Dados de avaliações como SARESP, ENEM e, como
apresentamos no capítulo 3, do PISA, revelam que a falta de competência leitora é uma
agravante para os problemas em questão. Assim, cria-se a ideia da necessidade urgente de se
solucionar problemas referentes à leitura, e a figura do professor é bombardeada por
publicações que visam ao ensino do mestre, à capacitação daquele que tem o ensino como
função, mesmo que já tenha passado por um sistema de apropriação do conhecimento e já
tenha sido considerado capaz de ministrar aulas, conforme Geraldi (1991).
Em Nova Escola essas questões são flagrantes. Como apresentamos nos
capítulos analíticos, o periódico também se enquadra nessas publicações que buscam
equacionar problemas relacionados à leitura a partir da figura do professor. Este é significado
como um aprendiz, como alguém que não detém os conhecimentos necessários para a prática
docente. Os alunos, por sua vez, são muitas vezes entendidos como pobres coitados que
necessitam ser salvos; salvação esta que a leitura pode promover. Dessa forma, os discursos
materializados nas páginas da revista mostram-nos uma autoridade de um lado (um jornalista,
um professor que tem sua fala autorizada pelos projetos realizados ou um pedagogo) e, no
outro extremo, o docente, desprovido das bases necessárias para sua prática.
Conforme demonstramos com nossas reflexões, um fato que chama atenção é
que o mesmo discurso criador da imagem de incompetente para o professor destina-se a ele
revestido de companheirismo. O periódico dirige-se ao público leitor como um parceiro,
antecipando sua contrapalavra. Considerando o que Bakhtin entende como memória do
futuro, podemos afirmar que Nova Escola fala de um lugar de alguém que conhece e
compreende as dificuldades do professor no trato diário com os alunos e nas questões
referentes à formação de leitores. Com uma leitura ingênua, prevalece a ideia de que o
professor tem na revista um parceiro para solucionar seus problemas pedagógicos. No
102
entanto, a partir da contrapalavra desta pesquisadora/leitora, é possível produzir outro sentido
e verificar as imagens preconceituosas instauradas por esse ato de leitura desses enunciados.
No confronto entre as ideias defendidas pelos autores pesquisados e pelos
jornalistas de Nova Escola, pudemos verificar o diálogo, como o concebe Bakhtin, em que os
conflitos entre os discursos se materializam. Como vimos, há diálogos parafrásticos e outros
conflitantes com os discursos que compõem a memória do passado. Convém, no entanto,
lembrar que, conforme esclarece Faraco (2003), mesmo nas situações de diálogo por paráfrase
– aquele em que as ideias do discurso antecessor são mantidas – podemos considerar que há
um diálogo divergente, uma vez que, ao ratificar alguns discursos, simultaneamente outros
estarão sendo negados.
Acreditamos que nosso trabalho atingiu o objetivo proposto, já que, com nossas
reflexões, verificamos o modo heterogêneo e conflitante como a leitura é abordada nos vários
gêneros presentes na revista Nova Escola. Analisamos reportagens, carta ao leitor, entrevistas
pingue-pongue, além de textos não-verbais e enunciados como títulos e subtítulos, a fim de
verificar os efeitos de sentido produzidos pela heterogeneidade constituinte dos discursos do
periódico. Constatamos que alguns discursos são, repetidas vezes, reforçados, como o prazer
da leitura, a liberdade da escolha de livros pelos alunos e a metáfora da leitura como uma
viagem. Na verdade, esses discursos fundem-se em um só: a importância de se desenvolver a
leitura lúdica como um meio de se formar leitores. Essa recorrência evidencia que alguns
discursos são rejeitados pela revista. Percebemos isso claramente na análise da reportagem
“Todas as leituras”, em que são apresentados três tipos de leitura: por prazer, para estudar e
para se informar. Como destacamos, a leitura por prazer tem maior espaço na reportagem,
tornando evidente o projeto de dizer da revista a respeito da leitura.
Esperamos que este trabalho contribua para pesquisas na área da educação,
uma vez que observamos o funcionamento discursivo de uma revista que, pela expressiva
tiragem, é considerada a maior da área educacional e promove a difusão de informações sobre
temas variados que envolvem a prática docente. Com isso, acreditamos que docentes de todo
o Brasil estejam sendo influenciados pelas reportagens de Nova Escola e, portanto, os
discursos do periódico devem ser pesquisados e essas pesquisas, divulgadas.
Objetivamos também oferecer uma contribuição para estudos da Análise do
Discurso, especificamente àqueles que tomam discursos da esfera midiática como corpus de
análise, já que realizamos um trabalho para verificar a produção de senso comum pela mídia,
no caso a revista impressa, que instaura, muitas vezes, significados sociais relevantes. Nesta
103
pesquisa, percebemos que o periódico cria para o leitor imagens do que seja leitura, de qual
metodologia deve adotar para desenvolver a leitura em sala de aula, além das formas
preconceituosas como observamos que docentes e discentes são, repetidas vezes, significados
pela revista. Os discentes são vítimas da incompetência de professores que, pelo
desconhecimento das “técnicas corretas” e pela falta de leitura encaminham sua prática de
modo equivocado. Nessa perspectiva, Nova Escola apresenta formas de abordagem para
auxiliar-ensinar o público leitor e, assim “salvar” professores e alunos da ignorância que a
falta de leitura gera. Entendemos que tais discursos instaurados pela revista possam criar um
senso comum do que seja ler e do papel do docente nesse sentido.
Outra contribuição importante deste estudo, a nosso ver, refere-se a alterações
genéricas provocadas por mudanças de esfera de atividade. O funcionamento discursivo
verificado em Nova Escola comprova que um mesmo tema, ao migrar de uma esfera de
atividade para outra, traz consigo elementos (estilo, formas composicionais) que alteram os
gêneros na esfera em que é atualizado. O conteúdo temático leitura, frequentemente abordado
pela esfera pedagógica, quando tratado pela midiática faz com que os gêneros desta esfera de
atividade sofram alterações. Como observamos no capítulo 3, em Nova Escola, as reportagens
são influenciadas pelas características dos gêneros pertencentes à esfera pedagógica e, como
exemplo dessa influência, verificamos que relatos de experiências docentes e depoimentos,
próprios da esfera pedagógica, são utilizados como fontes das reportagens. Observamos
também que o estilo de textos didáticos, em que predomina o tom imperativo, migra para
essas reportagens, considerando-se o público a que ela se dirige e sua compreensão
responsiva.
104
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110
ANEXO A Reportagem “Como semear leitores em sala de aula.” Revista Nova Escola n.
128, dez. 1999.
111
ANEXO A – (continuação)
112
ANEXO A – (continuação)
113
ANEXO A – (continuação)
114
ANEXO B Reportagem “Histórias de leituras sem fim”. Revista Nova Escola, n. 150, mar.
2002.
115
ANEXO B – (continuação)
116
ANEXO B – (continuação)
117
ANEXO B – (continuação)
118
ANEXO C Reportagem “Todas as leituras”. Revista Nova Escola, n. 194, ago. 2006.
119
ANEXO C (continuação)
120
ANEXO C – (continuação)
121
ANEXO C – (continuação)
122
ANEXO C (continuação)
123
ANEXO C (continuação)
124
ANEXO D Reportagem “Ler por prazer: O X da questão”. Revista Nova Escola, edição
especial n. 18, abril de 2008.
125
ANEXO D (continuação).
126
ANEXO D – (continuação)
127
ANEXO D – (continuação)
128
ANEXO E Reportagem “A viagem da leitura”. Revista Nova Escola, n. 112, maio de 1998.
129
ANEXO F Entrevista “Programa Livre”. Revista Nova Escola, edição especial n. 18, abril
de 2008.
130
ANEXO G Entrevista “Livro precisa ser um vício.” Revista Nova Escola, edição especial n
.
18, abril de2008.
131
ANEXO H Entrevista “Leitura não pode ser só folia”. Revista Nova Escola, edição
especial, n.
18, abril de 2008.
132
ANEXO I Entrevista “Sem temas proibidos”. Revista Nova Escola, edição especial, n.
18,
abril de 2008.
133
ANEXO J Entrevista “Janelas para o mundo”. Revista Nova Escola, edição especial, n.
18,
abril de 2008.
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