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FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO
MESTRADO EM ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO
LINHA DE PESQUISA
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO LOCAL
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE PELAS
ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO MULTICASO DE GRANDES EMPRESAS
HELOISA KAVINSKI
CURITIBA
2009
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HELOISA KAVINSKI
A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO DA SUSTENTABILIDADE PELAS
ORGANIZAÇÕES: UM ESTUDO MULTICASO DE GRANDES EMPRESAS
Dissertação apresentada ao Curso de Pós–Graduação
Stricto Sensu em Organizações e Desenvolvimento,
FAE Centro Universitário, Linha de Pesquisa
Sustentabilidade e Desenvolvimento Local, como
requisito para a obtenção do grau de Mestre em
Organizações e Desenvolvimento.
Orientador (a): Prof. Dr. José Edmilson de Souza-Lima
Curitiba, 08 de junho de 2009.
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Dedico este trabalho a meu filho Aruan, aos meus sobrinhos Otávio e Thomaz, a
minha afilhada Beatriz e a todas as crianças que merecem nossos esforços por um
mundo digno.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à Marilia de Souza, sem os conselhos da qual eu não teria iniciado esta
caminhada.
A minha mãe Elizabeth, que me apoiou em mais esta etapa da minha formação e ao
meu pai que me ensinou que devemos aprender por toda vida.
Aos meus irmãos Mauricio, Alexandre e Vinicius com quem tenho oportunidade de
entender a vida pelo prisma masculino.
Aos meus amigos e colegas de trabalho, Karol, Sidarta, Juliana, Ana Paula, Raquel,
Ariane, Fabiana, Beatriz, Ângelo, Augusto, Rodrigo e todos os demais, com os quais
eu dividi durante algum tempo minhas descobertas e frustrações na tarefa de escrever
estas páginas.
Aos grandes amigos e companheiros de vida, Ramiro, Renata, Karin, Luciana, Álvaro,
Kaki, Murilo, Sônia, Antenor, Irma, Paulo, Geisa, Mariana e tantos outros que estão ao
meu lado em todas as horas.
E por fim, ao meu orientador José Edmilson, a quem admiro pela retidão dos
princípios, e a todos os professores da FAE com quem dividi meu aprendizado.
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O ser humano construiu, através do esforço titânico de inúmeras
gerações, um ambiente social e cultural para escapar da dor e da
violência que lhe impunha o meio natural. Mas, como se fosse um
pesado lastro que não pode deixar para trás, nunca conseguiu se
desprender definitivamente desse comportamento agressivo e as
sociedades que criou continuaram marcadas pelo mesmo signo
trágico. A violência física, racial, religiosa, psicológica, sexual e
sobretudo, a violência econômica derivada da injustiça social e de
desigualdade de direitos e oportunidades chegaram até o presente
com uma herança sinistra
HIRSCH
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RESUMO
A temática da Sustentabilidade ocupa lugar de destaque no discurso das mais
importantes lideranças mundiais. Nações, organizações e pessoas acreditam que
apesar do agravamento da crise socioambiental a sociedade encontrará alternativas
que salvarão a espécie humana, hoje ameaçada. Neste estudo busca-se identificar as
origens do fenômeno de apropriação do discurso da Sustentabilidade pelas
organizações, e iniciar um processo de compreensão do conceito que respalda as
práticas sustentáveis de empresas brasileiras. Com este fim, os capítulos desta
dissertação foram elaborados de forma a descrever: a insustentabilidade do modelo
civilizatório vigente; a construção do conceito de sustentabilidade; a apropriação do
conceito pelas organizações; a construção da racionalidade ambiental, uma
contraproposta ao modelo vigente; e a análise de relatórios de sustentabilidade
publicados por cinco grandes empresas brasileiras. Como conclusão, os relatórios
apresentados pelas organizações são comentados a luz da teoria da racionalidade
ambiental, buscando diferenças e sinergias entre as propostas e uma reflexão sobre o
real poder de transformação dos atuais modelos de sustentabilidade.
Palavras-chave: Sustentabilidade, racionalidade ambiental, discurso.
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ABSTRACT
The Sustainability theme occupies a highlighted position in the speech of the most
important world leaderships. Nations, organizations and people believe that, despite
the worsening of the social-environmental crisis, society is going to find alternatives
that will save the mankind, which is endangered today. This study seeks to identify the
origins of the movement of appropriation of the Sustainability speech by organizations,
and start a process of understanding of the concept that backs up the sustainable
practices of Brazilian companies. With this purpose, the chapters of this dissertation
have been elaborated in a way that describes: the unsustainability of the current
civilizing model; the construction of the sustainability concept; the appropriation of the
concept by organizations; the construction of environmental rationality, a
counterproposal to the current model; and the analysis of sustainability reports
published by five big Brazilian companies. As a conclusion, the reports presented by
the organizations are commented in the light of the environmental rationality theory,
searching for differences and synergies among the proposals and a reflection about the
real transformation power of the current sustainability models.
Key-words: Sustainability, environmental rationality, speech
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Modelo de análise dos relatórios de Sustentabilidade .................................. 90
Quadro 2 – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa de energia elétrica .... 93
Quadro 3 – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa do setor financeiro .... 95
Quadro 4 – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa de cosméticos ........... 97
Quadro 5 – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa de gás e energia ........99
Quadro 6 – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa de móveis e madeira . 101
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 10
I. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................ 11
1.1 A Construção Histórica da Sociedade .................................................................. 11
1.2 Da Causa Ambientalista ao Desenvolvimento Sustentável .................................. 40
1.3 Da Responsabilidade Corporativa a Sustentabilidade .......................................... 64
1.4 Sustentabilidade e Racionalidade Ambiental ........................................................ 76
II. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................................... 87
2.1 Questões Norteadoras e Quadros de Análise ....................................................... 88
III. ANÁLISES DOS RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE................................... 93
IV. CONSIDERAÇÕES .............................................................................................. 103
10
Introdução
Na enorme maioria, estamos totalmente satisfeitos com a feiúra das nossas
cidades, com o desperdício que domina nossa economia, com a alegre
incompetência dos nossos líderes, com a ausência de significado do debate
público, com a insensibilidade geral ao perigo de destruição que nos ameaça.
Com a visão, perdemos também a capacidade de indignação, a capacidade de
experimentar uma ira cósmica por tudo o que vemos acontecer ao nosso redor
(MASI, 1999, p.24).
O discurso da Sustentabilidade tem sido largamente empregado por
organizações em todo o mundo, quase sempre no sentido de apresentar uma saída
para a crise do atual modelo civilizatório. Contudo, o conceito de Sustentabilidade
ainda permanece vago, assim como sua aplicação, que orienta diversas práticas nem
sempre convergentes.
Esse trabalho objetiva identificar como surge historicamente o conceito de
Sustentabilidade e como se sua apropriação pelas organizações, especialmente
focado no discurso das empresas de grande porte no Brasil. Para tanto, utiliza-se da
teoria da Racionalidade Ambiental, proposta por Enrique Leff, como parâmetro de
análise para cinco relatórios de Sustentabilidade divulgados por grandes corporações
com sede no país. Na construção do documento, optou-se pela utilização do termo
Sustentabilidade pela sua amplitude, englobando nesse conceito também os debates
acerca do Desenvolvimento Sustentável.
Ainda neste sentido, o conceito de organização utilizado diz respeito a
instituições empresariais, e aproxima-se do proposto por Srour (1992), que as
representa como uma coletividade especializada na produção de um determinado bem
ou serviço, que combinam agentes sociais e recursos e se convertem em um
instrumento econômico. Para o autor (SROUR, 1992), as organizações são planejadas
para realização de objetivos determinados e constituem-se em unidades sociais
portadoras de necessidades e interesses próprios.
Salienta-se que todo o esforço de pesquisa aqui empreendido buscou
responder a uma questão fundamental, curiosidade que acompanha a autora ao longe
de anos de trabalho desenvolvido na área da Responsabilidade Corporativa e da
Sustentabilidade aplicada às organizações: Qual é o conceito de Sustentabilidade
apropriado por organizações empresariais de grande porte no Brasil?
Nesta jornada acadêmica, partiu-se do pressuposto de que as organizações
não baseiam suas práticas em teorias solidificadas, e na maioria das vezes, agem
11
muito mais respaldadas por elementos como a orientação de lideranças empresariais
e a própria dinâmica gerada pela interação com instituições de representação de
classe, na área da Responsabilidade Corporativa, tais como o Instituto ETHOS, O
Grupo de Institutos Fundações e Empresas GIFE, e o Conselho Empresarial
Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável – CEBDS.
Para este estudo, que tem como objetivo a análise, a luz da teoria da
Racionalidade Ambiental, do conceito que referencia as práticas sustentáveis de
grandes empresas no Brasil, são quatro os elementos fundamentais: i) a descrição do
contexto histórico de surgimento do conceito de sustentabilidade; ii) a descrição da
trajetória do histórico da sustentabilidade e sua apropriação como base para as
práticas empresariais; iii) a análise do discurso de sustentabilidade das grandes
empresas a luz da teoria da Racionalidade Ambiental; iv) a verificação de sinergias e
lacunas existentes no discurso da sustentabilidade, apropriado pelas empresas
pesquisadas, sob a ótica da Racionalidade Ambiental.
Com vistas a responder a questão geradora do estudo, e clarear os elementos
fundamentais da pesquisa, procurou-se inicialmente compreender o processo histórico
de construção do modelo civilizatório ocidental e a forma como a racionalidade
econômica se consolidou ao longo da história. Para que isto fosse possível, optou-se
pela apresentação de alguns fatos históricos que contribuíram para a construção deste
modelo e pela contextualização de aspectos econômicos, sociais e ambientais
vivenciados ao longo dos últimos séculos. Buscou-se enfim compreender a construção
da lógica capitalista, assumida por grande parte da sociedade como único modelo
possível, que, contudo, vem apresentando graves sintomas de insustentabilidade.
Ao que corrobora Enrique Leff (2006, p. 223):
A crise ambiental foi o grande desmancha-prazeres na comemoração do triunfo
do desenvolvimentismo, expressando uma das falhas mais profundas do modelo
civilizatório da modernidade. A economia, a ciência da produção e distribuição,
mostrou seu rosto oculto no disfarce da racionalidade contra natureza. O caráter
expansivo e acumulativo do processo econômico suplantou o princípio de
escassez que funda a economia, gerando uma escassez absoluta, traduzindo-se
em um processo de degradação global dos recursos naturais e serviços
ambientais. A degradação ecológica é a marca da crise de civilização, de uma
modernidade fundada na racionalidade econômica e científica como os valores
supremos do projeto civilizatório da humanidade, que tem negado a natureza
como fonte de riqueza, suporte de significações sociais e raiz da co-evolução
ecológica cultural.
12
A seguir propôs-se transitar pela história do movimento ambientalista até a
consolidação da temática do Desenvolvimento Sustentável. Nesta etapa, busca-se
retratar a trajetória da causa ambiental e sua migração de externalidade para o foco
central dos debates. Foram citados no documento alguns dos principais movimentos e
teóricos que deram corpo a temática ambiental e observou-se a transformação do
foco de ação ambientalista ao longo de seu processo de migração para os debates do
Desenvolvimento Sustentável.
Mais adiante, debate-se a temática da responsabilidade social sob uma
perspectiva nacional. neste momento a busca pela história recente de apropriação
do discurso da Sustentabilidade por organizações representativas da classe
empresarial brasileira, basicamente exemplificada pela apresentação de conceitos de
Sustentabilidade utilizados pelo Instituto ETHOS, pelo Conselho Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável (CBEDS) e pelo Grupo de Institutos Fundações e
Empresas (GIFE).
O capítulo dois traz uma sucinta reflexão sobre os usos do conceito de
Sustentabilidade e apresenta a teoria da racionalidade ambiental, proposta por
Enrique Leff em sua obra intitulada Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da
natureza, publicada em 2006. O conceito de racionalidade ambiental, neste trabalho,
constitui-se como a base teórica para análise dos discursos de Sustentabilidade
apresentados por cinco grandes empresas brasileiras.
Ao final estão colocadas algumas considerações acerca da análise dos
relatórios de Sustentabilidade adotados pelas cinco empresas analisadas, e sua
similaridade ou divergência do conceito de Racionalidade Ambiental.
Obviamente não pretensão alguma de instituir verdades por meio das
páginas que compõem esta dissertação. Ao contrário, deseja-se que o movimento
quase solitário de elaboração desse material seja compensado pela socialização das
idéias aqui colocadas e pelas criticas que possam surgir a partir de novas leituras.
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I – Referencial Teórico
1.1 A Construção Histórica da Sociedade
Desde a antiguidade, em todas as cosmogenias, três deuses dominaram as
demais divindades e determinaram uma trindade do poder: o deus dos deuses, o deus
da guerra e o deus da riqueza. Na mesma sequência, segundo Atalli (2008), também é
possível contar a história da humanidade, como uma sucessão de três grandes
ordens: a ordem ritual, a ordem imperial e a ordem econômica.
Conta-se que na primeira ordem, denominada aqui de ritual, o grupo dominante
ocupava-se de sacrifícios que davam inicio ao canibalismo. Contudo, diferente de um
ato de violência, o canibalismo na pré-história representava uma forma de apropriação
da força e do poder do inimigo. Era a característica de um comportamento ritual. Para
Atalli (2008), esta apropriação da força de forma ritual encontra-se vigorando até hoje
na sociedade, traduzida na relação do ser humano com o consumo, com a política e
com outras formas de representação.
Na visão do antropólogo Everardo Rocha (2009), muitas pessoas hoje, ao
comprarem uma mercadoria de luxo, experimentam a sensação de pertencer a um
mundo de pessoas ricas e a ilusão de distanciarem-se de um mundo de pobreza. Para
o autor, os produtos o um marco cultural capaz de aproximar ou afastar as pessoas
e de estabelecer padrões de liderança, e, portanto, poder e força, como os sacrifícios
de outrora. uma dimensão cultural fundamental em tudo que diz respeito ao
consumo, e quando as pessoas compram algo estão buscando coisas além dos
objetos em si, que se relacionam a um conjunto de valores culturais já experimentados
anteriormente em outras formas.
Na continuidade de seu processo de desenvolvimento, cerca de 30 mil anos
atrás, o homem passou a crer na idéia de uma força suprema, até então o
vivenciada. Inicialmente projetou um Deus, que com o tempo, passou a ser
reconhecido nas manifestações da natureza, dando início assim ao politeísmo. A
ordem ritual tomou corpo e os homens passaram a dedicar-se a cerimônias e
oferendas para adquirirem proteção. Nessa etapa, a humanidade buscava poder em
algo além do material (ATALLI, 2008).
Passam-se mais 20 mil anos e o ser humano começa a compreender que suas
ações geram conseqüências, o que lhe permite criar uma nova maneira de viver. As
comunidades fixam-se em alguns locais e apropriam-se de porções de terra. Também
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dominam a agricultura e passam a criar animais. Atribuie-se a esse período a invenção
do sedentarismo, que permite ao Homo Sapiens Sapiens ter mais tempo de aprender
e ensinar o seu saber.
Nessa etapa da evolução a humanidade faz progressos estarrecedores.
Nascem os primeiros Estados que se organizam sob a autoridade de um único chefe.
Outros avanços são também significativos, como a invenção da escrita. Com ela, a
acumulação e a transmissão do saber se tornam mais fáceis. Dessa forma, surge a
pré-história, os primeiros relatos de aventuras dos povos e os primeiros nomes de
príncipes, bem como as primeiras contabilidades, as primeiras equivalências; e logo os
primeiros impérios, a segunda ordem, conforme Atalli (2008, p.33).
Nesse período, aparentemente tão distante e por vezes esquecido, surge a
ordem imperial, que traz consigo o poder militar, vinculado a defesa e a conquista.
seis mil anos, alguns reinos reúnem povos e tribos espalhados em territórios
cada vez maiores. O sagrado se apaga diante da força, o religioso, diante do
militar. O trabalho dos homens é obtido por meio da violência e o saber essencial
se transforma naquele que permite produzir o excedente agrícola. A escravidão
do maior número é a condição da liberdade de uma minoria. O chefe de cada
reino ou império é a um tempo príncipe, sacerdote e chefe de guerra, aquele
que domina o tempo e a força, o Homem-Deus (ATALLI, 2008, p.33).
Na manutenção da segunda ordem, a força é essencial. Nesta lógica, entre
1694 a. C. e 1364 a. C. mais de cinquenta impérios combatiam entre si. Em meio às
batalhas, emerge no cerne do próprio sistema uma sociedade radicalmente nova, que
tem como filosofia a idéia de liberdade. No embrião de um novo mundo está o que
mais tarde seria a democracia de mercado. Nasce aqui a ordem comercial, regente de
nossa civilização até o momento atual.
Aproximadamente em 1300 a.C., os povos gregos, fenícios e judeus iniciavam
sua jornada rumo a conquistar o mundo com seus princípios e valores. Em comum,
todos tinham a paixão pelo progresso, pela ação e pelo novo, e a crença de que a vida
humana deveria vir antes de tudo. Conforme descrito por Atalli (2008, p.38), para estes
povos:
O mundo precisa ser domesticado, melhorado, construído, enquanto se espera
que um Salvador venha mudar as leis deste mundo. Pela primeira vez, o futuro
humano terrestre é pensado como algo que deve e pode ser melhor do que o
passado. Pela primeira vez, o enriquecimento material é visto como uma forma de
se reaproximar dos deuses. É esse o ideal que se instala, e que se tornará o ideal
do ocidente, em seguida de toda a ordem comercial até hoje: o ideal greco-
judaico.
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Mais vivo do que nunca, o ideal de liberdade individual e a democracia de
mercado são bandeiras da maioria das nações no século XXI. Todos os regimes que
tentaram navegar por outras águas fracassaram e hoje servem de exemplo para o
fortalecimento do modelo capitalista. Nem mesmo a anunciação de uma grande crise
civilizatória, com aspectos visíveis de deformidades no âmbito ambiental, social e
econômico é capaz de fazer abalar os pilares dessa ordem.
Desde que a consciência humana articulou-se como tal, a liberdade constitui-se
em sua xima aspiração e em uma tarefa permanente. Todo laborioso que
fazer de nossa espécie ao longo da história foi fundamentalmente estimulado
pelo desejo profundo de romper com aqueles condicionamentos e travas que
limitam seu exercício pleno. Nesse empenho libertador, escravizamos as
plantas, os animais e as forças naturais, até a recente invenção das máquinas
como aplicação prática dos avanços científicos. Também escravizamos muitas
vezes nossa própria espécie, uma prática que hoje em dia é considerada
aberrante e inaceitável, embora seu abandono tenha se devido mais a razões
econômicas de que éticas: um trabalhador pago era mais produtivo que um
escravo (Hisrch, 2008, p.48).
Por outra perspectiva, Amartya Sen (2000) defende que ainda hoje, um número
imenso de pessoas convive com diversas formas de privação de liberdade.
Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a
milhões a liberdade sica de sobreviver. Mesmo nos paises que não são
esporadicamente devastados por fomes coletivas, a subnutrição pode afetar
numerosos seres humanos vulneráveis. Além disso, muitas pessoas têm pouco
acesso a serviços de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a
vida lutando contra uma morbidez desnecessária, com freqüência sucumbindo
à morte prematura. Nos países mais ricos é demasiado comum haver pessoas
imensamente desfavorecidas, carentes das oportunidades básicas de acesso a
serviços de saúde, educação funcional, emprego remunerado ou segurança
econômica e social. Mesmo em países muito ricos, às vezes a longevidade de
grupos substanciais não é mais elevada que em muitas economias mais pobres
do chamado Terceiro Mundo. Adicionalmente, a desigualdade entre homens e
mulheres afeta e às vezes encerra prematuramente a vida de milhões de
mulheres [...] (SEN, 2000, p.29).
Aproximadamente no ano de 30 a.C., o colapso do Império no Ocidente se
consolida, favorecendo a ascensão do feudalismo e o surgimento de uma hierarquia
na qual o servo recebia proteção do senhor que, por sua vez, devia lealdade e era
protegido por outro senhor mais poderoso, culminando na figura máxima do rei. Os
senhores concediam a seus vassalos o feudo em troca de pagamentos em dinheiro,
alimentos, trabalho ou lealdade militar. Havia também na Europa Medieval dessa
época uma grande quantidade de cidades dispersas, sendo que muitas se
destacavam como centros manufatureiros. Para produzir ou vender qualquer bem ou
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serviço as pessoas deviam ser vinculadas às instituições dominantes da época, as
“guildas”, que regulavam os negócios e zelavam pela vida de seus associados, tendo
como base os ensinamentos e costumes da Igreja e propósito de manter a ordem nas
cidades (HUNT & SHERMAN, 1977).
No início do período feudal, o ideal greco-judaico é totalmente substituído por
uma nova filosofia judaico-cristã que atribuía as disparidades sociais aos desígnio da
Providência e condenava com severidade a cobiça e a acumulação de riquezas, pois
temia que a acumulação de poder facilitasse a ascensão social dos camponeses,
ameaçando as bases da elite.
Os valores que nortearam com sucesso o sistema feudal viriam a opor-se
radicalmente aos interesses que prevaleceriam mais tarde no sistema capitalista - o
desejo de maximizar os ganhos monetários, acumular riquezas materiais, progredir
social e economicamente por meio de um comportamento aquisitivo. Para que o
capitalismo fosse implantado, a doutrina ética da época precisou ser profundamente
modificada (HUNT & SHERMANN, 1977).
Na economia feudal, a substituição do sistema de rodízio de cultura em dois
campos pelo sistema de rodízio em três campos, possibilitado por avanços
tecnológicos na época, permitiu um aumento extraordinário da produtividade agrícola e
possibilitou aos camponeses substituírem os bois por cavalos na aragem das terras.
Os cavalos, mais rápidos, contribuíram para a ampliação das áreas cultivadas que
permitiram ao campo abastecer centros urbanos mais populosos. A menor demanda
por mão-de-obra no campo também favoreceu a migração para as cidades,
aumentando a oferta de trabalhadores e estimulando o estabelecimento de um
comércio inter-regional e de longa distância (HUNT & SHERMANN, 1977).
Para Eric Hobsbawm:
A agricultura estava preparada para levar a termo suas três funções
fundamentais numa era de industrialização: aumentar a produção e a
produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido
crescimento, fornecer um grande excedente de recrutas em potencial para as
cidades e a indústria, e fornecer um mecanismo para acúmulo de capital a ser
usado nos setores mais modernos da economia (1997, p.47):.
17
No mesmo ritmo, as Cruzadas Cristãs, ocorridas a partir do século XI,
impulsionaram a expansão do comércio europeu e a realização de feiras nas principais
cidades comerciais européias. Características marcantes do sistema capitalista se
estabeleceram nesta época, como a definição de uma legislação comercial, o
distanciamento entre produtor e consumidor final e a venda por atacado (HUNT &
SHERMANN, 1977).
Os agricultores que se deslocavam do campo para as cidades tornavam-se, na
maioria das vezes, artesãos, e por meio deste ofício obtinham renda para atenderem
suas necessidades. Contudo, gradativamente, a indústria artesanal foi sendo
substituída pelo sistema manufatureiro doméstico. Nesse novo modelo o mercador
fornecia ao artesão a matéria-prima para que a transformasse em produtos acabados
e remunerava-o por isto. Assim, o mercador capitalista tornava-se o proprietário do
produto ao longo de todas as etapas da produção, mesmo que o trabalho continuasse
sendo realizado em oficinas independentes. Numa fase posterior, o mercador passou
a ter a propriedade dos instrumentos de trabalho e do prédio onde a produção se
realizava e o trabalhador vendia somente sua força, estabelecendo-se assim uma
relação de extrema dependência.
Assim, o capitalismo tornava-se o sistema dominante na medida em que invadia
cada vez mais as linhas de produção. Para ATTALI (2008), as novas elites, aliadas à
Igreja, encontraram respaldo para o novo sistema no ideal cristão de combate à
pobreza, com base na premissa de que o trabalho assalariado é um pouco mais livre
do que a escravidão ou a servidão. Os capitalistas emergentes utilizaram-se da
doutrina ética judaico-cristã no que era pertinente e contribuíram para modificar
lentamente os valores que não eram interessantes ao novo modelo de civilização.
Nesse processo, a ordem econômica é cada vez mais fortalecida e assim continuará
até nosso século.
Mais adiante as cidades foram crescendo e demandavam grandes quantidades
de alimentos e matérias-primas, enquanto os senhores feudais passavam a depender
cada vez mais delas para a aquisição de bens manufaturados. Na mesma fase, os
camponeses passaram a trocar o excedente da produção por dinheiro nos mercados
locais de grãos. Com esse recurso podiam substituir a prestações de trabalho exigidas
do servo e gradativamente romper os vínculos tradicionais do feudo. Os servos
passaram a arrendar as terras dos senhores e com a venda de produtos pagavam o
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arrendamento e conservavam parte do excedente. Este sistema proporcionou um
estímulo à produção, aumentando a comercialização e a renda obtida. Em certo
momento a nobreza feudal tentou revogar as comutações que havia concedido e
retomar o antigo sistema, entretanto o as relações de mercado já haviam se
implantado nas zonas rurais e os camponeses, que haviam adquirido relativa
independência e prosperidade, resistiram fortemente. Por fim, a Guerra dos Cem Anos
entre França e Inglaterra (1337 1453) e a Peste Negra (1348-1349) contribuíram
para o colapso definitivo do sistema senhorial.
Por volta do ano 1500, o sistema capitalista estava consolidado. A população da
Europa Ocidental alcançava 70 milhões de habitantes em 1600. Nessa época, grande
parte dos arrendatários de terra foram expulsos do campo e obrigados a emigrar para
as cidades. O intenso fluxo migratório proporcionou novos contingentes de
trabalhadores para a indústria, mais homens para os exércitos e para as forças navais,
mais voluntários para colonizar terras distantes e muitos consumidores em potencial
para os produtos industriais. Concomitantemente, a invenção da bússola e do
telescópio possibilitou a “Era das Grandes Navegações” e a descoberta de terras que
inicialmente abasteciam a Europa de metais preciosos (HUNT & SHERMAN, 1977).
Com a difusão do sistema manufatureiro nos séculos XVI e XVII e o aumento da
produtividade, aliados às inovações tecnológicas, que possibilitaram a redução dos
custos de transporte, o comércio expandiu-se rapidamente e a nova classe capitalista
substituiu a nobreza. O processo de unificação dos Estados e formação dos Estados
absolutos marcou esta transição. O Estado passou também a intervir na produção
industrial, promulgando leis sobre os métodos de produção, qualidade dos produtos e
salários, e utilizando seus poderes para promover os interesses específicos dos
capitalistas.
No final do século XVI e princípio do século XVII, as grandes cidades da
Inglaterra, França, Espanha e Países Baixos haviam se transformado em centros
econômicos dominados pelos mercadores capitalistas (HUNT & SHERMAN, 1977).
Contudo ainda predominava na sociedade a ética paternalista cristã, que condenava
fortemente a aquisição dos bens materiais, o que impedia o avanço pleno do
capitalismo:
Efetivamente, a característica mais marcante do período mercantilista foi o
conflito que se estabeleceu entre uma ideologia econômica ultrapassada, a
versão medieval da ética corporativa cristã e uma nova ordem econômica e social
19
com a qual essa ideologia tornou-se incompatível (HUNT & SHERMAN, 1977,
p.39).
Na nova ordem que se estabelecia a razão separava-se da fé, as ciências
naturais dos pressupostos teológicos e o Estado da Igreja e o homem de Deus.
Surgiam novas teorias sobre o comportamento humano, segundo as quais as
motivações “egoístas” constituíam a razão de ser essencial das ações realizadas pelos
homens. Refletindo as necessidades da nova ordem capitalista, a filosofia
individualista conquistava o pensamento econômico.
Neste contexto, Descartes teve papel fundamental na elaboração de princípios
filosóficos que iriam suplantar o modelo civilizatório emergente, e que teriam impacto
sobre a delimitação das bases do pensamento ocidental consolidado até o presente.
Em 1619, o filósofo, após uma longa prática de meditação, exercício constante em sua
vida, sonhou que estava destinado a unificar todos os conhecimentos humanos por
meio de uma “ciência”. Nessa busca, em 1637 o autor publica três pequenos resumos
de sua obra: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria, os quais são acompanhados
por um prefácio que tornaria Descartes famoso, intitulado O Discurso do Método.
Neste material, Descartes,, decepcionado com a filosofia escolástica, que para
ele conduzia a nenhuma verdade indissolúvel, declarou que as matemáticas
demonstravam o que afirmavam e propôs, com base nessa ciência, o todo
Universal. Estes princípios até hoje norteiam o “modo de fazer ciência” (e educação)
de muitas escolas e influenciam o pensamento ocidental.
A revolução intelectual que se efetivou na Europa no século XVIII, conhecida
como Iluminismo, ao defender o antropocentrismo, o individualismo e incentivar a
investigação científica, favoreceu a separação entre os campos religioso (fé) e
científico (razão). Para os iluministas, só por meio da razão o homem poderia alcançar
o conhecimento, a convivência harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a
felicidade. Ao reconhecer valores como o progresso, o bem-estar geral e a não-
intervenção do Estado na Economia, o Iluminismo contribuiu também para favorecer a
ascensão da burguesia.
Em 1776, Adam Smith publicou A Riqueza das Nações, marcando assim a
ascensão teórica do Liberalismo Clássico. Em sua obra defendia um novo sistema
econômico baseado na liberdade de concorrência, no qual a lei da oferta e da procura
20
regulava a produção e a distribuição de riquezas. Salientava que os interesses
próprios de produtores e trabalhadores os levariam a empregar seu capital ou seu
trabalho onde este fosse mais produtivo, e que esse mercado livre e sem entraves
asseguraria um progresso econômico contínuo. (HUNT & SHERMAN, 1977).
Nesse momento histórico, a Inglaterra tem o domínio total dos mares e em
especial do comércio de metais preciosos da América. Durante o governo de Willian
Pitt a economia inglesa é beneficiada com a aplicação da teoria de Adam Smith. Para
garantir o que realmente importava ao país o algodão e os escravos a Inglaterra
renunciava à soberania por uma parte dos Estados Unidos (ATALLI, 2008).
Também influenciado por Adam Smith, Thomas Malthus publicou sua Teoria
Populacional, segundo a qual a população cresce em proporção geométrica enquanto
a produção de alimentos cresce em proporção aritmética. Assim, a população deveria
ser submetida a algum tipo de controle para que não houvesse a escassez de
alimentos. Malthus considerava que as restrições morais, o vício e o controle de
natalidade, aos quais ele denominou de “mecanismos de controle preventivo”, eram
insuficientes para conter os elevados índices de reprodução entre os pobres, sendo
estes incapazes de restrições morais e fadados a viver, para sempre, de forma
subsistente. Defendia que a fome, a miséria, as pragas e as guerras constituíam
“mecanismos de controle positivos” e que estes não deveriam ser neutralizados. Com
relação às iniciativas políticas paternalistas e ao pensamento de redistribuição das
riquezas, acreditava que eram ações e idéias nocivas, pois privaria os homens de
condição superior de suas rendas e riquezas, e estes eram os responsáveis por todas
as grandes realizações da sociedade. As teorias populacionais de Malthus e as teorias
econômicas liberais reforçavam a nova visão de que os governos deviam renunciar a
qualquer tentativa de intervir na economia e contribuíram para o triunfo do liberalismo
clássico, ideologia do capitalismo, que ocorreu no final do século XVIII e princípio do
século XIX, simultaneamente à Revolução Industrial (HUNT & SHERMAN, 1977).
A Revolução Industrial teve início na Grã-Bretanha na segunda metade do
século XVIII e pouco a pouco se expandiu para o continente Europeu e para além mar.
Marcou a passagem de um sistema de produção agrário e artesanal a outro de cunho
industrial, dominado pelas fábricas e pelas maquinas. Neste período correram diversas
inovações tecnológicas que permitiram substituir parte do trabalho manual humano.
Para Manuel Castells:
21
Segundo os historiadores, houve pelo menos duas revoluções industriais: a
primeira começou pouco antes dos últimos trinta anos do século XVIII,
caracterizada por novas tecnologias como a máquina a vapor, a fiadeira, o
processo Cort em metalurgia e, de forma mais geral, a substituição das
ferramentas manuais pelas máquinas; a segunda, aproximadamente cem anos
depois, destacou-se pelo desenvolvimento da eletricidade, do motor de
combustão interna, de produtos químicos com base científica, da fundição
eficiente de aço e pelo início das tecnologias de comunicação, com a difusão do
telégrafo e a invenção do telefone. Entre as duas continuidades fundamentais,
assim como algumas diferenças cruciais. A principal é a importância decisiva de
conhecimentos científicos para sustentar e guiar o desenvolvimento tecnológico
após 1850. É precisamente por causa das diferenças que os aspectos comuns a
ambas podem oferecer subsídios preciosos para se entender a lógica das
revoluções tecnológicas (CASTELLS, 2005, p.71)
No cenário político da época, a inexistência de guerras na Grã-Bretanha
possibilitou a livre circulação de homens e bens, garantindo a ampliação do mercado
interno. A ligação com as colônias americanas favoreceu a obtenção de matérias
primas e a exportação dos manufaturados, seguindo sempre o princípio de comprar
barato e vender caro. Como exemplo, cita-se a atuação da Companhia Inglesa das
Índias Orientais, quando em 1757 assumiu o controle de Bengala e impôs aos
artesãos bengalis preços tão baixos para seu algodão, que cerca de dez milhões de
pessoas morreram no país vítimas da fome (ATALLI, 2008).
Em 1768, Richard Arkwrigth criou a máquina de tecer que funcionava com a
energia de corrente das águas, o que melhorava a produção industrial.
Concomitantemente o francês Denis Papin inventou a máquina a vapor. A falta de
energia na Inglaterra, que dispunha de florestas cada vez mais raras e poucas
montanhas para gerar torrentes, estimulou a conversão das máquinas de tecer
movidas à corrente de água para o vapor. Com a modernização das indústrias, a
classe operária européia que também vivia em condições extremamente precárias viu
seu nível de vida se deteriorando ainda mais, devido às transformações tecnológicas
(ATALLI, 2008).
Na fase pré-industrial, as funções desempenhadas no processo produtivo eram
pouco especializadas, havendo um rodízio de tarefas e um ritmo de trabalho que
respeitava as estações do ano e o clima. Os trabalhadores dispunham de uma
liberdade relativa para descansar, se divertir e modificar sua rotina de trabalho. no
sistema fabril posteriormente instaurado, houve uma destruição total do modo de vida
tradicional dos trabalhadores, que os lançou em um sistema para o qual não estavam
preparados. Perderam o vínculo que tinham com a arte de fabricar e foram privados
22
das relações estreitas e pessoais que vigoravam nas indústrias artesanais. A produção
foi mecanizada e a máquina tornou-se o foco central do processo produtivo. A divisão
do trabalho simplificou as operações produtivas de tal modo que mulheres e crianças
executavam a mesma tarefa que os homens, por salários inferiores. Crianças estavam
ligadas às fábricas por contratos de aprendizagem de sete anos de duração, ou até
que completassem vinte e um anos, e trabalhavam de 14 a 18 horas por dia. A Lei dos
Pobres conferia às autoridades poder para entregarem, sob contrato, os filhos dos
indigentes às fábricas. O tratamento dispensado às mulheres em nada ficava a dever
ao que recebiam as crianças. O trabalho era árduo e a disciplina severa (HUNT &
SHERMAN, 1977).
O crescente fortalecimento dos sindicatos e o descontentamento econômico e
social que imperava na sociedade passou a atemorizar as classes dominantes, o que
inspirou a promulgação da Lei das Associações, em 1799, declarando ilegal qualquer
associação de trabalhadores que tivesse por finalidade a obtenção de melhores
condições no emprego. Também houve a revogação do Sistema de Auxílio aos
Pobres, que assegurava um padrão mínimo de vida aos desempregados. Em seu
lugar foi promulgada uma lei que obrigava os trabalhadores a aceitar qualquer
emprego que lhes fosse oferecido no mercado, independente do salário e das
condições de trabalho. Tal lei determinava que a assistência material para os
desempregados deveria ser bem inferior ao menor salário vigente no mercado, e
condicionou a assistência ao internamento em work-houses, asilos que, segundo o
historiador inglês Eric Hobsbawn, eram semelhantes a prisões (HUNT & SHERMAN,
1977).
Para Castells (2005) transformações geradas pela Revolução Industrial foram
muito mais sociais que técnicas, tendo em vista que foi nesse período que se
consubstanciou na sociedade a diferença entre ricos e pobres, empregadores e
empregados. Um grande aumento repentino de aplicações tecnológicas transformou
os processos de produção e distribuição, criou uma enxurrada de novos produtos e
mudou de maneira decisiva a localização das riquezas e do poder no mundo.
Segundo Hobsbawm (1997), em certa altura da década de 1780 a revolução
industrial explodiu:
23
[...] pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do
poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram
capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de
homens, mercadorias e serviços (HOBSBAWM, 1997, p.44).
Segundo o autor (HOBSBAWM, 1997), o período que vai de 1789 a 1848 traz
mudanças históricas fundamentais, além do aparente. A primeira dessas mudanças foi
demográfica, com a população se multiplicando de forma nunca antes vista. O mundo
passou a ser composto por pessoas jovens, que trabalhavam e consumiam,
estimulando assim a economia. A segunda mudança foi nas comunicações, com as
redes viárias sendo ampliadas, o aumento da velocidade dos meios de transporte e a
melhoria dos sistemas de correio. A terceira grande mudança foi no volume do
comércio e da imigração em toda parte.
Entre 1780 e 1840, o comércio internacional em todo o mundo ocidental mais
que triplicou; entre 1780 e 1850, ele se multiplicou em mais quatro vezes. Por
padrões posteriores, tudo isto sem vida é muito modesto, mas, por padrões
anteriores utilizados pelos contemporâneos para estabelecer comparações com
sua época, eles estavam além dos sonhos mais loucos (HOBSBAWM, 1997,
p.191).
Em contraposição ao modelo vigente, surgiram nesse período os teóricos
socialistas, que afirmavam ser o capitalismo um sistema irracional, que alimentava o
desperdício, gerava profundas desigualdades e era injusto e imoral.
Sem dúvida, Karl Marx (1818-1883) foi o mais influente deles. Para ele, o modo
de produção determinava a estrutura de classes da sociedade, e os antagonismos
entre as classes estavam presentes em todos os sistemas econômicos da história. Em
todo modo de produção, as contradições entre as forças produtivas e as relações de
produção manifestavam-se sob a forma de lutas de classe, entre a que detinha os
meios de produção, a maior parte das riquezas e os privilégios do sistema e a classe
majoritária, controlada e explorada por ela. Em todos os sistemas econômicos
anteriores ao capitalismo, a luta de classes provocava a destruição de um sistema
para que, em seu lugar, surgisse um novo sistema, baseado também na exploração
das massas por uma nova classe dominante, reiniciando-se as lutas de classes.
Sonhava Marx que o capitalismo seria o último modo de produção baseado nos
antagonismos de classe. A classe capitalista seria derrubada pelo proletariado, que
instauraria uma sociedade sem classes, na qual os meios de produção seriam
24
convertidos em propriedade de todos, e a instauração do socialismo se faria por
meio de uma revolução (HUNT & SHERMANN, 1977).
Influenciados pelas idéias de Marx, diversos teóricos, conhecidos como
economistas neoclássicos, saíram em defesa do capitalismo. Com base nas idéias de
Adam Smith procuraram demonstrar que numa economia de mercado competitiva,
composta de inúmeros pequenos produtores e consumidores, guiados pelo mercado,
sempre haveria uma combinação ótima de mercadorias, qualquer que fosse sua renda
e riqueza original. Nesse modelo, os fatores de produção seriam utilizados da forma
mais eficiente possível, e as mercadorias seriam produzidas em quantidades que
maximizassem o valor da produção social. Mas para que os resultados fossem
efetivamente ótimos, a interferência governamental nas funções do mercado livre
deveria ser restringida ao mínimo possível. Estes teóricos sustentavam que o princípio
da maximização dos lucros levaria a uma situação em que cada categoria de fatores
produtivos receberia como pagamento uma quantidade equivalente ao valor de sua
contribuição para o processo produtivo (HUNT & SHERMANN, 1977).
Os economistas neoclássicos conseguiram estruturar uma impressionante
argumentação em defesa do capitalismo, propiciando respaldo ao início de uma nova
fase com a implantação definitiva do liberalismo no plano político e do laissez-faire no
plano econômico. Assim, a burguesia da Europa continental pode se fortalecer e
garantir seu desenvolvimento (HUNT & SHERMANN, 1977).
O período compreendido entre meados da década de 1840 e 1873 ficou
conhecido como a Era de Ouro do Capitalismo de Livre Concorrência, que se
caracterizou pela rápida expansão econômica em toda a Europa. Mas quando o
sistema capitalista parecia atravessar a sua fase de maior esplendor, as forças que,
como Marx previra, levariam à concentração do capital, começaram a produzir os seus
efeitos. No final do século XIX, houve uma crise de superprodução. Os progressos
técnicos alcançados pela indústria aceleraram de tal modo a produção que o mercado
não conseguia mais absorver a oferta. A partir de 1880 uma terrível recessão devasta
o norte da Europa, da Islândia à Polônia e acompanha o declive inglês (HUNT &
SHERMANN, 1977).
Mas a crise não atingiu apenas esses países, como também outras nações que
estavam em plena arrancada industrial, como os Estados Unidos e a Alemanha. A livre
concorrência tornou-se um entrave, obrigando americanos e alemães a reativarem a
25
política protecionista para resguardar seu progresso interno. Esta medida também foi
adotada por russos e franceses. A indústria inglesa ficou em grandes dificuldades, já
que não tinha um mercado aberto à disposição. Para colocar seus produtos no
mercado e vencer os concorrentes, as indústrias utilizavam-se da redução de preços
ao consumidor, que favoreceu empresas de grande porte e fez com que as pequenas
fossem desaparecendo. Assim, foram surgindo os grandes conglomerados
econômicos e os grandes monopólios que suprimiram a livre concorrência. Na
Alemanha formaram-se os cartéis, acordos comerciais entre indústrias do mesmo
ramo que, mantendo sua autonomia, se reuniam para dividir o mercado, fixando os
preços e as condições de venda. Nos Estados Unidos, surgiram os trustes, com a
fusão de várias empresas em uma única, que passava a controlar a produção e a
distribuição de mercadorias, regulando a oferta de bens e estabelecendo o preço em
seu favor (HUNT & SHERMANN, 1977).
Em meio a esse contexto, após conquistar sua independência, em 1776, os
Estados Unidos passaram por um longo processo de organização de seu território e
da política interna, que perdurou até o fim da Guerra da Secessão, em 1865. Durante
esse tempo o país recebeu milhões de imigrantes que fugiam da Europa em guerra
para uma terra sem memória, sem rendeiros nem senhores, ideal para construção de
uma democracia de mercado, inteiramente a serviço dos comerciantes (ATALLI,
1999).
Durante a guerra o governo americano ofereceu terras gratuitas no Oeste para
os colonos imigrantes e libertou os escravos, visando aumentar a produção de
suprimentos agrícolas e permitindo que a zona industrializada se empenhasse mais na
produção bélica. Posteriormente, a integração entre o leste e oeste se deu com o
desenvolvimento das ferrovias, que possibilitaram a ocupação do território (ATALLI,
1999).
Os pioneiros imigrantes foram obrigados a especializarem-se para atender à
demanda crescente das áreas mais desenvolvidas. Mesmo com a mão de obra
escassa, a produtividade aumentou devido à mecanização da produção agrícola e a
outros progressos técnicos. Muitos colonos, entretanto, hipotecavam suas terras para
a compra de máquinas e insumos e acabavam perdendo suas propriedades para
grandes grupos financeiros, fortalecendo-os. Estes aumentavam seu patrimônio
explorando a agricultura com a cobrança de altas taxas de juros e reinvestiam esses
26
ganhos nas indústrias no nordeste do país. A inauguração da linha de montagem e da
produção em massa culminou em amplo desenvolvimento técnico e no avanço da
organização empresarial. A industrialização foi, portanto, a conseqüência mais
importante da Guerra da Secessão, colocando os Estados Unidos na liderança do
avanço capitalista e em condições de igualdade para concorrer com as grandes
potências européias.
Assim como a máquina a vapor fez Londres triunfar, uma nova fonte de energia
(o petróleo), um novo motor (de explosão) e um novo objeto industrial (o automóvel),
vão conferir o poder à costa leste dos Estados Unidos e à sua cidade então
dominante, Boston (ATALLI, 2008, p.74).
Graças a longas e violentas lutas sociais, a nova classe operária americana
consegue garantir salários menos miseráveis, o que lhe permite comprar bens
básicos, alimentares, têxteis e com esse movimento enriquecer a burguesia, que por
sua vez torna-se cliente da indústria automobilística nascente no país (ATALLI, 2008).
Para Atalli (2008), doravante tudo girará em torno dessa nova indústria,
instrumento de uma nova liberdade individual, ideal perseguido desde 1.300 a.C. pelos
povos gregos, fenícios e judeus quando iniciaram sua jornada rumo a conquistar o
mundo com seus princípios a paixão pelo progresso, pela ação e pelo novo e a
crença de que a vida humana deveria vir antes de tudo. Assim, uma nova onda
industrial se aproxima e define os rumos da humanidade.
O motor de explosão é usado nos Estados Unidos em 1880, treze anos depois de
sua invenção, na França, e a princípio nas máquinas-instrumentos. Em seguida,
por volta de 1890, é usado naquilo que se torna o automóvel, e nos primeiros
aeroplanos. Inaugura-se em 1897, em Boston, o primeiro metrô das Américas.
Em 1898, existem nos Estados Unidos cinqüenta marcas de automóveis. De
1904 a 1908, 241 outras marcas são criadas, dentre as quais Henry Ford, em
junho de 1903, em Detroit. Esse engenheiro, a princípio empregado na
companhia de iluminação de Thomas Edison, vai vender 1.700 veículos no
primeiro ano (ATALLI, 2008, p.76).
Para Castells (2005), a revolução industrial tem origem na Inglaterra, apesar de
suas raízes poderem ser encontradas por toda a Europa. Contudo, a segunda
revolução industrial muda seu centro de gravidade para os EUA e para a Alemanha,
onde foi desenvolvida a maior parte dos produtos relacionados ao setor químico, de
energia e telefonia.
27
Ainda para sair da crise do final do século XIX, outro caminho encontrado pelas
nações industriais foi buscar novos mercados que pudessem fornecer matérias-primas
e consumir produtos manufaturados. Essa expansão deu-se sobretudo na África e na
Ásia, onde os europeus e norte-americanos possuíam algumas bases de contato
econômico ainda pouco exploradas. Dessa forma, estabeleceu-se uma nova disputa
entre as grandes potências por novos domínios coloniais.
As nações capitalistas foram buscar fora de seus territórios novas áreas de
interesse econômico, sobretudo em regiões subdesenvolvidas, para a aplicação dos
excedentes de capital e fornecimento de matéria-prima. Todas as nações que haviam
atingido a nova fase de produção industrial participaram desse processo. O
imperialismo promoveu a partilha da África e da Ásia, estabelecendo áreas de
influência e estreitos laços de dependência econômica, em um processo que ficou
conhecido como neocolonialismo. Nesse período ocorreram conflitos diversos para
garantir o domínio das nações sobre os territórios. A saída de capitais dos países
industrializados foi acompanhada pela migração maciça da população mais pobre,
principalmente européia, para as novas áreas coloniais. Esse deslocamento favoreceu
a implantação das novas técnicas nesses países e a internacionalização do
capitalismo. A burguesia também conseguiu consolidar sua posição, na medida em
que a escassez de mão-de-obra na Europa fez subir os salários e melhorar as
condições de vida dos trabalhadores. Com isso as manifestações operárias que
ameaçavam o funcionamento do sistema ficaram bastante reduzidas.
Para Hobsbawm (1997), de todas as consequência da Revolução Industrial, a
mais profunda e duradoura é a divisão entre os países “adiantados” e os “atrasados”:
Falando de grosso modo, por volta de 1848 estava claro que os países deviam
seguir o exemplo da Europa Ocidental (exceto a Península Ibérica), da
Alemanha, do norte da Itália e partes da Europa Central, da Escandinávia, dos
Estados Unidos e talvez das colônias controladas pelos imigrantes de língua
inglesa. Mas também era claro que o resto do mundo estava, com exceção de
alguns pedaços, muito atrasado ou se transformando sob a pressão informal
das exportações e importações ocidentais ou sob pressão militar das
canhoneiras e das expedições militares ocidentais em dependências
econômicas do ocidente (HOBSBAWN, 1997, p.201).
O final do século XIX marcou também o início da expansão norte-americana
sobre a América Latina e a gradual retração da influência britânica nesses mercados,
que a Inglaterra estava preocupada em consolidar seu império colonial na Índia.
28
Nesta dinâmica, o motor do crescimento é, do final do século XIX em diante, Norte
Americano. O mercado mundial se abre cada vez mais e, em 1912, 12% do Produto
Interno Bruto (PIB) mundial passava pelo comércio externo. Um estado de grande
tensão formou-se na Europa nesse período, dada a disputa política pelo controle dos
mercados e das fontes de provisão. Isso levou os europeus a desencadearem uma
corrida armamentista que resultou na primeira Guerra Mundial, entre 1914 1918
(ATALLI, 2008).
Mesmo durante a guerra os Estados Unidos alcançou grande avanço
tecnológico e imprimiu mudanças na forma de dominação imperialista, passando a
intervir diretamente na produção de matérias primas e estendendo a mineração para
os metais não ferrosos. Com a compra de territórios pelos trustes, os principais
recursos naturais passaram a ser controlados pelos estrangeiros e os países latino-
americanos tiveram seu desenvolvimento interno comprometido. Todo esse processo
era facilitado pela inexistência de leis para conter os abusos, e com o passar dos
anos, os estados nacionais latino-americanos foram se consolidando na dependência
do estímulo estrangeiro, subordinados pela divisão do mercado internacional à
condição de agro-exportadores. Essa situação permaneceria inalterada até depois da
Primeira Guerra Mundial, quando o aparecimento de setores médios urbanos com
interesses industriais forçou alterações na política e na economia da América Latina.
No Brasil o desenvolvimento do setor industrial foi tardio se comparado às
grandes potências capitalistas. A formação da classe operária também custou a
ocorrer no país, sendo que até meados do século XIX muitas indústrias não
empregavam trabalhadores livres. A preocupação com o comércio intensificou-se com
a vinda da família real portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos nacionais às
nações amigas (SESI, 2008a).
No final do século XIX o mercado consumidor nacional se expandiu devido à
abolição da escravatura (1888) e a nova política migratória. Em 1889, com a primeira
república, houve um crescimento do número de operários industriais, que em 1919
chegavam a 275 mil. Durante a Primeira Guerra o país desenvolveu um pequeno
parque industrial baseado na substituição das importações, particularmente focado
nos setores de alimento e vestuário. Segundo SESI (2008a, p.13), para o Brasil:
O período da República Velha determinaria o fortalecimento de classes médias
urbanas, compostas por setores das ricas classes médias rurais que se
orientaram para a alta administração, profissionais liberais, do setor técnico e
29
comercial, segmentos das classes decadentes, elementos liberais e do exército,
alguns deles dedicados a profissões artesanais e ao pequeno comércio, e
funcionários públicos e artesãos.
Após a guerra, o esgotamento dos países europeus consolidou o poder dos
Estados Unidos. Em 1919 foi assinado o Tratado de Versailles e pela primeira vez a
comunidade internacional considerou responsabilizar os Chefes de Estado envolvidos
no conflito pelas violações cometidas aos direitos humanos. Na mesma época, outros
tratados assinados em Versailles dão ênfase aos direitos das minorias.
A indústria automobilística triunfou e a América do Norte contava com uma
acelerada produção industrial, os cofres cheios de divisas e credores da maioria das
grandes nações. As altas taxas protecionistas adotadas pelo governo favoreceram o
crescimento do mercado interno, estimulando a compra a crédito. A população passou
a adquirir bens de consumo euforicamente, entre automóveis, rádios, telefones e
eletrodomésticos, criando uma falsa aparência de bem-estar que se consolidou como
o padrão do modo de vida americano, o american way of life. Para Atalli (2008, p.77),
nessa fase o presidente norte-americano, todo poderoso, pode até mesmo tentar
impor regras para evitar qualquer nova guerra, pela criação de uma ‘Sociedade das
Nações’, primeiro embrião de um ilusório governo mundial.
Contudo, uma fase de recessão mundial foi minando gradativamente a
economia norte-americana. Nos EUA e na Europa os custos de produção
aumentaram, os salários subiram e as taxas de rentabilidade entraram em queda. Os
investimentos pararam, o desemprego explodiu, o protecionismo se acirrou e a
liberdade recuou. Em 1928 um cartel de grandes companhias petrolíferas fez o preço
da gasolina aumentar e desabou a produção de automóveis (ATALLI, 2008).
A crise atingiu seu ponto crítico em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York
e estendeu-se às demais nações do globo quando os Estados Unidos pôs fim ao
crédito para estrangeiros. Os países fornecedores de matérias-primas também foram
atingidos, sobretudo os latino-americanos, que não tinham para onde exportar.
No Brasil os danos foram menores devido a pouca expressividade da economia
nacional. O principal efeito da crise foi a quebra do poder das oligarquias cafeeiras que
controlavam a política desde a proclamação da república. Esse enfraquecimento das
elites possibilitou o surgimento de um novo modelo urbano/industrial no país. Assim, a
30
década de 1930 consolidou-se como um dos maiores momentos de expansão da
produção industrial brasileira.
Muitas bricas foram instaladas com a aquisição, a preços baixos, de
equipamentos de segunda o provenientes de empresas estrangeiras que
fecharam as portas. O momento de transição de uma economia agroexportadora
para uma economia industrial foi também de um crescente movimento de êxodo
rural, que ampliou a oferta de mão-de-obra para a indústria e, em alguns casos,
criou novos consumidores. Os altos preços dos produtos estrangeiros
estimularam a produção interna, iniciando-se assim uma nova fase do processo
de substituição das importações. O crescimento da produção industrial, que em
1933 ultrapassou a produção agrícola, conferiu poder econômico e simbólico a
essa nova fração do empresariado (SESI, 2008a, p.20).
Nos EUA as propostas liberais de controle cambial e deflação não conseguiram
deter a Grande Depressão, demonstrando a debilidade do capitalismo de livre
concorrência e determinando a falência desse sistema econômico. Como
conseqüência, a exclusão de milhões de americanos do american way of life fez surgir
no país, nos anos 30, o Culture Jamming”, um dos primeiros movimentos de protesto
ao consumismo (Santos, 2006). Os militantes protestavam contra o conteúdo da
publicidade vigente, que mostrava imagens falsas de prosperidade durante um dos
períodos mais difíceis da história da economia americana. Criticavam de maneira
cínica e criativa a indústria publicitária, fazendo sátiras de produtos reais e inventando
produtos fictícios para ironizar a frivolidade das propagandas veiculadas. O movimento
Culture Jamming” volta com ênfase na Europa a partir de 1980, e mais tardiamente,
no início do século XXI desponta pelas ruas do Brasil. Para Naomi Klein (2002) a
prática da Culture Jamming ressurge nos anos 90 relacionada a ações políticas anti
publicitárias e anti corporativas, sendo um instrumento para registrar a desaprovação
de pessoas, unidas em movimentos contra algumas corporações ou organizações.
Também devido à crise de 1929, começou a ocorrer nos Estados Unidos à
formação dos conglomerados multifuncionais, com empresas maiores passando a
comprar empresas menores em dificuldade financeira, formando agregados de
organizações que se dedicavam a múltiplas atividades coordenadas por uma direção
centralizada. A finalidade desses complexos econômicos era o aumento de lucros,
diminuição dos riscos de investimento e independência financeira. Empresas
gigantescas passaram a atuar em múltiplos setores iniciando assim a fase monopolista
do capitalismo, que se estenderia após 1945 para todo o mundo ocidental.
31
Entre outras transformações, a evolução do motor elétrico torna possível muitas
mudanças na sociedade do século XX. Segundo Atalli (2008, p.78):
O motor elétrico torna possível a instalação de elevadores e, consequentemente,
a construção de aranha-céus, favorecendo o urbanismo vertical cujo grande
arquiteto será Frank Lloyd Wright. O motor elétrico participa, desse modo,
indiretamente da migração rural e da redução do tamanho da família, criando um
mercado para máquinas que permitem, em seguida, substituir uma parte do
trabalho doméstico (limpar, conservar, cozinhar e distrair) por objetos fabricados
em série, como banheira, pia, máquina de lavar, geladeira, fogão elétrico, dio e
depois televisão
Os Estados Unidos, que tinha a seu favor a pouca tradição rural, aderiu
prontamente a tendência de transformação para as cidades gigantes. Também nesse
país, impulsionadas pelo movimento feminista, as mulheres ingressaram mais
rapidamente ao mercado de trabalho, e também rapidamente tornaram-se
consumidoras. Para Atalli:
Os diários femininos e o movimento feminista preparam melhor do que em outro
lugar as mulheres para a aceitação da sua qualidade de consumidoras. Ademais,
a publicidade, que começa, lembra sem parar à mulher, por vezes de maneira
muito explícita, a sua pretensa ‘relação particular’com o uso da propriedade. Com
o pretexto de ‘libertar’ a mulher, o mercado proclama sua alienação (ATALLI,
2008, p.78).
Entre os anos 1939 e 1945 o mundo vive a Segunda Guerra Mundial, na qual a
Alemanha, liderada por Adolf Hitler, pretendia criar uma nova ordem na Europa,
baseada nos princípios nazistas que defendiam a superioridade germânica. A guerra
foi também indispensável para a Alemanha, que entre 1933 e 1938 sua produção
de aço, cimento e alumínio triplicar. Para garantir essa produção industrial, superior a
França, Grã-Bretanha e EUA, precisa de mão-de-obra, petróleo, matéria-prima e terras
agrícolas de que não dispunha, e não conseguiria unicamente pelo comércio (ATALLI,
2008).
Em 1942 o Brasil também entra na Segunda Guerra apoiando os Estados
Unidos. Nesse período, efetivamente consolida-se a transferência da dependência que
a América Latina tinha da Inglaterra para o citado país aliado. Os EUA trazem
maquinários para o Brasil estimulando a produção industrial em regiões menos
favorecidas do nordeste.
No pós-guerra o Plano de Desenvolvimento Industrial elaborado por Roberto
Simonsen (1944) contribui significativamente para o desenvolvimento do setor. Em
32
1945 empresários de visão nacionalista mobilizam-se e propõe ao governo conjugar
meios para a tomada de decisão a fim de dar novos rumos à economia brasileira
(SESI, 2008a).
Assim como o Brasil, os Estados Unidos saem novamente beneficiados com a
guerra, que não atingindo seu território permite ao país continuar a controlar as
tecnologias e a produção necessárias para manter sua indústria e suas finanças em
crescimento.
Nessa época, os debates em torno de questões sociais começam a ganhar
corpo. Logo após o fim da segunda guerra, em 1945, surgiu a Organização das
Nações Unidas (ONU), que depois de três anos proclamou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, conhecido como o primeiro documento global pela igualdade e
dignidade de todos.
Os horrores do Holocausto, o genocídio dos Ciganos e outros atos nazistas na
Segunda Guerra tocaram profundamente a humanidade. A Assembléia das Nações
Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Direito de Auto-
Determinação dos Povos Coloniais na esperança de assentar os princípios da fé
moral, social e política que situa todos os povos do mundo na mesma família.
A partir dos anos 40, na Europa e nos EUA, a produção científica e cultural
passa a ocupar papel central na sociedade, antes desempenhado pela produção
manufatureira. No período pós guerra os EUA alcançou grande prosperidade devido à
política econômica do governo Truman (1945-1953) denominada Fair Deal (Acordo
Justo), que visava eliminar os problemas internos de desemprego agravado com os
soldados que retornavam à vida civil, bem como os problemas técnicos de
reconversão da indústria bélica para a de bens de consumo. Era preciso ainda
expandir o mercado interno para absorver a nova oferta de mercadorias, pois por volta
de 1940 a maioria das residências americanas já possuía grande parte dos
equipamentos disponíveis no mercado, como fogão, geladeira, rádio e outros
eletrodomésticos.
Como parte da política econômica, seria preciso introduzir na sociedade
americana a necessidade de substituição dos produtos antigos por novos, trazendo a
impressão de que o produto se tornava obsoleto com o tempo e versões mais
modernas e funcionais deveriam ser adquiridas. Mas fazer com que a população
33
quisesse comprar não era o suficiente, era necessário que o consumidor possuísse
também poder de compra. Para tanto, a solução encontrada foi a ampliação da
concessão de crédito, que serviu como alavanca para o crescimento econômico dos
Estados Unidos. Assim o país passou de um estágio de organização socioeconômica
baseada no consumo simples – comum a diversas outras sociedades durante os
séculos XIX e XX para o estágio inédito de uma sociedade consumista, no qual o
consumo se torna força motriz de toda a economia e no qual a abundância e o
desperdício se tornam condições essenciais para a manutenção da prosperidade
(CARDOSO, 2004).
Desta maneira, assim como no final do século XVIII a sociedade rural migra
para a industrialização, em meados do século XX percebe-se o início de uma nova
mudança, que vem com o declínio do modelo industrial sustentado até então.
Contudo, ainda era difícil identificar e caracterizar o que havia de essencial no que
estaria por vir, pois a nova sociedade não tinha contornos claros. O que se via,
segundo Domenico de Masi, consistia em um novo cenário (1999, p.48):
[...] numa concentração dos trabalhadores do setor terciário, em relação aos
trabalhadores na indústria e na agricultura, em um declínio dos modelos de vida
associados à fábrica e à grande indústria, no surgimento de valores culturais
centrados no lazer, em um papel central do conhecimento teórico, do
planejamento social, da pesquisa científica, da produção de idéias e da instrução,
em um declínio da luta de classe polarizada, substituída por uma pluralidade de
conflitos e movimentos, também devido à presença de novos sujeitos sociais; no
predomínio dos atributos caracteriais narcisistas que suplantam ou integram os
edipianos na estrutura das personalidades individuais.
Para o autor (MASI, 1999) em 1949 uma nova era emergia sobre as sociedades -
a era do desenvolvimento. A partir do final da Segunda Guerra o conceito de
desenvolvimento começou a ser utilizado num contexto de harmonização de
interesses e práticas econômicas e representava uma teoria econômica apoiada na
ação regulatória do Estado, como propulsora de taxas de crescimento mais elevadas.
Este conceito de desenvolvimento fundamentou uma ideologia otimista que previa
um crescimento econômico ilimitado, visto como um processo de utilização cada vez
mais intensiva de capital e recursos naturais e redução do uso de mão-de-obra.
Porém, não havia nenhuma consciência ambiental ou de possíveis impactos derivados
do desenvolvimento tão almejado. Pelo contrário, as atividades econômicas eram
34
vistas como sistemas autônomos, ilimitados para entrada de energia e matéria prima e
saída de dejetos.
Esta “ideologia” desenvolvimentista perduraria praticamente inalterada até o
início dos anos 70, e os conhecimentos teóricos do campo da economia concentrar-
se-iam por alguns anos na criação de instrumentos de gerenciamento dos níveis de
atividade econômica por parte dos governos - macroeconomia e na matematização
dos fluxos econômicos – econometria.
Nesta lógica a preocupação com o meio ambiente, o uso de recursos naturais e
a emissão de efluentes eram temas inteiramente a margem de todo processo.
A visão mecanicista da razão cartesiana converteu-se no princípio constitutivo de
uma teoria econômica que predominou sobre os paradigmas organicistas dos
processos da vida, legitimando uma falsa idéia de progresso da civilização
moderna. Desta forma, a racionalidade econômica baniu a natureza da esfera da
produção, gerando processos de destruição ecológica e degradação ambiental
(LEFF, 2001, p.15).
Nessa época, os Estados Unidos da América estavam definitivamente no centro
do mundo, mas ainda queriam deixar evidenciada sua hegemonia e torná-la
permanente. Para tanto orquestraram uma campanha global, lançada em 20 de janeiro
de 1945, durante a posse do Presidente Harry Truman. Em seu discurso Truman
utilizaria pela primeira vez a palavra subdesenvolvimento.
É preciso que nos dediquemos a um programa ousado e moderno que torne
nossos avanços científicos e nosso progresso industrial disponíveis para o
crescimento e para o progresso das áreas subdesenvolvidas (TRUMAN in
ESTEVA 2000, p. 59).
Segundo Martins (2008), naquele dia, dois bilhões de pessoas, cidadãos livres,
habitantes de países com cultura e identidade diversas, passaram a ser
subdesenvolvidas. Como compaixão e benevolência, um plano de ajuda o programa
Ponto Quatro foi anunciado pelos EUA, para que todos os povos pudessem
caminhar, pelo mesmo caminho, para o progresso.
Em um sentido muito real, daquele momento em diante, deixaram de ser o que
eram antes, em toda a sua diversidade, e foram transformados magicamente em
uma imagem inversa da realidade alheia, uma imagem que os diminui e os envia
para o fim da fila, uma imagem que simplesmente define sua identidade, uma
identidade que é, na realidade, a de uma maioria heterogênea e diferente, nos
termos de uma minoria homogeneizante e limitada ( ESTEVA 2000, p. 60).
35
Na mesma lógica desenvolvimentista, a partir de 1953, com a eleição do
presidente Dwight Eisenhower, uma equipe que contava com representantes de
grandes empresas foi formada no governo, e o consumo em massa passou a ser
abertamente incentivado. De acordo com DURNING (1991), Victor Lebow, conselheiro
econômico do presidente Eisenhower, com apoio da equipe de empresários, teria
apontado como solução para a recuperação da economia americana pós-guerra a
seguinte linha:
Nossa economia, enormemente produtiva, demanda que transformemos o
consumo em estilo de vida. Devemos converter a compra e uso de bens em
rituais que iremos buscar para a nossa satisfação espiritual, a satisfação do
nosso ego, no consumo. Precisamos que as coisas sejam consumidas,
destruídas, substituídas e descartadas numa taxa continuamente crescente.
Hoje essa realidade vigora em quase todo o Planeta. No Brasil, em tempos de
crise, no final de 2008, todos os pronunciamentos do Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva dirigidos a população incentivavam o consumo. Não parar de comprar é o que
orientam os líderes da maioria das nações às portas de uma nova crise civilizatória, no
início do século XXI. Não se trata de refletir sobre o modelo adotado, nem se coloca
em debate a Sustentabilidade desse modelo. Questionar-se sobre até quando o
consumo de massa será viável não é pauta dos principais encontros internacionais.
Quantos planetas serão necessários para garantir com matéria prima e energia uma
sociedade emergente, prospectada em 9 bilhões de habitantes, baseada no consumo?
Como ficam os milhares de pessoas que não possuem recursos para consumir, e,
portanto estarão para sempre excluídos do modelo de social vigente? Essas o são
questões prioritárias para os principais dirigentes do Planeta em 2009.
Na tentativa de compreender as transformações que vinham ocorrendo na
sociedade, em 1959, o teórico Daniel Bell cunha o termo Sociedade Pós-industrial,
com vistas a denominar um novo modelo civilizatório que surge e gradativamente
ocupa o espaço do modelo industrial. Para Bell, a Sociedade Pós-industrial é uma
continuação em grande escala da Sociedade Industrial e conta com o predomínio
numérico de trabalhadores desenvolvendo atividades no setor terciário (MASI, 1999).
Segundo Masi, os cinco aspectos que definem a Sociedade Pós-industrial são:
1) a passagem da produção de bens para a economia de serviços; 2) a
preeminência da classe dos profissionais e dos técnicos; 3) o caráter central do
saber teórico, gerado da inovação e das idéias diretivas nas quais a coletividade
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se inspira; 4) a gestão do desenvolvimento técnico e o controle normativo da
tecnologia; 5) a criação de uma nova tecnologia intelectual (MASI, 199, p.33).
No início dos anos 60 as potências econômicas mais estáveis vivenciavam uma
fase de decolagem e de bem-estar que ia além do próprio consumo o consumismo.
Esta tendência se espalhou rapidamente para outras nações, processo este facilitado
pela evolução dos meios de comunicação, e, nas últimas décadas, pelo fenômeno da
globalização.
Ao mesmo tempo, enfraqueciam-se os referenciais sociais de definição clássica
tal como povo, proletariado, burguesia, entre outros o que fortaleceu ainda mais o
referencial do consumo, que constitui hoje o alicerce de nossa sociedade (SANTOS,
2006).
Como conseqüência das rápidas transformações, especialmente as
possibilitadas pelo avanço da ciência e da tecnologia, na segunda metade do século
XX, pela primeira vez na história, o futuro é muito mais um problema social que
natural.
Pela primeira vez na história da humanidade o futuro é um problema social, não
um problema natural: para saber se haverá alimentos suficientes não será preciso
ver o que acontece nas florestas da África, mas o que está sendo preparado nos
laboratórios de Stanford ou do MIT. Na sociedade industrial, era a indústria que
definia o futuro do homem, e o problema que se colocava aos trabalhadores era
influenciar esta definição. Hoje, ao contrário, trata-se de exercer esta influencia na
sede onde são tomadas as decisões estratégicas, onde, por exemplo, se escolhe
se e como devem ser produzidas mais bactérias para fins bélicos, ou mais
proteínas para fins nutritivos (MASI, 1999, p.68).
Contudo, em meio ao acelerado desenvolvimento, na década de 1970 os EUA
esgotaram-se em despesas militares e em despesas policiais para defenderem-se nos
seus próprios guetos. As atividades de serviços públicos e a falta de automatização
dos serviços da elite na indústria fizeram com que a produtividade ficasse estagnada.
A rentabilidade do capital diminuiu e aumentaram as despesas sociais. Os circuitos
financeiros concederam empréstimos às grandes companhias nacionais e as
empresas inovadoras ficaram sem apoio. A siderurgia americana perdeu espaço para
o Japão e a Coréia. Com a alta do petróleo e de outras matérias-primas a economia
entrou novamente em crise e a confiança e o bem-estar cederam lugar ao medo e a
iminência dos efeitos recessivos visualizados pelos limites do crescimento (ATALLI,
2008).
37
A economia mundial passou a conviver com problemas de natureza global que
afetavam diversos países com inflações crônicas e queda nos níveis de crescimento.
A redução dos desperdícios em todos os aspectos (material, energia e mão-de-obra)
impôs-se como estratégia.
Nesse cenário, os Estados Unidos, que em 1980 parecia à beira do declínio e
prestes a perder sua soberania para o Japão, reestruturou-se e retomou fôlego,
impulsionado por uma nova classe criativa da Califórnia, que transformou a revolução
técnica num mercado comercial.
Novas empresas, californianas em sua maioria, possibilitam, então, reduzir os
custos dos serviços comerciais e das administrações. Essas tecnologias tornam
possível uma industrialização dos serviços das finanças, permitindo aos bancos
uma exploração automática das mínimas imperfeições do mercado, pondo em
relação milhões de transações, suprimindo todos os limites ao crescimento dos
instrumentos financeiros e ao dos mecanismos de cobertura de riscos. As
finanças e os seguros se tornam indústrias (ATALLi, 2008, p.84).
Na história recente, grande parte do esforço empreendido desde o surgimento
do capitalismo, culminando na teoria do livre mercado, apontava para as benesses da
democracia como distribuição do poder político entre a população e na
democratização da riqueza por meio da apropriação dos meios de produção por
múltiplas mãos no mundo privado. Todavia, poucos previam o efeito contrário da
concentração de capital pela via da especulação da bolsa e da usura bancária
aumentando o poder de uma minoria econômica sobre a sociedade. Nesse novo
contexto o capital especulativo se torna onipresente e não existe um centro de poder
(HIRSH, 2008).
No mundo globalizado, todos os sujeitos são dependentes em determinada
esfera. Nesse modelo, a luta de classes sai das fábricas e invade a sociedade.
Contudo, frequentemente a ação de oposição é diluída por não conseguir identificar
seu verdadeiro adversário, que muitas vezes é aquele que programa o futuro e tende a
impô-lo aos consumidores (HIRSH, 2008).
Atualmente atravessamos uma grave crise de modelos teóricos, para a qual as
visões de mundo que pautaram a sociedade são insuficientes. No passado recente, há
cerca de 40 anos, existia alguma consciência de que o mundo atravessava uma
fase de transição. Contudo, acreditava-se na emergência de uma etapa mais rica e
mais abundante que a anterior. nos anos 70, com a entrada da eletrônica e da
38
informática mais efetivamente na vida das pessoas, o futuro começa a ser vislumbrado
de forma menos entusiasta e uma sensação de degradação passa a ser presente
(MASI, 1999).
Para Masi (1999), desde então a sensação de ”crisetem aumentado. Não se
trata de uma crise de realidade, mas sim do modo de compreendê-la e analisá-la. Para
o autor:
Na realidade, a sensação de crise de modelos interpretativos, é uma resistência
às mudanças causadas pelo fosso cultural, fazendo com que nossas atitudes e
nossos comportamentos derivem de categorias sedimentadas no decorrer dos
séculos rurais e industriais, profundamente arraigadas a nossa personalidade e
dificilmente substituíveis a curto prazo (MASI, 1999, p.28).
Em outros momentos de transição, as organizações sociais também foram
abaladas, como na passagem da sociedade rural para industrial. Entretanto, os
processos de industrialização aconteceram de maneira mais lenta e quase sempre
implicavam em um aumento de renda, de poder de compra e do bem-estar de
algumas comunidades. Para Masi, a nova etapa de transição acontece de outra
maneira:
Ao contrário, com o advento da era pós-industrial, um dos elementos principais é
constituído pela difusão das informações pelos veículos de comunicação; isto é,
um fenômeno caracterizado por uma propagação e por uma penetração
extremamente rápidas, que contestam diretamente os modos de pensar, os
esquemas mentais, as tradições, a cultura ideal e social dos milhões de pessoas
que formam o público do rádio e da televisão (MASI, 1999, p.29).
Percebe-se que nos dias atuais o método mais apropriado para contrapor o
modelo civilizatório vigente, que se apresenta ineficaz frente aos novos desafios
encontrados, é a proposição de modelos alternativos. Na perspectiva de Domenico de
Masi (1999, p.76).
Para elaborar os contramodelos, os usuários precisam poder contar com o apoio
dos cientistas e dos intelectuais capazes, com sua atividade inventiva, de
demonstrar aos dirigentes que não existe apenas a solução imposta por eles,
mas que é possível encontrar um número infinito de outras soluções, muito
melhores.
Nesse caminho, em meio à forte tendência de globalização, surgiram
algumas décadas algumas visões de mundo que propõe novas alternativas, como a
descentralização das decisões por meio de ões participativas e uma convivência
39
organizada em nível comunitário - com respeito aos limites do planeta. São as
correntes teóricas pautadas pela temática da Sustentabilidade, em seu sentido mais
amplo como o Ecodesenvolvimento, proposto por Sachs, e a Racionalidade
Ambiental, sugerida por Leff.
Se nos anos 70 estes movimentos surgiram como marginais, no século XXI
apresentam-se como centrais nos debates públicos e privados. A temática da
Sustentabilidade, que por cerca de 20 anos foi tratada secundariamente, hoje ilustra
sites e relatórios anuais das principais empresas mundiais e é obrigatória nos círculos
da Responsabilidade Corporativa, rendendo atributos as marcas e fidelidade do
mercado consumidor. E como se deu a migração do discurso da Sustentabilidade de
um campo teórico e “marginal” para os espaços empresariais?
Essa conversão de valores e a “desmarginalização” do discurso da
Sustentabilidade foi à motivação que nos levou a esse trabalho, movidos pela
curiosidade científica de descobrir que princípio filosófico pauta o novo posicionamento
das organizações.
Pretendemos, em uma etapa posterior descobrir se o conceito de
Sustentabilidade que suporta as práticas empresariais será suficiente para gerar a
transformação socioambiental anunciada por lideranças públicas e privadas nos vários
espaços de mídia.
Por enquanto, nas páginas a seguir nos deteremos a analisar a evolução do
debate socioambiental em nossa sociedade e a criação dos conceitos de
Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade, bem como o surgimento e a
consolidação dos principais fóruns mundiais e organizações brasileiras de referencia
no tema.
40
1.2 Da Causa Ambientalista ao Desenvolvimento Sustentável
Com a breve reflexão orientada pelo capítulo anterior, é possível perceber que
desde o início da história da sociedade ocidental moderna os modos de produção
capitalista foram apoiados em práticas predatórias, que geraram grande impacto sobre
o meio ambiente e as condições de vida dos seres humanos. Logo após a Segunda
Guerra Mundial, o modelo de crescimento adotado revelou-se mais ineficiente,
acirrando o desequilíbrio e fomentando que movimentos contestatórios surgissem.
Entretanto, como veremos a seguir, o debate ambientalista e as mobilizações sociais
em prol dos direitos humanos sempre ocorreram, variando apenas em seu nível de
representatividade e repercussão social.
Em 1788, Gilbert White editava sua obra intitulada The Natural History of
Selborne, que se tornaria um clássico da literatura inglesa. No livro, o autor, pároco e
botânico, expunha sua visão científica da natureza, carregada de emoção e
sentimento poético. O escrito seria posteriormente considerado de suma importância
para a germinação de idéias ambientalistas entre o grande público (LEIS, 1999).
Quase um século depois, também na Inglaterra (1824), foi fundada a Sociedade
de Proteção aos Animas, que atuava na promoção de campanhas contra a crueldade
imposta a bichos domésticos. No final do século XIX despontaram na Europa inúmeras
organizações com propostas similares, que defendiam direitos de animais
domesticados e selvagens. Nessa linha, a entidade inglesa East Riding Association for
the Protection of the Sea Birds foi a primeira organização no mundo a dedicar-se a
proteção da vida selvagem (LEIS, 1999).
Nos Estados Unidos os trabalhos de pesquisadores como George Catlin (1796-
1872), Henry Thoreau (1817 1862), George Marsh (1801-1882) e John Muir (1813-
1914) influenciaram fortemente o pensamento de governos e sociedade com foco na
relação homem e natureza.
Para o cientista Henry Thoreau, o homem deveria extrair o melhor da vida na
natureza e da vida civilizada, combinando-as. Segundo Leis (1999), as concepções do
ambientalista, apesar de precursoras, demonstravam muita maturidade e deixavam
claro sua vocação holística em busca do equilíbrio nas várias dimensões da
sociedade. Para Thoreau, todo conhecimento deveria ser considerado ético e não
havia verdadeiro entendimento da realidade caso não estivesse baseado no amor e na
41
simpatia. Assim, a sabedoria do homem de ciência deveria, na concepção do teórico,
integrar-se a sabedoria do homem nativo para que fosse possível sentir intensamente
o laço que une os organismos no universo (LEIS, 1999).
Em sinergia de idéias, para George Marsh a civilização tinha produzido uma
ruptura na harmonia natural do meio ambiente, e o homem havia esquecido-se que a
terra teria sido a ele dada para usufruto, e não para consumo. O ambientalista tinha a
crença de que o homem poderia aprender com as experiências mal sucedidas do
passado, que culminaram, por exemplo, no declínio dos impérios da antiguidade. Para
esse autor a preservação da vida justificava-se por questões econômicas e políticas,
mas também poéticas e religiosas (LEIS, 1999).
Na época todas estas idéias tiveram grande influência sobre especialistas
florestais em diversos países, como a Austrália, o Canadá, a Itália, a Nova Zelândia e
a Índia, além dos EUA. Esta última nação possuía uma grande extensão de seu
território virgem sob domínio público, e decidiu criar no ano de 1872, por uma
determinação do Congresso, o primeiro Parque Nacional do Planeta, batizado de
Yellowstone. O ato foi replicado em 1890 com a criação do Parque Yosemite (LEIS,
1999).
Contudo, a idéia de que os territórios transformados em parques eram
selvagens e desabitados omitia o direito natural a posse que tinham as nações
indígenas que ali habitavam. Onde o Yellowstone foi instituído, por exemplo, viviam
originalmente as tribos Blackfeet, Shoshone-Bannock e Crow, que não deixaram sua
morada espontaneamente (LEIS, 1999).
Na sequência da implantação dos primeiros parques, em 1892, John Muir
ajudou a fundar o Sierra Club, que se tornou um “centro de aglutinação da causa dos
preservacionistas”, cujos membros agiam motivados pelo sentimento de que a
civilização havia distorcido o sentido humano de relações com as outras coisas.
Tão importante quanto o movimento em prol da preservação, cujos
representantes foram acima citados, surgia ainda nesse cenário outra corrente de
defesa do meio ambiente, denominada conservacionista. Liderado por Gifford Pinchot,
este outro grupo de pensadores defendia a possibilidade de uma exploração racional
dos recursos naturais.
42
A força do movimento conservacionista permitiu que suas idéias fossem
disseminadas internacionalmente, e sua proximidade com as lideranças políticas
estimulou que em 1909 fosse organizada a Primeira Conferência Internacional sobre
Conservação da Natureza, que reuniu representantes do México, Canadá e EUA .
Logo após este primeiro evento, a organização de uma segunda Conferência foi
idealizada e agendada para ocorrer em 1910, com caráter de Fórum Mundial. O
encontro teria sido um grande marco para a humanidade, se não tivesse sido
suspenso pelo então presidente dos EUA. Segundo Leis (1999, p. 47):
Desde suas origens o ambientalismo foi um movimento global, de características
transnacionais. Portanto, era de esperar que os primeiros passos do
ambientalismo, rumo a uma expressão significativa, fossem interrompidos pela
eclosão dos nacionalismos que promoveram as duas guerras mundiais na
primeira metade do século XX. Em 1908-1909, quando o mandato de Theodore
Roosevelt chegava a seu fim, o ambientalismo americano encabeçado por
Pinchot, prevendo que um novo presidente americano provavelmente não seria
tão favorável ao conservacionismo, trabalhou duramente para organizar dois
encontros internacionais. O primeiro, o Congresso Conservacionista Norte-
Americano (Washington, D.C., fevereiro de 1909), foi realizado sob a direção de
Pinchot (excluindo deiberadamente a Muir e suas forças), contando com
representantes de Canadá, México e Estdos Unidos. O resultado mais importante
desse encontro foi reconhecer que a conservação do meio ambiente não era um
problema nacional senão internacional, sendo portanto urgente organizar uma
segunda e ampla conferência mundial sobre o tema. Assim, Roosevelt chegou a
expedir convites para que 58 países estivessem presentes num congresso em
Haia. Infelizmente, depois que o presidente deixou seu cargo e quando a metade
dos países tinha aceitado o convite, o novo presidente Taft cancelou o evento,
frustrando-se assim uma grande oportunidade de legitimação internacional para o
conservacionismo e os problemas ambientais em geral.
Na mesma época, alguns ambientalistas europeus conseguiram levar até o
cenário internacional preocupações mais preservacionistas que conservacionistas. No
ano de 1909, reuniu-se em Paris o Congresso Internacional de Proteção a Natureza,
que propunha a criação de um organismo internacional de proteção ao meio ambiente.
A idéia obteve adesão dos principais países europeus, dos EUA e da Argentina.
Estima-se que entre 1884 e 1933 cerca de 50 congressos com o objetivo de proteção
da natureza tenham sido realizados no mundo.
No Brasil, entre as décadas de 1930 e 1940 havia um ambiente político-
intelectual, pautado por um intenso nacionalismo, que mobilizava setores significativos
da sociedade em torno de questões como o trabalho, a sociedade, a indústria, a saúde
e a proteção à natureza (FRANCO, xxxx).
43
Neste contexto, realizou-se, de 8 a 15 de abril de 1934, no Rio de Janeiro, a
Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. O evento foi organizado pela
Sociedade dos Amigos das Árvores e contou com o apoio do Museu Nacional e de
outras importantes instituições, e com o patrocínio de Getúlio Vargas, então Chefe do
Governo Provisório.
A realização da Conferência indicava a existência de uma maior preocupação
vinculação da questão da proteção à natureza entre a opinião pública, que por
meio da atuação de uma série de entidades da sociedade civil, pressionava no
sentido de uma política mais efetiva por parte do governo (FRANCO, p. XX).
Por decorrência das duas guerras mundiais os ímpetos ambientalistas
fortalecidos no início do século XX tiveram que aguardar um novo contexto favorável.
Com os governos e a sociedade empenhados em reconstruir cidades e dar condições
de sobrevivência às pessoas afetadas pelos conflitos, nos anos 50 coube aos
cientistas protagonizaram os debates da causa ambiental.
No pós-guerra a preocupação central dos Estados era a reconstrução
econômica e a reabilitação social do mundo, com prioridade para a resolução da fome.
Muitos economistas e ambientalistas começaram a perceber que o mau
gerenciamento dos recursos naturais era um obstáculo para a solução da crise de
alimentos, e aproveitaram a oportunidade para alardear a necessidade de pessoas e
governos se preocuparem mais com as relações entre homem e recursos naturais,
sob risco de não mais ser alcançada a prosperidade (LEIS, 1999).
Alguns anos após o fim da segunda guerra, com traumas causados pela
austeridade, ninguém queria ouvir discursos que pregavam redução de consumo e
contenção de recursos. Efetivamente, a inserção da temática ambientalista na política
se daria em 1972, quando ocorreu a conferência de Estocolmo sobre Meio
Ambiente Humano.
Porém, mesmo contra a corrente, Julian Huxley, conhecido naturista, ao ser
nomeado Diretor-geral da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações
Unidas (UNESCO), esforçou-se para incluir o tema da proteção à natureza na
Conferência Geral da instituição, realizada no México, em 1947. Com a ajuda de seu
colega, o bioquímico Needlham, o então Diretor conseguiu motivar um pequeno grupo
44
de cientistas-ambientalistas e em 1948 propuseram a constituição de um órgão
bipartite governamental e não-governamental com intuito de promover a
preservação da vida selvagem e a conservação de recursos, o International Union for
the Protection of Nature (IUPN).
O IUNP nasceu com uma missão ambiciosa e tinha como agenda a proteção à
natureza em todas as suas formas, o desenvolvimento de pesquisas científicas em
temáticas relacionadas ao meio ambiente e a organização de campanhas de
educação ambiental. Segundo Leis (1999, p.61).
Para orientar esses propósitos a IUNP declarava (em seu Ato Institucional) que a
consideração da natureza era um aspecto da vida espiritual e seu tratamento e
exploração formavam a base da civilização humana e que, assim sendo, a
exaustão dos recursos naturais significava tanto uma degradação da natureza
como da qualidade da vida humana. Esta degradação podia ser impedida se o
homem acordasse a tempo para compreender sua íntima relação e dependência
com a natureza e desenvolvesse políticas adequadas a tais fins.
Para reafirmar a importância dos cientistas na consolidação do movimento
ambiental pós-guerra, em 1949 foi realizada em Lake Sucess, Nova York, a
Conferência Científica das Nações Unidas sobre Conservação e Utilização de
Recursos, que reuniu engenheiros, economistas e ecologistas para tratar de aspectos
científicos da conservação de recursos. Na ocasião foram abordadas questões
relacionadas à situação global de recursos minerais, combustíveis, energia, água,
florestas, terra, vida selvagem, peixes, alimentos e as tecnologias apropriadas para
cada tema em questão (LEIS, 1999).
Cerca de uma década depois, em 1962, a pesquisadora Rachel Carson
publicou um livro intitulado Primavera Silenciosa. A obra preconizou o surgimento de
uma consciência ambiental nos anos 60, que se expandiu nos anos 70, culminando na
realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente.
Em sua obra, Carson procurou mostrar os efeitos do DDT na cadeia alimentar e
o acúmulo do produto nos tecidos gordurosos dos animais. A autora afirmava que o
uso do agrotóxico prejudicava o Planeta e alertava para suas conseqüências ao meio
ambiente e a saúde. A cientista foi combatida pela indústria química e considerada
alarmista pelo governo. Contudo, Rachel Carson foi considerada uma das pioneiras
da conscientização de que os homens e os animais estão em interação constante com
o meio ambiente.
45
Em 1968, realizou-se em Paris a Conferência sobre a biosfera que marcou
também o despertar ecológico mundial. Como resultado do encontro, foi criado, em
1971 um programa de cooperação científica internacional sobre as interações entre o
homem e seu meio, o Man and the Biosphere (MaB). A iniciativa buscava o
entendimento das repercussões das ações humanas sobre os ecossistemas mais
representativos do planeta. O Programa está em vigor até os dias atuais e promove
atividades intergovernamentais e interdisciplinares com o objetivo de conhecer a
estrutura e o funcionamento da biosfera e de suas regiões ecológicas, por meio do
monitoramento sistemático das alterações sobre a própria espécie humana.
Outro pesquisador de extrema importância neste contexto foi René Dubos.
Nascido na França em 1901 e naturalizado americano, Dubos foi o microbiologista
pioneiro na descoberta dos antibióticos. Educador, ambientalista e filósofo, era um
otimista com relação aos destinos da Terra e da humanidade (SABIO, 2003).
O cientista acreditava que um organismo vivo seja um micróbio, uma pessoa,
uma sociedade ou um planeta pode ser entendido no contexto das relações
que forma com as coisas em seu redor. Com esta forma de pensar Dubos
reformulou a teoria do surgimento da doença com a inclusão do meio ambiente
nas considerações de suas causas (SABIO, 2003, p. 01).
Com o tempo, o pesquisador interessou-se por observar e sistematizar o
contexto das relações entre a humanidade e a Terra, percebendo como um vai
moldando o outro. Nos anos 70 Dubos engajou-se ao movimento ambientalista e foi
escolhido para redigir o relatório da Primeira Conferência sobre Meio Ambiente, junto
com a economista inglesa Bárbara Ward. A Dubos é atribuída o célebre ditado: “Pense
globalmente, aja localmente”. Entre suas obras estão Um Deus Interior, Apenas Uma
Terra e Um Animal tão Humano”, prêmio Pultzer de 1969 (SABIO, 2003).
Seguindo o fluxo de consolidação do debate acerca das questões ambientais,
em 1968, por iniciativa do industrial italiano Aurélio Peccei, economistas, pedagogos,
humanistas e industriais se reuniram com a finalidade de debater sobre a crise então
vivenciada e o futuro da humanidade. Denominados de Clube de Roma, o grupo tinha
por objetivo examinar os problemas que desafiavam a sociedade, como a pobreza, a
degradação do meio ambiente, o crescimento urbano, a perda de confiança nas
instituições, a insegurança, a alienação da juventude, a rejeição dos valores
46
tradicionais, as rupturas econômicas, entre outros (ARAÚJO et al., 2006). Inicialmente
formado por A. King, S. Okita, A. Peccei, E. Pastel, H. Thiemann e C.Wilson, o coletivo
se reuniu pela primeira vez na Academai dei Lincei, na Itália e elegeu como seu
presidente o administrador Peccei, que permaneceria no cargo até a morte.
O primeiro estudo realizado pelo Clube de Roma, conhecido como The Limits to
Growth, foi financiado pela Fundação Volkswagen e encomendado ao Massachussets
Institute of Technology (MIT). O trabalho foi dirigido por D. Meadows e propunha a
análise do andamento combinado de alguns fenômenos de importância vital para a
humanidade (Calabretta in Masi, 1999, p.371). O método utilizado na pesquisa foi o da
dinâmica de sistemas de Jay Forrester, cujo modelo permitiu processar uma grande
quantidade de variáveis com a utilização de computadores e simular o futuro do
planeta. Para a elaboração do relatório foram consideradas cinco variáveis: população,
produção industrial, produção de alimentos, exploração dos recursos naturais e
poluição. Como resultado, o estudo comprovou:
Com apenas a metade da superfície mundial cultivada, como acontece, cerca de
um terço da população mundial continua subalimentada, e o aumento da
superfície cultivada exigiria investimentos tão elevados que no momento são
considerados ‘socialmente’ inconvenientes. Mas mesmo na hipótese de um
empenho mundial nessa direção, o estudo mostra que o crescimento notável da
população conduziria, ainda que na presença de significativos aumentos da
produtividade, a uma escassez crônica de alimentos. Também uma eventual
produção maciça de alimentos sintéticos está baseada, em última análise, em
recursos naturais em grande medida o renováveis, que foram consumidos de
maneira considerável pelo forte desenvolvimento das últimas década
(CALABRETTA in MASI, 1999, p.371).
O documento The Limits to Growth recebeu críticas, em especial dos países
latino-americanos, pela maior importância dada as questões ambientais em detrimento
das sociais. Como protesto, a Fundação Bariloche contratou um grupo de cientistas
argentinos que fizeram considerações ao Clube de Roma e expuseram sua opinião,
condenando a ênfase dada aos limites naturais do crescimento. Para o grupo
argentino os verdadeiros problemas estariam nas condições sociais e políticas a que
estavam submetidos os países em desenvolvimento (LEIS, 1999).
Para tentar superar as principais limitações do primeiro relatório, em 1974 um
segundo relatório foi produzido, desta vez dirigido por M. Mesarovic e E. Pestel. O
documento foi publicado na Itália com o nome de Strategie per Sopravivere e buscava
47
uma articulação dos problemas ambientais por áreas geográficas, o que permitia a
criação de indicações concretas relativas às diferentes realidades do mundo.
Procedendo de modo semelhante ao primeiro relatório, o modelo é aplicado, com
as suas diferenciações regionais, na análise das discrepâncias existentes no
mundo relativamente às matérias-primas, alimentos, fluxos financeiros. Os
resultados evidenciam a insuficiência e a estreiteza das atuais políticas nacionais
diante dos problemas da humanidade. Isso conduzirá não a um colapso global
dentro de cem anos, mas, é mais verossímil, a catástrofes locais em regiões
isoladas dentro de um período mais breve. A globalização do sistema comportará,
no entanto, repercussões que serão sentidas em todo o mundo (CALABRETTA in
MASI, 1999, p.376).
Na seqüência dos dois primeiros relatórios, mais oito foram publicados pela
editora italiana Mondadori, sob os títulos: Progetto Rio, Oltre l’età dello spreco,
Obiettivi per l’umanità, Energia, conto Allá rovercia, Iamparare il futuro, Sulla richezza
e sul bem essere, Rivoluzione microelettronica e Tecnologia dell’informazione e nuova
cultura (LEIS, 1999).
Estes relatórios concluíam que os problemas ambientais eram globais e que a
sua evolução acontecia em ritmo exponencial. Nesta linha, existia um consenso
científico nos países industrializados a favor da limitação do crescimento da população
e da economia, o que se consolidou em uma proposta de Crescimento Zero.
Para conjurar a crise do sistema mundial devem ser primeiramente controladas
as duas variáveis fundamentais:população e produção industrial. Isso exige não
a realização de programas quase utópicos de controle dos nascimentos, mas
também uma condição de estabilidade do capital industrial que é possível obter
somente mantendo a taxa de investimento igual àquela da depreciação
(CALABRETTA in MASI, 1999, p.374).
Os autores da proposta de Crescimento Zero eram conscientes do caráter
teórico de suas observações, mas tinham interesse em mostrar que o único caminho
para evitar o colapso era o equilíbrio. Para estes cientistas, o equilíbrio não era
sinônimo de estagnação do progresso, e sim de uma possibilidade de conversão dos
modos de produção e consumo, pelo aumento do investimento em atividades que
gerariam uma satisfação mais autêntica, como a educação, o esporte, a cultura e as
artes, por exemplo.
A década de 1970 foi de suma importância para o debate sobre meio ambiente
e a reflexão acerca do modelo de desenvolvimento vigente. Em 1971, Georgescu-
48
Roegen publicou a obra The entropy Law add the economic process, que se tornaria
um marco da economia ecológica e das considerações sobre o papel da
termodinâmica para o estudo do desenvolvimento e da Sustentabilidade.
Assim como em paises da Europa e nos EUA, no Brasil, foi também a partir de
meados da década de 1970 que o movimento ambientalista passou a ter maior
expressão. Externamente, os ambientalistas brasileiros foram influenciados pela
Conferência de Estocolmo (1972), e internamente foram beneficiados pela superação
do mito desenvolvimentista e pela formação de uma nova classe média, que ampliava
os debates sobre qualidade de vida, nos quais a ecologia encaixava-se bem (JACOBI,
2009).
Também sob influencia de um contexto mundial, na segunda metade dos anos
70 os paises em desenvolvimento passaram a sofrer duras críticas dos paises do
norte, relacionadas à ausência de normas de controle ambiental. Neste momento, o
Brasil desempenhou papel de liderança na organização das nações latino-americanas,
que viam as ofensivas como uma tentativa de interferência e controle em seus planos
nacionais de desenvolvimento.
Para os brasileiros, as restrições ambientais propostas pelos paises de
economia estável eram conflitantes com as estratégias de crescimento nacional,
fundadas na implantação de indústrias com alto potencial poluente, como a
petroquímica, bem como relacionadas à instalação de grandes projetos energéticos,
como ocorria nesta época no país.
Em meio a uma ebulição de idéias e movimentos ambientalistas, em 1972 foi
celebrada em Stocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável, que reuniu lideranças de todos os países. Esta foi a
primeira iniciativa a aglutinar representantes mundiais de governos para discutir a
necessidade de tomar medidas efetivas de controle dos fatores que causavam a
degradação ambiental. Segundo Filho (2009, p.5):
Este evento foi marcado pela célebre frase da então primeira ministra da Índia,
Indira Gandhi: ’A pobreza é a maior das poluições’. Foi neste contexto, que os
países considerados desenvolvidos afirmaram que a solução da poluição e da
degradação ambiental não era frear o desenvolvimento e sim orientá-lo com o
intuito de preservar o meio ambiente e seus recursos não-renováveis para chegar
a uma sustentabilidade contínua.
49
A participação do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável trouxe resultados expressivos. O Secretário Geral do
Ministério do Interior, Henrique Brandão Cavalcanti, membro da delegação brasileira,
ao retornar ao país, promoveu a elaboração do decreto que instituiu a Secretaria
Especial de Meio Ambiente - com a função de traçar estratégias para conservação do
meio ambiente e para o uso racional dos recursos naturais no país - que começou a
operar em 14 de janeiro de 1974 (JACOBI, 2009, p. 7).
Para Jacobi o histórico deste movimento é responsável por uma importante
definição de papéis na militância socioambiental brasileira:
Configura-se, portanto uma dinâmica bissetorial, entre agências ambientais
estatais e algumas entidades ambientalistas, caracterizando uma relação dialética
entre as agências ambientais e as entidades ambientalistas baseada no conflito e
na cooperação. O primeiro decorre da percepção, por parte das entidades, da
pouca eficiência dos controles da poluição exercido pelas agências. A principal
crítica é a excessiva tolerância com as indústrias pela poluição provocada e a
morosidade dos processos de fiscalização. Para as agências, por sua vez, as
entidades têm uma postura ingênua e não possuem o conhecimento necessário
para entender as complexas relações entre indústria e meio ambiente. A
cooperação ocorre na medida em que existe uma certa cumplicidade entre esses
dois atores por duas razões. Primeiro, porque vários dos funcionários que atuam
nas agências também exercem atividades nas entidades. Segundo, devido serem
praticamente os únicos defensores de uma política ambiental em um contexto
onde esta política é relegada a um segundo plano. No fundo, a dualidade
observada na relação das agências com as entidades representa a dialética
existente no país entre Estado e sociedade. Na ausência de uma interação com
as entidades da sociedade civil, a ação do Estado é pautada por medidas
paternalistas ou autoritárias (Jacobi, 2009, p.7).
Ainda em 1974, Ignacy Sachs publica seu estudo intitulado Environment and
styles of development, no qual formula o conceito de ecodesenvolvimento,
apresentando críticas às relações globais entre subdesenvolvimento e
superdesenvolvimento e à modernização industrial como método de progresso das
regiões periféricas. Para Sachs as regiões da África, Ásia e América Latina
necessitavam de um desenvolvimento autônomo, centrado nas peculiaridades de seus
aspectos sociopolíticos e focado nas questões ambientais (SILVA, 2009).
Com ênfase nos aspectos sociais do desenvolvimento, Sachs propunha seis
requisitos para o ecodesenvolvimento:
a) a satisfação das necessidades básicas; b) a solidariedade com as gerações
futuras; c) a participação da população envolvida; d) a preservação dos recursos
naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaboração de um sistema social
50
garantindo emprego, segurança social e respeito com outras culturas, f);
programas de educação.
Para Sachs, o processo de desenvolvimento deveria levar a um crescimento
estável com distribuição eqüitativa de renda, que promovesse a diminuição das
diferenças sociais e o aumento da qualidade de vida (BENETTI, 2006).
Outras duas importantes contribuições foram escritas na década de 1970,
também com ênfase na proposição de um desenvolvimento a partir da mobilização de
forças internas e na reestruturação dos meios de produção. Foram estas a declaração
de Cocoyok (1974),resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e
Desenvolvimento e do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas; e o Relatório
Dag-Hammarsköld (1975), que aprofundou a Declaração de Cocoyok.
Segundo Castro (2007, p.) o primeiro documento Declaração de Cocoyot
levanta as seguintes hipóteses:
a) a pobreza gera o desequilíbrio demográfico, b) a destruição ambiental no
terceiro mundo é também resultado da pobreza, c) a pobreza leva a
população carente a superutilizar os recursos ambientais, d) os países
industrializados contribuem para os problemas de subdesenvolvimento
através do sue nível exagerado de consumo.
O documento apontava ainda um otimismo na capacidade dos seres humanos
de mobilizarem suas forças para reverter o processo de degradação ambiental em
curso (CASTRO, 2007).
O relatório de Dag-Hammarsköld aprofundou a Declaração de Cocoyok e foi
resultado do trabalho da Fundação Dag-Hammarsköld, que reuniu cientistas e políticos
de 48 entidades para uma reflexão acerca do futuro. O documento apresentou
algumas indicativas relevantes para o debate sobre as formas de desenvolvimento:
a) o sistema colonial concentrou os solos mais aptos para a agricultura nas
mãos de uma minoria e dos colonizadores europeus, b) uma outra forma de
desenvolvimento exige mudanças nas estruturas de propriedade do campo, c) os
cientistas e políticos conservadores são responsáveis pelo avanço da problemática
ambiental, devido a sua omissão (CASTRO, 2007).
Percebe-se que a abordagem inicial acerca da temática meio ambiente e
desenvolvimento é muito mais radical que o posicionamento posteriormente adotado e
51
divulgado no relatório Nosso Futuro Comum, de 1987. A proposta de
ecodesenvolvimento, por exemplo, incluía a necessidade de garantia à alimentação e
à satisfação das necessidades básicas e de educação para todos como requisitos ao
desenvolvimento sustentável. As outras teses apresentadas pelos relatórios de
Cocoyok e Dag-Hammarsköld apresentavam uma forte crítica ao modelo de sociedade
adotado, às tecnologias industriais empregadas para manter este modelo, a utilização
intensiva de recursos naturais não renováveis, a matriz energética baseada no
petróleo, e falta de equidade na distribuição das riquezas, o não acesso ao bem-estar
social de algumas classes e, especialmente, a dependência das nações não
industrializadas, que impedia a valorização dos processos políticos e sociais em níveis
locais.
Contudo, mesmo conscientes dos limites naturais e das mazelas sociais
geradas pelo modelo econômico vigente, uma década após a Conferência de
Estocolmo os países de Terceiro Mundo viram-se ameaçados por graves processos
de recessão e inflação, e optaram, novamente, por priorizar a recuperação econômica.
Na mesma via pouco se viu de ações concretas para a diminuição dos impactos
ambientais partindo de países símbolo do modelo econômico capitalista.
Na vigência de uma crise econômica que afetaria grande parte do mundo,
apesar do aumento da complexidade dos problemas ambientais, teóricos com
discursos mais críticos viram-se obrigados a submeter-se aos ditames da globalização
econômica. Neste processo flexibilizaram-se às defesas da necessidade de redução
do crescimento, ou crescimento zero, e nasceu um novo discurso amparado pela
teoria emergente do Desenvolvimento Sustentável.
Uma década mais tarde, a persistência e o agravamento da exploração
econômica da natureza, da degradação ambiental e da marginalização social
motivaram a criação, no ano de 1984, de uma Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente. Constituída a pedido do Secretário Geral das Nações Unidas, a Comissão
recebeu a missão de avaliar os avanços da degradação ambiental e a eficácia das
políticas ambientais para enfrentá-los. Após três anos o grupo de especialistas
designado para este trabalho publicou sua conclusão no documento intitulado Nosso
Futuro Comum (1988), conhecido como Relatório Brundtland (LEFF, 2001).
52
Nosso Futuro Comum reconhece as disparidades entre as nações e a forma
como se acentuam com a crise da vida dos países de Terceiro Mundo. Busca
entretanto um terreno comum onde propor uma política de consenso, capaz de
dissolver as diferentes visões e interesses de países, povos e classes sociais,
que plasmam o campo conflitivo do desenvolvimento. Assim começou a
configurar-se uma estratégia política para a sustentabilidade ecológica do
processo de globalização e como condição para a sobrevivência do gênero
humano, através do esforço compartilhado de todas as nações do orbe. O
desenvolvimento sustentável foi definido como um processo que permite
satisfazer as necessidades da população atual sem comprometer a capacidade
de atender as gerações futuras (LEFF, 2001, p.19).
Foi neste cenário mundial que a problemática da degradação ambiental não
entrou em pauta, mas se manifestou como sintoma de uma crise de civilização,
marcada pela ineficiência do modelo de modernidade amparado pelo desenvolvimento
econômico e tecnológico em detrimento da complexidade do mundo que integra,
também, os valores e potencialidades da natureza e as externalidades sociais (LEFF,
2001).
Porém, o Relatório Brundtland foi consolidado com um tom bem mais
diplomático que as propostas anteriores, citadas. O texto final propõe que o
crescimento não seja negado, nem aos países industrializados nem aos não
industrializados e explicita a percepção de que a superação do subdesenvolvimento só
acontecerá com o desenvolvimento contínuo dos países industrializados, opondo-se a
tese de desenvolvimento autônomo dos países periféricos, proposta anteriormente nos
relatórios de Cocoyot e Dag-Hammarsköld, dentre outros documentos (SILVA, 2009).
O mesmo relatório (Brundtland), ainda, não questiona a acumulação de
propriedade e a distribuição de riqueza e refuta a existência de um jogo de forças e
interesses sociais em prol de uma dominação hegemônica. Ao contrário, enfatiza as
questões ambientais e ecológicas e canaliza atenção para uma suposta necessidade
de estabelecerem-se novas relações entre as nações, sugerindo medidas a serem
tomadas por governos nacionais e instituições internacionais e diminuindo a
importância atribuída à necessidade de existirem novas relações sociais no interior
dos territórios nacionais (SILVA, 2009).
Com base em uma nova possibilidade de debate sobre a questão ambiental e o
desenvolvimento, gerada pelos esforços em torno do Relatório Brundtland e suas
conclusões, todos os Chefes de Estado do Planeta foram convocados para a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que seria
53
realizada no Rio de Janeiro em 1992. A partir desse momento, marca-se a transição
do foco dos debates sobre sustentabilidade, que gradativamente passam a ser
moderados e centralizados por organizações de cunho político e empresarial.
No mesmo contexto de Brundtland, em 1990, a Comissão sobre
Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina e do Caribe criaram seu relatório
intitulado Nossa Própria Agenda, no qual defendiam ser a finalidade central do
Desenvolvimento Sustentável a melhoria da qualidade de vida da população, e a
estratégia para tal melhoria a obtenção da equidade social
Em 1991, um ano antes da realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizações empresariais, alertas para a
intensificação dos debates públicos acerca da Sustentabilidade, movimentaram-se
para consolidar a criação do Business Council for Susteainable Development BCSD,
ligado a ONU, com sede em Genebra. A consolidação desta idéia foi incentivada por
Maurice Strong, importante pesquisador na área do Desenvolvimento Sustentável.
Hoje o BCSD reúne 190 corporações e tem como principal objetivo avançar, junto com
a comunidade internacional de empresários, nas discussões do desenvolvimento
industrial sustentável, que “deverá ocorrer dentro da economia de mercado(GODOY,
2009).
Ainda em 1991, o empresário Stephan Schmidheiny lança o livro Mudando o
Rumo: Uma perspectiva empresarial global sobre desenvolvimento e meio ambiente,
que reúne uma série de workshops e conferências com 50 líderes de grandes
empresas como a Du Pont, Shell, Volkswagem, entre outras. Em seu conteúdo
Schmidheiny afirma que a o sistema de mercado aberto e competitivo, em que os
preços são fixados para refletir os custos dos recursos naturais e outros, é a pedra
angular do Desenvolvimento Sustentável. Futuramente, Stephan Schmidheiny seria
nomeado por Maurice Strong como assessor para assuntos de negócios e indústria na
Eco-92.
No mesmo ano, a Câmara Internacional do Comércio realiza sua segunda
Conferência Mundial sobre Administração Ambiental, na Holanda, na qual é proposta e
assinada a Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, que possui 15
princípios (GODOY, 2009).
54
A carta expressa os compromissos no estabelecimento de um sistema de
gestão ambiental a serem assumidos por empresas. São princípios deste documento:
1. Prioridade Empresarial as empresas devem reconhecer que o
gerenciamento ambiental é prioridade e para isso devem estabelecer
políticas, programas e práticas ambientalmente sadias;
2. Gerenciamento Integrado as políticas, programas e práticas devem
ser integrados em todos os ramos de atividade;
3. Processos de aperfeiçoamento as políticas, programas e práticas
de desempenho ambiental devem levar em conta o progresso técnico
e científico, as necessidades do consumidor e as expectativas da
comunidade, tendo como ponto de partida as leis; para atuarem de
maneira ambientalmente responsável;
4. Avaliação Previa – antes de iniciar qualquer projeto, desativar ou
retirar instalações de algum local, as empresas devem pensar no
impacto que isto trará ao meio ambiente;
5. Produtos e Serviços as empresas devem oferecer produtos e
serviços seguros, eficientes no consumo de energia e recursos,
recicláveis e reutilizáveis;
6. Orientação ao Cliente as empresas devem aconselhar e educar
seus stkeholders sobre segurança no uso, armazenagem e remoção
de seus produtos;
7. Instalações e Operações as empresas devem criar, projetar e
operar instalações, bem como conduzir atividades levando e conta o
uso eficiente de energia e matéria-prima e a minimização dos
impactos ambientais;
8. Pesquisa as empresas devem realizar e apoiar pesquisas sobre os
impactos ambientais derivados de suas atividades;
9. Abordagem Cautelosa as empresas devem ter cuidado para
modificar seus processos de produção, estando atentas à evitar a
degradação ambiental;
55
10. Fornecedores e Empreiteiros as empresas devem, quando
apropriado, promover a adoção dos princípios da carta por
empreiteiros e fornecedores contratados;
11. Alerta de Emergência as empresas devem desenvolver e manter
planos emergenciais de emergência, quando suas atividades
oferecerem risco;
12. Transferência de Tecnologia as empresas devem contribuir para a
transferência de tecnologia ambientalmente correta para os setores
públicos e industriais;
13. Contribuir para esforço comum as empresas devem contribuir para
o desenvolvimento de políticas públicas e programas empresariais
para ampliação da consciência ambiental;
14. Abertura às Preocupações Sociais promover a abertura, por parte
das empresas, para o diálogo social acerca dos perigos e impactos
potenciais de suas atividades;
15. Cumprir as Exigências e Emitir Relatórios – as empresas devem
medir, auditar e avaliar periodicamente suas ações com foco
ambiental (Godoy, 2009).
Em suma, a Carta Empresarial considerava que as organizações deveriam ter
consciência de que desenvolvimento econômico e proteção ambiental são correlatos e
que de ambos dependeria o momento presente e o futuro.
Em 1992, com base na Carta Empresarial, o British Standars Institute (BSI)
lançou a norma BS 7750, normatizando a instalação de sistemas de gestão ambiental.
No mesmo rumo, foram criadas as ISO 9000 e ISO 14000.
Ainda em 1992, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento. O encontro reafirmava a Declaração da Conferência
das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, em 1972
e buscava avançar. Para isto, as nações participantes comprometeram-se a
estabelecer uma nova e justa parceria global, por meio de novos níveis de
cooperação, trabalhando para criação de acordos internacionais que respeitassem o
56
interesse de todos e o sistema global, reconhecendo-se que o lar da humanidade é um
só, a Terra.
Como fruto do encontro, também conhecido como Eco92, surgiu a proposta de
um programa global que regulamentasse o processo de desenvolvimento, amparado
pelos princípios de Sustentabilidade, a Agenda 21.
A Eco92 foi considerada um marco global no debate sobre meio ambiente e
desenvolvimento e teve como resultado, além da Agenda 21, o documento intitulado
Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
que substituiu, temporariamente, a Carta da Terra.
Em uma das recomendações do Relatório Brundtland, está a proposta de
criação de uma Declaração Universal de Proteção Ambiental e Desenvolvimento
Sustentável, com a finalidade de orientar as nações na transição para um novo modelo
de sociedade. Nessa perspectiva, durante a Eco-92, Maurice F. Strong, secretário
geral da Cúpula da Terra Rio-92 propôs a elaboração de um documento que
contemplasse a proposição de Brundtland. Contudo, devido à complexidade da ação,
não foi possível chegar a um acordo entre os governos com relação aos princípios
para uma Carta da Terra, e a Declaração do Rio, resultante Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento foi utilizado como documento guia,
momentaneamente (CARTA DA TERRA, 2009).
Em 1994 Maurice Strong une-se a Mikhail Gorbachev, então presidente da Cruz
Verde Internacional, para lançarem uma nova proposição de elaboração da Carta da
Terra, para a qual tiveram o apoio financeiro do governo holandês. Em 1995,
Mohamed Sahnoun, embaixador da Argélia, foi nomeado primeiro diretor executivo do
projeto da Carta da Terra e uma Secretaria foi estabelecida no Conselho da Terra, na
Costa Rica. Em 1996, Mirian Vilela, do Brasil, tornou-se coordenadora das atividades
da Carta da Terra no Conselho da Terra e no final do mesmo ano uma Comissão foi
formada para acompanhar o processo de esboço desta Carta. Esta Comissão foi
liderada por Strong e Gorbachev e incluiu um grupo de vinte e três personalidades
eminentes das principais regiões do mundo, que trabalharam na primeira proposta do
documento por três anos (CARTA DA TERRA, 2009).
Com base no primeiro esboço, centenas de organizações e milhares de
pessoas participaram da elaboração da Carta da Terra, que contou com quarenta e
57
cinco comitês nacionais e diálogos conduzidos presencialmente e pela internet ao
redor do mundo. O Comitê de Redação da Carta da Terra trabalhou muito próximo a
Comissão de Direito Ambiental da União Internacional para Conservação da Natureza
(IUCN). O documento amplia leis internacionais ambientais e de Desenvolvimento
Sustentável e reflete as preocupações e aspirações das sete cúpulas das Nações
Unidas realizadas nos anos 90 em torno dos temas de meio ambiente, direitos
humanos, população, crianças, mulheres, desenvolvimento social e cidades, além de
reconhecer a importância da divulgação da democracia participativa e deliberativa
para o desenvolvimento humano e a proteção ambiental (CARTA DA TERRA, 2009).
O texto final da Carta da Terra foi aprovado em março de 2000 no encontro da
Comissão da Carta da Terra na sede da Unesco e contém um preâmbulo, 16
princípios principais, 61 princípios de apoio e uma conclusão, sob o título “O Caminho
Adiante”. A Carta da Terra encoraja todos os povos a reconhecerem uma
responsabilidade compartilhada, cada um de acordo com sua situação e capacidade,
pelo bem-estar de toda a família humana, da comunidade maior da vida e das futuras
gerações. Reconhecendo a inter-relação dos problemas ambientais, econômicos,
sociais e culturais da humanidade, a Carta da Terra apresenta um arcabouço ético
inclusivo e integrado (CARTA DA TERRA, 2009).
Ao lado da Carta da Terra, a Agenda 21 caracteriza-se como resultado da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano e é uma tentativa de
especificar as ações necessárias para conciliar desenvolvimento e Sustentabilidade.
Seu texto procura indicar caminhos para a formulação de políticas públicas e práticas
para a Sustentabilidade.
O documento da Agenda 21 é dividido em quatro seções: dimensões sociais e
econômicas, conservação e gerenciamento dos recursos para o desenvolvimento. As
secções são divididas em 40 capítulos que abordam temáticas como: base para ação,
objetivos, atividades, estimativa de custos, meios técnicos e científicos,
desenvolvimento de recursos humanos e capacitação.
Mesmo com os resultados significativos da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), há críticas sobre o encontro,
como as apresentadas por Leandro Dias de Oliveira (2009). Para o autor a Eco-92,
programada durante convocação da ONU em 22 de dezembro de 1989 seria o palco
58
perfeito para a transformação estratégica do desenvolvimento capitalista. Para Oliveira
(2009, p.54):
Em uma primeira análise, a Eco-92 foi a grande responsável pelo acordo de
celebração do modelo de Desenvolvimento Sustentável em caráter global, com a
adoção da Agenda 21 como receituário dos países signatários. Mas o verdadeiro
acerto ocorreu anteriormente, na conferência da cúpula G&, em 1989, antes da
convocação da CNUMAD, quando os sete países mais poderosos
economicamente do mundo fizeram um apelo no sentido da adoção imediata, em
âmbito mundial, de políticas baseadas no desenvolvimento sustentável. O
empresariado de maior estatura internacional também adotou a cartilha do novo
modelo, pactuado na Segunda Conferência Mundial da Indústria sobre o
Gerenciamento Ambiental, organizada pela Câmara Internacional do Comércio.
Através da assinatura de um catálogo de diretrizes intitulado ‘Carta Empresarial
para o Desenvolvimento Sustentável’, esta conferência, que ocorreu no ano de
1991, também estimulou a adoção de práticas administrativas que efetivem esta
nova estratégia de progresso econômico. Outros grupos empresariais, que
enquadram Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão, Índia e Malásia, também
empreenderam mecanismos de regulamentação ambiental de acordo com os
ensinamentos da sustentabilidade. A adoção imediata dos pressupostos do
Relatório Brundtland pelas nações mais poderosas e pelo empresariado
internacional não ocorreu por cooptação ou mudança de prioridades: o
Desenvolvimento Sustentável nasceu no âmago do pensamento da classe
dominante, e utiliza os pressupostos do conservacionismo juntamente com um
ensinamento do universo econômico de gestão e negócios: o ‘Princípio da
Precaução.
Segundo Oliveira (2009), após a ECO92 o discurso do Desenvolvimento
Sustentável configura-se como ideologia dominante e assume um caráter genérico e
global, portando um conteúdo incompleto e afastando-se cada vez mais da proposta
de Crescimento Zero e das idéias da Conferência de Estocolmo.
Para o autor (OLIVEIRA, 2009), a própria escolha do país a sediar a Eco-92
parece ter sido minuciosamente articulada. O Brasil, apesar de periférico e de
industrialização tardia, apresentava um potencial cultural rico e diversificado, em seu
território localizava-se a maior parte da Amazônia e o Rio de janeiro era palco ideal
para celebração da festa do Desenvolvimento Sustentável. A escolha do país ocorreu
imediatamente após a o encontro convocado pelo Instituto de Economia Internacional,
em 1989, em Washington. A temática deste evento foi a avaliação das reformas
econômicas nos países da América Latina e seu resultado foi a publicação do
Consenso de Washington.
Na opinião de Oliveira (2009, p. 78), na Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento teve como principal objetivo a ratificação da
proposta neoliberal recomendada pelo governo norte-americano.
59
[...] o objetivo foi criar a aparência de um debate amplo e democrático, entre
todos os participantes de praticamente todas as nações do mundo, sobre as
possíveis soluções para os grandes problemas ambientais. Mas, ao contrário
desta aparência dialógica, a Eco-92 foi verdadeiramente o palco escolhido para a
aclamação do Desenvolvimento Sustentável enquanto mecanismo de
transformação dos problemas ambientais em lucros crescentes. Os eventos
paralelos, que reuniram ONG’s, movimentos sociais e ativistas políticos, foram
tratados de maneira geral pela mídia como um prolongamento festivo do evento.
A agenda internacional estava planejada, e faltava a cooptação universal dos
países periféricos e dos próprios movimentos de questionamento. A Eco-92 foi
uma atividade cênica, com movimentos de decisão coreografados, cujo cerne era
informar a platéia, de maneira célebre, acerca do Desenvolvimento Sustentável. A
assinatura da Agenda 21 foi o ato simbólico, o marco crucial mais contundente da
efetivação deste modelo enquanto nova ordem.
Como sequência do encontro realizado do Rio de Janeiro, aconteceu em
Johanesburgo, na África do Sul, em 2002, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, conhecida como Rio + 10. Compareceram no evento cerca de 20 mil
participantes de 193 países, sendo que 100 nações estavam representadas por seu
chefe de Estado.
Durante a realização da Eco-92, também conhecida como Cúpula da Terra, em
1992, o mundo via anunciar-se o fim a Guerra Fria e da divisão do planeta em dois
blocos, polaridade que marcara as décadas anteriores. Neste contexto, para alguns, o
encontro representou um avanço na proposição de modelos de cooperação
multilaterais em prol da solução de problemas globais (CLIQUE RIO+10, 2002).
Dez anos depois constatava-se que os documentos assinados no Rio de
Janeiro, tão celebrados, quase não ajudaram na transformação da sociedade e pouco
alteraram a realidade. Mesmo o processo preparatório da Cúpula de Johanesburgo
denunciava a falta de vontade política dos países desenvolvidos em arcar com suas
responsabilidades pelos impactos socioambientais gerados em seus processos
produtivos (CLIQUE RIO+10, 2002).
Estes entraves, somados a dificuldade na implementação da Agenda 21
deixaram clara a falta de estrutura para a promoção do Desenvolvimento Sustentável.
A forma com que os desafios ambientais foram tratados, sob a égide de um
complicado sistema de instituições, programas e secretariados de Convenções das
Nações Unidas mostrara-se cada vez mais frágil e ineficiente para responder as
expectativas da sociedade (CLIQUE RIO+10, 2002).
60
Às vésperas da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio + 10),
os países pobres viam-se com pouca influência sobre a governança global e
marginalizados nas negociações multilaterais. Os países industrializados dominavam
os debates ambientais, que eram determinados por interesses econômicos e
científicos do norte, enquanto continuavam desprezadas as dimensões da equidade e
justiça social na agenda do Desenvolvimento Sustentável (CLIQUE RIO+10, 2002).
No final do século XX e início do século XXI, intensificavam-se também os
conflitos entre o norte e o sul e entre a sociedade civil e a indústria. Os países
economicamente dominantes defendiam a globalização dirigida pelas corporações,
com base na liberalização do mercado e na privatização dos serviços públicos. O
conceito de Desenvolvimento Sustentável passava a ser empregado para descrever
as propostas destas lideranças, não importando quão inadequadas pudessem ser
diante da crise social e ecológica vigente.
Neste cenário, em fevereiro de 1998, encontraram-se em Genebra movimentos
sociais de todos os continentes, com intuito de lançar uma coordenação mundial
contra o mercado globalizado, designada “Ação Global dos Povos”. Milhares de
organizações aderiram ao chamado da anti-globalização e juntas idealizaram
encontros denominados “Dias Globais de Ação contra o Sistema Capitalista”, que
eram moderados de forma descentralizada e não-hierárquica, conduzidos por grupos
de todo Planeta, que propunham a celebração da resistência e da luta pelos direitos
humanos em sua forma mais ampla. Estavam juntos nesta caminhada ecologistas,
pacifistas, feministas, camponeses, defensores do comércio justo, católico
progressistas, sindicalistas, enfim, todos os movimentos motivados pela crença em um
novo modelo de sociedade (AGP.ORG, 2009).
Estimulados pela força do movimento de Ação Global dos Povos, em 30 de
novembro de 1999 centenas de países organizaram seu Dia Global de Ação contra o
Sistema Capitalista, e em Seatle uma multidão impediu a chegada de vários
delegados a reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC). O evento de Seatle
teve repercussão mundial e disparou um alerta para governos e corporações sobre a
força dos movimentos periféricos e seu poder de organização em rede.
O Movimento de Ação Global dos Povos que permanece ativo até os dias atuais
tem como princípios (AGP.ORG, 2009):
61
i. A rejeição muito clara ao capitalismo, ao imperialismo, ao feudalismo e a todo
acordo comercial, instituições e governos que promovam a globalização
destrutiva.
ii. A rejeição a todas as formas e sistemas de dominação e discriminação,
incluindo o patriarcado, o racismo e o fundamentalismo religioso de todos os
credos.
iii. Uma atitude de confronto – pois o movimento não acredita que o diálogo possa
ter efeito em organizações profundamente anti-democráticas e tendenciosas,
nas quais o capital transnacional é o único sujeito político real.
iv. O chamado a ação direta, a desobediência civil e o apoio às lutas dos
movimentos sociais, propondo formas de resistência que maximizem o respeito
à vida e os direitos dos povos oprimidos, bem como a construção de
alternativas locais para o capitalismo global.
v. A filosofia organizacional baseada na descentralização e na autonomia.
Ainda como fruto do movimento iniciado em Genebra, em 1998, uma nova
proposta de debate surge no cenário mundial, incentivada pela “Ação pela Tributação
das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos” (ATTAC), ligada ao jornal Le
Monde Diplomatique. Nessa nova perspectiva, sugere-se o abandono do termo
antiglobalização e substituição pelo termo altermundialista”, que tem sua origem no
lema “Um outro mundo é possível”. Neste espírito, nasce a proposta de organização
de um Fórum Social Mundial, realizado pela primeira vez na cidade de Porto Alegre,
em 2001.
Em contrapartida, um ano antes do evento Rio + 10, mais precisamente em
novembro de 2001, ministros do comércio de 140 países haviam se reunido em Doha,
Qatar, em um encontro que resultou na outorgarão à Organização Mundial do
Comércio (OMC) de um novo mandato, que permitia ao Órgão arbitrar sobre a crise
dos recursos naturais, sendo foro para determinar em acordos internacionais
relacionados a conflitos referentes ao tema comércio e meio ambiente.
Segundo a Clique Rio+10 (2002) os acordos firmados em Qatar, também
denominados de acordos de Doha, outorgaram poderes a OMC para:
62
a) aumentar o controle das corporações sobre os recursos naturais, permitindo
que as decisões sobre seu uso se baseiem a cada vez mais nas demandas no curto
prazo dos mercados financeiros mundiais;
b) intensificar a exploração dos bosques, a agricultura e a pesca orientadas
para a exploração, como também a queima de combustíveis fósseis, a mineração e a
exploração de outros recursos naturais;
c) eliminar mais políticas de conservação e de desenvolvimento comunitário por
considerá-las barreiras injustas para o comércio;
d) determinar quem se apropria dos remanescentes dos recursos naturais
mundiais em grave processo de degradação;
e) subordinar os acordos ambientais multilaterais (MEA, por sua sigla em inglês)
aos direitos para corporações estabelecidas nas regulamentações da OMC.
Para muitos, o acordo de Doha poderia chegar um dia a ser conhecido como
uma declaração de guerra silenciosa contra os direitos dos povos do planeta e uma
ameaça a soberania dos povos na defesa de seus próprios recursos. Contudo,
naquele momento, o relatório preparatório para Johannesburgo, apresentado pela
ONU, qualificava os acordos de Doha, da OMC, como um sucesso.
Um ano a frente ocorre a realização da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, em 2002, evento no qual os debates giraram em torno da constituição de
um plano para instrumentalização de ações com objetivo de orientar políticas
nacionais e mundiais em busca do Desenvolvimento Sustentável. As Declarações
Políticas então formuladas dividiam-se em duas categorias: Tipo I Obrigatórios e
Tipo II Voluntários. A segunda categoria referia-se a projetos desenvolvidos em
parceria, que apontavam a viabilização do Desenvolvimento Sustentável, com ênfase
na participação do setor privado, principalmente por meio de parcerias público-
privadas (WRM, 2002).
Quatro anos mais tarde o Brasil sediou, em 2006, a oitava Conferência das
Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Úmidas (COP 8), tendo
como pauta a diversidade biológica das ilhas oceânicas, as terras áridas e sub-
úmidas; a iniciativa sobre taxonomia; o acesso à repartição de benefícios; a educação
e conscientização pública; a implementação dos direitos das populações tradicionais;
o progresso na aplicação do Plano Estratégico da Convenção sobre Diversidade
63
Biológica (CDB), o monitoramento rumo ao objetivo de 2010 e o aperfeiçoamento dos
mecanismos de apoio da CDB. A primeira sessão da Conferência das Partes da
Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (COP 1) foi realizada em
Berlim no ano de 1995 e culminou com a proposta do Protocolo de Kyoto, segundo o
qual os países industrializados reduziriam suas emissões combinadas de gases de
efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990 até o período entre
2008 e 2012. Entretanto, os Estados Unidos da América não assinaram o manifesto
sob a justificativa de que prejudicaria sua economia (SESI, 2008a).
Paralelamente a COP 8, foi realizado o Meeting of Parties (MOP 3), reunião
dos países membros do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, no âmbito da
CDB. O encontro procurou estabelecer consenso sobre cultivo e comercialização de
produtos orgânicos modificados pela biotecnologia, e o modo a garantir segurança
ambiental e familiar (SESI, 2008a).
Desde a Rio+10 inúmeros eventos focados na temática da sustentabilidade
foram realizados, conduzidos por organizações públicas, privadas e ONGs de todo o
mundo com interesses distintos. Nota-se que o termo Sustentabilidade tornou-se usual
em diversos universos, que vão desde campanhas publicitárias para promoção de
marcas até sua veiculação como assunto de séries inteiras de TV. Mas sem dúvida, as
organizações empresariais têm liderado esta corrida e são referência na apropriação
deste conceito (Sustentabilidade).
64
1.3 Da Responsabilidade Corporativa e a Sustentabilidade
Aceita-se neste trabalho que o movimento ambientalista (anteriormente tratado)
e o processo de Responsabilidade Social Corporativa (foco das próximas páginas) são
elementos históricos correlatos, que acontecem dentro de um mesmo ambiente social
impulsionados por fatores convergentes. Compreende-se que para este estudo ambos
são fundamentais e de extrema importância na construção do discurso apropriado
pelas organizações. Assim, optou-se por detalhar aqui também a trajetória da
Responsabilidade Social no Brasil, buscando trilhar os caminhos que a fizeram migrar
para a temática da Sustentabilidade.
Em nosso país a filantropia é um fenômeno datado do século XVI, quando
movidos pela lógica cristã, os ricos sustentavam educandários, hospitais, santas casas
e asilos. No final do século XIX e início do século XX, intensificaram-se as ações do
Estado na área social, especialmente relacionadas às questões de saúde, higiene e
educação, necessidades potencializadas com a crescente urbanização (ASHOKA,
2001).
Nas décadas de 1920 e 1930, com o aumento do número de operários nas
indústrias e o crescimento das cidades, começaram a surgir no país organizações sem
fins lucrativos, em grande parte atreladas ao Estado, que buscavam solução para os
problemas da pobreza e exclusão social. Na mesma época surgem também muitos
sindicatos e federações vinculadas ao setor privado, que tem como foco o auxílio a
imigrantes, trabalhadores e funcionários públicos (ASHOKA, 2001).
Uma das primeiras iniciativas sociais vindas da classe empresarial constituiu-se
em resposta a uma suposta “ameaça comunista” que assolava o país, nos idos de
1945. Neste ano, deu-se a criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores, que
tinha como objetivo a retomada da luta da classe operária e a liberdade sindical, em
oposição ao controle instituído na era Vargas. Anarquistas e comunistas vinham
difundindo entre a classe operária suas interpretações de crítica social, e fomentavam
o confronto dos trabalhadores com as elites industriais, propondo uma revolução na
sociedade. Para minimizar a situação de conflito, as próprias elites, que se
autonomeram classe produtora, buscaram organizar-se e propor soluções que
privilegiavam a harmonia entre as classes em prol do bem comum (SESI, 2008a).
65
Neste sentido, ainda em 1945, realizou-se a I conferência Nacional das Classes
Produtoras do Brasil, que teve como resultado a elaboração da “Carta Econômica de
Teresópolis”. Na sequência, a Federação das Indústrias de Minas Gerais, junto com os
Sindicatos Patronais do Estado, elaborou a “Carta da Paz Social”, que declarava a
necessidade de uma sólida estabilidade social, fundada na ordem econômica, que
conseguiria fraternizar os homens. Uma das propostas contidas no documento era a
criação de um fundo social da indústria, que seria utilizado para benefício dos
trabalhadores. A partir desta deliberação, criou-se e 1946 o Serviço Social da Indústria
(SESI), com intuito de organizar e gerir as ões sociais da classe empresarial (SESI,
2008a).
Na década de 1960 a Igreja Católica teve papel preponderante nas questões
sociais brasileiras. A forte repressão da ditadura contra os movimentos sociais fez com
que as Comunidades Eclesiais de Base desempenhassem um papel ativo na
mobilização popular, organizando grupos que se reuniam para refletir e transformar a
realidade a partir da bíblia. Após o Golpe de 64, novas Comunidades Eclesiais foram
fundadas e começaram a reivindicar pequenas melhorias nos bairros e também atuar
na conscientização popular para a condição social e política do país. Destes
movimentos saíram grandes lideranças nacionais, como Leonardo Boff e Frei Beto,
que militam até hoje pela causa da justiça social e da Sustentabilidade (SESI, 2008a).
Ainda em 1960, também vinculada à igreja, surgiu no país a Associação dos
dirigentes Cristãos de Empresas, com sede na cidade de São Paulo. A organização
orientava empresários em suas ões sociais e organizava encontros anuais, nos
quais os participantes apresentavam balanços de suas atividades filantrópicas que
subsidiavam a reflexão coletiva e o planejamento de novos projetos.
Na década de 1970 inúmeras organizações de defesa dos direitos políticos,
civis e humanos são fundadas no Brasil.
Tais organizações autodenominaram-se “não governamentais”, marcando uma
postura de distinção quanto às ações governamentais. Foi daí que surgiu o termo
ONG (organização não-governamental), hoje disseminado e utilizado para
designar qualquer tipo de organização sem fins lucrativos (ASHOKA, 2001, p.14).
As entidades surgidas no seio da resistência política contribuíram para a
disseminação da noção de cidadania entre a sociedade brasileira e desempenharam
66
papel-chave para a entrada de recursos de fundações internacionais no país. Com
este movimento, as organizações diminuíram seu vínculo com o Estado e passaram a
depender mais de agências financiadoras internacionais.
Nos anos 80 os movimentos sociais são marcados por uma maior pluralização,
e passam a dialogar acerca de novas temáticas, incluindo as questões ambientais.
Inicialmente o movimento ambientalista brasileiro concentrou suas atividades nas
regiões Sul e Sudeste, e restringia-se a desenvolver ações junto a comunidades
rurais, bem como iniciativas de educação ambiental, de recuperação e de proteção de
ambientes degradados. Outro importante foco deste movimento centrava-se na
organização de campanhas de sensibilização e denúncias a situações de destruição
do ambiente. Ficaram famosas no país as denúncias contra o desmatamento da
Amazônia, em 1978, e a luta contra a inundação de Sete Quedas, no Paraná, entre
1979 e 1983. Muitas destas ações tiveram repercussão internacional e foram
fortalecidas com a volta de ativistas políticos do exílio.
Para Jacobi (2009), mesmo com boa representatividade no país, as iniciativas
ambientais ocuparam posição secundária no discurso dos movimentos sociais em prol
da cidadania a meados da década de 1980. Somente com o agravamento dos
problemas sociais e com o amadurecimento das lideranças populares foi possível
conceber que meio ambiente e cidadania caminhavam juntos.
Também nos anos 80, o avanço do desmatamento na Amazônia e a quase
eliminação das áreas de Mata Atlântica no país chamaram a atenção de ONGs
internacionais, que passaram a apoiar organizações brasileiras e contribuir com a
mobilização da opinião pública e da mídia para a causa ambiental. Neste cenário, o
caso de extrema poluição e degradação da cidade de Cubatão foi emblemático, ao
expor em rede mundial os dramáticos resultados do descaso das indústrias brasileiras
com a qualidade de vida da população de seu entorno (JACOBI, 2009).
Contudo, apesar dos avanços, as práticas do movimento ambientalista ainda
permaneciam restritas aos setores mais esclarecidos da sociedade, como a academia,
partidos políticos, sindicatos e ativistas sociais. Em geral, as ações não emergiam dos
setores de baixa renda, atingidos mais diretamente pela pobreza e pela degradação
do ambiente. Para Jacobi (2009, p.9):
Parte significativa das associações ambientalistas não tinham praticamente
nenhum diálogo ou repercussão na população mais excluída, principalmente
67
porque em muitos casos os grupos defendiam intransigentemente o ambiente,
levando muito pouco em consideração as dimensões socio-econômicas da crise
ambiental.
Segundo o autor, o isolamento que as organizações ambientalistas tinham dos
outros movimentos sociais contribuiu para a pouca aderência do discurso ambiental na
sociedade. Esta realidade começa a se transformar em meados da década de 1980,
com o fortalecimento da vertente socioambientalista nos movimentos.
Também neste período emerge a necessidade das ONGs brasileiras,
independente da causa pela qual se organizavam, profissionalizarem suas ações,
enveredando-se pelo campo político institucional e buscando garantir em forma de lei
os direitos pelos quais militavam. Neste novo contexto, muitas transformações
ocorreram no tecido social, que refletiram as lutas dos diversos movimentos e
provocaram uma mudança qualitativa na vida das pessoas. Assim, gradualmente a
opinião pública passou a legitimar algumas lutas sociais e seus atores, contribuindo,
dentre outras coisas, para o fortalecimento da variável socioambiental no campo
institucional.
Nesta época, os movimentos sociais organizados iniciaram uma ação de
cobrança mais efetiva sobre a classe industrial, exigindo que as organizações se
tornassem mais transparentes e assumissem a responsabilidade pelos impactos
gerados em sua produção.
Assim, sob pressão dos movimentos populares, a partir da segunda metade da
década de 1980 a temática socioambiental assumiu papel relevante no discurso de
várias personalidades da sociedade brasileira, penetrando em outras dinâmicas
organizacionais e estimulando o engajamento de cientistas, empresários e outras
lideranças, para os quais o discurso do Desenvolvimento Sustentado passou a
assumir a ter papel preponderante (JACOBI, 2009).
Desta fase em diante as ONGs brasileiras passaram por uma grande
reformulação. Muitas entidades se profissionalizaram e captaram recursos de
fundações internacionais. Entre 1985 e 1991 ocorreu um boom de novas entidades,
que começaram a ser vistas como uma oportunidade de mercado o mercado
socioambiental. A abertura de escritórios de ONGs internacionais, como o Greenpeace
e a Friends of Earth também contribuiu para uma modificação no cenário nacional. As
68
“novas” organizações possuíam objetivos mais específicos, como a luta contra o
trabalho escravo, apreservação de recursos hídricos, a recuperação da Mata Atlântica
e a defesa da Amazônia; ou como nos dias atuais, a compensação dos créditos de
carbono (JACOBI, 2009). A profissionalização incluiu a ampliação das fontes de
recurso, que hoje abrangem, além das fundações internacionais, fundos públicos,
mensalidades de associados e doações de empresas. Para tanto, os movimentos
também flexibilizaram sua postura e superaram a rejeição aos diálogos com
economistas e empresários. Na nova ordem, os pilares econômico, ambiental e social
são compatíveis e correlatos.
Em 1984 o movimento “Diretas Já” fortaleceu a sociedade civil e criou bases
para a nova Carta Constitucional do país (1988), que garantiu vários dispositivos
centrados nos direitos sociais, inexistentes aentão. Ainda nesta década, a abertura
dos países do Leste europeu e o agravamento dos problemas socioambientais na
África levaram os órgãos de cooperação internacionais a redirecionarem a aplicação
de seus recursos, obrigando as ONGs latino-americanas a buscarem outras formas de
sustentação.
Em 1990 os movimentos sociais voltaram suas ações para basicamente dois
focos bastante convergentes: a cidadania e a exclusão social. Neste momento
também buscavam soluções compartilhadas e uma maior organização em rede. Por
meio de suas ações, as organizações passaram a participar da elaboração de políticas
sociais e contribuíram para ampliar a esfera pública para além do circulo estatal.
Nesta conjuntura, o Estado passou a adotar uma nova postura administrativa
que propunha a atuação pública conjunta com a sociedade civil e as empresas, na
solução de problemas e implementação de projetos sociais. Nesse contexto, o
movimento da responsabilidade social empresaria emerge e se fortalece no Brasil e
assume uma lógica sujeita as demandas do mercado globalizado. No país, o
envolvimento de organizações empresariais com questões sociais não é uma
experiência nova, mas as práticas recentes apontam um redirecionamento na
dimensão deste envolvimento e nas questões que aborda (SESI, 2008b).
Para lourenço e Schoder (apud SESI, 2008b, p.213):
O movimento de valorização da Responsabilidade Social Empresarial no Brasil
ganhou forte impulso na década de 1990. Esse processo desenvolveu-se num
contexto marcado pelo fim do regime militar, reformas do Estado, crises
econômicas e instabilidade monetária, baixo crescimento e, ao mesmo tempo,
69
pela introdução de privatizações e reformas no Estado. Soma-se a esses fatores
o processo de globalização que desencadeia uma série de novas dinâmicas que
acentuaram a exclusão social, como a precarização do trabalho e o aumento dos
níveis de desigualdade social e desemprego.
A abertura do mercado e a intensificação das pressões sociais - gerada pelo
maior acesso e melhor qualidade de informações disponibilizadas aos consumidores -
impôs às empresas brasileiras a necessidade de reavaliar seu papel e criar
mecanismos de inserção política e intervenção social. Nesta lógica, a responsabilidade
social empresarial foi, para alguns, uma oportunidade.
De modo geral, o surgimento da responsabilidade social na América Latina deu-
se em um contexto marcado pelo fim dos regimes militares, acompanhado por crises,
instabilidade, baixo crescimento, aumento do desemprego e das desigualdades
sociais. Um contexto também marcado pelo enfraquecimento do Estado e pela
introdução das reformas neoliberais e de democratização, em que a sociedade
organizada buscava novas oportunidades para expressar-se (SESI, 2008a).
Como parte deste movimento, em 1993 o sociólogo Herbert de Souza (Betinho),
lança a Campanha Nacional da Ação da Cidadania contra a fome, a Miséria e pela
Vida, que recebe apoio do Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Com o
crescente aumento do sucesso de sua Campanha, em 1997 Betinho lança, em
parceria com a Gazeta Mercantil, o primeiro modelo de Balanço Social brasileiro, que
tinha como finalidade estimular as empresas a divulgarem os resultados de sua
participação social e refletirem sobre suas práticas nessa área (KRAEMER, 2009).
No ano de 1995, 25 organizações empresariais que mantinham, desde 1989,
um grupo de discussão sobre filantropia, fundou o Grupo de Institutos Fundações e
Empresas - GIFE que se consolidaria no país como uma referência na temática do
investimento social privado.
Nascida com objetivo de contribuir para a promoção do Desenvolvimento
Sustentável no Brasil, a organização traçou como missão o aperfeiçoamento e difusão
dos conceitos e práticas do uso de recursos, com vistas ao alcance do bem comum.
Para tanto, o GIFE porta-se como uma entidade que contribui para que seus
associados desenvolvam com eficácia e excelência seus projetos e atividades. Com
esta finalidade, subsidiado-os com informações, oferece capacitação e proporciona um
70
espaço para troca de experiências, estimulando parcerias na área social entre o setor
privado, o Estado e a sociedade civil organizada (GIFE, 2009).
Dados recentes divulgados no site da organização apontam que sua rede de
associados investe quase R$ 1 bilhão por ano em projetos relacionados às temáticas
educação, cultura e desenvolvimento comunitário, tendo uma constante preocupação
na construção de uma sociedade Sustentável.
Para o GIFE, o investimento social privado, foco de suas ações, é uma
especificidade da responsabilidade social, materializada pela transferência de recursos
privados para fins blicos. Neste repasse de recursos a empresa transfere também
seu know-how de gestão, planejamento, cumprimento de metas e avaliação de
resultados, ajudando a promover transformação social (GIFE, 2009).
Segundo a instituição, algumas vezes, ao entrar em contato com as dinâmicas
da comunidade, por meio dos investimentos sociais, as empresas são “contaminadas”
por uma visão social que influencia seu próprio negócio (GIFE, 2009).
Ainda nos anos 90, as empresas passam a enfrentar cada vez mais os desafios
da crescente competição internacional, e a qualidade da gestão e dos produtos são
fatores essenciais, assim como o são outros fatores de ordem ambiental e social. De
outro lado, o rigor da legislação ambiental brasileira também se intensifica, e pressiona
as organizações para que produzam com menor impacto sobre o meio ambiente,
adotando processos mais limpos.
Com acirramento da disputa pelo mercado global e o intensificação da
fiscalização ambiental, criam-se novas normas e códigos de conduta, a exemplo da
norma SA 8000, instituída em 1998, como objetivo de certificar as condições de bem-
estar e trabalho das indústrias; e da Associação Brasileira de Normas Técnicas -
ABNT NBR 16001 Responsabilidade Social Sistema de Gestão Requisitos, da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (SESI, 2008a). A continuidade deste
processo de “normatização das práticas social” perdurará até os dias atuais,
intensificando-se.
Assim como no final dos anos 80 as ONGs começaram a despertar o interesse
de muitas pessoas antes não ligadas as “causas sociais”, constituindo-se em um novo
mercado de trabalho e de oportunidades, abre-se com as certificações e
normatizações uma nova oportunidade comercial, e rapidamente constituem-se
71
centros de formação de consultores, técnicos e empresas de standartização das novas
tecnologias.
Na América Latina algumas organizações empresariais unem-se e constituem,
em 1997, uma rede de relações com a organização empresarial americana Business
Social Responsability (BSR). Estas empresas têm como objetivo elaborar um modelo
de Responsabilidade Social Empresarial compatível com a realidade latino-americana
(SESI, 2008a).
No mesmo ano (1997) surge no país o Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que se coloca como a primeira associação
empresarial no país a discutir a necessidade dos princípios da Sustentabilidade serem
incorporados ao mundo dos negócios. O CEBDS integra uma rede de conselhos
vinculada ao Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável
(WBCD), já citado no capítulo inicial deste trabalho (CEBDS, 2007).
Para a instituição (CEBDS, 2007, p.8):
Transformar o modelo econômico tradicional em um novo paradigma é o maior
desafio da entidade. Se, no passado, ainda existia alguma dúvida quanto a
falência do modelo de desenvolvimento econômico praticado ao longo de toda
era industrial, - quando as organizações ocupavam-se apenas em extrair,
transformar, comercializar e descartar os recursos naturais utilizadoshoje, é um
consenso que não é mais viável perpetuar esse modelo de desenvolvimento,
porque os recursos naturais já dão sinal de esgotamento.
Assim, a organização propõe aliar sucesso financeiro com equilíbrio ambiental e
atuação social. Para isso trabalha na construção de uma sociedade economicamente
próspera, socialmente justa e ambientalmente responsável (CEBDS, 2007, p.8).
Em sua caminhada, o CEBDS coloca-se como porta-voz do setor empresarial
brasileiro, trabalhando em parceria com renomadas instituições acadêmicas e ONGs,
e, segundo a própria instituição, atua também como representante das empresas junto
ao Governo Federal para ajudar a construir uma política geral de Desenvolvimento
Sustentável em benefício da sociedade brasileira.
Esta postura adotada pelo CEBDS deixa a mostra o processo de migração da
temática do Desenvolvimento Sustentável, que ao longo de aproximadamente 30
anos, desloca-se de um debate periférico para o centro nervoso das preocupações, e
passa de bandeira empunhada pelos movimentos sociais e teóricos críticos do modelo
72
capitalista neoliberal a bandeira hasteada pelos principais empresários e lideranças
políticas globais, como que num passe de mágica.
Nesta trajetória, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável constrói sua missão como sendo a integração dos princípios práticos do
Desenvolvimento Sustentável nos negócios, e para tanto, centra-se em cinco objetivos
estratégicos, colocados a seguir:
i. Facilitador – oferecer uma plataforma segura para que as empresas
possam trocar conhecimento e experiência, facilitar parcerias e se
engajar em diálogos de múltiplas partes;
ii. Provedor fornecer informações, direcionamentos, produtos e
ferramentas que auxiliem as empresas a implementar, medir e comunicar
seus esforços em direção ao Desenvolvimento Sustentável;
iii. Defensor representar de maneira pró-ativa a visão das empresas em
assuntos relacionados ao Desenvolvimento Sustentável em debates e
formulação de políticas públicas com governos e demais grupos de
interesse;
iv. Comunicador disseminar melhores práticas, demonstrando a
contribuição das empresas para o Desenvolvimento Sustentável para a
sociedade em geral, de forma simples e compreensível;
v. Catalisador – estimular a Sustentabilidade nas empresas associadas, por
meio de projetos e parcerias, que gerem resultados concretos (CEBDS,
2007, p.8).
Na mesma linha, um ano mais tarde, em 1998, outro grupo de empresários cria
o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que propunha mobilizar,
sensibilizar e ajudar empresas a gerir seus negócios de forma socialmente
responsável, como parceiras na construção de uma sociedade justa e Sustentável
(INSTITUTO ETHOS, 2009).
O Instituto Ethos tem como missão ajudar na disseminação da prática da RSE,
contribuindo para que as instituições possam:
i. Compreender e incorporar de forma progressiva o conceito do
comportamento empresarial socialmente responsável;
73
ii. Implementar políticas e práticas que atendam a elevados critérios éticos,
contribuindo para o alcance do sucesso econômico sustentável em longo
prazo;
iii. Assumir suas responsabilidades com todos aqueles que são atingidos
por suas atividades;
iv. Demonstrar a seus acionistas a relevância de um comportamento
socialmente responsável para o entorno em longo prazo sobre seus
investimentos;
v. Identificar formas inovadoras e eficazes de atuar em parceria com as
comunidades na construção do bem-estar comum;
vi. Prosperar, contribuindo para um desenvolvimento social, econômico e
ambientalmente sustentável (INSTITUTO ETHOS, 2009).
A instituição reconhece a responsabilidade social empresarial como sendo:
A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa
com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de
metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da
sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras,
respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais
(INSTITUTO ETHOS, 2009).
Ao longo do processo de consolidação do conceito, inúmeras foram as
definições atribuídas à responsabilidade social empresarial. Para Costa (2005, p. 14),
o termo pode ser defino como a gestão administrativa direcionada para a implantação
de ações sociais que beneficiem o público interno da empresa (funcionários e
dependentes, fornecedores e parceiros dos negócios) e externo (comunidade).
Atualmente parece haver um consenso de que a responsabilidade social
voltada ao público interno envolve um modelo de gestão participativa e de
reconhecimento dos empregados com o objetivo de motivá-los a um bom desempenho
que aumente a produtividade. Refere-se, por exemplo, a projetos de qualidade de
vida, busca de condições favoráveis no ambiente de trabalho, condições de
segurança, igualdade de gênero, entre outros.
Para Mattar (2001), a Responsabilidade Social vem passando por uma
ampliação, e outros conceitos são vinculados ao tema, como a própria
74
Sustentabilidade e a cidadania empresarial. Para o autor, no conceito de RSE
incorporado pelas organizações, o público alvo deixa de ser apenas o consumidor e
estende-se para outros setores, como fornecedores, acionistas e comunidade, entre
outros.
Para o autor, as empresas são componentes fundamentais para retificar e
implantar mudanças sociais impossíveis de serem realizadas apenas pelo Estado. Na
nova lógica empresarial, o Desenvolvimento Sustentável viria inaugurar um novo estilo
e uma nova ética capaz de superar o economicismo que contaminou o processo de
desenvolvimento.
Em seu foco externo a responsabilidade social empresarial tende hoje a
contemplar ações que envolvam toda a cadeia produtiva e direciona-se cada vez mais
à idéia de Sustentabilidade. Desta forma, muitos autores têm descrito a RSE como
uma contribuição das corporações para o Desenvolvimento Sustentável (COSTA
2005).
Para Coral (2002), com as mudanças globais impostas às empresas pelo
mercado e pela pressão da sociedade, além dos fatores econômicos, outros
começaram a fazer parte da preocupação das organizações, tais como as questões
ambientais e sociais. Na visão da autora, para adequar-se aos novos preceitos da
Sustentabilidade as indústrias passaram a modificar seus processos produtivos,
melhorando sua performance ambiental e diminuindo os impactos provocados na
sociedade.
Na análise dos relatórios de Sustentabilidade publicados pelas organizações
empresariais, realizada no capítulo final deste estudo, fica clara a vertente
preponderante da Sustentabilidade Empresarial, bastante focada na temática
ambiental, como descrito no parágrafo anterior por Coral.
Na percepção de Camargo (2003), segundo a comissão de Brundtland, o
debate do Desenvolvimento Sustentável deve ir além da preocupação ambiental,
gerando um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, os
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança das
instituições possam visar também atender às demandas e aspirações das gerações
futuras.
75
Contudo, em todos os discursos institucionais pautados pela definição de
Sustentabilidade do Relatório Brundtland, que supõem a preocupação com o direito a
vida das gerações futuras no Planeta, parece faltar o desenho do porvir. Qual é o
futuro idealizado para as próximas gerações? Desejamos manter a cruel distribuição
de renda planetária, que exclui da liberdade de acesso aos direitos básicos de cidadão
milhões de pessoas em toda Terra? Sonhamos com um futuro que mantenha a
dependência de um desenvolvimento atrelado aos processos de industrialização
capitalistas, que desrespeitam os direitos dos trabalhadores e limitam o acesso às
tecnologias, criando bolsões de pobreza e exclusão em toda a superfície do globo?
Lutamos por um amanhã onde crianças continuarão morrendo de desnutrição,
doenças ocasionadas por falta de saneamento e pela exploração de seu trabalho?
Este é o cenário de nossas vidas nos dias atuais. Como prospectar acerca dos
direitos de gerações futuras, se não conquistamos nem mesmo o acesso ao direito
das gerações presentes. Se quisermos um futuro digno, como mudamos nosso
modelo de desenvolvimento agora? Nesta perspectiva, propõe-se a seguir uma breve
incursão pela teoria da Racionalidade Ambiental, constituída por Enrique Leff como um
instrumento de reflexão acerca da possibilidade de um novo arranjo, capaz de
aproximar os homens de seu desejo de viver de forma mais Sustentável.
76
1.4 – Sustentabilidade e Racionalidade Ambiental
O conceito de Sustentabilidade surgiu três séculos, quando as nações
européias desflorestaram seus territórios para alimentar com lenha a produção
industrial e a construção de navios. Com a percepção de escassez decorrente do
desflorestamento, o pensador Carl Von Carlowitz escreveu um tratado no qual cunhou
a expressão nachhaltendes wirtschaften, que traduzido significa administração
sustentável. Os ingleses, em sua adaptação, transformaram o conceito em sustainable
yield, ou produção sustentável (BOFF, 2007).
Em seus escritos, Carlowitz apresentava quatro estratégias para gerenciar a
escassez. Primeiro, caberia ao poder público regular a produção e o consumo e
garantir a Sustentabilidade em função do bem comum. Segundo, a carência de
“Sustentabilidade nacional” impunha a busca de recursos externos por meio da
colonização de outros paises. A terceira estratégia tratava da abertura do mercado ao
livre comércio, que deveria regular a demanda e o consumo, resultando então na
Sustentabilidade. Por fim, para superar a escassez, a inovação tecnológica deveria ser
buscada para conquistar a substituição dos recursos reduzidos (BOFF, 2007).
Atualmente a noção de Sustentabilidade vem sendo utilizada como alternativa
de um novo modelo de sociedade, capaz de garantir a sobrevivência dos seres
humanos e da natureza.
Transforma-se, gradativamente, em uma categoria-chave, amplamente
divulgada (a mesmo um modismo), inaugurando uma via alternativa onde
transitam diferentes grupos sociais de interesse como, por exemplo, políticos,
profissionais dos setores públicos e privados, ecologistas, economistas,
agências financeiras multilaterais, grandes empresas, etc (ALMEIDA, 2002, p.
24).
Há um consenso quanto à apropriação da temática Sustentabilidade como
elemento essencial no discurso de lideranças mundiais, e este “conceito-mágico”
permite resumir o desejo de mudança da sociedade planetária, mesmo que ainda seja
representado por noções genéricas e difusas. Parte-se da premissa fundamental do
reconhecimento da insustentabilidade dos padrões de desenvolvimento
contemporâneos, da finitude dos recursos naturais e da manutenção das injustiças
77
sociais. Permanecem uma série de questões quanto às formas de ação e os agentes
impulsionadores de mudança.
Todavia, conforme Lima (2003), todo discurso contém critérios de exclusão e
estabelece um limite entre o aceito e o rejeitado para uma determinada configuração
histórico-cultural.
Para o autor (LIMA, 2003), o conceito de Sustentabilidade vivenciado na
atualidade sofreu um esvaziamento planejado, articulado por uma hábil operação
político-normativa, iniciada na Conferência de Estocolmo e reforçada pelo
massiçamente divulgado Relatório Brundtland. Dentro dessa perspectiva, fica clara a
preocupação de organismos internacionais com a preservação do modelo de
acumulação de riquezas no qual, como estratégia de gestão, o patrimônio natural
passa a ser um bem.
Para o pesquisador:
Sachs, ao formular a noção de Ecodesenvolvimento, propunha uma estratégia
multidimensional a alternativa de desenvolvimento que articulava promoção
econômica, preservação ambiental e participação social. Perseguia, com especial
atenção, meios de superar a marginalização e a dependência política, cultural e
tecnológica das populações envolvidas nos processos de mudança social. É,
portanto, marcante em seus trabalhos o compromisso com os direitos e
desigualdades sociais e com autonomia dos povos e paises menos favorecidos
na ordem internacional. A comissão Brundtland, por sua vez, embora apoiada em
muitas das idéias apontadas por Sachs, chegou a um resultado qualitativamente
diferente, ao esvaziar o conteúdo emancipador do Ecodesenvolvimento, que
representava, talvez, sua marca mais inovadora (LIMA, 2003, p.102).
No mesmo sentido, para Marcionila Fernandes (2003, p. 141):
Entendemos que na formulação do conceito de Desenvolvimento Sustentável,
como posta no Relatório Brundtland; se opera a lógica do pragmatismo, como nos
processos gerenciais quaisquer. Assim sendo, o conceito se configura como uma
proposta de um conjunto de políticas capazes de proporcionar um processo de
racionalização e de gerenciamento dos ecossistemas, visando o aumento de sua
capacidade de rendimento em relação ao modelo industrial de produção.
Na concepção desses autores, o apelo ao bem-estar dos povos embutido no
discurso da Sustentabilidade é um álibi que encobre interesses econômicos,
ameaçados pelo agravamento dos conflitos internacionais e pelas críticas dos
movimentos sociais e ambientalistas. Na concepção de Lima (2003), o novo discurso
promovia um campo genérico (da Sustentabilidade) que permitia a aproximação de
capitalistas e socialistas, conservacionistas e ecologistas, antropocêntricos e
78
biocêntricos, empresários e ambientalistas, ONGs, movimentos sociais e agências
governamentais (LIMA, 2003, p.104).
O mesmo autor salienta a própria contradição semântica do termo
Desenvolvimento Sustentável, que permite uma pluralidade de leituras e ao mesmo
tempo revela um paradoxo ao reunir, concomitantemente, conceitos antagônicos
desenvolvimento e Sustentabilidade. Ao tratar de desenvolvimento, na lógica atual
de mercado, orienta-se para uma concentração de riquezas, tratada no capítulo
inicial deste trabalho. A experiência da sociedade vem demonstrando que a
racionalidade econômica é incompatível com a distribuição de oportunidades e com
a participação social, princípios básicos da Sustentabilidade. A democracia requer
relações horizontais, onde os cidadãos tenham acesso aos direitos sociais básicos.
Como realizar esse objetivo em sociedades divididas pela desigualdade? (LIMA,
2003).
Para Tavares (2001) torna-se evidente que o conceito de Sustentabilidade está
ligado a questão ambiental, mas não se reduz a ela. A Sustentabilidade é uma
temática vinculada à cultura, a sociedade a ao próprio homem. O conceito está
intimamente associado ao compromisso social, que pressupõe a convergência dos
planos e projetos na direção das expectativas das pessoas, com relação ao seu futuro
e à sua qualidade de vida. Está também relacionado ao processo participativo de
construção do futuro, no qual as instituições políticas, a sociedade civil e os grupos de
interesse organizados encontram espaço para exercer o seu papel de representação
política e institucional.
A seguir, no sentido de embasar a análise dos discursos de Sustentabilidade
apropriados por organizações empresariais de grande porte no Brasil, detalharemos o
conceito de Racionalidade Ambiental proposto por Enrique Leff. Justificamos a escolha
desta base teórica pela amplitude proposta, e pelo forte caráter emancipador defendido
pelo autor, focado no desenvolvimento local das comunidades.
Esclarece-se que o conceito de Racionalidade é argumento de estudo desde a
antiguidade. Para Platão, a razão era considerada como o cocheiro que comandava os
cavalos alados da alma, do apetite e do desejo. Na visão de Aristóteles, o ser humano
utilizava a razão para deliberar a respeito do futuro, e sobre o que é contingente, como
as decisões e as ações (PIMENTEL, 2005).
79
Para Pimentel, quando o homem decide agir racionalmente, utiliza-se de sua
visão de mundo como suporte na definição de seus objetivos. Segundo o autor, a
escolha racional é pautada pela capacidade que os indivíduos vêem na realização dos
objetivos definidos, dadas as suas crenças pessoais.
Na percepção de Sen (1995) o comportamento racional dos seres humanos é
moldado por um modelo dominante, hoje representado pela natureza da economia
moderna, substancialmente empobrecida pelo distanciamento crescente da ética e
pelo abandono das considerações relacionadas à motivação humana e à realização no
âmbito social.
Para Leff (2006, p.15) a problemática ambiental emerge como uma crise de
civilização: da cultura ocidental; da racionalidade da modernidade; da economia do
mundo globalizado. Neste cenário a crise ambiental representa a perda do sentido da
existência para humanidade e tem suas raízes na natureza simbólica do ser humano.
Segundo o autor, vivenciamos muito mais que uma catástrofe ecológica ou um
simples desequilíbrio da economia (hoje muito mais agravado pela crise mundial). O
que experienciamos:
É a própria desarticulação do mundo ao qual conduz a coisificação do ser e a
superexploração da natureza; é a perda do sentido da existência que gera o
pensamento racional em sua negação da outridade. Às margens do precipício,
diante da morte entrópica do planeta, surge a pergunta sobre o sentido do sentido,
além de toda hermenêutica. A crise ambiental gerada pela hegemonia totalizadora
do mundo globalizado pela vontade homogeinezante da unidade da ciência e a
unificação forçada do mercado (LEFF, 2006, p.15).
Neste contexto, a racionalidade ambiental emerge como um questionamento a
hipereconomização do mundo e em contraposição aos excessos do pensamento
objetivo e utilitarista. Propõe a ressignificação da natureza pela cultura, pelo poder do
desejo, da criatividade e da diversidade, do encontro com a outridade e da fertilidade
da diferença.
A desconstrução da razão que as forças ecodestrutivas de um mundo
insustentável desencadearam e a construção de uma racionalidade ambiental não
são apenas um empreendimento filosófico e teórico. Estão arraigadas em práticas
sociais e em novos atores políticos. Trata-se, ao mesmo tempo, de um processo
de emancipação que implica a descolonização do saber submetido ao domínio do
80
conhecimento globalizante e único, para fertilizar saberes locais. A construção da
sustentabilidade é o desenho de novos mundos de vida; transforma o sentido dos
signos que definiram os significados das coisas. Não é uma descrição do mundo
que projeta a realidade atual em direção a um futuro incerto, e sim, a descrição do
escrito, prescrito, inscrito no conhecimento da realidade, do saber consabido
que se fez mundo. A racionalidade ambiental recupera o sentido crítico do ser
para desenterrar os sentidos sepultados e cristalizados, para restabelecer o
vínculo com a vida, com o desejo de vida, para fertilizá-la com o húmus da
existência [...} Se o iluminismo gerou um pensamento totalitário que terminou
aninhado a pulsão da morte no corpo, nos sentimentos, nos sentidos e na razão, a
racionalidade ambiental é um pensamento que se enraíza na vida, através de uma
política do ser e da diferença (LEFF, 2006,p.18).
Assim, a racionalidade ambiental inquire os núcleos que sustentam a
racionalidade totalitária e formula novos princípios baseados em sentimentos que
fazem florescer a ação solidária, o encantamento com o mundo e a erotização da vida.
Sob este prisma, a nova racionalidade constrói saberes que antes de arrancar sua
verdade ao mundo e sujeitá-lo à sua vontade dominadora, nos levam a viver o enigma
da existência e a conviver com o outro (LEFF, 2006, p.19).
Para Enrique Leff, a racionalidade econômica sustenta-se sob alicerces frágeis,
desvinculada das condições ecológicas de produção, do juízo moral sobre a
distribuição de riqueza e das formas de significação cultural da natureza. Assim,
sustenta o autor:
Sem essa âncora do real, o processo econômico ficou determinado pelas leis
cegas do mercado, subjetivado pelo interesse individual, guiado pelo espírito
empresarial e sustentado pelo potencial tecnológico que, convertidos em
princípios de uma ciência econômica, legitimaram uma racionalidade desvinculada
das condições ecológicas da produção, de um juízo moral sobre a distribuição da
riqueza e das formas de significação cultural da natureza (LEFF, 2006, p.31).
A racionalidade ambiental abre uma nova perspectiva, na qual a força de
trabalho, a natureza, a ciência e a tecnologia são acessadas por interesses sociais
diferenciados e diversos valores culturais que determinam outras possibilidades para
uma economia sustentável.
Durante seu processo evolutivo, a humanidade inventou diversos modos de
produção e apropriação da natureza, e quanto mais hierárquicas as sociedades se
tornavam, mais geravam excedentes que se concentravam nas classes mais
81
poderosas. Em determinado momento, para legitimar o direito ao acumulo de
excedentes a ordem econômica dominante precisava valer-se de uma fundamentação
teórico-filosófica que lhe garantisse função simbólica. Com este fim, no século XVIII,
Smith e Ricardo inauguravam a ciência da economia e solidificavam as bases do
modelo capitalista (LEFF, 2006).
[...] a partir do surgimento da ciência econômica se estabelece uma racionalidade
que começa a dominar a ordem natural das coisas do mundo, as formas de
produção de riquezas, as regras de intercâmbio de mercadorias e o valor da
natureza. Esta ordem econômica, fundada no “equilíbrio” dos fatores de produção
sob o princípio da escassez, vai construindo uma racionalidade que leva, a
princípio, à desnaturalização da própria natureza e à insustentabilidade do
processo de produção (LEFF, 2006, p.171).
Nesta lógica, a ciência que parametriza a ordem econômica surge e se
desenvolve dentro de uma visão mecanicista, em que repousa o objeto final do
capitalismo: a elevação da produtividade e o acúmulo de capital.
Dessa maneira, a natureza é desnaturalizada, fracionada e mutilada; sua
organização ecossitêmica e dinâmica é ignorada e convertida em recursos
naturais discretos, em matérias-primas usadas como simples insumo no processo
de produção, que o o produtoras de uma substância de valor (LEFF, 2006,
p.172).
Da mesma forma, o homem se distancia de sua essência, coisificando-se e não
tendo valor senão por sua força de trabalho. A lógica econômica internaliza-se nas
relações entre países e entre pessoas, deixando poucas chances para a coexistência
de uma diversidade de culturas e formas de expressão.
Contudo, o despontar de uma grave crise ambiental, e agora, de uma séria crise
econômica, impõem a necessidade de reflexão e busca de soluções no sentido de dar
novas bases a sustentabilidade econômica. Neste movimento, inúmeras organizações
mobilizaram-se para propor novas dinâmicas que, porém, parecem não alterar as
raízes da insustentabilidade.
Para Leff, as perspectivas de desenvolvimento sustentado apontadas por
lideranças mundiais não levaram em conta os limites físicos, as condições ecológicas,
os constrangimentos sociais e os sentidos culturais que constituem as condições
ambientais da sustentabilidade.
82
Sem escapatória possível da lei da entropia, o máximo a que podem aspirar as
políticas do neoliberalismo econômico é retardar o colapso do sistema, através de
seus programas de conservação da biodiversidade, da matéria e da energia; de
suas estratégias para “desmaterializar a produção” sujeita aos avanços da
tecnologia “limpa”, do controle das emissões de gases de efeito estufa e seus
efeitos no aquecimento global através das licenças transacionáveis de emissões;
e da mudança dos padrões de produção e consumo fundados em uma ética
empresarial e na soberania dos consumidores. Na melhor das hipóteses, essas
ações poderão desacelerar o ritmo de destruição ecológica para continuar
marchando com passo mais lento, mas o menos firme, pelo caminho que
conduz ao colapso ecológico e à morte entrópica do planeta (LEFF, 2006, p.205).
Segundo o autor (LEFF, 2006), uma sociedade fundada nas bases da
racionalidade econômica nunca será sustentável. Para tanto, será necessária uma
conversão de valores culturais e sociais, baseados na autonomia e na participação, e
que conduzam a reapropriação da natureza. No enfoque da racionalidade ambiental
abre-se a alternativa de um mundo sustentável, composto por comunidades
descentralizadas que produzam suas condições de vida em harmonia com seu entorno
ecológico.
A racionalidade ambiental propõe uma reorientação do desejo que permite gerar
novos processos emancipatórios, respaldados por uma lógica produtiva ecológica, nos
significados subjetivos da vida e na criatividade humana. Na perspectiva de uma
possibilidade ampliada para o desenvolvimento sustentável, as comunidades
reapropriam-se de seu patrimônio de recursos naturais e culturais para definir novos
estilos de vida em um cenário de diversidade cultural, soberania nacional e autonomia
local.
A complexidade ambiental que emerge do encontro da ordem física, biológica,
cultural e política, de ontologias, epistemologias e saberes; do real, do imaginário
e do simbólico não é mais resultado do fracasso da epopéia homogeneizadora
da racionalidade econômica da modernidade; e é esta condição-limite da
modernidade o que reabre a história a mundos de utopia, de criatividade e de
possibilidades. Daí a necessidade de uma construção racional do futuro, que
renove as utopias, que inclua os aspectos não racionais (desejos, aspirações,
valores) que não se reduzem a valores de mercado. Isso implica compreender as
injustiças do sistema atual e incorporar os aspectos irracionais do ser que ao fim e
ao cabo define a qualidade de vida dos homens e mulheres que habitam este
mundo (LEFF, 2006, p.233).
Na visão critica a racionalidade econômica, as conseqüências éticas da
hipereconomização do mundo são um importante ponto de reflexão. Ao considerar os
83
recursos naturais como bens de consumo, considera-se também os ambientes e as
culturas que os circundam depósitos de bens. Nesta lógica, enquanto os recursos
perduram, as sociedades que deles dispõem m importância no mercado. Entretanto,
conforme os recursos se esgotam, os ecossistemas que os abarcavam perdem sua
funcionalidade, tornando-se passíveis de exclusão.
A capitalização da natureza individualiza os recursos e os seres humanos e os
abstrai dos sistemas culturais criando uma ilusão de que as pessoas, por meio de uma
consciência cidadã, podem evitar o colapso ecológico e transformar a realidade com
suas demandas organizadas e sua soberania no papel de consumidor (LEFF, 2006).
Enquanto o verdadeiro sentido da existência continua aprisionado pelo mercado,
proliferam as campanhas por consumo consciente, uso responsável dos recursos e
descarte correto dos resíduos. Correntemente é possível observar que em prol da
sensibilização para a Sustentabilidade diversas organizações investem milhões em
campanhas publicitárias, emitem relatórios e produzem materiais de divulgação que
demonstram a incoerência entre seus discursos e a suas práticas.
A Sustentabilidade, anunciada por lideranças mundiais como a salvação da
humanidade, esvazia-se na mesma proporção que o mundo se torna um enorme
mercado.
A racionalidade econômica desenvolveu uma estratégia de poder para legitimar
seu principio de racionalidade fundado em um modelo cientificista da
modernidade. Dessa perspectiva, não apenas se define como racional a conduta
dos atores sociais que se regem pelas motivações do mercado, da lucratividade e
da utilidade, mas se procura deslegitimar os modos de organização social guiados
por outros valores. No discurso apologético da globalização econômica (que
engloba o discurso do desenvolvimento sustentado), as práticas tradicionais,
assim como as demandas das comunidades locais e das sociedades não
capitalistas, aparecem como direitos e valores, mas carentes de racionalidade. A
racionalidade que rege o comportamento dessas sociedades “tradicionais” não se
constitui através de leis “objetivas” de seu mundo ideal e material, embora em
toda organização cultural o real seja incorporado nos mundos de vida dos sujeitos
através de processos de significação, de racionalização e de produção de
sentidos, em diferentes códigos culturais (LEFF, 2006, p.235).
Para Leff (2006), a visão mecanicista relacionada à racionalidade cartesiana
substituiu uma visão mais orgânica da vida; a cosmovisão das culturas tradicionais.
Subsequentemente, a lógica do mercado deu lugar a um processo de racionalização
84
tecnológica fundado no controle e na eficiência social, fechando as vias para outras
opções históricas. Assim, para o autor:
Devemos construir alternativas racionais, fundadas no saber atual sobre as
condições ecológicas do processo produtivo, nos valores da democracia e nos
princípios da diversidade cultural. Isso implica a necessidade de elaborar
estratégia para desconstruir esta racionalidade insustentável e construir uma
racionalidade ambiental (LEFF, 2006, p.239).
A proposta de construção da racionalidade ambiental compreende um processo
de produção teórica e de transformações sociais que permitam novas práticas, focadas
em uma economia global sustentável. Enfim, a construção da racionalidade ambiental
é um processo político-social que implica na ativação de um conjunto de processos
sociais citados por Leff (2006, p.241):
...a incorporação dos valores do ambiente na ética individualista, nos direitos
humanos e nas normas jurídicas que orientam e sancionam o comportamento dos
atores econômicos e sociais, a socialização do acesso e a apropriação da
natureza; a democratização dos processos produtivos e do poder político; as
reformas do Estado que lhe permitam mediar a resolução de conflitos de interesse
em torno da propriedade e aproveitamento dos recursos naturais; as
transformações institucionais que permitam a administração transversal do
desenvolvimento; a integração interdisciplinar do conhecimento e da formação
profissional e a abertura de um diálogo entre ciências e saberes não científicos.
Com base na proposta do autor, uma breve leitura dos discursos de
Sustentabilidade apropriados por organizações no Brasil já demonstra o quão distantes
estão de desenvolver suas práticas sob a lógica da racionalidade ambiental.
O que as organizações apresentam em suas propostas restringe-se
basicamente as diretrizes disseminadas pelo relatório Brundtland, sob a ótica do qual
objetiva-se preservar o direito das gerações futuras de habitarem o planeta. Porém,
com o discurso vazio que não delimita o tipo de vida a que as gerações futuras terão
direito, as organizações encontram-se muito distantes de se permitirem refletir sobre
temáticas mais profundas, como as propostas no conjunto de processos sociais
necessários à construção da racionalidade ambiental.
85
Para Leff (2006, p.248) o conceito de racionalidade permanece dominado pelo
princípio de uma condução “racional” do pensamento e da ação para alcançar
objetivos racionalmente estabelecidos. Nesse sentido, a racionalidade ambiental
implica em novas formas de pensar, significar e dar valor às coisas do mundo.
Nesse contexto, as contradições entre ecologia e capital vão além de uma simples
oposição de duas lógicas abstratas contrapostas; sua solução não consiste em
submeter a racionalidade econômica à gica dos sistemas vivos ou em
internalizar um sistema de normas e condições ecológicas na dinâmica do capital.
A diferença entre a racionalidade ambiental e a racionalidade capitalista se
expressa na confrontação de interesses sociais arraigados em estruturas
institucionais, paradigmas de conhecimento, formas de compreensão do mundo e
processos de legitimação, que enfrentam diferentes agentes, classes e grupos
sociais (LEFF, 2006, p.249).
Para que haja uma “ecologização” da ordem social, na proposta do autor,
deverá haver uma reforma democrática do Estado, que permita a participação social
na gestão de recursos e a formação de uma nova ética (ambiental) que permita aos
homens irem além das relações de objetividade com o mundo. Para Leff, migrar da
lógica capitalista para a racionalidade ambiental implica na confrontação e na
combinação de interesses comuns de diversos atores.
Nesse contexto, o saber ambiental se apresenta como um pensamento crítico
que avança com um propósito estratégico, transformando os conceitos e métodos de
uma infinidade de disciplinas e construindo novos instrumentos para a gestão
ambiental (LEFF, 2006, p.251).
O exercício prospectivo da racionalidade ambiental transcende o propósito do
discurso do Desenvolvimento Sustentável que busca dirimir o conflito por meio de um
consenso mundial em prol do “futuro comum”.
Segundo Leff (2006, p.251):
A racionalidade ambiental estaria constituída por um conjunto de critérios para a
tomada de decisão dos agentes sociais, para orientar as políticas públicas,
normatizar os processos de produção e consumo e legitimar as ações e
comportamentos de diferentes atores e grupos sociais para alcançar certos fins
definíveis e objetivos de desenvolvimento sustentável.
86
Para consolidar sua proposta teórica, Leff descreve quatro níveis de
racionalidade, que articulados, compõe a racionalidade ambiental (2006, p.254):
i. A racionalidade material ou substantiva que estabelece os valores que
normatizam os comportamentos sociais e orientam ações para a
construção de uma nova racionalidade social (sustentável);
ii. A racionalidade teórica que constrói os conceitos base para os valores
da racionalidade substantiva e os processos que a sustentam;
iii. A racionalidade técnica ou instrumental que produz os vínculos
funcionais e operacionais entre os objetivos sociais e as bases materiais
do Desenvolvimento Sustentável;
iv. A racionalidade cultural que conforma as identidades diferenciadas de
formações culturais diversas e coerência e integridade a suas práticas
simbólicas, sociais e produtivas.
Na perspectiva de Leff (2006), todas as formas de racionalidade são
necessárias e devem coexistir para compor a Racionalidade Ambiental.
No capítulo de fechamento do trabalho, analisaremos o discurso de cinco
organizações empresariais brasileiras de grande porte, por meio de seus relatórios de
Sustentabilidade, e a luz dos fundamentos da racionalidade ambiental. Neste exercício
temos como propósito identificar os conceitos de Sustentabilidade apropriados por
estas organizações e o quanto estes conceitos e outras nuances dos discursos
permitem aproximá-los da teoria da racionalidade ambiental.
87
II - Procedimentos Metodológicos
O capítulo anterior deste trabalho (referencial teórico) foi construído com base
em uma densa pesquisa bibliográfica. Nesta etapa, a teoria e o conceito de
racionalidade ambiental foram trabalhados com maior profundidade, pois são a base
teórica para a análise dos relatórios de sustentabilidade de cinco empresas de grande
porte no Brasil, apresentados seguir.
A escolha da teoria da racionalidade ambiental como suporte as análises dos
discursos de Sustentabilidade das organizações se deu pela abrangência do conceito,
e sua vinculação estreita a idéia de desenvolvimento local sustentável. Ao construir
sua proposta teórica, Enrique Leff é enfático em ressaltar a importância da cultura
como pilar básico do desenvolvimento. Esta característica teórica aproxima o conceito
de racionalidade ambiental da linha de pesquisa Sustentabilidade e Desenvolvimento
Local, na qual esta dissertação está inserida.
Outro elemento essencial da racionalidade ambiental, que a justifica como
suporte desse trabalho, é a amplitude dada à noção de Sustentabilidade, que inclui,
prioritariamente, a vertente da participação política e da reapropriação dos recursos
naturais pelas comunidades de direito.
É com base na racionalidade ambiental, mais especificamente nos fundamentos
desta racionalidade, que cinco relatórios de Sustentabilidade, publicados por
empresas brasileiras de grande porte, serão analisados a seguir. Busca-se aqui
identificar nos relatórios o conceito de Sustentabilidade apropriado por estas
organizações e outras características do discurso que permitam analisá-lo a luz da
proposta teórica de Leff.
As organizações cujos relatórios são objeto deste estudo serão preservadas,
identificando-se apenas os setores a que pertencem. Os dados analisados foram
coletados dos últimos relatórios de Sustentabilidade publicados por estas
organizações, e, portanto, de domínio público. A escolha das organizações deu-se por
seu reconhecimento social, como empresas de destaque em práticas sustentáveis.
Nesta obra, o capítulo inicial é considerado fundamental para que o leitor
embarque em uma viagem pela história da humanidade e possa perceber as nuances
que formam nosso padrão civilizatório. Sustentar uma critica a noção contemporânea
de Sustentabilidade a ao discurso Sustentável das organizações é complexo, já que o
conceito hoje representa uma possibilidade contrária as previsões de caos ambiental e
88
fim da espécie humana no planeta. Assim, a desconstrução do mito da
Sustentabilidade é aqui tão importante quanto à apresentação de dados qualitativos
que representem o discurso apropriado pelas organizações.
Enfim, a consolidação de uma pesquisa exploratória, feita por meio da análise
de documentos institucionais, publicada aqui a luz dos fundamentos da teoria da
racionalidade ambiental, é apenas um elemento no alcance do objetivo deste trabalho.
Julgamos que a apropriação do discurso se em um processo histórico, esse sim
tratado neste estudo desde o capítulo inicial.
2.1 Questões Norteadoras e Quadro de Análise
Para Enrique Leff (2006), o 10 os fundamentos da teoria da racionalidade
ambiental:
1) O direito de todos os seres humanos ao pleno desenvolvimento de suas
capacidades, a um ambiente são e produtivo e ao desfrute da vida em harmonia com
seu meio ambiente.
2) Os direitos dos povos à autogestão de seus recursos ambientais para
satisfazer suas necessidades e orientar suas aspirações a partir de diferentes valores
culturais, contextos ecológicos e condições econômicas.
3) A preservação da base de recursos naturais e dos equilíbrios ecológicos
do planeta como condição para um desenvolvimento sustentável e sustentado, que
satisfaça as necessidades atuais das populações e preserve seu potencial para as
gerações futuras.
4) A avaliação do patrimônio de recursos naturais e culturais da
humanidade, incluindo o valor da diversidade biológica, a heterogeneidade cultural e
a pluralidade política.
5) A abertura da globalização econômica para uma diversidade de estilos de
desenvolvimento sustentável, fundados nas condições ecológicas e culturais de cada
região e de cada localidade.
6) A eliminação da pobreza e da miséria extrema, a satisfação das
necessidades básicas e a melhora da qualidade de vida da população, incluindo a
qualidade do ambiente, os recursos naturais e as práticas produtivas.
7) A prevenção de catástrofes ecológicas, da destruição dos recursos
naturais e da contaminação ambiental.
89
8) A elaboração de um pensamento complexo que permita articular os
diferentes processos que constituem a complexidade ambiental, compreender as
sinergias dos processos socioambientais e sustentar um manejo integrado da
natureza.
9) A distribuição da riqueza e do poder através da descentralização
econômica e da gestão participativa e democrática dos recursos naturais.
10) O fortalecimento da capacidade de autogestão das comunidades e a
autodeterminação tecnológica dos povos, com a produção de tecnologias
ecologicamente adequadas a culturalmente apropriadas (LEFF, 2006, p.257).
Na consolidação da análise dos discursos de Sustentabilidade apropriados por
organizações empresariais brasileiras de grande porte, a luz da teoria da racionalidade
ambiental, propõe-se a utilização dos fundamentos acima citados.
Com esta finalidade, sugere-se a compilação dos fundamentos em oito
temáticas, que, em formato mais resumido, comporão um quadro de análise, a ser
apresentado a seguir.
Anteriormente a constituição dos quadros de análises, sob os quais se buscará
categorizar os discursos das organizações, outras percepções são fundamentais para
esse trabalho. É preciso investigar o tema central do estudo, que propõe identificar
qual é o discurso de Sustentabilidade apropriado pelas organizações. Desta maneira, a
pesquisa inicia-se com três questões norteadoras, a serem respondidas por
informações contidas nos documentos analisados. São elas:
i. O conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização está colocado
de forma explícita no relatório analisado?
ii. Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
iii. Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
Esta primeira percepção é fundamental para responder a uma questão prioritária
deste estudo: Qual é o conceito de Sustentabilidade apropriado por organizações
empresariais de grande porte no Brasil?
90
Em seguida, respondidas as questões preliminares, os relatórios serão
estudados e as informações reorganizadas em um quadro de análise que permitirá a
sistematização dos dados, conforme modelo apresentado no quadro I.
Quadro I – Modelo de análise dos relatórios de Sustentabilidade
Fundamentos da Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quantidade de ações
Detalhamento
Preservação dos Recurso
s
Naturais
Prevenção de Catástrofes
Autogestão dos Recursos
Ambientais (a partir dos diferentes
valores culturais)
Abertura para uma diversidade de
estilos de Desenvolvimento
Sustentável fundados nas
condições culturais de cada
localidade
Direi
to aos seres humanos ao
pleno desenvolvimento de suas
capacidades
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
Distribuição (descentralização) da
riqueza e do poder
Fortalecimento da capacidade de
autogestão das comunidades e
autodeterminação tecnológica dos
povos
No quadro I – Modelo de análise dos relatórios de Sustentabilidade - a coluna do
lado esquerdo representa os fundamentos da teoria da racionalidade ambiental,
compilados. As duas colunas posteriores representam as ações, projetos e programas,
enfim, as práticas das organizações com foco na Sustentabilidade. Na coluna central
serão identificados os números de práticas desenvolvidas pela organização com foco
nos fundamentos da racionalidade ambiental. Na coluna à esquerda estas práticas
podem ser detalhadas e comentadas, conforme o interesse de pesquisa. Salienta-se
que todas as informações utilizadas para compor o quadro de análise dos relatórios
são extraídas de documentos publicados pelas organizações.
Como forma de facilitar a visualização gráfica dos resultados da pesquisa, uma
coluna colorida será inserida nos quadros de análise, localizada à direita dos números
indicativos das práticas desenvolvidas pela organização, com foco nos fundamentos da
racionalidade ambiental. Para categorizar a definição das cores, utilizar-se-á como
91
critério: a cor vermelha indicando a ausência de projetos e programas para aquele
fundamento, a cor amarela para a presença de 1 a 2 projetos e programas e a cor
verde para indicação da existência de 4 projetos ou mais em determinado foco. Desta
maneira, pretende-se facilitar a compreensão do nível de sinergia entre os projetos e
programas desenvolvidos pelas organizações e os princípios da racionalidade
ambiental propostos por Leff (2006).
Conforme citado, com o propósito de facilitar a sistematização dos dados a
serem analisados, os 10 fundamentos da racionalidade ambiental, construídos por
Enrique Leff (2006), foram compilados em oito temas. No sentido de clarear a
abrangência atribuída aos fundamentos compilados para este estudo e sua relação
com as práticas organizacionais, os temas serão a seguir detalhados:
i. Preservação dos Recursos Naturais este tema compreende todas as
práticas relacionadas à temática ambiental, especialmente as focadas na
manutenção e uso responsável dos recursos naturais nos processos de
produção.
ii. Prevenção das catástrofes diz respeito a todas as práticas de caráter
prospectivo, desenvolvidas com visão de médio e longo prazo, que
buscam programar soluções antecipatórias a possíveis impactos
ambientais previstos como reflexo dos processos de produção ou
consequentes das mudanças climáticas.
iii. Autogestão dos recursos ambientais (a partir dos diferentes valores
culturais) compõe este tema todas as práticas de envolvimento
comunitário que visam empoderar as comunidades para que sejam
capazes de gerir os recursos ambientais presentes e seus ecossistemas.
São exemplos desta temática as ações de desenvolvimento de lideranças
locais, os projetos de educação popular e libertária, e os programas de
desenvolvimento local Sustentável.
iv. Abertura para uma diversidade de estilos de desenvolvimento
sustentável fundados nas condições culturais de cada localidade
em sinergia com o tema anterior, engloba práticas voltadas ao
desenvolvimento local sustentável, que pressupõe estudos de
potencialidades e vocações locais. São exemplos deste tema as práticas
92
voltadas à valorização da cultura local e as ações fundamentadas em
estratégias de planejamento participativo.
v. Direito aos seres humanos ao pleno desenvolvimento de suas
capacidades - englobam práticas voltadas à educação em seu sentido
amplo, que possibilitem as comunidades alavancar novos processos de
desenvolvimento local que respeitem a cultura de cada região.
vi. Eliminação da pobreza e da miséria – este tema pode abordar os
programas sociais desenvolvidos pelas organizações, mas tem seu foco
central em práticas de maior alcance, especialmente relacionadas à
proposição de políticas públicas e ao monitoramento de políticas
governamentais, sempre em busca do fomento de ações que melhorem a
qualidade de vida das pessoas.
vii. Distribuição (descentralização) da riqueza e do poder diz respeito à
proposição de práticas concretas de distribuição de riqueza e poder pelas
empresas. Contempla desde ações internas focadas na igualdade de
gênero e raça, até a diminuição das margens de lucro obtidas pelos
acionistas, em prol de um maior reconhecimento do valor da força de
trabalho, o que inclui projetos de participação nos lucros, valorização
profissional e aumento de salário.
viii. Fortalecimento das capacidades de autogestão das comunidades e a
autodeterminação tecnológica dos povos este tema sintetiza grande
parte da proposta teórica da racionalidade ambiental. Tem como foco
prioritário gerar autonomia no desenvolvimento das comunidades.
Significa empoderar os povos de capacidades que lhes permitam
deliberar, definir e gerir seu próprio desenvolvimento, incluindo nesse
processo o acesso as tecnologias consideradas chave para este
desenvolvimento. Compreende práticas com vistas a diminuir a
dependência das comunidades de indústrias e empresas de grande e
médio porte para alavancar o desenvolvimento local.
Apresentados os limites de cada temática que compõem o quadro de análise
dos relatórios de Sustentabilidade, dá-se sequência ao exercício de estudo, coleta de
dados e sistematização dos resultados, apresentados no capítulo III, a seguir.
93
III - Análises dos Relatórios de Sustentabilidade
Como citado anteriormente na proposta metodológica do estudo, a escolha
das cinco organizações cujos discursos de Sustentabilidade serão analisados deu-se
pelo reconhecimento social de suas práticas sustentáveis. Os dados analisados foram
coletados dos últimos relatórios de Sustentabilidade publicados pelas instituições, e,
portanto, de domínio público. A identidade das organizações será preservada.
Para inicio das análises, serão apresentados os dados coletados a partir do
relatório de Sustentabilidade de uma empresa do setor de energia elétrica, entidade de
direito público internacional, com cerca de 1.500 funcionários. O documento analisado
foi publicado no ano de 2006.
Quadro II – Análise do relatório (1) de Sustentabilidade: empresa de energia elétrica
Questões iniciais:
O conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização está co
locado de forma explícita no
relatório analisado? Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
O relatório o explicita o conceito de Sustentabilidade adotado pela organização. A empresa
apresenta o documento como uma versão humaniza
da de suas relações”, resultante de um processo
que proporciona uma visão ampla da organização e de seu capital humano.
No material apresentado a empresa declara que “acredita que a construção de uma sociedade mais
justa e auto-sustentável só é possível co
m o comprometimento de todos com o desenvolvimento
econômico, social e ambiental.
Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
A organização referencia os documentos: Carta da Terra, Protocolo de Kyoto e Objetivos de Milênio
como a base teórica para suas práticas de Sustentabilidade.
Fundamentos da
Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quantidade de
ações
Detalhamento
Preservação dos recursos
naturais
5
Norma NBR ISO 14001
Ciclo PDCA (planejamento, execução, verificação,
análise crítica e revisão)
Desenvolvimento de software livre para gestão da
informação territorial (investiga, organiza, referencia
e fornece informações ambientais)
Banco genético de animais silvestres
Estímulo a produção de energia de biomassa
94
Prevenção de catástrofes
zero
Autogestão dos recursos
ambientais (a partir dos
diferentes valores culturais)
2
Criação de conselhos comunitários para definição
de ações prioritárias a serem implantadas em cada
programa
Adoção de modelos de gestão compartilhada para
programas desenvolvidos com parcerias – foco na
efetividade e “sustentabilidade” (no sentido de
permanência) das ações
Abertura para uma
diversidade de estilos de
desenvolvimento sustentável
fundados nas condições
culturais de cada localidade
3
Apoio a agricultores orgânicos (organização de
cooperativas, assistência técnica, apoio a
comercialização, investimento em pesquisa,
incentivo às certificações de qualidade
Apoio a agricultura familiar (diversificação do
negócio, produção de mel como renda alternativa,
turismo rural, aquicultura)
Valorização da cultura indígena e apoio ao
desenvolvimento econômico das comunidades
(produção de leite, agricultura orgânica)
Direito aos seres humanos
ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades
4
Programa de educação ambiental
Formação de educadores ambientais
Programas de saúde
Cursos de empreendedorismo
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
3
Contribuição na formação de associações de
catadores de lixo (formação de lideranças,
articulação com poder público, ações de inclusão
social)
Apoio a agricultores orgânicos
Apoio a agricultura familiar
Distribuição
(descentralização) da riqueza
e do poder
1
Inclusão eqüitativa de mulheres e homens nos
processos de participação social e processos
decisórios (na esfera da organização e na esfera
pública)
Fortalecimento da
capacidade de autogestão
das comunidades e
autodeterminação
tecnológica dos povos
1
Programa de facilitação de acesso ao setor
tecnológico para pequenas empresas e
empreendedores
Considerações
A empresa declara em seu relatório que “tanto quanto a excelência econômica e tecnológica, a busca
pela eficiência e eficácia social fazem parte de seu negócio”.
Coloca ainda que a responsabilidade socioambiental faz parte da gestão do s
eu negócio e está
alinhada com os princípios de desenvolvimento sustentável da empresa, sem contudo explicitar estes
conceitos.
95
A segunda empresa cujo documento foi analisado pertence ao setor financeiro e
publicou seu último relatório no ano de 2007. É uma grande organização transnacional
que atua em 83 países e possui cerca de 300 mil funcionários.
Quadro III – Análise do relatório (2) de Sustentabilidade: empresa do setor financeiro
Questões iniciais:
O conceito de Sustentabilidade utilizado pela orga
nização está colocado de forma explícita no
relatório analisado? Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
Assim como no primeiro caso, a segunda empresa analisada também não explicita o conceito de
Sustentabilidade que norteia suas ações.
A organização apenas declara que, sob sua ótica, “o sucesso
empresarial e o desenvolvimento sustentável estão estreitamente relacionados e atuam como conceitos
interdependentes.
Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
Segundo relatório, o
s elementos teóricos que fundamentam a prática da organização são: a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Global das Nações Unidas, os Princípios Global Sullivan
que tratam de temáticas de igualdade de oportunidades e a Declaração de Prin
cípios e Valores e o
Código de Conduta da própria empresa.
Fundamentos da
Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quantidade de
ações
Detalhamento
Preservação dos recursos
naturais
5
A organização adota os Princípios do Equador (um
conjunto de critérios que a orientam na avaliação
dos impactos socioambientais decorrentes de suas
atividades)
Produtos ambientais, sociais e sustentáveis –
vinculados a conservação de áreas de mata nativa
e preservação de florestas
Preservação de fontes de água doce
Redução de emissões de gases do efeito estufa
Pesquisa sobre biodiversidade em florestas
Prevenção de catástrofes
zero
Autogestão dos recursos
ambientais (a partir dos
diferentes valores culturais)
zero
Abertura para
uma
diversidade de estilos de
desenvolvimento sustentável
fundados nas condições
culturais de cada localidade
zero
Direito aos seres humanos
ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades
2
Saúde, segurança e qualidade de vida – apoio a
colaborados e familiares com problemas de saúde
física e mental; programa nutricional; melhoria no
ambiente de trabalho, redução das horas extras
Programa de inclusão de pessoas com deficiência
96
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
zero
Distribuição
(descentralização) da riqueza
e do poder
3
Programa que busca ampliar o acesso das
mulheres a posições de liderança
Programa de valorização da diversidade –
contratação de estagiários selecionados entre um
público estigmatizado (negros, pessoas com
deficiência, estudantes com mais de 26 anos
cursando a primeira faculdade)
Produtos ambientais, sociais e sustentáveis –
vinculados ao investimento em projetos ambientais,
desenvolvidos por ONGs em todo país
Fortalecimento da
capacidade de autogestão
das comunidades e
autodeterminação
tecnológica dos povos
1
Programa de formação de jovens para o
desenvolvimento de softwares e manutenção de
portais eletrônicos
Considerações
Segundo declaração da organização “somente se for bem-
sucedida a empresa poderá oferecer
produtos e serviços confiáveis aos clientes, remunerar adequadamente os acionistas, aportar
por
meio do pagamento de impostos
recursos para o financiamento de serviços públicos, gerar empregos
e investir diretamente em projetos socioambientais.
Em outra parte do documento fica exposto qu
e “para a empresa, apoiar a consolidação de um sistema
econômico de baixa emissão de carbono representa, ao mesmo tempo, um grande desafio e uma
oportunidade de mercado, com a formatação de novas linhas de crédito que garantam a implantação de
negócios sustentáveis, especialmente no setor de energia”.
A organização apresenta em seu relatório uma série de projeto focados em seu público interno e
fornecedores. A maioria destes projetos não foi considerada no quadro de análise por sua
incompatibilidade com a p
roposta dos fundamentos da racionalidade ambiental. Algumas das práticas
desconsideradas são listadas a seguir:
Decisões colegiadas –
organograma baseado na constituição e comitês estratégicos e operacionais que
subsidiam informações de apoio a tomada de decisão da diretoria.
Planejamento estratégico – realizado com a participação de colaboradores.
Geração e distribuição de riqueza
a organização movimenta negócios com fornecedores locais que
gera empregos e distribui impostos.
Atuação pautada pelo respeito
todos os contratos com fornecedores incluem clausulas
socioambientais; a empresa proporciona aos colaboradores um ambiente de trabalho seguro; a
empresa tem um compromisso com a verdade.
Atendimento e comunicação – a organização dispõe de uma equipe es
pecializada para atender críticas
dos clientes; etc.
Mercado na base da pirâmide
a organização atende a uma parcela da população, das classes C, D e
E, com um programa de crédito popular. Para a empresa, esta é uma forma de “dar cidadania as
pessoas”.
97
A terceira empresa analisada desenvolve atividades no ramo de cosméticos,
possui cerca de 80 mil colaboradores e publicou seu último relatório em 2007.
Quadro IV – Análise do relatório (3) de Sustentabilidade: empresa de cosméticos
Questões iniciais:
O con
ceito de Sustentabilidade utilizado pela organização está colocado de forma explícita no
relatório analisado? Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
A organização não torna explicito no relatório o conceito de Sustentabilidade ad
otado. Declara
entender a organização como
“um organismo vivo, e um dinâmico conjunto de relações, cujo valor e
longevidade estão ligados à capacidade de contribuir para a evolução da sociedade e seu
desenvolvimento sustentável”.
O material também apresenta
que é intenção da organização crescer reforçando seus compromissos
com o desenvolvimento sustentável e com modelos de negócio que não apenas geram
, mas
compartilham com a sociedade resultados sociais, econômicos e ambientais.”
Para a empresa cidadani
a global significa agir como organização protagonista na busca da
sustentabilidade e de um futuro melhor para todos”.
Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
Não há apontamentos de possíveis bases teóricas que subsidiaram a organização nas defini
ções de
conceitos e na proposição de práticas alinhadas a temática da Sustentabilidade.
Fundamentos da
Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quantidade de
ações
Detalhamento
Preservação dos recursos
naturais
6
Redução das emissões de gases causadores do
efeito estufa
Uso sustentável da biodiversidade
Estímulo ao consumo consciente – embalagens
com “tabela ambiental” que informa a origem e
destino dos materiais utilizados pela empresa em
seus processos de produção
Eliminação de testes em animais
Cultivo e manejo florestal sustentável
Projetos de reconstituição de matas nativas
Prevenção de catástrofes
zero
Autogestão dos recursos
ambientais (a partir dos
diferentes valores culturais)
1
Incorporação de grupos de agricultores familiares e
comunidades tradicionais na cadeia de negócio
Abertura para uma
diversidade de estilos de
Desenvolvimento
Sustentável fundados nas
condições culturais de cada
3
Programa de relacionamento com as comunidades
– ações para o desenvolvimento de potenciais
locais, adequadas às necessidades de cada grupo
Programa de desenvolvimento de fornecedores –
98
localidade
apoio a capacitação de empresas locais
Implantação de Agendas 21 nas comunidades
Direito aos seres humanos
ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades
3
Programa de formação de líderes – dimensão
social, individual e de negócio
Formação continuada de profissionais da educação,
atuantes na rede pública de ensino
Distribuição de acervos de livros para as escolas
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
1
Fortalecimento da qualidade das relações locais –
capacitação de cadeias complexas de extrativismo,
a fim de avançar na direção de um modelo de
negócio sustentável
Distribuição
(descentralização) da riqueza
e do poder
2
Fortalecimento da qualidade das relações locais –
capacitação de cadeias complexas de extrativismo,
a fim de avançar na direção de um modelo de
negócio sustentável
Programa de desenvolvimento de fornecedores –
apoio a capacitação de empresas locais
Fortalecimento da
capacidade de autogestão
das comunidades e
autodeterminação
tecnológica dos povos
3
Programas de desenvolvimento local – formação de
lideranças da sociedade civil e poder público para
que possam atuar como agentes de soluções para
o futuro
Fortalecimento da qualidade das relações locais –
capacitação de cadeias complexas de extrativismo,
a fim de avançar na direção de um modelo de
negócio sustentável
Programas de fortalecimento de organizações da
sociedade civil e desenvolvimento sustentável
99
A quarta empresa analisada pertence ao segmento de gás e energia e publicou
seu último relatório de sustentabilidade no ano de 2007.
Quadro V – Análise do relatório (4) de Sustentabilidade: empresa de gás e energia
Questões iniciais:
O conceito de Sustentabilidade
utilizado pela organização está colocado de forma explícita no
relatório analisado? Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
A organização expõe no documento que segue fundada em três fatores de Sustentabilidade de sua
estratégia corporativa: crescimento integrado, rentabilidade e responsabilidade social e ambiental.
Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
A organização declara que busca alinhar suas atividades e iniciativas aos dez princípios do Pacto
Global da ONU.
Fun
damentos da
Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quantidade de
ações
Detalhamento
Preservação dos recursos
naturais
4
Projeto de energia renovável e biocombustíveis
Redução de emissão de gases
Uso adequado de recursos hídricos
Gestão de potenciais impactos da atividade
industrial à biodiversidade
Prevenção de catástrofes
1
Programa de mitigação das mudanças climáticas –
com foco no desenvolvimento de tecnologias que
permitam atenuar a influência das atividades da
empresa nas mudanças climáticas globais
Autogestão dos recursos
ambientais (a partir dos
diferentes valores culturais)
1
Criação de um centro de excelência ambiental na
Amazônia – proposta de integrar diversas redes
socioambientais que já atuam na região
Abertura para uma
diversidade de estilos de
Desenvolvimento
Sustentável fundados nas
condições culturais de cada
localidade
zero
Direito aos seres humanos
ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades
3
Concepção de uma escola de educação profissional
de nível técnico - busca o desenvolvimento integral
do profissional para as necessidades e
complexidade do trabalho
Bolsas-auxilio e cursos gratuitos de nível básico ao
superior
Apoio a projetos culturais – cinema, música, artes
plásticas
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
zero
100
Distribuição
(descentralização) da riqueza
e do poder
2
Programa de participação nos lucros
Programa de desenvolvimento e cidadania –
gênero, igualdade racial, inclusão de pessoas com
deficiência e comunidades tradicionais na cadeia de
negócio
Fortalecimento da
capacidade de autogestão
das comunidades e
autodeterminação
tecnológica dos povos
zero
Considerações
A organização não explicita seu conceito de Sustentabilidade, porém coloca seu conceito de
responsabilidade social como sen
do: “a forma de gestão integrada, ética e transparente dos negócios e
atividades e da sua relação com todas as partes interessadas, promovendo os direitos humanos e a
cidadania, respeitando a diversidade humana e cultural, não permitindo a discriminação, o
trabalho
infantil e escravo, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e para a redução da desigualdade
social.
Dentro de sua política de responsabilidade social, divulgada no relatório, a empresa propõe: “conduzir
os negócios e as atividades da org
anização com responsabilidade social, implantando seus
compromissos de acordo com os princípios do Pacto Global da ONU e contribuindo para o
desenvolvimento sustentável”.
101
A quinta empresa analisada pertence ao setor de móveis e madeira, possui hoje
cerca de 3 400 colaboradores e seu último relatório foi publicado em 2003.
Quadro VI – Análise do relatório (5) de Sustentabilidade: empresa de móveis e madeira
Questões iniciais:
O conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização está
colocado de forma explícita no
relatório analisado? Qual é o conceito de Sustentabilidade utilizado pela organização?
A empresa declara que seu relatório foi produzido com o propósito de tornar público os parâmetros
filosóficos que regem suas atividades, bem como seus resultados econômicos, ambientais e sociais.
Segundo exposto, o relatório é também uma prova do entusiasmo e da profundidade com que os
colaboradores adotaram os princípios do desenvolvimento sustentável como sua estratégia
empresarial. Mas não há, em nenhum momento, a explicitação destes princípios.
Sob que base teórica este conceito se fundamenta?
A empresa utiliza como base para suas práticas o Pacto Global da ONU.
Fundamentos da
Racionalidade
Práticas
com foco na Sustentabilidade
Quanti
dade de
ações
Detalhamento
Preservação dos recursos
naturais
6
Controle dos impactos ambientais causados pela
atividade da empresa
Utilização de energia renovável nos processos
produtivos
Redução do consumo de água
Investimento na eco-eficiência dos produtos
Conservação da biodiversidade
ISO 14001, ISO 9000, OHSAS 18001
Prevenção de catástrofes
zero
Autogestão dos recursos
ambientais (a partir dos
diferentes valores culturais)
zero
Abertura para
uma
diversidade de estilos de
desenvolvimento sustentável
fundados nas condições
culturais de cada localidade
1
Aproximação com as comunidades – conhecer as
inquietudes e necessidades e promover soluções
por meio da atuação de lideranças locais
Direito aos seres humanos
ao pleno desenvolvimento de
suas capacidades
1
Capacitação técnica dos funcionários
Eliminação da pobreza e da
miséria absoluta
102
zero
Distribuição
(descentralização) da riqueza
e do poder
1
Remuneração – salário mínimo que supera as
exigências legais
Fortalecimento da
capacidade de autogestão
das comunidades e
autodeterminação
tecnológica dos povos
zero
Considerações
Como resultado da pesquisa observou-se que nenhuma das empresas
analisadas explicita em seu relatório o conceito de Sustentabilidade que embasa suas
práticas. Muitas vezes as palavras Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável
são utilizadas, porém, seu conteúdo não é detalhado. Neste sentido, uma das
empresas faz referência ao alinhamento da gestão de seu negócio com os princípios
de Desenvolvimento Sustentável, sem, contudo, apresentar estes princípios.
Pela análise dos documentos percebe-se que a maioria das organizações apóia
suas práticas nos pressupostos do Pacto Global (ONU), sendo também citados os
documentos: Carta da Terra, Protocolo de Kyoto, Declaração dos Direitos Humanos e
Princípios Global Sullivan. Não em nenhum dos materiais qualquer referência aos
teóricos da linha da Sustentabilidade ou a qualquer base cientifica que tenha sido
utilizada para compor os discursos ou basear as ações.
Neste sentido, analisa-se a ausência de alinhamento dos relatórios de
Sustentabilidade analisados a um dos princípios da Racionalidade Ambiental
colocados por Enrique Leff, que determina a importância da elaboração de um
pensamento complexo que permita articular os diferentes processos que constituem
a complexidade ambiental, compreender as sinergias dos processos socioambientais
e sustentar um manejo integrado da natureza (LEFF, 2006, p.257).
Vislumbra-se neste sentido uma carência de racionalidade teórica nos discursos
que sustentam as práticas das organizações analisadas, sendo que este tipo de
racionalidade (teórica), é apontada por Leff (2006) como fundamental na construção
dos conceitos base para os valores da racionalidade subjetiva; esta última
responsável por normatizar os comportamentos sociais e orientar ações para a
construção de uma nova racionalidade social (sustentável).
103
São recorrentes nos textos analisados as citações que fazem referência ao
Triple Bottom Line, termo que designa os Ps de Pessoas, Planeta e Proveitos. Este
conceito relaciona-se a idéia de que a performance de uma organização deve ser
medida baseando-se na sua contribuição para a prosperidade econômica, qualidade
ambiental e capital social. O termo foi utilizado pela primeira vez em um relatório social
publicado pela companhia Shell (SDC, 2009).
Ao analisar os quadros de sistematização das práticas de Sustentabilidade X os
temas dos fundamentos da racionalidade ambiental foi possível visualizar que a
maioria das ações (26) desenvolvidas pelas organizações tem foco na preservação dos
recursos naturais. Neste contexto, subentende-se que a opção pelo foco nos
programas ambientais seja facilitada pela convergência do tema a uma racionalidade
cartesiana e uma visão mecanicista. Em geral, as propostas desenvolvidas para
preservação ambiental, minimização de impactos, redução de consumo e
reaproveitamento de materiais, entre outros, não exigem mais que uma adequação de
processos criada por profissionais inseridos no próprio sistema. Neste aspecto, não
necessidade de mudanças profundas ou quebra de paradigmas, e sim, apenas
adaptações.
Nesta perspectiva, entende-se que uma valorização por parte das
organizações da racionalidade técnica ou instrumental, definida por Leff (2006) como
produtora dos vínculos funcionais e operacionais entre os objetivos sociais e as bases
materiais do Desenvolvimento Sustentável. Contudo, se a racionalidade teórica tem
suas bases enfraquecidas, como colocado anteriormente, existe um alto grau de
probabilidade dos objetivos sociais serem pouco claros, e fundamentados sob valores
também enfraquecidos, sujeitos a constantes mudanças.
Por outro lado, visualiza-se que o tema menos contemplado com práticas
Sustentáveis propostas pelas organizações foi a prevenção de catástrofes (1).
Imagina-se que para as empresas, assim como para as pessoas, a abordagem
pessimista de muitos cientistas ambientais o seja atrativa, assim como adotar uma
postura de prevenção não é prática no Brasil. Entende-se que existe um grande
limitador cultural em nosso país que diz respeito ao hábito do pensamento prospectivo,
e muito menos habitual, o pensamento prospectivo de prevenção de riscos. Tratar de
prevenção de catástrofes ambientais significa assumir que elas estão às portas do
104
século XXI, aumentando gradativamente seu alcance e sua intensidade e, talvez, esse
seja um dos grandes tabus contemporâneos.
Em seguida, no ranking dos temas menos contemplados com práticas
Sustentáveis estão: o fortalecimento da capacidade de autogestão das comunidades e
autodeterminação tecnológica dos povos (3), autogestão dos recursos naturais (4) e
eliminação da pobreza e da miséria absoluta (4). Todas essas temáticas são
convergentes quando pressupõem uma drástica mudança nos modelos de produção e
desenvolvimento. Em primeiro lugar porque tratá-las exige a adoção de uma postura
altruísta, de empoderamento e emancipação. Em segundo lugar porque demandam um
esforço de reorganização política e redistribuição de poder e, por conseguinte, porque
subentendem a extinção das relações de dependência que se estabeleceram entre
comunidades e grandes indústrias, as quais se atribuem hoje a capacidade motora do
desenvolvimento.
Com isto, novamente fica perceptível a distância entre as propostas de
Sustentabilidade declaradas pelas organizações analisadas e a teria da Racionalidade
Ambiental proposta por Leff (2006). Um dos mais importantes princípios propostos pelo
autor, para uma efetiva mudança de racionalidade a abertura da globalização
econômica para uma diversidade de estilos de desenvolvimento sustentável, fundados
nas condições ecológicas e culturais de cada região e de cada localidade – está
realmente longe de ser tratado pelas empresas aqui avaliadas.
Uma leitura mais detalhada dos relatórios permite perceber que os discursos ali
contidos estão mais alinhados a proposição de um conjunto de políticas capazes de
proporcionar um processo de racionalização e gerenciamento dos ecossistemas, que
propriamente fomentar uma nova possibilidade de organização dos modos de
produção e de estruturação social. Fica claro em alguns trechos dos documentos o
propósito das organizações, de aumentarem a capacidade de rendimento dos modelos
industriais, como no exemplo: [...] somente se for bem-sucedida a empresa poderá
oferecer produtos e serviços confiáveis a seus clientes [...], e para isto, necessita
investir em ações socioambientais que lhe dêem garantia da continuidade de recursos
naturais e condições sociais estáveis.
105
A todo o momento é possível observar que a lógica da racionalidade econômica
ainda predomina nos discursos das organizações, a exemplo de declarações como: [...]
tanto quanto a excelência econômica e tecnológica, a busca pela eficiência e a eficácia
social fazem parte de seu negócio. Nesta expressão, a empresa utiliza conceitos
construídos sob a lógica de mercado, transferindo-os para o universo social.
Entretanto, em nenhum momento há um detalhamento do que se entende por eficácia
e eficiência social, ao contrario, o que se verifica é a apropriação de conceitos de um
universo restrito, dos negócios, e sua generalização, ao incorporá-los ao universo
social. Esta apropriação contribui para o esvaziamento das práticas socioambientais,
para as quais se propõem soluções baseadas em uma racionalidade limitada e
objetiva, enquanto sua configuração exigiria uma reflexão em bases muito mais
complexas.
Os discursos que defendem a preocupação primeira com os lucros e o gerar
valor aos acionistas são uma constante no mundo dos negócios. Mesmo afirmando
que “a responsabilidade socioambiental faz parte da estratégia de negócios e está
incorporada a todas as práticas da organização”, vivenciam-se neste momento de crise
os cortes drásticos de recursos destinados a projetos socais e ambientais
desenvolvidos pelas organizações.
Na lógica da racionalidade ambiental, o conceito de Sustentabilidade relaciona-
se muito mais aos processos participativos de construção do futuro, no qual as
instituições políticas e a sociedade civil exercem seu papel e vêm seus limites e
potencialidades respeitados, do que ao discurso vazio da cidadania e da melhoria da
qualidade de vida garantidos por meio do Estado e por intermédio das grandes
corporações.
Ao analisar o discurso contido nos relatórios faz-se a pergunta: onde está a
alavanca para a grande mudança de paradigma anunciada pelas empresas por via da
Sustentabilidade?
Sem uma reforma nas bases de nosso modelo civilizatório as práticas
desenvolvidas pelas empresas em prol da Sustentabilidade serão insuficientes. Para
alcançar uma nova racionalidade, guiada pela lógica ambiental, complexa e sistêmica,
as comunidades terão que se reapropriar de seus patrimônios, de seus recursos
106
naturais e culturais e, a partir deles, definir novos estilos de vida em um cenário de
diversidade, soberania nacional e autonomia local.
107
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