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colocou o tema da regulamentação em discussão, enfraquecendo, de outro lado, o discurso da
abstenção estatal.
148
No centro dessa crise ninguém mais do que o governo norte-americano, considerado
por décadas defensor do capitalismo ultra-liberal, vendo-se agora obrigado a intervir
fortemente na economia em defesa dos seus cidadãos, principalmente através de uma elevada
capitalização de instituições deficitárias a fim de evitar − ao menos momentaneamente −
maiores efeitos devastadores sobre o modelo capitalista norte-americano.
149
Longe de ser considerado um discurso ultrapassado, os fatos recentes nos revelam a
importância do intervencionismo estatal sobre a economia, incluindo-se os setores público e
privado, sempre que necessário à defesa da coletividade, tanto para prevenir como para
contornar as externalidades negativas geradas pelo modelo capitalista empregado.
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148
“As tentativas desesperadas do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de evitar que a economia da
América vá a pique são notáveis por pelo menos dois motivos. Primeiro, até poucos meses atrás, a crença
generalizada era de que os EUA conseguiriam evitar a recessão. Agora a recessão parece certa. Segundo, as
ações do Fed não parecem ser eficazes. Apesar de as taxas de juros terem sido reduzidas drasticamente e de o
Fed ter despejado liquidez sobre bancos com dificuldades de caixa, a crise está se aprofundando. Em grande
medida, na verdade a crise dos EUA foi produzida pelo Fed, ajudada pelos pensamentos ilusórios do governo
Bush. Um dos principais culpados é ninguém menos do que Alan Greenspan, que deixou o atual presidente do
Fed, Ben Bernanke, numa situação terrível. Bernanke, porém, foi um diretor do Fed na gestão de Greenspan e
ele, da mesma forma, fracassou em diagnosticar corretamente os problemas crescentes embutidos nas suas
políticas.” (SACHS, Jeffrey. As raízes da crise financeira da América. Valor Econômico, São Paulo, p. A13,
27 de março de 2008.).
149
“Enquanto as manchetes dos jornais anunciam os desdobramentos da crise financeira e seu impacto na
economia global, alguns analistas chegam a dizer que chegou ao fim o domínio do capitalismo financeiro
anglo-saxão. Outros querem fornecer um atestado de óbito antecipado a Wall Street. Entretanto, a crise
atual, embora de proporções gigantescas, não é novidade para quem acompanhou os acontecimentos
econômicos e sociais do século passado. O Século XX teve vários períodos de grande ansiedade que
balançaram o mundo. O primeiro grande choque, a Grande Depressão, que muitos hoje receiam que esteja
próximo de acontecer de novo, foi também considerado uma crise do capitalismo. O segundo evento, não tão
convulsivo como o primeiro, ocorreu na década de 70, quando a economia mundial praticamente afundou.
Essa crise trouxe baixo crescimento econômico, inflação, desemprego e um novo termo para o mercado:
estagflação. Mais uma vez, a eficácia do capitalismo foi questionada. A recente injeção, pelo governo dos
EUA, de US$ 200 bilhões para a nacionalização da Fannie Mae e Freddie Mac, dois gigantes do
refinanciamento hipotecário, e US$ 85 bilhões para recapitalizar a AIG, fizeram com que a mídia clamasse
que os EUA estavam nacionalizando empresas e agindo como a antiga URSS. Tais acontecimentos nos fazem
revisitar os trabalhos de John Maynard Keynes, que teve um papel fundamental na recuperação da economia
mundial na Depressão de 30, Joseph Schumpeter, que contribuiu para que entendêssemos melhor a inovação,
e Peter F. Drucker, cujas idéias foram responsáveis pela recuperação do Japão e Europa no Pós-Guerra.”
(MACHADO, Marcilio R. Revisitando Drucker, Schumpeter e Keynes: a crise. Valor Econômico, São Paulo,
p. A12,
28 de outubro de 2008.).
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Curiosamente, Alan Greenspan, que hoje tem sua atuação à frente do Banco Central norte-americano,
questionado, em recente entrevista, declarou em tom de legítima defesa: “Entendo que, uma vez a cada cem
anos, isto é o que deve ser feito”, confira-se: “O governo dos Estados Unidos poderia ter de estatizar alguns
bancos de forma temporária para consertar o sistema financeiro e restaurar o fluxo de crédito, segundo
afirmou Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) em entrevista ao
‘Financial Times’. Greenspan, considerado por décadas o sumo sacerdote do capitalismo laisser-faire, sem
grande interferência do Estado, afirmou que a estatização poderia ser a opção ‘menos ruim’ para as
autoridades do país. ‘Pode ser necessário estatizar temporariamente alguns bancos de forma a facilitar uma
reestruturação rápida e ordenada’, disse. ‘Entendo que, uma vez a cada cem anos, isto é o que deve ser feito.’