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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
HENRIQUE PEDROSO MAZZEI
REPERCUSSÕES DAS DECISÕES JUDICIAIS NA ECONOMIA:
RESPONSABILIDADE JUDICIAL EM FACE DA COLISÃO DE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ECONÔMICOS
Marília
2008
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HENRIQUE PEDROSO MAZZEI
REPERCUSSÕES DAS DECISÕES JUDICIAIS NA ECONOMIA:
RESPONSABILIDADE JUDICIAL EM FACE DA COLISÃO DE
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ECONÔMICOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito da Universidade de
Marília como requisito parcial para a obtenção
do grau de Mestre em Direito, sob a orientação
da Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira.
Marília
2008
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HENRIQUE PEDROSO MAZZEI
REPERCUSSÕES DAS DECISÕES JUDICIAIS NA ECONOMIA:
RESPONSABILIDADE JUDICIAL EM FACE DA COLISÃO DE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS ECONÔMICOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Direito da Universidade de
Marília, como exigência parcial para obtenção
do grau de Mestre em Direito, sob orientação
da Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira.
COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________________
Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Universidade de Marília
________________________________________________
Profº. Drº. Paulo Roberto Pereira de Souza
Universidade de Marília
_________________________________________________
Profº. Drº. Nelson Borges
Professor Convidado
Marília, ____ de ____________ de 1986.
In memoriam: À Gennicley, companheira de
todas as horas e que sempre acreditou na
minha capacidade de superar obstáculos.
Aos meus filhos: Marcelo, Cristiano, Renata e
Otavio Henrique que dão sentido à minha vida.
Aos netos e netas: Danilo, Fabrizio, Gustavo,
Amanda e Julia a mensagem de que nada é
impossível quando se tem um objetivo.
Á Vilma, que trouxe a alegria da juventude e
meu deu um grande presente.
AGRADECIMENTOS
Á Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, amiga de longa data, pela sua
compreensão, paciência e orientação sem a qual este trabalho na teria sido elaborado.
“Os processos históricos amadurecem e
eclodem na sua hora. O dia amanhece,
simultaneamente aos muitos cantos que o
anunciam, mas por desígnio próprio”.
Luís Roberto Barroso
MAZZEI, Henrique Pedroso. Repercussões das Decisões Judiciais na Economia:
Responsabilidade Judicial em face da Colisão de Princípios Constitucionais Econômicos.
2008. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Marília, Marília.
RESUMO
A Constituição Federal de 1988, como ordenamento institucional que reflete, via Poder
Constituinte os anseios da sociedade brasileira, estabelece uma série de valores sociais e
liberais que devem ser por todos observados, principalmente os aplicadores e operadores do
direito. Ela provém de uma realidade social e sobre a realidade social se volta para modelar.
Nela, visualiza-se um Estado Social Liberal de Direito, necessário a concretização dos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa. O Estado de Direito é o pressuposto necessário para o
surgimento e existência do Estado Social Liberal de Direito. Não há duvidas de que os
direitos fundamentais econômicos e os princípios constitucionais econômicos, art. 1º, inciso
IV; art. 5º, incisos XXII e XXIII; art. 170 e os seus incisos e seu parágrafo único, representam
valores sociais e liberais, mostrando o caminho a ser trilhado pela sociedade brasileira, na
busca do seu desenvolvimento sustentado, que deve ter como corolário uma mudança social,
na qual a satisfação das necessidades básicas esteja implícita, bem como oportunidades de
crescimento pessoal sejam asseguradas a todos. A importância do Estado na busca desses
objetivos é inquestionável, bem como empreendimentos privados são fundamentais. A
inserção de valores sociais e liberais na Constituição Federal mostra um modelo ideal de
Estado que se posiciona no centro entre duas ideologias: o liberalismo clássico e o socialismo-
comunismo. O Estado existe. Seja como realidade orgânica que se desenvolve ao longo da
historia; seja como uma necessidade técnica para a organização da sociedade e das relações
entre os indivíduos. Isto posto, ressalta-se a importância do órgão jurisdicional, que representa
a solução em termos de normas, das aspirações que se conflitam, dos interesses que se
entrechocam, dos fins e interesses humanos que indivíduos e grupos procuram realizar. O
papel do órgão jurisdicional, dentro deste contexto é de grande importância, pois a segurança
jurídica que advém das normas possibilitam a previsão, dentro de um marco de probabilidade,
da conduta dos indivíduos e da conduta dos agentes do poder. É um dos pressupostos
importantes para investimentos dos empreendimentos privados na economia. Assim, quando
presente uma situação fática em que valores sociais e liberais colidem, a chamada colisão de
princípios constitucionais, o órgão jurisdicional por meio de seus membros deve pautar suas
decisões utilizando-se da proporcionalidade e razoabilidade. Desta forma os empreendimentos
privados terão mais segurança para investimentos tão importantes para o desenvolvimento
econômico sustentado.
Palavras-chave: Valores sociais e liberais. Empreendimentos privados. Mudança social.
Desenvolvimento econômico. Responsabilidade judicial.
MAZZEI, Henrique Pedroso. Impact of Judgments in Economics: Judicial Accountability
in the face of Collision Principles of Economic Affairs. 2008. Dissertation (Master in Law) -
University of Marília, Marília.
ABSTRACT
The Federal Constitution of 1988, as an institutional tool reflecting the desires of the Brazilian
society, and through its Constitutional Convention, establishes a number o social and liberal
values to be observed by all, especially its legal enforcers and operators. It results from social
reality as much as it shapes it. Everyone visualizes in it a Liberal Social State Law, necessary
to the fulfillment of social values o labor and free enterprise. State Law is the necessary
presupposition for the appearance and existence of the Liberal Social State Law. There is no
doubt that fundamental economic rights and economic constitutional principles: article 1, item
IV; article 5, items XXII and XXIII; article 170 and its items e sole paragraph, represent
social and liberal values, showing the path to be followed by Brazilian society in the search
for its sustained development, which should consequently produce social change in which
meeting basic needs is something implicit, as well as the fact that opportunities for personal
growth should be provided to all. The inclusion of social and liberal values in the Federal
Constitution shows an ideal model of State, which positions itself between two ideologies:
classic liberalism and socialism-communism. The importance of the State in the search of
these goals is unquestionable; the same way private enterprises are essential. The State exists,
be it as an organic reality that develops itself throughout history or as a technical need to
organize society an interpersonal relations. Therefore, one emphasizes the importance of the
jurisdictional body, which represents the solution en terms of norms, conflicting aspirations
and interests of human intentions and interests which individuals and groups alike seek to
achieve. The role of the jurisdictional body, within such context, is extremely important since
the legal safety resulting from norms that provide for the anticipation within a probability
cornerstone of the behavior of individuals and agents of power, is one of the important
presuppositions for private investment in the economy. Thus, when we have a factual
situation in which social and liberal values collide the so-called clash of constitutional
principles the jurisdictional body, through its members, must have their decisions using
proportion and reason. This way, private enterprises will feel safer to make the important
investments for our sustained economic development.
Key-words: Social and liberal values. Private initiatives. Social change. Economic
development. Judicial responsibility.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
1 A INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE O DIREITO E A ECONOMIA...................
12
2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL................................ 23
2.1 E
VOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE ORDENAMENTO INSTITUCIONAL DE
ECONOMIA............................................................................................................................... 23
2.2 E
CONOMIAS LIBERAIS E A CONTRAPOSIÇÃO DO PÓS-LIBERALISMO.................................... 28
2.3 D
O LIBERALISMO AO INTERVENCIONISMO: SISTEMAS ECONÔMICOS ADOTADOS PELAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1824 A 1967....................................................................... 36
2.4 D
ESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA PERSPECTIVA DO ESTADO DEMOCRÁTICO E
SOCIAL..................................................................................................................................... 45
2.5 M
UDANÇA SOCIAL E A INTERDEPENDÊNCIA DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.............. 48
3 RESPONSABILIDADE JUDICIAL DO ESTADO......................................................... 53
3.1 R
ESPONSABILIDADE DO ESTADO....................................................................................... 53
3.2 R
ESPONSABILIDADE JUDICIAL COMO AGENTE DA CONCRETIZAÇÃO DAS MUDANÇAS
SOCIAIS.................................................................................................................................... 56
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS............................................................................... 67
4.1 D
A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
ECONÔMICOS........................................................................................................................... 67
4.2 D
A COLISÃO DE PRINCÍPIOS: INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL........................................ 75
4.3 H
ARMONIZAÇÃO DE PRECEITOS E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: O PAPEL DO
INTÉRPRETE JULGADOR E A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS
......................................................... 79
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 86
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 88
9
INTRODUÇÃO
É no ordenamento institucional brasileiro que se deve buscar a forma de organização
da atividade econômica, ou seja, que tipo de modelo de sistema econômico o país adota,
visando a alcançar o desenvolvimento econômico que permita a sociedade brasileira satisfazer
suas necessidades básicas e ao mesmo tempo abrir possibilidades de mudança social que
implique em mobilidade social positiva, principalmente das classes menos favorecidas. Isto
representa a justiça distributiva que tem como corolário a justiça social.
As mudanças econômicas e sociais, a globalização, a ênfase atribuída aos direitos
fundamentais leva a questionar os modelos de sistemas econômicos posicionados nos
extremos, ou seja, aquele que tem como embasamento teórico o liberalismo clássico e aquele
que tem como embasamento teórico o socialismo-comunismo, e, buscar um novo modelo que
tem como objetivo, eliminando os vícios e imperfeições dos dois, um desenvolvimento
econômico sustentado.
Dentre os modelos básicos de Estado, a Constituição Federal de 1988 adotou aquele
que encarta valores sociais e liberais. Não é um modelo econômico centralizador, em que
todas as decisões econômicas são tomadas por um órgão de planejamento central, bem como
não é um modelo puro de mercado no qual não existe restrições à liberdade econômica. O que
se tem é um sistema misto, o Estado Social Liberal de Direito ou Estado Democrático Social
de Direito, que representa a chamada tendência centrípeta dos Estados de caminhar para uma
posição eqüidistante dos modelos de liberdade econômica total e o de sua total restrição.
A Constituição brasileira é uma constituição dirigente. A norma constitucional não
tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência, ou seja,
a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia
não pode ser separada das condições históricas de sua realização, que estão de diferentes
formas, numa relação de interdependência, criando regras próprias que não podem ser
desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais, técnicas, econômicas e
sociais
1
.
1
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 199l, p. 14-
15.
10
O capítulo 1 foi dedicado à análise da inter-relação e interdependência entre o Direito
e a Economia, destacando a importância do primeiro, dentro das relações de interdependência
que existe entre as duas ciências sociais. Interdependência que tem reflexos positivos ou
negativos para a atividade econômica desenvolvida pelos empreendimentos privados.
Ressaltada, também, a importância de conhecimentos básicos de Economia pelos aplicadores
do direito, que ao buscar justiça social sem analisar as repercussões econômicas imediatas e
mediatas, não crie um desestímulo à atividade econômica desenvolvida pela iniciativa
privada, fundamental para o desenvolvimento econômico.
No capítulo 2 procurou-se dar uma panorâmica sobre o desenvolvimento econômico
que pode levar a uma mudança social, analisando a evolução histórica dos modelos de
ordenamentos institucionais caracterizados pelas formas de Estado da antiguidade até os dias
de hoje, em contraposição com as economias liberais e o pós-liberalismo. Traçou-se uma
perspectiva histórica dos diversos sistemas econômicos adotados pelas Constituições Federais
brasileiras desde 1824 a 1967, analisando as tendências liberalizantes e intervencionistas
adotadas pelas mesmas, passando por uma análise do desenvolvimento econômico na
perspectiva do Estado Democrático e Social e encerrando com discussão da mudança social e
sua interdependência, com a atuação do Poder Judiciário.
O capítulo 3 foi reservado para uma análise da responsabilidade judicial do Estado,
dedicado, num primeiro momento, à responsabilidade do Estado propriamente dita e em
seguida a responsabilidade judicial, como agente de concretização das mudanças sociais,
demarcando o papel da atividade jurisdicional.
No capítulo 4 analisou-se a importância da observância dos princípios fundamentais e
constitucionais econômicos dispostos na Constituição Federal de 1988, quando da aplicação
dos mesmos a uma situação fática, dando relevo a harmonização de preceitos no processo de
hermenêutica constitucional, avultando o papel do intérprete julgador para efetividade dos
princípios.
11
O presente trabalho tem como escopo um estudo do importante papel que o Poder
Judiciário desempenha sobre a atividade econômica, na medida em que a observância dos
princípios fundamentais e constitucionais econômicos baliza essas atividades. A metodologia
empregada foi a do levantamento bibliográfico e da jurisprudência sobre o tema, constantes
no corpo do trabalho e na bibliografia.
12
1 A INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE O DIREITO E A ECONOMIA
Empreendimentos econômicos, desenvolvimento e mudança social, este último tópico
que engloba as questões voltadas à justiça social, revela-se, num primeiro momento, como
sendo a preocupação mais importante dos aplicadores do Direito, demonstrado isso de forma
bastante clara na pergunta feita por Pinheiro (2003), em pesquisa realizada por Bolivar
Lamounier e Amaury de Souza que quando questionados os membros do Judiciário e do
Ministério Público sobre a opção entre garantir o cumprimento de contratos e a busca da
justiça social, 61% dos pesquisados concordam com a afirmação de que: “O juiz tem um
papel social a cumprir e a busca da justiça social justifica decisões que violem contratos”
2
. Os
demais tópicos, para muitos dos juristas e aplicadores do direito, representam uma
preocupação maior da área da Economia.
No ordenamento institucional brasileiro justiça social é citada no Art. 170 “A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme dos ditames da justiça social observado os
seguintes princípios: [...]” (grifo nosso) e no Art. 193 “A ordem social tem como base o
primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.(grifo nosso). Mas o
que significa justiça social? Como na Constituição Federal de 1988 a palavra está inserida na
ordem econômica e na ordem social, a sua observância tem implicações econômicas e sociais.
Pode-se dizer que ela faz parte da justiça geral, legal, distributiva, corretiva ou comutativa?
Para muitos autores a noção de justiça social é buscada na doutrina social da igreja católica
apostólica romana do Século XX.
Segundo a doutrina o primeiro utilizar a palavra justiça social foi o jesuíta italiano
Louis Taparelli d’Azeglio, em 1862. É do magistério de Barzotto
3
a base para a conceituação
de justiça social. O autor inicia sua tese buscando a gênese do conceito, afirmando que foi
Aristóteles quem primeiro propôs uma teoria sobre justiça, dividindo o gênero em três
espécies: justiça geral, justiça distributiva e justiça corretiva. Tomás de Aquino altera a
classificação e apresenta também três espécies: justiça legal, justiça distributiva e justiça
2
PINHEIRO, Armando Castelar e SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de janeiro: Elsevier, 2005,
p. 7.
3
BARZZOTO, Luis Fernando. Justiça social – gênese, estrutura de um conceito. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_48/artigos/ART_Luis.htm.p>. Acesso em 20 set. 2008, p.1 a
9.
13
comutativa. Para Aristóteles “A justiça (dikaiosyne) é a virtude que nos leva desejar o que é
justo (dikaion)”. Dikaison significa tanto o legal (nomimon) como o igual (ison).
Portanto, para Aristóteles, são dois modos de estabelecer o que é devido a outrem: pela
lei ou pela igualdade. No primeiro caso, a idéia de que a justiça geral [...] é um ato justo [...]
que se exerce em conformidade com a lei.” Para ele, justiça geral é aquela que se orienta pela
idéia da legalidade. Complementando sua divisão acrescenta a justiça distributiva e a justiça
corretiva. Justiça distributiva é aquela que “[...] se exerce nas distribuições de honrarias,
dinheiro e tudo aquilo que pode ser repartido entre os membros do regime”. Justiça corretiva
“[...] é aquela que exerce uma função corretiva nas relações entre indivíduos”. Para Tomás de
Aquino, “[...] justiça consiste em dar a cada um aquilo que lhe é devido”. Justiça legal é
aquela justiça que diz respeito àquilo que é devido “a outrem em comum” ou “à comunidade”.
“Justiça legal ordena substancialmente o homem em suas relações com outrem: quanto ao
bem comum imediatamente e quanto ao bem de uma única pessoa, mediatamente.
Justiça distributiva é a que “[...] reparte proporcionalmente o que é comum” e justiça
comutativa é a “[...] que regula as trocas que se realizam entre duas pessoas”. Chega-se assim
à justiça social, que tem como sujeito a pessoa humana e seu objeto, o bem comum. Pessoa
humana é o ser social que alcança o pleno desenvolvimento vivendo em comunidade.
Portanto, são-lhe devidos todos os bens necessários para a sua realização nas dimensões
concreta, individual, racional e social. Assim fica estabelecido o liame entre justiça social e
dignidade da pessoa humana, ou seja, “[...] a pessoa humana é digna, merecedora de todos os
bens necessários para realizar-se como ser concreto, individual, racional e social”. Dignidade
da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, ao lado
da livre iniciativa e da valorização do trabalho humano.
A preocupação dos membros do judiciário em promover a justiça social, mesmo com a
quebra de contratos, é um componente que pode representar entraves para uma mudança
social e que, portanto, precisa ser superada. Mudança social e justiça social são dois objetivos
intimamente correlacionados. Mudança social acontece de duas maneiras: por meio da via
revolucionária, totalmente ultrapassada, ou pelo desenvolvimento sustentado, ou seja, aquele
desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração presente, sem prejudicar a satisfação
das necessidades das gerações futuras e que tem como um dos seus motores, os
empreendimentos econômicos. Outro fator importante e crucial para o desenvolvimento são
14
as instituições. A qualidade das instituições, entendidas essas como um conjunto de regras
que regulam as relações sociais, é de fundamental importância para o desenvolvimento.
“As instituições [...] afetam decisivamente a perfomance econômica [...]”
4
. A frase de
Carnelutti, citada por Nusdeo (2005): quanto piú economia, piú diritto, ou seja, quanto mais
Economia mais Direito, reflete a importância do Direito neste contexto. Nesta mesma linha
O Direito é um sistema aberto que influi e é influenciado pelas instituições
sociais existentes na comunidade em que se aplica. Por isso cultores da
teoria evolucionista das sociedades admitem que o conjunto de regras
socialmente predispostas serve à organização das relações intersubjetivas e,
em dado momento, se consagra como Direito posto. Se isso for verdade,
fatores econômicos estarão envolvidos no processo de criação de normas.
5
Desta forma, repetindo as palavras de Nusdeo (2005) observa-se que
O Direito e Economia devem ser vistos, pois, não tanto como duas
disciplinas apenas relacionadas, mas como um todo indiviso, uma espécie de
verso e reverso da mesma moeda, sendo difícil dizer-se a que ponto o
Direito determina a Economia, ou pelo contrario, esta influi sobre aquele.
6
Aqui entra a visão de uma parcela considerável daqueles responsáveis pelo
desenvolvimento: os empreendedores que aludem que o Tempo do Direito é procrastinador,
enquanto que o Tempo da Economia será sempre prospectivo. Visão muito comum, mas não
verdadeira. “[...] A formatação da jurisprudência sobre determinado aspecto, assim como a
intenção do legislador, é sempre prospectiva, voltada para o futuro”
7
. Em um mundo
globalizado no qual a velocidade da informação nos assusta, o Direito tem sido questionado,
principalmente no país como um instrumento que, em lugar de auxiliar no desenvolvimento
econômico do Brasil, muitas vezes é colocado como um entrave a esse mesmo
desenvolvimento. Há que se considerar que nos dias de hoje o Poder Judiciário é parte
integrante do processo do desenvolvimento nacional.
4
ZYLBERSZTAJN, Décio e SZTAJN, Rachel. Direito & economia, análise econômica do Direito e das
Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 3.
5
Idem, ibidem, p. 81.
6
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 4 ed. rev. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2005, p. 32.
7
ARIDA, Pérsio. A pesquisa em Direito e em Economia: em torno da historicidade da norma.
ZYLBERSZTAJN, Décio e SZTAJN, Rachel. Op. cit., p. 73.
15
Decisões judiciais, em inúmeras oportunidades, têm causado preocupações aos agentes
econômicos, sejam eles públicos ou privados, criando uma sensação de insegurança jurídica.
São várias as manifestações que demonstram essa sensação. Jornais de circulação nacional,
nos seus editorais, têm sido porta-vozes dessas inquietações
Até que ponto podem juízes invocar a “função social” do contrato, um
principio jurídico consagrado pelo Código Civil que entrou em vigor três
anos, para, ao julgar um litígio, obrigar uma das partes a arcar com
obrigações que não foram prevista no acordo livremente firmado com a outra
parte? Ao aplicar o Código de Defesa do Consumidor, pode um magistrado
tomar decisões sem levar em conta o impacto econômico que elas terão na
saúde financeira das empresas? Em suma, qual é o limite da
discricionariedade dos juízes na interpretação dos códigos e leis? [...] Ao
proteger o que consideram a parte mais fraca nos litígios, magistrados que
não conhecem noções básicas de economia acabam endossando o
descumprimento não dos contratos, mas das próprias leis. E, ao interferir
nas relações de consumo e nos mercados de serviços privados, como é o
caso dos planos de saúde, eles acabam estimulando o desrespeito aos
direitos, gerando com isso efeitos opostos dos que esperam. Como podem os
agentes econômicos sentir-se seguros para investir num país onde alguns
juízes confundem hospitais com spa e privilégios com dignidade humana.
8
O caso em tela refere-se a uma decisão judicial da titular da Vara de Defesa do
Consumidor de Salvador, Ana Ferreira, garantindo o direito de uma dona de casa baiana, de
se internar em um Spa por um período de 210 dias, com diárias de R$ 1 mil por dia e por
conta do plano de saúde que não contemplava aquele direito, sob alegação de que a dignidade
humana da autora estava sendo afetada. Decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça da
Bahia. Entre os próprios médicos a decisão causou perplexidade, uma vez que os hospitais,
mesmo por meio do SUS, têm condições de tratar por via cirúrgica a obesidade mórbida, que
era o caso da autora da ação.
Deve existir uma correlação entre a proteção jurisdicional dos direitos e
desenvolvimento, e “O arbítrio judicial lugar à imprevisão da conduta judicial e à
insegurança nas relações interindividuais”.
9
Continuando, o mestre Vilanova ensina, quando
discorrendo sobre o tema Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em
desenvolvimento que:
8
Insegurança Jurídica. O Estado de São Paulo. São Paulo, 20 set 2006, p. A3.
9
VILANOVA, Lourival. Escritos Jurídicos e filosóficos. V. 2. São Paulo: Axis Mundi - Ibet, 2003, p. 489.
16
[...] o que o tema delimita é esta questão: numa sociedade em
desenvolvimento, como se comporta a função jurisdicional em face de certos
fatos e atos aos quais o ordenamento ainda não atribuiu conseqüências
jurídicas, fatos e atos provenientes da mudança social. O tema então não se
concentra na função jurisdicional no interior do sistema jurídico, mas alarga-
o, introduzindo esta variável: o desenvolvimento da sociedade. E esta
variável é de natureza extradogmática. Importa em sair do ordenamento, sair
da órbita do jurídico, do normativo. O que é importante.
10
Nesta mesma linha de raciocínio:
O Direito, [...], ao estabelecer regras de conduta que modelam as relações
entre pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos de que delas
derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação de recursos e os
incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos
privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia, e as
Organizações influenciam e são influenciadas pelo ambiente institucional.
11
A conseqüência da decisão judicial acima descrita e de muitas outras no mesmo
sentido, é a dos agentes econômicos que operam na área de seguros se retirarem do mercado
de planos de saúde individuais, passando a oferecer, quase que exclusivamente, planos
empresariais, com aumentos maiores para suportar o custo das decisões judiciais. Decisão que
beneficiou um grupo de indivíduos, mas com certeza prejudicou toda a sociedade. Este é um
exemplo de repercussão econômica das decisões judiciais, neste contexto.
De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, a República Federativa do
Brasil, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I a
soberania; II a cidadania; III a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa (grifo nosso); V – o pluralismo político e o artigo 170 que trata
da ordem econômica corrobora esse posicionamento ao dispor que:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa (grifo nosso) tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observado os seguintes princípios”.
Pode-se deduzir desse princípio fundamental da Constituição Federal e do caput do
artigo 170, que valores sociais e liberais devem prevalecer sobre a atividade econômica, o que
10
VILANOVA, Lourival. Op. cit., p. 464.
11
ZYLBERSZTAJN, Décio e SZTAJN, Rachel. Op. cit., p. 3.
17
significa a vivência de um Estado Social Liberal de Direito e não somente um Estado Social
de Direito, pois:
O social-liberalismo é em suma o resultado da convergência entre a herança
liberal e a socialista, e, por ser o resultado natural de um processo histórico,
surge desprovido de preconceitos e antagonismos abstratos, obedecendo às
exigências e conjunturas de cada povo rumo a democracia social.
12
O mestre Reale ensina também que:
O mal é que na justa aspiração distributiva muitas vezes se oculta um
demagógico e utópico ideal de igualdade, geralmente fruto de renitente
rancor com a riqueza e o lucro, o que conduz impreterivelmente a uma
política de controle (aqui acrescentaria pelo Poder Judiciário) da ordem
econômica, descambando para o dirigismo das atividades empresariais,
incompatível, repito, com a Carta Magna vigente.
13
Não se deve ignorar as inter-relações existentes entre o Direito e Economia. À
Economia compete o estudo da ação econômica do homem envolvendo essencialmente o
processo de produção, a geração e a apropriação da renda, o dispêndio e a acumulação. ao
Direito cabe fixar, com precisão ditada pelos usos, costumes e valores da sociedade, as
normas que regularão os direitos e obrigações individuais e sociais.
14
O que se questiona são os limites da intervenção do Estado na economia. A
interferência do Estado na economia, via Poder Judiciário, em lugar de propiciar e enaltecer
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa propugnados pela Constituição Federal de
1988, pode levar ao não cumprimento desse desiderato, causando uma injustiça social. Provê
a justiça para alguns indivíduos em detrimento da maioria. Segundo Moncada
15
:
O fenômeno da intervenção do Estado na economia manifesta-se em
sistemas económicos muito diversos, sejam eles classificados a partir do
modo de coordenação económica [...] – sistemas económicos planificados de
direcção central ou sistemas de economia de mercado mais ou menos puro
ou a partir do critério marxista de modo de produção apropriação coletiva
ou apropriação privada dos meios de produção. [...] A intervenção é um
fenómeno historicamente permanente. Na verdade, desde sempre existiram
formas de intervenção na economia por parte do Estado, embora qualitativa
e quantitativamente diferentes das que são características do Estado de
Direito Social dos nossos dias. [...] A realidade da intervenção dos Poderes
12
REALE, Miguel. O estado democrático de direito e o conflito das ideologias. 3 ed. rev. São Paulo: Saraiva
2005, p. 41.
13
Idem, ibidem, p. 49.
14
ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 31.
15
MONCADA, Luís S. Cabral de. Direito Econômico. 2 ed. Portugal: Coimbra Editora, 1988, p. 13-28.
18
Públicos na esfera da actividade económica através desses meios que são a
norma jurídica e o acto administrativo não tem como pressuposto um
entendimento, uma concepção ideológica precisa e definida do
funcionamento do mercado como critério da legitimidade da decisão
econômica. Na realidade a intervenção pública na economia não é
necessariamente tributária de uma concepção negativa de funcionamento do
mercado como critério do funcionamento da economia, sem este asserto
essencial para a compreensão clara dos objectivos da moderna intervenção
estadual na economia. Intervir, ou seja, fomentar ou mesmo corrigir,
controlar e conformar o funcionamento espontâneo da decisão económica
livre e descentralizada nada fica a dever a uma concepção, ideologicamente
sustentada, do mercado como terreno próprio da irracionalidade e do
desencontro da decisão económica.[...] Pelo contrario, a intervenção do
Estado na economia parte muitas vezes do principio de que o mercado é o
terreno por excelência de uma racionalidade espontânea, “natural”
caracterizada pela concertação dos planos econômicos individuais que é uma
conseqüência necessária da própria natureza heterogênea dos interesses em
jogo e da arbitrariedade da vontade individual[...].
O texto transcrito à página 15 demonstra também, de forma bastante clara, que a
maioria dos magistrados não tem conhecimentos mínimos sobre economia e, portanto não se
preocupam ou não atinam para as conseqüências econômicas de suas decisões.
Desenvolvimento econômico está intimamente relacionado com o nível de
investimentos efetuados pelos agentes econômicos privados, sejam nacionais ou
internacionais. No caso brasileiro, muitos ainda acreditam no Estado como motor do
desenvolvimento econômico. Os mais pobres, que representam uma parcela considerável da
população brasileira, são:
[...] mais dependentes de iniciativas governamentais, os brasileiros pobres
acreditam que cabe ao Estado intervir mais na economia e na vida dos
indivíduos. O que não é difícil de entender: baixos níveis de escolaridade
resultam em renda mais baixa; e renda mais baixa leva a um sentimento de
incapacidade e impotência. Essa situação de carência em que vivem os leva a
considerar o Estado uma espécie de “grande pai protetor”, aquele que tem os
recursos e vai olhar por ele, pobre. Opinião oposta a dos não-pobres.
16
A capacidade de investimento do Estado brasileiro é próxima de zero. Ele mal
conta da educação, saúde, saneamento básico, segurança e da própria justiça. Não havendo
segurança jurídica não haverá investimentos. Investimentos geram empregos, que geram
renda; estas geram consumo e geram poupança. É o chamado círculo virtuoso da economia.
16
ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 179.
19
O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras de conduta que modelam as
relações entre as pessoas, deverá levar em conta os impactos econômicos
que deles derivarão, os efeitos sobre a distribuição ou alocação dos recursos
e os incentivos que influenciam o comportamento dos agentes econômicos
privados. Assim, o Direito influencia e é influenciado pela Economia [...].
17
Torna-se um componente adicional de insegurança jurídica a politização das decisões
judiciais (o juiz toma decisões baseadas mais em suas visões políticas, sem apego à leitura
ponderada da lei).
Na mesma linha de raciocínio:
A “politização” das decisões judiciais se observa igualmente na tentativa de
alguns magistrados de proteger certos grupos sociais visto como a parte mais
fraca nas disputas levadas aos tribunais, e os próprios magistrados costumam
se referir a esse posicionamento como um reflexo do papel de promover a
justiça social que cabe aos juízes desempenhar.
18
Talvez os magistrados ainda não percebam a importância do seu papel dentro da
Economia. Harmonizar valores sociais e liberais contidos na Constituição Federal de 1988
deve ser levado em consideração quando de suas decisões.
Parte da insegurança jurídica na qual vivemos é decorrente da incapacidade
dos operadores do direito de entender, por falta de formação e conhecimento,
a realidade econômico-social do Brasil e do mundo. Essa falta de
entendimento na advocacia, no Ministério Público e no Poder Judiciário,
bem como nos dois outros poderes da República (Legislativo e Executivo),
gera amarras e impede o País de crescer.
19
Mais uma vez, não se pode esquecer de que o Poder Judiciário é parte integrante do
desenvolvimento nacional. O funcionamento e o aperfeiçoamento das instituições constituem-
se fatores básicos para o desenvolvimento. O Poder Judiciário deve ser previsível, na medida
da sua imprevisibilidade, e eficiente para assegurar a tranqüilidade da segurança jurídica aos
agentes econômicos.
A segurança jurídica é parte da ambição humana de pretender moldar o
futuro ou de prever e evitar o amanhã incerto. Num mundo cada dia mais
volátil, é razoável os investidores nacionais e estrangeiros quererem proteção
contra as intempéries econômicas e políticas e pressionarem por
previsibilidade no cumprimento dos contratos. Mas a insegurança jurídica
não é mera questão de interpretação contratual nem devemos debitá-la
17
ZYLBERSTAJN, Décio e SZTAJN, Rachel. Op. cit., p. 3.
18
PINHEIRO, Armando Castelar e SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier,
2005, p. 6.
19
MARTINS, Ives Gandra. A economia e o direito. São Paulo: Gazeta Mercantil, 10 Jan. 2007, p. A-10.
20
prioritariamente ao Poder Judiciário e a seus profissionais. O sist
ema
econômico não deve exigir muito do sistema jurídico.
20
Os contratos, incompletos por natureza pelo desconhecimento de aspectos futuros,
dependem do Judiciário ou de árbitros para a solução de eventuais conflitos. Os mecanismos
garantidores do cumprimento de contratos contribuem para reduzir a insegurança e incentivar
o investimento privados. As instituições, ao assegurarem a proteção dos direitos de
propriedade e o cumprimento dos contratos, moldam comportamentos, criam incentivos
corretos e formam o ambiente para o investimento. Instituições sólidas na área fiscal,
monetária e regulatória protegem a sociedade contra a gestão econômica irresponsável dos
detentores do poder.
Além da estabilidade democrática e macroeconômica, tem importante papel no
desenvolvimento, de acordo com a Teoria Neo-Institucional (escola de pensamento da qual
saíram dois prêmios Nobel de Economia: um em 1991, para Ronald Coase, e outro em 1993,
para Robert Fogel e Douglas North), a qualidade das instituições, assim entendidas as regras
do jogo, as organizações e as crenças da sociedade.
A existência de relações de interdependência e de inter-relação entre as diversas
ciências sociais, chamada de relações biunívocas, é intensa entre o Direito e a Economia.
Todo o fato econômico, com certeza envolve questões de Direito. As questões relacionadas
com a produção, acumulação, distribuição e consumo das riquezas não se limitam às soluções
encontradas na área econômica, demonstrando a importância do Direito. Quando presidente
do STJ o ministro Edson Vidigal afirmou com muita propriedade que:
A economia é indissociável da operação do direito, porquanto o Direito é a
afirmação dos parâmetros e dos comportamentos de todos os setores
movimentados da sociedade. Nas civilizações a sociedade não se move sem
a economia, e o lastro das operações do mercado é a credibilidade. O
Judiciário tem de ser responsável e suas decisões não podem comprometer a
credibilidade.
21
Barroso, ao discorrer sobre os limites do possível da objetividade e neutralidade na
aplicação do Direito, ressalta a importância da interdisciplinaridade na solução de uma
situação fática, ao pontuar que, “[...] a interdisciplinaridade, não com a sociologia e a
20
FALCÃO, Joaquim. In: “Insegurança Jurídica”. São Paulo: Folha de São Paulo, 29 abr. 2007, p. A3.
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/notícias>. Acesso em: 24 jan.
2005.
21
filosofia, mas com outros ramos do conhecimento científico, é parte importante de uma
análise globalizadora do direito”
22
.
Complementando essa linha de pensamento é pertinente a observação de Nóbrega
quando, discorrendo sobre a teoria dos incentivos que ajuda a entender a importância de
construir instituições para moldar comportamentos e gerar maior bem-estar possível para a
sociedade, afirmou que as:
Instituições geradoras de comportamentos adequados podem aumentar, [...],
o potencial de crescimento de uma economia. É o caso do respeito aos
contratos, um componente fundamental do processo econômico. O respeito
aos contratos pressupõe a
existência de um Judiciário em condições de fazer
cumpri-los e, se necessário, impor penalidades à parte de adotou
comportamento distinto daquele previsto no acordo. Neste caso, é necessário
que os juizes disponham dos incentivos para fazer cumprir os contratos.
Incentivos incorretos podem, em contrapartida, gerar perdas de bem-estar
geral. O Judiciário também gera exemplos dessa situação. É o caso dos
juízes que não sabem avaliar as conseqüências de suas decisões. No Brasil,
muitos imaginam que podem fazer justiça com suas sentenças, para proteger
a parte supostamente mais fraca. No jargão do Judiciário, essa parte é
hipossuficiente, isto é, não sabe se defender. Pesquisas mostram que, em vez
de zelar pelo cumprimento do contrato esses juizes preferem violá-lo, pois
assim não cometem “injustiça” contra a parte “fraca”. Atitudes pró-devedor,
em oposição frontal aos termos do contrato, têm sido a principal
manifestação dessa cultura, muito comum nas operações de crédito. O efeito
natural é reduzir a oferta de crédito ou aumentar os seus custos. Ou seja, ao
“proteger” certos devedores, os juizes prejudicam os que deixam de ter
acesso ao crédito e transferem os custos de sua decisão aos devedores que
cumpriram os contratos
23
.
É de Coase, no início dos anos sessenta, a chamada Teoria da Análise Econômica do
Direito que pesquisa o custo social do Direito
24
. Ela tem como objetivo a construção de um
sistema de compreensão e aplicação de toda ordem jurídica que contribua para a eficiência
econômica. Segundo Coelho a aplicação da Análise Econômica do Direito “[...] se estendem à
diversas áreas da disciplina jurídica. No campo dos direitos de vizinhança, [...] na matéria de
responsabilidade civil, [...] no campo da responsabilidade contratual”
25
.
22
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 291.
23
NÓBREGA, Maílson. O futuro chegou: instituições e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, p.
99 -100.
24
COASE, Ronald. The problem of social cost. Journal of Law and Economics n. 3, 1960.
25
COELHO, Fábio Ulhoa. Análise Econômica do Direito. In: Direito. n. 2, Programa de Pós-Graduação em
Direito – PUC/SP. São Paulo: Editora Max Limonad, 1995, p. 163.
22
A Teoria da Análise Econômica do Direito surgiu dentro do contexto da Common Law
no qual prevalece a jurisprudência, ou seja, uma análise das decisões judiciais precedentes,
procurando demonstrar como o Direito pode ser mais eficiente na regulação social e
econômica. As decisões judiciais devem se pautar pela eficiência, ou seja, não levar somente
em conta o resultado imediato das mesmas, mas atentar de forma mais acurada para os
resultados mediatos. A Análise Econômica do Direito não descarta que o Direito é parte
integrante e fundamental da organização social de uma comunidade. Dessa forma, na sua
aplicação não se pode prescindir de conhecimentos específicos se é buscado efetivamente o
desenvolvimento.
Quando se analisa os aspectos que condicionam e são condicionados pela atividade
econômica, verifica-se que a estrutura da ordem jurídica e a forma de organização política da
sociedade
26
refletem a importância desses condicionantes no desenvolvimento econômico.
Esses dois condicionantes estão, de certa forma, contidos na Constituição Federal de 1988, na
medida em que está clara a opção dos constituintes por um sistema econômico no qual
prevalecem valores sociais e liberais (inciso IV, art. 1º; incisos XXII e XXIII, art. 5º; art. 170
e incisos).
26
ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 33.
23
2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA SOCIAL
2.1 E
VOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE ORDENAMENTO INSTITUCIONAL DA ECONOMIA
As formas de organização da sociedade humana no sentido de satisfazer suas
necessidades materiais “[...] tem apresentado características diversas ao longo da sua evolução
histórica, correspondendo a cada período e a cada lugar certo sistema de organização
econômica e social”
27
. Essas características que moldam o modelo de ordenamento da
economia desde a antiguidade até o final da Idade Média e dos séculos XVI, XVII e a
primeira metade do século XVIII, mostram que a sociedade humana sempre conviveu com
sistemas centralizados de organização econômica e social, e, que em termos históricos
somente a partir do final do século XVIII é que se implantou um sistema no qual a liberdade
era o bem maior. As formas de Estado destes períodos, segundo Bobbio
28
, podem ser
analisadas dentro de dois critérios: o histórico e sob o grau de intervenção do Estado na
sociedade civil.
Da antiguidade até o final da Idade Média, as características básicas da ordem
econômica resumem-se em trocas incipientes de mercadorias, formas primitivas de mercado,
a coordenação e alocação dos fatores de produção feita de forma centralizada. As bases em
que se assentava a ordem econômica e social era a autoridade exercida de forma autocrática
por quem detinha o poder. Este, via de regra, era sancionado pelo poder divino, a proteção
que era a conseqüência da autoridade e, por fim, a tradição que reproduzia de forma
conservadora as bases das atividades econômicas dos membros da sociedade. Basicamente, a
produção era local destinando-se a auto-suficiência.
Este período que, segundo Nunes
29
, iniciou-se com o que ele chama de comunismo
primitivo, no qual os homens viviam e trabalhavam juntos em comunidades, caçavam em
grupo e partilhavam em conjunto os resultados da caça. O homem era um simples colector.
Segue-se o escravismo, que é o modo de produção que se assentava na exploração do trabalho
27
NUNES, António José Avelãs. Uma introdução à economia política. São Paulo: Editora Quartier Latin do
Brasil, 2007, p. 60.
28
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 11 ed. Rio de Janeiro,
Editora Paz e Terra, 2004, p. 113 a 122.
29
NUNES, António José Avelãs. Op. cit., 2007, p. 111 a 116.
24
forçado da mão-de-obra escrava. As civilizações grega e romana foram modelos deste
sistema. Passando para o feudalismo que tinha como elemento comum a subordinação de
indivíduo a indivíduo, a relação de dependência pessoal, caracterizando todo o tecido da
sociedade feudal. O conde era o homem do rei, do mesmo modo que o servo era o homem do
senhor da terra, onde vivia e trabalhava.
Tendo como base o critério histórico nos períodos acima mencionados, destacam-se
como formas de Estado: o Estado Feudal, que tinha como características principais a
centralização das decisões políticas e econômicas na figura do senhor feudal, com sua
autoridade sacramentada pela lei divina e o feudo mantido sob sua proteção. Este poder
central era fragmentado em pequenos agregados sociais dispersos um dos outros. O Estado
Estamental, que vigorou entre o Estado Feudal e o Estado Absoluto, tem como características
a reunião dos indivíduos de uma mesma posição social formando colegiados distintos que
muitas vezes se contrapõem contra o poder do soberano, por via de assembléias deliberativas.
Exemplos de estamentos são o clero, a nobreza e a burguesia, na França e, na Inglaterra, a
Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns.
Nos séculos XVI, XVII e até a primeira metade do século XVIII, emerge o chamado
mercantilismo, período em que se operam transformações que representam o ponto de partida
para os tempos modernos: 1) transformação intelectual proporcionada pelo Renascimento, 2)
transformação política com o surgimento dos Estados-Nação, que, unificou sob a autoridade
do soberano o território e o poder político, fragmentado pela decadência dos feudos;
expansão dos mercados locais, regionais e internacionais, com a diversificação da divisão do
trabalho e da especialização e 3) transformação geográfica em conseqüência das grandes
descobertas, tais como, o caminho das Índias e das Américas. O fortalecimento do Estado era
o objetivo principal. O Estado era forte na medida em que possuía grande quantidade de
metais preciosos. As importações deveriam ser pagas em lingotes de ouro. É o porvir do
Estado absoluto.
O homem era apenas uma “peça da engrenagem”. Restrições de toda ordem pairavam
sobre a atividade econômica. Regulamentações detalhadas eram impostas aos
empreendimentos privados e os mercados viviam sob as disciplinas estatais. Um exemplo
dessas regulamentações impostas é um reglement aplicado à industria de tecelagem da França,
promulgado por Colbert, em 1666, pelo qual o tecido das fábricas de Dijon e Selangey devem
25
ter apenas 1408 fios, inclusive ourelas, nem mais nem menos. Em Auxerre, Avalon e duas
outras cidades industriais o numero de fios deve ser 1376, em Chantillon 1216. Qualquer
tecido que superasse esses números seria confiscado.
30
Outra característica marcante do período foi a política do protecionismo destinada a
salvaguardar a indústria local.
Foi [uma] prática generalizada [...] através do lançamento de direitos
alfandegários protectores, pela concessão de prêmios à exportação, já pela
garantia do monopólio de venda no mercado interno e de monopólios
coloniais, pela ‘liquidação’ das indústrias nos territórios dominados pela
‘metrópole’ industrial
31
.
A formação do Estado Absoluto deu-se pela reunião dos diversos feudos num
território e o poder centralizado na figura do soberano que ditava, por meio de seus
servidores, leis válidas para toda a coletividade, concentrando nele o poder jurisdicional, o de
usar a força dentro e fora do seu território, o de instituir impostos. Todas as cidades e
sociedades comerciais ficam subordinadas ao poder do soberano e considerados legítimos
enquanto por ele reconhecidos. Em síntese: não havia liberdade. Todas essas características
transformaram-se no “caldo de cultura” para o surgimento do liberalismo que teve como
marcos históricos a Revolução Francesa, a Revolução Industrial na Inglaterra e independência
americana. Segundo o relato de Steiner, citado por Rossetti, observou-se que:
[...] os homens não aceitavam mais cegamente o ponto de vista de que era
natural e conveniente que o governo regulasse todos os aspectos da vida
econômica e social. Pelo contrário, florescia a idéia de que era natural e
conveniente que o houvesse qualquer intervenção. A ordem econômica
deveria resultar da ordem natural que governa todos os aspectos da vida
humana. A própria revolução americana lutou em defesa desses princípios.
E, do outro lado do Atlântico, The Wealth of Nations, de Adam Smith,
constituiu uma severa condenação aos objetivos e à ineficiência dos
controles exercidos sobre os indivíduos e a sociedade pelos governos
mercantilistas. Assim, a experiência americana e as teorias da ordem e do
direito natural, desenvolvidas na Europa Ocidental, continham, em sua
essência, as idéias que serviriam para fazer submergir a filosofia e a prática
do regulamentarismo. Primeiramente, elas se baseavam na doutrina do
individualismo, segundo a qual o individuo e o o governo era o objeto
principal do interesse social. Em segundo lugar, elas se assentavam no
conceito de laissez-faire, segundo o qual o governo deveria restringir seus
esforços, interferindo o menos possível na vida dos cidadãos, a não ser para
assegurar os direitos naturais ligados à vida, à liberdade e à propriedade. E,
30
HEILBRONER, Robert L. Introdução à história das idéias econômicas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969,
p. 11.
31
NUNES, Antonio José Avelãs. Op. cit., 2007, p. 117.
26
finalmente, elas se apoiavam na crença de que o sistema econômico poderia
operar com base no interesse próprio de cada um dos agentes, e não
necessariamente no controle por uma autoridade pública
32
.
Esse caldo de cultura foi alimento para eclosão dos movimentos que pregavam a
ordem natural subjacente a toda atividade econômica, o fim das corporações de oficio e o fim
do Estado Absoluto que pairava sobre toda sociedade. Nascia a democracia política, cuja
gênese foi a Revolução Francesa e, do outro lado do Atlântico, um programa econômico com
base na obra de Adam Smith: As causas e a natureza da Riqueza das Nações, popularmente
conhecida como a A Riqueza das Nações. É o surgimento do Estado Representativo de
Bobbio
33
, “[...] sob a forma de monarquia constitucional e depois parlamentar, na Inglaterra
após a grande rebelião, no resto da Europa após a revolução francesa, e sob a forma de
república presidencial nos Estados Unidos da América” e do Estado Constitucional de
Bonavides
34
“[...] por seu compromisso inquebrantável com a liberdade e, por via de
conseqüência, com os direitos políticos e civis, [...], denominou-se também Estado Liberal”.
Esta transformação do Estado perdura até os dias de hoje, não computando dentro desse
interregno a experiência do Estado Socialista-Comunista, cujo paradigma foi a ex União
Soviética.
Na seqüência, a forma de Estado que tem como base a maior ou menor expansão do
mesmo em detrimento da sociedade civil, ou seja, a discussão do Estado ou não Estado. No
Estado Totalitário, cujo exemplo mais marcante foi a ex União Soviética, ele se confunde com
a política e economia. uma intervenção quase que total sobre a comunidade. A sociedade
civil, nos moldes ocidentais, não existe. É o modelo de caso-limite. Não é uma via de mão
dupla: de um lado o Estado e do outro lado a sociedade civil. Não liberdade de ir e vir, de
organização, de reunião e política. É organismo central que determina todas as regras do jogo.
No dizer de Bobbio, “[...] o poder político [...] reúne em si o poder ideológico e o poder
econômico”
35
.
A sociedade feudal mantinha essa característica, pois o poder político e econômico era
indissociável. Com o surgimento da classe burguesa que lutou contra os vínculos feudais e na
busca da sua emancipação, a figura do não-Estado surge com base na doutrina fisiocrata da
32
STEINER, G. apud ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 304.
33
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 11 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2004, p. 116.
34
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 39.
35
BOBBIO, Norberto. Op. cit., 2004, p. 121.
27
ordem natural. Ordem natural subjacente a toda e qualquer atividade econômica. É o laissez-
faire, laissez-passer, le monde va de lui même. Por outro lado, a racionalização da figura do
mercado, a “mão-invisível” de Adam Smith, provoca a separação da economia, do Estado.
Assim o poder econômico se dissocia do poder político, ficando ao Estado seu poder coativo
com o objetivo de garantir o desenvolvimento da sociedade civil. Estado apenas como
guardião do “status quo”. É o Estado abstencionista. Este também representa um caso-limite.
O Estado Intervencionista surge de forma moderada com a chamada Revolução
Keynesiana que se deu após a grande recessão econômica que se abateu no mundo ocidental e
que teve seu epicentro nos Estado Unidos da América. Com base na teoria exposta por John
Maynard Keynes em sua obra Teoria do Emprego, dos Juros e da Moeda, passou-se a admitir
a intervenção do Estado na economia, com o objetivo de alavancar o emprego por meio de
políticas públicas que visava a investimentos na área de infra-estrutura econômica e social.
Foi a base da política americana do “New Deal”, do Presidente Roosevelt, que tinha como
objetivo reformas políticas e programas voltados para a recuperação econômica dos EUA, e
introduzidas nos anos 30, do séc. XX.
Por volta de 1880 surgia na Alemanha as primeiras políticas públicas voltadas para
assistência social, mas, somente após a grande guerra mundial, que terminou em 1945, foi
que a maioria dos países da Europa Ocidental pende para uma forma de Estado, que tem como
característica a intervenção estatal no sistema distributivo da economia, redundando no
chamado welfare state”: o Estado do bem-estar social, que foi uma característica da
chamada social-democracia. Esta mudança representa uma efetiva transformação do antigo
Estado Liberal, para o chamado Estado Social. A liberdade individual foi mantida, mas,
prevalecendo sobre ela à liberdade social. Segundo Bonavides
36
, a noção contemporânea do
Estado Social nasce no momento em que se busca superar a contradição entre igualdade
política e a desigualdade social. É a superação ideológica do liberalismo clássico.
Na década de 1980, em muitos desses países, principalmente na Suécia e Inglaterra,
esta forma de intervenção do Estado no sistema distributivo, via progressividade do imposto
sobre a renda chega em alguns países, à alíquotas de 90%, ou seja, os indivíduos que se
enquadram nessa faixa de renda ficam com apenas 10% dos seus rendimentos e os restantes
90% ficam para o Estado. Isso provocou um desestimulo ao trabalho, o que levou à
36
BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 185.
28
implantação de reformas tributárias, no sentido de restabelecer um equilíbrio entre a iniciativa
privada e o interesse social.
A Constituição Federal de 1988 consagra o Brasil como um Estado Democrático de
Direito: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito
(grifo nosso) [...]” e tem como fundamentos os incisos e demais artigos que enfatizam valores
sociais e liberais caracterizando assim esta forma de Estado.
Após essa breve passagem pelas diversas formas de Estado, não se pode deixar de
discutir a forma do Estado contemporâneo, o chamado Estado Democrático de Direito que
representa a coexistência das formas de Estado de direito, com os conteúdos de Estado social.
É a manutenção dos direitos fundamentais que tutelam a liberdade individual, a liberdade
política e a liberdade econômica, representando ele um contraponto à intervenção do Estado.
Por outro lado, garantem os direitos sociais, de que são exemplos os chamados direitos
difusos e coletivos.
2.2 E
CONOMIAS LIBERAIS E A CONTRAPOSIÇÃO DO PÓS-LIBERALISMO
Para complementar a análise histórica a respeito da maior ou menor intervenção dos
ordenamentos institucionais, econômicos e sociais vivenciados pela sociedade humana, é
interessante observar as ideologias que prevalecem desde o final do século XVIII. Dois são os
modelos básicos de Estado e, conseqüentemente, dois sistemas econômicos que se situam nos
extremos: aquele que tem como base o liberalismo clássico (Adam Smith, François Quesnay,
David Ricardo, Stuart Mill, Malthus e Say) e aquele que tem como base o socialismo-
comunismo (Karl Marx e Friedrich Engels). O liberalismo clássico, o laissez-faire, teve o seu
fim decretado pela grande recessão econômica ocorrida no final da década de 20, (século
XX), em que a partir daí, admitiu-se a interferência moderada do Estado nas economias
liberais (keynesianismo):
Por conseguinte, ao passo que a ampliação das funções estatais, implícita na
tarefa de ajustar a propensão a consumir ao incentivo a investir, pareceria a
um publicista do século XIX ou a um financista norte-americano
contemporâneo um esbulho espantoso ao individualismo, eu a defendo, ao
contrário, não como o único meio praticável de evitar a destruição total
29
das formas econômicas existentes, em seu conjunto, mas também como a
condição do funcionamento satisfatório da iniciativa individual
37
.
O socialismo-comunismo teve seu fim, apesar da permanência de alguns jurássicos
(Cuba e Coréia do Norte), com a dissolução da ex URSS, que durante muitos anos foi o
paradigma dos socialistas renitentes, no final da década de 80, também do século XX. Se os
dois modelos apontados acima não são os vigentes, qual seria o novo modelo? O mestre
Bonavides
38
discorre sobre quatro categorias de Estado Social nas constituições: 1ª) Estado
Social conservador; 2ª) Estado Social da concretização da igualdade e justiça social; 3ª)
Estado Social que altera e transforma o status quoda sociedade capitalista e abre caminho
para a implantação do socialismo e 4ª) Estado Social das ditaduras. Entendida corretamente a
mensagem do mestre, é de sua preferência a segunda categoria elencada: Estado Social da
concretização da igualdade e justiça social. Merquior complementa esse raciocínio com suas
ponderações a respeito do Estado:
[...] o estado moderno convém não esquecer – não é uma superempresa,
nem mesmo uma superclínica; é também, e antes de tudo, a lei do homem
livre, uma instituição jurídica alicerçada no sentido coletivo de justiça e
validade. O mal não é o estado em si, porém certas formas de apropriação do
estado. Na perspectiva social-liberal, o importante é seguir o sábio conselho
de Norberto Bobbio, e fazer com que o estado moderno não seja nem um
simples guarda de trânsito, como querem os neoliberais, nem um general,
como preferem os dirigistas à outrance. O guarda de transito se limitaria a
tentar prevenir trombadas no tráfego volumoso do desenvolvimento
econômico e social contemporâneo a que o estado democrático não pode
ser indiferente. O general tentaria ordenar todas as ações da sociedade a
partir de decisões tomadas exclusivamente por ele. No primeiro caso, a
sociedade engoliria o estado. No segundo, o estado deglutiria a sociedade.
Mas, na lição da história, a relação profunda entre os dois não é de
contradição antagônica, e sim de implicação mútua. A tarefa não é, com
efeito, jogar a sociedade contra o Estado – é transformar o Estado para
convertê-lo de império em nação
39
.
37
DILLARD, Dudley. A teoria econômica de John Maynard Keynes. 4 ed. São Paulo: Pioneira, 1982, p. 268.
38
BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 334 a 345.
39
MERQUIOR, José Guilherme. O argumento liberal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 124, 128. “Por
isso é que o fundador do pensamento democrático, Rousseau, apesar de tremendamente individualista, exaltou o
estado, incorrendo na abominação de anarquistas como Proudhon, O estado como ideal de justo convívio que
Rousseau buscou na sua reinterpretação democrática da idéia de contrato social pode ser considerada um eco
moderno da velha distinção platônica entre o poder tirânico, que é pura coerção, e o poder político, que é
autoridade livremente consentida (Platão, Político, 276). O funcionamento político do estado de direito é poder
político nesse nobre sentido platônico; sentido que se encontra em profunda harmonia com outra noção clássica:
de lei = justiça, na lei enquanto reflexo de uma ordem justa inscrita na própria natureza das coisas (Platão, Leis,
1. X, 890). Nem se diga que esse valor ético existe no plano do ideal. Em boa medida, ele habita a realidade
da instituições. [...] suficiente terror nesse nosso fim de século para que se possa deixar sem resposta a
leviandade dos que caluniam aquela parte do corpo social em que melhor se conseguiu subordinar a força do
direito e dar, ao direito, força. Poucos “monstros” sociais saberiam ser tão úteis ou tão virtuosos. [...] o problema
político brasileiro não é nenhuma hipertrofia do estado, É, isto sim, a persistência de formas patrimonialistas
desse estado”.
30
Streck e Morais, ao discorrerem sobre a idéia do Estado do bem-estar social e sobre a
diferença entre o Estado do Welfare State do Estado interventivo contemporâneo, disseram
que:
O cerne da diferença, além da crescente atitude interventiva estatal, se coloca
exatamente neste aspecto de direito próprio do cidadão a ter garantido o seu
bem-estar pela ação positiva do Estado como afiançador da qualidade de
vida do povo. Com Paulo Bonavides, pode-se entender que o Estado
Contemporâneo, ao estilo do Estado do Bem-Estar, adota com
preponderância a idéia social na sua constituição com, como diz, a
expectativa de que este princípio generoso e humano de justiça (deva) se
compadecer da tese não menos nobre e verídica da independência da
personalidade. Na tentativa de realizar este equilíbrio, estabelece-se,
segundo Bobbio
40
, um novo contrato social, que nomina de socialismo
liberal, no qual, partindo-se da mesma concepção individualista da
sociedade e adotando os mesmos instrumentos liberais, se incluem princípios
de justiça distributiva, onde o governo das leis em contraposição ao
governo de homens – busque a implementação da democracia com um
caráter igualitário
41
.
Aqui cabe uma pequena digressão. É interessante observar que os constituintes
brasileiros tiveram a percepção do movimento, chamado por Rossetti
42
de “Tendência
Centrípeta”, que se observa nos sistemas econômicos atuais, de certa convergência para o
centro dos extremos citados que, eliminando os cios e as imperfeições tanto do liberalismo
quanto do socialismo-comunismo, caminham para o que ele chama de Economia Social de
Mercado, ou para o liberalismo moderno. Este segundo Merquior:
É um social-liberalismo, é um liberalismo que não tem mais aquela
ingenuidade, aquela inocência diante da complexidade do fenômeno social,
que o liberalismo clássico tinha. O liberalismo moderno não possui
complexos frente à questão social, ele assume. É essa visão do liberalismo
que eu me filio
43
.
Um Sistema Misto que tem como modelo a preocupação com o social, mas mantendo
fundamentos liberais, que no dizer de Moreira é:
[...] uma economia em que, lado a lado, coexistem a economia privada e
economia pública, a iniciativa privada e a planificação pública, o princípio
do lucro da economia capitalista e o princípio da satisfação das necessidades
40
Ver deste autor: O Futuro da Democracia: Uma defesa das regras do jogo. São Paulo: RT, 1986, p.128-171.
41
STRECK, Lênio Luiz, MORAES, José Luiz Bolzan. Ciência política e teoria geral do Estado. 3 ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 71-72.
42
ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 345.
43
MERQUIOR, José Guilherme. Op. cit., 1983.
31
sociais da economia socialista, o princípio da economia de mercado e o
principio da direção central
44
.
Este Sistema Misto pode ser visualizado quando compulsamos os princípios
fundamentais, artigo 1º, IV e constitucionais econômicos do artigo 170, II, III, IV, V, VI, VII,
VIII, e IX da Constituição Federal de 1988. Pode-se afirmar que ela estabeleceu uma
ideologia constitucional que, na observação de Eros Grau, afirma:
O direito e, muito especialmente, a Constituição é não apenas ideologia,
mas também nível no qual se opera a cristalização de mensagens
ideológicas. Por isso as soluções de que cogitamos somente poderão ser tidas
como corretas quando e se adequadas e coerentes com a ideologia
constitucionalmente adotada [...] esta ideologia, perfeitamente determinável
e definível no bojo do discurso constitucional, vincula o interprete, de sorte,
precisamente, a repudiar a postura, aludida por Canotilho, assumida por
quantos optam por concepções ideológicas dela diferentes, e a ensejar o
exercício, pelo mesmo Canotilho referido, de um prudente positivismo,
indispensável à manutenção da obrigatoriedade normativa do texto
constitucional
45
.
Como se chega ao modelo acima mencionado? Estabelecendo alguns critérios que
possam diferenciar um sistema do outro: “Liberdade Econômica, Propriedade dos Meios de
Produção, Sistemas de Incentivos, Coordenação e Alocação dos Recursos e o “Lócus” do
Processo Decisório”
46
sobre o que, quanto, como e para quem produzir a riqueza, são os
critérios utilizados para essa diferenciação. Liberdade Econômica ou Livre Iniciativa no
modelo do sistema misto é a liberdade de empreender subordinada ao interesse social;
propriedade dos meios de produção privada ou societária, mas atendendo a sua função social
(art. 5º, XXII da CF); sistema de incentivos, com submissão do interesse individual-privado
ao interesse social; coordenação e alocação dos recursos atribuída à atuação conjugada de
forças do mercado, com planejamento público indicativo, não impositivo (art. 174 da CF);
Lócus” do processo decisório é o mercado sob o poder regulatório do Estado (art.174 da CF).
Complementando o raciocínio com a leitura do parágrafo único do artigo 170 “É
assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Eros Grau, ao discorrer sobre a livre iniciativa (liberdade econômica) posiciona:
44
MOREIRA, Vital. A ordem jurídica do capitalismo. 4 ed. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1987, p. 51.
45
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
168, 169.
46
ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 197.
32
Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é expressão de liberdade
titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. A
Constituição, ao contemplar a livre iniciativa, a ela opõe, ainda que não a
exclua, a “iniciativa do Estado”; não a privilegia, assim, como bem
pertinente apenas à empresa
47
.
Na seqüência, as ponderações de Ferraz Junior (A economia e o controle do Estado),
citadas por Grau:
Nestes termos, o art. 170, ao proclamar a livre iniciativa e a valorização do
trabalho humano como fundamentos da ordem econômica está nelas
reconhecendo a sua base, aquilo sobre o que ela se constrói, ao mesmo
tempo sua conditio per quam e conditio sine qua nom, os fatores sem os
quais a ordem reconhecida deixa de sê-lo, passa a ser outra, diferente,
constitucionalmente inaceitável. Particularmente a afirmação da livre
iniciativa, que mais de perto nos interessa neste passo, ao ser estabelecida
como fundamento, aponta para uma ordem econômica reconhecida como
contingente. Afirmar a livre iniciativa como base é reconhecer na liberdade
um dos fatores estruturais da ordem, é afirmar a autonomia empreendedora
do homem na conformação da atividade econômica, aceitando a sua
intrínseca contingência e fragilidade; é preferir, assim, uma ordem aberta ao
fracasso a uma “estabilidade” supostamente certa e eficiente. Afirma-se,
pois, que a estrutura da ordem está centrada na atividade das pessoas e dos
grupos e não na atividade do Estado.
As ponderações de Ferraz Junior a respeito da livre iniciativa reforçam o
posicionamento de considerar que o ordenamento constitucional brasileiro é voltado para o
Estado Social Liberal de Direito. O que não invalida sua conclusão:
Isso não significa, porém, uma ordem do “laissez-faire”, posto que a livre
iniciativa se conjuga com a valorização do trabalho humano, mas, a
liberdade como fundamento, pertence a ambos. Na iniciativa, em termos de
liberdade negativa, da ausência de impedimento e da expansão da própria
criatividade. Na valorização do trabalho humano, em termos de liberdade
positiva, de participação sem alienações na construção da riqueza
econômica. Não há, pois, propriamente, um sentido absoluto e ilimitado na
livre iniciativa, que por isso não exclui a atividade normativa e reguladora do
Estado. Mas há ilimitação no sentido de principiar a atividade econômica, de
espontaneidade humana na produção de algo novo, de começar algo que não
estava antes. Esta espontaneidade, base da produção da riqueza, é o fator
estrutural que não pode ser negado pelo Estado. Se, ao fazê-lo, o Estado a
bloqueia e impede, não está intervindo, no sentido de normar e regular, mas
está dirigindo e, com isso, substituindo-se a ela na estrutura fundamental do
mercado.
48
47
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 206- 207.
48
Idem, ibdem, 206-207
33
Voltando ao Estado Social da concretização da igualdade e da justiça social de Grau,
apenas um reparo: sugere-se a substituição da palavra igualdade por eqüidade que representa
a satisfação das necessidades básicas da sociedade (educação, saúde, justiça, saneamento
básico e outras) e eliminação da pobreza absoluta, com aceitação do princípio da diferença,
que se assenta como um princípio básico de justiça, segundo Rawls, citado por Amaral:
Formula Rawls uma teoria fundada em dois princípios básicos de justiça,
ordenados serialmente: o da igual liberdade e principio da diferença. O
primeiro postula que cada pessoa deve ter direito igual ao mais extenso
sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema de
liberdades idêntico para as outras, ao passo que o segundo requer que as
desigualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas de forma a que
simultaneamente se possa razoavelmente esperar que elas sejam em
beneficio de todos e decorram de posições e funções às quais todos têm
acesso.[...] Portanto, a estrutura básica deve admitir estas desigualdades
desde que elas melhorem a situação de todos, incluindo as dos menos
beneficiados, contanto que sejam compatíveis com a igual liberdade e com a
igualdade eqüitativa de oportunidades. Como as partes têm um ponto de
partida uma divisão igual de todos os bens sociais primários, os que
beneficiam menos têm, por assim dizer, um poder de veto. Chegamos assim
ao principio da diferença. Tomando a situação de igualdade como base de
comparação, os sujeitos que ganharem mais devem fazê-lo em termos que
sejam justificáveis para os que ganharem menos
49
.
Pois igualdade nos moldes socialista é uma utopia. Anderson, quando de sua
participação no seminário “Pós-neoliberalismo as políticas sociais e o Estado
democrático”
50
, realizado pelo Departamento de Política Social da Faculdade de Serviço
Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, pontuou muito apropriadamente
a questão da igualdade quando, discorrendo sobre os valores como um dos três elementos de
um pós-liberalismo possível, juntamente com a propriedade e democracia observou:
Temos que atacar robusta e agressivamente no terreno dos valores,
ressaltando o princípio da igualdade, como critério central de qualquer
sociedade verdadeiramente livre. Igualdade não quer dizer uniformidade,
como afirma o neo-liberalismo, mas, ao contrário , a única autêntica
diversidade(grifo nosso). O lema de Marx conserva toda, absolutamente
toda, sua vigência pluralista hoje: “a cada um, segundo as suas necessidades;
de cada um, segundo suas capacidades” A diferença entre os requisitos, os
temperamentos, os talentos das pessoas está expressamente gravada nesta
concepção clássica de uma sociedade igualitária e justa. O que significa isto
hoje em dia? É uma igualdade das possibilidades reais de cada cidadão viver
uma vida plena, segundo o padrão que escolhe, sem carência ou
desvantagens devido aos privilégios de outros, começando, bem entendido,
com chances iguais de saúde, de educação, de moradia e de trabalho. [...]
49
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 155 a 158.
50
ANDERSON, Perry. Além do Neoliberalismo. In: SADER, Emir (org.). Pós-neoliberalismo: as políticas
sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 199.
34
Somente uma autoridade pública pode garantir a proteção contra a doença, a
promoção do conhecimento e da cultura e a provisão de abrigo e emprego
para todos.
Também Bobbio
51
faz uma perquirição interessante a respeito da igualdade quando
discute o tema “Mais iguais ou mais livres?” discutindo liberdade e igualdade tenta responder
duas perguntas: “Liberdade para quem?” e “Liberdade de quem?” e, no que toca à igualdade,
outras duas: “Igualdade entre quem?” e “Igualdade a respeito de quê?”. Focando nas
perguntas relativas à igualdade, afirma que:
[...] podem-se dar pelo menos quatro respostas, na base das quais podem ser
classificadas as várias teorias: 1. igualdade de todos em alguma coisa; 2.
igualdade de alguns em tudo; 3. igualdade de alguns em alguma coisa; 4.
igualdade de todos em tudo. Pois bem: a resposta do igualitário é a ultima. O
liberal e o socialista, por sua vez se encontram na primeira. A diferença entre
o liberal e socialista está naquele “em alguma coisa” [...] Aquele que defende
a constituição de uma sociedade igualitária, em que todas as diferenças são
consideradas irrelevantes no que diz respeito à distribuição das vantagens e
desvantagens, voa pelos céus da utopia.
Dentro da concepção, aqui esposada de Estado Social Liberal de Direito, a eqüidade
referida enquadra-se na primeira teoria assinalada por Bobbio, ou seja, “Igualdade de todos
em alguma coisa”, sendo esse “em alguma coisa”, a satisfação pelo Estado das necessidades
básicas da sociedade: educação, saúde, segurança, saneamento básico e justiça:
Os homens preferem ser livres a ser escravos. Preferem ser tratados de modo
justo e não injusto. [...] nas sociedades que existiram historicamente, nunca
todos os indivíduos foram livres ou iguais entre si. A sociedade de livres e
iguais é um estado hipotético, apenas imaginado. [...] Um discurso não muito
diverso deve ser feito acerca do outro princípio de igualdade, [...] o princípio
da igualdade de oportunidades ou de chances, ou de pontos de partida. [...] O
que mais uma vez faz desse princípio um princípio inovador nos Estados
social e economicamente avançados é o fato de que ele se tenha
grandemente difundido como conseqüência do predomínio de uma
concepção conflitualista global da sociedade, segundo a qual toda a vida
social é considerada como uma grande competição para a obtenção de bens
escassos. Essa difusão ocorreu, pelo menos, em duas direções: a) na
exigência de que a igualdade dos pontos de partida seja aplicada a todos os
membros do grupo social, sem nenhuma distinção de religião, de raça, de
sexo, de classe etc.
52
51
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 45-
46.
52
BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 5 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 8- 30- 31.
35
Analisando-se a História, desde que o mundo, é mundo jamais existiu igualdade, pois
o que se e sempre verá, são as desigualdades, que devem ser minimizadas até os limites do
razoável, pois a igualdade de renda é utópica.
Rossetti, ao analisar a estrutura da repartição da renda em 51 países selecionados dos
cincos continentes e com diferentes sistemas institucionais, fundamentados em regimes e em
doutrinas econômicas também diferentes, mostra que a configuração básica de suas estruturas
de repartição da renda é bastante parecida:
um grande distanciamento entre as fatias da renda agregada que são
apropriadas pelos 20% mais pobres e pelos 20% mais ricos. O máximo que
os 20% dos mais pobres se apropriam está entre 9% e 10%; o mínimo que os
20% mais ricos está entre 35% e 40% do total da renda gerada. E nações
onde os 20% mais pobres ficam com pouco mais de 2%, enquanto aos 20%
mais ricos destinam-se perto de 60%.
53
Estes últimos índices referem-se a alguns países da África, América Central e do Sul
incluindo nesse grupo o Brasil, comprovados pelos dados divulgados pelo Pnud (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em que o país fica atrás apenas de países
africanos, como Namíbia, Lesoto e Serra Leoa, em relação à concentração de renda. Os 10%
mais pobres do Brasil se apropriaram de apenas 0,7% da renda total gerada no sistema
econômico brasileiro, enquanto que os 10% mais ricos se apropriaram de 46,7% da renda total
gerada no sistema.
54
Cabe ao Estado, portanto, intervir com políticas públicas que devem ter como
objetivos o desenvolvimento e crescimento econômico, estabilidade na economia e
principalmente justiça distributiva, ou seja, aquela estrutura de repartição que apresenta uma
eqüitatividade: padrão de desigualdade justificado por causas justas que
55
expliquem as
diferenças de renda e de riqueza; zero de pobreza absoluta: atendimento universal de
necessidades básicas; e o principio da diferença: estrutura de repartição não plenamente
igualitária, cujos resultados maximizam o bem-estar permanente de toda sociedade. Em que
pese todas essas circunstâncias negativas o Brasil vive um processo de desenvolvimento cujo
ritmo de mudança é acelerado. No dizer de Vilanova:
53
ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 250.
54
FERNANDES, Kamila. Presidente do IBGE diz que a concentração de renda está estagnada. FOLHA
ONLINE, São Paulo, 15 abr. 2005. Disponível em:
<http://wwwl.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u8421.shtml>. Acesso em: 24 jun. 2008.
55
ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 293.
36
É numa sociedade em processo de desenvolvimento, cujo ritmo de mudança
é acelerado, diferentemente das sociedades em desenvolvimento gradual [...],
que se verifica a interveniência do Estado (e dos demais entes públicos intra-
estatais) no processo de mudança social. O desenvolvimento é um processo
global, que mobiliza fatores diversos (educacional, econômico, tecnológico,
cientifico, social) dentro de um quadro planejado com previsão normativa.
[...]. Pois o desenvolvimento implica numa decisão: tem de haver uma
política de desenvolvimento, [...], ou seja, uma política educacional, uma
política econômica, [...] uma política financeira, uma política do crédito,
uma política tributaria, enfim uma política ou decisão de investimentos, uma
política em termos nacionalistas ou de cooperação multinacional, e o agente
dessa decisão é e não pode ser senão o Estado
56
.
Para uma melhor visualização do processo de intervenção e regulação do Estado
brasileiro dentro do contexto econômico, e atentando para vieses ideológicos da época em que
foram promulgadas, é interessante analisar quais os aspectos constitucionais econômicos
adotados pelas Constituições brasileiras, desde a de 1824 até a de 1967, com a redação dada
pela Emenda Constitucional n. 1 e revelar o caráter intervencionista ou não intervencionista
do Estado brasileiro no domínio econômico.
2.3 D
O LIBERALISMO AO INTERVENCIONISMO: SISTEMAS ECONÔMICOS ADOTADOS PELAS
CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1824 A 1967
A Constituição de 1824 foi fortemente influenciada pela ideologia liberal inglesa, que
propugnava a não interferência do Estado na economia, como bem fica demonstrado no
Título “Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos
Brazileiros” que, em seu artigo 179 dispõe: “A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos
dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Império”, pela maneira seguinte:
Inciso XXII - É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude.,
Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da
Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indeminisado do valor della.
A Lei marcará os casos, em que terá logar esta única excepção, e dará as
regras para se determinar a indeminisação.
[...]
Inciso XXIV- Nenhum gênero de trabalho, cultura, industria, ou commercio
póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes públicos, à
segurança, e saude dos Cidadãos.
56
VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. V. 2. São Paulo: Axis Mundi - Ibed, 2003, p. 468.
37
Inciso XXV- Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juízes,
Escrivães, e Mestres.
Inciso XXVI- Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das
suas produções. A Lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário,
ou lhes remunerará sem ressarcimento da perda, que hajam soffrer pela
vulgarização.
Pela leitura dos incisos enumerados o direito de propriedade é garantido de forma
absoluta (em toda sua plenitude), liberdade econômica, liberdade de ofício e garantia da
propriedade sobre os inventos. Também fica claro que o sistema econômico adotado é o
modelo descentralizado, ou seja, da não interferência do Estado na economia. Mas na prática,
a Constituição de 1824, segundo Barroso
57
, não foi encarada pelo Imperador como fonte de
legitimidade do poder que exercia e que a formulação quadripartita de Benjamin Constant:
(Poder Legislativo, Poder Moderador, Poder Executivo e Poder Judiciário), que deveriam ser
independentes e harmônicos entre si, eram enfeixados pelo Imperador numa centralização
monárquica.
58
A Constituição de 1981 foi fortemente influenciada pela independência americana,
que juntamente com a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1740) na
Inglaterra foram os marcos históricos do surgimento da ideologia liberal, permanecendo o
campo econômico sob inspiração liberal. Seu art. 72 dispôs:
Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 17. O direito de propriedade mantém-se em toda sua plenitude, salva a
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização
prévia.
[...]
§ 24. É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e
industrial.
§ 25. Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará
garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo
Congresso um prêmio razoável quando haja conveniência de vulgarizar o
invento.
57
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 9.
58
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001,
p. 75.
38
No aspecto político a Constituição de 1891, que teve como base a constituição
americana, representou no Brasil a transformação do Estado unitário para Estado federal e “O
estimulo à iniciativa privada, por via de financiamentos e incentivos fez surgir um setor
produtivo urbano, de base industrial e molde capitalista.”
59
A primeira manifestação
constitucional da República foi o Decreto n. 1, de 15.11.1889, traduzindo a aspiração
brasileira com a adoção do federalismo que “[...] responde a condições econômicas, sociais e
políticas e fora já anteriormente reivindicação e realidade, desde a Colônia até a Regência.”
60
A Constituição de 1934, sob influência dos movimentos socialistas e das
Constituições do México, em 1917 e da Constituição da República de Weimar, de 1919 e da
própria revolução bolchevique na Rússia, em 1917, reflete tendências estatizante, nacionalista
e reguladora do sistema econômico, manifestando preocupação socioeconômica com a
inserção de um capítulo dedicado a ordem econômica e social. Era o reflexo do sentimento
anti-liberal disseminado no mundo de então:
Título IV - Da Ordem Econômica e Social
Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios
da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a
todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade
econômica.
[...]
Esse dispositivo constitucional indica que a liberdade econômica está condicionada
aos princípios da justiça e das necessidades da vida nacional, tendo como objetivo existência
digna. Prevalecem os interesses sociais sobre os interesses individuais.
Art. 116 por motivo de interesse publico e autorizada em lei especial, a
União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica,
asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 117, 17. e
ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes
locais.
Nesse artigo, o Estado brasileiro passa a intervir na atividade econômica,
monopolizando determinados setores e, ao mesmo tempo, atuando da forma que julgar de
interesse público. É o caráter intervencionista sobre o mercado.
Art. 117 A lei promoverá o fomento da economia popular, o
desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de
depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de
59
BARROSO. Luís Roberto. Op. cit., 2006, p. 14.
60
SILVA, José Afonso da. Op. cit., 2001, p. 77.
39
seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades
brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País.
[...]
O processo de nacionalização de empresas é o coroamento da intervenção do Estado
na economia, com a conseqüente criação das empresas estatais.
Art. 121 A lei promoverá o amparo a produção e estabelecerá as condições
de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômicos do País.
Art. 122 Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas
pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual o se
aplica o disposto no Capitulo IV do Título I.
Os dois artigos acima indicam o início da interferência do Estado nas relações entre o
capital e o trabalho, culminando com a criação da Justiça do Trabalho no Brasil, não deixando
de ser uma inovação no panorama econômico brasileiro.
“A Constituição de 1934, em dolorosa contradição, consolidava o ideário
moralizador e liberal da Revolução de 1930, numa época de crescente
antiliberalismo, em que as reivindicações eram muito mais econômicas e
sociais que políticas”.
61
Refletindo o momento histórico vivido na Europa e, como reflexo do Golpe de Estado
aplicado por Getúlio Vargas, surge a Constituição de 1937 que, sob a influência do fascismo,
corporativismo e nacionalismo com nuances liberais, dedica um capítulo à Ordem
Econômica:
Art. 135 Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de
invenção do individuo, exercido nos limites do bem público, funda-se a
riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio
econômico se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual
e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus
conflitos e introduzir o jogo das competições individuais o pensamento dos
interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do
estímulo ou da gestão direta.
Pela primeira vez se observa a expressão “intervenção do Estado no domínio
econômico”, dando-lhe atribuição para a coordenação dos fatores de produção. Essa
expressão “coordenação dos fatores de produção” representa, em tese, a substituição da figura
do mercado, pelo planejamento estatal.
Art. 136 – O trabalho é um dever social. [...]
61
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 20.
40
[...]
Art. 138 A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o
sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de
representação legal.
Art. 139 Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre
empregadores e empregados, reguladas na legislação social, é instituída a
Justiça do Trabalho, [...]
Art. 140 A economia da população será organizada em corporações, e
estas como entidades representativas das forças de trabalho nacional,
colocadas sob a assistência e a proteção do Estado, são órgãos deste e
exercem funções delegadas de Poder Público.
Nesses artigos fica configurada a proteção aos trabalhadores com a criação da Justiça
do Trabalho e ao mesmo tempo atrela as associações profissionais e sindicatos ao Estado, o
que se traduz no conhecido “peleguismo” e voltando às corporações de ofício.
Art. 141 A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias
especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes
contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes
processos e julgamentos adequados a sua pronta e segura punição.
[...]
Art. 144 A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas
minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia assim como as
industrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica e militar da
Nação.
[...]
Art. 147 A lei federal regulará a fiscalização e revisão das tarifas dos
serviços públicos explorados por concessão para que no interesse coletivo,
delas retire o capital uma retribuição justa ou adequada e sejam atendidas
convenientemente as exigências de expansão e melhoramento dos serviços.
[...]
Art. 150 poderão exercer profissões liberais os brasileiros natos e os
naturalizados que tenham prestado serviço militar no Brasil, excetuados os
casos de exercício legitimo na data da Constituição e os de reciprocidade
internacional admitidos em lei. Somente aos brasileiros natos será permitida
a revalidação de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros
de ensino.
Mais uma vez fica caracterizado o caráter intervencionista na medida em que “a lei
fomentará a economia popular”, criminalizando aqueles que atentarem contra essa economia,
o processo de nacionalização dos recursos naturais e a intervenção na empresas privadas que
exploravam os serviços públicos. No artigo 150 fica bem nítido o caráter nacionalista e
xenófobo, totalmente equivocado de proibir o exercício de profissões liberais aos estrangeiros.
Com a vitória das forças aliadas, a Segunda Grande Guerra Mundial acabou e os
ventos de uma nova era, com o retorno da democracia fundamentada em ordens políticas e
41
econômicas sólidas, bem como sociais e eqüitativas justas, foi a tônica do período
consubstanciada na Constituição de 1946, que dispondo sobre a ordem econômica e social no
seu Título V, “Da Ordem Econômica e Social”, prescreve:
Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da
justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do
trabalho humano.
Parágrafo Único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência
digna. O trabalho é obrigação social.
Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio
econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção
terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais
assegurados nesta Constituição.
Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei
poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16. promover a justa
distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
Art. 148. A lei reprimirá qualquer forma de abuso do poder econômico,
inclusive as uniões e agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja
qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais,
eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.
Pela primeira vez, o termo justiça social, é inserido na Lei Maior brasileira (art. 145),
traduzindo a influência da Doutrina Social da Igreja Católica, esposadas nas encíclicas
Quadragésimo Anno e Divini Redemptoris E a gênese do inciso IV, do artigo da atual
Constituição Federal, bem como princípio da dignidade da pessoa humana, no seu parágrafo
único. A intervenção no domínio econômico e a criação de monopólios estatais também
assegurados, assim como a preocupação do uso da propriedade condicionado ao bem-estar
(função social da propriedade). A defesa do consumidor também foi inserida no ordenamento
constitucional.
A Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional 1, de
17/10/69, influenciada pelo nacionalismo do regime militar e com uma preocupação com a
segurança nacional e na defesa do regime democrático contra as perspectivas socialista-
comunistas propugnadas pelos partidos de esquerda da época, foi promulgada contendo no
seu Título III, a Ordem Econômica e Social, dispondo:
Art. 160 A ordem econômica e social tem por fim realizar o
desenvolvimento nacional e justiça social, com base nos seguintes
princípios:
I - liberdade de iniciativa;
II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana;
III – função social da propriedade;
IV – harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção;
42
V – repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos
mercados, a eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros.
VI – expansão das oportunidades de emprego produtivo;
Comparando o artigo 160 com o caput do artigo 170 e seus incisos da Constituição
atual, verifica-se uma similitude. Os constituintes apenas alteraram o posicionamento das
palavras e dos incisos. Está inserida a livre iniciativa, valorização do trabalho humano, função
social da propriedade, defesa da concorrência, busca do pleno emprego, entre outros.
Art. 161. A União poderá promover a desapropriação da propriedade
territorial rural, mediante pagamento de justa indenização, fixada segundo os
critérios que a lei estabelecer, em títulos especiais da dívida pública, com
cláusula de exata correção monetária, resgatáveis no prazo de vinte anos, em
parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo,
como meio de pagamento até cinqüenta por cento do imposto territorial rural
e como pagamento do preço de terras públicas.
Art. 162. Não será permitida greve nos serviços públicos e atividades
essenciais, definidas em lei.
Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o
monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal,
quando indispensável por motivo de segurança nacional, ou para organizar
setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição
e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.
Os artigos acima mostram o caráter intervencionista do Estado brasileiro no domínio
econômico, permitindo a desapropriação da propriedade rural, o monopólio estatal, o
exercício da atividade econômica pelo Estado e proibindo o direito de greve aos servidores
públicos, bem como nas atividades declaradas essenciais.
[...]
Art. 170. Às empresas privadas compete preferencialmente, com o estímulo
e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
§ Apenas em caráter suplementar da iniciativa privada o Estado
organizará e explorará diretamente atividade econômica.
§ Na exploração, pelo Estado, da atividade econômica, as empresas
públicas, as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas
aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho e das
obrigações.
§ 3º A empresa pública que explorar atividade não monopolizada ficará
sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
[...]
Art. 173. A navegação de cabotagem par ao transporte de mercadorias é
privativa dos navios nacionais, salvo caso de necessidade pública.
O caráter dúbio com relação à exploração das atividades econômicas fica caracterizado
pela leitura do artigo 170, pois concede ao Estado, ao lado das empresas privadas, o direito de
explorar essas atividades. Isso traduz a influência dos modelos de exploração econômica da
social democracia que prevalecia no continente europeu.
43
Resumindo a análise destes dispositivos constitucionais, dois aspectos devem ser
ressaltados: 1) floresceram os monopólios estatais que tanto mal causou à economia nacional,
pois se transformaram em verdadeiras corporações patrimonialistas
62
, que usaram o Estado
em benefício dos seus funcionários em detrimento da sociedade brasileira. São as famosas
Brás: Telebrás, Siderbrás, Nuclebrás, Portobrás, Eletrobrás etc., e 2) A inserção do princípio
da função social da propriedade, pela primeira vez, como dispositivo constitucional.
Cada texto traduz os anseios de sua época e uma comparação precisa ser cuidadosa,
que as pressões dos grupos envolvidos interferem na produção textual dos constituintes.
Porém, conforme Lassale
63
nem sempre o que está no texto corresponde a uma real
possibilidade de concretização. Também contribuem para a não concretude dos dispositivos
constitucionais elencados, os interesses de grupos sociais determinantes. A história
constitucional do Brasil mostra que cada período político produziu seu texto de forma a
atender interesses não gerais, embora eles não o demonstrem. Interessante notar que, apesar
de uma prática absoluta no controle do Estado, o Império produziu um texto que realmente
exprimia os anseios da elite.
Sobre a questão, interessante a posição de Prado Jr. quando afirma que uma
constituição “[...] é sempre a tradução do equilíbrio político de uma sociedade em normas
jurídicas fundamentais. Ela reflete as condições políticas reinantes, isto é, os interesses da
classe que domina e a forma pela qual exerce o seu domínio”
64
. Nessa perspectiva, o texto de
1891, ao aproximar a República brasileira do modelo liberal norte-americano também traduz
interesses de um grupo, que foi, a seu tempo, inovador: a burguesia cafeeira paulista.
Também, nesse sentido, é que a Constituição de 1824 representa “[...] a transição entre o
liberalismo e o absolutismo [...]. É a conciliação do novo ideário com o antigo regime”.
65
No entanto, a inserção dos direitos sociais no texto de 1934, indicam uma tendência
modernizante que acompanha a pressão do pós-primeira guerra, mas não atende à necessidade
62
Luís Roberto Barroso, em seu O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 8ª ed. 2006, p. 11, em
nota de rodapé: [...] gestão da coisa pública em obediência a pressupostos [...] estamentais, de modo a traduzir
fielmente, na Administração Pública, as aspirações imediatas da classe que lhe compõe o quadro burocrático. O
agente público, assim, moralmente descomprometido com o serviço público e sua eficiência, age em função da
retribuição material e do prestígio social.
63
LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. 7 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 17.
64
PRADO JUNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. 9 ed. São Paulo: Brasiliense, 1975, p. 49.
65
IGLÈSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. São Paulo: Cia das Letras, 1993, p. 139.
44
autoritária de Vargas, daí serem os direitos sociais transferidos para um texto mais completo,
no sentido do intervencionismo estatal, porém autoritário, que foi a Constituição de 1937.
No entender de Iglesias os constituintes de 1934 partem do texto de 1891, “[...] na
tentativa de incorporar o que o novo direito criava, perante diverso quadro social e
econômico, com muito culto do ideológico, além de beber em outras constituições, entre as
quais se projetavam a alemã de 1919 (a de Weimar) e a espanhola de 1931.”
66
Villa destacou: “Com a redemocratização logo veio uma nova Constituição, a de 1946.
Foi até aquele momento a Constituição com o maior número de artigos: 222. Os interesses
corporativos estiveram presentes como sempre”
67
.
Assim, se constata que os textos de 1891, 1946 e o atual contemplam maior liberdade
econômica e garantias dos direitos individuais e coletivos. Tal fato explica-se, em parte, pelo
contexto mundial e nacional em que os textos foram produzidos
.
Os valores liberais e sociais permanecem na Carta de 1988, no entanto avança no
sentido da inclusão de direitos coletivos e difusos não contemplados pelos demais textos
constitucionais brasileiros, como, por exemplo, a preocupação com a proteção ao meio
ambiente e a defesa do consumidor.
A análise dos dispositivos constitucionais econômicos das diversas constituições
nacionais demonstra que, não indo além do ordenamento jurídico, consubstanciado pela
Constituição Federal de 1988, na qual são pontuados os valores liberais e sociais, a
intervenção estatal com funções fiscalizadoras e de incentivo é fundamental para o
desenvolvimento sustentado.
2.4 D
ESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA PERSPECTIVA DO ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL
O inciso II do artigo da CF estabelece como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional. Aqui cabem algumas
66
Idem, ibidem, p. 235.
67
VILLA, Marco Antonio. Cornucópia constituinte. São Paulo, O estado de São Paulo, 28 set. 2008, p. 2.
45
observações entre desenvolvimento e crescimento econômico. Em primeiro lugar,
desenvolvimento e crescimento econômico não são sinônimos, pois, enquanto o primeiro
expressa qualidade, o segundo quantidade. Empresta-se novamente as asserções de Grau
afirmando que:
[...] a noção de crescimento pode ser tomada apenas e tão-somente como
uma parcela da noção de desenvolvimento. O desenvolvimento, como
apontava Schumpeter (Teoria del Desenvolvimiento Econômico, trad. de
Jesús Prados Ararte, Fondo de Cultura Econômica, México, 1967, p. 74) se
realiza no surgimento de fenômenos econômicos qualitativamente novos
isto é, de inovação - conseqüentes à adoção de novas fontes de matéria-
prima, de novas formas de tecnologia, de novas formas de administração da
produção, etc. o crescimento é demonstrado pelo incremento da
população, e da riqueza; implica apenas mudança nos dados quantitativos.
Daí porque, nos conceitos formulados de desenvolvimento, sempre aparece
como nota marcante uma referencia a este seu aspecto qualitativo. [...]
Assim a noção de desenvolvimento envolve a necessária visualização de um
devir a projetar, no futuro, determinados valores. Garantir o
desenvolvimento nacional é, tal qual construir uma sociedade livre, justa e
solidária, realizar políticas publicas cuja reivindicação, pela sociedade,
encontra fundamentação neste art. 3º, II. O papel que o Estado tem a
desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança
que sela com o setor privado, é de resto, primordial
68
.
Outro ponto a ser discutido é o papel das instituições (leis, preceitos, normas e regras)
no processo de desenvolvimento. No entender de Nóbrega:
A solidez institucional é reconhecida como elemento gerador da estabilidade
da nossa democracia. [...] Mas, no que diz respeito à economia, o medo que
inspira a alguns o sistema de mercado e a pesada tradição nacional-
desenvolvimentista ainda parecem dificultar uma percepção clara da
importância das instituições. Na verdade, o desenvolvimento é um processo
complexo, que depende de muitos ingredientes. [...] Vale arrolar os mais
citados (a ordem não determina a importância): o uso e a difusão da escrita, a
moeda, o crédito, o mercado de capitais, o seguro, a invenção da pessoa
jurídica, o relógio, a educação, a ciência, a inovação, a tecnologia, a
poupança, o investimento, a religião, a cultura, a geografia, o Estado
(grifo
nosso), a democracia, a honestidade, o sistema de contratos, o Judiciário
(grifo nosso), os incentivos, os programas de combate à pobreza, as crenças,
as instituições, a mais-valia (segundo Marx) e por ai afora. [...] O processo
de desenvolvimento é como um edifício no qual as instituições constituem os
elementos estruturais. Os ingredientes completam a obra. Sem a estrutura, os
ingredientes de nada servem. Sem os ingredientes, contudo o edifício o
passará de um esqueleto sem vida.
69
68
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 216-217.
69
NÓBREGA, Maílson. O futuro chegou: instituições e desenvolvimento no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, p.
75-76.
46
Outro fator a ser considerado, e que influencia sobremaneira o desenvolvimento
econômico, é o político. “Os problemas reais do desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos (incluiria também os países em desenvolvimento) é muito mais de natureza
política do que econômica”
70
. Que desenvolvimento econômico queremos? É a visão de que o
desenvolvimento econômico seja aquele que respeite a “[...] dignidade do homem, o
desenvolvimento integral da sua personalidade, a conquista do bem-estar material, mas
também o desenvolvimento dos homens no plano da sua profissão, da cultura e do lazer”
71
.
Nas economias desenvolvidas, em desenvolvimento e subdesenvolvidas observa-se
uma nítida correlação entre os níveis de PNB per capita e os indicadores sociais (como taxa
de analfabetismo, mortalidade infantil, mortalidade materna, taxa de crescimento
demográfico, nível de expectativa de vida) apenas para citar os mais importantes. Quanto
mais altos os níveis, melhores são os indicadores sociais e quanto mais baixos, piores são os
indicadores sociais. Desenvolvimento econômico implica na satisfação das necessidades
básicas da população, as chamadas necessidades imediatas,
[...] mas também de necessidades cuja satisfação é, nos dias de hoje, um
pressuposto indispensável para que as pessoas possam efectivamente atingir
níveis razoáveis de produtividade e desenvolver actividades produtivas
suficientemente remuneradoras, o que significa a aceitação do carácter
social destas necessidades
72
.
Prosseguindo na sua definição do conceito de necessidades básicas, Nunes, inclui a
“[...] idéia de que o desenvolvimento implica o direito a um grau razoável de igualdade entre
os cidadãos do [...] país [...] e ao acesso às condições básicas de desenvolvimento e de
promoção social”
73
.
Como citado anteriormente, a mudança social ocorre de duas maneiras: uma
revolucionária preconizada por Marx, quando afirma que a lei ou leis de mudança social não
se produzem automaticamente, antes necessitam de uma ação revolucionária, totalmente
ultrapassada entre nós ou por meio do desenvolvimento sustentado. Fica claro que o papel das
instituições (leia-se o Direito) no desenvolvimento é de suma importância e, por via de
conseqüência, alcançar uma mudança social. Segundo Vilanova
74
: O direito é força social
70
NUNES, Antonio José Avelãs. Neoliberalismo e direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.110.
71
Idem, ibidem, p. 111.
72
Idem, ibidem, p. 112.
73
NUNES, Antonio José Avelãs. Op. cit., p. 112.
74
VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos. V. 2. São Paulo: Axis Mundi - Ibet, 2003, p. 465.
47
também, é agente que retarda ou que incrementa a mudança social (social change)”. Tomando
as palavras de Barroso
75
, é historicamente equivocada e politicamente trágica a crença de que
a substituição da autoridade legitimada no consentimento popular por mais incoerente que
este eventualmente possa se revelar por um regime autoritário, fundado na força por mais
esclarecido que pudesse ser – é capaz de acelerar a trajetória rumo à mudança social.
Qual o papel da Constituição Federal de 1988, na pavimentação do caminho para a
mudança social no Brasil? Ela é uma Constituição normativa, estatutária, diretiva ou
dirigente? Não cabendo aqui discutir a tipologia da Constituição Federal de 1988 e assim
interpretá-la, adota-se o posicionamento de Grau, consubstanciado em Canotilho, afirmando
peremptoriamente que “[...] a nossa Constituição de 1988 é uma Constituição dirigente.
76
A Constituição Federal de 1988 ao colocar parâmetros para a atuação dos legisladores,
como o disposto no artigo 3º, que estabelece os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil, no sentido da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na
garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza e da marginalização da
sociedade, na busca da redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, designa o tipo de Estado, demonstrando ali seu caráter dirigente. A
Constituição dirigente baliza todos os poderes, na medida em que ela é um programa de ação
com o objetivo de mudança social. Ela não pode ser vista de forma isolada, sem ligações com
as teorias sociais, econômicas, políticas e com a história. A forma da organização da
sociedade brasileira esta explicitada de forma bastante clara no ordenamento institucional, em
vigor desde 1988.
Ela tem força normativa
77
, pois sua força vital e eficácia assentam-se na vinculação às
energias espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, os chamados “[...] fatores
reais do poder que regem a sociedade”
78
, possibilitando assim seu desenvolvimento e sua
ordenação. Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas.
A vontade da Constituição deve ser observada por todos, não podendo evidentemente ser
75
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 84.
76
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p.173.
77
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.18.
78
LASALLE, Ferdinand. Op. cit., p. 23.
48
interpretada apenas por um ângulo de interesse, mas sim globalmente. Quando se analisa os
aspectos condicionantes da atividade econômica verifica-se que a estrutura da ordem jurídica
e a forma de organização política da sociedade
79
são fatores importantes e fundamentais para
o desenvolvimento econômico. Esses dois condicionantes estão explicitados na Constituição
Federal de 1988, na medida em que está clara a opção por um sistema econômico no qual
prevalecem valores sociais e liberais (IV, art. 1º; XXII e XXIII, art. 5º e art.170 e incisos).
Portanto, o respeito à Constituição se traduz em ganhos, mesmo em situações
concretas de colisões de princípios. Isto significa que quando da sua aplicação a uma situação
fática, deve-se observar todos os princípios constitucionais envolvidos, aplicando-se os
postulados normativos da ponderação e da razoabilidade.
2.5 M
UDANÇA SOCIAL E A INTERDEPENDÊNCIA DA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
Um contraponto entre desenvolvimento e mudança social é extraído do magistério de
Grau que ensina:
O desenvolvimento supõe não apenas crescimento econômico, mas,
sobretudo elevação do nível cultural-intelectual comunitário e um processo,
ativo, de mudança social [...] embora o dado econômico apareça como
extremamente relevante em todos os conceitos de desenvolvimento, ainda
assim é forçoso observar que o conceito, de desenvolvimento não é apenas
econômico. O processo de desenvolvimento [...] implica mobilidade e
mudança social; realiza-se em saltos de uma estrutura social para outra.
Implicando dinâmica mobilidade social; é inerente à idéia de
desenvolvimento a de mudança; no caso, não apenas mudança econômica,
mas, amplamente, sobretudo mudança social.
( grifo nosso).
80
Canotilho ao discorrer sobre Constituição dirigente e direito antecipador da mudança
social, afirma:
Como hoje se deve dizer, a legislação prospectiva (no nosso caso: a
constituição dirigente) tem de ter em conta as diferenças sociológicas e
ideológicas entre direito e sociedade. Quer dizer: a constituição dirigente não
se pode divorciar da “diferença ideológica” entre os preceitos jurídicos que
apontam para uma alteração do status quo e reconhece ao direito apenas a
função de “direito-situação”. [...] A teoria da “mudança social” dá hoje
pouco relevo ao direito no processo de direcção social. Mas autores tão
79
ROSSETTI, José Paschoal. Op. cit., p. 33.
80
GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 216.
49
ideologicamente afastados como Jhering e Marx puseram em relevo que o
fenômeno da mudança social devia ser visto em toda a sua complexidade:
(1) desvalorização das “idéias como factor de direcção social, em
conseqüência da valorização da influencia das forças sociais, dos grupos de
interesses e das constelações de poder (isto constitui uma “reacção
materialista” e “realista-naturalista” contra o jusnaturalismo apriorístico do
iluminismo e contra a tradição do idealismo filosófico). (2) a lei ou leis da
mudança social não se produzem automaticamente, antes necessitam duma
“acção revolucionária” (Marx) ou de uma decidida Kampf ums Recht
(Jhering). [...] o direito, na sua dimensão de “direcção social”, pode
preencher as suas funções se tiver em atenção as possibilidades e os limites
que a teoria da ciência hoje demonstra quanto ao processo de investigação da
“realidade social” [...] as constituições dirigentes, na formulação de suas
normas de acção, tanto podem corresponder a um programa do “liberalismo
socialmente activista” [...] como a um programa centrado numa práxis
emancipatória ou reconstrutiva.
81
As mudanças ocorridas desde o final da década de 80 do século passado em todo o
mundo e em especial no Brasil, com o processo de abertura econômica, privatizações de
setores dominados pelo Estado brasileiro, e, mais importante, o alcance de uma estabilidade
econômica, tem levado o Direito a ser questionado. Segundo Barros, a pergunta: “[...] é se
esta mudança interfere no comportamento do Direito legislado”
82
. Amiúde se assiste
questionamentos e avultam pesquisas que mostram a importância do Direito nesse contexto,
não mais como uma ciência auxiliar, mas lado a lado com as demais ciências sociais na busca
de soluções que melhor traduzam os anseios da sociedade. Continuando com Barros:
Se a pergunta acima fosse dirigida a um jurista ortodoxo tão ao gosto de um
tradicionalismo nacional e que o Direito como um universo satisfativo de
si próprio, [...] o Direito se basta e tem vida autônoma, logo imune a
qualquer influência externa. Os fatos econômicos e políticos é que deveriam
se guiar pela Ciência Jurídica. Mudanças estruturais dessa ordem seriam
admitidas desde de que pudessem ser contempladas nos limites do sistema
de normas previamente conhecidas. Isto representa a subsunção de toda e
qualquer mudança às regras postas, ou significa o entendimento de que
não poderiam haver inovações maiores do que aquelas permitidas pelo
mundo do Direito posto. O Direito, visto por esta ótica, seria o timoneiro de
qualquer pretensa modificação. [...] O fator econômico, já dizia Leon Duguit
no século passado, é um importante pilar do Direito. Deslocada a sustentação
no tempo e no espaço para o Brasil de hoje, é possível complementar a
afirmação do jurista francês dizendo que o fator econômico, por ser mutante,
impõe que o Direito seja flexível para sua própria sobrevivência.
83
81
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas. Portugal: Coimbra, 1994, p. 456 e segs.
82
BARROS, Wellington Pacheco. A interpretação sociológica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 1995, p. 141 a 147.
83
BARROS, Wellington Pacheco. Op. cit., p. 141 a 147.
50
São várias as teorias de mudança social discutidas no âmbito da sociologia, aqui
apontadas, tendo em vista o caráter interdisciplinar deste trabalho: teorias cíclicas, as
perspectivas marxiana, weberiana e durkheimiana ou funcionalista
84
, que aqui também não
cabe explicitar, mas apenas pontuar os aspectos comuns a todas, qual seja o de associar ao
processo de mudança a revolução, o progresso, o desenvolvimento, a estrutura social, o
aumento populacional, o processo de urbanização, o progresso tecnológico, o aumento da
produção de bens e serviços, bem como a divisão do trabalho. Todos esses aspectos estão
presentes em qualquer processo de mudança social, não deixando de ser um movimento de
desestruturação e estruturação permanente.
A ascensão política e econômica das diferentes classes sociais representa também um
indicador de mudança social, pois na medida em que isso ocorre uma redução daquela
parcela da população que se encontra na chamada pobreza absoluta, ou seja, marginalizada,
desprotegida e destituída, em que as pessoas não conseguem satisfazer suas necessidades
básicas.
As pré-condições econômicas e sociais bem definidas, atinentes às necessidades
básicas de alimentação, saúde, educação e rendimentos mínimos maximizados (aquele que
permite a satisfação das necessidades básicas à todas classes sociais), têm como corolário a
satisfação dos direitos políticos e individuais.
Por outro lado, que se pontuar a posição de não-neutralidade dos juizes brasileiros.
Tendem a influir na mudança da sociedade brasileira, quando 83% dos magistrados, de um
universo de 3.927, dos quais 3.166 em atividade concordam com a assertiva de “[...] o Poder
Judiciário não é neutro, e que em suas decisões o magistrado deve interpretar a lei no sentido
de aproximá-la dos processos sociais substantivos e, assim, influir na mudança social”.
Posição essa majoritária entre os magistrados de primeiro e segundo grau e entre os ministros
de tribunais superiores.
85
Corroborando o posicionamento, é contributo de Barroso:
84
BARRETO, Tulio Velho. Notas sobre teorias de mudança social no século XX. Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/tpd/105.html>. Acesso em: 25 abr. 2008.
85
PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Décio,
SZTAJN, Rachel. Op. cit., p. 246.
51
A ciência do Direito, ao contrário das ciências exatas, não lida com
fenômenos que se ordenem independentemente da atividade do cientista.
Conseqüência natural é que em seu estudo se projetem a visão subjetiva, as
crenças e os valores dos que a ela se dedicam. É falsa, portanto, a idéia da
imparcialidade do jurista, de sua suposta indiferença ante as decorrências
ideológicas que sua adesão cientifica possa favorecer ou mesmo engendrar.
Este é um mito anacrônico do liberalismo. [...] O direito é aqui concebido
como um fenômeno social, e, em decorrência, a ciência jurídica assumida
como ciência dos problemas reais, práticos, voltada para resultados
concretos e não para sistematização conceituais abstratas. O conhecimento
humano não tem por objeto apenas a interpretação do mundo, mas também a
sua transformação.
86
Assim, consubstanciado nas palavras de Canotilho e assentado na Constituição Federal
de 1988, todo o processo (jurídico, econômico e político) direcionado para a mudança social
por todos desejada, deve se ater aos valores sociais e liberais contidos na Constituição
Federal, sem o estabelecimento de hierarquias na aplicação desses valores, mas apenas com o
objetivo de dar efetividade na busca da sociedade ideal, mas não utópica.
Barroso, ao dispor a Constituição com status de norma jurídica, portanto carregada de
imperatividade, contendo comandos, mandamentos, ordens, todos dotados de força jurídica,
ensina:
A Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pela
realidade de seu tempo. Esta é uma evidência que não se pode ignorar. Mas
ela não se reduz à mera expressão das circunstâncias concretas de cada
época. A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora
relativa, que advém de sua força normativa, pela qual ordena e conforma o
contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a realidade uma
tensão permanente, de onde derivam as possibilidades e os limites do
direito constitucional, como forma de atuação social.
87
A observância dos princípios fundamentais e econômicos contidos na Constituição
Federal de 1988, consubstanciados em valores sociais e liberais, refletem o desejo de todos os
membros da sociedade brasileira. Os operadores e aplicadores do Direito, devem ter sempre
em mente que, a mudança social que torna uma nação, na qual, as necessidades básicas são
satisfeitas, com zero de pobreza absoluta é possível, resulta na concordância de que o “[...]
poder das crenças e opiniões influenciam o comportamento dos agentes econômicos na vida
prática”
88
, representando uma ferramenta importante para a mudança social almejada.
86
BARROSO, Luiz Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 2-3.
87
BARROSO, Luiz Roberto. Op. cit., 2006, p. 288-289.
88
FONSECA, Eduardo Giannetti. O mercado das crenças: filosofia econômica e mudança social. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003, p. 36.
52
Cabe agora a análise da responsabilidade judicial como agente da concretização das
mudanças sociais.
53
3 RESPONSABILIDADE JUDICIAL DO ESTADO
3.1 R
ESPONSABILIDADE DO ESTADO
A partir da Constituição Federal de 1946, artigo 194 e seu parágrafo único, é
estabelecida a responsabilidade objetiva do Estado e repetida na Constituição Federal de 1988
em seu artigo 37, § 6º que dispôs:
Art. 37. A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, de impessoabilidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também ao seguinte: [...] § As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão
pelos danos causados que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa.
Estabelece-se o que se convenciona chamar na jurisprudência de responsabilidade civil
do Estado, de natureza objetiva.
A responsabilidade objetiva se funda na chamada teoria do risco. Assim todo aquele
que exerce uma atividade que pode representar um risco de dano para outrem ou para a
sociedade como um todo deve repará-lo independente de culpa. Ela esta implícita no próprio
exercício da atividade em si. É a chamada responsabilidade pelo fato e não pela culpa adotada
pelo Código de Defesa do Consumidor em seu Art. 12, Lei 8.078/90. Também o novo Código
Civil Lei 10.406/2002 a adotou no parágrafo único do artigo 927. Assim, a
responsabilidade objetiva passou a integrar de uma maneira mais abrangente o ordenamento
jurídico nacional. Esta inovação no direito brasileiro avulta a importância do Estado - Poder
Judiciário -, na responsabilização daquele que causou o dano sem culpa.
Como a responsabilidade objetiva se funda na chamada teoria do risco, há que se fazer
uma distinção entre as subespécies de risco: risco administrativo e risco integral. Risco
administrativo exige o nexo de causalidade, mas com excludentes da responsabilidade estatal,
por culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. o risco integral é aquele que
basta o nexo causal entre a conduta do agente e o dano resultante, não levando em
consideração as excludentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da teoria
do risco administrativo é predominante.
54
Em seu voto no RE n. 68107-SP, o relator, eminente Ministro Thompson Flores, ex-
presidente do STF, salientou que “[...] embora tenha a Constituição admitido a
responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com
temperamentos, para prevenir excessos e a própria injustiça (In RTJ 55/52-3)”. É evidente
que essa teoria não prevê todas as hipóteses de responsabilidade do Estado, havendo a
necessidade de se ater caso a caso para não envolver situações fáticas em que age dentro da
sua finalidade própria. Resguardado o alcance desse dispositivo constitucional pela Suprema
Corte em diversas oportunidades, pela adoção da teoria do risco integral, mesmo presente as
excludentes da obrigação de indenizar.
São várias as decisões judiciais, ora condenando ora absolvendo o Estado, da
responsabilidade objetiva em diversos julgados. O feito decidido no julgamento do REsp
926140/DF- Recurso Especial 2007/0032095-9, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma do
STJ, trata da fixação pelo Poder Executivo dos preços dos produtos derivados da cana-de-
açúcar abaixo do custo, condenando o Estado ao pagamento de indenização às empresas do
setor:
Ementa: Processual Civil. Administrativo. Intervenção do Estado no
domínio econômico. Responsabilidade objetiva do Estado. Fixação pelo
Poder Executivo dos preços dos produtos derivados da cana de açúcar
abaixo do preço de custo. Dano Moral. Indenização cabível. Juros
Moratórios. Cabimento. Correção monetária devida. Pedido implícito.
Expurgos. Tabela única. 1. A intervenção estatal na economia como
instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta
Magna de 1988. 2. Deveras, a intervenção deve ser exercida, com respeito
aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão resta
plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o
principio da livre iniciativa, um dos pilares da republica (art. 1º da CF/1988).
[...]. 4. O dever de indenizar do Estado, sob esse enfoque, torna irrelevante o
descumprimento à lei, a acordo ou mesmo a discricionariedade do Estado no
que respeita a adoção dos índices apurados pelo Instituto do Açúcar e o
Álcool IAA, importando o prejuízo causado ao particular em razão da
intervenção estatal. Isto porque a intervenção do Estado no domínio
econômico deve ser conjugada com o principio da livre iniciativa. 5. O nexo
de causalidade entre o dano sofrido e a conduta da Administração, conforme
dispõe o art. 37, $ 6º, da Carta Magna de 1988, que adotou a teoria do risco
administrativo, demonstrando aresto objurgado, gera o inescusável dever de
indenizar. [...]
89
.
89
A inclusão da parte restante do julgado é muito importante visto que mostra um posicionamento da Corte
consentâneo com os princípios constitucionais econômicos contidos no Art. 170 da Constituição Federal de
1988: [...] 3. Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: As atividades econômicas surgem e se desenvolvem
por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos
mercados. Essa, ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios,
55
Na síntese do julgado, a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a
responsabilidade do Estado de indenizar produtores de açúcar e álcool, em face dos prejuízos
causados pelos planos econômicos Funaro, Bresser, Verão, Collor I e II, se desenvolve em
torno dos seguintes eixos: intervenção do Estado no domínio econômico, responsabilidade
objetiva do Estado.
A intervenção do Estado na economia é permitida quando necessária aos imperativos
da segurança nacional, relevante interesse coletivo, na forma em que a lei estabelecer. E como
agente normativo e regulador da atividade econômica a intervenção se dá, na forma da lei, nas
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, obrigatório para o setor público e
indicativo para o setor privado, conforme o disposto nos artigo 173 e 174 da Constituição
Federal de 1988. Essa intervenção deve respeitar os fundamentos e princípios da ordem
econômica contidos no artigo 1º, inciso IV; artigo 170 e incisos, de tal forma que não venha a
tolher os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e do livre jogo dos mercados.
O julgado reconhece que a intervenção equivocada do órgão estatal (Instituto do
Açúcar e do Álcool) ao estabelecer preços dos produtos comercializados pelo setor sucro-
alcooleiro, abaixo dos custos de produção, trouxe prejuízos para ao setor cabendo, portanto,
indenização. O agravante no caso é que o próprio órgão estatal, não adotando os custos de
produção do levantados por instituição de renome nacional, a Fundação Getúlio Vargas,
cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de uma ou
de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa,
sufocar toda a concorrência e por dominar, em conseqüência, os mercados e, de outro, por desestimular a
produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se obrigado a intervir
para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre
embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da
liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A intervenção está, substancialmente,
consagrada na Constituição Federal nos arts. 173 e 174. Nesse sentido ensina Duciran Van Marsen Farena
(RPGE, 32:71) que “O instituto da intervenção, em todas suas modalidades encontra previsão abstrata nos
artigos 173 e 174, da Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar diretamente a
atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional e ou a relevante interesse
coletivo, conforme definido em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o poder para exercer, na forma da lei as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo esse determinante para o setor publico e indicativo para o privado”. Pela intervenção o
Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art.
170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da atividade
econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios
constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito, consignado expressamente em nossa
Lei Maior, como é o principio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito
que “As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela
declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade
da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de
Direito Administrativo. 8 Edição, São Paulo: Saraiva, p. 629/630).
56
incumbida para tanto, nos termos da legislação da época (Lei 4.870/65, arts. 9º, 10º e 11º),
indicou preços diferenciados dos levantados pela FGV.
O Tribunal Regional Federal da Região, ao julgar a Apelação Civil n.
2006.71.05.005734-6/RS, Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, entendeu que na
Ação de Indenização Civil, cumulada com perdas e danos materiais e morais, advindos de um
acidente de trânsito em decorrência de sinalização do trevo da rodovia federal, a BR392,
e ajuizada contra o DNIT, não caberia a responsabilidade civil do Estado contida nos
dispositivos constitucionais, art. 37, § 6º, visto ter ficado demonstrado que o acidente se deu
por culpa exclusiva da vítima, tendo o relator aceitado as considerações desenvolvidas no
parecer do MPF, negando provimento à apelação:
[...] de reconhecer a culpa exclusiva dos autores. Isto porque a velocidade
máxima permitida no local era de 40 km/h e, estando a essa velocidade, seria
possível enxergar a sinalização (mesmo com a presença do aclive) e parar,
quando se aproximasse do canteiro. Tendo em vista que os autores não
conseguiram parar, presume-se que estavam acima do limite de velocidade,
agindo, assim, com imprudência, o que caracteriza a sua culpa exclusiva. No
caso em comento, diante de culpa exclusiva das vitimas, que exclui o nexo
de causalidade, não há o dever de indenizar.
Esses julgamentos indicam duas decisões judiciais opostas. Uma reconhecendo a
responsabilidade civil do Estado e outra negando-o, mostrando haver ponderação e
razoabilidade na análise dos julgados por parte do Poder Judiciário, o que de certa forma
evidencia responsabilidade no contexto da sociedade civil, patenteando sua importância como
agente da concretização das mudanças sociais.
3.2 R
ESPONSABILIDADE JUDICIAL COMO AGENTE DA CONCRETIZAÇÃO DAS MUDANÇAS SOCIAIS
A responsabilidade por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado.
As funções do Estado são exercidas pelos três poderes da União. Portanto, a atividade
judiciária não deixa de ser um serviço público. O direito à jurisdição, que é um direito
fundamental, é dever do Estado. Atividades judiciais são todas praticadas pelo Poder
Judiciário, não existindo uma sujeição diferenciada das regras de responsabilidade. Portanto,
na medida em que decisões judiciais priorizam valores sociais em detrimento dos valores
liberais, principalmente na área do contrato e da propriedade, o Poder Judiciário pode não
57
estar cumprindo com sua responsabilidade de agente da concretização das mudanças sociais,
visto afastar do processo de desenvolvimento, os agentes econômicos privados que são
elementos fundamentais na busca dessas mudanças.
A Constituição Federal de 1988 abriu o caminho para a sociedade e indivíduos
pleitearem e defenderem seus direitos. Amplificou-se o acesso a toda estrutura judicial na
busca pela satisfação desses direitos. Essa busca é realçada quando sem tem envolvidos os
chamados direitos difusos e coletivos. Assim é cada vez mais acionado o aparato judicial na
busca da sua concretização, avultando, assim, a responsabilidade judicial, especificamente a
responsabilidade do Poder Judiciário. Magistrado é órgão do Estado e, ao agir, não age em
seu nome, mas do Estado, do qual é representante.
O surgimento dos direitos sociais também constitui fenômeno bastante
significativo na mudança da atividade jurisdicional. Com efeito, pelas suas
características, os direitos sociais vão tendo seu conceito modificado na
medida em que a sociedade evolui, passando os juizes como intérpretes, a
deter um papel significativo nas mudanças, expondo a magistratura além de
seu contexto tradicional. Ora, se o juiz não é um simples expectador do
debate entre as partes, atuando com maiores poderes dentro do processo e,
paralelamente, com maior margem de interpretação, é natural que a
possibilidade de errar também aumente, o que coloca os consumidores da
atividade jurisdicional com mais sujeição a danos [...]. Nesse ponto, aliás,
também merece destaque o maior grau de intervenção dos juizes em áreas da
esfera material como, por exemplo, a liberdade de contratar que
tradicionalmente não ocorria, ampliando a possibilidade de erros em
detrimento da parte.
90
Laspro
91
, explicitando os fundamentos para a responsabilização do Poder Judiciário,
invoca Cappelletti quando, tratando do crescimento da tendência à responsabilização pelo
exercício da atividade jurisdicional, conclui que as razões para essa necessidade são as
seguintes: maior participação do juiz na e por via da atividade jurisdicional, a expansão da
atividade legislativa, o surgimento dos direitos sociais e a massificação da atividade
jurisdicional.
De certa forma essa massificação expôs de uma maneira muito clara as deficiências
deste terceiro poder, sendo que o próprio Estado tem reconhecido que a atividade jurisdicional
é ineficiente, podendo, portanto causar danos àqueles que buscam efetividade das ações
90
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2000, p. 131.
91
Idem, ibidem, p. 127.
58
judiciais e principalmente os agentes econômicos que são os maiores responsáveis pelo
desenvolvimento econômico e conseqüentemente pelas mudanças sociais. “Isso faz com que a
atividade jurisdicional, na prática, transcenda os limites subjetivos da demanda, interferindo
diretamente nos destinos da sociedade”.
92
A importância da atuação do Poder Judiciário no contexto econômico e social é
ressaltada em várias manifestações dos diversos segmentos que compõem a sociedade
brasileira. Uma análise mais acurada com suporte no magistério de Barros, indica que:
O poder do juiz de cercear a liberdade, de coagir bens, de separar famílias,
de agir contra o poder público, enfim, de decidir sobre a vida publica ou
privada do homem, sobre as coisas do Estado e da própria sociedade, tem
origem estruturalmente política. Como também a lei é política, a colocação
de que seu ato de decidir se circunde unicamente numa definição jurídica
agride sua própria origem e poder e nega a ideologia do processo legislativo.
Sendo detentor de um poder socialmente político, o Judiciário não pode ser
um poder de vitrine, estanque e inatingível. Sua origem é de conteúdo vivo,
porque viva é a sociedade de onde provém sua estrutura e vivíssimos são os
conflitos que deverá decidir. A visão essencialmente jurídica da lei, própria
do conceito que o Direito se basta e não que ele é um produto da sociedade,
serviu a uma época e para uma sociedade limitada. Hoje, com o
multifacetamento das relações sociais, a aplicação daqueles conceitos
puramente dogmáticos sem matrizes de realidades, emperra a própria vida
social. E essa não é a finalidade do Direito.
93
Na análise dos posicionamentos judiciais relacionados com os contratos de compra e
venda de soja para entrega futura do Tribunal de Justiça de Goiás, no período de 2003 a 2008,
verifica-se que as primeiras decisões, prolatadas no período de 2003 e 2004, das ações de
revisão de clausulas contratuais foram totalmente favoráveis aos produtores de soja em
detrimento das empresas fornecedoras de insumos e sementes, sob a alegação de
superveniência de fatores externos, imprevisíveis e onerosos invocando portanto a Teoria da
Imprevisão. Nesses contratos efetuados entre produtores rurais e as empresas fornecedoras de
insumos e sementes, o preço da saca da soja para entrega futura era pré-estabelecido. Como se
trata de um produto que tem como base os preços praticados no mercado internacional a
variação para mais ou para menos é previsível.
Sob a alegação de desequilíbrio entre as partes, haja vista substancial elevação do
preço do produto causando um prejuízo insuportável por parte do devedor, a revisão
92
Idem, Ibidem, p. 133
93
BARROS, Wellington Pacheco. Op. cit., p. 149.
59
contratual visando ao reajuste no preço da saca de soja anteriormente acordado deveria ser
concedida. Um dos casos de julgamento pela 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Goiás
foi assim ementado:
APELAÇÃO CIVIL. ATROPELO PROCESSUAL. INEXISTENCIA.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA. PREÇO PRÉ-
ESTBELECIDO PARA ENTREGA FUTURA. SUBSTANCIAL
ELEVACAO DE PREÇO. DESEQUILIBRIO ECONOMICO DO
CONTRATO. RESCISÃO DO AJUSTE. ADMISSIBILIDADE.
I – Não configura atropelo processual o julgamento antecipado da lide,
quando a matéria for unicamente de direito e os documentos juntados não
constituírem novidade a parte adversa.
II A doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a rescisão do contrato
sempre que acontecimento futuro modifique o equilíbrio econômico do
ajuste de modo a infligir insuportável prejuízo a uma das partes.
III O principio pacta sunt servanda deve ser interpretado em consonância
com a realidade sócio-econômica de sorte a evitar desequilíbrio econômico
entre os contratantes. Apelo conhecido e provido.
Decisão: Acorda o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela
primeira turma julgadora da primeira Câmara Cível, por unanimidade, em
conhecer do apelo e prove-lo, nos termos do voto do relator, que a este se
incorpora.
94
Durante o período de 2003 a 2004, foram várias as decisões que, com base na função
social do contrato e na observância dos princípios da boa-fé, os contratos foram revisados
liberando os produtores que ingressaram com as ações do cumprimento dos contratos. A
conseqüência dessas decisões é que aqueles que não ingressaram com ações foram
prejudicados. Mais ainda, as empresas fornecedoras de insumos e sementes se retraíram no
mercado não ofertando esses créditos tendo em vista que as decisões judiciais tomadas às
deixavam em situação de incerteza quanto ao cumprimento dos contratos avençados. Ao
atender alguns, prejudicaram a maioria.
A seguir uma decisão da mara Civil, do mesmo Tribunal de Justiça de Goiás de
uma apelação civil, foi assim ementada:
APELAÇÃO CIVIL. RESOLUÇÃO DE CONTRATO. COMPRA E
VENDA DE SOJA. PREÇO FIXO. ENTREGA FUTURA. PRELIMINAR
AFASTADA. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISAO.
LESÃO NÃO CONFIGURADA. BOA-FÉ E FUNÇÃO SOCIAL DO
CONTRATO OBSERVADAS.
1. Deve ser afastada a preliminar suscitada pela apelante de ausência de
decisão no incidente de impugnação ao valor da causa, posto que o
94
TJGO. 1ª Câmara Civil. Apelação Civil n. 71842-7/188. Rel. Dr. José Alonso Gomes da Silva.
60
magistrado “a quo” apreciou, sim, a impugnação ao valor da causa
conjuntamente com a ação resolutiva, de forma sucinta.
2. A majoração do preço da soja no mercado; o aumento do preço dos
insumos e a ocorrência de pragas na lavoura (como ferrugem asiática)
não podem ser considerados como fatos imprevisíveis e extraordinários,
a justificarem o rompimento das obrigações previamente estabelecidas
entre as partes, pois estas assumiram, deliberadamente, tais riscos, mas,
sem duvida os consideraram na fixação do preço, objeto do negocio. O
risco, de certa forma imputado a ambos o contratantes, porquanto o
preço da saca de soja, de acordo com as condições do mercado, poderia
no momento marcado para a sua entrega, estar além ou aquém do preço
estimado na época da feitura do negocio.
3. A lesão, prevista no art. 157 do Código Civil, traduz a desproporção
existente entre as prestações do negocio jurídico, em face do abuso da
necessidade ou da inexperiência de uma das partes, devendo o vicio
(desproporção entre as prestações) nascer concomitantemente com o
contrato. Logo, “in casu”, deve ser afastada a teoria da lesão pretendida
pelo apelado, uma vez que a relação negocial estabelecida entre as
partes, ao tempo em que foi firmada, obviamente interessava a ambos,
não restando comprovado nos autos a presença de seus elementos
objetivo e subjetivo.
4. Foi perseguido na contratação o principio da probidade, não
configurando, o ajuste, ofensa ao disposto no art. 173, parágrafo 4 da
Constituição Federal. Apelo conhecido e provido.
95
Do relatório do acórdão e de muitos outros pesquisados, período de 2007 a 2008,
inverteram-se as decisões tomadas pelo Tribunal Judicial de Goiás com relação as ações de
resolução de contrato de compra e venda de soja para entrega futura e a preço pré-fixado, não
sendo mais aceitas as alegações de imprevisibilidade, boa-fé e função social do contrato para
justificar o rompimento do contrato. Certamente os eminentes membros do Tribunal se
convenceram de que as primeiras decisões tomadas repercutiram de forma negativa no
mercado, prejudicando a maioria dos produtores rurais que se viram alijados dos
financiamentos das empresas fornecedoras de insumos e sementes, necessários para a
continuidade de suas atividades produtivas.
Outras decisões judiciais, mostram que “[...] a falta de compreensão dos custos dos
direitos, especialmente por parte de alguns tribunais, atinge graus realmente preocupantes,
gerando gravíssimas conseqüências”
96
. O tema discutido por Galdino vem bem a propósito
deste trabalho, pois tem repercussões práticas na atividade econômica. Decisões envolvendo o
setor elétrico, que é um dos setores vitais para o desenvolvimento econômico e com
95
TJGO, 2ª Câmara Civil. Apelação Civil n. 1200239-0/188. Rel. Des. Gilberto Marques Filho.
96
GALDINO, Flavio. Introdução à teoria dos custos do direito: direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005, p. 283.
61
implicações diretas na qualidade de vida da sociedade como um todo, mostra bem esse
quadro. Referem-se essas decisões em imposições às empresas responsáveis pela distribuição
de energia elétrica, que se enquadram como serviço público, a prestação desse serviço mesmo
estando inadimplente os usuários e consumidores. A ementa do acórdão no EDCL no AGRG
no Recurso Especial n. 298.017 – MG (2000/0144950-8) não deixa dúvidas:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL.
ENERGIA ELETRICA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. CORTE DE
FORNECIMENTO. CONSUMIDOR INADIMPLENTE.
IMPOSSIBILIDADE.
- Esta Corte vem reconhecendo ao consumidor o direito da utilização dos
serviços públicos essenciais ao seu cotidiano, como o fornecimento de
energia elétrica, em razão do principio da continuidade (CDC, art. 22).
- O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao
pagamento da tarifa em atraso, extrapola os limites da legalidade, existindo
outros meios para buscar o adimplemento do débito.
- Precedentes.
- Agravo regimental improvido.
O caso em comento tem como embargante a Companhia Energética de Minas Gerais -
CEMIG e como embargado a Associação Comercial e Industrial de Uberaba - MG que
representava várias empresas inadimplentes.
Essas decisões com base nos dispositivos legais contidos no Código de Defesa do
Consumidor, (Lei n. 8.078, artigos 22 e 42 e 6º, § 1º da Lei 8.987/95)
97
, amparado na
expressão de AVILA
98
, pelos postulados normativos da continuidade do serviço público e da
adequação do serviço público, impõe às empresas concessionárias desse serviço a prestação
do mesmo, ainda, no caso de inadimplência do usuário-consumidor, considerando inadequada
a atitude da empresa de cortar o fornecimento de energia elétrica.
97
Lei 8.078, art. 22. Os órgãos públicos, por si e ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob
qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e,
quanto aos essenciais, contínuos. Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a
ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Lei 8.987/95, art. 6º. Toda
concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários,
conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. $ 1º Serviço adequado é o que
satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na
sua prestação e modicidade das tarifas.
98
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6 ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006, p. 121.
62
Decisões essas que foram confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça
99
, que é o
órgão responsável pela harmonização da interpretação dessa legislação (art. 105, inciso III, da
Constituição Federal de 1988) e com a agravante de que, mesmo em caso de desvio de energia
por parte do usuário, não se reconhece como legítimo o ato praticado pela empresa de cortar o
fornecimento de energia elétrica
100
. Pela leitura dos acórdãos citados pareceu não ter sido
discutido o § do artigo da Lei 8.987/95 que assim se expressa: Não se caracteriza
como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após
prévio aviso, quando: [...] II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da
coletividade.”
Esses fatos mostram, de forma bastante clara, que a atividade jurisdicional ultrapassa
os limites da demanda e por via de conseqüência interfere nos destinos da sociedade, pois
medidas como essas, trazem insegurança aos investidores criando uma incerteza no retorno
dos seus investimentos, haja vista o suporte do Poder Judiciário aos inadimplentes.
O que se pede? Clareza e estabilidade das regras eliminando assim a incerteza
jurisdicional, ou seja, a possibilidade do Estado (Poder Executivo e Poder Judiciário) mudar
as regras do jogo de forma autoritária e repentina, minimizar o risco de interpretações
divergentes dos tribunais que destronam a aparente segurança dos contratos, a morosidade dos
processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões, que com certeza atua na linha contrária
do desenvolvimento sustentado, desestimulando os investimentos e estimulando a
inadimplência, gerando impunidades, comprometendo assim a credibilidade do sistema
democrático ou da própria democracia.
Deve-se observar cada vez mais, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da
supremacia da Constituição na qual:
99
Superior Tribunal de Justiça: Primeira Turma, REsp n. 223778/RJ, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros;
Primeira Turma, AGRg no AGRi n. 307905-PB (2000/0047716-8), Rel. Ministro José Delgado; Primeira Turma,
REsp n. 122812/ES, Rel. Ministro Milton Luiz Pereira.
100
O voto do Rel. Ministro Francisco Falcão, não aceitando as ponderações da embargante de que as empresas
representadas utilizam a energia elétrica como insumo de sua produção embutindo em seus preços o custo desse
insumo e citando arestos “Nesse diapasão, transcrevo os seguintes arestos,”in verbis”: “ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. ENÉRGIA ELETRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE.
IMPOSSIBILIDADE. 1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até
responder penalmente. 2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legitimo ato administrativo
praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da
mesma. [...].(grifo nosso).
63
Toda a interpretação constitucional se assenta no pressuposto da
superioridade jurídica da Constituição sobre os demais atos normativos no
âmbito do Estado. Por força da supremacia constitucional , nenhum ato
jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir validamente se for
incompatível com a Lei Fundamental.
101
A responsabilidade do Poder Judiciário, por meio das suas variadas instâncias, se
avulta na medida em que é dever do mesmo, ponderar e harmonizar os valores sociais e
liberais contidos na Constituição Federal de 1988, quando de suas decisões. Não é intuito a
analise das teorias da responsabilidade do Estado, pois partiu-se da tese da irresponsabilidade
do Estado pelos danos causados pelos seus agentes, que foi a pedra de toque do século XIX,
para a teoria civilista da responsabilidade do Estado. Nesta, os atos do Estado são
classificados como atos de gestão e atos de império, e agora para uma terceira fase, que é a da
responsabilidade objetiva, adotada pela Constituição Federal de 1946, (art. 105 e seu
parágrafo único) e mantida pela Constituição Federal de 1988 (art. 37, § 6º), fundada em dois
postulados fundamentais: a igualdade e a eqüidade.
A eqüidade está inserida dentro de um principio geral do direito, qual seja,
de que todo aquele que causa um prejuízo deve ressarcir. A igualdade
conduz à responsabilidade de todos frente ao ônus do Estado. Em
conformidade com essa teoria o Estado responde pelo dano que der causa,
por este simples nexo lógico, independente da culpa ou não do agente.
102
uma resistência muito grande à aceitação da responsabilidade civil do Estado pelos
danos resultantes de sua atividade jurisdicional, se constituindo, no dizer de Cahali “[...] o
último reduto da teoria da irresponsabilidade civil do Estado”
103
. Mas não se pode negar o
papel fundamental que atividade jurisdicional tem para com o desenvolvimento econômico,
pois, na medida em que as decisões judiciais são tomadas sem uma análise mais acurada das
repercussões no campo econômico, as conseqüências dessas decisões poderão influenciar o
desenvolvimento econômico e, por via de conseqüência, não alcançar uma justiça distributiva
que é um dos principais objetivos da política econômica.
Não se trata, como se pode observar, de responsabilidade judicial que envolve
indenizar por dano moral ou material a sociedade como um todo, pois ela é parte integrante
dessa sociedade, mas sim da responsabilidade, que diria solidária, do Poder Judiciário para
101
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 161.
102
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. A responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 73.
103
CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 593.
64
com a mudança social, que respeite os fundamentos liberais contidos na Constituição Federal
de 1988, quando de suas decisões.
Assim, volta-se a discutir a interdependência do Direito e Economia, pois esta
insolubilidade esta presente no cotidiano, visto que:
Se até pouco tempo os dois campos do conhecimento andaram em paralelo,
felizmente, tanto de um lado quanto de outro, fatores importantes que
criam incentivos para que o fosso entre eles seja transposto. Do lado da
economia, a percepção de que incentivos de ordem moral e ética, junto com
o bom funcionamento das instituições, são fatores importantes na alocação
de recursos, e, consequentemente, no aumento da produtividade e no
desenvolvimento econômico. É crescente o uso de modelos onde se procura
incorporar fatores como cultura, usos e costumes, funcionamento do sistema
jurídico, quantidade e qualidade das normas e regulamentos e assim por
diante. Já do lado jurídico, existe também a percepção de que examinar
apenas os aspectos legais, morais e éticos em uma decisão não é suficiente.
Por mais que estes sejam importantes, decisões que sistematicamente se
abstraem dos aspectos econômicos envolvidos tendem a ser nocivas à
sociedade e, como tal, acabam sendo revertidas no futuro, mas à custa de um
desgaste do sistema jurídico.
104
No seu discurso de posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, com muita propriedade, assinalou a importância dessa
interdependência entre o Direito e a Economia, quando afirmou:
O Supremo es desafiado a buscar o equilíbrio institucional, a partir de
procedimentos que permitam uma conciliação entre as múltiplas
expectativas de efetivação de direitos com uma realidade econômica muitas
vezes adversa. Daí invocarem-se, não raramente, o chamado “pensamento do
possível” e o próprio limite do financeiramente possível. Nessa perspectiva
de análise institucional, o Supremo tem-se mostrado peça-chave na
concretização das referidas promessas sociais da Constituição de 88.
105
Certamente quando o ministro se refere ao “pensamento do possível” estaria ele se
referindo ao chamado princípio da reserva do possível, trazido pela doutrina alemã, visto que
a construção de tal princípio se deu quando do julgamento pela Corte Constitucional Alemã,
que ao discutir a garantia constitucional de liberdade de profissão, no caso, o acesso à vagas
nas universidades públicas para todos, entendeu que “[...] os direitos fundamentais estão
sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode
104
HADDAD, Cláudio L.S. Apresentação. In: PINHEIRO, Armando Castelar, SADDI, Jairo. Direito, Economia
e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. XVII.
105
MENDES, Gilmar Ferreira. Discurso de posse como Presidente do STF. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/arquivo/CMS/noticias/Noticiastf/anexo/posseGM.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2008.
65
esperar da sociedade”, contestando a tese de que o Estado seria obrigado a abrir vagas
suficientes para atender a todos os candidatos.
Este princípio, da reserva do possível, deve ser sopesado, não nas questões que
envolvam o Estado nos casos de se exigir do mesmo o cumprimento dos direitos
fundamentais e dos princípios constitucionais, já que sua invocação é muito comum nos
tribunais quando se trata da quebra da observância do princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana e do direito à saúde:
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar o Agravo de Instrumento
n. 97.000511-3, Rel. Des. Sérgio Paladino entendeu que o direito à saúde,
garantido na Constituição, seria suficiente para ordenar o Estado,
liminarmente e sem mesmo sua oitiva, o custeio de tratamento ainda
experimental, nos Estados Unidos, de menor, vítima de distrofia muscular
progressiva de Duchenne, ao custo de US$ 163,000,00, muito embora não
houvesse comprovação da eficácia do tratamento para a doença, cuja origem
é genética. Nesse julgado que serviu de paradigma ao TJSC para vários
outros casos relacionados a tratamento médico, foi asseverado que ‘Ao
julgador não é licito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de
primeiríssima grandeza sob o argumento de proteger o Erário’.
106
Em outro caso que se discutia a mesma situação, dever do Estado de prover o mesmo
tipo de tratamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim se manifestou:
Não se de permitir que um poder se imiscua em outro, invadindo esfera
de sua atuação especifica sob o pretexto da inafastabilidade do controle
jurisdicional e o argumento do prevalecimento do bem maior da vida. O
respectivo exercício não mostra amplitude bastante para sujeitar ao
Judiciário exame das programações, planejamento e atividades próprias do
Executivo, substituindo-o na política de escolha de prioridades na área da
saúde, atribuindo-lhe encargos sem o conhecimento da existência de
recursos para tanto suficientes. Em suma: juridicamente impossível impor-se
sob pena de lesão ao principio constitucional da independência e harmonia
dos poderes obrigação de fazer, subordinada a critérios, tipicamente
administrativos, de oportunidade e conveniência, tal como já se decidiu
[...].
107
O agente econômico privado também tem suas limitações econômicas. Desta forma a
ponderação e a harmonização, quando da análise dos princípios constitucionais e dos
princípios constitucionais econômicos da Constituição Federal de 1988, fundados em valores
106
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 26.
107
Idem ibidem, citando a decisão do TJSP, 2ª Câmara de Direito Publico, Rel. Des. Alves Bevilacqua. Ag. Inst.
n. 42.530.5/4, j. 11/11/1997, p. 27-28.
66
sociais e liberais, devem prevalecer quando decisões judiciais impliquem repercussões
econômicas que possam invalidar a própria atividade econômica ou estatal. Nesse caso, trata-
se daquilo que a doutrina tem se manifestado amiúde: a colisão dos princípios constitucionais.
67
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
4.1 D
A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
ECONÔMICOS
Para uma melhor compreensão dos princípios constitucionais e constitucionais
econômicos é interessante a análise das proposições positivas e normativas, que demonstram
as vinculações entre fundamentos teóricos e pressupostos ideológicos, uma vez que se parte
do pressuposto de que princípios e valores são sinônimos quando se referem a eles
(princípios constitucionais e constitucionais econômicos). Proposições positivas são aquelas
que mostram a realidade como ela é. Proposições normativas são aquelas que mostram como
a realidade deve ser. A primeira proposição diz respeito às ciências (consistência, coerência e
objetividade), a segunda, ao campo das ideologias (normatização, partidarismo e
justificação). O Direito é uma ciência social, que envolve tanto proposições positivas como
proposições normativas. Assim, o dever ser engloba pressupostos ideológicos.
A Constituição Federal de 1988 exerce uma supremacia e uma posição hierárquica
superior sob as demais normas do sistema jurídico. Portanto qualquer lei ou ato normativo
que a contrarie são inconstitucionais, portanto não válidos. O ordenamento institucional é um
sistema no qual subsistem vários subsistemas que devem conviver harmonicamente, razão por
que na colisão de normas constitucionais deve-se buscar ponderação.
Os princípios constitucionais e constitucionais econômicos contidos no ordenamento
institucional, ou seja, na Constituição Federal de 1988, ao expressarem valores sociais e
valores liberais manifesta a ideologia subjacente do ordenamento, ou seja, o social-
liberalismo: valor social do trabalho, função social da propriedade, defesa do consumidor,
defesa do meio ambiente, busca do pleno emprego, são todos valores sociais; livre iniciativa,
garantia ao direito de propriedade, livre concorrência e assegurar a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei, representam valores liberais. São todas proposições normativas (dever
ser), portanto representam valores ou princípios. Esta argumentação tem o respaldo de Alexy
que afirma:
68
Es fácil reconocer que los princípios y los valores están estrechamente
vinculados entre si en un doble sentido: por una parte, de la misma manera
que puede hablarse de una colisión de principios y de una ponderación de
principios, puede también hablarse de una colisión de valores y una
ponderación de valores; por otra, el cumplimiento gradual de los principios
tiene su equivalente en la realización gradual de valores. Por ello,
enunciados del Tribunal Constitucional Federal sobre valores pueden ser
reformulados en enunciados sobre principios, y enunciados sobre principios
o máximas en enunciados sobre valores, sin pérdida alguna de contenido.
108
Esta é uma leitura pós-positivista que leva a uma colisão com o paradigma positivista
que ainda impera no Estado de Direito brasileiro. O processo de compatibilização da norma
ao fato que leva a subsunção, ou seja, aplicação da norma a uma situação fática sem a
consideração das repercussões de tal decisão, não é mais aceitável, dada a complexidade da
vida contemporânea que reclama novas formas de interpretação, visando a solucionar os
conflitos de valores. Valores esses inspiradores do ordenamento, pois segundo Hesse sua:
[...] interpretação tem significado decisivo para a consolidação e
preservação da força normativa da Constituição. A interpretação
constitucional está submetida ao principio da ótima concretização da norma
(Gebot optmaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio
não pode ser aplicado como base nos meios fornecidos pela subsunção
lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Constituição,
têm sua eficácia condicionado pelos fatos concretos da vida, não se afigura
possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela de contemplar
essas condicionantes, correlacionando-as com as proposições normativas da
Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar de
forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das
condições reais dominantes numa determinada situação.
109
O pós-positivismo representa uma nova leitura do ordenamento jurídico nacional
tendo como ápice a Lei Maior, ou seja, a forma de entendimento do texto constitucional, dada
a complexidade das relações das sociedades contemporâneas, reclama por novas formas de
compreensão, de como enfrentar e solucionar os conflitos sociais. Assim, a norma
constitucional é concebida como um conjunto de valores, princípios e regras (Alexy e
Dworkin, respectivamente) que devem ser sopesados ou ponderados quando se busca uma
decisão para uma situação fática. A tese de Alexy, que considera a Constituição como um
conjunto de valores, e o entendimento de Dworkin, que a tem como um conjunto de normas
que se dividem em princípios e regras, não são excludentes.
108
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos Y
Constitucionales, 2002, p.138.
109
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 22-
23.
69
A tese central da obra de Alexy, a Teoria dos Direitos Fundamentais, é a de que eles,
independentemente de sua formulação mais ou menos precisa, têm a natureza de valores e são
mandamentos de otimização. Segundo ele a distinção entre regras e princípios reside na
qualificação dos últimos como mandamentos de otimização:
O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são
normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível
dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por,
conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por
poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida
de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é
determinado pelos princípios e regras colidentes. as regras são normas
que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então
deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras
contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e
princípios é uma distinção qualitativa, e não de grau. Toda a norma é ou uma
regra ou um princípio.
110
Assim:
A diferença entre regras e princípios mostra-se com maior clareza nos casos
de colisões entre princípios e de conflito de regras. Um conflito entre regras
somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma
clausula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras
for declarada invalida
111
.
Exemplificando o conflito entre regras, o autor cita o caso resolvido pelo Tribunal
Constitucional Federal a respeito, entre uma lei federal que permitia a abertura do comércio
durante os dias da semana entre as sete às dezenove horas e uma lei estadual que proibia a
abertura do comércio logo após as l3h, nas quartas-feiras. Com base no art. 31 da Constituição
alemã (“o direito federal tem prioridade sobre o direito estadual”) a lei estadual foi revogada.
Na colisão de princípios a solução é completamente diferente do conflito entre regras.
Pois no caso de haver colisão, um deles terá que ceder, mas não implicando que um deles
tornar-se-ia inválido, nem que nele deveria ser introduzida uma cláusula de exceção.
Exemplificando, é trazido o caso Lebach, no qual dois princípios fundamentais garantidos
pela Lei Fundamental Alemã colidem: a liberdade de informação e a proteção da
personalidade. Uma empresa de televisão produziu um documentário chamado “O assassinato
110
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 90 a 94.
111
Idem, ibidem.
70
de soldados em Lebach” que pretendia contar a história de um crime no qual quatro soldados
da guarda de sentinela de um depósito de munições do Exército Alemão, perto da cidade de
Lebach, foram mortos enquanto dormiam e armas foram roubadas com o intuito de cometer
outros crimes.
Um dos condenados, cúmplice nesse crime, prestes a ser libertado da prisão, entrou
com uma ação, para proibir a exibição do documentário, sob a argumentação de que sua
ressocialização estaria ameaçada, tendo em vista que ele é citado nominalmente e apresentado
por meio de fotos, violando, portanto, seu direito à proteção da personalidade. O Tribunal
Estadual rejeitou seu pedido de medida cautelar para proibir a exibição e o Tribunal Superior
Estadual negou provimento ao recurso contra essa decisão. O autor entrou com uma
reclamação constitucional contra os julgados. A decisão do Tribunal Constitucional Federal
foi de que “[...] a repetição do noticiário televisivo sobre um grave crime, não mais revestido
de um interesse atual pela informação que coloca em risco a ressocialização do autor a
proteção da personalidade, tem precedência sobre a liberdade de informar”.
112
Rothemburg
113
, citando Lorenzetti, entende os princípios como normas fundamentais,
atribuindo a eles uma série de funções: integradora (“um instrumento técnico para preencher
lacunas do ordenamento”); interpretativa (“ajuda o intérprete a orientar-se na interpretação
correta, adequando-a aos valores fundamentais”); delimitadora (“constituem lineamentos
básicos que permitem estabelecer um limite, do mesmo modo que os valores, às bruscas
oscilações das regras”) e fundante (“um valor para fundar internamente ao ordenamento e dar
lugar a criações pretorianas”).
Alexy
114
ao discorrer sobre a teoria dos princípios e dos valores, discute a divisão dos
conceitos de princípios e valores, analisando os conceitos deontológicos, axiológicos e
antropológicos, afirmando que os deontológicos são conceitos de dever, proibição, permissão
e de direto a algo. Os axiológicos caracterizados como conceito de bom, bonito, corajoso,
seguro, econômico, democrático, social, liberal ou compatível com o Estado de Direito. Os
antropológicos, como conceitos de vontade, interesse, necessidade, decisão e ação, concluindo
112
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 93 a 102.
113
LORENZETTI apud ROTHEMBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1999, p. 45.
114
ALEXY, Robert. Op. cit., p. 144.
71
que os princípios são mandamentos de otimização e que os valores fazem parte do nível
axiológico.
Aprofundando suas colocações de que na comparação entre princípios e valores pode-
se buscar algumas características estruturais gerais e elementares dos valores, chama a
atenção para a diferença fundamental que existe entre valor” como algo que tem um valor e
“valor” algo que é valor. Algo que tem valor é classificado em três grupos: classificatórios,
comparativos e métricos. Os conceitos de valores classificatórios possibilitam afirmar que
algo tem um valor positivo, negativo ou neutro. Nos conceitos de valores comparativos pode-
se afirmar que algo tem um valor maior, mesmo valor, maior valor que outro. No conceito de
valor métrico pode-se afirmar que algo tem uma determinada magnitude. Mas como se pode
afirmar que algo é um valor? Fazendo uma diferenciação entre o objeto e o critério da
valoração.
Valor e valoração não se confundem; essa é aplicada a objetos utilizando uma série de
critérios: bom, ruim, funciona, não funciona etc. No caso do ordenamento jurídico, o critério
para valoração é quando se define a relação que possa existir entre dois critérios.
Exemplificando: o critério da livre iniciativa e o da proteção ao meio ambiente. Nesses
exemplos não se pode afirmar que ambos os critérios são um valor em si. Como objetos de
valoração eles tem valores que são distintos. Mas são os critérios de valoração que podem ser
considerados como “valor”. No contexto jurídico, que normalmente é mais abstrato é comum
dizer que num ordenamento jurídico respeita-se mais a proteção ao meio ambiente que a livre
iniciativa.
Assim, a valoração que tem como base vários critérios e entre eles sopesar,
corresponde à aplicação de princípios, sendo seu contraposto as regras que não necessitam
de sopesamento, o tudo ou nada de Dworkin. Aos princípios correspondem os critérios de
valoração; às regras, as regras de valoração, propondo Alexy a seguinte divisão utilizando a
“norma” como supraconceito: norma deontológica abrangendo princípios e regras e norma
axiológica abrangendo regras de valoração e critérios de valoração (valor). Para ele das três
formas de juízo de valor, os juízos comparativos têm maior importância para o direito
constitucional.
72
Existe uma impossibilidade de estabelecer uma hierarquia de valores e princípios, não
implicando com isso na impossibilidade de uma “ordenação flexível”, sendo que essa
“ordenação flexível” pode-se apresentar de duas formas: (1) por meio de preferências prima
facie em favor de um determinado princípio ou valor; e (2) por meio de uma rede de decisões
concretas sobre preferências (jurisprudência)
115
:
Uma ordenação flexível dos valores constitucionalmente relevantes por meio
de preferências prima facie é obtida, por exemplo, quando se pressupõe uma
carga argumentativa em favor da liberdade individual, ou da igualdade, ou
de interesses coletivos. Uma ordenação flexível por meio da jurisprudência
do Tribunal Constitucional Federal. Ambas estão intimamente ligadas ao
conceito de sopesamento [...].
Ambas as situações estão ligadas aos postulados normativos da máxima
proporcionalidade em sentido estrito (sopesamento). As objeções contra a idéia da máxima
proporcionalidade em sentido estrito, segundo Alexy, são: a de que a idéia não é um modelo
que permite um controle racional, ficando ao arbítrio de quem a aplica, abrindo espaços ao
subjetivismo e decisionismo dos juízes. Os princípios constitucionais são comandos de
otimização, portanto, são normas que requerem que algo seja realizado na maior medida do
possível, das possibilidades fáticas e jurídicas. Ou seja, o ótimo de Pareto
116
que representa
uma posição que pode ser melhorada sem ser em detrimento da outra (postulado normativo da
adequabilidade).
Alexy
117
ao discorrer sobre a máxima da adequação (ótimo de Pareto), dá como
exemplo o caso de um cabeleireiro que instalou em seu estabelecimento sem autorização das
autoridades municipais, uma máquina automática de venda de cigarros. Foi multado por
descumprimento da lei sobre comércio no varejo. Essa lei exigia que o requerente devesse ter
“a necessária expertise”, que poderia ser obtida por via de um curso profissionalizante ou de
um exame especial que avaliaria seus conhecimentos técnico-comerciais. O cabeleireiro
inconformado buscou proteção judicial. O Tribunal Superior Estadual de Saarbrücken,
considerou inconstitucional a exigência de uma demonstração de expertise comercial e
suscitou uma prejudicial de inconstitucionalidade perante o Tribunal Constitucional Federal.
115
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 163.
116
Eficiência ou ó(p)timo de Pareto é um conceito de economia desenvolvido pelo italiano Vilfredo Pareto. Em
síntese: uma situação econômica é ótima no sentido de Pareto se não for possível melhorar a situação, ou, mais
genericamente, a utilidade, de um agente sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente
econômico.
117
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 588-589
73
O Tribunal Constitucional Federal chegou à conclusão de que a exigência de expertise
para qualquer comércio de qualquer mercadoria viola a liberdade profissional garantida pelo
artido 12, § 1º, da Constituição alemã. A fundamentação baseia-se no fato de que a exigência
de uma prova para constatar se a pessoa esta apta ou não para o exercício de uma atividade
comercial não é adequada para proteger o consumidor contra os prejuízos à sua saúde ou
contra prejuízos econômicos. Por tanto essa medida seria proibida pela máxima da adequação
e violaria o direito fundamental à liberdade profissional.
O sopesamento ou balanceamento é parte de um princípio mais abrangente que é o
princípio da proporcionalidade, que contém três outros princípios: o da adequação, o da
necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Todos esses princípios expressam a
idéia da otimização.
Dworkin
118
, ao expor sua teoria geral do direito, que para ele deve ser ao mesmo
tempo normativa e conceitual, ataca o positivismo jurídico de Hart, segundo o qual os
indivíduos possuem direitos jurídicos na medida em que estes tenham sido criados por
decisões políticas, chamada de regra secundária ou de reconhecimento ou práticas sociais
expressas, chamada de regra primária. Uma regra pode ser obrigatória porque é aceita ou
porque é válida. Sugere uma alternativa à teoria de Hart, afirmando que os indivíduos podem
ter outros direitos jurídicos além daqueles criados por uma decisão ou prática expressa.
Podem ter direitos ao reconhecimento judicial de suas prerrogativas, mesmo em casos
difíceis, quando eles não existem ou práticas sociais inequívocas que exigem uma decisão em
favor de uma ou outra parte.
Na sua argumentação Dworkin afirma que o
[...] positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua
noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a
ignorar os papeis importantes desempenhado pelos padrões [princípios] que
não são regras.
119
Adotando a palavra princípio ele a denomina como
118
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. XV.
119
Idem, ibidem, p. 112.
74
[...] um padrão que deve ser observado, não porque vai promover ou
assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável,
mas porque é uma exigência de justiça e equidade ou alguma outra dimensão
de moralidade .
120
O conceito é por ele utilizado para distinguir regras de princípios. Fica perfeitamente
claro que a atual Constituição Federal adotou a forma principiológica, dentro do conceito
Dworkiniano, quando os elencam em diversos títulos (I Dos Princípios Fundamentais -
Artigos ao 4º; os contidos no II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais; III Dos
Direitos Sociais; VII – Capítulo I – Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica).
Ampliando suas considerações afirma que a diferenças entre regras jurídicas e
princípios jurídicos é de natureza lógica. As regras são aplicáveis à maneira do “tudo ou
nada” (art. 40, § 1º, inciso II aposentadoria compulsória aos setenta anos para os servidores
públicos). Os princípios não têm essa assunção, “[...] os princípios tem uma dimensão [valor],
que as regras não têm – a dimensão [valor] do peso e da importância”. Quando há uma colisão
de princípios (livre iniciativa e defesa do consumidor), o juiz que vai resolver a colisão tem
que levar em conta a força relativa de cada um naquela situação fática que esta julgando.
Não dúvidas de que os direitos fundamentais e os princípios constitucionais
elencados na Constituição Federal de 1988 mostram o caminho a ser trilhado. Isso significa
dizer que a interpretação do texto constitucional, mesmo sendo um processo criativo, não
pode desconsiderar esses mesmos princípios. Quando a interpretação tende apenas para os
valores sociais, sem atentar para os valores liberais, representa uma visão única que não se
coaduna com o espírito da Constituição.
Dworkin comentando as objeções de Raz à sua teoria, pontua que:
[...] princípios, [...], entram em conflito e interagem uns com os outros, de
modo que cada princípio relevante para um problema jurídico particular
fornece uma razão em favor de uma determinada solução, mas não a
estipula
121
.
Na seqüência, afirma que os aplicadores do Direito, ao estar diante de uma situação
fática, devem levar em consideração as proposições com a forma e a força de princípios.
120
Idem, ibidem, p. 114.
121
Idem, ibidem, p. 114.
75
Afirmar que uma imprecisão nos princípios constitucionais, é turvar a mente com
convicções ideológicas enraizadas, que certamente contrariam a própria Constituição.
4.2 D
A COLISÃO DE PRINCÍPIOS: INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Tanto os princípios fundamentais e constitucionais econômicos, como os direitos e
garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988, contidos no inciso IV do artigo 1º,
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, inciso II do artigo que trata do
desenvolvimento social, incisos XXII e XVIII do artigo 5º, garantindo o direito de
propriedade desde que a mesma mantenha a sua função social, caput do artigo 170 e incisos
II, III, IV, V, VI, VII, VIII, que dizem respeito a ordem econômica (valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa, propriedade privada, função social da propriedade, livre
concorrência, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca
do pleno emprego), representam valores sociais e liberais.
Pode-se alinhavar uma série de outros que:
São princípios que têm implicações econômicas, dentre outros, o principio
do Estado de direito, tendo em vista que confere a necessária e desejável
segurança e previsibilidade das relações jurídicas. Também o principio do
Estado federal, do qual decorre a unidade econômica de todo o território
nacional impedindo a criação de taxas aduaneiras internas. [...] Numa
concepção muito ampla, todos são princípios econômico-constitucionais, e
não apenas aqueles expressamente indicados na Constituição em seu capitulo
especificamente dedicado a isso (Capitulo I do Titulo VII).
122
Isso mostra que numa situação fática um entrechoque desses valores que a doutrina
vem tratando como uma colisão de direitos ou de princípios constitucionais, que no dizer de
Mendes são:
[...] colisões em sentido amplo, que envolvem direitos fundamentais e outros
valores constitucionalmente relevantes. Assim é comum a
colisão entre o
direito de propriedade e interesses coletivos associados, v.g., à utilização de
água ou à defesa de um meio ambiente equilibrado
123
.
122
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2 ed. São Paulo: Editora Método, 2006, p. 126.
123
MENDES, Gilmar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, estudo de
direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 79.
76
Esses princípios reforçam a consagração pela Constituição Federal de que o Brasil é
um Estado Social Liberal de Direito ou especificamente uma Economia Social de Mercado
que como assinalado anteriormente, procurando eliminar os vícios e as imperfeições do
sistema liberal clássico e do socialismo-comunismo, busca um desenvolvimento sustentado.
Poder-se-ia,[...], falar de “sistema misto” que, evidentemente, partem da
dualidade de dois sistemas puros e que, utilizando-se da mescla entre ambos,
formam diferentes tipos de sistemas mistos, de acordo com a intensidade de
combinação realizada.
124
O problema com que se depara tem sido a concretude desses dispositivos
constitucionais. uma postura de se apontar para o caráter programático dessas disposições
ressaltando o sentido de dever ser e não de ser. De acordo com Silva, as características
básicas de normas de princípio programático buscam a:
[...] realização da justiça social e existência digna; valorização do trabalho;
desenvolvimento econômico, repressão ao abuso do poder econômico; [...],
intervenção do Estado na ordem econômica, [...], estimulo a cultura, à
ciência e à tecnologia
.
125
Ele faz uma distinção entre norma e princípio: as ordens econômica e social que têm
por fim realizar a justiça social é uma norma fim, que permeia todos os direitos econômicos e
sociais, afirmando que os demais princípios informadores da ordem econômica: propriedade
privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do
meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, são
da mesma natureza, portanto plenamente eficazes e diretamente aplicáveis.
Outro aspecto a ser sublinhado é que não existe uma hierarquia entre os princípios
constitucionais. Assim, quando se apresenta uma situação fática na qual estejam presente os
valores sociais e liberais em aparente conflito, a ponderação e a harmonização devem
prevalecer, ou seja, a aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade. Exemplo de
aplicação destes princípios foi a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade ADI 855-2/93 que suspendeu provisoriamente os efeitos da lei
paranaense que obrigava a pesagem de botijões de gás entregues ou recebidos para
substituição à vista do consumidor, com pagamento imediato da eventual diferença a menor:
124
TAVARES, André Ramos. Op. cit., p. 43.
125
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
144-160.
77
Gás liquefeito de petróleo: lei estadual que determinou a pesagem de
botijões entregues ou recebidos para substituição à vista do consumidor, com
pagamento imediato da eventual diferença a menor: argüição de
inconstitucionalidade fundada nos arts. 22, IV e VI (energia e metrologia) 24
e §§ seguintes, 25, § , e 238, além de violação ao principio da
proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direito:
plausibilidade jurídica da argüição que aconselha a suspensão cautelar da lei
impugnada, a fim de evitar danos irreparáveis à economia do setor, no
caso de vir declarar-se a inconstitucionalidade: liminar deferida.
126
(Grifo
nosso).
Importante frisar que não se pode ignorar a ideologia subjacente aos valores aqui
mencionados e expressos no ordenamento jurídico pátrio, conforme muito bem pontuado por
Barroso
127
:
As doutrinas jurídicas dominantes normalmente deixam de lado o papel
desempenhado pela ideologia, tanto do legislador quanto a do intérprete da
lei.[...]Não é possível, [...], uma visão cindida do direito, especialmente no
momento de sua interpretação e aplicação. Ai será necessário ter em conta
sua dimensão social e ética. Remarque-se bem a idéia: uma coisa é o
conhecimento jurídico. Outra é a sua contextualização, o que se faz inclusive
através da sociologia e da filosofia. São realmente coisas distintas, que,
todavia, devem ser conjugadas para a boa aplicação do direito posto.
Portanto a interdisciplinariedade, não com a sociologia e a filosofia, mas
com outros ramos do conhecimento científico é parte importante de uma
analise globalizadora do direito. Revela reiterar a necessária conscientização
do interprete quanto ao caráter ideológico de sua atuação e de seu
questionável papel de assegurador do status quo. (grifos do autor).
E para reforçar a idéia sobre a colisão dos princípios constitucionais, Barroso afirma
também que:
O princípio da unidade, também referido como princípio da unidade
hierárquico-normativa da Constituição, é uma especificação, no âmbito do
direito constitucional, do elemento sistemático de interpretação jurídica. As
normas constitucionais consagram valores que guardam tensão entre si. O
princípio da unidade remarca a ausência de hierarquia entre normas
integrantes de um mesmo documento constitucional e impõe ao interprete o
dever de atuar ponderando bens e valores em jogo, de modo a harmonizar
preceitos aparentemente conflitantes e a evitar conflitos e contradições entre
as normas constitucionais.
128
126
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Medida cautelar em ADI 855-2/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU
01.07.93. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 19 fev. 2008.
127
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 279-
290-291.
128
Idem, ibidem, p. 299.
78
A grande dificuldade ao se deparar com uma colisão de princípios constitucionais e
conseqüentemente chegar a uma decisão é o de estabelecer se essa decisão satisfaz um
interesse individual ou de grupo ou de toda a comunidade, segundo Günther
129
:
A partir da multiplicidade de diversos interesses, eventualmente conflitantes
entre si, acometidos pelas conseqüências de uma norma carecedora de
justificativa, será necessário que primeiro seja constituído um interesse
comum. Enquanto isso, a contraposição “interesses de cada indivíduo”
versus “aceitação em conjunto por todos os atingidos” garantirá que não
sejam decisivos os interesses da maioria ou de um determinado grupo, mas
que cada individuo se coloque na perspectiva de cada um dos demais, a fim
de poder dimensionar a intensidade de todos os interesses afetados.(grifos do
autor)
Após o advento da Constituição Federal de 1988, a discussão sobre princípios
constitucionais ganhou fôlego, mas se atendo a espécie de classificação das normas por graus
de sua importância, sua especialidade ou sua matéria, uma classificação em que se destacam
os mais fundamentais e os menos fundamentais, os gerais e os especiais.
É a partir da assimilação das teorias desenvolvidas por Robert Alexy e Ronald
Dworkin pelos publicistas brasileiros é que se aprofundou de maneira mais efetiva a análise
dos princípios constitucionais dentro da dicotomia classificatória entre princípios e regras
apresentada por Alexy, que fazendo a distinção entre ambos classifica os princípios como
normas de um grau de generalidade bastante alto enquanto que as regras como normas com
um nível relativamente baixo de generalidade. A utilização desta distinção entre princípios e
normas auxilia o aplicador do direito quando da análise de uma situação fática. Segundo
Alexy
130
o que distingue um princípio de uma regra é que os princípios são normas que
ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades reais e
jurídicas existentes e para tanto os princípios são mandatos de otimização.
As regras contêm determinações quando da análise de uma situação fática. Elas devem
ser cumpridas ou não é o “tudo ou nada”. Assim, toda norma ou é um princípio ou uma regra.
Para Dworkin,
129
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo:
Landy Editora, 2004, p. 62.
130
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos Y
Constitucionales, 2002, p. 86.
79
A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica.
Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da
obrigação jurídica em circunstâncias especificas, mas distinguem-se quanto à
natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do
tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é
valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é
valida, e neste caso em nada contribui para a decisão.
131
Os princípios possuem uma característica que as regras não têm: a dimensão de peso
ou importância. Na solução de uma situação fática deve-se levar em conta o peso ou a
importância relativa de cada uma. Não existe princípio válido ou inválido. na análise do
caso fático a predominância de um em detrimento do outro. Isso não quer dizer que aquele
princípio que colidiu e não foi considerado torna-se inválido. Barroso, ao pontuar os
princípios constitucionais como condicionantes da interpretação constitucional, afirma que os
“[...] princípios têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada
dentro do sistema”
132
. no caso das regras, não existe contraditórias ou em conflitos; ou
vale ou não vale, dentro do ordenamento jurídico.
As colisões e tensões entre normas constitucionais não representam um problema, mas
sim as possibilidades de transformações da sociedade. Que prevaleçam os interesses sociais é,
sem dúvida, o objetivo maior, mas, muitas vezes no afã de satisfazê-los podem-se inviabilizar,
tendo em vista a capacidade de adaptação do pensamento liberal a uma nova situação, pois a
liberdade, bem jurídico que se compara ao bem jurídico fundamental que é a vida e permeia
essa visão, lhe permite isso. Os constituintes foram sábios em manter, sem uma hierarquia
determinada, valores sociais e liberais no nosso ordenamento jurídico. Sem a observância
disso, tudo mais se torna inconstitucional.
4.3 H
ARMONIZAÇÃO DE PRECEITOS E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: O PAPEL DO
INTÉRPRETE JULGADOR E A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS
É importante ressaltar que a observância dos valores sociais e liberais contidos na
Constituição Federal de 1988, põe em relevo a importância do papel do intérprete julgador
para a efetividade dos princípios constitucionais, na busca da sua realização fática, pois ela
131
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 39-42.
132
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 152.
80
representa um instrumento normativo da realidade social
133
. Sobre o porquê da falta de
efetividade das nossas Constituições é sugestiva a colocação de Barroso e Barcellos
134
:
A falta de efetividade das sucessivas Constituições brasileiras decorreu do
não reconhecimento de força normativa aos seus textos e da falta de vontade
política de dar-lhes aplicabilidade direita e imediata. Prevaleceu entre nós a
tradição européia da primeira metade do século, que via a Lei Fundamental
como mera ordenação de programas de ação, convocações ao legislador
ordinário e aos poderes públicos em geral. Daí porque as Cartas brasileiras
sempre se deixaram influenciar por promessas de atuação e pretensos
direitos que jamais se consumaram na prática. Uma história marcada pela
insinceridade e pela frustração.
No seu magistério, Barroso ensina que a efetividade das normas jurídicas significa a
realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. E apontando sua
dificuldade quando da aplicação prática, explicita:
A efetividade das normas jurídicas resulta, comumente, do seu cumprimento
espontâneo. Sem embargo, descartados os comportamentos individuais
isolados, casos de insubmissão numericamente expressiva, quando não
generalizada, aos preceitos normativos, inclusive os de hierarquia
constitucional. Assim se passa, por exemplo, quando uma norma confronta-
se com um sentimento social arraigado, contrariando as tendências
prevalecentes na sociedade. Quando isto ocorre, ou a norma cairá em desuso
ou sua efetivação dependerá da freqüente utilização do aparelho de coação
estatal. De outras vezes, resultará difícil a concretização de uma norma que
contrarie interesses particularmente poderosos, influentes sobre os próprios
organismos estatais, os quais, por acumpliciamento ou impotência relutarão
em acionar os mecanismos para impor sua observância compulsória.
Ao
jurista cabe formular estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a
dar efetividade às normas jurídicas.
135
Não como discordar do fato de que a Constituição Federal representa um conjunto
de normas jurídicas: de organização ou seja, aquelas que organizam o desempenho de uma
função estatal; normas de comportamento que visam a disciplinar a conduta dos indivíduos,
se revestindo da característica própria do Direito que é a imperatividade, ipso facto, é
mandamento, prescrição, ordem com força jurídica. Não é um direito sem sanção. As normas
133
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 86.
134
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: UERJ. Material de apoio à
disciplina Estado, Direito e Relações Empresariais prelecionado pela Profa. Dra. Marlene Kempfer Bassoli, no
curso de Mestrado em Direito pela UNIMAR - Universidade de Marília - SP, p.2.
135
BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 82-83.
81
constitucionais contêm a dualidade: preceito e sanção. É essa condição de sanção que garante
sua eficácia. Não admitir isto é afirmar que as normas constitucionais não são jurídicas.
A nova forma de interpretação constitucional não prescinde do método clássico de
interpretação. O de subsunção (premissa maior, a norma; premissa menor, o fato seguido da
solução, que é a decisão do juiz), tem como base a aplicação de regras, bem como dos
métodos tradicionais de interpretação, como o gramatical, histórico, sistemático e teleológico,
tendo em vista que os mesmos exercem um papel importante na busca do sentido da norma e
da solução das situações fáticas. Nessa mesma linha Azevedo não descarta a importância da
dogmática jurídica ao dispor que:
O que é válido no pensamento dogmático-jurídico não é a sacralização da
norma ou em sua mecânica aplicação à realidade, mas em sua constante
reconstrução e em sua efetiva realização nas situações concretas, sempre
cambiantes e historicamente configuradas [...] [e quando do] desdobramento
de sua “tarefa de investigação-interpretação e de construção-reelaboração da
norma a realidade”, visando dar solução a problemas emergentes do inter-
relacionamento humano, não pode a dogmática jurídica perder de vista a
perspectiva social e que se destina, exaurindo-se no logicismo ou no
formalismo conceitual.
136
Ao considerar o princípio da unidade da Constituição, entende-se que a mesma está no
topo da pirâmide do ordenamento espraiando-se para a toda ordem jurídica. Barroso reforça
essa posição quando afirma que ao proceder:
Um lance de olhos sobre a Constituição brasileira de 1988, revela diversos
pontos de tensão normativa, isto é, de proposições que consagram valores e
bens jurídicos que se contrapõem e que devem ser harmonizados pelo
intérprete.
137
Não dúvida de que na análise do caso concreto, principalmente os chamados casos
difíceis (hard cases), é muito comum deparar-se com a colisão de princípios constitucionais.
Exemplos dessas contraposições podem ser elencados dentre os princípios fundamentais do
artigo 1º, o inciso IV valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (valores sociais e
valores liberais). No campo da Ordem Econômica, o artigo 170 e seus incisos mostra com
bastante clareza as contraposições: propriedade privada e função social da propriedade, livre
concorrência e defesa do consumidor, livre iniciativa e restrição ao capital estrangeiro (art.
136
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre; Sergio Antonio
Fabris Editor, 1989, p. 31-32.
137
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, p. 196-97-98.
82
172 e § do art. 176), livre iniciativa e defesa do meio ambiente. Tomar como base para a
interpretação constitucional os princípios dispostos no ordenamento constitucional é fator
condicionante para o interprete, pois neles estão as ideologias subjacentes.
A aceitação plena da dogmática jurídica com base nos princípios constitucionais ainda
encontra muita resistência por parte dos intérpretes. Prevalece ainda a dogmática jurídica
positivista, não havendo ainda no dizer de Streck, “[...] no plano hermenêutico a devida
filtragem em face da emergência de um novo modo de produção de Direito representado pelo
Estado Democrático de Direito”
138
que acrescentaria como Estado Social Liberal de Direito.
Ainda: utiliza-se de uma maneira muito freqüente na codificação contida no ordenamento
jurídico, o que é patente nos conflitos interindividuais, mas que não se aplica aos conflitos
transindividuais característica do mundo contemporâneo no qual se sobressaem os direitos
difusos e coletivos ou, como muitos afirmam, direitos de terceira geração.
Num exercício de raciocínio com relação à dogmática jurídica, pode-se estabelecer
dois extremos: a segurança, que encerra uma dose muito elevada do positivismo e a justiça
que é o centro do pós-positivismo. Adota-se aqui a conceituação de pós-positivismo de
Barroso e Barcellos quando afirmam que:
O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário
difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e
regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria
dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da
pessoa humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explicita ou
implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem
jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação
entre o Direito e a Ética.
139
No final do século XX, no Brasil inicia-se com muita ênfase o questionamento das
contribuições da dogmática jurídica tradicional em favor de uma nova visão que busque os
valores implícitos no ordenamento jurídico. Abandona-se a visão kelseniana que restringe a
atividade jurisdicional a raciocínios lógico-dedutivos, extraídos das normas criadas pelo
Estado. Contrário a isso surge o movimento pós-positivista que insere o primado do razoável
138
STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. 7 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 33.
139
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Monografia: Rio de Janeiro, UERJ. Material de
apoio à disciplina Estado, Direito e Relações Empresariais, prelecionado pela Profa. Dra. Marlene Kempfer
Bassoli, no curso de Mestrado em Direito da UNIMAR- Universidade de Marilia-SP. p. 9.
83
e do adequado nas decisões judiciais. Esse novo enfoque do Direito trabalha com valores,
mas sem desconsiderar a importância da segurança jurídica e da previsibilidade subjacente a
toda atividade jurisdicional, conferindo, portanto algum grau de objetividade às decisões
judiciais. Dentro dessa linha ressaltam-se os trabalhos de Dworkin e Alexy, que mostram a
força normativa dos princípios entranhados de valores que devem ser considerados quando da
análise de um caso concreto.
A metodologia subjacente ao pós-positivismo parte do problema apresentado, descrito,
sumariado etc., na busca das premissas, diferente do modelo lógico-dedutivo que parte das
premissas dadas. A subsunção nem sempre leva em consideração a realidade. Assim o uso
da hermenêutica e da argumentação, que não tem merecido a devida atenção pela dogmática
jurídica positivista-legalista, ainda muito prevalente no Direito brasileiro, deve ser o
instrumento utilizado na busca da justiça que esta acima do Direito. Os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade no dizer de Alexy ou postulados normativos no dizer de
Ávila, são ferramentas imprescindíveis para o aplicador do direito quando da interpretação e
da fundamentação de suas decisões judiciais.
A dogmática constitucional, pós-positivista ou principialista, tem de ser vista como
ponto de partida para solução dos casos difíceis (hard cases), pois é por ela que se
proporcionam meios de controle da atividade estatal e, segundo Ávila:
O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de
valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais
à realização daqueles fins e à preservação desses valores. O intérprete não
pode desprezar esses pontos de partida. Exatamente por isso a atividade de
interpretação traduz melhor uma atividade de reconstrução: o intérprete deve
interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar suas versões
de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados na
linguagem constitucional.
140
A proposição de que cabe ao intérprete somente revelar o que esta contido na norma e,
a partir daí, aplicar ao caso concreto (subsunção lei, premissa maior, fato, a premissa
menor, e decisão, a conclusão), não se coaduna com a dogmática constitucional pós-
positivista, como assinala Barroso ao discorrer sobre a nova interpretação constitucional e o
papel dos princípios no Direito brasileiro, afirma que:
140
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores, 2006, p. 34.
84
A nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal
proposição: as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto,
principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se
prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes
pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura
dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista
dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos
fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com
vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema
a ser resolvido.
141
Objetivando reduzir a discricionariedade dos poderes públicos na aplicação da Lei
Maior e, ao mesmo tempo, proporcionar um critério mais cientifico à interpretação
constitucional pelo judiciário, Barroso
142
estabelece uma tipologia das normas
constitucionais, classificando-as em: 1) Normas Constitucionais de Organização; 2) Normas
Constitucionais de Direitos; e 3) Normas Constitucionais Programáticas. As primeiras são as
que dão forma à organização política do Estado, também chamadas de normas de estrutura ou
de competência, possuindo um efeito constitutivo imediato das situações que enunciam.
Como exemplos: artigos 1º, 2º, 18, 76, 49, 84, 96, 21, 24, 25 e 30 da Constituição Federal de
988.
e cultural).
efetivação dos direitos sociais é a mais complexa do que as demais categorias.
1
As Normas Constitucionais de direitos são aquelas que estabelecem prerrogativas
políticas (nacionalidade e cidadania), direitos individuais (art. 5º), direitos econômicos (art.
170 e incisos), sociais (art. 6º a 11) e culturais e os direitos difusos e coletivos (preservação do
meio ambiente, defesa do consumidor, proteção ao patrimônio histórico, artístico
A
As Normas Constitucionais Programáticas são aquelas disposições indicadoras de fins
sociais a serem alcançados. Têm por objetivo estabelecer determinados princípios ou fixar
programas de ação: função social da propriedade (inciso III, art. 170); a ordem social tem
como base o primado do trabalho e como objetivo o bem estar e a justiça social (art. 193); o
Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura
nacional, apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais (art.
141
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 345
e ss.
142
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 8 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 91 a 118.
85
215), nos quais são traçadas linhas mestras que servem de diretrizes para as atividades
públicas e, por que não privadas, ficando a legislação, a execução e a própria justiça, sujeitas
esses ditames.
acentes e tornam inconstitucionais os atos
normativos posteriores com elas incompatíveis.
maioria fica bem explicitada no principio de
universalização “U” que representa uma
um
individualmente, para a norma que representa em si um interesse geral.
143
caso concreto. A proporcionalidade e a razoabilidade norteiam todo
processo de decisão.
a
Os efeitos dessas normas são imediatos e diferidos. Diferidos porque podem dar-se
num momento futuro, e, imediato porque têm o condão de revogar atos normativos anteriores
que venham a colidir com os princípios subj
Quando do processo de ponderação de uma norma em relação a outra e a conseqüente
aplicação desta ou daquela à uma situação fática, a observância de que a norma aplicada
venha a representar o interesse da
[...] regra de argumentação que deve proporcionar a passagem de evidências
empíricas, a respeito das conseqüências e dos efeitos colaterais de uma
aplicação geral da norma sobre as necessidades individuais de cada
A ponderação é uma técnica utilizada quando se depara com uma colisão de princípios
e haja necessidade de uma decisão jurídica. Ela é aplicável nos chamados casos difíceis (hard
cases). A aplicação do processo da subsunção nesses casos revela-se insuficiente, pois as
normas incidentes ao caso são de uma mesma hierarquia e indicam soluções diferentes. É um
processo que, segundo Barroso e Barcellos
144
, passa por três etapas: na primeira, o interprete
detecta no sistema as normas incidentes ao caso, identificando os eventuais conflitos. Na
segunda, examina os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os
princípios. Na terceira é que se observa a diferença entre a aplicação da norma e das regras.
Pois sendo a fase da decisão, na qual os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos
na situação fática estarão sendo examinados de forma conjunta, deve-se sopesar qual a norma
que deve preponderar no
o
143
GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. São Paulo:
Landy Editora, 2004, p. 55.
144
BARROSO, Luís Roberto; BACELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação
constitucional e o papel dos princípios não direito brasileiro. Monografia: Rio de Janeiro, UERJ. Material de
apoio da disciplina Estado, Direito e Relações Empresariais, prelecionado pela Profa. Dra. Marlene Kempfer
Bassoli, no curso de Mestrado em Direito da UNIMAR - Universidade de Marília - SP, p. 18-19.
86
CONCLUSÃO
tando algumas ponderações que dão a dimensão das idéias
senvolvidas no trabalho.
isões, é salientada.
ão há como separar as duas áreas de conhecimento. Elas se completam.
a efetiva mudança social e o Poder
diciário é móvel importante no alcance dessa mudança.
,
velando uma das mais importantes inovações no campo da responsabilidade estatal e civil.
Ao encerrar este trabalho em que se procurou ressaltar a importância do papel do
Poder Judiciário por meio dos aplicadores do Direito, no processo de desenvolvimento
econômico e de mudanças sociais, chama-se a atenção dos mesmos para reflexão dessa
importante tarefa, apresen
de
O primeiro posicionamento é o de ressaltar a intensa inter-relação e interdependência
existente entre o Direito e a Economia, as chamadas relações biunívocas entre as duas áreas
do conhecimento. Esse imbricamento do Direito com Economia é demonstrado pelas
manifestações doutrinárias consignadas e pelas idéias expostas. A importância dos aplicadores
do Direito de se levar em consideração essa ligação quando de suas dec
N
Pontuando a conexão entre desenvolvimento econômico e mudança social discuti-se
a evolução histórica das formas de Estado até os dias de hoje, destacando as posturas
intervencionistas e não intervencionista das diversa formas, focando na doutrina liberal
clássica e no chamado pós-liberalismo. É elaborada uma exposição dos modelos de
ordenamento constitucional brasileiro dentro de uma perspectiva histórica, para aportar no
modelo consubstanciado pela Constituição Federal de 1988, o democrático social, que é
denominado de Estado Social Liberal de Direito, que representa aquele que melhor concilia os
valores liberais e sociais. A sua observância propicia um
Ju
A responsabilidade do Estado e a responsabilidade judicial como agente de
concretização das mudanças sociais é exposta por via de dispositivos contidos na
Constituição Federal de 1988, bem como na legislação infraconstitucional. é pacifico na
doutrina e na jurisprudência dominante a aceitação da responsabilidade objetiva do Estado
re
87
A Constituição Federal de 1988 é principiológica e ao mesmo tempo um regramento
que deve ser observado, obedecido e cumprido por todos os segmentos da sociedade
brasileira. Uma análise da doutrina nacional e estrangeira sobre os princípios se reveste de
muita importância quando se busca a aplicação das normas constitucionais a um caso
concreto. Principalmente quando se enfrenta uma colisão de princípios constitucionais,
intuindo a importância da harmonização e interpretação dos princípios, com vistas à sua
aplicação e efetividade. A utilização dos postulados normativos da proporcionalidade, da
zoabilidade e do sopesamento para o alcance da efetividade dos princípios constitucionais é
ontuada.
ra
p
88
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