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Ao se falar em experiência, e aqui experiência de Deus que se revela no humano,
tem também o confronto com Edward Schillebeeckx, que trata deste assunto
70
. Para ele,
“sem experiência não há revelação. De um lado, nenhum argumento que venha desde fora da
fé cristã poderá justificar esta fé, por outro lado, a salvação que se nos oferece
generosamente não pode ser vista fora da vida e da experiência humana”
71
. A revelação por
sua própria natureza tem a ver com a experiência humana, é uma experiência expressa em
palavras. “É a ação salvífica de Deus enquanto experimentada e expressada pelo homem”
72
.
O próprio Torres Queiruga, na apresentação do livro Fé cristiana y Sociedad moderna, de
Schillebeeckx, comenta sobre a sua meta principal de romper com a oposição entre a
revelação concebida como mistério e a experiência humana. Mostra como a experiência
cotidiana tem muito caráter revelador, e por outro lado, a revelação religiosa só chega a nós e
resulta como significativa se conectada com a experiência. Desta forma a revelação não se
impõe arbitrariamente, senão traz em si a autoridade da experiência.
Segundo a apreciação de Queiruga, Schillebeeckx termina a obra falando da
possibilidade de uma experiência de fé efetiva nas condições da sociedade atual. A
dificuldade vem, de uma parte, da pobreza experiencial da sociedade e de outra, das
mudanças profundas na socialização do cristianismo. Segundo ele, somente uma Igreja que
70
Para Edward Schillebeeckx a experiência é mais que mera vivência. A experiência realiza-se em processo
dialético com o concurso de perceber e pensar e de pensar e perceber. O pensar torna possível a experiência,
e experiência torna necessário novo pensar. Schillebeeckx em seus estudos busca compreender a experiência
cristã, concreta e contemporânea. Segundo ele, falta à teologia católica uma hermenêutica. O que se utiliza na
teologia católica, como equivalente a uma teoria hermenêutica, é a teoria da evolução do dogma, que permite
explicar a persistência da mesma verdade dogmática nas manifestações da fé em contexto cultural que passou
por mudanças, como desenvolvimento legítimo e homogêneo do implícito para o explícito. Segundo
Schillebeeckx, a consciência humana que faz experiência não é uma folha em branco e jamais se realiza em
vácuo psíquico ou sócio-histórico. Há aspectos complexos em relação à estrutura de nossas experiências.
Para o autor, uma experiência para ser competente, ter ‘autoridade’, deverá ser pesquisada racional e
criticamente. A experiência só se torna competente quando leva criticamente em conta os pressupostos do
seu surgimento. Experiências humanas são mediadas social e politicamente. Portanto, é preciso análise exata
da situação atual, para que novas experiências possam manifestar sua força originária. ( Cf. Gibellini, R. Op.
Cit, p. 325). Para Schillebeeckx, a revelação só chega propriamente à sua plenitude como revelação real na
resposta de fé a uma situação muito concreta com um horizonte próprio de questões. Insiste em que toda a
experiência existe sempre enquanto interpretada. Isso vale contra todo fundamentalismo bíblico por parte dos
fiéis e contra toda acusação apressada de extrinsecismo por parte dos não fiéis. Não existe oposição entre
experiência e interpretação, de maneira que a fé pudesse ser tão-só uma interpretação, e apenas a não-fé se
apoiasse na experiência. Ambos, fiel e não-fiel, experimentam interpretando. É necessária a experiência viva
e real para que haja interpretação cristológica autêntica: ‘nenhuma revelação sem experiência’. A ruptura
entre fé e experiência é uma das causas fundamentais da crise atual entre os cristãos fiéis à Igreja. Cf.
TORRES QUEIRUGA, A. Repensar a Cristologia, p.74.
71
SCHILLEBEECKX, E. Cristo Y los cristianos, p. 39.
72
Ibidem, p. 39.