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contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já
que o queres saber, é este, pelo menos, meu modo de pensar, que
só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a cousa [sic] é como
passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a
idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas
que, conhecida, se nos impõe à razão como a causa universal de
tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível,
autora da inteligência e da verdade no mundo invisível (...).
Numa civilização que tinha justamente a contemplação como base da
mathesis e o teatro como arte essencial, aceitar que os sentidos eram um engodo
imposto pelo corpo, e que o único conhecimento verdadeiro era aquele que se
adquiria fechando o olhar para a realidade física, de modo a abrir os olhos da mente,
devia ser, no mínimo, um pouco complicado. Entretanto, diferentemente dos gregos,
era justamente essa a opinião de Platão (2004, p.28), que, em Fédon, ao narrar os
últimos momentos da vida de Sócrates, disserta sobre o destino da alma:
Quando é, pois, continuou Sócrates, que a alma atinge a verdade?
Portanto, quando é com o auxílio do corpo que ela tenta resolver
uma questão qualquer, a coisa, neste caso, é clara: o corpo a
engana completamente. (...) E, sem dúvida, ela raciocina melhor
quando, precisamente, livre de qualquer perturbação, parta esta
dos ouvidos, dos olhos, de uma dor ou, pior ainda, de um prazer,
quando está isolada o mais possível em si mesma, afastando o
corpo; e quando, interrompendo, na medida do possível, todo o
contato com ele, aspira ao real.
Assim, o destino da alma, segundo Sócrates/Platão, é o de libertar-se do
corpo para voltar a habitar entre as Idéias, onde pairava no princípio. De acordo com o
platonismo, a união entre corpo e alma é extremamente precária; não substancial, mas
acidental. Antes de entrar no corpo para purgar seu “delito original” – pecado que, ao
contrário do que acontece no Gênesis bíblico, não fica claro qual seja – a alma já
contemplou e conheceu o “mundo das Idéias”. E quando os olhos se vêem diante das
coisas sensíveis, fazem com que ela se lembre do que já foi contemplado: é a
anamnésis, a reminiscência, a recordação como base do conhecimento. Trata-se de
uma memória metafísica, adquirida através dessa visão primordial.
Se o mundo sensível já é, por si só, uma cópia da realidade suprema
das Idéias eternas, a imitação poética a que se refere Aristóteles está, para Platão,