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Naturalidade: Uberaba - M.G
Idade: 99 anos
Escolaridade: 1° ano primário
Estado civil: Solteira
Tempo de abrigo: 03 anos e 02 meses
A entrevistada ora em questão, bem como seus dois irmãos – um homem e uma mulher –, foi criada
pelos pais, sendo ela a filha “do meio”. É natural de Uberaba (M.G). O trabalho e a conseqüente falta
de tempo são, conforme diz, a justificativa por ter freqüentado a escola somente no primeiro ano do
ensino primário. Diz ela que não acredita ter cem anos de idade, como afirmam as pessoas com quem
mantém contato. Pensa estar com oitenta anos. Alega ter sido oficialmente registrada às pressas,
quando já era adulta, a fim de que pudesse trabalhar como cozinheira na residência de uma família.
Desse modo, afirma que no seu registro os dados são incorretos, aumentando-lhe a idade. O pai
faleceu quando ela tinha cerca de onze anos de idade. A sua mãe, desse modo, responsabilizou-se
sozinha pela criação dos filhos. Logo após o falecimento do pai, a mãe trabalhou numa clínica,
enquanto ela exercia a função de pajem de criança, para auxiliar no pagamento do aluguel da casa em
que moravam e nos gastos com as despesas da família. Também na adolescência, com cerca de quinze
anos, trabalhou como doméstica; depois, em hospitais, auxiliando médicos e enfermeiros nos cuidados
para com os enfermos. É solteira e afirma não ter tido interesse em se casar. Justifica tal fato porque o
pai dela sempre disse que seus filhos não podiam se casar com pessoas de baixo nível sócio-
econômico, pois a vida dos mesmos seguiria caminho semelhante ao deles, com dificuldades e muita
luta. Ela diz ter acreditado nele e, portanto, nunca ter almejado o casamento. A sua irmã mais velha foi
a única filha a se casar. Afirma que mantinha bom relacionamento com os irmãos, todos já falecidos,
referindo-se a eles como boas pessoas. Ela se considera muito sofrida por ter trabalhado desde criança.
Após o falecimento da mãe, morou sozinha. Teve, contudo, por alguns anos a companhia de um casal
que ela acolheu em sua casa, visto que eles, naquela ocasião, segundo sua afirmação, procurassem
local para morar. Ela e tal casal, conforme sua declaração, dividiam as despesas da casa. Quando eles
se mudaram, ela voltou a morar sozinha. Depois, alojou em sua casa uma moça com o filho, pois,
segundo afirma, eles também necessitavam de um local para morar. Esta moça, além de dividir com
ela as funções domésticas, trabalhava como manicure. A entrevistada relata que um dia, cuidando da
casa, caiu e quebrou a perna. Quando retornou do hospital, a moça lhe disse que se mudaria para a
casa dos pais dela, em outro estado. Menciona tal fato aborrecida, pois indigna-se com o fato de não
ter recebido auxílio da moça no momento em que mais dela precisara, pois, segundo afirma, ela
ajudara a moça quando esta se encontrava sozinha, necessitando de abrigo. Voltou, pois, depois disso,
a morar sozinha. Mas, conseqüência da queda que sofrera, passou a necessitar do uso de andador e de
cadeira de rodas, tendo de contar diariamente com o auxílio de uma vizinha que lhe ajudava durante o
dia, fazendo-lhe também companhia durante as noites. Declara que assim se encontrava quando a
coordenadora do abrigo entrou em contato com ela e levou-a para lá, uma vez que lhe diziam não
poder continuar vivendo sozinha. Comenta que ficou contrariada com o fato de ter de morar no abrigo,
pois, conforme afirma, “casa dos outros não vai, não”. Anseia assim poder retornar para a sua casa,
visto que lá tenha, segundo diz, mais liberdade. Conta, para tanto, com a possibilidade de receber
auxílio de alguém. Recebe visitas esporádicas no abrigo da tal moça que, após alguns meses, retornou
da casa dos pais. Comentou não lhe dar confiança, visto que desconfie de tal interesse, acreditando que
esta a procurou com a intenção de lhe pedir auxílio financeiro. Recebia, até pouco tempo atrás, visitas
freqüentes de amigas que conhecera no período anterior ao asilamento. Tais visitas atualmente são
esporádicas, pois, segundo ela, a melhor amiga arrumou namorado. Afirma, a princípio, que não tem
parentes, para a seguir declarar, contraditoriamente, que tem sobrinhas. Do mesmo modo
contraditório, alega, inicialmente, que não mantém contato com as sobrinhas porque elas moram em
outra cidade. Declara depois, entretanto, que não se relacionam porque elas nem mesmo a conhecem.
Comenta permanecer ociosa durante todo o tempo, visto que a dor, decorrente do seu problema na
perna, a impeça de realizar diversas tarefas. Ela se ocupa apenas em arrumar sua cama e dobrar as
cobertas. Aborrece-se por não conseguir, em função da perna, sair do abrigo para visitar as pessoas
que conhece. Afirma assim que, por tal motivo e também pelo fato de sentir-se sozinha sem ter
ninguém, a sua vida não mais tem sentido. Alega não conversar com os enfermeiros porque eles, após
assistirem aos internos, vão embora e não lhe dão atenção. Além disso, indigna-se com o fato de ela