Que não baste haver no poeta engenho para
inventar as cousas, compor a fabula, e dar o
decoro ás personagens; mas que lhe seja
também necessária a arte para que os versos
tomando as graças da elocução tornem assim
mais belos os pensamentos pela recíproca
dependência, que isto tem entre si; (...) Assim
é, como o Poeta deixa dito, que mais vale ser a
fabula especiosa em alguns lugares pela força
das cousas, e que se pintem com viveza os
costumes, do que um estéril jogo de palavras,
as quais somente deleitem os ouvidos. Porém
para que nos versos não haja um tão grande
defeito ajunte-se ao engenho a arte, e vença
esta com incansável aplicação, qual era a dos
Gregos, aquelas dificuldades, que há para unir
em qualquer obra poética todas estas virtudes.
(AGORA, 2000, p. 168).
A arte, como techne, era posta ao serviço do engenho
impetuoso e indômito, cabendo-lhe refreá-lo e discipliná-lo.
Pedro da Fonseca, noutro passo, defende a necessidade
simultânea de engenho e arte:
A opinião quase comum, de que basta o
engenho para a poesia, dá bem a conhecer
quanto na realidade é ele necessário, ou,
dizendo melhor, indispensável. Porém Horacio
não quer, todavia que sem embargo de toda a
sua importância, repute-se como unicamente
preciso, e por isso resolve a questão, que diz
se ventilava a este respeito. Quanto a mim,
continua ele, nem a arte servirá de cousa
alguma sem a natureza, nem também a
natureza independente da arte. Por isso
convém que uma tome da outra grandes
auxílios e sejam inseparáveis companheiras.
Pois ao parecer de Cícero só quando a um feliz
engenho se ajunta a arte e o estudo, é que se
vê resultar desta união um não sei que de
singular, e admirável, que nos encanta.
(AGORA, 2000, p. 169).
Acrescenta, no entanto, que não é fácil encontrar-se num
poeta a perfeita união do engenho com a arte: