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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
REPETIÇÃO LEXICAL EM NARRATIVAS
ESCRITAS INFANTIS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Aurea Suely Zavam
Fortaleza – CE
Setembro, 1998
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1
REPETIÇÃO LEXICAL EM NARRATIVAS
ESCRITAS INFANTIS
AUREA SUELY ZAVAM
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do título de mestre em
lingüística à banca de exame do mestrado em
lingüística da Universidade Federal do Ceará,
sob a orientação da professora,
doutora Nadja da Costa Ribeiro Moreira.
Fortaleza – CE
1998
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2
DEFESA DE DISSERTAÇÃO
ZAVAM, Aurea Suely. Repetição lexical em
narrativas escritas infantis. Fortaleza,1998.
Dissertação de Mestrado apresentada à
Universidade Federal do Ceará.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Nadja da Costa Ribeiro Moreira, Dra.
(Presidente e Orientadora)
______________________________________________________
Maria do Rosário Gregolin, Dra. - UNESP-Araraquara
examnadora
_________________________________________________________
Ana ElisabethBastos deMiranda, Dra. – UFC
2ª. examinadora
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 05/09/1998
3
RESUMO
O objetivo principal desta dissertação é investigar o uso de expressões reiteradas
em sentenças contíguas por crianças em fase de aquisição da linguagem escrita e
os fatores lingüísticos que interferem na opção por esse mecanismo de referência
anafórica. A pesquisa se desenvolveu em dois momentos. Primeiro, foram
examinados recontos da história Chapeuzinho Vermelho, 558 textos que compõem
o corpus da Base Internacional de Dados sobre a Escrita Infantil, observando a
ocorrência da repetição lexical, a associação a funções referenciais, a distribuição
nos episódios da narrativa, e a interação com marcas gráficas. Em seguida, foram
entrevistadas 32 crianças - 16 da escola pública e 16 da escola particular - das
quatro primeiras ries do Ensino Fundamental, solicitando-lhes que elegessem,
entre as possibilidades oferecidas, a forma que julgavam ser a melhor para manter
a referência ao personagem enunciado na sentença precedente, em uma versão da
conhecida história tradicional. A análise dos textos revelou que a repetição lexical
contígua, utilizada por crianças de todas as séries, tanto da escola pública quanto
da particular,: a) é empregada preferencialmente após introdução e reintrodução de
personagens; b) se estabelece no limite entre a introdução de um personagem
(principal ou não), que confere dinamismo à história, e o início de sua ação; c)
delimita fronteiras sentenciais no discurso narrado; d) assume função dos sinais de
pontuação, impondo limites internos ao texto.
Palavras-chave: Aquisição da linguagem escrita. Repetição lexical. Narrativas
escritas infantis.
4
ABSTRACT
The main goal of this dissertation is to investigate the use of reiteration in contiguous
sentences by children while learning in their written language as well as the linguistic
factors that interfere in their choice for mechanism of cohesion. To this purpose I
established two basic procedures. First I analysed 558 texts that retell the famous
tale Red Riding Hood. They make up the International Basis of Child Written
Language. Four aspects were observed: a) the occurence of lexical repetition; b) its
linking with referential functions; c) its distribution in the episodes of the narrative; d)
its relationship with grafhic signs. Secondly 32 children at 1st, 2nd, 3rd and 4th
grades of Elementary School, were interviewed, being 16 from public and 16 from
private school. I asked them to choose among three possible answers, that they find
plausible to maintain the reference to a character mentioned in the previous
sentence, taken from a version of the well-know tale. I came to the following
conclusions, concerning to all of the subjects, regardlessly of the factors grade and
school as far as reiteration is concerned: a) it is used for choice after the
introduction and reintroduction of characters; b) it is established between the
introduction of a character that contributes to the action and the beginning of the
action; c) it delimits sentence bounderlines in the narrative; d) it is used instead of
punctuation marks and imposes internal limits to the text.
Key-words: Language acquisition. Lexical repetition. Written narratives by children.
5
A dedicação exclusiva exigida para a elaboração
deste trabalho foi subsidiada pela CAPES.
6
Ao LUD,
sempre, por inesgotável paciência
e constante estímulo
Ao VINÍCIUS e à ELISA,
por silenciosa compreensão
diante da tamanha ausência
À NADJA,
por acreditar antecipadamente
nos frutos deste trabalho e
pela valiosa orientação
A NUKÁCIA,
por ter-me afastado, algumas vezes, dos caminhos
que se mostravam mais fáceis e
por haver-me companheira em todas as horas
Ao PAULO MOSÂNIO,
pelo desvelo inefável
ao acolher-me, como ser-mestre e como ser-pessoa
Às professoras ROSÁRIO GREGOLIN e ANA ELISABETH,
que, com grandiosidade e profissionalismo,
aceitaram gentilmente compor a banca examinadora.
7
Tenho o costume de anda pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás ...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto...
Fernando Pessoa
8
SURIO
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 A QUESTÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.1 Objetivos e hipóteses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2 Metodologia
1.2.1 O corpus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.2.2 A análise: instrumentos e procedimentos
1.2.2.1 Dos textos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.2.2.2 Das entrevistas . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.3 Organização do trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2 SUPORTES TEÓRICOS
2.1 O fenômeno repetição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.1.1 Enfoques teóricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.1.2 Estudos de Tannen e Hoey . . . . . . . . . . . . . . 27
2.2 A repetição no português . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.1 O que dizem as gramáticas e os manuais de estilística . . . . 29
2.2.2 O que apontam as pesquisas . . . . . . . . . . . . . . 31
2.3 A repetição em narrativas infantis . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3.1 Expressão nominal e funções referenciais: as contribuições de
Karmiloff-Smith, Bamberg, Hickmann e Orsolini e Di Giacinto . . 36
2.3.2 A reiteração de itens e os limites internos do texto: o estudo de
Ferreiro e Moreira . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1 Análise dos textos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.1.1 A ocorrência da repetição . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.1.2 Repetição e funções referenciais . . . . . . . . . . . . 46
3.1.3 Repetição e relevância . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.1.4 Repetição e ação na narrativa . . . . . . . . . . . . . 66
3.1.4.1 O dinanismo na narrativa . . . . . . . . . . . . 68
3.1.4.2 A agentividade do sujeito . . . . . . . . . . . . 73
3.1.5 Repetição e fronteiras no discurso . . . . . . . . . . . . 78
3.1.6 Repetição e pontuação . . . . . . . . . . . . . . . . 83
3.2 Análise das entrevistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
APÊNDICE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
9
INTRODUÇÃO
É sabido que o comportamento lingüístico da criança desenvolve-se de
acordo com um programa biológico, ou seja, à medida que evolui na escala
cronológica ela vai, simultaneamente, adquirindo esquemas que possibilitarão
comportamentos cada vez mais complexos. Por conseguinte, a aquisição de
estruturas lingüisticamente mais sofisticadas estaria intrinsecamente relacionada
com o grau de maturidade alcançado pela criança. No caso específico do sistema
referencial, estudos como o de Hickmann (1991) e Karmiloff-Smith (1981), entre
outros, afirmam tratar-se de um desenvolvimento tardio, revelado em termos de
progressão, através do qual a criança passa a princípio do uso de formas com
função somente dêitica para o uso de mecanismos lingüísticos que se sustentam
dentro do próprio texto.
Ancorada, então, na constatação de que a competência textual é atingida
com a idade, e sem fazer se valer de investigações que apontem estratégias
utilizadas pela criança para dar conta de determinada intenção mesmo quando
ainda não adquiriu estruturas mais complexas, a escola, na sua maioria, vai
inadvertidamente conduzindo sua prática pedagógica, tomando como erro ou
incapacidade os ensaios que o aluno realiza em seus textos escritos para alcançar
o desempenho lingüístico que dele é esperado.
Por outro lado, examinando produções infantis, não é difícil constatar que,
até chegar ao desempenho esperado, a criança vai empreendendo tentativas na
busca de uma coesão textual que assegure ao seu texto especificidades que ela
percebe serem da língua escrita. Suas narrativas, quer orais ou escritas,
constituem, portanto, valiosa fonte de dados para um estudo sobre o processo de
aquisição da competência textual. Tais textos, organizados em torno de um tema,
ao revelar procedimentos adotados na construção de um discurso, acabam, assim,
por desvelar características de uma habilidade lingüística e cognitiva em processo.
10
1 A QUESTÃO
Um dos aspectos que se revela obscuro na produção de narrativas infantis,
portanto passível de investigação, é o que diz respeito às repetições lexicais. Uma
interpretação reducionista costuma atribuir as construções não-padrão tão somente
à incapacidade ou imaturidade do produtor do texto. No entanto, se a criança desde
cedo demonstra ter conhecimento sobre a convencionalidade da língua escrita
(Abaurre, 1988) e, portanto, sobre seu caráter mais compacto em comparação com
a língua oral - mais redundante - é natural que desenvolva mecanismos de
incorporação de aspectos convencionais, e faça uso deles, em seus textos, a fim de
transmitir sua intenção comunicativa.
Blanche-Benveniste (1987), em um estudo com crianças francesas que
ditavam textos para serem escritos, embaixo de desenhos em um livro, constata
que os sujeitos conhecem a linguagem formal antes de saber escrever, uma vez
que os textos produzidos encontravam-se marcados por uma linguagem tipicamente
literária, evidenciada, entre outros recursos, através do emprego de tempos verbais
característicos, usos formais de pronomes relativos e formas invertidas de
interrogação, com a posposição do sujeito pronominal.
Ao escrever um texto, a criança tem consciência de que não esdiante de
uma situação de oralidade e que, portanto, o seu produto escrito deverá exigir uma
elaboração que traga as marcas das especificidades da língua escrita, neste caso
da narrativa convencional. Se por um lado a criança tem conhecimento de que um
texto escrito guarda diferenças em relação a um texto oral, esse conhecimento por
si só não a habilita a produzir textos escritos dentro do padrão normativo. Essa
consciência, na realidade, servirá de ferramenta para que ela vá empreendendo
tentativas na construção de uma efetiva competência textual.
Se na fala a repetição tem seu espaço assegurado, uma vez que a oralidade
supõe contextos sociais de interação que favorecem o uso de tal estratégia
(Beaugrande, 1984), na escrita o mesmo fenômeno, salvo em situações literárias, é
encarado com restrições, e em alguns casos condenado, por ver-se submetido a
regras de ordem normativa e até estilística.
11
Tendo, portanto, a criança a noção de que produzir um texto oral é diferente
de produzir um texto escrito, que função (ões), então, exerceriam as repetições
dentro da narrativa escrita infantil? Em que se basearia a criança para repetir ou
omitir um item lexical? Em critérios semânticos? Estilísticos? Pragmáticos? Que
inferências se revelariam subjacentes ao comportamento lingüístico manifesto pelo
aprendiz ao operar sobre seu texto escrito, diante da reiteração de determinado item
lexical?
Analisando a produção de estruturas coordenadas reduzidas por crianças,
Kato e Scavazza (1988) afirmam que “a criança tem, desde a segunda série, uma
certa conscncia de que a língua escrita privilegia a redução e que essa
consciência aumenta com a escolarização”. Embora isso possa ocorrer e
evidenciar-se na transformação de sentenças simples em subordinadas adjetivas,
razões de outra ordem parecem interferir levando a criança a produzir sentenças
simples encadeadas com elementos repetidos, conforme se pode constatar nos
exemplos seguintes:
1
Cesar Luiz (p2m034):
2
e no caminho encon- |trou o lobo o lobo perguntou
Mirian (p3b041):
Ai o chapeuzinho saio corendo e chamou os casadores | os casadores mataram o
lobo.
3
A repetição lexical nesses trechos cumpriria a função de concatenar
sentenças antes que a criança descobrisse que o uso de uma forma pronominal
relativa - transformação em subordinada adjetiva - poderia preencher essa função?
Como se pode observar nos mesmos trechos o elemento repetido exerce
função sintática diferente da que é exercida pelo mesmo termo na sentença
precedente, isto é, na primeira ocorrência desempenha a função de objeto e na
segunda, a função de sujeito. Há, ainda, trechos em que os elementos idênticos
1
Os exemplos que seguem foram extraídos dos textos que compõem o corpus do Banco de Dados da Base
Internacional de Dados sobre a Escrita Infantil”, do qual se falará na parte referente à Metodologia.
2
O código que segue ao nome da criança indica, pela letra inicial, o Estado de procedência do texto (c = Ceará;
p = Paraná); o primeiro algarismo refere-se à série (1a., 2a., 3a., ou 4a.) ; a letra que a ele segue , à origem sócio-
ecomica (m = média; b = baixa); e a última informação, ao número de identificação do sujeito no grupo.
3
Na transcrição dos fragmentos textuais foram preservadas as formas gráficas empregadas pela criança e o
símbolo - | - indica mudança de linha gráfica feita pela criança.
12
desempenham a mesma função sintática: sujeito em sentenças contíguas, como
em:
Cleber (p2b021):
um dia apareseu o lobo mau e o lobo mau foi na casa da vovó |
Por que a criança se daria o trabalho de escrever mais de uma vez um
mesmo sintagma se poderia reduzir a estrutura seguinte, apagando ou substituindo
por uma forma pronominal o elemento repetido?
Por outro lado, a habilidade lingüística e cognitiva da criança requerida na
produção de uma narrativa coesa e coerente envolve, sobretudo, o modo como as
relações de referência são estabelecidas, isto é, o modo como os referentes, no
caso personagens, são introduzidos ou reintroduzidos no discurso e ainda como a
referência a estes se mantêm ao longo do texto. Estaria, assim, a reiteração de um
item lexical associada a funções referenciais de introdução, manutenção, ou
reintrodução dos referentes?
Ostatus topical atribuído a um personagem, para Karmiloff-Smith (1981,
1985) e Bamberg (1991), condicionaria a opção por determinada expressão
referencial em narrativas - formas pronominais para os personagens principais e
expressões nominais para os secundários. Para Bamberg, tal comportamento
ocorre em crianças já a partir dos quatro anos; as crianças mais velhas, de nove a
dez anos, alternam a referência entre nomes e pronomes independentemente da
topicalidade do personagem referido. Suas alternâncias decorrem sobretudo da
necessidade de mudar referências ou desfazer ambigüidade entre os referentes.
Os exemplos seguintes, de crianças de 2a. e 4a. séries, em que o nome do
personagem reintroduzido é repetido parecem atestar a força exercida pela função
da reintrodução da referência.
João Luis (c2m004):
e no caminho | apareseu um lobo mau e disse para o Chapeuzinho e o Chapeu- |
zinho disse e doce, bolo e etc.
Ana Caroline (c4b001):
O lobo pulou em cima de chapeuzinho | chapeuzinho pegou uma faca |
13
Pode-se observar no trecho de João Luis tanto o uso de anáfora zero para
manter a referência ao lobo mau quanto o de repetição para a manutenção de
Chapeuzinho. Em muitos textos do corpus a criança lida ao mesmo tempo com as
formas lingüísticas presumíveis - pronome e anáfora zero - e com as formas não-
padrão, no caso a reiteração contígua. O que levaria a criança a optar pela
repetição de um mesmo item lexical quando no seu próprio texto, em outro contexto,
ela empregou as formas presumíveis?
Sabe-se, ainda, que a criança ao produzir um texto narrativo, estabelecido
por uma relação interlocutiva, estaria diante de um compromisso implícito de narrar
algo que valesse a pena alguém ouvir. E, sob essas condições, não poderia, então,
estar-se valendo de estratégias que, para ela, assegurariam a manutenção do fio
condutor da história e que imprimiriam, ainda, o ritmo vagaroso, a cadência lenta,
característicos da narrativa canônica?
Reconhecendo a repetição como um recurso literário importante empregado
pelos escritores, Tompkins e McGee (1991) apresentam um plano de trabalho
desenvolvido para ensinar alunos de séries iniciais a se valer desse recurso na
produção de seus próprios contos
4
. Não estaria, portanto, a criança orientando-se
por convenções próprias dos contos tradicionais, uma vez que a repetição, segundo
os citados autores, constitui-se recurso utilizado para dar maior complexidade à
trama e despertar maior interesse do leitor?
Mais instigante ainda se torna a questão se a compararmos com situações
em que a criança opta por omitir um item lexical já expresso e que, no entanto, em
alguns casos, exerceria função sintática diferente, conforme se verifica nos
próximos exemplos.
Edimilson (c1b011):
ela icoutro o lobou mau Ø isivitiu | de vovó
5
Yusef (p3b028):
4
A estratégia (plano de trabalho) compreende quatro etapas a saber: introduzir a repetição (leitura e exploração
de um conto conhecido, com trechos repetitivos); compartilhar contos repetitivos (leitura de outros contos com
repetição e identificação de palavras e/ou trechos reiterados); examinar a repetição em contos (exploração da
repetição através de atividades didáticas orais e escritas); produzir um conto com repetição (após a realização de
composições em grupo, produção de um conto individual).
5
O símbolo Ø indica omissão de item lexical.
14
Chapelzinho vermelho estavá numa floresta levando |biscoitos para a avó dela
derrepente apareceu um lobo |mau Ø falou para Chapeuzinho: o que é que vo
está | levando aí
Larissa (p4m002):
apareceu o lobo-mau Ø disse: aonde que você vai |
Por que em determinados contextos a criança repete um item lexical e em
outros o omite? Observa-se que em dois dos exemplos acima a pontuação já é
usada para separar um segmento narrativo de um outro em discurso direto.
Outros exemplos apontam para a afirmação feita por Ferreiro e Moreira
(1996) segundo a qual seria muito difícil estudar a pontuação sem considerar as
repetições, uma vez que “repetições lexicais e pontuação poderiam expressar a
mesma busca de limites internos dentro dos episódios ou dos modos de enunciação
de uma narrativa completa.” (p.168), como em:
Juliana (p2m037):
ai o lobo|falou mas eu tenho que ir ele falou
Além disso, a repetição poderia assinalar os limites entre sentenças ou entre
episódios como se pode observar nos exemplos que seguem:
Andréia (c2b007):
Um dia o chapeuzinho Vermelho foi ate a vovó- | a vovó falou chapeuzinho cuidado
com o lobo
Viviane (c3b005):
e comeu a vovó | do chapeuzinho vermelho. | O chapeuzinho vermelho chegou
doc doc
As repetições cumpririam, assim, funções que atenderiam a propósitos
delimitadores do texto, funcionando como sinais de pontuação?
Rocha (1994) constata ser a pontuação uma aquisição tardia. Tal processo
de aquisição revela uma seqüenciação em sua construção, manifestando-se
inicialmente nos limites internos (frases e partes de frases). Não poderia, então, a
15
repetição estar servindo à criança como recurso nessa etapa de transição do
domínio das marcas externas para as internas?
A repetição, sem dúvida alguma, constitui-se recurso recorrente no discurso,
independente de sua modalidade, quer oral ou escrita. Tomando por base um texto
produzido segundo prescrições normativas, as construções convencionais
mostram-se pouco reveladoras das dificuldades lingüísticas e cognitivas
vivenciadas pelo aprendiz no processo de aquisição da linguagem escrita.
Poderiam, então, as construções não-padrão, isto é, as que entram em desacordo
com o que os manuais de redação consideram aceitável e adequado, oferecer
melhor indicação acerca dessas dificuldades? Essas dificuldades estariam
relacionadas a outros fatores, e não simplesmente à incapacidade ou imaturidade
sintática? Poderiam, ainda, embora consideradas inadequadas, na perspectiva do
adulto, exercer funções importantes dentro da narrativa escrita?
Reconhecendo, pois, a complexidade e extensão da questão, pretende-se
com este trabalho investigar os fatores lingüísticos que interferem na produção de
narrativas escritas pela criança, precisamente quando diante da necessidade de
transmitir sua intenção comunicativa ela lança mão de reiterações léxicas, similares
as anteriormente ilustradas.
1.1 Objetivos e hipóteses
Constitui-se objetivo deste trabalho analisar as repetições lexicais
evidenciadas em narrativas escritas de crianças das quatro primeiras séries do
Ensino Fundamental. Desse modo, pretende-se discutir em que situações da
narrativa a criança opta por reiterar um item lexical, verificando fatores
condicionantes da repetição lexical nos contextos narrativos em que haja, ou não,
mudança de função sintática.
Particularmente, buscar-se-á identificar as estrututuras sentenciais
motivadoras da inserção de itens lexicais repetidos, bem como as funções
diferenciais estabelecidas quanto à introdução, manutenção e reintrodução de
personagens. Tem-se, ainda, como propósito específico investigar a distribuição
das unidades lexicais reiteradas no texto, relacionando-a ao uso da pontuação.
16
Para o desenvolvimento da análise proposta, parte-se dos seguintes
pressupostos:
1º) as repetições lexicais exercem na narrativa escrita infantil diferentes
funções:
a) estabelecer diferenciações entre as referências aos personagens, diante de
introdução, manutenção ou reintrodução dos referentes,
b) ressaltar a relevância do personagem na sentença em que está sendo reiterado,
c) marcar limites internos entre introdução de personagem e início de sua ação.
2º) uma interação entre pontuação e repetição: a repetição lexical
contígua, assim como as marcas gráficas, constituir-se-ia em mecanismo
delimitador de fronteiras sentenciais no discurso narrado dentro dos episódios ou
entre eles.
A hipótese de que a repetição lexical está ligada a funções referenciais
dentro da narrativa considera os estudos que investigam os mecanismos
lingüísticos utilizados por crianças para introduzir, manter ou mudar a referência,
registrados em trabalhos de Karmiloff-Smith (1981, 1985), Bamberg (1991),
Hickmann (1991) e Orsolini e Di Giacinto (1996). Tais trabalhos concluem que a
opção por determinada forma lingüística está condicionada à função referencial
desempenhada por determinado personagem dentro da narrativa.
Assim, as formas lingüísticas preferidas pela criança para assinalar funções
referenciais são: formas pronominais para a manutenção do referente, e expressões
nominais para a introdução e reintrodução do referente.
Por outro lado, verifica-se, em vários exemplos ilustrados, que a repetição,
realizada através de expressões nominais, encontra-se desempenhando a função
de manter um personagem, que foi introduzido ou, em alguns casos, reintroduzido.
É como se a força da introdução do personagem estivesse contribuindo para a
recorrência às formas nominais, no momento da sua manutenção. Assim, pretende-
se investigar se o fato de um personagem ter sido recém introduzido motivaria a sua
manutenção por reiteração lexical.
Ao se postular que a repetição lexical estaria ressaltando a relevância de um
personagem em determinado espaço da narrativa, pressupõe-se que o item
reiterado figuraria em sentenças que compõem o plano saliente da narrativa. O
conceito de relevância, bem como a distinção dos planos organizacionais da
17
narrativa, foi tomado de Hopper (1979). Para o autor, a narrativa constitui-se de dois
planos distintos e complementares - Figura e Fundo - que responderiam pela
construção da tessitura textual. Por Figura (Foreground), ou plano saliente, entende
a sucessão de cláusulas que recria iconicamente os fatos como ocorreram no
evento real; e por Fundo (Background), ou plano neutro, o conjunto de cláusulas
que, mediante a suspensão da ão, agregam-se ao esqueleto estrutural para
acrescentar informações ou comentários ao que está sendo narrado pela Figura. Na
estruturação do discurso, em que os planos distintos são estabelecidos , um deles
se salientará em função dos objetivos comunicativos do produtor do texto. Essa
propriedade de fazer evidenciar determinada informação em detrimento das demais
que compõem o discurso é o que se conhece por Relevância. A repetição lexical
sinalizaria, então, a relevância de um personagem referido na sentença precedente.
Verifica-se, ainda em exemplos citados, que após a reiteração do
personagem introduzido se dá o início imediato de sua ação na narrativa. Uma vez
que a repetição lexical se estabelece no limite entre um personagem introduzido e o
início de sua ão, o item reiterado estaria ligado preferencialmente a verbos que
denotassem ação. Para o levantamento da vinculação ou não dessa característica
nos verbos ligados aos itens reiterados, adotou-se a classificação proposta por
Borba (1996), posto que a gramática com a qual trabalha, gramática de valências,
toma o verbo como elemento nuclear e considera as relações de dependência que
essa categoria gramatical estabelece na oração. Portanto, ao se investigar as
formas preferidas pela criança para a manutenção de uma referente há que se
considerar também a ação desempenhada por esse referente.
A hipótese que afirma haver interação entre repetição e pontuação sustenta-
se no que Ferreiro e Moreira (1996) denominaram “lexicalização da pontuação”. Em
outros termos, tratar-se-ia de indicar com recursos lexicais o que os recursos
gráficos, em processo de aquisição pela criança, poderiam fazer. Desse modo, as
reiterações léxicas estariam cumprindo uma função que poderia ser assumida por
sinais de pontuação.
Assim como nos exemplos fornecidos pelas autoras, de crianças que ainda
não dominam os recursos gráficos da pontuação, em que as repetições ocorrem no
limite do discurso direto ou indireto, e servem para indicar as fronteiras entre
diferentes modos de enunciar, acredita-se que as repetições lexicais contíguas,
18
objeto desta investigação, têm a função de marcar fronteiras entre sentenças ou
entre episódios narrativos, que na maioria desses casos a criança também não
faz uso de recursos gráficos normativos para impor limites estruturais a sua
narrativa.
Acredita-se, por outro lado, que mesmo diante do emprego desses recursos
gráficos as crianças ainda lançariam mão de reiterações léxicas. A manutenção de
um personagem por reiteração se daria, então, por força do gênero textual que,
enquanto narrativa ficcional, prevê a retomada de um dado para o acréscimo de
novas informações.
Não se quer dizer que a criança que faz uso da pontuação recorreria
necessariamente à repetição, mas sim que a que faz uso da repetição o faria por
ainda não se sentir segura da força indicativa do sinal gráfico empregado e/ou por
estar voltada para contingências estruturais de uma narrativa.
Como se constata, questões referentes à maturidade discursiva de crianças
em fase de aquisição da linguagem escrita, além de desafiadoras, suscitam
pesquisas que busquem descrever, interpretar e sistematizar dificuldades
enfrentadas no processo de construção da escrita convencionalmente valorizada.
Espera-se, portanto, com esta pesquisa
6
, contribuir para um maior
conhecimento sobre a aquisição da língua escrita e conseqüentemente para uma
reflexão sobre o seu ensino, no sentido de buscar caminhos que apontem para uma
pedagogia comprometida não com a superação de dificuldades, mas, sobretudo,
com a valorização dos saberes do aprendiz.
Pretende-se, por conseguinte, que os resultados alcançados com esta
investigação possibilitem a análise de estudos comparativos com outras pesquisas,
nos mesmos moldes, posto que o corpus em que se baseia este trabalho compõe a
mesma base computadorizada de dados de escrita infantil que reúne ainda textos
em espanhol e italiano.
1.2 Metodologia
6
Esta dissertação de mestrado desenvolveu-se como parte de um projeto mais amplo, “Aquisição da Escrita:
aspectos ortográficos, morfossintáticos, semânticos e textuais”, iniciado em 1994 e coordenado pela Profa. adja
da Costa Ribeiro Moreira, da Universidade Federal do Ceará.
19
1.2.1 O corpus
Foram tomados como corpus desta pesquisa 558 textos de crianças de
ambos os sexos, de 1a. a 4a. série do Ensino Fundamental, com idade variando de
7 a 12 anos, provenientes da rede pública e da rede particular de ensino,
categorizadas como “B-classe baixa” e “M-classe média”
7
, sendo 169 do Ceará e
389 do Paraná, conforme mostra o quadro que segue: (1a. = 109, 2a. = 123; 3a. =
152, 4a. = 174; classe baixa = 251, classe média = 307).
Quadro I: Distribuição dos textos por série e classe social, segundo estado de procedência
CB
Ceará - Pública
CM
Ceará - Particular
PB
Paraná - Pública
PM
Paraná -Particular
1a. rie 14 19 38 38
2a. rie 23 24 27 49
3a. rie 18 25 51 5 8
4a. rie 27 19 53 75
TOTAL 82 87 169 220
Referidos textos integram o Banco de Dados da Base Internacional de
Escrita Infantil, criada para permitir análises comparativas entre textos infantis
escritos em espanhol, italiano e português.
8
A coleta
9
e seleção do material e dos sujeitos de 1a. a 4a. série se processou
na etapa em que se constituía o Banco de Dados da citada Base Internacional de
Escrita Infantil. Como alguns textos de 4a. série do Ceará coletados inicialmente
não se encaixavam nas condições de produção determinadas pelo projeto do
Banco de Dados, a autora desta investigação procedeu à coleta e seleção de novo
material, seguindo as mesmas orientações observadas para a coleta dos demais
textos (tanto os textos em português quanto aqueles em espanhol e italiano).
As crianças-sujeito receberam, no segundo semestre letivo, a instrução de
escrever a história do Chapeuzinho Vermelho tal como dela se lembravam. A tarefa
teve o objetivo real, explicitado a todos, de confrontar o modo como crianças de
diferentes países contavam a mesma história. Os textos foram redigidos, sem
7
O que se tomou por classe social restringe-se tão somente à distinção entre escola pública (classe baixa) e escola
particular (classe média).
8
Cf. Pontecorvo, C. e Ferreiro, E. Língua escrita e investigação comparativa. In: FERREIRO, E. et alli.
Chapeuzinho Vermelho aprende a escrever - estudos comparativos em três línguas. São Paulo, Ática, 1996.
9
Os textos cearenses de 1a. a 3a. série foram coletados por Iúta Lerche Vieira Rocha, da UFC; os paranaenses,
por Maria Lúcia Faria Moro, da UFPR.
20
recuperação oral da história, em papel branco sem pauta, com caneta hidro ou
esferográfica a fim de possibilitar a recuperação das correções feitas pelas
crianças. Posteriormente, foram transcritos e codificados segundo as normas do
Sistema TEXTUS (Garcia-Hidalgo, 1996).
10
Além dos textos que compõem a referida Base, esta investigação recorreu
ainda a entrevistas com 32 crianças, dos dois sistemas de ensino, público e
particular, pertencentes às mesmas séries escolares que as das crianças
produtoras dos textos.
1.2.2 A análise: instrumentos e procedimentos de análise
1.2.2.1 Dos textos
No primeiro momento, trabalhou-se com os 558 textos constitutivos do
corpus. Com efeito, procedeu-se ao levantamento da repetição lexical, tomada
como a ocorrência de uma mesma unidade léxica, duas ou mais vezes, resultado de
estabelecimento de relações de referência, recebendo a mesma interpretação
semântica.
Foram consideradas tanto a repetição lexical contígua quanto a repetição
lexical próxima, com ou sem alteração morfológica. Por repetição lexical contígua
entende-se aquela em que não figuram inserções entre as ocorrências do segmento
que se repete; e por repetição lexical próxima a que, embora recebendo inserções
como um sinal de pontuação, uma conjunção, um advérbio ou mesmo partículas
encadeadoras do discurso como , daí, guarda uma estreita relação de
proximidade com o item matriz.
11
, posto que a distância entre os itens repetidos
pode ser considerada mínima. Este tipo restrito de repetição constitui-se interesse
desta análise uma vez que, do ponto de vista normativo, costuma ser considerado
desviante, já que seu emprego é tido como desaconselhável, pelo fato de a língua
oferecer outros mecanismos de coesão e referência textuais.
10
TEXTUS é um sistema de análise de informação textual, criado por Isabel Garcia-Hidalgo (especialista no
tratamento automatizado de dados lingüísticos e investigadora do El Colegio de Mexico), para subsidiar
pesquisas sobre a linguagem escrita infantil, em processo de aquisição.
11
Termo empregado por Marcuschi (1992) para designar a primeira entrada de um segmento posteriormente
reiterado.
21
Para a observão da repetição lexical do tipo focalizado, inicialmente,
procedeu-se a uma categorizão em que se distinguia o item reiterado em função
de estar relacionado à introdução, manutenção ou reintrodução de personagem.
Estes dados foram importados para o Dbase IV, gerenciador do banco de dados do
Sistema Textus, que possibilita análises comparativas dos dados quantitativos.
Para que se pudesse desenvolver uma descrição e interpretação do
fenômeno investigado e ainda estabelecer comparões dentro do próprio corpus,
foram criados dois grupos: 1) textos que apresentavam repetição, e 2) textos que
não apresentavam repetição. Tal procedimento foi possível através da aplicação do
Módulo Muestras, um dos programas computacionais do referido Sistema, que
promove a localização e a quantificação de ocorrências de determinada expressão,
bem como a criação de subamostras.
Para a análise dos diferentes usos, funções e fatores condicionantes dos
elementos lingüísticos reiterados nas narrativas escritas infantis, foram ainda
observados: a) presença ou ausência de inserção de outros itens, de sinais de
pontuação, e de utilização de outras marcas gráficas (mudança de linha e letra
maiúscula); b) o contexto de ocorrência (entre fronteiras do discurso direto e da
narrativa, entre ou dentro dos episódios); c) recorrência à distinção entre artigo
indefinido e artigo definido; d) topicalidade do personagem em seqüência narrativa
destacada; e) distribuição da ocorrência segundo o episódio da história.
O Sistema Textus opera com uma informão referente a cada episódio da
narrativa. Um mesmo episódio pode conter um ou mais enunciados.
12
Assim, para a
distinção dos episódios da narrativa, observou-se a introdução de um novo
personagem e/ou mudança de cenário e chegou-se a oito episódios, a saber:
E1 - Apresentação da história e de seus protagonistas.
E2 - Presença de Chapeuzinho Vermelho e sua mãe.
E3 - A ida de Chapeuzinho Vermelho à floresta.
E4 - Aparecimento do lobo e seu encontro com Chapeuzinho Vermelho.
E5 - Chegada do lobo à casa da vovó.
E6 - Chegada de Chapeuzinho Vermelho à casa da vovó.
E7 - Aparecimento do caçador ou outro salvador e solução do conflito.
12
Segundo PONTECORVO,C. e FERREIRO,E. (1996), um enunciado foi definido, em termos operacionais,
“como uma unidade organizada que tem como centro um verbo conjugado.” (p.21)
22
E8 - Fechamento da história.
Evidentemente, nem todos os episódios estarão sempre presentes nos textos
coletados, assim como a extensão de determinado(s) episódio(s) poderá variar de
texto a texto. Os textos que, independente do número de episódios e da extensão
deles, desviavam-se do enredo original, descaracterizando o conto tradicional
Chapeuzinho Vermelho, foram desconsiderados para a composição do aludido
Banco de Dados.
Outros dois programas do Sistema Textus foram ainda utilizados: o Módulo
Basedato, para medições das categorias léxicas, das unidades de transcrição, de
pontuação; e o Módulo Estructu, para medição de componentes estruturais, os
episódios.
1.2.2.2 Das entrevistas
No segundo momento, para a entrevista com as crianças, foi utilizada uma
versão da história Chapeuzinho Vermelho (anexo I), elaborada a partir de trechos
retirados de textos que compõem o corpus desta pesquisa.
O instrumento elaborado continha os oito episódios da narrativa e
apresentava algumas lacunas, as quais deveriam ser completadas com um forma
plena ou presumível, a fim de se estabelecer referência a um personagem que
acabara de ser introduzido ou reintroduzido.
À criança entrevistada era dito que aquele texto tinha sido escrito por uma
outra criança, da mesma rie sua, e que apresentava algumas dificuldades, posto
que não se conseguiam entender algumas palavras. E como havia necessidade de
recuperar aquele texto para uma pesquisa, estava-lhe sendo, então, solicitada a
sua ajuda. Ela deveria ler a história e procurar completar cada lacuna com a palavra
que ela julgava ter sido escrita. Foi dito, ainda, que eram permitidas modificações.
Assim, se ela, depois de ter dado uma resposta, considerasse que outra caberia
melhor poderia fazer a alteração.
No momento do preenchimento da lacuna eram apresentadas três respostas
possíveis: a expressão nominal reiterada, o pronome pessoal e o pronome relativo.
Após cada resposta dada, eram formuladas perguntas a fim de que a criança
buscasse explicitar os motivos da escolha feita. Ao terminar a tarefa, era solicitada
23
uma última leitura, para que verificasse se as respostas dadas eram, de fato, as que
ela pretendeu dar.
As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, com a participação de
uma assistente, treinada para este fim. Durante a realizão da tarefa, a assistente
anotava as respostas da criança, em uma folha que continha o texto-instrumento,
preenchido com as três opções oferecidas, e ainda manifestações observadas,
como por exemplo: hesitações, trocas, comentários.
Com o consentimento das crianças, as entrevistas foram gravadas
integralmente, em fita cassete, com o objetivo de se ter registradas todas as
respostas e manifestações verbais das crianças.
1.3 Organização do trabalho
Este trabalho se propõe a discutir a repetição lexical em narrativas escritas
de crianças das quatro primeiras séries do ensino fundamental. Procurou-se,
inicialmente, na parte introdutória, apresentar o fenômeno investigado abordando
questões que envolvem a concepção da criança sobre o código escrito, as
habilidades requeridas na produção de narrativas e os possíveis fatores lingüísticos
a interferir na recorrência à reiteração de um item lexical, em sentenças contíguas.
Apresentaram-se, ainda objetivos e hipóteses, e metodologia adotada para a
investigação proposta.
Na segunda parte, dedicou-se espaço a questões de ordem teórica. Foram
discutidos o fenômeno da repetição, as interpretações dadas para este recurso
lingüístico e como ele se comporta em nossa língua. Em seguida, foram referidos
estudos de Karmiloff-Smith, Bamberg, Hickmann, Orsolini e Di Giacinto, e Ferreiro e
Moreira, que constituem o referencial teórico que norteou o desvendamento dos
questionamentos levantados.
Na terceira parte, encontram-se reunidas todas as discussões dos resultados
alcançados, tanto na etapa que compreendeu o exame dos textos que compunham
o corpus quanto na etapa em que foram analisadas as respostas das crianças
sobre o uso da repetição lexical.
24
A quarta e última parte, reservada às considerações finais, apresenta a
síntese das conclusões desenvolvidas no curso da análise dos textos e das
entrevistas.
2 SUPORTES TEÓRICOS
2.1 O fenômeno repetição
2.1.1 Enfoques teóricos
Pretende-se nesta seção apresentar uma visão geral da repetição (vista
dentro do tema Coesão), abordando algumas das diversas perspectivas de enfoque
que o assunto vem recebendo.
Com o objetivo de estudar o fenômeno lingüístico denominado coesão,
entendido como um dos componentes do conjunto de recursos que confere
tessitura aos enunciados, Halliday e Hasan (1976), em sua obra clássica Cohesion
in English, identificam relações de sentido existentes no interior do texto que o
definem como tal. Essas relações responderiam pela continuidade semântica do
texto, assegurada por elementos que interligam as sentenças, aos quais chamaram
ties - laços ou elos coesivos. Percebendo a diferença entre esses elementos, os
autores, a partir de critérios gramaticais e semânticos, distinguiram, então, cinco
categorias coesivas: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.
25
Das cinco, a que se relaciona diretamente com o objeto de análise deste trabalho é
a última.
Como subcategorias da coesão lexical, apontam a reiteração e a colocação,
itens coesivos que se referem às relações semânticas passíveis de existir entre
unidades lexicais de um texto. A primeira diz respeito a todo processo textual de
remissão de um segmento a outro, anterior ou subseqüentemente introduzido. A
segunda refere-se aos vários tipos de relações semânticas que podem realizar-se
no texto por um mecanismo de associação.
A reiteração seria uma forma de coesão lexical que envolve tanto a repetição
de um mesmo (cobrindo com exatidão a primeira ocorrência da palavra) quanto a
presença de um lexema a outro relacionado, tal como um sinônimo, um quase-
sinônimo, um termo superordenado ou uma palavra geral (cobrindo de forma
generalizada o item matriz). Por repetição, Halliday e Hasan referem-se
exclusivamente à recorrência de um mesmo item lexical dentro do texto. Nesse
sentido, trabalham com a repetição lexical literal.
O estudo aponta, ainda, a referência e a colocação como fatores que
contribuem para a dotação coesiva da repetição lexical. O primeiro, por responder
pela identidade de referente entre o item matriz e o(s) item(ns) reiterado(s); e o
segundo, por tornar semanticamente interdependentes itens lexicais que se
encontram fisicamente próximos no discurso.
Ainda que os autores não consigam estabelecer fronteiras nítidas entre as
diversas instâncias coesivas, seu estudo serve ao propósito desta investigação por
considerar a repetição como mecanismo de coesão capaz de retomar elementos no
texto.
Enquanto Halliday e Hasan concebem a coesão em nível distinto da
coerência, Charolles (1978) vê os dois conceitos interligados, não demarcando
limites entre eles. Com efeito, despreza o termo coesão e trabalha com a distinção
entre coerência microestrutural (relações de coerência entre as frases) e coerência
macroestrutural (relações de coerência entre as seqüências consecutivas). Para
ele, coerência e linearidade textual estão relacionadas, não sendo permitido,
portanto, questionar a coerência de um texto sem considerar a ordem em que
figuram os elementos que o constituem. Dessa forma, a linearidade é garantida por
26
mecanismos de recorrência estrita que possibilitam e favorecem a continuidade de
um texto.
Para o estabelecimento da coerência local e global, o autor apresenta quatro
metarregras de coerência, que tratam da constituição de uma cadeia de
representações semânticas organizada de forma tal que as relações de conexidade
entre elas se tornam evidentes. Nesse ponto, ainda que não seja admitida, a noção
coesão se faz presente.
As metarregras que atendem às exigências de um texto são, portanto: a)
metarregra de repetição - responsável pelo desenvolvimento temático contínuo do
enunciado, através de mecanismos como as pronominalizações, as definitizações,
as referências dêiticas contextuais, as substituições lexicais, as retomadas de
inferências; b) metarregra de progressão - responsável pela renovação da carga
semântica, garante o equibrio entre continuidade temática e progressão semântica;
c) metarregra da não-contradição - assegura a não introdução de elemento
semântico que venha a contradizer um conteúdo posto ou pressuposto
anteriormente; d) metarregra de relação - assegura o relacionamento dos fatos
denotados no mundo representado.
Segundo o próprio autor, as metarregras apenas colocam um certo número
de condições que um texto “deve satisfazer para ser reconhecido como bem
formado (por um dado receptor, numa dada situação)” (p.33), e sozinhas não são
suficientes para explicar os fatos relativos a um texto. Portanto, a aplicação das
metarregras estaria sujeita a aspectos da situação da comunicação, posto que
qualquer ato de comunicação pressupõe a participação de um interlocutor, mesmo
que seja virtual.
Charolles, referindo-se à distinção entre coesão e coerência, proposta como
dois níveis estanques por Halliday e Hasan, afirma não ser “possivel tecnicamente
operar uma divisão rigorosa entre as regras de porte textual e as regras de porte
discursivo. As gramáticas do texto rompem as fronteiras geralmente admitidas entre
a semântica e a pragmática, entre o imanente e o situacional” (p.14).
Embora esses autores apresentem pontos discordes quanto ao
estabelecimento de limites entre coesão e coerência, são consoantes quanto ao
papel da repetição em um texto. Em ambas as teorias, a repetição pode ser
interpretada como mecanismo responsável pelo estabelecimento de relações
27
semânticas interdependentes que favorecem o desenvolvimento temático de um
texto, quer seja admitida ou não a existência de fronteira entre coesão e coerência.
Partindo da concepção de que a coesão manifesta-se no nível
microestrutural e possibilita aos componentes do universo textual - as palavras -
estabelecer conexões entre si dentro de uma seqüência linear, Beaugrande e
Dressler (1981) destacam que a repetição constitui-se o recurso mais saliente e
óbvio para a manutenção da coesão lexical (p.54).
Por coesão, em consonância com Halliday e Hasan, referem-se às relações
semânticas estabelecidas entre as sucessivas sentenças de um texto ou
constituintes de uma sentença. Com efeito, os autores distinguem o que compete à
organização da seqüência superficial do texto (conectude seqüencial) do que diz
respeito às relações e conceitos subjacentes a esta seqüência (conectude
conceitual). À primeira, vincula-se à coesão, tomada na dimensão da superfície do
texto; à segunda, corresponde à coerência, relevante, pois, desde a continuidade
de sentido que o texto expressa.
Dessa forma, consideram que as relações coesivas do primeiro tipo são
dependentes de “formas e convenções gramaticais”, tanto que uma seqüência
lingüística não permite ser “radicalmente” alterada sem provocar distúrbios na
comunicação. Essas “dependências gramaticais”, segundo eles, constituem as
unidades da sintaxe (o sintagma, a oração, o período) e funcionam, ainda, como
poderosos sinais de significados e usos textuais.
As considerações acerca dessas teorias permitem aceitar um princípio
comum: a combinação de elementos que estabelecem relações de sentido dentro
do texto, quer a nível local quer a nível global, reflete mecanismos essenciais à
textualidade.
Por outro lado, a possibilidade de se encontrar texto coerente sem
apresentar marcas de coesão e texto coeso sem ser coerente sugere que a
questão da textualidade não pode ser analisada em termos de limites entre coesão
e coerência. Se a coesão não constitui condição necessária nem suficiente para
que um texto seja considerado “bem formado”, em contrapartida não se pode deixar
de admitir que o uso de elementos coesivos proporcione ao texto maior legibilidade,
uma vez que explicitam os tipos de relacões estabelecidas entre os elementos
lingüísticos que o compõem (Koch, 1989), possibilitando ao leitor desvendar os
28
meios que permitem integrar uma informão nova e uma informão já fornecida.
Dessa forma, a repetição lexical, enquanto mecanismo que favorece retomadas no
texto, possibilitaria ao leitor a construção e a organização das estruturas de
significação subjacentes ao escritor. E é sob essa perspectiva que é tomada neste
trabalho.
2.1.2 Estudos de Tannen e Hoey
Considerando a repetição também como recurso de coesão discursiva e
partindo das noções de envolvimento e pré-padronização, Tannen (1989) agrupa os
propósitos a que servem a repetição em quatro categorias. A primeira, produção,
daria conta do volume e fluência necessários à linguagem; a segunda,
compreensão, da clareza no discurso; a terceira, conexão, do estabelecimento de
estruturas interdependentes; e a última, interação, da troca de turno na
conversação.
Além da diferenciação entre os propósitos, a autora apresenta formas
distintas de realização da repetição: a) auto e heterorrepetição; b) exata e com
variação; c) imediata e retardada. Relacionadas a essas formas, identifica sete
funções: audiência participativa, ratificação de audiência, humor, subterfúgio,
expansão, ritmo padronizado e delimitação de episódio.
Embora a pesquisadora não consiga estabelecer uma sistematização estreita
entre forma e função, seu estudo encontro espaço aqui, apesar de estar limitado à
língua falada, por admitir que a repetição, independentemente da modalidade em
que se realiza, é reconhecidamente um recurso bastante abrangente na
composição textual e nas estratégias comunicativas.
Com efeito, Tannen (1987, 1989) vê a repetição como uma das fontes mais
relevantes para o pressuposto de que a fala realiza-se, na maioria das vezes,
baseada num princípio de pré-padronizão. Na verdade, a língua falada se serve,
em muitas ocasiões, de estruturas pré-fabricadas, tais como o idiomatismo e os
provérbios. O que ocorre com a repetição é que dentro das diferentes culturas ela
recebe interpretações distintas. Na cultura americana, por exemplo, segundo a
autora (1989: 40), desprezam-se esses recurso e algumas vezes a repetição é
29
interpretada como um sinal de “insinceridade”. Por outro lado, a cultura oriental
demonstra maior valorizão do emprego das estratégias de repetição, uma vez
que o reconhecem como legítimo.
Para ilustrar a forma como a repetição é tratada na cultura americana,
Tannen (1989: 81) cita um fragmento da conferência realizada em um congresso e
compara-o com o texto posteriormente publicado nos Anais do referido congresso.
Assim, pôde observar que na transposição do texto oral para o texto escrito foram
retiradas as repetições que conferiam ao primeiro maior expressividade e força
ilocucionária. A autora mostra, ainda, como os negros americanos se valem mais
freqüentemente da repetição como estratégia de comunicação e envolvimento,
citando trechos do discurso de Martin Luther King Jr. Com isso, e é importante
destacar aqui, a autora levanta a questão de o maior ou menor uso desse recurso
estar ligado a fatores culturais.
Ao investigar as relações léxicas estabelecidas em textos não-narrativos,
Hoey (1991) procede a um estudo detalhado da repetição, enquanto mecanismo
que possibilitaria tanto ao falante quanto ao escritor dizer algo novamente no
momento em que algo novo pode ser acrescentado, e distingue entre os tipos de
repetição a simples e a complexa.
Está-se diante de repetição lexical simples quando um item lexical que
tenha sido mencionado no texto é repetido sem grande alteração, de forma que
permita ser explicado em termos de um paradigma gramatical fechado (Hoey,
op.cit.: 53). Ou seja, a repetição simples envolveria a reiteração de itens lexicais
formalmente idênticos e com a mesma função gramatical.
repetição lexical complexa ocorreria ou quando dois itens lexicais
partilhassem um morfema lexical, embora não fossem formalmente idênticos em
termos morfológicos; ou quando, no caso de serem formalmente idênticos, tivessem
funções gramaticais diferentes.
Embora reconhecendo que Hoey propõe essa distinção a partir de textos
não-narrativos, tal classificação pode adaptar-se aos textos narrativos, objeto deste
estudo, uma vez que se estarão focalizando esses dois tipos de repetição, tanto a
que não envolve nem alteração morfológica nem mudança de função sintática – a
simples –, quanto a que envolve alterações, morfológica e gramatical – a complexa.
30
2.2 A repetição no Português
2.2.1 O que dizem as gramáticas e os manuais de estilística
se sabe que a repetição, enquanto regularidade discursiva, revela-se
habitual nas distintas modalidades e situações de uso da língua, e, ainda, que
assume formas e funções particulares de realização, conforme esteja em jogo o
exercício dessas modalidades e situações.
Contudo, se por um lado a repetição na conversação coloquial é tolerada e
aceita, na escrita não encontra a mesma indulgência e vê-se submetida a uma
padronizão gramatical, por vezes estilística.
Para se ter uma noção mais clara do que seria essa padronizão, são
abordados a seguir os tratamentos dados à repetição, tanto do ponto de vista
normativo quanto do estilístico.
Almeida (1985) diz que se a repetição não trouxer “nenhuma energia à
expressão”, ela, tomada como pleonasmo, deixa de ser considerada figura de
linguagem e passa a ser vista como vício, recebendo os nomes de perissologia, por
excesso de palavras; tautologia, por repetição de palavras; e batologia, por
repetição resultante de gaguez. Por outro lado, ressalta que deixa de ser tomado
como vicioso o pleonasmo (leia-se repetição) que, ao repetir idéia já expressa,
“aceita um especificativo qualquer, que dê graça e força de expressão ou quando
indicar contraste” (p.479).
Câmara Jr. (1997), ao falar dos critérios estéticos da exposição escrita
relaciona várias características típicas do código escrito em confronto com o código
oral. Entre as considerações feitas, o autor, a respeito da repetição, afirma que
“uma palavra muito repetida ou redundante torna-se particularmente afrontosa no
processo da leitura”(p.58).
Em seu Dicionário de Lingüística e Gramática, no verbete repetição, o
lingüista faz remissão a entrada pleonasmo, e distingue as duas figuras. Chama
atenção para o caráter estilístico da repetição e adverte que se esse caráter for
prescindido a repetição deixa de ser figura e passa a ser vício de linguagem,
chamado perissologia (1992:193).
31
Ao se referir aos meios de alcançar ênfase, Garcia (1992) adverte que a
repetição resultante de pobreza vocabular ou de falta de criatividade “pode ser
censurável”, ao passo que a repetição com intencionalidade “representa um dos
recursos mais férteis de que dispõe linguagem(p.271).
Platão e Fiorin (1996), ao discorrerem sobre o tema coesão textual, fazem
referência à retomada por palavra lexical, como um dos dois tipos principais de
mecanismos de coesão. No entanto, advertem ser preciso “manejar com muito
cuidado repetição de termos lexicais, pois, se ela não estiver a serviço da criação
de um efeito de sentido de intensificação, por exemplo, é considerada falha de
estilo” (p.373). Sugerem, ainda, no lugar da repetição, a retomada por sinônimos,
hiperônimos e hipônimos.
Como se vê, segundo o padrão normativo, a repetição, salvo conceses
estilísticas, encontra-se associada à prolixidade e à falta de criatividade e constitui
recurso que deve ser evitado para que não se incorra em “vício de linguagem” ou
“falha de estilo”.
Ainda que na estilística, a repetição encontre abrigo e valorização, Melo
(1976), em seu Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa, afirma que “a repetição
desgasta as palavras e acinza as coisas” (p.206).
Entretanto, essa opinião não é comum nos manuais de estilística. Para
Monteiro (1987), assim como para outros autores (Yllera, 1979; Vilanova, 1984;
Martins, 1989), a repetição se vê associada a fenômenos de motivação sonora,
resultante de um “esforço em selecionar e combinar vocábulos”, constituindo figuras
como a harmonia imitativa (p.104).
Guimarães (1990), ao abordar os procedimentos que asseguram a coesão e
a coerência de um texto, admite o valor estilístico da repetição e afirma que “a
simples repetição de um lexema pode significar efeitos estilísticos de especial
relevância na carga de significação do texto” (p.29).
Assim como a Estilística vê a repetição como recurso de estilo, a Lingüística
Textual a acolhe, reconhecendo-a como legítima estratégia de coesão (conforme
comentado na subseção anterior). Na verdade, a repetição só é encarada como
desvio quando são ignoradas as figuras catalogadas pela Retórica. Entre elas,
encontram-se, conforme quadro apresentado por Tavares (1984), a anadiplose
(empregar uma mesma expressão do final da oração ou verso anterior no início do
32
período ou verso seguinte – ex.: Coroai-me em verdade | De rosas | Rosas que se
apagam Fernando Pessoa)e o epânodo (desagregar e repetir em separado
expressão ou idéia anteriormente expressa, desenvolvendo-lhe o sentido – ex.: A
prudência é filha do tempo e da razão; da razão pelo discurso, do tempo pela
experiência Vieira), para citar algumas que se realizam de forma semelhante às
repetições analisadas aqui.
Tais figuras, como salienta o próprio Tavares (op. cit.), não foram inventadas
pelos retóricos. Na verdade, os retóricos “nada criaram que não o tivesse criado o
povo em sua linguagem. O que fizeram foi apenas sistematizar e ordenar os
diversos aspectos que configuram o modo de expressar a nossa emoção e o nosso
pensamento” (p.326).
2.2.2 O que apontam as pesquisas
Alguns trabalhos sobre a repetição no português falado identificam formas,
regularidades e funções que atuam na sua ocorrência.
Ramos(1983), objetivando mostrar que a ocorrência da repetição não pode
ser considerada irregular ou aleatória, se propõe a descrever de que maneira a
repetição contribui para facilitar a compreensão de enunciados pelo ouvinte e
identifica duas grandes classes que definem funcionalmente as repetições: a
primeira, as que contribuem para facilitar a tarefa do ouvinte de decodificar
enunciados; e a segunda, as que não contribuem para a mesma tarefa. Apresenta,
ainda, subclasses de acordo com o nível em que a repetição atua: sentencial ou
discursivo. Assim dentro da primeira classe, desenvolve seis subclasses; e dentro
da segunda, duas subclasses. Com a descrição, a autora vai apresentando sua
proposta de “taxonomia das repetições no estilo falado”. Embora admita ser
possível comparar textos falados e textos escritos e interpretar as diferenças como
manifestação de diferentes regras ou normas, não se pode deixar de salientar que a
base de toda a tipologia apresentada sustentou-se no pressuposto de que a
repetição tem como função primordial facilitar a compreensão do ouvinte.
Travaglia (1989), adotando uma perspectiva interacional, investiga as
repetições, voltado para as causas e/ou funções decorrentes da estrutura e
33
características próprias da conversação e da língua oral de um modo geral,
definidas na Análise da Conversação. Portanto, foram excluídas da pesquisa as
repetições que, a despeito de serem recursos coesivos, se revelavam também
recursos coesivos da língua escrita. Os dados levaram o pesquisador a agrupar as
causas da repetição em dois grupos: as macro-causas e as micro-causas, não
significando que pertencer a uma causa elimina a possibilidade de pertencer a
outra, uma vez que, “uma mesma repetição pode se dever a várias causas por
preencher diferentes funções” (p.58). Assim, chega a 49 tipos de repetição. Com
uma lista tão extensa, é natural que surjam casos de funções idênticas recebendo
apenas nomes diferentes. Dessa forma, o trabalho resulta mais em uma descrição
de ocorrências do que em uma análise, propriamente dita.
Propondo uma metodologia geral para determinar todos os tipos de repetição,
Bessa Neto (1991) trabalha detalhadamente a repetição lexical e investiga seus
tipos formais e suas variadas funções em textos narrativos, estabelecendo um
paralelo de tal fenômeno entre a fala e a escrita. Para a autora, a repetição na fala
serve para criar significados, atender à especificidade de sua produção, estabelecer
conexão entre os diferentes segmentos textuais e marcar o tema de que trata. Já na
escrita, as funções relacionam-se à conexão, manifestando-se, sobretudo, por meio
de reiterações próximas (dentro do mesmo segmento tópico) ou distanciadas (em
segmentos tópicos distantes); e à significação, que encontra menor ocorrência no
texto escrito, fato atribuído a uma possível hipótese, somente levantada, de que o
texto escrito não teria necessidade de enfatizar itens lexicais ou então disporia de
outros recursos para fazê-lo. Através dessa última consideração, constata-se que a
autora deixou de ver a repetição lexical como “poderoso fator para o exercício de
elucidação da mensagem veiculada na progressão textual” (Guimarães, 1990: 29).
Um outro trabalho abordando a repetição na fala, aproximado do trabalho de
Bessa neto, é o apresentado por Marcuschi (1992). Segundo o autor, a repetição é
mais uma característica constitutiva do chamado estilo falado do que reflexo da
situação contextual ou das condições de produção local, constituindo-se, pois,
numa estratégia voltada não para a reformulação, mas para a formulação textual.
Importante consideração é feita quando afirma que a repetição “é o mecanismo mais
saliente para a negação da linearidade textual, sem, contudo, operar como
descontinuidade textual”, uma vez que não rompe estruturas ou conteúdos, e sim
34
organiza-os “numa projeção não linearizada” (p.177). A partir dessa constatação, o
autor admite a possibilidade de a linearidade ser uma característica da escrita e não
da fala. Sob esse aspecto, reafirmam-se funções distintas para a repetição em uma
e outra modalidade.
Na língua escrita, Antunes (1992), ao estudar os aspectos da coesão lexical
e sua função na organização do texto escrito de comentário, analisa
especificamente a repetição e a substituição sem se prender a classificações.
Sobre a primeira, sob o ponto de vista da funcionalidade, diz que a repetição
contribui para a marcação lexical do tópico e subtópicos do texto, e sob o ponto de
vista da relevância coesiva, reconhece que tal recurso serve á organização tanto da
continuidade microestrutural quanto da continuidade macroestrutural. Dessa forma,
ressalta que a repetição não pode ser circunscrita à superfície do texto.. Apoiada na
constatação de que o uso da repetição revela-se uma regularidade discursiva,
posto que cumpre função “na atividade da composição textual levada a cabo pelo
sujeito enunciador” (p.437), a autora sugere uma revisão na forma como a repetição
vem sendo tratada no ensino da produção escrita.
Embora não se constitua objetivos do estudo investigar a repetição, Bastos
(1994), ao levantar os recursos que faltariam ao aluno de 2º grau para um bom
desempenho na produção de narrativas escritas e as estratégias para suprir tais
dificuldades, analisa a repetição, uma vez que tal fenômeno mostrou-se bastante
freqüente no corpus estudado. A autora constata que, a despeito de as repetições
serem necessárias para a estruturação coesiva de um texto e a língua oferecer
mecanismos para a realização da recorrência, os autores dos textos analisados,
ignorando tais mecanismos, valem-se, inadvertidamente, da pura e simples
repetição de palavras e idéias, produzindo alguns textos excessivamente
redundantes. Essa redundância, por ser comum e até necessária no discurso oral,
denotaria uma “falta de familiaridade dos alunos com a escrita” (p.120), porquanto
teriam deixado resvalar para o texto escrito recursos da oralidade.
Assim, o emprego da reiteração, quando considerada não-padrão, é atribuído
“à falta de explicitação do que seja um texto escrito”, posto que “o aluno é levado a
usar a competência oral, adquirida fora da escola - escreve como se estivesse
falando” (p.105). Como se vê, a análise baseia-se na hipotética e questionável
dedução de que os alunos confundem estilo falado com estilo escrito. Já foi dito
35
anteriormente, e vale reiterar aqui, que não dominar as regras de sistematizão da
língua escrita não significa não distinguir diferenças entre uma e outra modalidade.
Como se vê, os estudos comentados voltaram-se, em sua maioria, para a
língua falada, por adultos. Outros trabalhos não comentados, Perini (1980) e Koch
(1993), também se referem à mesma modalidade. O primeiro examinou somente as
repetições não contíguas, atribuindo-lhes a função de facilitar “o processamento
dos enunciados através da reconstituição de seqüências acessíveis a estratégias
perceptuais” (p.118); o segundo ressalta a importância da repetição enquanto
mecanismo estruturador do texto falado, posto que nele exerce funções
interacionais relevantes, ao lado de funções textualizadoras, retóricas e de
processamento discursivo.
Com relação á língua escrita, Bessa Neto (op.cit.), em seu estudo, encontrou
somente quatro ocorrências de repetição lexical contígua, para a qual atribuiu a
função de desdobramento. Segundo a autora, esse tipo de repetição, nos textos
examinados, “é formulado a partir de um item lexical pinçado na oração anterior,
num processo exatamente igual ao ocorrido no texto oral” (p.189). Já Antunes
(op.cit.) tratou das repetições que se realizam pelo texto em retomadas do tópico ou
dos subtópicos. O estudo, portanto, desse fenômeno na escrita, além de escasso,
restringe-se ao texto de adultos.
2.3 A repetição em narrativas infantis
Mais recentemente vários estudos sobre a linguagem infantil têm revelado
preocupação com os recursos lingüísticos de que se valem as crianças no
estabelecimento de relações coesivas.
Ghiraldelo (1989) analisa os mecanismos utilizados por alunos de 3a. série
do Ensino Fundamental para construir a continuidade e a seqüencialidade do texto
36
narrativo escrito, e dentre eles cita o de reiteração. Ao levantar no corpus estudado
exemplos de repetição lexical, como em:
Laura gostou muito do seu vestido. O vestido era todo estrelado e cheio de
borboletas (...)(p.14)
reconhece que tal recurso é empregado com muita freqüência e atribui tal
recorrência ao “esforço da criança para desfazer ambigüidades”(p.14). Para a
autora, o uso excessivo de repetições seria o reflexo da transferência de
características peculiares da linguagem oral para a escrita, posto que a criança
nessa fase de vida escolar não compreenderia “a distinção entre língua oral, que
pode recorrer às retomadas, redundâncias etc., e a língua escrita, que exige
recursos mais sistemáticos e é regulamentada por convenções e normas.” (p.19). O
que se constata é que a autora acredita haver uma falta de distinção entre língua
falada e língua escrita por parte do aluno e conduz a sua investigação baseada
nesse pressuposto, tornando a análise questionável.
A fim de investigar as estratégias de que se valem as crianças na construção
de um texto coeso, Soares (1991) analisa, tanto na produção quanto na reprodução
de narrativas, nas duas modalidades da língua (oral e escrita), as estratégias
utilizadas na manuteão da continuidade temática. A autora constata a
possibilidade de: a) o pronome de terceira pessoa se mostrar anafórico em textos
de crianças menores e apresentar um caráter mais dêitico em textos de crianças
maiores, ao contrario de Karmiloff-Smith (1980, 1981) e Bamberg(1986); b) as
expressões referenciais (forma nominal, forma pronominal e anáfora zero),
utilizadas em narrativas com apenas um personagem, servirem ao estabelecimento
da coesão; c) o pronome de primeira pessoa, embora considerado dêitico com
relação à categoria de pessoa, assegurar a continuidade temática e realizar
estratégias, quer a nível global; d) a anáfora pronominal ser usada
preferencialmente em orações independentes e principais, enquanto o zero
anafórico ser preferido em orações coordenadas e subordinadas; e) a oão pela
reiteração do pronome ou pelo zero anafórico estar ligada a fatores como idade e
escolaridade. Esse estudo se revela importante, sobretudo por concluir que
mecanismos de referência tanto nominal quanto pronominal o utilizados pela
criança para manter a continuidade textual e, ainda, que não há isomorfia entre as
37
duas modalidades da língua, no que toca ao desenvolvimento da habilidade de
estabelecer a seqüenciação de um texto.
Ao estudar o processo de produção de textos escritos por crianças de sete
anos, Pacheco (1992) analisa, entre outros aspectos, a manutenção da referência e
constata, também, o uso preferencial de formas pronominais, plenas e nulas.
Contudo, essa preferência, em narrações, assume distinções. Diante da presença
de vínculo sintático, a forma anafórica se revela mais recorrente; ao passo que a
forma pronominal é mais utilizada quando a relação sintática é menos evidenciada.
A autora conclui que o uso de uma ou outra forma referencial está ligado ao
planejamento do texto, na articulação entre a coerência global e a local,
condicionada pelo estabelecimento da hierarquização sintática das orações que
compõem o texto. Afirma, ainda, que a função da referência pronominal em textos
das crianças seria a de “encadear a progressão do discurso, sendo que em
algumas ocasiões estas formas são usadas para a recuperação do referente na
mudança de episódios” (p.212). Convém salientar que esses resultados referem-se
a manutenção da referência a um sintagma nominal, sujeito na sentença anterior,
em posição inicial.
2.3.1 Expressão nominal e funções referenciais: as contribuições
de Karmioff-Smith, Bamberg, Hickman e Orsolini e Di Giacinto
Pesquisas voltadas para a aquisição da linguagem têm demonstrado
interesse pelo uso dos mecanismos lingüísticos utilizados pela criança na
construção do discurso, sobretudo aqueles que envolvem a habilidade tanto para
introduzir e reintroduzir personagens em uma história, quanto para manter a
referência a estes personagens. Estudos sobre o uso de expressões nominais e
pronominais no estabelecimento de funções referenciais, Karmiloff-Smith (1981,
1985), Bamberg (1986, 1991) e Hickmann (1991), têm servido como ponto de
partida para muitas outras investigações.
Ao investigar, em narrativas orais, os recursos utilizados pela criança para
assegurar a coesão lingüística, Karmiloff-Smith (1981), uma das pioneiras na área,
38
descobriu que o status topical do personagem (principal vs. secundário) determina a
opção por uma ou outra expressão referencial.
Seu estudo revelou que, no desenvolvimento da aquisição do sistema
referencial, a primeira etapa é caracterizada pelo uso de formas pronominais como
uma estratégia que marca o sujeito temático. A estratégia do sujeito temático
consistiria em reservar, em cada enunciado, a posição de sujeito para o
personagem principal, representado por um pronome pessoal em início de
sentença. Outra característica dessa etapa é o fato de uma forma pronominal ser
empregada exclusivamente para referir-se ao personagem de mais alta
topicalidade, o sujeito temático. Os demais personagens seriam referidos por
expressões nominais definidas, quer em função de manutenção quer em função de
reintrodução. Assim, atesta que a forma pronominal e a forma anafórica podem
assumir funções distintas, conforme o contexto a que esteja ligada: sentenças
coesas de enunciados ou sentenças isoladas.
Buscando dar continuidade ao referido estudo de Karmiloff-Smith, Bamberg
(1986) analisou narrativas produzidas por crianças alemães, elicitadas a partir de
um livro contendo vinte e oito gravuras, sem texto, intitulado Frog, where are you?,
a fim de investigar a referência por uso de formas nominal, pronominal e anafórica,
em narrativas com dois personagens principais. As crianças, distribuídas em três
grupos etários distintos (3,5-4; 5-6; 9-10 anos), ao narrar a historia, expressavam as
formas lingüísticas preferidas para manter ou reintroduzir os protagonistas. Com
esse estudo, o autor reafirma que a topicalidade dos referentes obriga o uso de
formas lingüísticas específicas para recursos referenciais distintos: formas
pronominais para manter a referência e expressões nominais para reintroduzir a
referência. No entanto, diante da reintrodução da referência, Bamberg encontrou
crianças empregando o pronome de 3ª pessoa para se referirem ao personagem
principal e pôde constatar que a opção pelo uso da forma nominal ou pronominal
era influenciada pela topicalidade do personagem que estava sendo reintroduzido.
As descobertas de Karmiloff-Smith e Bamberg convergem para a mesma
questão: a influência da topicalidade dos referentes no uso preferencial de formas
lingüísticas para expressar funções referenciais. Divergem, entretanto, em um
ponto: a idade em que as crianças mostram-se suscetíveis tanto à força da função
referencial quanto ao status topical do personagem.
39
Para Karmiloff-Smith, as crianças de três, quatro anos manifestariam um uso
dêitico para as expressões referenciais utilizadas, e somente a partir dos seis anos
é que estariam condicionadas pela topicalidade do referente.
Bamberg descreveu comportamento diferente: em seu estudo, as crianças
mais novas (3,5-4 anos) e algumas do grupo intermediário (5-6 anos), diante de
reintrodução de um referente, já faziam uso de formas pronominais para o
personagem principal e expressões nominais para outros referentes. Para o autor, a
distinção entre os personagens da história, se justifica pelo fato de tanto a forma
nominal quanto a pronominal serem encontradas pela criança no input da linguagem
ao fazer referência às mesmas entidades não-lingüísticas. Portanto, o par
forma/função que a tarefa da narrativa exige é que responde pelo input da criança.
Quanto às crianças mais velhas, de 9-10 anos, para os dois autores, não
mais seriam afetadas pela topicalidade e diante da reintrodução de qualquer
referente manifestariam preferência pelo uso de formas nominais, uma vez que
estariam voltadas à necessidade de mudar a referência ou desfazer ambigüidade.
O fato de Soares (1991) ter encontrado resultado diferente dos encontrados
por Karmiloff-Smith e Bamberg, no que se refere à idade em que a criança usa o
pronome de forma anafórica ou dêitica,não chega a alterar a condução da análise
proposta, uma vez que não se estará analisando esse fenômeno.
Hickmann (1991), estudando o desenvolvimento do discurso narrativo em
crianças de quatro a dez anos, em três idiomas (inglês, chinês e francês), levantou
alguns problemas com os quais a criança se defronta no processo de aquisição de
sua língua materna e na organizão da referência no discurso. Sugere, a partir daí,
que devem existir princípios universais no desenvolvimento da coesão discursiva e
que alguns rumos diferentes de desenvolvimento dependem da língua que es
sendo adquirida.
Em seu estudo, que teve por objetivo discutir o desenvolvimento da coesão
na narrativa infantil e particularmente a aquisição do sistema referencial, a autora se
propõe a verificar se as crianças, fazem uso das expressões de referência no
discurso como os adultos. Para tanto, solicita a crianças de três diferentes grupos
etários (4, 7 e 10 anos), narrar histórias contidas em duas seqüências distintas de
gravuras a um interlocutor, que deveria recontar a história a partir do que ouvisse.
40
Com relação à introdução dos referentes, constatou uma clara progressão
nos usos de introduções apropriadas (artigo definido + nome), registrada nas
freqüências menores aos 4 anos e maiores aos 10 anos, seguidas por um declínio
também proporcional no uso de expressões inapropriadas (artigo definido + nome
ou pronome pessoal). As expressões de referência das crianças de 4 anos foram
muitas vezes acompanhadas de elementos dêiticos e em outras de não-verbais
(gestuais), revelando que nessa idade as crianças dependem do contexto não-
lingüístico para estruturar seu discurso.
diante da manutenção da referência, verificou que na história que envolvia
um só personagem principal, a criança utilizou preferencialmente as formas
presumíveis para se referirem a este personagem, e formas tanto pronominais
quanto pronominais para os demais personagens. Na outra seqüência de gravuras,
sem um personagem central, foram preferidas as expressões nominais para a
mesma função referencial. Constatou, ainda, que os mecanismos relativamente
presumíveis (pronomes e anáfora zero) foram utilizados em sucessivas
declarações, para o mesmo personagem que ocupava o papel de sujeito/agente em
enunciados adjacentes. Quando o referente mudava de papel de uma sentença a
outra, a criança recorria às expressões nominais. Por outro lado, utilizaram menos
os mecanismos presumíveis (expressão nominal) para denotar um referente que
não tivesse sido mencionado na sentença imediatamente precedente ou se não
tivesse sido mencionado no papel de sujeito/agente em ambas as sentenças.
Assim, o papel que o referente ocupa nos enunciados co-referenciais influenciaria a
opção pela forma lingüística para expressar a manutenção referencial.
Hickmann conclui admitindo que o domínio das crianças com relação ao
sistema referencial é tardio, acontecendo de forma progressiva, uma vez que
passam, inicialmente, do uso de expressões somente dêiticas para formas
ancoradas dentro do discurso. Chama atenção, ainda, para a necessidade de
serem consideradas as propriedades funcional-pragmáticas dos repertórios
lingüísticos da crianças ao se estudar a aquisição do sistema referencial.
Propondo-se a rever a questão da expressão referencial em textos narrativos
infantis, Orsolini e Di Giacinto (1996) buscam investigar a idade com que a criança
manifestaria preferência por determinada expressão referencial e a relação entre o
emprego de uma ou outra forma e a familiaridade com o texto a ser reproduzido.
41
Para a análise, as pesquisadoras estabeleceram quatro categorias de
análise: a) o tipo de forma lingüística (expressão nominal, forma pronominal, anáfora
zero); b) o papel sintático ocupado; c) a posição pré-verbal ou pós-verbal; d) a
função referencial.
Chegaram a alguns dos resultados seguintes: a) as formas nulas foram
preferidas quando a referência era altamente acessível, enquanto as expressões
nominais foram utilizadas para introdução ou reintrodução de personagem,
confirmando as descobertas de Bamberg (1987); b) em crianças mais novas (4
anos), a opção pelo uso de expressões indefinidas, na introdução de referentes,
revela a tentativa de reproduzir uma fórmula convencional devido a familiaridade
com procedimentos típicos da narrativa ficcional convencional; c) as crianças pré-
escolares, utilizam o mesmo mecanismo para reintroduzir um referente no papel de
sujeito ou de objeto, não se mostrando, portanto afetadas pelas expectativas que
surgem da estrutura textual da sentença anterior. Assim, concordando com
Karmiloff-Smith (1985) e Bamberg (1987), as autoras afirmam que as crianças mais
novas não teriam controle profundo nem do conteúdo nem da estrutura da sentença
imediatamente precedente.
Embora a pesquisa de Orsolini e Di Giacinto tenha se restringido a examinar
sentenças com apenas um referente animado, interessa particularmente a esta
investigação pelo fato de aqui se estar analisando sentenças em que o referente
encontra-se mencionado na sentença seguinte, portanto acessível, e a referência a
ele ter sido feita por expressão nominal.
Vale lembrar que não se constitui objetivo deste trabalho investigar o domínio
do sistema referencial, muito menos em que idade ele começa a se manifestar. No
entanto, esses estudos servem de suporte teórico à análise da repetição lexical à
medida que tratam, em narrativas infantis, das formas utilizadas na manuteão da
referência (nominais e pronominais) e os fatores lingüísticos que condicionam o
emprego de uma ou de outra forma.
Ainda que esses estudos tenham analisado as expressões referenciais, não
abordaram especificamente o emprego de expressão nominal reiterada em função
de manutenção de referente, estratégia que se pretende analisar aqui. O uso de
uma forma plena logo após a utilização dessa mesma forma, o que constituiria a
42
repetição lexical de que trata este estudo, pode acenar para representações
semânticas até então não desveladas.
2.3.2 A reiteração de itens e os limites internos do texto: o estudo
de Ferreiro e Moreira
Como a repetição encontra espaço privilegiado, e de certa forma
reconhecido, na língua falada, os estudos sobre o uso desse recurso na língua
escrita ainda são escassos, sobretudo os que se voltam para os textos infantis.
Ferreiro e Moreira (1996), em estudo sobre as repetições levantadas em
narrativas escritas de crianças e as funções que tais repetições estariam cumprindo
no desenvolvimento da competência textual, defendem que nos textos infantis as
reiterações cumpririam funções organizadoras do texto, tais como: marcar com
clareza as fronteiras da enunciação, anular a distância entre o verbo declarativo e a
declaração feita, manter bem estabelecidas as referências na história, salientar
personagens principais quando colocados em ação.
Essas funções foram encontradas a partir do agrupamento dos tipos de
repetições levantadas. Assim, foram identificadas repetições: a) imediatas,
encontradas preferencialmente no discurso direto, com a função de enfatizar
exclamações, vocativos, verbos, adjetivos, e estruturas adjetivas ou adverbiais; b)
similares, sem mudança de função sintática, com elementos intercalados o
elaboração final, encontrada tanto no discurso citado quanto no narrado; c)
demarcadoras do discurso direto com identificação do falante no inicio e no final da
enunciação; d) de partes da enunciação de um mesmo falante, voltadas para
função comunicativa expressa por seu ato de fala (direta ou indireta); e) de verbos
declarativos que separam tanto o falante do que ele diz, quanto o destinatário do
que foi dito; f) imediatas de item lexicais com mudança de função, quer sintática,
quer enunciativa.
As repetições encontradas tanto no discurso citado quanto no discurso
narrado evidenciariam (exceto as primeiras) a tentativa de impor fronteiras internas
ao texto, já que estariam funcionando como demarcadoras de limites na narrativa.
43
Nesse sentido, as autoras defendem a idéia de uma “lexicalização da pontuação”
(p.16).
Ao tratarem das repetições imediatas com mudanças de função, objeto de
análise deste trabalho, as autoras somente situam o contexto em que esse
mecanismo específico costuma ocorrer, fronteira entre a apresentação de
personagem e o como da narrativa, com o: ela encontrou o lobo mal e o lobo
mal qeria comer a avó (p3b026), e apontam casos em que estaria sinalizando para
a temporalidade das ações, como em: O lobo entrou entrou e comeu a vovozinha
(c3m018). Sem fazer considerações a respeito, referem-se, ainda, ao fato de se
encontrarem elementos inseridos no ambiente da repetição (mudança de linha
gráfica, inicial maiúscula, conectivos).
Como se vê, não foram analisados, portanto, fatores levantados neste
trabalho, como a função referencial expressa pelo item reiterado, o plano narrativo
em que se realiza, o papel do personagem reiterado na narrativa, bem como o tipo
de ação empreendida.
As autoras partem do pressuposto de que a criança “sabe que o escrito não
reproduz a oralidade” e adotam uma postura, do levantamento das ocorrências às
conclusões, de enxergar os mecanismos de repetição utilizados nos textos infantis
“pelos olhos do produtor desses textos” e não pelo ponto de vista normativo, que
discrimina de antemão as reiterações léxicas em detrimento das que julga
aceitáveis e adequadas.
E é exatamente baseada no mesmo pressuposto e dotada dos mesmos olhos
que esta investigação será conduzida, buscando aprofundar e ampliar resultados
obtidos sobre a repetição lexical em narrativas escritas infantis, e, quem sabe,
apontar novos rumos para a compreensão dos mecanismos de que se vale o
aprendiz, enquanto escritor.
44
3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
3.1 Análise dos textos
3.1.1 A ocorrência da repetição
Inicialmente, procedeu-se ao levantamento da ocorrência ou ausência da
repetição lexical nos 558 textos que compõem o corpus.
Desse primeiro levantamento, formaram-se dois grupos: um, dos textos que
deixaram de apresentar repetição lexical do tipo investigado
13
; e outro, dos que
apresentaram repetição lexical, conforme mostra o quadro abaixo.
Quadro II: Distribuição dos textos por série e classe social segundo presença ou ausência
de repetição lexical (RL)
TEXTOS SEM
RL
FREQÜÊNCIA
%
TEXTOS COM
RL
FREQÜÊNCIA
%
TOTAL
1B 32 62 20 38 52
2B 30 60 20 40 50
3B 43 62 26 38 69
4B 49 61 31 39 80
1M 29 51 28 49 57
2M 47 64 26 36 73
3M 53 63 30 37 83
4M 64 68 30 32 94
TOTAL GERAL 347 62 211 38 558
Assim, dos 558 textos, 347 encaixam-se no primeiro grupo (Textos sem RL) e
211, no segundo (Textos com RL). De acordo com essa distribuição, 62% do corpus
responderiam pela ausência de repetição, e 38% pela presença de itens reiterados.
Embora o primeiro grupo registre maior percentual (62%), não se pode deixar
de considerar que, de um modo geral, a repetição constitui-se recurso de uso
relativamente freqüente em todas as séries, independente de classe social (escola
13
Os textos que compõem esse grupo podem eventualmente apresentar outro tipo de repetição, não investigada
nesta pesquisa.
45
pública x escola particular), uma vez que a freqüência registrada oscila entre 32% e
49%. Dessa forma, neste corpus, a repetição lexical revela-se mecanismo de
recorrência freqüente, ainda que, neste trabalho, tenha sido tomada sob caráter
restrito - em contextos de contigüidade.
Na classe baixa (escola pública), o nível de escolaridade parece não interferir
no uso de repetição lexical, posto que a freqüência é relativamente a mesma (38%
a 40%) nas quatro séries. Já na classe média (escola particular), a situação se
mostra um pouco diferente, chegando a sugerir uma gradação, isto é, as crianças
da 1a. série usam mais repetição lexical (49%) que as da 4a. série (32%). Esse
dado aponta para o domínio, por crianças mais velhas (9-10 anos), das formas
lingüísticas presumíveis utilizadas para a manuteão de personagem. É o que se
observa em:
Francisco Adílio (c4b008):
e ciêncon | tro com o lobo mau é ele disse |
Daniel (c4m007):
e chamou o caçador | que tirou sua vovozinha e matou o lobo mau.
Ilca Fabiana (p4b012):
e dai quando ela | estava saindo da casa dela tinha um lobo | muito mal que
queria comer a vovozinha da | chapéuzinho vermelho.
Patrícia (p4m022):
Ela saiu correndo e chamou um caçador ele veio tirrou a vó da | Chapelzinho e
todos viveram felizes para sempre.
Ainda que as crianças de 4a. série (9-10 anos) utilizem mais formas vazias
do que as crianças de 1a. série (6-7 anos), isso não quer dizer que deixem de
lançar mão de formas plenas. Constata-se, assim, que o processo de aquisição da
escrita, longe de ser linear e excludente, registra a utilização concomitante por parte
de um mesmo aprendiz tanto de formas pronominais e zero anafórico quanto de
expressões nominais - reiterações lexicais - para a manutenção da referência. É o
que se verifica em:
Ana Caroline (c4b001):
Era uma vez uma menina chamada | Chapeuzinho Vermelho ela tinha uma | Capa
muito bonita.
46
(...) O lobo pulou em cima de chapeuzinho | chapeuzinho pegou uma faca
Hallysson (c4m010):
um dia sua mae mandou ela ir deixa uma | cestinha com comidas para sua vovo
que estava | doente então chapeuzinho foi e encontrou | o lobo mau então o lobo
mau disse
Marcos Ricardo (p4b015):
Era uma vez uma menina chamada chapéu | zinho vermelho. | Um dia
chapéuzinho vermelho estava brincando | no jardim
(...) E atrás da árvore estava o lobo que escutou
Henrique (p4m017):
Era uma vez, uma menina chamada Chapelzinho | vermelho. Ela fu vizitar a vovó
(...) E no caminho ela | encontrou o lobo mal, que queria comer os dôces
(...) Ela chamou o caçador. | O caçador pegou o lobo
Para Karmiloff-Smith (1981, 1985) e Hickmann (1991), a partir dos 6/7 anos,
as crianças diante da produção de narrativas orais evidenciam o uso preferencial
por pronomes e anáfora zero para a manutenção da referência. Assim, também no
caso deste corpus, há exemplos de crianças, desde as séries iniciais, fazendo uso
das formas presumíveis, conforme usualmente realizadas no português, como se
constata nos exemplos seguintes:
Antonio Carlos (c1b002):
chapeuziu vemelho vil o lobumal ele | gritou | Ø coreu
Daís (p2m009):
No caminho ela viu um lobomau que estava morrendo | de fome
Marlon ((p2b008):
Chapeu zinho vermelho chegou Ø abriu a | porta e Ø dissi oi vovó
Nara (c2m005)
ele chegou Ø comeu a vovo- | zinha Ø botou camisola e a toca e Ø deitou | na
cama.
Embora as crianças desde a 1a. série utilizem as formas presumíveis para a
manutenção do referente, não se pode deixar de observar que muitas,
independente da série que cursam, empregam, concomitantemente ou não,
expressões nominais diante dessa mesma função referencial. Assim, há de se
47
considerar a parcela significativa de contextos em que a repetição lexical é utilizada
para manter o personagem no desenvolvimento da narrativa. É o que se passa a
analisar.
3.1.2 Repetição e funções referenciais
Segundo Orsolini e Di Giacinto (1996), quando um personagem é introduzido
no discurso, as referências subseqüentes a ele são realizadas com formas que
variam de acordo com a saliência e a riqueza fonológica e semântica: pronomes e
anáfora zero para manter a referência e expressões nominais para reintroduzir o
referente quando não estivesse facilmente acessível no contexto enunciativo.
Com relação aos 211 textos focalizados, vale salientar que as 273
ocorrências de repetição lexical encontram-se em posição de manutenção de um
referente. Assim, nesses casos, a criança, contrariando o uso de forma lingüística
esperada para a manutenção – pronomes e anáfora zero – opta por expressões
nominais reiteradas, mesmo o referente tendo sido mencionado no contexto
imediatamente precedente e estando, desse modo, altamente acessível, como se
em:
Nayara (c3m002):
(a chapeuzinho vermelho) foi chamar o homem e o homem | cortou a barriga dela
Luís Antonio (p3b051):
ela encontrou o lobo | mau o lobo mau aprisionou a chapeuzinho | vermelho
Nos dois exemplos, o personagem é introduzido e, no enunciado
imediatamente posterior, mantido através da repetição do mesmo item lexical.
Portanto, a criança, diante da manutenção do personagem, fez uso de uma forma
plena quando o esperado seria o emprego de uma forma pronominal, já que o
referente havia sido mencionado no enunciado anterior, sendo, em contextos como
esse, facilmente recuperável.
48
Buscando-se uma interpretação para esse uso singular da repetição lexical,
procurou-se levantar a função referencial desempenhada pelo item anteriormente
citado. O passo seguinte foi, então, atribuir uma categorização para cada repetição
lexical encontrada. Assim, registraram-se RLI, quando a repetição lexical
manifestava-se após introdução, RLM quando após manutenção e RLR quando
após reintrodução do referente. Dessa forma, chegou-se ao quadro seguinte:
Quadro III: Distribuição da repetição segundo função referencial por série e classe social
RLI % RLM % RLR % TOTAL
DE RL
1B 20 72 2 7 6 21 28
2B 15 60 1 4 9 36 25
3B 21 57 4 11 12 32 37
4B 17 43 1 2 22 55 40
1M 19 54 5 14 11 32 35
2M 17 55 1 3 13 42 31
3M 22 59 1 3 14 38 37
4M 22 55 6 15 12 30 40
TOTAL 153 56 21 8 99 36 273
Das repetições lexicais encontradas, a mais recorrente - 56% - é a que se
realiza após a introdução de um referente. Esta tendência pode ser observada em
todas as séries da classe média (escola particular) e somente nas 1a., 2a., e 3a.
séries da classe baixa (escola pública), posto que na 4a. série - classe baixa há um
número maior de repetições lexicais após a reintrodução.
A explicação para a maior ocorrência após a introdução do referente parece
se justificar pela própria força dessa função referencial. A introdução de um
personagem cria expectativa sobre a sua ação na narrativa e essa ação que vai ser
empreendida parece cobrar a “explicitude” de seu agente - função que, pelo menos,
o zero anafórico revela-se ineficiente para desempenhar. Torna-se, pois,
necessário, que o sujeito da ação a se desenrolar esteja claro, marcado, não por
formas nulas, pobres de significação, mas explicitamente por formas plenas,
enriquecidas de conteúdo semântico.
O personagem que entra em cena constitui informação nova; é ele que desse
momento em diante vai ser o centro das ações narrativas, até que outro apareça e
49
venha lhe tirar o status de tópico. Na verdade, a reiteração revela uma implícita
necessidade de manter focalizada a informão que acabou de ser fornecida.
No caso do citado enunciado da Nayara (c3m002), por exemplo, a audiência
é informada de que Chapeuzinho Vermelho “foi chamar o homem” (o caçador) e
esse homem chamado deve permanecer em cena, pois o evento seguinte - “cortou
a barriga dela” - dependerá de sua atuação, enquanto desencadeador da ação (é o
homem chamado que cortará a barriga dela). Assim, uma vez que o personagem foi
introduzido, a criança deixa de recorrer a mecanismos de pressuposição -
pronomes, anáfora zero - e lança mão da reiteração, da repetição do mesmo item,
para assegurar a evidência (permanência em cena) do referente, do personagem
que vai constituir-se agente da ão seguinte. Como já foi dito, as expressões
nominais respondem por uma expressividade semântica maior que as formas
presumíveis. Por esse motivo, tanto a pronominalizão quanto o zero anafórico,
por seu caráter dêitico e sua reduzida carga semântica, revelar-se-iam “impotentes”
para reafirmar um referente, ainda que este tenha acabado de ser mencionado.
Tais formas, do ponto de vista da criança, possivelmente não dariam conta
de, simultaneamente, representar o referente, traduzir o seu significado e ainda
responder pela sua extensão semântica. A extensão semântica é empregada aqui
para falar dos sentidos que se vão sobrepondo ao longo do desenvolvimento de um
referente na narrativa. Assim, o sentido que, por exemplo, o personagem ‘lobo mau’
tem em sua primeira referência não é o mesmo que adquirirá em suas referências
subseqüentes.
Constate-se, a título de ilustração, o anteriormente citado enunciado de Luís
Antonio (p3b051), ela encontrou o lobo mau o lobo mau aprisionou a chapeuzinho
vermelho, em que a primeira entrada do lobo mau refere-se à representação do lobo
mau que é encontrado pela Chapeuzinho Vermelho; a segunda referência diz
respeito ao lobo mau que foi encontrado e ainda acrescenta-lhe o sentido de ser
aquele que aprisionou Chapeuzinho. Percebe-se, dessa forma, uma acumulação de
sentidos que se vão incorporando ao mesmo referente. A carga semântica vai
sendo, portanto, gradativamente estendida à medida que o referente é retomado e a
ele são atribuídas ões específicas. A repetição lexical, diante dessa carga de
significação expressiva, indicaria uma tentativa de escapar da baixa
representatividade semântica imposta pela pronominalização.
50
Portanto, o que se afirma aqui é que a repetição lexical contígua é justificada
pelo fato de tanto o zero anafórico quanto a pronominalizacão revelarem-se
enfraquecidos para sustentar a manutenção de um referente - e todo o seu
significado - face à reduzida espessura semântica, característica de tais recursos
lingüísticos.
Vejam-se alguns exemplos, que se trata de um procedimento bastante
recorrente no corpus analisado:
Fernando (p1b012):
Ela chamo o casador o casado tirou a vovó do lobo mau.
Paulo Cesar (p3m006):
E a menina foi para floresta esquecendo do conselho | de sua mãe encontrou um
lobo e o lobo disse
Joyce (c4b012):
e ele deu um salto e correu | atrás da menina e a menina como muito | sabida ela
chamou o casa do
Pode-se observar que Fernando e Paulo Cesar introduzem o personagem (o
caçador, no primeiro caso e o lobo, no segundo) e no enunciado imediatamente
subseqüente atribuem uma ão ao personagem referido (tirar e dizer,
respectivamente). No momento em que o personagem que foi somente introduzido
responderá por uma ação imediata, ele ganha extensão semântica e essa extensão
é então assinalada pela repetição do mesmo item lexical. A repetição se prestaria,
dessa forma, a sustentar um tópico sentencial
14
que responderá por uma ação que
contribuirá para a expansão do significado do item reiterado.
Examinando o exemplo de Joyce, constata-se que ela também mantém o
personagem introduzido por repetição lexical (a menina), e, como o item reiterado
se distancia da ação que irá empreender (chamou o casa do) por intercalação de
conferência não de uma ação, mas de um atributo (muito sabida), ela sente a
14
Adota-se aqui o conceito de tópico sentencial proposto por Marcuschi (1992). O autor estabelece distinção
entre tópico sentencial e tópico discursivo. O primeiro situado no vel das relações locais, comprometidas com a
linearidade do texto; o segundo situado no nível das relações globais, envolvidas na tessitura mais ampla do texto.
Embora o autor admita não estar certo sobre as noções apresentadas, já que tanto uma quanto outra não deixam de
ser uma noção discursiva, entende-se que essa ressalva não chega a interferir na condução da análise que ora se
propõe.
51
necessidade de voltar a reafirmar o referente e dessa vez via forma pronominal
(ela), agora respaldada pelo item reiterado.
Contrastem-se, com os exemplos citados, os trechos abaixo em que a
criança contrariamente faz uso da forma pronominalizada e, em seguida, recorre à
repetição lexical, redundando numa dupla referência.
Amanda (c4m002):
A vovó dela | estava doente e a mãe dela pediu que ela, a cha- | pelzinho foce
visitar a sua avó
Jocelina (p4b013):
O lobo saiu na frente e chegou a casa da vovô ele chapeuzinho | Pateu na porta e
falou
Verifica-se nesses exemplos que pelo caráter dêitico do pronome e por estar
em cena mais de um referente, a criança sente a necessidade de ratificá-lo através
da expressão nominal, a fim de desfazer a ambigüidade, já que a forma pronominal
atenderia tanto a um quanto a outro personagem. No exemplo de Jocelina, ressalte-
se o fato de Chapeuzinho ser um nome do gênero masculino e representar um
personagem do sexo feminino. Em ambos os casos, o emprego da forma plena não
chega a constituir repetição (contígua). No entanto, em Antonio (o exemplo a
seguir), é a repetição do item que evita uma possível ambigüidade, já que a forma
pronominalizada atenderia a um referente que não seria o focalizado no enunciado
seguinte.
Antonio (c3b006):
Era uma vez Chepéuzinho vermelho e sua | mãe e sua vovózinha a vovózinha
estava doente
Dessa forma, a repetição lexical estaria servindo a um desfazimento prévio
de uma ambigüidade, que não se instaura justamente pela utilização do mesmo item
lexical.
Voltando a Amanda e Jocelina, é oportuno observar que ambas, em outros
contextos, utilizam-se da pronominalizão sem recorrer à explicitação do referente.
Amanda (c4m002):
o lobo era o umico | da flores ta. ele es tava louco de fome e foi | para a casa da
vovó.
52
Jocelina (p4b013):
Era uma vez uma menina que se chamava chapeuzinho | Vermelho um dia ela
estava brincando.
Como se vê, nesses contextos, um só personagem está em cena, não
havendo, pois, necessidade de endossar a referência, uma vez que não se
configuraria caso de ambigüidade.
Tomando-se, agora, a freqüência da repetição após a reintrodução - 36% - e
considerando-a juntamente com a repetição após a introdução - 56% - chega-se a
quase totalidade das repetições lexicais levantadas - 92%. Dessa forma, tanto a
introdução quanto a reintrodução de um personagem mostram-se relevantes diante
da manutenção desse mesmo referente no enunciado seguinte.
Vale lembrar que os procedimentos lingüísticos utilizados para
estabelecimento de funções referenciais são os mesmos quer para a introdução
quer para a reintrodução. Sob esse aspecto, manter por reiteração lexical um
personagem que está sendo reintroduzido é perceber que ele está novamente
entrando em cena; é atribuir-lhe o mesmo destaque dado no momento da sua
introdução; é, em última instância, devolver-lhe a atenção que, por algumas
seqüências narrativas, esteve voltada para outro referente. É o que ilustra o
exemplo a seguir:
Carlos Alexandre (c3b009):
quando chapeuzinho | apareceu tomou um susto quando | viu o lobo e saiu
correndo pe- | dindo socorro apareceu um caçado e atirou no lobo e o lobo | saiu
correndo pela floresta.
após manutenção, a reiteração lexical revela-se baixa - somente 8%, uma
vez que não se justificaria pelo fato de a própria função referencial se encarregar de
sustentar a evidência do referente. Nessa situação, o personagem é mantido
através de enunciados sucessivos e a sua própria condição de pico assegura a
sua permanência em cena, como em:
Cecília (p2m009);
O lobo pegou um atalho, e bateu na porta da casa da vovó, a vovó falou | pode
entra. | O lobo subiu a escada, e chegou e comeu a avó.
53
Em Cecília, observa-se que o personagem lobo mau é reintroduzido e
mantido por formas esperadas - expressão nominal (o lobo) e anáfora zero,
respectivamente. A manutenção é reafirmada nos enunciados sucessivos tanto pelo
zero anafórico quanto pela posição de tópico que o referente ocupa na sentença
precedente. Não é, no entanto, o que se verifica em:
Viviane (c3b005):
Depois ela ficou catando flores para a vovó e apa- | receu o lobo e disse que podia
ficar ai catando | flores que não essitia lobo aqui. | E o lobo foi correndo pelo
caminho do rio.
Viviane, que anteriormente fizera uso de uma forma pronominal (ela) para
referir-se a Chapeuzinho Vermelho, recorre no período seguinte à repetição lexical.
Constata-se, por outro lado, que embora o lobo não tenha sido introduzido na
posição de tópico (apareceu o lobo), ele tem sua manutenção assegurada pela
forma anafórica presumível (disse), contudo esse recurso se mostra pouco eficiente
para continuar mantendo-o, mesmo que tenha sido novamente explicitado. Para ela,
ainda que aparentemente redundante, parece tornar-se necessário evidenciar que o
lobo de que fala não é aquele mencionado no enunciado imediatamente anterior,
generalizado, que existe nas florestas, mas sim um particular, o que apareceu e
conversou com ela.
Ressalte-se, ainda, o fato de o lobo, enquanto referente, ser primeiramente
introduzido (apareceu o lobo), em seguida responder por uma ação na narrativa
(dizer algo a Chapeuzinho Vermelho) e logo depois passar a uma condição passiva,
transformado em uma entidade do cenário (o existia lobo aqui). No período
posterior, o lobo volta a responder por mais uma ação na narrativa, desta vez
dinâmica (foi correndo pelo caminho do rio), quando é, então, novamente enunciado
explicitamente. A manutenção por repetição lexical estaria funcionando nesse
contexto como uma retomada do lobo agente que, enquanto tal, necessita estar
claramente enunciado, por expressão nominal.
em outros contextos, também de manutenção do referente, a repetição
lexical revela-se prescindível, porquanto as formas presumíveis conseguem
responder por consecutivas retomadas, do mesmo referente, conforme se ilustra a
seguir:
54
Rafael (p2m023):
Era uma veis uma garota que si chamava o Chapeuzinho vermelho. Um dia o
Chapeuzinho vermelho foi levar auguns doces para sua vovó. Nomeio do caminho
ela emcomtrouo olobo mau. E ela disse quem é voce
Ana Caroline (c4b001):
O lobo pulou em cima de chapeuzinho chapeuzinho pegou uma faca Ø cortou sua
barriga e de la Ø tirou sua avó.
Tanto Rafael quanto Ana Caroline se valem da repetição lexical para manter
o personagem, quer após sua introdução (no primeiro caso), quer após sua
reintrodução (no segundo caso). Uma vez assegurada a manutenção, via repetição
lexical, ambos sentem-se à vontade para, nos sucessivos enunciados, continuar
focalizando o referente através da recorrência às formas presumíveis, pronome e
anáfora zero, respectivamente, não mais fazendo uso da reiteração do mesmo item.
Este fato parece explicar a baixa produtividade da repetição lexical após
manutenção e conseqüentemente a sua completa ausência nos grupos 1B, 2M e
3M do Ceará e 2B, 3B e 4B do Paraná.
Até aqui, pretendeu-se mostrar que a baixa densidade semântica e o caráter
dêitico das formas presumíveis - pronome e anáfora zero – que não respondem
satisfatoriamente pela carga de significação que um referente carrega, favorecem,
na narrativa infantil, o uso de expressões nominais, formas plenas, recursos pouco
esperados para a manutenção de um referente, configurando caso de repetição
lexical contígua. Este tipo de repetição encontra-se, também, associado à função
de introdução e à de reintrodução. À primeira, com maior incidência, justificada pela
própria força da introdução de um personagem: é ele que centralizará as ações dos
eventos a serem narrados; à segunda por funcionar como uma nova introdução,
merecendo, pois, o mesmo tratamento. Com a introdução ou reintrodução de um
referente concorre ainda a necessidade estabelecida de evitar ambigüidade nos
contextos em que mais de um personagem compartilha determinado espaço
narrativo, diante do qual uma forma pronominal poderia, se empregada, referir-se a
qualquer um dos referentes envolvidos.
3.1.3 Repetição e relevância
55
Para esta análise, o emprego da repetição lexical após introdução e
reintrodução de personagem, motivada pela espessura semântica reduzida das
formas presumíveis, indicaria o possível intento da criança na busca por deixar
marcado no texto escrito que o personagem que acabou de ser referido e que se
está constituindo informação dada, parte do enredo, vai se destacar, vai passar a
agir, a tomar relevo na seqüência narrativa imediatamente subseqüente. É, pois, a
repetição lexical que servirá para marcar, no enunciado seguinte, a relevância
desse personagem já referido.
Tentando melhor compreender a questão que ora se destaca, procurou-se
dar continuidade à investigação considerando o plano narrativo - Figura ou Fundo -
em que a repetição se realizava. Buscou-se com esse procedimento verificar se o
item reiterado marcava sua relevância em seqüências que compunham o plano
saliente da narrativa, posto que é nesse plano que os fatos mais relevantes são
reproduzidos. Dessa forma, foram considerados tanto o enunciado em que o item
matriz figurava quanto o enunciado seguinte em que o item era reiterado.
Com base nos conceitos de Figura e Fundo instituídos por Hopper (1979),
foram, então, estabelecidos quatro contextos, exemplificados abaixo, que
resultaram no quadro seguinte:
1. Figura - Figura (Fg/Fg): o item matriz apresenta-se em um enunciado
caracterizado como Figura e o item reiterado também faz parte de um enunciado-
Figura, como em:
Evandro (c3b003):
e chamou o | cassador e o cassador matou olobo;
2. Figura - Fundo (Fg/Fd): o item matriz apresenta-se em um enunciado-
Figura e o item reiterado em um enunciado-Fundo, como em:
Marcelo(c2m007):
e chapesinho | vermelho foi buscara ajuda de um | casador e o casador estava
atrás |dele;
3. Fundo - Figura (Fd/Fg): o item matriz insere-se em um enunciado-Fundo e
o reiterado em um enunciado-Figura, como em:
Alexandre (p1m002):
56
Era uma zeis uma menina chmada chpiuziho | vermelho e um dia o chpéuziho
vermelho | foi levas disihos para a vovósiho; e
4. Fundo - Fundo (Fd/Fd): tanto o item matriz quanto o item reiterado
inserem-se em enunciados-Fundo, como em:
Heloísa (p4m056):
Era uma vez uma menina chamada Chapelsinho vermelho. Chapelsinho adorava,
brincar de boneca jogo etc.
Quadro IV: Freqüência da Repetição Lexical por série e classe social conforme plano
narrativo
Total de RL Fg/Fg Fg/Fd Fd/Fg Fd/Fd
1B 28 24 (86%) - 2 ( 7%) 2 ( 7%)
2B 25 18 (72%) 1 ( 4%) 5 (20%) 1 ( 4%)
3B 37 30 (81%) 2 (5,5%) 2 ( 5,5%) 3 ( 8%)
4B 40 31 (77,5%) 2 (5%) 5 (12,5%) 2 ( 5%)
1M 35 24 (69%) 3 ( 9%) 6 (17%) 2 ( 5%)
2M 31 23 (74%) 4 (13%) 4 (13%) -
3M 37 20 (54%) 4 (11%) 6 (16%) 7 (19%)
4M 40 27 (67,5%) 1 (2,5%) 10 (25%) 2 ( 5%)
GERAL 273 197 (72%) 17 ( 6%) 40 (15%) 19 (7%)
Dos contextos levantados, o que se mostrou mais produtivo foi o Figura -
Figura, com 72% (197 ocorrências), seguido do Fundo-Figura, com 15% (40
ocorrências) do total das repetições lexicais. Sabendo que os contextos que
possibilitam a relevância são justamente esses dois, Fg/Fg e Fd/Fg, posto que o
item reiterado insere-se em um enunciado do plano saliente, esse resultado
confirma o que se vem afirmando, isto é, a repetição lexical acentua a relevância de
um item referido.
Considere-se que o enunciado compõe-se de tópico e comentário.
Retomando, agora, o fragmento de Evandro (c3b003), por exemplo, tem-se o
caçador sendo introduzido no comentário (e chamou o cassador), passando
imediatamente a tópico na sentença seguinte (e o cassador matou o lobo). O
caçador é mantido em cena, tendo mudado de posição, por meio da repetição
lexical. Saiu, portanto, da condição de constituinte do predicado, ou comentário, de
um enunciado-Figura para ser alçado a tópico, na função de sujeito, no enunciado
seguinte, também do mesmo tipo, Figura.
É como se o personagem saltasse de uma posição estática, em que exerce
um papel receptivo, passivo, para uma posição dinâmica, com papel ativo, em que a
atenção deverá estar voltada para as ões que irá realizar. O item repetido
57
expressa, pois, sua relevância dentro do plano saliente exatamente pela reiteração.
O referente introduzido, enquanto informão nova e parte da Figura, “necessitaria”
ser enfatizado no enunciado seguinte, já que tanto o primeiro enunciado (do item
matriz) quanto o segundo (do item reiterado) pertencem ao mesmo plano narrativo.
Uma vez que estão em planos do mesmo caráter, salientes, um outro recurso,
então, se faz necessário para marcar a relevância do referente que está sendo
mantido: a repetição lexical.
A função da repetição lexical contígua, empregada diante da manutenção de
um personagem, parece ser, portanto, a de marcar a relevância do referente,
assinalando que o personagem de quem se está falando passou de elemento
focalizado ao próprio foco da ação narrativa. Uma vez que o personagem muda de
posição, as formas vazias, caracterizadas pela baixa informatividade semântica,
não sustentariam competência para responder ao mesmo tempo pela representação
do referente e por sua alteração de traço semântico. A reiteração atenderia, então,
a uma espécie de sinalização de inversão de traço semântico, isto é, a repetição
seria a marca da transição de uma situação receptiva, em que o referente vê-se
numa posição inativa, para uma situação participativa, em que o referente desfruta
de uma posição agentiva. Com a repetição, a criança estaria, assim, apontando a
relevância do referente, reiterado por ter passado de constituinte focalizado,
receptivo, a constituinte foco, participativo.
Pretende-se, com esse enfoque, apor à análise da estruturação interna da
sentença (sintaxe) uma dimensão funcional, do ponto de vista discursivo, voltada
para a carga informacional do enunciado produzido pela criança, uma vez que
estaria escrevendo algo para alguém que vai ler o seu texto e, conseqüentemente,
necessitará compreender o que, e como, está sendo dito.
Tomada sob esse aspecto, é procedente afirmar que a repetição deflagraria a
busca da criança, em processo de aquisição da linguagem, pela forma
semanticamente mais expressiva para fazer valer sua intenção comunicativa. Ela
talvez perceba a baixa espessura semântica das formas presumíveis e
possivelmente ainda não confie no emprego de tais recursos para traduzir a
situação discursiva que se impõe para ser representada no texto escrito. Diante,
então, de contextos em que o agente do processo verbal deve estar claramente
enunciado, que o peso da trama em determinado espaço narrativo recai sobre
58
ele, a criança recorre às reiterações lexicais. Dessa forma, a repetição lexical
desempenharia importante papel no texto escrito e, ao contrário do que atestou
Bessa Neto (1991) no texto adulto, serviria de âncora para a progressão narrativa.
Seria um tanto simplista supor que a repetição refletiria um mecanismo de
referência da oralidade transposto para o texto escrito. Na introdução deste
trabalho, afirmou-se que a criança, desde cedo, se conta das especificidades da
língua escrita (ainda que não domine os recursos do padrão normativo). Logo,
parece sensato crer que esse tipo de repetição lexical, na realidade, evidencia
intentos do aprendiz na aquisição do sistema referencial, ainda em processo.
Portanto, até chegar a confiar e usar com propriedade esse sistema, a criança
passa por etapas que a habilitarão no uso dos mecanismos de recorrência,
adequados ao texto escrito.
Não se quer dizer com isso que o sistema lingüístico não reconheça a
repetição como mecanismo legítimo para o estabelecimento de referências no texto.
Sabe-se que a reiteração de um item, mesmo a imediata, constitui recurso de
coesão, com funções determinadas dentro do discurso, tais como: explicitar o tópico
em um enunciado novo (Ramos, 1983), favorecer o desdobramento de uma oração
(Bessa Neto, 1991), reintroduzir o tópico discursivo (Marcuschi, 1992), entre outras.
Contraste-se que a forma pronominal poderia exercer essas mesmas funções, no
entanto o produtor do texto recorre à repetição do mesmo item lexical.
Uma vez que o escritor principiante ainda não domina mecanismos para
camuflar a repetição, como a paráfrase, por exemplo, é natural que faça uso da
reiteração para continuar enunciando um referente que se constituirá tópico da
sentença seguinte. O empobrecimento da carga semântica da forma presumível
favorece, assim, o recurso da repetição. Portanto, à repetição cabe a tarefa de
manifestar a relevância do personagem mantido, que se encontra em situação de
alteração de traço semântico.
Com relação aos contextos Fg/Fd e Fd/Fd, convém lembrar que neles não se
está diante de inversão de traço semântico (passagem da condição de inativo a
agentivo), nem de inserção no plano saliente (o item reiterado insere-se em
enunciado-Fundo), e nem de exclusão de uma forma pronominal (aceita-se
pronome no lugar do item repetido), mas mesmo assim a criança opta pela repetição
da expressão nominal, conforme se vê em:
59
1º) Fg/Fd
“Então lá se voi Chapeuzinho vermelho. Mas a Chapeuzinho vermelho era muito
teimosa” ( Stefanie - p1m017)
“ai ela foi pelo | o lugar da laguma ai ologumau o tava em casa” ( Fernanda -
c2b019)
“e chapesinho vermelho foi buscara ajuda de um | casador e o casador estava
atrás dele” (Marcelo - c2m007)
“encontrou | o lobo mais como o lobo sa sabia” (Alex - p3b002)
“E dai o lobo checou perto da casa | da vovo e dai a vovo estava la dentro da |
casa” (Alexandre - p3m043)
“e deitou-se na cama | da vovozinha quando a vovozinha estava ja dentro | do
guarda-ropa” (Magda - p4b046)
“e conseguiu chegar a casa do | vovó antes que Chapéuzinho, Chapéuzinho esta-
| va quase chegando” (Rafael - p4m067)
2º) Fd/Fd
“Oxapeusinho vermelho estava pegando frutas para | vovosinha. A vovosinha
estava na cama.” (Orestes - p1m039)
“Era uma ves a chapezinho Vermelho | O Chapeuzinho vermelho estava
brincando no jardim da sua | casa” (Simone - p2b025)
“Era uma vez, uma menina | que se chamava, chapelzinho | vermelio. |
Chapelzinho vermenho, era | uma menina muito trabalha- | dora.” (Márcia -
p3b039)
“O lobo mauvado estava atrais do chapeu zinho vrmelho. | Chapeu zinho
vrmelho estava colhendo for para a vovó.” (Gisela - p3m021)
“Era uma vez uma garotinha que era | conhecida como chapeuzinho vermelho,
chapeuzinho tinha | uma mãe” (Márcio - c4b018)
“Era uma vez uma menina chamada Chapelsinho vermelho . | Chapelsinho
adorava, brincar de boneca jogo etc.”(Heloísa - p4m056)
O que se observa nesses casos, como também nos outros, é a alteração da
função sintática. Ou seja, na oração precedente o item matriz desempenha papel
sintático distinto do desempenhado pelo item reiterado no enunciado seguinte e
essa alteração motivaria o emprego da repetição.
A análise desses exemplos vem reforçar o que Hickmann (1991) revelou. As
crianças, assim como os adultos, diante da manutenção da referência, recorrem
menos aos mecanismos pressupostos, optando pelas formas nominais, quando o
referente não ocupa o mesmo papel sintático em ambas as sentenças: precedente e
subseqüente.
Assim como em Hickmann (op.cit.), é corroborada aqui a influência do papel
sintático desempenhado pela entidade lingüística na opção pelo mecanismo
60
lingüístico a ser utilizado na remissão a essa entidade. De fato, na maioria dos
exemplos deste corpus, a opção pela expressão nominal encontra-se associada à
alteração do papel sintático do item reiterado. Uma ilustração clara desse fato é o
trecho abaixo:
Roberto (c2m025):
E o lobo se levantou da cama e Ø correu | para pegar Chapeuzinho, mas
Chapeuzinho se escondeu | atrás do armário e Ø ficou gritanto socorro | socorro |
e os caçadores ouviram | e Ø derrubaram a | porta e Ø agarraram o lobo Ø
prenderam o lobo | Ø cortaram a barriga do lobo, Ø tiraram a vovózinha | lá de
dentro e a vovózinha convidou o caçado e | a mãe de chapeuzinho para comer os
deliciosos doces
Nota-se que os personagens mantidos através de expressão nominal -
Chapeuzinho e vovozinha - sofreram alteração em seu papel sintático (passaram de
complemento verbal a sujeito). Ao passo que os personagens (re)introduzidos que
não passaram por mudança de papel sintático - o lobo e os caçadores -
dispensaram reiteração e tiveram suas referências imediatamente subseqüentes
realizadas através de formas presumíveis, no caso a anáfora zero.
Importa, ao mesmo tempo, salientar a condição de tópico que o referente
reiterado ocupa no enunciado em que está inserido. Como em todos os outros
contextos, o item reiterado foi (re)introduzido no comentário, passando a tópico na
sentença imediatamente posterior. É, portanto, a partir do item reiterado, constituído
tópico, que novas informações serão acrescentadas. Como dizem Mateus et alii ,
“um tópico tem a função cognitiva de seleccionar e activar um elemento existente
na memória passiva do alocutário, transferindo-o para uma memória activa em que
possa ser combinado em novos elementos cognitivos introduzidos pelo comentário.”
(1989:149). Confere-se, pois, importância à posição de tópico, necessária ao item a
ser mantido por expressão nominal.
Por outro lado, é oportuno lembrar que a mudança de função sintática não
acontece em todos os enunciados contíguos em que se faz opção pelo uso de
expressão nominal para manutenção de um referente. Há no corpus, ainda que
raros, três exemplos de crianças que fazem uso de expressão nominal mesmo
quando o item é mencionado no mesmo papel sintático: tanto o item matriz quanto o
reiterado funcionam como sujeito. É o caso de:
61
Flaviano (p1b013):
coda pari xum casado | casado pago lobom mado lobom
(quando aparece um caçador cador pegou lobão matou lobão)
Cleber (p2b021):
um dia apareceu o lobo mau e o lobo mau foi na casa da vovó
Windsor (p4m075):
- Tchaumãe | Disse Chapeuzinho. | Chapeuzinho foi e no meio do caminho ela |
encontrou o lobo mau. | O lobo mau disse: | - Onde você vai? |
Permita-se aqui uma observão. Nos três exemplos, observa-se um
procedimento comum: a posposição do sujeito no enunciado do item matriz. Ao
passar de posposto a anteposto ao verbo (posição do sujeito mais confortável ao
padrão frasal do português) deu-se a repetição lexical. Embora a incidência desse
contexto de repetição só tenha sido encontrada nesses trechos, é razoável supor
que a repetição lexical aqui estaria sendo motivada por uma tendência à retomada
da ordem direta dos constituintes oracionais, e conseqüentemente a possibilidade
de conferir ao sujeito a posição de tópico.
A despeito desse fato, pode-se constatar a pertinência da posição de tópico,
mesmo não havendo alteração do papel sintático. Confirma-se, assim, que
desempenhando ou não papel sintático diferente do enunciado precedente, para a
primeira ocorrência da manutenção da referência é necessário que o referente
ocupe a posição de tópico, o que lhe confere destaque dentro da narrativa. E é
justamente a referência reiterada que promove o estabelecimento do tópico.
Uma vez assegurada essa condição, com a repetição do mesmo item, a
criança passa, então, a fazer uso dos mecanismos de pressuposição, conforme se
ilustra a seguir:
Ademilson (p3b052):
chamou o caçado o caçador | correu pra casa da vovó e pinba Ø matou o lobo. |
Ana Caroline (c4b001):
O lobo pulou em cima de chapeuzinho | chapeuzinho pegou uma faca Ø cortou
sua barriga e de Ø tirou sua avó. |
62
Constata-se, dessa forma, que para continuar falando de uma entidade é
necessário que ela ocupe a posição de tópico, ainda que essa necessidade
implique reiteração contígua de um mesmo item lexical.
Uma outra observação a se destacar em contextos cujo item reiterado insere-
se em um enunciado-Fundo é o fato de o escritor se ver diante da contingência de
representar, no texto escrito, situações discursivas adjacentes e distintas, que têm
espaço de tempo compartilhado. Ele precisa trazer para o momento da fala
acontecimentos que se apresentam, no momento da referência
15
, envolvidos numa
relação de simultaneidade.
Mateus et alii definindo “estados de coisas simultâneos”, afirma que há
ocorrência de simultaneidade quando se tem dois eventos que compartilham um
mesmo intervalo de tempo ou quando um deles se realiza “num intervalo de tempo
que intersecta o intervalo de tempo do outro” (1989:310).
Haveria, dessa forma, explicita ou implicitamente manifesta, uma
concomitância do tempo em que os eventos se sucedem no mundo narrado. É o
que se passa a analisar em alguns dos exemplos citados nas páginas 57-58, que se
encaixam nesse paradigma.
Fernanda (c2b019):
ela foi pelo | o lugar da laguma aí ologumau não tava em casa ai a laguma foi
para casa da vovozinha e a logumau comeu a vovó
Marcelo (c2m007):
e chapesinho vermelho foi buscara ajuda de um | casador e o casador estava atrás
dele e as futa estava com o lobo mal | e o casador atirou com sua metralha- | dora
no lobo mal.
Alex (p3b002):
encontrou | o lobo mais como o lobo sa sabia que era uma menina e o cachoro |
sidisvarusou
Alexandre (p3m043):
E dai o lobo checou perto da casa | da vovo e dai a vovo estava la dentro da casa
quando a vovo apriu a porta da | casa pegou e o lobo prendeu o | vovo
15
Os conceitos de momento da fala - “momento da realização da fala, o momento em que se faz a enunciação
sobre o evento (processo ou ação); é o tempo da comunicação”; e momento da referência - tempo da referência;
o sistema temporal fixo com respeito ao qual se define simultaneidade e anterioridade; é a perspectiva do tempo
relevante, que o falante transmite ao ouvinte, para a contemplão do momento do evento” - “momento em que se
dá o evento descrito, o tempo da predicação foram tomados de CORÔA, Ma.Luiza M.S. O tempo nos verbos do
português - uma introdução à sua interpretação semântica. Brasília: Thesaurus, 1985.p.42.
63
Magda (p4b046):
deitou-se na cama | da vovozinha quando a vovozinha estava ja dentro | do guarda-
ropa o chapéuzinho bateu na porta
Rafael (p4m067):
e conseguiu chegar a casa do vovó antes que Chapéuzinho, Chapéuzinho esta- |
va quase chegando e avistou a tabuleta que | o lobo havia colocado
Orestes (p1m039):
Oxapeusinho vermelho estava pegando frutas para | vovosinha. A vovosinha
estava na cama. | Mas o lobumau estava imdo para a casa | da vovosinha. | Ele
bateu naporta da casa da | vovosinha
Gisela (p3m021):
O lobo mauvado estava atrais do chapeu zinho vrmelho . | Chapeu zinho vrmelho
estava colhendo for para a vovó. | Em quanto isso o lobo foi na casa da vovó e
pegou e escondeu a vovó dentro do armário
Tomando inicialmente como exemplo o trecho de Fernanda (c2b019), pode-
se interpretá-lo da seguinte forma: quando Chapeuzinho Vermelho (ela) ia pelo lugar
do lobo mau ele não estava lá. A simultaneidade encontra-se marcada pelo
emprego do imperfeito, indicando que os dois eventos ocorrem no mesmo intervalo
de tempo, em que ocorre a referência.
No trecho de Marcelo (c2m007), mesmo que o haja emprego de um
marcador temporal (advérbio de tempo) estabelecendo com o tempo verbal uma
relação explícita entre os eventos, a simultaneidade também é manifesta e
compreendida, através do imperfeito que assegura essa relação.
Como afirma Ilari (1997:15), “à falta de indicações mais específicas, dadas
por exemplo pelos adjuntos de tempo, o co-texto anterior fixa geralmente o
momento de referência da oração seguinte”. Assim, uma interpretação autorizada
do conteúdo proposicional do trecho em destaque seria: ao mesmo tempo que
Chapeuzinho Vermelho foi buscar ajuda do caçador (para pegar o lobo mau), ele já
estava atrás dela.
Em Alex (p3b002), observa-se uma concomitância entre ação física
(encontrar) e uma ação mental (saber). Para melhor compreender a temporalidade
lingüística em Alex, é preciso tomar um contexto maior.
64
Entam (Chapeuzinho) voi pasando pela a floresta encontrou | o lobo mais como o
lobo sa sabia que era uma menina e o cachoro | (lobo mau) sidisvarusou (se
disfaou) aonde você está indo para casa da minha vô se eu divese | uma vô eu
levava flor
A simultaneidade encontra-se estabelecida uma vez que Alex quer dizer que
o lobo mau é encontrado (encontrou o lobo) e no momento do encontro ele (lobo) se
dá conta de que está diante da menina que ele sabe ser Chapeuzinho Vermelho
(mais como o lobo sa sabia que era uma menina). Essa afirmão pode ser
conferida no enunciado seguinte, quando Alex, dando continuidade à narrativa, cita
o fato de o lobo (cachoro) ter-se aproveitado daquele momento para se disfarçar e
assim poder distrair a menina para, então, chegar primeiro à casa da vovó.
Com Alexandre (p3m043), a interpretação não é diferente. Quando enuncia E
daí o lobo checou perto da casa da vovo e daí a vovo estava la dentro da casa está
dizendo: quando o lobo mau chegou na casa da vovó ela estava em casa. São,
portanto, dois momentos simultâneos.
Esse procedimento pode ser estendido aos outros trechos mencionados. O
que se pretende, pois, destacar é que em todos eles se configura uma relação de
simultaneidade. E essa relação de simultaneidade se estabelece no espaço
narrativo entre um enunciado que faz referência a um item e o subseqüente que irá
retomá-lo para acrescentar-lhe uma circunstância ou causa.
Assim, tem-se uma circunstância de lugar em Fernanda (tava em casa),
Marcelo (estava atrás dele), Alexandre (estava la dentro da casa), Magda (estava ja
dentro do guarda-ropa), Orestes (estava na cama); uma circunstância de tempo em
Rafael (estava quase chegando), Gisela (estava colhendo for para a vovó); e causa
em Alex (como sa sabia).
Observa-se, nesses casos, que a criança recorta um evento da narrativa
para introduzir uma circunstância ou causa, com base na qual sustentará o(s)
evento(s) seguinte(s). A título de ilustração, reveja-se o trecho, por exemplo, de
Magda (p4b046): e deitou-se na cama | da vovozinha quando a vovozinha estava ja
dentro do guarda-ropa o chapéuzinho bateu na porta. O que está sendo dito é que
enquanto a vovozinha está dentro do guarda-roupa o lobo mau se deita na cama e
então a Chapeuzinho Vermelho bate à porta da casa da vovó. Assim, o fato de
65
Chapeuzinho bater à porta e falar com o lobo e não com a vovó se sustenta na
informação (circunstância) de que a vovó estava presa no guarda-roupa.
Sabe-se que a expressão de relações mais elaboradas de tempo entre
eventos (quer seja de simultaneidade, anterioridade ou posterioridade) requer a
coordenação de diferentes momentos temporais (o momento do evento, o da fala e
o de referência). Por outro lado, a interação entre expressão do tempo e
organização comunicativa reveste-se de complexidade lingüística, sobretudo para a
criança em fase de aquisição da linguagem escrita.
A repetição lexical contígua, nesses enunciados-Fundo, poderia estar
funcionando como um possível mecanismo de construção de uma relação de
simultaneidade, que servirá à progressão narrativa. Convém lembrar que enquanto
na Figura um evento só pode ser referido depois de o precedente ter sido
concluído, no Fundo os eventos podem ser apresentar simultaneamente, pois é
justamente nesse plano que se tem a imperfectividade se processando como
suporte da narrativa (Hopper, 1979).
No trecho de Stefanie (p1m017), Então lá se voi Chapeuzinho vermelho. |
Mas a chapeuzinho vermelho era muito teimosa. ela foi pelo caminho | da floresta.
Então apareceu o lobo mau, não se tem atribuição de circunstância no enunciado
em que se encontra inserido o item reiterado. O que se tem é a inserção de um
atributo conferido a Chapeuzinho (muito teimosa). Entretanto, é esse atributo
conferido que sustentará o estabelecimento da relação causa-conseqüência
mantida com os eventos subseqüentes. Assim, Chapeuzinho Vermelho encontra o
lobo mau por ter ido pela floresta e ela foi pela floresta porque era muito teimosa
(certamente, sua mãe a teria advertido sobre o perigo de seguir por aquele
caminho).
Ressalte-se, ainda, o emprego do imperfeito que manifesta coincidência com
um ponto de referência contido no enunciado precedente: ir pela floresta. Com
efeito, pode-se aqui também pensar em simultaneidade, ao considerar que: es
indo pela floresta uma menina que é teimosa.
A priori, poder-se-ia pensar numa possível relação de anterioridade, posto
que o fato de Chapeuzinho ser teimosa antecederia a sua ida à floresta. Contudo,
enquanto Chapeuzinho Vermelho está indo pela floresta ela não deixa de ser
66
teimosa. Esse atributo permanece concomitante a sua ação de ir à casa da vovó (e
aí reside a coincidência de que se fala).
Contraste-se, por exemplo, o trecho de Evandro (c3b003): e chamou o
cassador e o cassador matou o lobo. Observe-se que quando o caçador mata o
lobo, ele não está mais sendo chamado; ou quando está sendo chamado, ele não
mata o lobo. Em Evandro, sim, não há simultaneidade.
Confirma-se, desse modo, que a repetição lexical em enunciados-Fundo
estaria servindo ao acréscimo de informações importantes para a progressão da
narrativa.
Com relação aos demais trechos que registram repetição em sentenças-
Fundo, cabe uma outra análise. Observe-se, pois,
Simone (p2b025):
Era uma ves a chapezinho Vermelho | O Chapeuzinho vermelho estava brincando
no jardim da sua | casa Mamãe falou Chapeuzinho leva os doces para a vovó
Márcia (p3b039):
Era uma vez, uma menina | que se chamava, chapelzinho | vermelio. | Chapelzinho
vermenho, era | uma menina muito trabalha- | dora. | Um dia a mãe dela | chamou,
ela e mandou ela | ir levar uns bolinhos para | a vovózinha.
Márcio (c4b018):
Era uma vez uma garotinha que era | conhecida como chapeuzinho vermelho,
chapeuzinho tinha | uma mãe que fazia doces e tortas deliciosas
Heloísa (p4m056):
Era uma vez uma menina chamada Chapelsinho vermelho. | Chapelsinho adorava,
brincar de boneca jogo etc. | Essa menina, era muito querida com a sua mãe.
Sabe-se que os contos infantis tradicionais sustentam no título o nome do
protagonista, pois é sobre ele que a história discorrerá. Possuem, ainda, uma forma
convencional de apresentá-lo: Era uma vez. Impregnados por essa forma, Simone,
Márcia, Márcio e Heloísa iniciam suas narrativas, e assim Chapeuzinho Vermelho é
apresentada. Sendo apresentada, constitui-se informão nova e, enquanto tal,
vem no comentário. Para assegurar que é sobre ela que se continuará falando,
surge a necessidade de passá-la a tópico. Esse mecanismo, por sua vez, já foi
demonstrado nos exemplos comentados até aqui.
67
No entanto, o caráter de tópico nesses quatro exemplos adquire outra
dimensão. Quando se falou que a repetição contígua incidiria sobre um item na sua
passagem de constituinte do comentário a tópico, o significado desse termo estava
vinculado ao conceito de tópico sentencial, porquanto se relacionava mais
diretamente com a microestrutura textual.
Esses exemplos registram tanto o item matriz quanto o item reiterado,
Chapeuzinho Vermelho, em enunciados que fazem parte do que, segundo Mandler
(1987), se constitui a situação da história
16
. Quando a criança, nesse espaço da
narrativa, retoma o item Chapeuzinho Vermelho, ela estaria reiterando o tópico
discursivo, enquanto assunto principal do texto. O tópico é “o ponto de partida
cognitivo, isto é, a entidade que o falante tem em mente e sobre o qual dirá alguma
coisa” (Fulgêncio e Liberato, 1992:39). Nesse sentido é como se a criança
estivesse reafirmando que esfalando do Chapeuzinho Vermelho, aquele que es
referido no título.
A forma Era uma vez introduz o tópico discursivo fora da posição habitual de
tópico, o início de frase. A reiteração conferiria ao tópico discursivo seu lugar
natural na sentença: preceder o comentário, e dessa forma funcionar como centro,
alvo da narrativa. Assim, este tipo de reiteração iria além do nível local, sentencial,
e estabeleceria uma relação mais ampla, extensiva a todo o texto, tomado como
discurso, sob a perspectiva da macroestrutura textual.
Sintetizando, o que se pretendeu mostrar com a análise da repetição lexical
em enunciados-Fundo é que esse mecanismo atenderia a dois propósitos distintos:
dar suporte ao(s) enunciado(s) subseqüente(s), através do estabelecimento de uma
relação de simultaneidade; ou reafirmar o tópico discursivo, no contexto da
situação, por meio da retomada do personagem principal.
3.1.4 Repetição e ão na narrativa
A introdução coloca o personagem em cena, apresentando-o. Uma vez
apresentado, esse personagem irá se envolver nos eventos que se sucederão na
68
narrativa. O que se tem afirmado é que a repetição vinculada a tal função
referencial estaria assinalando que ao personagem mantido pela reiteração será
assegurada a posição de tópico, posto que é sobre ele que recai a expectativa de
empreender a ação seguinte, manifestando, dessa forma, a sua relevância em
determinada seqüência narrativa.
Assim, por exemplo, o enunciado formulado por Fernando (p1b012): Ela
chamou o caçador o caçador tirou a vovó do lobo mau poderia traduzir-se por:
Chapeuzinho chamou o caçador e esse caçador chamado, de quem estou falando,
tirou a vovó do lobo mau. O cador, uma vez tópico, tem, então, sua relevância
garantida. A repetição marcaria o limite entre a introdução do personagem e o início
de sua ação, como se ele só pudesse passar a agir após a sua retomada, na
condição de tópico, assumida pela reiteração.
A repetição lexical (uso de uma forma plena) na manutenção da referência
após introdução de um personagem, seguida do conseqüente início de sua ação,
como foi visto em seção anterior, verificou-se em todas as séries. Assim, na maioria
das vezes em que uma expressão nominal foi empregada para manter um referente
recém-introduzido, constituindo uma repetição lexical imediata, constatou-se em
seguida ao item reiterado o desencadeamento de sua ão na narrativa, como em:
Érica (c3b020):
ela estava com Medo do lobumal |e o lubo mal correu para fala | com ela
Juliano (p3m059):
E a Chapeuzinho foi falar pro | casador e a casador matou o lobo
Tanto em Érica quanto em Juliano o personagem coma a agir depois da
sua reiteração. Primeiro ele é apresentado, depois reiterado, passado a tópico, para
tornar-se agente do processo verbal.
Buscando compreender essa supremacia, procurou-se levantar, a partir do
total de ocorrências de repetição lexical após introdução (RLI), a freqüência com
que a repetição se dava nessas condições (preceder o início da ação do
personagem introduzido), e assim chegou-se ao quadro seguinte.
16
Conforme a gramática da estória proposta por Mandler (1987), situação é a parte da estrutura da narrativa que
abrange descrição dos personagens, tempo e localização da história.
69
Quadro V: Freqüência por série e classe social da RLI vinculada a início da ação do
personagem referido
TOTAL DE RLI INÍCIO DA AÇÃO APÓS
REITERAÇÃO
1B 20 19 (95%)
2B 15 13 (87%)
3B 21 14 (67%)
4B 17 11 (65%)
1M 19 16 (84%)
2M 17 15 (88%)
3M 22 15 (68%)
4M 22 18 (82%)
A análise do quadro permite constatar, em todas as séries, que tendo um
personagem sido introduzido, o início de sua ação se dá, com ocorrência freqüente
(65% a 95%), após reiteração lexical. O fato de o personagem introduzido passar,
então, a responder por uma ação verbal na sentença seguinte favorece a incidência
da repetição lexical.
Tal incidência pode ser interpretada considerando que a história de
Chapeuzinho Vermelho envolve mais de um personagem e cada um, em seu turno,
responde por empreendimentos narrativos próprios. Com efeito, ao se introduzir um
personagem e ele passar a agir após sua apresentação, a variedade de referentes,
enquanto contingência desse discurso narrativo, geraria necessidade de explicitar a
quem aquela ação mencionada se refere. No caso dos textos aqui analisados, a
criança optou pela expressão nominal para estabelecer a manutenção da
referência.
Quando diante de contextos em que ações sucessivas irão ser
desenvolvidas por um personagem na narrativa, a primeira delas cobraria a
transparência do agente. Essa transparência autorizaria, nos eventos seguintes, a
recorrência às formas presumíveis, como se vê em:
João Augusto (c3m012):
no meio do caminho avia um lobo muito | malvado. | O lobo malvado foi para a
casa da vovó e | Ø se vestio com a roupa da vovó e Ø esperou | Chapeuzinho
Vermelho. |
Verlaine (p2b016):
70
viu o lobo mal e chamou | o casador e o casador matou o lobo mau e Ø tirou a |
vovozinha da bariga do lobo mau.
Para o escritor principiante, o espaço, pois, que se cria entre uma sentença
que coloca, no comentário, um personagem em cena, e outra que dará início a sua
ação na narrativa se constituiria ambiente propício à reiteração lexical. Essa
ambiência favorável poderia ser justificada tanto pela posição de tópico que o item
reiterado irá assumir quanto pela força dinâmica que a ão a se desenvolver impõe
nesse espaço da narrativa.
Vem se afirmando que a repetição lexical estaria associada à necessidade de
explicitar, através de expressão nominal, o agente da ação verbal. Estando em
enunciados do tipo Figura, essa explicitação assinala a relevância do item reiterado.
Sabe-se, ainda, que, para a configuração de um enunciado-Figura, é necesria a
manifestação de certas marcas pragmáticas e semânticas, dentre elas, o dinamismo
narrativo, ou seja, a retratação de fatos através de verbos que envolvam ação, e a
agentividade do sujeito, isto é, a caracterização do sujeito da ação verbal no papel
de agente.
Para uma extensão da análise tanto do dinamismo quanto da agentividade,
foram levantados os verbos ligados ao item reiterado bem como o sujeito do
processo verbal que envolvia a repetição.
3.1.4.1 O dinamismo na narrativa
Borba (1996: 58-60) considerando as propriedades sintático-semânticas dos
verbos propõe quatro classes: verbos de ação, de processo, de ação-processo e
de estado. Por verbo de ação, entende aquele capaz de desencadear a ação da
frase, expressa por um sujeito agente (o pássaro voa
; a velha gritava desaforos);
por verbo de processo, aquele que expressa um evento ou uma sucessão deles e
cujo sujeito, paciente ou experimentador do processo verbal, é afetado por algo que
está fora dele (o sonho acabou; Dulce virou uma escrava do marido); por verbo de
ação-processo (ou causativo), o que expressa uma ação realizada por um sujeito
agente ou uma causação levada a efeito por um sujeito causativo, que atinge o
complemento (José quebrou
o pires; Dei uma moeda ao garoto); e por verbo de
71
estado, aquele que expressa uma propriedade – estado, condição, situação –
localizada no sujeito, mero suporte dessa propriedade (Fernando tem
três filhos;
Leo está
cansado).
Com base nessa classificação, os verbos ligados a itens reiterados foram
distribuídos em quatro grupos que resultaram no gráfico seguinte.
Quadro VI: Freqüência dos verbos ligados aos itens reiterados conforme classificação
valencial
17
VERBOS
DE AÇÃO
VERBOS DE
PROCESSO
VERBOS DE
AÇÃO-PROCESSO
VERBOS DE
ESTADO
65% 6% 19% 10%
De acordo com os dados revelados, os verbos de ação são encontrados em
65% das ocorrências em que um item lexical foi reiterado em contextos de
contigüidade, seguidos dos verbos de ação-processo que respondem por 19% das
ocorrências. Vale lembrar que tanto um quanto outro tipo de verbo são os que
conduzem o dinamismo da história e expressam, de fato, uma ação empreendida:
os verbos de ação por indicarem “um fazer por parte do sujeito” (Borba, 1996:58) e
os de ação-processo, assim como também os de ação, por expressarem “uma ação
realizada por um sujeito agente” (p.59). Esse fato, aliado à possível contingência de
a criança ainda não evidenciar domínio no uso da forma pronominal relativa
desempenhando essa função - sujeito agente -, favoreceria a recorrência à
repetição lexical, uma vez que esse sujeito deverá estar explicitamente enunciado e
através de expressões nominais.
A baixa freqüência dos verbos de processo e de estado é justificada pelos
contextos em que se inserem, posto que reproduzem eventos que afetam um sujeito
paciente (processo) ou expressam estado, condição ou situação que se localiza no
sujeito, transformado em suporte de uma dessas propriedades (estado).
17
Das 273 repetições lexicais levantadas, 17 correspondendo a 6% – foram desconsideradas para este
levantamento. Essas 17 ocorrências pertenciam a dois tipos específicos de situações atípicas. Uma em que o verbo
era omitido, como em Dai ela encontrou o Lobo mau. O lobo mau primeiro que ela lá na vovózinha. (p3b027), e
outra em que o item reiterado não se relacionava com o verbo da sentença, como em perguntou para sua mãe!
e vou levar estes docinhos para vovó (p4b019).
72
Os verbos de processo aparecem mais freqüentemente associados ao lobo
mau (o lobo mau morreu - c2b020) porque ele é o sujeito afetado por excelência,
pois é morto pelo caçador. os verbos de estado referem-se mais freqüentemente
à Chapeuzinho Vermelho (9 ocorrências) e a Vovó (8 ocorrências). Com
Chapeuzinho Vermelho figuram em contextos de fundo (Chapeuzinho vermelho
tinha uma mãe - c4b018; Chapeuzinho vermelho era muito teimosa - p1m017),
utilizados para fornecer descrições sobre a personagem; com a Vovozinha, para
expor-lhe a condição inativa (vovó estava deitada - p2m021; a vovozinha estava
doente - c3b006), uma vez que a ela só cabem descrições sobre o seu estado de
saúde.
Um outro fator que merece destaque é a alta freqüência dos verbos dicendi
em contextos envolvendo itens (personagens) reiterados. Dos 167 verbos de ão,
74 são verbos de elocução, equivalendo a 44%.
Importa salientar que essa incidência não se encontra ligada ao episódio 6,
parte da narrativa em que se estabelece o diálogo canônico entre Chapeuzinho
Vermelho e o Lobo disfarçado de vovó, posto que em nosso corpus, neste episódio,
registram-se somente quatro ocorrências envolvendo verbos dicendi.
Thaís (p3b018):
dai o lobo mal falou: | Entre chapélsinho vermelho. Dai o chapélsinho vermelho
falou
: Que olhos tão grande
Cristiane (p3b026):
O lobo mal se vistiu se de avó do | chapeusinho vermelho e o chapeusinho
vermelho | disse
que naris tão cranta vovó
Alexandre (p1m038):
Dai éra o lopumau dai o lopumao falou
eu comio a vovó
Vinícius (p2m048):
idai ela chegou na caza de vovó | e tocou a campainha da caza de vovó e | vo
falou
emtri eu estou aqui
O que se vê com maior freqüência neste episódio é a reiteração de itens
ligados a verbos de ação, que não os dicendi, como em:
Aldinizio (c3b002):
entre chapilcenha i chapelcenho | vermelhar abriu
apor (ta)
73
Eduardo (p4b001):
e o lobo mau comeu a | vovozinha e colocou a ropa dela | ja vai chapeuzinho
vermelho | chapeuzinha etrou
na casa | da vovozinho
Interessante observar o trecho de Felipe que registra repetição lexical
também no episódio 6.
Felipe (p1m026):
e o chabeusiho | chegou na casa da vovó e dise asim para o lobo e o lobo coreeu
atras | tela.
Embora o enunciado precedente envolva um verbo declarativo (dise
asim
para o lobo), o item reiterado associa-se a um verbo de ação (o lobo coreeu atras
tela). Note-se, contudo, que o emprego do verbo dicendi exigiria a explicitação do
receptor a quem aquele ato enunciativo se dirige. O item reiterado, então, salta,
nesse contexto, de um papel receptivo para um agentivo na sentença em que se
sua reiteração.
Portanto, não seria o diálogo entre Chapeuzinho e Lobo Mau, espaço
narrativo privilegiado para os verbos de elocução, o motivador do registro: item
reiterado + verbo dicendi.
A produtividade desse contexto permite uma explicação razoável. Os verbos
de declaração (falar, dizer, perguntar, responder), do ponto de vista da valência
quantitativa, comportam três argumentos: alguém (1) diz algo (2) a outrem (3).
Sintaticamente, essa valência pode assumir a seguinte configuração: SN1 + V +
SN2 + Sprep.
18
Com efeito, em enunciados em que tais verbos ocorrem haveria dois
sujeitos envolvidos na enunciação (SN1 e Sprep). Essa possibilidade de estar
diante de dois referentes, que tanto podem ser SN1 (agentivo) quanto Sprep
(receptivo) - quem diz o que a quem -, produziria a necessidade de marcar
explicitamente um em função do outro, isto é, seria preciso deixar claro o sujeito
agente daquele ato declarativo.
Por outro lado, constata-se que o verbo dicendi representa uma das ações
que o personagem desenvolve naquele episódio da narrativa. E já se viu que a
ação
18
SN = Sintagma Nominal; V = Verbo; Sprep = Sintagma preposicionado (cf.. BORBA, 1996: 48)
74
que o personagem (re)introduzido vai realizar influencia a ocorrência da repetição. É
importante observar ainda que nesses contextos a criança está diante da
representação de duas situações distintas da enunciação narrativa: a precedente
em que se coloca sob o ponto de vista do narrador, e a subseqüente em que se
coloca sob o ponto de vista do locutor, ou seja, na primeira narra o fato, na segunda
dá a voz ao personagem envolvido no fato. Tem-se, então, o limite entre o discurso
narrado e o discurso citado.
Dessa forma, as circunstâncias que envolvem um verbo dicendi motivariam a
recorrência à repetição lexical que expressaria funções entrelaçadas: assinalar o
início da ação do personagem referido, marcar a passagem de um modo de
enunciação para outro e, ainda, explicitar o sujeito emissor daquele ato de
elocução, como se vê nos exemplos abaixo.
Gledison (c1b003):
i Chapeusenha em | controu o lobo mau i o lobo mau | disse
Andrea (p1m010):
ai ela encontrou o lobo mau e | o lobo falou
Rafael (c2m010):
ela viu o lobo | mau e o lobo mau perguntou
Carlo Eduardo (p2b004):
é no caminho chapeuzinho encomtrou um lobo | o lobo perguntou
a Chapeuzinho?
Aldinizio (c3b002):
podeir chapeucenho é chapeu cenho | respondeu
Paula (p3m040):
e encontrava o Lobo mau, ai a Lobo perguntava
:
Halysson (c4m010):
e encontrou | o lobo mau emtão o lobo mau disse
James (p4b042):
ia quase todo dia vizitar | a sua vóvozinha no caminho com o lobo mal e o | lobo
mal perguntou
Com os exemplos citados, observa-se a maior recorrência ao lobo mau. Esse
fato é justificado pelo próprio enredo da narrativa. Fora do episódio 6, em que
75
Chapeuzinho questiona a aparência de uma suposta vovó, é o Lobo Mau quem faz
as perguntas: ele precisa saber de Chapeuzinho onde mora a vovozinha.
Em todos os contextos exemplificados, o emissor do verbo declarativo
encontra-se compartilhando o enunciado precedente com o seu receptor. Dessa
forma, dois sujeitos envolvem-se num ato enunciativo. A reiteração estaria
prestando-se, portanto, a ressaltar a ão do personagem referido naquele espaço
narrativo, marcar o início do discurso direto e ainda indicar quem é o emissor, quem
de fato vai deter o turno da conversão que irá se estabelecer, já que por haver
somente dois participantes envolvidos, somente o locutor precisaria ser enunciado.
3.1.4.2 A agentividade do sujeito
Continuando a analisar a configuração dos enunciados-Figura levantados no
corpus, parte-se agora para o estudo do papel desempenhado pelo sujeito nos
contextos com itens reiterados.
Ainda com base em Borba (1996), foram considerados agente o sujeito que
age, causa ou faz (ex.: o lobo pulou em cima de chapeuzinho | chapeuzinho
pegou uma faca - c4b001), paciente o sujeito afetado pelo processo verbal (ex.: e
deu dois tirro no lobo mal | e o lobo mal
morel - c3b001), e participante inativo
aquele que não sendo agentivo, causativo ou paciente torna-se o suporte,
experimentador ou beneficiário de uma expressão de estado, condição ou situação
(ex.: pegando frutas para a vovozinha. A vovozinha
estava na cama. - p1m039).
Com efeito, chegou-se ao quadro seguinte.
Quadro VII: Distribuição das RL por série escolar e classe social segundo papel do sujeito
Série Sujeito
Agente
Sujeito
Paciente
Participante
Inativo
Outros
19
1B 24 (86%) 1 ( 3%) 1 ( 3%) 2 ( 8%)
2B 23 (92%) 1 ( 4%) 1 ( 4%) -
3B 28 (76%) 4 (11%) 3 ( 8%) 2 ( 5%)
4B 29 (72%) 2 ( 5%) 4 (10%) 5 (13%)
1M 30 (86%) - 2 ( 6%) 3 ( 8%)
2M 23 (74%) 2 ( 7%) 5 (16%) 1 ( 3%)
19
Nesta categoria foram incluídos os itens reiterados que funcionam como vocativo (ex.: e um dia ela disse pa |
ra a mamãe . | Mamãe, eu posso ir levar uns docinhos para a vovó? Giselle - p4b037) ou aparecem como termo
solto na frase (ex.: Daí ela en- | comtrou o Lobomau. O lobo primeiro que ela | lá na vovozinha. Cristian -
p3b027).
76
3M
27 (73%)
3 ( 8%) 4 (11%) 3 ( 8%)
4M 31 (78%) 4 (10%) 3 ( 7%) 2 ( 5%)
TOTAL
215 (79%)
17 ( 6%) 23 ( 8%) 18 ( 7%)
Dos 273 enunciados com RL, 215 - equivalendo a 79% - registram o item
reiterado no papel de sujeito agente. Essa supremacia é compreendida
considerando, sobretudo, que esse sujeito agente insere-se em enunciados do tipo
Figura, e que está ligado aos verbos de ação e de ação-processo, os de maior
ocorrência nos enunciados com repetição lexical.
Para, no entanto, compreender melhor essa questão é preciso considerar
não somente o enunciado em que o item reiterado se insere, mas também o
contexto que o envolve. Veja-se, a título de ilustração, o exemplo que segue.
Fabiana (p3b022):
E dai a chaozinho saiu gritando para casa | E ela disse mamãe. | O lobo engoliu a
vovó. | E dai a mãe dela telefonou para os | casadores. Eos casadores pegaram o
lobo mal e abrio | a barrica tirou a vovó da barriga do lobo | mal. E os casadores
jogaram o lobo mal no | poço.
Nesse trecho de Fabiana, a reiteração contígua do item os casadores.
Como se vê, tanto o item matriz quanto o reiterado inserem-se em enunciados-
Figura. O que se tem a destacar, contudo, é a condição não-agentiva de os
caçadores em sua primeira menção, e em seguida passando a agente no enunciado
em que se a repetição. Vale destacar que os caçadores, uma vez reiterado,
detêm a agentividade das ações subseqüentes (abriu a barriga e tirou a vovó da
barriga do lobo mal) e no período seguinte, ainda enquanto sujeito agente, volta a
ser enunciado explicitamente.
O que se pretende, pois, salientar é que para ser reiterado, em enunciados
contíguos, o item precisa ser alçado a tópico, e o sujeito agente, por excelência,
exige essa condição. Assim, a agentividade estaria contribuindo para a ocorrência
da repetição lexical, à medida que levaria um item sujeito-agente a ocupar a posição
de tópico.
A baixa freqüência tanto do sujeito paciente quanto do participante inativo
está diretamente ligada ao personagem que desempenha em maior número de
77
ocorrências tais papéis. Com efeito, só o lobo morre, apenas à vovó cabe estar
doente.
A análise da agentividade do sujeito bem como a do dinamismo na narrativa
servem para corroborar a relação entre repetição a ação na narrativa. Foi dito que a
repetição em enunciados adjacentes estaria sinalizando que o personagem
introduzido estaria “autorizado” a iniciar sua ação após encontrar-se mantido
através da reiteração. Tanto a agentividade quanto o dinamismo se prestam a
ratificar tal afirmação. A primeira por ressaltar o papel do sujeito diante de verbos
que imprimem ação; o segundo por caracterizar a ação empreendida.
Continuando a análise, procurou-se ainda examinar o papel desempenhado
pelo personagem mantido por expressão nominal reiterada.
A respeito do status do personagem, Karmiloff-Smith (1981, 1985) e Bamberg
(1991) revelaram que as crianças, até 9-10 anos, preferem pronomes para se
referirem ao personagem mais alto na topicalidade, aquele que contribui
fundamentalmente para a narrativa, ao passo que as expressões nominais são
reservadas para os outros personagens.
Para saber se a topicalidade poderia estar relacionada à recorrência da
repetição lexical, em uma das funções referenciais - a manutenção -, partiu-se para
uma extensão da análise, buscando, então, distinguir a repetição diante da
vinculação a personagem principal (PP) vs. personagem secundário (PS) e chegou-
se ao seguinte resultado:
Quadro VIII: Distribuição das RL segundo topicalidade do referente
PERSONAGEM
PRINCIPAL
PERSONAGEM
SECUNDÁRIO
OUTROS
20
Chapeuzinho Lobo Mau Mamãe Vovó Caçador
1B 4 (14%) 15 (54%) 1 ( 4%) 2 ( 7%) 6 (21%) -
2B 7 (28%) 11 (44%) 1 ( 4%) 2 ( 8%) 4 (16%) -
3B 8 (22%) 17 (46%) 2 ( 5%) 3 ( 8%) 7 (19%) -
4B 15 (38%) 8 (20%) 2 ( 5%) 6 (15%) 7 (17%) 2 (5%)
1M 7 (20%) 13 (37%) 3 ( 9%) 6 (17%) 6 (17%) -
2M 6 (19%) 11 (36%) 3 (10%) 4 (13%) 6 (19%) 1 (3%)
3M 10 (27%) 13 (35%) - 4 (11%) 7 (19%) 3 (8%)
4M 15 (38%) 11 (27%) 1 ( 3%) 4 (10%) 8 (20%) 1 (2%)
TOTAL 72 (26%) 99 (36%) 13 ( 5%) 31 (11%) 51 (19%) 7 (3%)
20
Refere-se aos casos em que o item reiterado não é personagem da narrativa, como em Regis (c3mo25): - Va
pela a floresta porque a floresta, | é mais perto; Eduardo (p2m011): e falou com a voz a voz era | do lobo.
78
Comparando os personagens referidos dentro da narrativa, constata-se que
as maiores freqüências - 36% e 26% - referem-se, respectivamente, ao Lobo Mau e
a Chapeuzinho Vermelho. Para o fato de o Lobo Mau e a Chapeuzinho Vermelho -
personagens principais - registrarem maior número de ocorrências de repetição
lexical contribui o próprio enredo da história. Enquanto Chapeuzinho está envolvida
em quase todos os episódios da narrativa e o Lobo em pelo menos quatro, a mãe, a
vovó e o cador em no máximo dois episódios.
Com efeito, os personagens mais recorrentes são aqueles que suscitarão
maior número de referências, quer através de formas pronominais, quer através de
expressões nominais.
Nas narrativas orais, objeto de estudo de Karmiloff-Smith (op.cit.) e Bamberg
(op.cit.), a topicalidade justificaria a opção das crianças mais novas por pronomes,
uma vez que a situação de interlocução direta facilitaria um compartilhamento do
referente focalizado. O pronome, desfrutando dessa condição, tem maior
possibilidade de resgatar o referente, posto que ambos, emissor e receptor,
encontram-se juntos no momento da enunciação. Já em narrativas escritas, para o
emissor, distante do receptor, a forma pronominal poderia não assegurar a condição
de representar indubitavelmente o personagem de quem se está falando naquele
espaço narrativo, sobretudo porque outros personagens também estariam em cena.
A respeito disso, Hickmann (1991), também em relação a narrativas orais,
salienta que, quando os referentes são presumíveis, partilhados no mesmo
momento tanto de produção quanto de interlocução, a criança não precisa
estabelecer uma relação estrita com o contexto lingüístico. Essa situação, na
realidade, seria um convite a depender do contexto não lingüístico para a
comunicação. Por outro lado, diante de situação contrária, quando os referentes
não estão sendo partilhados ao mesmo tempo, fatores de ordem estrutural,
semântica e pragmática acabam por interferir na opção pelo mecanismo a ser
adotado.
Com relação aos personagens secundários, o que chama atenção é a
freqüência da repetição lexical associada ao caçador. Envolvendo-se basicamente
em um único episódio, o caçador supera as ocorrências da mãe e da vovó juntas
(50 vs. 45), que desfrutam de outro(s) episódios(s) narrativo(s). Vale salientar que,
79
embora secundário, o caçador, ao lado do Lobo Mau, principal, responde pela maior
dinamicidade
21
da narrativa.
O Lobo Mau é aquele que espreita, engana, corre, se disfarça, surpreende e
devora; o caçador o que salva, dá cabo do Lobo Mau e ainda resgata a vovó.
O caçador, dessa forma, acolheria expressões nominais na manutenção de
sua referência não por ser secundário, mas pela força das ações que empreende
ao solucionar o conflito estabelecido na narrativa.
Parece, portanto, pertinente supor que a dinamicidade que determinado
personagem (principal ou secundário) manifesta na narrativa influenciaria, diante da
manutenção desse personagem, a opção preferencial por mecanismos lingüísticos
mais ou menos presumíveis.
Examinando, agora, as ocorrências do item vovó, e comparando-as com as
do caçador (ambos personagens secundários), pode-se constatar que as
freqüências da 4B (15 vs. 17) e 1M (17 vs. 17) mostram-se semelhantes.
Verificando os trechos em que figuravam a reiteração contígua de vovó, observou-
se uma relativa incidência de contextos que envolviam discurso direto e/ou verbo
dicendi, como se vê abaixo.
Danielle(c1m020):
e guanbo achapelzinhovermelho | chegou o lobo mal estava vistido de vovo | vovo
por que este olho tão grande
Alexandre (p1m002):
e o lobo | mau foi na casiha davovósiha e a vovósiha | falo quen é
Katiane (c4b013):
ai - chapéuzinho | Vermelho chegou na casa da vovó vovó | trouxe comindinha
para senhora respondeu ela
Pauline (p4b050):
E o lobo respondeu sou eu vovó. | E a vo disse: | - Então entre minha netinha.
21
Cabe aqui a distinção estabelecida entre dinamicidade e dinamismo. Por dinamicidade, entenda-se a
capacidade de ser dinâmico de determinado personagem; e por dinamismo, a manifestação de ser dinâmico de
certos verbos. Portanto, quando se fizer referência à dinamicidade se estará pressupondo o personagem e quando
for ao dinamismo, o verbo.
80
Considerando, então, somente o total de ocorrência do item vovó, procurou-
se levantar a presença de verbos dicendi ou a inserção em sentenças com discurso
direto e chegou-se ao gráfico seguinte.
Quadro IX : Distribuição de freqüência do item vo segundo presença de VD ou DD
Total de ocorrências
Contextos com
Verbos Dicendi (VD)
Contextos com
Discurso Direto (DD)
Outros
22
31 23% 26% 51%
O interessante nesse caso é que um item mantido por repetição lexical
vovó – tem 49% de suas ocorrências ligadas a um contexto de elocução, quer de
forma direta, quer sob a intermediação de um verbo declarativo
23
.
Enquanto para o caçador, diante de manutenção da referência, a
dinamicidade seria uma aliada na ocorrência de repetição lexical, para a vovó a
situação de elocução estaria favorecendo o mesmo fenômeno. Considere-se que se
trata de personagens secundários e conforme atestaram Karmiloff-Smith (1981,
1985) e Bamberg (1991) as crianças mais velhas para expressar funções
referenciais orientariam sua opção lingüística não mais atreladas à topicalidade,
mas sim a contingências discursivas. Esse dado justifica a recorrência ao recurso
da repetição lexical - expressões nominais -, contudo não exclui a explicação
apresentada aqui. Além da mudança de referência e o impedimento de uma virtual
ambigüidade, há, ainda, que se considerar outros fatores: a dinamicidade imposta à
narrativa pelo personagem e/ou a sua vinculação a contextos de elocução.
Assim, o fato de um personagem revelar dinamicidade na narrativa,
funcionando como força antagônica dentro da trama, ou estar envolvido em atos de
fala, manifestando a sua voz, poderá influir na preferência por um ou outro recurso
lingüístico para expressar a manutenção referencial em textos escritos.
3.1.5 Repetição e fronteiras no discurso
22
Contextos em que não se apresentam os critérios levantados, como em Ricardo (p4b020): e tiraram | A vo e
vovó e chapélzinho viveram felizes par a senpre
23
A influência de um verbo declarativo na escolha da forma lingüística para manter a referência já foi comentada
no item 2.1.4.1.
81
foi dito que um contexto privilegiado para a ocorrência da repetição
lexical nesse tipo de narrativa. É aquele que se estabelece entre uma sentença em
que o personagem é enunciado no comentário e outra em que esse personagem,
tópico, passa a responder por uma ação, caracterizada por verbos de ação ou de
ação-processo.
Considerando que esse contexto propício à repetição lexical se entre
fronteiras sentenciais, procurou-se, então, investigar se essas sentenças
fronteiriças localizavam-se dentro de um mesmo episódio ou entre episódios
diferentes.
Leal (1997), ao investigar os mecanismos lingüísticos utilizados no
estabelecimento da referência aos personagens da história Chapeuzinho Vermelho,
admite que no desenvolvimento de episódios as crianças usam preferencialmente
formas presumíveis em funções referenciais. Por outro lado, ressalta o registro de
formas nominais para a manutenção do referente, que se convertem em estruturas
marcadas pela reiteração. A autora não faz considerações a respeito desse fato,
uma vez que não se constitui escopo de sua pesquisa e limita-se a afirmar, apoiada
em Hickmann (1991), que tal ocorrência está associada à mudança imediata de
função sintática por que passa um item lexical mantido por repetição entre
sentenças contíguas.
Como é de interesse específico deste trabalho a análise de sentenças
marcadas pela repetição imediata, partiu-se para examinar a relação entre repetição
lexical e fronteiras da narrativa, valendo-se, para tanto, dos episódios identificados
nesta história. Desse modo, procurou-se verificar se a repetição lexical ocorria
dentro de um mesmo episódio ou entre episódios diferentes. Desse levantamento,
chegou-se ao gráfico seguinte.
Quadro X: Distribuição da freqüência das RL por fronteiras dentro ou entre episódios
DENTRO DO
EPISÓDIO (%)
ENTRE
EPISÓDIOS (%)
1B 89 11
2B 76 24
3B 89 11
4B 78 22
1M 77 23
2M 81 19
82
3M 84 16
4M 75 25
Sabe-se que cada episódio da narrativa, excetuando o primeiro, prevê tanto
a (re)introdução de um personagem quanto à menção à ação empreendida por ele.
Assim, a ocorrência freqüente de repetição lexical dentro de episódio - 75% a 89% -
pode ser explicada pelo fato de esse recurso ocorrer preferencialmente entre
sentenças que enunciam na precedente um personagem e na subseqüente sua
respectiva ão. Portanto, a repetição dentro de episódio reafirma o espaço
privilegiado da remissão reiterada a um item lexical.
se sabe também que os personagens com maior ocorrência de
manutenção por repetição de uma expressão nominal são, respectivamente, o lobo
mau, a Chapeuzinho Vermelho e o caçador. Por outro lado, esses personagens não
figuram em todos os episódios da narrativa. Pressupõe-se, então, que os episódios
que centralizam as ações mais dinâmicas de tais referentes seriam aqueles que
deteriam maior número de ocorrências da repetição lexical.
Diante disso, partiu-se para o levantamento da freqüência dos itens
reiterados por episódio, considerando tanto a sentença precedente quanto a
subseqüente. Vale lembrar que os episódios 1 e 8 foram caracterizados como tal
para atender aos programas computacionais do Sistema Textus. Na realidade, o
episódio 1 refere-se à abertura da história, ou situação, e o episódio 8, ao
fechamento. Embora não sendo episódios “autênticos” foram incluídos na
distribuição para que se tivesse uma visão dos espaços narrativos em que mais se
registraram itens reiterados. Assim, chegou-se ao quadro seguinte:
Quadro XI: Distribuição da RL por episódio da narrativa
E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 TOTAL
24
17 12 1 86 21 27 55 0 219
8% 6% 0,5% 39% 9,5% 12% 25% - 100%
Pela distribuição dos dados, pode-se verificar que os episódios que registram
percentuais mais elevados são os de números 4 e 7 - respectivamente, 39% e 25%.
Vale lembrar que o episódio 4 é aquele que se refere ao aparecimento do lobo mau
e seu encontro com Chapeuzinho Vermelho. Antes desse encontro, os episódios 1,
83
2 e 3 limitam-se a apresentar Chapeuzinho e descrever a conversa com sua mãe.
Nesses três episódios tem-se, então, Chapeuzinho sendo apresentada, sua mãe
entregando-lhe uma cesta de guloseimas e pedindo-lhe que a leve para a vovó, que
está doente. Contrariando o conselho da mãe, Chapeuzinho vai pela floresta. Vem,
então, o episódio 4.
O episódio 4 é o primeiro momento de tensão da narrativa. Chapeuzinho
Vermelho encontra um lobo faminto, que vê diante dele algo capaz de saciar seu
apetite voraz. Surgiu, aí, o perigo. O lobo mau foi, então, introduzido. Em seguida,
conversa com Chapeuzinho, mostra a ela o caminho que diz ser o mais curto, pega
um atalho e corre para chegar primeiro à casa da vovó. Esse episódio detém,
portanto, um dinamismo de ão maior que os três anteriores, ainda que nem todas
as ações previstas sejam integralmente relatadas pelas crianças.
É, pois, nesse espaço da narrativa que o personagem - lobo mau - vai
empreender ações que vão responder por um dos momentos de tensão da trama.
Presume-se que a criança ao recontar a história do Chapeuzinho Vermelho, embora
saiba que o leitor tem conhecimento do enredo, não deixaria de reconstruir-lhe a
surpresa e o suspense. Assim, o episódio 4, por envolver a apresentação do lobo
mau e o dinamismo de suas ações, que conduzem o suspense, possibilitaria a
recorrência à forma menos presumível - expressão nominal - para a manutenção do
referente, mesmo em sentenças contíguas.
Com relação ao episódio 7, que registra o aparecimento do caçador e a
solução do conflito, tem-se novamente a introdução de um personagem e o
desenrolar de sua ação, também carregada de dinamismo, que configura um outro
momento importante dentro da narrativa. É o caçador que vai matar o lobo mau e
salvar Chapeuzinho e a vovó. É, portanto, esse espaço da narrativa, e somente
esse, que o personagem decisivo para o desfecho da história tem para expressar
sua dinamicidade. O episódio 7, por referir-se ao caçador e discorrer sobre sua
ação, acolheria o uso de expressão nominal, diante da manutenção da sua
referência.
24
Os itens reiterados que se inseriam entre episódios foram desconsiderados para, posteriormente, serem
analisados.
84
Até aqui, falou-se de episódios, importantes na narrativa, que possibilitariam
a ocorrência da repetição: o 4, como primeiro momento de tensão, em que um dos
personagens principais é introduzido e passa a agir, e o 7, como resolução do
conflito, em que um salvador surgirá para encaminhar o desfecho da história.
Não se pode, por outro lado, deixar de se reportar ao episódio 6 - chegada
de Chapeuzinho Vermelho à casa da vovó -, de maior tensão, que compreende o
clímax da narrativa, pois é nele que a Chapeuzinho se vê diante de um lobo,
disfarçado de vovó. E é justamente nesse segundo encontro que o lobo terá a
oportunidade de saciar o desejo que ele adiou no episódio 4. Tem-se, então, o
momento crucial da narrativa. É oportuno lembrar que é exatamente nesse episódio
de clímax que se tem o espaço reservado para o discurso direto, para o famoso
diálogo entre Chapeuzinho Vermelho e o lobo mau. No entanto, não se aí a maior
ocorrência dos verbos dicendi. Há outras ações de dinamismo e suspense, que
marcam tal episódio, como: chegar à casa da vovó (ou entrar na casa da vovó),
esconder-se do lobo mau, gritar pelo caçador, e que respondem pelo maior número
de ocorrências de repetição lexical nesse espaço da narrativa. Acrescente-se,
ainda, o fato de nesse momento da narrativa os personagens envolvidos no diálogo
- Chapeuzinho e lobo mau - já terem sido introduzidos, dispensando, assim, a
constante referência aos interlocutores.
Analisando agora a repetição lexical entre episódios, verifica-se que as
fronteiras que acolheram maior recorrência a esse mecanismo o as que se
estabelecem entre os episódios 1 e 2 (10 ocorrências), 4 e 5 (9 ocorrências) e 5 e 6
(também com 9 ocorrências).
As ocorrências registradas na fronteira entre os episódios 1 e 2 podem ser
justificadas pela passagem da ambientação (situação) para o desenrolar da trama,
que se desenvolve exatamente a partir do segundo episódio, como se vê em:
Rômulo (c3b014):
Era uma fez uma menina e amãe dela e a mãe | dela mandou ela i pracasa da vovó
dela
As fronteiras que se estabelecem entre os episódios 4 e 5, 5 e 6 limitam
acontecimentos de suspense na narrativa. A primeira, o encontro com o lobo mau e
a ida imediata dele à casa da vovó; a segunda, o encontro, esperado e temido,
85
entre o lobo disfarçado de vovó e a Chapeuzinho Vermelho. Assim, encontram-se
respectivamente:
Marcus (p1m005):
e o lobo mau se vistiuse | de avo de chapeuziho | e a chapeuziho bateu na porta
da | sua avó
Filipe (p4m016):
e vingir que é a vovó para engu- | lir Chapeusinho Vermelho. | Quando
Chapeusinho Vermelho | chegou na beira da cama
Vale ressaltar, no entanto, que das 273 ocorrências de repetição lexical, 54
(19,8%) correspondem a reiterações entre episódios, logo a maioria, 219 (80,2%) se
encontra dentro de episódios. Portanto, esta situação é a que favorece a reiteração
de itens lexicais por abrigar, justamente, a introdução de um personagem e o início
imediato de sua ação, o que não inviabiliza outras possibilidades de ocorrências
como as citadas e comentadas acima.
3.1.6 Repetição e pontuação
Até aqui se trabalhou com a repetição sem considerar os recursos gráficos
utilizados concomitantemente pela criança. No entanto, não se pode deixar de
observar que muitas das ocorrências da repetição lexical, analisadas neste
trabalho, encontram-se associadas a marcas gráficas como, por exemplo, sinal de
pontuação, mudança de linha gráfica e inicial maiúscula. A fim de buscar a
comprovação da interação entre repetição e pontuação, pressuposto que norteia a
última hipótese apresentada, quis-se inicialmente saber como se distribuíam as
ocorrências da repetição lexical diante da presença ou ausência de pontuação entre
as crianças que utilizaram esse recurso de reiteração.
Quadro XII: Distribuição das ocorrências de RL segundo presença ou ausência de
pontuação
1B 2B 3B 4B 1M 2M 3M 4M TOTAL
RL sem
pontuação
25
(89%)
22
(88%)
28
(76%)
22
(55%)
26
(74%)
21
(68%)
13
(35%)
13
(32,5%)
170
(62%)
RL com
pontuação
3
(11%)
3
(12%)
9
(24%)
18
(45%)
9
(26%)
10
(32%)
24
(65%)
27
(67,5%)
103
(38,%)
TOTAL 28 25 37 40 35 31 37 40 273
86
O percentual das ocorrências de repetição lexical que não registravam
pontuação entre o item matriz e o item reiterado correspondeu a 62%, enquanto o
de ocorrências com pontuação registrou 38%.
Esse levantamento vem confirmar o que Ferreiro e Moreira (1996)
constataram ao estudar as repetições imediatas de itens lexicais em mudança de
função sintática e/ou enunciativa. Segundo as autoras, é justamente nesse caso
que a falta de pontuação se mostra mais evidente.
Por outro lado, o quadro permite ainda outras interpretações. Observa-se
tanto na escola pública (classe baixa) quanto na escola particular (classe média)
uma proporção gradativa entre pontuação e repetição lexical, isto é, a pontuação
vai aparecendo associada à repetição lexical à medida que a criança avança na
escolaridade. Assim, as crianças da 1a. série têm suas ocorrências com repetição
lexical menos pontuadas do que as da 4a. série. Portanto, a pontuação vai aqui
também surgindo gradativamente e confirmando a aquisição tardia desse recurso
da escrita.
Sabe-se, todavia, que a seriação escolar por si não justifica tal aquisição.
A esse respeito, Rocha (1994:291) já salientara que, embora o desenvolvimento da
pontuação “não possa ser explicado diretamente por fatores como idade, nível
sócio-econômico ou escolaridade”, pode-se admitir “um movimento lento, mas
visível na habilidade de pontuar à medida que aumenta a escolaridade”,
comprovado através dos instrumentos utilizados em sua pesquisa, como a
produção e a revisão textual.
Com relação à procedência social, ainda que esse fator não determine a
maior ou menor habilidade no trato com a pontuação, pode-se constatar que as
crianças da escola particular (1M, 2M, 3M, 4M) utilizaram mais pontuação associada
ao item reiterado do que as crianças da escola pública (1B, 2B, 3B, 4B). Esse fato
pode ser creditado ao maior contato com a escrita, de que desfrutam as crianças da
escola particular, uma vez que dispõem, como aliados no seu processo de
aquisição, de experiências sociais mais freqüentes com diversos livros e leitores,
exposição mais constante e sistemática ao texto impresso e ainda maior
oportunidade de empreender ensaios no espaço gráfico. Ressalte-se, entretanto,
que, apesar desses fatores, a recorrência aos signos gráficos da pontuação não é
87
um privilégio das crianças da escola particular. Como afirma Rocha (op.cit.:169), as
crianças tanto da escola pública quanto da particular “seguem uma mesma marcha
evolutiva”. Na realidade, o que as diferencia resulta de fatores sociais e não
cognitivos.
É importante ressaltar que não se constitui objetivo nessa investigação
constatar a evolução das crianças no processo de aquisição da pontuação. O que
se pretende, nesse estudo, é explorar os usos da repetição lexical, analisando, por
extensão, a sua ocorrência junto a outros recursos gráficos e/ou discursivos.
Após essas considerações, retoma-se o quadro XII. Nele, foram
considerados apenas os contextos de repetição lexical com ou sem inserção de
pontuação. Entretanto, não é permitido afirmar que a criança que deixou de usar
pontuação nesse contexto não a empregue em outros espaços do seu texto.
Aceitando que repetição lexical e pontuação “poderiam expressar a mesma busca
de limites internos dentro dos episódios ou dos modos de enunciação de uma
narrativa completa(Ferreiro e Moreira, 1996: 168), e ainda com base no referido
quadro, algumas questões emergem: a criança que se valeu da repetição lexical
sem recorrer à pontuação nesse ambiente poderia estar se valendo desse recurso
da escrita em outros contextos? Essa pontuação, caso encontrada, se situaria nos
limites internos da narrativa? Os itens lexicais reiterados poderiam associar-se a
outros recursos lingüísticos e dessa forma expressar funções diferentes?
A fim, então, de iniciar a investigação das questões levantadas, partiu-se
para a etapa seguinte: entre os textos com repetição lexical sem pontuação,
levantou-se a freqüência dos que apresentavam pontuação em outros espaços
textuais e a dos que não apresentavam pontuação alguma. Para este levantamento,
foram demarcados três grupos: o primeiro, composto por textos com ausência total
de pontuação; o segundo, por textos somente com pontuação externa
25
; e o
terceiro, pelos que apresentavam pontuação interna e externa. A distinção entre o
segundo e o terceiro grupos baseia-se no pressuposto de que a pontuação externa
seria um estágio anterior ao surgimento da pontuação interna (ainda que haja
registros, raros, de textos somente com pontuação interna) e revelaria, portanto,
25
Para a pontuação externa consideraram-se as marcas estabelecidas nos limites - início e fim - do texto (inicial
maiúscula e/ou ponto final) e para a pontuação interna, os sinais gráficos utilizados no interior do texto (ponto,
vírgula, travessão, dois pontos, etc.).
88
níveis distintos de maturidade em pontuação. O resultado encontra-se no quadro a
seguir.
Quadro XIII: Distribuição dos textos com RL sem pontuação entre o item matriz e o item
reiterado,por série e procedência social,segundo presença ou ausência de pontuação no
texto
1B 2B 3B 4B 1M 2M 3M 4M Total
Com ausência de
pontuação
5
(26%)
3
(17%)
1
(5%)
- - - - - 9
(7%)
Somente com
pontuação
externa
4
(21%)
9
(50%)
7
(37%)
- 12
(57%)
6
(33%)
- - 38
(29%)
Com pontuação
interna e
externa
26
10
(53%)
6
(33%)
11
(58%)
16
(100
%)
9
(43%)
12
(67%)
9
(100
%)
10
(100%)
83
(64%)
Total de textos
27
19 18 19 16 21 18 9 10 130
O que chama atenção, inicialmente, é o fato de na 4B, 1M, 2M, 3M e 4M não
se registrar nenhum texto sem pontuação também em outros ambientes da
narrativa.
Isso quer dizer que as crianças produtoras desses textos se valeram da
repetição lexical prescindindo da pontuação, entretanto em outros contextos da
mesma narrativa não dispensaram tal recurso. Esse dado pode ser compreendido
se se considerar que os índices de maior recorrência aos signos de pontuação são
encontrados, em sua maioria, quanto à escolaridade, em textos de 3a. e 4a. séries;
e quanto à procedência social, em textos da escola particular.
Embora as crianças das 3a. e 4a. séries da escola pública e todas da escola
particular manifestem maior propensão ao uso e variedade das marcas de
pontuação, é importante ressaltar que há registros, no corpus, de textos sem
pontuação, em todas as séries, de ambas as escolas.
Interessante observar que, ainda que haja casos de textos sem pontuação e
sem repetição lexical, não na 4a. série da escola pública (e na 3a. série, apenas
um), nem em todas as séries da escola particular textos com repetição e sem
pontuação. Esse fato revela que, ao recorrer à reiteração lexical, a criança de um
26
Em toda a amostra de textos com repetição lexical sem pontuação, foram encontrados apenas três com
pontuação somente interna (c2b004, c2b008, p3m018). Como nessa análise a distinção maior se estabelece entre
presença ou ausência de pontuação e a fim de evitar criação de um grupo pouco relevante, optou-se pela inclusão
desses três textos no terceiro grupo.
89
desses grupos recorre também às marcas gráficas. Estabelece-se, nesse momento,
o elo entre repetição e pontuação.
Por outro lado, mesmo nas outras turmas - 1B, 2B, 3B - pode-se constatar
uma recorrência freqüente de textos com repetição lexical sem pontuão nesse
ambiente, mas com pontuação em outros espaços textuais. De fato, o uso da
pontuação somente externa já evidencia, por parte da criança, uma atenção, ainda
que incipiente, voltada para as marcas gráficas de um texto escrito. Há, em
contrapartida, outros recursos que permitem estabelecer limites internos no texto
além das marcas gráficas. É o caso dos conectivos, seqüenciadores temporais,
marcadores discursivos, entre outros.
Sabe-se que a criança ao escrever tenta lidar com aspectos ligados ao
conteúdo e com outros ligados à forma. Com efeito, diante da produção de uma
narrativa, ela estaria revelando atenção voltada tanto para o que dizer (conteúdo)
quanto para o como representar o que está sendo dito (forma). Mantidos
simultaneamente sob controle esses dois aspectos, a repetição lexical, do ponto de
vista do conteúdo, estaria acentuando a relevância do personagem introduzido,
indicando o início de sua ação, e, do ponto de vista da forma, demarcando limites
internos.
Quando se restringe atenção com a forma às tentativas de impor limites
internos ao texto não se está excluindo a preocupação com outros aspectos ligados
à forma, tais como convenções ortográficas e segmentação entre as palavras. No
dizer de Teberosky (1996: 99), “a possibilidade de compor textos supõe conhecer
as normas de como colocar esta linguagem na sua forma gráfica”.
Faz-se necessário, nesse ponto, explicitar a que se refere o termo forma.
Por forma, nesse estudo, entenda-se, tão somente, o uso de marcas que
estabelecem limites no texto e o emprego dos sinais de pontuação (externa e/ou
interna). Aspectos como ortografia, translineação, formatação gráfico-espacial,
entre outros, deixaram de ser considerados por não terem sido tomados como
variáveis nesta pesquisa.
27
Dos 211 textos encontrados no corpus com repetição lexical em contextos de contigüidade, 130 (62%)
correspondem a textos sem pontuação entre o item matriz e o reiterado, conseqüentemente, os 81 restantes (38%)
correspondem aos que apresentam pontuação nesse mesmo contexto.
90
O que se pretende dizer é que o fato de a criança não usar marcas gráficas
em seu texto não significa que ela não estabeleceria limites entre os segmentos
textuais. Com efeito, pode-se presumir que as crianças que de algum modo
percebem e impõem limites em sua narrativa poderiam estar usando a repetição
lexical não somente levada por motivações de ordem semântico-pragmática, mas
também por motivos relacionados à forma de apresentação de um texto escrito.
Assim, se somente na 1B, 2B e 3B são encontrados textos com repetição e
sem pontuação, resta saber se as crianças produtoras desses textos poderiam
estar se valendo de outros recursos para marcar limites entre uma sentença e outra
do seu discurso. A repetição lexical poderia estar ligada, portanto, não somente às
marcas gráficas, mas também a outros marcadores de limites intratextuais.
Para melhor ilustrar a questão, tomaram-se dois textos: o primeiro, de uma
criança que apresenta repetição lexical sem pontuação tanto no contexto da
reiteração quanto nos demais; o segundo, de uma criança que apresenta repetição
lexical sem pontuação, mas com marcas gráficas em seu texto. Esta transcrição
manteve-se fiel, inclusive, à organizão em linhas gráficas apresentada no texto
original.
Conceição (c2b018):
era uma ves o chapeuzinho vernelho Eli estava
brimcado com a çuas amiginha e sua mãe mamou Ele
para ir a casa da vovózinha e Eli foi
pela a estrada fora Eu vo tão sozinha leva estis
docis para a vovózinha Ela mora loji o caminho e
dezerto io lobo mal paco aqui poperto chapelzinho ver
melho voçe vai purai que eu vo poraqui i o
lobo chego poraqui i emguliu a vovo pepoi
que ele emguliu a vovó o chapeuzinho vermelho
chegou e chamou a vovo e o bolo Respondeu oque e o
capeuzinho vermelho eu quero entrar podi en
trar e o chapeuzinho vermelho entror e capel
zinho vermelho li pergunto paque estis ochos
tão gradis para ti emgergar melhor
praque estis ouvidos tao gradis para
ti ouvir melhor para que estis naris tao
gadis parati ouvir melhor paraque esta
boqua tão gradi para ti quo
mer e o chapeuzinho vermelho gritou coco
ro cacadori o cacado veio i tirou a vo
da bariga do lobo i fiquarão feliz
91
para cempri
Cleber (p2b021):
O chapêuzinho vermelh
Era uma ves uma menina quese chamava chapeuzinho vermelho.
Um dia apareseu o lobo mau e o lobo mau foi na casa da vo
chapeuzinho vermelho foi na casa da vovozinha.
O chapeuzinho viu o lobo mau ingulido a vovozinha e venhu o casador
O lobo mau murreu e a vovozinha saiu da barriga do lobo mau.
O Chapeuzinho vermelhos e a vovozinha e o casador vivia alegre.
final
A despeito das incorreções do ponto de vista da escrita convencional, é
inegável que as duas crianças alcançaram êxito na tarefa solicitada: recontar a
historia de Chapeuzinho Vermelho, ainda que a segunda tenha reproduzido menos
eventos da narrativa.
Observa-se que enquanto Conceição dispensou as marcas gráficas, Cleber
utilizou inicial maiúscula, ponto seguido de maiúscula e ponto final, e ainda registrou
o título. Contudo, Conceição, ao desprezar as marcas gráficas que Cleber tão bem
empregou, não deixou de construir seu texto, até mais rico em detalhes (de
conteúdo), e a ele impor limites internos.
Esses limites podem ser identificados através da recorrência ao conectivo e,
por várias vezes, (como em: Eli estava brimcado com a çuas amiginha e sua
mamãe mamou Ele para ir a casa da vovozinha e Eli foi), e de expressão adverbial
que demarca intervalo temporal (como em: pepoi que ele emguliu a vovó o
chapeuzinho vermelho chegou). Observa-se, ainda, que o item reiterado (caçador)
aparece sozinho, isto é, não associado a essas marcas.
Quanto ao texto de Cleber, percebe-se mais evidentemente a sua
preocupação com a forma. Sua narrativa, de fato, indica um nível de elaboração
textual mais adiantado, segundo as normas de convenção da escrita. Cleber
articula reiteração e conectivo para delimitar sentenças dentro de um mesmo
enunciado.
Ferreiro e Moreira (1996) interpretam as repetições não-imediatas que se
situam ao redor do discurso direto como “uma lexicalização que lenta e
penosamente será substituída pela pontuação” (p.185). Embora esses dois
exemplos citados não se enquadrem no paradigma apresentado pelas autoras,
92
parece sensato admitir que tanto em Conceição quanto em Cleber a repetição
lexical imediata estaria também funcionando como uma espécie de lexicalização da
pontuação, uma vez que em ambos o item reiterado se instala no limite que se
estabelece entre uma sentença que termina e outra que coma.
Como diz também Ferreiro (1996) em outro texto, no qual aborda as
dificuldades enfrentadas pelas crianças para introduzir em seus textos as marcas
gráficas, “a pontuação é fundamentalmente um conjunto de instruções para o leitor”
(p.151). Sob esse aspecto, a repetição lexical “instruiria” o leitor no sentido de
indicar-lhe que no lugar em que ela se instala existe uma fronteira.
Os textos de Conceição e Cleber, ambos da 2a. série, o bem distintos.
Enquanto o primeiro não se valeu de “marcas silenciosas que guiam a
interpretação” (Ferreiro, op.cit.: 153), o segundo as utilizou. Contudo, há delimitação
de limites internos nos dois textos. Por outro lado, há outros textos que não se
enquadram nem em um nem em outro caso. Vejam-se os exemplos a seguir.
Ismênia (c2b004):
era uma vez o chapeusinho vermelho foi leva os doces
para vovó ai a mamãe dise: cuidado com o lobo mal
tabom mamãe e ela foi nomei do caminho a-
cho o lobo mal o lobo mal ensinou o caminho
da floresta o lobo mal chegou na casa da vovó
e comeu a vovó ai a chapeuzinho vermelho chegou
lá é bateu na porta o lobo mal disse: entre
vovó que olhol grande voçê tem e pa ti olha que na-
riz grande e pa ti cheira que ouvidos grande
e pa ti ouvi que boca grande e pá ti come ai o caça
dor veio mato o lobo mal e tiro a vovó e vive
o finais felizes
Ademilson (p3b052):
O Chapeuzinho vermilho
A mãe de chapeuzinho vermelho madou ela levrar um
docinhos a sua vovózinha.
Ela foi ela passeando pelo bonque chegando a o outro
lado do bosque ela encontro o lobo mal o lobo perguntol
aonde você vai. Chapeuzinho respondeu nou na casa da vovó-
zinha e assim chapeuzinho foi cantando. rá - lá - rá - lá - rá - ...
O lobo tomou um atalho pra casa do vovózinha
o lobo chegou primeiro na casa da vovó e comel ela.
Chapeuzinho perguntol que nariz enorme vovázinha. E pra chirar
melhor. Que boca enorme vovó. E prati comer
melhor rrr. Socorro! Socorro! Socorro! O lobo mal!
93
Chapeuzinho correu pro floresta chamou o caçado o caçador
corriu pra casa da vovó e pinba matou o lobo.
Ele cortou a bariga do lobo e tirou a vovózinha,
E asim eles viveram felizes para sempre.
Em Ismênia, observa-se que a recorrência à pontuação restringe-se a um
contexto bem preciso: depois de um verbo dicendi, em discurso direto (a mamãe
disse: cuidado com o lobo mal e o lobo mal disse: entre vovó). Somente esse limite
textual é marcado com sinal gráfico, contudo outros limites são estabelecidos pelo
emprego do conectivo e (como em: e ela foi) e do marcador discursivo (como em:
a chapeuzinho vermelho chegou lá). Ressalte-se, ainda, o emprego do hífen, por
duas vezes, para marcar um outro limite: o que se estabelece em palavras, na
translineação.
Assim, no texto de Ismênia, parece presente um intento de marcar fronteiras
sentenciais não apenas pelo uso da repetição contígua, mas também pela não
contígua. Observa-se, ainda, que o sintagma lobo mau não é antecedido por
marcadores continuativos.
em Ademilson, como em outros textos do corpus, são vários os indícios de
que os limites internos do texto o considerados: inicial maiúscula, ponto seguido
de maiúscula e/ou espaço, ponto final, ponto entre turnos de fala, segmentação
espaço-gráfica entre episódios (entre o 2º e o 3º, e entre o 4º e o 5º). Os sinais
gráficos são empregados para delimitar fronteiras no texto, assim como a repetição
lexical está delimitando a introdução de um personagem e o início de sua ação.
Contudo, pretende-se tomar esse exemplo para delinear uma extensão da
interpretação: o espaço de tempo que transcorre entre o fato enunciado na
sentença precedente (chamou o caçado) e o enunciado na subseqüente (o caçador
corriu pra casa da vovó) é tão exíguo que não admitiria a inserção de um recurso
mediador que pudesse descaracterizar essa brevidade. Dessa forma, a repetição
lexical contígua, nesses casos, estaria assinalando o imediatismo da ação
desencadeada pelo personagem introduzido.
Com os exemplos dados, assim como em outros do corpus que orienta esta
pesquisa, a utilização de recursos lingüísticos delimitadores, ligados à repetição
lexical ou a outros espaços da narrativa, evidencia intentos da criança para marcar
limites internos no seu texto. A repetição lexical contígua se constituiria, ao lado
94
desses recursos, em mais um mecanismo delimitador de fronteiras sentenciais.
Portanto, comprova-se a última hipótese formulada neste trabalho.
Embora a maior parte das ocorrências de repetição lexical contígua
levantadas no corpus não registre a inserção de marcas gráficas, há contextos de
repetição nos quais se encontram sinais de pontuação e/ou outros recursos
utilizados como elementos intermediários entre o item matriz e o item reiterado.
Entre eles estão o uso de seqüenciadores discursivos, a mudança de linha gráfica,
a definitização. É a respeito do uso ou do não-uso desses recursos que se
discorrerá a seguir.
Em busca de uma distinção que se pudesse estabelecer entre os diversos
recursos associados à repetição lexical e que, ao mesmo tempo, os contemplasse,
adotou-se, como critério, a maior ou menor proximidade em relação à escrita
convencional. A opção por esse critério fundamenta-se no fato de que a criança, ao
escrever um texto, procura fazê-lo segundo o que julga pertencer ao registro
escrito.
Embora se esteja voltando a diferenciação para a perspectiva do adulto,
convém salientar que a análise levará em conta a intenção do aprendiz, enquanto
construtor de seu processo de aquisição da linguagem. A consideração desses
outros recursos, além da pontuação, se deu em virtude de se procurar, ao estudar
as repetições lexicais, estar atenta a outros mecanismos que foram ao mesmo
tempo utilizados pela criança.
A fim de sistematizar a análise foram constituídos dois grupos, assim
denominados: o primeiro, grupo das repetições não-convencionais; o segundo,
das repetições semi-convencionais.
No primeiro grupo, das repetições não-convencionais, encontram-se aquelas
repetições que se mostram mais desviantes em relação à escrita convencional. São
itens lexicais que se encontram justapostos ou separados por mudança de linha
gráfica ou por inserção de um outro recurso, o que não chega a conferir maior
aceitabilidade dentro da modalidade escrita. Trata-se de repetições formadas de
itens lexicais:
a) idênticos e imediatos sem inserção de qualquer elemento lingüístico
Ela chamou o casador o casado tirou a vovo do lobo mau. (p1b012)
b) idênticos e com mudança de linha gráfica
95
cha peuzinho em contro olobo | olobo falou (c1b010)
c) entre fronteiras discursivas, sem pontuação e sem mudança de linha gráfica
por | que pela a floresta tem lobo mal o lobo | mal ja simodou de lã (c2b009)
d) com itens não idênticos sem inserção de pontuação
a vovó abriu/aporta para o lobo o lobo mau prendeu a vovó (p2b009)
No segundo grupo, das repetições semi-convencionais, foram tomadas as
repetições que, por se aproximarem da escrita convencional, registram a
associação de outros recursos lingüísticos, que revelam um nível mais elaborado
de construção textual. Observa-se, praticamente em todos os casos, a recorrência
simultânea a mais de um recurso, o que confere maior aceitabilidade. São, portanto,
repetições:
a) com definitização
e chamou um casador o casador correu (p2b008)
b) com mudança de linha gráfica, com separadores
Um dia o chapeuzinho vermelho foi até a vovó - | a vovó falou (c2b007)
c) com mudança de linha gráfica seguida de maiúscula e/ou espaço final
Chapeuzenho vemelho viu o lobo mau % | O lobo mau foi antes para casa de vovó
(p1b011)
d) com itens idênticos ou não e inserção de seqüenciadores ou pontuação
que se chamava chapeuzinho | vermelho um dia chapeuzinho foi levar docinhos
para | vovó (p2b004)
e) entre fronteiras discursivas com mudança de linha gráfica e/ou inserção de itens
Um dia mamãe chamou Chapeuzinho | Chapeuzinho. | (p4b031)
f) com mudança de linha gráfica seguida de espaço e maiúscula, e com inserção de
outro item
E a chapeuzinho foi chamar os caçadores.% | E os caçadores vinheram e tiraram
a vovozinha (c3m011)
Para a formação desse grupo considerou-se o nível de construção textual
evidenciado pela criança ao empregar outros recursos lingüísticos simultâneos à
repetição. Esses recursos foram, portanto, considerados indicativos da competência
textual. Sobre eles serão tecidos alguns comentários, que justificam a sua inclusão
nesse grupo.
96
A definitização, como se sabe, tem a função de possibilitar a referência a algo
conhecido e exerce no texto valor coesivo.
Simó e Roca (1996), com o objetivo de discutir questões ligadas à prática
docente, realizaram uma atividade com alunos de 3a. série, que propiciava reflexão
sobre algumas categorias gramaticais. Em determinado espaço de um texto
narrativo lacunado, os alunos tinham a possibilidade de fazer a oão entre o
emprego do artigo indefinido ou definido. Os resultados revelaram que as crianças,
embora não tenham feito referência ao nome técnico (artigo indefinido ou definido)
nas justificativas dadas para a escolha feita, tinham consciência de que a frase
mudaria de significado de acordo com o artigo utilizado. Dessa forma, nos contextos
aqui analisados, acredita-se que o uso de artigo indefinido no item matriz e artigo
definido no item reiterado não tenha sido aleatório.
A utilização de itens o idênticos expressa a variação nas escolhas léxicas.
Sabe-se que ao escrever um texto o produtor deve, entre outros atribuições, voltar
atenção para a seleção lexical.
O emprego de marcas gráficas foi referido aqui como um dos indícios da
maturidade para pontuar. A pontuação, assim como as segmentações gráfico-
espaciais, é um dos recursos que permitem conferir caráter de escrita a um texto.
A inserção de seqüenciadores permite inferir que a criança espercebendo
a autonomia entre a sentença do item matriz e a do item reiterado e faz uso de um
outro elemento lingüístico para estabelecer a conexão entre elas e assim dar
continuidade ao discurso.
A repetição entre fronteiras do discurso assinala para o alocutário a ruptura
entre um e outro modo de enunciação. Evidencia, por outro lado, a preocupação da
criança em explicitar ao menos um dos interlocutores ao reproduzir um diálogo, que
busca identificar-se com o modelo fornecido pela escrita convencional. Após a
distinção entre as repetições analisadas, chegou-se ao quadro a seguir.
Quadro XIV: Distribuição das RL por série e procedência social segundo grupos de análise
1B 2B 3B 4B 1M 2M 3M 4M Total
GRUPO I 10 7 6 5 3 3 1 1 36
97
(36%) (28%) (16%) (12,5%) (9%) (10%) (3%) (2,5%) (13%)
GRUPO II 18
(64%)
18
(72%)
31
(84%)
35
(87,55%)
32
(91%)
28
(90%)
36
(97%)
39
(97,5%)
237
(87%)
TOTAL 28 25 37 40 35 31 37 40 273
Atesta-se, de um modo geral, que a repetição simples, isto é, não associada
a nenhum outro recurso, é bem menos recorrente que as outras, chegando a
registrar somente uma ocorrência na 3M e na 4M. As turmas a deterem maior
número de ocorrências não-convencionais são a 1B e a 2B, respectivamente.
Ressalte-se que foi também nessas turmas que se verificou freqüência maior de
itens reiterados sem pontuação. Parece, portanto, que as outras ries estão
voltadas para certos aspectos textuais que a 1B e a 2B ainda não os considera.
Talvez a dificuldade em registrar a língua, e sua conseqüente morosidade,
leve crianças dessas series a focalizar elementos mais relevantes para a
progressão da historia (personagens e ações). Aliado a isso, vem o seu
desconhecimento dos recursos formais e estilísticos.
A diferença maior se estabelece entre o primeiro grupo (repetições não-
convencionais) e o segundo (repetições semi-convencionais). Esse fato revela que
o uso da repetição lexical, em sua maioria, se deu associado a outros recursos
lingüisticos. Logo, é razoável supor que, ao dispor em um texto escrito itens
idênticos e contíguos, a criança possivelmente se conta de que essa estratégia
foge ao conceito que faz da escrita. Dentro desse ponto de vista, os recursos
lingüísticos empregados concomitantes com a repetição poderiam estar servindo
para “neutralizar a transgressão”.
Assim como em levantamentos precedentes desta seção, constata-se por
meio desse quadro uma relação entre repetição e escolaridade. A relação é
estabelecida aqui através da gradação proporcional entre repetição semi-
convencional e escolaridade. À medida que a criança avança na seriação aumenta
a ocorrência desse tipo de repetição. Esse fato pode ser justificado se se
considerar que a incorporação dos diversos mecanismos de que a língua dise se
dá de forma lenta e gradual. Logo, à proporção que novas estruturas vão sendo
internalizadas, a criança vai ampliando sua competência textual.
Reduzir o uso da repetição lexical ao não-domínio do sistema referencial,
mesmo na 1B e na 2B, é desconhecer a marcha que as crianças empreendem para
98
a apropriação da escrita, é não reconhecer-lhes a intenção comunicativa, é impor-
lhes uma norma sem ter dado a elas a oportunidade de experimentar a construção
das possibilidades do sistema lingüístico.
Na verdade, as construções “desviantes” analisadas neste trabalho sugerem
o caminho percorrido pela criança até chegar à elaboração de um texto escrito
dentro do padrão convencional.
3.2 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS
Nesta etapa da pesquisa, foram realizadas entrevistas com 32 crianças, de
1a. a 4a. série, sendo 16 de uma escola pública e 16 de uma escola particular,
ambas do município de Fortaleza.
No momento da entrevista foi apresentado à criança um reconto da história
Chapeuzinho Vermelho com seis lacunas (ver Apêndice), a serem preenchidas
segundo escolha feita. Após o preenchimento de cada lacuna, a criança era
solicitada a dizer por que supôs ser aquela a melhor resposta.
Requerer da criança a explicação sobre sua ação, a verbalização dos
motivos da preferência por determinada possibilidade lingüística, é em última
instância trabalhar com o desvendamento de estratégias metacognitivas. Esse
trabalho exige o conhecimento sobre a regulação da cognição e nem sempre se é
capaz de falar explicitamente sobre aquilo que se sabe fazer. Por isso mesmo esta
não é uma tarefa fácil de se realizar, sobretudo com crianças, ainda que, mesmo as
pequenas, saibam auto-regular seus comportamentos para resolver um problema
(Brown, 1985).
No entanto, esse fato não impede que sejam levantadas hipóteses sobre
esse conhecimento e que se busquem evidências a fim de confirmá-las, ou até
rejeitá-las. Foi com esse intuito que se buscou uma possível legitimidade para
algumas das explicações encontradas aqui para o uso da repetição lexical.
A aplicação do referido instrumento tomou, portanto, por objetivo verificar
como a criança lidava com as possibilidades oferecidas pelo sistema lingüístico,
diante da referência a um personagem enunciado na sentença precedente e, ainda,
que explicações apresentava para a escolha feita.
99
Este momento da investigação foi de suma importância. Primeiro, pelo fato de
possibilitar esclarecer algumas questões relacionadas ao uso da repetição lexical;
segundo por favorecer o encontro com as crianças. Desses encontros, e sobretudo
das respostas obtidas, sobrevieram algumas dúvidas. Dúvidas que, com certeza,
servirão para iluminar trabalhos posteriores e sobre elas também se falará.
Como durante a entrevista foi facultado à criança “mudar de opinião”, isto é,
alterar a escolha anteriormente feita, obtiveram-se respostas diferentes para uma
mesma lacuna. Essas respostas serão apresentadas pela ordem de preferência.
Assim, inicialmente, a fim de se ter uma visão geral da recorrência ou não da
repetição lexical partiu-se para levantar, entre as crianças entrevistadas, aquelas
que se valeram de tal recurso em sua primeira escolha e em que contextos o
empregaram.
Quadro XV: Distribuição geral da opção das crianças por forma nominal (FN) ou forma
pronominal (FP)
ESCOLA PÚBLICA
FN FP
ESCOLA PARTICULAR
FN FP
1a. série 4 - 3 1
2a. série 3 1 2 2
3a. série 3 1 1 3
4a. série 1 3 - 4
TOTAL 11 (69%) 5 (31%) 6 (37,5%) 10 (62,5%)
O quadro revela a mesma tendência observada nos textos do corpus. As
crianças mais novas das séries iniciais, sobretudo as da 1a. série, empregam mais
o recurso da repetição lexical (FN) do que as crianças mais velhas, das 3a. e 4a.
séries. Ainda que na escola pública tenha se registrado maior número de
ocorrências, a repetição lexical foi empregada por crianças da escola particular,
com exceção da 4a. série. A ausência de repetição nessa série acolhe a mesma
explicação anteriormente apresentada: as crianças mais velhas apresentam maior
domínio das formas presumíveis (FP), justificado tanto pelo processo de
desenvolvimento cognitivo quanto pelo conhecimento acumulado.
foi dito que o texto apresentado às crianças continha seis lacunas. Para
melhor compreensão dos fatos a serem analisados, julgou-se necessária a
transcrição dos trechos em que figurava cada lacuna, fazendo-se menção ao
episódio da narrativa e à situação referencial. Assim, têm-se:
100
a) 1a. lacuna (episódio 1 - após introdução de Chapeuzinho Vermelho)
“ERA UMA VEZ UMA MENININHA CHAMADA CHAPEUZINHO VERMELHO
__________(ELA - CHAPEUZINHO VERMELHO - QUE) ESTAVA SE
BALANÇANDO NO QUINTAL QUANDO SUA MÃE CHAMOU:”
b) 2a. lacuna (episódio 2 - após introdução da vovó)
“- CHAPEUZINHO, VENHA AQUI. PEGUE ESSA CESTA E LEVE PARA A VOVÓ
__________(A VOVÓ - ELA - QUE) ESTÁ DOENTE.”
c) 3a. lacuna (episódio 4 - após introdução do lobo mau)
“NO MEIO DO CAMINHO ELA VIU O LOBO MAU __________(ELE - QUE - O
LOBO MAU) DISSE PARA ELA: “
d) 4a. lacuna (episódio 6 - após reintrodução do Chapeuzinho)
“QUANDO CHAPEUZINHO CHEGOU LÁ ENCONTROU O LOBO __________(QUE
- O LOBO - ELE) ESTAVA VESTIDO DE VOVOZINHA.”
e) 5a. lacuna (episódio 6 - após reintrodução do Chapeuzinho)
“O LOBO MAU SAIU CORRENDO ATRÁS DE CHAPEUZINHO __________
(CHAPEUZINHO - QUE - ELA) COMEÇOU A GRITAR”
f) 6a. lacuna (episódio 7 - após introdução do caçador)
“E CHAMOU OS CAÇADORES __________(ELES - OS CAÇADORES - QUE)
PEGARAM O LOBO MAU, ABRIRAM A BARRIGA DELE, TIRARAM A VOVÓ E
JOGARAM O LOBO NO RIO.”
Os quadros a seguir registram a primeira escolha das crianças por lacuna. O
primeiro refere-se à escola pública e o segundo, à escola particular.
Quadro XVI: Distribuição da 1a. escolha das crianças por lacunas na escola pública (Pu)
LACUNA LACUNA LACUNA LACUNA 5ª LACUNA 6ª LACUNA
FN FP FN FP FN FP FN FP FN FP FN FP
1a.s. 1 3 - 4 3 1 1 3 2 2 2 2
2a.s. 1 3 1 3 2 2 - 4 - 4 1 3
3a.s. 1 3 1 3 2 2 - 4 - 4 1 3
4a.s. - 4 - 4 - 4 1 3 1 3 - 4
Total 3 13 2 14 7 9 2 14 3 13 4 12
% 18,7 81,3 12,5 87,5 43,7 56,3 12,5 87,5 18,7 81,3 25 75
101
Quadro XVII: Distribuição da 1a.escolha das crianças por lacunas na escola particular (Pa)
LACUNA LACUNA LACUNA LACUNA 5ª LACUNA 6ª LACUNA
FN FP FN FP FN FP FN FP FN FP FN FP
1a.s. - 4 - 4 1 3 2 2 1 3 1 3
2a.s - 4 2 2 2 2 - 4 2 2 1 3
3a.s - 4 - 4 - 4 - 4 1 3 - 4
4a.s - 4 - 4 - 4 - 4 - 4 - 4
Total - 16 2 14 3 13 2 14 4 12 2 14
% - 100 12,5 87,5 18,7 81,3 12,5 87,5 25 75 12,5 87,5
Analisando os resultados numéricos desses dois quadros, constata-se que
os contextos que acolheram número maior de formas nominais (expressão
reiterada) foram, na escola pública, os que correspondiam às 3a. e 6a. lacunas
(43,7% e 25%%, respectivamente), e na escola particular, os que correspondiam às
5a. e 3a. lacunas (respectivamente, 25% e 18,7%). Com essa constatação, verifica-
se que há um contexto comum entre as duas escolas: a 3a. lacuna, a que se refere
ao personagem lobo mau, após sua introdução. Ressalte-se, ainda, o fato de estar
inserida no episódio 4, o mais freqüente (conforme representado no quadro VIII e
comentado na subseção 3.1.6)
Observa-se que nesse espaço da narrativa, além de o lobo mau ser
introduzido, é dado início a sua ão, que marca justamente a mudança que vai se
estabelecer entre os modos de enunciação: a partir do enunciado em que se insere
a repetição lexical o discurso narrado passará a discurso citado.
Esse discurso citado envolverá dois interlocutores e um deles, o que acabou
de ser introduzido, tomará o turno da conversão. E uma vez introduzido no
comentário necessita ocupar a ordem canônica, a posição inicial. A repetição lexical
ocorrida, então, nesse ambiente demarcaria o início da ação de um personagem
principal, que fora introduzido na sentença anterior, e ainda tornaria mais explícita a
sua participação enquanto interlocutor. Tal explicação parece confirmada nos
depoimentos abaixo:
E: Aí pode deixar “o lobo mau” do lado do “lobo mau”? (Diante da lacuna anterior, a criança
dissera que não podia repetir uma palavra ao lado da outra)
C: Pode.
E: Pode deixar, por quê?
C: Porque fica melhor de entender quem falou pra ela. (Aline, 2a.Pu)
E: Por que “o lobo mau” fica melhor aí?
C: Porque está dizendo que o lobo mau disse uma palavra para ela. (Fa. Jaiciane, 3a.Pu)
102
a explicação apresentada por Luís Eduardo parece estar voltada para a
força da introdução. Uma vez que se trata de um personagem importante para a
trama da narrativa, haveria a necessidade de retomá-lo por expressão nominal e o
pronome não expressaria explicitamente os significados contidos em lobo mau (um
lobo que é mau).
E: Por que você achou melhor “o lobo mau”?
C: Porque ele é o lobo (pausa). E ele é mau. (Luís Eduardo, 1a.Pa)
Os quadros anteriores consideraram todas as repetições empregadas pelas
crianças. Isto quer dizer que houve crianças que empregaram só uma vez e outras
que empregaram duas ou três vezes, e uma que chegou a se valer desse recurso
em quatro lacunas.
Buscando maior evidência sobre o contexto que se revelaria mais propício ao
uso da repetição contígua, levantou-se, entre as crianças que se valeram da
repetição somente uma vez, aquele que se mostrou privilegiado, isto é, aquele que
registrou mais ocorrências.
Quadro XVIII: Distribuição da RL segundo prefencia por lacuna
1a.
2a. 3a. 4a. 5a. 6
a
.
Natália 1a.Pu X
Diego 2a.Pu X
Diana 3a.Pu X
João Paulo 4a.Pu X
Sara 1a.Pa X
Pedro 3a.Pa X
Através do quadro, observa-se que a 3a. e a 6a. lacunas registraram duas
ocorrências, cada uma. Retomando o resultado apontado nos quadros XVI e XVII,
pode-se afirmar que a 3a. lacuna ( episódio 4) constituiria o espaço mais propício ao
uso reiterado de expressão nominal para a manutenção de personagem. É o que se
encontra ratificado em Natália, 1a.Pu.
E: E se a gente botasse “ele disse para ela”?
C: Fica ruim de entender.
E: E “que disse para ela” fica ruim de entender?
C: Fica.
E: O que fica melhor?
C: “O lobo mau disse para ela”.
103
Interessante contrapor a justificativa que a mesma criança para a escolha
da forma pronominal na lacuna seguinte, que também faz referência ao lobo mau.
C: “ele”.
E: E “o lobo” também não dá certo aí?
C: Não. Fica melhor “encontrou o lobo ele
estava vestido de vovozinha”. (Natália, 1a.Pu)
O depoimento de Natália parece ir ao encontro do que foi afirmado. No
primeiro trecho, a confirmação de que o personagem, dinâmico, que está sendo
introduzido e vai passar a agir na sentença imediatamente subseqüente favoreceria
a ocorrência da repetição, acentuando o limite entre introdução e início da ação,
sobretudo quando essa ação é expressa por um verbo dicendi, envolvendo dois
interlocutores. No segundo trecho, tem-se o mesmo personagem sendo
reintroduzido em um enunciado-Figura, e mantido em um enunciado-Fundo,
ambiente este que se revelou pouco favorável ao uso da repetição (apenas 6%,
conforme apresentado no quadro IV, subseção 3.1.3).
A 6a. lacuna (episódio 7) apresentou também duas ocorrências e foi a
segunda mais freqüente na escola pública (cf. quadro XVI). Nesta lacuna, tem-se a
manutenção de um outro personagem, também dinâmico: o caçador. Portanto, a
repetição estaria marcando a relevância desse referente no espaço em que se o
início de sua ação mais saliente na narrativa: abater o lobo mau. É o que sugere o
depoimento abaixo:
E: Dá certo “os caçadores” aí?
C: Dá.
E: E “eles”?
C: Não pode, porque tá falando do caçador. Então, tem que botar o nome do caçador.
(Aline, 2a.Pa)
Parece que Aline esquerendo dizer que por se tratar de referência ao
caçador (aquele de importância porque vai matar o lobo mau), a expressão nominal
(“o nome”) seria aconselhável, ainda que em sentença contígua.
Quanto à 5a. lacuna (maior número de ocorrências na escola particular, e, na
pública, a terceira mais freqüente), pode-se justificar a ocorrência da repetição pelo
fato de estar inserida em um enunciado-Figura, em que se tem expressa a ação de
maior dinamismo de Chapeuzinho: gritar. Vale lembrar, ainda, que esse é o
104
momento de maior tensão na narrativa. A respeito dessa ocorrência, justifica Pedro
(3a.Pa):
E: você acha melhor botar “Chapeuzinho”?
C: É.
E: Não dá certo o “que”?
C: “que começou"? Acho melhor não.
E: “Ela" começou a gritar?
C: Só que eu achava bem melhor botar “Chapeuzinho”
E: Por quê?
C: Porque o texto fica mais entendido que ela começou a gritar.
Com uma relativa freqüência, as crianças, após uma primeira escolha,
optaram por uma outra forma. Para analisar esta segunda forma escolhida,
levantaram-se, primeiramente, os casos em que a criança abandonou a forma
pronominal e preferiu a nominal. Em seguida, examinou-se a situação contrária,
aquela em que a criança desprezou a expressão nominal e se decidiu pela forma
pronominal. O resultado da primeira situação encontra-se registrado no quadro
abaixo.
Quadro XIX: Distribuição da mudança de FP para FN por lacuna e por criança
1a. 2a. 3a. 4a. 5a. 6a.
Rafael 1a.Pu X X
Renato 1a.Pu X
Victor 1a.Pu X
Letícia 3a.Pu X
Gerlany 3a.Pu X
Carlos 1a.Pa X X
Aline 2a.Pa X
Laís 2a.Pa X
Camila 4a.Pa X
Observa-se que as lacunas que registraram maior número de alteração foram
a 1a. e a 6a. respectivamente. A 1a. lacuna (na escola pública, foi a terceira mais
procurada, ao lado da 5a. lacuna) refere-se à retomada de um dos personagens
principais, aquele que dá título à história: Chapeuzinho Vermelho. A respeito da
mudança, reproduzem-se algumas justificativas.
E: Por que fica melhor “Chapeuzinho Vermelho”?
C: Por a história estar falando do Chapeuzinho Vermelho.
E: E o “ela” não é o Chapeuzinho Vermelho, não?
C: É.
E: Então, qual fica melhor?
105
C: “Chapeuzinho Vermelho” porque combina com o nome da história.
E: Não mais certo o “ela”, não? “...Chapeuzinho Vermelho ela estava se balançando no
quintal?
C: Não. (Aline, 2a.Pa)
E: Por que você achou que “Chapeuzinho Vermelho” fica melhor?
C: Porque combina mais com a história dela. (Laís, 2a.Pa)
As respostas parecem confirmar a explicação encontrada. Neste espaço da
narrativa, a reiteração estaria ligada ao tópico discursivo. A criança recorreria à
repetição para assegurar que é sobre a Chapeuzinho Vermelho, “dona” da história,
que se está falando. Sabe-se, por outro lado, que a criança diante do texto não tem
sua atenção voltada somente para o estabelecimento de significado no nível local,
ela também toma decisões no nível global, voltada para todo o texto, enquanto
totalidade discursiva. Dessa forma, “os elementos que relacionam as diversas
partes do texto são também instrumentais na construção do significado global”
(Kleimann, 1989: 47).
A 6a. lacuna, que também registrou quatro ocorrências, teve a alteração
justificada pelo fato de a forma pronominal não se revelar semanticamente
satisfatória. É o que se pode inferir em:
E: Você tinha escolhido o “eles” e agora escolheu “os caçadores”. Por quê?
C: Porque “os caçadores” explica mais. (Carlos, 1a.Pa)
As respostas das crianças apresentadas até aqui revelam uma atenção
voltada para o aspecto semântico, já que manifestam uma preocupação com a
necessidade de certificar-se de que o conteúdo daquilo que está sendo dito é
compreensível.
Por outro lado, encontraram-se respostas em que a atenção evidenciava
estar voltada também para os aspectos gráficos. Vejam-se:
E: Você agora está preferindo “os caçadores”...
C: Bota a vírgula e bota “os caçadores”.
E: Por que você está achando melhor botar a vírgula e repetir a palavra “os caçadores”?
C: Porque os caçadores foram atrás para pegar o lobo. Se botar os caçadores “que”
pegaram o lobo não vai dar pra entender direito.
E: E pra que a vírgula?
C: Pra ficar escrito melhor. (Camila, 4a.Pa)
C: Ah, mas se aqui tivesse uma vírgula até que daria certo botar ”eles”, porque aí dava
uma parada começava tipo como se fosse outra frase. (Laura, 4a.Pa)
106
C: Pode botar um ponto aqui? Chamou os caçadores “ponto”. A gente podia botar “os
caçadores" se botasse “ponto”?
E: Fica melhor botando “ponto” e “os caçadores” do que o “que” (escolha anterior)?
C: Fica melhor “ponto” e “os caçadores”.
E: Por quê?
C: É melhor de entender. (Gerlany, 4a.Pu)
A necessidade de pontuação foi percebida também em outros contextos,
como ilustra o trecho a seguir.
E: Por que você não escolheu “Chapeuzinho
estava se balançando”? (1a.lacuna)
C: Tinha que ter ponto. (Victor, 4a.Pa)
E: Fica melhor “ela”? Não certo “Chapeuzinho Vermelho”? (1a. lacuna)
C: Não.
E: Não dá, por quê?
C: Porque se isso fosse dar certo então aqui era para ter ponto. (Larissa, 1a.Pa)
E: Por que você escolheu o “que”? (2a. lacuna)
C: Por que se botasse “a vovó” ou o “ela” tinha que ter ponto. (Victor, 4a.Pa)
A atenção voltada para os sinais de pontuação evidenciou-se, na escola
particular, desde a 1a. série, como se vê no trecho de Larissa, ilustrado acima; já na
escola pública somente nas 3a. e 4a. séries (1 criança em cada).
Para essas crianças, de um modo geral, parece que a repetição contígua
passa a ser consentida se associada à pontuação. É como se esse mecanismo
ratificasse a função da pontuação: estabelecer limites internos. E uma vez
estabelecido o limite, a reiteração estaria assinalando a relevância do item que se
torna tópico. Esse fato pode ser confirmado em:
C: ... Chapeuzinho Vermelho “Chapeuzinho Vermelho” não pode. (1a.lacuna)
E: Por que não pode?
C: Porque tá repetindo e não tem ponto nem vírgula.
E: E se tivesse ponto poderia repetir?
C: Podia. (Luís Gustavo, 2a.Pa)
E: Você já ia pegando a palavra “Chapeuzinho” e desistiu. Por que você desistiu?
C: Porque está dizendo Chapeuzinho. Se colocar o “Chapeuzinho” tinha que colocar
ponto aqui.
E: Se tivesse o ponto você deixava “Chapeuzinho”?
C: Só se tivesse o ponto. (Jáder, 2a.Pa)
C: Se eu botasse o ponto podia botar “Chapeuzinho”, podia?
E: Você acha melhor?
C: É. Fica melhor de continuar a frase. (Jonathan, 4a.Pu)
107
Examinando agora a situação em que a criança optou pela forma pronominal,
depois de ter inicialmente escolhido a expressão nominal, chegou-se ao seguinte
resultado.
Quadro XX: Distribuição da mudança de FN para FP por lacuna e por criança
1a. 2a. 3a. 4a. 5a. 6a.
Victor 1a.Pu X
Diana 3a.Pu X
João Paulo 1a.Pu X
Jaiciane 3a.Pu X
Bruna 4a.Pu X
Aline 2a.Pa X X
Laís 2a.Pa X X X
Nessas crianças, observamos dois comportamentos distintos: um, em que a
alteração da forma nominal para a forma pronominal se deu em enunciados-Fundo;
outro, em que a criança opta por deixar o texto sem repetição. O primeiro pode ser
justificado pelo fato de a criança perceber o contexto que prescinde de repetição. É
o que se encontra em:
E: Não quer mais o lobo. Por que você não quer mais “o lobo”? (4a.lacuna)
C: Porque repetiu.
E: E aqui pode deixar “Chapeuzinho”? (5a.lacuna)
C: Pode.
E: Por quê?
C: Porque fica melhor. (Bruna, 4a.Pa)
Quanto ao segundo, a criança reconhece que não deve repetir palavras
próximas, como se vê em:
E: Você desistiu de botar “a vovó”, por quê?
C: Porque vai ficar repetindo a hisória.
E: E não pode ficar repetindo?
C: Não, pensando bem não fica direito. A professora falou. (Laís, 2a.Pa)
Interessante citar a conversa com Priscila (2a.Pu). Na 3a. lacuna, ela aceita
que uma palavra fique repetida ao lado da outra e na 5a. lacuna não.
E: Por que fica melhor aí “o lobo mau”?
C: Porque fica melhor de entender.
(...)
E: E se botar “Chapeuzinho” não fica melhor de entender?
C: Não, porque já tem e não pode repetir.
E: Como você sabe que não pode repetir?
108
C: A professora falou.
E: E aqui pode deixar assim? (referindo-se à resposta dada na 3a. coluna)
C: Aí pode.
Percebe-se que Priscila não esmuito certa de que deve evitar a repetição.
Se ela encontrar explicação para o conselho da professora, ela o segue, caso
contrário, prefere ficar com a sua resposta, ainda que não coincida com o que a
professora falou.
O exemplo de Priscila evidencia o conflito entre o que se tem como
convenção e o que se acredita ser mais funcional. Quando aceita a convenção,
concorda com o conselho da professora, quando não, permite-se orientar pelas
suas estratégias de compreensão.
Como depois de concluída a tarefa, foi solicitada uma última leitura, algumas
crianças (5 da escola pública e 4 da escola particular) optaram por modificações
nesse momento da entrevista. As modificações, de um modo geral, apresentam os
mesmo motivos comentados, com se vê em:
E: Nessa primeira frase, a gente tinha: “Era uma vez uma menininha chamada
Chapeuzinho Vermelho “ela” estava se balançando no quintal. Agora, relendo, você
achou melhor botar “chamada Chapeuzinho Chapeuzinho Vermelho
estava se
balançando no quintal”. Por que “Chapeuzinho Vermelho” fica melhor nesse pedacinho
da história?
C: Porque fica melhor o nome completo da Chapeuzinho. Fica mais bonito dizer o nome
dela e fica melhor de entender a história. (Diana, 3a.Pu)
C: Aqui no lugar de “eles
pegaram o lobo mau” fica melhor botar “ponto os caçadores
E: Por quê?
C: Porque desse jeito fica mais fácil. (Gerlany, 4a.Pu)
E: Por que você trocou “o lobo mau” por “ele”? (3a. lacuna)
C: Porque aqui (referindo-se a sentença precedente) já estava dizendo que era o lobo
mau.
E: E o que que tem?
C: Não precisa dizer de novo. (Aline, 2a.Pu)
Vale ressaltar que Aline faz alteração somente na 3a. lacuna, permanecendo
com a reiteração contígua na 6a. lacuna (os caçadores). Saliente-se, ainda, o fato
de ela, anteriormente, na 3a. lacuna, ter dito que a expressão nominal (o lobo mau)
ficava melhor, pois explicitava o emissor do verbo dicendi (cf. página 101). Fica uma
dúvida: por que Aline só se deu conta da repetição na 3a. lacuna? Ambas ocorrem
após a introdução de personagens importantes na narrativa (o lobo mau e os
109
caçadores, respectivamente), e registram início imediato de suas ões. Se
considerarmos que esse momento da tarefa envolvia uma atitude de monitoração,
qual (is) o(s) fator(es) que impediram que essa monitoração se processasse
também diante da 6a. lacuna? Essa é uma questão, sem dúvida, instigante e que se
deixa aberta, pronta para novas investigações.
Houve, ainda, alterações como as que se relatam a seguir.
E: “Quando Chapeuzinho chegou encontrou o lobo”, não é mais o “que”? (4a.lacuna)
C: É “ele estava vestido de vovozinha”.
E: Por quê?
C: Porque fica melhor de entender. (Carlos, 1a.Pa)
E: Por que você trocou o “que” pelo “eles” (6a.lacuna)?
C: Porque dizendo os caçadores aqui (referindo-se à sentença anterior). Aí fica melhor
“eles pegaram o lobo mau”. (Jáder, 2a.Pa)
E: Você tirou o “que” pra botar o “ela”. Por quê? (2a. lacuna)
C: Porque está falando da vovó que está doente.
E: E o “ela” é melhor por quê?
C: Porque diz melhor. (Alex, 4a.Pu)
E: Você tá tirando o “ela” e preferindo o “que” aí, por quê? (5a.lacuna)
C: Porque se botar “Chapeuzinho” fica repetindo.
E: E não pode?
C: Não.
E: Por que não?
C: Porque o “que” combina mais, fica melhor porque não está perto. (Ludmila, 3a.Pa)
Ainda que não se esteja investigando o emprego das formas pronominais,
não se pôde deixar de ressaltar esse fato observado. Trata-se da substituição de
uma forma pronominal por outra. Das 14 ocorrências que registraram essa
particularidade, somente em duas se deu a alteração do pronome pessoal para o
pronome relativo, portanto, a maioria preferiu a forma pronominal de 3a. pessoa.
Uma explicação razoável consiste no que já foi afirmado sobre o caráter
dêitico das formas pronominais. No entanto, uma diferença se estabelece: o
pronome de terceira pessoa guarda informações sobre o gênero e o número. Dessa
forma, parece cumprir melhor a função de retomar um referente, como bem atestam
as explicações abaixo.
E: Por que você botou “eles”? (6a lacuna)
C: Porque a palavra (verbo) depois do “eles” está no plural.
E: E se botasse o “que” não continuava no plural?
110
C: Continua, que a concordância é melhor com “eles”, porque “eles” também tá no
plural.
E: E o “que” não no plural?
C: Não.
E: O “que” tem plural?
C: Não.
E: E aí?
C: É melhor botar o “eles
pegaram, abriram a barriga...” (Teane, 3a.Pa)
E: Por que vopreferiu “ele”? (3a. lacuna)?
C: Porque está no masculino.
E: E o “que” não serve pra dizer que no masculino?
C: Serve, né, mas aí...
E: Mas aí?
C: O “ele” é mais certo. (Laura, 4a.Pa)
Contudo, de se considerar outras implicações, além de saber até que
ponto vai o caráter dêitico dos pronomes pessoais. Monteiro (1994), a esse
respeito, acredita “ser falaciosa a idéia generalizada de que os pronomes carecem
de conteúdo significativo” (p.43). Argumenta, por outro lado, que somente os
pronomes da primeira e da segunda pessoa poderiam ser considerados vocábulos
dêiticos, por excelência, posto que nos pronomes de terceira pessoa “o valor dêitico
é bem menos acentuado” (p.50).
Esse tipo de substituição (pronome pessoal no lugar de pronome relativo) se
deu preferencialmente nas 1a. e 5a. lacunas, embora em todas as outras a
colocação da forma pronominal fosse aceitável. Por que, então, a questão do
esvaziamento de sentido da forma relativa emerge justamente nesses dois espaços
da narrativa? Essa é mais uma questão (tão intrigante quanto a outra) que fica à
espera de maiores investigações. Ainda que estudos como os de Corrêa (1989),
Soares (1991), Pacheco (1992) e Leal (1997) tenham tratado da referência a
personagens em narrativas infantis não chegaram a focalizar o uso de expressões
pronominais referenciais em manutenção de um item lexical mencionado no
comentário, que é alçado a tópico na sentença imediatamente subseqüente.
Interessante comentar ainda a resposta de Rafael (1a.Pu).
E: Por que você escolheu o "que"?
C: Porque tem o u
e o e.
E: E por que não escolheu o "ela"?
C: Porque o u
e o e é pra fazer palavra.
111
Observa-se pela resposta de Rafael uma atenção voltada para a sua
preocupação mais imediata, qual seja a de lidar com um sistema de escrita a que
ele está sendo apresentado. Rafael é aluno da 1B, e sua resposta vem confirmar os
resultados apresentados nessa turma. Nessa série, as crianças estão ligadas a
decodificação, por isso quando indagado sobre o pronome que respondeu falando
sobre a palavra que
.
Independentemente das dúvidas levantadas, acredita-se que as respostas
fornecidas pelas crianças tenham servido para confirmar explicações apresentadas
para o uso da repetição lexical contígua.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contribuição maior que se julga ter alcançado com este trabalho foi lograr a
possibilidade de esclarecer e confirmar questões levantadas acerca do uso da
repetição lexical contígua em narrativas infantis, bem como suscitar outras para
servir de reflexão e assim, quem sabe, propiciar novas pesquisas.
Não resta dúvida que a repetição constitui-se recurso coesivo, bastante
recorrente na interação discursiva, tanto oral quanto escrita, e desempenha funções
específicas dentro do texto, sinalizando relações, criando coerência. O objetivo
deste trabalho foi justamente tentar desvendar as motivações que subjazem ao uso
desse recurso, ainda que este tenha sido empregado de forma pouco convencional.
Analisando os textos do Banco de Dados, verificou-se que a repetição é um
recurso de que se valem crianças de 1a. a 4a. série, tanto da escola pública quanto
da particular, embora nesta última a incidência tenha sido menor. Os dados
revelaram que o espaço privilegiado para a ocorrência da repetição é o que se
estabelece entre a sentença em que se (re)introduz um personagem e a que
registra o início de sua ação.
Com relação ao personagem, é importante ressaltar que este estudo mostrou
que a dinamicidade se sobrepõe à topicalidade. Assim, o fato de um personagem
assumir importância na narrativa, independente de ser principal ou não, influiria na
seleção da forma para exprimir sua manuteão referencial. Da mesma forma, a
inversão do traço semântico se sobrepõe à mudança do papel sintático.
Acredita-se que o grande destaque dessa pesquisa foi acenar para aspectos
semânticos na interpretação dos usos da repetição lexical em narrativas infantis. A
atenção voltada para o significado, quer a nível sentencial, que a nível global,
permeou quase todas as respostas obtidas nas entrevistas.
A criança, sem dúvida, esbuscando fazer do texto a expressão daquilo que
pretende dizer. A repetição lexical se constituiria em um mecanismo de que a lingua
dispõe para marcar a relevância de determinado personagem, garantir a posição de
tópico para o referente que está sendo focalizado, sinalizar a inversão de traço
113
semântico. Todas essas funções, na realidade, contribuem para tornar mais
evidente a preocupação com o a construção e o estabelecimento de significado.
A baixa carga semântica e o caráter dêitico das formas pronominais se
revelaram motivadores do emprego da reiteração. Contudo, uma questão se
insurgiu: até que ponto se pode colocar no mesmo nível de presumibilidade formas
que, segundo a criança, se mostram semanticamente distintas?
Permite-se, para concluir, estabelecer uma analogia entre sinais de
pontuação e pronomes relativos. Os primeiros, como pressupõe Ferreiro (1996),
constituiriam marcas silenciosas que orientam a interpretação; os segundos, como
se propõe aqui, constituiriam marcas semanticamente silenciosas.
114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, N.M. (1985). Gramática metódica da língua portuguesa. 38
a
ed. São
Paulo: Saraiva.
ABAURRE, M.B.(1988). O que revelam os textos espontâneos sobre a
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APÊNDICE
118
CHAPEUZINHO VERMELHO
ERA UMA VEZ UMA MENININHA CHAMADA CHAPEUZINHO VERMELHO ___________
ESTAVA SE BALANÇANDO NO QUINTAL QUANDO SUA MÃE CHAMOU:
- CHAPEUZINHO, VENHA AQUI PEGUE ESSA CESTA E LEVE PARA A
VOVÓ__________ ESTÁ DOENTE MAS NÃO VÁ PELO BOSQUE, VÁ PELO CAMINHO DO RIO.
CHAPEUZINHO TEIMOU E FOI PELO CAMINHO DO BOSQUE.
NO MEIO DO CAMINHO ELA VIU O LOBO MAU __________ DISSE PARA ELA:
- ONDE VOCÊ ESTÁ INDO?
- NA CASA DA VOVOZINHA.
O LOBO PEGOU UM ATALHO, CHEGOU ANTES NA CASA DA VOVOZINHA E A
DEVOROU.
QUANDO CHAPEUZINHO CHEGOU ENCONTROU O LOBO __________ ESTAVA
VESTIDO DE VOVOZINHA.
ELA DISSE:
- QUE OLHOS GRANDES VOCÊ TEM!
- É PARA TE ENXERGAR MELHOR!
- QUE OUVIDOS GRANDES VOCÊ TEM!
- É PARA TE OUVIR MELHOR!
- QUE NARIZ GRANDE VOCÊ TEM!
- É PARA TE CHEIRAR MELHOR!
119
- QUE BOCA GRANDE VOCÊ TEM!
- É PARA TE COMER!
O LOBO MAU SAIU CORRENDO ATS DE CHAPEUZINHO __________ COMEÇOU A
GRITAR CHAMOU OS CAÇADORES __________ PEGARAM O LOBO MAU, ABRIRAM A
BARRIGA DELE, TIRARAM A VOVÓ E JOGARAM O LOBO NO RIO.
CHAPEUZINHO VERMELHO PROMETEU NUNCA MAIS DESOBEDECER A MÃE NEM
FALAR COM ESTRANHOS.
RESPOSTAS OFERECIDAS:
1a lacuna: ELA - CHAPEUZINHO VERMELHO - QUE
2a lacuna: A VOVÓ - ELA - QUE
3a lacuna: ELE - QUE - O LOBO MAU
4a lacuna: QUE - O LOBO - ELE
5a lacuna: CHAPEUZINHO - QUE - ELA
6a lacuna: QUE - ELES - OS CAÇADORES
120
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