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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FFCLRP DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
DELINQÜÊNCIA JUVENIL: A NOÇÃO DE TRAJETÓRIAS
DESENVOLVIMENTAIS E A DESCRIÇÃO DE CARREIRAS
GUSTAVO DANDREA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA À
FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE
RIBEIRÃO PRETO DA USP, COMO PARTE DAS EXIGÊNCIAS
PARA A OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM CIÊNCIAS,
ÁREA: PSICOLOGIA
RIBEIRÃO PRETO-SP
2008
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1
GUSTAVO D‟ANDREA
Delinqüência juvenil: a noção de trajetórias desenvolvimentais e a descrição de
carreiras
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP,
como parte das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Ciências, Área: Psicologia
Apoio: FAPESP
Orientadora: Marina Rezende Bazon
RIBEIRÃO PRETO-SP
2008
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E/OU DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DA PRESENTE OBRA, POR
QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E DE PESQUISA, DESDE
QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA
D‟Andrea, Gustavo
Delinqüência juvenil: a noção de trajetórias desenvolvimentais
e a descrição de carreiras, 2008.
139 p. : il. ; 30cm
Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de Filosofia,
Ci de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Psicologia
Orientadora: Bazon, Marina Rezende.
1. Delinqüência juvenil. 2. Trajetórias desenvolvimentais. 3.
Carreiras Criminosas.
3
GUSTAVO D‟ANDREA
Delinqüência juvenil: a noção de trajetórias desenvolvimentais e a descrição de
carreiras
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP,
como parte das exigências para a obtenção do título de
Mestre em Ciências, Área: Psicologia
Aprovado em: __________________________
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________________________
Instituição: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________
Instituição: ____________________________ Assinatura: ___________________
Prof. Dr. ___________________________________________________________
Instituição: ____________________________ Assinatura: ___________________
4
Dedico esta pesquisa a:
Flávia,
Bruno,
Lorenzo,
Adriano e
Olivia
5
AGRADECIMENTOS
À minha família, pela presença constante durante toda a realização desta pesquisa.
À Profª. Drª. Marina Rezende Bazon pela sua orientação e amizade.
À FAPESP pelo apoio científico proporcionado.
Ao Dr. Paulo César Gentile pelo incentivo e disponibilidade, permitindo o acesso aos processos da
Vara da Infância, da Juventude e do Idoso.
À Profª. Drª. Ruth Estevão por compartilhar de seu conhecimento e acompanhar a pesquisa desde o
seu início.
Ao Prof. Dr. Moacyr Lobo da Costa Júnior, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, pelas vias
que possibilitou enxergar.
Aos professores Marc Le Blanc e Pierrete Trudeau Le Blanc, da Universidade de Montreal, pelos
valiosos comentários.
Aos professores da FFCLRP e da EERP que contribuíram com suas lições e reflexões.
Aos membros e participantes do Grupo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento e Intervenção
Psicossociais-GEPDIP.
À Drª. Ana Cláudia Soriani do Nascimento Prado pela atenção dispensada.
Ao Clayton de Paula Ribeiro pela recepção e apoio no cartório da Vara da Infância, da Juventude e do
Idoso de Ribeirão Preto.
À Noraney Ferreira por tornar mais leve a tarefa de coletar dados.
À equipe de profissionais da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso de Ribeirão Preto e do Núcleo
de Atendimento Integrado de Ribeirão Preto, especialmente: Celimar, Oséias, Miyuki, Josiane,
Lucélia, Martha, Cleonice, Ana Lúcia, Reinaldo, Ailton, Maria Carolina, Andréa, Leandro, Márcio,
Leila, Luciana.
Aos amigos juristas doutores Décio Alexandre Cardoso Vidal Sberni, Victor Hugo de Almeida, Izildo
Inácio de Souza, Adriana Roberta Musembani e Martha Suzana Martins de Mello.
6
RESUMO
D‟ANDREA, G. Delinqüência juvenil: a noção de trajetórias desenvolvimentais e a descrição de
carreiras. 139 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 2008.
A contribuição desta pesquisa para o conhecimento científico está em tecer considerações sobre a
viabilidade do estudo da criminalidade brasileira à luz das noções de carreiras criminosas e de
trajetórias desenvolvimentais, contendo uma parte inteiramente dedicada ao estudo teórico pertinente,
e outra contendo uma busca de conhecimentos por meio de pesquisa empírica. Do ponto de vista
teórico, oferece uma síntese das proposições referentes aos conceitos de carreiras criminosas e de
trajetórias de desenvolvimento da conduta delituosa; do ponto de vista empírico, estuda a atividade
infracional de 157 adolescentes jurisdicionados do sexo masculino de modo a verificar a existência ou
inexistência de carreiras, ou seja, padrões de atividades infracionais, oferecendo informações e
sugestões para a implementação de políticas públicas aplicadas em favor do desenvolvimento
individual e social, com as vistas voltadas ao fenômeno da delinqüência juvenil. O enfoque empírico
da pesquisa é o descritivo, valendo-se de informações constantes em processos judiciais infracionais
arquivados no cartório da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, da Comarca de Ribeirão Preto,
Estado de São Paulo, buscando-se, sob uma perspectiva longitudinal retrospectiva, os históricos
infracionais dos adolescentes sujeitos da pesquisa, conforme os registros oficiais disponíveis. Tendo
como objetivo a descrição das variáveis relativas aos fatos processados como infrações e aos sujeitos a
quem tais fatos foram atribuídos, obteve como resultados principais: todos os adolescentes do sexo
masculino, constantes dos dados desta pesquisa, com idades entre 11 e 14 anos na data do primeiro
boletim de ocorrência registrado (e que tenha originado um processo infracional em Ribeirão Preto-
SP) foram processados, pelo menos, duas vezes; as infrações processadas que mais se destacam em
termos de freqüência são o furto, o roubo, o porte de droga, o tráfico e a lesão corporal; a maioria dos
sujeitos (89,3%) foram processados por 2 a 7 infrações, sendo assim reduzido o número de sujeitos
que ultrapassa esta faixa; a participação de sujeitos em processos infracionais aumenta conforme a
idade na data do registro do boletim de ocorrência que origine um processo; as idades com mais
intensidade de boletins de ocorrência originando processos são as de 16 e 17 anos, correspondendo
juntas a 70,8% de um total de 514 fatos processados, além do que 95% dos sujeitos tiveram seu último
boletim de ocorrência registrado nas idades de 16 ou 17 anos. A idade na data do primeiro boletim de
ocorrência é indicativo do número de infrações processada, sendo que quando mais cedo o sujeito tem
um boletim de ocorrência registrado, e que origine um processo, participa de mais processos e esta
participação se prolonga mais, durante a adolescência. Praticamente não variação entre a gravidade
da primeira e da última infração registrada. Desafios relativos à fonte de dados oficiais, como
ausências e conflitos entre informações, é assunto crucial na interpretação dos resultados obtidos na
presente pesquisa.
Palavras-chave: Delinqüência juvenil, Trajetórias desenvolvimentais, Carreiras criminosas
7
ABSTRACT
D‟ANDREA, G. Juvenile delinquency: the notion of developmental trajectories and the description of
careers. 139 p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 2008.
The contribution of this search for scientific knowledge is in weaving considerations on the viability
of the Brazilian study of crime in the light of the concepts of criminal career and developmental
trajectories, with a portion devoted entirely to the relevant theoretical study, and another containing a
quest for knowledge through empirical research. From a theoretical viewpoint, offers a summary of
proposals relating to concepts of criminal career and trajectories of development of offending; from
the empirical viewpoint, studies the offending activity of 157 male adolescents in order to verify the
existence of careers, or patterns of offending activity, offering information and suggestions for the
implementation of public policies in favor of individual and social development, with views geared to
the phenomenon of juvenile delinquency. The focus of empirical research is descriptive, using
information contained in legal proceedings filed in the office for Children, Youth and Elderly (body of
the São Paulo Justice Court), in Ribeirao Preto, São Paulo, with a retrospective longitudinal view, the
historic of offending among adolescents subject of the research, according to the available official
records. Aiming a description of the variables on the facts prosecuted as offenses and on the
individuals to whom these facts were attributed, there are the following key results: all male
adolescents, in the data from this study, aged between 11 and 14 years on the date of the first police
record (and which has originated a judicial offending process in Ribeirao Preto-SP) were processed at
least twice; the infractions that processed more prominently in terms of frequency are the theft,
robbery, the carrying of drugs, drug traffic and injury; the majority of subjects (89.3%) were
processed by 2 to 7 violations, and thus reduced the number of subjects that are beyond this range; the
participation of individuals in offending judicial proceedings increases with age on the date of the
police record that results in a process; the ages with more intensity of police recordings originating
processes are 16 and 17 years, accounting together with a 70.8% from a total of 514 events processed;
moreover 95% of the individuals had their last official event recorded on the ages of 16 or 17 years.
The age at the time of the first police record indicates the number of violations processed, in which the
earlier the individual has police record (which leads to a process) the more he participates in cases and
this participation will last more during the adolescence. Virtually there are no variation between the
seriousness of the first and the last recorded violation. Challenges of the official data, as absences and
conflicting information, is a crucial issue in the interpretation of results obtained in this study.
Keywords: Juvenile delinquency, Developmental trajectories, Criminal careers
8
LISTA DE ABREVIATURAS
BO Boletim de Ocorrência
CIJI Cartório da Infância, da Juventude e do Idoso
CP Código Penal
CTB Código de Trânsito Brasileiro
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
DL Decreto-Lei
L - Lei
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 10
OBJETIVOS ........................................................................................................................................ 13
PARTE 1 PERSPECTIVA TEÓRICA .............................................................................................. 15
1 Visão geral .................................................................................................................................... 15
2 As carreiras criminosas ................................................................................................................. 16
2.1 O Direito Penal e os antecedentes criminais ............................................................................. 16
2.2 A História do conceito de carreira criminosa ............................................................................ 26
2.3 Carreira criminosa: uma problematização necessária dos sentidos atribuídos ao termo ........... 38
2.4 As trajetórias desenvolvimentais de crimes .............................................................................. 45
2.5 O paradigma de carreira criminosa numa perspectiva descritiva: dimensões e elementos ....... 58
2.6 O conceito de carreira criminosa no panorama das investigações nacionais ............................ 63
2.6.1 A literatura científica nacional ............................................................................................. 64
PARTE 2 PESQUISA EMPÍRICA ................................................................................................... 78
1 Objetivos ....................................................................................................................................... 78
2 Método .......................................................................................................................................... 79
2.1 Registros oficiais como fontes de dados: desafios .................................................................... 79
2.1.1 - Algumas considerações sobre a fonte e os desafios para a organização dos dados utilizados
no presente estudo ........................................................................................................................... 84
2.1.2 A coleta de dados propriamente dita .................................................................................... 95
2.2 Abordagem das variáveis .......................................................................................................... 99
3 Resultados ................................................................................................................................... 100
3.1 Descrição das variáveis ........................................................................................................... 100
3.2 Cruzamentos entre variáveis ................................................................................................... 113
3.3 Correlações entre algumas variáveis ....................................................................................... 119
4 Discussão .................................................................................................................................... 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 127
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 132
Anexo I ............................................................................................................................................... 139
10
INTRODUÇÃO
Inicialmente, é importante falar sobre como essa pesquisa
1
tomou forma.
O presente pesquisador, com formação em Ciências Jurídicas e Sociais pela
Universidade de Ribeirão Preto, iniciava seus questionamentos sobre a dinâmica
social de problemas jurídicos com seus primeiros contatos com causas reais, ao longo
do estágio que realizou na Procuradoria do Estado de São Paulo, Seccional de
Assistência Judiciária (atual Defensoria Pública). Tais questionamentos transcendiam
a finalidade do próprio estágio, que era o de buscar soluções jurídicas para os casos
apresentados pela população dita carente. Entretanto, era comum que a população
que consultava a Assistência Judiciária levasse histórias detalhadas sobre suas vidas,
na tentativa de explicar os problemas que enfrentavam. Ainda que cuidasse apenas de
causas jurídicas cíveis, o pesquisador, ora estagiário de Direito, observou uma forte
relação entre lições teóricas de matérias propedêuticas da graduação e os fatos
levados pelos chamados "assistidos". A forma que encontrou de aprofundar-se no
assunto foi procurar se inserir em algum tipo de atividade ou estudo que permitisse,
ao menos, um conhecimento maior sobre a dinâmica dos fatos sociais que levam aos
problemas jurídicos.
Foi então que, em meados de 2005, teve seu primeiro contato com o
Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Desenvolvimento e Intervenção Psicossociais
(GEPDIP), coordenado pelas Professoras Doutoras Marina Rezende Bazon
(orientadora desta pesquisa) e Ruth Estevão. Por seu contato mais próximo com
causas jurídicas cíveis, o presente pesquisador interessou-se inicialmente pela linha
1
Esta pesquisa tem apoio da FAPESP.
11
de pesquisa direcionada ao estudo dos maus tratos contra a criança, sendo esta uma
das linhas de investigação no GEPDIP. Ao longo das reuniões do grupo, onde se
travavam debates a respeito de pesquisas em andamento, a perspectiva do
pesquisador mudou, e este passou a interessar-se mais pelo estudo da delinqüência,
sendo que a indagação que pairava referia-se aos motivos do crime.
O primeiro ano de contato com o GEPDIP foi essencial para que o
pesquisador pudesse ter contato com diversas questões e debates, e elaborar o próprio
projeto de pesquisa, sendo aprovado para ingresso no Mestrado em meados de 2006.
Foi do grupo, especialmente por intermédio de suas coordenadoras, que o
pesquisador direcionou seus esforços para compreender a importância do estudo de
carreiras criminosas e trajetórias desenvolvimentais, na dinâmica da delinqüência.
Notou-se desde logo a necessidade de um aprofundamento conceitual, ao mesmo
tempo em que despontava a necessidade de se realizar um estudo descritivo da
delinqüência juvenil, através de registros oficiais. A perspectiva do que viria a ser
identificado como sendo as questões da Criminologia Desenvolvimental, naquele
vago início denotava uma forma interessante de se estudarem as causas da
delinqüência. Por isso, antes de pretender estudar as causas, mostrou-se necessário
buscar a descrição do comportamento delinqüente e, neste processo, se conheceria
mais de perto a fonte de dados, enquanto seriam aprofundadas as questões teóricas
pertinentes.
É por isso que, embora tenha a pesquisa se inspirado em uma questão
relativa a causas do crime, o trabalho empírico tomaria um caráter descritivo da
conduta. Como as questões conceituais precisavam, também, ser tratadas, a o projeto
de pesquisa estruturou-se com dois objetivos: um teórico e um empírico.
12
A contribuição desta pesquisa para o conhecimento científico está em
tecer considerações sobre a viabilidade do estudo da criminalidade brasileira à luz
das noções de carreiras criminosas e de trajetórias desenvolvimentais. Daí a
necessidade de conter uma parte inteiramente dedicada ao estudo teórico pertinente,
e outra contendo uma busca de conhecimentos por meio de pesquisa empírica. Do
ponto de vista teórico, oferecerá uma síntese das proposições referentes aos conceitos
de carreiras criminosas e de trajetórias de desenvolvimento da conduta delituosa, a
partir da revisão da literatura; do ponto de vista empírico, estudará a atividade
infracional de adolescentes jurisdicionados de modo a verificar a existência ou
inexistência de carreiras, ou seja, padrões de atividades infracionais, podendo
oferecer informações e sugestões para a implementação de políticas públicas
aplicadas em favor do desenvolvimento individual e social, com as vistas voltadas ao
fenômeno da delinqüência juvenil.
13
OBJETIVOS
Conforme o antecipado, o objetivo geral da pesquisa é o de aprofundar o
estudo teórico das noções de carreiras criminosas e de trajetórias criminosas, sob um
ponto de vista desenvolvimental, de forma a contribuir com o conhecimento e
divulgação destes conceitos, sistematizando o conhecimento já produzido e buscando
analisá-lo de modo crítico.
Estabelecido o quadro teórico, também o objetivo de descrever as
atividades delituosas de um grupo de indivíduos com idade entre 12 e 18 anos, que
tiveram processos por atos infracionais na Vara da Infância e da Juventude da
Comarca de Ribeirão Preto, de modo a investigar a existência ou não de padrões de
comportamento criminoso entre os indivíduos.
Como objetivos específicos, têm-se os seguintes:
1 - No que tange ao objetivo de natureza teórica, prevê-se: a partir do
levantamento e da revisão de literatura, descrever a construção do conceito de
“carreiras criminosas” e de “trajetórias criminosas” de modo a sistematizar o
conhecimento produzido, analisando-o criticamente.
2 - Descrever a atividade infracional registrada de adolescentes
jurisdicionados (com idades entre 12 e 18 anos incompletos), conforme: a) as
dimensões da participação de tais indivíduos em processos infracionais em Ribeirão
Preto-SP (a freqüência; a variedade de atos infracionais processados; a gravidade dos
atos infracionais processados; a participação por idade;); b) as variáveis relativas às
idades (idade na data do boletim de ocorrência; e, em especial, idades nas datas do
14
primeiro e do último boletins de ocorrência; a amplitude entre as idades nas datas do
primeiro e do último BOs).
3 Realizar cruzamentos e verificar a existência de associações entre as
diferentes variáveis estudadas (idades, freqüências, variedade entre os tipos de
infração processadas, gravidade do ato infracional, amplitude entre as idades nas
datas do primeiro e do último BOs).
A consecução de tais objetivos deve permitir responder às questões:
“Existem padrões de carreiras criminosas (infracionais)
2
entre os adolescentes
participantes do grupo pesquisado? Se tais padrões existirem, correspondem eles ao
que é colocado pela literatura específica na área?”.
2
Na redação desse trabalho não será adotada a diferença, existente no Direito, entre crime e ato
infracional, pois ambos se referem à prática do fato previsto em lei penal como sendo típico e
antijurídico e ao qual se preveja uma sanção. A diferença entre crime e ato infracional remete à idade
do indivíduo e, com isso, aos diferentes tratamentos jurídicos que o ordenamento jurídico determina
para o ofensor. O ato “criminoso” do adolescente é chamado de ato infracional. Nesta pesquisa,
importa a seqüência de tais fatos típicos previstos na legislação penal, sejam eles chamados de
infrações, sejam eles chamados de crimes. Quando se falar da atividade criminosa do adolescente,
significará então que estão sendo considerados os atos infracionais que cometeram, de modo a
simplificar a redação.
15
PARTE 1 PERSPECTIVA TEÓRICA
1 Visão geral
A parte teórica da presente pesquisa é dedicada à busca pela
compreensão do significado e da importância dos conceitos de carreiras criminosas e
trajetórias desenvolvimentais de crimes.
Percebeu-se que estudar a noção de trajetória desenvolvimental no
âmbito da delinqüência envolve abordar o significado de carreira criminosa, bem
como seus elementos e dimensões.
O método utilizado para a pesquisa teórica é o da revisão bibliográfica
nacional e internacional, valendo-se de bases de dados bibliográficas para a busca
das obras dos autores que estudam os temas pertinentes.
Para a revisão estrangeira, decidiu-se pela pesquisa dos temas
diretamente em periódicos especializados, aos quais se tem acesso a partir do portal
CAPES, a saber: British Journal of Criminology; Crime and Delinquency; Criminal
Justice and Behavior; Criminology; European Journal of Criminology; Journal of
Quantitative Criminology.
3
Para a revisão de trabalhos nacionais, utilizou-se as bases Scielo, Lilacs e
BVS-Adolec (empregando-se as palavras-chave combinadas, delinqüência, crime,
carreira
4
).
3
Nessas revistas internacionais, fez-se a revisão com base nos artigos publicados nos últimos 5 anos
(de 2003 a 2007, mais alguns meses de 2008), considerados pertinentes a partir da leitura de seus
abstracts.
4
Foi feita busca também com as palavras, combinadas, conflito e lei, sem resultados expressivos.
16
2 As carreiras criminosas
Pesando os conceitos em foco - carreira e trajetórias criminosas -, em
termos de possíveis equivalências e/ou aproximações jurídicas, no contexto nacional,
o de antecedentes criminais sobressaiu-se. Assim, a seguir, tece-se algumas
considerações sobre o mesmo a partir do ordenamento jurídico brasileiro.
2.1 O Direito Penal e os antecedentes criminais
Convenciona-se que a finalidade primeira de um ordenamento jurídico
como o brasileiro é a paz social. O Direito com seus princípios e normas
estabelece regras de conduta elaboradas e aprovadas de forma legítima pelos
cidadãos ou por seus representantes.
Esse pode ser dividido em ramos
5
, de modo que encontramos regras
sobre as mais diversas searas da vida humana, tais como as relações de emprego, as
obrigações tributárias e os direitos do consumidor. Na maior parte das vezes, a
violação a uma regra jurídica que afinal é uma norma de conduta pouco considera
a pessoa que a infringiu. Quando muito, procura-se constatar a presença da vontade
ou, pelo menos, da culpa, mormente na responsabilidade civil. No mais, é a situação
objetiva que determina a aplicação do Direito nos casos em que este é violado.
Igualmente, o Direito Penal tipificando crimes estabelece normas de
conduta e comina penas para aqueles que as violem. O cometimento de um crime é
um desvio de conduta, do ponto de vista jurídico, assim como o é o atraso no
5
Silva (2002) fala do Direito como um sistema normativo, enquanto Mello (2004) afirma ser uno o
Direito. Ambos admitem que o Direito pode ser estudado em unidades ou ramos.
17
pagamento de um aluguel ou a veiculação de uma propaganda enganosa. Não é um
desvio da conduta moralmente considerada, mas da conduta juridicamente
considerada.
6
O povo, por meio de seus representantes, teria erigido certos bens
jurídicos a tal valor que a sua violação ensejaria a sanção penal como conseqüência.
São os chamados bens jurídicos penalmente protegidos a vida, a propriedade, a
integridade física das pessoas etc.
Face ao valor dado aos bens jurídicos penalmente protegidos, o Estado
toma para si o dever de prevenir e de punir a violação de tais bens. No exercício de
seu poder/dever punitivo por meio do devido processo legal o Estado não pode
olvidar da configuração do caso concreto, da qual fazem parte as características
individuais e sociais da pessoa que violou a regra penal de conduta. A sanção penal
tem a pessoalidade como característica básica a pena não pode passar da pessoa
que praticou o crime.
7
E, pelo princípio da individualização da pena, a sanção penal
deve ser adequada ao agente do crime.
8
Ao lado da situação objetiva, destaca-se a
situação subjetiva, mais profunda do que a simples constatação da intenção ou da
culpa do agente (como ocorre na responsabilidade civil), chegando o Código Penal
(CP 59) a referir-se à personalidade do agente, dentre outras circunstâncias
subjetivas e objetivas em determinado contexto.
9
6
Diz a Constituição Federal (CF , XXXIX) que não crime sem lei anterior que o defina, nem
pena sem prévia cominação legal”. Por isso, quando se fala em desvio de conduta em matéria penal
envolvendo portanto crime e pena trata-se do desvio de conduta juridicamente considerado. Não se
nega, com isso, a fundamentação que embasa a tipificação de uma conduta como crime. Essa
fundamentação, sim, pode ser moral, política, ideológica etc.
7
Este princípio está consubstanciado na Constituição Federal (CF 5º, XLV), onde se lê que “nenhuma
pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do
perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido”.
8
A individualização da pena também é um princípio constitucional, estando presente na CF 5º, XLVI.
9
O Código Penal (CP 59) define as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas pelo juiz ao
fixar a pena, em caso de condenação. Diz o mencionado artigo que o juiz deve atender “à
culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima” ao estabelecer
18
Ao abraçar o seu dever de prevenir a violação dos bens jurídicos
penalmente protegidos, o Estado procura demover o potencial agente criminoso da
prática do crime. É a prática da dissuasão, sendo um dos mecanismos para exercê-la,
a aplicação da pena.
Em Direito Penal, circunstâncias judiciais são consideradas na fixação da
pena e, conforme o mencionado CP 59, os antecedentes criminais são uma delas.
Deve o julgador também observar os antecedentes, bons ou maus,
do agente, verificando sua vida pregressa, com base no que constar
no inquérito policial (art. 6º, VIII e IX, do CPP), no interrogatório
judicial (art. 187, § 1º, do CPP) e nos demais dados colhidos
durante a instrução do processo. O envolvimento em vários
inquéritos e ações penais, antes tidos como maus antecedentes, não
mais são reconhecidos como tais em decorrência do princípio de
presunção de não-culpabilidade, máxime quando arquivados os
procedimentos inquisitivos ou absolvidos os réus (art. 5º, LVII, da
CF). Condenações anteriores, a habitualidade no crime e mesmo
outros fatos desabonadores comprovados, porém, indicam maus
antecedentes do acusado. Mesmo a condenação anterior já atingida
pelo período depurador previsto no art. 64, inciso I, do CP, ainda
que não gere reincidência, deve ser considerada como mau
antecedente. A ausência de envolvimento em fatos desabonadores
significa que o acusado tem bons antecedentes. (Mirabete, 2005, p.
447)
As circunstâncias judiciais são assim chamadas por serem analisadas no
âmbito processual penal e consideradas pelo juiz na aplicação de uma pena, desde
que tenha havido a condenação que a justifique. Ao incluir na balança os
antecedentes criminais, o juiz poderá medir o quanto os bons antecedentes e os maus
antecedentes pesarão no momento de fixar a pena. Os antecedentes criminais
tornam-se então um critério de Política Criminal, operacionalizado pela via judicial.
“conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime” – as penas, suas
quantidades, o regime de seu cumprimento e a substituição da pena privativa de liberdade quando for
o caso.
19
No Direito Penal brasileiro, a Política Criminal se pauta pelo conceito de reprovação
e prevenção do crime.
10
Prevenir e punir são aspectos da área penal do ordenamento jurídico. São
meios destinados à proteção de bens jurídicos penalmente relevantes e que servem à
persecução da paz social. É necessário que o Estado saiba prevenir e saiba punir, sob
pena de agir de forma inócua ou injusta. É necessário que os agentes públicos,
administradores e juristas compreendam o fenômeno criminal, desde sua gênese e em
todas as suas nuanças, a fim de que se previna ou puna, na área penal, os desvios de
conduta, de forma exata, eficaz e justa.
Poder-se-ia fazer uma ponte entre a visão dos antecedentes criminais
como circunstância judicial e o histórico criminal visto de forma mais profunda e
científica. Como visto, a lei determina a consideração das circunstâncias judiciais no
momento da aplicação da pena (ver CP 59), e o juiz não pode se furtar a essa regra. E
a norma penal não oferece nenhum método de avaliação do histórico criminal. De
sua parte, a ciência pode estudar o histórico criminal, e representar novos passos da
estrutura penal do país, que se resumiriam na legislação e atuação condizentes, cada
vez mais, com o conhecimento científico da criminalidade. A referida ponte se
estabeleceria, portanto, entre normas que estão em vigor no ordenamento jurídico e a
ciência (multidisciplinar) do crime. Ou, em outras palavras: a aplicabilidade da
ciência face à realidade da política criminal.
A norma sugere a importância da consideração longitudinal da
criminalidade (na forma de antecedentes criminais), mas, ao que parece, não exige o
seu estudo. Isto pode levar a que as atitudes de política criminal (incluindo o
10
Cf. item 50 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal (L 7.209/84), elaborada
por Ibrahim Abi-Ackel.
20
processo legislativo, a organização das polícias, o trabalho dos juízes, as obras
sociais etc.) não encontrem fundamento se não em necessidades urgentes e/ou nas
opiniões subjetivas dos agentes da política pública, de modo que o preparo e o
fundamento podem estar presentes, mas de forma acidental.
O conhecimento científico do fenômeno criminal se faz importante na
busca de uma política criminal fundamentada. E a Criminologia pode prover este
conhecimento:
Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e
interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do
infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo,
e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada,
sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime
contemplado como problema individual e como problema social ,
assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e
técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos
diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito. (Molina, 2006,
p. 28)
A Criminologia possibilita conhecer o crime de uma forma que possam
ser tomadas atitudes mais eficazes, especialmente na prevenção. Mas, também no ato
de punir, é importante que o crime seja conhecido, para que a execução das penas
não tomem caráter apenas formal, mas se preste a contribuir no combate ao crime.
O olhar interdisciplinar da Criminologia permite que o histórico criminal
sirva de forma mais ampla à Política Criminal, não se limitando a fundamentar
decisões judiciais referentes a penas. A Criminologia permite que se focalizem os
antecedentes criminais considerados como critério de Política Criminal repressiva e
preventiva e sobre eles, aumentando a resolução da lente, se identifiquem fatos e
correlações que proporcionem uma imagem mais detalhada de sua configuração na
21
vida de um indivíduo.
11
A nova imagem recomenda a utilização de alguma expressão
que a defina de modo mais preciso do que a expressão antecedentes criminais.
A Criminologia internacional tem usado a expressão carreira criminosa
em diversos estudos. Estudos nacionais também se valem da mesma expressão. Não
se encontra, entretanto, um conceito único para carreira criminosa.
Carreira criminosa é uma expressão não exclusiva da terminologia
científica. Ela está no vocabulário comum também. No dicionário Houaiss de língua
portuguesa, “carreira” (2004, p. 635) possui uma série de sentidos: “estrada estreita,
caminho, carril”; “caminho nas plantações de café, milho etc.; carreiro”; “caminho
determinado de um serviço de transportes; linha”; “caminho entre barreiras para
corridas de cavalos”, no turfe; “corrida veloz”; “seqüência de pessoas ou coisas
dispostas uma após a outra; fila, fileira”; “quantidade de tóxico em pó, ger. cocaína,
disposta em fileira para ser aspirada; carreirinha”; “profissão que oferece
oportunidades de progresso ou em que promoção”; “o decurso da existência, a
duração da vida”; “risca divisória de cabelo”; “correnteza, corredeira”; “ônibus de
transporte coletivo”; “linha de transporte coletivo”; “rima obrigatória em desafio de
violeiros”; “rima, nos desafios de tipo cururu”; “cada páreo de uma corrida de
cavalos”, no turfe; “corrida de dois cavalos em cancha reta”, no turfe”; “lugar em que
se assenta a embarcação durante sua construção ou no qual se colocam outras
embarcações para reparos”; “rampa inclinada por onde desliza a embarcação quando
é lançada ao mar”.
11
Por sua capacidade de inter-relacionar diversas disciplinas científicas como o Direito e a
Psicologia a Criminologia pode reunir conhecimentos tanto sobre o desvio de conduta juridicamente
considerado quanto sobre o comportamento socialmente conflituoso. Combinando esses
conhecimentos entre si e com informações sobre a vida individual e social das pessoas, possibilita-se
uma visão mais completa do fenômeno criminal, servindo de base a políticas criminais.
22
No Diccionario Didático Latín -se que o verbete carrera (2002, p.
819), que é o equivalente espanhol a “carreira”, em português, apresenta algumas
traduções possíveis em latim: “cursus” (tomado simplesmente e também com relação
a profissão); “curriculum” (tomado com relação a profissão); e stadium” (como
“espaço a correr”). Na parte latina do mesmo dicionário, tem-se o significado das
palavras mencionadas: cursus (2002, p. 210), significando “carreira”, “curso”, e
“trajetória política” (esta última como tradução de “cursus honorum dentro do
mesmo verbete); stadium (2002, p. 647) como “estádio” (de esporte) e “estádio”
(“unidade de longitude”); e curriculum (2002, p. 209), significando “carreira”,
“curso”, e “carro de carreiras”.
No dicionário Houaiss, “curso” (2004, p. 894) tem diversos significados
quando não relacionados a uma área específica do conhecimento no próprio
dicionário: “ato ou efeito de correr; corrida”; movimento contínuo; rumo, direção,
sentido, trajetória”; “caminho percorrido por um rio, da nascente à foz”;
“deslocamento espacial; percurso, distância”; “tempo de duração; desenvolvimento
de algo no tempo”; “circulação, uso, voga”; “ligação, encadeamento,
desenvolvimento”. E currículo apresenta dois verbetes: o primeiro “currículo”
(CURRÍCULO1, 2004, p. 894) significa “ato de correr; corrida, curso”; “pequeno
atalho, desvio em um caminho”; “programação total ou parcial de um curso ou de
matéria a ser examinada”; e o segundo (CURRÍCULO2, 2004, p. 894) significa
“documento em que se reúnem dados relativos às características pessoais, formação,
experiência profissional e/ou trabalhos realizados por um candidato a emprego,
atividade de autônomo, cargo específico etc.”.
Quando se toma a pessoa como centro de referência, restam, dos
mencionados, alguns significados para carreira, tais como: “seqüência de pessoas
23
(...) dispostas uma após a outra”; a profissão; o decurso da existência, a duração da
vida”; a “risca divisória do cabelo”; e as latinas “cursus” e “curriculum”. Com a
palavra curso como intermediária, podem-se acrescentar os sentidos: a “corrida”;
“movimento contínuo; rumo, direção, sentido, trajetória”; “deslocamento espacial”;
“tempo de duração; desenvolvimento de algo no tempo”; “ligação, encadeamento,
desenvolvimento”. E com a palavra currículo como intermediária: a “corrida”,
também; “pequeno atalho; desvio em um caminho”, e o currículo como documento.
Tomando-se o crime como centro de referência, resta o significado:
“seqüência de (...) coisas dispostas uma após a outra”, além da latina “cursus” e os
significados de “curso” e “currículo”. Com a palavra curso como intermediária:
“movimento contínuo; rumo, direção, sentido, trajetória”; “tempo de duração;
desenvolvimento de algo no tempo”; “ligação, encadeamento, desenvolvimento”. E
com a palavra currículo como intermediária: “pequeno atalho; desvio em um
caminho”.
A palavra stadium, em seu sentido da unidade de medida “estádio” não
despertaria para eventual relação com a palavra carreira referente a pessoas ou a
crimes, se não fosse uma medida de longitude de modo que, embora referente a
distância como está no dicionário Houaiss, no verbete “estádio” (2004, p. 1244):
“antiga medida de distância grega (...)” pode se remontar ao aspecto longitudinal
sugerido pela questão dos antecedentes criminais. No mesmo verbete, fora o
significado de unidade de medida e o relativo ao esporte, estádio aparece como
sinônimo de estágio (em seu sentido de “„momento ou período específico‟, „fase no
desenvolvimento‟, „cada fase de um inseto‟”), bem como com o sentido de
“exercício de alguma profissão, emprego ou autoridade”.
24
Assim, de acordo com os significados comuns encontrados em
dicionário, pode-se entender na expressão carreira criminosa diversos significados
possíveis, se tomados como referências a pessoa que pratica crimes e/ou o crime, tais
como:
a) profissão criminosa;
b) existência ou vida criminosa;
c) movimento contínuo (rumo, direção, sentido, trajetória) criminoso;
d) deslocamento espacial e/ou tempo de duração criminosa;
e) desenvolvimento de criminosos;
f) ligação entre criminosos;
g) desvio em um caminho criminoso (ou desvio criminoso em um
caminho);
h) currículo (documento) criminoso (ou ficha de antecedentes criminais);
i) seqüência de crimes dispostos um após o outro;
j) o curso (ou decurso) de um crime;
k) desenvolvimento de um crime;
l) encadeamento entre crimes;
m) “longitude” criminosa (ou antecedentes criminais);
n) momento (ou período) criminoso;
25
o) fase no desenvolvimento criminoso (ou fase criminosa no
desenvolvimento);
A partir das possibilidades mencionadas, rios assuntos de estudo ou de
regulamentação jurídica poderiam ser identificados com a expressão carreira
criminosa, dependendo do seu significado na linguagem comum. Para mencionar
alguns exemplos: carreira criminosa significando a ligação entre criminosos pode se
referir à co-autoria na prática de crimes e ao crime de formação de quadrilha; carreira
criminosa como decurso ou desenvolvimento de um crime pode se identificar com o
iter criminis
12
; carreira criminosa como profissão criminosa pode se identificar com
o crime organizado.
O fato de a expressão carreira criminosa não ser exclusiva do campo
científico, juntamente com o fato de possuir variados significados, alguns deles
identificáveis com termos e expressões presentes em estudos sobre o crime (como
os vistos iter criminis; organização criminosa etc.) favorecem a confusão conceitual
quando se pretende estudar cientificamente o assunto. Ademais, em obras científicas
a expressão carreira criminosa também não possui um significado único. Por isso, é
importante que se compreenda melhor as suas diferentes acepções quando presentes
como termo técnico em estudos criminológicos, tanto estrangeiros quanto nacionais,
como pequena contribuição para esta área de estudo no Brasil.
12
“Para a realização do crime, há um caminho, um itinerário a percorrer entre a idéia de sua realização
e a consumação. Esse caminho, a que se o nome de iter criminis, é composto de cogitação, atos
preparatórios, atos de execução e consumação.(Mirabete, 2005, p. 160)
26
2.2 A História do conceito de carreira criminosa
Na Dinamarca, Britta Kyvsgaard realizou um estudo longitudinal sobre
carreiras criminosas e, em 2003, teve publicado o livro The criminal career: The
Danish longitudinal study. No início do livro, em algumas páginas traça-se um breve
histórico do uso do termo carreira criminosa entre autores e obras da criminologia
internacional. Por se tratar de um histórico conciso e esclarecedor, vale examiná-lo.
Segundo Kyvsgaard (2003), a palavra carreira foi usada, no campo dos
estudos em criminologia, talvez pela primeira vez, por Clifford R. Shaw em 1930 e
em 1931 (anos em que publicou, respectivamente, The Jack Roller e The Natural
History of a Delinquent Career) para descrever históricos criminais individuais a
partir de estudos de caso. Afirma que o termo carreira não é definido por Shaw, mas
é usado para descrever duas coisas: as atividades concretas em que um indivíduo
esteja envolvido e o processo desenvolvimental observado por Shaw nas incursões
criminosas dos sujeitos de suas pesquisas. Esta última abordagem estaria mais
presente no livro de 1938 do autor, Brothers in Crime, onde são descritos os passos
seguidos por cinco irmãos em carreiras criminosas, a partir da descrição e análise de
suas histórias de vida.
A autora descreve a capa do livro sobre os cinco irmãos:
A ilustração da capa do livro demonstra a tese de uma carreira
criminosa crescente. Ela mostra uma escadaria onde cada degrau
representa certo tipo de comportamento desviante ou crime, e onde
os degraus ascendentes sugerem criminalidade grave cada vez
maior. (Kyvsgaard, 2003, p. 2)
Ela percebe uma relação do uso que Shaw faz do conceito de carreira
com a palavra advancement, que significa avanço, desenvolvimento.
27
O trabalho de Shaw, diz a autora, é corroborado pelo livro The
Professional Thief (1938) de Edwing Sutherland. Neste livro, que foi escrito por um
ladrão profissional e organizado por Sutherland, não aparece a palavra carreira, mas,
em seu lugar, está a palavra profissional. O contexto da profissão de ladrão seria o de
uma profissão lícita qualquer, ou seja, a utilização do horário de trabalho realizando-
o. Neste contexto, “há pouca diferença entre uma carreira criminosa e uma profissão
dentro da lei”. (Kyvsgaard, 2003, p. 2)
Continuando na sua revisão do uso da palavra carreira, Kyvsgaard
escreve que os primeiros a utilizar o conceito de carreira em estudos criminológicos
quantitativos foram Sheldon e Eleanor Glueck, ainda entre as décadas de 30 e 40 do
século passado. Estes autores também não teriam se preocupado em definir o termo
carreira, mas o teriam utilizado como sinônimo de trajetória ou história de vida (que
é o conceito tradicional da Escola de Chicago
13
), embora o tenham feito em trabalhos
baseados em métodos quantitativos, ao invés de qualitativos. São citados pela autora
três trabalhos, resultantes de uma investigação longitudinal sobre jovens infratores
institucionalizados, sendo cada trabalho uma seqüência do anterior: 500 Criminal
Careers, de 1930; Later Criminal Careers, 1937; e Criminal Careers in Retrospect,
de 1943. A utilização do conceito de carreira como sinônimo de história de vida
juntamente com o método quantitativo e longitudinal é o que se encontra, segundo a
autora, nos estudos dominantes atualmente sobre o assunto, lembrando que seu livro
foi publicado em 2003.
13
“A Escola de Chicago, existente nos anos 20 e 30, abrangeu as teorias culturalistas, atingindo as
mais modernas, como etnometodologia e as teorias críticas, fazendo por simplificar a sociologia
americana.
“Toda a Criminologia dos Estados Unidos sofreu a influência da Universidade de Chicago, com a
inspiração da teoria ecológica. A mesma coincidiu com o período das grandes migrações e das
grandes metrópoles, que foi encontrar na referida escola o problema característico da área, os
imigrantes. Colocava-se sob critérios étnicos. Dessa maneira, tivemos um modelo ecológico de
equilíbrio entre a comunidade humana e o ambiente natural, para que houvesse um melhor
balanceamento dos fenômenos sociais.” (Nascimento, 2003, p.71)
28
Kyvsgaard explica que na Dinamarca, de onde são os sujeitos de seu
estudo, o termo carreira não foi utilizado em pesquisas de criminologia. No início da
década de 1940, o criminólogo dinamarquês Karl O. Christiansen teria realizado
análises de trajetórias criminosas individuais, mas utilizando um termo dinamarquês,
que significa histórias de vida criminosa ou, em dinamarquês, kriminelle levnedsløb.
Isto significaria, para Christiansen, os aspectos da vida de um indivíduo que
envolvam ofensas e sanções, assuntos que são analisados com foco no
desenvolvimento da criminalidade individual. Desta forma, completa a autora, a idéia
de histórias de vida corresponde ao sentido criminológico dado ao termo carreira na
atualidade. Lembra que, mais tarde, entretanto, Christiansen e Stephan Hurwitz
utilizam o termo carreira para designar avanço, ou profissionalismo.
Continuando, Kyvsgaard anota que o sentido do termo carreira muda
quando passa a ser utilizado pelos Interacionistas
14
. O foco deixa de ser a atividade e
passa a ser a descrição da identidade ou da mudança de papel, “o que pode ser
associado com ser rotulado como desviante”. (Kyvsgaard, 2003, p. 3), na linha do
que havia sido colocado, ainda na década de 30, pelo sociólogo Everett G. Huges,
também da Escola de Chicago, segundo o qual carreira deveria ser concebida pela
“perspectiva de movimento pelo qual a própria pessoa sua vida como um todo e
interpreta os significados de seus vários atributos, ações e das coisas que
aconteceram com ela” (Huges, 1937 apud Kyvsgaard, 2003, p. 1).
Edwin Lemert, no início da década de 50, teria sido o primeiro a adotar
claramente essa abordagem no campo das investigações em Criminologia,
14
Nascimento (2003) identifica o Interacionismo na Psicologia Social. Esta última “pode ser definida
como as porções sobrepostas da psicologia e sociologia que são particularmente preocupadas em
descrever como sujeitos são modificados através da interação com outros e como seu comportamento
retributivo é direcionado de acordo”. (Foote, 1965)
29
descrevendo a transição do desvio primário para o desvio secundário
15
, bem como as
mudanças acarretadas na identidade e no papel pessoal, focalizando, portanto, o
aspecto subjetivo relacionado aos eventos de vida de um sujeito, ou seja, o modo
como esse interpreta suas relações e seu lugar na sociedade.
Na década de 60, Howard S. Becker aplicou o conceito de carreira
ocupacional (assunto que estudava na tradição de Hughes) à carreira desviante,
levando em conta o processo, o movimento, e as ocorrências e influências presentes
no desenvolvimento e formação deste último tipo de carreira.
Os Interacionistas considerariam, ainda, as relações de influência entre as
mudanças individuais na posição social e na identidade pessoal. A carreira seria
usada, então, “para descrever este processo, pelo qual um indivíduo entende seu novo
papel (desviante)”. (Kyvsgaard, 2003, p. 3)
Nessa tradição, estaria ainda, segundo menciona a autora, Irving
Goffman que, também na década de 60, introduz o conceito de “carreiras morais” em
vez de carreiras desviantes, o qual referir-se-ia ao “curso psíquico de
desenvolvimento, que significa a personalidade, identidade e percepção do indivíduo
sobre si mesmo e sobre os outros”. (Kyvsgaard, 2003, p. 3)
Na cada de 80, nos Estados Unidos, entretanto, percebe-se uma
retomada do conceito de carreira numa abordagem quantitativa e longitudinal. Os
expoentes dessa “nova onda”, como chamou Kyvsgaard esse momento, são Alfred
15
“Delinqüência secundária se distingue da „deviance primária‟ em sua etiologia, pois a „deviance
secundária‟ é traduzida através de uma defesa, ataque, adaptação aos problemas manifestos ou latentes
envoltos pela reação social à deviance primária; sendo que, por outro lado, esta é poligenética; os
estereótipos que são sistemas de representações inconscientes e contraditórias; e, finalmente, a
negociação, que é o aditamento de qualquer estigma de forma explícita ou larvada, uma questão de
poder. Postula uma certa negociação, uma barganha plena do ponto de vista institucional, a
manifestação mais expressiva.” (Nascimento, 2003, p. 95-95)
30
Blumstein e Jacqueline Cohen, que empreenderam a análises de freqüências
criminais individuais. (Kyvsgaard, 2003, p. 3)
Nessa linha, em 1982, Blumstein, Cohen e Paul Hsieh descrevem a
„carreira‟ como uma trajetória da atividade criminosa individual da primeira à última
ofensa”. (Kyvsgaard, 2003, p. 4), frisando, porém, que o emprego do termo carreira,
do modo como estavam fazendo, não remeteria à noção de que os ofensores
vivessem de seus crimes.
Esta caracterização de uma atividade individual como uma
“carreira” não se destina a significar que os ofensores obtenham
seu meio de vida exclusivamente ou mesmo predominantemente do
crime. O conceito de “carreira criminosa” é destinado apenas como
meio de estruturar a seqüência longitudinal de eventos criminosos
associados a um individuo de uma forma sistemática. (Blumstein,
Cohen & Hsieh apud Kyvsgaard, 2003, p. 4)
Para esse grupo haveria um volume grande de pesquisas sobre as causas
e a prevenção do crime, mas pouca investigação sobre a prática criminal visando
descrever o progresso de um indivíduo no tocante ao seu comportamento ilícito, com
base na análise da relação existente entre a freqüência de crimes cometidos por ele
cometidos e sua idade; para tais autores, dispor desse conhecimento seria bastante
importante para o desenvolvimento de uma política criminal.
Em trabalho coordenado por Blumstein e Cohen e publicado em 1986,
em que realizam um painel sobre carreiras criminosas, a pedido do National Institute
of Justice
16
, reitera-se a definição de carreira criminosa
(...) da mesma maneira como foi mencionado acima, como um
estudo da trajetória das atividades criminosas individuais. Além
disso, é argumentado que estudos sobre carreira criminosa
deveriam focar em quatro medidas de importância primária:
16
Cf. Criminal Careers and “Career Criminals”, 2 volumes (Blumstein, Cohen, Roth, & Visher,
1986; Blumstein, Cohen, Roth, & Visher, 1986-A).
31
participação (ou prevalência), freqüências individuais de crime (ou
lambda), a duração da carreira, e padrões na gravidade da ofensa.
(Kyvsgaard, 2003, p. 4)
Anos mais tarde, em 2003, Alex R. Piquero, David P. Farrington e Alfred
Blumstein publicaram um longo ensaio intitulado The Criminal Career Paradigm,
onde reuniram grande quantidade de informações relativas a trabalhos passados e
recentes sobre o que chamam de paradigma da carreira criminosa, abrangendo
resultados empíricos alcançados, bem como questões metodológicas e relativas a
implicações políticas (no sentido de ações adotadas). (Piquero, Farrington, &
Blumstein, 2003, p. 363)
O mencionado trabalho é uma extensa revisão de literatura científica
sobre o estudo da carreira criminosa. Revelam os autores a preocupação de definir o
conceito de carreira criminosa e seus elementos principais (que serão tratados
adiante), deixando claro que certas obras importantes do passado como as já
mencionadas The Jack Roller, de Shaw em 1930, e The Professional Thief, de
Sutherland em 1937, entre outras –, embora apresentassem “observações inspiradoras
sobre os mais sérios e mais interessantes criminosos”, seriam bastante
“desinformativas sobre carreiras criminosas típicas”. (Piquero, Farrington, &
Blumstein, 2003, p. 360)
Piquero, Farrington e Blumstein (2003) utilizam o termo carreira
criminosa no sentido de seqüência longitudinal de crimes, sendo esta seqüência
cometida por um infrator individual. Estes autores, em seu grande ensaio,
reconhecem não muitos trabalhos como sendo de especial importância no estudo das
carreiras criminosas. Destacam alguns autores e falam sobre suas obras conforme
32
segue: Glueck e Glueck, em Unraveling Juvenile Delinquency
17
, com 500 meninos
não infratores e 500 infratores, com coleta de dados os mais variados (por exemplo,
características sociais, psicológicas, biológicas, experiência profissional etc.);
McCord, em Cambridge-Somerville Project
18
, cujo objetivo foi o de aprender sobre o
desenvolvimento da delinqüência, bem como testar a noção de que crianças
poderiam ser tiradas da delinqüência, usando-se para isso a orientação e a prevenção;
Wolfgang, em Philadelphia Birth Cohort Studies
19
, onde se pesquisam carreiras
criminosas de quase 10 mil indivíduos do sexo masculino, com idades entre 10 e 17
anos, com enfoque em dinâmicas de especialização em comportamento; Farrington,
em Cambridge Study in Delinquent Development, estudo longitudinal prospectivo
sobre desenvolvimento de delitos e de comportamento anti-social, com 411
indivíduos do sexo masculino do sul de Londres; Elliot, em National Youth Survey,
também estudo longitudinal prospectivo, relativo a delinqüência e uso de drogas; Le
Blanc, em Montreal Sample of Adjudicated Youths, trabalhando com tipos de atos,
idade de início em geral, idade de primeira prática de cada tipo de ato, freqüência e
idade final de cometimento do ato.
No mencionado ensaio de 2003, Piquero et al. atestam que muita
pesquisa ainda se mostrava necessária para desvendar as carreiras criminosas,
inclusive sobre circunstâncias as que influenciariam positiva ou negativamente.
O que chamam de paradigma da carreira criminosa envolveria um início
de atividade delinqüente em determinada idade, com envolvimento nesta atividade
17
Sheldon Glueck e Eleanor Glueck, Unraveling Juvenile Delinquency, New York, Commonwealth
Fund, 1950.
18
Joan McCord, The Cambridge-Sommerville Study: A Pioneering Longitudinal-Experimental Study
of Delinquency Prevention, em Preventing Antisocial Behavior: Interventions from Birth through
Adolescence (editores Joan McCord e Richard E. Tremblay, New York, Guilford, 1992.
19
Marvin E. Wolfgang; Robert M. Figlio; eThorsten Sellin, Delinquency in a Birth Cohort, Chicago,
University of Chicago Press, 1972.
33
em determinado nível individual e contanto com uma mistura de crimes e,
eventualmente, a cessação desta atividade.
Esse é um ensaio que busca ser muito abrangente, talvez com a intenção
de canalizar os esforços subseqüentes para a respectiva linha de pesquisa. Os
próprios autores reconhecem que o paradigma da carreira criminosa não era aceito
por toda a comunidade científica.
Nos anos seguintes, a forma como o termo carreira criminosa é utilizado
em diversos trabalhos científicos, mostra que ainda o se tem uma visão uniforme
relativa a pesquisas que tratem de carreiras criminosas.
É possível que a produção do ensaio de Piquero et al., tão detalhado,
tenha influenciado outros autores a não se preocupar em esclarecer por que e de que
modo empregam o termo carreira criminosa em suas pesquisas. Se seguem a linha
daqueles três cientistas, não haveria motivo para explicar o emprego, que
trouxeram a construção de um paradigma. Se não seguem, parecem empregar o
termo livremente, sem maiores preocupações em fazer entender seu sentido como
termo técnico, sendo que em alguns estudos se percebe mais claramente a retomada
da abordagem interacionista, pela qual enfatiza-se mais propriamente a construção de
subjetividades que a descrição da prática criminal.
Assim, analisando algumas publicações na área, desde então, destaca-se a
orientação teórica subjacente. Ainda em 2003, Corrado, Cohen, Glackman e Odgers
(2003) apontam o estilo de vida do delinqüente crônico como base de um dos
modelos de tomada de decisão direcionada a jovens delinqüentes, em estudo sobre a
relação desses modelos com a decisão dos jovens delinqüentes em reincidir. Dentro
do modelo decisório baseado no estilo de vida do delinqüente crônico, a palavra
34
carreira é tomada em sua relação com o nível de envolvimento na delinqüência, onde
o jovem escolhe o crime como carreira e, embora não expressamente falado, o termo
carreira se aproxima da noção de profissão. Mas, também, os autores acrescentam a
hipótese de o delinqüente ver a delinqüência apenas como parte de seu ser, e o estilo
de vida delinqüente se relacionaria ainda com uma quantidade grande de delitos.
Bushway, Thornberry e Krohn (2003) mencionam a carreira criminosa sem defini-la
quando estudam a desistência. E Farrington et al. (2003) preferem o termo carreira
de delinqüência, sem deixar de utilizar carreira criminosa, remetendo a Blumstein,
Cohen, Roth e Visher (1986) e Piquero et al. (2003). Para Sampson e Laub (2003) o
modelo de carreira criminosa justifica-se enquanto “paradigma de estudo de
trajetórias intra-individuais” (p.585).
Em Soothill, Ackerley e Francis (2004) aparece o termo carreira
criminosa “oficial”, onde a primeira condenação teria papel importante,
representando um momento definidor (quando então o delinqüente receberia um
rótulo e passaria a ser tratado de forma diferente na sociedade). Francis, Soothill e
Fligelstone (2004) propõem uma análise de tipologias delinqüentes em períodos
menores e fixos de tempo, correspondentes a 5 anos cada período, defendendo ser
uma técnica mais viável do que a análise da vida toda dos sujeitos, em termos de
utilidade prática. Esses não definem carreira criminosa, mas o sentido fica próximo
da seqüência de delitos, dentro do período de vida ou de períodos menores de tempo.
Nestas últimas duas obras mencionadas nota-se a preocupação em delimitar campos
de observação em um caso, a carreira “oficial” e, no outro caso, períodos menores
de tempo em relação ao período completo de vida de um indivíduo possibilitando-
se estudar partes da carreira criminosa.
35
Em 2005, é possível notar uma tendência a se estudarem aspectos da
carreira criminosa ou, se não, partir para estudos sobre trajetórias de crimes. Quanto
aos aspectos da carreira, temos Kazemian e Farrington (2005) que se centram no
início da carreira, enquanto comparam fontes de dados (oficiais e auto-relatos).
Deane, Fleson e Armstrong (2005) estudam a especialização, entre delitos violentos e
não violentos. A idéia de que, entre delinqüentes, deve existir uma técnica ou perícia
em desenvolvimento (Topalli, 2005), lança o olhar para a dinâmica da carreira.
Como em Sampson e Laub (2003), em Blokland, Nagin e Nieuwbeerta (2005) a
carreira criminosa aparece como base sobre a qual são feitas análises a respeito de
trajetórias. Este três autores também discutem fatores relativos a dados, quando
enfatizam que informações sobre encarceramento e mortalidade, mais do que simples
problemas a serem enfrentados no tratamento de dados, são fatores importantes tanto
como resultados quanto como influenciadores do potencial de comportamento
delinqüente. Nota-se, portanto, que também, em alguns trabalhos, uma
preocupação em discutir tipos de dados a serem utilizados em pesquisas.
O avanço de estudos relacionados a carreiras criminosas não se mostra
suficiente para unificar a forma de se empregar o termo carreira criminosa. Os
enfoques dos trabalhos continuam variados. Massoglia (2006) concentra-se no estudo
da desistência e daquilo que chama de deslocamento (mudanças na qualidade do
comportamento ao longo do tempo)
20
. Kirk (2006) tem estudo dedicado a comparar
fontes de dados (registros oficiais e auto-relatos), e utiliza o termo carreira
criminosa fazendo referência a Piquero et al. (2003). Mesma referência aparece em
Delisi e Scherer (2006). Tais autores, assim como Hodgson e Costello (2006) tomam
a carreira criminosa em relação ao crime ao longo do tempo. Os mencionados
20
Deslocamento é um assunto que será abordado novamente ao se tratar de “desistência”.
36
Hodgson e Costello concentram-se no estudo da co-delinqüência
21
entre praticantes
de roubo, e como esta co-delinqüência se relaciona com a carreira em sua extensão.
O enfoque de Clark (2006) é centrado no papel do sistema de justiça criminal
(polícia, judiciário, prisão) sobre o compromisso perante o crime. Aqui, a carreira
criminosa aparece como objeto daquele comportamento, ou seja, algo sobre o qual o
delinqüente se empenhe. Escrevendo sobre a Criminologia na Holanda, Swaaningen
(2006) revela o estudo das carreiras criminosas como uma das vertentes naquele país,
onde se notam enfoques variados (como a identificação da carreira com o conceito de
reincidência, mas também a preocupação com contextos e com variáveis relativas à
personalidade, sendo citados, por exemplo, Jan Hendriks e Catrien Bijleveld, no
estudo Recidive van jeugdige zedendelinquenten na residentiële zehandeling, de
2005). Em 2006, desta forma, a variedade de enfoques se faz presente, havendo
estudos sobre aspectos da carreira, sobre fontes de dados e sobre envolvimento no
crime.
Em 2007 vários estudos que abordam a carreira criminosa como um
modelo sobre o qual se fazem inferências e análises, retomando com mais força o
trabalho de Piquero et al. (2003), bem como o de Blumstein et al. (1986). Nessa
linha, então, enfoques sobre aspectos da carreira, como a sua extensão ou duração
(Ezell, 2007; Francis, Soothill, & Piquero, 2007; Haarpen, Britton, & Croisdale,
2007). Os próprios Piquero e Blumstein (2007-A) publicam novamente dentro do
tema, em assunto específico (a incapacitação), e trazem a público o livro Key Issues
in Criminal Career Research, o que parece ser mais um esforço de sistematizar o
estudo das carreiras criminosas e canalizar os empenhos científicos a esse respeito.
Trata-se de um livro que traz novas análises a partir do Estudo de Cambridge sobre
21
Co-delinqüência refere-se à prática de delito por mais de uma pessoa, em conjunto.
37
Desenvolvimento do Delinqüente.
22
O segundo capítulo, onde apresentam uma visão
geral sobre carreiras criminosas, é composto, segundo os próprios autores, em grande
parte por informações de seu ensaio de 2003, o que reforça a idéia de consolidação
de um posicionamento sobre a carreira criminosa e seus aspectos, neste cenário.
Destoando um pouco do conjunto, Davis (2007) utiliza o termo carreira, sem definir,
mas apenas como parâmetro, e com foco em outras questões no caso, estuda o
papel dos pais frente aos contatos dos filhos com o sistema de justiça criminal, com
ênfase em questões referentes à autoridade dos pais sobre os filhos e sobre os órgãos
oficiais como recurso do pais no exercício dessa autoridade.
Piquero, Piquero, Terry, Youstin e Nobles (2008) continuam estudando
assuntos específicos dentro da carreira criminosa, enfocando neste artigo em
particular os criminosos religiosos acusados de abuso sexual. Kleemans e Poot
(2008) estudam carreiras criminosas dentro do crime organizado, enfatizando a
importância das conexões entre atividades legais e ilegais, e as oportunidades de
transição entre elas.
Observa-se, em um período de pouco mais de 5 anos, nos periódicos
consultados, o emprego do termo carreira criminosa de diversas maneiras, embora
prepondere sua utilização como equivalendo à análise dos crimes ao longo do tempo,
base para estudo de trajetórias, paradigma para o estudo de seus aspectos.
22
O Cambridge Study in Delinquent Development, como explicam Piquero, Farrington e Blumstein
(2003) foi realizado por Farrington, tendo início em 1961, e tratando-se de pesquisa longitudinal
prospectiva do desenvolvimento de ofensas e de comportamento anti-social, tendo como sujeitos 411
homens do sul de Londres, nascidos entre setembro de 1952 e agosto de 1954.
38
2.3 Carreira criminosa: uma problematização necessária dos sentidos
atribuídos ao termo
Na revisão dos estudos internacionais, a utilização, por diversas vezes, do
termo carreira criminosa sem sua definição é indício de que não tanta
preocupação em esclarecer seu significado. Mas, o fato de ser o termo, ainda hoje,
empregado de diversas formas, conforme os enfoques que os autores desenvolvem,
mostra que ainda se enfrenta o mesmo problema que Kyvsgaard (2003) teve ao fazer
seu histórico, ou seja, uma certa difusão conceitual que dificulta a reunião dos
esforços de pesquisa sob um conceito unificado.
De todo modo, pode-se afirmar que o conceito de carreira criminosa
para os estudos contemporâneos é delineado em 1986, na obra organizada por
Blumstein et al. (1986, p. 12): “Uma carreira criminosa é a caracterização de uma
seqüência longitudinal de crimes praticados por um ofensor individual”.
As carreiras criminosas podem apresentar grandes variações conforme o
ofensor, havendo dois extremos: a carreira criminosa em que o indivíduo pratica um
crime em toda a sua carreira e a carreira criminosa em que o delinqüente é um
“criminoso de carreira”, sendo o criminoso de carreira também caracterizado como
perigoso, habitual ou ofensor crônico. (Blumstein et al., 1986) Desta forma, nota-se o
caráter objetivo do termo carreira criminosa, ao mesmo tempo em que subjaz uma
referência ao papel do sujeito na configuração de uma carreira criminosa. De acordo
com os autores:
Ambos os tipos extremos de carreira são de interesse político. Ofensores com
carreiras curtas que cometem muito poucas ofensas são de interesse para a
identificação de fatores externos que encorajem o término precoce de carreiras e
podem ser afetados pela política pública. Tal conhecimento será especialmente
útil no planejamento de políticas de controle do crime, incluindo a prevenção
alcançada por meio da imposição de sanções para propósitos de
39
desencorajamento ou reabilitativos. Criminosos de carreira são de interesse para
a formulação de políticas que possam identificar ofensores no início de suas
carreiras e seletivamente direcionar os recursos da justiça criminal para a
prevenção de seus crimes, primariamente através do encarceramento.
(Blumstein et al., 1986, p. 14)
Na citação acima fala-se em fatores externos que encorajem o término
precoce de carreiras. O encorajamento é uma influência que se sobre um sujeito.
Observa-se, neste caso, um exemplo que demonstra ligar o estudo das carreiras
criminosas inobstante o conceito objetivo do termo carreira criminosa tanto à
configuração descritiva da atividade criminosa de um indivíduo, quanto aos
processos e relações que insiram, mantenham ou excluam o indivíduo nesta ou desta
mesma atividade criminosa.
Piquero, Farrington e Blumstein (2007) afirmam que:
O paradigma da carreira criminosa reconhece que indivíduos começam suas
atividades criminosas em alguma idade, dedicam-se ao crime em alguma taxa
individual de crime, cometem uma mistura de crimes, e finalmente param. (p. 9)
Logo em seguida, no mesmo parágrafo, quando oferecem os elementos
que se observam na carreira criminosa como o início da carreira, por exemplo
procuram deixar claro que a abordagem das carreiras criminosas envolve não apenas
o quando relativo à atividade delinqüente, mas também ao seu porquê. Dizem:
Desta forma, a abordagem da carreira criminosa enfatiza a necessidade de
investigar questões relativas a por que e quando pessoas começam a ofender
(início), por que e como eles continuam ofendendo (persistência), por que e se
as ofensas tornam-se mais freqüentes ou graves (escalação) ou especializadas, e
por que e quando pessoas param de ofender (desistência). (Piquero et al., 2003,
p. 9)
40
Assim como fez Kyvsgaard (2003), Piquero et al. (2007) se lembram do
que o próprio Blumstein, juntamente com Cohen e Hsieh diziam, em 1982, e
afirmam:
O estudo das carreiras criminosas não implica que ofensores necessariamente
derivem seu sustento exclusivamente ou mesmo predominantemente do crime;
em vez disso, o conceito de carreira é voltado apenas como um meio de
estruturar a seqüência longitudinal de eventos criminosos associados a um
indivíduo, de maneira sistemática. (p. 9)
A autora dinamarquesa não se ilude:
A pesquisa americana recente vigorosamente enfatiza que o termo carreira não é
sinônimo de meio de vida ou profissão. Entretanto, algumas características
conceituais da pesquisa sobre carreira criminosa correspondem a aspectos de
carreiras ocupacionais. Por exemplo, a pesquisa sobre carreira criminosa
examina se ocorre a especialização, isto é, uma tendência a repetir o mesmo tipo
de crime, e sugere que habilidades necessárias para cometer ofensas mais
refinadas e com maior sucesso se desenvolverão através da repetição. Aqui está
um óbvio paralelo com as carreiras ocupacionais ordinárias. Um paralelo
similar é encontrado em mudanças na gravidade do crime ao longo do tempo.
Escalação na carreira criminosa corresponde ao avanço na carreira ocupacional:
alguém escala em posição ou em gravidade. A analogia entre carreiras
ocupacionais e carreiras criminosas é provavelmente inevitável, uma vez que
ambos dizem respeito ao desenvolvimento de habilidades e técnicas, e atêm-se à
suposição de que “a prática faz a perfeição”. (Kyvsgaard, 2003, p. 4)
De fato, parece ser inevitável pensar em carreiras profissionais quando se
fala em carreiras criminosas. Talvez o uso cotidiano do termo carreira, nas atividades
lícitas, para designar algo pelo que uma pessoa luta a vida toda, force a sua entrada
nas considerações e interpretações, sempre que aparece como termo designativo de
alguma outra coisa. Por outro lado, o fascínio originado pelas histórias, reais ou
fictícias, de célebres criminosos “de carreira” e suas organizações criminosas, pode
erigir o termo carreira como designativo de um empenho de todos os esforços de um
indivíduo na vida do crime.
41
Na própria elaboração do projeto da presente pesquisa houve, de início,
essa mesma tendência. Vale lembrar o que foi dito, no projeto
23
:
Se a palavra carreira for isolada, desconectada de qualquer adjetivo, poderá ter
diversos significados: um caminho, uma fileira de objetos etc. Quando se trata
de indivíduos, normalmente a carreira será relacionada a uma profissão. A
carreira profissional, num sentido popular, está relacionada com a vida
profissional de uma pessoa, trazendo a idéia de um alto grau de estabilidade no
trabalho (CAREER, 1965:73). Nota-se que, neste sentido popular, já é possível
extrair um sentido de continuidade no tempo e de estabilidade no decorrer dos
fatos que compõem a carreira. Então, um primeiro aspecto da carreira seria o
tempo, e um segundo aspecto seria a estabilidade no desenrolar dos fatos que
compõem a carreira.
Ainda relacionada ao trabalho, há uma definição mais detalhada de carreira e há
um termo utilizado, que é o padrão de carreira. Neste caso, temos uma série de
ajustamentos feitos a instituições, organizações formais e relações sociais
informais, envolvidas na ocupação, ou seqüência de ocupações, que faz a
história profissional da pessoa ou grupo de pessoas (CAREER, 1965).
literatura científica que diferencia entre aspectos verticais e horizontais de um
padrão de carreira (Becker apud CAREER, 1965), sendo que em ambos os
aspectos há um movimento, que pode ser vertical, se houver mudança de
hierarquia, ou horizontal, quando a mudança ocorre dentro de uma mesma
hierarquia. Aqui, mais um aspecto pode ser observado: o movimento entre
ocupações dentro de um padrão de carreira. quem defina carreira como uma
seqüência de empregos que sigam um desenvolvimento ordenado (Miller e
Form apud CAREER, 1965), ou como uma seqüência de ocupações na vida de
um indivíduo ou grupos de indivíduos (Super apud CAREER, 1965). Mais dois
aspectos surgem: a seqüência e o desenvolvimento, o que mostra que um
padrão de carreira se compõe de ocupações que, dispostas em seqüência, umas
se interligam às outras, numa linha contínua e sucessiva.
(...) Se transpusermos estas noções, substituindo as ocupações profissionais,
pelo cometimento de crimes, temos uma seqüência de crimes, com certa ligação
entre si, cometidos por uma pessoa ao longo do tempo, sendo possível observar
um desenvolvimento mais ou menos estável, conforme o indivíduo se
movimente horizontalmente (tipos de crimes) ou verticalmente (gravidade dos
crimes) entre seus atos criminosos.
Num nível de análise macro-social, Gilinskiy (2006), ao abordar o crime
organizado na Rússia, embora não utilize o termo carreira criminosa, fala
claramente sobre a existência do crime como negócio, e do crime organizado como
“fenômeno social complexo”. Relata, então:
23
A referência bibliográfica que aparece diversas vezes no trecho citado é de um verbete elaborado
por H. J. Friedsam para A Dictionary of Social Sciences, publicado em 1965 por The Free Press, de
Nova York. O verbete está na lista de referências, no final do presente trabalho.
42
O desenvolvimento da estrutura organizacional na atividade
criminosa é um processo natural que ladeia o desenvolvimento
estrutural dos sistemas e sub-sistemas legitimados, incluindo a
política e corporações de negócios. (p.279)
Defende ser este processo um fenômeno global, e que pelos diversos
países são similares os fatores presentes na formação do crime organizado. Então,
apresenta algumas condições importantes para o fenômeno:
O negócio criminoso surge, existe e se desenvolve sob certas condições,
tais como: demanda por produtos ilegais (e.g. drogas, armas) e serviços (e.g.
sexuais); demandas não satisfeitas por mercadorias e serviços; desemprego e outras
fontes de exclusão social proporcionando uma base social para o desvio, incluindo
criminalidade; defeitos no regime regulatório estatal, especialmente nos campos da
tributação e alfândegas. (Gilinskiy, 2006, p. 279)
Essa aproximação entre carreira ocupacional e carreira criminosa pode
resultar em um afastamento da imparcialidade, necessária tanto à pesquisa quanto
aos procedimentos penais que tramitam ou venham a tramitar pelos órgãos estatais.
Se o mesmo empenho psicológico e mental aplicado por um profissional for
encontrado nas atividades e intenções do “criminoso de carreira”, facilmente este
será considerado como “problema a ser solucionado”. Isto porque a base dessa
consideração é a prática do crime. Há, contudo, que se considerar que o
envolvimento persistente com a prática criminosa é certamente determinada por uma
gama complexa de fatores, em meio aos quais o engajamento pessoal, mas figura
também a própria reação social ao crime e, dentro disso, as práticas institucionais
realizadas com os infratores da lei. Ademais, é preciso se perguntar se o crime seria
43
sempre um mal.
24
Dizendo de outra forma, o empenho pessoal na prática de delitos
não parece ser uma fonte segura para qualificar um criminoso, se tal empenho não
for considerado em conjunto com outras questões como o entendimento do agente
sobre o caráter de seus atos, o desenvolvimento de técnica ou perícia entre
delinqüentes que Topalli (2005) defende existir e a própria estrutura da
criminalidade (considerando-se, por exemplo, o crime organizado).
Carra (2001), por exemplo, utiliza o conceito de “Carreira”, em sua obra
sobre o desenvolvimento de trajetórias delinqüenciais, em adolescentes franceses,
como sendo os fatos apreendidos em sua evolução, etapa após etapa. Nas palavras da
própria autora,
um conceito útil para construir modelos seqüenciais de diversos
tipos é o de carreira, que remete, na Sociologia do Trabalho, à
passagem de uma posição a outra por parte de um trabalhador em
um sistema profissional que engloba a idéia de eventos e
circunstâncias afetando a carreira.(p.54-55)
Mas, segundo ela:
O conceito designa os fatores dos quais depende a mobilidade de
uma posição à outra, fatores tão objetivos, como a estrutura social,
que subjetivos, como motivações e desejos de um indivíduo. Se o
conceito é genericamente utilizado para distinguir aqueles que têm
sucesso daqueles que não têm, pode-se, entretanto, baseado no que
diz Becker, utilizá-lo para distinguir diversos tipos de resultados de
carreiras, independentemente do aspecto de sucesso (p.54-55).
24
Lembre-se da clássica distinção entre malum in se e malum ad prohitbitum. O primeiro o mal em
si refere-se a fatos que são considerados naturalmente condenáveis, por exemplo o homicídio (Gifis,
2003); no Direito Penal corresponde ao chamado crime natural, a tipos penais que “refletem
diretamente imantações dos valores éticos e universais (mala per se)”. (Führer, 2005, p.114) Já o
malum ad prohibitum significa “errado porque é proibido; feito ilegal por estatuto de bem-estar
público, mas não inerentemente mal e não envolvendo torpeza moral” (Gifis, 2003-A, p.308), ou seja,
tipos penais que “não contam com essa escora ética natural, embora estejam inseridos na lei penal
(mala ad prohibita)”. (Führer, 2005, p.114) Este autor, Führer, refere-se aos mala ad prohibita como
os chamados crimes de plástico.
44
A autora afirma que o interesse pelos modelos seqüenciais liga-se à
perspectiva interacionista
25
, pela qual enfatiza-se o caráter dinâmico das interações
sociais, o que conduziu à proposição de teorias seqüenciais do desvio, em oposição
às teorias simultâneas ou às explicações concomitantes, das abordagens clássicas e,
devido à sua maior afinidade com as abordagens de natureza qualitativa, enfatiza a
importância de se conhecer os aspectos subjetivos na construção de carreiras
criminosas, lembrando que os primeiros estudos se situaram no contexto das
investigações que se apoiavam na noção de biografia, que se fez muito presente nos
trabalhos sociológicos desde os primórdios da Escola de Chicago, sob a forma de
histórias de vida, com o uso de documentos auto-biográficos, com base na produção
de Thomas e Znaniecki (1918), que viam a biografia como método sociológico por
excelência para conhecer a sociedade
26
.
Nesse mesmo sentido, uma crítica aberta é feita por Gadd e Farrall
(2004) aos pesquisadores das carreiras criminosas, que procuram atrair as atenções à
perspectiva criminológica psicossocial. Entendem que a pesquisa de carreiras
criminosas deve considerar as próprias experiências dos indivíduos que tentam
justificar suas expectativas sociais para que, então, seja possível oferecer “um
entendimento significativo e crítico dos caminhos para dentro e para fora do crime”.
(p. 145)
Na mencionada referência, Gadd e Farrall exploram o assunto relativo a
“causas” do comportamento, nas narrativas de dois sujeitos. Buscam uma explicação
25
É importante notar que a autora, para a transposição do conceito de carreira do campo da Sociologia
do Trabalho para o da Criminologia apóia-se em H.S. Becker, e suas obras Outsiders Studies in the
Sociology of Deviance, livro publicado pela primeira vez em 1963, e o artigo Biographie et Mosaïque
Scientifique, de 1986, publicado nas Actes de la recherche em sciences sociales.
26
Thomas, W.; Znaniecki, F., The polish peasant in Europe and America, Boston, Badger, 1918.
45
a respeito das carreiras criminosas destes sujeitos, voltando-se ao tema desistência
(isto é, a cessação da delinqüência).
O que se pode inferir, neste ponto, é que o termo carreira criminosa é
ambíguo. É necessário distinguir entre a carreira como seqüência de crimes, a ser
observada de maneira objetiva e descritiva, de um lado; e, de outro lado, a carreira
como desvio de conduta socialmente relevante, que envolve processos cognitivos,
subjetivos, sociais, culturais, desenvolvimentais etc.; entendendo que ambas as
dimensões do fenômeno são relevantes.
A abordagem da temática pela Criminologia Desenvolvimental tenta
resolver essa ambigüidade que muitas vezes se revela como oposição, propondo o
estudo da carreira como parâmetro inicial para conhecer as diferentes trajetórias
desenvolvimentais, conceito pelo qual busca-se os fatores objetivos e subjetivos que
convergem para determinado desenvolvimento da conduta criminosa.
2.4 As trajetórias desenvolvimentais de crimes
A análise de carreiras criminosas permite compreender algumas
características da atividade delinqüente de indivíduos envolvidos em atos
infracionais ou em crimes ou contravenções penais. Entretanto, a descrição de
carreiras apenas se mostra como um indicativo de uma necessária perspectiva, mais
profunda, que busca compreender a dinâmica causal da atividade delinqüente e os
motivos intra ou extra-individuais que levam determinada carreira criminosa a ter
determinada configuração.
46
As atividades de um indivíduo estão presentes, sempre, em algum
contexto espaço-temporal, de modo que haja inter-relações entre os elementos
contextuais. Se um sujeito é influenciado pelos seus pais, ele também exerce
influência sobre eles. A interação entre elementos, ao longo da vida de um indivíduo,
é estudada pela Psicologia do Desenvolvimento, que tem como característica
metodológica a pesquisa longitudinal. É neste sentido o pensamento de Mota (2005),
que atesta ser mais comum nas pesquisas em desenvolvimento humano os estudos
longitudinais e considera o contexto sócio-histórico e variáveis internas e externas ao
indivíduo ao definir o campo da Psicologia do Desenvolvimento.
Dentro dessa perspectiva, a Criminologia pode adquirir um papel
importante, apropriando-se de pontos de vista que promovam o estudo da atividade
infracional de um indivíduo em sua interação com os acontecimentos de sua vida, e
buscando identificar tipos de comportamento criminoso que se prolonguem pelo
tempo, bem como identificar os momentos em que tais tipos de comportamento
cessam e, diante de dados obtidos em pesquisa longitudinal, explicar os processos e
causas dessa configuração, de modo mais profundo.
É neste quadro que aparece a noção de trajetórias desenvolvimentais. A
palavra trajetória transmite a idéia de caminho e direção, mas, aplicado à
criminalidade, diferencia-se do conceito de carreira criminosa porque este, embora
trate de seqüências de crimes, apresenta informações não muito profundas sobre
direções, e não apresenta perspectiva causal.
Trajetórias desenvolvimentais de crime devem andar junto da carreira
criminosa, pois esta provê os dados sobre os quais serão aplicados modelos
estatísticos que descrevam e expliquem o desenvolvimento do comportamento
47
delinqüente. Neste sentido, para Sampson e Laub (2003), o modelo de carreira
criminosa justifica-se enquanto “paradigma de estudo de trajetórias intra-
individuais”. (p. 585) Piquero et al. (2007) dedicam, em um livro sobre carreiras
criminosas, um capítulo inteiro ao que chamam de trajetórias de delinqüência. Trata-
se de um exemplo de como a carreira criminosa e a trajetória desenvolvimental
caminham juntas, servindo como subsídio para o avanço da Criminologia
Desenvolvimental.
Quando se reflete sobre as causas da delinqüência, torna-se necessário
frisar que o desenvolvimento do comportamento delinqüente se refere a um
indivíduo contextualizado.
Kubrin e Stewart (2006) frisam a importância do contexto no estudo da
reincidência, incluindo o entorno concreto, aquele dos bairros de residência dos
indivíduos, e fazem uma crítica à falta, nas investigações, da consideração de
variáveis que permitam conhecer como vivem ex-presidiários. Segundo tais autores:
A falta de atenção ao contexto do bairro é devida, em parte, à
crença de que o risco de re-ofender é determinado individualmente.
Embora fatores em nível individual desempenhem um papel
importante na predição de quem ireincidir e de quem não irá, o
ambiente imediato de alguém também provavelmente influencia a
reincidência. (p. 166)
E adiante, continuam:
O contexto do bairro é fundamental para nossa compreensão do
porquê indivíduos cometem delitos, e potencialmente ainda mais
importante para entender por que ex-ofensores cometem delitos
novamente. (p. 167)
A idéia de contextualidade exige que o pesquisador encare o fato de que
estudar o desenvolvimento humano exige uma visão multidimensional da realidade
48
que se estuda ou que se pretenda estudar. Grosso modo, um indivíduo infrator pode
viver com sua família, em um bairro de uma cidade, em determinado momento
histórico, ter contato com determinadas pessoas, freqüentar determinada escola ou
trabalhar em determinado lugar. São apenas alguns exemplos de elementos que
colocam um indivíduo dentro de um contexto. Outros elementos existem. A própria
decoração do quarto de um adolescente pode indicar o tipo de contexto em que ele
está inserido, sem contar que existe um ambiente vasto de relacionamento social,
incluindo, atualmente, o virtual, o espaço cibernético, a internet.
O estudo de trajetórias desenvolvimentais procura identificar os
caminhos percorridos pelos indivíduos ou grupos de indivíduos através da
observação de mudanças e constâncias factuais. Mas importa também a consideração
de mudanças e constâncias subjetivas, como a mudança de crença religiosa, bem
como mudanças e constâncias orgânicas, como o desenvolvimento de habilidades
intelectuais.
A Criminologia Desenvolvimental tem a capacidade de identificar este
"mapa" de pontos importantes do curso da vida do infrator, conhecendo as formas
como o comportamento muda ou se mantém, e as relações entre a dinâmica do
comportamento e os demais fatos e atos que cercam o indivíduo em sua trajetória
criminosa. Sampson e Laub (2005) afirmam:
A crescente tendência em perspectivas desenvolvimentais sobre o
crime, freqüentemente chamadas de “criminologia
desenvolvimental”, é a de subdividir a população infratora e
assumir diferentes influências causais em diferentes estágios da
“carreira criminosa”. (p. 13)
Esta vertente da Criminologia esforça-se por encontrar causas da
delinqüência. Conhecendo a realidade contextualizada da vida de um sujeito
49
delinqüente, e encontrando padrões de relacionamentos causais entre o
comportamento delinqüente e os elementos do contexto, as pesquisas
desenvolvimentais sobre a criminalidade poderão, cada vez mais, sugerir medidas
eficazes de configuração de contextos para a prevenção da delinqüência.
Farrington (2003) publica artigo sobre criminologia desenvolvimental e
do curso-da-vida, onde define bem o que entende por esta área e qual a sua relação
com o paradigma da carreira criminosa:
Criminologia desenvolvimental e do curso-da-vida (DLC)
27
está
preocupada com três questões principais: o desenvolvimento do
comportamento delinqüente e anti-social, fatores de risco em
diferentes idades, e os efeitos de eventos da vida no curso do
desenvolvimento. DLC está especialmente preocupada em
documentar e explicar mudanças intra-individuais na delinqüência
durante toda a vida. É uma elaboração adicional do paradigma da
carreira criminosa que se tornou muito proeminente nos anos 1980
(Blumestein et al., 1986)
28
adicionando o estudo de fatores de risco
e eventos da vida. (p.221)
Para o autor, a criminologia desenvolvimental e do curso-da-vida, em
vista dos assuntos a ela referentes, incorporaria quatro paradigmas: o da prevenção
assentada na noção de redução de fatores de risco; o da criminologia
desenvolvimental; o da criminologia do curso-da-vida; e o da carreira criminosa.
Destaca, ainda, cinco obras importantes para a criminologia
desenvolvimental e do curso-da-vida, sendo elas as de (ver p.239-244): Catalano e
Hawkins
29
, em 1996 (com o modelo de desenvolvimento social); Sampson e Laub
30
,
27
DLC é a sigla para Developmental and Life-Course Criminology.
28
Refere-se ao Criminal Careers and “Career Criminals” (ver referência bibliográfica a Blumstein et
al., 1986).
29
Richard F. Catalano e J. David Hawkins, The Social Development Model: A theory of antisocial
behavior, em Delinquency and crime: Current Theories (editor J. David Hawkins), Cambridge,
Cambridge University Press, 1996.
30
Robert J. Sampson e John H. Laub, Crime in the Making: Pathways and Turning Points Through
Life, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1993.
50
em 1993 (controle social informal baseado na idade); Moffitt
31
, em 1993 (como o
déficit neuropsicológico e as duas categorias de pessoas anti-sociais as persistentes
pelo curso-da-vida e os limitados à adolescência); LeBlanc
32
, em 1997 (com três
tópicos: o desenvolvimento da delinqüência; a ocorrência de eventos criminosos; e
taxas de crime na comunidade); e Thornberry e Krohn
33
, em 2001 (dependência do
desenvolvimento da delinqüência face ao desenvolvimento de outras trajetórias no
curso da vida por exemplo, aquelas relativas à família, trabalho, escola).
A multidisciplinaridade mostra-se de patente importância para a
Criminologia Desenvolvimental, porquanto a identificação de elementos contextuais
que tenham impacto forte sobre o comportamento exigirá conhecimentos
aprofundados sobre tais elementos, o que poderá requerer conhecimentos
especializados em áreas diversas da ciência. É assim que o Urbanismo, a Educação,
os ramos da Psicologia, o Direito, a Neurologia, a Biogenética, a Sociologia, a
Antropologia, a Ciência Política, entre outras tantas áreas, podem e devem servir
como fonte de conhecimento para a Psicologia do Desenvolvimento e, em particular,
para a Criminologia Desenvolvimental.
Maughan (2005) remonta à aplicação, no início da década de 1990, por
Nagin e Land, de um modelo estatístico particular para a análise de trajetórias
desenvolvimentais, em uma abordagem baseada em grupos, o que teria produzido um
impacto importante nos estudos da Criminologia Desenvolvimental. O modelo de
Nagin e Land, chamado de group-based trajectory model, ou modelo de trajetória
31
Terrie E. Moffitt, Adolescence-limited and life-course-persistent antisocial behavior: A
developmental taxonomy, Psychological Review 100, p. 674-701, 1993.
32
Marc LeBlanc, A generic control theory of the criminal phenomenon: The structural and dynamic
statements of an integrative multilayered control theory, em Development Theorist of Crime and
Delinquency (Advances in Criminology Theory, volume 7) (editor Terence P. Thornberry, New
Brunswick, N.J., Transaction, 1997.
33
Terence P. Thornberry e Marvin O. Krohn, The development of delinquency: An interactional
perspective, em Handbook of Youth and Justice (editor Susan O. White), New York, Plenum, 2001.
51
baseada em grupos, é explicada de maneira sintética por Weisburd , Bushway, Lum,
e Yang (2004), da seguinte forma:
Formalmente, o modelo especifica que a população é formada por
um número finito de grupos de indivíduos que seguem distintas
trajetórias desenvolvimentais. Cada um desses grupos pode ter sua
própria trajetória delinqüente (um mapa de taxas de delinqüência
através do período de tempo) descrita por um conjunto de
parâmetros que podem variar livremente através dos grupos.
(p.296)
É preciso sublinhar que, em 1990, Loeber e Le Blanc (1990)
apresentavam as direções da Criminologia Desenvolvimental. Alertam para as
limitações do uso apenas de registros oficiais em pesquisas sobre delinqüência e para
a importância de observar as mudanças individuais no ato de delinqüir, enquanto
muitos pesquisadores enfatizariam as mudanças grupais. Eles utilizam o termo
criminologia desenvolvimental como referência a "mudanças intra-individuais na
delinqüência", e continuam:
Criminologia desenvolvimental é o estudo, primeiro, do
desenvolvimento e da dinâmica de comportamentos problemáticos
e da delinqüência com a idade; esta abordagem é amplamente
descritiva e se preocupa com processos de desenvolvimento
comportamental. O segundo foco da criminologia
desenvolvimental é a identificação de fatores explicativos ou
causais que antecedam, ou ocorram concomitantemente com, o
desenvolvimento comportamental e tenham um impacto em seu
curso. Estes dois focos tornam possível esclarecer sobre as causas
da iniciação individual na delinqüência, como seu padrão de
delinqüência pode tornar-se mais freqüente e mais grave ao longo
do tempo, e como este pode cessar. Tal investigação também pode
tentar explicar diferenças individuais entre delinqüentes nesses
pontos. (1990, p. 377)
A trajetória pode ser entendida como um caminho de desenvolvimento ao
longo da extensão da vida. Trajetórias referem-se a padrões de longa duração de
tipos específicos de comportamentos (Piquero et al., 2003). Um tipo de
comportamento possível de ser assim analisado é o comportamento criminoso.
52
Segundo Nagin e Tremblay (2005) “o termo trajetória desenvolvimental descreve
mudança em um indivíduo através de um período relativamente longo”. (p. 875)
Ademais, é importante que se estudem as causas que levam ou poderiam
levar à configuração de determinado comportamento criminoso. Intimamente ligadas
à consideração de motivações para o crime, são as palavras de Soothill, Ackerley e
Francis (2003, p. 406): “Podem haver mudanças estruturais na sociedade que podem
fazer o crime parecer uma opção atrativa ou, talvez com o desemprego crescente, a
única opção.”
Quando se usa a palavra inglesa pathway, que significa caminho, mas
também trilha, exsurge a perspectiva que diferencia nitidamente a trajetória
desenvolvimental de crime, a colocando a salvo de qualquer confusão com o
conceito de carreira criminosa. A trilha a ser "mapeada" no estudo das trajetórias é
um caminho que sempre leva a algum lugar, e este "lugar" é o comportamento
criminoso. Enquanto a carreira criminosa começa a se configurar quando um
primeiro crime é cometido, e somente continua se mais um ou vários crimes são
cometidos na seqüência, demonstrando que o quê separa os atos criminosos é,
quando muito, o tempo; as trajetórias desenvolvimentais de crime, em seu turno,
servem para tornar possível o conhecimento de como se chega a determinado crime,
e de que forma e em que direção se parte de tal crime e, em tese, no caminho entre
um crime e outro, e antes e depois dos crimes, se encontra tudo o que o indivíduo
possa viver.
A Criminologia Desenvolvimental poderá extrair conclusões a partir da
análise de mudanças mais marcantes na atividade delinqüente, se a "trilha" fosse
53
continuamente percorrida, levando, todavia, a transições comportamentais e
contextuais mais sensíveis. Como afirmam Loeber e Le Blanc (1990):
Transições maiores no ciclo da vida, tais como mudanças nos
relacionamentos de jovens dos pais para os pares, a transição da
escola para o trabalho, e transições dos pares do mesmo sexo para
pares do sexo oposto, são de interesse particular. Nestes períodos, a
delinqüência pode ser utilmente examinada em contraste com o
pano de fundo de outras mudanças na vida, tais como o
desenvolvimento da personalidade e a maturação física. (p. 377)
As mudanças maiores, mais sensíveis, é que devem receber maior
atenção do pesquisador da Criminologia Desenvolvimental que se empenhe em
desvendar padrões de trajetórias, no intuito de prover do conhecimento necessário à
tomada de atitudes no sentido da prevenção. Normalmente, os eventos e áreas mais
nítidos da vida de um indivíduo vêm com algum nome que as identifique, como é
o caso da família.
Trajetórias são caminhos de desenvolvimento ao longo da extensão
da vida dentro de vários domínios sociais tais como a família, a
escola, e o emprego. Quando um indivíduo experimenta um evento
da vida, ou transição, trajetórias de desenvolvimento podem ser
alteradas. Freqüentemente, transições envolvem uma mudança em
papéis sociais, tais como tornar-se cônjuge ou pai, que tem
ramificações ao longo de trajetórias em múltiplos domínios e afeta
a ligação que se tem com outros indivíduos. (D'Unger, Land, &
McCall, 2002, p. 353)
Maume, Ousey e Beaver (2005) falam também de transições:
Transições são eventos chave no curso da vida (e.g., casamento, ter
um filho) que alteram o auto-conceito, os papéis sociais, os laços
sociais, as atitudes e o comportamento de um indivíduo. De um
ponto de vista criminológico, a significância destas transições é
que elas podem se tornar pontos de virada cruciais que alteram
padrões de longo prazo ou trajetórias de ofensas criminosas. (p.29)
54
A pesquisa em trajetórias desenvolvimentais pode, assim, trabalhar com
agrupamentos de circunstâncias, sendo procurados padrões de comportamento,
transições e pontos de virada na vida de um indivíduo. Se um indivíduo passa
determinado período de sua vida praticando apenas furtos, a trajetória poderá -
dependendo de diversos outros fatores contextuais - indicar uma constância naquele
ponto. É igualmente importante conhecer a carreira criminosa do indivíduo, sabendo-
se quantos foram aqueles furtos e quando foram praticados, e conhecer os processos
que culminaram na dedicação daquele indivíduo à atividade delinqüente concentrada
em furtos, naquele período determinado.
Pridemore (2007) defende que fenômenos como a modernização,
industrialização, democratização e mercantilização, que representam transformações
ao longo da História, podem originar mudanças na configuração das características
do crime em determinado lugar. Nestas mudanças, o autor inclui as relativas às
características do delinqüente e da vítima, bem como dos próprios incidentes
criminosos. Para designar essas mudanças, Pridemore sugere um termo novo:
transição criminológica.
Carra (2001), em seu turno, afirma que um dos eventos com maior
impacto na trajetória desenvolvimental da conduta delituosa de um indivíduo é a
judiciarização de seus comportamentos.
Interessante a forma como Nagin e Tremblay (2005) ilustram a dinâmica
que está por trás das trajetórias desenvolvimentais, dizendo:
O desafio de estudar trajetórias desenvolvimentais é
particularmente grande porque requer que se descreva e se
explique o comportamento através do tempo. A diferença entre
fotografia e cinema proporciona perspectiva na natureza da
importância deste desafio. Uma fotografia de uma pessoa registra o
indivíduo e suas circunstâncias em um ponto no tempo.
55
Geralmente, uma única fotografia não pode nos contar como
aquela pessoa chegou nesta situação ou onde ele ou ela é destinada
a ir. Entretanto, ao colar juntas muitas fotos tiradas em seqüência, o
cinema proporciona a oportunidade de observar o desdobramento
da história de uma pessoa e assim as conexões que unem as
fotografias individuais. Em um contexto estatístico, fotografias são
o equivalente da análise cross-sectional de diferenças individuais
em um ponto no tempo (o produto de análises fatoriais nos anos
1940). A análise longitudinal de trajetórias desenvolvimentais é o
equivalente do cinema. (p. 875-876)
Continuam, explicando que, uma vez que o cinema captura movimentos,
em vez de momentos, a lição é que tanto no cinema quanto nas trajetórias
desenvolvimentais, são as conexões ao longo do tempo que terão maior importância,
enquanto não se tem um quadro muito detalhado dos momentos específicos.
O estudo das trajetórias desenvolvimentais de crimes é de fundamental
importância para a compreensão da dinâmica da delinqüência, não apenas para o fim
de evitá-la por meio de iniciativas que criem as circunstâncias adequadas para o
desenvolvimento de comportamentos ajustados ao que é aceito pela sociedade, mas
também com a finalidade de calibrar as regras, métodos e técnicas de
responsabilização judicial, penal.
O sistema de dosimetria de pena, baseado em grande parte em
circunstâncias judiciais, na letra fria da lei, considera a importância de análises, pelo
juiz de Direito, a respeito do movimento do condenado em sua vida social, com
ênfase na identificação de comportamentos anteriores, julgados ou não,
juridicamente incorretos ou moralmente inaceitáveis, de modo a ser a quantidade de
pena aumentada ou diminuída conforme essas informações. Observe-se, porém, que
a lei determina a consideração de tais fatores de forma mais contundente no
momento de dosar a pena, quando é certo que são circunstâncias importantes também
56
para a forma como a pena é aplicada, bem como para a criação de condições
contextuais propícias para a cessação da atividade delinqüente.
As trajetórias desenvolvimentais de crimes têm o potencial de identificar
os eventos mais importantes e determinantes na vida de um indivíduo, que o façam
ou induzam a inserir-se em condutas delinqüentes. Fatores individuais e
características ambientais agem de forma integrada sobre o comportamento (Turner,
Hartman, & Bishop, 2007). Os contextos em que o indivíduo se insere não surgem do
nada. Uma escola, por exemplo, foi construída segundo algum projeto, ligado a
alguma política educacional. Se o estudo das trajetórias desenvolvimentais identifica
a escola como influência forte sobre o comportamento delinqüente de um indivíduo -
seja incentivando, seja dissuadindo - será interessante perquirir sobre a adequação ou
inadequação da escola, e segue-se um caminho que sempre desaguará em questões
jurídico-políticas. O lado jurídico diz respeito às leis, às normas que regem um país,
de modo que algumas medidas necessárias sejam contra a lei, ou exijam alguma lei
nova para poderem ser tomadas; o lado político relaciona-se com as atitudes da
Administração pública, no sentido de acatar, dentro da sua competência legal, as
descobertas da ciência e rearranjar os contextos para a prevenção do crime.
Fala-se, dentro do assunto relativo às trajetórias desenvolvimentais, em
fatores de risco e/ou fatores de proteção, relacionados aos comportamentos
observados no desenvolvimento do indivíduo. Aber, Brown e Jones (2003), por
exemplo, em estudo sobre trajetórias desenvolvimentais rumo à violência, na metade
da infância, afirmam que
a maioria das intervenções preventivas visam diminuir fatores de
risco e/ou aumentar fatores de proteção em vários níveis das
ecologias de crianças com o objetivo de alterar suas trajetórias em
57
direção a resultados positivos e para longe de resultados negativos.
(p. 3)
Por outro lado, Loeber e Le Blanc (1990) alertavam para a diferenciação
entre fatores de risco, de um lado, e fatores causais, de outro. A ferramenta principal
na Criminologia Desenvolvimental, segundo estes autores, seriam os "estudos
longitudinais com medida repetidas" (Loeber & Le Blanc, 1990, p. 377). Eles
afirmam que os fatores causais devem ser estudados através de uma série de
questões, que explanariam o seu potencial. Exemplos de tais questões seriam:
Que fatores estão correlacionados com a delinqüência? Que
correlações predatam ou predizem delinqüência posterior, e fazem
isso independentemente de terceiros fatores? Que eventos discretos
da vida predizem uma mudança na delinqüência? Que preditores
(que podem variar em freqüência ou duração) co-variam com
mudanças intra-individuais ao longo do tempo na delinqüência? e,
Que seqüências de preditores melhor explicam incrementos no
desvio comportamental? (Loeber & Le Blanc, 1990, p. 377)
Interessa também ao estudo das trajetórias desenvolvimentais de crimes a
compreensão do ponto de vista do delinqüente a respeito de seus atos delinqüentes e
da delinqüência de modo geral. Por exemplo, adquirir a identidade de delinqüente
perante a sociedade e o balanço entre vantagens e desvantagens do estilo de vida
criminosa se destacam no ponto de vista dos sujeitos da pesquisa de Clark (2006),
quando se fala em compromisso com a criminalidade.
Mas, de fato, o estudo das trajetórias desenvolvimentais de crimes, por
envolver a questão da prevenção do comportamento delinqüente, requer que se
considere o que seja o comportamento delinqüente e o que seja o comportamento
alinhado ao que se considere desejável e bom para o indivíduo e para o contexto em
que ele se insere. Se de um ponto de vista é necessário conhecer os padrões de
comportamento delinqüente para, em algum momento, procurar "desviar" o
58
indivíduo de sua trajetória rumo ao comportamento alinhado, é necessário também
conhecer qual seria a trajetória convencional e que eventos a compõem. Nota-se,
mais uma vez, a profundidade da noção de trajetórias desenvolvimentais, denotando
a ampla necessidade da pesquisa se enveredar por caminhos multidisciplinares.
2.5 O paradigma de carreira criminosa numa perspectiva descritiva:
dimensões e elementos
Na presente investigação, em vista das propriedades dos dados empíricos
com os quais decidiu-se trabalhar e, por conseqüência, do alcance das reflexões que
se pode fazer a partir dos resultados com eles obtidos, restringir-seao estudo de
carreiras em seu sentido mais objetivo, ou descritivo. Portanto, apresenta-se, a seguir,
com maior detalhe essa noção, em seus elementos e dimensões, pois tal é a
perspectiva requerida para a segunda parte desse estudo.
A literatura científica sobre carreiras criminosas fala em dimensões da
carreira criminosa. (Blumstein et al., 1986; Piquero et al., 2007) Essas seriam
aspectos que permitem caracterizar uma carreira.
Serão abordadas as dimensões encontradas nas principais obras sobre
carreiras criminosas.
Participação e freqüência são duas medidas em que a abordagem das
carreiras criminosas dividiu as taxas criminais agregadas (Blumstein et al., 1986;
Piquero et al., 2007).
Participação é a “distinção entre aqueles que cometem crime e aqueles
que não cometem”. (Blumstein et al., 1986, p. 12) Numa visão mais detalhada, a
59
“participação é medida pela fração da população alguma vez cometendo pelo menos
um crime antes de determinada idade ou atualmente ativa durante determinado
período de observação”. (Piquero et al., 2007, p. 10)
Da forma que é expressa, a participação envolve a consideração de
informações sobre parcela da população que não praticou nenhum crime, em
determinado período. No presente trabalho, a participação será considerada em uma
escala mais restrita ao grupo de sujeitos da pesquisa. Considerando a dicotomia
prática/não prática de crime, a participação se define, aqui, como a proporção em que
os sujeitos praticaram crimes, por idade, ou seja, o cometimento de pelo menos uma
infração em determinada idade.
A freqüência é indicada pelo letra grega lâmbda (λ), representando a
“taxa de atividade dos delinqüentes ativos” (Blumstein et al., 1986, p. 12). A
freqüência pode ser qualificada conforme outras variáveis disponíveis no grupo
pesquisado. Por exemplo, a freqüência geral pode ser decomposta em freqüências por
tipo de crime, por idade, ou por sexo, etc., inclusive combinando essas divisões.
Desta forma, pode-se descobrir quais são os crimes mais praticados por mulheres de
determinada idade, ou em quais idades os homens praticam menos crimes, e assim
por diante.
A duração é o período de tempo entre o início e o fim da carreira
criminosa. (Piquero et al., 2007) A cessação da carreira criminosa é identificada com
o termo desistência (Piquero et al., 2003). Bushway et al. (2003) enfatizam a
desistência como um processo, que pode ser abrupto ou gradual, o que levaria a
poder ser estudada a desistência em diversos momentos, dentro da carreira criminosa
e do curso da vida de um indivíduo.
60
Em trabalho de Massoglia (2006) aparece a interessante noção de
deslocamento, quando o assunto são as mudanças de comportamento ao longo do
tempo. O deslocamento é colocado em contraposição à desistência, sendo que o
estudo trata de mudanças considerando o tempo da adolescência até a vida adulta.
Diferente de mudanças na forma de agir, o deslocamento indicaria mudanças na
qualidade do próprio comportamento à medida em que a idade avança (por exemplo,
mudar de um comportamento violento para um comportamento não violento).
Ao longo de sua carreira criminosa, o infrator pode praticar um ou mais
tipos de crime diferentes. A combinação de tipos de crime é uma dimensão que
permite estudar, especialmente, as seguintes questões: gravidade, escalação,
especialização e mudança de tipo de crime. (Piquero et al., 2007)
Piquero et al. (2007), ao exporem as questões envolvidas na combinação
de tipos de crimes na carreira criminosa, apresentam o que se pode entender por
cada questão. Nesse sentido, dizem:
A mistura de diferentes tipos de ofensa entre delinqüentes ativos é
outra importante dimensão da carreira criminosa. O estudo da
mistura de tipos de crime inclui gravidade (a tendência para
cometer crimes graves ao longo do curso da carreira criminosa de
alguém), escalação (a tendência a mover em direção a crimes mais
graves na medida em que a carreira de alguém progride), e a
mudança de tipo de crime (o padrão de mudança entre vários tipos
de ofensas em crimes sucessivos). (p. 14)
Osgood e Schreck (2007, p. 274) afirmam que a “especialização
delituosa refere-se a diferenças individuais sistemáticas nos tipos de crimes que
delinqüentes cometem”.
Sullivan, McGloin, Pratt e Piquero (2006) fazem uma análise a respeito
de como a metodologia utilizada em pesquisas pode influenciar as conclusões a
61
respeito da especialização. O uso de dados agregados e de períodos longos de tempo
aparecem como questões que limitam a observância mais detalhada sobre a
especialização. O período de tempo tomado como base poderá influenciar na medida
em que alguém se especializa em determinados tipos de delitos. Assim, focando em
períodos menores de tempo, a especialização torna-se mais aparente, o que, segundo
os autores, contraria as afirmações de que a especialização seria algo improvável,
tomando o curso da vida como base. Desses pensamentos vem, então, o que chamam
de especialização de curto-prazo, uma vez que sugerem que sejam empreendidos
esforços para explicar resultados diversos a respeito da especialização/versatilidade,
conforme a perspectiva. O espírito conciliador entra também no campo teórico,
quando então sugerem sejam procuradas formas de integrar teorias, estando, de um
lado, aquelas focadas na oportunidade e em contextos situacionais, e, de outro lado,
as teorias focadas na motivação.
O foco de Lussier, Leclerc, Cale e Proulx (2007) é sobre antecedentes
comportamentais relacionados à delinqüência sexual repetitiva. Fazem referência a
três modelos que poderiam contribuir nos estudos sobre delinqüência sexual, sendo
eles o da externalização de comportamentos, o da internalização de sentimento
negativos e o da sexualização, este último referente a problemas especificamente
relacionados ao comportamento sexual. Os autores concluem que relações entre
aqueles modelos e o tipo de delito sexual e, também, entre a freqüência da
delinqüência sexual na vida adulta e os modelos da externalização e da sexualização,
embora não como causas. Embora o assunto central deste trabalho de Lussier et al.
não seja explorado na presente pesquisa, a abordagem dos autores pode indicar uma
direção interessante, que é a de verificar vário modelos desenvolvimentais em suas
possíveis relações com a delinqüência (no caso, a delinqüência sexual), além de ficar
62
claro que, ainda que não se descubram as causas diretas de determinados
comportamentos, os acontecimentos externos e internos ao indivíduo são de
importância para a compreensão de seu comportamento delinqüente posterior.
Piquero et al. (2007) se lembram, ainda, que um aspecto importante a ser
observado nas carreiras criminosas, os padrões de co-delinqüência, ou seja, se o
infrator pratica crimes junto com outras pessoas, ou sozinhas.
Quando se analisam dados sobre carreiras criminosas, é possível notar
que as dimensões da carreira criminosa poderiam ser medidas a partir de dois
elementos básicos: o delito e a idade do agente do delito. O delito, ou crime,
representaria o aspecto factual da carreira criminosa, enquanto a idade do indivíduo
representa o seu aspecto temporal.
Normalmente, estudam-se as dimensões da carreira criminosa
manuseando-se os seus elementos de forma intuitiva, ou seja, os autores, em geral,
parecem se concentrar na explicação das dimensões da carreira, nas quais estaria
implícita a presença daqueles elementos, que as formam.
Não obstante, não deve ser menosprezado o potencial contido no
conjunto fato-tempo, no que diz respeito ao avanço nos estudos da delinqüência. Fato
e tempo no caso, delito e idade formam a estrutura básica longitudinal da
atividade criminosa de um indivíduo. É uma estrutura rica porque simples. Ela
permitiria não apenas determinar as dimensões da carreira criminosa, em seu aspecto
objetivo, mas também se oferece como objeto de estudo genérico, sobre o qual
pesquisadores das ciências humanas, sociais, e mesmo biogenéticas, interessados em
estudar a delinqüência, possam imprimir seus esforços no sentido descritivo e
interpretativo.
63
Visualmente, a superposição entre crime e idade poderia ser representada
por uma linha reta, indicando o tempo, e pontos indicando delitos. Desde que um
indivíduo pratique pelo menos um crime, o primeiro deles será indicado por um
ponto sobre o local, na linha, que represente a idade de prática deste primeiro delito.
Este local coincide com o início da linha. E a idade em que o primeiro crime foi
praticado é chamada de idade de início na carreira criminosa. Na linha, haverá um
número determinado de crimes, podendo ser apenas um, ou mais de um. O último
ponto, ou crime, indica a idade em que o indivíduo parou de infracionar. E esta idade
é chamada de idade de fim da carreira criminosa. Se o indivíduo praticou apenas um
crime, a idade de início e a idade de fim serão, evidentemente, as mesmas.
34
A partir desta linha simples, os pesquisadores poderiam trabalhar suas
informações e construir as chamadas dimensões da carreira criminosa. Poderiam se
aprofundar, desta forma, nas características e posições dos mencionados elementos,
para então dar forma à carreira criminosa.
2.6 O conceito de carreira criminosa no panorama das investigações
nacionais
Por ser importante o estudo da carreira criminosa no que tange às
orientações demandadas pela Política Criminal repressiva e preventiva, cabe trazer à
nossa realidade elementos que permitam canalizar esforços para estudar e
compreender a delinqüência sob tal perspectiva desenvolvimental.
34
Falar em “primeiro crime praticado” e em “último crime praticado” é sempre uma tarefa delicada.
Como se pode ter certeza de que determinado crime é, realmente, o primeiro ou o último, dentre os
praticados pelo indivíduo? Impõe-se considerar que podem existir crimes consumados dos quais não
se tem conhecimento. Este assunto será abordado mais detidamente quando se falar, neste trabalho, a
respeito das fontes de dados sobre atividade delinqüente.
64
Tendo por base os subsídios que ajudaram a delimitar o conceito de
carreira criminosa, seus elementos, bem como a noção de trajetória
desenvolvimental e a forma como ela integra o estudo da carreira criminosa, a partir
da revisão da literatura internacional na área, procurou-se nas obras nacionais
elementos que permitissem verificar a forma como o tema é estudado no Brasil.
Tem-se, no âmbito da Criminologia estrangeira, um conjunto de obras e de
autores, bem como linhas de trabalho definidas, relacionado ao estudo da carreira
criminosa. No que se refere à realidade nacional, pode-se afirmar que os estudos são
em pequena quantidade e, sobretudo os empíricos, “sofrem de extrema limitação
derivada da inexistência quase que absoluta de dados minimamente confiáveis, com
cobertura nacional e reproduzidos temporalmente”, conforme afirmam Cerqueira e
Lobão (2004, p.253).
Ademais, a disposição cronológica por ano dos trabalhos nacionais
encontrados mostrará que os estudos relativos às carreiras criminosas e/ou
trajetórias desenvolvimentais oferecem grande diversidade de enfoques teóricos e
abordagens, a ponto de nenhum deles se identificar plenamente com a conceituação
que é adotada para o desenvolvimento da parte empírica do presente trabalho.
2.6.1 A literatura científica nacional
Um dos trabalhos nacionais que mais se destaca no sentido de denotar a
importância de se fazer pesquisas longitudinais sobre a criminalidade e, ao mesmo
tempo, revelar a dificuldade prática na realização dessas a partir de registros oficiais,
encontra-se relatado num artigo proposto por Sérgio Adorno e Eliana Bordini (1989),
publicado quase de 20 anos. Trata-se da primeira fase de uma pesquisa mais
65
ampla denominada Homens Persistentes, Instituições Obstinadas: A Reincidência na
Penitenciária de São Paulo, iniciada no Instituto de Medicina Social e de
Criminologia de São Paulo. As atenções desta fase inicial voltavam-se para dois
assuntos: a magnitude da reincidência penitenciária e o perfil social dos reincidentes
penitenciários, comparando-os com os não reincidentes. Os autores indagavam sobre
os efeitos do modelo de desenvolvimento capitalista e dos aparelhos repressivos
sobre a reincidência, bem como sobre a identidade social dos reincidentes, a
socialização conflituosa, postulando ser a reincidência a única alternativa.
Os dados coletados pelos autores referiam-se a três conjuntos de
variáveis, sendo o primeiro conjunto o as biográficas/pessoais - idade, instrução,
naturalidade, instituição penal de procedência do sentenciado, cor e estado civil; o
segundo conjunto o das variáveis biográficas/jurídico-processuais - crimes e
contravenções penais (em termos de quantidade, natureza e determinação no tempo),
extensão da pena imposta, tempo de cumprimento de pena e periculosidade; e,
finalmente, o terceiro, o da carreira institucional - entradas anteriores na
Penitenciária do Estado, idade da primeira entrada na prisão e idade da primeira
entrada na penitenciária do Estado, comportamento disciplinar, instrução e
profissionalização adquiridas, circunstâncias da liberdade, reincidência.
Com base nos dados encontrados, Adorno e Bordini (1989) relacionam o
termo carreira criminosa à reincidência, de forma que se aproxime à questão da
repetição e da habitualidade (afastando-se um pouco da noção objetiva de seqüência
de crimes), e argumentam sobre a oposição geralmente estabelecida entre trabalho e
carreira criminosa (e, dentro disso, que a condição de trabalhador de baixa
qualificação não orienta necessariamente à opção por uma carreira criminosa).
66
Em relação à carreira criminosa, os autores empregam também o termo
carreira institucional para designar o conjunto de eventos e condições vivenciados
pelo apenado durante a sua prisão que concorrem para consolidar a carreira
criminosa e alertam para possibilidade de continuidade dessa, durante o
cumprimento de pena, para a contribuição que a própria instituição dá nesse sentido.
Os tipos de dados relativos à carreira institucional revelam que a privação
da liberdade imposta pelo Estado não se constitui, como esperado, como "tempo fora
das ruas", que influiria e explicaria eventuais quedas em taxas individuais de
criminalidade. A prisão seria mais um meio de socialização do preso, e:
a figura do reincidente penitenciário é produzida no interior de
relações sociais estabelecidas entre diferentes agentes
institucionais, posicionados de modo diferente na divisão de
trabalho interno aos institutos prisionais e perseguindo fins
socialmente diversos, quais sejam: a pura vigilância da população
carcerária, a recuperação dos sentenciados, ou o mero
acompanhamento do cumprimento da pena. (Adorno & Bordini,
1989, p. 71)
Afirmam também que a identidade social do reincidente é a
materialização de sua figura. A prisão deveria ser vista, assim, como um ambiente
repleto de eventos que, de formas diversas, atua na configuração da carreira
criminosa individual
35
.
35
Em seu Escolas do Crime (em Retrato do Brasil, 2º/331, Ed. Política, 1984), Paulo Sérgio Pinheiro
(1984 apud Cintra Júnior, 1993, p. 106) ensina: “As prisões, as penitenciárias, no Brasil se
transformaram em escolas formadoras do crime. Ainda que as pesquisas oscilem quanto aos números
precisos, seria realista dizer que mais da metade dos condenados egressos das prisões voltam ao
crime. E seria de se espantar se assim não fosse. o se pode esperar que cidadãos sejam
reconstruídos dentro de um espaço de puro arbítrio, de esvaziamento de quaisquer direitos
fundamentais, ou submetidos às imposições dos guardas de presídio, afinal os executantes da pena. A
pena dada pelo juiz nada ou pouco tem a ver com o seu cumprimento. Os prisioneiros estão ao bel
dispor de pequenas autoridades administrativas, um tribunal interno das penitenciárias, sem regras
fixas, sem defesa, que por um sim ou por um não „condena‟ os internos a isolamentos e castigos
físicos. As humilhações são estendidas às famílias dos criminosos, submetidas a vexações que
contribuem para agravar o isolamento do preso, objetivo máximo do sistema penitenciário.” Oliveira e
Assis (1999), afirmam que “pode-se ainda perceber que a vivência na instituição configura-se como
uma etapa de aprendizado do crime, e jamais como uma etapa de ressocialização. (p.843)
67
Em suma, os autores defendem a perspectiva de uma construção social da
carreira criminosa, defendendo a compreensão do fenômeno em seu duplo aspecto:
objetivo e subjetivo.
O aspecto objetivo é o que se refere ao fato criminoso que, se for
conhecido, pode ser contabilizado na seqüência de crimes praticados pelo indivíduo.
O subjetivo refere-se aos processos, motivos e causas que levam o sujeito ao
comportamento e à sua persistência.
A seguinte pergunta é expressa por Adorno e Bordini (1989):
em que medida a identidade social dos reincidentes constitui
materialização de um processo de socialização conflituosa,
resultante de contradições que atravessam a estrutura social,
elegem aparelhos repressivos de Estado como locus privilegiado do
controle da criminalidade e se cristalizam no comportamento de
sentenciados que, impossibilitados de assumir sua condição de
liberdade civil, em toda sua plenitude, não dispõem de outra
alternativa senão reincidir? (p. 71)
Em outras palavras, os mesmos autores citam Campos, em trabalho de
1980
36
, para sublinhar que:
[É] preciso desvendar os processos pelos quais respostas
institucionais e comportamentos desviantes resultam na elaboração
de identidades e carreiras criminosas. (Campos, 1980 apud Adorno
& Bordini, 1989, p. 76)
Pesquisadores estrangeiros produziram trabalhos sobre a chamada
carreira criminosa residual
37
, quer dizer, sobre a projeção do tempo restante de
36
Trata-se do Sobre sociólogos, pobreza e crime (em Dados. Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, 23 (3), p. 377-83).
37
Ver, a título de exemplo: Lila Kazemian e David P. Farrington, Exploring Residual Career Length
and Residual Number of Offenses for Two Generations of Repeat Offenders, Journal of Research in
Crime and Delinquency, 43 (1), p. 89-113, 2006; Lila Kazemian, Marc LeBlanc, David P. Farrington
e Ken Pease, Patterns Of Residual Criminal Careers Among A Sample Of Adjudicated French-
68
atividade criminosa, para um determinado indivíduo envolvido com a prática
persistente. Se as evidências empíricas e estatísticas sugerissem uma extensão futura
determinada da carreira criminosa, estaria justificada uma decisão mais pesada ou
mais leve, conforme o caso, em termos de tempo de cumprimento de pena, na
medida da extensão restante, servindo a prisão como exclusão de novas
oportunidades de delinqüência. Este argumento, no entanto, fica prejudicado se o
Estado propuser como ambiente prisional contingências que favoreçam a sustentação
de tais condutas, ou seja, se as condições prisionais contribuem para que o
delinqüente se envolva mais com a delinqüência, um tempo maior de pena não
significará um tempo maior de afastamento da criminalidade e sim sua consolidação.
Torna-se claro que qualquer tentativa de se abordar a carreira criminosa
de um ponto de vista subjetivo exige o estudo de eventos, contextos e características
que se encontrem ligadas à carreira criminosa. Nessa linha, Siqueira (1996) estudou a
trajetória de vida de meninos institucionalizados, dividindo suas observações em
quatro estudos. Os três primeiros (caracterização dos meninos, estudos de caso sobre
a vida dos meninos de rua e aspectos de sua subjetividade) foram sistematizados em
uma dissertação de mestrado. Dez anos depois, foi feita a conclusão dos três
primeiros estudos (quarto estudo), observando-se a trajetória de vida percorrida pelos
sujeitos, confirmando a ineficácia de programas de ressocialização, denotando
também a base social da construção das trajetórias, sejam elas ligadas ou não ao
cometimento de crimes.
Assis e Souza (1999) também se propuseram investigar histórias de vida
de jovens que praticaram atos infracionais e de seus irmãos/primos sem histórico de
Canadian Males, Canadian Journal of Criminology and Criminal Justice, 49 (3), p. 307-340, julho de
2007.
69
prática de delitos, visando comparar os diferentes fatores que poderiam associar-se
diferentemente a essas diferentes trajetórias, mesmo em se considerando que, grosso
modo, os dois grupos haviam sido submetidos a condições macro-sociais
semelhantes. As autoras utilizam a palavra caminho, expressando a dinâmica que
impulsionaria os jovens em meio à realidade familiar, comunitária e social.
As diferenças identificadas entre os dois grupos se deram em termos de
presença no que as autoras chamam de universo infracional, utilização de drogas,
noção dos próprios direitos, visão crítica da comunidade, freqüência escolar, tipos de
lazer e vivência de violência dos pais. Tais variáveis foram identificadas como
fatores de risco, conceito esse ligado à perspectiva desenvolvimental, abordagem
que, per si, impõe que se integre na pesquisa os aspectos objetivos e subjetivos
associados à trajetória.
Constantino (2001), em seu turno, defende sua dissertação de mestrado
sobre a inserção de meninas no tráfico de drogas no Rio de Janeiro, com o objetivo
de compreender a percepção dessas adolescentes sobre os riscos que vivenciam.
Nas falas das adolescentes, que revelam sua visão sobre a participação no
tráfico, é possível perceber características objetivas relativas à estrutura e ao
funcionamento do crime organizado, sendo esse referido como “trabalho”, para o
qual são necessárias determinadas habilidades como não se amedrontar, „ter
disposição para entrar e ficar na vida do crime‟, „saber fazer conta‟, mencionado-se
inclusive os pré-requisitos para essa atuação, tal como „ter muita habilidade pra
correr, pra fugir (...) tem que saber pinote, passar por cima do muro, atravessar
cerca, se jogar no valão, saber nadar... ter muita disposição pra apanhar quase até
70
morrer, acabando o fôlego e ficar de boca fechada falar: não sei, não sei, não sei‟.
(ver p. 138-139)
Segundo a autora:
tráfico de drogas é considerado por essas jovens como uma rotina
de trabalho, pois se não o fizerem, não ganham. É cansativo,
“sujo”, exige muita disciplina e acordar cedo. A hierarquia e as
normas típicas de um trabalho formal são assimiladas,
incorporando-se termos como acidente de trabalho e licença, para
justificar o afastamento quando presas. (p.151)
A responsabilidade frente à atividade aparece na defesa que as
adolescentes fazem de sua presença no tráfico, havendo, inclusive referências aos
“cargos” que ocupam.
Essa relação entre crime e trabalho, embora defendida mais
especificamente para o caso do tráfico de drogas, remete a prática infracional à noção
de carreira em seu sentido profissional, ao menos do ponto de vista das próprias
adolescentes.
Fandiño Mariño (2002) estuda a reincidência criminal e busca identificar
e quantificar as variáveis associadas, relativas a três dimensões que considera
causais: variáveis biográficas e sócio-econômicas; tipo de crime; e condições de
prisão. O autor se serve de dados oficiais prisionais, o cadastro geral de apenados do
Estado do Rio Grande do Sul, numa abordagem longitudinal retrospectiva
(englobando o período de 1989 a 1997).
O uso do termo carreiras criminais que faz é ligado à reincidência, tendo
esta, no seu estudo, caráter diverso da reincidência em seu conceito jurídico.
Considera, no caso, a reincidência com base em entradas no sistema prisional, mas
71
esclarece que, em seu trabalho, a reincidência tem aspecto dicotômico, ou seja, de
um lado, uma entrada não indica reincidência e, de outro lado, mais de uma
entrada indica reincidência, não importando o número de entradas entre os
reincidentes. A dicotomia (uma entrada/mais de uma entrada), segundo o autor,
serve para analisar se as condições prisionais podem desencadear carreiras criminais,
não importando para a análise se tais carreiras são longas ou curtas.
Percebe-se com isso, a adoção de uma perspectiva interacionista para o
entendimento da carreira criminosa, destacando variáveis associadas à sua
construção, em meio às quais se destaca o próprio processo de institucionalização.
Silva e Rossetti-Ferreira (2002) concentram seus esforços num estudo
qualitativo sobre a continuidade e a descontinuidade da conduta criminosa em
homens com histórico infracional, adotando, portanto, uma perspectiva compreensiva
para a análise das trajetórias desenvolvimentais percorridas por esses.
Para a realização das análises que implementam, pode-se dizer que as
autoras partem também de uma visão interacionista, na qual situam um modelo
denominado Redes de Significações, explicando que a continuidade ou a
descontinuidade da conduta infracional deve ser compreendida:
No processo interativo ..., o conjunto das ações possíveis de serem
realizadas e o fluxo dos comportamentos são delimitados,
estruturados, recortados e interpretados pela ação do outro e
também, por um conjunto de elementos orgânicos, físicos,
interacionais, sociais, econômicos e ideológicos. Todos eles
interagem dinâmica e dialeticamente, compondo uma rede, a qual
contempla condições macro e micro-individuais e estrutura um
universo semiótico, constituindo o que vimos denominando de
Rede de Significações. Essa possibilita não o processo de
construção de sentido em uma dada situação interativa, como os
72
processos de desenvolvimento.(Rossetti-Ferreira, Amorim, &
Silva, 2000
38
apud Silva & Rossetti-Ferreira, 2002, p. 579)
Azevedo (2003) tem trabalho sobre modelos de policiamento e
concepções sobre a criminalidade, falando de “carreira desviante”, com referência a
Becker
39
, e enfatiza a questão da rotulação pública a respeito de um indivíduo
desviante como fator preponderante no desenvolvimento da carreira, e também das
oportunidades que se lhes apresenta. Não aprofundamento maior concernindo ao
conceito, embora haja um claro ancoramento teórico na criminologia crítica,
sublinhando a relação entre a carreira criminosa e uma construção social da
delinqüência.
Nessa mesma direção, Fraga teceu sua tese de doutorado (intitulada Vida
bandida: socialização e processos de subjetivação na construção de carreiras
criminais, de 2004) sob orientação de Adorno. Segundo o autor
40
, deve-se diferenciar
o infrator (o praticante de ilegalidades) e o delinqüente, sendo este último resultante
de um processo de socialização que o produz, uma socialização na vida criminal.
Frisa-se o papel das instituições repressivas na construção da biografia de práticas
ilícitas, conforme posicionamento de Foucault (em seu livro Vigiar e Punir). Fraga
discorre sobre contextos sociais, de modo que, segundo ele, as biografias possuem
aspectos únicos, mas também se inserem em uma dada realidade cujas contingências
concorrem para que o ato de tornar-se delinqüente não seja fruto de uma simples
escolha.
38
Uma perspectiva teórico-metodológica para a análise do desenvolvimento humano e do processo
de investigação, Psicologia: Reflexão e Crítica, 13(2), 279-291.
39
Uma teoria da ação coletiva, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1997.
40
Informação fornecida por Fraga, por email, de Porto Alegre em 2008.
73
Também é importante dizer que Fraga se refere ao que é chamado de
territorialização/desterritorialização, onde o indivíduo seria tirado
(desterritorializado) de instituições como a família, a escola e o trabalho, para ser
reterritorializado na vida criminal.
Falando de trajetórias criminais, Fraga faz referência a Adorno (em A
experiência precoce da punição, de 1991, publicado em O massacre dos inocentes:
A criança sem infância no Brasil, organizado por J. S. Martins), que postula que
trajetórias de carreiras que possam sintetizar a conversão para a vida delinqüente não
são passíveis de identificação. As trajetórias biográficas funcionariam não como
rompimento radical perante a ordem social dominante, mas haveria um processo de
oposição e abandono frente à ordem tradicional e o registro em campos diversos,
afeitos à trajetória criminosa; processo esse apresentando muitas variações, conforme
a biografia de cada indivíduo.
Dell'Aglio, Santos e Borges (2004), por sua vez, sem fazer apelo ao
conceito de carreira, investigam trajetórias de vida de 50 meninas infratoras, com
ênfase nos fatores de risco “abandonos, rejeições, descontinuidade das relações
familiares, maus-tratos e exposição à violência” (p.195) que poderiam influenciar o
aparecimento e a manutenção da conduta delituosa. Esse estudo também pode ser
considerado como uma contribuição à criminologia desenvolvimental, no plano
nacional, seja por tratar da questão da delinqüência juvenil feminina (que, segundo as
autoras, é assunto pouco estudado), seja por tratar da questão da entrada e da
persistência na delinqüência, a partir de uma longitudinal.
Como principais resultados, destacam que “em alguma medida a
violência esteve presente nas relações iniciais destas adolescentes” (p.195) e o fato
74
de virem a perpetrar, elas mesmas, a violência contra a sociedade completaria um
ciclo de violência. Denotam também a presença da multigeracionalidade do
problema, pois “os filhos de algumas destas adolescentes estão sob os cuidados de
outras pessoas, deixando de ter o contato necessário com suas mães e, portanto,
repetindo as rupturas de vínculos por elas vivenciadas”. (p.195)
Dell‟Aglio e colaboradores novamente estudam o assunto da
delinqüência juvenil feminina no ano seguinte (Dell'Aglio, Benetti, Deretti, D'Incao,
& Leon, 2005), com foco em eventos estressores, na relação entre trajetória
desenvolvimental, fatores de risco e comportamento infracional, tomando por base
diferentes contextos de desenvolvimento.. Descobrem eventos estressores em
diversos domínios como a família (por exemplo, morte de familiar, briga com
irmãos), escola (por exemplo, expulsão da sala de aula), domínio judicial ou
institucional (por exemplo, internação na Febem), entre outros. Enfatizam a
multiplicidade de influências, onde fatores de risco presentes, falta de fatores
protetivos e a própria reação das meninas face às dificuldades, acabam compondo
sua trajetória desenvolvimental.
Spagnol (2005), em seu turno, estuda jovens que se envolveram com
infrações graves na cidade de São Paulo, com foco na forma de atuação desses
jovens e na crueldade de seus atos, bem como na configuração das relações sociais
que se estabelecem no contexto que estuda. Faz menção ao conceito de carreiras
desviantes assinalando que o primeiro passo na maioria dessas carreiras remete à
omissão de um ato conformista por parte dos adolescentes, sugerindo apoiar-se num
paradigma interacionista para a compreensão dos dados a que tem acesso.
75
O trabalho de Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini e Hutz (2005),
embora tenha enfoque no comportamento anti-social, e não na delinqüência, é uma
referência que reúne bibliografias sobre aquele comportamento, colocando o leitor
diante de noções como continuidade, escalação (agravamento) e trajetória, embora
não as aprofunde suficientemente.
Quando discute o comportamento delituoso, o fazem com base em
algumas referências, como a idade de início e a persistência dos atos infracionais,
aproximando-se do modelo subjacente ao das carreiras, tal como o adotado no
presente estudo.
Adorno e Salla (2007) dissertam sobre o crime organizado. Elementos
como organização, estrutura e trabalho mostram-se presentes quando abordam o
assunto que, embora não seja diretamente relacionado ao presente estudo, pistas
de que a inserção nessa forma de criminalidade, talvez, crie contingências para que a
carreira criminal se desenvolva de maneira particular nesse contexto de socialização
criminal, demandando abordagens e políticas também particulares.
Ainda sobre crime organizado, Coelho (2007) explana sobre a seqüência
e a natureza de crimes cometidos por Marcos Willians Herbas Camacho (o Marcola),
contando um pouco de sua história de vida. Denotando assumir uma abordagem de
natureza interacionista, o artigo caracteriza-se por ser mais propriamente descritivo,
não se lançando em análises ou considerações teóricas mais aprofundadas.
Diante da diversidade de enfoques e abordagens encontrados na literatura
nacional, pode-se afirmar que não se encontra com igual clareza o tema carreira
criminal, e tão pouco a conceituação adotada, o que resulta numa dispersão de
76
conhecimentos que poderiam servir a um mesmo propósito: desvendar o fenômeno
do cometimento de delitos/crimes em seu aspecto longitudinal e desenvolvimental.
De todo modo é possível perceber nas publicações estudadas o emprego
mais ou menos explícito da noção de carreira criminal e/ou de trajetória, ora
enfatizando-se seu aspecto objetivo, aquele relativo à prática de crimes a contar no
histórico de um indivíduo, ora seu aspecto subjetivo, relativo às causas, aos fatores
influenciadores e aos contextos ou contingências relacionadas.
também que se considerar que em alguns dos estudos, percebe-se a
aproximação do conceito àquele de trabalho, parecendo esses estarem ancorados
mais diretamente no referencial teórico da “escolha racional”, em que a prática de
crimes persistentes poderia representar uma “opção” pelo crime, devidos aos
rendimentos com ele obtidos, e frente às (im)possibilidades relacionadas à
legalidade.
Em alguns momentos o conceito parece identificado ao de reincidência,
evidenciando seu caráter de seqüência de crimes praticados. Reincidência, no
entanto, tem um conceito jurídico específico e legal, e geralmente está ligado a
condenações e não a práticas delituosas.
Nos estudos que parecem buscar mais propriamente o entendimento da
carreira criminosa em seu aspecto subjetivo, que são a maioria, percebe-se a
preponderância de uma abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, ancorada
numa perspectiva teórica que leva em conta as circunstâncias e os processos de
entrada e de permanência na criminalidade, com a construção de uma identidade
delinqüente por meio da subjetivação das vivências, com destaque àquelas
77
propiciadas pela própria reação social ao crime, por meio de suas instituições de
controle.
De todo modo, para o presente estudo defende-se, com base no que
colocam Cerqueira e Lobão (2004), com referência a Cressey em 1968
41
, que as
investigações visando à explicação e a compreensão de comportamentos sociais, em
particular as ações criminosas, deveriam levar em conta pelo menos dois aspectos:
a) a compreensão das motivações e do comportamento individual; e b) a
epidemiologia associada, ou como tais comportamentos se distribuem e se deslocam
espacial e temporalmente (p. 236). Em outras palavras, considera-se que a carreira
criminosa objetiva (tomada a partir de dos elementos descritivos, relativos à
seqüência de crimes no tempo) deva servir como base para o estudo dos aspectos da
delinqüência, em estudos longitudinais afeitos à Psicologia e à Criminologia
Desenvolvimentais, porque assim se tem os fatos e sobre eles se pode tecer as
inferências sobre causas, influências, pontos de vista etc.; e que sejam empreendidos
esforços para que a carreira criminosa seja não apenas definida e estudada, mas
utilizada criteriosamente na realidade político-criminal.
42
41
D. P. Cressey, Crime: Causes of Crime in International Encyclopedia of the Social Sciences, The
Macmillan Company/The Free Press Ed., 1968.
42
Esta segunda consideração se faz tendo em mente o fato de que, um dos artigos mencionados (ver
Coelho, 2007) estava acompanhado de uma foto em que Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola)
está algemado, vestindo uniforme da prisão, e sendo escoltado por dois policiais, sendo a foto
atribuída à agência Associated Press. Uma foto da mídia construindo a imagem de um criminoso,
inserida em uma revista de estudos sobre a criminalidade, não deve valer mais do que palavras com
base científica.
78
PARTE 2 PESQUISA EMPÍRICA
1 Objetivos
O objetivo geral proposto para esta segunda parte da pesquisa, de
natureza empírica, foi, conforme o mencionado anteriormente, o de descrever as
atividades infracionais de um grupo de indivíduos jurisdicionados com idade entre 12
e 18 anos incompletos, investigando-se a existência ou inexistência de padrões de
comportamento criminoso entre os indivíduos, sob o enfoque das carreiras
criminosas.
Como objetivos específicos, teve-se os seguintes:
1 Descrever a atividade infracional registrada de adolescentes
jurisdicionados (com idades entre 12 e 18 anos incompletos), do sexo masculino,
conforme: a) as dimensões da participação de tais indivíduos em processos
infracionais em Ribeirão Preto-SP (a freqüência; a variedade de atos infracionais
processados; a gravidade dos atos infracionais processados; a participação por
idade;); b) as variáveis relativas às idades (idade na data do boletim de ocorrência; e,
em especial, idades nas datas do primeiro e do último boletins de ocorrência; a
amplitude entre as idades nas datas do primeiro e do último BOs).
2 Realizar cruzamentos e verificar a existência de associações entre as
diferentes variáveis estudadas (idades, freqüências, variedade entre os tipos de
infração processadas, gravidade do ato infracional, amplitude entre as idades nas
datas do primeiro e do último BOs).
79
2 Método
A pesquisa aqui apresentada valeu-se de fonte documental oficial,
representada por processos judiciais infracionais. Por investigar históricos
infracionais registrados, tem-se um delineamento longitudinal retrospectivo.
Levando em conta a fonte e a natureza dos dados para a realização da
pesquisa, fazem-se as considerações que se seguem.
2.1 Registros oficiais como fontes de dados: desafios
Os dados oficiais sobre criminalidade certamente não traduzem a
totalidade das situações criminosas ocorridas em uma sociedade e, também, para
muitos dos indivíduos jurisdicionados nem sempre refletem o histórico completo de
suas atividades, especialmente se a polícia não soluciona nem registra a todos os
crimes a que tem conhecimento, e tão pouco tem conhecimento de todos os crimes
que ocorrem. A habilidade do autor de crimes e o silêncio das vítimas podem ser
fatores que contribuem para o desconhecimento dos fatos criminosos por parte das
autoridades responsáveis pela segurança e o julgamento dos mesmos.
De todo modo, a consideração das questões conceituais no campo das
carreiras criminosas leva à necessidade de se abordar a questão da importância dos
dados provenientes de registros oficiais, bem como dos desafios em se trabalhar com
eles. Quando se trata de criminalidade (não apenas a juvenil), o Estado se na
situação de "processador" de informação de interesse especial relacionado a bens
jurídicos penalmente protegidos (a vida, a propriedade etc.). O Estado, desde que
80
tenha conhecimento do fato criminoso, em geral deve agir no sentido de cumprir as
exigências legais e, com isso, reprimir o crime. A ferramenta de trabalho dos órgãos
penais é, principalmente, o registro. Registram-se fatos, testemunhos, argumentos,
procedimentos, entradas e saídas da prisão, interrogatórios etc. Os registros criminais
oficiais são, em tese, material rico em informações sobre o fenômeno na sociedade e
o modo de agir do Estado. Entretanto, os dados oficiais serão mais úteis na medida
em que sejam mais zelosamente preenchidos e administrados.
Sobre a fidedignidade de dados oficiais, Adorno e Bordini (1989) trazem
algumas questões importantes, enfrentadas em sua pesquisa sobre reincidência
penitenciária:
Verificou-se que os recorrentes problemas de fidedignidade
inerentes aos registros policiais e judiciais, além de penitenciários,
se manifestavam, no caso dos prontuários criminais, de modo mais
saliente sem qualquer possibilidade de saneamento ou controle por
parte dos coordenadores da pesquisa. (p. 72)
Os autores mencionados utilizaram, então, fichas cadastrais disponíveis
nos setores de Cadastro Criminal, de Educação e de Profissionalização. A coleta de
dados foi realizada em 1985.
Hoje, mais de 20 anos depois, ainda se encontram problemas
relacionados à precisão e completude dos dados criminais policiais e processuais,
embora a tecnologia disponível hoje seja muito mais avançada do que há 20 anos, de
modo a tornar viável a organização eletrônica dos dados disponíveis, não apenas
transformando informações que estão no papel em informações digitalizadas, mas
também centralizando as informações por meio da interligação de todos os órgão
81
públicos que proverão dados para uma espécie de "cadastro único". A dúvida é se
algo assim virá a acontecer de fato.
Brame, Fagan, Piquero, Schuber e Steinberg (2004) afirmam que as
informações presentes em registros oficiais podem proporcionar um conhecimento
sobre a criminalidade, mas os registros oficiais são cheios de falhas. Segundo tais
autores:
(...) pesquisadores modernos aceitam o fato de que registros
oficiais representam apenas a “ponta do iceberg” da atividade
criminosa. (p. 257)
Apontam que essa conclusão encontra base em pesquisas de auto-relato e
estudos do comportamento policial. também a questão da filtragem de crimes nos
registros oficiais e, neste caso, considera-se o comportamento da vítima no sentido
de reportar (dar queixa), bem como o comportamento decisório policial. Mas não
se esquecem que pesquisas baseadas em auto-relato também têm seus problemas,
entre os quais estão os de memória sobre o envolvimento criminoso, ou mesmo
deturpações intencionais sobre aquele envolvimento. Assim:
À luz dos pontos fortes e fracos complementares das fontes de
dados de registro oficial e de auto-relato, a maioria dos
pesquisadores contemporâneos toma como axiomático que ambos
são importantes no avanço do conhecimento sobre o
comportamento criminoso. Assim, fontes de dados de auto-relato e
de registro oficial não deveriam ser vistos como veículos em
competição, pelos quais avaliar o envolvimento na criminalidade.
Em vez disso, ambas metodologias exploram o mesmo
comportamento subjacente eles apenas são diferentes indicadores
daquele comportamento. (Brame et al., 2004, p. 258)
Francis, Soothill e Ackerley (2004) também exploram as vantagens e
desvantagens das fontes de pesquisa sobre delinqüência e afirmam que os auto-
82
relatos e os registros oficiais são fontes alternativas entre si; tais fontes não se
excluem: antes, se completam.
As desvantagens do registro oficial, segundo Francis et al. (2004)
relacionam-se ao possível advento de novas leis que venham a criar ou abolir crimes,
podendo resultar em aumento ou diminuição em taxas de criminalidade; e, ainda,
a desvantagem presente nas mudanças que venham a ocorrer na política da justiça
criminal. Entretanto, segundo eles, não fica menor a importância de se utilizar dados
oficiais em pesquisas sobre a criminalidade
Cusson (1990) traz considerações importantes sobre estatísticas oficiais,
valendo citar suas palavras. Sob o tópico Censo, amostragem ou seleção?, afirma
que:
Se observarmos atentamente o modo pelo qual se constituem as
estatísticas criminais, parecerá evidente que elas não estão
assentadas diretamente na criminalidade real e que elas não seriam
capazes de medir a totalidade das infrações efetivamente
perpetradas. Mas o interesse científico de uma enumeração exata
dos delitos cometidos é limitado; em criminologia como em
inúmeras outras disciplinas o pesquisador geralmente está pouco
interessado em conhecer o número exato de unidades que
compõem o fenômeno estudado. (Bem poucos astrônomos desejam
saber quantas estrelas no céu e o naturalista se propõe questões
muito mais interessantes do que aquelas referentes ao número de
plantas da floresta). Os criminólogos, por exemplo, que querem
saber se variáveis como urbanização, idade ou sexo estão
relacionadas com o crime não precisarão de cifras absolutas, ele
podem muito bem se contentar com valores relativos.
As estatísticas da criminalidade não podem também ser
consideradas como amostras representativas da criminalidade real.
Os cidadãos que prestam queixas evidentemente não são
representativos. O termo “seletividade” caracteriza melhor a sua
atitude. Isto surge claramente das enquêtes de vitimização, quer
dizer das sondagens que consistem em interrogar amostras muito
grandes de cidadãos sobre os crimes dos quais eles foram vítimas.
Entre as questões que são então colocadas pergunta-se aos
cidadãos se eles relataram à polícia os crimes dos quais foram
vítimas. De acordo com as categorias de infração a porcentagem de
crimes relatados varia consideravelmente [indo por exemplo de
83
roubo de automóvel, a maior porcentagem, a delitos sexuais, a
menor]. (pp. 18-19)
Essas palavras de Cusson traduzem muito bem o que deve esperar o
pesquisador que pretenda estudar a criminalidade a partir de registros oficiais, além
de servirem especialmente no momento da interpretação dos resultados assim
obtidos. Mais adiante, conclui que “o crime não é desconhecível” (p. 25). Se o crime
real por vezes não se conhece diretamente, indícios (pistas, comentários, reações etc.)
podem levar a este conhecimento, sendo nestes casos muito importante a
multiplicidade e combinação dos meios de obtenção de informações criminais, vez
que “as vias de acesso ao seu conhecimento [do crime] são numerosas e
diversificadas” (p.25).
Os dados provenientes de registros oficiais têm sua importância para os
estudos da criminalidade, mesmo diante das dificuldades encontradas.
Sem dúvida, a interpretação da criminalidade, sob a ótica do
funcionamento do complexo polícia-justiça-prisão, carrega em si,
de modo implícito, a suposição de uma certa eficácia política, que
não pode ser medida tão somente pelo comportamento ou resultado
das estatísticas oficiais. Se estas têm alguma utilidade - e
certamente têm - é porque expressam muito mais o sentido e a
direção adotados, em conjunturas determinadas, pelas políticas
públicas penais do que expressam o movimento geral da
delinqüência, aspecto aliás anteriormente ressaltado nos estudos de
Coelho (1978), Paixão (1983) e Fausto (1984). No entanto, se isto
é verdade, torna-se imprescindível explicar porque segmentos da
população urbana - quais? - respondem aos apelos dos aparelhos de
Estado, mantendo contato permanente e cotidiano com a polícia e
com a justiça (Castro et alii, 1984). (Adorno e Bordini, p. 75-76)
E completam:
É indispensável completar a história das punições com uma
história da construção de carreiras criminosas. Neste sentido, o
exame do aumento ou da diminuição de taxas e coeficientes
84
relativos à delinqüência passa a expressar tanto o modo pelo qual a
ação repressiva privilegia certas modalidades de comportamento
tipificadas como crime ou contravenção penal quanto o modo pelo
qual determinados segmentos da população constroem estratégias
particulares de vida, respondendo ao funcionamento desses
aparelhos de contenção da criminalidade. (Adorno & Bordini,
1989, p. 76)
Portanto, pode-se afirmar que os registros oficiais, apesar dos desafios
impostos enquanto reflexos imperfeitos da realidade criminal, têm valor para
pesquisas sobre criminalidade, desde que sua interpretação considere justamente até
que ponto eles se relacionam com os delitos realmente praticados. Além desses
desafios, próprios dos registros oficiais como um todo, dificuldades podem se
apresentar relativamente à administração daqueles dados pelo Estado.
No tópico seguinte serão explicitados os problemas específicos da fonte
oficial utilizada na presente pesquisa.
2.1.1 - Algumas considerações sobre a fonte e os desafios para a
organização dos dados utilizados no presente estudo
Os dados da pesquisa foram coletados no Cartório da Vara da Infância e
da Juventude de Ribeirão Preto-SP
43
. Foram consultados processos em papel (autos
de processos) e processos em formato eletrônico (terminal eletrônico).
Assunto de importância crucial para a presente pesquisa refere-se às
dificuldades para a coleta dos dados, levando em conta as características da fonte.
Pode-se afirmar que a forma de registro oficial de fatos criminais, pelo Estado,
43
No final de 2007 ampliou-se a competência da Vara da Infância e da Juventude de Ribeirão Preto,
sendo hoje correto fazer referência ao órgão como Vara da Infância, da Juventude e do Idoso. Para
facilitar a indicação do cartório da mencionada vara, no texto será utilizada a abreviatura CIJI
(Cartório da Infância, da Juventude e do Idoso).
85
tomando-se como referência o CIJI, não se encontra orientada para ser utilizada em
análises científicas.
Basicamente um indivíduo que comete um ato infracional passará pelas
mãos da polícia, sendo a situação registrada geralmente em um boletim de
ocorrência. Na maior parte das vezes, um membro do Ministério Público (ou seja,
um promotor de justiça) analisará o caso, originando-se um processo. A decisão
final do processo ficará a cargo de um magistrado, que se baseará nas provas que
constem dos autos do processo, bem como no posicionamento do Ministério Público
e, às vezes, no posicionamento da defesa promovida por um advogado.
44
Um dos problemas a serem discutidos se refere justamente à decisão final
ou sentença referente ao fato e ao sujeito processados na justiça juvenil. Parte dos
processos são encerrados com uma sentença de remissão. A remissão que significa
perdão é uma possibilidade prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), e pode ter lugar antes mesmo de iniciado o procedimento judicial para a
apuração de ato infracional (neste caso, concedida por um representante do
Ministério Público, como está no ECA 126, caput). Se o procedimento se iniciou,
a autoridade judiciária é quem concede a remissão (ECA 126, parágrafo único). É
comum que processos por atos infracionais, especialmente aqueles que terminam
com uma remissão, o tenham a defesa do adolescente por um advogado ou
defensor público. Entretanto, pelo ECA 127, nota-se que a “remissão não implica
necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem
prevalece para efeito de antecedentes (...)”. O resultado é que, para fins de pesquisa,
44
É importante frisar que, no presente trabalho, se considerou, em geral, o processo judicial em sua
faceta empírica. Em outras palavras, considerou-se aqui a forma como um processo judicial (referente
a ato infracional) se desenvolve de fato. Esta observação é necessária para que se compreenda que são
alheias aos objetivos deste trabalho discussões acerca do direito processual em si.
86
o registro de um processo infracional com sentença de remissão não permite saber se
o adolescente processado foi responsável pelo fato a ele atribuído. Mesmo nos autos
dos processos (o processo físico, em papel), a ausência de defesa implicaria na
decisão parcial, pelo judiciário, a respeito do fato e de sua autoria.
Além disso, a remissão não impede a aplicação de alguns tipos de medida
sócio-educativa (ver ECA 127).
Desta forma, um adolescente, sem que tenha uma defesa no processo,
pode receber uma decisão parcial, com medida sócio-educativa e, ainda assim,
permanecer ignorada a sua real participação no fato processado. O problema se torna
mais sério quando se nota que, segundo os dados coletados para a presente pesquisa,
de um total de 514 infrações processadas (referentes apenas ao sexo masculino), 241
delas (46,9%) receberam sentença de remissão (tabela 1). Além disso, na tabela 1
também se percebe que 71 sentenças (13,8%) são ignoradas, o que, com as
remissões, totalizam 312 (60,7%) casos em que fica a dúvida sobre a real
participação do adolescente no fato processado. Esses casos, especialmente se
tomados os registros do terminal eletrônico como fonte de dados, representam muitos
fatos que podem não ter sido praticados pelos adolescentes a quem são atribuídos.
Outro aspecto a se notar é que cada situação infracional
45
acaba, na
maior parte das vezes, originando um processo específico. Disso surgem duas
considerações: a) um sujeito pode estar presente como infrator principal em mais de
um processo, conforme a situação infracional na qual tenha se envolvido; b) e mais
45
Por situação infracional deve-se entender o conjunto de fatos que origem a um processo judicial
por ato infracional perante a jurisdição competente. Criou-se este termo, para esta pesquisa, para que
sirva como uma contraposição ao ato infracional específico. A contraposição se justifica porque um
dado processo judicial pode envolver mais de um ato infracional (por exemplo, Ameaça e também
Lesão Corporal), enquanto este mesmo processo geralmente abrange uma situação em termos de
espaço e tempo.
87
comumente, encontram-se processos rotulados com um único ato infracional, ainda
que a situação infracional abranja vários deles, sendo que a análise dos fatos
através do conteúdo do boletim de ocorrência presente nos autos processuais, por
exemplo pode conter informações mais detalhadas sobre a situação infracional.
Tabela 1 Freqüência de fatos processados quanto à sentença que lhe foi imposta (n=514)
Sentença
Freqüência
Percentual
Processo não concluído
1
0,2
Procedência (condenação)
113
22,0
Improcedência (absolvição)
24
4,7
Remissão
241
46,9
Parcialmente procedente
12
2,3
Arquivamento
43
8,4
Outra solução
9
1,8
Sentença ignorada
71
13,8
Total
514
100,0
Nota-se ainda que, em diversos casos, um mesmo sujeito apresentava
informações pessoais conflitantes, mormente na data de nascimento. Dos 219
sujeitos (dos sexos masculino e feminino) nascidos até 1988, apenas 174
apresentaram data de nascimento única. Isso significa que 45 (25,86%) deles
remetiam à existência de algum conflito concernindo a suas datas de nascimento. Os
conflitos mencionados (na data de nascimento) apareceram de formas diferentes,
concorrendo para a necessidade de tratá-los também de formas diferentes, conforme
se lista a seguir:
88
1 havia datas conflitantes, porém uma delas prevalecia devido ao
número de vezes que aparecia, optando-se, portanto, por privilegiá-la por ocasião da
compilação da informação no banco de dados;
2 havia datas conflitantes, mas estava claro ter havido erro de digitação
na data que difere das demais, sendo então feita a correção (por exemplo, quando dia
e mês de nascimento o trocados, possuindo vários casos com dia x e s y, e um
com dia y e mês x);
3 havia datas conflitantes, mas tomando como base a data do registro
policial, privilegiou-se a data de nascimento que não leve à maioridade, por ser a
mais provável de estar correta;
4 havia datas conflitantes, mas com diferenças que não acarretavam
conseqüências sobre a idade final referente à data do registro policial, mantendo-se,
neste caso, as datas inalteradas;
5 não havia datas conflitantes, mas havia lacunas (ou seja, situações
infracionais com datas de nascimento ignoradas), sendo tais lacunas preenchidas com
a data de nascimento conhecida;
6 havia datas conflitantes, mas a escolha foi impossível (não se
vislumbrava uma data que prevalecesse), não sendo feita qualquer alteração.
Considerando alguns desses conflitos de informação e a dificuldade em
resolvê-los de modo aceitável, como, por exemplo, no caso de um sujeito que
apresentou datas de nascimento diversas, sem que fosse possível escolher uma delas,
contabilizou-se uma perda de 37 sujeitos da amostra inicialmente composta
(considerando os sexos masculino e feminino), já que alguma variáveis dependem da
89
data de nascimento (por exemplo, a idade na data do primeiro boletim de ocorrência
de um sujeito).
Alguns casos se referiam a sujeitos com idades fora da adolescência, um
sujeito com 11 anos e outros dois, maiores de idade, com 24 e 27 anos, na data de
seus primeiros boletins de ocorrência, e quatro sujeitos com 18 anos na data de seus
últimos boletins de ocorrência.
Os sujeitos de 24 e 27 anos, contando com apenas uma infração cada um,
por terem, desta forma, apenas um boletim de ocorrência, este é, ao mesmo tempo, o
primeiro e o último. Esses casos talvez remetam a erros de registro.
Já os casos de 11 e de 18 anos completos, talvez possam ser erros
também, ou talvez possam refletir atitude política das autoridades, seja antecipando a
colocação da criança em processo infracional (aos 11 anos), seja mantendo o jovem-
adulto na justiça juvenil, impedindo a sua entrada na justiça criminal comum (casos
de 18 anos), não obstante ser esta uma prática ilegal.
Outra dificuldade encontrada refere-se ao sistema de arquivamento de
processos adotado pelo Poder Judiciário do Estado de São Paulo, como
mencionado. Ocorre que conforme os processos chegam ao status de “arquivados”,
eles são organizados em caixas. Estas caixas são tomadas por uma empresa
contratada pelo Estado e levadas a um arquivo geral, que concentra os processos
arquivados do Estado de São Paulo inteiro. Tal arquivo geral se localiza na cidade de
Jundiaí-SP.
Os processos dos quais se levantaram dados a partir do terminal
eletrônico foram aqueles que já não se encontravam presentes, em Ribeirão Preto-SP,
90
na forma de autos em papel, ao se finalizar o levantamento dos processos arquivados
disponíveis em papel.
É importante salientar que o terminal eletrônico não possui a data em que
a infração foi praticada. Assim, de 514 fatos processados (referentes apenas ao sexo
masculino), somente foi possível saber as datas de 220 deles. Ou seja, 294 (57,2%)
fatos têm data ignorada. Mas, a diferença de tempo entre a data da infração e a data
do boletim de ocorrência é, geralmente, muito pequena. Dentre as 220 datas de
infração conhecida, 207 delas (94,1%) estão a até 1 dia da data do boletim de
ocorrência.
Mais uma dificuldade também enfrentada na coleta/compilação dos
dados referia-se às formas de registrar os tipos penais. Na totalidade dos casos
observados (sexos masculino e feminino), constatou-se a presença de uma variedade
de tipos penais, correspondentes a atos infracionais atribuídos aos adolescentes
presentes como agentes principais dos processos consultados. Essa variedade de tipos
penais foi dividida em duas classes, tendo como critério a forma como se encontrava
registrada a conduta, no CIJI: a) tipos específicos; e b) tipos genéricos. Esta
classificação foi estabelecida para esta pesquisa, para diferenciar, de um lado, os
casos em que o ato infracional fora registrado em processo com base na sua
específica referência típica no campo penal (e.g., o ato infracional de Furto),
correspondendo tais casos à classificação tipos específicos; de outro lado, havia casos
em que o ato infracional fora registrado conforme uma categoria mais geral de
crimes (e.g., as infrações contra a honra), correspondendo aos tipos genéricos.
Tem-se uma diferença, portanto, entre o número de fatos registrados e o
número de fatos conhecidos, por causa da forma de registro no órgão do judiciário e
91
também por causa de ausências de informação. Dos 514 fatos processados (relativos
aos adolescentes do sexo masculino), 27 deles (5,4%) são de classificação específica
desconhecida, ou seja, não se sabe qual foi o fato processado. E quatro deles, embora
fatos conhecidos, não são infrações, mas fatos atípicos. Estes se referem a fatos que
não são crimes nem contravenções penais, e por isso também não podem ser
classificados como atos infracionais. Estes fatos (fuga da Febem e outro fato atípico)
entram na lista de fatos processados por se tratarem de condutas que foram
praticadas, e pelas quais houve processo judicial, embora não se tratem de atos
infracionais (e, assim, também não se falaria em tipos específicos para tais casos).
De modo geral, os títulos dos tipos específicos não oferecem
dificuldades, mas é necessário fazer algumas considerações para alguns deles. Desta
forma:
1 - Tráfico apareceu com duas referências legais, tal qual ocorreu com o
Porte de Droga. Isto ocorreu por um simples motivo: em 8.10.2006 foi publicada a L
11.343/06, a nova lei penal sobre drogas (chamada de Lei Antidrogas). A lei penal
sobre drogas anterior era a L 6.368/76, que foi revogada pela nova. Ocorre que tanto
o Tráfico quanto o Porte de Droga, tiveram suas penas alteradas pela nova lei, sendo
que o Porte de Droga, especificamente, não se pune mais com pena privativa de
liberdade
46
;
2 - Porte e Posse de Arma de Fogo apareceram em diversas ocasiões.
Grosso modo, o Porte de Arma significa que o sujeito mantém uma arma consigo,
46
quem entenda que o Porte de Droga não se configura mais como um crime, depois que a nova
lei (a Lei Antidrogas, de 2006) deixou de cominar pena privativa de liberdade a tal conduta. Não cabe
nesta oportunidade debater sobre a diversidade de correntes em torno do assunto. Independentemente
das correntes que porventura existam sobre o assunto, é certo que o Porte de Droga, mesmo depois da
Lei Antidrogas, aparece como ato infracional que pode gerar um processo judicial, como demonstram
inclusive vários dos processos, dentre os observados nesta pesquisa.
92
enquanto a Posse de Arma significa que o sujeito possui uma arma, mas não a
carrega consigo (pode, por exemplo, possuir uma arma em sua residência). Ocorre
que antes da publicação do Estatuto do Desarmamento (L 10.826/03), a L 9.437/97
previa, em seu art. 10, ambas as condutas (porte e posse) em apenas um tipo penal. O
Estatuto do Desarmamento desmembrou esses tipos em Porte Ilegal de Arma de
Fogo (art. 14) e Posse Irregular de Arma de Fogo (art. 12). Ou seja, um tipo penal se
desmembrou em dois outros, diferentemente do que ocorreu com o Tráfico e o Porte
de Droga, que tiveram novos tipos penais substituindo cada um deles.
Foi encontrado um tipo relativo a arma de fogo de uso restrito, presente
no Estatuto do Desarmamento (art. 16). Neste caso, porém, a nova lei tem no mesmo
tipo, as condutas de porte e de posse de arma. Deve-se lembrar, ainda, que os
mencionados artigos do Estatuto do Desarmamento referem-se a arma de fogo,
acessório ou munição. Conseqüência disso é que eventual conduta (praticada após a
entrada em vigor do referido Estatuto) de portar ou possuir munição, por exemplo,
foi definida com nome de referência que foi utilizado, nesta pesquisa, para quando se
tratou de arma de fogo. Desta forma, como exemplo, tanto o porte de arma de fogo
de uso permitido, quanto o porte de munição de uso permitido (praticados depois da
entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento) são referentes ao mesmo tipo porte
ilegal de arma.
A gravidade das infrações apresentou-se, também, como uma variável
complexa, que podem haver muitos elementos a serem considerados para a sua
gradação, inclusive a condição de quem pratica um delito ou as características locais
ou históricas em determinado momento. Todavia, pode-se notar que quase todos os
crimes previstos na legislação penal brasileira cominam uma pena abstrata, que
apresenta um valor mínimo e um valor máximo. Para efeito de gradação da
93
gravidade de um crime, decidiu-se por utilizar a soma das penas nima e máxima,
previstas para o tipo penal simples, ou seja, o crime desprovido de agravantes, causas
de aumento de pena ou qualificadoras, bem como de atenuantes, causas de
diminuição de pena ou privilegiadoras. Esta forma de se atribuir a determinado crime
uma gravidade, com base em sua pena, vem da consideração de que o Código Penal
atribui penas aos crimes conforme a importância do bem jurídico lesado pela sua
prática. O homicídio (CP 121), por exemplo, é um crime de penas altas (6 a 20 anos
de reclusão), dada a importância do bem jurídico penalmente protegido (no caso, a
vida). Não se considerou, para a gradação da gravidade, a qualidade da pena
privativa de liberdade (reclusão, detenção, prisão simples).
Embora alguns casos, de fato, tenham aparecido com uma tipificação
mais elaborada (e.g., um Homicídio culposo), tendo alterada a sua pena
47
, o que se
considerou foram os crimes em si, desprovidos das circunstâncias que lhe possam
alterar a pena, no caso concreto. Ocorre que, um Homicídio, por exemplo, permanece
sendo um Homicídio, independentemente da intenção do autor do crime. Por isso,
considerando o bem jurídico atingido (a vida, no caso do homicídio), as penas (a
mínima e máxima) abstratamente cominadas para a forma simples de determinado
crime são as que pareceram mais adequadas para estabelecer uma gravidade (ao
menos relativa) de cada crime, a que corresponde à gravidade do ato infracional.
Em alguns casos não se utilizou a forma simples, propriamente dita, de
um crime. É o que ocorreu no caso do Latrocínio. Este crime, no Código Penal,
aparece na forma de Roubo qualificado pela violência resultando a morte (CP 157,
§3º, segunda parte). Entretanto, o Latrocínio representa tão caracteristicamente um
47
Enquanto a pena abstratamente cominada ao Homicídio simples é a de reclusão de 6 a 20 anos, a do
culposo é de detenção de 1 a 3 anos.
94
fato (ordinariamente referido como “matar para roubar”), que seguramente pode ser
considerado como mais um tipo específico, para fins de pesquisa. Lembrando que o
Latrocínio, pelo fato de ser, na verdade, um crime de Roubo qualificado, possui
penas mínima e máxima próprias, o que permitiu medir também a sua gravidade
relativa.
Note-se ainda que as penas abstratamente cominadas foram tomadas em
meses. Quando apareceram na forma de anos, foram convertidas na base de 12 meses
para 1 ano. Quando apareceram na forma de dias, foram convertidas na base de 30
dias para 1 mês. Como se disse, penas mínima e máxima serão somadas,
considerando os valores em meses.
48
Havia a possibilidade de, após somar, extrair a média, mas tal
possibilidade foi descartada por dois motivos: primeiro, quer-se evitar ao máximo
utilizar casas decimais ao se estabelecer gravidades relativas para os crimes, para
melhor visualização de cada valor; e segundo, a média pode aproximar
nominalmente os valores (embora as proporções permaneçam inalteradas), o que
prejudica a visualização em contraste.
Outra variável, a princípio focada, escolaridade, também denotou as
imprecisões dos registros. O nível de escolaridade, quando registrado, é anotado com
48
Havia a possibilidade de, após somar, extrair a média, mas tal possibilidade foi descartada por dois
motivos: primeiro, quer-se evitar ao máximo utilizar casas decimais ao se estabelecer gravidades
relativas para os crimes, para melhor visualização de cada valor; e segundo, a média pode aproximar
nominalmente os valores (embora as proporções permaneçam inalteradas), o que prejudica a
visualização em contraste. Houve, também, sugestão da banca de qualificação no sentido de utilizar
apenas as penas máximas de cada crime, servindo a pena nima apenas como critério de desempate
entre aqueles crimes com mesma pena máxima. Observou-se, no entanto, que a consideração apenas
da pena máxima modificava a ordem dos crimes, em termos de gravidade. A título de exemplo, o
crime de moeda falsa pela soma das penas, em meses, se posicionaria como um crime mais leve do
que o atentado violento ao pudor (penas somadas de 180 e 214 meses, respectivamente); mas o
atentado violento ao pudor se torna mais leve do que o crime de moeda falsa, se considerada apenas a
pena máxima de cada um (10 e 12 anos, respectivamente). Assim, se a pena mínima servir apenas
como critério de desempate, ela fará diferença apenas entre crimes com penas máximas iguais,
enquanto que, pelo critério da soma, a pena mínima se torna relevante em todos os crimes.
95
critérios diversos no boletim de ocorrência e no terminal eletrônico do judiciário. A
título de exemplo, no boletim de ocorrência o nível correspondente ao primeiro grau
escolar pode ser anotado como primeiro grau completo ou incompleto. Este
detalhamento não existe no terminal eletrônico, sendo o primeiro grau anotado
simplesmente com um código correspondente a “primeiro grau”. Normalmente, os
processos não são acompanhados de documentação relativa a escolaridade, nem de
informações sobre eventual consulta, pela autoridade policial, da informação
respectiva em algum documento apresentado pelo adolescente ou sua família, ou
apresentado pelas redes pública ou privada de ensino.
Assim, tentou-se contabilizar somente se o adolescente estudava ou não
estudava, ao tempo do fato. Assim, procurou-se contabilizar a informação referente
ao status de ser ou não estudante, que foi considerado como indicativo de que o
adolescente freqüentava a escola. Mas, em 514 fatos (referentes apenas ao sexo
masculino) em apenas um foi possível obter a informação correspondente a não
estuda ao tempo do fato. Os demais casos apresentam ou o sim, estuda” (155 casos,
ou 30,2%) ou a informação foi ignorada (358 casos, ou 69,6%).
2.1.2 A coleta de dados propriamente dita
O primeiro passo na delimitação dos processos foi determinar que, dos
processos em papel disponíveis em Ribeirão Preto, apenas os arquivados (ou seja,
processos já concluídos) fossem consultados.
O segundo passo foi listar os adolescentes presentes nos processos em
papel e levantar dados de outros processos eventualmente existentes contra eles,
através da consulta ao terminal eletrônico.
96
Para o levantamento dos dados foi utilizado um formulário de coleta
(reproduzido no anexo I), elaborado e aperfeiçoado após um contato inicial com o
material da fonte e o seu teste em um piloto com aproximadamente 20 processos.
As variáveis em torno das quais se coletaram os dados são: nome, sexo,
data de nascimento, número de documento de identidade, nome do pai, nome da mãe,
endereço, estado civil, cor e escolaridade (quanto aos sujeitos); fonte dos processos,
número da caixa de arquivo, número e data do processo, infração cometida, data da
infração, data do boletim de ocorrência, local da infração, tipo de vítima, elemento
subjetivo da infração e tentativa, uso de arma, co-autoria com menores e maiores de
18 anos, presença de violência, existência de representação pelo Ministério Público,
sentença, medida sócio-educativa aplicada, período de internação.
É preciso salientar que um formulário (uma cópia desse) foi utilizado
para a coleta dos dados constantes em um processo. Dentro disso, um mesmo
adolescente pode possuir vários processos, cujos dados foram, portanto, coletados
com um formulário cada (uma cópia cada).
É fundamental esclarecer que a disponibilidade de processos em Ribeirão
Preto é limitada no tempo, por causa da política de arquivamento implantada, devido
à qual os processos arquivados são armazenados em caixas em uma sala, e ficam
aguardando que uma equipe do arquivo central, localizado em Jundiaí-SP, busque
tais caixas, não havendo uma periodicidade regular em relação a isso. Não há,
segundo informação levantada no CIJI, um critério para selecionar quais e quantas
caixas deixam por vez o arquivo da Comarca, e são transportadas para o central. Essa
decisão, bem como o momento em que acontece depende da disponibilidade dos
funcionários do arquivo central.
97
Devido a essa mobilidade de processos arquivados, decidiu-se por
levantar dados sobre todos os processos disponíveis em arquivo e, após a compilação
dos dados em computador, fazer-se a delimitação dos dados a serem utilizados na
pesquisa, com base no critério de que os adolescentes representados na amostra
deveriam todos ter completado 18 anos no momento da coleta, tendo eles todos
nascidos, portanto, a de 1988, ou seja, todos os sujeitos ali representados deveriam
ter completado 18 anos até 31 de dezembro de 2006. Essa delimitação se deve a
necessidade de estudar a prática infracional jurisdicionada de sujeitos que, a partir de
2007, já tivessem completado a adolescência.
Desta forma, primeiro foram levantados dados referentes aos processos
em papel. Resultaram 797 formulários (igual número de processos estudados). Esses
se referiam a 657 adolescentes. Desses adolescentes, 289 tinham outros processos no
terminal eletrônico.
Depois, foram levantados dados referentes a processos com informações
disponíveis em formato eletrônico, tendo-se, nesse momento, encontrado e estudado
907 processos. Assim, pode-se afirmar que o total de processos investigados perfez o
número de 1.704. Alguns processos remetem a mais de um ato infracional, sendo que
a contabilidade para essa unidade de análise é de 1.811 atos infracionais.
Após a compilação de todos os dados referentes aos processos
arquivados disponíveis em papel e aos disponíveis no terminal eletrônico, fez-se a
delimitação dos dados, conforme o explicado, com vistas à consecução dos objetivos
desta pesquisa.
Inicialmente, no projeto, tinha-se decidido trabalhar com processos
datados de 2000 a 2006. Após o levantamento, decidiu-se por considerar todos os
98
casos de adolescentes que completassem 18 anos até 2006, levando em conta aqueles
com datas de nascimento em 1988 ou anteriores. Isto fez com que fossem incluídas
outras datas de processos, agora indo de 1998 a 2006.
Com isso, o número de processos utilizados para essa pesquisa, após a
mencionada delimitação, foi de 521, correspondendo a 178 sujeitos e 560 infrações.
Considerando a existência de um número reduzido de casos envolvendo adolescentes
do sexo feminino, os resultados e as considerações concentrar-se-ão sobre
adolescentes do sexo masculino
49
. Restam, assim, dados sobre 479 processos,
referentes a 157 sujeitos e 514 infrações.
É importante frisar que o tamanho do banco de dados, face ao número
total de processos existentes nos anos pesquisados, não foi uma opção, mas sim
determinado pela dinâmica de arquivamento descrita. Como o relatado, os processos
arquivados disponíveis em Ribeirão Preto é que condicionaram o mero e o
conjunto de sujeitos que compuseram o banco, sendo que foram levantados os dados
de todos os processos disponíveis em arquivo, segundo lista preparada no início do
levantamento.
Abaixo o número total de processos por ano e o número de processos
pesquisados por ano (para os sexos masculino e feminino).
O número total de processos utilizados nesta pesquisa, antes da
qualificação, correspondia a 1,76% (521 processos) do total de processos registrados
entre os anos de 1998 e 2006, no CIJI. Agora, concentrando-se nos dados relativos a
adolescentes do sexo masculino, são 479 processos, correspondendo a 1,62% daquele
total.
49
Seguindo as sugestões da banca examinadora, após o exame de qualificação.
99
Tabela 2 Número total de processos e número de processos pesquisados, por ano, na Vara da
Infância, da Juventude e do Idoso, Comarca de Ribeirão Preto-SP
ANO
NÚMERO TOTAL DE
PROCESSOS
NÚMERO DE PROCESSOS
PESQUISADOS
1998
3.706
1
1999
3.562
8
2000
3.212
10
2001
3.542
39
2002
3.173
50
2003
3.353
90
2004
2.837
105
2005
3.338
130
2006
2.835
88
TOTAL
29.558
521
2.2 Abordagem das variáveis
A abordagem das variáveis é descritiva, apresentando-se freqüências
gerais das variáveis e apresentando cruzamentos entre variáveis, seguidos dos
comentários pertinentes e adequados à qualidade da fonte e, por conseguinte, do
banco de dados. Primeiramente, os dados presentes nos formulários foram
compilados utilizando-se planilha do programa Excel 2007
50
.
Consideram-se os fatos processados, atribuídos aos adolescentes do sexo
masculino, sem considerar a sentença e, portanto, sem a consideração da real
responsabilidade do sujeito a quem se atribui a prática de um ato infracional. Desta
forma, tendo-se presentes as críticas à fonte dos dados, pode-se ter uma noção
melhor de como os registros infracionais são administrados pelo Estado.
50
Para a criação, a partir da planilha, de banco de dados e análise contou-se com o auxílio de
profissionais da estatística.
100
Para alguns comentários, foi utilizado o coeficiente de correlação não
paramétrico de Spearman entre algumas variáveis.
As variáveis utilizadas são: infração processada (ou registrada),
subcategoria da infração processada, categoria da infração processada,
reincidência
51
, data de nascimento, data do boletim de ocorrência, data da infração,
sentença.
A partir destas variáveis puderam ser obtidas outras (como, por exemplo,
o número de infrações processadas por sujeito, no CIJI de Ribeirão Preto), a fim
compor os resultados, como se verá no tópico seguinte.
3 Resultados
3.1 Descrição das variáveis
Em primeiro lugar, descrevem-se as variáveis conforme a sua freqüência.
As variáveis correspondem à atividade infracional processada, atribuída a
adolescentes do sexo masculino. Deve-se ter presente que no banco de dados tinha-se
um total de 514 fatos (registrados em relação a 157 sujeitos), mas nem todos são
infrações, não obstante tenham sido processados judicialmente como tais.
a) Tipos de infrações
Dentro dos 514 fatos presentes no banco de dados, 27 (5,3%) são de
natureza desconhecida, devido à ausência de informação correspondente na fonte, e 4
fatos (0,8%) dentre os conhecidos não são infrações, sendo eles duas fugas da Febem
51
O termo reincidência está sendo empregado aqui com o significado de mais de um processo por ato
infracional, e não com o significado técnico presente no direito penal.
101
(atual Fundação Casa), que são fatos atípicos, e dois outros fatos atípicos. Os demais
fatos, estes sim correspondentes realmente a atos infracionais, perfazem um total de
36 tipos de atos infracionais, sendo os mais freqüentes o furto (22,2%), o roubo
(16,3%), o porte de droga (10,9%), o tráfico (9,9%) e a lesão corporal (8,2%). As
freqüências de cada fato processado estão na tabela 3. Os fatos de classificação
ignorada (indicados na tabela como perdas, com freqüência igual a 27) ou não
constavam na fonte ou estava registrado como outras infrações penais, infrações
contra a honra ou roubo/extorsão, impossibilitando o conhecimento específico de
como o fato foi processado.
Na tabela 3, podem ser vistas as infrações processadas (dentro de
subcategorias e categorias mais adiante explicadas), suas freqüências, penas mínima
e máxima, bem como suas gravidades, em meses.
As infrações processadas foram agrupadas em categorias e, dentro destas,
em subcategorias, de modo que infrações que possam se identificar entre si fiquem
em um mesmo grupo de infrações. Desta forma tem-se:
- a categoria infrações com vítima indeterminada, contendo as
subcategorias: infrações com veículos (falta de habilitação, direção veloz perigosa)
52
;
infrações de armas/artefatos (porte ilegal de arma, posse irregular de arma, porte de
arma (1997), posse/porte ilegal de arma de fogo, disparo de arma de fogo, explosão,
posse de munição (antes de 2003))
53
; infrações de drogas (porte de droga, tráfico,
52
Referências legais das infrações com veículos: falta de habilitação, DL 3.688/41 32; direção veloz
perigosa, CTB 311.
53
Referências legais das infrações de armas/artefatos: porte ilegal de arma, L 10.826/03 14; posse
irregular de arma, L 10.826/03 12; porte de arma (1997), L 9.427/97 10; posse/porte ilegal de arma de
fogo, L 10.826/03 16; disparo de arma de fogo, L 10.826/03 15; explosão, CP 251; posse de munição
(antes de 2003), DL 3.688/41 18.
102
associação para o tráfico)
54
; infrações de falsidade (moeda falsa, auto-acusação falsa,
uso de documento alheio como próprio, adulteração de sinal identificativo de veículo
automotor)
55
; outras infrações contra vítima indeterminada (posse de instrumento
para prática de furto/roubo, resistência, violação de domicílio, abuso de animais,
desobediência)
56
;
- a categoria infrações contra a integridade física ou moral da pessoa,
contendo as subcategorias: infrações contra o pudor (atentado violento ao pudor)
57
;
infrações de constrangimento (constrangimento ilegal)
58
; infrações de homicídio
(homicídio)
59
; infrações de lesão/vias de fato (lesão corporal, vias de fato)
60
;
infrações morais
61
(ameaça, desacato, injúria)
62
;
- a categoria infrações contra o patrimônio, contendo as subcategorias:
infrações de dano (dano)
63
; infrações de estelionato (estelionato)
64
; infrações de
furto/receptação (furto, receptação)
65
; infrações de roubo/extorsão/latrocínio
66
(roubo, extorsão, latrocínio)
67
.
54
Referências legais das infrações de drogas: porte de droga, L 6.368/76 16 (antigo) e L 11.343 28
(novo); tráfico, L 6.368/76 12 (antigo) e L 11.343/06 33; associação para o tráfico, L 6.368/76 14.
55
Referências legais das infrações de falsidade: moeda falsa, CP 289 caput e §1º; auto-acusação falsa,
CP 341; uso de documento alheio como próprio, CP 308; adulteração de sinal identificativo de veículo
automotor, CP 311.
56
Referências legais das outras infrações com vítima indeterminada: posse de instrumento para prática
de furto/roubo, DL 3.688/41 25; resistência, CP 329; violação de domicílio, CP 150; abuso de
animais, L 9.605/98 32; desobediência, CP 330.
57
Referência legal da infração de atentado violento ao pudor: CP 214.
58
Referência legal da infração de constrangimento ilegal: CP 146.
59
Referência legal da infração de homicídio: CP 121.
60
Referências legais das infrações de lesão/vias de fato: lesão corporal, CP 129; vias de fato, CP DL
3.688/41 21.
61
Dentre as infrações morais também foram incluídos os fatos registrados como sendo infrações
contra a honra, segundo categoria utilizada pelo próprio CIJI.
62
Referências legais das infrações morais: ameaça, CP 147; desacato, CP 331; injúria, CP 140.
63
Referência legal da infração de dano: CP, 163.
64
Referência legal da infração de estelionato: CP, 171.
65
Referências legais das infrações de furto/receptação: furto, CP 155; receptação, CP 180.
66
Dentre as infrações de roubo/extorsão/latrocínio também foram incluídos os fatos registrados como
sendo infrações de roubo/extorsão, segundo categoria utilizada pelo próprio CIJI.
67
Referências legais das infrações de roubo/extorsão/latrocínio: roubo, CP 157; extorsão, CP 158;
latrocínio, CP 157, §3º, segunda parte.
103
Tabela 3 Freqüência de infrações processadas, divididas por categorias e subcategorias e suas
penas mínima, máxima e gravidade em meses (n=514)
Infrações
Freqüência
Percentual
Pena
mínima
Pena
máxima
Gravidade**
INFRAÇÕES COM VÍTIMA INDETERMINADA
INFRAÇÕES COM VEÍCULOS
FALTA DE HABILITAÇÃO
14
2,7
-
-
-
DIREÇÃO VELOZ PERIGOSA
1
0,2
6
12
18
INFRAÇÕES DE ARMAS /ARTEFATOS
PORTE ILEGAL DE ARMA
13
2,5
24
48
72
POSSE IRREGULAR DE ARMA
5
1,0
12
36
48
PORTE DE ARMA (1997)
14
2,7
12
24
36
POSSE/PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO
2
0,4
36
72
108
DISPARO DE ARMA DE FOGO
1
0,2
24
48
72
EXPLOSÃO
1
0,2
36
72
108
POSSE DE MUNIÇÃO (ANTES DE 2003)
1
0,2
3
12
15
INFRAÇÕES DE DROGAS*
PORTE DE DROGA
56
10,9
6 (0)
24 (0)
30 (0)
TRAFICO
51
9,9
36 (60)
180
(180)
216 (240)
ASSOCIAÇÃO PARA O TRAFICO
2
0,4
36
120
156
INFRAÇÕES DE FALSIDADE
MOEDA FALSA
3
0,6
36
144
180
AUTO-ACUSAÇÃO FALSA
3
0,6
3
24
27
USO DE DOCUMENTO ALHEIO COMO
PROPRIO
1
0,2
4
24
28
ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENT. DE
VEÍCULO AUTOMOTOR
1
0,2
36
72
108
OUTRAS INFRAÇÕES COM VÍTIMA
INDETERMINADAS
POSSE DE INSTRUMENTO PARA PRATICA
DE FURTO/ROUBO
3
0,6
2
12
14
RESISTENCIA
2
0,4
2
24
26
VIOLACAO DE DOMICILIO
2
0,4
1
3
4
ABUSO DE ANIMAIS
1
0,2
3
12
15
DESOBEDIÊNCIA
1
0,2
0,5
6
6,5
INFRAÇÕES CONTRA A INTEGRIDADE
FÍSICA OU MORAL DA PESSOA
INFRAÇÕES CONTRA O PUDOR
ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
3
0,6
72
120
192
INFRAÇÕES DE CONSTRANGIMENTO
CONSTRANGIMENTO ILEGAL
2
0,4
3
12
15
INFRAÇÕES DE HOMICÍDIO
104
Infrações
Freqüência
Percentual
Pena
mínima
Pena
máxima
Gravidade**
HOMICÍDIO
10
1,9
72
240
312
INFRAÇÕES DE LESÃO CORPORAL/VIAS DE
FATO
LESÃO CORPORAL
42
8,2
3
12
15
VIAS DE FATO
2
0,4
0,5
3
3,5
INFRAÇÕES MORAIS
AMEACA
17
3,3
1
6
7
DESACATO
2
0,4
6
36
42
INJURIA
2
0,4
1
6
7
INFRAÇÕES CONTRA O PATRIMÔNIO
INFRAÇÕES DE DANO
DANO
10
1,9
1
6
7
INFRAÇÕES DE ESTELIONATO
ESTELIONATO
5
1,0
12
60
72
INFRAÇÕES DE FURTO/ RECEPTAÇÃO
FURTO
114
22,2
12
48
60
RECEPTACAO
10
1,9
12
48
60
INFRAÇÕES DE ROUBO/ EXTORSÃO/
LATROCÍNIO
ROUBO
84
16,3
48
120
168
EXTORSÃO
1
0,2
48
120
168
LATROCÍNIO
1
0,2
240
360
600
FATOS ATÍPICOS
FUGA DA FEBEM
2
0,4
-
-
-
OUTRO FATO ATÍPICO
2
0,4
-
-
-
PERDAS (FATOS DE CLASSIFICAÇÃO
IGNORADA)
27
5,3
-
-
-
TOTAL
514
100,0
-
-
-
* Nas infrações de drogas, o porte de droga e o tráfico apresentam duas penas mínimas e duas penas máximas
diversas, em razão da mudança de legislação referente aos crimes respectivos, em 2006, com a nova Lei
Antitóxicos.
** Pelo critério adotado nesta pesquisa, a gravidade de um crime é a soma de suas penas mínima e máxima, em
meses.
Dentre os sujeitos da pesquisa os que foram processados por um
fato e os que foram processados por mais de um fato. Do total de 157 sujeitos, são,
respectivamente, 54 (34,4%) não reincidentes e 103 (65,6) reincidentes. O número de
infrações registradas para cada reincidente varia de 2 a 27 infrações (tabela 4), sendo
105
possível afirmar que é maior o número de sujeitos reincidentes que praticaram menos
infrações. Dos 103 sujeitos reincidentes, 92 (89,3%) deles foram processados por 2 a
7 infrações, e apenas 11 (10,7%) foram processados por mais de 7 (até o máximo de
27) infrações. O número máximo de 27 infrações processadas é atingido por apenas
um sujeito, e o penúltimo número máximo de reincidências é 15, fazendo do último
(27) um caso isolado. Na tabela 4, os casos correspondentes a zero infração
processada se referem a sujeitos que foram processados apenas uma vez e por fatos
atípicos.
Tabela 4 Freqüência de sujeitos quanto ao número de infrações processadas (n=157)
Número de
infrações
Freqüência
Percentual
0
2
1,3
1
52
33,1
2
30
19,1
3
22
14,0
4
17
10,8
5
9
5,7
6
8
5,1
7
6
3,8
8
3
1,9
9
2
1,3
10
1
0,6
11
2
1,3
13
1
0,6
15
1
0,6
27
1
0,6
Total
157
100,0
Em vários processos, especialmente aqueles cujas informações foram
coletadas no terminal eletrônico, não é possível saber especificamente qual foi o fato
atribuído ao adolescente processado. A título de exemplo, um fato pode ser
registrado como sendo uma infração contra a honra, sem indicar qual foi a infração
106
contra a honra processada (injúria, calúnia etc.), assunto este já tratado ao se falar em
tipos específicos e tipos genéricos. Nesse passo, para saber-se quantos tipos de
infrações foram atribuídas aos adolescentes processados, somente podem ser
considerada as infrações sobre as quais se conhecem, a partir do registro oficial, as
tipificações específicas.
O número de infrações conhecidas diferentes processadas (tabela 5) pode
variar de 0 a 8, para cada sujeito. A variedade de infrações processadas é nula ou
pequena (de 1 a 3) para a maioria (133, ou 84,7%) dos sujeitos. Apenas 22 (14%)
sujeitos foram processados por mais de 3 (até o máximo de 8) infrações diferentes,
contando as passíveis de serem conhecidas através dos registros pesquisados.
Tabela 5 Freqüência de sujeitos quanto ao número de infrações conhecidas diferentes
processadas (n=157)
Agrupando as infrações em subcategorias, tem-se que os sujeitos foram
processados por infrações pertencentes a até 6 subcategorias diferentes (tabela 6). E,
agrupando as subcategorias, formam-se 3 categorias, sendo que o número de
categorias diferentes relativas às infrações processadas varia de 0 a 3 entre os sujeitos
Número de infrações
conhecidas
Freqüência
Percentual
0
2
1,3
1
66
42,0
2
42
26,8
3
25
15,9
4
9
5,7
5
8
5,1
6
3
1,9
7
1
0,6
8
1
0,6
Total
157
100,0
107
(tabela 7). Tanto para subcategorias como para categorias, os resultados repetem o
que acontece com o número de infrações conhecidas diferentes processadas, ou seja,
um número maior de sujeitos foi processado por uma variedade menor de
subcategorias ou de categorias. A maioria dos sujeitos (136, ou 86,6%) foi
processada por 1 a 3 subcategorias, e também a maioria (86, ou 54,8%) foi
processada por apenas uma categoria de infração. Em síntese, pode-se afirmar que a
maior parte dos sujeitos da pesquisa reincidiram, mas um número reduzido desses
sujeitos atinge os valores mais altos de infrações processadas. Além disso, a maioria
dos sujeitos tem variação menor quanto aos tipos de infração, quanto às
subcategorias e quanto às categorias, e apenas um número reduzido de sujeitos atinge
os máximos de “versatilidade” infracional.
As tabelas abaixo sintetizam estes resultados.
Tabela 6 Freqüência de sujeitos quanto ao número de subcategorias diferentes com base nas
infrações processadas
Número de
subcategorias
Freqüência
Percentual
0
2
1,3
1
69
43,9
2
47
29,9
3
20
12,7
4
8
5,1
5
8
5,1
6
3
1,9
Total
157
100,0
Tabela 7 - Freqüência de sujeitos quanto ao número de categorias diferentes com base nas
infrações processadas
Número de
Categorias
Freqüência
Percentual
0
2
1,3
1
86
54,8
2
48
30,6
3
21
13,4
Total
157
100,0
108
b) Idades
Duas idades são tomadas como principais e mais importantes: a idade na
data do primeiro boletim de ocorrência e a idade na data do último boletim de
ocorrência, boletins estes que tenham originado processo judicial infracional no CIJI.
Com as devidas cautelas, a diferença (amplitude) entre tais idades pode ser chamada
de duração. Esta duração não se confunde com a duração real da atividade
infracional de um indivíduo, mas traduz o tempo decorrente entre o primeiro e o
último boletins de ocorrência que tenham originado processos, ou seja, por quanto
tempo o adolescente foi alvo de novos processos no CIJI. As idades médias no
primeiro e no último BOs são, respectivamente, 14,80 e 16,93 anos, e a amplitude
média entre eles é de pouco mais de 2 anos. As medianas repetem,
aproximadamente, os valores das idades (15 e 17 anos, respectivamente), repetindo
também a amplitude média, aproximadamente (em 2 anos). Em outras palavras, os
adolescentes do sexo masculino permanecem durante cerca de 2 anos, em média,
sendo alvo de processos infracionais.
A idade dos sujeitos na data do primeiro boletim de ocorrência
registrado, que tenha originado um processo judicial no CIJI, varia de 11 a 27 anos
(tabela 8). A variação deveria ser de 12 a 17 anos, por causa da competência da
justiça da infância e da juventude de processar por ato infracional apenas
adolescentes (indivíduos de 12 a 18 anos incompletos). Mas três casos estão fora
desse período, provavelmente, por motivos que foram discutidos. Os três casos
correspondem às idades de 11, 24 e 27 anos. Com exceção dos casos de 24 e de 27
anos, o número de sujeitos é maior se a idade de registro do primeiro boletim de
ocorrência também é maior.
109
Tabela 8 Freqüência de sujeitos quanto à idade no primeiro boletim de ocorrência (n=157)
Idade
Freqüência
Percentual
11
1
0,6
12
4
2,5
13
12
7,6
14
17
10,8
15
24
15,3
16
36
22,9
17
61
38,9
24
1
0,6
27
1
0,6
Total
157
100,0
A idade dos sujeitos na data do último boletim de ocorrência que tenha
originado um processo no CIJI varia de 15 a 27 anos (tabela 9). Os casos de 24 e 27
anos são os mesmos referidos acima, vez que cada um deles corresponde a apenas
uma infração processada. E quatro sujeitos tiveram seu último boletim de ocorrência
registrado aos 18 anos, embora esta idade seja da competência da justiça criminal
comum. A idade no primeiro BO, em que mais sujeitos (61, ou 38,9%) é a de 17
anos , e a idade no último BO em que mais sujeitos (121, ou 77,1%) é, também a
de 17 anos. Apenas 30 (19,1%) sujeitos tiveram o último boletim de ocorrência
registrado até os 16 anos.
Tabela 9 - Freqüência de sujeitos quanto à idade no último boletim de ocorrência (n=157)
Idade
Freqüência
Percentual
15
2
1,3
16
28
17,8
17
121
77,1
18
4
2,5
24
1
0,6
27
1
0,6
Total
157
100,0
110
Os adolescentes com idades, no primeiro boletim de ocorrência, variando
entre 13 e 17 anos, foram processados pela maior parte das ocorrências (481 fatos, ou
93,6%), mas nenhuma dessas idades se destaca em freqüência de ocorrências (tabela
10). Com exceção dos 6 casos fora da competência da justiça juvenil (aqueles com
idades de 18, 24 e 27 anos no último boletim de ocorrência), são 121 (77,1%) casos
de idade igual a 17 anos (ver tabela 9), no último boletim de ocorrência, e estes 121
sujeitos foram processados pela maioria das ocorrências, ou seja, 382 (74,3%), como
se observa na tabela 11.
Tabela 10 Freqüência de infrações processadas relativamente à idade dos sujeitos na data do
primeiro boletim de ocorrência (n=514)
Idade
Freqüência
Percentual
11
13
2,5
12
18
3,5
13
98
19,1
14
103
20,0
15
89
17,3
16
99
19,3
17
92
17,9
24
1
0,2
27
1
0,2
Total
514
100,0
Tabela 11 - Freqüência de infrações processadas relativamente à idade dos sujeitos na data do
último boletim de ocorrência (n=514)
Idade
Freqüência
Percentual
15
8
1,6
16
80
15,6
17
382
74,3
18
42
8,2
24
1
0,2
27
1
0,2
Total
514
100,0
111
A existência de apenas um boletim de ocorrência (e respectivo processo)
para determinado sujeito resulta em que as variáveis idade no primeiro boletim de
ocorrência e idade no último boletim de ocorrência refiram-se ao mesmo boletim de
ocorrência (sendo ele, ao mesmo tempo, o primeiro e o último). Assim, para não
reincidentes, a idade no primeiro boletim de ocorrência será a mesma daquela no
último boletim de ocorrência. Observa-se, na tabela das idades no último boletim de
ocorrência, que a menor idade é a de 15 anos. Isto significa que todos os adolescentes
(totalizando 34 sujeitos, ou 21,5%) que tiveram o primeiro boletim de ocorrência
entre 11 e 14 anos, reincidiram.
Aos 15 anos, apenas um sujeito (0,6%) não reincidiu, e 23 (14,6%)
reincidiram. Aos 16 e 17 anos, reincidência e não reincidência se equilibram mais,
sendo que aos 16 a maioria (22, ou 14% do total de sujeitos) é reincidente (contra 14,
ou 8,9% de não reincidentes) e, aos 17 anos, a maioria (37, ou 23,6%) é não
reincidente (contra 24, ou 15,4%, do total de sujeitos). Os casos de 24 e 27 anos são
de não reincidentes.
Abaixo, está a tabela 12, da participação por idade (sendo a participação
igual ao número de sujeitos tendo boletins de ocorrência registrados, e que tenham
originado processos no CIJI, em determinada idade). Observe-se que nesta tabela não
é possível verificar n, ou número total, de sujeitos, uma vez que o mesmo sujeito
pode contar como participante em mais de uma idade. A título de exemplo, se um
sujeito teve registrado dois boletins de ocorrência, um aos 12 e um aos 14 anos, este
sujeito contará como participante nestas suas idades. Considerando as idades
legalmente consideradas como sendo da adolescência, para fins de processo
infracional, que são as de 12 a 17 anos, observa-se que a participação sempre
aumenta conforme a idade, mas não de forma gradual, aumentando expressivamente
112
aos 16 e, principalmente, aos 17 anos. Nesta última idade, 124 (79%) sujeitos
apresentam participação, o que torna esta idade a mais intensa em número de sujeitos
sendo alvos de boletins de ocorrência que originem processos infracionais no CIJI.
Tabela 12 mero de sujeitos do sexo masculino que tiveram boletins de ocorrência
registrados, por idade
IDADES
PARTICIPAÇÃO
11
1
12
5
13
15
14
26
15
45
16
74
17
124
18
4
24
1
27
1
Conforme o critério utilizado nesta pesquisa para aferição das gravidades
das infrações processadas, tem-se a possibilidade de saber a freqüência em que
infrações de determinadas gravidade foram processadas. Na tabela 13 podem ser
observadas estas freqüências. Algumas gravidades se destacam em freqüência, mas
não se pode observar um gradação entra as freqüências conforme a gradação da
gravidade.
Considerando os dados descritivos em conjunto, pode-se dizer que dentro
de uma diversidade de tipos de infrações, são relativamente poucas as que se
destacam em freqüência e que, embora os reincidentes sejam a maioria, não são
muitos os sujeitos que apresentam as mais altas freqüências de participação em
processos infracionais, e também poucos são mais “versáteis” em tipos de infrações
processadas. A maioria das ocorrências está entre os adolescentes com 17 anos na
data de seu último boletim de ocorrência. Aos 17 anos, também, se observa o maior
número de sujeitos participando de processos. As gravidades se observam
113
distribuídas de maneira não gradual, em termos de freqüência. Têm-se, assim, em
geral, muitos sujeitos reincidentes, sendo processados por algumas infrações,
correspondentes a alguns poucos tipos diversos, especialmente no final da
adolescência.
Tabela 13 Freqüência de infrações processadas segundo a sua gravidade
Gravidade
Freqüência
Percentual
600
1
0,2
312
10
1,9
240
1
0,2
216
50
9,7
192
3
0,6
180
3
0,6
168
86
16,7
156
2
0,4
108
4
0,8
72
19
3,7
60
124
24,1
48
5
1,0
36
14
2,7
30
57
11,1
28
1
0,2
27
3
0,6
26
2
0,4
18
1
0,2
15
46
8,9
14
3
0,6
7
29
5,6
6,5
1
0,2
4
2
0,4
3,5
2
0,4
0
15
2,9
Gravidade
indeterminada
30
5,8
Total
514
100,0
3.2 Cruzamentos entre variáveis
Cruzando-se a idade de cada sujeito no primeiro boletim de ocorrência,
que tenha gerado um processo infracional no CIJI de Ribeirão Preto, com as
114
infrações processadas, é possível verificar a freqüência em que aos sujeitos foi
atribuído cada tipo de infração, dependendo daquela idade. Em outras palavras, sabe-
se por quais infrações e quantas vezes os sujeitos que tiveram seus primeiros boletins
de ocorrência em determinada idade foram processados. O mesmo tipo de
cruzamento pode ser feito considerando-se as subcategorias de infrações ou as
categorias de infrações.
Entre as idades de 11 a 17 anos, na data do primeiro boletim de
ocorrência, apenas duas infrações se destacam como as mais freqüentes, sendo elas o
roubo (sendo a processada por mais vezes para as idades de primeiro boletim de
ocorrência em 11, 12, 14 e 15 anos) e o furto (sendo esta processada por mais vezes
para as idades de primeiro boletim de ocorrência em 12, 13, 16 e 17 anos). Note-se
que para a idade de primeiro boletim de ocorrência igual a 12 anos, a quantidade de
furtos e roubos é a mesma (5). nos 16 anos, a freqüência é quase igual, sendo o
furto superior em uma ocorrência. Outras infrações se destacam, em alguns casos, o
porte de droga, para idade de primeiro BO aos 13 anos; o tráfico nos 13, 15 e 17
anos; e a lesão corporal, nos 14 anos. Apresenta-se tabela com freqüências das
infrações mais destacadas (tabela 14).
Os resultados se confirmam nas subcategorias, onde as mais freqüentes
são as infrações de furto/receptação, de roubo/extorsão/latrocínio, e de drogas.
Particularmente para a idade de primeiro BO aos 14 anos, as infrações de lesão/vias
de fato também se destacam. Na divisão por categorias, as infrações contra o
patrimônio se destacam em quase todas as idades de primeiro BO (12 a 16 anos).
Nos 11 e nos 17 anos são as infrações com vítima indeterminada (da qual fazem
parte as infrações de drogas) que se destacam. Novamente confirmando os
resultados, as infrações contra a integridade física ou moral da pessoa (da qual fazem
115
parte as infrações de lesão/vias de fato) se igualam à infrações com vítima
indeterminada aos 14 anos de idade no primeiro BO.
Tabela 14 Freqüências de fatos processados conforme a idade na data do primeiro boletim de
ocorrência (n=514)
Idade
Infração
11
12
13
14
15
16
17
24
27
Total
FURTO
0
5
39
12
17
23
18
0
0
114
ROUBO
4
5
9
19
19
22
6
0
0
84
PORTE DE DROGA
1
1
13
11
11
10
9
0
0
56
TRÁFICO
3
2
12
4
12
6
12
0
0
51
LESÃO CORPORAL
1
0
7
16
4
11
2
0
1
42
FATO ATÍPICO
0
0
0
2
0
0
2
0
0
4
OUTRAS INFRAÇÕES
4
2
14
29
20
24
42
1
0
136
PERDAS (INFRAÇÕES
DESCONHECIDAS)
0
3
4
10
6
3
1
0
0
27
TOTAL
13
18
98
103
89
99
92
1
1
514
Importante também verificar as freqüências de processamento de
infrações segundo a idade que tinha o adolescente no momento do fato a ele
atribuído. Este tipo de cruzamento também pode ser feito considerando as
subcategorias e categorias de infrações. Grande parte dos fatos foram processados
quando os adolescentes a quem eles foram atribuídos tinham de 13 a 17 anos. Desde
os 11 até os 17 anos, na data do BO, a freqüência de infrações sempre aumenta,
apresentando valores destacados aos 16 e 17 anos. Enquanto entre 11 e 12 apenas
8 infrações, entre 16 e 17 anos 364, ou seja, mais da metade dos 514 fatos
processados estão nas idades finais da adolescência. Furto, roubo, porte de droga e
tráfico, novamente se destacam, sendo o furto o mais freqüente aos 13, 14, 16 e 17
anos, e o roubo aos 14 (empatando com furto) e 15 anos. O tráfico aparece como
116
mais freqüente aos 12 anos, apesar de nesta idade haverem apenas 7 infrações e
sendo apenas 2 de tráfico. O tráfico também se destaca aos 15 e aos 17 anos. Já o
porte de droga se destaca aos 17 anos. A idade de 11 anos apresenta somente uma
infração, a de porte de arma (1997).
Apresenta-se a seguir tabela com freqüências das infrações mais
destacadas (tabela 15).
Tabela 15 - Freqüências de fatos processados conforme a idade na data do boletim de ocorrência
respectivo (n=514)
Idade
Infração
IDADE
IGNORADA*
11
12
13
14
15
16
17
18
24
27
Total
FURTO
0
0
1
5
8
11
44
44
1
0
0
114
ROUBO
0
0
1
4
8
16
25
30
0
0
0
84
PORTE DE DROGA
0
0
0
4
5
7
15
25
0
0
0
56
TRÁFICO
0
0
2
2
1
11
7
27
1
0
0
51
LESÃO CORPORAL
0
0
0
2
4
6
10
18
1
0
1
42
FATO ATÍPICO
0
0
0
0
0
0
0
4
0
0
0
4
OUTRAS INFRAÇÕES
5
1
1
6
8
9
34
70
1
1
0
136
PERDAS (INFRAÇÕES
DESCONHECIDAS)
0
0
2
2
6
6
7
4
0
0
0
27
TOTAL
5
1
7
25
40
66
142
222
4
1
1
514
* A presença de idades ignoradas se justifica pela ausência de algumas datas de boletim de ocorrência.
Nas subcategorias, as infrações de drogas dominam aos 12, 13 e 15 anos,
mas a partir dos 13 anos, se destacam também as infrações de furto/receptação (aos
13), sendo as mais freqüentes aos 14, 16 e 17, além das infrações de
roubo/extorsão/latrocínio, sendo as mais freqüentes aos 14 anos (juntamente com as
de furto/receptação) e se destacando também aos 15, 16 e 17 anos. Atenção deve ser
dispensada nos 16 e 17 anos, por aparecerem juntas as três subcategorias (drogas,
furto/receptação, roubo/extorsão/latrocínio) como as mais destacadas.
117
nas categorias, confirmando os resultados, as infrações com vítima
indeterminada (incluídas as de drogas) e as contra o patrimônio se destacam. Deve-se
observar, no entanto, que, aos 14 e aos 16 anos, as infrações contra o patrimônio
parecem se destacar de forma mais veemente frente às demais categorias.
Como visto, dos 157 sujeitos do sexo masculino, desta pesquisa, 54 não
são reincidentes, ou seja, a eles foi atribuído no máximo 1 fato. Na tabela 16, pode-se
notar que entre os reincidentes, o máximo de infrações processadas e atribuídas a um
mesmo sujeito totaliza 27. Mas a maior parte dos sujeitos reincidentes (92, de um
total de103 reincidentes) foi processada por de 2 a 7 infrações. Ou seja, apenas 10
sujeitos chegaram a ser processados por mais de 7 infrações, até um máximo de 15. E
apenas um sujeito chegou a ser processado por 27 infrações.
Tabela 16 Freqüência de fatos processados conforme a idade na data do primeiro boletim de
ocorrência (n=157)
Núm. de infrações
Idade
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
13
15
27
Total
11
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
12
0
0
1
0
1
1
0
1
0
0
0
0
0
0
0
4
13
0
0
1
1
1
0
3
1
2
0
1
1
0
0
1
12
14
0
0
0
3
5
4
0
0
1
2
0
1
0
1
0
17
15
0
1
4
10
3
1
2
3
0
0
0
0
0
0
0
24
16
0
14
5
4
7
2
3
1
0
0
0
0
0
0
0
36
17
2
35
19
4
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
61
24
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
27
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Total
2
52
30
22
17
9
8
6
3
2
1
2
1
1
1
157
Pelas subcategorias e pelas categorias de infrações (tabelas 17 e 18),
nota-se que um número maior de sujeitos é processado por um número reduzido de
subcategorias e categorias diferentes. Isto não apenas confirma os resultados quanto
ao número de infrações processadas, como permite notar que menos sujeitos
118
apresentam maior variação em subcategorias e categorias de infrações a eles
atribuídas. A mais da metade dos sujeitos (116) foram atribuídas infrações
pertencentes a apenas duas subcategorias de infrações. E também a mais da metade
(86) foram atribuídas infrações pertencentes a apenas uma categoria de infração. Este
é um resultado que pode corroborar com os destaques verificados nas freqüências de
infrações por idade na data do BO.
Tabela 17 - Freqüência de subcategorias de infrações processadas conforme a idade na data do
primeiro boletim de ocorrência (n=157)
Núm. de subcat.
Idade
0
1
2
3
4
5
6
Total
11
0
0
0
0
0
0
1
1
12
0
2
0
2
0
0
0
4
13
0
1
2
3
4
2
0
12
14
0
1
9
2
0
4
1
17
15
0
4
8
8
1
2
1
24
16
0
17
13
3
3
0
0
36
17
2
42
15
2
0
0
0
61
24
0
1
0
0
0
0
0
1
27
0
1
0
0
0
0
0
1
Total
2
69
47
20
8
8
3
157
Tabela 18 - Freqüência de categorias de infrações processadas conforme a idade na data do
primeiro boletim de ocorrência (n=157)
Núm. de categ.
Idade
0
1
2
3
Total
11
0
0
0
1
1
12
0
2
2
0
4
13
0
1
8
3
12
14
0
5
7
5
17
15
0
7
11
6
24
16
0
21
10
5
36
17
2
48
10
1
61
24
0
1
0
0
1
27
0
1
0
0
1
Total
2
86
48
21
157
119
Considerando os cruzamentos das variáveis em conjunto, pode-se dizer
que as infrações mais freqüentes podem se destacar umas sobre as outras conforme a
idade do sujeito na data do seu primeiro BO e também na data do BO relativo a cada
infração processada. A maioria dos reincidentes chegou até 7 infrações processadas
e, novamente, a “versatilidade” se mostra reduzida. Observando subcategorias e
categorias de infrações, a “versatilidade” também se mostra reduzida, mesmo nas
idades (no primeiro BO) de mais freqüência de infrações processadas.
3.3 Correlações entre algumas variáveis
Seguindo o passo dos resultados apresentados, convém apresentar os
coeficientes de correlação não paramétricos do Spearman, quanto às variáveis mais
importantes na medida em que se destacaram, conforme apresentado.
Assim, para os adolescentes do sexo masculino, a idade no primeiro
boletim de ocorrência apresenta correlação negativa forte (r = -0,72; p < 0,001) com
o número de fatos processados, de modo a poder-se afirmar que um início de
contatos policiais e judiciais precoce (mais cedo) indica um número maior de
processos na adolescência. A idade no primeiro boletim de ocorrência tem correlação
negativa forte (r = -0,87; p < 0,001) com a amplitude entre as idades no primeiro e
no último boletins de ocorrência, o que significa que aquele início mais cedo pode
indicar que o adolescente seria processado por mais tempo, na adolescência.
Dada a correlação positiva forte entre a amplitude entre as idades no
primeiro e no último boletins de ocorrência e o número de fatos processados (r =
0,85; p < 0,001), então a maior amplitude não indica mais tempo participando de
processos, como indica também um número maior de processos.
120
Em síntese, um início (de participação em processos) mais cedo na
adolescência dos meninos processados, pode corresponder a mais tempo participando
de processos e a um número maior de processos, durante a adolescência.
Tomando-se a amplitude entre as gravidades da primeira e da última
infrações processadas, esta amplitude não apresenta correlação com a idade de início
(r = 0,04; p = 0,61), a não ser um fraca tendência praticamente nula de
abrandamento, na medida em que o início se observe como sendo mais precoce. Se
este dado for unido ao fato de que a participação dos sujeitos em processos
infracionais se refere a uma variedade de fatos, dentre os quais se destacam poucos
tipos de infrações e, além disso, que a variedade de fatos atribuídos aos adolescentes
é, em geral, reduzida, então pode-se perceber um certo equilíbrio, ou mesmo uma
constância no processamento de fatos no tempo da adolescência, sendo mais difícil,
portanto, vislumbrar alguma escala ou abrandamento de gravidade entre a infração
constante do primeiro boletim de ocorrência e aquela constante do último, devendo-
se alertar, no entanto, que não se têm presentes análises relativas às mudanças
intermediárias nas gravidades das infrações processadas.
4 Discussão
Das descrições, cruzamentos feitos e verificação de associações
existentes entre variáveis, destaca-se alguns resultados. Observou-se que um número
reduzido de tipos de infrações se sobressai dentre o rol dos atos pelos quais os
adolescentes estudados são processados, sendo elas: furto, roubo, tráfico de drogas,
porte de droga e lesão corporal. São duas infrações relativas a patrimônio, sendo a
diferença entre elas a presença de violência; duas infrações relativas a drogas; e uma
121
relativa à integridade física da vítima. Isto que dizer que apenas três conjuntos de
tipos infrações se destacam perante os demais tipos.
A discussão que se pode fazer, a partir disso, remete a alguns
questionamentos anteriores: seriam essas as infrações mais comuns, praticadas mais
vezes pelos adolescentes? Ou seriam essas as infrações mais reportadas e sobre as
quais a polícia está mais apta a conhecer e contra as quais está mais equipada a
combater?
Não é possível saber, aqui, qual ou quais desses significados são
verdadeiros. Mas é possível notar que as infrações que se destacam são aquelas que
mais ocuparam os procedimentos do Estado, ao menos entre os dados desta pesquisa,
indicando, desde logo, os tipos de infrações mais importantes a serem estudados e
analisados em outras pesquisas, além de poderem ser tomados como referência para
novas políticas públicas a eles direcionadas.
É importante notar que o destaque numérico que alcança tais categorias
de delitos praticadas por adolescentes vai ao encontro dos resultados encontrados por
Toledo e Bazon (2005), que estudaram a evolução da delinqüência juvenil, no estado
de São Paulo, entre os anos de 1950 e 2002, com base nos arquivos referentes ao
acompanhamento de adolescentes infratores, da Fundação CASA.
Infrações, subcategorias e categorias de infrações apresentam pequena
variação para grande parte dos sujeitos. Em outras palavras, muitos adolescentes
foram processados, cada um deles, por uma variedade pequena de fatos, e esta
pequena variedade se reflete tanto nas infrações, quanto nas subcategorias e
categorias de infrações. Usando a linguagem do estudo das carreiras criminosas, é
possível dizer que, considerando os fatos processados, são poucos sujeitos os mais
122
versáteis, e mais sujeitos são mais especializados. Isto não quer dizer que os sujeitos
preferem praticar determinadas infrações, pois o banco de dados não permite fazer
esta inferência. A “especialização” aqui discutida pode ser resultante do que acima
foi anotado, ou seja, o destaque para poucos tipos de infrações (furto, roubo, tráfico,
porte de droga e lesão corporal), seguida da “reincidência” por reduzidas vezes. Se é
o poder público que direciona sua ação para determinados tipos de infração, um
número reduzido de processos provavelmente recairá sobre poucos tipos de infração.
Assim, se grande parte dos sujeitos são processados em número reduzido de vezes,
também grande parte deles será mais “especializada”. Por outro lado, a
“versatilidade” é um ponto importante de estudo, pois se ela está relacionada a
sujeitos com mais processos, talvez a maior variabilidade entre as infrações
processadas reflita justamente um maior número de processos. Em outras palavras,
tanto o alto número de processos pode estar relacionado com a variedade de
infrações envolvendo questões como probabilidade ou mesmo experiência
delituosa como, inversamente, a variedade de infrações pode estar relacionada com
o alto número de processos envolvendo questões como a influência do fato sobre
outros fatos.
Na presente investigação, destaca-se também o fato de que grande parte
dos sujeitos da pesquisa “reincidiu” pelo menos uma vez. Quer-se dizer, foram
processados mais de uma vez. Mas uma grande parte dos sujeitos “reincidentes” foi
processada em número reduzido de vezes. Embora a maioria talvez de fato cometa
um número pequeno de infrações e por elas seja processada, talvez o período da
adolescência seja curto demais para que se possa computar muitos processos
infracionais para um adolescente, levando-se em conta todos os filtros que existem
diferenciando criminalidade real e oficial.
123
Todos os sujeitos com idade no primeiro boletim de ocorrência entre 11 e
14 anos são “reincidentes”, ou seja, possuem mais de um processo infracional. Este é
um dado de suma importância, pois denota a força que pode ter a idade no primeiro
contato com a polícia e o judiciário frente a novos contatos posteriores. Este é mais
um dado que sugere atenção em posteriores estudos, especialmente sobre as causas
dessas “reincidências”.
A maior parte dos sujeitos teve o último boletim de ocorrência registrado
em seus 17 anos, sendo que a maior parte das infrações foi praticada por estes
mesmos sujeitos. Isso não quer dizer que estes sujeitos tiveram mais tempo, na
adolescência, para serem alvos de processos infracionais, inclusive porque a média e
a mediana da diferença entre as idades no primeiro e no último boletim de ocorrência
é de pouco mais de 2 anos. Este dado, juntamente com o fato de que a participação
(número de sujeitos processados em determinada idade) se torna muito mais forte aos
16 e 17 anos, indica o final da adolescência como ponto onde lançar atenção para a
freqüência de fatos processados.
Retomando as últimas considerações, tem-se, em síntese, o início da
adolescência como ponto importante para a discussão da “reincidência”, e o final da
adolescência para a discussão da freqüência, ainda que aqui se esteja falando muito
mais de fatos processados do que de infrações realmente praticadas.
A partir de apontamentos da literatura internacional, pode-se fazer alguns
paralelos, considerando-se, entretanto, as diferenças de escopo da presente
investigação e essas.
Os principais resultados aqui obtidos parecem estar de acordo com o que
a literatura internacional traz. É assim que Smith e McVie (2003) denotam que a
124
variedade na delinqüência e o seu volume estão altamente correlacionados, sendo,
para eles, volume da delinqüência o mesmo que o “número total de vezes que o
respondente se envolveu em um dos comportamentos delinqüentes” (p. 184).
Conforme Farrington et al. (2003), a prevalência da delinqüência
aumenta em geral conforme a idade. Além disso, segundo tais autores, nos auto-
relatos, o aumento da prevalência dos delitos mostra-se constante, mas as idade entre
12 e 13 anos mostram um aumento de prevalência mais acentuado de registros
oficiais (court referrals, no caso) o que, pare eles, pode ser indício de relutância em
enviar para a justiça juvenil jovens naquelas idades, talvez por serem muito novos. A
freqüência ao longo das idades permanece constante nos registros oficiais, mas
aumenta nos auto-relatos.
O autor também sublinha que tanto em registros oficiais quanto em auto-
relatos, metade dos delitos praticados foi de responsabilidade de um pequeno número
de infratores (esses delinqüentes são chamados crônicos).
Tal como no presente estudo, quanto mais cedo o início, maior o número
de delitos praticados. Entre 11 e 12 anos e entre 13 e 15 anos observou-se aumento
acentuado na probabilidade de o infrator ser enviado à justiça. Nos registros oficiais,
um início cedo, entre 11 e 12 anos, indica maior freqüência no futuro.
Segundo se no ensaio de Piquero et al. (2003), algumas descobertas,
dentre os trabalhos que os autores revisamb, poderiam ser consideradas como de uma
relação interessante com os resultados da presente pesquisa: a alta relação entre idade
e crime; declínio nos níveis individuais de crime, conforme a idade aumenta; início
mais cedo, significando carreira mais longa e persistente; estabilidade, onde o
comportamento anti-social passado significaria comportamento anti-social futuro;
125
pequena porcentagem de delinqüentes responsáveis pela maioria dos delitos; pequena
tendência à especialização em determinadas ofensas; idade de início muito
relacionada com a criminalidade persistente e grave; a prevalência anual crescendo
até os 17 anos (e depois caindo); crimes violentos ocorrendo quase aleatoriamente,
em carreiras criminosas; pequeno número de infratores crônicos; idade-pico aos 17
anos (considerando entrevistas até os 32 anos); declínio de ofensas violentas com a
idade..
Deane et al. (2005), estudando a especialização entre delito violentos e
delitos não violentos, encontram evidências de que forte especialização, onde
quem pratica um tipo de ato (violento ou não violento) provavelmente praticao
mesmo tipo de ato, em caso de delitos subseqüentes. Quando a generalização aparece
(prática de atos violentos e não violentos), esta ainda é muito fraca, frente às
evidências relativas à especialização. No passo dos delitos violentos/não violentos,
Massoglia (2006) destaca que a maioria dos indivíduos, em vez de desistir
completamente, passam de um comportamento violento para um não violento no
caso, o comportamento não violento é representado pelo uso de substâncias.
Segundo Kirk (2006), o início mais cedo (quando medido por prisão, ou
arrest) relaciona-se com um comportamento persistente e também com uma
criminalidade grave. No mesmo sentido, Ezell (2007) percebendo que um início
oficial mais cedo corresponde a uma carreira mais longa. Francis et al. (2007)
descobrem que a primeira condenação aparece como de grande importância para
estimar a duração de uma carreira, sendo a idade, nesta primeira condenação, uma
variável em destaque. O início mais cedo como indicativo de uma carreira mais
longa também é denotado por Piquero, Brame e Lynam (2004).
126
Nesse sentido, Haarpen et al. (2007) afirmam que a resistência dos
infratores persistentes a diversas formas de controle social mostrou-se surgindo cedo
na vida deles. Segundo os autores, seu artigo não verifica causas dessa resistência,
mas os resultados apontam para aquele início de resistência cedo.
Destoando um pouco do conjunto, Sampson e Laub (2003) percebem que
o crime declina na medida em que a idade avança. E, ainda, Delisi e Scherer (2006),
que desafiam os postulados teóricos e empíricos desenvolvidos nas pesquisas sobre
carreiras criminosas, quando neste trabalho estuda homicidas (no caso, infratores
com históricos de vários homicídios), verificando com surpresa, por exemplo, um
início de prisões mais tardio, além de não se observarem entre o início e o crime
efeitos significativos, dentre esses multi-homicidas.
Em síntese, os resultados sobre assuntos pertinentes encontrados na
literatura internacional pesquisada, embora não possa ser comparada linearmente aos
resultados da presente pesquisa, ainda assim os corroboram em alguma medida e
servem para a indicação dos pontos importantes a serem estudados em pesquisas
futuras.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se esta pesquisa de Mestrado acreditando que ela sirva, de
alguma forma, como contribuição ao estudo da criminalidade e da delinqüência,
especialmente em seu aspecto desenvolvimental.
A pergunta que pairou durante todo o estudo, e que se inseriu dentre os
objetivos empíricos da presente pesquisa, foi a seguinte: Existem padrões de
carreiras criminosas entre os adolescentes participantes do grupo pesquisado? A
resposta a essa pergunta deve ser considerada no contexto das críticas feitas à fonte /
qualidade dos dados com os quais se trabalhou.
Sobressai-se, neste trabalho, o fato de os chamados registros oficiais, que
são as informações criminais mantidas pelo Poder Público e, no caso específico
desta pesquisa, os processos judiciais infracionais do CIJI de Ribeirão Preto, os
boletins de ocorrência neles contidos e o terminal eletrônico com informações
processuais da mesma CIJI não serem elaborados com o rigor desejável às
pesquisas científicas sobre criminalidade.
No entanto, os mesmos registros são passíveis de ser utilizados pelo juiz
ou pelo promotor de justiça com a finalidade de tomar ou propor decisões a respeito
de atos infracionais e seus supostos autores.
É certo que o processo judicial infracional em papel (ou seja, os autos
processuais propriamente ditos), contém mais informações sobre o fato processado
do que o terminal eletrônico. Este último, portanto, não é a reprodução de todas as
informações processuais em formato digitalizado. Ocorre que os autos processuais
também têm falhas que prejudicam o conhecimento detalhado do fato processado.
128
Processos infracionais sem defesa do adolescente supostamente autor do ato
infracional processado por advogado ou defensor público, juntamente com a
sentença de remissão formam um conjunto em que se torna difícil (ou, por vezes,
impossível) saber se o adolescente processado foi o responsável pelo fato
processado, e mesmo se o fato processado realmente existiu. Um processo realizado
desta forma parece estar conforme a legislação, que o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA 126 e 127) prevê a remissão, a possibilidade de sua concessão
antes do procedimento judicial de apuração de ato infracional e independentemente
da consideração acerca da responsabilização do adolescente processado. Esta
possibilidade legal é, aparentemente, utilizada pelo Judiciário e pelo Ministério
Público como servindo à celeridade, talvez devido ao fato de que o Estado lhes
mais trabalho do que podem suportar.
Ao se valer de processos infracionais anteriores de um adolescente, a fim
de propor ou decidir com mais fundamento, promotor e juiz poderiam, ao menos,
consultar os autos processuais respectivos, sendo melhor fonte do que o terminal
eletrônico. Mas, na esteira da celeridade, talvez seja muito dispendioso consultar
autos em papel, especialmente quando existirem muitos processos anteriores do
adolescente em questão. O sistema de arquivamento processual (com fim em Jundiaí)
retira do alcance os processos em papel arquivados. E, mais uma vez, a celeridade
exige que se consulte o que estiver disponível de forma mais rápida no caso, o
terminal eletrônico.
No terminal eletrônico, podem ser identificados ainda outros problemas,
como datas de nascimento diferentes entre diversos processos relativos a um mesmo
sujeito, infrações desconhecidas (seja porque não preenchidas, seja porque
preenchidas de acordo com um categoria infracional em vez de ser de acordo com
129
o tipo penal específico de referência , seja no caso de preenchimentos incompletos
por exemplo, uma seqüência de infrações, em um mesmo processo, sendo registrada
como uma única infração), sentenças ignoradas e, especialmente, datas do fato
ignoradas. Outro problema é que o terminal eletrônico possui somente informações a
respeito de processos realizados no CIJI de Ribeirão Preto, o que impossibilita o
conhecimento de outros fatos pelos quais os adolescentes fossem eventualmente
processados em outras comarcas.
Os problemas presentes na fonte de dados, especialmente estes
problemas presentes no terminal eletrônico, servem para questionar a validade de
pesquisas que neles se baseiem sem considerações sérias sobre a fonte em si. Para o
estudo de carreiras criminosas, que exige grande precisão quanto à prática de
infrações, o banco de dados, construído com base nas informações coletadas em tal
fonte é frágil.
Os registros oficiais sobre criminalidade são importantes. Eles são o
acervo do Estado a respeito dos fatos criminais ocorridos. É através dos registros
oficiais que o Estado poderá construir políticas públicas criminais e de segurança em
sentido amplo, ou mesmo operações policiais pontuais. A partir do momento em que
as informações são desprezadas ou quase suprimidas (com arquivamentos a
quilômetros de distância e preenchimentos incompletos, por exemplo), o Estado abre
mão do que é primordial para o conhecimento da criminalidade e para o seu
enfrentamento.
Quer dizer, os dados da presente pesquisa não permitem o conhecimento
da carreira criminosa real dos adolescentes, e também torna limitado o conhecimento
130
criterioso de uma carreira criminosa oficial, que as falhas da fonte denotam
precariedade nas informações oficiais.
Em se considerando tais críticas, buscou-se coletar e organizar o banco
de dados para apresente investigação da forma mais rigorosa possível, o que tornou
possível o estudo de algumas variáveis e alguns cruzamentos entre elas,
considerando muito mais os fatos processados, em vez de infrações cometidas.
Nesse sentido, pode-se dizer que o banco de dados acaba representando a atividade
infracional que move o Estado e como essa é vista por este, talvez não
correspondendo aos fatos reais ou a infrações realmente cometidas por determinados
adolescentes.
Existem resultados que indicam sobre o que o Estado tem se ocupado
mais, em termos de processos infracionais contra adolescentes do sexo masculino,
sugerindo enfoques para novos estudos e recomendando seja melhorada a forma
como o Estado lida com as informações criminais.
Vale também ressaltar que o contato com os escritos da ciência
internacional relativa às carreiras criminosas e trajetórias desenvolvimentais
despertou o pesquisador para o fato de que não é possível desenvolver uma pesquisa
nesta área sem investimento multidisciplinar. Isto deve ser entendido não apenas
como a busca por informação científica na literatura de várias disciplinas, mas
também, e principalmente, a comunhão de esforços desde o planejamento dos
estudos respectivos. Somente assim, algum dia no Brasil será possível responder
adequadamente à pergunta sobre padrões de carreiras criminosas.
A partir de uma perspectiva mais reflexiva, é possível pensar que talvez o
próprio Estado, em seu descaso para com as informações criminais e sua
131
desorganização burocrática que satura os cartórios e tribunais, superlota as prisões e
perde o controle sobre a corrupção, esteja ele mesmo criando padrões de
criminalidade, onde convém o caos das informações oficiais para que o Estado não
ateste contra si mesmo. É neste ponto que a ciência deve entrar, com o rigor que lhe é
próprio, propondo mudanças fundamentadas e contribuindo para o bem comum.
132
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139
Anexo I
FORMULÁRIO PARA PREENCHIMENTO DE DADOS
Data de preenchimento
Dados pessoais
Nome
Sexo
1-M; 2-F; 9-Ignorado.
Data de nascimento
Documento (especificar também o tipo de documento)
Nome do Pai
Nome da Mãe
Endereço (rua, bairro, cidade, estado)
Estado civil
1-solteiro; 2-amasiado; 3-casado; 4-separado; 5-divorciado; 9-ignorado
Cor
1-branca; 2-preta; 3-amarela; 4-parda; 5-indígena; 6-outra; 9-ignorada
Escolaridade
0-nunca estudou; 1-não estuda atualmente; 2-estuda atualmente; 9-
ignorado.
- Incluir a série escolar.
A infração e o processo
Fonte
1-processos gerais; 2-processos arquivados; 3-terminal
Nº da caixa de arquivo, se for o caso:
Número do processo e data do processo
Infração cometida
Ver lista a parte.
Data da Infração
Data do Boletim de Ocorrência
Local da infração:
Vítima
0-pessoa indeterminada; 1-pessoa física; 2-estabelecimento comercial; 3-
pessoa física e estabelecimento comercial; 4-outra; 9-ignorado
Elemento subjetivo e tentativa
- 1-dolo, consumado; 2-dolo, tentativa; 3-culpa; 4-preterdolo; 9-ignorado.
USO DE ARMA pelo adolescente?
- 0-não; 1-arma de fogo; 2-arma sem fogo; 3-ambos tipos de arma; 4-ign.
tipo de arma; 9-ign. se usou arma.
CO-AUTORIA Menor de 18 anos.
- 0-sem co-autoria; 1-sem arma; 2-arma de fogo; 3-arma sem fogo; 4-ambos
tipos de arma; 5-tipo de arma ign.; 6-ign. se teve arma; 9-ign. se teve co-
autoria.
CO-AUTORIA Maior de 18 anos.
- 0-sem co-autoria; 1-sem arma; 2-arma de fogo; 3-arma sem fogo; 4-ambos
tipos de arma; 5-tipo de arma ign.; 6-ign. se teve arma; 9-ign. se teve co-
autoria.
CO-AUTORIA Idade ignorada.
- 0-sem co-autoria; 1-sem arma; 2-arma de fogo; 3-arma sem fogo; 4-ambos
tipos de arma; 5-tipo de arma ign.; 6-ign. se teve arma; 9-ign. se teve co-
autoria.
Houve violência?
- 0-não; 1-somente violência física; 2-somente violência moral; 3-ambos
tipos de violência; 4-violência presumida; 9-ignorado.
REPRESENTAÇÃO pelo Ministério Público
- 0-não houve representação; 1-houve representação; 9-ignorado
SENTENÇA
- 0-processo não concluído; 1-condenação; 2-absolvição; 3-remissão; 4-
parcialmente procedente; 5-arquivamento; 6-outra solução; 9-ignorado.
MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
ADVERTÊNCIA
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
LIBERDADE ASSISTIDA
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
REGIME DE SEMILIBERDADE
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
INTERNAÇÃO
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
MEDIDA DE PROTEÇÃO
- 0-não foi aplicada; 1-foi aplicada; 9-ignorado.
Em caso de internação, qual o período?
De:
Até:
- 0-não houve internação; 1-houve internação; 9-ignorado.
Observações:
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