O episódio do banquete apresenta temas recorrentes como: fortuna, história da
vida de libertos, religião, vida e morte, superstição, além da própria sorte de
Trimalquião. A apenas duas mulheres são atribuídas falas, que são Fortunata (esposa de
Trimalquião) e Cintila (esposa de Habinas), sendo que as outras mulheres são
dançarinas, ou estão envolvidas em algum tipo de espetáculo apresentado aos convivas.
É interessante notar que o autor do Satyricon só teve a preocupação de descrever os
traços psicológicos de Fortunata, fato que foi realizado por meio de um discurso
masculino, já que ela é descrita a Encolpio por Hermeros. Ele a descreve como uma
mulher que veio do nada e, de repente, se tornou o braço direto de Trimalquião. A
confiança dele é tão grande que, se ela dissesse, em pleno meio-dia, que era noite ele
acreditaria
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. Falou, também, que Fortunata era responsável por toda fortuna do liberto,
além de ser reservada, de bons conselhos, direta e objetiva. Alerta Encolpio, no entanto,
sobre sua língua ferina, sendo uma “fofoqueira de marca maior”.
Por fim, mas não menos importante, após o comessatio Trimalquião fez questão
de realizar a leitura de seu testamento, juntamente com a encenação de seu funeral (Sat.
LXXI-LXXVIII). Nesse momento o anfitrião briga com sua esposa, ordenando a
Habinas
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que retire a estátua dela de seu túmulo. O autor teve a preocupação de ser
detalhista na descrição da representação de Trimalquião em seu túmulo, assim como dos
outros detalhes que compunham a lápide funerária. Claudiomar Gonçalves (1996: 236)
fez uma interessante ligação entre esse momento do banquete e o episódio de Crotona
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,
defendendo que se no primeiro, os jovens vivem o momento como espectadores, no
segundo tornam-se os protagonistas. É como se o episódio de Crotona fosse o inverso
desse trecho do banquete. Definitivamente, podemos encontrar vários paralelos entre os
dois episódios, já que com a fuga de Giton e Ascilto, surge o poeta Eumolpo (Sat.
LXXXIII) (que com o retorno de Giton forma, mais uma vez, o triângulo amoroso). Só
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Ad summam, mero meridie si dixerit elli tenebras esse, credet. (Sat. XXXVII, 5).
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Habinas é um liberto escultor de mármores para lápides fúnebres.
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No episódio de Crotona (Sat. CXVII) Encolpio e Giton, juntamente com um poeta chamado Eumolpo,
após naufragarem com o barco de Licas, se dirigem para a cidade de Crotona, cuja população era famosa
por ser considerada caçadora de heranças. Oportunistas, os três articulam um plano em que Eumolpo se
diria rico e sem herdeiros, enquanto que Encolpio e Giton seriam seus escravos. Eumolpo deveria tossir
bastante (para parecer moribundo) e mudar seu suposto testamento todos os dias. Inicialmente a
população acredita na farsa, e trata-os com verdadeiro luxo, mas começam a desconfiar e descobrem o
plano, acabando com a farsa.