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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA BRASILEIRA
Aluísio Azevedo: Processo de composição e crítica.
Décio Eduardo Martinez de Mello
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de Doutor em Letras.
Orientador: Prof. Dr. José Alcides Ribeiro
São Paulo
2008
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE LITERATURA BRASILEIRA
DÉCIO EDUARDO MARTINEZ DE MELLO
Aluísio Azevedo: Processo de composição e crítica.
São Paulo
2008
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DEDICATÓRIA
A Irondino de Mello (in memoriam) e Joanna Martinez de Mello.
Aos familiares e amigos: Maria do Carmo Borges, Alfredo de Almeida Gomes,
Irenisbete Martinez de Mello Gomes, Ilza Márcia Martinez de Mello, Juliana
Martinez de Mello, Luiz Rodrigo de Mello Fávaro, Hanaí Martinez de Mello
Gomes, Maíra Martinez de Mello Gomes, Cecília de Almeida Gomes e Walter.
11
AGRADECIMENTOS
A efetuação deste trabalho foi possível graças à colaboração direta ou indireta de
muitas pessoas. Manifestamos nossa gratidão a todas elas e de forma particular:
A todos os funcionários da biblioteca da USP e àqueles do departamento
de Pós-Graduação;
Ao Centro de Documentação e Informação Científica (CEDIC) da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
Ao Fábio Mori, ao José Celso Soares Viera, a Inês Teixeira Barranco e
Elenir de Almeida;
Aos funcionários da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e em especial
a Maria das Graças Gonçalves da Silva, da Divisão de Informação, pela eficiente
ajuda no levantamento de material.
E, em especial a José Alcides Ribeiro, que norteou os principais rumos de
minha pesquisa.
12
RESUMO
No texto “ALUÍSIO AZEVEDO: PROCESSO DE COMPOSIÇÃO E CRÍTICA”,
definimos o perfil do contexto histórico do século XIX e o do jornal GAZETINHA e
levantamos os principais aspectos biográficos do escritor, como também detectamos a
presença de um conjunto de observações de críticos sobre esse processo de
composição. A produção literária em jornais, que não é subliteratura, mas fruto de um
trabalho dirigido às necessidades e expectativas do leitor implícito no jornal, dialoga
com este veículo e com os seus pressupostos leitores. Verificamos na produção dos
romances Memórias de um condenado e A condessa Vésper, as técnicas do romance
seriado, as categorias gerais da narrativa e os tipos caricaturescos de seus personagens,
assim como os aspectos de estilo e retórica neles existentes. Encontramos diferenças nas
formas de publicação desses romances em relação ao veículo nos quais são divulgados.
Notamos que a crítica, num percurso de mais de um século, mantém, em grande parte,
a visão maniqueísta sobre a produção literária de Aluísio Azevedo e a polariza em bons
e maus momentos, boa e má obra. O escritor produz e comercializa romances para o
seu leitor do século XIX e dosa nesses romances aspectos do Realismo e do
Romantismo, juntamente com o seu olhar crítico para a sociedade neles enfocada.
Palavras-chave: Processo de composição. Romance Seriado. Narrativa. Estilo. Crítica.
13
ABSTRACT
In the study “ALUÍSIO AZEVEDO: PROCESS OF COMPOSITION AND
CRITICISM we defined the profile of the historical context of the 19
th
century and of the
GAZETINHA newspaper. Besides, we raised the main biographical aspects of the writer
and detected the presence of a set of critics' observations on this composition process.
The literary production in newspapers, which is not subliterature but rather the fruit of a
work targeted to the needs and expectations of the implicit reader in the newspaper,
dialogues with this vehicle and with its supposed readers. In the novels Memórias de
um condenado (Memories of a Convict) and A condessa Vésper (The Countess Vésper),
we have verified the techniques of the serial novel, the general categories of the
narrative and the caricature types of their characters, as well as style and rhetoric
aspects. We have found differences in the forms of publication of these novels in
relation to the vehicle in which they are published. We have noticed that the criticism
has kept for over a century, most of the time, the manicheist view about Aluísio
Azevedo's literary production and polarizes it in good and bad moments, good and bad
work. The writer produces and commercializes novels for his reader of the 19
th
century
and in them he doses aspects of the Realism and Romanticism, together with his critical
view towards the society portrayed in his novels.
Keywords: Process of composition. Serial Novel. Narrative. Style. Criticism.
14
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................. p. 05
ABSTRACT ..........................................................................p.06
INTRODUÇÃO .....................................................................p.08
Capítulo I – CONTEXTO HISTÓRICO E O JORNAL
GAZETINHA .......................................................................p. 22
Capítulo II – O ESCRITOR E A CRÍTICA...........................p. 36
Capítulo III – O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DE ALUÍSIO
AZEVEDO............................................................................p. 48
1. Técnicas do Romance Seriado.....................p. 53
2. Categorias gerais da narrativa......................p. 76
3. Caricaturas .....................................................p. 91
4. Uma questão de Estilo e Retórica..............p. 106
Capítulo IV – MANUTENÇÃO DAS TÉCNICAS DE
COMPOSIÇÃO FOLHETINESCAS NA PUBLICAÇÃO DO
ROMANCE A CONDESSA VÉSPER................................p. 114
CONCLUSÃO ....................................................................p.125
REFERÊNCIAS..................................................................p. 128
ANEXOS ............................................................................p.134
15
INTRODUÇÃO:
Escrever romances seriados em jornal sugestiona mudanças nos estudos literários e
jornalísticos, pois nesse processo de criação artística há a relação de um sistema de produção
estética com um outro sistema que resulta de inovações técnicas para serem digeridas à
fruição em massa.
Nossas observações se voltam para o romance seriado Memórias de um Condenado,
divulgado no jornal GAZETINHA, de 1º de janeiro a 7 de junho de 1882 e em livro, em 1902,
quando recebe o título de A Condessa Vésper e é publicado pela Livraria Garnier.
Utilizamos também dos capítulos Um Parenthesis e Onde o autor põe o nariz de fora,
capítulos do romance Mistério da Tijuca, divulgado no jornal FOLHA NOVA e do capitulo
prólogo ao romance A Mortalha de Alzira, publicado no jornal GAZETA DE NOTÍCIAS e
homônimo desse romance.
Antes de percorrer outras verificações, deixamos claro neste parágrafo que os
capítulos dos jornais FOLHA NOVA e GAZETA DE NOTÍCIAS servem de justificativa ao
perfil das técnicas do escritor Aluísio Azevedo por ele mesmo, nas suas digressões, e que o
jornal que descrevemos com minúcia é o jornal GAZETINHA, logicamente por ser onde é
divulgado o romance, centro de nossas discussões.
Também é necessário esclarecer que em todas as transcrições efetuadas em nosso
trabalho, procuramos manter a grafia original do texto, grafia que carrega em seu bojo toda
uma relação com a época em que foi escrito o texto.
Levantamos aspectos ideológicos, tais como a escolha do autor a respeito deste ou
daquele aspecto na estrutura de seu texto literário; por exemplo, a representação da mulher na
sociedade do século XIX, o casamento, os tipos românticos e exagerados, o que resulta na
disputa entre o romântico x real, prático, assim como também os aspectos estruturais,
relativos ao discurso da narrativa e aos do romance seriado.
Da sondagem em Memórias de um Condenado e A Condessa Vésper, apontamos as
técnicas de composição empregadas no processo de criação do escritor, tanto na publicação
16
do romance em jornal quanto naquela publicação em livro e que recebe, é claro, toda uma
influência do contexto da época, primeiramente o contexto do veículo jornal, depois, o
próprio contexto social e político e que também pode influenciar, dar sugestões para uma
época.
O que Aluísio Azevedo busca em sua estética? Será que em suas digressões o autor
não se utiliza também de um jogo de sedução para com o seu leitor? Escreve um romance
romântico e, por outro lado, possivelmente mantém a essência naturalista.
A escolha deste ou daquele aspecto de construção no romance de Aluísio Azevedo
está ligada, ao mesmo tempo, às expectativas do leitor, às suas vontades e gosto, e, por outro
lado, às maneiras e vias com as quais o autor mantém e impõe suas características de escritor,
seu perfil, ainda que sinalize, mesmo em romances tidos como românticos, a manutenção às
suas idéias naturalistas.
Nos romances românticos, a obra de Aluísio carrega traços e características
românticas e naturalistas em uma simbiose permeável às duas escolas cujo objetivo é cativar
seu público para mantê-lo fiel na compra do jornal. Cria no leitor uma expectativa por seus
romances seriados, sem descurar a demanda do jornal de cuja venda dependia seus
rendimentos. Há, pois, a busca de um leitor ávido e esperado. Fato marcante no percurso da
construção da obra de Aluísio Azevedo é a escolha.
ARARIPE JUNIOR
1
relata que “a literatura brasileira, nas suas manifestações
legítimas, não pode, tão cedo, ser uma literatura simétrica e disciplinada, senão uma
convulsão entremeada de longos períodos de repouso” e que “no romance brasileiro, pode-se
dizer que é esta a única tradição que se tem mantido de autor para autor, - uma tradição de
instinto, porque, quanto às outras, as das formas, no Brasil são quase nulas” e que “o
naturalismo brasileiro é a luta entre o cientificismo desalentado do europeu e o lirismo nativo
do americano pujante da vida, de amor, de sensualidade”.
JOSÉ VERÍSSIMO (1963, p 258-272)
2
, acentua que Aluísio Azevedo “como tantos
dos nossos escritores, com insuficientes letras lançou-se no jornalismo, que, as dispensando, é
uma boa escola de escrita corrente e fácil”. Chama ao seu primeiro romance, Uma Lágrima de
Mulher (1880), de “romance romântico na pior maneira romântica” e que tudo no naturalismo
“estava ao alcance de toda a gente que, se deliciava com se dar ares de entender literatura
1
ARARIPE JÚNIOR, Alencar. Obra Crítica de Araripe Júnior: volume II (1888-1894). Ministério da Educação
e Cultura Casa de Rui Barbosa.
2
Primeira edição em 1916.
17
discutindo livros que traziam todas as vulgaridades da vida ordinária e se lhe compraziam na
descrição minudenciosa”.
BOSI (1999, p.188-189)
3
, relata que quando a influência de Zola e de Eça de Queirós
deixa de ser palpável na obra de Aluísio Azevedo é que o romancista virou “produtor de
folhetins” e chama de “um caso raro e precoce de profissionalização literária” à produção de
Aluísio, justificando que talvez fosse por sua necessidade de sobrevivência que o escritor
tenha desenvolvido assim sua produção literária e que em: “seus altos e baixos, Aluísio foi
expoente de nossa ficção urbana nos moldes do tempo”, um “hábil tracejador de caricaturas
nas folhas políticas do Rio precedeu o autor do Mulato e ensinou-lhe a arte da linha grossa
que deforma o corpo e o gesto e perfaz a técnica do tipo”, que é “inerente à concepção
naturalista da personagem”.
BOSI (idem, ibid.) lembra dos dizeres de Valentim Magalhães, que observa: “no
Brasil talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa da sua pena, mas note-
se que apenas ganha o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga” é Aluísio
Azevedo, e essa justificativa mais uma vez ajuda a formar uma crítica preconceituosa com a
produção de referido escritor, principalmente a respeito dos seus romances seriados.
A crítica não consegue extrair da produção seriada dos romances de Aluísio e da
comercialização industrial deles, o que une a busca e a necessidade do escritor de manter o
seu estilo, construir seu perfil de escritor e o modo como se relaciona com o seu público
leitor, no cotidiano do século XIX.
O escritor desenvolve um romance com características já do costume do público,
como em muitas cenas, intrigas e no romantismo do romance: Memórias de um Condemnado.
Nele, apresenta o comportamento acentuadamente romântico do perfil das personagens, mas
deixa ao sabor do leitor analisá-los.
SODRÉ
(2002, p.425-447)
4
, constata que “calhavam muito melhor, numa sociedade
de estrutura colonial, a fórmula romântica do que a naturalista” e que Aluísio Azevedo é
“figura máxima do naturalismo brasileiro” e que em sua ficção “se encontram aquelas
aparentes contradições peculiares ao naturalismo brasileiro”. Conclui que “Aluísio Azevedo
compõe os seus livros, com esforço, devagar, no império de solicitações e de pressões; não os
faz por vocação, não tem alguma coisa que transmitir de íntimo, de seu, de próprio”.
3
Primeira edição em 1936.
4
Primeira edição em 1938.
18
ÉRICO VERÍSSIMO (1997, p.68)
5
, vê que na posição de escritor “Aluísio Azevedo não
é particularmente notável”, pois “não cuidava muito do estilo ou da gramática”, mas, observa:
“sua escrita é vívida, às vezes pitoresca e colorida, sendo não raro um instrumento preciso para
as coisas que desejava dizer” e que seus romances são “antes de tudo um espelho fiel da vida –
mas hediondo e grotesco das coisas e dos seres humanos”.
BROCA (2004, p.47), que tem a divulgação de fragmentos desta obra no ano de 1956
e depois a sua 1ª edição em 1960, liga ao fim da Boêmia também aquilo que ele chama de a
“esterilidade literária de Aluísio Azevedo” e observa que “proclamada a República” Aluísio
Azevedo “presta um concurso para a carreira consular e em 1896 é nomeado vice-cônsul em
Vigo”, na Espanha, e “estaria agora” o escritor em condições de “entregar-se de corpo e alma
à atividade literária, não mais produzindo novelas romanescas, ao gosto do grande público”.
Mas, mesmo Broca irá justificar o que ele acha como esterilidade na criação de Aluísio
quando vê que o cargo que o escritor ocupara lá no vice-consulado de Vigo não era lá grande
coisa, “a crescente imigração de habitantes de Galiza para o Brasil sobrecarregava de serviços
o consulado de Vigo, e Aluísio parecia ter a índole de um funcionário zeloso”. Broca relata
que Aluísio Azevedo deixou incompletos escritos que produzia sobre o Japão, na sua estadia
por lá também como vice-cônsul o que faz observar que, mesmo nos consulados, o autor
mantinha a sua produção literária; isso se reflete nas cartas que ele envia aos seus amigos, e
também muitas vezes são mal interpretadas e tomadas por um trecho apenas do que dissera o
escritor.
ANTONIO CANDIDO (apud. Mérien 1998, p. 470), declara que os “romances
inferiores” ajudam a compreender o escritor Aluísio Azevedo, pois que apresentam a
inquietação literária e a insatisfação do escritor que mantém uma oscilação em sua escrita, a
qual pulsa entre “certas exigências de concepção e certos automatismos menos depurados” e
continua: “A noção de período, ou melhor, de ritmo, é com efeito importante para compreendê-
lo, desvendando uma acentuada instabilidade criadora, regularmente manifestada na alternância
de êxitos e malogros”. E, por fim, tenta esclarecer as oscilações entre os ditos “bons e maus
romances” na produção de Aluísio Azevedo e verifica que as oscilações são constituintes dos
“escritores abundantes e pouco preocupados com requintes formais” como Aluísio Azevedo, e
verifica que o que impressiona no escritor é “a regularidade da pulsação ascendente e
descendente”.
5
Primeira edição em 1955.
19
.INFANTE (2001, p.335), por sua vez, também faz uma divisão da obra de Aluísio
Azevedo, separa-a em dois grupos de romances, primeiro o grupo dos “dramalhões repletos de
peripécias e lances melodramáticos, produzidos de acordo com a (já desgastada, mas ainda
vendável) fórmula consagrada pela degeneração do Romantismo” e depois o grupo dos
“romances sérios, marcados por um projeto de análise e crítica da sociedade brasileira dentro
dos moldes naturalistas”. Diz que os romances que pertencem ao primeiro grupo tais como:
Uma Lágrima de Mulher, A Condessa Vésper, Girândola de Amores, Filomena Borges e A
Mortalha de Alzira têm valor artístico “reduzido ou nulo”. Relata que, como Aluísio Azevedo
escrevia para jornais, submetia-se ao gosto do público e dos editores. Infante menciona ainda
que, contemporaneamente aos seus romances românticos, Aluísio Azevedo escreveu seus “três
principais romances”: O Mulato, Casa de Pensão e O Cortiço, “concebidos a partir de
concepções naturalistas de estudos dos comportamentos”.
Um olhar sério para a produção de uma obra literária torna-se importante quando põe
em evidência o contexto no qual circula o romance, onde foi a sua primeira divulgação, para
qual público e quais as diferenças entre a publicação para jornal e sua adaptação para
publicação em livro.
Aluísio Azevedo utiliza digressões em seus romances que os explicam, que esclarecem
as intenções do escritor, seu perfil, os porquês das decisões tomadas em suas composições
literárias, inserindo desta maneira um posicionamento e estilo literário.
De acordo com o Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (1998),
digressão é um desvio de rumo, de assunto ou tema de conversa, uma divagação. Esse desvio
de rumo na narrativa pode ser encontrado com exagero em dois momentos da narrativa de
Mysterio da Tijuca, no capítulo intitulado Um Parenthesis e no capítulo denominado Onde o
autor põe o nariz de fora e, também, no capítulo homônimo ao romance A Mortalha de Alzira
e que antecede o início deste romance. Utilizamo-nos destes capítulos com a intenção de
ilustrar com as explicações neles existentes do próprio Aluísio Azevedo sobre a sua produção
literária e o que seria escrever romances no Brasil em sua época.
Outro momento no qual Aluísio Azevedo comenta sobre o seu processo de criação é o
jornal GAZETINHA, em carta-resposta a Giovani (pseudônimo de Machado de Assis), a
respeito das críticas de Machado ao romance: Memórias de um Condenado, que não é um
capítulo, mas apenas uma resposta do autor.
20
O título Onde o autor põe o nariz de fora sugere uma parada do narrador do romance
com a sua narrativa e o prepara para explicar o andamento do romance, colocando o nariz
para fora da narrativa e olhando para o público, seu leitor. Outro artigo é Um Parenthesis, no
qual abre um parêntesis e explica o romance.
Nossa hipótese é a de que quando a crítica se posiciona com um olhar maniqueísta
sobre a obra de Aluísio Azevedo; dividindo-a entre bons e maus livros, ela comete uma
precipitação e simplifica seu olhar para a literatura.
A crítica costuma dividir a obra de Aluísio Azevedo, colocando no patamar de
excelência entre os livros e romances que marcaram o Naturalismo no Brasil: O Mulato, O
Cortiço e Casa de Pensão. Essa mesma crítica vê nos romances seriados: Memórias de um
condenado, A mortalha de Alzira e Mistérios da Tijuca, por exemplo, como a parte inferior da
obra do escritor. Ao denominar os romances românticos como inferiores, menores, a crítica
afasta o interesse do leitor pelo conjunto da obra do autor.
CASTELLO (1999) constata que Aluísio Azevedo é um dos primeiros escritores
brasileiros a escrever literatura industrial
6
. Trata-se de um hábil escritor da literatura de
consumo no período do século XIX e o objetivo de minha tese é provar essa ligação de obra,
público, consumo e estilo. Se o escritor é naturalista ou romântico, pouco importa. Importa,
pois, perceber que o escritor realmente comercializa literatura e cujo conceito de Naturalismo
e Realismo na visão dele é dado no capítulo Um Parenthesis
7
, quando propõe a união das
duas escolas literárias.
Aluísio Azevedo concebe sua obra como literatura consumível pelo leitor, sem entrar
no mérito de preferência do escritor por romantismo e/ou realismo. O importante é a
habilidade de o escritor ser hábil em produzir literatura para sobreviver e executar uma
criação diária para dar conta das encomendas dos capítulos que lhe garantam sucesso de
venda. Também, no percurso de sua criação, em momentos explicativos da obra, em
digressões, produz uma literatura crítica, que instiga o leitor para uma critica do momento
literário, cultural e social da época.
Não é porque Aluísio Azevedo escreve no jornal GAZETINHA para um amplo
público de jornal que sua literatura possa ser tão depreciada, a ponto de subliteratura. Essa
literatura é fruto da época que se divulga por meio do jornal, adaptando-se às necessidades e
6
O itálico é nosso.
7
O texto Um Parenthesis pode ser verificado em sua íntegra no item: anexos de nosso trabalho.
21
expectativas do leitor dos periódicos, mas, mantendo o perfil do escritor. Mesmo nos seus
romances ditos românticos, pulveriza características da escrita do naturalismo.
Aluísio Azevedo, no capítulo 76, Um Parenthesis, parte integrante do romance
Mistério da Tijuca, publicado no jornal FOLHA NOVA, no Rio de Janeiro, no dia 13 de
fevereiro de 1883, pára a narrativa do romance e abre um parêntesis com o qual inicia uma
digressão explicativa sobre o fazer romance e verifica que os “nossos romances não poderão,
pelo menos n’estes cincoenta annos mais ou menos, ter a calma *
8
de um drama passado nas
ruas abafadas do europeu nas viellas de Londres”. Constata que “aqui a natureza requer vistas
marcadas, sentimentos mais pertinentes, mais ardentes, que dêem conta de nosso sol e de
nossas florestas”.
No capítulo Um Parenhtesis, Aluísio Azevedo esclarece também que “não é o bastante
reproduzirmos a imponência de nossa prodigiosa natureza, é também necessário ser calmo,
observador, investigador como um europeu e saber, como elle, penetrar familiarmente em
todas essas profundas cavernas dos vícios e dos crimes” e que “o romance brazileiro é muito
mais difficil de realizar que o europeu, por que tem de possuir a forma dupla de poema e
novella” e conclui que “conciliar essas duas cousas, tão oppostas, é o que ainda não fez
nenhum escriptor brazileiro e o que me parece ser o ponto de partida para o romance
nacional”.
Outro aspecto que pode ser verificado como resultado da critica maniqueísta se dá
quando pensamos que esse ponto de vista atinge o ensino, e que é nas Escolas, nos livros das
escolas, para as escolas, que constatamos mais diretamente como subestimam a obra de
Aluísio Azevedo, pois põem de lado importantes romances seriados e criam características
que soam pejorativas para a produção literária desses romances. Essa visão maniqueísta da
critica literária cria uma ponte que separa e também serve como um muro para esconder o
conjunto da obra de Aluísio Azevedo de seu possível leitor.
Tendo por objetivo o entretenimento do público e também a vontade e necessidade de
produzir um estilo, uma característica própria, é que os autores se viam, dessa forma,
obrigados a criar meios para dar manutenção ao gosto do leitor sem perder de vista sua
vocação e feição de escritores. Nesses moldes, temos um Aluísio Azevedo, escritor de O
Cortiço, Casa de Pensão, O Mulato, que se embrenha num romance romântico como o é o:
Memórias de um condenado, pois conquista o público leitor, dando manutenção à sua
8
O sinal representa a falta da palavra, que no original havia sumido.
22
atividade de escritor, preocupado somente com as coisas de sua época. Assim, retrata esse
Homem do final do século XIX na sociedade em que se insere.
A crítica à obra de Aluísio Azevedo a polariza em boa e má obra; vê bons e maus
momentos na produção do autor. Num roldão que cresce substantivamente de uma história da
literatura para outra, em livros sobre Literatura Brasileira, num conjunto extenso de
observações que ficam na camada superficial da questão da produção literária, no surgimento
de movimentos literários, de obras representantes deste ou daquele movimento literário,
ignora-se que os escritores escreviam para jornais, que neles introduziam seu perfil de
escritor, de sua obra. Era via jornal que surgiam os romances seriados, enlaçados de grandes
emoções, enredos e intrigas mirabolantes e acentuadamente amorosas, que atraíam um
público leitor ávido de ficção.
A crítica, em parte, contribui e contribuiu e muito para um afastamento do leitor do
conjunto total da obra de Aluísio Azevedo. Os romances seriados de Aluísio Azevedo se
manifestam de acordo com os princípios de respeito ao público leitor, às suas características
socioculturais, às suas expectativas; claro que essa manutenção feita pelo autor vai até os
limites da necessidade de ele impor sutilmente as suas características de criador, de produtor
de texto literário.
É nos seus romances seriados que o autor respeita o costume, o gosto de leitura de seu
leitor de jornal e, por outro lado, atualiza esse leitor, vai, em doses pequenas, ao tecer a
narrativa, com características do romance romântico, mas serve-se da própria identidade da
sociedade fluminense do século XIX, tão bem retratada no romance de Azevedo. Aqui nos
servimos do objeto central e principal observado no conjunto total de sua obra, o romance
Memórias de um condenado, que nasce no jornal GAZETINHA, no ano de 1882, em
publicações diárias de capítulos que alcançam, com o capítulo CONCLUSÃO, a quantia de
106 capítulos, o que também realça outra característica do romance seriado: o alongamento da
história.
A obra de Aluísio Azevedo se faz num crescente, compõe um conjunto de romances
que sempre, numa nuança e noutra, mostra a sociedade de sua época, nos costumes, no perfil,
no retrato de caráter.
O mais importante não é simplesmente não utilizar este ou aquele subterfúgio literário
(romantismo, realismo), mas sim fazer essa ponte com o leitor, efetuar uma relação viva e
tensa de diálogo com ele, que, nesta época, século XIX, era praticamente o leitor de romances
23
seriados publicados nos jornais. Quando VERÍSSIMO (1963) fala de Machado de Assis não
utilizar em sua obra características românticas, se esquece de que, como observa SODRÉ,
(1999, p. 198-199) Machado de Assis, seguindo a tendência dos jornais que escreviam
“explorando as frivolidades de sinhazinhas e ioiôs”, torna-se “colaborador constante, assíduo
e sistemático do Jornal das Famílias, onde publicava contos”. O Jornal das Famílias, explica
SODRE (idem, ibidem), era dedicado às mulheres, “entre figurinos, receitas de doces, moldes
de trabalho e conselhos de beleza, para ocupar os ócios e a imaginação das senhoras
elegantes, um pouco de literatura, quase sempre da lavra de Machado de Assis”.
O fato de Machado de Assis escrever neste Jornal das Famílias, para agradar a
leitores que já esperavam um tipo de leitura suave e descompromissada, não faz dessa
literatura e nem de seu produtor um escritor secundário; o mesmo se dá com Aluísio Azevedo,
que escreve também para vender e divulgar o seu produto ao seu leitor, ao gosto deste, mas
com uma literatura moldada aos traços da produção do autor, que se insinua em seus
romances seriados.
Não estamos aqui levantando uma bandeira que defende a utilização deste ou daquele
aspecto de movimento literário, mas falamos de uma relação da obra com a recepção do leitor,
do seu público e, em se tratando de um romance publicado em jornal do século XIX, como é o
caso do romance: Memórias de um Condenado, publicado no GAZETINHA, a relação se
torna mais forte entre obra e leitor.
Na publicação de um romance seriado no jornal, dá-se o que MACLUHAN (2001)
chama de “forma em mosaico” que significa “uma participação em processo” – e não um
“ponto de vista” particular, sendo por esta razão - a de uma participação em processo - que a
imprensa se torna um meio inseparável do processo democrático e que o mosaico é o modo da
imagem corporativa ou coletiva e implica participação profunda. Uma participação
comunitária e inclusiva.
Pensando então sobre essa participação comunitária, uma literatura altamente aceita
pela comunidade de leitores, que respeita aos seus anseios, pode também ser transformadora,
à medida que cativa os seus leitores. Pode, a partir desse ponto, deixar infiltrar também as
características próprias do leitor, e isso se dá com a publicação de Aluísio Azevedo, que
escreve agradando o gosto do público leitor, mas, por seu lado, pulveriza e acrescenta, em
seus romances seriados, características suas e naturalistas.
Nosso percurso teórico encontra-se nas observações de GARGUREVICH (1982), que
verifica que o folhetim é um gênero jornalístico localizado na parte inferior do jornal e
24
separado com um acentuado risco negro da parte superior e entre outras acepções para o
termo folhetim, acentua aquela que o denomina como sendo relatos em série, o “serial story”
adaptado pelos americanos dos folhetins ingleses e seu modo de apresentação se dá com um
anúncio prévio da série (promoção publicitária); depois, na publicação do primeiro capítulo,
uma explicação em modo de carapuça, na qual é exposto que se trata de uma série que poderia
ser recortada e conservada pelo leitor. Na redação se deve cuidar da transição de um capítulo
a outro buscando causar suspense. No final do capítulo se ressaltará a frase “continuará
amanhã”, colocando o título do capitulo seguinte. Depois, ao iniciar a publicação do segundo
capítulo, deve-se encabeçar a série com um “resumo do publicado”, em benefício daqueles
que não tiveram a oportunidade de ler a primeira publicação. No início do capitulo final,
deverá estar exposto que se trata do último capítulo e, ao término, acrescentar a palavra FIM.
GRGUREVICH observa que o folhetim se desenvolveu muito na França, convertendo-se em
sinônimo de “novela por capítulos” e torna-se fonte de riqueza pela avidez do público –
especialmente o feminino – em seguir, passo a passo, aventuras de Heróis que se fizeram
imensamente populares.
Devido ao termo folhetim também ter sido tratado com o sinônimo “folhetinismo”
9
,
adotamos o tratamento de romance seriado para os romances publicados na coluna
FOLHETIM e no caso do nosso objeto de pesquisa, que fica na coluna FOLHETIM do
jornal GAZETINHA, o denominamos o romance seriado Memórias de um Condemnado.
TINHORÃO (1994, p.13) enfoca que o romance brasileiro é “contemporâneo” do
romantismo e da “democratização da literatura através da publicação, em jornais diários e
revistas (várias delas dirigidas às mulheres), de histórias divididas em capítulos”, os
“folhetins” e representavam no Brasil a abertura dos jornais para a “conquista de novas
camadas de público, principalmente o feminino”.
TINHORÃO (1994, p.27-8) menciona que desde a década de 1830, quando os
“jornais brasileiros lançam a novidade das traduções dos romances de folhetim europeus” é
que “os candidatos a escritores no Brasil encontram a forma ideal de estrear na literatura
dirigindo-se de maneira pessoal a um público em formação”, através do romance-folhetim,
que permitia, graças ao “subjetivismo romântico”, o desligamento “quase total com a
realidade”.
9
“a suposição de não seriedade para o material do folhetim dá origem à pejorativa denominação de
“folhetinismo” como sinônimo de leviandade e sensacionalismo”, GARGUREVICH (1982, p.202).
25
TINHORÃO (1994, p.27-8) constata que “é do romance de folhetim que se originam
as principais características da técnica do romance no Brasil” e entre essas características
herdadas pelo romance brasileiro do romance de folhetim há uma “constante intervenção do
autor, no desenrolar das histórias; a extrema complicação dos enredos, num desdobramento
linear dos quadros sem preocupação com a verossimilhança”, além da “finalização de cada
capítulo em clima de suspense” e a “surpresa da retomada de personagens e situações
anteriores em conexão inesperada com ações atuais”.
RIBEIRO (1996, p.44-46) apresenta um painel com as “técnicas composicionais
estruturadoras do perfil padronizado da convenção narrativa folhetinesca” e que serão
apresentadas detalhadamente no nosso trabalho. No quadro das técnicas, o autor relaciona um
conjunto de técnicas de construção ficcionais mais representativas. Essas são algumas
técnicas levantadas por José Alcides Ribeiro e que serão verificadas as suas ocorrências em
observações junto à estrutura do romance seriado, Memórias de um Condenado, de Aluísio
Azevedo.
São idéias mestras em nosso projeto os conceitos de Bakhtin (1997) de que “cada
esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo
isso que denominamos gêneros do discurso”. Menciona que um enunciado é constituído por
um conteúdo temático, um estilo e uma construção composicional.
LOTMAN (1978) denomina o sistema semiótico literário de “um sistema modelizante
secundário”, ou seja, um sistema constituído e organizado tomando por ponto de partida o
sistema modelizante primário, que é a língua natural. Sendo assim, temos os romances de
Aluísio, que são aspectos observados pelo autor, refletidos em sua obra através da língua
escrita, e que colam imagens, descrições, que retratam artisticamente toda uma sociedade
vivente no final do II Império.
Uma obra de arte, um livro, a literatura, não deve ser simplesmente a reprodução de
uma realidade, mas, a reprodução e o modo pelo qual o autor vê essa realidade, e, no caso dos
romances seriados, a manobra feita pelo autor, entre suas idéias, vontades e tendências
artísticas e o desejo, a vontade de seus leitores.
AGUIAR E SILVA (1990, p.248), por seu tempo, acrescenta que o romance-folhetim
é uma invenção das décadas iniciais do século XIX, e constitui uma forma habilidosa de
responder ao “apetite romanesco das grandes massas leitoras, caracterizando-se, em geral,
pelas suas aventuras numerosas e descabeladas, pelo tom melodramático e pela freqüência de
26
cenas emocionantes, particularmente adequadas a manter bem vivo o interesse do público de
folhetim para folhetim”.
MORIN (1997), por sua vez, comenta que o “imaginário popular” se faz presente na
tipografia no séc. XVIII. Diz que neste ínterim os romances são vendidos de maneira
ambulante, de casa em casa: lendas, contos de fadas, narrações maravilhosas e folclóricas.
Relata Morin que esse imaginário popular irá modificar-se ao adentrar no folhetim de
imprensa do séc. XIX. Verifica que o folhetim cria um “gênero romanesco híbrido” no qual
encontramos gente do povo e burgueses ricos, aristocratas e príncipes, onde a órfã é a filha
ignorada do príncipe.
GENETTE (1990, p.34) verifica que a narrativa é uma seqüência do tempo da coisa-
contada e do tempo da narrativa, o tempo do significado e o tempo do significante. Fala que
uma das funções da narrativa é trocar um tempo num outro tempo e que estudar a ordem
temporal de uma narrativa é confrontar a ordem de disposição dos acontecimentos ou
segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos
acontecimentos ou segmentos temporais na história, na medida em que é indicada
explicitamente pela própria narrativa ou pode ser inferida deste ou daquele indicio indireto.
Genette chama de anacronias narrativas às diferentes formas de discordância entre a ordem
da história e a da narrativa. Verifica que o início in medias res seguido de um voltar atrás
explicativo se virá a transformar num dos topoi formais do gênero épico, e, também, o quanto
o estilo da narração romanesca permaneceu neste particular fiel ao do seu longínquo
antepassado, e isto até mesmo em pleno século XIX “realista”. Para o autor, a análise
temporal consiste em primeiramente enumerar os segmentos segundo as mudanças de posição
no tempo da história e esclarece que há diversas relações temporais possíveis, tais como:
retrospecções subjetivas e objetivas, antecipações subjetivas e objetivas, simples retornos a
cada uma das duas posições. Chama de prolepse a toda manobra narrativa consistindo em
contar ou evocar de antemão um acontecimento ulterior, e por analepse toda a ulterior
evocação de um acontecimento anterior ao ponto da história em que se está reservando o
termo geral de anacronia para designar quaisquer formas de discordância entre as duas ordens
temporais. Verifica também que uma anacronia pode ir, no passado e no futuro, mais ou
menos longe do momento “presente”, isto é, do momento da história em que a narrativa se
interrompeu para lhe dar lugar: chamaremos alcance da anacronia a essa distância temporal.
Pode igualmente recobrir uma duração de história mais ou menos longa: é aquilo a que
chamaremos a sua amplitude.
27
GENETTE (op. cit. p.159-160) verifica que modo narrativo é a “regulação da
informação narrativa” e que a distância e perspectiva são as duas modalidades essenciais do
modo narrativo. Segundo o autor, pode-se “contar mais ou menos aquilo que se conta e contá-
lo segundo um ou outro ponto de vista’, e essa capacidade e as modalidades do seu exercício é
o que visa à categoria denominada modo narrativo. Para o autor, a “informação narrativa tem
os seus graus”. Diz que a narrativa irá fornecer mais ou menos detalhes, de maneira “mais ou
menos direta, e assim parecer manter-se a maior ou menor distância daquilo que conta” e
constata que poderá se utilizar de outra maneira de filtragem, aquela conforme as capacidades
de conhecimento das “partes interessadas na história”, os personagens, de que adotará ou
fingirá adotar aquilo a que correntemente se chama a visão” ou o “ponto de vista”, para
então tomar, em relação à história, esta ou aquela perspectiva.
GENETTE (idem, p.161) constata que “a cena dialogada direta torna-se então uma
narrativa mediatizada pelo narrador, na qual as “réplicas” das personagens se fundem e se
condensam em discurso indireto”.
GENETTE (1995) chama de perspectiva narrativa ao modo de regulação da
informação narrativa e que focalização interna são acontecimentos narrados a partir do
interior do personagem e a focalização externa o contrário, acontecimentos narrados a partir
do exterior dos personagens.
Diferentes canais pressupõem diferentes públicos leitores e essa pressuposição está na
construção e utilização das palavras neles empregadas. ISER (1996) verifica que a estrutura
do texto literário “prevê e requer a função do leitor” e que essa função é uma “instância
decodificadora”.
ISER (1996, p.75) relata que na ficção do leitor mostra-se a imagem do leitor em que o
autor pensava, quando escrevia, e que agora interage com as outras perspectivas do texto; daí
se pode deduzir que o papel do leitor é uma estrutura do texto, mas, como estrutura do texto, o
papel do leitor representa, sobretudo, uma intenção que apenas se realiza através dos atos
estimulados no receptor. Assim entendidos, a estrutura do texto e o papel do leitor estão
intimamente unidos.
A respeito do leitor e o folhetim, ISER (1999, p.140-141 vol.2) verifica que o
“folhetim impõe ao leitor uma determinada forma de leitura” e que as “interrupções das
conexões são melhores calculadas do que aquelas que, durante a leitura de um livro, são
produzidas por motivos muitas vezes externos” e constata que no folhetim essas interrupções
têm “uma intenção estratégica”, esses intervalos que chegam ao leitor “o forçam a imaginar
28
algo mais do que seria o caso numa leitura contínua do mesmo texto”. Relata que “se o texto
parcelado causa outra impressão que na forma de livro, é, sobretudo porque ele introduz um
número adicional de lugares vazios, ou seja, porque acentua, pela pausa até o próximo
capítulo, um lugar vazio no texto”.
ISER (idem, p. 148) fala em captar a “relação iniciada pelo lugar vazio para mostrar
em que medida ela funciona não só como mera interrupção, mas também como estrutura
comunicativa”, pois “o lugar vazio organiza de uma determinada maneira as mudanças de
perspectiva empreendidas pelo ponto de vista do leitor”.
No capítulo um de nosso trabalho, “CONTEXTO HISTÓRICO E O JORNAL
GAZETINHA”, há um panorama com os principais acontecimentos históricos do século XIX
e comentamos sobre algumas colunas vistas no jornal GAZETINHA, são elas: UM SONETO
POR DIA, FOLHETIM, DE PONTO EM BRANCO, DE PALCO EM PALCO,
BIBLIOTECA DA GAZETINHA, LETREIROS E TABOLETAS, CHARADAS E
ANUNCIOS.
No capítulo dois, “O ESCRITOR E A CRÍTICA”, há os principais acontecimentos
biográficos do escritor Aluísio Azevedo. Os seus primeiros passos como caricaturista na
caricatura na cidade do Rio de Janeiro e um perfil da crítica num processo de construção de
um conjunto de observações que ajudam a formar o processo de criação do autor.. Entre elas,
temos as observações dos críticos: Jean Yves-Mérien, Josué Montello, Machado Neto,
Alencar Araripe Jr., Brito Brocca, José Veríssimo, Nelson Werneck Sodré e Antônio Candido.
No capítulo três, “O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DE ALUÍSIO AZEVEDO”, no
item: “TÉCNICAS DO ROMANCE SERIADO”, falamos das principais técnicas do romance
seriado verificadas em Memórias de um Condemnado; No item dois desse capítulo,
“CATEGORIAS GERAIS DA NARRATIVA”, apresentamos um apanhado geral por
amostragem das principais categorias da narrativa nos romances Memórias de um
Condemnado e A Condessa Vésper; No item três, “CARICATURAS”, observamos a relação
de imagem que há na narrativa do autor, e, como a sua descrição do perfil de personagens, das
cenas, das sensações emocionais dos personagens tem relação direta com o seu perfil de
caricaturista e criador de imagens; e, finalmente no item quatro, “UMA QUESTÃO DE
ESTILO E RETÓRICA”, há um levantamento por amostragem dos aspectos estilísticos e
retóricos na narrativa de Aluísio Azevedo.
No capítulo quatro, “MANUTENÇÃO DAS TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO
FOLHETINESCAS NA PUBLICAÇÃO DO ROMANCE A CONDESSA VÉSPER”,
29
verificamos diferenças nas formas de publicação do romance em jornal e depois em livro e a
manutenção de aspectos do jornal na publicação em livro.
I. CONTEXTO HISTÓRICO E O JORNAL GAZETINHA.
Para nos situarmos na época de Aluísio Azevedo, é preciso ter em mente o que de
mais importante se deu no Brasil no século XIX, lembrando que os fatos desse final de século
são reflexos de todo o século XIX, tanto na política, como na economia e respingam na
produção literária.
Entre os aspectos históricos do século XIX, há os apresentados por FAUSTO (2002,
p.208) que verifica que a marcha do café para o Oeste Paulista e as propostas sobre a abolição
da escravatura em seus primeiros passos e mais a Guerra do Paraguai irão marcar a história do
Segundo Império e que essa guerra durou seis anos, das “primeiras hostilidades” de 11 de
novembro de 1864 até o dia 1º de março de 1870.
FAUSTO (idem, p.217) vê que depois de 1870 aumentam os sintomas de “Crise do
Segundo Reinado”, inicia-se o movimento republicano, explodem atritos do Governo Imperial
com o Exército e a Igreja e “o encaminhamento do problema da escravidão” provoca
“desgastes nas relações entre o Estado e suas bases sociais de apoio”. A extinção da
escravatura será encaminhada por etapas até o final do ano de 1888.
SVCENKO (1998, p. 13-14) vê como um dos fatos importantes no século XIX, até
mesmo como reflexo das transformações européias, a “luta pelo controle do eixo econômico e
territorial estratégico representado pelo Rio da Prata e sua rede hidrográfica” e a aliança da
Inglaterra com o Império brasileiro e com as elites liberais dos países platinos contra a
resistência de lideres tradicionalistas do Uruguai em 1851, em 1864 e 1865. Na Argentina, por
sua vez, em 1852 e no Paraguai, do ano de 1865 até 1870.
SVCENKO (1998, p. 13-14) relata que a “escala e o custo” da guerra no Rio Prata e a
Guerra do Paraguai ocasionaram um enorme endividamento que desestabilizou as bases do
Império brasileiro e foi nesse contexto que se fundou o Partido Republicano (1870), que
propunha a abolição da monarquia, entrando em cena uma elite de jovens intelectuais, artistas,
30
políticos e militares, da chamada “Geração 70” que tinha como base de inspiração as
correntes cientificistas, o darwinismo social e inglês de Spencer, o monismo alemão e o
positivismo francês de Augusto Comte.
FAUSTO (2002, p. 228) constata que “a base social do republicanismo nas cidades era
constituída principalmente de profissionais liberais e jornalistas, um grupo cuja emergência
resultou do desenvolvimento urbano e da expansão do ensino” e “os republicanos do Rio de
Janeiro associavam a República à maior representação política dos cidadãos, aos direitos e
garantias individuais, à federação, ao fim do escravista”.
FAUSTO (idem, p. 229-230) afirma que “na década de 1870, as relações entre o
Estado e a Igreja se tornaram tensas” e que o “conflito teve origem nas novas Diretrizes do
Vaticano, a partir de 1848, no pontificado de Pio IX”. Observa Fausto que “o pontífice
condenou “as liberdades modernas” e tratou de afirmar o predomínio espiritual da Igreja no
mundo” e que é reforçado o poder do Papa quando o Concilio do Vaticano proclama o dogma
de sua infalibilidade. No Brasil, essa política do Vaticano influenciou uma atitude mais rígida
da parte dos padres a respeito da disciplina religiosa e a reivindicação de autonomia perante o
Estado. O conflito da Igreja com o Estado nasce quando o Bispo de Olinda, Dom Vital, em
obediência à determinação do Papa, decidiu proibir o ingresso de maçons nas irmandades
religiosas. Apesar de primeiramente pequena, a maçonaria tinha influência nos círculos
dirigentes. O Visconde do Rio Branco, por exemplo, que presidia então o Conselho de
Ministros, era maçom. Dom Vital é preso e condenado, ocorrendo depois a prisão e
condenação de outro Bispo. Tudo só se acalmou depois de um arranjo (1874-1875) que
resultou na substituição do gabinete do Rio Branco, na anistia dos bispos e na suspensão pelo
Papa das proibições aplicadas aos maçons.
FAUSTO (idem, p. 236) menciona que é lugar comum atribuir papel importante na
queda da Monarquia à disputa entre a Igreja e o Estado e a Abolição. Diz que “a queda da
Monarquia restringiu-se a uma disputa entre elites divergentes, nem entre os monarquistas
nem entre os republicanos a Igreja tinha forte influência”. Diz o autor que de acordo com a
Abolição, iniciativas do Imperador no sentido de extinguir o sistema escravista provocaram
fortes ressentimentos entre proprietários rurais. “Os fazendeiros de café do Vale do Paraíba
desiludiram-se do Império, de quem esperavam uma atitude de defesa de seus interesses”, o
regime perde sua principal base social de apoio. Mas, de acordo com Fausto, “o episódio em
si da Abolição não teve maior significado no fim do regime. Os barões fluminenses, únicos
31
adversários frontais da medida, tinham-se tornado inexpressivos como força social no ano de
1888”
BRAYNER (1999, p.252) constata que “do ponto de vista social o desenvolvimento da
imprensa foi importantíssimo: a partir, sobretudo, de 1880 começa uma fase de expansão e
melhoramentos em nosso jornalismo”. Diz que essa melhoria é envolvida por novas
maquinarias, surgimento de novos jornais. Verifica que com essa expansão jornalística “os
escritores passam a serem absorvidos pela imprensa diária, nos rodapés (folhetins), nos
artigos de fundo, nas matérias ligadas à vida sócio-cultural”. Dessa forma, comenta, há uma
“promoção social dos intelectuais”.
SODRÉ (1999, p. 242-243) observa que as editoras brasileiras na segunda metade do
século XIX, quando começa a existir púbico para a literatura, bastante limitado ainda,
“mandavam imprimir no exterior, em Portugal, na França, na Alemanha” e que a impressão
de livros no Brasil era exceção e não regra. Observa que o grande público era conquistado
para a literatura através do folhetim, que se uniu à imprensa sendo “produto específico do
Romantismo europeu” e conclui que o folhetim era “o melhor atrativo do jornal, o prato mais
suculento que podia oferecer, e por isso o mais procurado”.
SODRÉ (1999, p. 243) observa que ler folhetim torna-se um hábito familiar “nos
serões das províncias e mesmo da Corte” e que todos se reuniam em casa, momento em que
era permitida a presença das mulheres. O folhetim era lido em voz alta, atingindo assim aos
analfabetos, maioria na época.
O jornal GAZETINHA faz parte desse tempo histórico até aqui verificado, e nele está
publicado o romance seriado de Aluísio Azevedo, Memórias de um Condenado, publicação
que ocorre de janeiro a junho de 1882.
SODRÉ (1999, p.246) relata que o jornal GAZETINHA foi fundado em 1880, por
Artur Azevedo, entrando em circulação no dia 29 de novembro desse mesmo ano. Na lista de
seus colaboradores, encontram-se entre outros, José do Patrocínio, Lopes Trovão, Demerval
da Fonseca, Artur de Oliveira, Carvalho Júnior, Lúcio de Mendonça, Aluízio Azevedo,
Teófilo Dias, Urbano Duarte, Salustiano Sebrão, Fontoura Xavier e Adelino Fontoura e tinha
sua redação na Rua do Ouvidor, 132.
O jornal GAZETINHA andou às turras com o jornal GAZETA DE NOTÍCIAS, que,
por sua vez, entra em conflito com o jornal O País, de propriedade de João José dos Reis
Júnior, depois visconde de São Salvador dos Matozinhos, resultando em duelo deste com
Ferreira de Araújo, registrado pelo jornal O Mequetrefe em uma de suas capas. GAZETINHA
32
circula até 3 de fevereiro de 1881 e retoma numa segunda fase, que vai do dia 8 ao dia 17 de
fevereiro desse mesmo ano, retornando para uma terceira e última fase, que vai do dia
primeiro de janeiro de 1882 ao dia quinze de abril de 1883.
GAZETINHA é composto de quatro páginas. Na primeira há no alto o cabeçalho com
o título do jornal, em caixa alta, endereço do escritório, redação e tipografia, na Rua do
Rosário, n. 136 e o diretor literário, Arthur Azevedo e o gerente J. Ricardo Moniz, assim
como o preço do número avulso, que é de 40 réis e ANNO I. Na primeira página, saindo do
cabeçalho do jornal, há o editorial: GAZETINHA. Na parte inferior da primeira página, há a
coluna FOLHETIM.
Na página dois, há a continuação do editorial, com agradecimentos a outros jornais
pelo elogio à GAZETINHA; comentários sobre conferências, uma delas, citada na página dois
do dia 3/1/1882, fala sobre a conferência do Sr. Miguel Lemos, diretor do Positivismo no
Brasil, uma conferência em comemoração à festa geral da humanidade. Nesta mesma página
dois, há anúncios de advogados; a apresentação da coluna UM SONETO POR DIA, assim
como a coluna DE PONTO EM BRANCO e, na parte inferior da página dois, há a coluna
FOLHETIM.
Na página três, continua a coluna DE PONTO EM BRANCO e aparece a coluna DE
PALCO EM PALCO, assim como a coluna BIBLIOTECA DA GAZETINHA e ainda UM
SONETO POR DIA, LETREIROS E TABOLETAS, CHARADAS e ANNUNCIOS.
Na página quatro, há a coluna DIVIDENDOS, ANNUNCIOS, PROCURA-SE,
PRECISA-SE, THEATRO DE SANT’ANNA, THEATRO PRINCIPE IMPERIAL. Nesta
quarta página, assim como na terceira, predomina a propaganda de estabelecimentos
comerciais.
Aproveitamos para dizer também que a essas colunas vão sendo adicionadas outras,
como a coluna “RUA DO OUVIDOR” e a coluna “PÈGA!”, ao longo do período da
publicação do romance seriado: Memórias de um Condenado, entre janeiro e junho de 1882.
Olhar para as características de uma sociedade disposta em mosaico nas colunas do
jornal GAZETINHA, local e meio de divulgação onde está veiculado o romance seriado de
Aluísio Azevedo, é necessário e evidente para focarmos um pouco do perfil veiculado no
jornal - é preciso deixar isso bem claro - um pouco do perfil do leitor (sociedade) com o qual
e a respeito do qual o autor lidava em sua produção literária.
Um jornal não se desconecta de seu público leitor (depende dele, o seu comprador)
quando da constituição de seu todo. É nas linhas, nos anúncios, na produção literária, nas
33
colunas policiais e sociais, que se reflete a sociedade, ao menos aquela vista e retratada pelos
autores e editores do meio de comunicação jornal, no seu processo de criação publicado para
esse meio e leitor.
MACHADO NETO (1973) observa que “as obras espelham ou representam a
sociedade, descrevendo seus vários aspectos”. E, se a obra reflete a sociedade, e, se essa obra
está inserida no veículo jornal, então, ela pode refletir a sociedade da época em que é
divulgado o romance, como também estar refletida e refletir essa mesma sociedade que
aparece de modo pulverizado no jornal, o veículo para a obra.
MACLUHAN (2001) observa que o jornal tendeu desde o início para a forma
participante, a forma em mosaico, que é diferente do ponto de vista particular e por isso
mesmo um meio inseparável do processo democrático. Assim sendo, é possível ver o jornal
como um suporte técnico, um meio constituído como um leque de alternativas e
apresentações que em processo constrói e reflete uma participação social e abre uma colcha
de retalhos sugestiva à participação social, refletindo e retratando essa sociedade em seus
aspectos, às vezes, os mais tacanhos, como o retrato possível de uma sociedade escravocrata,
imperialista e dominadora.
No dia 1º de janeiro de 1882, na primeira página do jornal GAZETINHA, há a coluna
FOLHETIM que traz o título: MOSTUS EST! Artigo assinado por LUIZ MARCELLO e que
trata do final do ano de 1881, mais precisamente do que foi esse ano. O artigo começa assim:
“Hontem, á meia noite, exhalou o ultimo alento aquelle que em vida se chamou Anno de Mil
Oitocentos e Oitenta-e-um, e continua: “O illustre finado não era commendador nem
cavalheiro de ordem alguma, e, comquanto também não fosse irmão de nenhuma Ordem, nem
por isso deixou de ser um ordeiro e pacífico cidadão”. E segue: “Como estreito espaço d’este
folhetim não póde comportar o extenso relatório dos factos derramados da sua cornocopia
beneficente sobre o orbe terráqueo, referirei apenas alguns dos que foram colhidos por esta
fracção de terra, em que tem circulação a Gazetinha, por serem os que mais interessam aos
seus leitores.” “Expellio dos seus generosos pulmões alguns benéficos sopros com os quaes
ateou, entre nós, a chama da idea abolicionista”.
Há outros textos vistos no período da publicação do romance: Memórias de um
Condemnado nesta coluna FOLHETIM e são eles: “DIAS E NOITES” (uma impressão de
leitura); “UM SUSTO” – assinado com as iniciais A. A.; FOLHETIM – “OS
PASSARINHOS” – assinado por Aluísio Azevedo; “NO ESTRANGEIRO” – assinado por
Victor Meirelles; “VIBRIÕES” (miudezas da semana); “VALENTES E VALENTÕES” –
34
assinado por “UM FRACALHÃO”; FOLHETIM – FRANCISCO OCTAVIANO – assinado
por Silvestre de Lima; SEMANINHA (fatos ocorridos durante a semana) – assinado por Eloy,
o Herói; REVERBÉROS – assinado por Raymundo Correa; FREI CAMELIO – assinado por
Luiz Marcello; N’UNS VERSOS – assinado por L. Gonzaga Duque-Estrada; FOLHETIM –
O 1º DE ABRIL – assinado por Cifra (sem guarda-costa à esquerda) e a peça teatral: “A
MASCOTTE NA ROÇA”, de ARTHUR AZEVEDO, entre outros.
Há também no jornal GAZETINHA a coluna UM SONETO POR DIA, que veicula
sonetos assinados pelos colaboradores, tais como: Félix Arvers, Luiz Delfino, Raymundo
Correa, Mathias Carvalho, R. Moniz, A. A. (pode ser Aluísio ou Arthur Azevedo), Adelino
Fontoura, Laurindo Pitta, Thomaz Delfino, Luiz Marcello, Filinto D’Almeida, Jacobino
Freire, Vicente Mindello, Valentim Magalhães, O. de Niemeyer, Mariquinhas Sampaio, A. S.,
Sevilio J. Gonçalves, José da Cunha Telles, Hugo Leal, Silvestre de Lima, J. Ramos, Pedro
Ivo, Ernesto Senna, Alberto de Oliveira, Silvestre de Lima & Raymundo Correa, Alcebíades
Furtado, Rodolfo Paixão, Messe, João Motta Correa, Mariano Augusto, Josino de Barro,
Carlos Moraes, entre outros.
Outra coluna de referido jornal é a TYPOS E TYPÕES
10
, onde há comentários a
respeito de personalidades da época; entre essas personalidades figura a presença dos
seguintes indivíduos: Arthur de Oliveira, Hugo Leal, Filinto de Almeida, Annibal Falcão,
Sylvio Roméro, Henrique Chaves, Machado de Assis, José do Patrocínio, Adelino Fontoura,
Raul Pompéa, Lopes Trovão, Silvestre de Lima, Manoel de Mello, Urbano Duarte, Ramiz
Galvão, O. Moniz, Augusto Off, Visconti Coaracy, entre outros e assinam essas colunas os
seguintes colaboradores: U. (põe apenas a inicial do nome), Adelino Fontoura, Silvestre de
Lima, Aluízio Azevedo, Victor Malin, entre outros.
Outra coluna observada é DE PALCO EM PALCO, que faz comentários sobre peças
teatrais representadas nos teatros da cidade, enfim, comenta-se sobre dramaturgia, e, entre
essas peças, verifica-se a peça A archiduqueza, traduzida por Eduardo Garrido e Arthur
Azevedo; A filha de Maria Angu, de Arthur Azevedo; há também muitas peças francesas e
inglesas, tais como: Sessenta e seis e As cartas do conde-duque, entre tantas outras peças que
são comentadas nesta coluna, que fala de teatro, do clima em volta dos locais dos teatros, da
expectativa criada com as peças.
Há também a coluna DE PONTO EM BRANCO, que funciona como espécie de
coluna social que conhecemos hoje e que fala de datas de aniversários de pessoas, assim como
10
Procuramos sempre, na medida do possível, manter a grafia da época.
35
comenta que fulano ou beltrano está embarcando para viagem para a Europa, sobre recitais e
peças teatrais, e coisas do gênero.
BIBLIOTECA DA GAZETINHA, por sua vez, é a coluna que tem comentários de
livros enviados para o jornal GAZETINHA e que passam a fazer parte do acervo dessa
biblioteca. Poderíamos também pensar numa maneira do editorial em comentar os livros
formando uma Biblioteca imaginária e crítica no jornal. Essa coluna comenta as biografias
dos escritores dos livros, e, por vezes, apresenta trechos de suas obras, como por exemplo:
alguns sonetos. Na lista dos livros, listamos como exemplo o livro Photographias, composto
de sonetos de Cinasto Lucio; O Relatório da Administração da Imperial Associação
Typographica Fluminense, apresentado à assembléia geral a 18 de dezembro de 1881; Os sete
primeiros números de Operário, periódico critico, político e litterário; assim como o livro de
versos chamado Prelúdios, da gaúcha Julieta de Mello Monteiro, com o seguinte comentário:
A auctora segue ainda a condemnada escola romântica; todavia, parece sincero o seu
lyrismo e os seus versos são metrificados com arte e espontaneidade” (Gazetinha, Rio de
Janeiro, 10 de janeiro de 1882. p.3); Há ainda o Alienista, novela de Machado de Assis; o
Industrial, que se tratava de um órgão da Associação Industrial que era composto de artigos
em prosa e verso de vários jornalistas, industriais, médicos, advogados, e etc...; números da
Revista Ilustrada; Conferências sobre homeopathia, do Dr. Castro Lopes; números do jornal
A Pátria; a Revista do Club Acadêmico, redigida pelo grupo de alunos da Escola Militar;
A RUA DO OUVIDOR era importante via no centro do Rio de Janeiro nos finais do
século XIX e funcionava como um ponto de efervescência cultural, onde tudo se voltava para a
cultura, para a troca de informações. Nessa rua, a sociedade fluminense desfila costumes,
vestuários, intrigas e fofocas diárias. É na Rua do Ouvidor que intelectuais se encontravam para
a troca de idéias e a burguesia da fina estampa desfilava um cotidiano voltado para uma cultura
européia.
No jornal GAZETINHA, na coluna homônima à rua fluminense acima citada, enfoca-
se o cotidiano do homem citadino com uma linguagem que dá qualidades humanas para a
referida rua. Abaixo trecho dessa coluna:
... Tinha hontem um tom morno e preguiçoso.
A flor delicada da elegância passava com um andar indeciso e
silencioso, como perolas a rolar no fundo de uma taça cheia de leite.
Só na porta do Globo havia, às três horas, certa agitação, que fazia o
povo, ávido pelos artigos de Quintino Bocayuva.
O vulto grave de algum deputado, installé na exhuberancia
melancólica de sua sobrecasaca provinciana, passava de quando em quando,
36
convictamente, com a cabeça enfreiada à rédea crua de uma idea
parlamentar.
Pelas vitrines enconstavam-se pilintramente os derradeiros
representantes da velha Bohemia de 1870, cujo olhar molle, como um
espargo cosido, expressava tristemente a suprema nostalgia d’aquillo com
que os inglezes conquistaram o Sr. Lourenço Marques (ilhéu).
Torravam-se corajosamente a um ruivo calor senegaliano, brutal e
selvagem como o Camillo Castello Branco... (GAZETINHA, 18 de jan.
1882, p..2)
Na primeira página do jornal GAZETINHA, há a coluna GAZETINHA. Na sua
primeira aparição, no dia 1 de janeiro de 1882, nesta sua terceira fase, como verificou
anteriormente Nelson Werneck Sodré, há na primeira página desta coluna o posicionamento
do jornal e as justificativas de seu perfil.
A coluna inicia assim: “Como nos velhos epithalamios
11
francezes, a Gazetinha,
apparecendo hoje ao publico, faz-lhe o cerimonioso cumprimento: Monsieurs, vous êtes bien
nés”. E continua: “Não vem, com ares de orgam semi-theorico, decidindo, Pico de la
Mirandola em papel de impressão” [...] “escreverá – sciencia, arte, litteratura, o que puder
enfim”. E continua: “os seus artigos serão exclusivamente – o que em outro paiz pareceria
Monsieur de La Palisse – a expressão da opinião individual de cada respectivo redactor”. [...]
“Uma folha de impressão não dá competência a ninguém, exactamente porque pode da
mesma forma dar a todos”. E segue: “Assim, si os escriptores da Gazetinha produzirem algum
resultado profícuo, nenhuma gloria ficará por isso, nem a ella mesma, nem ao jornalismo
nacional, mas unicamente á pessoa que os firmar, si os firmar” [...].
No editorial do jornal GAZETINHA, há no dia 26 de janeiro de 1882 o subtítulo
VISITA IMPERIAL, texto que relata a visita do Imperador D. Pedro II à redação desse
mencionado jornal, que segue abaixo:
GAZETINHA
__
VISITA IMPERIAL
S. M. o Imperador, hontem, depois de ter visitado, com a mesma
actividade que revelou nos Estados Unidos e em Minas-Geraes, a
lithographia dos Srs. Paulo Robin & C., a typographia dos Srs. Leuzinger &
Filhos, a fabrica de luvas dos Srs. Sertorio & Pinho, a companhia
telephonica, os sapatos dos Srs. Cathiard & C., as botas do Sr. J. M. de
Queiroz e os chapéus dos Srs. Ferreira Chaves & C., - dirigio-se,
11
Em nossas transcrições procuramos manter, sempre que possível, a grafia original.
37
acompanhado de seu semanário o Sr. Conde de Iguassú, ai bem montado
estabelecimento typographico da Gazetinha, e ahi se demorou cerca de duas
horas, examinando detidamente as caixas de composição, os caxotins, o
motor instantâneo, os armários, as gavetas, os escaninhos, e assistio á
composição do folhetim de Raymundo Corrêa, que hoje publicamos.
S. M., recusando tomar uma succulenta canja, que mandáramos buscar
ao Renaissance, tomou, em compensação, uma assignatura de anno da
Gazetinha. (GAZETINHA, 26 de jan. 1882, p.1)
Nesse dia 26 de janeiro de 1882, no editorial do jornal GAZETINHA, vê-se o relato
do editorial que cita outros nomes de estabelecimentos visitados pelo Imperador D. Pedro II
neste dia, e que por fim fora visitar a tipografia do jornal GAZETINHA e acabara por fazer
uma assinatura anual de referido jornal. O Imperador vasculha o estabelecimento do jornal,
suas gavetas, escaninhos e tudo o mais e o editorial encerra com esse tom de ironia, veja o
trecho: “S. M., recusando tomar uma succulenta canja, que mandáramos buscar ao
Renaissance, tomou, em compensação, uma assignatura de anno da Gazetinha.”
PEGA!, é outra coluna do GAZETINHA, na página dois e ora na página 1. Essa
coluna surge como um lugar de denúncia, que aponta outros jornais que publicam poemas,
trechos de peças teatrais, enfim, produção literária divulgada no jornal GAZETINHA sem
colocar o autor, e essa coluna denuncia o roubo intelectual, digamos assim. Veja a transcrição
de algumas delas abaixo:
PÉGA!
O polichinello, periodicosinho de palmo, que publica na Franca (S. Paulo),
transcreve o nosso conto em verso Juvenal, de Arthur Azevedo, um soneto
de Raymundo Corréa e um triolet de Luiz Marcello, sem lhes declarar a
origem.
Pega! (GAZETINHA, 3, 4 de abr. 1882, p. 2)
PÉGA!
O Diário de Sorocaba transcreveu da Gazetinha o conto em verso
Juvenal, de Arthur Azevedo, sem lhe declarar a origem.
Pega ladrão! (GAZETINHA, 22 de abr. 1882, p. 1)
______________________*___________________
PÉGA!
O Diário de Santos, que teve ultimamente occasião de nos dizer coisas tão
desagradáveis, bifou-nos o magnífico soneto No more! De Alberto de
Oliveira.
38
Pega. L... (GAZETINHA, 24, 25 de abr. 1882, p. 1)
____________________*_____________________
PÉGA!
O commercio de Iguape transcreveu, sem dizer de onde a tirou, a bella
poesia A palmeira do deserto, de A. Correa, que fomos os primeiros a
publicar.
O Tiradentes bifou-nos o bonito soneto Velha historia, de Mathias
Carvalho, e os bellos versos A minha namorada.
Péga! ...
(GAZETINHA, 1882, p.2 )
A coluna aparece no jornal Gazetinha com ar de denúncia, vem, desde aquela época,
reclamar os direitos autorais. Esta coluna não está em página fixa, encontramo-na ora na
segunda página, ora na primeira. Mas o fato é que veio para reclamar os direitos do escritor,
briga que parece vai se prolongar até o século XXI, até hoje há, de uma
maneira ou de outra, essa briga e roubo de direitos autorais.
Dentre as publicações de outra coluna do jornal GAZETINHA, a coluna DE PALCO
EM PALCO, que retrata a sociedade fluminense na época, há uma interessante crônica na
publicação dessa coluna no jornal GAZETINHA número 103 do dia 7 de maio de 1882. Essa
crônica bate em dois pilares de uma vez, diríamos assim, ela serve de crítica de seu editor
através do cochilo da sociedade no discurso de Rui Barbosa, como também questiona a
comemoração do centenário da morte do Marques de Pombal. Em se tratando de um corte
importante na sociedade da época, aproveitamos para transcrever abaixo trechos desta
crônica:
DE PALCO EM PALCO
___
Na chronica intima da vida fluminense, o dia de ante-hontem já se
acha respectivamente sublinhado; foi um dia em gripho mettido
espirituosamente no período da semana que corre, período sobre o qual a
historia tem necessariamente de fazer, mais tarde, algumas erratas
judiciosas.
Cabe agora ao jornalismo o dever de accentuar, nas suas páginas
ephemeras, a traços de Grévin, leves mas incisivos, o symptoma
característico apresentado pela festa iniciada ante-hontem pelo Club das
Regatas.
O centenário do marquez de Pombal, como um facto hostil a adhesão
popular, sobre o qual se manifestaram opportunamente as mais frisantes
39
divergências, luctou sempre, desde o principio, com a indifferença mais
fria, mais profunda e mais expressiva por parte da população fluminense.
O Rio de Janeiro, na mordacidade causticante do seu silencio, parecia
ter comprehendido cabalmente que, para rememorar a vida de um tyranno,
só uma opera bufa.
[...]
O márquez de Pombal, anatomisado pelo criterio da historia e crivado
de tiolets, perdera completamente o ar legendário e o quid sobrenatural e
fabuloso que lhe emprestaram os seus admiradores. A critica desfibrára-o
pacientemente, apresentando-o agora como um simples tyranete ridículo, ou
como um burguez cruel.
Por isso faltou a festa a unanimidade de sentimentos, a cohesão de
idéias, a afinação, a harmonia, a coherencia, tudo, enfim, que lhe podia dar
a feição característica de uma celebração popular, onde a hegemonia do
sentimento commum ficasse evidentemente demonstrada.
[...]
Mas a festa, apezar de ser paga pelo povo, não foi feita para elle: foi feita
simplesmente para meia dúzia de felizes, ávidos de condecorações.
Aquillo que é propriamente o povo, o operário, roto, obscuro,
trabalhador, aquelle pobre diabo laborioso e honesto, sem toillete e sem
pose, que enchia o paraizo na comemoração de Camões, não o vimos ante-
hontem no Pedro II.
O que vimos e o que todos viram foi uma legião de commendadores,
de barões e de burguezes felizes, sem espírito, sem distincção, sem savoir
vivre, atochados como paio dentro das suas casacas sinistras; enluvados,
duros, cheios de prosápia e de vaidade.
Todavia, essa legião caricata não era suffciente para encher o theatro.
Ficaram, portanto, muitas cadeiras vazias, muitos camarotes desoccupados,
e o paraíso estava deserto.
[...]
No meio do palco, a meza do orador eleito, coberta com uma colcha
encarnada, completava dmiravelmente o mise-em-scene.
E, nesta mesma coluna, fazendo parte dela e separada por um traço ( -), continua a
coluna, agora com a apresentação do orador desse centenário:
O discurso do Sr,. Ruy Barbosa, longo, pesado, palavroso, durou duas horas
e gastou duas velas de stearina. Foi um supplicio tremendo, que nos fez
lembrar a tragédia de Belém.
Os admiradores do márquez de Pombal, na impossibilidade evidente
de levantar uma forca, - o seria mais lógico, - levantaram aquele discurso –
o que foi mais cruel.
O orador pronunciou-o todo de um só jacto, na mesma toada,
monotonamente, cantando as palavras n’uma melopea triste, desafinada,
bragantina.
40
Foi o que se póde chamar um panegyrico infeliz, caipora. Não há, em
todo aquelle interminável amontoado de palavras, nem philosophia, nem
critério, nem analyse, nem estylo. Alguns adjetivos anafados, algumas
imagens emphaticas, alguns períodos dramáticos e cavernosos, eis o que
constitue o elogio do márquez de Pombal. Quando o Sr. Ruy Barboza
terminou, o theatro offerecia um espectaculo estranho e único: todos
dormiam.
Da festa de ante-hontem não resultou para o público um exemplo, uma
commoção fecunda, um prazer, um ensinamento.
[...]
Portanto, achamos conveniente que o Club de Regatas ponha fim a isto, e
que, seguindo o exemplo do povo, lance na sua acta esta resolução
prudente: que, cançado de se regosijar, não se regosijará por estes cem
annos mais próximos. (GAZETINHA, 7 de maio, 1882, p. 2-3)
Uma característica interessante que pode ser notada no interior das publicações do
jornal GAZETINHA no decorrer de 1º de janeiro a 6 de junho de 1882 são os anúncios do
romance Memórias de um Condemnado, de Aluísio Azevedo. Podemos ver esses anúncios
em forma de comentários de outros jornais sobre o jornal GAZETINHA e em específico sobre
esse romance de Aluísio.
Há também anúncios específicos do próprio jornal a respeito do romance, como
aquele que é visto em 1º de janeiro de 1882, dia em que na coluna FOLHETIM há UM CASO
EXTRAORDINÁRIO, prólogo do romance: Memórias de um Condemnado.
Aluísio anuncia o romance no jornal GAZETINHA do dia 1º de janeiro de 1882 e faz
uma espécie de pretexto para anunciar seu texto ao leitor. Esse pré-capítulo, diríamos assim,
dá o clima de suspense, pega o leitor na sua curiosidade de leitor e a ele é apresentado às
vésperas do início da publicação do romance de fato. O autor anuncia o prólogo do seu
romance na parte de cima da primeira página do jornal, direcionando a atenção de seu
provável leitor para o desfrute do romance, como pode ser observado:
...O folhetim que hoje publicamos na nossa segunda página é o prólogo de
um bello romance brasileiro, que recommendamos aos nossos leitores...
(GAZETINHA, 1 de jan. 1882, p.1).
Essa divulgação de Aluísio Azevedo de seu romance pode ser vista em comentários
junto ao editorial do jornal GAZETINHA sobre a qualidade do romance. Esses comentários
41
servem também como uma divulgação do romance em outros jornais, da produção literária de
referido escritor. Abaixo, anúncios sobre o romance e a recepção ao jornal GAZETINHA:
(1)
Recommendamos a leitura do romance-folhetim Memórias de um
condemnado, escripto expressamente para esta folha, e cuja publicação
encetamos hoje nesta segunda pagina. (GAZETINHA, 2 de jan. 1882, p.2).
(2)
Mais uma grande amabilidade dos nossos illustrados collegas do
Cruzeiro:
“Recebemos o n. 13 da “Gazetinha”. Sempre a mesma variedade, o
mesmo chiste, o mesmo semi-serio nas coisas graves. Mimoseou os leitores
com um folhetim de Victor Meirelles, o nosso grande artista. Dá um
beliscão na câmara municipal, faz algumas cortezias de “ponto em branco”,
ri-se um pouco dos letreiros e taboletas e continua o lindo romance
“Memórias de um condemnado”.
Quem duvidar de tanta coisa em tão pequeno espaço, compre todos os
dias a “Gazetinha”, e verá. ... (GAZETINHA, 17 de jan. 1882, p.1).
(3)
Aos nossos collegas da Gazeta da Tarde agradecemos as seguintes
palavras, com que nos honraram: “Apparece amanhã o primeiro numero de
um novo jornal diario, que vem tomar logar nas fileiras avançadas da nossa
imprensa.
É a Gazetinha, e basta dizer que são seus redactores Arthur Azevedo e
Aluísio Azevedo, aquelles irmãos tanto no sangue como no talento, para se
ver immediatamente quanto espírito não transpirará nas colunnas do gentil
diário, que, temos certeza, será mais um defensor de todas as idéias
modernas e adiantadas.
Congratulando-nos com a população do Rio de Janeiro, pelo
apparecimento do novo jornal de Arthur e Aluísio Azevedo, damos-lhes, de
envolta com os comprimentos do Anno Novo, um abraço, desejando a mais
brilhante aceitação à Gazetinha”. (GAZETINHA, 2 de jan. 1882, p.2).
(4)
D’O nono districto:
“Aluízio Azevedo, o auctor do “Mulato”, um dos bons romances
nacionaes, está publicando na “Gazetinha” outro romance interessantíssimo
– “Memórias de um condemnado”.
“A nova geração já tem um romancista”. (GAZETINHA, 22, 23 de
fev. 1882, p.2).
42
Nos exemplos 1, 2, 3, e 4 apresentados acima, há respectivamente: o anúncio do
romance seriado: Memórias de um Condemnado, que será publicado no jornal GAZETINHA;
os comentários do jornal O CRUZEIRO sobre o jornal GAZETINHA e a publicação do
romance de Aluísio Azevedo; no terceiro exemplo, há comentários do jornal GAZETA DA
TARDE sobre o jornal GAZETINHA e, por fim, no quarto exemplo, o jornal O NONO
DISTRITO referencia o romance: Mulato, de Aluísio Azevedo, assim como o seu outro
romance-folhetim, Memórias de um Condemnado.
43
II. O ESCRITOR E A CRÍTICA.
Aluísio Azevedo nasceu no dia 14 de abril de 1857, em São Luís do Maranhão. Tem
seu batismo na igreja de São João Batista em 30 de maio desse mesmo ano e é registrado
como filho natural de David Gonçalves de Azevedo. Recebe uma educação exemplar de seus
pais, que se posicionam contrários à escravidão e que, nas artes, tanto a mãe quanto o pai
eram leitores assíduos e muito cultos. David Gonçalves de Azevedo foi presidente do
Gabinete Português de Leitura, na cidade de São Luís do Maranhão.
O escritor em foco segue os passos do irmão Arthur e vai ao seu encontro e em busca
de trabalho, para a cidade do Rio de Janeiro. Aluísio sempre foi adepto da pintura e pretendia
estudar essa arte na Itália, mas, devido a dificuldades financeiras, se torna escritor e
caricaturista, pois tinha na pintura um dos seus dons, fato que se justificará nas inúmeras
ilustrações em jornais feitas por ele, o que também se refletirá na sua escrita altamente
descritiva e caricaturesca, plena de imagens em tom irônico e denunciador das mazelas da sua
sociedade.
A crítica costumeiramente divide a obra de Aluísio Azevedo em bons e maus
momentos, boa e má. Dá aos romances O Cortiço, O Mulato e Casa de Pensão o lugar de
bons romances, bons momentos na produção literária do autor e, por outro lado, vê com maus
olhos a produção dos romances seriados A Mortalha de Alzira, Mistério da Tijuca e
Memórias de um Condenado, por exemplo, colocados pela crítica como um momento no qual
o escritor produziu romance romântico.
A produção literária de Aluísio Azevedo utiliza aspectos de um romance romântico e
também naturalista. Para entender o seu processo de criação, é preciso percorrê-lo. Faz-se
necessário saber: para quem escreve o autor? em que veículo? o que pulsa no seu processo de
criação em termos de gosto literário correspondente aos hábitos do leitor da época e do leitor
daquele veículo em questão no qual o escritor divulgou a sua obra?
Na publicação em capítulos, nos rodapés de jornais, Aluísio Azevedo constrói seus
romances num diálogo constante com o seu leitor, numa ida e vinda de temas, enredos e
extensos trechos importantíssimos de digressões que têm por conteúdo a localização, a
44
atuação do leitor a respeito do romance e nelas o autor pára a narrativa e fala ao seu leitor,
questiona a sociedade e os costumes nos quais está inserido o leitor.
Aluísio Azevedo é um dos escritores – ou talvez – o escritor que mais vendeu livros
em sua época. Ele pinta sua escrita desenhando com as palavras todo o espaço físico e a alma
de seus personagens e acentua o clima de suspense nas nuanças dos objetos contidos na cena e
em variadas descrições nos romances.
.MÉRIEN (1998) relata que Aluísio Azevedo desembarca na cidade do Rio de Janeiro
com 19 anos e lá permanece de 1876 até 1878, momento em que volta para São Luís em causa
da morte de seu pai.
MÉRIEN (1998) esclarece que de sua estada no Rio de Janeiro entre 1876 e 1878,
Aluísio Azevedo queria se aperfeiçoar na pintura e “a presença de seu irmão Arthur,
estabelecido há dois anos no Rio de Janeiro e que começava a ser conhecido como autor
dramático, poeta e jornalista” será fato facilitador da vinda de Aluísio para essa cidade. Nos
dois anos e meio em que viveu no Rio de Janeiro, Azevedo foi professor de desenho e
gramática portuguesa, assim como professor particular e em escola, retratista e até gerente de
hotel.
MÉRIEN (1998, p.96) constata que Aluísio Azevedo freqüentou de 1876 até 1878
“um círculo de jovens intelectuais, escritores, artistas e homens políticos, que marcaram a
vida cultural, social e política do último quarto do século XIX” e no final do mês de março de
1876, o jornal O Fígaro, precisando de desenhistas, contrata Aluísio Azevedo, graças ao
irmão, Arthur Azevedo, que já trabalhava para esse jornal.
MÉRIEN (1998) relata que Aluísio Azevedo, depois de desenhar para o jornal O
Fígaro, desenha de 19 de março de 1877 até o dia 7 de setembro desse mesmo ano para o
jornal O Mequetrefe. Depois também desenha para a revista “Comédia Popular”, de 6 de abril
até 1º de junho de 1878.
Os desenhos de Azevedo são retratos da vida no Brasil de sua época e no plano
político esse cartunista se posiciona de forma hostil ao regime imperial que explorava o povo.
Entre seus desenhos vistos em Jean-Yves, temos um que retrata o povo brasileiro na figura do
Cristo crucificado
12
; nele lemos a frase: “O povo ... O povo também é Rei, é rei como / Jesus!
Para beber o fel, para morrer na cruz”.
12
Ver a pág. 108 de Mérien, Jean-Yves. Aluísio Azevedo, Vida e Obra (1857-1913)..., assim como as páginas
110 a 120, entre outras.
45
Aluísio Azevedo desempenha o papel e fundamentação de suas idéias e ideais
naturalistas já nas suas primeiras caricaturas, que ora mostravam a tirania do Império, ora a
sua luxúria, o descaso, as conseqüências negativas resultantes da vinda dos portugueses para o
Brasil. Isso pode ser visualizado, por exemplo, nos desenhos contidos nas páginas 108 até
118, do livro Aluísio Azevedo Vida e Obra (1857-1913): O verdadeiro Brasil do século XIX,
de Jean-Yves Mèrien.
MÉRIEN (1998, p.433) constata que Aluísio Azevedo foi um dos únicos escritores a
viver de sua escrita, de seus romances, num país com 85% dos habitantes analfabetos.
Observa que “os romancistas mais célebres esperavam, às vezes, vários anos antes de verem
vendida uma edição de 1.000 ou 1.100 exemplares de um romance consagrado pelos críticos”
e constata que “a publicação em folhetins representava o primeiro estado do romance e seu
primeiro modo de difusão. Foi o caso de “Memórias de um Condenado”, “Mistério da
Tijuca”, “Casa de Pensão”, “Filomena Borges”, “O Coruja”, “A Mortalha de Alzira”, que
tiveram tiragens mais de dez vezes superiores e que foram distribuídas em todas as províncias
do Brasil”. MÉRIEN revela que em certas situações “a composição do rodapé do jornal foi
utilizada para uma publicação posterior em volumes”. Verifica que essas edições eram
edições populares e eram vendidas a 1 mil-réis e oferecidas aos assinantes do jornal.
Sobre o processo de promoção da produção literária de Aluísio Azevedo, das
estratégias utilizadas pelo autor na divulgação de sua obra, Josué Montello, em Diário do
Entardecer (1991), constata que num momento em que publicidade era um pequeno e simples
anúncio no jornal, Aluísio Azevedo torna-se pioneiro no modo de promover os seus próprios
livros (romances-folhetins). Constata que em promoção ao lançamento de O Mulato, o autor
faz critica ao seu romance, ele mesmo, mas com pseudônimos femininos, e cria polêmica
sobre o romance. MONTELLO (1991, p.735) constata que num dos jornais de São Luís,
Aluísio chegou mesmo a inserir a notícia da chegada do personagem central de O mulato,
como se esse fato fosse verdade, e Azevedo assim escreve: “Acha-se entre nós o Dr.
Raimundo José da Silva, distinto advogado que partilha de nossas idéias e propõe-se a
combater os abusos da Igreja. Consta-nos que há certo mistério na vinda deste cavalheiro”.
MÈRIEN (op. cit. p.434-435) afirma que “vender romances brasileiros constituía um
verdadeiro desafio”. Diz que “era preciso ao mesmo tempo vencer as reticências dos editores
e conquistar o público. Aluísio Azevedo não se contentou em escrever romances, esforçou-se
para estabelecer relações novas com os editores e os leitores” e em relação aos leitores,
Azevedo “manifestou um pragmatismo que desesperou os críticos que gostariam de ver nele
46
um apóstolo intransigente ao naturalismo”, que se comprometia com a “luta contra a literatura
romântica e, sobretudo contra os romances-folhetim”, o autor via que “primeiramente deveria
produzir obras que correspondessem ao gosto dos leitores, que estavam condicionados pela
imprensa, já que ambicionava que suas obras fossem publicadas e lidas”.
Segundo MÉRIEN (idem, p.436), para Aluísio Azevedo o “rodapé do jornal era
também uma tribuna que podia dar lugar a um verdadeiro diálogo com os leitores”, verifica
que o autor “não hesitava em interromper o decorrer de um romance-folhetim para interpelar
os leitores, levá-los a refletir sobre a literatura”.
O autor justapõe o seu texto a aspectos do cotidiano, ilustrados e veiculados no
contexto jornal. Organiza seu romance com fatos do dia-a-dia, moldados em texto artístico. A
escolha de aspectos na construção de sua obra liga-se, ao mesmo tempo, às expectativas de
um provável leitor, às suas vontades e gosto, e, por outro lado, às vias pelas e com as quais o
autor mantém e impõe suas características de escritor, seu perfil, e, mesmo em romances tidos
como românticos, dá prosseguimento às suas idéias naturalistas.
Aluísio achava que devia adaptar o seu texto ao público em potencial existente, e,
depois sim, “poderia então esperar aclimatar progressivamente o naturalismo”. Isso pode ser
observado no trecho do capítulo 61, Onde o autor põe o nariz de fora, de um romance seu
denominado Mistério da Tijuca, depois, em resposta para a critica de Machado de Assis ao
romance: Memórias de um Condenado.
Aluísio Azevedo, no jornal GAZETINHA do dia 12 de junho de 1882, responde às
críticas que Machado de Assis faz ao seu romance Memórias de um Condemnado e diz que na
sua atualidade “um dos problemas mais difíceis que se pode apresentar a qualquer pessoa é o
seguinte: escrever romances brasileiros”, isso simplesmente pelo fato da “deficiência literária
do nosso público, que constitui a grande massa absorvente do romance folhetim”, daí é
preciso da parte do romancista “lutar com duas forças desencontradas” que são “o desejo de
escrever conscienciosamente e o desejo de agradar ao leitor”. Diz o autor que “de um lado
está meia dúzia de jornalistas e literatos, que acompanham a marcha inalterável das letras
européias e desejam que os escritores brasileiros as sigam de perto” e “do outro lado está o
resto do público que ignora absolutamente em que altura navega o romance moderno, e lê,
simplesmente para espairecer as fadigas do dia”.
Aluísio Azevedo comenta sobre a dificuldade de se escrever romances brasileiros,
pois, o leitor está mais voltado para leituras de espairecimento, descompromissadas, com
dramas e narrativas carregadas de romantismo, de abstrações sentimentais, mas, o critico, em
47
pequeno número e representado por jornalistas e literatos acompanham a evolução do
romance moderno. Esse discurso que verifica as discrepâncias entre leitor e crítico
contemporâneo ao romance segue no capítulo Onde o autor põe o nariz de fora, do romance
Mistério da Tijuca, de Aluísio Azevedo, no jornal A FOLHA NOVA, do Rio de Janeiro, no
dia 23 de janeiro de 1883:
... No Brazil, quem se proposer escrever romances consecutivos, tem
fatalmente de lutar com um grande obstáculo – é a disparidade que ha entre
a massa enorme de leitores e o pequeno grupo de criticos.
Os leitores estão em 1820, em pleno romantismo francês, querem o
enredo, a acção, o movimento; os críticos porém acompanham a evolução
do romance moderno e exigem que o romancista siga as pegadas de Zola e
Daudet.
Ponson du Terrail é o ideal d’aqueles, para estes Flaubert é o grande mestre.
A qual dos dous grupos se deve attender – ao de leitores ou ao de
criticos?!
Estes decretam, mas aquelles sustentam. Os romances não se escrevem para
a crítica, escrevem-se para o publico, para o grosso publico, que é quem os
paga.
Por conseguinte entendemos que em semelhantes contingencias o melhor
partido a seguir era conectar as duas escolas, de modo a agradar ao mesmo
tempo ao paladar do público e ao paladar dos críticos, até que se consiga
por uma vez o que ainda há pouco dissemos - impôr o romance naturalista.
Mas, emquanto não chegamos a esse bello ponto, vamos limpando o
caminho com as nossas produções hybridas, para que os mais felizes, que
por ventura venham depois, já o encontrem desobstruido e franco. Seremos
sentinellas perdidas
- Paciencia!
(...)
(A FOLHA NOVA, 23 de jan. 1883, p.1).
No trecho, o narrador relata a diferença entre o leitor e a crítica e sugere que se
mantenha uma conexão com as duas escolas literárias, a do Romantismo e a do Realismo,
criando assim um texto híbrido como forma de desobstrução do caminho e preparação do
leitor para a escola Realista.
No capítulo 0
13
do romance Philomena Borges, capítulo intitulado: Antes de
principiar, nome que serve como um prólogo ao romance há também outras observações do
narrador sobre o fazer literário:
... - O que eu vejo, é que é muito difficil escrever romances no Brazil! ... O
pobre escriptor tem a luta com dois terríveis elementos – o publico e o
13
Observamos que Aluísio Azevedo utiliza com constância essa denominação de capítulo 0. Isso acontece
também nos capítulos iniciais de Memórias de um Condemnado e de A Condessa Vésper.
48
critico. O publico que sustenta a obra, e o critico que a julga e às vezes a
inutilisa; o publico que compra um livro para aprender, e o critico que exige
que o livro sustente as suas idéias e pense justamente com elle – critico.
- E d’ahi?
- D’ahi é que tudo isso seria muito razoável, se o publico caminhasse ao
lado do critico; mas assim não succede – aquelle navega ainda no
romantismo de 1820, e este não admitte litteratura que não esteja sujeita às
regras de 1883. A difficuldade está em agradar a ambos, ou, pelo menos,
não desagradar totalmente a nenhum dos dous. Isso, quero crer, é a grande
preocupação de Philomena Borges. Ella tanto pertence ao publico como
pertence ao critico! ... (GAZETA DE NOTÍCIAS, 17 de dez. 1883, p. 1).
Nos casos das digressões até agora apresentadas, o autor expõe a dificuldade de ser
escritor, relacionada às diferenças existentes entre os leitores da época, os prováveis leitores
de seu romance e os críticos. Na carta-resposta a Machado de Assis, observa que os críticos
vivem em 1882, apreciam Zola, Daudet. Os leitores, por sua vez, estão em 1820, lêem
Alexandre Dumas, por exemplo, e o escritor fica entre esses dois pensamentos e gostos.
Observa o autor que a crítica é quem pensa e sabe, mas, é o leitor quem lê e sustenta o
romance.
Em Onde o autor põe o nariz de fora, o narrador, mais uma vez verifica que os leitores
estão em 1820, no romantismo francês, gostam de enredo, ação, movimento, já os críticos,
acompanham a evolução do romance moderno, lêem Zola. Diz que Ponson du Terrail é o
ideal dos leitores e os críticos têm Flaubert como o grande mestre e no prólogo de Filomena
Borges também se observa que o leitor está em 1820 e o critico segue as regras novas
existentes em 1883.
MACHADO NETO (1973), em Estrutura social da República das Letras, quando da
sua divisão da produção literária do século XIX, divide pela data de nascimento dos escritores
e põe como a geração dos que nasceram nos anos de 1848 até 1862, os autores José do
Patrocínio, Alberto Oliveira e Aluísio Azevedo. Verifica que essa geração caracteriza-se por
aquela geração parnasiana e que irá estrear a ficção naturalista, e, na crítica teremos aí Araripe
Júnior, Silvio Romero e José Veríssimo.
No jornal GAZETINHA, do dia 8 de janeiro de 1882, na página 1 há um comentário
sobre a seção Entre livros e jornaes
14
, do jornal Gazeta da Tarde, local onde o critico
ALENCAR ARARIPE JUNIOR escreve: “... Memórias de um Condemnado, (Gazetinha).
Aluízio Azevedo já vae pelo 3º capitulo do seu romance, o auctor do Mulato quis dar uma
14
Mais uma vez aproveitamos para esclarecer que manteremos sempre a ortografia original da época.
49
contraprova do seu talento. No seu novo trabalho vê-se em verdade quanto as suas tendências
correm directas ao realismo”. E segue: “E que ferocidade! O romance é como um pedaço de
carne viva sangrenta que o romancista atira a essa fera famélica chamada – o leitor de rodapé”,
e diz: “Não faz mal: com tanto que os effeitos corram todos por conta do preso da Casa de
Correcção; porque o estylo de quando em quando quer pôr a cabecinha de fora. Não consinta.”.
No livro Obra crítica de Araripe Júnior (1888-1894), volume dois, publicado pelo
Ministério da Educação e Cultura Casa de Rui Barbosa encontram-se reunidos vários artigos
produzidos pelo crítico Alencar Araripe Júnior e escritos no jornal NOVIDADES, do Rio de
Janeiro. No jornal do dia 19 de março de 1888, o crítico considera o dia da publicação de O
Mulato como “um dia propício às letras nacionais, não tanto pelo valor do livro, que saiu da
forja cheio de grandes defeitos, mas pela espontaneidade do talento que o produziue diz que
neste livro há em “germe” o escritor Aluísio Azevedo que irá depois também se manifestar
nos romances: Casa de Pensão, Filomena Borges, O Coruja e O Homem e observa que as
qualidades encontradas no romance O Mulato são “as mesmas que lhe têm criado tropeços na
execução de alguns livros, não contidas na fórmula de sua índole”, são aquelas que já
anunciaram em dois dos seus romances “um observador de raça” e que levarão o romance O
Cortiço a ser “um romance nacional, na verdadeira acepção da palavra” e por fim ARARIPE
justifica que “em um país aonde a mocidade é constantemente flagelada pelas congestões
hepáticas, aonde não se consegue trabalhar senão por intermitências”, torna-se óbvio que “o
romance realista, o romance de observação, de notação contínua e de estudo profundo não
pode ser desempenhado senão por um escritor de pulso rijo, de natureza equilibrada”. Nesse
artigo, ARARIPE JÚNIOR conclui que o autor do romance O Homem “não deu ainda as suas
provas decisivas; mas, pelo que conhece o público de seus livros, e pelo que já se antevê, está
perfeitamente de acordo com a observação colhida de seu temperamento”, como também do
seu “modus vivendi”, o escritor “pertence à raça dos compositores fortes, desanuviados e
isentos de preocupações que não sejam avançar”.
No jornal NOVIDADES de 20 de março de 1888, o crítico Araripe fala da “gana do
andamento” no escritor, da “chama nervosa produtora”, aquela mesma já apresentada aos
leitores pelo escritor José de Alencar e que “compor, em um país como este, infenso a
publicações” só tendo “um excesso de vitalidade fora do comum” e verifica que “é preciso
não saber distinguir a gramática do estilo, o que é automático em um autor, do que é querido,
procurado, para dizer-se que a musa francesa tem sido a nossa única inspiradora” e que “não é
a primeira vez” que a falsa crítica tenta por na “estufa o ananás, o caju, a manga e tantos
50
outros frutos brasileiros, acres, sumarentos, leitosos, cáusticos, pensando que essa correção
européia é o que lhe pode dar verdadeiro gosto e sabor”.
Aluísio Azevedo, no capítulo 76, Um Parenthesis, parte integrante do romance
Mistério da Tijuca, publicado no jornal FOLHA NOVA, no Rio de Janeiro, no dia 13 de
fevereiro de 1883, pára a narrativa do romance e abre um parêntesis com o qual inicia uma
digressão explicativa sobre o fazer romance, digressão que pode servir de diálogo com o que
vimos no parágrafo anterior, e, entre outras coisas, verifica que os “nossos romances não
poderão, pelo menos n’estes cincoenta annos mais ou menos, ter a calma *
15
de um drama
passado nas ruas abafadas do europeu nas viellas de Londres”. Constata que “aqui a natureza
requer vistas marcadas, sentimentos mais pertinentes, mais ardentes, que dêem conta de nosso
sol e de nossas florestas”. Vê Aluísio que “não é o bastante reproduzirmos a imponência de
nossa prodigiosa natureza, é também necessário ser calmo, observador, investigador como um
europeu e saber, como elle, penetrar familiarmente em todas essas profundas cavernas dos
vícios e dos crimes”. Diz por fim que “o romance brazileiro é muito mais difficil de realizar
que o europeu, por que tem de possuir a forma dupla de poema e novella”. Aluísio conclui
que “conciliar essas duas cousas, tão oppostas, é o que ainda não fez nenhum escriptor
brazileiro e o que me parece ser o ponto de partida para o romance nacional”.
O jornal NOVIDADES do dia 22 de março de 1888, no artigo de Araripe Junior,
acentua que “Aluísio Azevedo sendo o corifeu do naturalismo em sua terra não cometeu o
erro de copiá-lo servilmente” e sim “impelido pela força de sua índole”. Diz que “o realismo,
aclimando-se aqui, como se aclimou o europeu tem de pagar o seu tributo às endemias dos
países quentes, aonde, quando o veneno atmosférico não se resolve na febre amarela e no
cólera transforma-se em excitações medonhas” e que “o naturalismo brasileiro é a luta entre o
cientificismo desalentado do europeu e o lirismo nativo do americano pujante da vida, de
amor, de sensualidade”.
O jornal NOVIDADES de 23 de março de 1888, por sua vez, tem no artigo de Araripe
a constatação de que “a literatura brasileira, nas suas manifestações legítimas, não pode, tão
cedo, ser uma literatura simétrica e disciplinada, senão uma convulsão entremeada de longos
períodos de repouso” e fala que “no romance brasileiro, pode-se dizer que é esta a única
tradição que se tem mantido de autor para autor, - uma tradição de instinto, porque, quanto às
outras, as das formas, no Brasil são quase nulas”.
15
O sinal representa a falta da palavra, que no original havia sumido.
51
ARARIPE JÚNIOR, em observações a respeito das tendências do naturalismo /
realismo no Brasil, escreve no jornal NOVIDADES que a leitura do livro O Mulato “deixa
uma impressão ambígua de escolas diferentes” e que “Aluísio Azevedo não via em roda de si
senão românticos”.
BROCA (2004, p..47) liga ao fim da Boêmia também aquilo que ele chama de a
“esterilidade literária de Aluísio Azevedo”, palavra forte para quem se diz um crítico. O que é
estéril não produz frutos, não cria. Aluísio Azevedo, sendo vice-cônsul em Vigo, na Espanha,
teve de se dedicar ao seu cargo e as dificuldades e precariedades eram enormes. Brocca
observa que “proclamada a República”, Aluísio Azevedo “presta um concurso para a carreira
consular e em 1896 é nomeado vice-cônsul em Vigo”, na Espanha e “estaria agora” o escritor
em condições de “entregar-se de corpo e alma à atividade literária, não mais produzindo
novelas romanescas, ao gosto do grande público”. Mas, mesmo Broca irá justificar o que ele
acha como esterilidade na criação de Aluísio quando vê que o cargo que o escritor ocupara lá
no vice-consulado de Vigo não era lá grande coisa, como relata “a crescente imigração de
habitantes de Galiza para o Brasil sobrecarregava de serviços o consulado de Vigo, e Aluísio
parecia ter a índole de um funcionário zeloso”. Broca relata que Aluísio Azevedo deixou
incompletos escritos que produzia sobre o Japão, na sua estada por lá também como vice-
cônsul o que faz observar que, mesmo nos consulados, o autor mantinha a sua produção
literária, isso se reflete nas cartas que ele envia aos seus amigos, e que também muitas vezes
são mal interpretadas e tomadas por um trecho apenas do que dissera o escritor.
MÉRIEN (1988, p.602) constata que, quando Aluísio Azevedo opta pelo vice-
consulado em Vigo, é por que ele escolhia ir para a Europa, onde gostaria de visitar desde a
sua infância, época em que ainda pretendia estudar pintura na Itália. Aluísio Azevedo passou
20 dias em Lisboa no início do mês de março de 1896, o que muito agrada ao escritor, que
adorou a cidade, pois foi também muito bem recebido por uma comissão de intelectuais e
autores de teatro, tais como Bordalo Pinheiro, Ramalho Ortigão, Maria Amália Vaz de
Carvalho, que Aluísio conhecera no Rio de Janeiro.
Aluísio Azevedo, de Lisboa segue, depois desses dias agradáveis, para o seu posto em
Vigo, na Espana e MÉRIEN (1998, p.603) faz saber que Aluísio “não imaginava as desilusões
que teria em Vigo”. Diz que havia um estado de atraso econômico, social e cultural na
província. Essa miséria fazia com que milhares de camponeses, os quais representavam 90%
da população, fossem buscar remédio na ida para o Novo Mundo. Essa imigração prossegue
num ritmo acelerado até a primeira guerra mundial, para Cuba, Argentina e Brasil.
52
MÉRIEN (1998, p.603) vê que a província era “um dos pontos quentes da emigração
para a América”, “não apenas no que ser refere à Espanha como também para o Norte de
Portugal, o que dava uma importância muito grande à representação consular brasileira”.
Aluísio Azevedo enfrenta só e com dinheiro limitado a toda reorganização do vice-consulado,
que fora encontrado por ele no mais total abandono.
MÈRIEN (1998) constata que Aluísio Azevedo, após exercer o cargo de vice-cônsul
em Vigo, foi nomeado, a 17 de abril de 1897, vice-cônsul do Brasil em Yokohama, no Japão.
Foi nesta época que o autor projetou e iniciou a escrita de seu livro O Japão como ele é. É
nesta fase que Aluísio se integra inteiramente à sociedade japonesa, à sua alimentação, usa
quimono como eles e se apaixona pelas mulheres japonesas. Do Japão é transferido para La
Plata, na Argentina, onde o escritor encontrou dificuldades provocadas pela irritação dos
argentinos para com os brasileiros, devido às boas relações que o nosso país mantinha com o
Chile, antigo inimigo da Argentina.
MÉRIEN (1998) observa que Aluísio Azevedo é vitimado pelo preconceito e maus
tratos por parte dos argentinos. Daí surge uma vaga na cidade do Porto. Aluísio se delicia com
a notícia, mas não é nomeado, mesmo existindo a vaga, pois o presidente do Brasil no
momento, Prudente de Morais, não autorizou devido a uns poemas satíricos sobre ele, escritos
por Arthur de Azevedo, irmão de Aluísio. Com a intervenção do Barão do Rio Branco,
ministro do exterior do governo de Rodrigues Alves, Aluísio Azevedo obtém novamente um
cargo, mas, como vice-cônsul na cidade de Salto Oriental, onde o escritor encontrará
problemas muito parecidos com os quais encontrou na cidade de Vigo.
A leitura de livros enviados por seus amigos no Brasil, nessa época, é o que punha o
escritor em reconforto. Mais tarde, fará rápida passagem pelo Brasil, quando vê o início das
mudanças que começam a surgir no centro da cidade com o programa de obras públicas do
prefeito Pereira Passos. Aluísio retorna em 1º de abril de 1904 ao seu cargo em consulado,
agora como cônsul do Brasil em Cardiff, na Inglaterra onde fica até 1907. Em 13 de março
desse ano de 1907 é nomeado cônsul em Nápoles, Itália. É na Itália que o escritor se sente
muito bem, com boa moradia e rodeado de cultura. Desde que fora eleito para a Academia
Brasileira de Letras em 1897, Aluísio Azevedo nunca deixou de manter contato com os
escritores de sua geração. Retorna ao Brasil uma última vez, em 1910, quando muitas coisas
já haviam se transformado, muitos amigos falecidos, entre eles José do Patrocínio, Machado
de Assis e o seu irmão Arthur de Azevedo. Retorna em 1911 para o consulado de Buenos
Aires, onde fica até 1913.
53
JOSÉ VERÍSSIMO (1963. p 258-272), com a sua primeira edição dessa obra no ano
de 1916, observa que Aluísio Azevedo “como tantos dos nossos escritores, com insuficientes
letras lançou-se no jornalismo, que, as dispensando, é uma boa escola de escrita corrente e
fácil” e que, o seu primeiro livro foi “um romance, na pior maneira romântica”, Uma Lágrima
de Mulher (Maranhão, 1880). Surge depois “o seu segundo livro, outro romance, O Mulato
(Maranhão, 1881), onde ao jeito da nova estética, era estudado o caso do preconceito de cor
na província natal do autor” e saindo do Maranhão para o Rio de Janeiro, Aluízio Azevedo
“continuou aperfeiçoando-se, o que de comum não tem sucedido nas nossas letras, onde,
como já fica notado, não são poucos os autores cujos melhores livros são justamente os
primeiros”.
JOSÉ VERÍSSIMO (1963, p 258-272) constata que os romances “A Casa de Pensão
(1884), O homem (1887), O Cortiço (1890), confirmaram o talento afirmado no Mulato e
asseguram-lhe na nossa literatura o título de iniciador do naturalismo e do seu mais notável
escritor” e conclui que o “principal demérito do naturalismo da receita zolista” “era a
vulgarização da arte que em si mesmo trazia”, como por exemplo “os seus assuntos
prediletos, o seu objeto, os seus temas, os seus processos, a sua estética”, diz, enfim, que tudo
no naturalismo “estava ao alcance de toda a gente, que se deliciava com se dar ares de
entender literatura discutindo de livros que traziam todas as vulgaridades da vida ordinária e
se lhe compraziam na descrição minudenciosa”. VERÍSSIMO enaltece a obra Machado de
Assis, o que é inquestionável, e verifica que quando Machado de Assis estréia no romance, no
ano de 1872, com Ressurreição e que nessa ocasião exclui de seu estilo quase que por
completo o romantismo, “sem cair, porém, no que ao seu claro engenho lhe parecia o engano
do naturalismo. Ele de fato nunca pertenceu a escola alguma, e através de todas manteve
isenta a sua singular personalidade literária”.
O mais importante não é simplesmente não utilizar este ou aquele subterfúgio literário
(romantismo, realismo), mas sim fazer essa ponte com o leitor, efetuar uma relação viva e
tensa de diálogo com o leitor, que, nessa época, século XIX, era praticamente o leitor de
folhetins em jornal e quando anteriormente VERÍSSIMO (1963) fala de Machado de Assis
não utilizar em sua obra de características românticas, se esquece de que, como observa
SODRÉ (1999, p. 198-199), Machado de Assis, seguindo a tendência dos jornais que
escreviam “explorando as frivolidades de sinhazinhas e ioiôs”, torna-se “colaborador
constante, assíduo e sistemático do Jornal das Famílias, onde publicava contos”. O Jornal
das Famílias, explica SODRÉ (idem, ibidem), era dedicado às mulheres, “entre figurinos,
54
receitas de doces, moldes de trabalho e conselhos de beleza, para ocupar os ócios e a
imaginação das senhoras elegantes, um pouco de literatura, quase sempre da lavra de
Machado de Assis”. Relata SODRÉ que Machado de Assis correspondia com as expectativas
das leitoras do Jornal das Famílias, expectativas essas que compreendiam a “literatura
amena, de pura fantasia, sem nenhum fundamento na realidade”, pois, “tudo se passa nesse
mundo convencional, onde os desgostos amorosos são os únicos sofrimentos, onde tudo gira
em torno de olhos bonitos, de suspiros, de confidências trocadas entre damas elegantes”.
Não estamos aqui levantando uma bandeira que defende a utilização deste ou daquele
aspecto de movimento literário, mas, falamos de uma relação da obra com a recepção do
leitor, do seu público e, em se tratando de um romance publicado em jornal, um jornal do
século XIX, como é o caso do romance: Memórias de um Condenado, publicado no jornal
GAZETINHA, a relação é mais forte entre obra e leitor, dá-se no jornal o que MACLUHAN
(2001) chama de “forma em mosaico” que significa “uma participação em processo” – e não
um “ponto de vista” particular, sendo por esta razão - a de uma participação em processo -
que a imprensa se torna um meio inseparável do processo democrático e que o mosaico é o
modo da imagem corporativa ou coletiva e implica participação profunda. Uma participação
comunitária e inclusiva. Pensando então sobre essa participação comunitária, uma literatura
altamente aceita pela comunidade de leitores, que respeita os seus anseios, pode também ser
transformadora, à medida que cativa os seus leitores e pode, a partir desse ponto, deixar
infiltrar também as características próprias do leitor. Isso se dá com a publicação hibrida de
Aluísio Azevedo, que escreve agradando a um gosto do público leitor, mas, por seu lado,
acrescentando em seus romances-folhetins, características suas e naturalistas.
ANTONIO CANDIDO
16
, na introdução ao romance Philomena Borges, de Aluísio
Azevedo, declara que os “romances inferiores ajudam a compreendê-lo (Aluísio Azevedo)”,
pois, “mostram como foi literariamente inquieto e insatisfeito, oscilando entre certas exigências
de concepção e certos automatismos menos depurados” e continua: “A noção de período, ou
melhor, de ritmo, é com efeito importante para compreendê-lo, desvendando uma acentuada
instabilidade criadora, regularmente manifestada na alternância de êxitos e malogros”. E por
fim, tenta esclarecer as oscilações entre os ditos “bons e maus romances” na produção de
Aluísio Azevedo e verifica que as oscilações são constituintes dos “escritores abundantes e
pouco preocupados com requintes formais”, como Aluísio Azevedo e verifica que o que
impressiona no escritor é “a regularidade da pulsação ascendente e descendente”.
16
(Antônio Cândido, Introdução a “Filomena Borges” de Aluísio Azevedo (APUD Mérien, 1998, p.470).
55
III. O PROCESSO DE COMPOSIÇÃO DE ALUÍSIO AZEVEDO.
Aluísio Azevedo, em seu processo de composição, primeiramente escreve romances
para o seu leitor de jornal e depois, num processo de lapidação (adequação), de acabamento,
transforma esse seu romance seriado em publicação em livro, criando acentuadas diferenças
entre esses dois processos; isso pode ser também devido à sugestão de diferentes tipos de
leitores esperados e imaginados pelo escritor nos diferentes meios.
O fato de um romance ser publicado em jornal dá a esse romance dinamismo e maior
atualização junto ao leitor. Ao ler um texto no jornal, é fundamental lembrar que esse texto
está inserido num contexto: o jornal e a sociedade que nele e dele é exalada
17
.
É do Homem o desejo de contar estórias, escutá-las, vivenciá-las. Necessidade
implícita nas condições de sobrevivência, de permanência na história, da espécie. Conta-se,
escuta-se e se divulga muita estória. Desde que o mundo existe como mundo, o homem
divulga estórias, por gestos, gritos, imagens ou gemidos, até chegar à língua, esse aspecto da
linguagem que nos dá o direito e a ferramenta para contarmos estórias.
O romance, que é uma estória constituída pela ferramenta língua, moldada em arte,
como verifica Iuri Lotman (1978) que diz que uma língua primaria é modelizada para a
expressão arte e moldada em linguagem artística, ou seja, “um sistema modelizante
secundário”. A língua modelada em arte lembra a história, mas é criação, manipulação de
elementos que lembram momentos dessa História como invenção, criação na e para a
literatura.
Os romances: Memórias de um Condemnado
18
e A Condessa Vésper possuem uma
mesma estória, que parte do depoimento que um preso dá a uma velhinha, que dele recebe um
calhamaço contando tudo o que se deu com ele, o porquê de ele estar preso ali, e, enfim, a
estória do trágico desfecho do amor-obsessão de Gabriel (preso) por Ambrosina. A velhinha
17
uma interpretação da literatura orientada pela estética do efeito busca a função desempenhada pelos textos nos
contextos em que são inseridos, ISER (1996 vol. 1, p.13- -14).
18
Grafia original da publicação no jornal GAZETINHA em 1882, no Rio de Janeiro.
56
entrega o calhamaço de papel que o preso lhe dera na prisão para o escritor Aluísio Azevedo,
que escreve o romance.
Gabriel, enteado de Gaspar, se apaixona por Ambrosina e durante todo o romance está
em busca do amor dessa mulher interesseira e sedutora, que se une aos amantes por razões
financeiras medindo o quanto têm em suas algibeiras.
Ambrosina se lembra de Gabriel nos momentos difíceis, quando já não tem o dinheiro
de seus outros amantes. Ela representa uma sociedade caracterizada pelas uniões que são
calcadas pelo valor dos dotes do casal, uma sociedade que vive de aparências.
A estória de Memórias de um Condemnado inicia com a chegada de Gaspar e Gabriel
às dependências das festividades do casamento de Ambrosina com Leonardo. Nesse dia, no
quarto de núpcias, o noivo enlouquece e tem ataques animalescos, que acabam em agressões à
jovem noiva. Ambrosina é tratada pelo médico Gaspar, pai adotivo de Gabriel, e foge
clandestinamente com Gabriel, pois mesmo não sendo o seu casamento consumado, era uma
mulher casada e naquela época não podia se casar novamente.
Ambrosina fica com Gabriel apenas até o seu próximo envolvimento às escondidas,
no quintal de sua casa, com o Mello Rosa, isto no auge de uma festa quando os convidados
estavam embriagados.
Gaspar alerta Gabriel e mostra-lhe a traição de Ambrosina. Ela foge e é atacada por
seu ex-marido, que aparece e a persegue. A noiva é socorrida por Jorge, cocheiro de Gaspar.
O cocheiro leva para casa Ambrosina ardendo em febre e a deixa aos cuidados da sua filha,
Laura.
Da aproximação de Ambrosina com Laura dá-se o envolvimento entre as duas, que,
juntas, fogem para o interior do Brasil e depois para o exterior. Dessa fuga com Laura,
Ambrosina engana Mello Rosa, seu novo amante e também Gabriel, de quem toma dinheiro
para arranjar a viagem que ela propunha com ele, como um engodo para que Gabriel lhe desse
dinheiro para a sua real fuga com Laura, que de remorso e de fraqueza, morre tempos depois,
já na Europa.
Ambrosina, depois de uma temporada na Europa, regressa para o Brasil com a alcunha
de condessa Vésper, uma meretriz do alto escalão, e toma como novo amante um marinheiro
de 18 anos, depois se une a D. Felipe, sobrinho do Imperador, e, enfim a vários homens, pois,
era uma condessa (prostituta).
57
Quando fica novamente só, pois com o tempo acaba a juventude e é substituída no rol
dos homens por outras mulheres mais jovens, mais bonitas, Ambrosina recorre mais uma vez
a Gabriel, que a acolhe.
Gabriel entra em falência com a quebra do banco de Mauá. Ambrosina procura o
Arrocha, um banqueiro do jogo do bicho, com quem fica até que ele seja preso e, novamente
retorna e esfola os últimos centavos de Gabriel exigindo dele que lhe dê as jóias que vira na
loja FARANI.
Gabriel, para agradar Ambrosina, gasta seus últimos tostões e compra as jóias que ela
lhe pedira de presente. Arma essas jóias nos cartuchos de duas pistolas e pede para
Ambrosina, de olhos vendados e pensando receber um novo presente, que abra os braços,
momento em que Gabriel lhe dá dois tiros carregados com lindas pedras preciosas que se
cravam no peito da amada. Na prisão, Gabriel amargando de saudades de Ambrosina, suicida-
se com o punhal que herdara de sua mãe.
Nesta síntese do romance feita a partir do enfoque do condenado, Gabriel, não se
pode deixar de acrescentar que, além deste núcleo, há outros núcleos com outros personagens
que se atrelam a esse núcleo principal, uma característica marcante do perfil dos romances
seriados.
Entre esses outros núcleos, há o dos pais de Ambrosina, o Comendador Moscoso e
Dona Genoveva. Ela, filha do dono da casa comercial em que estava empregado Moscoso e
que no fim da vida, prevendo a sua morte, nomeia Moscoso seu herdeiro e genro.
A fortuna de Moscoso, pai de Ambrosina, é a soma de seus sacrifícios. Quando não
obtém a mão da filha do coronel Pinto Leite, a Ana, Moscoso jura vingança ao coronel, que,
além de negar a mão de sua filha em casamento, ri na sua frente, zomba do rapaz, que, a partir
desse dia, inicia uma poupança e sovinamente guarda tudo o que ganha. Moscoso consegue
muito dinheiro e, também com a morte de seu patrão, herda seus bens e também a sua filha
gorducha, Genoveva, passando a gozar melhor da vida, com assinaturas de jornais e do que
ele aplicou em publicações de mofinas sobre o coronel Pinto Leite, no Jornal do Comércio,
satisfazendo assim a sua vingança.
Já pelo lado de Gabriel, temos a estória de sua mãe, Violante, que se suicida com um
punhal que herdara de sua família, o mesmo punhal que deixa de herança para Gabriel. O
acaso, fato característico do romance seriado, dá-se quando Gaspar é encontrado por
Violante, na Argentina. Esse fato ocorre no dia em que Gaspar é deixado despido à beira de
uma estrada.
58
Gaspar havia sido surrupiado de seus pertences, inclusive de suas roupas, quando se
deitara com uma mulher que lhe colocara ópio em seu chá, daí ele desmaia e é
coincidentemente encontrado por Violante (mãe de Gabriel) e mulher que fora no passado
socorrida pelo coronel Pinto Leite (pai de Gaspar) quando ela era ainda criança, na Argentina,
época em que o coronel servia ao Exército e estava com sua família pelas ruas de Buenos
Aires. Ele é parado pela garota (Violante) que pede ajuda, tem a sua mãe morta e encontra-se
no mais deplorável estado de pobreza. Aí mora a coincidência. Muitos anos depois, Violante
encontra e ajuda Gaspar, que no momento da morte da mãe de Violante era também uma
criança.
Violante aproveita-se da aproximação de Gaspar e une-se a ele para pôr em prática o
seu desejo de vingança a Paulo Mostella, que a namorara outrora e a deixara esperando por
ele, sem retornar.
Da tentativa de vingança de Violante, que acaba utilizando Gaspar como marido, o
das aparências, Violante se suicida, pois não poderia matar aquele que agora, mais um acaso,
era o marido da irmã de Gaspar. Da morte de Violante, antes de se desfalecer definitivamente,
a mulher casa-se com Gaspar e deixa com ele a tutela do seu filho Gabriel, que era um rico
herdeiro, também da herança que sua mãe, Violante, já havia recebido de seu falecido marido
e pai de Gabriel.
Há um outro núcleo na narrativa que é o do coronel Pinto Leite, avô adotivo de
Gabriel e pai de Gaspar, Ana e Virginia. Sua filha Ana casa-se com o Alfredo Bessa, que tem
a alcunha de Marmelada, por causa da perseguição do comendador Moscoso ao coronel e
também a ele, pois fora Bessa quem se casou com Ana, a quem o Moscoso pretendeu e até
pediu sua mão recebendo em troca os risos do coronel.
Virgínia teve um filho com o Paulo Mostella, o Gustavo, que fica órfão, pois Virginia
morrera doente e o Mostella suicidara-se. Gaspar fica encarregado, momentos antes de o
Mostella dar os seus últimos suspiros, de cuidar do garoto. Contrariamente ao que se dá com
Gabriel, acomodado, herdeiro, o Gustavo sempre procura viver de seu trabalho:
Gustavo era um bello moço no seu typo nortista. Altura regular, boa
saúde, olhos intelligentes, palavra fácil e riso prompto. Tinha o gênio
arrebatado, mas o coração generoso e meigo, caracter desregradamente
altivo e chapeado de fortes aspirações moraes.
Chegára ao Rio de Janeiro com todas as doidas e perfumadas illusões
dos seus vinte annos, cavalgando, descalçoi e sem esporas, uma nuvem de
sonhos e de esperanças.
59
Fora morar com o tio, mas logo ao fim de poucas semqanas declarou
abertamente que não podia continuar a viver do pão alheio e preferia
aventurar-se lá fóra, por sua conta, na lucta ela existência... (AZEVEDO,
Aluísio. A condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p. 10)
A estória dos romances Memórias de um Condemnado e A Condessa Vésper são as
narrativas nas quais os homens, mesmo aqueles mais íntegros e dedicados ao trabalho, como
são Gaspar e Gustavo, quando se apaixonam têm suas vidas postas à mercê dessa paixão.
Gaspar segue Violante numa vingança desta, que, por vaidade, desejava matar Paulo
Mostella, pois este abusara dela outrora, acertou casamento com Violante e sumiu. O
assassinato de Paulo Mostella não acontece, pois Gaspar, ao saber que Mostella era seu
cunhado, casado com Virgínia (acaso, característica do romance seriado) interfere no desejo
de Vingança de Violante, que desiste da idéia, mas, no seu sangue desejoso de vingança,
sobra o suicídio e Violante se mata com o punhal, herança de família.
Gustavo, que era rapaz dedicado, pobre e cheio de idéias e ideais, fazia parte dos
escritores representantes da Geração da Boemia, figura como um personagem que se
assemelha com o escritor Aluísio Azevedo, pois, ao conhecer Ambrosina (a condessa Vésper),
deixa de lado os seus ideais e se perde de paixão por Ambrosina, e o desfecho é também o
suicídio de Gustavo, que emprestou dinheiro para Ambrosina, não foi ressarcido e, como
desviara esse dinheiro que havia outrora dado emprestado a Condessa Vésper e vê seu amigo
de serviço levando a culpa que era sua, suicida-se, deixando um bilhete inocentando o amigo
do roubo do dinheiro.
Gabriel, nem é preciso falar tanto desse exagerado romântico personagem. Mata-se
por amor, mas, por falta da amada, fica com a alma vazia, é intolerável a sua vida e ele se
suicida.
As mulheres, por seu lado, são emblemáticas. A Ambrosina, por vezes questiona o
comportamento romântico de Gabriel. Violante critica a sociedade machista e interesseira,
que só se lembra de prestar elogios a uma dama depois de saber a quantidade de dinheiro que
ela tem. Outra mulher é Eugênia, ingênua por esperar o Gabriel para com ele casar; acredita
nesse rapaz, mas Gabriel se perdia em sonhos amorosos com Ambrosina. Então Eugênia
definha, morre de amor, de histeria e fraqueza.
Genoveva, por sua vez, é uma mulher forte, trabalhadeira. Há também a Laura, que
reconhece o seu grande amor por Ambrosina, talvez por não ter outra alternativa, pois aqueles
que a rodeavam eram tacanhos, grosseiros e ela achou o amor com Ambrosina. Neste trecho,
60
ainda que no século XIX, o narrador apresenta também no romance uma reflexão sobre a
problemática do homossexualismo, pois a sexualidade era um tabu calcado na hipocrisia de
uma sociedade preconceituosa.
Os romances de Aluísio Azevedo, embora apresentem uma mesma estória, com os
mesmos personagens e idênticos acontecimentos, diferenciam-se, contudo, no acabamento, no
emprego das palavras e na construção dos períodos. ECO (1979, p.36-37) verifica que o texto
por aparecer na sua superfície lingüística “representa uma cadeia de artifícios que devem ser
atualizados pelo destinatário” e que um texto “requer movimentos cooperativos, conscientes e
ativos da parte do leitor” e existe na valorização de sentido criada por seu destinatário.
1. TÉCNICAS DO ROMANCE SERIADO
A Literatura não está apenas em livros que compõem arranjos antológicos com o
objetivo de organizar nomes de obras enfileiradas por motivos que dizem respeito ao gênero e
ao movimento literário da época em que se escreve o texto literário, atitude essa formada a
partir de um arranjo denominado movimentos literários.
Não devemos apenas subdividir a Literatura em categorias, tendências, movimentos, e
nem listar obras que representem partes integrantes de determinados movimentos literários.
Um enfoque literário rumo a este único aspecto sonega a cultura que ficou por ser
apresentada, aquela que há nas obras não listadas na antologia. Pode-se, desta forma, criar
uma espécie de privilégio literário elitista e preconceituoso. Pois bem, olhemos então a
literatura construída para o leitor de romances em jornal, os chamados romances seriados.
O romance seriado Memórias de um Condenado, de Aluísio Azevedo, é publicado no
jornal Gazetinha de 1/1/1882 a 7/6/1882 e da sua publicação em livro, pela Livraria Garnier
em 1902, recebendo o título A Condessa Vésper.
De imediato, nota-se que o enfoque, nesta mudança de título entre os dois tipos de
publicação, volta-se mais para o personagem da condessa (Ambrosina) no livro e no jornal
está centrado no depoimento de um preso, o condenado Gabriel, que mata a condessa e, na
prisão, escreve e envia suas memórias, por intermédio de uma velhinha, a velha Benedicta,
para o escritor.
61
Quando se fala em romance seriado (folhetim), logo vem à mente todo aquele
entrelaçamento de cenas, de momentos, de quadros. Régis Messac (1975 apud RIBEIRO,
1996) verifica que o romance-folhetim tem uma “estética divergente” que busca uma
“multiplicidade de pontos de interesse na intriga” e precisa apresentar “dia após dia” uma
nova motivação que prenda a atenção do leitor. Observa que o romance-folhetim pode ser
pensado como “uma grande linha com inúmeros ganchos na sua extensão” os quais existem
“em virtude dos cortes diários” seguidos de avisos.
Essa técnica dos cortes com gancho nos finais de segmentos apresentada no painel
das técnicas composicionais do padrão da narrativa folhetinesca por RIBEIRO (1996, p.45),
painel que será adiante mais aprofundado, pode ser exemplificado com um trecho do capítulo
XXI, Comissão melindrosa, dos dias 30 e 31 de janeiro de 1882:
E entre os dous se passou o que se acha no capítulo seguinte. Não
obstante, o coronel, logo que sentio a casa em silencio, embrulhou-se no seu
capote de batalha, metteu a cabeça na barretina e, apoinando-se a uma
grossa bengala de canna da Índia, ganhou cautelosamente a porta da rua e
sahio.
Dirigio-se para a casa do commendador Moscoso.
As salas estavam illuminadas. Havia muita gente. Na porta destacava-se
uma grande fila de carros.
Era um baile
.
(Continua.)
(GAZETINHA, 30, 31 de jan.1882, p.2).
O narrador numa digressão exerce o caráter de didatismo narrativo em seu texto, mas
também constrói um corte com gancho e chama a atenção do leitor sobre os fatos que irão
acontecer e deixa-os já relacionados, e um deles é o desfecho da conversa entre Gaspar e seu
enteado Gabriel, que se dará no capítulo seguinte, o capítulo XXII, intitulado Em casa do
commendador e essa conversa tem o desfecho no momento no qual Gaspar, depois de falar a
Gabriel sobre a mãe dele, dá-lhe um estojo que a ela pertencia, com o simbólico punhal de
família, que já servira de objeto para que Violante se suicidasse e que, no futuro e na prisão,
também será a arma com a qual Gabriel irá se matar.
Outro gancho que leva a estória do romance para o próximo capítulo é a ida do coronel
Pinto Leite para a casa do comendador Moscoso, para desmascará-lo sobre as mofinas que o
comendador mandava publicar no Jornal do Comércio e que difamavam o coronel.
62
Abaixo mais um trecho para servir de exemplo à técnica de cortes com gancho nos
finais de segmentos:
Ambrosina foi recolhida ao melhor logar e à melhor cama, que se
pôde arranjar.
Jorge estalava de alegria por ter uma occasião de prestar aquelles
socorros, e recommendava que nada faltasse aos hospedes.
Mal sabia o desgraçado
o mal que mettia para casa e a desgraça que
preparava para si.
(Continua.)
(GAZETINHA, 3 de mar. 1882, p.3).
O narrador dá um gancho para o próximo capítulo, o socorro prestado por Jorge, o
cocheiro de Gaspar, à Ambrosina, no momento em que a mesma fugia das agressões de seu
noivo Leonardo. Jorge leva Ambrosina para a casa dele e lá presta os socorros nela, mas,
como podemos ver nos próximos capítulos, Ambrosina irá se envolver com a filha do
cocheiro, a Laura.
O corte acima tem as duas características, de corte sistemático, que dá um clima de
suspense ao andamento do romance, mas, também é um corte que deixa um gancho de
incerteza no ar, o que se dará depois do socorro que Jorge prestara a Ambrosina?
Mas o corte mesmo com gancho figura com ênfase no final do capítulo, na construção:
“Mal sabia o desgraçado
19
”. Nesse trecho, o narrador dá a sua opinião sobre, faz uma
intervenção e instiga o leitor a pensar o que será que não sabia direito o Jorge, o desgraçado, o
pai de Laura.
Ainda é possível observar o corte com ganchos nos seguintes trechos a seguir e
muitos outros podem surgir na leitura do romance, mas, para nosso objetivo, faz-se necessário
um levantamento por amostragem de tais procedimentos.
Exemplos:
(1)
O logar dos médicos é a cabeceira dos doentes
! Deixe-me cumprir o
meu dever, e depois terá tempo de sobra para enxotar-me de sua casa!
E assentando-se de novo, para continuar o trabalho, disse
resolutamente: - Eu fico!
Vejamos no seguinte capitulo si o commendador tinha razão.
19
O sublinhado é nosso.
63
(continua amanhan.)
(GAZETINHA, 4 de jan. de 1882, p. 2).
No exemplo, há primeiramente um ditado popular que é uma generalização
social, marcado pelos hábitos de uma época e, como já dissemos sobre os cortes com gancho,
aqui o gancho é sobre os motivos do espanto do comendador com a presença de Gaspar, o
Médico Misterioso.
(2)
Depois desta vez, Gabriel só fallou com Ambrosina em casa do
commendador, onde o deixamos no capítulo passado
20
.
Vejamos agora o que disseram elles uma vez que Gabriel meditou por
alguns dias o que ouvio da intelligente rapariga.
(Continua).
(GAZETINHA, 3, 4 de fev. 1882, p. 2).
No exemplo (2), primeiro temos o didatismo narrativo, o narrador localiza o leitor no
momento em que havia deixado o personagem em questão, o Gabriel e, por fim, deixa um
corte sistemático que será o assunto retomado daquele dia no capítulo seguinte.
(3)
Jorge estalava de alegria
por ter uma occasião de prestar aquelles
socorros, e recommendava que nada faltasse aos hospedes.
Mal sabia o desgraçado o mal que mettia para casa, e a desgraça que
preparava para si.
(Continua)
(GAZETINHA, de mar. 1882, p. 3).
No exemplo (3), o narrador deixa no ar o futuro das coisas na casa do cocheiro Jorge.
É que lá estava Ambrosina, que fora socorrida por Jorge, e Laura dava-lhe os primeiros
socorros.
(4)
E entre os dous se passou o que se acha no capítulo seguinte
21
. Não
obstante, o coronel, logo que sentio a casa em silencio, embrulhou-se no seu
capote de batalha, metteu a cabeça na barretina e, apoiando-se a uma grossa
bengala de canna da Índia, ganhou cautelosamente a rua e sahio.
20
O sublinhado é nosso.
21
O sublinhado é nosso.
64
Dirigiu-se para a casa do comendador Moscoso.
As salas estavam iluminadas. Havia muita gente. Na porta destacava-se uma
grande fila de carros.
Era um baile
22
.
(Memórias de um condemnado. Cap. XXI – Comissão melindrosa.
GAZETINHA, 30, 31 de jan. 1882, p..2).
No exemplo (4), há o anúncio do que vai acontecer (didatismo narrativo) no capítulo
seguinte, e no final um corte sistemático que sistematiza um momento de tensão e cria
curiosidade
23
no leitor para ler o próximo capítulo
24
.
RIBEIRO (1996) apresenta a construção de um painel das técnicas composicionais
estruturadoras do perfil padronizado da convenção narrativa folhetinesca, técnicas as quais
utilizaremos na seqüência em trechos do romance-folhetim: Memórias de um Condemnado:
Nos fins do verão de 1878
25
uma carroagem, pintada de negro e
guarnecida de frisos verdes, seguia a todo trote pela pittoresca estrada que
vae dar ao Jardim Botânico
.
Eram dez horas da noite
.
A certa altura, no logar mais sombreado do caminho, a carroagem
parou, e dous homens, vestidos de casaca, apearam-se discretamente.
26
(...)
(GAZETINHA, 2 de fev. 1882, p.2).
Piere Noriey (1934 apud RIBEIRO, 1996, p. 37) verifica que “os problemas ligados à
maneira de iniciar a narrativa são resolvidos pelos folhetinistas por uma regra fixa” que
consiste em “indicar o dia, o mês e a hora, assim havendo o início sem mais preâmbulo”.
Essa técnica de se iniciar a narrativa é vista no painel das técnicas folhetinescas
apontadas por RIBEIRO (op. cit, p. 44) e é a técnica de aplicar aos romances inícios sem
muitos preâmbulos, contendo referências diretas ao dia, mês e horas da história o que
acontece no início do romance-folhetim: Memórias de um condemnado.
22
O sublinhado é nosso.
23
O “folhetim impõe ao leitor uma determinada forma de leitura” e esses intervalos que chegam ao leitor “o
forçam a imaginar algo mais do que seria o caso numa leitura contínua do mesmo texto”, ISER (1999, p.140-141
vol.2).
24
O texto parcelado causa outra impressão que na forma de livro, é, sobretudo porque ele introduz um número
adicional de lugares vazios, ou seja, porque acentua, pela pausa até o próximo capítulo, um lugar vazio no texto,
ISER (1999).
25
O grifo é nosso.
26
O grifo é nosso.
65
A solução do escritor está em apontar um ano (1878), uma hora (10 horas) e no lugar
do mês, uma estação, o verão, que denota uma possibilidade e não uma exatidão. É possível
que o fato tenha ocorrido nos meses do verão em nosso país, dezembro, janeiro, fevereiro, fica
então um pouco de incerteza e não se dá uma localização fixa do mês, além de o autor
acrescentar o local onde se encontram os personagens, na estrada para o Jardim Botânico.
E, como observou Regis Messac (1975, apud RIBEIRO, 1996, p.30), há também no
trecho acima apresentado o início de uma narrativa folhetinesca “extremamente
impressionante para agarrar o leitor logo no princípio” e esse fato é relacionado no painel de
RIBEIRO (idem, p.44) como inícios de histórias impressionantes e sensacionalistas para
provocar o interesse do leitor, e pode ser visto na construção: “A certa altura, no logar mais
sombreado do caminho, a carroagem parou, e dous homens, vestidos de casaca, apearam-se
discretamente”.
Jean-Lois Bory (1966 apud. RIBEIRO, 1996, p. 39-40) avalia que “o corte diário na
história é a primeira regra do romance-folhetim, sendo ele obrigado a nutrir-se, a obter efeitos
e a extrair dessa regra toda uma estética” e “cada episódio contido na parte publicada
diariamente é um todo que procura satisfazer e renovar a expectativa do leitor”, sendo que o
melhor corte é “aquele que interrompe a ação no seu ponto culminante, havendo uma queda
de tensão após o procedimento”. Conclui que essa técnica do corte diário traz duas
conseqüências para a forma do folhetim. Uma delas é que o folhetim toma uma “linha de ação
quebrada”, resultado dessas interrupções diárias. A outra conseqüência é que “as mudanças
que o narrador é obrigado a fazer no tempo, no espaço e no cenário por causa dos cortes
diários ocasionam a regra das três multiplicidades: tempo, lugar e ação”.
RIBEIRO (1996, p.45) em seu painel de técnicas de composição da narrativa em
folhetim apresenta o corte sistemático no desenvolvimento da história do romance. Veja-
se abaixo um segmento com esse corte sistemático
:
... Era o quarto dos noivos.
Gabriel contraio-se como uma cobra ao fogo
; um tremor formidável
percorreu-lhe todos os membros; o suor porejou-lhe da fronte em bagas de
neve.
Quis gritar e a língua inchou-lhe na bocca como um defunto podre que
vae estoirar; cravou as unhas na madeira e agarrou com os dentes o caixilho
da porta, para não se deixar cahir.
Era hiorrivel o que se passava no quarto dos noivos.
Era o seguinte
27
:
(Continua amanhan.)
27
Os sublinhados são nossos.
66
(GAZETINHA, 3 de jan. 1882, p.3).
No final do capítulo “O que faziam no quarto os noivos?!”, o narrador utiliza-se de
construções compostas por comparações que servem para ilustrar com imagens o clima de
tensão contido no trecho desta seqüência, sistematiza neste ambiente de suspense a
possibilidade de deixar no ar, para o leitor, os rumos dos acontecimentos aguçando nesse
leitor a sua curiosidade para seguir a leitura na próxima edição do jornal, no capítulo III.
O título do capítulo insinua a possibilidade. Isso é claro antes de lermos esse capítulo
II, de acontecimentos sedutores no quarto dos noivos, uma troca de beijos e carícias que
confluem numa relação sexual; mas o que se dá nesses aposentos é bem diferente do esperado
para os acontecimentos em um quarto de núpcias cujo desfecho só será revelado no capítulo
seguinte, o capítulo III do dia 4 de janeiro de 1882, no jornal GAZETINHA, intitulado O
médico mysterioso.
O título, O médico mysterioso, tira novamente o enfoque do que se dava no capitulo II,
e inicia com comentários sobre o personagem Leonardo, o noivo que, numa crise de loucura
irá atacar a sua noiva e, enfim, que, nesse capitulo III, será socorrida, ela, a noiva Ambrosina,
juntamente com Gabriel, das garras do louco Leonardo pelo médico misterioso, Gaspar.
As figuras de linguagens apresentadas no trecho acima são construídas pela
comparação de elementos. Geir Campos (p.42-3) verifica que comparação é uma espécie de
figura também denominada símile, que é o resultado “do confronto ostensivo de elementos
concretos ou abstratos, reais ou fictícios, semelhantes ou diversos, sempre através de uma
conjunção ou locução conjuntiva (como, assim como, como se, qual, etc.)” que retardam o
“DINAMISMO EXPRESSIVO”.
Quando vemos lá no capítulo II a comparação na narrativa do romance que aparece da
seguinte forma: “Gabriel contraio-se como uma cobra ao fogo”, é possível até imaginarmos o
som da cobra derretendo ao fogo, se contraindo, diminuindo em si mesma e com o conectivo
(conjunção) como é feita uma relação da imagem de contração da cobra, que derrete no fogo,
com a reação ao susto que Gabriel teve com o que viu no quarto dos noivos e com a forma
como recuou, contraindo-se daquilo que via.
Também na outra comparação, “o suor porejou-lhe da fronte em bagas de neve”, a
estratégia também é comparar, relacionar a frieza da neve com o susto que sentira o
personagem Gabriel.
67
E segue o narrador nas comparações: “Quis gritar e a língua inchou-lhe na bocca como
um defunto podre que vae estoirar”, comparações essas que servem como representação da
imobilidade e perplexidade em que ficou o personagem Gabriel com o susto e apreensão que
teve com o a imagem do que vira.
O capítulo II termina com um corte sistemático nos acontecimentos e isso não fica
esclarecido para o leitor o que acontecera no quarto. O capítulo encerra assim: “Era horrível o
que se passava no quarto dos noivos. Era o seguinte:”. O narrador, com esse final de capítulo,
não mostra para o leitor o que se dá no capitulo que recebe o título de O que faziam no quarto
os noivos?!.
Não é explicitado o que faziam no quarto os noivos e fica esse corte que sistematiza
todo o suspense para o próximo capítulo, mas, de qualquer forma, o leitor já fica de
sobreaviso, pois o que acontecia no quarto dos noivos era “horrível” e, então, teso em sua
curiosidade, vai atrás da leitura do próximo capítulo.
O corte sistemático que apresentamos abaixo é um entre tantos outros que ocorrerão
no desenvolver do romance-folhetim: Memórias de um Condenado:
O official de que lhe acabo de fallar, chamava-se Pinto Leite, e seus dois
filhinhos eram: um Gaspar e o outro Anna.
- É exacto! É ! Bem me recordo da pequenita que brincou comigo em
outro tempo! Disse Gaspar com muito interesse. – Mas, si me não engano,
essa pequenita fora para um collegio, quando ...
- Já lá vamos! Já lá vamos! Respondeu Violante, fazendo um signal ao
outro, - ouça o resto
28
!
(Continua amanhan.)
(GAZETINHA, 11 de jan. 1882, p.2).
O corte sistemático deixa em suspense a conversa de Violante com o Dr. Gaspar, o
médico misterioso, que estava sob os cuidados de Violante, pois, ocasionalmente fora
encontrado pela mesma e pelo seu cocheiro. Gaspar estava atirado quase sem roupa, no chão
de uma estrada deserta e foi daí recolhido pelo cocheiro de Violante e levado para a casa dela.
Fica no ar, para o leitor, a continuação, mais uma vez, da história, e ele, o leitor, preso à
narrativa e cheio de curiosidades irá, provavelmente, em busca de ler o próximo capítulo do
romance. Abaixo outros exemplos de cortes sistemáticos:
28
O sublinhado é nosso.
68
Pôde então realizar uma idea, que lhe trabalhava há muito no cérebro –
escreveu no Jornal do Commercio uma serie de mofinas contra o
imperdoável coronel.
Moscoso, depois de uma noite de trabalho, foi à redação daquella
folha e entregou a publicação.
A mofina dizia assim:
(continua amanhan.)
(GAZETINHA, 5 de jan. 1882, p. 3).
________XXX____________
O logar dos médicos é a cabeceira dos doentes! Deixe-me cumprir o meu
dever, e depois terá tempo de sobra para enxotar-me de sua casa!
E assentando-se de novo, para continuar o trabalho, disse
resolutamente: - Eu fico!
Vejamos no seguinte capitulo si o commendador tinha razão.
(Continua amanhan.)
(GAZETINHA, 4 de jan.1882, p. 2).
________XXX____________
Entretanto, por detraz de seu leito, sem ser vista e sem ser ouvida, uma
mulher velava-lhe o somno e parecia cobrir o vulto prostrado de Gabriel
com o olhar de amor e ternura, com si o cobrisse em um véu.
Era Eugenia.
(Continua.)
(GAZETINHA, 8 de fev. 1882, p. 3).
________XXX____________
Eugenia cansou de esperal-o na seguinte noite, depois na outra, e
ainda na outra.
E assim esperou por muito tempo – as taes coisas que Gabriel lhe
tinha para contar ella nunca as veio a saber!
(Continua.)
(GAZETINHA, 13, 14 de fev. 1882, p. 1).
________XXX____________
Sem fazer caso dessas coisas e de meia dúzia de cadeiras feias, de pau,
podemos atravessar discretamente o singelo quarto em que dorme Laura
com a avosinha e penetrar na ultima sala, onde já fumegava a ceia destina
aos hospedes.
Ambrosina, porém, declarou que não podia comer e que precisava
descançar.
Fizeram-na recolher.
Alfredo queixou-se de dores de cabeça, mas foi fazer companhia ao
cocheiro.
Laura não tirava os olhos de Ambrosina.
Continua.)
(GAZINHA, 4 de mar. 1882, p. 3).
________XXX____________
- Uma carta dirigida ao Mello Rosa? ... pensou elle – É singular!...
69
E, guardando as outras no bolso, abrio avidamente a que lhe era
dirigida.
Logo com as primeiras palavras, um estremecimento nervoso lhe
percorreu o corpo e o suor pingou lhe da fronte.
Gabriel tornou a assentar-se n’uma cadeira, e concentrou-se na
seguinte leitura:
(Continua.)
(GAZETINHA, 24 de mar. 1882, p. 2).
O escritor procura localizar ao leitor o desenvolvimento da narrativa e esclarece as
tantas idas e vindas nela existentes, numa digressão que freia o tempo desenvolvido da
narrativa e longamente explicita para o leitor o processo criativo; é claro, serve também como
documento que contraria as idéias daqueles críticos que dizem que no conjunto de sua obra,
Aluísio Azevedo escrevia obras menores e obras maiores.
Aluísio Azevedo dá ao seu leitor detalhes de seu processo de criação e há material
exposto na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, que auxilia na ilustração da produção
literária de referido escritor.
RIBEIRO (1996) apresenta a esse processo de esclarecimento do andamento da
narrativa como sendo um didatismo narrativo, a uma retomada de relatos interrompidos com
resumos do que havia acontecido até então, com chamadas e anúncios do que vai acontecer e
as coincidências sublinhadas. Esse didatismo exerce o papel de uma digressão na narrativa. O
Michaelis: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (1998) chama de digressão a um
desvio de rumo, de assunto ou tema de conversa, uma divagação.
No capítulo LXX, Gustavo Mostella, em mais um momento de didatismo narrativo,
o narrador inicia da seguinte maneira: “É um novo personagem que vae entrar em scena. Mas,
como tem elle de tomar parte muito directa nos acontecimentos que se vão travar no
desenvolvimento deste livro, forçoso é que, para estudal-o bem pela rama, remontemos aos
factos posteriores”. E continua: “Quem tiver acompanhado conscienciosamente o que vai
escripto pelo correr da obra, deve lembrar que, no capítulo XI
29
, quando nos referimos á casa
de Paulo Mostella, dissemos que Virginia, sua mulher, estava grávida”. (...) “É que, como
facilmente pôde verificar o leitor, são decorridos vinte annos depois disso
30
, isto é, depois da
morte de Violante, cujo episodio se verificou justamente na mesma epocha.”. E segue: “O
29
O sublinhado é nosso.
30
O sublinhado é nosso.
70
resto ver-se-á pelo caminhar dos acontecimentos
31
. O que definitivamente não se pode ver por
ahi é o seu passado, razão porque o vamos patenterar, o mais summariamente que nos for
possível: ...”. Nesta digressão, o narrador apresenta um resumo dos vinte anos e se prepara
para detalhar a infância de Gustavo.
No capítulo 76, Um de menos, divulgado nos dias 24 e 25 de abril de 1882, no jornal
GAZETINHA, o narrador observa: “Como o leitor já comprehendeu naturalmente
32
, o defunto
que Gustavo retratara com tanta convicção era Alfredo, o divertido velho Marmelada, de que
em tempos tanto gostaram os moleques”.
MESSAC (1974, apud RIBEIRO, 1996, p.30) analisa a técnica de conduzir para trás,
que ele vê como o “procedimento de o foco narrativo retomar o fio da ação de um
personagem” que tinha seu “relato das aventuras” sido interrompido anteriormente para
“contar os eventos ligados aos outros participantes da história; na retomada há sempre uma
pequena lembrança do narrador relativa à situação em que se estava”.
RIBEIRO (1996, p.45), no seu painel das técnicas folhetinescas, enumera entre essas
aquela que é a “técnica de conduzir para trás: retomada da exposição do fio das ações de um
personagem, cujo relato das aventuras tinha sido interrompido anteriormente para a
focalização do dos episódios ligados a outros participantes da história”.
De nosso levantamento por amostragem, temos, dentre os exemplos da técnica de
conduzir para trás, o capítulo 27, Volta-se ao principio, do dia 8 de fevereiro de 1882 e é
bom lembrar que esse capítulo toma outro título na sua publicação em livro.
O título já dá um caráter de retomada de assunto, de verificação ao que foi dito até
então e esse título caracteriza bem a roupagem didática que possui um romance-folhetim, cujo
capítulo se inicia com a construção:
Vamos recahir no ponto em que este romance principiou; vamos
penetrar de novo na bella chácara em que se effectuou o casamento de
Ambrosina com Leonardo; vamos, finalmente, saber o que se seguiu às
scenas de hydrophiobia... (GAZETINHA, 8 de fev. 1882, p. 2).
Com a retomada, o narrador volta ao início do romance e reinicia esse ponto da
narrativa que fora interrompido anteriormente para contar outro núcleo do romance. A
condução do narrador continua assim:
31
O sublinhado é nosso.
32
O sublinhado é nosso.
71
... antes de fecharmos este grande parenthesis, é de urgente necessidade
esclarecer ao leitor sobre os acontecimentos, que medearam entre a ultima
situação e a situação com que principiou esta muito verídica narrativa ...
(GAZETINHA, 8 de fev. 1882, p. 2).
E o capítulo XXVII segue na transcrição abaixo:
Resume-se em poucas palavras:
O coronel, depois de alguns dias de soffrimentos, expirou aos braços
do filho, ao lado de Gabriel e de Alfredo.
O pobre velho não foi abandonado nos seus últimos momentos, e fechou os
olhos com a physionomia banhada da mais doce resignação e da mais
tranqüila consolação religiosa.
[...]
Chegou, afinal, o grande dia, e tudo correu ás mil maravilhas, até a
hora em que os noivos fugiram para a independência feliz de seu
pavilhãozinho azul.
Depois vio o leitor, pelos primeiros capítulos, todas as desgraças que
succederam
33
.
Pois bem. Vamos encontrar nossos heroes na critica situação em que
os deixamos:
Gaspar fora sorprehendido pelo commedador, na occasião em que
curava a ferida de Ambrosina, e declarou, apezar de receber ordem para
sahir, que ficava no seu posto de medico. Gabriel fora recolhido a um
quarto; e o noivo, tão violentamente atacado de hydrophobia, teve de
resignar-se a ser encerrado em uma prisão..... ((GAZETINHA, 8 de fev.
1882, p. 2).
O narrador faz da técnica de conduzir para trás um ponto para relembrar ao leitor os
fatos anteriormente acontecidos na narrativa. São resumidos os fatos ocorridos até o momento
e o narrador dialoga mais uma vez com o leitor no trecho: “Depois vio o leitor, pelos primeiros
capítulos, todas as degraças que succederam” e segue nas suas explicações sobre os ocorridos
na narrativa até o presente momento.
Abaixo, apresentamos um apanhado de mais exemplos sobre essa técnica de conduzir
para trás:
(1)
... Deixemol-os seguir o caminho da casa do Medico Mysterioso, e
voltemos à sala de jantar de Gabriel, porque ahi ficou alguém esquecido
( ...)
Veremos depois o destino que ella tomou.
Por emquanto, voltemos inda uma vez a sala de jantar.
33
O sublinhado é nosso.
72
O pobre pachorrento Alfredo ficára esquecido ahi. Eram delle os
gritos de socorro.
(GAZETINHA, 27, 28 de fev. 1882, p.2)
(2)
Mas, antes disso, é preciso lembrarmo-nos que, nessa occasião,
Gabriel procurava Jorge, Jorge procurava Mello Rosa e Mello Rosa
procurava Ambrosina. Esta, por conseguinte, ficou em completa
independência na companhia de Laura.
E, emquanto entre as duas se realisaram as scenas que vamos narrar,
Gabriel era detido dentro de um escaler na bahia; Mello Rosa era preso,
como vimos, no Engenho Novo, pelo pae de Laura, que o ficára guardando
à vista.
(...)
Por este tempo, como vimos no capitulo LIII, Gabriel offerecia
dinheiro ao velho escaler, para o largar em terra.
(GAZETINHA, 24 de mar. 1882, p.2)
(3)
A noite, que succedeu ao dia referido no ultimo capitulo, foi uma noite
completa de desordem, de embriaguez, de despendio e de loucuras.
(GAZETINHA, 10, 11 de abr. 1882, p.2)
(4)
... A mulher então atirou-se ao trabalho, e lavou, lavou com talento,
com coragem e com alma, o que, aliás, é muito razoável, si nos dermos ao
trabalho de meditar as tradicções de que falla o capítulo XVI, por onde sabe
o leitor que a avó da viúva do commendador foi a melhor lavadeira do
Rocio Pequeno.
- Quem puxa aos seus não desmente a raça!
(GAZETINHA, 20 de abr.1882, p.2)
(5)
... Gabriel estendeu-se na sua poltrona, deixou cahir para traz a cabeça
e espetou o tecto com o mesmo olhar do capítulo LXXIII ...
(GAZETINHA, 4 de maio 1882, p.2)
(6)
Gaspar não tinha ainda voltado a si do pasmo, que lhe causava o modo
porque o tratava Ambrosina. Elle, que se lembrava ainda das scenas do
capitulo XXXVI, pensou encontral-a pouco expansiva e condescendente ...
(GAZETINHA, 6 de maio 1882, p.3)
(7)
... Depois vio o leitor, pelos primeiros capítulos, todas as desgraças que
succederam.
73
Pois bem. Vamos encontrar nossos heroes na critica situação em que
os deixamos:
Gaspar fora sorprehendido pelo Commendador, na occasião em que
curava a ferida de Ambrosina, e declarou, apezar de receber ordem para
sahir, que ficava no seu posto de medico. Gabriel fora recolhido a um
quarto; e o noivo, tão violentamente atacado de hydrophobia, teve de
resignar-se a ser encerrado em uma prisão. (GAZETINHA, 8 de fev. 1882,
p.3)
GINISTY (1982 apud. RIBEIRO 1996, p. 31), ao falar do melodrama presente no
romance-folhetim, observa que o estilo verbal do melodrama é “bastante imponente,
chegando-se a isso pelo emprego de um tom pomposo, pela utilização de uma profusão de
máximas morais
34
espalhadas pelos diálogos e pela abundância de epítetos”.
No dicionário da Língua Portuguesa, epíteto é denominado de adjetivo e o verbo
epipetar significa adjetivar e no Pequeno Dicionário de Arte Poética, de Geir Campos, epíteto
é uma espécie de adjetivo que se limita a referir uma qualidade intrínseca do objeto
adjetivado.
No romance Memórias de um Condemnado, Aluísio Azevedo utiliza em seu processo
de criação epítetos para qualificar os seus personagens, e aqui aproveitamos para dizer que
não caracteriza apenas os vilões com epítetos como acontece no romance seriado, mas
caracteriza também aquele personagem que tem um traço marcante, certo comportamento
enigmático, como é o caso do Médico Mysterioso, o Dr. Gaspar, padrasto de Gabriel.
O estilo verbal que o autor utiliza em sua produção não é pomposo como o do
melodrama, e, por outro lado, Aluísio Azevedo utiliza também, como o melodrama, de
profusão de máximas morais em seu texto. Entre os epítetos encontrados, há o “Medico
Mysterioso”, “Jorge Trovoada”, “Vela de Sebo”.
No romance de Aluísio, há, além de epítetos, máximas morais como as que seguem:
“O logar dos médicos é a cabeceira dos doentes”; “quem quer a moça puxa da bolsa”; “Tire o
cavallo da chuva!”; “Mais vale prevenido no mar, que desprevenido em terra”, “Mais vale um
pássaro na mão, que dous a voar! e essas máximas são a representação da expressão de uma
sociedade
35
.
34
O negrito é nosso.
35
Os sublinhados são nossos.
74
A linguagem oral também está presente neste romance e isso pode ser detalhado pelos
termos que nele encontramos: “patuscada”, “balata”, “toleirão”, “typa”, “maganão”, “o typo é
muito pelludo” (tem dinheiro).
Messac (apud RIBEIRO 1996, p.29-36) aponta para o fato de serem as “personagens
da narrativa folhetinesca, conduzidas de acordo com a vontade do autor” e apresenta também
como característica do romance-folhetim o acúmulo de acontecimentos e catástrofes,
oriundos do melodrama. Diz que “o procedimento narrativo do acúmulo de acontecimentos e
catástrofes existente no melodrama” é no romance folhetim a “técnica de explorar
continuamente lances teatrais com bruscas mudanças imprevistas nos acontecimentos”. Regis
aprecia, por fim, que “o romance-folhetimo é um gênero concebido de maneira refletida
pelo artista, ao contrário, ele é um resultado das forças sociais, vistas como fatores que
envolvem a produção literária”. Explica que “tais fatores são as pressões do público, dos
editores, a força do dinheiro e a imitação das influências que estão ao redor e fora da
literatura”.
RIBEIRO (1996, p.45), em seu painel da convenção narrativa folhetinesca, aponta
para a técnica de priorizar a ação dos personagens como unidade narrativa aglutinadora
para o desenvolvimento da história: canalização dos recursos de expressão para esse fim;
acúmulo de acontecimentos-catástrofes e outros elementos propulsores e o romance
Memórias de um Condemnado é constituído pelo acúmulo de acontecimentos-catástrofes.
Os acontecimentos encontrados no romance-folhetim de Aluísio Azevedo possuem
muitas idas e vindas rodeadas de suicídios e ataques de loucura. O início do romance, com o
título do primeiro capítulo, O punhal de família, canaliza a narrativa com um recurso para a
ocorrência de uma catástrofe e termina como o seguinte trecho:
... Gabriel, entretanto, apalpava a lamina de um punhal que levava na
algibeira, murmurando no cérebro este pensamento – Conto contigo,
companheiro fiel de minha mãe.
(Continua.)
(GAZETINHA, 2 de jan. 1882, p.2)
Esse clima de catástrofes segue no capítulo II, quando o clima aumenta e deixa em
suspense o seu final para, daí sim, no capítulo III, O Médico Mysterioso, desvendar o que de
fato se dava no quarto dos noivos. E o capítulo II apresenta como será mostrado no exemplo
abaixo, um final de suspense:
75
Quiz gritar e a língua inchou-lhe na bocca como um defunto podre que vae
estoirar; cravou as unhas na madeira e agarrou com os dentes o caixilho da
porta, para não se deixar cahir.
Era horrível o que se passava no quarto dos noivos.
Era o seguinte:
(Continua amanhan.)
(GAZETINHA, 3 de jan. 1882, p..3)
No capítulo III, O Médico Mysterioso, o narrador apresenta definitivamente o que
acontecia no quarto do noivo, um cenário composto pela perseguição e loucura de Leonardo.
Abaixo apresentamos fragmentos destas cenas:
... mal tinha trocado com a noiva as primeiras ternuras, quando sentio
agitar-lhe o corpo alguma coisa estranha e o sangue precipitar-se com
assanhamento pelas veias.
(...)
Leonardo principiou então a fazer tregeitos e momices de doudo e, ao
passar pelo espelho, vio a sua figura alterar. Desprendeu um ronco
formidável e despedaçou a lamina de vidro com um murro.
(...)
Ambrosina corria de um canto a outro do quarto, estonteada, como a
corça perseguida pelo galgo; ora escondia-se no cortinado da cama, ora
agachava-se atraz dos moveisinhos elegantes e delicados, para fugir do
olhar de Leonardo.
Elle, afinal, saltou, grunhindo, pela cama, e segurou-a com ois dentes
por um dos braços. (...) Leonardo precipitou-se com uma alegria feroz sobre
ella e, entre roncos, ferrou-lhe uma dentada na polpa macia de um dos seios.
(GAZETINHA, 4 de jan. 1882, p.2)
No capítulo, ainda entram em luta corporal Gabriel e Leonardo, pois Gabriel pretendia
livrar Ambrosina das garras do noivo. Gaspar chega à cena do quarto, ajuda Gabriel, aplica
um pano com cheiro nas narinas do louco, que adormece. Gaspar presta socorro à mulher,
Ambrosina e ao seu enteado, Gabriel.
No capítulo XIII, Sangue, mais uma cena de catástrofe, e o próprio nome do capítulo
já indica a cor da cena, como pode ser visto abaixo:
... E Violante saccou o punhal do seio:
- Lembre-se que, ao herdar este ferro, já elle tinha servido muitas
vezes. Lembre-se que com elle herdei egualmente o sangue de meu pae e o
gênio de minha mãe! Afaste-se ou eu abrirei caminho!
(...)
- Desce, vae à rua, e dize ao homem que lá está, que não preciso delle
mais, nunca mais! Dá-lhe dinheiro e recommeda-lhe que nunca mais me
appareça.
76
Gaspar desceu a escada a três e três degraus.
Ao voltar ao quarto de Violante, soltou um grito: ella estava estendida
no tapete, ao comprido do leito, e seu collo nadava em sangue.
(Continua amanhan.)
(GAZETINHA, 18 jan. 1882, p.2, 3)
Dá-se, neste capítulo, o desfecho da intenção de Violante de se vingar de Paulo
Mostella, matando-o. Isso não acontece, Violante fica sabendo, e isso também é mais uma
característica do romance-folhetim, que aquele de quem ela pretendia se vingar era nada mais
nada menos que o cunhado de Gaspar, casado com Virginia, irmã de Gaspar; uma
coincidência, o acaso.
É preciso lembrar aqui um pouco da estória. Gaspar e Violante se encontram no
momento em que Gaspar fora jogado na rua por um homem, a mando de mulher interesseira
que o roubara depois de lançar em seu chá duas gotas de ópio. Mas, retomando ao nosso
ponto, Violante fica sabendo da impossibilidade de realizar sua vingança e, aflita, resolve dar
cabo de sua vida.
No capítulo XXXVIII, Doidices, mais cenas de acontecimentos-catástrofes. No
jantar promovido aos convivas por Gabriel e Ambrosina, lá pelas tantas, depois de muita
bebida, Mello Rosa e Ambrosina saem às escondidas para o quintal e se beijam, trocam
carícias. Gaspar, que chegou mais tarde, às escondidas e sem ser convidado e desejado por
Ambrosina naquele lugar, vê a cena de traição e avisa Gabriel, planejando sair com ele
daquele lugar. Surge Leonardo, o noivo de Ambrosina que enlouquecera, e persegue a todos.
Veja-se abaixo fragmentos desse capítulo:
O jantar havia se convertido em orgia, quando appareceu o Medico
Mysterioso.
(...)
A embriaguez e a fraca claridade da lua não permitiram logo a Gabriel
reconhecer a amante nos bgraços de Mello Rosa, porém, pela voz dos dous
e pelo assumpto do que convesavam, elle certificou-se n’um relance que
erea trahido, e precipitou-se com fúria sobre os criminosos, esclamando
como um louco:
- Infames” Infames!
(...)
Entretanto, o doido, percebeu Ambrosina e soltou uma gargalhada:
- Até que afinal te encontrei! Berrou elle.
Ambrosina olhou em torno de si e reparou, tremula, que a sala estava
fechada.
O doido correu para ella.
(Continua.)
(GAZETINHA, 26 de fev. 1882, p.2- 3)
77
No capítulo CI, Suicidio, como o nome indica, Gustavo se suicida. Assim como o seu
pai, Paulo Mostella, Gustavo resolve o seu desespero com o suicídio. Veja abaixo os motivos
e o desfecho desse acontecimento catastrófico:
... Gustavo fugio, quase a correr; o coração dava-lhe saltos por
dentro
36
.
Entrou em casa pelos fundos, foi ao seu quarto. Estella não o sentio,
elle tomou papel e escreveu:
“João de Mattos é innocente. O único criminoso sou eu – fui eu quem
roubou os dez contos da Estrada de Ferro. Faço esta declaração para que
não seja injustamente castigado quem nenhuma culpa teve do que fiz.
Depois de fechar esta carta sobrescriptou-a ao Director de sua
repartição e escreveu uma outra, dirigida a mulher.
(...)
Gustavo accendeu um cigarro, e poz-se a passeiar ao comprido da
tolda.
A barca caminhava.
No meio da Bahia, elle atirou fora o seu cigarro, saltou uma grade, que
guardava os bancos; depois, de pé nas bordas desamparadas do tombadilho,
olhou por alguns instanrtes o mar, e afinal, de um salto, precipitou-se nelle..
Vio-se seu corpo desenhar-se, em todo o comprimento no espaço,
depois, vergar um tanto para frente e cahir estateladamente na massa
elástica das ondas.
- Homem ao mar! Gritou uma voz.
Mas ninguém se mexeu.
(Continua.)
(GAZETINHA, 29, 30 de maio 1882, p.2)
No capítulo CV, Desfecho, mais um momento de acontecimento-catástrofe, o que
ocorre no desfecho final da estória do romance quando Gabriel mata Ambrosina e, depois, na
cela, não agüentando de saudades da amada, comete suicídio com o já conhecido punhal que
herdara de sua mãe. Veja-se abaixo:
Gabriel parou defronte da vitrina do Farani. Os dous brilhantes, as
duas tentações de Ambrosina, lá estavam a fital-o, como dous olhos, no
meio de um cortejo rico de scintillações.
(...)
Gabriel dirigio-se então a uma casa d’armas. Ahi comprou um jogo de
pistolas, de carregar com bala, systema antigo, usadas agora para atirar ao
alvo (...)
36
O sublinhado é nosso.
78
Acabado o jantar, seguio para a casa de Ambrosina, depois de carregar
as pistolas com os brilhantes que levava comsigo.
(...)
- Prompto, disse ella com os olhos vendados.
Gabriel então, que já tinha tirado as pistolas da algibeira, fez pontaria
sobre o collo de Ambrosina.
- Ahi os tens! Exclamou elle. E desfechou.
Ambrosina caiu de costas, banhada em sangue.
(...)
Soubemos depois que, emquanto forneciamos diariamente ao leitor os
cento e tantos capítulos, que ahi ficam, Gabriel era accusado, julgado e
condemnado a galés perpetuas, com trabalhos forçados.
Mas, no dia em que devia principiar a cumprir a sentença, foi
encontrado morto na prisão, tendo ao seu lado um punhalsinho e uma folha
de papel, escripta de principio a fim, uma lettra tremula e quase illegivel. ...
(GAZETINHA, 4 de jun.1882, p.2-3)
RIBEIRO (1996, p.44) relaciona ainda ao seu painel das características folhetinescas,
a utilização de títulos atraentes para seduzir o leitor. Nessa linha, fizemos uma lista com
os que achamos que melhor se aproximam desse esquema de títulos atraentes, extraídos do
romance seriado: Memórias de um Condemnado, de Aluísio Azevedo: O punhal de família
cap. I; O que faziam no quarto os noivos?! – cap. II; Momento de vingança – cap. XII;
Desaparece o Commendador – cap. XXIX; A casa dos amantes – cap. XXXII; Caminho do
Inferno – cap. LXIII; Vingança de Mulher – cap. LXXXIII e; Suicídio, cap. CI.
Alfred Nettement (1845, apud RIBEIRO, 1996, p.28-9) relata que um dos temas que
encontra nos folhetins é aquele do “governo das coisas humanas deixado à fatalidade e ao
acaso”, aquilo que RIBEIRO (1996) aplica em seu painel como sendo a utilização do acaso
como ponto de convergência entre alguns acontecimentos da narração. E, no romance-
folhetim: Memórias de um Condemnado, há essa utilização do acaso no momento em que
Violante, quando vinha pelas ruas de Buenos Aires, à noite, vê, ao passar com sua charrete,
um homem caído.
A coincidência é que esse homem é Gaspar, filho do Coronel Pinte Leite, que outrora,
na infância de Gaspar, quando o coronel servia ao Exército brasileiro na Argentina, ajudara
Violante, ainda menina e a quem o coronel encontrara pela rua pedindo socorro, pois tinha sua
mãe morta e em estado de putrefação e precisava de ajuda; o coronel ajuda no enterro e na
educação da menina. Outra coincidência vista no romance, outro acaso, é quando no capítulo
XI, Em Pernambuco, dá-se que o homem que Violante desejava assassinar vem a ser o futuro
cunhado de Gaspar e marido de Virginia.
79
Aluísio Azevedo, nessa relação em processo com o seu leitor, além do diálogo criado
nas digressões apresentadas em seus romances seriados, articula o texto literário com o texto
de colunas existentes no jornal, transportando delas a essência e o aspecto de sua estrutura,
que fala de personalidades, de grandes figurões, homens importantes, escritores, mas, em seu
romance Memórias de um Condenado, nos capítulos Typos e Typões e Typos Fluminenses, o
autor constrói um modo às avessas daquele quadro existente no jornal; ele destrói o caráter de
herói extraído da essência da coluna do jornal.
O autor cria ironia e comicidade, pois a coluna do jornal GAZETINHA fala de
personalidades ilustres da época, tais como José do Patrocínio, Araripe Júnior, Machado de
Assis, por exemplo, e que está diariamente publicada numa das páginas do jornal com o título
de TYPOS E TYPÕES.
A essência do nome da coluna apresentada no jornal irá refletir como num espelho no
romance: Memórias de um Condenado, de Aluísio Azevedo. Essa essência surge invertida,
pois, nos capítulos do romance intitulados: TYPOS FLUMINENSES e TYPOS E TIPÕES,
criados por Aluísio Azevedo, há tipos caracterizados negativamente:
D. Ursulina, casada com um negociante inglez, que às vezes se dava à
phantasia do copo. Era mãe de duas meninas, uma das quaes fazia as
delicias dos rapazes namoradores do Engenho Novo; e a outra os cuidados
da velha, que enxergava nella, com olhos experimentados, todas as
qualidades percursoras de um eterno celibato.
A namoradeira chamava-se Emilia, e acudia ao chistoso nome de
Nhan-Nhan Miló; a outra era pura e simplesmente Eugenia. (...)
Ursulina era uma senhora de quarenta annos, pouco mais ou menos.
Tinha a carne ampla, o peito cheio, o pescoço afogado em roscas, as mãos
papudas, dentes pequeninos e um tanto gastos das repetidas esfregações;
olhos tíbios, grandes, de um preto fusco. Dava-se ao uso exagerado da
perfumaria franceza e fazia-se romântica quando estava entre estranhos.
O marido nunca dera por isso. Fora sempre um verdadeiro negociante
inglez – secco, áspero, sem bigode, fallando o portuguez a soccos, e
mostrando-se systematicamente indifferente ao que não fosse de seu
interesse immediato... (GAZETINHA, 3 de jan. 1882, p.2)
________________
No Domingo Gordo reuniram-se no quarto de Gabriel os seguintes
typos: O Juca Paiva. Sujeitinho baixo, gordo, de bigode encerado, olhos
sensuaes, cabellos crespos, e a voz cheia de doçuras.
Muito querido das mulheres, cujas aventuras constituíam o principal
assumpto de sua conversa.
80
Paiva fora sustentado pela família até uma certa época, depois, com a
morte do pae, passára a fazer parte do escriptorio commercial de um velho
amigo do defunto. Porém motivos, que aliás não ficaram bem esclarecidos,
levaram o patrão a despedir o empregado, e Paiva para consolar-se atirou-se
nos braços de uma sujeita, que dava o beicinho por elle, e da qual elle nunca
mais teve animo de separar-se.
_ Homem! Dizia algumas vezes um amigo qualquer – Tu parece que
tens pacha pela “Bocca de Forno!...”
Essa era a alcunha da tal sujeita.
E o Paiva respondia sempre, com um ar seguro: - Não. É
simplesmente uma questão de gratidão! Porque, menino, crê que devo
muitas àquella mulher!
As relações amorosas do Paiva tornaram-se conhecidas entre os
pandigos do Rio. Todos sabiam que o Paiva vivia à custa da Bocca de
Forno, e já ninguem lhe ia às mãos por amor disso. Elle, no fim das contas,
coitado! Que havia de fazer?! Era um pobre homem sem habilitações para
um concurso, sem jeito para o commercio, e sem officio! ...
(GAZETINHA, 6 de abr. 1882, p.2)
Num processo de hipertexto, o narrador se utiliza de um texto do jornal para criar
outro texto, ou para relacioná-lo com outro texto, o seu romance seriado. GENETTE (p.97)
em Introdução ao Arquitexto observa que uma transcendência textual é tudo o que põe um
texto em relação, manifesta ou secreta, com outro texto, o que o autor chama de
transtextualidade que nela engloba a intertextualidade, trata-se da presença literal de um texto
noutro texto. Também a respeito dessa intertextualidade, ELAN (2000, apud. RIBEIRO,
2007, p. 17) verifica que, no processo de composição por hipertexto, dá-se a “criação de um
novo texto com base inicial num texto anterior”.
O prólogo, por sua vez, anuncia Memórias de um Condenado e primeiramente parece
servir como documento na tentativa de aproximar o caso que se dará no romance a um fato
extraído de uma suposta realidade, da carta que o prisioneiro envia, por intermédio de uma
velhinha, ao romancista, em seu escritório.
O prólogo funciona como elemento que dá veracidade aos fatos e que, por sua vez,
fisga o leitor na sua curiosidade de leitor:
... Hontem
37
veio ao escriptorio desta folha uma pobre mulher, velha e
adoentada, que dizia com ar mysterioso precisar entender-se com um de
nós.
E, cheia de movimentos desconfiados, mostrou-nos uma carta, em cujo
sobscripto estava meu nome.
Fil-a entrar, e apressei-me em abrir a carta, que era escripta por um moço,
que se acha há mezes preso na Casa de Correcção.
37
Procuramos manter em nossa transcrição, a escrita original.
81
A leitura daquellas palavras, francas e vehementes, deixara-me possuído de
uma estranha commoção. Havia em tudo aquillo um facto que precisava ser
explicado, talvez um crime abominável, talvez uma grande desgraça.
Entendi não deixar em silencio similhante coisa, e estou resolvido a
publicar tudo o que souber a respeito do condemnado... (GAZETINHA, 1
de jan. 1882, p.2)
O título do prólogo, Um caso extraordinário, traz em si um clima de suspense. Pode
tratar de um caso fora de ordem, inesperado, não comum, um caso que foge ao habitual. Esse
título que apresenta o prólogo, porta em si os aspectos do romance seriado, que tem como
uma de suas características a manutenção desse clima de suspense e de coisas extraordinárias
que se dão com os fatos. O simples emprego de um personagem idoso, uma velhinha, já cria
esse clima de veracidade e suspense. E a carta que o prisioneiro envia ao autor pelas mãos da
velhinha diz o seguinte:
... Casa de Correção, em 30 de dezembro de 1881.
“Sr. Aluízio Azevedo.
“Si bem que não tenha a honra de conhecel-o pessoalmente, li
comtudo o seu romance O Mulato, ultimamente publicado no Maranhão, e
por elle fiquei conhecendo o seu caracter, o seu coração, como fiquei a par
de suas idéias e de suas intenções.
“Póde ser que esteja enganado, disse eu, mas um homem que toma a
peito, com tanto desinteresse, a causa dos desprotegidos e dos repudiados,
um homem que se constitui o advogado espontâneo de alguns infelizes, não
póde ser indiferente á desgraça e á miséria de quem escreve estas linhas,
entre as paredes de uma prisão.
Sei que sou criminoso, sei que mereço castigo; matei e não me
arrependo de haver matado; matei porque amava, porque dediquei alma,
coração e fortuna a uma mulher má e sem dignidade. Entretanto, si mereço
o castigo da lei, não mereço o castigo da sociedade; devo inspirar mais
compaixão do que ódio... (GAZETINHA, 1 de jan. 1882, p.2)
O autor da carta (prisioneiro) assina com as iniciais de seu nome G. de L. R., fato que
também serve como criador de um clima de veracidade para os acontecimentos. No trecho
acima, na carta, o preso anuncia, o que serve também como mais uma propaganda do autor de
seu produto, o título de um romance anteriormente publicado por Aluísio Azevedo, O Mulato.
No momento da carta, o seu autor explica os motivos que o levaram a enviar trechos
de sua vida ao escritor. Exalta os traços de seriedade da escrita de Aluísio e garante a
manutenção da verdade mais uma vez ao leitor.
82
O personagem Gabriel (o preso), assim como a velhinha que entrega o calhamaço para
o autor em seu gabinete, é ficção, é parte da construção de Azevedo, que vai moldando o seu
romance junto ao seu leitor de jornal, seu público, como se fosse algo saído do depoimento de
um criminoso, mas, é invenção, é criação do autor. E o autor continua o prólogo da seguinte
forma:
“O manuscripto, que lhe remetto juncto a esta carta, foi escripto no correr
da penna e sob a influencia dos terríveis acontecimentos que nelle se acham
relatados: não há nessas memorias a menor mentira, nem outra intenção que
não seja prestar um serviço á quem as ler
“Ellas ahi vão – o senhor as lerá e lhes dará o destino que entender.
Si achar que as deve publicar, publique, fazendo as alterações que lhe
parecerem rassoaveis – estão mal escriptas e sem methodo; ao senhor
compete cordenal-as e dar-lhes um estylo supportavel, com tanto que
substitua os nomes que nellas figuram, por outros suppostos e
desconhecidos. Pode também phantasiar mais algumas scenas ou romantizar
alguns dos episódios que lhe pareçam de pouco interesse para o publico.
“Na certeza de que estas palavras não encontrarão a indifferença de V. S.,
desde já beijo-lhe as mãos e confesso-me o mais humilde de seus criados.
G. de L. R.” (GAZETINHA, 1 de jan. 1882, p.2)
Vê-se no trecho acima que há uma acentuada tentativa, por intermédio desta carta do
preso e de seu depoimento nela, de se pôr os fatos no lugar da verdade, num clima de
veracidade de depoimento de vida de tal modo que leva o leitor a acreditar, talvez, na
existência mesmo desse preso e desses acontecimentos.
O autor da carta entrega a sua história de vida em depoimento manuscrito, que, como fica
pressuposto (prólogo), a história de sua vida do depoente poderá servir como um exemplo a
não ser seguido pelos futuros leitores que estiverem em situação parecida. Aluísio Azevedo
encerra o prólogo Um caso extraordinário da seguinte maneira abaixo apresentada:
... Terminada a leitura, a mulher tirou debaixo de seu chalé de chita um
manuscripto volumoso e sujo de tinta, que me entregou discretamente.
Fechei-me no meu quarto, atirei-me de corpo e alma á leitura das
memórias do condemnado.
Ao terminal-as, o sol das seis horas da manhan invadia-me
familarmente o quarto pela ampla janella que eu acabara de abrir, e um
pezar immenso, uma magoa surda e pezada invadiam-me o peito; passei a
mão pelos olhos e reparei que chorava.
As memorias do pobre moço criminoso tinham-me commovido, eram
uma torrente vertiginosa de episódios dramáticos e originaes, cuja narração
sobressaltará o espírito mais calmo e indifferente. Havia alli a febre, o
desespero, a grande lucta dos sentimentos doudos e desencontrados!
83
Não hesitei – peguei da penna e escrevi o romance, que o leitor da
Gazetinha encontrará amanhan neste mesmo canto do jornal.
Esse romance terá por titulo As Memórias de um condemnado.
(GAZETINHA, 1 de jan. 1882, p.2)
Essa relação que o autor inflama com o seu público é fundamental para a compreensão
e introdução de suas idéias e ideais de escritor. Aos poucos, Aluísio Azevedo, ou o narrador
que ele cria para o prólogo, vai convencendo o seu leitor da existência desse preso, e, de sua
comoção ao ler a carta, deixa então teso o lugar da curiosidade do leitor; por fim, mais um
pouco de estratégia com o anúncio da decisão de escrever um romance sobre os fatos
ocorridos com o autor da carta. Fecha a promoção do romance com a frase: “Esse romance
terá por título As memórias de um condemnado”, isso é claro, para criar uma curiosidade no
leitor de jornal que, na coluna FOLHETIM, bebe do prazer de ler diariamente, capítulos do
romance seriado.
Aluísio Azevedo demonstra a habilidade de dialogar o seu texto com a sociedade de
sua época. Estabelece a relação entre texto e leitor e cria uma intertextualidade entre a coluna
do jornal e a narrativa do seu romance: Memórias de um Condemnado.
Aluísio Azevedo, ao utilizar em seu processo de criação de cortes com ganchos nos
finais de segmentos, início de narrativas sem muitos preâmbulos, contendo referências diretas
ao dia, mês e horas da história, cortes sistemáticos no desenvolvimento da história do
romance, demonstra, com isso, ter um grande domínio das técnicas usadas pelos especialistas
franceses na produção de romances-folhetins.
2. CATEGORAIS GERAIS DA NARRATIVA.
A verificação das categorias gerais da narrativa em nosso trabalho auxilia na
justificativa da tese que verifica que a obra de Aluísio Azevedo não pode ser dividida em boa
e má obra, em bons e maus momentos.
A obra de Aluísio é fruto e participação do jornal, ao qual adapta as necessidades e
expectativas do leitor de jornal e também mantém o perfil de escritor, que, mesmo nos
romances ditos românticos, pulveriza características da escrita do naturalismo e vende
literatura, divulga e comercializa industrialmente os seus romances seriados.
84
A produção literária no jornal implica uma mudança na estrutura do romance e Aluísio
Azevedo aproveita das categorias da narrativa em sua produção de romance seriado, mas
adapta essas categorias às expectativas do leitor implícito no jornal, criando neste veículo um
lugar de diálogo com o leitor.
A Condessa Vésper é um romance originário do romance seriado Memórias de um
Condenado, veiculado no jornal GAZETINHA, na cidade do Rio de Janeiro em 1882. Esse
romance tem sua divulgação em livro no ano de 1902, quando passa a se chamar A Condessa
Vésper, titulo que pode centralizar o romance na mulher Ambrosina, conhecida por condessa
Vésper, a vespertina, primeira, rápida, fugaz.
Todos os aspectos do livro preservam a mesma história do romance seriado publicado
no jornal, mas as estruturas do romance seriado e a do romance em livro são diferentes. No
romance seriado, há digressões em grande quantidade, retornos e cortes sistemáticos os quais
são diluídos na narrativa do romance em livro.
Toda narrativa se arma de um narrador, de uma voz narrativa, de tempos narrativos e
da focalização de um ou de vários personagens para contar e expressar uma história
38
. Abaixo
dois capítulos de romances, um retirado do jornal e o outro do livro. Ambos compreendem o
mesmo assunto, mas, ao pensarmos na forma como são escritos e até no título que levam,
percebemos algumas diferenças fundamentais:
(1)
MEMÓRIAS DE UM CONDEMNADO
II. O QUE FAZIAM NO QUARTO OS NOIVOS?!
A festa principiava já a dissolver-se em cansaço
39
; via-se a grande
meza devastada, como
40
um campo depois da batalha. As garrafas vazias,
vivamente pretas, lembravam peças de artilheria abandonadas; o vinho
corrèra com desperdício, como si fosse sangue de soldados; os restos dos
frangos e dos leitões mostravam, n’uma immobilidade heróica, os ossos
despojados e as carnes alanhadas; as empadas, redondas, amarellas e
inchadas, impertigavam-se impudicamente fora dos pratos, como si fossem
ventres nus. Algumas tinham grandes, rasgões feitos a faca, e derramavam
na brancura da toalha o recheio gordo e repulsivo como intestinos; as
azeitonas rolavam por toda a extensão da meza, como balas perdidas: um
grande peru, deitado de costas no prato travesso, tinha um trinchante
espetado cruamente no peito, que se erguia com a intrepidez dos antigos
soldados de Roma
41
.
38
Um romance é uma estória e uma estória é uma “narrativa de acontecimentos dispostos em uma seqüência
no tempo”, observa FORSTER (1974).
39
O sublinhado é nosso.
40
O negrito é nosso.
41
O negrito e o sublinhado nos termos são nossos.
85
No meio de todo este destroço, dominante, altiva, erguia-se uma noiva
de alfenim, coroada de assucar e vestida de papel fino
. A luz do gaz fazia-a
destacar-se alli como uma idea capital se destaca de uma alluvião de
pensamentos.
42
Aquella boneca, que se podia derreter com um bochecho d’agua,
representava, entretanto, alli n’aquella meza, uma instituição, um principio;
representava a família!
Naquelle alfenim, frágil, immaculado e altivo, havia a doçura do lar, a
pureza do amor conjugal e a fragilidade da honra de um marido.
Todos a respeitavam como um symbolo.
Gabriel teve vontade de despedaça-la. (GAZETINHA, 3 jan. 1882, p.
2).
____________
(2)
A CONDESSA VÉSPER
I. O NAMORADO DA NOIVA
... Via-se ao centro a grande mesa, devastada e abandonada, como um
campo depois de medieval peleja a ferro frio, e, no meio do destroço,
dominante e altiva, erguia-se intacta, numa apotheose de assucar e fios
d’ovos, uma noivasinha de alfenim, coroada de áureos caramellos e
vestida de papel de seda.
43
Essa ridícula boneca, que se poderia derreter com um bochecho
d’agoa, representava entretanto alli, naquelle centro burguez e pretencioso
,
nada menos que a instituição mais respeitável da sociedade, representava a
família. Naquelle alfenim, frágil, candido e consagrado, havia a doçura do
lar domestico, toda
a pureza do amor conjugal e também toda a fragilidade
da honra de um marido.
No meio do geral desbaratamento das vitualhas
e dos postres, a
symbolica boneca
fora respeitada, por damas e cavalheiros, como ídolo
divino
44
.
Gabriel teve vontade de despedaçal-a ... (AZEVEDO, Aluísio. A
Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p. 10)
O trecho do capítulo II do romance seriado: Memórias de um Condemnado, publicado
no jornal GAZETINHA, em relação ao reduzido trecho do capítulo I do romance A Condessa
Vésper, publicado em livro no ano de 1902, tem o mesmo conteúdo, mas, no jornal há uma
pausa descritiva
45
cheia das comparações, estilo usual na produção de Aluísio Azevedo e que
possibilita um texto com muitos detalhes, quase pinturas, que servem de impulso para a
complementação imaginativa do leitor implícito nesse texto.
42
O negrito é nosso.
43
O negrito é nosso.
44
O sublinhado é nosso.
45
é .... uma análise de atividade perceptiva da personagem contemplante, das suas impressões, descobertas
progressivas, mudanças de distância e de perspectiva, erros e correções, entusiasmos e decepções”, GENETE
(1995, p.87-111).
86
O trecho descritivo do capítulo II produzido no jornal GAZETINHA trata de uma
focalização interna
46
do personagem Gabriel, que vê a cena da mesa e por fim resolve
despedaçar a noiva de alfenim que representa a instituição casamento; mais precisamente no
caso da narrativa em questão, representa o casamento de Ambrosina com Leonardo.
A focalização interna no trecho do jornal é antecipada no livro, e isso pode ser
observado no momento em que o personagem dá qualidades à boneca que enfeita o bolo e que
representa a noiva: “Essa ridícula
47
boneca”
48
.
A escrita de Aluísio Azevedo se parece com uma pintura, nela as imagens são
descritas minuciosamente, como se o escritor as pintasse com suas palavras, criando por
vezes, caricaturas.
No trecho da boneca em cima do bolo representando a instituição casamento, o
escritor expressa à sua narrativa tons irônicos da vulnerabilidade do casamento entre as
pessoas.
O trecho das comparações no capítulo II do romance no jornal é concluído com a frase:
“No meio de todo este destroço...”, diferente da construção existente no livro, que exclui todas
essas comparações e constrói a sua frase assim: “e, no meio do destroço”. O leitor está
implícito nos dois tipos de texto, naquele veiculado na coluna FOLHETIM, nos fascículos do
jornal GAZETINHA, e no texto daquele romance divulgado em livro.
No trecho do jornal, há a construção: “via-se a grande meza devastada, como um
campo depois da batalha. As garrafas vazias, vivamente pretas, lembravam peças de artilheria
abandonadas”. No livro, por sua vez, temos o seguinte: “Via-se ao centro a grande mesa,
devastada e abandonada, como um campo depois de medieval peleja a ferro frio”.
Ambos os trechos possuem figuras de linguagens denominadas comparações. Nas
comparações do trecho do jornal, há um conjunto maior de relações comparativas, trata-se de
uma “mesa devastada” COMO um campo após a batalha, onde se vêem “garrafas vazias” e
“vivamente pretas”, que lembram “peças de artilheria abandonadas”. No livro, há “ao centro a
grande mesa”, que fora “devastada e abandonada” COMO “um campo depois de medieval
peleja a ferro frio” (aliterações).
46
São acontecimentos narrados do interior do personagem, GENETTE (1995, p.187).
47
O negrito é nosso.
48
(AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper, 1902, p. 10)
87
Nas imagens que se formam com as comparações do jornal, há uma relação mais
direta com um ambiente de festa, pois a relação se dá entre um campo de batalha que possui
garrafas vazias e vivamente pretas e que lembram “peças de artilheria abandonadas”.
No livro, o vocábulo peleja oriundo das batalhas medievais exige uma capacidade de
decodificação do leitor bem mais dedutiva; é um termo que não é tão usual quanto batalha,
que provavelmente é bem mais conhecido e bem mais acessível a um número maior de
leitores.
O termo “apotheose
49
” e as construções: “noivasinha de alfenim, coroada de áureos
caramellos e vestida de papel de seda” e “ridícula boneca” são termos constituintes da
produção do romance em livro e são bem diferentes daqueles utilizados na construção:
“coroada de assucar e vestida de papel fino”, vista no jornal.
No dicionário de língua portuguesa, é possível verificar que o termo apoteose é um
substantivo feminino que significa “deificação”; “divinização”, “glorificação” e áureo relativo
a ouro. Assim o leitor, implicado na construção desses termos, parte integrante do trecho do
romance publicado no livro, dispõe de um arcabouço de vocábulos mais refinados.
A diferença entre os capítulos de jornal e livro evidencia-se mais ainda no
detalhamento enorme sobre os destroços na mesa que há no capítulo II assim apresentado:
... o vinho corrèra com desperdício, como si fosse sangue de soldados; os
restos dos frangos e dos leitões mostravam, n’uma immobilidade heróica, os
ossos despojados e as carnes alanhadas; as empadas, redondas, amarellas e
inchadas, impertigavam-se impudicamente fora dos pratos, como si fossem
ventres nus. Algumas tinham grandes, rasgões feitos a faca, e derramavam
na brancura da toalha o recheio gordo e repulsivo como intestinos; as
azeitonas rolavam por toda a extensão da meza, como balas perdidas: um
grande peru, deitado de costas no prato travesso, tinha um trinchante
espetado cruamente no peito, que se erguia com a intrepidez dos antigos
soldados de Roma.
No meio de todo este destroço
50
, dominante, altiva, erguia-se uma
noiva de alfenim, coroada de assucar e vestida de papel fino. A luz do
gaz fazia-a destacar-se alli como uma idea capital se destaca de uma
alluvião de pensamentos. ... (GAZETINHA, 3 de jan. 1882, p.2)
No capitulo I, O namorado da noiva, a solução do autor é sintética apresentada da
seguinte forma:
49
Mais uma vez lembramos que a grafia original é mantida.
50
Sublinhado e negrito são nossos.
88
... Via-se ao centro a grande mesa, devastada e abandonada, como um
campo depois de medieval peleja a ferro frio, e, no meio do destroço,
dominante e altiva, erguia-se intacta, numa apotheose de assucar e fios
d’ovos, uma noivasinha de alfenim, coroada de áureos caramellos e vestida
de papel de seda... (AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper. Rio de
Janeiro: Garnier, 1902, p. 10)
A descrição é de final de festa, na disposição da mesa, nas comparações do narrador ao
retratar a imagem das carnes e dos pratos mexidos, coisas caídas em cima da mesa, e esse
cenário é construído a partir da visão do personagem Gabriel, que é quem “olha”.
O narrador utiliza a focalização interna, volta-se para o personagem Gabriel e mostra-
lhe o pensamento, a sua vontade:
... No meio de todo este destroço, dominante, altiva, erguia-se uma noiva de
alfenim, coroada de assucar e vestida de papel fino. A luz do gaz fazia-a
destacar-se alli como uma idea capital se destaca de uma alluvião de
pensamentos.
Aquella boneca, que se podia derreter com um bochecho d’agua,
representava, entretanto, alli n’aquella meza, uma instituição, um principio;
representava a família!
Naquelle alfenim, frágil, immaculado e altivo, havia a doçura do lar, a
pureza do amor conjugal e a fragilidade da honra de um marido.
Todos a respeitavam como um symbolo.
Gabriel teve vontade de despedaça-la. (GAZETINHA, 3 de jan. 1882,
p.2-3).
As imagens
51
criam sensações de uma visão panorâmica do local. O narrador focaliza
as partes da mesa num giro que apresenta o final de festa sugerido pelas garrafas vazias, peru
destrinchado, um cenário detalhado e carregado, no texto de comparações.
Vejamos qual a focalização do trecho abaixo:
... O leitor deve ter reparado como o primeiro desses typos percorre,
no correr do romance, toda a escala pathologica da vida humana. Foi
romântico, apaixonado, descrente, e, afinal, dramático,. Já quase ninguém o
chamava Médico Mysterioso, mas simplesmente – o velho Dr. Gaspar.
(GAZETINHA, 26 de abr. 1882, p.2-3).
51
Procedimento de expressão “rico, inesperado, criativo e até cognitivo, quando a comparação de dois termos
(explícita e implícita), solicita a imaginação e a descoberta de pontos comuns insuspeitados entre eles”, JOLY
(1999, p. 22).
89
No exemplo acima, o panorama que o narrador dá a respeito da personalidade do Dr.
Gaspar discorre numa escala descendente. Fora romântico e agora é um descrente e
dramático.
Aluísio Azevedo, por intermédio do comportamento de seus personagens, questiona o
comportamento de sua sociedade. Uma sociedade que tem nos seus casamentos, casamentos
compostos por relações de interesse financeiro e que a escolha, em grande parte das vezes, já
vem pronta e para a noiva sobra apenas o consolo de poder se casar.
O personagem Gabriel, extremamente romântico, ama, ama muito, ama demais a
Ambrosina, mas, também é um indivíduo inerte, sem trabalho, herdeiro e fruto de uma criação
romântica.
Abaixo um perfil de Ambrosina:
Toda ella respirava, porém, uma hybrida fascinação de anjo e de demônio.
Os seus lindos olhos verde-escuros, tanto poderiam servir para ensinar o
caminho do céo, como o caminho do inferno.
(AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
134)
Constrói-se uma observação que polariza a personalidade de Ambrosina, tem um lado
do bem e um lado do mal, e isso é também mais uma característica do romance seriado, que
fica na publicação em livro, e trata-se do uso do maniqueísmo na contraposição ente o bem
e o mal: o herói e a sociedade, a felicidade e a desgraça, amor puro ou selvagem, ódio
unilateral, a virtude, os vícios e outros. Então esse estado de espírito de Ambrosina é dual,
encontra-se entre o bem e o mal, uma mulher bonita de lindos olhos verdes, uma mistura de
anjo e demônio.
Gaspar, Gabriel e Gustavo, três diferentes gerações, passam todos por uma trajetória
parecida no percurso do romance: Memórias de um Condemnado e fazem lembrar que o
homem pode ser fruto do meio, da educação romântica que recebe. Mesmo Gustavo, que não
recebera essa educação romântica, ainda assim se encontra no meio dela, ama, envolve-se
com a pior das paixões desenfreadas, a dele por Ambrosina.
No exemplo abaixo, Gaspar explica para Gabriel o passado que ele, Gaspar, tivera
com a mãe de Gabriel. Esse passado de Gaspar representa também o suicídio de Violante,
mãe de Gabriel, que, pela ira, por não poder vingar-se de Paulo Mostella, aplica essa ira em si
90
mesma. Gaspar explica para Gabriel que ele era fruto do romantismo, daí o desfecho também
de seus sentimentos por Ambrosina:
... Esse passado era tua mãe e eu, isto é, era o romantismo no seu maior
desenvolvimento. E, já, pela hereditariedade natural, já pela educação
sentimental, que te dei inconscientemente, nunca chegaste a compreender a
época em que tens vivido. (GAZETINHA, 27 de abr. 1882, p. 2)
Abaixo mais um perfil de Ambrosina:
... Ambrosina, entretanto, logo que começou a fazer-se rapariga, dava-
se, com mais amor do que tudo isso, à leitura dos romances francezes. Sabia
de cor a Dama das Camélias, o Raphael, Olyumpia de Clèves, Monseiur de
Camors e outras quejandas encantadoras vias de corrupção. Muita vez
tinham que lhe guardar o jantar, porque ella não queria largar o diabo do
livro.
O pae dizia-lhe:
- Olha lá, minha jóia. Não isso fazer-te mal! mas não animava a
contrarial-a.... (AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper. Rio de Janeiro:
Garnier, 1902, p. 100)
O narrador, em sua intervenção, dá características de Ambrosina, comenta o seu perfil
nos hábitos de leitura que atribui pertinentes ao discurso dos grandes clássicos do
Romantismo: “Muita vez tinham que lhe guardar o jantar, porque ella não queria largar o
diabo do livro
52
”.
A construção “diabo do livro” é a intromissão do narrador, seu ponto de vista, seu
discurso pessoal que pode ser visto em outros momentos do romance: Memórias de um
Condenado, de Aluísio Azevedo.
O discurso pessoal a que nos referimos sobre o narrador é o de que o hábito de leitura
e a criação de personagens refletem de certa forma, o procedimento da criação que os filhos
recebiam dos pais e familiares. Aqui exemplificamos com a personagem Gabriel que nunca
teve de trabalhar, pois, herdeiro e inútil vivia só dos sentimentos que cultivava por
Ambrosina:
... Por effeito da posição falsa da sua existência e pela falta de vontade
para qualquer trabalho do espírito, Gabriel só conhecia ricos ignorantes ou
homens indifferentes às glorias intellectuaes. O mundo dos artistas, dos
inventores, dos litteratos, dos jornalistas, o mundo em que cada um vive de
uma idea, e caminha firmando-se em um nome, conquistado com os
52
O sublinhado é nosso.
91
esforços de todos os intantes; esse mundo não o conhecia elle, e o frêmito
dos applausos só lhe chegava aos ouvidos como a musica distante de um
baile desconhecido. (GAZETINHA, 25 de fev. 1882, p.1).
No exemplo acima, o narrador vê Gabriel como o fruto do meio, e expressa mais uma
vez o seu discurso pessoal sobre a inutilidade pessoal do romantismo de Gabriel, de seus
sentimentos exagerados e de como o seu personagem estava longe do mundo do trabalho, da
azáfama do dia-a-dia do homem produtor.
Abaixo mais um trecho que caracteriza um personagem do romance: Memórias de um
Condemnado:
A desgraçada
não comprehendia, não podia descobrir que tudo isso,
que todos esses sonhos, com o seu mundo fantástico, com os seus gosos
intermináveis, era uma conseqüência lógica da leitura mal digerida
que ella
havia feito de bons e maus livros da geração lyrica romântica de 1820.
(GAZETINHA, 6 e 7 de mar. 1882, p.1).
No exemplo acima, o autor implícito
53
comenta um “estado de espírito de uma
personagem”, no caso, a personagem Laura, com suas leituras que o narrador vê como “leitura
mal digerida” que Laura adquirira dos bons e maus livros da lírica romântica de 1820. O
narrador se refere ao personagem como a “desgraçada” e enfatiza o seu ponto de vista, o seu
discurso pessoal a respeito do Romantismo.
Abaixo um trecho que caracteriza personagens secundárias, ou personagens tipos:
No Domingo Gordo
54
reuniram-se no quarto de Gabriel os seguintes
typos:
O Juca Piva. Sujeitinho baixo, gordo, de bigode, encerado, olhos
sensuaes, cabellos crespos, e a voz cheia de doçuras.
Muito querido das mulheres, cujas aventuras constituíam o principal
assumpto de sua conversa.
(...)
Além desse typo, appareceu o Coelho. O Coelho era guarda-livros,
mas nunca estava empregado.
Todos os tinham na conta de homem fino e espirituoso. Sua ruidosa
alegria, seu eterno sangue frio nos momentos difficeis da vida, sua
indifferença pela voz do mundo e pelas coisas que os mais respeitavam,
punham-no no abrigo de qualquer ridículo.
(...)
53
AGUIAR E SILVA (1990, p. 84-86) verifica que autor “é aquele que está na origem de algo” e que autor
implícito é o sujeito responsável pela enunciação literária global de um texto e tem existência apenas intra-textual.
54
O sublinhado é nosso.
92
Contrastava com este typo, um outro, que também fora; chamava-se
João Nunes. João Nunes tinha um ar serio e respeitoso. Nascêra de paes
abastados, que lhe deixaram uma fortuna medíocre e uma rara ignorância.....
(GAZETINHA, 6 de abr. 1882, p.2).
A focalização externa
55
acontece no romance: Memórias de um Condemnado apenas
nos personagens secundários, aqueles que fazem uma espécie de tipo, mas nos personagens
centrais do romance essa focalização é interna.
O Juca Piva, o Coelho e o João Nunes são os tipos quase caricaturescos do romance, e
esse capítulo faz uma ponte com uma coluna existente no jornal, a coluna Typos e Typões,
que retrata grandes personalidades da época, mas, que no romance essas personalidades são
tipos retratados pejorativamente, são tipos grosseiros.
Abaixo dois trechos de romance, respectivamente dos capítulos: VOLTA-SE AO
PRINCÍPIO, parte integrante do romance seriado: Memórias de um Condemnado e do
capítulo A SIMPÁTICA EUGÊNIA, componente do romance A Condessa Vésper:
(1)
Vamos recahir no ponto em que este romance principiou
; vamos penetrar de
novo na bella chácara em que se effectuou o casamento de Ambrosina com
Leonardo; vamos, finalmente, saber o que se seguio às scenas da
hydrophobia
Mas, antes disso, antes de fecharmos este grande parenthesis, é de
urgente necessidade esclarecer o leitor sobre os acontecimentos, que
medearam entre a ultima situação e a situação com que principiou esta
muito verídica narrativa
56
.
Resume-se em poucas palavras:
O coronel, depois de alguns dias de soffrimentos
, expirou nos braços
do filho, ao lado de Gabriel e de Alfredo. O pobre velho não foi
abandonado nos seus últimos momentos, e fechou os olhos com a
physionomia banhada da mais doce resignação e da mais tranquilla
consolação religiosa.
Morreu como uma ave
57
.
Via-se-lhe na phisionomia, calma e quase risonha, a consciência que
se despregava daquella cabeça, contente do desempenho dos seus deveres e
immaculada como a alma de uma criança.
O enterro foi vulgar e mediocramente concorrido.
Uma semana depois, Gaspar aconselhou a Gabriel uma viagem pelas
republicas do Prata e em seguida pela Europa.
55
... “o herói age à nossa frente sem que alguma vez sejamos admitidos ao conhecimento dos seus pensamentos
ou sentimentos”, na focalização externa os acontecimentos são observados do exterior dos personagens,
GENETTE (1995).
56
O sublinhado é nosso.
57
Os sublinhados são nossos.
93
Gabriel consentio, com tanto que assistissem primeiro ao casamento de
Ambrosina. O outro protestou, mas, afinal, teve de ceder, porque o enteado
não desistia uma polegada do que dissera
58
. (...) (GAZETINHA, 8 de fev.
1882, p.2 ).
_____________________________________________________________
(2)
Vamos refluir
ao ponto em que este romance principiou, vamos
penetrar de novo na bela chácara em que se fez o malogrado
casamento de
Ambrosina; vamos, finalmente, saber o que sucedeu às cenas da loucura de
Leonardo.
Mas, antes disso, antes de fecharmos este grande parêntese, cumpre
esclarecer o leitor sobre os últimos acontecimentos que precederam àquela
situação.
Resume-se tudo em poucas palavras:
O coronel, depois de alguns dias de prostração
, expirou nos braços do
filho, ao lado de Gabriel e de Alfredo. O pobre velho não foi abandonado
nos seus últimos momentos, sacramentou-se, fechou os olhos com a
fisionomia banhada na mais doce resignação, e a alma tranquilamente
ungida pela consolação religiosa.
Morreu como um justo
.
Gaspar, pouco depois, propôs a Gabriel uma viagem à Europa
. Gabriel
consentiu, contanto que assistissem primeiro ao delongado
casamento de
Ambrosina; o outro protestou, mas afinal teve de ceder, porque o enteado
não desistia uma polegada do seu intento
59
. (...) (AZEVEDO, Aluísio. A
condessa Vésper.Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1902. p. 154-155)
Nos trechos dos capítulos do folhetim Memórias de um Condemnado e do romance A
Condessa Vésper acima apresentados, há mesmo conteúdo, mas, a construção, as palavras
empregadas e o título são diferentes.
A escolha das palavras utilizadas é uma das características marcantes que diferenciam
a publicação do romance: Memórias de um Condemnado, em jornal, daquela do romance: A
condessa Vésper, publicado em livro.
No trecho retirado da publicação em jornal, há a palavra “recahir”, já no livro temos o
termo “refluir”, percebe-se que na solução dada em livro o escritor utiliza termos mais
refinados, termos distantes do grande público falante.
Na frase: “O coronel, depois de alguns dias de soffrimentos” há diferenças daquela
vista no livro: “O coronel, depois de alguns dias de prostração
”. Essas diferenças são de
ordem vocabular bem mais acessível ao entendimento de um número maior de pessoas como
o tero sofrimento ao em vez de prostração.
58
Os sublinhados são nossos.
59
Os sublinhados são nossos.
94
Também há diferenças na relação feita entre a construção: “Morreu como uma ave”,
encontrada no jornal, da construção: “Morreu como um justo”, veiculada no livro. A
comparação morrer como uma ave, sorrateiramente, suavemente, num suspiro. Morrer como
um justo, por sua vez, traz um lugar comum. Essa frase compõe um ideal religioso que surge
como um tempo histórico
60
.
Apesar de as palavras utilizadas na publicação do romance seriado no jornal e da
publicação desse romance em livro se aproximar nos seus conteúdos, há diferenças em se
utilizar uma palavra em detrimento de outra e isso reflete no texto, dá sinais do contexto, do
provável leitor e da sociedade.
Aluísio Azevedo não troca os vocábulos, não adapta construções para a publicação em
livro aleatoriamente, mas sabe perfeitamente como se molda um romance para um público
ativo, dinâmico, do dia-a-dia, diferentemente daquela confecção mais “acabada” que aparece
no livro.
Há duas instâncias que divulgam o romance, não havendo uma que seja melhor que a
outra e sim aspectos que fazem com que o romance publicado no jornal seja dinâmico,
explicativo e crie uma relação direta com o leitor. A digressão, que é uma característica do
romance seriado, é mais extensa, mais detalhada no romance publicado no jornal.
O capítulo XXVII intitulado VOLTA-SE AO PRINCÍPIO traz no título a carga
semântica que denota um tempo narrativo. Esse tempo é do princípio, do início do romance:
Vamos recahir no ponto em que este romance principiou
61
; vamos penetrar
de novo na bella chácara em que se effectuou o casamento de Ambrosina
com Leonardo; vamos, finalmente, saber o que se seguio às scenas da
hydrophobia (...) (GAZETINHA, 8 de fev. 1882, p.2 ).
O local do princípio do romance é a chácara e o momento é o casamento de
Ambrosina com Leonardo, quando o noivo sofre do ataque de hidrofobia no quarto de
núpcias. O ano é o de 1878, como o visto no capítulo I do romance: Memórias de um
Condemnado, O PUNHAL DE FAMÍLIA:
Nos fins do verão de 1878 uma carroagem, pintada de negro e
guarnecida de frisos verdes, seguia a todo trote pela pittoresca estrada que
vae dar no Jardim Botânico.
60
BAKHTIN (1997, p. 259) vê o tempo histórico como uma “marca substancial e viva do passado no presente”
que é transmitida para a literatura, conferindo a esse tempo histórico intensidade e materialidade.
61
O sublinhado é nosso.
95
Eram dez horas da noite. (Memórias de um condemnado. cap. I – O punhal
de família. (GAZETINHA, 2 de jan. 1882, p.2 ).
O capítulo VOLTA-SE AO PRINCÍPIO compõe-se, em sua estrutura, de uma
analepse
62
e essa anacronia
63
narrativa dá-se no momento em que o narrador pára a narrativa e
retoma ao ponto em que ficaram suspensos os acontecimentos do ataque de loucura do noivo
de Ambrosina, no capítulo I.
GENETTE (1990, p.47) verifica que “toda anacronia constitui, em relação à narrativa
na qual se insere – na qual se enxerta – uma narrativa temporalmente segunda, subordinada
à primeira” e conclui que narrativa primeira então é o “nível temporal de narrativa em
relação ao qual uma anacronia se define enquanto tal”.
A narrativa primeira em relação à analepse do capítulo XXVII é aquela que retrata
o momento em que Gaspar e Gabriel se encontram na chácara onde se realizava a festa do
casamento de Ambrosina com Leonardo, que no quarto de núpcias, quando se refugiava dos
convivas em companhia de sua noiva, tem um ataque de loucura (hidrofobia).
O ponto da história no capítulo XXVII compõe-se, para o leitor, daquele fixado vinte e
seis capítulos à frente do primeiro. Até o leitor chegar a essa retomada da narrativa primeira
ele, na leitura de aproximadamente uma quarta parte do romance, pois na sua divulgação em
jornal esse romance tem 106 capítulos, acumulou muitos outros dados, outras informações,
fatos importantes à narrativa e viu a introdução de novos personagens na narrativa, novas
retomadas no tempo para explicar a origem desse novo personagem, entre outros momentos.
No capítulo IV, A MOFINA, o narrador para explicar os “motivos” das mofinas
empregadas pelo comendador Moscoso contra o coronel Pinto Leite, pai de Gaspar, efetua
uma volta no tempo, utiliza uma analepse externa.
GENETTE (1990, p. 47-48) qualifica de analepse externa àquela “analepse cuja
amplitude total permanece exterior à narrativa primeira”. As analepses externas ou
heterodiegéticas reportam-se a uma linha de história, a um “conteúdo diegético diferente do
da narrativa primeira”. Essas analepses podem se reportar sobre “uma nova personagem
introduzida, da qual o narrador quer esclarecer os antecedentes” ou sobre uma personagem
perdida de vista há algum tempo.
62
... é “toda a ulterior evocação de um acontecimento anterior ao ponto da história em que se está”, GENETTE
(1990, p. 34).
63
... é a “discordância entre a ordem da história e a da narrativa”, idem (ibid.).
96
No capítulo A MOFINA, o narrador, para explicar os “motivos” das mofinas
empregadas pelo comendador Moscoso contra o coronel Pinto Leite, pára a narrativa e retorna
no tempo com uma analepse externa que dá um perfil do personagem coronel Pinto Leite:
... O coronel aos vinte annos era designado para destacar como alferes
nas expedições aventurosas de 1840, mais ou menos, nas celebres
revoluções de S. Paulo e Minas. O Brazil palpitava então sob a influencia
dramática das luctas militares e políticas, que repercutiam ainda como os
primeiros vagidos da nacionalidade brasileira... (GAZETINHA, 5 de jan.
1882, p.1 ).
O capítulo IV, A MOFINA, no trecho da página 1 do jornal GAZETINHA acima
apresentado, compõe-se de um tempo histórico que serve para completar a analepse externa
que retoma no tempo e descreve a época da juventude do coronel Pinto Leite, fortalecendo o
seu perfil e os traços de seu caráter.
O tempo histórico citado no capítulo IV, A MOFINA, trata do ano de 1840, das
revoluções de São Paulo e Minas Gerais. Quando o narrador especifica o ano de 1840, ele diz,
“mais ou menos”, e a data da Rebelião Paulista é 1841 e a da Rebelião Mineira é 1842. O
tempo histórico não é no romance uma verdade, o romance, a literatura é que usam dessa
verdade, do ambiente que cria esse tempo para acentuar o perfil do personagem coronel Pinto
Leite na estória da narrativa.
Nos capítulos V E VI, respectivamente, DE CAIXEIRO A COMMENDADOR e
AVENTURAS DO DR. GASPAR, o narrador se distancia um pouco da estória e aproveita-se
para explicar a história de dois personagens.
No capítulo V, o narrador explica sobre a vida do comendador Moscoso, das mofinas
que ele publicava no Jornal do Comércio contra o coronel Pinto Leite e de seu casamento
com a filha de seu patrão, a Genoveva e, numa solução de adiantamento do tempo narrativo,
apresenta o casamento do comendador e o fruto desse casamento, o nascimento de
Ambrosina, personagem essencial para a narrativa:
O doente expirou no dia seguinte.
Dez mezes depois, Moscoso casava-se com a filha do defunto patrão.
Chamava-se Genoveva. (...)
No prazo marcado pela phisiologia, Genoveva deitou ao mundo uma
criança. Era fêmea, e foi baptisada com o nome doce de Ambrosina.
É deste ponto que principia o maior interesse das memórias do pobre
condemnado... (GAZETINHA, 6 de jan. 1882, p.1).
97
No trecho acima, o narrador enfatiza que o nascimento de Ambrosina é o ponto de
maior interesse nas memórias do preso Gabriel e a intromissão do narrador cria já, no capítulo
V, um liame que enfatiza para o leitor esse aspecto da estória do romance.
Nos outros capítulos, o narrador comenta sobre quando Gaspar conhece, por acaso, a
Violante, mãe de Gabriel. Conta também o narrador a história de Violante e o seu desejo de
vingança de Paulo Mostella, que prometera casar-se com Violante, mas foge. Além desses,
um capítulo importante para apresentar a utilização do tempo narrativo pelo narrador é o que
segue:
E assim se passaram três annos; o que quer dizer que havia descorrido
quinze, depois da morte de Violante.
As mofinas, desde que se converteram para Mello Rosa em uma mina
inexgotavel, tornaram-se muito mais desabridas e aleivosas. Mello excedia
à expectativa do commendador Moscoso.
O coronel, coitado! Já não as lia, porque nos últimos três annos não se
levantava da cama – Esperando a morte! Dizia elle com indiferença
resignada., (GAZETINHA, 28 de jan. 1882, p.1 ).
A narrativa em analepse ou prolepse está formada em função, é claro, de um sentido,
de uma organização feita na escolha do autor que insere na narração, pela fala de um narrador,
as dimensões de tempo, que servem como ênfase aos fatos que são repetidos, retomados, ou,
anunciados no porvir na narrativa. Vejamos abaixo outros trechos dos romances: A Condessa
Vésper e Memórias de um Condemnado e as suas relações com o tempo narrativo:
Como há de ver o leitor lá para diante
64
, havia, pouco antes do
casamento de Ambrosina, soffrido o commendador das mãos do coronel, no
meio do maior escândalo social, a maior affronta que se pode fazer a um
inimigo. (AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper. Rio de Janeiro:
Garnier, 1902, p. 21) .
No trecho acima, o narrador adianta a narrativa com uma prolepse que GENETTE
(1990) chama a “toda manobra narrativa consistindo em contar ou evocar de antemão um
acontecimento ulterior”.
Um lugar usual no romance: Memórias de um Condemnado e também em A Condessa
Vésper é a RUA DO OUVIDOR, que figura como um tempo histórico no romance, centro
importante da cidade do Rio de Janeiro no século XIX, que outrora comentamos no capítulo I
64
O sublinhado é nosso.
98
de nosso trabalho, “CONTEXTO HISTÓRICO E O JORNAL GAZETINHA”, cria um
espaço do cotidiano do homem dessa época e faz uma ponte dessa imagem com o texto do
romance, o que pode ser visto no trecho que segue abaixo:
O outro typo, que completava a roda do commendador Moscoso, era o
Mello Rosa. Homem da mesma edade do Rego. Vivia de explorar os
amigos, e da esperança de umas tantas peças dramáticas, que escreveria
com muito talento, logo que tivesse de seu um bocado de tempo.
Fallava muito nesses trabalhos. Viam-no sempre com um rolo de
papeis debaixo do braço, a singrar muito apressado, por entre os magotes da
rua do Ouvidor
65
.
Quem não o conhecesse de perto, diria que elle levava uma vida cheia
de cuidados e fadigas... (GAZETINHA, 26 de jan. 1882, p.2 ).
__________________XXX_______
É que na véspera Ambrosina estréara no Alcazar.
Não se fallava em outra coisa; os jornaes vinham pejados de elogios à
deslumbrante Condessa Vésper, metteram-se em circulação os mais
pomposos adjectivos, para dar idea dos encantos da debutante, e, nas rodas
dos habitues do theatrinho francez e dos flanadores da rua do Ouvidor
,
descreviam-lhe com assombro a perfeição maravilhosa do corpo (...) .
(AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
382) .
Nos dois exemplos acima, há a citação à RUA DO OUVIDOR, que, quando transposta
para o romance, torna-se um lugar fictício. O escritor se aproveita do poder de expressão que
tem o tempo histórico representado por essa rua e que se insere no romance. Essa rua, quando
utilizada no romance, traz todo o seu potencial, as suas características da sociedade que nela
transita e a associação de hipertexto que ela faz com a coluna homônima a essa rua que surge
no jornal GAZETINHA com semelhanças entre o real e o ficcional.
3. CARICATURAS
Não podemos deixar de dizer que Aluísio Azevedo, em sua primeira estada na cidade
do Rio de Janeiro, deixou registrado importante perfil de caricaturista. Araripe Júnior, no
artigo que escreve para o jornal NOVIDADES do dia 5 de abril de 1888, o qual faz parte do
conjunto do livro já citado
66
em nosso texto, verifica que aos 15 anos Aluísio Azevedo
65
O sublinhado é nosso.
66
OBRA CRÍTICA DE ARARIPE JÚNIOR.
99
“escrevia as suas aventuras e as iluminava com desenhos próprios” que tinham mais valor que
o texto (...) e que o escritor “antes de se fixar na província literária (...) buscou o caminho da
arte na pintura e, especialmente, na caricatura”. Em 1875, encontramo-lo colaborando com o
seu lápis no Fígaro, na Comédia Popular, no Mequetrefe e no Zig-Zag. Jornais nos quais
Aluísio Azevedo exerceu essa sua atividade de caricaturista retratando e estilizando sua
sociedade em traços de sutil ironia.
Araripe Júnior, dia 5 de abril de 1888, observa no jornal NOVIDADES que a
“precedência da caricatura sobre o romance tem uma importância particular, porque explica
desde logo o caráter de seu talento e põe descoberto todo o eixo do seu espírito” e acrescenta
que “quem se mostra apto e prefere, nos primeiros anos, as manifestações desta ordem a
qualquer outra, denuncia, incontestavelmente, uma tendência direta para o concreto” e sendo
essas tendências localizadas na caricatura é certo que aquele que assim estréia tem “no mais
alto grau o espírito de observação ligado ao mais cabal sentimento do real e das suas
máquinas de expressão”. Menciona Araripe Junior que um caricaturista tem de ter “precisa
presciência das arestas dos caracteres, para que as possa por em relevo ou exagerá-las”, é
preciso “uma faculdade especial para desenvolver aos olhos dos outros, aquilo que se aparenta
sob formas chatas e quotidianas” e é na caricatura que o escritor Aluísio Azevedo “asseverou
a natureza do seu talento e descobriu o segredo da fatura do romance”.
MÉRIEN (1998) constata que a imprensa tinha liberdade nos anos de 1850 e a
utilização de “testas de ferro” possibilitava a publicação de “comunicados” sobre variados
assuntos e sobre qualquer pessoa, sem riscos com a justiça, não se encarava, nesta época, a
questão da responsabilidade da imprensa, como acontecia na França. O Imperador Dom Pedro
II era constante alvo de ataques por parte dos escritores e desenhistas. No início de 1876,
havia no Rio de Janeiro meia dúzia de jornais satíricos, sendo que três desenhistas europeus
eram os mais famosos da época: Ângelo Agostini e Luigi Borgomainerio (italianos),
desenhistas respectivos de A REVISTA ILUSTRADA e do jornal O FÍGARO, e o terceiro
desenhista era o português Rafael Bordalo Pinheiro, que desenhava no jornal O MOSQUITO
e era amigo de Ramalho Ortigão e de Eça de Queirós.
MÉRIEN (idem, ibidem) constata que os caricaturistas e escritores executavam um
importante papel na sociedade e que a REVISTA ILUSTRADA foi importante com suas
caricaturas na campanha a favor da abolição da escravidão. Verifica que em 30 de janeiro de
1876 acontecia uma importante polêmica que opunha Ferreira de Menezes, jornalista do
JORNAL DO COMÉRCIO, aos três caricaturistas estrangeiros acima apresentados. A
100
polêmica girava em torno da publicação de charges consideradas irreverentes que retratavam
o primeiro ministro Duque de Caxias e também charges contra os deputados. Aluísio
Azevedo chega ao Rio de Janeiro no meio dessa polêmica e com a morte de Luigi
Borgomainerio, torna-se caricaturista no jornal O FÍGARO em 13 de maio de 1876. Artur
Azevedo muito influenciou para que o seu irmão chegasse a esse jornal, pois, na época Artur
era conhecido com o seu grande sucesso da adaptação de “La Fille de Madame Angot”, que,
com ele, leva o título de adaptação de A filha de Maria Angu. Aluísio pega carona no sucesso
do irmão e, com a frase abaixo apresentada, ilustrada pela caricatura que apresentaremos
adiante no DESENHO número 5, assume o jornal O FÍGARO:
“Meus senhores apresento-lhes o novo caricaturista, o Senhor Aluísio, irmão
do pai da filha de Maria Angu; é um rapaz hábil que se propõe a fazer
caricaturas se o público, juiz severo e imparcial, não mandar o contrário”.
101
DESENHO1
No desenho acima, ilustrando o jornal da cidade do Rio de Janeiro, O MEQUETREFE
de número 94, do dia 19 de março de 1877, nessa, Aluísio Azevedo pinta a caricatura do
102
Imperador D. Pedro II com que entrevê o péssimo estado da vida política e econômica,
fumando o seu narguilé.
MÉRIEN (1998) verifica que nas caricaturas criadas por Aluísio Azevedo estão
representados: a anarquia na Câmara, o nepotismo, os escândalos financeiros, o poder da
Igreja, assim com a dependência do Brasil em relação ao exterior.
DESENHO 2
No desenho 2, publicado no jornal O MEQUETREFE número 97, do dia 10 de abril
de 1877, Aluísio Azevedo retrata o povo brasileiro, que aparece pregado na cruz, como o
Cristo, tendo depois general Caxias, fantasiado de soldado romano que desfere um golpe com
103
uma lança neste povo representado por Cristo, enquanto isso, afastado do evento, o Imperador
joga dados com um padre.
DESENHO 3
No desenho número 3, publicado no jornal O MEQUETREFE n. 94, Rio de Janeiro,
19 de março de 1877, o escritor caricaturista apresenta as três idades do Brasil: primeiro a
idade de ouro, representada sob os traços do índio antes da chegada dos portugueses; depois a
idade do bronze, que representa a mentira da Independência, na figura de um Imperador cujo
cavalo pisoteia o povo encadeado; e a época contemporânea de Aluísio, representada pela
idade da folha de flandres. De acordo com o autor, a civilização no Brasil é um vício e o país
surge como um bêbado que é corrompido por uma prostituta, a polícia e um padre depravado
que simboliza a Igreja.
104
DESENHO 4
No quarto desenho, visto no O MEQUETREFE de n.99, Rio de Janeiro, 25 de abril de
1877, há uma paródia do quadro de Rubens e Aluísio Azevedo apresenta de maneira
irreverente a família imperial. Duque de Caxias assume a forma do boi do presépio, na época
ele era o chefe do governo conservador.
105
DESENHO 5
106
O desenho acima representa a chegada de Aluísio Azevedo ao jornal O FÍGARO e
todas as cinco caricaturas até aqui apresentadas servem como amostra do perfil do autor
diante dos problemas de sua época, tratados por ele com muito humor e ironia. Da mesma
forma que desenhava, escrevia os seus romances. Desenhava-os com traços de humor e ironia,
como pode ser observado no trecho do romance: Memórias de um condenado, quando o autor
dá uma panorâmica de uma mesa no final de festa e cria imagens que JOLY vê como um
procedimento de expressão “rico, inesperado, criativo e até cognitivo”, quando “a comparação
de dois termos (explícita e implícita) solicita a imaginação e a descoberta de pontos comuns
insuspeitados entre eles”.
Aluísio Azevedo, em traços descritivos e acentuadamente críticos, caricaturescos
67
por
vezes, o que observamos da seleção por amostragem de cinco desenhos do autor acima
apresentados, acentua o trabalho de caricaturista na sua produção narrativa, nos seus
romances, e desenha os personagens.
Na focalização de seus personagens, Aluísio Azevedo cria as questões centrais do
romance. O escritor aplica essa sua característica de detalhes e nuanças descritivas com perfis
de caricaturas
68
em seus personagens. Esse é o tom dado aos seus romances, nos quais são
dosadas características naturalistas juntamente com aspectos exagerados e dramáticos
oriundos do romance romântico.
Nos romances comentados, há uma relação direta do perfil dos personagens com o que
representam na sociedade e da sociedade da qual fazem parte. Personagens-tipo ou planas
69
como o Reguinho, o Mello Rosa, e tantos outros que surgem nesses romances, servem para
ilustrar, por meio de seus perfis pejorativos, como é composta a referência que o narrador faz
à sociedade em foco na estrutura dos romances.
No trecho abaixo, extraído do capítulo Typos Fluminenses, parte integrante do
romance: Memórias de um Condemnado, há a descrição do perfil do personagem Reguinho:
67
Caricatura é a representação burlesca de pessoa ou fatos; imitação cômica; pessoa ridículoa pelo seu aspecto
ou pelos seus modos, DICIONÁRIO ESCOLAR DA LÍNGUA PORTUGUESA, BUENO (1994).
68
... as personagens planas são por vezes chamadas de “tipos”, outras de “caricaturas” e que em sua “forma mais
pura são construídas ao redor de uma única idéia ou qualidade”.
69
personagens planas são reconhecidas com facilidade sempre que aparecem, elas são “reconhecidas pelo olho
emocional do leitor”, são personagens que não se transformam pelas circunstâncias, apenas movem-se através
delas, Forster (1974, p.55).
107
Ainda dous typos faziam parte da roda fiel do commendador. Um era
o Reguinho
. Rapaz de vinte e oito annos, filho de um fazendeiro estúpido e
rico, que lhe fornecia o dinheiro para a pandiga.
70
Todos na Corte o conheciam; todos sabiam de suas asneiras, e até de
uma ou outra velhacada; mas ninguém lhe ia as mãos por amor disso.
A linha mais accentuada do Reguinho, a sua mania, a sua moléstia, era
a mentira. Mentia por habito, mentia por índole, por gosto, por necessidade,
e, quando não fosse por outra coisa, mentia porque mentia. Aquilo já não
estava em suas mãos – a mentira arrastava-o como uma paixão, como uma
loucura. ... (Memórias de um Condemnado. cap. XVII – Typos Fluminenses.
GAZETINHA. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1882. p. 3).
O trecho contém o início das descrições que faz o narrador sobre os tipos que
freqüentam a casa do comendador Moscoso, pai de Ambrosina. O tipo descrito é o Reguinho,
personagem plana que mente por hábito, por idéia fixa.
Reguinho é um ser parasita na sociedade, mente e aproveita-se do dinheiro do seu pai
para disseminar a sua hipocrisia. Engana as pessoas, não tem um perfil transformador, não
cria, representa em todo o percurso do romance uma sociedade improdutiva, que vive da
mentira e das falsas aparências. Outro personagem descrito como assíduo freqüentador da
casa do comendador é o Mello Rosa:
O outro typo, que completava a roda do commendador Moscoso, era o
Mello Rosa. Homem da mesma edade do Rego. Vivia de explorar os
amigos, e da esperança de umas tantas peças dramáticas, que escrevia com
muito talento, logo que tivesse de seu um bocado de tempo.
Fallava muito nesses trabalhos. Viam-no sempre com um rolo de
papéis debaixo do braço, a singrar muito apressado, por entre os magotes da
rua do Ouvidor. ... ... (GAZETINHA, 26 de jan, 1882, p.2).
O personagem Mello Rosa é outra personagem plana, seu caráter é a falta de caráter, é
um produtor de romances que não os produz, não escreve nada e sim representa um papel.
Mello Rosa cria um tipo de si mesmo, como observa o narrador, é o “homem do rolo de
papéis debaixo do braço”.
Mello Rosa se realiza no decorrer do romance quando escreve as mofinas
encomendadas pelo comendador Moscoso e que são divulgadas no Jornal do Comércio. São
textos escritos contra o coronel Pinto Leite; trata-se de um projeto de vingança construído
pelo comendador e é a isso que se presta o personagem Mello Rosa: à produção de escritos
70
O sublinhado é nosso.
108
malditos sobre a vida de alguém, escreve um texto para a difamação, para a despersonalização
do coronel.
O coronel Pinto Leite descobre o segredo das mofinas e o Mello Rosa, por sua conta e
risco, publica o momento em que o comendador é desmascarado pelo coronel e, com isso,
mantém a sua produção, pois o comendador Moscoso procura novamente o Mello Rosa e
pede para que ele continue a produção das mofinas contra o coronel.
Também há no romance: Memórias de um Condemnado a escória que passou a
freqüentar a casa de Gabriel quando este vai morar com Ambrosina. São tipos muito
aproximados daqueles com os quais ela conviveu outrora, na casa de seus pais; tais tipos são
exemplificados no trecho que segue:
No Domingo Gordo reuniram-se no quarto de Gabriel os seguintes
typos: O Juca Paiva. Sujeitinho baixo, gordo, de bigode encerado, olhos
sensuaes, cabellos crespos, e a voz cheia de doçuras.
Muito querido das mulheres, cujas aventuras constituiam o principal
assumpto de sua conversa.
Paiva fora sustentado pela família até uma certa época
, depois, com a
morte do pae, passára a fazer parte do escriptorio commercial
71
de um velho
amigo do defunto. Porém motivos, que aliás não ficaram bem esclarecidos,
levaram o patrão a despedir o empregado, e Paiva para consolar-se, atirou-
se aos braços de uma sujeita, que dava o beicinho por elle, e da qual elle
nunca mais teve animo de saparar-se. ... (GAZETINHA, 6 de abr, 1882, p.
2).
Os capítulos Typos e Typões e Typos Fluminenses, parte integrante do romance:
Memórias de um Condemnado parodiam a coluna TYPOS E TYPÕES do jornal
GAZETINHA. A paródia acontece pelo fato de a coluna do jornal falar de personalidades, de
pessoas importantes e transformadoras da sociedade, o que, nos capítulos citados, dá-se ao
contrário, ou seja, as personagens neles apontadas são personalidades negativas, personagens
que representam o que há de podre na sociedade fluminense do Rio de Janeiro do final do
século XIX.
A descrição do Juca Paiva é feita de aspectos que fazem parte da sociedade inútil que
ele representa. Esse personagem é um “sujeitinho baixo, gordo, de bigode encerado, olhos
sensuaes, cabellos crespos, e a voz cheia de doçuras”. O narrador utiliza do diminutivo,
sujeitinho, para qualificá-lo.
71
O sublinhado é nosso.
109
Juca Paiva representa mais uma personagem plana, pois, não altera o seu
comportamento com o desenvolvimento dos fatos, é sempre o fruto da sociedade medíocre
que representa. Paiva foi sustentado por sua família e com a morte do pai vai trabalhar num
escritório de um amigo da família, mas é dispensado. Outro personagem que freqüentava a
casa de Gabriel era o personagem Drogas:
Comparecêra também o Drogas. Homem alto, magro, dado à poesia
lyrica e aos prazeres lúbricos. Conhecia todas as espeluncas do jogo barato
no Rio, sabia fazer sortes de baralho e era doido por uma pandega....
(GAZETINHA, 6 de abr. 1882, p. 2).
O personagem Drogas é também mais uma personagem plana que não se transforma
durante o percurso da narrativa e que serve como ilustração do narrador para ambientar a
sociedade na qual convivia Gabriel com a sua amante Ambrosina. Drogas é um jogador de
baralho e também adepto de todo o tipo de pândegas que lhe aparecerem. Além do
personagem Drogas, o Coelho é outra personagem plana encontrada no romance, o que pode
ser ilustrado no trecho abaixo:
Além desse typo, appareceu o Coelho. O Coelho era guarda-livros,
mas nunca estava empregado
72
.
Todos o tinham na conta de homem fino e espirituoso. Sua ruidosa
alegria, seu eterno sangue frio nos momentos difíceis da vida, sua
indifferença pela voz do mundo e pelas coisas que os mais respeitavam,
punham-no no abrigo de qualquer ridículo.
Poderia ter uns trinta e seis annos. Forte, vermelho, cheio de cabello, e
com um riso grosso. (GAZETINHA, 6 de abr.1882, p. 2).
A caracterização de Genoveva, no capítulo: De caixeiro a viajante, é um outro
momento em que o escritor pinta com traços fortes o perfil de seus personagens:
... Dez mezes depois, Moscoso casava-se com a filha do defunto patrão.
Chamava-se Genoveva
. Era uma rapariga feia, de seus vinte e tantos annos,
muito tola
, de uma gordura flácida, bamba, como de uma mulher que
tivesse tido já muitos filhos – as tetas pesavam-lhe no corpinho do vestido
como duas almofadas; as carnes da cara tremiam-lhe quando ella andava; os
olhos tinham uns tons amarellaços e molles; o cabello, liso e fraco, pegava-
se-lhe ao casco da cabeça com um suor frio e gorduroso.
Era toda de uma brancura lymphathica
e cheia de manchas arroxeadas
nas pálpebras, na cutícula da fonte, nas proximidades da bocca e nas
mucosas do nariz. Fallava extraordinariamente descançado e com um hálito
72
O sublinhado é nosso.
110
de laranja podre; as mãos, barrigudas e humidamente macias, davam em
quem as tocasse a sensação repulsiva que se experimenta ao pegar na
barriga de uma lagartixa
73
.
Moscoso apossou-se soffregamente desta mulher, como quem se
abraça a um colchão velho e sebento, cheio, porém, de apólices da divida
publica
74
. (GAZETINHA. Rio de Janeiro, 6 de jan. 1882. p. 2 ).
Após o acontecimento da morte do patrão do comendador, o pai de Genoveva, o
narrador dá um pulo na narração com uma prolepse
75
O narrador caracteriza passo a passo os
aspectos físicos do personagem Genoveva e com traços marcantes de sua feiúra causa uma
sensação de asco no leitor.
Com comparações, o narrador compõe os aspectos físicos de Genoveva e a primeira
comparação extraída do trecho está na construção: “Era uma rapariga feia, de seus vinte e
tantos annos, muito tola, de uma gordura flácida, bamba, como de uma mulher que tivesse
tido já muitos filhos”.
O narrador segue na segunda comparação para criar o aspecto físico de Genoveva no
trecho: “as tetas pesavam-lhe no corpinho do vestido como duas almofadas”.
O efeito visual que cria o narrador desse texto de Aluísio Azevedo é um efeito de
pintura do personagem Genoveva. E, no final do elenco de comparações, o narrador do trecho
acima apresenta a última comparação: “Moscoso apossou-se soffregamente desta mulher,
como quem se abraça a um colchão velho e sebento, cheio, porém, de apólices da divida
publica”.
Genoveva, com o seu “hálito de laranja podre”, as mãos úmidas e macias como se
fosse tocada a barriga de uma lagartixa, é um lugar de sofrimento para o Moscoso, mas, como
a comparação anterior, é “um colchão velho e sebento, cheio, porém, de apólices da divida
publica”. O comendador Moscoso herda os negócios do patrão, o seu dinheiro juntamente
com a filha feia.
Num outro momento, o narrador do romance pela fala de Ambrosina, no diálogo que
ela tece com Gabriel, coloca a seguinte resposta sobre o que ela acha do casamento:
- Então não tenciona casar
? ...
73
O sublinhado é nosso.
74
Os sublinhados são nossos.
75
Manobra narrativa que consiste em contar ou evocar de antemão um acontecimento ulterior (futuro) e adianta
a história em dez meses, GENETTE (1990).
111
- Tenciono, pois não! Nós, as mulheres, somos muito desgraçadas a
este respeito: temos às vezes horror ao casamento, mas que fazer? .,.. Não o
podemos dispensar. Oh! O senhor bem sabe que a mulher só se emancipa
quando se escravisa ao marido ... Desgraçadinha daquella que não tiver um
guarda-costas
76
que a represente na sociedade e que com ella partilhe um
pouco dos perigos que a esperam
77
. (AZEVEDO, Aluísio. A Condessa
Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p. 136)
Ambrosina tece observações que denunciam o seu ponto de vista sobre a posição da
mulher na sociedade da época. Ela questiona o casamento e, como toda mulher, diz não ser
possível ficar fora do casamento, pois, ironicamente, revela, a emancipação da mulher dá-se
quando ela “se escravisa
78
ao marido”, seu “guarda-costas”.
Também a personagem Violante, a mãe de Gabriel, questiona a postura machista do
homem quando conversa com Gaspar, o médico misterioso, e esse diálogo pode ser ilustrado
no trecho abaixo:
- Mas, minha senhora, deixe ao menos que lhe beije primeiro as mãos.
A viúva olhou-o de alto a baixo; tinha-lhe fugido dos lábios o sorriso
carinhoso com que até ahi mimoseava o hospede: Gaspar abaixou os olhos,
sem comprehender o que se passava.
- Beijar-me as mãos! Disse ella afinal. Só se lembrou disso depois da
transacção commercial! E são assim todos os homens! Emquanto se trata
de coisas verdadeiramente raras e preciosas, porque dependem só do
coração e da pureza de seus sentimentos, não se abalam si
Violante questiona a atitude interesseira de Gaspar que lembra de beijar a sua mão,
lembra de ser educado, agradecido, somente depois que fica sabendo que a mulher que tinha
defronte de si era a sua protetora. E num outro trecho do romance o narrador deixa expressa a
personalidade dessa mulher:
... Nasci de duas tempestades, que me concentraram no coração todos
os seus raios, todos os seus vendavaes, todos os delírios do céu e do inferno.
Meo pae morreo na guerra e minha mãe na miséria – foram igualmente
fortes; um lutou contra a maldade dos homens e o outro contra a maldade de
Deus. D’elles eu só herdei, além do caracter, este punhal. E um punhal de
família, que passará, com a minha morte, às mãos de meu filho.
(AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
66)
76
O sublinhado é nosso.
77
Os sublinhados são nossos.
78
Mantivemos a grafia original encontrada no texto.
112
No trecho acima, o narrador constrói a personalidade de Violante e justifica a sua
teimosia como fruto de seu nascimento, herança que recebera de seus pais, seres fortes,
determinados. O caráter de determinação de Violante está na persistência em sua vontade de
se vingar de Paulo Mostella, na sua determinação, e o que é possível verificar, no decorrer do
romance, é que, quando ela descobre que não vai ser possível matar o seu ex-amante, o Paulo
Mostella, se suicida com o punhal que herdara de seus pais. Assim como Gabriel, Violante
também é uma personagem plana, que tem a idéia fixa amparada na vontade e desejo de
vingança; Gabriel, por sua vez, tem idéia fixa em Ambrosina, a sua eterna amada.
O narrador no romance desenha o perfil dos seus personagens com nuanças que
animam as suas características. O personagem Leonardo, em seu ataque de hidrofobia, surge
como um animal diante dos olhos do leitor:
Leonardo havia enlouquecido totalmente, e só com muita difficuldade
conseguiam alimental-o.
De um moço bonito e elegante, que era, estava um bicho horrível e
nogento. Tinha os olhos espantados e vermelhos; o cabello levantado
como
79
o pello de um porco; da bocca estavam a cahir-lhe constantemente
uns humores esbranquiçados e sorosos. Não admittia a roupa no corpo e
passeiava a quatro pés em sua prisão, soltando uivos plangentes e às vezes
bramidos coléricos. ... (GAZETINHA, 9 de fev. 1882, p. 1)
80
O narrador tece comparações que animalizam o personagem. Leonardo tem cabelo
levantado como um porco; de sua boca pingam líquidos como da boca de loucos, e ele anda
de quatro pés como os animais. Seus gritos coléricos soam como os gritos de todo bicho que é
encurralado; assim é descrito o Leonardo no auge de sua loucura. E do romance: Memórias de
um Condemnado, há abaixo mais um trecho descritivo no qual o narrador retrata com detalhes
o estado físico da velha Benedicta:
A pobre velhinha ia perdendo o pouco que lhe restava de apparencia
humana: tinha a cara muito engelhada, como uma fructa secca; os olhos
comidos de cartilagens brancacentas; as orelhas, que além de haver crescido
despropositadamente, estavam rasgadas pelo uso selvagem das grosseiras e
pezadas rosetas de outro tempo, cabiam-lhe agora ao lado do rosto, como
dous grandes cogumellos cosidos em azeite; a magreza desenhava-lhe na
cara os ângulos repulsivos da caveira; as ventas dilataram-se mollemente,
cheias de cabello branco; a bocca afundara-se com a perda total dos dentes e
79
O negrito é nosso.
80
O negrito é nosso.
113
esquecera completamente o feitio e o socego – estava sempre a ruminar, a
remoer; a maxilla inferior acavallava-se insistentemente sobre a outra,
como si a quizesse devorar com a suas gengivas desbotadas e comidas de
callos; por debaixo do queixo escorria-lhe uma camada de pelles chochas e
vazias, e por entre a escassez do cabello amarelaço, percebia-se-lhe o
craneo escamoso e aspero, como
81
o casco de um kagado. Era menos um
cadavaer que um vivente. Fazia muito má impressão vel-a estar alli a
remanchar, tiritando sua senilidade e sua mizeria, em vez de ir apodrecer
por uma vez dentro da terra. (GAZETINHA, 22 de abr. 1882, p. 2).
No trecho acima, o narrador utiliza algumas comparações para descrever o estado de
velhice em que se encontrava a senhora Benedicta. Ela tinha uma “cara engelhada, como
fructa secca”, o que faz lembrar uvas passas enrugadas, daí voltamos à imagem da velhinha
toda enrugada. Depois o narrador emenda com outra comparação: “a maxilla inferior
acavallava-se insistentemente sobre a outra, como si a quizesse devorar com a suas gengivas
desbotadas e comidas de callos”, e o narrador acentua mais ainda o perfil caricaturesco da
velhinha, seu estado carcomido pelo desgaste do tempo.
O narrador segue nas comparações e acrescenta mais características à descrição da
triste personagem Benedita, no trecho: “por entre a escassez do cabello amarelaço, percebia-
se-lhe o craneo escamoso e aspero, como o casco de um kagado”, e, por fim o narrador dá ao
personagem a pena de morte, faz-lhe um morto-vivo.
4. UMA QUESTÃO DE ESTILO E RETÓRICA.
GUERRA DA CAL (s/d, p.17) chama de estilo ao “método do escritor, à sua técnica
de abordagem que suscita, no desenvolvimento da narrativa, a dimensão expressividade”. Diz
que a expressividade que se apresenta pelo estilo “resulta em forma estética” e é por isso que
há “a identidade do estilo com o momento dirigido, com a comunicabilidade da temática,
estilisticamente informada” e conclui que “o estilo galvaniza o tema, tornando-se expressivo”.
O “método do escritor” pode ser visto na forma, na relação do texto com o veículo de
transmissão da informação; trata-se de um texto em um contexto e o romance seriado de
Aluísio Azevedo é fruto de um veículo de divulgação em massa, nasce da divulgação em
jornal.
81
O negrito é nosso.
114
Na publicação do romance seriado Memórias de um Condenado, o escritor tem em
suas expectativas de leitor um público variado, pois, além de outros problemas, enfrentava
também o analfabetismo endêmico e muitas vezes os romances eram lidos por aqueles que
sabiam ler para aqueles que escutavam.
O fato de o romance seriado ser publicado para um público amplo, um público leitor
de jornal, cria a necessidade de adaptação na composição desse romance em uma linguagem
mais próxima do coletivo, o que também leva o escritor a expressar em sua composição a
criatividade em seu texto literário.
GUERRA DA CAL (s/d, p.51) observa que “o estilo literário vai muito além do
meramente verbal” e que “ter um estilo” é “ter uma visão própria do mundo e haver
encontrado uma forma adequada para expressar essa paisagem interior”. Relata que as
palavras são mais que o veículo de comunicação, é por trás das palavras que implícita e
misteriosamente expressa “está sua visão total da realidade, sua atitude vital, sua concepção
subjetiva do mundo, sua maneira particular de simplificá-lo, de transformá-lo, adaptando-o à
sua personalidade” e conclui que atrás das palavras está a maneira de sentir o mundo, de
pensar esse Mundo e é no “estilo verbal que está a síntese intransferível das reações
intelectivas e emocionais que a realidade provoca no escritor”.
A comparação é uma figura bastante usual no romance de Aluísio Azevedo e sobre ela
GEIR CAMPOS (1995, p.42) verifica que também é chamada de SÍMILE e “resulta do
confronto ostensivo de elementos concretos ou abstratos, reais ou fictícios, semelhantes ou
diversos, sempre através de uma conjunção ou locução conjuntiva (como, assim, assim como,
como se, tal, qual, etc.) cuja presença retarda o DINAMISMO EXPRESSIVO”.
Aluísio Azevedo, por intermédio dessas comparações que utiliza em seu romance, cria
“mundos imaginários” que são também fruto da sensibilidade do escritor que é um excelente
caricaturista e escreve por imagens.
JOLY (1999, p. 22), a respeito dessa possibilidade da expressão por imagens, verifica
que “na língua, a “imagem” é o nome comum, dado à metáfora” e a metáfora “é a figura mais
conhecida e mais estudada da retórica” e que tem no dicionário o termo imagem por seu
sinônimo. Pondera que “o que se sabe da metáfora verbal, ou do falar por “imagens” é que
consiste em empregar uma palavra por outra, em virtude de sua relação analógica ou de
comparação”. Conclui que “a imagem ou a metáfora também pode ser um procedimento de
expressão” muito “rico, inesperado, criativo e até cognitivo, quando a comparação de dois
115
termos (explícita e implícita), solicita a imaginação e a descoberta de pontos comuns
insuspeitados entre eles”.
Quando Aluísio Azevedo escreve no capítulo II, O que faziam no quarto os noivos?! ,
de seu romance seriado Memórias de um Condemnado, que: “A noite era mysteriosa e triste
como a confissão de um condemnado”, o substantivo noite recebe os adjetivos: misteriosa e
triste, como se uma noite pudesse ser triste, no sentido mais superficial da palavra, mas a
comparação dá-se em “como
82
a confissão de um condemnado” e mais uma comparação: “as
árvores pareciam estremecer de medo e terror como se ouvissem o segredo de um plano
abominável”. E o narrador, com a utilização desses conectivos, liga sempre uma frase em
outra e cria uma relação de comparação que dá um clima de suspense à narrativa, dá vida e
sentimentos à natureza, às arvores, testemunhas de algo de horrível que está por vir.
Noutra construção que pode ser vista na página 239 do livro A Condessa Vésper,
editora Garnier, 1902: “percebia-se logo que alguma idea fixa
83
se lhe havia agarrado ao
cérebro e lhe chupava os miolos
84
, como
85
caranguejos a aos dos cadáveres de náufragos, que
o mar vomita à praia”. E depois explica o que é esse caranguejo: O caranguejo que lhe
chupava os miolos era a lembrança de Ambrosina”.
O escritor utiliza dessas figuras para enfatizar o estado de Gabriel, no seu desespero
amoroso, na sua entrega desesperada às saudades de Ambrosina. Também há as figuras
expressas nas construções: “Gabriel comprimio o peito com as mãos. Sentia por dentro o
ciúme comer-lhe o coração a dentadas” e na comparação: “a idea fixa. Ella se havia agarrado
ao craneo e chupava-lhe os miolos, como
86
costuma fazer os carangueijos”. A idéia fixa é
vista como um ser parasita que ronda as idéias do personagem. Abaixo mais um trecho com
figuras de linguagem:
O filho de Violante orçava então pelos oito annos; era um menino sadio,
forte e bem tratado. Gaspar é que não parecia o mesmo. Nada o distrahia,
nada conseguia espantar o bando de aves negras
87
do seu tédio.
(AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
95)
82
O negrito é nosso.
83
O sublinhado é nosso.
84
O sublinhado é nosso.
85
O negrito é nosso.
86
O negrito é nosso.
87
O sublinhado é nosso.
116
Na frase “bando de aves negras”, há o coletivo “bando” e há também adjetivação do
vocábulo “aves”, que são “negras”; é como se o escritor expressasse o pensamento do
personagem, suas idéias e o seu estado depressivo e doentio de obsessão. Abaixo outro trecho
com figuras de linguagem:
E a medida que elle, a retroceder lentamente pela praia de Botafogo,
se affastava do collegio das irmãs de caridade, a sua imaginação moça e
fogosa, voltava para lá , a galope.
88
E a endiabrada
89
ia saltando grades, atravessando quartos, até chegar à
perfumada cella da linda religiosa de olhos meigos.... (AZEVEDO, Aluísio.
A condessa Vésper. cap. XXXV – O Bohemio. Garnier, Rio de Janeiro,
1902, p. 336).
O narrador dá aos sentimentos como a imaginação, por exemplo, um substantivo
abstrato, qualidades de um objeto concreto, interferindo no juízo de valor para os
pensamentos de Gustavo, à sua imaginação, endiabrada, moça, fogosa e uma atleta na cabeça
do jovem, ao lembrar da moça que conhecera quando procurava emprego de professor no
Seminário. Mais figuras de linguagem abaixo:
Seus olhos faiscavam como os de um gato bravo; sua boca espumava,
e suas ventas, completamente arregaçadas, lembravam as da fera quando
fareja sangue. ... (GAZETINHA, 4 de jan. 1882, p. 2 ).
No exemplo acima, há mais uma comparação expressa pelo conectivo como. Trata de
uma caracterização de Leonardo, o noivo de Ambrosina que enlouquecera na noite de seu
casamento. O narrador, por intermédio da comparação, cria um perfil animalesco de
Leonardo, embrutece o personagem, dá-lhe características que o assemelham a um animal
feroz enraivecido.
E o narrador dá mais características ao Gabriel, que se deixa arrastar “por um cardume
de raciocínios”, e no coletivo, o cardume, lembra o coletivo de peixes unidos e também
aproxima esse coletivo das lembranças de Gabriel, seu raciocínio. Abaixo mais um trecho de
figuras de linguagem:
88
Os sublinhados são nossos.
89
O sublinhado é nosso.
117
Comprehendeu que na alma d’aquela mulher, a idea fixa da vingança
estava cravada como
90
um veio de porphiro na rocha. Era impossível
estrahil-o sem despedarçar a montanha. (GAZETINHA, 15 de jan. 1882, p.
2 -3).
A
cima, outra comparação, o narrador compara a idéia fixa de Violante de assassinar a
Paulo Mostella, com um veio de pórfiro, um substantivo masculino que o dicionário
denomina como uma espécie de mármore verde ou vermelho, salpicado de outras cores.
Assim como a idéia fixa de Violante é difícil de ser mudada, é impossível também se extrair a
pedra de pórfiro sem despedaçar a montanha. Abaixo outra figura de linguagem:
E enfim com o seu chapéu
de pello, triste, amarrotado, não de baques
e pancadas, mas de velhice. .(GAZETINHA. Rio de Janeiro, 23, 24 de jan.
1882, p. 2 -3).
O narrador dá detalhes da degradação do personagem por intermédio de seu chapéu. É
pela imagem do chapéu que o estado de abandono do personagem é assinalado. Ele tinha um
chapéu (objeto) que era triste (sentimento humano), que refletia a tristeza e o abandono em
que se encontrava Alfredo Bessa, o Marmelada.
Num outro momento do narrador, no capítulo XLI, Raciocínios póstumos do
Commendador Moscoso, o narrador, procurando ilustrar o ambiente com uma chuva contínua
escreve: “Chovia a cântaros” e parágrafos à frente, no final desse capítulo encerra com um
corte sistemático que diz: “A chuva continuava torrencialmente”, dando ao aspecto do
ambiente a idéia de uma chuva continuada, que adentrará no próximo capítulo, e fica na
mente do leitor essa idéia de continuação da chuva.
Abaixo um discurso de Ambrosina sobre a emancipação da mulher; veja-se como a
personagem toma posição e retrata a condição feminina:
... Ah! O senhor bem sabe que a mulher só se emancipa quando se escravisa
ao marido. Afinal é sempre captiva! – em quanto tem pae, é escrava delle; e,
quando perde, é escrava do marido, ou da sociedade, o que é peior!
Degraçadinha daquella que não tiver algum typo que a represente e que
partilhe um pouco de sua responsabilidade! ... (GAZETINHA, 3, 4 de fev.
1882, p. 2 -3).
90
O negrito é nosso.
118
Acima a personagem emblemática, a Ambrosina, dá seu ponto de vista sobre a sua
sociedade machista e que para o homem dá todos os direitos de emancipação, deixando para a
mulher a única forma de fazê-lo que seria deixar de sua casa paterna e se escravizar
novamente, agora a um marido.
Aluísio Azevedo carrega seus personagens dos mais fortes sentimentos amorosos,
sentimentos de vingança, de puerilidade, de inocência. Quando escreve folhetim, o escritor
amplia o trecho narrativo com extensas digressões, utiliza-se de termos mais acessíveis ao seu
público leitor de jornal. Já no transporte do romance para o livro, há uma lapidação dos
termos, da construção, que, por outro lado, enxuga a narrativa e deixa-a enfraquecida na
relação com o imaginário do leitor.
O estilo na produção literária do escritor Aluísio Azevedo adapta-se também ao
contexto em que o seu romance é inserido; isso foi possível observar, primeiramente, na
enorme quantidade de termos no diminutivo existentes na publicação do romance A condessa
Vésper.
Abaixo alguns trechos retirados do livro A Condessa Vésper nos quais acontece o uso
do diminutivo e mesmo trecho no jornal onde isso não ocorre:
- O que é da noiva? Perguntou Gabriel a um creado, que appareceu
depois.
- Havia se recolhido a coisa de meia hora, com o noivo, nos aposentos que
lhes eram destinados no pavilhão azul, ao fundo do jardim, para o lado do
mar. .(GAZETINHA, 3 de jan. 1882, p. 2).
____XXX________
- O que é da noiva? ... perguntou Gabriel a um criado de libré, que
apparecera depois indagando delles se precisavam de alguma cousa. - A
noiva? Acaba, neste instante, de retirar-se com o noivo para o rico
pavilhãosinho
91
cor de rosa que lhes foi preparado ... Olhe! Meu senhor!
Aqui desta janella ainda os pode ver! Alli vão elles! Gabriel correu ao logar
indicado. Ambrosina, peklo braço do noivo, fugia effectivamente para o
escondido ninho dos seus amores, esgueirando-se arisca por entre as
sombrias arvores do jardim. (AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper. Rio
de Janeiro: Garnier, 1902, p. 11).
91
O negrito é nosso.
119
A opção pela construção “rico pavilhãosinho cor de rosa” que aparece na produção em
livro, no romance A Condessa Vésper é diferente daquela primeira construção em jornal, no
romance: Memórias de um condemnado: “pavilhão azul, ao fundo do jardim”.
A utilização do diminutivo no grau do substantivo pavilhão dá à construção um tom de
ironia, que é completado pela cor do pavilhãozinho, que é rosa e pelo adjetivo que é rico. No
jornal, a opção do narrador é a de não utilizar o diminutivo para o substantivo e manter a
denominação de “pavilhão azul”, mais direta, sem as intenções contidas no texto com a
utilização do diminutivo e do adjetivo rico.
Essa utilização do diminutivo muitas vezes é encontrada em ambos os romances, tanto
naquele que ocorreu no jornal GAZETINHA, quanto na publicação do romance em livro pela
Livraria Garnier, como pode ser visto nos trechos abaixo:
... O velho voltou com os charutos e perguntou si o amo queria jantar
mesmo no quarto ou si se resolvia a passar à varanda.
- Diga a senhora que faça o que enternder, respondeu elle.
- Dona Violante já está a meza e conta que o senhor far-lhe-a
companhia.
- Nesse caso, irei.
E Gaspar teve uma alegriasinha por saber que a sua mysteriosa
feiticeira chamava-se Violante. (GAZETINHA, 10 de jan. 1882, p.3).
_________XXX____________
... O velho voltou com os charutos, e perguntou se o amo queria jantar
mesmo no quarto ou se se resolvia a passar ao “comedor”.
Diga à senhora que faça como melhor entender, respondeu elle.
- D. Violante já está à mesa e conta que meu amo lhe fará companhia.
- Nesse caso, irei.
E Gaspar, sem saber porque, teve uma alegriasinha com descobrir que
a sua mysteriosa feiticeira se chamava Violante. .. (AZEVEDO, Aluísio. A
Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p. 41).
120
Dos dois trechos acima, o do jornal e o do livro, pode-se notar que entre o trecho do
jornal: “E Gaspar teve uma alegriasinha por saber que a sua mysteriosa feiticeira chamava-se
Violante” e o trecho do livro: “E Gaspar, sem saber porque, teve uma alegriasinha com
descobrir que a sua mysteriosa feiticeira se chamava Violante” há diferenças de ordem da
escrita.
No trecho do jornal, não aparece o vocativo “sem saber porque” visto no livro e
pensamos que esse vocativo sugestiona uma reflexão mais indireta do leitor, o que não é
necessário na divulgação em jornal.
Também entre a publicação em jornal e em livro há primeiramente no jornal a
construção: “O velho voltou com os charutos e perguntou si o amo queria jantar mesmo no
quarto ou si se resolvia a passar à varanda
92
”, que no livro está assim: “O velho voltou com
os charutos, e perguntou se o amo queria jantar mesmo no quarto ou se se resolvia a passar ao
comedor”.
Os dois termos vistos no jornal e no livro, varanda e comedor aproximam-se por
denotarem um mesmo ambiente, mas, a forma de dizer é diferente. Varanda é um termo
bastante conhecido de uma grande maioria de pessoas, é termo usual, mas, comedor, é um
vocábulo mais refinado.
Aluísio Azevedo utiliza de um grande número de palavras e construções francesas em
seus romances, que podem ser vistas com mais freqüência no romance: A Condessa Vésper,
são elas: “robe de chambre”, “Lê monde marche”, comme il faut, toilette”, menu”,
Voulez-vous parler à madame?”, chaise-longue”, la jolie parfumeuse”, grog à la
américaine”, nom de Dieu”, savoir faire e “habitues”, entre outras. Essa utilização de
palavras francesas ilustra os hábitos da sociedade da época.
92
O negrito é nosso.
121
IV. MANUTENÇÃO DAS TÉCNICAS DE COMPOSIÇÃO FOLHETINESCAS NA
PUBLICAÇÃO DO ROMANCE A CONDESSA VÉSPER
A verificação das diferenças e a manutenção dos aspectos do romance seriado no
romance: A Condessa Vésper é útil na ilustração de nossas observações de que a obra de
Aluísio Azevedo recebe pela crítica um posicionamento maniqueísta e que o escritor não
produz obra maior ou menor, mas, manipula a literatura para os gostos de seu público,
comercializa um produto, e, para vendê-lo, precisa agradar ao comprador, o leitor, por isso dá
a este aquilo que ele espera. Por outro lado, questiona junto a esse leitor, por meio de seus
personagens, todo um comportamento social de época.
Na publicação do romance A Condessa Vésper, em livro, é enfatizada a condessa, a
poderosa Ambrosina e no jornal, na publicação de Memórias de um Condemnado o enfoque é
dado a um condenado (um ser qualquer), um entre outros condenados. Não há um nome
identificável no título e, nem como no caso da condessa (uma cortesã, prostituta da época),
um adjetivo, a famosa, a Vésper.
Há diferenças de outras ordens que aparecem na publicação em jornal e em livro,
sendo bom lembrar novamente que a matriz, a publicação primeira é no jornal e que podem
ficar vestígios na publicação em livro dessa publicação em jornal.
O prólogo ao romance seriado: Memórias de um Condenado, Um caso extraordinário
surge no dia 1º de janeiro de 1882, no rodapé do jornal, na parte inferior dedicada à coluna
FOLHETIM (com romances e crônicas diárias).
No livro, divulgado em 1902, pela editora Garnier, com o titulo de A Condessa
Vésper, o capítulo introdutório surge como capítulo zero e recebe o nome de Memórias de um
Condenado, ou seja, o título do romance-folhetim publicado em jornal é o mesmo título do
capítulo 0 de A Condessa Vésper.
O conteúdo temático dos dois capítulos vistos no jornal e no livro é o mesmo. Ambos
tratam de uma carta, um depoimento de um criminoso que se encontra preso. Um caso
extraordinário é a aproximação do narrador com o leitor; há aí um aspecto mais intimista, que
reforça esse perfil de escrita em jornal da relação em processo, mais direta e também tensa
com o leitor.
122
Essa utilização de uma denominação de capítulo zero é usual na publicação dos
romances de Aluísio Azevedo. Na publicação de Philomena Borges, há esse subterfúgio
assim como podemos encontrá-lo na publicação de A Condessa Vésper, que utiliza a
denominação de capítulo zero para o seu prólogo intitulado Memórias de um Condemnado,
capítulo que na publicação no jornal GAZETINHA surge apenas com o título UM CASO
EXTRAORDINÁRIO.
Escrever para um público amplo, um público leitor de jornais, implica grandes
mudanças no enunciado, pensando-o de acordo com o que diz Bakhtin, que observa que há no
enunciado uma construção composicional (estrutura do romance, no caso), assim como, um
conteúdo temático e o estilo com o qual o autor escreve e essas implicações levadas em conta
pelo escritor, em seu processo de criação, cria um liame, uma ligação dinâmica entre leitor e
escritor (narrador).
Abaixo fragmentos que mostram um ambiente coletivo que é aquele dos cortiços no
Brasil. O nome do capítulo de onde extraímos o exemplo é No cortiço, capítulo oitenta e nove
do romance-folhetim: Memórias de um Condemnado. Na obra de Aluísio Azevedo, sempre
estiveram presentes suas características de escritor naturalista, mas, como divulga seu trabalho
no jornal que é recebido por um público ledor de romance romântico, o autor-escritor constrói
o seu texto:
Gustavo esperava á porta da lavadeira, em quanto a negrinha
fora prevenil-a da sua chegada.
O cortiço estava todo em movimento. Havia o rumor vital do trabalho.
Um grupo de mulheres, com o vestido arregaçado e os braços nus, lavava,
conversando e rindo ao lado de um tanque cheio. Um portuguez, com a
jaqueta atirada sobre os hombros, tagarelava com uma preta, que entrára pra
vender hortaliças; duas crianças, nuas, assentadas na gramma raspada de um
quase extincto canteiro, entretinham-se a enraivecer um cão. Um mascate,
com uns restos de cachimbo no canto da bocca, fumava ao lado de um
taboleiro de miudezas, e conversava em meia língua com uma velha que
parecia estar tonta
93
.
(...)
A lavadeira, deitada sobre uma velha cama de ferro, tinha um aspecto
hediondo: - a doença comêra-lhe a gordura, e agora pendiam-lhe tristemente
do pescoço, dos hombros e dos braços, as pelles vasias e engelhadas. Seus
olhos desappareciam nas pálpebras empapadas; sua bocca era um buraco; a
febre levara-lhe os cabellos, e o craneo, mordido pelo molho de luz que
vinha do postigo, desenhava-se através da rede transparente das farrinas
grisalhas.
- Já tenho alli a tinta e o papel, disse ella, sem attentar para a
preoccupação de Gustavo.
(...)
93
O sublinhado é nosso.
123
- Vou contar-lhe minha vida, disse ella.
Gustavo percebeu que o hálito da lavadeira exhalava um cheiro de
aguardente. (Continua.)
(GAZETINHA, 16 de maio 1882, p.1)
O trecho acima descreve o ambiente dos cortiços no século XIX, ambiente que é
retratado minuciosamente num outro romance de Aluisio intitulado O Cortiço. As cenas que
sublinhamos são partes de uma visão panorâmica feita pelo narrador sobre aspectos de um
cortiço. Neste cortiço, como o narrador observa, há movimento, trabalho, pessoas lavando
roupa, crianças, enfim, atos do cotidiano da periferia do século XIX, se assim podemos
chamar os cortiços que surgiam na época com a chegada dos imigrantes estrangeiros que
vinham para o Brasil para substituir a mão-de-obra escrava.
Entre as diferenças marcantes possíveis de serem observadas de imediato entre os
romances: Memórias de um Condemnado e A Condessa Vésper há a redução do número de
capítulos que se dá na publicação do romance em livro: de 106 capítulos existentes na
divulgação no jornal GAZETINHA passa para 50 capítulos na produção em livro.
Observamos abaixo um quadro com a relação dos títulos das duas publicações:
QUADRO COMPARATIVO DE TÍTULOS DOS CAPÍTULOS.
CAPÍTULOS DE A CONDESSA VÉSPER
PUBLICAÇÃO EM LIVRO
CAPÍTULOS DE MEMÓRIAS DE UM CONDENADO
– PUBLICAÇÃO EM JORNAL
Cap.0 – AS MEMORIAS DE UM CONDEMNADO;
Cap. 1 – O NAMORADO DA NOIVA;
Cap. 2 – O MÉDICO MYSTERIOSO;
Cap. 3 – ASCENDENTES;
Cap. 4 – VIOLANTE;
Cap. V – REFLUXO DO PASSADO;
Cap. VI – PAULO MOSTELLA;
Cap. VII – O PUNHAL DE FAMÍLIA;
Cap. VIII – VIRGINIA,
Cap. IX – MOMENTO DA VINGANÇA;
Cap. X – SANGUE;
Cap. XI – A MOFINA;
Cap. XII – COMO E ONDE CRESCEU AMBROSINA;
Cap. XIII – AS VICTIMAS DO COMMENDADOR;
Cap. XIV – DESCOBRE-SE O AUCTOR DAS
MOFINAS;
Cap. XV – EM CASA DO COMMENDADOR;
Cap. XVI – A FORMOSA AMBROSINA;
Cap. XVII – LEONARDO;
Cap. XVIII – A SYMPATHICA EUGENIA;
Cap. XIX – AMO-TE! VEM!;
Cap. XX – A CASA DOS AMANTES;
Cap. XXI – DO ESPOLIO DO COMMENDADOR;
Cap. XXII – TOCAM-SE OS EXTREMOS;
Cap. XXIII – A FESTA DE AMBROSINA;
Cap. XXIV – A ALMA DO COMMENDADOR;
Cap. XXV – A FLOR DO RUSSELL;
Cap.0- UM CASO EXTRAORDINÁRIO;
Cap. I – O PUNHAL DE FAMÍLIA;
Cap. II - O QUE FAZIAM NO QUARTO OS
NOIVOS?!;
Cap.III – O MEDICO MYSTERIOSO;
Cap. IV – A MOFINA;
Cap.V – DE CAIXEIRO A COMMENDADOR;
Cap. VI – AVENTURAS DO DR. GASPAR;
Cap. VII – VIOLANTE;
Cap. VIII – HISTÓRIA DE VIOLANTE; Cap. IX –
PROJECTOS DE VINGANÇA;
Cap. X – PESQUISAS;
Cap. XI – EM PERNAMBUCO;
Cap. XII – MOMENTO DA VINGANÇA; Cap. XIII –
SANGUE;
Cap. XIV – UM CASAMENTO SINGULAR;
Cap. XV – VOLTA-SE PARA O SUL;
Cap. XVI – NA CÔRTE;
Cap. XVII – TYPOS FLUMINENSES; Cap. XVIII –
DELÍRIO DO CORONEL; Cap. XIX – VOLTA DA
ACADEMIA; Cap. XX – DESCOBRE-SE O
SEGREDO DAS MOFINAS;
Cap. XXI – COMMISSÃO MELINDROSA;
Cap. XXII – EM CASA DO COMMENDADOR;
Cap. XXIII – AMBROSINA REAPPARECE;
Cap. XXIV – AMBROSINA;
Ca
p
. XXV
GABRIEL E AMBROSINA; Ca
p
. XXVI
124
Cap. XXVI – O IMPLACAVEL ALFINETE;
Cap. XXVII – O DENTE DE COELHO;
Cap. XXVIII – DIABÓLICA ESTRATÉGIA;
Cap. XXIX – DIA DE VIAGEM;
Cap. XXX – FULMINAÇÃO;
Cap. XXXI – DESTROÇOS DA TEMPESTADE;
Cap. XXXII – VISITA DE ZANGÃO;
Cap. XXXIII – PELA ESTRADA DA TIJUCA;
Cap. XXXIV – O SABOR DA EXISTÊNCIA;
Cap. XXXV – O BOHEMIO;
Cap. XXXVI – VÉSPER;
Cap. XXXVII – PASSAGEM DE VÊNUS;
Cap. XXXVIII – EM CASA DA CONDESSSA;
Cap. 39 – A VEZ DA CIGARRA;
Cap. 40 – A POBRE LAVADEIRA;
Cap. 41 – ESTELLA;
Cap. 42 – RAPINA;
Cap. 43 – ENTRE GARRAS;
Cap. 44 – VIVA NAPOLEÃO;
Cap. 45 – DE CONDESSA A PRINCEZA;
Cap. 46 – APOGEU E OCCASO;
Cap. 47 – RELAPSIA;
Cap. 48 – A ULTIMA CAMISA;
Cap. 49 – IN EXTREMIS;
Cap. 50 – OS BRILHANTES DO FARANI;
FIM.
5/2/1882 LEONARDO;
cap. XXVII – VOLTA-SE AO PRINCÍPIO;
54. cap. Cap.
cap. XXIX – DESAPPARECE O COMMENDADOR ;
cap. XXX – BEINHAHE .... BEINAHE?; Cap. XXXI –
INSONIA;
cap. XXXII – A CASA DOS AMANTES; cap. XXXIII –
ALFREDO BESSA RESTAURADO;
CAP. XXXIV – UMA GARRAFA DE VINHO VELHO;
Cap. XXXV – INTERIOR;
CAP. XXXVI – UM AMIGO;
CAP. XXXVII – O JANTAR;
Cap. XXXVIII – DOIDICES;
Cap. XXXIX – ESTALAÇÕES;
cap. XL (40) EMBRIAGUEZ DUPLA;
cap. XLI – RACIOCINIOS POSTUMOS DO
COMMENDADOR MOSCOSO;
CAP. XLII (42) O COCHEIRO JORGE; cap. XLII - A
CASA DO COCHEIRO;
CAP. XLIII – A FLOR DO RUSSELL;
cap. XLIV – Á LUZ DA LAMPARINA; CAP. XLVI –
CAMINHO DA MORTE;
CAP. XLVII – UMA ALFINETADA; CAP. XLVIII –
ANTES DE PARTIR;
cap. XLIX- CARTAS;
cap. L – ASTURIAS DE AMBROSINA;
CAP.- LI (51) – DIA DE VIAGEM;
Cap. LII – À PROCURA DE JORGE;
CAP.– LIII – SOBRE AGUA;
CAP.– LIV – MAIS UMA PRISÃO;
CAP.– LV – FUGIDA;
Cap. – LVI – MAIS CARTAS;
CAP. - LVII – AINDA CARTAS;
CAP. – LVIII – APRÉS LE COMBAT;
CAP.– LIX – MAUPIN;
CAP. – LX – LOBO NÃO COME LOBO;
cap. LXI – ENTRE A BAHIA E A CÔRTE;
CAP. - LXII – SAUDADE;
CAP. LXIII – CAMINHO DO INFERNO; cap. LXIV –
TYPOS E TYPÕES;
CAP. LXV – HOTEL DOS PRINCIPES;
CAP. LXVI – ENCONTRO;
CAP.– LXVII – (67) –VÔO;
CAP. LXVIII – PESADELO;
CAP. LXIX – MORTES;
CAP. – LXX – GUSTAVO MOSTELLA;
CAP. – LXXI – NA ESCOLA;
CAP. – LXXII – BOHEMIA;
CAP.– LXXIII – FANTASIA;
CAP. LXXIV – BENEDICTA;
CAP. – LXXV – GUSTAVO A PROCURA DE
ARRANJO;
CAP.–LXXVI – A PRIMEIRA ENCOMMENDA;
CAP. LXXVII – UM DE MENOS;
CAP. LXXVIII – DOUS ANNOS DEPOIS;
CAP. – LXXIX – TRANSFORMAÇÕES; CAP. LXXX –
PASSAGEM DE VENUS;
CAP.LXXXI – PROTESTOS;
CAP. LXXXII – UMA VISITA;
CAP. LXXXIII - VINGANÇA DE MULHER;
CAP. LXXXIV – QUE LABIAS!;
CAP. – LXXXV – NO ALCAZAR;
CAP. – LXXXVI – GASPAR E AMBROSINA;
CAP. LXXXVII – AMBROSINA ESTRÉIA NO
ALCAZAR;
CAP. - LXXXVIII
A FAMILIA SILVA; CAP.
125
LXXXIX – NO CORTIÇO;
CAP. 90 – CONFIDENCIAS;
CAP. 91 – A CARTA;
CAP. 92 – AMBROSINA E GUSTAVO;
CAP. 93 – PERDIDO;
CAP. 94 – O QUE FOI FEITO DE LAURA;
CAP. 95 – LAURA (MEMORIAS DE AMBROSINA);
CAP. 96 – VÔO E QUEDA;
CAP. 97 (XCVII) – QUEDA E VÔO;
CAP. 98 (XCVIII) – CONTOS REAES;
CAP. 99 – ROUBO;
CAP. 100 (C ) – VOLTA DE GABRIEL; CAP. 101 –
SUICIDIO;
CAP.. 102– PROJECTO DE CASAMENTO;
CAP.- CIII – ABALOS;
CAP. 104 – DISSOLUÇÃO;
CAP. 105 – CV – DESFECHO;
CAP. 106 –ULTIMOS RACIOCINIOS DE GABRIEL
(ESCRIPTOS NA CASA DE CORRECÇÃO EM 1882)
(CONCLUSÃO).
Postos os títulos dos romances lado a lado, fizemos um levantamento por amostragem
das principais mudanças e das permanências que se dão entre a divulgação em jornal e a
divulgação em livro e notamos que:
DE ACORDO COM OS TÍTULOS E O CONTEÚDO DOS CAPÍTULOS DESSES
REFERIDOS TÍTULOS:
1) Títulos diferentes, mas, mesmo conteúdo
94
:
No jornal, cap. 0 – UM CASO EXTRAORDINÁRIO. No livro, cap. 0, AS
MEMÓRIAS DE UM CONDEMNADO;
No jornal, cap. I – O PUNHAL DE FAMÍLIA. No livro, cap. 1, O NAMORADO DA
NOIVA;
No jornal, cap. IV – A MOFINA. No livro, cap. III – ASCENDENTES;
No jornal, cap. VIII – HISTÓRIA DE VIOLANTE. No livro, cap. V, REFLUXO DO
PASSADO;
No jornal, cap. IX – PROJECTOS DE VINGANÇA. No livro, cap,. VI – PAULO
MOSTELLA;
No jornal, cap. X – PESQUISAS. No livro, cap. VII, O PUNHAL DE FAMÍLIA;
No jornal, cap. XI – EM PERNAMBUCO. No livro, cap. VII, O PUNHAL DE
FAMÍLIA;
No jornal,
No jornal, cap. XXVII – VOLTA-SE AO PRINCÍPIO. No livro, cap. XVIII, A
SYMPATHICA EUGÊNIA;
No jornal, cap. XIV – UM CASAMENTO SINGULAR. No livro, cap. X, SANGUE;
94
Enfatizamos novamente que o levantamento feito é por amostragem e não um levantamento estanque.
126
No jornal, cap. XV - VOLTA-SE PARA O SUL. No livro, cap. XI, A MOFINA;
No jornal, cap. XVI – NA CÔRTE. No livro, cap. XI, A MOFINA;
No jornal, cap. XVII – TYPOS FLUMINENSES. No livro, cap. XII, COMO E ONDE
CRESCEU AMBROSINA;
No jornal, cap. XVII – TYPOS FLUMINENSES (continuação. No livro, cap. XII,
COMO E ONDE CRESCEU AMBROSINA;
No jornal, cap. XVIII – DELÍRIO DO CORONEL. No livro, cap,. XIII, AS
VICTIMAS DO COMMENDADOR;
No jornal, cap,. XIX (aparece com erro de impressão, XIV) – VOLTA DA
ACADEMIA. No livro, cap. XIV, DESCOBRE-SE O AUCTOR DAS MOFINAS;
No jornal, cap. XX – DESCOBRE-SE O SEGREDO DAS MOFINAS. No livro, cap.
XIV, DESCOBRE-SE O AUCTOR DAS MOFINAS;
No jornal, cap. XXI – COMMISSÃO MELINDROSA. No livro, cap. XIV,
DESCOBRE-SE O AUCTOR DAS MOFINAS;
No jornal, cap. XXIII – AMBROSINA REAPPARECE. No livro, cap. XV, EM
CASA DO COMMENDADOR;
No jornal, cap. XXIV – AMBROSINA. No livro, cap. XVI – A FORMOSA
AMBROSINA;
No jornal, cap,. XXV – GABRIEL E AMBROSINA. No livro, cap,. XVI -
FORMOSA AMBROSINA;
No jornal, cap. XXVII – VOLTA-SE AO PRINCÍPIO. No livro, cap. XVIII, A
SYMPATHICA EUGENIA;
No jornal, cap. XXVII – EUGÊNIA. No livro, cap. XVIII, A SYMPATHICA
EUGÊNIA;
No jornal, cap. XXVII – EUGÊNIA (continuação). No livro, cap. XVIII, A
SYMPATHICA EUGÊNIA;
No jornal, XXIX – DESAPPARECE O COMMENDADOR. No livro, cap. XIX,
AMO-TE! VEM!;
No jornal, cap. XXX – BEINAHE ... BEINAHE. No livro, cap. XIX – AMO-TE!
VEM!;
(....)
No jornal, cap. CV – DESFECHO. No livro, cap. L, OS BRILHANTES DO
FARANI;
No jornal, cap. CVI – ULTIMOS RACIOCINIOS DE GABRIEL (Escriptos na casa
de correção em 1882).(Conclusão). No livro, cap. L – OS BRILHANTES DO
FARANI.
2) Títulos iguais, mas, em diferentes capítulos:
No jornal, cap. I – O PUNHAL DE FAMÍLIA. No livro, cap. VII – O PUNHAL DE
FAMÍLIA;
No jornal, cap. III – O MEDICO MYSTERIOSO. No livro, cap. II – O MEDICO
MYSTERIOSO;
No jornal, cap. IV – A MOFINA. No livro, cap. XI – A MOFINA;
No jornal, cap. VII – VIOLANTE. No livro, cap. IV – VIOLANTE;
127
No jornal, cap. IX – PROJECTOS DE VINGANÇA. No livro, cap. MOMENTO DE
VINGANÇA (TITULOS APROXIMADOS ...);
No jornal, cap. XII – MOMENTO DE VINGANÇA. No livro, cap. IX, MOMENTO
DE VINGANÇA;
No jornal, cap. XIII – SANGUE. No livro, cap. X, SANGUE;
No jornal, cap. XXII – EM CASA DO COMMENDADOR. No livro, cap. XV, EM
CASA DO COMMENDADOR;
No jornal, cap. XXVI – LEONARDO. No livro, cap. XVII, LEONARDO.
Das associações verificadas acima, separamos algumas de amostragem às nossas
observações e apresentamos especificando quando é parte do jornal e quando é do livro.
Primeiro começaremos pelo capítulo CV e CVI, últimos capítulos do romance no jornal,
respectivamente, Desfecho e Últimos raciocínios de Gabriel e o último capítulo do romance
no livro, o capítulo L, intitulado Os Brilhantes do Farani.
No jornal:
Gabriel parou defronte da vitrina do Farani. Os dous brilhantes, as
duas tentações de Ambrosina, lá estavam a fital-o, como dous olhos no
meio de um cortejo rico de scintilações.
Havia a granada, com seus tons quentes e sanguineos; a esmeralda,
alegre e risonha, cercada de pequeninos diamantes, embutidos n’uma cobra,
como é de costume para symbolisar a medicina; as opalas, de uma brancura
compacta e cheia de irradiações; as turquezas, as perolas alvas, as
amethistas, as coralinas .....
‘E no meio das luzes cambiantes e das scintilações multicores dessa
pedraria, destacavam-se os dous brilhantes a fitarem Gabriel.
95
...
(GAZETINHA, 4 de jun. 1882, p.1)
No livro:
Parou defronte do mostrador. Os dous bellos brilhantes, as duas
tentações de Ambrosina lá estavam em toda a sua refulgente gloria; e o
desgraçado estremeceu ao trocar com elles um rápido olhar, como se desse
com effeito de surpreza com os olhos de alguém, de algum demônio, do
cruel demônio que implacavelmente o perseguia desde o seu primeiro sonho
de amor.
96
No meio de um ardente effluvio de scintillações, feito de accesas cores
em que parecia transluzir a alama fulgurante dos mineraes preciosos,
95
O sublinhado é nosso.
96
O sublinhado é nosso.
128
destacavma-se, a fitar Gabriel, as duas irrequietas pupillas de carbono vivo.
Havia a granada e o rubi, com a suas luzes quentes e sanguineas, que
lembram os sorrisos do peccado, a esmeralda, matinal e alegre como
lagrima do mar gottejada dos cabellos de Aphrodite, ao lado da saphira,
triste e sombria como as gottas da noite.
(...) Mas a todo esse refulgir da ardente e rica pedraria, sobrelevava-se o
fulgor das duas lúcidas pupillas de luz diamantina, que provocadoramente
desafiavam Gabriel para um supremo desvario.
97
O amante de Ambrosina entrou na loja....
(AZEVEDO, Aluísio. A condessa Vésper.Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
461)
As diferenças em sua maioria são de ordem da escrita, diferença nas palavras
utilizadas e nas construções. Numa visão geral, é possível, de imediato, perceber que no
jornal, até mesmo por nele haver uma relação mais próxima com o leitor e também por ser um
veículo de difusão em massa, as palavras empregadas são mais fáceis de entendimento, o
texto é acessível ao grande público, se aproxima da linguagem oral. No livro, o estilo é mais
refinado no uso das palavras, há uma condensação no tamanho dos parágrafos e o que marca
bastante as diferenças é mesmo o distanciamento que há do leitor da obra na escrita do
romance publicado em livro em relação ao diálogo mais aproximado existente na publicação
em jornal.
No jornal:
_ Espera. É uma fantasia. Deixa vendar-te os olhos.
Ambrosina submetteu-se.
- Não quero que vejas. Só tiratás o lenço defronte do espelho.
- Prompto, disse ella com os olhos vendados.
Gabriel então, que já tinha tirado as pistolas da algibeira, fez pontaria sobre
o collo de Ambrosina.
_ Ahi os tens! Exclamou elle. E desfechou.
Ambrosina cahio de costas, banhada em sangue.
(GAZETINHA, 4 de jun. 1882, p.1)
No livro:
- Agora, bem! Da-me o teu lenço ... acrescentou elle.
- Meu lenço! ... Ahi o tens ... Para que? ...
- Espera ... É uma phantasia ... Deixa vendar-te os olhos ...
Ambrosina submetteu-se, com arrepios de goso, a perguntar se o
broche então armava também em collar.
97
O sublinhado é nosso.
129
- Sim, respondeu o amante, empunhando as pistolas, que já tinha
engatilhadas. E quero que só vejas defronte do espelho ... com os teus
brilhantes no collo.
- Prompto! Disse ella afinal, de olhos vendados.
Gabriel, fazendo-lhe pontaria sobre os peitos, exclamou:
- Ahi os tens, demônio!
E disparou ao mesmo tempo as duas armas.
Ambrosina, soltando um gemido, cahio de costas, banhada em sangue.
(AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier, 1902, p.
461)
Abaixo mais um momento de associação entre as publicações em jornal e em livro,
que se encontram nos Typos Fluminenses e Como e onde cresceu Ambrosina, divulgados
respectivamente no jornal e em livro.
No jornal:
A’s vezes reunia-se gente em casa do commendador, e fazia-se um
cavaco antes do chá. Ambrosina solfejava alguma coisa ao piano; as visitas
fumavam ou bebiam cerveja; e o dono da casa fallava vagamente de política
ou de seus interesses.
Entre a gente que freqüentava o commendador Moscoso, notavam-se
as seguintes pessoas, que eram infalliveis:
(Continua amanhan.)
(GAZETINHA, 24 de jan. 1882, p.2)
No livro:
Reunia-se gente quase todas as noites em casa do commendador, e
fazia-se um cavaco antes do chá. Ambrosina solfejava ao piano; as visitas
fumavam ou bebiam cerveja, e o dono da casa fallava de política ou de
negócios. (AZEVEDO, Aluísio. A Condessa Vésper. Rio de Janeiro: Garnier,
1902, p.101)
A publicação em livro é composta de cinqüenta capítulos que freqüentemente abarca,
cada um deles, o conteúdo de dois a três capítulos existentes na publicação do romance em
jornal.
Os cortes sistemáticos e os cortes com ganchos perdem a sua intensidade na
publicação em livro e têm, muitas vezes, uma redução ou até mesmo um desaparecimento
130
desses cortes juntamente com o sumiço das extensas digressões vistas na publicação do
folhetim: Memórias de um Condemnado
98
.
Os títulos dos capítulos no livro são mais dedutivos, mais acabados, ficando de lado a
forma direta dos títulos do romance-folhetim, aquele que é publicado em jornal, quando o
narrador utiliza títulos mais explicativos, que orientam o leitor a respeito dos fatos que estão
por vir. Se no jornal o capítulo intitula-se A MOFINA, no livro é ASCENDENTES
(antepassados). O capítulo no jornal explica o porquê das mofinas direcionadas ao coronel
Pinto Leite e por que o comendador Moscoso o perseguia, o mesmo se dá no livro, é claro,
com as construções diferentes, outro acabamento, mas a idéia é a mesma, só que é dirigido
para público, possível leitor de jornal, um veículo de comunicação de massa, daí os títulos
serem mais acessíveis ao leitor.
O capítulo no jornal intitula-se TYPOS FLUMINENSES e tem a sua correspondência
no livro no capítulo COMO E ONDE CRESCEU AMBROSINA. O título do capítulo do
jornal exerce uma ponte com a coluna existente neste mesmo jornal GAZETINHA, a qual se
chama TYPOS E TYPÕES, mas os tipos fluminenses apresentados no romance são
caracterizados pejorativamente, de maneira contrária àquela encontrada no jornal, que
apresenta personalidades importantes da vida brasileira desse final de século XIX.
No jornal, há o capítulo PROJECTOS DE VINGANÇA e no livro o capitulo se
intitula PAULO MOSTELLA. O jornal aponta no seu capítulo os projetos de Violante na
vingança que pretendia aplicar no personagem Paulo Mostella. O mesmo conteúdo é
encontrado no capítulo PAULO MOSTELLA, mas a ênfase do título do capítulo é no
personagem e não no assunto.
No jornal, há o capítulo HISTÓRIA DE VIOLANTE, que corresponde com o do livro,
intitulado REFLUXO DO PASSADO, e fica claro, mais uma vez, que os títulos assim como
as palavras, quando de sua presença no romance apropriado para a divulgação em livro,
recebem um acabamento lapidado, o que provoca muitas vezes uma mutilação dessa relação
direta do leitor com o texto diminuindo o efeito dinâmico do da publicação em jornal.
Um aspecto que diferencia um pouco o romance seriado: Memórias de um
Condemnado da produção de folhetins francesa é que no item “fisionomia interior dos
personagens pouco aprofundada, aspectos fixos que permanecem inalterados” há uma
alteração no comportamento do personagem Moscoso do romance de Aluísio Azevedo.
98
Mantivemos a grafia original da época.
131
O personagem comendador Moscoso, quando doente e depois de ser desmascarado
pelo coronel Pinto Leite das mofinas que escrevia contra ele, altera o seu comportamento, se
redime e pede perdão ao Gaspar pela perseguição que fizera outrora ao coronel, traço que
pode ser observado no trecho abaixo:
O commendador ia mal. Voltou logo a fazer-lhe companhia a família
do negociante inglez. Do Reguinho e do Mello Rosa, é que ninguém sabia
dar notícias. Genoveva, essa conservava sempre a mesma saúde burgueza e
carnuda, e era o braço direito da casa.
- Doutor! Dizia o commendador a Gaspar, nãop me abandone! O
senhor não imagina a fé que me inspira; além disso, há incontestavelmente
alguma coisa da Providencia em todos os acontecimentos inesperados e
inexplicáveis, que se levantam em torno de mim! ... Quem poderia calcular
que eu viesse a ter à cabeceira de minha cama o filho do honrado veho, que
persegui tão covardemente durante a vida?! .,.. Ó Providencia, acredito agora
que nunca dormes! ... (GAZETINHA, 10 de fev. 1882, p.3)
O comendador Moscoso, que fora um personagem obcecado por vingança e com ira de
ter sido ironizado, zombado pelo coronel Pinto Leite, quando pediu a mão da filha deste em
casamento, muda, altera o seu perfil e, nos seus últimos momentos, pede-lhe desculpas,
transforma-se de homem que tinha na menta a idéia fixa da vingança para um ser que aprende
e apreende com a experiência. Isso, certamente, contraria o aspecto do romance-folhetim,
anteriormente comentado.
132
CONCLUSÃO:
No capítulo um de nosso trabalho, relacionamos os principais acontecimentos
históricos do século XIX e comentamos as colunas do jornal GAZETINHA. Já no capítulo
dois, apontamos os principais acontecimentos biográficos do escritor e os seus passos iniciais
como caricaturista na cidade do Rio de Janeiro do XIX, assim como construímos um perfil da
crítica da obra de Aluísio Azevedo.
No capítulo três, comentamos os principais aspectos das técnicas do romance seriado,
divulgadas no romance: Memórias de um Condemnado, os aspectos da categoria narrativa e a
relação de imagem caricaturesca que há nessa narrativa. Por fim, efetuamos neste capítulo um
levantamento por amostragem dos aspectos estilísticos e retóricos na produção literária do
autor.
No capítulo quatro, por sua vez, verificamos diferenças nas formas de publicação do
romance em jornal e depois em livro e a manutenção de aspectos do jornal na publicação em
livro.
Aluísio Azevedo escreve seus romances seriados para um público de jornal e nem por
isso sua literatura pode ser chamada de subliteratura, ela participa no contexto jornal e adapta-
se às necessidades e expectativas do leitor.
O mais importante não é simplesmente não utilizar este ou aquele subterfúgio do
movimento literário, mas sim fazer uma ponte de relações do texto com as expectativas do
leitor, numa relação viva e tensa de diálogo com esse leitor, que, na época, século XIX, era
praticamente o leitor de romances seriados veiculados em jornais.
Constatamos, em nosso trabalho, que observar o romance: Memórias de um
Condemnado no contexto no qual ele é veiculado, o jornal GAZETINHA, sugere outras
maneiras de se ver o processo de composição de um romance.
Aluísio Azevedo, mesmo em seus romances seriados: Memórias de um Condemnado,
A Mortalha de Alzira e Mysterio da Tijuca, por exemplo, dialoga pelo foco de seus
personagens com os problemas da sociedade de sua época. A divulgação de tais romances em
jornal é substanciosa e nela está expressa a tensão dialógica que há entre o romance e o leitor
de romances implícito neste veículo transmissor de informação.
133
A crítica, ao posicionar um foco maniqueísta para a obra de Aluísio Azevedo, divide-
a em bons e maus livros, oculta importantes romances seriados do olhar do leitor,
dificultando-lhe uma apreciação do conjunto total da obra.
A crítica percorreu todo um século com essa visão maniqueísta sobre a obra de Aluísio
Azevedo, numa escala de sobe e desce, elogiando os seus romances consagrados, os seus
romances conhecidos do grande público e questionando os seus romances seriados. Desta
forma, ela força a imagem do leitor e afasta-o da obra do escritor, não dando a ele, o leitor, o
direito de ter as suas próprias convicções sobre o conjunto da obra de mencionado escritor.
Aluísio acreditava que devia adaptar o seu texto ao público em potencial existente, e,
depois sim, “poderia então esperar aclimatar progressivamente o naturalismo” e é nas suas
digressões entremeio à publicação de seus romances que o escritor justifica a sua maneira de
escrever, discorre sobre a produção literária e os porquês de seu estilo. Na publicação em
capítulos, nos rodapés de jornais, Aluísio Azevedo constrói seus romances num diálogo
constante com o seu leitor, numa ida e vinda de temas, enredos e extensos trechos
importantíssimos de digressões que têm por conteúdo a localização, a atualização do leitor a
respeito do romance. Nessas digressões, o autor interrompe a narrativa e fala ao seu leitor,
questiona a sociedade e os costumes nos quais está inserido o leitor.
O autor justapõe o seu texto a aspectos do cotidiano, ilustrados e veiculados no
contexto jornal. Organiza seu romance com fatos do dia-a-dia moldados em texto artístico. A
escolha de aspectos na construção de sua obra liga-se, ao mesmo tempo, às expectativas de
um provável leitor implícito no texto folhetinesco, às suas vontades e gosto, e, por outro lado,
às vias pelas e com as quais o autor mantém e impõe suas características de escritor, seu
perfil, e dá prosseguimento às suas idéias naturalistas.
Aluísio Azevedo foi um caricaturista que retratou com ironia o Brasil de sua época e
no plano político se posiciona de forma hostil ao regime imperial e isso reflete nos seus
romances, em suas personagens, que são focalizadas como se fossem desenhos. O escritor
pinta a sua escrita desenhando com as palavras todo o espaço físico e a alma de seus
personagens e acentua o clima de suspense nas nuanças dos objetos contidos na cena.
Aluísio Azevedo mostra extrema habilidade no uso das técnicas do romance seriado:
cortes e ganchos nos finais de segmentos, utilização de inícios sem muitos preâmbulos nas
narrativas, referências diretas ao dia, mês e horas da história, inícios de histórias
impressionantes e sensacionalistas para provocar o interesse do leitor, cortes sistemáticos no
desenvolvimento da narrativa, entre outros. Assim, cria o ambiente ideal para o romance e
134
discorre sobre os principais problemas da sociedade de sua época, que são caracterizados nos
procedimentos comportamentais de suas personagens.
Observamos que, quando comparadas publicações dos romances de Aluísio Azevedo
em jornal e no livro, é possível notar que há adaptações para a publicação em livro, e que isso
acontece devido a uma imagem que é feita pelo provável leitor implícito, tanto no meio jornal
quanto no livro.
Na publicação de Memórias de um Condenado, o escritor utilizou 106 capítulos, o que
determina a extensão da publicação em jornal, que carrega as técnicas do romance seriado que
alongam a narrativa, pois é preciso dialogar mais intensamente com o leitor, explicar para
esse leitor os percursos da narrativa, criar-lhe um ambiente de curiosidade, que se dá com os
cortes com gancho, os cortes sistemáticos no desenvolvimento da intriga e outros subterfúgios
da narrativa folhetinesca. Na publicação em livro, o romance recebe um enxugamento, as
digressões são menos acentuadas, e os capítulos são reduzidos a 50.
Olhar para a produção de romances em jornal foi importantíssimo, pois abre opções
para a análise literária e é por intermédio dessas observações na fonte das publicações que o
analista se aproximará de fato, dos problemas e do que realmente constitui os passos dados
pelos escritores na produção literária brasileira. Em nossas observações há um recorte de
amostras dos acontecimentos marcantes na divulgação das duas versões do romance, tanto em
jornal quanto em livro.
Uma futura edição crítica de Memórias de um Condenado, dando privilégio à
produção no jornal, tornar-se-ia mais interessante se mantivesse o texto e o contexto, a
sociedade iluminada das colunas e o contexto no qual é veiculado o jornal e também trouxesse
a produção do romance seriado quando produto de livro. Desta maneira, seria dado ao leitor
um panorama geral dos textos inseridos em ambos os contextos: jornal e livro. Seriam
analisados e mostrados ao leitor a fim de preencher os espaços vazios que solicitam os cortes
existentes na produção seriada.
Uma edição crítica futura, compreendendo a união dos textos no jornal e no livro,
Memórias de um Condenado e A Condessa Vésper, servirá para mostrar ao leitor, o perfil do
contexto do romance seriado e também dará a opção a este leitor de vasculhar detalhadamente
os aspectos que compreendem as diferenças encontradas entre os dois tipos de divulgação.
135
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141
ANEXO1:
TÍTULOS DOS CAPÍTULOS E DATAS DA PUBLICAÇÃO DE
MEMÓRIAS DE UM CONDENADO – NO JORNAL GAZETINHA:
00. PÁG. 2 – UM CASO EXTRAORDINÁRIO – Data 1/1/1882
99
01. PÁG.2. CAP. I – O PUNHAL DE FAMÍLIA – Data 2/1/1882
2 - PÁG.2 CAP. II - O QUE FAZIAM NO QUARTO OS NOIVOS?! – 3/1/1882
3- PÁG. 2 CAP. III – O MEDICO MYSTERIOSO – 4/1/1882
4 - PÁG. 1 CAP. IV – A MOFINA – 5/1/1882
5- PÁG. 2 CONTINUAÇÃO DO CAP. IV
6 - PÁG. 1 CAP. V - DE CAIXEIRO A COMMENDADOR – 6/1/1882
7 - PÁG. 2 - CAP. V – 6/1/1882
8 – PÁG. 2 – CAP. VI – AVENTURAS DO DR. GASPAR –
9 - PÁG. 3 – CAP. Cont. cap. VI data
10 – PÁG. 2 – CAP. VII – VIOLANTE – DATA
11 – PÁG. 3 cont. CAP. VII – data
12 – PÁG.. 2 – CAP. VIII – HISTÓRIA DE VIOLANTE – data.
13 – PÁG. 2 - CAP. Cont. cap. VIII – data.
14 – PÁG. 3 – CAP. Cont. cpa VIII – data.
15 – PÁG. 2 – CAP. IX – PROJECTOS DE VINGANÇA – data.
16 – PÁG.. 3 – cont. CAP. IX – data.
17 - PÁG.. 2 CAP. X – PESQUISAS
18 - PÁG. 3 – cont. CAP. X – data.
19 – PÁG. 2 – CAP. XI – EM PERNAMBUCO – data.
20 – PÁG.3 – cont. CAP.. XI – data.
21 – PÁG.. 2 – CAP. XI – cont. – data
22 – PÁG. 2 – CAP. XII – MOMENTO DA VINGANÇA – data.
23 – PÁG.. 3 – cont. CAP. XII – data.
24 – PÁG.. 2 – CAP. XIII – SANGUE – data.
25 – PÁG. 3 continuação CAP. XII – data.
26 – PÁG.. 1 – CAP. XIV – UM CASAMENTO SINGULAR – data.
27 – PÁG.. 2 – cont. cap. XIV – data.
28 – PÁG.. 2 – CAP. XV – VOLTA-SE PARA O SUL – data.
29 – PÁG.3 – continuação cap. XV – data.
30 – PÁG. 2 – CAP. XVI – NA CÔRTE – data.
31 – PÁG. 3 cont. CAP. XVI –data.
32 – PÁG. 3 – CAP. XVII – TYPOS FLUMINENSES – data.
33 – PÁG. 2 cont. cap. XVII – data.
34 – PÁG. 3 cont. cap. XVII – data.
35 – PÁG. 2 – CAP. XVIII – DELÍRIO DO CORONEL – data. 26/01/1882
36 – PÁG. 3 cont. CAP. XVIII – data. 27/01/1882
37 – PÁG. 1 – CAP. XIX – VOLTA DA ACADEMIA – DATA. 28/01/1882 - sábado
38 – PÁG. 2 – cont. CAP. XIX – 28/01/1882
99
O prólogo Um caso extraordinário, na coluna FOLHETIM do jornal GAZETINHA, anuncia o romance
seriado Memórias de um Condemnado.
142
39 PÁG. 2 – CAP. XX – DESCOBRE-SE O SEGREDO DAS MOFINAS – data.
29/01/1882
40 – PÁG. 3 cont. CAP. XX – 29/01/1882
41 - PÁG. 2 CAP. XXI – COMMISSÃO MELINDROSA – 31/01/1882
42 – PÁG. 1 – CAP. XXII – EM CASA DO COMMENDADOR – 1/2/1882
43 – PÁG. 2 cont. CAP. XXII – 1/2/1882
44 – PÁG. 2 – CAP. XXIII – AMBROSINA REAPPARECE – 2/2/1882
45 – PÁG. 3 – cont. CAP. XXIII – 2/2/1882
46 – PÁG. 2 – Cap. XXIV – AMBROSINA – 3/2/1882
47 – PÁG. 3 – contin. CAP. XXIV – 3/2/1882
48 – PÁG. 2 – CAP. XXV – GABRIEL E AMBROSINA – 4/2/1882
49 – PÁG. 3 – cont. CAP. XXV – 4/2/1882
50 – PÁG. 2 – CAP. XXVI – LEONARDO - 5/2/1882 51 – Pág. 3 contin. Capl.
XXVI – 5/2/1882
52 – PÁG. 2 – cap. XXVII – VOLTA-SE AO PRINCÍPIO. 7/2/1882 – terça-feira
53. PÁG. 3 contin. CAP. XXVII
54. cap. Cap.
55.
56. PÁG. XXIX – DESAPPARECE O COMMENDADOR 11/2/1882
57. XXX – BEINHAHE .... BEINAHE? PÁG. 2 12/2/1882
58. PÁG. 1 - 13 e 14/2/1882 – XXXI – INSONIA
59 PÁG. 1 quarta-feira, 15/2/1882 – XXXII – A CASA DOS AMANTES - n.37 do
jornal
60. Continuação
61- Rio de Janeiro, sexta-feira, 17/2/1882 – XXXIII – ALFREDO BESSA
RESTAURADO
62. Sábado 18/2/1882 – continuação do CAP. 33
63. PÁG. 2 - CAP. XXXIV – UMA GARRAFA DE VINHO VELHO – 19/2/1882 -
domingo
64. cont. – CAP.. 34 – terça feira – 21/2/1882
65. PÁG. 2 – XXXV – INTERIOR – 22/2/1882 – quarta-feira
66. PÁG. 3 contin CAP. 35
67. 22 e 23/2/1882 – quarta e quinta-feira pág. 1 CAP. XXXVI – UM AMIGO
68. PÁG. 2 continuação CAP. 36
69. PÁG.1. sexta-feira (VER SE HÁ PUBLICAÇÃO NESTE DIA)
70. Rio de Janeiro, Sabbado, 25/2/1882 – PÁG. 1 – XXXVII – O JANTAR
71. Rio de Janeiro, domingo, 26/2/1882 – O JANTAR – continuação ...
72. PÁG. 2 XXXVIII – DOIDICES – 28/2/1882 – terça-feira
73. continuação do CAP. Anterior pág. 3 28/2/1882
74. XXXIX – ESTALAÇÕES – PÁG. 2 - 29/2/1882 – quarta-feira
75. continuação cap. Anterior. Mesmo dia pág. 3
76. PÁG.2 CAP. XL (40) – 01/03/1882 – EMBRIAGUEZ DUPLA - quinta-feira
77. continuação do CAP. Ant. mesma data. Pág. 3
78. PÁG.2 – sexta-feira – 02/03/1882 – CAP. XLI – RACIOCINIOS POSTUMOS DO
COMMENDADOR MOSCOSO –
79. PÁG. 3 – cont. CAP. Ant.
80. PÁG. 3 – sábado – 3/3/1882 – O COCHEIRO JORGE - XLII
81. domingo – 4/3/1882 – XLII - A CASA DO COCHEIRO
82. PÁG.3 – domingo continuação cap. 42
143
83. 6 e 7/3/1882 – segunda e terça-feira – pág. 1 – XLIII – A FLOR DO RUSSELL
84. quarta-feira – 8/3/1882 – continuação de A FLOR DO RUSSELL
85. PÁG. 1 – XLIV – Á LUZ DA LAMPARINA – quinta-feira – 9/3/1882
86. PÁG. 2 – sexta-feira – 10/3/1882 – XLVI – CAMINHO DA MORTE
87. sábado – 11/3/1882 – continuação do CAP.. Caminho da morte
88. PÁG. 2 domingo – 12/3 – XLVII – UMA ALFINETADA
89. continuação do cap. Anterior – pág. 3
90. quasrta-feira – 15/3/1882 – XLVIII – ANTES DE PARTIR
91. NÃO HÁ ROMANCE – PROPAGANDA
92. Sexta-feira – 17/3/1882 – CAP. XLIX- CARTAS
93. Sábado – 18/3 – continuação do capl. Ant.
94. PÁG. 2 – CAP. L – domingo 19/3/1882 – ASTURIAS DE AMBROSINA
95. segunda/terça 20/21/03 pág. 1 – LI – DIA DE VIAGEM
96. PÁG. 2 continuação de DIA DE VIAGEM
97. 22/3/1882 – LII – À PROCURA DE JORGE
98. quinta – 23/3 – LIII – SOBRE AGUA
99. 24/3 – LIV – MAIS UMA PRISÃO
100. PÁG. 2 – LV – FUGIDA – sábado – 25/3
101 PÁG. 2 – LVI – MAIS CARTAS – domingo 26/3
102 quarta-feira – 29/3 – pág. 1 – LVII – AINDA CARTAS
103. PÁG. 2 quinta 30/3 – LVIII – APRÉS LE COMBAT
104. sexta-feira – 31/3 – LIX – MAUPIN
105. sábado – 01/04 – LX – LOBO NÃO COME LOBO
106. pág. 3 – continuação do cap. 60
107. LXI – ENTRE A BAHIA E A CÔRTE – pág. 2 domingo – 02/04
108. PÁG. 3 – domingo continuação cap. 61
109. segunda e terça-feira 3 e 4 de abril de 1882 – pág. 1 - LXII – SAUDADE
110. PÁG. 2 continuação ... cap. Anterior
111. LXIII – CAMINHO DO INFERNO – pág. 2 -5/4/1882 – quarta-feira
112. continuação do capítulo anterior – pág. 3
113. PÁG.2 – 6/4/1882 – quinta-feira – LXIV – TYUPOS E TYPÕES
114. CONTINUAÇÃO DE TYPOS E TYPÕES - -verificar wque há conexão c/ a coluna
TYPOS E TYPÕES do jornal GAZETINHA – fala sobre URBANO DUARTE
115 – segunda e terça-feira 10/11/04/1882 – LXV – HOTEL DOS PRINCIPES
116. quarta-feira – 12/04/1882 – pág. 1 – LXVI – ENCONTRO
117. PÁG.1 – quinta-feira – 13/04/1882 – continuação do cap. Anterior – Fala sobre o
MEQUETREFE
118 – PÁG. 2 – LXVII – (67) – quinta-feira – 13/04/1882 – VÔO
119 – PÁG. 3 – continuação ...
120. sexta-feira – 14/4/1882 – pág. 1 – LXVIII – PESADELO
121. PÁG. 2 continuação ... cap. Anterior - 14/04
122. LXIX – MORTES – 15/04/1882
123. pág. 3 – 15/04 – continuação ...
124. 16/04/1882 – domingo – LXX – GUSTAVO MOSTELLA
125. pág. 3 continuação...
126. segunda e terça-feira 17 e 18/04/1882 – pág. 1 – LXXS – NA ESCOLA
127. quarta-feira, 19/04/1882 – pág. 1 – LXXII – BOHEMIA
128. PÁG. 2 – quint- 20/04/1882 – LXXIII – FANTASIA
129. PÁG. 3 continuação do cap. FANTASIA
144
130. pág. 2 – sexta-feira – 21/04/1882 – LXXIV – BENEDICTA
131. pág. 3 – continuação ... sexta-feira 21/04
132 – sabado, 22/04/1882 pág. 1 – LXXV – GUSTAVO A PROCURA DE ARRANJO
133. PÁG. 3 – domingo – 23/04 – LXXV – continuação cap. Anterior
134. PÁG. 3 – LXXVI – A PRIMEIRA ENCOMMENDA – 24/25 – seg.terça
135. quarta-feira – 26/04/1882 – pág. 3 – LXXVI – UM DE MENOS
136. PÁG. 2 – quinta-feira – 27/04/1882 – LXXVIII – DOUS ANNOS DEPOIS.
137. PÁG. 3 – 27/04 – cont. cap. Anterior.
138. PÁG. 3 – 28/04 – sexta-feira – LXXIX – TRANSFORMAÇÕES
139. Sábado, 29/04/1882 – pág. 1 – CONTINUAÇÃO DE TRANSFORMAÇÕES...
140. PÁG. 3 – domingo – 30/04/1882 – LXXX – PASSAGEM DE VENUS
141. PÁG. 1 – Rio de Janeiro, quinta-feira, 4/05/1882 – LXXXI – PROTESTOS
142. PÁG. 2 continuação do cap. Anterior
143. PÁG.2 – sexta-feira – 5/5/1882 – LXXXII – UMA VISITA
144. PÁG. 3 – continuação ....
145. sábado 6/5/1882 – VINGANÇA DE MULHER – LXXXIII
146. segunda e terça-feira / 8/9/05/1882 - LXXXIV – QUE LABIAS!
147. PÁG. 2 continuação...
148. PÁG. 2 quarta-feira – 10/05/1882 – LXXXV – NO ALCAZAR
149. PÁG. 3 – continuação ...
150. PÁG. 3 – LXXXVI – GASPAR E AMBROSINA – quinta-feira – 11/05
151. PÁG. 2 – LXXXVII – AMBROSINA ESTRÉIA NO ALCAZAR. 12/05/1882
152. PÁG.3 – contin. Do cap. Anteiror
153. PÁG.sábado – 13/05/1882 – pág. 1 – LXXXVIII – A FAMILIA SILVA
154. PÁG. 2 continuação
155. PÁG.seg. /terça-feira – 15/16/05/1882 – pág. 1 – LXXXIX – NO CORTIÇO
156. PÁG. 1 – quarta-feira – 17/05 – cap. 90 – CONFIDENCIAS
157. PÁG.2 quinta-feira 18/05/1882 – CAP. 91 – A CARTA
158. NÃO HÁ ROMANCE DE A. AZEVEDO NESTE DIA
159. PÁG.2 – sábado 20/05 – cap. 92 – AMBROSINA E GUSTAVO
160. PÁG. 2 – cap. 93 – domingo 21/05 – PERDIDO
161. PÁG. 2 SEG./TERÇA – 22/23/05 – CAP. 94 – O QUE FOI FEITO DE LAURA
162. PÁG. 3 – CAP. 95 – LAURA – 24/05/1882 – quarta-feira – MEMORIAS DE
AMBROSINA
163. PÁG. 2 – CAP. 96 – VÔO E QUEDA – 25/05
164. PÁG. 2 - CAP. 97 (XCVII) – QUEDA E VÔO – 26/05
165. PÁG. 3 – continuação do cap. 97
166. PÁG. 2 – CAP. 98 (XCVIII) – CONTOS REAES – 27/05
167. CAP. 99 – PÁG. 2 – ROUBO
168. PÁG. 2 – CAP. 100 (C ) – VOLTA DE GABRIEL
169. PÁG. 2 – CAP. 101 – 1/6/1882 – QUINTA-FEIRA – SUICIDIO
170. PÁG. 2 – CII (CAP. 102) – PROJECTO DE CASAMENTO – 2/6/1882 – SEXTA-
FEIRA
171. continuação do cap. Anterior
172. PÁG. 1 – 3/6/1882 – sábado – cap. 103 – CIII – ABALOS
173. PÁG. 3 CAP. 104 – CIV – 4/6/1882 – DISSOLUÇÃO
174. PÁG. 2 – CAPA. 105 – CV – DESFECHO – SEGUNDA/TERÇA – 5,6/6/1882
175. PÁG. 2 – 7/6/1882 – CAP. 106 – CVI – ULTIMOS RACIOCINIOS DE GABRIEL
(ESCRIPTOS NA CASA DE CORRECÇÃO EM 1882) (CONCLUSÃO).
145
ANEXO 2:
PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL GAZETINHA:
146
ANEXO 3:
CAPA DO LIVRO A CONDESSA VÉSPER:
147
ANEXO 4:
TRANSCRIÇÃO DO TEXTO UM PARENTHESIS:
... Eis hai como decorre a mocidade de Gregório até aos vinte e dous
100
annos. Mais um passo e chegaremos ao ponto em que principia este pobre
romance e onde justamente há de ele acabar; quer dizer, refluiremos a scena
do malogrado casamento de Clorinda.
Mas, antes de revermos o último capítulo no primeiro, seja-nos permittido
fazer d’este um artigo pelo qual possamos ter do leitor dois dedos de
palestra.
Que tenha paciência.
Isso é preciso para justificarmos a estranha direcção que tomou a nossa
obra, ora caminhando de trás para diante, ora saltando da direita para a
esquerda, ora voltando ao meio, dando uma carreira ao princípio, e ainda
seguindo o curso natural da narrativa.
Foi de propósito. É que não queríamos apresentar os nossos typos todos
de frente, ao lado uns dos outros, como se nos propuséssemos photografar
no mesmo cartão os estudantes sextoannistas da escola de medicina.
Preferimos surpreendê-los no lugar e na posição em que os temos
encontrado. Por isso uns sahiram de perfil, outros de três quartos, outros
interessantemente de costas. Cada qual foi escolhido na posição em que se
achava, (...) e transportados cuidadosamente para estas páginas.
Não pedimos a nenhum d’elles que se levantasse, que mexesse uma perna
mais para a direita, ou que descansasse a mão sobre as costas de uma
cortesã, elegantemente, para produzir bem a elles. Nenhum d’elles passou o
pente pelos cabellos antes de entrar em scena. Não se escovou um fraque,
não se endireitou a imagem de um vestido.
Ora, para conseguirmos isso foi necessário fazermos um encontro das
scenas e dos personagens e não esperarmos que elles viessem ao nosso
encontro. Se lhes marcássemos entrevista em lugar certo, se tentássemos
reuni-los todos antes de preparar a obra, sabe o leitor o que succederia?
Ora elles não nos appareceriam, ou se apparecessem, teriam a vontade de
esconder tudo aquilo que lhes não convinha mostrar em público.
As mulheres pintariam as faces, perfumariam o cabello, apertariam a
cintura e ririam, com mais ou menos freqüência e accanhu, conforme a
qualidade boa ou má, de seus dentes.
Nós não alcançaríamos uma alma que não viesse espartilhada ou um
coração que não tivesse gravata e colarinho.
A essas circunstâncias, resolvemos condenar as conveniências do enredo
e expormos ao leitor, sem méthodo e sem disciplina todas as scenas e todos
os typos que nos fossem apresentados e (...)
101
Resulta logo que alguns phenômenos recentes surgem antes d’outros mais
antigos e que as nossas figurações sempre estáticas ... . Resulta ainda que
as scennas
100
Adotamos aqui, e, é claro, em tudo o que transcrevermos dos jornais, os seus textos, uma tentativa de manutenção do original, ou seja, o
texto em sua forma primeira, ortografia do século XIX, isso até, acreditamos, contém todo um perfil duma sociedade de um tempo.
101
Estas lacunas fazem parte de trechos inteiramente destruídos do material por nós pesquisado oriundos de arquivos da Biblioteca Nacional.
148
Mas isso é justamente a vida. O romance moderno deve ser d’ella uma
cópia fiel.
Ao lado da palmeira altiva, onde ao romper do dia (...)
É assim a vida. O que hoje é flor, amanhã é traça e depois esterco. De um
dia para o outro a lagarta se transforma em borboleta.
Em toda a natureza não há objeto que por mais encantador não apresente
o seu lado metamorphico.
E tudo é assim. Nada há totalmente perfeito, nada é totalmente feio.
Cada homem tem dentro dele um heroe e um saltimbanco. Pode se ter na
frente a aureola de gente e nas costas o rabo de macaco. O mesmo
sentimento (...)
(...)
Não! Quero antes copiar a nossa natureza e retratar os sentimentos do
brasileiro ........
D’ahi esse manifesto de figuras, de posições, de termos e de coloridos.
O artista moderno não deve apparecer nunca nos seus trabalhos, sem
todavia nunca se separar delles. Nada de corrigir (...). Sua missão é recolher
photographicamente no cérebro o que se passa em torno delle, e reproduzir
tudo isso no livro, na tela ou na música ou no mármore, depois de filtrado
pela sua alma, pela sua individualidade. Cada objeto uma vez reproduzido
deve conservar intacta a forma, o caracter, a côr e o cheiro.
O artista precisa abrir o coração ao meio, fazer d’elle uma palheta, uma
palheta enorme ...
Não se pode pintar uma camélia com a mesma tinta com que pintamos
um corpo. ......
Não admittimos que se compare, como fazem os suppostos realistas, uma
rosa com uma chaga viva. Não, porque uma rosa não lembra uma chaga.
Se o autor da comparação tivesse sua palheta bem
(...)
Cada um deve ir aproveitando como puder a occasião, para conduzir o
leitor ao bom caminho e desvial-o das traducções francezas.
Por ora ainda não tivemos romances verdadeiramente brazileiros, a não
ser Memórias de um sargento de milícias, que não passa de uma tentativa.
Alencar, quando foi brazileiro não escreveu romances, escreveu poemas.
Guarani e Iracema são dous magníficos poemas, aos quaes o autor usa
toda a natureza americana de seus sentimentos e a sensibilidade indígena de
sua alma.
(...)
Não é isso o que há de ser o romance brazileiro, mas por outro lado, não
poderá ser moldado com moldes do romance europeu,
....................................................
102
processos completamente novos e
apropriados.
Nossos romances não poderão, pelo menos n’estes cincoenta annos mais
ou menos, ter a calma (...) de um drama passado nas ruas abafadas do
europeu nas viellas de Londres.
Aqui a natureza requer vistas marcadas, sentimentos mais pertinentes,
mais ardentes, que dêem conta de nosso sol e de nossas florestas. Mas
acima disso é preciso collocarmos as misérias e os vícios da nossa
102
Essas lacunas representam trechos onde o texto estava danificado.
149
sociedade, os crimes tão friamente desconcertantes como os do velho
mundo.
Logo não é o bastante reproduzirmos a imponência de nossa prodigiosa
natureza, é também necessário ser calmo, observador, investigador como
um europeu e saber, como elle, penetrar familiarmente em todas essas
profundas cavernas dos vícios e dos crimes.
O romance brazileiro é por conseguinte muito mais diffícil de realizar que o
europeu, por que tem de possuir a forma dupla de poema e de novella. ****
Conciliar essas duas cousas, tão oppostas, é o que ainda não fez
nenhum escriptor brazileiro e o que me parece ser o ponto de partida para o
romance nacional.
Bem, agora continuemos! Continua .....
(FOLHA NOVA, 13 fev. 1883, p.1)
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