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Mayra Martins Redin
2009
Impressão - diluição
- um aprendizado na chuva -
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MAYRA MARTINS REDIN
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Paola Basso Menna Barreto
Gomes Zordan
Defendida em 06 de janeiro de 2009.
- um aprendizado na chuva -
Impressão - diluição
a a
Prof Dr Paola Basso Menna Barreto Gomes Zordan (Orientadora)
a a
Prof Dr Sandra Mara Corazza (PPGEDU/UFRGS)
a a
Prof Dr Angela Raffin Pohlmann (Departamento de Artes Visuais/UFPel)
a a
Prof Dr Cynthia Farina (CEFET/Pelotas)
a
Prof Maria Helena Bernardes (ARENA/Porto Alegre)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Linha de Pesquisa: Filosofias da Diferença e Educação
Dissertação de Mestrado
MAYRA MARTINS REDIN
Impressão diluição
- Um aprendizado na chuva -
Porto Alegre, janeiro de 2009.
Ao Lu,
Por sobrancelhas guarda-chuva que protegem a menina dos olhos.
Pela primeira neve que há de nos aguardar.
Vô (In memoriam) e vó, pelas mangas guardadas.
Pai e mãe, sempre ao lado.
Maya e Tassi, tão longe tão perto.
Ana Clara e Micael, na leveza.
Paola, nas palavras e fora delas,
Nos lugares e não-lugares,
Pelo amor e intensidade.
Sandra, nas aulas e em incidentes.
Hugo, na presença.
Tomaz, nos silêncios povoados.
Colegas e amigos do DIF, nos dias desses dois anos.
Colegas da M.A.T.I.L.H.A. - novos e antigos, nas palavras e leituras desses dias.
Ana Flávia, no olhar.
Cuca, Guilherme, Melissa, Denise, Esther, Neusa, nas diferenças, na confiança.
Maria Helena, na arte fora da Arte.
Talita, em cores, tons e melodias.
Raquel, em poemas, olhares e mensagens.
Cassiano, em cartas e lágrimas.
Bianca, em cada Benke, em cada TXAI.
Andréa, nas tardes regadas a café e giz, no amor que perdurou.
Jorge, pela amizade, nas nossas ambiências.
Pilar, nos não-lugares compartilhados.
Thais, no Chile Brasil, nos entres da vida.
Banca examinadora: Sandra, Cynthia, Angela e Maria Helena, na disposição.
Hesito sem garantias, sou feita de inícios:
aceita-me chuva?
RESUMO
Trata da ação de colher chuva. A chuva apresenta-se como matéria plástica de pesquisa e é o que se
expressa neste trabalho que entrelaça Artes Visuais e Educação. De modo que a impressão e diluição da
água e de suportes constituem o movimento que mostra e percorre, num processo de experimentações
que é um aprendizado. Para isso, esta pesquisa produz fotografias e se aproxima das noções da gravura.
Experimenta maneiras de pesquisar, com a arte e a literatura, sendo que tais maneiras acontecem através
da escrita e da poética visual. Com Roland Barthes, encontra na noção de Punctum o disparador para a
produção de um texto de desejo. Junto a esta noção, o trabalho aproxima a expressão francesa Coup de
Foudre encontrada em contos de Guy de Maupassant. Coup de Foudre traduz-se literalmente por golpe de
relâmpago e tem como figura o Amor à primeira vista. Assim, o amor, a chuva e a noite são elementos que
abrem o texto e as imagens produzidas para acasos e atravessamentos não programados. Neste encontro
entre o processo plástico e a escrita, tal pesquisa tem na brevidade, na possibilidade de ser pungido e
também nas marcas que permanecem e que se diluem, seu aprendizado. Aprendizado sem o qual, tanto
para quem pesquisa e como também para quem a pesquisa, uma arte não acontece.
Palavras-chave: impressão-diluição - punctum- coup de foudre - fotografia- escrita - chuva
RÉSUMÉ
Il s'agit de l'action de cueillir de la pluie. La pluie se présente comme matière plastique de recherche et
c'est ce qu'on exprime dans ce travail qui entrelace les Arts Visuels et l'Éducation. De manière à que
l'impression et dilution de l'eau et de supports constituent le mouvement qui montre et parcourt, dans un
processus d'expérimentations qui est un apprentissage. Pour ça, cette recherche produit des
photographies et s'approche des notions de la gravure. Elle essaie des façons de rechercher avec l'art et la
littérature puisque ces façons ont lieu à travers la poétique visuelle et l'écriture. Avec Roland Barthes, elle
trouve dans la notion de Punctum le déclencheur pour la production d'un texte de désir, en s'approchant
de l'expression française Coup de Foudre trouvée dans les contes de Guy de Maupassant. Coup de Foudre a
comme figure l'Amour subit et immédiat pour quelqu'un. Ainsi, l'amour, la pluie et la nuit sont des éléments
qui ouvrent le texte et les images produites à des hasards et à des traversements non programmés. Dans
cette rencontre entre le processus plastique et l'écriture, cette recherche a, dans la brièveté, dans la
possibilité d'être incitée et aussi dans les marques qui restent et qui se diluent, son apprentissage.
Apprentissage sans lequel, autant pour celui qui recherche que pour celui qui lit la recherche, un art ne se
produit pas.
Mots clés: impression-dilution - punctum - coup de foudre - photographie - écriture - pluie
Preparação
Porto Alegre, 7 de junho de 2008.
Chuvisco. Noite escura.
Porto Alegre, 29 de maio de 2008.
Chuva forte, neblina intensa. Tarde branca.
Impressão (de chuva)
Porto Alegre, 28 de abril de 2008.
Pancadas de chuva. Manhã.
Porto Alegre, um dia qualquer.
Nem quente, nem frio. Chuva nem fraca, nem forte.
Uma chuva qualquer.
Impressão diluição (de escuro)
No caminho: Porto Alegre - Ijuí, 23 de abril de 2008.
Chuva que se ensaia.
Sumário
In venta rio
Para fazer (impluvium)
Diluição (na chuva)
Porto Alegre, julho de 2008.
Fim de tarde gélido. Chuva fina.
Porto Alegre, 9 de junho de 2008.
Tarde da noite. Chuva forte.
Porto Alegre, 29 de julho de 2008.
Cinza. A chuva, a rua, o céu.
Porto Alegre, 30 de julho de 2008.
Branco, ainda cinza. Seco.
Impressões - diluições com
Preparação
12
18
21
36
45
63
82
83
108
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152
155
159
169
“Acima de todas as coisas se estende o céu do acaso, o céu da inocência, o céu do acidente, o céu do excesso”.
NIETZSCHE
Neste possível local onde moram as estrelas, com elas consideramo-nos, cada qual à sua distância, cada qual vendo, e des-
vendo, à sua maneira. Estar o destino escrito e escrever o destino. Nada disso existe: cada um que olha para o céu, e no céu
as estrelas.
O que existe é a terra: com estrelas, com cada um, em relações instantâneas. Por vezes somos marcados, outras marcamos o
céu com uma linha de desenho. Por vezes olhamos desenhos de constelações já mapeadas, outras vezes viramos nós
constelações aos olhos das estrelas. O que acontece é conflito, é relação.
Se homens ou estrelas, não interessa, se no céu ou na pele.
Com as estrelas de onde se está. Com as estrelas que são gotas de chuva, com elas, que são sardas espalhadas na pele.
Ao acaso, marcas que se dão porque as circunstâncias se deram desta forma.
Com elas que são isso que vem do céu para a terra, em forma de luz, de explosão, de água, de sardas.
Jogamos para o alto, inventamos as possibilidades, não controlamos o que virá.
Da preparação I
chuva
incessante
refrão
13
14
Na espera:
desespero.
Com as árvores verdesespero e o tempo se torna mais importante que anteriormente.
Não quero dizê-lo. Por medo do já dito? Por medo do não dito? Por medo?
“Tenho medo, logo vivo” (BARTHES, 2004b, p. 434).
O tempo que não depende de mim, é esse que eu quero (e que tempo precisa de mim?).
Esse que não se quer como eu o quero.
É o tempo violento (e que tempo não o é?).
O tempo que me foge (há tempo não fugidio?).
Não porque já passou, mas porque eu não posso prever quando ele virá.
É esse tempo que eu quero.
Não para aprisioná-lo (quem pre(te)nderia?).
O tempo vem, ele vai: para viver seu desastre, sua imprevisibilidade, sua catástrofe.
Esse tempo que eu quero.
Esperá-lo e não saber quando vem, saber que quando vir, não saberei como virá.
Seu tempo de permanência (o tempo de permanência desse tempo),
Da preparação II
para quem (se) prepara
“[...] uma preparação é feita, na verdade, de retomadas, recuos, incertezas, errâncias” (BARTHES, 2005c, p. 239).
Da preparação III
16
15
o meu tempo de suporte na sua permanência:
imprevisível.
E, no entanto, marcas, sempre.
Até então, só consigo pensar numa forma de recebê-las:
pela chuva, no papel.
Pela luz, no papel fotográfico.
Pelas palavras.
Até então, só consigo pensar numa forma de aprisioná-lo:
aceitando sua efemeridade,
a não-possibilidade de medi-lo e de prevê-lo
(interesse pelo sutil, pelo mínimo, pelo tênue e ínfimo).
A repetição da ação é registro dessa impossibilidade.
A necessidade de escritura também.
20
17
Porto Alegre, 7 de junho de
2008. Chuvisco. Noite escura.
Da preparação IV
A chuva: por sua imprevisibilidade, incômodo e pequenas destruições. Ela se repete, e suas gotas
vivem o efêmero: respeitar a gravidade, jogar-se do céu e esvair-se no chão.
A chuva é melancólica, se deita, como se o chão fosse cama.
Ela é irresponsável: “a cama é móvel de irresponsabilidade” (BARTHES, 2004a, p. 257).
A chuva: porque independe.
Traz do céu, desse incompreensível e inapreensível, fragmentos em gotas que tocam os universos
particulares da terra.
A tentativa de colher chuva:
guardar suas marcas, resquícios de acontecimento - da ordem do impossível.
Viver tal tentativa e experimentar as marcas da chuva ali quando elas acontecem, acompanhando os
desaparecimentos e transformações proporcionadas por ela:
da ordem do possível, da criação de vidas.
Colher chuva para superar essa ação.
Fugir da tendência, longe de qualquer destino como Barthes.
Colher chuva para superar a inércia:
“vou pra rua e colho a tempestade” (BUARQUE, 1994),
tomado pela água, desfazendo trajetos e vestimentas comuns em dias de sol. Olhos irritados tamanha
branquidão. O nevoeiro, o desfoque. Se olhar bem, a chuva é sólida. O barulho dá sono, e o corpo
adormece. A chuva me quer inerte enquanto faz ansiar os outros bichos. Difícil mover quando a
regra é parar.
Dentro, cicatrizes coçam. Na chuva, cócegas.
Porto Alegre, 29 de maio de
2008. Chuva forte, neblina
dia quente chuva fina
antes de uma grande onda ou de uma tempestade os bichos todos se anseiam
choveu
se foi colher chuva
sereno
colhe chuva
por alguns minutos
descansa
24
23
estalos
papel esticado sob a chuva
os olhos fechados
estalos
gravetos jogados em uma fogueira
na dúvida,
cheiro.
de chuva.
gotejo de insônia
barulho de chuva
sono
26
25
Chove. Após,
dias quentes.
- Como se explica para uma criança a primavera?
- primavera em tentativa.
Amar a primavera em tentativa.
Ipês roxos e amarelos, transbordando as calçadas, empolgados, não cabendo em si.
Vem de novo o vento e o frio e a tempestade e faz enxurrada e faz mar de flores nas ruas.
Lá vai ela, primavera, tentar de novo.
Ensaiando-se exibida-tímida,
em tentativa.
Da primavera em tentativa
mar de flores
a primavera tenta
ainda
v e n t a
27
28
ando contra
o vento
carrega meus olhos
de poeira emendo
um choro
com ela
a ostra
faz
pérola
sol
lamento
somente
30
29
sábado solar
nem só nem sol
só lar
Como Rousseau-caminhante, em seus devaneios de solitário (ROUSSEAU, 1995, p. 27), que quer fazer
de si mais ou menos como os físicos fazem com o ar - conhecer seu estado diário:
repetidamente agir, mas nunca para criar um sistema.
Apenas para registrar :
dada a impossibilidade de reter por inteiro uma intempérie, um incidente, diria Barthes (2005, p. 210),
uma impressão, arrisco-me a dizer.
Apenas para registrar:
registro fotográfico, registro que se dá pela escrita e também no corpo, este que deseja transpor o
incidente, a impressão que lhe acomete (como do prazer de ler ao desejo de escrever: do prazer de ser
incidentado ao desejo de reter traços, tracejar, seja como lhe for possível, resquícios de experiência).
A chuva: prazer de ser acometido por acasos que surgem justamente da repetição.
Sempre se sabe que mais cedo ou mais tarde virá. Espera-se que varie pouco ou que varie em
intensidade, ou em extensão temporal, nunca se pensa que poderá nunca mais vir, nem se acredita
que deixará de acontecer.
Chuva que segue seus próprios e quase mesmos rituais de preparação.
Chuva que independe. E talvez por isso pareça se repetir.
Nestas supostas repetições, fazer-se suporte e suportar o que vier.
Desse prazer de espera, surge o desejo de escritura, de traço, de fotografia, de desenhura.
Esperar a chuva é como receber uma carta. Chegar em casa. Abrir a carta recebida à tarde.
Gosto de adiar prazeres.
Da preparação V
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Como abrir uma carta. A chuva adia o prazer de cair. Demora-se se condensando.
Abrir a carta. Gosto do prazer de abrir cartas depois de algumas horas adiando. A chuva que se ensaia
e engana. A vida em rasgos. Gosto de rasgar cartas. Não rasgo. Abro. Medo das palavras. A carta diz
“medo do fim da página”. Viro a página. Ela continua. Como se o medo nunca tivesse existido. Como
se o “medo do fim da página” estivesse a quilômetros de distância. Ignorando que o “medo do fim da
página” está ali. No fim da página. Anterior.
Medo de chuva. Ignorando que agora ela já cai.
abrem seus guardas-chuva.
sem nem mesmo.
não vão ao trabalho não saem de casa.
nem mesmo.
as pessoas abrem porque.
nem sei mesmo.
a chuva é fina.
a chuva refresca.
os fecharão.
tirarão suas roupas.
se banharão.
água de chuveiro,
guardas-chuva
fechados.
água fina tinia
lá fora.
34
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A chuva de Martin Page (2007), revelada como fotografia em quarto vermelho.
A chuva que não lava calçadas mas que acentua seus cheiros.
A chuva de Pessoa (1998), chorando e fechando o tempo por dentro, enquanto fora faz sol.
Essa chuva que deixa a dúvida: “choveu? Nenhuma chuva cai”.
O “Chove” de Apollinaire (1990).
Simplesmente “Il pleut”, chovendo numa página de livro que aparentemente está seco.
Chuva que escorre em letras verticais, cortina de gotas-palavras desfeitas de sentidos. “Il pleut”,
apenas.
A roupa de colher chuva de Brígida Baltar (2001).
Vidros coletores acoplados ao corpo, corpo receptáculo, corpo coletor de experimento, corpo tubo-de-
ensaio.
Esse corpo que ensaia gesto ao se exibir para a chuva.
Que na terra chova chuva de metano, como em
Para ver a terra tela de Pollock, receber tinta, doar sua superfície ao gesto aleatório que obedece a
gravidade.
O Caio na chuva (2002). Que com ela cai.
A chuva-desastre que nada deixa, como Breton sem sua Nadja (2007).
A chuva recebida como nas casas romanas.
Impluvium: chuva dentro - de mim.
Titã, uma das luas de Saturno.
-
Da preparação VI
Impressão
(de chuva)
35
Quer-se inscrição porque não se quer expressão.
Quer-se breve porque precisa e não porque pequena.
Não se quer constatação
(com a chuva: a cada marca de gota breve e exata: uma marca de gota breve e exata que se foi).
Um instante de relação. Apenas. Uma impressão sutil fazendo-se diante dos olhos:
com(o) a chuva. Entre superfícies
que se esbarram e impressionam-se. E, logo se deixam: e logo algo deixam, ou algo desfazem.
Um coup de foudre.
Um punctum.
Uma pequena aventura.
De impressão I
A v e n t u r a . H á v e n t o
38
37
Percurso que leva ao silêncio, em Calvino (1992).
A arte anima uma aventura: dá coragem para assumir o desejo, em Barthes (2005, p. 70).
Entre corpos que se impressionam: defasagem que leva ao silêncio.
Há defasagem aonde o vento vem confundir.
Que anima uma aventura,
que silencia.
É impossível recobrir: para fazer um mapa do mundo todo, é preciso recobri-lo por inteiro.
Nada de descobrir, recobrir.
As infinitas impressões, que não param de se fazer, destroem o ímpeto da recoberta.
Não há superfície suficiente para tanta impressão.
Há o desaparecimento, porque algo se passou. A tentativa de recobrimento destrói.
Há aquilo que fica, na pele - são as marcas.
Os restos.
O que resta.
40
39
Da recoberta do infinito (na voz de uma criança):
Tem uma história que é muito grande,
(com os braços abertos)
ela se chama mundo inteiro.
Impressão: mapa que não representa.
Mapa de marcas.
Resquícios de encontro entre superfícies que não dão referências, mostram interferências e diluições.
O que foge ao anotar. E aquilo que faz anotar.
Impressões: derivas e marcas que se impõem ao texto (durante, antes, depois).
Ou fruto de impressões.
Para uma anotação: necessário que algo (se) impressione.
Em Barthes (2004), um incidente.
Que incide sobre.
O que impressiona é incidente.
Incide sobre nossas cabeças: a chuva gosta disso.
Por isso, Ponge (2000) sempre vê a água abaixo de seus olhos.
“[...] obstinada em seu único vício: a gravidade” (p. 103).
Para ela, mais forte que manter sua forma, vale respeitar a gravidade.
Anotação: escrever ou imprimir impressões de incidentes vividos.
Uma impressão requer encontro: físico, entre corpos que se esbarram; encontro de forças. Ao se dar
pelas superfícies, faz sobreposições. De papéis, palavras, autores, artistas, peles. Entre a superfície
tensa de uma gota de chuva e a superfície porosa do papel. Entre a tinta da caneta e a folha branca.
De impressão II
42
41
Entre palavras, frases, leituras e anotações. De sobreposições podem surgir outras impressões.
Sobreposições sempre mais imprevisíveis que comedidas. São do acaso as marcas que ficam e que
somem de impressões ocorridas.
Sobreposições: chuva e papel.
Diversos tipos de chuva, e de papel.
Clorados,
encerados,
finos e tramados,
reciclados.
Que deixam a chuva passar e dela nada aprisionam.
Que expelem a chuva, desprezando-a.
Que, à espera, preparam-se para ela.
Ela,
fina,
torrencial,
passageira,
insistente,
permanente.
Que trespassa pelas veias do papel e nada deixa de resquícios.
Que expele o papel, desprezando-o.
Que, à espera, prepara-se para ele.
Espera,
preparação,
ato,
impressão.
De papéis e de chuva.
De impressão III
44
43
Porto Alegre, 28 de abril de 2008.
Pancadas de chuva. Manhã.
O paradoxo da tentativa de ser apenas testemunha de algo que acontece: a chuva.
Dada a impossibilidade, descobrir-se um montador (como é o escritor japonês para EISENSTEIN apud
CAMPOS, 2000, p. 155): fazedor de montagens que criam um novo acontecer feito de relações e não de
verdade. Ainda assim, ser,
apenas,
testemunha.
Como um ideograma, a impressão, nas suas conjugações, não dá origem a outro termo: sugere
relações, cruzamentos, misturas, contatos.
Como uma montagem de Eisenstein (2002) que combina fragmentos e justaposições.
A impressão relaciona dois elementos: “permanência” e “transformação” (KEENE apud CAMPOS,
1977, p. 57). Pólos que, como no ideograma, ao entrarem em relação, querem gerar faísca. Produzir
centelha. Raio breve de intensidade.
De impressão IV
A chuva: elemento de permanência, repete-se. É uma condição. Mesmo que inusitada.
O ato de colher chuva, ação, breve também: elemento de transformação.
Dessa relação surge a impressão, que se quer registro que possa sugerir a existência de relação,
mistura, contato. A centelha de tal incidente mostra-se por vestígios, por restos: o que ficou da água, o
que ficou do papel. O que ficou da luz, o que ficou da película fotográfica. O que ficou de linhas, o que
fez inscrever no branco algumas palavras.
48
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Haiquasis: impressão escrita de um quase presente.
Barthes (2005) fala do presente enquanto material para o texto, notas do sensível que se dá
imediatamente. Tomar notas do presente talvez seja o que nos resta, tomados que somos pela
velocidade e fragmentação do dia. O presente apresenta-se de forma mais intensa e menos
ocidentalizado - para ele, através do haicai. O haicai de que fala Barthes não está preso ao gênero
original, até porque isso seria impossível, tendo em vista as dificuldades da tradução. E se tomarmos
tradução por criação, ao lermos algo traduzido de outra língua, estaremos, como o tradutor, criando,
imaginando essa língua na nossa língua: “entrar na pele do fingidor para refingir tudo de novo, dor
por dor, som por som, cor por cor” (CAMPOS apud MACIEL, 2004, p. 61). Mas o que será fingir,
senão criar?
Barthes não está preocupado com a história do gênero Haicai. O que ele busca é o haicai para ele
(2005), o romance para ele (2005c), o Japão para ele (2007), a fotografia para ele (1984). O que interessa
é um eu que não possui leis, regras, metodologias prévias. Um eu que se interessa pelos restos, que se
quer reduzido, nuance, para, assim, colocar-se em tarefa de escritura forçado pelo desejo. O haicai, a
fotografia, o Japão abalaram as leituras prévias de Barthes. Transformaram em resto suas constatações
anteriores. E é isso que interessa: esse material que sempre se faz desejável justamente por operar
quebras e esvaziamentos naquele que o deseja.
O presente, no haicai de Barthes, é desprovido de moral - sua verdade encontra-se no seu acontecer.
Como na fotografia rasgada por um punctum, o presente no haicai causa um “é isso”. Nada pode ser
acrescentado ou interpretado. Nada quer ou deixa-se interpretar. O presente do haicai não tem
duração, talvez uma duração mínima, quase que imperceptível ou de impossível cronologia, por isso é
De impressão V
fugidio e inexplicável. Trata-se de sensação. Não há nada a ser escrutado no haicai, há, sim, impressão,
incidente carregado de “é isso”.
O é isso, por exemplo, em um livro: “Câmara Clara” (1984), é óbvio. O meu “é isso” é sempre óbvio. O
seu “é isso”, para ser “é isso”, deve ser óbvio. Para você. - “É isso! Óbvio”. Algo que cai. Incidental: cai
sobre. Sobre minha cabeça, sobre meu corpo. Sob ele, restam restos. “É isso” faz do resto o que
interessa, o que é necessário. É nuance, e nuance é o que nunca foi e está sendo, justamente, e somente,
agora, e fim. O é isso, em “Câmara Clara”, é óbvio. Já me cai sobre a cabeça, me incide, na primeira
página: “a vida é, assim, feita a golpes de pequenas solidões” (p. 11). Faz ter vontade de fechar o livro,
e eu não sei até quando isso pode durar. Esse nada a dizer que o é isso faz. Ou melhor, esse mais nada a
dizer. Nenhuma sobra ou sombra a se debruçar. Afinal não sou eu que me debruço sobre algo. Há
algo debruçado sobre mim, um incidente.
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É estranho a um ocidental a leitura e a feitura de haicai, sabe-se. Estar preso ao futuro e ao passado, a
busca por uma essência e uma verdade a ser interpretada, o ímpeto pela compreensão, os preceitos
morais, o ímpeto pela fala, a dificuldade do silêncio etc. A tentativa é um exercício de quase. Um quase
nada e quase tudo que toma conta das palavras que se imprimem. Haiquasis, buscando a força do
presente, a verdade do seu acontecer, claro que não despido totalmente de moral.
O quase é elemento de haicai, aproxima-se do que Barthes (2005) chamou de nuance. O que quase não
se vê ou quase não se percebe, quase não se sente, quase não se experimenta. É uma nuance: um quase,
o sutil, elemento que faz diferir, elemento que compõe o “é isso”, elemento de quase invisibilidade e de
mistura que faz confundir. O quase compõe com o que está posto. Fotográfico: está tudo ali, e, mesmo
assim, parece haver algo que leva para fora, que atravessa. Nada de algo escondido a ser decifrado ou
interpretado. Não é disso que trata um quase. Trata de detalhes que se diferenciam, que dão à imagem
ou ao texto um caráter não-geral, mas único. Por isso, haiquasis.
Haiquasis, porque da impossibilidade de Haicai.
Pluviometria: estudo da precipitação incluindo sua natureza, distribuição e técnicas de medição.
Medir a chuva. Para mim: registrar sua marca. Yves Klein marcou as superfícies do corpo: sua
Antropometria. Em busca de uma ruptura com a ênfase cerebral da arte.Yves Klein quer que as
potências sensoriais do homem entendam que o homem está ligado a mesma ordem exterior que rege
todos os organismos físicos (2001, p. 83). “o pintor do espaço não tem necessidade de Sputniks, nem
de mísseis para se lançar no espaço [...] precisa apenas de si próprio e das forças [...] da sensibilidade”.
(KLEIN apud WEITEMEIER, 2001, p. 83). Yves Klein deu um salto no vazio.
Os corpos deixam suas marcas impressas na superfície do papel: “Antropometrias da época azul”,
1958. Corpos que eram pincéis vivos.
A marca da chuva é pluviometria:
“pluviometria do tempo de tempestade”
“Pluviometria do tempo de chuva fria e fina”
“pluviometria do tempo de chuva de verão”
...
A tentativa de registro sempre aberta ao tempo. Não cronológico, mas também. Por vezes
dependemos das previsões que dão horas exatas para a hora da chuva. Tempo inesperado.
Tempo-surpresa - quando vem sem avisar, quando se vai antes que algo se registre.
Tempo de preparação, tempo de nuvens condensadas, mas que logo se vão,
de chuva que finge que vem, não vem.
Tempo de acasos. Ao adentrar na água da chuva que cai: o que ela traz? Ou, o que se busca dela que
Impressões pluviométricas - Kleinianas
52
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cai? Da maneira como ela vem, registro: visível-invisível, inapreensível, marca. Por vezes tudo se
desfaz: possibilidades, papéis, chuva. Em alguns segundos a chuva se vai. E assim se vão registros,
com a chuva. Mas o que interessa? As marcas? Nem que por vezes apareçam apenas como prova do
acontecido. As marcas, que são “impressões”, que resultam de encontros entre superfícies. Interessa os
tempos todos que configuram tais ações:
o tempo da espera ou da surpresa: tempo que é haicai, de marcar precisamente o pouco tempo que se
tem para marcar com precisão. É o tempo desprovido de opiniões, conceitos e sentimentos. É o tempo
curto da descrição (ou da descrição curta), de algo que acontece e se vai, de algo captado, sem grande
interesse, mas de forma precisa. O tempo da duração do encontro entre superfícies, o tempo que se
cria, o tempo-marcado nas superfícies que se jogam umas para as outras. O tempo mínimo de
encontro: punctum, que fisga, que punge, que desforma as superfícies. O tempo-jogo: o jogo de dados,
o inesperado e, ao mesmo tempo, fruto de interferências. O tempo apaixonado: o “coup de foudre”, o
que arrebata e que por isso tornou-se objeto de amor, tornou-se perseguido, tornou-se matéria para
busca incessante e que assim como veio, pode ir-se embora, sem dar notícias.
A Yves Klein interessava a busca pelo leve, pela flutuação, a não-gravidade. Interessa para mim o
grave - o grave leve. A gravidade é o que permite o encontro das superfícies, é através dela que
impressões de chuva se compõem. Eu preciso das marcas mesmas e não de suas representações. A
gravidade que permite que a chuva chegue a terra/ a superfície. Eu penso nisso que a chuva traz do
céu para a terra, e numa ação que quer esse encontro, que busca o reflexo desse céu desconhecido, mas
que marca a terra. O grave é precisão, exatidão, o mínimo, o risco, o breve encontro e seu
desfazimento. Por isso é leve, porque opera na superfície, opera na superficialidade, e não interessa a
sua duração ou para onde isso levará, interessa a sua potência de acaso, de presente, de breve e de
impressão - diluição.
A minha sinfonia também monotônica, como a de Yves, com alguns picos de intensidade.
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Fotografia: deriva das palavras gregas φως [fós] ("luz"), e γραφις [grafis]
("estilo", "pincel") ou γραφη grafê, "desenhar com luz".
Da fotografia, “escritura feita com luz (BAVCAR, 2001, p. 34), gravação de imagem em material
sensível à exposição luminosa, imagem impressionada quimicamente. Fotografia “punctum e studium”,
de Barthes (1984). Heliografia - gravura com a luz solar.
De fotografia
impressão I
Na fotografia-impressão: onde a luz fere a superfície. Somada à fotografia- isso foi e isso é: onde há
uma concomitância de tempos, encontro vestígios e raspas do que busco. Superfície ferida pela luz,
gravada, desenhada, marcada. Encontro químico- físico que deixa provas do ocorrido.
Fotografia-documento de impressão, que é rastro inquestionável de acontecimento, mesmo que de
fragmentos de acontecimento (é ela própria impressão, e é ela própria resquício de luz de algo
ocorrido): a fotografia documental: artistas em busca de um espaço ilimitado para a criação registram
suas “caminhadas”, descobertas e ações através da fotografia. Mas tal saída do atelier está falando
menos dessa busca como mero capricho do artista e mais como busca por redefinir e reinventar o
próprio conceito de arte. Em decorrência disso, e concomitante a isso, não por acaso, as formas de
apresentação da arte também passam a ser questionadas. A apresentação das fotografias em museus,
como documentação da ação ocorrida fora do confinamento cultural, pode ter diversos efeitos, tanto o
efeito de um novo acontecimento artístico (dando um novo significado ao “documento”) quanto o
efeito de acomodação, em que a ação ocorrida fora do museu é adequada ao espaço do museu para
poder ganhar o valor de arte. Maria Helena Bernardes (2004) traz a experiência de artistas dos anos 60
e 70 e das transformações no conceito de obra para falar desse alcance na produção atual: em que a
obra não se dá por completo e nem enquanto um fenômeno único, acontecendo em espaços diversos,
intervalos de tempo, entre o visível e o invisível, em fragmentos. Aqui lembro Barthes (2005b), quando
diz: “[...] mas um desejo, pode-se dizer, não é obrigado a ser total para ser inteiro” (p. 203). Ele falava
do desejo causado por uma fotografia nele, que a olhava.
De fotografia
impressão II
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A fotografia - documento de impressão, mais que atestado de algo ocorrido, pode ser também
vestígio de pensamento ou até mesmo fragmento de desejo. Ora, ao dispor vestígios da ação que
consiste em “colher chuva”, buscando suas marcas quase invisíveis através do papel, penso: existe
algum sentido nisso? Talvez exista uma quase inexistência de sentido, que fala da própria impressão.
Afinal, o que é a impressão senão um quase rastro resto do que foi, e que por ser resto ainda é, de
uma experiência quase sem sentido que faz parte da vida?
Como as artistas Maria Helena Bernardes e Luz Maria Bedoya (2004), a busca vai em direção ao
disseminar o pensamento impressão e também o pensamento diluição.
A busca é pelo presente. Presente que atravessa: uma fotografia, uma anotação, um haicai, uma
impressão, um resto. Presente imprescindível para a escrita. Mesmo que traço ou rastro de presente. E
a descoberta foi a de que somente rastro e traço se pode ter depois do presente. Sendo que impressão é
isso, isso que pôde ser inscrito disso que se atravessou enquanto presente, mas que, por ser presente,
passou.
Impressão é resto.
A busca também é pelo tempo eterno. Tudo o que se repete causa a sensação de eternidade. Ciclos
estações, ciclos dia-noite. A chuva cria essa sensação de eterno, mesmo que não seja tão previsível seu
ciclo. Ainda assim, acompanhamos sua preparação, que passa pela precipitação e por seu término. Já
as marcas que carregamos no corpo, pintas, cicatrizes, atestam a morte. Causam a sensação de
finitude. Colher dos ciclos restos é tentativa de aprisionar gotas de eternidade. O tempo parece ser
salvo na impressão imediata - escritura do instante que carrega o eterno. Ao ler anotações, ao ver -
sentir as marcas impressas feitas, a gravação do instante faz-se passado. Memória que se descola da
saudade, porque se sabe da vinda de uma nova chuva ou anotação. Memória efêmera, porque já se
quer mais impressões, se quer mais rastros de presente.
O punctum é o momento-súbito-instante em que um entre quase que não existe.
Não se trata de frações de segundos (mesmo que em alguns casos se possa medir o tempo de uma
impressão, e mesmo que o tempo cronológico componha-se às impressões da vida), trata-se de outro
tempo. Barthes (1984) refere-se ao punctum como um acaso que salta de uma imagem - no caso de seu
estudo, da imagem fotográfica - algo que fere, que punge, um detalhe não-organizado por uma
lógica. Mas há também, para Barthes, um outro punctum “que não o “detalhe”. Esse novo punctum,
que não é mais de forma, mas de intensidade, é o Tempo (1984, p. 141). Roubo de Barthes esse
punctum- tempo-intensidade. Isso que numa impressão dá vestígios de algo que se foi, não por suas
imagens formais, mas, sim, pela intensidade de seus detritos. “Plenitude do vazio” em Paz ( 2005, p.
162), “isso foi” em Barthes (1984).
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“[...] Escrutar quer dizer virar a foto, entrar na profundidade do papel, atingir sua face inversa (o que
está oculto é, para nós, ocidentais, mais “verdadeiro” do que o que está invisível)” (BARTHES, 1984,
p.148).
Escrutação: essa inimiga da linguagem horizontal (Haicai) - onde a vertigem não se dará em função de
queda em profundidade, mas, sim, por uma exposição curta, de uma vez, um raio que cai
horizontalmente. Estranho paradoxo em que a vertigem não se dá por queda ou sensação de abismo
(BARTHES, 2005). Imagine o Haicai - linguagem horizontal por excelência que, em sua grafia
acontece na vertical, e que, em sua brevidade arrebata-nos de forma precisa e vertiginosa.
Demorando-se diante de uma imagem pela qual se apaixonou, Barthes (1984) quer saber mais dela.
Saber esse que não está na origem, na história, no que se diz daquilo que aparece na imagem. Não se
trata de studium, de “afeto médio” (1984, p. 47). Ele quer outro envolvimento - o intenso. Ampliar
detalhes: “porque vivo na ilusão de que basta limpar a superfície da imagem para ter acesso ao que
por trás” (p. 148).
Demorar-se numa imagem, ser tomado por ela, buscar escrutá-la, na ilusão de que haja algo por trás -
tarefa inevitável. Por ora, desse esforço podem surgir nebulosidades. Ao deparar-se com a não-
descoberta do por trás, os limites da imagem em questão tornam-se cada vez mais tênues, tensos e
desfocados. A chuva, cortina de água em camadas interpostas, em movimento contínuo, com
combinações diversas de densidades e fluxos, sem início nem fim visíveis, inaprisionável, de cores as
mais diversas ao se misturar com a luz ambiente “Leo revistas en la tempestad” (GARCIA, 2003). A
De fotografia
impressão III
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chuva, cortina de contas de gotas. O que há por trás da chuva? O que há por trás da fotografia que
Barthes escruta demoradamente? Na minuciosidade microscópica da ampliação, na incessante
obsessão do olho, que precisa ver para crer, é inevitável buscar, inventar modos de conter, de
desvelar, de rever. O que há mais numa fotografia do que a impressão da luz em película sensível? O
que há mais num papel branco enrugado do que impressão de restos de chuva? O que há mais numa
página de um livro que caracteres impressos por tinta? Nada mais? Afinal, impressão é apenas o que
se pode ver? Barthes (1984) impressiona-se e escreve: “Assim é a foto: não pode dizer o que ela dá a
ver” (p. 149).
Não poder dizer o que dá a ver. Para quem cria a imagem ou escreve, parece haver uma busca por
aprisionar aquilo que está a pungir. A marca mesma. O presente: um impossível. Desejo de condensar
em palavras, imagens, impressões, tal acontecer sem representá-lo. Não se quer um representante
daquilo que se passou. Quer-se, sim, vestígios daquilo que se passou. Quer-se o que se passou. Por
mais que tal busca passe pelo impossível, e muitas vezes pelo invisível, é isso que se acaba buscando.
É fuga e vida de quem se prepara para criar e escrever, não poder dizer o que dá a ver. É também fuga
e vida de quem se prepara para criar e escrever, querer dizer o que dá a ver.
Pelas palavras, eu tento dizer o que dou a ver.
Sur le coup.
Nada de meio da vida para mim. Não sei do inusitado, ainda não penso no que possa vir. Nada de
meio da vida, porque não houve tempo suficiente vivido para pensar no inusitado, em sua
possibilidade. Para mim. Não podendo entender que os dias estão contados para todos, repito-me.
Mesmo trajetos, mesmo cômodos, casa-rua-casa, rua-casa-rua. Sol, calor, muito calor, abafamento,
nuvens carregam-se, cicatrizes coçam, chuva, chuva sempre (in) esperada, inusitada. Colho chuva,
rotina (que se repete) dentro de rotina casa-rua-casa, rua-casa-rua. Mais rotina: colher chuva. Uma
subrotina que se apropria do imprevisto (chuva) e tenta colocá-lo no rotineiro ao repetir ação. Um
desrotinar rotineiro. Que não tem a periodicidade das horas, mas tem a periodicidade da espera. A
chuva faz parte da rotina do inusitado. Coup de dés. Sorte ou hasard.
Nada de meio da vida. Ainda. Repetições do que já foi feito - algo pode acontecer. Será por isso a
repetição? Algo que não o atestado de mortalidade. Não. Isso ainda não pôde ser pensado. O que vai
acontecer? O que pode acontecer além de uma
chuvaventocicloneextratemporalvandavalcorrentefriafinanuvemnegraquevemdocéuparabaixoechovec
horachorachorachoraecantaoventoeassobiaesecalaeremexeasfolhasefloreseárvoreseaságuasagitaaruaea
ssacolinhas... O que pode acontecer? acontecimento “ativo da dor”? (BARTHES, 2005, p. 7), da dor
sim. Não de luto, ainda. Para entrar na dor da chuva, enfrentá-la (colhê-la, aprisioná-la) como se
nunca.
Diante do nhénhénhém da chuva, silencio por três dias. Não mais. Eu, presa por ela, prendo-a, como
quem colhe uma flor antes de seu auge, desse jeito tão cruel, que tira da flor a esperança (espera em
vão de qualquer forma) de ir além de seu auge. Prendo-a, a chuva, em vão. Ela, que nada espera. Um
papel. Simples. Entre a gota e a esperança de ir além de seu auge. O auge da gota é finalmente o fim
De impressão VI
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do abismo onde ela se jogou: o chão. Entre o abismo e o chão, o papel, cruel.
Amo a chuva porque amo o chão.
Colher chuva é desenhar seu percurso num tempo. Tempo que pode durar toda uma vida (no caso de
quem colhe). Pode se ter pouco tempo. Preencher com seus restos, vestígios, resíduos, papéis e mais
papéis, fotografias, dia após dia... Repetição sempre única que não se quer espetacular.
Mas o que são os restos, vestígios, resíduos, resquícios, rebarbas do ato de colher impressões de chuva
senão o próprio ato de colher impressões de chuva? O ato já é sobra. A chuva se foi, a tempo. A
impossibilidade de colher e de ter a chuva, a impossibilidade de aprisionar o presente, o dia que te
atravessa, é busca que atesta o impossível - invisível, aquilo que só existe enquanto presente. Reter
parte, mesmo que mínima, deste presente é impressão. São anotações. São fotografias. E são papéis.
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Porto Alegre, um dia qualquer. Nem
quente, nem frio. Chuva nem fraca, nem
forte. Uma chuva qualquer.
litoral sul
tempestade
águas do mar-marrom
mar room
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de um mar ou de um deserto
mar deserto
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há mar deserto
há mar decerto
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amar, decerto
Como um punctum (BARTHES, 1984),
uma impressão faz-se de amor e não de gosto.
Como Guy de Maupassant: entrar na literatura como um meteoro,
sair como se sai de um amor à primeira vista. Vive-se e fim. “Je suis entré dans la vie littéraire comme un
météore, j'en sortirai comme un coup de foudre”. Entrar. E sair. É da vida, impressão efêmera e indelével.
De amor, decerto.
Impressão de amor, decerto
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Uma primeira vista nada tem a ver com uma primeira vez. Algo por que nos apaixonamos à primeira
vista pode não ter sido visto pela primeira vez. O fato de, de repente, apaixonarmo-nos por algo
atesta, apenas, que é a primeira vez que olhamos, daquele jeito novo, para esse algo. Que poderia já
ter sido visto ou não. Essa “primeira vista” do amor talvez não se refira à visão. Está mais para o
olhar. Aquilo que se olha, sempre se olha pela primeira vez e de um jeito novo. Já aquilo que se vê,
pode ser visto inúmeras vezes da mesma forma. Talvez o amor à primeira vista seja um pouco como
um amor à primeira olhada. Esses amores (de primeira olhada) lembram os olhares sem alvo das
fotografias pelas quais apaixonou-se Barthes (1984). É esse olhar nos olhos daquele que olha, retendo
para si “seu amor e seu medo” (p. 167).
Entrar sempre como um meteoro. Munido de olhar. Ser arrebatado. Sair como se sai de um amor à
primeira vista. Ferido, desfeito, sem palavras.
Impressão de amor à primeira vista I
- Meus olhos estão cansados de olhar. Olhe por mim?
- O que quer que eu olhe?
- Fecho meus olhos e imagino o que quero que olhes. Não precisarás mais olhar por mim.
Impressão de amor à primeira vista II
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Coup, Golpe, pancada. Choque emocional. Gole, trago. Jogada. Combinado com outras palavras, pode
ser: ça vaut le coup - vale a pena. Coup de balai - vassourada. Coup de bec - bicada. Coup de brosse -
escovada. Coup de chance - golpe de sorte. Coup de corne - chifrada. Coup de couteau - facada. Coup de
dent - dentada. Coup de pied - pontapé. Coup de pierre - pedrada. Coup de poignard - punhalada. Coup de
poing - soco. Coup de soleil - insolação. Coup de tête - cabeçada. Coup sur coup - sem parar. Tenir le coupe -
agüentar, suportar. Coup de foudre - raio, faísca, amor à primeira vista. Relâmpago . Acontecimento
desastroso e atemorizante; manifestação súbita do amor desde o primeiro encontro; ato de se
apaixonar.
“Aquilo que amamos com violência acaba sempre nos matando” (MAUPASSANT, 2004, p. 03).
Uma impressão quase sempre pode ser um golpe. Uma pancada no estômago. Às vezes, deixa o
coração na boca. E a torna órgão do não-falar nada. Uma impressão produz mudos, pode. Pode
De impressão de um Coup de foudre
Do francês:
Coup: 1. golpe, pancada; 2. choque emocional; 3. gole, trago; 4. jogada.
Foudre: relâmpago.
Coup de foudre: acontecimento desastroso e atemorizante; manifestação súbita do amor
desde o primeiro encontro, ato de se apaixonar.
Coup de foudre: 1. raio, faísca; 2. fig amor à primeira vista.
também produzir cantaroladores. Isso, muitas vezes. Uma impressão às vezes é, e, de repente, já foi.
Relâmpago que só se sabe que existiu porque se escuta o estrondo do trovão. E da luz cegante. Mas às
vezes nem se percebe. Devido à subtaneidade do ato de impressão. De súbito, arrebata e já era. A
impressão foi-se. Uma impressão quase sempre é um desencontro. Aquilo que deixa de ser quem quer
que esteja envolvido na situação. “Transcorreram quarenta anos, longos e rápidos, vazios como um
dia de tristeza e tais como as horas de uma noite ruim!” (MAUPASSANT, 1997, p. 16).
Vazios de encontros daqueles percebíveis, pleno de encontros intensos e rápidos como uma insônia
interminável. Vida sem interrupção.
Assim são algumas impressões. Nem boas nem ruins. São. Fato é que um coup de foudre, na vida de
qualquer um que seja, é uma impressão que desencontra referências. Como um raio que possa cair em
uma cabeça, e já era. Desfaz-se, morre-se, perde-se. Um pontapé. Uma pedrada. Uma punhalada. Um
soco. Um incidente. Insolação. Pode ser insolação de lua, ou da falta dela. Insolação de escuro de
medo de desespero. Uma impressão dessas de desencontrar, pode ser também um gole, ou um trago.
Um gole daqueles de intensidade. Um gole depois de anos sem beber, um gole da abstinência ou
também um penúltimo gole antes da despedida. Um mínimo pleno de tudo que se pretende, um gole
e só. É suficiente. Ou goles inúmeros, incontáveis. Goles afirmados, desejados, planejados. Um tanto
mais que der de tudo o que se quer.
Um coup de foudre é o que faz cegar ou ver coisas, calar ou tagarelar, ensurdecer ou ouvir vozes,
perder o olfato o tato e o paladar ou sentir cheiros esquisitos gostos estranhos e presenças
imperceptíveis. Ou tudo isso junto. Faz cegar e ver coisas, calar e tagarelar, ensurdecer e ouvir vozes,
perder o olfato o tato e o paladar e sentir cheiros esquisitos gostos estranhos e presenças
imperceptíveis. Uma impressão é um desfazer. Um se perder, um esmaecer. É uma defasagem que
não concorda, que difere, que faz discrepância e não uma completude. Uma defasagem ligeira ou não.
Violenta, sempre. Porque acaba sempre com algo que ali estava acomodado, já empoeirado e
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amortecido. É da ordem da desordem. Não do mero deslocamento. É mesmo um destroncamento.
Onde o corpo perde a forma e as partes mudam de lugar. Aquilo que ali tão bem exercia uma função
passa agora ao desalinhamento e daí já não se sabe o que será. E nem o que se era ou o que havia sido.
Foi assim com os átomos de Epicuro. Uma pequena defasagem, passeio ingênuo que produziu essa
1
bagunça toda, repleta de desencontros. Foi assim com Monsieur Leras ,
que depois de quarenta anos no mesmo deslocamento (casa-trabalho-casa ou trabalho-casa-trabalho)
foi passear não se sabe por que e acabou por se defasar. Coup de Foudre.
1 Monsieur Leras é o personagem do conto “Passeio”, de Guy de Maupassant (1997). Ele trabalha num cômodo escuro como
guardador de livros e realiza o mesmo percurso há 40 anos. Até que decide, ao final de mais um dia de trabalho, dar um passeio
pelo entorno da cidade e, nesse passeio, encontra-se em inesperadas situações até então não vivenciadas por ele.
2
E foi assim também com o Caminhante Noturno ,
que saiu apaixonado pela noite para um passeio noturno e perdeu-se no escuro, engolido por ela
própria, a noite escura. Um coup de foudre é violento, mas é também amoroso. É só pelo amor que um
corpo esvazia-se de seus significados: “é o amor, o amor extremo” (BARTHES, 1984, p. 25).
É assim, desse jeito: Aquilo que amamos com violência acaba sempre nos matando”
(MAUPASSANT, 2004, p. 03).
E aquilo que mata é o que pede mais vida. E mais e mais. Sempre mais. Aconteceu também com o
3
sonhador das noites brancas :
“Meu Deus! Um momento inteiro de júbilo! Não será isto o bastante para uma vida inteira?...”
(DOSTOIÉVSKI, 2005, p. 82).
Não será o bastante? Alguns, em poucos instantes,
vivem o intervalo de uma vida toda.
2 Caminhante Noturno, nome dado por mim para designar o personagem-narrador do conto “A noite”, de Guy de Maupassant
(2004) . Nesse conto, o Caminhante Noturno caminha pela noite, apaixonado por ela, mas, de repente, começa a se perder pelas ruas
e pelos trajetos tão bem conhecidos por ele, e já não encontra mais as antigas referências que o faziam percorrer com tranqüilidade
pelo caminho.
3 Sonhador, nome que o próprio personagem de “Noites Brancas”, de Dostoiévski (2005) atribui-se. Nessa novela, dois jovens
encontram-se numa ponte durante uma “noite branca”, em que o sol praticamente não se põe. A partir deste encontro, dá-se início à
série de encontros que ocorre durante as “noites brancas” de São Petersburgo.
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Presa a sua história, a gravura encontra a reprodução. Fragmentando-se e relacionando-se com outras
linguagens, a gravura trai sua origem. A gravura traidora ignora a sua função primeira, em que da
matriz surgem cópias, inúmeras. E quer-se monotípica. A gravura traidora também ignora a matriz.
Não se sabe mais de onde surge a marca. Não há objeto-matriz ferido, escavado, cuidadosamente.
Talvez nem haja mais objeto. A gravura que trai rouba da sua história apenas a impressão, mas quer
dela o instante, o súbito, apenas aquilo que pode haver entre. A gravura, essa que fugiu das regras,
quer deixar-se impressionar. Seja como for. Seja entre o que for. Seja de quaisquer relações em que
possa haver impressão. Traidora da tradição, basta que deixe marcas - não a re-apresentação de
marcas, não o re-sentir das sensações, mas vestígios, que sejam, das marcas mesmas, das sensações
mesmas. Para isso que se quer, basta uma impressão. E é a impressão que eu roubo da gravura. Tomo-
a, pois somente ela, a impressão, é capaz de falar daquilo que foi - e que por isso está morto - ao
mesmo tempo em que fala do que é - e que por isso está vivo - posto ao nosso corpo, atestado pelos
vestígios deixados, por marcas que são pedaços, restos, resíduos, de impressão.
De gravura
impressão I
Gravura: algo deve ser ferido. O ato de gravar e a impressão deste gesto: gravura. Gestos sutis ferem.
A sutileza não fala da pouca intensidade. A sutileza é leve. Leve como a leveza de Calvino (1990).
Que nos livra justamente naquilo que temos de mais frágil, perecível, efêmero. O leve grave.
A gravidade do grave, da ordem da urgência, e a gravidade física que faz a cabeça baixar, o corpo
querer ficar próximo da terra.
Grave: que carrega o mistério da leveza.
Um homem que salta no vazio: Yves Klein, de leve que é, subjuga a gravidade do
mundo. A leveza que é precisa.
Algo sutil pode ser arrebatadoramente intenso.
Um traço mínimo, único, possibilidade última, recorte, enquadre, um tempo quase nulo, fotográfico,
uma escuridão e apenas uma linha de centelha.
Isso fere.
Às vezes, de morte.
Isso grava.
A pele, o papel, a terra.
Agravar-se.
Tornar-se grave.
Leve e indelével.
Indelével e efêmero.
Isso que grava é punctum.
De gravura
impressão II
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É um golpe de raio, um amor à primeira vista, coup de foudre.
Para isso, basta um mínimo de interferência.
Um pouco apenas já seria suficiente.
Um incômodo, uma insônia de leve.
Por vezes, um mínimo de arrasto. Um desacomodar até a esquina.
Basta um mínimo de interferência, mas às vezes basta nada. Apenas espreitar, sossegar, entornar-se,
passear, rotação. Às vezes esquecer, adormecer, distrair, tropeçar, deixar-se ser transladado.
Isso tudo fere. Isso tudo punge. Isso tudo golpeia. A terra, toda ela, fere-se. De leve, com intensidade.
A chuva fere a terra, e a terra fere gotas.
O vento fere o ar, e o ar esbarra no vento. As nuvens ferem-se carregadas, condensadas rumo à
explosão chorosa. A aranha fere a tensão superficial da água parada, e a superfície fere as pequenas
patas que andam sobre ela. As coisas da terra incidem-se, fazem coup de foudre, punctuns, gravuras. A
luz, quando chega, faz coup de foudre no escuro. Ele, que ali estava se esvai. O escuro, ao encontrar a
luz, se clareia. O barulho, quando chega, faz coup de foudre com o silêncio, o silêncio vai embora,
morre, e se mistura com o pedaço ocupado pelo barulho... o silêncio também faz coup de foudre quando
invade a música... aquele pedaço de música esbarra-se num certo silêncio. Arrebatadoramente. A
música, ao encontrar o silêncio, silencia-se. O silêncio, ao encontrar a música, balbucia. A terra inteira
punge-se e punge. A terra toda se fere e fere. A terra grava-se e grava. Leve e indelével. Indelével e
efêmera.
O mapa. Aquele todo estático. Um mapa: um recorte. Instante único possível. Uma fotografia. Um
disparo incontrolável, que delimita, escolhe, mortifica. Uma única possibilidade. Um último
momento. Um golpe. Um punctum, um coup de foudre ou nada. Mais nada. Entre um único possível e
nada, escolhe-se: um único possível. Uma subtração. Uma economia. Do mapa, dessa escolha
mortificada, urgente, fotográfica, fragmentada, saltam pontos de intensidade. Fogem centelhas, atos,
brilhos ou escuridões, fragmentos de impressões. Punctuns que fazem escapar. Escape que gera
movimento. Movimenta o mapa, o todo estático, a fotografia. Recorte transforma-se em desenho.
Desenrolar, desenhar, desalinhar, perder contorno, perder enquadre, perder limite. Os pontos
caminham, dançam, correm. Quem olha desenha com o olhar. Quem olha percorre. Agora, todas as
possibilidades. Todas. São muitas. Muito de tudo. O muito que transborda. A adição, a saturação, o
impossível, o mais que bastante. Assim, o mapa transforma-se em anti-mapa. Está no mapa o anti-
mapa. Ou no anti-mapa o mapa. Num, pontos de orientação; noutro, linhas de desorientação. Em
ambos, movimentos que os sobrepõem, que os fazem um. Que fazem de cada mapa um registro único
e, ao mesmo tempo, inapreensível. Um único, recorte, impresso, mas inapreensível. Monotipo.
Monotipia. Cópia única possível. Foi e já era.
De impressão de mapas e antimapas: monotipias
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Impressão - diluição
(de escuro)
a chuva
cai
a noite
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No caminho: Porto Alegre -
Ijuí, 23 de abril de 2008.
Chuva que se ensaia.
a chuva
cai
a noite
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con siderare
com as estrelas
considere-se
Perder referência é se colocar em meio a intempéries. As noites são intempéries. As chuvas também.
Mesmo que existam numa certa freqüência e periodicidade. Noites e chuvas acometem. Se colocar em
intempéries. São as intempéries que nos acometem, sim, mas provocamos, preparamos terreno,
justamente para ser despreparado. Colocar tudo lá fora. Tudo o que se tem, se acha que tem: livros,
folhas, papéis diversos, cadeira, tinta, máquina fotográfica. Colocar tudo que se acha que se usa:
anotações, negativos, canetas e lápis, desenhos e esquemas, papel crepon e papel vegetal. Colocar tudo
o que se acha que não se usa mais: restos de papéis, livros desistidos, papel crepon colorido que chega
a irritar de tão cor de rosa que lembra manchas feitas em camisetas, máquina de escrever, Polaroid
sem filme e por isso nunca utilizada nova desejada inútil, livros impossíveis tudo o que já ganhou
forma impossível de desformar tamanha precisão, catálogos e artistas dentro de catálogos, colocar
pessoas também: as que se admira e que por isso chegam a deixar tudo ao redor pegajoso, as que se
odeia e que por isso deixam tudo ansioso e em movimento de alerta, colocar o que se encontrar na
frente, atrás, o que se ouve ou o que se acha que está ouvindo, e etecetera. Etc engloba. Isso tudo e eu.
Colocamo-nos na rua, lá fora, à espera da chuva. No escuro da noite. Em ambos: chuva noturna. E
esperaremos. Sem hora para desistir e ir embora. Sem saber o fim e seu meio.
De escuro I
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No escuro. Onde tudo pode existir, os olhos não dão conta desse tudo inventado.
O escuro obcegou. Obcegou de tanto observar. Não mais observa.
Obcegar, palavra que surge do tanto de olhar. Na noite que me toma, obcego-me de visão.
Pronto para apalpar, ouvir, cheirar, deglutir.
Obcegar, olhar olhar olhar até não mais. E, então, matar os olhos. E re-compor. Re-corpor. Por
pequenos tempos, tempos pequenos de cegueira. A noite me obcega. Fica escuro, e os olhos, o sentido
que uso. Abuso. Morrem pedaços e mais pedaços. Estilhaços. O olho egoísta não admite se fechar para
dar tempo aos outros órgãos. Olho egoísta, egocêntrico, mata o corpo, e por seu próprio exagero, cega.
A noite? Por isso. Para cansar os olhos até que eles se acalmem. Se fechem. Se acomodem
cegos. Dividam vibrações com outros buracos e outros poros. No escuro, os olhos ficam mudos.
- Dos sentidos?
- Todos. Ou nenhum.
Tudo junto. Acumulado. Apertado. Amassado. Esmagado. Num mesmo vaso. Embalado.
Embrulhado. Socado.
Cheio. Ou vazio.
Eu sinto falta do vazio, do quase nada.
Ninguém suporta viver sem o excesso.
Excedi-me de palavras.
De escuro II
Um escuro ou uma nuvem de poeira. Tudo isso para se perder. Arrastado lento quase imóvel. Para se
perder. Confuso distraído longínquo. A perder de vista. Perder a vista. Visão.
Baixa o sol: arrasta-se, caminha, passeia pela noite. Engolido por ela, cego dela.
Um escuro. Num escuro do mundo, nada exato. Numa escuridão, apalpando com a palma dos pés
formas distraídas (e desfeitas) pela noite. Um escuro obcegante. Que faz tentar olhar, que fez
esbugalhar seus olhos, que fez piscar. Pisca primeiramente devagar, na esperança de que, no próximo
movimento de abrir as pálpebras, tudo esteja em seu lugar. Quer um olhar descortinado. E que depois
pisca descompassadamente, desajeitadamente, agoniadamente, desmedidadamente,
desesperadamente. Rápido, rápido. O que vê é o mesmo. O mesmo antes de piscar, o mesmo ao
piscar, o mesmo após piscar. Escuro. Escuro de muito. Os olhos ficam mudos do mesmo. E as
palavras ficam fartas de vontades. Um apaixonado pela noite a ama, se pesadelo. E à medida que a
obscura sombra noturna aumenta, um caminhante se torna outros. Sombra doce, diz ele, que destrói
as formas. E abraça e engole. Sutilmente.
O dia aborrece. Com seus barulhos, palavras, gestos. Com suas formas, formatos, imediatos. Com suas
pessoas, gentes, mentes. Ao baixar o sol, alegria e despertar. Ser acometido pela sutileza do escuro. E
gostar. Gostar por se desfazer, desfaz tudo. Subúrbio. Bosques. “Aquilo que amamos com violência
acaba sempre nos matando” (MAUPASSANT, 2004, p. 03). É assim. Ontem. Outro dia. Outro mês.
Outro ano. Aquilo que amamos com violência acaba sempre nos matando. Acaba nos matando aos
poucos, acaba matando os poucos. Acaba por matar. E os poucos que restam. Os poucos que restam:
restam.
Não seria de todo mau se os caminhantes não buscassem tanto a exatidão. Como um flâneur.
De escuro III
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De certa forma. Porque um flanador quer ver tudo do entorno de igual forma. Transbordando
calçadas como o Kafka em Paris, “je vois tout, je suis partout”(apud ZISCHLER, 2005, p. 33), ou
esvaziado de referências, como o caminhante noturno de Guy de Maupassant (2004): “mais nada,
mais nada, nenhum tremor na cidade, nenhum lampejo, nenhum rumor no ar. Nada! Mais nada!” (p.
17 e p. 18). Todos ou nenhum. Tudo ou nada. Se encontra o nada, nada coloca na mala. Mas tudo que
encontra se mistura.
O nada e o tudo.
Como numa escuridão: a possibilidade das estrelas e a impossibilidade delas; a possibilidade dos
barulhos e também a surdez causada por tamanho desespero.
O escuro da noite para abrir os olhos, mas também para que possa fechá-los. Não seria de todo mau se
esforçar para estar distraído.
uma nuvem cinza esconde o sol
a mesma nuvem destapa o sol
91
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Contos noturnos de passeio e de perda de referência:
1)“A noite [pesadelo]” (2004)
2)“Passeio” (1997);
de Guy de Maupassant
“Passeio”
Sr. Leras:
guarda-livros em pequeno cômodo. Úmido e frio.
Uma única mudança de residência durante a vida (motivo: aumento do aluguel).
Passagem por padaria pela manhã e por seus consecutivos 11 donos distribuídos no (pelo) tempo.
Todos os dias:
casa - cômodo escuro - casa.
Ou até poderia ser:
cômodo escuro- casa- cômodo escuro.
Não se sabe. Ao certo.
O que se sabe é que:
mesma hora, todos os dias, mesmos atos, fatos e pensamentos.
Numa dessas horas, num desses dias, uma idéia:
pequena volta.
Caminhar a seu modo de velho:
De escuro IV
de um “passeio”, de uma “noite” e de uma impressão I
“passo saltitante” (MAUPASSANT, 1997, p. 16).
Arco do Triunfo. Triunfante sobre as cabeças.
Uma parada agradável para jantar:
casa de vinhos.
Torna a partir devido ao agradável momento anterior.
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Pensamento dele cantarola verso alheio de vizinha.
Pensamento cantarolado se repete, sem fim.
Desce a noite.
Procissão de namorados, para todos os lados, em todas as partes.
Uma febre em comum. Todos pensavam o mesmo. Todos esperavam a mesma coisa.
Sr. Leras cansa. Senta.
Primeiro banco:
vê os enlaçados de amor que caminham sob o luar.
Uma mulher para ele: “deixa-te amar” (MAUPASSANT, 1997, p. 19).
Sr. Leras foge.
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Segundo banco:
uma mulher (outra): “preciso sobreviver”.
Sr. Leras “sobressaltado” (MAUPASSANT, 1997, p. 19).
Ela sai cantando.
Mulheres que continuam a passar por ele.
O sombrio sobre seus pensamentos.
Banco, outro:
terceiro banco:
senta.
Arrepende.
Arrepende da pequena volta.
Voltam pensamentos.
Todos desfilam alegria.
Todos com algum alguém.
Ele só.
Sozinho sempre e agora.
Não conhecia o amor.
Tinha vida morna.
Levanta.
Cansa.
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Sr. Leras tem medo do trajeto. Pára aqui. Mais dez passos. Que são cem. Pára aqui. Mais alguns.
Caminha a quantos dias? 3 minutos.
Quarto banco: pensamentos. Pensamentos sobre casa vazia. Sem lembranças. Paredes que refletem o
dono. Triste. Refazer os mesmos movimentos. Não. Levanta. Relva. Amanhece. Sr. Leras não.
“Talvez um acesso súbito de loucura?” (MAUPASSANT, 1997, p. 23).
“A noite [pesadelo]”
Um caminhante noturno, amante da noite.
Caminha por ela, a respira, a vê, a escuta, com toda a carne.
Aborrecido com o dia. Com seus barulhos, palavras, gestos.
Esse caminhante alegra-se e desperta. Desfaz-se à sombra.
Mais se desfaz quanto mais aumenta a sombra.
Sombra doce, diz ele, que destrói as formas da cidade.
E abraça e engole sem que se perceba.
Um caminhante acometido pela sutileza do escuro.
Ama. Ama porque se desfaz, ele. Ama assim. Enquanto não fulmina.
Enquanto sabe que outros estão por ali. Enquanto a tensão se sustenta. Ama. Isso.
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Quer gritar e quer rastejar nos telhados. Quer. Segue. Subúrbio. Bosques.
“Aquilo que amamos com violência acaba sempre nos matando” (MAUPASSANT, 2004, p. 03).
É assim. Ontem. Outro dia. Outro mês. Outro ano. E isso tudo é o claro da noite.
O completamente posto em vista. Ah! Agora não dá mais para parar.
Nem fechar os olhos, Caminhante Noturno, tarde demais.
Chegou a hora. A hora da noite clara. A hora em que o escuro da noite embranquece o escuro.
E agora é ver. Ver ou ver. O claro da noite escura.
Ver de medo de não ver a tempo. Ver porque não se tem outra opção.
Ver, porque, se fechar os olhos, milésimos de segundos: não, nada, mais. É por isso.
O medo. É do medo a claridade.
Só o medo clareia, acende luz, faz clarão.
O medo que espreita e é espreitado.
noite
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em claro.
em claro
O Sr. Leras foi passear e se desesperou. O Caminhante Noturno também. Passeou e se desesperou. De
impressões ambos se desfizeram. Com a noite escura que o Caminhante amava e que, aos poucos, ela,
traiçoeira, roubou-lhe as referências. Com os bancos e as mulheres nas ruelas por onde se arrependeu
de tentar o Sr. Leras. Tão avivado com casa-trabalho-casa. Ambos caminharam pelas mesmas
redondezas. Nada certo. Impressões, apenas. Sr. Leras acomodou-se, nos seus desesperos, em bancos
que encontrou a sua frente. Pequenas paradas que deram a ele um canto para respirar. Pequenos
pontos, talvez. Linha, des - espero, ponto. Pára. Vem outra linha, estica o ponto, borra, transforma em
mancha, des - espero, ponto. Pára. De novo. E de novo. Já Caminhante Noturno sabe bem as ruas por
onde anda, os pontos que encontra - são sua bússola. Isso, por enquanto. Champs- Élisées, Arc de
Triomphe, Bois de Bologne, Arc de Triomphe, Les Halles, rue Royale, Château d´Eau, Montmartre, rue Druot,
mulher vagava em Vaudeville, rue Grammont, de repente estava em Les Halles, la Seine. Desfeito pela
noite.
É escuro quando começo a pensar nessas coisas.
Logo mais, encontro Sr. Leras e sei do seu arrependimento por ter-se desviado da sua rota comum de
quarenta anos. Teremos um encontro um tanto descompassado. O Caminhante Noturno,
diferentemente de Sr. Leras, ama a noite. E a ama quanto mais ela permite o escuro. E ama o que a
noite faz de seus pensamentos. Essa coisa de perder a cabeça. Ele gosta disso. E isso o faz caminhar
mais adiante, e mais e mais. Já Sr. Leras saiu a caminhar não se sabe bem por quê. E nem importa. O
que não quer dizer que importe o fim a que chega Sr. Leras (ou Caminhante Noturno). Mas a questão
é que Sr. Leras se arrepende, e, para não sucumbir, procura plataformas-bancos para, de certa
Uma impressão
maneira, dar forma a seus pensamentos noturnos e desviados. O Caminhante Noturno também.
Procura campainhas, pessoas, relógio. Procura tic-tac, procura ponteiros, procura ruídos.
Um outro caminhante qualquer, pode até ser desses de poltrona (ou cadeira, banco de praça, sofá),
pensa que suas idéias-pensamentos podem acabar. Porque pensa que elas têm impressões marcadas
que as fazem se desenvolver até seu esgotamento. E aí elas se esvaem. O medo não é disso. De seu
esvaecimento. O medo é da finitude das idéias. Como se elas existissem quantitativamente, como
existem os dedos das mãos ou dos pés, ou as medidas numa régua. Naquela cabeça só cabem aquelas
idéias, e depois de elas se desfazerem nesse papel ou em alguma gravação, desenho ou pintura, fim.
Fim que mata. Morre. Ele pensa que assim é que funciona. Não se deve gastar as idéias com tanta
pressa quando se quer viver mais alguns anos. Também há aqueles que ficam guardando as idéias
com muito cuidado por medo de sucumbirem a elas. Nesse caso, a existência parece mais importante.
Mas um belo dia, quando algo gera um incômodo qualquer, não se sabe bem por qual motivo, o
sujeito resolve dar um espaço para suas idéias que há tanto estão adormecidas. E aí, já era. Elas vêm
com tudo. E... não se sabe do que são capazes. Uma vida toda em alguns minutos. Fulminante. Mas,
ao mesmo tempo, é importante fazer a escolha certa. Caso se guardem por muito tempo as idéias, elas
acabam perdendo sua possibilidade de desfazimento. Daí viram lembranças. Assim vivem muitos
senhores. Jovens também. Carregados de idéias que viraram lembranças. Idéias mortas,
monumentadas em cimento. Mas, se deixa-se as idéias todas aflorarem, tomarem conta, pode-se viver
bem menos. Ou não. Muitos senhores fizeram isso, deixaram que elas viessem. E descobriram que elas
existiam em muito maior quantidade do que eles jamais poderiam imaginar, tanto que vivem a velhice
a inventar coisas novas. Mas há, sim, os que acabam por viver pouco. Não se pode negar. Que suas
idéias têm tanta força e vontade própria (própria de muitos), que sua cabeça não suporta, por doença
ou por fraqueza, ou por desculpa e licença poética, para terminar com isso tudo. Foi mais ou menos
101
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isso que aconteceu com Sr. Leras e com o Caminhante Noturno. Apesar de não sabermos ao certo com
quantos anos eles morreram. Nem se estão mortos.
Coup de foudre. Caminhante Noturno encontra Sr. Leras. Vindo de seu quarto banco. Vindo daquela
caminhada sem intenções. Daquela que nada esperava. Daquela que lhe acometeu de nada. Coup de
foudre. Sr. Leras foi fulminado pelo seu estúpido passeio fora de hora. Caminhante Noturno ainda não
se convenceu de que ele também fora engolido por um golpe de raio. Sobre sua cabeça, a escuridão,
grande boca da terra. E nem sequer um tic-tac de relógio. E nem sequer uma campainha. E nem
sequer. E nem sequer nada. Nem sequer querer. Nem sequer. Os ouvidos do Caminhante Noturno
quase que inventam ruídos. Quase que. Ele força, força para escutar. Força para ouvir passos, força
para se apavorar com a aproximação de algo ou alguém. Força porque pode ser melhor. Melhor que
espreita. Melhor que espreita de desesperado. Melhor que espreitar por não poder fazer mais nada. O
Caminhante Noturno ama a espreita controlada. Ama observar, investigar. Mas ama sentir a vibração
do tic-tac em seu bolso. E ama pegá-lo em suas mãos. E ama tocar a campainha e ser atendido. E ama
os barulhos das aproximações de coisas pessoas ruas calçadas. Ama o barulho que as coisas têm, o
barulho que fazem em decorrência da aproximação do Caminhante Noturno. Sim, as coisas fazem
barulhos quase indecifráveis quando nos aproximamos delas. Barulho de silêncio. Sutil. Que serve
apenas para que no escuro não se caia, não se bata contra, não se tropece, não se paralise. Barulho que
mede distância. É esse barulho que Caminhante noturno almeja. E é o silêncio da distância indicada
pelo sumiço dos barulhos que o desespera. Sim, quando nenhum ruído se escuta, sabe-se que nada
existe ao redor. E sabe-se que, além de estar sendo acometido pela noite, poderá, caso algo surja, ser
acometido pelo barulho da tal coisa. Será engolido pela simplória indicação da existência próxima de
algo.
Espreita distraída, espreita distraída.
À beira d´água ninguém mais pode nada pelo Caminhante Noturno. Nem contra. Ao amanhecer
ninguém mais nada pode pelo Sr. Leras. Um acometimento de nada. Um nada de acometimento. Da
terra para a água e da água para. Coup de foudre. Caminhante noturno é fulminado pela pequenez dos
ruídos que lhe entraram pelos ouvidos. Do banco para a relva e da relva para. Coup de foudre. Sr. Leras
é fulminado pela pequenez dos passos que obrigaram seus pés.
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Do medo
Os barulhos são todos suspeitos
A escuridão. Minha inimiga, minha irmã.
De escuro V
de um “passeio”, de uma “noite” e de uma impressão II
De escuro VI
de uma viagem I
“Responde a um motorista de táxi que perde o caminho dentro de si mesmo” (CORAZZA, 2008, p. 103).
“Entretanto, o que é viajar? Encontrar” (BARTHES, 2007, p. 23).
Encontrar-se em uma perdição,
eis a viagem.
De escuro VII
de uma viagem II
De escuro VIII
de uma viagem III
105
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a terra adormece,
a d o r m e s c u r e ç o.
106
Pode ainda desistir de ler estas próximas páginas.
In venta Rio
Por mais que se queira breve, sempre apenas uma tentativa. Inventário por isso, para dar conta
desse tanto a mais que se produz quando se tenta formar algo. E dar conta do a menos também. Mais que
Texto, Obra, Imagem, este inventário poderia ser um atelier, se tal trabalho fosse um lugar. Onde
referências as mais diversas, confusas, heterogêneas, tentam fazer sentido: documentos de trabalho. E
fazem. Não para todos que se deparam com ele, nem talvez para aquele que é o dono do atelier. Fazem
sentido quando dispersas, mas às vezes, numa distração do visitante ou do artista, fazem sentido como
conjunto. Um lugar onde possam caber coisas sem sentido, todas juntas, compondo esse espaço. Como
Barthes(2004c), preferindo ser tachado de dificuldade de hábitat” do que experimentar uma
segurança de hábitat” (p. 313). Pois bem, mas esse lugar, esse atelier, vamos chamar de inventário. Porque
surgiu como um inventário. Uma listagem, como lista de compras, para não esquecer de nada. Lista que
precisou ser descrita. Como que por necessidade. Necessidade de dar um nome, necessidade de inventar
um lugar para tais coisas e de dizer do percurso delas. O dono sufoca-se com a possibilidade de visita de
estranhos e passa a organizá-lo. Nessa organização, quer, por vezes, tocar fogo, ou inundar o recinto.
Encontra-se sozinho, por que não “uma ciência nova por objeto?” (BARTHES, 1984, p. 19). Se fosse assim,
tais documentos, basura, restos, pensamentos, riscos teriam sua existência garantida por inúmeras
ciências criadas para os conter. Mas não foi o caso. Não colocou fogo nem fez enchente, não criou ciências
diversas. Pela impossibilidade. O que pode fazer ainda? Poderia deixar tudo como está. E que os
visitantes tirassem suas conclusões. Mas não. Porque a necessidade do inventário é puramente do dono
das rebarbas. Um artista obsessivo (?). Ansioso (?). Medroso. Catalogador (?). Assim, surge o texto
explicativo, prolixo, falante, verborrágico. Que tanto lutou em seu atelier. Que tanto o incomoda. Está aí.
Errático, para ser lido, compreendido, visto, analisado, interpretado. Mas tudo necessidade do artista.
Sua sorte: a própria invenção contida em qualquer inventário. É aquilo que tanto foi dito: é
próprio daquilo que se põe a organizar, que em seguida, desorganize-se. Sua sorte é poder ser um
inventário “ir-remediável” como o de Caio: “um trajeto que pode ser consertado?” (ABREU, 1995, p. 05).
Tudo começa com uma explicação. Assim: fala o dono do atelier-trabalho o seguinte sobre o que
tentou fazer até agora. Fala sobre quem ele pensa que é, e como ele pensa que escreve, cria, pensa. Quer
mostrar o aprendizado do processo plástico. Fala sobre tudo isso que ele não sabe, tudo isso que nunca se
mostra por inteiro:
Assim, as páginas que se seguem buscam dar nome e catalogar (colocando cada coisa em seu
lugar e descobrindo que esses lugares são apenas suposições) alguns elementos (se sabe da
impossibilidade de falar de todos) que compuseram o atelier deste trabalho.
Pode ainda desistir de ler essas próximas páginas. Ou encará-las não como um “inventário”, mas como
um “in venta rio”.
A tentativa de um inventário: que, como toda forma organizada, possui suas fugas e desvios. Inventário que
perde sua eficácia taxonômica diante da proliferação de descrições: impregnam-se de caos na própria ordenação que as
define. Na busca por um “Museu de tudo” como o de Funes. (BORGES, 1979), ou por registro de passagem por este
4
tempo-espaço de trabalho.
4 Inventário: “descrição minuciosa de algo: passou ao amigo o inventário de suas paixões” (AULETE, 2007, p. 591).
Invenção: Ficção, história, lenda: tudo que se diz dele são invenções”(AULETE, 2007, p. 590).
108
109
Criação para mim. Partindo do mínimo, do traço preciso, para provocar a multiplicidade de possibilidades, as
intensidades. Da criação para mim, nada conheço, mas conheço o desejo de conhecê-la. Para mim, porque não pude
experimentar tal processo no lugar de outro. Mas isso não quer dizer que não seja possível a tentativa de falar para
outro. Não quer dizer, também, que a criação seja minha: a impressão que produz arrebatamento não é elaborada,
projetada, idealizada! Como o punctum de uma imagem, não foi colocado pelo fotógrafo. Não foi premeditado. Pode
haver estratégias e planejamentos que visem a causar efeitos de impressão. Mas eu não tenho essa pretensão.
Criação para mim. Sim, para mim que sou um eu.
O eu que não quer ser aquele que controla, que tem uma verdade, que não muda: o eu-mesmo. Também não é
o eu eliminado: não abandono o eu, mas o tento em diversos. O eu que quero para falar da criação para mim: é o “eu”
do haicai, que me parece ter recebido sua melhor definição em Barthes (2005):
“Eu = aquele que não pode dizer a si mesmo, não porque ele não se assemelha a um outro, mas a “nada”: nenhuma
generalidade, nenhuma Lei. Eu é sempre um resto e é que se encontra o haicai” (p. 172).
A criação para mim que sou resto (uma tentativa de resto. Tentativa de resto de eu).
Esse eu sempre diz o que tenta querer dizer, nada mais.
Aquele eu que busca em fotografias parecer-se consigo mesmo, mas acaba encontrando cópias e mais cópias:
“eu, que me sinto um sujeito incerto, amítico, como poderia eu me achar parecido? Pareço apenas com outras fotos de
mim mesmo, e isso ao infinito; todo mundo é sempre apenas a cópia de uma cópia [...]” (BARTHES, 1984, p.152).
O eu-resto-de-eu.
Que fala, escreve do que sobra. Do que não sabe falar e escrever.
Eu-diversos-de-eu.
Que quer o que não sabe querer. E não o sabe porque quer justamente o que talvez ainda não exista. Um eu
que quer dar a ver para ver não mais dar a ver. Tornar possível esse invisível, indizível, intraçável, para torná-lo
novamente impossível. “El amor despues del amor” (PAEZ, 1992). Torná-lo impossível, mesmo o sendo. Há que
admitir seus mistérios: na arte, na vida. Aquilo que chamamos de mistérios são os fracassos, e por isso são restos,
sobras, o que não se pode saber, impossível. Talvez exercício anti-visual, talvez exercício clínico, se pensamos que “o
papel de uma vida são as marcas que ficam nas superfícies que a suportam”(ZORDAN, 2008), ou, mais ainda (o
melhor seria dizer: ou menos ainda), exercício de vida = sentir-se vivo = ter vontade de vida.
DO PROCESSO
O processo plástico e escrito deste trabalho desenvolveu-se seguindo os seguintes passos, na
ordem em que se apresentam, mas não-programados, não-definidos anteriormente e que se
sobrepuseram no processo:
a) buscou da chuva marcas;
b) e buscou da chuva a diluição de marcas;
c) buscou suas impressões, e da insistência e imprevisibilidade da chuva, buscou um diluir- esvaecer;
d) quis fazer ver um quase que invisível, e também quis desistir de vê-lo ;
e) descobriu um suporte para tais marcas que não era apenas um suporte. Suporte que fazia corpo.
Suportando tais marcas, permitindo, por vezes não permitindo, suas visibilidades, mínimas que fossem.
Suportando o desfazer-se da sua suportabilidade. Suporte que fracassa, que sucumbe.
f) as marcas da chuva são chamadas de impressão - termo advindo da gravura e que dá conta do ato de
encontro entre dois corpos em que marcas se produzem e outras se desfazem. Dentro desse processo de
impressão, houve diluições; sendo assim, as marcas que ficam e as que desaparecem são chamadas aqui
de impressões - diluições.
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DA IMPRESSÃO E DILUIÇÃO
As impressões-diluições puderam ser percebidas por três vias que se cruzaram e se confundiram
durante o percurso do trabalho:
a) a impressão-diluição escrita - que pretendeu anotar e reescrever o presente, esse, impressão por
excelência.
As impressões escritas foram refeitas, mesmo estando em busca das marcas do presente. A
reescrita da anotação é entendida como um presente novo da anotação, podendo ser reescrita infinitas
vezes, sendo que cada novo encontro com a última anotação pode ser carregado de traços do presente. A
impressão escrita neste trabalho tem como mote a questão da brevidade. Ou seja, ela não tem sua forma
acabada no momento em que se anota, mas, mesmo assim, propõe-se a continuar breve. Breve no sentido
de uma busca econômica ao reescrever a anotação. As impressões escritas foram reescritas com o objetivo
de usar o mínimo de palavras para dizer o necessário. Necessário que é da ordem do “para mim”. Ao
buscar a forma breve (já que es a é a forma escrita que mais se aproxima do que entendo por impressão)
encontro os haicais : forma breve por excelência, segundo Barthes (2005). Aqui, os Haicais foram
chamados de Haiquasis”, dada a impossibilidade da feitura de Haicai na sua forma clássica (devido à
língua e cultura) pelos ocidentais.
b) a impressão-diluição da chuva - que pretendeu marcar o papel a partir do ato presente e rápido da
coleta de chuvas. No caso da impressão de chuva, a partir do papel, a sobreposição devido à
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5
imprevisibilidade da água acaba por operar outras sobreposições, que não deixam de ser impressões
também. Tal impressão da chuva no papel é apenas ação. Mas a própria chuva encarrega-se de sobrepor
marcas, o que por vezes levará à destruição do papel (diluição), deixando poucos resquícios que são
apreendidos, na maior parte das vezes, através da fotografia. Impressão que é também diluição, portanto.
c) a impressão fotográfica - que funciona como registro ou documento que atesta e imprime (no papel
fotográfico) vestígios, restos, resíduos do presente já acontecido. A impressão fotográfica também é ela
própria impressão, já que é necessário, para que haja a fotografia, que a luz grave alguma superfície. A
impressão fotográfica é traço, rastro, marca de algo que se passou. Não existe mais, mas ali está,
mostrando-se aos olhos. Aquilo que não é registrado se dilui.
A impressão fotográfica não nega que haja o olhar subjetivo do fotógrafo que escolhe, que
seleciona, que recorta. Há, portanto, uma escolha que atesta o testemunho daquele que fotografa.
O cruzamento dessas três impressões-diluições das quais este trabalho trata se em diversos
âmbitos: efêmeros e indeléveis. Tais cruzamentos pretendem tomar as linhas mais diversas possíveis e,
com isso, não se prendem entre si e nem em regras ou afirmações deste inventário:
a) ambas impressões-diluições são marcas, no papel. E marcas em outros suportes, como, por
exemplo, no corpo de quem escreve, fotografa, colhe chuva. Impressões-diluições que se pretendem
marcas também no corpo de quem / este trabalho.
b) ambas pretendem falar da marca mesma e não de sua representação. Por isso, o registro é o próprio
trabalho, nada mais que isso, nem nada menos. E pretendem falar, pela marca, também da
impossibilidade da marca.
c) ambas impressões vão em busca da criação: a criação que escolho joga suas fichas no gesto mínimo
e no uso da interferência mínima necessária enquanto micropolítica da criação. Criar gestos intensos,
5 No Seminário: “Nova prática de escrita: para entrar vivo na morte, deixe os mortos enterrarem os mortos e trabalhe,
enquanto ainda tem a luz”, ministrado pela professora Sandra Mara Corazza no primeiro semestre de 2008, estudamos o gênero
Haicai através do livro “A preparação do Romance I”, de Roland Barthes (2005).
112
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impressões pequenas e breves (visto a impossibilidade de impressão por inteiro), mas que carreguem
a força do necessário, do presente, da marca, do efêmero que produz no corpo a sensação de se estar
vivendo o indelével.
Nos percalços da busca por marcas e por diluições, entro na discussão acerca da imagem. á
tempos que artistas preocupam-se com o invisível, o indizível, o apenas sugerido nas imagens de arte.
Das mais diversas formas essa preocupação é tomada por muitos. Ao mesmo tempo, proliferação de
imagens e proliferação de produção em arte (o que não faz do invisível e do indizível oposto à
proliferação de imagens). ainda a publicidade e o uso de imagens por diversas áreas, por todos os
campos do conhecimento. também vertigem, mal estar e desejo de foco nos olhares das pessoas.
necessidade de ver tudo ao mesmo tempo, de nada perder disso tudo que se coloca aos olhos e também,
dor nos olhos, cansaço e vermelhidão. imagens que passam, aquelas que permanecem, as que
voltam. lágrimas nos olhos, remela olhos fechados e olhos abertos para além de seus limites. E o
invisível, indizível, sugerido. A nuance, a sutileza, o mínimo. Há tudo isso também, mesmo que não se
possa ver. E não se pode ver justamente porque é da política des e tipo de imagem não poder dizer o que a
ver.
Barthes fala de nuance (2005): para ele, a civilização das mídias é definida pela rejeição da nuance.
Os destruidores da nuance, como nome Barthes aos homens de nossa cultura, são “homens mortos
que, do seio de sua morte, se vingam” (2005, p. 99). Vingança que carrega os olhos de cansaço e, por vezes,
de sonolência. A nuance: uma aprendizagem da sutileza (p. 93). A sutileza, como entendo, não se define
por algo pequeno em extensão. A intensidade é que provoca a sutileza. O que importa aqui é a nuance que
opera gerando vazios: vazio que é a falha naquilo que se projeta (para aquele que quer criar); vazio que faz
a linguagem calar; vazio que é esvaziamento do frasco, sentido no corpo: não mais comentário, a voz se
cala, não há interpretação, e esse vazio gera perdição e vida. Um discurso diminuído, intenso e que faz
H
s
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sentir vivo. A nuance aproxima-se do punctum. Barthes, em a “Preparação do Romance I” (2005),
anuncia alguns aspectos do que viria a escrever mais tarde em “Câmara Clara” (1984). A nuance é uma
espécie de punctum que faz ficar sem palavras quem por ela é atravessado. O punctum, algo esvaziado que
faz o olho acrescentar e, ou, um detalhe que se expande - como a nuance “que irradia, difunde, se arrasta”
(2005, p. 99) - não por uma lógica ou por uma organização pensada anteriormente, mas, sim, por acaso.
Um acaso que não é bem- educado, não respeita cultura e moral, mas que também não vem atacar, vem,
sim, pungir, atravessar, desacomodar de forma sutil, pelas vias da impressão. “Criar (poeticamente) é
esvaziar, extenuar, fazer morrer o choque (o som) em proveito do Timbre” (2005, p. 98).
Quando escrevo, abandono, ao mesmo tempo que inscrevo: resquícios de uma experiência. Há
morte nessa ação. Morte que é paradoxo, já que por fazer escrever dá origem a um registro que é o que
poderá ficar de tal experiência. Portanto, este é um trabalho que lida com a desaparição, com o que não é
possível e que por isso inventa possibilidades. Há a dificuldade de questionar, com imagens, a
representação. Mas, quando entendo a fotografia como registro possível apenas pela incidência de luz, a
imagem passa de representativa para superfície composta por resto de algo que ocorreu. Assim como a
imagem - esta que se quer resquício de ação - a palavra aqui se quer corpo e não sentido. Desejo que me
escapa tanto pelas imagens quanto pelo texto. Quem lê-vê cria outros corpos, ou não, e cria sentidos ou
não-sentidos para esse corpo cicatriz: trabalho corpo-cicatriz que surge da tentativa de costura entre
texto e imagem, sentido e corpo, linguagem e experiência. Basta, para mim, que tal costura deixe uma
linha como cicatriz.
DOS OBJETOS INÚTEIS (PARA FAZER)
(impluvium e guarda-chuva de filó)
Para colher chuva com o corpo, criei dois objetos: o impluviume o “guarda-chuva de filó”.
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Objetos ainda em formulação e construção, que surgem da experiência das marcas não apenas nos papéis
colocados na chuva, mas, também, nas marcas sentidas no corpo que se coloca a coletar marcas na chuva.
Marcas vividas pelo artista, e que estende o propósito para outros que possam entrar nessas relações
criadas.
A criação de objetos para colocar e se colocar na chuva funciona mais como desculpa para uma
ação, para um deslocamento. Não se trata de objetos e de ações desprovidos de sentido. Aproxima-se da
estratégia proposta por Barthes (2004c) para atacar o sentido: “[...] é preciso trapacear, esconder, subtilizar
(nas duas acepções do termo: refinar e fazer desaparecer uma propriedade), isto é, a rigor, parodiar, mas
também simular melhor”(p. 166). São sempre sentidos abertos a novos sentidos. Desculpa para dar início
a uma ação e, a partir daí, largar-se e largar as constatações para que surjam novos sentidos (esses prontos
para serem desfeitos).
Pensando no trabalho da artista Maria Helena Bernardes (2004) e em sua noção para
6
“ocorrência” , esses novos sentidos acontecem justamente nas relações com as pessoas (que aqui não são
expectadoras), nos percursos e acontecimentos de percurso que vão levando a ação para os lugares mais
inusitados. A arte acontecerá apenas através dessas relações.
Assim, criar objetos inúteis ou desfuncionais como o impluviume o “guarda-chuva de filó”,
nada mais é que provocar situações, engendrá-las, propô-las, para dar início a uma ação - relação que a
partir daí fará percursos imprevistos e que dependem exclusivamente das relações que serão criadas
entre as pessoas envolvidas e os objetos inúteis na chuva.
A disposição para criação de situações neste trabalho se na relação daquele que se propõe a ler
/ ver este texto e estas imagens. Os percursos inusitados também acontecem longe dos olhos daquele que
propõe.
SOBRE NOÇÕES
Neste trabalho, nesta busca pela economia das palavras e na intensidade do gesto, se tornaram
importantes quaisquer experiências (leitura, passeio, deriva, olhar, escrever etc) que pudessem causar a
perda das referências: perder as referências abre espaço para a proliferação de novas possibilidades. Gera
urgência que faz a criação correr em busca do traço mínimo, mas intenso, urgente. Também opera como
vazio pleno, abandono da moral, do conhecido. A experiência da perda de referências pode tanto falar de
uma forma quanto de um conteúdo, e de ambos.
Algumas experiências “perda de referência” compuseram este trabalho. Algumas são noções, e
essas não funcionaram como decalque ou tentativa de transposição de conceito. Antes, tais noções agiram
como identificações (BARTHES, 2005c). Identifiquei-me com elas, colaram em mim “como se” eu pudesse
ter as feito ou como se eu ainda pudesse fazê-las ao modo de seu autor, no caso, Barthes. Mas não foi ao seu
modo que as refiz. Não houve refazimento, mas, sim, tentativa de invenção, descoberta. Da leitura dessas
noções, descobri-me com o desejo de escrever, e de criar. E ao escrever e ao criar, encontrei resquícios de
noções reinventadas, experimentadas de outras maneiras, distorcidas, dissimuladas.
Faço a leitura da noção de punctum em Barthes. Ao escolher a fotografia como objeto de seu
estudo em “Câmara Clara” (1984), Barthes se coloca a inventar, a descobrir uma outra existência para a
fotografia, diferente das explicações técnicas, históricas e artísticas que ele havia encontrado. Assim,
Barthes quer saber: “o que meu corpo sabe da Fotografia?” (1984, p. 20). Nesta busca, ele opta por tentar
entender o que nas fotografias que o tocam, nas fotografias que o advém (1984, p. 36).
Identifico-me com a forma de pesquisar de Barthes. O comprometimento com uma força que se
6 São três as características de uma Ocorrência. Primeira “criação de situações artísticas apoiadas em parcerias transitórias” que envolvem
desconhecidos. Segunda: “aproximação entre arte e cotidiano”, interações que produzem desejos entre os envolvidos. Terceira:
“possibilidades de contato público com a arte”, em que a comunicação da obra não se dá de forma pré-determinada, já que é parte
constituinte da mesma, ou seja, a obra faz-se na relação, não haverá exposição de obra, mas, sim, disposição. (BERNARDES, 2004).
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dá pela via do sentimento, não como um tema, “mas como uma ferida: vejo, sinto, portanto noto, olho e
penso” (1984, p. 39). Tal ferida Barthes chama de punctum, isso que punge, que não tem intenção, uma
contradição: “é o que acrescento à foto e que todavia está nela(1984, p. 85). Um outro tipo de punctum de
que fala Barthes é feito de intensidade, em que um esmagamento do tempo: “isto está morto e isto vai
morrer” (1984, p. 142).
Encontro efeitos de punctum nas leituras, nas ações em que me coloquei na chuva, no encontro
com a fotografia enquanto registro de algo inapreensível. Há punctuns onde não se pode controlar, onde
não se tem a intenção, onde se é arrebatado. Identifico a noção de punctum como um método que se faz,
justamente, tomado por esses estilhaços não- previstos. Um método de escrita e de criação de imagens
que funciona através do paradoxo da marca: ela está aqui, mas ela não mais existe. Assim, nada como a
fotografia para registrar marcas. Ela que atesta o real, ao mesmo tempo em que o embaraça com o
passado. A fotografia é corpo, “[...] é uma evidência clara da coisa que foi” (2004c, p.491). Interesso-me por
essa claridade. É evidente, como a chuva o é. Não profundidade, se na pele, no papel, pela luz, pela
água. Pela superfície.
Barthes diz que o fotógrafo é testemunha de sua subjetividade: “da maneira como ele próprio se
coloca como sujeito em face do objeto” (2004c, p. 497) e continua dizendo que para falar de fotografia de
forma séria é imprescindível relacioná-la com a morte, que uma fotografia é sempre testemunha do que
não é mais. Assim, a fotografia é a forma como o fotógrafo coloca-se frente ao objeto, e por isso é
testemunha de sua subjetividade, e é também testemunha da morte, daquilo que foi. Fotógrafo e
fotografia são testemunhas, dão testemunhos de um olhar subjetivo que morreu. Identifico-me com
esse olhar testemunha. O desejo de registrar uma marca nada mais é que tentativa impossível de
apreender algo que morre, no olhar, no corpo, na experiência.
Dessas mortes e estilhaços não- previstos nas experiências de tentativa de testemunho, encontro
na leitura de alguns contos de Guy de Maupassant a perda de referência. Ao mesmo tempo em que, como
leitor, seus contos breves e frases precisas operam como punctuns, saltando e fazendo o olhar sair do texto,
os seus personagens também vivem esse imprevisto e essa desacomodação. Há um arrebatamento que
acontece enquanto leio, um arrebatamento acontecendo na narrativa que leio.
Barthes (2004a) diz que os contos de Maupassant demonstram uma catástrofe. Algo de
convincente sempre acontece, o que dá a seus contos características da “forma moderna de tragédia. [...]
as duas grandes figuras seculares da derrota: o Medo e a Impotência.”(p. 120). O medo não vem de uma
previsão, mas da aproximação do informe. Tomando dois contos de Maupassant: “A noite” (2004) e “O
passeio” (1997), encontro tais elementos trágicos: aquilo que não se pode definir se aproxima, o
indefinível vem de fora e nada pode ser feito. Os contos são formas breves que também em seus conteúdos
trabalham com a noção de brevidade, de vazio, de perda de referências.
Identifico com estes arrebatamentos, a expressão francesa usada por Guy de Maupassant: Coup de
Foudre. O amor à primeira vista que desfaz previsões. Que atravessa e não é passível de controle.
Experiência que se aproxima da morte.
Punctum, coup de foudre e impressão-diluição: noções que se aproximam no que diz respeito à marca de
um encontro e seu desfazimento.
DO DESEJO DE TRABALHO
Barthes (2004c), ao falar acerca da prática de trabalho, traz como primeiro movimento do escrever
uma pulsão gráfica que quer ter como resultado um “objeto caligráfico” (p. 253). Fala também do Volume
como fantasia primeira do livro a ser escrito (2005c).
Com ele, podemos pensar que a escrita parte sempre de um desejo de ver algo que possa ser pego
nas mãos, que tenha corpo, e que nesse corpo possamos passar os dedos e sentir as letras, que são como
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que pinturas. Mais que conteúdo, em Barthes, a preparação de um texto se dá pelo desejo de criação de
algo físico, matérico, talvez desejo de ver/fazer uma forma: “[...] as duas operações de escrita que me
proporcionam o prazer mais agudo são, primeiro, começar, segundo terminar” (BARTHES, 2004c, p.
259).
Partindo de um desejo de dissertação, este trabalho inicia imaginando sua forma, seu volume, sua
materialidade. Assim como se não importasse caso as páginas internas estivessem brancas. Ne bus
deparo-me com Ferreira Gullar (200 ue criou o livro-poema: “[...] um novo livro em que a forma das
páginas é parte do poema, de sua estrutura visual e semântica. [...] este poema não poderia estar senão
num livro com estas características ao contrário de qualquer outro poema que pode estar em qualquer
livro e mesmo na folha de um jornal -, aqui palavra e página constituem uma unidade indissolúvel, daí tê-
lo designado pelo nome de livro poema”. (p 37). Do livr poema Gullar criou o “poema-espacial”, como
extensão do livro-poema, já que o fato de seus poemas se tornarem “manuseáveis” fez com que eles se
transformassem em objetos tridimensionais. Do poema espacial ainda derivou o poema enterrado,
o e pectador participa com o corpo inteiro, entrando no poema (es e, uma sala).
Ne a busca pela forma do trabalho, também encontrei os livros de artista, funcionando como
anotações de processo, diários, e mesmo obra, muitas vezes relacionada diretamente à escrita (SILVEIRA,
2001).
Existiu aqui o desejo de criar uma dissertação-livro de artista ou uma dissertação poema, uma
dissertação-espacial. Ou um “Babilaque” de Waly Salomão (2008), em busca da fusão da escrita com a
plasticidade. Construir um trabalho que fizesse dessas folh algo inseparável das suas palavras e
imagens. Construir algo que fizesse dessas palavras e imagen algo inseparável dessas folhas. O desejo foi
de que nada que agora aqui está pudesse estar em outro lugar. Tudo como tentativa, ensaio, preparação.
Um desejo que espera imóvel alguma mobilidade: “[...] uma imobilidade aberta a uma mobilidade aberta
a uma imobilidade aberta” (GULLAR, 2007, p. 59). Vale perguntar, onde funciona? Como funciona? se
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saberá se for tocada, e se tocar.
Para Gullar (2007), Lygia Clark e Helio Oiticica, na busca pelo novo, vão reduzir a linguagem da
arte aos seus elementos primeiros: “as sensações” (p. 67), e, ainda mais, vão recuar para “experiências pré-
artesanais, anteriores a qualquer formulação, ou seja, limitaram-se a provocar no espectador-participante
simples sensações” (p. 71). Sem tais sensações, não existe a obra, e tal constatação levou e ainda leva a
muitas discussões acerca dos limites no campo da arte. Os limites que invadem a vida, e que confundem
os papéis e as definições. Ora, não pretendo discutir isso, Lygia Clark e Helio Oiticica, entre muitos
outros, fazem isso ainda (através de suas obras e seus leitores). O que me interessou foram essas simples
sensações que me fugiram. Fugiram do meu controle e do que este trabalho pôde alcançar. Ficou a
tentativa, disso que se quer simples, antes de mais nada, ou antes de tudo.
Foi, afinal, o elemento existencial um dos dados que estava faltando no concretismo, segundo
Gullar (2007). Ele fala de uma “evolução do “conteúdo”- que não será uma idéia definida (e nem será
mesmo talvez idéia), mas que é uma vontade de forma e, portanto, solicitação das experiências
existenciais, do homem-carne-osso-morte etc” (p. 112). Este trabalho teve essa vontade de forma, vontade
de conteúdo que não é idéia, vontade de homem-carne-osso-morte e vontade de provocar simples
sensações. A vontade nunca sendo demais.
Alguns atravessamentos no desejo de ver e criar uma forma compuseram este trabalho. Talvez
uma fantasia: como aquilo que coloca em marcha, em movimento, um desejo (BARTHES, 2005).
A abertura para tentativas práticas diversas é também tentativa de não se deixar reduzir às
formas (com todas suas regras) que existem. Porque colher impressão de chuva e querer torná-la
impressão de escrita quis-se resto irredutível” (BARTHES, 2005, p. 24). Esses restos foram compostos
por noções escritas, visuais e experienciais. Entre as identificações visuais, encontrei Brígida Baltar (2001)
e sua coleta da maresia, orvalho, entre outras. Performance fotografada, que também incluía a construção
de roupas e materiais como vidros específicos para a ação da coleta. Da coleta, nada se levava para a casa.
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Os vidros voltavam “vazios”, restando apenas a fotografia da ação. Ação que é também um recuo, que
buscou o imaterial, o invisível, aquilo que anda em ritmo oposto ao ritmo diário. Esse trabalho de Brígida
mostra um universo de que estamos distantes. A natureza, lugares amplos e sem referências humanas, a
não ser ela com seus objetos.
Quando me apaixono pela chuva, encontro um descaso e um incômodo com relação a ela na vida
das cidades. A chuva atrapalha e desvia o ritmo. Quando busco suas marcas, diferente de Brígida que
afirma o invisível, encontro a impossibilidade da retirada para lugares onde a chuva possa cair em meio à
natureza. Vale, para mim, registrar esta ação, mas devido às restrições dessa vida urbana, que são
provocações para o trabalho, vejo-me encontrando imagens que, sim, têm sua beleza; que talvez não
mostrem a ação em si, mas as visualidades provocadas pela chuva.
Encontro o desejo de colher chuva e de observar e registrar o processo de aparição e desaparição
de suas marcas, tudo isso num espaço restrito, que é o da cidade, que é o do apartamento, que é o da
impossibilidade de olhar para o horizonte. Assim, minha ação, solitária, ao invés de intervir no urbano,
fazendo críticas que se dão ao provocar as rotinas urbanas no próprio espaço urbano, sofre a intervenção
do urbano. Ou seja, neste microuniverso da vida urbana, recebo a chuva, nesta morada engolida pela
cidade, pela urbanização, pela estética cinza.
Encontrei também o mínimo intenso de Mira Schendel. Seu “quase nada, apenas o mínimo
suficiente para ser, para não pesar, para não aparecer, para não perturbar. O mínimo para ser, quase não-
sendo”. (FILHO, 1997, p.27). Fazendo-se resto a própria obra. Encontrando na crítica o mistério e um
quase não conseguir dizer sobre, "porque a arte é a “transparência misteriosa da explicação” (FILHO,
1997, p.32).
Encontrei em “Vaga em campo de rejeito”, de Maria Helena Bernardes (2003) o sem sentido. A
vontade de prática que leva à viagem sem projeto ou certeza do que se está a buscar, caminhadas sem
lógica. O passeio ingênuo, mas provocado. A retomada por espaços vazios, onde o absurdo toma conta.
Na vaga de Maria Helena Bernardes me identifiquei com o encontro entre espaço vago encontrado numa
viagem derivante e campo de rejeito, campo usado ao limite e então inútil agora.
E inúmeras outras noções escritas, visuais e experienciais que colocaram o trabalho em marcha.
Que provocaram o desejo de trabalho.
Coube a mim e caberá ao leitor sempre a pergunta: “O que fazer [...] com um trabalho que emerge
fragmentado em procedimentos, espaço e tempo?” (BERNARDES, 2004). Para tal pergunta, pude
responder com a seguinte afirmação: “Fotografias, objetos, depoimentos, filmes, mapas, trajetos,
anotações, escritos, projetos, entrevistas e desenhos passam a compor uma constelação de informações de
natureza simultaneamente artística e documental, ou não mais artística e não mais documental, mas
simplesmente elementos de 'proposições' - para usar o termo empregado por Lygia Clark diante da
insuficiência da palavra 'obra’” (BERNARDES, 2004).
Este trabalho tratou, portanto, da tentativa de: proposições e disposições. Um eu por certo pretensioso. Ou
não. De repente, um eu de necessidade, ou, simplesmente um eu que se quer “é isso”. Mas, o que importa nesta busca
por maneiras de dizer é que, independente disto tudo, lá fora chove. Vão-se as pretensões por água abaixo. Afinal,
tudo o que se diz deste trabalho é invenção.
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Para fazer (Impluvium)
A casa romana aproveita a água da chuva: galeria em torno da parte central descoberta - impluvium.
Num compluvium, recolhem as águas da chuva, e também recebem a luz de fora. Chuva dentro. Como
em Pessoa: “chove? Nenhuma chuva cai...[...] Ah, na minha alma sempre chove. Há sempre escuro
dentro em mim” (1998).
Lugar de dentro posto para fora: para receber algo de fora a chuva dentro em si. Impluvium para
mim. Eu dentro do impluvium sou compluvium recolho a chuva. Coloco na rua estrutura translúcida
por onde observo como se estivesse olhando da janela da minha casa, e aberta em cima espaço para a
incidência da chuva. Lugar aberto ao fora, portanto, exterior e lugar fechado onde se pode entrar,
portanto interno: ao mesmo tempo. Impluvium: um funil de chuva. Portátil. Lá, entro e aguardo a
chuva: parte do meu corpo se molha, outra não. Estou fora e estou dentro, e dentro chove, e fora
também.
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Um impluvium talvez quisesse ser uma torre. Uma torre Eiffel, por exemplo. Dadas as devidas
proporções. Um impluvium é um objeto quando o olhamos, e algo que olha, quando o visitamos.
Barthes (2001), diz que a Torre Eiffel venceu porque teve como condição sua inutilidade: “como si la
función del arte fuese revelar la inutilidad profunda de los objetos” (p. 60).
Um impluvium é um objeto inútil.
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Para colher chuva com papel
Para colher chuva em campo aberto:
Escolha o maior papel que encontrar.
Chame outra pessoa para ajuda a estender o papel.
Um de cada lado, estique e espere a chuva.
Para colher chuva de dentro de seu pequeno apartamento:
O papel pode ter tamanho A4, ou até menor.
A coleta será feita pela janela.
Você não vai precisar de outra pessoa, basta estender o braço para fora da janela segurando o papel.
Para colher chuva no mar:
Tente boiar.
O seu corpo é o papel.
Para colher chuva no deserto:
Esperar precipitar.
Para fazer um guarda-chuva de filó
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Um guarda-chuva de filó também é um objeto inútil.
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Diluição (na chuva)
outono chega
casa rachada
luz do sol atravessa
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Como um punctum,
O isso foi da vida
é um último pote de geléia feita
das últimas mangas abundantes colhidas e
protegidas dos olhos curiosos e das mãos
rápidas de passantes não bem-vindos.
as últimas mangas abundantes colhidas e
protegidas dos olhos curiosos e das mãos
rápidas de passantes não bem-vindos,
foram protegidas e colhidas e dadas
para mãos visitantes de um passante bem-vindo.
Fazer geléias dessas mangas, guardar um último pote,
é da vida.
Ser tomado pela morte,
necessário para que tal pote de geléia de manga
pudesse carregar o isso foi da vida que se foi.
Diluição em mangas
a dor do tempo que faz:
em janeiro olhar o mar,
saber que para ele cai a primeira neve.
não para mim, para ele.
mesmo sendo dele, a primeira neve,
querer vivê-la e dividi-la.
a dor de guardar para mim
a primeira neve não vivida
ao olhar o mar.
Diluição em neve
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as lentes de aumento que aumentam as gotas de chuva
são gotas de lágrimas
Aquilo a que dou nome não me feriu. Foi isso que aconteceu. Se bem que, por vezes, arranjo nomes
porque me senti tão ferido, sem voz e quase cego, que o melhor para continuar é dizer, ouvir e
enxergar aquilo que é inominável, inaudível, invisível.
É como quando abro um presente e lá, dentro do pacote, nada encontro. A surpresa faz-me inventar,
rapidamente, um nome. Um nome qualquer. Assim, esqueço que há alguns segundos atrás eu estava
diante do presente: o pacote, ainda fechado, e o ínfimo instante que o separava do nada. Nada envolto
por papel de presente.
Diluição I
de um punctum embalado
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parede branca
tempo úmido
cheiro de tinta
em casa
fecha o tempo
chove dentro
chuveiro
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1) picada
2) pequeno buraco feito por uma picada
3) pequeno membro (da frase), pequeno corte
4) ponto (geométrico)
5) ponta, espaço ínfimo
6) momento, instante: punctum temporis “durante um instante”
7) voto
8) ponto (no jogo de dados)
Cuidado ao pisar o chão. Cuidar como cuida a superfície das pernas da aranha ao caminhar por sobre
a água. Caminha em silêncio. Toma cuidado para não acordar a tensão superficial da lagoa. Não
desmarcar pegadas. Deixa para o tempo que ele apaga. Fazer monotipias. Único e passante momento.
Da terra, da chuva, do orvalho. Foi-se. É uma só. É aquela tentativa de, a terra, a chuva, o orvalho, o
sereno aprisionar. Superfície em ebulição. Sem ferir, já é ferida. Ferida do vento e da água por sobre as
rochas desfeitas em grãos minúsculos desgarrados. Ferida precipitada das gotas inchadas: chuva,
ferida das nuvens. Ferida fria da água condensada, abraçando a terra em gotas de orvalho.
Diluição II
de um punctum
Um começo para ser interrompido. Antes do fim.
Pode ser a escrita ou um caminhar qualquer. Só se começa para parar antes do fim. Se começa para
parar. Para que algo faça parar. Um esbarro, uma defasagem. Pretensão de quem escreve, ou passeia.
Parêntese. É o que se pode fazer. Finito. Se não, fim. Finalizo. Ponto. Final.
Espera o mais próximo possível do próximo toque da campainha (alguém vai chegar). Para começar.
Porque se não toca, não pára. Se não pára... Parêntese. Pequena, sutil, induzida. Morte. Pequena
morte. De agora para um agora que vem próximo. Muito próximo. Vem e fim. Parêntese de morte.
Pequeno caixão da palavra. Antes dele, fileira fúnebre de letras que choram. Depois dele, fileira
fúnebre de letras que choram. Dentro dele. Do parêntese. Jaz, a palavra. Palavra morta. Palavra pose.
Que se exibiu. Que se colocou a ver - ler. Enterrada viva. Parêntese que guarda um encontro. Daí se
vai. Não importa. Se vai.
Quem guarda a(s) palavra(s) nesse pequeno caixão faz como alguém que
ganha uma flor. Arrancada de um galho. Morta. Por morrer. Retirada com algumas folhas. Abre
parêntese (porque o verde das folhas é o engano necessário. Uma flor viva! Verde! Seivada!
Clorofilada! Cada pétala. Cada folha. Mesmo que essas últimas não tenham tanto valor. Fecha
parêntese). Guarda-se. Num pequeno caixão. Restos de uma flor. São palavras colocadas entre
parênteses. Algo morto que é necessário. Mas só em fagulhas. Em fragmentos. Em migalhas. Gotas de
morte. Parênteses. Abrir ao abismo. Abre parêntese (antes do seu fim, fechar. Fecha parêntese). Certo
Diluição de um (parêntese)
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de que dentro é o “só” que impera. Por mais palavras que contenha. Só. Funciona só. Começo e fim.
Por mais mortífero, o parêntese tem suas paredes. Paredes - portas, que seja. Abrem e fecham, sim. É
essa morte performática. Ensaiada. Pensada. Premeditada. É isso tudo e não é nada disso. Por mais
que se ensaie, ela vem sempre sem intenção. Ensaia-se com a intenção de não se ferir. Pretensão.
Porque aí se entra. Aí se morre. Aí não mais. Porque talvez a campainha não toque. Daí talvez a porta,
abre parêntese (da casa, do parêntese, fecha parêntese) não se abra, abre (e não se feche, fecha ) e daí
talvez se permaneça.
Mas mesmo se a campainha toque, e a porta se abra, e o parêntese se feche.
Mesmo assim, já é tarde. Já era. O que é, já era.
O que é vida, já era. É morte. A pequena morte é uma morte. Qualquer. Morre-se. Nem boa nem
ruim.
Uma morte, apenas. Mais uma entre tantas. Não importa se de morte pequena. Morte não tem grau. Já
era. Por mais que se guardem as pétalas e também as folhas. Antes e depois e em torno, em cima e
embaixo, as palavras choram. Não de saudade nem de lembranças. Não de medo. Não. Choram o
choro do nascer. Ensaiam-se novas. Abre (“fora” tem mais vida que “dentro” fecha) (BARTHES, 1984,
p. 28).
Mas é de dentro dessa pequena morte, abre (pequena pra não aterrorizar os desavisados. E os
avisados também. Pequena porque são migalhas, cinzas ou faíscas que surgem. Pequena porque sim.
Para caber. Pequena porque só se entra nela porque se supõe soar em seguida, nesse pequeno
momento, a campainha, fecha) é de dentro dela que se nasce.
Nasce-se, já pronto para morrer. E dentro desse caixão, só, se desfacela.
Esvai-se. Debate-se. Engole-se e se cospe. Se sua. Soa. Adormece. Distrai. Cansa, esgota, embota,
pétalas e folhas. Secas. Presas. Sozinhas. Em seu pequeno caixão. Abre parêntese (“a vida é, assim,
feita a golpes de pequenas solidões”, fecha parêntese) (BARTHES, 1984, p. 11).
Não o quer. O fim. Quando se está fora. A não ser de dentro.
O fim da morte. Ou a morte enfim.
A morte necessária que grita para fora, e que arrasta fileiras de palavras consigo. Nada de intenção,
nadinha.
Pode parecer ensaiada, tudo é desculpa porque se tem medo de assumir que essa morte é necessária.
É um acaso. Um acaso que fere.
De morte.
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Porto Alegre, julho de 2008. Fim
de tarde gélido. Chuva fina.
Papel, parede, chão, câmera.
O papel participa com sua forma / presença física, dá-se por pouco tempo - tempo sempre
suficientemente suficiente - a receber imagens causadas pela água da chuva. Até esfacelar-se. Suporte
que se deixa ir.
Na parede, escorrem gotas. Parede suporte momentâneo, enquanto é mais forte que a gravidade -
pela qual todas as gotas correm.
Chão não se pode ir mais. Água da chuva no chão, gotas misturadas por esbarrarem-se na queda,
ainda chuva?
Chuva-luz, o que se dá a ver captado pela câmera. O objeto mecânico, tornando cristalizado
acontecimento líquido.
Todos suportes, que se colocam a suportar, não por muito tempo - tempo sempre suficientemente
suficiente, apenas.
Da página umedecida pelo suor dos dedos desacostumados às técnicas manuscritas ou por umidade
típica dessa estação, as palavras, impossíveis, adquirem formas, impossíveis, de serem lidas. Serem
lidas, sua única possibilidade - das palavras, diminuída a impossibilidade visual.
Borrões manchas espacio basura. Da insuportabilidade da palavra de ser entendida compreendida
significada emoldurada para a simples insuportabilidade da palavra de ser vista.
Algo que faça suportar que a palavra é insuportável?
Para palavra aberta, o que se pode oferecer: suportes efêmeros instantâneos suportantes.
Para palavra e para chuva e para corpo e para o que se quer dar forma.
Diluição
do suporte I
Suportes efêmeros instantâneos suportantes.
Chuva corpo papel palavra, que são senão entrada e saída de emergência? E que são entradas e saídas
senão passagens?
E que é emergência senão urgência, necessidade, desejo, precisão?
Suporte para dar forma.
Suportam-se, e se des-suportam quando a forma se torna insuportável.
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La pluie lourde
s'enforce dans la mer
Inutile, inutile.
KEROUAC
a chuva, que inútil!
tenta ... jogando-se ao mar.
dos mergulhos, prefiro o inverso:
boiar e deixar que a chuva me mergulhe por completo
sobrepondo gotas
até que a pele -
submersa.
Sobre o suporte, os artistas deveriam aprender que:
“Vivo amo morro e meu corpo é o grande suporte de vida: ladrão de tudo o que pulsa... Quando eu
morrer um mundo também morrerá” (GOULART, 2008, p. 122).
Diluição
do suporte II
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Quando leio, logo se desfaz em mim um lugar acomodado. O pescoço, as pernas, os olhos, a ponta dos
dedos, não sei, cada frase ou cada carta desfaz um desses lugares do meu corpo. Coloco-me a escrever.
Não para restituir esse lugar, mas para provocar algum outro, que não eu, a se desfazer dessas
palavras já ditas e já escritas e já texto. Receber cartas em minha caixa de correio, à flor da minha pele
retina dos olhos, faz corpo. Ir até a caixa de correio é estender, esticar, elasticizar este meu corpo que
estava sentado ou deitado, ou não sei, nos cômodos - cômodos do meu lugar - apartamento. Estender
o olhar para as palavras à flor da pele é fazer ficar escuro, suspirar, fechar os olhos, deixar que se
molhem, para abri-los e novamente fechá-los, para então rasurar outras folhas - necessidade de
expandir que o leitor - escritor tem. Necessidade - desejo de dar a dizer o que não pode ser dito. Tenho
pensado que é terapêutico. Pode parecer horrível. Mas é a terapia de Lygia Clark em minha caixa de
correio. As cartas e textos endereçados, escritos para corpos que querem escrever, são objetos
relacionais. Nos colocam numa relação paradoxal que me separa de você que escreve a carta, o texto
ao mesmo tempo em que me faz sentir que pertenço a você. Carta e texto são linhas tênues de
sobrevivência do corpo, que quer ler e que por isso escreve e vice-versa. Encontro nas tuas palavras
resquícios do teu corpo. Corpo que já morreu e já deu espaço para outros tantos - novos - inúmeras
vezes, até chegar a mim. Com o teu corpo - texto morto, centelhas de vida : isso foi e isso é. Isso é!
Testemunho de que isso é. Sei das tuas palavras, sei que são tuas. E agora minhas. E, com elas, respiro
e me sinto viva, e também me desfaço infinitamente recomeçando e tentando novamente escrever algo.
Diluição do suporte corpo - texto
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Porto Alegre, 9 de junho de 2008.
Tarde da noite. Chuva forte.
Diluição de registro
Apenas para registrar: porque da impossibilidade de reviver. Ou de mostrar como foi. É “Momento
de Verdade” a sensação de se colocar em intempérie - chuva: “arrebatamento emotivo, grito visceral
[...] não se pode nem interpretar, nem transcender, nem regredir; amor e morte estão ali, é tudo o que
se pode dizer” (BARTHES, 2005, p. 220 e 221). No entanto, ainda se quer tentar dizer. Dizer de traços.
Tentar dizer em palavras, do ruído da chuva sobre o papel. Ou dizer em imagens, da quase
invisibilidade da água sobre o papel. Dizer em imagens do desfazimento de imagens, daquilo que ali
foi colocado para mostrar resquícios da chuva. Dizer do impossível. E do que se fez impossível no seu
percurso: da busca por formas de mostrar (papéis que apreendessem a chuva), à destruição do papel
devido à gravidade (única lei obedecida pela chuva), à sobreposição de gotas e força destrutiva de
elementos que acompanham algumas chuvas: o vento, o excesso de chuva, enxurrada.
Porto Alegre, 29 de julho de 2008.
Cinza. A chuva, a rua, o céu.
Porto Alegre, 30 de julho de 2008.
Branco, ainda cinza. Seco.
Esperar a chuva, ou mesmo estar na chuva: pode não ocorrer.
A possibilidade de nada acontecer também está em jogo. Fracasso, como o fracasso de quase nada
permanecer da ação. Fracassos que possuem “charme”. Para Barthes (2003, p. 164), é um não acontecer
nada que possibilita a continuação de uma leitura:
“Não apenas evitar um acontecimento, mas também não o suscitar” (p. 166).
É charmoso esperar a chuva. Sem esperar que a chuva aconteça.
Diluição do fracasso
Escrevo porque resto.
Único desejo e necessidade única. Antes a saída, a fuga, o fim das possibilidades. De todas elas. Só fica
o que resta. A máquina fotográfica programada para ser destruída depois da próxima foto. Morrer
antes ou. Pode ser que nesta última fotografia esteja a necessidade única. Não. O único desejo sempre
foi apertar o botão pela última vez. O fotógrafo poderia ser cego. E as fotografias, olhadas no escuro.
Com o desenhista: a folha em branco se exibe. Todas as possibilidades, e, no íntimo universo precário,
apenas uma se mostra. A possibilidade de que o branco se vá embora. Desenha-se.
Fotografar, desenhar, escrever parte sempre do que restou. Resto indestrutível de tudo que se
destruiu. De migalhas-nuance, resquícios de destruição, o traço inscreve: um qualquer único. Nada
mais a fazer, o que resta são palavras. O que resta da água são gotas, que não podem mais voltar atrás -
obedeceram à gravidade. As palavras saídas da mão obedecem à gravidade sobre o papel.
Escrevo porque resta.
Diluição do texto
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Diluição de um diário IV
Diluição de um diário I
Ter o nariz colado à página, levantando a cabeça por vezes, como Barthes (2005).
E ter um rio correndo aos pés.
Diluição de um diário II
A prática diária que implica impressões e não constatações.
Escrita com os pés imersos na correnteza do dia:
anotações (BARTHES, 2005).
Escrita com a água que incide na cabeça:
incidentes (BARTHES, 2004).
Escrita com o que resta:
diluições.
Diluição de um diário III
“Mas o que escolher e de que forma dizer?” (BARTHES, 2005, p. 37).
A vida, esse rio ininterrupto.
O dia, esse corte de tempo fotográfico.
Buscar o dia e o rio: uma impressão.
diluída.
A anotação de impressões esgota-se.
Dia e rio passam.
Talvez fiquem impressões - diluições.
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Diário
Dia
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Rio
Dia, rio.
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