Às noites de sexta-feira pelo imaginário navegam – peludos, vacilantes, dúbios.
Impossível descrevê-los senão por amor à melancolia e ao tédio. Quiçá no dedo um
rubi trêmulo.
Sim, não é do amor a ríspida matéria com que lhe bato na cara, feito quem te xinga e
apedreja, com que lhe bato na cara, meus medos, pêlos, meus receios, dores-de-
cotovelo, focinhos, sinas, um tanto corneador baixo o teto que nos vê passar. Fareja?
Na noite grande, me instalo no centro de seu coração – absolutamente dono,
absolutamente senhor de suas curvas, nádegas e virilhas. Latifundiário feroz te vigio,
te cerco a arame-farpado, lhe dou combate.
Mas por que terá sempre de ser eu a vítima – desarvorado, ambulante, pedinte
assíduo de você, cantando Agnaldo Timóteo, brigando na porta do Operário?
Na casa de seu lar você dorme e talvez sonhe com um velho lobisomem, aquele,
este, que anda pelas ruas, abraçado ao pensamento de você com a última flor de uma
alegria à toa. (BUENO, 1997, p. 55)
Wilson Bueno, ao descrever os lobisomens, diz: “impossível descrevê-los senão
por amor à melancolia e ao tédio”. Seria por tal motivo que Borges não descreveu o
lobisomem em seu projeto de uma zoologia fantástica? Nas palavras de Silviano Santiago, em
“A ameaça do lobisomem”, o que está em jogo é o processo de transformação:
Estamos fazendo rolar pela mesa da literatura o dado da transformação do ser
humano no texto de Borges. Está em jogo no processo de produção textual não mais
a figura do desdobramento do um em dois, ad infinitum, ou do acasalamento do dois
em um, ad infinitum, mas a figura da transformação. Transformação, entendamo-
nos, é a figura que traduz o puro movimento sem direção fixa, é o movimento do
devir outro que é dado, não como o um que é conjunção de dois, a priori morto, mas
como “confusión ignorante”. (SANTIAGO, 1991, p. 38)
O fato é que, por um lado, temos uma imagem cristalizada de um ser metamórfico
como o lobisomem e por outro, em definitivo, Borges não excluiu a transformação de seus
livros, e sim deu outros contornos de metamorfose a seus seres, difíceis de serem definidos
em uma primeira leitura. Tais contornos, na referida obra de Bueno, são igualmente difíceis
de definição, simplesmente pelo fato de que Wilson Bueno não se deixou ameaçar pelo
lobisomem. A escrita que compõe o Manual de zoofilia é uma escrita cuja transformação é
constante. Na fauna convocada por Bueno situam-se, inclusive, as “crianças”. Inserir
“crianças” em uma zoofilia é incluir o “projeto de ser humano”, cujos registros, além de tal
verbete – feito pela estrutura verbal das palavras –, “são tantos retratos em que, coloridas,
aparecem, rindo” (BUENO, 1997, p. 41). A pergunta que fazemos, diante de tal verbete, é:
quando nasce, o homem é um animal como qualquer outro, por estar longe da linguagem e da
racionalidade? E, dela, desdobra-se uma questão: quando este outro, o animal, passa a ser um
limite para o homem?
Dispor o animal como Outro, nesse sentido, é uma maneira que justifica até
mesmo o seu confinamento, pois não é à toa que, por exemplo, não exista – em um zoológico