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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIA- UFPI
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL
FRANCISCO HUMBERTO VAZ DA COSTA
DE RELANCE:
a construção da civilidade em Teresina (1900 1930)
Teresina - PI
2009
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FRANCISCO HUMBERTO VAZ DA COSTA
DE RELANCE:
a construção da civilidade em Teresina (1900 1930)
Teresina - PI
2009
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FRANCISCO HUMBERTO VAZ DA COSTA
DE RELANCE:
a construção da civilidade em Teresina (1900 1930)
Dissertação apresentada ao Programa de s-
Graduação em História da Universidade Federal
do Piauí, como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em História do Brasil.
Orientadora: Profª. Drª. Teresinha de Jesus
Mesquita Queiroz
Aprovada em: 04 / 09 / 2009
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz - UFPI
Orientadora
__________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento - UFPI
Examinador
_________________________________________________
Profª. Drª. Shara Jane Holanda Costa Adad - UESPI
Examinador
À minha família, em especial, a Girlenne e Michel.
AGRADECIMENTOS
Meus sinceros agradecimentos a todos os professores do Mestrado em História do
Brasil da Universidade Federal do Piauí, em especial a professora Teresinha Queiroz, pela
dedicação, disponibilidade, paciência e ensinamentos durante toda a escrita da dissertação.
RESUMO
Esta dissertação tem como tema a constituição da civilidade na sociedade teresinense
das três primeiras décadas do século XX. Este recorte temporal se deu por ser este o momento
em que Teresina vivenciara um processo de modernização na sua infraestrutura, além do
embelezamento do espaço urbano, da arborização e da perspectiva da introdução da moda, do
consumo e da propaganda comercial, que contribuíram para o surgimento de novas
sociabilidades em Teresina. Neste estudo, os cronistas são utilizados como interlocutores
privilegiados da cidade, por vivenciarem o seu cotidiano e produzirem crônicas que
incorporavam claramente intenções reguladoras de comportamentos, com o objetivo de
edificar uma sociedade civilizada nos moldes europeus. Dessa forma, foi objeto de estudo
nesta dissertação a pretensão dos cronistas de formalizar uma sociedade baseada em novos
hábitos de existir, de ser saudável, educado e civilizado, isto é, tanto a prescrição de formas de
viver como o combate aos maus costumes. Nos discursos dos cronistas também perpassavam
o desejo de construção de uma cidade ideal e moderna, que materializasse as novidades
produzidas pelos homens. Assim, a sedução provocada pelas novidades vai aos poucos
ganhando dimensões e um público consumidor, em que a civilidade passa a ser o ideal
desejado por parte da elite teresinense. Também são analisados os diversos ressentimentos
existentes na escrita de literatos e cronistas. Estes ressentimentos são analisados a partir de
quatro perspectivas: primeiro, as resultantes das críticas dos viajantes sobre a cidade e as
imagens construídas sobre esta devido à falta de infraestrutura ou à ausência de um aparato
que a caracterizasse como uma cidade moderna; segundo, a dimensão das mágoas familiares
resultantes dos embates entre os novos moldes de comportamento com os hábitos tradicionais
da sociedade teresinense; terceiro, os ressentimentos com relação às mudanças de
comportamento e aos novos hábitos femininos, que introduziam outros costumes nem sempre
bem vistos; e, por último, a recusa à modernidade e as ambiguidades geradas com a aceitação
e/ou a negação das mudanças que estavam ocorrendo no início do século XX. Neste estudo,
demonstra-se que existe uma articulação entre a cidade, a civilidade e o processo de
modernização de Teresina no início do culo XX, em que a cidade ideal estava distante da
cidade real e havia muitas dificuldades na construção da civilidade e em que o processo de
modernização se dava de forma demorada.
Palavras-chave: Teresina, Civilidade, Cronistas, Sociabilidades.
ABSTRACT
This paper has as a subject the constitution of civility in the society of Teresina in the
three first decades of the XX century. This temporal database is due to the time when Teresina
was going through a process of modernization in its infra-structure, besides the embellishment
of the urban space, the urban forestry and the perspective of fashion introduction,
consumption and advertising which contributed to the appearance of a new sociability in the
city. In this study, the columnists work as privileged interlocutors of the city since they live
its daily life and write chronicles that would clearly incorporate regulating intentions of
behaviors to build a civilized society in the European moulds. Thus, the subject of study in
this paper was the claim of the columnists to formalize a society based on new habits of
existence, being healthy, polite and civilized, that is, the prescription for living as well as the
combat to bad customs. In the columnists‟ speeches there was also a desire to construct an
ideal and modern city that materialized the innovations produced by men. So, little by little
the seduction provoked by the innovations gains dimension and a consumer public, causing
civility to be the desired ideal by part of the elite of Teresina. Also, the resentments in the
writings of literary scholars and columnists are analyzed. These resentments are analyzed
based on four perspectives: first, the travelers criticism about the city and the image they
created about it for the lack of infrastructure or an apparatus to characterize it as a modern
city; second, the size of family sorrows from disagreement between the new type of behavior
and the customs of the traditional society of Teresina; third, to analyze the resentment towards
the changes in behavior and new feminine customs that introduced new customs not usually
well accepted; and lastly the refusal of modernity and the ambiguities generated by
acceptance and/or denial of the changes that occurred in the beginning of the XX century.
This study shows there was a link between the city, the civility and the process of
modernization of Teresina in the beginning of the XX century when the ideal city was far
from the real city and the so many difficulties to construct civility and when the process of
modernization was so slow.
KEY WORDS: Teresina, Civility, Columnists, Sociability.
C837d COSTA, Francisco Humberto Vaz da
De relance: a construção da civilidade em Teresina
(1900-1930) / Francisco Humberto Vaz da Costa. -
Teresina: 2009.
129 fls.
Dissertação (Mestrado em História do Brasil)
Universidade Federal do Piauí, 2009.
Orientador: Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita
Queiroz.
1. Piauí História. 2. Teresina Civilidade. 3.
Sociabilidades. 4. Cronistas. Itulo.
C. D. D 981.22
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................09
2 TERESINA BELLE ÉPOQUE ..........................................................................................18
2.1 As reformas urbanas e a modernização ...........................................................................19
2.2 Cidade real e cidade dos desejos .....................................................................................26
2.3 Moda, consumo e costumes ............................................................................................34
2.4 A constituição da civilidade: novos hábitos e costumes .................................................42
3 A CIVILIDADE E O COMBATE AOS MAUS COSTUMES .........................................55
3.1 Os cronistas e o combate aos maus-costumes .................................................................57
3.2 A saúde e os riscos da degeneração da sociedade ...........................................................71
3.3 O lado obscuro da civilidade ...........................................................................................77
3.4 Novos tempos que se anunciam através da prática da escrita..........................................82
4 A ESCRITA RESSENTIDA DE CRONISTAS E LITERATOS PIAUIENSES ..............88
4.1 A cidade ressentida à espera da modernidade .................................................................90
4.2 Os ressentimentos familiares na escrita de literatos piauienses ......................................96
4.3 Mulheres pobres, decaídas e sem atrativos ...................................................................101
4.4 A modernidade: recusas e ambiguidades ......................................................................105
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................117
FONTES E REFERÊNCIAS ..............................................................................................122
9
1 INTRODUÇÃO
De relance, parte do título desta dissertação, advém da coluna do cronista Caio Lima,
que atuava no jornal Correio de Teresina. O nome da coluna é revelador, visto que relance
está relacionado a um olhar rápido, a um primeiro instante de um olhar avaliador, a uma pré-
avaliação e a um pré-julgamento da cidade e da sociedade presentes em suas crônicas
1
. Esse
era o olhar de Caio Lima, e nada escapava ao seu crivo. Tudo era motivo para a escrita de
seus textos, fossem os bons ou os maus costumes, elogios, críticas refinadas ou mesmo
mordazes, a prescrição de comportamentos ou a condenação de práticas.
Depois das crônicas com discussões acerca da política, as crônicas sobre o cotidiano, os
costumes da população, a burla às normas da cidade e à boa convivência são os assuntos mais
frequentes nos jornais piauienses do início do século XX. Assim, utilizei, nesta dissertação, as
mais diversas crônicas, contudo, focalizei as que debatem especificamente os costumes e que
tratam do cotidiano, evidenciando o dia-a-dia da cidade em movimento. Teresinha Queiroz,
em Os literatos e a República
2
, afirma que existe todo um universo de possibilidades que
envolvem as crônicas produzidas nas primeiras décadas do século XX e que elas ainda não
foram objeto de um estudo específico.
Nas primeiras décadas do século XX, Teresina mostra-se uma cidade sob forte tensão,
com algumas práticas que revelam um conflito constante resultante da imposição de novas
regras e de outras sociabilidades urbanas incidindo sobre certos bitos que, para alguns,
deveriam ser abolidos. Dessa forma, historiar a cidade de Teresina no início do século XX é
ver a busca pela ideia de modernidade, e a luta pela superação da tradição. É perceber a
atuação de diversos cronistas que através de seus discursos lutavam pela edificação de uma
cidade civilizada, com novas sociabilidades.
A cidade seduz, mas também se constitui fonte de preocupações e de medo. Medo do
distanciamento do passado e da perda dos referenciais que ligam a sociedade à tradição. Nos
jornais que circulavam na cidade de Teresina nas primeiras décadas do século XX,
percebemos que alguns cronistas revelavam essa ambiguidade, ora se deixando seduzir pelo
1
O conceito crônica é o mesmo de Sidney Chalhoub ao analisar as crônicas produzidas por Machado de Assis.
Assim, crônica corresponde a uma determinada escrita, numa secção de jornal, de publicação semanal, quinzenal
ou mensal, que mostra um olhar diferente sobre cotidiano e flagra o dia-a-dia, o pitoresco, o debochado e o
exótico. CHALHOUB, Sidney. História em cousas miúdas: capítulos de história social do Brasil. São Paulo:
Editora da Unicamp, 2005, p. 9.
2
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. 2.
ed. Teresina/João Pessoa: EDUFPI/EDUFPB, 1998a.
10
desejo do novo, ora demonstrando um certo assombro perante as mudanças que estavam
ocorrendo.
Constituem-se objetivos desta pesquisa analisar quais os novos costumes que estão se
constituindo em Teresina e quais os velhos hábitos que estão sendo criticados pelos cronistas.
Dos objetivos decorrem as questões de pesquisa: por que esses cronistas prescreviam novos
costumes para a população? Quais os interesses desses cronistas? Quais os costumes
considerados salutares? Quais costumes deveriam ser combatidos? Esses são alguns
questionamentos a que essa dissertação se propõe responder.
O interesse por esse período e pela temática deve-se ao fato de que, nesse momento,
novas formas de se portar, vestir e falar estão se constituindo na cidade. Justifico a escolha
pelas crônicas como fontes primordiais por elas conterem fragmentos concretos da história da
cidade, visto que elas possuem um caráter efêmero, no entanto pulsante e revelador. As razões
para a produção deste trabalho também estão ligadas à pertinência do assunto, além da
sedução provocada pela escrita contida na obra Os literatos e a República, e o desejo de
melhor compreender o viver em Teresina nas primeiras décadas do século XX, principalmente
no que se refere aos aspectos culturais da cidade, às novas sociabilidades que estavam se
constituindo e sua relação com a cultura letrada.
Dessa forma, o que mais contribuiu para a decisão de elaborar este trabalho e ao mesmo
tempo o justifica, foi a possibilidade de inserção num campo que se mostra ainda pouco
explorado, que é o universo das crônicas acerca dos costumes. Percebi que não existiam
pesquisas sobre Teresina no início do século passado que privilegiassem os cronistas como
protagonistas na construção discursiva. Vários aspectos podem colaborar para a inexistência
de trabalhos em que as crônicas são elementos primordiais, entre eles talvez a tendência a
subestimar esse tipo de texto literário, e de tratá-lo como um nero menor, inferior,
passageiro e sem muitas pretensões.
3
Utilizei a crônica como elemento privilegiado para observação da sociedade teresinense
e de suas transformações, apesar de uma dificuldade inicial: saber qual a interlocução que
essas crônicas mantinham com o seu tempo. Para superar tal dificuldade, trabalhei sob a
perspectiva de que a crônica é, por definição, um texto inserido no contexto dos
acontecimentos de sua época de produção e dessa forma, está marcada pela história vivida dos
personagens que aparecem ativos nas narrativas a despeito de não se saber, sequer, os nomes
3
CHALHOUB, 2005.
11
dos participantes, ou como viviam, o que pensavam. Correspondem também as narrativas com
personagens fictícios, cujas histórias, muitas vezes, parecem reais.
Ao escrever sobre os fatos da semana, da quinzena, e/ou do mês, os cronistas
demonstravam perplexidade face ao rumo dos fatos ou mesmo incerteza quanto aos possíveis
desdobramentos dos acontecimentos. Percebi com esta pesquisa que os textos produzidos
pelos cronistas tinham um interesse claro de modificar os comportamentos; em que espaços
eram prescritos; que comportamentos eram aceitos e tidos como modernos; quais eram ditos
como não civilizados e por vezes caracterizados como símbolos do atraso, do tradicional e da
velha ordem que deveria ser superada.
O cronista é um expectador privilegiado dos fatos do cotidiano. Através da escrita, ele
busca entender, comentar e participar ativamente da sociedade. Os cronistas de Teresina
buscavam intervir diretamente nos comportamentos através de suas opiniões e influenciar
diretamente no fluxo de vários aspectos do cotidiano, como a mudança de hábitos e a
introdução de novos costumes. Assim, procuravam proximidade e cumplicidade com o leitor,
cumplicidade que é pressuposto e qualidade essencial do gênero crônica.
Nessa perspectiva, Caio Lima defendia a necessidade de leitores mais críticos para o
entendimento da sociedade da época e explicitava as razões da sua escrita. Para ele, a falta de
uma educação de qualidade na cidade era elemento decisivo para dificultar o entendimento
acerca do modo de viver das pessoas, ainda muito próximo do campo, e assim, da natureza.
Os cronistas se esforçavam para interpretar o seu cotidiano, para desvendar o
significado do processo histórico em que estavam inseridos assim, seus textos enraizavam-se
na história e sobretudo na vida cotidiana. Em sua escrita, os cronistas também demonstravam
percepção aguçada da cidade, de suas transformações e das alterações nos costumes. Tinham
a percepção da chegada dos elementos modernizadores, das transformações decorrentes, das
mudanças gradativas dos costumes, e principalmente da persistência e do surgimento dos
maus costumes.
Chalhoub, ao analisar as crônicas de Machado de Assis, procura explicar o surgimento
do gênero, afirmando que elas aparecem geralmente de forma espontânea e ligadas a coisas
ínfimas. Sua característica principal seria a leveza, na medida em que a crônica trata de
pequenos acontecimentos de forma privilegiada. Para ele, esses textos estão ligados ao seu
tempo e aos assuntos do cotidiano, e assim seriam efêmeros e passageiros, buscando, no
entanto, a cumplicidade entre escritor e leitor.
4
4
CHALHOUB, 2005, p.10-20.
12
Além das crônicas e textos literários, utilizarei outros registros históricos, como
mensagens de governo, relatórios policiais, códigos de posturas. Estas fontes foram
importantes na medida em que representavam o discurso oficial, institucionalizado, em
contraste com a visão de cronistas e literatos. Os estudos anteriormente realizados sobre a
cidade de Teresina, durante as três primeiras décadas do século XX, também foram
importantes na medida em que contribuíram para a captura das transformações urbanas e para
a compreensão das mudaas culturais que ocorreram na capital.
Sobre Teresina nas primeiras décadas do século XX já existe produção historiográfica
5
.
A civilidade também é uma temática recorrente na historiografia piauiense. Observei em Os
literatos e a República
6
que as questões relacionadas à vida urbana, à atuação dos literatos e
às querelas políticas estavam atravessadas por essa temática. Em Mulheres Plurais a
discussão sobre a condição feminina na Primeira República é entrecortada pela questão da
civilidade;
7
nos discursos acerca da saúde e dos hábitos prescritos como higiênicos e corretos,
a civilidade reaparece como condição indispensável para a construção de uma sociedade
saudável,
8
e até em obras que tratam da seca, da pobreza e do cotidiano das classes pobres de
Teresina há evidencias dessa discussão.
9
Apesar de toda essa produção historiográfica, em que a temática da civilidade é
recorrente, ela nunca apareceu como tema central de trabalho anteriormente proposto. A partir
dessa constatação, procurei relacionar civilidade e cidade, através dos discursos produzidos
por cronistas e literatos que buscavam prescrever novos costumes e condenar certos hábitos
que existiam em Teresina no início do século XX, isto é, tratei da constituição da civilidade e
das relutâncias em sua execução.
Todo e qualquer discurso está relacionado diretamente às suas condições de produção,
as quais são também determinadas pelos lugares ocupados pelo emissor e pelo receptor.
Assim, analisar as crônicas produzidas nas primeiras décadas do século XX é investigar toda
uma produção de sentidos implicados pelas escritas dos cronistas.
5
Entre os clássicos da produção historiográfica piauiense que trabalham a cidade de Teresina ver: CHAVES,
Monsenhor. Obra completa. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998; FREITAS, Clodoaldo.
História de Teresina. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1988.
6
QUEIROZ, 1998a.
7
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Mulheres plurais: a condição feminina em Teresina na Primeira
Reblica. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2001.
8
FILHO, Antônio Melo. Teresina: a condição da saúde pública na primeira República (1889-1930). 2000.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000.
9
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno de. Cotidiano e pobreza: a magia da sobrevincia em Teresina (1877 -
1914). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995.
13
Durante as três primeiras décadas do século XX, o espaço urbano no Brasil tornou-se
um lugar privilegiado para mudanças. Várias cidades brasileiras receberam e incorporaram
essas ideias de urbanização e modernização de forma lenta, porém contínua. São exemplos as
reformas urbanas implantadas em Fortaleza;
10
o emaranhado de possibilidades da cidade de
Recife na década de 20, com os caminhos e os descaminhos do processo de modernização;
11
a
relação entre o ritmo de crescimento e os signos da modernidade que se constituíam nas
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro expostos por Sevcenko.
12
Essas leituras, além de servirem como influências teóricas, funcionaram como
referências temáticas e como parâmetros para a escrita desta dissertação. Através dessas
leituras pude perceber as relações que os autores estabeleceram com seus respectivos
problemas de pesquisa, ter acesso a importantes chaves de leituras para compreensão dos
primeiros anos do século XX, concomitantemente, buscar desvencilhar-me das amarras de
produções já existentes e trilhar novos caminhos.
Michel de Certeau foi importante para a construção do referencial trico desta
pesquisa, na medida em que contribuiu para compreensão de que o planejamento da cidade
está relacionado à pluralidade do real e, principalmente, resulta da prática dos caminhantes,
13
que a todo instante subvertem a ordem pré-estabelecida. Esta tese foi útil na medida em que
ajudou na percepção da cidade como um lugar de fluxo, e com dinâmica própria, sendo uma
cidade constituída a partir da subjetividade. É desta subjetividade que as crônicas produzidas
na cidade de Teresina estão repletas.
As crônicas ratificam o espaço como sendo consumido
pelos sujeitos de forma plural.
É sob a forma de cidade praticada que Certeau ajudou a construir o texto e entender a
sociedade teresinense das primeiras décadas do século XX. Uma sociedade marcada pela
burla, pelo descumprimento das regras de posturas, por personagens em movimento, e
principalmente, que permite ver que é nas práticas cotidianas onde ocorrem as modificações
na história.
Outros conceitos foram fundamentais no percurso do trabalho, como os de
modernização e de modernidade. Berman entende a modernização como uma série de
10
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930).
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/ Multigraf Editora Ltda, 1993.
11
REZENDE. Antonio Paulo de Morais. (Des)encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de
vinte. Recife: FUNDARPE, 1997.
12
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república. 4. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1982; SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e
cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
13
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. v. 1,
p.169-175.
14
mudanças tecnológicas e estruturais que afetam diretamente o tecido social, são inovações
técnicas que implicam novas configurações sociais. Modernidade relaciona-se à forma como
essas inovações são significadas, subjetivadas, implicando, assim, uma relação cultural
geradora de uma nova configuração histórica.
14
Outro conceito importante para esta dissertação é o de civilidade, de Norbert Elias. Ao
tratar da modificação e da constituição dos comportamentos típicos do homem ocidental,
Elias afirma que nem sempre o homem se comportou de maneira civilizada. Essa percepção
se a partir da transformação que os hábitos simples do cotidiano foram incorporando nos
últimos dois séculos. Mudanças relacionadas a como se portar à mesa, comer carne, usar o
garfo e a faca, assear-se, bem como às atitudes em relação ao sexo e à agressividade
demonstram que novas formas de existir e de civilidade foram sendo constituídas.
15
Esses aspectos abordados por Elias ajudaram a compreender as modificações que
estavam ocorrendo na sociedade teresinense do início do século XX, transformações
gradativas que demonstravam novas sensibilidades. Assim, este estudo busca compreender as
mudanças de costumes que estavam ocorrendo em Teresina, bem como as mudanças nos
padrões sociais, principalmente quanto aos modelos de conduta na sociedade, o que se proíbe
e o que se condena em conformidade com os comportamentos instituídos. O conceito de
civilidade de Elias permite perceber as modificações que estavam ocorrendo na sociedade e as
reações que se seguiam, ora mais lentas, ora mais aceleradas apresentadas pelos cronistas
16
Segundo Hobsbawm, o conturbado e acelerado século XX foi marcado pela revolução
cultural e por grandes transformações, que foram significativas para mudar o mundo e
revolucionar os costumes. A quebra da velha ordem no padrão dos relacionamentos social e
humano foi decisiva para a “quebra dos elos entre as gerações, quer dizer entre o passado e o
presente”.
17
Outro teórico importante para a construção do trabalho foi Raymond Williams, com
suas análises sobre a cidade e o campo. Segundo esse autor, a estrutura de sentimentos que
liga as pessoas ao campo resulta não apenas da ideia de um passado feliz, mas sobretudo da
ideia de inoncia associada ao plano rural. Entretanto, Williams ressalta que não existe uma
oposição simples entre a cidade pervertida e o campo inocente, pois muito do que acontece na
cidade é gerado pelas necessidades do campo, onde a classe rural é dominante e possui o
14
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1986.
15
ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1.
16
ELIAS, 1994, p. 130.
17
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 24.
15
poder de mando. As análises de Williams permitiram ver algumas das transformações da
sociedade teresinense, principalmente no aspecto da transição de um mundo rural para um
mundo moderno.
18
Procurei explorar cronistas, séries e periódicos buscando informações acerca da cidade e
do cotidiano. A escolha das ries está diretamente ligada à necessidade de buscar subsídios
acerca do seu cotidiano da cidade e de evidenciar uma cidade praticada. Assim, as séries
analisadas foram: De relance, de Caio Lima
19
; Em roda dos fatos, Aos domingos, Às quintas e
domingos, de Clodoaldo Freitas
20
; Pela cidade, Pela intendência, Pela comuna, Pela polícia,
sem autoria definida; as séries Gisando e Piauí intelectual, de Lucídio Freitas
21
; A ciência e o
matrimônio e o folhetim Proteção aos animais, de Higino Cunha
22
, além das crônicas de
Jônatas Batista
23
reunidas no livro Poesia e prosa.
Assim, o que nos aproximou da escrita dos cronistas e literatos do período (Raimundo
Burlamaqui, Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, Abdias Neves
24
e Antonino Freire
25
) foi a
possibilidade de estudar as crônicas que abordam temáticas ligadas aos costumes, pois através
deste artifício os literatos enfatizavam sua função intelectual na sociedade. Os cronistas
mostravam a cidade em construção pela ação de múltiplos atores sociais.
Dentre os periódicos
26
utilizados nesta pesquisa, destacam-se alguns exemplares
do jornal Correio de Teresina, de 1913 a 1915; o Almanaque da Parnaíba, edições de 1925,
18
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
1999. p. 69.
19
Caio Lima era o pseudônimo de Raimundo Mendes Burlamaqui.
20
Clodoaldo Severo Conrado Freitas. Nasceu a 07 de setembro de 1855, na cidade de Oeiras e faleceu a 29 de
junho de 1924 em Teresina. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade do Recife em 1880. Em sua produção
literária e historiográfica constam obras sobre a história de Teresina, obras de ficção e crônicas sobre diversos
assuntos. Foi um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras.
21
Lucídio Freitas nasceu em 05 de abril de1894 em Teresina-PI, faleceu em 14 de maio de 1921 em Teresina-PI.
Poeta, jornalista, professor, magistrado e conferencista. Formado em Direito. Foi o idealizador e o principal
articulador da Academia Piauiense de Letras, sendo posteriormente escolhido para ser patrono da Cadeira 23.
22
Higino Cícero da Cunha. Nasceu em 11 de janeiro de 1858 em São José das Cajazeiras, hoje Timon (MA) e
faleceu em Teresina em 16 de novembro de 1943. Bacharel em Direito pela Faculdade do Recife em 1885. Foi
um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras.
23
Jônatas Batista nasceu em 18 de abril de 1885, em Monsenhor Gil-PI e faleceu em 15 de abril de 1935 em São
Paulo. Poeta, teatrólogo, ator e jornalista. Participou ativamente da cultura de Teresina. Pertenceu à Academia
Piauiense de Letras.
24
Abdias da Costa Neves nasceu em 1876 em Teresina, faleceu em 1928. Bacharel em Direito, ocupou diversos
cargos públicos, entre eles professor do Liceu Piauiense e da Escola Normal. Publicou vários livros, dentre os
quais o romance Um manicaca.
25
Antonino Freire, em certa medida, representa o novo modelo de homem de elite, civilizado pelas letras,
atuante na sociedade e paradigma desejado por parcela da elite teresinense durante a Primeira República.
Engenheiro Civil, professor do Liceu, Diretor de Obras Públicas de 1904 a 1908, oficializou a escola Normal em
Teresina, fundou e participou de diversos jornais em Teresina e foi Governador do Piauí.
26
Grande parte das fontes hemerográficas trabalhadas no texto são oriundas do Arquivo Público do Piauí, dos
microfilmes do Núcleo de Pesquisa e Memória da Universidade Federal do Piauí (NUPEM/UFPI), bem como de
16
1926 e 1928; Pátria, de 1906; O tempo, de 1905 e 1906; A praça, 1927; Gazeta
27
, O
Monitor
28
, O Apóstolo
29
e Diário do Piauí
30
, dentre outros jornais de circulação efêmera,
além da Revista Litericultura.
31
A dissertação está organizada em três capítulos. O primeiro capítulo, Teresina Belle
Époque, traz visão panorâmica da cidade nas primeiras décadas do século XX, ressaltando as
condições de existir da época bem como as possibilidades ecomicas e a inserção de novas
tecnologias e novos objetos, como o automóvel, que alterou gradativamente o ritmo da
cidade, tanto na dimensão do tempo quanto do espaço. Também são destacados aspectos da
cidade como a iluminação elétrica, o cinematógrafo, o abastecimento d‟água, a sedução
provocada pelas novidades com o consumo de produtos europeus; a construção de passeios
públicos, a abertura e a ampliação de ruas; a moda; o futebol que desponta como nova forma
de entretenimento, e de como esses vários aspectos contribuíram para a fundação de uma nova
ordem na cidade de Teresina em busca pela modernidade.
No segundo capítulo, A civilidade e o combate aos maus costumes, o foco são as
práticas discursivas
32
dos cronistas e literatos acerca da necessidade de construção de novos
hábitos civilizados
33
. Busca-se, principalmente, observar as tensões discursivas presentes nas
crônicas sobre o cotidiano, as posições dos diferentes cronistas, como Elias Martins
34
, que
registra seu assombro com as ameaças da modernidade, e Jônatas Batista, que apresenta seus
dilemas para com a vida moderna. Neste capítulo serão evidenciados a busca da prescrão
dos costumes ditos civilizados pelos cronistas, a alteração dos costumes tradicionais, bem
como a gradativa apropriação de novas normas de civilidade e as tensões entre um modelo em
arquivos pessoais dos quais eu destaco: arquivos pessoais da professora Teresinha Queiroz, da professora Cecília
Nunes, do professor Antônio Melo e do professor Pedro Vilarinho.
27
Jornal Gazeta circulou regularmente de 1904 a 1919 e contava com colaboradores como Pedro Alcântara,
Benedito Lemos, Da Costa e Silva, homens de grande inserção social no referido período.
28
O Monitor, jornal anticlerical que circulou na cidade de Teresina entre os anos de 1906 e 1911. Contou com a
participação de diversos literatos do período como: Zito Batista e Abdias Neves.
29
O Jornal O Apóstolo diocese de Teresina, 1907 a 1912, contou com a participação de Elias Martins, figura
controversa e conhecida por seus posicionamentos radicais e tradicionais contra as mudanças e a chegada de
novidades que estavam ocorrendo na cidade de Teresina, principalmente o cinema.
30
O jornal Diário do Piauí que circulou entre 1911 e 1915, e que contava com a participação de muitos literatos
importantes da época, como Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e Simplício Mendes.
31
A revista Litericultura publicada nos anos de 1912 e 1913 também será utilizada como fonte de pesquisa,
devido a participação de muitos literatos da época como: Higino Cunha, Jonatas Batista, Clodoaldo Freitas,
Alcides Freitas, Abdias Neves e Zito Batista.
32
O termo práticas discursivas se refere aos discursos produzidos pelos literatos e de como eles influenciavam e
prescreviam comportamentos sociais aceitáveis. In: CERTEAU, 2001.
33
O termo civilizado aqui utilizado refere-se ao processo de europeização dos costumes e do surgimento de
novas sociabilidades existente na sociedade teresinense da primeira metade do século XX.
34
Elias Firmino de Sousa Martins. Nasceu em Picos no ano de 1869 e faleceu em Teresina em 1936. Bacharel
em Direito. Jornalista atuante, participou de vários jornais da capital, como O Apóstolo e o Jornal de Notícias.
17
que as pessoas não têm o costume de banhar diariamente e andar bem vestidas e um novo
modelo marcado pela higiene com o corpo, a polidez e a civilidade.
O terceiro capítulo, intitulado A escrita ressentida de cronistas e literatos piauienses,
explora uma dimensão de ressentimentos existentes na escrita de literatos e cronistas, já que
muitos autores piauienses do período em questão demonstraram esses sentimentos em sua
escrita, revelados através de poemas, crônicas, livros e publicações diversas. Através das
biografias e autobiografias, como as de Bugyja Brito
35
, Higino Cunha
36
, Orgmar Monteiro
37
e
Lili Castelo Branco são mostrados, nas trajetórias de vida e em suas escritas, diversas
modalidades de ressentimentos.
Neste capítulo, os ressentimentos o analisados a partir de quatro aspectos:
inicialmente, os ressentimentos resultantes das críticas dos viajantes sobre a cidade e as
imagens construídas sobre esta, devido à falta de infraestrutura ou à ausência de um aparato
que a caracterizasse como uma cidade moderna; segundo, a dimensão das mágoas familiares
que resultaram dos choques dos novos moldes de comportamento com os velhos hábitos
tradicionais dos teresinenses; terceiro, os sentimentos de incompreensão existentes em relação
às mudanças os novos costumes femininos que introduziam outros hábitos, nem sempre bem
vistos; e, por último, a recusa à modernidade e as ambiguidades geradas com a aceitação e/ou
a negação das mudanças que estavam ocorrendo no início do século XX.
35
BRITTO, Bugyja. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977.
36
CUNHA, Higino. Memórias: traços autobiográficos. Teresina: Imprensa Oficial, 1939.
37
MONTEIRO, Orgmar. Teresina descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e
conhecimento dos novos. Fortaleza: IOCE, 1988.
18
2 TERESINA BELLE ÉPOQUE
O presente capítulo trata das transformações espaciais, sociais e culturais da cidade de
Teresina de 1900 a 1930. Esse período foi escolhido devido ao projeto modernizador que
atinge a cidade. Ele ganha forma, e se afirma a partir das ações do poder público para dotá-la
de infraestrutura básica que oferecesse à população condições de vida adequada. A cidade real
estava distante da cidade moderna dos discursos, e a população de Teresina convivia com uma
série de problemas. Ao mesmo tempo, os discursos modernizantes destacavam uma Teresina
pronta para a modernidade, para o novo.
Assim, são objetivos específicos deste capítulo traçar uma visão panorâmica de como se
encontrava a cidade de Teresina nas três primeiras décadas do século XX, ressaltando as
condições de existir da época, as possibilidades ecomicas da cidade, os discursos
modernizadores e alteração do cotidiano das pessoas com a criação de novas sociabilidades.
Neste capítulo pretendo tratar, num primeiro momento, da modernização da cidade de
Teresina, considerando a infraestrutura de serviços urbanos como a energia elétrica, o
fornecimento de água, e a realização de calçamento. Em outro instante, evidenciarei o
processo modernizador a partir do embelezamento do espaço urbano, da arborização e dos
obstáculos enfrentados, - os incêndios, a ocorrência de secas e a pobreza; o processo de
modernização da cidade também será mostrado sob a perspectiva da introdução da moda, do
consumo e da propaganda comercial, as novas sociabilidades se constituindo pela sedução
advinda das novidades; e, por último, a constituição da civilidade no mundo do lazer, na
introdução de novos hábitos e costumes.
O período conhecido por Belle Époque no Brasil foi caracterizado como o processo de
modernização, remodelação e embelezamento que várias cidades sofreram nas primeiras
décadas do século XX. Teresina em certa medida vive sua Belle Époque, mesmo que de
forma tardia, se comparada a São Paulo e ao Rio de Janeiro. O projeto modernizador
implantado em Teresina estava articulado a um amplo projeto nacional de modernização, a
partir das melhorias urbanas como a canalização da água e introdução da iluminação elétrica,
bem como de aparatos tecnológicos como o telégrafo, o telefone, o cinematógrafo, o bonde e
o automóvel.
1
1
A cidade de Teresina experimenta um conjunto de transformações. Estas transformações ligadas às
significativas medidas modernizadoras que ocorreram na cidade desde o final do século XIX e início do século,
como: o telégrafo (1884), a água canalizada (1904), os primeiros telefones (1907), o de iluminação elétrica
(1914) e os primeiros automóveis que passam a circular pela cidade (1923).
19
2.1 As reformas urbanas e a modernização
A República, implantada no Brasil em 1889, não trouxe mudanças significativas nos
modos de viver da sociedade teresinense, devido as recorrentes e permanentes crises
econômicas além do fraco desempenho da economia piauiense baseada em produtos de
subsistência. Mesmo assim, no final do século XIX e início do século XX, observa-se uma
potencialização dos discursos sobre o urbano, da disciplina, e principalmente, quanto ao
processo de modernização da cidade de Teresina com uma clara pretensão da constituição de
um homem civilizado.
Para a construção de uma nova cidade, moderna, limpa e civilizada eram necessárias
interferências nos modos da população de viver, sentir e participar da vida social. Nas
primeiras décadas do século XX as ideias de progresso e modernidade possuem fortes
características e inflncias euroias. Paris era o modelo a ser seguido, e no Brasil, o
paradigma se constituía a partir das reformas urbanas implantadas no Rio de Janeiro por
Pereira Passos.
Brescianni evidencia o projeto modernizador europeu, do início do século XX, tendo
como ponto de partida o surgimento de novas tecnologias que incidiam sobre esse homem que
se pretendia novo e moderno, mas que também entra em choque com a imagem de medo e
fascínio que envolvia a vida urbana naquele momento específico.
2
O sentimento de medo
também existia na sociedade teresinense no início do século passado, não apenas devido às
modificações provocadas pelo avanço do capitalismo, mas, sobretudo, pela grande quantidade
de migrantes e desocupados que perambulavam pelas ruas da cidade. Segundo Araújo:
O sentimento de medo e de pavor fazia-se presente nos habitantes dessa
cidade. O espanto, a surpresa e a preocupação não passavam despercebidos à
elite teresinense. Havia intranquilidade nessa classe social, em face de, nas
ruas de Teresina, transitarem as massas de migrantes nordestinos e, com
elas, a miséria e suas manifestações.
3
As reformas urbanas implantadas na cidade de Teresina tinham como modelo a capital
do Brasil, o Rio de Janeiro, com suas ruas amplas e avenidas largas, além do saneamento da
cidade. A ideia de progresso oriunda da Europa, junto com uma série de outros valores,
2
BRESCIANNI, Maria Stella Martins. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades no século XIX).
Revista Brasileira de História. São Paulo, Editora Marco Zero, v. 5, n. 8/9, set. 1984/abr. 1985, p. 60.
3
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno de. Cotidiano e pobreza: a magia da sobrevincia em Teresina (1877 -
1914). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995.
20
difundiu-se por todo o país e, assim, os espaços públicos das cidades passam a ser locais
ideais para a exibição de novos costumes e hábitos que chegavam e davam ao povo uma nova
roupagem, de povo moderno e progressista e voltado para futuro.
4
Dessa forma, nas principais cidades brasileiras do início do século XX, São Paulo, Rio
de Janeiro e Recife, como em outras capitais do país, o afrancesamento tornou-se sinal de
prestígio e refinamento. Utilizavam-se termos e nomes franceses onde fosse possível. As lojas
vendiam artigos europeus como tecidos, sapatos, perfumes, chapéus, bijuterias, conservas,
bebidas e máquinas. A Belle Époque teresinense constituía-se de uma série de novidades que
chegavam com certo atraso à cidade, se a compararmos com os grandes centros da época. Um
bom exemplo é o bonde que só se instala em Teresina em meados da década de 20.
Ponte, ao tratar da remodelão urbana de Fortaleza na transição do Império para a
República, mostra que esse remodelamento seguiu também os modelos europeus,
principalmente o de Paris, e que exerceu um grande fascínio sobre a elite da época.
A alta sociedade foi tomada pela febre das novidades, inflamou-se por todos
os últimos achados, imitou alternadamente as modas em vigor na Itália, na
Espanha, na Fraa, houve um verdadeiro esnobismo por tudo que é
diferente e estrangeiro. Com a moda, aparece uma primeira manifestação de
uma relação social que encarna um novo tempo legítimo e uma nova paixão
própria ao Ocidente, a do moderno. A novidade tornou-se fonte de valor
mundano, marca de excelência social; é preciso seguir o que se faz de novo e
adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como eixo
temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites.
5
As muitas transformações da cidade de Fortaleza estavam ligadas à inserção de novos
equipamentos como bondes e automóveis, passando pelo forte interesse pelos problemas de
higiene e saúde pública, e pela tendência a higienizar a sociedade que acompanhou boa parte
do processo de implementação das poticas blicas do período, como a fiscalização do
governo aos restaurantes, aos hotéis, às padarias, às fábricas, com vistas a assegurar melhores
condições de higiene urbana e saúde pública. Com as campanhas de saúde pública,
ampliaram-se a crião de códigos de posturas.
6
4
As transformações que atravessavam o Rio de Janeiro, no início do século XX, simbolizavam um modelo de
processo civilizador que o país deveria seguir e que implicavam em modificações radicais e rápidas da cidade,
cuja intenção é simbolizar o país através das suas características modernas estas que tinham como parâmetro a
Belle Époque européia. Ver: SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural
na Primeira República. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 25-77.
5
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930).
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/ Multigraf Editora Ltda, 1993. p. 152.
6
PONTE, 1993.
21
Em Fortaleza, a criação de digos de posturas e a vigência de medidas disciplinadoras
que coibiam tudo o que dificultasse o fluxo das pessoas e coisas tinham como intenção
desodorizar o espaço urbano e modificar os bitos da população. Ponte descreve Fortaleza
no final do século XIX e início do século XX abalada por epidemias:
Tinha Fortaleza o aspecto de sombria desolação. A tristeza e o luto entravam
em todos os lares. O comércio completamente paralisado dava às ruas mais
públicas a feição de uma terra abandonada. Os transeuntes que se viam eram
vestidos de preto ou eram mendigos saídos dos lazaretos com os sinais
recentes de bexiga confluente que lhes esburacou a cara e deformou o nariz.
7
Rezende, ao analisar o processo de modernização de Recife na década de 1920, ressalta
que a cidade não era composta por seus aspectos físicos, mas sim por um conjunto de
memórias, recordações, sonhos e desejos, além dos mais diversos olhares que constituíam
Recife como a grande morada dos homens. Uma cidade de ritmo frenético, de rápidas
mudanças, onde a modernidade produzia encantos e desencantos.
8
O ritmo do crescimento e das transformações provocados pelo avanço da modernidade
era avassalador e guardava ligação direta com o projeto modernizador que estava sendo
implantado na cidade naquele momento. Segundo Rezende, existia oposição complexidade
entre o moderno e o rural, já que vida na sociedade moderna era essencialmente urbana, com
o predomínio de um projeto modernizador de claro significado, “modernizar não é apenas
alterar as características da cidade, mas, sobretudo, civilizar o povo”.
9
Rezende vislumbra Recife a partir do conceito de que a cidade tem profundo poder de
síntese e é representada por um conjunto de olhares, memórias, recordações, sonhos e desejos,
o havendo, nessa perspectiva, como esgotar as histórias da cidade. Essas hisrias da cidade
estão atravessadas por momentos de deslumbramentos e de fantasias sobre seus futuros
pretensamente modernos, e ao mesmo tempo, pelo medo da perda dos referenciais e das
tradições e pelo desejo de reafirmar um passado profundamente idealizado.
A cidade de Teresina no início do século XX também sofreu o impacto da
modernização, do avanço da urbanização e da introdução de novos hábitos sociais. De certa
forma, segue o caminho percorrido no Rio de Janeiro, com a criação e a ampliação de espaços
7
No processo de urbanização do Brasil, teremos com ação primordial a alise de lugares urbanos como
possíveis focos de doenças e o predomínio da não de livre circulação de coisas, ar e água e dessa forma, deu-
se a abertura de avenidas, ao alargamento de ruas, ao alinhamento das edificações. PONTE, 1993, p.20.
8
REZENDE. Antonio Paulo de Morais. (Des)encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de
vinte. Recife: FUNDARPE, 1997.
9
REZENDE, 1997, p. 25.
22
públicos que se tornavam decisivos para a construção de um ideal de civilidade, conforme
afirma o cronista natas Batista:
Por outro lado, a nossa civilização, os nossos costumes sociais, pondo de
parte os escândalos, as loucuras da moda e a excessiva falta de pudor em
certas mulheres, se requintam em mil formas delicadas, e os salões, e os
teatros, e os logradouros públicos, dando a amplitude de Bilac, se
transformam, cada vez mais, em arenas elegantes, nas quais se travam os
torneios da graça, da conversação e da cortesia.
10
Nessa perspectiva das transformações urbanas e sociais, no Brasil, um dos resultados
mais significativos foi o processo de aburguesamento das paisagens cariocas, com a criação
de um espaço público central na cidade, remodelado, embelezado, ajardinado e europeizado.
11
Assim, a criação desses espaços públicos em Teresina segue o modelo instituído no Rio de
Janeiro para a introdução de novos hábitos e costumes na sociedade. As novas posturas
sociais que se constituíam na capital federal contavam com a colaboração de jornalistas e
correspondentes em Paris, que através de suas notícias ajudavam a divulgar as novas rotinas,
os hábitos elegantes e os comportamentos civilizados.
As reformas urbanas no Rio de Janeiro seguiam o modelo de Paris, na época
considerada a metrópole mais civilizada e charmosa do mundo. Uma das marcas registradas
da capital francesa eram os cafés, e em Teresina, nas primeiras décadas do século XX,
também foram construídos elegantes cafés na Praça Rio Branco. Nesse local também
localizavam-se os principais estabelecimentos comerciais e as repartições públicas.
O Sr. Galhardo está montando na Praça Rio Branco um café concerto que se
intitulará Café Familiar. No Ca funcionará o Cinema Progresso, exibindo
filmes sempre novos e interessantes [...] Para servir ao público have um
bar. O salão da frente será transformado e adaptado da melhor forma
possível, a fim de servir a freguesia, de bebidas geladas, cas, doces &. Na
frente do edifício serão, das 5 da tarde em diante, colocadas mesinhas para a
freguesia.
12
A construção de uma cidade moderna também demandava a edificação e a reforma de
obras públicas, o que ocorria segundo a disponibilidade dos recursos do Estado. De acordo
com a Mensagem do governador Arlindo Nogueira, os melhoramentos atingiam diversos
10
BATISTA, Jônatas. Poesia e prosa. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985. p. 141.
11
SEVCENKO, 1989.
12
CAFÉ familiar. O Piauí, Teresina, n. 1281, 31 mai. 1914, p. 2.
23
prédios públicos, a construção de um palacete no local onde havia funcionado a Estação do
Telégrafo Federal, e concertos nos prédios do Liceu Piauiense, das Secretarias de Fazenda e
da Polícia, do Tribunal de Contas, na tipografia oficial e na Casa de Detenção.
Era também anunciada a reforma da Praça Deodoro da Fonseca, com a construção de
coreto de madeira destinado às tocatas da banda do Corpo Militar de Polícia.
Também sofreram concertos o edifício onde funciona o Liceu Piauiense e os
da Secretarias de Estado da Fazenda e Polícia e Tribunal de Contas [...]
Foi iniciada a construção de um coreto de madeira na Praça Marechal
Deodoro, destinado às tocatas da banda de música do Corpo Militar da
Polícia e realizados pequenos concertos nos edifícios da topografia oficial e
casa de detenção.
Outros prédios públicos reclamam reparos urgentes e inadiáveis, como o
palácio do governo e parte do da Câmara Legislativa, para o que vos solicito
o necessário crédito.
O magnífico relatório do honrado Diretor da Repartição de Obras Públicas,
Terras e Colonização vos fornecerá os melhores subsídios para os vossos
trabalhos.
13
Porém, a cidade convivia com outros problemas, como o aumento populacional e a
presença de um grande número de pessoas desempregadas. As dificuldades financeiras do
Estado permaneciam e se tornavam grande obstáculo para a resolução, ou mesmo diminuição
dos efeitos da seca na capital. Face a isso, a preferência do governo era por executar pequenos
serviços de reparos em edifícios, melhoria de pontes e ruas,
Entre os diversos ramos da administração, que reclamam especiais cuidados
e até mesmo algum sacrifício, está com razão o departamento das obras
públicas. Motivos de ordem superior impediram-nos de realizar mais
importantes serviços do que a conclusão dos grandes reparos no edifício e
Casa de detenção, a reconstrução da ponte do Riacho dos Cavalos, e
pequenos concertos em outros próprios estaduais.
14
Teresina para se modernizar
15
, sair do atraso e da pobreza, necessitava acompanhar o
ritmo de desenvolvimento de outras cidades brasileiras tidas como modernas na época, como
13
PIAUÍ. Governo. 1900 1904 (Nogueira). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí
pelo governador Arlindo Francisco Nogueira, em 1 de julho de 1902. Teresina: Tip. do Piauí, 1902. p. 13.
14
PIAUÍ. Governo. 1904 1908 (Mendes). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí
pelo governador Álvaro de Assis Osório Mendes, em 1 de junho de 1906. Teresina: Tip. do Piauí, 1906. p. 29.
15
O termo modernização utilizado nesse trabalho vincula-se ao sentido expresso por Marshal Berman, onde esse
termo geralmente está associado às muitas transformações que ocorrem no espaço e na sociedade decorrente da
urbanização e da inserção de novas tecnologias. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a
aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
24
o Rio de Janeiro. Assim os discursos do período estavam voltados para a adoção de medidas
que ajudassem na integração comercial do Estado e para a necessidade de execução de um
planejamento urbano que fizesse de Teresina uma cidade moderna.
Segundo Melo Filho, foi durante a administração do Intendente municipal Domingos
Monteiro, de 1905 a 1908, que Teresina despontou para o seu projeto modernizador, com a
urbanização da cidade e a higienização das ruas. Entre outras benfeitorias, o citado Intendente
possibilitou a Teresina aspirar ares de modernidade lançando novo código de postura, e
fomentando a arrecadação municipal. A reforma no centro da cidade foi a maior realização
administrativa de Domingos Monteiro, o que deu ares modernos à cidade. Segundo Melo
Filho, em Teresina;
[...] clama-se por melhorias de saneamento básico e um dos maiores
entusiastas das reformas urbanas de Teresina foi o engenheiro Antonino
Freire [...] calçamento da cidade, arborização, construção de jardins
públicos, iluminação elétrica, abastecimento d‟água.
16
Desde os meados do século XIX, adotava-se, no Piauí, um discurso de integração
nacional, cujos elementos fundamentais seriam a transferência da capital do Piauí de Oeiras
para Teresina (1852), o que alavancaria o desenvolvimento econômico da Província e a
independência de seu comércio frente ao Ceará e em relação ao Maranhão. Articulado a esse
projeto nacional de desenvolvimento, existia um processo de integração regional. Para
fomentar o progresso ocorria a implantação da navegação a vapor, a construção de estradas de
ferro
17
que ligariam as cidades aos portos, além de medidas como a instalação do telégrafo
(1884), o projeto de exploração da navegação fluvial, a partir de Companhia da Navegação a
Vapor do Rio Parnaíba (1858), melhoria e constrão de portos fluviais. A navegação dos rios
Canindé, Gurguéia, Piauí e Uruçuí eram vistas como formas de exploração econômicas,
possibilitando o transporte de gêneros alimentícios e pessoas.
16
FILHO, Antônio Melo. Teresina: a condição da saúde pública na primeira República (1889-1930). 2000.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000. p. 84.
17
Uma das alternativas para o desenvolvimento do estado era a construção de estradas de ferro. PIAUÍ.
Governo. 1910 1912 (Silva). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí pelo
governador Antonino Freire da Silva, em 1 de junho de 1910. Teresina: Tip. do Piauí, 1910. p. 40.
25
Vale ressaltar que eram recorrentes os discursos enfatizando as dificuldades econômicas
e a falta de recursos do Estado, o que prejudicava, por exemplo, a continuidade das obras
públicas, tidas como essenciais para a manutenção do aparelho administrativo do Estado.
18
O
bem-estar da populão dependia de aspectos como melhoria da infraestrutura, a ampliação
das novas tecnologias que surgiam na cidade, oferta de serviços de saúde pública e das
condições de moradia da população, que desde meados de 1910 grande parte da população
de Teresina habitava a região da décima urbana, e assim deveria pagar impostos.
Para o cronista do jornal O Apóstolo o imposto da décima urbana o deveria ser
cobrado dos pobres já que eles não tinham condições efetivas de pagar:
A principal acusação versou sobre o caso de uma mãe de falia honesta e
paupérrima, o que o fisco estadual estava executando para haver o
pagamento de décimas urbanas. Como a única coisa que possuía era uma
triste casinha em que se abrigava com muitos filhinhos órfãos a cruel
espoliação, embora legalizada, provocou natural revolta, sentimento a que
não podia furtar-se aquele que a protegeu sempre desde o falecimento do
marido.
19
Estagnação econômica, pequenos surtos de crescimento e migrações constantes
motivadas pelas secas que atingiram o interior do Piauí, bem como dos estados vizinhos,
Ceará, Paraíba e Pernambuco, também contribuíram para uma nova configuração de
sociedade.
20
Notícias sobre a seca propagando-se pelo interior do Piauí e do Ceará e sobre a
vinda de imigrantes para Teresina, nos jornais, nas mensagens de governo, e nos relatórios
dos intendentes municipais, divulgavam o medo da disseminação de doenças como a varíola e
a influenza.
21
Com o título A seca, o jornal O Piauí noticiava a chegada constante de famílias de
retirantes em Teresina, fugindo das secas que reinavam no Ceará: “[...] segundo nos
informam, chegaram na semana passada a esta capital quatro famílias de retirantes cearenses
procedentes de Crateús, donde foram tangidas pela seca tremenda que reina [...]”.
22
18
Em várias mensagens de governo, durante as três primeiras décadas do século XX, eram comuns os
governantes justificarem o atraso do Estado a falta de recursos, ou mesmo a falta de apoio da Uno para com os
Estados, ou a mesmo enfatizarem os prejuízos ocasionados pela cobrança de impostos sobre produtos
importados realizados pela União, prejudicando assim os Estados. In: PIAUÍ. Governo. 1900 1904 (Nogueira).
Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí pelo governador Arlindo Francisco Nogueira,
em 1 de julho de 1902. Teresina: Tip. do Piauí, 1901. p. 6.
19
CRITÉRIO de César. O Apóstolo, Teresina, ano 4, n. 186, 8 jan. 1911, p. 1.
20
Sobre as secas que atingiram o Piauí no final do século XIX para o século XX ver: ARAÚJO, 1995.
21
O PIAUÍ. Teresina, ano 30, n. 279, 4 maio 1919, p. 2.
22
A SECA. O Piauí, Teresina, ano. 30, n. 277, 27 abr. 1919, p. 2.
26
Conclui-se que a presença dos retirantes da seca na cidade era um fator complicador das
condições de saúde da população local, pois que esta sofria com a falta de saneamento básico
e com os maus hábitos de higiene.
Dessa forma, no início do século XX, Teresina coexistia com a falta de iluminação
pública, de canalização de águas e de saneamento básico, ou seja, trata-se de um momento em
que a cidade crescia e a população convivia com deficiências estruturais, ausência de coleta
de lixo, falta de saneamento urbano, de rede de esgotos, de calçamento e com um precário
sistema de saúde. Devido às próprias condições de insalubridade da cidade no início do século
eram frequentes as epidemias que assolavam a cidade.
2.2. Cidade real e cidade dos desejos
Luz alimentada a querosene e carroças já não eram suficientes para a cidade no início
do século passado. Teresina era uma cidade que desejava ser moderna, mas onde predominava
um modo de vida caracterizado como provinciano. Os cronistas muitas vezes descreviam a
cidade como um lugar sem vida, sem alegria e monótona devido às transformações lentas. Em
Teresina temos uma cidade real que se confronta com uma cidade ideal.
Na prática ainda
prevalecia uma cidade com um modo de vida predominantemente rural. O centro da capital
ainda era um espaço composto por muitas quintas, grandes casarões, com ruas de chão batido
e sem calçamento.
Bugyja Britto
23
que viveu em Teresina nas duas primeiras décadas do século XX, em
suas memórias autobiográficas caracterizou a cidade como um lugar provinciano, de costumes
pacatos, de pequeno contingente populacional, isolada do restante do país e sem um comércio
forte, mantendo características próximas às do período da transferência da capital. E assim
descreveu a cidade:
Talvez tivesse uns 16.000 habitantes. Isolada do país por ficar no sertão do
Nordeste, de comércio rudimentar, sem indústria, muito quente e sem
atrações ecológicas, devia se parecer ainda com os primeiros anos em que
fora fundada.
Era triste a situação em que se apresentava a capital piauiense: nem um
Banco (o primeiro é de 1917 Banco do Brasil), sem um hospital (havia
23
Antonio Bugyja de Souza Britto nasceu a 21 de maio de 1907 em Oeiras e faleceu no Rio de Janeiro em 03 de
dezembro de 1992. Bacharel em direito pela Universidade do Brasil em 1933. Foi co-fundador do jornal O
lábaro (1926) e do Cenáculo piauiense de letras (1927). Colaborou em diversos jornais como O Piauí, A
Imprensa, Gazeta e A Revista de Teresina. Foi membro da Academia Piauiense de Letras.
27
uma desprovida Santa Casa de Misericórdia), dispunha de 4 unidades
escolares para ministrar o ensino primário, uma praça pública e 3 largos,
nem uma rua calçada, nenhum veículo automotor, e apenas dois
estabelecimentos de ensino secundário, o Liceu e a Escola Normal, sendo
que o último fora fundado em maio de 1911. [...].
24
A cidade planejada da segunda metade do século XIX mais parecia uma vila do que
uma capital moderna. Tinha poucos atrativos e muitas vezes era caracterizada pelos cronistas
como uma cidade de aspecto triste e desolador. Segundo Antônio Chaves:
Nossa querida capital está situada no centro de uma chapada triste, áspera e
monótona, sem um monte a emoldurar-lhe os horizontes, sem um vale ou
bosque a mitigar-lhe a atmosfera fulminante. Sob a abóboda desse castíssimo
firmamento desnudado, como impiedosa antítese reside uma população em
geral raquítica e de estatura abaixo da média [...] O povo é triste e nada
expansivo; a fisionomia parece-lhe cristalizar-se numa moldura
imperturbável, como fatigada renuncia da vida ativa.
25
Muitos cronistas insistiam nessa descrão. Mas quais as referências desses cronistas ao
descreverem a cidade dessa maneira? Talvez a própria formação e a vivência fora do Estado,
a busca de educação em outras cidades possa ter contribuído para que literatos e cronistas
percebessem a cidade como eminentemente rural e de vida provinciana. O olhar dos cronistas
que descreviam Teresina é marcado, sobretudo, pela comparação com outros centros, pela
subjetividade e pelo desejo de construção de uma cidade ideal.
Na série Pela cidade, do jornal A Gazeta, o cronista abordou, de maneira recorrente, os
temas da arborização da cidade, de sua caracterização como um lugar de aspecto atrasado,
com ruas esburacadas, cobertas de mato e capim, as reações dos estrangeiros que nela
circulavam, e principalmente, os problemas relacionados à saúde pública.
Convém insistir nesse assunto. Embora as nossas palavras não despertem o
resultado que desejamos, mesmo assim, por dever do ofício, ainda queremos
tratar dos mais ponderáveis defeitos que, no momento, apresenta nossa
cidade.
Teresina oferece, agora, o aspecto de uma vila atrasada, onde os benefícios
da guerra contra as vegetações inúteis ainda o ignorados. O capim e outras
ervas substituindo o mato, o pasto, a malva e fedegoso, ali estão, em
exuberante proliferação para dar um atestado pouco recomendável de nosso
adiantamento.
24
BRITTO, Bugyja. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977. p. 155-156.
25
ANTÔNIO. Litericultura. Teresina, ano 1, n. 1, 1 jan. 1912, p. 59.
28
É esse capinzal, embaraçando o escoamento das águas, que nele se
acumulam, para daí advirem males à saúde, não só por se tratar de águas
estagnadas como por se originarem dessas os incômodos insetos que tanto
atordoam o interior dos lares.
26
Nas crônicas, a cidade suja, triste, sem melhoramentos, sem reformas notáveis, de
desenvolvimento lento e de populações que habitavam locais de condições subumanas,
ganhava contorno:
Teresina é uma cidade de desenvolvimento moroso e lento. O seu aumento
tem sido feito com tamanho vagar, que só nos permite vê-la transformada em
épocas muito afastadas dos nossos dias. O espaço que medeia entre uma
década não nos deixa perceber uma reforma novel ou um melhoramento
que prenda a atenção por uma obra de arte qualquer [...]. O aspecto de certas
ruas é desolador e triste. A vida humana em certas habitações é quase um
milagre [...]. É este um ponto que todos atestam, e que todos presenciam,
contra o qual uma grande maioria protesta, mas que continua a se verificar e
continuará ainda por muito tempo se a comuna teresinense não procurar
desde fazer executar certos preceitos cuja obrigação e a vida impõem
[...].
27
Segundo Calvino
28
, cada cidade contém, dentro de si, múltiplas cidades. Teresina no
início do século XX é uma cidade que contém várias cidades dentro de si. Através dos
cronistas, surgem múltiplas cidades que se constituem através das relações sociais constrdas
em seu espaço. Os cronistas ratificam a construção da cidade múltipla, edificada pela ação de
diferentes segmentos sociais, e falam, especialmente, da história da cidade a partir do
pitoresco, dos fatos do cotidiano, das transformações gradativas e de seu impacto sobre os
costumes. Destacavam também grupos sociais excluídos pelo progresso e pelo poder público:
[...] construímos uma sociedade civilizada, pensamos na higiene de nossa
Capital e esperamos ansiosos, luz e bonde elétrico [...] Seria uma injustiça
um erro, deixar que eles coitadinhos continuem assim abandonados aos
vendavais da vida dessa misevel e cheia de dores por onde penosamente
se arrastavam.
29
26
PELA CIDADE. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 140, 1 abr. 1908, p. 3.
27
PELA COMUNA. O Piauí, Teresina, ano 20, n. 1076, 2 set. 1910, p. 1.
28
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
29
ASILO de Velhice e Mendicidade. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 67, 4 ago. 1912, p. 3.
29
Em Teresina, nos mesmos espaços convivem homens de paletós e burros carregadores
d‟água, como nos passeios blicos, e dessa forma, provincialismo, ruralidade, modernidade,
progresso e civilidade se entrelam.
Teresina continuava, no início do século XX, com forte presença do meio
rural. Os animais estavam por todos os lados, eram fundamentais à vida
cotidiana da população, tendo em vista que uns carregavam água, outros
capim verde, lenha, puxavam carroças, cavalos para montaria etc. Nos
domicílios, a população dava continuidade a hábitos rurais de criar animais
para o consumo interno da família, principalmente porcos e galinhas, muitas
vezes criados soltos, transitando livremente pelas ruas.
30
Teresina no início do culo XX mescla a tradição e a modernidade. Come-se de
muitas cidades, onde dois modelos se sobressaem: uma sociedade tradicional, que convivia
com mudanças mais lentas; e outra que se pretendia nova, moderna, de transformações
rápidas e efêmeras.
Em 1880 Teresina é quase um arraial, cuja vida urbana e social começa a se
tornar mais complexa, seguindo lentamente os ditames da evolução mundial.
Durante os anos 80, até meados dos anos 90, as „novidades‟ do mundo
moderno são meras notícias; notícias trazidas pelas levas de doutores que
começam a afluir bacharéis em Direito, médicos, farmacêuticos, uns
poucos engenheiros e pela imprensa periódica alienígena. O progresso é
ainda mero relato. A cidade pouco se diferencia em sua forma de viver,
apesar da diferenciação interna do espaço urbano. O centro da cidade
convive com os animais, a poeira, a lama, os riachos, casas de palha. Focos
de incêndios. Festas religiosas são divertimento popular. Os intelectuais
sonham com salões, com boa música, com o viver das grandes capitais do
Império/República.
31
A cidade era observada pelos cronistas, e nada escapava aos olhares críticos, como pode
ser visto na crônica intitulada Devia ser melhor;
Está em via de concluir-se o serviço de inscrições denominativas das praças
e ruas e numeração das casas desta cidade.
30
CASTELO BRANCO. Pedro Vilarinho. Desejos, tramas e impasses da modernização (Teresina 1900/1930).
Scientia et spes, Teresina, Instituto Camilo Filho, v. 1, n. 2, 2002. p. 300.
31
QUEIROZ, Teresinha. História, literatura, sociabilidades. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
1998b. p. 15. Sobre o processo de modernização da cidade e a inserção do teatro e do cinema na sociedade
teresinense ver especialmente o primeiro capítulo de: QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República:
Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina/João Pessoa: EDUFPI/EDUFPB, 1998a.
30
Manda a verdade que se diga não ter sido a Intendência, a despeito do seu
empenho em dar melhoras ao município, muito feliz com a execução desse
serviço.
Quem quer que o encare, nota, sem vida, a sua inferioridade relativamente
ao que tínhamos feito em 1890.
O letreiro das praças e ruas então reveste um caráter de coisa pesada,
inestética, que fere a vista do bom gosto.
As letras e os algarismos não têm o apuro que era de desejar, enquanto o
fundo em que se inscrevem é de cor menos própria a fazê-los realçarem.
Ouvimos que a cor azul foi escolhida como a mais barata; no entanto,
embora sendo um pouco mais dispendiosa, a preta, por se prestar melhor,
devera ter sido a preferida.
Mas o que está feito, não está por fazer.
Agora é preciso se não esquecer a intendência de mandar numerar, usando o
recurso auxiliar do alfabeto, os prédios que se forem construindo.
32
Podemos afirmar que a modernização era mais um ideal a ser conseguido do que uma
prática corrente que se impunha sobre a cidade e não se estendia a todos os habitantes.
Entretanto, segundo Castelo Branco, o progresso caminhava de forma rápida e implicavam
em muitas mudanças de comportamento:
Essas imposições [modernização da cidade] fizeram com que o progresso
chegasse a muitos lugares como conquistador ditando normas, costumes,
solapando e condenando formas de viver e pensar tradicionais. Seduzindo de
forma mágica os mais deslumbrados com as suas possibilidades e colocando
os recalcitrantes na posição de anacrônicos.
33
Em Teresina, o progresso estava articulado a um conjunto de mudanças materiais, mas
acima de tudo buscava-se a ordenação da sociedade. O cotidiano dos sujeitos sociais na
cidade de Teresina durante o início do culo XX passava diretamente pelo controle dos
costumes, pelo menos, das ações que poderiam ser realizadas em blico, e de quais
comportamentos eram tidos como aceitáveis ou não.
Os discursos oficiais, especialmente as mensagens dos governadores durante as três
primeiras décadas, revelam as dificuldades relacionadas ao orçamento e o abandono do poder
central era a justificativa para a falta de investimentos no setor público. Os melhoramentos,
quando ocorriam, também eram enfatizados pelos governantes, aliás, essas mudanças estavam
ligadas a crença no progresso material da sociedade e no processo de modernização.
Nos discursos governamentais a retórica das dificuldades econômicas procurava
afirmar-se no contexto de luta entre os estados e a federação, bem como nas tentativas de
32
DEVIA ser melhor. Gazeta, Teresina, ano 3, n. 77, 23 dez. 1906, p. 1.
33
CASTELO BRANCO, 2002, p. 299.
31
inserir o Piauí no modelo de desenvolvimento do restante do país. O processo de
modernização da cidade seguia a passos lentos, com os governantes sempre reafirmando as
dificuldades relativas aos recursos disponíveis e à falta de iniciativa dos grupos privados.
A navegação do rio Parnaíba tinha um importante papel no comércio e na interligação
das cidades no Piauí, sendo Teresina um dos principais centros da comercialização de
produtos no Estado. Eram comuns as notas destacando o intenso fluxo de embarcações
através do rio Parnaíba, cuja navegação a vapor, além de interligar as cidades piauienses,
facilitava o escoamento da produção para outros estados e até mesmo para outros países, sem
depender dos estados vizinhos. Este fato contribuiu para o incremento do comércio de
Teresina.
Teresina no início do século XX figura como uma das principais cidades do Piauí, ao
lado de Amarante, Floriano e Parnaíba. A economia extrativista e a expansão da exploração
da borracha de maniçoba, produto voltado para a exportação proporcionaram a Teresina um
impulso no processo de desenvolvimento socioeconômico, com ganhos financeiros para a
cidade, de que resultou, por exemplo, o projeto de iluminação pública.
A necessidade da iluminação pública já ganhava destaque nos jornais e em 1905
noticiava-se a chegada em Teresina de engenheiros para fazer estudos sobre a tração
elétrica
34
. A iluminação pública de Teresina, inaugurada em 1914, foi caracterizada por
Clodoaldo Freitas como focos incandescentes suspensos em postes mal alinhados e sem
elegância. Para Freitas, a iluminação elétrica denunciava o estado rústico e a conservação
das ruas e praças centrais da cidade, onde ainda não havia calçamento.
35
No governo de Antonino Freire (1910-1912) os serviços de iluminação elétrica tiveram
início e se transformaram em um dos maiores símbolos da modernização e do progresso de
Teresina. Os cronistas destacavam os benefícios da luz elétrica, o fato de tirar a capital da
escuridão e descreviam a iluminação pública como melhoramento necessário. Entretanto,
apenas uma década depois, destacavam a regularidade e ampliação do horário de
funcionamento e dos serviços prestados:
Temos o grato ensejo de comunicar ao público, que a partir de hoje, a nossa
capital será servida de iluminação etrica, nas ruas e casas particulares, das
6 horas da tarde às 6 horas da manhã. Era esse um melhoramento que se
impunha em nosso meio, porque não se justificava de modo algum, o fato de
permanecer a capital às escuras, durante altas horas da noite. [...]
36
34
TELEGRAMA Iluminação elétrica. Gazeta, Teresina, ano 1, n. 14, 24 jan. 1905, p. 3.
35
FREITAS, Clodoaldo. História de Teresina. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1988.
36
ILUMINAÇÃO Pública. O Piauí, Teresina, ano 63, n. 105, 8 jul. 1921, p. 2.
32
Para o abastecimento d‟água na cidade de Teresina, sucederam-se, sem sucesso, várias
tentativas de implementação. Primeiro, direcionados pela iniciativa privada e posteriormente
pelo poder público. A partir de 1903, o Estado, através da Diretoria da Repartição de Obras
Públicas, Terras e Colonização assumiu a responsabilidade pela execução dos serviços, e
somente a partir de 1906, a cidade de Teresina passou a contar com um serviço regular de
abastecimento d‟água. O governador Álvaro Mendes assim se manifestava:
As vantagens de impulsionar e levar a termo os trabalhos de abastecimento
d‟água, cujos gastos tinham de ser satisfeitos de certa data em diante com o
produto da receita ordinária, forçaram-me a fazer sustar o serviço do prédio
destinado à câmara legislativa, que agora vai ter de novo andamento, assim
como privaram o governo de mandar proceder aos reparos de que carecem
várias cadeias do interior, que também terão de ser atendidos na estação
estial que ora começa. Desafogado o tesouro das urgências de meios que o
abastecimento d‟água exigir, cumpre-nos, poder legislativo e executivo,
aplicar a outros melhoramentos as nossas forças.
37
Apenas no final dos anos 20 passa a ser comemorada pelos cronistas a ampliação do
serviço de abastecimento d‟água e a chegada da água canalizada em mais casas e em horário
ampliado:
Temos a satisfação de levar ao conhecimento do público que o governo do
Estado, atendendo a uma justa reclamação da Gazeta, providenciou para que
de hoje em diante a água seja distribuída à população da capital das 6 às 11
horas do dia e das 2 às 5 da tarde. Trata-se, como se vê, de mais uma medida
que vem beneficiar a população em geral e em particular a pobreza. Por isso
mesmo todos devem evitar o desperdício da água, conservando fechadas as
torneiras do encanamento, sempre que não precisem do precioso líquido.
38
O projeto modernizador implantado em Teresina está ligado também à chegada de
quinas que caracterizavam o aparato técnico da modernidade. O surgimento dos
transportes por bondes em Teresina, apesar do curto período de tráfego normal, entre 1923 e
1929 pode ser visto como parte desse processo.
37
PIAUÍ. Governo. 1904 1908 (Mendes). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí
pelo governador Álvaro de Assis Osório Mendes, em 1 de junho de 1905. Teresina: Tip. do Piauí, 1906. p. 36.
38
SERVIÇO d‟água. O Piauí, Teresina, ano 63, n. 155, 31 jul. 1928, p. 3.
33
Entretanto, tratava-se de uma forma de transporte que revelava sua face excludente. Um
bonde limpo, era destinado à parcela da populão que podia se vestir bem, que utilizava o
bonde como passatempo preferido, principalmente, aos domingos. Outra parcela da
população, a dos pobres, utilizava o bonde de segunda. Entretanto, havia reclamações contra
os pobres que utilizavam os bondes: eram malvestidos, sujos, usavam roupas rasgadas, e
andavam de pés descalços. A solão para tal problema veio de forma segregadora criou-se
o reboque. O segundo bonde construído, chamado de bonde de segunda, seguia atrelado ao de
primeira.
39
Através da separação das classes nos bondes, percebe-se como era o cotidiano e modo
de as pessoas se vestirem. Segundo Orgmar Monteiro, no bonde de primeira classe custavam
duzentos réis as passagens para adultos e cem réis as destinadas às crianças. Nele era
permitida a viagem apenas de cavalheiros de terno completo, com calças, colete, paletó,
camisa e gravata, bem como de seus complementos o chapéu e a bengala; e as damas
deviam usar sapatos, saias compridas, e vestidos decentes. As crianças deveriam estar
acompanhadas e socialmente vestidas e calçadas. Já na segunda classe as passagens custavam
cem is e podia-se viajar de qualquer jeito, inclusive com o direito de levar cestas, cofos e até
galinhas vivas e outros animais.
Os bondes também funcionavam como forma de lazer, divertimento e prêmio para as
crianças de bom comportamento. De acordo com Monteiro, na época de sua infância:
A grande frequência nos bondes era pela manhã porém nos domingos
ficavam lotados o dia todo. O clássico prêmio pelo bom comportamento,
durante a semana, pelo qual eu me esforçava para merecê-lo e naturalmente
as outras crianças, era a alegria do domingo, à vista da superlotação de
ambos os vagões. Na ânsia de embarcar, quando não havia lugar no carro de
primeira classe, o de segunda servia.
40
Com a saída do Capitão JoFaustino que mudou-se para o Rio de Janeiro em 1929
começou o período de decadência desse meio de transporte. A diminuição de usuários que
buscavam novos divertimentos, os problemas da quina e diminuição das rendas
dificultaram o funcionamento dos bondes. A modernidade na cidade de Teresina estava mais
ligada aos desejos modernizadores do que propriamente às transformações que surgiam na
cidade. As ações modernizadoras adquiriam a imagem de propaganda. Nas primeiras décadas
39
MONTEIRO, Orgmar. Teresina descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e
conhecimentos dos novos. Fortaleza: Edições Ioce, 1988. v. 4, p. 304.
40
MONTEIRO, 1988, p. 305.
34
do século XX, a urbanização e a vida na cidade tornaram-se símbolo do novo, e de possíveis
benefícios para a população, mas que nem sempre se efetivavam na prática.
2.3 Moda, consumo e costumes
A moda e o desejo consumista provocavam seduções, sendo a propaganda elemento
fundamental para a divulgação dos novos produtos. Ser moderno em Teresina no início do
século XX pode ser entendido em certa medida pela capacidade de consumir os produtos
europeus que chegavam a cidade, era também ser absorvido pela moda, estar em dia com as
novidades ofertadas.
O bito de consumir os novos produtos cumpriu um papel importante no processo de
civilizar a população de Teresina. De forma marcante, as propagandas nos jornais de Teresina
faziam alusão a esses produtos, geralmente importados, evidenciando também a existência de
um novo público consumidor. Os anúncios eram relativos a uma diversidade de produtos
como: livros, fumo, álcool, sabonetes e cremes para mulheres. A partir dos anúncios nos
jornais, pode-se constatar que o comércio da cidade contava com bom número de
estabelecimentos, e comercializava com áreas circunvizinhas.
As propagandas das novidades que chegavam da Europa demonstravam que já se
constituía na cidade um público para tais produtos, mesmo que restrito a grupos privilegiados.
Tecidos finos, peças de porcelana, chapéus, entre outros eram absorvidos pela sociedade
teresinense.
Novo sortimento era a chamada para a oferta de produtos que vinham do
mundo civilizado, para a grande variedade de artigos que chegavam da Europa, sobretudo da
França e da Inglaterra. Tanto o modo de vestir, como o uso de chapéus, tinham o significado
de civilidade. Chapéus! É inimitável o sortimento que acabou de chegar para a casa de Petrópolis de
João José de Souza. É inimitável sim, na quantidade, nos preços e na qualidade. Praça Uruguaiana.
41
O incentivo ao consumo dos artigos da moda que chegavam a Teresina, importados da
Europa, entre eles adereços, tecidos de sedas, perfumes e sabonetes - transformavam o
vestuário, os cheiros e davam um certo requinte ao vestir, como se pode inferir de um
anúncio:
41
ANÚNCIO de chapéus. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 131, 29 jan. 1908, p. 3.
35
Lindas fantasias de cores, dos melhores gostos e padrões, cetim, veludo,
fustão, cambraia branca de cores, grande quantidade de chitas, morins &. &.
No tocante às miudezas e especialmente enfeites para vestidos de senhora ali
se o que de mais belo e moderno há, em galões, vidrilhos, rendas de ponta
e entremeio, bordados brancos e de cores, gregas, fitas, plumas e broches
para atracar, paletós. Para a rapaziada tem os chaus de palha dupla,
botinas, chapéus de sol, gravatas lindíssimas, colarinhos, punhos, meias
&.&.
42
Novas e modernas alfaiatarias
43
instalavam-se na cidade, os novos modismos eram
exibidos nos bailes, nos passeios públicos, nos bailes de carnaval, nas solenidades públicas,
nas idas ao teatro e ao cinema ou na freqüência aos cafés. Nesses locais as pessoas davam
visibilidade a seus novos figurinos e exibiam a sua elegância.
As propagandas
44
indicavam que em Teresina existiam consumidores para esses
produtos, na medida em que crescia a própria diversidade de lojas e de artigos oferecidos.
Sabonetes franceses, chapéus para adultos e crianças, artigos de seda, sapatos finos, produtos
específicos para limpeza de pele, e medicamentos variados são indícios de que se procurava
constituir novos hábitos de consumo de produtos já existentes em outras capitais como São
Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza.
Os anúncios revelavam a circulação de mercadorias e o poder de compra da sociedade
teresinense do início do século, quando as invenções modernas passaram a ter suas qualidades
exaltadas, ao mesmo tempo que provocavam sedução e encantamento, caso dos automóveis
no final dos anos 20.
Anúncios de vendas de carros tamm eram comuns, especialmente, a partir de 1923
com a chegada dos primeiros automóveis na cidade. Em 1927, novos modelos foram
divulgados e o destaque dos anúncios era para a velocidade, a força e a resistência “titânica”
dos novos carros, como o modelo Torpedo Erskine Six
45
. A reprodução de imagens de carros
com vários passageiros sugeria as possibilidades de transporte para toda a família. Com o
automóvel o ritmo de vida na cidade se alterava, e a cidade ganhava movimento.
Jônatas Batista alertou para as vantagens e desvantagens da existência de poucos carros
na cidade. Para ele isso era um sinônimo do pouco desenvolvimento material, mas, por outro
lado, as pessoas estavam livres das cenas de atropelamento comuns em outras cidades. Jônatas
42
ANÚNCIOS do Comércio. O Tempo, Teresina, ano 1, n. 5, 23 mar. 1905, p. 4.
43
ANÚNCIO da alfaiataria moderna. Gazeta, Teresina, ano 7, n. 280, 30 nov. 1910, p.9.
44
Em rias edições dos jornais Monitor, Apóstolo e Gazeta, e em muitos outros jornais pesquisados existia um
destaque para as propagandas, estas que eram bastante diversificadas e ocupavam lugar de destaque nos jornais.
45
A propaganda no jornal A Praça apresenta a imagem do modelo Torpedo ”Erskine” Six produzido pela fábrica
Studenbaker em 1927. PROPAGANDA Torpedo Erskine Six. A Praça, Parnaíba, ano 1, n. 2, 1 nov. 1927, p. 1.
36
fez críticas ao progresso, e muitas vezes, ironizou aqueles que se enchiam de entusiasmo pelas
quinas que colocavam em risco a vida das pessoas, como o automóvel. Dizia em uma de
suas crônicas:
O progresso nem sempre é um bem e as mais das vezes é um mal. E
ninguém veja nisto um paradoxo injustificável o progresso nem sempre é
um bem.
Que importa que não tenhamos estradas de ferro, bondes, luz elétrica e
muitos outros melhoramentos de que temos notícia, nos outros Estados, nas
suas capitais? Se não contamos com os imensos benefícios que esses
melhoramentos trazem, em compensação, não temos os grandes males que
eles nos poderiam trazer.
Não temos automóveis, é uma verdade; mas em troca não presenciamos os
esmagamentos que se dão, todos os dias, nas cidades onde o fonfon é o
conhecido e tão habitual ao povo. Assim, tudo o mais.
46
A elegância vinculada ao consumo de produtos como o cigarro, o charuto e a bebida,
era difundida pelo cinema como sendo elemento importante para os momentos de romances e
inserção social. Os jornais destacavam a chegada de novos aparelhos para a fabricação de
bebidas diversificadas, como pode ser visto a seguir:
Este acreditado estabelecimento [Fábrica de Bebidas Álvaro Martins e Cia]
acaba de instalar um moderssimo aparelho para a fabricação de guaraná,
cola, champagne, refrigerantes diversos. Tem também em deposito, de sua
fabricação, conhaques, quinados, vinhos de diversas marcas e vinagre
especial.
47
As mudanças de hábito e as novas sociabilidades afetavam Teresina, onde as várias
dimensões de comportamento a partir da moda, lazer, da elegância, de consumo, produziam
novos modos e formas de viver, especialmente para a elite. A moda parisiense exercia um
grande fascínio sobre parte dessa elite teresinense e em vários jornais apareciam as
propagandas sobre a comercialização de produtos europeus. Tito Filho, em Crônica da cidade
amada, fez uma análise sobre esse segmento de consumidores. Para ele:
[...] constituía um pequeno grupo formado por pessoas que se vestiam com
artigos de luxo vindos da França. Usavam vestidos de seda, veludos, leques
46
BATISTA, 1985, p. 118.
47
FÁBRICA de Bebidas. A Imprensa, Teresina, ano 3, n. 380, 3 maio 1928, p. 7.
37
de madrepérola, gravatas, perfumarias e jóias de ouro. Quase tudo era
vendido nas casas de comércio das ruas Bela e Imperatriz.
48
Vale ressaltar que esses novos costumes de se comportar e de adotar as novidades,
estavam associados ao cinema que introduzia novos hábitos civilizados e novas maneiras de
se comportar em público.
49
A moda contribuiu para a ruptura com o mundo tradicional, na
medida em que as novidades funcionavam como modelo para o presente, e dessa forma
funcionava como uma negação do passado.
Os cafés do centro da cidade também funcionavam como lugares de sociabilidades. Um
deles era o Café Internacional, situado na praça Uruguaiana, que além de funcionar como
local de encontro da elite, também comercializava produtos que iam desde chapéus, jóias de
brilhantes, pince-nez, chocolates, máquinas fotográficas e até mesmo batatas.
50
Outros espaços de sociabilidades, como o Café Avenida, eram locais com visibilidade
social, onde as pessoas podiam exibir seus novos trajes e exercitar sua civilidade. Um convite
de 1927, feito a amigos e fregueses, mostrava o interesse do proprietário na presença de sua
clientela. O anúncio intitulado Vai ser filmado o Café Avenida diz:
Pede-nos o proprierio do simtico Ca Avenida, nosso amigo Artur
Frazão, avisar à sua distinta freguesia que hoje, depois da missa, será
filmado o seu estabelecimento. Para esse fim convida os seus amigos e
fregueses, assim como as Exmas. famílias, que ali poderão ser apanhados
pela objetiva.
51
O crescimento do número de hotéis e restaurantes em Teresina, relacionado ao aumento
da demanda, também demonstrava preocupação com os viajantes e o receio do que eles
pudessem pensar sobre a cidade. Luxo, elegância e bom gosto serviam como elementos
atrativos para os viajantes. Os anúncios exaltavam a proximidade do centro, conveniência do
local, a cozinha, os preços baixos, além do atendimento de qualidade. Alguns
estabelecimentos diziam só aceitar hóspedes de primeira classe.
52
48
TITO FILHO, Arimatéia. Crônica da cidade amada. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1977. p. 27.
49
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo.
Teresina/João Pessoa: UFPI/UFPB, 1998a.
50
Entre os vários cafés da cidade de Teresina no início do século destacam-se: Ca Internacional e o Café
Avenida, ambos situados na Praça Uruguaiana. ANÚNCIOS. A Semana, Parnaíba, ano 1, n. 2, 26 nov. 1916, p.
1.
51
ANÚNCIO Café Avenida. O Piauí, Teresina, ano 62, n. 22, 28 jan. 1927, p. 4.
52
HOTEL do Norte. O Piauí, Teresina, ano 39, n. 485, 23 jun. 1921, p. 4.
38
A luta pela construção de um jardim blico remonta ao início do século XX, e estava
diretamente relacionada à edificação de um espaço agradável para as famílias, e seria um
melhoramento fundamental para a cidade, por constituir novo espaço de sociabilidades. O
jardim blico funcionaria como local de encontro e passatempo ou diversão moderna para a
população sair da rotina, sobretudo, pela observação da beleza e da arte da vegetação ali
existente. Teresina era comparada a uma estufa, e assim essa benfeitoria era considerada
fundamental também para a criação de um espaço mais ameno e aprazível na cidade.
53
Antes mesmo da criação de jardins blicos na cidade de Teresina, já existiam espaços
denominados de largos, espaços destinados à recreação e às manifestações cívicas. Entretanto,
os largos não eram urbanizados como os passeios públicos de outras cidades. Os passeios
públicos, locais fundamentais para a construção de uma cidade com novas sociabilidades,
eram uma reivindicação antiga dos cronistas como um lugar essencial para o lazer das
famílias. Artigo de 1905 do jornal Gazeta, tratava da urgência da edificação de tais espaços:
[...] Agora que os velhos hábitos estão seriamente ameaçados devemos
empenhar-nos por uma coisa de que carecemos muito e que, antes de outras,
deve ser posta em realidade. muito que devíamos ter.
[...] Referimo-nos a um jardim público, onde a sociedade desta terra possa
espairecer do tédio e do calor que a persegue na estação seca.
54
O cronista, ao comentar a inauguração do Jardim Público de Teresina enfatizava a
conferência de Mário JoBatista sobre jardins e árvores em geral. Esse fato mostra que a
própria inauguração era um momento de se conscientizar a população acerca dos cuidados
com o Jardim blico. A praça Rio Branco era caracterizada como um lugar de destaque em
Teresina. O cronista referiu-se a presença de grande quantidade de pessoas no evento, mais de
duas mil, destacando a presença de ilustres famílias teresinenses. Apesar do horário da
inauguração às 19 horas, o cronista ainda traçou elogios à iluminação, que foi chamada de
esplêndida” e a ornamentação de soberba”.
55
Contudo, eram comuns nas crônicas que tratavam dos jardins blicos as reclamações
de ausência de luz e da poeira excessiva que manchava as roupas das senhoritas que ali
transitavam. A mesma praça que era reconhecida como local de excelência de Teresina, era
53
CRIAÇÃO de um jardim público. O Piauí, Teresina, ano 2, n. 37, 11 out. 1905, p. 1.
54
UMA URGENTE necessidade. Gazeta, Teresina, ano 2, n. 37, 11 out. 1905, p.1 apud CASTELO BRANCO,
Pedro Vilarinho. Mulheres plurais: a condição feminina na Primeira República. Teresina: Fundação Cultural
Monsenhor Chaves, 1996. p. 48.
55
INAUGURAÇÃO dos Jardins. O Piauí, Teresina, ano 2, n. 139, 3 jul. 1912, p. 1.
39
também caracterizada como um lugar pequeno e sem áreas calçadas. O cronista adotou um
discurso visando estimular essas novas diversões sociais, e ainda destacando que o passeio
público era um espaço adequado para a diversão das crianças.
Mais uma vez somos obrigados a assinalar a ausência de luz e fazer um
apelo ao Dr. Intendente do município para que lance as vistas para essa falta
imperdoável; como também temos a notar que, com as rajadas do vento,
subiam nuvens de poeira que não são só prejudicam à saúde dos que amam
os passeios dominicais pela praça Rio Branco, como mancham as delicadas
vestes das nossas formosas patrícias. E um remédio, a praça é pequena,
com um leve sacrifício, ei-la a calçada.
56
Os novos espaços iam sendo ocupados e ganhando novos frequentadores rapidamente,
logo a presença e a assiduidade nos jardins eram comparáveis aos das missas dominicais. O
cronista Caio Lima, em 1913, valorizava o jardim como um espaço capaz de minimizar o
tédio e o tratava como a única forma de lazer da cidade. Para ele, a boa educação vinha da
infância, e em Teresina não havia essa prática, mas o jardim público poderia ajudar na
mudança da postura das crianças.
57
A iluminação do jardim público, vinda da Europa, era um dos atrativos para que as
pessoas o freqüentassem, agora também marcado pelo requinte dos objetos europeus.
Simbolizando um ambiente europeizado e moderno, o passeio público era o local ideal para a
exibição de um bom comportamento, sobretudo civilizado, e de roupas elegantes. Ao entregá-
lo à populão, o Intendente de Teresina assim se manifestava:
Tenho a grata satisfação de levar ao vosso conhecimento que já se acha
concluído o Jardim Público [...] Excelente e moderno logradouro, capaz de
figurar em qualquer cidade adiantada, é uma obra de valor que compensa o
sacrifício feito pelo município e bem merece o zelo e carinho do público que
o frequenta assiduamente. Compreendendo uma área de 7.200 metros
quadrados, compõem-se de inúmeros canteiros completamente cheios de
lindos gramados e variadas flores, com ruas espaçosas para trânsito de
público, bancos, 600 metros de extensão por três de largura, de passeios de
cimento ao fundo da igreja Nossa Senhora do Amparo [...] Para
complemento da ornamentação e iluminação do jardim, mandou esta
Intendência vir da Europa dois lindos lampadários, tendo cada um três
grandes focos de arco voltairico de 1.800 velas e três menores de luz
incandescente de 500 velas, perfazendo um total de 3.300 velas as quais
56
PELO JARDIM. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 26, 4 ago. 1913, p. 3.
57
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 2, n. 40, 10 nov. 1913, p. 2.
40
fornecem uma iluminação farta e suave e dão ao local um tom alegre e
festivo. Os arcos só são empregados aos domingos e dias feriados.
58
Outro cronista elogiou o Intendente municipal, pelos esforços e melhoramentos na
cidade com a execução de serviços urbanos que eram de interesse coletivo, como o
ordenamento de certas ruas, o calçamento de outros trechos, além do aformoseamento dos
jardins da praça Rio Branco com a colocação de novos bancos, e a reforma dos canteiros e do
gramado, o remodelamento do seu entorno, além da tentativa de conservação dos jardins, com
o combate aos maus hábitos das crianças.
59
O jardim que no passado ele estava completamente abandonado, passara por uma
reforma radical. O cronista critica os maus hábitos da população na conservação das árvores,
bem como a presença de crianças pisando o gramado. As reclamações se concentravam na
retirada das flores, pois para ele era uma necessidade a conservação do passeio público como
um espaço aprazível, e sobretudo, apresentável para os visitantes que chegavam à cidade.
Nessa crônica de 1913 a Praça Rio Branco era o lugar de destaque da sociedade teresinense.
Porém, poucos anos depois, o jardim era caracterizado como um lugar abandonado. No ano de
1920, um cronista chamava a atenção para o jardimblico:
Outro assunto que está merecendo a atenção do Sr. Intendente é o
aformoseamento do jardim público, da praça Rio Branco, que, devido a
estação ardente da seca está ameaçado de completa destruição [...].
Esse esforço do Sn. Dr. Intendente municipal, em beneficio dos habitués da
praça Rio Branco deve ser por eles recompensado, evitando de pisarem nos
gramados ou impedindo que as crianças por eles corram, visto continuar esse
mau costume, não haverá boa vontade possível para conservar Teresina com
um passeio público decente e apresenvel aos que nos visitam.
60
Os jardins públicos eram caracterizados como lugares privilegiados das sociabilidades
modernas e funcionavam como espaços para a exibição de um comportamento civilizado. Em
outra crônica o autor destaca que a banda do corpo militar realizou uma retreta, mas que teve
que interrompê-la devido à “falta absoluta de luz”. Faz apelos para que a municipalidade
58
TERESINA. Intendente Municipal. 1910-1916 (Paz). Relatório do Intendente de Teresina Tersandro Gentil
Paz na abertura da assembléia da Intendência Municipal em 26 de outubro de 1916. Teresina: Imprensa Oficial,
1916. p. 1.
59
JARDIM público. O Piauí, Teresina, ano 30, n. 365, 25 mar. 1920, p. 1.
60
JARDIM..., 1920, p. 1.
41
resolva tal situação. Referiu novamente à presença de crianças brincando pelo jardim e de
rias senhoras e senhoritas da boa sociedade.
61
Em 1920, um cronista reclamava da necessidade da construção de mais espaços
públicos na cidade, e criticava os jardins públicos que ainda não tinham a frequência desejada:
Teresina não é a mesma cidade monótona de cinquenta anos atrás. Temos
o cinema diário, temos o jardim, temos o football. As nossas conterrâneas se
ainda não seguem a moda em todos os seus inúmeros detalhes, pelo menos
revelam muito gosto e muita inteligência no trajar. [...]
O jardim se bem que ainda não esteja muito frequentado, começa a
movimentar-se. É que as mulheres, usando de uma velha comparação, bem e
cada vez mais se parecem com as borboletas: gostam de luz, de perfume e de
alegria. E as nossas tardes estão cada vez mais formosas, as nossas noites
cada vez mais lindas e estreladas.
62
Outra questão importante e debatida pelos cronistas era a arborização da cidade.
Crônica de O Monitor, de 1910, criticou a forma de arborizar a cidade que naquele momento
estava ocorrendo e que, segundo ele não seguia os preceitos estabelecidos, sobretudo, na
França e na Inglaterra, modelos de civilização, onde a arborização urbana era feita por
alinhamento e com a escolha de árvores da mesma espécie.
É por demais conhecida a utilidade das arborizações, principalmente nas
cidades onde o progresso crescente e o desenvolvimento das edificações
afastam pouco a pouco as vegetações naturais [...] Incontestavelmente, é
agradável à impressão a vista de um alinhamento irrepreensível de árvores
do mesmo talhe, e de um verde puro ou matizado de flores. muito tempo
é quase universal o uso da arborização artificial, nas grandes cidades, e
apesar da evolução que tudo sofre, ainda se tem conservado os princípios,
muito estabelecidos, para a arte de arborizar.
63
Na cidade, alimentava-se a polêmica em torno da escolha das árvores que deveriam ser
plantadas. Para o cronista do jornal O Monitor, a escolha deveria privilegiar árvores frondosas
que possibilitassem áreas de sombras para amenizar o calor. Alguns cuidados deveriam ser
tomados, como o alinhamento das plantas e a escolha das árvores de acordo com os seus
frutos.
64
O mesmo cronista alertava ainda a população sobre o benefício das árvores e sobre
61
PELO JARDIM. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 22, 7 jun. 1913, p. 2.
62
SEMANA Elegante. O Nordeste, Teresina, n. 24, 8 mai. 1920, p. 3.
63
ARBORIZAÇÃO. O Monitor, Teresina, ano 5, n. 179, 10 mar. 1910, p. 4.
64
ARBORIZAÇÃO, 1910, p. 4.
42
os males da destruição de árvores frutíferas, devido à ignorância aos preceitos científicos da
época, apesar de não especificar quais seriam esses preceitos.
65
A destruição de árvores também poderia provocar problemas ambientais, dizia o
cronista de A Gazeta. Lamentava que, mesmo com a existência de uma campanha para
divulgar o combate a esse mal, o hábito ainda permanecia causando muitos estragos. O
cronista alertava para a necessidade de punição para tais costumes:
Sobre o bem comum, ou seja, a destruição das árvores frutíferas por parte do
povo, devido a sua ignoncia no que concerne aos conhecimentos da
Ciência que constata a utilização e preconiza a conservação desses grandes
vegetais, em tal devastação algo de crueldade, atestando a ausência
completa de sentimento de piedade. [...] Foi feita uma campanha nos meios
de comunicação do Estado para a preservação da natureza. As árvores que
sombreavam os riachos, concorrendo assim para a conservação dos olhos
d‟água e fornecendo o alimento sofreram com o golpe do machado, isso
contribuiu para o desaparecimento de muitos olhos d‟água abundante e como
consequência o desnudamento do solo, agravado com as secas, que nos tem
flagelado. [...] Sugeriu-se ao conselho municipal da cidade que tomasse
providências no sentido de criar fiscais encarregados na vigilância das
árvores, e os infratores ficariam sujeitos a pena que fosse fixada por lei.
66
2.4 A constituição da civilidade: novos hábitos e costumes.
A modernidade em Teresina se caracterizou pela introdução de novos hábitos e novas
sociabilidades. Nas primeiras décadas do século XX, a cidade de Teresina passou por
modificações que afetaram todos os segmentos sociais. Queiroz
67
faz um relato das principais
modificações que afetavam sensivelmente a toda sociedade teresinense no período, mostrando
as modificações culturais e a complexidade da cidade, desde o impacto da chegada do teatro,
cinema e do circo. Para ela essas transformações foram resultantes de modificações
tecnológicas que produziam novas sociabilidades. A instalação da luz elétrica era um exemplo
de como as inovações ajudariam nos hábitos de civilidade da população
Em breve teremos, pois, a delícia da mais bela e esplêndida luz, que o
artifício humano conseguiu conquistar às energias solares armazenadas no
65
SOCIAL Urge providências. Gazeta, Teresina, ano 2, n. 12, 1 jan. 1905, p. 2.
66
SOCIAL..., 1905, p. 2.
67
Cf. QUEIROZ, 1998a. Ver: Especialmente o primeiro capítulo.
43
seio telúrico. [...]. Teresina vai competir com as capitais cultas em louçania e
diversões noturnas sob o deslumbramento da luz elétrica.
68
O desejo de modernidade contagiava no início do século, e muitos desejavam ser
modernos. Existia um esforço por parte da elite piauiense para se inserir nesse molde de
novos comportamentos refinados e civilizados, para absorver as novidades que estavam
revolucionando o mundo, e principalmente a encantando. Dentre as mudaas sociais e
culturais que ocorriam na sociedade teresinense na transição do século XIX para o século XX,
cita-se o teatro, cinema, o carnaval, a música, os passeios blicos.
Os cafés, o uso dos
espaços blicos, o cinema preencheram a vida da cidade de novos significados e atribuíram
novos usos aos espaços locais. Essas inovações modernas criavam novas formas de
sociabilidade e davam novos ritmos à capital.
Teresina aos poucos foi assumindo uma imagem ligada a um lugar civilizado e urbano
marcado por rápidas transformações, tornando-se assim, um símbolo do avanço da
modernidade, onde o mundo do lazer e, sobretudo, o das letras, constituíam-se nos dois
grandes meios de civilizar a população de Teresina. Entre esses aspectos destacavam-se os
espetáculos teatrais, as projeções cinematográficas, os bailes carnavalescos e os passeios
públicos, as atividades de um grande número de clubes literários, além da circulação de
revistas e jornais.
Ainda no século XIX, o teatro destacou-se como uma das formas de lazer responsáveis
pelas transformações sociais e pela introdução de novos hábitos. Embora fossem caros os
ingressos, o povo sempre demonstrou gostar de espetáculos. Segundo Higino Cunha, o teatro
em Teresina, ainda no final do século XIX, estava ligado aos espetáculos que se davam em
casas particulares, sendo o Santa Teresa e o Concórdia os primeiros teatros da cidade e que
funcionaram até a década de 1890. O teatro era a diversão por excelência das famílias e era
visto como veículo educativo.
Com o advento do cinema, essa nova forma de entretenimento se sobressaiu como uma
das melhores diversões e uma das mais procuradas. Dessa forma, o cinematógrafo também
conquistou rapidamente o gosto popular e tornou-se um dos veículos divulgadores do
progresso e da mudança de costumes. Em um dos primeiros anúncios do cinematógrafo, lia-
se:
Brevemente estreará nesta capital o grande cinematógrafo falante. É o
aparelho cujas projeções são as mais firmes e o modelo único existente no
68
LUZ e força. O Monitor, Teresina, ano 3, n. 70, 27 jan. 1908; ILUMINAÇÃO elétrica. Diário do Piauí,
Teresina, ano 1, n. 147, 22 set. 1911 apud QUEIROZ, 1998a, p. 29.
44
Brasil. Sincronismo absoluto! Extraordinário sucesso! Vistas as mais
admiráveis e desconhecidas nesta capital!
69
A música também se difundia, e propagandas sobre a comercialização de vitrolas eram
comuns nos jornais da cidade. Os anúncios destacavam os preços acessíveis, as facilidades
para a aquisição dos aparelhos e a variedade de discos nacionais e estrangeiros. Em Teresina,
a música começa a se popularizar.
70
As exibições de artistas que passavam pela cidade também se constitam num
importante momento para as sociabilidades da época. A chegada dos circos agitava a cidade,
que era muito carente de diversões. No ano de 1915, pelo menos três circos atuaram em
Teresina: o circo Hermosa, o Belga e Sansony.
71
Os bailes de carnaval, os saraus, os jogos de futebol, as exibições de cinema, os clubes,
os cafés, os passeios blicos, as festas nas residências, os concursos de miss e as exibições
teatrais evidenciavam novos hábitos e novos modos de comportamento na cidade, revelando
uma Teresina em transformação. Para os cronistas, mesmo que as mudanças na cidade
acontecessem de forma demorada, o fato de as mulheres conseguirem acompanhar
determinados modelos exteriores de moda, demonstrava que elas possuíam bom gosto e
inteligência no trajar.
Algumas diversões ganhavam o rótulo de modernas
72
, embora já fossem conhecidas e
nem fossem assim tão modernas. Em Teresina a idéia de progresso estava materializada
nessas inovações utilitárias que, embora não fossem consumidas por grande parte da
população, não deixavam de indicar novos rumos e possibilidades da constituição de uma
sociedade civilizada. Cada novidade trazia sentimentos de susto, espanto, admiração, e até
mesmo medo.
73
Em As diversões civilizadas em Teresina: 1880 a 1930, a historiadora Teresinha
Queiroz cita o teatro, o cinema e a música como elementos centrais para a introdução de
novos hábitos e comportamentos ditos civilizados na sociedade teresinense do início do
69
ANÚNCIO Empresa Fontenelle e Cia. Gazeta, Teresina, ano 4, n.154, 12 ago. 1908, p. 7.
70
QUANDO nos vem comprar uma victor-vitrola? Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 8, 31 mar. 1908, p.
3.
71
CIRCO Hermosa. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 128, 26 jul. 1915, p. 1; CIRCO Belga. Correio de
Teresina, Teresina, ano 3, n. 143, 09 nov. 1915, p. 3; CIRCO Sansony. Correio de Teresina, Teresina, ano 3,
n.145, 23 nov. 1915, p.1; CIRCO Sansony. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n.147, 07 dez. 1915, p.2
72
O termo moderno aplicado a esse contexto tem como referente às novas formas de entretenimento, que
estavam associadas a um cater inovador, e principalmente civilizador. Os cronistas objetivavam, sobretudo,
através de sua escrita, alterar o comportamento das pessoas em várias dimenes, seja na forma de se vestir,
brincar, conversar, ou até mesmo de como se comportar em espetáculos públicos.
73
QUEIROZ, Teresinha. As diversões civilizadas em Teresina. 1880- 1930. Teresina: FUNDAPI, 2008.
45
século XX. Outras formas de diversão como os circos, os jantares sociais e familiares, os
bailes, o carnaval, a frequência aos cafés e restaurantes, além da participação nas festas
cívicas e os passeios pelo jardim público também se constituíam em importantes momentos
de construção de novas sociabilidades.
74
No início do século passado, Teresina mostrava-se um lugar de muitas temporalidades.
Conviviam as tradições que podemos caracterizar como conservadoras, as da maioria da
população, com o desejo renovador e modernizador de uma minoria que lutava para civilizar a
população e abolir certos hábitos provincianos. Para Antônio Melo:
[...] se o teatro, o cinema, e o circo são veículos modernizantes, como
afirmou Queiroz, a preservação das praças e arborização ostensiva da cidade
é reforçada pelo jornal O Monitor, de uma consciência moderna em oposição
a um velho costume selvagem, daqueles que destruíam plantas e matavam
aves.
75
O fascínio pelas novas descobertas e pela velocidade no tempo, de locomoção das
pessoas, e pelo comportamento cortês e elegante nos salões e jardins públicos contribuíram
decisivamente para a constituição da civilidade em Teresina. Contudo, as modificações da
época causavam grandes preocupações e representavam um perigo para aquela sociedade
ainda presa a muitas tradições. Com o cinematógrafo não foi diferente:
Com o cinematógrafo, esperava-se o propalado apocalipse da moral e da
família. O horror a essa inovação, sintetizado por Elias Martins, interpreta
certamente maneiras de pensar e de sentir que não eram isoladas. Como
porta-voz dos segmentos mais conservadores da população, o autor
expressava muito do assombro dessa sociedade quase rural ameaçada pela
modernidade.
76
O cinema também modificou o comportamento das crianças que já não tinham prazer
nas brincadeiras de costume: de boi, andar de carneiro e jogar pião. Com a mente cheia de
imagens de filmes de ação, as crianças queriam brincar “de heróis e bandidos, de ladrão e
polícia e de seguir outros muitos roteiros de estórias vistas no cinema”. Elias Martins
caracteriza o cinema como “o invento recente e maravilhoso parecia destinado a grandes
74
QUEIROZ, 2008.
75
FILHO, 2000, p.89.
76
QUEIROZ, 2008, p. 40.
46
benefícios, mas como todos os produtos das artes e das ciências foi lançado (sic) à feira
ignóbil das explorações torpes, dando origem a novos males [...]”.
77
Queiroz afirma que as primeiras décadas da instalão do cinema em Teresina foram
contemporâneas de um surto na vida musical. No século XIX, a música no Piauí ainda era
muito ligada às bandas policiais, militares e estudantis; e os instrumentos mais comuns eram
os de sopro.”
78
Entre o final do século XIX e início do século XX, a música esteve presente
em quase todos os acontecimentos sociais: casamentos, aniversários, formaturas, retretas
como as dos jardins da praça Rio Branco. Desde o século XIX cresceu o interesse da
população pela daa, que passou a ser algo frequente nas décadas seguintes, entretanto, com
as mudanças constantes e o surgimento de novos ritmos musicais valorizados pela moda, as
danças antigas passaram a ser duramente criticadas pelos setores mais modernizantes da
sociedade.
Outra forma de lazer foi o carnaval, que introduziu, em Teresina, algumas novidades: os
confetes, a serpentina, o lança-perfume e os carros alegóricos. Além do carnaval de rua,
blocos ou cordões, animado com violão, cavaquinho, pandeiro e reco-reco, havia também os
bailes nos clubes. Os bailes carnavalescos também despertavam o interesse crescente da
população, porém eram sempre acompanhados pelo olhar crítico de pessoas que não
aceitavam as novas posturas e reprovavam a tudo e a todos.
79
A modernidade também trouxe novos comportamentos sociais. Um cronista defendeu o
flerte como um despontar de novas relações sociais que enunciavam novos tempos, uma
conquista da civilização, caracterizado como um novo tipo de relacionamento. O flerte era
apresentado também como um namoro rápido e de certa forma, um modismo que se expandia
por toda a sociedade, que ocorriam nos mais diferentes locais e situações, como em bailes,
clubes, jardins, avenidas e até mesmo nas igrejas:
O flerte é uma conquista da civilização. É o namoro chique, é o amor
distração, que não se confunde nunca com o pieguismo de outrora. Começa
por um olhar, um sorriso, uma palavra... é uma troca de expressões delicadas
e enganadoras, de frases e promessas fingidas, e tem a duração efêmera de
poucas horas, a delícia rápida de um instante. É a moda dos salões, uma
instituição nos clubes, nos jardins, nas avenidas, em qualquer parte, em fim,
onde haja moças e rapazes. Mesmo nas igrejas o flerte aparece, sob forma
velada, embora os bons e severos sacerdotes reclamem e o condenem. Onde,
porém, mais se cultua o flerte, e ele mais se propaga é especialmente nos
77
MARTINS, Elias. Fitas. Teresina: Tipografia do Jornal de Notícias, 1920. p. 15.
78
QUEIROZ, 1998a, p. 43.
79
Criticas sobre esse mau costume ver: BATISTA, 1985, p. 120.
47
bailes [...] É quando o encanto arrebata, e os corações, felizes naquela
alegria, desejam o amor passageiro, o amor que dura pouco amor...
distração.
80
Existiam situações em que os envolvidos no flerte não entendiam a nova dinâmica das
relações amorosas e deixavam-se levar pelas paixões. Para o cronista de pseudônimo Max
Linder, o flerte era comum. Quem não entendia a nova relação, ou misturava as situações era
visto como innuo e ridicularizado.
Eis porque Melle, agora sofre. Foi numa soirée dançante que Mr. pela
primeira vez, lhe falou em amor. Ela, ingênua e boa, acreditou. Foi o seu
erro. Talvez não conhecesse, ainda essa quadrinha, que define o flerte como
uma gostosa brincadeira. Sendo um momento de festa. Com seria intenção e
asneira de conseqüência funesta.
Daí o resultado desastrado d‟agora. Melle reconhece que errou. E Mr. o
único culpado fez-se ao largo, sem compromissos.
Mau! Não devia ter feito assim!...
81
Na série Movimento Social, o mesmo cronista Max Linder discutiu acerca das
diferenças entre o amor e a paixão. O amor, na visão do cronista, era uma conquista da
civilização. O sentimento era visto pelo cronista como brando e sereno, e como elemento
essencial para o desenvolvimento da sociedade, e que não levava a sacrifícios ou a loucuras.
Linder criticou o ciúme como um elemento negativo e responsável pela dissolução da união
entre pessoas.
82
Elias Martins analisava as novidades que chegavam à cidade como elementos que
seriam responsáveis pela deterioração da família, da moral e dos bons costumes. Em Fitas,
livro de 1920, Martins revelou que a influência do cinema sobre o comportamento das pessoas
de diversas classes sociais contribuía para a degeneração da sociedade e destaca vários
indícios de comportamentos reprováveis. Para ele, fechar os olhos para esses fatos, era ser
cúmplice da degeneração social.
O jogo, o álcool e o fumo, aliados da sífilis, do impaludismo, da lepra e da
ancilostomíase, todos eles agentes da tuberculose, a ceifadora por
excelência, [...] colhendo milhares de desgraçados, rebolados uns na inação,
80
MOVIMENTO Social. Filmes XIV. O Piauí, Teresina, ano 30, n. 283, 18 mai. 1919, p. 3.
81
MOVIMENTO..., 1919, p. 3.
82
MOVIMENTO Social. Filmes. XV. O Piauí, Teresina, ano 30, n. 284. 29 mai. 1919, p. 3.
48
pasto da preguiça, outros feitos parasitas, sugadores de funções públicas, e
muitos, míseros vencidos, marcados já com o estigma da degenerescência.
83
Para Elias Martins a imprensa também colaborava para a corrupção da sociedade, uma
vez que funcionava como veículo propagador dos vícios, entre eles o cinema, com grande
visibilidade naquele momento. Martins destacou alguns aspectos essenciais para a rápida
conquista do público pelo cinema, para sua popularização, e a forte influência sobre os
costumes. A modificação dos comportamentos em Teresina, com raptos, escândalos,
adultérios e mortes, passou a ser rotineiramente retratada pelos cronistas em jornais. Segundo
ele, um dos fatores dessa mudança de comportamento eram os enredos fantasiosos das fitas,
com seus personagens mágicos, geniais e encantadores que alimentavam a imaginação das
pessoas: “E foi de corrida conquistando numerosa e entusiástica clientela, cada vez mais
sujeita, na ansiedade de coisas novas, até que chegaram com os produtos da manufatura
malsã, o cortejo dos escândalos, dos raptos, adultérios e mortes”.
84
Higino Cunha percorreu caminho contrário ao de Elias Martins. Ao invés de questionar
certos comportamentos inadequados, discorreu sobre as várias práticas que seriam salutares
para a construção de uma sociedade civilizada. Essas práticas seriam essenciais para
integração da sociedade teresinense ao mundo civilizado e contribuiriam para romper como o
isolamento que caracterizava o modo de viver teresinense.
[...] para fugir ao tédio e fortificar-se na luta cotidiana a grande maioria dos
seres humanos busca distrair-se naturalmente das agruras da vida pelos
meios que a mesma natureza lhe depara.
Ali está nosso programa. Queremos incentivar o cultivo da vida familiar em
Teresina, por meio de diversões honestas e inocentes, que respeitem o gosto
pelas artes estéticas e apurem o espírito pelas coisas ideais. Ninguém pode
negar que a vida familiar teresinense tem retrogradado para os tempos da
clausura e do isolamento, sendo o sucedâneo do recolhimento conventual. O
nosso salão é quase nulo, as nossas mulheres vão perdendo os dons
essencialmente femininos da conversação e do riso, do andar elegante e da
alegria de viver.
85
Cunha prescreve diversões familiares salutares para a constituição da civilidade, que
seguiriam os preceitos das ciências modernas. O tempo deveria ser dividido em três parcelas
bem definidas, resguardando-se parte para o descanso, evitando o ócio e participando de
83
MARTINS, 1920, p. 8.
84
MARTINS, 1920, p. 16.
85
CUNHA, Higino. Diversões familiares. O Piauí, Teresina, ano 30, n. 323, 16 out. 1919, p. 1.
49
diversões honestas e familiares. Práticas como a da ginástica eram vistas como vitais para o
funcionamento do corpo e da mente. Afirma Higino Cunha:
As ciências concretas que têm por objeto o estudo do homem, especialmente
a moral e a higiene dividem a vida humana (quando no vigor da idade e da
saúde) em três partes nas 24 horas da rotação telúrica: 8 horas para o
trabalho, 8 horas para o sono e 8 horas para as diversões. Eis aí um dos
pontos principais das reivindicações operárias, o que deve ser também
aplicado a todas as classes sociais, acabando com os privilégios da fidalguia
ociosa exploradora, sobrevivência de outras eras. Se o trabalho perdeu o
estigma da maldição edênica, passando a ser fator precípuo da riqueza e da
civilização, se o repouso do sono é uma necessidade fisiológica
imprescindível, também o folguedo, o divertimento, o recreio o
reclamados como condição necessária do equilíbrio nas funções vitais, do
bem-estar e força muscular e mental. Somente os grandes gênios, pela sua
raridade e singularidade, podem viver no isolamento e na solidão, [...].
86
Para Higino Cunha, determinadas práticas sociais eram construtivas, como a ginástica e
o culto à natureza, já outras deveriam ser condenadas por que levariam à decadência da
sociedade. No quadro de pragas que levariam à estagnação e ao fim da sociedade estavam a
loucura, a peste e o fanatismo religioso. Cunha, ao defender os exercícios físicos como um
aspecto importante para a manutenção da saúde o faz com base nos preceitos da ciência do
período, e prescrevendo-os assim, como uma forma de comportamento aceitável na
sociedade:
O segredo da energia do individuo e dos povos está na alegria de viver, na
ginástica, no culto da natureza. Toda vez que os homens se desviam dessa
senda salutar e normal, a sociedade entra em estagnação e decadência, para
ser presa da loucura coletiva, da peste, da fome, e da conquista. O fanatismo
religioso, e o desprezo dos gozos do mundo espalharam mais as suas vitimas
do que toda e qualquer outra causa de flagelos e calamidades.
87
Entre as práticas honestas e familiares de viver em sociedade, Higino Cunha defendia
alguns desportos como a equitação, natação e a ginástica como sendo práticas modernas que
contribuiriam para o engrandecimento e construção de uma sociedade civilizada em Teresina
Além dos frutos diversos que podemos colher, outros surgirão do mesmo
viridente pomar, como o cultivo dos exercícios físicos, como a equitação, a
86
CUNHA, 1919, p. 1.
87
CUNHA, 1919, p. 1.
50
natação, os passeios ao ar livre, a ginástica e tantos outros desportos
preconizados pela pedagogia moderna e que vemos reproduzidos nos filmes
norte-americanos. assim conseguiremos vencer a rotina, que vai
estiolando o nosso povo e alcaar os elevados triunfos de um porvir melhor
para nossa posteridade.
88
Na crônica Cinematógrafo, Higino Cunha destacou a popularização do cinema como
uma diversão moderna, citou os ataques constantes ao novo invento, feitos principalmente,
por Elias Martins, em Fitas. Para Cunha, Elias Martins estigmatizou as fitas
responsabilizando-as por todos os males da civilização contemporânea. Mesmo assim, Cunha
o lado positivo nas críticas de Martins, apesar de afirmar ser o panfleto excessivo no
diagnóstico e de ineficaz na terapêutica, ele merecia ser lido pela sinceridade dos conceitos e
pela competência do autor. Cunha foi além, e considerou que os danos produzidos pelas fitas
eram menores que os produzidos pelos automóveis e sua circulação por avenidas largas, em
grande velocidade: “A verdade é que os danos sicos e morais, produzidos pela arte muda,
são muito menores do que os males causados pelas avenidas deslumbrantes com seus
automóveis em disparada louca”.
89
Cunha traçou elogios ao cinema, tratando-o como uma arte, entretanto, condenando-o
pela exibição de cenas de nudez e pelos crimes sensacionais apresentados que poderiam
influenciar as crianças e as pessoas de mente fraca. Destacou ainda que o cinema tornou-se
um dos símbolos de modernidade responsável por guardar a memória do seu tempo para a
posteridade.
90
Por outro lado, Cunha combatia certos costumes do mundo moderno como a
frequência exagerada aos clubes, às tavolagens e aos prostíbulos, caracterizados como os
maiores inimigos dos bons costumes, da religião e do lar.
91
O avanço da modernidade causava espanto, admiração e um sentimento de
incompletude. Com o desenvolvimento da ciência novos preceitos foram colocados na ordem
do dia. A série A ciência e o matrimônio realçava a necessidade do acompanhamento médico
antes do casamento, a fim de garantir uma raça com saúde e sem riscos de degeneração. O
casamento passou a ser visto como solão para os problemas da degradação dos costumes e a
família como a essência da sociedade, lugar da manutenção da pureza do espírito e refúgio
contra os males que a afligiam. Elementos como o jogo, o fumo e o álcool e manifestação de
88
CUNHA, 1919, p. 2.
89
CUNHA, Higino. O cinematógrafo. O Piauí, Teresina, ano 33, n. 502, 28 set. 1921, p. 3.
90
CUNHA, 1921, p. 3.
91
CUNHA, 1919, p. 1.
51
rias doenças realçavam o estigma da degenerescência, e de uma cultura em
decomposão.
92
Martins, ao tratar da família e de sua contribuição para a construção de uma sociedade
civilizada, realçou a importância da mulher católica na organização social. A mulher teria
papel central na manutenção dos ideais familiares, por ser portadora de vários atributos: era
paciente, delicada, meiga, conciliadora, sofredora em silêncio”.
Para Martins a mulher estaria suscetível à influência das fitas, pois, presa às tarefas do
lar, deixava-se influenciar mais facilmente pela fantasia e pelos encantos do cinema. O
próprio cinema funcionava como uma propaganda apelativa para a mudança de hábitos com
seus cartazes cujas cenas de beijos e amantes predominavam, e influenciavam diretamente nos
comportamentos da população de Teresina. Podia até mesmo causar problemas nas relações
entre os casais, visto que as mulheres passariam a sonhar com os modelos de homens
apresentados pelas fitas, como Rodolfo Valentino.
É a mulher quem mais padece dessa enfermidade. Exaltada imaginação,
natural pendor para o fruto proibido, circunscrita à labuta doméstica, sem as
deceões do meio exterior, campo em que se ferem as competições na
conquista do o, deixa-se embalar pelas regiões da fantasia, praticando a
tarefa diurna com indiferença, sem a peculiar atenção e inata competência
com que normalmente administra seu pequeno e venturoso reino
93
.
No discurso de Higino Cunha, a mulher surgiu como um elemento poderoso e
fundamental para a reorganização espiritual da sociedade. Segundo ele, a mulher, não sendo
perturbada por fatores estranhos e educada adequadamente e com limites próprios, seria uma
força civilizadora da sociedade, principalmente, desempenhando seu papel sagrado de
sacerdotisa do lar.
Marchando celeremente para o ideal da emancipação feminista, o homem
não a excluirá do lar, que é seu templo divino. Ah! O seu mister sagrado de
sacerdotisa tem um altar de paz e amor, em beneficência e educação. Nos
rituais da ética e da estética lhe compete o primeiro lugar. Por isso e para
isso o seu espírito e o seu coração devem receber cultura adequada, cada
qual nos limites dos próprios recursos.
94
92
A CIÊNCIA e o matrimônio. Diário do Piauí, Teresina, ano 4, n. 187, 18 ago. 1914, p. 3.
93
Na visão de Elias Martins as mulheres estariam mais susceveis a degeneração e a corrupção dos costumes.
MARTINS, 1920, p. 17.
94
CUNHA, 1919, p. 2.
52
Na visão de Higino Cunha, o salão aparecia como um forte elemento civilizador, sendo
que esse fator se devia à ação da mulher que era vista como integradora da sociedade.
Segundo o mesmo, as mulheres foram as grandes vitoriosas do s Primeira Guerra Mundial,
devido às conquistas realizadas e pela liberdade de que ela passou a gozar a partir desse
momento. Para ele o início do século XX foi um período de transição perigoso, marcado por
muitas transformações, em que o feminismo evidenciou-se como embate entre dois modelos:
o tradicional, de submissão total da mulher versus o modelo demasiadamente liberal. Assim,
defendeu diversões honestas e inocentes para o cultivo de uma vida familiar adequada.
Posteriormente, na crônica A educação feminina e o regime conjugal, Cunha deu
continuidade às discussões acerca do papel da mulher na sociedade. Defendeu que a posição
da mulher era na vida privada, voltada para as tarefas do lar. Como dona de sua casa, deveria
os resolver problemas estéticos e pedagógicos que eram de sua competência. Ao afirmar isso,
ao autor apontou que o único caminho para as mulheres seria o regime conjugal e que fora
desse regime tudo se tornaria anormal e lamenvel. Ressaltou que seria necessário suplantar a
tirania masculina e transformá-la em uma suave tutela imposta pela própria natureza.
95
Higino Cunha, ao contrário de Elias Martins, ao invés de concentrar suas críticas nos
maus costumes da população, centrou suas ideias na prescrição de comportamentos
civilizados. No texto A educação feminina e o regime conjugal, Cunha defendeu o casamento
como um das formas adequadas para a inserção da mulher na sociedade, resguardando sua
dignidade. Sobre o regime conjugal, ele revelou uma tensão com relação aos valores que
estavam se modificando na sociedade, logo a educação feminina e o regime conjugal estavam
interligados. Considerou, também, errada a instrução da mulher branca naquele período:
Nos grandes centros civilizados, onde os gozos mundanos se multiplicam
indefinidamente, produzindo mil necessidades, as mulheres, mesmo
honestas, casadas ou solteiras, precisam competir com as outras no luxo e
nas boas relações, frequentando salões dourados, os teatros, os concertos, as
festas públicas, as recepções, os convescotes, etc. Tudo isso se faz com
muito dispêndio de dinheiro e tempo e com prejuízo da administração
doméstica.
96
Na visão de Cunha o papel dos pais na educação feminina era central, na medida em
que, um dos problemas apontados era que mulheres ficam afastadas da vida prática e nada
95
CUNHA, Higino. A educação feminina e o regime conjugal. Revista da Academia Piauiense de Letras,
Teresina, ano 7, [s.n.], p. 37-52, maio 1924.
96
CUNHA, 1924, p. 37-52.
53
sabiam sobre o regime conjugal, provocando a infelicidade no casamento. Outro aspecto que
contribuiria para uma educação ruim seriam os costumes modernos que iriam pouco a pouco
indispondo a mulher contra seus deveres domésticos. Cunha afirmou ainda que mulheres
honestas, poderiam se tornar presas fáceis para sedutores, já que a falta de uma educação
familiar direcionada para elas poderia contribuir para a corrupção dos costumes, para
prostituição, e consequentemente, para a degeneração social.
A crônica do Correio de Teresina intitulada Meu caro João da Roça, responde a outra
crônica publicada no mesmo periódico, no mês anterior, que afirmava que Teresina era uma
cidade “estupidamente burguesa” com uma vida social insípida e rudimentar e que a causa
principal para isso era a mulher teresinense estar presa aos filhos, à casa, às galinhas. João da
Roça considerou que a culpa pela cidade não contar com recepções, bailes, carros, concertos
musicais, chás de família, palestras literárias e tudo mais que se constituía no pão espiritual
da gente chic era das mulheres. Rosário, pseudônimo do escritor da crônica Meu caro João da
Roça respondeu que a mulher teresinense não tinha culpa por tal situação, e sim que a própria
educação feminina corrente era voltada para as atividades do lar:
Pois numa cidade, como a nossa, onde a educação da mulher se resume, e
mal, na aprendizagem da labuta doméstica, onde a ilustração do seu espírito
é descuidada de uma maneira deplorável, onde as artes não lhe oferecem
meios para o aperfeoamento dos dons naturais, como poderão elas
ornamentar de outro modo a simplicidade em que vivem, senão distribuindo
o coração entre a casa, os filhos e as galinhas?
97
Segundo Rosário, a situação das mulheres era pior devido à falta de companheirismo
dos homens, que não gostavam de demonstrar o apego ao lar, por que poderiam ser taxados de
manicacas,
98
e estavam mais inclinados para a liberdade da vida blica, para o consumo do
álcool e para o cio do jogo.
Mas seo elas as culpadas?
Absolutamente não, meu caro amigo. Bem sabes, que em Teresina, cada um
de nós procura esconder do outro, o apego ao lar. Cada qual quer parecer
mais livre, mais senhor, mais homem.
Adorar a falia, repartir com a mulher os direitos de fidelidade e do
carinho, é ser manicaca, e ser manicaca é expor-se aos alfinetes do ridículo.
[...]
97
ROSÁRIO. Meu caro João da Roça. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 130, 9 ago. 1915, p. 1.
98
Manicaca expressão referente a marido ou homem dominado pela mulher, submisso e sem vontade própria.
Ver: NEVES, Abdias. Um manicaca. 3. ed. Teresina: Corisco, 2000.
54
Se ali deixa a mulher teresinense, todas as esperanças, culpados somos nós.
s que trocamos o seio da família pelo hotel, o jogo, a cerveja, o cognac,
etc.
Como queres que as nossas patrícias nos proporcionem, em casa alegria,
vida, divertimentos se nós lhe levamos da rua a impressão do vício, entre
baforadas de álcool e ensinamentos colhidos nas bancas de jogo?[...].
99
Em Teresina, apesar das reformas urbanas e do projeto modernizador, além da
prescrição contínua de hábitos modernos e civilizados pelos cronistas e o combate aos maus
costumes, percebemos que a cidade moderna dos discursos está distante da cidade real das
práticas, existe um sonho de civilidade e modernidade, mas também existe uma distância
muito grande entre a realidade e o desejo para a efetivação da civilidade em Teresina.
99
ROSÁRIO, 1915, p.1.
55
3 A CIVILIDADE E O COMBATE AOS MAUS COSTUMES
O capítulo pesquisa de que maneira as crônicas produzidas na cidade de Teresina
durante o início do século XX incorporavam intenções reguladoras de comportamentos, e até
que ponto as escritas dos cronistas e literatos pretendem formalizar uma sociedade baseada
em novos hábitos, europeus e ditos civilizados. Assim, o objetivo foi investigar esses
discursos e verificar se existia uma intenção para a conformação de novo modo de existir, de
ser saudável, educado e civilizado.
Alguns cronistas observavam a cidade, descrevendo os acontecimentos de forma crítica,
mas, sobretudo, almejando a construção de uma cidade ideal, uma cidade moderna, uma
cidade que materializasse as novidades produzidas pelos homens. A sedução provocada pelas
novas invenções vai aos poucos ganhando dimensões e umblico consumidor, que ao
mesmo tempo absorveu novos hábitos e produziu novas formas de viver. A civilidade passou
a ser o ideal desejado por parte da elite teresinense.
O conceito de civilização,
1
segundo Norbert Elias, foi uma conquista da sociedade
Ocidental e essencial para a transformação do comportamento humano. Para Elias nada
que não possa ser feito de forma civilizada ou incivilizada, o ser civilizado expressa,
sobretudo, a consciência que o homem ocidental tem de si mesmo. Para o autor, o momento
fundamental do processo civilizador se deu quando certos comportamentos na sociedade
foram se cristalizando e sendo aceitos como civilizados, e outros passaram a ser questionados
e descartados por serem incivilizados.
2
Em Teresina, nas primeiras décadas do culo XX, as ideias de civilidade estavam
articuladas às transformações da cidade, e ao fato de que as condições de vida da população
estavam se modificando e se tornando mais complexas. De certa forma, evidenciavam ruptura
e tensão existentes entre o mundo rural e o urbano, a partir de novas práticas de sociabilidades
que surgiam na cidade, criadas, principalmente, pela inserção de novas tecnologias, pela
cultura escrita e pela resistência quanto à modificação dos costumes.
No projeto elaborado por cronistas e literatos para a mudança nos costumes da
população em geral, existia um interesse pela integração do homem com a cidade e com os
1
Norbert Elias ao estudar as transformações da sociedade ocidental a partir da França e Inglaterra, trabalha sob a
perspectiva de que os comportamentos e a afetividade foram se modificando lentamente nos últimos séculos.
Através de uma série de exemplos, Elias demonstra que o padrão de comportamento humano foi se modificando
gradualmente, e que essas mudanças geraram novas implicações para criação de novos padrões de civilidade e
delicadeza. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de janeiro: Jorge Zahar,
1994. v.1, p. 13.
2
ELIAS, 1994, p. 64.
56
novos hábitos de vida, assim alguns discursos produzidos evidenciavam um combate aos
maus costumes de parte da população de Teresina, objetivando assim a construção de uma
cidade limpa, higiênica e civilizada.
Cronistas como Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e Elias Martins, que atuavam durante
os primeiros anos do século XX, e suas séries ou publicações específicas
3
criticavam
acidamente o que Certeau chama de contra-usos da cidade, ou seja, o que eles consideravam
os maus hábitos da população. Os contra-usos da cidade estão relacionados à forma como a
população de Teresina burlava o código de posturas, não se comportava de acordo com a
moral e os bons costumes aceitos e tinham práticas e condutas que eram consideradas como
maus-costumes de toda a ordem.
4
Alguns textos produzidos pelos cronistas tinham um interesse claro de modificar os
comportamentos - prescreviam que comportamentos eram aceitos e tidos como modernos, e
quais eram o civilizados, e caracterizados como símbolo do atraso, do tradicional e da velha
ordem que estava sendo superada. Segundo Chalhoub os interesses dos historiadores
divergem dos interesses dos cronistas:
5
Ao contrário do historiador, supostamente superior e desinteressado, ao
cronista caberia interagir com as coisas de seu mundo, meter-se onde não era
chamado para transformar o que via e vivia. Flagrado em meio ao debate,
não analisava a realidade de forma exterior, mas dialogava com outros
sujeitos, participava das discussões, metia-se em todas as questões do seu
tempo.
6
Os cronistas evidenciavam o cotidiano da cidade e a ação do homem ordinário
7
, este
homem capaz de subverter uma ordem pré-estabelecida. Teresina é pensada como lugar,
como uma cidade que, em certa medida, resulta de práticas caminhantes. É uma cidade
marcada pelo lugar fluxo, pelo pulso, tem sua dinâmica própria, e é constituída,
3
Clodoaldo Freitas Aos domingos e Às quintas e domingos; Higino Cunha Proteção aos animais e Elias
Martins Fitas.
4
O termo contra-usos da cidade, refere-se a forma como a população se apropria da cidade que lhe é oferecida,
ou seja, de como se dá o consumo dos espaços na cidade pela população no cotidiano. Ver: CERTEAU, Michel
de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 11. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. v. 1.
5
CHALHOUB, Sidney. História em cousas miúdas: capítulos de história social do Brasil. São Paulo: Editora da
Unicamp, 2005.
6
CHALHOUB, 2005, p. 15.
7
Sobre o conceito de homem ordinário ver: CERTEAU, 1994.
57
principalmente, pelos percursos dos espaços construídos pelo movimento e circulação da
população.
8
Segundo Certeau, a construção da cidade não é compreendida apenas a partir de
dispositivos externos, mas também por meio de práticas diferenciadas pela apropriação da
população. De acordo com os conceitos de táticas e estratégias estabelecidos por Certeau, o
que importa são as apropriações que os indivíduos fazem em relação aos produtos que lhes
são oferecidos. Tanto as táticas, quanto as estratégias visam a uma determinada disposão
espacial; contudo, graças a relações de poderes particulares, conseguem um aparente
equilíbrio das referências que organizam.
9
Para subsidiar a análise sobre a cidade em movimento utilizei as diferenciações que
Certeau fez entre mapas e percursos. Os primeiros seguem um modelo pré-estabelecido e é
através deles que temos um conhecimento prévio do lugar; já os percursos estão ligados e
dependem do fluxo das pessoas que se movimentando pelo espaço realizam a aproprião
deste, numa ação espacial através de práticas. Percebemos a cidade como um espaço praticado
que muitas vezes vai além das normas e dos mapas elaborados. O espaço praticado, desse
modo, é resultante das práticas caminhantes.
10
Segundo Certeau, essa habilidade do homem comum, que através da intelincia e de
suas ações astuciosas, recria o seu cotidiano e burla regulamentos pré-estabelecidos chama-se
de práticas. Em Teresina do início do século XX, os homens comuns reinventam o seu
cotidiano através de práticas não permitidas, escapando assim aos códigos estabelecidos.
11
3.1 Os cronistas e o combate aos maus costumes
As crônicas esquadrinhavam a cidade, a vida cotidiana, estavam sintonizadas com o dia-
a-dia, com as “artes de fazer” da população. Os cronistas eram escritores, e ao mesmo tempo
expectadores privilegiados da cidade e de suas transformações, por que eles estavam captando
e vivenciando práticas dos homens comuns, os aspectos do cotidiano, a movimentação da
cidade, suas tramas, o efêmero, o cômico e o trágico. Ao mesmo tempo as crônicas
construíam imagens sobre a cidade que traduzem uma determinada época. Segundo Queiroz:
8
CHAULOUB, 2005, p. 15.
9
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. v. 1.
10
CERTEAU, 1994.
11
CERTEAU, 1994, p. 172-175.
58
A crônica é talvez o gênero menos conhecido, porém o mais interessante e
instigante do período, não só do ponto de vista literário como informativo.
São cronistas de sucesso Jônatas Batista, Raimundo Mendes Burlamarqui
(Caio Lima), Lucídio Freitas e Simplício Mendes. A crônica é sobretudo
ligada aos costumes. Quase todos escrevem sob pseudônimo. Talvez fosse,
na época, a série mais lida dos jornais, depois das polêmicas políticas.
12
Assim, os cronistas procuravam capturar em sua escrita o movimento das pessoas, as
novas relações sociais se constituindo, os modismos, a velocidade das transformações, as
concentrações de populares, o sentimento das pessoas, enfim tudo que pudesse caracterizar a
cidade como um lugar privilegiado das transformações sociais e principalmente, um lugar
civilizado.
Cronistas, médicos, literatos, intelectuais e urbanistas, através de suas escritas, vão
empreender luta pela assimilação de novos hábitos civilizados pela população de Teresina.
Para isso, seus discursos possuíam caráter claramente prescritivo e normativo.
Constantemente nos jornais da capital ou mesmo em conferências pela cidade, os cronistas
comentavam de forma detalhada as ações das pessoas, os fatos ínfimos, e mesmo as tragédias
eram temas para suas escritas.
Caio Lima criticava a atitude do público nas conferências, para ele o público já trazia de
casa sua crítica mordaz e mal esperava o fim da conferência para o momento das palmas. Um
público que assistia às palestras esperando o fim, dando graças às últimas palavras do
conferencista.
O conferencista é um condenado. Sobe à tribuna diante de um público que
trouxe de casa (sic) a crítica mordaz, uma conferência melhor, mas cheia de
verdades sonoras, talvez, e toca a dar o seu recado com aquela modéstia que
é bem o medo da língua do auditório. Mal termina, estrugem as palmas.
É a consagração ou um modo ruidoso do público dar graças às últimas
palavras. Um, dois, dez apertões de mãos, abraços. Está morto, ninguém,
quase ninguém, guarda uma única frase na memória, por melhor burilada.
No dia seguinte os jornais noticiam que o senhor F. de T. disse bem, que o
auditório seleto e numeroso prorrompeu em frenéticos aplausos, que... fica
para a próxima edição...etc. É o enterro, a vala comum. muita coragem
-lo ressuscitar.
Vem outro, a mesma sorte. Terceiro, quarto, passa-se a temporada e, como
as árvores, perdem os literatos a veia.
Jurei comigo mesmo não servir mais para conferências. De uma feita
empurraram-me, pregado a uma mesa e a um copo d‟água, para agitar uma
idéia. Disse muita coisa ou nada. Entusiasmei-me, chamei aos us verbos
inflamados, adjetivos fulminantes. Gestos em profusão, disse bem, o
auditório numeroso (era grátis a entrada) à voz de ponto final fez-me uma
12
QUEIROZ, Teresinha. História, literatura, sociabilidades. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
1998b. p. 108.
59
ovação estrondosa (modéstia). Quis reunir naquele instante a mocidade,
formar uma falange gloriosa das que havia pintado e levar o Brasil avante,
por entre os povos bestificados. Ilusão. Estava só, solamient com meu
patriotismo vermelho. No dia seguinte ninguém lembrava-se, ao passar
macambúzio, que eu era o homem da véspera, o conferencista. Passara
novamente à categoria de burguês de paletó saco e calças remendadas.
Os jornais fizeram-me o enterro de gente pobre. Nunca mais ressuscitarei.
13
O lazer era uma das formas práticas de as pessoas aprenderem novas maneiras e formas
de se comportar na sociedade. Através de seus textos, cronistas e literatos visualizavam a
constituição de novas sociabilidades na cidade, como a frequência e a participação das
pessoas nas exibições do cinema, nas apresentações teatrais, e a circulação nos passeios
públicos. Essas novas expressões de comportamento passaram a ser vistas por muitos
cronistas como espaços para um comportamento civilizado, aceitável e que deveria se tornar
referência na sociedade. Entretanto, hábitos como aplaudir fora de hora, falar alto, cuspir no
chão e falar da vida alheia ainda persistiam:
Em Teresina, novas formas de civilidade a muito custo vinham sendo
introduzidas. Crianças e adultos estavam sempre, pelo menos na avaliação
dos redatores dos jornais, precisando de corretivos e de ajustes de maneiras.
Precisavam aprender a manter as distâncias sociais, a frequentar os eventos
públicos e privados, a bater palmas aplaudir é também saber, uma arte , a
receber, a se comportar na mesa, a não avançar nos banquetes, a não roubar
objetos pessoais nas toaletes alheias e vários outros hábitos da boa
convivência social. A interferência sobre os costumes estava expressa na fala
dos redatores, que apontavam para as novas normas de civilidade e esse
aprendizado se realizava, em boa medida, por meio do lazer.
14
Ao retratar a cidade e suas histórias, Jônatas Batista também criticou duramente os maus
costumes dos teresinenses, principalmente a falta de educação e o hábito de falar da vida
alheia que, segundo o cronista, afastava a população da participação dos eventos na cidade:
Teresina, entretanto, está se tornando uma cidade sem alma, sem vida, sem
alegria. Uma verdadeira cidade morta. E por que isso? Por que atravessamos
uma fase de transformões lentas, demoradas, em que se a luta terrível
do progresso contra o costume rotineiro de um povo, e que se fala de tudo,
tudo se reprova, tudo se comenta, pelo simples prazer de falar, de reprovar,
de comentar. Diante disso, as famílias fogem, e com muita razão, dos teatros,
dos bailes, das festas etc.
13
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 43, 1º dez. 1913. p. 1.
14
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo.
Teresina/João Pessoa: EDUFPI/EDUFPB, 1998a. p. 33.
60
O vício de falar da vida alheia está se tornando, entre s, um verdadeiro
perigo, porque está trazendo a desconfiança e o receio fundado e justo ao
coração da família teresinense. É preciso que se combata esse costume, e
deixe que cada um responda pelos seus atos, bons ou maus, procurando
corrigir os vícios próprios, antes de querer corrigir os alheios.
15
Penna Botto
16
ao caracterizar o sereno dos bailes afirma que existia em Parnaíba, um
mau costume comum que envolvia pobres e ricos, e era um hábito inveterado, e até aceito e
com foros de instituição, o de as pessoas ficarem em frente às janelas e portas das casas onde
se realizam as festas para falar da vida alheia. Botto critica veementemente esse hábito da
sociedade piauiense da época, para ele ninguém escapava do falatório geral e o sereno dos
bailes era o momento ideal para tal prática.
Há, contudo, um pequeno instrumento, contundente e cortante, que é de
absoluta necessidade para quem vai a qualquer sereno; sem ele ninguém está
equipado para a função...
É a tesoura!!
Sim, uma tesoura afiada, para cortar na pele alheia.
O sereno é uma excelente escola de corte.
O serenista treinado diz com exatidão, finda a festa, quantas vezes fulano de
tal dançou com fulana de tal e quais foram as moças que fizeram crochet
isto é, que não dançaram e ficaram assentadas todo o tempo; diz mais qual a
vestimenta e o penteado de cada qual, se a senhorita tal dançou agarrada ou
não, se os velhos namoros continuaram [conhecidos e catalogados por todo o
serenista que se preza[...], se houve namoros incipientes, etc.
17
Outro mau hábito da população teresinense era o das visitas sem anúncio prévio. Caio
Lima critica o costume das visitas que se davam sem um aviso prévio, para ele era falta de
civilidade e extrema falta de educação visitar sem se anunciar previamente. Outro ponto
citado como crucial era a falta de maiores cuidados ao se receber visitas, e que nem mesmo a
utilização de roupas mais elegantes ou uso de formalidades se preservava nas visitas. Segundo
o cronista, essas mudanças estavam ocorrendo em virtude do progresso e das transformações
sociais avassaladoras,
15
BATISTA, natas. Poesia e prosa. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985. p. 120.
16
Carlos Penna Botto foi um homem de carreira na Marinha brasileira, em 1922. Botto foi nomeado para a
capitania dos portos do Piauí e ficou cerca de 10 meses. Também obteve inserção política, sendo um dos
fundadores da Cruzada Brasileira Anticomunista em 1952, e participando ativamente do processo de suceso
presidencial em 1955, com a deposição de Carlos Luz no episódio do Cruzador Tamandaré. Em 1961, lançou o
livro A desastrada política exterior do Presidente Jânio Quadros.
17
BOTTO, Carlos Penna. Meu exílio no Piauí. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931. p. 136.
61
Contavam os nossos antepassados um sem número de costumes tradicionais,
de usanças arraigadas, do mais rigoroso protocolo em vigor. Não vai longe o
hábito de uma pessoa que desejasse visitar um amigo, mandar um criado
grave solicitar a clássica licença. E, uns e outros, cercavam-se de um
aparato, de um exigente cerimonial que fazia vir a campo as vestes de gala,
enfarpelando desde o amo ao criado que serviria o chá. Era uma solenidade.
Mas hoje os amigos entram e saem na nossa casa como na casa da sogra, que
vale dizer, como se estivesse nos seus domínios. Ninguém quer perder
tempo. Visita-se de supetão, sem lculo. E o que é mais, dispensava-se a
rede e o palanquim, os veículos queridos dos avozinhos.
Foi uma tradição que voou atada à saia balão.
18
Lucídio Freitas, em 1912, critica a forma como os teresinenses recebiam as pessoas que
chegavam de fora e convoca Nogueira Tapety a uma cruzada contra certos maus costumes da
população de Teresina. Freitas crítica a forma como os visitantes eram recepcionados
calorosamente na cidade, nos salões, nas casas, nas festas, sem que as pessoas soubessem suas
origens ou mesmo suas condições sociais. Expressa indignação para com este fato, na medida
em que ele não obtivera em Recife a mesma acolhida. Na coluna Gisando, Freitas conclama
para uma cruzada contra esse mau costume no receber visitantes:
Meu caro Nogueira Tapety
Teresina é, de fato, uma cidade feliz.
Avalias tu que aquele descorado sujeito que foi nosso vizinho em
Pernambuco, aquele desgraçado e feliz espoleta que todos os dias nos
cumprimentava , a s da república Rui Barbosa, com um riso empuxado à
flor dos lábios descarnados, como temendo os nossos assobios, está aqui, de
passagem, como representante de uma casa comercial, sendo, tristemente
asseguro-te, figura imprescindível em muitos de nossos salões.
Teresina é uma cidade paraíso.
Um indivíduo que por ali passa completamente incógnito, desconhecido por
não ter família e posição social, desclassificado por este mundo de meu Deus
[...] chegando aqui é adorado nesciamente pela parvoíce ignara de nosso
povo ignaro. Um desconhecido aqui, venha de onde vier, vai, logo crismado
bestialmente mestre sala, vai logo aturdido dos nossos aplausos.
A que família ele pertence? Quem é ele? Não precisamos saber. É de fora. É
o quanto basta. Calça sapatos brancos, frisa exageradamente o bigode, diz
pilhérias insulsas e bebe cerveja.
19
Para o cronista, Teresina era uma cidade feliz e um verdadeiro paraíso para os
forasteiros, já que a hospitalidade dos teresinenses ao recepcionar de braços abertos os que
aqui chegavam de fora era exagerada e perniciosa. Lucídio faz uso de ironias e afirma que o
18
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 35, 6 out. 1913, p. 2.
19
FREITAS, Lucídio. Gisando. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 247, 10 nov. 1912, p. 2.
62
povo dessa capital não é educado e muito menos civilizado, mas um povo bárbaro que não se
preza e valoriza:
Eu fico revoltado, meu amigo, com os nossos costumes. A nossa
hospitalidade, a nossa delicadeza para com os que chegam é infinitamente
má, exagerada, perniciosa. Nós não somos um povo hospitaleiro, um povo
democrata, um povo bom, simples, e sim um povo rbaro, selvagem,
imbecil, povo que não se preza, que não se valoriza.
20
Fatos do cotidiano, na fala dos cronistas, ganhavam uma grande dimensão, e às vezes
revelavam um lado mico. Nada passava despercebido aos cronistas, como o hábito comum
à época de pedir roupas emprestadas. Poucas mulheres tinham o privilégio de se apresentar
em blico com uma “roupa de efeito e paga. O cronista mostrou que o hábito de pedir
roupas emprestadas e não devolver era comum entre as mulheres e revelou sua indignação,
por que, segundo ele, na cidade existiam lojas especializadas em vestuários, tanto para
homens, quanto para mulheres. Também circulavam jornais de moda onde as mulheres
poderiam ver as roupas e copiar novos modelos sem a necessidade de pedir emprestado o
vestido de outras pessoas.
Pede-se emprestado um vestido bonito como quem pede uma colher de pau,
um ralo, ou uma arupemba. Aparece o vestido num dia e ainda bem não o
tem despido, à porta lhe bate o emissário eu vim aqui que a fulana
mandou dizer como estão todos e mandou lembranças: ela mandou dizer
para a senhora não se aborrecer e emprestar aquele vestido(blusa,saia,o que
for enfim) que a Srª foi à festa do seu cicrano.[...]
E se vai a toalete de porta a fora numa bandeja, quando não vai em bro
sujo do portador, enquanto o coração da proprietária impa de dor e de raiva
pela sem cerimônia ou inconsciência de d. Fulana, que à sua custa quer ter
uma bonita toalete, e com quem, muitas vezes, não tem relações que o
muito católicas. Mas o pior de tudo é a certeza de que o vestuário não voltará
tão cedo e que, em vez de lhe servir de ornamento vai servir de modelos aos
outros.
Teresina, entretanto, já não está para esses hábitos de aldeia. Aqui se
encontram facilmente jornais de modas [...]
21
Abdias Neves, em Um manicaca, romance publicado em 1909, colaborou para a
compreensão desse mau costume feminino de pedir roupas emprestadas, não devolver, copiar
os modelos, e a mesma roupa passar por sucessivas reformas:
20
FREITAS, 1912, p. 2.
21
UM MAU costume. Correio de Teresina, Teresina, ano 4, n. 186, 10 set. 1916, p. 1.
63
[...] Rosinha chamou D. Júlia e perguntou-lhe se tinha visto a mulher do
Chaves.
- Vi.
- Prestou atenção ao vestido?
- D. Júlia teve um gesto de soberbo desprezo que lhe torceu a boca. Sacudiu
a cabeça e disse que não podia deixar de fazer um reparo.
Não por falar mal, que não tinha esse costume. Que fazer? Não era cega.
- Bonito? Perguntou Mundoca, sorrindo, quase certa da resposta. É novo?
- Que novo, que bonito! Um vestido que foi reformado três vezes! E
entrou em explicações, descrevendo-o citando-lhe os enfeites: - Aquele de
flanela, listrado, com o bofe de surá da mesma cor. Tu conheces: é o bate e
enxuga de toda parte.
Rosinha concordou.
- Não tem outro; foi com ele a três casamentos e, agora, completa os
quatro.
- Ora quatro! Completará vinte![...]
22
Neves criticou também os hábitos, que considerava intoleráveis, de as moças
experimentarem a cama do casal e fazerem observações impertinentes e zombaria antes do
casamento. Depois de casadas, as mulheres contavam às outras o que acontecia na lua-de-mel.
Neves afirmava que aqueles costumes eram ridículos e escandalosos.
Desde 11 horas apareciam visitantes, apesar do sol que escaldava a rua.
Entravam sem cerimônia, por toda a parte, vendo tudo, pegando em tudo,
dando a procedência de alguns objetos, discutindo o preço de outros, fazendo
alusões, abusando da ausência do noivo para não deixarem coisa alguma sem
exame rigoroso. A todo o momento estalavam risos pela casa, sonoramente,
acentuando pilhérias mais ou menos picantes. [...] Todo mundo, senhoras e
moças especialmente, ali entrava e saía, muito naturalmente, sem pensar na
impertinência da visita, desculpadas pela opinião que sancionava esse
costume.
23
Em vários outros trechos de Um manicaca, Neves descreveu esses costumes de uma
sociedade ainda rural, comportamentos que deveriam ser reprimidos e modificados. Apontou
o modo como as pessoas adentravam a casa e observavam os móveis, dando opinião sobre o
lugar, se estava arrumado ou não. É nesse momento que os valores burgueses estão em franca
expansão, a privacidade do casal, e a própria identidade do casal que se constrói a partir da
intimidade e das coisas que são apenas do casal, e que ninguém tinha o direito de conhecer ou
22
NEVES, Abdias. Um manicaca. 3. ed. Teresina: Corisco, 2000. p. 123.
23
NEVES, 2000, p. 109.
64
saber. Assim a privacidade coma a se constituir como um dos valores da modernidade, e
principalmente, como um valor burguês.
24
Em uma sociedade onde os novos espaços passam a ser ressignificados, e onde novas
sociabilidades são construídas, certas práticas na cidade revelam tensão que resulta da
imposição de novas regras e de novos comportamentos urbanos que estavam se sobrepondo
aos chamados maus costumes. Exigiam-se assim novas posturas e a vigência de
sociabilidades modernas. A frequência aos jardins, os passeios, o cinema, as peças teatrais, os
cafés, e os restaurantes representavam esse moderno. Assim, uma das expreses da civilidade
era a definição e separação dos espaços, e a maneira como eles deveriam ser frequentados.
Críticas acerca da educação das crianças também eram comuns e geravam muitos
debates, principalmente, por que incidiam sobre o papel da família na educação dos filhos.
Criticavam-se os pais que deixavam seus filhos perambulando pelas ruas da cidade de pés
descalços, sem camisas, atirando pedras em árvores, e percorrendo as ruas em loucas
correrias, importunando os passantes.
Clodoaldo Freitas acreditava que os males de Teresina estavam localizados nos defeitos
do meio, advindos de uma sociedade provinciana onde os pais agiam com condescendência
com os seus filhos e não os puniam adequadamente.
Salvando honrosas exceções, é assim que se preparam os homens entre nós.
Quando crianças aturam, deixam-os quebrar as nossas vidraças, as nossas
plantas, maltratar os animais, rapazes já, nos buscapés e jogam o cacete nos
sambas dos caboclos.
Sou um dos convencidos de que o nosso meio é um dos mais prejudiciais à
mocidade, pelo seu atraso, pela ignorância, pela facilidade e tolerância.
Teresina é uma cidade pequena, sem um só dos confortos e vantagens das
grandes capitais, mas onde imperam todos os vícios e prejuízos.
Em um meio assim, em que é difícil os homens se encaminharem, como
deixarmos entregues a si mesmos aqueles queo tem juízo?
25
Nos jornais também apareciam críticas às de mulheres que não respeitavam o descanso
público e passavam a noite perturbando o sono da vizinhança. Na visão dos cronistas, a
conduta dessas mulheres era condenável e caso de pocia. Recomendavam que tais mulheres
fossem menos alegres e respeitassem o sossego público. Através da exposição dos maus
exemplos, condenavam-se os tipos comportamentos não adequados na sociedade:
24
A partir do século XIX privacidade e o individualismo passam a ser valorizados e são significados como
valores burgueses. Ver: ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora
Guanabara, 1986.
25
FREITAS, Clodoaldo. As crianças. Pátria, Teresina, ano 4, n. 267, 2 fev. 1906, p. 1.
65
Pedem-nos chamemos a atenção da polícia para a conduta irregular de
mulheres que residem à rua Barroso, no trecho compreendido entre as ruas
da Glória e Amparo. É tal a assuada noturna, que dificilmente a vizinhança
consegue conciliar o sono. Isso quase todas as noites.
É o caso da polícia recomendar a essas mulheres que sejam menos alegres e
respeitem mais o sossego público.
26
Os cronistas chamavam a atenção para a forma como as pessoas ocupavam os espaços
da cidade à noite. O mercado, em que durante o dia funcionava a feira, à noite era um espaço
apropriado para outras finalidades. Afirma um cronista:
Existe atualmente em nosso mercado um grupo de mulheres imundas que
passam a noite a cometer toda a sorte de abusos e a pronunciarem em altas
vozes todas as palavras imorais que lhe vem à boca. Outra: do lado direito do
mesmo mercado, junto ao muro, é a latrina de todas as pessoas que ali
negociam. [...] A bem da moralidade pública pedimos providência ao dr.
Chefe de Polícia.
27
O cronista Caio Lima, na coluna De relance
28
, ao retratar o cotidiano das mulheres
pobres de Teresina, descreve-as como sendo anêmicas, magricelas e sujas, que fumavam
cachimbos, faziam algazarra sem fim, enquanto enchiam suas ancoretas nos chafarizes. Eram
as mesmas que disputavam com urubus os restos de comida nos matadouros. Essa imagem de
mulheres de classe social inferior levou o cronista a perceber a cidade como um pequeno
núcleo civilizado em meio à barrie. Eram descritas como meras reprodutoras da penúria,
sem atrativos de beleza ou mesmo do vestuário:
[...] Pela manhã uns sem número de mulheres, quase sempre esquálidas e
maltrapilhas, se agrupam nos chafarizes rolando macabramente as suas
ancoretas, numa vozeria que é o canto do sofrimento, fumando seus
cachimbos a largos tragos [...] o tendo mesmo um sentimento de
coqueteria que é próprio do sexo, ao contrário, o desgrenhamento dos
cabelos, o descuido geral do vestuário, denota a primeira vista que aquelas
pobres mulheres não são mais do que umas máquinas de amor, de onde os
filhos brotam como a fertilidade da terra roxa
29
26
COM a Polícia. Jornal de Notícias, Teresina, ano 1, n. 20, 17 mar. 1918, p. 1.
27
NA FEIRA. A Palavra, Teresina, ano 1, n. 4, 15 jun. 1902, p. 2.
28
As crônicas consultadas de Caio Lima na série “De relance” foram publicadas no jornal Correio de Teresina
no ano de 1913.
29
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 34, 29 set. 1913, p. 2.
66
Para ele, Teresina era a pátria do vintém, um lugar marcado pela pobreza e pela miséria
moral do povo, que procurava sobreviver de inúmeras formas, vendendo artigos como
cachimbos e rapadura ou mesmo explorando pequenos comércios localizados na periferia:
Teresina é a pátria do vintém, a terra da pobreza, onde um centil é capital
respeitável! o leitor a uma dessas vendas de arrabalde, vendas que têm o
ar de falidas pouco e verá como a gentalha faz ginástica com cem réis
surtindo-se, por um dia, dos mais variados artigos, desde a rapadura para o
moca até o fumo para o cachimbo. Dizia um inglês meu conhecido que
avaliava as condições econômicas de um lugar pelo preço das fichas no
clube. Entre nós, como o último clube é com Deus, poderia o meu amigo
encarnado auscultar a riqueza da terra penetrando o interior de uma dessas
bodegas onde impera a garrafa de parati encimada pela medida de flandre...
É verdade que os clubes o a válvula por onde escapa o spleen da
abastança, ao passo que as vendas são os rendez-vous da miséria, dessa
miséria indolente que traz mulambos e mulambos ensebados.
30
As descrições do cronista Caio Lima sobre determinadas áreas da cidade eram de uma
cidade de ruas bem alinhadas, mas com um grande bolsão de miséria ao redor do centro,
constituindo um grande labirinto de palhoças, com presença frequente de animais famintos e
crianças magricelas e desnutridas que choravam por alimento. Bairros onde a pobreza
impressionava a todos, com mulheres magras e maltrapilhas que falavam alto, utilizavam
palavrões e fumavam cachimbos com largas tragadas.
31
Teresina era descrita como a terra da
fome:
Em verdade, é doloroso, horripilante, inacreditável mesmo o estado de
miséria a que atingimos nestes últimos tempos de calamidade. A nossa
cidade iluminada à luz elétrica tem o aspecto de um cemitério dia de finados.
De dia, então, sob um sol terrorista, prenúncio de flagelante seca, as nossas
ruas aparecem tristíssimas, desoladas, deixando ver, aqui e ali, grupos
estranhos de figuras exóticas deformadas pela desgraça, que mais parecem
bichos ferozes que criaturas humanas. [...]
São emigrantes que surgem de todos os pontos do interior como nuvens
fantásticas de gafanhotos, implorando a nossa misericórdia numa voz
súplice, chorosa, levantando os olhos tristes umedecidos de lágrimas.
32
A pobreza e a miséria também eram descritas com detalhes pelos cronistas, uma vez que
se tornavam obstáculos para a formação de uma sociedade civilizada. Nas crônicas de Caio
Lima existe uma preocupação com o crescente número de pobres e desocupados circulando
30
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 37, 20 out. 1913, p. 2.
31
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 34, 29 set. 1913, p. 2.
32
IMPRESSÕES - Terra da Fome. Correio de Teresina, Teresina, ano 3, n. 113, 12 abr. 1915. p. 2.
67
pelas ruas de Teresina. Entretanto dois aspectos se destacam nas crônicas elaboradas por Caio
Lima, o primeiro relaciona-se a uma caracterização minuciosa da sociedade e o segundo a um
desalento pelas dificuldades de civilizar a sociedade.
33
Em algumas crônicas relatos acerca da presença de animais nas ruas e os prejuízos
decorrentes disso. Na coluna Ecos e Fatos do jornal Gazeta, o cronista trata da reivindicação
popular por novas posturas para o bem comum, devido à circulação e permanência de animais
pela cidade, principalmente de cães vadios:
Quando se trata do bem comum, nunca é ocioso insistir em reclamações.
Destas colunas, mais de uma vez, temos reclamado providências sobre a
enorme quantidade de es vadios que invadem o centro da nossa capital.
Pedimos remédio ao mal, é certo, mas que não se traduza no assassínio desse
proveitoso animal.
Sabe-se geralmente que o cachorro é companheiro correto e amigo leal do
homem. [...]
34
Pelos preceitos científicos da época o zelo pelos animais domésticos representava um
aspecto de civilidade, simbolizado por cuidar dos animais e não maltratá-los. Assim, os
animais domésticos passavam a receber cuidados especiais, ganhavam nomes e eram tratados
como entes familiares. É nesse contexto que surgem as sociedades protetoras dos animais no
país. Em Teresina, Higino Cunha publicou no jornal Piauí série denominada Proteção aos
animais.
A série de artigos publicados por Higino Cunha Proteção aos animais revela uma nova
sensibilidade com os animais e uma nova relação do homem com o mundo natural.
35
Cunha,
na abertura da série, afirmou que o grau de civilização de um povo se avalia a partir do modo
como ele trata os animais. Defendeu que a piedade para com os animais domésticos está
intimamente ligada ao caráter, e que quem é cruel com os animais não pode ser bom. Para, o
autor a constituição da civilidade também perpassava pela questão do tratamento dado aos
animais.
Cunha questionou a natureza humana a partir de aspectos como a mortandade de
animais pelo mundo e a matança de pássaros em Teresina.
36
Formulou críticas acerca da
destruição de matas, árvores e pássaros no Brasil e fez comparações com outros países onde a
33
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 1, n. 37, 20 out. 1913, p. 2.
34
CÃES vadios. Ecos e fatos. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 165, 23 dez. 1908, p. 1.
35
THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças e atitudes em relação às plantas e aos animais. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.
36
CUNHA, Higino. Proteção aos animais. O Piauí, Teresina, ano 60, n. 236, 26 out. 1926, p. 1.
68
cultura de preservação se estabelecia de forma diferente.
Em outra crônica da mesma série,
mostrou a uma relação direta entre muitos problemas que estavam surgindo na sociedade,
como a dizimação dos pássaros e das matas, e o aumento do número de insetos. Ainda nesse
artigo o autor fez elogios aos criadores de áreas de proteção ambiental, por assumirem a
característica nobre que era a paixão pela natureza.
Cunha defendeu ainda os aviários, locais importantes para a proteção e preservação das
espécies, onde a beleza dos animais poderia ser admirada, apurando-se o gosto estético dos
observadores. Para ele a convivência entre homens e animais domésticos era possível e
salutar.
37
Anos depois, Cunha criticava as polêmicas ocasionadas pelas chamadas touradas do
centenário e comemorava o o estabelecimento dessas práticas no Rio de Janeiro, afirmando
que o esforço fundamental para isso foi da Sociedade Protetora dos Animais.
38
Entretanto, esse novo zelo pelos animais o atingia todas as pessoas. A crônica
Barbaridade, de 1906, relatou o uso de veneno para matar os cães que circulavam pelas ruas
de Teresina. O cronista destacou não a circulação de animais como a grande quantidade de
animais mortos encontrados:
Excita compaixão o modo pelo qual estão matando os cães, entre nós, com o
emprego de bolas envenenadas.
Nas ruas desta cidade, em toda a parte, aqui e ali, encontram-se uns mortos,
outros em estado de putrefação e alguns entregando-se às convulsões da
morte, dirigindo aos transeuntes olhares [...].
39
Se uma das maneiras de a população livrar-se dos animais que perambulavam pela
cidade era a matança através do uso de veneno, uma das formas corriqueiras de fugir do
controle e das sanções impostas pela municipalidade era soltá-los à noite. As pessoas
colocavam os seus animais para pastar durante a madrugada.
40
Mesmo assim os cronistas não
perdoavam o fato e clamavam por ações do Intendente municipal. Um cronista pede
provincias:
Chamamos a atenção do poder competente para o fato de, todas as noites,
pastarem, na praça Saraiva, bois e vacas e, às vezes, cavalos e burros, quase
sempre badalando chocalhos.
37
CUNHA, 1926, p. 1.
38
CUNHA, Higino. Ainda as touradas do centenário. Correio do Piauí, Teresina, ano 2, n. 282, 1 out. 1922, p. 1.
39
BARBARIDADE. O Tempo, Teresina, ano 2, n. 48, 11 jan. 1906, p. 2.
40
CERTEAU, 1994, p. 172-175.
69
Sabemos do zelo que o Sr. Intendente nutre pelas coisas da cidade sob o seu
governo e, assim, esperamos que S. Ex., informado agora desse abuso,
mandará que se tomem as providências necessárias.
41
A presença de animais à noite incomodava o sono e impedia o descanso das pessoas.
Todas as vezes que se repetiam as cenas de animais pela cidade os cronistas solicitavam
atitudes mais enérgicas da Intendência municipal,
Have coisa mais insuportável que a perturbação do sono reparador, por
causa de latidos e uivos, alta noite?
Noutras capitais seria muito estranho se vissem, como em Teresina,
cachorros deitados no meio das ruas, a seu cômodo, embaraçando o trânsito.
Aqui a gente é obrigado a transitar ao lado deles e, às vezes, ao lado de bois,
cavalos, etc. &.
Mais uma vez chamamos a atenção dos poderes competentes.
42
Outro cronista denunciava os maus costumes da população teresinense com relação aos
animais soltos pela cidade:
Continuam, infelizmente, a vagar pela cidade animais de diversas espécies.
Pessoa residente à rua S. Antônio queixou-se de que ontem, uma cabra,
acompanhada de cabritos, penetrou no seu quintal produzindo estragos em
plantações.
No domingo último, em plena rua Paissandu, um nosso auxiliar viu
transitando uma porca e diversos leitões.
Hoje, durante toda a manhã, estiveram pastando na praça Saraiva três
porcos.
43
O convívio com animais soltos nas ruas, cachorros, porcos, bois e jumentos tamm
prejudicava a saúde da população. Reclamações quanto à presença de animais pelas ruas eram
comuns, destruindo plantas e circulando pelas ruas do centro da cidade eram corriqueiras:
Pessoas muito bem informadas pedem-nos que reclamemos contra o estrago que alguns
bodes e cabras estão fazendo nos belos oitizeiros que ficam no trecho de fronteira à Fundição
e ao Armazém da Companhia de Vapores [...]”.
44
Clodoaldo Freitas também trata do problema dos cães soltos pela cidade, e ironizou a
atuação dos poderes públicos argumentando que na cidade havia outros problemas mais sérios
41
ECOS e fatos. A Gazeta, Teresina, ano 4, n. 171, 4 nov. 1908, p. 2.
42
CÃES..., 1908, p. 1.
43
GAZETA. Teresina, ano 5, n. 186, 3 mar. 1909, p.1.
44
PELA cidade. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 138, 18 mar. 1908, p. 2.
70
que necessitavam do rigor da municipalidade, do que a eliminação dos cães que
perambulavam pelas ruas. Freitas afirma a alimentação era de péssima qualidade, devido a
falta de fiscalização da Intendência no comércio de tais neros, e que a água e o leite
consumidos pela populão também eram de má qualidade.
A municipalidade, por intermédio dos seus intrépidos agentes, mata
desapiedadamente os es. Está no seu indefectível direito. O cão é um
animal bravio, feroz, inútil e não faz parte da nossa propriedade garantida
em toda a sua plenitude pela constituição da república. De todos os animais
o cão é o mais daninho.
Dizer que o o é o melhor dos companheiros do homem, que é querido
como se fora um membro da nossa família, é uma sandice. O o não deve
existir entre um povo civilizado, e nós somos, entre todos os povos, o mais
culto.
A edilidade teresinense, sempre patriótica, deve desenvolver
convenientemente o seu interesse pelo bem público e tornar-se o modelo das
edilidades do mundo.
s temos o monopólio da carne verde e, por ele, gozamos da melhor
alimentação do universo. Não carne enfezada, não carne causada. A
higiene municipal capricha porrias medidas preventivas para que nós
sejamos servidos regaladamente em tudo. O leite, a água, a carne, a farinha
são sempre de primeira qualidade. Mas a municipalidade peca porque não
decreta o monopólio do comércio em geral. É um direito seu, o mesmo
direito com que monopoliza a carne.
45
Clodoaldo Freitas também faz duras criticas à administração municipal. Para ele existia
apenas o interesse em privilegiar parentes com cargos públicos, e dessa forma, a cidade ficava
abandonada e relegada a segundo plano. Para o cronista:
Uma das mais insignes vantagens do município é poder restringir o direito
de propriedade, de monopolizar o comércio e dar o monopólio a meia dúzia
de indivíduos parentes e amigos, que o desfrutam para a maior glória dos
munícipes.
Todos vêem os serviços grandiosos em que se acha o município empenhado.
Temos um serviço de esgoto como não igual em Paris ou Londres, temos
esplêndida canalização das águas, temos um serviço de limpeza pública
completo, temos uma higiene municipal soberba; o município custeia vários
outros serviços, e como prova da sua solicitude temos, por exemplo, o
serviço da passagem do rio Parnaíba, um destaque sublime no meio do
aluvião de maravilhas munícipes.
46
45
AOS DOMINGOS. Pátria, Teresina, ano 4, n. 252, 14 jan. 1906, p.1.
46
AOS DOMINGOS, 1906, p. 1.
71
o cronista da coluna Pela Cidade, do jornal Gazeta, combatia, com sua escrita, o
mato e o capim que se espalhavam pelas ruas, provocando possibilidades de proliferação de
doenças, além de criarem uma imagem negativa de Teresina como uma cidade descuidada:
È digno de atenção de toda a municipalidade o desenvolvimento que o capim
e outras ervas estão tomando em nossas praças e alguma ruas.
A preocupação da Intendência tem sido, sempre, a de retirar o mato que mais
sobe: o matapasto, o fedegoso, a malva, etc.
Isso, porém, era providência regular nos tempos em que os animais enchiam
a cidade e aparavam o capim.
Hoje, para honra nossa, a perseverança do Sr.Intendente conseguiu nos livrar
de tão detestável.[...]
Quem quer que nos visite, nesta quadra de inverno abundante , há de sair
fazendo, diante de nossa exuberância de verdura,juízo muito desfavorável
dos nossos créditos de gente civilizada.[...]
47
Esses tipos de desleixos com o urbano são tratados nos jornais como maus costumes
que deveriam ser abolidos da sociedade, visto que significavam a burla de postura da cidade.
Colocar animais para transitar durante um período em que não houvesse circulação de pessoas
demonstra que a cidade praticada difere da cidade desejada. O cotidiano de Teresina no início
do século XX evidenciado pela desobediência às proibições e a colocação de animais
pastando pela cidade à noite, mostra o consumo que os caminhantes faziam da cidade.
48
3.2 A saúde e os riscos da degeneração da sociedade
Durante o icio do século XX, as condições de saúde da populão de Teresina eram
bastante precárias. Além disso, problemas com relação ao alcoolismo e ao consumo do fumo
passaram a fazer parte do cotidiano, sendo frequentes, nos jornais, os relatos de tragédias e
distúrbios ocasionados pelo consumo excessivo de álcool. O fumo também se constituía num
vício e ganhava novos consumidores devido, entre outros fatores, à influência do cinema,
cujos artistas usavam o cigarro como manifestação de status, a fim de representar um estilo,
de mostrar “bom gosto”.
O jogo, o fumo e o álcool eram vistos como vícios que ameaçavam a constituição da
família, e principalmente, eram considerados elementos degenerativos da moral. Os reclames
constantes incentivavam o consumo de cigarro e álcool, e eram reforçadas pelo cinema, que
47
PELA cidade. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 140, 1 abr. 1908, p. 3.
48
CERTEAU, 1994, p. 169.
72
dessa forma introduzia novos hábitos. Esses cios se intensificam no cotidiano dos
teresinenses no início do século, e ao mesmo tempo contribuíram para a corrupção dos
costumes na visão dos cronistas.
Em outras crônicas, temos críticas à falta de higiene e o fato de as pessoas não
banharem diariamente e usarem as roupas até elas ficarem ensebadas.
49
Também eram
recorrentes nas crônicas produzidas em Teresina, opiniões contrárias ao jogo do bicho,
caracterizado como uma praga, e um vício que estava se espalhando rapidamente na cidade e
que contribuía para a corrupção da moral e dos bons costumes.
50
Em uma crônica publicada no jornal O Norte, em 1909, o destaque era para o medo de
doenças epidêmicas e para as condições de higiene da população, considerada precária. O
cronista convocava os indivíduos para uma verdadeira cruzada em prol da melhoria da saúde
populacional, a partir de hábitos de higiene:
[...] A cidade afigura-se de algum modo infeccionada e não parece a capital
de um Estado que almeja e sonha melhores dias de bonança e ventura,
invejável adiantamento e uma imponente cultura; a culminância e o paralelo
das cidades cultas.
[...] Um povo sem higiene é um povo sem alma, diabético, clorótico. A
higiene é, portanto, a força, a inteligência, o progresso, a ventura das raças.
51
As propagandas também defendiam práticas saudáveis, como atividades esportivas, a
fim de combater o tédio, promover a saúde e eliminar os maus costumes. Os títulos dos
anúncios, chamativos, - Os nossos filhos são os homens de amanhã” - demonstravam
preocupação com os hábitos de higiene e buscavam estimular a prática de exercícios físicos
como forma de instigar um modo de vida saudável.
52
Para os cronistas, uma das causas da recorrência de doenças em Teresina era a falta de
hábitos de higiene. Apesar dos protestos da imprensa, era grande o descaso da população com
a limpeza, e principalmente, o asseio das moradias. Essa mesma crença também justificava a
ação do governo, com suas claras intenções de higienizar a cidade articulando o saber médico
aos planos governamentais. O jornal O Piauí, tratando da higienização das ruas, afirmava que
a sujeira da cidade era uma obra dos maus costumes da população e não falha da Intendência.
49
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 2, n. 37, 20 out. 1913, p. 2.
50
O JOGO do bicho. Correio de Teresina, Teresina, ano 4, n. 184, 2 set. 1916, p. 3.
51
A HIGIENE de Teresina. O Norte, Teresina, ano 11, n. 417, 30 jun.1909, p. 1.
52
OS NOSSOS filhos são os homens de amanhã. O Piauí, Teresina, ano 61, n. 682, 26 fev. 1927, p. 2.
73
Para o cronista “[...] não podemos também combinar com o costume de se atirar à rua o lixo,
como infelizmente notamos em algumas tavernas de pouco cômodo”.
53
Nas mensagens dos governos no início do século XX as intervenções propostas para a
cidade o ganhando mais visibilidade, e principalmente revelam que as condições sanitárias
da cidade eram muito precárias e propícias para a proliferação de doenças epimicas. Os
governantes destacavam que as condições de saúde pública no Estado eram boas, estáveis ou
mesmo excelentes. Mas isto apenas revela que nenhuma grave manifestação epimica
atingira o Estado.
No início do século XX, a população de Teresina ainda estava vulnerável a uma série de
epidemias que chegou a vitimar muitas pessoas, principalmente, as classes mais pobres
atingidas pelas péssimas condições de vida, as condições sanitárias ruins e pela falta de
higiene. o poder público estadual tomava medidas contra a sujeira da cidade e contra os
maus costumes da populão, este que era um dos motivos para a propagação de doenças.
Geralmente o estado sanitário de Teresina era caracterizado como excelente e de todos os
municípios, contudo esse discurso está mais ligado a questão da não propagação de nenhuma
epidemia grave.
54
Entretanto, a partir do governo de Antonino Freire (1910-1912), o discurso sobre a
saúde se modifica e o governador, na Mensagem de 1911, afirma que o setor de saúde está
totalmente desaparelhado
É com pesar que vos digo que no Piauí ainda não existe sequer um simulacro
dos serviços de defesa sanitária. A repartição que existe com o nome de
Diretoria de Saúde Pública, completamente desaparelhada de meios de ação,
nenhum embaraço pode opor à invasão de qualquer epidemia no nosso
território.
É tempo de lançardes a vista para este ramo do serviço público e dar-lhes o
desenvolvimento compatível com as nossas necessidades e os nossos
recursos.
55
Através de leis o poder público procurava intervir nos hábitos da população. O Código
de Posturas de 1905 incidia sobre os costumes. Mesmo assim permaneciam os maus costumes
da população. Na crônica Noções de Civilidade costumes, temos uma demonstração clara
dos hábitos de parte da população da época: “Não cuspa no assoalho da casa nem no bonde ou
53
A LIMPEZA da cidade. O Piauí, Teresina, n. 863, 11 ago. 1906, p. 1.
54
PIAUÍ. Governo. 1900 1904 (Nogueira). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí
pelo governador Arlindo Francisco Nogueira, em 1 de julho de 1902. Teresina: Tip. do Piauí, 1902. p. 26.
55
PIAUÍ. Governo. 1910 1912 (Silva). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do Estado do Piauí pelo
governador Antonino Freire da Silva, em 1 de junho de 1911. Teresina: Imprensa Oficial, 1911. p. 6.
74
vagão, evite cuspir nos passeios das ruas... o assobie... o se ria às gargalhadas... não se
assoe, sem muita necessidade, em presença de outrem...o boceje, não soluce...”.
56
O digo de Posturas também visava regular e normatizar os comportamentos das
pessoas. As crônicas revelam que existiam práticas que deveriam ser contidas com pesadas
multas, principalmente, as relacionadas ao sossego, ao decoro público e do domingo como dia
reservado para descanso
57
. Entretanto, a cidade praticada fugia dos ditames do Código de
Postura: Comunico a V.ª Ex.ª que ontem [...] ainda por distúrbios, foram também aqui
recolhida pelo guarda que estava neste estabelecimento a mulher de nome Josefa Maria da
Conceição [...] por desobediência [...]”.
58
A elaboração do Código de Posturas foi decisiva para organização do meio urbano,
principalmente, quanto aos usos da cidade, e previa a aplicação de penalidades através de
multas. Assim, as:
[...] proibições com penas, multas e prisões tornavam-se medidas utilizadas
no decorrer do processo de ação civilizadora que passaram por questões tais
como: [...] proibição de enterrar cadáveres na Igreja; deixar gado vacum ou
cavalar, cães e porcos soltos pelas ruas e praças; lavagem de roupa nos poços
públicos do centro da cidade; andarem embriagados pelas ruas; fazerem
vozerias, tumultos, algazarras ou proferirem palavras obscenas ofensivas à
moral.
59
A aplicação do Código tinha em vista a formação de um espaço disciplinado e
racionalizado, livre da desordem urbana, orientado através de um discurso que se tornaria
efetivo a partir da aplicação de suas normas, que tinham a inteão de definir modelos de
comportamento, ou seja, de prescrever costumes que deveriam existir ou não em sociedade.
As proibições descritas no código de 1905 nos dão uma dimensão de como as pessoas
deveriam se comportar ao frequentarem os locais públicos, onde deveria prevalecer um
comportamento decente, civilizado e moralmente aceito por todos. Sobre essa questão,
destaque para a nudez, que era comum as pessoas banharem nos rios Parnaíba e Poti sem
roupas. No artigo 101, o 5º parágrafo prevê punições para as pessoas que andassem em
público em completa nudez ou com trajes indecentes; e o parágrafo 6º também previa punição
56
NOÇÕES de civilidade - costumes. Gazeta, Teresina, ano 3, n. 64, 1 ago. 1906, p. 2.
57
Ver Código de Posturas da cidade de Teresina, 1912; Artigo. 100, parágrafos 1 a 4, onde prever punição com
multas de dez mil réis pessoas que fizessem vozerias, alaridos e gritos nas ruas e praças e proferissem nas ruas e
lugares públicos palavras obscenas.
58
RELATÓRIO Cadeia Pública de Teresina. Teresina: [s.ed.], 23 jul.1906.
59
ARAÚJO, Maria Mafalda Baldoíno de. Cotidiano e pobreza: a magia da sobrevincia em Teresina (1877 -
1914). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. p. 64.
75
para as pessoas que fossem apanhadas banhando nos portos e fontes públicas ou despidas nas
margens do rio Parnaíba, dentro dos limites da zona urbana, das seis horas às dezoito horas.
Os casos de prisão eram frequentes:
[...] ontem, comunico que foram recolhidas [...] Francisca Maria da Graça e
Antônia Maria de Jesus, por banhos proibidos na Barrinha desta capital,
sendo postas em liberdade no mesmo dia, conforme sua ordem.
60
[...] comunico a Vª Exª que ontem foram aqui recolhidas conforme a vossa
ordem, as mulheres de nomes Maria Alexandrina da Conceição e ndida
Maria do Nascimento a presa com[...] e a por banhos proibidos na
Barrinha desta capital, tendo sido a mesma posta em liberdade[...].
61
O digo de Posturas de Teresina, de 1905, também evidencia a busca pela edificação
de uma sociedade disciplinar, já que tinha entre seus objetivos conter uma multiplicidade de
comportamentos inadequados. O digo de Posturas da cidade em vários de seus artigos trata
de como deveria ser o controle social. Nos artigos 89, 90 e 91 ficavam explícitas as intenções
do governo no relativo ao tratamento a ser dado aos loucos e/ou vadios que fossem
encontrados perambulando pela cidade:
Art. 89 Todo aquele que conservar sob sua guarda ou em sua casa
qualquer louco será obrigado a detê-lo com segurança, e, quando por
falta de meios necessários não possa tê-lo em boa guarda e tratamento,
dará parte à Intendência para que esta faça recolher a algum
estabelecimento ou casa para tal fim destinada. Ao infrator, a multa de
dez mil-réis.
Art. 90 Os loucos que andarem vagando pelas ruas e praças da
cidade serão entregues às pessoas incumbidas de sua guarda ou na
falta destas, recolhidos aos lugares para este fim destinado.
Art. 91 As pessoas que forem encontradas vagando pela cidade
embriagadas serão detidas e depositadas nas estações policiais, a que
cessem os efeitos da embriaguez. Os vagabundos serão multados em
três mil-réis, e sendo menores entregues ao juiz de órfãos para o
devido destino.
62
A criação do Asilo de Alienados, em 1907, demonstra uma intenção clara na edificação
de uma sociedade disciplinar. O surgimento dessa instituição estava diretamente relacionado
às condições sociais da capital, no final do século XIX e início do século XX, objetivando a
construção de uma sociedade progressista” e civilizada”, daí a preocupação em limpar as
60
RELATÓRIO Cadeia Pública de Teresina. Teresina: [s.ed.], 1 jul 1906.
61
RELATÓRIO Cadeia Pública de Teresina. Teresina: [s.ed.], 4 jul. 1906.
62
CÓDIGO de Posturas do Conselho Municipal de Teresina - 1912. Teresina: APeCH/UFPI, 1998. p. 25.
76
ruas e os locais onde os homens e mulheres pobres, os órfãos, os mendigos e os loucos
viviam.
63
Os discursos dos governantes e da elite, reproduzidos nos jornais sugeriam que a
realização da “limpeza” de algumas áreas centrais da cidade tinha com o objetivo principal
tirar das ruas determinados sujeitos indesejáveis. À primeira vista o objetivo era a
higienizão do espaço urbano teresinense para que pudesse ser habitado por outros sujeitos; e
significava, também, o ocultamento e o controle sobre a circulação de determinadas pessoas
que ali não eram bem vistas.
Os jornais da época nos possibilitam dizer que houve uma campanha
favorável à criação do Asilo de Mendicidade e do Asilo dos Alienados ou
Asilo dos Loucos. A partir das propostas de criação, é possível julgá-los
como uma das respostas da elite ao espetáculo da mendicância, ao qual foi
contraposto o espetáculo da vigilância, [...] Uma vez que, criadas estas
instituições assistenciais, Teresina estaria livre das cenas indesejáveis.
64
O cronista do jornal Diário do Piauí defendeu a necessidade da crião de um asilo para
velhos e mendigos para diminuir a presença de pobres perambulando pela cidade, mesmo com
a existência de várias instituições que poderiam ajudar no combate às cenas indesejáveis.
Segundo ele:
Em Teresina, nossa capital, todos os bados perambulam pelas ruas, esses
infelizes, em benefício de quem hoje vimos fazer um justo apelo ao povo
teresinense, que muito bem poderá sacrificar um pouco de seu bem estar em
favor dos desvalidos da sorte.
65
As mudanças urbanísticas de Teresina e a necessidade de regular o social estavam
articuladas à visibilidade que novos sujeitos sociais adquiriam no espaço urbano início do
século XX. De forma geral, o discurso político-científico produzia, e as crônicas reproduziam,
uma imagem negativa e desqualificada da população pobre que além de carente, era vista
como preguiçosa, doente, e muito perigosa, predisposta ao vício e à vadiagem.
66
63
Para mais informações acerca da criação dessas instituições ver: ARAÚJO, 1995.
64
FILHO, Antônio Melo. Teresina: a condição da saúde pública na primeira República (1889-1930). 2000.
Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000. p. 57.
65
ASILO de Velhice e Mendicidade. Diário do Piauí, Teresina, ano 2, n. 67, 4 ago. 1912, p. 3.
66
Sobre essa questão ver: MACHADO, Roberto. Danação da norma: medicina social e constituição da
psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1977.
77
Segundo o cronista do jornal O Tempo, apesar de terem causas diferentes, a loucura e a
cegueira eram tidas como doenças típicas do avanço do capitalismo. O cronista proclamava a
necessidade de construção de espaços específicos para abrigar essas pessoas, cujos problemas,
segundo ele, se diferenciavam quanto à moléstia, mas se aproximavam no sentimento de
piedade que despertavam.
[...] Quanto mais um povo ganha em civilização, tanto maior se afigura a
necessidade de se levantar diques aos males que ela própria germina. As
grandes pestes atacam em geral os centros populosos, quase sempre,
aparelhados para dar combate ao elemento danificador da saúde. Daí a
necessidade de criação de estabelecimentos apropriados a cada espécie ou
agrupamento de moléstias.
67
O desejo de construir uma cidade projetada e ideal não minimizou ou acabou com os
maus costumes da população da cidade real. Apesar do digo de Posturas, a população
passou a criticar a cidade criando mecanismos de resistência dentro do espaço urbano,
colocando animais para circular à noite e de madrugada para fugir das sanções
administrativas. As queixas a respeito da imundície das pessoas, da pobreza, da falta de
educação e de civilidade, assim como acerca de outras configurações de viver na cidade,
mostram que a população teresinense estava continuamente reinventando o seu lugar na
sociedade. Em Teresina, a aceitação ou a rejeição, através da burla do Código de Posturas
tornou visível o consumo que as pessoas faziam da cidade.
68
3.3 O lado obscuro da civilidade
No final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, desenvolveu-se em
Teresina um intenso movimento literário, promovido principalmente por intelectuais
piauienses beneficiados pela educação que adquiriam fora do Estado, sobretudo, vindos de
Recife. A atuação desses intelectuais abrangia diversas atividades nos campos do jornalismo,
da cultura e da potica.
A literatura tornou-se um lugar privilegiado de interferência social e potica da elite
intelectual do Piauí, e era um ponto destacado de civilidade. Através de suas escritas, esses
intelectuais demonstravam o saber, os novos paradigmas da ciência e o acúmulo de cultura
67
IDEIA Grandiosa. O Tempo, Teresina, ano 2, n. 59. 29 mar. 1906, p. 2.
68
CERTEAU, 1994.
78
letrada, especialmente da literatura francesa e inglesa. Pretendiam, através de sua escrita,
transformar a sociedade.
No início do século XX, a educação ganhava um novo traço o de definir a civilidade
das pessoas. Aos poucos, o poder público foi criando escolas para atender a demanda dos
alunos e de alunas de elite de Teresina. Exemplo dessa atuação foi a criação da Escola
Normal.
Também era comum os professores de Teresina ofertarem seus serviços docentes
através de anúncios em jornais. Artigos publicados, conferências públicas, participações em
eventos, além dos elogios mútuos e das críticas aos trabalhos produzidos por eles, eram
aspectos que funcionavam como uma rede de valorização da cultura letrada.
A fundação da Academia Piauiense de Letras (APL) também contribuiu decisivamente
para a formação de uma sociedade letrada, composta por homens de boa educação e
civilizados. A APL, de certa forma, transformou-se em um dos marcos constituintes da
civilidade na sociedade teresinense, na medida em que se institucionalizou como um lugar
privilegiado de fala para os intelectuais piauienses. Sobre essa instituição, dizia o cronista:
dias se fundara nesta capital, a Academia Piauiense de Letras, que vem
sanar em nosso meio uma falta extraordinária. E o que é melhor e mais
agradável ainda é que a novel associação começa sob os melhores auspícios.
Está assim composta a sua diretoria: Clodoaldo Freitas presidente; João
Pinheiro secrerio geral; Fenelon Castelo Branco Secretário; Jônatas
Batista Secretário; Antônio Chaves tesoureiro; Edison Cunha
bibliotecário. Na sessão de domingo último, diversos sócios foram propostos
e outros aceitos, estando quase completo o número de trinta, o limite
máximo para os sócios efetivos. Nesta mesma sessão, Rui Barbosa foi
aclamado seu presidente honorio. A inauguração oficial da APL será no
dia 3 de maio próximo. Higino Cunha será o orador de honra.
69
Antes da fundação da Academia Piauiense de Letras, a relação que os literatos
mantinham em torno de Clodoaldo Freitas e de sua família era bastante intensa. A frequência
constante à casa da família Freitas e a convivência entre os literatos revelam a importância
desse autor como referência em cultura, educação e civilidade. A Academia Piauiense de
Letras ficou conhecida como casa de Ludio Freitas em homenagem ao seu principal
idealizador. Sobre essa questão Cristino Castelo Branco afirma:
Nasceu na casa dos Freitas, na casa de Clodoaldo, a Academia Piauiense,
porque aquela casa era por si mesma um centro de intelectualidade, um
ponto de convergência dos homens de cultura do Piauí, que ali compareciam
69
A ACADEMIA. Correio de Teresina, Teresina, ano 6, n. 205, 17 jan. 1918, p. 2.
79
atraídos pelo ambiente de espiritualidade, de poesia e de sonho. [...] Antes de
existir oficialmente a Academia, existia ela de fato, naquela casa, que era
o mais cordial, mais amorável de todos os cenáculos.
[...]
A sua casa não era a dos intelectuais: era a casa de todos, a casa do
acolhimento, a casa da hospitalidade. Ao lado dos letrados, viam-se lá
amiúde, sertanejos, cantadores, músicos, pessoas do povo, gente humilde.
Não despertava apenas admiração: despertava também confiança.Todos
confiavam nele, que era a sinceridade personificada, a bondade em forma
humana, o altruísmo, a generosidade, afirmando-se a cada passo.
70
Outra instituição na cidade que representou uma intenção clara de consolidação da
civilidade o Clube dos Diários. Constrdo em 1922, rapidamente tornou-se espaço
importante de sociabilidades em Teresina. Em seu Estatuto, especificamente no artigo, que
trata da sociedade e de seus fins, verifica-se que a elite estava interessada em criar uma
instituição com os objetivos de promover festas, realizar concursos de miss, festejar carnavais,
mas igualmente ajudar na assistência à pobreza. O Clube justificaria assim sua fuão social,
de utilidade pública. Outro aspecto importante é que o próprio terreno para edificação da sede
havia sido doado pelo Estado, conforme consta do Estatuto:
Art.
Alínea b Promover festas de beneficência à pobreza desvalida e as
instituições consagradas ao desenvolvimento da instituição;
Art.
Parágrafo II O Governo do Estado, tendo em vista que o clube é instituição
de utilidade pública, lhe franqueia, gratuitamente, os salões, baixela e
mobiliário do seu estabelecimento para festas e homenagens e festas oficiais,
faz ao mesmo clube a doação do terreno murado, contíguo ao Teatro 4 de
Setembro, com frente para a rua Álvaro Mendes e rua Treze de Maio,
avaliado em vinte contos de réis, no qual será construído o edifício sede.
71
Os literatos participavam também de várias atividades culturais, como eventos literários,
palestras, e atuavam como editores e cronistas nos jornais, garantindo, assim, uma grande
possibilidade de inserção social e potica. A participação nos grêmios literários também
denotava um padrão de civilidade na elite letrada. Reuniões, palestras e a crião de clubes
literários se constituíam em espaços de exercício da civilidade em Teresina.
72
A civilidade era considerada pelos cronistas como um dos mais elevados bens culturais,
sendo que a participação no mundo das letras consistia em um aspecto de polidez. Contudo, as
70
CASTELLO na Casa de Lucídio Freitas. Discurso de posse de Carlos Castello Branco na Academia Piauiense
de Letras. Teresina: [s.ed.], 1984. p.104-107.
71
SOCIEDADE Anônima do Clube dos Diários. O Piauí, Teresina, ano 50, [s.n.], 25 maio 1925, p. 3-4.
72
FESTAS Cívicas. Correio de Teresina, Teresina, ano 5, n. 245, 14 nov. 1917, p. 1.
80
disputas poticas e os ataques pessoais
73
nos jornais demonstravam outra face desses homens.
Nem sempre a educação e a civilidade estavam presentes em suas escritas. Dois exemplos de
tais comportamentos incisivos são as críticas relativas ao governo de Antonino Freire feitas no
jornal O Apóstolo e o fechamento do jornal Cidade de Teresina, ocorrido no governo de
Miguel Rosa, seguido do lançamento das prensas dessa tipografia nas águas do rio Parnaíba.
A educação e a polidez muitas vezes eram postas de lado quando estavam em questão as
lutas partidárias. Através da imprensa os literatos defendiam com paixão seus ideais:
Atras da imprensa, homens como Abdias Neves, Antonino Freire e Miguel
Rosa farão a exposição de suas ideias, formando opinião, lançando-se como
nomes viáveis a carreiras poticas vitoriosas; e, ainda, onde Clodoaldo
Freitas e Higino Cunha colocarão a sua capacidade literária a serviço do
combate ideológico, das paixões partidárias. Por causa dessas paixões, a
decantada polidez dos literatos, o apregoada por Higino Cunha em sua
autobiografia, foi, muitas vezes, esquecida, deixada de lado, para que a
escrita assumisse seu viés mais ácido, mais incivilizado e mesmo descortês.
74
O artigo de título Canalhacracia, publicado no jornal O Apóstolo em 1914, faz um
trocadilho com as palavras canalha e democracia. Tratava-se de uma provável resposta de
Elias Martins aos ataques feitos pelo jornal O Piauí, relativo aos seus bens pessoais, onde fica
evidente que a educação e a civilidade eram deixadas de lado, predominando uma linguagem
forte e repleta de muitos ataques pessoais, desde que os interesses pessoais e poticos
estivessem em jogo:
O Sr.Antonino Freire já não escolhe armas para ferir o chefe da União
Popular; o seu jornal entrou no terreno da vida privada, trazendo para o
domínio da discussão os negócios do Engenho d‟água, empresa de que é
sócio Dr. Elias Martins, pertencente a uma só família, cujos membros vivem
na mais perfeita união.
Pode prosseguir; aceitamos a luta no terreno escolhido, mas o poderá em
tempo algum alegar que fomos os provocadores.
O nosso redator chefe gasta o que é seu, emprega o seu dinheiro com plena
liberdade, não prejudicou ninguém; enquanto aquele que [...]
75
73
O contexto dos ataques pessoais está vinculado às disputas políticas partidárias da época. Era comum, os
grupos derrotados nas eleições buscarem a sobrevivência em outros Estados, o que ocorreu com Clodoaldo
Freitas e Higino Cunha. Sobre essas perseguições e a vida desses literatos ver: QUEIROZ, 1998a.
74
CASTELO BRANCO, Pedro Vilarinho. Famílias e escritas: a prática dos literatos e as relações familiares em
Teresina nas primeiras décadas do século XX. 2005. Tese (Doutorado em História) Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 2005. p. 137
75
CANALHACRACIA. O Apóstolo, Teresina, ano 4, n. 190, 9 abr. 1911, p. 2.
81
Os ataques da escrita combativa” do Apóstolo geravam respostas e afrontas no jornal O
Piauí, que rechaçava as críticas procurando desqualificar as falas e insultos da oposição. Na
crônica abaixo, o jornal O Piauí rebate as provocações feitas a Miguel Rosa:
À baixa linguagem do jornal oposicionista, temos oposto uma outra, elevada
e digna, a única que se compadece com a nossa educação de cavalheiros que
se prezam e não fazem da imprensa a barreira impudica, procurando, alias,
enobrecê-la e dignificá-la.[...] No conceito de homens de bem, a oposição do
Sr. Elias Martins está definitivamente julgada e não é o juízo de
desclassificados e de ambiciosos vulgares, sem imputabilidade moral que
virá marear a reputação impoluta de nossos amigos.
[...] o pasquim que se edita numa viela dessa cidade, atirou-se em seu último
número contra nosso ilustrado e prezado colega dr. Miguel Rosa, numa fúria
de cão hidrófobo a rosnar mentiras e calúnias.
76
Durante cerca de oito meses, foi publicada no jornal O Apóstolo a série de crônicas
intitulada Mão Negra
77
, com ataques contra o governo e agressões pessoais ao governador
Antonino Freire, denominado pelo jornal oposicionista de O iconoclasta piauiense e chefe
de uma canalhacracia. O Apóstolo utilizava-se de um discurso inflamado que buscava a
mobilização da população contra as mudaas urbanas que estavam acontecendo em Teresina.
Uma das principais polêmicas teve como objeto as reformas da Praça Rio Branco.
Na crônica intitulada Atentado contra a Igreja do Amparo, condenavam-se o governador
Antonino Freire, e o Intendente municipal Tersandro Paz pelas reformas em curso na praça
Uruguaiana, futuro Jardimblico. Os governantes eram chamados de inimigos da civilização
cristã, e de partidários das ideias maçônicas diabólicas. A população da cidade foi incitada a ir
às ruas para protestar contra as obras que iriam alterar a estrutura da Igreja do Amparo.
78
Miguel Rosa é descrito por Vilarinho como sendo um homem de muita educação,
polido, advogado competente que se destacava dos homens sertanejos do seu tempo, por sua
delicadeza e sua boa educação. Apesar dessa descrição era um homem de decisões autoritárias
com seus opositores:
Miguel Rosa foi capaz de tomar atitudes duras, autoritárias e desrespeitosas
com os adversários políticos. É o mesmo Miguel Rosa que manda
empastelar o jornal católico O Apóstolo que lhe, fazia oposição e que
76
REBATENDO. O Piauí, Teresina, ano 20, n. 1120, 28 mai. 1911, p. 1.
77
Além das crônicas citadas, outras que tratam dessa polêmica são: CRITÉRIO de César. O Apóstolo, Teresina,
ano 4, n. 186, 8 jan 1911. p. 1; CANALHACRACIA. O Apóstolo, Teresina, n. 190, 9 abr. 1911, p. 2. Segundo
Melo Filho essas polêmicas duraram cerca de 8 meses. FILHO, 2000.
78
MÃO Negra. Atentado contra a Igreja do Amparo. O Apóstolo, Teresina, ano 4, n. 198, 2 abr. 1911, p. 1.
82
persegue Higino Cunha, exonerado por ele do cargo vitalício de Procurador
dos Feitos da Fazenda Estadual, de Professor do Liceu e da Escola Normal,
vendo-se mesmo obrigado a migrar temporariamente para o Acre em busca
de melhores condições de vida.
79
3.4 Modernidade: novos tempos que se anunciam através da prática da escrita
Em Teresina, a escrita de cronistas e literatos estava direcionada para as modificações
da cidade e dos costumes. Trajetórias de vida marcadas pela busca do ensino superior, pela
luta por inserção na vida potica, e por incertezas quanto aos rumos da potica afetavam
diretamente esses literatos, que através de suas escritas passam a prescrever comportamentos
sociais aceitáveis, pois naquele momento, segundo Queiroz:
Sem bandeiras políticas convincentes e sem perspectivas de um grande lugar
a ocupar, essa geração de poetas voltou-se para uma difusa luta pela
regeneração e modificação dos costumes, modificação que eles elegem como
o locus do desempenho do seu papel.
80
Abdias Neves literato, homem das letras, oriundo da faculdade de Recife, teve atuação
intensa nos debates poticos que ocorriam nos jornais de Teresina. Transformou-se em um
dos arautos dos novos tempos que se configuravam na sociedade teresinense. Crítico mordaz
dos costumes de sua época, através da imprensa, publicações, reuniões, palestras e como
redator de diversos jornais difundiu suas ideias. Seus discursos enfatizavam as questões
político-partidárias, a literatura, a maçonaria, e, sobretudo, os costumes.
81
Entretanto, interessa, nesta pesquisa, os escritos desse literato que abordaram os
costumes, isto é, as práticas correntes na cidade, pois através deste artifício Neves mostrou
sua faceta de crítico social, e principalmente, destacou a sua função de intelectual na
sociedade. Um manicaca, produzido entre 1901 e 1902, e publicado somente em 1909,
revelou-se um romance de costumes, onde Abdias Neves documentou a vida em Teresina, o
cotidiano e as artes de fazer da população. Também funcionou como veículo anticlerical, na
medida em que o autor era um dos críticos de sua época e dos valores tradicionais da
sociedade teresinense.
79
CASTELO BRANCO, 2005, p.138.
80
QUEIROZ, 1998a, p. 160.
81
Para melhor entendimento dos discursos de Higino Cunha ver: QUEIROZ, 1998a; QUEIROZ, 1998b.
83
Neves reaou algumas modificações culturais em relação à participação e à frequência
dos fiéis à igreja São Benedito, bem como à relação das pessoas com os festejos e com os
novos hábitos que se configuravam na sociedade teresinense: igreja com poucos fiéis,
geralmente mulheres, poucos homens, e as moças assíduas que não estavam interessadas nos
eventos tradicionais da igreja, mas nas festas mundanas, e frequentavam a igreja preparadas
para os bailes, e outras festas:
É o povo que enche as igrejas. E mesmo é preciso notar que os homens
estão em parcela muito pequena; são as mulheres pobres, e velhas virtuosas e
respeitadoras, que constituem a maioria. Moças da sociedade, estas só
aparecem quando música e foguetes e animação. Preparam vestidos novos
sem vestido novo não aparecem e, então, não vêm. E ele exclamava:
Que é que anima as que assim procedem? Vêm ao templo prestar culto aos
santos ou m divertir-se? Vêm divertir-se. Se viessem, apenas, por
sentimento religioso, o quereriam saber se há música e animação.
Prefeririam, mesmo, que não houvesse música, porque, assim, o
recolhimento seria maior, não seriam distraídas nas suas preces. Sem música
não vêm; por quê? Porque o que as atrai é a música, é a festa, não é o culto.
Por que não vêm sem um vestido novo? Porque vêm para ver e ser vistas,
vêm como se fossem para o teatro, ou para um baile.
82
As mudanças sociais e dos costumes das mulheres também foram alvo da crítica de
Neves, na medida em que as festas tradicionais organizadas pela igreja já não atraiam o
interesse da população de Teresina como anteriormente, e nem mesmo as doações para a
igreja eram feitas com a regularidade de outros tempos
Todos os dias há banquetes, bailes, festas profanas para as quais não
falta dinheiro: as festas da igreja são feitas cada vez com maior dificuldade,
porque o poucos os que contribuem e estão esgotados. Nem os leilões
dão mais, porque não aparecem licitantes, e as joias o laranjas, caixinhas
de segredo que não valem dez tostões, pratos de comida. Por q? Porque
diminuiu a fé, as crenças não o as mesmas, a igreja está ameaçada de
morte [...]
83
As modificações culturais estavam além das questões relacionadas ao modo de se
comportar na sociedade, e dessa forma introduziam-se também novas práticas, novas formas
de sentir e perceber o mundo. Os homens, durante as primeiras décadas do século XX, já se
82
NEVES, 2000, p. 96.
83
NEVES, 2000, p. 97.
84
permitiam demonstrar seus sentimentos de felicidade, de amor, de tristeza e de desamor. A
poesia abaixo, de Clodoaldo Freitas, retratou a sua dor diante da doença de seu filho Lucídio
Freitas:
Eu nunca me prostrei ante os altares
Nem jamais invoquei de Deus o nome;
Vendo entretanto o mal que te consome,
Ergo, contrito, ao céu tristes olhares!
[...]
Na agonia mortal dessa certeza,
Contemplo a definhar, cheio de espanto,
Gênio, glória, beleza e mocidade!
84
Clodoaldo Freitas também fez menção às mudanças nos homens com relação ao amor
romântico. Para ele, os homens da época já passavam a demonstrar seus sentimentos e
valorizavam o amor romântico
As demonstrações de sensibilidade e afeto surgiam também nas relações
entre os homens e as mulheres. Segundo Clodoaldo Freitas, os novos
homens permitiam-se viver experiências novas, valorizando o amor
romântico. Clodoaldo enfatiza, em alguns personagens, seu caráter sensível.
É o caso de Carlos, no romance Por um sorriso; rapaz bem educado, fino e
sincero nos amores, nas relações afetivas com as mulheres, sabendo respeitá-
las e amá-las. Deste modo, Carlos constrói a relação com Teresa, entrega-se
a esse amor, coloca a mulher amada como centro de seu mundo, sua musa
inspiradora, não tendo olhos para mais nada.
85
A cidade de Teresina, entre as décadas de 1910 e 1920, passava por uma série de
mudanças substanciais que afetavam as maneiras de ser do povo, bem como pela introdução
de outras formas de sociabilidades. Segundo Castelo Branco, essas transformações culturais
também afetavam os comportamentos dos meninos de elite e dos grupos médios, com a
decadência de certas práticas infantis e a incorporação de novos hábitos e sociabilidades.
86
No início dos anos 1920, entre as práticas infantis que estavam visivelmente em
decadência estava a de andar montado em carneiros, como relembra Bugyja Britto
87
:
84
FREITAS, Clodoaldo. Dor de pai. Revista da Academia Piauiense de Letras, Teresina, v. 3, [s.n.], 1921, p.
136.
85
CASTELO BRANCO, 2005, p. 133.
86
CASTELO BRANCO, 2005, p. 134.
87
Antonio Bugyja de Souza Britto natural de Oeiras nasceu em 21 de maio de 1907 e faleceu no Rio de Janeiro
em 03 de dezembro de 1992. Bacharel em direito pela Universidade do Brasil em 1933. Foi co-fundador do
85
No meu tempo de criança constituía prazer da meninada [de Oeiras] andar
passeando a carneiro, de tarde; enquanto um adulto ou senhor que tinha
realce na sociedade comprazia-se em passear a cavalo pelas ruas da cidade,
um menor animava-se em usar o carneiro. Imitando os meus colegas de
idade [7 anos] que possuíam carneiros para passeios, eu gostaria de ter o
meu[...] Meses depois viajamos para Teresina; na capital piauiense estava
caindo de moda o uso do carneiro, como montaria infantil.
88
Outro ponto bastante desanimador para literatos e cronistas da época eram as muitas
dificuldades relacionadas ao desenvolvimento de uma cultura letrada em Teresina, em face da
existência de uma grande quantidade de analfabetos, além de outros problemas, como o
pequeno número de tipografias, a falta de papel e as limitações para a publicação, um
exemplo disso é o romance Um manicaca, publicado cerca de oito anos após sua escritura.
As condições de publicação nas tipografias dos jornais, bastante rudimentares, a busca de
publicação fora do Estado, e ainda a falta de um público leitor regular, associadas a outros
inúmeros problemas, compunham um cenário bastante sombrio para o desenvolvimento da
cultura ligada à escrita.
89
Com relação ao processo de desenvolvimento de uma cultura escrita e da educação
formal em Teresina, o projeto dos literatos de construção de uma nova sociedade partia de
uma postura reformadora. Utilizavam para isso sua escrita e sua produção literária, estratégias
de ação cujo objetivo era o de provocar transformações na sociedade. Segundo Castelo
Branco:
A proposta era de que as pessoas rompessem com práticas tradicionais de
uma mentalidade rural, fundamentada na oralidade, e começassem a
incorporar, nas suas práticas cotidianas, uma relação mais estreita com a
cultura escrita, com as sociabilidades citadinas e com a escola, passando a se
subjetivarem de outra forma.
90
Castelo Branco apontou uma série de trajetórias possíveis para os homens nas primeiras
décadas do século XX, como a de Cristino Castelo Branco, e a escolha do caminho das letras
jornal O lábaro (1926), do Cenáculo piauiense de letras (1927) e colaborou também nos jornais em O Piauí, A
Imprensa, Gazeta e A revista de Teresina. Membro da Academia Piauiense de Letras.
88
Memória de Bugyja Britto apud CASTELO BRANCO, 2005, p. 49.
89
Sobre as muitas dificuldades com relação a impressão, tipografias e recursos ver: PINHEIRO, Celso. História
da imprensa no Piauí. Teresina: COMEPI, 1972. p. 26. sobre as questões relacionadas aos obstáculos para a
formatação de uma sociedade estabelecida numa cultura letrada ver: QUEIROZ, 1998a, especialmente o terceiro
capítulo.
90
CASTELO BRANCO, 2005, p. 22
86
como forma de subjetivação. Através dos relatos de Cristino Castelo Branco e de Bugyja
Britto, nos revela que existiam indícios de que a educação na cidade de Teresina abrangia,
sobretudo os grupos de elite.
A escola parece no relato de Cristino ser caminho sem atropelos, o relata
no seu período escolar a presença de atividades vinculadas ao mundo do
trabalho. Ao término das aulas primárias, engaja-se nos preparatórios do
Liceu Piauiense, dando continuidade à formação escolar. No que diz respeito
aos aspectos materiais, o fato de morar em Teresina, cidade que contava com
aulas secundárias, assim como o de ter na família parentes que haviam
alcançado a formatura superior, podem ter contribuído para que Cristino
Castelo Branco não concluísse os estudos secundários com apenas 15
anos, mas de ter, já nessa idade, ingressado no curso superior em Recife.
91
Abdias Neves, literato da época, também procurou redefinir o mundo em que vivia, a
partir de um discurso racional, de um saber institucionalizado, criando modelos que
funcionavam como prescrições de comportamento na sociedade, tanto para homens, quanto
para mulheres. Exemplo é o do personagem Praxedes, no romance Um manicaca. Segundo
Castelo Branco, Praxedes é o modelo mais bem elaborado dos novos padrões de
masculinidade que se constituíam. Bacharel em Direito, culto, conhecedor das leis, da ciência,
respeitado por seus posicionamentos políticos, era socialmente refinado, educado e polido
com as mulheres.
92
Castelo Branco ao explorar biografias e autobiografias de literatos no início do século
XX, através das trajetórias de vida, mostra que os homens das letras emergiam como modelos
de civilidade. Eram homens que possuíam uma nova forma de ver o mundo, letrados, e acima
de tudo extremamente fragmentados, imensos numa mesma comunidade afetiva, porém
divergentes quanto aos rios símbolos da modernidade. Higino Cunha, Abdias Neves,
Clodoaldo Freitas e natas Batista foram exemplos desses novos modelos de homens da
cidade e da cultura.
Para os cronistas e literatos piauienses vários hábitos se constitam em maus costumes
da população de Teresina e estes deveriam ser combatidos para a edificação de uma sociedade
civilizada. Costumes relacionados ao modos de se vestir, de falar, de se comportar em
público; proibições às práticas de andar bêbado na rua, falar alto, utilizar-se de palavrões,
fazer gestos obscenos, desacatar as pessoas com más palavras, banhar nu na Barrinha,
91
BRITTO, Bugyja. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977.
92
CASTELO BRANCO, 2005, p.137.
87
embriagar-se e fazer escândalos; desgostos com a presença de mulheres descabeladas e
brigando na rua, fazendo algazarra e até mesmo com a presença de crianças em festas. Os
literatos, como os cronistas, tratavam das dificuldades para a constituição de uma sociedade
civilizada em Teresina.
88
4 A ESCRITA RESSENTIDA DE CRONISTAS E LITERATOS PIAUIENSES
O objeto deste capítulo é explorar a dimensão dos ressentimentos na escrita de literatos
e cronistas, já que muitos autores piauienses do período em questão demonstraram esses
sentimentos em sua escrita, que se revelaram através de poemas, crônicas, em livros e em
publicações diversas. Queiroz explicita que a produção de muitos escritores desse período era
marcada por ressentimentos associados a várias razões: por o terem fama, devido às
condições financeiras, pelas incertezas quanto à posteridade de suas obras, por o
conseguirem se firmar nos grandes centros, pela não inserção no serviço público local, pelos
insucessos na potica, por habitarem um Estado de características provincianas.
1
Entre os
sentimentos presentes na escrita dos literatos Queiroz destaca: a saudade, o amor, a
melancolia, a dor pela morte de entes queridos, como irmãos, pais e amigos.
Entretanto, pretendo ir além desses sentimentos citados e estudados, elaborando um
inventário dos ressentimentos ligados aos constrangimentos provocados, produzidos, e ou
sentidos pelos habitantes que não se ajustavam aos novos parâmetros da modernidade e da
civilidade. Assim, o ponto central de discussão deste capítulo não é a questão da civilidade,
prescrita pelos cronistas em sua escrita, e sim as das ressonâncias produzidas por essa não
adequação aos novos modelos de se comportar e viver na sociedade teresinense do início do
século XX.
Segundo Bresciani e Naxara o termo ressentimento está ligado a sentimentos como o
rancor, a inveja, o desejo de vingança, o fantasma da morte, ou mesmo ao ódio recalcado,
sendo que esses sentimentos geralmente estão ligados à parte sombria e inquietante da história
do ser ou da coletividade. Outro aspecto importante é que o ressentimento pode estar
associado diretamente a uma sensão de impotência para exprimir de forma ativa aqueles
sentimentos, ou mesmo à experiência renovada de uma impotente hostilidade.
2
O desejo de modernidade contrastava com a realidade concreta. Teresina era um lugar
de poucas oportunidades, onde praticamente tudo demorava a se concretizar, desde o
calçamento, energia etrica e até mesmo um blico alfabetizado. Viver na cidade em que os
valores de uma vida tradicional estavam enraizados e onde a modernidade e os padrões de
civilidade demoravam a se instalar, contribuía para que na cidade predominasse um cotidiano
1
Todos estes aspectos mencionados foram pesquisados na obra: QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a
República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina/João Pessoa: EDUFPI/EDUPB,
1998a. p. 122-135.
2
BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (Org.). Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão
sensível. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p. 15.
89
marcado por mexericos, por intrigas e pelo hábito de falar da vida alheia que gerava conflitos
e sentimentos diversos.
As crônicas elaboradas no período em questão auxiliaram a entender melhor a sociedade
teresinense, com seus personagens pitorescos, e com suas histórias e projetos vitoriosos ou
malogrados. As práticas discursivas dos cronistas, com seus projetos de construção de novas
sociabilidades dentro de um padrão europeu conviviam com os embates advindos da não
adequação aos novos modelos e padrões de vida.
Bresciani ressalta a existência de diversidade de formas de ressentimentos, que podem
ser subdivididos de acordo com a sua intensidade. Para ela, é mais fácil traçar a história de
ódios do que a história dos fatos objetivos o que constitui uma dificuldade para os
historiadores, que devem ter cuidado redobrado na análise dos ressentimentos. É tarefa dos
historiadores compreender precisamente o não dito, o que não está explícito, o não
proclamado, aquilo que é negado e que se constitui no móbil das atitudes, concepções e
percepções sociais.
3
Para Bresciani e Naxara, memória e ressentimento são duas dimensões inefáveis da
condição humana, e se manifestam quando o somos induzidos ou constrangidos a expor,
por meio da linguagem, aquilo que guardamos no mais profundo de nosso foro íntimo. Os
ressentimentos existentes na escrita de cronistas e literatos piauienses se enquadram nessa
perspectiva, desde que os ressentimentos estão presentes, nas memórias biográficas e
autobiográficas.
4
Assim, neste capítulo, elaboro um quadro de ressentimentos sob quatro perspectivas:
primeiro, analisar os ressentimentos resultantes das críticas dos viajantes sobre a cidade e as
imagens construídas sobre esta, devido à falta de infraestrutura ou à ausência de um aparato
que a caracterizasse como uma cidade moderna; segundo, explorar a dimensão das mágoas
familiares que resultaram dos choques dos novos moldes de comportamento com os velhos
hábitos tradicionais da sociedade teresinense; terceiro, analisar os ressentimentos com relação
às mudaas de comportamento e aos novos hábitos femininos que introduziam outros
costumes, nem sempre bem vistos; e, por último, a recusa à modernidade e as ambiguidades
geradas com aceitação e/ou a negação das mudanças que estavam ocorrendo no início do
século XX.
3
BRESCIANI; NAXARA, 2004, p. 29.
4
BRESCIANI; NAXARA, 2004, p .9.
90
4.1 A cidade ressentida à espera da modernidade
Os escritos sobre a cidade de Teresina no início do século XX caracterizaram-se pelas
queixas e incertezas que a modernidade estava inaugurando. Os ressentimentos eram comuns
a respeito da falta de um aparato técnico, das deficiências da cidade, da demora da efetivação
do projeto modernizador das elites, das críticas dos viajantes, da pobreza existente e da
persistência dos costumes tradicionais. Esses aspectos geraram uma escrita ressentida sobre a
cidade.
Na abertura do primeiro volume da obra Teresina descalça, Orgmar Monteiro, ao
justificar o título do livro, revela que ele nasceu de uma goa de criança. Monteiro afirmou
que o título do livro originou-se da zombaria de duas primas de Belém que vieram passar as
férias em Teresina. As meninas, através de ironias, ridicularizavam a cidade quanto ao seu
tamanho, e por não ter calçamento, além da ausência de outros melhoramentos.
Belém, na época era uma metpole, se comparada a Teresina, as duas primas
zombavam do menino Orgmar que ficava tão constrangido e aborrecido com o sarcasmo delas
que o assimilaria e o transformaria em título de suas memórias, muitos anos depois. O
descalço do título remete diretamente a uma conotação de pobreza que envolveu uma
construção discursiva sobre Teresina no início do século XX. Segundo Orgmar Monteiro:
Teresina era uma cidade sem calçamento.
As crianças andam descalças pela força telúrica do contato com a terra e os
pobres pela força da penúria que não lhe permite andar calçados. Ambos
estão de pés descalços. Teresina tinha essas duas forças: era o período de sua
infância. A escassez de recursos não lhe permitia calçar as ruas. São estas as
lembranças mais recuadas que guardei.
Evidencia-se a conotação da pobre menina com a cidade pobre.
A cidadezinha jovem e pobre. Menina aldeã. Capital provincial. Provinciana
criança. Uma e outra se retratam qual imagem reproduzida num espelho.
O esforço de memorizar o que vi e ouvi para descrever o que me ficou
n‟alma nos tenros anos destacou-se nas lembranças pelo que as duas primas,
Lourdes e Lulinha, contaram-me da sua cidade natal, Belém.
Cidade calçada de paralelepípedos.
5
5
MONTEIRO, Orgmar. Teresina descalça: memória desta cidade para deleite dos velhos habitantes e
conhecimentos dos novos. Fortaleza: Edições Ioce, 1987. v. 1, p. 19.
91
Em 1915, Bugyja Britto, com então 7 anos de idade, veio de Oeiras para Teresina com
toda a sua família, e entre as justificativas citadas para a mudaa, destacou a busca de
melhores oportunidades de emprego para o pai e de melhores condições de educação para as
crianças, já que Teresina era a capital do Estado. Britto, ao narrar a transferência de sua
família de Oeiras para Teresina, também revelou um grande ressentimento ao se referir à
perda da hegemonia da antiga capital do Piauí. Durante toda a narrativa, o autor descreve de
forma ressentida e cheia de saudosismo os tempos áureos de sua terra natal. Assim Bugyja
Britto se referiu à velha cidade:
Ainda hoje estou a recordar o último dia em que deixei essa legendária terra,
em que meus olhos de criança aos sete anos e dez meses de idade
vislumbraram pela última vez o perfil gracioso dos morros circundantes e o
coleio vaidoso do murmurante Mocha [...]
Oeiras epopéia dos meus sonhos, fonte gotejante de minhas recordações,
alma dos meus versos, esperança da minha existência, estímulo do meu
trabalho cotidiano, felicidade de minhas filhas!
6
Para ele, Oeiras simbolizava uma civilização original, uma vez que descendia da fusão
da cultura portuguesa, da indígena e a africana. Bugyja Britto descreveu a Oeiras do passado
como uma metrópole do sertão nordestino que viveu seus dias históricos no século XIX,
protagonizando as lutas pela independência, e que teve ainda uma efetiva participação no
envio de voluntários para a Guerra do Paraguai, além de ter sido o centro de outros fatos
importantes como as lutas poticas contra o Visconde da Parnaíba.
7
Lucídio Freitas, outro poeta piauiense do início do século XX, no poema Evocações,
recordou a sua terra natal e a sua gente como sendo um patrimônio precioso. O poema
rememorou uma cidade sem o aparato da modernização, um lugar afetivo que o poeta guarda
na memória sendo que o tempo que ficou dela distante foi caracterizado como angustiante e
doloroso. Segundo Lucídio:
Como é bom recordar... Lembrando, a gente
Como num sonho de ouro se ilumina.
Recordação é fonte, alta e divina,
De onde brota o consolo do presente [...]
[...] Teresina apagou-se na distância
Ficou, longe de mim, adormecida,
Guardando a alma de sol da minha infância
6
BRITTO, Bugyja. Narrativas autobiográficas. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1977.
7
BRITTO, 1977, p. 129
92
E o minuto melhor da minha vida.
E eu sigo, e eu vou para a perpétua lida,
Espera-me, distante, uma outra estância...
É a parada da luta indefinida,
É a minha febre, minha dor, minha ânsia...
Como são infinitos os caminhos!
E como agora estou tão diferente,
Carregado de angústias e de espinhos! [...].
8
Freitas fez uma caracterização da vida no campo, suas origens e seus hábitos, vida
considerada “humanamente boa, simples e perfeita”. Ao lembrar-se do seu passado,
caracterizou de forma saudosista a cidade de Teresina, comparando as pessoas de fora com
seus os conterrâneos. O autor revelou a vida social de Teresina com uma predominância de
hábitos rurais, a presença de boêmios trovadores, as canoas atravessando o rio, o canto das
aves, o desabrochar do sol, o trabalho diário dos pescadores, e dos agricultores que ganhavam
o “pão” na lida com a roça, o contentamento dos roceiros em sustentar a família com o
trabalho, a religiosidade do povo e as procissões no largo da Igreja do Amparo.
Outro aspecto interessante e revelador do poema era que cidade e campo se misturavam
numa mesma Teresina, mostrados de forma diferente como se fossem dois locais contrários.
Entretanto, constituindo a mesma cidade. Teresina, naquele momento, para o autor era um
lugar em que a modernidade chegava lentamente. Uma terra apontada como sendo cheia de
humildade, sem tumultos, sem desordens ou movimentos bruscos que alterassem o ritmo de
vida, onde o progresso demorava a chegar, onde as pessoas viviam na mais perfeita
simplicidade, e mesmo sendo uma terra primitiva tornava-se sua cidade adorada.
a cidade grande é qualificada como um lugar que embriaga e atordoa, de vida dura,
de barulho infernal e doentio, de aspecto sombrio, e de futuro incerto para os homens, com a
presença de uma multidão faminta pelas ruas, um lugar que a população vive embriagada de
prazer. Dessa forma, podemos perceber que Teresina, na visão do poeta Lucídio Freitas estava
mais próxima da cidade provincial, e do interior do que da metrópole que atordoa e
impressiona. Segundo Freitas, a cidade moderna produzia pessoas com as seguintes
características:
Que de palermas e idiotas,
Digo, lançando um olhar pela Cidade,
8
FREITAS, Lucídio. Evocações. In: ______. Poesia completa. Teresina: Convênio APL/UFPI, 1995. p. 137.
93
Hão de surgir
Neste Amanhã que vem desabrochando!...
O sêmen procriador destes janotas
Há de somente produzir
Toda uma geração de inconscientes,
De espíritos doentes,
Que nascem logo os hospitais buscando [...].
9
Na visão de Lucídio Freitas certos costumes da população estavam diretamente
relacionadas à vida na cidade, enquanto outros eram ligados ao campo. Para Raymond
Williams existe um embate retórico tradicional vindo desde a literatura grega e a latina entre a
vida urbana, caracterizada pela ganância, barulho, mundanidade e ambição, e a vida do
campo, marcada pela paz, inocência e por virtudes simples. Segundo Williams, foi a partir de
Roma que esse contraste se cristalizou, e a cidade passou a ser vista como um organismo
independente e um lugar de corrupção dos costumes, onde se aglomeravam cafetinas,
acompanhantes profissionais, donos de salões, malandros e prostitutas.
10
Clodoaldo Freitas, no conto intitulado Mãe dolorosa, revelou muitos aspectos do
cotidiano de Teresina, especialmente os hábitos da população. Alguns lugares citadinos foram
caracterizados como locais onde se encontravam moças decaídas, caso das proximidades das
margens do rio Parnaíba e dos arredores da praça Rio Branco, com o cessar da luz, e após a
cidade ficar às escuras. Freitas mostrou outras sociabilidades que se constituíam nos espaços
da capital. Com essas descrões flagrou a cidade e seus limites. Outro ponto importante
exposto no conto foi a própria sensibilidade do autor em relação à modernidade, às mulheres e
aos costumes.
Teresina era uma cidade que diferia do modelo desejado por uma parcela dos habitantes,
e esse tipo de situação se configurou bem na escrita de Clodoaldo Freitas. Em Mãe dolorosa,
Freitas narrou o relacionamento amoroso de um rapaz com uma prostituta, que posteriormente
engravidou, mostrando que ele a namorava na praça Rio Branco, depois que as luzes se
apagavam.
Em Mãe dolorosa, o autor comparou Teresina a uma cabocla, nova, bonita, vestida de
chita e de pés descalços, pois mesmo a praça Rio Branco sendo o centro da cidade, e tendo
recebido certos benefícios para seu embelezamento, contudo, quando se olhava para o chão
era como se a cabocla toda bonita e vestida de seda, mas de pés descalços, lembrasse a
pobreza da terra.
9
FREITAS, 1995, p. 19.
10
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras,
1999. p. 70-75.
94
A noite estava fresca e silenciosa. Saí com Maria em passeio pela cidade.
Entramos no jardim da praça Rio Branco e nos sentamos em um dos bancos
mais retirados. Poucos transeuntes e estes mesmos soldados e prostitutas.
Aquele silêncio embelecia a paisagem. Os focos elétricos haviam sido
extintos, como de costume. A civilização piauiense só dura até às 22 horas.
Daí em diante, Deus encarrega-se da iluminação pública. A luz elétrica de
uma cidade suja e barbarizada como Teresina, a idéia de uma cabocla
vestida de seda e descalça [...].
11
Ao comentar que Teresina tinha iluminação até às 22h, Clodoaldo caracterizou e
evidenciou a precariedade das condições materiais da cidade. Posteriormente, afirmou que o
casal ia para as ruas mais escuras onde ficava o Armazém do Porto, e ficava namorando no
escuro, pois era um local em que não existia iluminação alguma.
Saímos e fomos a passos lentos, muito aconchegados e silenciosos até
o rio e
nos sentamos em um dos bancos, sob o arvoredo em frente do escritório da
Companhia. O silêncio era completo e a escuridão profunda. Apenas
ouvíamos, de vez em quando, o grito estrídulo dos doidos do Hospício ou o
brado de alerta das sentinelas da Casa de Detenção.
12
Na crônica Uma necessidade, a precária iluminação pública da cidade de Teresina era
exposta, sendo que a ausência de luz afetava as imediações do Teatro 4 de Setembro, na
época, um dos espaços mais frequentados pela sociedade teresinense. Nesse texto, o cronista
clamou pela regularização do serviço de iluminação no principal ponto de diversão da cidade
e atribuiu esse problema à falta de recursos da municipalidade.
Impõe-se, como necessidade de alto alcance, uma iluminação regular no
Teatro 4 de Setembro que é o principal ponto de diversões da sociedade
teresinense.
A iluminação até hoje adotada ali não satisfaz perfeitamente os seus fins.
Deve-se cogitar de um outro meio, que dê melhores efeitos.
A luz acetilênica, atualmente, é a que se vai desenvolvendo por toda a parte,
e, assim, deve o poder competente providenciar para que seja adquirido um
dos respectivos gasômetros, para com ele ser dotada a nossa casa de
espetáculos.
A nossa crise financeira é difícil, sabemo-lo, mas a despesas com um
daqueles aparelhos não é grande e será de mui agradáveis resultados.
13
11
FREITAS, Clodoaldo. Mãe dolorosa. Correio do Piauí, Teresina, ano 1, n. 61, 15 dez. 1921.
12
FREITAS, 1921.
13
UMA NECESSIDADE. Gazeta, Teresina, ano 5, n. 200, 26 maio 1909, p. 2.
95
Existem muitas outras referências à cidade do ponto de vista da ausência dos artefatos
urbanos que caracterizavam uma cidade moderna. Essa ausência era vista como um objeto de
sofrimento e de vergonha por muitos cronistas, devido principalmente, às críticas de fora da
cidade, que desqualificavam Teresina do ponto de vista do aspecto da urbanização, bem como
em relação a outros pontos, como as relações familiares, os costumes e a existência de hábitos
considerados provincianos.
Teresina era uma cidade que se pretendia moderna, e a própria existência do teatro,
além de seus muitos usos, já significava uma diferença em termos de padrões de civilidade.
Contudo, o acesso ao teatro e a outras ruas centrais da cidade se tornou inviável, visto que as
ruas estavam repletas de areia e lama, sendo comum as pessoas escorregarem e caírem em
buracos, o que acarretava muitos transtornos, fazendo as pessoas chegarem sujas ao teatro ou
terem que voltar para casa.
Na coluna Pela cidade, temos um relato sobre dois viajantes e suas reações diante dos
problemas da cidade. O cronista mostra-se preocupado com a imagem de Teresina que esses
estrangeiros teriam diante dos problemas estruturais atestavam a pobreza e o distanciamento
da civilização. Os problemas da cidade, como a falta de infraestrutura, denunciava um
distanciamento dos ideais de modernização.
Assim, era frequente que os viajantes fizessem comentários depreciativos sobre a
cidade. Na coluna Pela cidade, o redator afirmou que dois viajantes passeavam pelo centro de
Teresina quando ficaram represados pelas águas das chuvas que escoavam pelas ruas e os
mesmos começaram a soltar pilhérias acerca da cidade. Nesse texto, podemos perceber um
ressentimento na escrita do cronista resultante da crítica dos viajantes sobre Teresina, e um
constrangimento pelas zombarias de que a cidade era objeto. Nessas críticas, predominava
uma visão de que Teresina era uma cidade pequena e que não possuía artefatos como os
existentes em outras cidades da época como Recife, Belém e Rio de Janeiro.
Ainda poucos dias, dois spedes estrangeiros, segundo fomos
informados, estancaram, após uma chuva, na confluência da rua Quintino
Bocaiúva com a Paissandu, a espera da vazante, para poderem atravessar
uma dessas ruas. E enquanto esperavam, revelavam algum humor a respeito
do embaraço [...].
14
Porém, os viajantes também eram um alvo dos cronistas, eles eram ironizados e seus
comportamentos considerados artificiais, como o modo de vestir e de se comportar. Elias
14
PELA CIDADE. Gazeta, Teresina, ano 4, n. 138, 18 mar. 1908, p. 2.
96
Martins narrou que os caixeiros viajantes que chegavam a Teresina eram bem recebidos e
tornavam-se referência de comportamento e de vestir. Os viajantes seduziam os consumidores
com as suas novas mercadorias, ganhavam fortunas, despertavam admiração e inveja, e se
transformavam em ídolos entre os carregadores manuais e os funcionários de hotéis que os
recebiam. Martins ironiza a plena disponibilidade dos carregadores e funcionários para
receberam ordens que logo eram obedecidas com capricho e ânsia.
Ninguém excede os bandoleiros do tráfico, longe das firmas que
representam, gastando como incógnitos príncipes em excursões a estranhos
reinos. Sempre de branco, de puro e lustroso linho, da mesma cor chapéus e
botas, bengala de castão doirado, são pelas ruas prenúncios vivos, regulando
a marcha dos satélites em vultosa cauda.
15
4.2 Os ressentimentos familiares na escrita de literatos piauienses
Outro tipo de ressentimento presente nas escritas de literatos e escritores piauienses do
início do século XX era a mágoa familiar. Escritas sentimentais apareciam marcadas por
lamentações sobre a relação entre sogro e genro ou entre pai e filho e revelam um pouco do
universo cotidiano dos literatos piauienses.
Antonio Bugyja de Souza Britto ao descrever seu pai, Raimundo de Souza Britto, em
suas memórias autobiográficas também o fez de forma ressentida. Expõe que não
compreendia o comportamento desregrado de seu pai, e que o levava a sucessivos erros,
que o mesmo tivera uma boa crião e educação e que gozara ainda de recursos financeiros,
de boa e liberal orientação paterna e materna e ainda por contar com exemplos de civismo,
juízo e intelectualismo sadios na família.
Bugyja Britto sugeriu que o comportamento de seu pai, caracterizado como uma figura
singular, de espírito irrequieto e indisciplinado e de comportamento desregrado poderia ter
origem em problemas psíquicos. Contudo, nas opiniões da mãe e da avó de Bugyja, o seu pai
se igualava nas idéias, nos costumes e nas práticas ao seu avô materno Dr. Manoel Pereira da
Silva e ao seu tio materno Licurgo de Paiva. Dois indivíduos que haviam fracassaram na vida,
apesar da intelincia, dos bens herdados e da personalidade forte. Sobre o seu pai, Bugyja
Britto o descreveu como:
15
MARTINS, Elias. Fitas. Teresina: Tipografia do Jornal de Notícias, 1920. p. 53.
97
Ele seria (e não foi?) um sonhador e, como tal, um desinteressado dos
problemas materiais que dizem respeito a si mesmo.
Dele se poderia ainda dizer, sem pecha de injustiça, mais isto: não fazia
amigos e reclamava por não tê-los; gostaria de melhorar na vida, mas uma
força estranha, ao que parece, obumbrava o gosto que tivesse; era
inteligente, mas agia sem aplicar a sua inteligência; tinha leituras e, portanto
conhecimentos úteis, mas não usava o que sabia de acordo com esses
conhecimentos, não era de má índole e tinha rasgos de cavalheirismo.
16
Bugyja Britto, em tom de melancolia, revelou a não adaptação de seu pai aos digos
urbanos de civilidade de Teresina. Esse ressentimento familiar derivou, talvez, do choque
entre o modelo masculino tradicional e os novos modelos de masculinidade que se
instauravam na sociedade teresinense do início do século passado. Britto afirmou que as
dificuldades ecomicas começaram no segundo ano após a chegada em Teresina (1917),
quando o seu pai fora demitido do emprego na farmácia Collect, que era a mais importante da
cidade na época. Sobre o fracasso do pai, Bugyja Britto revelou que:
Os empregos públicos (em número de dois) que ele obtivera em Teresina,
por influência do Cel. Antônio de Campos, um leader da política estadual de
eno e nosso aparentado de Oeiras, alijou-os mal começara a trabalhar
neles; os empregos tinham chefes e, portanto, qualquer funcionário estaria
sujeito a obediência regulamentar [...] Há, aí, nessa visão de conteúdo
indisciplinado, uma manifestação de euforia perturbada segundo os
entendidos que andaram estudando esse fenômeno de reações que se
chocam: quer ser obedecido, mas não quer-se ser obediente...
17
O comportamento do pai de Bugyja Britto poderia estar associado a um sujeito que
tinha dificuldades de se relacionar com outras pessoas, principalmente no que se referia às
relações que estão sujeitas a obediência. Britto descreveu seu pai como um sujeito fruto das
relações sociais do final do século XIX e de difícil adaptação aos novos códigos de civilidade
da modernidade, e assim afirmou:
Todavia, parece-me que um motivo importante foi o gênio do meu pai,
carregando um desajuste nas relações da vida em sociedade. É que o seu
temperamento exaltado e ao mesmo tempo tímido, as suas ideias
revolucionárias ou de pregação em favor de uma luta social renovadora, o
seu idealismo por uma existência melhor para o homem através de uma
filosofia própria, tornava-o um elemento bizarro na sociedade de que era
parte.
18
16
BRITTO, 1977, p. 175.
17
BRITTO, 1977, p, 177.
18
BRITTO, 1977, p, 95.
98
Higino Cunha, ao narrar suas memórias, revelou um profundo ressentimento com
relação a seu sogro, em virtude principalmente da inflncia deste sobre a sua vida conjugal.
Em Memórias: traços autobiográficos
19
Cunha escreveu um capítulo que tratou
especificamente da relação com seu sogro, o Coronel Manuel Raimundo da Paz
20
e da
interferência dele sobre sua vida afetiva. Cunha descreveu que a interferência do seu sogro se
dava:
Sob pretexto de seguir viagem logo depois do ato matrimonial, meu sogro
me reteve em sua casa, não consentindo que o novel casal fizesse ménage à
parte, nem partisse imediatamente para o seu destino, partida que só se
realizou em setembro. Foi o primeiro erro depois do casamento [...] Daí por
diante, nunca mais cessou a interferência do sogro na minha vida conjugal,
tornando-se o maior embaraço em todas as minhas legítimas aspirações de
independência [...].
21
Contudo, antes da publicação do seu livro de memórias, Cunha fez modificações no
capítulo que tratou da relação com seu sogro, a pedido do seu cunhado. É possível, porém,
que como forma de protesto e para evidenciar que a sua relação com seu sogro não era das
melhores, Cunha, em seu livro de memórias conservou o início e o final do texto original,
suprimindo assim, a parte em que tratou especificamente de Manuel da Paz. O autor, todavia,
deixou no texto original uma parte considerável de retincias entre os parágrafos, como
forma de demonstrar que ali existia algo escrito e que foi suprimido.
Outro ponto importante é que tulo do capítulo difere do que aparece no sumário do
livro. Talvez propositadamente, Higino Cunha tenha conservado o título original no sumário -
A influência nefasta do meu sogro na minha vida conjugal - e no interior do livro colocado o
texto modificado intitulado de a Interferência indébita do meu sogro em minha vida conjugal
para revelar ao leitor que o texto fora modificado.
Higino Cunha em suas memórias revelou-se também bastante frustrado com os rumos
que sua vida tomou e diante das desavenças familiares e poticas. Considerando sua trajetória
profissional e pessoal Cunha expunha amargura, seja por não ter alcançado melhores postos
na administração pública, seja por não ter sido exaltado pelas glórias das virias políticas
obtidas, e também por não ter enriquecido ou ter que sobreviver de escassos recursos obtidos
19
CUNHA, Higino. Memórias: traços autobiográficos. Teresina: Imprensa Oficial, 1939.
20
Manuel Raimundo da Paz. Rico comerciante de Teresina, estabelecido à rua Paissandu. O Coronel Manuel da
Paz foi um homem de grande influência na sociedade teresinense do início do século XX, chegou a exercer o
cargo de Intendente Municipal de Teresina entre os anos de 1893 a 1896.
21
CUNHA, 1939, p. 95.
99
através de uma aposentadoria de R$700$000, depois de mais de 40 anos de serviços prestados
ao Estado. Cunha afirmou que:
Todos os meus companheiros ou êmulos conquistaram melhores posições
dentro e fora do Estado, alguns deles viveram ou continuaram a viver vida
folgada em sinecuras pomposas, enquanto eu sempre andei lutando contra a
adversidade para não ser esmagado pelos meus concorrentes e servindo de
agulha para muita linha ordinária. Meu consolo, embora amargo, é que cada
um obra conforme a sua natureza e as circunstâncias do meio ambiente. Fui
sempre muito maltratado pelos meus desafetos, que não me pouparam os
apodos mais acerbos.
22
Outro episódio que pode caracterizar um ressentimento na escrita de escritores
piauienses foi a retirada do sobrenome Castello Branco por Silvestre Tito Castello Branco dos
seus filhos, devido às desavenças familiares. O interessante desse fato é que se repercutiu,
mas não foi mencionado o motivo real, ou os motivos dessa discórdia. Segundo Cristino
Castelo Branco, Arimathéa Tito, pai e filho, amputaram o sobrenome Castello Branco por
discórdias familiares de seus avôs. É possível que Cristino não tenha esclarecido tal fato, por
realmente não saber os motivos, já que seu livro constituiu-se de narrativas correspondentes
às suas memórias.
23
Lili Castelo Branco, nascida em Portugal, criada em Belém, casou-se com Heitor
Castelo Branco, homem de posição social e prestígio potico, senador, deputado federal,
fazendeiro e rico empresário. Lili mudou-se para Teresina e ao chegar à cidade, despertou
atenção da sociedade teresinense por ser uma mulher sociável, jovem, bonita, moderna, de
classe média, de hábitos refinados, que usava roupas elegantes, sapatos finos e que gostava de
ler, escrever e circular pela cidade, além de ser casada com um homem 21 anos mais velho do
que ela.
Antes de vir a Teresina, Lili rememorou que fora alertada previamente pelo Marechal
Pires Ferreira de que estava rumando para a uma sociedade diferente, de gente boa, mas
atrasada, uma sociedade onde a civilização ainda não tinha chegado. Pires Ferreira alertara de
que ela seria uma presa fácil, devido a seu comportamento desprendido e por sua
inexperiência, mas principalmente por Teresina ser um ninho de fuxicos. Lili assim descreveu
a vida em Teresina no início da década de 1920,
22
CUNHA, 1939, p. 97.
23
CASTELLO na Casa de Lucídio Freitas. Discurso de posse de Carlos Castello Branco na Academia Piauiense
de Letras. Teresina: [s.ed.], 1984, p. 11.
100
Infeliz da criatura que cai nas malhas de uma cidade atrasada, gente
desocupada e maldosa, como Teresina dos anos de 1922, que vivi. Só havia
uma opção para escapar dos fuxicos: ou ser hipócrita ou totalmente
destituída de vaidade, inteligência e beleza. Eu era exatamente a presa
preparada para ser focada, tinha todos os requisitos necessários para chamar
a atenção e provocar mexericos.
24
No livro Fases do meu passado, Lili Castelo Branco fez um relato ressentido de seu
passado, e da sociedade teresinense que, para ela, era marcada pelo hábito de falar mal da vida
alheia. O fato de ter morado no Rio de Janeiro por muito tempo, de ser culta, de o marido ser
mais velho e permitir que ela circulasse pela cidade e que cumprimentasse as pessoas, gerava
comentários maledicentes e impertinentes que causavam mal estar em Lili. A autora mostrou-
se ressentida com a sociedade teresinense da época, e assim a descreveu:
Os dias corriam, eu os achava monótonos e se não tivesse aquela filhinha
adorada, pior, não suportaria a vida rotineira de Teresina antiga.
Fiscalizavam-me tudo, opinavam sobre o que eu usava ou fazia como se eu
fosse um ser à parte.
25
A relação entre Lili e sua sogra Dona Candinha fora marcada por conflitos, mas Lili
afirma que relevava e aceitava as críticas e observações impertinentes da sogra pela
necessidade de preservar a relação com a família e para não desagradar a seu marido. Em suas
memórias, assim descreve a sua relação com a sogra:
Ganhei, creio eu, porque nunca lhe dei uma resposta atrevida, jamais lhe
desobedeci. Era minha sogra, tivesse os defeitos que tivesse, era a mãe de
meu marido, a obrigação que tinha era respeitá-la, não desgostar uma
senhora de idade que afinal fazia tudo sem intenção de humilhar, era
caridosa. E, jamais, procurei fazer desmerecer, com conversinhas queixosas,
o prestígio que ela tinha junto ao filho. Por vezes, custava-me aceitar as
decisões dela, preponderantes,mas submetia-me e me adaptava a elas.
26
Segundo a memorialista, Lilli Castelo Branco, todos os seus passos eram monitorados
pela família de seu marido, as roupas adequadas ou não para ocasiões, a quantidade de
sapatos, a qualidade de suas roupas íntimas, uso de perfumes e até mesmo hábitos
corriqueiros, como os de ler e escrever. A sogra Dona Candinha recriminava Lili por ter
24
CASTELO BRANCO, Lili. Fases do meu passado. Teresina: [s.n.], 1983. p. 98.
25
CASTELO BRANCO, 1983, p. 86.
26
CASTELO BRANCO, 1983, p. 83.
101
escrito um artigo elogiando Celso Pinheiro e que teria despertado falatório geral da sociedade
teresinense:
- Soube que vive estudando e isso não é mais para você. Escreveu um
artigo elogiando muito Celso Pinheiro e isso tem dado o que falar. Minha
filha, tenha cuidado, aqui de tudo se comenta. Que é que você quer
escrevendo sobre homens, ou mesmo mulheres, isso deixe para os poetas.
Hoje é só no que se fala, nesse artigo, você tem o nome de seu marido a
zelar. Sei que não fez com má intenção, mas foi um ato reprovável. Deixe
esses estudos, cuide de seus enteados e filhos e nada mais. Jura Lili, que
nunca mais fará esses escritos bestas? Heitor é por que acha tudo bem, mas,
francamente, fica muito mal a uma senhora de família andar fazendo artigos
de jornal, uma vergonha.
27
4.3 Mulheres pobres, decaídas e sem atrativos
A degradação masculina era objeto comum em muitas crônicas, entretanto, quando se
tratava da mulher, o posicionamento dos cronistas era mais incisivo e marcado pela crítica
exacerbada e crua. Havia crônicas a respeito da nudez, da pobreza, dos crimes, e dos atos de
violência sofridos e cometidos por mulheres. Alguns textos relatavam a pobreza e a
degradação das mulheres de Teresina. Muitas vezes essas crônicas tinham um caráter de
denúncia, reaavam a dimensão grotesca dos fatos, quase sempre relacionados à vida de
mulheres pobres:
[...] Há muito tempo assiste à margem do Parnaíba, deste lado, nas alturas da
rua S. Antônio, a infeliz mulher Maria José, cujo estado deve fazer comover
o coração das próprias feras.
O rosto coberto de feridas, cheia de fome, tendo sobre si miseráveis farrapos
que lhe deixam a descoberto as regiões do pudor, - a desgraçada vítima ali se
acha implorando a caridade que ainda não lhe ouviu as súplicas doloridas.
Apenas fizeram-lhe um cercado onde recolheram-na.[...]
28
Em uma crônica da série em Aos domingos, Clodoaldo Freitas demonstrou
ressentimento com relação às mulheres e a seus novos papéis sociais. Freitas, ao realçar
aspectos como a maternidade, o papel da mulher na sociedade e na educação dos filhos
evidenciou que o mundo urbano e a modernidade modificaram radicalmente os hábitos
femininos, como os de amamentar e de cuidar dos filhos.
27
CASTELO BRANCO, 1983, p. 89-90.
28
INFELIZ Mulher: Moléstia, fome, nudez num cercado. O Correio, Teresina, ano 1, n. 6, 18 jul. 1901, p. 3.
102
Em tese geral, eu sou, em absoluto, contra toda a intervenção estranha na
educação da infância, porque penso que o primeiro lapidar desse formoso
diamante pertence à mãe, como o primeiro leite. É um dos mais suaves
encargos da maternidade essa iniciação da infância no conhecimento exato
das coisas.
As mães preguiçosas podem passar o serviço da primeira educação dos
filhos aos mestres, que os não amam, como podem passar o serviço do
primeiro leite às amas. Mestres e amas mercenários não podem substituir os
desvelos próprios de uma mãe e a criança precisa deles para entrar na vida
precavida contra os perigos e misérias que a cercam. Nada equivale ao amor
materno e, por outro lado, a criança educada artificialmente por estranhos,
aprende a desamar a família e a ser hipócrita.
Por mais que o mercantilismo pedagógico crie jardins de infância, eu prefiro
a criança no lar, recebendo na família as primeiras noções das coisas.
29
Esse ressentimento de Clodoaldo Freitas acerca do papel feminino na sociedade também
se relacionava a outras questões como a escolarização das mulheres, a recusa à execução de
serviços domésticos, a demora para a realização dos casamentos, mas principalmente, estava
relacionado ao inmodo provocado pelas mulheres, devido ao desenvolvimento da vida
urbana e à modificação nos costumes como o surgimento do feminismo.
Algumas críticas dos redatores tinham uma preocupação moral, como que condenavam
as relações extraconjugais e as que buscavam reforçar o matrimônio. Na crônica Infanticídio,
o cronista enfatizou que um dos motivos para a prática do aborto por algumas mulheres era o
fato de os filhos serem gerados fora do casamento e, assim, como as mulheres não podiam
assumir publicamente sua gravidez, terminavam por praticar tal ato.
Na rua das Pedras, no dia 8 deste, o povo comentava pela manhã, um fato
revoltante. No quintal da casa de Maria Rosa de Jesus uns porcos foram
encontrados comendo um cadáver de uma criança recém-nascida. O ventre
da criança estava dilacerado, o braço direito comido. Avisada a polícia, esta
compareceu ao local e transportou os restos do cadáver para o hospital. Lá os
seus médicos fizeram a autópsia do cadáver e reconheceram que a criança
tinha nascido viva.
Maria Rosa de Jesus é casada e seu marido está na Amazônia. Tendo tido
esta criança, fruto de seus amores criminosos, julgou ocultar sua desonra
matando o filho ao nascer e colocando-o sob uma pedra no quintal, onde os
porcos foram buscá-lo para devo-lo.
30
29
FREITAS, Clodoaldo. Aos domingos. Pátria, Teresina, ano 4, n. 268, 4 fev. 1906, p. 1.
30
INFANTICÍDIO. Jesus matou um filho. O Piauí, Teresina, n. 1249, 11 dez. 1913, p. 3.
103
Elogios às mulheres como os recebidos por Amélia Bevilácqua
31
em crônicas
publicadas nos jornais de Teresina, ou elogios a senhoritas pelo aniversário ou pelo
casamento, não eram a regra, mas a exceção. Geralmente, as mulheres eram alvos
preferenciais dos cronistas e objetos de críticas com relação à não adequação aos novos
padrões de comportamento exigidos pela modernidade, ou a mudança de costumes ou mesmo
aos maus hábitos praticados em sociedade.
Mulheres sem educação e bêbadas, que perambulavam pelas ruas e faziam algazarras,
sem beleza ou quaisquer atrativos, eram alvos constantes das crônicas publicadas nos jornais
do início do século em Teresina. Os cronistas denunciavam constantemente atos de distúrbios,
problemas disciplinares, violência e infanticídio. As muitas crônicas policiais e notícias
quanto à violência, vandalismo e desordens presentes nos jornais de Teresina contrariam de
certa forma as afirmações feitas por Cristino Castello Branco que afirmou que Teresina era
uma cidade calma e de pouca crônica policial.
32
Carlos Penna Botto, em sua temporada parnaibana, comentou que inicialmente
estranhava os costumes piauienses, especialmente as mulheres e seus comportamentos nas
festas. Acostumado ao requinte das festas do mundo europeu e norte-americano, via com
estranhamento os hábitos femininos e a forma de elas se comportarem em eventos:
A princípio, nas minhas primeiras festas em Parnaíba, estranhava um pouco
os costumes das gentis senhoritas piauienses. [...]
Poucas moças dançavam o tango argentino, nenhuma o charleston; não
gostavam de conversar durante as danças, dançavam mudas e com toda a
atenção concentrada nos passos e, uma vez finda a música, agradeciam
bondosamente aos cavalheiros e os deixavam incontinenti no meio da sala...
Durante os intervalos das danças as moças se dirigiam para um lado do
salão, os rapazes para outro, e assim ficavam separados aque a orquestra
tocasse de novo.
Nada de conversas, nem de misturas de saias com calças...
Similia cum similibus, tal era a senha.
33
31
Amélia Carolina de Freitas Bevilácqua. Nasceu em 07-08-1860 Jerumenha-PI, e faleceu em 17-11-1946 no
Rio de Janeiro. Poetisa, contista, cronista, jornalista e romancista, mulher que falava várias línguas, de vasta
cultura e inserção social. Fundou a revista literária O Lírio, colaborou em diversos jornais do Piauí, do Rio de
Janeiro e de Pernambuco. Participou da Academia Piauiense de Letras. A crônica de Clodoaldo Freitas elogiando
Amélia a que faço referência é: FREITAS, Clodoaldo. Aos domingos. Pátria, Teresina, ano 4, n. 268, 4 fev.
1906, p. 1.
32
Cristino Castello Branco em suas narrativas biográficas ressalta que Teresina era um local calmo, com escassa
violência e poucas crônicas policiais. Segundo ele, a cidade era alegre, o povo atencioso, simples e divertido, e
entre as pessoas de situação havia a veneração pela inteligência e a valorização dos homens que sabiam coisas,
como médicos, engenheiros e poetas. CASTELLO na Casa de Lucídio Freitas. Discurso de posse de Carlos
Castello Branco na Academia Piauiense de Letras. Teresina: [s. ed.], 1984.
33
BOTTO, Carlos Penna. Meu exílio no Piauí. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931.
104
Para Penna Botto, a moda adotada pelas mulheres piauienses não ficava distante
daquela utilizada nas grandes cidades, com exceção da forma de se vestir adotada pelas Filhas
de Maria, que tinham proibições de dançar, de usar trajes modernos, e que deviam rezar
muito, confessar-se e comungar com grande frequência. Quanto às moças não pertencentes a
essa congregação, o regime era o das saias e dos cabelos curtos.
As mudaas no comportamento das mulheres não passavam despercebidas aos
cronistas. No jornal O Piauí, a Coluna Social, assinada geralmente por cronistas que
utilizavam pseudônimos, criticava o uso de cabelos e saias curtos por parte das teresinenses, a
ociosidade das mulheres de classe média, as solteironas, as mulheres melindrosas. Tratava
ainda de assuntos ligados ao universo feminino como o ciúme, o amor e a paixão.
Em crônica de 1928, um redator tratou de forma inica os costumes das mulheres
piauienses e os novos usos de cabelos e saias curtos. Para o cronista A.N, as mudanças que
estavam ocorrendo na sociedade estavam transformando o comportamento feminino, que
era comum as mulheres copiarem os modelos de roupas e os cortes de cabelo apresentados
pelo cinema. Uma mulher guiada pela futilidade:
Pudera parecer que isso deve se enquadrar entre futilidades das meninas
educadas em casas de projeções luminosas, mais ou menos esquecidas de
uma polícia dos costumes. Fora erro. As ligas com retratos dizem muito.
Para as ver, preciso se torna reduzir as vestes. Reduzi-las é desvendar
mistérios de corpos. Desvendá-los é acender desejos. Nos acender, a causa
de crimes e desventuras.
Depois, as mulheres se enganam em muito no se revelarem tais como as
conhecem os mármores das mesas de anatomia e os que sofrem de béguins.
Mulheres e mistérios devem ser dois substantivos sinônimos. Voltem ao
mistério das saias compridas [...] encobrindo o que não se deveria mostrar.
34
A crítica de A.N incidia, sobretudo, na alteração dos costumes. Para ele, as mulheres
queriam se assemelhar aos homens tanto em físico quanto em comportamento, eram ousadas
na ocupação dos espaços públicos em que suas presenças se tornavam corriqueiras. A redução
das saias e das roupas em geral, agredia os bons costumes. Eram mulheres deixavam de ter
pudor, já que:
Não bastou, entretanto, cortar os cabelos, na tendência, para se irmanarem
com os homens em físico. Encurtam as saias. Elevam-nas aos joelhos. E com
a morte de um herói suspeito de cinema, as encurtam, um pouco mais, de
34
CABELOS e saias curtos. O Piauí, Teresina, ano 61, n. 8, 12 jan. 1927, p. 4.
105
modo que a liga, onde figura a cara, em porcelana, do seu ídolo, seja vista,
no relance de uma subida ou descida do bonde [...]
35
4.4 A modernidade: recusas e ambiguidades
As mudanças do novo século produziam recusas e incertezas quanto à modernidade. Era
comum também uma certa desilusão quanto as mudanças de comportamento e rumos da
sociedade, a modernidade também estava carregada por muita incompreensão e ressentimento
quanto á perda e ao distanciamento da tradição e com a chegada de novos modismos e
comportamentos.
Berman designa modernidade como um conjunto de experiências compartilhadas por
homens e mulheres em determinado tempo e espaço, onde essas experiências o ser
subjetivadas de diferentes formas pelos indivíduos que passam a perceber a realidade e suas
transformações. Para ele ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor, porém, ao
mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos ou sabemos, tudo o que somos. o termo
modernização enfatiza, de modo geral, as intensas transformações no espaço e na sociedade.
A modernização surge como um turbilhão” de transformações manifestadas, entre outros
aspectos, por meio da urbanização do espaço.
36
Sevcenko, ao tratar do processo de urbanização e modernização, no Rio de Janeiro,
percebeu a cidade tendo a multidão como centro, com mudanças de ritmo frenético, como
espaço de disputa e sobrevivência e detentora de um projeto cosmopolita, com um lugar onde
as imagens e representações do progresso em curso se transformaram em obsessão coletiva da
nova burguesia, mas também provocaram sentimentos de incompreensão.
37
Assim, o início do novo século foi marcado pelo efêmero, por acontecimentos inéditos
e que abriam novas possibilidades de vida, já que o moderno se anunciava e era caracterizado
pelas transformações e pelo “extraordinário avanço técnico” alterando o ritmo de vida da
sociedade. As transformações que marcaram as três primeiras décadas do século XX foram
rápidas e revolucionárias. Ao tratar de São Paulo, Sevcenko afirmou que:
35
CABELOS..., 1927, p. 4.
36
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1986, p.15
37
Ver especialmente a inserção do Brasil na Belle Époque. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão:
tensões sociais e criação cultural na primeira república. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
106
[...] Uma verdadeira febre de consumo tomou conta da cidade, toda ela
votada para a „novidade, a „última moda‟ e os artigos dernier bateau [...] a
aparência elegante, smart, torna-se um requisito imprescindível - se
acompanhada do título de doutor ou honoríficos correlatos [...].
38
Caio Lima fala sobre essas mudanças que estavam ocorrendo na sociedade onde a
tradição vai sendo posta de lado em função de novos costumes que são adotados. O progresso
trazia benefícios, porém em termos de comportamento, a adoção de costumes norte-
americanos provocava o abandono de alguns hábitos salutares como o das visitas
programadas às casas de amigos:
Ainda há pouco, querendo imitar o passado, fiz-me prevenir com 24 horas de
antecedência em casa de um amigo. Quando lá cheguei, simplesmente o meu
amigo o estava, pois tinha negócios e não podia esperar-me. Isto é o
progresso, a febre da vida que avassala o homem, que faz de um minuto uma
fonte respeitável de cavação. As formalidades sociais, que outrora eram o
gáudio dos nossos ascendentes, vão perdendo o seu brilho, tendo se reduzido
a uma positividade yankee.
39
O desenvolvimento de uma nova sensibilidade, anunciadora de novos tempos era
percebida pelos cronistas. Caio Lima revelou certo desconforto em relação à rapidez das
mudanças dos costumes e ao consequentemente desaparecimento dos costumes tradicionais.
Para ele, a perda da privacidade e as visitas inconvenientes atestavam mudanças radicais na
forma de viver. Ao mesmo tempo, Caio Lima vai percebendo a constituição de uma nova
sensibilidade com relação aos comportamentos, chega a culpar o progresso pelas mudanças,
onde as formalidades passam a ser deixadas de lado e as relações passam a ser mais
impessoais. Essa mesma percepção é colocada em pauta por Abdias Neves em Um manicaca,
ao relatar as transformações que estavam ocorrendo na sociedade.
40
Um dos escritores piauienses que demonstraram uma escrita ressentida nesse período
foi Elias Martins, no seu livro Fitas. Ele defendeu a força da tradição como um elemento
indispensável para a conservação da pureza dos costumes e para o desenvolvimento da
sociedade. A escrita de Martins em Fitas e nos seus artigos publicados no jornal O Apóstolo
está cheia de ressentimentos, que se justificaram por vários aspectos. Destaco dois aspectos
principais: o primeiro está ligado às mudanças que estavam ocorrendo em relação aos
38
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 46.
39
LIMA, Caio. De relance. Correio de Teresina, Teresina, ano 2, n. 34, p. 2, 29 set. 1913. p. 2.
40
NEVES, Abdias. Um manicaca. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985.
107
costumes e à vida social teresinense, e o segundo às questões potico-partidárias. Quanto aos
costumes, Elias Martins assim iniciou seu discurso:
O florescimento e segurança das nações em todas as épocas tiveram assento
na pureza dos costumes. Conservá-los na simplicidade de sua beleza, sob
lúcida vigilância, norteada a atividade individual e coletiva dentro da moral é
o caminho para conduzir os povos a gloriosos destinos.
41
A visão de Elias Martins sobre a modernidade e a civilidade era de um inconformismo e
ressentimento com as mudanças que estavam ocorrendo, mostrando que nem todos estavam
de braços abertos para a modernidade. Martins, em sua escrita, revelou que não suportava os
novos comportamentos ligados à civilidade e à modernidade, pois com os novos costumes até
as empregadas se transformavam em ladras e as crianças teriam passado a mentir.
Para Martins, as alterações relacionadas aos costumes do seu tempo indicavam um
tempo de perda dos referenciais. Martins evidenciou uma dimensão da sociedade teresinense
do início do século XX que experimentava muitas mudanças, e para ele isso significava um
distanciamento da tradição e do modo de viver característico do século XIX. No que se refere
às questões poticas, os ataques constantes a administração de Antonino Freire e de Miguel
Rosa deram a tônica de suas crônicas publicadas no jornal O Apóstolo.
Quando Martins fala que as moças do balde e os meninos de recado comaram a
roubar ou a ficar com o troco das compras para usufruir dos benefícios da modernidade bem
como conseguir dinheiro para assistir às fitas, tem como referência a conduta do passado,
momento em que as pessoas eram confiáveis. A modernidade modificou os hábitos e as
relações entre as pessoas, e a confiança deixava de ser pautada na palavra, nas relações
familiares ou nas amizades. Martins, ao narrar esses aspectos, revelou mágoa com a chegada
de novos tempos e a mudança de comportamento na sociedade:
Engenhos precoces nos torneios de fraudes, bebem nas fitas inspiração e
alento, brilhando em tudo a desonestidade e o dolo; nas compras e nas
vendas retiram de ordinário uma porcentagem que lhes assegure a satisfação
de seus gozos, recolhendo-a em seguro abrigo.
42
Martins, ao questionar o avanço da modernidade e de seus símbolos, relembrou as
formas tradicionais de diversão, saudoso dos velhos tempos do violão, do uso da flauta nas
41
MARTINS, 1920, p. 7
42
MARTINS, 1920, p. 19.
108
serenatas, das brincadeiras ingênuas e dos agradáveis passatempos entre as famílias. Ao
mesmo tempo em que evidenciou modificações significativas nas formas de lazer onde festas
tradicionais perdiam espaço para o cinema, Martins demonstrou o avanço das alterações nas
relações familiares, o enfraquecimento das relações de afetividade e de cordialidade entre as
pessoas durante as festividades e folguedos.
43
Nas crônicas produzidas por Jônatas Batista, o que mais se destacou foi a crítica aos
maus costumes e a hipocrisia dos falsos moralistas, que para ele se instalavam na sociedade.
Jônatas, de forma recorrente, se queixou da falta de tema para suas crônicas, devido ao caráter
provincial da cidade e à banalização da vida ocasionada pelos novos tempos. Outras temáticas
como as prendas, as sentinelas, o exagero das notícias de fora, e ausência de detalhes nas
notícias vindas através de telegramas também faziam parte de suas críticas.
Batista ironizou certas práticas correntes em Teresina como o jogo de prendas, Para ele,
evento comparado às sentinelas. Para Batista nada poderia ser mais insípido que o jogo de
prendas, nada mais ridículo do que chegar e perguntar, se durante o carnaval, se não
reconhecia tal pessoa. Batista considerava abominável tanto o bito de forçar o riso e ser
agradável ao ouvir uma prenda quanto o participar de um funeral e chorar de forma
exagerada, sem ao menos conhecer o defunto. Ao tratar das prendas, afirmou que a hipocrisia
da sociedade era muito irritante. Segundo ele:
Na prenda ou na sentinela o preconceito e a hipocrisia representam sempre
os papéis mais importantes e o bico da chaleira vai sempre acariciando com
mais ou menos entusiasmo.
Não quero dizer, está claro, que todos sejam hipócritas, que todos finjam. Há
muita gente que chora sinceramente, como muita que rir porque
realmente tem a franqueza de achar graça emo arcaicas pilhérias.
Mas... que coisa insípida uma prenda![...]
Que coisa mais velha, mais intragável, mais aborrecida, mais sem graça![...]
E sabe leitor por que rio? Por três motivos, por três razões poderosas para
agradar ao dono da casa, para não ser grosseiro com uma mulher e... para
não chorar.
44
As crônicas de Jônatas Batista eram queixas quanto a falta de civilidade do povo
teresinense. No momento em que o cronista falava da cidade e das transformações nos
relacionamentos, da educação feminina, do desinteresse dos homens pelo matrimônio, do
crescimento dos casamentos por interesse, também dava visibilidade a uma dimensão do
atraso e da não adequação aos novos tempos. Batista vai esquadrinhando os modos que
43
MARTINS, 1920, p. 21.
44
BATISTA, Jonatas. Poesia e prosa. Teresina: Projeto Petrônio Portella, 1985. p. 110.
109
estavam se transformando e que mereciam atenção. Para ele o povo teresinense deveria deixar
de ser apenas imitador e consumidor de costumes de fora, sobretudo da França, e produzir
algo original.
45
Abdias Neves, em Um manicaca fez um inventário dos costumes teresinenses do início
do século XX. Ele registrou os festejos do largo do Amparo, as festas de aniversário, os
bailes, o São João festivo, as representações teatrais, cenas de casamento, a indiscrição em
torno da compra dos móveis, principalmente, os do quarto do casal, a curiosidade das moças
sobre os tabus sexuais, a maledicência, as romarias ao cemitério e os modos de vestir
masculino e feminino, fazendo dessa forma toda uma caracterização da vida social
teresinense.
Neves explora também as transformações culturais como a inflncia da moda para o
aumento das traições e da prostituição, além da indiscrição das pessoas e dos mexericos. Sua
obra apresenta também um cunho moralista, na medida em que repudiava comportamentos da
sociedade teresinense como a maledicência, o meretrício, o adultério, o amasiamento, além de
outras práticas comuns no período em questão.
Ao tempo que Um manicaca pode ser considerado como um romance de época, também
é um exemplo de escrita ressentida, que Neves não poupou esforços nas críticas,
demonstrando assim ressentimentos advindos talvez do fato de habitar uma cidade
provinciana, de poucas diversões e distante da modernidade. Esses ressentimentos estão
expressos em todo o romance. O próprio autor do romance parecia não gostar da vida nas
acanhadas cidades do interior piauiense, pois o livro foi escrito quando habitava a cidade de
Piracuruca, entre 1901 e 1902.
No episódio do casamento de Praxedes e Mundoca, Neves critica a presença constante
de outras moças que adentravam a casa, e que ficavam especulando sobre a cama do casal,
sobre os objetos pessoais, além de tecerem comentários maldosos sobre a lua de mel:
Desde 11 horas da manhã apareciam visitantes, apesar do sol que escaldava a
rua. Entravam sem cerimônia, por toda parte, vendo tudo, dando a
procedência de alguns objetos, discutindo o preço de outros, fazendo
alusões, abusando da ausência do noivo para não deixarem coisa alguma sem
exame rigoroso. A todo o momento estalavam risos pela casa, sonoramente
acentuando pilhérias mais ou menos picantes. [...]. Todo mundo, senhoras e
moças especialmente, ali entravam e saíam, muito naturalmente, sem pensar
na impertinência da visita, desculpadas pela opinião que sancionava esse
45
BATISTA, 1985, p. 116-121.
110
costume. Fazia-se, com o Dr. Praxedes, o que se fazia com os outros
noivos.
46
Os conhecidos que visitavam o novo casal faziam comentários impertinentes sobre as
condições financeiras de Praxedes, afirmavam que todos os móveis eram usados, mas que
estavam em bom estado de conservação. A cama era um exemplo emblemático da crítica que
Abdias fazia da sociedade da época, e que via nesse costume uma atitude de extrema falta de
educação, do ponto de vista dos novos modelos de educação e civilidade do início do século
XX, que tinham por base o respeito à individualidade, à privacidade, e à vida íntima do casal.
Sobre a impertinência e a indiscrição das visitas com relação à cama do casal, Abdias Neves
afirmou que:
- [...] Diga-me, você que conhece melhor a terra: para que aquela cama
exposta, bem às vistas de todos? Tinham seguido conversando e achavam-se
sentados, frente a frente, na alcova.
- [...] Para quê? Diga! [...] Fica em exposição, defronte das janelas,
preparada, cheirosa, à espera dos noivos
- [...] Ontem, quando viemos da igreja, vi duas senhoras sentarem-se aí.
Riam-se apalpando os colchões, revolvendo os travesseiros. Que alegria era
essa?
- [...] Não são apenas essas duas ou três moças. Os rapazes andam pior. Vi
alguns se sentarem-se, aí, fazendo as mais cruas observações.
47
Um manicaca tratou do ato de viver em Teresina no início do século XX, uma vida
caracterizada por Abdias Neves como provincial. Ao analisar Um manicaca, José Miguel de
Matos
48
expressou que o romance devia ser articulado à própria vida do autor e aos tipos
humanos que deram vida à cidade descrita na obra. Para Jo Miguel de Matos, Neves
descreveu Teresina como:
[...] cidade ainda desumana, suja, sem conforto, impregnada de religiosidade
simples, submissa a tabus de vários tipos, vivendo do pequeno comércio,
deliciando-se com a intriga e o mexerico. Nela se entrecruzam tipos
humanos, quase maledicentes.
49
46
NEVES, Abdias. Um manicaca. Teresina: Corisco, 2000. p. 109.
47
NEVES, 2000, p. 139-140.
48
MATOS, José Miguel de. Abdias Neves (1876-1928). Teresina: EDUFPI, 1984.
49
MATOS, 1984, p. 21.
111
O clima quente do Piae de Teresina foi alvo constante de ataques de forasteiros e até
mesmo de piauienses. Carlos Penna Botto ao narrar a sua passagem pelo Piauí no livro Meu
exílio no Piauí
50
, o fez de forma ressentida. Penna Botto acreditava que a ocupação de um
cargo de capitão dos Portos do Piauí era uma afronta às suas possibilidades e inteligência. Ao
ser destacado para trabalhar no Piauí, o almirante acreditava que estava sendo enviado ao
ostracismo, e que estava condenado ao esquecimento total.
Penna Botto fez uma caracterização geral da sociedade da época, e zombou até mesmo
da dimensão do tempo no Estado do Piauí que para ele era medido a partir do toque do sino da
igreja matriz. Sobre o povo piauiense, Botto o considerava um tipo sofredor e ufanista, e que
mesmo com todos os problemas valorizava a sua terra e o a abandonava jamais.
O piauiense pareceu-me ser bem o tipo do sofredor-otimista.
Habita uma terra de clima inóspito e estiolante, doentia, onde a natureza faz
guerra sem tréguas ao homem; assolada pelos mosquitos e pelos morcegos;
batida pelo impaludismo [...] e, no entanto conserva o sorriso nos lábios e
aparenta felicidade e contentamento!
Moureja num Estado atrasado, sem recursos, abandonado e desconhecido do
resto do Brasil, e contudo fala da nacionalidade com ufania, e espera
confiante um belo porvir para a nação e para o Piauí!
Vive em vilas e pequenas cidades, mal traçadas, de ruas ou arenosas ou
barrentas, sem esgotos, mal servidas de luz, sem boa água, e todavia julga-as
belas, atraentes, declara mesmo que não as trocaria por outras maiores, de
fama e nomeada!
51
Penna Botto, é exemplo de como as pessoas de fora percebiam o Pia. Ele de forma
ressentida descreve a pobreza do Estado e seu atraso em relação aos serviços de infraestrutura
como: a falta de água de boa qualidade, ausência de esgotos, o lixo espalhado pela cidade. A
proliferação de doenças completava as péssimas condições de vida no Estado:
[...] A cidade de Parnaíba não tem a menor higiene.
Caboclos ébrios perambulam livremente pelas ruas.
Os suínos e os cachorros também...
O lixo foi durante muitos meses amontoado num dos becos vizinhos à rua
principal da cidade, até que a exalação pútrida e os mosquitos, baratas,
moscas, urubus, etc, fizeram ver [de modo insofismável...] a conveniência
de se procurar melhor lugar para despejo.
Na época das chuvas a cidade fica cheia de poças d‟água, de onde nascem
muriçocas às legiões.
50
Mesmo não sendo ambientado em Teresina, Penna Botto em Meu Exílio no Piauí nos uma dimensão de
como os viajantes observavam o Piauí no início do século passado. Justifico a escolha dessa obra devido a
proximidade das condições sócio-econômicas de Teresina e Parnaíba nesse período.
51
BOTTO, 1931, p. 117.
112
Não há água encanada, nem esgotos, nem calçamento [...].
52
Nogueira Tapety, de certa forma, também reproduziu o discurso dos estrangeiros sobre
o Piauí referindo-se à alta temperatura da região. Ao narrar seu exílio forçado na Ilha da
Madeira para tentar a cura para a tuberculose, produziu poemas exaltando a referida ilha e
suas características naturais.
53
Tapety, doente, viajou por acreditar na esperança de dias
melhores e terminou por exaltar as belezas naturais do local.
54
Entretanto, no mesmo texto, Tapety falou de sua terra com um tom melancólico, e
assim, incorporou em sua fala uma ideia bem difundida e repetida: o clima quente e tórrido de
sua terra natal. Depreciava, portanto, Teresina. Ao comparar o clima do Piauí ao da ilha da
Madeira afirmou em um de seus poemas que o sol que iluminava sua terra natal era o mesmo
que aquecia o inferno de Dante. Tapety, ao caracterizar as condições climáticas de Teresina
como ruins e infernais, isso em comparação às da Ilha da Madeira, o fez por acreditar que a
temperatura amena da ilha diminuiria o avanço da doença de que ele era acometido, e dessa
forma chegaria à cura:
Madeira! Foi assim que te sonhei:
Uma linda montanha,
Toucada de jardins, magnífica, risonha,
E és como imaginei...
Ergue-te sob um céu sempre claro e brilhante,
Onde o sol que flutua,
Sendo prodigamente fecundante,
Não tem aquela luz torrefacente, crua
“Que faz de minha terra outro inferno de Dante”
55
Carlos Castello Branco, em seu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras,
rememorando a cidade de Teresina ao tempo de sua infância, no final dos anos 20, refere-se
de forma queixosa da falta de artefatos urbanos na cidade, como água, luz, esgotos e
calçamento:
52
BOTTO, 1931, p. 19.
53
Entre poemas mais famosos temos Ode à Madeira, que depois foi publicado na Revista da Academia Piauiense
de Letras, com o título de Janua Coeli, poema dedicado a D. Laura Veras, dona do hotel em que se hospedara e
que o recebera como um filho.
54
FILHO, Celso Pinheiro. Nogueira Tapety. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 1990.
55
FILHO, 1990, p. 13.
113
A Teresina que nós deixamos eu já me antecipara deslocando-me para
Belo Horizonte, onde fui estudar Direito era uma pequena cidade, com
ruas sem calçamento ou com calçamento apenas iniciado, sem esgotos, com
iluminação fraca, água corrente das 7 às 11 da manhã, sem instalações
internas que permitissem a construção de banheiros. Eram raros os chuveiros
na cidade. Lembro-me do que havia, no fundo do quintal, na casa de seu
Aarão Parentes e o de um pequeno hotel, que o incluía como novidade no
anúncio que fazia publicar nos jornais da terra.
56
Carlos Castello Branco também fez uma caracterização geral do teresinense e dos
homens de letras que atuavam na cidade. Para ele, apesar da falta de infraestrutura e do
provincianismo, havia aspectos positivos, como os pequenos índices de violência. O povo era
visto como simples e divertido:
A cidade era alegre, o povo atencioso, simples e divertido, poucas brigas,
escassa crônica policial e, entre as pessoas de situação havia veneração pela
inteligência e a valorização dos homens que sabiam coisas, como médicos,
engenheiros e poetas.
57
O discurso de Elias Martins demonstrou o assombro da vida provinciana ameaçada pela
modernidade, e pelas novas sociabilidades que estavam se constituindo na cidade de Teresina.
Para Martins a mudança radical dos comportamentos implicava na perca dos referenciais de
moral e bons costumes que organizavam aquela sociedade. Para ele era preferível o modo de
vida conservador da cidade, à ruptura rumo ao desconhecido progresso que servia apenas para
corromper bons costumes.
58
natas Batista mostrou-se surpreso com a vida moderna e em alguns momentos
exaltou o progresso, e em outras, viu com desconfiança o avanço das transformações sociais
em curso. Se no discurso de Elias Martins em Fitas ficava evidente o assombro da vida rural
ameaçada pela modernidade. Em natas Batista estavam presentes as estupefações com a
vida moderna, a desconfiança com o avanço do progresso. Batista também demonstrou
sentimentos de incompreensão com os novos tempos que se configuravam, e em muitas de
suas crônicas estavam presentes o espanto e o assombro com a vida moderna. O próprio
natas, de forma inica, chegou a comemorar a demora do progresso, afirmando “viva o
nosso atraso, a nossa primitividade, o nosso costume. Nada de progresso [...]”
59
56
Discurso de posse da cadeira n. 13 na Academia Piauiense de Letras, que fora de seu pai Cristino Castello
Branco. CASTELLO..., 1984.
57
CASTELO..., 1984.
58
Sobre a degeneração dos costumes provocada pela modernidade, ver: MARTINS, 1920.
59
BATISTA, 1985, p. 119.
114
O avanço do progresso produzia encanto devido ao desenvolvimento material que a
sociedade da época estava presenciando. Porém, os mesmos discursos, caso de Areolino
Abreu
60
, apresentam-se contradirios, ora exaltam as virtudes da modernidade, ora em com
desesperança os rumos que a sociedade vai tomando com os novos tempos. O avanço do
século XX mostrava-se como um momento de muitas incertezas. Segundo Abreu, os homens
estavam diante de um futuro incerto: Um homem sentado à beira de um tumulo fitando
apreensivo a vastidão interminável do espaço eis como simbolizamos na tela a data que hoje
passa”.
61
Hobsbawm,
62
que em A era dos extremos estabeleceu uma vista panorâmica do século
XX, afirma que a transição do século XIX para o século XX terminou sem satisfação, e sem
confiança no futuro devido às incertezas advindas principalmente do progresso científico, do
rápido desenvolvimento material, e da destruição gradativa do passado em termos de memória
e do medo da emincia e/ou proximidade das guerras.
Hobsbawm fez uma comparação entre os séculos XIX e XX a partir da Europa,
evidenciando que o primeiro era caracterizado como um tempo de melhoria nas condições de
vida civilizada, isto é, do progresso material, intelectual e moral; já o segundo era visto como
um período de rápida regressão dos padrões então tidos como normais e civilizados nos países
desenvolvidos e que as pessoas acreditavam que se espalharia para as regiões mais atrasadas
do mundo.
63
Areolino de Abreu em discurso na sessão literária realizada no dia de janeiro de
1901, no Teatro 4 de Setembro, ao tratar das comemorações da chegada do século XX,
destacou os avanços das ciências e os problemas advindos do progresso da sociedade.
Enfatizou também os benefícios decorrentes do desenvolvimento do sistema capitalista. Para
ele, o novo século mostrava-se promissor, pois:
[...] a água, a luz, a eletricidade, o magnetismo desvendam a cada dia
novos horizontes, a imprensa eterniza e propaga as ideias,o telégrafo leva o
pensamento atras dos montes, oceanos e vales, o fonógrafo perpetua o
som,o telefone transmite a voz, o vapor zomba das distâncias como tormenta
e do mar bravio,os raios x burlam os segredos da opacidade, o telégrafo sem
60
Areolino Antônio de Abreu. Nasceu em União - PI a 08-08-1866 e faleceu em Teresina-PI, em. 31-05-1908.
Médico, jornalista, professor e político. Fez carreira política, foi deputado provincial, presidente do Conselho
Municipal de Teresina e do Tribunal de Contas do Estado. Elegeu-se vice-governador e chegou a assumir o
Governo do Estado devido à morte do governador. Colaborou em vários jornais de Teresina.
61
ABREU. Wladimir. Discursos do Dr. Areolino de Abreu. Teresina: Imprensa Oficial, 1913. p. 5.
62
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 11-
12.
63
HOBSBAWM, 1995, p. 22.
115
fios e o gramofone o enfim os últimos anéis dessa interminável cadeia de
sucessos do engenho humano enquanto o aeróstato dirigível não campeia
garboso e soberbo pelo espaço a fora novo condor e mbolo perfeito das
aspirações humanas![...]
64
Contudo, Areolino de Abreu mostrava-se bastante ressentido com os rumos da
sociedade com a chegada da modernidade e pelas novas sociabilidades que estavam se
constituindo em Teresina no início do século passado,
Diante desse século que agonizou e findou-se vasto cenário iluminado
pelos clarões da civilização onde a humanidade se revelou o eterno fascista
aprimorado e representou a eterna comédia do egoísmo, da ambição e da
mentira; diante desse século imenso anfiteatro umedecido de lágrimas e
salpicado de sangue, por onde vaguearam sem guarita a justiça e o direito
como o Ashaverus da legenda, e onde a força esmagou a razão, o vício
afrontou a virtude, a impostura suplantou o rito, o dinheiro eclipsou a
inteligência e a fome, a guerra, a peste, as opressões e tiranias alastraram
infortúnios, empilharam cadáveres e conclamaram liberdades, não tem por
certo muito de que desvanecer-se o orgulho humano e o júbilo é uma
pungente aos desiludidos e um sarcasmos atroz aos que padecem e sofrem!
65
Abreu destacou os benefícios dos novos tempos, mas de forma ressentida, destacou suas
dúvidas com os novos tempos, e com os novos modelos de vida. Narrou com certo
saudosismo o passado e rapidez das transformações que segundo ele não levariam a nada e
ainda alteravam os costumes do povo piauiense. Abreu fez diversas ressalvas a respeito da
constituição da civilização da época. Ele falou sobre as questões relacionadas à mudança do
século XX e demonstrou certa desilusão quanto às mudaas de comportamento que estavam
ocorrendo naquele momento, principalmente por inflncia norte-americana.
Concebemos, criamos, investigamos, descobrimos e quanto mais subimos
na escala da perfectibilidade mais vemos distanciar-se, fugir e recuar a
felicidade como as miragens diante do caminheiro do deserto; mais nos
convencemos de que desbota e amortece a crença na realização desse ideal
sublime de paz, conforto, amor, progresso e fraternidade dos povos![...]
66
Biografias e autobiografias de escritores do período mostram que a trajetória de vida de
alguns homens das letras estava marcada por uma escrita ressentida. No início do século XX
muitos escritores emergiam como modelos de civilidade em Teresina. Eram homens letrados,
64
ABREU, 1913, p. 8.
65
ABREU, 1913, p. 3.
66
ABREU, 1913, p. 7.
116
possuíam uma nova forma de ver o mundo, afirmavam e divergiam sobre rios símbolos da
modernidade.
Teresina se modificava, mas também conservava hábitos simples, e considerados
provincianos. Os embates entre os cronistas com a prescrição de hábitos civilizados e o
combate aos maus costumes foi a tônica das três primeiras décadas do século passado. Os
discursos produziam eco, nas duas direções, a favor e contra os novos costumes que estavam
se consolidando. Assim, atravessando o desejo de edificação de uma sociedade moderna,
temos a tensão com a cidade concreta.
117
6 CONCLUSÃO
A construção dessa dissertação, que tem como temática principal a constituição da
civilidade em Teresina no início do século XX, está diretamente ligada à escrita dos cronistas.
Durante a pesquisa exploratória, o objeto inicial era a cidade, as suas transformações, a
conjuntura, o macro; mas aos poucos o trabalho foi ganhando outra forma, e os elementos do
dia-a-dia, os mais simples, que antes passavam despercebidos, foram dando o tom da
narrativa, esta que buscou na crônica da cidade os costumes que estavam encobertos.
De forma geral, a escrita de Caio Lima como a de muitos outros cronistas que atuaram
nos jornais que circulavam na cidade de Teresina, nas três primeiras décadas do século XX ,
registrou a cidade em movimento e sua relação com o processo modernizador, uma vez que
existia o desejo claro de evidenciar uma cidade repleta de contradições, de símbolos
modernos, com novas sociabilidades modernas, e composta por uma elite de bitos
civilizados, mas havia também, sobretudo na escrita de Caio Lima, o embate entre a civilidade
e os maus costumes, em que os comportamentos não aceitos ganhavam visibilidade, eram
questionados e ridicularizados.
O olhar de relance de Caio Lima, marcado pela subjetividade, é uma escrita que se
destaca por quatro características: primeiro, pela exaltação do estranho e do absurdo; segundo,
por uma sintonia com os fatos; terceiro, pelo uso de uma ironia leve, mas permeada por uma
linguagem ácida; e por último pela realidade dos fatos cotidianos descritos nas crônicas. Esses
quatro elementos evidenciam o ridículo, que muitas vezes é mostrado com o exagero, a
condição de caos e abandono em relação à pobreza que acompanhava o crescimento da
cidade, e principalmente a efetivação do processo civilizador em Teresina.
O olhar dos cronistas estava voltado para o cotidiano. Tudo era observado atentamente
por eles. Aspectos ligados a uma educação adequada para as crianças e aos lugares adequados
para elas na sociedade, diferentes dos espaços dos adultos, as proibições de levar crianças
para festas à noite, que nguas estrangeiras ensinar a elas nas escolas, aprendizagens como as
de se servir à mesa, indicavam quais hábitos deveriam adotados e quais eram os maus
costumes.
Esses maus costumes eram percebidos como elementos que caracterizavam um povo
o civilizado e atrasado. Os cronistas ratificavam que a população de Teresina, através de
suas práticas, burlava as regras impostas, como o Código de Posturas, mostrando, assim, a
o adaptação aos novos códigos de comportamento prescritos e desejados.
118
Um dos desafios dessa pesquisa foi perceber como os símbolos do moderno e do novo
chegavam à cidade, como esses símbolos eram consumidos e de que forma as pessoas
vivenciavam a modernidade que estava se constituindo. Percebi que existiam propagandas,
discursos, desejos sobre o moderno, mas que esse moderno o se efetivava de forma rápida e
contínua. Nessa perspectiva, o discurso de civilidade passou a ser a temática central desse
trabalho.
A construção de um comportamento civilizado articulado às transformações da cidade, e
às condições de existir da época, está diretamente relacionado a vários aspectos como: as
condições econômicas, os símbolos modernos que chegavam à cidade, os consumos dos
espaços blicos, as mudanças da infraestrutura da cidade como o caamento, a iluminação
pública, o abastecimento d‟água. De certa forma, essas questões demonstravam as
dificuldades para efetivação da modernização de Teresina
Os textos produzidos por Higino Cunha sobre educação feminina, as campanhas contra
as touradas, o salão como fator cultural, as diversões familiares salutares, o cinematógrafo, e o
regime conjugal descrevem as sociabilidades da época e possuem um aspecto comum que os
entrecorta, que é a questão da civilidade, com suas dificuldades de se efetivar na sociedade
teresinense do início do século XX.
Este trabalho não tratou do embate entre o que é conservador versus o que se diz
civilizado, já que a reação dos cronistas no combate aos maus costumes não estava associado
somente à valorização do conservadorismo e da tradição. Dessa forma, o objetivo foi perceber
a civilidade e o combate aos maus costumes com a prescrição de comportamentos através dos
discursos dos cronistas, ratificando como se deveria viver em Teresina, e quais os
comportamentos salutares que deveriam fazer parte do cotidiano. A construção de uma
sociedade única, com a homogeneização dos costumes, é disso que tratam os discursos sobre
os comportamentos civilizados, e os não civilizados, estes que deveriam ser combatidos.
O cotidiano da cidade mostrado pelos cronistas e escritores da época, a prescrição de
hábitos que deveriam ser consumidos e exercidos pela população, os hábitos civilizados, e em
contrapartida, o combate dos cronistas, de forma muito severa aos comportamentos que eles
consideravam grosseiros e não civilizados, foram objetos desta pesquisa.
Outros aspectos comuns na escrita de literatos e cronistas era o medo quanto aos riscos
de degeneração da sociedade, a modificação gradativa dos comportamentos, a superação do
modelo tradicional patriarcal, a prescrição de comportamentos civilizados e a crítica aos maus
costumes e ao provincianismo, além do ressentimento, em que a modernidade era vista
através de seus avanços, mas também por suas ambigüidades. Um exemplo disso são as
119
diversões modernas e civilizadas que se popularizavam e entusiasmavam o público, como o
cinema, que era visto como um elemento moderno, mas também nefasto.
A minha pretensão também foi fazer um inventário sobre os ressentimentos existentes
na escrita de literatos e escritores piauienses no início do século XX. Observei alguns tipos de
ressentimentos que se destacaram, como os relacionados à cidade, que era vista como um
lugar sem aparatos caracterizadores de uma cidade moderna. Como exemplo, cito o caso do
escritor Clodoaldo Freitas, que valorizou a chegada da luz elétrica, porém, de forma sutil,
criticou que só existia iluminação até certa hora.
Outro tipo de ressentimento comum era advindo das alterações dos costumes, como
expresso nas memórias de Bugyja Britto e no romance de Abdias Neves, Um manicaca.
Através da escrita ressentida dos cronistas e literatos piauienses no início do século XX,
percebi como esses escritores estavam sentindo a cidade e suas transformações, especialmente
aquelas relacionadas ao modo de vida existente.
As crônicas produzidas nas três décadas iniciais do século XX estavam visivelmente
repletas de ressentimentos, resultando, assim, em uma escrita sentimental, marcada pelo
debate das dificuldades da constituição da civilidade e dos ideais da modernidade na cidade
de Teresina. Esta perspectiva de uma nova sensibilidade sobre a capital do Piauí estava
relacionada às modificações dos costumes, e à reação das pessoas que passaram a ver de
forma negativa as modificações que estavam ocorrendo na sociedade.
Assim, os discursos produzidos pelos cronistas buscavam normatizar comportamentos e
criar um padrão de civilidade na sociedade teresinense. Havia dificuldades na construção da
civilidade em Teresina, sobretudo, por ela representar uma nova sensibilidade, que muitas
vezes não era compreendida e aceita pelas pessoas. Ao mesmo tempo em que os costumes se
modificavam, através dos discursos de parte da população teresinense, havia um desejo de
superação da tradição, vista como sinônimo de atraso, ignorância e limitação.
As relações com as pessoas de fora da cidade, os usos dos novos equipamentos urbanos,
como o do bonde, o saber se comportar nos lugares, cuspir fora da escarradeira, falar da
vida alheia, pisar a grama, todas essas situações demonstravam, para os cronistas, falta de
sintonia com o processo civilizador que estava ocorrendo na sociedade teresinense.
Tratavam-se de coisas corriqueiras, mas quem não se adequava aos novos costumes era
criticado, e ainda servia de motivo para chacotas e pilhérias. Vários aspectos caracterizaram
essa dificuldade no processo civilizador, como a forma ressentida de os cronistas perceberem
os viajantes e as críticas às pessoas que vinham do interior para participar dos festejos, por
o saberem como se comportar na cidade.
120
A constituição da civilidade foi analisada como ponto chave na inter-relação com o
projeto modernizador de Teresina no início do século XX. A euforia da modernidade era
contida por uma série de dificuldades, como a falta frequente de recursos da administração
pública e a ausência de interesse da iniciativa privada. Ao mesmo tempo, os discursos
buscavam a superação do velho e do antigo que representavam o atraso e legitimavam a
formação de uma imagem de uma cidade civilizada.
O discurso acerca da saúde, que era nacional, entrecortava a questão da civilidade, e
considerava as cidades no início do século XX como locais com muitos problemas estruturais,
que contribuíam para o agravamento da saúde da população. Assim, havia uma articulação
entre os discursos sobre a saúde e sobre o urbano, na tentativa de incidir sobre certos hábitos
da população que deveriam ser combatidos, emergindo uma cidade praticada.
O combate seria feito a partir de vários discursos, como o modernizador, que estava
articulado à questão da modernidade. Muitos cronistas caracterizavam a cidade com muitos
problemas e provinciana, asseverando que a modernidade era mais um discurso que não se
efetivava na prática. Assim, neste trabalho, procurei evidenciar a tensão existente entre os
costumes ditos tradicionais e os novos modelos introduzidos pela modernidade em Teresina, o
distanciamento, o estranhamento, a falta de posturas, o ressentimento, o constrangimento em
relação a modelos e apropriações de comportamentos. Exemplos disto estavam nas falas de
muitos intelectuais que iam estudar fora, e que, quando retornavam, não se conformavam com
os velhos costumes e com o provincianismo da cidade.
Apesar de os discursos de alguns cronistas defenderem o moderno como símbolo do
novo, percebi que eram lentas as mudanças propostas, e que havia uma demora na chegada
dos artefatos que caracterizassem Teresina como uma cidade moderna no início do século
passado, como abastecimento d‟água, fornecimento de energia elétrica e a construção de
calçamento. Antonino Freire expressou bem tal pensamento, na medida em que planejou
embelezar a cidade; mas o que se percebeu é que apenas as ações de Freire não foram capazes
de conseguir realizar tal intento, talvez devido aos poucos recursos disponíveis, tanto públicos
quanto privados. A realidade é que existia uma distância muito grande entre o sonho da
modernidade e aquilo que era possível fazer, entre o real e o que é dito sobre ele, distância
que se torna maior ainda quando se observa o que esse real era na prática.
Em síntese, neste trabalho pretendi demonstrar que a Teresina Belle Époque, desejada
como cidade moderna e civilizada, era mais um discurso do que uma cidade na prática. Era
uma cidade múltipla e não homogênea, como os cronistas buscavam edificar combatendo os
maus costumes. Os discursos sobre o cotidiano produzidos pelos cronistas ratificaram os
121
modos de viver em Teresina no início do século XX, mostrando, dessa forma, que a cidade
era plural, dinâmica e que as práticas das pessoas estavam relacionadas ao consumo do seu
espaço gerando, assim, novas possibilidades de viver e novas sociabilidades.
122
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UM MAU costume. Correio de Teresina, Teresina, ano 4, n. 186, 10 set. 1916, p. 1.
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1.2 REVISTAS
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1.3 MENSAGENS GOVERNAMENTAIS
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Estado do Piauí pelo governador Arlindo Francisco Nogueira, em 1 de julho de 1902.
Teresina: Tip. do Piauí, 1901. 6 p.
PIAUÍ. Governo. 1900 1904 (Nogueira). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do
Estado do Piauí pelo governador Arlindo Francisco Nogueira, em 1 de julho de 1902.
Teresina: Tip. do Piauí, 1902. 21 p.
PIAUÍ. Governo. 1904 1908 (Mendes). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do
Estado do Piauí pelo governador Álvaro de Assis Osório Mendes, em 1 de junho de 1905.
Teresina: Tip. do Piauí, 1905. 30 p.
PIAUÍ. Governo. 1904 1908 (Mendes). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do
Estado do Piauí pelo governador Álvaro de Assis Osório Mendes, em 1 de junho de 1906.
Teresina: Tip. do Piauí, 1906. 16 p.
PIAUÍ. Governo. 1910 1912 (Silva). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do
Estado do Piauí pelo governador Antonino Freire da Silva, em 1 de junho de 1910. Teresina:
Tip. do Piauí, 1910. 42 p.
PIAUÍ. Governo. 1910 1912 (Silva). Mensagem apresentada à Câmara Legislativa do
Estado do Piauí pelo governador Antonino Freire da Silva, em 1 de junho de 1911. Teresina:
Imprensa Oficial, 1911. 70 p.
1.4 DECRETOS E DOCUMENTOS DIVERSOS
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