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Além disso, o corpo de Tiradentes já é apresentado em partes, desconjuntado
28
, antes
mesmo de ser representado no próximo conjunto pictórico, terceiro e último, suspenso nos
mastros de Portinari. A cabeça está no chão. Para Christo: “Portinari, por sua vez, faz o corpo
esquartejado lembrar mera marionete solta ao chão, com a cabeça largada no plano inferior.
Sem qualquer sacralidade, o corpo expressa a dor, escorchado, se esvai em sangue”.
(CHRISTO, 2005, p. 135).
Logo acima próximo à cabeça, uma perna completamente fora de lugar, aponta para a
esquerda e mais para o alto um braço e uma mão apontam ao contrário, para a direita. No topo
da figura um outro braço deixa a mostra o ombro e a outra mão de Tiradentes, situados mais
próximos da corda, instrumento e símbolo do enforcamento
29
. Sobre esta imagem de
Tiradentes e a representação do fato por meio do corpo desmembrado, cabe citar a análise que
faz Milliet acerca das impressões geradas pela escolha de Portinari de assim representar o
corpo: “Os membros decepados envoltos em panos formam uma pirâmide em torno da estaca
da forca. A dimensão exagerada das partes sugere que se esse corpo fosse remontado seria o
de um gigante.” (MILLIET, 2001, p. 230).
Na terceira pintura e na primeira seqüência de imagens são dispostos os quartos de
Tiradentes no alto de quatro mastros
30
. No alto de cada poste, um quarto do corpo mutilado.
Os dois primeiros apresentam o seu tórax e os braços, e os outros dois, mais adentro e ao
centro e em perspectiva, as pernas. Esses pedaços são montados como carnes dispostas num
balcão de açougue e causa repulsa e estranhamento, pois escalpelados esses quartos
apresentam uma aparente ausência de pele, o que acentua a prática do terror em torno do
fato
31
.
Esta cena é a reconstrução da condenação conforme consta nos documentos de 1792
citados por Callado:
Ouçam o texto da chamada Certidão da execução do Tiradentes, ou, por
outras palavras o quase desdenhosos atestado de óbito que lhe fizeram:
28
Milliet em seu estudo sobre esta obra, relaciona este corpo desconjuntado de Tiradentes com a figura do
espantalho e com o horror do “ritual da forca, o esquartejamento e a exibição do corpo aos pedaços que enchem
o povo de pavor”, na obra de Portinari. MILLIET, 2001, p. 230-232.
29
Para o mural e especificamente para as cenas de Tiradentes esquartejado, Portinari fez uma série de gravuras
em metal, água-forte, e grafite sobre papel. Ver no site do Projeto Portinari, http://www.portinari.org.br
30
“A próxima cena apresenta quatro postes sustentadores das partes esquartejadas do corpo de Tiradentes,
acompanhadas por abutres e flores de cacto. A musculação exposta associa-se ás montanhas sulcadas do
Caminho Novo das Minas Gerais. Por fim, a cabeça, como a de uma escultura, elevada no alto de mastro, no
interior de uma caixa.” CHRISTO, 2005, p. 134.
31
Sobre a violência e o choque visual destas imagens, ver MORAIS, Frederico, “Tiradentes nas artes plásticas
brasileiras”, in NEVES, José Alberto Pinto (coord.), Tiradentes, Brasília: MEC, 1993, p. 88.