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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
JÚLIO DE MESQUITA FILHO
INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES
MESTRADO
HÉLIO OITICICA:
ANTROPÓFAGO DE SI MESMO
MARCELO PINOTTI MALUF
São Paulo
2007
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MARCELO PINOTTI MALUF
HÉLIO OITICICA:
ANTROPÓFAGO DE SI MESMO
Dissertação apresentada ao Instituto de
Artes, da Universidade Estadual Paulista
lio de Mesquita Filho Campus São
Paulo , para obtenção do Título de Mestre
em Artes (Área de concentração: Artes
Visuais, integrada à linha de pesquisa:
Abordagens teóricas, históricas e culturais
da arte).
Orientadora: Profa. Dra. Lóris Graldi
Rampazzo
S
ão Paulo
2007
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A arte é, na verdade, a ponta de lança do
desenvolvimento humano, social, individual. A sua
vulgarização constitui o sintoma mais certo de
declínio ético. O desenvolvimento de uma nova
arte ou mesmo de um estilo radicalmente novo,
sempre revela uma mente jovem e vigorosa, seja
coletiva, seja individual.
A importância cultural da arte
Susanne K. Langer
4
Dedico este trabalho para minha esposa, Daniela
Pinotti Maluf; cúmplice e grande interlocutora das
idéias aqui presentes. Pelas sugestões, estímulo e
diálogo de sempre. Pela presença em minha vida.
5
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Lóris Graldi Rampazzo, por ter abraçado este projeto, pela confiança,
apoio e paciência.
Aos professores Dr. José Leonardo do Nascimento e Dra. Clice Sanjar Mazzili, pelos
comentários e sugestões na qualificação.
Aos companheiros Fábio Superbi, Evill Rebouças, Osvaldo Anzolin, Milena Filócomo,
Leon Bucarecthi e Carol Marielli, por terem ouvidos, paciência e amizade.
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ESUMO
Esta dissertação teve por objetivo aprofundar a discussão sobre o ato criador em Hélio
Oiticica (1937-1980) e o legado da Antropofagia em sua obra no contexto cultural
brasileiro das décadas de 1960 e 1970. Ampliar a compreensão das idéias das
vanguardas Construtivistas dentro do Movimento Neoconcreto e os seus
desdobramentos nas proposições de lio, em especial a questão da participação do
espectador; o sentido de coletividade, de prazer e lazer e da relação arte e vida.
Investigar o comportamento de Oiticica frente ao mundo das artes, sua posição política
e ética, a aproximação de sua atitude criadora com o de outros artistas de sua geração,
o contato com a marginalidade, para uma compreensão de sua presença diante do
contexto histórico e cultural em que atuava. E ainda, discutir o conceito de antiarte
desenvolvido por Hélio, seu processo de desestetização por uma ética do ato criador,
da relação entre o artista e o espectador. Investigando se Oiticica chegou a criar uma
antiarte genuinamente brasileira, sem submissão periférica e como isso se deu naquele
momento histórico. Desenvolver leituras e aproximações sobre a atividade de Hélio
Oiticica dentro do cenário cultural brasileiro e mundial, de sua poética experimental para
um aprofundamento das questões da arte de vanguarda brasileira, em busca de uma
interpretação de sua participação na história das artes visuais e da cultura no Brasil.
Palavras-chave: Hélio Oiticica, Arte brasileira, Cultura brasileira.
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ABSTRACT
This text has the main purpose to deepen the quarrel on the creative act in Hélio Oiticica
(1937-1980) and the legacy of the Anthropophagy in its workmanship in the Brazilian
cultural context of the decades of 1960 and 1970. To inside extend the understanding of
the ideas of the Constructivist vanguards of the Neo-concrete movement and its
unfoldings in the Hélio proposals, special the question of the participation of the
spectator; the direction of collective, pleasure and leisure and the relation art and life. To
investigate the behavior of Oiticica front to the world of the arts, its position politics and
ethics, the approach of its creative attitude with the one of other artists of its generation,
the contact with the marginality, for an understanding of its presence ahead of the
historical and cultural context where it acted. E still, to argue the concept of anti-art
developed for Hélio, its breakning with the aesthetic for ethics of the creative act, the
relation between the artist and the spectator. Investigating if Oiticica it arrived to create a
original Brazilian antiart, without peripheral submission and as this if it gave at that
historical moment. To inside develop readings and approaches on the activity of Oiticica
of the Brazilian and world-wide cultural scene, of its poetical experimental one for a
deepening of the questions of the art of Brazilian vanguard, in search of an interpretation
of its participation in the history of the visual arts and the culture in Brazil.
Key words: Hélio Oiticica, Brazilian Art, Brazilian Culture.
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 9
2. CAPÍTULO 1 ATO CRIADOR E ANTROPOFAGIA 18
3. CAPÍTULO 2 HERANÇA CONSTRUTIVA 41
4. CAPÍTULO 3 ANTIARTE E MARGINALIDADE 64
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 87
6. BIBLIOGRAFIA 91
9
INTRODUÇÃO
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de
calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os
pensamentos
Alberto Caieiro O Guardador de
Rebanhos
A imagem de Hélio Oiticica (1937-1980) deitado na rede me veio no ano de 2003,
quando me deitei numa rede em Cosmococas programa in progress, na Pinacoteca
do Estado de São Paulo, exatamente trinta anos depois do projeto - de Oiticica em
parceria com Neville DAlmeida - que é de 1973. Deitado, diante das imagens de Jimi
Hendrix projetadas na parede, CC5 HENDRIX-WAR - foi que a trama complexa de
Hélio me costurou. Foi, portanto, numa preguiça ativa que pude vislumbrar a poética
de Oiticica. As redes no espaço, de modo a envolver o espectador que se predispunha
a deixar-se levar pela experiência audiovisual ou quase-cinemas como propunha Hélio,
traziam para o ambiente a evocação de referências e ícones de uma geração. As
imagens de Jimi Hendrix desenhadas com cocaína e a música pesada e hipnótica
contrastavam com o estado de preguiça em que me deixava levar. Hélio e Neville
criaram um ambiente de experiência integral, para além da aparente inércia em que me
encontrava. Até hoje percebo reverberações em meu corpo e em minha mente dessa
experiência em Cosmococas.
É a partir dessa experiência que uma imagem específica se manifestou em mim
para que o desejo dessa investigação fosse despertado: a do próprio artista deitado na
rede, experimentando também ele a antropofagia a que submetia o espectador. Só
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mais tarde fui encontrar em Mário Pedrosa a tradução verbal para essa imagem: Hélio
Oiticica, esse formidável antropófago de si mesmo. Frase que utilizo como título desta
dissertação (Hélio Oiticica: Antropófago de si mesmo) por compreender o caminho de
Hélio como herdeiro das idéias antropofágicas, e que serve como uma espécie de mote
para esta investigação.
O modo como Oiticica compreendia a antropofagia, o construtivismo e a antiarte
estava filiado a um pensamento antropofágico, no entanto, de uma antropofagia que se
dava na relação arte/vida dentro do cenário da cultura brasileira. Devorador do outro e
de si mesmo.
Pensar o (anti)artista
*
Hélio Oiticica é compreender um movimento adverso e
múltiplo. Oiticica não se apresentava como uma continuidade obtusa; era devorador e
explosivo. Contradição e coerência. Um delírio que se desorganizava e organizava
numa conquista plena do caos e da ordem. Uma rede de fios soltos, como pavios
prontos para acender e explodir dentro do universo cultural brasileiro e mundial.
A imagem de Oiticica deitado na rede também remete ao estado de prazer, onde
o ser do devaneio e a liberdade poética m permissão para fazer da existência do
(anti)artista um sempre-estar criador. A rede compreendida aqui como invólucro do
corpo, acolhedora e cúmplice deste corpo, envolvente teia que nos seduz.
Na etimologia da palavra rede encontramos: teia, laço, sedução. Sedução que
Hélio praticava em todas as suas proposições; ele queria acolher o espectador-
participador, envolvê-lo num espaço de coletividade. Também havia uma ascensão da
preguiça, da vitória do Homo Ludens sobre o Homo Faber, vital para o processo
*
Todas as vezes que a palavra (anti)artista aparecer no texto estará com esta grafia, pois no caso de
Hélio entendo que o antiartista não está separado do artista. Outras vezes se optará simplesmente
pela palavra artista quando se quiser falar de Oiticica generalizando sua existência como criador.
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criador de Hélio. É neste sentido que Oiticica acreditava no lazer, criava no prazer e
rompia com a estética pela ética.
Estudar e investigar a obra de Hélio é uma experiência sempre arrebatadora e
uma nova descoberta. Escrever sobre suas proposições é algo que exige verve e
músculo. O que vale nesta experiência é estar em contato direto com a nossa
subjetividade.
A idéia de antiarte em Hélio era fundir-se, e transgredir o estabelecido pela
percepção. É imanência; em si, no outro, de si e do outro. E isso não significa esquecer-
se. É sempre na presença que Hélio inventa.
Debruçar-se sobre suas idéias vem sendo, felizmente, o o raro no mundo
acadêmico. No entanto, como é o caso dos grandes artistas, Hélio não se esgota. As
discussões que propôs para a arte brasileira e, mesmo mundial, (já que ao lado de
Lygia Clark vêm ganhando cada vez mais espaço nos circuitos europeu e americano e
influenciando jovens artistas) têm tomado força ao passar dos anos, para uma
compreensão da arte contemporânea no mundo ocidental e, em específico, para uma
reflexão sobre a cultura brasileira e a pós-modernidade.
Será imprescindível reforçar a importância de outros artistas, mais
especificamente, Lygia Clark e Lygia Pape, suas interlocutoras naquele momento, para
uma posição de comprometimento com a atitude do (anti)artista em relação ao sistema
das artes.
Discorrer sobre este tema não foi uma escolha ao acaso. Minha trajetória que
passa pela música e a literatura iniciou-se com a descoberta, aos 15 anos, do
Modernismo de 22, depois da Antropofagia Osvaldiana, chegando ao Concretismo
paulista na literatura, até a Tropicália do grupo baiano. Na década de 1990 fui
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integrante de uma banda de rock experimental chamada Concreteness, onde essas
influências iniciais se fizeram marcantes. Em 2001 fui convidado a integrar a Banda
Performática, liderada pelo artista plástico e multimídia José Roberto Aguilar - grupo do
qual faço parte até hoje - artista que esteve presente na exposição Opinião 65,
realizada no MAM do Rio de Janeiro, emblemática para o período, na qual também
participava Hélio Oiticica.
Portanto, discutir e investigar a presença de Oiticica na cultura brasileira passa
por um caminho do qual me sinto próximo. Um caminho que talvez não esteja com o
afastamento necessário para uma investigação acadêmica, mas que, estando ciente
disso, mesmo assim me propus o desafio da provocação e, talvez, exatamente aí resida
a minha contribuição; numa relevância de abordagem subjetiva, quase poética.
Para tanto pretendo investigar como se deu o processo de desestetização nas
atividades criadoras de Oiticica entre as décadas de 1960 e 1970. Buscarei
compreender a trajetória do artista, não de modo cronológico, mas passando por
conceitos fundamentais para uma investigação de suas proposições: o ato criador, a
estética Neoconcreta, a Antropofagia Osvaldiana, o comportamento marginal e a
posição ética diante do universo cultural brasileiro.
A questão da antiarte em Hélio, a liberdade de suas proposições e sua
aproximação com o mundo dos transgressores sociais (Cara-de-cavalo: amigo de Hélio,
e um dos mais famosos bandidos cariocas na década de 60) são exemplos concretos
de seu desligamento com o establishiment. Ao assumir em suas proposições essa
atitude, Hélio se posicionou como um marginal, (no sentido do transgressor de normas
e regras) e rompeu com a estética pela ética. Neste ponto, Oiticica irá trazer o
espectador para perto de si, (espectador-participador) e dará a ele a condição de co-
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criador de seus trabalhos, questionando, deste modo, o papel do artista como o único e
grande criador, além de abrir a discussão sobre o prazer-lazer num espaço
experimental coletivo de participação e liberdade.
Algumas questões careciam de um maior aprofundamento e a partir delas é que
dou início a esta investigação:
O que era o ato criador em Hélio Oiticica? Era um ato social? Em Hélio o ato
criador vinha carregado de referências históricas do Construtivismo e da Antropofagia
Osvaldiana, como? Como Hélio encarava a posição do artista dentro da sociedade?
Como num país subdesenvolvido se deu uma arte de vanguarda? Como se deu o seu
processo de marginalização dentro do mundo das artes entre as décadas de 60 e 70?
Como se desenvolveu a poética da antiarte no trabalho de Oiticica diante de todas
essas questões? Hélio criou uma antiarte tropical?
Para responder a essas questões entendi ser necessário buscar no artista, o
criador; sua posição diante da arte e da vida, a relação de suas proposições com a
cultura brasileira, com o seu tempo e o desenvolvimento de sua poética. Não tenho com
esse trabalho o objetivo de decifrar ou decodificar a obra de Hélio em sua trajetória e
extensão no tempo, mas de trazer leituras e aproximações com as idéias geradas
nessas obras em sua particularidade dentro do universo cultural brasileiro,
estabelecendo aproximações. Para tanto, não esmiuçarei sua obra nem farei um
trabalho cronológico, o que outros pesquisadores já o fizeram com propriedade. O que
proponho aqui é uma discussão e um olhar fenomenológico sobre a presença de
Oiticica em nossa cultura.
Artistas como Oiticica sempre me tomaram, por sua violência, poder de invenção
e risco. Na verdade, me propus a fazer este estudo por compreender em Hélio o artista
14
anárquico, romântico e revolucionário. Por ser, como diria Ezra Pound, um inventor.
Enfim, no artista me interessa o homem e no homem, o (anti)artista.
Hélio nasceu no Rio de Janeiro em 26 de julho de 1937, foi educado pela mãe,
Angela Oiticica, até os dez anos de idade, pois seu pai, o fotógrafo, pintor, professor e
entomologista José Oiticica Filho, não acreditava no sistema educacional vigente.
Hélio começou sua carreira como artista em 1954, no curso de pintura de Ivan
Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro MAM/RJ. Freqüentou, a partir
daí, as reuniões do Grupo Frente, ao lado de artistas como: Aluísio Carvão, Franz
Weismann, Lygia Pape, Lygia Clark, Abraham Palatnik, entre outros. Nesse momento o
trabalho de Oiticica, assim como o de seus colegas, estava intimamente influenciado
pela arte Construtiva dos russos, pelo Neoplasticismo de Mondrian, pelo Suprematismo
de Malevitch e pelas idéias da Arte Concreta do artista suíço Max Bill com o seu
trabalho Unidade Tripartida, apresentado e premiado na 1ª Bienal de 1951. O Grupo
Frente era composto por artistas cariocas que, mais tarde, se oporia às idéias dos
artistas Concretos de São Paulo, com a chamada Reação Neoconcreta, explicitada no
Manifesto Neoconcreto, escrito pelo poeta e crítico de arte Ferreira Gullar, em 1959.
Hélio, nas décadas de 1960 e 1970, continuaria num processo inquieto de
revisão e invenção, saltando da tela para o espaço, do espaço para o corpo, até a
chegada a desestetização da arte em suas proposições.
Algumas leituras me foram imprescindíveis para o desenvolvimento dessas
idéias. Em primeiro lugar, a coletânea de textos, do próprio Hélio, reunidos em Aspiro
ao Grande Labirinto. É preciso que se diga que Oiticica foi um daqueles artistas que se
debruçou sobre sua produção refletindo a todo o momento o seu processo criativo e
suas idéias; foi um teórico de si mesmo.
15
Neste sentido, alguns críticos que pensaram as proposições de Hélio, de modos
diferentes, ampliaram a minha visão sobre essas questões: Mário Pedrosa, Guy Brett,
Frederico Morais, Ferreira Gullar e Haroldo de Campos. A leitura dos textos destes
teóricos me proporcionou uma reflexão profunda em relação às proposições criativas do
(anti)artista, sua atitude e comportamento; já que todos os três foram seus
interlocutores, entre as décadas de 1950, 1960 e 1970.
A leitura dos textos do poeta e amigo Waly Salomão em seu livro Hélio Oiticica:
Qual é o parangolé? e outros escritos me foi de extrema importância. Salomão enxerga
as proposições de Oiticica de dentro, com a mesma liberdade e espírito do artista. Faz
a leitura do poeta e não a do teórico da arte, além de conter traços biográficos do
artista.
Imprescindível para esta pesquisa foi também a leitura de Eros e civilização texto
de Herbert Marcuse de 1955, que muito influenciou o pensamento de Hélio para o
desenvolvimento dos conceitos de lazer e prazer em suas proposições e da
compreensão do artista como marginal. Ao aproximar-se do texto de Marcuse na
década de 1960, Oiticica digere o pensamento do teórico, o que se percebe em suas
proposições como Crelazer, Éden, Ninhos, Cama-Bólide, Barracão, entre outras.
Não poderia deixar de citar outros nomes importantes para esta dissertação
como: Maurice Merleau-Ponty, Luigi Pareyson, Oswald de Andrade, Umberto Eco,
Celso Favaretto, Aracy Amaral entre outros.
A presente pesquisa é qualitativa, documental e bibliográfica. É preciso que se
entenda que não é possível visitar a obra de Oiticica com o mesmo impacto que teve
em seu momento histórico, portanto, aqui irei me valer de textos críticos do próprio
artista e de seus intérpretes. A minha leitura e percepção, das proposições do artista se
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desenvolverá de modo que a investigação se em sua plenitude pela fidelidade ao
objeto de pesquisa, contando com minha percepção e seus fatos históricos e culturais,
obtendo, desta maneira, uma interpretação e um olhar próprios, pertinentes ao seu
projeto e processo de criação, extraídos dessa reflexão.
Sendo assim, utilizarei materiais como cartas do artista, artigos de jornais,
catálogos de exposições, filmes, documentários e obras.
A dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo intitulado Ato
criador e Antropofagia aprofundarei a discussão sobre o ato criador em Hélio e a
herança da Antropofagia para a geração de artistas no contexto cultural brasileiro da
década de 1960 e 1970, especificamente em Oiticica.
No segundo capítulo: Herança Construtiva ampliarei a discussão sobre as
idéias Construtivistas dentro do Neoconcretismo, sua herança para arte brasileira e os
seus desdobramentos nas proposições de Hélio. Em especial a questão da participação
do espectador.
No terceiro e último capítulo, intitulado Antiarte e Marginalidade investigarei o
comportamento transgressor e marginal de Hélio frente ao mundo das artes nas
décadas de 1960 e 1970, sua postura política e ética, a aproximação de seu
comportamento criador com o de outros artistas de sua geração e o contato com a
marginalidade, para uma compreensão de sua atitude radical diante do seu contexto.
Ainda discutirei o conceito de antiarte desenvolvido por Hélio, que diferenças e
semelhanças são possíveis entre a sua poética de antiarte e àquela dos Dadaístas e
Neodadaístas. Seu processo de desestetização da arte, de uma não-estética, por uma
ética do ato criador, da relação criador e co-criador. Investigando se Oiticica chegou a
17
criar uma antiarte genuinamente brasileira, sem submissão periférica e como isso se
deu naquele momento.
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CAPÍTULO 1 - ATO CRIADOR E ANTROPOFAGIA
Agora sim
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo
Raul Bopp, Cobra Norato
Em primeiro lugar é necessário que se diga o que aqui se entende por ato
criador. Investigar o artista é buscar o seu gesto, os seus movimentos, os seus
conceitos, a sua poética. O ato criador é um ato complexo, dotado de intencionalidade e
realização, com suas raízes diretas no gesto/ação do artista e na sua relação com o
público, seja ela prioritariamente contemplativa ou participativa. O ato criador de um
artista também é formado pelas idéias e atos de outros criadores, este é o legado da
história da arte. De alguma maneira o criador dialoga com as idéias do passado em
contato com a realidade do seu tempo. Sendo assim, como disse o filósofo Maurice
Merleau-Ponty:
Um homem não pode receber uma herança de idéias sem a
transformar, pelo fato mesmo de tomar conhecimento dela, sem lhe
injetar sua maneira de ser peculiar, e sempre diferente. (MERLEAU-
PONTY, 1991, p.253)
Na verdade só ato criador se houver relação; do artista com a idéia, do artista
com a matéria, e da obra do artista com o público.
Um gesto individual só se transforma em ato pleno quando se estende para o
outro, quando reverbera no corpo do outro e semeia. Mas somente essa relação não é
capaz de abarcar a idéia profusa do ato criativo e nem concluir que o ato do artista foi
compreendido do modo como este o pensou. Há uma relação que vai do corpo do
artista para o seu pensamento, não de um modo cartesiano, mas como se o
pensamento fosse o próprio corpo. Como disse o heterônimo de Fernando Pessoa, o
19
poeta Alberto Caieiro: Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés/
E com o nariz e a boca. (PESSOA, 1997, p. 90). O corpo agindo, portanto, torna-se o
pensamento radical e pleno do artista, que ele pensa conhecer, mas não domina, o que
só se realiza em sua totalidade na relação de sua obra com o espectador.
O ato criador é a realização de uma intenção e está carregado de subjetividade.
Ao mesmo tempo, o ato criador não está alienado das vivências, experiências e
condição em que se encontra o artista em seu tempo e contexto. Pois se uma
vontade, esta só se realizará dentro das possibilidades em que o criador se encontra.
De qualquer maneira o artista sempre é livre para optar. O ato criador é produto de uma
intenção do artista, e sua realização passa por instâncias subjetivas, de sua relação
com o mundo e consigo mesmo. Compreendendo que estas relações não se dão
separadamente; são movimentos de um mesmo corpo, no espaço, no tempo e no ser.
Um dos mais importantes e influentes artistas do século XX, Marcel Duchamp,
num ensaio intitulado O ato criador, comenta:
No ato criador, o artista passa da intenção à realização, através de uma
cadeia de reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é
uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que
também não podem e não devem ser totalmente conscientes, pelo
menos no plano estético.
O resultado deste conflito é uma diferença entre a intenção e a sua
realização, uma diferença de que o artista não tem consciência.
(DUCHAMP, 1975, p.73).
Duchamp nos fala de um conflito que são os embates entre angústia e prazer no
próprio acontecimento criativo e que, no artista, não resultam e não devem acontecer
de maneira consciente, pelo menos no plano estético. O ato criador é uma intenção,
uma escolha. Deste modo, uma atitude, uma posição, um estar disponível para algo, a
desembocar numa atividade criadora.
20
Se o ato criador é um ato de escolha e realização de uma intenção, ainda,
nesse estar disponível para algo, uma contraposição a que é colocado o artista em sua
atividade, no próprio ato gerador.
De uma parte, a atividade artística é invenção, criação, originalidade,
isto é, liberdade, novidade, imprevisibilidade: não só não há uma lei que
presida à atividade do artista e à qual ele deva conformar-se, mas,
antes, a arte é tal justamente pela ausência de uma lei do gênero. De
outra parte, a atividade artística implica um rigor, uma legalidade,
digamos mesmo, uma necessidade férrea e inviolável: deve portanto
haver uma lei que, peremptória e iniludível, presida ao êxito e à qual o
artista não possa subtrair-se impunemente. Esses dois aspectos devem
poder conciliar-se, como de resto a própria realidade das obras
reclama. O que há de mais contingente, de mais novo, de mais único e
irrepetível que uma obra de arte? (PAREYSON, 1989, p. 138)
Se Marcel Duchamp fala de uma subjetividade do ato criador e de que não
consciência final do embate entre intenção e realização no artista, o teórico e filósofo da
arte Luigi Pareyson diz que o artista não está impune ao seu ato e que o seu êxito
depende da união entre liberdade e imprevisibilidade com rigor e legalidade. Há no ato
criativo, uma intenção que é invenção e uma realização que é rigor. Ambas atuam
inseparavelmente. No entanto, para conhecer a idéia do ato criador em um determinado
artista, é necessário conhecer a sua formação e o seu meio, seu tempo histórico e o
debate cultural de seu período, tomando o cuidado para não engessar a sua obra e
reconhecer que o homem, o artista, é um sujeito que escolhe, não lhe impondo desta
maneira um determinismo histórico ou cultural. Vale ainda dizer que aqui discutimos a
produção de Hélio Oiticica buscando compreender sua trajetória dentro da cultura
brasileira, tendo em vista a arte como fenômeno. Nas palavras de Susanne Langer:
Mas a Arte não é prática; não é Filosofia, nem Ciência; não é religião,
nem moralidade, nem mesmo crítica social (como muitos críticos
dramáticos supõe que a comédia seja). Qual a sua contribuição à
cultura, que pudesse ser de importância primordial?
Ela tão somente apresenta formas às vezes formas intangíveis à
imaginação. O seu apelo dirige-se diretamente àquela faculdade ou
21
função, que Lorde Bacon considerava o tropeço no caminho da razão,
e que escritores iluminados como Stuart Chase jamais se cansaram de
condenar como a fonte de toda insensatez e de crenças errôneas e
bizarras. E ela o é, de fato; mas é também a fonte de todas introvisões
e fés verdadeiras. A imaginação é provavelmente o mais antigo traço
mental tipicamente humano mais antigo do que a razão discursiva; é
provavelmente a fonte comum do sonho, da razão, da religião e de
toda observação geral verdadeira. É esta primitiva força humana a
imaginação que engendra as artes e é, por seu turno, diretamente
afetada por suas produções. (LANGER,1971, p. 88)
Deste modo, quando me propus a discutir, investigar e pensar o ato criador em
Hélio Oiticica, foi no conceito do ato criador que se sabe ato objetivo pela vontade
consciente em criar algo, mas que está sujeito à imprevisibilidade subjetiva do próprio
ato, em todas as suas implicações, que me afinei, dotado de interrogações estéticas
acerca do universo cultural do artista e de seu gesto no tempo. Sabendo que a arte é,
antes de qualquer coisa, no homem, no artista, uma experiência arcaica, primitiva.
Porém, antes mesmo de investigarmos o ato criador em Hélio, é preciso ter em
mente que Oiticica entendia a arte como um caminho para novas percepções da vida,
sabia a arte como um ato de entrega, numa estreita relação consigo e com o mundo.
Hélio pensava o artista como um ser social, criador não só de obras mas
modificador também de consciências (OITICICA, 1986, p.95). E é com essa
consciência que encontramos uma atitude radical e revolucionária na subjetividade do
artista; uma trajetória criativa de transgressão, pelo risco, pelo fogo, pelo perigo dentro
do contexto cultural brasileiro. Nas palavras da pesquisadora e crítica de arte Aracy
Amaral:
É portanto ser politizado sem ser político, sem que nisto resida uma
evasão: ao contrário. As colocações estão perfeitamente definidas,
porque Oiticica não desvincula o gesto do braço, nem o braço do
homem, nem o homem do meio, nem qualifica teoricamente ou em
estado de alheamento. Está-se dentro, e se é. (AMARAL, 1983, p.188)
22
Ou seja, um comportamento criador que é pela invenção, pela liberdade e
experimentação e se sabe situado em seu tempo e contexto sócio-político e cultural.
Como disse o historiador e crítico de arte Frederico Morais: Hélio Oiticica foi o último
romântico da vanguarda radical brasileira (MORAIS, 1995, p.53). Pela visceralidade de
sua atuação no meio artístico e social e por seu comprometimento com um projeto de
experimentação na arte. No entanto, sempre com a consciência de que a arte segue
pelos descaminhos da razão, sem, de modo algum, tornar a sua indignação em
panfletarismo.
A arte, para Oiticica, partia da vida para se encontrar com ela mesma, estava
intrinsecamente unida à matéria das pessoas. O ato criador era viver, era delícia e
sofrimento, intelecto e instinto, negação e afirmação, apolíneo e dionisíaco ao mesmo
tempo. O poeta e amigo Waly Salomão é quem sintetiza:
Hélio, usina inaudita de energia, um homem lotado de contradições,
com um lado bem cerebral e um lado que é instinto puro. Construtivista
e brutalista. Carnaválico e matemático. (SALOMÃO, 2003, p. 35)
Paradoxos que levam a uma complementaridade de sentido caótico e plural,
culminando numa radical vanguarda brasileira, nas décadas de 1960 e 70, sem
submissão periférica: projeto de uma arte brasileira sem folclorização, motivado por
uma vontade Construtiva e Antropofágica; no ato criador de Oiticica afinam-se essas
duas vontades. Buscando, deste modo, realizar o sonho modernista de criar uma arte
genuinamente brasileira. É o próprio Hélio quem comenta:
No Brasil os movimentos inovadores apresentam, em geral esta
característica única, de modo específico, ou seja, uma vontade
construtiva marcante. Até mesmo no Movimento de 22 poder-se-ia
verificar isto, sendo, a nosso ver, o motivo que levou Oswald de
Andrade à celebre conclusão do que seria nossa cultura antropofágica,
ou seja, redução imediata de todas influências externas a modelos
nacionais. Isto não aconteceria não houvesse, latente na nossa maneira
de apreender tais influências, algo de especial, característico nosso,
23
que seria essa vontade construtiva geral. Dela nasceram nossa
arquitetura, e mais recentemente os chamados Movimentos Concreto e
Neoconcreto, que de certo modo objetivaram de maneira definitiva tal
comportamento criador. (OITICICA, 1986, p. 85)
É preciso compreender, como já disse, o ato criador em Hélio como invenção e
liberdade. Invenção objetivada pelo sentido de Construtividade, herança dos
Construtivistas do começo do culo XX, das Vanguardas Russas e do Neoplasticismo
de Mondrian principalmente, e por uma consciência do Projeto Antropofágico de Oswald
de Andrade. Liberdade compreendida como escolha do ser que se entrega a uma
atividade criadora. Compreendendo a arte como um exercício experimental de
liberdade (PEDROSA, 1995, p. 283).
Foi o crítico de arte Mário Pedrosa quem muito bem definiu a figura de Oiticica
dizendo: Hélio Oiticica, esse formidável antropófago de si mesmo, o mais brasileiro dos
artistas brasileiros, (PEDROSA, 1995, p. 277).
As palavras de Pedrosa são precisas, pois ao compreender lio como
antropófago de si mesmo, o crítico nos revela uma condição fundamental do ato
criador em Oiticica. Apresenta-nos a idéia de Hélio se alimentando do seu próprio ser,
ruminando conceitos em suas próprias reflexões acerca do desenvolvimento de sua
obra, em busca de um gesto primordial. Ser antropófago de si mesmo é devorar a
própria devoração, é se alimentar do melhor de si.
A imagem do uróboro, da serpente que morde a própria cauda e que simboliza
um ciclo de evolução encerrado nela mesma, é uma imagem pertinente para a
compreensão do que venha ser o antropófago de si mesmo. No uróboro percebemos
a idéia de movimento, continuidade e autofecundação. Um ciclo de eterno retorno.
Nesse sentido a Antropofagia de Oiticica difere da de Oswald e propõe um caminho
24
que, para além do canibalismo das tribos primitivas, injeta-lhe um potencial de
imanência na compreensão da Antropofagia Osvaldiana. Portanto, o mais brasileiro
dos artistas brasileiros, no sentido da radicalidade antropofágica; devora o outro em si
mesmo e a si mesmo. Revisão radical da idéia de Antropofagia. As próprias palavras de
Oiticica em entrevista à Aracy Amaral elucidam a idéia do antropófago de si mesmo.
Quando é que você volta dos United States?. Eu digo: Eu nunca volto!
Estou sempre indo! Eu nunca fui. Aí dizem assim: Você não tem
saudades?. Como é que vou ter saudades? Eu sou o Brasil. Eu sou a
Mangueira. Eu comi a fruta inteira. Não deixei pedaços para vir buscar
depois. Eu estou sempre indo, nunca estou voltando. (AMARAL, 2006,
p. 124).
Havia uma compreensão lúcida de Oiticica de que estivesse nos Estados Unidos,
na China ou no Brasil, ele carregava dentro de si tudo que devorou da cultura
brasileira. Sabia-se em qualquer canto do planeta, antropófago de si mesmo. Isto quer
dizer também que sua posição não era nacionalista. Hélio participava ativamente do
debate cultural internacional, era cosmopolita, estava em constante diálogo com o que
se produzia na arte dentro e fora do Brasil. Hélio acaba colocando-se, desta maneira,
como um artista genuinamente brasileiro, no sentido de não ser uma figura folclorizada
da nossa cultura, de não tomar partido entre o samba da Mangueira e a guitarra de Jimi
Hendrix, por optar pelo que é transgressivo nessas duas manifestações e romper com a
tirania entre o que é nacional ou estrangeiro, entre o estar aqui ou lá. lio onde
estivesse levava consigo a Mangueira, Jimi Hendrix e Mondrian, por saber que a sua
atitude como criador é que determinava ou não uma submissão aos padrões
estabelecidos. Talvez, deste modo, tenha solucionado o grande dilema da identidade
nacional.
25
Na década de 1960 o ambiente cultural brasileiro revisitou em diferentes
momentos e em diversas linguagens (o cinema, a música e o teatro) o conceito da
Antropofagia Osvaldiana. O Manifesto Antropófago foi redigido e publicado por Oswald
de Andrade na revista de Antropofagia em 1928, após ter sido presenteado por Tarsila
do Amaral com o quadro Abaporu (1928) (Fig. 1), com o qual ficou muito
impressionado. Aracy Amaral é quem comenta a reação de Oswald diante da tela:
Ao vê-lo, Oswald impressionou-se profundamente e chamou por
telefone o poeta Raul Bopp, nesse dia em São Paulo. Ambos olharam a
pintura e Oswald comentou: É o homem, plantado na terra. Tarsila se
recorda, conforme nos deu depoimento, dos dois amigos discutindo a
pintura e de ouvir Raul Bopp dizer: Vamos fazer um movimento em
torno desse quadro?. (AMARAL, 1998b, p.43)
No manifesto está escrito: me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei
do antropófago. (...) Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito
sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. (...) Contra todas
as catequeses (ANDRADE, 1998b, p. 46). Podemos extrair daí algumas poucas idéias
que estão na gênese criadora de Oiticica, assim como de outros artistas de seu tempo,
Fig. 1
Tarsila do Amaral. Abaporu, 1928,
Óleo sobre tela, 85 x 73 cm. Coleção
Eduardo Francisco Costantini, Buenos
Aires.
26
como em Glauber Rocha, por exemplo. Percebemos a idéia de devoração, apropriação,
de sincretismo, de pluralidade, de anti-ortodoxia, avesso a todos os dogmatismos.
Apenas para começar a discussão que é muito ampla e complexa.
O debate sobre o que seria uma estética brasileira tendo como base essa
vontade antropofágica, esteve presente de maneira intensa na produção cultural dos
anos 60 e 70. Seja pela discussão de um caráter genuinamente brasileiro em nossa
arte ou pela devoração estética de padrões estrangeiros, as idéias foram discutidas
intensamente e deixaram marcas em nossa cultura. Vale lembrar-se de Terra em
Transe, de 1967 e Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) ambos de Glauber Rocha, A
Hora e a Vez de Augusto Matraga (1968), de Roberto Santos, Os Fuzis (1963), de Ruy
Guerra e o Cinema Novo de maneira geral. No teatro, a montagem dirigida por José
Celso Martinez Correia com o Teatro Oficina, para o Rei da vela, de Oswald de Andrade
e o Grupo Opinião. Na música, a formação do grupo baiano da Tropicália nome
extraído da obra homônima de Oiticica de 1967 tendo como mentores Caetano
Veloso e Gilberto Gil; que também mantinham sua filiação estética nas idéias do grupo
dos Antropófagos.
Celso Favaretto comenta essa relação dizendo que:
A teoria e a prática da devoração, pressuposto simbólico da
antropofagia, foram erigidas em estratégia básica do trabalho de
revisão radical da produção cultural, empreendido pela intelectualidade
dos anos 60 e parte significativa de artistas. Frente ao clima de
polarizações ideológicas a que a discussão sobre o tema do encontro
cultural chegara oscilando entre a ênfase nas raízes nacionais e na
importação cultural -, a idéia de devoração foi reapresentada como
forma de relativização dessas posições. O tropicalismo evidenciou o
tema do encontro cultural e o conflito das interpretações, sem
apresentar um projeto definido de superação; expôs as indeterminações
do país, ao nível da história e das linguagens, devorando-as;
reinterpretou em termos primitivos os mitos da cultura urbano-industrial,
misturando e confundindo seus elementos arcaicos e modernos,
explícitos ou recalcados, evidenciando os limites das interpretações em
27
curso. Segundo uma visão pau-brasil, com olhos livres, primitivos (na
verdade civilizadíssimos) apropriaram-se de materiais e formas da
cultura, inventariados no tratamento artístico em que se associam uma
matriz dadaísta e uma prática construtivista. (FAVARETTO, 1979, p.34)
No comentário de Favaretto evidencia-se que a revisão da Antropofagia feita pela
geração de 1960, dentro do debate cultural acirrado da época, vinha como uma espécie
de relativização das posições nacionalistas e de importação cultural. Além de outras
questões como a assimilação do arcaico com o moderno e de uma matriz Dadaísta e
uma prática Construtivista no tratamento artístico. Essas questões, falando mais
especificamente nas artes visuais, tomaram diferentes caminhos. Pode-se ressaltar os
nomes de Waldemar Cordeiro, Lygia Clark, Lygia Pape, Rubens Gerchman, Antonio
Dias, Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, entre outros, que vinham naquele momento
compor um grupo de artistas com poéticas diversas (Realismo Mágico, Neo-figuração,
Popcreto, etc) que Hélio, ao compor um quadro geral da cultura brasileira naquele
momento, incluindo aí o Cinema Novo, o Grupo Opinião e a Poesia Participante de
Ferreira Gullar, chamou de A nova objetividade brasileira, ou seja, uma pluralidade de
manifestações artísticas que se somavam num corpo integrado de uma arte de
invenção e radicalidade, de uma tomada de posição em relação a problemas políticos,
sociais e éticos. Hélio comenta no texto Esquema geral da nova objetividade (1966-7)
o modo como essa geração absorveu as idéias da Antropofagia de Oswald:
A antropofagia seria a defesa que possuímos contra tal domínio
exterior, e a principal arma criativa, essa vontade construtiva, o que não
impediu de todo uma espécie de colonialismo cultural, que de modo
objetivo queremos hoje abolir, absorvendo-o definitivamente numa
superantropofagia. Por isto e para isto, surge a primeira necessidade da
Nova Objetividade: procurar pelas características nossas, latentes e de
certo modo em desenvolvimento, objetivar um estado criador geral, a
que se chamaria de vanguarda brasileira (OITICICA, 1986, p. 85)
28
Diante da idéia de uma Superantropofagia pode-se dizer, objetivamente, que ela
se deu, no caso da obra de Oiticica, em suas capas Parangolés (1964) e no penetrável
Tropicália (1967), por exemplo. Em Tropicália (Fig. 2) um ambiente favelizado com
motivos brasileiros é criado; plantas tropicais, tecidos de chita, papagaios, pedra de
brita, areia, um aparelho de TV, etc. Hélio cria uma imagem brasileira, no entanto
como explica o crítico de arte Guy Brett:
Em resumo, Tropicália (um labirinto espiral ao estilo de uma chácara
do Rio) arrancou a imagem do pop de sua associação norte-americana
com a cultura de consumo, situando-a em meio às aspirações e às
diversidades da metrópole brasileira. A obra exerceu enorme influência
no Brasil por essa razão, mas Hélio quase imediatamente criticou essa
recepção. Achava que a fixação na imagem visual impedia as pessoas
de perceber a experiência corporal de penetrar no ambiente, o que,
para ele, era o mais importante. (BRETT, 2005, p. 48)
A experiência em Tropicália não deveria se restringir há uma percepção apenas
visual, era imprescindível a experiência corporal, de que a assimilação daquelas
Fig. 2
Hélio Oiticica. Tropicália, 1967, Penetrável. Materiais diversos.
29
imagens e objetos se desse pelos poros, que fosse devorada pelo espectador com todo
o seu corpo. Apesar de Oiticica trabalhar com estereótipos de uma imagem de um
Brasil para exportação, e que por esse mesmo motivo suscitou leituras superficiais do
seu trabalho, a sua proposta ia para além disso.
Ainda em relação a uma imagem brasileira em seu trabalho, ao ser questionado
pelo poeta Walmir Ayala, que lhe perguntava se ele acreditava numa arte nacional
brasileira, Hélio responde:
Bem, se uma obra, algo, é feito no Brasil, será necessariamente
brasileiro; há um processo que vem vindo, nas vanguardas, desde
Oswald de Andrade, que possui suas características e possibilita hoje
dizer-se que uma síntese como a Tropicália representa a imagem
brasileira; mas essa ntese pode ser transformada e superada, e
deve, e não ser endeusada como a imagem única e possível de ser
tida como modelo. Este é um dos pontos importantes da própria
síntese, senão a coisa acaba virando nacionalismo fascista, morou?
(OITICICA, 1970, p. 164)
Hélio não queria que se pasteurizasse a idéia de uma imagem brasileira a
ponto de ela se transformar em mais um ismo dentro de nossa história cultural e ser
automaticamente absorvida pelo mercado, perdendo, deste modo, seu caráter
antropofágico inicial, o que veio a acontecer. Em conversa com o poeta Haroldo de
Campos, em 1971, Hélio diz o seguinte:
Você [Haroldo] sempre dizia que tropicália não era tropicalismo. Acho
que, na realidade, o que acabou sendo foi mais o tropicalismo do que a
tropicália. Agora, de repente, eu senti uma necessidade de usar a
palavra tropicália outra vez, porque acho que ela está revestida de uma
pureza estranha: ela não está revestida dessa coisa dissolvente que
aconteceu. A idéia de tropicalismo já estaria não a priori carregada
disso, como agora está uma coisa insuportável de ouvir. (UM BATE-
PAPO DE VANGUARDA, 2003, p. E 3)
E Haroldo comenta:
O tropicalismo é uma etiqueta que não tem nada a ver com a idéia de
tropicália, que é uma espécie de neoantropofagia, neocanibalismo
osvaldiano, uma devoração crítica do museu brasileiro. Isso que é a
30
tropicália, visto em termos ativos, e não passivos. (UM BATE-PAPO DE
VANGUARDA, 2003, p. E 3)
A crítica de Hélio e Haroldo para o que se convencionou chamar de tropicalismo
se justifica pelo fato de que a concepção inicial de Tropicália se perdeu em algo que
não podemos dizer se configurou num movimento. E mesmo que tivesse de fato
acontecido, talvez para sua compreensão fosse melhor não acomodá-lo num ismo, o
que seria instituir por completo o pensamento.
Pensar a Tropicália como uma espécie de Neoantropofagia, como queria Haroldo
de Campos é muito mais interessante e produtivo para a história da cultura brasileira. A
idéia de uma nova Antropofagia, de uma revisão das idéias passa por uma noção de
que o diálogo com o passado foi estabelecido e daí surgiu uma nova leitura, uma nova
compreensão do pensamento cultural brasileiro a partir do que inicialmente foi debatido
e pensado pelos primeiros Antropófagos. Mas naquele momento, o que se pensou
como uma imagem brasileira foi assimilado de maneira pasteurizada e superficial por
alguns artistas, Hélio se manifesta em texto escrito em 4 de março de 1968:
Por isso creio que a Tropicália, que encerra toda essa série de
proposições, veio contribuir fortemente para essa objetivação de uma
imagem brasileira total, para a derrubada do mito universalista da cultura
brasileira, toda calcada na Europa e na América do Norte, num
arianismo inadmissível aqui: na verdade, quis eu com a Tropicália criar o
mito da miscigenação somos negros, índios, brancos, tudo ao mesmo
tempo nossa cultura nada tem a ver com a européia, apesar de estar
hoje a ela submetida: só o negro e o índio não capitularam a ela. Quem
não tiver consciência disto que caia fora. Para a criação de uma
verdadeira cultura brasileira, característica e forte, expressiva ao menos,
essa herança maldita européia e americana terá de ser absorvida,
antropofagicamente, pela negra e índia da nossa terra, que na verdade
são as únicas significativas, pois a maioria dos produtos da arte
brasileira é híbrida, intelectualizada ao extremo, vazia de um significado
próprio. (OITICICA, 1986, p. 108)
31
Hélio conclui que só através da Antropofagia haverá a possibilidade da
assimilação da cultura européia ou americana sem o esvaziamento da nossa cultura,
que é negra, branca, índia, tudo ao mesmo tempo. E continua o seu desabafo:
E agora o que se vê? Burgueses, subintelectuais, cretinos de toda
espécie, a pregar tropicalismo, tropicália (virou moda!) enfim, a
transformar em consumo algo que não sabem direito o que é. Ao menos
uma coisa é certa: os que faziam stars and stripes já estão fazendo suas
araras, suas bananeiras etc., ou estão interessados em favelas, escolas
de samba, marginais anti-heróis (Cara de Cavalo virou moda) etc. Muito
bom, mas não se esqueçam que elementos que não poderão ser
consumidos por esta voracidade burguesa: o elemento vivencial direto,
que vai além do problema da imagem, pois quem fala em tropicalismo
apanha diretamente a imagem para o consumo, ultra-superficial, mas a
vivência existencial escapa, pois não a possuem sua cultura ainda é
universalista, desesperadamente à procura de um folclore, ou a maioria
das vezes nem a isso. (OITICICA, 1986, p.108-09)
A crítica de Oiticica à assimilação rasteira de Tropicália (e aqui Oiticica se refere
à Tropicália de maneira geral, como o grupo baiano, por exemplo) ainda é um pesadelo
dentro de nossa cultura. Quando não produzimos subprodutos da cultura européia e
americana, fazemos uma estética de araras e bananeiras para exportação,
características que carregamos desde a chegada dos portugueses. Poucos são os
artistas que conseguem o seu significado próprio. Muitas vezes pelo imediatismo
consumista e certeiro do produto, outras vezes por uma submissão periférica de baixo
estima. Talvez porque a vivência existencial fique subjugada pelo caráter folclorizado
da nossa cultura. Ainda em relação à assimilação da Pop Art e a idéia de uma imagem
brasileira em Tropicália, Carlos Zílio comenta que
Isto tem uma grande importância na medida em que uma quebra na
relação constante entre o modelo externo e a produção de arte no
Brasil. As semelhanças dizem respeito à existência de, num certo grau,
haver questões comuns às sociedades norte-americana e brasileira. Ao
nível da imagem, isto se refletiria na repercussão dos mass media em
ambas as sociedades e no diálogo que tanto a Pop quanto Tropicália
manteriam com o Dadaísmo. Na arte brasileira, isto significa o
aparecimento de uma obra que se constitui basicamente de uma
experiência interna ao sistema de arte local. No entanto, entre a Pop e
32
Tropicália, apesar das suas diferenças, um invisível fio que tece a
trama da linguagem plástica, além de fronteiras geográficas. História das
formas, sentimento do presente, contemporaneidade. (ZÍLIO, 1982, p.
31)
Tanto a Pop Art quanto a Tropicália geraram imagens não-folclorizadas de suas
sociedades. Através da lição dos Dadaístas aprenderam o reconhecimento da imagem
particular no universal, da subversão das formas e de suas poéticas de antiarte com
uma poderosa interpretação do seu tempo presente. Em Oiticica essa compreensão
pôde ser percebida desde os Parangolés.
Em entrevista que concedeu em 1977 à Aracy Amaral, Hélio disse: É por isso
que o Parangolé é o anti-folklore. Anti-folklore não, aliás, ela torna possível que o
folklore nunca seja o folklore. Folklore é uma coisa ainda ligada à terra. (AMARAL,
2006, p.117)
Fig. 3 e 4
Hélio OIticica. Parangolé P4 Capa 1, 1964, Caetano Veloso veste Parangolé.
Materiais diversos.
33
Nos Parangolés (Fig. 3, 4, 5 e 6) que são espécies de capas, mantos, roupas,
estandartes para se vestir e com eles dançar, é possível também reconhecer
características Antropofágicas. Adentrar uma pele, vestir e sair por aí dançando, é uma
atividade que tem parentesco, em nossa literatura, com o poema Cobra Norato (escrito
em 1928 e publicado em 1931), emblema do Modernismo brasileiro e Poema
Antropofágico por excelência, do poeta Raul Bopp:
A noite chega mansinho
Estrelas conversam em voz baixa
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a Cobra. Agora sim
me enfio nessa pele de sede elástica
e saio a correr mundo (BOPP, 1998, p. 3)
É possível relacionar a imagem poética de Bopp, estrangulando e se apropriando
da pele da cobra para correr o mundo e vivenciá-lo com o ato de vestir um Parango e
sair por aí e dançar. O participante se apossa de outra pele e, podemos dizer que
Fig. 6
Hélio Oiticica. Parangolé, 1964.
Materiais diversos.
Fig. 5
Hélio Oiticica. Parangolé P4 Capa 1, 1964,
Nildo da Mangueira veste Parangolé.
Materiais diversos.
34
estrangula o espaço bidimensional da pintura, que corre o mundo com uma nova
pele no corpo. Penetra-se a pele/tecido do Parangolé, invade-se o espaço grudado ao
próprio corpo, experimenta-se a cor no tempo, no movimento, no espaço. Como na
lenda de Cobra Norato, onde o sujeito estrangula a cobra e se veste com sua pele para
não ser a cobra, mas para ser dentro dela, algo novo. O mesmo acontece com quem
veste o Parangolé que experimenta em si mesmo, em seu corpo, a cor, o tempo, o
espaço, como um desdobrar Antropofágico das idéias dos Construtivistas, só que agora
a participação do espectador é fundamental. Pele que deve ser vestida para que a obra
tenha vida. Ou, nas palavras do filósofo e crítico de arte Antonio Cícero:
Mais importante: o Parangolé não pode ser exposto como uma pintura
convencional. Ele deve ser não apenas visto mas tocado: e não apenas
tocado mas vestido. O corpo compõe com o Parangolé que veste uma
unidade sempre nova. (CÍCERO, 1995, p. 186-7)
Portanto, com o Parangolé se percebe, seja na devoração/estrangulação da
pintura convencional ou na nova unidade que sempre é percebida, através dos
diferentes corpos que assumem o corpo/pele Parangolé, a mais profunda filiação a
Antropofagia Osvaldiana ou a pele/capa da Cobra Norato de Raul Bopp.
O ato de vestir uma capa ou manto tem uma carga simbólica em diversas
tradições espirituais. Por exemplo, um monge cristão no momento de proferir seus
votos e se afastar do mundo se cobre com um manto ou capa. Um gesto que
caracteriza simbolicamente a sua retirada do mundo a caminho de si mesmo,
aproximando-se de Deus. Renúncia das tentações do mundo material. O ato de vestir
um manto nesse sentido é uma escolha pela sabedoria, é adotar uma compostura, uma
função, de que a capa é símbolo. O manto/capa Parangolé se insere nessa tradição, a
de ser elemento ritual e simbólico. Um acontecimento quase mítico ao compor a
35
experiência daquele que veste a capa e dança numa fusão
manto/corpo/cor/tempo/espaço. O espectador é a obra. Vestir a capa Parangolé é um
acontecimento de que o sujeito é agente ativo, necessário para que a pele ganhe vida
e sentido. Numa relação de profunda intimidade com o participante.
Na letra da música Parangolé que escreveu para a Banda Performática, em
1982, o artista multimídia José Roberto Aguilar diz:
Portanto eu digo:
Parangolé, meu irmão!
Parangolé
que te veste lá por dentro
dá um brilho
dá um lustro
à alma elegante
e ao corpo exigente
(...)
Nós estamos mais leves com o teu gás, mais sábios, mais ousados,
mais bonitos com o teu gás, CALL ME HELIUM, e quer saber de uma
coisa: já experimentamos até o experimental! (AGUILAR E BANDA
PERFORMÁTICA, 1982)
Aguilar proclama o Parangolé como experiência de imanência, de ousadia e
sabedoria, de beleza e autoconhecimento. Ao mesmo tempo em que proclama o caráter
experimental da proposição Parangolé.
Só contar com essas duas proposições - Parangolé e Tropicália - para
compreender a vontade Antropofágica no trabalho de Oiticica, seria apenas reduzir a
totalidade de sua obra, que se apresenta acima de tudo, num comportamento que era
realizador de proposições de invenção e radicalidade, e de um intenso diálogo com as
experiências artísticas do mundo ocidental, num gesto que era da relação de si, para si
e para/com o outro; do individual para o social.
Faz-se necessário compreender que a trajetória de Oiticica como uma espécie
de ícone dessa geração, começou por sua participação no grupo Frente em 1955;
36
gênese formativa do artista. Ao mesmo tempo é importante não enclausurar a sua obra
num determinado período e geração. A obra de Oiticica é muito mais ampla em sua
discussão.
A investigação do ato criador em Hélio passa inevitavelmente por suas
experiências pessoais e questionamentos estéticos; o sentido de Construtividade, a
Antropofagia e o conceito de antiarte. E, também, por uma espécie de história do
homem como criador, de uma volta ao homem primitivo. Oiticica refaz o caminho do
criador ancestral. Se a sua busca como criador não fosse esta, talvez não teríamos em
Hélio um criador tão autêntico e atormentado de inquietude e invenção.
Com a descoberta do lazer no ato criador, mais especificamente com o Crelazer
(1967), proposição onde o espectador tirava os sapatos para pisar na areia; um
chamamento para o devaneio e a experiência lúdica de volta aos nossos instintos
básicos, onde havia alguns Bólides para serem explorados com as mãos, cabines
individuais, compartimentos-caixas, medindo dois metros por um Ninhos - Parangolés
para se vestir e dançar. Hélio revela a sua idéia do ato criador como volta às origens.
Em texto escrito em 1968, diz:
A abordagem do lazer, nela mesma, é aberta, pois é o lazer algo geral,
uma idéia fundada num estado do comportamento e que, por dentro
implica uma tomada de posição em relação a problemas humanos mais
profundos, míticos, dos quais se alimenta a arte (sempre se alimentou)
e com os quais se identifica cada vez mais, como se a tal volta às
origens se concretizasse num crescendo, na vontade de ser real como
um bloco de pedra, de não aceitar a repressão como condição de
progresso, de ser e estar vivo. (OITICICA, 1986, p.121).
A compreensão do ato criador como uma postura do artista perante os
problemas mais profundos do ser humano e do seu contato com o outro, é em Hélio a
37
busca de uma compreensão do ser; de si mesmo e do outro. Uma compreensão da
liberdade para-si e para-o-outro em contato com sua poética inventiva.
O pintor norte-americano Barnett Newman, em 1947, escreveu um texto que traz
uma compreensão da arte como um ato mítico, ancestral e de liberdade do ser,
semelhante à idéia de Oiticica.
Sem dúvida o primeiro homem era um artista. (...) O objetivo da
primeira fala do homem foi dirigir-se ao desconhecido. Seu
comportamento teve origem em sua natureza artística.
Assim como a primeira fala do homem foi poética antes de se tornar
utilitária, o homem construiu primeiro um ídolo de barro antes de
imaginar um machado. A mão do homem fez correr o galho seco pelo
barro para traçar uma linha antes de aprender a jogar esse galho como
lança. (...) O ato artístico é a marca pessoal do homem. (NEWMAN,
1993, p. 559-60)
Se em Oiticica a possibilidade de chegar a liberdade do ato criador se dá numa
abordagem do lazer, num espaço não-repressivo e na busca de uma natureza mítica do
ser, num homem ancestral. Em Newman, há uma espécie de constatação de que essa
mesma busca reside na capacidade poética do primeiro homem de ser um criador.
Tanto no texto de Hélio quanto no de Barnett, uma evidência de que esse
homem/artista seja para compreender sua liberdade ou para dirigir-se ao desconhecido,
precisou transgredir, mergulhar em sua natureza, numa vontade de ser real como um
bloco de pedra, como diz Oiticica.
Por isso, há vontade em Hélio por uma volta às origens na arte, por uma
estética não-repressiva, por uma espécie de redescoberta do ato criador. A posição de
se colocar à margem é um grito contra o establishment no mundo das artes e no
comportamento de alguns artistas.
Na leitura que fez de Eros e civilização de Herbert Marcuse, Hélio encontrou
identificação e abertura, o que influenciou profundamente o seu pensamento e a sua
38
produção na segunda metade da década de 1960. A idéia do artista como esse sujeito
transgressor e marginal também estão no texto de Marcuse. Em carta de 1968, para a
amiga, interlocutora e artista Lygia Clark, Hélio comenta:
Para Marcuse, os artistas, filósofos, etc. são os que têm consciência
disso ou agem marginalmente pois não possuem classe social
definida, mas são o que ele chama de desclassificados, e é nisso que
se identificam com o marginal, isto é, com aqueles que exercem
atividades marginais ao trabalho produtivo alienante: o trabalho do
artista é produtivo, mas no sentido real da produção-produção, criativo,
e não alienante como os que existem em geral numa sociedade
capitalista. Quando digo posição à margem quero algo semelhante a
esse conceito marcuseano: não se trata da gratuidade marginal ou de
querer ser marginal à força, mas sim colocar no sentido social bem
claro a posição do criador, que não denuncia uma sociedade
alienada de si mesma mas propõe, por uma posição permanentemente
crítica (FIGUEIREDO,1998,p. 74,75)
O encontro de Oiticica com a idéia do artista como sujeito transgressor, que ele
compreende com Marcuse, já estava infiltrada nos seus projetos e proposições desde
os Parangolés, que são de 1964. O salto da cor para o espaço do corpo instalou
decididamente uma experiência de participação e co-criação do espectador na arte
brasileira. Hélio apresentou uma postura social e ética; do criador que se lança em
direção ao outro. Abrindo o caminho dionisíaco de suas proposições, de força lúdica e
ética.
O ato criador em Hélio é um ato poético de liberdade. É preciso, no entanto,
compreender como a questão da liberdade existe nas poéticas e proposições de
Oiticica.
Deste modo, em Oiticica há uma intenção e uma realização que são escolhas e
opções. Uma opção pelo estado de invenção e pelo experimental que é uma intenção
de liberdade criadora. Existe a liberdade e a invenção, somos incondicionalmente livres
e experimentais, o que nos diferencia e nos relega em cárceres são nossas intenções e
39
escolhas. Nas palavras do filósofo Maurice Merleau-Ponty em seu livro Fenomenologia
da Percepção:
Portanto, finalmente não nada que possa limitar a liberdade, senão
aquilo que ela mesma determinou como limite por suas iniciativas, e o
sujeito só tem o exterior que ela se dá. (...) A própria noção de liberdade
exige que nossa decisão se entranhe no porvir, que algo tenha sido
feito por ela, que o instante seguinte se beneficie do precedente e, sem
ser necessitado, seja pelo menos solicitado por este. Se a liberdade é
liberdade de fazer, é preciso que aquilo que ela faz não seja desfeito
em seguida por uma liberdade nova. Portanto, é preciso que cada
instante não seja um mundo fechado, é preciso que um instante possa
envolver os seguintes, é preciso que, uma vez tomada a decisão e
iniciada a ação, eu disponha de um saber adquirido, eu me beneficie de
meu élan, eu esteja inclinado a continuar, é preciso que existe uma
propensão do espírito. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 584 e 586)
É preciso saber a liberdade experimental da criação como intenção a caminho de
uma realização no ato maior da liberdade do artista, que é o ato criador. Ponty fala de
uma continuidade e de uma abertura na compreensão da liberdade, de um saber
adquirido que se envolve ao passo seguinte. Ao pensar na trajetória criativa de Oiticica,
o que fica evidente é o fato de que os seus projetos são proposições abertas dotadas
de coerência contínua, de um saber artístico que se soma a outro saber numa poética
de ação criativa aberta, num processo Antropofágico e Construtivo.
A devoração antropofágica é ampliada e o devorador não se restringe à figura do
gênio criador; canibaliza-se o coletivo. A vontade Construtiva é socializada em
espaços de prazer e lazer, experiências de imanência da obra. A invenção é o mundo
possível de realização de uma sociedade não-reprimida. A posição marginal, um
caminho para a liberdade dos modelos repressivos impostos na arte e na vida.
Em sua época se fez necessário uma tomada de posição ética frente ao mundo
das artes, era imprescindível uma ética para além da estética. Uma não-estética diante
do contexto social, político e cultural.
40
É possível compreendermos na obra de Oiticica o ato criador como uma
manifestação a favor daquilo que é liberdade no ser, que se encontra na ação de um
fazer criador inventivo, que se sabe livre para experimentar o experimental.
Uma raiz experimental de Oiticica está na devoração operada em sua herança
Construtiva, nos desdobramentos do Construtivismo em sua poética. Tema que será
desenvolvido no próximo capítulo.
41
CAPÍTULO 2 HERANÇA CONSTRUTIVA
Há uma lembrança para o corpo,
A tua: é a de um abraço de rede,
esse abraço de corpo inteiro
de qualquer rede do Nordeste,
da rede que tua Andaluzia,
que é tão da sesta, não conhece,
e mais que abraço, é o abraçar
de tudo que pode estar nele;
é abraço sem fora e sem dentro,
é como vestir outra pele
que ele possui e que o possui,
uma rede nas veias, febre.
João Cabral de Melo Neto, A rede ou
o que Sevilha não conhece
O Neoconcretismo recebe a herança construtiva das vanguardas do início do
século XX para nela injetar uma adaptação ao projeto cultural brasileiro no final da
década de 1950, em contrapartida a rigidez do Concretismo paulista. No livro Bienais
de São Paulo: da era dos museus à era dos curadores (1951-2001), Francisco Alambert
e Polyana Canhête, ressaltam que se em 1959, Hélio Oiticica estava saltando da tela
para o espaço com seus Bilaterais e Relevos Espaciais, num desenvolvimento de sua
poética Construtiva. Esse processo se dava, também, em outras áreas do
conhecimento para a busca de um novo projeto que fosse gerado para a compreensão
de um desenvolvimento adaptado ao Brasil. Lembram, ainda, que:
Substituir importações e modelos estéticos pela criação própria não
era um tema estranho, por exemplo, a certas teorias econômicas do
período. Os economistas ligados à Teoria da Dependência pensavam
um caminho parecido para os saltos de desenvolvimento,
aparentemente possíveis então, que a vida econômica da América
Latina podia dar no contexto do surto desenvolvimentista. No mesmo
ano em que Hélio Oiticica fazia sua transição do quadro fixo para o
espaço- tempo, a arte na vida, Celso Furtado publicava seu influente
(não apenas no Brasil) estudo sobre a dependência econômica, o
sentido do nosso atraso e os impasses de nosso (sub)
desenvolvimento, Formação econômica do Brasil. Se Oiticica preparava
a passagem das experiências concretistas para chegar aos parangolés,
saindo da tela e da galeria para a vida (e a rua), economistas (de
42
esquerda ou apenas desenvolvimentistas) também queriam a superação
da dependência em nome da autonomia nacional criadora. (ALAMBERT
E CANHÊTE, 2004, p. 79-80)
Vale ressaltar que desde a abertura da primeira Bienal de Artes Plásticas de São
Paulo, em 1951, com a apresentação e premiação da obra Unidade Tripartida, do suíço
Max Bill, que desencadeou o evento da abstração geométrica no Brasil com o
surgimento dos grupos Ruptura (1952) e Frente (1954), respectivamente em São Paulo
e no Rio de Janeiro, somado ao surto desenvolvimentista do período com o
nacionalismo industrialista do segundo período de Getúlio Vargas, o
desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitschek é que a experiência de Hélio
Oiticica se inicia e se desenvolve. É justamente em 1954 que Hélio começa a estudar
pintura com Ivan Serpa, no MAM-RJ.
A autonomia criadora pela qual Oiticica almejava no final da década de 1950
passava pela aproximação ou inclusão do espectador nas suas proposições. Também
pela característica inerente ao seu trabalho, que era a de um afrouxamento em relação
aos ideais estéticos do Concretismo Paulista e dos questionamentos sobre o destino da
pintura.
É preciso deixar claro que aqui não pretendo fazer nenhum tipo de julgamento de
valor ou tomar partido a respeito das obras produzidas pelos artistas do Concretismo
paulista em relação aos cariocas. Apenas estabelecer uma diferença entre o caráter de
uma e de outra produção. Frederico Morais em seu livro Artes plásticas na América
Latina: do transe ao transitório, diz:
Utopias à parte, a arte construtiva não seria a manifestação cultural de
sociedades industriais, terciárias ou avançadas, mas de sociedades em
fase inicial de arranque econômico. Aliás, me parece sintomático, no
caso brasileiro, que São Paulo representando no Brasil, um estágio
industrial mais avançado vinculou-se de preferência ao concretismo
43
suíço-alemão-holandês [Max Bill, Escola de Ulm], enquanto o Rio,
menos industrializado, porém mais lúcido e criativo mostrou-se mais
sensível ao construtivismo russo [Malevicht, Tatlin, Gabo]. (MORAIS,
1979, p. 89).
Essas vinculações estanques estético-ideológicas a que se refere o crítico de
arte Frederico Morais, hoje se apresentam nãoo estanques assim, funcionando
apenas como efeito didático. Assim como, dizer que o Rio de Janeiro era mais lúcido e
criativo em relação aos Concretos de São Paulo é, no mínimo, uma visão equivocada,
já que essa briga pela assimilação da herança Construtiva só se faz enriquecedora com
vencedores de ambos os lados. São modos diferentes e peculiares de se receber um
bem cultural e transformá-lo. Sem a presença de um o outro não se constituiria e vice-
versa. O que vale é o debate e não o pódio ou o partidarismo. Embora alguns teóricos,
como o crítico de arte Ronaldo Brito, tenham tomado partido em comparação as duas
tendências, mantendo-se fixo ao debate acalorado da época.
Como seqüência do movimento concreto, e mais amplamente como
seqüência de penetração das estéticas construtivas, o neoconcretismo
movia-se com facilidade em seu campo de ação. Formado por artistas
de classe média alta às vezes, desligado de pressões de mercado e, de
certo modo, isolado pela defasagem cultural do ambiente onde operava,
foi sobretudo uma série de experiências de laboratório: havia um
passado construtivo local que lhes permitia uma segurança suficiente
para que se colocassem as questões mais avançadas e produtoras de
ruptura da época. Ele é claramente o segundo movimento de uma
sincronia, daí talvez sua maior liberdade em relação às matrizes (o
concretismo suíço e a Escola de Ulm, por exemplo) e sua exigência de
uma produção nacional mais específica. Grosso modo: o concretismo
seria a fase dogmática, o neoconcretismo, a fase de ruptura; o
concretismo, a fase de implantação, o neoconcretismo, os choques da
adaptação local. (BRITO, 1999, p. 55)
As diferenças entre os dois grupos - Concretos e Neoconcretos - apontadas por
Ronaldo Brito: dogmatismo/ruptura, implantação/choques da adaptação local, é uma
possível e pertinente interpretação de como se deu a relação entre os dois movimentos
no período e de como eles são compreendidos hoje. No entanto, é preciso ter cuidado
44
para não cair na tentação de enaltecer um grupo em detrimento do outro. É preciso
compreendê-los em suas diferenças. Neste sentido a idéia de dogmatismo/ruptura
talvez precise ser repensada. Como, por exemplo, para objetividade/subjetividade. E,
mesmo assim, objetividade e subjetividade são conceitos que poderão passear entre os
dois grupos, de modo a se confirmar mais em um do que em outro.
Assim sendo, no próprio Manifesto Neoconcreto evidenciam-se essas diferenças
e estabelece-se a importância dessas idéias para a trajetória experimental da obra de
Hélio Oiticica. O manifesto Neoconcreto foi redigido por Ferreira Gullar em março de
1959 e assinado pelos artistas: Amílcar de Castro, Ferreira Gullar, Franz Weissmann,
Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanúdis. No Manifesto, Gullar
escreve:
Propomos uma reinterpretação do neoplasticismo, do construtivismo e
dos demais movimentos afins, na base de suas conquistas de
expressão e dando prevalência à obra sobre a teoria. (...)
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa
realidade do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova
plástica, nega a validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte
e repõe o problema da expressão, incorporando as novas dimensões
verbais criadas pela arte não-figurativa construtiva. (GULLAR, 2002,
p.10-11)
Ao propor uma reinterpretação do Neoplasticismo, do Construtivismo e afins os
Neoconcretos expandem o campo de liberdade da arte e do espectador, num processo
de integração da arte na vida, retomando a expressão em suas relações existenciais,
emocionais e afetivas em contrapartida a uma objetividade científica. Proposta que
tanto era uma revisão das idéias dos primeiros artistas Construtivos, assim como um
projeto de adaptação do Construtivismo às necessidades específicas do grupo dos
Neoconcretos.
45
Deste modo, no manifesto do Movimento Neoconcreto, as idéias ali descritas
influenciaram todo o pensamento e obra de Hélio. Assim como, primeiro vieram às
obras e depois as idéias de Ferreira Gullar; o poeta só pode colocar em texto aquilo que
já se percebia nas obras dos artistas cariocas. Ou seja, a partir do Manifesto os
conceitos existentes nas obras e fora delas, no papel, na interpretação do crítico, se
retroalimentaram.
As obras de Oiticica deste período como os Bilaterais (1959) e os Relevos
espaciais (1959-60) (Fig. 7), por exemplo, mantém coerência com o projeto
Neoconcreto. Obras que rompem com a bidimensionalidade e revelam suas primeiras
experiências com as estruturas-cor no espaço e no tempo. Apesar de ainda estar
discutindo o elemento essencial do vocabulário da pintura como a cor e o domínio do
espaço ainda ser tímido, é possível perceber o desejo de aproximação com o
espectador que é chamado a perceber aqueles recortes de cor suspensos no espaço,
nos Bilaterais. Com os Relevos Espaciais, há uma insinuação entre as dobras das
Fig. 7
Hélio Oiticica. Relevo espacial,
1959. Acrílico sobre madeira.
Acervo Projeto Hélio Oiticica Rio
de Janeiro.
46
placas de madeira, de uma possível invasão do espectador nas fendas dotadas de cor;
orifícios de participação contemplativa do espaço. No entanto, Celso Favaretto comenta
que
Os efeitos variados de luminosidade decorrem da posição do objeto no
espaço, da direção e da intensidade da iluminação. A participação do
espectador depende do lugar da observação. (...) O dinamismo espacial
não provém da intervenção do espectador, mas da relação luz/espaço
interior/ espaço exterior, de cheio e vazio. Embora os Relevos sejam
compostos como dobraduras, que propõe a ação de desdobrar para
liberar o espaço interno (o envolvido), a participação não é, ainda, plena
devido à estaticidade das estruturas. (FAVARETTO, 2000, p. 61)
Os Relevos Espaciais de Oiticica apontam para o desdobramento da experiência
do espectador que se dará ainda pela visualidade, nos embates entre cor-luz, estrutura
e espacialidade. O advento do corpo em seu envolvimento integral ainda estará por vir.
Hélio definitivamente irá abrir à experiência de participação em suas obras com
os Núcleos (1960-63) (Fig. 8) que são estruturas de madeira penduradas e pintadas
com cores quentes: vermelho, amarelo e laranja. São espaços labirínticos onde o
espectador penetra e é envolvido por cores de todos os lados. A investigação da
experiência participativa terá seqüência em profundidade com os desenvolvimentos dos
Penetráveis, Bólides, Parangolés e proposições Ambientais. É possível dizer que Hélio
Fig. 8
Hélio Oiticica. Núcleo NC6, 1960/63.
Pintura sobre madeira recortada.
47
desenvolveu uma teoria sobre a participação do espectador. Oiticica atingiu a
radicalidade de suas propostas de participação, com os Parangolés, em 1964.
A gênese das idéias sobre participação está no Neoconcretismo. O que os
artistas Neoconcretos buscavam, naquele período, era especificamente a libertação de
formas rigorosas (revisão do Construtivismo) de se fazer e de se pensar arte no Brasil,
além de fazer a crítica aos Concretos. Ainda é Celso Favaretto quem comenta que:
O neoconcretismo, ao abolir um projeto a priori, determinante da
prática, e ressaltando a experimentação, contribuiu para que os artistas
que o adotaram se liberassem para um sentido de pesquisa muito mais
amplo que o dos concretos. Um dos seus feitos principais foi, sem
dúvida, colocar como fundamental para o novo campo de ação que se
abria a questão da participação do espectador, implícita nos
desenvolvimentos construtivos. O novo espaço expressivo, ao
privilegiar a experiência, no momento mesmo da intervenção, rompeu o
exclusivismo do programa concretista, abrindo no Brasil direções
variadas de pesquisas contemporâneas. (FAVARETTO, 2000, p. 44)
A formação Neoconcreta estaria para sempre nas proposições de Hélio, pois o
seu caráter experimental se encontra, como já foi dito, na gênese de sua formação
artística. Os desdobramentos das idéias Neoconcretas em Oiticica encontram
parentesco, naquele momento, somente em Lygia Clark e Lygia Pape; interlocutoras de
Hélio por uma arte de invenção e radicalidade.
O crítico de arte Guy Brett explica que
Toda a obra inicial de Lygia Clark, do fim dos anos 1950 a meados dos
anos 1960, pode ser descrita como um processo de tornar orgânico o
espaço geométrico. As obras de Lygia e Hélio partem dos exemplos de
Piet Mondrian, Kasimir Malevich e Josef Albers. O entendimento que
tinham desses artistas, todavia, ultrapassava o aspecto formal: não se
tratava de substituir formas geométricas por um outro conjunto de
formas ilustrando o orgânico ou o visceral. Foram na verdade, a
completa rejeição da ilustração e da ilusão empreendidas por Mondrian,
bem como seu trabalho com o espaço real do plano da pintura que
atraíram Lygia, e foi nesse espaço físico e conceitual que ela desejou
redescobrir o orgânico.(BRETT, 2005, p. 129)
48
Portanto, há em Lygia e Hélio uma compreensão radical das propostas dos
artistas Construtivos, um aprofundamento de suas poéticas. E ainda, no contexto
cultural e histórico, é preciso ressaltar que
As obras iniciais de Lygia e Hélio, feitas de acordo com um modelo
construtivista, surgiram em uma época de intensa atividade
arquitetônica no Brasil. Brasília, a nova capital, estava sendo
construída, e a arquitetura modernista brasileira alcançaria fama
mundial. Em outros países latino-americanos com economias em
expansão, como a Venezuela, havia também íntima relação entre o
experimento nas artes visuais e o planejamento e a decoração de
vastos projetos de construções urbanas. Contra esse pano de fundo, as
obras de Lygia e Hélio se tornaram uma forma extremamente
reveladora de anti-arquitetura, pois eles rejeitaram a tendência que
direcionaria a arte construtivista para a tecnologia e a nova construção.
Suas alusões e metáforas arquitetônicas se mesclavam com seu
pensamento artístico, que rejeitava o fetichismo do objeto de arte, o
mundo dos museus e galerias, e o mito heróico do artista singular.
(BRETT, 2005, p. 139)
Toda a discussão Construtiva sobre o espaço e mesmo a rejeição ao fetichismo
do objeto de arte, o mundo dos museus e galerias e o mito do artista como o único e
grande criador, levou tanto Hélio quanto Lygia a uma compreensão do espaço como
lugar de experimentação; rejeição da arte Construtiva que se encaminhava para a
tecnologia e a nova construção. Espaço que podemos chamar de experimental, dado o
caráter dico, de invenção e participação a que se vê envolvido o espectador. Uma
noção de obra aberta. Experiência de coletividade e de co-criação, de proposições
abertas. O que nos importa ressaltar aqui é como as proposições do criador se
relacionam com o espectador e no que o comportamento do espectador, em relação à
obra de arte, se modifica. Nas palavras de Umberto Eco, em seu estudo Obra Aberta:
O leitor se excita, portanto, ante a liberdade da obra, sua infinita
proliferalidade, ante a riqueza de suas adjunções internas, das
projeções inconscientes que a acompanham, ante o convite que o
quadro lhe faz a não deixar determinar por nexos causais e pelas
tentações do unívoco, empenhando-se numa transação rica em
descobertas cada vez mais imprevisíveis. (ECO, 1971, p. 160).
49
As descobertas cada vez mais imprevisíveis de que fala Eco, do espectador em
relação com a obra, em suas múltiplas possibilidades de leitura, o que não quer dizer
que vale tudo, mas que a obra convida o espectador a não ter uma única percepção é
uma compreensão que esteve no debate da época e que permitiu os diversos
desenvolvimentos das proposições de Oiticica.
Pensar que o espaço experimental de Hélio é, por excelência, o lugar possível
para uma experiência o-repressiva, uma rede de relações inesgotáveis, é começar a
compreender o artista (como queria Hélio) como o propositor de atividades criadoras
para uma construção de uma obra cada vez mais aberta em possibilidades de
apreensão.
Em específico, nos trabalhos de Hélio Oiticica esta noção de abertura da obra de
arte é levada, em última análise, a participação ativa do espectador, que acaba por
tornar-se co-criador.
Desde as proposições lúdicas às do ato, desde as proposições
semânticas da palavra pura às da palavra no objeto, ou às de obras
narrativas e as de protesto político ou social, o que se procura é um
modo objetivo de participação. Seria a procura interna fora e dentro do
objeto, objetivada pela proposição da participação ativa do espectador
nesse processo: o indivíduo a quem chega a obra é solicitado à
completação dos significados propostos na mesma esta é pois uma
obra aberta. (...) Tanto as experiências individualizadas como as de
caráter coletivo tendem a proposições cada vez mais abertas no sentido
dessa participação, inclusive as que tendem a dar ao indivíduo a
oportunidade de criar a sua obra. (OITICICA, 1986, p. 91)
Para Oiticica, uma obra aberta é aquela que solicita do espectador um
movimento para a sua interpretação, e neste sentido cada espectador fará/terá uma
leitura/participação, única da/na obra. As idéias e proposições de Oiticica vão ao
encontro do pensamento de Umberto Eco. Se Eco apresenta a obra aberta como uma
proliferalidade infinita de significados, em descobertas imprevisíveis, Hélio abre os
50
significados da participação direta do espectador com a obra transformando-o em co-
criador.
O problema da participação do espectador nos trabalhos de Oiticica também tem
suas raízes nas discussões sobre o espaço nas obras dos artistas Construtivistas do
começo do século XX, como está explícito no Manifesto Neoconcreto.
Para tanto, será necessário retomar uma breve investigação; iniciemos pela
quebra da moldura, da ruptura com bidimensionalidade. Já vimos que os artistas
Neoconcretos fizeram uma revisão das propostas dos artistas Construtivos do começo
do século XX. Mais especificamente: Piet Mondrian, Kasimir Malevitch, Pevsner, Naum
Gabo, Vladimir Tatlin, entre outros. Vale lembrar que é com Mondrian (Fig. 9) que a
representação do mundo se reduz a linhas, planos e cores puras, mas que, no entanto,
ainda há em Mondrian o exercício de abstração das formas da natureza, que é com a
arte Concreta que se chega à objetividade física da matéria e que passando por
diversas experiências chegaram, os artistas, a necessidade de compreender o quadro
como objeto em si e que já não lhes satisfaziam o corpo suspenso na parede. Outras
Fig. 9
Piet Mondrian. Composição, 1929.
Óleo sobre tela. Museu Guggenhein,
Nova York
51
experiências vieram como os contra-relevos de Tatlin e Rodchenko, que existiam como
formas híbridas entre a pintura e a escultura. Também vale ressaltar Malevitch com as
Arquiteturas Suprematistas, entre outras experiências que são a gênese da questão da
ruptura com a bidimensionalidade e o salto para o espaço. A historiadora da arte Maria
de Fátima Morethy Couto lembra que
Os escritos de Oiticica datados do início dos anos 1960, assim como o
trabalho por ele desenvolvido no período, comprovam não apenas sua
familiaridade com a obra e os textos de Kandinsky, Mondrian, Malevitch
e outros artistas da vanguarda russa, tão caros na época a Gullar, como
sua intenção de levar adiante o caminho iniciado pelos grandes mestres
do princípio do século. (COUTO, 2004, p.109).
A proximidade de Oiticica com as obras e teorias dos artistas da vanguarda
Construtiva influenciou de maneira decisiva as suas obras e proposições não neste
período assim como nos anos que se seguiram. As discussões sobre espaço, tempo,
cor e estrutura são levadas adiante e tomam novos caminhos.
Em 1961, quando da discussão da quebra da moldura, do fim do quadro e do
salto para o espaço, Hélio fala sobre artistas que o acompanhariam durante toda a
sua trajetória, e cita especificamente Piet Mondrian:
Há um ano e dois meses, praticamente, achei as palavras de Mondrian
que profetizavam a missão do artista não-objetivo. Dizia ele que o
artista não-objetivo, que quisesse uma arte verdadeiramente não-
naturalista, deveria levar seu intento até as últimas conseqüências; dizia
também que a solução não seria o mural nem a arte aplicada, mas algo
expressivo, que seria como a beleza da vida, algo que não podia
definir, pois ainda não existia. (OITICICA, 1986, p. 27)
De certa maneira, Hélio foi às últimas conseqüências do Projeto Construtivo de
Mondrian e buscou na arte uma estreita relação com a vida. Na verdade, uma não-
separação entre vida e arte. Hélio compreendeu a radicalização das propostas de
Mondrian e de outros artistas Construtivos e com elas dialogou durante toda a sua
trajetória artística.
52
Para Meyer Schapiro:
Não se pode ler os escritos de Mondrian sem que se fique consciente do
seu desejo de integrar em um espírito utópico a sua teoria da arte com o
todo da vida social e com a promessa de uma emancipação mais ampla
por meio do avanço da modernidade. (SCHAPIRO, 2001, p. 47)
A idéia de utopia de uma arte intimamente ligada ao todo social e a construção
da modernidade sempre esteve presente nas pinturas de cores primárias, verticais e
horizontais, aparentemente rígidas de Mondrian, e que revelavam em sua intimidade
uma abertura para o espiritual. O elemento utópico da pintura de Mondrian também
influenciou outros artistas da geração de Oiticica.
Lygia Clark teve Mondrian como um mestre de inspiração para suas proposições
e obras, e referência para suas reflexões estéticas. Em maio de 1959 escreve o texto
Carta a Mondrian e diz: Mondrian: você acreditou no homem. Você fez mais: num
sonho utópico, estupendo, pensou em eras vindas em que a própria vida construída
seria uma realidade plástica. (CLARK, 1998, p. 114).
A arte encarada como utopia na relação arte/vida tanto em Hélio como em Lygia
aproxima as idéias de Mondrian de suas proposições.
Essa rápida passagem pelo problema da quebra da moldura foi só para lembrar
a filiação da qual Hélio descende e de onde vêm algumas de suas inquietações
estéticas. Não nos cabia aqui uma investigação profunda sobre o tema e sim pesquisar
o assunto do ponto em que os artistas Neoconcretos, mais especificamente, Hélio
Oiticica, dotado desse repertório, salta da parede, abandona a pintura e inicia as suas
proposições no espaço. Mas é importante esclarecer que o início do sentido de
participação do espectador na arte brasileira se com os Bichos (1959) (Fig. 10) de
Lygia Clark. Ferreira Gullar explica:
53
É que, com eles, [Bichos] a relação entre o espectador e a obra se
modifica. O espectador que já então não é apenas o espectador
imóvel é chamado a participar ativamente da obra, que não se esgota,
que não se entrega totalmente no mero ato contemplativo: a obra
precisa dele para se revelar em toda a sua extensão. (GULLAR, 1985,
p. 253).
A participação do espectador é exigida pela obra, formulada na proposição do
artista. Deste modo, a obra já não existe em distanciamento, vive e existe em contato
direto com o espectador e este realiza o ato final do acontecimento, que são os Bichos
de Lygia. O espectador é convocado a experimentar o corpo da obra numa relação de
intimidade. A pesquisadora Daniela Pinotti Maluf explica que:
Num primeiro momento, diante de um Bicho, nos perguntamos: o que
desejo fazer? Logo depois passamos para outra pergunta: o que ele
pode fazer? E de repente tudo se transforma e a questão que nos surge
é: o que nós (eu e o Bicho) podemos fazer? A ação passa a ser
coletiva, o diálogo se estabelece, e é neste sentido que as palavras de
Lygia sobre o fato de que só os Bichos sabem o que eles são capazes
de fazer se concretizam, já que esta relação não tem como ser
delimitada. Porque por mais que o objeto Bicho possa ser finito
enquanto estrutura, ele se mantém infinito enquanto relação com o
objeto. Quantas posições cada um de nós pode ter com cada um dos
Bichos? Com certeza a resposta a esta questão é infinita, uma vez que
se relaciona não apenas com a possibilidade concreta da obra, mas
também com os desejos e atuações de seus co-realizadores. (MALUF,
2007, p. 48)
O caráter infinito da proposição Bicho, esse evento de ludicidade, transforma o
espectador, antes passivo, agora em agente de suas ações em contato com a obra. A
Fig. 5
Lygia Clark. Bicho de Bolso,
1966, Alumínio. Galeria Bergamin
54
comunicação se no contato direto com o fenômeno e as possibilidades múltiplas
agora também são estabelecidas pelo modo como esse espectador irá se relacionar
com a proposição da artista. Guy Brett lembra que
O que realmente diferencia os artistas brasileiros mais originais, como
Lygia Clark e Hélio Oiticica, é o interesse deles pela pessoa humana
em sentido completo. Lygia Clark tem falado de ser consciente de novo
sobre os gestos e atitudes da vida cotidiana. A necessidade de realizar
isto e comunicá-lo, levou-a a uma idéia extraordinária de escultura.
Suas obras são apenas instrumentos, que, em contato direto com uma
pessoa, tornam-se um meio de focar as suas sensações de sentir-se
vivo, enquanto as vivencia. (BRETT, 1986, s/p)
Ao colocar o espectador no foco, Lygia e Hélio, querem lhe dar a condição de
co-criadores. E além, desejam que a experiência seja intensa, direta, imanente e não
apenas contemplativa. O espaço torna-se vivo e já não é neutro. As ações vivenciadas
pedem ao participador uma consciência coletiva em seu ato. Essa relação
obra/espectador evidencia-se em Hélio, de maneira radical, nos Parangolés. No
entanto, há uma trajetória da compreensão do espaço para a chegada definitiva no
espectador que é muito bem captada pelo crítico de arte Frederico Morais:
Hélio Oiticica, cuja obra evoluiu em níveis simultâneos e diversos. Nos
núcleos e nos penetráveis, todo um mundo lúdico, de surpresas, de
expectativas revertidas ou realizadas. É a mão que abre e fecha caixas,
descobre gavetas, compartimentos vazios ou com pigmentos de cor, o
olhar ávido acompanhando a mão. Nos labirintos é o próprio corpo, que
ombreando-se à cor, banhando-se em cor, caminha e se perde, entre
placas intensamente coloridas, como se fossem quadrados e retângulos
retirados de um quadro de Mondrian, e dissolvidos, desintegrados no
espaço e/ou na vida (tal como ele, aliás, desejou, ao falar de uma
cromoplástica, do desaparecimento da arte na vida, do que, aliás, não
difere, na essência, a ambientação parangolé de Oiticica). Uma
geometria lúdica, que proporciona ao espectador/caminhante a mais
sadia alegria, que faz com que retorne à infância, a um certo estado de
magia, a uma vida mais instintiva e primária. Oiticica é um selvagem da
cor. E um anárquico: seus labirintos têm aquela desorganização das
coisas orgânicas, como os caminhos que se formam nas florestas ou
jardins, ou a maneira como as favelas vão surgindo com sábia
utilização dos espaços. Mas é com seu parangolé que Oiticica rompe
definitivamente a distância inibidora entre a obra e o espectador. Este,
agora, usa a obra de arte, quase se poderia dizer que ele é a obra. Pois
55
é no movimento que o parangolé existe. (...) E o corpo que veste
aqueles panos ou capas, como se fosse a dobradiça do bicho [de
Lygia Clark] ou núcleo estrutural dessa obra viva. (MORAIS, 1975, p.
15)
Portanto, há nos trabalhos de Hélio uma relação formal, seja através da sua
pesquisa sobre a cor ou da estrutura labiríntica do espaço, que desemboca numa
aproximação com o espectador. Um acolhimento do sujeito no espaço e no tempo,
trazendo deste modo a arte para a vida e vice-versa.
Ao romper a relação estática entre obra e espectador, Hélio anarquiza a
experiência com a obra e a socializa. Canibaliza o espectador em seu projeto por uma
arte experimental e de invenção. Liberta o espectador descondicionando o seu fruir
transcendental para a imanência da participação. Se transcender é ir além da
experiência possível, numa experiência quase espiritual diante de uma obra de arte, a
imanência é a experiência que acontece inseparável do objeto, faz-se com ele, nele.
Uma prática artística de imanência. Como disse Haroldo de Campos:
havia um elemento gozoso também nessa prática artística, pelo
espectador, que seria no caso um copartícipe do próprio fazer, do
próprio elaborar aparentemente inconclusos, cuja perfação, ou seja,
cujo desenrolar supunha a presença do outro, o desejo do outro:
supunha alteridade, supunha a participação do manipulador como
prazeroso desfrutador dessas invenções, dessa féerie plástica que a
imaginação do Hélio era capaz a cada vez, de configurar de modos
caleidoscopicamente diferentes. (CAMPOS, 1992, p. 217)
Experiência de si para o mundo. Ato criador que se alarga e atinge o espectador,
colocando-o num espaço onde o sujeito criador se funde, confunde e funda a atividade
participativa como processo criador de coletividade. Pode-se dizer que Hélio quis com
suas proposições, dotadas de vontade construtiva atingir uma harmonia com o
espectador. É como se o Poema dialético do poeta mineiro Murilo Mendes, tomasse
forma numa proposição de Oiticica como os Ninhos, Éden ou Crelazer. O poeta diz:
56
Tudo marcha para a arquitetura perfeita: / A aurora é coletiva. (MENDES, 1979, p.
104). Os versos de Murilo Mendes me servem para exemplificar o desejo de Oiticica de
que as suas proposições fossem coletivas, de que todos participassem ativamente, de
que a arquitetura perfeita se fizesse pela compreensão da coletividade, na comunhão
entre espaço e imanência. Carlos Zílio comentando sobre a função da coletividade no
trabalho de Oiticica explica que
A estratégia do seu trabalho visava à diluição da arte na vida, pela
sensibilização do social. Isto se daria pela promoção de atividades
artísticas coletivas em que o artista desapareceria como criador
privilegiado, tornando-se um simples organizador de eventos. A
perspectiva implícita é a revolução social através da transformação do
indivíduo, que se libertaria na atividade criativa. Estamos diante de uma
posição política típica das vanguardas modernas e bem próxima da dos
construtivistas soviéticos. Esse ativismo correspondia também ao
ambiente militante que predominava na cultura brasileira na década de
1960. (ZÍLIO, 1982, p. 50).
A idéia da diluição da arte na vida pela sensibilização no coletivo social era antes
de qualquer coisa um esforço das proposições de Hélio para que a vivência do
espectador fosse uma atividade libertadora, para que a resposta do indivíduo ao
participar da criação coletiva fosse uma experiência transformadora, de modo a fazer
deste indivíduo mais um participante da revolução coletiva, pela compreensão de seu
lugar no mundo como potência, de sua entrega à participação.
Isso também fica claro na relação que Hélio mantinha com a vida, em suas
atitudes como criador. O que havia na sua figura no meio da arte brasileira, era uma
presença doce e agressiva, capaz de experimentar a arte com a mesma dedicação de
um sujeito que se entrega ao ócio de uma rede de dormir ou a de um malandro que
deixa o mundo lá fora quando se entrega à mesa de bilhar e a birita e que, justamente
por essa entrega, vive plenamente o mundo que supostamente deixou. Hélio se lançava
à vida e a arte de modo integral. Quero dizer, experimentava as coisas por inteiro e
57
mesmo no limite delas, radicalização presente em sua obra e em sua vida. Apenas,
antes de qualquer coisa, quero evidenciar que este comportamento não deve
transformá-lo nem em Super-homem nem em mito da loucura nacional. Apenas é uma
peculiaridade do seu comportamento. Vale lembrar o episódio em 1965, no MAM-RJ,
quando Oiticica levou com ele alguns integrantes da escola de samba da Mangueira
(passistas vestidos com Parangolés e a bateria) para dentro do museu, causando um
grande mal-estar no público que foi para a abertura da coletiva Opinião 65, sendo, logo
em seguida, expulsos do museu. Numa atitude subversiva que já revelava o seu
embate com os museus, com extrema consciência dos seus atos. Como comentou o
poeta e crítico Haroldo de Campos:
Ele atravessava todas as curtições; o corpo era levado aos limites da
experiência vital; ele tinha então o caos e a ordem coexistindo,
conseguia, de certa maneira, como diria o músico e compositor Pierre
Boulez, organizar o delírio. (CAMPOS, 1992, p.218).
A coexistência do caos e da ordem, em Hélio, se evidenciam, tanto no fato de
Oiticica ter sido um artista extremamente rigoroso em suas criações, anotando,
registrando e refletindo cada movimento do seu processo, do sentido construtivo de
suas proposições sob influência de artistas/teóricos de si mesmos como Piet Mondrian
e Kasemir Malevitch, assim como no movimento anárquico e revolucionário de suas
proposições diante desse mesmo rigor. O que pode ser percebido nas suas pinturas
antes da década de 1960.
Na série de guaches sobre cartão Metaesquemas (1957-8) (Fig. 11), por
exemplo, Hélio absorve num labirinto Construtivo os caminhos meândricos pelos quais
enveredaria anos mais tarde; o salto para o espaço e o encontro com o espectador. O
labirinto já se faz presente nos Metaesquemas, assim como a vontade das formas
58
geométricas em ocupar outro espaço; parecem apertadas e inquietas naquele
ambiente. Como se os retângulos e quadrados estivessem para cair, ou mesmo, saltar
do plano bidimensional para o espaço tridimensional.
Só resta a partir daí a inevitável quebra da moldura e, por conseqüência, o
encontro do criador com o espectador.
Há um elemento catalisador de suas proposições e invenções que é o prazer.
Elemento tão erótico quanto criador. O prazer aqui é entendido dentro da experiência
artística como espaço de gozo e participação, de experiência não-repressiva da obra de
arte. E o artista como sujeito que existe e sabe se situar a margem das opressões
sociais, para ser o revelador de repressões e propositor de situações não-repressivas.
Esta idéia da arte como fonte de prazer e ludicidade percorreu a sua obra desde
os Bólides (1963-5) (Fig. 12); invadir com as mãos um objeto desconhecido, conhecer-
lhe a matéria da cor, tocá-lo, sentí-lo, ser um só com ele, vivenciá-lo, tê-lo para além da
contemplação passiva, ter ódio ou paixão, mas jamais ignorá-lo, pois qual um amante,
Fig. 11
Hélio Oiticica. Metaesquema II, 1958.
Guache sobre cartão. 55 x 63,9 cm
Acervo Projeto Hélio Oiticica Rio de
Janeiro.
59
nos encanta e nos seduz, tamanho é o seu poder de atração. Passando pelos
Parangolés o desenvolvimento da cor no espaço - até as suas proposições como:
Tropicália, Éden e Ninhos, entre outras, do final da década de 1960, por exemplo, onde
o espectador participa, vivencia, toca, sente, cheira, convive e experimenta um
determinado ambiente, onde pode desenvolver sua coletividade mantendo sua
particularidade. Muitos desses espaços coletivos de prazer/lazer eram compostos por
cabines onde o sujeito poderia estar sozinho. Uma das questões era a possibilidade de
ser coletivo no particular e particular no coletivo.
Outra questão a respeito do espaço em Hélio é pensá-lo como casa, abrigo,
recinto, para uma experiência de lazer. Oiticica explica que
Habitar um recinto é mais do que estar nele, é crescer com ele, é dar
significado à casca-ovo; é a volta à proposição da casa-total, mas para
ser feita pelos participantes que aí encontram os lugares-elementos
propostos: o que se pega, se vê e sente, onde deitar para o lazer
criador (não o lazer repressivo dessublimatório, mas o lazer usado
como ativante não repressivo (...) Os estados de repouso seriam
invocados como estados vivos nessas proposições, ou melhor, seria
posta em xeque a dispersão do repouso, que seria transformado em
alimento criativo, numa volta à fantasia profunda, ao sonho, ao sono-
lazer, ou ao lazer fazer não interessado. (OITICICA, 1986, p.120)
Fig. 12
Hélio Oiticica. Bólide Vidro 6, 1965.
Técnica mista. 33 x 43 x 37 cm
Acervo Projeto Hélio Oiticica Rio de
Janeiro.
60
Hélio propõe um espaço que se experimente em sua totalidade, que seja
compartilhado, a realidade vivida pelo o que as coisas são, aquilo que se pode perceber
pegando, cheirando, sentindo. O que Oiticica chama de a dispersão do repouso,
poderia também ser interpretado como o pressuposto taoísta da ação pela não-ação.
Hélio quer o estado arcaico das nossas experiências primeiras, do ambiente que
desperta no outro a fantasia, o sonho, o desinteresse dos significados imediatos e
confortantes do cotidiano para aquilo que por si só é estar e ser. Experiência direta,
sem intermediários, ativa em seu aparente lazer. A proposição do Crelazer que dá
origem ao Éden, as Camas-Bólides, são experiências de participação suprasensoriais,
super abertas, espaços, camas, casas, onde o que se propõe ao espectador é a
consciência do estado de lazer, uma concentração do lazer, como diria Hélio. Enfim,
são núcleos de lazer.
Em Cosmococa de 1973, mais especificamente em CC5 HENDRIX-WAR (Fig. 13
e 14), Oiticica insere a rede de dormir no espaço coletivo de participação e devaneio.
Dentro da cultura brasileira a rede de dormir é um ícone, um elemento histórico. Foi
Pero Vaz de Caminha quem primeiro chamou a hamaca sul-americana dos índios
Fig. 13
Hélio Oiticica. Cosmococa CC5
HENDRIX-WAR, 1973.
Materiais diversos.
61
Tupiniquins de rede. E ainda o folclorista e antropólogo Câmara Cascudo, no prefácio
que escreveu para o seu estudo Rede de dormir: uma pesquisa etnográfica, diz:
O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-nos nele, procurando
o repouso numa sucessão de posições. A rede toma o nosso feitio,
contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia, a forma do
nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rede é acolhedora,
compreensiva, coleante, acompanhando, tépida e brandamente, todos
os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso
sossego. Desloca-se, incessantemente renovada, à solicitação física do
cansaço. Entre ela e a cama a distância da solidariedade à
resignação. (CASCUDO, 2003, p.15)
O espaço em CC5 HENDRIX-WAR, criado em parceria com Neville DAlmeida
está repleto de redes e imagens projetadas nas paredes do guitar hero Jimi Hendrix. A
música psicodélica e hipnotizante de Hendrix faz a trilha para que o espectador se
aconchegue nas redes. As fotos do guitarrista estão desenhadas com cocaína. Linhas
que percorrem os caminhos meândricos do rosto do ícone da cultura pop. Uma questão
que surge em CC5 é a contraposição provocada pela idéia de Hélio usar cocaína
droga que promove um estado eufórico - como pigmento para o desenho e deixar o
espectador deitado em redes num estado de preguiça, até mesmo de passividade em
Fig. 14
Hélio Oiticica. Cosmococa CC5
HENDRIX-WAR, 1973.
Materiais diversos.
62
sua participação. Talvez resida um tipo de participação que é a da ação pela não-
ação. Do estado de ócio, preguiça. O leito/rede é útero, abrigo acolhedor para os
nossos corpos, como se esse estado inerte (em que a rede nos coloca) fosse período
de maturação, de uma gestação, um desabrochar. A rede torna-se objeto de
participação, de imanência, mergulho, imersão, quase uma pele, um casulo a nos
envolver e nos transformar.
E mais uma vez retomamos em Oiticica sua proximidade com as idéias
Antropofágicas. Podemos pensar no Macunaíma, de Mário de Andrade, em seu elogio
da preguiça e do ócio, mas é Oswald de Andrade em seu Ensaio A crise da filosofia
messiânica quem lembra que A palavra ócio em grego é sxolé, donde se deriva
escola. (ANDRADE, 1978, p. 82) E continua dizendo que:
É a partilha do ócio que todo homem nascido de mulher tem direito. (...)
No mundo supertecnizado que se anuncia, quando caírem as barreiras
finais do Patriarcado, o homem poderá cevar a sua preguiça inata, mãe
da fantasia, da invenção e do amor. E restituir a si mesmo, no fim de seu
longo estado de negatividade, na síntese, enfim, da técnica que é
civilização e da vida natural, o seu instinto lúdico. Sobre a Faber, o
Viator e o Sapiens, prevalecerá então o Homo Ludens. À espera serena
da devoração do planeta pelo imperativo do seu destino cósmico.
(ANDRADE, 1978, p. 83)
Os paralelos entre o pensamento de Oswald e de Oiticica são inevitáveis, tanto
no que diz respeito há uma presença cativante no cenário cultural brasileiro em seus
períodos respectivos, assim como na radicalidade de suas produções artísticas, no
diálogo antropofágico estabelecido com as vanguardas artísticas européias e na
compreensão do destino do homem como invenção. Para tanto, ambos refletiram,
escreveram, inventaram de modo a pensar a liberdade do homem pela possibilidade de
que o imperativo lúdico da existência, vivenciado em todas as suas possibilidades
libertaria a humanidade da razão e do fazer mecânicos para um lazer/prazer criativos.
63
Os caminhos do lazer e do prazer nas proposições de Oiticica estão também
relacionados ao seu conceito de antiarte, pelo modo como o artista apresenta as suas
atividades criadoras e de como este se manifesta em relação ao meio em que atua e os
seus sistemas. O que será o foco do próximo capítulo.
64
CAPÍTULO 3 ANTIARTE E MARGINALIDADE
Só executava a invenção de se permanecer
naqueles espaços do rio, de meio a
meio,sempre dentro da canoa, para dela não
saltar, nunca mais.
Guimarães Rosa, A terceira margem do rio.
Quando Hélio Oiticica opta por uma arte de invenção e de vanguarda, ele está
ocupando uma posição à margem. Produzir arte experimental é estar à margem, esta é
uma condição para todo e qualquer artista radical. É não se tornar acadêmico, não
praticar maneirismos ou seguir cânones, é ficar à margem do estabelecido.
Umberto Eco ao discorrer sobre o caráter experimental na obra de arte
contemporânea diz que:
o artista contemporâneo, no momento em que começa uma obra, põe
em dúvida todas as noções que lhe foram ministradas acerca da
maneira de fazer arte, e planeja a sua forma de atuação como se o
mundo começasse com ele ou, pelo menos, como se todos os que o
precederam fossem mistificadores que é preciso denunciar e pôr em
causa. Neste sentido, o termo experimental usado analogicamente
permite-nos distinguir o artista contemporâneo do de outras épocas
(ECO, 1986, p.229)
Portanto, segundo Eco, o artista contemporâneo questiona a tradição da arte, e
ao dialogar com o passado, toma uma atitude de rompimento, não dando a obra, no
processo histórico, uma continuidade obtusa. Com essa atitude perante a criação, o
artista experimental conduz a sua posição à margem. Rompe com o estabelecido e
cria novas possibilidades de atuação. É preciso dizer que no caso de Oiticica o diálogo
com o passado se dá o para romper e nem para ser continuidade, a noção seria de
revisão radical.
Mas o que é necessariamente estar à margem no que diz respeito a um projeto
artístico? Esta é uma questão complexa que aqui abordarei com foco em meu objeto de
65
pesquisa. De qualquer maneira, é possível pensar algumas linhas gerais do problema
de se estar à margem.
Estar à margem é assumir um papel que não é o do sistema das artes, é
caminhar de modo alternativo aos espaços oficiais da arte como museus e galerias ou,
pelo menos, buscar uma subversão desses espaços. Estar à margem é ter, enfim, uma
atitude contra toda e qualquer norma, regra estabelecida na arte, contra todo e qualquer
tipo de tirania do universo artístico. Antes é uma opção pelo perigo, por uma poética de
invenção. Necessário é não confundir invenção com inovação.
Oiticica caminhava para além da idéia do novo. O novo, quando surgia, era
produto de um processo de experimentação, e não o novo pelo novo. O seu delírio não
era o do choque, e sim o delírio da relação do caos com a ordem e da arte com a vida.
Era o delírio da invenção. Neste sentido era um artista de vanguarda. Frederico Morais
explica que
O artista de vanguarda não atua a posteriori, no sentido de confirmar
tendências, mas a priori, forçando caminhos, criando novos repertórios,
ativando a linguagem. Vanguarda é laboratório. (MORAIS, 1975, p. 70).
Hélio se encaixa na idéia do que seja um artista de vanguarda para Frederico
Morais. Oiticica abriu novos caminhos para a arte brasileira, revigorou a linguagem
plástica e foi, por excelência, um inventor. Explorando relações de afastamento com os
espaços tradicionais de apresentação do objeto artístico.
Talvez seja preciso esclarecer que o comportamento adotado por Hélio não o
afastava de modo algum de artistas que tinham uma boa relação com o universo das
galerias e dos museus. O que acontecia, além de seu próprio posicionamento diante
dessa questão, era que a estrutura de seus trabalhos, pela característica peculiar de
66
suas proposições, não se afinava com estes espaços, não encontrava neles o seu
melhor lugar para acontecer.
A posição marginal de Hélio, com a emblemática frase estandarte: Seja
Marginal, seja Herói, é de fundamental importância para compreender a sua posição
ética em contrapartida a uma estética de concessão ao sistema das artes. Nas palavras
do poeta e amigo Waly Salomão:
Assim, SEJA MARGINAL, SEJA HERÓI é auto-referente e fala da
resistência heróica (ou bandida, conforme o vértice que se veja) do
artista frente ao mundinho cooptador dos marchands, curadores,
galerias e museus. Mantenha a mesma pose por muito tempo e ela
torna-se postura, mantenha a mesma postura por muito tempo e ela
torna-se posteridade. (SALOMÃO, 2003, p.73).
Salomão expõe com muita clareza a resistência de Oiticica diante do mundo das
artes, e revela o fato de Hélio não abrir mão de suas experimentações pelo status quo
do cenário artístico, assumindo desta maneira, uma posição singular.
Sabemos que a arte se movimenta e existe daquilo que é institucional também,
mas há que se compreender, descobrir e experimentar que participar de uma atividade
criadora é anterior aos sistemas da arte. Hélio sabia disso e não foi à fraqueza de um
sistema da arte, nas décadas de 1960 e 1970, (no sentido de sua falta de organização
e estrutura) que deu a Oiticica a condição para uma aproximação com o mundo fora
desse sistema. Foi sim, um desejo, uma vontade, uma coragem ética e estética que
deram a ele essa condição de inventor.
Oiticica dizia que o museu era o mundo e que o estado de invenção era para ser
experimentado no cotidiano, era preciso apropriar-se do cotidiano, descobrir,
experimentar e inventar. O que interessava ao Hélio era uma compreensão do seu lugar
e sabia-se fora do sistema.
67
Dos anos 20 aos 70, a galeria tem uma história tão diversa quanto a
arte que ela expõe. (...) O pedestal desmoronou, deixando o espectador
mergulhado num espaço de parede a parede. Assim que a moldura
sumiu, o espaço se espraiou pela parede, gerando turbulência nos
cantos. A colagem desprendeu-se do quadro e se acomodou no chão
com a naturalidade de um pedinte. (...) Todos os empecilhos foram
removidos, exceto a arte. (...) Gradativamente a galeria impregnou-se
de consciência. As paredes tornaram-se chão; o chão, um pedestal; os
cantos, vórtices; o teto, um céu estático. O cubo branco tornou-se arte
potencial; seu espaço fechado, um meio alquímico. (ODOHERTY,
2002, p. 101-2)
O artista e escritor Brian ODoherty em seu livro No interior do cubo branco,
comenta que o espaço da galeria tornou-se arte potencial, que ela impregnou-se de
consciência. Que , portanto, um novo modo de tratar o cubo branco, um espaço que
se dinamiza e se inquieta, abrindo novas possibilidades para a obra de arte. O que, de
certa maneira, contrapõe o pensamento de Hélio em relação a sua crença na
impossibilidade de experiências criadoras nesses espaços.
Na verdade, é preciso ter em mente que as proposições poéticas de Oiticica
tinham a característica de ir direto ao mundo, de dialogar com as ruas, experiências que
estavam inseridas em sua realidade cotidiana. Ou seja, não aqui uma negação de
que o espaço expositivo tenha se transformado nas décadas de 1960 e 70, mas apenas
uma constatação de que a trajetória particular de Hélio não vai ao encontro das
possibilidades do espaço institucional.
Guy Brett relata a experiência que teve, em 1973, com uma das proposições de
Oiticica, que acontecia dentro do apartamento do artista, em Nova Iorque:
O Babylonests era uma estrutura de dois ou três andares (não me
lembro bem) que preenchia todo o espaço de seu pequeno
apartamento. Havia pequenas cabines com cortina, colchão, etc. Hélio
ocupava uma delas. Havia também uma cozinha e um banheiro
separados. Nunca soube muito bem quantas pessoas viviam ali, pois a
toda hora tinha alguém entrando ou saindo. (BRETT, 2005, p. 20-22)
68
Portanto, Hélio compreendia sua arte intimamente conectada a sua existência
cotidiana. Transformara o seu apartamento num mundo de invenções e possibilidades
criadoras, num espaço coletivo de lazer, prazer e participação. O Babylonests (1971)
(Fig. 15) era uma proposição que estava em processo diariamente. Acontecendo com a
dinâmica da vida.
Não interessava ao lio a institucionalização de seu trabalho, não queria
ganhar a vida com as suas obras. É ainda, o crítico inglês, Guy Brett quem comenta:
Quando estive em Nova Iorque, Hélio trabalhava à noite como
telefonista internacional (nunca se preocupou em fazer dinheiro com
sua arte, e não queria um agente, pois dava os seus trabalhos
precisava, portanto, de empregos para se manter vivo). Ele voltava do
trabalho às sete da manhã, dormia um pouco e então procurava sua
máquina de escrever. (BRETT, 2005, p. 22)
Assim sendo, Hélio não participava do sistema de galerias e museus, também
porque sua relação com o que produzia não passava pelo mercado das artes, como
disse Guy Brett, Oiticica nunca quis ter um agente, dava os seus trabalhos, mantinha-se
com empregos alternativos. Que relação seria possível para uma galeria com um artista
que doa os seus trabalhos? Ou melhor, que relação seria possível para um artista
Fig. 15
Hélio Oiticica. Babylonests,
1971. Materiais diversos.
Nova York
69
experimental conviver na dinâmica estagnante de uma galeria? E aqui me refiro, não ao
espaço do cubo branco, mais sim, da galeria como a instituição que vende e cuida das
obras dos artistas. Ou seja, Hélio mantinha uma posição à margem desse sistema, por
isso não precisava dele.
Vale ressaltar ainda que essa relação não afinada com os espaços institucionais
em Oiticica continuou a sofrer embates mesmo anos depois da sua morte em 1980. Na
XXIV Bienal de São Paulo, o descaso para com as suas propostas foi explicitado pelo
historiador e crítico de arte Francisco Alambert e pela pesquisadora e artista plástica
Polyana Canhête:
De Hélio Oiticica, artista fundamental para o tema da Bienal e para a
arte brasileira contemporânea, foi feita uma exibição extraordinária em
variedade: bólides, parangolés, relevos neoconcretos, fotografias de
operação contrabólide, o essencial de sua obra estava na Bienal.
Entretanto, como se notou na época, as preocupações didáticas do
evento passaram longe da homenagem. Os parangolés, por exemplo,
que devem ser vestidos pelo espectador-participante, careciam de
identificação e de sugestão ou autorização para que fossem usados e
realmente adquirissem vida. (ALAMBERT E CANHÊTE, 2004, p. 210)
Esse tipo de descaso para com as proposições criadoras de Oiticica se repete
aos montes por aí em mostras retrospectivas sobre o artista. O mesmo se dá com a sua
contemporânea Lygia Clark, salvo raríssimas exceções.
Talvez isso venha a nos confirmar apenas que a radicalidade das invenções de
Hélio e de Lygia ainda estão a provocar desconforto, pois o espaço institucional
mantém a mesma mentalidade repressora de anos atrás, buscando constantemente a
sacralização do objeto artístico.
Diante dessa constatação, compreendemos que a posição de Hélio Oiticica no
cenário cultural brasileiro e mundial entre as décadas de 1960 e 1970 era uma posição
à margem do establishment do mundo das artes, que a sua produção experimental não
70
cabia e, talvez, ainda não caiba nos espaços tradicionais da arte. E que, portanto, as
proposições de Oiticica estavam, e de certa maneira ainda estão, à margem do meio
das artes, pelo menos convivendo de maneira não tão pacífica. Mas em relação a essa
consciência de se estar à margem no artista experimental, ainda uma nova
questão.
É o próprio Hélio quem nos apresenta uma leitura desse estar à margem, e nos
coloca diante dessa uma nova reflexão.
Eu acho que as coisas feitas no Brasil já têm um caráter a priori
underground, no sentido de que o underground americano quer se
contrapor à cultura profissionalizada. Por exemplo, o underground foi
uma coisa que nasceu para demolir Hollywood. Quer dizer, Hollywood
era de tal maneira profissionalizada e condicionada ao gosto do
consumo, que, de repente, foi preciso aparecer o underground para
outra vez as pessoas poderem fazer as coisas. Mas no Brasil não tem
sentido você dizer underground brasileiro porque, em relação à cultura
de consumo americana, européia, principalmente, a coisa é
automaticamente underground. (UM BATE-PAPO DE VANGUARDA,
2003, p. E 3)
Oiticica conclui que já nascemos com a vocação para sermos marginais, pois
somos automaticamente underground em relação a esses centros. É necessário que se
diga aqui que Oiticica se refere ao seu tempo e momento histórico. Até que ponto
poderia se dizer que um pintor como Pedro Américo nasceu underground?
Poderíamos dizer submisso? Ou mesmo, subproduto da chamada grande cultura? Ou
underground porque no subsolo da cultura européia? Digo isso apenas para
estabelecer uma clara compreensão do questionamento de Hélio. Estamos, nas
palavras de Oiticica, no sub/sub solo/ sub terra/ sub mundo/ o sub desenvolvido
embaixo da terra como rato/ a sub América/ sub terrâneo desconhecido. (OITICICA,
1986, p. 127).
71
Hélio revela uma consciência de que estamos no sub/solo, de que pertencemos
ao reino abissal, de que estamos em relação aos grandes centros, esquecidos e sem
nenhum poder de influência. E essa consciência naquele momento fez com que Hélio
assumisse o seu postulado marginal e buscasse o seu lugar dentro da cultura brasileira
e internacional.
No conto A terceira margem do rio de Guimarães Rosa, o personagem do Pai,
que manda construir uma canoa e depois fica vivendo dentro da canoa entre as
margens do rio, para dela não saltar nunca mais, encontra ali, no espaço entre as
margens o seu lugar no mundo, a sua posição a terceira margem é o seu estar à
margem, o seu subterrâneo desconhecido, porém autêntico. A sua loucura sã. Talvez,
com esta metáfora, possa se objetivar uma idéia do que seja essa posição à margem
em Hélio Oiticica de que estamos falando, como ela se deu efetivamente, quais foram
sua escolha e coragem, semelhante ao personagem do conto de Guimarães. Hélio
manteve durante toda a sua vida uma posição que é somente sua. Esteve sujeito às
intempéries do tempo, a céu aberto, exposto ao sol, e estava disposto a pagar esse
preço em nome de sua autonomia criadora. O que lhe garantiu um lugar que era seu,
nem lá, nem cá, diante do olhar indignado de muitos.
Oiticica frente à arte produzida no Brasil na década de 1960, pergunta:
Como, num país subdesenvolvido, explicar o aparecimento de uma
vanguarda e justificá-la, não como uma alienação sintomática, mas
como um fator decisivo no seu progresso coletivo? Como situar aí a
atividade do artista? O problema poderia ser enfrentado com uma outra
pergunta: para quem faz o artista sua obra? Vê-se, pois, que sente esse
artista uma necessidade maior, não de criar simplesmente, mas de
comunicar algo que para ele é fundamental, mas essa comunicação
teria que se dar em grande escala, não numa elite reduzida a experts
mas até contra essa elite, com a proposição de obras não acabadas,
abertas. (OITICICA, 1986, p. 97)
72
Hélio indica que com proposições abertas se busque o encontro com o
espectador, para que se possa comunicar algo, sem que, necessariamente, esse
espectador seja um iniciado em arte, membro de um número reduzido de privilegiados,
mas sim contra esse pequeno grupo, uma arte que quer o encontro com o coletivo, algo
próximo e não distante do espectador, algo aberto a participação de todos, encontrando
aí, talvez, a justificativa para o aparecimento de uma arte de vanguarda em um país
subdesenvolvido como o nosso.
A consciência da experimentação, da posição do artista brasileiro à margem, a
nossa própria condição underground, dava a liberdade para que Oiticica não atuasse
com submissão periférica em relação aos grandes centros produtores de arte, mais
especificamente, Europa e Estados Unidos, mas ao contrário, que produzisse uma arte
num diálogo próximo e, ao mesmo tempo, independente em relação a estes centros.
O crítico de arte Guy Brett fala sobre o impacto da apresentação do seu trabalho
em Londres em 1969:
Experimento Whitechapel, ou Experiência Whitechapel (ele não
usava a palavra exposição), foi um dos mais audaciosos eventos de
artes visuais dos anos 1960 e 1970 em Londres. Hélio concebeu o
espaço como um ambiente completamente integrado, em vez de uma
mostra de objetos discretos, tendo sido, acredito, a segunda vez em
que se tentou levar a cabo uma empreitada nesses moldes em
Whitechapel. A experiência de Hélio também foi audaciosa em razão de
sua proposta de participação do espectador, aspecto que foi recebido
com bastante ceticismo, ou mesmo desprezo, por inúmeros críticos.
(BRETT, 2005, p. 42)
A apresentação de seu trabalho na galeria Whitechapel, que foi uma das poucas
a acontecer em espaços institucionais, revelava que o pensamento de Hélio estava na
vanguarda dos acontecimentos artísticos no mundo, causando impacto. Hélio queria
que os objetos individuais expostos fossem percebidos em seu conjunto, compondo o
ambiente como um todo. Efeito que não conseguiu fazer reverberar em uma parcela da
73
crítica. Haja visto o desprezo de que fala Guy Brett, por inúmeros críticos, em relação a
essa mostra. Outra particularidade em relação a essa experiência é que Oiticica
aceitou fazê-la quando todo o seu projeto foi aceito. Como disse Guy Brett, Hélio queria
não uma mostra de objetos separados e sim compor o ambiente como um todo
orgânico integrado para a participação do espectador. Esse posicionamento firme de
Hélio, de não afrouxar suas idéias, era uma característica sua que é possível perceber
como comportamento político no meio das artes.
É preciso que se compreenda que estar à margem, ter uma posição diante do
mundo da arte em Hélio, antes de qualquer coisa, é uma compreensão de uma atitude
antes ética que estética. Sua tomada de posição diante dos problemas sociais e
políticos se dá aí; na produção de uma antiarte não-repressiva.
Questionado pelo poeta Walmir Ayala, se a arte pode ou deve ter uma função
política, Oiticica responde: Sempre tem e deve ter, mas o ter isso como um alvo
especial, mas sim como elemento; se a atividade é não-repressiva será política
automaticamente.(OITICICA, 1970, p. 166)
Hélio não sobrepõe a função política à proposição de uma atividade não-
repressiva, que considera o ponto fundamental para uma posição de comprometimento
com os problemas sociais e políticos. De que vale uma arte panfletária que não leve o
espectador a um descondicionamento do seu comportamento social, e do seu
comportamento diante de uma obra de arte, que não gere uma reflexão integral quanto
a sua maneira de ser no mundo, que não o faça ir ao encontro de si mesmo e do
coletivo? Numa atividade criadora didática e politicamente panfletária há muito de
repressão. Por isso é necessário que se compreenda em Hélio a busca de proposições
não-repressivas, atividades que procurassem despertar no indivíduo o seu espírito de
74
liberdade e coletividade. Esse modo possibilitava uma profunda consciência no
sujeito/participante, para além de um panfletarismo político e imediatista.
Mas para Hélio o que vem a ser uma atividade criadora não-repressiva? Primeiro
é preciso pensar que a sua compreensão da arte em relação a uma atividade criadora
não-repressiva passa por uma percepção que antes se dava de maneira estática e
transcendental do ponto de vista do espectador para, num segundo momento, uma
participação efetiva deste, por uma imanência na relação obra/espectador. Ou seja, o
espectador participa de uma atividade, convive, toca, cheira, sente, vivencia, se
relaciona em liberdade e não de maneira dura e rígida diante de um objeto aurático.
Esse impulso lúdico a que é convidado o espectador, entre outras coisas, nas
proposições de Oiticica tem parentesco com o pensamento de Herbert Marcuse, leitura
de profundo impacto na vida de Hélio:
O que se procura é a solução de um problema político: a libertação do
homem das condições existenciais inumanas. Schiller afirma que, a fim
de solucionar o problema político, tem de se passar através da
estética, visto ser a beleza o caminho que conduz à liberdade. O
impulso lúdico é o veículo dessa libertação. O impulso não tem por alvo
jogar com alguma coisa; antes, é o jogo da própria vida para além
de carências e compulsões externas a manifestação de uma
existência sem medo nem ansiedade e, assim, a manifestação da
própria liberdade. (MARCUSE, 1968, p. 167)
Se a libertação do homem passa pela via da estética e se o impulso lúdico é o
caminho que leva a essa liberdade, Hélio estava em acordo com as idéias de Marcuse
e nelas encontrava subsídio para um aprofundamento de suas proposições. De que era
preciso proporcionar atividades que envolvessem o espectador em estados de lazer e
prazer. Guy Brett comenta que:
Hélio não significava o lazer como nós o conhecemos nas modernas
sociedades industriais, que apenas diverte e sublima, e acaba sempre
em infelicidade e frustração, e nem a noção de trabalho, de
75
construção, que cria este lazer alienado como seu complementar, mas
sim outra maneira de estar no mundo. (BRETT, 1992, p. 231)
Desta maneira, Hélio quer dar ao espectador a condição de experimentar, de
também poder ser ele um inventor, quer socializar o ato criador, quer descondicionar o
espectador para que ele esteja num espaço de prazer e lazer, um espaço de liberdade.
O lazer compreendido em Hélio é a não-alienação, é um estado de
comportamento aberto à criação e a fruição do prazer que se no contato e
participação com a obra. Guy Brett ressalta que o conflito gerado pelas modernas
sociedades industriais entre trabalho e a noção de lazer é compreendido por Oiticica
como um direito que o corpo tem à preguiça, ao devaneio. O estado de lazer que Hélio
proclama em suas proposições não é o lazer alienado, é o lazer como experiência
criadora e existencial.
Hélio entende a arte como o território da não-repressão.
Não ocupar um lugar específico, no espaço ou no tempo, assim como
viver o prazer ou não saber a hora da preguiça, é e pode ser a atividade
a que se entregue um criador. Que é ou quem poderia ser um criador?
Criar pode ser aquele que cria uma cria, um criador de cavalos, por
exemplo. Mas, pode um criador de cavalos ser o criador ? Talvez, por
que não? (OITICICA, 1986, p.113).
Hélio evoca o estado de lazer e prazer, fala da preguiça como parte integrante
desse processo. A possibilidade do ócio se faz necessário para a constituição do
devaneio, uma evocação dos estados da preguiça. Oiticica anarquiza o conceito de
quem poderia ser um criador ao dizer que a atividade de um criador pode ser o próprio
ato de se entregar ao ócio.
A resposta a esta questão está numa antiestética e na vida, na relação do sujeito
com o mundo. Num modo de compreender a arte que é pela abordagem direta,
fenomenológica, radicalização dos conceitos Neoconcretos. Exatamente na
76
experiência-vivência da obra ou proposição. Numa criação que se faz no lazer e no
prazer vivenciado pelo espectador. Guy Brett, lembra que:
É difícil superestimar sua crença no re-criativo e no experimental, que
informavam/animavam seu pensamento e todos os seus
relacionamentos de vida e trabalho. Hélio estava sempre se afastando
do ambiente da arte em direção à vida quase como se estivesse
roubando conceitos artísticos em prol desta vida, conceitos que a
enfocariam sem fixar ou monumentalizá-la, permanecendo frágeis e
precários em suas formas enquanto objetos físicos. (BRETT, 1992,
p.222).
O assalto criador de Oiticica se nutria dessa devoração; indo à direção da vida e
roubando-lhe o fósforo do ser.
O caráter experimental do ato criador em Hélio nos retira de um estado de
conformismo estético, nos faz, ao participar de uma proposição, espécies de cúmplices
de sua contravenção artística, aproximando dessa maneira o artista, e mesmo, o
espectador, da figura do marginal, do transgressor. Problematizando e transgredindo
regras de ser e estar no mundo. Oiticica vê o artista como um marginal; aquele a quem
foi negado um lugar.
a marginalização, que existe no artista naturalmente, tornou-se
fundamental para mim seria a total falta de lugar social, ao mesmo
tempo que a descoberta do meu lugar individual como homem total no
mundo, como ser social no seu sentido total e não incluído numa
determinada camada ou elite, nem mesmo na elite artística marginal
mas existente (dos verdadeiros artistas, digo eu, e não dos habitués de
arte); não, o processo é mais profundo: é um processo na sociedade
como um todo, na vida prática, no mundo objetivo de ser, na vivência
subjetiva seria a vontade de uma posição inteira, social no seu mais
nobre sentido, livre e total. O que me interessa é o ato total de ser que
experimento aqui em mim não atos parciais totais, mas um ato total
de vida, irreversível, o desequilíbrio para o equilíbrio do ser. (OITICICA,
1986, p. 74).
Hélio fala de uma falta de lugar social para a existência do artista, de sua
marginalização dentro da sociedade. No entanto, percebe que o seu lugar não é o
77
mesmo daqueles artistas marginais que são a elite artística marginal, o seu lugar, como
já dissemos é a terceira margem, uma posição que é uma escolha livre e total.
A posição em desequilíbrio de Oiticica, o seu projeto de risco, lhe garantiu uma
obra de uma coerência invejável. Ao se lançar para o ato total de vida, Hélio não
precisou lutar, entregou-se ao ato total de ser, deitou-se na rede de dormir,
espreguiçou-se, realizou suas proposições no desequilíbrio do Homo Faber, lembrou-
se de que era Homo Ludens, e reinventou o criador em si mesmo. Ou seja, o próprio
fazer no prazer e no lazer, emaranhados. De nenhum modo abandonando a arte, mas
não se prestando servidor de tamanha armadilha.
Um verdadeiro criador, um inventor, assume riscos e prefere o perigo, está em
desatino com o já solucionado. É aquele que se deixe acolher pela trama da
experimentação, que não é o artista estabelecido, que mantém a chama da primeira
criação, que cria no prazer e no lazer em contato direto com a vida.
A invenção, a experimentação e a transgressão são elementos fundamentais
para se compreender o comportamento e a posição de Oiticica diante da arte, e que
não são diferentes da sua atitude diante da vida; uma posição radical, uma existência
de radicalidade. Como comenta o crítico de arte Frederico Morais:
radicalidade que o levou a considerar a arte como revolta contra toda
forma de opressão, fosse intelectual, estética, metafísica e
principalmente social, revolta semelhante à do bandido que rouba e
mata, mas também a do revolucionário político, marginalidade que
aproxima a arte do crime, enfim, de todas as manifestações viscerais
(MORAIS, 1995, p.53-4).
A idéia de radicalidade e revolta em Hélio existiam contra a tirania de uma regra,
a tirania de uma norma para embotar o pensamento. Ao transgredir normas e regras na
arte e mesmo na vida, Oiticica aproximou-se de uma atitude marginal. No sentido do
78
transgressor de normas e regras, de uma violência no ato criador. Mas acima de tudo,
de uma ética sólida e real com sua antiarte, seus conceitos e sua posição diante do
mundo das artes.
O inconformismo estético de Hélio, característico de toda sua trajetória criativa é
determinante no seu ato criador. Seja no morro da Mangueira ou na cidade de Nova
Iorque, Oiticica sempre carregou esse inconformismo. Amigo da malandragem carioca,
Hélio fez amizade com um dos bandidos cariocas mais procurados pela polícia na
década de 1960.
Com o lide-caixa 18 - Homenagem a Cara de Cavalo (1966) (Fig.16), bandido
carioca morto pela polícia, Oiticica chega ao extremo desse inconformismo e diz o
seguinte:
Eu quis aqui homenagear o que penso que seja a revolta individual
social: a dos chamados marginais. Tal idéia é muito perigosa mas algo
Fig. 16
Hélio Oiticica. Bólide-caixa 18 -
Homenagem a Cara de Cavalo, 1966.
Técnica mista. 40 x 30,5 x 68.5 cm.
Coleção Gilberto Chateaubriand
MAM -RJ.
79
necessário para mim: existe um contraste, um aspecto ambivalente no
comportamento do homem marginalizado: ao lado de uma grande
sensibilidade está um comportamento violento e muitas vezes, em
geral, o crime é uma busca desesperada de felicidade. (...) Esta
homenagem é uma atitude anárquica contra todos os tipos de forças
armadas: polícia, exército etc. Eu faço poemas-protesto (em Capas e
Caixas) que têm mais um sentido social, mas este para Cara de Cavalo
reflete um importante momento ético, decisivo para mim, pois que
reflete uma revolta individual contra cada tipo de condicionamento
social. Em outras palavras: violência é justificada como sentido de
revolta, mas nunca como o de opressão. (OITICICA, 1986, s/p)
A atitude de Hélio é clara, sua consciência ética, o leva a construir o Bólide em
homenagem a Cara de Cavalo, onde se pode ler: Aqui está, e ficará! Contemplai o seu
silêncio heróico. O silêncio do bandido morto na imagem, cravejado de balas, de
braços estendidos, é o silêncio de um gesto calado pela opressão, um gesto da tirania
contra a revolta. E é nesse sentido que Hélio se aproxima da imagem do anti-herói
morto e diz que um mau-caráter poderia ser contra um Antônio Conselheiro, um
Lampião, um Cara de Cavalo, e a favor dos que os destruíram (OITICICA, 1986, p. 82).
Por outro lado, podemos contestar essa posição de Oiticica em relação ao seu
envolvimento com o mundo da marginalidade carioca naqueles anos, sendo que ele
mesmo era um bem-nascido e aquilo tudo poderia parecer um romantismo de fachada,
uma brincadeira de um artista burguês. No entanto, o poeta Wally Salomão lembra:
Não era um romantismo decorativo dizer SEJA MARGINAL, SEJA
HERÓI; tinha um tremendo potencial ofensivo no Brasil sob ditadura
militar. Ácido corrosivo. O uso deste estandarte bem depois em 1968
num show da Sucata por Caetano e Gil ofendeu severamente o
ufanismo nacionalista de direita e aparecia como uma das causas da
prisão da dupla tropicalista no final do mesmo ano após a edição do AI-
5. Romantismo paralelo ao romantismo de Che Guevara que, por sinal,
aparece numa capa PARANGOLÉ, GUEVALUTA, homenagem a José
Celso Martinez Correia. (SALOMÃO, 2003, p. 53)
Assim sendo, Salomão deixa claro que o potencial ofensivo da atitude de
Oiticica não era desvario de um artista alienado e, sim, de um artista com
80
posicionamentos claros em relação ao contexto histórico, social e político do seu país.
O poeta ainda ressalta o romantismo de Hélio como paralelo ao do guerrilheiro Che
Guevara. Mas, em relação a esse romantismo a um outro paralelo com Oiticica bem
mais próximo que podemos traçar que é com cineasta Glauber Rocha, que também
mantinha uma poética de experimentação e invenção em seus filmes e um
comportamento semelhante ao de Hélio no mundo das artes.
A comparação entre os dois não é inusitada e foi muito bem desenvolvida no
texto O grande labirinto pela pesquisadora Catherine David.
Se um deles é um personagem marginal e subterrâneo (Eu sou o
underground da América Latina). às vezes provocador [Hélio], e o outro
é uma figura pública freqüentemente contestada, um agitador que foi a
voz da intelligentsia brasileira e terceiro-mundista nas tribunas
internacionais da época [Glauber], ambos terão sido os inspirados
sismógrafos da fenomenologia brasileira, os decifradores sutis de uma
cultura sempre à procura de modelos. Efetivamente, os dois
defenderam e encarnaram, até o esgotamento, (para usar um termo
adequado) um projeto global de emancipação em condições
adversas. (DAVID, 1992, p. 250)
Assim sendo, tanto Oiticica quanto Glauber optaram por um descondicionamento
da cultura brasileira, transformando-se, ambos, em instrumentos captadores das
condições da adversidade nacional. Figuras controversas e agitadoras que fizeram,
cada um a seu modo, uma revolução dentro da arte brasileira nas décadas de 1960 e
1970. Eram como antenas da sua raça e de seu tempo. Artistas que mantinham um
assombroso paralelismo em suas vidas e destinos. Ambos tiveram uma vida curta;
Oiticica nasceu em 1937 e faleceu em 1980, Glauber nasceu em 1939 e faleceu em
1981. Anos vividos com densidade e intensidade. Ambos optaram por uma arte de risco
e violência.
Aqui é possível aproximar a compreensão da marginalidade em Oiticica (o seu
posicionamento a favor de Cara de Cavalo) com uma estética da violência em Glauber
81
Rocha, que comenta que após o Golpe militar de 31 de março de 1964, no mês de
Abril, mais especificamente, uma tese de um cinema digestivo ganha peso no Brasil e
ameaça o Cinema Novo, que era um cinema indigesto, por excelência, provocador, de
compromisso com a verdade. Glauber comenta que:
Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria
não entende. Para o europeu é um estranho surrealismo tropical. Para
o brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não sabe de onde vem esta
fome. Sabemos nós que fizemos estes filmes feios e tristes, estes
filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais
alto que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e
que os remendos do tecnicolor não escondem mas agravam seus
tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias
estruturas, pode superar-se qualitativamente: e a mais nobre
manifestação cultural da fome é a violência. (ROCHA, 1996, p. 128)
No comentário de Glauber, que concluiu contra a produção de um cinema
digestivo, que a violência é uma nobre manifestação cultural contra a fome, é possível
encontrar paralelismo com a frase de Oiticica: Não sou pela paz; acho-a inútil e fria
como pode haver paz, ou se pretender a ela, enquanto houver senhor e escravo!
(OITICICA, 1986, p. 82).
Ou seja, tanto Hélio quanto Glauber acreditavam na legitimidade marginal. E
sabiam que tanto no plano social quanto no das linguagens artísticas, naquele
momento, o gesto da violência, seja contra a tirania da ditadura ou da miséria, seja
contra o conformismo estético, se fazia necessário.
Depois desse brevíssimo paralelo entre Glauber e Hélio, é preciso ainda
responder algumas questões a respeito da atuação de Hélio Oiticica e sua presença
marcante na cultura brasileira.
Hélio Oiticica encarnou em sua vida e em suas proposições, no ato criador, o
papel do transgressor e do artista experimental? Hélio, assim como outros artistas que
produziam entre as décadas de 1960 e 70, vivia num ambiente e tempo histórico
82
propício a um tipo de comportamento transgressor, onde as questões éticas e estéticas
estavam num debate acalorado. O que de certa maneira já respondemos. Mas nem
todos fizeram a mesma opção, tiveram a mesma intenção. Hélio escolheu e optou.
A trajetória de Oiticica é acima de qualquer coisa uma opção pela invenção e
experimentação. Coexistem em Hélio o comportamento heróico e marginal de um
Lampião ou Antonio Conselheiro, sua figura aproxima-se a do anti-herói dentro da
cultura brasileira. Sua posição ética vai para além dos sistemas da arte, sua coerência é
para com a experimentação-transgressão-invenção, neste sentido se aproxima dos
grandes inventores do século XX, como Marcel Duchamp, Kurt Schwitters, Joseph
Beyus, entre outros, e tem garantido o seu lugar ao lado destes artistas, no que diz
respeito a uma opção por uma experiência criadora de inventividade.
Guy Brett explica que:
Ele já tinha começado a desenvolver uma estética anti-Belas Artes,
anti-burguesa que se deleitava com a poesia imprevisível das ruas, dos
terrenos baldios (...). Ali podiam ser encontrados Bólides, sinais
nucléicos desapercebidos que, a maneira de Duchamp, ele podia
simplesmente se apropriar e designar para que surgisse uma qualidade
cósmica (a lata de gasolina, o carrinho de mão do pedreiro, o porta-
ovos de arame). Mas foi a experiência de viver na Favela da Mangueira
que pôs estas intuições estéticas em contato com questões políticas,
culturais e éticas a um nível que gerou um verdadeiro choque de
valores. (BRETT, 1992, p.228).
Se Hélio aproxima-se de antiartistas como Duchamp em sua poética, foi o
impacto causado pela experiência em Mangueira, seu encontro com a dança, como
passista da escola de samba, que fez desabrochar uma insuportável evidência, de que
participava de um clã corrupto e de modelos falidos da criação humana. O arrebate a
que foi provocado reverberou em Hélio um lúcido estado de loucura.
A derrubada de preconceitos sociais, das barreiras de grupos, classes
etc., seria inevitável e essencial na realização dessa experiência vital.
Descobri aí a conexão entre o coletivo e a expressão individual o
83
passo mais importante para tal ou seja, o desconhecimento de níveis
abstratos, de camadas sociais, para uma compreensão de uma
totalidade. O condicionamento burguês a que estava eu submetido
desde que nasci desfez-se como por encanto devo dizer, aliás, que o
processo já se vinha formando antes sem que eu o soubesse. O
desequilíbrio que adveio desse deslocamento social, do contínuo
descrédito das estruturas que regem nossa vida nessa sociedade,
especificamente aqui a brasileira, foi inevitável e carregado de
problemas, que longe de terem sido totalmente superados, se renovam
a cada dia. (OITICICA, 1986, p. 73-4)
A identificação imediata que Oiticica teve com a escola de samba da Mangueira,
com a experiência em ser passista, com a amizade que fez com os marginais da favela,
com a catarse do samba, com a redescoberta do corpo e a própria condição social de
opressão de seus companheiros do morro, deu-lhe uma ética para sua vida e sua arte.
Identificação que reverberou no seu modo de pensar e fazer arte.
Esse momento de transição no pensamento estético de Hélio é captado por
Mário Pedrosa:
Ele quer tudo belo, impecavelmente puro e intratavelmente precioso,
como um Matisse no esplendor de sua arte de luxo, calma e
voluptuosidade. (...) Mas seu comportamento subitamente mudou: um
dia, deixa sua torre de marfim, seu estúdio, e integra-se na Estação
Primeira, onde fez sua iniciação popular, dolorosa e grave, aos s do
Morro da Mangueira, mito carioca. Ao entregar-se, então, a um
verdadeiro rito de iniciação, carregou, entretanto, consigo, para o
samba da Mangueira e adjacências onde a barra é constantemente
pesada, seu impenitente inconformismo estético. (PEDROSA, 1998, p.
356)
Se antes, Hélio mantinha uma visão estetizante da arte, com suas construções
espaciais de rigor e beleza, com sua iniciação no Morro da Mangueira muitas questões
caem por terra e Oiticica é invadido por outras idéias, tanto de ordem estética como
social, sua convivência em Mangueira abriu um caminho profundo para uma
compreensão do seu conceito de antiarte. Guy Brett comenta a indignação de Oiticica
diante da dinâmica do morro:
84
Como era que aqueles que criavam o samba, uma cultura vivida, um
mito vivido em que todos participavam como indivíduos o ano inteiro, a
maior improvisação pública do mundo estavam no mais baixo da
escala social, correndo continuamente risco de vida? Como era que a
arquitetura da favela, uma improvisação fantástica de espaços de
convivência que comunicam deleite em vez de respeitabilidade, era o
produto de uma luta diária pela sobrevivência? Como era que jovens
cheios de vitalidade se tornavam vítimas sacrificiais de uma ordem
mundana? Junte-se a estes paradoxos mais um: que o samba,
permitindo que o sambista se torne um com a música, com os outros,
com o universo, transcende barreiras intelectuais, assim como as de
classe e poder. (BRETT, 1992, p. 228)
Esses paradoxos de que fala Brett, pôs em cheque toda a realidade
experimentada por Oiticica. Inclusive a leitura que Hélio faz da arquitetura da favela e
do samba influenciaram profundamente sua anti-estética não-repressiva. É pensar
na dança do samba com os Parangolés, no desenvolvimento da cor no espaço, ou na
imagem brasileira de Tropicália, ou mesmo no espaço comunitário de Babylonests.
As soluções encontradas na arquitetura das favelas, com seus caminhos
labirínticos e penetráveis dotados de uma compreensão afetiva do espaço dão a Hélio
uma nova compreensão do que se entende como arte. Paola Berenstein Jacques
comenta que
O desenvolvimento das idéias de Hélio Oiticica após a descoberta das
favelas e, consequentemente, da criação dos Parangolés leva o
artista a realizar um trabalho cada vez mais conceitual, em que a idéia
de obra de arte vai desaparecendo gradualmente em proveito da idéia
mais ampla de experimentação artística. Oiticica cria conceitos,
multiplica-os e os torna complexos relacionando-os entre si, até criar um
vocabulário próprio: antiarte, apropriações, supra-sensorial, crelazer etc.
Mas ele não se considera por isso um artista conceitual. (JACQUES,
2001, p. 108)
Ao aproximar-se da favela, Oiticica caminha para o que será sua maneira de
entender a idéia de antiarte, apropria-se dos penetráveis labirínticos da arquitetura
desordenada das favelas (Tropicália, Penetráveis), mas de profunda coerência e
percepção do espaço. Antiestética que acolhe a coletividade, de caráter social e
85
imanente, para além do objeto; uma compreensão do espírito da comunidade das
favelas, que exige uma compreensão que antes é sentida pelo corpo; sensorial e
ambiental. Por isso, é importante não compará-lo com artistas conceituais da mesma
geração. O conceitual em Oiticica é apenas um meio e não o fim para a sua realização
criadora, que era o encontro com o espectador em sua participação ativa com a
proposição. Uma idéia que se abria para experiências e não se fechava em si mesma.
Celso Favaretto comenta:
Assim, a antiarte transforma a concepção de artista: não mais um
criador de objetos para a contemplação, ele se torna um motivador
para a criação. Com isso, superam-se as posições metafísicas,
intelectualista e esteticista, que supõem a elevação do espectador a
uma metarrealidade, a uma idéia e a um padrão estético. Esse
deslocamento aponta para uma nova inscrição do estético: a arte como
intervenção cultural. Seu campo de ação não é o do sistema da arte,
mas a visionária atividade coletiva que intercepta subjetividade e
significação social. (FAVARETTO, 2000, p. 124).
Portanto, a antiarte, esta nova concepção do artista, que tem como princípio a
participação do espectador, a dessacralização do objeto artístico, a superação das
posições transcendentais, intelectuais e esteticistas da arte, essa compreensão da
desestetização do pensar e do fazer artístico, dotado de subjetividade e significação
social, foi o caminho a que culminou as proposições de Oiticica.
Sua compreensão da posição do artista na sociedade não passa por um
compromisso político militante, dada a aproximação (não efetiva) de Oiticica com ideais
anarquistas (seu avô era anarquista), de uma irreverência que não é percebida como
consciência no contexto histórico, em contrapartida a posicionamentos mais
engajados como o de Ferreira Gullar, por exemplo, que abandonou na primeira metade
da década de 1960 os experimentalismos em sua poesia para uma poesia que fosse
participante, politizada.
86
As proposições de Hélio eram de caráter existencial. Confrontava o indivíduo em
sua passividade consigo mesmo. Portanto, aparentemente Hélio era um artista sem
envolvimento social, apenas aparentemente não atuava politicamente. Por isso,
também, numa terceira margem; nem engajado politicamente, nem esteta formalista.
No entanto, comprometido com a arte e com o ser humano.
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Logo no início desta pesquisa me vi diante de um dilema, que era o meu próprio
objeto de investigação. Questionava-me pela escolha deste objeto, pelo fato de serem
não tão raras no meio acadêmico as dissertações e teses ao seu respeito. E por muitos
críticos e teóricos, não brasileiros, terem esmiuçado relações, interpretações e
reflexões acerca de sua obra de modo a concluir que, talvez, tudo já estivesse dito.
No entanto, pude perceber que ainda há muito que pesquisar e refletir acerca de
qualquer objeto que mereça atenção. Se o fiz para além do que já foi dito em outras
pesquisas, se minha investigação contribuiu ou não para um aprofundamento das
questões, deixou de ser uma preocupação para mim, pois as escolhas sempre são
particulares. E é na particularidade, na observação subjetiva que a pesquisa pôde se
dar. Se houve contribuição para o meio acadêmico é por esse viés. Nesse sentido,
tomar distanciamento do objeto de pesquisa me foi uma tarefa, confesso, muito
complicada. É quase impossível não vestir a pele/parangolé do inventor. O seu poder
de sedução é altíssimo. Creio que, de alguma maneira, essa relação se estabeleceu de
modo equilibrado com alguns estágios de entrega imanente e outros de contemplação,
mas distante nunca.
Aproximação e distanciamento compuseram a balança necessária para o
desenvolvimento desta dissertação. E creio que ao falar em Hélio Oiticica muitos
autores que me deram suporte fizeram o mesmo.
Ao longo desta pesquisa foi discutida a presen
ça de Hélio Oiticica no ambiente
cultural brasileiro entre as décadas de 1950, 1960 e 1970, com predominância das duas
últimas. Sua presença em nossa cultura pode ser interpretada hoje como a
88
personificação da passagem do moderno para o pós-moderno. Se hoje Oiticica
representa ser, para a história da arte brasileira, um dos avatares do nosso pós-
modernismo, ao lado de Lygia Clark, vale dizer que isso se deu com um diálogo intenso
de revisão e de profundo respeito com a tradição da arte moderna, das vanguardas
européias.
A idéia de superação dos Construtivismos, da Antropofagia, da antiarte na obra
de Oiticica deve ser pensada como assimilação fenomenológica e o como ruptura
com o passado dessas vanguardas. Hélio ao assimilar de maneira Antropofágica as
estéticas modernas e a si mesmo, promoveu talvez a operação mais importante de seu
legado para a nossa cultura, que foi o de não folclorizar a nossa arte, ao mesmo tempo
em que a apresenta com características peculiares que poderiam e podem ser
compreendidas em qualquer canto do planeta sem, no entanto, estar carregado de uma
imagem Walt Disney - via Zé Carioca - do que seja arte brasileira.
Esta imagem estereotipada de nossa cultura ainda é vendida para o mundo e
não são poucos os artistas que investem na banalidade de uma imagem brasileira que
só se justifica pela mercadoria ordinária. Os herdeiros de Oiticica por outro lado não são
poucos, mas são uma minoria. Não cabe aqui nomeá-los.
Pensar em Oiticica como um símbolo da contracultura tupiniquim e mitificá-lo é
uma sedução a que quase somos obrigados a ceder. Pois a idéia de anti-herói cai muito
bem em uma cultura que se fez com a presença de muitos anti-heróis: Antonio
Conselheiro, Lampião, Macunaíma, Augusto Matraga, entre outros. Hélio Oiticica talvez
se inscreva como genuíno herdeiro dessa sina. Somos um país de grandes anti-heróis.
Muitas das discussões propostas por Oiticica para uma compreensão do lugar da
arte brasileira e sua identidade, o lugar do artista no sistema das artes ou a sua
89
contribuição e influência para a produção dos anos seguintes e a dos dias de hoje,
podem ainda ser muito mais exploradas.
Deste modo, chegamos a uma questão importante e fundamental para a
compreensão da obra de Hélio. Se a sua posição, atitude e ética no meio da arte
brasileira são firmes em prol de uma consciência do artista brasileiro em relação a sua
posição no mundo e o seu comportamento criador é por uma arte de experimentação e
invenção, situando-se à margem dos sistemas da arte e reivindicando um lugar que o
aproxima da figura dos transgressores, seja na arte ou na vida, é preciso compreender
que todo esse processo de marginalização está intimamente associado ao
desenvolvimento de uma antiarte com características singulares, que dialogam com o
dadaísmo e o neodadaísmo, mas, no entanto, mantém características próprias. Dotadas
de uma particularidade que só pode encontrar pares na cultura brasileira.
Talvez seja necessária uma pesquisa aprofundada do impacto da presença de
Hélio Oiticica para a geração de novos artistas e para a nossa cultura de maneira geral.
No entanto, ao tentar finalizar essa pesquisa percebi que o meu interesse se voltou
para uma questão que foi apenas tocada de leve nesta dissertação, sobre se há uma
tradição experimental na arte brasileira, se estamos condenados a essa
experimentação, a persegui-la, como vocação, ou se essa vocação para a vanguarda
não é um sintoma de nossa submissão periférica? Como isso vem acontecendo dentro
do universo cultural brasileiro seja nas artes plásticas ou na literatura, já que me parece
que a música tenha, de alguma forma, resolvido esse dilema pelo caráter popular que
lhe é inerente, o que não ocorreu nos outros dois casos. Talvez também no cinema.
Desta maneira, creio mais uma vez ter que me voltar ao Hélio e sua geração de
artistas e críticos que ampliaram esse debate, e que hoje parece ter sido deixado de
90
lado em prol de uma idéia de globalização. Que, sem duvida, deve e pode gerar ainda
muitas reflexões acerca do nosso lugar no mundo como produtores de cultura.
Creio que Hélio Oiticica é um ponto de partida e de chegada. Antropófago de si
mesmo que era. Uma experiência que vejo como síntese para compreensão do que
vem a ser a cultura brasileira.
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