Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
RITUAIS CONTEMPORÂNEOS E O NEOPAGANISMO BRASILEIRO:
O CASO DA WICCA
DANIELI SIQUEIRA SOARES
RECIFE –PE
2007
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA
RITUAIS CONTEMPORÂNEOS E O NEOPAGANISMO BRASILEIRO:
O CASO DA WICCA
DANIELI SIQUEIRA SOARES
Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Antropologia da
Universidade Federal de
Pernambuco como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre em
Antropologia.
Orientador: Prof. Dr. Bartolomeu Figueiroa de Medeiros
RECIFE –PE
2007
ads:
3
Soares, Danieli Siqueira
Rituais contemporâneos e neopaganismo brasileiro:
o caso da wicca. – Recife: O Autor, 2007.
113 folhas
Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal de
Pernambuco. CFCH. Antropologia. Recife, 2007.
Inclui: bibliografia e anexos
1. Ritos e cerimônias religiosas -
Contemporaneidade. 2. Culto à natureza. 3.
Neopaganismo. 4. Sacralidade – Espaço –
Tempo. 5.
Cosmologia do feminino. 6. Wicca. I. Título.
39
202.112
CDU (2.
ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2007/49
4
5
À Natureza que se revelou em mim, na pessoa do pequeno Rian.
6
AGRADECIMENTOS
Muitos estiveram ao meu lado no decorrer da minha caminhada. Eu agradeço carinhosamente
o incentivo que recebi de cada uma dessas pessoas, especialmente ao meu marido, Ronald, que
com muito amor participou de todos os momentos desta trajetória, sempre presente me
encorajou a cada passo, ao meu filho Rian, que foi planejado, gerado e chegado ao mundo
exatamente durante este percurso do mestrado, com suas mexidas na barriga e seu sorriso
nos meus braços, me fez ter ainda mais forças. Aos meus pais por terem me possibilitado os
estudos, à minha avó por todo carinho e orgulho em tudo que realizo, às minhas queridas
irmãs. Ao meu orientador, Tito, sempre incentivando o aprofundamento do tema que propus
estudar e também por todas as dicas e ajudas que recebi nas reuniões de orientação, sempre
disposto a me encontrar e falar com “a menina da voz anasalada”, além de sua generosidade
em disponibilizar seus livros e textos. Aos companheiros de mestrado, principalmente, Fabi,
Luciana e Wanda, sempre unidas trocamos experiências e compartilhamos as conquistas. A
todos os funcionários e professores que fazem parte do PPGA.
Aos wiccanianos que tive contato, todos receptivos me disponibilizaram informações as quais
sem elas não poderia ter realizado esta pesquisa. Atalanta, Magia das Fadas, Wagner Périco,
Phoenix, Ivy, Mavesper entre outros praticantes e simpatizantes desta religião. A todos
agradeço cordialmente.
7
SUMÁRIO
Resumo
Abstract
INTRODUÇÃO
09
1. CONHECENDO A PRÁTICA DA RELIGIÃO WICCA: RITUAIS, A RODA
DO ANO E OUTROS PRINCÍPIOS WICCANIANOS
20
1.1 Por onde andei
36
2. ATORES SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: BUSCA POR NOVAS
FORMAS DE ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE
40
2.1 Uma religião que repousa na contemporaneidade 47
2.2 A Wicca no Brasil e no Mundo
61
3. SACRALIDADE DO LUGAR E DO TEMPO NA WICCA
67
4. A PERSPECTIVA DO FEMININO NA WICCA 88
4.1 Tealogia 101
4.2 Rituais de Cura
105
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
112
6. BIBLIOGRAFIA
118
ANEXOS
8
RESUMO
A contemporaneidade é o fator englobante da Wicca. Esta religião possui princípios
estritamente ligados ao culto à natureza. Procurei nesta pesquisa abordar alguns aspectos que
traduzem a relação entre os fundamentos wiccanianos e a sociedade envolvente; pontos de
convergência e divergência, bem como, as adaptações realizadas para que um culto à natureza
possa ser praticado dentro da contemporaneidade. Para tanto utilizei a observação participante
de algumas comemorações ritualísticas, realizei entrevistas com praticantes da Wicca e
participei de eventos,como reuniões e oficinas que trataram sobre esta religião. Abordei
características como, a sacralidade do espaço e do tempo, a cosmologia do feminino, a
contemporaneidade ritual, rituais de cura, entre outras. Existem algumas críticas e algumas
conciliações entre a Wicca e os fatores contemporâneos, no entanto os resultados desta
pesquisa ressaltaram o fato de que a Wicca e a contemporaneidade não são opostas ou rivais.
A Wicca nasceu na sociedade contemporânea através de praticantes que são indivíduos
contemporâneos e por isso, apesar de ter suas origens nos fundamentos da Antiga Religião
Celta, ela adquire características da supermodernidade e também realiza adaptações de seus
cultos e rituais para que os mesmos possam, ou melhor, na tentativa de que os mesmo se
encaixem dentro da roupagem da sociedade atual. Por fim, este trabalho discute questões
pertinentes ao contexto religioso contemporâneo nos moldes do neopaganismo,
especificamente com relação a manifestação Wicca.
Palavras-chave:
Contemporaneidade, Wicca, Neopaganismo, Espaço e Tempo Sagrados, Feminino Cósmico.
9
ABSTRACT
The contemporainity is the englobante factor of the Wicca. This religion possesss strict
principles to the cult to the nature. I looked for in this research to approach some aspects that
translate the relation between the wiccanianos and the involving society; points of
convergence and divergence, as well as, the carried through adaptations so that a cult to the
nature can be practised on the contemporainity. For in such a way I used the participant
comment of some commemorations, carried through interviews with practitioners of the
Wicca and participated of events, as meetings and workshops that had treated on this religion.
I approached characteristics as, the sacred space and time, the cosmology of the feminine one,
the contemporainity ritual, ritual of cure, among others. Some critical and some conciliations
between the Wicca and the contemporaries factors exist, however the results of this research
had standed out the fact of that the Wicca and the contemporainity are not opposing or rival.
The Wicca was born in the contemporary society through practitioners who are
contemporaries individuals and therefore, although to have its origins in the beddings of the
Old Celta Religion, it acquires characteristics of supermodernity and also it carries through
adaptations of its cults and rituals so that the same ones can, or better, in the attempt of that the
same one if incases inside of the current society. Finally, this work argues pertinent questions
to the religious context contemporary in the molds of the neopaganism, specifically with
regard to Wicca manifestation.
Key-words:
Contemporainity, Wicca, Neopaganism, Sacred Space and Time, Cosmic Feminine.
10
INTRODUÇÃO
O paganismo moderno ou neopaganismo é uma manifestação religiosa, que está
ganhando forças em todo o mundo. É um movimento baseado na natureza, é politeísta e
eclético. Engloba alguns sub-grupos sendo eles Xamãs, Druidas e wiccanianos. Apesar de
alguns autores considerarem o neopaganismo como uma parte do fenômeno da Nova Era
9
,
estudos particulares destes sub-grupos os consideram como algo distinto deste movimento
10
.
Atualmente estas religiões são definidas como pagãs ou neopagãs, o que poderíamos afirmar
se tratar de um ressurgimento” das antigas religiões praticadas no período pré-cristão. A
palavra pagão tem origem do latim, paganus que significa “do campo”. Daí a forte ligação
com a natureza, o que se materializa em rituais de celebração a divindades relacionadas com a
terra em relação, aos movimentos lunares, solares e terrestres.
9
“O fenômeno da Nova Era, trata primeiramente, de uma rede complexa de pessoas e de grupos que se
ramificam em escala mundial e que trabalham para a realização duma mesma visão do homem e do mundo. Esta
visão, fundada no misticismo oriental e no monismo panteísta (Tudo é um e esta Unidade é Deus); A Nova Era
representa realmente uma força social com objetivos políticos. Transcendendo, embora, os partidos, as
associações, os movimentos caritativos ou ecológicos, esta força social visa, sobretudo a partir dos anos 70, uma
mudança sensível das consciências, prelúdio da instauração de uma nova ordem mundial político religiosa; A
Nova Era é, certamente uma corrente cultural humanista considerável englobando todas as ciências humanas
nesta perspectiva sincrética que tem do homem, da sociedade, do cosmos; É, como fenômeno espiritual, um
ressurgimento moderno da gnose antiga, associada ao misticismo extremo-oriental e ao esotero-ocultismo
ocidental”. Informações capturadas em www.abbra.com.br em 25/09/2006. (Extraídas e adaptadas do livro
“Estudando juntos” de Mark Finley).
10
Segundo Harvey (1997), a Nova Era se distingui do Paganismo pela sua obsessão por “luz”. Ainda de
acordo com ele, para o fenômeno da Nova Era o cosmos é um generoso lugar de amor e sacrifício pessoal. Nesta
visão, ser pobre, por exemplo, seria resultado de uma espiritualidade errada ou de uma falha na positividade do
pensamento. Como parte de um processo de aprendizado a humanidade estaria livre para poluir o mundo e
destruir espécies e a vida dos animais e das plantas seriam “doadas” ao cosmos. De acordo com esta perspectiva a
evolução cósmica, global e humana depende da positividade do pensamento humano, abraçando a luz e
abandonando a escuridão. Os seguidores da Nova Era podem descrever a Terra como Mãe, mas eles reafirmam o
velho dualismo do masculino como ativo, racional e superior e o feminino como passivo, receptivo e inferior.
Como veremos no decorrer desta dissertação o neopaganismo não coloca em pólos opostos a luz e a escuridão, os
pagãos buscam trabalhar estes dois aspectos, bem como, consideram o masculino e o feminino como princípios
que não se sobrepõe e sim estão imbricados. Para Harvey (1997) a maior parte do paganismo contemporâneo tem
sido influenciado pelo feminismo enquanto na Nova Era as mulheres são subordinadas a líderes ou vozes
masculinas dentro de um modelo tipicamente patriarcal. Ainda para ele, o centro da atenção do Paganismo é a
Natureza, enquanto que o centro das atenções da Nova Era é a humanidade ou o próprio “Homem”.
11
Trabalharemos especificamente com uma das manifestações religiosas neopagãs, a
Wicca.
Os wiccanianos se consideram pagãos e bruxos, praticam uma espécie de ecologia
religiosa que tem uma boa dose de espiritualismo e romantismo (Hume, 1998). Falam de uma
constante energia que vibra em todas as coisas, no entanto consideram que a dinâmica do dia-
a-dia impossibilita que os indivíduos consigam sentir esta vibração energética. Isto seria
possível através de um mergulho no estado alterado da consciência. Os wiccanianos procuram
estabelecer contato com esta energia em momentos considerados mágicos, criando um elo de
ligação com a natureza, e no momento do estado alterado da consciência a energia pode ser
usada para práticas de cura ou na tentativa de realização de algum desejo.
A Wicca está baseada nas tradições da Antiga Religião Celta. Direta ou indiretamente
ligada aos seus antepassados, a Arte, como também pode ser chamada, é uma “recriação”
moderna de seus precursores e tem suas origens no campo. Dentro desta religião o feminino é
encarado como algo extremamente sagrado. Com o movimento feminista e a maior libertação
das mulheres na década de 60 e 70, a Wicca ganha forças.
A Wicca é uma religião que tem como berço sociológico a contemporaneidade. Surgiu
na década de 50 quando Gerald Gardner fez vários escritos sobre o tema, ele afirmou ser um
praticante da Wicca, a qual segundo ele teria sobrevivido com o nome de Bruxaria e estava
diretamente relacionada a uma das Antigas Religiões dos povos da Europa, especificamente
do povo Celta. uma discussão dentro do ciclo de praticantes se a Wicca e a Bruxaria são
sinônimos ou não, mas é relevante frizar que a Wicca hoje é considerada uma religião com
12
várias Tradições e não apenas uma Tradição sem o caráter da religiosidade, como muitos
quiseram afirmar em certos momentos, especificamente logo após a morte de Gardner.
A diferença entre a Wicca e a bruxaria tradicional é que a Wicca é mais eclética, dentro
dela elementos da cultura local, adaptações podem ser realizadas a partir dos fatores que
envolvem a regionalização da cultura. Na bruxaria tradicional não mistura de elementos
culturais, ela é voltada para determinadas culturas, no entanto, de acordo com Wagner
Périco
11
, na ritualística as duas são bastante semelhantes.
Segundo Claudiney Prieto
12
, sacerdote wiccaniano bastante reconhecido no Brasil,
apesar de Gardner ter sido bastante importante neste primeiro momento da Wicca, hoje esta
religião é bem diferente da que ele propôs. Ainda de acordo com ele, “bruxos no mundo
inteiro buscam hoje pelo resgate da essência, das bases e raízes da Religião da Deusa,
Religião essa chamada de Wicca
13
.
Minha trajetória de contato acadêmico com a Wicca começou quando eu ainda cursava
a graduação em Ciências Sociais. Ali realizei alguns trabalhos para algumas disciplinas, dentro
desta temática e finalizei com a Monografia intitulada “A Wicca e sua relação com o meio: o
neopaganismo nos centros urbanos: uma análise na cidade do Recife”.
Assim sendo, durante o decorrer deste período tive a oportunidade de conhecer alguns
praticantes da Wicca do Recife e também de outras cidades, o que me possibilitou dar
continuidade ao estudo antropológico das religiões abordando a bruxaria moderna e propor o
mesmo para a realização desta dissertação em nível de mestrado.
11
Sacerdote wiccaniano em entrevista pessoal (14.02.2007).
12
Site pessoal do Cladiney Prieto capturado em 30/01/2006.
13
Idem.
13
Durante o período da minha graduação estive por um ano nos Estados Unidos,
oportunidade a qual aproveitei para dar continuidade e estender a minha pesquisa de campo.
Lá tive contato com alguns bruxos e bruxas e pude participar de um ritual aberto.
A princípio, conforme o projeto de pesquisa que apresentei ao Programa de Pós-
graduação em Antropologia no final do ano de 2005, eu pretendia abordar exclusivamente o
aspecto do feminino dentro da Religião Wicca, no entanto, no decorrer das discussões, ficou
ressaltada a necessidade da abordagem de outros aspectos desta Religião pelo fato dela ser
academicamente ainda pouco estudada no Brasil. No entanto, dedicarei um capítulo às
questões que envolvem o princípio do feminino dentro da Arte da Grande Mãe. É importante
frizar que este tema também será abordado no decorrer de todo o texto, que o aspecto
feminino é a força motriz da Wicca.
Então, na verdade estou em campo algum tempo, o que me possibilitou conhecer
e conviver com a Wicca grande parte do decorrer da minha trajetória acadêmica. A
metodologia que utilizo está calcada na observação participante.
A aproximação com os grupos estudados foi feita em momentos específicos, onde fiz
uma abordagem etnográfica de comemorações ritualísticas de dois grupos de praticantes da
Wicca, utilizei o registro fílmico e fotográfico e também realizei entrevistas semi-estruturadas
com os participantes deste dois grupos e com outros praticantes de outros grupos, bem como
praticantes solitários. Os dois grupos citados estavam situados na cidade do Recife. Um deles
foi dissolvido
14
, o outro ainda permanece em atividade, que é o grupo ligado a Abrawicca-
14
Este círculo comemorava a Roda do Ano de acordo com o calendário do Sul (conceitos os quais
explicaremos mais a frente).
14
PE
15
. Juntamente com esses dois grupos acompanhei a realização de rituais, bem como tive a
oportunidade de realizar entrevistas semi-estruturadas com alguns de seus praticantes.
Também participei de outras comemorações, como, por exemplo, o Encontro Social Pagão,
que envolveu pessoas ligadas ao movimento neopagão. Em 21/10/2005 tive a oportunidade de
entrevistar em Brasília Mavesper Cy Ceridwen, sacerdotisa wiccaniana de bastante
visibilidade no Brasil. Em Austin, Texas, acompanhei a comemoração de um ritual,
especificamente Mabon
16
, que representa o equinócio de Outono, tive também a oportunidade
de entrevistar uma sacerdotisa wiccaniana norte-americana. Em 19/06/2006 participei da
comemoração do ritual de Ostara juntamente ao grupo da Abrawicca-PE. No ano de 2006 e no
início do ano de 2007 participei de algumas reuniões abertas da Abrawicca-PE uma sobre
Esbats outra sobre Sabbats, bem como de algumas conversas informais, uma delas gerada em
um momento específico onde seria realizado o ritual de Mabon, o qual o ocorreu por causa
de problemas pessoais de alguns participantes. Juntamente a este mesmo grupo participei em
04/02/2007 da comemoração do ritual de Imbolc. Participei no dia 11/02/2007 em Recife de
uma oficina sobre Magia Sexual com Wagner Périco, sacerdote wiccaniano de São Paulo. O
qual foi também por mim entrevistado.
A Wicca está bastante presente na rede mundial de computadores, meio pelo qual os
praticantes de todo o mundo se comunicam, trocam experiências e idéias. É verdade que existe
15
Este grupo comemora a Roda do Ano de acordo com o calendário do Norte. (No capítulo 2 na subseção
2.2 uma descrição detalhada sobre o que é a Abrawicca. informações sobre a Abrawicca-PE no site
http://paginas.terra.com.br/religiao/abrawiccape/foto.htm na seção anexos desta dissertação está uma reportagem
realizada pelo Jornal do Commércio sobre a Wicca, onde foram entrevistados alguns participantes da Abrawicca-
PE.
16
No primeiro capítulo desta dissertação descrevo sobre o significado dos rituais wiccanianos.
15
o outro lado da moeda, o que podemos observar nas palavras de Atalanta em entrevista
pessoal:
“Há dez anos atrás não existia quase livro, não existia gente que soubesse falar,
conversar, internet era péssimo, encontrava-se cada charlatão dizendo venha se
iniciar comigo, na verdade com segundas intenções”.
O que nos interessa ressaltar aqui neste momento, é que a internet foi uma forma
bastante importante de ter acesso a vários dados que possibilitaram a realização desta
pesquisa. Formas como os praticantes se relacionam, idéias diferenciadas, idéias
compartilhadas, tudo isso foi acessado por mim através das comunidades virtuais, dos sites da
Wicca, entre outros. Este foi um dos métodos utilizados no nosso roteiro de pesquisa.
O estudo das religiões é amplamente abordado na teoria antropológica, no entanto o
tema esta longe de se exaurir, visto esta diversidade de novas expressões religiosas, que
surgem na contemporaneidade. Refletindo sobre este ponto, vejo a importância e a relevância
de uma pesquisa que aborde as características da Wicca, para o estudo antropológico. Desta
forma, acredito, esta pesquisa poderá contribuir no sentido de abrir cada vez mais os
horizontes antropológicos no que se refere aos estudos acadêmicos da religiosidade.
Acreditamos também que de alguma maneira esta busca dos indivíduos por novas formas de
religiosidade pode representar um fenômeno de mudança social. Logo, o pensamento religioso
contemporâneo nos servipara entender esta procura por respostas mais eficazes as quais os
indivíduos buscam na contemporaneidade.
Com relação aos estudos acadêmicos ligados as religiões neopagãs e especificamente a
Wicca, ainda é insipiente o seu quantitativo no Brasil. No banco de teses da Capes encontrei
16
referência à três trabalhos ligados a este tema
17
. Na dissertação intitulada Mulheres e Deusas:
um estudo antropológico sobre bruxaria wicca e identidade feminina, a autora Andrea
Barbosa Osorio trabalha o aspecto do feminino enquanto característica latente dentro da
Wicca, bem como promove uma discussão sobre a reafirmação da diferença e dos atributos
tradicionais de gênero, que de acordo com seu ponto de vista é a intenção de construir um
novo papel para a mulher. Alessandra Stremel Ribeiro na dissertação intitulada Wicca:
Paganismo Urbano e Religiosidade Contemporânea procurou abranger os diferentes espaços
de sociabilidade "wicca". Na Tese de doutorado Tecendo Vínculos com a Terra ? Paganismo
Contemporâneo: Percepções, Valores e Visão do Mundo, a autora Rosalira Oliveira buscou
analisar a espiritualidade neopagã, identificando sua concepção de mundo, valores e práticas.
Procura promover uma discussão entre o conceito neopagão de sacralidade da Terra e as
orientações filosóficas do movimento ambientalista.
No que se refere a metodologia utilizada neste trabalho apresento a seguir algumas
perspectivas.
Malinowski (Durham, 1986: 24-48) defendeu e utilizou como principal método de
pesquisa o método etnográfico, acreditava que para uma pesquisa ser bem sucedida e ser
realmente científica se faz necessária toda uma convivência com a população, a tribo a ser
estudada, deve-se ter um cuidado para que não faça generalizações apressadas, como ocorre,
às vezes em trabalhos ditos científicos.
Para aquele autor, o etnógrafo deve ter um conhecimento científico dos estudos
recentes e ser um “caçador ativo” e não observar a vida da dada comunidade. Quanto mais
17
Tive acesso apenas ao resumo dos referidos trabalhos, não estando disponíveis os textos completos.
17
problema trouxer para o campo, quanto mais estiver habituado a conformar suas teorias aos
fatos e a considerar os fatos na sua importância para a teoria, tanto melhor capacitado estará
para o trabalho. Acrescenta que é interessante que o etnógrafo em alguns momentos participe
como um integrante dos eventos e rituais realizados pelo grupo estudado.
Por fim, o último elemento a ser registrado na pesquisa é o espírito, isto é, os pontos de
vista, opiniões e expressões dos nativos, não como indivíduos e sim como membros da tal
comunidade.
Esta proposta de Malinowski trouxe uma nova perspectiva para a antropologia que
muito comumente era feita apenas nos gabinetes, no entanto, atualmente existe uma discussão
sobre a forma que, no decorrer do tempo, se processou esta atividade de observação
participante
18
. De fato, podemos utilizar algumas das contribuições malinowskianas, porém
algumas de suas posições não serão aproveitadas em nossa análise por simples discordância,
como por exemplo, a idéia de que o pesquisador deve sempre ser estimulado por teorias,
podendo ser o próprio teórico, mas no período da pesquisa as duas tarefas devem estar
claramente divididas; ora, tal divisão é bastante criticada pelos métodos da antropologia
interpretativa e também da fenomenologia. E, ainda quando coloca que é finalidade primeira
oferecer uma descrição técnica da constituição social e distinguir as leis e regularidades de
todos os fenômenos culturais das irrelevâncias. De acordo com ele, esta descrição não é um
trabalho fácil, pois as leis e regras tribais não estão em elementos fixos, estão nas pessoas, no
caso os nativos, será necessário um caminho para incentivar os nativos a falarem das
ocorrências reais a partir de alguns casos, como por exemplo, a criminalidade dentro da tribo.
18
Na verdade, segundo PEIRANO (1997:37), Malinowski apenas legitimou a pesquisa de campo, pois a
proposta “dele” já havia sido formulada anteriormente (desde Rivers, ao menos).
18
Considerarei nesta análise a intersubjetividade, a qual está explicita adiante, onde veremos a
discordância com esta colocação. Segundo Malinowski, com base neste material obtido, que
deve abranger a maior variedade possível de fatos, se chegará a inferência por simples
indução, no entanto na perspectiva que utilizaremos, acredita-se ser necessário a interpretação
deste material. Para tanto trabalharemos com a visão de Geertz (1989), o qual defende que a
cultura deve ser analisada por uma ciência interpretativa, a qual precisa ir em busca do
significado. A etnografia deve se concentrar em uma descrição densa, o antropólogo precisa
primeiro apreender os dados para depois apresentá-los. Cada fato cultural tem uma
semiótica. A cultura é constituída de sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, ela não é
um poder ao qual podem ser atribuídos os acontecimentos e comportamentos sociais, ela é um
contexto dentro do qual estes fatores podem ser descritos com densidade.
De acordo com Geertz, o principal objetivo da antropologia e o que mais cabe no
conceito de cultura semiótico é o alargamento do universo do discurso humano. A descrição
de uma cultura “x” deve ser encarada em termos das construções que imaginamos que aquela
cultura expressa através dos seus hábitos, da vida que leva. Temos que ter em mente que isto
não obrigatoriamente representa parte da realidade. E se no âmbito da interpretação. Neste
sentido, seguindo ainda idéias dele, os dados e o campo antropológico são sempre ‘uma
fabricação’ permeada pela construção que o nativo faz de sua cultura e a interpretação que o
pesquisador deve fazer desta construção. Isto ameaça a tão idolatrada objetividade
antropológica, pois sugere que a fonte da antropologia não é uma realidade social e sim um
artifício erudito. O interesse essencial da antropologia interpretativa é tentar registrar o que o
19
homem falou, através da análise do discurso social, e não tentar responder as questões
profundas da humanidade.
Desta forma busquei promover esta interlocução na participação em rituais realizados
de maneira grupal e também individual, procurando sempre absorver as formas e práticas com
que os wiccanianos se relacionam com a natureza e a contemporaneidade.
Esta pesquisa está dividida em quatro seções. Na primeira seção, Conhecendo a prática
da religião Wicca: Rituais, A Roda do Ano e outros princípios wiccanianos trago o
detalhamento de algumas características da religião Wicca, como a Roda do Ano, os rituais, os
covens, a hierarquia. Na subseção Por onde andei descrevo sobre as atividades que participei
juntamente aos grupos wiccanianos, junto aos quais coletei dados que foram utilizados nesta
pesquisa.
A segunda seção: Atores sociais na contemporaneidade: busca por novas formas de
espiritualidade e religiosidade, trata brevemente, através de uma reflexão, da busca por novas
formas de espiritualidade e religiosidade dos atores sociais, o que representa uma mudança
social contemporânea. Na subseção Uma religião que repousa na contemporaneidade, aborda-
se uma breve discussão sobre modernidade, pós-modernidade, multiculturalismo, bem como
uma abordagem teórica sobre rituais e sua relação com a Wicca. Ou seja, trabalha-se a
contemporaneidade como fator envolvente da religião Wicca. Na subseção A Wicca no Brasil
e no mundo, faremos um apanhado geral do desenvolvimento e da situação atual desta religião
no âmbito global e no caso particular do Brasil. Falaremos também sobre os wiccanianos,
quem são eles, onde eles estão, entre outras características.
20
A terceira seção, Sacralidade do Lugar e do Tempo na Wicca, refere-se a um aspecto
bastante peculiar da religião Wicca, que é o espaço em que ela se desenvolve, bem como o
tempo que ela acontece, abordando a sacralidade destes dois pontos.
A quarta e última seção A perspectiva do feminino na Wicca, trabalharemos com um
principio bastante relevante dentro da religião da Deusa que é o feminino cósmico. Na
primeira subseção Tealogia, aborda-se um estudo sobre o culto de Brigida na Irlanda
especificamente no aspecto sincrético entre o paganismo e o cristianismo. Na subseção Rituais
de Cura especificaremos um ritual wiccaniano de cura ligado ao feminino, trazendo também
uma abordagem teórica sobre este conceito.
Em todas as seções buscamos fazer uma ponte entre a teoria escolhida e os dados
coletados, para efeito da realização de uma análise antropológica condensada nas
considerações finais.
21
1. CONHECENDO A PRÁTICA DA RELIGIÃO WICCA: RITUAIS, A RODA DO
ANO E OUTROS PRINCÍPIOS WICCANIANOS
Neste capítulo poderemos observar com mais detalhes alguns significados e conceitos
wiccanianos, como por exemplo, o sentido dos Rituais, da Roda do Ano, bem como, o que é
um coven, como se dá a hierarquia na Wicca, entre outros aspectos.
A wicca cultua a Terra como a “Deusa”. A partir deste princípio, esta religião é
direcionada a ritos envolvendo os elementos naturais fundamentais, sendo eles: terra, fogo, ar,
água, e a quinta essência: a alma.
É uma religião que difere das religiões ditadas pelos grandes mestres. Não tem intenções
de catequizar e converter pessoas para serem seguidores, não necessidade da presença de
líderes carismáticos ou mártires. Esta diferenciação pode ser observada em um trecho escrito
por Starhawk (1997:124-125):
“As pessoas, com freqüência, perguntam-me se eu acredito na Deusa. Eu respondo:
‘Você acredita em pedras?’ é extremamente difícil, para a maioria dos ocidentais,
captar o conceito de uma deidade manifesta. A frase “acreditar em” implica que não
podemos conhecer a Deusa, que ela é, de alguma maneira, inalcançável,
incompreensível...Na Arte, não acreditamos na Deusa: ligamo-nos a Ela, através da
lua, das estrelas, do mar, das árvores, animais e outros seres humanos, através de nós
mesmos. Ela está aqui, Ela está dentro de todos nós. Ela é o círculo pleno: terra, ar,
fogo, água e essência; corpo, mente, espírito, emoções, transformações”.
O que afirmo acima, sobre a ausência de líderes, acredito, nos faz questionar sobre a
hierarquia dentro da Wicca. Como se este processo aparentemente indissociável de uma
manifestação religiosa?
Para abordar teoricamente esta discussão acho interessante a idéia de Louis Dumont
(1997) ao afirmar que na contemporaneidade costuma-se opor a igualdade unicamente à
desigualdade. Segundo ele, o termo “hierarquia” não é muito aceito, pois é simultaneamente
22
relacionado ao poder. Mas, para ele, esta não seria a hierarquia propriamente dita. Observemos
então, as palavras do próprio (1997:66):
“... o homem não apenas pensa, ele age. Ele não tem idéias, mas valores. Adotar
um valor é hierarquizar, e um certo consenso sobre os valores, uma certa hierarquia
das idéias, das coisas e das pessoas é indispensável à vida social. Isso é
completamente independente das desigualdades naturais ou da repartição do poder.
Sem dúvida na maioria dos casos a hierarquia se identificará de alguma maneira com
o poder, mas no caso indiano (no sistema de castas, como em outros casos) nos
ensinará que não há nisso nenhuma necessidade”.
No decorrer da pesquisa observei que a prática wiccaniana nos leva em direção ao
rumo apontado por Dumont, isto é, da hierarquia dissociada da questão de poder. Podemos
perceber nas palavras de uma das nossas interlocutoras:
“É uma questão de lulas, existe uma questão de respeitar elders de outros
círculos...eu acho que tem uma certa hierarquia é dentro de um mesmo círculo, vai ter
uma sacerdotisa que conduz os rituais, é uma questão mesmo de papéis, mas ela não
vai chegar e mandar em você, vai ter um conselho e um consenso baseado naquela
regência. Algumas tradições eu sei que realmente tem uma hierarquia de poder
relacionada ao conhecimento, desenvolvimento, atividades e a partir daí um sacerdote
ou sacerdotisa pode treinar outro praticante. Algumas pessoas têm a visão deturpada,
e utilizam aquele conceito do vem que eu te ensino”
19
.
Observemos também as palavras do sacerdote wiccaniano Wagner Périco
20
:
“A maioria das tradições tem uma hierarquia, tem tradições que se tem um conselho
como se fosse um parlamento e dentro dessa hierarquia a pessoa mais alta seria como
o primeiro ministro, e é quem responde pelo parlamento. A avaliação se aquele líder é
“bom” é feita através da convivência, ao mesmo tempo a liberdade de se alguém
não estiver satisfeito com aquilo, sair e procurar outro grupo. Existem tradições e
lideres para todos os gostos, existem tradições mais liberais que não um líder, mas
a liderança é revesada, por aqueles que passaram pelo processo indiático, vale
ressaltar. Este processo não está necessariamente relacionado a poder.”
19
Entrevista Pessoal com Atalanta em 15-05-2006.
20
Entrevista pessoal realizada em 14-02-2007.
23
Algumas tradições wiccanianas permitem a auto-iniciação do praticante dentro da
religião, porém em outras, é preciso que o praticante seja iniciado por um sacerdote através de
um ritual. Segundo Starhawk (1997:14) “a iniciação é morte e renascimento simbólicos, um
rito de passagem que transforma cada pessoa que passa por essa experiência. Na Arte, ela
indica a aceitação para o coven
21
e a lealdade profunda e pessoal à Deusa”. Geralmente para
que o praticante possa ser iniciado é preciso que ele(a) se dedique ao estudo da religião
durante um ano e um dia.
Segundo os princípios da Wicca, o aprendizado dentro da religião da Deusa representa
uma busca sincera pela verdade. Afirmam que é um caminho de uma relação solitária entre o
feiticeiro e a natureza. Claro que existem relações sociais entre os praticantes que formam os
círculos gicos
22
e os covens, porém o elo energético que cada um consegue obter com a
Deusa mãe, talvez seja o ponto mais marcante dentro da prática da feitiçaria. Como diz
Malinowski, “os momentos de maior religiosidade se verificam com a solidão, com o
afastamento do mundo, com a concentração e com a abstração mental, e não na distração de
uma multidão”.(1984:59)
A Deusa Mãe é considerada como tendo um poder e uma natureza dual, isto é, ao
mesmo tempo em que é criadora e nutridora, também é representada como destruidora. Enfim,
luz e sombra, vida e morte.
21
Resumidamente representa um grupo de bruxas e/ou bruxos (no entanto dificilmente sendo composto
apenas por homens) que se reúnem como uma família, para estudar a Arte da Deusa e celebrar os rituais, muitas
vezes com originalidade e inovação. Os covens tradicionalmente são formados por 13 participantes, porém não
obrigatoriamente. A proposta é que o elo entre estes participantes seja bastante aguçado, que eles vivam em
“perfeito amor e perfeita confiança” e que a relação entre eles ultrapasse os limites das comemorações
ritualísticas e adentre no cotidiano de cada um. Nesta pesquisa não tive contato estrito com covens.
22
Os círculos mágicos são compostos por praticantes e pessoas interessadas nesta religião que se reúnem
para a comemoração dos rituais e troca de experiências. Diferenciam-se dos covens, aqui o elo entre os
praticantes não é tão forte. Os círculos mágicos é uma forma destes indivíduos exercerem o coletivo religioso.
24
A Roda do Ano comemorada pelos wiccanianos refere-se ao ciclo e às colheitas da
terra. Eles comemoram oito festivais durante a Roda, conhecidos como Sabbats uma das
principais marcas da Wicca. Estas comemorações são momentos considerados sagrados e
podem ser vistos como representações simbólicas que se remetem a uma comparação entre o
ciclo da natureza e o ciclo de vida dos praticantes. Segundo Frazer (1982:122) “o espetáculo
das grandes mudanças por que passa anualmente a face da terra impressionou
profundamente a mente dos homens, em todos os tempos, e os levou a meditar sobre as causas
de tão vastas e maravilhosas transformações... e os fez perceber quão íntima é a relação da
sua própria vida com a vida da natureza, e como os mesmos processos que congelam o regato
e despem a terra da vegetação ameaçam-no de extinção”.
“O ano se inicia em Samhain, quando o Deus, filho e consorte da Deusa, morre.
Depois ele nasce em Yule do útero da Deusa; Passa sua infância em Imbolc, quando é
alimentado pelo seio sagrado da Senhora Sábia que agora descansa do parto; Em
Ostara, é a Deusa Renascida que vem trazendo sua força, ela é a Deusa Infante e ele o
Jovem Caçador das Matas; Em Beltane, ele se une à Deusa Donzela, e com ela faz o
Grande Rito; Em Litha, ele é o mais poderoso e implacável Senhor da Mata, e a
Donzela já se tornou a Sacra Mãe; Em Lammas ele começa sua rota ao declínio. Ele é
o Deus da Magia, Cernunnos, enquanto a Deusa segue seu trilhar para dar a luz
novamente ao seu filho; Em Mabon, ele é o Grande Sábio Deus Verde e está se
preparando para sua passagem, enquanto a Deusa começa sua resignação como mãe
e mulher que sofre a perda de seu Filho; Volta a morrer em Samhain, realizando a
grande espiral do renascimento, ou simplesmente a Roda do Ano.”
23
Com a Roda do Ano podemos observar o caráter de luz e de escuridão da Deusa Terra,
que representa a vida e a morte. As três faces da Deusa podem ser observadas nas estações do
ano, a Donzela, a Mãe e a Anciã. O inverno representando a morte, o lado escuro, a face
23
Informações capturadas on line (www.wikipédia.org) em 02.02.2007.
25
Anciã. A primavera a face Donzela, o verão, o acasalamento da Deusa e do Deus, então o
outono, a procriação da vida.
Os wiccanianos realizam também “a celebração da Lua Cheia”, que é um ritual
conhecido como Esbat. Esta celebração é comemorada 13 vezes por ano, a função básica do
Esbat é celebrar a Deusa. Celebra-se exclusivamente a Deusa e não o casal divino (a Deusa e o
Deus) como comemora-se no sabbat.
Hoje há uma intensa discussão, falando especificamente do Brasil, com relação à
celebração destes festivais denominados Sabbats. A celebração destes cultos tem como
objetivo principal fortalecer o elo de ligação entre o feiticeiro e a natureza. O que ocorre é que
a Wicca foi trazida para o Brasil a partir das visões neopagãs da Europa e Estados Unidos, e as
estações do ano do Hemisfério Norte, acontecem em períodos diferentes do Hemisfério Sul.
Alguns preferem continuar seguindo as comemorações da Roda do Hemisfério Norte, neste
sentido procurando ser mais intimamente conectados com as tradições de seus ancestrais do
que as especificidades de sua terra, porém outros invertem a do norte e adaptam para o sul.
correntes na Wicca que defendem a chamada Roda Tropical, a qual, para eles, seria mais
adequada à natureza em nosso país. Consideram que, se comemoramos a Roda pelo norte,
estaremos trocando o verão pelo inverno e a primavera pelo outono, se comemoramos pelo
sul, estaremos comemorando a fertilidade e a vida da terra, no dia dos mortos, e no signo de
escorpião associado a morte e renascimento, e comemoramos os nossos antepassados e a
morte no signo touro ligado a vida e a fertilidade”.
24
24
Gwydyon Drake, on line. ________.________.
26
Em observação participante no primeiro círculo wiccaniano que pesquisei, do qual
também fiz parte do grupo, podemos perceber algumas particularidades sobre a idéia de Roda
Tropical. Em uma reunião do grupo, que foi marcada exatamente para discutir as questões
seguintes, o comentário inicial é sobre as estações do ano e como a transição entre as estações
poder ser percebida em maior e menor densidade respectivamente no Hemisfério Norte e no
Hemisfério Sul (mais especificamente no Nordeste do Brasil). As experiências foram trocadas
a partir de duas vivências, uma nos Estados Unidos e outra na Alemanha.
Um dos pontos centrais da discussão é o fato de que no Hemisfério Norte as estações
do ano são muito bem marcadas, isto é, no inverno as árvores ficam sem folha, no outono as
folhas ficam avermelhadas, na primavera tudo fica florido e no verão fica mais verde. E isto
pode ser percebido facilmente exatamente na troca das estações. no Nordeste do Brasil este
fenômeno não ocorre da mesma forma, as estações não são muito demarcadas, permeando
entre chuva e sol, isto é inverno e verão e obedecendo outra lógica, a chuva ou inverno
representando vida e o sol ou verão representando morte. Desta forma podemos perceber que a
natureza não tem um padrão, em cada lugar ela segue uma dinâmica própria.
No Hemisfério Norte o pinheiro representa o inverno, no Nordeste do Brasil o
mandacaru representa o verão, o que segundo as wiccanianas é uma afirmação que mesmo na
morte existe vida. Pois enquanto no inverno do Hemisfério Norte todas as plantas estão
desfolhadas o pinheiro está completamente verde e enquanto no verão nordestino tudo está
seco, o mandacaru está verde.
Segundo a wiccaniana Hécate “vida aqui (no Nordeste) é água, então nós temos que
rediscutir tudo, não é só inverter as datas é repensar também o simbolismo”.
27
Através desta discussão deu-se início neste grupo a um diálogo sobre a Roda do ano, o
que fez estas praticantes repensarem a Roda do ano para o clima, a realidade nordestina, o que
mais tarde elas chamaram de Roda Tropical.
Houve uma preocupação das praticantes sobre a aceitação ou não de outros
wiccanianos brasileiros desta intenção de repensar a Roda do ano adaptando-a ao clima
nordestino. Mas por fim elas afirmam que estão baseadas nos fundamentos da Wicca para
realizarem esta adaptação.
Ainda de acordo com Hécate “o fato de nós estarmos no Nordeste é inclusive mais
fácil para repensarmos este processo, pois o calendário da Roda Celta, eles partiram da
divisão fogo e gelo... e aqui nós temos a divisão fogo e água...em Brasília e São Paulo por
exemplo é mais difícil por que eles ficam no meio, nem é Hemisfério Norte e nem tão marcado
quanto a gente aqui.”
Segue adiante uma tabulação pontuando as datas dos Sabbats:
Beltane Festival wiccaniano celebrado em 31 de outubro (Hemisfério Sul) e 01 de maio
(Hemisfério Norte), é também conhecido como Véspera de Maio, Roodmas, Noite de
Valpúrgis, Cethsamhain. Beltane celebra a união, o acasalamento ou o casamento simbólico
da Deusa e do Deus.
Imbolc Festival wiccaniano celebrado em 01 de agosto (Hemisfério Sul ) e 02 de fevereiro (
Hemisfério Norte ), é também conhecido como Candelária, Lupercália, Festa de Pã, Festa das
Tochas, Festa da Luz Crescente, Oimelc, Dia de Brigit e muitos outros nomes. O Imbolc
celebra os primeiros sinais da primavera e a recuperação da Deusa após dar à luz ao Sol ( o
Deus ) no Yule.
Lughnasadh Festival wiccaniano celebrado em 02 de fevereiro ( Hemisfério Sul ) e 01 de
agosto ( Hemisfério Norte ), é também conhecido como Véspera de Agosto, Lammas, Festa do
Pão. Marca a primeira colheita quando os frutos da terra são colhidos e armazenados para os
meses escuros do inverno e quando o Deus também misteriosamente enfraquece à medida que
os dias encurtam.
28
Mabon Festival wiccaniano celebrado em 01 de março ( Hemisfério Sul ) e 22 de
setembro ( Hemisfério Norte ), no equinócio de outono os wiccanianos celebram a Segunda
Colheita, a natureza esta se preparando para o inverno. Mabon é um vestígio de antigos
festivais de colheita os quais de um modo ou outro eram a um tempo praticamente unversais
entre os povos da Terra.
Ostara Ocorrendo no equinócio de primavera por volta de 22 de setembro (Hemisfério
Sul) e 21 de março (Hemisfério Norte) Ostara assinala o início da verdadeira primavera
astronômica, quando o gelo e a neve abrem caminho ao verde. Assim é um festival de fogo e
fertilidade, celebrando o retorno do Sol, do Deus e da fertilidade da Terra (a Deusa ).
Samhain Festival wiccaniano celebrado em 01 de maio (Hemisfério Sul) e 31 de outubro
(Hemisfério Norte), também conhecido como Véspera de Novembro, Halloween, Festa das
Almas, Festa dos Mortos, Festa das Maçãs. O Samhain marca a morte simbólica do Deus Sol e
sua passagem para a "Terra dos Jovens" onde aguardará pelo renascimento da Deusa Mãe no
Yule. Esta palavra celta é pronunciada pelos wiccanianos como "Sôuen", "Sú-uen", "Sâm-
háin", "Sâmain", "Sávin" e outros modos (a pronúncia desta e de outras palavras tenta
obedecer às regras de pronúncia da língua portuguesa adaptadas aproximadamente pelo
Tradutor). A primeira parece ser a preferida pela maioria dos wiccanianos.
Yule Festival wiccaniano celebrado em 21 de junho (Hemisfério Sul) e 21 de
dezembro ( hemis(Hemisfério Norte ) assinalando o renascimento do Deus Sol a partir da
Deusa Terra. Período de alegria e celebração durante a privação do inverno. Representa o
solstício de inverno.
Litha Festival wiccaniano celebrado em 21 de junho (hemisfério Norte) e 21 de
dezembro no Hemisfério Sul. Representa o solstício de verão.
A seguir podemos observar com mais detalhes o significado e algumas das atividades
geralmente realizadas em cada um dos rituais.
25
Algumas das particularidades das crenças celtas que direcionam os rituais podem ser
observadas nas palavras de Baggot (2002):
25
Esta seção foi baseada no livro: HARVEY, Graham. Contemporary paganism : listening people,speaking
earth. New York University Press.1997, e em pesquisas realizadas por mim na internet e outras fontes durante
o período de envolvimento neste trabalho.
29
“Os celtas reconheciam que toda vida começa na escuridão (a criança no ventre, a
semente na vagem) e assim, toda cerimônia começa ao cair da noite anterior ao dia do
festival. A véspera de cada festival era um tempo de preparação tanto física quanto
espiritual. Cada pessoa envolvida na cerimônia noturna passava o dia certificando-se
de que sua energia estava tão equilibrada e harmoniosa quanto possível. Eles
compreendiam que isso lhes permitiria receber mais sabedoria e poder nessas
ocasiões especiais de celebração e reverência”.
Samhaim
Muitos Pagãos consideram que o ano começa com um festival o qual marca o início do
inverno. Com os dias ficando mais escuros e frios é tempo de voltar as atenções às questões
mais centrais: a casa, o coração, o indivíduo, a terra. É tempo de encontrar um lugar seguro
para cuidar de si mesmo. Um tempo para repensar sobre as coisas velhas e preparar-se para
um novo crescimento. Esta celebração Pagã pode ter seu nome pronunciado como se escreve,
Sam-haim, ou então da seguinte maneira, Sow-ain (“Sow” significando o feminino de porco),
esta última é a pronuncia mais utilizada. Alguns Pagãos se contentam em chamar este culto de
Halloween, que é uma interpretação cristã que a Igreja fez dos costumes celtas ligados ao
equinócio de outono e ao princípio do inverno. A expressão Halloween vem do cristianismo
do Hallow Day” ou “Dia de Todos os Santos”. O Samhaim é celebrado na noite de 31 de
outubro ou emde novembro. Alguns
26
afirmam que a data do Halloween não coincide com
o Samhaim. O 31 de outubro seria uma data cristã numa espécie de apoderamento do festival
pagão, que nesta perspectiva, acontecia no dia cinco de novembro, data que marca exatamente
a metade do caminho entre o equinócio de outono e o solstício de inverno, bem como o
Beltane marca a metade do caminho entre o equinócio de primavera e o solstício de verão. Em
alguns lugares esta celebração está associada à comemoração do fim da I guerra mundial. Este
26
Informações capturadas em www.safle.org/wordpress by Stephen.
30
dia, bem como outros que honram veteranos de guerra são bastante importantes para alguns
Pagãos. Na mitologia Irlandesa e na tradição popular, em Wales e no Noroeste da Inglaterra,
associam o Halloween com visitas de espíritos e fadas. Pagãos combinam todos estes temas
em suas celebrações.
Neste dia, alguns Pagãos procuram passar a noite em lugares abertos, como bosques,
em pequenos grupos ao redor de uma fogueira. Eles compartilham comida e bebida, contam
histórias (nem sempre profundas ou sérias), relembram o ano que se passou, e às vezes falam
dos seus desejos e do ano que está para chegar. Geralmente há música. Lanternas feitas com
abóboras são colocadas para iluminar o ambiente. Para algum observador externo, isto pode
parecer um mero grupo de amigos conversando ao redor do fogo. Os rituais geralmente são
informais e relaxados. Muitos grupos preferem se reunir na casa de algum dos membros, onde
um dos cômodos deve ser arrumado e preparado como um “templo” para aquela noite ou
permanentemente. E ali se desenrola uma cuidadosa cerimônia de feitiçaria preparada
criativamente pelo grupo ou baseada em pesquisa. São utilizados instrumentos ritualísticos
como taças, vara mágica, punhal, no contexto de uma cerimônia que acontece “dentro” de um
ambiente, isto é num espaço físico fechado, porém estes materiais também podem ser
utilizados em locais abertos, no entanto não tão relaxadamente.
A maioria dos rituais Pagãos começa com as boas vindas aos quatro pontos cardeais:
norte, sul, leste, oeste, isto é feito algumas vezes através da convocação dos quatro elementos:
ar, água, fogo e terra (a ordem varia de acordo com o grupo). Algumas vezes, simplesmente
como direção, outros com o pronunciamento dos nomes de divindades gregas, e ainda com a
31
associação a criaturas como ursos, gnomos e fadas. Também é dada a boa vinda ao “centro”,
às forças “superiores” e “inferiores”.
O Samhaim é particularmente apropriado para convocar a presenças dos ancestrais,
mas isto pode acontecer em qualquer festival. A companhia de seres o humanos também
deve ser requisitada, como por exemplo, os espíritos da floresta e ainda pedras, árvores, entre
outros. Logo, as conexões com a natureza são feitas, mesmo quando o ritual ocorre dentro de
um cômodo fechado.
A principal parte do ritual de Samhaim freqüentemente é focada na celebração da
“morte”. Durante este período, os praticantes procuram aprender com as regras da morte,
reconhecendo-as como parte do ciclo natural da vida.
O ritual combina a relação entre a cultura humana, o engajamento e a mudança das
estações.
Yule
A maioria dos Pagãos celebra o festival do solstício de inverno, Yule. Este tem o dia
mais curto e a noite mais longa do ano. Os solstícios e equinócios são marcados por todas as
tradições.
Este período demarca o momento que os poderes da escuridão e as energias do
elemento terra atingem seu pico. O solstício de inverno não simboliza apenas a morte, mas
também o renascimento.
Com a morte do inverno, surge a vida abundante e frutífera. Os Pagãos não são
dualísticos: eles não querem acabar com a “escuridão” e nem encaram esta como símbolo de
32
mal ou de maldade. Suas celebrações tipicamente comemoram a fertilidade da escuridão, o
ventre do qual a luz retorna, a terra na qual sementes irão germinar. Os Pagãos referem-se ao
“lado escuro” como coisas que eles gostariam de deixar para trás ou coisas que eles acharam
não muito saudáveis ou restritivas.
Os praticantes celebram a escuridão, o frio e a morte, mas também acendem velas ou
lanternas para antecipar o retorno da luz do sol e do crescimento.
Yule tem adicionado à fotografia do paganismo um forte exemplo da relação entre o mundo
humano e o mundo natural. Relacionamentos com outras pessoas são expressos em troca de
presentes em festividades em casa e em festas em locais mais públicos.
Imbolc
Embora ainda esteja frio ou com chuva os Pagãos comemoram o começo da Primavera
em de fevereiro (Hemisfério Norte) e em de agosto (Hemisfério Sul). Em Irlandês este
nome é pronunciado Iv-olc que significa “lactação”, referindo-se a “estação da maternidade”
que está começando. Este período representa a juventude da Deusa Terra. Em Imbolc, alguns
Pagãos expressam seus desejos de mudança, fazendo conexão com as expressões da estação.
Ostara
Os festivais dos equinócios de primavera e do outono celebram o relacionamento entre
a Terra e o Sol. Nestes dois dias o sol nasce e se põe no equador, fazendo com que a
quantidade de horas da escuridão seja a mesma da de luz, isto é, igualdade de luz e sombra,
desta forma, este sabbat traz os sentimentos de equilíbrio e interação. Esta interação é
33
representada pelo momento de união entre a Deusa e o Deus, e isso indica que é o momento
ideal para o fortalecimento de energia entre homem e mulher. Neste período as energias da luz
e das trevas, masculina e feminina, são iguais. Neste ritual a Deusa é celebrada como a
personificação da primavera, da luz do sol nascente, de sua própria vitalidade e sexualidade.
Este ritual para os celtas, marcava o início do plantio tanto física quanto espiritualmente.
A primeira e mais preservada Tradição Pagã de Ostara é a pintura e decoração de ovos,
os quais simbolizam a fertilidade da Deusa e do Deus, o símbolo de toda a criação. Segundo
Baggot (2002:65), “o Ostara é essencialmente um rito de fertilidade que simboliza a
produção do ovo. No Imbolc são movimentadas as energias que produzirão o ovo. No Ostara
o ovo é formado e no Beltene, fertilizado”. É uma tradição também esconder os ovos, e achá-
los representa a esperança de que a pessoa alcançará suas metas. Durante o ritual os ovos
enfeitam o Altar Mágico e depois são colocados aos pés das árvores ou em vasos com plantas.
Beltane
O sol está chegando e este Sabbat é comemorado com fogo e muitas flores. Beltane
marca o início do verão. Para muitos Pagãos esta noite será de amor e paixão. Beltane é a
celebração da vitalidade da Terra, é o festival da fecundidade e sensualidade. É o tempo do
ano em que os Pagãos celebram vida nova e a maturidade da terra em todas as suas formas.
34
Aqui acontece o acasalamento entre o Deus Sol e a Deusa Terra, que gerará o fruto
para a colheita. Logo, entre os Pagãos este período é popularmente a época para casamentos
(que entre os Pagãos são chamados de handfastings
27
) e começo de novos projetos.
No Beltane uma dança ao redor do “mastro da primavera”, onde são trançadas fitas
coloridas.
Assim como o Samhaim representa o anoitecer do ano, Beltane representa o
amanhecer.
James Frazer (1982) em seu livro “O Ramo de Ouro” fala sobre os resquícios do culto
das árvores na Europa moderna, mostrando que o sentido dos costumes Pagãs ligados a
comemoração da primavera ainda persiste, mesmo em outras tradições religiosas como por
exemplo as ligadas ao cristianismo. Não é a toa que o mês de maio é tido como o mês das
noivas e que as noivas se enfeitam com ramalhetes de flores.
Observemos as palavras de Frazer a seguir:
“Entre os celtas, o culto do carvalho pelos druidas é conhecido de todos, e a palavra
antiga que usavam para santuário parece ser idêntica, na sua origem, ao latim nemus
('bosque') que ainda sobrevive no nome de Nemi. Em Uppsala, a velha capital
religiosa da Suécia, havia um bosque sagrado em que todas as árvores eram
consideradas divinas. Os eslavos pagãos cultuavam árvores e bosques” (Frazer,
1982:58).
Ainda de acordo com Frazer, os celtas acreditavam que as árvores e as plantas são
seres animados, possuem alma, logo eram considerados como macho e fêmea, que podem
27
Este rito de passagem Pagão chamado handfasting é diferente das comemorações tradicionais do
casamento cristão, esta cerimônia não tem a intenção de ser permanente ou eterna, ela tem a validade de “um ano
e um dia”, depois deste período o casal realiza outra cerimônia para reafirmar sue amor e continuar em comunhão
por mais um ano e um dia ou para se separar sem nenhum prejuízo espiritual. Alguns Pagãos realizam a
cerimônia civil juntamente com o handfasting.
35
inclusive serem casados fisicamente, além de figurativamente. É o que podemos perceber no
seguinte trecho:
“Os antigos conheciam a diferença entre as tamareiras macho e fêmea e as fertilizavam
artificialmente, espalhando o pólen da árvore macho sobre as flores da árvore fêmea.
Essa fertilização era feita na primavera. Entre os pagãos de Aram, o mês durante o
qual as tamareiras eram fertilizadas tinha o nome de mês da tâmara, quando então se
celebrava a festa de casamento de todos os deuses e deusas”(Frazer,1982:60).
Em alguns casos a árvore é considerada como o corpo e em outros como a casa do
espírito que nela habita. O que para Frazer representa uma passagem importante no
pensamento religioso, que é a transformação do animismo em politeísmo.
Litha
Em litha celebra-se o trabalho e o lazer. É tempo de absorver o calor dos raios solares,
é também mais um sabbat de fertilidade, para os indivíduos, para as plantas e animais. Em
muitos lugares, os Pagãos neste solstício gostam de assistir ao sol nascer. O solstício de verão
dá continuidade aos temas de Beltane: vitalidade e exuberância.
Os wiccanianos consideram que neste período a Deusa está grávida, fruto do
acasalamento ocorrido em Beltane, isto é, da união do sol com a terra. O Deus Sol é celebrado
abaixo do pico dos seus raios no céu e honrado pela aproximação da experiência da
paternidade bem como a Deusa pela aproximação da maternidade.
O fogo é um dos símbolos que representam este ritual. O altar é decorado com flores
de verão, especialmente girassóis, conchas do mar, frutas de verão entre outros.
As comemorações do solstício de verão tendem a ser mais largas do que qualquer outro
festival.
36
Através das motivações Pagãs, durante o solstício de verão surgem muitos protestos
ecológicos. Desta forma, atualmente as devastações solares, bem como a radiação e a
desertificação não são mais atribuídas e suplicadas ao sol, e sim contra a poluição humana.
Lughnasadh ou Lammas
Este festival representa o começo do outono, é o primeiro dos três festivais destinados
à colheita. O dia exato desta celebração depende da maturação do grão. Simboliza a chegada
dos primeiros frutos e a colheita que está por vim.
Este dia está ligado a Lugh que é o Deus Solar Celta e Lughnasadh era uma tradicional
comemoração agrícola que comemorava este período nos tempos medievais. O outro nome
dado a este festival, Lammas, que significa “a massa de Lugh”, que se refere a um costume da
antiga tradição onde se colhiam os primeiros grãos para fazer um pão e dividir entre todos.
Mabon
Mabon representa o equinócio de outono, é tempo de procurar equilíbrio e harmonia.
Enquanto na primavera celebra-se o crescimento das coisas, no outono comemora-se a
maturidade e a abundância da colheita. É tempo para parar e honrar esta parte do ciclo (da
vida/natureza) e considerar o que o ano tem trazido e o que foi realizado.
No mito, este festival celebra a história de Modron, uma poderosa Deusa da Terra, e o
nascimento do seu filho Mabon. Em Galês, Mabon significa “filho formidável”, refere-se ao
Divino Filho da Luz. Segundo a mitologia, Mabon desaparece (ou é seqüestrado, dependendo
da tradição) três dias após seu nascimento deste modo, a luz se esconde no ventre da Terra,
37
que aqui é personificada como sua e a protetora e guardiã do outro mundo. O outro mundo
é um lugar de mudanças e nutrição onde as coisas podem ser renovadas e regeneradas, lá,
Mabon pode renascer. Como a luz que está sendo retirada da Terra acumulando força e
liberdade, para se tornar uma nova semente, Mabon retorna para o ventre da sua mãe.
Com o fechamento da roda do ano dos oito festivais, o Paganismo combina celebração
da natureza com temas similares ou experiências vividas pelos indivíduos em suas vidas
sociais.
1.1 Por onde andei
Participei da comemoração de alguns rituais wiccanianos. Juntamente com o primeiro
“círculo” com o qual travei contato, tive a oportunidade de estar presente nos seguintes
acontecimentos:
O ritual de Beltane em outubro de 2001 foi comemorado na casa de uma das praticantes onde
havia várias pessoas participando da comemoração, indivíduos que estavam ligados ao grupo,
e também convidados como parentes e amigos. Havia em torno de 25 pessoas.
O ritual de Yule, realizado na sexta-feira 20 de junho de 2003, no terraço da casa de
uma das participantes do grupo. Este terraço ficava em frente a um bonito jardim, era noite,
todas estavam descalças para uma ligação com a terra, a energia parece fluir bem, o local é
reservado e não ocorre nenhum tipo de imprevisto, o tambor foi utilizado como instrumento
musical para uma dança espiral, as praticantes utilizaram representações de cada um dos
quatro elementos essenciais, um cálice com água representando o elemento água, um caldeirão
38
com argila representando a terra, uma vela vermelha representando o fogo, e incenso
representando o elemento ar.
A celebração de Brígida/Imbolc, realizada no sábado 02 de agosto de 2003, à tarde, na
casa de outra participante do grupo em Olinda, ocorreu no espaço frontal da casa onde o muro
é relativamente baixo, as pessoas na rua passavam, olhavam, algumas delas diminuíam os
passos para entender o que estava acontecendo, os vizinhos se inquietavam, os olhares
expressavam curiosidade e receio, um receio que provavelmente é proveniente de uma
memória inconsciente de rejeição à atividades Pagãs. Pode-se observar uma certa conturbação
no decorrer do ritual, o grupo em alguns momentos interrompeu o procedimento de invocação
dos elementos, a utilização dos instrumentos musicais no início foi um pouco inibida, porém
com a energia fluindo os obstáculos foram ultrapassados pelo grupo e os “imprevistos”
contornados.
A última participação com o grupo foi no ritual de Ostara Celebrado no Sítio da Trindade no
bairro de Casa Amarela. A descrição deste acontecimento está no capítulo 3 desta dissertação.
O ritual de Beltane realizado no apartamento de uma das participantes ocorreu em 31 de
outubro de 2003, ali haviam muitas flores e um ambiente muito bem trabalhado e concentrado
na comemoração.
No dia 20 de setembro de 2003 comemorou-se o Encontro Social Pagão, pela primeira
vez na cidade do Recife. Filhos da Deusa encontraram-se para comemoração deste dia do
orgulho Pagão. O local escolhido foi o laguinho da Universidade Federal de Pernambuco, às
15:00hs. Algumas pessoas se conheciam e outras se conheceram naquele momento, porém
todos que ali estavam tinham algo em comum que é interesse pela prática wicca.
.
O
39
entrosamento entre o grupo foi segundo eles, positivo. O lugar físico é ao ar livre, tem muitas
plantas, água, terra... Por ali se encontravam alguns casais de namorados, crianças brincando,
pessoas estudando... Neste dia o circulo mágico não foi traçado para a realização do ritual,
porém os pontos de cada elemento foram marcados, o grupo se reuniu em uma roda para uma
conversa inicial, daí houve uma dança espiral, enfim, a celebração ocorreu de forma tranqüila
sem atropelos e sem nenhuma pessoa externa ao acontecimento interromper a atividade.
Participei do Ritual de Mabon, em Austin -Texas, nos Estados Unidos. Aconteceu no
dia 20 de setembro de 2002. Foi ao ar livre, no sul de Austin, no fim de tarde. Havia, pelo
menos, em torno de 30 pessoas reunidas. A equipe organizadora nos recebeu e, após o
oferecimento de uma comida não perecível, que era o cartão de entrada para a comemoração,
fomos orientados a nos acomodar num círculo. Próximo da equipe organizadora ficava uma
mesa que servia de altar. Nela havia inúmeros cartões de diferentes tamanhos, retratando a
carta número zero do tarô, ou seja, a carta do louco. A comemoração teria esta carta-
tema homenageada. Houve uma pequena introdução falando disso. Em seguida, informes
sobre o evento e daí propriamente a programação. Convocaram-se os elementos (fogo, ar,
água e terra) ao som de atabaques e percussão. Foi pedido que dançássemos para recebê-los/
recepcioná-los. A tarde estava terminando com os tons de pôr-do-sol no céu ao mesmo tempo
em que a noite chegava. Houve uma metáfora do momento que se estava comemorando e seu
significado através através de uma encenação, que foi uma apresentação do grupo organizador,
que contou uma história simples. Uma bruxa, vestida a caráter, estava preparando uma sopa de
pedra e queria a colaboração de todos os bruxos e bruxas presentes para torná-la uma sopa
mais apetitosa, que o período que iria ser comemorado era o início do outono, um período
40
em que a abundância, extroversão do verão se reduziria. Para tanto, teríamos que colaborar e
repartir o que temos a oferecer, para a chegada de um novo período de interiorização, também
de agradecimento pela colheita farta realizada. Teve participante que acrescentou alegria,
outros que acrescentaram bondade, luz, força. Melhor dizendo, a sopa era concreta e cada um
de nós acrescentou um elemento simbólico a ela. Tínhamos que fazê-lo levantando, indo até o
caldeirão, falando e despejando nele o nosso acréscimo.
Ao final, havia uma "sopa real" para deguste dos bruxos e bruxas presentes à
comemoração. Também um pão muito saboroso, decorado. Além de outros tipos de comida.
Tínhamos que levar nossa própria tigela e nosso próprio talher.
Juntamente ao grupo da Abrawicca-PE participei do ritual de Ostara, relato o qual deixei para
o capítulo 3 desta dissertação. Participei de uma reunião sobre Esbats e outra sobre Sabbats.
Nelas foram trabalhados os aspectos relacionados aos referidos temas, estavam presentes
wiccanianos e também curiosos. Poderemos visualizar fotografias destas duas reuniões no
anexo da dissertação.
O ritual de Imbolc foi comemorado no dia 04.02.07 no Sítio da Trindade. Foi uma
comemoração simples e segundo uma das praticantes o cone de poder não conseguiu ser
elevado por conta de uma energia não sintonizada de um dos participantes da comemoração.
Foi feita a purificação do local e dos participantes, invocaram-se os quatros elementos, logo
traçou-se o rculo mágico e invocou-se o casal divino. Houve dança e cânticos e também a
confecção de uma vassoura que representa um momento de limpeza, de varrer os empeçilhos.
41
2. ATORES SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE: BUSCA POR NOVAS
FORMAS DE ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE
Acredito que para tratar, sob o viés da cultura, de uma religião que ressurgiu” dentro
do ventre da contemporaneidade, é importante ressaltar alguns aspectos que permeiam esta
“era” no que se refere à relação entre os atores sociais e suas formas de religiosidade e
espiritualidade. Sendo assim, este é o tema desenvolvido neste capítulo, que tem como
objetivo principal situar o leitor na realidade que a Wicca está inserida, bem como tentar
abordar algumas das possíveis justificativas para o florir desta busca por novas formas de
espiritualidade e religiosidade que estão bastante presentes dentro do quadro social atual.
Segundo Luís Eduardo Soares (1994), e ratificado através da pesquisa que realizei,
no Brasil uma imensa insatisfação dos jovens para com as formas tradicionais de religiosidade,
aquelas que foram obrigados a praticar através da pressão dos seus familiares, geralmente
ligadas ao Cristianismo. A partir desta insatisfação, começa a surgir uma “nova consciência
religiosa”, pois o afastamento dos antigos vínculos religiosos não significa que houve
erradicação do interesse pela religiosidade. Os wiccanianos se encaixam como exemplo
perfeito para esta questão, uma vez que em muitos dos relatos percebemos esta transição,
perpassando algumas vezes por várias religiões até chegar no paganismo e se descobrir como
bruxa/o dentro da contemporaneidade. Por exemplo, a Mavesper, sacerdotisa wiccaniana de
Brasília, em entrevista pessoal disse que antes de ser wiccaniana ela era mãe de santo em um
terreiro de Umbanda naquela cidade. Podemos perceber nas palavras de outra sacerdotisa
wiccaniana, neste caso praticante na cidade de Recife, como ocorreu o seu contato e sua
inserção na Wicca:
42
“Eu tenho uma história de família...Desde os noves anos eu comecei a jogar tarô, na
escola algumas pessoas me discriminavam, diziam: eu vou te exorcizar. dez anos
atrás não existia quase livro, não existia gente que soubesse falar, conversar, internet
era péssimo, encontrava-se cada charlatão dizendo venha se iniciar comigo, na
verdade com segundas intenções. Depois eu cheguei pra minha mãe e disse que eu
tava entrando em outra religião e expliquei mais ou menos como era, ela disse eu
tenho uma coisa que tenho que lhe dar e me trouxe um caldeirão de bronze que era da
minha bisavó. Mainha é Lituana, então quando eles (minha bisavó, meu avô, minha
e os filhos) vieram da Lituânia eles tiveram que se tornar Cristãos Novos, minha e
minha bisavó não iam pra igreja, mas mandavam os meninos irem, pois tinha que
manter uma aparência, porque eles eram fugidos de guerra, então minha mãe
entrou na onda do catolicismo. Quando ela me deu o caldeirão ela disse, pelo o que
você está falando desta religião é praticamente a mesma coisa que sua bisavó fazia, e
disse eu não sei direito não, mas acho que é. foi muito engraçado, foi daí que eu
descobri que tinha toda uma raiz atrás, na Rússia, tal. Como eu disse, comecei com a
bruxaria, mas era muito difícil porque não tinha ninguém aqui pra trocar idéia, eu
pegava um livro, pegava outro, mas o meio termo era: o contato com a Deusa.
Eu comecei com a bruxaria, pra você ter uma idéia eu tenho três anos só de Wicca, 10
anos que eu tenho na bruxaria, porque tem uma diferença, eu comecei estudando o
que era a Religião da Deusa, mas nos moldes da Wicca, não no formato da Wicca e
depois o formato da Wicca me atraiu, eu achei muito interessante, achei muito
próximo do que o que eu tenho como concepção de vida...
28
Segundo Balandier (1997), as novas práticas religiosas, que aparecem com a
modernidade, vêem como resposta a uma insatisfação dos indivíduos para com o modelo de
sociedade vigente na atualidade (industrial e tecnológica), modelo que está excessivamente
centrado na ideologia do consumo. Há indivíduos que estão à procura de uma proposta
alternativa de vida, a qual na verdade representaria um retorno ao lado espiritual que
constantemente é inibido pela dinâmica da modernidade. Este processo se daria através de
uma busca por novas possibilidades religiosas, o que é reforçado em grande medida pela falha
das religiões instituídas em atender novas expressões de espiritualidade, apesar da tentativa
destas em superar esta crise através dos movimentos carismáticos (processo o qual poderá
modificar esta situação, retomando em grande medida o pertencimento das Igrejas instituídas).
28
Entrevista Pessoal com Atalanta em 15-05-2006.
43
Um dos principais fatores que geram esta procura por novas dimensões religiosas é a própria
condição da sociedade contemporânea que é permeada pelo pluralismo cultural, bem como o
individualismo, que a priori gera uma maior autonomia nas pessoas, enquanto indivíduos
sociais, de uma maneira geral. Fruto destas duas situações vem um certo repúdio ao
dogmatismo das religiões instituídas. Em um segundo momento, unindo-se aos fatores que
contribuem para a busca por novas formas de espiritualidade e religiosidade, é ressaltado o
gregarismo das “tribos urbanas”, que em termos diminui a autonomia em prol do
pertencimento e da aceitação pelo grupo, segundo Maffesoli(Apud Frehse, 2006), esta situação
vem para questionar próprio individualismo contemporâneo. Observemos as seguintes
palavras sobre a idéia de “tribos urbanas” colocada por Maffesoli:
“O autor fala em "neotribalismo". Seria essencialmente "micro-grupos" que, forjados
em meio à massificação das relações sociais baseadas no individualismo e marcados
pela "unissexualização" da aparência física, dos usos do corpo e do vestuário,
acabariam, mediante sua sociabilidade, por contestar o próprio individualismo vigente
no mundo contemporâneo”. (Frehse,2006)
Ao meu ver os dois momentos contribuem para a procura por novas formas de
manifestação espiritual e religiosa. Isto é, o individualismo surge juntamente com a sociedade
ocidental, capitalista e gera transformações sociais, mas em um segundo momento é
contestado através do comportamento gregário das tribos urbanas. No decorrer desta
dissertação poderemos observar algumas características do gregarismo da tribo Wicca.
Outra variável importante neste processo de ressecamento do imaginário (Balandier,
1997:229) seria a banalização cultural, isto é, as culturas perdem características específicas
sofrendo uma homogeneização, devido ao fator globalização que facilita a comunicação. A
tecnologia e o consumo tendem a invadir a vida das pessoas tornando-as mais parecidas, o que
44
ele chama de modernidade auto-aculturada. Neste sentido, a herança dos símbolos e
ideologias recebidas pela tradição é minimizada.
A modernidade um valor positivo à mudança e ao mesmo tempo provoca relações
de incertezas. Nela a natureza é dominada pela razão, pela tecnicidade. De acordo com
Balandier (1997:232), “existem aspectos positivos e negativos na modernidade, otimista no
sentido de que tudo se torna possível e pessimista onde tudo leva a autodestruição, cujo
confronto criam feridas que vão gerar o imaginário
.
O indivíduo funcionaria pela mistura das
necessidades objetivas da razão social com suas crenças, desejos e interpretações. Neste
sentido, o imaginário torna-se extremamente necessário, como já diria Durkheim “a sociedade
é antes de tudo constituída pela idéia que faz de si mesma” (Balandier, 1997:232).
A modernidade não reduz o imaginário, ela faz com que ele apareça de forma diversa
da comumente esperada que seria através de esquemas, repertórios. Agora ele tem seu espaço
multiplicado e vem sob forma de maior mobilidade, decorrente da mobilidade e comunicação
entre as pessoas e a abundância das imagens e signos.
Segundo Louis Dumont (1997) a ideologia da sociedade Ocidental moderna é a
igualdade. Dentro desta ideologia da igualdade e também da liberdade, o indivíduo está acima
de tudo. Neste sentido, explica ele, surge um antagonismo entre indivíduo e sociedade, onde
a sociedade tende a surgir como um resíduo não humano: a tirania do número, um mal físico
inevitável oposto à realidade psicológica e moral que está contida no indivíduo” (Dumont,
1992:53). Ainda de acordo com ele as sociedades tradicionais estão baseadas na hierarquia e
na ordem, o homem apresenta-se como um ser fortemente coletivo, as funções sociais
perpassam por contribuir com o conjunto social. Já nas sociedades modernas, a liberdade,
45
individualidade e a igualdade são as principais bandeiras, logo o indivíduo é indivisível e
elementar. Ainda na mesma obra citada acima, Louis Dumont utiliza as idéias de Tocqueville,
o qual defende que nas sociedades aristocráticas uma maior aproximação entre os
indivíduos, os homens preocupam-se com seus ancestrais e com seus futuros familiares, são
ligados aos seus concidadãos. Ao passo que, nas sociedades democráticas o individualismo é
acirrado, os deveres de cada indivíduo são mais claros, o elo das afeições entre os indivíduos
se rompe. A sociedade brasileira é híbrida, uma das suas principais características é o
pluralismo cultural. No entanto, apesar do individualismo não ser aqui tão marcante quanto na
sociedade européia e na norte-americana, por exemplo, características que envolvem o
modelo de sociedade ocidental, permeado pelo consumo e a individualização.
A Wicca especificamente atraí a juventude por que, segundo os wiccanianos defende a
aceitação e o respeito das diferenças, porém isso não significa que esta seja uma religião sem
princípios e compromissos. Pelo que pude observar nesta pesquisa o caminho que o praticante
segue dentro da Wicca pressupõe uma dedicação, mas segundo os wiccanianos para ser um
praticante não é preciso ter uma orientação sexual pré-definida, ou se vestir de certa maneira.
O discurso deles defende que a Wicca é uma religião livre neste sentido, no entanto pude
observar que algumas atitudes dentro dos grupos permitem que certos praticantes se sintam
mais adeptos ou ligados à Deusa do que outros e que o olhar do outro às vezes também seja
diferenciado, como por exemplo ao usar um pentagrama ou se vestir de preto. De certa forma
esta atitude pode representar um pouco de imaturidade religiosa por parte dos praticantes. O
que também representa uma das características do comportamento gregário deste grupo. Em
entrevista pessoal, o sacerdote wiccaniano de São Paulo, Wagner Périco, fala um pouco sobre
46
sua visão da Wicca no Recife particularmente e no Brasil como um todo. Nesta fala ele
explica um pouco sobre a origem da utilização do pentagrama e das vestimentas de cor preta,
pelos os praticantes da Wicca. Observemos então as suas palavras:
“A bruxaria foi uma coisa à margem ,então foi natural que grupos marginalizados se
aproximassem dela, góticos, punk, (...) Esse movimento gótico que usava preto
começou se identificar, por que dentro de um contexto de lendas urbanas e tal, as
pessoas sempre se misturavam a vampiros, lobisomens, góticos, daí a gostar da
bruxaria é um pulo. Então, estas pessoas começaram a se aproximar da bruxaria e
aquela coisa de usar preto, de usar o pentagrama começou a ficar, que não é real.
Isso em São Paulo ainda vai, por causa do clima, você consegue usar preto na boa,
mas aqui (em Recife) não dá, você morre de calor. Uma coisa é você saber que esta
religião vem da Europa e você adapta ao Brasil, outra é você por na sua cabeça que
você é Europeu e renegar a sua tendência e o que se tem de importante no Brasil”.
Então, percebemos a partir das palavras de Wagner que esta tendência vem de uma
tentativa de ligação direta com a Europa, pelo fato de ali ter surgido os cultos agrários, a
Antiga Religião. Esta atitude, de utilização de certos objetos, os quais não o adaptáveis à
realidade brasileira, parece ser uma busca de reconhecimento religioso por parte da sociedade,
e também por parte da própria comunidade religiosa a qual o praticante está inserido.
A relação entre a Wicca e a contemporaneidade, entre a natureza e uma metrópole e a
inserção do indivíduo religioso dentro deste sistema pode ser pensada através da
fenomenologia bachelardiana.
A imaginação material para Gaston Bachelard é a singularidade da imaginação poética
em se inspirar na matéria, para então, fazer emergir dela a imagem literária.
Segundo Freitas(2006), Bachelard tem uma forte ligação com o campo, a qual está
intimamente relacionada à ligação com sua cidade natal, sua origem. Ainda segundo Freitas,
Bachelard tem uma certa aversão às coisas da cidade, como barulho, trânsito, entre outras
características, logo, no período da vida em que ele estava em seu “exílio citadino” (Freitas,
47
2066:18) em Paris, Bachelard continuou “professando seu amor e nostalgia pela vida no
campo” (Freitas, 2066:18). Desta forma, estas imagens da natureza que estão presentes na
memória de Bachelard são expressas através da imaginação material.
Em sua pesquisa, Freitas (2006) trabalha com o conceito de homem-do-campo como
sendo aquele que coloca “em primeiro lugar as imagens naturais aquelas que tomam a
matéria e o movimento dos elementos naturais para representar sua percepção e
compreensão do mundo” (Freitas, 2066:18). Logo, nesta concepção, o homem-do-campo é
aquele que contempla as imagens da natureza, tendo estas imagens como elementos
apriorísticos em sua representação do mundo. Isto é, a sua cosmovisão está sempre
relacionada seja por similitude ou analogia às matérias naturais. Pensando por esta perspectiva
os wiccanianos são ou buscam ser homens-do-campo .
Ainda de acordo com Freitas, para Bachelard a contemplação das imagens naturais
está sob inspiração do devaneio material”. (Freitas, 2066:19). Alexandre de Freitas conceitua
o homem-do-campo pela via imagética “como contemplador das imagens da natureza, que
conduzem sua representação do real” (Freitas, 2066:20).
Enfim, para Bachelard a imagem está geralmente relacionada à algo vivido
anteriormente, a algo já experimentado. Pensando no caso da Wicca, esta imagem natural pode
está diretamente ligada com a “ressonância mórfica”
29
que envolve os aspectos naturais
existentes dentro de cada indivíduo, na verdade com a religação com a natureza que a Wicca
propõe. No entanto, de acordo com a fenomenologia bachelardiana não importa a verificação
das imagens como de costume se faz dentro do pensamento cartesiano, racional e lógico, pois,
29
SHELDRAKE, Rupert. A ressonância mórfica & A presença do passado: os hábitos da Natureza. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995.
48
segundo Bachelard “a verificação faz as imagens morrerem. Imaginar sesempre maior do
que viver” (Apud Freitas, 2006:25).
2.1 Uma religião que repousa na contemporaneidade
Iniciaremos esta seção falando um pouco sobre os conceitos de modernidade e pós-
modernidade, porém deixo a priori esclarecido que não irei entrar profundamente no âmbito
desta discussão, a qual, sabemos, é bastante ampla no mundo acadêmico. Mas, como estamos
tratando, como dito acima, de uma religião que tem como berço sociológico a
contemporaneidade, achamos por bem abordar, mesmo que seja de forma sutil, estes
conceitos. Também abordaremos aqui alguns conceitos de rito trabalhados por diversos
autores dialogando com o conceito de ritos e rituais contemporâneos de Martine Segalen
(2002). Depois da discussão que envolve religião e contemporaneidade, como não poderia
faltar, na subseção, falaremos da situação da Wicca no Brasil e no mundo, isto é, os
movimentos que os praticantes estão envolvidos, a relação da sociedade para com a Wicca,
entre outras características.
Embora ainda pareça difícil categorizar uma sociedade como pós-moderna, em grande
medida inclusive pelo caráter difuso da concepção de pós-modernidade, no tocante ao
conceito de cultura nos parece bastante razoável falar em fragmentação e descentramento
(Hall,2005). Durante o período em que prevaleceu a concepção moderna de sociedade, o
termo cultura foi na maioria das vezes utilizado para reafirmar diferenças, independentemente
da motivação política a que tal retórica se afiliava, seja na defesa dos grupos em relação aos
seus costumes autóctones, seja na intenção de justificar guerras ou invasões territoriais, a idéia
49
de uma cultura própria de cada grupo era algo inerente à própria concepção de modernidade,
visto que esta foi literalmente construída, em oposição a traços culturais que simbolicamente
passaram a representar o arcaico, o antigo ou em alguns casos o selvagem algo “original” e
“puro”.
Deste modo, caberia a questão de como essa nova visão de sociedade recupera o
conceito de cultura e, baseado nele constrói uma nova visão social, em outras palavras, como
partindo de um ponto comum, a cultura, pode-se compreender as mudanças sociais
características das sociedades pós-modernas.
Procuraremos apresentar algumas reflexões a respeito do conceito de cultura nesse
novo contexto social.
Sempre que se fala em uma sociedade que esteja além das limitações impostas pela
visão moderna onde o ser humano estaria localizado socialmente através de características
como sexo, raça, classe, religião, dois termos são recorrentes, a fragmentação e o
descentramento. Para melhor compreender o paradigma pós-moderno, teríamos que nos
aprofundar nesses conceitos, algo que exigiria muito mais reflexão do que as possíveis dentro
desse trabalho. No entanto gostaríamos de pontuar algumas considerações a respeito deles.
Quando falamos em uma fragmentação, geralmente pensamos nessa dificuldade de
localização social dos indivíduos na atualidade. Conceitos antes sólidos e aparentemente
inabaláveis como o de classe, gênero, entre outros, parecem se desfazer no ar, enquanto as
pessoas cada vez mais adotam hábitos e atitudes que não condiziriam com as expectativas
geradas por essas posições sociais. A idéia de fragmentação pois, ultrapassa a esfera pessoal e
se incorpora na esfera social, gerando uma sociedade onde cada vez mais os códigos são
50
relativizados diante de outros fatores que não os tradicionais como território, a exemplo dos
Estados Unidos onde existe, ao contrário do que gostaria o governo, uma multiculturalidade
tão grande a ponto de existirem dois idiomas oficiais, contrariando a idéia de que os
americanos falam inglês”, como era a expectativa gerada nos moldes modernos.
Essa temática nos leva ao segundo conceito o de descentramento: na concepção
moderna existiria um centro, desenvolvido e gerador de uma cultura moderna; essa cultura
estaria gradativamente se espalhando como uma espiral na direção das periferias; portanto,
características como idiomas, tecnologias, artes, etc tenderiam a se modernizarem”, num tipo
de modernização periférica. O efeito que se determina descentramento, diz respeito ao fato de
que em relação ao desenvolvimento das artes, tecnologias, não se pode afirmar que o centro
está no meio da espiral, e que enquanto cresce o número de não americanos english speakers,
aumentam os americanos que hablam español, o que mostra que, a exemplo da fragmentação,
o descentramento também se expressa no âmbito social e individual.
Como afirmamos anteriormente, o conceito de cultura teve um importante papel na
determinação do moderno. Embora observado por outro prisma, esse conceito é também
determinante para a concepção pós-moderna.
Essa cultura surge a partir de uma “crise de identidade” gerada pelo deslocamento dos
indivíduos tanto do mundo social e cultural como de si mesmo (Hall, Apud Soares, 1999).
Nesse contexto deve se compreender essa nova realidade como afirma Soares, sobre
Hall.
“Esse quadro de mudança nos impõe uma séria reflexão se não é a própria
modernidade o alvo cultural dessas transformações... em relação ao que hoje se tem
caracterizado com cultura pós-moderna, nós próprios somos também ‘pós’
relativamente a qualquer concepção essencialista ou fixa de identidade” (Soares, 1999).
51
Desse modo, ao contrário da compreensão da cultura como elemento unificador, ela
passa a ser vista como construída através do dissenso, uma gama de possibilidades culturais
que se cruzam e se opõem sem, no entanto, perder o diálogo, o que permite traçar uma linha
capaz de costurar essa colcha de retalhos culturais que chamamos de pós-modernidade.
Nossa breve análise nos leva a acreditar que, talvez, o termo mais adequado para
expressar essa realidade, onde as identidades são fluidas e as categoriais insuficientes para dar
conta das várias facetas sociais, seja o de multiculturalismo.
A própria idéia de uma busca das raízes culturais, que leva pessoas da elite, antes
espelhadas nos grandes centros do mundo, a se identificarem com manifestações tipicamente
populares, leva-nos a conclusão de que as identidades culturais nada mais seriam do que a
recuperação de um determinado hábito por um grupo dentro do espaço histórico, e que,
portanto, em última análise, o multiculturalismo significaria entre outras noções, o
reconhecimento do caráter dinâmico da cultura que se cria e recria a cada período e a cada
recuperação social.
Desta forma, ao longo do nosso texto, utilizaremos os termos sociedade contemporânea
ou contemporaneidade, sociedade multicutural ou multiculturalismo, ou ainda sociedade
supermoderna ou supermodernidade para identificar a sociedade à qual a Wicca está inserida.
Muitas vezes as pessoas me perguntam se ‘isso’ que eu estou pesquisando é uma
religião, se é ritualizada ou é apenas uma brincadeira de adolescente que gosta de se vestir de
preto. Acredito que perguntas como esta se devem a um certo desconhecimento sobre as
formas de ritos e rituais presentes nas sociedades contemporâneas.
52
A contemporaneidade possui novas formas de lidar com as manifestações em geral e
em particular com as manifestações religiosas. Isto perpassa também pela Wicca. O fato não é
que a bruxaria tenha sido exterminada; é verdade que tentaram, especificamente o
Cristianismo; no entanto não conseguiram, pois durante o decorrer dos séculos a magia
continuou a ser praticada “por baixo dos panos”. Na década de 50, a bruxaria é adaptada para
os ‘tempos modernos’ e acaba ressurgindo com novas características e desta forma a Antiga
Religião é re-significada. Segundo o wiccaniano Phoenix, em entrevista pessoal, existem
vários tipos de bruxaria, mas a wicca tenta seguir um só, Wicca é a vertente da Antiga
Religião da Deusa, E é algo a ser seguido, estudado e praticado. Bruxaria é tudo aquilo que
"envolve" magia”.
Para pensar este processo descrito acima utilizarei, neste capítulo a autora Martine
Segalen (2002) como interlocutora. Segundo ela, a ritualidade está a priori associada ao
religioso através do sagrado. E a partir disso, e da afirmação de que as sociedades
contemporâneas vivem sob o signo da racionalidade e da técnica, ela questiona se espaço
para o ritual dentro da atualidade. Chama a nossa atenção para o fato da definição do que é um
ritual. Discorda do que muito comumente é usado pela mídia e pela antropologia inclusive,
que é a afirmação de que um ritual é todo aquele comportamento que se repete. A partir daí,
ela aponta diversas definições de rito descritas por vários autores.
Afirma que “uma das principais características do rito é a sua plasticidade, a sua
capacidade de ser polissêmico, de acomodar-se à mudança social” (Segalen, 2002:15).
É interessante perceber que a definição de rito por autores diferentes foi apontada em
sentidos diferentes de acordo com os interesses diversificados. Por exemplo, Meyer Fortes
53
associava o rito a práticas de magia nas sociedades africanas. Max Gluckman, ligava o rito à
violência. E ainda de acordo com Segalen, tanto na escola antropológica francesa, quanto na
inglesa, rito e mito vêm do estudo das religiões.
Segundo Segalen, Sir James Frazer, ao rito um caráter um tanto quanto folclórico, e
as suas classificações para os ritos (simpáticos; animistas; dinamistas; contagionistas),
“possuem um fraco valor heurístico” (Segalen, 2002:18). Já Durkheim dá aos ritos um caráter
social e os atribui à categoria do religioso. No seu entender, o rito e o mito sempre traduzem
alguma necessidade humana.
Um dos pontos que mais se destaca na visão durkheimiana no assunto acima citado, é
que ele atribui um caráter de coletividade às cerimônias religiosas, isto é, indivíduos se
reúnem em grupo e praticam as manifestações rituais.
Para ele, os ritos possuem um caráter de continuidade e também de ambigüidade. O
rito suscita um espírito de coletividade a partir do momento que o grupo se reúne para praticá-
lo. É através dos ritos que o grupo social se reafirma periodicamente enquanto tal.
Na visão de Marcel Mauss o sacrifício é um dos pontos centrais dentro da sociedade,
mesmo que contemporânea. Para ele, o sacrifício é um ato social.
Segundo Mauss, o rito não está unicamente ligado ao campo religioso. Ele afirma que
outros atos que também podem ser rituais, como os hábitos de cortesia, por exemplo,
“desde que haja neles sempre alguma coisa regulamentada” (Segalen, 2002:26).
Em 1909 Mauss (1979) escreve sobre a “Prece”, o texto introdutório desta obra é uma
das partes acabadas de uma tese inconclusa, mas que é considerado de alta relevância dentre
os escritos da religião.
54
Para Mauss, a Prece é uma instituição a qual fornece sensações ao indivíduo e assume
papéis diversos, como ordem, louvação, contrato, confissão, entre outros. Ela tem uma
importância intrínseca, é um ponto de convergência dos fenômenos religiosos e está tanto no
âmbito do rito como no da crença, é ao mesmo tempo ato e pensamento. Mesmo que esteja
sendo realizada por uma forma inteiramente mental, sem o pronunciamento de palavras, será
ainda assim uma atitude, e neste caso uma atitude da alma. Ela tem força, é ativa e rica em
sentido como um mito e em eficácia, assim como um rito.
Mauss afirma que a Prece não é um fenômeno isolado e sim um sistema de fatos que
possuem certas características em comum. Em geral ela é classificada como um dos ritos da
religião e isto o faz explanar um pouco sobre o conceito de ritos religiosos dizendo que estes
são permeados por um conjunto de regras sociais. Os ritos são diferentes dos costumes, no
segundo o ato não é eficaz por si mesmo e já no primeiro, utilizando como exemplo o
paganismo o próprio Mauss afirma, “ao contrário (dos hábitos de cortesia, dos costumes), os
ritos agrários possuem, segundo a opinião, efeitos que se ligam à própria natureza da prática.
Graças ao rito as plantas crescem... Um rito tem, pois, verdadeira eficácia material”
(Mauss,1979:138). Os ritos religiosos são eficazes diante de uma intervenção de poderes
que são exteriores a eles. os que por ele são considerados mágicos possuem sua virtude,
pelo meio da qual domina diretamente as coisas, no próprio rito. No entanto, não considera
que esta diferenciação seja dada de forma dicotômica e sim numa solução de continuidade,
“freqüentemente (eles), se distinguem pelo seu lugar nos rituais, e não pela natureza de
sua ação” (Mauss, 1979:142). Enfim, desta forma a magia não está completamente distante
dos fenômenos religiosos, mas segundo ele é preciso ressaltar suas diferenças. E finalmente,
55
os ritos religiosos são atos tradicionais eficazes que se relacionam com coisas consideradas
sagradas” (Mauss, 1979:142).
De acordo com as idéias de Mauss, Segalen afirma que o rito situa-se definitivamente
no ato de acreditar em seu efeito, através das práticas de simbolização” (Segalen, 2002:27).
Mary Douglas afirma, assim como Mauss também sinaliza, que o rito vai além do
âmbito religioso, ele envolve muitos símbolos. “O rito existe quando se produz sentido”
(Segalen, 2002:29).
A visão de Victor Turner a respeito do rito se afasta do ponto de vista durkheimiano.
Para Turner, o rito possui aspectos simbólicos e não é a priori um lugar de coesão social.
Nesta visão os ritos representam a descontinuidade social moderna, “cada tipo de rito instaura
um drama social” (Segalen, 2002:30).
Para Segalen, todas essas definições do conceito de rito colocadas a partir da
perspectiva destes diversos autores, se complementam. Para ela, o rito possui uma dimensão
simbólica ao mesmo tempo que possui uma dimensão coletiva. De acordo com o Professor
Doutor Bartolomeu Figuêroa
30
, o rito também tem algo de drama e se apoia na crença em seu
efeito.
O rito se faz possível a partir da existência de uma crença, da presença de alguns
objetos, de gestos, de palavras.
Observemos as seguintes palavras de Segalen:
“Enquanto conjuntos fortemente institucionalizados ou efervescentes quer regulem
situações de adesão comum a valores, que funcionem como reguladores de conflitos
interpessoais os ritos devem ser considerados sempre como um conjunto de condutas
individuais ou coletivas relativamente codificadas, com suporte corporal (verbal,
30
Em reunião de orientação.
56
gestual e de postura), caráter repetitivo e forte carga simbólica para atores e
testemunhas. Tais condutas são fundadas numa adesão mental de que o ator
eventualmente não tem consciência – a valores relativos a escolhas sociais consideradas
importantes e cuja eficácia esperada não advém de uma lógica puramente empírica que
se esgotaria na instrumentalidade técnica da ligação causa-efeito. Finalmente, o ritual
se reconhece como um fruto de uma aprendizagem, implicando por conseguinte a
continuidade das gerações, dos grupos etários ou dos grupos sociais dentro dos quais
ele se produz”. (2002:32)
É bem verdade que quando se fala em rito geralmente somos levados a pensar nas
sociedades tradicionais que possuem todo esse conjunto de gestos, vestimentas, palavras.
Somos também levados a pensar que as sociedades contemporâneas perderam certos hábitos
que envolviam as características do rito. No entanto, algumas análises vêem, mesmo na
atualidade, ritos por toda parte. Segalen se propõe a “discutir o caráter ritual daquilo que por
vezes denominamos ‘atos formalizados’, fazendo referência às saudações cotidianas”
(2002:35).
Para Arnold Van Gennep, o ritual representa uma passagem, há um ‘antes’ e um
‘depois’. Van Gennep propõe o estudo dos fatos rituais em sua seqüência, isto é, estudar a
seqüência de um mesmo cerimonial e não fatos isolados. Enfim, segundo ele, para se
compreender um ritual é necessário considerar todo um conjunto de elementos que o envolve,
o precede e o segue.
Seguindo a mesma linha de Van Gennep, Victor Turner identifica três etapas que
envolvem o rito que são: pré-liminares, liminares e pós-liminares. O estado que recebe mais
atenção é o de ‘liminaridade’, que representa o período de ‘transição’, um dos únicos
momentos, segundo ele, em que o indivíduo é considerado fazendo parte de um estágio
intermediário, ao mesmo tempo morto e vivo. Turner trata também do conceito de
57
Communitas” que para ele é um relacionamento não estruturado que muitas vezes se
desenvolve entre liminares” (Turner, 1974:5). Ainda de acordo com ele enquanto a
communitas é um relacionamento entre seres humanosplenamente racionais cuja
emancipação temporária de normas sócio-estruturais é assunto de escolha consciente, a
liminaridade é muitas vezes ela própria um artefato de ação cultural” (Turner, 1974:6).
Segundo ele, durante o rito de passagem o indivíduo passa por três fases: a fase da separação
abrangendo o comportamento simbólico de um indivíduo ou de um grupo que se afasta de um
ponto fixo anterior da estrutura social; o período limiar, aqui o indivíduo ou grupo encontra-se
em um estado intermediário, em domínio cultural que não tem aspectos do passado e do
futuro; a consumação da passagem que é a reintegração do sujeito ritual (seja ele individual ou
coletivo) ao mundo da estrutura e das normas as quais a sociedade espera que ele se comporte
de acordo.
A “liminaridade” possui características ambíguas. As entidades liminares encontram-se
sempre num ponto intermediário, um lugar que tem um tom de indefinido. Seres liminares não
possuem “status”. Por exemplo, os neófitos que participarão do rito de iniciação à puberdade,
onde enfim alcançarão um status social e saíram do estágio de liminaridade.
Para Turner (1974) existem dois modelos de correlacionamento humano, justapostos e
alternantes. No primeiro a sociedade é tida como um sistema estruturado, lugar onde está a
dicotomia do mais e do menos e também se encontram as hierarquias político-jurídico-
econômicas. No segundo, período limiar, a sociedade é tida como “comitatus” não-estruturado
(ou rudimentarmente estruturado), uma comunidade de indivíduos iguais que se submetem
em conjunto à autoridade geral dos anciões rituais... A diferença entre estrutura e
58
communitas não é apenas a distinção familiar entre mundano e sagrado” (Turner, 1974:119).
Ele afirma que existe nas sociedades tribais vários cargos fixos que são sagrados e que na
verdade toda posição social tem características sagradas.
A sociedade é constituída de dialéticas que abrangem a experiência do alto e do baixo,
de communitas e de estrutura, homogeneidade e diferenças, igualdade e desigualdade.
Segundo Turner, a passagem de um situação à outra é feita através de um limbo de ausência
de status” (Turner, 1974:120). Que é exatamente o período de liminaridade, neste momento os
opostos estão imbricados e são indispensáveis uns aos outros.
Os rituais contemporâneos adquirem novas características que recebem forte influência
do processo de individualização, mas isto não significa que a atualidade está propensa à não
ritualização dos acontecimentos. A Wicca, por exemplo, é uma religião sacerdotal, no entanto,
apesar de os praticantes poderem realizar o contanto com a Deusa de forma individual através
de rituais, percebi que entre os wiccanianos os quais travei contato, há uma necessidade de
coletivização simbólica para a efetivação da religião, participação coletiva simbólica que
também permeia em alguns casos a realização ritualística. É o que podemos perceber no
exemplo a seguir. É importante ressaltar que muitos rituais contemporâneos ainda estão sendo
gerados. O ritual wiccaniano denominado Esbat ,de acordo com os representantes da
Abrawicca-PE, é um excelente momento para fazer uma conexão com outras pessoas, com
outros praticantes. Por exemplo,cada grupo da Abrawicca
31
espalhado pelo Brasil mentaliza
31
A
Abrawicca surgiu da ação de um pequeno grupo de bruxas e bruxos de São Paulo, em meados de 1997. A ação
desse grupo foi projetar uma associação que representasse e atendesse aos anseios dos bruxos brasileiros,
centrando sua preocupação em defesa jurídica e institucional contra o preconceito.
Os encontros entre bruxos brasileiros começaram a se tornar realidade no Brasil nessa época, e no ano de 1998
59
houve o histórico I Encontro de Bruxaria do Brasil, no Hotel Danúbio, em São Paulo, organizado por Wagner
Périco e Denise De Santi. Quis a sincronicidade que o nome do Hotel escolhido fosse um dos nomes da Deusa:
Danu. Nesse encontro, o grupo que formaria o embrião da Abrawicca cresceu e foram programados encontros
específicos para a criação da associação.
Ainda no ano de 1998, foi escolhido Presidente da nova entidade Claudiney Prieto e a Abrawicca começou suas
atividades públicas. Claudiney e seu grupo começaram a celebrar rituais públicos e os convidados começaram
a afluir e a ficar, irmanando-se no ideal de defender a bruxaria e informar pessoas interessadas em praticá-la.
Em 1999 a Abrawicca uniu-se ao Projeto Deusa 2000, após o BBB - Brux@s Brasileir@s em Brasília,
organizado por Mavesper Cy Ceridwen. Após essa união, em janeiro de 2000, a Abrawicca foi organizada
juridicamente em forma de associação civil sem fins lucrativos. Foi eleito para o quadriênio 2000/2004,
Claudiney Prieto.
A partir dessa época, dado o crescimento das listas de discussão da Abrawicca e da diversificação de
atividades, sempre visando gerar oportunidades de troca de experiência e conhecimento entre praticantes de
wicca, foram surgindo as Coordenações da Abrawicca nos seguintes estados brasileiros: Rio de Janeiro,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Paraíba, além das
existentes Coordenações São Paulo e Distrito Federal. Além das Coordenações Estaduais, a Abrawicca tem
Coordenações Locais, em municípios do interior dos Estados.
Durante a gestão de Claudiney Prieto a Abrawicca passou a realizar rituais públicos na maioria dos estados
onde estava organizada, além de oferecer cursos, palestras e outras atividades voltadas para a comunidade
wiccaniana, especialmente atendendo à família pagã, inclusive com atividades para crianças e adolescentes. "A
experiência de criar uma comunidade pagã é algo que podemos legar as gerações futuras. As famílias devem
estar juntas em nossa comunidade" declarou certa vez Claudiney Prieto.
Em 2001 surgiu o EAB- Encontro Anual de Bruxos, realizado em São Paulo, no Auditório da Cidadania, no
Páteo do Colégio, que teve record de público: mais de 500 participantes. A partir desse evento, o EAB passou a
ser anual.
Na gestão Claudiney Prieto a Abrawicca:
Participou ativamente de diversos eventos pagãos internacionais, tais como: Projeto Deusa 2000, Dia Mundial
do Orgulho Pagão, Pagan Conference, e outros, tendo também recebido licença da International Ord
Brigideach para manter oficialmente um altar da Chama Perpétua de Brigit, hoje em Brasília.
- Estabeleceu diversas formas de informação a leigos interessados em wicca, criou sistema de cursos de
treinamento para novatos, patrocinou círculos de estudos, de debates e montou os CAABRA - Círculos Abertos
Abrawicca ( saiba mais no link sobre CAABRAs)
- Prestou assistência jurídica a inúmeros pagãos vítimas de preconceito, em casos civis, criminais,
trabalhistas e de família.
- Participou do Encontro para a Nova Consciência de Campina Grande, PB, no carnaval de 2003, forjando
pontes de contato com outra formas de religiosidade pagãs e não-pagãs.
- Organizou diversas campanhas beneficentes, projetos comunitários e de meio ambiente, apoiou a Parada do
Orgulho Gay.
- No EAB de 2003, a Abrawicca patrocinou a presença de duas personalidades internacionais: M. Macha
Nightmare (uma das Sacerdotisas fundadoras da Tradição Reclaiming e renomada autora e professora de
bruxaria) e deTraci Regula ( Sacerdotisa de Ísis, autora de best seller traduzido em português " Os Mistérios de
Ísis") , que abrilhantaram o encontro de brux@s de toda parte do país.
- Em dezembro de 2003 foi eleita para a Presidência da Abrawicca Mavesper Cy Ceridwen, cujo mandato dura
até final de 2007.
no Carnaval de 2004, surgiu o I ABRADAPESTE, Encontro Nacional da Abrawicca no Nordeste, em João
Pessoa, que tornou-se o terceiro evento anual permanente da Agenda da associação.
Na gestão Mavesper Cy Ceridwen a Abrawicca engajou-se nos seguintes projetos:
- Global Goddess - projeto internacional com o lema "Mulheres Pagãs ajudando Mulheres no mundo Todo",
que encoraja a atividade de mulheres pagãs junto a mulheres não pagãs (grupos de mulheres abusadas,
feministas, comunidades carentes, etc) para levar a noção da espiritualidade da Deusa em trabalhos voluntários
para fazer crescer esses movimentos de cura social. Não se trata de um projeto para "converter" mulheres não
60
uma Deusa específica no Esbat e todos estarão conectados através da lua que estará cheia em
todos os locais.
Ritos de comemoração servem para incentivar o espírito de coletividade. Falando sobre
a União Européia, ela afirma que o espírito de pertença do povo dos países europeus, os quais
não compartilham a língua, os hábitos, não será incentivado simplesmente pela moeda, isto é,
pelo Euro, e sim será necessário todo um processo que envolva manifestações e rituais
estimulando naqueles indivíduos o espírito de coletividade.
Segalen conclui que os ritos contemporâneos são menos marginais do que se imagina.
Ressalta que um ponto importante a ser observado é que a plasticidade dos rituais permite
interpretações variadas, isto é, cada protagonista pode lhe atribuir um sentido.
pagãs, muito pelo contrário, mas sim para levar a outras mulheres, de outras religiões a noção da Deusa, que
enriquece enormemente esses trabalhos.
- Participação na URI - Iniciativa das Religiões Unidas - para realizar diálogo multireligioso em prol da
cultura de paz. A crença da URI é que o preconceito e a violência religiosas nascem da falta de conhecimento, e
é preciso formar espaços seguros de respeito tuo onde as religiões possam se encontrar e dialogar. Nesse
trabalho de parceria com a URI, a Abrawicca teve a honra de participar da confecção e lançamento históricos
da Cartilha Para Combate ao Preconceito Religioso, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República. (veja detalhes no link Abrawicca Ativismo Social). Nessa cartilha, pela primeira vez em um
documento oficial da Presidência da República do Brasil foi mencionada a Deusa e a Wicca como religião que
sofre preconceito.
- Aperfeiçoamento do esquema de cursos da Abrawicca, hoje oferecendo mais de 40 cursos para novatos e
praticantes mais experientes; organização de bibliotecas pagãs em todas as sedes da Abrawicca; Portal
Abrawicca, ampliação do antigo site com atividades específicas para associados, além das abertas ao público
em geral; maiores informações sobre o paganismo voltado especificamente à mulher e ao homem; atividades de
ativismo social: beneficentes junto a crianças e adolescentes e idosos, meio ambiente, amparo a animais
abandonados, entre outros.
- Participação no Movimento Pela Vida, em Palmas - TO, mais um evento multireligioso.
- Organização de novas Coordenações que já estão surgindo em todo o país.
A Abrawicca chega a seu 9º. ano de existência, atendendo a seus associados e servindo a comunidade
wiccaniana e pagã de todo o país.” Por Mavesper Cy Ceridwen.Capturado on-line
(www.abrawicca.com.br) em 02-02-2007.
61
Ela acredita que “na verdade, de tanto insistir nos aspectos formais e, por conseguinte,
fixos do ritual, podemos concluir que são os ritos que criam os sentidos para os atores através
da repetição”. (Segalen, 2002:147)
Os ritos envolvem e produzem efeitos nos indivíduos e não ao contrário. Caso sejam os
indivíduos que estejam buscando dar sentido a tal manifestação, o é mais rito. O ritual
não é realizado mecanicamente.
No decorrer do livro acima citado, Segalen vários exemplos de rituais
contemporâneos , como aqueles ocorridos em estádios de futebol, um novo rito mortuário que
é o patchwork dos nomes (neste ritual é rememorado os nomes de pessoas que morreram com
AIDS e tiveram seus corpos cremados, logo ele se ‘assemelha’, pelo menos o seu sentido nato
se assemelha a um ritual de velório e enterro).
Pude perceber que os wiccanianos, apesar de muitas vezes realizarem os rituais de
forma individual, eles procuram pessoas que compartilhem das mesmas crenças para trocarem
experiências bem como comemorar a Roda do Ano de forma grupal. Apesar de passar
repetidamente no discurso dos praticantes que o link com a Deusa é independente da
participação em grupo, podemos observar que um dos pontos principais que caracterizam a
Wicca enquanto religião é a sua necessidade de coletividade. A partir desta coletividade é que
se faz possível a troca de experiências e até o reconhecimento do conhecimento que cada
praticante possui dentro da Arte, ponto que de certa forma parece definir algumas posições
dentro do grupo, às vezes referindo-se à realização dos rituais, mas também no que se refere à
relação social entre os praticantes.
62
2.2 A Wicca no Brasil e no Mundo
A Wicca é um fenômeno religioso bastante crescente no Brasil e no mundo. É o que
podemos perceber nas palavras do sacerdote wiccaniano Claudiney Prieto:
Estima-se que 1% da população brasileira esteja ligado a esta religião, direta ou
indiretamente. A Wicca conta com inúmeros praticantes em todo mundo e em diversos
países da Europa e nos Estados Unidos, sua notoriedade é tamanha que seus
Sacerdotes possuem direito à Capelania no exército”
32
.
Gross (1996:40) afirma que em 1971 Zsuzsanna Budapest, convencida que o
movimento feminista precisava de uma dimensão espiritual, fundou o coven Susan B. Anthony
1 no solstício de inverno, um evento que marcou o começo do movimento feminista de
espiritualidade. Segundo a autora, este movimento também é conhecido como Wicca
feminista. Reinvocando a palavra Witch (bruxa), o movimento wiccaniano começou quase ao
mesmo tempo do corrente movimento feminista. Em meados dos anos 70, algumas pessoas
que estavam envolvidas neste processo publicaram manuais de ritual e teologia, e o impacto
disto foi sentido nos círculos de conhecimento feminista em religião e na teologia feminista.
Segundo Gross, um grande marco deste período foi o livro Womanspirit Rising, publicado em
1979, o qual inclui ensaios escritos por Starhawk e Zsuzsanna Budapest, duas das mais lidas
praticantes da espiritualidade feminista, bem como um ensaio na conclusão de Carol P. Christ,
o qual reflete sua imersão no movimento da Deusa.
A primeira conferência de espiritualidade feminista foi em Boston em 1975 e teve
presentes cerca de 1800 mulheres. Em 1979, Strarhawk tinha publicado The Spiral Dance:
A Rebirth of the Ancient Religion of the Goddes, um guia bastante usado pela Wicca feminista.
32
Capturado em
http://jc.uol.com.br/noticias/comentarios.php?codigo=130443&canal=227 em 27.01.2007.
63
Starhawk e muitos outros autores têm continuado a oferecer um grande volume de literatura,
logo atualmente há uma gama de livros que abordam o tema da espiritualidade da Deusa.
O Brasil é um país que traz com ele várias particularidades regionais. Numa região
como o Nordeste ainda uma séria discriminação para com as religiões que fazem parte do
movimento neopagão, estas são muitas vezes vulgarizadas e tachadas como, satânicas. Na
região sudeste e especificamente na cidade de São Paulo que é bastante cosmopolita, é o que
podemos perceber nas palavras de Wagner périco
33
:
“Lugar para se manifestar a Wicca melhor que o Brasil não há. Aqui é um caldeirão
multicultural, um caldeirão da diversidade religiosa”.
A fala acima se refere especificamente a cidade de São Paulo, utilizou ainda como
exemplo a rua 25 de março, a qual segundo ele é um dos únicos ou o único lugar do mundo
que judeus e árabes convivem diariamente lado a lado sem guerrear.
Um fato recente acontecido na sociedade recifense marca a realidade acima
mencionada. O desconhecimento e intolerância para com a diversidade religiosa chegou ao
extremo de associar um crime contra a vida à religião Wicca, sem provas ou indícios da
possibilidade do acontecimento, a qual, - fato que iremos mencionar adiante -, foi descrita
como seita e magia negra tanto pela imprensa quanto pelos indivíduos ligados ao caso, como
os parentes da vítima e a própria polícia. Uma adolescente de 16 anos que estudava a Arte da
Deusa, foi assassinada brutalmente por dois rapazes ambos de 20 anos de idade. O corpo da
garota foi encontrado no dia 24 de janeiro de 2007, a partir daí começou uma indiscriminada e
irresponsável acusação à religião Wicca, como podemos perceber na seguinte reportagem:
33
Sacerdote wiccaniano em entrevista pessoal (14.02.2007).
64
Inicialmente, a polícia trabalhou com a hipótese de o crime ter sido cometido em um
ritual wicca, uma crença de culto à bruxaria. Além de a adolescente ser praticante da
doutrina, o quarto de Geison estava pintado de preto e possuía imagens satânicas. Mas
os acusados negaram a informação. Disseram que conheceram-na em uma banca de
revistas na Avenida Conde da Boa Vista, no Centro, quando ela comprava livros sobre
wicca...No Brasil, a wicca não é reconhecida como religião e por isso, é considerada
como uma seita. Em Pernambuco os seguidores da seita wicca, que é contra a religião
católica negaram que a seita tenha ligação com magia negra e disseram que sacrifícios
não fazem parte da wicca”.
34
Os wiccanianos se manifestaram e procuraram esclarecer a sociedade quanto às
características, o surgimento entre outras particularidades da religião Wicca, é o que podemos
perceber na seguinte fala do sacerdote wiccaniano Claudiney Prieto:
"Através da presente carta manifestamos nosso desagravo, decepção e indignação à
informação veiculada neste programa de televisão que insinua a ligação entre a
religião Wicca e o assassinato de Amanda Beatriz de Oliveira, perpetrado por Geison
Rodrigues em Recife-PE. Repudiamos também o uso indiscriminado e equivocado da
palavra "seita" ao se referirem à nossa religião. Atualmente, as palavras Wicca e
Bruxaria são geralmente usadas intercaladamente para nomear o sistema de crenças e
manifestações da Religião da Deusa com raízes na Europa antiga...No Brasil, a Wicca,
seu nome, filosofia e crenças principais foram incluídos na cartilha de Diversidade
Religiosa e Direitos Humanos, distribuída gratuitamente pelo Ministério da Justiça,
onde se lê: [i]"O trabalho de produção desta cartilha demorou, ao todo, um ano e
cinco meses. Neste meio tempo, quantos terreiros de umbanda e candomblé terão sido
invadidos? Quantos rituais de praticantes da Wicca, que celebram a divindade da
natureza e não desejam o mal a ninguém, terão sido desrespeitados e chamados de
“satânicos”?..."[/i] Tal reconhecimento é fruto de um trabalho árduo e continuo de
milhares de pessoas para a elucidação e reconstrução de uma imagem positiva da
religião Wicca que é desconstruído em menos de 5 minutos de reportagem com
imagens apelativas, uso de palavras pejorativas e informações erradas e tendenciosas
a nosso respeito como as que foram ao ar através deste programa. A menção da
religião Wicca na Cartilha de Diversidade Religiosa, inclui nossa espiritualidade no
grupo das religiões mais visíveis praticadas no Brasil. No entanto, diariamente somos
vítimas do preconceito e falta de informação que nos coloca, paradoxalmente, num
mesmo caldeirão de crenças completamente incompatíveis com as nossas. É
importante que se saiba que Bruxos não acreditam no Diabo, nem profanam igrejas,
34
Capturado em http://jc.uol.com.br/2007/01/24/not_130443.php
em 27.01.2007.
65
cemitérios ou hóstias. A Bruxaria é uma religião baseada nos cultos pré-cristãos à
Deusa, que existiam muito, muito tempo antes do conceito de um Deus monoteísta e
da criação da figura do Diabo. Na Idade Média, o Cristianismo transformou a figura
de antigos Deuses pagãos corníferos tais como Cernnunos, Herne, Pan, Odin na
imagem do Diabo para que desta forma o Deus das Bruxas fosse estigmatizado e
assumisse o papel de mal feitor. Ainda ecoam estigmas que associam as manifestações
Pagãs ao mal e infelizmente devemos isso a época medieval da Inquisição, onde
Bruxos foram associados ao Demônio e ao mal por interesses políticos e religiosos de
uma época. Hoje, a Bruxaria encontra nova luz e vem resgatando sua dignidade como
religião. Bruxos não praticam o mal e nem são anti-cristão, apenas não são cristãos.
Diabo, Satã, Satanás, Demônio fazem todos parte da Religião Cristã, não Pagã. A
Wicca ensina que cada um de nós é responsável por suas ações. Em seu conjunto de
crenças não existe predestinação, muito menos a interferência de um Deus maligno
nos impulsionando a fazer isto ou aquilo. Sendo assim, não temos a quem culpar, a
não ser nós mesmos, pelo que fazemos ou causamos a outros e pelos acontecimentos
de nossas vidas. Os interessados na Wicca são pessoas de todas as idades, profissões,
classes sociais e orientações sexuais cansadas dos modelos religiosos políticos e
dominadores disponíveis. Estas Pessoas são em sua maioria desejosas de um mundo
mais justo, digno, honesto, verdadeiro e conectado com as forças da natureza. Elas
possuem valores como responsabilidade social e consciência ecológica e querem
garantir que tais qualidades façam parte de suas vidas. Incrivelmente, todos os
Wiccanianos são preocupados com o meio ambiente, com a preservação da natureza e
com o equilíbrio entre as diferentes camadas da sociedade. São pessoas ligadas com o
que acontece no mundo, conscienciosas quanto ao seu papel na vida e conhecedoras
do que podem fazer em seu próprio universo para serem uma mola propulsora das
transformações necessárias para que haja paz, amor, aceitação e união entre os povos
da Terra. Hoje, a Wicca é uma Religião que congrega milhares de pessoas no mundo
preocupadas com o seu meio ambiente, com a preservação da fauna e da flora. Este
sentimento encontra-se arraigado no coração de cada verdadeiro Wiccaniano que
toda vida como manifestação da Deusa. Esta visão é a essência de nossa religião!
Reiteramos nosso desagravo, decepção e indignação frente às informações deturpadas
que têm sido veiculadas neste programa sobre nossa religião, sabendo que mais uma
vez fomos vítimas da incoerência, intolerância e preconceito que tanto lutamos para
dirimir”.
35
No ano de 2004, o nosso país deu um passo à frente no que se refere à tentativa de
promover o respeito à diversidade religiosa. Isto ocorreu com a criação da cartilha:
35
Capturado em
http://jc.uol.com.br/noticias/comentarios.php?codigo=130443&canal=227 em 27.01.2007.
66
“Diversidade religiosa e direitos humanos”,
36
realização da Presidência da
República/Secretaria Especial dos Direitos Humanos em parceria com várias instituições
relacionadas à religiosidade e também ao combate ao racismo. Nesta cartilha está a presença
da Wicca, a qual é reconhecida pelo Estado como Religião, a Religião da Deusa, que cultua as
forças sagradas da natureza.
A busca pela liberdade de expressão e por um modelo democrático de sociedade facilitou o
reaparecimento da bruxaria no Brasil e no mundo. Porém, ainda um preconceito acentuado
às manifestações religiosas pagãs, especificamente no Brasil. Com o caso do crime
mencionado acima, podemos perceber que permanece na contemporaneidade uma certa
“perseguição” às bruxas: o respeito à diversidade religiosa dentro da sociedade brasileira
parece ser incipiente. Diante deste fato, me veio à mente a seguinte questão colocada por
Marwin Harris(1978): Será verdade que a inquisição decretou o fim da heresia das bruxas?
Pode ter acontecido dos inquisidores, supressores da bruxaria, terem ressaltado as bruxas
como onipresentes e perigosas para popularizar a bruxaria e perpetuá-la ao invés de quererem
aniquilá-la. Logo, com toda essa divulgação “maléfica” da feitiçaria, tudo de ruim que
acontecia na sociedade, tanto no âmbito individual como no âmbito coletivo era atribuído às
bruxas. Então, a igreja e o Estado montaram uma forte campanha contra o “inimigo”, aquelas
que traziam e faziam o mal social. E assim recebiam a gratidão da população por lutarem
numa batalha contra as feiticeiras. Neste sentido, a crise do Estado e da Igreja era encoberta
pela aparição das bruxas e dos demônios imaginários que a elas estavam associados. Segundo
Ginzburg (1987) a inquisição foi uma verdadeira repressão da cultura popular e também da
36
A cartilha pode ser encontrada no site www.mj.gov.br/sedh/ct/cartilha_port_esp.htm.
67
tradição oral, às quais estavam muito ligadas aos cultos agrários. Na Idade Média muitos
moleiros foram perseguidos e torturados sob a acusação de praticarem feitiçaria.
A prática da Wicca se diferencia razoavelmente em alguns estados brasileiros como, por
exemplo, Brasília e Recife. Esta diferença que pude perceber no decorrer da pesquisa está
calcada na experiência dos praticantes dentro da prática religiosa, principalmente a experiência
grupal.
68
3. SACRALIDADE DO LUGAR E DO TEMPO NA WICCA
Uma questão bastante relevante, dentro da temática de uma religião que tem como
fundamento o culto à natureza, é pensar que espaço esta pode encontrar dentro de um centro
urbano.
Logo, uma das características que me parece bastante peculiar com relação a Wicca é
aquela que diz respeito ao espaço em que ela é realizada, praticada, principalmente no âmbito
grupal. Por isso, dedicaremos este capítulo para falar da relação da Wicca com o espaço e com
o tempo. Desta forma, complementando e inserindo aspectos aos dois capítulos anteriores que
envolvem a contemporaneidade.
Com relação ao espaço e também ao tempo religioso dentro da Wicca, farei a seguir
uma ponte entre o que observei e interpretei na pesquisa, com a teoria de Marc Augé referente
aos Lugares e Não-Lugares. Logo após, também trabalharemos com a perspectiva de Mircea
Eliade sobre a sacralidade do espaço e do tempo.
Na Wicca pode-se perceber que o espaço sagrado não depende de um espaço físico
que seja exclusivamente direcionado para esse fim, como por exemplo um templo. Isto é,
através do traçar do círculo mágico, qualquer espaço pode se tornar sagrado. No começo da
prática da Wicca muitos praticantes tem a necessidade de traçar o círculo fisicamente além de
magicamente, o que pode se concretizar através de um risco no chão, ou através da utilização
de pedras entre outras formas, o que é relevante é que esta atitude parece ser uma etapa dentro
de uma aprendizagem a qual o praticante perpassa para poder enfim acessar simbolicamente o
espaço sagrado wiccaniano. Traçar um círculo é traçar uma esfera que envolve o que está
dentro como uma bola, envolvendo por cima, por baixo e pelos lados (segundo praticantes da
69
Abrawicca-PE é preciso imaginar sendo coberto por uma luz, um muro, um arame farpado, a
imaginação é livre, no entanto para o traçar do círculo sagrado é necessário trabalhar
simbolicamente com a idéia de uma esfera). A “divisão entre os mundos”
37
é feita através
deste ato, é na verdade uma delimitação para que se possa fazer de um local e de um momento
sagrados. Segundo Atalanta, sacerdotisa wiccaniana, o círculo sagrado é um canal entre os
mundos e também uma medida de proteção, pois quando você está realizando um ritual você
está lidando com energia, o círculo ele meio que abre uma rotina, você abre o círculo, logo
você delimita aquele espaço e cria-se uma harmonia dentro daquele espaço para que você
possa fazer os sabats sem influência de nada externo. Então o círculo é necessário e é preciso
traça-lo. Fazer um ritual sem traçar o círculo, por incrível que pareça é muito diferente”
38
.
É bem verdade que os praticantes da Wicca procuram sempre que possível estar em
contato com a natureza; no entanto, como esta religião está inserida dentro do contexto das
grandes metrópoles, este contato muitas vezes é algo dificultoso, é o que pude perceber dentro
da realização de alguns rituais observados na cidade do Recife, pois os espaços físicos como
bosques, parques, hortos muitas vezes são Lugares e não Não-Lugares para com uma
realização religiosa. Em vários casos os indivíduos que circulam por aqueles espaços estão “de
olho” em atos que se diferenciem da ‘normalidade’ a que eles estão acostumados e conduzidos
a conviver, dificultando pois, a realização de um ritual que tem características na maioria das
vezes desconhecidas, menosprezadas ou rejeitadas por estes indivíduos, como por exemplo a
37
Entrevista Pessoal com Atalanta em 15-05-2006.
38
Idem.
70
utilização do Athame
39
para a consagração do vinho, incensos, utilização do tambor, entre
outras. De acordo com a perspectiva de Augé, podemos interpretar que o fato destes
indivíduos estarem ‘ligadosnos acontecimentos que ocorrem nestes espaços, conferindo-lhes
julgamento de valor, faz destes espaços um Lugar. Para melhor explicitar esta análise vejamos
a seguir um trecho das memórias de um dos rituais que fiz observação participante.
O ritual de Ostara foi celebrado, no mês de setembro no ano de 2003, no Sítio da
Trindade no bairro de Casa Amarela, um local aberto ao público e que possui uma vasta área
verde, este foi um dos principais motivos da escolha do local para a realização do ritual. Por
ser o primeiro momento num espaço com estas características, o grupo decidiu então
simplificar o ritual, isto é, não houve a utilização de instrumentos musicais, o altar se resumiu
a um caixote encoberto com uma toalha, duas velas acessas e os alimentos que foram
consagrados. O círculo energético foi traçado, os elementos invocados, e também o Deus e a
Deusa e ddesenrolou-se um exercício sobre as Deusas Gregas e os aspectos de cada uma
delas na vida de cada uma das bruxas do grupo. Durante o tempo que ali estávamos, em torno
de duas a três horas, o grupo foi abordado quatro vezes, primeiramente por um homem que
ficou a olhar e observar até o fim da reunião, logo depois aparece a primeira dupla de policiais
perguntando do que se tratava, o que significava aquele evento, ao mesmo tempo quando foi
pedido a eles que não quebrassem o círculo energético que havia sido traçado eles respeitaram
e partiram. Após algum tempo aparece um garoto aparentando seus 20 anos, e pergunta se
aquilo era Wicca, com muito entusiasmo ele procura saber onde encontrar pessoas da
39
Punhal que é utilizado simbolicamente como a representação do falo. Nos Sabbats representa o Deus
unindo-se em algum ato simbólica à Deusa, formando então o casal divino. O Athame também é usado para o
traçar do círculo, para cortar alimentos, entre outras utilizações.
71
Religião, mas logo favorece com a ausência quando perceber que estávamos em meio a uma
atividade sagrada. Daí aparece mais um policial questionando as mesmas perguntas da
primeira dupla, então uma das participantes explica, promete um pouco do nosso lanche ao
final e ele se retira.
Este relato exemplifica a “dificuldade” que um Lugar pode conferir a realização de um
ritual wiccaniano.
É recorrente dentro da minha observação participante de rituais realizados em espaços
físicos abertos como, por exemplo, o Horto de Dois Irmãos, o Parque da Jaqueira, o Sítio da
Trindade, a interferência e o questionamento feitos por parte de pessoas externas ao grupo
com relação ao porquê e o significado daquele acontecimento. Situação que na maioria das
vezes fez com que o grupo simplificasse o ritual, por exemplo, não utilizando o tambor,
acendendo menos velas, não utilizando o Athame; porém segundo eles, isso não significa que
a energia de ligação com a Deusa seja menor, no entanto pude observar que para o grupo
enquanto tal o ritual funciona como um canal de interação social mais sólido quando o mesmo
pode ser realizado de uma maneira mais ‘completa’ e comemorativa. Este exemplo pode ser
observado no meu relato de observação do ritual de Ostara a seguir.
O local marcado para a realização do ritual foi o horto de Dois Irmãos. No domingo à
tarde, às 15 horàs todos se encontraram na entrada do horto. Ali estavam Magia das Fadas,
Maneco, Ivy, Dani e eu, entramos no estabelecimento e seguimos em direção a trilha, isto é,
para entrar dentro da mata, no entanto aparece o primeiro obstáculo, numa das passagens para
tal local havia um guarda que nos informou que a entrada na mata do horto é possível
mediante o acompanhamento de um funcionário da secretaria do próprio horto e nos sugeriu
72
que seguíssemos para a recepção e solicitasse um acompanhante. Uma das participantes
reivindicou dizendo que havia em outro momento entrado naquela trilha sem acompanhante
(inclusive para realização de outros rituais, mas ela não disse este detalhe para o guarda) e o
guarda explicou que poucos dias antes uma pessoa ateou fogo na mata e daí provinha o motivo
para tal fiscalização.
A possibilidade de entramos com um acompanhante foi rejeitada, pelo fato de que tal
pessoa não entenderia o sentido do ritual, levando a outras conseqüências. O grupo então
decidiu tentar ingressar no local desejado por outra entrada, fomos nesta direção ao chegar
vimos que ali também estava interditado, houve uma última tentativa por outro local que
também estava obstruído.
Diante de tal situação os participantes decidiram ir para o Parque da Jaqueira, no
entanto afirmando que o ritual teria que ser realizado com outras características, isto é,
todos teriam que ficar sentados, velas não seriam acessas, o Athame seria utilizado com
restrições, e foi exatamente o que aconteceu: o ritual foi realizado de maneira muito discreta.
Ao chegar no parque, escolheu-se uma sombra embaixo de uma árvore, os
participantes se sentaram em círculo, os materiais para o ritual foram separados (ovos, cálice
incenso, concha). Logo após, foi feita a marcação dos pontos dos quatro elementos sagrados:
ar, terra, fogo e água. A marcação foi feita com os seguintes objetos: incenso, terra, vela (no
caso apagada, por motivos explicados anteriormente) e uma concha. Traçou-se o círculo
mágico, a sacerdotisa que estava “dirigindo” o ritual invocou a Deusa e o Deus: os outros
participantes, inclusive eu, invocaram os elementos sagrados. A partir daí, pintaram-se ovos
73
(de galinha cozidos) que é o símbolo de Ostara, representando a fertilidade. A intenção inicial
era que os participantes trocassem os ovos, mas devido à pequena quantidade de pessoas, pois
alguns participantes do grupo não compareceram, cada um ficou com o seu ovo para depois
enterra-lo. Depois disso, abriu-se o círculo mágico, despedimos-nos da Deusa, do Deus e dos
elementos sagrados, e demos início ao lanche (os alimentos haviam sido consagrados no
traçar do círculo mágico).
Em outras comemorações em ambientes espaciais fechados, pude perceber que a
liberdade dos praticantes na realização dos rituais é bem maior.
Neste sentido, o círculo mágico ou círculo sagrado para o wiccaniano é um exemplo
de Lugar, um Lugar que está muitas vezes inserido em um Não-Lugar, ou no caso do Recife
em um Quase Não-Lugar. Observemos as palavras de Marc Augé:
“Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os
não-lugares misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não-lugar nunca está
ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem freqüenta os
não-lugares (e que sonha, por exemplo, com uma residência secundária enraizada nas
profundezas da terra). Lugares e não-lugares se opõem (ou se atraem), como as
palavras e as noções que permitem descrevê-las”.(1994:98)
Voltando à discussão anterior, um exemplo do que não seria um Não-Lugar é um
Templo religioso, como uma Igreja. Ali os indivíduos vão com um objetivo, que é em
comunidade vivenciar a prática da sua crença. Sozinhos na multidão, as pessoas que transitam
pelos Não-Lugares geralmente se relacionam com eles através de símbolos da
supermodernidade, como, por exemplo, compras no cartão de crédito, máquinas de
refrigerante, máquinas de café expresso, caixas eletrônicos, entre outros.
74
Uma das peculiaridades da Wicca é que esta divisão entre o Lugar e o Não-Lugar, não
é feita por uma barreira física e sim por uma barreira energética. E esse Lugar se referencia a
um espaço sagrado. Segundo Marc Augé, “certos lugares só existem pelas palavras que os
evocam, não-lugares neste sentido ou, antes, lugares imaginários”.(1994:88).
Tratando sobre o lugar antropológico, Marc Auafirma que a noção de lugar é uma
fantasia que busca delimitar um espaço e toda uma situação social. Esta fantasia está presente
tanto para os indígenas quanto para o antropólogo. Neste último caso, segundo Augé, “gaba-
se de decifrar pela organização do lugar (a fronteira sempre postulada e demarcada entre
natureza selvagem e natureza cultivada, a divisão permanente ou provisória das terras de
cultura ou das águas piscosas, o traçado das aldeias, a disposição do hábitat e as regras de
residência, em suma, a geografia econômica, social, política e religiosa do grupo), uma
ordem muito mais restritiva, e, seja como for, evidente, porque sua transcrição no espaço lhe
dá a aparência de uma segunda natureza. O etnólogo vê-se, assim, como o mais sutil e o mais
sábio dos indígenas”.(1994:44). Esta imagem de um mundo fechado, de um lugar
concretamente pensado é também uma semi fantasia (Augé, 19994), é uma imagem útil e
necessária, não é uma mentira, na verdade é um mito que busca uma fixidez das coisas através
da concretude de uma noção a qual chamam de ‘Lugar’.
O estatuto intelectual do lugar antropológico é ambíguo, pois é constituído tanto de
materialidade quanto de memória. O conceito de lugar antropológico ele é antes de tudo,
geométrico. De acordo com Augé “pode-se estabelecer com base em três formas espaciais
simples, que podem ser aplicadas a dispositivos institucionais diferentes e que constituem, de
certo modo, as formas elementares do espaço social”. (1994:55) Estas formas são a linha, a
75
interseção das linhas e o ponto de interseção. Em outros termos pode-se falar em “itinerários,
eixos ou caminhos que conduzem de um lugar a outro e foram traçados pelos homens e, por
outro lado, em cruzamentos e praças onde os homens se cruzam, se encontram e se reúnem,
que os desenharam, conferindo-lhes, às vezes, vastas proporções para satisfazer
principalmente nos mercados, necessidades do intercâmbio econômico; e, enfim, centros mais
ou menos monumentais, sejam eles religiosos ou políticos, construídos por certos homens e
que definem, em troca, um espaço e fronteiras além das quais outros homens se definem como
outros, em relação a outros centros e outros espaços”. (1994:55)
Isto é, o próprio homem criou e cria espaços (lugar antropológico) que conduzem de
lugar a outro, possibilitando assim, a movimentação e a circulação, bem como lugares centrais
que convergem em ponto onde se congregam relações sociais, sendo estas econômicas,
religiosas, políticas, entre outras. Para ele, nos limites espaciais encontram-se sempre a
identidade e a relação. Na Wicca, os praticantes criam o espaço sagrado através do círculo
mágico: Na verdade, o o espaço mas também o tempo sagrado; deste último falaremos
mais adiante. Este espaço sagrado serve como um lugar “Entre os Mundos” energicamente
protegido para se cultuar a Deusa. Este espaço também pode ser traçado para a realização do
ritual individualmente, o que ocorre muito, vale ressaltar. No entanto, segundo os
wiccanianos, o contato com a Deusa é feito diariamente, pois se consideram como fazendo
parte da Deusa: logo, por exemplo, ao respirar, o indivíduo está se contactando diretamente
com Ela. A memória e as relações sociais entre os praticantes ultrapassam este espaço sagrado,
pois outros momentos que o círculo gico não é necessariamente traçado, como por
exemplo, reuniões para se discutir panteões, grupos de estudo, entre outros.
76
A forma como a humanidade perpetua sua existência através das gerações é pela
construção de grandes monumentos os quais se tornam lugares representativos da saga
humana. O corpo muitas vezes também é tido como monumento, ou seja, o corpo enquanto
entidade social, um lugar onde convergem representações, relações e memória. Desta forma,
combinam-se a temática individual e a temática coletiva. Segundo Augé o simbolismo
político joga com essas possibilidades para expressar o poder da autoridade que unifica e
simboliza, na unidade de uma figura soberana, as diversidades internas de uma coletividade
social”. (1994:60)
Agora falando ‘Dos Lugares aos Não-Lugares’ Augé afirma que “se um lugar pode se
definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como
identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar”. (1994:72) A
supermodernidade cria espaços com essas características de não-lugares. “Espaços que não
são em si lugares antropológicos”.(1994:73)
Na visão de Au“o lugar e o não-lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro
nunca é completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente palimpsestos em
que se reinscreve, sem cessar, o jogo embaralhado da identidade e da relação”.(1994:74)
Ele faz uma diferenciação, baseado em Michel de Certeau, entre lugar e espaço. O
“espaço geométrico” é diferente do “espaço antropológico”. Este último, segundo ele,
representa o espaço “existencial”, onde um ser está em plena relação com o meio. Ele cita a
seguinte passagem de Michel de Certeau:
“O espaço seria para o lugar o que se torna a palavra quando é falada, isto é, quando
é apreendida na ambigüidade de uma efetivação, transformado num termo dependente
77
de múltiplas convenções, colocado como o ato de um presente (ou de um tempo) e
modificado pelas transformações devidas a vizinhanças sucessivas”. (Michel de
Certeau em Marc Augé, 1994:76).
A noção de espaço é bem mais abstrata do que a noção de lugar: o espaço abrange
tanto o âmbito da distância, como o âmbito temporal. A Wicca se encaixa dentro desta
perspectiva, pois ao traçar o círculo mágico, os praticantes delimitam um espaço e um tempo
sagrados, espaço, como já falamos acima, por que é criado um ambiente energicamente
protegido de energias externas ao ritual, e tempo, pois é um momento específico em que se
concentram para a canalização ‘entre os mundos’. Mais a frente abordaremos estas questões
novamente, a partir da visão de Mircea Eliade.
Uma das características da supermodernidade são as novas experiências de solidão, as
quais estão intimamente ligadas à proliferação de não-lugares. Podemos dizer que a Wicca é
uma religião que é em grande parte praticada solitariamente e este fator pode ser atribuído à
algumas características da supermodernidade como esta proliferação dos não-lugares, o que
também cria uma desconsideração dos indivíduos para com os espaços e especificamente
aqueles espaços que estão relacionados à natureza, como bosques, rios, praias... Logo, há uma
super poluição e destruição deste elementos, o que dificulta a prática wiccaniana dentro de
espaços naturais e esta realização acaba muitas vezes acontecendo em espaços fechados, como
a casa do próprio praticante e isto geralmente ocorre de forma solitária. Como disse
anteriormente no capítulo2 (subseção 2.1) apesar de a Wicca ter esta possibilidade de ligação
com a Deusa de maneira individual, pude perceber nesta pesquisa que os praticantes procuram
estar inseridos dentro de uma coletividade religiosa.
78
Ao meu ver, os não-lugares também possuem regras as quais devem ser obedecidas
pelos indivíduos se eles quiserem estar incluídos naquele espaço. E por isso falei acima de
Recife ser, com relação à Wicca, uma cidade do ‘Quase Não-Lugar’, pois, pelo que observei
neste trabalho, esta prática contrapõe as regras dos espaços abertos, como parques, praças, que
aqui nesta cidade podem ser Não-Lugares para outras coisas, mas para a religião Wicca é
apenas um ‘Quase Não-Lugar’. Os rituais Wicca quando realizados em espaços abertos são
alvo de atenção dos transeuntes que observam com olhares de estranhamento e algumas vezes
agem demonstrando medo e preconceito. No dia 04 de fevereiro de 2007 participei no Sítio da
Trindade da comemoração do ritual de Imbolc juntamente com o grupo da Abrawicca-PE,
apesar de serem poucos os indivíduos que por ali circulavam alguns pararam para observar o
acontecimento. Uma semana antes também estive no mesmo local com o grupo da Abrawicca-
PE numa reunião sobre Esbats. Ali também estava um grupo de jovens cristãos se reunindo e
cantando e para os transeuntes aquilo não causava nenhuma reação de estranhamento, isto
juntamente com outros fatos inevitavelmente me fez realizar uma comparação, onde percebi
que apesar de a contemporaneidade possibilitar a convivência multicultural nos mesmos
espaços a sociedade recifense olha e reage diferentemente para as diferentes manifestações
religiosas.
Os não-lugares estão abarcados por duas instâncias que são os espaços constituídos em
relação a certos fins e a relação que as pessoas mantém com esses espaços. O que se
complementa no seguinte trecho:
“Se as duas relações se correspondem de maneira bastante ampla e, em todo caso,
oficialmente (os indivíduos viajam, compram, repousam), não se confundem, no
entanto, pois os não-lugares medeiam todo um conjunto de relações consigo e com os
79
outros que dizem respeito indiretamente a seus fins: assim como os lugares
antropológicos criam um social orgânico (Durkheim), os não-lugares criam tensão
solitária”. (1994:87)
Eliade também pode nos ajudar a pensar na questão do sentido dos rituais bem como
na sacralização do espaço. Ele trabalha com a idéia do “eterno retorno” (Eliade, 1992a) como
sendo a constante volta realizada pelos indivíduos às origens, ao ato da Criação, que se
através dos rituais míticos e estão na perspectiva do sagrado. Para ele as formas primordiais
estão dentro de todos nós, o que de alguma forma nos remete a Lévi-Strauss e sua idéia da
universalização do pensamento humano. O sagrado é uma categoria antropológica, pois é
através dele que se pode observar e de certa maneira entender a especificidade humana.
Afirma que as sociedades tradicionais possuem uma forma de realidade e mesmo de
comunicação que não esligada à linguagem teórica que nos é comum na atualidade. Esta
forma é expressa através de símbolos, mitos e rituais, os quais, se nos propormos interpretar
teremos que codifica-los para nossa visão habitual.
As coisas e os atos possuem um valor que lhes é dado de fora para dentro, os primeiros
são receptores dos segundos. Por exemplo, o processo de povoamento de uma nova região,
antes desconhecida é como um ato de Criação, é a passagem do caos para o Cosmo através de
um ato ritual que representa o ato primordial de Criação do mundo. Isto atribui um valor,
podendo ser este simbólico e sagrado, àquele território conquistado.
Para as sociedades tradicionais esta passagem do caos para o Cosmo através de um
ritual sagrado faz com que certa situação se torne real, e neste sentido a realidade para eles é
tida como sagrada, pois só o que é sagrado pode ser eficiente, mudar e criar.
80
Trabalha a idéia do simbolismo do Centro, onde se a origem das coisas, a Criação
do mundo. As montanhas e cidades sagradas são tidas como centro do mundo. As cidades e os
templos sagrados são simbolicamente considerados como o ponto de encontro do céu, da terra
e do inferno. Se pensarmos o feminino como este Centro das coisas, onde a vida se inicia,
podemos citar a seguinte passagem:
“No México, diz-se que a mulher tem a ‘luz de la vida’. Esta luz está localizada, não
no coração da mulher, não atrás dos seus olhos, mas em ‘los ovarios’, onde todas as
sementes estão armazenadas antes mesmo que ela nasça”. (Estés, 1994:51)
Ele considera que os rituais tanto nas sociedades tradicionais quanto nas
contemporâneas possuem um arquétipo, um caráter mítico, mais uma vez no sentido de
retorno às origens, ao que os deuses fizeram. E ainda mais, nas culturas tradicionais, os atos
humanos (não os rituais) também possuem este modelo mítico. De acordo com as palavras
do próprio Eliade, “o homem limita-se a repetir o ato da Criação; seu calendário religioso
comemora, no espaço de um ano, todas as fases cosmogônicas que tiveram lugar ab origine.
Na verdade, o ano sagrado repete a Criação de modo incessante: o homem é contemporâneo
à cosmogonia e a antropogenia, porque o ritual o projeta para a época mítica do princípio de
tudo”. (Eliade, 1992a:30)
Desta forma podemos comparar esta passagem à efetivação das religiões, cada uma a
seu modo, e especificamente com relação a Wicca, religião neopagã, o ano sagrado representa
o nascimento, vida e morte da Deusa Terra, ciclo que se repete incessantemente, remetendo-se
à cosmogonia da Criação e as práticas do antigo povo Celta.
De acordo com Eliade os rituais ticos das sociedades tradicionais estão todos (caça,
pesca, agricultura, jogos, conflitos) ligados ao âmbito do sagrado, nada tinham de profano,
81
pois profanas seriam aquelas atitudes que não estão ligadas ao mítico. Com a modernidade
esta situação muda de figura, uma tentativa de dessacralização das coisas, no entanto,
segundo Eliade, é uma tentativa não alcançada, pois o sagrado está intrínseco à condição
humana.
Para as sociedades tradicionais a realidade se através do ato da repetição, ato este
que é sagrado. Através do rito da repetição mítica, alcança-se o ato no momento em que ele
ocorreu, isto é, transpondo a barreira do tempo e do espaço. Ao meu ver, isto se através de
um momento de transposição da alma, o corpo físico não participa deste processo de
transfiguração, pelo menos ao olhar do outro.
O indivíduo não está todo o tempo em processo de projeção mítica e sagrada, isto
ocorre em momentos específicos, como por exemplo, em cerimônias, no ato da alimentação,
da geração. A maior parte do tempo o indivíduo passa sob a marca do profano. Porém,
segundo Eliade “é preciso acrescentar que uma tal existência profana jamais se encontra no
estado puro. Seja qual for o grau de dessacralização do mundo a que tenha chegado, o
homem que optou por uma vida profana não consegue abolir completamente o
comportamento religioso” (Eliade, 1992b:27).
De acordo com Eliade (1992b), para o homem religioso os espaços se diferenciam, ou
seja, se dividem em sagrados e não-sagrados, logo os espaços não são homogêneos e estes
espaços tidos como sagrados possuem uma alta representatividade e significado para estes
indivíduos. Para o homem religioso o espaço sagrado é o único que é real, o resto é apenas o
que o cerca. Isto acontece na Wicca, ao menos no momento das comemorações ritualísticas
quando o religioso se manifesta mais amiúde nos praticantes, o círculo mágico é o espaço
82
sagrado e está estritamente ligado ao “outro mundo”, ao mundo dos Deuses e o que está fora
do círculo mágico é apenas algo que o entorna, na visão de Eliade podemos considerar este
espaço exterior (ao círculo mágico) como não-sagrado.
O homem contemporâneo, segundo Eliade, se relaciona mal com a possibilidade do
sagrado se manifestar nas coisas, por exemplo, em uma pedra, ou uma árvore. Mas de acordo
com ele é preciso entender que isto representa uma hierofania, isto é, as coisas revelam algo
sagrado, por exemplo, a pedra não é adorada enquanto pedra e sim como uma manifestação do
sagrado. Observemos o seguinte trecho do autor:
“Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e contudo,
continua a ser ele mesmo, por que continua a participar do meio cósmico envolvente.
Uma pedra sagrada nem por isso é menos uma pedra; aparentemente (para sermos
mais exatos de um ponto de vista profano) nada a distingue de todas as demais pedras.
Para aqueles a cujos olhos uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata
transmuda-se numa realidade sobrenatural. Em outras palavras, para aqueles que tem
uma experiência religiosa, toda Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade
cósmica. O Cosmo, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania”. (Eliade,
1992b:18)
Abordando esta idéia podemos pensar sobre a criação do lugar sagrado na Wicca,
qualquer espaço pode ser consagrado e se tornar o local ideal para o contato com os deuses e
para a realização dos rituais num tempo “x” que também será sagrado. Este local que pode ser
mutável a cada ritual é comparável a Cosmogonia do Centro colocada por Eliade.
Para Eliade (1992b) esta descoberta do espaço sagrado é extremamente valorosa. A
não homogeneidade dos espaços permite a descoberta do “ponto fixo” o qual segundo ele
representa o centro, o início, a origem e é o eixo central pra toda uma orientação futura.
Observemos as palavras do autor:
83
Vemos, portanto, em que medida a descoberta ou seja, a revelação do espaço
sagrado tem um valor existencial para o homem religioso; por que nada pode
começar, nada se pode fazer sem uma orientação prévia e toda orientação implica a
aquisição de um ponto fixo”.(Eliade, 1992b:26)
O ponto fixo, a cosmogonia do centro representam a Criação do Mundo, de onde as
coisas podem partir e fluir. Como podemos ver esta situação está ligada ao espaço sagrado. No
espaço profano a homogenização e a relativização do mesmo, está presença de lugares
aleatórios, e não há um centro, estes lugares aparecem e desaparecem de acordo com as
necessidades diárias de uma lógica fundada pela sociedade industrial.
Segundo Eliade (1992b), a partir de sinais misteriosos os homens escolhem ou
descobrem os locais ou terrenos sagrados e quando nenhum sinal se manifesta o homem o
provoca, como por exemplo com ajuda de animais. Em alguns casos perseguem um animal
feroz e no local que o matarem ergue-se a aldeia.
Eliade também nos fala sobre o limiar, o qual possuí um alto valor religioso, ao mesmo
tempo representa um símbolo e um veículo de passagem. O limiar separa os dois mundos, o
mundo sagrado do mundo profano. Um exemplo dado pelo próprio autor é uma igreja numa
cidade moderna. Para o crente a rua que esta igreja está localizada representa um espaço
diferente daquele encontrado no interior da igreja, este último está repleto de características do
religioso. A porta que se abre para o interior da igreja representaria este limiar, significando
de fato uma solução de continuidade. Na Wicca este limiar seria representado pelo círculo ou
esfera mágica. Este círculo mágico que é traçado é repleto de força energética que serve como
uma barreira, além do traçar do círculo energético também a invocação pelos wiccanianos
dos espíritos “guardiões” nos quatros pontos cardias norte, sul, leste e oeste. Esta invocação
esta ligada aos elementares água, fogo, terra e ar. Observemos a seguir as palavras de Eliade:
84
“O limiar tem os seus guardiões: deuses e espíritos que proíbem a entrada tanto aos
adversários humanos quanto às potências demoníacas e pestilenciais...O limiar, a
porta, mostra de uma maneira imediata e concreta a solução de continuidade do
espaço; daí a sua grande importância religiosa, por que se trata de um símbolo e, ao
mesmo tempo, de um veículo de passagem” (Eliade, 1992b:29).
Na Wicca, o espaço depois de sacralizado está protegido de energias indesejáveis e
propenso a uma ligação direta com o mundo das divindades. Segundo Eliade, “no interior do
recinto sagrado, o mundo profano é transcendido” (Eliade, 1992b:29).
Ainda de acordo com as idéias de Eliade, o homem religioso deseja viver integralmente
sob a marca do sagrado e para isso é preciso ter uma quantidade de técnicas de consagração do
espaço, mas estas técnicas de sacralização não é um trabalho humano. Isto fico visível no
seguinte trecho:
“Na realidade, o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é eficiente à
medida que ele produz a obra dos deuses” (Eliade, 1992b:32).
A consagração dos espaços representa também a passagem do Caos para o Cosmos.
Segundo Eliade, isto está ligado a cosmogonia da criação, a repetição do ato de criação do
mundo. As imagens do Caos, da desordem que ameaçam uma ordem que permeia o Cosmos,
uma estrutura orgânica, estão presentes também nas sociedades atuais, mesmo sendo estas
sociedades compostas em sua maioria por homens não-religiosos, mas isso demonstra que a
concepção religiosa do mundo também está presente no comportamento do homem profano,
ainda que ele não tenha a consciência desse herança imemorial.
Ainda de acordo com Eliade (1992b) o “Tempo sagrado”, para o homem religioso,
também não é homogêneo nem contínuo, este Tempo é reversível, ele é um Tempo mítico que
se torna presente naquele momento específico de uma festa religiosa ou uma comemoração
85
ritualística, por exemplo. É um Tempo que é reatualizado por ocorrência da festa ou ritual. O
Tempo sagrado é indefinidamente recuperável e repetível. Segundo o autor, “é um Tempo
ontológico por excelência , 'parmenidiano': mantém-se sempre igual a si mesmo, não muda
nem se esgota. A cada festa periódica reencontra-se o mesmo Tempo sagrado – aquele que se
manifestara na festa do ano precedente ou na festa de um século: é o Tempo criado e
santificado pelos deuses por ocasião de suas gestas, que são justamente reatualizadas pela
festa” (Eliade, 1992b:64)
As comemorações wiccanianas dos Sabbats participam deste Tempo sagrado, um
Tempo previamente fundado e que se repete a cada comemoração dentro da espiral da Roda
do Ano. Este Tempo sagrado tem um “q” de eternidade. Para o homem religioso, o Tempo
sagrado diferentemente do tempo profano não pertence ao presente histórico, ele é não-
histórico. O tempo profano pode ser “parado” pela inclusão de um Tempo sagrado através de
uma realização ritual. Observemos no trecho a seguir a relação entre o Tempo sagrado e o
tempo profano:
“É o eterno presente do acontecimento mítico que torna possível a duração profana
dos eventos históricos...é a hierogamia divina, que teve lugar in illo tempore, que
tornou possível a união sexual humana. A união entre o deus e a deusa passa-se num
instante atemporal, num eterno presente: as uniões sexuais entre os humanos
quando não rituais desenrolam-se na duração, no tempo profano” (Eliade,
1992b:79).
Para exemplificar a questão do Tempo sagrado na Wicca acho interessante citar as
palavras da sacerdotisa Atalanta:
“O círculo mágico é como se você parasse o ponteiro do relógio e dissesse, começou o
tempo sagrado agora, você realiza o ritual faz todo o processo ali naquele tempo, é
como se você adormecesse e depois acordasse. É um espaço-tempo que você tira pra
você pra sua energia, pra falar com a Deusa: na verdade não é você que vai falar com
86
ela, não é essa relação... é uma coisa que está imbricada a todo momento, não que eu
vou estar pensando na Deusa o tempo todo, porque isso seria loucura”
40
.
Por fim, o Tempo sagrado de acordo com as perspectivas que vimos acima é na
verdade um tempo “atemporal”. Segundo Wagner Périco
41
, sacerdote wiccaniano a bruxaria é
uma religião atemporal.
Ainda para pensar o espaço sagrado na Wicca, é importante refletir sobre outras
religiões e seus territórios. As maiores religiões do mundo têm seu próprio território
geográfico: o Cristianismo tem grande espaço nos países da Europa e nos países de
colonização européia; na Índia está o Hinduismo, o Budismo está concentrado na Ásia Central,
estes são alguns dos exemplos. É importante frisar que, além destas religiões terem seu
“território geográfico”, elas também têm um espaço cultural que é permeado pela arquitetura,
pela vestimenta e que as coloca dentro do âmbito do sagrado, separando visualmente o sagrado
do profano.
Apesar destas grandes religiões serem dominantes nestes locais, ali também estão
presentes outras crenças religiosas que estabelecem seu próprio espaço sagrado de outras
maneiras, e nem sempre este espaço se dá em local fechado como uma sinagoga, uma igreja: o
meio natural também é um sujeito para o estabelecimento desta sacralidade.
Lynne Hume (1998) utiliza uma classificação feita por Jackson & Henrie (1983) que
categoriza o espaço sagrado em três níveis: Místico–Religioso, que é percebido como sagrado,
pois Deus e humanos estariam em contato direto, podendo ser um templo, uma catedral, um
bosque, uma montanha, uma árvore; a Pátria é sagrada porque representa a origem de cada
40
Entrevista Pessoal com Atalanta em 15-05-2006.
41
Entrevista pessoal em 14-02-2007.
87
individuo ou grupo, mas é sagrada somente para aqueles que acreditam nela; lugares
historicamente sagrados, os quais passam a assim serem considerados por causa de um
acontecimento específico que ocorreu ali, por exemplo: Jerusalém.
Segundo Hume (1998), não é fácil de se definir a santidade/sacralidade de um espaço.
Para Jackson & Henrie o espaço sagrado é:
“that portion of the earth´s surface which is recongnized by individuals or groups as
worthy of devotion, loyalty or esteem. Space is sharply discriminated from the non-
sacred or profane world around it. Sacred space does not exist naturally, but is
assigned sanctity as man defines, limits and characterizes it through his cuture,
experience and goals” (1983:94).
Ainda de acordo com Hume, Mircea Eliade e Émile Durkheim fazem uma clara
distinção entre o sagrado e o profano. No entanto, afirma que outros autores mais recentes
como Chidester & Linenthal
42
colocam a idéia de que o sagrado e o profano não são
dicotômicos, não estão necessariamente separados. Eles trabalham especificamente a noção de
espaço sagrado na América (do Norte), dando ênfase no aspecto político do espaço sagrado,
sugerindo que o que mais importa nesta noção não são as categorias de céu, terra e inferno e
sim “as relações hierárquicas de poder de dominação e subordinação, inclusão e exclusão,
apropriação e disposição”. O autor afirma que esta noção do sagrado permeada pela noção de
relação política de poder não se aplica ao caso da Wicca. Segundo ele o círculo sagrado é um
símbolo perfeito da filosofia wiccaniana. O espaço ou local sagrado da Wicca pode ser feito
sem ter que depender de um local geográfico. De acordo com ele, a idéia do círculo sagrado da
bruxaria tem mais a ver com o que coloca Jonathon Smith´s (1978): para ele, a sacralização do
42
CHIDESTER, David.& LINENTHAL, Edward T., eds. American sacred space. Bloomington: Indiana
University Press, 1995. In HUME, Lynne. “Creating sacrad space: outer expressions of inner wolrds in modern
Wicca”. Journal of Contemporary Religion, Vol. 13, Nº 3, 1998.
88
local seria o resultado do “the work of ritual, memory, desing, construction and control of
place” (Hume, 1998:310).
89
4. A PERSPECTIVA DO FEMININO NA WICCA
A Wicca, cultua como Deusa, uma deidade feminina manifesta: a natureza, a terra. Por
isso dedicaremos este último capítulo a este aspecto tão pulsante nesta religião e que pudemos
acessar em várias partes desta dissertação. Na subseção falaremos sobre a cura e ritual de cura.
O ritual de cura que abordamos trabalha com conceitos que evolvem fortemente o princípio do
feminino essencial ou feminino cósmico, as formas de re-consagração de partes físicas e
espirituais que para os wiccanianos, são feridas através de um processo sócio-cultural.
Teoricamente faremos uma interlocução com vários autores, para sustentar a nossa
análise.
De acordo com Gross (1996), o debate do século XIX, parte de uma muito longa
conversa sobre as origens e a evolução da humanidade, questionou se a sociedade e a religião
sempre foram patriarcais ou se o matriarcado precedeu esta corrente patriarcal. Desde o século
XIX, antropólogos argumentaram que todas as sociedades passaram pelos mesmos estágios de
barbárie à civilização (evolucionismo), os que defenderem a teoria do matriarcado
acreditavam que todas as sociedades foram originalmente matriarcais.
Segundo ela, dois livros iniciaram o debate, em 1861. Em Das Mutterrecht
(matriarcado), J.J. Bachofen visava demonstrar que a civilização patriarcal foi precedida por
um período matriarcal na sociedade humana. No mesmo ano, Henry Maine argumentou em
Ancient Law que todas as sociedades humanas foram originalmente patriarcais. Trinta anos
depois foi publicado o livro de Friedrich Engels, The origins of the Family, Private Property,
and the State. Este livro colocou a discussão da sociedade pré-patriarcal num contexto
socialista (1996:31), contexto o qual veremos mais a frente com as idéias de Engels.
90
Gross afirma que segundo Bachofen, o primeiro estágio da sociedade humana foi um
matriarcado dominado pelo feminino. Bachofen via o período pré-patriarcal como possuidor
do mesmo sentido do patriarcado, isto é, uma sociedade dominada pelas mulheres, herança
seguida pela linhagem da mãe ao invés da do pai, e filhas eram mais favorecidas do que os
filhos. A religião do matriarcado envolvia a veneração da Deusa Terra. Bachofen acreditava
que esta perspectiva religiosa teria predisposto todas as pessoas, homens e mulheres,
psicológica e espiritualmente, para uma vida pelo chamado pólo feminino da dualidade
cósmica noite, lua, terra, escuridão, morte e dia. Adicionalmente, ele argumentou que as
qualidades ‘femininas’ da unidade e da irmandade prevaleceram sobre os tratamentos
‘masculinos’ da divindade e da força, do vigor.
Ainda segundo as idéias de Bachofen, Gross coloca que o patriarcado sucedeu o
matriarcado como uma “ascensão da terra para o céu, da materialidade para a imaterialidade,
da mãe para o pai”.
43
Materialidade e imersão na maternidade, qualidades que Bachofen via como essenciais
para as mulheres, não tinham outra utilidade na civilização patriarcal.
Segundo Gross (1996:33), a visão de Engels sobre a evolução social e o matriarcado é
diferente da citada acima. Apesar dele também acreditar na evolução unilinear da humanidade,
ele estava menos convencido de que cada sucessivo estágio era um melhoramento.
Especificamente, Engels via a evolução da posição das mulheres como parte da ascensão da
propriedade privada, da família monogâmica, e do estado um pacote que, como um
43
MANHEIM, Ralph. Myth, Religion, and Mother Right: Selected Writings of J. J. Bachofen. Princeton
University Press, 1967, p. 109. Em GROSS, Rita M. Feminism and religion. Beacon Press, 1996, p.32.
91
socialista, ele não avaliou positivamente. Engels acreditava que nas primeiras sociedades
humanas, uma mulher não era economicamente dependente do seu marido e o seu trabalho era
socialmente necessário e útil para a totalidade do grupo tribal. De acordo com ele, o período
pré-patriarcal poderia ser dividido em dois estágios. No primeiro, a sociedade privada não
existia em nenhuma forma, a única divisão do trabalho era pelo sexo e todo homem do grupo
era um potencial companheiro para toda mulher. Privacidade e relações exclusivas não era a
norma. Este foi seguido por um período no qual vínculos de união eram fortes, mas o
relacionamento poderia ser terminado facilmente por qualquer um dos dois companheiros e a
mulher não era economicamente dependente do homem. Este período encorajou a monogamia.
Quando a família dona de propriedade se torna a unidade econômica primária da sociedade, o
trabalho das mulheres, formalmente necessário para o conjunto da sociedade, torna-se
propriedade privada de suas famílias. Por causa desta transição, as mulheres se tornam
economicamente dependente de seus maridos. O trabalho das mulheres, de acordo com
Engels, veio a ser performado sob condições de escravidão.
Fazendo uma ponte com a contemporaneidade, especificamente com as manifestações
religiosas neopagãs, vemos que esta discussão perpassa por uma esfera diferente, e que talvez
que as interpretações vistas acima sobre um possível matriarcado tenham sido equivocadas ao
reduzirem esta situação a uma questão de poder. Veremos na frente a visão do movimento
neopagão a respeito do que eles entendem e praticam com relação ao feminino cósmico.
Os escritos da história tradicional tem apresentado a dominação masculina como regra desde
as origens da humanidade até hoje. As narrativas patriarcais apresentam a história como sua
história e também justificam sua permanência e continuidade.
92
Para Harvey (1997), o matriarcado não é uma mera inversão do poder feminino em favor da
mulher. O divino, Deus ou Deusa, foi experimentado no processo natural da terra pessoas
não olham para o céu procurando manifestações poderosas de divindade e no ciclo de vida
das mulheres.
O movimento que envolve a espiritualidade da Deusa é também um movimento político, em
alguns lugares e algumas tradições específicas que buscam reafirmar devagar, suavemente, os
caminhos da Deusa e também aqueles que envolvem o matriarcado. Este, segundo
Harvey(1997), é um tema presente em estudos universitários na Inglaterra, por exemplo, na
Worker´s Education Association (WEA). Muitos departamentos unversitários ministram
classes que tem como tema principal a história do matriarcado. Segundo este autor, o
movimento da Deusa traz para as mulheres um sentimento de auto-afirmação, é o que
podemos perceber nas suas palavras:
“The initial attraction of Goddess-talk to many womem is a new vision of self-worth”.
Harvey (1997:75)
Segundo Monica Sjöö
44
a maternidade é o símbolo principal da Deusa. O matriarcado foi um
tempo das regras ditadas pelas mães. De acordo com Harvey (1997) a terra á mãe e ela é a
Deusa, a Grande Mãe. No entanto, apesar de esta ser uma escolha significante da imagem da
Deusa, a deusa não está limitada à maternidade, à fertilidade e à fecundidade. Logo, isto não
significa que só mães podem representar, manifestar ou entender a Deusa.
No paganismo e particularmente na espiritualidade da Deusa, modelos de divindade, o
significado da vida e a religião trabalham juntos todos os dias.
44
Sjöö (1992) apud Harvey (1997).
93
A Deusa ou melhor, segundo Harvey (1997), as Deusas, são vivenciadas por vários caminhos
através de tradições politeístas. Isto é, por se tratar de uma religião poleteísta ,sugere que é
mais adequado utilizar o termo “Deusas” ao invés do termo “Deusa”. Ressalta também as
faces das Deusas, isto é, elas não são de todo nutridoras e protetoras, também possuem um
lado destruidor.
De acordo com Harvey (1997), muitas mulheres têm o primeiro contato com a espiritualidade
da Deusa através de livros ou no caso específico da América do Norte e Inglaterra, tendo aulas
sobre o assunto, muitas vezes na própia Universidade. Algumas estão insatisfeitas com seus
grupos ou tradições também pagãs, mas que são muito centradas no masculino ou
insuficientemente feministas. Para outras, a espiritualidade da Deusa é uma confirmação
natural da expressão de seus entendimentos do paganismo. Ainda de acordo com este autor, o
primeiro efeito da espiritualidade da Deusa nas mulheres é que elas passam a olhar para si
próprias, para imagnes femininas e também para as atividades do feminino no mito e na
história. uma reafirmação da força das mulheres ao invés do sentimento de inferioridade e
humilhação.
Segundo Harvey (1997), a espiritualidade da Deusa é talvez a mais explicíta “teologia da
libertação” do paganismo contemporâneo. Ela explora o passado, o presente e as perspectivas
de futuro.
Estudar a relevância dada ao feminino dentro de uma manifestação religiosa nos
possibilitará entender especificidades relacionadas a nossa sociedade (no caso industrial e
tecnológica) que está passando por um imenso processo de transformação. Poderíamos dizer,
de acordo com Eliade (1992a), que esta transformação representa a busca pela origem, o ‘mito
94
do eterno retorno’, pois a importância que o feminino assume na Wicca pode representar uma
tentativa de re-ligação às origens, isto é, uma reaproximação à Deusa e Natureza (que é o
mais límpido espelho do feminino), de onde, segundo as crenças neopagãs, todos vieram e
para onde todos retornarão.
É importante frizar que o feminino sobre o qual falaremos é um feminino cósmico.
Podemos perceber esta característica na fala de uma sacerdotisa wiccaniana, Atalanta, em
entrevista pessoal:
“O masculino e o feminino estão representados no Deus e na Deusa. Também
representações nos objetos, por exemplo, o caldeirão e a taça representando o
feminino, o athame e a varinha representando o masculino, a vassoura e o chifre
representando ambos masculino e feminino. Tem homens que consagram o feminino
de forma soberba e vice-versa. Nós estamos falando de gênero, mas na Wicca é algo
além, é uma questão de essência. A wicca é a religião da Deusa e o ciclo da terra não
funciona sem o masculino. São coisas que estão imbricadas”.
45
A cultura ocidental desde o início desviou-se da feminilidade . “A última grande
sociedade ocidental a adorar os poderes femininos foi a Creta minóica”.(Paglia, 1992:19). A
Wicca busca trazer novamente à tona o culto à deidade feminina.
Segundo Paglia (1992) a natureza se sobrepõe à sociedade. Por mais que a sociedade
ocidental tente racionalmente “organizar” a natureza, ela, a qualquer momento, pode se rebelar
impedindo ou realizando transformações na própria sociedade.
De acordo com Paglia (1992) algumas religiões são um poderoso protesto contra a
natureza e o judaísmo, força matriz do cristianismo é o seu principal representante. No
judaísmo o culto do céu, o Deus Pai como criador da natureza, logo a natureza teria sido
criada por uma força masculina. No início da história da religião, está o culto da terra. Esta
45
Entrevista Pessoal com Atalanta em 15-05-2006.
95
passagem do culto da terra para o culto do céu desvalorizou a mulher e seus poderes e foi
também uma transferência da magia do ventre para a magia da cabeça.
A mulher tem a natureza pulsando em seu corpo, com a menstruação, com a gravidez,
com as formas arredondadas de seus seios que se assemelham à forma da terra e também da
lua. Porém, a cultura ocidental tenta banir os poderes do feminino através de modelos sócio-
patriarcais que buscam inibir nas mulheres a relação com a natureza do seu próprio corpo. A
Wicca vai além, cultuando o poder do feminino cósmico o qual, segundo as crenças
wiccanianas está presente tanto nas mulheres quanto nos homens.
“Os homens, juntando-se, inventaram a cultura como uma defesa contra a natureza
feminina”. (Paglia, 1992:20)
Um representante do poder feminino e do medo masculino é, segundo Paglia, o mito da
vagina dentada dos índios norte-americanos. No sexo a plenitude feminina retira do homem
algo da sua energia masculina, neste sentido, “metaforicamente, toda vagina tem dentes
secretos, pois o macho sai com menos do que ao entrar” (Paglia, 1992:24).
Observemos a seguir mais algumas palavras de Paglia com relação ao mito da vagina
dentada:
“Castração física e espiritual é o perigo que todo homem corre no intercurso com uma
mulher (...) Para o homem, todo ato sexual é um retorno à mãe, e uma capitulação a
ela. No sexo, o homem é consumido e novamente liberado pelo poder dentado que o deu
à luz, o dragão fêmea da natureza” (Paglia, 1992:24).
De acordo com Paglia, ainda na mesma obra supra citada, há uma tentativa constante
da sociedade Ocidental em suprimir a natureza, e isso ocorre na pessoa da sua maior
representante: a mulher. Os poderes da mulher que envolvem, entre outras coisas, a
96
possibilidade de gestar uma vida, a força de parir, são cada vez mais esmagados pelo
cientificismo e a tecnologia. Um exemplo disso é o alto índice de cesarianas (desnecessárias,
vale ressaltar) no Brasil. O tabu do sexo que é imposto pela sociedade patriarcal representa o
medo do homem com relação aos poderes do feminino. Isto pode ser percebido, por exemplo,
com o princípio cristão da virgindade de Maria. Segundo Paglia, “desde o romantismo, os
artistas e intelectuais m se queixando das regras sexuais da Igreja, mas elas são apenas
uma pequena parte da guerra cristã contra a natureza pagã” (Paglia, 1992:29).
Para Paglia, o corpo da mulher é um lugar sagrado, a metáfora básica da mulher é o
mistério, o oculto. “Toda mulher é uma sacerdotisa que guarda o temenos de mistérios
daimônicos.” (Paglia, 1992:33). Logo, para ela, “a igualdade política só dará certo em termos
políticos. Nada pode contra o arquétipo.” (Paglia, 1992:33).
Segundo G. Wilson Knigth (Apud Paglia, 1992:34), “o cristianismo surgiu
originalmente como um derrubador de tabus, em nome de uma humanidade sagrada; mas a
Igreja a que deu origem ainda não conseguiu cristianizar a magia pagã do sexo”. O judeu-
cristianismo não derrubou o paganismo, pois este sobreviveu através do sexo, das artes, entre
outras manifestações.
Os princípios wiccanianos procuram retomar a consciência do sagrado feminino,
porém esta intenção se diferencia, por exemplo, da intenção de algumas feministas, as quais,
segundo Paglia (1992:31) “politizaram a androginia como uma arma contra o princípio,
masculino. Redefinida, agora significa que os homens devem ser como as mulheres, e as
mulheres podem ser como quiserem”. Neste sentido, “a androginia é uma anulação da
concentração e projeção masculinas”(Paglia, 1992:31). Na Wicca, o poder masculino
97
também é reverenciado, pois é o Deus quem fertiliza a Deusa. No entanto, o mistério do
feminino continua a ser considerado como força motriz desta religião. Porém, reafirmo, que
isto não significa a exclusão da energia masculina. Observemos então as palavras de Sir James
Frazer:
“De acordo com os princípios das religiões antigas, aquela que fertiliza a natureza
deve ser, ela própria, fértil, e para tanto deve ter, necessariamente, um consorte
masculino”.(Frazer, 1982:30)
Segundo Wagner Périco
46
, sacerdote wiccaniano, a bruxaria é uma religião sexual. Ela
começa com a Deusa e o Deus transando. Simbolicamente o cálice e o punhal representam
esta sexualidade. Logo, de acordo com Wagner, nos rituais wiccanianos, especificamente o
Beltane, deveria haver orgia. Orgia não é sacanagem, toda magia é sexual. Paglia (1992:35)
afirma, referindo-se ao paganismo, que “a verdadeira orgia era uma cerimônia dos cultos
maternos ctônicos, em que havia tanto sexo como derramamento de sangue. O paganismo
reconhecia, cultuava e temia o daimonismo da natureza, e limitava a expressão sexual com
fórmulas rituais. O cristianismo foi um desenvolvimento da religião de mistério dionisíaca,
que paradoxalmente tentava eliminar a natureza em favor de um outro mundo transcendental.
O único contato com a natureza que o cristianismo permitia a seus seguidores era o sexo
santificado pelo casamento”.
Abordo o aspecto do feminino sabendo que as religiões neopagãs estão estritamente
ligadas à natureza, tendo-a como Deusa. Esta discussão nos leva a uma importante questão.
Que grande tarefa é aquela a de procurar o feminino em todas as coisas? Por que grande
tarefa? A reação ao modelo patriarcal da sociedade que é permeado pelas idéias dualistas
46
Em uma Oficina sobre Magia Sexual em 11-02-2007.
98
presentes na organização da ciência positiva condicionou a elaboração do conceito de Gênero,
o qual coloca homem e mulher em dois pólos opostos e dicotômicos, separando o feminino do
masculino, desconsiderando a essência de ambos, anima e animus como parte integrante de
um ser único, sendo este homem ou mulher.
Baseados em um artigo (Blain & Wallis, 2000) que trata de práticas Xamânicas
específicas, podemos fundamentar ainda mais a questão que abordamos acima. Este artigo é
escrito por um antropólogo e um arqueólogo que estão descobrindo o Seior em diversos
lugares no mundo. Seior é uma prática Xamânica que começa a ser reinventada como uma
prática comunitária, fazendo parte da tradição Européia conhecida como Asatrú, que está
ligada às religiões da natureza no Ocidente, chamadas de paganismo ou neopaganismo. Tanto
no passado quanto no presente, Seior é pensada como uma prática de mulheres, ainda que,
tanto antes como hoje, os homens estejam bastante engajados nesta forma de fazer magia.
Neste texto, a intenção dos autores é mostrar algumas narrativas do presente e questionar
como a construção discursiva do Seior como uma prática de gênero providencia, ambos
feminino e masculino, um significado de resistência ao paradigma de gênero dominante na
atualidade. Eles buscam um aprofundamento na recente teorização que considera o
xamanismo como uma atividade sócio-espiritual constituídora de relacionamentos
(envolvendo entidades humanas e não-humanas) em caminhos culturalmente e temporalmente
específicos. Sob esta perspectiva é que pretendemos trabalhar o caso da Wicca.
De acordo com Maluf (1993:104), “Mauss, de uma certa forma, antecipava aquilo que
hoje se constitui num paradigma fundamental para os estudos dos gêneros na Antropologia: o
de que feminino e masculino são construções sociais, cuja definição e contorno variam de
99
uma sociedade ou de uma cultura para outra”.
Logo, podemos ver que para Mauss, a idéia de
feminino e masculino não leva em conta a noção de essência e princípio.
Segundo Bachelard (1998), não há feminino e nem masculino integral: ambos possuem
imagens e símbolos imbricados.
Com as idéias pagãs da Filosofia grega e romana (Estoicismo) do século II e III d.C. e
que penetraram no Cristianismo através da conversão de diversos filósofos, os aspectos que
representam o feminino foram inibidos e mitificados como “perigosos”. Neste sentido, tudo
que diz respeito à feminilidade foi reprimido nos homens e as mulheres foram suprimidas
socialmente.
Para Bachelard, a anima representa a leveza e pode ser comparada ao repouso das
águas. Ainda de acordo com ele ao tratar sobre o devaneio, pela lógica do automatismo da
cultura ocidental, onde padecem tantas dialéticas, o homem deveria devanear em anima e a
mulher em animus. O devaneio é um estado de alma, “o devaneio cósmico é um fenômeno da
solidão, um fenômeno que tem sua raiz na alma de quem devaneia...” (Bachelard, 1998: 14).
Neste estado solitário não censuras. Atualmente, o feminismo tende a reforçar o animus na
mulher, no entanto o devaneio caminha no sentido inverso das reivindicações. No devaneio
puro, todo ser humano encontra seu repouso na anima da profundidade, descendo numa
descida sem queda, adentrando cada vez mais no reino profundo onde descansa o feminino.
Estés (1994), em seu estudo comparativo entre os instintos do lobo e da mulher, passa
a falar do arquétipo da Mulher Selvagem. Selvagem, não no sentido pejorativo que foi dado ao
termo, no decorrer das culturas patriarcais, e sim no sentido amplo da palavra, referindo-se a
tudo aquilo que é natural, que vem do fundo da alma. Diz ainda que, com a influência cultural,
100
a mulher é imobilizada, ensinada a prender o lado selvagem da sua psique. Ela chama atenção
para a extrema importância do resgate desta bela forma de viver. Considera que as palavras
mulher e selvagem estão no fundo da consciência de qualquer mulher, independentemente da
cultura em que esteja inserida, pois estas palavras às remetem a uma lembrança muito antiga e
criam uma imagem para descrever a força que sustenta todas as fêmeas. Estas terão sempre
“pensamentos e sentimentos ocultos que são exuberantes e selvagens, ou seja, naturais”.
(Estés, 1994:24)
“O arquétipo da Mulher Selvagem envolve o ser alfa matrilinear” (Estés, 1994:19).
Este resgate pode acontecer em várias ocasiões, mesmo que temporariamente, através da
música, da visão, pelo contato com cenas belas, no momento da gravidez, durante a
amamentação. Enfim, o fato é que uma vez que a mulher perca o contato com sua alma
selvagem e recupere-a, esta lutará para mantê-la consigo vivamente, pois esta luz à sua
criatividade. A partir deste momento, o seu cansaço estará referido à satisfação de ter realizado
coisas que lhe dão prazer, e não ao fato de viverem enclausuradas num emprego, num
relacionamento.
Todos os aspectos da feminilidade estão relacionados à Mulher Selvagem, a qual aqui
na terra recebe muitos nomes, como por exemplo, La Loba, La Mujer Grande, entre outros.
É importante ressaltar que se aproximar da natureza instintiva, não quer dizer perder as
socializações.
O aspecto do feminino está intimamente ligado à fecundidade sagrada, à possibilidade
de gerar a vida. Observemos as palavras de Eliade (1992b: 120-121):
“A mulher relaciona-se, pois, misticamente com a Terra; o dar à luz é uma variante,
em escala humana, da fertilidade telúrica. Todas as experiências religiosas
101
relacionadas com a fecundidade e o nascimento têm uma estrutura cósmica. A
sacralidade da mulher depende da santidade da Terra. A fecundidade feminina tem um
modelo cósmico: o da Terra Mater, da Mãe universal”.
No entanto, este aspecto também pode ser encarado como essência, como princípio
norteador, e de acordo com as crenças neopagãs, esta essência circula (ou deveria circular) por
todos os indivíduos. É exatamente o resgate desta essência, o qual é perseguido por estes
religiosos, que procurei abordar dentro das práticas e do discurso desta religião que tem como
divindade principal uma deidade feminina, a natureza, a Mãe Terra.
O culto ao feminino está bastante presente na prática ritual dos wiccanianos, notamos
também a tentativa dos praticantes em levar os ideais que perpassam o feminino cósmico para
sua vida cotidiana, porém sabemos que esta religião está inserida dentro de uma sociedade
ocidental permeada pela cultura do patriarcalismo, o que acredito dificulta esta inserção. Um
exemplo destas mudanças está presente na seguinte fala:
“O princípio do feminino na perspectiva wiccaniana mudou minha perspectiva para o
mundo porque, como nossa sociedade é extremamente machista, e eu tinha sérios
problemas com minha feminilidade, eu não posso dizer que eu sou 100% feminina,
mas mudou consideravelmente, por exemplo, eu era incapaz de usar uma saia, pra
você ter uma idéia o machismo em mim em relação a mim era tão forte que na minha
adolescência eu queria ser menino. Então quando eu comecei a entrar na Wicca eu
comecei a mudar isso, eu vi o quão importante eu sou, comecei dar valor àquilo que a
nossa sociedade discrimina, que é o fato de eu ser mulher”.
47
Podemos observar um outro exemplo desta mesma situação no trecho a seguir:
“Me aceitei mais como mulher, o próprio nome sagrado que escolhi, Atalanta, é uma
prova disso. Anteriormente eu sempre tive uma postura que me afastava do feminino.
três versões para o mito de Atalanta, a que escolhi foi a primeira que li. Atalanta
era uma mulher bela, filha de um rei e ela era obrigada a casar, mas ela era tão
independente e capaz que era aceita no grupo dos homens para caçar. Ela era aceita
tanto no grupo dos homens, quanto no grupo das mulheres. Ela propôs um rito: o
47
Entrevista pessoal com a sacerdotisa wiccaniana Magia das Fadas em 19.03.2006.
102
homem que conseguisse vence-la em uma corrida seria seu marido, o jovem conseguiu
vencê-la e ficaram juntos”.
48
Existem tradições wiccanianas que estão engajadas politicamente no que se refere à
luta pelo respeito à igualdade de gênero, mas isso não significa que eles abandonam o
feminino cósmico, ao contrário a cosmologia do feminino impulsiona eles para uma busca
dentro da sociedade do regaste das origens, retorno este que falamos acima de acordo com as
idéias de Mircea Eliade.
4.1 Tealogia
Nesta subseção abordarei um pouco a Tealogia que é o estudo do “Culto da Mãe” em
várias culturas.
Dissemos anteriormente que a Wicca é uma recriação” da Religião Celta, pois se
acredita que o paganismo nunca desapareceu e sim foi por muitos séculos encoberto e inibido.
Ainda assim, com toda repressão podemos perceber que mesmo no cristianismo
permaneceram muitas das crenças do paganismo Céltico. Em seu artigo The Cult of Brigid: A
study of Pagan-Christian Syncretism in Ireland”, Donál Ó Cathasaigh (Apud Preston, 1982)
mostra um sincretismo pagão/cristão na Irlanda. Neste texto primeiramente ele faz um
levantamento histórico sobre o culto de Brígida neste país, tanto a Deusa Brígida Céltica como
a Santa Brígida Cristã. Relata que as primeiras migrações Célticas para a Irlanda estão datadas
aproximadamente 500 a.C. Posteriormente, com a ocupação romana da Gália e das Ilhas
Britânicas o Celticismo foi dramaticamente alterado nas duas áreas. Quando o Cristianismo foi
48
Entrevista Pessoal com a sacerdotisa wiccaniana Atalanta em 15-05-2006.
103
introduzido no século V d.C., o país havia definido as divisões políticas, um sistema feudal
estratificado e um idioma nativo que unificou toda população. Também estavam presentes na
Irlanda crenças e práticas religiosas comuns e uma ordem druídica carregada com ritual e
divinação. Os Celtas tinham a fusão de elementos do politeísmo, panteísmo e da mágica
primitiva. Comemoravam ‘Deuses-Superiores’, deidades da natureza e mágicas divinas. Os
Deuses comemorados pelos Celtas são muitos, ainda de acordo com Donál (Apud Preston,
1982) aqueles identificados pelos estudiosos somam em torno de 400. Um deles é Lugh, o
qual tem muita importância no mundo céltico. Júlio César em uma campanha militar
descreveu o panteão Gaulês como Supremo Mercúrio, o que segundo o autor claramente era
uma referência ao Deus Lugh. Na França ele é chamado de Lyon ou Laon, na Holanda de
Leiden, o que mostra sua marcante presença entre os celtas no continente europeu.
Donál coloca alguns exemplos que mostram o prestígio da Deusa Mãe através do
mundo céltico, como é o caso, da Deusa tríade chamada Brígida, a qual segundo ele tem uma
representatividade muito importante para este povo.
Várias associações são feitas para com o culto da Deusa.
A posição das deidades femininas na Religião Céltica tem sido subestimada e
obscurecida. A maioria das Deusas parecem ter estado relacionadas à topografia (isto é,
conectadas com a formação de ilhas, lagos, rios) e parecem ter servido como guardiães além
de estarem ligadas com a fertilidade. Provavelmente sacrifícios foram oferecidos em seus
santuários. No entanto, a marca Druida preservada como elas foram, nas fórmulas orais,
muito foram esquecidas e a monastia irlandesa, como redatores dos mitos, tinham poucas
razões para submeter crenças pagãs ao manuscrito.
104
Os monges recontam a mitologia como história, traduzem os Deuses como heróis e
rejeitam qualquer coisa que seja contra o ensinamento Cristão. De acordo com Donál, estes
escrivães celibatários eram reformadores antifeministas (e eu recorto o feminino enquanto
principio norteador de uma religião) e provavelmente retiraram dos mitos, os quais eles
estavam documentando através da cultura oral, tudo aquilo que estava relacionado ao feminino
e também ao sexual. Dando continuidade ele afirma que estas divindades Pagãs foram
metamorfoseadas dentro da santidade Cristã durante o período da transição, o que pode ter
ocorrido pelo fato da força que possuía a crença do povo em tais deidades Célticas. Por
exemplo, Santa Brígida que é padroeira da Irlanda mostra incríveis similaridades com a Deusa
Céltica (da qual ganhou o nome). Apesar de que com o passar do tempo as características
ritualísticas tenham se dissipado, ainda nos rituais e festas relacionadas à Santa Brígida,
vestígios da deidade anciã maternal que providencia abundância e proteção.
Em um século e meio na Irlanda, o espaço de Brígida expandiu de um modesto oratório
para uma vila monástica completa. Atualmente Brígida é a padroeira da Irlanda, mas a
devoção para ela se estende através do mundo céltico (na Escócia como Saint Bride, no País
de Galles como Saint Ffraid).
Donál fala de algumas peregrinações e cita uma a qual vai para um santuária na cidade
de Faughart que fica no Noroeste do estado de Louth, onde o culto de Brígida permanece até a
atualidade. Crê-se que foi que ela nasceu, foi que Cristo consagrou sua virgindade, que
fundou-se um convento e se ergueu uma capela. Em Faughart está a pedra de Brígida a qual
provavelmente serviu de suporte para uma das mais altas cruzes irlandesas. O que parece é que
uma comunidade cristã repovoou esta cidade, fincou uma cruz e construíu uma capela da nova
105
ordem. Ela é a padroeira e a heroína de Faughart. Crê-se em muitos milagres em torno dela e
uma gama e atividades esta relacionada a esta santa. uma crença popular que fala de um
“vôo de Brígida” relacionado a um determinado pretendente, neste acontecimento ela voa para
a margem de um córrego, se ajoelha e esconde os olhos para não ser reconhecida. Então
acredita-se também que uma curiosa coleção de pedras largas situadas próximo ao córrego
marca todo movimento da santa. Pedras que representam a cabeça, o olho e o joelho de
Brígida marcam pontos os quais são destino da peregrinação.
As autoridades britânicas desencorajam as peregrinações, mas ainda assim em
Faughart a língua tradicional irlandesa sobreviveu e a devoção privada continuou.
Em 1903 um fragmento de osso foi encontrado em Lisboa, Portugal e foi reputado
como sendo parte do crânio da santa Brígida, logo após foi levado para a paróquia em
Faughart onde foi santificado.
A Deusa céltica Brígida está ligada a poesia, saúde e as artes metálicas. na versão
cristã de Brígida, os monges celibatários não transferiram as fortes qualidades sexuais e
maternais da Deusa Céltica, ao contrário, virginizaram-na e a identificaram como mãe de
Cristo. Brígida Cristão representa o aprendizado, a saúde e as artes domésticas.
Alguns aspectos relacionados à Deusa Céltica (como por exemplo, o maternal e o
sexual) foram colocados de lado. No entanto, o ritual da primavera (Imbolc), mesmo período
em que se comemora a festa da Santa Brígida Cristã está associado com a lactação e
abundância de leite.
Enfim, conclui o autor que apesar do Cristianismo ter falsificado a mitologia, Brígida
do “calendário romano” é essencialmente Céltica.
106
4.2 Rituais de Cura
Apesar de ter trabalhado sobre rituais no primeiro capítulo desta dissertação tratarei
aqui especificamente de um ritual que envolve especificamente a sexualidade, estando assim
estritamente ligado ao feminino e ao masculino. Inicialmente esta subseção aborda alguns
aspectos teóricos sobre a cura.
Baseado em dados publicados em um texto mágico religioso de Wassen e Holmer
49
sobre
a cura xamanística entre os índios Cuna que habitam a República do Panamá, Lévi-Strauss
(2003) propõe interessantes perspectivas teóricas com relação à eficácia simbólica que um
mito e um rito podem oferecer. Depois de detalhar este processo xamanístico que envolve um
parto difícil, ele afirma que o mito é vivido no corpo interior e possui uma eficácia e um fim.
“A técnica da narrativa visa, pois, reconstituir uma experiência real, onde o mito se limita a
substituir os protagonistas. Estes penetram no orifício natural, e pode-se imaginar que, após
toda esta preparação psicológica, a doente os sente efetivamente penetrar” (2003:225).
A cura, pois, se daria através de um conjunto de crenças no qual a doente acredita e ela faz
parte de uma sociedade que também acredita nestas crenças, onde podemos perceber o caráter
social que tem grande importância na eficácia do mito.
Para Lévi-Strauss, o inconsciente é formado por um conjunto de estruturas preexistentes e
se reduz à função simbólica que em todos os homens se exercem sob as mesmas leis (isto é, a
forma de operar o pensamento humano é a mesma em todos os povos atemporalmente).
Segundo ele, é importante ressaltar que a estrutura permanece a mesma independentemente da
49
HOLMER, Nils M. & WASSEN, Henry. Mu-Igala or the way of Muu, a medicine song from the Cunas of
Panamá. Göteborg, 1947.
107
forma que o mito seja recriado (pelo sujeito individual, pelo sujeito coletivo, pela tradição) e
“é por essa estrutura que a função simbólica se realiza”. (2003:235)
Na Wicca o momento do transe é um dos momentos em que o praticante pode se tornar
Deusa e Deus em uma perfeita união.
Sentimentos de superioridade, onipotência, em uma experiência de transe podem ser
exaltados ou mesmo sugeridos pela sombra do praticante. A sombra ou ‘espíritos maus’ “não
são necessariamente entidades externas: podem ser elementos da mente inconsciente”
(1997:202). várias maneiras de lidar com a sombra, alguns fogem outros a encaram de
frente. Segundo Starhawk o lado leviano da estratégia de superioridade gera a doença e a
fraqueza” (1997:202). Algumas pessoas utilizam a doença como defesa para permanecerem
na passividade e não terem que enfrentar sua própria sombra, como é o caso dos alcoólatras,
por exemplo.
Para ela, no aprendizado do transe aprende-se a ter controle sobre o inconsciente, isto
é, “mudar a consciência pela vontade” (1997:204). Mas é importante ressaltar que a magia é
um fenômeno que trabalha com o âmbito do inconsciente, diferentemente da química que é
um fenômeno da consciência.
Técnicas de transe são encontradas na grande maioria das culturas e religiões: na
Wicca não é diferente.
A busca pelo transcendente parece ser uma das características marcantes da
humanidade. Segundo Starhawk (1997:196) existem vários níveis possíveis para se alcançar
o transe”. Pode ser através de um devaneio, ou quando assistimos a um filme, até os níveis
mais profundos onde se pode encontrar outros seres e nos depararmos com outras formas de
108
vida. Ainda segundo ela (1997:198) “a visão astral é sempre uma mistura do subjetivo com o
objetivo; formas sensórias e interpretações simbólicas são subjetivas, aquilo que encobre as
entidades e energias objetivas”.
Starhawk ressalta a interligação entre corpo e mente. Afirma também que “a Arte
ensina o uso da sugestão para ajudar-nos, conscientemente, a direcionar nossas próprias
mentes, não a mente dos outros”. (1997:200) E neste sentido, no transe somos mais
sugestionáveis. Nós podemos usar nossa sugestibilidade na cura tanto do corpo tanto da
mente. A partir da sugestão, que é estimulada no transe, podemos aumentar nosso poder de
concentração e estimular nossa percepção.
Na Wicca qualquer praticante pode ser curandeiro e/ou curado, curandeiro no sentido
de fazer a ponte “entre os mundos”, isto é, entre os deuses e os homens. Os rituais de cura ou
magia para cura podem ser realizados tanto individualmente ou em grupo. Eles rogam para a
Deusa e os Deuses da cura no intuito de pedir a cura para si mesmo ou para outrem.
Os wiccanianos buscam sanar algumas feridas que segundo eles são causadas pelo
modelo patriarcal da sociedade ocidental. Para isso realizam alguns rituais, como por exemplo,
a Re-consagração do Ventre e a Re-consagração do Falo.
Segundo a sacerdotisa wiccaniana, Mavesper Cy Ceridwen
50
, na Reconsagração do
Ventre as mulheres buscam aprender como elas se deixaram ferir e como não mais se ferirem
pelas inibições “cristãs - patriarcais” que atuam sobre a sexualidade, os órgãos genitais e os
ciclos menstruais. Neste contexto este ritual visa a cura de problemas como a TPM, cólicas,
sofrimentos psíquicos com relação a menarca, entre outros.
50
Mavesper Cy Ceridwen é uma das sacerdotisas wiccanianas de maior visibilidade no Brasil.
109
Ainda segundo Mavesper
51
, o patriarcado é muito mais cruel com os homens (com
relação a afirmação de identidade), principalmente com os heterossexuais, pois impõe normas
que devem ser seguidas veementemente para que possam sustentar sua masculinidade.
Podemos fazer uma ponte entre esta afirmação e as idéias de Paglia. Vejamos a seguir as
palavras da própria autora:
“Nenhuma mulher tem de provar-se mulher do modo cruel que o homem tem de
provar-se homem (...) A condição social é irrelevante. Um fracasso é um fracasso. De
qualquer modo, e ironicamente, o êxito sexual sempre acaba em frouxidão. Toda
projeção masculina é transitória e tem de ser renovada ansiosamente, eternamente”
(Paglia, 1992:30).
Desta forma a Re-consagração do Falo, tem intenção de curar ou mesmo prevenir
algumas doenças, como impotência sexual, ejaculação precoce.
Existem vários mitos que envolvem a prática da religião Wicca. O ritual de Re-
consagração do Falo, por exemplo, foi pensado a partir do mito de Osíris. Este é um mito
Egípicio, nesta crença Osíris era o rei dos vivos, mas foi morto por seu irmão Seth, o qual
cortou seu corpo em pedaços e os espalhou por todo Egito. Sua mulher, Ísis com muita
paciência recolheu parte por parte do corpo do marido, no entanto não achou o pênis, logo o
órgão sexual foi substituído por uma cópia e imediatamente entronizado como phallus ritual.
Então, a partir deste mito, alguns wiccanianos os quais tive contato, especificamente o coven
brasiliense do qual faz parte a Mavesper Cy Ceridwen, comemoram o ritual de
Reconssagração do Falo, o que pode se comparar a essa busca do Phallus perdido. No entanto,
este é um ritual bem mais recente, logo temos poucas informações sobre ele.
51
Entrevista pessoal com Mavesper em 21/10/2005.
110
É importante ressaltar que esses rituais são realizados por pessoas com no mínimo um
ano de prática na religião, pois são pessoas já iniciadas dentro da magia. Na verdade a
Reconsagração é um processo contínuo, o ritual dura de 2 a 3 dias, no entanto depois disto o
trabalho continua individualmente.
Neste sentido, rituais como os acima demarcados buscam não a cura física, mas
também tentam recuperar a sacralidade dos ritos de passagem que envolvem os mistérios
femininos e masculinos.
É importante ressaltar que a religião Wicca ainda é relativamente recente no Brasil e
desta forma alguns rituais ainda estão surgindo ou ‘ressurgindo’ nas práticas grupais e também
individuais. Por exemplo, podemos perceber que é forte a presença da Reconsagração do
ventre comemorada de forma coletiva em Brasília, porém em Recife ainda é algo sutil. Em
entrevista pessoal Magia das Fadas, wiccaniana recifense, afirmou:
“Estamos esperando a Mavesper vir a Recife nos passar todas as informações sobre a
Reconsagração do Ventre, para que possamos começar a realizá-la também”.
Esta experiência nos faz reafirmar a idéia de Segalen (2002) de que os rituais
contemporâneos adquirem novas características que recebem forte influência do processo de
individualização, mas não significa que a atualidade está propensa à não ritualização dos
acontecimentos. Ressalta ainda, que muitos rituais contemporâneos ainda estão sendo gerados.
Sangrar todo mês representa para os wiccanianos um poder sagrado, extremamente
sagrado. Este poder foi fortemente inibido pela cultura patriarcal com a ideologia da
vulgarização e profanização do corpo, no caso especifico, da mulher. Segundo Paglia
(1992:21) afirma-se que a dismenorréia é uma doença da civilização, pois as mulheres das
111
culturas tribais têm poucos males menstruais. Mas na vida tribal a mulher tem uma
identidade abrangente ou coletiva; a religião tribal cultua a natureza e a ela subordina-se”.
Logo, rituais como a Reconsagração do Ventre buscam exatamente retomar esta consciência
do sagrado que foi martirizada por séculos de repressão, curado assim o corpo e a alma das
mulheres que passam a cultuar o seu sangue e o seu ventre como sagrados e representantes do
poder da Deusa Terra. Vejamos a afirmação de Mavesper:
“O sangue menstrual é a corporificação do poder criador da mulher, ou seja, é aquilo
que faz com que ela compartilhe o papel de criadora da Deusa no universo. E assim,
certamente, é revestido da maior sacralidade desde tempos ancestrais, exceto nas
sociedades em que o patriarcado esmagou e oprimiu a Deusa e suas representantes no
mundo: as mulheres. Sangrar é, pois, um direito natural da mulher, quando pela
vivência dos Mistérios da Deusa como Senhora do Oceano de Sangue, ela vive o
mistério da pequena morte que ocorre ao final de cada um dos seus ciclos e se renova
no sagrado processo da menstruação. A menstruação representa a sacralidade de uma
vida que poderia ter sido, poderia ter existido e se não ocorreu, assim mesmo celebra as
eternas possibilidades de renascimento de todo o universo.
Meditar sobre a sacralidade desse Mistério do Sangue que vivemos todos os meses em
nossos corpos, compreender sua importância e re-sacralizá-lo, recuperando rituais
muito esquecidos, é DEVER de uma bruxa e direito de todas as mulheres.
Somos fêmeas de mamíferos e fêmeas sangram! E o sangue que cada uma delas verte
forma uma face da Deusa que conheceremos melhor nestas páginas: a Senhora do
Oceano de Sangue. Somos suas filhas, orgulhosas e menstruamos com prazer e alegria,
e se temos incômodos - TPM, cólicas etc- temos que começar a compreender que isso é
resultado de feridas do ventre, resultado em nossos corpos de dois milênios de opressão
à Deusa e suas filhas”
52
.
O poder do feminino é uma das principais reverências wiccanianas, acredita-se,
diferentemente do que propõe a cultura patriarcal, que o poder da mulher de gerar e dar luz a
uma nova vida, representa a força da Deusa, logo “cultuar a Deusa hoje significa reconsagrar
o Sagrado Feminino, curando, assim, a Terra e a essência humana. Quer sejamos homens ou
52
http://www.abrawicca.com.br/orgaos/mulher/Mavesper/Ceridwen.htm, capturado em
15.05.2006.
112
mulheres, sabemos que nossa psique contém aspectos masculinos e femininos. Aceitar e
respeitar a Deusa como polaridade complementar do Deus é o primeiro passo para a cura de
nossa fragmentação dualística interior”.
53
Neste sentido a Wicca busca retomar a verdadeira
essência do matriarcado ancião, o qual respeitava as polaridades, havendo então uma relação
de igualdade, diferentemente do que muitas vezes é insinuado, isto é que o matriarcado punha
a mulher em situação de superioridade ao homem.
Por fim, acreditam os wiccanianos que este trabalho de Reconsagração tanto do Ventre
quanto do Falo, sana as feridas, ligadas ao corpo em suas estruturas sexuais, tão marcadas em
todo decorrer de uma vida. O ritual de Reconsagração envolve várias fases, as quais abordam
a memória de momentos específicos como, por exemplo, as lembranças mais profundas e
detalhadas possíveis da menarca, da primeira relação sexual, da primeira masturbação. Uma
das atividades realizadas no ritual de Reconsagração do Ventre, por exemplo, é a utilização do
sangue menstrual da praticante que untado em velas acessas proclama a sacralidade do corpo e
da alma.
53
http://www.templodadeusa.com.br/deuses/divino.html, capturado em 15.05.2006. Textos de
Mavesper Cy Ceridwen.
113
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A contemporaneidade é o principal elemento englobante da religião Wicca e que tem
bastante significado, não por si só, mas pelo fato da Wicca está baseada em cultos de origem
agrária, os quais têm estrita ligação com os ciclos da natureza. Isso me chamou atenção desde
o primeiro contato com a Wicca, isto é, questionei como poderia se concretizar dentro da
contemporaneidade uma religião com estes princípios e fui com esta pesquisa buscar entender
como se dá, e que relação a Wicca mantém com os fatores contemporâneos. Existem algumas
críticas e algumas conciliações, mas para mim ficou claro que de forma alguma a Wicca e a
contemporaneidade são opostas ou rivais. A Wicca nasceu na sociedade contemporânea
através de praticantes que são indivíduos contemporâneos e por isso, apesar de ter suas origens
nos fundamentos da Antiga Religião Celta, ela adquire características da super modernidade e
também realiza adaptações de seus cultos e rituais para que os mesmos possam, ou melhor, na
tentativa de que os mesmo se encaixem dentro da roupagem da sociedade contemporânea.
A impressão que tive é que um “grito de guerra” dentro da Wicca, o qual nem
sempre se propaga de dentro para fora, isto é, da religião supracitada para o mundo, mas
dentre os praticantes uma constante reafirmação de que o neopaganismo é o caminho mais
justo, mais interessante e nas entrelinhas eles admitem ser este o “melhor” caminho a ser
seguido. Apesar de no discurso eles afirmarem que este não é objetivo da Wicca, internamente
eles reforçam esta intenção.
Observando os grupos com um olhar previamente trabalhado, pude perceber que
uma certa disputa de espaço entre a membrezia, espaço este que permeia o âmbito da
114
coletividade, um espaço social. Um tensiômetro imaginário é criado para aferir o grau de
envolvimento de cada praticante dentro da religião.
Na Wicca hierarquia, no entanto ela está dissociada da questão de poder, ela se
relaciona com o status que o sacerdote vai obter dentro do grupo, o que dará a ele um prestígio
e o reconhecimento de sua experiência e sabedoria. Em algumas tradições, o praticante
pode ser iniciado na religião por um sacerdote já iniciado, no entanto em outras tradições e
outras linhas wiccanianas é permitida a auto-iniciação. Este é um dos fatores que ao meu ver
faz da Wicca uma religião bastante eclética.
As vezes tive a impressão de que na Wicca se pode tudo, mas ficou ressaltado na
pesquisa que é preciso identificar quem realmente é bruxo, quem pratica a religião de forma
séria ou tem a intenção de praticá-la seriamente, para poder então analisar os contextos que a
envolvem. Segundo Wagner Périco
54
, sacerdote wiccaniano bruxos que se acham e não
são, há bruxos medíocres e também há grandes bruxos”.
As pessoas trazem para a Wicca os conceitos e valores que elas adquirem a partir de
sua história de vida e estes valores geralmente estão estritamente associados a uma cultura
patriarcal, até por que o berço da Wicca é a sociedade contemporânea, Ocidental e patriarcal,
apesar de a Wicca ter uma proposta que é contrária às idéias do patriarcalismo. Mas percebi
que estes valores são muito fortes e que os wiccanianos muitas vezes seguem os princípios
fundamentais desta religião unicamente no discurso e na prática de vida o que se exalta são
princípios anteriores ao contato com a Wicca. Um exemplo é com relação à questão sexual, há
ainda muitos tabus entre os praticantes e os princípios wiccanianos se relacionam com o sexo
de uma maneira liberal e natural, considerando-o como algo inerente a todas as coisas,
54
Entrevista pessoal em 14.02.2007.
115
segundo um dos praticantes que tive contato, energia sexual é colocar a chave na fechadura,
por exemplo. A seguinte experiência relatada por uma wiccaniana exemplifica esta vivência
dos tabus que mencionei acima. Em uma proposta para realização de um ritual de Beltane, que
representa exatamente o momento de acasalamento do casal divino, onde haveria um sorteio e
os dois escolhidos representariam a união do Deus e da Deusa (poderiam ser os dois sorteados
do mesmo sexo) através de um beijo “selinho” os praticantes rejeitaram apresentando
justificativas carregadas de valores patriarcais. Então esta transferência de sentidos e
princípios tanto de fora para dentro da religião quanto de dentro da prática religiosa para a
vida cotidiana é um processo a ser trabalhado e modelado, e que segundo o sacerdote
wiccaniano Wagner Périco, é bastante longo e que em alguns casos nunca é atingido. Ao meu
ver, este processo, mesmo se atingido, o é de maneira parcial, pois afinal a Wicca continua
inserida dentro da sociedade patriarcal e a dinâmica social a qual faz parte, que inclusive é
regida por regras e leis, leva os indivíduos para um caminho que em alguns aspectos pode ser
traçado contra corrente, isto é, contra valores como maniqueísmo, machismo, mas outros
caminhos direcionam as atitudes dos agentes sociais para um ponto pré definido que é
permeado por valores encharcados de patriarcalismo, como por exemplo, o tabu sexual..
Ritual e simbolicamente falando, os princípios wiccanianos de feminino e de
masculino são princípios cósmicos, um exemplo disso é que um homem pode engravidar
dentro de um ritual, logo nesta perspectiva não está envolvida a noção de gênero. É importante
frizar que afirmo isto com relação a Wicca enquanto ritual, a vida social dos praticantes não
obrigatoriamente perpassa por esta mesma linha, apesar de alguns wiccanianos afirmarem que
buscam trazer para o seu cotidiano os princípios fundamentais desta religião.
116
Enfim, apesar de os princípios da religião Wicca estarem envolvidos com o feminino
cósmico e essencialista, isto não quer dizer que os wiccanianos estão livres dos conceitos e
valores do feminino enquanto gênero, dentro de uma visão funcionalista. Gênero é uma
construção social que surge a partir do conceito de “função” da mulher dentro da sociedade,
conceito este criado nos salões da cultura patriarcal.
No discurso wiccaniano o feminino cósmico é altamente reverenciado, bem como na
ritualística desta religião. Porém, na prática de vida estes indivíduos não necessariamente
seguem os fundamentos ligados a cosmologia do feminino.
A Wicca é uma religião que tem princípios “matriarcais” (não no sentido de dominação
pelas mulheres, e sim no sentido de um caminho traçado a partir de uma 'lógica' ligada à
natureza e ao feminino) inserida dentro de um contexto patriarcal. Algumas religiões como o
cristianismo, por exemplo, possuem princípios que estão de acordo com o contexto que a
cerca. Isto facilita aos seus seguidores o “pôr em prática” dos seus fundamentos. Na verdade o
cristianismo possui valores estritamente ligados aos da sociedade a qual esta religião está
inserida. O mesmo não ocorre com a relação Wicca, praticantes e contexto contemporâneo
envolvente.
Com esta pesquisa percebi que o discurso é bastante representativo dentro da Wicca,
esta minha percepção decorreu de fatores os quais mencionei acima, uma análise do discurso,
baseada, por exemplo, na proposta de Laurence Bardin, seria talvez uma forma interessante de
entrar mais amiúde neste universo, podendo nos trazer à tona novas perspectivas dentro desta
religião.
117
Na cidade do Recife, a presença da Wicca e sua prática é ainda insipiente, bem como a
quantidade de praticantes iniciados dentro da religião. Já em São Paulo e em Brasília um
universo maior de pessoas envolvidas e praticantes desta manifestação religiosa.
118
6. BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Luis Bernardo Leite. 1996. Religião e modernidade em Habbermas. São Paulo:
Loyola,. – (Coleção Filosofia; 37).
BERNARDI, Bernardo. 1989. Antropologia. Trad. Maria Assunção Santos, Lisboa, Safil.
BACHELARD, Gaston. 2003. A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da
intimidade. São Paulo; Martins Fontes.
____________________. 1988. A poética do devaneio. [Tradução: Antônio de Pádua Danesi.]
–São Paulo: Martins Fontes.
BAGGOT, Andy. 2002. Rituais Celtas: a roda céltica da vida, os poderes sagrados da
natureza. Trad. Ana Gláucia Ceciliato. São Paulo: Masdras editora ltda.
BALANDIER, Georges. 1997. O contorno poder e modernidade. Trad. Suzana Martins, Rio
de Janeiro: Bertand Brasil.
BERGER, Peter Ludwig.1985. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião. Org. Luis Roberto Benedetti; Trad. José Carlos Barcellos. São Paulo: Ed.
Paulinas.
BLAIN, Jenny & WALLIS, Robert J. 2000. The ‘Ergi’ Seidman: contestations of gender,
shamanism and sexuality in northern religon past and present.Journal of Contemporary
Religion, Vol. 15, nº 3.
BOFF, Leornado. 2004. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de janeiro: Sextante.
CARDOSO, Ruth C. L. (Org.). 1988. A aventura antropológica: teoria e pesquisa. São Paulo:
Paz e Terra.
119
CORRÊA, Roberto Lobato. 1995. O Espaço Urbano. São Paulo, Ática.
CROW, Cláudio. Entrevista Lazer & Informação. Htt:// www.atarde.com.br (Capturado em
16/06/2002).
DUMONT, Louis. 1997. Homo Hierarchicus, o sistema das castas e suas implicações. Trad.
De Carlos Alberto Fonseca. – São Paulo: Edusp.
DURAND, Gilbert. 1996. Campos do Imaginário. (Textos reunidos por Daniele Chauvin).
Lisboa: Instituto Piaget.
DURHAM, Eunice Ribeiro (org.). 1986. Malinowski. (Coleção grandes cientistas sociais, 55).
São Paulo: Ática, 24-48. Capítulo: Introdução: o assunto, o método e o objetivo desta
investigação.
DURKHEIM, Émile. 1996. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na
Austrália. – Tradução Paulo Neves. – São Paulo: Martins Fontes. – (Coleção Tópicos).
ELIADE, Mircea. 1964. Shamanism: archaic techniques of ecstasy. Bollingen Series LXXVI,
Princeton University Press.
_______________. 1992a. O mito do eterno retorno. Trad. José Antônio Ceschin. São Paulo:
Mercuryo.
_______________. 1992b. O sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo:
Martins Fontes.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. 1994. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do
arquétipo da mulher selvagem. Trad. Waldéa Barcelos. – Rio de Janeiro: Rocco.
EVANS-PRITCHARD, E. E. 1978. Antropologia Social da Religião. Trad. Jorge Wanderley.
Rio de Janeiro, Campus.
120
________________________. 1978. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azandes. Trad.
Eduardo Batalha Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Zahar.
FRAZER, Sir Georges James. 1982. O ramo de ouro. Edição do texto: Mary Douglas. Editora
Zahar.
FREHSE, Fraya. Revista brasileira Ciências Sociais, vol.21, n 60, São Paulo, Fevereiro, 2006.
FREITAS, Alexandre de. 2006. O imaginário do homem-do-campo uma leitura
bachelardiana”. São Paulo.
GEERTZ, Clifford. 1989. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
GINZBURG, Carlo. 1987. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro
perseguido pela inquisição. Tradução: Maria Betânia Amoroso, - São Paulo: Companhia
das Letras.
_______________. 1988. Os andarilhos do bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e
XVII. Tradução: Jônatas Batista Neto. – São Paulo: Companhia das Letras.
_______________. 1991. História noturna: decifrando o Sabá. Tradução: Nilson Molin
Louzada. – São Paulo: Companhia das Letras.
GUIMARÃES, Alba Zaluar. 1975. Desvendando mascaras sociais. Rio de Janeiro, F. Alves.
GROSS, Rita. 1996. Feminism and religion, an introduction. – Boston: Beacon Press.
HALL, Stuart. 2005. Identidade cultural na pós-modernidade. DP&A Editora.
HARRIS, Marvin. 1978. Vacas, porcos, guerras e bruxas. Os enigmas da cultura. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira.
HARVEY, Graham. 1997. Contemporary paganism; listening people, speaking earth. New
York University Press.
121
HUME, Lynne. 1998. “Creating sacrad space: outer expressions of inner wolrds in modern
Wicca”. Journal of Contemporary Religion, Vol. 13, Nº 3.
JACKSON, R.H. & HENRIE, R. 1998. “Perception of sacre space”. Journal of Cultural
Geography 3, 1983: 94-107, in HUME, Lynne. “Creating sacrad space: outer expressions
of inner wolrds in modern Wicca”. Journal of Contemporary Religion, Vol. 13, Nº 3.
LARAIA, Roque de Barros. 1986. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar.
LÉVI-STRAUSS, C. 1997. Olhares sobre os objetos.In: Olhar, escutar, Ler. São Paulo:
companhia das letras.
_________________. 2003. Antropologia Estrutural. - Tradução: Chaim Samuel Katz e
Eginardo Pires - Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
MAIR, Lucy. 1984. Introdução à Antropologia Social. Trad. Edmond Jorge. Rio de Janeiro,
Zahar.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1984. Magia, ciência e religião. ____, Edições 70.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1970. Uma teoria científica da cultura. Trad. José Auto, Rio de
Janeiro, Zahar.
MALUF, Sônia. 1993. Encontros noturnos: bruxas e bruxarias na lagoa da Conceição. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos.
MAUSS, Marcel. Marcel Mauss: 1979. Antropologia. Organizador: Roberto Cardoso de
Oliveira, Tradução Regina Lúcia Moraes Morel, Denise Maldi Meirelles e Ivonne
Toscano. São Paulo: Ática. Cap. ‘A prece’.
122
NOGUEIRA, Carlos Roberto F. 1991. Bruxaria e História: as práticas mágicas no ocidente
cristão. São Paulo: Editora Ática.
PACE, David. 1992. Claude Lévi-Strauss: O Guardião das cinzas. Trad. Maria Clara
Fernandes. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
PAGLIA, Camille. 1992. Personas sexuais: arte e decadência de Nerfetite a Emily
Dickinson.. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das letras.
PEIRANO, Mariza. 1995. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume- Dumará.
POLLACK, Rachel. 1998. O corpo da Deusa. _____. Rosa dos Tempos.
PRESTON, James J. (Editor). 1982. Mother worship, theme and variations. University of
North Carolina Press.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 1978. Cultura, sociedade rural, sociedade urbana:
ensaios. Rio de Janeiro, LTC.
ROSNAY, Joel de. 1975. O Macroscópio para uma visão global. Trad.Maria Adozinda
Soares. Estratégias Criativas.
SHELDRAKE, Rupert. 1995. A ressonância mórfica & A presença do passado: os hábitos da
Natureza. Lisboa: Instituto Piaget.
SMITH, Jonathon Z. “The wobbling pivot.”In SMITH, Jonathon Z., ed. Map is not territory:
Studies in the history of religions. Leiden: E.J. Brill, 1978: 88-103. In HUME, Lynne.
“Creating sacrad space: outer expressions of inner wolrds in modern Wicca”. Journal of
Contemporary Religion, Vol. 13, Nº 3, 1998.
SOARES, Luiz Eduardo. 1994. O rigor da indisciplina. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
SOARES, Paulo Marcondes F. 1999. Dissenso como local da cultura: identidades dialógicas.
Participações em Evento/Encontro.
123
STARHAWK. 1997. A dança cósmica das feiticeiras: guia de rituais á Grande Deusa. Trad.
Ann Mary Fighiera Perpétuo. – 2ª ed. - Rio de Janeiro: Record: Nova Era.
TURNER, Victor. 1967. The Forest of symbols: Aspects of Ndembu ritual. Ithaca: Cornel
University Press.
______________. 1974. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. [Trad. Nancy Campi
de Castro]. Petrópolis: Vozes.
ZALUAR, Alba. 1998. Aventura antropológica: teoria e pesquisa. Org Ruth Cardoso—São
Paulo: Paz e Terra.
124
ANEXO I
Comemoração Ritual de Ostara
Data: 19.03.2006
Local: Parque da Jaqueira
Fotos do arquivo pessoal.
125
ANEXO II
Fotos do arquivo pessoal.
Altar organizado para realização do ritual de celebração à Brígida, observa-se o caldeirão
ao centro com velas amarelas que aí estão representando a infância do Deus sol, a vela negra
e a branca representando a Deusa e o Deus respectivamente, o punhal utilizado para traçar o
círculo energético, e por fim as representações dos elementos, a vela vermelha relacionada ao
elemento fogo, o incenso ao elemento ar, o vaso de planta ao elemento terra e o cálice com
água ao elemento água.
126
ANEXO III
Comemoração Ritual de Imbolc
Data: 04.02.2007
Local: Sítio da Trindade
Fotos capturadas no site http://paginas.terra.com.br/religiao/abrawiccape/foto.htm.
127
ANEXO IV
Oficina sobre Magia Sexual
Ministrante: Sacerdote wiccaniano Wagner Périco (São Paulo-SP)
Data: 11.02.2007
Local: Quintaessência, Recife-Pe
Fotos do arquivo pessoal.
128
ANEXO V
Reunião sobre Esbats
Data: 28.01.2007
Local: Sítio da Trindade
Foto capturadas no site http://paginas.terra.com.br/religiao/abrawiccape/foto.htm.
129
ANEXO VI
Reunião sobre Sabbats
Data:04.02.2007
Local: Sítio da Trindade
Fotos capturadas no site http://paginas.terra.com.br/religiao/abrawiccape/foto.htm.
130
ANEXO VII
Fotos do arquivo pessoal.
Altar dedicado à Deusa Brígida, representa o elemento fogo. Na chama tem a figura da
Deusa Brígida desenhada.
Local: Residência da sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen (Brasília-DF).
131
Fotos do arquivo pessoal.
Altar dedicado à Deusa Hécate.
Local: Residência da sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen (Brasília-DF).
Fotos do arquivo pessoal.
Altar dedicado às Fadas. (Caverna formada por galhos de uma árvore).
Local: Residência da sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen (Brasília-DF).
132
Fotos do arquivo pessoal.
Altar dedicado à Deusa Ísis. O mosaico foi confeccionado para o Encontro Social Pagão.
Local: Residência da sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen (Brasília-DF).
Fotos do arquivo pessoal.
Reunião informal de um grupo de wiccanianos. Ao lado, eu e Mavesper. Local: Residência da
sacerdotisa wiccaniana Mavesper Cy Ceridwen (Brasília-DF).
133
ANEXO VIII
Fotos do arquivo pessoal.
À esquerda vassoura mágica. À direita caldeirão de bronze (herdado pela bisavó da
sacerdotisa wiccaniana Atalanta Mors, sua bisavó era Lituana).
Local: Residência da sacerdotisa wiccaniana Atalanta Mors (Recife-PE).
134
ANEXO IX
135
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo