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MARCUS TÚLIO BOROWISKI LAVARDA
A ICONOGRAFIA DA GUERRA DO PARAGUAI E O PERIÓDICO
SEMANA ILLUSTRADA - 1865-1870: UM DISCURSO VISUAL
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MARCUS TÚLIO BOROWISKI LAVARDA
A ICONOGRAFIA DA GUERRA DO PARAGUAI E O PERIÓDICO
SEMANA ILLUSTRADA - 1865-1870: UM DISCURSO VISUAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
História da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade
Federal da Grande Dourados, para a obtenção do título de
Mestre em História.
Orientador: Prof. Dr. João Carlos de Souza
Dourados - 2009
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UFGD
989.205
L396i
Lavarda, Marcus Túlio Borowiski.
A iconografia da Guerra do Paraguai e o periódico
Semana Illustrada - 1865-1870: um discurso visual. / Marcus
Túlio Borowiski Lavarda. Dourados, MS : UFGD, 2009.
140f.
Orientador: Prof. Dr. João Carlos de Souza.
Dissertação (Mestrado em História) Universidade
Federal da Grande Dourados.
1. Guerra do Paraguai. 2. Imprensa. 3. Iconografia. I.
Título.
MARCUS TÚLIO BOROWISKI LAVARDA
A ICONOGRAFIA DA GUERRA DO PARAGUAI E O PERIÓDICO
SEMANA ILLUSTRADA - 1865-1870: UM DISCURSO VISUAL
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e orientador:
Prof. Dr. João Carlos de Souza ________________________________________________
2º Examinador
Profª. Drª. Ceres Moraes ____________________________________________________
3º Examinador
Profª. Drª. Ana Cristina Teodoro da Silva _______________________________________
Dourados, 28 de agosto de 2009.
DADOS CURRICULARES
MARCUS TÚLIO BOROWISKI LAVARDA
NASCIMENTO
25/05/1977 PASSO FUNDO/RS
FILIAÇÃO
Osmar Túlio Lavarda
Dilma Borowiski Lavarda
2007 Mestrado em História.
Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD, Dourados, Brasil
Título: A iconografia da Guerra do Paraguai e o periódico Semana
Illustrada - 1865-1870: um discurso visual
Orientador: Prof. Dr. João Carlos de Souza
2003 - 2004 Especialização em Imagem e Som.
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, UFMS, Campo Grande,
Brasil
Título: Guerras do Golfo e Iraque: um estudo comparado das imagens
fotográficas da revista Veja
Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Entler
1999 - 2002 Graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda.
Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, Campo Grande, Brasil
Título: Marketing Social: projeto de visibilidade para o IZB
Orientadora: Profª. Cláudia Stapani Ruas
RESUMO
A chamada Guerra do Paraguai ou a Guerra da Tríplice Aliança, que se estendeu entre os
anos de 1864-70, marcou profundamente os países nela envolvidos e transformou o cenário
geopolítico da região platina. Nesse período, um amplo material iconográfico foi
produzido sobre o confronto, tais como a pintura, ilustração, fotografia e a imprensa, que
tiveram papel primordial na representação dos personagens e cenários da guerra. A opinião
da imprensa ilustrada variava conforme os resultados obtidos nos campos de batalhas e,
também, conforme a reação da sociedade ante ao evento bélico, que atingia a todos. Então,
neste trabalho, priorizam-se a leitura e interpretação das imagens da Guerra contra o
Paraguai, enfatizando-se a produção, publicação e recepção para o público oitocentista.
Imagens, monumentais, que contribuíram para formar a memória do maior confronto
bélico jamais visto na América do Sul.
Palavras-chave: Iconografia; Imprensa; Guerra do Paraguai.
ABSTRACT
The War of Paraguay or the War of Triple Alliance, which extended between the years of
1864-70, has deeply involved the countries and transformed the geopolitical landscape of
the platinum region. During this period, a broad iconographic material was produced on
the conflict, such as painting, illustration, photography and the press, had the key role in
representing the characters and scenes of the war. The illustrated pressopinion varied as
the results on the battlefield and the reaction of the society in the war event, which was to
all. So, in this work, the priority is to read and to interpret the images of the war against
Paraguay, emphasizing the production, publication and reception for the eighteenth public.
Pictures, monuments, that helped to form the memory of the greatest military conflict
never seen in South America.
Keywords: Iconography; Press; War of Paraguay.
AGRADECIMENTOS
São tantas pessoas que auxiliaram em maior ou menor grau a produção deste
trabalho que uma página ficaria pequena para listar todos os colaboradores.
Minha gratidão vai para o professor João Carlos que se não fosse ele comprar a
ideia do projeto esta pesquisa nem sequer existiria. Com paciência e apoio incondicional
João Carlos acreditou que eu poderia passar desta fase dura que é o mestrado. Muito
obrigado mesmo!
E, também, meus agradecimentos para a professora Ceres Moraes, que com
indicações e revisões contribuiu bastante para que o trabalho fosse finalizado. A professora
Ceres também me ajudou na pesquisa em Assunção dando informações de pessoas e locais
aonde eu pudesse encontrar referências para a pesquisa.
Minha lembrança e reconhecimento à amiga Aline Cerutti, que já no processo
seletivo forneceu as referências bibliográficas, além do apoio e força que me dera na etapa
inicial do mestrado, sempre dizendo que eu conseguiria, mesmo não sendo um historiador.
Aos colegas do mestrado, que compartilharam seus conhecimentos comigo e as
trocas de informações. A minha veterana Marcinha Uliana que me acompanhou e me
ajudou com dicas do mestrado e também por nos receber todas as semanas a caravana que
saía de Campo Grande a Dourados. A minha colega baiana Celinha Flores que dividiu as
angústias e os trabalhos das disciplinas do mestrado, além dos divertidos bate-papos nos
botecos de Dourados.
Aos professores Eudes Leite e Paulo Ci que orientaram para os assuntos
pertinentes ao programa e as buscas nos arquivos e bibliotecas. Ao Cléber que sempre me
atendeu bem no programa e com a paciência de aturar os alunos e a burocracia de cada um.
Minha gratidão a todos os funcionários das bibliotecas e arquivos. Desde a
Biblioteca do Rio de Janeiro até o Arquivo Público do Estado de Mato Grosso do Sul
sempre fui muito bem recebido e eu jamais poderia esquecer a contribuição deles.
A minha namorada Fvia Leimgruber que teve de aturar um namorado angustiado,
ausente e estressado. A Flávia me ajudou muito com opiniões, correções e revisões que
encurtaram muito meu caminho nesta reta final.
E, por fim, minha família que compreendeu o isolamento que se faz necessário para
a consecução da dissertação. Meus sinceros agradecimentos!
SUMÁRIO
Resumo
5
Abstract
6
LISTA DE FIGURAS
9
LISTA DE ABREVIATURAS
12
INTRODUÇÃO
13
Parte I A GUERRA DO PARAGUAI: IMAGENS, RAZÕES E
VERSÕES DO CONFLITO
21
Parte II A FOTOGRAFIA NA COBERTURA DA GUERRA DO
PARAGUAI
55
Parte III A GUERRA CONTRA O PARAGUAI NAS PÁGINAS
DA SEMANA ILLUSTRADA
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
132
REFERÊNCIAS
136
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Emilio Lahore. La iglesia de Paysandú. 3 de janeiro de 1865. Archivo
General de La Nacion.
Figura 2
Vista de la iglesia de Paysandú despoes de la toma de la Plaza. Dibujo
de Henri Meyer. Litografia Julio Pelvilain. El Correo Del Domingo nº
57. 29 de enero de 1865
Figura 3
Retrato de Leandro Gómez. Álbum de retratos e vistas referentes ao
Paraguai. FBN.
Figura 4
Litografia. López II e Lendro Gómez Deus os fez, o diabo os ajuntará.
Semana Illustrada. 05-02-1865 p. 1736
Figura 5
Vitor Meirelles. Combate Naval de Riachuelo. 8.60 x 4.20m. 1882.
MHN
Figura 6
Vitor Meirelles. Estudos paraguaios. Seção de Desenho Brasileiro do
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. 1868.
Figura 7
Vitor Meirelles. Estudos paraguaios. Seção de Desenho Brasileiro do
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. 1868.
Figura 8
Vitor Meirelles. Estudos paraguaios. Seção de Desenho Brasileiro do
Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. 1868.
Figura 9
D. Pedro II. Fotografia de Luiz Terragno. Porto Alegre, s.d
Figura 10
S.M. o Imperador S.A. o Sr. Duque de Saxe em traje de campanha.
Copiados das fotografias enviadas de Porto Alegre.
Figura 11
Candido Lopez. Surpresa da vanguarda do exercito aliado em 2 de maio
de 1866 no Estero Bellaco (detalhe). MHNBA
Figura 12
Bate e Cia W. Acampamento argentino e hospital brasileiro. 11x18cm.
BNU
Figura 13
Candido López. 2º divisão de Buenos Aires na batalha de Tuiuti 24 de
maio de 1866. MHNBA.
Figura 14
Francisco Fortuny. La entrevista de Iatayti-Corá El 12 de setembro
de1866. Album de la Guerra del Paraguay, nº 4, 15 de março de 1893.
Figura 15
Revista Super interessante, ano 13, nº 9, setembro de 1999. PP. 32-41
Figura 16
Vista que a esquadra brasileira tinha da fortaleza. Coleção Cristian
Favier Dubois.
Figura 17
Carlos César. Interior de la iglesia de Humaitá. Albumina. 1868.
13x18cm. MHN.
Figura 18
Sem autoria. Palácio de López bombardeado. 1870. Coleção M&MC.
Figura 19
Pedro Américo. Batalha do Avahy. Óleo sobre tela. 1877. 5x10m.
Florença. MNBA.
Figura 20
Domingos T. Ramos. O cabo chico diabo do diabo chico deu cabo. Óleo
sobre zinco, 1908. CLCMA.
Figura 21
Mapa da região do conflito com suas principais batalhas
Figura 22
Tenda fotográfica da Bate y Cia em Tuiuti, 1866
Figura 23
Bate & Cia W. Muerte del Coronel Palleja, 1866
Figura 24
Sensação visual na composição fotográfica com as linhas
Figura 25
Bate & Cia W. Octavo montón de cadáveres paraguayos, 1866
Figura 26
Timothy O'Sullivan, Harvest of Death (4th July, 1863)
Figura 27
Bate & Cia W. Cadáveres paraguayos, 1866
Figura 28
José Ignácio Garmendia. Cadáveres paraguayos de la batalla de Tuyutí.
Figura 29
Bate & Cia W. El batallón 24 de abril en las trincheras de Tuyuti. 1866
Figura 30
Bate e Cia W. Bateria uruguaia em ação na batalha do Boqueirão 1866
Figura 31
Bate e Cia W. Bateria uruguaia em ação na batalha do Boqueirão 1866
Figura 32
Tipos paraguaios, Vida Fluminense de 17 de outubro de 1868
Figura 33
Família paraguaia. Álbum de retratos e vistas referentes ao Paraguai
Figura 34
Carlos César. Igreja de Humaitá destruída por bombardeio, 1868
Figura 35
Prisioneiro paraguaio capturado em Uruguaiana e fotografado em Porto
Alegre
Figura 36
Prisioneiro paraguaio em janeiro de 1868
Figura 37
Fotógrafo no identificado. Niño paraguaio después de la guerra.
Figura 38
Mulheres e crianças paraguaias vindas de San Pedro
Figura 39
Cabeçalho da Semana Illustrada ano 12, n. 604, Rio de Janeiro, 1871.
Figura 40
Capa da Semana Illustrada. N. 219, 19/02/1865
Figura 41
Páginas 2 e 3 com impressão tipográfica
Figura 42
Páginas 4 e 5 com impressão litográfica
Figura 43
Páginas 6 e 7
Figura 44
Página 8
Figura 45
Semana Illustrada, Nº 05, Rio de Janeiro, 13/01/1861, pág. 36.
Figura 46
São Sebastião guiando o Brasil contra os inimigos da pátria. A Semana
Ilustrada, n. 215, 22/01/1865.
Figura 47
A Semana Ilustrada, n. 478, fev. 1870.
Figura 48
A Semana Ilustrada, n. 478, fev. 1870.
Figura 49
Semana Illustrada n. 245, 20/08/1865, p. 1957.
Figura 50
Semana Illustrada n. 240, 16/07/1865, p. 1916.
Figura 51
Semana Illustrada n. 283, 13/05/1866, p. 3160.
Figura 52
Semana Illustrada n. 411, 25/10/1868, p. 3284-5.
Figura 53
Semana Illustrada n. 252, 06/10/1865, p. 2012.
Figura 54
Semana Illustrada, 09/09/1868.
Figura 55
Semana Illustrada n. 309, 11/11/1866, p. 2469.
Figura 56
Semana Illustrada n. 309, 23/12/1866, p. 2517.
Figura 57
Angelo Agostini. Cabrião, n. 49, set. 1867.
Figura 58
Semana Illustrada n. 329, 31/03/1867, p. 2625.
Figura 59
Semana Illustrada n. 329, 03/09/1865, p. 1972.
Figura 60
Suplemento da Semana Illustrada, n 362, 17/11/1867, p. 2897.
Figura 61
Semana Illustrada n. 485, 27/03/1870, p. 3880.
Figura 62
Vida Fluminense, 11/06/1870.
LISTA DE ABREVIAÇÕES
BNU = Biblioteca Nacional do Uruguai
CLCMA = Coleção Luís Carlos Woiski Marinho de Andrade, SP
FBN = Fundação Biblioteca Nacional Rio de Janeiro
IHGB = Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
MHN = Museu Histórico Nacional Buenos Aires
MHNBA = Museu Histórico Nacional de Buenos Aires
MM = Museu Mitre Buenos Aires
M&MC = Coleção Mirta e Miguel Angel Cuarterolo Buenos Aires
MNBA = Museu Nacional de Belas Artes
INTRODUÇÃO
O primeiro contato com o material fotográfico sobre a Guerra do Paraguai ocorreu
entre 2004-2005, através do projeto guerragrande.com, em sítio da internet relacionado ao
referido tema, idealizado pelo pesquisador gaúcho Mauro César Silveira. Fotografias de
guerra muito era foco de pesquisa do autor deste trabalho, assim, aquelas imagens do
projeto de imediato suscitaram inúmeras perguntas: o que fazia aquelas imagens resistirem
ao tempo e a censura? O que estavam representados nas imagens? Quais personagens e
cenários compunham a série de fotografias publicadas no site? Quem eram os autores das
fotos? Que datas e em que batalhas foram registradas? Será que a imprensa do período
publicou alguma imagem? E, enfim, quais os significados daquelas imagens antigas e quais
suas histórias? Assim foi iniciada a pesquisa através de indicações de bibliografia do
próprio Mauro César, sobretudo de livros de André Toral e Ricardo Salles, inicialmente, e
depois do argentino Miguel Angel Cuarterolo.
No seminário sobre História e Jornalismo, evento promovido em abril de 2006 que
tratou do imaginário da Guerra contra o Paraguai, consolidou-se a decisão de trabalhar com
as fotos da guerra. Junte-se a isso a exposição das pinturas de Cándido López, o principal
cronista visual do período e testemunha ocular das batalhas. O evento contou com a
participação de Mauro César, Paulo Cimó, além de Ricardo Salles e André Toral, fazendo
aumentar o interesse em desenvolver a pesquisa sobre as imagens, mesmo sabendo que
Toral realizara tal tarefa, pensava-se que faltaria preencher uma lacuna com um trabalho
especifico sobre as fotos da guerra. Como foram registradas? Como foram distribuídas
naquele período? Como chegaram à imprensa e, sobretudo, qual a colaboração da imagem
fotográfica para a construção de outras imagens (pintura e litografia) que foram produzidas
ao longo do tempo, forjando a memória da guerra seja em livros, periódicos ou até mesmo
na literatura obras em geral que fizeram uso das imagens da guerra que tem como tema
a Guerra contra o Paraguai.
Cabe destacar que estas fontes consolidam formas de ver e imaginar a guerra,
sobretudo no que diz respeito à repetição de determinada imagem. Como exemplo, tem-se
a famosa fotografia da menina vietnamita que corre em direção ao fotógrafo, chorando,
nua e ao fundo da foto soldados americanos e as bombas napalm explodindo. de citar
determinada imagem, o público já faz ideia de situações e acontecimentos sobre o conflito.
Face ao exposto, iniciou-se a problematização das fontes imagéticas e a inclusão
dos periódicos na pesquisa, situados no programa do mestrado em história da
Universidade Federal da Grande Dourados. Para tanto, procurou-se estabelecer os limites
que cercam as imagens e suas funções nos jornais ilustrados da Corte, tendo como recorte
os anos de 1864-70, período marcado pela chamada Guerra do Paraguai ou da Tríplice
Aliança. O evento marcou profundamente o futuro dos países beligerantes e as disputas
para a formação dos estados nacionais, os tratados de limites e de navegações na região.
Cabe destacar, portanto, a produção e circulação das imagens registradas neste período e,
em especial, a nova tecnologia do século XIX a fotografia que com sua capacidade
especular deixou relevantes documentos que apresentam uma das facetas das batalhas. Ou
seja, a própria realidade para aquela sociedade que concebia a imagem fotográfica como a
mais pura verdade dos fatos.
É extensa a bibliografia que aborda as questões sobre o tratamento com imagens no
campo historiográfico, trata-se de um assunto interdisciplinar e, em razão disso, de início
coloca a problemática de situar o método de análise. Seja no campo da história da arte,
passando pela antropologia visual e comunicação social, até chegar aos estudos históricos e
à cultura visual, a imagem sofre diversas formas de tratamento ante a diversidade de
campos de atuação. Para o estudo em questão que se debruça em entender como a
imagem atua na representação dos eventos e, mais especificamente, na representação dos
conflitos armados a imagem é uma forma de documentação visual que contribui para
formar uma opinião sobre determinado acontecimento e, mais que isso, como fonte
mnemônica.
Para que exista uma determinada imagem, deve haver necessariamente o assunto, o
autor e a técnica. Ora, quando se presta atenção a uma imagem pode se ter a impressão
inicial de que aquela é uma cena que foi tomada ingenuamente, inocentemente. Não raro,
no cotidiano, ao olhar uma imagem, as pessoas são levadas a pensar que aquela
representação se processou de uma maneira natural, excluindo, assim, a ação do autor. E é
justamente na intenção de dessacralizar essa pretensa neutralidade” das imagens que se
propõe o trabalho historiográfico, entre outras abordagens, formulando perguntas que
constituem a base de qualquer investigação iconográfica: o que faz a imagem existir e,
mais ainda, resistir ao tempo? Qual a razão de se preservar uma determinada imagem
dentre tantas outras? Por que o artista escolheu determinado enquadramento ou assunto?
Qual foi a intenção do produtor da imagem em registrar a cena? Qual a mensagem
implícita no documento? E, enfim, qual a finalidade dada ao documento, ou melhor, como
foi a apropriação daquele documento pela sociedade ou algum setor que a encomendou?
Teve um fim propagandístico, jornalístico ou histórico? Essas, entre inúmeras questões,
servem para iniciar uma investigação no âmbito das imagens, que recebem tratamento de
documentos para a História.
Para situar as obras referentes ao encontro entre imagem e história segue-se o texto
intitulado de História e Fotografia da autora Maria Eliza Linhares Borges no qual ressalta
a importância da fotografia nos estudos históricos. A autora destaca que, além das
inúmeras pesquisas relacionadas a esse campo, carece de abordagens teórico-
metodológicas que forneçam ferramentas criteriosas para a pesquisa histórica. Segundo
essa mesma autora:
Ao se debruçar sobre as intenções do produtor de uma imagem, sobre a análise
da dinâmica social que interfere na produção imagética, o pesquisador
compreende mais facilmente que o conhecimento histórico opera no reino das
possibilidades e da verossimilhança. Seu ocio implica conhecer, compreender e
interpretar, à luz das evidências históricas, da qual a imagem fotográfica é uma
das manifestações, os sentidos que os indivíduos, isoladamente ou em grupo,
quiseram atribuir às suas práticas sociais (BORGES 2005, p. 112).
É justamente no campo da verossimilhança que atua a imagem fotográfica. Como
artefato construído para representar determinado assunto de forma verossímil, ou seja, é no
reino do credível que a fotografia está inserida.
Outra pesquisa pioneira nos estudos sobre o assunto é a de Boris Kossoy, ao que o
pesquisador chamou de Fotografia e História (2001). Texto que serve como espécie de
manual para a pesquisa em história que se utiliza da fotografia como documento, mas que
seguramente pode ser estendida para outros tipos de imagens. O investigador vai propor
um método de análise (iconografia/iconologia) para a decifração das imagens do passado,
sobretudo ao caráter de ficção documental da fotografia, ou melhor, às manipulações pela
qual a fotografia é submetida por aqueles que dela fizeram uso. As problemáticas e
metodologias de Fotografia e História serão ampliadas para outras duas publicações do
mesmo autor: Realidades e ficções na trama fotográfica de 2002 e a última obra intitulada
de Os tempos da fotografia datada em 2007. Com essa trilogia é possível conceituar as
atribuições sobre a pesquisa em fotografia no campo historiográfico e estabelecer os
procedimentos metodológicos de análise e interpretação das fotografias documentais.
Além disso, ampliam-se as discussões para o texto de Ulpiano de Bezerra Menezes,
com seu artigo Fontes visuais, cultura visual, História visual, publicado na Revista
Brasileira de História em 2003. Neste artigo, o autor critica duramente a pesquisa com
imagens na História e faz um levantamento das áreas que se interessam pela abordagem da
imagem tais como a Sociologia, Antropologia, História da Arte e destaca a insuficiência de
pesquisas que tratem as imagens não como simples ilustração ou ornamentos, ou seja,
pesquisas que as tomem como potenciais produtoras de conhecimento histórico. O artigo
de Ulpiano serve como um guia para a abordagem da imagem nas questões históricas, além
de fornecer um manancial de fontes que corroboram e acrescentam bibliografias para o
levantamento do referencial teórico para a pesquisa.
Para o contexto político, econômico e as implicações no pós-guerra tem-se como
referência o texto de Doratioto, intitulado Maldita Guerra: nova história da Guerra do
Paraguai de 2002. Com farta documentação, o autor explora as diversificadas fontes sobre
o assunto entre os memorialistas combatentes que vivenciaram diretamente o conflito
tanto do lado paraguaio como da Tríplice Aliança os atores políticos e suas cartas
diplomáticas; os mapas da região mostrando os deslocamentos das tropas e os principais
embates; e as iconografias que representaram o confronto bélico.
Doratioto critica a tese de que o imperialismo inglês tivesse interesse em arruinar o
Paraguai e, em termos gerais, coloca Solano López como o grande responsável pela guerra
e seu insucesso militar. Livro extenso, mas de uma narrativa acessível mesmo para o leitor
leigo, representa dez anos de investigação e estada nas principais metrópoles envolvidas na
guerra. Faz referência às muitas controvérsias sobre a atuação dos generais e os números
relativos às baixas em combates. Posto isso, fica claro o frágil discurso sobre a guerra que
procura legitimar determinado ponto de vista que, por um lado, glorifica as ações dos
comandantes e cria mitos sobre as batalhas e, por outro, busca a manutenção de uma
versão do vencedor sobre o vencido, sobretudo o que se perpetua na memória histórica da
ação armada para seus descendentes. E o historiador não está ileso das armadilhas dos
discursos: seja das fontes oficiais ou de memorialistas, o pesquisador também faz parte do
seu tempo e da sua sociedade, e incorpora modos de pensar e agir sobre os fenômenos da
natureza e da ação humana.
A perspectiva deste trabalho não tem por objeto o debate sobre as diferentes
interpretações da Guerra, produzido pela historiografia, contudo não se abriu mão da
interpretação crítica que tanto o ofício do historiador como o tratamento das imagens
pressupõem.
Com relação à iconografia, produzida durante a Guerra do Paraguai e no pós-
guerra, tem-se o trabalho sobre a História da fotorreportagem no Brasil, de Joaquim
Marçal Ferreira de Andrade, em que discorre num subitem, a cobertura da guerra pela
imprensa ilustrada brasileira, mais especificamente na capital do Império. Os jornais
ilustrados que se destacaram em publicação visual, no Brasil, foram a Vida Fluminense,
com destaque para o trabalho em litografias por Angelo Agostini e, a Semana Ilustrada
com atenção ao trabalho inovador de Henrique Fleiuss. Este foi o pioneiro na publicação
de imagens, a partir de fotografias do front, a indicar a autoria da imagem e citar que fora
copiada a partir de um original fotográfico, o que aumenta a carga de realismo de suas
publicações imagéticas. Em linhas gerais, foi tímida a publicação de imagens copiadas de
fotografias pelos jornais, pelo menos no uso declarado de fotos, pois os incontáveis carte-
de-visite que chegavam às redações dos jornais e é bem provável que serviram de matriz
para a reprodução no jornal mostravam a perda humana dos combates em formas de
desenhos, litografias. A maioria das litografias não fazia menção que foram copiadas a
partir de fotos. São, portanto, hipóteses a serem testadas.
As obras específicas sobre a iconografia da guerra, aqui utilizadas, estão divididas
em seis pesquisas que foram publicadas: André Toral (2001) com Imagens em desordem; o
argentino Miguel Angel Cuarterolo (2000) com Soldados de la memoria, Ricardo Salles
(2003) Guerra do Paraguai: memórias e imagens, Mauro César Silveira (1996) A batalha
de papel e a dissertação de mestrado de Pedro Paulo Soares, A guerra da Imagem:
iconografia da Guerra do Paraguai na imprensa ilustrada fluminense, defendida em 2003.
Ainda tem o artigo Projeções Luminosas e os métodos fotográficos dos Panoramas na
pintura da Batalha do Avahy (1875-1876): o espetáculo das artes em que o autor procura
provar a utilização da fotografia por Pedro Américo sobre a representação pictural da
Batalha do Avahy. Sabe-se que é uma obra fundamental para a memória da guerra e, ainda,
financiada pelo Império.
O livro de Toral é certamente a pesquisa mais completa em termos de iconografia,
no qual o autor exaustivamente trata das manifestações imagéticas produzidas durante e
depois do confronto militar. Desenhos, pinturas, fotografias, caricaturas e litografias fazem
parte do torrencial que foi registrado para documentar o evento platino. Inclui-se também a
imprensa como a grande difusora deste rico material visual. No capítulo intitulado “A
fotografia vai à luta”, Toral destaca as composições fotográficas que se situam entre
retratos e paisagens, com referências na tradição da pintura histórica, com retratos dos
soldados heróicos e os grandes feitos nas batalhas, embora existissem novidades na
tentativa de narrar o conflito com instantâneos fotográficos, ainda que a tecnologia
empregada no período o possibilitasse o registro do momento em que se desenvolve a
ação. Instantâneos como a morte do Cel. Palleja, carregado pelos soldados na maca e os
montes de cadáveres paraguaios, demonstram a tentativa inovadora dos fotógrafos em
representar, com a máxima “fidelidade”, os fatos marcantes das batalhas.
Tratar das questões que giram em torno da imagem e da imprensa do século XIX,
além do recorte da Guerra do Paraguai é o desafio proposto nesta pesquisa. De um lado,
tem-se a imagem fotográfica como poderosa ferramenta mnemônica e detentora da
reprodução fiel da realidade que, em conflitos armados, serve para os mais diversos fins,
sejam de propaganda ou como esforço de guerra. De outro lado, tem-se a imprensa com
seu discurso característico de imparcialidade, detentora da liberdade de expressão e, mais
ainda, da noção de objetividade. Tais qualificações podem-se colocar em dúvidas diante
dos confrontos bélicos, nas diferentes guerras que assolaram a humanidade e que tiveram
cobertura jornalística.
As imagens técnicas, aquelas que são produzidas pela intermediação de máquinas,
tem a credibilidade de substituir o olho humano, sendo que foi chamada de “o olho da
história”. Resta para o pesquisador questionar essa poderosa crença nas imagens técnicas e
apontar a fragilidade do discurso da fotografia, ou melhor, para a pesquisa em fotografia é
preciso atentar para o fato de que a produção de imagens o é gratuita: imagens não
existem ao acaso, seja para fins de propaganda ou religiosa, de conhecimento ou de
persuasão, a produção de imagens não é casual e existe sempre o autor por detrás da
representação e, por conseguinte, a imagem produzida visa a um público que está
culturalmente condicionado para receber a mensagem transmitida pelo texto visual.
O objeto central deste trabalho é tratar as imagens como documentos históricos.
Portanto, torna-se imperativo discutir sobre as teorias que circundam o assunto de análise e
interpretação das imagens do passado. Uma delas é a teoria da iconografia e iconologia,
termo resgatado por Erwin Panofsky que fazia parte da escola de Warburg, um grupo de
estudiosos sobre imagens na década de 30, com a ideia de leitura de imagens, ou mais
especificamente, a leitura e interpretação de obras pictóricas. Segundo Peter Burke (2004,
p. 44-5), o ensaio de Panofsky sintetizava o método de análise e interpretação das imagens
em que consistia na ideia da existência de três níveis de significado: uma pré-iconográfica,
sobre o significado natural dos elementos que compõem a cena. A segunda recaia na
questão de identificação simbólica, ou seja, como exemplificado por Burke, reconhecer
uma batalha como a de Waterloo ou um jantar alegre como a última ceia. Para o terceiro
nível, iconológico, procurava interpretar as entrelinhas que estavam intrínsecas à imagem.
Ou melhor, os significados que não estão à vista” a um olhar descomprometido.
Significados subjacentes e subliminares que fazem parte do quadro pictórico e que, muitas
vezes, passam despercebidos para o leitor comum. A ideia de Panofsky era de ler imagens
para reconstituir o espírito de uma época e nisso reside a concepção de que para ler
imagens é fundamental para o pesquisador entender a cultura em que a imagem foi gerada,
pois são códigos culturais determinados num contexto específico.
A segunda grande contribuição dada à leitura de imagens fora feita pelo
Estruturalismo, mais especificamente a semiótica. Neste campo, a imagem é um sistema de
signos, estes, por sua vez, compõem um sistema maior chamado de linguagem. E a
linguagem é expressa de diversas formas: literatura, pintura, escultura etc. Neste enfoque
semiótico, a preocupação recai em encontrar associação entre signos, ou como ressalta
Burke, associações entre carros e garotas bonitas, oposições e inversões ou justaposição de
dois elementos. Outra questão levantada por Burke (2004, p. 216-23) sobre a semiótica é a
atenção dada ao que não foi incluído na imagem, são os pontos cegos ou os silêncios, os
elementos dispensados na composição da imagem e que o se encontram representados
no quadro visual. O expoente desta linha de pensamento para a análise das imagens foi o
semiólogo francês Roland Barthes. Para a fotografia, o teórico dedicou um livro intitulado
de “A câmara clara” que influenciou boa parte das pesquisas realizadas até os dias atuais
no campo da fotografia. para o pós-estruturalismo a ênfase recai na indeterminação dos
significados da imagem, das várias possibilidades de significados que fazem parte do jogo
de interpretações sobre determinada representação visual.
Estudos mais recentes apontam para a ideia de recepção das imagens no intuito de
identificar as possíveis reações dos espectadores diante de determinada cena e, assim, a
própria questão colocada por Burke (2004, p. 225): significado para quem? De acordo com
o autor, depende do contexto social no qual a imagem foi captada e posterior exposição ao
público. Contexto político, social e cultural em que a imagem foi gerada ao longo de sua
utilização. Sabe-se que, ao longo do tempo, a mesma imagem pode assumir diversos
significados e apropriações. Uma mesma imagem pode despertar ódio ou compaixão, de
acordo com as intenções o somente dos produtores das imagens, mas também daqueles
responsáveis pela edição e publicação de determinado artefato.
Assim, os agenciadores de artes influenciam sobre as exibições de telas em museus
ou galerias, ditam quais materiais iconogficos deverão ser expostos ou vendidos.
Também tem a atuação dos editores de jornais e revistas, que editam material visual dentre
tantas outras possibilidades de usos das imagens. Burke ressalta que a teoria da recepção
está incluída na história social da arte, a qual interessa responder sobre as reações do
público em contato com uma imagem, ou seja, qual a resposta do leitor diante de uma
imagem.
É relevante destacar que os vários métodos dialogam entre si e que, ao momento,
não existe uma separação total de prática da leitura das imagens, ainda que Burke trate de
supor que, daqui por diante, a teoria da recepção tende a tomar o lugar dos outros métodos
de análises.
Outro dado a ser considerado é que nos métodos de análise das imagens
supracitados a origem das teorias está na leitura e interpretação de textos. Tanto a
iconologia, a semiótica, como a teoria da recepção carrega consigo as bases de leitura dos
textos verbais, guardadas as estrondosas diferenças entre os textos verbais e visuais.
Pretende-se, no âmbito desta investigação, trabalhar com as primeiras sem deixar de buscar
as respostas da sociedade diante das imagens da guerra.
É por esse caminho que esta pesquisa pretende avançar. Encontrar os significados
implícitos nos documentos imagéticos que revelam a intenção de determinado documento,
seu autor, seus códigos históricos e culturais e também a finalidade da mensagem evocada
pelos textos visuais.
I Guerra do Paraguai: imagens, razões e versões do conflito.
Nesta parte inicial da pesquisa pretende-se discutir a guerra e suas representações.
Para tanto, recorre-se aos memorialistas que participaram diretamente do evento e
registraram em obras textuais suas experiências e visões dos episódios que marcaram o
desenvolvimento do conflito platino. Em paralelo a discussão será balizada por
comparações destes memorialistas com os discursos visuais, tais como fotografia, pintura,
desenhos, que foram produzidos durante e depois do confronto armado.
Ainda assim, procurou-se ter o cuidado de, ao remeter as fontes textuais, sempre
balancear com as visões em torno da Guerra lançando mão de autores dos dois lados da
batalha: do lado paraguaio tem-se as asserções de George Thompson (1869),
contemporâneo ao evento bélico que atuou como engenheiro no exército de López. Do
lado brasileiro o militar Dionísio Cerqueira (1980) que também atuou nas frentes de
batalhas pelo exército imperial. Também fazem parte das referências a obra fundamental
do brasileiro Francisco Doratioto (2002) e do paraguaio Jorge Rubiani (2007), ambos com
posições diametralmente opostas nas razões e versões que se tem hoje da Guerra.
O objetivo principal, neste momento, é o diálogo entre as representações e
identificar os discursos produzidos a partir de cada uma. Discursos que, em alguns casos
podem ser incoerentes ou, noutros casos, podem ser convergentes nas diversas pesquisas e
fontes que circundam os episódios da guerra. Cabe salientar que o foco principal é esboçar
um panorama geral da guerra com uma reflexão em torno dos eventos principais e o
diálogo existente entre os textos visuais e verbais da contenda.
Em 12 de novembro de 1864 o vapor brasileiro Marquês de Olinda, que subia o rio
Paraguai rumo ao Mato Grosso e levava o presidente desta província é aprisionado pela
marinha paraguaia, em cumprimento à ameaça feita por Francisco Solano López,
presidente da República do Paraguai, em caso de intervenção do Império no Uruguai. Este
foi o estopim para que se iniciasse a Guerra do Paraguai, ou Guerra da Tríplice Aliança,
que mobilizou os países hoje compreendidos pelo Uruguai, Paraguai, Argentina e Brasil.
Não por acaso, a suspeita do presidente paraguaio, Francisco Solano López, era de que o
Império tinha intenções de anexar os países vizinhos para ampliar seu domínio, além de
fragilizar as ações da República da Argentina, que também almejava unificar o antigo
Vice-reino do Rio da Prata e fazer valer seu poder de decisão nos assuntos da região.
A Guerra da Tríplice Aliança foi a última disputa entre Espanha e Portugal pelo
domínio da região platina. De acordo com Doratioto (2002, p. 23) ”A Guerra do Paraguai
foi, na verdade, resultado do processo de construção dos Estados nacionais no Rio da Prata
e, ao mesmo tempo, marco nas suas consolidações”. Também contribuíram para
desencadear a guerra os problemas de livre navegação pelo rio Paraguai, que perduravam
décadas e era primordial tanto para o Império brasileiro como para a República guarani.
Para o Império era o único contato com a longínqua província de Mato Grosso além do
comércio internacional na região. Para a República era uma ameaça o contato entre o Rio
de Janeiro e Cuiabá, sendo que havia uma suspeita de Solano López de que por ali o
Império poderia fortalecer seu poderio militar e anexar o território paraguaio.
Existia a suspeita do Império de que a Argentina pretendia anexar as repúblicas
vizinhas como forma de ampliar sua hegemonia na região e, com isso, dominar a
navegação pelo Rio Paraná e Paraguai. E, de fato, era um sonho da Argentina reunificar
sob seu domínio o antigo Vice-Reino do Prata. Para o governo do Paraguai a intervenção
brasileira no Uruguai foi entendida como uma declaração de guerra ao país guarani e levou
Solano López a romper com o Império, aprisionando o vapor brasileiro Marquês de
Olinda, que subia o rio até a capital Cuiabá levando consigo o presidente daquela
província. Consumado o fato e, de acordo com Doratioto (2002, p. 96) “dos erros de
análise dos homens de Estado envolvidos nesses acontecimentos, o que maior
consequência teve foi o de Solano López, pois seu país viu-se arrasado materialmente no
fim da guerra”. O Império saiu vitorioso no plano externo e se manteve na reconstrução do
Paraguai até 1876, além de disputar com a Argentina as terras litigiosas e que cada parte
reclamava para si. Contudo, no plano interno “o conflito foi o ponto de inflexão que deu
início à marcha descendente da monarquia brasileira” (DORATIOTO, 2002, p. 484).
Enquanto na Argentina ficou selada a reunificação do país em torno da liderança de
Bartolome Mitre.
Equivocada, também, foi a projeção de se fazer uma guerra relâmpago, tanto por
parte dos Aliados como por Solano López. Em legenda do periódico ilustrado da Corte
Semana Illustrada em 14 de maio de 1865, -se no discurso de Mitre a ideia de se
realizar um conflito rapidamente “em três dias nos quartéis, em quinze no acampamento,
em três meses em Assunção
1
. A Guerra durou cinco anos e até houve tentativas de
negociação de paz as quais não se consolidaram, sobretudo, pelo imperador brasileiro.
1
Henrique Fleiuss, Semana Illustrada, n. 231, 14/05/1865. Suplemento.
Em 1862 o cenário político estava consolidado para o embate militar. No Paraguai
ascendeu ao governo Francisco Solano López (1826-70) em substituição a seu pai Carlos
Antonio López que momentos antes de falecer “alertou Solano López de que o Paraguai
tem muitas questões pendentes, mas não busque resolvê-las pela espada, mas sim pela
caneta, principalmente com o Brasil” (CARDOSO apud DORATIOTO, 2002, p. 41). O
Paraguai era uma república em que o Estado controlava boa parte da economia que ali se
desenvolvia por meio da agricultura. Além disso, o país se modernizou militarmente com
contratações de cnicos ingleses e tecnologia militar como precaução para um eventual
ataque dos seus vizinhos.
Embora procurasse se militarizar, o Paraguai de Carlos Antonio López tinha apenas
a pretensão de defesa e não uma ofensiva contra seus opositores. Desde sua independência,
em 1811, o país guarani sempre sofreu com ditaduras e isolamento internacional, o que
contribuiu para alguns equívocos de Solano López, como por exemplo, acreditar que o
Brasil, na medida em que invadira o Uruguai, tinha a intenção de anexar a República
Oriental. Com a finalidade de manter a aceleração da economia, o Paraguai necessitava
aumentar o comércio externo e para isso tinha de conquistar poder de decisão na região
platina, chocando-se com o Brasil que, até então, era hegemônico com suas articulações
diplomáticas (DORATIOTO, 2002, p. 44).
Também em 1862 a Argentina foi reunificada em torno da liderança de Bartolomé
Mitre sendo apoiado por Venâncio Flores líder colorado que disputava o poder no
Uruguai contra os blancos. Mitre participava da facção política que tinha interesses na
unidade Argentina em torno de Buenos Aires enquanto Justo José Urquiza era líder da
Confederação argentina composta pelas prósperas províncias de Entrerrios e Corrientes.
Ainda assim restaram estas províncias que faziam oposição a Buenos Aires e com ligações
com o Paraguai e o governo Blanco no Uruguai. Ligações que não se confirmariam com o
desencadear da guerra. Os dois blocos políticos estavam assim compostos: de um lado
Solano López alinhado com os blancos uruguaios e os federalistas na Argentina, liderados
por Urquiza. Do outro lado estavam Brasil e Argentina juntamente com os colorados do
Uruguai. Rio de Janeiro e Buenos Aires negociavam para dividir a hegemonia na região
“eliminando obstáculos e resistências regionais aos seus projetos centralizadores” (TORAL,
2001, p. 52).
Com a invasão brasileira ao Uruguai, em 1864, os ânimos se acirram na região e o
conflito generalizado torna-se iminente. O Império exigia retratações do governo uruguaio
diante das hostilidades as quais os rio-grandenses sofreram naquele país. Os brasileiros
instalados ali não somente residiam como também possuíam negócios no Uruguai. No
entanto, o governo blanco rechaçou o ultimato do Império e assim as tropas brasileiras
invadiram a Banda Oriental com a suposta neutralidade argentina. Diante da intervenção
brasileira, Solano López, que havia prometido não aceitar intromissão dos brasileiros em
assuntos internos uruguaios, declara guerra ao Brasil ao apreender a embarcação imperial
que rumava a Cuiabá.
Cumprindo o ultimatum dado ao governo constituído da República Oriental a
Esquadra brasileira ataca a cidade de Paysandu, que resistiu fortemente em torno da
liderança do caudilho blanco Leandro Gomez. Esta batalha foi amplamente registrada por
fotografia e pela imprensa, que mostra a vista da igreja bombardeada pela esquadra
brasileira. Fig. 1. Devido à proximidade de Montevidéu e Buenos Aires, acredita-se que as
fotografias circulavam entre as duas capitais e tal fato facilitava a publicação de imagens
nos jornais ilustrados argentinos. É nítida a semelhança das figuras 1 e 2 que apresentam
uma visão parcial da batalha em relação aos textos verbais que foram mencionados pelos
memorialistas da contenda. Explicando melhor, as imagens silenciam para os fatos
marcantes que ficaram registrados pelos memorialistas e, além disso, as fotos nada
mencionam sobre o desfecho de degola a que foram submetidos os capitulados uruguaios.
Outro fato marcante também foi esquecido pelas lentes dos fotógrafos: os mortos no
embate militar o foram representados conforme as fig. 1 e 2, caracterizando um
silenciamento das perdas humanas. Somente imagem fria de longa distância onde não se vê
os cadáveres ao chão nem as armas que foram empregadas para tomar a cidade. Ou seja,
uma guerra sem sangue, sem dor e sem selvageria, limpa e tranqüila para não exaltar os
ânimos da sociedade local.
Fig. 1. Emilio Lahore. La iglesia de Paysandú. 3 de janeiro de 1865. Archivo General de La Nacion.
Uruguai.
Fig. 2. Vista de la iglesia de Paysandú despues de la toma de la Plaza. Dibujo de Henri Meyer. Litografia
Julio Pelvilain. El Correo Del Domingo nº 57. 29 de enero de 1865.
2
2
A imprensa portenha, durante a campanha no Paraguai, vai ridicularizar o país guarani e, principalmente,
Solano pez. El Correo del Domingo pode ser um material rico em imagens e o único que publicava
ilustrações com critério jornalístico, segundo Cuarterolo (2001, p. 136).
Muito se diz a respeito desta batalha. Para o engenheiro inglês George Thompson
3
,
que serviu os exércitos de Solano López na defesa do Paraguai e, além disso, escreveu
sobre o conflito ainda no calor dos acontecimentos, declara que
As fôrças imperiais uniram-se com Flores e levaram tudo por diante até a cidade
de Paysandú, onde seus progressos foram temporàriamente detidos. Os atacantes
sitiaram a cidade por terra e água com todas as suas fõrças. Os sitiados eram
comandados pelo Coronel Leandro mez, e defenderam a praça com um
heroísmo que mereceu o aplauso dos próprios inimigos (Thompson, 1869, p. 40).
Sobre a morte do Coronel Leandro Gomez discute-se que fora obra de seus
inimigos políticos nacionais, e não pelos chefes militares brasileiros. Essa versão, por
exemplo, é apresentada por Richard Francis Burton
4
, em suas “Cartas dos Campos de
Batalhas do Paraguai”
[...] D. Lendro Gomez e alguns oficiais sobreviventes estavam sendo escoltados,
rua abaixo, por soldados brasileiros que os levariam à presença de seu chefe. [...]
Nesse meio tempo, entretanto, Gomez, que ainda estava em poder de seus
captores, foi reclamado pelos colorados, seus inimigos. A um segundo pedido,
ele exclamou então: “Vou com meus patrícios” (mis paisanos) e insistiu em ser
entregue aos orientais. Logo depois, o Comandante Braga, seu bravo
companheiro, também gritou, E yo con mi gente”. [...] ambos foram levados e
fuzilados contra a parede que dava para o nascente daquela casa (Burton, 1997,
p. 194).
Também ficou para a memória o retrato de Leandro Gomez que posteriormente
serviu de base para a reprodução em gravura do periódico carioca Semana Illustrada
5
.
(fig. 3 e 4). Conforme legenda do periódico ilustrado: López II e Leandro Gómez Deus
os fez, o diabo os ajuntará” o leitor é levado a crer que os inimigos do Império estavam
compactuados na ão bélica contra o Brasil, distante da realidade devido ao fato do
Paraguai não estabelecer, embora tivessem os mesmos objetivos e interesses que os
blancos, aliança com o país ocupado pelas tropas brasileiras. Outro elemento incorporado à
3
O livro intitulado “Guerra do Paraguai” escrito em Londres em 1869 é uma referência fundamental para se
conhecer as atitudes e o perfil do líder guarani. Thompson critica López em relação aos abusos cometidos
como fuzilamentos sumários aos seus concidadãos. O autor não deixa de criticar, também, o Império e as
ações equivocadas dos chefes da Aliança como, por exemplo, a morosidade dos generais em atacar as tropas
paraguaias.
4
Richard Francis Burton percorreu os campos de batalhas arruinados pelos sangrentos conflitos. Estrutura
sua extensa narrativa em cartas destinadas ao “meu caro Z”. São vinte e sete cartas que tratam com detalhes a
situação geográfica e as ações licas ocorridas nas cidades nas quais permaneceu. Burton percorreu o
mundo como viajante ou espião inglês como cita Miguel Angel Cuarterolo. Usa ampla iconografia e,
sobretudo, fotografias dos locais onde foram travadas as principais lutas. Outra obra fundamental aqueles que
se interessam pelo assunto.
5
Mais detalhe do periódico citado será analisado adiante, nos capítulos subseqüentes. De qualquer maneira,
a Semana Illustrada foi o principal jornal semanal ilustrado do Segundo Reinado com ampla documentação
visual da contenda, dentre elas mapas, retratos dos bravos da campanha, imagens dos fatos marcantes e
caricaturas do der guarani. Na primeira imagem tem-se um retrato e na segunda uma gravura publicada em
05-02-1865 p. 1736. Mais sobre a caricatura da imprensa no período destinado a guerra em Silveira, Mauro
César. A batalha de papel: A Guerra do Paraguai através da caricatura. Como comprovado por Silveira, a
imprensa lançou imagens depreciativas dos líderes inimigos.
cena é o diabo envolvendo os personagens, Leandro Gómez e Solano López, numa
evidente demonstração de que os inimigos eram guiados pelo satanás. Enfim, o jornal
lança mão do mito religioso para simplificar o entendimento do leitor para a complexa
trama política e jogo de poder que estavam envolvidos os quatro países do Cone sul.
É possível reparar, também, no uso da fotografia como base para outras imagens,
sobretudo nas litografias que eram o meio de reprodução de imagens nos jornais ilustrados
daquele período, retrata-se o personagem da fig. 3 e o coloca numa outra imagem
completamente diversa da original, conforme visto na fig. 4. Isso comprova como será
analisado adiante as aplicações que um simples retrato pode sofrer num outro suporte, o
jornal, o que muda completamente o significado original da fotografia. Também é certo
que o jornal ilustrado terá um alcance muito maior que o retrato, pois enquanto o retrato
circula nas mãos de poucos os retratos naquele período eram enviados aos amigos e
familiares como forma de lembrança o jornal se multiplica e se espalha em escala
exponencial.
Fig. 3 Retrato de Leandro Gómez. Álbum
de retratos e vistas da Guerra referentes ao
Paraguai. FBN.
Fig. 4 Litografia. López II e Lendro Gómez Deus os fez, o
diabo os ajuntará. Semana Illustrada. 05-02-1865 p. 1736.
Em seguida o Império toma a capital Montevidéu e coloca no poder Venâncio
Flores que, por sua vez, lutará ao lado de seus aliados, Argentina e Brasil, contra o
Paraguai. Para o Brasil interessava a invasão do Uruguai por dois motivos: atender aos
reclames dos gaúchos em manter a dependência de Montevidéu em relação ao Império e
provocar, na opinião pública o esquecimento da humilhação imposta pela Inglaterra ao
Brasil na questão Cristhie com atuação belicosa no Prata (doratioto, 2002, p. 73-4).
Conforme o ultimatum paraguaio ao Brasil em caso de intervenção no Uruguai,
Solano López ataca o Império por Mato Grosso em 1864, confirmando sua promessa de
retaliação a uma eventual agressão do Brasil aquele país. Com a declaração de guerra do
Paraguai ao Brasil, Solano López envia parte de seu exército para enfrentar o Império no
Uruguai. Para isso os paraguaios deveriam cruzar a província argentina de Corrientes e a
província brasileira de Rio Grande do Sul. Assim, Solano López solicitou a Mitre
permissão para atravessar Corrientes, sendo que a resposta do líder portenho foi negativa.
Portanto, López invade a província e declara guerra à Argentina
6
. Com isso, o líder guarani
perde apoio de Urquiza e, em seguida perde também o apoio dos blancos uruguaios na
capitulação destes. Com o ataque do Paraguai, Mitre reúne em torno de si a unidade
argentina para posteriormente atuar na guerra, mesmo tendo suas províncias rebeldes muito
próximas geograficamente e identificadas culturalmente com o Paraguai. Posteriormente,
durante a Guerra da Tríplice Aliança, boa parte da população das duas províncias rejeitou
lutar contra seus vizinhos devido a identificação com a população guarani e, acrescenta-se
a isso, a recusa da aliança com o Império. As tropas guaranis chegaram até Uruguaiana
sem jamais alcançar o Uruguai. O isolamento de Solano López estava, assim, determinado.
A Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai pode ser sintetizada em três fases.
A primeira se caracteriza pela invasão paraguaia ao Mato Grosso em dezembro de
1864 e, logo em seguida, Corrientes em abril de 1865. Pelo norte, a invasão de Mato
Grosso avançava em direção à cidade de Coxim, contudo, não acarretou nenhum prejuízo
imediato para o Brasil e não resultou em ganho de tempo para as tropas de Solano López,
sendo que “[...] a invasão não tinha o menor valor estratégico, político ou militar. Como as
ações ocorriam longe da região do Rio da Prata, epicentro dos acontecimentos, não
representavam fator de pressão imediata sobre os principais agentes políticos envolvidos,
principalmente sobre Urquiza
7
” (SALLES, 2003, p.18).
6
Segundo Thompson, além da negativa de Mitre, o líder portenho “exigiu explicações para a grande
concentração de fôrças paraguaias que estava sendo feita junto à fronteira argentina (1869, p. 49)”.
7
Para Salles, Urquiza alinhou-se formalmente com a Tríplice Aliança, mas, na prática, ficou fora do conflito
não sem antes realizar um grande negócio, vendendo trinta mil cavalos de Entre Rios ao exército brasileiro
(Salles apud Doratioto, 2002; Moniz Bandeira, 1985). Deve-se ressaltar, também, que por várias vezes os
exércitos de Urquiza debandaram, numa clara demonstração da negação de empunhar armas ao lado do
Império contra os vizinhos paraguaios.
Ainda no primeiro ano do conflito as tropas paraguaias logo estavam preocupadas
em defender seu território, devido a rendição de seu exército que ocupava a cidade de
Uruguaiana, em setembro de 1865 (BETHELL, 1995a, p. 29).
A ocupação paraguaia em Corrientes fora, relativamente, de forma pacífica. Isto
porque, antes da chegada da marinha paraguaia na cidade havia nessa província uma
afinidade entre os correntinos e paraguaios; falavam a mesma ngua guarani e tinham
restrições ao governo de Mitre. Urquiza liderava esta província e cultivava
correspondências com López e uma provável aliança com o líder guarani. Contudo
manteve um papel ambíguo durante o conflito, pois apoiou Mitre na contra-ofensiva,
contrariando a pressuposta afinidade que nutria por López. Destarte, para exemplificar a
recusa de seus soldados em lutar ao lado do Império, quando Urquiza realizou o
recrutamento de seus exércitos o caudilho entrerriano viu sua tropa debandada e licenciou
os restantes
8
(THOMPSON, 1869, p. 65). Tal situação marca os interesses do Estado
argentino, favorável ao conflito, em contraponto aos interesses da população da província
Correntina, que não empunharia armas contra seus vizinhos.
Com a ocupação paraguaia em Corrientes, Brasil, Argentina e Uruguai assinam a
Tríplice Aliança, tratado secreto que determinava depor Solano López do poder a qualquer
custo. Os Aliados fecham acordo ofensivo e defensivo contra o Paraguai. Jorge Rubiani
9
,
arquiteto paraguaio e com obra monumental sobre a Guerra Grande, como é conhecida no
Paraguai, ataca as condições do tratado secreto
los cierto es que el tratado, sustraído del conocimiento de los representantes del
pueblo, de las demás autoridades de los respectivos países que concurrieron a su
firma, de la prensa y de la opinion pública, tampoco se brindó al “intercambio de
ninguna ratificación”(el canje de documentos se comple em dos meses) porque
su aplicación ni siquiera había necesitado de la firma de las personalidades que
lo suscribieron. (Rubiani, 2007, p. 80-1).
8
Thompson relata que “de Urquiza não mais se ouviu falar durante a guerra, a não ser com referência à
venda de grande quantidade de gado e cavalos aos Aliados, com o que acumulou uma imensa fortuna. Seu
nome foi repetidas vezes usado por López para animar suas tropas, dizendo-lhes que Urquiza se encontrava
em marcha para ajudá-las” (1869, p. 66).
9
Jorge Rubiani defende contundentemente a posição do Paraguai e, mais ainda, das ações do governo de
Solano López. Em seu livro o pesquisador mostra outra versão dos acontecimentos daquele período. Rechaça
as acusações feitas ao marechal López em formas de perguntas e respostas ao longo de todo o texto. Atesta a
crueldade do Império dizendo que seria a Europa na América do Sul, devido a linhagem da família real
brasileira, como conquistadora e anexionista dos territórios adjacentes. Critica os pesquisadores brasileiros
que crêem somente nos documentos oficiais do Itamaraty. Dentre tantos outros pontos, Rubiani assevera
ainda a participação decisiva da Grã-Bretanha no conflito. Sua principal pesquisa é a intitulada “Guerra de La
Triple Alianza”, reunida em dois tomos com 46 fascículos cada uma, e que fora editada em 2001 pelo diário
ABC Color, de Assunção. Essa obra chama a atenção pelo volume de dados e imagens sobre a Guerra. Assim
como Doratioto está para o pesquisador da Guerra no Brasil, Rubiani está para o Paraguai. É, sem dúvida
alguma, outro ponto de vista sobre o conflito.
Rubiani critica as condições arbitrárias do tratado e assevera quanto a inflexão dos
Aliados no cumprimento do acordo. Ressalta, ainda, que o teor do acordo não foi
devidamente divulgado às instituições dos países que o assinaram e tampouco necessitou
da assinatura das personalidades. Explicando melhor, o acordo foi implacável com o
Paraguai e seus termos não foram submetidos ao crivo da opinião pública e nem da
imprensa.
Em seguida ao tratado da Tríplice Aliança se realiza O Combate Naval de
Riachuelo, em 11 de junho de 1865, que foi decisiva para os contendores definirem os
rumos da guerra. Quem vencesse esta batalha levaria vantagem sobremaneira na provisão
de alimentos e armas do exterior, e mais ainda no deslocamento de contingentes para ação
nas frentes de batalhas. Para Richard Burton (1997, p. 234) os paraguaios acomeçaram
bem, mesmo com o retardamento da ação
O Capitão Mesa recebera ordens de romper o bloqueio dos brasileiros ao romper
do dia, dar meia volta, posicionar cada um dos seus navios lado a lado com um
do inimigo, disparar uma bordada e rebocar as presas da guerra. Mas, entre
outras coisas, esqueceram-se dos arpéus. [...] A ação foi injustificadamente
retardada até às 9:30 da manhã (11 de junho) e os paraguaios, expondo-se a uma
artilharia enormenente (sic) superior, tiveram de descer até a boca do Riachuelo
antes de subir a corrente. Assim, deram tempo aos brasileiros de se preparar e
descer ao encontro deles.
Após O Combate Naval de Riachuelo a esquadra paraguaia ficou praticamente
destruída e o controle fluvial das águas do Prata permaneceram nas mãos dos Aliados. A
referência imagética para esse episódio, cercado de louros e glórias nacionais está na obra
de Vitor Meireles intitulada “Combate naval de Riachuelo” (fig. 5). Ressalta Salles que “O
governo imperial encomendou o quadro a Meirelles, que foi enviado ao Paraguai para
analisar o ambiente da guerra [...]” (2003, p. 25). André Toral destaca que “era um trabalho
de responsabilidade, onde a demanda sugeria o apoio velado do Imperador, interessado em
criar uma iconografia que celebrasse a vitória das armas imperiais” (TORAL, 2009, p. 07)
disponível em www.dezenovevinte.net/artistas.vm toral.htm, acessado em 23/02/2009.
André Toral destaca a participação do artista na consecução dos quadros e destaca
que os desenhos
foram feitos em Humaitá e Pilar, ao sudoeste paraguaio, onde esteve por dois
meses, agosto e setembro de 1868. Hospedado na nau capinia da Esquadra
Imperial, o encouraçado Brasil dedicou-se, cotidianamente, a retratar cadáveres,
militaria, paisagens, navios, Meireles etc. Tudo o que lhe caía sob os olhos e que
pudesse ter alguma utilidade na realização de suas duas telas encomendadas
Passagem de Humaitá e Combate Naval do Riachuelo era minuciosamente
anotado com lápis sobre pedaços de papel [...]. A série Estudos paraguaios
mostra, além de minúcia própria de Vitor Meirelles, um realismo e uma frieza
que não aparecem em parte alguma da sua obra [...]. (2001, p. 141).
Fig. 5. Victor Meirelles. Combate Naval de Riachuelo. 8.60 x 4.20m. 1882. MHN.
Em outro artigo Toral questiona a não utilização dos “estudos paraguaios”, numa
evidente autocensura a que o autor se propôs na composição do quadro pictórico “a maior
parte desses desenhos nunca foi utilizada nas suas telas. Especialmente aqueles que hoje
diríamos mais realistas simplesmente desapareceram de seus trabalhos posteriores” (2008),
disponível em www.dezenovevinte.net/artistas.vm toral.htm, acessado em 23/02/2009. Nas
figuras 6, 7 e 8 intituladas “Estudos paraguaios” feitos pelo próprio pintor, uma visão
mais realista da campanha empreendida no Paraguai, embora não fosse incluída na pintura
histórica que fora produzida posteriormente.
Diante desse silêncio, percebe-se que a produção de imagens que mostrassem a
dureza da vida militar como, por exemplo, a peste colérica que se desenvolveu durante a
guerra, a falta de assepsia nos hospitais e no acampamento, além da comida servida às
tropas dificilmente foram temas abordados pelos artistas, estas imagens iriam contra a
campanha do governo em mobilizar todos os tipos de recursos para a Guerra, tais como
financeiros, humanos e, principalmente, simbólicos. Na pintura de Meirelles (fig. 5), para
citar uma dentre tantas outras, a morte somente acomete o lado inimigo e sempre de longa
distância, pois uma imagem em plano fechado da morte teria um impacto muito maior no
leitor daquele período. Na figura 6 -se parte dos cadáveres com seus rostos encobertos
talvez para esconder os estragos feitos nos corpos dos combatentes e uma possível
representação da crueldade das batalhas, características marcantes em conflitos militares.
Fig. 6
Fig. 7
Fig. 8
Vitor Meirelles. Estudos paraguaios. Seção de Desenho Brasileiro do Museu Nacional de Belas Artes do
Rio de Janeiro. 1868.
Com a passagem por Corrientes as tropas guaranis chegam até Uruguaiana, no Rio
Grande do Sul, a cinco de agosto de 1865, sob o comando do coronel paraguaio Antonio
Estigarribia. se encontraram os três deres da campanha aliada e o exército paraguaio
se rendeu ante a presença de D. Pedro II. Diante de tal acontecimento, Solano López
evacua Corrientes para aumentar a capacidade de defesa do território guarani. Muitas
imagens foram produzidas desse episódio, pois seria a participação direta do imperador no
conflito e, mais que isso, colaborando pessoalmente para a mobilização da sociedade para
a rápida solução do conflito. Nessa ocasião, o Imperador deixou-se fotografar com traje de
campanha dando o exemplo para seus súditos de voluntário número 1. Fotografia
marcadamente propagandística, que visava sensibilizar a sociedade para superar um dos
grandes entraves do conflito, o alistamento militar, Fig. 9. O retrato de D. Pedro II será
utilizado para reproduzir outras imagens, como as litografias para serem publicadas nos
periódicos ilustrados, mas com alguns detalhes: o Imperador será representado em outro
contexto, diverso do estúdio do fotógrafo, mais exatamente no acampamento aliado,
forjando uma imagem de voluntário que não era o perfil do monarca brasileiro. Os jornais
ilustrados e seus litógrafos faziam fusões de imagens para recriar o contexto da imagem, de
acordo com seus interesses Fig. 10. A preocupação em produzir uma eventual participação
do Imperador na campanha militar é evidente e nenhuma representação seria melhor que a
utilização da imagem fotográfica e a reprodução em jornais ilustrados. A intenção é a de
que ocorra um engajamento maciço da sociedade na Guerra e ninguém melhor que o
monarca brasileiro para persuadir os leitores valendo-se de sua credibilidade para tal
finalidade.
Fig. 9. D. Pedro II. Fotografia de
Luiz Terragno. Porto Alegre, s.d.
Fig. 10. S.M. o Imperador S.A. o Sr. Duque de Saxe em traje de
campanha. Copiados das fotografia enviadas de Porto Alegre.
Henrique Fleiuss, Semana Illustrada, 10/09/1865.
Após as negociações feitas em que se pretendia evitar o confronto armado e
desperdiçar vidas os beligerantes chegam a um termo e o coronel paraguaio Estigarribia
cede às pressões dos comandantes aliados. Diante de tal acontecimento, Solano López
evacua Corrientes. Estava assim decretado o fim do avanço paraguaio nas regiões de
Corrientes e Uruguaiana e agora López estava em condição de defesa de seu território. A
primeira fase da guerra chegava ao seu termo.
A segunda fase da guerra se desenvolveem solo paraguaio. Em 16 de abril de
1866, os Aliados iniciam a travessia no Alto Paraná e logo as hostilidades se fazem
acontecer. Dois dias mais tarde os aliados tomam a ilha de Itapirú, um importante porto
fortificado dos paraguaios (CUARTEROLO, 2000, p. 154). Dionísio Cerqueira
10
(1980, p.
126-7) fornece relato detalhado do empreendimento que marca a invasão Aliada nas terras
guaranis
10
Dionísio Cerqueira assentou praça aos dezessete anos quando se iniciaram as hostilidades no sul.
Participou dos cinco anos da contenda e, quarenta anos depois, escreveu suas reminiscências. Começou
atuando como soldado e voltou como tenente de infantaria. Afora os relatos épicos que o autor cita ao longo
do texto, o livro trás muitas curiosidades sobre a campanha militar. Não deixa de ser um relato precioso, pois
o autor foi testemunha ocular dos acontecimentos.
Embarcamos a meia marcha [...]. Os navios de guerra navegavam para a costa
paraguaia e estenderam-se em linha, rompendo, sobre as posições de Itapiru e
Passo da Pátria, forte bombardeio, mascarando com a fumaça o movimento dos
nossos transportes carregados de tropa [...]. Fizemos a travessia do rio em menos
de uma hora.
Richard Francis Burton relata com acuidade a região inóspita que as tropas aliadas
teriam de suplantar para atacar o Paraguai, ressaltando que a região é uma “terra de
ninguém”
[...] a laguna é, na verdade, uma poça ou pequenina lagoa que se enche com as
inundações e que retém a água graças a um leito de argila dura. “O banhado” é
um campo de profunda lama pegajosa e água estagnada, um tanto mais molhado
que o “pântano” ou brejo. O “Estero” [...] é uma corrente que flui
preguiçosamente através de um pantanal. “[...] os brasileiros instalaram uma
bateria de 8 canhões, em ótimas condições para destruir Guardia Carracha,
também conhecida como Forte Itapirú” (1997, p. 259-60).
Thompson atesta a disputa pela ocupação da ilha, espaço estratégico para a
passagem dos encouraçados brasileiros rio acima
Em frente a Itapirú havia um recém-formado banco de areia, de forma circular,
que no s de novembro anterior, fora perfeitamente despido de vegetação, mas
agora recoberto por comprido capim. Ficava ao alcance fácil de tiro de fuzil de
Itapirú. Na noite de cinco de abril os brasileiros ocuparam o banco cavando
trincheiras e posições de artilharia. [...] A 10 de abril os paraguaios atacaram o
banco. [...] Por fim os paraguaios foram postos quase todos fora de combate [...]
(1869, p. 111-12).
As tropas aliadas levariam duas semanas para cruzar o rio para, a partir de então,
tomar Itapirú e mirar suas atividades bélicas para Passo da Pátria, local privilegiado para a
visualização dos deslocamentos das tropas, pois era um terreno elevado donde, com a
utilização de telescópios, poderiam vislumbrar os arredores e, também, os deslocamentos
das tropas inimigas. Dionísio Cerqueira (1980, p. 131) questiona as ações de López diante
da utilização parcial de seus exércitos na defesa do Paraguai. Ressalta o militar que quanto
mais concentrado estiver o exército e no lugar mais estratégico maior a probabilidade de
vitória. Burton também coloca em dúvida algumas ações do der guarani e nessa, em
particular, ao atacar o banco de areia em que estavam assentados os aliados “foi a primeira
das muitas ações precipitadas na qual o Marechal-Presidente López desperdiçou suas
dedicadas forças” (1997, p. 260). Thompson corrobora que o ataque fora um equívoco, e
atesta que “[...] foi loucura de López enviar seus homens, sem nenhum objetivo, para uma
morte certa (1869, p. 112).
Os próximos confrontos foram os mais sangrentos do conflito e determinaram a
destruição parcial dos melhores homens dos exércitos paraguaios. As batalhas de 2 de maio
e de 24 do mesmo mês representaram a vantagem aliada no conflito e o equívoco dos
líderes de se fazer uma guerra num curto espaço de tempo. Thompson relata a avançada
paraguaia sobre as tropas de Flores
No fim de abril estavam de 1866, as posições dos exércitos beligerantes eram as
seguintes: os paraguaios estavam acampados no lado norte do estero bellaco
11
e
dispunham de cerca de 100 canhões; sua vanguarda, com seis peças de
campanha, achava-se no lado do estero do sul. Os aliados acampavam nas alturas
que se estendem de lestre para oeste, a uma milha ao norte do Paso de la Patria,
onde se estavam entrincheirando, com o flanco esquerdo apoiado no carriçal [...]
Êstes esteros formavam a principal defesa dos paraguaios. (1869, p. 119).
Na batalha do Estero Bellaco os paraguaios iniciam a ofensiva em cima das tropas
uruguaias comandadas por Flores e varrendo os batalhões Flórida, 24 de abril e Libertad
que foram dizimados pelas forças guaranis (THOMPSON, 1869, p. 20). Os aliados contra-
atacam e rechaçam os inimigos, fazendo valer a supremacia de material humano e bélico
na refrega. De acordo com Doratioto “[...] o ataque não foi bem sucedido porque, estando
os aliados dispersos, os atacantes necessitavam de mais homens para empurrá-los para as
margens do rio Paraná e esse reforço não chegou” (2002, p. 213). Doratioto critica a
estratégia de Solano López em não utilizar a reserva na maioria dos ataques, caso fosse
“em lugar de utilizar apenas uma divisão, Solano López tivesse enviado a maior parte do
seu exército, deixando o restante como reserva, teriam sido grandes as possibilidades de
vitória paraguaia” (2002, p. 213). Conclui Doratioto que a batalha do Estero Bellaco não
alterou a situação militar anterior devido ao fato de que era enorme a desigualdade de
forças, mesmo com a valentia dos paraguaios em defender seu território.
11
Detalha o autor que o Estero Bellaco “consiste em dois cursos d‟água paralelos, sendo de
aproximadamente três milhas, em geral a distância entre eles, separados por densa floresta de yatais, palmeira
de quinze a vinte pés de altura, que cresce num terreno elevado de trinta a cem pés acima do nível dos
esteros. [...] Em alguns lugares, uma ou mesmo duas ou três pessoas, montando cavalos muito fortes, podem
passar através dos pantanais; mas depois de ter passado um cavalo, a lama do fundo fica muitíssimo pior por
causa dos buracos feitos pelas patas do primeiro animal”.
Fig. 11. Cándido López. Surpresa da vanguarda do exército aliado em 2 de maio de 1866 no Estero Bellaco
(detalhe). MHNBA.
Sobre a representação visual da batalha do Estero Bellaco feita pelo argentino
Cándido López, considerado o principal cronista visual da guerra, André Toral destaca a
participação do fotógrafo e pintor no palco das batalhas
Cándido pez (1840-1902), como outros argentinos, alistou-se com voluntário
no Batalhão da Guarda Nacional tão logo a invasão de Corrientes, por López,
uniu a opinião blica ao redor do presidente Mitre. Desde o início, declarou-se
disposto a produzir pinturas sobre a Campanha do Paraguai destinadas à
documentação histórica. López participou de todas as batalhas de 1864 a 1866.
Desenhou com lápis até a luta de Curupaiti, onde teve sua mão direita
despedaçada por uma granada. Duas cirurgias depois, ficou sem o braço.
Aprendeu a desenhar e a pintar com a mão esquerda e produziu uma série de 56
quadros que cobre minuciosamente tudo o que viu
12
.
12
Seus trabalhos foram comprados pelo Estado argentino e encontram-se atualmente no Museu Nacional de
Belas Artes e no Museu Histórico Nacional, ambos em Buenos Aires. Revista Super interessante, ano 13,
9, setembro de 1999. p. 32-41. Certamente a documentação pictórica de Cándido López é a maior encontrada
sobre a contenda. Favoreceu a representação verossímil dos quadros de López seu conhecimento e atuação
como fotógrafo, que manteve certa fidelidade na construção das suas obras. Conforme destacou Toral, os
quadros produzidos até 1866 têm mais valia como documentos históricos devido a participação direta do
artista na campanha.
Consta na composição da pintura do argentino uma vantagem do exército Aliado
num ataque surpresa de flanco que abate um bom número de soldados paraguaios. Nota-se
na imagem a atuação da artilharia aliada atingindo o flanco esquerdo da cavalaria
paraguaia. Neste sentido a imagem confirma uma deficiência do comando paraguaio que,
embora os soldados de López lutassem com tenacidade e denodo, os oficiais o tinham
experiências militares e muitos deles o conheciam estratégias de combates. Outra
incoerência nas ações de ataque residia no fato de que os corpos de soldados se lançavam
ao combate de forma desorganizada, sem comando e estando em número inferior ao
inimigo, fato que contraria o bom senso de esperar o inimigo em posição de defesa, pois o
ataque sempre deve ser feito em número superior de homens e materiais bélicos.
Em seguida a marcha aliada avança em direção a Tuiuti para ali fincar
acampamento. Nesta foi travada a maior e mais sangrenta batalha campal já realizada em
solo americano, ocorrida em 24 de maio e marcada pela cobertura fotográfica da
Companhia Bate y Cia, do Uruguai. Antes disso declara Cerqueira sobre a partida de Passo
da Pátria até a chegada em Tuiuti no dia 20 de maio, todo o exército aliado levantou
acampamento e marchou para a frente. [...] passamos o Estero Belaco quase sem
resistência. O inimigo não nos quis disputar a passagem. Pouco depois, subimos as
eminências de Tuiuti e todo o exército estendeu-se por aqueles areais afora” (1980, p. 152).
Conforme a figura 12 nota-se a tentativa do fotógrafo em representar o cenário do
acampamento Aliado formado por barracas, mangrullos, armas escoradas umas as outras e
o soldado em pose para o fotógrafo captar a cena. Tuiuti foi o maior acampamento em
território paraguaio. Tinha acomércio para atender os militares. Segundo Salles “foi no
dia-a-dia dos acampamentos que os soldados consumiam a maior parte do tempo da guerra.
[...] O terreno era alagadiço, coberto por matas densas e desconhecido, enquanto o clima
era úmido, muito quente no verão e muito frio no inverno” (2003, p. 98), característica que
não se na figura 12 que, ao menos naquele espaço, percebe-se o acampamento seco e
relativamente organizado, situação distinta segundo relato de Benjamin Constant “além de
o território coberto de matos, de banhados, e de pântanos imensos, temos as epidemias, as
águas ssimas, o calor excessivo que queima, que asfixia no verão e o frio que gela no
inverno. Não aqui meio termo” (apud Salles, 2003, p. 98). E é justamente na fotografia
que se espera uma representação mais realista do cenário em questão e a figura 12
contradiz os relatos verbais, embora a imagem não tenha a capacidade de representar temas
essencialmente abstratos como frio, calor, água suja etc. Embora as fotografias obtidas
pelo estúdio Bate y Cia sejam as mais realistas da campanha ainda assim silenciaram sobre
as condições adversas enfrentadas pelos soldados nos acampamentos aliados, conforme
destaca Ricardo Salles (2003, p. 66) as péssimas condições de assepsia, nutrição e a região
inabitável do acampamento mais matavam os soldados de doenças do que as batalhas
até 24 de maio de 1866, o conflito caracterizou-se por marchas e contramarchas
em terririo argentino e brasileiro e por um número pequeno de enfrentamentos
envolvendo contingentes limitados de soldados, a a invasão do Paraguai. A
maior parte das perdas de ambos os lados deveu-se as doenças, à exaustão, ao
frio e à subnutrição. Morria-se muito e matava-se pouco. O ataque paraguaio ao
acampamento aliado de Tuiuti, em 24 de maio de 1866, inverteu essa equação.
Foi a maior batalha campal da guerra, envolvendo 56.000 combatentes 24.000
paraguaios e 32.000 aliados (21.000 brasileiros, 9.700 argentinos e 1.300
uruguaios). Os combatentes iniciaram-se pela manhã; ao final da tarde, repelido
o ataque, os paraguaios teriam perdido, entre mortos e feridos, 13.000 soldados,
e os aliados, cerca de 4000.
Do lado aliado também as condições eram precárias. Havia problemas no
abastecimento de víveres para os batalhões, no transporte e deslocamentos das tropas, além
da assepsia dos hospitais que falhava tanto no atendimento aos feridos como na aplicação
dos medicamentos. Para Doratioto, até mesmo os serviços religiosos não ficaram de fora
da problemática situação, devido a ação dos sacerdotes e capelães que “deixavam os
moribundos morrerem sem receber os sacramentos ou, quando compareciam para -los,
seu comportamento deixava muito a desejar” (2002, p. 223).
Fig. 12. Bate y Cia W. Acampamento argentino e hospital brasileiro. 11x18cm. BNU
É um consenso entre os autores que abordam este conflito que Solano López se
equivocou num ataque surpresa ao acampamento aliado de Tuiuti, pois o terreno favorecia
a defensiva. O deslocamento de tropas e armamentos era de difícil execução tendo em vista
o pântano que cercava a região, ainda mais num ataque surpresa no qual a rapidez da ão
armada é primordial para suplantar as forças inimigas. Outra questão relevante é a
diferença de homens em condições de combate: de acordo com as asserções de Thompson
era na proporção de um paraguaio para cada dois aliados. Segundo o autor os aliados
levavam enorme vantagem, não por terem sido atacados em suas próprias posições, e
por soldados sem instrução militar, mas porque toda a sua artilharia foi empenhada na luta,
enquanto a artilharia paraguaia estava inativa” (1869, p. 125).
Fig. 13. Cándido López. 2ª divisão de Buenos Aires na batalha de Tuiuti 24 de maio de 1866. MHNBA.
A figura 13 é marcada pelo céu acinzentado pela densa fumaça que detém o maior
espaço da imagem. A imagem confirma os textos verbais sobre o avanço e as baixas
paraguaias na medida em que atravessam o banhado em direção as forças aliadas. Mas o
ponto de vista do artista é invertido na imagem, pois Cándido López o era apenas um
artista neutro ao conflito e que pintava no alto da colina com a calma que se espera de um
trabalho dessa envergadura. Era muito mais que artista porque lutava ao lado de seu país
com uniforme militar e tanto o era que perdera a mão num combate. Diante da tela é
possível reparar que o artista a pintou em posição que era guarnecida pelos paraguaios e
assim é possível especular que não fora exatamente a visão que Cándido López teve da
batalha. Nota-se no quadro pictórico que as baixas ocorrem apenas do lado paraguaio e
raras vezes se representa a morte aliada no episódio. Sabe-se que Tuiuti foi a maior batalha
campal da contenda e as mortes atingiram ambos os lados. Fato que o se representa na
fig. 13.
Após o combate que ceifou milhares de vidas a campanha teve uma paralisação que
perdurou dois anos, os aliados ficaram imobilizados em Tuiuti, emboscados pelos
paraguaios, tateando para alcançar Humaitá.” (DORATIOTO, 2002, p. 216). Também é um
consenso, entre os pesquisadores, que Tuiuti era um local insalubre que provocava
doenças, seja devido aos cadáveres insepultos ou enterrados em valas que poluíam a água
ou a falta de remédios nos hospitais ou, até mesmo, a insuficiência na nutrição dos
soldados, fatores que arrefeciam o moral das tropas que muitas vezes recebiam seus soldos
com meses de atraso. Servindo-se das fontes visuais para compor uma narrativa da
contenda, ressente-se pela ausência quase que completa de temas referentes a cólera, a
higiene precária, a alimentação e dificuldades de toda ordem que assolaram os
beligerantes. Bravuras que se comprovam não apenas no calor das batalhas, mas,
principalmente, pela resignação e privação a que os soldados foram submetidos em seus
inóspitos acampamentos.
Conforme destaca Dionísio Cerqueira (1980, p. 137) a respeito das refeições os
soldados faziam versos para ironizar a comida que era servida aos batalhões:
Osório dava churrasco
E Polidoro farinha.
O Marquês deu-nos jabá
E Sua Alteza sardinha.
Numa outra passagem, Cerqueira (1980, p. 84) destaca que, para o acampamento ser
adequado deveria ter, obrigatoriamente, três condições essenciais:
Uma casa para o Sr. Marquês;
Um laranjal para o Sr. General Osório;
Um banhado para a artilharia.
Certamente era isso que, para encarar de forma leve a dureza da vida em campanha,
os soldados se divertiam e satirizavam as condições precárias a que foram submetidos.
Após a carnificina da célebre batalha de 24 de maio, López reorganiza seu exército
e em julho de 1866 deflagra as batalhas de Iatayti-Corá no dia 11, Boqueirão no dia 16 e
Sauce, dia 18. Eram pequenas batalhas que mais se caracterizavam por disputas de
trincheiras e fortificações, no que se pode chamar de luta por posições. Ressalta Doratioto
que “em três dias, nas batalhas de Boqueirão
13
e Sauce, os aliados tiveram quase 5 mil
homens fora de combate e os paraguaios 2.500” (2002, p. 234).
Embora as perdas humanas fossem consideradas pesadas para os dois lados, não
houve um grande avanço por parte do ercito guarani e os aliados permaneciam em Tuiuti
por um longo tempo, castigados pelo cólera-morbus. Nesta luta de trincheiras que, ora
toma os paraguaios, ora os aliados, ficou determinado a vitória paraguaia e os aliados
mudam sua mira para as fortalezas de Curuzu e Curupayti.
Tomada Curuzú por parte dos aliados estes miram para a fortificação de Curupayti.
Os paraguaios impuseram uma grande derrota aos aliados na defesa de Curupayti. Antes de
acontecer o assalto, Solano López encaminha carta a Mitre para uma entrevista, sendo que
nesse período estavam os beligerantes em trégua para negociar a paz entre as nações
vizinhas.
No encontro de 12 de setembro, em Iatayti-Corá, em que se colocam frente a frente
os líderes paraguaio e argentino, López propõe um fim à guerra oferecendo vantagens a
Mitre desde que o país guarani não fosse desmembrado e ocupado permanentemente. Uma
hipótese para a vitória esmagadora dos paraguaios em Curupayti pode ser levantada por
esse encontro, que paralisou um tempo o assalto aliado à fortaleza, dando tempo dos
exércitos guaranis a construir uma trincheira e preparar a ação defensiva.
13
Dentre as pesadas baixas dos aliados encontra-se a do Cel. Palleja, espanhol que lutou nas frentes de
batalhas pelo Uruguai e foi um importante cronista da primeira parte da campanha. Palleja foi um marco para
a fotografia referente à Guerra do Paraguai, pois foi a primeira a ser registrada no momento de seu
falecimento. Para ver a imagem citada ver capítulo II fig. 23, p. 60.
Fig. 14. Francisco Fortuny. La entrevista de Iatayti-Corá El 12 de setembro de1866. Album de la Guerra
del Paraguay, nº 4, 15 de março de 1893.
Também participaram do evento o General Flores e Polidoro, conforme relata
George Thompson
as escoltas então fizeram alto, e somente os dois presidentes avançaram, e depois
de se cumprimentarem, apearam e deixaram os cavalos com ordenanças, e
começaram a conferência, mantendo-se os ajudantes a distância de serem
chamados. Passados alguns minutos, Mitre mandou convidar Flores e Polidoro
para cumprimentarem López e a assistir à conferência. O comandante brasileiro
respondeu que, estando ali o general em chefe, sua presença era desnecessária.
Flores seguiu e foi apresentado a López, que o acusou de ter sido o causador da
guerra ao procurar a intervenção brasileira em Montevidéu, a que Flores
respondeu desejar, como quem mais o fizesse, preservar a independência da
Banda Oriental.
A discussão não ficou resolvida, pois Mitre se apoiava no tratado da Tríplice
Aliança e López não aceitaria os termos que estavam previstos nas cláusulas do acordo.
Enquanto isso, as nações vizinhas Peru, Bolívia e Chile protestavam pra que a paz se
consumasse no território guarani, em decorrência da matança que ocorria naquele país. Na
Argentina foi considerada uma saída possível, já que a guerra era impopular. Com isso, o
Imperador desconfiava da diplomacia do líder argentino que poderia estar negociando a
paz em desacordo ao tratado da Tríplice Aliança.
A figura 14 sugere um diálogo tranquilo entre os chefes de estado e exclui a
participação do der uruguaio Venâncio Flores. Por ser o encontro digno de menção a
imagem reproduz parcialmente uma provável cena que colocou os personagens centrais da
contenda lado a lado e suas tropas a espreitar a reunião que, embora fosse um encontro
entre cavalheiros, o momento não era de cortesias e muito menos de confiança mútua.
Dez dias depois, em 22 de setembro ocorre a batalha de Curupayti, na qual os
aliados o aniquilados diante da fortaleza. Tamandaré não aceitava as recomendações de
Mitre e este, por sua vez, criticava a esquadra imperial que deveria abrir caminho com os
encouraçados. A pesada derrota imposta aos aliados mostrou que faltava uma centralização
das ordens e, sobretudo, uma sincronização que fizesse as forças navais e terrestres
atacarem juntas o forte. Envolvidos numa disputa política, os deres aliados caíram em
torno de Curupayti e, logo em seguida, Mitre se retira do teatro de operações para abafar
uma insurreição interna que ameaça a estabilidade na Argentina. Flores também se volta
para seu país e uma pressão internacional, promovida pelos Estados Unidos o país tinha
simpatias com o Paraguai é colocada em discussão para se chegar a um consenso entre os
beligerantes. Para Doratioto (2002, p. 252)
a derrota aliada em Curupaiti também produziu péssimo efeito no Brasil e, em
círculos poticos no Rio de Janeiro, chegou-se a levantar a ideia de estabelecer a
paz com Solano López. A iniciativa não prosperou devido á oposição de dom
Pedro II, que, segundo o representante britânico e o português no Rio de Janeiro,
se mostrou disposto a abdicar do trono, se os deputados não atendessem a seu
desejo de continuar a guerra.
A partir da negativa em promover a paz o Império se isola na continuidade do
conflito, tendo a Argentina uma montonera a ser abafada e o Uruguai com participação
simbólica no confronto.
A sequência das imagens é reveladora conforme figura 15: Cándido López
representa com verossimilhança o ataque e desfecho da batalha de Curupayti. Na primeira
imagem acontece o avanço da cavalaria e infantaria aliada e corpos sem vida cobrem o
cenário ampliado em perspectiva, com céu parcialmente encoberto pela fumaça dos
disparos de canhões.
Na segunda cena Cándido López altera o ponto de vista do cenário como se
estivesse do lado paraguaio, ou melhor, a composição está num ponto que
presumivelmente não seria a do artista argentino. Ora, ou se está de um lado na guerra ou
se está de outro, explicando melhor, não é possível para um militar argentino mesmo sendo
artista vislumbrar uma cena do lado inimigo. Isto vale para todo tipo de imagens e não
somente as pinturas. Os paraguaios esperam o avanço dos inimigos para desferir o golpe
fatal, promovendo severas baixas nos exércitos aliados que tentam inutilmente chegar a
trincheira guarani.
Na terceira representação visual da batalha o campo está recheado de cadáveres,
num cenário que se mistura o banhado com o sangue dos soldados. Nas imagens de
Cándido López, os exércitos aliados tem a vestimenta de cor azul enquanto os paraguaios
usam vestes de cor vermelha. Contudo na terceira cena os corpos ao chão estão divididos
entre as duas cores, sendo uma das interpretações possíveis uma significativa suavização
das perdas aliadas no ataque a fortaleza paraguaia.
Este tipo de imagem não deixa de ser significativa na medida em que narra
visualmente a batalha. Contudo, de se verificar que esta cena reduz as pesadas perdas
aliadas e, além disso, uma cena ampla, de longo alcance e em profundidade, atenua um
provável impacto que pode atingir os leitores pelo distanciamento dos detalhes que são
fundamentais na leitura e interpretação da imagem. Destarte, é possível ver nos detalhes da
imagem feridos sendo carregados e outros sendo executados a queima roupa, além, dos
saques aos soldados falecidos. Em síntese, a obra não deixa de ser uma imprescindível
representação, rica em informações a ser analisada pelos pesquisadores.
Fig. 15. Revista Super interessante, ano 13, nº 9, setembro de 1999. p. 32-41.
Os vários equívocos, por parte dos aliados, que causaram o desastre de Curupayti
fizeram com que suas tropas ficassem estagnadas durante catorze meses. Conforme declara
Thompson “depois dessa batalha, não houve [...] nenhuma ação de importância, até que os
paraguaios incendiaram e saquearam o acampamento aliado de Tuiuti” (1869, p. 146). Para
Salles (2003, p. 66-7) o ataque teve êxito na medida em que fora de surpresa, contudo,
devido às tropas guaranis terem se jogado ao saque do acampamento ainda no embate e,
em consequência disso, concedeu tempo para os inimigos se sobrepujarem na contra
ofensiva e repelir os paraguaios “o episódio atesta a falta de comando, mas também de
penúria em que se encontravam os paraguaios”.
Em 13 de janeiro de 1868, Mitre se retira dos acampamentos para reorganizar a
Argentina e neutralizar os levantes internos que desgastavam o país. Então o líder portenho
passa a Caxias o comando-em-chefe das operações no Paraguai. Caxias reorganiza o
exército e obtém melhorias na logística. Com isso, centraliza as tomadas de decisões e
unifica as ões fluviais e terrestres para tomar Curupayti e, em seguida, a poderosa
fortaleza de Humaitá. Para tanto, em 15 de agosto de 1867 os encouraçados imperiais
atravessam a fortaleza de Curupayti. Thompson destaca que
[...] o Almirante Ignácio hasteou as bandeiras da Tríplice Aliança, e com dez
encouraçados, passou pela bateria de Curupayty [...]. A passagem de Curupayty
teve como resultado levar os paraguaios a compreenderem que contra
couraçados nada podiam fazer com sua artilharia de pequeno calibre. López
anunciou ao exército que permitira à esquadra passar Curupayty para fazer as
tripulações morrerem a míngua, pois a esquadra não poderia receber suprimentos
onde se encontrava entre Curupayty e Humaitá, - e que ela teria em breve de
tornar a descer o rio passando por Curupayty, quando então os paraguaios a
afundariam (1869, p. 74-5).
A estratégia era isolar Humaitá cortando as comunicações entre a fortaleza e a
capital fornecendo condições para a esquadra imperial controlar os rios e disponibilizar
condições logísticas para as tropas avançarem. Diante dessa possibilidade o exército aliado
fecha o cerco para encurralar os paraguaios em Humaitá e, assim, abrir caminho com a
esquadra encouraçada, atacando a fortaleza por água e terra. Thompson comenta que “[...]
Cinco encouraçados deitaram ferros à vista da igreja de Humaitá, e bombardearam-na
durante meses, pois era ela quase que a única coisa que podiam ver em Humaitá [...]”
(1869, p. 75).
Para Doratioto “em fevereiro de 1868, portanto, o almirante José Ignacio não mais
dispunha de argumentos para justificar sua inércia diante de Humaitá. Nem sequer podia
argumentar que havia interesse argentino em levar a esquadra à destruição, pois o era
mais Mitre o comandante-em-chefe” (2002, p. 320). Outro fato marcante são as correntes
que os paraguaios esticaram para interromper a passagem da Esquadra Imperial. Essas
correntes foram amarradas ao longo do rio para impedir que os encouraçados brasileiros
passassem por ali. Infelizmente não se tais correntes na fotografia relativa ao episódio,
conforme figura 16.
Fig. 16. Vista que a esquadra brasileira tinha da fortaleza. Coleção Cristian Favier Dubois.
A fortaleza de Humaitá era temida pelos Aliados e muito segurou, ou pelo menos
atrasou o avanço da marinha imperial até Assunção. “[...] Foi preciso mais de um ano
(agosto de 1868) até que Humaitá fosse finalmente ocupada [...]” (BETHELL, 1995a, p. 19-
20). A figura 16 tenta representar a visão dos militares a partir dos encouraçados
brasileiros. A fotografia não deixa de ser uma composição típica do culo XIX em que a
paisagem é equilibrada, monótona, sendo que as linhas do horizonte dividem exatamente a
imagem em duas partes proporcionais. É possível reparar no espaço concedido ao céu ser
do mesmo tamanho para a terra e água. Do conjunto de imagens
14
disponíveis sobre o
episódio da ocupação da fortaleza percebe-se no conteúdo principal das imagens o cenário
específico da barranca, o que é passível de especulação do porquê do restante do forte não
ser representado nas fotografias. Fato que determina um silenciamento das cenas que
podem ter sido vislumbradas por ali.
Como foi única construção que se percebia da fortaleza, a igreja foi bombardeada
constantemente, como demonstra a figura 17 tomada em seu interior. Uma vez ocupada a
mitológica fortaleza, alguns personagens foram conferir os estragos e aparecer na imagem
fotográfica. É possível asseverar que a fotografia da igreja de Humaitá foi utilizada como
14
As imagens fotográficas do episódio podem ser vistas em Cuarterolo, Miguel Angel. Soldados de la
memoria: imágenes e hombres de la Guerra del Paraguay. p. 60-69.
forma de provar o poderio armado brasileiro e, mais ainda, dizer para os vizinhos sul-
americanos a não desafiarem o Império, pois os resultados estão bem diante da visão. O
documento visual poderia ser utilizado, dentre tantas opções possíveis, para mostrar até
mesmo para os aliados argentinos e uruguaios que não duvidassem da força da monarquia.
Enfim, a representação visual da caída da mítica fortaleza é uma prova cabal do que
poderia acontecer para aqueles que tentassem confrontar o Império e seus interesses.
Para o Império foi um grande feito das suas armas e amplamente festejado, pois a
guerra estava em seu terceiro ano e extremamente impopular. Para celebrar o
acontecimento o fotógrafo Carlos sar foi encarregado para registrar o épico e decisivo
episódio da campanha. Mesmo que a esquadra imperial tivesse atravessado a fortaleza
ainda assim a total ocupação ocorreu somente em cinco de agosto, exatos seis meses
posteriores, data que provavelmente foram obtidas as fotografias de Carlos César.
Fig. 17. Carlos César. Interior de la iglesia de Humaitá. Albumina. 1868. 13x18cm. MHN.
Com a passagem de Humaitá ocorrida em 18 de fevereiro de 1868 o caminho
fluvial para Assunção estava aberto. A cidade foi evacuada pelos habitantes que ainda
permaneciam por tão logo souberam que os couraçados brasileiros subiam o rio
Paraguai. A esquadra imperial, assim, aporta na capital paraguaia quatro dias após ter
cruzado Humaitá não sem antes bombardear o palácio de Solano López, de acordo com a
figura 18.
Segundo o coronel Centurion “El 5 de enero de 1869 los brasileños entraron a
Asunción, aquela ciudad solitaria y silenciosa por cuyas calles solo cruzaban hambrietas
ratas [...] fue ocupada e saqueada por los brasileños de uma manera bárbara. Los
vencedores entraron a saco” (apud Cuarterolo, 2001, p. 70). Na verdade a cidade fora
realmente saqueada pelos soldados brasileiros, embora analisando a fig. 18 não seja
possível afirmar tal evento.
Fig. 18. Sem autoria. Palácio de López bombardeado. 1870. Coleção M&MC.
O rio Paraguai corre atrás do palácio e pode ser observado o esvaziamento devido
as janelas abertas e a edificação em ruínas. Ao que indica a fig. 18 o palácio fora bem
avariado pela esquadra, contudo não evidências das bombas que podem ter atingido a
construção arquitetônica, pois certamente as bombas caíram do outro lado, de frente ao rio
Paraguai. O ponto de vista adotado pelo fotógrafo aqui representa o ocultamento dos
prováveis estragos feitos pelas bombas aliadas.
E ali se instala o governo provisório a mando dos exércitos aliados. Contudo o
embate não cessa e López resiste aos avanços aliados que vão dizimando o povo guarani.
Portanto, torna-se imperativa uma reflexão que trate dessa tenaz resistência que o líder
guarani impõe aos aliados e, também, ao seu povo que denodadamente resistiu às piores
condições. A fome era a principal delas e, analisando alguns retratos de crianças (fig. 37),
observam-se corpos esqueléticos que expressam com veracidade a situação de inanição a
que foram impelidas a viver, sobretudo nos atos finais da campanha, em 1869-1870.
Solano López esperava o auxílio do exterior para por fim ao conflito. Uma das
hipóteses seria a de que os Estados Unidos interviessem a favor do Paraguai devido a
simpatia que nutriam pelo país guarani. Até tentaram, mas sem sucesso. Outra hipótese é a
de que os vizinhos da América do Sul também se levantassem contra o Império, fato que
até ocorreu na Bolívia e logo fora abafado. Uma terceira, mais provável, é que na
Argentina se formulasse um levante antimitrista que até mantinha correspondência com
López que depusesse o líder presidente da Argentina. Até surgira, durante o conflito com
o Paraguai e fez com que Mitre se afastasse da campanha para retornar a Buenos Aires
para conter e asfixiar os insurretos. Algumas destas ou uma parcela de cada uma, mais a
inflexibilidade do imperador brasileiro, explica-se no todo ou em partes o prolongamento
do conflito até a captura de Solano López.
Após as escaramuças entre os beligerantes que, do lado aliado se dividiam entre
reconhecimento do terreno e deslocamento de tropas e, do lado paraguaio López se
fortificando atrás de trincheiras e a busca incessante da melhor maneira de defender suas
posições, chega finalmente o fatídico mês de dezembro e as lutas encarniçadas intituladas
de Itororó, no dia 6, Avaí no dia 11 e Lomas Valentinas entre os dias 21 a 27. Em Itororó
ficou marcada pela tomada e retomada de uma ponte de três metros de largura, conforme
destaca Ricardo Salles (2003, p. 67). No auge do combate, os aliados retrocedem sob
intenso fogo inimigo para, em seguida, Caxias lançar-se a um avanço suicida na ponte para
levantar o moral das suas tropas. Foi um alto risco a ousadia de Caxias e caso fosse morto
a guerra poderia ter tomado rumos diferentes. As baixas foram pesadas de ambos os lados
e Caxias se ressentia da falta de disciplina e espírito de combate de suas tropas e seus
comandantes, pois tinham recuado evitando o confronto com o inimigo.
Na Batalha do Av novamente as tropas brasileiras fraquejaram diante do inimigo e
começaram a debandar. Osório fora atingido e posteriormente obrigado a parar de
comandar suas tropas enquanto Caxias novamente teve de interferir para evitar a
debandada brasileira. Decepcionado com certas atitudes vergonhosas das suas tropas
Caxias relata que muitos oficiais foram perdidos pela indisciplina (DORATIOTO, 2002, p.
366). A citação de Doratioto vai a direção oposta da pintura histórica feita por Pedro
Américo que enaltece exatamente esse exército que tanto decepcionara Caxias. Outro
ponto de reflexão em torno da obra é a utilização da fotografia para representar, com certo
realismo, alguns personagens da batalha.
Vladimir Machado
15
defende a tese de que Pedro Américo lançava o da
fotografia para a consecução de suas obras e particularmente na Batalha do Avahy. O
pintor projetava as fotografias na lanterna mágica instrumento que atuava como uma
espécie de retroprojetor nos dias atuais para pintar com mais fidelidade e realismo suas
obras. O instrumento era popular e ilustrava o frontispício do periódico Semana Illustrada.
O gigantesco quadro fora uma encomenda do governo imperial ao artista que
produziu na cidade italiana de Florença, entre os anos 1872 e 1877. Segundo André Toral,
em comparação entre os artistas, ressalta a fidelidade de Américo em relação ao
academicismo de Meirelles em que o autor assevera “Meirelles seria o representante de um
romantismo anacrônico, juntamente com José de Alencar e outros, ligados à estética oficial
e ultrapassada do império; Pedro Américo seria possuidor de uma representação mais
realista, mais „moderna‟, de acordo com a „verdade dos fatos‟ (2001, p. 116-9).
Pedro Américo seria, nesse pensamento, mais adequado a seu tempo com sua obra
um tanto mais verossímil em relação a pintura acadêmica que se fazia até então. Para
Ricardo Salles (2003, p. 192) num ambiente pós-guerra em que a República já era uma
realidade, a ideologia dominante necessitava celebrar os feitos nos campos de batalhas do
Paraguai e, por isso, nada melhor que a pintura como ferramenta mnemônica para
cristalizar a ação civilizatória do país ao Paraguai “[...] Esta memória não escapou ao
contexto profundamente conservador da República pós-escravista, social e politicamente
excludente, cuja auto-imagem dominante se queria branca ou em processo de
branqueamento. [...] O fato de tal ação tivesse sido levada a cabo por soldados em sua
maioria negros, muitos dos quais libertos, representava uma lembrança incomoda”.
Situação verídica quando se confronta a pintura de Américo a fotografia da morte do Cel.
Palleja (fig. 23) sendo carregado pela maioria de soldados negros, mesmo sendo um
batalhão uruguaio.
15
Em artigo publicado no sitio www.dezenovevinte.net/obras/obras_pa_avahy.htm, acessado em 23/02/2009.
Fig. 19. Pedro Américo. Batalha do Avahy. Óleo sobre tela. 1877. 5x10m. Florença. MNBA.
Na terceira fase do conflito o der guarani reorganizou seu exército a maioria de
jovens e crianças de dez a quinze anos e praticou táticas de guerrilhas bem sucedidas até
seus combalidos exércitos serem exterminados na batalha de Acosta Ñu, ou Campo
Grande, em agosto de 1869 (BETHELL, 1995a, p. 20). No entanto, a penosa guerra ainda
não acabara devido a escapada de Solano López para o interior do país.
Muito se disse sobre a atuação de Caxias, quando houve rumores de que López
tenha fugido às vistas das tropas imperiais. Não se tem documentos que possibilitem a
comprovação da fuga facilitada. É uma suposição acreditar no argumento de que Caxias
teria acertado com o militar americano MacMahon, ambos maçons, a fuga com a promessa
de que López sairia do país. Por outro lado, tem-se a explicação de que, tomada Assunção
pelas tropas Aliadas e o exército paraguaio arrasado, Caxias tinha dado por fim a guerra.
Outro elemento de dúvida e que explica tal situação seria a possibilidade de Caxias estar
fatigado do conflito, já na idade septuagenária e com o estado psicológico abalado diante
da carnificina que as batalhas tinham produzido na fase final da contenda. Não se tem base
documental sobre tal situação e apenas o hipóteses e especulações que circulam ante tal
fato. Inexistem, porém, documentos com razoável confiabilidade que permitam afirmar,
com seriedade, que possivelmente Caxias deixou Solano López fugir: todos os relatos
nesse sentido dão como fonte um boato que corria por entre a tropa” (DORATIOTO, 2002, p.
382). Conclui-se que a Guerra, a partir de Acosta Ñu, durou até um ano e meio após a fuga,
tempo que fora necessário para dar cabo ao líder ou, ditador paraguaio. Solano López ainda
resistiu por seis meses até ser encurralado em Cerro Corá, em 1° de março de 1870.
Fig. 20. Domingos Teodoro de Ramos. O cabo chico diabo do diabo chico deu cabo. Óleo sobre zinco,
1908. CLCMA.
A imagem que melhor sintetiza o acontecimento que colocou fim a Guerra é de
Domingos Ramos, escravo liberto que fora lutar nas frentes de batalhas Aliadas. O artista
deixou vasta obra que fora incinerada no início da década de 30 por não ter valor artístico
por um administrador europeu da indústria têxtil de seus ex-senhores, onde trabalhava
(TORAL, 2001, p. 120). Nota-se que está muito próxima da composição litográfica que será
estampada no periódico Semana Illustrada, conforme fig. 61. O quadro pictórico é bem
distinto do estilo da pintura oficial do período e mostra a lança do cabo Lacerda, apelidado
Chico Diabo, perfurando o corpo de Solano López. Não cabe aqui a discussão que trata das
versões que envolvem o cerco e a morte de Solano López, mas o certo é que com ele foi
morto também seu filho que tinha o posto de oficial com apenas quinze anos. Assim ambos
foram enterrados juntos pela sua companheira Alicia Linch e a Guerra foi dada como
encerrada, após cinco anos de lutas renhidas em campo alagados e pestilentos, onde a fome
foi a maior causadora de baixas nas fileiras beligerantes.
Cercada de controvérsias e aproximações, as representações da Guerra não deixam
de evocar uma faceta da realidade, na qual cada autor ou artista narra sua história a partir
de seus compromissos ideológicos e de acordo com seus interesses. Independentemente do
tipo de representação a ser analisada, cabe ao pesquisador questionar seus documentos,
procedimento que pautou estas reflexões, não para encontrar uma realidade possível de ser
apreendida, mas compreender as motivações e conceitos que influenciaram os atores
sociais a lançarem suas fontes para a posteridade, de que maneira fizeram isso e qual a
intenção que estava impregnada implicitamente nos códigos verbais ou visuais.
Fig. 21. Mapa da região do conflito com suas principais batalhas. Reproduzido da obra de Cuarterolo (2000)
que extraiu do livro de George Thompson, 1870.
II A Fotografia na cobertura da Guerra do Paraguai
As fotografias não mentem, mas mentirosos podem fotografar.
Lewis Hine (1874-1940)
Neste capítulo a preocupação consiste em examinar as fotografias sobre a Guerra da
Tríplice Aliança contra o Paraguai tendo como objetivo a representação visual do conflito.
Para tanto, a proposta será de identificar qual a mensagem de cada fotografia, seus pontos
em comum, suas contradições e os temas a que os fotógrafos nos acampamentos aliados
lançaram mão para representar a guerra. Inclui-se nas análises a comparação com outros
suportes imagéticos, principalmente a litografia que fora o modo de reproduzir as
fotografias naquele período, além de confrontar as imagens com outros tipos de fontes.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que as fotografias se materializaram entre os
carte-de-visite que os estúdios ofereciam para as centenas de soldados que iam para a
guerra com finalidade de lembrança e recordação daqueles que muitas vezes não voltavam.
Em segundo lugar, tem-se as imagens panorâmicas sobre as paisagens dos acampamentos
militares aliados, sendo que o espaço registrado pelos fotógrafos privilegiou a ação
armada. Algumas fotos representam a tecnologia empregada na guerra como é o caso das
fotos da frente de batalhas mostrando a ação bélica que se desenvolvia no campo e o
poderio aliado com seus canhões enfileirados para conter e atacar as ações inimigas. Outra
representação comum nas fotografias são os assuntos religiosos, padres, igrejas e
procissões que aparecem nas imagens para destacar a devoção das tropas e pedir proteção
aos céus. Pouco destaque para o papel feminino na guerra salvo algumas exceções como
foi o caso da brasileira que incorporou as tropas imperiais disfarçando-se de homem
16
.
Crianças também aparecem nas imagens geralmente de forma famélica, com as barrigas
inchadas e braços e pernas finos realçando a fome que rondava pelo lado guarani. Pouca
atenção foi dada pelos fotógrafos para as perdas humanas no conflito: a menor parte das
fotos são aquelas que apresentam o saldo dos combates em que corpos dilacerados estão
cobrindo boa parte da paisagem desoladora.
As fotografias contribuíram muito para o silêncio dos problemas dos acampamentos
aliados: centenas de homens, mesmo seguindo ordens de generais e comandantes, tinham
problemas com bebidas, roubos e a própria assepsia do local aonde acampavam. Quanto à
16
Sobre o fenômeno Jovita Alves Feitosa ver a pesquisa de Pedro Paulo Soares. A Guerra da Imagem:
Iconografia da Guerra do Paraguai na Imprensa Ilustrada Fluminense. (Dissertação). UFRJ/IFCS/Programa
de Pós-Graduação em História Social, 2003. No quarto capítulo o autor se debruça sobre a mulher que
incorporou-se ao exército para lutar no Paraguai e a propaganda imperial que forjou ampla rede de
informações para incentivar os homens ao alistamento.
fotografia praticada no Paraguai, o país guarani não possuiu fotógrafo que tivesse
acompanhado suas tropas. Por isso se exclui uma tentativa de colocar por hipótese que
houve uma guerra de imagens no campo da fotografia, como foi o caso da caricatura na
imprensa, conforme debatido por Mauro César Silveira (1996). Algumas exceções de fotos
do lado paraguaio estão relacionadas a Solano López e sua companheira, Alísia Linch.
Enfim, resta saber como foi a representação fotográfica do conflito que ceifou milhares de
vidas da população dos quatro países envolvidos na contenda.
As fotos aqui utilizadas são de segunda geração, tendo em vista que foram extraídas
dos livros de Ricardo Salles e do argentino Miguel Angel Cuarterolo. A maioria delas sofre
com a ação do tempo e, portanto, alguns danos são percebidos nas imagens. No entanto, as
imagens não sofreram nenhuma distorção sobre objetos, personagens e cenários que
adulterasse o conteúdo original das fotografias. Cabe destacar, ainda, que as fotos fazem
parte de álbuns referentes à guerra, tais como: Álbum de retratos e vistas referentes ao
Paraguai, Lembrança do Paraguai e Excursão ao Paraguai, além de outras fotografias
que estão arquivadas independentes na Biblioteca Nacional.
A fotografia de meados do século XIX havia consolidado, no pensamento
positivista daquele período, a crença de que “o caráter de prova irrefutável do que
realmente aconteceu, [...] transformou-a num duplo da realidade, num espelho, cuja magia
estava em perenizar a imagem que refletia (MAUAD, 1996, p. 74). No mesmo sentido,
Jorge Pedro Sousa (2004, p. 33) enfatiza que a fotografia se favorecia dos atributos de
prova, testemunho e verdade que à época lhe estavam profundamente associados e que a
credibilizavam como o „espelho‟ do real”.
As guerras logo foram motivos de interesse para fotógrafos e em meados do século
XIX foi um momento em que os conflitos bélicos foram acontecimentos marcantes entre
os países industrializados. Logo, os fotógrafos apontaram suas lentes para os diversos
conflitos ocorridos no período ao redor do globo. A guerra como tema privilegiado se
explica nas palavras de Sontag (1981, p. 18) “[...] embora o termo acontecimento tenha
passado a significar, precisamente, aquilo que é digno fotografar, ainda assim é a ideologia
[...] que determina o que constitui acontecimento”. As guerras são disputas também no
campo ideológico e o tipo de evento que mobiliza a sociedade, pois dela depende o
governo para enviar material humano nas frentes de batalhas. A guerra também é um
evento de interesse da sociedade, interesse que antes da fotografia era representado através
das pinturas que geralmente os governos solicitavam aos seus artistas para a representação
das glórias e conquistas nacionais. Simultaneamente ao interesse da sociedade em “ver” a
guerra de forma mais próxima possível e em tempo real”, a imprensa se adequava à nova
circunstância e assim surgiam os jornais ilustrados que concediam boa parte de seu espaço
para a divulgação das imagens do front. Os jornais, inclusive, tinham como grande atrativo
as imagens enviadas diretamente das batalhas ou os relatos verbais que eram transformados
em ilustração para tornar a guerra mais real e próxima do grande público.
Durante a Guerra do Paraguai, nos anos de 1864-70, a tecnologia proporcionava
condições de captação das cenas cotidianas, sendo que os fotógrafos lentamente saíram dos
estúdios para registrar a vida em sociedade nas ruas e praças, sempre com o interesse de
capturar os fenômenos das cidades e da vida moderna. Conforme salienta Jorge Pedro
Sousa (2004, p. 29)
As exigências do público, dos profissionais e dos consumidores levam [...] a
avanços tecnológicos, que permitirão ganhos para o conteúdo das fotografias. É
desta forma que a evolução da temática fotográfica do culo XIX é
acompanhada por conquistas técnicas. Entre elas, avulta a diminuição dos
tempos de exposição, ligada à melhoria da qualidade das lentes e à adoção de
novos processos, como o do colódio úmido (cerca de 1851).
Para Cuarterolo (2000, p. 07) a Guerra contra o Paraguai se destaca dentre os
grandes eventos bélicos que foram registrados pelas lentes fotográficas do século XIX,
juntamente com a Guerra da Criméia (1854-56) e a Guerra da Secessão norte-americana
(1861-65). Algumas dificuldades restringiam a atuação dos fotógrafos no palco das
batalhas. O que caracteriza o tipo e a cobertura dada nestes conflitos é a limitação técnica
do aparato fotográfico, sendo que a câmera ainda era um objeto grande e os tempos de
exposição eram relativamente lentos para congelar a ação no momento em que ela se
desenvolvia. Portanto, fica evidente que as imagens das batalhas dificilmente mostram o
desenrolar de um combate, ainda que existam algumas tentativas bem sucedidas de
fotografias de instantâneo. Algumas imagens revelam o saldo dos combates, que nada mais
são que os corpos dilacerados. Não se na fotografia aquela imagem tradicional da
pintura de batalhas, ao longe e acima da colina, ponto privilegiado do artista para pintar a
batalha como espécie de testemunha ocular. Outro problema era carregar o imenso material
de laboratório para revelar as chapas fotográficas, sendo que o processo do colódio úmido
o melhor aentão para obter uma boa definição da imagem, com chapas de vidro que
deveriam ser emulsionadas pouco antes de carregar a câmera e, imediatamente, fotografar
e revelar o suporte fotossensível era o mais avançado em termos tecnológicos. De acordo
com Cuarterolo (2000, p. 12)
Los corresponsales de guerra del siglo XIX fotografiaban sobre placas de vidrio
emulsionadas con colodión húmedo, un proceso fotográfico que proporcionaba
negativos de buena nitidez a partir de los cuales se poa obtener un número
ilimitado de copias en papel albuminado. [...] El proceso produjo una revolución
en el desarrollo de la fotografía y un gran impulso en el registro documental,
porque permitía acortar los tiempos de exposición en la cámara.
A fotografia se desenvolveu de forma comercial durante a campanha no Paraguai
sendo que não houve censura por parte dos governos beligerantes e, assim, os fotógrafos
gozaram de certa liberdade na reprodução fotográfica dos eventos. Isso se explica pelo fato
de que a fotografia era um procedimento dispendioso e para poucos. Conforme André
Toral (2001, p. 82) “É nesse quadro de crescimento da importância comercial da fotografia
que devem ser buscadas as origens do tipo de cobertura dada à Guerra do Paraguai”.
A Companhia Bate y Cia de Montevidéu foi o principal estúdio que enviou
fotógrafos ao palco das batalhas, mesmo não sendo uma iniciativa do governo uruguaio. Já
o Império, durante a tomada e caída de Humaitá, mandou um fotógrafo para registrar as
ruínas da fortaleza, o que certamente era um prenúncio do fim. De acordo com as
asserções de André Toral (2001, p. 85)
Os fografos seguiram os exércitos aliados entre 1864 e 1870 no Brasil,
Argentina e interior do Paraguai. [...] fotógrafos que estiveram no teatro de
operações” militares atuaram em Uruguaiana, Corrientes e Rosário, na fase
inicial da guerra; depois, no extremo sul do terririo paraguaio, Tuiuti, Paso da
Pátria e Tuiu-Cuê, acampando junto aos exércitos aliados; estiveram em Humaitá
sitiada e ocupada e, finalmente, em Assunção, na última fase.
Ainda gera confusão a autoria das fotografias obtidas pela Bate y Cia. Para Toral
(2001, p. 90) o fotógrafo do estúdio foi o uruguaio Esteban Garcia, realizados entre abril e
setembro de 1866
Garcia deixou registrada a crueza da vida de trincheira: os soldados e oficiais
uruguaios, brasileiros e argentinos, hospitais e missas, prisioneiros paraguaios,
baterias de artilharia, o front com as linhas inimigas ao fundo, cadáveres
paraguaios abandonados etc.
Cuarterolo (2000, p. 32) destaca que a cobertura fora feita por outro fotógrafo,
notícia que foi publicada no jornal da época “[...] El Siglo anunció que Javier López,
comisionado por la compania Bate, regresaba a los campos de batalla com una nueva
cámara de fabricación norteamericana y dos ayudantes para seguir „la tarea empezada com
tanto éxito”. a dúvida se Esteban Garcia foi, na verdade, auxiliar de Javier López. Este
fator é uma constante no que tange a documentação fotográfica da guerra: pouco se sabe
sobre os fotógrafos e menos ainda se a autoria é mesmo dos fotógrafos citados, com
algumas exceções.
Fig. 22. Tenda fotográfica da Bate y Cia em Tuiuti, 1866. (BNU)
A fotografia (Fig. 22) mostra uma barraca que tem como utilidade servir de
laboratório e dormitório para os fotógrafos da Bate y Cia. Como antes citado, as chapas em
colódio úmido que serviam de negativos para a captação das fotos deveriam ser
emulsionadas e reveladas em seguida para o perder a chapa sensibilizada pela ação da
luz. O elemento principal desta fotografia está na barraca com a inscrição Bate y Cia.
Fotógrafos”. Pelo que se nota através da imagem é a dificuldade do procedimento quanto
ao manuseio do material fotossensível, sabendo-se de que a tenda deveria conter toda a luz
vinda de fora para o correto processamento das chapas. Ao fundo el mangrullo que foi uma
espécie de mirante para a observação a distância do inimigo caso se aproximasse do
acampamento. O que se pode questionar qual o motivo que levou os fotógrafos a ficarem
perto do posto de observação e se existe mesmo alguma relação entre os dois elementos da
cena.
Em outra passagem, Cuarterolo (2000, p. 26) faz referência às fotografias obtidas
em Tuiuti em 1866, nas duas viagens realizadas pela Companhia. Segundo o pesquisador,
na primeira viagem foram registradas 13 imagens e 22 na segunda. A cobertura fotográfica
da Companhia Bate y Cia foi a que mais se aproximou do front e assim se tornou a
representação visual mais verossímil relativas à campanha no Paraguai. Notar, a partir das
imagens, que o fotógrafo não se preocupou em registrar os retratos de oficiais em poses de
heróis, como na pintura histórica, mas, sobretudo, a vida no acampamento Aliado e as
paisagens bélicas que eram formadas pelo exército. Nota-se, em termos de composição,
que os registros de Bate eram um avanço para o período porque tentavam retratar cenas de
ação e movimento, bem diferente das cenas da época que geralmente eram produzidas em
estúdio com os retratados em poses estáticas. Além disso, instantâneos de morte eram uma
novidade para os homens do século XIX e fotografar no calor dos combates exigia não
somente domínio da laboriosa técnica, mas, também, coragem do fotógrafo.
Fig. 23. Bate & Cia W. Muerte del Coronel Palleja, Albumina, 1866, 11x18cm, BNU.
Aqui está a representação da morte (Fig. 23). O registro vale como um instantâneo,
no momento que o Coronel Leon de Palleja jaz sem vida numa maca improvisada para
carregá-lo na batalha de Boqueirão. De acordo com Toral (2001, p. 91) soldados negros
do batalhão uruguaio Florida apresentam armas ao respeitado oficial”. Nas palavras do
capitão Francisco Seeber, citado por Cuarterolo (2000, p. 56) “En medio de un fuego
incesante de tres mil enemigos que causaba un estrago tremendo, el batallón Florida que
comandaba Palleja presentó armas cuando retiraban el cadáver de su jefe. Fue uma
ceremonia tocante pero poco militar porque los soldados suspendian el fuego”. Repara-se
que a bandeira da jovem república do Uruguai enrolada nas pernas do coronel sugere um
patriotismo pelas causas nacionais e que o coronel foi um exemplo de coragem e bravura,
dedicando sua vida em prol das causas do conflito. De acordo com Susan Sontag (2003, p.
50) “[...] Seja como for, a foto conserva seu encanto de época e sua autenticidade como
celebração de um ideal, hoje extinto, de firmeza e de sangue-frio nacionais”.
É bem o que representa a fotografia da morte do Cel. Palleja para a sociedade
daquele período, ainda mais com a bandeira uruguaia envolvida em torno de suas pernas.
Interessante notar que, ao fundo da fotografia não é visível o espaço geográfico, que
certamente daria uma noção ao leitor para a situação em que a tomada da cena fora
registrada. Fotografia simetricamente composta, em que os elementos constituintes da
imagem estão equilibrados e o assunto principal encontra-se no centro visual da imagem.
Ainda no centro da foto está um soldado com a mão esquerda no peito, o que caracteriza
um pesar para o falecimento do coronel (supõe que o coronel fosse respeitado pelos seus
comandados). Destaque também para o número de participantes da cena: o falecimento
poderia ter sido um acontecimento raro para o exército uruguaio, tendo em vista que a
fizeram pose para a obtenção da fotografia. Caso a foto tivesse apenas os dois soldados que
carregam o coronel daria outra interpretação para a imagem, o vazio de elementos
humanos poderia ser interpretado como sem relevância, como se o fato fosse natural ante a
uma batalha que teve pesadas baixas aliadas. Vale destacar que o estúdio Bate y Cia estava
sediado em Montevidéu e, em vista disso, seus fotógrafos estavam vinculados às tropas
orientais, o que favorece na escolha do fotógrafo em captar a cena num momento de
periculosidade, no calor da batalha e no momento da morte do coronel uruguaio. Pela
aparente tranqüilidade dos retratados é de se supor que a fotografia teria sido captada num
ponto seguro do terreno belicoso e soma-se a isso o ardiloso processo da obtenção da
imagem fotográfica.
Para Moreiro Gonzáles, (2003, p. 42) as linhas de percurso visual tendem a sugerir
em linguagem visual atual e em que pesem as considerações sobre o movimento dos
componentes da imagem um avanço da direita para a esquerda e, como a leitura ocidental
é da esquerda para a direita, tem-se a impressão de volta, de retorno. No mesmo sentido
quando a imagem é da esquerda para a direita o leitor tem a sugestão de estar num avanço,
numa progressão e, ao contrário, quando o sentido da fotografia está da direita para a
esquerda o que é o caso da foto em discussão a sugestão é de retrocesso e atraso.
Embora esta concepção pareça subjetiva em demasia é significativa para a leitura e
interpretação das imagens em geral. De acordo com Ivan Lima (1988, p. 63) sobre a leitura
visual da fotografia a linha “reta mais simples é a linha horizontal. Ela corresponde, na
concepção humana, à linha ou à superfície do homem em repouso ou morto. A linha
horizontal é, portanto, uma linha fria, calma e tranqüila”. Bem como está composto na fig.
23 em que o coronel está formando uma linha no sentido horizontal, no lado inferior do
retângulo visual. Novamente com Ivan Lima (1988, p. 63) “a sucessão de várias linhas
horizontais necessita, de uma forma geral, de correspondentes verticais para o equilíbrio da
imagem”. Os correspondentes na fig. 23 o os soldados em que vários deles formam retas
verticais dando equilíbrio para a cena representada. Colabora ainda na leitura visual o
retângulo no formato horizontal em que gera no leitor a sensação de calmaria e repouso,
bem de acordo com a morte do coronel, mas não quer dizer que a situação seja esta, pois os
personagens devem estar em meio ao fogo cruzado. Novamente com Lima (1988, p. 65) a
linha vertical sugere a sensação de tensão e calor e acaba por excluir a sensação de
profundidade da fotografia, o olhar penetra livremente no espaço fotográfico e se choca
diante de uma barreira. Para exemplificar melhor o exposto acima, eis, na composição da
fig. 24 a sensação visual da fotografia da morte do coronel.
Fig. 24. Sensação visual na composição fotográfica com as linhas.
O coronel foi o principal cronista da primeira fase da guerra e ele mesmo se
ressentia da falta de um fotógrafo para cobrir as glórias nacionais. Além do mais, é uma
morte única no sentido de que o falecido era um coronel dentre tantos outros soldados que
foram mortos. Retomando Cuarterolo (2000, p. 22) “el coronel León de Palleja se
pregunta, en una crónica publicada en El Pueblo, como habiendo tanto fotógrafo hoy día
em Buenos Aires y Montevideo ninguno se haya animado a seguir a los ejércitos aliados”.
A resposta para o coronel talvez esteja no risco a que se submetiam os fotógrafos no teatro
das operações militares.
em outra passagem, o pintor brasileiro Victor Meirelles em 1866 “se quejaba por
la falta de sentido histórico del gobierno imperial, que no tiene um fotógrafo contratado
para documentar la Guerra contra Paraguay y las glorias nacionales” (CUARTEROLO apud
TURAZZI, 2000, p. 118). Ora, se D. Pedro II foi um grande entusiasta da fotografia
chegando mesmo a ser fotógrafo e o primeiro brasileiro a ser fotografado, com a chegada
do daguerreótipo
17
no Brasil, além de admirador das ciências e das artes e que deixou um
dos maiores acervos fotográficos do país, guardados na Biblioteca Nacional, faz sentido os
questionamentos descritos. Uma hipótese seria a de que não havia interesse do Império na
divulgação daqueles fatos através da fotografia, pois a opinião pública oscilava a favor ou
contrária à guerra. É aceitável que o Imperador sabia muito bem do poder da fotografia na
representação dos acontecimentos ou, pelo menos, como representação verossímil de que a
guerra custava para a sociedade brasileira e, portanto, mostrar a guerra pela fotografia para
uma sociedade que tinha nesse tipo de imagem a crença de verdade absoluta e
inquestionável era o mesmo que dar um tiro no próprio pé. É uma possibilidade que não
tivesse fotógrafo porque não interessava ao Império a representação fotográfica do
conflito, ainda mais pela fotografia com seu poder de realismo e caráter de verdade que se
acreditava naqueles tempos.
Cabe ressaltar que a imagem pode sofrer diferentes abordagens dependendo
daqueles que podem fazer uso dela. Sontag atenta para o fato de (2003, p. 52) “captar uma
morte no momento em que ocorre e embalsamá-la para sempre é algo que as câmeras
17
A invenção da fotografia fora feita em 1839 pelo francês Louis Jacques Mande Daguerre. Colocou seu
nome na novidade em que chapas de metal era o suporte, como são os filmes hoje. O daguerreótipo era
aquisição para poucos devido a seus altos custos e ainda não tinha a capacidade de reprodutibilidade, ou seja,
eram chapas únicas que não podiam ser reproduzidas ao infinito. Pedro Vasquez (2002, p. 08) ressalta que a
chegada da fotografia ao Brasil foi em 1840, pelo ábade francês Louis Compte, e logo o jovem imperador
brasileiro se interessou pelo advento. Assim define Vasquez a daguerreotipia: “a imagem era formada sobre
uma fina camada de prata polida, aplicada sobre uma placa de cobre e sensibilizada em vapor de iodo. Era
apresentado em luxuosos estojos decorados [...] em passe-partout de metal dourado em torno da imagem e a
outra face interna dotada de elegante forro de veludo [...]” (2002, p. 55-6).
podem fazer, e fotos tiradas em campanha no momento (ou imediatamente antes) da morte
estão entre as fotos de guerra mais festejadas e mais frequentemente reproduzidas. Cabe,
portanto, questionar por onde circulou essa imagem, se foi reproduzida em alguma dia:
livro, jornal, álbum, lembrando que Sontag nos fala sobre as imagens do século XX, o que
é bem diferente daquelas do século anterior, mas valem suas asserções para a compreensão
dos usos e leituras que as imagens podem fornecer para o público.
Na fig. 25 a fotografia mais dramática da guerra, em que após o final de uma
batalha juntam-se os mortos para que sejam sepultados ou incinerados. Amontoar os
mortos serviria para posterior sepultamento nas valas e trincheiras construídas para a luta e
não seria uma espécie de manipulação ou interferência do fotógrafo para registrar a cena da
carnificina. Nas asserções de Doratioto (2002, p. 221) tem-se a descrição da batalha de
Tuiuti, a maior travada na América do Sul
O terreno ficou coalhado de cadáveres paraguaios, em distância superior a três
quilômetros, e em tal quantidade que nem todos puderam ser sepultados. Eram
tantos mortos que, após 48 horas enterrando-os, os soldados brasileiros,
exaustos, estavam longe de terminar a tarefa. Para evitar doenças decorrentes da
putrefação, os cadáveres inimigos foram empilhados, em montes de cinquenta a
cem corpos, e incinerados, já de noite.
Os montes de cadáveres formavam pirâmides e enquanto eram queimados os
corpos ainda se moviam: “uns abriam desmesuradamente a boca com expressão terrível de
ódio ou raiva; outros ameaçavam o céu com o punho cerrado e braço teso; aquele dobrava-
se formando arco com a união dos pés à cabeça, outro invertia a figura quebrando-se sobre
as costas [...] (PIMENTEL apud DORATIOTO, 2002, p. 221). O impacto é realçado pelo
motivo de que o outro elemento na cena que os corpos. Na foto fica explícito que os
montes de cadáveres sugerem quantidade elevada na mortandade do conflito. Nesse caso o
monte não formou uma pirâmide, pois os corpos estão dispostos na imagem em terreno
plano, o que certamente fosse uma pirâmide de corpos aumentaria a dramaticidade da
fotografia.
As palavras de Sontag são pertinentes para a compreensão do fenômeno da
fotografia de guerra quando a autora ressalta que “as representações mais francas da
guerra, e de corpos feridos por calamidades, são de pessoas que aparentam ser mais
estrangeiras e, por conseguinte, pessoas que tem menos possibilidade de ser conhecidas
(SONTAG, 2003, p. 54).
Fig. 25. Bate & Cia W. Octavo montón de cadáveres paraguayos (fragmento), Albumina, 1866, 11x18cm,
MM.
Com a fotografia o registro ganhava em fidedignidade e dramaticidade numa
espécie de humanização do conflito, além de mostrar o resultado dos combates. Uma
observação interessante é a legenda que segue logo abaixo da foto: “octavo montón de
cadáveres paraguayos leva a crer que as mortes são do lado inimigo, ainda é possível
supor que a morte também chegava aos combatentes Aliados. Por mais vitorioso que o
embate militar tenha se dado e a desproporção de forças, é possível que entre esse monte
de cadáveres tenha os de brasileiros, argentinos e uruguaios, mas não é isso que se
apresenta na imagem, ou melhor, na legenda. Também pela legenda sabe-se que é o
“oitavo” monte e isso revela duas problemáticas: a primeira se refere a tão discutida baixa
nos confrontos e que causa muita divergência sobre os diferentes pesquisadores, o que
caracteriza parcialidade na citação dos dados referentes às perdas humanas. A segunda se
refere à fragilidade do discurso da fotografia: ao mesmo tempo em que mostra a cena da
carnificina do confronto, carregado de detalhes -se o rosto e os membros humanos
dilacerados, ensanguentados e cobertos com panos que revelam uma espécie de
ocultamento, para não mostrar os rostos dos combatentes mortos a imagem é
fragmentária e faz parte de uma escolha do fotógrafo. No momento da seleção da cena
fotografada se subtrai tantas outras possíveis e, portanto, é uma representação que faz parte
da intenção do produtor da imagem.
Além disso, a legenda pode transformar totalmente a interpretação que se tem da
imagem. Se na legenda contivesse, no lugar do termo “paraguayos”, aliados”, mudaria a
leitura da foto e, consequentemente, a sua significação para o público leitor. Outra
característica que aumenta a carga dramática do evento é por estar o quadro da fotografia
tomado pelos mortos, explicando melhor, toda a cena da fotografia está preenchida pelo
monte de cadáveres excluindo, assim, outros elementos que poderiam amenizar o drama
das mortes. O fotógrafo optou por enfatizar as mortes no conflito, não deixando espaço
para um duplo sentido da imagem. De acordo com Miguel Angel Cuarterolo (2000, p. 23)
Del análisis de estas crônicas periodísticas, que marcan el nacimiento de la
fotografia lica en Sudamérica, surge com claridade el motivo que impulsó a la
companhia Bate a documentar el sitio de Paysandú y, meses después, la Guerra
del Paraguay. Bate había visto la Guerra Civil em los Estados Unidos y quedo
impresionado por el realismo de las fotografias que eran empleadas por los
grabadores de prensa para ilustrar los relatos de los corresponsales de guerra.
É de se supor que, de acordo com a asserção acima, Bate tinha contato com as
fotografias da Guerra de Secessão norte-americana, travada entre 1861-65 e que serviu de
referência para as crônicas fotográficas da Guerra do Paraguai. É possível comparar, de
acordo com a imagem (Fig. 26), para exemplificar ao que foi referido sobre a semelhança
entre as imagens, retratadas em guerras com contextos diferentes e quase que simultâneos,
embora exista diferença de composição: a dos corpos paraguaios amontoados e a da guerra
americana em profundidade, com os corpos distanciados uns dos outros.
Fig. 26. Timothy O'Sullivan, Harvest of Death
18
(4th July, 1863)
18
Colheita da morte.
O impacto da fotografia de Bate é maior em relação à foto de Timothy O´Sullivan,
sobretudo pela proximidade entre a cena e o fotógrafo. Além disso, na foto de Bate estão
os cadáveres amontoados, uns em cima dos outros dando a entender uma mensagem de
quantidade, como tentativa de demonstrar a carnificina provocada por uma guerra que foi,
até onde se sabe, impopular. Através da fotografia de O‟Sullivan, tem-se a legenda como
“colheita da morte” provocando um sentido de plantação, agricultura pelo campo coberto
de corpos sem vida. O impacto desta fotografia está ainda na profundidade da cena,
explicando melhor, com os corpos em primeiro plano que tomam grande parte do espaço
da tela fotográfica - seguem-se outros corpos em menores proporções, mas, também,
fornecendo a ideia de dimensão do resultado de uma batalha. As reações a uma fotografia
com esta composição dependem da apropriação que se faz da imagem: pode tanto incitar o
ódio do lado que foi derrotado quanto mostrar, para os mesmos, a força e o poderio de
destruição a que o vencedor é capaz. Novamente nos remetemos para a asserção do capitão
Francisco Seeber sobre a fotografia dos cadáveres paraguaios
nueve dias se ha combatido desde el 10 al 18 de julio, sacrificando 4.000 mil
hombres el ejército aliado y los paraguayos 3.000. [...] Se há peleado con
encarnizamiento particular en estos tres dias, pisando los cadáveres todavia
insepultos del 24 de mayo, las zanjas y todo el camino recorrido han quedado
cubierto de muertos (CUARTEROLO, 2000, p. 58).
Tem-se a preocupação de comparar, também, a questão dos relatos verbais ante as
narrativas visuais. Por mais que o público tenha os números das perdas humanas no
conflito, a imagem fotográfica atinge com maior impacto o leitor ao mostrar, de forma
direta, de uma maneira que explora e acentua o sentido visual do acontecimento. Antes da
foto a sociedade oitocentista apenas tinha a visualidade de uma guerra através de quadros e
pinturas que, de maneira geral, exploravam o caráter épico das batalhas e os generais em
poses de heróis, artistas financiados ou que eram encomendas feitas pelos governos para
glorificar suas ações. Neste e noutros exemplos, a fotografia a partir das guerras da
Criméia e da Secessão americana inovou na forma de representação dos conflitos travados
no mundo dos séculos XIX e XX, ou melhor, as guerras o foram mais as mesmas para o
público em geral.
De qualquer forma, a utilização da fotografia mudou a maneira de representação da
guerra. Uma das razões é que a foto, no senso comum oitocentista, carregava consigo
atributos de prova e verdade. As fotografias divulgadas, contudo, não corroboram essa
crença inocente. Desde aquele momento, aquilo que era fotografado e divulgado passava
por critérios de seleção. Isso fica evidente com a cobertura da Guerra da Criméia (1854-56)
pelo fotógrafo Roger Fenton que mostrou em boa parte de suas chapas de vidros uma
guerra limpa, tranqüila e com total ausência de mortes em combates. Nesse caso, a
ausência desse resultado tão inerente às guerras modernas, ou seja, a violência e a morte,
tinha um objetivo: não chocar as famílias inglesas, que enviavam seus filhos para frente de
batalhas. A morte é um produto da guerra e não é de interesse por parte de governos que
seja publicada e divulgada nas mais diversas mídias. De acordo com o pesquisador
português Jorge Pedro Sousa (2004, p. 39)
Como a cobertura fotográfica da Guerra Civil que assolou os Estados Unidos foi
a “esria” dos exércitos da União, que a Confederação não possuía jornais
ilustrados bem estruturados, evidencia-se que a imagem da guerra é,
frequentemente, a imagem que dela o vencedor ou, pelo menos, que, em todo
caso, a imagem final da guerra é conformada pela imprensa mais forte.
A discussão do presente trabalho, a partir das fontes, também constata em grande
parte este sentido: a visão que se tenta difundir e fixar, através das imagens do conflito
entre a Tríplice Aliança e o Paraguai, é a ideia dos vencedores, o que reflete também na
memória que se tenta fixar no tempo sobre o acontecimento. Então, é exatamente nos usos
que se faz das imagens que se anuncia a intenção daquela “verdade” que se impõe, seja na
imprensa, passando pelos álbuns comemorativos ou que pretendem documentar a guerra,
chegando até mesmo nos livros didáticos. Para Toral (2001, p. 76):
A guerra, no acervo mítico e histórico do Brasil e Argentina, é um registro
“frio”. Para o paraguaio, a guerra explica seu país de hoje. A recorrência ao
potencial explicativo da guerra, transformada em parte do mito de origem da
nacionalidade, tornou-se referência contemporânea. As reações da guerra
determinam, ainda hoje, a relação dos nacionais com a iconografia produzida
mais de um século.
É uma problemática que se coloca no processo da pesquisa e que o autor deve
colocá-la em evidência, para não cair nas armadilhas da investigação. A semelhaa entre
as fotografias não são gratuitas e colaboram para representar a morte para um público cada
vez mais ávido por imagens e, ao mesmo tempo, acreditando fielmente nos documentos
fotográficos, pois a fotografia não poderia mentir!
Prossegue-se agora com outra comparação, entre uma fotografia (fig. 27) e uma
litografia (fig. 28). Não é a mesma fotografia da (fig. 25) embora trate do mesmo assunto
com uma composição que pode indicar que seja a mesma imagem. A legenda também é
quase a mesma. A litografia foi produzida por um militar argentino chamado José Ignacio
Garmendia que atuou como artista e que mais se baseou em fotografias para compor seus
desenhos para representar a guerra. Para Cuarterolo (2000, p. 115) “La confianza en el
poder de la fotografía como registro fidedigno fue logo que llevó a los pintores a basarse
en ella, sin reparar en los códigos del lenguaje fotográfico, básicamente porque no la
consideraban como un medio com características propias”. Garmendia acreditava que ao
lançar mão das fotografias para reproduzir seus desenhos acompanhava mais o espírito de
sua época, ao invés de utilizar seus desenhos produzidos nos campos de batalha.
Voltando às imagens e novamente fazendo um exercício visual para comparar o que
se produziu a partir das fotos tiradas nos campo de batalhas, tem-se a litografia para a
difusão das fotos nos mais diversos meios de impressão como jornais e livros ilustrados
nas décadas de 60 e 70 do século XIX. A introdução de pequenos detalhes na litografia
(Fig. 28) demonstra um juízo de valor sobre os cadáveres paraguaios. No canto superior
direito fazem parte do enquadramento da litografia urubus sobrevoando os cadáveres
insepultos. São estas diferenças e detalhes que fornecem indícios da visão que se tem do
autor sobre o inimigo. Com a inserção de urubus na cena representada, pode-se concluir
que Garmendia teve como intenção denegrir a imagem do oponente, sendo que as fotos
mostram o cenário num ponto de vista diverso que fora recriado por Garmendia. Vale
menção à teoria de Carlo Ginzburg sobre o método indiciário de pesquisa histórica,
sobretudo nos detalhes que formam obras plásticas dos mais diversos materiais. Para a
fotografia se aplica muito bem esse método, pois a fotografia é um indício de determinado
acontecimento, pois a foto é uma interpretação do evento, uma possibilidade de escolhas
que o fotógrafo tem dentre tantas. A foto é um recorte espacial e um corte temporal da
realidade e, sendo assim, não pode ser entendida como a realidade pura e ingênua, mas sim
escolha de quem produz e publica determinadas imagens fotográficas. É sempre salutar
manter os devidos cuidados necessários com o trabalho dessas fontes, para o pesquisador
não cair nas tentações realistas da fotografia. A inclusão do céu na litografia minimiza a
tensão que existe na fotografia e o impacto causado pela foto é maior, sobretudo no que diz
respeito à iluminação contrastada que é característica na fotografia e amenizada na
litografia, por isso o impacto maior da fotografia em comparação com a imagem
litográfica.
Fig. 27. Bate & Cia W. Cadáveres paraguayos, Albumina, 1866, 11x18cm, BNU.
Fig. 28. José Ignácio Garmendia. Cadáveres paraguayos de la batalla de Tuyutí. Acuarela. Álbum de la
Guerra del Paraguay.
Novamente baseia-se na linguagem fotográfica para entender o significado
implícito nas imagens. O ponto de vista chamado de mergulho altera e modifica o
entendimento para as imagens. Entende-se por mergulho o ponto de vista ou o eixo de
tomada da foto em que a câmera está acima do objeto representado, o que reforça a
sugestão de que os corpos estão caídos e em situação de inferioridade ante ao espectador.
Conforme destaca Moreiro Gonzáles, (2003, p. 41) “os planos picados colocam o leitor em
uma situação de domínio e prepotência” e em situação invertida, no ponto de vista em que
se coloca a câmera de baixo para cima a tendência seja que o espectador fique “numa
situação desvantajosa em relação ao tema e exaltam o representado que, por sua vez,
adquire potência, força e grandiosidade [...]”. O que denota na fig. 27 é a posição de
inferioridade dos corpos mutilados, e essa sugestão é reforçada, também, pela posição de
superioridade do ponto de vista do fotógrafo em relação aos objetos representados. Então o
que se conclui da linguagem fotográfica neste ponto particular é que a posição da mera
de cima para baixo e vice-versa pode alterar significativamente a mensagem da fotografia e
contribuir para exaltar o sujeito retratado ou achatá-lo, conforme seja a opção do fotógrafo.
Fig. 29. Bate & Cia W. El batallón 24 de abril en las trincheras de Tuyuti. Albumina, 1866, 11x18cm
BNU.
Numa composição impressionante para o período, em que as dificuldades de
tomada da cena eram gigantescas e extremamente complicadas devido ao aparato
fotográfico e aos longos tempos de exposição das chapas sensíveis, esta fotografia garante
a representação literal do front: soldados ainda param para o registro da imagem
fotográfica. O que não pode deixar de ser dito diante de uma foto como esta é a frieza do
fotógrafo diante do perigo.
É provável que tenha ocorrido no momento de um instante de cessar fogo
temporário em que o fotógrafo praticamente entrou na vala para capturar a cena (ali seria
um lugar seguro, certamente). A vala está preenchida com, talvez, armas e munições. Neste
caso, especialmente, é uma revolução na cobertura de um evento em que é mais valorizada
a captura do instante que necessariamente a definição da foto. Não se importa com o
resultado da imagem, o que importa é que a cena foi registrada características de
instantâneo que a fotografia vai desenvolver somente nos anos vinte do século passado. No
dia 7 de junho de 1866 o Cel. Palleja atesta que “el fuego duro sin interrupción todo el dia
y toda la noche. Seguramente el enemigo nos tiro más de veinte mil tiros desde sus zanjas
desde donde sólo asomaban las cabezas para disparar (CUARTEROLO, 2000, p. 55).
Segundo a fig. 29 e o relato de Palleja não houve um enfrentamento corpo-a-corpo e sim
uma luta em que os combatentes travaram de longe, com disparos à distância. Como a foto
é fragmentária e o enquadramento é mediano, o leitor não tem noção do campo de visão
dos combatentes aliados tampouco do desempenho dos soldados no manuseio das armas. A
ausência da profundidade da cena não confere o que se passava além dos soldados que
posavam diante da câmera.
Noutra tomada, conforme figs. 30 e 31 demonstram a busca do fotógrafo da Bate
em narrar o acontecimento através de sequências de imagens, numa “tentativa pioneira do
fotógrafo de captar a dinâmica de uma batalha” (SALLES, 2003, p. 70). Novamente uma
composição que prevalece o deslocamento das tropas ao fundo (provavelmente) e a
artilharia em primeiro plano. A linha do horizonte se encontra quase ao centro da imagem,
característica que fornece a ideia de equilíbrio e, mais ainda, a sensação de calma e
repouso para a leitura do espectador, embora se considere que a temática e até mesmo a
ideia do fotógrafo seja de luta e enfrentamento, no momento em que as tropas se
preparam para o enfrentamento. O que se pretende verificar com as asserções até aqui é
que a relação entre a temática e o enquadramento dado à fotografia seja de contradição, em
que pese à preocupação do autor em representar factualmente o embate militar. Em
contrapartida, a forma como se enquadra e registra a cena fornece impressões contrárias.
Fig. 30. Bate e Cia W. Bateria uruguaia em ação na Batalha de 18 de julho de 1866 a batalha do
Boqueirão. FBN.
Fig. 31. Bate e Cia W. Bateria uruguaia em ação na Batalha de 18 de julho de 1866 a batalha do
Boqueirão. BNU.
Observando com acuidade a (fig. 30) tem-se a impressão de um canhão explodindo,
ao lado esquerdo, no centro de cima para baixo. A composição não deixa de ser simétrica,
equilibrada, na qual os canhões estão linearmente posicionados para o embate. Novamente
a foto o faz menção ao inimigo e a legenda colabora para a interpretação da cena, que
muito influencia na leitura da foto. A fotografia se caracteriza pela atenção dada à
tecnologia e ao arsenal empregados na Guerra do Paraguai. Trata-se, sobretudo, de uma
imagem que pode ser um dos raros registros do teatro de operações. Aqui o front está
representado, diferentemente da foto anterior, num campo aberto e numa luta que
possivelmente será franca, de corpo-a-corpo. Reportando-nos à legenda de Cuarterolo
(2000, p. 52) “piezas de artilheria uruguayas aparecen en primera línea de fuego listas para
entrar en combate”. Segundo Salles (2003, p. 70) ao fundo, pode-se notar as tropas
formadas para o local da ação”. Consta na imagem a preparação para o embate e o o
confronto em si, na qual o deslocamento pido das tropas certamente faria com que o
registro fotográfico captasse apenas vultos dos movimentos realizados pelos soldados e
pelas balas de canhão e também colocaria em risco o fotógrafo da companhia.
Ainda que seja o relato visual mais impressionante e realista da campanha aliada no
Paraguai, as fotos de Bate registraram, em linhas gerais, o acampamento aliado geralmente
em situações corriqueiras das barracas onde ficavam as tropas e suas peculiaridades. Um
fogão dentro de uma tenda, um bosque que servia tocos para as fogueiras das tropas e ao
mesmo tempo poderia esconder o inimigo, a artilharia brasileira do Cel Mallet, etc.
Consideram-se as asserções de Ana Maria Mauad com relação à ideia de espaço para a
análise histórica da foto
a análise histórica da mensagem fotográfica tem na noção de espaço sua chave
de leitura, posto que a própria fotografia é um recorte espacial que contém outros
espaços que a determinam e estruturam, como, por exemplo, o espaço
geográfico, o espaço dos objetos (interiores, exteriores e pessoais), o espaço da
figuração e o espaço das vivências, comportamentos e representações sociais
(1996, p. 82).
Numa outra comparação vê-se como uma foto desmistifica a ilustração publicada
no jornal a Vida Fluminense, um dos principais veículos de comunicação no Império
naquela ocasião. Jornal dirigido e ilustrado pelo desenhista e caricaturista italiano Angelo
Agostini, que teve posição crítica diante das ações dos dirigentes do Império e dos
comandantes aliados. A Vida Fluminense, em linhas gerais, concedeu boa parte de seu
espaço jornalístico para trazer informações da campanha brasileira no Paraguai.
Fig. 32. Tipos paraguaios, Vida Fluminense de 17 de outubro de 1868. FBN
Na fig. 32 tem-se uma visão estereotipada e idealizada do cotidiano da população
paraguaia. Nela não estão previstos os estilhaços da guerra como a fome que atingiu o
povo paraguaio e, sobretudo, as crianças numa paisagem calma em que um fazendeiro
segura um chicote e observa atentamente o trabalhador que, pelos traços étnicos o é
escravo, mas pela situação forjada na cena leva a sociedade escravocrata brasileira a
entender que ali também existia servidão no trabalho. Ao lado duas pacatas senhoritas
acompanham desinteressadamente a situação como que estivesse ocorrendo tudo da
maneira mais tranquila possível.
Fig. 33. Família paraguaia. Álbum de retratos e vistas referentes ao Paraguai. FBN
na fotografia (fig. 33) os traços étnicos da população paraguaia são revelados,
caracterizada pelos indígenas que formaram a sociedade guarani. É bem diferente da
publicada no jornal, com seus personagens brancos de fisionomia saudável, o que passa a
impressão de que a guerra o está acontecendo naquele país. Tem-se, por outro lado, um
elemento que se repete em ambas as figuras que é a palha que cobre as casas, embora não
se sabe ao certo se na fotografia é uma casa paraguaia ou um abrigo, ou qualquer outro
local para acolher aquelas pessoas. Na fotografia todos os personagens estão com os rostos
cansados, seja pela idade ou pela desgraça das ações de guerra empreendidas naquele
ambiente. Quanto à indumentária fica evidente a distância entre uma representação mais
verossímil que é a fotografia em relação às ilustrações, que passam muito pela imaginação
e visão do artista em relação ao Outro. Isso não quer dizer que as fotografias são a verdade
absoluta dos fatos, vai depender da intenção do fotógrafo de determinado fato ser escolhido
por outros e a forma de dizer algo por meio dos códigos visuais. Através das
representações imagéticas, tanto na ilustração quanto na fotografia, o produtor da imagem
forja sua composição através de seu modo de ver o mundo, ou melhor, sua ideologia vai
determinar o que mostrar e de que forma representar determinada situação, sempre de
acordo com suas referências pessoais, ideológicas e sócio-culturais. Na fig. 32 pode até ser
uma representação de uma parcela diminuta da sociedade guarani, embora os elementos
nela presentes façam menção que estaria tudo no seu devido lugar diante da hecatombe que
por lá ocorria.
Nas guerras, de um modo geral, é a cultura do Outro que é perigosa e na guerra
contra o Paraguai se estabeleceu o discurso do Império que tinha como missão levar a
civilização para um país selvagem e de cultura inferior. Também o é permitido afirmar
qual a relação de parentesco dos personagens ali retratados: se é uma família ou se são
componentes de diferentes famílias que se perderam diante das atrocidades da guerra. E é
nesse sentido que o discurso da fotografia pode ser frágil em alguns casos. Se a legenda
não indicar nomes, datas e lugares pouco o leitor vai avançar no sentido da leitura da
imagem. Aqui, diferentemente como afirma Sontag (2003, p. 14) “[...] todas as fotos
esperam sua vez de serem explicadas ou deturpadas por suas legendas”. A manipulação das
legendas serve para ocultar, alterar ou modificar informações referentes a pessoas,
paisagens e situações ocorridas durante a guerra nas fotografias. Outra diferença é que este
retrato é de conjunto de pessoas, o que sinaliza para a dimensão bem maior do que fosse
um retrato individual, explicando melhor, caso fosse um retrato de um indivíduo a guerra
teria um campo de impacto muito mais restrito. quando o fotógrafo incorpora mais
pessoas para serem retratadas, o profissional aumenta o alcance dos resultados da guerra,
passando ao público a noção de que a guerra não está somente entre os militares, tampouco
entre sujeitos isolados.
A guerra altera a vida dos indivíduos mesmo para aqueles que não estão envolvidos
diretamente no conflito. Se a fotografia surgiu para representar o homem e suas ações, na
guerra ela pode representar a total decadência da ação humana e com total
responsabilidade para os governantes sempre com a dependência do fotógrafo em como
registrar determinado evento. Isto quer dizer que a guerra, ou qualquer outro
acontecimento, pode ser tratado de diversas maneiras: a foto pode fazer uma denúncia das
atrocidades cometidas com as populações civis ou pode fornecer dados de um conflito
limpo e cirúrgico (como é o caso da fig. 34). São os editores de jornais e revistas, ou pode
ser curadores que podem manter o controle das informações e que ditam o que deve
circular na sociedade ou o que o interessa ser silenciado para não gerar oposição aos
interesses estabelecidos. Por mais que se tenham fotos ou qualquer outro tipo de
documentação referente a conflitos que não interessam para os detentores do poder, o
documento certamente acaba sendo arquivado num quartel ou outra repartição inacessível
para estudiosos ou pesquisadores, pelo menos temporariamente.
Outro ponto de destaque na cobertura fotográfica da Guerra do Paraguai está na
participação religiosa no conflito. As fotos das ruínas de Humaitá são exemplos disso.
Imagina-se agora na razão do fotógrafo registrar cenas da igreja da fortaleza após os
combates. É sabida a participação católica na formação da cultura latina. A pergunta que
surge ante uma imagem deste tipo: qual foi a intenção do fotógrafo? Será que a igreja era a
única construção da poderosa fortaleza? Carlos César foi fotógrafo do Rio de Janeiro a
cobrir a tomada de Humaitá pelo Império, correspondendo na única encomenda oficial
para o registro das glórias nacionais.
Reparando a cena (fig. 34) tem-se a ideia de que a igreja sofreu um tremendo
bombardeio da esquadra imperial. Assim esse bombardeio representa uma espécie de força
e poderio da ação lica ali ocorrida. Pode significar, ainda, a superioridade do Império
sobre inimigo se recorrermos aos estragos provocados na estrutura da igreja, tendo em
vista que a esquadra brasileira era soberana na bacia platina.
Mesmo com a formulação de uma legenda para explicar tal imagem, ainda assim a
interpretação da imagem pode sugerir uma afronta aos ideais cristãos. Resta ressaltar
através de suposição quais eram as possibilidades do fotógrafo diante de tal fenômeno.
Neste caso é imprescindível destacar o compromisso do fotógrafo com o Império, pois era
o contratado oficial para documentar os feitos e a vitória que se aproxima. Contudo a igreja
não poderia ser a única a compor o cenário desolador da fortaleza tomada pelas tropas
aliadas. Pode-se refletir nas palavras de Marta Emísia Barbosa Jacinto (2004, p. 115) a
questão das imagens para interrogar-se sobre o que esta imagem escondeu e silenciou; o
que ficou de fora do quadro fotográfico que não era interesse do governo em mostrar? Será
que a guerra se resume na destruição de prédios e construções? Será que não falta o
elemento humano nisso tudo? Porque quem aperta o gatilho são sempre pessoas, mas a
imagem nos a impressão de um esvaziamento ou ausência de seres humanos nesta
empreitada. A foto faz parte de um álbum editado pelo fotógrafo e dedicado para o
visconde de Rio Branco, composta numa série de dezenove imagens. Para Toral
as imagens da igreja destruída pelos tiros da esquadra brasileira foram muito
reproduzidas em fotos e litografias na imprensa, constituindo-se quase num
símbolo do conflito no Paraguai. Suas ruínas são, hoje, consideradas patrimônio
nacional. Diversos outros fotógrafos, anônimos, estiveram em Humaitá, depois
de sua ocupação pelos aliados, deixando uma série de vistas das suas baterias, do
porto, da artilharia brasileira ocupando a praça, da casa utilizada por López etc.
(TORAL, 2001, p. 88).
As representações visuais são relevantes na medida em que fornecem uma narrativa
para a conquista da fortaleza. A imagem faz parte, conforme mencionado, de uma série
de dezenove fotos e cabe a pergunta: o porquê da foto (Fig. 34) ter sido selecionada dentre
as dezenove. Qual a circulação da imagem e se causou repúdio e indignação ou instigou a
sociedade a aderir ao conflito. Acredita-se que a foto funcionou como uma comemoração
antecipada pelo término do confronto, pois para se chegar a Assunção era apenas questão
de tempo. Sendo assim, tal imagem fotográfica perpetua uma visão fragmentada da tomada
da fortaleza e veio a tornar-se um símbolo da vitória das armas imperiais sobre a tica
fortaleza e, ainda, o tão desejado fim do conflito platino. Ana Maria Mauad (1996)
parafrasendo Jacques Le Goff ressalta a importância da fotografia como monumento
forjado para consolidar uma memória dos grandes feitos do Império
[...] que se considerar a fotografia, simultaneamente como
imagem/documento e como imagem/monumento. No primeiro caso, considera-se
a fotografia como índice, como marca de uma materialidade passada, na qual
objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse
passado condições de vida, moda, infra-estrutura urbana ou rural, condições de
trabalho etc. No segundo caso, a fotografia é um símbolo, aquilo que, no
passado, a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o
futuro. Sem esquecer jamais que todo documento é monumento, se a fotografia
informa, ela também conforma uma determinada visão de mundo.
No mesmo sentido Maria Borges Linhares (2005, p. 100) assevera que “o
imperador tinha plena consciência de que a fotografia é uma das mais fortes expressões do
que o historiador Le Goff conceituou como documento/monumento”. Sendo monumento, a
imagem se transforma na “única” maneira de “ver” o acontecimento e observando a
imagem o leitor já projeta suas causas e consequências do fato. Característica que a
fotografia adquire como memória, como imagem que se perpetua no tempo e que a credita
como a verdade inconteste da ação armada, cristalizada em instituições que preservam e
dão vida para uma versão muito oficial da contenda. Conforme destaca Arlindo Machado
(1988, p. 105)
[...] É por isso que o ato de fotografar exige mais que a simples posse de uma
câmera: exige o pacto com o detentor do espaço, exige a retaguarda da agência
noticiosa ou da empresa jornalística monopolizadora da informação, exige a
credencial do ocupante e beneficiário da cena. O espaço que o fotógrafo ocupa
em zonas de litígio e o lugar em que ele finca sua câmera são sempre suspeitos:
suspeitos porque a presença do fotógrafo em geral só se pode dar à custa de uma
cumplicidade com o ocupante e sem a qual o ato de fotografar simplesmente não
seria possível.
Fig. 34. Carlos César. Igreja de Humaitá destruída por bombardeio. Albumina, 1868, 13x18cm. Coleção
M&MC.
O documento fotográfico jamais é inocente. Cabe ressaltar que as imagens
fotográficas tem a pretensão de ver o que o público não tem acesso diretamente. Além da
fotografia informar sobre determinado acontecimento, ela também forma uma visualidade
para o evento em discussão. Todo um trajeto é percorrido até uma fotografia chegar ao seu
público e sempre com uma intenção, pois a produção e distribuição de uma determinada
fotografia jamais é gratuita. No entanto, a fotografia tem a característica de que um olho
substitui a visão humana para uma visão da câmera, e assim, passa a ideia para o leitor de
que a cena aconteceu unicamente daquele ponto de vista, excluindo a ação de um operador
para forjar tal cena, empregando seu modo de ver um fato.
Seguindo a representação da guerra através da imagem fotográfica examinar-seo
papel das crianças. Mais especificamente em relação aos retratos dos prisioneiros
paraguaios. No início da guerra as fotogafias fazem alusão ao soldado paraguaio, de certa
forma saudável e com boas condições de vida, pelo menos aparentemente. De acordo com
as assertivas de Toral (2001, p. 86) a legenda da fotografia é a seguinte: “Soldado
paraguaio Antonio Gomes, prisioneiro em Uruguaiana. Tem 21 anos de idade. Natural da
vila de Jaguarão, no Paraguai. Mandei tirar este retrato em Porto Alegre, em 27 de abril de
1867”, conforme fig. 35.
Não dados sobre quem encomendou tal retrato. Além de estar com boa
aparência, o jovem paraguaio está com suas vestimentas (chiripá, típica saia masculina
paraguaia) bem ajeitadas no que concerne a um soldado que participou dos deslocamentos
iniciais das tropas guaranis. Retomando Toral (2001, p. 86-7) “o retrato de prisioneiros
paraguaios parece ter se tornado um gênero da fotografia bastante comum entre os
retratistas que atuaram ao lado das tropas da aliança. Diversos profissionais, todos
anônimos, retratavam oficiais e soldados paraguaios aprisionados, vendendo as imagens
em formato carte-de-viste”. Ao fundo uma tela que servia para compor o cenário e forjar
uma cena clássica. Além disso, o retrato do paraguaio revela uma humanização do conflito
para a sociedade brasileira, pois ali estava representado o outro lado, o inimigo que,
segundo o discurso oficial monárquico, era um selvagem a ser domesticado pelo Império.
A imagem do soldado guarani (Fig. 35) pode ser interpretada de maneira que as
tropas aliadas foram sensíveis e benevolentes com o outro lado. Sugere, portanto, que os
aliados foram piedosos em não exterminar com os vencidos, apresentando-os bem limpos e
saudáveis. Para o oficial que encomendou a imagem a foto tinha a intenção de perpetuar a
conquista e a vitória, sendo apropriada como troféu de guerra. O inimigo, vivo, é bem
diferente daquelas fotografias em que são representados montes de cadáveres paraguaios.
Certamente é mais aceita pela sociedade o inimigo vencido, mas vivo, e não mortes e
corpos dilacerados amontoados como saldo das batalhas.
Fig. 35. Prisioneiro paraguaio capturado em Uruguaiana e fotografado em Porto Alegre por Luiz Terragno
(Excursão ao Paraguai, FBN)
Na medida em que a guerra avançava e seus estragos eram ainda mais evidentes,
começam a surgir fotos com crianças como soldados. Não é novidade que crianças lutaram
ao final da guerra e, segundo Toral (2001, p. 88) “as crianças paraguaias que disfarçadas
de soldados com barba postiça e rifles de madeira, lutaram na última fase da guerra [...]”.
Fig. 36. Prisioneiro paraguaio em janeiro de 1868. Excursão ao Paraguai, FBN.
Segundo Salles (2003, p. 131) “antes mesmo da queda de Humaitá, meninos
combatiam no exército paraguaio”. A situação de subserviência do menino faz com que
não olhe para o fotógrafo (Fig. 36). Aliás, o oficial também o mira a câmera. O menino
está com os pés descalços e empunhando uma chaleira. Seus trajes não são de soldados e
bem diferente daquela primeira fotografia (fig. 35) que o rapaz está calçado e com boas
roupas. Mas ainda fotografias com os registros mais cruéis das batalhas. No relato de
Gal. Martin Mc Mahon: Niños de tiernos años llegaban arrastrándose, las piernas
desechas o con horribles heridas de balas en sus cuerpos semidesnudos. No lloraban ni
gemian ni imploraban auxilios médicos. Cuando sentian el contacto con la mano
misericordiosa de la muerte, echaban al suelo por morir en silencio como habían sufrido
(CUARTEROLO, 2000, p. 78). Através dos relatos verbais são realçados os atributos de
coragem e valentia na atuação dos meninos paraguaios. E novamente temos uma imagem
que demonstra a situação precária dos paraguaios numa guerra desigual, contudo, nada de
mortes e fome, nenhuma imagem que faça uma crítica à situação e à realidade das tropas
imperiais. José Ignacio Garmendia relata a situação dos meninos e, no mesmo sentido do
Gal Mc Mahon, ressalta a forma desigual que permeou a guerra “niños de diez a quince
años combatiendo bizarramente contra fuerzas superiores y muriendo como si fueran
soldados [...]” (CUARTEROLO, 2000, p. 79).
Fig. 37. Fotógrafo no identificado. Niño paraguaio después de la guerra. Carte de visite, ca. 1868, MHN.
Nota-se que atrás dos meninos (fig. 37) está um pedestal, que provavelmente servia
para imobilizar os retratados para que não se movessem, o que poderia produzir um vulto
na fotografia final. Artifício que era usual no estúdio para corrigir os altos tempos de
exposição necessários para a sensibilização das chapas fotográficas. Novamente as
assertivas de Sontag (2003, p. 13) são esclarecedoras: “Olhem, dizem as fotos, é assim. É
isso que a guerra faz. E mais isso, também isso a guerra faz. A guerra dilacera, despedaça.
A guerra esfrangalha, eviscera. A guerra calcina. A guerra esquarteja. A guerra devasta”.
Mesmo tendo em vista a limitação cnica do século XIX, a fotografia de guerra,
salvo raras exceções, é a representação suportável do que o limite de barbárie pode ser
recebido pela sociedade. Através das fotografias não se encontram meninos morrendo, isso
fica para o texto que é mais racional, enquanto a fotografia atinge a esfera do emocional.
Num relato de Taunay sobre as ações das batalhas de Campo Grande parece-me ainda
estar vendo, como as lanças se abaixavam, fulgurantes, vertiginosas, atirando alto ao ar,
como que simples novelos de algodão, os corpos que iam ferindo e que, no geral, caíam
agachados, acocorados e, mais que isto, enrolados sobre si mesmos” (apud SALLES, 2003,
p. 133). A citação acima descrita pode se tratar de crianças travando o combate. Da mesma
maneira, numa carta à esposa, Benjamin Constant relata a crueldade das batalhas em que
uma cavalaria paraguaia diminuta se recusou a render diante da maioria brasileira
Então começou a cena [a] mais horrorosa que se pode observar as cabeças de
uns eram arrancadas do tronco a um golpe de espada, as de outros rachadas [a
espada] atiravam longe os miolos, alguns eram arrancados de cima dos cavalos
atravessados pelas lanças e nos próximos da morte mordiam as hastes torcendo-
se em terríveis convulsões, o sangue esguichando das feridas salpicando os
nossos cavalos; daí a pouco nada mais havia [que um monte] de postas, porque
a maior parte [...] sentia prazer em matar e em esquartejar os homens depois de
mortos (apud Salles, 2003, p. 133).
Muito pouco da realidade e dureza dos combates foram registrados na Guerra do
Paraguai através das fotografias e as atrocidades ficaram para os textos verbais.
Retomando Sontag (2003, p. 46) sobre o realismo no campo da fotografia
A primeira justificativa para as fotos brutalmente claras, que obviamente
violavam um tabu, residiam no puro dever de registrar. „A câmera é o olho da
hisria‟, teria dito Brady. E a história, evocada como uma verdade inapelável, se
aliava ao crescente prestígio de uma certa ideia de temas que demandavam maior
atenção, conhecida como realismo [...] Em nome do realismo, permitia-se -
exigia-se - que se mostrassem fatos desagradáveis, brutais.
Realismo ao qual permeia toda a história da fotografia: da mesma forma que a
historia é a representação dos fatos e acontecimentos que merecem atenção, a fotografia é
um recorte espacial e um corte temporal de um fenômeno qualquer. Ainda que tenha sido
explorado seu caráter documental e sua capacidade especular, a fotografia é uma das
facetas da realidade e tanto se pode dizer sobre um mesmo fato de formas distintas, em que
o discurso se constrói de acordo com a formatação dada à crônica visual. A famosa e
repetida asserção “a câmera é o olho da história” e pela repetição chega-se a uma verdade
o olho da câmera é um sujeito que substitui a presença do espectador no local dos
acontecimentos, passando a ideia de que as coisas aconteceram apenas dentro do quadro
fotográfico, pois o que é realmente importante é o que consta na tela da fotografia e o que
não interessa está fora, e o que resta para o público é apenas imaginação, suposição do que
aconteceu. A fotografia tem a ambição de sintetizar a realidade que se elabora no espaço e
no tempo. Mas ao sintetizar ficam de fora outras realidades, outras visões que poderiam
fornecer maiores detalhes dos fatos.
Não é raro encontrar relatos sobre a violação de mulheres por parte das tropas
vencedoras, o que torna num assunto capital do apagamento da memória visual dos
episódios da contenda. Conforme Salles (2003, p. 126) “de acordo com o paraguaio
Centurion, algumas teriam sido violentadas pelas tropas brasileiras. Famintas e
maltrapilhas, foram enviadas de trem para Assunção”. Caso o fosse o texto, pouco ou
quase nada seria representado em fotografia sobre esse assunto.
[...] atrocidades que o estejam garantidas em nossa mente por imagens
fotográficas bem conhecidas, ou das quais simplesmente temos muito poucas
imagens [...] o ataque japonês contra a China, em especial o massacre de 400 mil
pessoas e o estupro de 80 mil chinesas em dezembro de 1937, o chamado estupro
de Nanquim; o estupro de cerca de 130 mil mulheres ou meninas (das quais 10
mil cometeram suicídio) pelos soldados soviéticos vitoriosos, deixados à solta
por seus oficiais comandantes, em Berlim, em 1945 [...] (SONTAG, 2003, p. 72).
Fig. 38. Mulheres e crianças paraguaias vindas de San Pedro. IHGB
Examinando a fotografia (fig. 38) a ideia que se tem é de multidão. A figura
religiosa novamente entra em ação numa posição privilegiada do espaço fotográfico (o
padre ainda vai aparecer em outra foto). A proteção contra o frio é evidente e no canto
superior direito constam na imagem homens com vestimentas que contrastam com a
maioria dos representados na cena. Com chapéus e roupas sofisticadas para o período não
se sabe quem eram, poderiam ser mercadores de escravos? Qual era o motivo e interesse
que fomentaram o transporte destas mulheres e crianças? Por que estariam sendo levadas a
Assunção? A foto em si o possui nenhuma referência ao ato de violação das mulheres.
Neste caso em particular o discurso da fotografia é limitado: nem tudo passa pelas lentes
dos fotógrafos. Ainda assim é o lado do inimigo que declara que as mulheres foram
violentadas. Ao longo da história, como bem lembrado por Sontag, os estupros não passam
pela evidência fotográfica e, assim, não constituem memória ou não fazem parte dos temas
que não devem ser lembrados” no futuro. Assim, “o que se chama de memória coletiva
não é uma rememoração, mas algo estipulado: isto é importante, e esta é a história de como
aconteceu, com as fotos que aprisionam a história em nossa mente. [...] as ideologias criam
arquivos de imagens comprobatórias [...]” (SONTAG, 2003, p. 73). As fotos colaboram para
forjar uma memória que é eleita em favor de tantas outras verdades que circundam a
realidade da guerra. Por mais que haja uma tentativa de evidenciar as fotografias da Guerra
do Paraguai, corre-se o risco de cair numa armadilha tendo em vista a linguagem da
fotografia com seu estatuto de única realidade possível.
Como representação factual da guerra, a fotografia desmistificou o conflito no
Paraguai, sobretudo no que diz respeito à pintura histórica acadêmica. Com muito mais
agilidade e rapidez na cobertura do conflito, a fotografia aplicada à imprensa serviu para
criar uma visão da guerra para um público acostumado a receber as representações
pictorais. Através da fotografia e sua utilização na imprensa, o grande público estava mais
“perto” do teatro de operações e assim podia ter uma opinião sobre os embates travados
nas trincheiras aliadas. De acordo com Toral (2001, p. 96)
a Guerra do Paraguai estabeleceu a importância da utilização jornalística da
fotografia de guerra, mesmo por intermédio de cópias, em litografia [...] A
fotografia, enquanto assunto, deixou de ser uma coisa familiar e privada e
transformou-se em coisa de interesse público. Sem vida, a guerra fez que a
fotografia se transformasse em fonte de informação histórica.
Com a fotografia a guerra ficou desprovida da aura de epopéia e heroísmo,
sobretudo nas imagens que retratavam as perdas humanas. No entanto, as imagens mais
terríveis da Guerra registradas pelos fotógrafos da Bate y Cia de Montevidéu foram um
fracasso comercial, pelo menos na capital uruguaia. Fato que confirma certa rejeição do
público local quanto às razões que levaram os quatro países a se mutilarem violentamente.
Outro ponto a ser registrado é que a tecnologia empregada para fotografar era
privilégio de poucos. A maior parte dos fotógrafos era estrangeira e tinha um olhar
diferenciado da cultura local, levando-se em conta que a visualidade não deixa de ser uma
cultura. Sendo assim, estes estrangeiros registraram uma guerra de acordo com sua
ideologia, crenças pessoais, sociais e econômicas, pois faziam parte de uma classe
privilegiada que detinha o controle das técnicas de produção e disseminação das
fotografias. Consolidaram, destarte, uma cultura visual que se perpetuou sobre a Guerra
contra o Paraguai. Verdades ou representações visuais que impõem novos estudos e
pesquisas, especialmente porque é preciso desconstruir junto à sociedade, a arraigada tese
de que as imagens fotográficas são a mais pura realidade dos fatos.
O certo é que a maioria das imagens fotográficas da Guerra foi, em linhas gerais,
retratos de oficiais garbosos ou paisagens monótonas sobre os cenários da contenda. Ver-
se-á, daqui em diante, como foi a reprodução das fotografias no principal meios de
comunicação ilustrado do Império, tendo em vista as fotos que circularam e influenciaram
a visualidade da época e a composição do imaginário sobre a Guerra do Paraguai.
III A guerra contra o Paraguai nas páginas da Semana Illustrada
É preciso que Coimbra, Corumbá, Dourados, Miranda e Albuquerque se
reedifiquem com a madeira e os materiaes, que edificarão a cidade de
Assumpção, ainda em pé para escarneo e completo escândalo do século XIX.
É preciso que o Paraguay tinja-se de sangue, desse sangue venenoso, que
correu nas veias de Almagro e nas do gales de Castella e Aragão, sangue que não
degenerou e carece de prompta purificação.
Ao Paraguay, povo brasileiro! Ao Paraguay! E veremos se nossos
irmãos degolados, nossas patrícias ultrajadas, nosso território invadido, nossa
lavoura destruída, nossas propriedades saqueadas, nossa nacionalidade
espesinhada e cuspida ficão sem vingança sedenta de ruínas, palpitante de
destruições e aquecida ao fogo, á fornalha ardente de todo o Paraguay!
Vejamos a atra fumaça do incêndio, vejamos o desabar das casas,
ouçamos o crepitar das chammas e não descancêmos em quanto uma pedra
estiver sobre outra pedra na feroz e burlesca republica do furioso Lopez.
Então poderemos respirar o nobre ar de dignidade reivindicada, da
desaffronta consumada, única respiração de estados, de paizes, que não podem,
nem devem viver sem honra.
A pagina da nossa historia, em que ler o anno de 1865 foi o ultimo anno
da existência do Paraguay será a pagina mais gloriosa de todas as historias do
mundo, porque o extermínio do paraguay é immenso serviço á humanidade e á
civilisação.
Semana Illustrada, 26/02/1865. p. 1759.
Esse foi o editorial da Semana Illustrada para a mobilização da população
brasileira, tendo em vista incentivar seus leitores a lançarem suas fúrias na guerra
empreendida pelo Império contra o Paraguai. O tom do discurso assume um caráter
belicoso e que o Paraguai necessitava de uma lição civilizadora do Império em retaliação a
invasão guarani na província de Mato Grosso. O jornal imaginava que a guerra seria de
curta duração, prevendo que o Paraguai fosse arruinado, o que de fato aconteceu, mas após
longos cinco anos em que os prejuízos de tal empreitada custaram caro ao Brasil e o preço
do triunfo, conforme destaca Harris Warren “fue tan alto que en cierta medida roba a la
victoria su gloria y la derrota su humillación” (CUARTEROLO, 2000, p. 08).
A Semana Illustrada foi um jornal literário semanal que tratava dos principais
assuntos apontados pelos jornais diários da Corte. Publicado no período do Segundo
Reinado, mais exatamente entre os anos de 1860 a 1876, foi o principal veículo de
informação ilustrado do período com o uso da litografia na reprodução de imagens.
Constituía-se de oito páginas sendo quatro dedicadas ao texto e quatro reservadas às
imagens, com as dimensões de 22 x 28 centímetros. Publicava-se aos domingos e era
distribuída na capital do Império e nas províncias. Lançava mão de ilustrações para
informar seu público, não somente das notícias vindas do palco das batalhas do Paraguai,
mas também dos fatos mais importantes da vida do Rio de Janeiro. Concedia espaço em
suas páginas para notícias jocosas sobre artes, política, economia e não deixava de lado
críticas às condições urbanas e sociais da cidade. Infelizmente não foram encontrados
dados sobre a tiragem da revista nem a quais províncias o periódico era distribuído.
Atuaram pelo periódico os principais nomes da literatura do período, sendo que
muitos também tinham ligações com a política e as artes “Machado de Assis, Quintino
bocaiúva, Pedro Luís, Joaquim Manoel de Macedo, Joaquim Nabuco, Bernardo
Guimarães, etc” (SODRÉ, 1999, p. 205). Contudo não se tem verificado, entre os anos
pesquisados, nenhuma assinatura dos textos publicados no periódico, tudo no anonimato
ou pseudônimo, caso que indica certa preocupação em proteger o autor do texto não
expondo sua identidade, provavelmente para não sofrer retaliação ou perseguição pelas
ideias ali contidas.
Pretendia, com seu dístico “ridendo castigat mores” “rindo, castiga os costumes”,
tratar os assuntos sérios de forma divertida, contendo nas caricaturas mensagens que
satirizavam a sociedade carioca e seus hábitos. Na parte superior da capa aparecia a
lanterna mágica
19
e um homem com traços jocosos dando uma piscadela e, ao mesmo
tempo, um sorriso enigmático para o leitor do semanário.
Fig. 39. Cabeçalho da Semana Illustrada ano 12, n. 604, Rio de Janeiro, 187
19
A lanterna gica era “antepassado dos modernos projetores e compunha-se de uma caixa de ferro com
um espelho côncavo no interior e um tubo com duas lentes convergentes. Seu funcionamento consistia em
colocar uma fonte luminosa vela, lamparina, luz oxioetérica e, a partir de 1885, a lâmpada elétrica que
refletiam-se pelo espelho na lente convexa, por trás de uma imagem desenhada, pintada sobre vidro, ou um
clichê fotográfico de vidro (colódio úmido e, depois de 1871, as chapas secas), ou outro material
transparente” (MACHADO, 2009, p. 03). É um indício de que seus produtores tinham próxima relação com as
técnicas de reprodução de imagens do período e, em particular, com a fotografia. Também não deixa de ser
interessante a ideia difundida na época de que os instrumentos óticos tem olhos para tudo e para todos,
evidência de que as imagens são sempre fiéis aos acontecimentos e um olho neutro e imparcial ao qual
ninguém pode escapar.
O germânico Henrique Fleiuss e seu irmão, Carlos Fleiuss e o litógrafo Carlos Linde foram
os proprietários do periódico. O primeiro foi o de maior destaque entre a historiografia
sobre o tema devido ao fato de receber homenagens de seu filho Max Fleiuss a partir do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (SOUZA, 2007, p. 14). Desembarcados em 1858
fundaram na Corte o Instituto Artístico que funcionava como uma espécie de oficina de
artes e, posteriormente, ficou chamada de Instituto Imperial Artístico. De acordo com
Orlando da Costa Ferreira (1994, p. 183 e 185)
Nascido em Colônia, o desenhista e gravador (principalmente litógrafo) Heinrich
Fleiuss (1823-1882) veio em 1858 para o Brasil por sugestão do naturalista
Martius, trazendo em sua companhia o irmão Carl Fleiuss (-1878) e o pintor e
ligrafo Carl Linde (-1873). Tendo primeiro percorrido algumas províncias do
Norte, chegou ao Rio de Janeiro em meados de 1859. [...] onde também faziam
daguerreótipos e fotografias e [sic] papel.
Fleiuss também foi pioneiro em instalar uma oficina e escola de xilogravura no
país, mesmo o obtendo sucesso em ensinar jovens para o ofício, ficando a litografia
como procedimento na consecução de suas imagens. Embora Nelson Werneck Sodré
(1999, p. 206) ressalte que a contribuição de Fleiuss chega a ser maior na parte artística do
que jornalística, não deixa de ser meritória a produção do principal veículo ilustrado do
Império dirigido pelo alemão.
Em 1876 finda a Semana Illustrada e Fleiuss lança um novo periódico intitulado
Ilustração Brasileira em que se mantém até 1878 sem alcançar o sucesso da antecedente.
No mesmo ano é atacado por doença e abdica do Instituto Imperial Artístico. Retoma a
atividade em 1880 lançando a Nova Semana Ilustrada, mas com severas vidas e
fracassos das publicações anteriores. Falece em 1882 aos 59 anos de idade, muito pobre. É
grande a contribuição de Fleiuss para o país e sua produção deve ser sempre mencionada
nos estudos de artes e comunicação do Segundo Império.
A Semana Illustrada teve na cobertura da Guerra contra o Paraguai
correspondentes militares que atuavam na frente das batalhas. Enviavam notícias
principalmente pelos paquetes que faziam o trajeto do alto Paraná, passando pelo Estuário
do Prata e Porto Alegre, até chegar ao Rio de Janeiro. Colaboraram com o periódico o
Almirante Joaquim José Igcio, o capitão A. Luiz Von Hoonhotz e o capitão Conrado de
Niemeyer. As imagens eram feitas no front e enviadas para a revista que reproduzia por
meio da litogravura. O jornal ilustrado também fazia referência a que o público somente
acreditasse nas notícias oficiais, como ocorre no seguinte trecho: [...] Ninguém acredite
senão em noticias officiaes, transmittidas officialmente, depois de verificada a
autenticidade dellas” (Semana Illustrada, 03/09/1865, p. 1973).
O jornal ainda vai criticar os “novelleiros” pela completa contradição nas notícias
que traziam da campanha do sul em relação às oficiais. De acordo com o título Cautella
contra os novelleiros”, tem-se a seguinte orientação:
inventão derrotas, cercos, privações, mortes, misérias de todas as espécies, de
sorte que, a ser exacta metade de suas asserções, umas vezes com tom de
piedade, outras com a arrogância de acres censuras, o Brasil deveria metter a
cara dentro de um sacco, porque não tem generaes, officiaes superiores e
subalternos, soldados, que saibão combater.
[...] qualquer medida de repressão neste sentido é grande favor, principalmente
ás familias, aos parentes e amigos dos bravos, que combattem pela pátria nos
campos do Paraguay.
Assina o Anti-Paraguayo
Semana Illustrada, 26/01/ 1867, p. 2971.
Assim, o jornal declara ser apenas fontes oficiosas as que realmente retratam com
veracidade os acontecimentos da região guarani, desmerecendo outras fontes que poderiam
fornecer outra visão da guerra. Visões que poderiam mudar a produção de imagens e
também a memória que se pretendeu construir do conflito. Portanto, o periódico deixa
claro sua intenção oficial, comprometida em relatar os fatos a partir dos militares
brasileiros, o que se pode asseverar que o jornal teve um tom eminentemente patriótico e
nacionalista. É a partir desta declarada e tida parcialidade na cobertura da guerra e do
apoio incondicional do semanário que outros periódicos levantaram dúvidas sobre
subvenções a que a Semana Illustrada poderia receber diante de tanta propaganda e apoio
aos projetos mobilizadores do governo na campanha contra o Paraguai.
Em relação à posição da imprensa de modo geral, Nelson Werneck Sodré (1999, p.
202) ressalta que “a guerra não teve, no Brasil, em toda a sua longa duração, boa
imprensa”. Mauro César Silveira (1996, p. 76) aponta que em trabalho anterior André
Toral tenha enfatizado que a imprensa fora francamente impatriótica. Toral rebate a
asserção de Silveira salientando que “afirmei, sim, que a imprensa ilustrada era
oportunista, procurando estar em sintonia com a opinião pública sobre a guerra. Quando a
guerra tornou-se impopular, a partir de 1866, a imprensa ilustrada passou a atacá-la;
Quando a proximidade da vitória -la popular, a imprensa mudou de opinião” (TORAL,
2001, p. 63). Toral ataca Silveira, dizendo que a tese de que as caricaturas foram armas
largamente usadas pelo Império durante a guerra é difícil de sustentar, tendo em vista a
completa liberdade de expressão concedida pessoalmente pelo Imperador naquele período.
Em seu trabalho sobre a caricatura como arma de guerra Silveira (1996) vai comprovar que
a mensagem principal das imagens caricatas visava atacar Solano López e seus soldados,
contudo o autor reconhece que não teve impacto imediato nas camadas populares
brasileiras (SILVEIRA, 1996, p. 53).
As caricaturas, sobretudo as da Semana Illustrada, atacaram Solano López e seus
seguidores, conformando um modo de ver o presidente paraguaio. Inimigo que seria
representado como animal, fugindo com sacos de dinheiro e sendo apedrejado por seus
compatriotas. Ocorre ainda que as caricaturas contribuíram com o esforço do Império em
mobilizar a sociedade para a causa em questão, definindo o embate entre o bem e o mal, o
Império civilizador contra a república selvagem. É certo que as caricaturas forneceram um
deslocamento da realidade, já que pouco se sabia do Paraguai e sua condição social,
econômica e geográfica que tanto atrasou os avanços aliados em território guarani. É
preciso deixar claro que fora feita ampla gama de ações para a mobilização geral dos
brasileiros para fins de recrutamento. Livros, dissertações, imagens, teatros, apresentações
públicas formaram um rol de documentação considerável em torno do episódio.
No entanto, conforme o mesmo autor, não se pode ignorar as mensagens produzidas
pela caricatura no imaginário social brasileiro. Em síntese é possível afirmar que em seu
início a guerra obteve um entusiasmo nacional, despertou sentimentos patrióticos e muitos
realmente se alistaram no exército como foi, para exemplificar, o caso do memorialista da
guerra Dionísio Cerqueira. Na medida em que a guerra se prolongava os ânimos foram se
arrefecendo até o governo realizar o recrutamento forçado, caso em que muitos se
mutilavam ou se escondiam no mato para escapar do rigoroso alistamento.
A Semana Illustrada apoiou a posição do governo para a mobilização geral da
sociedade para o recrutamento, continuidade da guerra até a queda de López e que não se
medisse todos os esforços custos humanos, materiais e sociais para o cumprimento da
missão civilizadora do Império. Conforme editorial intitulado “novidades da semana”
A guerra! A guerra! O dr. Semana não quer, nem pode ser indifferente ao
assumpto magno da situação. O drio do Rio já fallou sobre a guerra. O Jornal
do Commercio já fallou sobre a guerra. O Correio Mercantil ainda não fallou...
Mas o Correio Mercantil tem direito de ser reservado desde que esta em missão
especial e extraordinária por causa da mesma guerra. Todos enfim têm fallado ou
fallão da guerra como o objecto da preocupação geral.
A pátria está em perigo!
A guerra é uma questão nacional!
O patriotismo brasileiro está em prova!
Todos os sacrifícios são poucos!
A‟s armas!
A Semana (Deos a livre) não é capaz de contestar essas proposições.
Mas exprimindo a mesma ideia fallará n‟outros termos.
A guerra é um máo brinquedo.
A guerra é um máo jogo.
A guerra é uma briga de lobos.
Quem nella fica logrado, é escarnecido.
Quem se deixa vencer fica perdido.
A questão é simples. Quem não devora é devorado.
Nestes termos já sabe o paiz em que calças pardas está mettido.
Como a providencia, porém, vela sobre os destinos das sociedades humanas, o
Brasil não deve temer pelo futuro.
O Brasil há de vencer porque representa a civilisação.
Há de vencer porque tem por si o direito.
Há de vencer porque sua causa é justa.
Isto quanto ao futuro: quanto ao presente o negócio é outro.
[...] ora, está é a sustamente a questão atual: a questão do momento; a questão do
patriotismo; a questão do governo; a questão do povo brasileiro.
O Brasil póde gastar n‟um dia toda a renda de um orçamento do Paraguay.
O Brasil é civilisado e possue um governo regular.
O Paraguay é semi-selvagem e não tem mais do que um espantalho de governo
tirannico.
Tudo isso é verdade. Mas no Paraguay todos são soldados; todos se batem por
obedecer; todos morrem por sugeição ao fanatismo do clero e ao terror do
despotismo. E é por isso que o Paraguay conta um exército numeroso, bem
armado, bem dirigido, disposto á luta.
Ora para o Brasil a questão não é de dinheiro: gastar-se-há quanto seja preciso.
Não é também de armamento; elle existe e cada vez mais augmenta.
O que falta pois? Patriotismo, temol-o e devemos tel-o. Dinheiro; temol-o.
Armas, temol-as. Encouraçados, temol-os. Mocidade briosa e valente, não falta.
Mas falta-nos um exercito poderoso, forte; que faça a campanha em seis meses
em vez de fazel-a n‟um anno.
Que abrevie a Victoria para mais exaltar a nacionalidade brasileira. Que pela
rapidez das operações custe-nos a guerra menos dinheiro, menos tempo, menos
sangue.
Eia! Pois! O Dr. Semana faz também um apello aos brasileiros e sobre tudo aos
seus assignantes. Tomamos o compromisso de fazer chegar a Semana Illustrada
ao acampamento do exército para seu exercício nas horas vagas: e se é preciso
um premio offerece o Dr. Semana tirar o retrato de todos os bravos que se
alistarem formando um quadro monumental que sirva de posteridade á gloria dos
vencedores!
Eia! Pois! Ás armas! Ao Paraguay! Á Victoria!
Dr. Semana
Semana Illustrada, 06/08/1865, p. 1937
Nesse editorial fica nítida a angústia da continuação da guerra e de mover todos os
recursos para que se finalize a campanha do sul. Entretanto, reclama-se do exército que
falta ao país, que acelere as ações no Paraguai, dado que o deixa de considerar a aflição
de todos ou parcela da sociedade que eram atingidos pela guerra. Pelo visto o jornal não
ataca pessoalmente nenhum chefe de estado aliado e também poupa os chefes militares
brasileiros e suas manobras do teatro de operações, apenas apresenta os militares
brasileiros e seus aliados como heróis a serem enaltecidos.
Devido a proximidade de Henrique Fleiuss com homens do poder, o semanário
ilustrado sofre ataques de suas concorrentes sobre prováveis subvenções recebidas do
governo, mesmo que no próprio jornal foram intensos os pedidos para os assinantes
renovarem suas assinaturas, indício de que o periódico dependia do pagamento de seus
assinantes para sua sobrevivência. Quando a Semana Illustrada saiu de circulação em
1876, o jornal O Mosquito publicou a seguinte acusação:
Avançada em anos, sem dentes e vendo pouco, era admirável o apetite da finada
- comia tudo e tudo digeria, como no verdor da mocidade. Era uma das melhores
convivas da grande mesa do orçamento! [...] O sopro do Tesouro não lhes pôde
dar vida; mas agora que elas não existem, ao governo cabe enterrar os mortos
e tratar dos vivos (apud SODRÉ, 1999, p. 217).
Contudo não evidência de que o periódico recebia proventos de alguma
repartição do governo. Pedro Paulo Soares (2003, p. 60) acredita numa espécie de
apadrinhamento político, sendo verificável na lista de testemunhas de casamento de
Fleiuss, em 1867 no qual assinaram nomes que participavam da vida política da Corte.
Karen Fernanda Rodrigues de Souza acredita que o periódico não contava com
financiamento público e, portanto, era essencial que seus criadores conseguissem o
máximo possível de assinantes, garantindo então a venda de uma certa quantidade de
exemplares” (SOUZA, 2007, p. 18-9). Empreendimento custoso para a época e com escassa
mão de obra especializada sobretudo na reprodução de imagens o jornal ilustrado o
se sustentaria, dentre outros fatores, pela ausência de anúncios publicitários
posteriormente foram incorporados aos jornais para a manutenção dos custos que o
processo de impressão e circulação gerava. A folha ilustrada se defendia das acusações a
que era atingida e garantiao obter nenhuma forma de auxílio do governo para a
manutenção do semanário.
De nossa parte declaramos aqui em alto e bom som que não servimos nunca ao
governo como testa-de-ferro, que o Dr. Semana não deve finezas de qualidade
alguma aos ministros, e que é bastante independente para não pedir obséquios e
favores senão os que recebe do público. A Semana é o único responsável pelos
seus desenhos e escritos, que não são influídos por pessoa alguma. Graças à
nossa independência, alcançada pelos imensos esforços de servir bem aos nossos
assinantes, de ficar sempre nos limites da mais rigorosa dencia (...), não
tememos os insultos desses que não têm mostrado amor à pátria, interesse pela
causa pública e o devido respeito aos colegas da imprensa.
A Semana Ilustrada, n. 373, fev.1868.
Os preços variavam caso fosse assinatura ou comprada avulsamente. A Semana
Illustrada custava $500 réis enquanto um diário custava $40 a $80 réis. Os valores das
assinaturas anuais dependiam da região. Na capital 16$000 e no interior 18$000. Preço alto
para o período e assim poucos poderiam adquirir tal publicação. Entretanto, em
comparação com os livros os jornais ilustrados eram bem mais acessíveis. Publicar um
livro ou adquirí-lo era para poucos pelos altos custos de impressão e assim os jornais
semanais colaboravam imensamente ao acesso de seus leitores a literatura. A título de
exemplo, um bom escravo custava cerca de 150$000 e para se formar uma plantação de
café, em 1827 fora o terreno 6: 149$000 (MOREL, 2003, p. 91).
No período compreendido entre 1865-70 surgiram várias folhas que tratavam a
guerra com imagens, sendo as principais no Rio de Janeiro, a Semana Illustrada e a Vida
Fluminense, esta última dirigida por Angelo Agostini.
Angelo Agostini, italiano, desembarcou em São Paulo e desenhou para o jornal
ilustrado O Cabrião e depois foi para a Corte e lançou a Vida Fluminense que seria a
principal concorrente da Semana Illustrada. Agostini é tido como o grande defensor da
abolição e tinha um tom mais combativo que Fleiuss. Agostini produziria ainda a Revista
Ilustrada lançada em 1876 que seria a maior em circulação na América do Sul. Não resta
dúvida de que seja o principal repórter com o lápis no Brasil do século XIX. Nelson
Werneck Sodré discorre sobre a atuação do artista na Corte
Agostini foi dos mais expressivos exemplos de como a milincia enriquece,
amplia e multiplica o efeito das criações artísticas autênticas sendo, ainda, dos
mais brasileiros dos artistas que nos conheceram e nos estimaram, porque sentiu,
compreendeu e expressou não apenas o que era característico em nós, daí a sua
autenticidade, mas aquilo que representa o conteúdo do característico, isto é, o
popular. Suas caricaturas, por vezes contundentes, puseram a nu os traços
grotescos da classe dominante brasileira do tempo, suas irremediáveis mazelas,
seu atraso isuportável, e o vazio triste dos ornamentos, dos artifícios, dos
disfarces com que se apresentava, buscando aparentar grandeza (SODRÉ, 1999, p.
218).
A disputa pelo leitor foi acirrada entre os órgãos de imprensa, ainda que a Vida
Fluminense fosse lançada em 1868 e perdurou até 1875, nos anos finais e posteriores a
guerra. É de supor que as folhas ilustradas fossem alternativas, em contraste com os
grandes jornais do período, que eram mais sisudos, devido a prováveis compromissos
assumidos com a burocracia, comércio ou, até mesmo, ligados a partidos políticos.
A Vida fluminense de Angelo Agostini pretendia concorrer com a Semana
Illustrada atacando as imagens desta. Os motivos dos ataques era a qualidade das imagens
Agostini era melhor desenhista que Fleiuss e as fontes que cada periódico recorria para
produzir as imagens.
Post scriptum. A Semana Illustrada publicou um desenho que representa o Chico
Diabo matando o Lopez. Eu queria que me dissessem onde e como conseguiu
a Semana o retrato do Chico Diabo e desafio o colega a que o declare. s
costumamos ter em exposição no nosso escritório todos os retratos e croquis por
onde nos guiamos aos senhores assinantes. Pode a Semana fazer o mesmo? Não
pode, e tanto que apresentou o cabo riograndense ferindo em pleno peito o
finado déspota paraguaio, que foge a cavalo, quando ninguém ignora que Lopez
foi morto por uma lança nas costas, quando, fugindo a pé, tentava subir a
barranca do rio! É caçoar muito com o publico!
Vida Fluminense, abril de 1870 apud Pedro Paulo Soares (2003, p. 86).
É interessante notar que Agostini desembarcou em São Paulo e por produziu o
Diabo Coxo (1864) e, principalmente O Cabrião (1866-1867) e ambos trocavam elogios
enquanto estavam distante e não disputavam a clientela de seus periódicos. Pode-se inferir,
baseando-se nas informações colhidas, que existiu no período do conflito platino um
público leitor considerável dos jornais ilustrados, levando-se em conta a quantidade de
folhas ilustradas que circulavam na capital do Império, e as imagens certamente
impactavam pela novidade com que representavam o evento bélico. Mais ainda, a Guerra
era um produto que vendia de tudo, envolvendo uma rede de produção, circulação e
recepção das informações do palco das batalhas.
Os desenhos da guerra que a Vida Fluminense tem publicado são os únicos
fidedignos por serem feitos segundo dados e informações oficiais, disse eu no
ano passado. Os fatos vieram posteriormente confirmar esta minha asserção,
provando a toda luz que não só no Brasil como também nos Estados Unidos e em
diversos países da Europa têm eles sido como tais aceitos, de preferência a todas
as fantasias litográficas que por aí aparecem, e que muitos pais judiciosos
transformaram em chapéus armados, com grande contentamento de seus
nhonhôs. (...) No Brasil, ainda maior tem sido a manifestação pública em favor
dos quadros da Vida Fluminense. Nas Vidraças de inúmeras casas de comércio
da capital do Impériovêem-se cópias fotográficas, em diversos formatos, de
todos os episódios da guerra e retratos de generais que temos publicado até hoje;
e tal é a procura que as edições se esgotam em poucas semanas. Durante alguns
dias estiveram expostos numa loja da rua do Ouvidor dois grandes quadros a
óleo, em que se copiou fielmente deste semanário a passagem de Humaie a
abordagem dos encouraçados. No carnaval, o Teatro Lyrico adornou-se com um
grande painel transparente, representando o combate da Ponte de itororó,
também reprodução fiel do desenho da Vida Fluminense.
Ide a loja de moedas Aux Champs Elysées, da rua do Ouvidor, em frente a Notre
Dame de Paris, e aí vereis igualmente um transparente, reproduzindo a passagem
de Humaitá tal qual publicamos. Até nas folhinhas do Laemmert encontrareis
várias pias dos nossos desenhos! Querem mais claro? Querem provas mais
convincentes de que os quadros da guerra, que este semanário tem dado à
estampa, são os únicos que o público considera verdadeiros?
gente capaz de tudo; por isso talvez haja quem se persuada que toda esta
enfiada de provas tem por fim encarecer nossos desenhos, para dar-lhes mais
saída. Engano! Meu intento é diverso: é demonstrar que existindo aqui dois
jornais ilustrados, pela predileção tão manifesta do público em favor de um
deles, se evidencia quanto o outro se tem desprestigiado.
Não faço “puff‟s”, não encareço os quadros da Vida Fluminense para conseguir
vende-los mais prontamente. Não! E tanto é verdade que, ainda que quiséssemos,
não os poderíamos vender, por terem-se esgotado as edições de quase todos,
restando-nos apenas de algumas coleções bem poucos exemplares.”
Vida Fluminense, n. 59, fev. 1869 (apud Pedro Paulo Soares, 2003, p. 87).
Neste comentário publicado na Vida Fluminense encontra-se dados relevantes para
se compreender que as imagens circulavam até no exterior e eram reproduzidas nos mais
diversos meios disponíveis. Nota-se que Agostini não deixa de atacar Fleiuss dizendo que
suas imagens são as únicas verdadeiras e chamando de fantasiosas as produzidas pelo
concorrente. Em aviso ao seu leitor, Fleiuss defende os originais que recebera do teatro de
operações e destaca que não é feita nenhuma alteração da composição das imagens.
Ao publico quem tiver interesse de ver os originaes, que me forao
remettidos pelo Exmo Sr. Visconde de Inhaúma e os outros, amigos da esquadra
e do exercito, dirija-se ao Imperial instituto Artístico, Largo do São Francisco de
Paula n. 16, onde se achao exposto taes desenhos. Ao mesmo tempo declaro ao
publico, que os quadros não são composições e sim copias dos originaes, que me
mandarão de lá; levantados nos logares da acçao e desenhados do natural. É pois
bem visto que eu não posso fazer a menor emenda ou modificações nos originaes
para não carregar com qualquer inexactidao que se dê, inventando cousas, que
não se achao nos desenhos remettidos e que muito depreciarão a verdade dos
fatos.
Semana Illustrada, 08/03/1868, p. 3023.
O autor ainda recorre as suas fontes para corroborar a exatidão dos desenhos e
assevera que foram feitos in loco, direto do palco das batalhas. A ideia de testemunha
ocular é notável e muito se justifica quando se usa o termo para transmitir a noção de
realidade, marca registrada quando se lança mão de imagens para narrar fatos, ou melhor,
utilizar imagens significa sintetizar acontecimentos e, mais que isso, cristalizar aquele fato
como o digno de ser memorizado. É nisso que reside o poder das imagens, através dos
discursos que são produzidos para justificá-las como as únicas possíveis,
independentemente da forma de reprodução: pinturas, estátuas, gravuras, fotografias, etc.
Conforme atesta Peter Burke (2004, p. 24)
“Artistas de guerra”, enviados a campo para retratar batalhas e a vida dos
soldados em campanha, ativos desde a expedição do imperador Carlos V á
Tunísia até a intervenção americana no Vietnã, se não mais tarde, são
usualmente testemunhas mais confiáveis, especialmente no que se refere a
detalhes, do que seus colegas que trabalharam exclusivamente em casa. [...]
apesar disso, seria imprudente atribuir a esses artistas repórteres um “olhar
inocente” no sentido de um olhar que fosse totalmente objetivo, livre de
expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tanto literalmente quanto
metaforicamente, esses esboços e pinturas registram “um ponto de vista”.
Não eram jornais de grande alcance popular devido a seu preço e linguagem, tendo
em vista uma população praticamente analfabeta. Entretanto, por meio das imagens havia
possibilidade de atingir também os não letrados. Marco Morel sustenta que deve ser
matizada a ideia de que somente a elite tinha acesso às informações dos periódicos. Um
dado relevante são as leituras públicas que se faziam nas casas e nas livrarias
[...] em uma cidade como o Rio de Janeiro nem sempre era preciso pagar para
ler: havia espaços de leitura blica, como a Biblioteca Real (desde 1813 aberta
a qualquer leitor gratuitamente), sem mencionar as leituras em voz alta,
proferidas em pequenos grupos, esquinas, boticas, tabernas ou residências,
registradas por diversas testemunhas relativizando assim as fronteiras entre o
universo letrado e a transmissão oral [...] (MOREL, 2003, p. 90).
A leitura não ficava apenas no âmbito individual, pois com os espaços públicos a
disseminação da informação dos periódicos atingia diferentes camadas da população,
inclusive as excludentes. Para Marco Morelhavia encontros em local público ou fechado,
disseminava-se a leitura coletiva e em voz alta, reminiscências das práticas culturais do
Antigo Regime” (MOREL, 2003, p. 77). Dados relevantes ainda que sejam no período da
primeira metade do século XIX. Portanto os jornais não estavam somente ao alcance dos
letrados e, sendo assim, não deixavam de chegar ao conhecimento dos que não sabiam ler.
No esforço de encontrar um perfil de leitor do século XIX e mesmo sendo do
período das décadas de 20 e 30, Marco Morel (2003, p. 35-6) tem como base uma pesquisa
do jornal Gazeta do Brasil o periódico dizia ter nos seus quadros 693 assinantes.
Alinhado a situação, defensor da monarquia, o jornal classificou seu público em categorias
sócio-profissionais. O resultado de tal pesquisa indica que a maioria do público pelo
menos do jornal citado é formada por três profissões: comerciantes (35%), em sequência
os militares (22%) e o clero. Com 73% as três categorias formavam a maioria dos leitores
do jornal e o restante ficava assim distribuído: funcionário de governo, médicos,
deputados, senadores e, por fim, um grupo rotulado de “diversas classes” (10%)
20
. É
evidente, desta maneira, que a sociedade brasileira era profundamente hierarquizada, com
problemas de analfabetismo e, entretanto, os desfavorecidos pelas condições sociais e
políticas brasileiras não eram uma massa excludente e inerte, que não dialogava a sua
maneira com os eventos que se passavam no país e suas representações na imprensa.
As transformações sociais, políticas e econômicas vão denunciar um novo
panorama para a sociedade escravocrata monárquica. O desenvolvimento da infra-estrutura
começa a alterar a paisagem do país e, nesse sentido, colabora com a imprensa, na medida
em que acelera a troca de informações, além do fluxo migratório que acompanha a nação
recém independente.
[...] Mesmo os germes de mudança, que surgirão claramente após a Guerra com
o Paraguai, passam despercebidos em seus efeitos, embora sejam escandalosos
como acontecimentos: o primeiro deles é a extinção do tráfico negreiro, logo a
iniciar-se a segunda metade do século. A lei de 1850 não abala as instituições
porque a lavoura de café, em que assenta a economia imperial, permanece em
ascensão e até prova de vitalidade, ao vencer a crise de preços que a ameaça
em sua primeira fase [...].
[...] começam a aparecer as ferrovias, enquanto a navegação a vapor encurta as
distancias marítimas e permite aumentar o volume de trocas com o exterior e
entre as províncias. Pouco depois, é o cabo submarino que liberta a informação
externa da subordinação dos paquetes, e o telégrafo une progressivamente as
zonas mais próximas ao centro. Ao mesmo passo, desenvolve-se o comércio, a
20
Marco Morel ainda vai especular sobre as razões do autor da pesquisa em ocultar a categoria “diversas
classes” as profissões que não se identificavam com as proposta do jornal em ter um perfil de público.
Finaliza o autor que a categoria silenciada mudaria o perfil dos assinantes do jornal, contrariando, assim, a
intenção da pesquisa. A opção por um jornal que comungava com os interesses da monarquia fortalece
nossas asserções sobre a Semana Illustrada no que se refere ao público leitor. É possível avaliar
parcialmente que os números da pesquisa podem ser considerados para a década de sessenta, embora estava o
quadro social sendo alterado com a formação de levas de imigrantes oriundos de outros países, além da
formação da elite cultural que se articulasse com a elite potica e econômica.
organização bancária e até a indústria, permitindo o aparecimento de uma figura
como Mauá, com as suas iniciativas variadas, que aparecem audaciosas aos
contemporâneos. O quadro antigo vai sofrendo alterações, particularmente nas
áreas urbanas que ganham vida própria, emancipando-se gradativamente da larga
supremacia rural (SODRÉ, 1999, p. 186)
Na década de cinquenta se estabelecia uma calmaria no país enquanto alterações
consideráveis no quadro brasileiro estavam por vir na década de sessenta, transformações
que se concretizariam na proclamação da República.
Da maioridade à Conciliação tudo fora sem tropeços para o latifúndio escravista,
superada a grave crise da Regência; a esquerda liberal fora esmagada; as
rebeliões provinciais reprimidas com inaudita violência. Os anos cinqüenta
anunciam o auge do poder imperial, que removeu todos os obstáculos e não
receia que reapareçam; a imprensa reflete a estagnão dominante. Mas os anos
sessenta começam a denunciar mudanças: a crise de 1857 repete-se em 1864, em
circunstâncias ainda mais profundas; surge o conflito militar platino, de sérias
consequências na vida potica do país; a suspensão do trafico negreiro, dez anos
antes, mostra claramente os seus efeitos; [...] Ao fim da década de sessenta, com
a guerra terminada, tudo indica o início de uma fase nova, com reformas que se
impõem e não podem ser proteladas; Vai começar a agitação (SODRÉ, 1999, p.
200-1)
É nesse ambiente estremecido que se articula a imprensa e seus personagens e a classe
dominante vai imaginar a nação com as suas reformas que modificarão toda estrutura
social e política que fora provocada, dentre outros fatores, pela eclosão da guerra.
Até o final da Guerra do Paraguai, em 1870, as elites brasileiras aristocratas
rurais, comerciantes urbanos, intelectuais de pensamento europeu, poetas e
escritores da poesia indianista e do romantismo literário, políticos, jornalistas
liberais, abolicionistas e republicanos, mestres de artes e ofícios, religiosos
repensam a nação e articulam instituições livres que resultarão no 15 de
novembro de 1889 (BAHIA, 1990, p. 113).
A guerra, não é demais enfatizar, muda o curso da história do país, altera
significativamente o quadro social com o retorno dos soldados negros libertos os quais
serão mais um componente que lutariam pela causa abolicionista. No plano interno
brasileiro, fazia-se urgente as reformas que se assentariam na dissolução do trabalho
escravo a implantação do assalariado, na melhoria da qualidade de vida e da queda do
Império que centralizava o poder. O controle também chegava a religião e ao casamento a
Igreja Católica permanece sob a tutela do Império, possui a propriedade dos cemitérios, o
controle do ensino primário e secundário. O casamento civil não é permitido e, não
obstante o direito de culto, os não-católicos são obrigados a esconder o local de seu
templo (BAHIA, 1990, p. 111). Em síntese, a sociedade brasileira iniciava seu processo de
modernização e tinha no desenvolvimento europeu seu modelo de referência, o qual
pressupunha maior liberdade não somente religiosa, mas, também, na economia e na
política.
É no âmbito dessa sociedade que se produz a cobertura imagética da guerra pela
Semana Illustrada, na qual chama a atenção pela ampla gama de imagens. Então é
imperativo compreender os tipos de imagens e quais assuntos foram tratados com
relevância pelo hebdomadário. Assim sendo, também é necessário analisar o método de
impressão do jornal e ressaltar como as imagens eram reproduzidas ao longo das ginas
do periódico em questão.
A litografia era a tecnologia mais usual para a reprodução de imagens no jornal.
Inventada em 1798 por Alois Senefelder (1711-1834) a técnica é baseada na repulsão da
água com óleo e consiste no desenho feito a mão numa pedra ou chapa que, com o uso de
um lápis ou bastão gorduroso, registra-se o desenho para posterior decalque no papel. De
maneira mais detalhada Itajahy Martins (1987, p. 19) sintetiza
[...] Após o desenho feito na pedra, esta deve receber água, pois o princípio de
impressão se baseia na repulsão entre esta e os corpos gordurosos. A pedra
umedecida permite que a tinta graxa, passada com um rolo, se agregue somente
nas partes que contêm o desenho, também executado com lápis graxo. A
impressão que resulta na reprodução da imagem é executada em prensa manual
especial. Na indústria gráfica, a litografia deu origem ao processo off-set em
máquina plana.
O processo requer tratamento da pedra calcária que pode chegar segundo Orlando
da Costa Ferreira (1994, p. 103) a 500 kg com espessura entre 5 a 15 cm e proporcionar
uma imagem no tamanho de 160x120cm. Assim desenha-se na pedra que pode ser
baseado em fotos, pinturas, ou relatos verbais invertido para em seguida banhar a pedra
com químicos e soluções para futura impressão com a utilização de uma prensa
litográfica
21
.
Outras técnicas também foram utilizadas no período, mas sem sucesso devido a
falta de mão-de-obra especializada. A litografia era menos custosa e posteriormente a
pedra fora substituída por ser pesada demais pela chapa de zinco, enquanto na Europa e
Estados Unidos os artistas imprimiam suas imagens na xilogravura, técnica cujo
procedimento é fazer sulcos na madeira como se fosse um carimbo. Trata-se de uma
diferença importante na medida em que na litografia não se podia mesclar texto com
imagens, ao contrário da xilogravura, conforme relata Ferreira de Andrade (2004, p. 52) “o
maior desafio de todos, nos parece, era proceder a uma satisfatória integração entre os
21
Itajahy Martins (1994, p. 146-7) oferece uma sequência de 17 imagens que ilustram com clareza o
procedimento desde a extração da pedra calcária até a impressão em papel. É preciso ver as imagens para se
compreender melhor o processo da litografia.
discursos verbal e visual, que os processos de impressão de textos e imagens não eram
compatíveis
22
.
Ferreira de Andrade (2004, p. 57) explica como se processava a impressão das
folhas ilustradas até o final do XIX, o que necessitava tanto da impressão tipográfica
quanto da litográfica
uma folha de papel recebia, de um lado, a impressão tipográfica das páginas de
texto e, do outro lado, a impressão litográfica das imagens. Após receber duas
dobras em cruz e ser refilada, transformava-se num caderno in-quarto, onde as
páginas 1 (a capa), 4 e 5 (as páginas centrais, sem interrupção entre uma e outra,
o que permitia a elaboração de ilustrações em maior formato) e a 8 (a quarta
capa) continham as ilustrações em litogravura. As páginas 2, 3, 6 e 7, impressas
pelo processo tipográfico, continham os textos.
Então, a Semana Illustrada tinha como projeto gráfico o seguinte formato: na
metade superior da primeira página (capa) era impresso o cabeçalho do periódico e na
metade inferior a ilustração que, geralmente, continha o diálogo do Dr. Semana e seu
escravo chamado Moleque que discutiam a manchete semanal de acordo com os periódicos
diários. Entre estas duas metades surgia o texto que identificava o ano, o número e em
seguida os valores para a capital e para as províncias. Antes destes o editor pedia ao
público caso tivesse desenhos e artigos que submetessem ao endereço da redação do jornal
e o mesmo texto indicava ainda que no endereço citado também o leitor pudesse assinar o
periódico.
22
Neste período a imprensa ilustrada compunha desenhos que continham objetos utilizados pelos artistas
para produzir as litografias como, no caso, o crayon litográfico. Ver mais a esse respeito em Joaquim Marçal
Ferreira de Andrade. História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de
1839 a 1900. Rio de Janeiro, Elsevier, 2004. pp. 87-94.
Fig. 40. Capa da Semana Illustrada. N. 219, 19/02/1865
Não é demais lembrar que na imagem da referida capa o Brasil está representado de
índio sentado no trono e recebendo as províncias representadas de soldados gregos, a
legenda é esclarecedora para o discurso de mobilização geral
BRASILEIROS! A´S ARMAS! Todas as províncias, com estes três á frente,
marchão para a desafronta da tria. Em quanto houver uma gota de sangue, um
braço e uma espada, a dignidade do Brasil não será ultrajada pelo estrangeiro.
Briosas irmãs! Ao combate! Ao combate! Ao combate!
Semana Illustrada, 19/02/1865, p. 1749.
Nota-se neste caso um chamamento para a luta e empunhar armas para defender a
desafronta nacional. As províncias são a Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul, contudo as de maior participação no envio de contingentes à campanha foi Rio Grande
do Sul e Bahia.
Nas páginas centrais se intercalavam as impressões com textos e imagens. Na
página 2 continha o editorial que comentava as principais notícias veiculadas pelos
semanários e na página 3 o espaço era dedicado para poesias, contos, crônicas e outras. As
litografias apareciam nas folhas seguintes em grupos de imagens ver-se-á adiante os tipos
e características destas imagens relativas ao conflito no Paraguai com sequência de
acontecimentos que em sua maioria eram abordados de forma irônica e satírica sobre os
costumes e bitos da sociedade brasileira. É necessário esclarecer que abaixo de cada
imagem encontram-se legendas com comentários em relação ao acontecimento ou o
diálogo entre os personagens que participam das cenas.
Fig. 41. Páginas 2 e 3 com impressão tipográfica
Para a página 7 o espaço era reservado para anúncios de livros e obras de caráter
artístico e científico com indicações feitas pelo editor do jornal. Este espaço servia para
divulgar e auxiliar os artistas e pesquisadores e com certa freqüência o editor avisava das
renovações das assinaturas para seus assinantes.
Fig. 42. Páginas 4 e 5 com impressão litográfica
Fig. 43. Páginas 6 e 7
Fig. 44. Página 8
Assim era a diagramação do periódico em que a página 8 fechava o jornal com uma
ilustração que ocupava a totalidade da folha, o que conferia um impacto visual relevante na
mensagem que se pretendia passar para o público. A fig. 44 segue uma tendência do
periódico em criar um clima de festas para aqueles que se dirigiam aos campos de batalhas
no Paraguai, mas, ao mesmo tempo, o jornal não deixava de lado a tristeza das famílias que
enviavam seus jovens para a guerra e, na maioria dos casos, estes jovens não voltavam
para casa.
De acordo com o fragmento extraído da Semana Illustrada do dia 22 de fevereiro
de 1863 com o título “Manifesto ao Mundo” o periódico reverencia sua alforria da
tipografia do Diário do Rio de Janeiro salientando que
[...] a Semana Illustrada se declara, para todo o sempre independente da
tipografia do Diário do Rio de Janeiro, livre dessa metrópole cruel e elevada à
categoria de gazeta soberana, pois que, d‟ora avante será publicada em sua
tipografia própria, fundada no Largo de S. Francisco de Paula, que é muito mais
nobre do que a rua do Rosário.
[...] Os dias de contemporização passaram. A Confederação Germânica,
grande potência européia, intervém em nosso favor, e de uma das principais
cidades da Alemanha (Moguncia) acabamos de receber a tipografia completa e
rica de Guttenberg, que nos habilita a despedaçar as cadeias coloniais, e a
declararmo-nos independentes do Diário do Rio de Janeiro, começando desde
hoje a publicar a Semana Illustrada em nossos prelos e em nossa própria casa
23
.
Cabe salientar que a impressão do jornal certamente tinha custos elevados por ser
terceirizado no Diário do Rio de Janeiro, um dos principais periódicos da Corte
juntamente com o Jornal do Commercio. Com a aquisição da prensa tipográfica o jornal
atenuaria seus custos e conseguiria sobreviver aos concorrentes, somente fica obscura a
origem dos recursos para importar tal equipamento do exterior, que o jornal sempre
lançou o de campanhas para atrair o público para assinaturas tendo em vista a falta de
dinheiro para a continuidade da publicação, como consta na fig. 45
Fig. 45. Semana Illustrada, Nº 05, Rio de Janeiro, 13/01/1861, pág. 36.
[...] mesmo porque isto assim não pode continuar. Os Srs. sabem, que eu tenho
tantas despesas, sustento mulher e filhos; além disso, os novos impostos, o selo
aumentando e o celebérrimo 20 por cento. No entanto há muita gente que vem
aqui ler de graça a Semana. Ora eu aprecio muito o interesse que esses Srs.
23
“Manifesto ao Mundo. Proclamação da Independência Tipográfica da Semana Illustrada” in Semana
Illustrada, Ano 03, N. 115, Rio de Janeiro, 22/02/1863, pág. 914. In Karen Fernanda Rodrigues de Souza
(2007. p. 19).
mostram pelo meu jornal; mas, palavra de honra, apreciaria muito mais se
fossem todos assinantes (SOUZA, 2007. p. 72).
Assim, a caricatura atesta as altas custas do processo de produção do periódico e
clama para os leitores que, em vez de ler o jornal gratuitamente, fossem assinantes. Aqui
cabe uma consideração sobre os interlocutores do jornal. Criados para serem porta-vozes
da opinião do periódico o Dr. Semana e seu Moleque são dois personagens que dialogam
sobre os assuntos principais noticiados ao longo da semana pelos diários. O Dr. Semana é
um tipo fidalgo, com cabelos longos que educa seu escravo de nome Moleque. Ambos
frequentam sempre as capas da Semana Illustrada e geralmente participam dos eventos ou
exercem sua opinião para os fatos que se destacaram ao longo da semana. Para os assuntos
mais sérios assinava o Dr. Semana e ficava a cargo do Moleque a assinatura das notícias
que pediam uma opinião mais sutil do semanário. No período do conflito o Dr. Semana foi
o personagem que assinou a maioria dos textos com a legenda Delenda Paraguay, textos
que depreciavam Solano López e seus exércitos, além de incitar seus leitores a total
destruição do país guarani. Geralmente as imagens das capas em que participavam os
personagens tratavam de forma irônica o assunto principal do editorial e abaixo das
imagens seguiam-se sempre legendas com o diálogo de ambos os personagens.
Neste texto também se nota o reclame do autor em relatar que sustenta a família,
tem as despesas do selo e dos impostos. É uma forma de sensibilizar os leitores em assinar
o periódico ressaltando a dificuldade financeira pessoal e, também, a necessidade do jornal
em ter assinantes que financiam o empreendimento.
Quanto às imagens em especial, foi necessário mapear em séries e catalogá-las por
tipos. Assim estão distribuídas as classificações: em primeiro lugar as alegóricas que
continham figuras indígenas em sua composição. Essas figuras representavam o País como
índio jovem chamado Brasília e formava uma ideia de nação que, certamente, tinha suas
origens na literatura indianista ou romântica do século XIX. Em segundo lugar as imagens
baseadas em fotografias que representavam vistas ou retratos de soldados e oficiais. As
vistas tinham como finalidade identificar as paisagens do desconhecido Paraguai, além das
estruturas prediais que se registrava por intermédio da fotografia. Já os retratos dos
soldados, que geralmente apareciam o busto e o rosto do personagem, eram tratados pelo
jornal como forma de heroísmo e se fazia homenagens aos feitos dos bravos soldados
brasileiros ou a sua morte em algum combate. Nesta categoria (litografia com base em
fotografia) tem-se a noção de imagem com fins documentais. Em terceiro lugar as
caricaturas que depreciavam Solano López e o país guarani, pelo menos em sua maioria,
conforme destacou Mauro César Silveira
24
. Em quarto lugar surgem nas folhas do
periódico as ilustrações que representam as ações isoladas da campanha e situações
diversas que tentam ilustrar os combatentes e seus feitos, seja no acampamento ou em
plena ação durante os combates navais e terrestres, tendo nesta categoria a ideia de
narrativa visual, para ilustrar os textos verbais que chegavam do palco das batalhas. O
objetivo desta parte da pesquisa não é quantificar as imagens e sim analisar o conteúdo de
cada categoria.
Com fins alegóricos o Brasil é representado por um índio conforme fig. 46 e 47.
Em 22 de janeiro de 1865 surge contra capa com São Sebastião guiando a jovem índia que
levava seus soldados para as batalhas. Abaixo a legenda em forma de poesia
Fig. 46. SÃO SEBASTIÃO GUIANDO O BRASIL CONTRA OS INIMIGOS DA PÁTRIA.
24
Dispensa-se esta categoria devido a trabalho anterior realizado pelo autor citado.
Com passo firme e a mão valente armada, Brasil, guiar-te-ei ao céu da glória. Tens inimigos? Toma a tua
espada, deita-te ao campo e cantarás viria!” No estandarte, lê-se: “Grande Santo protetor do Impérioda
Santa Cruz, a colheita de triunfos teus protegidos conduz, com tua espada inflamada à frente dos brasileiros.
Sejam eles invencíveis, sejam heróis verdadeiros.” A Semana Ilustrada, 22/01/1865, p. 1724.
Repara-se que nesta categoria de imagem a representação é puramente ficcional,
que se imagina o país como um índio, bem como a situação não pretende ser realista. O
jornal constrói uma ideia de nação baseada nos nones da literatura do período. Como a
mudança de data é significativa para a análise em questão, nos quais os ânimos da
sociedade brasileira vão se alterando no desenrolar do conflito, alteração que se nota nas
páginas do semanário.
Neste momento a imagem da índia fig. 47 despida por aqueles que ganhavam
dinheiro com o empreendimento militar no Paraguai. A índia, neste caso, não é mais tão
jovem e despida pelos fornecedores risonhos e gordos usando cartolas e bengalas, ricos
diante do dinheiro gasto pela monarquia brasileira para sustentar a guerra e toda a logística
que dependia os exércitos para tal finalidade. Contudo, o periódico o assevera quem
ganhou com os gastos na campanha, somente cria um estereótipo ao representar os
personagens e, sendo assim, o jornal silencia uma informação capital para se entender as
razões do conflito ter se prolongado por cinco anos, formando um déficit gigantesco nas
finanças da monarquia brasileira e aumentando a dependência do país ao capital
estrangeiro.
Fig. 47. D. Brasília. Agora que me tiraram quase tudo querem ir para a Europa?
Fornecedores A sua nudez é que nos obriga a isso. Acabou-se a guerra, acabaram-se as pechinchas. Viva
quem soube aproveitar o tempo”. H. Fleiuss, A Semana Ilustrada, n. 478, fev. 1870
No número 254, o periódico faz uma ironia sobre as despesas da guerra, mas ao
final do texto se nota como o jornal defende os gastos para a guerra
Cinco milhões esterlinos! O leitor vai arregalar o olho pensando que é esse o
premio do novo plano de loterias que se anda a projetar. Pois fica logrado. Cinco
milhões esterlinos são nada mais nada menos a quantia que o Impérioacaba de
tomar por empréstimo á praça de Londres. é dinheiro; o Paraguay com o
Lopez não vale tanto. É certo. Mas a dignidade do paiz e os interesses do futuro
valem mais.
Semana Illustrada, 22/10/1865, p. 2026.
Claro está que o jornal representou os gastos públicos feitos pelo Império como
forma de justificar tal sacrifício. Apenas não aponta quem ganhou dinheiro com um
conflito que durou muito tempo achegar ao seu termo. Segundo Enrique Amayo, ao
tratar com dados dos empréstimos obtidos na Praça de Londres pelos países envolvidos no
conflito, ressalta o endividamento e dependência do país antes e após a guerra
O Brasil, entre 1824 e 1865, tinha empréstimos da ordem de 6.363.613 libras
esterlinas. Depois da Guerra, em 1871, negociou outro empréstimo de 3 milhões
de libras esterlinas; Em 1875, firmou outro empréstimo, de 5.301.200 libras
esterlinas. Posteriormente, entre 1883 e 1889, endividou-se, em mais quatro
empréstimos, num total de 37.202.900 libras esterlinas. Isso quer dizer que, em
18 anos (de 1871 a1889), o Brasil obteve empréstimos de 45.500 mil libras
esterlinas, ou seja, quase duas vezes e meia mais que nos 47 anos precedentes.
25
(1995, p. 161-2)
E para compensar, a maioria dos fornecedores da Guerra era estrangeira. Tanto
fornecedores de materiais bélicos quanto de provimentos. O jornal ainda lançará campanha
para doação de fios que, tudo indica seriam usados na confecção de tecidos para os feridos
do Exército Imperial
Algumas sennhoras da Corte tem-se preocupado em fazer fios e envial-os á casa
da Exma Sra. Baronesa de Tamandaré, endereço, e se fizerão duas grandes
remessas para as nossas forças no Rio da Prata. Convidamos ás nossas Exmas.
Patrícias que se queirão associar a esta obra humanitária a fazerem outro tanto.
(Semana Illustrada, 12/02/1865, p. 1746).
Destarte, é possível inferir que as condições do exército brasileiro não eram das
melhores, tendo que receber doações de tecidos para a campanha no sul.
Na figura 48 observa-se a lança do Chico Diabo atravessando os fornecedores da
guerra desesperados com o fim do conflito platino e milhares de moedas caindo de seus
bolsos, numa cena que critica aqueles que lucravam com as despesas da guerra e o
completo esfacelamento dos cofres públicos, sobretudo do Império que arcou com a maior
parte dos gastos da campanha.
25
Enrique Amayo utiliza os dados da obra de Leon Pomer. La Guerra del Paraguay. Gran negocio! Buenos
Aires, Calden, 1968, p. 357.
Fig. 48. Semana Ilustrada, n. 478, fev. 1870.
No número 215, o periódico lança uma campanha para arrecadação de fotos dos
homens célebres que atuam na contenda
Os edictores pretendendo publicar uma galeria dos homens celebres da actual
campanha do sul, rogão a todas as pessoas que possuírem os retratos de alguns
dos bravos que ali se distinguirem, e quizerem obsequiar a Semana, hajão de
remettel-os ao Imperial Instituto Artístico, largo de São Francisco de Paula n 16.
(Semana Illustrada, 22/01/1865, p. 1723).
Sendo assim, esta série compreenderá os retratos feitos a partir dos cartões de
visita, retratos fotográficos dos soldados que foram para a guerra
26
. Esta categoria de
imagens se encontra nas páginas centrais do periódico e comumente em trinca dos
retratados ou numa mesma imagem a composição dos bustos, conforme fig. 49. Neste caso
em particular, a senhora ao centro da imagem tem seus sete filhos em atuação na Guerra, o
que não deixa de ser um ato de heroísmo da mãe que doa praticamente sua família inteira
para morrer e lutar no Paraguai.
26
Os cartões de visita foram fenômeno mundial como representação da camada média da população urbana.
Eram usados para enviar aos entes queridos, parentes ou amigos como forma de coleção e lembrança dos
falecidos. Ver mais sobre o assunto em Gisele Freund. Fotografia e sociedade. Tradução de Pedro Miguel
Frade. 2 ed. Lisboa, Vega, 1995.
Fig. 49. Semana Illustrada, n. 245, p. 1957 em 20/08/1865.
“Cala-te, amor de mãe! Quando o inimigo
Pisa da nossa terra o chão sagrado.
Amor da pátria, vivido, e levado,
Só tu na solidão serás comigo!
O dever é maior do que o perigo:
Pede-te a pátria, cidadão honrado;
Vai, meu filho, e nas lides do soldado
Minha lembrança viverá contigo!
És o sétimo, o último. Minha alma
Vai toda aí, convosco repartida,
E eu dou-a de olhos secos, fria e calma
Oh! Não te assuste o horror da márcia lida;
Colhe no vasto campo a melhor palma;
Ou morte honrada ou gloriosa vida.”
A morte é um fato recorrente em qualquer ação bélica e nas páginas da Semana
Illustrada fora representada em forma de vida. Com o uso dos cartões de visita, o
semanário apresentava os heróis mortos em combates, mas vivos no retrato. Raros foram
os exemplos de imagens que traziam a morte para perto do público. Seguia-se abaixo do
retrato do falecido a legenda que indicava que fora morto em combate, o nome do militar
era acompanhado de poesias que enalteciam a atuação do soldado. Outro tratamento
dispensado à imagem era a presença de anjo junto aos retratados, geralmente os coroando
com louros, o que simboliza uma premiação, uma vitória, no caso cristão a presença no
paraíso.
Fig. 50. Semana Illustrada n. 240, 16/07/1865, p. 1916.
Fig. 51. Semana Illustrada n. 283, 13/05/1866, p. 3160.
Não deixa de ser uma evidência o uso da fotografia em forma de cartão de visita
para a elaboração da fisionomia dos personagens. Reparar que o busto de cada um é bem
parecido senão igual ao outro
27
. Nesta mesma categoria encontram-se as imagens com base
em fotografias do palco dos acontecimentos retratando paisagens. Henrique Fleiuss
creditava as imagens aos seus correspondentes, caso que não deixa de ser pioneiro na
imprensa ilustrada brasileira.
Uma guerra tranquila e monótona se percebe na Semana Illustrada de Henrique
Fleiuss diante da categoria das imagens baseadas em fotos de cenas e paisagens. Fazem
parte desta categoria cenas de igrejas, comércios que se desenvolviam para suprir os
acampamentos e casas dos oficiais que estão resumidas na figura 52
28
(bem longe das
composições dramáticas das fotografias feitas pela Bate y Cia de Montevidéu!). Contudo,
para o público do século XIX brasileiro deveria ter impactado pelo realismo que as
imagens projetavam na percepção dos leitores. Além disso, trata-se de fotografias pelo
simples fato de não haver movimento dos objetos retratados, ou seja, infere-se que fora a
partir da fotografia que as imagens foram reproduzidas pela ausência de objetos em
movimento.
27
Joaquim Marçal Ferreira de Andrade (2004, p. 99-157) aborda com acuidade o uso da fotografia na
Semana Illustrada e em outros periódicos no Brasil e no Mundo.
28
A maioria das fotografias que fizeram base para as litografias citadas de paisagens encontra-se em
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: memórias e imagens. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2003.
Fig. 52. Semana Illustrada, n. 411, 25/10/1868, p. 3284-5.
Para as imagens que representaram ão o jornal lançou uma série intitulada de
“Episódios da Campanha do Sul” e posteriormente “Episódios da Campanha do Paraguai”.
Os artistas se valiam das notícias verbais que chegavam pelos paquetes em que se
destacam ilustrações de movimentos e situações de heroísmo do soldado brasileiro e
inclusive do Imperador que retira seu poncho para doar ao soldado caído ao chão,
conforme fig. 53.
Fig. 53. Semana Illustrada n. 252, 06/10/1865, p. 2012.
Fig. 54. Semana Illustrada, 09/09/1868.
Nesta categoria de imagens, prevaleciam composições que privilegiavam a ação de
situações detalhadas tais como as vitórias particulares dos soldados imperiais sobre os
soldados guaranis, e compunham a diagramação nas páginas centrais do periódico que, ora
apareciam na metade superior ora na inferior da gina. A reprodução de cenas, que eram
veiculadas como realistas, certamente tinham como objetivo aumentar significativamente o
impacto sobre os leitores. Registre-se que nesses casos não se identificava se as cenas eram
a partir de fotografias sempre com o discurso de que a fotografia era o espelho da
realidade ou se eram relatos verbais chegados dos paquetes e intuídos pelos litógrafos
que imaginavam as mesmas e as reproduziam como se fossem testemunhas oculares dos
acontecimentos.
O recrutamento foi um tema caro à monarquia brasileira. Em seu início a guerra
contou com voluntários principalmente em 1865, mas na medida em que se desenrolava o
conflito e, sobretudo, a derrota em Curupayti no ano de 1866, arrefeceu a população que
imaginava que o final da guerra parecia estar cada vez mais longe. Diante da resistência
dos súditos imperiais em se alistar no exército, logo o governo tratou de recrutar homens à
força e isso gerou uma profunda ruptura no sistema escravista nacional. Homens que
pudessem pagar estariam livres do exército e aqueles que podiam fornecer seus escravos
também poderiam se livrar do recrutamento brutal.
A Semana Illustrada tratou do assunto com apoio incondicional ao recrutamento
como exemplar método para por fim ao conflito o quanto antes. Num trecho com o tulo
“O recrutamento” tem-se a seguinte opinião
A Semana Illustrada quer o recrutamento, considera-o meio muito legal de que o
governo serve-se para engrossar as fileiras do exercito e obrigar o patriotismo
tardo e egoístico a pagar o necessario e imperioso tributo de sangue, que os
voluntários, sem a menor coacção, estão pagando e já pagarão em Paysandú, em
Corrientes, em Riachuelo e S. Borja. [...] A pátria, primeira das mães e a mais
digna de acatamento e de obediência, não póde prescindir deste meio de
disciplina natural. É portanto o recrutamento, a que o governo tem mandado
proceder, muito justo, muito louvável.
Semana Illustrada, 20/08/1865 p. 1954.
As imagens que tratavam deste assunto fariam eco da opinião declarada do jornal
em se fazer o recrutamento à força, conforme corrobora o texto do dia 13 de agosto do
mesmo ano “ora, o negocio é serio. Quem não for por seu gosto, tem de marchar contra a
vontade (Semana Illustrada, 13/08/1865, p. 1945). Quanto ao discurso imagético, o jornal
apresentava como deveriam proceder aqueles que tinham condições de doar seus escravos
para o exército imperial, já que o público do periódico tinha como perfil a elite econômica
e cultural do país.
Fig. 55. Semana Illustrada n. 309, 11/11/1866, p. 2469.
Imagem que serve como esforço de guerra e dita como deve o cidadão proceder
quando se preocupa pela causa nacional e pelo patriotismo. Jorge Rubiani (2007. p. 95),
pesquisador paraguaio, tem outra interpretação para a imagem “libres... para ir a la
muerte”. É um problema quando se analisa uma imagem, ou melhor, seja qual for a
imagem a ser interpretada, é preciso considerar sua ambiguidade, característica intrínseca a
qualquer tipo de mensagem plástica. É certo afirmar que diante de inúmeras leituras
possíveis da fig. 55 uma delas é a tentativa de educar a elite para a doação de escravos para
a campanha, caso delicado, pois a economia cafeeira dependia exclusivamente do trabalho
servil.
Fig. 56. Semana Illustrada n. 309, 23/12/1866, p. 2517.
O commendador Mathias Roxo e seus filhos Augusto e Frederico, fazem de seus escravos cidadãos e dos
cidadãos soldados.
O coração do Imperador e a voz da pátria, os apontão como exemplo a seguir.
Neste caso, mais uma doação feita diretamente ao Imperador embora seja de um
lote de escravos devidamente fardados e armados. Na realidade, o recrutamento
prejudicava diretamente a lavoura e, assim, atrasava ainda mais a economia do país que
dependia da mão de obra escrava para as fazendas de café
O recrutamento, mesmo em tempos normais, era problema candente e os debates
constantes a esse respeito mostram como assim era. Esses debates, nas maras
e na imprensa, tinham razão de ser: o recrutamento tocava de perto a
propriedade, diretamente a servil. Com a guerra e sua crescente premência de
efetivos, o problema assumiu proporções muito mais sérias. As desapropriações
de escravos para as fileiras, cada vez em mero maior, apesar de bem pagas
talvez essas alforrias tenham representado a maior despesa da guerra traziam
inconvenientes, pois a substituição era difícil, no trabalho das lavouras, quando
não eram possíveis. Outro efeito, que passava despercebido no momento, estava
no estímulo implícito que o processo conferia à extinção do escravismo: esse
efeito tornou-se evidente logo depois de finda a guerra. (SODRÉ, 1999, p. 201-2).
A nota do jornal Opinião Liberal é mais nítida sobre a contrariedade da sociedade
em relação ao recrutamento e aos gastos gigantescos para a manutenção do evento bélico
que atingia todos os segmentos da economia e sugava todos os recursos do Império
Paz, paz! É o brado íntimo de um povo oprimido. A guerra converteu-se em
desastre, a sua prolongação trará o cataclismo. O caprichoso imperial improvisou
uma série de desatinos, desde o Estado Imperial, e esses desatinos m pesado
com um flagelo sobre o povo inocente. [...] E quatro anos que essa guerra de
inércia devora a população brasileira, vítima de um recrutamento feroz! [...]
Continuar a guerra é matar barbaramente o país. A guerra está completamente
abandonada pela opinião. [...] E, demais, a honra que se entrega aos cuidados de
galês e pretos-minas não é honra, é uma mentira! (In SODRÉ, 1999, p. 201).
Com posição mais crítica e combativa que Fleiuss, Agostini representaria uma
consequência das violências recrutadoras executadas pelo governo. Os homens que tinham
perfil para o exército tentavam a qualquer custo encontrar uma brecha na lei para escapar
do alistamento e quando não havia possibilidades buscavam refúgio na mata, mesmo tendo
uma vida duríssima num local inóspito. Numa sequência de imagens Agostini representa as
consequências do alistamento com a ocupão de animais na cidade e o mato recheado de
homens acampados, o que o deixa de ser uma ironia com o fenômeno provocado pela
necessidade de contingentes na campanha do Paraguai. É possível asseverar que Agostini
representava melhor as contradições que se manifestavam na sociedade brasileira em
relação aos desenhos de Fleiuss, que mantinha uma posição mais conservadora para os
assuntos polêmicos que faziam parte do Segundo Reinado.
Fig. 57. Angelo Agostini. Cabrião, n. 49, set. 1867.
Em rasão do recrutamento ainda veremos os homens mettidos no matto.
E os bichos habitando a Cidade.
Na Semana Illustrada, uma situação parecida de refúgio estampava a capa (fig. 58)
com o diálogo de Dr. Semana e o Moleque. Este arrumava as malas para fugir ao
recrutamento, atitude que era reprovada pelo Doutor. O diálogo é esclarecedor
Fig. 58. Semana Illustrada n. 329, 31/03/1867, p. 2625.
- Onde vás, moleque? Queres viajar?
- Vou pôr-me ao fresco, porque tenho medo das balas e prefiro viver no mato a morrer no campo de batalha.
- Mas os teus irmãos, que ahi soffrem, não queres ajudal-os, repartir os louros com elles?
- E também as constipações? ... nada, sigo o nobre exemplo, que tenho diante dos meus olhos!
Ora o Moleque tratava de escapar ao recrutamento justamente tendo em vista o
exemplo daqueles que tinham posições privilegiadas na sociedade brasileira. No exemplo
a que se refere o Moleque, é o próprio Dr. Semana que questiona porque o Moleque não
quer ajudar os irmãos compatriotas e dividir as glórias dos combates. Sabiamente o
Moleque responde que repete o exemplo nobre dos aristocratas que faziam discursos
inflamados para a guerra e, no entanto, eles mesmos passavam longe da ideia de compor as
fileiras na região pantaneira do Paraguai.
Do outro lado da contenda, o inimigo sempre recrutava crianças e mulheres para
suas fileiras, como se na fig. 59. A legenda da sequência de imagens demonstra a
distância da representação do periódico em relação à realidade da população. “Em quanto o
Brasil recruta guerreiras que, nos campos de batalha vão servir de vivandeiras, estimular a
coragem, recompensar os feitos de bravura, animar os feridos, percorrer as enfermarias,
preparar cartuchos, rir da metralha e zombar dos canhões; rufando o tambor... o Lopez está
recrutando velhos, velhas e crianças, que emprega como instrumento de guerra, sem receio
de que se convertão em rezes destinadas aos matadouros”.
Fig. 59. Semana Illustrada n. 329, 03/09/1865, p. 1972.
A imprensa paraguaia também servia para incentivar seus exércitos no
empreendimento da guerra
29
. Um exemplo pertinente de circulação dos impressos entre as
tropas se encontra na Semana Illustrada. O almirante Ignácio, responsável pela esquadra
imperial, com um rosário em sua embarcação e os sete negros que suplicavam algo ao
assustado almirante, conforme fig. 60. A gravura publicada no jornal ilustrado paraguaio
El Cabichui denota a visão que os paraguaios tinham em relação aos brasileiros. De acordo
com o memorialista da Guerra Dionísio Cerqueira, que participou diretamente das ões
em solo guarani, ressalta que “para exaltar o espírito dos seus soldados, cuja valentia,
obediência e abnegação dispensavam aliás estímulos, López, nos mandava injúrias pela sua
imprensa” (1980, p. 121). Cerqueira ainda destaca que muitos espiões paraguaios se
passavam por argentinos em acampamento brasileiro ou de orientais nos acampamentos
argentinos, para recolher informações sobre prováveis ões tomadas pelo lado da Tríplice
Aliança. E, nestes encontros, os jornais paraguaios alcançavam também as tropas aliadas, e
assim, fazia-se as notícias paraguaias atingirem os soldados aliados.
29
Embora não faz parte desta pesquisa analisar a imprensa paraguaia vale menção pela fig. 61 ser publicada
na Semana Illustrada.
Fig. 60. “Specimen de bom gosto artístico na corte paraguaya em Paso Pocú” (cópia fiel da estampa da
segunda página do jornal ilustrado Cabichuí n. 46)
Suplemento da Semana Illustrada, n 362, 17/11/1867, p. 2897.
É passível de suposição que a Semana Illustrada tivesse a intenção em publicar tal
imagem para mostrar a seus leitores que os paraguaios mantinham uma representação
depreciativa dos brasileiros e do exército imperial. Colocado o almirante em desequilíbrio
e medroso e seu exército formado por macacos, o periódico afirma que os brasileiros
tinham uma condição inferior e irracional em relação aos paraguaios. Destarte, os
brasileiros seriam incapazes de vencer seus inimigos, ainda que os fatos mostrassem ao
contrário no ano de 1867. Enfim, é bem provável que a publicação da imagem (fig. 60)
pela Semana Illustrada serviu de apoio e fortalecimento ao preconceito estabelecido no
discurso do periódico da luta dos brasileiros civilizados contra os bárbaros e selvagens
paraguaios, além de fomentar um provável ódio dos brasileiros em relação ao povo guarani
ou, mais exatamente, a Solano López. Outro dado importante é o espaço que a Semana
Illustrada concedeu à imagem em seu mais caro e elaborado encarte, o suplemento que era
vendido avulsamente, composto de imagens marcantes dos episódios da campanha.
A imagem que sintetiza a morte de Solano López é a cena que Chico Diabo dá cabo
ao presidente paraguaio sem exército e se escondendo nas cordilheiras com seus últimos
seguidores.
Fig. 61. Semana Illustrada n 485, 27/03/1870, p. 3880.
“Chico Diabo atravessando com uma lança o monstro mais bárbaro e hediondo, que tem visto o mundo o
execrando Francisco Solano López destruidor de sua própria pátria”.
Diferentes versões são narradas pelo episódio que marca o fim do der paraguaio e
o final da campanha, depois de batalhas e combates em forma de guerrilha em que após
cada derrota López reorganizava seus homens e continuava a luta. O episódio também é
marcado pelas dúvidas que cercam tal fato e provavelmente nunca alguém saberá ao certo
como se desenrolou, com detalhes, a morte do principal personagem da Guerra do
Paraguai. O certo mesmo é que deve haver uma imagem que cristalize o momento da
morte do líder guarani e o fim da guerra pois o jornal como produto necessita das
imagens para corroborar tal episódio e, além disso, atrair seu público para o consumo do
periódico tendo em vista o efeito de retenção de uma memória oficial ou não da
ocorrência. É inevitável a comparação com a pintura popular de Domingos T. Ramos sobre
a morte de Solano López, conforme a fig. 20.
Não faz parte do presente estudo, mas não deixa de ser desafiador o problema da
origem da semelhança entre as duas composições. Assim cabe a pergunta: de quem partiu a
ideia da pintura e da ilustração? E, mais ainda, quais fontes os artistas se basearam para
compor seus desenhos? Agostini em seu periódico Vida Fluminense questionou duramente
tal imagem, e perguntava sobre qual referência Fleiuss utilizou na produção de
determinada litografia.
O tom do discurso defendido pela Semana Illustrada é de festividade com a notícia
do fim do conflito. O periódico sempre felicitava quando as vitórias iam se sucedendo nos
campos do Paraguai. Nas passagens dos encouraçados brasileiros sobre as fortalezas ao
longo do rio, o jornal sempre compunha imagens e comemorava os feitos dos heróis
brasileiros que serviam com glória a pátria.
Ao fim da guerra, contudo, geraria um problema sério, pois ao retornar as levas de
contingentes do longínquo Paraguai, o exército seria uma nova força que lutaria pelas suas
causas e, uma delas que se chocava com o regime era justamente o trabalho escravo. Essa
situação foi muito bem apreendida e representada por Agostini na Vida Fluminense fig. 62.
Fig. 62. Vida Fluminense, 11/06/1870.
De volta do Paraguai cheio de glória, coberto de louros, depois de ter derramado seu sangue em defesa da
pátria e libertado um povo da escravidão, o voluntário volta ao seu país natal para ver sua mãe amarrada a um
tronco! Horrível realidade!... A. Agostini, Vida Fluminense, n. 128, jun. 1870.
O soldado negro que lutou e defendeu sua tria voltava para casa e via sua mãe
sendo chicoteada no tronco, prática comum àquela época. Evidente é que esse retorno
transformaria a sociedade monárquica e engrossaria o discurso abolicionista tão
assimilado entre as elites culturais que estavam se consolidando no ambiente do poder.
A Semana Illustrada não deixou de criticar a corrupção que envolvia os
fornecedores do Asilo dos Voluntários da Pátria, local que recebia os inválidos que
combateram no Paraguai. O jornal não poupou também a posição da imprensa européia
que apoiou o lado guarani e criticou as obras de Thompson e de Von Versen que lutaram
ao lado dos paraguaios. Outro texto, mencionado pelo jornal e digno de menção, de título
“Esquadra encouraçada”, assinado com o pseudônimo Leva arriba, narrava os
acontecimentos principais da guerra, além de apresentar os fatos característicos que se
manifestavam no palco da campanha. Enfim, muitos outros elementos identificados podem
ser explorados noutras pesquisas, colaborando para clarificar os vários discursos que se
manifestaram nas entrelinhas do periódico.
Verificando os vários jornais que concorriam com a Semana Illustrada no Rio de
Janeiro cerca de onze publicações que, mesmo o cobrindo todo o período da Guerra,
não devem ser deixados de lado nota-se uma boa receptividade por parte do público que
adquiria os jornais ilustrados cariocas. Com o advento da litogravura no Brasil, os jornais
ilustrados tornaram-se referências visuais, ou melhor, constituíram-se numa das poucas
maneiras do público ver os acontecimentos que ocorriam mundo afora, colaborando para
cristalizar na sociedade imperial modos de ver e imaginar os fatos ocorridos nos campos de
batalhas do Paraguai. O jornal Semana Illustrada ficou marcado como o primeiro
periódico brasileiro a publicar fotografias, embora com a técnica litográfica da gravura.
Nesta mescla de categorias de imagens citadas ao longo do capítulo, verificou-se que
quando o jornal citava a fonte (gravura baseada em fotografia) aumentava
consideravelmente o realismo das imagens e fundia a crença no seu leitor de que aqueles
eventos realmente aconteceram. No entanto, era grande a distância entre as imagens
publicadas no periódico e os fatos ocorridos no palco das batalhas.
Ainda é possível especular que todos os tipos de documentos circulavam entre as
tropas beligerantes e chegavam pelos paquetes ao Rio de Janeiro. Sendo assim, as
fotografias mais dramáticas e chocantes dos cenários desoladores da Guerra analisadas
no segundo capítulo podem ter chegado às redações dos jornais. Contudo, não foram
publicadas por algum motivo. Não se trata, neste caso, de simples edição, mas de uma
provável autocensura que o jornal se limitou a proceder na cobertura da contenda.
Ressalte-se que o periódico produziu um discurso mobilizador, apontando para uma
luta entre o bem e o mal, entre a civilização e a barbárie. É possível concluir, parcialmente,
que as imagens do jornal mais silenciaram que mostraram os fatos, atendendo ao jogo de
interesses do Estado Monárquico.
Material rico em iconografia, o jornal não somente publicou as imagens que foram
analisadas ao longo do capítulo. Muitas temáticas foram objeto de tratamento pelo
periódico, tais como: cenas dos combates navais, mapas dos deslocamentos das forças
combatentes, os equipamentos licos (navios, canhões, barcos, etc), as estruturas das
fortalezas suplantadas pela esquadra imperial e outros tantos materiais que escapam à
delimitação do presente trabalho. Iconografia que ainda espera por outros pesquisadores
que podem se interessar pela imprensa ilustrada na Guerra contra o Paraguai.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta pesquisa tentou-se refletir sobre as imagens do passado em busca de
explicar porque as mesmas existem e exercem tanta influência na sociedade. Destarte, as
imagens podem servir tanto para mostrar determinado acontecimento aos homens como,
também, para silenciar sobre fatos que não são interessantes serem publicados para não
fazerem parte da memória da sociedade. E é justamente em guerras que todas as energias
dos países beligerantes são canalizadas para determinada finalidade e, sendo assim, as
imagens sofrem influências de todo tipo para atenderem às motivações dos governos que,
em muitos casos, usam e manipulam imagens para mobilização geral da sociedade.
No primeiro capítulo, priorizou-se a análise das imagens e sua vinculação ou não
com a “verdade” dos textos verbais. Explicando melhor, foi feito um paralelo entre as
reminiscências da campanha no Paraguai e o que se tem disponível em livros sobre as
imagens da guerra, tendo como objetivo principal identificar as contradições entre os
diversos discursos feitos em torno da iconografia da Guerra.
Nessa parte, optou-se por narrar a luta e suas diferentes facetas da realidade em
seus principais momentos, vitórias e derrotas de ambas as partes e como foram as
representações dos memorialistas e das imagens em torno dos episódios. No palco dos
acontecimentos da guerra, as imagens silenciaram sobre os problemas de abastecimento e
de assepsia das tropas acampadas e, acrescenta-se a isso, a dificuldade das imagens em
representar assuntos abstratos como, por exemplo, o atraso dos soldos às tropas.
Paralelamente à narração visual da contenda, seguiram-se algumas peculiaridades em torno
das imagens e seus autores, bem como as comparações entre os tipos de imagens e como
cada uma representou determinada circunstância do conflito.
Com o tulo A Fotografia na cobertura da Guerra do Paraguai, se estabeleceu, no
segundo capítulo, a reflexão sobre a produção e circulação das fotografias da Guerra. A
documentação, em parte, ajudou a responder a questão de quem fotografou o conflito, os
interesses dos Estados beligerantes no envio de fotógrafos e a tecnologia disponível
naquele momento na composição fotográfica, que impunha limites na apreensão de cenas
de ação da guerra propriamente. Analisou-se os elementos principais das imagens
fotográficas e identificaram-se as temáticas predominantes da maioria das fotos,
particularmente o destaque de fotografias mais dramáticas do embate militar, como
amontoados de cadáveres, em sentido contrário à maioria das imagens fotográficas que
circularam nos periódicos do Brasil e do mundo.
Outra perspectiva constatada são as inovações no ato de fotografar em campo
aberto e longe dos estúdios, característica que trouxe avanços na representação da guerra.
Observando com acuidade estes cenários, as fotografias mostraram certa realidade que se
mantinha silenciada pelos discursos oficiais, como exemplo, as crianças famigeradas e suas
mães esqueléticas que compunham cenas exteriores dos hospitais e as mortes provocadas
pelas batalhas, embora a maioria morresse de inanição pela completa falta de mantimentos
ou pela falta de higiene nos acampamentos.
Devido aos limites da presente pesquisa são imperiosos outros trabalhos que deem
conta das imagens fotográficas relativas ao confronto e que respondam as questões de
autoria, disseminação das fotografias ou seus silêncios além da utilização das fotos na
longa duração. Em síntese, cabe a trabalhos futuros responderem as aplicações diversas
destas imagens e as possíveis ressignificações, as quais podem ter sofrido ao longo do
tempo.
A imprensa ilustrada constituiu-se na principal fonte para a terceira parte deste
estudo, tendo em vista as notícias da Guerra contra o Paraguai veiculadas no hebdomadário
Semana Illustrada, entre os anos de 1865 até 1870 e seus discursos verbais que, de maneira
geral, clamavam uma ação do Império contra Solano López. Nesta última parte discutiu-se
o papel do periódico na cobertura jornalística do confronto. Com isso, analisaram-se textos
verbais que assumiam diversos significados e, temáticas em torno do conflito platino. Nas
páginas dedicadas ao texto verbal, encontrava-se um discurso aguerrido e inflamado,
clamando para a adesão incondicional da população brasileira para o embate militar até a
derrocada do líder paraguaio. Solano López, na visão do semanário, era um líder
sanguinário que tinha trato com o diabo e, por isso, deveria ser exterminado do planeta e
seu país libertado de suas garras.
o discurso iconográfico ficou marcado pela classificação das imagens que ora
tinham referências diretas do front, enviadas pelos comandantes brasileiros que
participavam da campanha militar, ora imagens ficcionais que tratavam a nação brasileira
como uma índia, visão influenciada pela literatura da época. Em menor proporção, foram
publicadas imagens baseadas em fotografias que tinham como elementos principais
cenários da guerra ou retratos dos soldados aliados. Estas imagens passavam a noção de
realidade tranquila em torno do sangrento conflito. Ficou excluída a categoria de
caricaturas referentes aos personagens do conflito, devido a pesquisas realizadas por
outros autores além das mesmas não se constituírem em objeto do presente estudo. E, por
último, a categoria que privilegiava as ações circunstanciais da empreitada que, de maneira
geral, exaltava as vitórias pessoais e individuais dos brasileiros, bem como a participação
honrosa e vitoriosa dos soldados aliados contra os paraguaios.
As litografias veiculadas pelos periódicos estavam bem longe de representar
aquelas fotografias analisadas no segundo capítulo, que apresentavam o drama dos
cidadãos comuns numa guerra que não os interessava. Temas caros ao Império como, por
exemplo, o recrutamento, fora representado pelo periódico como um dever de todos e que
ninguém deveria escapar das obrigações patrióticas, pois o momento era de saudar a pátria
e o Imperador. Em nenhum momento, a folha ilustrada mencionou as condições de
assepsia e ao cólera-morbus que assolava os acampamentos aliados e paraguaios, ceifando
mais vidas que as próprias batalhas.
Quanto ao dinheiro gasto com a guerra, o Semana Illustrada citou apenas em uma
nota, em poucas linhas, os valores obtidos junto aos bancos ingleses que financiaram as
despesas do conflito. Enfim, o discurso geral foi o de incentivar a qualquer custo a guerra
até a queda de Solano López, não importasse o esforço da sociedade brasileira para tal fim.
Imagens não existem ao acaso, porque sempre haverá um produtor com uma
intenção ao elaborar determinado conteúdo visual, independentemente da tecnologia a ser
empregada. Diante da fragilidade do discurso imagético, concebido como verídico, o “real”
instantaneamente dado, abordou-se as imagens de forma a desmistificá-las. Objeto repleto
de significados e sujeito a múltiplas interpretações, a discussão das imagens torna-se
fundamental para a interpretação de seus usos e práticas ainda mais nas sociedades que são
impactadas diariamente pelos meios de comunicação imagéticos. Nesse sentido, as
imagens da Guerra contra o Paraguai exigem novos estudos para aprofundar os
realizados, sempre procurando entender que ideias ou conceitos estas imagens forjaram ao
longo dos anos, no que tange às memórias do conflito secular. Até que ponto as imagens da
guerra simplesmente auxiliaram a cristalizar a memória oficial ou não, procuraram
apresentar uma história vista de baixo, com todas as consequências a que se sujeitaram os
cidadãos comuns num conflito desigual e cruel para todos os que dele participaram.
Este trabalho pretendeu avançar, ainda que com seus limites, para questionar alguns
pontos que cercam as imagens, desde a dificuldade de estabelecer a autoria das cenas, a
possível intenção de seus autores, como também, inferir sobre as aplicações das imagens e
qual finalidade foram submetidas pelo poder constituído.
Em suma, a preocupação geral recaiu na busca incessante em responder quais
realidades as imagens da Guerra contra o Paraguai forjaram, ou seja, quais temáticas foram
abordadas na representação visual da contenda. Particularmente, ao analisar a principal
folha ilustrada do Segundo Reinado, o periódico Semana Illustrada, apontaram-se
discursos produzidos através das imagens da Guerra, que em geral tentaram sensibilizar o
público em relação ao apoio a uma guerra não popular. Nesse sentido, também se
identificou os seus silenciamentos, ou seja, a discussão sobre as imagens fotográficas mais
dramáticas, as quais tematizavam a violência, mortandade e os custos do conflito, tratados
no segundo capítulo. Tais imagens, mais chocantes sobre a guerrra, não foram publicadas
nas páginas da folha Semana Illustrada, e são bem distintas daquelas que se prestaram ao
uso do Estado Monárquico e à construção de certa memória da guerra que valorizavam os
interesses de certos setores da nação, o que certamente não impediu que reflexões e
questionamentos se estabelecessem no interior de diferentes circuitos da sociedade
brasileira daquele momento.
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