Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Matheus Corredato Rossi
Análise do Capital Estrangeiro na Perspectiva da
Ordem Econômica Constitucional Brasileira
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Matheus Corredato Rossi
Análise do Capital Estrangeiro na Perspectiva da
Ordem Econômica Constitucional Brasileira
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Direito das Relações
Sociais, sob a orientação do Professor Doutor
Ricardo Hasson Sayeg.
SÃO PAULO
2009
ads:
Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
À Grazi, pelo seu amor e companheirismo.
AGRADECIMENTOS
Concluir uma dissertação de Mestrado definitivamente não é uma tarefa fácil. A
sensação de dever cumprido nos faz relembrar todos os obstáculos ultrapassados e todas as
pessoas que de alguma forma contribuíram para esse resultado.
Primeiramente, agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Hasson Sayeg, pela
amizade, confiança e oportunidade oferecida junto à Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Suas colocações baseadas num Direito ético e nos valores consagrados pela
Constituição Federal foram fundamentais para a elaboração e conclusão do trabalho.
Aos membros da minha banca de qualificação Prof. Dr. Nelson Nazar e Prof. Dr.
Vladmir Oliveira da Silveira, agradeço pela amizade e possibilidade de refletir ao vosso lado
sobre o tema do capital estrangeiro.
Aos professores Cláudio Finkelstein, Cláudio de Cicco, Carlos Ari Sundfeld, Regina
Vera Villas Boas e Willis Santiago Guerra Filho, co-responsáveis pela minha formação na
PUC-SP, agradeço pelas brilhantes aulas e discussões desenvolvidas ao longo do curso.
Aos meus colegas do Grupo de Estudo Capitalismo Humanista: Andréa de Melo,
Antônio Carlos Matteis de Arruda Júnior, Beatriz Quintana Novaes, Carlos Fernando Lopes
Abelha, Douglas Augusto Fontes França, Ivelise Fonseca da Cruz, Lauro Ishikawa, Marcia
Conceição Alves Dinamarco, Rodrigo de Camargo Cavalcanti, Thiago Lopes Matsushita,
Thiago Quintas Gomes e Túlio Augusto Tayano Afonso, com quem passei a dividir
entusiasmadas opiniões sobre a Doutrina Humanista do Direito Econômico.
Aos meus colegas da Consultoria Jurídica da Caixa de Previdência dos Funcionários
do Banco do Brasil PREVI: Marcos Paulo Félix da Silva, Deivis Marcon Antunes, Sabrina
de Lima Martins, Kátia Luzia Antunes Bittencourt, Melissa Belotto, Vinícius Nascimento
Neves, Cláudia Pessoa Lorenzoni e José Luis Guimarães Júnior, pela amizade e por me
permitirem ausentar momentaneamente da Consultoria para cursar o Mestrado.
Aos meus atuais colegas de escritório, Maria Isabel Bocater, João Laudo de
Camargo, Francisco da Costa e Silva, Flavio Martins Rodrigues, Anna Carla Rossetti, José
Estevam de Almeida Prado, Lucimara Morais Lima, Renata Mollo dos Santos, Cristina
Celeste Marzo, Ana Sylvia Furtoso Lorenzi, Carlos Augusto Coelho Branco, Jaques Márcio
Wurman, Roberto Felício Lopes Coimbra, Maurício Moreira Mendonça de Menezes, Andréa
Neubarth Marciano Corrêa, Maria Ramos Dias, Bernardo A. Passarelli da Costa e Silva,
Julio Ramalho Dubeux, Andreia Simões Lemos, Marcelo de Andrade Figueira, Bruno Castro
Carriello Rosa, Leandro de Laia Loiola, Bernardo Kruel de Souza Lima, Fernanda Rosa
Cardoso Silva, João Carlos Areosa, Camila de Souza Capretz, Thiago Cardoso Araújo,
Mariana Ferradeira Sales Bezerra e Adriana Ferreira, pela amizade, atuação ética e troca de
experiências fundamentais para o enriquecimento da minha pesquisa.
Aos amigos Zelly Pennacchi Machado e Márcio Ricardo da Silva Zago, pela
oportunidade de atuação junto ao Escritório de Aplicação de Assuntos Jurídicos (EAAJ),
órgão integrante do Núcleo de Prática Jurídica das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio
de Toledo” de Presidente Prudente/SP, onde presenciei importantes lições de respeito ao ser
humano.
Ao meu primo Dr. Pablo Rodrigo França, pela acolhida na cidade de São Paulo e
pelas nossas intermináveis conversas semanais.
Especialmente, aos meus pais Ivanir Antônio Rossi e Danuzia Corredato Rossi, pelo
amor e apoio que sempre me dedicaram, principalmente nos momentos mais difíceis. Às
minhas irmãs Mare e Maysa, por tudo que já vivemos juntos.
À Grazi, eterno amor, pela paciência, compreensão e incentivo.
Ao Criador, por me permitir vencer mais essa etapa.
O mínimo necessário para tornar a economia de mercado mais inclusiva é garantir o igual
acesso às oportunidades que ela oferece, e isso não pode ser feito quando a maioria da
população carece do instrumental básico para participar.
Michael Edwards
RESUMO
A Constituição Federal traz o regramento da Ordem Econômica brasileira que deverá ser
seguido e aplicado pelo Poder Público e, defendido pela coletividade, que é a titular dessa
ordem. O parâmetro da aplicação e interpretação é dado pela justiça social, que é dar a todos
condição de vida digna. O regime jurídico do capital estrangeiro deve ser compreendido no
conjunto de direitos fundamentais e princípios que informam o Direito Econômico. O
favorecimento das empresas de capital nacional é possível com vistas à concretização dos
direitos fundamentais finalísticos da Ordem Econômica constitucional brasileira.
Palavras-chave: Capital estrangeiro. Ordem econômica. Direito fundamental. Capitalismo
humanista.
ABSTRACT
The Federal Constitution provides the rules for the Brazilian economic order that should be
followed and implemented by the Public Power, and supported by the community, who is the
holder of such order. The parameter of application and interpretation is given by the social
justice, which is to give conditions for a dignified life to everybody. The legal regime of
foreign capital must be understood in the range of both fundamental rights and principles that
inform the Economic Law. The encouragement of enterprises of national capital is possible so
as to the accomplishment of fundamental rights of Brazilian constitutional economic order.
Key Words: Foreign capital. Economic order. Fundamental right. Humanist capitalism.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADRs American Depositary Receipts
BACEN − Banco Central do Brasil
BIRD − Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BITs Bilateral Investment Treaties
BNDES − Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CACEX − Carteira de Comércio Exterior
CEPAL − Comissão Econômica para a América Latina
CF − Constituição Federal
CMN − Conselho Monetário Nacional
FINAME Agência Especial de Financiamento Industrial
FMI − Fundo Monetário Internacional
GATT − Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
IDH − Índice de Desenvolvimento Humano
IED − Investimentos Externos Diretos
IRB − Instituto de Resseguros do Brasil
MAI Multilateral Agreement on Investiment
OCDE − Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIC − Organização Internacional do Comércio
OMC − Organização Mundial do Comércio
ONU − Organização das Nações Unidas
PIB − Produto Interno Bruto
PND − Plano Nacional de Desenvolvimento
SEC Securities and Exchange Commission
SUMOC − Superintendência da Moeda e do Crédito
TRIMs Trade Related Investment Measures
UNCTAD Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
1 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 16
2 ABORDAGEM HISTÓRICA DOS PRINCIPAIS FATOS ECONÔMICOS
E NORMAS JURÍDICAS RELATIVAS AO CAPITAL ESTRANGEIRO ............. 21
2.1 Do Período Colonial ao Início do Período Republicano............................................ 21
2.2 De 1930 a 1960 .............................................................................................................. 31
2.3 O Surgimento do Estatuto do Capital Estrangeiro ................................................... 42
2.4 As Décadas de 70 e 80................................................................................................... 47
3 O CAPITAL ESTRANGEIRO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E
A LIBERALIZAÇÃO DO REGIME DE INVESTIMENTOS................................... 53
3.1 A Constituição Federal de 1988 e o Tema do Capital Estrangeiro.......................... 53
3.2 As Ondas Liberalizantes da Economia Brasileira e Mundial .................................. 59
3.2.1 A liberalização financeira em relação aos investimentos em portfolio .................. 71
3.3 As Propostas de Regulamentação do Capital Estrangeiro no Direito
Internacional................................................................................................................. 74
3.4 A Crise Financeira de 2008 e a Tendência Pró-Regulamentação ............................ 80
4 A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA E OS DIREITOS HUMANOS
ECONÔMICOS .............................................................................................................. 84
4.1 Os Fundamentos da Ordem Econômica..................................................................... 84
4.2 A Opção Capitalista Humanista da Constituição Federal........................................ 88
4.3 Os Tratados de Direitos Humanos Econômicos ........................................................ 92
5 O CAPITAL ESTRANGEIRO NA PERSPECTIVA DA ORDEM ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA............................................................................100
5.1 A Economia de Mercado e a Realidade Brasileira....................................................100
5.2 A Opção Constitucional Brasileira de Tratamento do Capital Estrangeiro...........105
5.3 O Capital Estrangeiro e o Direito ao Desenvolvimento ............................................110
5.4 A Vulnerabilidade Externa e a Postura Brasileira no Plano Internacional............113
CONCLUSÃO......................................................................................................................118
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................125
12
INTRODUÇÃO
No âmbito da política econômica brasileira e das relações econômicas internacionais,
muito se discute acerca das questões, sobremaneira intrincadas e sujeitas às mais variadas
controvérsias, relacionadas ao tratamento e a entrada de capitais estrangeiros no país.
Mecanismos de intervenção nos fluxos de investimento para fins de incentivo e
controle sempre tiveram presença marcante nos diversos ordenamentos jurídicos.
Desconhecemos atualmente um ordenamento jurídico que renuncie inteiramente a regulação
do capital estrangeiro.
Nas últimas décadas, têm sido objeto de grandes debates os temas de comércio
internacional e de investimentos, notadamente no âmbito da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (“OCDE
”), do Banco Mundial, do Fundo Monetário
Internacional (“FMI
”) e da Conferência das Nações Unidas para Comércio e
Desenvolvimento (“UNCTAD
”) e, mais recentemente, da Organização Mundial do Comércio
(“OMC
”), sobretudo em relação à necessidade de se estabelecer mecanismos de regulação
supranacionais que possam preencher lacunas e compatibilizar os sistemas nacionais.
De acordo com o levantamento da OCDE, mesmo com o processo acelerado de
interdependência das economias mundiais, persistem até mesmo nos países desenvolvidos,
imposições regulatórias que restringem a entrada de capital estrangeiro em setores
selecionados, conferindo tratamento diferenciado para as empresas nacionais e para aquelas
de propriedade estrangeira.
De forma geral, tais restrições podem assim ser classificadas: (i) restrições ao direito
de acesso (entrada ou ampliação dos investimentos estrangeiros em determinadas áreas e/ou
setores); e (ii) restrições a privilégios e especiais benefícios (subsídios, incentivos oficiais,
poder de compra do Estado, tratamento tributário diferenciado, utilização do sistema de
crédito e do mercado de capitais locais, etc.).
A legislação brasileira tem avançado no sentido de eliminar as restrições à entrada de
capital estrangeiro e remoção dos obstáculos à saída dos capitais instalados. Em especial,
na década de 90, verificou-se no Brasil diversas medidas de liberalização do regime de
investimentos, com as quais contribui o legislador constituinte derivado por meio da
promulgação de diversas Emendas Constitucionais.
13
Neste particular, ganha destaque a Emenda Constitucional 6, de 15 de agosto de
1995, a qual revogou integralmente o art. 171 da Constituição Federal de 1988 (“CF/88
”),
que estabelecia expressamente um tratamento diferenciado e preferencial entre “empresa
brasileira” e “empresa brasileira de capital nacional”.
Entretanto, subsiste até hoje na CF/88 o art. nº 172, o qual remete à legislação
ordinária, com base no interesse nacional, a disciplina do capital estrangeiro, o incentivo dos
reinvestimentos e a regulação da remessa de lucros.
À luz desse quadro resumidamente exposto, pretendemos analisar a problemática
jurídica em torno do tratamento legal ao capital estrangeiro na perspectiva da ordem
econômica constitucional brasileira. Quais os contornos legais se é que eles existem para
um tratamento favorecido e/ou privilegiado ao capital nacional em relação ao capital
estrangeiro em empreendimentos brasileiros?
Freqüentemente, múltiplas opiniões se contradizem acerca da legalidade de tratamento
desigual entre empreendedores nacionais e estrangeiros, o que azo ao surgimento de um
clima de insegurança jurídica, nocivo ao andamento normal das negociações.
Nossa análise do capital estrangeiro nessa dissertação, como o próprio título sugere,
destacará a importância de se compreender os investimentos estrangeiros no âmbito da ordem
econômica brasileira, com os fundamentos e princípios que a qualificam, conforme previstos
no art. 1º, inc. III e IV; art. 3º, inc. II e art. 170, caput da Constituição Federal.
Não se pretende aqui discorrer sobre todos os aspectos do regime jurídico brasileiro
dos investimentos internacionais, mas identificar a partir da evolução histórica como foi e
vendo sendo tratado juridicamente o capital estrangeiro e as políticas econômicas
prevalecentes em cada época, chegando-se então à situação atual para o enfretamento da
problemática acima.
Iniciaremos com uma abordagem histórica procurando demarcar e interpretar, no
âmbito nacional e internacional, os principais fatos econômicos e normas sobre o assunto
(Capítulo 2), analisando-se tanto as opiniões em defesa da abstenção estatal a partir do
modelo econômico liberal, quanto àquelas favoráveis a um regime interventivo sobre o capital
estrangeiro e que, não raras vezes, apóiam-se em teorias econômicas que demonstram a
perniciosidade da presença do capital estrangeiro.
14
De um lado, encontramos opiniões acerca da importância do capital estrangeiro para a
complementação da poupança interna e, de outro lado, discursos que enfatizam os efeitos
negativos do capital estrangeiro sobre as questões de interesse nacional.
Em linhas gerais, a abordagem histórica dentro desse capítulo foi subdividida de forma
a caracterizar o primeiro regime dos investimentos internacionais no Brasil, de cunho liberal,
interrompido com a crise de 1929, dando origem ao segundo regime de caráter interventivo
que se estendeu até a década de 80, destacando-se nessa segunda fase pela sua relevância, o
surgimento do Estatuto do Capital Estrangeiro e seus desdobramentos econômicos e jurídicos.
No Capítulo 3, analisaremos o tema do capital estrangeiro na CF/88, a partir do seu
texto original e das sucessivas Emendas Constitucionais que provocaram mudanças
substanciais no regime de investimentos privados, notadamente em relação ao capital
estrangeiro, impulsionadas por transformações na regulação estatal da economia, provocadas
por ondas privatizadoras e liberalizadoras do mercado.
Basicamente, as reformas constitucionais proporcionaram maiores oportunidades para
o capital estrangeiro e flexibilização do controle do Estado sobre tais fluxos. O alinhamento
do governo com a dinâmica do comércio multilateral, fez com que caminhássemos para a
extinção de antigas reservas de mercado e, principalmente, para a eliminação do conceito
constitucional de empresa brasileira de capital nacional previsto no artigo 171 da Carta
Magna.
Neste capítulo, serão analisadas ainda as propostas de regulamentação dos
investimentos internacionais pelo Direito Internacional, a partir de uma visão globalizada de
se estabelecer mecanismos supranacionais que possam conferir maior segurança ao fluxo de
capital estrangeiro.
No Capítulo 4, debruçamo-nos sobre os fundamentos da ordem econômica brasileira e
os contornos da opção capitalista humanista da Constituição Federal. Procuramos, então,
trazer ao debate da questão, o componente dos direitos humanos econômicos, especificamente
o direito ao desenvolvimento, raramente enfrentado pelos estudiosos do Direito quando o
assunto é “capitais estrangeiros”.
Ao final, no Capítulo 5, apresentamos a nossa contribuição no enfrentamento da
questão demonstrando que, a par do reconhecimento da importância do capital estrangeiro no
progresso brasileiro que fez com que o país migrasse de um perfil agro-exportador para uma
15
nação industrializada, tal progresso foi sendo coroado com um verdadeiro distanciamento das
grandes economias quando se trata de analisar os indicadores sociais.
Procuramos, então, realizar uma análise conjunta da questão do tratamento ao capital
estrangeiro com o conceito de direitos humanos econômicos extraídos do mandamento
constitucional brasileiro no sentido de se alcançar uma ordem jurídica justa, baseada nos
princípios da igualdade, da justiça social e da dignidade da pessoa humana.
16
1 PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
No presente estudo, utilizaremos as expressões “investimentos estrangeiros”,
“investimentos internacionais” e “capital externo”, como sinônimas, para designar os
“capitais estrangeiros”, tal como vem sendo largamente utilizado pela doutrina jurídica e
econômica. O conceito de “investimento” aqui é tomado na perspectiva da pessoa, física ou
jurídica, que residente em determinado país, realiza a aplicação dos seus recursos em outro
país, ou seja, investe parcela de seu patrimônio (dinheiro ou outros bens econômicos,
corpóreos ou incorpóreos) em outra economia nacional na expectativa de obtenção de ganhos
ou rendimentos.
A análise das formas de aterrissagem do capital estrangeiro em solo brasileiro tem
levado a doutrina a classificar os investimentos, por exemplo, em investimentos societários,
investimentos financeiros e investimentos tecnológicos. De modo geral, a classificação mais
usual dos investimentos estrangeiros no sistema jurídico brasileiro tem sido: (i) investimentos
externos diretos (“IED
”)
1
; (ii) empréstimos e financiamentos externos e (iii) investimentos
indiretos ou em portfólio.
2
O tema do capital estrangeiro é abordado na presente dissertação com ênfase no IED,
muito embora a análise histórica e as idéias desenvolvidas possam corresponder
freqüentemente às outras modalidades. Assim, quando necessário será especificada a
modalidade pertinente.
Quanto aos dois primeiros, hodiernamente seus regimes jurídico estão dispostos
principalmente na lei nº 4.131/62, também conhecida como “Estatuto do Capital Estrangeiro”,
alterada pela lei 4.390/64 e regulamentada pelo Dec. 55.762/65, os quais foram
recepcionados pela CF/88.
Os empréstimos e financiamentos externos não apresentam maiores dificuldades
conceituais, pois correspondem à concessão por não-residentes de recursos financeiros a
residentes no país, com a finalidade de financiar a aquisição de bens, máquinas e
1
Também referido pela sigla FDI (Foreign Direct Investment).
2
Registre-se aqui a distinção feita por Luiz Olavo Baptista do investidor adquirente de participações societárias,
a qual corresponde de certa forma à classificação dos investimentos em diretos e indiretos. Para o autor, os
investidores estrangeiros podem ser classificados em “rendeiros” ou “empreendedores”, sendo que os primeiros
são “aqueles que almejam receber as rendas do capital investido sem se envolver diretamente com processos de
produção, e os segundos são aqueles que desejam aplicar-se direta e efetivamente no processo produtivo
(Os investimentos internacionais no Direito Comparado e brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 32).
17
equipamentos destinados exclusivamente à produção de bens ou serviços. Tais empréstimos e
financiamentos podem ser
[...] contratados de modo direto entre credor e devedor (estrutura muito comum entre
matriz e filial, por exemplo) ou por meio de emissão de títulos de dívida no exterior
(ex.: eurobons, fixed rate notes e commercial papers). Diferentemente do que ocorre
com os investimentos na aquisição de participações societárias, os empréstimos,
para serem realizados de forma a obter o registro do capital ingressado no país,
precisam de autorização prévia do Bacen
.
3
o conceito de IED tem sido complementado na prática pela própria atuação do
Conselho Monetário Nacional (“CMN
”) e do Banco Central do Brasil (“BACEN”) na
regulamentação dos investimentos de não-residentes no mercado financeiro e de capitais
(investimentos indiretos ou em portfólio). Até o ano de 2000, a regulamentação permitia
algumas modalidades estruturadas de acordo com o perfil desses investidores.
4
Atualmente,
com a Resolução CMN 2.689/2000, permite-se aos não-residentes o acesso às mesmas
modalidades disponíveis aos investidores residentes, nos mercados financeiro e de capitais.
5
Na definição de José Eduardo Carneiro Queiróz
6
, os investimentos estrangeiros
indiretos ou em portfólio, também chamados de “investimentos de mercado”, são aqueles
3
QUEIROZ, José Eduardo Carneiro. O regime jurídico do capital estrangeiro no Brasil e as recentes alterações
na regulamentação. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga. (Coord.). Aspectos atuais do Direito do mercado
financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2000. p. 115-116.
4
Sociedade de Investimento Capital Estrangeiro (Anexo I à Resolução 1.289/87); Fundos de Investimento
Capital Estrangeiro (Anexo II à Resolução 1.289/87); Carteiras Administradas de Títulos e Valores
Mobiliários (Anexo III à Resolução 1.289/87); Portfólios de Investidores Institucionais (Anexo IV à
Resolução 1.289/87); Fundos de Conversão Capital Estrangeiro (Resolução 1.460/88); Fundos de Renda
Fixa – Capital Estrangeiro (Resolução2.034/93); Fundos de Privatização Capital Estrangeiro (Resolução nº
2.203/95); Fundos de Investimento Imobiliário (Resolução 2.248/96) e Fundos Mútuos de Investimento em
Empresas Emergentes (Resolução nº 2.247/96).
5
Observa José Luiz Conrado Vieira que desde a Resolução 1.289, de 20.03.1987, do CMN, vêm ele e o Bacen,
com algumas aparentes imprecisões e/ou ambigüidades aqui e acolá, claramente evitando, sem seus normativos
relativos a investimentos de portfólio (que abarcam, basicamente, ‘aplicações’ nos mercados financeiro e de
capitais) por parte de não-residentes, a menção à Lei 4.131/62 ou à expressão capital estrangeiro (conquanto
tenha sido empregada no nome de alguns instrumentos especialmente fundos). Exemplo disso é a Resolução
2.689, de 26.01.2000, onde o CMN, ao dispor sobre a aplicação de recursos externos no País, por parte de
investidor não-residente, nos ‘instrumentos e modalidades operacionais dos mercados financeiro e de capitais
disponíveis ao investidor residente’ (art. 1º, caput e §2º), fundamentou a edição dessa resolução, em seu
preâmbulo, nas Lei 4.595/64, 4.728/65 e 6.385/76, nos Dec.-leis 1.986, de 28.12.1982 e 2.285, de 23.07.1986, e
na Med. Prov. 1990-27, de 13.01.2000, não citando a Lei 4.131/62, preferindo ao que parece, não assumir
sequer uma interpretação extensiva do art. (caput) desta última no que concerne à expressão ‘operações
financeiras com o exterior’.” (Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p.166-167, out./dez.2005.).
6
QUEIROZ, op. cit., p. 114, nota 3. Mesmo antes da edição da lei nº 4.131/64, a doutrina já vinha segregando os
investimentos externos diretos e indiretos fundamentalmente pelas noções de investimentos produtivos e de
mercado, as quais também levavam em conta a atitude do investidor não-residente, vejamos: Conforme a
iniciativa do empreendimento: diretos, quando aplicados em empresas controladas por pessoas ou instituições
dos países de onde o capital se origina; indiretos ou de carteira, quando se representam por títulos, ações de
empresas ou apólices públicas.(FONTENELE, Leopoldo C. Aspectos do investimento internacional. Rio de
Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. p. 58). Neste mesmo sentido, manifestou-se o Tribunal Regional Federal da
18
[...] realizados por investidores que atuam nos mercados financeiro e de capitais e
realizam negociação com os ativos financeiros típicos desses mercados. Os capitais
ingressados no país para realização desse tipo de investimento são por natureza mais
voláteis, uma vez que não m associação direta a um determinado negócio,
buscando sempre a maior rentabilidade possível para os recursos aplicados.
Por conseguinte, o conceito de IED sobressai como sendo aquele associado a uma
atividade econômica (negócio), realizado mediante a aquisição por não-residente de
participação societária de empresas sediadas no país ou filiais de empresas estrangeiras aqui
autorizadas a funcionar, desde que tal aquisição não seja considerada um investimento de não-
residente no mercado financeiro e de capitais, tal como previsto nos normativos do CMN e do
BACEN.
7
Ainda, a título de esclarecimento preliminar, como sabemos o tema do capital
estrangeiro é objeto de investigação tanto do Direito Econômico como do Direito
Internacional Econômico, tendo em vista a sua importância para os contornos e delimitação
de tais ramos do Direito.
O Direito Econômico, no seu conceito clássico, compreende o Direito das Políticas
Públicas na economia, compreendendo o conjunto de normas e institutos jurídicos que
permitem ao Estado exercer influência, orientar, direcionar, estimular, proibir ou reprimir
comportamentos dos agentes econômicos num dado país ou conjunto de países, tal como
ocorre com o regime legal dos investimentos privados, inclusive de origem estrangeira,
motivado via de regra pelos interesses nacionais econômicos e sociais.
8
Região: De acordo com a o art. da Lei n. 4.131, de 3.9.1962, consideram-se capitais estrangeiros os bens,
máquinas e equipamentos (entrados no Brasil) destinados à produção de bens ou serviços, e os recursos
financeiros ou monetários (introduzidos no país), para aplicação em atividades econômicas. Exige-se, pois,
atividade econômica produtiva, afastando-se as aplicações estritamente especulativas. O capital estrangeiro é
aceito com o objetivo de incrementar a produção econômica do nosso país e não o jogo pernicioso, e
lucrativo a quem joga, nas bolsas, e faz aplicações especulativas no mercado imobiliário e financeiro
(Apelação em Mandado de Segurança nº 89.01.21.744-9-DF, DJU 16.10.89, rel. Juiz Tourinho Neto).
7
Quanto à noção econômica e jurídica dos investimentos estrangeiros, anota Paula Christine Schlee: A
diferenciação econômica entre IED e investimento de portfólio não se reflete, necessariamente, na noção
jurídica de investimento estrangeiro, que não é única. Antes, cada norma regulamentadora do investimento
internacional fornece sua própria definição de investimento, para os fins a que se destina a própria norma. (...)
Em termos jurídicos, então, a diferença que importa se faz não entre IED e investimento de portfólio, mas sim
entre investimento protegido e não protegido.(Investimento internacional e desenvolvimento. In: BARRAL,
Welber. (Org.). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento.
São Paulo: Singular, 2005. p. 262-287).
8
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 1. Essa parece ser também a concepção de Eros Roberto Grau, ao definir o Direito Econômico
como o sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico, mediante a regulação, sob o ponto de
vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma disciplina destinada à efetivação da
política econômica estatal”. (A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1990. p. 168/169).
19
Sobre a importância do capital estrangeiro para o Direito Econômico, confira-se a
observação de José Luiz Conrado Vieira
9
:
[...] sobretudo nos países em desenvolvimento, onde o relacionamento econômico
internacional envolvendo capitais estrangeiros, a título de investimentos (direitos ou
de portfólio), empréstimos externos, transferência de tecnologia e outras
modalidades, consubstancia matéria da mais alta relevância nas definições de
políticas econômicas (dentre outras políticas públicas), não como deixar de tratar
esses capitais sob o prisma e no domínio do Direito Econômico, o que se torna ainda
mais relevante num mundo marcado pela globalização financeira e produtiva,
predominantemente privada, e permeado por relações desiguais de poder e de
dominação que vicejam no contexto de uma sociedade internacional carente de
maior coesão e dotada de marcos jurídicos internacionais ainda claramente frágeis e
insuficientes, não obstante a substantiva evolução observada nos dois últimos
séculos.
no Direito Internacional Econômico, a par dos debates até hoje existentes acerca de
sua segmentação específica em relação ao Direito Internacional Público, o capital estrangeiro
é encarado sob o prisma das regras de proteção dos interesses dos países exportadores e
receptores do investimento, havendo ainda na clássica definição de Dominique Carreau,
Thiébaut Flory e Patrick Juillard, uma sub-ramificação para melhor compreender o direito dos
investimentos.
10
A abordagem do capital estrangeiro, embora se inicie sob o prisma do Direito
Econômico a partir dos principais episódios históricos da política interventiva estatal, por
vezes, abordará o tema também do ponto de vista do Direito Internacional Econômico com o
aparecimento no decorrer da narrativa histórica de relações econômicas em níveis cada vez
mais complexos e da inevitável influência do mercado internacional sobre as políticas
econômicas internas.
11
9
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 163, out./dez. 2005.
10
Segundo os autores, o Direito Internacional Econômico considerado como ramo do Direito que regulamenta,
de um lado, o estabelecimento e o investimento internacionais, e de outro lado, a circulação internacional de
mercadorias, serviços e pagamentos, subdivide-se em: a) direito dos investimentos; b) direito das relações
econômicas; c) direito das instituições econômicas; d) direito das integrações econômicas regionais; e e) direito
da situação (regime jurídico) do estrangeiro. (CARREAU, Dominique; FLORY, Thiébaut; JUILLARD,
Patrick. Manuel Droit International Économique. Paris: Libraire Generale de Droit Et de Jurisprudence, 1990.
p. 46.).
11
Embora não seja objeto deste trabalho, o tema do capital estrangeiro pode ainda ser analisado sob o prisma do
Direito Comunitário, cujo exemplo único é a integração européia. Em linhas gerais, o enfretamento do capital
estrangeiro decorreria do plexo normativo emanado dos órgãos comunitários tomado no plano superior à
ordem jurídica dos Estados e, portanto, inserido no campo do Direito das políticas públicas na economia
comunitária (Direito Econômico Comunitário), se é que assim podemos definir.
20
No ponto central da presente dissertação, entretanto, apresentamos a leitura do tema do
capital estrangeiro em nosso ordenamento jurídico, orientada pela doutrina humanista do
Direito Econômico, que se baseia num direito ético e nos valores consagrados pela CF/88.
Como teremos a oportunidade de detalhar, trata-se de uma visão doutrinária do Direito
Econômico que visa, em última análise, concretizar uma democracia substancial e focada nas
possibilidades concretas de garantia dos direitos econômicos fundamentais dos cidadãos.
Nesse sentido, o Direito Econômico é utilizado como um instrumento da sociedade
para propiciar o desenvolvimento nacional, objetivando de maneira geral o bem-estar
coletivo, em consonância inclusive com os pactos de direito internacional, como é o caso da
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 e da Declaração e Programa de Ação
de Viena de 1993, ambas da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (“ONU”),
os quais visam assegurar igualdade de oportunidade econômica para todos.
Outrossim, com base em uma ampla pesquisa doutrinária e na utilização da
metodologia dedutiva, partiu-se da análise histórica do tema relacionado ao fluxo de capitais
no âmbito nacional e internacional, chegando-se às normas brasileiras atuais que delineam o
tema, em especial, o art. 1º, inc. I, III e IV; art. 3º, inc. II; art. 170, caput e inc. I; art.
172 e art. 219 da Constituição Federal; além da normatização infraconstitucional acerca do
regime jurídico dos investimentos internacionais; a fim de identificar e entender as mudanças
ocorridas na legislação brasileira em relação ao tratamento do capital estrangeiro, bem como a
posição e situação brasileira sobre o tema, inclusive na esfera internacional.
21
2
ABORDAGEM HISTÓRICA DOS PRINCIPAIS FATOS ECONÔMICOS E NORMAS
JURÍDICAS RELATIVAS AO CAPITAL ESTRANGEIRO
2.1 Do Período Colonial ao Início do Período Republicano
A análise histórica das relações entre o Estado e o capital estrangeiro confunde-se, de
certo modo, com o próprio surgimento do Direito Econômico clássico brasileiro que se inicia
mesmo com a colonização portuguesa.
Não será possível entrar em detalhes sobre todas as políticas internas interventivas
ou não que tiveram como objeto o investimento estrangeiro, porém infere-se da evolução
histórica que desde o início a preocupação com o capital estrangeiro esteve inserida no
conjunto das chamadas políticas públicas econômicas brasileiras, a partir de questões
envolvendo monopólios, concessões, parcerias, política industrial, etc. Como teremos a
oportunidade de discorrer, diversas foram as motivações ideológicas que acabaram definindo
o perfil da política brasileira em relação à matéria, iniciando-se pelo protecionismo da época
colonial e imperial ditado pelo interesse lusitano sobre as novas riquezas.
Como bem observa Fernando Herren Aguillar
12
, o reconhecimento da existência de
um Direito Econômico datado dessa época quase não se nas doutrinas tradicionais. Isso
porque, o Direito Econômico começou a ser percebido com o aumento da intensidade da
interferência estatal na economia, porém preexistia a esse fato.
Assim, embora seja
[...] inegável que a cada momento a ação estatal tenha características diversas
(Estado Patrimonialista, Estado Gendarme, Estado Intervencionista, Estado
Neoliberal) e que a intensidade da regulação econômica oscile de época para época,
é notável na observação da história do Direito Econômico a recorrência da
intervenção no domínio econômico. Pode-se afirmar sem temor que, no Brasil,
sempre houve intervenção estatal na economia, desde 1500. E que o início do
Direito Econômico foi assinalado erroneamente pela doutrina, porque julgou
indevidamente que o aumento da intervenção estatal na economia era representativo
de uma evolução definitiva do sistema capitalista, quando não passava da oscilação
pendular do papel do Estado no modo de produção.
12
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 15.
22
Em relação ao capital estrangeiro, no século XVI em que o comércio prevalecia
sobre os investimentos, observa-se de Portugal uma preocupação em ditar políticas públicas
de modo a evitar principalmente a presença de navios estrangeiros interessados nas riquezas
brasileiras, notadamente a esquadra holandesa em pleno ciclo do açúcar.
13
Além da ameaça da
expansão marítima de outras nações européias, a decadência dos empreendimentos comerciais
portugueses no Oriente, levara Portugal a impor à colônia brasileira o privilégio
manufatureiro português.
14
A atividade comercial marítima da época havia ganhado impulso com o surgimento de
organizações comerciais chamadas “companhias licenciadas”, as quais eram dotadas de cartas
reais que lhes conferiam direitos exclusivos de comércio com determinadas partes do mundo.
Conforme narram John Micklethwait e Adrian Wooldridge
15
, tratava-se de
organizações sofisticadas e que
13
A narrativa de Raimundo Faoro nos revela que o fracasso do regime inicial de feitorias, as quais foram
insuficientes para evitar as incursões estrangeiras, fez com que Portugal adotasse uma política de donatarias
que conferia às pessoas de sua confiança, direitos e poderes sobre as terras: “A feitoria demonstrou, desde logo,
um ponto vicioso, incontrolável, precário: a instabilidade dos habitantes da terra, irredutíveis à obediência,
incapazes de tratados leais e inacessíveis à escravidão. Entre eles, os franceses concertavam alianças, tão
fluidas como as portuguesas, diluindo-se todas em cera e em lodo. Sem a disciplina do elemento humano, a
América seria presa do aventureiro que a colonizasse, isto é, que nela estabelecesse cleos estáveis, leais, de
população. (...) A linha fundamental, de caráter mercantil, seria de encolher o espaço da exploração
mercantil, seria a de encolher o espaço de exploração econômica aos tentáculos burocráticos. O Brasil, tal
como a Índia, seria um negócio do rei, integrado na estrutura patrimonial, gerida pela realeza, versada nas
armas e cobiçosamente atenta ao comércio.(Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro.
São Paulo: Globo, 2000. p. 121-122).
14
Comenta Fernando Herren Aguillar que apolítica mercantilista de rapina estatal da colônia somente poderia
ser mantida à custa de severa repressão e controle truculento da população. O direito nada valia em face da
força estatal. Os interesses comerciais da Corte, ditando os rumos das políticas públicas. Levavam a um sem-
número de restrições ao comércio e tornavam inviável a instituição de uma indústria local que não fosse
destinada à empresa de pilhagem oficial.(Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional.
São Paulo: Atlas, 2006. p. 84). Em outro trecho narrado por Jorge Caldeira: O governo português tinha idéias
muito peculiares a respeito do Brasil. A teoria fundamental empregada por seus estadistas para implementar
as relações entre Colônia e Metrópole previa a especialização econômica para alcançar um grande objetivo, o
chamado ‘maior benefício tuo’. O Reino era dividido por tarefas, ficando para os habitantes da Metrópole
o monopólio de uma série de atividades, enquanto à Colônia caberiam outras tantas. A divisão não chegava a
ser equânime, mas poucos dirigentes portugueses se importavam com isso. Na prática, a Coroa permitia aos
coloniais a tarefa de plantar e colher o que a Europa não produzia e supunha que os irmãos dos trópicos
deveriam agradecer pela generosa fatia deixada. Em troca do favor do monopólio da agricultura tropical, os
brasileiros renunciariam ao que podia ser mais bem produzido em Portugal. E, para evitar a tentação de
ruptura da boa ordem, o governo cercava de proibições os colonos: o comércio internacional, a instalação de
indústrias de qualquer espécie, a impressão de livros ou folhetos e a fundação de escolas de nível superior lhes
eram rigorosamente vedadas. Com isso, o governo português acreditava que os brasileiros desenvolveriam
melhor sua natural vocação para a agricultura, deixando de lado quaisquer veleidades de se meter em
negócios para os quais não tinham inclinação.(Ma: empresário do império. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p.71).
15
MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian. A companhia: breve história de uma idéia revolucionária.
Tradução de S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 45-46.
23
[...] representavam um esforço conjunto de governos e comerciantes para apoderar-
se das riquezas dos novos mundos abertos por Colombo (1451-1506), Magalhães
(1480-1521) e Vasco da Gama (1469-1524). [...] Dessa forma, pertenciam ao mesmo
tempo ao setor público e ao privado. Por vezes o monarca ficava com uma parte da
firma para si próprio, como fez Colbert (1619-1683) em nome do rei da França, ao
estabelecer a Companhia das Índias Orientais de seu país em 1664. Em geral, os
governos do norte da Europa, liderados pelos da Inglaterra e da Holanda, preferiram
operar por meio de companhias independentes.
A propósito, foi justamente com a criação dessas organizações comerciais navais que
se intensificou na Europa os chamados investimentos em portfólio, vez que as companhias
licenciadas passaram a se inspirar na idéia medieval de colocar ações no mercado, como
relatam os editores da The Economist:
16
A idéia de oferecer ao público ações de empresas data pelo menos do século XIII.
Em toda a Europa era possível comprar ações de minas e de navios. Em Toulousse,
as fábricas eram divididas em títulos que seus portadores podiam vender como se
fossem propriedades imóveis. Mas o capitalismo naval dos séculos XVI e XVII
ampliou extraordinariamente a idéia, provocando o aparecimento de bolsas de
títulos.
Aos poucos as idéias do liberalismo econômico desenvolvidas no século XVIII
fizeram com que a política monopolista de Portugal cedesse, dando lugar primeiramente aos
interesses comercias dos ingleses. Para se proteger da pressão exercida pela Holanda e
Espanha, Portugal se une à Inglaterra através de uma série de acordos comerciais, entre os
quais o mais famoso e citado pelos historiadores foi o Tratado de Methuen, assinado em
1703.
17
Indiretamente, o capital inglês passou a ter uma via de acesso autorizado ao Brasil,
passando a dominar o comércio brasileiro no século XVIII.
18
16
MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian. A companhia: breve história de uma idéia revolucionária.
Tradução de S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 46.
17
Pode-se considerar que o Tratado de Methuen foi um dos primeiros tratados comerciais a espelhar a ideologia
econômica iluminista do laissez- faire que teve Adam Smith como um dos seus principais defensores. Referida
teoria pregava um comércio internacional isento de tarifas alfandegárias resultando em maiores benefícios para
as nações envolvidas em comparação com a política protecionista também chamada de mercantilista. Assim,
autorizar a livre troca de mercadorias entre países, por permitir uma maior especialização da produção e o
aumento das economias de escala, favoreceriam o melhor aproveitamento das vantagens comparativas de cada
país e a economia mundial.
18
Em relação à influência inglesa sobre Portugal e a colônia brasileira, indispensável é a leitura da obra de
Gilberto Freyre. Revela o autor que: Desde o século XVII desde o tratado de 1661: na verdade desde o de
1654 fora dado aos ingleses, pelo governo de Portugal (um Portugal decidido então, por ciúme do ouro e
das pedras preciosas das Minas Gerais, a fazer do Brasil uma espécie de nova China fechada aos
estrangeiros), o direito de manterem quatro famílias britânicas em cada cidade brasileira de importância
comercial: Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. (...) A verdade, porém, é que depois de um período de quase
escandalosos privilégios, de ordem econômica e até política, os britânicos passaram a abrir créditos fáceis
aos clientes brasileiros e a aventurar capitais no nosso país de uma forma em que os franceses, por muito
tempo seus principais competidores, não se extremaram nunca. Aos ingleses os alemães viriam a superar
nesse excesso de confiança nos clientes sul-americanos; mas já no século XX.” (Ingleses no Brasil: aspectos da
influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977. p. 46).
24
Portugal ainda tentou reverter o quadro com a tentativa de fazer florescer o parque
industrial brasileiro e com a criação das companhias privilegiadas de comércio, as chamadas
“Companhias Pombalinas”, as quais se beneficiavam dos mais variados incentivos, estímulos
e empréstimos para o fomento da agricultura e, principalmente, do comércio.
19
Em termos de tratamento favorecido, como o próprio nome diz, tais companhias
eram dotadas de certos privilégios, dentre outros, o foro privativo, equiparação dos “oficiais
de marinha” aos servidores públicos da época, subsídios manufatureiros, taxas reduzidas para
exportação de suas mercadorias e monopólios comerciais.
20
Revela ainda Heitor Ferreira
Lima que, tais companhias constituíam, assim, um dos mecanismos regulatórios de que
dispunha a corte portuguesa sobre a economia brasileira, combinando elementos jurídicos e
econômicos. A legislação sob Pombal ao mesmo tempo em que ampliava a liberdade de certas
atividades comerciais, buscava monopolizar outras, com uma perspectiva mercantilista de
defesa do lucro e visando beneficiar Portugal.
21
Mas, o grande acontecimento que mudaria os rumos da economia brasileira da época é
o fim do regime colonial, em 1808, com a vinda da Corte portuguesa e abertura dos portos.
22
O que se pode inferir das narrativas históricas é que a partir do fim do regime monopolista
português, intensificou-se a preocupação de proteção à indústria brasileira, basicamente
através de incentivos fiscais, restrições ao poder de compra do Estado e proteção a patentes
industriais, como bem sintetiza Denis Borges Barbosa:
19
A denominação decorre da administração da colônia brasileira à época pelo Marquês de Pombal que tinha por
objetivo livrar o país do domínio econômico dos ingleses, sobretudo dos residentes entre nós, por quem tinha
particular antipatia. A fundação das grandes companhias de comércio obedeceu, em parte, a esse objetivo.
Mas, para atingi-lo em cheio, onde pôs toda a sua esperança, e também todo o entusiasmo, foi na criação do
parque industrial. Numerosas fábricas instalou no reino, tais como a dos panos de lã, tecidos de algodão,
sedas, chapéus, tapeçaria, fundição, serralheria, relojoaria, botões, vidros. Algumas dessas iniciativas foram
dispendiosíssimas. (...) O processo de instalação, que adotou, foi geralmente o de chamar técnicos
estrangeiros, aos quais mandava estabelecer fábricas, mediante diversos favores do Estado. Partia do
princípio de que estas haviam de ser escola e incentivo para os nacionais. Infelizmente, porém, por
circunstâncias que adiante se hão de ver, a generalidade dessas manufaturas não pôde prosperar (...) uma
porção de fábricas criadas nessa altura, as quais, apesar dos privilégios e isenções que tinham, precisavam
organizar balanços em cujos ativos ‘estão incluídas dívidas incobráveis’, o que é concludente. O ministro fez
questão de conservá-las em funcionamento, embora ficticiamente, à custa de subsídios do Estado. Faltou-lhe
ânimo para confessar a falência da mais nobre e bem intencionada parcela da sua obra. A manutenção deste
prurido custou ao Tesouro rios de dinheiro. (CARNAXIDE, Antônio de Sousa Pedroso. O Brasil na
administração pombalina: economia e política externa. São Paulo: Nacional, 1979. p. 51-52).
20
Ibid., p. 49. São exemplos de companhias pombalinas: a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1647), a
Companhia do Maranhão (1678), a Companhia Geral do Grão-Pa e Maranhão (1755) e a Companhia de
Pernambuco e Paraíba (1759).
21
LIMA, Heitor Ferreira. História do pensamento econômico no Brasil. São Paulo: Nacional, 1978. p. 48.
22
De certa forma, relatam os historiadores que a crise do sistema colonial teria sido delimitada pelas inúmeras
transformações do mundo ocidental a partir de meados do século XVIII, por exemplo, a independência das
colônias inglesas, em 1776; a Revolução Francesa, em 1789; e a Revolução Industrial na Inglaterra, por volta
de 1760.
25
No primeiro ato do Príncipe Regente, tão festejado pelos livros de História escolar,
abolem-se [sic] as vedações absolutas de acesso ao mercado brasileiro, característica
do regime colonial, impondo-se uma tarifa geral de 24% às mercadorias
estrangeiras. As medidas de incentivo à indústria nacional que se seguiram
procuravam ajustar-se ao contexto da cessação do privilégio manufatureiro
português e da parcial liberalização dos fluxos de comércio. Assim, o famoso Alvará
de 28 de janeiro de 1809, que criou, a par do primeiro sistema de patentes de
invenção para indústrias estabelecidas no País -, preferências de compras do
Estado, subvenção direta ao setor têxtil e isenção de tarifa para bens importados para
a produção local.
[...]
Com a chegada da Corte, estávamos num momento em que se teria de fazer a
reforma patrimonial do Estado. Os privilégios que então havia, monopólios de
exploração de indústrias tradicionais, teriam de ser reformados, de forma a
funcionalizá-los e fazê-los trabalhar por um objetivo determinado, que é o
desenvolvimento econômico, em particular o desenvolvimento industrial.
23
Porém, toda essa preocupação à época de estímulo à indústria nacional acabou sendo
atropelada pela progressiva redução de tarifas alfandegárias que favorecia a exportação direta
ao Brasil ao invés da migração de capital estrangeiro produtivo. Os negociantes ingleses
guiavam-se, então, pela mera importação de mercadorias estrangeiras chegando-se inclusive a
ter um tratamento alfandegário menos rigoroso do que em relação aos produtos portugueses.
24
23
E prossegue o autor: Assim é que esse nosso primeiro Plano Econômico teve três instrumentos principais: o
primeiro foi a criação do drawback, ou seja, a eliminação dos impostos incidentes sobre a importação de
determinados insumos, quando se tornassem necessários para viabilizar o aumento de exportações ou de
abastecimento do mercado interno dos setores primordiais. Segundo o raciocínio do Visconde de Cayru, era
absurdo que o Estado fizesse incidir um tributo para obtenção de recursos próprios, em detrimento do próprio
desenvolvimento econômico e, particularmente, do desenvolvimento industrial. O segundo ponto era o controle
das compras estatais, basicamente do Exército, direcionado a compra de seu fardamento para as indústrias
têxteis nacionais. Em terceiro lugar, criava-se um sistema de incentivos ao desenvolvimento da tecnologia
fazendo com que se implantassem as patentes industriais de concessão prevista na lei, em substituição ao
sistema de privilégios individualizados, anteriormente existentes, com vistas a trazer para o Brasil novas
indústrias. Esta lei de patentes fez com que o Brasil se tornasse o quarto País do mundo a ter um sistema de
incentivos tecnológicos. (BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao
desenvolvimento industrial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 12-13).
24
Confira a narrativa de Francisco Iglésias: Pouco após o desembarque, é assinada a carta de abertura dos
portos. Era permitida qualquer importação, pondo-se limites, quanto à exportação, aos gêneros ‘notoriamente
estancados’. A tarifa é reduzida, ainda em 1808, a 16% para as mercadorias portuguesas; pagariam 19% as
mercadorias estrangeiras trazidas em navios portugueses. (...) Demais, o se pode falar em impacto
industrial, pois as providências favoráveis foram ambíguas, sem obediência a um plano. Certas medidas
puderam anulá-las, como os Tratados de 1810 com a Grã-Betanha - o de Comércio e o de Amizade. Reforça-
se a dependência ante aquela nação. A liberdade de comércio e das indústrias só poderia conduzir à
proeminência britânica no Brasil. O Tratado do Comércio dava tratamento preferencial às manufaturas
inglesas, com a tarifa de 15%, inferior às portuguesas 16% e mais ainda às de outras nações –. As
mercadorias portuguesas somente o igualadas em 1818, quando obtêm os mesmos 15%. O Tratado da
Amizade complementa o de Comércio. (...) Ante a diversidade de tarifas, lei de setembro de 1828 dá a
vantagem de tarifas mínimas a todos. A falta de legislação protetora adequada leva a malogro certo a
atividade nacional. O grupo dominante satisfazia-se com a liberdade de exportar e não se preocupava com os
problemas advindos da importação. Aquela era capitalizada pelo exportador, estes eram divididos pela
população.” (A industrialização brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 31-39).
26
À época, as idéias do liberalismo econômico de Adam Smith estavam mais do que
difundidas por toda a Europa. Acreditava-se que a iniciativa privada deveria guiar-se
livremente, com pouca ou nenhuma intervenção governamental, porquanto todos os
indivíduos que promovessem seus interesses seriam orientados por uma “mão invisível” que
produziria o máximo de bem social.
25
A Constituição de 1824 seguia essa mesma linha, contemplando os princípios básicos
do liberalismo econômico, como oberva João Bosco Leopoldino da Fonseca
26
:
Esta análise desvenda a ideologia, a razão jurídica, que impregna a Constituição de
1824, do ponto de vista da Economia. Esta é vista também como um fenômeno cujas
leis são impostas pela natureza. Ao Estado cumpria somente garantir o
funcionamento natural dessas leis, a sua proteção deveria limitar-se somente a
remover os embaraços, que pudessem entorpecer a marcha regular dos princípios
elementares da riqueza. Não era tarefa do Estado conduzir a economia através de
leis. Se o fizesse, estaria fatalmente rompendo o equilíbrio que as forças econômicas
da natureza, deixadas ao seu fluxo natural, forçosamente alcançariam.
O Brasil continuava tendo como ocupação principal a lavoura, primeiramente o açúcar
e, em seguida, o café, além da atividade rentável da época que era o tráfico negreiro. É ainda
no Primeiro Reinado que o capital estrangeiro começa a ingressar no Brasil através de
empréstimos governamentais, basicamente contratados junto aos bancos ingleses,
enveredando dessa forma por um caminho que seria longo e melancólico, trazendo
consideráveis prejuízos à economia nacional”.
27
Reportando-se ao papel do Estado na economia no Segundo Reinado, Fernando
Herren Aguillar refere-se à existência de uma política de desconcentração regulatóriaque
se escorava na outorga, pelo Estado, de poderes aos entes privados, através da proteção estatal
da atividade econômica (regulamentação), instando-os a assumir responsabilidades no
25
No início da Revolução Industrial, as restrições medievais impediam os proprietários de bricas de
contratar mão-de-obra, ao passo que as restrições mercantilistas ao comércio estrangeiro lhes restringiam os
mercados. O apelo ao laissez-faire de Smith ajustava-se bem aos interesses dos crescentes grupos
manufatureiros e comerciais que se sentiam excluídos do lucrativo comércio por monopólios apoiados pelo
Estado. (BJORK, Gordon C. A empresa privada e o interesse público: os fundamentos de uma economia
capitalista. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 76). Ainda: SMITH, Adam. An inquiry
into the nature and causes of the wealth of nations. Nova York: Prometheus Books, 1994.
26
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 106.
27
LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Nacional, 1973. p. 194,
253. Relata o autor que os primeiros empréstimos contraídos tiveram as seguintes destinações: pagamentos de
compromissos decorrentes das dívidas portuguesas, assumidas pelo país em decorrência do reconhecimento da
Independência por Portugal; atendimento às dificuldades financeiras decorrentes de gastos com a Guerra do
Paraguai, resgate de dívida flutuante, cobertura de ficits orçamentários e amparo à lavoura; pagamento de
empréstimos anteriores; cobertura de despesas com estradas de ferro.
27
processo econômico, o que não quer dizer que o Estado se abstivesse de propiciar condições
para que essa tarefa fosse desempenhada a contendo pelos empresários”.
28
A política tarifária passou a ser uma ferramenta importante na “desconcentração
regulatória” que acabou desaguando em medidas protecionistas alfandegárias como forma de
favorecer a industrialização nacional. Aguillar relata que,
Em 1844, por exemplo, foi instituída a Tarifa Alves Branco, medida alfandegária
adotada em represália à elevação da taxa sobre o açúcar brasileiro pela Inglaterra. A
medida representou um dos primeiros impulsos oficiais de incentivo à
industrialização do país. É possível dizer que a indústria privada nacional floresceu
precisamente a partir desse impulso protecionista alfandegário. E, também, que
políticas econômicas protecionistas foram a exceção, em um período em que a classe
rural dominava o espectro político e fazia prevalecer suas idéias de liberdade
econômica e divisão internacional do trabalho. A eventual reação de investidores
estrangeiros às medidas protecionistas era diluída com políticas governamentais de
garantia de juros mínimos, que acabaram atraindo capitais, sobretudo da Inglaterra,
para exploração de serviços públicos.
29
A partir desse episódio, o regime tarifário passou por constantes elevações e reduções
à medida em que o Estado atendia às pressões antagônicas da época, tendo merecido a
seguinte crítica de Roberto Cochrane Simonsen:
30
A quase totalidade de nossas tarifas, durante o século XIX, teve caráter
acentuadamente fiscal. Nunca tivemos um governo que se dispusesse,
resolutamente, por tempo útil, como fizeram os governos norte-americanos, a seguir
uma política nitidamente protecionista.
A par da utilização da tarifa alfandegária como mecanismo de tentativa de
fortalecimento do empreendedor nacional – diga-se frustrada –, haviam ainda restrições
setoriais de acesso do investimento estrangeiro, embora o pano de fundo dessa política,
28
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 93.
29
Ibid., p. 93-94. Sobre a prática protecionista inglesa, observa Jorge Caldeira que apesar de pátria do livre-
cambismo, [a Inglaterra] adotava uma postura diversa sobre o assunto para consumo externo. Aplicava a
idéia de liberdade do comércio apenas quando favorecia seus interesses: permitia a competição aberta nos
setores em que tivesse muita vantagem de capital ou de custos, e mantinha um alto grau de proteção nos
setores em que era mais franca. A liberdade não era uma questão filosófica, mas antes de tudo uma alavanca
econômica – daí não aplicarem em casa o que pregavam para os outros. Ao mesmo tempo em que arrancaram
do Brasil um tratado comercial pela qual seus produtos de exportação pagavam poucos impostos de entrada –
dizendo que esse era um modelo de desenvolvimento –, os ingleses continuavam taxando alto o açúcar e o café
brasileiros, de modo a proteger a produção de suas colônias, e também os grãos, a fim de proteger os
agricultores da Metrópole, o conservadores quanto os fazendeiros do Brasil”. (Mauá: empresário do
império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p.162)
30
SIMONSEN, Roberto Cochrane. A Evolução Industrial no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1939. p.
34.
28
segundo a unanimidade dos historiadores, mais uma vez fosse garantir os interesses
portugueses e não propriamente o empreendedor nacional,
31
vejamos:
em 1828 o investimento estrangeiro na mineração do ouro foi restrito a 2/3 do
capital da empresa; o mesmo se aplicou às ferrovias; logo depois do crash de 10 de
setembro de 1864, no qual 95 empresas comerciais e seis bancos faliram num único
dia no Rio de Janeiro, a participação do capital estrangeiro nos bancos foi limitada a
25%.
A vedação absoluta ao capital estrangeiro também ocorre em grande mero de
setores. A começar pelo comércio dispositivo de 1811 de rápido desuso. Mas
também a exploração de diamantes em 1828, os seguros de vida, a pesca, [e mais
recentemente] os jornais, rádio e TV, navegação de cabotagem, a exploração de
petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos, prospecção de minerais, a aquisição
de terrenos situados nos 150 km das faixas de fronteiras.
32
Porém, o momento era mais do que oportuno para a chegada do investimento
estrangeiro, pois
[...] o enorme progresso que caracterizou o Segundo Império, do ponto de vista
material, devido sobretudo à extraordinária expansão da economia cafeeira, ao
aumento da população, ao desenvolvimento dos centros urbanos, ao crescimento da
imigração estrangeira, ampliando a área de trabalho livre e com isso o mercado
interno, redundou em maior enriquecimento do país, criando assim condições
propícias para aplicação em vasta escala de capitais alienígenas entre s,
particularmente ingleses, pois a Inglaterra estava em fase de plena expansão e
dominava o mercado internacional, especialmente a América do Sul.
33
Some-se ainda a repercussão da política econômica escravagista do Segundo Reinado
sobre os investimentos estrangeiros, como não poderia ser diferente, que o tráfico
internacional de escravos representava uma das principais atividades econômicas do país,
desenvolvida inclusive pelas próprias Companhias Pombalinas.
31
Observa Emília Viotti Costa que seria errado julgar que todo o sistema se tivesse modificado. A despeito das
medidas liberais, serão mantidos numerosos privilégios e restrições, alguns dos quais foram eliminados
depois da Independência. A preocupação em garantir os interesses portugueses e os da Coroa, freqüentemente
confundidos, entravava, necessariamente, o liberalismo das medidas.(Introdução ao estudo da emancipação
política do Brasil. In: MOTA, Guilherme. (Org.). Brasil em Perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988. p. 76).
32
BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao desenvolvimento industrial. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 15-16. O autor cita inclusive, em nota de rodapé, as referências legais
específicas dos setores econômicos por ele mencionados.
33
LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Nacional, 1973. p. 248.
Data ainda do Segundo Reinado a criação da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a primeira no Brasil. Antes
do início formal de suas operações, em 1845, os negócios com produtos como fretes de navio e mercadorias
de importação e exportação eram realizados em uma espécie de pregão ao ar livre e os corretores eram
chamados zangões. A atividade ganhou grande impulso a partir da vinda da família real para o Brasil, o que
levou às primeiras tentativas de organização do mercado. (Disponível em:
<http://www.bvrj.com.br/pages/historia/historia.asp>. Acesso em: 19 out. 2008).
29
Aos poucos, com a introdução de medidas mais eficazes para reprimir o tráfico,
34
[...] boa parte do capital estrangeiro ligado ao tráfico é repatriada com a deportação
dos traficantes. A parte que aqui permaneceu foi obrigada a se direcionar a outras
atividades, como as indústrias, estradas de ferro, bancos, respondendo em grande
medida pelo surto industrial das duas décadas subseqüentes. Na atração desses
capitais ociosos, dedicou-se com grande destaque Irineu Evangelista de Sousa,
futuro Barão de Mauá, defensor da industrialização e da adoção dos meios de
financiá-la, como a pluralidade de bancos emissores [de moeda].
35
Essencialmente em função do crescimento da vida urbana, o direcionamento do capital
estrangeiro se deu também para as obras e serviços públicos. Porém, em termos de regulação
do investimento estrangeiro, o que se tinha era um regime de concessões, basicamente
contratual e eram limitadas a apenas algumas atividades, permanecendo o restante dos hoje
considerados serviços públicos no domínio da liberdade de iniciativa”.
36
Fernando Herren
Aguillar relata ainda que havia
[...] de fato uma escassez de capital estatal e de capital nacional a impulsionar os
investimentos de grande porte, indispensáveis para levar a cabo obras desse vulto.
As concessões, porém, ofereciam garantia de juros aos empresários, além de
propiciarem retorno direto e indireto extremamente interessante para os
investidores.
37
Com o estabelecimento da República e o crescimento da economia brasileira, as
preocupações com o capital estrangeiro iriam demandar medidas compatíveis com as idéias
desenvolvimentistas para o país capitaneadas pelo então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa.
De plano, a política conhecida como “Encilhamento” que gerou a primeira grande febre
especulativa a partir da emissão de moeda –, elevou os impostos de importação e facilitou a
constituição de sociedades anônimas viabilizando-se assim a captação de recursos no mercado
e o início de ampliação das indústrias no país, especialmente com contribuição de capitais
estrangeiros.
Seguindo a linha da Constituição do Império, a primeira Constituição Republicana
tratava muito pouco sobre economia. A atividade empreendedora é tratada no bojo da
34
Lei Eusébio de Queirós, de 4 de setembro de 1850, que proibiu o tráfico negreiro e Lei Nabuco de Araújo, de 5
de julho de 1854, que previa penalidades para as autoridades coniventes com o tráfico.
35
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 97. Por falar em bancos, reporta Denis Borges Barbosa à chegada dos bancos estrangeiros ao
Brasil a partir de 1860, com a nova Lei das Sociedades Anônimas daquele ano, dentre eles o London and
Brazilian Bank Limited e o English Bank of Rio de Janeiro (Direito de acesso do capital estrangeiro: direito
ao desenvolvimento industrial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 14-15).
36
AGUILLAR, op. cit., p. 99, nota 35.
37
Ibid., p. 100.
30
liberdade de exercício profissional, basicamente inserida dentre os princípios básicos do
liberalismo econômico.
38
Ao final do século XIX e início do século XX o cenário econômico brasileiro estava
dominado pelos problemas de superprodução da cafeicultura e de queda dos preços, o que
demandou o estabelecimento de novas políticas protecionistas pelo Estado. O debate em torno
das tarifas alfandegárias e sua repercussão na economia brasileira ganhava contornos cada vez
maiores, tendo de um lado os produtores rurais, adeptos do livre-cambismo e, de outro lado,
empresários favoráveis ao crescimento industrial do país.
O período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial foi marcado pela
chegada dos investimentos norte-americanos e pela celebração dos primeiros empréstimos
com os Estados Unidos da América. Porém, até 1930 o fluxo de investimentos estrangeiros
não chegou a ser expressivo e, por isso, o período é encarado pelos economistas como sendo a
primeira fase da economia nacional, caracterizada por um modelo de desenvolvimento agro-
exportador, com a presença marcante de empréstimos britânicos.
39
Por sua vez, a abordagem normativa do capital estrangeiro no Direito brasileiro à
época girava em torno apenas de algumas normas e regulamentos sobre câmbio.
40
De certa
38
É o texto (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24/02/1891):
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos
direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
§8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia
senão para manter a ordem pública. (...)
§17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, mediante indenização prévia. (...)
§24 - É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial. (...)
§27 - A lei assegurará também a propriedade das marcas de fábrica.
39
Neste sentido: TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro:
ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. passim. Confira-se ainda a anotação de Nícia
Vilela Luz: Uma das mais características manifestações dessas novas tendências do nosso nacionalismo
econômico foi a sua oposição ao capital estrangeiro. Este fora sempre bem-vindo pelos nacionalistas do fim
do Império e início da República. Na ânsia de realizar a emancipação econômica do Brasil pelo fomento da
produção nacional e convictos que só o capital poderia movimentar as nossas inexploradas riquezas, os
nacionalistas fizeram o possível para atrair esse capital estrangeiro. E este, encontrando condições
excepcionalmente favoráveis, afluiu em grandes quantidades, na primeira década do século, principalmente
sob a forma de empréstimos aos Estados e às municipalidades, enquanto concessões eram feitas ou adquiridas
por companhias estrangeiras para exploração de serviços de utilidade blica.(A luta pela industrialização
do Brasil (1808 a 1930). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1961. p. 86-87).
40
Para um detalhamento da evolução das normas e regulamentos cambiais, ver: VERÇOSA, Haroldo Malheiros
Duclerc. Notas sobre o sistema de controle de mbio no Brasil. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 78, p. 24-46, abr./jun.1990.
31
forma, as justificativas para o baixo nível de preocupação com o tema são identificadas por
José Luiz Conrado Vieira
,
a partir dos seguintes fatores:
41
(1) o fato de que os capitais (investimentos) estrangeiros de natureza societária não
eram considerados, ainda, tão expressivos; (2) a ainda baixa expressão industrial do
País, visto que, a despeito da vaga industrialização citada, prevalecia, ainda, uma
estrutura predominantemente semi-colonial, exportadora principalmente de
matérias-primas e produtos da agricultura tropical e importadora de produtos
acabados/manufaturados; e (3) a baixa percepção acerca do significado, importância
e potencialidades de um novo estágio de desenvolvimento baseado na indústria.
Em síntese, como nos revela a exposição de Caio Prado Junior, embora
reconhecidamente baixo o fluxo de capitais estrangeiros da época, datam da segunda metade
do século XIX e início do século XX os primeiros surtos de industrialização com a presença
inclusive hegemônica e, em alguns casos monopolistas, do capital estrangeiro em importantes
atividades da economia brasileira.
42
2.2 De 1930 a 1960
A partir da década de 30, o papel do Estado na economia brasileira passa por
transformações como resposta ao aumento das atividades econômicas, ao desenvolvimento
econômico e tecnológico, às crises do mercado livre e a necessidade de substituição de
importação por força dos conflitos mundiais. Tais mudanças seguiram inclusive as
transformações verificadas no âmbito internacional sintetizadas aqui por Vital Moreira:
43
Mas foi a guerra e o pós-guerra que definitivamente fizeram valer a intervenção
econômica do Estado, não apenas para regular o próprio funcionamento da
economia, mas também para garantir a satisfação de determinados objectivos
sociais, que a “questão social” tinha posto em relevo (segurança nacional, segurança
no trabalho, contratação colectiva, etc.). No Leste da Europa a revolução russa de
1917 inaugurara o movimento de substituição do próprio capitalismo por uma nova
ordem econômica baseada na propriedade colectiva dos meios de produção. Na
Alemanha a Constituição de Weimar, de 1919, introduzira pela primeira vez a
economia na Constituição, fazendo daquela uma questão básica do Estado. Na Itália
o facismo, triunfante de 1923, encaminhava-se para um regime em que todos os
41
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 168, out./dez. 2005.
42
Ressalta Caio Prado Junior que onde haviam oportunidades de negócios rendosos, para afluirá
imediatamente o capital financeiro, procurando escamotear em seu proveito a maior parcela da margem de
lucros que oferece. (...) Outro campo de operações para o capital financeiro internacional no Brasil foram os
empréstimos industriais. Isto se verificou a princípio sobretudo em empresas de serviços públicos: estradas de
ferro, serviços e melhoramentos urbanos, instalações portuárias, fornecimento de energia elétrica.
Praticamente tudo que se fez neste terreno desde a segunda metade do século passado é de iniciativa do
capital estrangeiro, ou financiado por ele.(História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998. p.
273-274)
43
MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997. p. 17-18.
32
aspectos da sociedade, incluindo a economia, eram colocados sob a alçada da
direcção do Estado.
Eram apenas sinais do que estava para vir. A crise de 1929, iniciada nos Estados
Unidos, obrigou a maior parte dos países a fazer da economia uma questão política
fundamental de governo. Na Alemanha, e em menor medida noutros países,
estabelecem-se formas de organização econômica comandadas pelo Estado,
nomeadamente por meio de cartéis oficiais obrigatórios nas principais indústrias
(carvão, aço, potassa). Nos Estados Unidos o New Deal rooseveltiano enfrentava as
seqüelas da crise com medidas de enérgica intervenção estadual, de que o National
Recovery Act ficou símbolo. Dez anos depois do opúsculo de 1926 [referindo-se à
publicação por Keyses do texto The End of Laissez Faire], a própria revolução
keynesiana, consubstanciada na General Theory of Employment, Interest and Money
(1936), faria da intervenção estadual o principal factor do controlo de ciclo
econômico e das suas crises, bem como do nível do emprego, do investimento e do
consumo. Em vários países da Europa alastrava, juntamente com as formas
autoritárias de governo, a revolução corporativista, como instrumento de condução e
disciplina da economia.
Em relação ao capital estrangeiro, observa-se do Estado brasileiro uma maior
intervenção por meio do sistema cambial como foi o caso do Decreto 20.451, de 28 de
setembro de 1931, reconhecido por muitos doutrinadores como sendo a primeira tentativa de
estabelecimento de barreiras ao fluxo internacional de capitais com a chamada “centralização
cambial”.
Dois anos depois, surgiu o Decreto 23.258, de 19 de outubro de 1933, que
introduziu o conceito de “operação de câmbio ilegítima”, criando-se então uma rigidez do
sistema sem precedente no país, passando a serem consideradas operações de câmbio lícitas
apenas as que tivessem lugar junto a uma instituição autorizada a operar no ramo, com base
na prévia existência da necessária autorização. Tudo o mais era claramente ilegal”.
44
O modelo substitutivo de importações que caracterizava a economia brasileira da
época,
45
começava a favorecer os investimentos estrangeiros, especialmente através da
44
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Notas sobre o sistema de controle de câmbio no Brasil. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 78, p. 31, abr./jun.1990. A exemplo de outros
autores, reconhece VERÇOSA, que a chamada centralização cambial teve início mesmo com o advento do
Decreto 20.451, de 28/09/1931, o qual atendendo à anormalidade da atual situação e à necessidade de
centralizar as operações de aquisição cambiária para o fim de evitar especulações danosas aos interesses do
País(preâmbulo), centralizou no Banco do Brasil S/A a aquisição de divisas, distribuindo-as periodicamente
entre os demais bancos, visando atender unicamente as necessidades e interesses do país.
45
Sobre a transição brasileira do modelo agro-exportador para o modelo de substituição de importação, leciona
Maria da Conceição Tavares: De 1914 a 1945 as economias latino-americanas foram sendo abaladas por
crises sucessivas no comércio exterior decorrente de um total de 20 anos de guerra e/ou depressão. A crise
prolongada dos anos trinta, no entanto, pode ser encarada como o ponto crítico da ruptura do funcionamento
do modelo primário-exportador. A violenta queda na receita de exportação acarretou de imediato uma
diminuição de cerca de 50% na capacidade para importar da maior parte dos países da América Latina, a
qual depois da recuperação não voltou, em geral, aos níveis da pré-crise. Apesar de o impacto sobre o setor
externo das nossas economias ter sido violento, estes não mergulharam em depressão prolongada como as
economias desenvolvidas. A profundidade do desequilíbrio externo fez com que a maior parte dos governos
33
concessão de tratamento preferencial, como empréstimos internos com taxas preferenciais e
isenções fiscais.
46
Observa José Luiz Conrado Vieira
,
que, a partir desse modelo, o país iniciou um
processo de indução e vetorização do desenvolvimento por meio de um salto qualitativo na
produção industrial. O capital estrangeiro, por sua vez,
[...] começava a ensaiar o seu ingresso no patamar macrojurídico e no plano
normativo do Direito Econômico, na medida em que se tornara elemento de
preocupação e, portanto, de interesse direto e imediato dos formuladores de política
econômica. E esse ensaio se deu, no caso, pela via do câmbio.
47
Data dessa época também, a determinação governamental sobre o curso forçado da
moeda brasileira, alterando-se o regime liberal até então vigente para vedar a existência a
contas correntes em moeda estrangeira nos estabelecimentos bancários nacionais, bem como
proibir quaisquer outros meios de pagamento nos negócios internos que não a moeda local
(Decreto nº 21.316./32 e Decreto nº 23.501/33).
Em 1934, uma nova Constituição Federal, inspirada na Constituição alemã, marca
definitivamente o fim do modelo da abstenção estatal brasileira na economia, afastando-se do
liberalismo econômico.
A partir daí, o Brasil iniciou a internalização dos institutos de cunho social
reconhecidos internacionalmente, ponderando a finalidade da existência digna e
circunscrevendo a liberdade econômica dentro desse limite.
48
adotasse uma série de medidas tendentes a defender o mercado interno dos efeitos da crise no mercado
internacional. Medidas que consistiram basicamente em restrições e controle de importações, elevação da
taxa de câmbio, compra de excedentes ou financiamento de estoques, visando antes defender-se contra o
desequilíbrio externo do que estimular a atividade interna. No entanto, o processo de industrialização que se
iniciou a partir daí encontrou, sem vida alguma, seu apoio na manutenção da renda interna resultante
daquela política. (Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia
brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 32-33). No mesmo sentido observava Caio Prado Júnior: Apesar
da crise e das dificuldades de toda ordem neste momento de subversão econômica internacional, veremos
crescer a produção brasileira de consumo interno, tanto agrícola como industrial. Acentua-se assim
novamente o processo de nacionalização da economia do país. A grave crise que sofria seu sistema tradicional
de fornecedor de matérias-primas e gêneros tropicais, resultava no progresso de sua nova economia voltada
para necessidades próprias.” (História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 292).
46
A esse respeito, ver: LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil (1808 a 1930). São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1961. p. 199.
47
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 170, out./dez. 2005.
48
É o texto (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16/07/1934):
Art. 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da
vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade
econômica.
34
De plano, proibiu-se a concessão de garantia de juros às empresas concessionárias de
serviços públicos, sendo que a quase totalidade delas eram empresas estrangeiras como já
referido acima.
As tarifas públicas passaram então a fazer parte de um conjunto de regras restritivas
aos lucros das concessionárias, os quais ficaram limitados à justa retribuição do capital, sem
prejuízo do atendimento normal às necessidades públicas de expansão e melhoramento dos
serviços. Ainda, a Constituição expressamente previu a possibilidade de determinação de
percentagem de empregados brasileiros que devam ser mantidos obrigatoriamente nos
serviços públicos dados em concessão.
49
Além disso, foram impostas restrições à presença do capital estrangeiro na mineração,
petróleo, energia hidrelétrica, bancos, seguros, transportes e empresas jornalísticas, reiteradas
inclusive na Constituição Federal de 1937.
50
A intervenção do Estado na economia era a regra na ditadura imposta pelo governo a
partir de 1937, agindo para interferir nas externalidades provocadas pelo mercado e prover os
meios econômicos para sustentar a economia do país, como ressalta Américo Luís Martins da
Silva:
51
Parágrafo único - Os Poderes blicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do
País.
49
É o texto (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16/07/1934):
“Art. 135 - A lei determinará a percentagem de empregados brasileiros que devam ser mantidos
obrigatoriamente nos serviços públicos dados em concessão, e nos estabelecimentos de determinados ramos
de comércio e indústria. (...)
Art. 137 - A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão,
ou delegação, para que, no interesse coletivo, os lucros dos concessionários, ou delegados, não excedam a
justa retribuição do capital, que lhes permita atender normalmente às necessidades públicas de expansão e
melhoramento desses serviços.
50
É o texto (Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10/11/1937):
Art. 143 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água constituem propriedade
distinta da propriedade do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. O aproveitamento
industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade
privada, depende de autorização federal.
§1º - A autorização poderá ser concedida a brasileiros, ou empresas constituídas por acionistas
brasileiros, reservada ao proprietário preferência na exploração, ou participação nos lucros. (...)
Art. 145 - Só poderão funcionar no Brasil os bancos de depósito e as empresas de seguros, quando brasileiros
os seus acionistas. Aos bancos de depósito e empresas de seguros atualmente autorizados a operar no País, a
lei dará um prazo razoável para que se transformem de acordo com as exigências deste artigo. (...)
Art. 146 - As empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais ou municipais, deverão
constituir com maioria de brasileiros a sua administração, ou delegar a brasileiros todos os poderes de
gerência. (...)
Art. 149 - Os proprietários armadores e comandantes de navios nacionais, bem como os tripulantes, na
proporção de dois terços devem ser brasileiros natos, reservando-se também a estes a praticarem das barras,
portos, rios e lagos (grifo nosso).
51
SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 32.
35
No campo da intervenção do Estado no domínio econômico, não tendo os industriais
brasileiros da década de 30 capitais e técnicas suficientes para contornar os
problemas econômicos da época, as disposições econômicas do texto constitucional
de 1937 foram elaboradas com base na busca do Estado em suprir a atividade
econômica privada (a intervenção particular), a fim de sustentar o próprio sistema
econômico que se vislumbrava incipiente. Essa justificativa encontrava-se
literalmente enunciada no art. 135 da Constituição de 1937.
Relata Fernando Herren Aguillar, que esse modelo de concentração regulatória
ganhava cada vez adeptos, notadamente entre as elites empresariais e intelectuais do país”,
com a idéia de que o Estado deve intervir sobre a economia, seja para afastar a ameaça
ainda reverberante da crise de 1929, seja para erguer barreiras alfandegárias tidas por
indispensáveis para a consolidação da incipiente indústria nacional”.
52
O fim da Segunda Guerra Mundial e o histórico recente da crise sistêmica, que
atravessou o mundo capitalista, ensejou, ainda, a reforma do sistema de cooperação financeira
internacional com o objetivo de orientar e fomentar o desenvolvimento do comércio
internacional. No contexto internacional, cada vez mais os países aderiam à concepção de que
a paz mundial requeria uma cooperação financeira e econômica internacional, como era
defendido pela Sociedade das Nações
53
, na Conferência de Paz, que pôs fim à Primeira
Guerra Mundial.
E assim, na Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada na
cidade de Bretton Woods (New Hampshire, EUA), em 1944, deu-se origem à criação do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (“BIRD
”), (atualmente denominado Banco Mundial).
54
Por sua vez, a
segunda etapa do esforço de reorganização da economia internacional consistente na reunião
dos países em torno de uma Organização Internacional do Comércio (OIC), que regularia as
relações comerciais entre os países com base em princípios liberais e multilaterais, como
sabemos acabou tendo destino diferente.
55
52
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 118.
53
Também conhecida como Liga das Nações.
54
Especificamente o BIRD foi idealizado com a finalidade de: a) assistir na reconstrução e desenvolvimento dos
países membros, facilitando o investimento de capital para fins produtivos, promovendo assim o crescimento a
longo prazo do comércio internacional e o melhoramento dos níveis de vida; b) promover o investimento
internacional privado através de garantias e participação em empréstimos e outros investimentos realizados por
investidores privados; e c) quando o capital privado não se fizer disponível em condições razoáveis, realizar
empréstimos para fins produtivos com seus próprios recursos ou com recursos obtidos em outras fontes.
(FONTENELE, Leopoldo C. Aspectos do investimento internacional. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960.
p. 87-88).
55
Em relação ao assunto investimento internacional, ressalta Leopoldo C. Fontenele que, a Carta da
Organização do Comércio Internacional deixou aos países importadores de capital a escolha das alternativas
36
Embora constituídas as instituições financeiras internacionais, as relações comerciais
no plano internacional passaram a ser orientadas pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
(GATT), assinado por vinte e três países, dentre eles o Brasil, em 1947, reunidos em Genebra.
A partir daí, deu-se origem a um foro de negociações visando à redução de tarifas e outras
barreiras não tarifárias a fim de estimular o desenvolvimento do comércio internacional
gerando reflexos, evidentemente, sobre o fluxo de capitais estrangeiros.
56
No contexto histórico da época, retratado por Ricardo Bielschosky, prevalecia a
disseminação da idéia de que as exportações poderiam retomar ao seu ritmo após o fim dos
conflitos, restaurando-se a ideologia liberal dominante até 1930. O mesmo autor observa que
os defensores desse discurso, por sua vez, deparavam-se com um certo “vazio teórico”, pois
havia “um certo descompasso entre a história econômica e social, de um lado, e a construção
de sua contrapartida no plano ideológico e analítico, de outro”.
57
O enfrentamento desse descompassado é exatamente o desafio que fez com que o
economista argentino Raul Prebisch fundasse, nessa mesma época, a Comissão Econômica
para a América Latina (CEPAL), ligada à ONU, justamente pela constatação de que a adesão
da América Latina aos princípios liberais levaram à estagnação da economia e à pobreza da
população. Os trabalhos de Prebisch e da CEPAL, também chamados de estruturalistas
58
, dão
início ao debate de oposição às idéias monetaristas da chamada “Escola de Chicago”,
que se oferecessem à sua política de investimentos privados e desenvolvimento. Assim, por norma
internacionalmente reconhecida, seria atribuído aos países importadores de capital o poder de tomar decisões
a respeito de quais setores de sua economia a desenvolver, de quem seria admitido a participar no processo
de desenvolvimento e de quais os métodos mais convenientes a essa programação.(Aspectos do investimento
internacional. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. p. 65-66).
56
De certa forma, o insucesso da criação da OIC está associado ao período turbulento da época. Porém, com o
GATT alcançou-se algum nível de cooperação econômica, como ressalta Vera Thorstensen: “De simples
acordo, o GATT se transformou, na prática, embora não legalmente, em um órgão internacional, com sede em
Genebra, passando a fornecer a base institucional para diversas rodadas de negociações sobre comércio, e a
funcionar como coordenador e supervisor das regras do comércio até o final da Rodada Uruguai e a criação
da atual OMC. (...) O GATT, além de um foro de negociações, também era o árbitro das regras da
liberalização do comércio negociadas entre as partes. Casos de conflitos eram levados a painéis criados pelo
próprio GATT, que podiam autorizar medidas de retaliação. Mas, um dos principais problemas do antigo
GATT era que as partes que perdiam o painel podiam bloquear a sua adoção, uma vez que a prática era
adotar decisões por consenso. Porém, apesar de não ter força de um tribunal, o GATT exercia forte pressão
política para que as partes do acordo cumprissem as regras preestabelecidas. Tal situação só foi alterada com
a OMC.(OMC Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de
negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 30-31).
57
BIELSCHOSKY, Ricardo. Vinte anos de Ierj, cinqüenta anos de Cepal. In: MAGALHÃES, João Paulo de
Almeida; MINEIRO, Adhemar dos Santos; ELIAS, Luiz Antônio. (Org.). Vinte anos de política econômica.
Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. p. 121.
58
O pensamento cepalino em alguns de seus principais aspectos é apresentado em: FURTADO, Celso. A
economia latino-americana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
37
afastando-se claramente do pensamento hegemônico que dominou as formulações sobre
desenvolvimento e subdesenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial.
59
Paralelamente a tudo isso, a necessidade de positivação dos direitos humanos nos
diversos Estados, com o fim de se evitar a reiteração dos tristes resultados presenciados,
principalmente pela Europa, levaram à proclamação, dentre outras, da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(Bogotá, 1948) e da Convenção Americana dos Direitos Humanos (São José da Costa Rica,
1969).
No Brasil, passado o período beligerante, o clima fortemente influenciado pelas
recentes conquistas no âmbito do comércio internacional, baseadas nos princípios do
liberalismo político e econômico, contribuiu para a elaboração de uma nova Constituição em
1946, ressaltando uma ordem econômica regida pelos princípios da justiça social e, ainda,
conciliadora de forma inédita da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho
humano.
60
Ainda, foram eliminadas algumas restrições de acesso do capital estrangeiro como, por
exemplo, o aproveitamento de recursos minerais e de energia hidráulica, possibilitando-se a
concessão a sociedades organizadas no país com base em capitais estrangeiros.
61
59
Historicamente, a CEPAL apresentava uma tradição de defesa da produção local dos países da América Latina,
contestando abertamente a lei das vantagens comparativas e a inserção internacional das economias latino-
americanas em decorrência de suas condições à época do pós-guerra. A proposta originária da CEPAL foi a da
industrialização pela ação ativa do Estado. nos anos 90, as idéias cepalinas passaram a aceitar a idéia da
primazia do mercado na definição dos desenvolvimentos regionais, concedendo ao ideário liberal uma razão de
fundo, como nos mostra Ricardo Bielschosky: A implantação das reformas [propostas pelo ideário
neoliberal] suscita entusiasmos e apreensões, expressos em acalorado debate ideológico, freqüentemente
polarizado. A CEPAL dos anos 1990 logrou posicionar-se com grande habilidade entre os dois extremos. Não
colocou-se contra a maré das reformas, ao contrário, em tese tendeu a apóia-las, mas subordinou sua
apreciação do processo ao critério da existência de uma ‘estratégia’ reformista que pudesse maximizar seus
benefícios e minimizar suas deficiências a médio e longo prazos. O neo-estruturalismocepalino recupera a
agenda de análises e de políticas de desenvolvimento, adaptando-a aos novos tempos de abertura e
globalização. Avalia que no passado houve, em muitos países, demasiada complacência com a inflação e que
os novos tempos exigem alterações na forma de intervenção do Estado na economia, buscando-se ampliar sua
eficiência.(Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL uma resenha. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 63-
64).
60
É o texto (Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18/09/1946):
Art. 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a
liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Parágrafo único - A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação
social.
61
É o texto (Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18/09/1946):
Art. 153 - O aproveitamento dos recursos minerais e de energia hidráulica depende de autorização ou
concessão federal na forma da lei.
§1º - As autorizações ou concessões serão conferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedades
organizadas no País, assegurada ao proprietário do solo preferência para a exploração. Os direitos de
38
Nesse mesmo ano foi promulgada a primeira legislação brasileira que teve como
objeto a movimentação de capitais estrangeiros: o Decreto-Lei 9.025, de 27/02/1946, que
tratou efetivamente de questões relacionadas à entrada de capitais estrangeiros, registro,
remessa de rendimentos, reinvestimentos, retorno ao exterior, etc.
Referido Decreto-Lei teve um caráter inovador e abrangente, como anota José Luiz
Conrado Vieira, antecipando a sistemática que viria a ser adotada com maior ênfase a partir
da década de 60, no sentido de conferir ao órgão de controle e fiscalização, à época a
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), a capacidade normativa de
conjuntura
62
ao permitir uma ampla atividade normativa regulamentar.
Dentre os aspectos mais relevantes do Decreto-Lei, interessa-nos aqui o tratamento
restritivo à remessa de rendimentos distribuídos pela empresas receptoras dos investimentos e
repatriamento do capital estrangeiro. Buscando-se de alguma forma capturar benefícios
concretos ao país com a entrada de capitais externos, pela primeira vez, o ordenamento
jurídico brasileiro limitou a remessa de rendimentos a 8% ao ano sobre o capital registrado,
considerando-se transferência de capital o que exceder esta percentagem (repatriamento),
vedando-se inclusive – a exemplo do que ocorre atualmente – qualquer tipo de compensação.
Ainda, em relação a repatriamento do capital estrangeiro, o referido Decreto-Lei
estabeleceu uma limitação anual de 20% sobre o capital registrado, com exceção de capitais
aplicados em títulos da dívida interna brasileira, com natureza de renda fixa, cujo prazo de
permanência no país era de 2 (dois) anos (art. 6 º do Decreto-Lei nº 9.025/46).
63
Devido à progressiva desvalorização da moeda decorrente de um regime de câmbio
fixo e, objetivando a atração do capital estrangeiro, não demorou muito para que o regime
restritivo fosse substituído com a edição da lei 1.807, em 7 de janeiro de 1953, referida
também como “Lei do Câmbio Livre”, praticamente
preferência do proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serão regulados de acordo com a natureza
delas.
62
A expressão é usada e definida por Eros Roberto Grau como sendo a possibilidade do Poder Executivo de criar
normas, seja pela administração centralizada, seja por alguns de seus entes autônomos, de modo a conferir
resposta à necessidade de produção imediata de normas jurídicas, em razão das flutuações da conjuntura
econômica. (O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2003. passim.).
63
Anota Leopoldo C. Fontenele que essa política criou, evidentemente, uma geral insatisfação entre os
investidores estrangeiros, não obstante lhes haver oferecido privilégios de outra natureza, tais como o de
poder incorporar todos os lucros até então produzidos ao capital registrado originalmente, o que equivalia a
um aumento gradativo e galopante nas cifras do capital estrangeiro existente no País. (Aspectos do
investimento internacional. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. p.165-166).
39
[...] aboliu o registro e as limitações do capital estrangeiro, revogou a nacionalização
dos lucros excedentes e concedeu liberdade integral de movimentação do dito capital
forâneo no mercado livre. Deu-lhe inclusive o privilégio da remessa de lucros pelo
mercado oficial, e ademais com taxas cambiais favorecidas em todos os
investimentos considerados de especial interesse para a economia do país.
64
Ainda na década de 50, outras normas foram editadas tendo como objeto o tratamento
cambial e necessidade de atração de investimentos estrangeiros, com destaque para a
Instrução 113, de 17/01/1955, emitida pela SUMOC. Constantemente lembrada por todos
os autores, a referida Instrução provocou a abertura de um grande número de empresas
estrangeiras renomadas, principalmente da indústria automobilística, a partir da permissão da
entrada de máquinas e equipamentos, sem cobertura cambial, para integralização de
participações societárias pelo valor dos bens (em moeda nacional), evitando-se assim os
custos de transação do mercado de câmbio.
O objetivo da norma era liberar a entrada de bens de capital em benefício tanto de
empreendedores nacionais como de estrangeiros. Porém, o efeito da norma sobre a indústria
nacional acabou tendo um desfecho diferente, como relata Fernando Gasparian
65
:
A finalidade básica da Instrução 113 de 1955 era facilitar a entrada no Brasil de
conjuntos de equipamentos. Foi promulgada num período de grande importância nos
destinos econômicos do País. Em verdade, a partir de 1950, contornados os impactos
negativos da Segunda Guerra Mundial, o Brasil lançava-se numa industrialização
que, pela primeira vez, ia além dos produtos de consumo corrente. (...) Em princípio,
as vantagens por ela oferecidas deveriam beneficiar, igualmente, empresas nacionais
e estrangeiras. Distinguiam-se, de fato, naquele regulamento, dois casos: o da
importação de equipamentos com cobertura cambial e o da importação de
equipamentos sem cobertura cambial. O primeiro caminho deveria ser utilizado por
empresas nacionais que, não dispondo de recursos no estrangeiro, deveriam obter a
cobertura prévia de financiamentos externos. O segundo, destinava-se a beneficiar
empresas estrangeiras que na época entravam no País em grande mero, trazendo,
portanto, novos capitais que dispensavam financiamentos externos. Isto na teoria,
porque, na prática, alegando as dificuldades cambiais que atravessava o País, o
Governo brasileiro não utilizou a parte da Instrução que se referia a conjunto de
equipamentos com cobertura cambial. Isto significou que, durante todo o período em
que ocorreu a implantação da moderna indústria brasileira, o empresário nacional
era obrigado a adquirir seu equipamento recorrendo aos leilões de câmbio, ou seja,
na prática, a preços substancialmente maiores que os estrangeiros. E não apenas
64
FERREIRA, Pinto. Capitais estrangeiros e dívida externa do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1965. p. 228.
Ficaram sujeitos à sistemática de registro apenas os investimentos, empréstimos, créditos e financiamentos
qualificados de especial e indubitável interesse para a economia nacional (art. 1º, letras “c” e “d” da lei
1.807/53), tendo sido mantida somente a esses capitais as restrições percentuais de remessa ao exterior, sendo
8% para juros relativos aos empréstimos, créditos ou financiamentos e 10% para os rendimentos (lucros e
dividendos). A própria lei qualificava (art. ) os investimentos de especial interesse para a economia nacional
como sendo aqueles que se destinarem: (a) à execução de planos, aprovados pelo Poder Público Federal, de
aproveitamento econômico de regiões sob condições climáticas desfavoráveis ou áreas menos desenvolvidas;
e (b) à instalação ou desenvolvimento de serviços de utilidade pública nos setores de energia, comunicações e
transportes, desde que realizados dentro de tarifas fixadas pelo Poder Público.
65
GASPARIAN, Fernando. Capital estrangeiro e desenvolvimento da América Latina: o mito e os fatos. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. p. 25-26.
40
isso: como não havia controle estrito na importação desses conjuntos de
equipamentos, as empresas estrangeiras puderam trazer equipamentos usados de
baixo custo, e com a finalidade de baixar o imposto de renda, declarar para estes,
valor exagerado. Por mais esses dois motivos, se colocaram em condições de nítida
superioridade sobre concorrentes nacionais.
66
De fato, os impactos da referida Instrução sobre os investimentos estrangeiros foram
surpreendentes para a época. Relata Reinaldo Gonçalves que,
[...] entre 1955 e 1960, o valor do IED aprovado segundo esse mecanismo foi de
US$ 507 milhões, enquanto o total do ingresso de IED foi de US$ 609 milhões. Ou
seja, na segunda metade da década de 1950, mais de 80% do ingresso total de IED
beneficiaram-se desse esquema especial. Os benefícios decorrentes da Instrução
113 duraram até 1961, quando ocorreu nova alteração na política cambial.
67
Posteriormente, antes ainda da entrada em vigor do chamado “Estatuto do Capital
Estrangeiro” (lei 4.131/62), cabe destacar a edição do Decreto 42.820, de 16 de
dezembro de 1957, o qual além de regulamentar as disposições legais vigentes sobre
operações de câmbio e intercâmbio comercial com o exterior (leis nºs 1.807/53, 2.145/53 e
3.244/57), atribuiu exclusivamente à SUMOC a organização, para fins estatísticos, dos
registros dos capitais estrangeiros investidos no País, com a finalidade de aprimorar a
elaboração e o controle do balanço de pagamentos, a execução do orçamento de câmbio e,
mais à frente com a edição da lei 4.390/64, permitir a cobrança do imposto de renda
suplementar.
O quadro normativo do capital estrangeiro no início da década de 60 apresentava,
então, um campo fértil para a instalação de capitais externos.
68
Beneficiando-se da
66
Narra ainda Leopoldo C. Fontenele a seguinte situação curiosa por conta da Instrução 113: Nem mesmo as
emprêsas nacionais que porventura possuissem recursos em moeda estrangeira o que não seria normal,
porém, perfeitamente possível dispunham de instrumento jurídico por meio do qual pudessem converte-los
em equipamentos e trazê-los ao Brasil. De fato a conclusão pode parecer um tanto estranha os nacionais
que dispusessem de recursos em moeda estrangeira e desejassem trazê-los ao Brasil em forma de máquinas e
equipamentos, deveriam primeiramente constituir uma empresa estrangeira e pleitear a importação através da
primeira parte da Instrução nº 113.” (Aspectos do investimento internacional. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1960. p. 172).
67
GONÇALVES, Reinaldo. A economia política do investimento externo direto no brasil. In: MAGALHÃES,
João Paulo de Almeida; MINEIRO, Adhemar dos Santos; ELIAS, Luiz Antônio. (Org.). Vinte anos de política
econômica. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. p. 242.
68
Resumidamente, apresenta Leopoldo C. Fontenele em relação aos investimentos diretos o seguinte quadro
normativo: a) podiam ser aplicados em projetos de especial interesse para economia nacional (conforme
definição da lei 1.807/53), observado o limite de 10% para remessa de rendimentos pelo câmbio de custo; b)
o capital social da empresa estrangeira constituída no país podia ser integralizado com máquinas e
equipamentos industriais da mais alta essencialidade para a economia do país observada a taxa vigente no
mercado livre de câmbio (lei 2.145/53 e Decreto 42.820/57); e c) demais investimentos realizados por
qualquer meio de transferência bancária observando-se a taxa do mercado livre de câmbio. Já na modalidade de
empréstimos e financiamentos, os recursos estrangeiros deveriam obedecer a destinação a projetos de
indubitável interesse para a economia nacional, registrados na SUMOC (lei 1.807/53) ou a operações de
empresas nacionais para aquisição de conjuntos de equipamentos, peças e sobressalentes, favorecidas pelo
41
recuperação econômica da Europa e do Japão, que passaram a dispor de capitais excedentes
para a realização de investimentos no exterior, o governo à época deslocou a ênfase industrial
do setor de bens de equipamento para o setor de bens de consumo durável.
Ainda, com uma política apoiada nas sugestões oferecidas pela CEPAL, tal como o
planejamento previsto no chamado Plano de Metas, verificou-se no Brasil um salto qualitativo
no processo de desenvolvimento do país.
69
A economia brasileira fortalecia-se com “um
sistema organizado de produção e distribuição dos recursos do país para a satisfação das
necessidades de sua população”.
70
Se por um lado, o tratamento jurídico benéfico do capital estrangeiro concorria para
essa transformação, por outro lado, cresciam os movimentos reivindicatórios por parte do
empresariado brasileiro por uma maior proteção do governo à indústria manufatureira
genuinamente brasileira.
71
câmbio de custo para o pagamento de amortizações e juros (Decreto 42.820). (Aspectos do investimento
internacional. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960. p. 175-176). Ainda, em levantamento realizado em
1959, Aristóteles Moura relata que o volume de capitais das empresas americanas estabelecidas no Brasil era
superior ao das empresas de qualquer outra nacionalidade, consolidando um cenário que vinha se acentuando
desde o início da década de 40. Em relação aos empréstimos contratados à época, 60% provinham do EUA,
sem contar aqueles oriundos do FMI e do BIRD. Observou o autor à época: “De poucos anos para cá, tem-se
observado ponderável surto na instalação e ampliação de empresas americanas e de aumento dos
empréstimos contraídos nos Estados Unidos. No setor das empresas, esse surto, entre outros motivos, é devido
às facilidades concedidas pela Instrução 113, da SUMOC, pelo regime criado para as fábricas de veículos a
motor, e pelas dificuldades cambiais de importação. No setor de empréstimos, a elevação do volume,
resultante dos créditos do Eximbank, decorre, em boa parte, da política externa dos Estados Unidos destinada
a manter o governo brasileiro em sua órbita.” (Capitais estrangeiros no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1959.
p. 8-30).
69
Tratava-se de um plano estratégico global de crescimento industrial elaborado no Governo Juscelino
Kubitschek, ocasião em que foram instaladas no país uma série de indústrias relevantes, além da
automobilística como acima destacado. Referido Plano contemplava três instrumentos básicos que impactavam
diretamente as relações comerciais: a) a nova incidência ad valorem de tarifas aduaneiras (os tributos
alfandegários passaram a ser cobrados mediante a aplicação de um percentual - alíquota ad valorem - sobre o
preço da mercadoria importada, substituindo a tributação por pautas - alíquota específica); b) as isenções
tarifárias concedidas para grande parte das máquinas e equipamentos importados pela indústria; e c) a
utilização de taxas múltiplas de câmbio (o preço da divisa para cada categoria de bem importado variava de
acordo com a sua essencialidade).
70
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil.São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 298.
71
Neste sentido observa José Luiz Conrado Vieira: Esse quadro geral, que por si demandava novos
marcos regulatórios mais adequados à realidade econômica do País, levaria, no final da década de 1950 e
início da de 1960, ao surgimento de uma série de movimentos tendentes à definição de uma nova política para
os capitais estrangeiros, com uma forte pressão de parcela expressiva do empresariado nacional no sentido da
modificação do tratamento mais liberal que julgavam vir sendo conferido a esses capitais, com benefícios não
acessíveis a empresários nacionais. Essa pressão ecoava no Congresso Nacional gerando manifestações que
variavam num amplo espectro, desde a defesa emocional de um nacionalismo econômico exacerbado, até
propostas mais isentas e elaboradas, voltadas para uma legislação focada num tratamento mais eqüitativo e
equilibrado do tema.(Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do Mercado de
Capitais, São Paulo, n. 30, p. 178, out./dez. 2005.).
42
Tal como na época do Império e início republicano, a proteção à indústria nacional
ainda podia advir da política aduaneira, pois as relações comerciais no plano internacional
estabelecidas pelo GATT, ao menos para os países em desenvolvimento, incluindo-se o
Brasil, tinham um alcance menor de direitos e obrigações.
72
Entretanto, com o multilateralismo comercial em vias de expansão, novas formas de
proteção ao empresariado brasileiro teriam que ser pensadas dentro do plano de
desenvolvimento nacional, como verificaremos no capítulo seguinte.
2.3 O Surgimento do Estatuto do Capital Estrangeiro
O tratamento jurídico do capital estrangeiro intensificou-se na década de 60,
juntamente com as reformas do sistema financeiro nacional (lei 4.595/64) e do mercado de
capitais (lei 4.728/65), embora as primeiras linhas tivessem sido traçadas anteriormente.
A lei 4.131/62, também conhecida como “Estatuto do Capital Estrangeiro”, incorporou as
diretrizes do assunto, investindo a Superintendência da Moeda e do Crédito (“SUMOC
”)
atualmente o BACEN –, da competência para o registro, controle e fiscalização dos capitais
estrangeiros.
Com uma abrangência inédita até então no ordenamento jurídico brasileiro, a lei
4.131, de 08 de setembro de 1962, editada em meio a uma turbulência política, social e
econômica, tratou de encampar o rol de operações da época com capitais estrangeiros,
servindo então de fonte estrutural para as regulamentações futuras da matéria de acordo com a
política econômica governamental, inclusive nos dias atuais.
73
72
Confira-se: Durante cerca de três décadas, o GATT foi considerado um clube para defender os interesses dos
países desenvolvidos, uma vez que os países em desenvolvimento preferiam nele participar com um nível
menor de direitos e obrigações. A partir da década de 80, os países em desenvolvimento passaram a adotar
uma estratégia de abertura econômica e de liberalização de seu comércio, o que os levou a participar
ativamente nas negociações da Rodada Uruguai e na criação da OMC. (THORSTENSEN, Vera. OMC
Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações
multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 255).
73
Alguns autores costumam segregar o tratamento legal do capital estrangeiro a partir do término da II Guerra
Mundial em fases, sendo a primeira caracterizada pelo controle quantitativo (1946-1953), a segunda pela
liberdade de movimentação (1953-1961) e, a partir de 1962, uma legislação marcada pela “discriminação
xenófoba”. A expressão é utilizada por Robert Appy que observa: Na primeira fase (Decreto-Lei n. 9025, de
27 de fevereiro de 1946), as remessas de lucros, juros e dividendos não deviam ultrapassar, anualmente, 8%
dos capitais registrados; o retorno anual do capital não podia, por sua vez, exceder 20% dos valores
registrados na Carteira de Câmbio. Em janeiro de 1953, com a promulgação da Lei n. 1.807, assegurou-se, ao
capital estrangeiro e aos seus rendimentos, possibilidades de movimentação irrestrita no mercado livre de
câmbio. Esse regime foi ampliado pela Instrução n. 113, da SUMOC (posteriormente incorporada ao Decreto
n. 42.820, de 16 de dezembro de 1957). O referido período caracterizou-se por grandes entradas de capitais
estrangeiros, que deram origem à arrancada econômica do Governo Juscelino Kubitschek. Mas, em dezembro
43
Diante do desafio de manter o capital investido no Brasil pelo período mais longo
possível e responder às inquietações decorrentes da crise política à época, a lei 4.131/62
alterou a regulação do regime de investimentos contrariando a política liberal até então
vigente.
Definiu a lei 4.131/62, então, o investimento estrangeiro como sendo aquele
decorrente de: (i) ingresso de divisas no país para aplicação em atividades econômicas,
inclusive empréstimos destinados ao fomento da atividade econômica, ou (ii) ingresso de
bens, máquinas e equipamentos, sem dispêndio inicial de divisas, destinados exclusivamente à
produção de bens ou serviços; sendo que sua titularidade será sempre de um investidor,
pessoa física ou jurídica, residente, domiciliada ou com sede no exterior.
74
Como pode ser notado, priorizou-se a presença de três elementos básicos no conceito
legal: a) o ingresso do capital estrangeiro, correspondente a sua introdução no país; b) a
finalidade, que é restrita a aplicação em atividades econômicas; e c) a procedência (do
exterior), sem qualquer menção à nacionalidade do investidor.
75
Na observação de José Luiz Conrado Vieira, a lei ao estabelecer o requisito da
procedência (o exterior), claramente pretendeu, com base nas teorias econômicas do
desenvolvimento, discutidas à época, que o investidor estrangeiro efetivamente agregasse ao
país riqueza (poupança) externa, seja pelo envio de bens corpóreos ou incorpóreos (incluídos
os aportes tecnológicos) destinados diretamente à produção, seja pelo acréscimo da poupança
total disponível, com o ingresso de recursos monetários e financeiros, potencializando um
incremento quantitativo e qualitativo da atividade econômica no país.
76
de1961, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto nitidamente xenófobo do Sr. Celso Brandt, que foi
recusado pelo Senado, constituindo-se a Comissão Mem de Sá, senador relator do projeto que deu origem à
Lei n. 4.131, cujos defeitos foram sanados pelo Lei n. 4.390.(Capital estrangeiro & Brasil: um dossier. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1987. p. 107).
74
É o texto: “Art. 1.º Consideram-se capitais estrangeiros, para os efeitos desta Lei, os bens, máquinas e
equipamentos entrados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços,
bem como os recursos financeiros ou monetários introduzidos no país, para aplicação em atividades
econômicas desde que, em ambas as hipóteses, pertençam a pessoas físicas ou jurídicas residentes,
domiciliadas ou com sede no exterior.
75
Segundo José Eduardo Monteiro de Barros, o conceito legal de investimento internacional, tomando-se por
base os requisitos acima, é estático. Assim, para que tal conceito se torne dinâmico, produzindo efeitos
(especialmente para fins da garantia da repatriação e da remessa de lucros e dividendos), deve ser considerado
um quarto elemento: o registro (Regime do capital estrangeiro. In: GAMA, José F. de Carvalho. Curso de
Direito Empresarial. São Paulo: Educ, 1976. p. 173).
76
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 183-184, out./dez. 2005.
44
É bem verdade que a lei não tratou especificamente do significado da expressão
“atividade econômica”, ficando a incumbência para o CMN e o Bacen que logo orientaram-se
pelos parâmetros do conceito de atividades “produtivas” de bens e serviços, sem as quais as
pessoas jurídicas não estavam autorizadas a receber recursos do exterior provenientes de não-
residentes nos termos do art. 3º da lei.
77
Por outro lado, a questão da nacionalidade do titular do capital estrangeiro não foi
elencada como elemento básico da aplicabilidade do novo regramento. Ao prever que o
capital estrangeiro objeto da lei corresponde aos bens ingressados no país pertencentes a
“pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior” (os chamados
não-residentes), admitiu-se inclusive a possibilidade de brasileiros ou empresas pertencentes a
brasileiros submeterem-se ao regime da nova lei.
Evidentemente que, a questão da nacionalidade continuava sendo um fator relevante
no ordenamento jurídico brasileiro e nas políticas públicas econômicas. Isto porque, em
diversos dispositivos constitucionais vigentes e em outras normas infraconstitucionais, o
critério da nacionalidade desempenhava papel decisivo na acessibilidade a certos segmentos
da atividade econômica como mencionados acima.
Um aspecto na nova lei que recebeu muita crítica à época, a nosso ver muito mais
ideológica do que tecnicamente consistente, foi o ressurgimento dos limites quantitativos ao
repatriamento de capital (20% ao ano do capital estrangeiro registrado) e à remessa de lucros
e dividendos (10% do capital estrangeiro registrado), a exemplo do Decreto-Lei nº 9.025/46.
Os oposicionistas argumentavam contrariamente à estipulação de limites quantitativos
e proibições ao reinvestimento, sob a justificativa de que essa medida coibiria o ingresso de
técnicas mais produtivas, propiciaria a fraude cambial e representaria um desestímulo à
alocação de capitais novos ao País.
77
Ressalta José Luiz Conrado Vieira que prevalecia a ótica de aplicação dos recursos em ‘regime de empresa’,
raciocínio extensivo às pessoas físicas, somente admitidas quando, por exemplo, tomando empréstimos para
capitalizar suas empresas, ou nos casos de profissionais liberais ao financiarem a importação de bens
empregados no exercício de sua profissão, e assim por diante. Essa ótica dificultou o reconhecimento de
investimentos a mesmo em empresas holdings típicas, abertas ou fechadas, que não desempenhavam,
diretamente, atividade de produção de bens. Mais, ainda, nas chamadas sociedades de participação ou
equivalentes voltadas para aplicações no mercado de capitais, vez que os investimentos em Bolsa de Valores,
por parte de não-residentes, eram, então, considerados inaceitáveis, visto como eminentemente especulativos,
em oposição aos produtivos. (Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 183, out./dez.2005.).
45
A enorme pressão exercida à época por grandes grupos de investidores e governos
estrangeiros logo resultou na eliminação de tais restrições quantitativas com a edição da lei
4.390, de 17 de fevereiro de 1965, que modificou o tratamento do retorno do capital e da
remessa dos rendimentos oriundos dele, assegurando o direito ilimitado de repatriamento e de
remessa dos frutos do capital aqui investido, sistema que vigora até hoje.
78
Entretanto, a restrição quantitativa de remessa foi substituída pelo “imposto
suplementar”, que passou a ser o principal instrumento de política de controle do capital
externo. Este tributo tinha caráter extrafiscal, importando na criação de um ônus crescente às
remessas de rendimentos superiores a 12% do capital registrado no triênio anterior.
Em outras palavras, esse imposto era o principal instrumento do governo na tentativa
de desacelerar a distribuição de dividendos a investidores estrangeiros. De outro lado, a
medida buscava a retenção dos lucros dos investimentos realizados pelo maior período de
tempo possível em solo brasileiro. Assim, incentivava-se o reinvestimento dos lucros, com o
objetivo de promover o desenvolvimento econômico nacional e, ainda, garantir um montante
permanente de reservas de moeda estrangeira.
Cabe observar que referidas alterações surgem no momento seguinte à reformulação
do mercado de câmbio e do sistema financeiro como um todo, a partir da edição da lei
4.595, de 31 de dezembro de 1964, a qual conferiu ao CMN poderes para fixar as diretrizes e
normas da política cambial e ao recém criado BACEN – em substituição à SUMOC – poderes
para efetuar o controle dos capitais estrangeiros, nos termos da lei, e atuar no sentido do
funcionamento regular do mercado cambial, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do
equilíbrio do balanço de pagamentos, podendo para tanto comprar e vender moeda estrangeira
e realizar operações de crédito no exterior.
Outrossim, interessa-nos ainda no presente estudo a abordagem do princípio da
igualdade de tratamento entre investidores estrangeiros e nacionais previsto no art. 2.º da lei
4.131/62. Referida norma dispõe que ao capital estrangeiro que se investir no País, será
dispensado tratamento jurídico idêntico ao concedido ao capital nacional em igualdade de
78
Entretanto, manteve-se com o novo regramento a chamada “cláusula de salvaguarda” prevista também em
normativos anteriores, com vistas à manutenção do equilíbrio do balanço de pagamentos e a proteção das
reservas internacionais, confira-se o texto da lei 4.131/62: Art. 28. Sempre que ocorrer grave desequilíbrio
no balanço de pagamentos, ou houver sérias razões para prever a iminência de tal situação, poderá o
Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito impor restrições, por prazo limitado, à importação e às
remessas de rendimentos dos capitais estrangeiros e, para este fim, outorgar ao Banco do Brasil monopólio
total ou parcial das operações de câmbio”.
46
condições
, sendo vedadas quaisquer discriminações não previstas na presente Lei (grifo
nosso).
Sobre esse aspecto, que se desdobra inclusive no âmbito constitucional, ficamos aqui
com a interpretação sintetizada de José Luiz Conrado Vieira, para quem
[...] essa igualdade somente é exigível quando o capital nacional estiver em
igualdade de condições com o capital estrangeiro. A expressão igualdade de
condições está, aí, qualificando o capital nacional, donde se esperar que havendo
flagrante desigualdade, por exemplo, de poder econômico, de acesso a mercados,
etc., entre nacionais e estrangeiros, possa ser igualmente restabelecida pela via de
alguma “desigualdade” de tratamento.
79
Aspecto ainda relevante diz respeito ao registro dos capitais estrangeiros, obrigatório
na visão dos órgãos reguladores, a despeito da inexistência na lei de determinação neste
sentido. Tal registro compreende: (i) capitais estrangeiros que ingressarem no país sob a
forma de investimento direto ou de empréstimo, quer em moeda, quer em bens; (ii) as
remessas feitas para o exterior como retorno dos capitais ou como rendimento desses capitais
(amortizações, lucros, dividendos e juros), bem como a de royalties, de pagamento de
assistência técnica, ou por qualquer outro título que implique em transferência de rendimentos
para fora do país; (iii) o reinvestimento de lucros dos capitais estrangeiros; e (iv) as alterações
do valor monetário do capital da empresa, procedidas de acordo com a legislação em vigor.
80
Sob o ponto de vista da política monetária nacional, o registro de capitais estrangeiros
possibilita: a) o controle cambial, na medida em que propicia à autoridade monetária um
maior conhecimento sobre o fluxo de entrada e saída de recursos do país; e b) o conhecimento
da dinâmica dos investimentos estrangeiros no país, bem como o funcionamento das empresas
receptoras, por meio de estatísticas, como os Censos de Capitais Estrangeiros,
81
realizados
pelo BACEN como mecanismo de avaliação dos impactos dos investimentos no país, bem
79
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 185, out./dez. 2005.
80
Atualmente, o registro de IED é efetuado eletronicamente por meio de declaração da empresa receptora do
investimento e do investidor não-residente, por intermédio de seu representante no país, através do Sistema de
Informações Banco Central (Sisbacen). Adicionalmente, é necessário o registro de todos os eventos societários
que alterem os termos da participação societária do investidor não-residente.
81
De acordo com a lei 4.131/62, o Censo de Capitais Estrangeiros reúne um conjunto de informações para a
condução das políticas públicas globais e setoriais envolvendo o tema. Em tal levantamento computam-se os
ingressos e saídas efetivas de capitais em moeda estrangeira e bens, as conversões de empréstimos e outros
créditos em investimentos, e os reinvestimentos. Assim, o integram o Censo as remessas ao exterior a título
de ganho de capital sobre investimentos diretos, as remessas de lucros e dividendos, os chamados empréstimos
“intercompanhia” ou intragrupo”, além dos investimentos de não-residentes no mercado financeiro e de
capitais.
47
como adaptação ou criação das políticas monetárias, legislações e regulamentos aplicáveis de
modo a fomentar ou reduzir tais impactos.
82
2.4 As Décadas de 70 e 80
A década de 70 é inaugurada sob a manutenção da política de incentivos ao capital
estrangeiro. O governo militar acabava de lançar o I PND (Plano Nacional de
Desenvolvimento), através da lei nº 5.727/71.
Apoiado na Constituição Federal de 1967, o governo militar, a pretexto de preservar a
segurança nacional, podia invocar a intervenção no domínio econômico ou monopólio de
determinada indústria ou atividade, bem como determinar a contribuição destinada ao custeio
dessa intervenção.
83
Buscava-se então com o I PND, promover o desenvolvimento econômico nacional
incentivando-se ainda mais o aumento das exportações de produtos industrializados e
diminuindo a dependência em relação aos bens de consumo estrangeiros. Para o sucesso desse
plano econômico, adotou-se como necessária a concentração da produção em grandes
unidades, principalmente nos setores industriais de dinamismo tecnológico e que
necessitavam de economias de escala, através de parcerias entre o capital privado nacional, as
empresas estatais e as multinacionais.
84
82
FERREIRA, Ana Letícia do Amaral Ramos. Direito internacional dos investimentos. 2003. 193f. Dissertação
(Mestrado em Direito das Relações Sociais) − Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2003. p. 105. Ainda: Como se pode perceber, a legislação infraconstitucional brasileira
aplicada aos investimentos internacionais preocupa-se basicamente com os aspectos do registro dos capitais
adentrados no País, não dispondo sobre outras questões que atualmente são de grande importância para os
investidores, como o direito de acesso do capital, expropriação e correspondente compensação e solução de
controvérsias. (SCHLEE, Paula Christine. Investimento internacional e desenvolvimento. In: BARRAL,
Welber. (Org.). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento.
São Paulo: Singular, 2005. p. 281).
83
Embora a Constituição de 1967 trouxesse no Título III Da Ordem Econômica e Social, o princípio norteador
de que a finalidade da ordem econômica é a justiça social, o Estado apresentava um forte controle da atividade
econômica, chegando inclusive a reprimir o direito fundamental de greve. A esse respeito, ressalta Fernando
Herren Aguillar: O regime militar dispunha de fortes prerrogativas de intervenção estatal, mas agia movido
por um claro espírito de colaboração com o empresariado privado. Uma ditadura de forte vocação para o
desenvolvimento econômico e tecnológico, estimulando a consolidação de poderosos grupos privados, que
floresceram à sombra protetora dos militares. (...) No regime pós 1964, o Estado intervencionista liderava a
ação econômica, rasgando estradas imensas como a Transamazônica, construindo pontes como a Rio-Niterói,
usinas hidrelétricas como a de Itaipu, e centrais nucleares como a de Angra dos Reis. Com isso, estimulava a
formação de empreiteiras de grande porte, capitalizava os prestadores de serviço e os fornecedores de
matéria-prima.(Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006. p.
150-151).
84
Alguns economistas já identificavam uma mudança no modelo de desenvolvimento nacional em face do
esgotamento do modelo substitutivo de importações. Tratava-se de um novo modelo de desenvolvimento
48
O Brasil, juntamente com Argentina e México, lançou-se então em um modelo de
desenvolvimento fundado em capital estrangeiro, através de empréstimos efetuados por
bancos privados, especialmente norte-americanos, baseados em taxas de juros flutuantes e
garantidos pelo Tesouro brasileiro. Referidos empréstimos foram destinados ao setor de infra-
estrutura para desenvolvimento da indústria e produção de bens e serviços para o atendimento
do mercado interno e aumento das exportações.
Este período ficou conhecido como “milagre econômico” brasileiro, caracterizado pelo
intenso crescimento em prazo curto e, de outro lado, pelo aumento das diferenças sociais no
país. O período é marcado ainda pela entrada de capital estrangeiro atraído pelas condições
favoráveis em nível mundial e local,
85
bem como pela participação ativa do Estado no
processo incentivador do crescimento econômico, assemelhando-se ao modelo econômico de
comando central.
86
A década de 70 é marcada ainda pela queda do sistema de Bretton Woods, por não ter
conseguido evitar a crise financeira nos países centrais, os quais passaram a amargar altas
taxas de inflação, culminando na quadruplicação do preço do barril do petróleo.
A dependência financeira do Brasil, naquele momento, ao capital externo,
principalmente via empréstimos, era expressiva e acabou sendo agravada pelo aumento das
taxas de juros de natureza flutuante. Verificou-se então uma redução acentuada no fluxo de
IED, provocada inclusive pelo aumento na repatriação de capital estrangeiro e remessa de
lucros.
Diante desse quadro, a manutenção do crescimento econômico alcançado e a proteção
contra a eminente crise financeira dependiam basicamente da política do governo, afinal no
capitalista baseado, essencialmente, na abertura externa do país, na busca de novos mercados e na integração
regional. Neste sentido, ver: TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo
financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. passim.
85
Na verdade, verificou-se à época uma mudança na forma do fluxo do capital estrangeiro na economia
brasileira, vejamos: O desenvolvimento de condições favoráveis tanto a nível interno quanto externo não
impediu, contudo, que houvesse uma mudança profunda na forma de penetração do capital estrangeiro na
economia brasileira. Desde o início da década de 70 verifica-se um declínio da importância relativa dos
investimentos diretos nos fluxos de capital destinados à economia brasileira. Embora tais investimentos
tenham continuado a crescer em termos absolutos, os empréstimos e financiamentos passaram a ser
dominantes nos fluxos privados de capital, aparecendo como principal fonte externa de recursos.(ROCHA,
Fabiana Fontes. A reorientação dos fluxos internacionais de capital e o investimento direto no Brasil. 1989.
192 f. Dissertação (Mestrado em Economia) Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1989. p. 28).
86
Em contraposição à economia de mercado, a ordem econômica capitalista de comando central que à época
permeava o nosso regime econômico, é caracterizada pelos seguintes traços dominantes: Estado interventor;
relativização da liberdade de iniciativa e da propriedade privada; e o Estado como centro de coordenação da
economia em nome do bem-estar social.
49
modelo de economia de comando central da época, o Estado era o principal ator que
impulsionava a regime econômico.
87
Naquele momento, para a continuidade do projeto expansionista, o Estado necessitava
de formas de financiamento. Assim, o Brasil acabou renegociando parte da sua dívida com os
bancos credores e obtendo do FMI outra parte para pagamento dos compromissos assumidos.
No final de 1974, o governo lançou o II PND, o qual adotava explicitamente uma
política seletiva de atração do capital estrangeiro, buscando o fortalecimento da empresa
privada nacional, bem como um equilíbrio entre empresas privadas (nacionais e estrangeiras)
e estatais. O II PND fez o Brasil retomar o crescimento, porém à custa de maior
endividamento e inflação, numa atitude política de manutenção do regime militar já em
declínio.
A década de 1980 surge em um contexto de profunda crise do Estado e da economia.
Teve-se início então a chamada “década perdida”, para os quais concorreram vários fatores
internos e externos. De um lado, a elevação dos juros no mercado internacional, fazendo com
que os empréstimos tomados pelo Brasil nos anos de baixas taxas de juros, passassem a ser
amortizados com elevadas taxas de juros, agravando-se então o endividamento externo
nacional.
88
De outro lado, a presença de um quadro de instabilidade macroeconômica e de um
ambiente regulatório adverso à entrada de capitais privados levaram os investimentos à
estagnação, como observou à época Paulo Cezar Aragão:
87
Nesse modelo econômico, o Estado intervia, por exemplo, na política de preços através de diversos órgãos,
dentre eles, o mais conhecido foi o Conselho Interministerial de Preços (CIP). Tal intervencionismo,
aniquilador do princípio de livre concorrência, baseava-se na premissa de que o governo seria capaz de conter a
evolução dos preços exercendo um controle da relação entre os custos de produção e os preços praticados.
88
Novamente, a rolagem da dívida externa acabou sendo crucial naquele momento, confira-se: Na década de
1980, sobretudo após 1982, a chamada crise da dívida externa dos países em desenvolvimento e o processo de
renegociação da dívida brasileira produziriam um forte impacto nas áreas de mbio e capitais estrangeiros,
verificando-se, de um lado, a redução dos fluxos em praticamente todas as modalidades e, de outro lado, uma
forte atuação normativa do CMN e do Bacen, exponenciada, em alguns momentos, em função da estrutura
peculiar dessa renegociação, que deu origem a uma miríade de cessões de créditos, assunções de dívidas,
novações subjetivas etc., em operações de empréstimos e financiamento externo, além de créditos novos (de
perfil compensatório’) ao governo e a diversas modalidades de depósitos denominados em moeda
estrangeira, junto ao Bacen, respaldados no Deposit Facility Agreement (DFA) e, depois, no Multi-Year
Deposit Facilit Agreement (MYDFA), assim como no Credit and Guaranty Agreement (CGA), dentre outros
firmados pelo governo federal com a comunidade financeira internacional por força dessa renegociação.
(VIEIRA, Jo Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 187, out./dez. 2005.).
50
São muitos os exemplos que poderiam ser aqui enumerados até a exaustão, acerca da
indefinição e dos equívocos na aplicação da disciplina regulamentar do capital
estrangeiro. O que deve preocupar-nos, no entanto, são as gravíssimas
conseqüências desses erros e dessa postura adversária que permeia certa parcela da
administração federal, estadual e municipal, através da criação de um cipoal de
restrições ao investimento estrangeiro, explícitas ou não, que a mara Americana
de São Paulo compendiou alguns anos, formando um grosso volume de textos
esparsos e delimitações em muitos casos absurdas. [...]
Lembro também as inúmeras, vagas e conflitantes definições de empresa de capital
estrangeiro, que os vários órgãos da administração aplicam a cada dia, gerando uma
indefinição que a nova Constituição Federal [de 1988], ao que parece, irá piorar.
[...]
Mais do que isto, é indispensável que também despertemos para o fato de que hoje
[o texto é de 1988] o Brasil passou a competir, na atração de investimentos
estrangeiros com países do Extremo-Oriente, onde o volume de novos
investimentos
estrangeiros vem crescendo a um ritmo impressionante, ao mesmo tempo em que no
Brasil chegamos, em 1986, pela primeira vez em muitos anos, a um valor líquido
negativo de investimentos ou, em outras palavras, atingimos a lamentável situação
em que os desinvestimentos ultrapassaram o montante de novos investimentos em
mais de US$ 200 milhões.
89
Ainda, na busca do desenvolvimento econômico nacional, paralelamente aos projetos
de promoção de exportações, o principal instrumento de contenção das importações na década
de 80 foram as medidas não-tarifárias, dentre as quais se destacava a lei do similar nacional,
baseadas no modelo cepalino, segundo a qual os produtos fabricados localmente eram
registrados no Conselho de Política Aduaneira e, portanto, estavam habilitados à proteção
contra importações através de tarifas mais elevadas.
Além disso, foram lançados programas especiais de importação e licenças de
importação. Embora com algumas distorções decorrentes da concessão de incentivos que
acabavam privilegiando alguns setores, verificou-se um avanço na qualidade das exportações
brasileiras no período.
90
Outro mecanismo, largamente utilizado à época, para favorecer o desenvolvimento da
empresa de capital nacional, relacionava-se com o processo de aquisições de bens e serviços
89
ARAGÃO, Paulo Cezar. Problemática legal do capital estrangeiro. Direito Mercantil Industrial, Econômico e
Financeiro, São Paulo, n. 71, p. 65 e 68, jul./set.1988.
90
Entretanto, no aspecto tecnológico da industrialização brasileira, pode-se dizer que a crise da década de 80
impediu o avanço necessário da base técnico-produtiva, como observou recentemente o economista e
presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Márcio Pochmann: frente ao movimento mais geral
de concentração e centralização do capital no interior dos grandes grupos econômico-financeiros do mundo,
com ampliação dos investimentos em tecnologia e ampliação do comércio intrafirmas, o Brasil ingressou
por mais de duas décadas − numa grave crise no seu sistema produtivo que terminou por transformar
profundamente a forma anterior de inserção na economia mundial. Sob o baixo dinamismo da produção e a
semi-estagnação da renda per capita que se seguiram à crise da dívida externa (1981 a 1983), importantes
modificações foram sendo introduzidas no interior do sistema produtivo, capazes de torná-lo ainda mais
dependente de fontes externas de tecnologia. (Desenvolvimento, crise e recuperação da indústria. Valor
Econômico, São Paulo, p. A15, 12 de junho de 2008.).
51
pelo Estado. Também aqui, o Estado não se valeu de uma norma geral específica,
permanecendo amparado por decretos e atos normativos inferiores, assim como pela prática
administrativa reiterada. Sobre esse mecanismo de favorecimento, observa Denis Borges
Barbosa:
91
Através de tal instrumento, e do controle de importação de equipamentos e
componentes, implementou-se, por exemplo, a Política Nacional de Informática a
partir dos anos 70; em período muito anterior, a política de desenvolvimento do
setor de consultoria de engenharia também se centrou na exclusividade do mercado
público. Um órgão de planejamento e articulação central das compras estatais da
União chegou a operar, com vistas a utilizar o mecanismo para desenvolver a
indústria nacional.
Igualmente significativa foi a política direcionada à verificação de índices de
nacionalização de produtos, como revela o mesmo autor:
[...] a prática de apuração de similaridade de bens importados com nacionais para
efeitos de concessão de benefícios fiscais, cambiais ou creditícios de qualquer
natureza, regra geral do sistema administrado pela CACEX durante todo o período;
a concessão de créditos públicos (através, por exemplo, do FINAME) a bens com
determinado conteúdo nacional; o estabelecimento de uma margem de proteção em
favor da indústria nacional em concorrências internacionais; a criação de
mecanismos que perfaçam a equiparação à exportação incentivada para bens de
produção nacional em caso de concorrências públicas; a vinculação de incentivos
fiscais a um conteúdo mínimo nacional dos produtos industriais.
92
Ainda, em um número considerável de setores da economia brasileira, mantinham-se
restrições à entrada do capital estrangeiro, com base em regras constitucionais e
infraconstitucionais. Especialmente em relação aos meios de comunicação, o contexto
histórico marcado pelo golpe militar de 1964, impunha uma intervenção direta do Estado
nesse setor, restringindo aos brasileiros a exploração dessa atividade, além é claro da
imposição da censura sob o risco permanente de perda da concessão.
93
91
BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao desenvolvimento industrial. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 30-31.
92
Ibid., p. 31.
93
É o texto (Constituição da República Federativa do Brasil de 24/01/1967):
Art. 166 - São vedadas a propriedade e a administração de empresas jornalísticas, de qualquer espécie,
inclusive de televisão e de radio difusão:
I - a estrangeiros;
II - a sociedade por ações ao portador;
III - a sociedades que tenham, como acionistas ou sócios, estrangeiros ou pessoas jurídicas, exceto os Partidos
Políticos.
§ - Somente a brasileiros natos caberá a responsabilidade, a orientação intelectual e administrativa das
empresas referidas neste artigo.
§ - Sem prejuízo da liberdade de pensamento e de informação, a lei podeestabelecer outras condições
para a organização e o funcionamento das empresas jornalísticas ou de televisão e de radiodifusão, no
interesse do regime democrático e do combate à subversão e à corrupção.
52
A partir de meados da década de 80, o Brasil conheceu inúmeros planos de
estabilização, todos de curta duração e incapazes de evitar a aceleração inflacionária.
94
Apesar
de nenhum deles ter obtido sucesso no contorno da crise, especialmente a inflacionária, no
final da década de 80, o fluxo de IDE começou gradualmente a crescer, como veremos a
seguir.
94
Plano Cruzado (fevereiro de 1986) - congelamento de preços, tarifas e câmbio e pela troca de moeda; Plano
Cruzado II - reindexação da economia, reajuste de preços públicos e criação de um gatilho salarial; Plano
Bresser (junho de 1987) - Combinação da redução do déficit fiscal e restrição creditícia com altas taxas de
juros, com elementos de desindexação de preços e congelamentos temporários; Plano Verão (janeiro de 1989) -
congelamento de salários e tarifas e reforma monetária.
53
3 O CAPITAL ESTRANGEIRO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A
LIBERALIZAÇÃO DO REGIME DE INVESTIMENTOS
3.1 A Constituição Federal de 1988 e o Tema do Capital Estrangeiro
Os anos 80 ficaram marcados para o Brasil e para os demais países da América Latina
pela crise do endividamento externo e pelo esgotamento do modelo desenvolvimentista,
apoiado na forte presença estatal na economia. No plano político brasileiro, os desafios em
torno da redemocratização nacional, após o período marcado pelo autoritarismo, impunham
um quadro de expectativas sob tensões e debates de ordem política e jurídica, evidenciando
aspectos intervencionistas e liberais que qualificariam o texto Constitucional.
Os adeptos do pensamento intervencionista, tantas vezes revisitado na história política
e econômica brasileira, como vimos acima, apoiavam-se no fato de que o país não teria
condições estruturais, como educação e infra-estrutura, capazes de direcionar o capital externo
para o aumento de produtividade e de renda, fazendo cessar a nossa dependência econômica.
Conseqüentemente, sem essa capacidade desvencilhadora, o país certamente perderia a
sua soberania, pois
[...] os países centrais vinculariam a entrada de novos capitais a questões e
utilizações do seu próprio interesse e não da nação ao qual o capital está sendo
investido. Com a perda dos objetivos nacionais na aplicação de novos capitais
limitaria a liberdade nacional para o planejamento econômico e social do país.
95
De outro lado, as propostas formuladas com base em princípios ideológicos liberais,
pregavam uma nova Ordem Econômica e Social asseguradora tão-somente da liberdade de
mercado e da propriedade privada, vejamos:
Podemos considerar que a internacionalização da economia é devida, em grande
parte, aos próprios países que acolhem o capital estrangeiro. Com efeito, na maior
parte dos casos, a presença do capital estrangeiro em um determinado país é
conseqüência de sua política protecionista. Uma empresa estrangeira preferiria,
certamente, continuar a produzir em seu país de origem, aproveitando as economias
de escala e exportando os seus produtos. Mas a existência de barreiras aduaneiras
inviabiliza essas exportações.
O protecionismo brasileiro é um fato bem conhecido (e, em certa medida,
justificável em função do interesse nacional) e isso explica, em grande parte, o
afluxo do capital estrangeiro em direção ao nosso País.
95
SILVA, Christian Luiz da. Investimento estrangeiro direto: da dependência à globalização. Rio de Janeiro:
Fundo de Cultura, 2005. p. 34-35.
54
Uma grande empresa estrangeira que enfrenta uma certa saturação de mercado em
seu país de origem tem, sem dúvida, interesse em encontrar novos mercados e,
conseqüentemente, procurará um complemento para o mercado nacional no exterior.
É evidente que essa empresa escolherá o país que ofereça um mercado potencial
maior. [...] Por outro lado, sua diversificação geográfica viabiliza uma diminuição de
riscos (dificilmente todos os países estarão em crise ao mesmo tempo). Todavia, não
se trata do único fator a ser levado em conta. Mão-de-obra abundante e apta a
desempenhar as tarefas exigidas constitui um fator importante na decisão do
investimento estrangeiro.
96
Assim, o resultado da Assembléia Nacional Constituinte revelou esta correlação de
forças da época, verificando-se no texto final algum triunfo no campo da definição de direitos
e regras essenciais para a economia de mercado, bem como aspectos intervencionistas, como
foi o caso da constitucionalização do tratamento diferenciado do capital estrangeiro.
Basicamente, a CF/88 trouxe um novo sistema em relação ao investimento privado,
inclusive ao capital estrangeiro. Diferentemente do modelo das décadas anteriores, a nova
Ordem Econômica teve, como regra, a determinação de que o Estado não exercerá
diretamente atividade econômica, a não ser quando necessária aos imperativos da segurança
nacional ou a relevante interesse coletivo, em ambos os casos conforme definido em lei.
97
Ainda, o art. 174 do texto constitucional dispôs que o Estado, como agente
normativo e regulador da atividade econômica, exercerá funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, as quais, para o setor privado, terão efeito meramente indicativo. Como
princípio geral, assegurou-se ao investimento privado a liberdade de escolha, prevista
inclusive no art. 170, reservando ao Estado o poder de fiscalizar e de incentivar como agente
normativo e regulador da atividade econômica.
98
A par de uma interpretação liberal do regime de investimentos privados que possa ser
feita em relação a tais dispositivos, fato é que em relação ao investimento estrangeiro
prevaleceu, de forma inédita, a constitucionalização do tratamento diferenciado entre empresa
de capital nacional e estrangeiro e, ainda, a submissão expressa do
regime de investimentos ao
domínio do Estado, haja vista tratar-se de interesse nacional
, vejamos:
96
APPY, Robert. Capital estrangeiro & Brasil: um dossiê. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987. p. 54/55.
97
É o texto (CF/88):
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.
98
É o texto (CF/88):
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo
para o setor privado.
55
Art. 171. São consideradas:
I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País;
II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em
caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas
domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno,
entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu
capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir
suas atividades.
§ 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:
I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades
consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao
desenvolvimento do País;
II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento
tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:
a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às
atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito,
do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;
b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e
residentes no País ou entidades de direito público interno.
§ Na aquisição de bens e serviços, o poder público dará tratamento preferencial,
nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional.
Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de
capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de
lucros (grifo nosso).
Estes dispositivos demonstram claramente uma limitação no trato do investimento
estrangeiro que, somado às próprias limitações setoriais também reiteradas na Carta
(“restrições ao direito de acesso”), refletiram as características intrínsecas do
intervencionismo das décadas anteriores. Ainda nesse contexto, outra regra constitucional
também de extrema relevância é a que se no art. 219 da CF/88, como observou Celso
Antônio Bandeira de Mello
99
:
Ora, a Constituição de 1988, tal como editada, parecia ideologicamente articulada
em torno de dois pilares. Um deles assinalava de modo exuberante um vetor social,
reservando ao Estado importante papel neste campo. O outro acentuava uma
perspectiva enfatizadora da soberania nacional e do apoio do Estado ao
empresariado genuinamente brasileiro. Não sem razão, o artigo 219, que sobrevive
até hoje, dispôs que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será
incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e cio-econômico, o
bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei
federal”.
Dada a relevância o tema, infere-se dos textos doutrinários e políticos da época que
talvez tais dispositivos tenham sido um dos mais polêmicos no âmbito da Assembléia
99
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Os 20 anos sofridos da Constituição de 1988. Revista do Advogado, São
Paulo, n. 99, p. 38, 2008.
56
Nacional Constituinte, passando por sucessivas redações nos vários projetos e nas diversas
comissões. Não por outro motivo, passados 20 anos da promulgação da Carta, o tema
desperta-nos um grande interesse, sobretudo a partir de sua releitura no atual contexto
econômico-social nacional e internacional.
À época, diversas opiniões se alternavam entre aqueles que consideravam a idéia
xenófoba e aqueles que identificam uma importante ferramenta em defesa do empresariado
brasileiro.
Na comunidade jurídica, alguns princípios constitucionais governavam as teses na
tentativa de delimitar a abrangência do texto promulgado como, por exemplo, o da soberania
(CF, art. 1º, I; art. 170, I); o da liberdade de entrada e saída dos bens e pessoas (CF, art. 5º,
XV); o da livre concorrência (CF, art. 170, IV) e, principalmente, o da igualdade das
pessoas quanto à regulação pela norma jurídica (CF, art. 5º, caput e inciso I; art. nº 150, II).
Neste sentido, observou à época Fábio Nusdeo
100
:
O conceito consagrado agora, a nível constitucional, nem por isso elide a presença
do princípio da isonomia constante do artigo . Isto porque a distinção estabelecida
pelo art. 171 inc. II, ao configurar uma exceção àquele princípio somente poderá
receber uma interpretação restritiva, ou seja, estritamente na medida em que a
própria Constituição prever ou autorizar um tratamento diferenciado para a empresa
nacional de capital nacional em relação à sua congênere de capital estrangeiro. [...]
O texto do artigo é claro ao dizer o que o legislador infra-constitucional poderá fazer
com relação às sociedades brasileiras de capital nacional. E qualquer medida a elas
referente não poderá se afastar desses ditames, inclusive a lei regulamentadora do
capital estrangeiro cuja previsão se encontra no art. 172. A matéria, como já
assinalado comporta interpretação restritiva, e não extensiva, pois excepciona
princípios gerais consagrados pela própria Constituição, como os da livre
concorrência e o da isonomia.
Mais recentemente, manifestou-se o Ministro aposentado do Supremo Tribunal
Federal, Célio Borja. Embora analisando o tema de uma época pós-reformas, a sua
fundamentação não destoa da opinião acima, vejamos:
101
Por uma interpretação equivocada, pretendeu-se ver na redação do artigo 171, da
Constituição, revogado pela Emenda Constitucional 6, de 15/8/1995, a supressão
e o abandono pelo direito constitucional positivo do princípio da igualdade no
tratamento do capital. Ao contrário, a norma da isonomia permanecia (art. ,
caput) e as disposições, hoje revogadas, apenas estabeleciam exceções expressa e
taxativamente enumeradas, que pressupunham a regra geral da igualdade; e,
100
NUSDEO, Fábio. A empresa brasileira de capital nacional: extensão e implicações do artigo 171 da
Constituição Federal. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n. 77, p. 18, 28, jan./mar.1990.
101
BORJA, Célio. O capital estrangeiro no direito brasileiro. Revista do Advogado, São Paulo, n. 88, p. 41, 2008.
57
precisamente por constituírem direito excepcional, careciam da autoridade e da força
da Constituição para poderem produzir efeitos derrogatórios.
Chama-nos atenção em tais opiniões, o fato de que os autores tomaram como premissa
o isolamento do art. 171, como se constituísse um capítulo à parte tão-somente de exceção
ao direito fundamental de igualdade entre as pessoas jurídicas quanto à regulação pela norma
jurídica. Nota-se claramente um completo esquecimento de que o objeto de pesquisa vinha
inserido justamente no capítulo constitucional dos “princípios gerais da atividade econômica”.
Deve-se destacar, então, a importância de se compreender o tratamento dos
investimentos estrangeiros no âmbito da Ordem Econômica estabelecida no art. 170 da
CF/88 e seguintes, dentre outros, como faremos no capítulo seguinte. Ou seja, a análise da
regulação do capital estrangeiro exige a verificação dos fundamentos e princípios que
qualificam a Ordem Econômica brasileira.
Outrossim, para finalizar este item, importa destacar ainda em relação ao direito de
acesso que, a CF/88 além de ter reiterado determinadas limitações setoriais aos investimentos
estrangeiros, acabou também recepcionando as restrições infraconstitucionais da época.
Conforme catalogado por Denis Borges Barbosa, os setores abaixo listados estavam
sujeitos pela CF/88 a monopólios estatais ou restrições à entrada de capital estrangeiro:
102
a) pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios nucleares e seus derivados eram monopólio da União. Eram
também exclusivos da União ou de empresa sob controle do Estado a operação de
instalações nucleares;
b) a refinação, a pesquisa e a lavra de petróleo, gás e outros hidrocarbonetos fluidos, a
importação e exportação de tais produtos, o transporte marítimo do petróleo bruto
de origem nacional ou de derivados produzidos no país, assim como o transporte,
por conduto, de petróleo, derivados e gás natural de qualquer origem eram
igualmente cobertos pelo monopólio da União;
c) competência exclusiva dos Estados federados a exploração de serviços de gás
canalizado;
102
BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao desenvolvimento industrial.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 48-50.
58
d) recursos minerais e os potenciais hídricos somente podiam ser pesquisados ou
explorados, mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros ou
empresa brasileira de capital nacional;
e) minérios nucleares sob a propriedade da União;
f) a navegação costeira e de interior era reservada a embarcações brasileiras, sendo
estes de propriedade de nacionais ou sociedades constituídas no país, salvo
necessidade pública;
g) a propriedade de empresas jornalísticas, de rádio e TV era reservada a brasileiros,
partidos políticos ou sociedades sob controle nacional;
h) exploração exclusiva pela União ou por empresas controladas pelo Estado, os
serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços
públicos de telecomunicações;
i) a União detinha o encargo de manter os serviços postais e do Correio Aéreo
Nacional;
j) caberia à Lei Complementar Federal estabelecer as condições de acesso ao capital
estrangeiro no sistema bancário e no setor de seguros. Mantinha-se o monopólio do
resseguro em favor do Instituto de Resseguros do Brasil - IRB;
k) vedada a participação direta ou indireta de capital estrangeiro na assistência médica
do país, salvo previsão em lei;
l) somente a lei poderia regular a aquisição e a exploração de imóveis rurais por
estrangeiros.
Ainda, em sede infraconstitucional, eram previstas as seguintes restrições a entrada de
capital estrangeiro:
103
a) tratamento especial, de caráter tributário e creditício, às empresas brasileiras de
capital nacional no setor de informática, na forma da lei;
b) limitações à entrada de capital estrangeiro na lei do software;
c) incentivos concentrados em favor de empresa brasileira de capital nacional
relativamente à produção de audiovisuais e de filmes nacionais;
103
BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao desenvolvimento industrial.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 50-51.
59
d) o Estatuto das Empresas Binacionais Brasileiro-Argentino conferia vantagens
específicas às empresas brasileiras de capital nacional;
e) a pesca no mar territorial era restrita aos navios de bandeira nacional, salvo
autorização específica da União;
f) a navegação aérea doméstica era exclusiva de empresas controladas por 80% de
votos de brasileiros;
g) o transporte rodoviário e o intermodal era também reservado ao capital nacional;
h) restrições igualmente existiam no que toca à construção e exploração das rodovias
federais;
i) as empresas de segurança privada e as de serviço temporário obrigatoriamente sob
controle nacional;
j) as empresas de aerolevantamento exclusivamente de capital nacional;
k) estímulos à atividade turística exclusivos às empresas nacionais;
l) restrição à propriedade de estrangeiros e o funcionamento de certas empresas sob
controle estrangeiro em faixa de fronteira;
m)o arrendamento e a aquisição de propriedade rural por estrangeiros dependia de lei
própria; determinados projetos agrícolas eram sujeitos à autorização da União;
n) o exercício profissional, em sociedade, no caso de categorias como de advogados,
contadores e outros, era restrita aos admitidos perante os órgãos de registro
nacionais.
Entretanto, a agenda reformista que se desenvolve na década de 90, apresentará
mudanças substanciais no quadro acima, impulsionada por transformações na regulação
estatal da economia, provocadas por ondas privatizadoras e liberalizadoras do mercado, como
veremos a seguir.
3.2 As Ondas Liberalizantes da Economia Brasileira e Mundial
A iniciativa estatal que se seguiu após a promulgação da CF/88, no sentido de inserir o
país na economia internacional, logo demandou revisões na recente Carta Constitucional e na
legislação infraconstitucional, impulsionadas pelas ondas liberalizantes mundiais.
60
Os anos 90 ficaram caracterizados para muitos economistas, como sendo a
inauguração de um terceiro regime de investimentos internacionais no Brasil
104
, baseado em
uma política de abertura comercial e financeira. Visando aumentar a competitividade das
empresas brasileiras e contribuir com a inserção internacional da economia brasileira, foram
adotadas medidas de redução progressiva das tarifas de importação, eliminação das barreiras
não-tarifárias, eliminação de subsídios e incentivos.
Ainda, integraram a política desenvolvimentista, medidas de desregulamentação dos
mercados, a eliminação das restrições anteriormente existentes ao capital estrangeiro, as
privatizações, a competitividade industrial e o fortalecimento dos mecanismos de
concorrência.
Destaque-se desde logo que essa política exacerbada de liberalização comercial,
acompanhada pela sobrevalorização cambial e alta taxa de juros, de fato resultou no aumento
do fluxo de IED, porém em termos de crescimento econômico brasileiro os indicadores não
foram surpreendentes.
Neste momento, a conjuntura interna e as alterações na política econômica estiveram
absolutamente vinculadas às tendências da economia internacional. Havia então uma clara
identificação da política econômica nacional às metas neoliberais do chamado Consenso de
Washington
105
e às diretrizes dos organismos internacionais como FMI e Banco Mundial,
104
Em linhas gerais, relembre-se que o primeiro regime dos investimentos internacionais no Brasil, de cunho
liberal, acabou sendo interrompido com a crise de 1929, dando origem ao segundo regime de caráter
interventivo e apoiado no modelo de economia de comando central.
105
Sobre a origem da expressão “Consenso de Washington”, confira-se: Em novembro de 1989, reuniram-se na
capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros
internacionais ali sediados FMI, Banco Mundial e BID especializados em assuntos latino-americanos. O
objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título Latin American
Adjustment: How Much Has Happened? era proceder a uma avaliação das reformas econômicas
empreendidas nos países da região. Para relatar a experiência de seus países também estiveram presentes
diversos economistas latino-americanos. As conclusões dessa reunião é que se daria, subseqüentemente, a
denominação informal de ‘Consenso de Washington’. [...] A avaliação objeto do Consenso de Washington
abrangeu 10 áreas: 1. Disciplina fiscal; 2. Priorização dos gastos públicos; 3. Reforma tributária; 4.
Liberalização financeira; 5. Regime cambial; 6. Liberalização comercial; 7. Investimento direto estrangeiro;
8. Privatização; 9. Desregulação; e 10. Propriedade intelectual. [...] As propostas do Consenso de
Washington nas 10 áreas a que se dedicou convergem para dois objetivos básicos: por um lado, a drástica
redução do Estado e a corrosão do conceito de Nação; por outro, o ximo de abertura à importação de
bens e serviços e à entrada de capitais de risco. Tudo em nome de um grande princípio: o da soberania
absoluta do mercado auto-regulável nas relações econômicas tanto interna quanto externas. (BATISTA,
Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. In: LIMA
SOBRINHO, Barbosa et al. Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio
público”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 99, 118-119.).
61
implicando assim em um aumento significativo da vulnerabilidade do país às crises externas e
internas.
106
Sobre o triunfo do pensamento neoliberal na década de 90, observa Ricardo Hasson
Sayeg:
107
Enfim, o pensamento do Estado do bem-estar social perdeu para a idéia neoliberal
nas décadas finais do século XX, por dois fatores distintos nos Estados centrais do
capitalismo, porque a pujança econômica permitiu o encolhimento do Estado,
provocando naturalmente os benefícios sociais reclamados em prol da população, na
linha do que classicamente pregava Adam Smith; e, nos Estados periféricos,
conjugado com essa onda neoliberal imposta pelos países centrais, porque as
obrigações assumidas pelo Estado quanto aos seus compromissos de pagamento da
dívida pública externa e interna e, simultaneamente, às demandas sociais, eram
superiores a sua própria capacidade de satisfazê-las.
Basicamente, o pano de fundo desse “neo-processo” continuava sendo a crença em
que o livre-comércio pode proporcionar desenvolvimento econômico com melhoria da
qualidade de vida da população, decorrente da melhor eficiência alocativa dos fatores de
produção, gerando, com isso, crescimento econômico.
A estratégia de encolhimento da atuação estatal na atividade econômica acabou tendo
uma relevante função no contexto desse processo de mudança da política econômica. Partia-se
da premissa de que o Estado controlava e regulamentava em demasia a economia, sendo
necessário dar mais espaço para os agentes econômicos privados.
No Brasil não foi diferente. A falta de condições do Estado brasileiro de realizar os
vultosos investimentos necessários para fazer frente às inovações tecnológicas, abriu espaço
para as privatizações, principalmente em relação aos serviços estatais, propiciando a atração
106
O ideário neoliberal colocado em prática pelos novos governantes, a rigor, era antigo. Tem origem no
pensamento do economista austríaco Friederich Hayek, veiculado na década de 40, mais tarde aperfeiçoado
e difundido por acadêmicos norte-americanos, em especial pelo monetarista Milton Friedman. Suas
premissas básicas são a despolitização da economia, a autonomização dos mercados e a retração do Estado.
No fundo, as mesmas do liberalismo clássico do século XVIII. Tais postulados acabaram transformando-se
em um programa de governo, que se difundiu por todo o mundo na esteira do processo de globalização, como
panacéia para a retomada do desenvolvimento econômico, receitada sobretudo pelo Fundo Monetário
Internacional e pelo Banco Mundial, que condicionavam a concessão de créditos aos países em dificuldades
financeiras à estrita observância dessa terapêutica. [...] O chamado ‘Consenso de Washington’ representou
um poderoso veículo para a difusão do ideário neoliberal no mundo. Surgiu como um receituário para
combater a crise econômica em que se debatiam os países latino-americanos nos anos 80, caracterizada por
elevadas taxas de inflação, déficits públicos crônicos, ineficiência governamental, obsolescência industrial e
hermetismo de mercado. E os remédios propostos para a superação desses problemas consistiam basicamente
na liberalização do comércio, na privatização das empresas estatais, na estabilização da moeda e no
equilíbrio das contas públicas. (LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, regionalização e
soberania. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 62, 64).
107
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio
Marques da. (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.
1.255-1256.
62
de novos investimentos estrangeiros e resultando naquilo que se tem convencionado chamar
de “Estado mínimo” ou “Estado necessário”.
108
Porém, as críticas mais conscientes e isentas de caráter ideológico, concentraram-se
essencialmente na ausência de clareza acerca do conjunto de propostas neoliberais a serem
implementadas no Brasil. Dentre as maiores críticas estava a implementação de um programa
de reforma tarifária (que acabou reduzindo drasticamente as alíquotas aplicadas na importação
dos mais diversos produtos) e de eliminação de incentivos e subsídios, sob os desígnios do
modelo de economia de mercado, submetendo as empresas nacionais à concorrência com os
produtos estrangeiros de forma desprotegida.
Assim, diversas foram as medidas que em seu conjunto, ensejaram a eliminação de
mecanismos até então existentes de proteção ao mercado interno brasileiro, embora de fato
faltasse clareza acerca da compatibilização de tais decisões políticas com o necessário regime
de incentivo ao mercado interno determinado pelo art. nº 219 da CF/88.
A lei 8.383, editada em 30 de dezembro de 1991, extinguiu o tão falado “imposto
suplementar” sobre as remessas de rendimentos superiores a 12% do capital registrado no
triênio anterior, inclusive para os investimentos realizados. Assim, a partir desta lei
estabeleceu-se a liberação de remessas sem qualquer tipo de contra-prestação.
Ainda, a mesma lei revogou a vedação existente de pagamentos de royalties de
patentes e marcas e assistência técnica entre empresas do mesmo grupo econômico, bem
como previu a respectiva dedutibilidade dessas remessas.
109
Ainda, a mesma lei reduziu o imposto de renda retido na fonte sobre remessas de
lucros e dividendos de 25% para 15%, modificando o histórico do valor cobrado a título de
imposto de renda.
110
108
O chamado Plano Nacional de Desestatização, instituído pela lei 8.031, de 12 de abril de 1990, teve como
objetivos fundamentais (art. 1º): (i) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à
iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; (ii) contribuir para a redução da
dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; (iii) permitir a retomada de
investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; (iv) contribuir para
modernização do parque industrial do país, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade
empresarial nos diversos setores da economia; (v) permitir que a administração pública concentre seus
esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades
nacionais; (vi) contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de
valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.
109
Vide art. 50 da lei nº 8.383/91 c.c. art. 14 da lei nº 4.131/62.
110
É o texto da lei:
63
Em seguida, a lei 9.249/95 acabou revogando a incidência do imposto de renda na
fonte sobre o envio de lucros e dividendos ao exterior, estabelecendo uma isenção fiscal.
111
A
busca sem limites da abertura do mercado através da benesse fiscal acabou sendo um mero
paliativo na atração de IED, pois na prática desestimulou-se o reinvestimento do lucro no
país, implicando na estagnação das empresas aqui instaladas e da possibilidade de
crescimento econômico efetivo.
Neste mesmo ano, iniciaram-se então as medidas de liberalização do regime de
investimentos através de reformas à Constituição Federal, as quais proporcionaram maiores
oportunidades para o capital estrangeiro e flexibilização do controle do Estado sobre tais
fluxos.
O alinhamento do governo com a dinâmica do comércio multilateral, fez com que
caminhássemos para a extinção de antigas reservas de mercado e, principalmente, para a
eliminação do conceito constitucional de empresa brasileira de capital nacional previsto no
artigo 171 da Carta Magna. As reações imediatas sobre a revogação desse dispositivo
constitucional concentraram-se em torno da defesa da igualdade plena entre brasileiros, suas
empresas e seus capitais e os estrangeiros admitidos a viver no país, os capitais que trouxeram
ou aqui acumularam e as empresas que constituíram.
Assim, a Emenda Constitucional 5/95, alterou o art. 25, §2°, da CF/88,
extinguindo o monopólio da exploração direta, pelos Estados, da distribuição de gás
canalizado. A partir dessa mudança, os Estados da Federação podem outorgar concessões a
investidores privados, nacionais e estrangeiros, ou, evidentemente, explorar diretamente os
mesmos serviços.
A Emenda Constitucional nº 6/95, revogou integralmente o art. nº 171 da CF/88,
extinguindo o tratamento diferenciado e preferencial entre “empresa brasileira” e “empresa
brasileira de capital nacional”. Ainda, alterou-se o §1º do art. 176 da CF/88, de modo a
possibilitar o acesso à exploração dos recursos minerais e o aproveitamento dos recursos
Art. 77. A partir de de janeiro de 1993, a alíquota do imposto de renda incidente na fonte sobre lucros e
dividendos de que trata o art. 97 do Decreto-Lei 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações
posteriormente introduzidas, passará a ser de quinze por cento.
111
É o texto da lei:
Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de
1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado,
não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto
de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
64
hídricos, mediante autorização ou concessão da União, a empresas controladas por capital
estrangeiro no setor.
A Emenda Constitucional nº 7/95, alterou o art. nº 178 da CF/88, extinguindo o
monopólio dos armadores nacionais no tocante ao transporte de carga em cabotagem e à
navegação interior, permitindo o ingresso de embarcações estrangeiras, segundo o que
dispuser a lei ordinária. Conforme o texto da Emenda, não é vedado que a lei ordinária
perfaça discriminação entre embarcação brasileira e estrangeira.
A Emenda Constitucional 8/95, alterou o inciso XI e a alínea ‘a’, do inciso XII, do
art. 21 da CF/88. Trata-se dos dispositivos que reservavam às operadoras sob controle
estatal os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços
públicos de telecomunicações; as concessões na área passaram a poder ser outorgadas a
empresas privadas, na forma da lei ordinária.
A Emenda Constitucional nº 9/95, deu nova redação ao art. nº 177 da CF/88, alterando
e inserindo parágrafos. A emenda permitiu que a União passasse a contratar com empresas
privadas a realização das atividades monopolizadas do petróleo e gás natural. A regulação de
tais contratações e a forma de administração do monopólio passaram a ser objeto da
legislação ordinária.
112
A Emenda Constitucional 36/02, modificou o art. 222 da Constituição Federal,
para permitir a participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e
de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Anteriormente, a propriedade de empresas
jornalísticas e as de rádio e TV era reservada a brasileiros, partidos políticos ou sociedades
sob controle nacional. Com isso, passou-se a permitir a participação de empresa estrangeira,
porém,
[...] em qualquer caso, pelo menos 70% (setenta por cento) do capital total e do
capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e
imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou
naturalizados mais de 10 (dez) anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das
atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.
112
Ainda sobre essa matéria, mais recentemente, foi promulgada a Emenda Constitucional 49/06, modificando
o inc. V do art. 177 da Constituição Federal. A emenda exclui do monopólio da União, estabelecendo a
autorização, através do regime de permissão, da produção, comercialização e utilização de radioisótopos de
meia-vida curta para usos médicos, agrícolas e industriais. No restante, a pesquisa, a lavra, o enriquecimento,
o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados
continuam sendo monopólio da União.
65
A Emenda Constitucional 40/03, modificou o art. 192 da Constituição Federal,
para estipular que a participação do capital estrangeiro nas instituições que integram o sistema
financeiro nacional será regulada por lei complementar. Entretanto, este artigo ainda não foi
objeto de regulamentação.
113
No âmbito infraconstitucional também foram eliminadas algumas restrições ao direito
de acesso do capital estrangeiro.
Destaque para as leis nºs 8.987/95
e 9.074/95, ao disporem sobre as concessões de
obra pública, revogaram tacitamente a restrição ao capital estrangeiro, prevista no Decreto
94.002/87, referente à construção e exploração das rodovias federais.
114
Ainda, a preferência em licitações para empresas brasileiras de capital nacional,
prevista na lei 8.666/93, acabou sendo revogada vez que se tratava de regulamentação do
extinto §2º do art. nº 171 da CF/88.
Também, a regulamentação do artigo 39 da lei 4.131/62 pelo Decreto
2.233/97, estabeleceu quais seriam as atividades econômicas consideradas de “alto interesse
nacional”, passíveis de receber financiamentos estrangeiros oriundos do Tesouro Nacional e
as entidades oficiais de crédito público da União e dos Estados, inclusive sociedades de
economia mista por eles controladas, garantiu a abertura de antigos e novos setores da
economia nacional ao capital estrangeiro.
115
113
Com exceção do período entre 1946 e 1964, quando vigorou uma completa liberdade de acesso de instituições
estrangeiras ao sistema financeiro nacional, sempre houve no Brasil regras restritivas, seja à entrada de bancos
estrangeiros, seja às suas condições operacionais no mercado local. Atualmente, a autorização para entrada de
capital no setor decorre do art. nº 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a redação dada
pela EC 40/03, confira- se: Art. 52. Até que sejam fixadas as condições do art. 192, são vedados: I - a
instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior; II - o aumento do
percentual de participação, no capital de instituições financeiras com sede no País, de pessoas físicas ou
jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior.
Parágrafo único. A vedação a que se refere este artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos
internacionais, de reciprocidade, ou de interesse do Governo brasileiro.
114
Assim dispunha o texto o Decreto nº 94.002/87:
Art. 2º. A concessão, a que se refere o artigo precedente, será outorgada, por prazo determinado, a empresa
nacional, organizada na conformidade da lei brasileira, que tenha no Brasil a sede de sua administração e
cujo controle, decisório e de capital com direito a voto, esteja, em caráter permanente, exclusivo e
incondicional, sob a titularidade de pessoas físicas de nacionalidade brasileira.
115
É o texto (Decreto nº 2.233/97):
Art 1º. São consideradas de alto interesse nacional para os fins do art. 39 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro
de 1962, as atividades econômicas, desenvolvidas em qualquer parte do território brasileiro, atinentes aos
setores abaixo enumerados:
I - serviços públicos de infra-estrutura dos seguintes segmentos:
a) exploração de fontes energéticas, geração, transmissão e distribuição de energia de qualquer natureza;
b) telefonia de qualquer natureza;
c) portos e sistemas de transportes, inclusive de carga e passageiros;
66
De certa forma, a liberalização do regime de investimentos, seguida pelas
privatizações da década de 90, garantiram a atração do capital estrangeiro, juntamente com as
medidas de abertura comercial e cambial e liberalização financeira, esta última responsável
pelo aumento dos investimentos em portfólio.
116
A política econômica, por sua vez, permaneceu por toda a década de 90 estreitamente
vinculada às metas neoliberais que visavam, em linhas gerais, reduzir e delimitar o papel do
Estado e aumentar o grau de concorrência (comercial e financeira), com menor proteção
política e maior abertura externa.
No ano de 1998 em que ocorreu maior parte das privatizações, o Brasil constatou um
recorde na entrada de IED. O saldo médio anual do IED no Brasil foi de US$ 600 milhões
entre 1990 e 1993, e aumentou para US$ 1,9 bilhão em 1994, US$ 3 bilhões em 1995, US$
7,7 bilhões em 1996, US$ 15,3 bilhões em 1997 e, praticamente, US$ 20 bilhões em 1998.
117
Verificou-se ainda em relação à política creditícia, como apontado acima, uma maior
flexibilização dos critérios e normas operacionais para concessão de financiamentos pelo
BNDES, notadamente após a EC 6/95 que acabou colocando de lado a discussão sobre a
nacionalidade da empresa requerente. Assim, o ingresso de IED acabou contando
d) saneamento ambiental.
II - complexos industriais dos seguintes segmentos;
a) químico-petroquímico, compreendendo as indústrias químicas de base, petroquímica, química fina e
fertilizantes;
b) minero-metalúrgico,
c) automotivo, compreendendo as indústrias automobilísticas e de auto-peças;
d) agroindustrial e florestal, compreendendo desde os fornecedores de insumos até os processadores e
distribuidores de produtos agropecuários, de alimentos, de bebidas e de painéis de madeira, papel e celulose;
e) de bens de capital, compreendendo as indústrias fornecedoras de equipamentos e componentes;
f) eletrônico, compreendendo as indústrias de componentes eletrônicos, de equipamentos de telecomunicações
e de automação, bem como a fabricação e a distribuição de eletrônicos de consumo e de informática.
III - complexo do turismo.
IV - arrendamento mercantil de bens de capital.
116
Optamos por detalhar da liberalização financeira dos investimentos indiretos ou em portfólio separadamente,
conforme item seguinte.
117
MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. (Org.). Vinte anos de política econômica. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999. Ainda, Reinaldo Gonçalves apresenta outros dados: O crescimento dos fluxos de
investimento externo (IED) e o avanço das empresas de capital estrangeiro (ECE) na economia brasileira
foram inusitados a partir de 1995. Em um período de três anos (1996-98), o Brasil experimentou a
penetração do capital estrangeiro no aparelho produtivo nacional como nunca ante em toda a sua história.
Em 1995 o estoque de investimento externo direto no Brasil era de R$ 43 bilhões de dólares, segundo o censo
de capitais estrangeiros realizado pelo Banco Central do Brasil (Bacen, 1998), que envolveu 6.322 empresas
com participação estrangeira, sendo que 4.902 empresas com participação majoritária estrangeira. Nos três
anos seguintes, o fluxo líquido acumulado de IED foi da ordem de 45 bilhões de dólares, isto é, o estoque de
IED dobrou em três anos. Esses números significam, na realidade, que a razão estoque IED/PIB cresceu de
6,3% em 1993 para 11,2% em 1998, ou seja, houve um aumento de 80% do grau de desnacionalização da
economia brasileira no período 1995-98.(Globalização e desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
p. 14).
67
evidentemente com ajuda do governo proporcionada pela ampliação das linhas de crédito do
BNDES.
Como pode ser observado, ao longo dos anos 90, todos esses exemplos de
modificações constitucionais e infraconstitucionais, proporcionaram, na verdade, uma forma
renovada de relação entre Estado e mercado. Seguindo-se a linha de pensamento neoliberal,
ao Estado cabia cada vez mais uma posição de distância, deixando que a política econômica
passasse a ser engendrada através da iniciativa privada que, por conseguinte, conduziria
inclusive as ações sociais.
118
Em relação ao acesso ao mercado brasileiro do investimento externo direto, observou-
se então um avanço na legislação constitucional e infraconstitucional no sentido de eliminar
as restrições à entrada de capital estrangeiro e remoção dos obstáculos à saída dos capitais
instalados.
Todavia, a atuação do Estado como agente normativo e regulador do investimento
externo direto continua sendo possível por força do art. 172 da CF/88, o qual remete à
legislação ordinária, com base no interesse nacional, a disciplina do capital estrangeiro, o
incentivo dos reinvestimentos e a regulação da remessa de lucros. Esse e outros aspectos têm
fomentado debates até hoje em torno da possibilidade ou não de um tratamento diferenciado
entre o capital nacional e o estrangeiro, inclusive no tocante ao acesso.
Vale aqui transcrever o posicionamento de José Afonso da Silva:
119
Assim, temos, agora, empresas brasileiras e empresas não-brasileiras, com diferença
exclusivamente formal entre elas, pois basta que a empresa estrangeira ou
multinacional (ou parte dela) se organize aqui segundo as leis brasileiras e tenha
sede aqui para ser reputada brasileira, pouco importando a nacionalidade de seu
capital e a nacionalidade, domicílio ou residência das pessoas que detêm o seu
controle, [...]
Suprimido o conceito de empresa brasileira de capital nacional, com a revogação do
art. 171, igualmente suprimidos ficaram os privilégios e preferências que a
acompanhavam e que não se transferem para as empresas constituídas sob as leis
118
Neste sentido, assinala Paulo Nogueira Batista: O Consenso de Washington não tratou tampouco de questões
sociais como educação, saúde, distribuição de renda, eliminação da pobreza. Não porque as veja como
questões a serem objeto de ação numa segunda etapa. As reformas sociais, tal qual as políticas, seriam vistas
como decorrência natural da liberalização econômica. Isto é, deverão emergir exclusivamente do livre jogo
das forças da oferta e da procura num mercado inteiramente auto-regulável, sem qualquer rigidez tanto no
que se refere a bens quanto ao trabalho. Um mercado, enfim, cuja plena instituição constituiria o objetivo
único das reformas.(O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. In:
LIMA SOBRINHO, Barbosa et al. Em defesa do interesse nacional: desinformação e alienação do patrimônio
público”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 107-108.)
119
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 77.
68
brasileiras e com sede e administração no País, a não ser as indicadas nos citados
arts. 170, IX, e 176, §1º.
No mesmo sentido, observou Celso Ribeiro Bastos com ressalva do poder soberano
estatal em relação ao direito de acesso:
120
Seria praticamente impossível para o nosso País levar a cabo qualquer política de
globalização da economia com a odiosa discriminação que a redação anterior do art.
171 comportava. A Emenda n. 6/95 elimina o art. 171, que, portanto, deixou de
existir no nosso Direito Constitucional. As demais transformações que ela introduziu
decorreram desse princípio fundamental, qual seja, a não-distinção entre capital e
nacional e estrangeiro. Este passou a gozar de igual estatuto ao do nacional. São
proibidos, portanto, ônus ou privilégios que se lhes queira impor, a não ser o
estabelecimento de condições regulamentadoras da entrada de capital externo no
País.
Por sua vez, o entendimento de Célio Borja, na linha de fazer prevalecer o princípio da
isonomia, atribui ao art. nº 172 da CF/88 uma interpretação restritiva, confira-se:
121
A Constituição de 1988, no artigo 172, destacou o capital dos demais tipos de bens e
ativos e delegou ao legislador o poder de disciplinar o capital estrangeiro com vistas
a dupla finalidade: reinvestimento e controle de remessa de lucros. [...]
Mesmo à luz do artigo 171, inciso I, da Constituição, hoje revogado, parece-me
difícil conciliar esse tratamento discriminatório com o princípio da igualdade,
expressamente admitido por esse ilustre autor [José Afonso da Silva] como aplicável
às pessoas jurídicas estrangeiras. Salvo a leitura ideológica da Constituição, nela
nada autoriza recusar qualquer dos direitos civis ao estrangeiro residente e, grande
parte deles, ao não-residente, seja pessoa física ou pessoa jurídica constituída sob as
leis de terceiros Estados, mas admitidas a operar no Brasil. [...]
Com maior razão, revogado o mencionado artigo 171, desaparece o fundamento
normativo da distinção entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital
nacional e com ela a duvidosa autorização para discriminar a favor dessa última. [...]
Revogado o art. 171, referido, remanesce apenas a disposição do artigo 170 da
Constituição, que concede ao legislador a faculdade de favorecer empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham suas sedes e
administração no país.
120
BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro. São Paulo: Celso Bastos, 2000. p. 102. Em relação ao
direito de acesso do capital estrangeiro, observa o autor: Com efeito, nunca faltou poderes à União para
disciplinar a entrada do capital estrangeiro. A atual Constituição vai mesmo ao ponto de dizer que a lei
incentivará o investimento de capitais estrangeiros (art. 172). Ao disciplinar a entrada desses capitais, a lei
poderia direcioná-lo para aquelas áreas de maior interesse nacional. Até mesmo a vedação desses capitais
em algumas áreas pode demonstrar-se como legítima. (Comentários à Constituição. São Paulo: Saraiva,
1988. p. 67.).
121
BORJA, Célio. O capital estrangeiro no direito brasileiro. Revista do Advogado, São Paulo, n. 88, p. 36-42,
2008. Confira-se ainda a opinião de Paulo Borba Casella noutra perspectiva: A suposta atribuição de
nacionalidade ou sentimentos patrióticos ao capital parece-me ser tentativa de atribuir sentimentos a uma
coisa; dinheiro é energia, é mecanismo de troca, padronizando unidade de conta em sucessivas operações de
compra e venda e atua, igualmente, como reserva de valor. Assim, afigura-se-me uma grande bobagem,
tantas vezes com desastrados resultados, tentar priorizar o capital supostamente ‘nacional’ em detrimento do
capital estrangeiro’.”(Direito Internacional - vertente jurídica da globalização. Porto Alegre: Síntese, 2000.
p. 357).
69
Como podemos observar, tais manifestações apóiam-se não sem razão num dos
primeiros direitos humanos que é o princípio da isonomia. Porém, isso por si não basta
em nossa realidade sócio-econômica.
Daí a nossa proposta de se compreender regulação dos investimentos estrangeiros em
consonância com os fundamentos finalísticos da Ordem Econômica brasileira, com os seus
valores integrando os feixes dos direitos fundamentais, como os de terceira geração por serem
inerentes ao gênero humano da população.
Mesmo as poucas manifestações jurídicas encontradas em sentido contrário às acima
expostas, não abordam a questão sob esse prisma constitucional. Entendem alguns autores
que não houve mudança no paradigma constitucional de tratamento da empresa de capital
nacional, exclusivamente por força do princípio da soberania econômica e da constatação de
desigualdade econômica entre capitais de nacionalidades distintas, conforme sintetiza
Eduardo Teixeira Silveira:
122
É que a soberania do Estado na regulamentação do investimento internacional não
pode ser subvertida indefinidamente em razão de uma emenda constitucional
realizada sob o entendimento ideológico de que a diferenciação existente dificultava
o aporte do investimento estrangeiro, e que por isso merecia mudança. Ora, como já
visto, o Estado tem o poder soberano de conforme o caso, facilitar ou limitar a
disciplina do investimento estrangeiro segundo suas conveniências. Pode, portanto,
o legislador, se assim entender conveniente, efetuar a distinção aqui preconizada.
O mesmo autor ao tratar do princípio da isonomia, observa:
[...] a diferenciação que pode ser realizada pelos países menos desenvolvidos na
forma aqui preconizada, ao contrário, não faz pelo simples fato do investimento ser
estrangeiro, visando uma proteção pura e simples do capital nacional, mas apenas
em razão de um dado fático objetivo relativo à detenção de maior poder econômico
pelas empresas transnacionais, que lhe conferem vantagens significativas que não
podem deixar de ser tomadas em consideração.
123
No mesmo sentido, conclui José Edwaldo Tavares Borba:
124
122
SILVEIRA, Eduardo Teixeira. A disciplina jurídica do investimento estrangeiro no Brasil e no Direito
Internacional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 74.
123
Ibid., p. 77.
124
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 173. Na mesma linha,
anota Denis Borges Barbosa: “Nem quanto ao direito de acesso o capital estrangeiro, nem quanto a incentivos
e benefícios especiais a setores considerados estratégicos, a revogação não produz quaisquer efeitos. A
Exposição de Motivos 37/95, que encaminhou a proposta do que seria a Emenda 6, é explícita quanto
ao ponto: ‘5 Note-se que as alterações propostas não impedem que a legislação ordinária venha a conferir
incentivos e benefícios especiais a setores considerados estratégicos, inexistindo qualquer vedação
constitucional nesse sentido’. (Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao desenvolvimento
industrial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. p. 77).
70
A Constituição, em nenhum momento, estabeleceu uma igualdade de tratamento
entre empresas de capital nacional e empresas de capital estrangeiro. Eliminou-se o
conceito constitucional de empresa de capital nacional; não se impediu que a
legislação ordinária estabeleça esse conceito e determine distinções entre empresas
em função do domicílio do controle. [...] Deve-se, pois, entender que se mantêm em
vigor todas as leis ordinárias que estabelecem tratamento distinto para as empresas
brasileiras de capital nacional, raciocínio que igualmente suportará a novas leis
relativas a essa matéria.
Como pode ser observado, para os defensores do empreendedor nacional, em se
tratando de restrição ao direito de acesso o fundamento da tese é o princípio da soberania
econômica. a conformidade de privilégios e especiais benefícios, decorre da constatação
fática de condições econômicas desfavorecidas em relação ao empreendedor estrangeiro, em
atenção ao princípio da isonomia. Trata-se da concretização da máxima de que devemos
“tratar os desiguais na medida de suas desigualdades”.
125
Porém, a identificação fática e pontual de desvantagens ao empreender nacional nem
sempre se revela uma tarefa fácil e, por vezes, pode ser contestada por eventuais prejudicados.
Some-se a isso o crescente processo de desnacionalização da economia brasileira e a própria
internacionalização de algumas de nossas grandes empresas, o que acaba agravando essa
dificuldade.
126
Ademais, a CF/88 não censura a existência do poder econômico, esse decorre
justamente do exercício da liberdade de empreender. Eleger simplesmente o poder econômico
como a desvantagem entre nacionais e estrangeiros, forçosamente teremos que reconhecer
também esse mesmo critério no tratamento entre os próprios nacionais.
127
Pretendemos então deixar vincado o nosso ponto de vista sobre o tema. Atualmente, o
dirigismo constitucional expressão cunhada por José Joaquim
Gomes Canotilho
128
nos
impõe o tratamento dos investimentos estrangeiros alinhado com os fundamentos da Ordem
Econômica, levando-se em conta o conjunto de direitos fundamentais que a informa, e não
125
Cabe lembrar que esse é o preceito expressamente previsto no art. no Estatuto do Capital Estrangeiro,
conforme referido no capítulo anterior.
126
Confira-se: “A economia brasileira logrou conquistar no período recente uma melhora considerável nas
condições de sua inserção externa, em especial na esfera comercial, o que resultou em grande acúmulo de
reservas e na redução da vulnerabilidade da economia frente a choques externos. Apesar disso, permanecem
desafios importantes para que essa robustez se mantenha e para que a inserção internacional da economia
brasileira se fortaleça e caminhe em uma direção qualitativamente superior, sustentada por uma estrutura
produtiva moderna e competitiva. (COUTINHO, Luciano; HIRATUKA, Célio; SABATINI, Rodrigo. O
investimento direto no exterior como alavanca dinamizadora da economia brasileira. In: BARROS, Octavio
de; GIAMBIAGI, Fabio. (Org.). Brasil globalizado: o Brasil em um mundo surpreendente. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008. p. 82).
127
Observe-se ainda que a possibilidade de tratamento diferenciado entre empresas nacionais é parametrizada
pelo art. nº 170 inc. IX, da CF/88, o qual concede ao legislador a faculdade de favorecer empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.
128
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Limitada, 1982. passim.
71
apenas o direito à isonomia do empreendedor estrangeiro. Assim, o favorecimento das
empresas de capital nacional acaba sendo possível para concretização dos direitos
fundamentais finalísticos da nossa Ordem Econômica, como teremos a oportunidade de
analisar nos Capítulos seguintes.
Outrossim, nessa linha de raciocínio, não faz nenhum sentido conferir ao art. nº 172 da
CF/88 uma interpretação restritiva, como defendem os opositores do tratamento diferenciado.
3.2.1 A liberalização financeira em relação aos investimentos em portfolio
As décadas de 80 e 90 ficaram caracterizadas ainda pelas medidas de liberalização
financeira nos mercados financeiro e de capitais. Os investimentos de não-residentes nos
mercados financeiro e de capitais intensificaram-se de fato a partir da reestruturação realizada
pela Resolução CMN nº 1.289/87 e seus anexos.
129
Aos poucos, foram sendo ampliados os instrumentos legais de investimentos
estrangeiros indiretos, livres de restrições, através do mercado de câmbio comercial.
130
A
Resolução CMN 1.968/92 acrescentou a este rol a possibilidade de acesso direto às bolsas
de valores do país por investidores domiciliados em países integrantes do Mercosul.
A tendência de simplificação da regulamentação dos investimentos de não-residentes
nos mercados financeiro e de capitais prevaleceu diante do quadro de insucesso de algumas
modalidades, vigentes em razão de sua complexidade e onerosidade aos investidores
estrangeiros.
Assim, na tentativa de fomentar tais investimentos no país, alguns mecanismos foram
extintos, convertidos e englobados sob uma mesma regulamentação: a Resolução CMN
2.689/2000. Referida Resolução, mais abrangente, permitiu aos não-residentes o acesso às
mesmas modalidades disponíveis aos investidores residentes, nos mercados financeiro e de
capitais, promovendo um verdadeiro corte quantitativo em relação à sistemática anterior,
129
Sociedade de Investimento Capital Estrangeiro (Anexo I à Resolução 1.289/87); Fundos de Investimento
Capital Estrangeiro (Anexo II à Resolução 1.289/87); Carteiras Administradas de Títulos e Valores
Mobiliários (Anexo III à Resolução nº 1.289/87); Portfólios de Investidores Institucionais (Anexo IV à
Resolução nº 1.289/87).
130
Fundos de Conversão – Capital Estrangeiro (Resolução nº 1.460/88); Fundos de Renda Fixa – Capital
Estrangeiro (Resolução 2.034/93); Fundos de Privatização Capital Estrangeiro (Resolução 2.203/95);
Fundos de Investimento Imobiliário (Resolução nº 2.248/96); e Fundos Mútuos de Investimento em Empresas
Emergentes (Resolução nº 2.247/96).
72
quando havia um leque limitado de alternativas desenhadas especificamente para não-
residentes”.
131
De uma forma mais simplificada, previamente ao ingresso de suas divisas no país, o
investidor não-residente passou a indicar um representante legal no país, além de deter o
registro na CVM. Na prática essa função acabou sendo desempenhada pelas instituições
financeiras custodiantes, dada a preocupação com a diminuição de custos e maior praticidade
nas relações.
Convém ressaltar ainda que nem todos os Anexos da anterior Resolução CMN
1.289/87 foram extintos. Hodiernamente, subsiste o mecanismo instituído pelo Anexo V,
correspondente à possibilidade das
[...] companhias abertas sediadas no Brasil negociar certificados de depósito de suas
ações nos mercados internacionais onde os mesmos possam ser admitidos. Essa
sistemática de investimento, utilizada por importantes companhias nacionais,
continua em vigor e à disposição das sociedades por ações que pretendam lançar
suas ações no exterior.
132
O mercado de capitais norte-americano, devido à sua maior movimentação e
importância no cenário internacional, tem sido o principal alvo das empresas captadoras de
recursos. O assunto mereceu da Securities and Exchange Commission (SEC) nos Estados
Unidos uma regulamentação própria originando os chamados “ADRs” (American Depositary
Receipts), os quais são considerados valores mobiliários, tendo despertado um
[...] maior interesse dos investidores, dado que estes certificados estão sujeitos às
normas, inclusive normas relativas à transparência e informações aos investidores, e
à oscilação do mercado norte-americano, sendo ainda negociados e cotados em dólar
norte-americano, assim como pagos os seus resultados e dividendos nesta mesma
moeda, estando afastadas, deste modo, eventuais despesa cambiais.
133
131
VIEIRA, Jo Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 208, out./dez. 2005. Basicamente, as únicas ressalvas dizem
respeito à vedação de utilização dos recursos externos fora do pregão das Bolsas de Valores, sistemas
eletrônicos (Cetip/Selic) ou mercado de balcão organizado por entidade autorizada pela CVM. Convém
ressaltar também que todo investimento em portfolio ingressado no país deve necessariamente ser registrado
perante o Bacen, na forma da regulamentação em vigor. O número do registro do investidor no Sisbacen deve
ser informado em todos os contratos de câmbio de ingresso e saída de divisas do país.
132
QUEIROZ, José Eduardo Carneiro. O regime jurídico do capital estrangeiro no Brasil e as recentes alterações
na regulamentação. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga. (Coord.). Aspectos atuais do Direito do mercado
financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2000. v. 2, p. 117-118.
133
FERREIRA, Ana Letícia do Amaral Ramos. Direito internacional dos investimentos. 2003. 193f. Dissertação
(Mestrado em Direito das Relações Sociais) Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2003. p. 127. Ainda, no caso dos Estados Unidos, a legislação norte-
americana permite que a empresa emissora decida o nível de negociação do programa de ADRs, cujas
características estão relacionadas com a necessidade ou não de atendimento de determinadas exigências da
SEC.
73
De qualquer forma, o que se observa é que as alterações na regulamentação dos
investimentos estrangeiros indiretos estão inseridas no contexto da disputa pelos capitais
estrangeiros entre os países em desenvolvimento.
Na prática, com a nova regulamentação, os capitais estrangeiros em portfólio não
precisam mais declarar o tipo de aplicação que pretendem fazer. Com isso, os investidores
podem transferir seus recursos no país de uma aplicação para outra, sem restrição, a exemplo
dos investidores residentes.
134
Outrossim, o capital estrangeiro registrado no Banco Central do Brasil poderá ser a
qualquer tempo repatriado a seu país de origem, dispensando-se para tanto qualquer espécie
de autorização prévia.
Deve-se apontar que em razão das medidas de liberalização financeira nos mercados
financeiro e de capitais, deparamo-nos atualmente com investimentos em portfolio cada vez
mais com características voltadas à atividade econômica produtiva, a exemplo do IED,
afastando-se assim do perfil de investimentos de não-residentes meramente especulativos (no
sentido de volatilidade).
De qualquer forma, ainda que predominantemente os investimentos em portfolio não
tenham uma vinculação específica à produtividade dos IED, não se pode negligenciar o
controle sobre eles, tendo em vista os impactos que podem provocar à economia nacional em
momentos de fuga e desconfiança do mercado, como é caso da situação atual provocada
essencialmente pela crise norte-americana.
135
134
É o texto (Resolução CMN nº 2.689/2000):
Art. - Estabelecer que a aplicação dos recursos externos ingressados no País por parte de investidor o
residente, por meio do mercado de mbio de taxas livres, nos mercados financeiro e de capitais, deve
obedecer ao disposto nesta Resolução.
Parágrafo - Para fins do disposto nesta Resolução, consideram-se investidor não residente, individual ou
coletivo, as pessoas físicas ou jurídicas, os fundos ou outras entidades de investimento
coletivo, com residência, sede ou domicílio no exterior.
Parágrafo - Os recursos de que trata este artigo devem ser aplicados nos instrumentos e modalidades
operacionais dos mercados financeiro e de capitais disponíveis ao investidor residente.” (grifo nosso).
135
Vale citar aqui a experiência chilena ao longo dos anos 90, quanto à política de restrições sobre os ingressos
de capital de curto prazo. Todo investidor era obrigado a declarar o período que pretendia manter determinado
investimento no país, sendo que um percentual dos recursos ficava depositado junto ao Banco Central. Caso o
investidor resolvesse sair antes do prazo, perderia o depósito. Se cumprisse ou ultrapassasse o prazo, poderia
levantar o depósito. Como forma de garantir a remuneração desses capitais, os investidores foram autorizados
a cumprir a exigência de reservas utilizando acordos de recompra em que o Banco Central Chileno vendia ao
investidor e, posteriormente, recomprava um título equivalente ao percentual do depósito obrigatório,
descontado a uma determinada taxa de juros. Confira-se: O principal instrumento de controle de capital
utilizado no Chile forma as Reservas Compulsórias Não-Remuneradas (Unremunerated Reserve
Requirements URRs), criadas em face do rápido crescimento dos ingressos de recursos externos ao final
dos anos oitenta. Introduzidas em 17 de junho de 1991, tiveram o objetivo de preservar a autonomia da
74
3.3 As Propostas de Regulamentação do Capital Estrangeiro no Direito Internacional
Paralelamente às negociações sobre o comércio de bens e serviços que antecederam a
criação da OMC em 1995,
136
os países desenvolvidos tentaram impor uma ampla negociação
sobre medidas que afetavam o fluxo de investimentos. Porém, a forte pressão exercida pelos
países em desenvolvimento acabou resultando em negociações sobre o tema circunscritas aos
efeitos considerados restritivos e distorcivos ao comércio internacional.
Assim, dentre os acordos multilaterais celebrados pelos membros da OMC como parte
das negociações da Rodada Uruguai (1986/1994), o Acordo sobre TRIMs (Trade Related
Investment Measures) tratou de medidas de investimento relacionadas apenas ao comércio de
bens, vedando a aplicação das mesmas sempre que inconsistentes com os dispositivos do
parágrafo do Artigo III (tratamento nacional) e do parágrafo do Artigo XI (restrições
quantitativas) do GATT.
137
Basicamente, o Acordo sobre TRIMs refere-se a medidas que
condicionam a obtenção de incentivos ao investimento a exigências de conteúdo local ou de
exportação.
138
política monetária, evitando a apreciação da moeda e a expansão da oferta monetária. A medida foi
desenhada de modo a desestimular os influxos de curto prazo, considerados especulativos, sem afetar os
investimentos diretos estrangeiros, limitando assim a volatilidade associada à conta de capital. (BALDINI
JUNIOR, Renato. Controle de Capitais no Chile. Notas Técnicas do Banco Central do Brasil, n. 2, jul. 2001.
Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2001nt02Chilep.pdf>. Acesso em: 15 mar.
2009).
136
A OMC, criada em janeiro de 1995, representou um novo sistema internacional do comércio, englobando o
GATT de 1947, os resultados das sete negociações multilaterais de liberalização de comércio realizadas desde
então, bem como todos os acordos negociados na Rodada Uruguai concluída em 1994. Constitui objetivo da
organização: As Partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e atividades econômicas
devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um
crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e expandindo a produção e o
comércio de bens e serviços, ao mesmo tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo
com os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar os
meios de fazê-lo, de maneira consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de desenvolvimento
econômico.” (GATT 1994)
137
Estabelecem os Artigos III.4 e XI.1 do GATT, respectivamente: Os produtos do território de uma parte
contratante que entrem no território de outra parte contratante não usufruirão tratamento menos favorável
que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e
exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no
mercado interno”. Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, para a importação de produto
originário do território de outra parte contratante, ou para a exportação ou venda para exportação de um
produto destinado ao território de outra parte contratante, proibições ou restrições a não ser direitos
alfandegários, impostos ou outras taxas, quer a sua aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças
de importação ou exportação, quer por outro qualquer processo.
138
Observa Vera Thorstensen que à época eram constantes as políticas de governos que incluíam incentivos e
fornecimento de bens ou serviços em termos preferenciais. Em troca, exigiam o cumprimento de certo número
de regras como a de conteúdo local, isto é, a compra de partes e componentes de fabricação doméstica, ou a de
desempenho exportador, isto é, o compromisso de exportar parte dos bens produzidos. Noutros casos, exigia-
se transferência de tecnologia, capital mínimo nacional ou a constituição de joint ventures. Isso se verificava
com mais intensidade nos setores automotivo, químico, petroquímico, eletrônico e de informática. (OMC
75
Por força do Artigo IV do Acordo sobre TRIMS, os países em desenvolvimento estão
liberados para se desviar temporariamente do cumprimento dos seus dispositivos,
excepcionalmente nos casos permitidos pelo Artigo XVIII do GATT, relacionados aos
problemas do balanço de pagamentos.
139
Alguns países em desenvolvimento como o Brasil, não têm sido favoráveis ao Acordo
sobre TRIMs, vez que as políticas por ele vedadas vêm sendo reconhecidas tardiamente
como importantes ferramentas de fomento ao desenvolvimento, conforme ressaltou Umberto
Celli Junior:
Muito embora tenha sido conferida aos países em desenvolvimento a possibilidade
de deixar de aplicar temporariamente os dispositivos do TRIMs nos casos
relacionados a problemas na balança de pagamentos ou em face da necessidade de
proteção a indústrias emergentes, ainda assim não como negar que o espaço para
utilização desse importante instrumento de promoção de desenvolvimento industrial,
que são as medidas de investimento relacionadas ao comércio, foi drasticamente
reduzido. Além disso, é preciso lembrar que não no TRIMs nenhum dispositivo
regulamentando a conduta de empresas transnacionais, cujas atividades podem
muitas vezes ferir interesses econômicos locais. Por exemplo: quando a matriz
proíbe a subsidiária de exportar porque decide privilegiar fontes de produção em
outros países dentro de uma estratégia global de produção, mesmo quando a
subsidiária dispõe de todas as vantagens comparativas para exportar.
140
Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações
multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 102-103). Ainda: Considerando a necessidade que os países
têm de atrair investimentos, os ônus impostos pelas TRIMs não podem ser superiores às vantagens
vislumbradas pelos investidores. Esta é, por si só, uma limitação à possibilidade de imposição de TRIMs, uma
vez que elas podem funcionar como um desestímulo ao investimento se o comportamento exigido não for
atraente do ponto de vista econômico. O que o Acordo procura fazer é acrescentar a essa restrição natural
(de natureza econômica), restrições legais à liberdade dos membros da OMC. (ZERBINI, Eugenia;
ROCHA, Leandro; NASSER, Rabih; MENDES, Ricardo. Investimentos. In: THORSTENSEN, Vera; JANK,
Marcos S. (Coord.). O Brasil e os grandes temas do comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005.
cap. XI, p. 326.).
139
Deve-se apontar ainda que as medidas de investimento não são equiparáveis às práticas de subsídios pelos
governos, conforme explica Vera Thorstensen: É importante ressaltar que os conceitos que embasam o
Acordo [sobre Subsídios] estão orientados para o comércio de bens, e não podem ser aplicados diretamente
aos investimentos, pois se referem aos fluxos de bens, que ocorrem depois que o investimento tiver sido feito.
Os efeitos adversos estabelecidos no Acordo estão definidos em termos de distorções do fluxo comercial dos
bens subsidiados, isto é, na medida em que os subsídios aumentam o nível de exportação ou reduzem o nível
de importação do país que subsidia e, assim, prejudicam os produtores de produtos similares em outro país.
(OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de
negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 314).
140
CELLI JUNIOR, Umberto. Os Acordos de Serviços (GATS) e de Investimentos (TRIMS) na OMC: espaço
para políticas de desenvolvimento. Cadernos PROLAM/USP, v. 1, p. 16, 2007. Relata ainda o autor que o
Brasil vem muito defendendo a necessidade de flexibilização dessas regras do TRIMs, de forma a poder
adotar medidas de investimento relacionadas ao comércio e impulsionar seu desenvolvimento. Em 2002, o
país apresentou na OMC, juntamente com a Índia, proposta de flexibilização dessas regras, a qual contou
ainda com o apoio da Argentina, Colômbia e Paquistão, dentre outros. Brasil e Índia basearam-se em estudos
da própria OMC e da UNCTAD mostrando que a ‘TRIMs’ foram fundamentais para os países ricos nas fases
iniciais de desenvolvimento. Ao defender a flexibilização do TRIMs, o então embaixador do Brasil junto à
OMC, Felipe Seixas Corrêa, argumentou que o grande problema na implementação de TRIMs é que suas
regras são impostas a todos da mesma maneira, sem distinguir o estágio de desenvolvimento de cada país.
Assim, as enormes disparidades tecnológicas, sociais, regionais e ambientais entre os países ‘tornam difícil,
senão impossível, para o Acordo de TRIMs gerar benefícios equilibrados para todos’. Essa proposta
76
Fato é que o Acordo sobre TRIMs e tampouco o processo acelerado de
interdependência das economias mundiais, evitaram a presença, inclusive nos países
desenvolvidos, de imposições regulatórias que restringem a entrada de capital estrangeiro em
setores selecionados, conferindo tratamento diferenciado para as empresas nacionais e para
aquelas de propriedade estrangeira.
141
Com o objetivo de contornar tais situações, alguns países passaram a negociar regras
bilaterais relacionadas aos investimentos. A propósito, a década de 90 foi marcada ainda pelo
crescente número de acordos bilaterais de promoção e proteção recíproca (BITs Bilateral
Investment Treaties), sobretudo tendo de um lado países em desenvolvimento e, de outro,
Estados Unidos e Europa.
142
apresentada por Brasil e Índia tem dentre seus objetivos alterar o TRIMs para: (i) promover a indústria
doméstica com alto valor agregado; (ii) estimular transferência de tecnologia; (iii) aumentar a capacidade de
exportação; e (iv) promover pequenas e médias empresas e gerar empregos.” (Ibid., p. 15).
141
FDI policy has traditionally been an integral part of the overall development strategy of host countries. But
its form and scope have varied a great deal over time and between countries. As an industrial policy tool, FDI
policy has sought to achieve certain level of local content or exporter foreign exchange payments balancing
performance requirements. It has been used as a mean to transfer technology, upgrade skills or associate
foreign firms with domestic ones and also to increase the level of domestic competition. In other cases, FDI
policy has kept foreign investors away from strategic sectors or operations (i.e. acquisitions) or, on the
contrary, actively solicited the entry new foreign investors and new businesses (greenfield investment).
Screening has also been used as a substitute for weak or deficient domestic regulation (such as in the fields of
competition and environment policy) while in other cases the same regulatory approach has been applied to
foreign and domestic investors. FDI has been influenced as well by other policies, notably those restricting
imports (tariffs and non-tariff barriers), promoting exports (subsidies) or indirectly favoring local production
(high domestic content rules of origin requirements). Foreign investors have also been attentive to levels of
intellectual property protection and legal guarantees to their operations. (Conference on the Role of
International Investment in Development, Corporate Responsibilities and the OECD Guidelines for
Multinational Enterprises. Paris: OECD, 1999. Disponível em:
<http://www.oecd.org/dataoecd/8/63/2089832.pdf>. Acesso em: 13 out. 2008.). “A política de IED tem sido
tradicionalmente uma parte integrante da estratégia de desenvolvimento geral dos países anfitriões. Mas a
forma e a abrangência têm variado muito ao longo do tempo entre os países. Como uma ferramenta de política
industrial, a política de IED tem buscado alcançar um certo nível de conteúdo local ou equilibrar os
pagamentos em moeda estrangeira por exportadores de acordo com suas necessidades. Ela tem sido usada
como meio para transferir tecnologia, melhorar as habilidades ou associar firmas estrangeiras com nacionais e
também para aumentar o nível de concorrência doméstica. Em outros casos, a política de IED tem mantido os
investidores estrangeiros longe dos setores estratégicos ou operações (por ex. aquisições) ou, do contrário,
incentivando ativamente novos investidores estrangeiros e novos negócios (investimentos greenfield). Tem
sido usado também como um mecanismo de regulação em substituição à regulação doméstica fraca ou
deficiente (como nos setores de concorrência e de política ambiental), enquanto em outros casos, a mesma
forma de regulação tem sido aplicada para investidores estrangeiros e domésticos. IED tem sido influenciado
também por outras políticas principalmente aquelas que restringem importações (barreiras tarifárias e não-
tarifárias), promovem exportação (subsídios) ou indiretamente de favorecimento da produção local (regras de
exigência de alto conteúdo de origem doméstica) . Investidores estrangeiros também tem prestado atenção aos
níveis de proteção da propriedade intelectual e as garantias legais às suas operações”. (Tradução livre do
autor).
142
Estudos da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostram que, na
década de 90 marcada pela abertura econômica na América Latina , o número de acordos promovendo e
protegendo investimentos estrangeiros triplicou. Existem cerca de 1,3 mil acordos desse tipo envolvendo mais
de 160 países. Dados de 1997 indicam que os investimentos estrangeiros diretos no mundo aumentaram para
US$ 400 bilhões e que um dos maiores índices de crescimento foi na América Latina, principalmente por
77
Referidos acordos têm sido alvo de severas críticas por limitar a capacidade
regulatória dos países em desenvolvimento, de direcionar investimentos para segmentos
considerados estratégicos, motivados tanto pelo interesse e pela localização geográfica, bem
como pela capacidade de gerar renda complementar às atividades domésticas ou novos postos
de trabalho.
Confira-se a anotação de Cláudia Perrone-Moisés:
143
Finalmente, cabe indagar se esse tipo de Tratado vem favorecendo a cooperação
entre os países hospedeiros e países exportadores de capital no que se refere ao
auxílio ao desenvolvimento. Quando um Tratado Bilateral é convencionado entre as
partes, existe a idéia de que deve haver reciprocidade de interesses e vantagens para
ambas as partes. Mas ocorre que freqüentemente se objeta que esta reciprocidade
seria apenas formal e que os direitos ali estabelecidos apenas beneficiam os países
exportadores. Tudo indica que estes Tratados, concebidos como uma etapa na
regulamentação desta cooperação, sejam influenciados doravante pelas tendências
internacionais no sentido de diminuir ainda mais o poder dos países importadores de
capital, tornando cada vez mais difícil a cooperação almejada.
Por sua vez, o Brasil não tem se mostrado favorável aos acordos bilaterais sobre
investimentos, tendo em vista que os instrumentos já assinados não foram, até o momento,
ratificados pelo Congresso Nacional.
Tampouco, no âmbito do Mercosul, foram ratificados o Protocolo de Colônia sobre a
promoção e proteção dos investimentos (intra-regionais), celebrado em 1993, e o Protocolo de
Buenos Aires que tratou dos investimentos a serem recebidos de fora do bloco, celebrado em
1994.
144
causa do Brasil que apesar da falta de acordos bilaterais ou multilaterais atraiu US$ 17 bilhões. Nos anos
de 1998 e 1999, o país recebeu, anualmente, R$ 30 bilhões. (Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/internet/agencia/materias.asp?pk=21869>. Acesso em: 14 ago. 2006).
143
Sobre a origem desses acordos, confira-se: Foram os países desenvolvidos que inicialmente deram impulso a
estes tratados, com o objetivo de fornecer proteção a seus investimentos nos países em desenvolvimento e
tentar reduzir, ao máximo, os riscos políticos inerentes, muitas vezes, aos investimentos nesses países. Em
linhas gerais, o tratado bilateral estipula regras de proteção ao investimento estrangeiro que serão aplicadas
após a admissão do investimento e que não constam da legislação interna do país hospedeiro. [...] Para os
países desenvolvidos, o interesse na conclusão de um tratado dessa natureza deve-se ao fato de considerarem
mais seguro para o investimento determinar as regras que regularão suas relações do que deixar que sejam
aplicadas as normas de direito interno do país que recebe o investimento. Além disso, tendo em vista a
incerteza levantada por estes países quanto às normas do Direito Internacional que seriam aplicáveis à
matéria, através destes documentos o que se pretende é determinar, com precisão, como será o tratamento
que o país hospedeiro concederá ao investimento. (PERRONE-MOISÉS, Cláudia. Direito ao desenvolvimento
e investimentos estrangeiros. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 24-25, 36).
144
Compartilhamos aqui com a posição de autores que vêem justificativas para uma postura mais defensiva por
parte do Brasil contrária à posição adotada por alguns países em desenvolvimento, dentre elas, a atratividade
intrínseca do país para investimentos, em função do tamanho de seu mercado e do avanço que tem feito em
termos de ambiente regulatório e política macroeconômica (ZERBINI, Eugenia; ROCHA, Leandro;
NASSER,
Rabih; MENDES, Ricardo. Investimentos. In: THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S.
(Coord.). O Brasil e os grandes temas do comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005. cap. XI, p.
78
Ainda, nas últimas décadas temos presenciado o debate acalorado, dentro de
organismos internacionais como OCDE, Banco Mundial, FMI e UNCTAD, sobre a
necessidade de se estabelecer no âmbito multilateral, novos mecanismos de regulação
supranacionais que possam preencher lacunas e compatibilizar os sistemas nacionais como,
por exemplo, franquear o acesso dos investidores externos a tribunais estrangeiros.
Especialmente na OCDE, as negociações em torno do chamado Acordo Multilateral de
Investimentos (MAI Multilateral Agreement on Investiment), revelaram uma tentativa dos
países desenvolvidos de impor aos países em desenvolvimento um abrangente acordo de
investimentos que regulamente os investimentos de toda a espécie ao redor do mundo, com o
fim de assegurar a livre movimentação, segurança e rentabilidade a seus capitais.
145
Iniciadas em 1995, as negociações do MAI acabaram suspensas em 1998, pois os
membros da OCDE não chegaram a um consenso sobre a abrangência do acordo, exceções,
salvaguardas e reservas específicas para cada país, como nos revela Vera Thorstensen:
146
350.). Confira-se a respeito: Desde que o economista Jim O´Neil, do Goldman Sachas, criou a figura do
grupo BRIC em novembro de 2001, analistas econômicos freqüentemente comparam o Brasil, Rússia, Índia e
China sob o aspecto da atratividade de investimentos estrangeiros diretos. O que os quatro tem em comum
são o enorme mercado interno e a disponibilidade dos fatores de produção em menor ou maior grau, alguns
dos condicionantes que mais pesam nas decisões sobre investimentos. Entretanto, quando se analisam esses
fatores e outros, como regras claras e estáveis e funcionamento do sistema político, as situações variam muito
de país a país. [...] Dos quatro integrantes do BRIC, o Brasil é o que tem estruturas capitalistas mais
avançadas e ostenta a mais moderna dentre as três sociedades.(TACHINARDI, Maria Helena. Estrutura
capitalista e sociedade moderna. Valor Especial, São Paulo, p. 71, mar. 2009. Oportunidades de
Investimentos: desafios do Brasil diante da crise.).
145
Confira-se: International investment can stimulate competition, improve resource allocation, and facilitate
the international distribution of technology. Indeed, countries with open investment regimes have generally
shown higher growth rates than those countries that did not. However, while economic growth has increased
overall world prosperity, inequality between and within both developed and developing countries has
increased. With the large majority of the world’s people living in developing countries, it is important to take
into account their perspective on the issues of sustainable development as well. High international standards
in employment and environment are clearly desirable in terms of sustainability, but these may be relatively
and absolutely more difficult for developing countries to reach. OECD countries have a role to play in
assisting developing countries in attaining the presently set goals of sustainable development.
(FORTANIER, Fabienne; MAHER, Maria. Foreign direct investment and sustainable development. Financial
Market Trends 79. Paris: OECD, 2001. p. 125). “Investimento internacional pode estimular a concorrência,
melhorar a alocação de recursos e facilitar a distribuição internacional de tecnologia. De fato, países com
regime de investimento aberto tem geralmente demonstrado níveis de crescimento mais alto do que os países
que não tem esse regime. Porém, enquanto o crescimento econômico tem aumento, a prosperidade mundial
em geral, o desequilíbrio entre e dentro dos países desenvolvidos e em desenvolvimento tem aumentado. Com
a grande maioria dos povos do mundo morando em países em desenvolvimento, é importante levar em conta,
também, suas perspectivas nos aspectos de desenvolvimento sustentável. Os altos padrões internacionais de
emprego e meio-ambiente obviamente são desejáveis em termos de sustentabilidade, mas estes podem ser
relativamente e absolutamente mais difíceis de serem alcançados pelos países em desenvolvimento. Os países
da OECD m um papel a realizar de assistência para que os países em desenvolvimento possam atingir os
objetivos atualmente exigidos de desenvolvimento sustentável.”. (Tradução livre do autor).
146
THORSTENSEN, Vera. OMC Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a
nova rodada de negociações multilaterais.São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 311.
79
O MAI está com as negociações em suspenso, mas enfrenta, atualmente, a oposição
de vários grupos de pressão. De um lado estão os setores europeus ligados à
proteção de valores culturais, afirmando que o acordo poderá destruir a tradição e os
costumes europeus, ao permitir a entrada de investidores americanos na área de
produção de filmes, programas de TV e rádio, ou área musical. De outro lado estão
os grupos ligados à área de defesa do meio ambiente e de padrões trabalhistas,
exercendo forte pressão para que o acordo inclua cláusulas de proteção específica
para tais temas. Finalmente, posicionam-se os americanos, que consideram que o
acordo não satisfaz seus interesses, por apresentar listas muito grandes de reservas e
exceções, e não atingir os padrões de liberalização pretendidos. Como as metas
impostas ao acordo foram ambiciosas, está sendo difícil se chegar a um consenso,
mas talvez uma versão mais atenuada de liberalização para a área de investimentos
possa ser conseguida.
Mais recentemente, em razão do impasse das negociações do MAI dentro da OCDE,
as discussões acabaram sendo deslocadas para o âmbito da OMC, justificada ainda pela
mudança da postura da Organização que passou de uma abordagem de simples liberalização
das fronteiras, para uma abordagem mais ampla orientada para a competição internacional.
Eis o espírito que norteou a mudança de posicionamento:
147
Atividades de comércio e de investimento transfronteiras têm sido consideradas
como fenômenos econômicos distintos, com diferentes características e efeitos, e
como tais, sujeitas a regulamentações governamentais diferentes. Atualmente, no
entanto, comércio e investimentos estão sendo considerados como estreitamente
relacionados, cada um deles possuindo um papel essencial no processo de integração
internacional e de globalização, cada um como meio para se atingir economias de
escala e expansão de mercados, maior escolha e menores preços para os
consumidores, transmissão de tecnologia, e práticas modernas de administração, que
são essenciais para a eficiência econômica e o desenvolvimento (OECD, 1997)
Questões relativas à presença no mercado ou ao acesso a mercado, como por
exemplo, o conjunto de condições regulando a permissão para que as firmas se
estabeleçam e operem nos mercados estrangeiros, m assumido um papel central na
interpenetração das economias, e são conseqüência da expansão das atividades
transfronteiras da última década. Neste processo, comércio e investimento passaram
a apresentar uma complementariedade crescente, uma vez que as empresas que
operam no mercado internacional estão considerando comércio e investimento como
meios complementares para desenvolverem atividades de produção global, e não
como estratégias alternativas de penetração no mercado.
Entretanto, parece que o consenso em torno do tema está longe de ser alcançado em
nível multilateral.
Pesaram sobre essa nova postura da OMC fortes argumentos contrários, originários
principalmente dos países em desenvolvimento como, por exemplo, a ausência de
demonstração dos custos e benefícios de tal acordo. A propósito, o Brasil nunca demonstrou
interesse na inclusão do tema na agenda da OMC.
147
THORSTENSEN, Vera. OMC Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a
nova rodada de negociações multilaterais.São Paulo: Aduaneiras, 2001. p. 304-305.
80
Ainda, visões conflitantes entre os próprios países desenvolvidos também
contribuíram para o insucesso das negociações, a exemplo do que ocorria quando das
negociações do MAI.
Com isso, o tema que vinha sendo estudado por um grupo de trabalho sobre Comércio
e Investimento, acabou descartado definitivamente em 2004 da agenda estabelecida na
Conferência Ministerial de Doha, ficando fora, portanto, do âmbito das discussões
multilaterais na OMC.
De fato, não é uma tarefa muito fácil a mensuração dos impactos positivos de
compromissos abrangentes em nível internacional sobre o fluxo de investimentos. Além
disso, a importância da matéria dentro da realidade de cada país, leva-nos a concluir pela
inviabilidade do agrupamento dos países em dois blocos com interesses supostamente
convergentes em matéria de investimentos estrangeiros (países desenvolvidos e países em
desenvolvimento).
Cremos, então, que negociações bilaterais ou até mesmo regionais possam ser mais
eficazes para os países importadores de capital, desde que resulte efetivamente em vantagens
e benefícios que possam ser periodicamente mensurados, respeitando-se assim os distintos
interesses influenciados pela situação econômica de cada país.
Outrossim, entendemos que em tais negociações, além de se valer de contrapartidas
efetivas junto aos parceiros comerciais, o governo brasileiro deve buscar medidas que
resguardem minimamente o país em caso de possíveis impactos negativos, sobretudo em
detrimento dos direitos humanos econômicos da coletividade brasileira, como detalharemos
no capítulo seguinte.
3.4 A Crise Financeira de 2008 e a Tendência Pró-Regulamentação
Por falar em medidas de defesa contra impactos negativos, presenciamos nesse início
de século uma crise financeira mundial que se descortina em manchetes diárias em todos os
meios de comunicação. Fala-se inclusive na pior crise desde a 2ª Guerra Mundial.
Tendo sido identificada a sua origem a partir dos chamados “créditos subprime”
(ativos derivados do mercado de hipotecas norte-americano), a crise de proporções mundiais
81
colocou o tema da regulamentação em discussão, enfraquecendo, de outro lado, o discurso da
abstenção estatal.
148
No centro dessa crise ninguém mais do que o governo norte-americano, considerado
por décadas defensor do capitalismo ultra-liberal, vendo-se agora obrigado a intervir
fortemente na economia em defesa dos seus cidadãos, principalmente através de uma elevada
capitalização de instituições deficitárias a fim de evitar ao menos momentaneamente
maiores efeitos devastadores sobre o modelo capitalista norte-americano.
149
Longe de ser considerado um discurso ultrapassado, os fatos recentes nos revelam a
importância do intervencionismo estatal sobre a economia, incluindo-se os setores público e
privado, sempre que necessário à defesa da coletividade, tanto para prevenir como para
contornar as externalidades negativas geradas pelo modelo capitalista empregado.
150
148
As tentativas desesperadas do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de evitar que a economia da
América a pique são notáveis por pelo menos dois motivos. Primeiro, até poucos meses atrás, a crença
generalizada era de que os EUA conseguiriam evitar a recessão. Agora a recessão parece certa. Segundo, as
ações do Fedo parecem ser eficazes. Apesar de as taxas de juros terem sido reduzidas drasticamente e de o
Fed ter despejado liquidez sobre bancos com dificuldades de caixa, a crise está se aprofundando. Em grande
medida, na verdade a crise dos EUA foi produzida pelo Fed, ajudada pelos pensamentos ilusórios do governo
Bush. Um dos principais culpados é ninguém menos do que Alan Greenspan, que deixou o atual presidente do
Fed, Ben Bernanke, numa situação terrível. Bernanke, porém, foi um diretor do Fed na gestão de Greenspan e
ele, da mesma forma, fracassou em diagnosticar corretamente os problemas crescentes embutidos nas suas
políticas.(SACHS, Jeffrey. As raízes da crise financeira da América. Valor Econômico, São Paulo, p. A13,
27 de março de 2008.).
149
Enquanto as manchetes dos jornais anunciam os desdobramentos da crise financeira e seu impacto na
economia global, alguns analistas chegam a dizer que chegou ao fim o domínio do capitalismo financeiro
anglo-saxão. Outros querem fornecer um atestado de óbito antecipado a Wall Street. Entretanto, a crise
atual, embora de proporções gigantescas, não é novidade para quem acompanhou os acontecimentos
econômicos e sociais do século passado. O Século XX teve rios períodos de grande ansiedade que
balançaram o mundo. O primeiro grande choque, a Grande Depressão, que muitos hoje receiam que esteja
próximo de acontecer de novo, foi também considerado uma crise do capitalismo. O segundo evento, não tão
convulsivo como o primeiro, ocorreu na década de 70, quando a economia mundial praticamente afundou.
Essa crise trouxe baixo crescimento econômico, inflação, desemprego e um novo termo para o mercado:
estagflação. Mais uma vez, a eficácia do capitalismo foi questionada. A recente injeção, pelo governo dos
EUA, de US$ 200 bilhões para a nacionalização da Fannie Mae e Freddie Mac, dois gigantes do
refinanciamento hipotecário, e US$ 85 bilhões para recapitalizar a AIG, fizeram com que a mídia clamasse
que os EUA estavam nacionalizando empresas e agindo como a antiga URSS. Tais acontecimentos nos fazem
revisitar os trabalhos de John Maynard Keynes, que teve um papel fundamental na recuperação da economia
mundial na Depressão de 30, Joseph Schumpeter, que contribuiu para que entendêssemos melhor a inovação,
e Peter F. Drucker, cujas idéias foram responsáveis pela recuperação do Japão e Europa no s-Guerra.
(MACHADO, Marcilio R. Revisitando Drucker, Schumpeter e Keynes: a crise. Valor Econômico, São Paulo,
p. A12,
28 de outubro de 2008.).
150
Curiosamente, Alan Greenspan, que hoje tem sua atuação à frente do Banco Central norte-americano,
questionado, em recente entrevista, declarou em tom de legítima defesa: “Entendo que, uma vez a cada cem
anos, isto é o que deve ser feito”, confira-se: O governo dos Estados Unidos poderia ter de estatizar alguns
bancos de forma temporária para consertar o sistema financeiro e restaurar o fluxo de crédito, segundo
afirmou Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) em entrevista ao
‘Financial Times’. Greenspan, considerado por décadas o sumo sacerdote do capitalismo laisser-faire, sem
grande interferência do Estado, afirmou que a estatização poderia ser a opção ‘menos ruim’ para as
autoridades do país. ‘Pode ser necessário estatizar temporariamente alguns bancos de forma a facilitar uma
reestruturação rápida e ordenada’, disse. ‘Entendo que, uma vez a cada cem anos, isto é o que deve ser feito.’
82
Dentre os diversos resultados da crise financeira mundial, a tendência do
intervencionismo estatal nos diversos setores da economia apresenta-se praticamente como
certa, tendo em vista a necessidade dos Estados de repensarem as suas respectivas políticas
econômicas.
Discorrendo sobre os elementos marcantes da atual crise financeira mundial em
comparação com as crises bancárias e financeiras anteriores, conclui Jairo Saddi:
151
Isto nos conduz à correta interpretação de que a crise atual é uma crise quase sem
precedentes na história, independente de seu tamanho, força ou duração. No entanto,
parece evidente que ela tenha surgido, inicialmente, nos bancos, em transações
imobiliárias sem a devida correspondência em garantias reais que, efetivamente,
valessem os mútuos num momento de queda do valor dos ativos. E parece que a
intervenção estatal, a la New Deal, é inevitável.
152
Os comentários de Greenspan fecharam um dia agitado, no qual autoridades por todo o espectro político
deram a impressão de que passaram a aceitar algum tipo de estatização dos bancos. ‘Deveríamos centrar-nos
no que funciona’, disse Lindsey Graham, senador republicano pela Carolina do Sul, ao ‘Financial Times’.
‘Não podemos continuar gastando mal [...] se o que funciona é a estatização, então, vamos fazê-la.’ Na terça-
feira, antes de discursar no Economic Club, de Nova York, Greenspan disse ao ‘Financial Times’ que ‘em
alguns casos, a solução menos ruim é que o governo assuma o controle temporário’ de bancos com
problemas, seja por meio do Federal Deposit Insurance Corporation, a agência do governo que garante os
depósitos financeiros dos correntistas, ou de algum outro mecanismo. [...] Greenspan fez as declarações
enquanto o presidente do país, Barack Obama, assinava a lei de estímulo econômico de US$ 787 bilhões, em
Denver, no Colorado. Obama anunciou também um programa de US$ 75 bilhões para o socorro de casos de
execuções hipotecárias, em Phoenix, Arizona. Paralelamente, a Casa Branca trabalhava na noite passada na
última fase do resgate de duas das três grandes montadoras de carros dos EUA. Em discurso após assinar a
lei de estímulo, que ele chamou de ‘o pacote de recuperação mais abrangente de nossa história’, Obama
apresentou um cronograma vertiginoso de decisões federais para as próximas semanas, incluindo medidas
para reparar o sistema bancário do país, o envio na próxima semana do orçamento de 2009 e uma reunião
bipartidária na Casa Branca para abordar a disciplina fiscal de longo prazo. (GUHA, Krishna; LUCE,
Edward. Greenspan apóia a estatização de bancos. Valor Econômico, São Paulo, p. C5, 19 de fevereiro de
2009.).
151
SADDI, Jairo. Notas sobre a crise financeira de 2008. Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo,
n. 42, p. 38, 2008.
152
Ao que tudo indica, o intervencionismo do governo norte-americano está apenas no início, confira-se: O
governo de Barack Obama começa agora a agir com dois planos de estabilização que colocarão à sua
disposição até US$ 2,8 trilhões para tentar debelar a pior crise desde a Grande Depressão. O Senado
aprovou ontem o pacote de estímulo econômico de US$ 838 bilhões, que terá agora de ser compatibilizado
com o da Câmara, de US$ 819 bilhões. Também ontem, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, anunciou
medidas que podem chegar a US$ 2 trilhões para reativar os mercados de crédito e recuperar o insolvente
sistema financeiro americano. Os mercados reagiram com desânimo ao pacote para os bancos. O Índice Dow
Jones fechou em queda de 4,62%. O Ibovespa caiu 2,12%. As maiores expectativas dos investidores giravam
em torno do plano de socorro financeiro. Mas Geithner anunciou medidas gerais, como a extensão de uma
linha do Federal Reserve para US$ 1 trilhão, destinada a garantir crédito a estudantes, automóveis, imóveis
comerciais e pequenas e médias empresas, por meio de securitização. Haverá uma nova rodada de injeção de
capital nos bancos, mas com grandes condicionantes. As instituições terão de passar por um ‘teste de
estresse’ para que sejam avaliadas suas condições nos piores cenários e a decorrente necessidade de capital.
Os bancos que receberem dinheiro público não poderão distribuir dividendos, recomprar ações ou adquirir
rivais antes que o Tesouro seja ressarcido. O Tesouro também vai criar um fundo público-privado para
aliviar os bancos dos créditos de recebimento duvidoso - mas essa novidade do plano não foi detalhada, o que
deverá ocorrer nas próximas semanas. Ele será composto inicialmente por US$ 500 bilhões do Tesouro e
poderá chegar a dispor de US$ 1 trilhão.(MERCADOS reprovam plano de Obama. Valor Econômico, São
Paulo, p. C6, 11 de fevereiro de 2009.).
83
No Brasil não deverá ser diferente. Sem dúvida alguma, o maior desafio será
desenvolver soluções que possam amenizar os efeitos da crise.
Entretanto, conforme detalharemos a seguir, ao Estado no seu papel de agente
regulador das relações econômicas e sociais, caberá o desenvolvimento de estratégias para a
proteção das necessidades de toda a estrutura social a partir do dirigismo constitucional.
Nos dizeres de Giovani Clark:
Versar sobre as políticas econômicas públicas pelo viés da obediência da Carta
Magna é de fundamental importância nesses tempos atuais, onde se questiona o
papel do Estado na economia, se valoriza a participação social, e se descobre a
magnitude do poder econômico privado, por vezes, bem superior ao público.
153
153
CLARK, Giovani. Política econômica e Estado. Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro, São
Paulo, n. 141, p. 46, jan./mar.2006.
84
4 A ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA E OS DIREITOS HUMANOS
ECONÔMICOS
4.1 Os Fundamentos da Ordem Econômica
A análise do tratamento do capital estrangeiro em nosso ordenamento jurídico,
segundo a nossa proposta dissertativa, passa necessariamente pela abordagem dos
fundamentos da ordem econômica brasileira. Como vimos nos capítulos anteriores, ao longo
dos anos o tema do capital estrangeiro tem sido recorrentemente um componente fundamental
do intervencionismo estatal na economia e, portanto, imprescindível é a análise dos
fundamentos do ambiente econômico brasileiro, no qual está inserido.
Essa idéia pode parecer óbvia, porém, como vimos acima, os debates em torno do
tema raramente se ajustam a esse prisma.
Os fundamentos essenciais da ordem econômica brasileira são apresentados no art.
170, caput, da CF/88, quais sejam: a valorização do trabalho humano
e a livre iniciativa.
Analisando o referido dispositivo constitucional, Tércio Sampaio Ferraz Júnior aponta
para o reconhecimento de verdadeiras bases, aquilo sobre o que ela [ordem econômica] se
constrói, ao mesmo tempo sua conditio per quam e conditio sine qua non, os fatores sem os
quais a ordem reconhecida deixa de sê-lo, passa a ser outra, diferente, constitucionalmente
inaceitável”.
154
Embora não receba tantos holofotes quanto a livre iniciativa, a valorização do trabalho
humano é o primeiro fundamento, correspondendo ao próprio direito ao trabalho. Reconhece-
se na força de trabalho inerente a todo homem, uma fonte de riqueza que, independentemente
de sua origem ou classe social, lhe propicia a subsistência e das pessoas por quem é
responsável.
Nos dizeres de Fabiano Del Masso, a ordem econômica constitucional impõe ao
Estado a obrigação imediata de criação de possibilidades de trabalho, pois é assim que o
valoriza. Neste sentido,
154
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudo da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.
p. 22-23.
85
[...] a criação de condições específicas de proteção ao trabalhador deve vir apenas
após a garantia da empregabilidade, o que envolve a possibilidade de estudo, de
desenvolvimento cultural etc. A valorização do trabalho humano extrapola, dessa
maneira, o simples e ineficiente amparo ao empregado desqualificado que foi
excluído pelo próprio Estado das possibilidades de trabalhar. Daí a expressão
utilizada pelo legislador constitucional “fundamento”, ou seja, a base da atividade
econômica.
155
Note-se que o trabalho humano é valorizado porque é através dele que se garante a
todos a plena possibilidade de integração e evolução social, edificando-se assim o próprio
conceito de cidadania. Por isso, falar em valorização do trabalho é reconhecer cidadania na
ordem econômica.
A propósito, afirma Eros Roberto Grau:
156
Daí porque o art. 1º, IV do texto constitucional de um lado – enuncia como
fundamento da República Federativa do Brasil o valor social e não as virtualidades
individuais da livre iniciativa e de outro o seu art. 170, caput, coloca lado a lado
trabalho humano e livre iniciativa, curando contudo no sentido de que o primeiro
seja valorizado.
A valorização é aqui considerada como o aumento do valor do trabalho humano, onde
a sua supressão ou a sua extirpação não tem vez, o que infelizmente não tem ocorrido nos
países apoiados em uma economia liberal de mercado. Nestes países, o foco central está no
capital, unicamente, podendo gerar obviamente tais externalidades.
no modelo econômico desenhado pela nossa Constituição Federal, as atenções se
dividem – ou ao menos deveriam se dividir – entre a valorização do trabalho humano e a livre
iniciativa. A matriz econômica constitucional não tem como fim único o capital, mas sim o
capital fundado nos seus valores sociais, jamais deixando de lado a valorização do trabalho
humano.
157
Como afirma Eros Roberto Grau:
Esse tratamento em uma sociedade capitalista moderna, peculiariza-se na medida em
que o trabalho passa a receber proteção não meramente filantrópica, porém
politicamente racional. Titulares de capital e de trabalho são movidos por interesses
distintos, ainda que se o negue ou se pretenda enunciá-los como convergentes. Daí
porque o capitalismo moderno, renovado, pretende a conciliação e composição entre
ambos.
158
155
MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 43-44.
156
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 186.
157
A valorização do trabalho humano é objeto ainda do art. 1º, inc. IV da CF/88, ao enunciar os valores sociais
do trabalho como princípio fundamental da República; e do art. 3º, inc II da CF/88, enquanto resultado do
objetivo esperado de desenvolvimento nacional.
158
GRAU, op. cit., p. 178-179, nota 155.
86
O segundo fundamento da ordem econômica é a livre iniciativa, como referimos.
Utilizando-se a definição de Fernando Herren Aguillar, a livre iniciativa corresponde ao
resguardo jurídico ao agente econômico de empreender o que desejar sem interferência
estatal. Corresponde, na esfera econômica, à proteção jurídica dispensada ao cidadão, no
âmbito jurídico”.
159
Convém aqui transcrever a interessante consideração de Fabiano Del Masso a respeito
da livre iniciativa:
160
A livre iniciativa garante a liberdade de empreender, o que não induz a possibilidade
de empreender. A simples garantia de liberdade de iniciativa não é suficiente para o
estímulo à atividade produtiva. Outros fatores como infra-estrutura do sistema de
transportes, do sistema tributário, do sistema registrário da atividade empresária, da
política de concessão de crédito, entre outros, são os responsáveis para o
empreendedorismo.
Na linha da Revolução Francesa, a liberdade que se pretendia àquela época,
consagrada no laissez-faire, era de fato a não-intervenção do Estado na atividade econômica,
tendo como princípio fundamental a autonomia da vontade, fincada no pacta sunt servanda.
Porém, atualmente a livre iniciativa não mais pode ser admitida nos mesmos termos
em que a admitia no Estado liberal do século XVIII, como observa Afonso Insuela Pereira:
Enquanto neste [Estado liberal do século XVIII] ela se constituía em um direito
absoluto, hoje deve ser entendida como um direito relativo que, embora
constitucionalmente assegurado, visando à elevação da pessoa humana, deve ficar
contido dentro de limites que visam, acima de tudo, aos interesses coletivos.
161
Todavia, essa relativização deve ser entendida dentro de um conceito de
enquadramento ou conciliação, como referido pelo Supremo Tribunal Federal, pois não se
trata de deturpar a livre iniciativa para que se mantenha um Estado autoritário, mas sim freá-la
159
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo:
Atlas, 2006. p. 227.
160
MASSO, Fabiano Del. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 44.
161
PEREIRA, Afonso Insuela. O Direito Econômico na ordem jurídica. São Paulo: José Bushatsky, 1974. p.
162. No mesmo sentido: Vale lembrar que os Estados socioliberais, como o nosso, conquanto reconheçam e
assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o
exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para o uso e gozo dos
bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na
ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e reprimir a
conduta anti-social da iniciativa particular. (SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional
econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 55).
87
na busca dos fins estampados na própria CF/88, notadamente o inc. IV, do art. e o art.
170.
162
De qualquer forma, o legislador constitucional ao elencar a livre iniciativa como base,
reconheceu na liberdade um dos fatores estruturais da ordem econômica, como observa Tércio
Sampaio Ferraz Júnior. Trata-se de
[...] afirmar a autonomia empreendedora do homem na conformação da atividade
econômica, aceitando sua intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim,
uma ordem aberta ao fracasso a uma “estabilidade” supostamente certa e eficiente.
Afirma-se, pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e
dos grupos e não na atividade do Estado. Isto não significa, porém, uma ordem do
laissez-faire, posto que a livre iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho
humano. Mas a liberdade, como fundamento, pertence a ambos. Na iniciativa, em
termos de liberdade negativa, da ausência de impedimentos e da expansão da própria
criatividade. Na valorização do trabalho humano, em termos de liberdade positiva,
de participação sem alienações na construção da riqueza econômica.
163
Uma vez interferindo na valorização do trabalho humano, pode a livre iniciativa sofrer
limitações. Na verdade, por força do mandamento constitucional, que se buscar sempre a
compatibilização da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa.
Nas palavras de Américo Luis Martins da Silva,
[...] a Constituição consagra precisamente uma economia de mercado, de natureza
capitalista, pois a “iniciativa privada” é um princípio básico do sistema capitalista.
Por outro lado, a Constituição declara que, embora adote o sistema capitalista, a
ordem econômica deve dar prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos
os demais valores da economia de mercado. Portanto, a liberdade econômica não é
absoluta. Ela só é garantida até onde a valorização do trabalho humano não exija que
seja restringida.
164
162
Confira-se a seguir, a ementa de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como objeto a
relativização do princípio da livre iniciativa: Em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da
livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das
desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa,
regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento
arbitrário dos lucros.” (ADI 319-QO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 30/04/93).
163
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudo da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.
p. 22-23.
164
SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 55.
No mesmo sentido: Assumindo o princípio da ‘autonomia’, um jurista liberal e tradicional excluiria de seu
trabalho interpretativo os elementos ‘socializantes’. Do mesmo modo, o jurista socialista procederia em face
dos elementos liberais. No entanto, a realidade constitucional incorporou os dois ‘princípios’, anulando a
idéia de conflito’ entre os mesmos.(SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito
Econômico. São Paulo: LTR, 2003. p. 232-233).
88
4.2 A Opção Capitalista Humanista da Constituição Federal
Importa agora analisar o perfil da opção capitalista do Brasil com base nos
fundamentos da ordem econômica, acima analisados, bem como na sua finalidade que é
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. nº 170).
Antes, porém, devemos pontuar o Brasil submetido a um regime constitucional
capitalista, porquanto assegurada está a liberdade de iniciativa, a propriedade privada e o
direito à herança (eternizando a propriedade).
165
Por conseguinte, os pontos marcantes e definidores para identificarmos o perfil dessa
opção capitalista estão na valorização do trabalho humano e na observação de se atender aos
ditames da justiça social.
Observa José Afonso da Silva que,
[...] embora capitalista, a ordem econômica prioridade aos valores do trabalho
humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate
de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção
do Estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao
lado da livre iniciativa, constituem um dos fundamentos não da ordem
econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).
166
Juntamente com a valorização social do trabalho humano, temos uma ordem
capitalista de caráter finalista”. Ou seja, busca-se atingir uma finalidade consistente em
assegurar a todos um nível de vida digno, conforme os ditames sociais.
Esse perfil constitucional fica evidente quando se depara com o conteúdo do art.
170, caput, da Constituição Federal: “A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”
165
Neste sentido: O Brasil é capitalista, como a maioria do mundo globalizado; sendo isto tão nítido na nossa
Constituição Federal, que enuncia a liberdade de iniciativa como princípio fundamental do Estado
Democrático de Direito, no artigo 1º, inciso IV, e fundamento da ordem econômica, no caput do art. 170,
e, aliás, se explicita a liberdade de atividade econômica, no respectivo parágrafo único; bem como se
reconhece à propriedade privada seu princípio, no inciso II do citado artigo nº 170; e, ainda, a liberdade e a
propriedade, também, estão consagradas como direitos fundamentais individuais, no caput do art. 5º, como
também se consagra neste relevantíssimo artigo constitucional, no inciso XIII, a liberdade de trabalho, ofício
ou profissão; no inciso XXII, a garantia do direito de propriedade; nos incisos XXVII, XXVIII e XXIX, a
propriedade intelectual; no inciso XXX, o direito à herança, eternizando a propriedade; e, no inciso XXXVI, a
inviolabilidade do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada.(SAYEG, Ricardo Hasson.
O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da. (Coord.).
Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 1.252).
166
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 709.
89
A expressão garantir a todos existência digna” denota claramente uma vinculação da
ordem econômica ao princípio da dignidade da pessoa humana, incluindo-se aí toda a gama de
direitos humanos inerentes a esse conceito. Além disso, o próprio fundamento da valorização
do trabalho humano assenta-se na garantia da defesa contra a exploração primária do homem
pelo homem, manifestada não na Constituição Federal, mas, também, em tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Carta de Viena, a Declaração
Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica.
Daí a opção capitalista em nossa Constituição Federal pelo perfil humanista, como já
referido nos capítulos anteriores, com os seus valores integrando os feixes dos direitos
fundamentais, de primeira, segunda e terceira geração por serem inerentes ao gênero humano
da população.
Assim, como balizamento para resolução da questão primordial da gestão econômica
de nosso país, pontua Ricardo Hasson Sayeg:
167
Id est, nossa Constituição Federal sustenta o capitalismo como regime econômico,
contudo, longe de ser sórdido e selvagem, muito menos de um Estado centralizador,
mas sim indutor da livre iniciativa e da propriedade privada, com vista à consecução
dos objetivos fundamentais da República e concretizador dos direitos humanos de
segunda e terceira dimensão, em especial, os direitos sociais, que assegurem a toda a
população existência digna, mediante a alocação eficiente dos recursos econômicos
escassos e regência jurídica, quando necessária, da economia, implementando o
cumprimento pelo Estado de seu papel de agente normativo e regulador, na
fiscalização, fomento e planejamento da atividade econômica, sendo este último
indicativo para o setor privado e determinante para o setor público, na forma do
artigo 174, sempre em consonância com a efetividade dos direitos humanos de
primeira dimensão, particularmente a liberdade e a propriedade privadas, bem como
o poder de enfrentamento contra o Estado tirânico, como postulava Locke
entretanto, no nosso caso, pelas vias próprias, a saber, aquelas que levam ao
Judiciário.
Ainda que possa parecer incompatível o perfil da opção capitalista da nossa
Constituição com a determinação de que se deve atender aos ditames da justiça social,
devemos atentar para uma análise constitucional global, para saber que o “todo”
constitucional dita o perfil da opção capitalista, mas com um viés social.
Nas palavras de André Ramos Tavares, a Constituição Federal ao estabelecer que a
ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social, determina como norte em sua implementação, o objetivo maior da “justiça
167
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio
Marques da. (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.
1.261.
90
social”, sendo que a própria Constituição a associa à solidariedade, acarretando não apenas na
prevalência do social sobre o individual, como também o compromisso de uma dependência
recíproca entre os indivíduos”.
168
Cabe observar ainda que, por se tratar de direitos fundamentais, as perspectivas
humanistas do capitalismo parametrizado então pelo art. 170, caput, da Constituição
Federal, não se pode invocar as chamadas interpretações programáticas, tantas vezes referidas
na doutrina, como atentamente assevera Thiago Lopes Matsushita:
169
Não é crível imaginar que o constituinte tenha colocado tal dispositivo, no artigo-
mor da ordem econômica, para não ter forte impacto, ou que não deva ser atendido,
ou mesmo assim, que seja relativizada essa ordem.
Se está no corpo constitucional e em conformidade com o “todo” constitucional,
deve ser cumprido e atendido, não podem o operador do direito e, acima de tudo, o
governante se esquivar de aplicar e proporcionar os meios para se atingir, o quanto
antes, esses objetivos.
Não conflito entre o capitalismo e a justiça social, a opção brasileira é a de
relativizar o liberalismo econômico, colocando a justiça social como barreira para
que se pense unicamente na riqueza.
Essa economia social de mercado, que teve início na Alemanha s-guerra, fica
entre o meio-termo do liberalismo e do socialismo, pois permite a livre iniciativa,
mas o Estado intervém na economia, visando regular as atividades econômicas para
existir a distribuição eqüitativa das riquezas.
Nessa linha de raciocínio, pode-se inferir do enunciado “justiça social”, verdadeiro fim
constitucional, a consecução dos objetivos fundamentais arrolados no art. da CF/88 (de
construir uma sociedade livre, justa e solidária, de desenvolvimento nacional, de erradicação
da pobreza e marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, e promover o
bem de todos sem preconceitos ou discriminação), bem como a concretização para toda a
população dos direitos sociais relacionados no art. 6º da CF/88 (a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, à assistência aos desamparados), observados os princípios conformadores previstos
nos incisos do art. nº 170 da CF/88.
Portanto, o perfil da opção brasileira de capitalismo é de um regime econômico em
busca da justiça social a todos, conforme se na CF/88. Isso é obrigatório e está
168
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 137.
169
MATSUSHITA, Thiago Lopes. Análise reflexiva da norma matriz da ordem econômica. 2007. 174f.
Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2007. p. 161-62.
91
consubstanciado inclusive na doutrina humanista do direito econômico, a que nos referimos
no início da presente dissertação.
Preconizada por ilustres professores de Direito da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, sob a coordenação de Ricardo Hasson Sayeg, a doutrina humanista de Direito
Econômico fixa suas bases conforme a pertinência constitucional, em especial a regra
principal concernente ao princípio da dignidade da pessoa humana em ambiente democrático.
Segundo essa teoria, o objeto do Direito Econômico corresponde aos direitos humanos
econômicos, como valores fundamentais, que tenham por fim assegurar a igualdade de
oportunidades econômicas para todos, em relação ao acesso aos recursos básicos, como:
educação, serviços de saúde, moradia, emprego, distribuição de renda, entre outros na esfera
do Estado-nação, assim como implementar e garantir, no âmbito do direito internacional
público, a autodeterminação dos povos, mediante o desenvolvimento e a livre disposição das
suas riquezas e de seus recursos naturais, em respeito às obrigações decorrentes da
cooperação econômica internacional, fundamentadas no princípio do proveito mútuo e dos
demais do direito internacional público.
Essa visão doutrinária é explicada por Vladmir Oliveira da Silveira como sendo a
busca de restauração, na análise econômica, da condição do homem como medida de todas as
coisas e centro do universo. Dessa forma, a teoria humanista pretende restabelecer na
economia a ordem natural das coisas, onde a lei é o meio e o homem o fim.
170
Nesse sentido, consigna o autor que o Direito Econômico deve ser utilizado como um
instrumento da sociedade para propiciar o desenvolvimento nacional, objetivando de maneira
geral o bem-estar coletivo e, especificamente, a garantia da dignidade da pessoa humana
inserida na economia de mercado. Funciona assim como uma espécie de direito preservador
ou corretivo do sistema econômico, que não abre mão da ética e dos valores da sociedade, ao
mesmo tempo, que trabalha ao lado da economia.
Observe-se que a partir das novas atribuições ao Estado decorrentes das
transformações das últimas décadas, verificam-se também modificações relativas à sua
atuação como agente realizador dos interesses coletivos, objetivando concretizar os
postulados normativos consagrados constitucionalmente. No desempenho dessa gestão dos
170
SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O direito ao desenvolvimento na doutrina humanista do Direito Econômico.
2006. 369 f.
Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) − Programa de Pós-Graduação em Direito,
Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. passim.
92
interesses, sobressaem os objetivos sociais a serem alcançados pelo Estado, como a defesa da
dignidade da pessoa humana, por intermédio do desenvolvimento econômico-social.
A doutrina humanista irá contribuir com tais objetivos, por intermédio de uma
construção teórica para interpretação e aplicação das normas jurídicas. Assim, pode-se dizer
que permitirá ao Direito Econômico concretizar os valores materiais estabelecidos na
Constituição, atribuindo-lhes, então, eficácia.
Portanto, a doutrina humanista do Direito Econômico visa, em última análise,
concretizar uma democracia substancial e focada nas possibilidades concretas de garantia dos
direitos econômicos fundamentais dos cidadãos, tendo o homem como medida de todas as
coisas. Nesse sentido, se pautará em atitudes que busquem o desenvolvimento econômico-
social, para implementar e assegurar a dignidade do homem na dimensão econômica, política,
cultural e social dos direitos humanos.
171
4.3 Os Tratados de Direitos Humanos Econômicos
Como nos referimos acima, a expressão do art. nº 170, caput, “garantir a todos
existência digna denota claramente uma vinculação da ordem econômica ao princípio da
dignidade da pessoa humana, incluindo-se aí toda a gama de direitos humanos inerentes a esse
conceito, especialmente os direitos de terceira geração. Sem dúvida alguma, os Tratados
Internacionais de Direitos Humanos serviram de inspiração aos fundamentos trazidos na
Constituição Federal.
171
Eis o espírito que norteia tais estudos: É de convicção geral que a atividade do Direito é, antes de tudo, a
tutela da paz social e da paz entre os povos, daí a finalidade deste instituto em promover o reconhecimento
desta nova linha de pensamento do Direito com a criação de um importante centro de estudos jurídicos e
sociais com vistas a gerar profissionais dinâmicos com sólida formação fundamental, bem como globalizada;
e, ainda, em acréscimo, bastante especializados nas áreas do Direito das Relações Públicas e Interesses
Difusos ou das Relações Econômicas e Empresariais, cunhados pela filosofia humanista, outorgando-lhes as
condições de tornarem-se transformadores sociais, com a missão profissional de exercer o papel de
propagador e implementador do ideal pacificador pela busca permanente da Justiça, que garanta imediatas
condições de paz, harmonia e prosperidade ao povo do Brasil e das demais nações do mundo [...] Com efeito,
a escola humanista de Direito Econômico compreende a concepção de que a sociedade brasileira está a
exigir de cada um desses atores, per se e no seu conjunto, que incorporem uma sólida formação de Direito,
nas disciplinas básicas, fundamentais e de especialização, com uma nítida vocação globalizada. Tais
elementos levá-lo-ão à habilitação moderna de Homem de Estado (Magistrado, membro do Ministério
Público, etc.), ou de Profissional Privado (Advogado, Docente, etc.), orientador jurídico e influenciador no
Brasil e nas relações internacionais, das pessoas, das empresas, da comunidade, da economia e do Estado,
sempre com ampla consciência de seu compromisso com o ideal de servir à Justiça e à comunidade na tutela
ampla e irrestrita dos fundamentos constitucionalmente consagrados do Estado Democrático de Direito da
República Federativa do Brasil e dos valores universais da Humanidade. (PINTO, Nelson Luiz;
FINKELSTEIN, Cláudio; SAYEG, Ricardo Hasson; CEZAR, Leonel. Manifesto de Instituição da Escola
Humanista de Direito Econômico. Revista de Direito Internacional e Econômico, n. 1, p. 7-10, out./dez.2000.
93
Reconhecidamente, o ambiente econômico compreende então a plataforma para
edificação dos direitos humanos, manifestados não na CF/88, mas, também, em tratados
internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Daí a importância de serem lembrados neste capítulo, os principais tratados de direitos
humanos econômicos, notadamente aqueles voltados ao direito ao desenvolvimento
econômico-social, objetivando de maneira geral o bem-estar coletivo como forma de se
implementar e assegurar a dignidade do homem.
O texto fundamental de Direitos Humanos é a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), que positivou as garantias individuais fundamentais. Mesmo se tratando de
um diploma de direitos humanos, traz como direito do homem a propriedade norma de
Direito Econômico –, bem como assegura a sua utilização, consoante se depreende do artigo
17, incisos I e II, “Todo homem tem direito à propriedade, ou em sociedade com
outros; Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”.
Reconhece-se, então, esse direito econômico de propriedade integrante dos direitos
humanos do povo do planeta, indispensável ao livre desenvolvimento de sua personalidade.
Igualmente, na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José de
Costa Rica (1969) assegurou-se o direito de propriedade, com a ressalva de que o uso dessa
fica condicionado ao bem-estar da sociedade, reconhecendo-se então a necessidade de sua
função social.
Mas, é a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986) um dos mais
relevantes documentos de direito humano econômico, notadamente de terceira geração, pois é
ela que trata do desenvolvimento do ser humano, não somente desenvolvimento econômico,
mas o desenvolvimento em geral, na perspectiva econômico-político-social-cultural.
O direito ao desenvolvimento é apresentado para garantir que a coletividade tenha
assegurada, pelo Estado, a condição econômica para que o indivíduo se mantenha ativo
economicamente na sociedade, possibilidade de se transmutar com os demais membros da
sociedade, para que satisfaça plenamente suas necessidades, confira-se:
94
Artigo 1º
1. O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual
toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele
desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser
plenamente realizados.
O titular do desenvolvimento é a coletividade. É ao seu entorno que tudo deve
acontecer, é ela a destinatária dos programas e atividades desenvolvidas pelo Estado. Não se
pode, a qualquer pretexto, desvirtuar esta destinação. E, o balizamento é feito pela
distribuição eqüitativa, consoante o art. 2º, do mesmo Estatuto:
Artigo 2º
1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deveria ser
participante ativo e beneficiário do direito ao desenvolvimento.
2. Todos os seres humanos têm responsabilidade pelo desenvolvimento, individual
e coletivamente, levando-se em conta a necessidade de pleno respeito aos seus
direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a
comunidade, que sozinhos podem assegurar a realização livre e completa do ser
humano, e deveriam por isso promover e proteger uma ordem política, social e
econômica apropriada para o desenvolvimento.
3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para
o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a
população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e
significativa no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos benefícios d
resultantes (grifo nosso).
A Declaração reconheceu, portanto, o desenvolvimento como um processo econômico,
social e político abrangente, de caráter multidimensional, que visa ao incremento das
condições de vida e de bem-estar de todas as pessoas. Por tal razão, a Declaração prevê que
todos os aspectos do direito ao desenvolvimento são indivisíveis e interdependentes, devendo
cada um deles ser considerado no contexto de todos.
A imposição de efetividade do direito ao desenvolvimento, da democracia e dos
demais direitos humanos inter-relacionados entre si –, que asseguram dignidade às pessoas
do planeta, culminou ainda, além da elaboração de todos os documentos internacionais, na
formulação da Declaração e Programa de Ação de Viena (1993).
Inspirados nos documentos anteriores da ONU, os países reunidos na Conferência
Mundial de Direitos Humanos de 1993, fizeram questão de enfatizar o direito ao
desenvolvimento como um direito universal e inalienável e parte integral dos direitos
humanos fundamentais. Essa assertiva deu ao direito o desenvolvimento de um status dos
95
mais importantes e significativos dentro dos direitos fundamentais, sendo ele o criador das
políticas de Estado.
A Carta de Viena deixa ainda patente que, apesar de a extrema pobreza inibir o pleno e
efetivo exercício dos direitos humanos, essa falta de desenvolvimento não pode ser escusa que
justifique o não resguardo dos direitos humanos consagrados mundialmente.
Quanto ao papel do Estado na ordem interna, ensina o professor Arjun Sengupta,
especialista independente da ONU para o direito ao desenvolvimento:
172
Para realizar esse processo de desenvolvimento ao qual toda pessoa humana tem
direito, em virtude de seu direito ao desenvolvimento, há responsabilidades que
devem ser partilhadas por todas as partes envolvidas: “os estados operando
nacionalmente” e “os estados operando internacionalmente”. [...] As ações dos
Estados, necessárias para criar essas condições, devem ser tomadas a nível nacional
e internacional. A nível nacional, o artigo 2, parágrafo 3, [da Declaração sobre o
Direito ao Desenvolvimento] aponta que “Estados m o direito e a obrigação de
formular políticas nacionais de desenvolvimento apropriadas” e o artigo 8 diz que os
Estados devem tomar “todas as medidas necessárias para a realização do direito ao
desenvolvimento”, e, novamente, “devem encorajar a participação popular em todas
as esferas”.
É bem verdade que, a despeito de toda a esfera normativa internacional, persiste
hodiernamente a problemática da proteção aos direitos humanos econômicos, haja vista os
níveis diferenciados de desenvolvimento dos Estados que acabam de certa forma impedindo a
realização desses direitos. Todavia, verifica-se atualmente um movimento global em defesa da
qualidade de vida dos povos e à solidariedade configurando o que a doutrina majoritária
denomina de direitos de “terceira geração”,
173
os quais contribuem à salvaguarda da pessoa
humana, confira-se:
Estes novos direitos não restringem, mas sim ampliam, aprimoram e fortalecem o
corpus dos direitos humanos reconhecidos: revelam novas dimensões de
implementação dos direitos humanos e contribuem a clarificar o contexto social em
que todos se inserem. Além disso, levantam um desafio: o da necessidade de
expandir e enriquecer até mesmo o nosso próprio universo jurídico-conceitual, de
172
SENGUPTA, Arjun. O direito ao desenvolvimento como um direito humano. Disponível em:
<http://www.itv.org.br/site/publicacoes/igualdade/direito_desen volvimento.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2006.
173
A luta pelos direitos teve como primeiro adversário o poder religioso; depois, o poder político; e, por fim, o
poder econômico. Hoje, as ameaças à vida, à liberdade e à segurança podem vir do poder sempre maior que
as conquistas da ciência e das aplicações dela derivadas o a quem está em condição de usá-las. Entramos
na era que é chamada de pós-moderna e é caracterizada pelo enorme progresso, vertiginoso e irreversível, da
transformação tecnológica e, conseqüentemente, também tecnocrática do mundo. Desde o dia em que Bacon
disse que a ciência é poder, o homem percorreu um longo caminho! O crescimento do saber fez aumentar
a possibilidade do homem de dominar a natureza e os outros homens. Os direitos da nova geração, como
foram chamados, que vieram depois daquele em que se encontraram as três correntes de idéias do nosso
tempo, nascem todos dos perigos à vida, à liberdade e à segurança, provenientes do aumento do progresso
tecnológico.(BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004. p. 229).
96
repensar todo o direito em face da complexidade das novas e múltiplas relações
jurídicas que se apresentam, para fazer face às novas exigências de proteção do ser
humano na esfera global e para estabelecer as bases de um futuro direito comum da
humanidade, com as correspondentes obrigações erga omnes.
174
Muito se discutiu acerca da caracterização do direito ao desenvolvimento como um
direito humano, dada a sua dimensão coletiva e as dificuldades de sua implementação.
Afirmou-se inclusive, tratar-se de aspirações de ideais de igualdade, no âmbito das relações
Norte/Sul sobre uma nova ordem econômica internacional, desprestigiando-se o conteúdo e a
real importância do direito ao desenvolvimento.
De fato, a admissibilidade do direito ao desenvolvimento no rol dos direitos humanos,
afetaria diretamente os interesses dos países desenvolvidos, assim como, nas órbitas
domésticas, os interesses de grupos muitas vezes dominados pelo capital estrangeiro. À época,
os países dividiam-se entre aqueles que negavam que os direitos econômicos, sociais e
culturais tinham a qualidade de direitos humanos e aqueles que enxergavam nesses direitos a
essência dos direitos humanos.
De qualquer forma, a concretização do direito ao desenvolvimento na realidade
internacional deve-se ao trabalho da ONU, que desde logo reconheceu sua posição de
destaque no rol dos direitos humanos. Verificou-se então, a partir daí, uma evolução do direito
ao desenvolvimento no plano internacional, o qual passou a integrar diversos documentos
internacionais no universo dos direitos humanos.
175
Confira-se:
It is not necessary to insist on the links between human rights and development. All
economic and social rights are strictly dependent on development. A review of the
different rights guaranteed by the U.N. Covenant on Economic Social and Cultural
174
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,
1991. p. 58.
175
Confira-se a lição de Arjun Sengupta: A Declaração do Direito ao Desenvolvimento e a Declaração de Viena
colocaram as obrigações internacionais de cooperação para realização dos direitos humanos, que pertencem
aos indivíduos, como seres humanos, sem distinção de residência, cidadania, nacionalidade ou religião. Mas
mesmo sem essas declarações relativamente recentes, o texto de criação das Nações Unidas colocou sobre
eles a obrigação de cooperar para a conquista dos direitos humanos. Espera-se que adotem políticas
internacionais e aloquem recursos com o propósito de conquistar estes direitos. (O direito ao
desenvolvimento como um direito humano. Disponível em:
<http://www.itv.org.br/site/publicacoes/igualdade/direito_desen volvimento.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2006.).
Ainda: O direito ao desenvolvimento, incorporado no campo do Direito Internacional a partir da Resolução
4 (XXXIII) da ONU evoluiu nos últimos anos, tendo sido o objetivo central de muitos documentos
internacionais. A Declaração de 1986 e o ciclo de Conferências Mundiais contribuíram notadamente para
inserção e cristalização do direito ao desenvolvimento no universo conceitual dos direitos humanos,
clarificando alguns aspectos desse direito, tais como os seus credores e devedores e o seu conteúdo,
compatível com as exigências da época presente, além de terem traçado medidas e programas capazes de
auxiliar na promoção do desenvolvimento e de reduzirem possíveis obstáculos concernentes à sua
implementação. (DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direito ao desenvolvimento na perspectiva da
globalização: paradoxos e desafios. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 105-106).
97
Rights of 16 December 1966, in the light of development demonstrates its
significance in this regard.
The right of self-determination which includes the right to freely pursue economic,
social and cultural development (Art. 1.(1)). Thus, the right to freely take decisions
concerning the process of development or the right to development itself can be
considered as one of the components of the “right to self-determination”.
176
É dever do Estado, portanto, prover à coletividade, em igualdade de condições, as
medidas que assegurem a saudável transformação dos agentes. Não se conhece na Declaração
ao Desenvolvimento “letra morta”, mas, sim, normas efetivas e que devem ser efetivadas
imediatamente.
Assim, as disposições que visam à realização plena do direito ao desenvolvimento,
tendem a prevalecer diante de procedimentos e práticas que ignorem as necessidades da
coletividade a pretexto de se promover o progresso econômico dos países, pois o direito ao
desenvolvimento deve ser encarado também em suas dimensões sociais, culturais, civis e
políticas como forma de se atingir o desenvolvimento humano.
177
Quanto à cooperação econômica internacional no processo de desenvolvimento, a
Carta de Viena conclama os Estados ao reconhecimento do princípio do proveito mútuo,
afirmando que o progresso duradouro necessário à realização do direito ao desenvolvimento
exige políticas eficazes de desenvolvimento em vel nacional, bem como relações
176
KISS, Alexandre. Sustainable development and human rights. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado.
(Ed.). Derechos humanos, desarrollo. Sustentable y medio ambiente. 2. ed. San Joda Costa Rica: IIDH,
1995. (Seminário de Brasília de 1992). p. 29-38. “Não é necessário insistir na ligação entre direitos humanos e
desenvolvimento. Todos os direitos econômicos e sociais são estritamente dependentes do desenvolvimento.
Uma análise dos diferentes direitos garantidos pela Declaração dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
de 16 de dezembro de 1966, em vista do desenvolvimento demonstra a sua significância neste sentido. O
direito de auto-determinação inclui o direito de livremente buscar o desenvolvimento econômico, social e
cultural. Assim, o direito de livremente tomar decisões sobre o processo de desenvolvimento ou direito de
desenvolvimento em si, podem ser considerados um dos componentes ao direito a auto-determinação.”.
(Tradução livre do autor).
177
Neste sentido, observa Ana Paula Teixeira Delgado: “é grave o fato do direito ao desenvolvimento ser
associado apenas ao crescimento econômico, em detrimento de suas dimensões sociais, culturais e políticas,
de suma importância no que concerne ao processo de capacitação das pessoas, compreendendo-se aí,
aspectos como a educação, o conhecimento, a justiça social, a participação pública e o fortalecimento das
instituições democráticas, que constituem estratégias de inegável eficácia no combate à pobreza e ao
subdesenvolvimento. (O direito ao desenvolvimento na perspectiva da globalização: paradoxos e desafios.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 92). Sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, anota Antônio Augusto
Cançado Trindade: Todos os aspectos do direito ao desenvolvimento (consignados na Declaração de 1986
das Nações Unidas) são indivisíveis e interdependentes, abrangendo os direitos econômicos, sociais e
culturais, assim como os civis e políticos; as condições de vida incluem necessidades básicas tais como
alimentação, saúde, moradia, educação, um meio ambiente sadio assim como liberdade e segurança pessoais.
A pobreza e o subdesenvolvimento equivalem a uma denegação da totalidade dos direitos humanos civis,
políticos, econômicos, sociais e culturais. Sem moradia ou recursos, dificilmente se pode considerar o direito
à saúde ou a liberdade de movimento; sem os meios de criar os próprios filhos, o direito à vida familiar se
torna letra morta; sem a educação, dificilmente se pode falar de liberdade de expressão ou opinião e de
associação.” (A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 178-179.).
98
econômicas eqüitativas e um ambiente econômico favorável em nível internacional,
ressaltando aí, a importância de se remediar o desequilíbrio econômico entre os Estados da
comunidade internacional.
Bem se que, a Declaração de 1986 e o ciclo de Conferências Mundiais de Direitos
Humanos contribuíram para inserção e cristalização do direito ao desenvolvimento no
universo conceitual dos direitos humanos econômicos, clarificando alguns aspectos desse
direito, tais como os seus credores e devedores e o seu conteúdo, conforme expusemos acima,
atendendo aos anseios do nosso tempo, além de terem traçado medidas capazes de auxiliar na
promoção do desenvolvimento e de reduzirem possíveis obstáculos concernentes à sua
implementação.
178
Partindo dessa perspectiva, percebe-se que a doutrina humanista do direito econômico,
exposta, é o conceito base que incorpora a idéia da finalidade econômica prevista no art.
170 da CF, em consonância com os pactos de direito internacional acima referidos, afirmando
que a ordem econômica, juridicamente considerada, está sujeita a uma teoria finalística,
imposta pelo próprio pacto social para os instituidores da sociedade civil. Neste sentido, o
dirigismo constitucional não é meramente ideológico, deve sim ser implementado
juridicamente com base nos princípios vinculantes dessa ordem, como observa Vladmir
Oliveira da Silveira:
179
178
Convém apresentar a seguinte distinção entre o “direito do desenvolvimento” (“international law of
development” / “droit international du développement”), e o “direito ao desenvolvimento” (“right to
development” / “droit au développement”): O primeiro, com seus vários componentes (direito à
autodeterminação econômica, soberania permanente sobre a riqueza e os recursos naturais, princípios do
tratamento não-recíproco e preferencial para os países em desenvolvimento e da igualdade participatória dos
países em desenvolvimento nas relações econômicas internacionais e nos benefícios da ciência e tecnologia),
emerge como um sistema normativo internacional objetivo a regular as relações entre Estados juridicamente
iguais, mas economicamente desiguais e visando a transformação destas relações, com base na cooperação
internacional (Carta das Nações Unidas, artigos 55-56) e em considerações de equidade, de modo a remediar
os desequilíbrios econômicos entre os Estados e a proporcionar a todos os Estados particularmente os
países em desenvolvimento – oportunidades iguais para alcançar o desenvolvimento. O segundo, como
sustentado pela Declaração de 1986, e inspirado em disposições de direitos humanos tais como o artigo 28
da Declaração Universal de 1948 e o artigo 1º de ambos os Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas,
afigura-se como um direito humano subjetivo, englobando exigências das pessoas humanas e dos povos que
devem ser respeitadas. (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio-ambiente:
paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 175-176).
179
SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O direito ao desenvolvimento na doutrina humanista do Direito Econômico.
2006. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) − Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2006. p. 166.
99
Baseada nessa visão, o constituinte sinalizou tanto para o legislador
infraconstitucional, como para o reformador constitucional que eles deveriam se
preocupar com a proteção dos interesses coletivos e difusos. Sendo assim, o Estado,
na regência da economia brasileira, não deve atender apenas aos seus próprios
interesses ou, prioritariamente, aos indivíduos, mas sim, e principalmente, aos
interesses coletivos da sociedade civil, no que tange ao desenvolvimento do
processo econômico, mesmo que seja no âmbito político, social ou ainda cultural.
Frise-se que nesse caminho possui uma dupla missão, isto é, assegurar tanto a
autodeterminação da nação brasileira em relação ao mundo (sistema internacional),
como também a autodeterminação do indivíduo em relação à nação.
100
5 O CAPITAL ESTRANGEIRO NA PERSPECTIVA DA ORDEM ECONÔMICA
CONSTITUCIONAL BRASILEIRA
5.1 A Economia de Mercado e a Realidade Brasileira
Os anos do pós-guerra caracterizaram-se resumidamente pela celebração do GATT,
pela composição dos Estados Europeus em torno da União Européia e pela patente
desigualdade no desenvolvimento econômico dos Estados, merecendo destaque os Estados
Unidos da América, a Europa e o Japão.
Como vimos no início deste trabalho, a implementação do desenvolvimento
econômico do Brasil mostrou-se inviável no início da década de 70 em decorrência da
escassez de capital próprio, tanto em relação à poupança interna, como em tecnologia e mão-
de-obra.
Juntamente com Argentina e México, o Brasil lançou-se então em um modelo de
desenvolvimento fundado em capital estrangeiro, através de empréstimos efetuados por
bancos privados, especialmente norte-americanos, baseados em taxas de juros flutuantes e
garantidos pelo Tesouro brasileiro, os quais foram destinados ao setor de infra-estrutura para
desenvolvimento da indústria e produção de bens e serviços para o atendimento do mercado
interno. Concomitantemente, tornou-se necessária a elevação de tarifas de importação como
forma de proteger a indústria nascente.
Referido modelo não foi capaz de suportar as crises do petróleo da década de 70, as
quais provocaram inflação e crise econômica nos países de origem dos bancos credores,
aumentando-se conseqüentemente as taxas de juros e a desequilíbrio da balança de
pagamentos internacionais. O Brasil acabou então renegociando parte da sua dívida com os
bancos credores e obtendo do FMI outra parte para pagamento dos compromissos assumidos.
na década de 90, com a revolução tecnológica e a rápida circulação de capitais,
baseada em um novo modelo econômico (neoliberal), conforme comentamos, o Brasil viu-
se obrigado a financiar o estoque da dívida com os bancos estrangeiros tendo em vista a sua
dependência aos capitais estrangeiros para financiamento do seu desenvolvimento nesse novo
modelo.
180
Isso porque, mesmo com as inovações legislativas nas décadas de 60 e 70, o
180
Anota Jete Jane Fiorati: No caso da América Latina esta reestruturação foi feita pelo chamado plano Brady.
James Brady [sic], ministro do tesouro dos governos republicanos Reagan-Bush propôs que houvesse um
101
esperado fortalecimento do mercado de capitais interno e aumento do nível de poupança
interna ficou aquém das necessidades do país de auto-financiamento do crescimento.
De fato, a primeira metade dos anos 90 foi um período de inegável hegemonia das
idéias neoliberais ou da primazia do “mercado”, a instância privilegiada e adequada de
sinalização de decisões privadas, tendo a coordenação estatal um papel muito restrito. Estas
idéias repercutiram intensamente nas relações bilaterais e multilaterais, de forma que as
políticas econômicas dos países em desenvolvimento ganharam uma notável base comum
“normativa”.
Não o Brasil, mas também os demais países da América Latina passaram pelos
efeitos do endividamento externo, bem como das imposições de política econômica que
acabaram privilegiando a expectativa e os interesses dos agentes externos em detrimento das
condições internas.
181
E justamente essa incapacidade dos Estados de honrar os seus
compromissos de pagamento da dívida pública e, simultaneamente, suprimir as demandas
sociais (contribuindo-se assim com a derrocada do Estado do bem-estar social), permitiram o
desenvolvimento de tais idéias neoliberais.
182
A partir daí, como vimos, verificou-se no Brasil uma maior abertura ao ingresso de
capitais estrangeiros no mercado por meio de investimentos diretos e em portfolio. Para tanto,
determinados setores da economia sob o monopólio do Estado, perderam então essa condição
possibilitando a sua exploração pela iniciativa privada, notadamente pelos investidores
estrangeiros, conforme mencionamos.
O contexto da privatização e abertura comercial, então, dava sinais de caminharmos
para a atuação mínima estatal na economia, exatamente como defendiam os estudiosos da
recálculo dos valores e parte dele fosse securitizada transformada em títulos negociáveis nos mercados
internacionais os CBonds ou Bradies. A proposta foi aceita e hoje além de ser um título, a valorização ou
desvalorização dos Bradies é um termômetro da confiança do mercado na capacidade econômica e de
pagamento de um país.(As telecomunicações nos direitos interno e internacional: o Direito brasileiro e as
regras da OMC. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 74).
181
Sobre esse tema, ver: TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo
financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. BATISTA JÚNIOR, Paulo
Nogueira. O plano real à luz da experiência mexicana e argentina. Estudos Avançados, São Paulo, n. 28, p.
129-197, 1996. COUTINHO, Luciano. Nota sobre a natureza da globalização. Economia e Sociedade,
Campinas, n. 4, p. 21-26, jun.1995. BELUZZO, Luís Gonzaga. Dinheiro e transfigurações da riqueza. In:
TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Org.). Poder e Dinheiro. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 151-194.
182
De outro lado, o liberalismo econômico ganhou força nos Estados centrais do capitalismo devido as suas
condições econômicas muito prósperas, permitindo-se o encolhimento do Estado e provocando naturalmente
os benefícios sociais reclamados em prol da população.
102
chamada Escola de Chicago, que acabaram influenciando as idéias neoliberais.
183
Curiosamente, em determinados setores o Estado concomitantemente reformulava suas ações
para uma maior regulação econômica, ajustando o seu “tamanho” na tentativa de proporcionar
ambientes específicos e favoráveis à atração dos investidores estrangeiros. Eis o espírito que
norteou tal reformulação, sintetizado por Carlos Ari Sundfeld:
184
No caso das agências reguladoras brasileiras recentes a outorga de autonomia parece
haver objetivado, ao menos inicialmente, oferecer segurança a investidores
estrangeiros, atraindo-os para a compra de ativos estatais. O desafio, aqui, como em
qualquer outro processo de autonomização, é o de construir um sistema de controles
e influências que assegurem uma atuação democrática. Atenta a interesses gerais e à
ordem jurídica, etc. [...]
A opção por um sistema de entes com independência em relação ao Executivo para
desempenhar as diversas missões regulatórias é uma espécie de medida cautelar
contra a concentração de poderes nas mãos do Estado, inevitável nos contextos
internacionais. A nova realidade da vida exige que o Estado interfira mais na
economia? Pois bem, que se lhe reconheçam funções de regulador, mas sem somá-
las a todos os vastos poderes de que o Executivo dispunha. Daí a reivindicação,
forte especialmente entre as empresas mais sujeitas a regulação – ou de organizações
não-governamentais, em relação, por exemplo, à regulação ambiental –, de que o
regulador não seja o Executivo, mas um ente com toda a autonomia possível.
O fato é que no Brasil pós-privatização, as tensões políticas e jurídicas passaram a se
concentrar em torno da aproximação cada vez maior do modelo de economia de mercado,
ainda que alguns setores específicos passassem a contar com agências reguladoras, as quais
juridicamente nasceram com objetivo de promover uma maior intervenção estatal na
economia.
185
Ideologias à parte, importa observar que a Constituição Federal em momento algum
deixou de assegurar ao Estado o poder de fiscalizar e de incentivar, como agente normativo e
regulador da atividade econômica (CF/88, art. 174).
183
A partir da teoria da “Análise Econômica do Direito“ por eles desenvolvida, “prega-se que o direito deve estar
convergente com a racionalidade econômica, definindo a propriedade e reduzindo os custos de transação,
numa perspectiva do interesse próprio do indivíduo, base da atividade econômica, que na busca incessante da
satisfação de seus desejos e interesses irá fazer sua parte no cenário social e harmonizar-se com os interesses
alheios, gerando os respectivos benefícios coletivos”. (SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no
Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio Marques da. (Coord.). Tratado luso-brasileiro da
dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 1.256)
184
SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Introdução às agências reguladoras. In: ______. (Coord.). Direito
Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 24-25.
185
Alguns estudiosos tem se referido a esse modelo como sendo de “economia-de-mercado regulada”, assentada
em dois mecanismos fundamentais: de um lado, o respeito pelas regras da concorrência, punindo as práticas
restritivas da concorrência e impedindo a criação de situações de abuso de poder de mercado; de outro lado, a
regulação dos setores onde se manifestem falhas de mercado” (como os monopólios naturais, as
externalidades ou as assimetrias de informação) ou se imponham “obrigações de serviço público”, de modo a
compatibilizar umas e outras, o mais possível, com o mercado.
103
Porém, para efeito desde trabalho, analisando-se a realidade brasileira, pretendemos
chamar a atenção para o lado perverso da encampação irrestrita do modelo de economia de
mercado, no seu formato puramente idealizado pela doutrina do liberalismo econômico. Nesse
contexto então, não se poderia falar na criação de sistemas de regulação atuantes, por
exemplo, por meio da imposição de restrições a entrada de capital estrangeiro em setores
selecionados ou de mecanismos que explícita ou implicitamente estabelecessem tratamento
diferenciado para empreendedores nacionais em relação aos estrangeiros, em negócios
desenvolvidos em solo brasileiro.
Destarte, não podemos deixar de mencionar novamente o episódio da atual crise norte-
americana. O exemplo não poderia ser melhor! A nação com a maior riqueza global,
dissipadora de um modelo ultra-liberal, experimenta atualmente uma crise financeira
alarmante, obrigando o governo a intervir fortemente na economia em defesa dos seus
cidadãos, nacionalizando agentes privados que por décadas foram vistos como símbolos do
capitalismo pujante norte-americano.
Olhando-se para a nossa realidade, não é preciso ser nenhum expert em estudos
financeiros e econômicos para chegar a conclusão de que, certamente esse modelo econômico
é inadequado. Longe de propiciar os esperados benéficos, harmoniosos e coletivos, o modelo
contribui para o verdadeiro distanciamento brasileiro das grandes economias quando se trata
de analisar os indicadores sociais. Neste sentido, observa Ricardo Hasson Sayeg:
186
Apesar de o Brasil estar entre os dez maiores Produtos Internos Brutos do mundo,
não temos condições de suportar o liberalismo econômico, pelo fato da pobreza da
nossa população; da concentração de renda; do ingente endividamento nacional; dos
enormes déficits na concretização dos direitos humanos de segunda e terceira
dimensão, em destaque, dos direitos sociais do emprego, da saúde, da moradia, da
educação, da previdência e assistência social; da economia oligopolizada e de
pequena base industrial. Mencionem-se, ainda, os fatos de sermos importadores de
tecnologia e de nossas instituições serem marcadas pela inconsistência, falta de
recursos materiais e despreparo de seus quadros, com sobrecarga de tarefas,
denúncias de abusos de autoridades de um lado, e corrupção, prevaricação e
favorecimento de outro. [...]
Em suma, não podemos cair na armadilha de aplicar no Brasil a Análise Econômica
do Direito conforme a Escola de Chicago, pois sua implementação implicará um
Estado liberal promotor de um liberalismo econômico sem os freios e calibragem
sociopolíticos, provocando um desmantelamento das nossas, ainda insuficientes,
contudo concretas, realizações dos objetivos fundamentais da República e das
decorrentes conquistas políticas, sociais e culturais, ao arrepio do princípio
186
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antônio
Marques da. (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. p.
1258-1259.
104
constitucional implícito da proibição de retrocesso social, consagrado no artigo 5º,
inciso XLI, c.c. os arts. 3º e 6º, todos da Constituição Federal.
Em outras palavras, sem um ambiente propício à economia de mercado, a coletividade
fica à mercê de seríssimos riscos de exclusão social dentro de um Estado liberal. Não há
espaço, então, para concretização dos direitos humanos de segunda e terceira geração,
nomeadamente, os direitos sociais e o desenvolvimento nacional, sem a cultura, estrutura e
conjuntura necessária da economia para suportar dito liberalismo, como é a nossa realidade.
Confira-se a observação de Joseph E. Stiglitz:
187
O que funciona em um conjunto de circunstâncias pode não funcionar em outros.
São necessárias análises para identificar os fatores que determinam o sucesso e
estabelecer versões contrafactuais (o que teria ocorrido na ausência de um projeto ou
política particular).
Algumas teorias têm surgido, então, nesse início do século XXI numa condição
política de revisão das práticas e princípios teóricos das políticas de desenvolvimento,
impulsionadas notadamente pelos pífios resultados – quando não negativos – suportados pelos
países em desenvolvimento nos anos 1990, os quais de alguma forma seguiram a política
econômica da primazia do mercado.
Dentre as teorias inclui-se o debate global sobre a chamada “Terceira Via” e o modelo
da “economia social de mercado”, como nos revela Anthony Giddens:
188
187
STIGLITZ, Joseph E. Uma agenda para o desenvolvimento no século XXI. In: GIDDENS, Anthony. (Org.). O
debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger Maioli dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007. p. 491.
188
GIDDENS, Anthony. Introdução. In: ______. (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger
Maioli dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007. p.
18-19, 24-25. Eis o espírito que norteia esse debate: Existe
um reconhecimento geral quase que por toda a parte de que as duas “vias” que têm dominado o pensamento
político desde a Segunda Guerra Mundial fracassaram ou perderam pujança. As idéias socialistas
tradicionais, por serem radicais e reformistas, baseavam-se nas idéias de gestão e planejamento econômicos
uma economia de mercado é essencialmente irracional e refratária à justiça social. Até mesmo a maioria
dos que advogam uma “economia mista” aceitava os mercados a contragosto. No entanto, como teoria da
economia gerida, o socialismo quase que não existe. O “compromisso keynesiano com o bem-estar social”
dissolveu-se em grande medida no Ocidente, ao passo que países que retêm uma adesão nominal ao
comunismo, e mais notavelmente a China, abandonaram as doutrinas econômicas que outrora
representavam. A “segunda via” o neoliberalismo, ou fundamentalismo de mercado foi descartada até
mesmo pela maioria de seus adeptos direitistas. A crise do leste asiático de 1997-8 revelou quão instáveis e
desestabilizadores podem ser mercados mundiais desregulamentados, e especialmente financeiros. Eles fazem
pouco para ajudar a mitigar as extremas desigualdades existentes entre os países mais pobres e os mais ricos.
Dentro das sociedades desenvolvidas, o eleitorado se resguardou de políticas neoliberais, que sugerem caber
aos indivíduos arranjar-se sozinhos em um mundo marcado por altos níveis de incerteza e mudança
tecnológica. O retorno de partidos de esquerda ou de centro ao governo de tantos países transmite a clara
mensagem de que as pessoas não querem ficar desprotegidas ante o mercado global. [...] A meu ver, contudo,
uma orientação política e um programa político gerais emergindo, não apenas na Europa, mas também
em outros países e continentes, que podem ser designados como a terceira via (ou democracia social
atualizada). Isso se encontra ainda em processo de construção, não sendo um sistema plenamente
arredondado. Diferentes grupos políticos e diferentes países o estão abordando com experiências históricas
105
O Estado não deve dominar nem o mercado, nem a sociedade civil, embora precise
regular e intervir em ambos. O governo e o Estado devem ser fortes o bastante para
proporcionar um direcionamento efetivo para a promoção do desenvolvimento e da
justiça sociais. Um Estado forte, contudo, não é o mesmo que um Estado grande.
Onde o Estado é supervisionado, o governo efetivo torna-se difícil, e o poder estatal
pode começar a se sobrepor aos desejos e liberdades dos cidadãos.
Pode-se observar algo similar quanto aos mercados. Uma economia de mercado
efetiva é a melhor maneira de promover a prosperidade e a eficiência econômica,
trazendo ainda outros benefícios. Os mercados permitem a escolha por parte do
consumidor e o livre e não violento intercâmbio de bens de curta e longa distância.
Desde que os monopólios sejam efetivamente controlados, os mercados permitem
uma livre concorrência em que todos, em princípio, podem participar.
Entretanto, o papel dos mercados deve ser confinado. Quando se permite que eles se
imiscuam demasiadamente em outras esferas da vida social, resulta uma variedade
de conseqüências inaceitáveis. Mercados geram inseguranças e desigualdades que
requerem a intervenção ou regulação do governo para serem controladas ou
minimizadas. O comercialismo pode invadir áreas que deviam ser da alçada do
governo ou da sociedade civil.
Novas teorias certamente terão espaço nesse início de século, principalmente no
momento seguinte ao balanço da atual crise financeira norte-americana, cuja extensão sobre
as demais economias mundiais até o momento não se tem muita clareza.
5.2 A Opção Constitucional Brasileira de Tratamento do Capital Estrangeiro
Em linhas gerais, a postura do Estado brasileiro em relação ao tema do capital
estrangeiro ao longo da história teve a sua importância no âmbito de cada política econômica
e, de certa forma, seguiu a tendência mundial regulatória de cada época. Uma outra
constatação é que, em maior ou menor intensidade, o viés governamental interventivo ou
liberal, acabou assegurando algum fluxo de investimentos internacionais ao país,
proporcionando inclusive a nossa migração para uma nação industrializada.
Entretanto, quando se trata de analisar os indicadores sociais, verifica-se que
diferentemente do progresso industrial, houve um verdadeiro distanciamento do Brasil em
relação às grandes economias. Observe-se que o Brasil ocupa no ranking do Índice de
Desenvolvimento Humano (“IDH
”) a simbólica posição de 70º lugar, enquanto que em
termos de Produto Interno Bruto (“PIB
”), somos a 9ª riqueza global.
189
variadas e necessidades diversas. Em função disso, eles não convergirão necessariamente em seus padrões de
desenvolvimento específicos, ainda que suas soluções políticas se assemelhem umas às outras.
189
RELATÓRIO de Desenvolvimento Humano. 2007/2008. Disponível em: <http://www.pnud.org.br>. Acesso
em: 15 mar. 2009. A análise do Relatório nos revela que o Brasil possui indicadores de desenvolvimento
humano inferiores em quase todas as dimensões. Países latino-americanos têm um desenvolvimento humano
superior ao brasileiro, incluindo Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Cuba e xico. De acordo com o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o objetivo da elaboração do IDH é oferecer
106
Comprovadamente, o desenvolvimento econômico do país, por si só, não garante o
desenvolvimento humano, enquanto evolução econômico-social-político-cultural.
190
Neste contexto, sem sombra de dúvidas, o regramento do investimento privado, em
especial do capital estrangeiro, é um componente fundamental para que se possa promover
políticas de reversão desse quadro vergonhoso, proporcionando a distribuição da riqueza e,
conseqüentemente, o desenvolvimento dos cidadãos, ao invés de se assegurar meramente a
riqueza em si, sem vinculação com a responsabilidade social.
191
Para tanto, o Estado não só pode como deve valer-se de ações interventivas na
economia, incluindo-se a restrição do investimento estrangeiro em setores estratégicos e/ou
a concessão de tratamento favorecido – temporário ou não – ao capital nacional, tendo sempre
como foco a proteção da riqueza nacional e o desenvolvimento da coletividade, conforme
preceitua o art. nº 219 da CF/88.
Novamente o exemplo da atual crise financeira norte-americana é mais do que
ilustrativo. Presenciamos atualmente a comprovação do quanto é fundamental que o Estado
um contraponto ao PIB per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado
pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen,
ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do
desenvolvimento humano. Além de computar o PIB per capita, depois de corrigi-lo pelo poder de compra da
moeda de cada país, o IDH também leva em conta dois outros componentes: a longevidade e a educação. Para
aferir a longevidade, o indicador utiliza números de expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado
pelo índice de analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. A renda é mensurada pelo
PIB per capita, em dólar PPC (paridade do poder de compra, que elimina as diferenças de custo de vida entre
os países). Essas três dimensões têm a mesma importância no índice, que varia de zero a um.
190
Confira-se a crítica sobre essa falsa idéia de desenvolvimento se considerado apenas o seu aspecto econômico:
O desenvolvimento, tal como concebido, ignora o que não é calculável nem mensurável, ou seja, a vida, o
sofrimento, a alegria, o amor, e a sua única medida de satisfação está no crescimento (da produção, da
produtividade, da receita monetária). Definido unicamente em termos quantitativos, ele ignora as qualidades
da existência, as qualidades de solidariedade, as qualidades do meio, a qualidade da vida. Além disso, o PIB
(Produto Interno Bruto) contabiliza como positiva todas as atividades geradoras de fluxos monetários,
inclusive as catástrofes, como o naufrágio do Erika ou a tempestade de 1999, e ignora as atividades benéficas
gratuitas. Sua racionalidade quantificadora é irracional. [...] o desenvolvimento comporta em si tudo o que é
problemática, nefasto e funesto na civilização ocidental, sem, no entanto, comportar em si o que há de
fecundo (direitos humanos, responsabilidade individual, cultura humanista, democracia).(MORIN, Edgar.
Sociedade-mundo ou império-mundo. In: DUPAS, Gilberto; LAFER, Celso; SILVA, Carlos E. Lins da.
(Org.). A nova configuração mundial do poder. São Paulo: Paz e Terra, 2008. p. 176).
191
Neste sentido: O capital estrangeiro dentro de um país com um projeto compõe uma peça fundamental no
progresso econômico, compensando a falta de formação bruta de capital fixo interno, fazendo-o participar
das decisões locais. Porém as vontades e decisões são com base no planejamento daquele país, não sendo o
destino do país definido pelas multinacionais. A dominação política das multinacionais obedece às vontades
locais e não dos países centrais. Esta subjugação das multinacionais origina-se da dependência que estas têm
de tais mercados, independente do caráter difusor do progresso técnico, em virtude da força interna que se
desenvolve em um país com um plano (objetivos, metas e instrumentos) bem definido. O investimento
estrangeiro pode ser ruim para o país periférico quando este não ocorre dentro de um plano
desenvolvimentista, cujas entradas sejam desenfreadas e somente para setores sem a necessidade de aporte
de capital ou que não tenha reflexos significativos na economia.(SILVA, Christian Luiz da. Investimento
estrangeiro direto: da dependência à globalização. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 2005. p. 44.)
107
possa, de alguma forma, agir em defesa da coletividade sobre o setor privado como parte
integrante da economia.
Desde o início da crise provocada por uma inadimplência elevada em operações de
“crédito subprime”, a qual se espalhou por todo o sistema financeiro, o governo americano
não pensou duas vezes e partiu para a capitalização das instituições deficitárias,
caracterizando em algumas situações um verdadeiro processo inusitado de estatização de
companhias americanas em situação de crise.
A despeito de todas as reformas levadas a efeito em prol da liberalização do regime de
investimentos no Brasil, as ações interventivas do Estado sobre a economia no cenário atual
têm total apoio nos fundamentos e princípios constitucionais da ordem econômica brasileira,
mormente quando o tema é investimento privado externo, sobretudo no âmbito dos serviços
públicos.
enfatizamos acima a deficiência, a nosso ver, do tratamento do tema fora desse
contexto legal. De certa forma, o comentário de Fernando Gasparian bem ilustra esse
dilema:
192
A esmagadora maioria dos autores que têm acompanhado os debates sobre o capital
estrangeiro na A. L. [América Latina] reconhecem que se está na área diante de um
nacionalismo que cresce de maneira irresistível. Essa observação, no campo
doutrinário, é plenamente confirmada pela tomada de posição de diversos governos
da área. Ora, presentemente, graças ao imperialismo ideológico da ciência
econômica oficial sobre os economistas da A. L., os deres políticos da área
reconhecem apenas a seguinte alternativa: regime de iniciativa privada de portas
abertas ao capital estrangeiro ou regime socialista de portas fechadas, não ao
capital estrangeiro, como à iniciativa privada local. As débeis sugestões no sentido
de uma posição intermediária são anacrônicas, porque teriam validade ante do
início do processo de desnacionalização. Este se acha praticamente terminada em
toda a região. Aceitar a continuação do presente dilema significa correr um risco
pouco razoável. Por mais modernas e partidárias da iniciativa privada que sejam, as
lideranças latino-americanas serão, mais cedo ou mais tarde, vencidas por uma
pressão que cresce cada dia sem nenhuma válvula de escape. E, quando a explosão
se der, ficarão irremediavelmente comprometidos não apenas o interesse de
empresas estrangeiras, como importantes valores que constituem a contribuição das
democracias ocidentais para progresso da humanidade.
Ora, procuramos demonstrar no capítulo anterior que ao Estado cabe o papel de agente
regulador das relações econômicas e sociais, devendo promover o desenvolvimento
econômico através da conciliação das forças privadas de produção (apoiadas no fundamento
da livre iniciativa) com a proteção das necessidades de toda a estrutura social (decorrente do
192
GASPARIAN, Fernando. Capital estrangeiro e desenvolvimento da América Latina: o mito e os fatos. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. p. 195.
108
fundamento da valorização do trabalho humano). O seu papel, então, deve ser exercido a
partir do dirigismo constitucional.
Os pontos marcantes e definidores para identificarmos esse dirigismo em relação à
ordem econômica brasileira estão na valorização do trabalho humano e na observação de se
atender aos ditames da justiça social, a teor do caput do art. 170 da CF/88. Nesse contexto,
é que se define a base do sistema jurídico econômico, englobando e concretizando valores
próprios de um Estado dotado de desigualdades, objetivando mudanças, em prol da
coletividade. A essa Constituição Federal dotada de preocupação com o fenômeno econômico
atribuiu-se, na doutrina, a expressão Constituição Econômica.
193
Sabe-se ainda que a CF/88 deu origem a uma interpretação baseada em princípios e
fundada em valores éticos e sociais. Sem se esquecer do compromisso com a lei, o intérprete
por excelência, o STF passou a olhar para os valores reais da sociedade deixando-se de
lado o chamado positivismo emblemático. Avançou-se, então, para a noção de um Direito
como função social, com definições, princípios e regras em linha com os valores da existência
humana.
194
193
É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um
papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado
intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa
Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula
um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados
pelos seus artigos , 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa,
mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da ‘iniciativa do
Estado’; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. Se de um lado a Constituição
assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a
garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215
e 217, § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras de ser preservado o interesse
da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de
complementar a formação dos estudantes. (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-05, DJ
de 2-6-06). No mesmo sentido: ADI 3.512, julgamento em 15-2-06, DJ de 23-6-06.
194
Neste sentido: Atualmente, uma Constituição não se destina a proporcionar um retraimento do Estado
diante da Sociedade Civil, como no princípio do constitucionalismo moderno, com sua ideologia liberal.
Muito pelo contrário, o que se espera hoje de uma Constituição são linhas gerais para guiar a atividade
estatal e social, a fim de promover o bem-estar individual e coletivo dos integrantes da comunidade que
soberanamente a estabelece. A essa mudança de função das Constituições e do próprio Estado, que afinal de
contas é por elas instaurado, resultante da forma como historicamente se desenvolveram as sociedades em
que aparecem, correspondem também, como não podia deixar de ser, modificações radicais no plano
jurídico. As normas jurídicas que passam a ser necessárias não possuem mais o mesmo caráter condicional
de antes, com um sentido retrospectivo, quando se destinavam basicamente a estabelecer certa conduta, de
acordo com um padrão, em geral fixado antes dessas normas e não com base nelas, propriamente. (...) A
regulação que no presente é requisitada ao Direito assume caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois,
para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas, ao que não se presta o esquema simples
de subsunção de fatos a uma previsão legal abstrata anterior, precisa-se de normas que determinam objetivos
a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que então se apresentem.(GUERRA FILHO, Willis
Santiago. A Filosofia do Direito: aplicada ao Direito Processual e à Teoria da Constituição. 2. ed. São Paulo:
109
Portanto, a opção capitalista em nossa Constituição Federal pelo perfil humanista,
conforme expusemos acima, impõe ao Estado a necessidade de adoção de medidas
interventivas sobre o setor privado incluindo-se o capital estrangeiro com vistas a
garantir a todos existência digna”. claramente uma vinculação da ordem econômica ao
princípio da dignidade da pessoa humana, incluindo-se toda a gama de direitos humanos
inerentes a esse conceito.
Assim, em atenção a esse rigor finalístico, a combinação dos arts. 1º, inc. I e 170, inc.
I da CF/88, garante ao país o poder soberano de elaborar suas políticas, estabelecer
prioridades de investimentos, proteger temporariamente setores estratégicos e conferir
tratamento favorecido aos investimentos privados fomentados pelo capital nacional,
preservando-se inclusive a possibilidade de negociação com os agentes externos e a indução
de comportamentos que favoreçam a competitividade sistêmica.
Ainda, nessa linha de raciocínio, revela-se extremamente insuficiente a análise isolada
do princípio da isonomia entre os agentes econômicos nacionais e estrangeiros. Considerado
um direito fundamental de primeira geração, a isonomia deve ser compreendida no conjunto
de direitos fundamentais da pessoa humana que informam o nosso Direito Econômico,
principalmente os de terceira geração.
Logo, se para a concretização dos direitos fundamentais finalísticos da nossa ordem
econômica, faz-se necessária a utilização de políticas de favorecimento das empresas de
capital nacional, não há que se falar em violação do princípio da isonomia.
É com essa abrangência então, que entendemos deva ser encarado o comando do art.
172 da CF/88, ao remeter à legislação ordinária, a disciplina do capital estrangeiro, o
incentivo dos reinvestimentos e a regulação da remessa de lucros, ou seja, com base no
interesse nacional vinculado aos objetivos fundamentais.
195
Afinal, a interpretação da ordem econômica que se pautar pela sistematização de
todos os fundamentos e princípios, que, por serem normas que concretizam valores no
ordenamento, têm o papel fundamental de alicerçar o próprio sistema.
Atlas, 2002. p. 73-74). Confira-se ainda: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
Constituição. São Paulo: Saraiva, 2003.
195
Ver o nosso artigo: ROSSI, Matheus Corredato. O tratamento às empresas de capital nacional e o direito ao
desenvolvimento. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 61, p. 218-240, 2007.
110
5.3 O Capital Estrangeiro e o Direito ao Desenvolvimento
A interpretação sistemática da CF/88 nos revela um dever do Estado-nação com o
bem-estar econômico e social dos cidadãos, mediante a busca pela concretização dos direitos
sociais (art. 6º) e a consecução dos objetivos fundamentais arrolados no art. da CF/88,
dentre eles desenvolvimento nacional.
Esse dever se cinge no contexto do chamado direito constitucional ao
desenvolvimento, como indica Guilherme Amorim Campos da Silva:
196
O direito ao desenvolvimento nacional impõe-se como norma jurídica
constitucional, de caráter fundamental, provida de eficácia imediata e impositiva
sobre todos os poderes da União que, nesta direção, não podem se furtar a agirem,
dentro de suas respectivas esferas de competência, na direção da implementação de
ações e medidas, de ordem política, jurídica ou irradiadora, que almejem a
consecução daquele objetivo fundamental.
Some-se ainda a previsão do direito ao desenvolvimento como fundamento da tutela
ao mercado interno (art. 219 da CF/88) e, mormente, como valor supremo de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, tal como previsto no
preâmbulo da Constituição Federal.
Infere-se da própria CF/88 que a busca pelo desenvolvimento nacional se trata de uma
efetiva mudança econômico-social, para implementar e assegurar a dignidade do cidadão na
dimensão econômica, política, cultural e social dos direitos humanos, em consonância com os
pactos de direito internacional acima referidos.
Com efeito, extrai-se das Declarações da ONU de 1986 e 1993, destacadas no capítulo
anterior, o direito e o dever dos Estados de formular políticas nacionais adequadas para o
desenvolvimento que visem o constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e
de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, bem como eqüitativa dos
benefícios daí resultantes.
197
196
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito fundamental ao desenvolvimento econômico nacional. São
Paulo: Método, 2004. p. 67.
197
No campo da auto-regulação privada, cabe lembrar o surgimento em 2000 do Pacto Global das Nações Unidas
(United Nations Global Compact). Lançado pela ONU em pleno Fórum Econômico Mundial em Davos, na
Suíça, o projeto tem por objetivo o fomento da responsabilidade corporativa, a partir da implementação
voluntária de dez princípios universais nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio-ambiente e
práticas anti-corrupção, tendo como destinatários empresas de grande, médio e pequeno porte, desde que
111
Deve-se apontar, entretanto, que o
[...] processo acelerado da financeirização das riquezas, da volatilidade do capital e
da expansão de conglomerados internacionais e de suas fusões, também contribuem
para a inobservância do direito ao desenvolvimento, obrigando os Estados
periféricos, como o Brasil, a promover ajustes estruturais que podem aumentar
consideravelmente a fragmentação social, enfraquecer as empresas nacionais e
acentuar os níveis de desemprego e de marginalidade social para fazer prevalecer as
políticas de estabilização da moeda com base em acordos internacionais.
198
No mesmo sentido, anota Cançado Trindade:
199
Paralelamente a la “globalización” de la economía, la desestabilización social ha
generado una pauperización mayor de los estratos pobres de la sociedad (y con ésto,
la marginalización y exclusión sociales), al mismo tiempo en que se verifica el
debilitamiento del control del Estado sobre los flojos de capital y bienes y
incapacidad de proteger los miembros más débiles o vulnerables de la sociedad. [...]
Paradójicamente, a la expansión de la “globalización” ha correspondido la erosión
de la capacidad de los Estados de proteger los derechos económicos, sociales y
culturales de la población; [...] Más que cualquer técnica jurídica, se impone hoy día,
para intentar resolver los problemas de los flujos poblaciones en razón de la
globalización de la miseria, el despertar de una verdadera solidariedad a nivel
global.
tenham no mínimo dez empregados (Disponível em: <http://www.pactoglobal.org.br>). Mais recentemente,
constatou a ONU que os investidores institucionais do mundo inteiro não dispunham de um conjunto de
diretrizes comuns de avaliação de riscos e oportunidades, o que representava uma lacuna no ambiente auto-
regulatório dos investimentos, ocasionando um desprestígio do conceito de responsabilidade cio-ambiental
incorporado cada vez mais por empresas aptas a receber os aportes financeiros, notadamente aquelas que
aderiram ao projeto Pacto Global. Assim, a ONU convidou um grupo de líderes da comunidade internacional
de investimentos, dentre eles fundos de pensão de diversos países, inclusive do Brasil, com a finalidade de
desenvolver um conjunto de princípios globais de melhores práticas em investimento responsável, os quais
estão alicerçados em três fatores de auto-regulação privada do mercado: governança corporativa,
desenvolvimento social e meio-ambiente (Princípios para o Investimento Responsável ou Principles for
Responsible Investiment - PRI) (http://www.unpri.org). Sobre o assunto, ver: ROSSI, Matheus Corredato.
Aspectos jurídicos da regulação dos investimentos das entidades fechadas de previdência complementar.
Revista de Previdência da UERJ/CEPED, Rio de Janeiro, n. 6, p. 05-23, 2007. Ainda, ver o nosso artigo em
conjunto com Flavio Martins Rodrigues publicado no Espaço Jurídico da Bovespa com o título Auto-
regulação privada combina eficiência com responsabilidade. Disponível em:
<http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/080605NotA.asp>. Acesso em: 28 out. 2008.
198
DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direito ao desenvolvimento na perspectiva da globalização: paradoxos e
desafios. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 124.
199
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. La nueva dimensión de las necesidades de protección del ser
humano en el inicio del siglo XXI. San José da Costa Rica: Impresora Gossestra Internacional, 2002. p. 33-34.
“Paralelamente à ‘globalização’ da economia, a desestabilização social gerou um maior empobrecimento das
camadas pobres da sociedade (e com ela, a marginalização e a exclusão social), ao mesmo tempo em que se
verifica o enfraquecimento do controle estatal sobre o fluxo de capital e bens e a incapacidade de proteger os
membros mais fracos e vulneráveis da sociedade. [...] Paradoxalmente, a expansão da ‘globalização’ tem
correspondido à erosão da capacidade dos Estados para proteger os direitos econômicos, sociais e culturais da
população; [...] Mais do que qualquer técnica jurídica, se impõe hoje em dia, para tentar resolver os problemas
dos fluxos populacionais, devido à globalização da miséria, o despertar de uma verdadeira solidariedade
global.”. (Tradução livre do autor).
112
Neste momento, exsurge a importância de mecanismos no ordenamento jurídico de
intervenção nos fluxos de investimentos estrangeiros para fins de incentivo e controle. Os
efeitos da consagração da isonomia absoluta nas economias dos países em desenvolvimento
têm revelado a fragilidade do discurso pelo estímulo a qualquer custo do ingresso do capital
estrangeiro, como observa Joseph E. Stiglitz:
200
Os resultados das políticas impostas pelo Consenso de Washington não m sido
encorajadores: para a maioria dos países, o desenvolvimento tem sido lento e, onde
ocorreu crescimento, os benefícios não têm sido repartidos igualmente. As crises
têm sido mal-administradas, e a transição do comunismo para a economia de
mercado (como veremos mais tarde) tem sido uma decepção. Dentro do mundo em
desenvolvimento, as dúvidas são ainda maiores. Aqueles que seguiram as
recomendações do Fundo [FMI] e suportaram a austeridade perguntam: Quando
colheremos os frutos? Na maior parte da América Latina, depois de uma curta
explosão de crescimento no início da década de 1990, estabeleceram-se a estagnação
e a recessão. O crescimento não conseguiu se manter alguns poderiam dizer que
ele não era sustentável.
Assim, o mecanismo do tratamento favorecido às empresas brasileiras de capital
nacional, configura-se uma ferramenta necessária ao Estado junto ao processo de negociação
de benefícios mútuos com as grandes empresas de propriedade estrangeiras, de modo a
observar o cumprimento do direito ao desenvolvimento no âmbito interno visando o constante
aprimoramento do bem-estar de toda a população.
201
Uma política estatal brasileira apoiada em bases jurídico-econômicas consistentes,
certamente permite a identificação dos meios eficazes de se conferir esse tratamento
favorecido, levando-se em conta a importância do investimento estrangeiro para o país e a
preservação da competitividade sistêmica no mercado interno.
200
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais.
Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002. p. 121.
201
Luciano Coutinho, Célio Hiratuka e Rodrigo Sabatini destacam, dentre as formas de favorecimento às
empresas brasileiras de capital nacional, a elaboração de uma política de promoção da internacionalização das
mesmas, confira-se: Enfim, é possível afirmar que existem oportunidades importantes para sustentar uma
melhora permanente das condições de inserção da economia brasileira no mercado mundial. Essas
oportunidades podem ser capturadas, desde que perseguida por atores empresariais aptos e articulados por
sólidas políticas de promoção e negociação comercial, políticas específicas de desenvolvimento produtivo e
tecnológico, políticas de negociação com o capital estrangeiro e políticas de apoio à internalização de
empresas de capital nacional.(O investimento direto no exterior como alavanca dinamizadora da economia
brasileira. In: BARROS, Octavio de; GIAMBIAGI, Fabio. (Org.). Brasil globalizado: o Brasil em um mundo
surpreendente. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 85).
113
5.4 A Vulnerabilidade Externa e a Postura Brasileira no Plano Internacional
Não é de hoje que se discutem os reflexos negativos e positivos da internacionalização
das empresas, sobretudo quando se analisam os indicadores sociais. A esse respeito o mesmo
Joseph E. Stiglitz observou:
202
As empresas estrangeiras trazem consigo especialização técnica e acesso a mercados
estrangeiros, gerando novas possibilidades de emprego. As corporações estrangeiras
também têm acesso a fontes de financiamento, algo importante nos países em
desenvolvimento, cujas instituições financeiras em geral são fracas. [...]
Tendo deixado isso claro, existem alguns aspectos realmente negativos. Quando as
empresas estrangeiras chegam, elas geralmente destroem os concorrentes locais,
aniquilando as ambições de pequenos empresários, que esperavam desenvolver
setores domésticos. muitos exemplos disso. Os fabricantes de refrigerantes em
todo o mundo foram dominados pela entrada da Coca-cola e da Pepsi em seus
mercados domésticos. Os fabricantes locais de sorvete sentem-se incapazes de
competir com os produtos da Unilever. [...] Os comerciantes locais têm medo de não
conseguir competir com a Wall-Mart, com seu enorme poder de compra. [...] Essas
mesmas inquietações são mil vezes maiores nos países em desenvolvimento. [...]
Mas os críticos levantam várias questões. Na ausência de leis fortes (ou
efetivamente fiscalizadas) de concorrência, depois que a empresa internacional
destrói a concorrência local, ela utiliza seu poder de monopólio para aumentar os
preços. Os benefícios dos preços baixos tiveram vida efêmera.
A abertura de um foro de discussão principalmente junto à OCDE nos últimos anos,
como vimos no item 3.3 acima, revela uma tentativa dos países desenvolvidos de impor aos
países em desenvolvimento um abrangente acordo de investimentos que regulamente os
investimentos de toda espécie ao redor do mundo, com o fim de assegurar a livre
movimentação, segurança e rentabilidade a seus capitais.
A posição do Brasil nas negociações multilaterais tem sido marcada pela busca da
expansão das exportações brasileiras, com ênfase em produtos agrícolas e commodities
industriais. De outro lado, verificou-se ao longo da década de 90, uma facilitação do acesso ao
mercado brasileiro especialmente em relação aos serviços públicos, chegando-se inclusive a
alguns casos de favorecimento do capital estrangeiro.
202
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais.
Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002.p. 101-102. Ainda: A
desnacionalização da economia é um fenômeno ainda mais relevante quando se levam em conta dois novos
efeitos surgidos no âmbito de processos específicos, que não têm sido mencionados ou destacados no debate
atual. O primeiro pode ser chamado de ‘efeito multiplicador da vulnerabilidade externa’, e o segundo de
‘efeito fragilidade institucional’. (BAUMANN, Renato. Economia Internacional teoria e experiência
brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
114
A dependência excessiva do país em relação aos capitais estrangeiros tem sido
apontada como a maior fragilidade da política econômica por grande parte de economistas. É
preciso então compatibilizar a alocação de capitais estrangeiros com as necessárias ações de
intervenção do Estado, seja para restringir este tipo de investimento em setores estratégicos ou
para dar privilégios e especiais benefícios – temporário ou não – ao capital nacional.
Segundo o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, o país precisa de uma estratégia
de autodefesa estabelecida no plano nacional, a fim de diminuir a vulnerabilidade externa e a
dependência aos capitais estrangeiros, sem a necessidade de violar compromissos assumidos e
utilização de medidas drásticas que possam afetar a credibilidade interna e externa.
203
Na visão ponderada do respeitável economista, três aspectos sobressaem na estratégia
de autodefesa: (i) o ajustamento do balanço de pagamentos em conta corrente; (ii)
implantação de controles, de natureza preventiva, sobre a conta de capitais do balanço de
pagamentos; e (iii) esforço de acumulação de reservas internacionais.
204
O primeiro deles pressupõe a mobilização de um conjunto de instrumentos de estímulo
às exportações e à substituição de importações de bens e serviços, a partir de alterações: (a) na
política cambial de modo a imprimir um viés pró-depreciação com o incremento do
acompanhamento da evolução das taxas de câmbio; (b) na política tributária a fim de corrigir
distorções que oneram as exportações e favorecem as importações em detrimento da produção
nacional; (c) na política de comércio exterior com a reestruturação do modelo de regulação de
forma a proteger a economia do contrabando, do subfaturamento, do dumping e da
concorrência desleal. Há que se conferir ainda um tratamento preferencial em termos de
crédito aos setores exportadores e aos que concorrem com as importações, colocando à
disposição desses setores crédito em condições internacionalmente competitivas em termos de
prazo e taxas de juro.
Com relação ao aspecto do controle preventivo sobre o fluxo de capitais, a estratégia
de autodefesa passaria pela adoção de providências rigorosas para administrar a composição
dos capitais que ingressam no país, além do alongamento do perfil de endividamento externo,
bem como a eliminação das lacunas na legislação que facilitam a evasão de capitais de
203
BATISTA JÚNIOR, Paulo Nogueira. O Brasil e a economia internacional: recuperação e defesa da
autonomia nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 41-42.
204
Ibid., passim.
115
residentes, sem que isso implique o descumprimento dos compromissos internacionais do
país.
Por fim, chama a atenção o economista para um terceiro aspecto consistente na
necessidade de um esforço de acumulação de reservas internacionais, não obstante o regime
de flutuação cambial ser um dificultador. Todavia, em momentos de tranqüilidade e
conjunturas favoráveis, é recomendável o incremento de reservas internacionais líquidas à
disposição do Banco Central para utilização futura necessária a conter a pressão sobre a taxa
cambial.
Acordos de investimento como os que estão nas mesas internacionais de negociação
tornariam impraticável a adoção dessas estratégias de autodefesa na tentativa de diminuir a
vulnerabilidade externa, bem como a utilização de qualquer mecanismo que permita ao Brasil
regulamentar, no interesse da sociedade, as atividades do capital estrangeiro. Ainda que o
Brasil não exerça um controle significativo sobre a circulação destes capitais, no atual cenário
pós-liberalização do regime de investimentos, é de crucial importância a revisitação do
assunto para que possa no futuro exercê-lo.
205
Chama a atenção Cláudia Perrone-Moisés para a amplitude dos acordos de
investimento representando uma ameaça à soberania do país, confira-se:
206
Nenhum dos acordos negociados ou em negociação regula a conduta das
empresas transnacionais. Tendo em vista a preocupação com a liberalização dos
mercados, estes instrumentos são dirigidos aos países receptores dos investimentos,
regulando o tratamento que deve ser dispensado ao capital estrangeiro. A questão é
que, aumentando o poder de expansão das empresas, não regula por outro lado, sua
conduta no sentido de diminuir os possíveis impactos negativos de suas atividades.
Os acordos da OCDE e da OMC, tal como propostos, poderão privar os países em
desenvolvimento de parte de sua soberania econômica, o que vai de encontro a
diversos princípios contidos na Carta e Resoluções das Nações Unidas.
205
O representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Júnior, avaliou
ontem, no seminário sobre os 200 anos do Ministério da Fazenda, que o projeto de exploração do petróleo da
camada do pré-sal em estudo pelo governo o seria possível nos termos pretendidos se o País tivesse
entrado na Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Segundo o economista, o governo brasileiro, ‘com
toda razão’, está pensando em um projeto de exploração desses recursos naturais de forma conjugada a uma
política industrial, que envolve planos para os setores que fornecerão os insumos e os equipamentos.
Nogueira Batista destacou que esses planos dependem de medidas de incentivo e preferências em relação a
compras governamentais. Ele afirmou que ‘nada disso seria possível com a Alca’ dentro do modelo que
alguns países da América Latina assinaram com os EUA. Segundo ele, as políticas que estão sendo
preparadas pelo governo brasileiro seriam consideradas ilegais e vetadas ‘pelo tratado (Alca) com a maior
potência do mundo.’ (FERNANDES, Adriana. Alca impediria exploração do pré-sal, diz Batista Júnior. O
Estado de São Paulo, São Paulo, 11 de setembro de 2008. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080911/not_imp239616,0.php).
206
PERRONE-MOISÉS, Cláudia. Direito ao desenvolvimento e investimentos estrangeiros. São Paulo: Oliveira
Mendes, 1998. p. 45.
116
Evidentemente que, o investimento estrangeiro é bem-vindo, porém desde que
observado ao cumprimento dos direitos humanos econômicos da coletividade, como
detalhamos acima. Notadamente, o investimento externo direto pode desempenhar um papel
extremamente positivo no processo de desenvolvimento do país, como muito vem sendo
defendido pelos economistas, quando destinado a atividades produtivas, transferência de
tecnologia e geração de empregos.
De outro lado, investimentos que prejudiquem a poupança local, a produção agrícola,
industrial e de serviços locais, apenas para citarmos alguns exemplos, impõem a necessidade
de mecanismos de intervenção estatal.
Convém aqui mencionar a observação contida na Nota Técnica Temática do Bloco
"Determinantes de Natureza Regulatória da Competitividade”
207
, a qual, dentre outras,
subsidiou o “Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira”, coordenado por Luciano G.
Coutinho e João Carlos Ferraz
208
, anteriormente à abertura econômica da década de 90. De
acordo com o referido documento, a eficácia de mecanismos de regulação dos fluxos de
investimento deve ser avaliada: (i) segundo sua capacidade de assegurar a eficiência na
alocação internacional de recursos econômicos; (ii) segundo sua capacidade de garantir um
equilíbrio razoável na repartição de proveitos entre o país fonte do investimento e o país
anfitrião; (iii) segundo sua possibilidade de conviver com a soberania nacional dos países
envolvidos e o desenvolvimento autônomo do país anfitrião.
209
Em termos jurídicos, a referida análise econômica nos revela que os mecanismos de
regulação dos fluxos de investimento somente serão eficazes segundo a sua capacidade de
aderência à ordem econômica brasileira, com vistas a assegurar a dignidade da pessoa
humana, incluindo-se aí toda a gama de direitos humanos inerentes a esse conceito.
De qualquer forma, convém ressaltar que tais medidas de regulação dos fluxos de
investimento invariavelmente conduzem o país a suportar alguns custos que, segundo Paulo
Nogueira Batista Júnior, não são custos proibitivos, e vale a pena pagá-los”, pois as
207
ESTUDO da competitividade da indústria brasileira. Implicações da estrutura regulatória das atividades
econômicas sobre a competitividade: regulação do investimento direto estrangeiro. Disponível em
<http://ftp.mct.gov.br/publi/Compet/ntt3_3.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2009.
208
COUTINHO, Luciano; FERRAZ, João Carlos. (Coord.). Estudos da competitividade da indústria brasileira.
Campinas: Papirus, 1994. passim.
209
Na verdade, a referida observação contida na Nota Técnica foi extraída do World Investment Report 1999,
produzido pela UNCTAD, o qual compilou à época as pesquisas sobre os condicionantes do IED entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento. Disponível em:
<http://www.unctad.org/en/docs/wir1999_en.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2009.
117
dificuldades associadas à execução de uma estratégia de autodefesa podem ser
administradas. O que não pode persistir é o quadro de vulnerabilidade externa que ameaça
recorrentemente a estabilidade da economia e impede o seu crescimento sustentado”.
210
210
BATISTA JÚNIOR, Paulo Nogueira. O Brasil e a economia internacional: recuperação e defesa da
autonomia nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 47.
118
CONCLUSÃO
A capacidade do Estado de promover as políticas relacionadas ao tratamento e a
entrada de capitais estrangeiros no país, de acordo com os interesses do bem comum, vis-à-vis
a importância da entrada desses capitais para a economia local, tem suscitado imensos debates
no âmbito interno e internacional, mormente nas comunidades jurídica e econômica.
A abordagem histórica do tema, ao longo deste trabalho, nos revelou que mecanismos
de intervenção nos fluxos de investimento estrangeiro para fins de incentivo e controle,
sempre tiveram presença marcante em nosso ordenamento jurídico, tendo variado de acordo
com o perfil da atuação estatal de cada época, influenciado inclusive pelos desdobramentos
econômicos e jurídicos no âmbito internacional.
Até a cada de 30, prevaleceu no Brasil um regime dos investimentos internacionais
de cunho liberal, embora marcado por diversas medidas protecionistas alfandegárias na
tentativa de favorecer a industrialização nacional, além de restrições setoriais de acesso do
capital estrangeiro. Em linhas gerais, a ordem econômica estabelecida nas Constituições
Federais da época era ditada pelos princípios básicos do liberalismo econômico.
Posteriormente, a crise mundial de 1929 deu origem ao segundo regime de caráter
interventivo que se estendeu até a década de 80. O papel do Estado na economia brasileira
passou por transformações como resposta ao aumento das atividades econômicas, ao
desenvolvimento econômico e tecnológico, às crises do mercado livre e a necessidade de
substituição de importação.
O fim do modelo da abstenção estatal brasileira na economia foi marcado pela
Constituição Federal de 1934, afastando-se assim do liberalismo econômico. A propósito,
verificou-se no Brasil, a partir daí, a internalização dos institutos de cunho social
reconhecidos internacionalmente, ponderando a finalidade da existência digna e
circunscrevendo a liberdade econômica dentro desse limite.
Notadamente, o capital estrangeiro passou a ser um elemento de interesse direto e
imediato dos formuladores de política econômica. Dentre as medidas interventivas, destacam-
se: políticas de estabelecimento de barreiras ao fluxo internacional de capitais; novas
restrições setoriais à presença do capital estrangeiro; regulamentações diversas quanto à
movimentação (entrada, registro, reinvestimentos, limites quantitativos à remessa de
119
rendimentos e repatriamento, etc.); regulamentações diversas sobre operações de câmbio e
intercâmbio comercial com o exterior; a promulgação da lei 4.131/62 (Estatuto do Capital
Estrangeiro); a criação do imposto suplementar sobre remessas de rendimentos; além de um
ambiente regulatório adverso à entrada de capitais estrangeiros.
Foi justamente nesse período que se concentraram grande parte dos mecanismos
estatais de favorecimento direto das empresas de capital nacional como, por exemplo, a
criação de projetos de promoção de exportações e contenção das importações, dentre eles, o
uso de medidas não-tarifárias (lei do similar nacional) e os programas especiais de importação
e licenças de importação; a política direcionada à verificação de índices de nacionalização de
produtos; e, ainda, a exclusividade no fornecimento de bens e serviços ao Estado.
Esse segundo regime interventivo foi marcado ainda pela mudança do paradigma da
ordem econômica brasileira a partir da Constituição Federal de 1946, a qual passou a ser
orientada pelos princípios da justiça social e, ainda, conciliadora da liberdade de iniciativa
com a valorização do trabalho humano.
Por sua vez, o terceiro regime do investimento estrangeiro no Brasil foi inaugurado a
partir da agenda reformista que se desenvolveu na década de 90, provocada por ondas
liberalizadoras do mercado, sob a vigência da CF/88.
Com base em uma política de abertura comercial e financeira, visando aumentar a
competitividade das empresas brasileiras como um todo e contribuir com a inserção
internacional da economia brasileira, foram adotadas medidas de redução progressiva das
tarifas de importação, eliminação das barreiras não-tarifárias, eliminação de subsídios e
incentivos.
A política econômica brasileira vinculada às tendências da economia internacional,
contemplou ainda a eliminação das restrições ao capital estrangeiro, a realização de
privatizações de diversos setores, o fomento da competitividade industrial e o fortalecimento
dos órgãos e mecanismos de concorrência, a flexibilização dos critérios e normas operacionais
para concessão de financiamentos pelos bancos estatais, bem como medidas voltadas à
desregulamentação como, por exemplo, a extinção do imposto suplementar, a revogação da
vedação de pagamentos de royalties de patentes e marcas, a assistência técnica entre empresas
do mesmo grupo econômico e a isenção do imposto de renda na fonte sobre o envio de lucros
e dividendos ao exterior.
120
Aos poucos, foi sendo ampliada também a liberalização financeira nos mercados
financeiro e de capitais. Tais mudanças facultaram aos não-residentes o acesso às mesmas
modalidades disponíveis aos investidores residentes, diferentemente do que ocorria
anteriormente, quando havia um leque limitado de modalidades de investimento em portfólio
à disposição dos não-residentes.
Especificamente em relação ao regime de investimentos, a liberalização ocorreu por
meio de reformas à Constituição Federal, as quais proporcionaram maiores oportunidades
para o capital estrangeiro e flexibilização do controle do Estado sobre tais fluxos. Foram
extintas de antigas reservas de mercado e, principalmente, o conceito constitucional de
empresa brasileira de capital nacional, previsto no artigo 171 da Carta Magna, provocando
então reações diversas em defesa da igualdade plena entre brasileiros e estrangeiros, suas
empresas e seus capitais.
Todos esses exemplos de alterações constitucionais e infraconstitucionais, ao longo
dos anos 90, proporcionaram, na verdade, uma forma renovada da relação entre Estado e
mercado. Seguindo-se a linha de pensamento neoliberal, ao Estado cabia cada vez mais uma
posição de distância, deixando que a política econômica passasse a ser engendrada através da
iniciativa privada que, por conseguinte, conduziria as ações sociais, o que de fato não ocorreu.
A identificação da política econômica nacional às metas neoliberais do Consenso de
Washington e às diretrizes dos organismos internacionais como FMI e Banco Mundial, não
foi capaz de evitar a vulnerabilidade do país às crises externas e internas. Sob os desígnios do
modelo de economia de mercado, os recursos externos acabaram sendo pouco explorados em
termos de promoção de um maior dinamismo à economia brasileira.
Na verdade, embora o capital estrangeiro tenha tido uma importância no progresso
brasileiro que fez com que o país se tornasse uma nação industrializada, tal progresso foi
dando origem a um verdadeiro distanciamento das grandes economias, quando se trata de
analisar os indicadores sociais.
Curiosamente, nas últimas décadas os debates dentro de organismos internacionais
como OCDE, Banco Mundial, FMI, UNCTAD e OMC, alinharam-se em torno de propostas
para uma maior liberalização dos investimentos estrangeiros, mediante o estabelecimento de
mecanismos abrangentes no âmbito multilateral, de modo a preencher lacunas e
compatibilizar os sistemas nacionais.
121
Ao nosso ver, negociações bilaterais ou até mesmo regionais tendem a ser mais
eficazes para os países importadores de capital, desde que resulte efetivamente em vantagens
e benefícios que possam ser periodicamente mensurados, respeitando-se assim os distintos
interesses influenciados pela situação econômica de cada país.
Entretanto, na contramão desse discurso, os fatos recentes trouxeram de volta o tema
da regulamentação, enfraquecendo a defesa da abstenção estatal. A atual crise financeira de
proporções mundiais revelou (e continua revelando), na verdade, a importância do
intervencionismo estatal sobre a economia, incluindo-se os setores públicos e privados,
sempre que necessário à defesa da coletividade, tanto para prevenir como para contornar as
externalidades negativas geradas pelo modelo capitalista.
Dentre os diversos resultados dessa crise financeira, a tendência do intervencionismo
estatal nos diversos setores da economia apresenta-se praticamente como certa, que os
Estados estão sendo obrigados a repensar as suas respectivas políticas econômicas. Como
agente regulador das relações econômicas e sociais, cabe ao Estado brasileiro o
desenvolvimento de estratégias para a proteção das necessidades de toda a estrutura social a
partir do dirigismo constitucional.
Estaríamos então ingressando em um quarto regime dos investimentos estrangeiros no
Brasil?
Certamente, a resposta a essa indagação somente será possível no momento seguinte
ao balanço da atual crise financeira, cuja extensão sobre as diversas economias mundiais até o
momento não se tem muita clareza, inclusive no Brasil.
De qualquer forma, o regramento do investimento privado, em especial do capital
estrangeiro, é um componente fundamental para que se possa promover políticas de reversão
da atual situação econômica brasileira.
A despeito de todas as reformas levadas a efeito em prol da liberalização do regime de
investimentos no Brasil, procuramos demonstrar ao longo desse trabalho que, as ações
interventivas do Estado sobre a economia têm total apoio nos fundamentos e princípios
constitucionais da ordem econômica brasileira, mormente quando o tema é investimento
privado externo, sobretudo no âmbito dos serviços públicos.
122
O Estado não pode como deve valer-se de ações interventivas na economia,
incluindo-se a restrição do investimento estrangeiro em setores estratégicos e/ou a
concessão de tratamento favorecido temporário ou não ao capital nacional, tendo sempre
como foco a proteção da riqueza nacional e o desenvolvimento da coletividade, conforme
preceitua o art. nº 219 da CF/88.
Em meio a essa crise financeira mundial, à volatilidade do capital e ao crescente
processo de globalização capitaneado pelos organismos internacionais e pela expansão dos
conglomerados transnacionais, a necessidade de ajustes estruturais pelos países periféricos,
como o Brasil, não pode perder de vista o risco de enfraquecimento do capital nacional, de
elevação da fragmentação social e acentuação dos níveis de desemprego.
Evidentemente que alguns mecanismos do passado de intervenção no fluxo de capitais
e de favorecimento direto do capital nacional são incompatíveis com o cenário atual, seja em
razão da conjuntura econômica ou em razão dos compromissos assumidos pelo Brasil no
âmbito internacional.
Tampouco estamos aqui pregando uma revisitação ao modelo mercantilista para
justificar, por exemplo, medidas protecionistas voltadas à substituição de importações e
promoção de exportações ou, ainda, o privilégio de grupos de interesses com o fim único de
lucrarem com as restrições à concorrência externa.
Nossa intenção ao longo deste trabalho foi chamar a atenção para a ausência de um
ambiente propício no Brasil à encampação irrestrita do modelo de abstenção estatal e
isonomia absoluta entre capitais, no seu formato puramente idealizado pela doutrina do
liberalismo econômico, colocando a coletividade à mercê de riscos de agravamento da
exclusão social.
Nesse contexto, por exemplo, não se poderia falar na criação de sistemas de regulação
atuantes por meio da imposição de restrições à entrada de capital estrangeiro em setores
selecionados ou de mecanismos, que explícita ou implicitamente, estabelecessem tratamento
diferenciado para empreendedores nacionais em relação aos estrangeiros, em negócios
desenvolvidos em solo brasileiro.
Destarte, com esteio nos fundamentos e princípios da ordem econômica constitucional
brasileira, a formulação pelo Estado de novas políticas de desenvolvimento econômico-social
deve levar em conta os direitos humanos econômicos na dimensão política, cultural,
123
econômica e social, e a prevalência destes sobre os interesses internacionais privados,
possibilitando assim um tratamento favorecido ao empreendedor nacional relativamente ao
investidor estrangeiro, em empreendimentos brasileiros.
Os pontos centrais para identificarmos esse dirigismo constitucional estão na
valorização do trabalho humano e na observação de se atender aos ditames da justiça social, a
teor do caput do art. 170 da CF/88. Nesse contexto, é que se define a base do sistema
jurídico econômico, englobando e concretizando valores próprios de um Estado dotado de
desigualdades, objetivando mudanças, em prol da coletividade.
Portanto, a opção capitalista em nossa Constituição Federal pelo perfil humanista,
conforme expusemos ao longo deste trabalho, impõe ao Estado a necessidade de adoção de
medidas interventivas sobre o setor privado – incluindo-se o capital estrangeiro – com vistas a
garantir a todos existência digna”. claramente uma vinculação da ordem econômica ao
princípio da dignidade da pessoa humana, incluindo-se toda a gama de direitos humanos
inerentes a esse conceito.
O ambiente econômico compreende então a plataforma para edificação dos direitos
humanos, manifestados não só na CF/88, mas, também, em tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário, notadamente aqueles cuja essência consiste em situar os cidadãos no
processo de desenvolvimento, compreendendo-se a satisfação das necessidades econômicas
e sociais indispensáveis à dignidade humana e, também, a capacitação e participação dos
mesmos como forma de ampliar suas oportunidades.
É com essa abrangência então, que entendemos deva ser encarado o comando do art.
172 da CF/88, ao remeter à legislação ordinária, a disciplina do capital estrangeiro, o
incentivo dos reinvestimentos e a regulação da remessa de lucros, ou seja, com base no
interesse nacional vinculado aos objetivos fundamentais.
Como ressaltado inicialmente, nossa proposta não foi discorrer sobre todos os aspectos
do regime jurídico brasileiro dos investimentos internacionais, mas identificar a partir da
evolução histórica como foi e vem sendo tratado juridicamente o capital estrangeiro e as
políticas econômicas prevalecentes em cada época, chegando-se então à situação atual para o
enfretamento da problemática inicialmente apresentada.
Nossa análise do capital estrangeiro no presente estudo destacou a importância de se
compreender os investimentos estrangeiros no âmbito da Ordem Econômica brasileira, com
124
os fundamentos e princípios que a qualificam, conforme previstos no art. 1º, inc. III e IV; art.
3º, inc. II e art. nº 170, caput da Constituição Federal.
Sem a pretensão de impor conclusões definitivas em matéria tão complexa do Direito
Econômico e do Direito Econômico Internacional, cremos que a dosagem certa da proteção ao
capital nacional com a disciplina dos direitos humanos econômicos, extraída do mandamento
constitucional brasileiro, qualificará as ações estatais dentro de uma política de Estado e não
meramente como política administrativa, sobretudo pelo prestígio ao direito ao
desenvolvimento e à noção de solidariedade, na tentativa de evitar a deterioração ainda maior
das condições de vida em nosso país.
125
REFERÊNCIAS
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito
supranacional. São Paulo: Atlas, 2006.
APPY, Robert. Capital estrangeiro & Brasil: um dossiê. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1987.
ARAGÃO, Paulo Cezar. Problemática legal do capital estrangeiro. Revista de Direito
Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 71, p. 62-72, jul./set.1988.
ASSUMPÇÃO, Regina Céli. Negociação surge com perdas alemãs pós-guerra. Agência
Câmara, Brasília, 14 ago. 2002. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/internet/agencia/materias.asp?pk=21869>. Acesso em: 14 ago.
2006.
ANDRADE JÚNIOR, Átila de Souza Leão. O capital estrangeiro no sistema jurídico
brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
ANDREZO, Andréa Fernandes; LIMA, Iran Siqueira. Mercado financeiro: aspectos
históricos e conceituais. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
BALDINI JUNIOR, Renato. Controle de Capitais no Chile. Notas Técnicas do Banco Central
do Brasil, n. 2, jul.2001. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2001nt02Chilep.pdf>. Acesso em: 15 mar.
2009
BAPTISTA, Luiz Olavo. Os investimentos internacionais no Direito Comparado e brasileiro.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
BARBOSA, Denis Borges. Direito de acesso do capital estrangeiro: direito ao
desenvolvimento industrial. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1996. v. 1.
BARROS, José Eduardo Monteiro de. Regime do capital estrangeiro. In: GAMA, José F. de
Carvalho. Curso de Direito Empresarial. São Paulo: Educ, 1976. v. 3.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.
BASTOS, Celso Ribeiro. Direito Econômico Brasileiro. São Paulo: Celso Bastos, 2000.
______. Comentários à Constituição. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 7.
BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas
latino-americanos. In: LIMA SOBRINHO, Barbosa et al. Em defesa do interesse nacional:
desinformação e alienação do patrimônio público”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p. 99-
144.
126
BATISTA JÚNIOR, Paulo Nogueira. O Brasil e a economia internacional: recuperação e
defesa da autonomia nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
______. Da crise internacional à moratória brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
BATISTA JÚNIOR, Paulo Nogueira. O plano real à luz da experiência mexicana e argentina.
Revista de Estudos Avançados, São Paulo, n. 28, p. 129-197, 1996.
BAUMANN, Renato. Economia Internacional – teoria e experiência brasileira. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004.
BELUZZO, Luís Gonzaga. Dinheiro e transfigurações da riqueza. In: TAVARES, M. C.;
FIORI, J. L. (Org.). Poder e Dinheiro. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 151-194.
BIELSCHOSKY, Ricardo. Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL – uma resenha. Rio de
Janeiro: Record, 2000.
______. Vinte anos de Ierj, cinqüenta anos de Cepal. In: MAGALHÃES, João Paulo de
Almeida; MINEIRO, Adhemar dos Santos; ELIAS, Luiz Antônio. (Org.). Vinte anos de
política econômica. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
BJORK, Gordon C. A empresa privada e o interesse público: os fundamentos de uma
economia capitalista. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BORJA, Célio. O capital estrangeiro no direito brasileiro. Revista do Advogado, São Paulo, n.
88, p. 32-43, 2008.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador:
contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Limitada,
1982.
CARNAXIDE, Antônio de Sousa Pedroso. O Brasil na administração pombalina: economia
e política externa. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1979.
CARREAU, Dominique; FLORY, Thiébaut; JUILLARD, Patrick. Manuel Droit International
Économique. 3. ed. Paris: Libraire Generale de Droit Et de Jurisprudence, 1990.
CASELLA, Paulo Borba. Direito Internacional – vertente jurídica da globalização. Porto
Alegre: Síntese, 2000.
CELLI JÚNIOR, Umberto. Os Acordos de Serviços (GATS) e de Investimentos (TRIMS) na
OMC: espaço para políticas de desenvolvimento. Cadernos PROLAM/USP, v. 1, p. 16, 2007.
127
CLARK, Giovani. Política econômica e Estado. Revista de Direito Mercantil: Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 141, p. 41-48, jan./mar.2006.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.
CORRÊA, Cristiane Sanches de Souza. Os regimes de investimento direto estrangeiro no
Brasil: regulação e política externa nacional. 2007. 270f. Dissertação (Mestrado em Relações
Internacionais) − Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
COSTA, Emília Viotti. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA,
Carlos Guilherme. (Org.). Brasil em Perspectiva. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1988. p.
64-125.
COUTINHO, Luciano Galvão; HIRATUKA, Célio; SABATINI, Rodrigo. O investimento
direto no exterior como alavanca dinamizadora da economia brasileira. In: BARROS, Octavio
de; GIAMBIAGI, Fabio. (Org.). Brasil globalizado: o Brasil em um mundo surpreendente.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 63-85.
COUTINHO, Luciano Galvão. Nota sobre a natureza da globalização. Revista de Economia e
Sociedade, Campinas, n. 4, p. 21-26, jun.1995.
COUTINHO, Luciano Galvão; FERRAZ, João Carlos. (Coord.). Estudos da competitividade
da indústria brasileira. Campinas: Papirus, 1994.
DELGADO, Ana Paula Teixeira. O direito ao desenvolvimento na perspectiva da
globalização: paradoxos e desafios. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
EDWARDS, Michael. Humanizando o Capitalismo Global: qual caminho tomar? In:
GIDDENS, Anthony. (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger Maioli
dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007. p. 555-567.
ESTUDO da competitividade da indústria brasileira. Implicações da estrutura regulatória das
atividades econômicas sobre a competitividade: regulação do investimento direto estrangeiro.
Disponível em: <http://ftp.mct.gov.br/publi/Compet/ntt3_3.pdf>. Acesso em 23 mar. 2009.
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 10. ed.
São Paulo: Globo, 2000. v. 1.
FERNANDES, Adriana. Alca impediria exploração do pré-sal, diz Batista Júnior. O Estado
de São Paulo, São Paulo, p. B3, 11 de setembro de 2008.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interpretação e estudo da Constituição de 1988. São
Paulo: Atlas, 1990.
128
FERREIRA, Ana Letícia do Amaral Ramos. Direito internacional dos investimentos. 2003.
193f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) − Programa de Pós-Graduação
em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2003.
FERREIRA, Pinto. Capitais estrangeiros e dívida externa do Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1965.
FIORATI, Jete Jane. As telecomunicações nos direitos interno e internacional: o Direito
brasileiro e as regras da OMC. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Forense, 2004.
FONTENELE, Leopoldo C. Aspectos do investimento internacional. Rio de Janeiro: Fundo
de Cultura, 1960.
FORTANIER, Fabienne; MAHER, Maria. Foreign direct investment and sustainable
development. Financial Market Trends 79. Paris: OECD, 2001.
FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 10. ed. Rio de Janeiro:
Qualitymark, 1997.
FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica sobre a vida, a
paisagem e a cultura do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.
FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. 3. ed. rev.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
______. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10. ed. rev. São Paulo: Paz e Terra,
2000.
______. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
______. A economia latino-americana. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976.
GASPARIAN, Fernando. Capital estrangeiro e desenvolvimento da América Latina: o mito e
os fatos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.
GIDDENS, Anthony. Introdução. In: ______. (Org.). O debate global sobre a terceira via.
Tradução de Roger Maioli dos Santos. São Paulo: UNESP, 2007. p. 17-43.
GOLDSTEIN, Sérgio Mychkis. Aspectos jurídicos da flexibilização cambial brasileira.
Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 29, p. 96-108, jul./set.2005.
GONÇALVES, Reinaldo. A economia política do investimento externo direto no brasil. In:
MAGALHÃES, João Paulo de Almeida; MINEIRO, Adhemar dos Santos; ELIAS, Luiz
Antônio. (Org.). Vinte anos de política econômica. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
GONÇALVES, Reinaldo. Globalização e desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
129
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2003.
______. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2003.
______
. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1990.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. A Filosofia do Direito: aplicada ao Direito Processual e à
Teoria da Constituição. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
GUHA, Krishna; LUCE, Edward. Greenspan apóia a estatização de bancos. Valor
Econômico, São Paulo, p. C5, 19 de fevereiro de 2009.
HIRST, Paul; THOMPSON, Graham. Globalização em questão. Petrópolis: Vozes, 1998.
IGLÉSIAS, Francisco. A industrialização brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1985.
KISS, Alexandre. Sustainable development and human rights. In: TRINDADE, Antônio
Augusto Cançado. (Ed.). Derechos humanos, desarrollo. Sustentable y medio ambiente. 2. ed.
San José da Costa Rica: IIDH, 1995. (Seminário de Brasília de 1992). p. 29-38.
LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Globalização, regionalização e soberania. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2004.
LIMA, Heitor Ferreira. História do pensamento econômico no Brasil.o Paulo: Nacional,
1978.
______. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Nacional, 1973.
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil (1808 a 1930). São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1961.
MACHADO, Marcilio R. Revisitando Drucker, Schumpeter e Keynes: a crise. Valor
Econômico, São Paulo, p. A12, 28 de outubro de 2008.
MAGALHÃES, João Paulo de Almeida. (Org.). Vinte anos de política econômica. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1999.
MATSUSHITA, Thiago Lopes. Análise reflexiva da norma matriz da ordem econômica.
2007. 174f. Dissertação (Mestrado em Direito das Relações Sociais) − Programa de Pós-
Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Os 20 anos sofridos da Constituição de 1988. Revista
do Advogado, São Paulo, n. 99, p. 37-41, 2008.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998.
130
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro,
Renovar, 1994.
______. Direito Internacional Econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993.
MERCADOS reprovam plano de Obama. Valor Econômico, São Paulo, p. C6, 11 de fevereiro
de 2009.
MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian. A companhia: breve história de uma
idéia revolucionária. Tradução de S. Duarte. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.
MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina,
1997.
MORIN, Edgar. Sociedade-mundo ou império-mundo. In: DUPAS, Gilberto; LAFER, Celso;
SILVA, Carlos E. Lins da. (Org.). A nova configuração mundial do poder. São Paulo: Paz e
Terra, 2008. p. 169-182.
MOURA, Aristóteles. Capitais estrangeiros no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1959.
NUSDEO, Fábio. A empresa brasileira de capital nacional: extensão e implicações do artigo
171 da Constituição Federal. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, n. 77, p. 15-28,
jan./mar.1990.
OCDE. Conference on the Role of International Investment in Development, Corporate
Responsibilities and the OECD Guidelines for Multinational Enterprises. Paris: OECD, 1999.
Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/8/63/2089832.pdf>. Acesso em: 13 out. 2008.
OLIVEIRA, Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e
direito ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
PEREIRA, Afonso Insuela. O Direito Econômico na ordem jurídica. São Paulo: José
Bushatsky, 1974.
PERRONE-MOISÉS, Cláudia. Direito ao desenvolvimento e investimentos estrangeiros. São
Paulo: Oliveira Mendes, 1998.
PINTO, Nelson Luiz; FINKELSTEIN, Cláudio; SAYEG, Ricardo Hasson; CEZAR, Leonel.
Manifesto de Instituição da Escola Humanista de Direito Econômico. Revista de Direito
Internacional e Econômico, n. 1, p. 7-10, out./dez.2000.
PIOVESAN, Flávia. (Coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração
regional: desafios do Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002.
POCHMANN, Márcio. Desenvolvimento, crise e recuperação da indústria. Valor Econômico,
São Paulo, p. A15, 12 de junho de 2008.
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 43. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.
131
QUEIROZ, José Eduardo Carneiro. O regime jurídico do capital estrangeiro no Brasil e as
recentes alterações na regulamentação. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga. (Coord.).
Aspectos atuais do Direito do mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2000. v.
2, p. 105-120.
RELATÓRIO de Desenvolvimento Humano. 2007/2008. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br>. Acesso em: 15 mar. 2009.
ROCHA, Fabiana Fontes. A reorientação dos fluxos internacionais de capital e o
investimento direto no Brasil. 1989. 192 f. Dissertação (Mestrado em Economia) − Programa
de Pós-Graduação em Economia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989.
ROSSI, Matheus Corredato; RODRIGUES, Flavio Martins. Auto-regulação privada combina
eficiência com responsabilidade. Espaço Jurídico da Bovespa, 05 jun. 2008. Disponível em:
<http://www.bovespa.com.br/Investidor/Juridico/080605NotA.asp>. Acesso em: 28 out.
2008.
ROSSI, Matheus Corredato. O tratamento às empresas de capital nacional e o direito ao
desenvolvimento. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 61, p. 218-
240, 2007.
______. Aspectos jurídicos da regulação dos investimentos das entidades fechadas de
previdência complementar. Revista da Previdência da UERJ/CEPED, Rio de Janeiro, n. 6, p.
05-23, 2007.
SACHS, Jeffrey. As raízes da crise financeira da América. Valor Econômico, São Paulo, p.
A13, 27 de março de 2008.
SADDI, Jairo. Notas sobre a crise financeira de 2008. Revista do Direito Bancário e do
Mercado de Capitais, São Paulo, n. 42, p. 31-47, 2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.). A globalização e as ciências sociais. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
SAYEG, Ricardo Hasson. O capitalismo humanista no Brasil. In: MIRANDA, Jorge; SILVA,
Marco Antônio Marques da. (Coord.). Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São
Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 1.249-1.264.
SAYEG, Ricardo Hasson; CEZAR, Leonel; FINKELSTEIN, Cláudio; PINTO, Nelson Luiz.
Manifesto de instituição da escola humanista de Direito Econômico. Revista do Direito
Internacional e Econômico, Porto Alegre, n. 1, p. 7-10, out./dez.2000.
SCHLEE, Paula Christine. Investimento internacional e desenvolvimento. In: BARRAL,
Welber. (Org.). Direito e desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005.
SENGUPTA, Arjun. O direito ao desenvolvimento como um direito humano. Disponível em:
<http://www.itv.org.br/site/publicacoes/igualdade/direito_desen volvimento.pdf>. Acesso em:
14 ago. 2006.
132
SILVA, Américo Luís Martins da. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
SILVA, Christian Luiz da. Investimento estrangeiro direto: da dependência à globalização.
Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 2005.
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito fundamental ao desenvolvimento econômico
nacional. São Paulo: Método, 2004.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006.
______. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.
SILVEIRA, Eduardo Teixeira. A disciplina jurídica do investimento estrangeiro no Brasil e
no Direito Internacional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O direito ao desenvolvimento na doutrina humanista do
Direito Econômico. 2006. 369 f. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) −
Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.
SIMONSEN, Roberto Cochrane. A evolução industrial no Brasil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1939.
SMITH, Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Nova York:
Prometheus Books, 1994.
SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômico. 5. ed. São
Paulo: LTR, 2003.
STIGLITZ, Joseph E. Uma agenda para o desenvolvimento no século XXI. In: GIDDENS,
Anthony. (Org.). O debate global sobre a terceira via. Tradução de Roger Maioli dos Santos.
São Paulo: UNESP, 2007. p. 473-495.
STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de
benefícios globais. Tradução de Bazán Tecnologia e Lingüística. São Paulo: Futura, 2002.
SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Introdução às agências reguladoras. In: ______. (Coord.).
Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 24-25.
TACHINARDI, Maria Helena. Estrutura capitalista e sociedade moderna. Valor Especial, São
Paulo, p. 71, mar. 2009. Oportunidades de Investimentos: desafios do Brasil diante da crise.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro:
ensaios sobre economia brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
133
THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio
internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras,
2001.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. La nueva dimensión de las necesidades de
protección del ser humano en el inicio del siglo XXI. 2. ed. San José da Costa Rica: Impresora
Gossestra Internacional, 2002.
______. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional.
Porto Alegre: Fabris, 1993.
______. A proteção internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1991.
UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD).
World Investment Report 1999. Foreign Direct Investment and the Challenge of
Development. New York and Geneva, 1999. Disponível em:
<http://www.unctad.org/en/docs/wir1999_en.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2009.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Notas sobre o sistema de controle de câmbio no
Brasil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 78, p. 24-46,
abr./jun.1990.
VIEIRA, José Luiz Conrado. Novo regramento do capital estrangeiro. Revista de Direito
Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, n. 30, p. 157-219, out./dez. 2005.
ZERBINI, Eugenia; ROCHA, Leandro; NASSER, Rabih; MENDES, Ricardo. Investimentos.
In: THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S. (Coord.). O Brasil e os grandes temas do
comércio internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005. cap. XI, p. 323-353.
Homepages e sites institucionais consultados:
World Trade Organization. Disponível em: <www.wto.org>. Acesso em: 12 fev. 2009.
United Nations Conference on trade and development. Disponível em: <www.unctad.org>.
Acesso em: 12 fev. 2009.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Banco Central do Brasil. Disponível em:
<http:www.bacen.gov.br>. Acesso em: 19 out. 2008.
BRASIL. Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Disponível em: <www.bvrj.com.br>. Acesso
em: 19 out. 2008
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. Disponível em: <www.ipea.gov.br>. Acesso em: 19 out. 2008.
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: <www.mre.gov.br>. Acesso
em: 19 out. 2008.
134
BRASIL. Pacto Global Rede Brasileira. Disponível em: <www.pactoglobal.org.br>. Acesso
em: 19 out. 2008.
Principles for Responsible Investment. Disponível em: <www.unpri.org>. Acesso em: 19 out.
2008.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo