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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Escola de Serviço Social
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
Dissertação de Mestrado
A Máscara do SUAS:
Desvendando a Política Nacional de Assistência Social
Christiane dos Passos Guimarães
Rio de Janeiro
2009
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1
Christiane dos Passos Guimarães
A MÁSCARA DO SUAS:
DESVENDANDO A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, Escola de Serviço Social, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Serviço
Social.
Orientadora: Drª. Alejandra Pastorini Corleto
Rio de Janeiro
2009
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2
A MÁSCARA DO SUAS: DESVENDANDO A POLÍTICA NACIONAL DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Christiane dos Passos Guimarães
Orientadora: Drª. Alejandra Pastorini Corleto
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social, Escola de Serviço Social, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Serviço Social.
Aprovada por:
____________________________________________
Presidente, Profª. D. Alejandra Pastorini Corleto
____________________________________________
Profª. Drª. Silvina Galizia
____________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Quiroga
Rio de Janeiro
2009
3
Guimarães, Christiane dos Passos.
A máscara do SUAS: desvendando a Política Nacional de
Assistência Social. / Christiane dos Passos Guimarães, - Rio de Janeiro:
UFRJ/ESS,
2009.
x, 184.
Orientadora: Alejandra Pastorini Corleto
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ESS/ Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, 2009.
Referências Bibliográficas: f. 174-184.
1. Política de assistência social: articulação entre o econômico e o
político 2. A política de assistência social na conjuntura atual 3. A
correlação de forças no processo de formulação da PNAS. Corleto,
Alejandra Pastorini. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Serviço Social, Programa de Pós Graduação em Serviço Social. III.
Título.
4
Ao Leandro, meu companheiro,
meu professor, meu cientista social.
5
AGRADECIMENTOS
Após a conquista de mais uma sonhada realização, concluo esta nova etapa
da minha vida agradecendo com muita emoção:
Ao meu marido, Leandro, por todo o aporte emocional e também pelas
contribuições teóricas;
Aos meus pais, Eliana Lucia e Roberto e a minha irmã Vivi pelo amor incondicional
e pela paciência com que tiveram durante esta trajetória;
Aos meus sogros, Rosangela e Jorge, minha cunhada Samara e demais familiares
pelo apoio e carinho;
As minhas amigas, sempre amigas, Carol, Clara, Érika e Thaissa por todo o
incentivo;
Aos meus amigos do mestrado, especialmente ao Charles, que se tornou de fato
um ombro amigo que pude contar a todo o momento;
As minhas amigas do trabalho, Adriana, Andréa, Fátima, Lilia e Priscila pela força e
entendimento;
As estudantes Amanda, Ana Carolina, Carolina, Mariana, Monique Rodrigues,
Priscilla, Silvana, Vanessa e Zenaida, integrantes da pesquisa A Reforma do
Estado e a Assistência Social no Brasil” com as quais tive o prazer de conhecer e
participar em conjunto, pela dedicação e companheirismo.
A minha orientadora magnífica, Alejandra, que através da sua sabedoria,
conhecimento e humildade me transformou e me ajudou a ir além do que
imaginava;
A professora Yolanda Guerra, a quem tenho grande admiração desde o primeiro
período da graduação, pelas suas contribuições teóricas que foram
importantíssimas para este trabalho;
A professora Ana Quiroga pelo seu carisma e sua grande ajuda que norteou meus
caminhos para a concretização desta pesquisa;
A todos os entrevistados para esta pesquisa pela disposição e compreensão.
6
“O pensamento que quer conhecer
adequadamente a realidade, que não se
contenta com os esquemas abstratos da própria
realidade, nem com suas simples e também
abstratas representações, tem de destruir a
aparente independência do mundo dos contatos
imediatos de cada dia.”
Karel Kosík
7
RESUMO
A MÁSCARA DO SUAS: DESVENDANDO A POLÍTICA NACIONAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Christiane dos Passos Guimarães
Orientadora: Drª. Alejandra Pastorini Corleto
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social, Escola de Serviço Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Serviço Social.
O presente estudo está centrado na correlação de forças durante o processo
de formulação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e sua proposta de
gestão através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) aprovados em
setembro de 2004, realizando um estudo analítico e teórico aprofundado deste novo
marco no processo regulatório da política de assistência social ao pesquisar a
trajetória de luta, embates políticos e projetos em disputa após a regulamentação da
política de assistência social, principalmente no âmbito do Conselho Nacional de
Assistência Social.
Abordamos, ao longo do trabalho, alguns elementos, que elencamos como
principais, na formulação desta nova política: a própria construção sócio-histórica da
política de assistência no país e sua relação com a economia política; o predomínio
do um ideário neoliberal; a configuração da política de assistência social nos
governos Lula; a incidência de uma racionalidade própria da ordem burguesa; a
correlação de forças nos espaços em que se realizam os debates e as deliberações
sobre a política de assistência social; e a intervenção e colaboração de sujeitos na
formulação da política, especificamente assistentes sociais que lutaram,
pesquisaram e produziram no âmbito da mesma.
PALAVRAS-CHAVE: Assistência Social; conjuntura brasileira; formulação.
Rio de Janeiro
2009
8
ABSTRACT
THE MASK OF THE SUAS: UNVEILING A NACIONAL POLICY OF THE SOCIAL
ASSISTANCE
Christiane dos Passos Guimarães
Guideline: Drª. Alejandra Pastorini Corleto
Abstract of the Master’s Degree Paper submited to Post Graduation Program,
Social Service’s School of Federal University of Rio de Janeiro UFRJ, as part of
the necessary requirements to obtain the title of Social Service’s Master.
This study focuses on the correlation of forces during the process of
formulating the National Policy of the Social Assistance (PNAS) and its proposed
management through the Unified Social Assistance System (SUAS) approved in
September 2004, conducting a theoretical and analytical study depth of this new
milestone in the regulatory process of the policy of social assistance to find the path
of struggle, and projects in political clashes following the disputed regulation policy
of social assistance, mainly within the National Council of Welfare.
We deal, over the work, some elements, which listed as the principal in
formulating this new policy: the building of socio-political history of assistance in the
country and its relationship to political economy; the predominance of a neoliberal
ideology; the configuration of the policy of social assistance in the Lula government;
the impact of rationality of the bourgeois order; the correlation of forces in areas
where they held discussions and deliberations on the policy of social assistance; and
intervention and collaboration of individuals in the formulation of policy, especially
social workers who fought, researched and produced in the same.
Key words: Social Assistance; Brazilian situation, formulation.
Rio de Janeiro
2009
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 13
1 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ARTICULAÇÃO ENTRE O
ECONÔMICO E O POLÍTICO 19
1.1 O CAPITALISMO NA CONJUNTURA INTERNACIONAL 19
1.2 O IDEÁRIO NEOLIBERAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS 32
1.3 PARTICULARIDADES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA 47
2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CONJUNTURA ATUAL 68
2.1
O LUGAR DA ASSISTÊNCIA NOS GOVERNOS LULA 68
2.2 A PNAS/SUAS EM PAUTA: A INCIDÊNCIA DA RACIONALIDADE
BURGUESA 82
3 A CORRELAÇÃO DE FORÇAS NO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA
PNAS 106
3.1 A LUTA PRÉ E PÓS-REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL 106
3.2 ELEMENTOS DETERMINANTES E PRINCIPAIS PROTAGONISTAS
NA ELABORAÇÃO DA PNAS/SUAS 127
3.3. “CONSENSO” NO ÂMBITO DO CNAS 149
CONCLUSÃO 165
REFERÊNCIAS 174
10
LISTA DE ABREVIATURAS
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS – Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ABONG – Associação Brasileira das Organizações Não-governamentais
BIRD – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
BPC – Benefício de Prestação Continuada
CEBAS – Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CF/88 – Constituição Federal de 1988
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNSS – Conselho Nacional de Serviço Social
COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social
CONGEMAS – Colegiado Nacional de Gestores Municipais da Assistência Social
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CUT – Central Única dos Trabalhadores
DRU – Desvinculação das Receitas da Uno
FASUBRA Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades
Brasileiras
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
FNAS – Fundo Nacional de Assistência Social
GT – Grupo de Trabalho
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IRPJ – Imposto de Renda da Pessoa Jurídica
LBA – Legião Brasileira de Assistência
11
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MASMovimento da Assistência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP – medida provisória
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
NOB – Norma Operacional Básica
NOB-RH – Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
OCDE – Organização para Cooperação dos Países em Desenvolvimento
OGs – Organizações Governamentais
ONGs – Organizações Não-governamentais
OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PEC – Proposta de Emenda à Constituição
PFL – Partido da Frente Liberal
PIS – Programa de Integração Social
PL – Partido Liberal
PL – projeto de lei
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
POF – Pesquisa de Orçamento Familiar
PP – Partido Progressita
PPP – Parcerias Público-Privado
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
SESC – Serviço Social do comércio
SESI – Serviço Social da Indústria
SUAS – Sistema único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
UnB – Universidade de Brasília
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem relação intrínseca com um fato histórico relativamente
recente: a aprovação e construção de uma nova Política Nacional de Assistência
Social (aprovada em setembro de 2004) e suas Normas Operacionais Básicas
(NOB/2005; NOB-RH/2006) que buscam orientar uma nova gestão da assistência
social através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) com o intuito de
materializar as diretrizes estabelecidas na Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS).
Neste sentido, o objeto desta pesquisa consiste na correlação de forças
durante o processo de formulação da PNAS/SUAS, realizando um estudo deste
novo marco no processo regulatório da política de assistência social ao pesquisar a
trajetória de luta, embates políticos e projetos em disputa após a regulamentação da
política de assistência social.
Uma análise sobre o objeto de estudo escolhido para a minha investigação
requer uma concepção crítica capaz de alcançar os fundamentos e o caráter
ontológico que compõe a base para a superação da aparência e do imediato. Para
tanto, é preciso apreender as categorias analíticas a partir do movimento pelo qual o
objeto está inserido, articulado às relações sociais que o engendraram.
Busca-se entender as mediações a partir de particularidades constitutivas de
uma totalidade concreta dentro de determinadas condições históricas, tendo em
vista o procedimento do método dialético materialista, que se propõe a necessária
auto-implicação entre sujeito e objeto como a angulação mais adequada para a
apreensão do movimento deste objeto, e que consiste em elevar-se do abstrato ao
concreto, que se torna concreto quando se apresenta como um processo de
13
síntese, “síntese de múltiplas determinações, logo, unidade na diversidade” (Marx,
1983, p. 218).
É importante compreender que “a realidade social é uma totalidade concreta
composta por totalidades concretas de menor complexidade” (Netto, 1994, p. 37).
Esta realidade social, enquanto unidade da totalidade concreta “só pode ser
adequadamente tomada quando a investigação histórica estabelece, na totalidade
concreta, aquele(s) complexo(s) que é (são) ontologicamente determinante(s) para a
sua reprodução” (Idem, p. 38).
Ou seja, o método desta pesquisa que tem como base o fundamento central
das determinações de Marx: “a determinação de que as instâncias constitutivas da
sociedade se articulam numa totalidade concreta e são postas geneticamente pelo
primado ontológico das relações econômicas” (Netto, 1982, p. 31). Suas pesquisas e
investigações foram realizadas segundo o ponto de vista da totalidade, tornando
possível “desvelar a ontologia do ser social, isto é: os modos de ser e reproduzir-se
de uma sociedade determinada” (idem, p. 32).
Portanto, ao analisar o processo de formulação da política de assistência
social brasileira, sob o enfoque dialético, é imprescindível compreender sua
articulação com a política econômica e a luta de classes, sua relação com o
surgimento de políticas sociais no quadro internacional e nacional; com a formação
econômico-social-cultural brasileira; com a configuração histórica da política de
assistência social no Brasil; com o papel do Estado e com os interesses das classes
sociais; com as forças políticas que se organizam no âmbito da sociedade civil; com
valores e ethos de seu tempo (Behring e Boschetti, 2007).
[...] a abordagem da política social requer o recurso heurístico da
totalidade, ou seja, a articulação entre economia e política, produção e
reprodução social, sob pena de recair em ênfases tecnocráticas, politicistas
ou economicistas, unilaterais e empobrecedoras da discussão. Outro
aspecto é observar a política social na formação sócio-histórica em que é
14
implementada, com seu presente e seu passado, com sua economia e
culturas políticas (Behring, 2004, p. 10).
Trata-se, portanto, de abordar, ao longo do trabalho, alguns elementos, que
elencamos como principais, na formulação desta nova política: a própria construção
sócio-histórica da política de assistência no país e sua relação com a economia
política; o predomínio do um ideário neoliberal; a configuração da política de
assistência social nos governos Lula; a incidência de uma racionalidade própria da
ordem burguesa; a correlação de forças nos espaços em que se realizam os
debates e as deliberações sobre a política de assistência social; e a intervenção e
colaboração de sujeitos na formulação da política, especificamente assistentes
sociais que lutaram, pesquisaram e produziram no âmbito da mesma.
No primeiro capítulo, fizemos um resgate histórico do capitalismo, a partir da
segunda metade do século XVIII, quando configura-se o chamado capitalismo
concorrencial, mostrando as contradições elementares do modo de produção
capitalista e os elementos introduzidos nesta dinâmica com o estágio imperialista
sob a édige dos monopólios. Busca-se abordar a intervenção do Estado na “questão
social” no âmbito internacional e nacional na sua relação com a manutenção da
ordem capitalista através das políticas sociais, dentre elas, a assistência social, que
tamm desempenha um papel importante no processo de produção e reprodução
das relações sociais no ordenamento do capitalismo monopolista. Assim, a
totalidade e a particularidade da formação social brasileira e a trajetória da política
de assistência social no Brasil tamm são temas encontrados neste capítulo.
No segundo capítulo, deu-se prosseguimento ao resgate histórico feito
anteriormente ao tratar da conjuntura atual brasileira e da política de assistência
social durante os governos do Presidente Lula. Após a aprovação da nova Política
Nacional de Assistência Social, é realizada uma análise do conteúdo teórico-
15
metodológico e ídeo-político da PNAS com a finalidade de apontar a incidência da
racionalidade burguesa e discutir alguns de seus elementos, no que diz respeito às
diretrizes, princípios, eixos estruturantes, conceitos, concepções e formas de gestão,
bem como problematizar o nível de apropriação do real contido neste documento
para a construção de uma política de assistência social brasileira.
No terceiro capítulo, são abordados os processos decisórios e de luta pela
aprovação da legislação que regulamenta a política de assistência social após seu
novo ordenamento como direito do cidadão e dever do Estado a partir da
Constituição de 1988, bem como analisada a correlação de forças existente antes e
durante o processo de formulação da atual PNAS/ SUAS, principalmente no âmbito
do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Esta pesquisa orienta-se por duas hipóteses. A primeira diz respeito ao
conteúdo teórico-metodológico e ídeo-político da PNAS que traz implicações para
uma nova configuração da política de assistência social, em consonância com a
racionalidade burguesa. Contida apenas de uma razão formal-abstrata, temos a
configuração de uma política que pode nascer das raízes de uma visão pragmática
centrada na natureza da ação humana e da prática, de uma noção restrita de que o
conhecimento advém da experiência. Neste sentido, se esquece da busca da
essência numa perspectiva de totalidade.
Com o seu tratamento no governo atual e com o modelo neoliberal, a
assistência social ganha centralidade no âmbito da proteção social, colocada como
uma saída (ou até mesmo solução) frente às seqüelas da “questão social”. Desta
forma, a política de assistência configura-se afinada com uma lógica de auto-
sutentabilidade dos indivíduos e de “familiarização” das políticas sociais, ao
16
desconsiderar a incidência do modelo econômico vigente e, conseqüentemente as
desigualdades entre classes.
A segunda idéia guia é que houve um consenso entre governo e sociedade
civil em torno da PNAS como um grande avanço e seu conteúdo, em termos dos
eixos estruturantes e das inovações propostas, não foi questionado teoricamente no
momento da sua formulação e aprovação no âmbito do CNAS. Esse consenso foi
possível frente à legitimidade do grupo que formulou o texto inicial (pela sua histórica
luta no campo desta política e pelas pesquisas e produções acerca do tema), bem
como pelo posicionamento das entidades prestadoras de serviços que não viram,
naquele momento, algum tipo de ameaça aos seus interesses voltados para a
manutenção da isenção da cota patronal.
Com relação aos procedimentos metodológicos, am da pesquisa teórica, a
pesquisa documental e as entrevistas fazem parte destes procedimentos. Assim,
busca-se uma análise das atas do Conselho Nacional de Assistência Social no
período de 2004, quando houve a discussão e a aprovação da PNAS/SUAS, bem
como entrevistas com profissionais que estiveram envolvidos no período de
formulação da política com o intuito de entender a correlação de forças neste
contexto e aferir as avaliações realizadas pelos mesmos no que diz respeito à
PNAS. Foram realizadas seis entrevistas, sem identificação das pessoas
entrevistadas, com o intuito de preservá-las de quaisquer más interpretações. Sendo
assim, as entrevistas foram sinalizadas por números ao longo do texto.
É importante que fique claro que ao fazer uma análise da PNAS/SUAS, temos
o entendimento que estamos tratando de um resultado de uma correlação de forças.
Mas também entendemos que a PNAS, ou seja, seu texto normativo, traz um
conteúdo teórico, político e metodológico, diferentemente da Norma Operacional
17
Básica, que como o próprio nome já diz, traz um conteúdo operacional, instrumental.
Por este motivo, tal conteúdo da PNAS merece uma análise crítica, uma vez que
carrega uma série de elementos que irão respaldar a concretização desta política,
bem como a intervenção profissional de quem nela atua.
Cabe ressaltar tamm que, ao analisar criticamente a PNAS/SUAS, em
consonância com as teses que sustentam o processo de assistencialização da
Seguridade Social, não significa desqualificar a importância da política de
assistência social e desconsiderar os avanços trazidos pela mesma. Significa trazer
reflexões para a sua qualificação enquanto política pública e o seu papel na
configuração das políticas sociais, sem superdimensioná-la ou subestimá-la.
18
1 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: ARTICULAÇÃO ENTRE O ECONÔMICO
E O POLÍTICO
1.1 O CAPITALISMO NA CONJUNTURA INTERNACIONAL
A partir da segunda metade do século XVIII, configura-se um novo estágio
evolutivo para o capitalismo, o chamado capitalismo concorrencial que abrirá um
processo de urbanização sem precedentes sobre a base da indústria moderna e
criará o mercado mundial. Estabelecem-se vínculos econômicos e culturais entre
países distantes permitindo a consolidação do desenvolvimento de um sistema
econômico internacional, ou seja, uma economia mundial.
Neste período, surgem também as lutas de classes fundadas na contradição
entre capital e trabalho, fazendo avançar uma crescente politização frente à
exploração capitalista que não permitia qualquer garantia para os trabalhadores e
que, tratavam de incorporar inovações tecnológicas à produção a fim de reduzir a
demanda de trabalho vivo e atemorizar os proletários com a ameaça do
desemprego.
O Estado, por sua vez, intervinha no exclusivo interesse do capital ao
assegurar as condições externas para a acumulação capitalista restringindo-se às
tarefas repressivas: reprimia duramente os trabalhadores, de um lado, e iniciava a
regulamentação das relações de produção, por meio da legislação fabril, por outro. É
neste momento que nasce “as primeiras expressões contundentes da questão
social” (Behring e Boschetti, 2007, p. 55), quando a luta gira em torno da jornada de
trabalho e das respostas das classes e do Estado.
Na segunda metade do culo XIX, as lutas de classes se elevam a um novo
patamar, quando a partir dos eventos revolucionários de 1848, as vanguardas
19
operárias encontram formas de articulação nacional e internacional através do
antagonismo entre proletariado e burguesia, fato que demarcou a conversão do
operariado de “classe em si” em “classe para si”.
Com o início da regulamentação da relação capital e trabalho e do debate
acerca da jornada de trabalho evidencia-se a irrupção da luta de classes e da
questão social, bem como suas formas de enfrentamento. Assim, a legislação fabril
torna-se precursora do papel do Estado com relação às classes e os direitos sociais
no século XX. Foi no final do culo XIX e início do século XX que se deu mais
fortemente a pressão das classes pela ampliação dos direitos.
Ao longo deste estágio, observa-se uma desenfreada concorrência entre os
capitalistas em razão do volume de capital nas mãos de cada um deles. Mas este
quadro semodificado após a grande crise de 1873, com a criação dos modernos
monopólios, caracterizando um novo estágio para o capitalismo, o capitalismo
monopolista. Neste contexto, a mudança do papel dos bancos tornou-se primordial
para implementar o processo de centralização do capital ao tornarem-se peças
básicas do sistema de crédito. O surgimento dos monopólios industriais é
acompanhado pela monopolização também no âmbito do capital bancário.
Constitui-se, então, o capital financeiro, através da fusão dos capitais
monopolistas industriais com os bancários que ganhará centralidade no terceiro
estágio evolutivo do capital, o estágio imperialista, que se gestou nas últimas três
décadas do culo XIX e, experimentando transformações significativas, percorreu
todo o século XX e se prolonga na entrada do século XXI.
As empresas monopolistas se associam a empresas similares de outros
países capitalistas com o intuito de ganhar mercados externos, uma vez controlados
20
os mercados dos seus próprios países. Através de acordos, os grandes monopólios
realizam uma partilha econômica e, simultaneamente, territorial do mundo.
Assim, o estágio imperialista é marcado por elementos que são introduzidos
na dinâmica capitalista dentre os quais se destacam o desenvolvimento da
monopolização, o surgimento do capital financeiro (e da oligarquia financeira), a
exportação de capital e a partilha econômica (e territorial) do mundo, a indústria
bélica como componente central da economia, o crescimento extraordinário do
excedente econômico pelo grau de concentração e centralização do capital. Todos
esses elementos se explicitaram e aprofundaram com nitidez neste estágio. A razão
de tal aprofundamento está no fato de “o capitalismo, na fase de dominação dos
monopólios, ter efetivamente se constituído como um sistema econômico mundial”
(Netto e Braz, 2006, p. 187).
Constata-se tamm nesta fase a manutenção e acentuação das
contradições elementares do modo de produção capitalista, que passa a introduzir
novas tensões na dinâmica econômica: uma que diz respeito à expansão da
produção, apenas com a garantia da realização (venda) das suas mercadorias; e
outra com relação à questão da inovação tecnológica que se mostra mais demorada
neste estágio.
A trajetória desse estágio do capitalismo que se desenvolve sob a égide dos
monopólios e que denomina-se de imperialismo sofreu significativas transformações,
podendo ser distinguida por três fases: a fase “clássica” que, segundo Mandel
(1990), vai de 1890 a 1940, os anos dourados”, do fim da Segunda Guerra Mundial
até a entrada dos anos setenta e o capitalismo contemporâneo, de meados dos
anos setenta aos dias atuais.
21
A fase “clássica” sofreu os rebatimentos da crise de 1929 que obrigou os
dirigentes capitalistas a ensaiar alternativas político-econômicas que serão
implementadas na fase seguinte pelas principais potências imperialistas. Este é um
período extremamente marcado pelo predomínio do liberalismo cujo princípio do
trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado é seu principal
sustentáculo.
Neste momento há uma reduzida intervenção estatal na forma de políticas
sociais pela própria essência dos elementos centrais que compõem o liberalismo.
Segundo Behring e Boschetti (2007), destacam-se, dentre tais elementos: o
predomínio do individualismo; a idéia de que o bem-estar individual maximiza o bem-
estar coletivo; predomínio da liberdade e competitividade; naturalização da miséria;
predomínio da lei da necessidade (onde as necessidades humanas básicas não
devem ser totalmente satisfeitas); manutenção de um Estado mínimo; a idéia de que
as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício; e a idéia de a política social
deve ser um paliativo.
Portanto, a intervenção do Estado na “questão social” durante este período se
resumiu a incorporar poucas demandas da classe trabalhadora e respondê-las,
sobretudo, de forma repressiva. Podem-se destacar as primeiras iniciativas de
políticas sociais na relação Estado liberal e Estado social, ou seja, no capitalismo
monopolista, especificamente, na passagem da fase clássica para os chamados
“anos dourados”, quando se incorporou as orientações social-democratas num novo
contexto socioeconômico e da luta de classes
1
.
A depender dos movimentos de organização e pressão da classe
trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das correlações
1
Existe um conjunto abrangente de autores preocupados com as formas que o Welfare State
assumiu em diferentes países, bem como o seu momento de “crise”, dentre eles: Esping- Andersem
(1991); Lessa (2007), Vianna (2000); Draibe (1994).
22
e composições de força no âmbito do Estado, tais iniciativas de políticas sociais se
deram de forma gradual e diferenciada em diversos países. A origem do chamado
Welfare State tem relação intrínseca com a luta da classe trabalhadora e de alguns
elementos incorporados decorrentes desta luta, como, por exemplo, a lógica do
seguro social na Alemanha, a partir de 1883, que desencadeou em outros países
europeus um sistema estatal de compensação de renda para os trabalhadores na
forma de seguros.
Desta forma, o crescimento do movimento operário e sua ocupação nos
espaços políticos e sociais importantes, a vitória do movimento socialista em 1917,
na Rússia, e o próprio processo de concentração e monopolização do capital foram
fatores primordiais para demolir a utopia liberal e configurar uma atitude defensiva
do capital no segundo pós-guerra. As políticas sociais se generalizam neste período
de expansão com o objetivo de amortecer a crise de 1929.
Nos “anos dourados”, período da onda longa expansiva, de acordo com
Mandel (1985, p. 85), “os períodos cíclicos de prosperidade [são] mais longos e
intensos, e mais curtas e mais superficiais as crises cíclicas”. As taxas de
crescimento mostraram-se muito significativas e os impactos das crises cíclicas
foram diminuídos (apesar de não terem sido suprimidas), em razão da regulação
posta pela intervenção do Estado, em geral, sob a inspiração das idéias de Keynes,
que rompeu parcialmente com os princípios do liberalismo clássico.
Tais saídas são postas pela intervenção do Estado que deve cumprir o papel
de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e
de gastos nos períodos de depressão e garantir um programa fundado no pleno
emprego e maior igualdade social com o incremento das políticas sociais.
23
A economia do imperialismo registrou mudanças importantes: a exportação
de capitais com maior fluxo dos capitais imperialistas em torno dos próprios países
imperialistas. Mudança também quanto à organização do trabalho industrial: o
chamado taylorismo-fordismo como padrão para toda a produção industrial
(produção em massa de mercadorias, a partir de uma produção mais
homogeneizada e enormemente verticalizada, reduzindo o tempo e aumentando o
ritmo de trabalho).
Observa-se, então, um pacto entre o keynesianismo e este novo padrão de
produção, que se configura em mais do que uma mudança técnica, mas numa forma
de regulação das relações sociais.
Três outros traços próprios do imperialismo dos “anos dourados” vão se
consolidar e se estender nesse período: o crescimento do crédito ao consumidor, a
inflação e o enorme crescimento do chamado setor terciário ou setor de serviços,
onde prevalece nitidamente o trabalho improdutivo (Netto e Braz, 2006).
O estágio imperialista, portanto, aprofunda exponencialmente a contradição
básica do modo de produção capitalista entre a socialização da produção e a
apropriação privada do excedente, agora estendida à escala mundial.
Dentro desta nova ordem, torna-se necessário, portanto, um Estado
interventor para gerir tal contradição. Ou seja, que para além de um Estado
guarda-noturno. Trata-se da constituição de um Estado, no imediato pós-guerra, que
conjugue a universalização do taylorismo-fordismo com as idéias keynesianas, e que
ainda intervenha de forma direta e contínua na dinâmica econômica para assegurar
os superlucros dos monopólios.
Os Estados são poderes territoriais relevantes neste processo, uma vez que é
o Estado burguês que vai garantir que o mercado e as regras contratuais sejam
24
legalmente respeitadas, além de criar estruturas de regulação para conter conflitos
de classes e arbitrar entre as reivindicações de diferentes facções do capital
(Harvey, 2005).
O Estado pode, entretanto, usar seus poderes para orquestrar a
diferenciação e a dinâmica regionais não por meio de seu domínio dos
investimentos infra-estruturais (particularmente nos transportes e
comunicações, na educação e na pesquisa), mas tamm mediante sua
própria imposição de leis de planejamento e aparatos administrativos. Suas
capacidades de reforma das instituições básicas necessárias à acumulação
do capital tamm podem ter profundos efeitos (tanto positivos como
negativos).[...] Em suma, ele se envolve necessariamente em lutas
geopolíticas e recorre, quando pode, a práticas imperialistas (Idem, p. 92-
93).
Diferentemente do capitalismo concorrencial, cabe ao Estado, no estágio
monopolista, preservar e controlar continuadamente a força de trabalho ocupada e
excedente como função de primeira ordem, tamanhas dificuldades encontradas para
a valorização do capital pela reprodução capitalista.
De fato, o que ocorre é que a intervenção estatal desonera o capital de boa
parte dos ônus da preservação da força de trabalho, financiados agora
pelos tributos da massa da população financiamento que assegura a
prestação de uma rie de serviços públicos (educação, transporte, saúde,
habitação etc). Todas essas funções estatais estão a serviço dos
monopólios; porém, elas conferem ao Estado comandado pelo monopólio
um alto grau de legitimação. E isso porque, num marco democrático, para
servir ao monopólio, o Estado deve incorporar outros interesses sociais; ele
não pode ser simplesmente, um instrumento de coerção deve
desenvolver mecanismos de coesão social (Netto e Braz, 2006, p. 204-
205).
O reconhecimento dos direitos sociais por parte do Estado é estratégia para
sua legitimação a favor do serviço aos monopólios. Respaldado pela presença de
movimentos políticos de massa, configura-se um conjunto de instituições que dariam
forma aos vários modelos de Welfare State. Com a emergência do Welfare State se
incorporou um conceito ampliado de seguridade social com o Plano Beveridge na
25
Inglaterra, embora seja possível caracterizar diferentes tipos de regime de Welfare
State em diversos países
2
.
Embora tal período tenha demonstrado um momento de grande ampliação
das políticas sociais, este estágio tornou-se um breve episódio no desenvolvimento
do modo de produção capitalista. O crescimento econômico aliado à lógica de
redistribuição foi marcado pelo pacto entre keynesianismo e taylorismo-fordismo
como resposta para controlar as crises e resolver os conflitos (não seriam mais
contradições) à base do consenso.
Tal idealização encontrava justificativa nas linhas traçadas de convivência
política e econômica para o mundo, após um período de derrota do fascismo e de
ruínas trazidas pela Segunda Guerra Mundial, onde novas instituições foram
envolvidas no plano da política e da economia: a Organização das Nações Unidas/
ONU, O Banco Mundial/ BM e o Fundo Monetário Internacional/ FMI.
Na passagem dos anos sessenta aos setenta do culo XX, o capitalismo
entrou em crise. Com o avanço do processo de uma revolução tecnológica
permanente, acentuou-se o exército industrial de reserva, configurando um
desemprego estrutural e sem retorno, além de reverter as conquistas sociais
alcançadas no segundo pós-guerra.
Neste sentido, houve um forte desenvolvimento das forças produtivas em
contradição cada vez mais intensa com as relações de produção que colocam novas
condições para a política econômica e para as políticas sociais. A partir dos anos
setenta, começa um período de recessão gerado pelo processo de
2
Esping-Andersen (1991) distingue os países em três tipos de regime de Welfare State: o primeiro
como “liberal”, predominaria nos Estados Unidos, Canadá e Autrália; o segundo como conservador e
corporativista, que teria como base o modelo bismarckiano, predominaria na Áustria, França,
Alemanha e Itália; e o terceiro, o “social-democrata”, predominaria nos países do Norte da Europa,
como Suécia, Dinamarca e Escandinávia, que instituíram políticas sociais universais.
26
internacionalização do capital que se colocou como um limitador da eficácia das
medidas anticíclicas.
Este momento caracteriza-se como a terceira fase do estágio capitalista: o
capitalismo contemporâneo, chamado tamm por Harvey (2005) de novo
imperialismo, devido às alterações experimentadas pela economia neste período.
A partir desses anos, a onda longa expansiva esgotou-se, a taxa de lucro
começou a declinar, o crescimento econômico se reduziu e a pressão organizada
dos trabalhadores aumentou ao contestar a organização de produção taylorista-
fordista. Mais precisamente entre 1974 e 1975, a economia capitalista internacional
conheceu a sua primeira recessão generalizada desde a II Guerra Mundial,
atingindo, pela primeira vez, todas as grandes potências imperialistas. Enterra-se os
“anos dourados” neste período e inicia-se uma onda longa recessiva, cujas crises
voltam a ser dominantes.
As crises econômicas capitalistas, segundo Mandel (1990) são causadas, em
resumo, pela superacumulação de capitais acompanhada de uma superprodução de
mercadorias; o subconsumo das massas; a anarquia da produção e a
desproporcionalidade entre os diferentes ramos da produção, inerentes à
propriedade privada e à economia mercantil generalizada; e a queda da taxa de
lucros.
Para compreender o encadeamento real entre a queda da taxa de lucro, a
crise de superprodução e o desencadeamento da crise, devemos distinguir
os fenômenos de aparecimento da crise, seus detonadores, sua causa
mais profunda e sua função no quadro da lógica imanente do modo de
produção capitalista (Mandel, 1990, p. 211).
No caso da crise relacionada aos desdobramentos da recessão generalizada
de 1974-75 e, posteriormente, de 1980-82, deve ser compreendida como o ponto de
convergência de cinco crises de tipo diferente, segundo Mandel (1990): uma crise
27
clássica de superprodução; a combinação dessa crise cssica com a mudança
brusca da “onda longa” que, desde o fim dos anos 60, cessou de mover-se em
sentido expansivo; uma nova fase da crise do sistema imperialista; uma crise social
e política agravada nos países inperialistas; e a conjunção dessas quatro crises com
a profunda crise estrutural da sociedade burguesa que acentua a crise de todas as
relações sociais burguesas, mais particularmente, a crise das relações de produção
capitalista.
Por sua vez, Harvey (2005) sinaliza que essas são crises tipicamente
registradas como excedentes de capital (em termos de mercadoria, moeda e
capacidade produtiva) e excedentes de força de trabalho lado a lado, sem que haja
aparentemente uma maneira de conjugá-los lucrativamente a fim de realizar tarefas
socialmente úteis. Neste caso, a gica capitalista do imperialismo busca
“ordenações espaço-temporais” para o problema do capital excedente. um
incessante impulso de redução de barreiras espaciais associado a um outro impulso
de mesmo esforço de aceleração da taxa de giro do capital.
A redução do custo e do tempo do movimento provou ser uma necessidade
vital de um modo de produção capitalista. A tendência à ‘globalizaçãoé
inerente a esse esforço, e a evolução da paisagem geográfica da atividade
capitalista tem sido impelida sem remorsos por etapa após etapa de
compressão do espaço-tempo (Harvey, 2005, p. 86).
Diante dessa inversão durante o período referido, associado às “ordenações
espaço-temporais”, o capital monopolista formulou e implementou uma estratégia
articulada sobre um tripé composto pela reestruturação produtiva, a financeirização
e a ideologia neoliberal que não alteraram o perfil da onda longa recessiva, mas que
permitiu que as taxas de lucro fossem restauradas.
Após a recessão generalizada, tratava-se de dar o primeiro passo frente a
esta nova estratégia política: atacar primeiramente o movimento sindical;
28
posteriormente começar a alterar os circuitos produtivos esgotando-se a modalidade
de acumulação rígida e adotando-se a modalidade de acumulação flexível.
Para isso, foi preciso três condições necessárias que estão imbricadas com a
relação entre capital e trabalho: o crescimento do capitalismo em direção à
acumulação; o apoio na exploração do trabalho vivo em virtude da capacidade de
criação de mais-valia; e a dinâmica do capitalismo no aspecto organizacional e
técnico a fim de maximizar os lucros. Segundo Harvey,
A acumulação flexível [...] se apóia na flexibilidade dos processos de
trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo.
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional (1993, p. 140).
Opera-se a reestruturação produtiva à base dessa flexibilidade, incorporando-
se de forma intensiva tecnologias resultantes de avanços técnico-científicos que
reduz a demanda de trabalho vivo pelo desenvolvimento das forças produtivas,
deslocando-se dos suportes eletromecânicos para os eletroeletrônicos. Além disso,
a produção busca atender variabilidades culturais e regionais e o capital promove a
desterritorialização da produção.
Esse deslocamento tem implicado na expansão das fronteiras do trabalhador
coletivo, na exigência de uma força de trabalho mais qualificada e polivalente e na
modificação da gestão dessa força de trabalho de forma mais apelativa para quebrar
a consciência de classe dos trabalhadores, tratando-os como “colaboradores”,
“associados” etc.
A lógica do “pleno emprego” foi substituída por formas precárias de emprego
sem quaisquer garantias sociais: emprego em tempo parcial, informal e terceirizado,
com redução salarial. As novas transformações implementadas pelo capital
poderiam recair sobre os trabalhadores.
29
Além da precarização do emprego, a ‘flexibilização’ e a desregulamentação’
das relações de trabalho provocou um crescimento do desemprego. Tal desemprego
maciço transformou-se num fenômeno permanente e desencadeou uma crise no
movimento sindical. Ou seja, esta nova estratégia do capital impactou fortemente os
trabalhadores e trouxe uma das características mais marcantes: a exponenciação da
“questão social” que continua sendo naturalizada e acrescida da criminalização do
pauperismo e dos pobres.
Observa-se tamm o caráter anti-democrático e autoritário nas instâncias
representativas (parlamentos, assembléias legislativas) compostas pelas “elites
orgânicas” do grande capital, através do peso de seus lobbies
3
, tomando decisões
políticas desconhecidas da população (Netto e Braz, 2006). Trata-se de uma
concentração do poder político conduzida pela concentração do poder econômico.
Tais “elites orgânicas”, a partir dos anos setenta, conduziram a política
tamm através de instituições, agências e entidades de caráter supranacional
como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e organismos vinculados à
Organização das Nações Unidas. São organizações internacionais que,
instrumentalizadas pelo grande capital, implementam suas estratégias com um peso
enorme nas decisões que vão desde a orientação macroeconômica até as de menor
abrangência (como por exemplo, os programas sociais).
Dentro outras características deste período, que rebatem sobre a relação
capital e trabalho, destacam-se a privatização, ao retirar do controle estatal
empresas e serviços; a estruturação de blocos supranacionais que passam a
constituir espaços geoeconômicos regionais; o processo de financeirização do
capital; e o crescimento do capital fictício.
3
Sobre o papel dos lobbies, recorrer aos autores Vianna (2000) e O’Connor (1997).
30
Para legitimar a grande estratégia do capital, fomentou-se e patrocinou-se a
divulgação maciça do conjunto ideológico que se difundiu sob a designação de
ideário neoliberal. Conjuntamente com as mudanças oriundas do processo de
reestruturação produtiva, criou-se uma base material para a formação de uma
cultura política de nova ordem que exige a desqualificação do significado histórico
dos projetos de democratização do capital e da socialização da riqueza socialmente
produzida (Mota,1995).
A cultura da crise, segundo a autora, torna-se um movimento mundial,
adquirindo traços particulares a depender do modo e da forma de inserção em cada
país, das relações entre as classes e da natureza da ação do Estado, encontrando
terreno fértil para viabilizar a reestruturação da hegemonia do capital.
Assim, mediante a construção de uma cultura política da crise, a intervenção
social do Estado, sob a direção da burguesia internacional, é realizada com a
mediação de mecanismos políticos, que colocam como uma das exigências, a
supressão de alguns direitos sociais.
Essa ideologia legitima precisamente o projeto do capital monopolista de
romper com as restrições sociopolíticas que limitam a sua liberdade de
movimento. Seu primeiro alvo foi constituído pela intervenção do Estado na
economia: o Estado foi demonizado pelos neoliberais e apresentado como
um trambolho anacrônico que deveria ser reformado e, pela primeira vez
na história do capitalismo, a palavra reforma perdeu o seu sentido
tradicional de conjunto de mudanças para ampliar direitos; a partir dos anos
oitenta do século XX, sob o rótulo de reforma (s) o que vem sendo
conduzido pelo grande capital é um gigantesco processo de contra-reforma
(s), destinado à supressão ou redução de direitos e garantias sociais (Netto
e Braz, 2006, p. 227).
As mudanças no mundo do trabalho e as mudanças na intervenção do Estado
são macrodeterminações dos processos sociais que geraram um novo quadro para
a seguridade social.
Com o objetivo de diminuir as funções estatais coesivas, que respondem à
satisfação de direitos sociais, o capitalismo monopolista avançou no sentido de
31
reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de seguridade social. Sob o influxo das
idéias neoliberais, a tendência que se concretiza é a de privatizar os programas de
previdência e saúde e ampliar os programas assistenciais.
Trata-se, portanto, de assinalar um fenômeno de regressão social, resultante
da ofensiva do capital sobre o trabalho, que naturaliza a pobreza e que oferece
apenas, para reduzi-la, uma assistência social refilantropizada.
1.2 O IDEÁRIO NEOLIBERAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS
O novo liberalismo deste fim de século XX, conhecido atualmente na literatura
política e científica como neoliberalismo, nasceu logo depois da II Guerra Mundial,
na região da Europa e da América do Norte (Anderson, 1995) e viveu um processo
de ascensão não linear e de diferentes formas em diversos países, principalmente
destacando-se as diferenças entre países centrais e periféricos.
Trata-se de uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar que começa com as elaborações do economista
austríaco Friedrich August von Hayek, seguidas de Milton Friedman e outros. Como
bem coloca Netto, “uma argumentação teórica que restaura o mercado como
instância mediadora societal elementar e insuperável e uma proposição política que
repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia” (2001, p.
77).
O que se pode denominar ideologia neoliberal compreende uma concepção
de homem (considerado atomisticamente como possessivo, competitivo e
calculista), uma concepção de sociedade (tomada como um agregado
fortuito, meio de o indivíduo realizar seus propósitos privados) fundada na
idéia da natural e necessária desigualdade entre os homens e uma noção
rasteira da liberdade (vista como função da liberdade de mercado) (Neto e
Braz, 2006, p. 226).
32
No período de crise dos anos 70, essas elaborações teóricas começam a
ganhar espaço acadêmico e político ao contestar o ritmo crescente das despesas
públicas e da inflação provenientes do modelo keynesiano, argumentando que o
novo igualitarismo, promovido por tal modelo, destruía a liberdade dos cidadãos e a
vitalidade da concorrência. Propõe-se, então, um novo projeto político-econômico
que é assumido por governos das principais economias do mundo (Fiori, 1997;
Anderson, 1995).
A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo.
Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção
dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natural’ de
desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para
quebrar os sindicatos (Anderson, 1995, p. 11).
Assim temos, nos países centrais, o governo de Tatcher na Inglaterra em
1979, de Reagan nos Estados Unidos, em 1980 e o Kohl na Alemanha, em 1982;
atingindo logo os países periféricos como México, Argentina, Brasil, Uruguai, Peru,
dentre outros. Apesar das díspares características próprias deste último grupo, como
por exemplo, a renegociação das dívidas externas, estes países de economias
periféricas se compromissaram com o programa de estabilização e reforma
econômica propostas pelo receituário elaborado pelo Consenso de Washington, em
1989, que indicou dez medidas que deveriam ser seguidas pelos mesmos
4
.
É importante lembrar que apesar da América Latina sofrer de fato com as
experiências neoliberais após o impacto do triunfo neoliberal no leste europeu, este
continente foi testemunha da primeira experiência neoliberal sistemática do mundo
com a ditadura de Pinochet no Chile. Os programas de desregulação, desemprego
4
As dez medidas foram: ajuste fiscal, redução do tamanho do Estado, privatizações, abertura
comercial, fim das restrições ao capital externo, abertura financeira, desregulamentação,
reestruturação do sistema previdenciário, investimento em infra-estrutura básica, fiscalização dos
gastos públicos e fim das obras faraônicas. Reuniram-se em Washington, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial, o governo norte-americano, economistas e políticos latino-
americanos e caribenhos de orientação neoliberal (Batista, 1994).
33
massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos e
privatização dos bens públicos foram postos de maneira dura no Chile de Pinochet,
quase um decênio antes de Thatcher, na Inglaterra.
Desta forma, aliada a derrota ou implosão do mundo comunista, a ofensiva
neoliberal ganha força e se projeta mundialmente como uma ideologia hegemônica.
A ideologia neoliberal, gerada nos Estados Unidos e em várias agências
multinacionais, sustenta que a escolha é obvia: somente uma via para o
desenvolvimento, e ela deve ser seguida (Przeworski, 1993, p. 210).
Porém, é importante não perder de vista que o ideário neoliberal não difere do
velho liberalismo nascido no século XVIII (reformulado durante o culo XIX
(principalmente na era do monopólio) no que diz respeito a vertente ideológica; ou
seja, as suas teses e propostas centrais são:
A busca da despolitização total dos mercados e a liberdade absoluta de
circulação dos indivíduos e dos capitais privados (...), a mesma defesa
intransigente do individualismo (...) [e] o tema da igualdade social (...)
apenas enquanto igualação de oportunidades ou condições iniciais
igualizadas para todos (Fiori, 1997, p. 202).
Mas existem de fato algumas características que singularizam o
neoliberalismo, tal como um contexto que o favorece. Fiori (1997) elenca alguns
elementos: a pretensão explícita de se formalizar enquanto “individualismo
metodológico”; a força das idéias, da ideologia e da teoria aliada às transformações
econômicas e políticas materiais que o capitalismo vem vivendo desde a sua crise
de 1973; condições favoráveis para a proliferação da ideologia neoliberal,
provenientes da derrota comunista e do avanço das idéias políticas dos novos
liberais para o Leste Europeu e para os países da Ásia.
Além disso, é necessário que se destaque uma diferença básica entre o
liberalismo e o neoliberalismo: à concepção de Estado mínimo. Para o liberalismo, a
34
preocupação está voltada para a guarda da propriedade, diferentemente do
neoliberalismo:
O Estado mínimo que os neoliberais advogam não é um retorno puro e
simples ao ‘Estado guarda-noturno’ que é o seu ideal são forçados a
reconhecer-lhe um pouco mais que a mera guarda da propriedade: por um
lado, combatem os sistemas de segurança e previdência social; por outro,
toleram alguma ação estatal em face do pauperismo (Netto, 2001, p. 79 e
80).
Segundo Pastorini (1995), o projeto político de minimização do Estado do
neoliberalismo está baseado num “ideal regressivo” e “reacionário”, cujo objetivo é
limitar o Estado regulador, construído pelo “liberalismo keynesiano”. Diferentemente
do “liberalismo clássico”, que se baseia em princípios e propostas próprias de um
“ideal progressista”, uma vez que nasce com o objetivo de questionar e derrubar o
Estado absolutista, tentando limitar os poderes da coroa, ampliando as liberdades
dos indivíduos perante os poderes públicos.
Utilizando-se de uma perspectiva de desenvolvimento econômico e social
como grande meta, o neoliberalismo apela para um discurso que reforça a
importância de um sistema democrático para tal crescimento e coloca a alternativa
neoliberal como a única viável dado o processo de globalização e o nível avançado
do capitalismo, contribuindo perigosamente, como bem coloca Sunkel (1999), “para
vendar nossos olhos ideologicamente” (p. 175).
Apesar de um discurso em favor da democracia, a mesma encontra-se
ameaçada diante deste novo quadro que estabelece apenas uma adesão formal ao
sistema democrático. De acordo com Netto (2001, p. 80), “a proposta neoliberal
centra-se na inteira despolitização das relações sociais” e, por conta disso, o
neoliberalismo converteu-se “em concepção ideal do pensamento antidemocrático
contemporâneo” (Ibidem). O objetivo se tornou erradicar quaisquer mecanismos
35
reguladores com algum componente democrático que permitisse controlar o
movimento do capital.
Aliás, Losurdo nos alerta para dois mitos construídos pela ideologia liberal: o
mito segundo o qual o liberalismo teria gradualmente se transformado, por um
impulso puramente interno, em democracia [e] que democracia e livre mercado
capitalista se identificam(2004, p. 9). Este autor completa, com base no exemplo
dos Estados Unidos (pivô da ideologia neoliberal), que a democracia tem se
restringido a uma competição eleitoral e que se trata apenas do que ele chama de
monopartidarismo competitivo, uma competição eleitoral que se reduz a um duelo
televisivo e midiático entre dois contendentes.
Outros autores nos chamam atenção para o esvaziamento da democracia.
Segundo Przeworski (1993), “o que parece importar, então, para o desempenho
econômico e o bem-estar social não é simplesmente ‘democracia’ em geral mas
instituições e políticas democráticas específicas” (idem, p. 222). Przeworski diz que
as reformas neoliberais m sido desencadeadas de surpresa, independentes da
opinião pública e da participação de forças sociais organizadas, e ainda conclui que:
O caráter autocrático dessas reformas ‘estilo Washington’ ajudam a minar
as instituições representativas, a personalizar a política e a engendrar um
clima em que a política fica reduzida a trapaças, ou então inflada numa
busca de redenção. Assim, mesmo quando as políticas neoliberais fazem
sentido economicamente elas debilitam as instituições representativas
(Idem, p. 224).
Além da questão da democracia, outro elemento central defendido no
discurso neoliberal é a globalização, como processo inevitável e natural do
desenvolvimento e da modernização. A globalização tamm é fruto de uma opção
política e ideológica dos governantes. Como aponta Fiori,
A globalização, apesar de ser um neologismo muito pouco preciso, aponta
para um processo de transformações cujas origens e conseqüências são
36
muito mais complexas, por envolver inúmeras dimensões não-econômicas
num intrincado processo de decisões privadas e públicas tomadas na
forma de sucessivos e inacabados desafios e ajustes. [...] Em síntese, não
se trata de um processo que derive apenas do progresso técnico ou da
evolução competitiva dos mercados (1997, p. 26).
Desta forma, o neoliberalismo, mais que uma proposição estritamente
econômica, mesmo que apareça como tal, se constituiu num projeto global de
organização societária, investindo sobre a estrutura social e a ordem político-
institucional através de uma política econômica, social e cultural que contribui
ideologicamente para formar um tipo de sociedade que tenha como base a
eficiência, a competitividade e o individualismo exacerbado, onde tudo que é privado
é valorizado, “maximizando” as ações e intervenções do mercado e “minimizando
as do Estado, o que Netto (1999) chama de “Estado mínimo para os trabalhadores e
máximo para o capital”.
O ideário neoliberal, então, funciona como uma das alternativas de superação
da crise, proposta pelo grande capital (em conjunto com a reestruturação produtiva e
a financeirização). Este novo liberalismo avança a partir da “crise do Estado de bem-
estar” e da crise do chamado socialismo real e é marcado por uma estratégia que
visa à diminuição da inflação, o aumento acentuado e incentivado dos lucros, uma
diminuição da conflitividade sindical e dos déficits públicos governamentais e a
privatização das empresas públicas. Neste sentido, a preocupação com as situações
inflacionárias, a oposição à presença e intervenção do Estado na economia e o
“livre” jogo das forças do mercado em nível internacional são tidos como os
pressupostos básicos neoliberais (Pastorini, 1995).
Assim, advoga-se o Estado mínimo, alegando-se que somente desta forma a
igualdade de oportunidade e a liberdade dos indivíduos poderão ser protegidas,
reservando a participação do Estado apenas na salvaguarda da propriedade e das
37
“liberdades” e reduzindo o seu papel interventor, principalmente frente às políticas
sociais. Cabe, portanto, à ordem de mercado, a regulação do sistema social:
É importante que, na ordem de mercado (enganosamente chamada de
‘capitalismo’) os indivíduos acreditem que seu bem-estar depende, em
essência, de seus próprios esforços e decisões. De fato, poucas coisas
infundirão mais vigor e eficiência a uma pessoa que a crença de que a
consecução das metas por ela mesma fixadas depende sobre tudo dela
própria (Hayek, 1985, II, p. 93).
Neste sentido, o discurso neoliberal começa a prevalecer em meio às elites
sociopolíticas e dos tecnocratas da economia na América Latina, recebido apoio da
opinião pública e de várias instituições financeiras, blicas e privadas, dos países
membros da OCDE (Organização para Cooperação dos Países em
Desenvolvimento), transformando-se num discurso único e dominante, como uma
nova ideologia “fundada na ideologia do ‘fim das ideologias’”, como se tivéssemos
“no final da estrada no processo de evolução histórica, o último e mais alto estágio
do capitalismo” (Sunkel, 1999, p. 174).
A América Latina, nos anos 80, sofreu com os efeitos devastadores da crise
financeira e com a explosão da dívida externa. Este quadro favoreceu a inserção de
um novo projeto já implementado nos países centrais, em nome de um ajuste
estrutural que desencadeasse mudanças necessárias através de políticas
privatizantes, liberalizantes e de mercado, centradas na desregulamentação dos
mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor blico e na
redução do Estado.
Sob os efeitos da política econômica, foi possível reconhecer, durante os
últimos anos, a conseqüência das medidas neoliberais adotadas, produzindo um
significativo retrocesso social marcado pelo aumento do desemprego e do mercado
informal de trabalho, pela deterioração das condições de vida da população
trabalhadora e pela redução dos serviços sociais públicos gerados,
38
conseqüentemente, pelo corte dos direitos sociais. O ajuste neoliberal faz parte de
uma redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais
(Soares, 2002, p. 12).
Uma análise das políticas sociais na América Latina demanda levar-se em
conta as particularidades histórico-processuais e a correlação de forças de cada
país. No entanto, algumas características comuns podem ser reconhecidas por este
grupo de países latino-americanos. Estes Estados incorporam o conceito de direitos
sociais na sua legislação, assegurando constitucionalmente, em alguns deles, uma
seguridade social pública. Porém, observa-se os critérios de seletividade dos
programas sociais e suas demais limitações, bem como, muitas das vezes, um
caráter assistencialista. Neste sentido, apesar da existência de alguns avanços
constitucionais, estes países acabaram adotando programas sociais de caráter
emergencial e focal, agravado pelo próprio ajuste.
Dentro deste grupo de Estados, destacam-se alguns objetivos comuns: o
aumento do grau de abertura da economia para o exterior a fim de lograr um maior
grau de competitividade de suas atividades produtivas; a racionalização da
participação do Estado na economia; a liberalização dos mercados, dos preços e
das atividades produtivas; e a estabilização do comportamento dos preços e de
outras variáveis macroeconômicas (Soares, 2002).
Tais características e objetivos comuns têm relação intrínseca com a
intervenção dos organismos multilaterais de crédito na definição e redefinição das
reformas (Pastorini e Galizia, 2006).
A partir da conferência de Bretton Woods, na década de 40, foram criados
dois organismos multilaterais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
39
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD)
5
que vieram a intervir de
forma decisiva na história dos países latino-americanos.
A dívida desses países favoreceu a entrada do neoliberalismo e, a partir da
segunda metade da década de 80, as políticas de ajuste “impostas” pelos
organismos multilaterais (FMI e Banco Mundial/ BIRD) como condição para novos
empréstimos ocasionam o agravamento da situação de pobreza dos mesmos.
Assim, temos as agências para avaliações internacionais sobre as políticas de
ajuste, destacando-se o posicionamento da CEPAL que, ao reconhecer o custo
social elevado, reformula suas propostas e explicita a necessidade de
transformações econômicas com maior eqüidade.
Em 1990, o Banco Mundial faz suas avaliações em relação à crise dos anos
80 e, ao naturalizar os graves problemas sociais e econômicos dos países latino-
americanos, passam a sugerir” a implementação de programas compensatórios e
emergenciais para combater a situação de fome e pobreza. Assim, levando-se em
conta as estatísticas oficiais, o BIRD admitiu o custo social e político do ajuste e
propôs ações assistenciais aos mais pobres.
Além da intervenção em reformas sociais, o Banco Mundial propôs uma série
de medidas econômicas e passa a exigir do governo a contratação de consultores
privados como condicionalidade para a aprovação dos empréstimos. Neste sentido,
os diferentes organismos internacionais, ao controlar, organizar e monitorar a
implementação das reformas das políticas públicas destes países, contribuíram
diretamente para a construção de um novo padrão de proteção social latino-
americano.
5
Ao FMI, nas suas origens, estava reservado o papel de prover recursos financeiros para os países
que apresentassem déficits nas contas externas decorrentes de conjunturas adversas, evitando
assim o agravamento da crise. O BIRD assumiria a responsabilidade por financiar os projetos de
recuperação e construção da infra-estrutura necessária ao desenvolvimento econômico (Pastorini &
Galizia, 2006, p. 75).
40
De acordo com Pastorini e Galizia (2006), a partir deste novo padrão, apoiado
no processo de assistencialização da proteção social, os programas assistenciais
passam a adquirir uma importância financeira e política sem precedente, enquanto
as políticas de proteção social de caráter permanente experimentam estratégias
diversas de privatização, redução, seletividade, desresponsabilidade e desoneração
do Estado na execução direta.
Mesmo com objetivos e medidas comuns, os países latino-americanos
apresentam conseqüências econômicas, políticas e sociais adversas, advindas de
alguns aspectos como o período de implantação; o tipo e a intensidade das políticas
de ajuste; a estruturação da economia, do Estado e das políticas públicas anteriores
e; ainda, as condições sociais encontradas em cada situação específica. No entanto,
as conseqüências deste novo ajuste têm componentes estruturais rios, o que nos
faz levar a seguinte conclusão: Isto significa que muitas dessas conseqüências são
de difícil reversão, sobretudo se mantidos a atual política econômica e o padrão de
intervenção do Estado no social de caráter ‘residual’” (Soares, 2002, p. 33).
Atualmente, o neoliberalismo tem contribuído para reforçar ainda mais a ideia
da redução da intervenção direta do Estado no social norteada por três princípios: a
privatização, a focalização e a desconcentração caracterizada pela descentralização
executiva, pela centralização normativa e administrativa e pela excessiva
centralização econômica (Pastorini, 1995).
Como uma das principais estratégias utilizadas pelo neoliberalismo, a
privatização, ou seja, a transferência de bens e serviços para o setor privado é
utilizada pelo discurso neoliberal como uma medida necessária a fim de aliviar a
crise fiscal, evitar irracionalidade no uso de recursos e alimentar a “livre” competição
entre os diferentes agentes. Tal discurso contribui para a redução ou supressão do
41
papel e funções do Estado, bem como para o desmantelamento de grande parte das
instituições e dos serviços sociais públicos (Pastorini, 2002).
Além da transferência de responsabilidades públicas,
a privatização gera uma dualidade discriminatória entre os que podem e os
que não podem pagar pelos serviços, no mesmo passo em que propicia um
nicho lucrativo para o capital, em especial segmentos do capital nacional
que perderam espaços com a abertura comercial (Behring, 2003, p. 251).
Segundo Pastorini (2002), a estratégia da focalização tem como fundamento
a eficácia e a eficiência dos programas e políticas sociais, ocupando o lugar do
princípio de universalidade e da preocupação com a redução de desigualdades e a
eliminação da pobreza, assegurando o acesso aos programas assistenciais apenas
aos comprovada e extremamente pobres.
a estratégia da desconcentração consiste na transferência para os
governos locais apenas a responsabilidade pela implementação dos programas
sociais, uma vez que o poder decisório político-econômico e administrativo não é
transferido. Além disso, fomenta-se as parcerias, programas voluntários,
terceirização dos serviços, dentre outros, que os governos locais delegam grande
parte dessa responsabilidade à sociedade civil.
Fica claro que o intervencionismo estatal direto, no discurso neoliberal, seria
antieconômico e antiprodutivo, pois, de acordo com esta ideologia, o mesmo
provocaria uma crise fiscal do Estado e uma revolta dos contribuintes, bem como
desestimularia o capital a investir e os trabalhadores a trabalhar. Por isso, “o Estado
só deve intervir com o intuito de garantir um mínimo para aliviar a pobreza e produzir
serviços que os privados não podem ou o querem produzir (Laurell, 1995, p.
163). O corte dos gastos sociais, a privatização, a centralização dos gastos sociais
públicos em programas seletivos contra a pobreza e a descentralização são as
42
quatro estratégias concretas, apontadas pela autora, da implantação da política
social neoliberal.
Em síntese, o neoliberalismo visa à reconstituição do mercado para a solução
parcial da crise capitalista. Para isso, reduz ou mesmo elimina a intervenção social
do Estado em diversas áreas e atividades. Tem como base a desregulamentação e
flexibilização das relações trabalhistas, a reestruturação produtiva e a
desresponsabilização do Estado na resposta às seqüelas da “questão social”
(Montaño, 2002).
Assim a saúde, a educação, a alimentação, o trabalho, o salário perdem
sua condição de direitos constitutivos de sujeitos coletivos e passam a
ser recursos (ou mercadorias) regulados unicamente pelo mercado. O não
acesso a eles deixa de ser um problema do Estado, tornando-se um
problema a ser resolvido no âmbito do privado (Soares, 2002, p. 73).
Os serviços sociais são mercantilizados porque são transferidos para o
mercado e/ou alocados na sociedade civil e são focalizados para parcelas da
população que carecem de necessidades básicas pontuais. O projeto neoliberal cria
e recria uma modalidade de resposta à “questão social” que visa acabar com o
caráter universalista do acesso aos direitos sociais. Mais que isso, como apontado
acima, visa acabar com a condição de direito das políticas sociais.
No Brasil, as primeiras medidas de caráter neoliberal deram início no Governo
Collor, em 1990, governo este que “contribuiu para danificar o arcabouço
institucional nacional-desenvolvimentista e para reorientar em um sentido anti-estatal
e internacionalizante a sociedade brasileira” (Sallum Jr., 1999, p. 27). Este período é
marcado pela implementação de um programa de redução progressiva das tarifas de
importação, bem como um programa de desregulamentação das atividades
econômicas e de privatização de empresas estatais. Tratava-se de uma intervenção
43
que tinha como objetivo a superação da crise de hegemonia instaurada em 1983,
uma “crise fiscal” que tinha um caráter essencialmente político
6
.
Com FHC eleito em 1995, é dada a largada da sustentação e permanência ao
programa de estabilização do FMI, as estratégias de ajustamento do Banco Mundial
e a viabilidade política necessária a todas as medidas estipuladas pelo Consenso
de Washington, onde o Plano Real já havia sido posto em prática, tendo como
representante o ex-ministro Bresser Pereira. Portanto, durante o período em que
FHC ocupava a posição de Ministro da Fazenda, observava-se a estratégia liberal
que se começara a implementar em 1990 (abertura comercial e privatizações) tomar
fôlego para o próximo governo. Segundo Sallum Jr. (1999), tudo favorecia para que
o novo sistema de poder almejasse um status hegemônico e ideológico: o sucesso
do Plano Real, a eleição de FHC no primeiro turno em conjunto com a vitória de
aliados políticos para o governo de quase todos os estados e a escolha de um
Congresso Nacional em que a coalizão partidária vitoriosa tinha folgada maioria.
Esclarece Fiori,
FHC, desde 1991, pelo menos, optou claramente por este projeto de
modernização neoliberal e por um bloco de sustentação de centro-direita.
Neste sentido, segundo nos relata a experiência, optou por uma estratégia
cio-econômica que tem gerado ou aprofundado os níveis preexistentes
de desigualdade e exclusão social. E além disso, para culminar, também
optou por levar à frente este projeto anti-social e quase sempre autoritário
através de uma coalizão política que foi sempre autoritária e que já logrou
forjar, antes e durante a era desenvolvimentista, esta nossa sociedade que
ocupa hoje o penúltimo lugar mundial em termos de concentração de
renda. Neste sentido, é que se pode concluir, sem ofender a lógica, que
FHC realmente aderiu a um projeto de agiornamento do autoritarismo anti-
social de nossas elites (1997, p. 20).
Assim, podemos destacar uma gestão que vai além de um mandato oficial e
uma opção de governo com base no fundamentalismo neoliberal que, segundo
Sallum Jr., foi “um meio decisivo para assegurar o necessário controle sobre o
6
Encontra-se uma análise dessa crise de Estado e seus desdobramentos até a eleição de Fernando
Collor em Sallum Jr.(1996).
44
sistema político, tendo em vista realizar a pesadíssima agenda de reformas
institucionais que constituía o núcleo duro do programa do governo” (1999, p. 41).
As reformas institucionais se expressam na “Reforma do Estado”, chamada
por alguns autores de Contra-reforma
7
(Netto, 1999; Coutinho, 2000; Behring,
2003a). Sob a administração de Bresser Pereira, esta reforma” destaca-se como
expressão mais nítida da direção ao neoliberalismo, apesar do mesmo negar seu
caráter neoliberal. Segundo Pereira, “a proposta básica é transformar a
administração pública brasileira, de burocrática, em gerencial” (1998, p. 22), “uma
reforma administrativa que torne o serviço público mais coerente com o capitalismo
contemporâneo” (idem, p. 23), tendo como base o argumento da superação da crise
fiscal e da recuperação da governabilidade (legitimidade) e governance (capacidade
financeira e administrativa de governar).
Para tanto, nessa concepção era preciso reduzir o Estado, “limitar suas
funções como produtor de bens e serviços” (ibidem). Ou seja, somente fica como
responsabilidade do Estado quando não se pode contar com o mercado, isto é,
quando a alocação de recursos pelo mercado não é solução factível” (idem, p. 24).
De acordo com Pereira, o surgimento do Estado de Bem-Estar Social
significou “um enorme reforço à idéia de Estado como res publica”, mas tamm
significou “um aumento considerável da cobiça de indivíduos e de grupos desejosos
de submeter o Estado a seus interesses particulares” (Ibidem).
Conclui dizendo que “são essenciais uma reforma política que maior
legitimidade aos governos, o ajuste fiscal, a privatização, a desregulamentação
7
De acordo com Behring, o Plano diretor da Reforma do Estado de 1995 constitui-se numa “Contra-
Reforma”, uma vez que se compôs de “um conjunto de mudanças estruturais regressivas sobre os
trabalhadores e a massa da população brasileira, que foram também antinacionais e
antidemocráticas” (2003, p. 281).
45
que reduz o ‘tamanho’ do Estado e uma reforma administrativa que crie os meios
de se obter uma boa governança” (idem, p. 36).
Desta forma, com uma clara submissão aos cânones neoliberais, o resultado
de oito anos de governo significou de fato, um verdadeiro desmonte da nação
(Lebauspin e Mineiro, 2002): pouco crescimento econômico, aumento do
desemprego e do mercado de trabalho informal com precárias condições de
trabalho, aumento da dívida externa e interna, redução dos direitos trabalhistas e
dos investimentos nas políticas sociais, etc. Além disso, o Brasil disputa hoje o
primeiro lugar em desigualdade social no mundo
8
.
Foi um governo que feriu desde os serviços blicos, as empresas estatais,
até a legislação trabalhista e a chamada “Constituição Cidadã”. Enfim, ao manter um
governo fundamentalmente voltado para o pagamento das vidas externa e interna,
com um modelo econômico que favoreceu apenas uma pequena elite (grandes
bancos, capitalistas especuladores, empresas multinacionais, grupos privados
compradores de estatais, países ricos credores) e que contabilizou uma série de
perdas para a maioria da classe trabalhadora, FHC não o cumpriu o que
prometeu durante a sua campanha, como saúde, educação, emprego, agricultura e
segurança, simbolizados pelos cinco dedos da mão espalmada, como conseguiu
destruir, ou ao menos atingir de forma considerável, a construção de uma história
republicana brasileira ao longo de 60 anos.
8
O Brasil ocupa a 69ª posição no ranking mundial de desenvolvimento humano (IDH) numa lista de
177 países e territórios e tem a 10ª pior distribuição de renda numa lista de 126 países e territórios à
frente de Colômbia, Bolívia, Haiti e cinco países da África Subsaariana, de acordo com o Relatório de
Desenvolvimento Humano de 2006, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD).
46
1.3 PARTICULARIDADES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA
Primeiramente é importante sinalizar que as relações sociais tipicamente
capitalistas no Brasil desenvolveram-se de forma bem diferente dos países de
capitalismo central e apresenta particularidades próprias. Além disso, também
uma falta de sincronia entre o tempo histórico brasileiro e os processos
internacionais, principalmente no pós-64.
Segundo Prado Jr. (apud Behring e Boschetti, 2007), o processo de formação
do capitalismo brasileiro articulou o colonialismo, o imperialismo e a acumulação
originária como aspectos que fizeram um sentido geral para tal processo. O peso do
escravismo na sociedade brasileira é outro elemento central, tendo em vista o traço
da desqualificação que marcou a condição de trabalho nas relações sociais e no
ambiente cultural brasileiros, definindo a relação entre capital e trabalho no país.
Esta relação foi gerada no processo de transição para o capitalismo através
de uma lenta substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre nas grandes
unidades agrárias e da permanência de traços conservadores da antiga ordem,
caracterizando um desenvolvimento desigual e combinado. A ruptura com a
homogeneidade da aristocracia agrária e o surgimento de novos agentes
econômicos tornaram-se processos decisivos neste período.
Outro aspecto da nossa formação social foi uma forte confusão entre público
e privado gerada pelo papel do Estado de internalizar os centros de decisão política
e de institucionalizar o predomínio das elites nativas dominantes para o patrocínio de
seus interesses gerais, fundamental para pensar a configuração da política social no
Brasil.
47
A partir de um liberalismo formal como fundamento e de um patrimonialismo
como prática, no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes,
configura-se, portanto, um padrão particular na relação entre as classes e
segmentos de classe, caracterizado pelo favor, o clientelismo e os traços da
escravidão.
A transição – claramente não-clássica – para o capitalismo no Brasil, então,
é marcada por uma visão estreita do dinamismo do mercado interno e
destina-se a impedir qualquer crescimento a partir de dentro. Prevaleceram
os interesses do setor agroexportador e o ímpeto modernizador não teve
forças suficientes para engendrar um rumo diferente, já que promovia
mudanças com a aristocracia agrária e não contra ela. Qualquer
semelhança com os desdobramentos ulteriores do capitalismo brasileiro
não é, portanto, mera coincidência (Behring e Boschetti, 2007, p. 77).
Oliveira (2008) resgata alguns intelectuais para retratar as relações que
privilegiam o favor, o clientelismo, o paternalismo e a privatização do público
presentes na formação social brasileira. Refere-se ao cssico Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda para mostrar o quão presente ainda está o favor como
paradigma da relação sociopolítica em que o acesso a bens e serviços se dão a
partir de vínculos de amizade, camaradagem e favor.
A autora, apoiada em Chauí, explica a polarização da sociedade brasileira
entre carência e privilégio; a indistinção entre público e privado, que tem sua origem
na própria colonização; o fascínio que exercem em nossa sociedade os signos de
prestígio e de poder, como exemplo o uso de títulos honoríficos; a atribuição de
ignorância, preguiça e incompetência aos desempregados e miseráveis.
A reprodução de vínculos clientelísticos entre políticos e eleitores tamm é
colocada por Martins (apud Oliveira, 2008) através do uso de recursos públicos pela
via de entidades assistenciais e fundações filantrópicas, muitas delas criadas pelos
próprios políticos que tamm contribuem para uma interpretação do acesso a
serviços públicos pela população como favor pessoal e ato de caridade. Além da
48
manipulação de verbas nos orçamentos locais, estadual e federal utilizado para a
“privatização do público” e para a reprodução da cultura do favor.
Trata-se, portanto, de um grande desafio de superar os traços da então
chamada “cultura do atraso”, principalmente tratando da assistência social, em que a
sociabilidade do favor era, e ainda é, a moeda de troca das relações sociais (Oliveira
apud Oliveira, 2008).
Todas essas são características da formação social brasileira como
“práticas mantidas e reproduzidas [que] contribuem para retardar a
realização de direitos e a construção de uma cultura política baseada no
direito, na ética, na cidadania, nas relações democráticas horizontais e na
participação popular” (Oliveira, 2008, p. 127).
no que se refere ao modelo europeu no período histórico que marca a
passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista (também
conhecido como período do imperialismo clássico”, entre 1890 e 1940, de acordo
com Mandel (1990), início a uma série de modificações no que se refere à
dinâmica econômica, política e social.
Neste sentido, trata-se de um reordenamento do sistema capitalista que
potencia e traz novas contradições fundamentais para o mesmo. Como bem coloca
Netto,
O que importa observar e destacar com máxima ênfase é que a
constituição da organização monopólica obedeceu à urgência de viabilizar
um objetivo primário: o acréscimo dos lucros capitalistas através do
controle dos mercados (1992, p. 17).
Para assegurar objetivos estritamente econômicos que demanda o
capitalismo monopolista, apresenta-se a necessidade de uma nova modalidade de
intervenção do Estado, que passa a desempenhar múltiplas funções econômicas
diretas e indiretas:
O Estado como instância da política econômica do monopólio é
obrigado não a assegurar continuamente a reprodução e a manutenção
da força de trabalho, ocupada e excedente, mas é compelido (e o faz
49
mediante os sistemas de previdência e segurança social, principalmente) a
regular a sua pertinência a níveis determinados de consumo e a sua
disponibilidade para a ocupação sazonal, bem como a instrumentalizar
mecanismos gerais que garantam a sua mobilização e alocação em função
das necessidades e projetos do monopólio (Idem, p. 23).
Cabe lembrar tamm que o Estado burguês, para continuar desempenhando
a sua funcionalidade econômica e para buscar legitimação política através do jogo
democrático, responde não somente às demandas do capital, quanto às demandas
das classes trabalhadoras, fruto do processo de socialização política.
Neste momento, pressionado pelas lutas das classes trabalhadoras e
objetivando a preservação e o controle da força de trabalho, o Estado burguês no
capitalismo monopolista assume a responsabilidade pelo atendimento de algumas
das manifestações da questão social”
9
, transformando-a em uma questão política,
alvo de políticas públicas. Dentre estas, as políticas sociais “oferecem um mínimo de
respaldo efetivo à imagem do Estado como ‘social’” (Idem, p. 28) e intervém nas
manifestações da “questão social” de forma a fragmentá-la, parcializá-la, naturalizá-
la e moralizá-la.
Trata-se da influência do positivismo como a auto-expressão ideal do ser
social burguês” (Idem, p. 39). Assim, como coloca o mesmo autor, a intervenção
sobre as refrações da “questão social” se no plano das reformas e das induções
comportamentais sobre os sujeitos.
O liberalismo à brasileira o comportava a questão dos direitos sociais, que
foram incorporados a partir dos anos 1920 e sofrerá mudanças significativas a partir
dos anos 1930 sob pressão dos trabalhadores e intervenção do Estado com objetivo
de legitimação política.
9
Por ‘questão social’, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de problemas
políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no mundo no curso da
constituição da sociedade capitalista. Assim, a “questão social” está fundamentalmente vinculada ao
conflito entre capital e trabalho (Cerqueira Filho, 1982, p. 21).
50
No Brasil, a “questão social” aparece como um problema concreto no quadro
do processo de industrialização e de implantação do modo de produção capitalista e
do surgimento do operariado e da fração industrial da burguesia. Esse processo de
transformações econômicas acompanhado de transformações sociais, políticas e
culturais adquire caráter dinâmico, a partir de 1930. Antes de 30, a “questão
social” aparecia no discurso dominante como uma questão ilegal, subversiva, que
deveria ser tratada no interior dos aparelhos repressivos de Estado (Cerqueira Filho,
1982).
No governo Vargas, a “questão social” passa de ser vista como “caso de
polícia” para uma “questão política” pelo Estado, via políticas sociais. A intervenção
dos poderes públicos nas questões trabalhistas crescerá continuamente visando à
desmobilização/despolitização da classe operária e culminado com a Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) em 1943.
A nova sistemática sindical, montada na direção da desprivatização do
movimento sindical, mostra-nos que a ‘questão social’ havia se
transformado em questão eminentemente política, num fenômeno que
requeria soluções mais sofisticadas de dominação e que não podia se
resumir a ‘chamar a polícia’ (...) Temos assim, no reconhecimento explícito
da QS, o reconhecimento implícito da classe operária (Cerqueira Filho,
1982, p. 75).
Assim, a questão social” passa a ser conduzida pelo Ministério do Trabalho,
combinando autoritarismo com o mecanismo de favor. Apesar do enquadramento
jurídico da mesma, a interferência repressiva através da polícia não desapareceu e
sempre se fazia presente, quando denominava-se necessário.
Por outro lado, a intervenção do Estado legitimava a questão social” e a
debilidade da classe operária era a justificativa encontrada para tal intervenção na
organização sindical. Uma legislação protetora do trabalho trazia um novo legado de
direitos trabalhistas que encobria as conseqüências negativas da intervenção no
51
movimento sindical que foi perdendo sua autonomia constituída desde o início do
século XX.
O discurso político dominante se caracteriza então por realçar o tema da
integração social entre patrões e empregados, combinado com um tom paternalista,
o que fortalece a prática do favor articulado ao autoritarismo. Este discurso, que se
torna hegemônico, objetiva a harmonia entre capital e trabalho, tendo no Ministério
do Trabalho o centro nervoso das decisões, que conjugará os efeitos ideológicos e
repressivos, a contar com praticamente todas as correntes político-ideológicas, com
exceção da Aliança Nacional Libertadora e do Partido Comunista.
Durante todo o período da ditadura varguista (1937/45) a questão social”
volta a se tornar caso de polícia, combinando repressão com assistência. Utilizando-
se de um discurso ainda mais sofisticado e contraditório, os grupos sociais
dominantes combinam o tratamento repressivo com um pensamento que já conferia
legitimidade e legalidade à questão social”: elogia a legislação trabalhista
promulgada pelo Governo e desestimula a organização autônoma da classe
operária. “Benefícios até certo ponto outorgados aos trabalhadores e até então
inéditos vêm combinados com um controle rígido e eficaz das organizações
trabalhistas e operárias” (Cerqueira Filho, 1982, p.109).
Nesse contexto político econômico, começam a surgir as intervenções nas
seqüelas da questão social”, não através das ões de entidades filantrópicas e
caritativas, mas tamm por organizações assistenciais públicas, com o exemplo
emblemático da Legião Brasileira de Assistência (LBA)
10
, que traz no seu seio a
prática do “primeiro-damismo”. Antes da LBA, foi criado, em 1938, o Conselho
10
O Decreto-lei 4.830, de 15/10/1942, institui a Legião Brasileira de Assistência LBA com o
objetivo de prestar assistência social, diretamente ou em colaboração com instituições
especializadas, reconhecida como órgão de cooperação do Estado e de consulta no que concerne ao
funcionamento de associações congêneres (Mestriner, 2005, p. 107).
52
Nacional de Serviço Social (CNSS) como o primeiro espaço institucional introduzido
no governo para gerir a assistência no interior do Estado.
o sistema público de previdência começou com os Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs) que se expandem na década de 1930, cobrindo
riscos ligados à perda da capacidade laborativa.
Em 1930, tamm foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, com
uma intervenção efetiva do Estado a partir da saúde pública e a medicina
previdenciária, mas tamm com o desenvolvimento da saúde privada e filantrópica
no que se refere ao atendimento médico-hospitalar.
A introdução da política social brasileira teve seu desfecho com a Constituição
de 1937 e com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943, a partir da
necessidade de reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado, mas
tamm com a incorporação de um modelo corporativista e fragmentado dos direitos
no Brasil.
Porém, apesar deste novo status da “questão social”, que configura esta nova
intervenção através das políticas sociais, seu tratamento permaneceu com um
caráter filantrópico e assistencialista. Ao longo de décadas, apesar da intervenção
pública através das novas instituições construídas a partir do governo Vargas, a
política de assistência se desenrolou revestida pela forma de favor, benesse, tutela,
contribuindo para reiterar uma lógica emergencial e imediatista, valorizando o
conjunto das iniciativas organizadas da sociedade civil. O próprio CNSS se voltou
mais para o controle da filantropia privada, em busca apenas de uma política de
incentivo ao amparo social privado e filantrópico.
Portanto, a “questão social” no momento, mesmo como uma “questão
política”, não era reconhecida como de responsabilidade pública e estatal e sua
53
moralização permanece de forma sistemática, uma vez que o governo Vargas , em
íntima parceria com a Igreja Católica, recupera e apela aos valores humanos e
cristãos.
Começa um incremento à filantropia, não como respostas às
necessidades e reivindicações dos trabalhadores, mas como
enfrentamento à pobreza, no entendimento de que, se disciplinados, o
operário e sua família terão reduzidas suas mazelas e o país, os males
sociais (Mestriner, 2005, p. 94).
Por intermédio de ações assistenciais, o Estado atende às reivindicações dos
trabalhadores. Desta forma, o controle político e social é realizado através das
instituições sociais com a concessão de benefícios para abrandar as pressões
sociais. Este governo, então, caracteriza-se pelas ações populistas e
assistencialistas com o intuito de legitimação no poder e aprovação popular,
baseada numa lógica clientelística e de favor, que contrapõe a provisão da
assistência como proteção social.
A partir de 1946, com o governo do general Eurico Gaspar Dutra, a
responsabilidade social do Estado admite a educação blica, criando
macrorganismos sociais como o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
Senac, Serviço Social do Comércio Sesc, e Serviço Social da Indústria Sesi,
dando um novo aporte para a área social. Mais um outro elemento deve ser
mencionado, a Constituição Federal de 1946 que estimulou de forma explícita o
interesse do Estado na ampliação da participação das instituições sociais privadas
no atendimento das necessidades dos brasileiros quando isenta do pagamento de
imposto às chamadas instituições de assistência social.
Novamente com Vargas no poder em 1951,
O controle da ação social continua centralizado na instância federal, por
meio do CNSS, da LBA e dos demais microrganismos, que estenderão
com ampla capilaridade sua atuação, mas apenas desconcentrando
programas e serviços (Mestriner, 2005, p. 121).
54
Juscelino Kubitscheck, em 1956, através de uma ideologia voltada para o
nacional-desenvolvimentismo, com o auxílio do capital estrangeiro, estabelece um
Programa de Metas, como um modelo de associação e internacionalização da
economia no qual omite a área social, uma vez que acredita que com o
desenvolvimento econômico do país, os problemas sociais serão solucionados.
Neste período, as funções do CNSS se ampliam e encerra-se a fase de prevalência
da sociedade civil com a mudança de comando do CNSS que passa a ter em sua
composição a área governamental. O Conselho também perde a função de arbitrar
as subvenções, atribuição transferida para a Câmara dos Deputados e Senado.
Caracteriza-se um governo que amplia de forma significativa os incentivos à
filantropia com o alargamento das vantagens fiscais, transferindo-se a
responsabilidade com relação ao social para a sociedade civil. As ações do CNSS e
de outras organizações sociais são postas como paliativas para abrandar as
pressões das classes populares.
Com Jânio Quadros, para se atingir a justiça social, “as medidas no âmbito da
política social deveriam estar agregadas à moralização do setor público, à contenção
do custo de vida, e com a estabilização da democracia” (Idem, p. 139). João
Goulart acreditava que pela estabilização da democracia junto com a educação, a
saúde e o bem-estar social como base para o desenvolvimento econômico seria
possível a realização da justiça e da paz sociais. Mais uma vez a área social é
utilizada para favorecer o desenvolvimento econômico e mediar a correlação de
forças.
Assim, nos anos entre 1946 e 1964, dentre as políticas sociais, a educação e
a saúde foram as mais priorizadas. Na Previdência, a organização corporativista que
excluía os trabalhadores sem carteira assinada se manteve, enquanto a assistência
55
continuou a ampliar a área da filantropia, limitando-se a atender às necessidades
mais urgentes. Este período foi marcado pela intensificação da luta de classes e por
uma forte disputa de projetos.
O período que compreende a ditadura militar também não modifica a
concepção de assistência como benesse; as outras políticas setoriais o marcadas
tamm pela fragmentação, centralização e burocratização das instituições
responsáveis por sua implementação.
A “questão social” agrava-se com o aumento da pauperização das classes
trabalhadoras, por meio do achatamento salarial, com a elevação das desigualdades
sociais a níveis intoleráveis, com a ampliação do mercado informal e com a
acentuação da concentração de renda. Através dos inúmeros atos de repressão, a
“questão social” mais uma vez é colocada como caso de polícia”, controlada pelo
economicismo e pela coerção e violência. As políticas sociais assumem um caráter
repressivo e são reforçadas como espaços para acumulação de capital.
Parametrado pelas exigências do processo de acumulação, pela contenção
das formas de rebeldia política das classes subalternas e pela necessidade
de estabelecer uma ordem consentida, além de atender exigências do
grande capital, o Estado militar-tecnocrático promove algumas mudanças
no âmbito das políticas sociais, procurando funcionalizar essas demandas
de acordo com o seu projeto político, por meio da expansão seletiva de
alguns serviços sociais. Essa ampliação da cobertura dos programas
sociais, em que se incluem as políticas de seguridade social, respondeu,
preponderantemente, pela estratégia de modernização autoritária adotada
pelos governos militares (Mota, 1995, p. 137).
Somente em 1974, com a criação do Ministério de Previdência e Assistência
Social MPAS, que o governo estende a cobertura previdenciária como forma de
legitimar o regime militar. E a Secretaria de Assistência Social como parte de sua
estrutura vai contribuir na formulação da política de ataque à pobreza, mesmo em
caráter consultivo. Neste momento, a assistência passa a ser designada de
promoção social e multiplica-se os organismos da área, burocratizando e
56
complexificando o atendimento em todos os níveis de governo, reforçando o
paralelismo das ações e a superposição de comandos e programas.
O período da ditadura militar, portanto, combina repressão e assistência com
a finalidade de controlar as forças de trabalho, o que explica a expansão e
modernização das políticas sociais, uma vez que o Estado ditatorial buscava
legitimidade frente a um contexto de tortura e perda de liberdades democráticas.
Mas ao mesmo tempo em que se impulsionavam políticas públicas (mesmo que
restritas), abre-se o campo para a mercantilização da saúde, da previdência e da
educação através de incentivos às iniciativas privadas, configurando um sistema
dual de acesso às políticas sociais e um modelo de proteção social mais próximo do
sistema norte-americano (Behring e Boschetti, 2007).
Após longo período ditatorial, a sociedade civil brasileira torna-se mais
complexa, articulada e organizada. Assim como essa determinada conjuntura
favoreceu para consolidar o modo de produção capitalista no país, em conseqüência
da própria complexificação da estrutura social provocada por tal desenvolvimento
capitalista, a mesma conjuntura tamm acaba por favorecer a ampliação do volume
de organizações sociais, dentre estas, o surgimento de novos partidos políticos,
como o Partido dos Trabalhadores (PT).
Quando as forças dessas organizações sociais se tornam inviáveis de serem
controladas, a repressão o funciona mais como o melhor caminho para contê-las,
fator que viabiliza os chamados “projetos de abertura pelo alto”, como opção de
projeto político dos generais Geisel e Golbery. No entanto, tal projeto vai de encontro
com a própria pressão da movimentação da sociedade civil que inicia um processo
de abertura com um movimento contrário: “de baixo para cima”.
57
Essa combinação de processos (“pelo alto” e provenientes de baixo”),
segundo Coutinho (2000), determina o resultado final da transição de acordo com o
predomínio de um dos movimentos. No caso do Brasil, esse quadro configura uma
transição de “traços mais característicos do tradicional modo ‘prussiano’ e ‘passivo’
de promover as transformações sociais no Brasil” (Idem: 92 e 93). Trata-se de uma
transição fraca”: ruptura com a ditadura implementada em 64 e permanência de
traços autoritários e excludentes que caracterizam o modo tradicional de se fazer
política no Brasil.
A transição “fraca” contribuiu para o reforço do presidencialismo imperial e
para a manutenção da tutela militar, do populismo e do clientelismo no modo de
fazer política e ainda buscou criminalizar a oposição popular. Torna-se, portanto,
uma transição que determina a criação de condições favoráveis à vitória de um
projeto claramente antipopular nas primeiras eleições diretas pós-ditadura: o
governo Collor.
Mesmo assim, foi com a presença das forças dos movimentos sociais (tais
como o novo sindicalismo surgido nas greves do ABC, os novos e antigos partidos
comprometidos com os interesses dos trabalhadores e os setores mais progressistas
da Igreja Católica), que foi possível a construção da chamada “Constituição Cidadã”.
Constituiu-se, neste período, uma Aliança Nacional de Entidades pela
Mobilização Popular na Constituinte, reunindo movimentos sociais,
personalidades e partidos políticos com compromissos democráticos que
participaram dos grupos de trabalho (Behring e Boschetti, 2007, p. 144).
Em função da nova correlação de forças que se estabeleceu na sociedade, a
partir da dinâmica dos movimentos dos trabalhadores, a burguesia foi obrigada a
atender algumas das reivindicações de tais movimentos, expressas na Constituição
de 1988 a partir da introdução dos direitos sociais e de um sistema de proteção
58
social como dever do Estado, permitindo uma participação efetiva da sociedade no
controle social.
A Constituição Federal de 1988 passa a definir a previdência, a saúde e a
assistência social como o tri da seguridade social; formata-se legalmente, pela
primeira vez no Brasil, os direitos sociais sob inspiração beveridgiana. Desta forma,
a configuração da assistência sofre uma mudança legal a partir da implementação
da chamada Constituição Cidadã”: passa a ganhar um status de política pública,
direito do cidadão e dever do Estado. Este foi um marco fundamental para a
assistência que transitou do assistencialismo clientelista para o campo da política
social e que ao lado das demais políticas públicas, também ganha destaque como
estratégia privilegiada no enfrentamento das manifestações da “questão social”.
A Carta Magna de 1988 inovou quando adotou o conceito de seguridade
social e redefiniu alguns princípios que estabeleceram “novas regras relativas a
fontes de custeio, organização administrativa, mecanismos de participação dos
usuários no sistema e melhoria/universalização dos benefícios e serviços” ,
mudanças essas que “permitiram atenuar as deficiências de natureza gerencial e
atenderam a históricas reivindicações das classes trabalhadoras” (Mota, 1995, p.
142). Fica claro que a nova Constituição foi embebida em alguns aspectos da
estratégia social-democrata e do espírito beveridgiano, especialmente no título VIII,
“Da Ordem Social”
11
.
De qualquer forma, é importante destacar que a nova Constituição Federal
não superou plenamente os traços conservadores e assume uma racionalidade de
difícil operacionalização, deixada ao sabor das legislações complementares. No
caso da política de assistência social, o processo de discussão e elaboração dessa
11
Arts. 193 a 232.
59
lei complementar foi tardio em relação às outras áreas e somente cinco anos mais
tarde é aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993. Trata-se
de enfrentar, neste momento, o desafio de abandonar as práticas assistencialistas e
clientelísticas herdadas da cultura política de todo o processo histórico da
assistência no país e sua duradoura e sistemática relação com a filantropia, além de
incluir na proteção social aqueles historicamente “excluídos”.
Tal cultura política herda um processo que Vianna (2000) chamou de
“americanização” para o entendimento da expansão das políticas sociais desde
meados dos anos 60. A modernização realizada pelo autoritarismo implantado em
1964 impôs à política social uma racionalidade privatizante que desencadeou sua
“(perversa) americanização”. Tal processo fica nítido no campo da saúde quando se
tem um novo formato de relacionamento entre os setores público e privado, a partir
da década de 70, em que os convênios-empresa entram em pauta.
E apesar da Constituição de 1988 carregar o espírito universalista da social
security e da proposta beveridgeana, a autora aponta como o sistema previdenciário
vem se americanizando a passos largos.
A mesma também salienta a questão do lobbismo
12
como um formato de
articulação de interesses que acentua as divisões sociais e favorece os poderosos,
incidindo negativamente sobre as possibilidades de alargamento da proteção social
promovida pelo Estado.
12
O lobbismo constitui uma prática multifacetada (“toda tentativa”, inclusive “solicitação pessoal”) pela
qual interesses pulverizados (“de qualquer conjunto de pessoas”) se fazem representar leia-se
exercer influência – nas esferas decisórias (Vianna, 2000, p. 182).
Seja como for, o lobismo brasileiro constitui uma prática em ascensão que se aperfeiçoa na medida
em que a sociedade se diversifica e a democracia se consolida. lobbies de todas as cores, do
opaco incentivo fiscal para um grupo restrito de empresas ao ambientalismo dos “verdes”. Lobistas
atuam em contextos variados: no processo eleitoral; nos corredores do Congresso, em reuniões,
jantares e acontecimentos sociais; junto a partidos, assessores parlamentares, bancadas; dentro ou
fora de Brasília. Qual uma teia, o lobismo se difunde em muitas direções, envolvendo personagens
heterodoxos e numerosas funções (Idem, p.186).
60
Algumas das características sociais e políticas que nos EUA impedem
arranjos neocorporativos, estimulando, outrossim, o lobismo, estão
claramente presentes no Brasil. O regime presidencialista com seus
conflitos latentes entre Executivo e Legislativo, a estrutura partidária fraca e
pouco enraizada na sociedade, entidades de representação dos grupos
sociais segmentadas, com baixa capacidade de interlocução, e uma
disseminada cultura do privatismo, por exemplo, se alinham como
prováveis componentes de um quadro análogo ao americano e, pois,
bastante favorável à prática lobista (Vianna, 2000, p. 113).
Durante os anos 80, a sociedade brasileira vivencia um processo de
democratização política, superando o regime ditatorial, com uma ampla organização
política dos trabalhadores, mas concomitantemente experimenta uma profunda e
prolongada crise econômica que se expressa no aumento da recessão, da inflação e
do desemprego e no baixo desempenho do crescimento econômico. A partir dessa
crise, algumas lideranças políticas começam a apresentar soluções para enfrentá-la.
Assim, optam por um discurso de defesa da retomada do crescimento econômico,
da inserção do Brasil na economia internacional e da necessidade de redefinição do
papel do Estado (Mota, 1995).
Portanto, a configuração dessa correlação de forças acaba por determinar
uma nova conjuntura política brasileira após o fim da ditadura. Como coloca
Coutinho (2000), trata-se da presença conflitiva de dois projetos principais de
organização societária chamados pelo autor de “liberal-corporativo”
13
e de
“democracia de massas” que tentam se estruturar e conquistar hegemonia enquanto
projetos globais que envolvem a esfera política, social e cultural.
A partir das eleições de 1989, o discurso liberal ganha força com o objetivo de
quebrar a resistência dos setores de esquerda organizados, consolidando uma
13
O “liberal-corporativo”, cuja expreso ideológica é o neoliberalismo, busca obter consenso e
legitimação hegemônica e já obteve êxitos com a vitória de Collor na eleição de 1989 e com a efetiva
implementação do projeto neoliberal nos dois governos FHC.Tal desfruto da tendência liberal-
corporativa e sua ideologia neoliberal fazem parte da conseqüência dos resultados negativos da
transição fraca”, na qual aludiu Coutinho (2000), além de um outro fator preponderante: o peso da
crise mundial do socialismo.
61
direção política das classes dominantes, reforçada por processos históricos
mundiais, tais como o colapso do socialismo real e os impasses da social-
democracia. Trata-se de uma tensão entre as conquistas constitucionais
asseguradas pelo forte movimento social da redemocratização e a contra-reforma
neoliberal.
O presidente Fernando Affonso Collor de Mello cria as condições para a
avassaladora entrada do ideário neoliberal no Brasil que ganhará força no Governo
Fernando Henrique Cardoso.
A primeira-dama do Estado, Rosane Collor, é colocada à frente da LBA e
preenche quase todos os cargos de confiança do órgão com pessoas da família,
desencadeando-se uma série de escândalos que demonstrou tamanha corrupção
com os inúmeros favorecimentos a empresas e instituições fantasmas”,
aumentando a desmoralização e praticamente destruição de uma das maiores
instituições de assistência social do país.
No mesmo período de deterioração da LBA, e mesmo com o veto do
presidente Collor ao projeto da LOAS, a lei orgânica é promulgada quando Itamar
Franco assume o Governo após o impeachment de Collor. O CNSS é extinto e cria-
se o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), com a pretensão de instalar
uma nova era para a assistência dentro de uma perspectiva da implementação da
mesma como política de seguridade.
Ao contrário da base política dos movimentos sociais que aparecem durante o
período de redemocratização, surgem no país, nos anos 90, alguns movimentos
sociais de caráter policlassista, que se definem como suprapartidários,
suprapolíticos e supraideológicos (como por exemplo, as campanhas “em favor da
cidadania contra a fome”), fomentando também a proliferação das organizações
62
não-governamentais (ONGs). Este novo cenário cultural e político favorece a
revalorização do privado, a refilantropização, o voluntarismo político e o apoliticismo.
Com a entrada de Fernando Henrique Cardoso em 1995, a LBA e o Ministério
do Bem-Estar Social tamm são extintos e é criada a Secretaria Nacional de
Assistência Social no MPAS, complicando as relações com o CNAS e o Executivo,
uma vez que o MPAS resistiu à convocação da Conferência Nacional de Assistência
Social prevista pela LOAS, além da resistência tamm quanto ao caráter
deliberativo deste Conselho.
O governo, por intermédio da MP 813/ 95, cria o Programa Comunidade
Solidária, presidido pela primeira-dama que pretende direcionar as ações ao
combate à pobreza, em parceria com a sociedade civil. Tal Programa desrespeitou o
que havia sido preconizado constitucionalmente, caracterizando sua ação política
pelos princípios da seletividade e da focalização, além de resgatar o manto da
benemerência e da filantropia para esta política. Desta forma, a primeira Conferência
Nacional de Assistência Social deliberou a extinção do Programa, acirrando os
conflitos com a Casa Civil.
Com uma nova concepção de Estado mínimo trazida por estes últimos
governos (principalmente com FHC), através da implementação de medidas
neoliberais, como a privatização de responsabilidades sociais, pela parceria com a
sociedade civil e a redução de gastos com as políticas sociais, a política de
assistência social fica ainda mais comprometida, uma vez que reiteram-se suas
práticas históricas de favor e voluntarismo, confrontando-se com o princípio
constitucional e com a perspectiva do Welfare State.
Um destaque importante nesta direção foi o Programa de Publicização na
“reforma” do Estado, com a criação de agências executivas e organizações sociais e
63
a regulamentação do terceiro setor, estabelecendo um Termo de Parceria com
ONGs e Instituições Filantrópicas e fomentando o voluntariado para a
implementação e execução de políticas públicas.
Outra medida que afetou as políticas públicas foi a separação entre
formulação destas políticas, que ficou sob a responsabilidade da capacidade técnica
do núcleo duro do Estado, e execução das mesmas, através das agências
autônomas, comprometendo, desta forma, a consolidação democrática.
Os governos de orientação neoliberal não buscaram – FHC ainda mais que
Lula construir arenas de debate e negociação sobre a formulação das
políticas públicas, e dirigiram-se para reformas constitucionais e medidas a
serem aprovadas num Congresso Nacional balcanizado, ou mesmo para
medidas provisórias. Preferiram, portanto, a via tecnocrática e ‘decretista’,
com forte aquiescência de um Congresso submisso ou pragmático (Behring
e Boschetti, 2007, p. 154-155).
Com a difusão do ideário neoliberal, a burguesia brasileira atinge o clímax do
seu investimento na construção de uma cultura persuasiva marcada por estratégias
econômicas e políticas do grande capital para a superação da crise quando torna-se
classe dirigente e hegemônica. A ideologia do Estado mínimo e do mercado máximo
contribui para a regressão na esfera dos direitos sociais conquistados na
Constituição de 1988 e criticados acirradamente pela classe dominante. Trata-se de
uma
adequação dos direitos recém-conquistados e as garantias sociais dos
trabalhadores ao projeto do cidadão-consumidor, que é sujeito político da
democracia sem adjetivos, como condição para realizar reformas no âmbito
das políticas sociais (Mota, 1995, p. 116).
O influxo das idéias neoliberais configurou um sistema de seguridade social
que busca privatizar os programas de previdência e saúde e ampliar os programas
assistenciais como parte da estratégia afinada com as novas mudanças no mundo
64
do trabalho e na intervenção do Estado
14
. Trata-se de favorecer a associação entre
mercantilização e assistencialização da seguridade social.
O emprego informal torna-se o melhor meio de luta contra a pobreza, uma vez
que as propostas dos organismos internacionais estão centradas no incentivo à
desregulamentação do trabalho. Neste sentido, as estratégias de sobrevivência da
pobreza se transformam num campo de promoção social, coerente com as
necessidades de formação de um mercado precário de trabalho. Lembra Mota
(1995, p. 146) que “este é um dos vetores fundamentais para justificar a ampliação
dos programas de assistência social ou a versão assistencializada da previdência
social pública”.
Dessa maneira, os mecanismos reguladores do mercado e as organizações
privadas são os maiores responsáveis pela resposta às seqüelas da questão
social”, que acompanhada da transformação de suas manifestações, volta a ser
naturalizada e a se constituir como objeto de programas assistenciais focalizados
de ‘combate à pobreza’ ou em expressões da violência dos pobres, cuja resposta é
a segurança e a repressão oficiais”, atualizando a articulação entre a assistência
focalizada e a repressão (Iamamoto, 2001, p. 17).
Retoma-se não apenas a idéia da naturalização da questão social”, através
de uma ótica de análise dos “problemas sociais” como problemas do indivíduo
isolado, mas também a fragmentação, despolitização, refilantropização e
mercantilização, mediante a redução da ação do Estado e a privatização das
14
Lembra Mota que a estruturação dos sistemas de seguridade social nas sociedades capitalistas
ocidentais se dá não apenas pelos interesses da classe dominante. Tal estruturação também
depende das lutas dos trabalhadores e dos modos de absorção de suas reivindicações pelo capital.
“A dinâmica desse processo adquire características particulares, dependendo do estágio de
desenvolvimento das forças produtivas, do grau de socialização da política e das formas históricas
assumidas pelo confronto entre as classes” (1995, p. 123).
65
políticas sociais em geral. Em nome da eficácia e eficiência, configura-se um
reordenamento das políticas sociais e a sua subordinação às políticas econômicas.
É essa despolitização que ao lado da destituição do caráter público dos
direitos dos pobres e excluídos em nossa sociedade está na base do atual
sucateamento dos serviços públicos, da desqualificação das políticas
sociais, da destituição de direitos trabalhistas e sociais e da privatização e
refilantropização na abordagem da questão social (Yazbek, 2001, p. 36).
Segundo Pereira (1994), a política de assistência social brasileira geralmente
é associada à noção de pobreza absoluta strictu sensu e materializada através de
ações emergenciais, em oposição à concepção de pobreza relativa ou de
desigualdade social que tem como base ações planejadas, sistemáticas e
continuadas. Esta mesma lógica, diante desta nova conjuntura, vem sendo retomada
em contraposição ao estabelecido na Constituição Federal de 1988, que representa
uma transformação no padrão de proteção social brasileiro através do modelo de
seguridade social, que introduz a noção de direitos sociais universais como parte da
condição de cidadania.
Portanto, conclui-se a partir de uma análise da trajetória histórica da
assistência que a sua concepção esteve, em boa parte, centrada nas idéias do
amparo e da benemerência; essa íntima articulação histórica da assistência com as
práticas do favor, em detrimento da concepção da assistência como uma política
pública garantidora de direitos de cidadania, o que influencia fortemente nas práticas
atuais desta política. Assim, por muitas vezes, funcionou (e ainda funciona) como
um mecanismo fundamental de extensão da dominação e de controle dos conflitos,
mesmo depois da aprovação da Constituição de 1988.
Sendo assim, apesar de um avanço no que diz respeito ao aspecto legal, a
assistência social continua sendo operacionalizada em muitos casos dentro dos
padrões conservadores e neoliberais, contrária ao seu novo ordenamento
66
estabelecido pela Lei Orgânica da Assistência Social que a colocou no patamar de
política pública, dever do Estado e direito do cidadão. Por muitas vezes, os
princípios e as diretrizes da LOAS o foram respeitados, dentre os principais, a
supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de
rentabilidade econômica; a universalização dos direitos sociais; e o respeito à
dignidade do cidadão, que por vezes, passava pela questão da comprovação
vexatória de necessidade.
Neste sentido, a assistência continua pactuada com um passado repleto de
relações que ainda dificultam ou mesmo impedem a nova roupagemdesta política
enquanto proteção social e vem sofrendo com os impactos da nova conjuntura
neoliberal que reforça mais ainda a problemática relação de parceria entre o Estado
e a sociedade civil.
67
2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA CONJUNTURA ATUAL
2.1 O LUGAR DA ASSISTÊNCIA NOS GOVERNOS LULA
Após as eleições de 2002, a vitória de Lula explicitava o desejo dos setores
trabalhadores pela mudança, uma mudança que expressasse a opção por outro
modelo econômico, pelo crescimento com geração de emprego e distribuição de
renda, ou seja, uma proposta que viesse a derrotar o modelo neoliberal (Lesbaupin,
2003). No entanto, após um ano de governo, notou-se que esta não foi a proposta
seguida; a partir de algumas medidas adotadas durante este período foi possível
notar a opção pela continuidade do governo anterior. Ou nas palavras de Netto, a
vontade potica expressa no novo governo era mais que a continuidade, era o
aprofundamento daquela orientação [macroeconômica da era FHC]” (2004, p. 12).
Assim, a política macroeconômica seguiu o mesmo objetivo de controlar a
inflação, aumentar os juros e elevar o superávit primário, a custa do
contingenciamento dos recursos públicos, principalmente para o social. A ideia de
que o crescimento econômico é a solução para a “dívida social” também foi
incorporada por este governo.
Nada se fez para que houvesse de fato uma política de desconcentração da
propriedade para que se tornasse viável uma política de redistribuição de renda.
Assim, sob a defesa da retomada do crescimento econômico, as esquerdas
terminam por atribuir, ao processo de formação de alianças políticas, a
alternativa principal para o enfrentamento da crise. No entanto, o caráter
indiferenciado desse discurso sugere o pressuposto de que tal
enfrentamento depende da formação de um projeto de natureza
transclassista, como condição para retomar o crescimento econômico
(Mota, 1995, p. 100).
O primeiro ajuste aparece na sua política agressiva de exportação
demonstrando a sua total falta de intenção em romper com a hegemonia do capital
financeiro.
68
O discurso que o Governo Lula aciona para legitimar a reivindicação do
G20 é um discurso neoliberal que pleiteia a ‘verdadeira abertura’ dos
mercados e concentra a luta no protecionismo agrícola. Abdica,
simultaneamente, de lutar por novas regras do comércio internacional que
favoreçam e protejam os países menos desenvolvidos, luta que não teria
nada a ver com liberdade de comércio, e abdica também de lutar pela
melhoria da posição da economia brasileira na divisão internacional do
trabalho, aceitando nossa condição de vendedor de soja, algodão, sapato e
similares (Boito, 2005, p. 3).
Mesmo com ênfase em um discurso de compromisso com os pobres e
investimentos em políticas sociais, o governo optou apenas pelo aumento de
orçamento voltado apenas para os programas de transferência de renda. A
distribuição de renda, a geração de empregos e as políticas sociais tais como
educação, saúde, habitação, não tiveram grandes alterações. Deu-se continuidade
às políticas emergenciais, focais e seletivas com o enfoque na implementação do
programa carro-chefe do governo: o Fome Zero, que com o passar do tempo foi
reduzido ao Bolsa-família, principalmente nas áreas urbanas.
A exemplo desta configuração da proteção social no Governo Lula, destacam-
se as orientações do Banco Mundial seguida à risca com o empréstimo destinado a
apoiar o programa de reformas do governo para a redução da fome e da pobreza no
país. Dentre as orientações, a necessidade de profundas reformas (do Estado, da
previdência, dos mercados financeiro e de trabalho), a expansão da base de apoio
do governo no Congresso, o atendimento aos mais pobres com a criação de uma
rede de proteção social destinada para os denominados grupos vulneráveis, com
destaque para o Programa Fome Zero e Programa Bolsa Família (PBF), alimentam o
processo de “assistencialização” da proteção social. (Pastorini e Galizia, 2006).
O PBF, como resultado da unificação de bolsas e auxílios criados em
governos anteriores, foi explorado simbolicamente pelo Governo Lula ao reforçar o
apelo populista do governo junto aos trabalhadores pobres e desorganizados. A
maciça votação pelos estratos mais pobres da sociedade pode ser entendido como
69
retrato da influência do Programa. Lula ultrapassou os 70% dos votos em quase
todos os municípios do Nordeste, região que recebe o maior contingente dos
benefícios do PBF. Segundo Filgueiras e Gonçalves,
Esse programa transformou-se numa arma político-eleitoral e ideológica
importantíssima, dando um aparente viés progressista (social) ao governo
Lula, que serve para ‘compensar’ a política econômica liberal-ortodoxa
adotada e reforça o discurso conservador do Banco Mundial sobre a
pobreza, os pobres e as políticas sociais focalizadas (2007, p. 164).
O número de famílias beneficiadas pelos programas sociais focalizados e os
montantes transferidos para a assistência social assumiram uma dimensão nunca
antes vista. De 2000 a 2006, os investimentos sociais com a assistência social, nos
quais o PBF tem participação importante, duplicaram, passando de 9,9%, em 2000,
para 20,5%, em 2006. Os recursos gastos com o PBF cresceram mais de 150%: R$
3,3 bilhões em 2003, R$ 5,9 bilhões em 2004, R$ 6,6 bilhões em 2005 e R$ 8,2
bilhões em 2006.
Mais do que o Governo Cardoso, que deu início a esse tipo de política, Lula
levou a sério a importância política e social dessas despesas,
compreendendo sua função amortecedora de tensões sociais no interior do
projeto liberal. Este é o objetivo essencial de um programa que não tem
capacidade de desarmar os mecanismos estruturais de reprodução da
pobreza (Idem, p. 163).
uma recente expansão da assistência social no Brasil que vem sendo
operada via programas de transferência de renda com o crescimento do Fundo
Nacional de Assistência Social (FNAS) a cada ano para o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e a Renda Mensal Vitalícia que juntos absorvem cerca de 90%
dos recursos do FNAS. Além do PBF que absorve cerca de 30% dos recursos do
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Os usuários do
BPC passam de 2,2 milhões em 2005 para 2,5 milhões em 2006. (Boschetti e
Salvador, 2006). Ou seja, observa-se que grande parte dos recursos designados à
70
política de assistência social têm sido investidos em programas de transferência de
renda.
A partir da análise dos recursos que financiaram as políticas da seguridade
social, no período de 1999 a 2005, é posvel tirar conclusões de como a
estrutura do fundo público caracteriza o ‘Estado Social’ no Brasil: o
financiamento é regressivo quem sustenta são os trabalhadores e os
mais pobres -, que o faz, portanto, redistribuição de renda [...] (Idem, p.
54).
Em entrevista, Francisco de Oliveira diz que o PBF é um instrumento de
controle, uma criação foucaultiana:
Restaura uma espécie de clientelismo que não leva à política. Ela passa a
ser determinada o por opções, mas pela "raça". o é raça em termos
raciais, é a "raça" da classe. É pelas suas carências que você é
classificado perante o Estado. A política se constrói pelas carências. Então
é abominável. Seria cínico dizer que é uma porcaria total, porque tem gente
que come por causa do Bolsa-Família. Do outro lado, é isso. É a morte da
política. Acabou a história de você depender das relações de força, das
relações de classe para desenhar as políticas sociais. Elas são
desenhadas agora por uma espécie de dispositivo foucaultiano. Quanto
você tem de renda, qual é o seu estatuto de miserável, aí a política é
desenhada. É uma clara regressão (2006, p. 3).
O PBF, para Oliveira, cria o que o mesmo chamou de hegemonia às avessas:
Você derrota a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de
classe absurdamente alto num país com tradição racista, para quê? Para
governar para os ricos. E os ricos consentem, desde que os fundamentos
da exploração não sejam postos em xeque. É o que o PT faz. É o que o
governo Lula faz. É o avesso, portanto. A característica da hegemonia às
avessas é que a política não passa pelo conflito de classes. Desviou-se
(2007b, p. 2).
Lula alçou a questão da pobreza e da desigualdade ao primeiro plano da
política, no entanto, o resultado após anos de governo é de uma completa
despolitização de tais questões. Como coloca Oliveira (2007a), Lula transforma
essas questões em problemas de administração. Trata-se da funcionalização da
pobreza ao mostrar que a mesma pode ser trabalhada no capitalismo
contemporâneo como uma questão administrativa.
A concepção sobre as desigualdades econômico-sociais no governo Lula
acompanha uma concepção hegemônica que atribui o problema da desigualdade no
71
âmbito exclusivo (interno) da classe trabalhadora e suas diferenças, buscando
explicação no âmbito das famílias e dos indivíduos; e sai do âmbito da relação entre
capital e trabalho. Portanto, desconsidera as razões e os mecanismos estruturais
mais profundos que reproduzem as desigualdades, deixando de fora qualquer
reforma que afete a distribuição da propriedade fundiária (rural e urbana), bem como
a estrutura e o funcionamento do sistema financeiro. A solução se encontra nos
programas sociais focalizados, uma vez que as desigualdades sociais e a pobreza
são cuidadosamente desvinculadas do modelo de desenvolvimento econômico
implementado (Filgueiras e Gonçalves, 2007).
A reforma da Previdência foi realizada como medida prioritária, utilizando-se
do mesmo discurso de FHC e completando aquilo que o mesmo não tinha
conseguido fazer: aprovar a taxação dos servidores inativos e abrir uma parte
importante da Previdência para o setor privado, através de fundos de pensão.
Além disso, ainda uma forte campanha para cortar receitas vinculadas à
Seguridade Social e para reduzir os benefícios previdenciários. A insuficiência de
recursos públicos para executar as tarefas exigidas pelo grande capital e pelas
oligarquias coloca em grande risco a continuidade de programas de seguridade
social (Juruá, 2006a). A Desvinculação das Receitas da União (DRU) tornou-se uma
das estratégias pela qual se processa a transferência de recursos, da área social,
para gerar o superávit primário.
Constata-se que o orçamento da seguridade social seria superavitário e
suficiente não para cobrir as despesas com os direitos previstos, como para
permitir sua ampliação. Portanto, isso não ocorre porque tal orçamento é parte da
âncora de sustentação da política econômica, que suga recursos sociais para
pagamento e amortização dos juros da dívida. O Brasil pagou mais de R$ 157
72
bilhões em juros da dívida em 2005, o equivalente a quatro vezes mais que todo
gasto da União com a Saúde e dez vezes mais com a assistência social (Boschetti e
Salvador, 2006).
A política de corte nos gastos sociais foi acompanhada por uma
significativa retração das políticas sociais, quando não, por processo de
desresponsabilização estatal. Isso se desdobrou em várias formas, dentre
as quais destacamos o processo de mercantilização, o qual nos oferece
elementos para analisar as novas tendências da seguridade social no
Brasil, que incluem: a expano da assistência social, a privatização da
previdência social e da saúde pública (Sitcovsky, 2008, p. 151).
A tributação é um dos melhores instrumentos de erradicação da pobreza e da
redução das desigualdades sociais. Porém, a proposta de reforma tributária que o
governo apresentou ao Congresso não foi de acordo com o projeto de reforma
tributária apresentada pelo PT desde 1995 que objetivava acabar com o sistema
tributário regressivo. A PEC da reforma tributária não apontava para a construção de
um sistema tributário progressivo, pautado pela tributação da renda e do patrimônio.
A reforma tributaria não é pensada com o objetivo de tornar o sistema
tributário brasileiro mais justo e sim equalizar as disputas das três esferas
de governo pelos recursos. O sistema tributário brasileiro es entre os
mais injustos do mundo, pois faz com que quem ganha menos contribua
mais e quem ganha mais contribua menos, ferindo o princípio
constitucional da progressividade das tributações (quem mais ganha,
contribui mais) (Moroni, 2007, p. 1).
Com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF/2006) do IBGE, estudos
(Vianna et ali., 2001 e Zockun, 2005 apud Boschetti & Salvador, 2006) revelam que,
no Brasil quem ganha até dois salários mínimos gasta 26% de sua renda no
pagamento de tributos indiretos, enquanto o peso da carga tributária para as famílias
com renda superior a 30 salários mínimos corresponde apenas a 7%.
Atualmente, 70% dos impostos o cobrados sobre o consumo e apenas 30%
sobre o patrimônio. O arrocho tributário sobre os trabalhadores é muito maior do
que o ônus imposto aos detentores de capital, bem como o arrocho tributário sobre
empresas voltadas para o mercado interno é muito maior do que o ônus que recai
73
sobre os exportadores. Tudo isso indica um largo passo de retrocesso frente à
derrubada das raízes da desigualdade social do país.
No mercado de trabalho, o que se é a permanência da taxa de
desemprego, enquanto o capital estrangeiro se consolida como pólo de poder nas
atividades produtivas e financeiras. Surge tamm a figura do empreendedor (nova
ética vinculada ao consumismo e ao sucesso individual mensurado por dinheiro),
que luta para obter contratos de prestação de serviços que lhe assegurem um
rendimento de sobrevivência, totalmente desprovidos de direitos trabalhistas.
Enfim, constata-se, no quadro das relações sociais de produção em fase
de consolidação, profunda assimetria das configurações sociais que
acolhem o capital e o trabalho o capital em processo de fortalecimento e
de acumulação de poder, embora desnacionalizado, e o trabalho em
processo de fragilização e de perda de direitos (Juruá, 2006b, p. 5).
Configura-se tamm a aposta nas chamadas Parcerias Público-Privado
(PPP), como alternativa para obter recursos para os investimentos, o que faz com
que o Estado Brasileiro fique à disposição do projeto de seu empobrecimento e
endividamento, de maneira a torná-lo refém do grande capital por muitos anos.
Segundo Sader,
O enfraquecimento do governo se deu pelo fracasso na capacidade de pôr
em práticas políticas sociais eficientes, em elevar de forma significativa o
salário-mínimo, em manter e ampliar sua base de apoio partidário, a
proliferação de denúncias de corrupção dentro no governo, as derrotas
eleitorais especialmente em São Paulo e Porto Alegre -, além da
incapacidade de avançar na reforma agrária, das posições totalmente
conflitantes com os movimentos ecológicos (2005, p. 3).
Como bem coloca Netto (2004), apesar da política social do governo Lula
guardar alternativas de implementação e redirecionamento, em especial no plano do
gerenciamento (como exemplo, a unificação de vários programas de transferência
de renda e de alimentação), os limites estruturais permanecem os mesmos.
É claro que o Governo Lula tamm apresentou aspectos positivos como, por
exemplo, uma política externa mais independente e afirmativa; uma atuação
74
esforçada na questão do crime organizado; o combate sistemático às práticas de
trabalho escravo (Lesbaupin, 2003); a realização de concursos públicos em várias
áreas e instituições que estavam praticamente desprofissionalizadas e sem quadro
próprio (Behring, 2008), dentre outras. Porém, a continuidade de políticas adotadas
pela agenda neoliberal não causou surpresa na população, nos próprios
militantes e parlamentares petistas, assim como na esquerda em geral, como gerou
uma descrença na política e na democracia em boa parte da sociedade brasileira.
Diante de toda esta conjuntura política, econômica, social e cultural, cabe
pensar a Política Nacional de Assistência Social aprovada em 2004, preocupação
desta pesquisa.
A assistência social como parte do tripé da seguridade social em conjunto
com a saúde e a previdência e concebida como direito do cidadão e dever do
Estado, desde o governo Collor, vem sofrendo com tentativas de ruptura com este
modelo constitucionalmente definido em 1988.
Essa resistência, primeiramente, se expressa com o veto de Collor na
totalidade do Projeto de Lei Orgânica de Assistência Social em 1990. Também a
permanência da LBA com a primeira dama na presidência, agora assumindo a
direção política e administrativa da instituição e deixando a marca da corrupção
nesta gestão através da transferência de recursos da mesma a uma associação
filantrópica fictícia dirigida por membros da família Collor em Canapi-AL. Depois com
a continuidade do primeiro damismo e as práticas assistencialistas e clientelistas no
governo FHC através do programa Comunidade Solidária, introduzindo a lógica de
construção de uma estrutura paralela àquela definida na Carta Magna ao
estabelecer parcerias com organizações não-governamentais, fomentando o
75
Terceiro Setor e repassando recursos para que essas organizações prestassem
serviços assistenciais à população focalizada.
No caso do Governo Lula, a assistência social vinculou-se primeiramente ao
Programa Fome Zero, que diferentemente da sua implementação, traz uma proposta
de segurança alimentar para o Brasil que tem como princípio a conjugação
adequada entre as chamadas políticas estruturais e as intervenções de ordem
emergencial, de acordo com o documento elaborado pelo Instituto de Cidadania
15
.
Durante todo o documento pode-se perceber a tentativa de combinar sempre
políticas estruturais, específicas e locais
16
.
Posteriormente, em 2004, foi criado o Programa Bolsa Família que representa
a unificação de rios programas de transferência de renda e alimentação, mas não
conseguiu fugir de uma abordagem compensatória e focalizada da pobreza, uma
vez que consiste em uma transferência monetária aos segmentos mais
pauperizados da população com um impacto muito limitado tanto pelos critérios de
acesso quanto pelo valor das bolsas. Este programa está centrado no critério da
renda e do número de filhos para a concessão da bolsa, em contraposição ao
princípio de territorialização da PNAS aprovada em 2004 e também aos critérios
estabelecidos na Norma Operacional Básica de 2005 (NOB-SUAS) que apresenta
um perfil de população vulnerável para além da renda. Ou seja, enquanto o público-
alvo do PBF é determinado pela renda familiar, o blico-alvo da política de
15
Ver “Para acabar com a fome”, em Instituto de Cidadania, Uma proposta de política de segurança
alimentar, documento síntese, outubro de 2001. Ver também análise do documento realizado por
Soares (2004a).
16
São consideradas políticas estruturais a alfabetização de adultos, a chamada “Convivência com o
Semi-Árido” e a construção de cisternas, o incentivo à formação de Consórcios Intermunicipais de
Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local e o registro civil gratuito. Dentre as políticas
específicas estão o Programa Cartão Alimentação, distribuição de cestassicas, Programa de
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar, ampliação da merenda escolar, nutrição materno-
infantil e o Banco de Alimentos. As poticas locais são aquelas realizadas em parceria com as
prefeituras, como a implantação e ampliação de restaurantes populares em áreas urbanas e projetos
de cozinhas e hortas comunitárias.
76
assistência social é determinado não pela renda quanto por outras condições
adversas como famílias que residem em domicílio com serviços de infra-estrutura
inadequados, famílias que possuem crianças de 10 a 15 anos trabalhando, dentre
outras condições que não dependem da renda familiar. Assim, se estabelece um
paralelismo do programa com a política.
Devemos considerar também, neste governo, a reformulação da Política
Nacional de Assistência Social e a criação de um sistema único para operacionalizá-
la (SUAS). De fato, houve uma tentativa de se resgatar o que foi proposto pela
Constituição Federal de 1988 e pela LOAS, através da elaboração e aprovação da
mesma e da implementação do SUAS sob seus parâmetros. Como foi colocado,
houve alterações dentro de um aspecto operacional da política de assistência no
país cujo significado não foi pequeno.
Mesmo assim, presenciamos a continuidade da lógica assistencialista de
programas carro-chefe que priorizam a política de assistência social restringida em
programas de transferência de renda e desvinculada de outras políticas estruturais
que venham de fato a contribuir para a redução da desigualdade social. A
articulação dos programas de segurança alimentar, de transferência de renda e de
outros programas que estão incluídos na rede de serviços da política de assistência
social com a redistribuição de renda, crescimento da produção, geração de
empregos, reforma agrária, dentre outros, não aconteceu.
Várias pesquisas demonstram que o PBF trouxe impactos no aumento do
consumo e no acesso aos mínimos sociais de subsistência para a população pobre,
como todo programa de transferência de renda, porém fazer disso o principal
instrumento de enfrentamento da crescente pauperização relativa é algo que deve
ser questionado. Isto revela a principal estratégia de enfrentamento da questão
77
social” para esconder a impossibilidade do governo em garantir o acesso ao
mercado de trabalho, dadas as condições que ele assume contemporaneamente.
Além disso, garantir “comida na mesa e dinheiro no bolso” sempre se
concretizou historicamente em estratégia vantajosa para o sucesso eleitoral. A
cultura brasileira do clientelismo político e do assistencialismo não nega este fato.
Percebemos a centralidade que assistência social ocupou no conjunto da
Seguridade Social no atual governo. Assim, os usuários desta política, ao usufruírem
dos serviços sociais oferecidos e da renda destinada pelos programas de
transferência, colaboram para a manutenção do status quo e tem suas necessidades
atendidas nas vitrines do mercado via assistência social e não mediante os seus
salários.
O fato da assistência social se concretizar como política pública e garantir
direitos se constitui, sem dúvidas, em um avanço. Porém, tal política não deve se
transformar no principal mecanismo de proteção social no Brasil. Acreditamos,
apoiados na legislação vigente, que a assistência social o deva deixar de se
constituir em política mediadora de acesso às demais políticas setoriais e se
transformar em política estruturadora, já que a mesma não pode e nem deve ocupar
esse lugar.
Portanto, a consolidação da assistência social como política blica de
seguridade social não garante necessariamente seu papel adequado enquanto uma
política setorial dentro das contradições entre capital e trabalho. Ao adquirir o status
de direito, a mesma tamm pode vir a ser apropriada pela ideologia burguesa como
uma política fundamental ou estruturante no enfrentamento da “questão social”.
Os dados da pesquisa realizada por Boschetti e Salvador revelam que
As principais orientações dos programas e ações planejadas no PPA do
atual governo: fortalecimento de benefícios de trasferência de renda como
78
BPC e Bolsa-família; apenas manutenção de ações protetivas e sócio-
educativas, com crescimento pífio de recursos que não alcançam mais de
5% dos recursos do FNAS (2006, p. 50).
Mais uma vez, trata-se da estratégia utilizada pela burguesia brasileira de
legitimar-se utilizando medidas relacionadas à proteção social, como foi na era
Vargas, na expansão de políticas na ditadura militar e no governo FHC. (Mota,
2008). Desta forma, é importante sinalizar que a burguesia tamm se utiliza de
mecanismos “em nome da cidadania, da justiça social e da democracia”. Porém,
tais mecanismos estão relacionados à intenção de sua legitimidade e ao desvio dos
principais fatores que geram à desigualdade social no país, que se encontram na
crítica à economia política e não na falta de políticas sociais.
As situações da então chamada “vulnerabilidade social” que foram cada vez
mais acirradas a partir da década de 90, pelo desemprego e a precarização do
trabalho, extrapolam as finalidades de uma política de assistência social. Porém,
busca-se, como opção política de governo, a centralidade na assistência social
como mecanismo de enfrentamento das desigualdades sociais, típica opção da
racionalidade burguesa.
Na impossibilidade de garantir o direito ao trabalho, seja pelas condições
que ele assume contemporaneamente, seja pelo nível de desemprego, ou
pelas orientações macro-econômicas vigentes, o Estado capitalista amplia
o campo de ação da Assistência Social. As tendências da Assistência
Social revelam que, além dos pobres, miseráveis, inaptos para produzir,
também os desempregados passam a compor a sua clientela (Mota, 2008,
p. 16).
Se a assistência social se constitui como solução para o enfrentamento da
“questão social”, qual o entendimento sobre a questão social” que está posto? E
qual é o papel que se atribui à potica de assistência social?
Se “garantir direitos” se constitui em resposta para suprimir a questão social”,
quais são os fundamentos teóricos que estão postos nesta análise?
79
Se a miséria esestruturalmente associada à problemática do trabalho e
do emprego, seque a política assistencial, mesmo se fosse pautada em
uma legislação mais “generosa”, poderia fornecer uma resposta adequada
a tal condição de miserabilidade? Se a questão social for entendida apenas
pelo ângulo do não-acesso às relações de trabalho capitalistas, a resposta
pode ser positiva (...) Mas se a questão social for entendida sob outro
ângulo, como resultado da própria dinâmica capitalista de apropriação
privada da riqueza socialmente produzida, e não apenas da distribuição
desigual de tal riqueza (...) apenas poderá suavizar a clivagem [capazes e
incapazes] acima apontada (Boschetti, 2006, p. 285).
A proteção social é indissociável do trabalho, por tanto, qualquer inclinação
para um determinado sistema, quer para um sistema de seguro social, quer para um
sistema assistencial não pode pensar um modelo de proteção social independente
da criação e geração de emprego e renda. Por isso, é imprescindível tamm que o
Estado garanta um forte crescimento do assalariamento e das contribuições
patronais, assim como fiscalize e reduza as relações de trabalho informais e não-
assalariadas (Idem, 2006).
A transformação de ajuda em política pública, de pobres em cidadãos, de
favor em direito, pode se constituir em avanço, porém não em solução para a
“questão social”, do contrário,
seríamos compelidos a uma concepção conservadora, empirista e
positivista, seja por pensar o estrutural como episódico, seja por tornar o
que é estrutural em conjuntural ou, até mesmo, natural. Nos dois casos,
testemunha-se uma banalização da expressão questão social (Mota, 2008,
p. 50).
Lembra Netto e Braz (2006), que a “questão social”
é insuprimível nos marcos da sociedade onde domina o MPC. Imaginar a
‘solução’ da ‘questão social’ mantendo-se e reproduzindo-se o MPC é o
mesmo que imaginar que o MPC pode se manter e se reproduzir sem a
acumulação do capital (Idem, p. 139).
Evidentemente, a constatação da causalidade essencial da ‘questão social’
não é justificativa para que não se tomem medidas e providências
(econômicas, sociais e políticas) para tentar reduzir seus impactos e
efeitos. Importante, porém, é assinalar os limites de tais medidas e
providências: elas são absolutamente impotentes para “solucionar” a
‘questão social’ (Ibidem, p. 139, nota 12).
80
É importante sinalizar que o posicionamento de tamanha satisfação e
comemoração com relação à PNAS/SUAS parece sugerir que a desigualdade social
encontrou uma “solução” para o seu enfrentamento através da política de
assistência social no campo dos direitos.
Buscar entender o processo de “assistencialização da Seguridade Social”
nada tem a ver com uma posição niilista que considera a política de assistência
social como nefasta a esta sociedade ou às políticas sociais em geral, nem ao
menos pensar a assistência como um fator destrutivo no campo dos direitos, como
já sinalizado publicamente por Sposati
17
. Tal entendimento tamm não diz respeito
a uma prática assistencialista, nem tão pouco a uma posição contrária a inserção da
política de assistência social no campo dos direitos. Este é, sem dúvida, um avanço
que merece ser considerado.
De acordo com Mota (1995), a assistencialização da Seguridade Social diz
respeito às tendências da Seguridade Social apontadas pela autora nos anos 80 e
90, onde de um lado um processo de privatização da saúde e da previdência e,
de outro, a expansão da assistência. Portanto, trata-se de um processo que somente
tem sentido do ponto de vista histórico, na dinâmica do capitalismo contemporâneo e
na atual conjuntura brasileira, tendo em vista que a política de assistência social tem
ganhado centralidade frente às políticas permanentes
18
e tem se tornado o principal
mecanismo de enfrentamento da desigualdade social.
17
Durante palestra proferida durante o Seminário Nacional sobre o trabalho do assistente social no
SUAS, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em abril de 2009, organizado pelo
CFESS, CRESS 7ª região e UERJ.
18
Estudo também apontado por Pastorini e Galizia (2006).
81
É preciso lembrar que, como apontado por Mota
19
, como qualquer mecanismo
de acesso ao processo de reprodução social, tamm o direito pode ser fetichizado
e que, por isso, o estatuto da assistência como direito não pode se confundir com o
papel que ela tem no campo do enfrentamento da “questão social”. Sendo assim, o
direito à assistência não nega a possibilidade desta política se constituir em um
mito
20
, ou seja, no principal mecanismo de enfrentamento da “questão social”.
2.2 A PNAS/SUAS EM PAUTA: A INCIDÊNCIA DA RACIONALIDADE BURGUESA
Ao tratar da política de assistência social e sua relação com o modo de
produção e reprodução das relações sociais no capitalismo alimentado pela ofensiva
neoliberal; com a formação econômica e a cultura potica do país; com sua
configuração na conjuntura atual; apontamos a incidência da racionalidade burguesa
nas políticas sociais. Trata-se, neste momento, de abordar tal incidência na
formulação da política de assistência social, especificamente na PNAS/ SUAS. Para
tanto, fizemos uma análise crítica de alguns elementos e inovações trazidos pela
nova PNAS.
Tal como colocado de início na PNAS, o Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (MDS) por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência
Social (SNAS) e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) decide
elaborar, aprovar e tornar pública a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)
19
Durante palestra proferida durante o Seminário Nacional sobre o trabalho do assistente social no
SUAS, realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em abril de 2009, organizado pelo
CFESS, CRESS 7ª região e UERJ.
20
Ver Mota (2008).
82
com objetivo de materializar as diretrizes da LOAS. A versão preliminar da PNAS foi
apresentada ao CNAS em 23 de junho de 2004. Foi divulgada e discutida em todos
os estados brasileiros e aprovada, por unanimidade, na Reunião Descentralizada e
Participativa do CNAS realizada entre os dias 20 e 22 de setembro de 2004.
A PNAS retoma os princípios e diretrizes estabelecidos na LOAS e
acrescenta uma quarta diretriz que diz respeito à centralidade da família para a
concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos.
Também acrescenta um adendo na descentralização político- administrativa, que
designou a coordenação e normas gerais à esfera federal e a coordenação e
execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, na tentativa
de evitar a sobreposição de ações. A garantia do comando único das ações em cada
esfera de governo permanece, acrescentando-se o respeito às diferenças e as
características socioterritoriais locais, através de um novo elemento que define e
organiza o Sistema Único da Assistência Social, a territorialização.
Segundo a PNAS, a descentralização aliada à estratégia da territorialização,
permitiria a redistribuição do poder, o deslocamento dos centros decisórios, a
tomada de decisão mais próxima do local, onde reside a população a considerar as
demandas e as desigualdades socioterritoriais. Yazbek coloca que:
A descentralização contribui para o reconhecimento das particularidades e
interesses próprios do município e como possibilidade de levar os serviços
para mais perto da população. (...) [e] a municipalização aproxima o Estado
do cotidiano de sua população, possibilitando-lhe uma ação fiscalizatória
mais efetiva, permite maior racionalidade nas ações, economia de recursos
e maior possibilidade de ação intersetorial e interinstitucional (2004, p.16).
Neste sentido, os indicadores sociais dos territórios, como apresenta a PNAS,
funcionam como mecanismos fundamentais na percepção dos problemas locais,
possibilitando a proximidade com as necessidades da população residente da área.
83
Segundo Koga, “a acessibilidade às informações sobre as cidades tem se tornado
uma ferramenta cada vez mais necessária e essencial para o processo de gestão
das políticas sociais(2002: 23), no entanto, é importante que se discuta “junto ao
debate do local/nacional, setorial/universal [...], o padrão de cidadania que está
sendo construído nessas experiências” (Idem, p. 38). E mais: ir além dos limites
geográficos, o que significa “conhecer melhor a complexidade do espaço físico-
cultural em que se encontram os governos locais” (Idem, p. 39). Trata-se de pensar
tamm como será a leitura sobre estes territórios, entendendo que esta vem
acompanhada de um forte teor-político.
Por isso, pensar na questão na territorialização é pensar na realidade local e
não apenas em um mapeamento geo-territorial para se estabelecer pisos para
transferência de recursos. É importante ressaltar que os programas sociais ainda
continuam sendo executados “de cima para baixo”, ou seja, de acordo com uma
orientação federal, sem vinculação com as demandas locais.
Segundo um dos entrevistados para esta pesquisa, o SUAS ainda é um
sistema centralizado, pois os programas continuam os mesmos, mudando-se
apenas os nomes e a forma de repasse de recursos. Por este motivo, o SUAS
deveria ser um sistema descentralizado e unificado, e não único, pois quem vai
aplicar o recurso é o município, com base num plano municipal elaborado e não em
um projeto definido nacionalmente. Neste sentido, a estrutura continua a mesma,
uma vez que se mantém uma centralização nacional, ao fazer com que os
municípios implementem os mesmos programas estipulados pelo executivo federal.
Portanto, a territorialização com base na realidade local e a descentralização
política, quando aliadas ao controle social, através da participação da população,
podem se tornar elementos facilitadores do processo democrático de elaboração,
84
implementação e execução das políticas sociais. O controle social precisa ser
reforçado, uma vez que ainda há ausência dos usuários nos processos decisórios da
gestão da assistência social, sendo representados apenas pelas entidades.
Porém, é importante deixar claro que o princípio de descentralização, para
tornar-se um elemento democrático, deve efetivar a transferência para a esfera
municipal ou local, dos processos políticos e decisórios e não apenas dos processos
administrativos e gerenciais como tem se constituído recentemente. Como aponta
Montaño, “a ‘descentralização’ da atividade social do Estado (...) tem sido realizada
apenas no nível do gerenciamento, e não da sua gestão” (2002, p. 192). Ou seja, a
descentralização tem se caracterizado pela mera transferência de responsabilidade
para os níveis locais de governo.
De acordo com Soares, segundo avaliação dos processos de
descentralização da Educação e da Saúde na América Latina, realizada pela Cepal:
Existem evidências de que a descentralização pode ter contribuído para
ampliar as brechas interterritoriais dos indicadores educativos e de saúde;
e, ainda, que a descentralização foi considerada como importante fonte de
corrupção e de perda de controle fiscal. Conclui afirmando que, sem um
‘adequado’ desenho do sistema de transferências e de apoio nacional, a
descentralização pode acentuar as diferenças inter-regionais (2002, p. 78).
Além da descentralização e da territorialização, a intersetorialidade tamm é
colocada como um dos principais pressupostos na PNAS. Uma vez que se privilegia
a universalização da proteção social, é preciso planejar e intervir de forma
intersetorial através de ações integradas. Este pressuposto está afinado com a
própria política de Seguridade Social, que tem como base, articular as políticas de
saúde, previdência e assistência social.
A PNAS, reafirmando os preceitos constitucionais e a LOAS, também coloca
que o Estado deve assumir a primazia da responsabilidade em cada esfera de
85
governo na condução da política e que, a presença do mesmo deve tamm se
constituir enquanto referência nacional para a consolidação da assistência social
como política pública. Ainda supõe que o poder público seja capaz de fazer com que
os agentes desta política (Organizações Governamentais - OG’s e, ou,
Organizações o-Governamentais - ONG’s) transitem do campo da ajuda,
filantropia, benemerência para o da cidadania e dos direitos.
Sabemos que garantir a primazia do Estado não significa estatizar a política.
Para uma política que tem como um de seus eixos estruturantes a parceria entre
Estado e sociedade civil, acredita-se que é praticamente impossível superar
quantitativamente os serviços prestados por estas organizações com equipamentos
estatais, o que compromete a garantia dessa responsabilidade do Estado. Portanto,
afirmar a primazia do Estado na condução da política, mas permanecer com a
maioria dos serviços sendo prestados pelas entidades da sociedade civil é uma
contradição presente nesta política.
Nota-se que o Estado transfere parte de sua responsabilidade para o
chamado terceiro setor”
21
(especialmente ONG’s), porém, não se esclarece como
que a concretização da transferência do campo da filantropia se para o campo
dos direitos, uma vez que este “terceiro setor” se pauta, em geral, nos valores de
solidariedade local, da auto-ajuda e da ajuda mútua. Neste sentido, a fiscalização do
Estado e da sociedade sobre as ações das instituições representadas pela
sociedade civil tamm deve ser ponto de pauta das discussões sobre a gestão do
SUAS, envolvendo as dificuldades e os limites encontrados pelos conselhos ao
21
A partir da criação da Lei 9608/ 98 que dispõe sobre o serviço voluntário; e da Lei 9790/ 99
que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
86
cumprirem seus papéis de normatizar, disciplinar, fiscalizar, acompanhar e avaliar os
serviços de assistência social.
A relação entre Estado e sociedade civil, como base organizacional do SUAS,
é uma questão que merece ser estudada de forma mais intensa, uma vez que
atualmente a ideologia do Estado mínimo ganha força, pois se constata a retração
do Estado no campo das políticas sociais e a ampliação da transferência de
responsabilidades para a sociedade civil no campo da prestação de serviços sociais.
Trata-se, portanto, de uma das formas de terceirização e refilantropização do
atendimento das manifestações daquestão social”, assim como da mercadorização
dos serviços sociais.
[...] muitas vezes essas organizações não possuem condições nem
técnicas nem operacionais de garantir a prestação continuada daqueles
serviços não sendo capazes de propiciar a abrangência e a permanência
necessárias para que suas ações produzam algum impacto coletivo. Assim,
enquanto alguns grupos ou indivíduos são ‘assistidos’, outros ficam ‘de
fora’ por critérios muitas vezes alheios à sua vontade (Soares, 2004b, p.
10).
A parceria entre Estado e sociedade civil apresentada na PNAS pode ser
discutida como um dos elementos que dão continuidade ou mesmo reforçam o
modelo neoliberal, pois o que está em jogo é “a alteração de um novo padrão de
resposta social à ‘questão social’, com a desresponsabilização do Estado, a
desoneração do capital e a auto-responsabilização do cidadão e da comunidade
local para esta função [de resposta à “questão social”](Montaño, 2002: 185). Desta
forma, pergunta-se: será que a redução da responsabilidade pública, no trato das
necessidades sociais, pode fortalecer a lógica da afirmação dos direitos?
A contrapelo do que se divulga com a nova Política Nacional de
Assistência Social que alardeia estabelecer novas bases para a relação
entre Estado e ‘sociedade civil’ o que há, na realidade, é um avanço na
tentativa de organizar, racionalizar e regulamentar a relação público/
privado, com o intuito de evitar a sobreposição de ações e o desperdício de
recursos, sob o argumento da eficiência e eficácia (Sitcovsky, 2008, p.
161).
87
Trata-se de uma “nova” forma de estabelecer as bases para a relação entre
Estado e sociedade civil com a velha lógica da solidariedade familiar, comunitária e
beneficente. Segundo Mestriner,
A assistência social, que era a parte frágil, vive situações inéditas ao ter
que se afirmar como política pública num Estado em que o público passa a
significar parceria com o privado (2005, p. 26).
Cabe lembrar da questão elaborada por Boschetti (2006, p. 278) que continua
sem resposta: “como fazer da assistência social um direito obrigatório se ela é,
majoritariamente, praticada por instituições caritativas e filantrópicas?”
[...] os governos que têm se sucedido no poder têm encorajado a
solidariedade privada (em consonância com o Banco Mundial), sobretudo
com o estímulo às organizações não-governamentais e filantrópicas, além
da privatização strictu sensu de serviços sociais, e com a instituição de
programas de geração de renda que não garantem o acesso a direitos
sociais (Boschetti, 2006, p. 288).
Na “análise situacional” da PNAS, afirma-se que:
A opção que se construiu para exame da política de assistência social na
realidade brasileira parte então da defesa de um certo modo de olhar e
quantificar a realidade, a partir de:
Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado pela
Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Assistência Social de
1993, pautada na dimensão ética de incluir “os invisíveis”, os
transformados em casos individuais, enquanto de fato são parte de uma
situação coletiva; as diferenças e os diferentes, as disparidades e as
desigualdades;
Uma visão social de proteção, o que supõe conhecer os riscos, as
vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos, bem como os recursos com
que conta para enfrentar tais situações com menor dano pessoal e social
possível. Isto supõe conhecer os riscos e as possibilidades de enfrentá-los.
Uma visão social capaz de captar as diferenças sociais, entendendo
que as circunstâncias e os requisitos sociais circundantes do indivíduo e
dele em sua família são determinantes para a sua proteção e autonomia.
Isto exige confrontar a leitura macro social com a leitura micro social.
Uma visão social capaz de entender que a população tem
necessidades, mas também possibilidades ou capacidades que devem e
podem ser desenvolvidas. Assim, uma análise de situação não pode ser só
das ausências, mas também das presenças até mesmo como desejos em
superar a situação atual.
Uma vio social capaz de identificar forças e não fragilidades que as
diversas situações de vida possua (Brasil, 2004, p.13 e 14), (grifos do
autor).
Além disso, conclui-se que:
88
Tudo isso significa que a situação atual para a construção da política
pública de assistência social precisa levar em conta três vertentes de
proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu
núcleo de apoio primeiro, isto é, a família. A proteção social exige a
capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das
pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se constituem (Idem, p.
14).
Posteriormente, a PNAS ainda define a política de assistência social, como
responsável pela provisão das seguranças de: acolhida, convívio social,
autonomia/rendimento, eqüidade e travessia.
Além da forte presença de um caráter assistencialista na política social
brasileira, marcada apenas pelos programas de transferência de renda, trata-se
agora de uma política voltada não para este tipo de programa, mas tamm para
outros
22
que visem o “desenvolvimento de potencialidades e aquisições e
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (Brasil, 2004, p. 34), ou melhor,
“suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento e desenvolver capacidades
para maior autonomia” (Idem, p. 14). Por este motivo, a nova PNAS não se diz
tuteladora ou assistencialista, mas sim “aliada ao desenvolvimento humano e social”
(Ibidem).
Esta é uma concepção que acaba por culpabilizar o indivíduo ou sua família
de suas condições, como se bastasse “desenvolver capacidades” para resolver o
problema do desemprego, da falta de suprir suas necessidades básicas, etc. O
objetivo desta nova política é que o sujeito se autonomize e se torne independente
deste tipo de política. Essa nova lógica de direito que traz a PNAS trabalha com uma
perspectiva teórica que envolve muito mais aspectos subjetivos e individuais para a
superação da pobreza ao focar na questão do empoderamento, autonomia e
22
A exemplo do Programa BH Cidadania de Belo Horizonte e dos programas assistenciais de São
Paulo.
89
capacidades, tornando o indivíduo e a sua família como responsáveis pela mudança
de sua situação social.
No debate ‘modernoaonde vem se constituindo uma espécie de ‘novo
consenso’ – se prega a ‘auto-sustentabilidade’ e o ‘empreendedorismo’
para os pobres: depender do Estado é visto como algo ‘negativo’. Essas
idéias reforçam de maneira perigosa, irresponsável e hipócrita a
ideologia neoliberal de que as ‘pessoas e comunidades são as
responsáveis pela resolução dos seus próprios problemas, tratando a
intervenção do Estado como algo ‘paternalista’ (Soares, 2004b, p. 9).
Para firmar esta concepção trazida na PNAS, acrescenta-se uma nova
diretriz: a centralidade na família. Traz como um de seus eixos estruturantes a
matricialidade sócio-familiar. Busca-se esta centralidade com vistas à superação da
focalização por segmentos: crianças, adolescentes, idosos, portadores de
deficiência, etc, em decorrência da LOAS. Porém esta centralidade na família pode
abrir brecha para que a política de assistência social recrie traços conservadores e
tradicionais que envolvem questões relacionadas à moralização e a
desresponsabilização do Estado, uma vez que a família se destaca como
responsável pela prevenção, proteção e inclusão de seus membros. Assim, a
centralidade na família (ou podemos interpretar como a responsabilização da
família), aparece como uma saída encontrada frente ao acirramento das expressões
da questão social. Além disso, o atendimento à família pode se configurar numa
forma de controle, ao invés de concretizar o objetivo único de superar a focalização.
Esta concepção faz parte de um retrocesso no âmbito da proteção social que
vem acontecendo nas últimas décadas, a partir do recrudescimento da ideia da
família como ator fundamental na provisão de bem-estar. Embasada em críticas ao
Estado de Bem-Estar Social quanto ao excesso de seu custo e as impropriedades
de seu gerenciamento, esta é uma concepção liberal de família que reaparece com
força. Trata-se uma tendência à “familiarização” das políticas sociais, como aponta
Mioto (2008) ao citar uma rie de autores que tratam do tema (Esping-Andersen,
90
Bianco, De Martino, Parella). A autora se remete ao conceito de familismo, utilizado
por Esping-Andersen (1991), ao analisar os sistemas de proteção social, que está
presente em determinados sistemas que consideram que as unidades familiares
devem assumir a principal responsabilidade pelo bem-estar de seus membros.
Trata-se de uma estratégia utilizada não apenas por alguns sistemas de proteção
social tanto no denominado período do Welfare State, quanto no seu momento de
crise:
Ou seja, a crise do Estado de Bem-Estar implicou na adoção de uma
‘solução familiar’ para a proteção social, quando se caminhou para a
redução da dependência em relação aos serviços públicos e para a
‘redescoberta’ da autonomia familiar enquanto possibilidade de resolver
seus problemas e atender suas necessidades (Mioto, 2008, p. 139).
Como exemplo destra supervalorização da família para o provimento de suas
necessidades e da sua centralidade nos programas governamentais, a autora cita o
Programa Bolsa-Família, o Programa Saúde da Família e a matricialidade cio-
familiar como diretriz do SUAS.
O incremento da idéia da família como centro de proteção e com ela o
amplo desenvolvimento do voluntariado, das entidades não-
governamentais e o delineamento de ‘novas profissões’ no interior das
políticas sociais, inclusive nas públicas, vai favorecer não a reativação
exponencial da idéia liberal da responsabilidade da família em relação a
provio de bem estar, como também a reativação das práticas
disciplinadoras tão comuns nos séculos anteriores, principalmente em
relação às famílias pobres (Mioto, 2008, p. 141).
Destaca-se tamm na PNAS a classificação do atendimento em dois tipos
de proteção social: a proteção social básica e a proteção social especial. A última
possui os níveis de média complexidade e alta complexidade. A proteção social
básica, de acordo com a PNAS,
tem como objetivos prevenir situações de risco por meio do
desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de
nculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em
situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação
(ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre
outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos relacionais e de
91
pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
deficiências, dentre outras) (Brasil, 2004, p. 34).
Já a proteção social especial:
é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e
indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por
ocorrência de abandono, maus-tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso
sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-
educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras
(Idem, p. 39)
Tal classificação em tipos de proteção social básica e especial nos permite
duas reflexões. A primeira diz respeito à influência do modelo da saúde (Sistema
Único da Saúde) que tamm tipifica os níveis de atendimento. Ao fazê-lo em
termos da política de assistência social parece um equívoco, uma vez que a
“questão social” não deve ser análoga aos “problemas epidemiológicos”, o que
alguns intelectuais críticos a esta tipologia já estão denominando de “epidemiologia
social”. Não é possível “recortar” a “questão social” uma vez que atribuímos a
mesma uma visão de totalidade.
Esta inspiração no modelo da saúde é algo instigante, pois já se passaram 18
anos da existência do SUS e, como aponta Bravo (2004), o SUS real ainda está
muito longe do SUS constitucional. Por mais que o SUS tenha sido um grande
exemplo no que diz respeito aos aspectos legislativos, tomá-lo como parâmetro
diante da enorme distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática
social do sistema público de saúde vigente é algo que deva ser, no mínimo,
questionado.
É preciso olhar para o processo real de municipalização que está se dando
no SUS face ao contexto restritivo do ajuste e diante das propostas de
reforma do Estado dirigidas à privatização e focalização dos serviços
públicos para os ‘pobres’. A atual política de saúde, não por acaso, centra
seu foco de atenção no âmbito municipal/local, impondo padrões de
atuação não condizentes com a enorme heterogeneidade deste país, e
totalmente distantes das reais possibilidades dos municípios de darem
resposta aos crescentes problemas de saúde com os quais se defrontam
(Soares, 2005, p. 2).
92
A segunda reflexão é quanto à chamada proteção básica. Proteção social
básica se refere a uma série de políticas sociais. Portanto, ao garantir proteção
social básica a um indivíduo ou a uma família, quer dizer garantir emprego,
habitação, educação, condições de infra-estrutura, saúde, dentre outras, inclusive
assistência social. Atribuir à política de assistência social uma proteção social básica
é superdimencioná-la e desarticulá-la de outras políticas sociais.
Observa-se “uma espécie de atribuição heróica da função de proteção social
à assistência social” (Behring, 2008, p. 167). Tem-se a impressão que a política de
assistência social é vista como a política de proteção social, como mostra nas
considerações finais:
É nessa perspectiva que se efetiva a interface entre o SUAS, novo modelo
de gestão da política de assistência social, com a política de segurança
alimentar e a política de transferência de renda, constituindo-se, então,
uma Política de Proteção Social no Brasil de forma integrada a partir do
território, garantindo sustentabilidade e compromisso com um novo pacto
de democracia e civilidade (Brasil, 2004, p. 66).
Nota-se, tamm na PNAS, um novo conceito: o de vulnerabilidade social,
que foi definido posteriormente na Norma Operacional Básica (NOB) do SUAS
(2005). Trata-se de um termo inclusive utilizado nos relatórios dos organismos
internacionais. Na NOB, considera-se como população vulnerável o conjunto de
pessoas residentes que apresentam pelo menos uma das características abaixo
23
:
Famílias que residem em domicílio com serviços de infra-estrutura
inadequados
24
; e mais de 2 moradores por dormitório.
Família com renda inferior per capita familiar a um quarto de salário mínimo.
23
Fonte das variáveis: IBGE, Censo Demográfico de 2000 e PNAD de 2001 em diante.
24
Conforme definição do IBGE, trata-se dos domicílios particulares permanentes com abastecimento
de água proveniente de poço ou nascente ou outra forma, sem banheiro e sanitário ou com
escoadouro ligado à fossa rudimentar, vala, rio, lago, mar ou outra forma e lixo queimado, enterrado
ou jogado em terreno baldio ou logradouro, em rio, lago ou mar ou outro destino.
93
Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo com
pessoas de 0 a 14 anos e responsável com menos de 4 anos de estudo.
Família no qual há uma chefe mulher, sem cônjuge, com filhos menores de 15
anos e analfabeta.
Família no qual uma pessoa com 16 anos ou mais desocupada
(procurando trabalho) com 4 ou menos anos de estudo.
Família na qual há uma pessoa com 10 a 15 anos que trabalhe.
Família no qual há uma pessoa com 4 a 14 anos que não estude.
Família com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, com
pessoas de 60 anos ou mais.
Família com renda per capta inferior a meio salário mínimo, com uma pessoa
com deficiência.
Tal definição será importante para compor a Taxa de vulnerabilidade social
municipal, de acordo com o princípio da territorialização. O conjunto selecionado
para análise socioterritorial dos municípios é composto por quatro indicadores: três
básicos e um complementar por porte populacional.
O conceito de vulnerabilidade social da PNAS/SUAS se constitui, por um lado,
em um avanço. Primeiro, porque traz uma definição de população vulnerável, o que
não ocorreu com a LOAS, que não definiu os conceitos de mínimos sociais e
necessidades básicas. Segundo, porque não se utiliza apenas o critério da renda.
Portanto, é importante que os programas de transferência de renda adotem este
novo conceito para incluir uma grande porcentagem da população que ainda se
encontra excluída de tais programas por não de enquadrarem no critério da renda,
como por exemplo, o Bolsa- Família.
94
Também é importante notar que o indicador complementar, expresso na
NOB/2005 é sensível às especificidades de cada escala de porte populacional
municipal e relacionado com às particularidades de cada estado ou região, de
acordo com o princípio de territorialização trazido pela PNAS.
Porém, por outro lado, este é um conceito abstraído de seu conteúdo
concreto, a relação capital-trabalho. A situação de vulnerabilidade não é posta
enquanto um fenômeno fruto de um determinado modo de produção. Pelo contrário,
é colocado enquanto uma situação decorrente da família, uma vez que a proposta
de intervenção para este quadro de vulnerabilidade é a de “desenvolver
capacidades” e buscar a autonomia dos sujeitos, assim como a família é colocada
como a responsável pela prevenção, proteção e inclusão de seus membros. Além
disso, as características expressas estão incompatíveis com o princípio de
territorialização e não dão conta de outras expressões da “questão social” tal como o
desemprego, a violência urbana, etc.
O público alvo da assistência social agora é visto como “vulnerável”,
“excluído” e “em situações de risco”, quando na verdade é superpopulação relativa
atingida pela pauperização absoluta ou relativa, como aponta Neto e Braz (2006) e
Maranhão (2008). Maranhão lembra que o conceito de exclusão social fragmenta a
realidade social e mistifica as determinações imediatas desse fenômeno, ao se ater
aos fatos empiricamente observáveis:
Com a teoria da ‘exclusão social’, temos diante de nós um conceito que mais
obscurece do que esclarece a totalidade das relações sociais em que o fenômeno
está envolvido e, por isso, deixa de apreender as condições concretas que fazem
do desemprego crescente e da pauperização ampliada parte constitutiva da
dinâmica social contemporânea (Idem, p. 96).
De acordo com Mota et ali (2006, p. 172), as categorias vulnerabilidade e
riscos, ambas indicadoras dos níveis de exclusão, permitem uma relativa fragilidade
95
na delimitação dos usuários e dos próprios serviços a serem prestados para atender
aos níveis de proteção propostos”.
Ao utilizar tais conceitos, também se coloca uma nova visão sobre o conceito
“questão social”, discutido anteriormente quando analisamos a política de
assistência social nos governos Lula.
A questão social se define, de forma reducionista, como pobreza; e
pobreza é entendida como situação em que indiduos se encontram por
falta de certos dotes (nada a ver com as estruturas econômicas e sociais),
dotes que uma vez adquiridos os capacitam a pular a linha da pobreza
(assim como se pula no jogo da amarelinha); dotes como escolaridade,
aprendizado do autocuidado com a saúde, e, claro, o ganho representado
pelo saber lidar com a renda. Ou seja, não se trata somente de ensinar a
pescar; a estratégia de inclusão passa também por facilitar o acesso ao
anzol – e o microcrédito (para comprá-lo) é o instrumento ideal; mesmo que
não haja peixes para serem pescados (Vianna, 2008, p. 148).
Ao trazer um conjunto de mudanças que definem as tendências atuais da
Seguridade Social, Mota et ali (2006) destacam alguns aspectos que m eco no
atual padrão de formulação e gestão das políticas protetivas. Parte deles, de acordo
com a nossa análise, já estão explicitados na PNAS/SUAS:
A proposta que se reforça é de um Estado-gerente que dependa do
denominado terceiro setor e das redes socioassistenciais para executar os
programas e projetos sociais através da parceria que se estabelece entre
público e privado;
Formulações sobre o desenvolvimento local e sustentável, empoderamento
de indivíduos, grupos e comunidades e estratégia de desenvolvimento social
baseada na formação do capital humano e social são os referenciais teórico-
metodológicos, políticos e culturais que fundamentam os programas sociais
que revertem as possibilidades de análise crítica da sociedade e das
determinações da desigualdade;
96
Tendência à despolitização das desigualdades sociais de classe em face da
sua conceituação como processo de exclusão;
Um não explicitado e pouco discutido nexo entre a Assistência Social e as
políticas públicas de intervenção sobre o mercado de trabalho.
A PNAS utiliza o termo equidade, em verdadeira consonância com as
tendências pós-Consenso de Washington que passam a defendê-la como diretriz
para as políticas sociais frente aos “malefícios da globalização” e a ineficácia das
políticas de ajuste para os países periféricos. Isto está explicitado no Relatório sobre
o Desenvolvimento Mundial de 2006, do Banco Mundial que remete o objetivo das
políticas pró-equidade como expansão do acesso, por parte das pessoas de baixa
renda, a alguns direitos, deixando claro que este objetivo não é a igualdade das
rendas (Mota et ali, 2006).
Neste caso, a PNAS também prefere utilizar o termo equidade em
substituição ao termo desigualdade social. É interessante observar que em nenhum
momento a desigualdade social é citada na PNAS.
Com relação ao financiamento, esta é uma questão central na medida em que
o repasse de verbas para a potica de assistência ainda permanece aquém do
necessário, considerando a grande demanda e exigência de recursos para esta
política. O SUAS conta com menos de 10% dos recursos destinado ao Fundo
Nacional de Assistência Social para a prestação de serviços, uma vez que o restante
dos recursos do fundo é destinado aos programas de transferência de renda
25
.
Outro detalhe se refere à gestão dos fundos nacional, estaduais e municipais
que devem assegurar mecanismos de transparência que permitam o controle e a
participação social. Isto é apontado na Norma Operacional Básica do SUAS (Brasil,
25
Ver Boschetti e Salvador (2006).
97
2005) que institui novos mecanismos e formas de transferência legal de recursos
financeiros através de um repasse regular e automático fundo-a-fundo. A instituição
de fundos, de acordo com a NOB, contribui para o fortalecimento e visibilidade da
assistência social no interior da administração, bem como para o controle social de
toda execução financeira, uma vez que caracteriza uma forma de gestão
transparente e racionalizadora de recursos.
Por outro lado, esta transferência de recursos só é feita a partir de um
cumprimento de metas estabelecidas de acordo com o tipo de porte do município.
Desta forma, as condicionalidades impostas para o repasse de recursos estão
seguindo uma lógica de produtividade no campo de serviços da política de
assistência social ao exigir dos profissionais envolvidos um determinado número de
atendimentos, visitas domiciliares, reuniões, cadastros nos programas assistenciais
e no Programa Bolsa-Família, etc. São contrapartidas que podem gerar impacto
negativo na qualidade do trabalho, uma vez que o foco está voltado para a
quantidade.
Outra questão com relação ao repasse de recursos é ao estabelecer pisos de
acordo com a classificação em tipos de gestão e do poder do município. Esse é um
critério que favorece os municípios de grande porte que estão na condição de
gestão plena, ao mesmo tempo em que desfavorece os municípios pequenos que
estão na condição de gestão inicial e que precisam de mais recursos para se
estruturarem. Esta questão foi apontada inclusive por Ivanete Boschetti sobre a
avaliação da NOB/SUAS em evento realizado em Curitiba em abril de 2005.
O tema dos recursos humanos também é outra dimensão que merece
atenção prioritária para os debates e formulações, mesmo após a aprovação da
NOB RH SUAS. É importante que se discuta a relevância do profissional assistente
98
social, que deveria ocupar com mais veemência quantitativa e qualitativamente o
quadro dos recursos humanos, bem como ganhar maior visibilidade pública perante
a sociedade. Esta profissão possui caráter central, não no que diz respeito à
formulação, execução e avaliação das políticas sociais, mas também com relação a
sua dimensão sócio-educativa que inclui a capacitação de conselheiros, assim como
a assessoria técnica.
Nota-se, nos espaços democráticos de controle social (como fóruns,
conferências e conselhos) que o debate ainda gira em torno de questões operativas
e cartoriais com presença ainda da lógica do favor em torno da política de
assistência social brasileira. Além disso, tem como foco central a discussão de
programas voltados para garantir renda, seja através de projetos de transferência de
renda, ou daqueles que visem gerar renda a fim de garantir a autonomia dos
sujeitos. Por este motivo, a discussão sobre a arrecadação regressiva e
concentradora da estrutura de renda, muitas vezes, é deixada de lado. Isto traz
como resultado uma política formulada a partir de padrões mantenedores da ordem
social burguesa, que buscam soluções corretivas e paliativas sob a visão micro
social. Neste sentido, não uma articulação real entre a política de assistência
social e outras políticas que busquem romper com aspectos estruturais desta
sociedade, como, por exemplo, a política tributária.
Afirma-se que diante de alguns elementos constitutivos da PNAS e do SUAS,
presentes na discussão, trata-se de pensar a lógica que perpassa tais elementos. A
partir de uma breve discussão dos mesmos, afirma-se a hipótese que o SUAS abre
brechas para interpretações que refletem um conteúdo conservador, de caráter
individualista, que oferecem subsídios à hegemonia neoliberal, devidamente de
99
acordo com a ordem burguesa, responsabilizando o indivíduo ou seu grupo familiar
pelas suas condições materiais e subjetivas vigentes.
Existe uma predominância na PNAS da questão da sua operacionalização, ou
seja, em pensar a política de assistência com relação a questões como organização
do trabalho nos CRAS, eficiência no uso dos recursos destinados à política, trabalho
dos profissionais envolvidos, acesso à política, dentre outros. Porém, o uma
discussão com relação à “vulnerabilidade”, desigualdade social e “questão social”
enquanto fenômenos engendrados por um determinado modo de produção que
depende de uma apropriação privada de um excedente econômico. Uma
desigualdade como fruto de uma determinada sociedade de classes e que possui
uma funcionalidade para manter o atual sistema.
É um documento que se propõe a construir a operacionalização de uma
política enquanto direito para determinado público usuário específico, que “se
encontra em situações de vulnerabilidades e riscos” (Brasil, 2004, p. 34), sem buscar
entender os fundamentos, a essência de tais condições. Na verdade, aquela visão
social que exige confrontar a leitura macro social com a leitura micro social” (Idem,
p. 13) não aparece.
A resposta às manifestações da “questão social” se fundamenta num
aprimoramento do campo operacional da política social como expressão de uma
ênfase exclusiva para a dimensão cnica-operativa. Desta forma, temos uma
intervenção que tem como base uma razão instrumental, típica da racionalidade da
civilização capitalista ocidental que vem fornecendo munição ao capitalismo e que
organiza as diversas formas de vida social a partir de seus componentes
pragmáticos, utilitários, instrumentais (Guerra, 2001).
100
Este tipo de racionalidade hegemônica vigente consegue conciliar elementos
inconciliáveis: o racionalismo formal-abstrato
26
e o irracionalismo. De acordo com
Guerra,
De um lado, esta racionalidade, fornece um arsenal a ser utilizado
instrumentalmente na manutenção e preservação do ordenamento social
burguês. De outro, fornece os instrumentos necessários ao
desencadeamento de processos racionalizantes (2001, p. 257).
Assim, temos a configuração de uma política que pode nascer das raízes de
uma visão pragmática centrada na natureza da ação humana e da prática, de uma
noção restrita de que o conhecimento advém da experiência. Neste sentido, se
esquece da busca da essência numa perspectiva de totalidade. Nesta ótica, a
resposta deve ser suficientemente objetiva, útil e imediata, muitas vezes intrínseca
ao processo contínuo de autocorreção. O valor do conhecimento para a formulação
de uma política não são suas origens, mas os métodos, as técnicas e as normas, ou
seja, uma formulação enquanto resultado da empiria e não dos fundamentos. Na
verdade, o modo de explicar a realidade e a pragmática de ação social estão
pautados, respectivamente, na posição acrítica do positivismo e no pragmatismo.
A ênfase dada aos indicadores sociais, que aparecem na PNAS enquanto
instrumentos fundamentais do princípio da territorialização, funcionam como únicos
mecanismos de apreensão da realidade, como se uma boa manipulação dos dados
possibilitasse chegar ao real. Como se absolutizar de qualquer modo o meio
homogêneo da matemática [fosse] a última e definitiva chave para decifrar os
fenômenos” (Lukács, 1988, p. 105). Portanto, a formulação desta “nova” política
26
Uma discussão a respeito dos fundamentos teórico-metodológicos, culturais e políticos sobre a
racionalidade formal-abstrata encontram-se em Guerra (1995).
101
parece não superar o nível do empiricismo, da singularidade do cotidiano, limitando-
se ao dado coletado
27
.
Daí decorre a formulação de indicadores sociais bem fundamentados e
supostamente precisos [...] Daí advém fotografias, mapas e softwares
interessantes que permitem localizar territorialemnte os pobres. uma
verdadeira febre estatística e tecnocrática para a otimização dos recursos
financeiros, humanos e materiais que compõem o fluxo da política social,
em busca da combinação entre eficiência, eficácia e efetividade. À política
social [...] é atribuída a capacidade de administrar de forma tecnicamente
competente os elementos que geram a pobreza e a miséria [...] (Behring,
2008, p. 164).
Neste sentido, se constitui uma política contida apenas de uma razão formal-
abstrata: formal porque se atém à forma, fica na aparência e não vai na sua
essência; abstrata porque das noções apresentadas (desigualdade social,
vulnerabilidade, dentre outras) foram abstraídas o seu conteúdo concreto (a relação
capital-trabalho), ao mesmo tempo retiradas das relações sociais que as
engendraram. Não se identificam experiência e práxis, discurso e teoria.
De fato o que ocorre é o abandono da dimensão ontológica do real, da
história como substância, o que permite que essas correntes afirmem a
destruição do passado, o fim da história e das grandes narrativas (Guerra,
1997, p. 21).
Desta forma, a PNAS não trata a “questão social” enquanto parte do
movimento da própria sociedade capitalista, ou seja, não pensa a questão social”
na sua totalidade, uma vez que se propõe a intervir nas manifestações da mesma de
forma fragmentada.
Enfim, a questão social” é retirada de uma contextualização classista, típica
estratégia da ordem burguesa: a despolitização surge no tratamento da ‘questão
social’ como objeto de administração técnica e/ou campo de terapia comportamental
27
Há uma fragmentação entre teoria e prática. Temos um mix eclético e sincrético de paradigmas que
se constitui no positivismo e suas correntes (como o pragmatismo, o instrumentalismo, o
metodologismo e o neopositivismo), a pós-modernidade, o irracionalismo, o agnosticismo, etc. Busca-
se, na verdade, reformar, adequar, manter o status quo, “modernizar conservando”, uma vez que sua
lógica não busca romper com a estrutura social do país.
102
[...] O reformismo para conservar é entronizado como estratégia de classe da
burguesia” (Netto, 1992, p. 58). Sofrendo uma influência positivista, a questão social
acaba sendo naturalizada, fragmentada e formalizada.
Este viés tecnicista pensa a “questão social” como colocada acima e
apresenta um tipo de tratamento das suas seqüelas através de políticas sociais
setoriais, desarticuladas e isoladas. Isto acontece tamm no interior da seguridade
social. Como foi apontado por Vianna (2001), existem três mitos plantados pela
retórica neoliberal nos debates contemporâneos sobre a política social. O mito
tecnicista apresenta a seguridade social como natureza de matéria técnica com o
intuito de despolitizá-la e de tratar as políticas que constituem o tripé da Seguridade
de forma isolada, cada qual com a sua especificidade técnica. Outro mito apontado
pela autora é o naturalista, que retoma o conservadorismo e sua maior expressão, o
positivismo, que busca a naturalização dos processos sociais. O terceiro mito é o
maniqueísta que dicotomiza os regimes de capitalização e repartição com vista na
destruição da Seguridade. Um exemplo emblemático destes dois últimos mitos está
na “visão naturalista de que a previdência pública está com os dias contados e a
opção maniqueísta pela previdência privada” (Idem, p. 191).
Tais mitos podem ser encontrados no próprio conteúdo trazido na PNAS ao
priorizar a formulação de uma nova gestão para a política de assistência, em
detrimento da mudança de lógica da mesma, como se a solução para o avanço
desta política fosse de natureza técnica; ao naturalizar a “questão social” e ao tratar
a necessidade de proteção social como algo circunstancial; e ao fortalecer a parceria
Estado – sociedade civil e trazer a visão maniqueísta da necessidade da intervenção
do chamado “Terceiro Setor” diante do quadro de “vulnerabilidade social”.
103
Ao retomar, portanto, o mito tecnicista, conclui-se que temos, então, um
Sistema Único da Assistência Social (SUAS) que se preocupa principalmente com a
metodologia da ação, ou seja, com o conjunto de procedimentos, com o modo de
operar. Assim, acaba por permanecer apenas no nível operativo, no vel do
intelecto, do entendimento.
Neste sentido, é preciso ir além deste nível de pensamento (intelecto) a fim de
superar essa perspectiva imediatista: chegar ao nível da razão, que dissolve a
aparência, e que é dialética porque nega e avança. Esta racionalidade formal-
abstrata (como utiliza Guerra, 1997; 2001) ou analítico-formal (de acordo com Netto,
1994) faz parte da própria ordem burguesa, necessária do ponto de vista do
desenvolvimento capitalista, uma vez que a razão é tomada por esta modalidade
operativa (redução da razão como um todo à sua dimensão instrumental), que paira
sobre o nível da razão do intelecto: “a consolidação da ordem burguesa tende a
identificar razão com razão analítica, tende a reduzir a racionalidade à intelecção”
(Netto, 1994, p. 32). A generalização deste tipo de racionalidade serve diretamente à
perpetuação do capitalismo.
O racionalismo” formalista e o irracionalismo são próprios do pensamento
ideológico da burguesia contemporânea que se recusam a aceitar a dimensão
histórica da objetividade e a riqueza humanista da práxis. É o que Coutinho (1972, p.
4) chama de “miséria da razão”, expressão teórica do mundo burocratizado do
capitalismo, do radical empobrecimento agnóstico das categorias racionais,
reduzidas às simples regras formais intelectivas que operam na práxis
manipulatória”.
Recorre-se, portanto, ao epistemologismo “entendido como autonomização do
conhecimento em si mesmo, redução dos problemas do conhecimento ao ato de
104
conhecer”; e ao metodologismo “como priorização dos procedimentos metodológicos
do ‘como conhecer’, em detrimento dos fundamentos últimos do ser social” (Guerra,
2006, p. 9).
Temos um sistema que não se preocupa com o método do conhecimento da
realidade pautado em categorias ontológicas e analíticas que permitam captar as
particularidades para apreender as possíveis mediações a partir da superação do
imediato. Mediações estas que possibilitam uma intervenção no campo operacional
de acordo com uma apreensão do real que chega ao nível da razão.
É neste sentido que se pode afirmar que o discurso da garantia dos direitos
sociais e da perspectiva de uma política de assistência social enquanto direito do
cidadão (que tem sua relevância e se constitui como avanço), neste referido
documento analisado, acaba por “camuflar” o nível de apreensão do real do mesmo,
ou seja, a incidência de uma racionalidade própria da ordem burguesa na nova
formulação da PNAS. Uma formulação que se restringe a uma operacionalização
sem ir à busca dos fundamentos que permitiriam uma articulação entre os níveis da
realidade (singular-particular-universal) para a sua adequada reformulação.
Conclui-se, portanto que as incidências da racionalidade burguesa e do
ideário neoliberal possuem um forte conteúdo pragmático e instrumental que acabou
por construir as novas bases da PNAS. Neste sentido, o apelo vai de encontro à
necessidade da construção de uma política que busque os fundamentos
constitutivos de uma totalidade concreta, de categorias analíticas e ontogicas para
apreender a realidade social.
105
3 A CORRELAÇÃO DE FORÇAS NO PROCESSO DE FORMULAÇÃO DA PNAS
3.1 A LUTA PRÉ E PÓS-REGULAMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL
Nos capítulos anteriores, buscou-se traçar a trajetória da política de
assistência social frente à conjuntura internacional na tentativa de mostrar o lugar
que esta política ocupa dentro de um determinado modelo econômico e social.
Também pretendeu-se conhecer a sua configuração através da cultura política e da
conjuntura brasileira, além de problematizar a incidência da racionalidade burguesa
no processo de formulação da nova PNAS/SUAS.
Trata-se, neste momento, de resgatar os momentos decisórios e de luta pela
aprovação da legislação que regulamenta a política de assistência social após seu
novo ordenamento como direito do cidadão e dever do Estado a partir da
Constituição de 1988, bem como analisar a correlação de forças existente durante a
formulação da atual PNAS e identificar os principais sujeitos políticos envolvidos.
Na análise dos debates e embates políticos no processo legislativo de criação
da Seguridade Social na Assembléia Constituinte, realizada por Boschetti (2006)
28
,
constata-se que a assistência social não se constituía objeto de reivindicações mais
amplas, resumindo-se apenas em manifestações pontuais que diziam respeito à
necessidade de assegurar proteção às crianças e às famílias pobres e um salário
mínimo para o idoso e para pessoas com deficiência.
Segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB), membro da Comissão de
Ordem Social na Assembléia Constituinte, a Seguridade Social foi aprovada devido
à pressão sindical dos aposentados e pensionistas pela previdência, ao movimento
28
Parte desta seção itratar do processo de regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social
com base no livro de Boschetti (2006). Para uma busca mais detalhada desta trajetória, deve- se
recorrer a esta referência.
106
ideológico ligado a uma corrente política pela saúde oriundo do Movimento Sanitário,
e a um movimento pessoal e humanitário pela assistência social (Boschetti, 2006).
A inexistência de uma demanda formal de política mais ampla de assistência
social e de um movimento social e mais estruturado de luta neste campo durante à
Assembléia Constituinte, aliado às forças de oposição à criação e consolidação da
seguridade social nos governos Sarney e Collor, a assistência social foi a política
que mais enfrentou dificuldades para ser regulamentada.
A partir da Constituição de 1988, foi colocada a oportunidade da assistência
social se tornar política pública de seguridade social e, assim, superar o status de
ajuda, pelo menos legalmente. Cabia, após este processo de conquista, uma nova
luta: a sua regulamentação.
Como não havia nenhuma proposição concreta e sistematizada a seu
respeito, seja pelos organismos governamentais que atuavam nessa área (LBA e
Funabem), seja pelas organizações representativas dos trabalhadores da área, em
sua maioria, assistentes sociais, a política de assistência social “partiu do zero” com
uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a partir de um
convênio assinado com a Universidade de Brasília (UNB), ao solicitar a participação
e contribuição do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Sociais
(Neppos/Ceam) daquela universidade para a elaboração do pré-projeto de lei da
assistência social.
Este convite foi feito pela assistente social Eni Barbosa, do IPEA, à então
coordenadora do Neppos, a professora Potyara Pereira que juntas fizeram parte de
um grupo de trabalho composto por treze pessoas, dentre estas Vicente Faleiros,
Maria de Fátima Azevedo e Pedro Demo. Neste GT, havia representantes da
Universidade de Brasília; dos ministérios da área social, sobretudo o da Previdência
107
e do Interior; do Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS), hoje Conselho
Federal de Serviço Social (CFESS); e de algumas entidades privadas.
Desta forma, a professora Potyara Pereira (UnB) ficou responsável pelo
aspecto conceitual da assistência social; o professor Vicente Faleiros assumiu o
desafio de dissertar sobre a história da assistência social e de propor critérios para
definir a parcela da população a ser beneficiada pelos direitos assistenciais
previstos; e o professor Pedro Demo teve como objeto de reflexão a relação entre
público e privado, sobretudo os aspectos relativos à participação política e
comunitária na formulação e controle da assistência social (ver Boschetti, 2006).
Porém, a partir do Simpósio Nacional sobre a Assistência Social (1989)
realizado para discutir a regulamentação desta política, através da iniciativa da
Comissão de Saúde, Previdência e Assistência Social da Câmara dos Deputados,
observa-se um quadro de conflitos pela manifestação de três grupos com posições e
interesses divergentes, que resultará na apresentação de pré-projetos específicos: o
primeiro, liderado pelos professores da UnB e representantes do IPEA; o segundo,
representando os interesses da Secretaria Nacional de Assistência Social do
Ministério da Previdência e Assistência Social; e o terceiro, produzido pelos
funcionários da LBA.
O pré-projeto representado pelo primeiro grupo mencionado tinha como
principal característica a indicação de uma reestruturação completa da assistência
social, ao contrário do segundo grupo que tinha como objetivo evitar a extinção,
fusão ou transformação das instituições que estavam sob a sua responsabilidade em
face dos novos dispositivos constitucionais de descentralização. Este grupo não
apresentou proposta de reestruturação do setor, mas a sugestão de um organismo
nacional que coordenaria e controlaria as ações dos Estados e dos municípios, com
108
a estratégia de manter a estrutura da LBA existente. Com relação ao terceiro
grupo, seu pré-projeto intencionava claramente reduzir o espaço atribuído à
assistência social pelo pré-projeto da UnB/IPEA. Assim, se limitava a regulamentar
estritamente o que havia sido inscrito na Constituição, sem incluir novas propostas
ou avançar em relação às já existentes (Boschetti, 2006).
Neste momento, quanto à regulação das relações entre público e privado,
constata-se, através de várias emendas, o interesse por parte dos parlamentares em
manter a autonomia das associações filantrópicas em relação às determinações da
legislação, bem como de assegurar a participação delas nas instâncias consultivas e
deliberativas. Esta ação reside no fato de que estes parlamentares, por muitas
vezes, criavam associações de “assistência social” e solicitavam o atestado de
filantropia ao CNSS que, ao serem reconhecidas pelos poderes públicos como
filantrópicas, são isentas tanto do pagamento de alguns impostos como de certas
contribuições com a seguridade social.
Este esquema tornou-se um verdadeiro mecanismo de clientelismo e
corrupção com a criação de associações fictícias (inclusive da primeira dama) e
grandes empresas lucrativas que se tornaram associações filantrópicas para ficarem
isentas do pagamento de vários impostos.
Portanto, a correlação de forças na Comissão de Saúde, Previdência e
Assistência Social era desfavorável àqueles que se engajavam na recomposição
profunda da assistência social. O projeto de lei aprovado foi o projeto elaborado pelo
deputado Nelson Seixas, em 26 de outubro de 1989, que rejeitou as propostas
iniciais do pré-projeto da UnB/IPEA e integrou em seu projeto de lei substitutivo
todas aquelas que garantiam a manutenção da LBA.
109
Porém, o presidente Fernando Collor se opôs totalmente ao PL aprovado pelo
poder legislativo e vetou o projeto na sua totalidade em 17 de setembro de 1990.
Durante tal governo, reitera-se a simbiose entre público e privado com a
transferência de recursos públicos às associações da sociedade civil, o que permitia
sua utilização política por vereadores e deputados estaduais e federais,
transformando a assistência social em poderoso instrumento de clientelismo político
(Boschetti, 2006).
Através da intervenção política dos parlamentares, os “atestados de
filantropia” eram concedidos às entidades pelo CNSS em busca das já referidas
isenções, além do acesso aos recursos públicos.
O esquema foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Orçamento, e demonstrando possíveis interesses do presidente e aliados políticos
em manter a assistência fluida e indeterminada.
Foi a partir do veto do Collor ao projeto de Lei Orgânica da Assistência Social
que a sociedade civil começa a se organizar, destacando-se a participação das
entidades representativas do Serviço Social: o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS) aliado aos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) com o apoio
da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social (ABESS, atual ABEPSS), os
núcleos de pesquisas da UnB (Núcleo de Pesquisas em Políticas Sociais/ Neppos) e
da PUC/SP (Núcleo de Seguridade e Assistência Social), parte do movimento
sindical (CUT), organizações de portadores de deficiência, etc.
Neste momento, a reflexão teórica sobre a assistência social, um dos campos
de intervenção dos assistentes sociais, é colocada nas pautas de debate e faz com
que estes profissionais se mobilizem pela elaboração de uma lei orgânica para esta
política.
110
Até então, esta categoria profissional considerava a assistência como um
instrumento de dominação, de controle social e de reprodução da ordem. Por isso,
este era um campo profissional recusado pelos assistentes sociais, por se tratarem
de aparelhos ideológicos da burguesia e repressivos do Estado. Assim, a assistência
era recusada não pela intervenção profissional, como pelos estudos e pesquisas
(Boschetti, 2006).
A partir da segunda metade dos anos 80, com uma nova concepção mais
ampla das políticas sociais como espaço de luta de classes e expressão das
contradições da sociedade capitalista, a assistência social, através do
reconhecimento de seu caráter contraditório, começou a ser entendida como uma
política pública capaz de garantir direitos e não apenas como um conjunto de ações
assistencialistas e clientelistas.
Tal concepção foi trazida a partir de trabalhos pioneiros mais substanciais,
que apresentaram tentativas de sistematizar, avaliar e discutir o significado da
assistência social no âmbito das políticas públicas. Temos, então, Vicente Faleiros
(1982, 1984); Teixeira (1984); e o livro “Assistência na trajetória das políticas sociais
brasileiras”, organizado por Sposati, Bonetti, Yasbek e Falcão(1985), como grande
marco na discussão desta política. Posteriormente, em 1988, por solicitação da LBA,
foi realizada uma pesquisa coordenada por Aldaíza Sposati e Maria do Carmo
Falcão (1989) para propor uma análise mais qualitativa das ações federais dessa
instituição.
Assim, as entidades representativas tomaram a iniciativa de realizar um
seminário nacional com o intuito de elaborar um novo projeto de lei que fosse
resultado de um amplo debate nacional, retomando como base para o trabalho o
primeiro projeto elaborado em 1989 pelo grupo UnB/IPEA. Esta tarefa ficou sob a
111
responsabilidade da Comissão Nacional de Assistentes Sociais, criada ao fim do
seminário, coordenada pelo CFESS e com representações do movimento sindical,
dos funcionários da LBA, e com a ABEPSS e os grupos de estudos sobre
assistência social vinculados à PUC/SP.
A partir das discussões, debates e reflexões coletivas, o projeto de lei foi
formulado e tornou-se o resultado de um engajamento progressivo dos assistentes
sociais no movimento de recomposição do campo assistencial. Cabe lembrar as
posições teóricas e políticas divergentes de tal projeto que haviam se confrontado
anteriormente
29
e que criaram impasses para a materialização das estratégias da
Comissão Nacional dos Assistentes Sociais. Assim, o projeto de lei foi apresentado
pela Comissão ao parlamento em 25 de agosto de 1992.
Porém, apenas em abril de 1993 ocorreu a reunião, preparada pelo gabinete
ministerial, pautando o debate sobre a regulamentação da assistência social. Foi
criada uma comissão interministerial, sugerida durante a reunião, contando com a
participação dos trabalhadores do setor e coordenada pelo gabinete do Ministério do
Bem-Estar Social, para elaborar um projeto de lei do poder executivo.
Após três meses, foi elaborado um projeto que obteve consenso no âmbito do
governo federal e foi aprovado pelo poder legislativo. Finalmente, após cinco anos, a
política de assistência social é regulamentada com a aprovação da lei de 8.742,
em 7 de dezembro de 1993.
Conforme demonstrado, a convergência de interesses entre as forças de
apoio e de resistência à regulamentação da assistência social não foi pacífica. Esta
29
“[...]os ministérios da economia, da previdência e do planejamento, com suas preocupações de
racionalização economicista; as instituições assistenciais governamentais, com seus interesses de
permanência, independência e autonomia; as entidades assistenciais filantrópicas, com seus
interesses corporativos; (...) e, finalmente, os parlamentares e seus interesses políticos diversificados”
(Boschetti, 2006, p. 236).
112
aliança entre o governo e alguns setores da sociedade, que permitiu a aprovação da
LOAS, é caracterizada por Boschetti (2006) como uma “convergência conflituosa”.
O projeto original da LOAS, na verdade, sofreu inúmeras alterações aa sua
aprovação, com destaque para a concepção de mínimos sociais e a
condicionalidade de renda inferior a ¼ de salário mínimo para acesso ao Benefício
de Prestação Continuada. com o governo FHC, outras alterações foram
realizadas através de medidas provisórias que mutilaram ainda mais a proposta
original da LOAS. Exemplos dessas alterações são retratadas na mudança de
periodicidade da realização das conferências de assistência social que deixam de
ser de 2 em 2 anos e passam a acontecer de 4 em 4 anos
30
(MP nº 1473-30 de
16/04/1997); e a definição da idade de 67 anos para o acesso ao BPC em lugar da
progressiva redução para 65 anos (MP 1.599, de 11/12/1997, transformada na lei
9.720 de 30/11/1998), que foi revertido quando aprovou-se o Estatuto do Idoso
em outubro de 2003.
Após a aprovação da LOAS, também foram muitas as lutas para a
implantação dos conselhos de assistência social nas diferentes esferas de governo,
a fim de garantir o sistema descentralizado e participativo tal como preconizado na
LOAS. A instituição do CNAS e eleição dos primeiros representantes não-
governamentais só aconteceu após muita pressão de organizações da sociedade
civil e por iniciativa do Ministério Público.
O CNAS foi implantado em fevereiro de 1994 e se constitui como instância
deliberativa do sistema descentralizado e participativo de assistência social, de
caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil
31
. Dentre
algumas de suas competências, ao Conselho Nacional de Assistência Social cabe
30
A partir do primeiro ano do Governo Lula, as conferências passaram a ser convocadas de 2 em 2
anos.
31
Conforme art. 16 da Lei Orgânica de Assistência Social.
113
aprovar a Política Nacional de Assistência Social; normatizar as ações e regular a
prestação de serviços de natureza blica e privada; conceder registro e certificado
de entidades beneficentes de assistência social às instituições privadas prestadoras
de serviços; zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo da
assistência social
32
.
A instalação do CNAS em fevereiro de 1994 representa, dessa forma, uma
inovação democrática e uma conquista política da sociedade civil, num
campo de baixa publicização e frágil organização política. O CNAS
expressa a inscrição, no plano jurídico, de formas de gestão democrática
da Assistência Social instituindo, ao mesmo tempo, práticas absolutamente
inéditas, como as relacionadas à deliberação da política e do financiamento
nessa área (Raichelis, 1998, p. 84).
Aponta Raichelis (1998) que, desde sua instalação, o CNAS sofreu várias
investidas que ameaçaram a sua continuidade durante o governo de Itamar Franco e
posteriormente com FHC. Tais investidas foram desde o não-reconhecimento de sua
existência e a ausência de investimentos para a garantia de condições de infra-
estrutura para o seu funcionamento, até um novo reordenamento institucional que
pulverizou e fragmentou as atribuições previstas para a assistência social na
Constituição Federal, além da criação de uma estrutura paralela diretamente
vinculada à Presidência da República com a criação do Programa Comunidade
Solidária.
Uma primeira questão, de ordem mais geral, refere-se à fragilidade dos
conselhos diante da centralização do poder nas mãos do Executivo federal,
e das condições que reúne para neutralizar, impedir e desarticular a ação
dos conselhos. Há inúmeras situações que apontam a interferência do
governo federal nas deliberações do CNAS, que vão desde a mudança das
regras eleitorais da representação da sociedade civil até a sonegação de
informações relativas ao orçamento (as mais difíceis de serem apropriadas
pelo CNAS), passando pela desqualificação desse espaço como instância
exclusiva da sociedade civil (Idem, 1998, p. 85).
Somente sob a pressão exercida pela sociedade civil representada no CNAS
que a primeira Conferência Nacional de Assistência Social foi realizada em 1995,
32
Conforme art. 18 da Lei Orgânica de Assistência Social.
114
frente a uma gestão no primeiro governo FHC conduzida por medidas provisórias,
com definições autoritárias e tecnocráticas, e resistências aos movimentos
participativos e de controle social (Boschetti, 2001).
A elaboração da primeira versão da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS) e da Norma Operacional Básica (NOB1) consumiu o ano de 1997, embora
só tenham sido aprovadas oficialmente pelo CNAS em dezembro de 1998. De
acordo com Boschetti,
Esses documentos instrumentalizaram os gestores e técnicos da
assistência social para a atuação sob a nova sistemática de cooperação
técnica, acompanhamento, avaliação e fiscalização das ações de
assistência social em todo o país (2001, p. 129).
A partir da NOB2, aprovada em 2000, criou-se a Comissão Intergestora
Tripartite (CIT) e as Comissões Intergestoras Bipartites (CIB) como canais de
articulação entre as esferas de governo
33
. Por muitas vezes verificou-se que as
decisões das Comissões Intergestoras concorreram com as atribuições do CNAS,
extrapolando suas competências e tomando decisões que cabiam ao Conselho
34
.
No âmbito do CNAS, de acordo com Boschetti (2001), percebeu-se que no
período de 1994-1998, conduzido pela representação da sociedade civil, se mostrou
uma gestão com um perfil mais crítico e uma posição de maior autonomia e
independência em relação ao governo, com uma posição mais combativa,
conseguindo fazer com que o CNAS implementasse algumas das atribuições
previstas na LOAS e impusesse limites a algumas ações restritivas do Poder
Executivo. Cabe lembrar que, em relação às entidades assistenciais, predominaram,
33
De acordo com a NOB2, a CIT, organizada em âmbito federal, é composta por três representantes
da União, indicados pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Assistência Social (Fonseas) e
por três representantes dos municípios, indicados pelo Colegiado de Gestores Municipais de
Assistência Social (Congemas). As CIBs são organizadas no âmbito dos estados e compostas por
três representantes dos estados indicados pela secretaria estadual responsável pela política de
assistência social e por seis representantes dos municípios, indicados pelo Congemas.
34
Ver Boschetti (2001).
115
nesta gestão, as entidades de defesa de direitos como a Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(IBASE), a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG) e
o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC).
Exemplo desta postura mais combativa está na Resolução 108, de
26/06/1997, que tornou-se um marco histórico, uma vez que a mesma rejeitou por
unanimidade dos conselheiros a proposta orçamentária do Ministério da Previdência
e Assistência Social (MPAS) para o exercício de 1998.
O embate travado entre o Poder Executivo (MPAS/Seas) e o CNAS também
foi expresso na Resolução 150 de 18/09/1997, que mostrou-se contrária à MP
1.473 de 15/04/1997, que alterava a forma de concessão do Benefício de Prestação
Continuada (BPC).
A partir de 1998, o CNAS não manteve a mesma postura e aprovou
praticamente todas as propostas governamentais, ainda que manifestasse suas
discordâncias. Esta gestão (1998-2000) foi marcada pela eleição de entidades
prestadoras de serviços em detrimento das de defesa de direitos, tanto no que diz
respeito às entidades assistenciais, quanto em relação às entidades de usuários.
Também as entidades representativas de trabalhadores tinham caráter menos
combativo e não se caracterizavam por ter tido participação no processo de luta pelo
reconhecimento da assistência como direito
35
.
Com uma nova gestão em 2000, começa a aparecer uma postura mais crítica
e propositiva a partir de uma recomposição das forças políticas no interior do
35
Os representantes da sociedade civil no CNAS neste período foram: Confederação Nacional das
APAES (Conapae), Federação Brasileira de Entidades de Cegos (Febec) e Conferência dos
Religiosos do Brasil (CRB) como entidades prestadoras de serviços; Força Sindical, Federação
Nacional dos Psicólogos (Fenapsi) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade
Social (CNTSS) como representantes dos trabalhadores.
116
CNAS
36
. Assim o CNAS assume uma posição de tomar algumas iniciativas no
sentido de avançar no acompanhamento e avaliação da política de assistência
social. Exemplo deste movimento foi a criação do Fórum Nacional de Assistência
Social constituído por organizações da sociedade civil, em junho de 1999, como um
espaço de articulação da sociedade civil organizada, no exercício do controle social
e na formulação de propostas alternativas na busca da consolidação da política de
assistência social, integrante da Seguridade Social.
Desde a Segunda Conferência Nacional de Assistência Social, organizada
pelo CNAS, avaliou-se a necessidade de uma articulação nacional
permanente que aglutinasse a diversidade de instituições, organizações,
associações, grupos, em um espaço público que fomentasse o debate
coletivo e a definição de estratégias políticas para fazer frente às medidas
adotadas pelo governo federal de desqualificação da assistência social
como política pública universal (Raichelis e Paz, 1999, p. 110).
Assim, na Reunião Ampliada do CNAS realizada na cidade de Belém em
outubro de 1998, foram dados os primeiros passos rumo à concretização do Fórum
com a eleição de uma Comissão Pró-Fórum composta pela Associação Brasileira de
ONGs (ABONG), pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), pela
Confederação dos Trabalhadores da Seguridade Social (CNTSS), pela Federação
Nacional dos Psicólogos (FENAP) e pelo Fórum Mineiro de Articulação da Política
de Assistência Social. Posteriormente, na Reunião Ampliada de Salvador, foi
aprovada uma Coordenação Provisória composta pelo CFESS, CNBB, ABONG,
Fórum Mineiro, CNTSS, FENAP, Núcleo de Seguridade e Assistência e Instituto de
Estudos Especiais, ambos da PUC/SP, além da representação dos usuários a ser
indicada posteriormente.
36
No conjunto dos trabalhadores, permanece a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Seguridade Social (CNTSS), volta a ter assento o CFESS e a Social Democracia Sindical substitui a
Força Sindical. Entre as entidades assistenciais, retorna a CNBB, e o eleitas a Confederação das
Santas Casas de Misericórdia e a Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente (Amencar).
117
O Fórum se tornou um grande marco na interlocução entre sociedade civil e
governo federal, uma vez que seus integrantes puderam dar visibilidade política aos
posicionamentos críticos sobre os rumos da assistência social no país. Tamm
tornou-se espaço privilegiado de explicitação das concepções divergentes no âmbito
desta política, demonstrando a heterogeneidade e fragmentação de interesses
existentes no interior da sociedade civil. (Raichelis e Paz, 1999).
Porém, desde a implantação do CNAS, um debate travado no seu interior foi
a tentativa de buscar alterações nas relações entre o Estado e a sociedade civil no
âmbito do CNAS, pautando a discussão do campo normativo sobre a natureza,
caráter e função das entidades e organizações da assistência social. Porém,
encontrando grande resistência por parte das entidades de assistência, tal discussão
foi postergada até 2004.
A regulamentação da obtenção do certificado de entidade beneficente de
assistência social também se concretizou em uma das discussões mais difícieis
dentro do CNAS. Conforme coloca Pinheiro,
O passado do CNSS, conhecido como o canal de transmissão do fundo
público ao mundo privado ou, dito de outro modo, o ‘locusonde acontecia
a apropriação privada dos recursos do Estado é trazida como uma sombra
a penetrar por muitos anos o CNAS (2008, p. 28).
Era tarefa do CNAS avaliar e atestar a condição de filantrópica às entidades
de Educação e Saúde, ainda que as competências do mesmo fossem claramente
restritas ao campo da Assistência Social
37
.
Essa herança cartorial, trazida pelo antigo CNSS, sempre representou uma
dificuldade para o CNAS pela intensa mobilização das entidades assistenciais em
preservar o instituído, dificultando as possibilidades de exercer o instituinte. Essa
37
Atualmente, uma proposta através do PL 3.021/2008 desta tarefa cartorial relacionada aos
certificados de entidades beneficentes de assistência social ser designada como competência dos
ministérios de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Educação e Saúde, de acordo com a área
de atuação das entidades.
118
função cartorial se tornou uma agenda muito presente do CNAS que, por outro lado,
tamm possibilitou ao Conselho afirmar-se como instância de poder, garantindo
sua permanência (Raichelis, 1998).
No período de 1994 a 1998, o CNAS pautou a discussão sobre a definição do
campo específico da Assistência Social através de estudos, pesquisas,
levantamentos e eventos para subsidiar o debate
38
, contudo, o governo não
considerou tais contribuições.
Pelo contrário, não havia interesse por parte dos governos FHC em enfrentar
tais discussões, uma vez que o mesmo demonstrou total apoio às organizações, a
exemplo da criação da Lei 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre o
serviço voluntário; da Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, conhecida como lei da
privatização ou, ainda, lei de Bresser que dispõe sobre a “qualificação de entidades
como organizações sociais”; da Lei 9.732 de 11 de dezembro de 1998, a
chamada “lei da filantropia” que altera requisitos para fins de isenção da contribuição
à Seguridade Social, dirigida às entidades filantrópicas; e posteriormente, a criação
das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP’s (Lei 9.790 de
24/03/1999) que propôs a não-interferência no regime de isenções através do
Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS).
Todas essas legislações, apesar de diferentes e de terem percorrido
trajetórias diversas nos processos constitutivos, normatizam determinada relação
Estado/ sociedade ou parceria, tratando do desempenho de ações no campo das
políticas públicas e do acesso de organizações sem fins lucrativos aos recursos
38
Quanto às pesquisas, destacam-se: “Cidadania ou filantropia: um dilema para o CNAS”,
coordenada pelo Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC/SP; “Entidades de Assistência
Social”, Relatório Final de Consultoria ao CNAS, por Vicente de Paula Faleiros; “Filantropia e
contribuição social”, Relatório MPASCEPAL, por Celso Barroso Leite; levantamentos realizados pelo
INSS e Receita Federal sobre as isenções fiscais. Quanto a fóruns de debate, destaca-se a Oficina
de trabalho sobre entidades e organizações de Assistência Social (Brasília, 17/09/1997) (Gomes,
1999, p. 99).
119
públicos, direcionadas à redução do papel do Estado no que tange às políticas
sociais (Gomes, 1999).
Para fazer jus ao CEBAS, as entidades devem fazer uma aplicação anual de
gratuidade de pelo menos 20% de sua receita bruta. Mas o maior debate era travado
contra as instituições de saúde e educação que recebem o CEBAS, uma vez que as
mesmas deixam de contribuir com a cota patronal da Previdência Social de seus
empregados, dentre outras isenções fiscais (Pinheiro, 2008).
O mero de entidades da assistência social representa quase 60% do
total das entidades detentoras do Cebas, elas representam apenas 13% do
valor estimado da imunidade relativa à Contribuição Patronal. As entidades
de educação e saúde, que juntas somam 41% do total das entidades
detentoras do Cebas, apropriam-se de 87% do benefício estimado (IPEA
apud Pinheiro, 2008, p. 31).
Possuidoras do CEBAS, as entidades estão isentas de pagar uma série de
impostos e contribuições sociais como Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ),
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para Financiamento
da Seguridade Social (COFINS), além de isenções locais nos estados e municípios.
Alguns dos momentos mais tensos dentro do Conselho acontecem no
processo de eleição da sociedade civil. Revela-se, assim, uma disputa de assentos,
principalmente para os grupos que têm o CEBAS como perspectiva a defender. De
acordo com análise de Pinheiro (2008), verifica-se que o quadro da representação
no CNAS não tem se alterado muito desde 1998 com mudanças substanciais.
Diante destes dados, compreende-se a disputa travada por estas entidades
detentoras do CEBAS dentro do CNAS para que não haja empecilhos que venham a
inteferir em seus interesses privados. Portanto, que se destacar que estas o
questões (ditas como as mais candentes pelo IPEA, no campo da assistência social)
que se constituem em entraves para o processo de consolidação da assistência
social em política pública defensora de direitos e do controle social.
120
Um agravante é o fato das entidades prestadoras de serviços, principalmente
as de saúde e educação, não terem participado da conquista da LOAS,
desconhecendo a luta e a própria LOAS. Além disso, existe também um grupo de
entidades filantrópicas que carregam uma tradição assistencialista, conservadora e
umagica “privatista” que contribuem com a reprodução da lógica tradicional do uso
privado da “coisa” pública.
Mas deve-se sinalizar que a sociedade civil não é um todo homogêneo.
um grupo, que foi sinalizado, de entidades de assistência com uma visão
conservadora e tradicional de assistência como assistencialismo; outro representado
por partidos, sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais (a exemplo
do CFESS) que em geral defendem a visão da assistência social como política
pública; outros que atuam na defesa dos interesses públicos sobre os privados e
que pautam sua atuação na democracia participativa, na defesa de direitos, rumo a
reformas qualitativas e substantivas do Estado (a exemplo da ABONG). Além disso,
vários tipos de Organizações não Governamentais (ONG’s), além de empresas
que estão incluídas nesses diversos grupos de acordo com os seus interesses e sua
ideologia.
Com relação à participação das ONGs no CNAS, foi possível notar uma
polarização entre organizações de defesa de direitos e assistenciais, uma vez que
as ONGs compõem um universo heterogêneo, marcado pela diversidade de visões
políticas.
Destacamos essa relação entre o Estado e a sociedade civil no âmbito da
política de assistência social, uma vez que é a correlação de forças estabelecida por
esta relação que irá, muitas vezes, determinar as mediações e as futuras
121
formulações da mesma. E o espaço do CNAS também se concretiza em espaço
relevante neste processo.
Os conselhos têm um papel preponderante no processo de formulação e
controle da política de assistência social. Neste sentido, é preciso conhecer este
espaço como uma arena de conflitos e negociações estabelecidas pela relação entre
os representantess da sociedade civil e do governo para compreender as
correlações de forças existentes que fazem avançar ou recuar no âmbito desta
política.
Cabe aos conselhos intervir nas proposições governamentais e aprovar, ou
não, a proposta governamental e as suas ações, tendo, portanto, o direito e
obrigação de deliberar e controlar as ações governamentais. Dentre as decisões
mais importantes que cabem aos conselhos dizem respeito à formulação, aprovação
e implementação da Política Nacional de Assistência Social, causando impacto na
natureza, ampliação e cobertura desta política (Boschetti, 2001).
É relevante ressaltar que foram dados importantes passos para materializar a
política de assistência social como política pública que foram possíveis avanços
pelas discussões no espaço do CNAS. Foram avanços que dizem respeito à
questão das entidades beneficentes de assistência social e a certificação das
mesmas.
Finalmente, a partir da gestão do CNAS em 2004, começa um debate para
regulamentar o 3º artigo da LOAS. Após anos de luta para que isto se concretizasse,
as entidades e organizações de assistência social são regulamentadas pelo Decreto
6.308 de 14 de dezembro de 2007 (que dispõe sobre as entidades e organizações
de assistência social de que trata o art. da Lei 8.742, de 7/12/1993) após a
122
Resolução 191/ 2005 do CNAS
39
. O decreto define as características essenciais
dessas entidades e o campo de atuação quanto ao atendimento, assessoramento,
defesa e garantia dos direitos dos usuários. Assim, o decreto permitiu delimitar mais
o campo da assistência social e colaborar para tornar o processo de isenção mais
rígido.
Um segundo momento de tensão na discussão política importante no CNAS
concentrou-se na definição dos novos rumos para a certificação de entidades
beneficentes que gerou pontos consensuais e um conjunto de recomendações que
foram entregues aos Ministérios envolvidos: Ministério da Saúde, Ministério da
Educação e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Tais proposições resultaram no Projeto de Lei nº 3.021/2008, conhecido como
PL/CEBAS, em tramitação no Congresso Nacional. Este projeto de lei dispõe sobre
a certificação de entidades beneficente e regula os procedimentos de isenção de
contribuições para a seguridade social. De acordo com o anexo anteprojeto de lei, o
presente projeto de lei tem os seguintes objetivos:
a) estabelecer os requisitos para a caracterização e certificação das entidades
beneficentes de assistência social;
b) repartir a competência para a certificação das entidades beneficentes entre os
Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome, conforme a entidade requerente atue na área de saúde, de educação e de
assistência social;
c) estabelecer os requisitos e a forma para que as entidades certificadas como
beneficentes de assistência social gozem da isenção das contribuições para a
seguridade social; e
39
Institui orientação para regulamentação do art. 3º da LOAS.
123
d) redistribuir os processos de concessão e renovação do Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social - Cebas pendentes de julgamento no âmbito do
Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e do Ministério da Previdência
Social aos Ministérios competentes, conforme a área de atuação da entidade
requerente.
Com relação à certificação das entidades especificamente de assistência
social, entende-se que elas devem estar vinculadas ao Sistema Único de
Assistência Social – SUAS, com base no que dispõe a LOAS e o Decreto
6.308/2007, que regulamentou o art. 3º da LOAS. Além disso, a certificação deve ser
concedida às entidades que seguirem os princípios e diretrizes das políticas públicas
de saúde, educação e assistência social, com vinculação aos Ministérios das
respectivas áreas.
Este projeto de lei permite resgatar a função constitucional do CNAS e romper
com o seu histórico caráter cartorial. Em nota
40
sobre o tema, o GT/CNAS afirma
que o Projeto de Lei resgata e fortalece o papel do Conselho Nacional de
Assistência Social ao retirar dele uma função de gestão que é a certificação.
Esta tem sido uma luta do CNAS, já sinalizada na carta de mobilização
nacional realizada pelo MAS Movimento de Assistência Social nos marcos da VII
Conferência Nacional de Assistência Social:
Os conselhos tem como principal função a deliberação, controle social e
fiscalizações das ações. Assim, propõe-se retirar dos conselhos tarefas
burocráticas, de gestão, como a análise de documentação de entidades e
as chamadas ações cartoriais, que desviam os conselheiros de suas
atividades principais - discutir a política pública, a qualidade do atendimento
dos programas aos usuários e o controle social, a garantia do acesso a
direitos (VV. AA, 2009).
40
Site www.mds.gov.br/cnas acesso em 23/09/2008.
124
Dentre outras Resoluções importantes do CNAS neste período estão: a
Resolução CNAS nº23/2005, que define quem o os trabalhadores da assistência
social; a Resolução nº. 24/2005 que estabelece a representação dos usuários nos
conselhos de assistência social; a Resolução CNAS 237/2006, que estabelece as
Diretrizes para a estruturação, reformulação e funcionamento dos Conselhos de
Assistência Social; a Resolução CNAS 53 /2007, que aprovou o Plano de
Acompanhamento e Fortalecimento dos Conselhos de Assistência Social.
Porém, o CNAS não se constituiu apenas em espaço para discussões
políticas que resultaram em avanços. Também a partir de 2004, começa uma
investigação da Polícia Federal denominada “Operação Fariseu”, após denúncia de
uma entidade que levantou suspeita sobre solicitação de propina por parte do
presidente do CNAS, Carlos Ajur, para aprovação da renovação do CEBAS. Mais
um escândalo para o histórico do CNAS envolvendo as entidades filantrópicas
41
.
De acordo com entrevistada para esta pesquisa, estas denúncias
praticamente foram as mesmas que aconteceram em 1993 e que acabaram
convergindo na aprovação da LOAS. Desta vez, quinze anos depois, essas
denúncias não tiveram força para mudar. Pelo contrário, em contraposição ao PL
3.021/ 2008, em novembro de 2008, o Governo encaminhou ao Congresso uma
medida provisória (nº 446/2008) que dispõe sobre a certificação das entidades
beneficentes de assistência social e regula os procedimentos de isenção de
contribuições para a Seguridade Social.
Esta medida provisória concede renovação automática do CEBAS para
entidades cujos pedidos não foram analisados, cancela recursos da Receita contra
41
Atualmente, cerca de 60 instituições (de saúde e educação) ainda estão sendo investigadas pela
Polícia Federal e seis pessoas ligadas ao CNAS foram presas em março de 2008: o ex-presidente do
conselho Carlos Ajur Cardoso Costa, os conselheiros Márcio Ferreira e Euclides da Silva Machado,
os advogados Ricardo Vianna Rocha e Luiz Vicente Dutra e a secretária de Dutra, Andréa Schran.
(Éboli, 2008).
125
entidades com indícios de irregularidades e concede certificados para entidades que
recorreram de pedidos negados. Com isso, pelo menos 2.274 entidades tiveram
seus certificados renovados automaticamente e a Receita Federal poderia cobrar
dívidas dentro de um prazo de cinco anos, e de entidades cujo certificado foi
cancelado (Boletim Comexleis, 2008).
A MP 446 permitiu que as entidades filantrópicas, que tinham processo na
justiça, legalizassem sua situação em conjunto com aquelas que tiveram seus
registros negados regularmente promovendo uma renúncia fiscal de bilhões de reais
por ano, ao isentar essas entidades do pagamento de contribuição previdenciária
patronal e de outros tributos (CSLL, PIS, Cofins)
42
.
Tal medida provisória se contrapõe aos avanços apontados anteriormente
principalmente com relação à regulamentação do artigo da LOAS. Isto expressa
uma situação tensa em torno da política de assistência, uma vez que revela os
diferentes interesses e projetos em disputa. Como coloca um dos entrevistados para
esta pesquisa:
É aquilo, o governo morde, assopra, morde, assopra, entendeu? Então na
verdade ele não mexe estruturalmente no que deveria ser a política
(entrevistado 5).
É preciso que se coloque em questão a existência destas entidades na
prestação de serviços no campo da política de assistência social. Sem
desconsiderar algumas entidades que têm um trabalho comprometido com a lógica
do direito e a defesa da assistência social como política pública, o que tem se visto é
uma total falta de compromisso com a assistência social como política pública de
proteção social por parte destas entidades, que possuem um interesse explícito e
42
A MP foi rejeitada pelo ato do Presidente da Câmara dos Deputados em 10 de fevereiro de 2009,
publicada em D.O.U. em 12 de fevereiro de 2009.
126
particular no recebimento do CEBAS, em detrimento do comprometimento com o
fortalecimento da política como direito. Além disso, a continuidade da prestação de
serviços pelas entidades faz com que os usuários destes serviços ainda confundam
assistência com filantropia e favor, uma vez que não expressa nitidamente para
estes usuários que aquele serviço é realizado com recursos públicos, com
orçamento público, portanto, um direito. Essa relação simbtica entre público e
privado torna-se um grande empecilho para fazer avançar a política de assistência
social e o SUAS não estabeleceu nenhuma tentativa de alterar este quadro, pelo
contrário, reforça através da parceria Estado e sociedade civil como um de seus
eixos estruturantes.
Também não há uma total transparência com relação ao repasse de recursos
públicos a estas entidades e de que forma os mesmos estão sendo utilizados, uma
vez que a fiscalização destas ações, por parte do Estado e da sociedade em seu
conjunto, é muito frágil, possibilitando inclusive meios para uma utilização de forma
irregular.
É preciso que haja uma capacitação sistemática junto aos conselheiros do
CNAS aliada à mobilização social organizada, garantindo a participação dos
usuários nos processos de decisão para que se concretize o controle social da
política de assistência social no campo dos direitos de forma democrática.
3.2 ELEMENTOS DETERMINANTES E PRINCIPAIS PROTAGONISTAS NA
ELABORAÇÃO DA PNAS/SUAS
127
Durante o primeiro ano do governo Lula, como afirma Boschetti, “a assistência
social continuou órfã de uma institucionalidade que a afirmasse como política pública
e direito social” (2004: 19), mesmo depois da mudança do nome do Ministério da
Assistência e Promoção Social para Ministério da Assistência Social. A equipe que
compunha o ministério no início do governo, em 2002, liderada por Benedita da
Silva, não estava afinada com a histórica luta de construção da assistência como
política social, associando assistência social e filantropia.
A partir das entrevistas realizadas para esta pesquisa, foi relatado pelos
protagonistas deste estudo que setores vinculados ao PT que tinham um
compromisso histórico com a política de assistência social enquanto política pública
de direito desde a elaboração da LOAS começou a se articular para combater, mais
uma vez, uma política de governo que reeditava a lógica do favor atrelada à
assistência social, na tentativa de alterar o quadro atual. Esta necessidade de
mudança partia, inclusive, de gestões de estados e municípios, fator que colaborou
para o fortalecimento da luta.
Em dezembro de 2003, convocou-se uma conferência “extraordinária”, a IV
Conferência Nacional de Assistência Social, que teve um simbolismo muito grande
para a política de assistência social, uma vez que possibilitou a discussão para
aprovação de uma nova política nacional e uma nova proposta de gestão, o SUAS.
A partir de 2004, recompõem-se forças políticas no âmbito do governo. O
Ministério de Assistência Social, em conjunto com o Ministério Extraordinário de
Segurança Alimentar unificaram-se dando lugar ao Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS). Uma nova equipe, composta por parte dos
militantes defensores da assistência social como política pública já sinalizados, que
começava a se mobilizar com mais veemência e que participou da IV Conferência,
128
vinculada historicamente às lutas democráticas e coletivas em defesa do direito à
assistência social no Brasil passa a assumir parte dos cargos de responsabilidade e
de gestão na Secretaria Nacional de Assistência Social.
No governo Lula com Benedita, nos dois primeiros anos, se avançou
pouco. Ana Lígia era presidente do CFESS, Márcia Lopes de Londrina,
Márcia Pinheiro, são pessoas chaves com uma acessoria forte da Aldaíza
Sposati também como gestora em São Paulo. Logo após Benedita, esse
grupo que assume a gestão ganha impulso (entrevistado 2).
Este grupo foi sendo formado por um movimento que foi gerado desde a
elaboração do projeto de lei para a regulamentação da política de assistência social,
composto por militantes (principalmente vinculados ao PT); profissionais da área,
dentre eles, assistentes sociais; conselheiros; trabalhadores; e pesquisadores
doutores e mestres vinculados principalmente aos núcleos de pesquisa da PUC/SP
e UnB.
O mesmo foi se ampliando após a promulgação da LOAS e participando de
processos de luta para a implementação da mesma lei. Dentre estes sujeitos
políticos protagonistas da luta pelo reconhecimento da assistência como política
pública, estão os assistentes sociais, que enlaçaram a história de seus avanços
profissionais com a história do PT
43
tendo como referência, o III Congresso Brasileiro
de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo, em 1979, conhecido como o
“Congresso da Virada”. Na época, a presença de Lula nesse evento da categoria foi
fator importante para ampliar a adesão por parte de profissionais do Serviço Social
ao PT, uma vez que os ideais postos tanto pelo partido quanto por este segmento
profissional convergiam para uma luta que se travava contra a ditadura e o
conservadorismo.
Alguns assistentes sociais que participaram deste movimento contribuíram
posteriormente para a construção da Constituição Federal de 1988, para o atual
43
Como analisam Netto (2004) e Braz (2004).
129
projeto ético-político da profissão, para a Lei Orgânica da Assistência Social, além
das demais políticas públicas e conquistas legais (Lei Orgânica da Saúde, Estatuto
da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, etc).
Parte dos militantes do PT, também participaram do Setorial Nacional de
Assistência Social do PT, que elaborou um relatório (Martins e Paiva, 2006) após
reunião ampliada do Setorial realizada em Brasília no dia 28 de novembro de 2002
44
.
O relatório condensa as discussões temáticas e as análises qualitativas
referentes à implantação da LOAS, apresentando propostas. Expressa tamm que
na trajetória do Setorial de Assistência Social, desde 1994, vários movimentos
estratégicos foram organizados na perspectiva de consolidar a direção para a
política de assistência social nas administrações petistas. Tal movimento deixou
claro ao final do relatório que acreditavam que, com o governo Lula, não estariam
mais “remando contra a maré”.
É importante lembrar que, através da pesquisa realizada por Boschetti (2001),
uma análise sobre a atuação do Poder Legislativo no processo de implementação da
LOAS, especificamente sobre os projetos de lei em tramitação na Câmara dos
Deputados, demonstrou que poucos se interessaram em apresentar projetos
relativos à assistência social no período de 1994 a 2001. Porém, a autoria dos
projetos apresentados foi, em sua maioria, de deputados do PT, com o objetivo de
ampliar a abrangência dessa política
45
. Também foram dos deputados federais e dos
44
Dentre os que contribuíram para o relatório temos: Valdete de Barros Martins (MS), Beatriz Augusto
Paiva (SC), Aldaíza Sposati (SP), Ana Ligia Gomes (DF), Eloísa Castro Berro (MG), Hilda Correa
(RJ), Ivanete Boschetti (DF), Jorge Marcos Freitas (DF), Lea Lucia Cecílio Braga (MG), Ludimila
D’Ávila Pacheco (DF), Maísa Miralva da Silva (GO), Márcia Bionde Pinheiro (MG), Márcia Lopes (PR),
Maria Norma de Oliveira (SP), Najla Jamile (SP), Neuza Azevedo (RS), Paulo Beck (DF), Simone
Albuquerque (MG) e Tarcisio Zimmermann (RS).
45
No período analisado (1994 a 2001) constatou-se a existência de 72 projetos de lei em tramitação
na Câmara dos Deputados que possuíam alguma relação com a política de assistência social. A
autoria dos projetos de lei foi de deputados de 11 partidos, com concentração nos partidos de
esquerda. O PT, individualmente, era o partido que mais tinha apresentado projetos de lei (33,3%)
(Boschetti, 2001).
130
senadores do PT a maioria dos discursos referentes à assistência social. Isto
significa que já havia, desde a promulgação da LOAS, uma preocupação do partido
dos trabalhadores quanto à discussão do aprimoramento da política de assistência
social.
Com os governos Lula, parte dos integrantes deste grupo de militantes passa
a ocupar cargos governamentais, principalmente a partir de 2004, tanto na esfera
federal quanto nos estados e municípios. Segundo Pinheiro (2008), foram 411
prefeituras governadas pelo PT no país, além da direção da Secretaria Nacional de
Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Assim, o texto normativo da Política Nacional de Assistência Social de 2004
(PNAS/SUAS) é elaborado através de contribuições, pesquisas, estudos, debates e
vivências expressas por muitas vezes em experiências municipalistas, encontros
realizados por integrantes do PT preocupados com a política de assistência social,
debates travados nos conselhos, fóruns e conferências, além dos estudos de
universidades e centros de pesquisa. Um dos núcleos que teve importante influência
neste processo foi o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Seguridade e Assistência
Social da PUC/SP, coordenado pela professora Aldaíza Sposati
46
que na época
ocupava o cargo de Secretária Municipal de Assistência Social de São Paulo.
As experiências dos gestores municipais, de Minas Gerais, com o Programa
BH Cidadania, e de São Paulo através de uma série de programas elencados como
redistributivos, emancipatórios e de desenvolvimento local
47
, tamm foram fonte de
46
O texto intitulado “Contribuição para a construção do Sistema Único de Assistência Social” da
professora Aldaíza Sposati foi publicado na Revista Serviço Social e Sociedade 78, de julho de
2004(a), e apresentado no Seminário da Secretaria Nacional de Assistência Social e posteriormente
em debates nas cidades de Recife, Belém, Belo Horizonte e São Paulo.
47
Os programas redistributivos são: Programa de Garantia de Renda Mínima, Programa Bolsa
Trabalho, Programa Começar de Novo e Programa Ação Coletiva de Trabalho/ Operação Trabalho.
Os programas emancipatórios são: Programa Oportunidade Solidária, Capacitação Ocupacional e de
Aprendizagem em Atividades de Utilidade Coletiva, Programa Central de Crédito Popular (São Paulo
131
inspiração para a construção do texto normativo da nova PNAS, com base nos
conceitos de inclusão social, autonomia e empoderamento.
A partir da ocupação destes cargos governamentais em 2004, configura-se
um quadro em que parte dos sujeitos políticos que lutavam pela política de
assistência social enquanto política pública de seguridade social e que tinham como
horizonte uma sociedade sem classes, iludidos com a possibilidade do ativismo
propiciado pela ocupação de cargos governamentais para elaboração e execução da
política de assistência, transformam-se em militantes conformistas. Netto a este
respeito dirá
Ao possibilismo do petismo governamental tem se contraposto, com
freqüência, a reserva moralista: setores sinceramente da esquerda,
vinculados a movimentos sociais e mesmo ao PT, debitam a passagem da
bravatice ao possibilismo à corrupção de lideranças, à traição de ideais
nobres, à cooptação de dirigentes (2004, p. 18).
Os processos de transformismo e cooptação no governo Lula, apontados por
Filgueiras e Gonçalves (2007), apoiados nas análises de Gramsci, demonstram a
adesão (individual ou coletiva) ao bloco histórico dominante por parte de lideranças
e/ou organizações políticas dos setores subalternos da sociedade (ou daqueles que
os representam), com a revisão de suas antigas concepções e posições políticas.
uma cooptação político-institucional de parcela importante das direções sindicais
e partidárias.
Na verdade, o governo Lula expressa, num sentido político abrangente e
não imediato, a tentativa de constituir a hegemonia burguesa em sentido
mais amplo. Além de procurar soldar ainda mais as diversas frações do
capital, busca obter o consentimento das classes trabalhadoras para um
projeto (ou discurso) ‘social-liberal-desenvolvimentista’.
[...] Daí a necessidade de o governo Lula tentar controlar politicamente os
movimentos sociais e sindical por meio da cooptação material e
ideológica das suas direções. O objetivo é reduzir as tensões e impedir a
autonomia do movimento sindical, dificultando as ações de mobilização e a
construção de um projeto democrático-popular alternativo ao do bloco
dominante (Figueiras e Gonçalves, 2007, p. 190).
Confia). Os programas de desenvolvimento local são: Programa de reestruturação produtiva e
relações do trabalho e Programa Sistema de Alocação Pública do Trabalho (Carneiro, 2007).
132
Desta forma, os ideais não são mais compatíveis com aqueles que deram
início ao processo de luta pelo movimento de esquerda do PT antes da eleição de
Lula. Os sujeitos políticos envolvidos durante este processo decidiram seguir a
orientação política dada pelo novo governo, que preferiu dar continuidade ao mesmo
modelo econômico do governo anterior. É assim que a limitação estrutural das
políticas se “camuflam” através do possibilismo.
Por conta do leque de alternativas, na qual Netto se refere, para possíveis
desenhos da política social, houve um “obscurecimento” da limitação estrutural da
política social. Assim, perde-se de vista o caráter essencial da direção de classe da
orientação macroeconômica do governo petista [e] o estreito marco do
imediatamente possível torna-se o horizonte do ideal” (Netto, 2004, p. 17).
Netto assinala a significativa rapidez com que a categoria profissional
qualificou-se para o protagonismo que vem exercendo no debate da política de
assistência social. Porém, o mesmo ressalta que “se foi um inequívoco avanço no
desenvolvimento recente da profissão, trouxe consigo uma série de riscos que se
explicitaram nos últimos anos” (Netto, 2008, p.11).
Apesar de dizer que tais riscos ainda não foram devidamente reconhecidos e,
menos ainda, analisados com rigor, Netto aponta que alguns deles procedem de
opções de natureza teórica, outros da incorporação de modismos em voga nas
Ciências Sociais e outros derivam de escolhas ídeo-políticas. Porém, o essencial é
que a centralização da profissão no planejamento, na gestão, na execução e na
avaliação de políticas de assistência tem contribuído para constituir o tratamento
efetivo da assistência social como alternativa solucionadora da “questão social”, o
que Mota (2008) denomina como mito da assistência. Esta concepção está atrelada
ao processo de assistencialização da proteção social, já discutido anteriormente.
133
Os sujeitos políticos envolvidos no debate atual da política de assistência
social têm superdimensionado a mesma enquanto política responsável pela
proteção social e pela garantia de redução da desigualdade social, através de uma
perspectiva teórica de integração social e de reconhecimento de vulnerabilidades a
partir da incorporação da lógica de inclusão social, autonomia e empoderamento.
Trata-se de uma estratégia de superação da pobreza com foco nas
dimensões subjetivas relativas a valores e comportamentos, ao investir no
empoderamento das pessoas, no desenvolvimento de sua autonomia, competências
e capacidades de autodesenvolvimento. Dentro desta perspectiva, pretende-se
alterar o cenário da pobreza ao centrar na atenção à qualidade dos laços sociais,
nas condutas e ações que grupos, indivíduos, famílias e comunidades realizam para
lidar com a situação de pobreza e vulnerabilidade.
Carneiro (2007), em consonância com tal perspectiva, aponta alguns
elementos centrais para a “expansão das capacidades dos pobres”, de acordo com
os programas assistenciais que usam da mesma lógica. Dentre eles, a confiança
mútua nas relações que se criam entre os agentes públicos e os destinatários das
políticas de inclusão, uma vez que estas relações são constitutivas e determinantes
da autonomia e dependência destes destinatários; e a ênfase no empoderamento
através de programas que incentivem a participação e o envolvimento das pessoas
nos processos de intervenção.
Fortalecer capacidades, mobilizar e potencializar ativos, desenvolver
iniciativas que favoreçam o incremento do capital social são estratégias
importantes que devem ser levadas em conta para a superação de
situações de pobreza (Carneiro, 2007, p. 80).
Desta forma, a mesma autora coloca que nestes programas é cada vez mais
enfatizada a necessidade de se partir das pessoas e de suas relações para se
buscar estratégias efetivas de superação da pobreza.
134
Ao se partir de um enfoque da pobreza sob o prisma da vulnerabilidade,
exclusão ou capacidades, decorre daí a necessidade ‘lógica’ de se
considerar a questão do empoderamento como fundamento de um modelo
de ação ou como conteúdo central das políticas de proteção (Idem, p. 81).
Carneiro aponta os programas BH Cidadania de Belo horizonte e o conjunto
de programas criados e implementados pela Secretaria do Desenvolvimento,
Trabalho e Solidariedade (SDTS) de São Paulo para exemplificar políticas locais de
inclusão social que tem como estratégias de ação tal perspectiva. Foram estas
experiências municipais que serviram como fonte de inspiração para a construção
da PNAS/SUAS, como já foi apontado.
O objetivo do BH Cidadania é reduzir vulnerabilidades, estimular a
convivência familiar e comunitária, assim como favorecer a autonomia das famílias;
essas metas estão em consonância com a classificação dos serviços
socioassistenciais de proteção social da PNAS: segurança de sobrevivência ou
autonomia, segurança de convívio ou vivência familiar e segurança de acolhida.
O equipamento de referência do programa BH Cidadania foram os NAFs
(Núcleos de Apoio à Família), voltados para o desenvolvimento da autonomia e para
a expansão de capacidades pessoais e comunitárias. Segundo Carneiro (2007), a
relação que os técnicos estabelecem com os usuários é de intensa interação e
altamente personalizada. Além disso, usam a expressão “acolhida” para identificar o
tipo de atendimento que se estabelece entre os mesmos.
Com relação aos programas de São Paulo
48
, a ampliação da autonomia e das
capacidades também é colocada como o centro da estratégia, porém, neste caso,
48
Dentre os programas de São Paulo estão os denominados redistributivos através do repasse
mensal de benefícios para famílias e indivíduos de determinadas faixas etárias, por tempo
determinado, de forma vinculada ao cumprimento de certas condicionalidades; os emancipatórios,
voltados para o repasse de ativos, sob a forma de conhecimentos, crédito, experiências tuteladas de
trabalho e de ação cooperativa; e os de desenvolvimento local, voltados para o âmbito da geração de
oportunidades de trabalho e renda e para a dinamização dos espaços e territórios, a partir do
fortalecimento das cadeias produtivas e intermediação de negócios e de alocação de trabalhadores
autônomos (Carneiro, 2007: 91 e 92).
135
combinada com a transferência de renda e o desenvolvimento local (com forte
ênfase territorial). A estratégia de inclusão tem um elemento que se refere à
preocupação central com a dimensão dos ativos que os indivíduos possuem e que
são necessários para reduzir a condição de vulnerabilidade. Assim, busca-se aliar a
transferência de renda com programas denominados de emancipatórios.
É interessante notar que o objetivo do Programa Operação Trabalho
49
, não é,
de fato, a inserção no mercado de trabalho, mas uma atenção especial voltada aos
que se encontram na situação de desemprego a partir da valorização das
habilidades básicas e da oferta de “estímulos sociais e psicológicos”, voltados para o
enfrentamento das condições depressivas em que se encontram os envolvidos
nessa condição, com uma preocupação com a não-culpabilização do indivíduo por
sua condição de desempregado (Carneiro, 2007).
Tais programas tamm incentivam o empreendedorismo individual e coletivo
através do fomento de programas de microcrédito.
Desta forma, podemos observar que a PNAS/SUAS traz uma concepção de
assistência social que está afinada com prestações de serviços que buscam
alternativas para a superação da pobreza com base em dimensões
comportamentais aliadas à transferência de renda e ao empreendedorismo. Neste
sentido, a saída é encontrada no indivíduo e na comunidade, ao oportunizar ações
de empoderamento e de desenvolvimento de capacidades e habilidades. A situação
da pobreza e do desemprego não é pensada pelo vs de acesso a outras políticas
estruturais e pela inserção no mercado de trabalho, mas por medidas que envolvam
mudanças de comportamento, fortalecimento dos laços de vizinhança, estreitamento
dos laços sociais, maior disposição e capacidade de ação, inclusive para procurar
49
O Programa Operação Trabalho faz parte do grupo de programas denominados de redistributivos,
conforme nota anterior.
136
pelos serviços e pelos direitos. Trata-se de, mais uma vez, responsabilizar o
indivíduo e a comunidade pela situação de pobreza.
Mas não foram apenas essas experiências municipais que inspiraram a
PNAS/SUAS. Experiências de países europeus tamm revelam afinidade com os
conceitos trazidos pela mesma. Ao fazer uma análise dos serviços socioassistencias
brasileiros trazidos pelo SUAS, Muniz (2006) compara a natureza, a tipologia e as
determinações territoriais destes serviços com os serviços socioassistencias de
outros países, verificando verdadeira consonância entre os mesmos. Assim, a autora
busca estudos comparativos especialmente de autores espanhóis (Casado, 1987;
Rubiol, 1883; Aznar Lopez, 1984; Casares, 1987; Canón, 1989; Roman, Pastor e
Bellido, 1996 apud Muniz, 2006)
50
.
De acordo com os diferentes autores espanhóis, a autora sinaliza que os
mesmos distinguem os serviços assistenciais em serviços de atenção primária e
serviços de atenção secundária. Os primeiros, também chamados de serviços
primários”, “de atenção geral”, “comunitários” ou “básicos”, são aqueles que
oferecem um nível de cobertura básica de conteúdo similar para todos os cidadãos;
e os serviços especializados ou de atenção secundária são aqueles dirigidos a
coletivos caracterizados pela particularidade de suas necessidades, destacando os
serviços especializados destinados a idosos, portadores de deficiência, dependentes
químicos, crianças e adolescentes em situação de risco, portadores de vírus HIV,
etc. Esta classificação acompanha, segundo a autora, no geral, a mesma utilizada
para os serviços das demais políticas, como é o caso da saúde
51
.
50
Existem outro conjunto de estudos que buscam comparar a experiência brasileira com a
portuguesa e francesa: Sposati (org.)(2004b); e Muniz (2005). Também existem estudos que
aprofundam as mudanças recentes na proteção social em países da América Latina: Stein (2005).
51
Ver Muniz (2006).
137
Quanto aos serviços de atenção especializada, a atuação profissional dos
serviços sociais deve ser dirigida no sentido de favorecer a autonomia pessoal,
priorizando a atenção na própria comunidade, articulada a apoios à família,
procurando não desarraigar o indivíduo do seu entorno.
Analisando os conteúdos homogêneos das leis autônomas de serviços
sociais vigentes à época na Espanha (1987), Roman, Pastor e Bellido
(1996) concluíram que as necessidades básicas reconhecidas como
direitos sociais para toda a população são: informação e orientação, um
entorno de convivência adequado e integração social. Conseqüentemente,
as prestações comuns que deverão ser garantidas pelos serviços sociais
municipais são: ‘informação e orientação’, ‘ajuda em domicílio, alojamento
e convivência’ e ‘prevenção da marginalização e inserção social’.
Como ‘equipamentos básicos’, foram estabelecidos os centros de serviços
sociais, os albergues e os centros de acolhida (Muniz, 2006, p. 148).
Com base nessa tipologia dos serviços assistenciais espanhóis, a autora
afirma que existem alguns nexos comuns à proposta de Sposati, apresentada em
1996, relacionada às seguranças que os serviços assistenciais devem proporcionar
a determinadas necessidades ou situações de vulnerabilidade ou riscos,
incorporadas pelo SUAS.
A autora tamm refere-se à Maria do Carmo Brant de Carvalho ao dizer que
a mesma adota uma classificação que objetiva agregar os serviços com base no
conceito de proteção social a pessoas em situação de risco pessoal ou social o que
leva a autora a concluir que o SUAS incorporou a terminologia rede de proteção
básica” e “rede de proteção especial” na mesma linha da proposta espanhola, similar
à de Carvalho.
Muniz tamm lembra que rios países europeus têm uma preocupação
com a distribuição espacial, demográfica e administrativa dos serviços
socioassistenciais, organizando-os territorialmente e sendo geridos pela
administração municipal com base em equipes que podem deslocar-se, em forma de
grupos móveis, situados em equipamentos próprios ou partilhados com outros
138
serviços. Assim, a autora exemplifica com a organização territorial da Itália, da
França, da Inglaterra e do País de Gales, afirmando que no Brasil, o SUAS tamm
adota a princípio de territorialização para a função da proteção social básica.
A autora tamm afirma que analisar a assistência social pela ótica das
necessidades que a população lhe apresenta significa concebê-la como uma política
com conteúdo específico, com um campo de provisão próprio.
Isto significa a ruptura com as formas de concebê-la como política
transversal às demais, delas processante, ou ainda uma política voltada
exclusivamente para a pobreza. Em outras palavras, significa colocar a
assistência social no mesmo patamar das demais políticas, e não como
sendo de caráter supletivo ou complementar (Muniz, 2006, p. 148).
Mais uma vez temos uma concepção de assistência social enquanto uma
política estrutural, uma vez que não se aceita que a mesma seja uma política
transversal ou complementar às demais.
Carvalho (2006), em artigo sobre a PNAS/SUAS, refere-se a um avanço com
relação ao refinamento de conceitos que afirmam a assistência social enquanto
política pública de seguridade social que ela chama de reconhecimento político e
conceitual da política. Afirma que na conjuntura contemporânea tornou-se viável o
aumento exponencial de demandas por proteção social que alçou a assistência
social ao status de fundamental.
Essa afirmação pareceria colocar a política de assistência social como política
estruturante da proteção social, uma vez que é pensada como solução para as
seqüelas da questão social.
Alçar a assistência social ao campo dos direitos não significa tratá-la como
política fundante da proteção social. Porém, percebemos através de artigos
publicados sobre o SUAS
52
, que estamos diante de um discurso ufanista de “efetivar
52
Principalmente nos artigos da Revista Serviço Social e Sociedade nº 87, 2006.
139
direitos” e de encontrar tal efetividade em determinada conjuntura política, onde
acredita-se que o fato da política de assistência social se concretizar como direito,
representa um grande avanço. Sem negar que seja, é importante sinalizar que não
se pode tratar este avanço como a solução da desigualdade social.
Como bem coloca Santos,
[...] os complexos do direito e da política não possibilitam apreender o
modo deste sistema [capitalista] produzir desigualdade, que se caracteriza
não como acidente de percurso, desvio ou resultado de crise conjuntural,
mas resulta das condições concretas do sistema de produção e reprodução
do capital, é constituinte do seu modo de ser. Faz sentido, então, a
assertiva de que, em Marx, o Estado não é o demiurgo da sociedade civil e,
neste sentido, a política e o direito são complexos determinados e não
determinantes da sociabilidade (2007, p. 27).
Assim a autora lembra que,
Sob a édige da sociabilidade do capital, os direitos são proclamados
mediante uma concepção abstrata de universalidade. Vigora uma
desigualdade estrutural no processo de produção e reprodução da
sociedade. Isso porque é própria, do metabolismo de reprodução do
capital, a contradição entre os interesses particulares e os interesses da
humanidade. O reconhecimento dessa contradição não significa admitir
nenhum tipo de desvalorização da luta por direitos. Ao contrário, trata-se de
dismistificar a ideologia dominante quanto à possibilidade de acontecer,
nesta sociedade, a realização do interesse de todos (Idem, p. 26).
Menezes (1998), ao fazer uma leitura crítica da produção acadêmica
acumulada sobre a política de assistência, difundida no país no âmbito das Ciências
Sociais e do Serviço Social, apontou duas tendências, ou o que ela chamou de
armadilhas, fundamentais identificadas nesta literatura: uma de apreender o capital
“sob o ângulo das relações técnicas de produção”, tendo como contrapartida a
naturalização das relações de produção capitalistas e, por outro lado, a moralização
dos males sociais; a outra no que se refere ao politicismo, de “enfeixar soluções na
órbita da potica”, autonomizada da economia.
A saída para a pobreza tende a ser vislumbrada exclusivamente através da
construção de identidades coletivas, de novas formas de sociabilidade que
dêem sustentação a uma moderna concepção de cidadania, mantida
intocada a organização do mundo do trabalho. Tal politicismo resvala, no
caso em questão, em um receituário para a alteração das políticas sociais
assistenciais encurralado no ‘reformismo institucional’, de ‘viés técnico-
140
burocrático’, traduzido em propostas de ‘reforma administrativa’ como
solução para as ações voltadas para o combate à pobreza. [...] Esse viés
burocrático-institucional da análise perpassa, inclusive, propostas de cunho
progressista e social-democratas no confronto com o neoliberalismo
conservador (Menezes, 1998, p. 11).
Desta forma, a autora coloca que nestas produções analisadas constata-se
uma omissão da articulação entre o econômico e o político e chegam à errônea
suposição de que direitos e cidadania estão ligados à expansão dos serviços
assistenciais, ao enfocar estas políticas sob a ótica restrita da distribuição e da
reprodução. Assim, desvincula-se as políticas assistenciais das particularidades do
desenvolvimento social brasileiro e sua relação com a socialização do trabalho ao
centrar apenas no idealismo do Estado. Isto também significa que os fenômenos
políticos, bem como a distribuição, são apreendidos e explicados sem relação
orgânica com o modo de produção em que se manifestam.
A solução encontrada por tais pesquisadores se resumem na expansão, de
forma democrática, de serviços e benefícios assistenciais mediante mecanismos
desburocratizantes e descentralizadores, além de buscar um desfecho nostálgico-
moralista na procura da eficácia da assistência ao se remeterem ao fortalecimento
de vínculos de solidariedade e de vizinhança, referindo-se a paradigmas que
incorrem na inversão da objetividade em subjetividade.
Também ao fazerem da sua opção teórica uma opção imanentemente
política, acredita-se na superação do caráter marginal da assistência no conjunto
das políticas sociais ao torná-las oficiais e reconhecidas através de uma reforma
administrativa que descentralize e descontraia os poderes de decisão,
democratizando o Estado. Ou seja, trata-se de uma concepção de concebe o Estado
como um instrumento suscetível de superar as contradições.
[...] o ‘tratamento’ se restringe a identificar desvios e ajustamentos pela
operação metodológica ‘de explicar o particular concreto pelo universal
141
abstrato’. Redundando, em expressão de Lukács, numa ‘epistemologia de
direita e ética de esquerda’ (Menezes, 1998, p. 50).
Esta análise realizada pela autora mostra o quanto torna-se atual e afinada
com as concepções trazidas para a formulação da nova PNAS/SUAS. Há uma
superestimação da política de assistência, posta como solução para a superação da
pobreza e da constituição do excluído em cidadão de forma totalmente indissociável
da questão do trabalho. De acordo com um dos entrevistados para esta pesquisa,
trata-se de confundir a assistência social com proteção social através de uma
perspectiva teórica de integração social, de reconhecimento de vulnerabilidade, a
partir de uma importação simplista de conceitos franceses.
Estamos diante de um viés técnico-burocrático e politicista onde “garantir
transparência da verba pública”, definir formas de transferência de recursos” ou
“classificar serviços socioassistenciais” o as saídas encontradas para fazer
avançar a política de assistência social através de um governo que permita garantir
estratégias democráticas para alçar a assistência no campo dos direitos. Assim,
trata-se apenas de opor assistência ao assistencialismo, avançar na definição do
conteúdo substantivo dos direitos e aprimorar a organização da política de
assistência e seu campo operacional sem questionar o lugar que a mesma ocupa no
atual sistema econômico e político.
Através de alguns artigos podemos constatar como aquele grupo referido,
que acompanha a construção da política de assistência social no país, depositou
grande expectativa de mudança neste campo com a eleição de Lula para presidente
da República e com a ocupação de integrantes do grupo em cargos governamentais.
Tamanha satisfação está expressa no artigo de Márcia Lopes, que assumiu o cargo
de Secretária Nacional de Assistência Social em 2004 e posteriormente, Secretária
Executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome:
142
A convocação extraordinária da IV Conferência Nacional de Assistência
Social pelo presidente Lula, em dezembro de 2003, recolocou, de saída, a
legitimidade e importância da instância máxima de deliberação da política e
começou a particularizar esse novo tempo e a recondicionar as
expectativas contidas [...]
[...] Estava lançada, portanto, uma nova e ousada agenda política e de
política para o país, com um vel de complexidade e exigências
conhecidas por todos os precursores dessa luta que atravessa os anos
(Lopes, 2006, p. 79-80).
Assim, constata-se que parte deste grupo, mobilizado pela luta da assistência
no campo dos direitos foi levado por um vasto empreendimento ideológico de cunho
moralizador e conservador sob à ética de esquerda. Atualmente, nos governos Lula,
os discursos progressistas e práticas que vão desde o reforço do funcionalismo
público à prestação de benefícios e serviços como direitos do cidadão forjam tais
medidas conservadoras. Isso torna o quadro atual ainda mais complexo e perverso.
Através de uma análise desta nova PNAS, podem ser observadas algumas
brechas para entrada de concepções conservadoras e moralistas, tais como: a
parceria do Estado com a sociedade civil, a “responsabilização” da família frente à
questão social, a discussão da vulnerabilidade social dissociada da desigualdade
social e o pragmatismo expresso na preocupação com a operacionalização da
política sem pensar na sua própria lógica. Tudo isso “camuflado” pelo discurso
de transformar em ações diretas os pressupostos da Constituição Federal
de 1988 e da LOAS, por meio de definições, de princípios e de diretrizes
que nortearão sua implementação, cumprindo uma urgente, necessária e
nova agenda para a cidadania no Brasil (Brasil, 2004, p. 8).
Assim, trata-se de pensar tamm a formulação desta política como fruto da
incidência deste grupo, composto inclusive por assistentes sociais legitimados pela
luta no campo da assistência e pela produção acadêmica na área, levados pelo
possibilismo e pela nova roupagem das orientações governamentais
53
.
53
Sem esquecer de incidências que dizem respeito à própria racionalidade burguesa, ao conteúdo
histórico-cultural da assistência, à conjuntura política do passado e do presente e as diversas
correlações de forças existentes na formulação da mesma.
143
Recentemente, esses assistentes sociais, ao encontrarem no possibilismo a
venda para seus olhos, festejam a PNAS/ SUAS como resultado de um grande
avanço para a assistência social no país sem que se coloque em debate justamente
a sua limitação estrutural. De fato, existem avanços nesta política que se referem a
sua organização e operacionalização que não podem ser negados. Porém é preciso
atentar para o fato de que a categoria e outros sujeitos políticos da área se limitam a
problematizar aspectos operacionais de forma desvinculada da lógica desta política,
do lugar que ela ocupa no capitalismo contemporâneo e de sua vinculação com as
demais políticas e com uma sociedade de classes.
Ao pensar a incidência do profissional do Serviço Social na formulação e
gestão da política de assistência social, através da sua atuação nos espaços dos
conselhos, seja como representante dos diversos segmentos ou assessores,
articulando-se com a histórica relação deste segmento profissional à militância
partidária (como sinalizado) e às orientações políticas e econômicas adotadas nos
governos Lula, é preciso ponderar alguns elementos.
As modificações do padrão de acumulação e regulação social nos marcos da
chamada globalização da produção dos mercados e dos bens culturais incidem na
profissão, resultando em mudanças no âmbito da demanda, do mercado de trabalho,
das condições de trabalho destes profissionais, agravadas ainda pela contra-reforma
do Estado, marcada por privatizações, terceirizações, flexibilização das relações
trabalhistas, mercantilização, desmonte dos direitos conquistados, radicalização das
desigualdades, medidas de redução da responsabilidade pública no trato da questão
social e redução tamm dos recursos orçamentários (Iamamoto, 2002).
Portanto, é fundamental que se considere que esta profissão
Se configura e se recria no âmbito das relações entre o Estado e a
sociedade, fruto de determinantes macrosociais que estabelecem limites e
possibilidades ao exercício profissional, inscrito na divisão social e técnica
144
do trabalho e nas relações de propriedade que a sustentam (Iamamoto,
2002, p. 18).
Assim, de acordo com a conjuntura política e econômica atual, o assistente
social enfrenta, no seu cotidiano, uma lógica de solidariedade e favor no trato da
questão social, que é histórica e cultural, enquanto uma questão moral ou técnica.
Não podemos nos esquecer ainda que
A naturalização dos processos sociais e a ótica da fragmentação, da
abstração e da formalização estão presentes no Serviço Social, na
totalidade dos elementos que compõe o acervo cultural da profissão: desde
a perspectiva do conhecimento até no âmbito dos valores, objetivos,
práticas, instrumentos e técnicas (Guerra, 2001, p. 271).
A instrumentalidade do Serviço Social, como bem coloca Guerra, enquanto
particularidade sócio-histórica da profissão, é pensada no que diz respeito
à sua funcionalidade ao projeto reformista da burguesia como instrumento
de regulação social [e] no que se refere a sua peculiaridade operatória, ao
aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais frente ás
demandas das classes (2001, p. 284).
Viabilizar o projeto ético-político de forma efetiva e construir uma política
voltada para uma nova ordem societária frente ao cunho ideológico conservador que
permanece e se renova na profissão e dadas às condições reais do trabalho do
assistente social torna-se um desafio.
Pensar o projeto profissional supõe articular essa dupla dimensão: de um
lado, as condições macrosocietárias que estabelecem o terreno sócio-
histórico em que se exerce a profiso, seus limites e possibilidades; e de
outro lado, as respostas técnico-profissionais e ético-políticas dos agentes
profissionais neste contexto, que traduzem como esses limites e
possibilidades não analisados, apropriados e projetados pelos assistentes
sociais (Iamamoto, 2002, p. 19).
Nas últimas décadas, houve um forte embate da profissão com o lastro
conservador que permitiu uma renovação na interpretação teórico-metodológica e
política do Serviço Social brasileiro, que incorpora conteúdos críticos e elabora
respostas mais qualificadas que supera a racionalidade instrumental e a
racionalidade formal-abstrata (Guerra, 2001). É deste avanço, das lutas sociais
145
concretizadas por esta categoria profissional e da compreensão de que as múltiplas
e diferenciadas expressões da questão social não podem ser desconectadas dos
processos sociais contraditórios, da dimensão da totalidade, de sua gênese comum,
que o assistente social deve se utilizar para fazer avançar nas suas mediações. É
preciso lembrar que os projetos profissionais e, assim, o resultado da elaboração de
uma política, refletem a auto-imagem da profissão.
Neste sentido que as diferentes perspectivas de leitura da realidade social e
do significado social do Serviço Social incidem na condução, formulação e
operacionalização de uma política. A PNAS tamm é fruto deste embate político
entre os próprios profissionais e entre os diversos sujeitos coletivos que colaboraram
na reformulação desta política. Assim, temos uma PNAS como expressão da
correlação de forças progressistas e conservadoras que se concretizaram em
avanços, continuidades e retrocessos.
Por entender a existência de forças sociais que polarizam estas diferentes
perspectivas, que não é possível pensar que o assistente social é capaz de efetivar
de forma integral um projeto de acordo com a sua intencionalidade, dadas todas as
condições concretas para seu planejamento e sua implementação. Essas são
condições que envolvem não apenas o embate político e ideológico entre os sujeitos
coletivos, quanto às condições objetivas e subjetivas de trabalho do assistente
social, sua condição de assalariamento, seu espaço sócio-ocupacional, e a
incidência do próprio modo de produção capitalista e do ideário da ordem burguesa.
Ou seja, “é necessário entender as mediações sociais que atravessam o campo de
trabalho do assistente social” (Iamamoto, 2002, p. 25).
Porém, tanto como “executores terminais das políticas sociais”, quanto
formuladores, planejadores, avaliadores e gestores destas políticas, é preciso
146
buscar potencializar as forças favoráveis; combater uma prática “engolida” pelo
cotidiano, pela sua imediaticidade e superficialidade, que desqualifica a teoria e a
direção social dos resultados e que requisita apenas a preocupação com a
eficácia/eficiência destes (Guerra, 2001); investir numa atitude investigativa, visando
respostas adequadas, qualificadas e inovadoras, a favor de seus usuários, tendo
como base o perfil, as necessidades e as lutas sociais dos mesmos. Além disso, é
preciso entender tamm que garantir direitos” não pode se configurar no limite da
nossa intervenção profissional.
É importante desenvolver a capacidade de ver, nas demandas individuais,
as dimensões universais e particulares que elas contêm. O desvelamento
das condições de vida dos sujeitos atendidos permite ao assistente social
dispor de um conjunto de informações que, iluminadas por uma perspectiva
teórico crítica, lhe possibilita apreender e revelar as novas faces e os novos
meandros da questão social que o desafia a cada momento no seu
desempenho profissional diário. (...) Importa ter clareza que a análise
macroscópica sobre a questão social, tal como efetuada acima, expressa
uma realidade que se materializa na vida dos sujeitos. Este
reconhecimento permite ampliar as possibilidades de atuação e atribuir
dignidade ao trabalho do assistente social, porque ele não trabalha com
fragmentos da vida social, mas com indivíduos sociais que condensam a
vida social (Iamamoto, 2002, p. 31).
Neste sentido, é necessário que o assistente social reafirme, através da sua
prática profissional, os avanços trazidos pela PNAS, como por exemplo, a
sustentação da concepção da política de assistência social enquanto direito do
cidadão e dever do Estado, que compõe o tripé da seguridade social; a luta pelo
cumprimento de práticas que estejam de acordo com os princípios e diretrizes
estabelecidos na Lei Orgânica da Assistência Social; o fortalecimento do controle
social a partir de espaços democráticos, como conselhos, conferências e runs,
politizando a participação e propondo estratégias de viabilizar a ocupação destes
espaços. Am disso, faz-se necessário a luta contra aspectos conservadores e
neoconservadores reiterados nesta nova proposta de gestão. Por isso, é importante
147
problematizar os conceitos e concepções trazidos pelo texto normativo da PNAS,
uma vez que os mesmos irão respaldar a intervenção profissional.
Atualmente, tem-se um grande número de assistentes sociais inseridos nos
Conselhos de políticas e de direitos, representando tanto a sociedade civil,
como o poder público, e ainda representando uma variedade de
instituições. Desconhece-se, contudo, o conteúdo ídeo-político de suas
intervenções nesses espaços, daí a importância de se deflagrar um
processo de socialização da agenda ético-política definida pelas entidades
representativas da categoria (Bravo e Oliveira, 2004, p. 20).
Os assistentes sociais também m um papel importante na assessoria
técnica aos conselheiros representantes dos usuários e dos profissionais. A
assessoria é uma demanda que tem sido colocada aos assistentes sociais de forma
cotidiana ou mais pontual, presentes nas reuniões ordinárias ou extraordinárias do
conselho, além dos fóruns de discussão. A capacitação dos conselheiros é uma
demanda que vem sendo absorvida, em sua grande maioria, pelos assistentes
sociais, portadora de uma dimensão técnica, que aborda aspectos do arcabouço
jurídico-legal da política de assistência social, de sua concepção e aplicabilidade na
sociedade brasileira, dos mecanismos de controle social, do orçamento e do
financiamento; e de uma dimensão política, ao fazer das questões estritamente
técnicas tornarem-se questões politizadas (Bravo e Oliveira, 2004).
Depende tamm deste profissional, cumprir o papel da avaliação e
monitoramento da PNAS, criar e fomentar debates que possibilitem ampliar a
discussão teórica em torno da mesma e não apenas no âmbito da sua
operacionalização, estabelecer uma relação com a academia e com as pesquisas
realizadas por esta instituição, capacitar outros profissionais da área que não estão
somente “na ponta”, como nos processos de formulação das políticas, programas e
projetos, dentre outros.
Enfim, com relação às diversas competências do assistente social, a
dimensão técnico-operativa muitas vezes se torna a mais relevante ou exclusiva na
148
intervenção profissional. O que falta é justamente uma maior articulação com as
dimensões teórico-metodológica e ético-política.
3.3. “CONSENSO” NO ÂMBITO DO CNAS
Após a elaboração da primeira versão da PNAS, a mesma foi socializada pelo
MDS
54
e repassada ao CNAS e aos demais conselhos regionais. O texto, portanto,
elaborado no executivo, foi debatido, discutido e reescrito no CNAS, tendo como
insumo os debates públicos.
De acordo com um dos entrevistados para esta pesquisa, esta primeira
versão do texto da PNAS foi amplamente divulgada, inclusive pela internet e
repassada aos demais conselhos. O mesmo afirmou que a discussão em torno da
política de assistência trouxe contribuições inclusive de gestores municipais que
ocuparam cargos de gestores em várias prefeituras governadas pelo PT desde
1992. Tamm núcleos de pesquisa de universidades e órgãos de representação da
categoria dos assistentes sociais fizeram contribuições importantes.
Segundo Pinheiro (2008), em sua tese de doutorado, lembra este grupo não
institucionalizado, denominado como MAS Movimento de Assistência Social e
afirma que o mesmo fez toda a diferença para a construção da nova PNAS/SUAS no
sentido de contribuir para a sua formulação e reflexão.
54
Publicada na Revista Serviço Social e Sociedade nº 78, de julho de 2004.
149
Um dos entrevistados mensiona que as questões mais debatidas sobre a
PNAS foram o controle social por parte dos usuários, a questão do financiamento
(percentual a ser destinado para a política de assistência ) e co-financiamento.
Sobre a relação entre Estado e sociedade civil, a discussão ficou centrada na
participação das entidades governamentais e não-governamenatais no Conselho,
com destaque para a abordagem de incentivar uma maior participação dos usuários,
o que deixava as entidades um tanto recuadas”, uma vez que existiam
representantes de entidades ocupando o espaço da representação dos usuários,
que o os grandes ausentes. O entrevistado não identificou nenhum debate
referente à prestação de serviços por parte da parceria público-privado e da questão
da primazia do Estado.
As discussões e críticas acerca da centralidade da família, da hierarquização
da organização da proteção social em níveis de complexidade, veio em um segundo
momento, através das análises críticas realizadas por profissionais vinculados
formalmente à academia. Tais discussões não foram centrais no âmbito do
Conselho, pois segundo o entrevistado, existe um certo grau de despolitização por
parte das entidades que centram o debate interno nas questões relativas aos
convênios: papel cartorial. A discussão em torno da formulação da PNAS/SUAS, de
acordo com o mesmo, foi realizada pelo grupo de estudos da Professora Aldaíza
Sposati que assessorou e apoiou o MDS.
Outro dos entrevistados tamm sinalizou a despolitização indicando que os
debates não são estruturados, não são orgânicos e não existe uma reflexão coletiva.
Existem interesses convergentes relacionados com a defesa de questões
corporativas relativas às entidades e organizações de assistência: obtenção de
certificado, registro, etc. Dessa forma, as discussões dentro do CNAS ficam
150
centradas na questão do julgamento de processos, ou seja, um procedimento muito
mais normativo e burocrático, cartorial e menos político; enquanto as deliberações, a
centralização da política fica por conta das pactuações federativas, dentro e fora das
comissões intergestoras.
Isto nos remete a pensar nas atribuições do CNAS e das comissões
intergestoras. Tal fato parece indicar que as competências destes órgãos estão
sendo trocadas, uma vez que as deliberações, que são competências dos
conselhos, estão sendo realizadas pelas instâncias de pactuação, assim como o
conselho tem feito um papel mais burocrático que caberia às comissões e aos
próprios municípios.
um terceiro entrevistado apontou que houve um importante debate travado
durante as conferências que provocou uma tensão entre estados e municípios sobre
a responsabilidade de cada ente federativo com relação à questão do financiamento.
Afirmou que nas conferências a discussão ficou mais centrada na questão do
financiamento, colocada pelo mesmo como o ponto de estrangulamento do SUAS.
A questão do financiamento já faz parte de um debate histórico no campo da
política de assistência social, uma vez que se coloca a importância de garantir
recursos para fazer avançar na política e, assim, concretizar, de fato, o SUAS,
principalmente no aspecto da prestação de serviços. Soma-se a essa preocupação
histórica o destaque que hoje adquirem os programas de transferência de renda,
que absorvem grande parte dos recursos financeiros, humanos e de infra-estrutura,
em detrimento de outros programas assistenciais.
De acordo com estudos de Boschetti e Salvador (2006), somente em torno de
4% do orçamento da seguridade social é destinado ao Fundo Nacional de
Assistência Social. Além disso, o Benefício de Prestação Continuada e a Renda
151
Mensal Vitalícia, que se constituem em programas de transferência de renda, juntos,
absorveram 91,67% dos recursos do FNAS em 2004 e 89,14% em 2005.
O mesmo entrevistado tamm sinalizou que nas conferências, o papel dos
conselhos também foi um ponto debatido, uma vez que alguns entendiam que este
papel “passava por fora” do SUAS, ou seja, que os conselhos não deveriam estar
submetidos aos parâmetros do SUAS. Este é um ponto interessante, que alguns
conselheiros, apesar de demonstrarem uma postura a favor do sistema, não
acreditavam que o conselho deveria estar parametrado pelo mesmo.
Situação semelhante foi vivida na época do debate e aprovação da NOB/ RH/
SUAS. Segundo entrevistada, parte dos conselheiros entendiam que os funcionários
das entidades não-governamentais, por não serem servidores públicos, não
deveriam se submeter aos padrões e parâmetros da NOB/ RH, uma vez que estes
executam os programas com recursos públicos.
Deve-se tamm destacar a correlação de forças dentro do CNAS na
discussão da PNAS. De acordo com um dos entrevistados, as questões em torno da
PNAS/SUAS eram discutidas anteriormente pelos representantes governamentais
para serem trazidas posteriormente para o Conselho com mais sustentação e força.
Isto poderia indicar a preocupação dos órgãos governamentais em levar as questões
para o conselho como uma decisão única, consensuada, limitando e controlando
possíveis divergências.
[...] antecedendo as plenárias do conselho, ocorreram reuniões do grupo do
governo federal, presentes em Brasília. Através desse processo, a
construção de consensos foi facilitada na explicitação das propostas.
Ainda significativa foi a presença freqüente dos representantes máximos da
gestão, como o Ministro do MDS, a Secretária Executiva e o Secretário
Nacional de Assistência Social (conselheiro titular), em momentos de
decisões, de recomendações e mesmo de congratulações. Os membros
governamentais sentiam-se então respaldados e a maioria da sociedade
civil ali representada tamm (Pinheiro, 2008, p. 90-91).
152
Com relação à sociedade civil, havia um grupo mais crítico que questionava a
direção com relação ao tempo, alegando que as aprovações estavam acontecendo
de forma muito rápida e com pouco debate. Assim, era preciso discutir mais com a
sociedade. Entretanto, a corrente majoritária sinalizava que era preciso aproveitar
aquele “momento favorável” para fazer andar na política, uma vez que não houve
avanços para a política de assistência na época de FHC e os representantes do
governo no Conselho não sabiam se haveria uma reeleição. Ou seja, os
representantes do Governo entendiam que aquela gestão garantiria a aprovação da
PNAS e tinham dúvidas se a próxima gestão estaria compromissada em realizar tal
tarefa, por isso a necessidade em agilizar tal processo, importante do ponto de vista
da assistência como política pública.
O Grupo de Trabalho denominado GT/PNAS
55
foi constituído pela Resolução
78, de 22 de junho de 2004, para discutir e elaborar o texto final da PNAS. A
PNAS/SUAS foi apreciada e aprovada por unanimidade no CNAS em 22 de
setembro de 2004.
De acordo com a ata do CNAS referente ao mês de setembro de 2004, a
proposta de encaminhamento da discussão da PNAS apresentada pela presidente
do CNAS, Márcia Pinheiro, feita pelo GT de Política, foi a de apreciar a avaliação
feita pela Plenária Ampliada durante as reuniões descentralizadas e ampliadas do
CNAS em 21 e 22 julho de 2004 na cidade de Aracaju e em 21 e 22 de setembro de
2004 no Distrito Federal, e a aprovação da política com posterior inclusão dos
55
O GT/PNAS foi composto pelos seguintes representantes: Conselheira Regina Celeste Bezerra
Affonso de Carvalho, do Ministério da Saúde, Conselheira Márcia Maria Bionde Pinheiro, do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Conselheiro Eugênio Guilherme Himmen,
do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, representantes governamentais do CNAS e
Conselheiros Euclides da Silva Machado, da Obra Social Santa Isabel, Conselheiro Marcos Antônio
Gonçalves, da Federação Brasileira de Inclusão Social, Reabilitação e Defesa da Cidadania -
FEBIEX, Conselheiro Ademar de Oliveira Marques, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de
Rua - MNMMR, representantes da sociedade civil.
153
destaques ali discutidos. A aprovação do texto final com estes destaques e estes
acréscimos ficaria para a próxima reunião.
Apenas o conselheiro João Paulo Ribeiro, representante titular da Federação
dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA)
absteve-se em votar sobre o tema e registrou ainda a sua discordância sobre o
encaminhamento proposto, questionando se haveria um outro momento para discutir
sobre a PNAS. Ainda ressaltou que se encontrava impedido por sua Federação de
se posicionar em aprovação ao que está sendo colocado, pois ainda se verifica a
existência de várias áreas de conflito dentro da Universidade Pública, e que estão
sendo realizados debates com os professores de todas as Universidades Estaduais
e Federais, no sentido de fazer com que a Política seja implementada.
Portanto, na análise das atas do CNAS, conforme descrito acima, destaca-se
apenas um posicionamento de enfrentamento ao que estava sendo proposto, com a
fala do representante da FASUBRA, com relação às Universidades Públicas. Isto
significa que só existia uma posição mais combativa ao texto da PNAS por parte das
universidades, posicionamento este que não se verificou em outras representações
da sociedade civil.
Dentre algumas considerações para mudança no texto da PNAS, foram feitas
sugestões para acrescentar alguns elementos principalmente na parte da análise
situacional” da PNAS: o acréscimo de indicadores sociais que demonstram o
reconhecimento da consolidação da Política de Assistência Social após a aprovação
da LOAS; a sugestão ao GT para avaliar se coloca projetos de enfrentamento à
pobreza na proteção sica; a explicitação no texto da articulação dos diversos
outros atores sociais e Conselhos Setoriais; a definição sobre a co-gestão das
154
entidades; necessidade de se resgatar o artigo 195 da Constituição Federal, com
relação ao financiamento da assistência social.
Com relação às novas bases para a relação entre o Estado e a sociedade
civil, um conselheiro se referiu ao texto que dizia que “as entidades prestadoras de
assistência social integram o sistema único de assistência social, não só como
prestadoras complementares de serviços sócio-assistenciais, mas como co-gestoras
e co-responsáveis em garantir os direitos usuais da assistência”, pedindo para
observar a coerência com o que está sendo dito, uma vez que nesta diretriz tem que
está claro o papel da sociedade civil. Assim, o texto aprovado passou a explicitar
que as entidades são co-gestoras através dos conselhos de assistência social e co-
responsáveis na luta pela garantia dos direitos sociais em garantir direitos dos
usuários da assistência social.
Nesta passagem, é importante notar que a concepção colocada anteriormente
sobre o papel das entidades diz respeito a uma parceria entre o Estado e a
sociedade civil que responsabiliza ambas as instâncias como gestoras da política de
assistência social. De acordo com a mudança do texto, esta concepção é alterada
ao se remeter a esta parceria apenas no âmbito do controle social. Porém é a
concepção anterior que é respaldada pela PNAS, quando se coloca que “a
sociedade civil participa como parceira, de forma complementar na oferta de
serviços, programas, projetos e benefícios de Assistência Social” (Brasil, 2004: 51).
Apesar de não termos tido acesso às discussões realizadas dentro do
GT/PNAS, podemos observar nas atas das reuniões ordinárias do CNAS que as
discussões em torno da PNAS se resumem em problematizar alguns aspectos que
dizem respeito aos indicadores trazidos no texto, ao reordenamento de alguns
conceitos, além de aspectos operacionais. Notamos que o conteúdo teórico e
155
conceitual trazido no texto preliminar não foi contestado. Os princípios, diretrizes e
eixos estruturantes do SUAS não foram modificados após passar pelas discussões
do GT/PNAS, bem como na aprovação da Política. Portanto, o aporte teórico da
PNAS foi consensuado pelos conselheiros.
Em todas as entrevistas realizadas foi possível constatar que muitas
entidades de assistência não viram naquele momento de aprovação da política, uma
ameaça aos seus interesses privados, ou seja, não vislumbraram no projeto da
PNAS/SUAS elementos que ferissem o seu funcionamento ou que impedissem a
continuar a receber o CEBAS:
As entidades perceberam que elas poderiam se readequar sem perder de
fato a sua natureza mais essencial. [...] O SUAS não alterou em nada a
realidade das entidades da sociedade civil que de alguma forma recebem
recursos da assistência. [...] Elas continuam fazendo convênios e
recebendo recursos, continuam recebendo certificado de entidade
beneficente de assistência social, quer dizer, o que é que mudou?
(entrevistado 6).
A impreso que eu tenho é que para esses setores isso [a discussão da
política] não é relevante, desde que não afete a redesocioassistencial. Vai
ser relevante se a gente disser que vamos cancelar o CEBAS, vai ser
(entrevistado 5).
Quem defendia os interesses privados não via naquele momento ameaça a
esses interesses, porque estavam definindo a política. Posteriormente é
que eles vão verificar que essa definição da política que permitiu definir o
que era entidade de assistência social, o que não era. Na verdade, a gente
conseguiu aprovar a política por unanimidade (entrevistado 4).
No primeiro momento, a aprovação da PNAS e o SUAS não esbarrou com
os interesses da sociedade civil com relação aos certificados. foi
esbarrar nestes interesses na discussão do artigo da LOAS
(entrevistado 2).
Conforme sinaliza um dos entrevistados, um debate mais tenso com essas
entidades, sinalizado nas entrevistas, ocorreu posteriormente na discussão da
regulamentação do 3º artigo da LOAS, para a definição de entidades de assistência
social, quando realmente interferiu em seus interesses, principalmente com relação
156
às entidades de educação e saúde
56
. A delimitação do campo da assistência social
permitiu que houvesse um rebatimento na questão do CEBAS, principal interesse
dessas organizações.
Com relação à NOB-RH-SUAS, foi realizado o mesmo procedimento durante
o processo de formulação da PNAS e da NOB, de acordo a entrevistada 6: a
proposta encaminhada pelo Ministério ao CNAS foi enviada para os conselhos
estaduais e municipais via e-mail e também para as entidades da sociedade civil
para que os mesmos apresentassem sugestões e alterações naquele documento
preliminar que seria analisado e sistematizado no GT constituído no CNAS para esta
discussão.
O CFESS elaborou um documento retendo considerações sobre aquela
proposta, fazendo várias sugestões que foram elaboradas pelas discussões
realizadas com os CRESS e no encontro nacional CFESS/CRESS, em setembro de
2005, onde a pauta de sugestões foi debatida e aprovada.
No momento da aprovação da NOB-RH-SUAS, o único ponto que teve
polêmica foi a proposta feita pelo conjunto CFESS/CRESS referente aos recursos do
Fundo Nacional de Assistência Social, onde entendia-se que deveria ser utilizado
somente para o serviço e não para o pagamento de pessoal; a proposta indicava
que para o pagamento de pessoal deveria ser criada uma rubrica específica no
fundo chamada gestão do trabalho. Tanto os representantes do Governo quanto a
maioria dos representantes da sociedade civil votaram contra essa proposta. Foram
16 votos contra e somente 2 a favor. Todos os outros pontos foram consensuados.
Comoapontamos, o FNAS tem um orçamento aquém das necessidades da
política de assistência social e utiliza grande parte dos recursos para a
56
A tensão deste debate foi sinalizada por um dos entrevistados, indicando que entidades no campo
da filantropia foram totalmente contrárias à regulamentação do 3º artigo da LOAS, da forma como foi
proposto no PL 3077/08.
157
implementação dos programas de transferência de renda. Com esta nova
deliberação, o pagamento de pessoal também passa a fazer parte dos gastos do
FNAS, aumentando ainda mais a escassez de recursos para a prestação de
serviços assistenciais.
Assim, concluímos que, ao analisar a correlação de forças no CNAS, durante
a formulação e aprovação da PNAS/SUAS: existia um grupo governamental que
entendia que a nova formatação da PNAS/SUAS era um grande avanço para a
política de assistência social para a concretização da mesma enquanto direito; as
entidades assistenciais não viram, naquele momento, ameaça aos seus interesses
particulares, pelo contrário, avaliavam que estavam ganhando notoriedade por fazer
parte de um grupo que estava aprovando a nova política nacional de assistência
social. Por sua vez, os representantes dos trabalhadores do setor e os usuários
pouco expressaram resistência a esta nova formatação da PNAS.
Conforme entrevistado, as entidades mais conservadoras que ocupam o
espaço do CNAS também vão aderindo a esta política, se apropriando de novos
conceitos com base no discurso dos direitos, se readequando a este novo
movimento:
A implementação [da política] vai sendo empapada por este colchão das
partes mais conservadoras, que vai se apropriando dos novos conceitos de
direitos de forma discursiva, desta nova estrutura, se readequando,
incorporando o que está na lei (entrevistado 1).
Desta forma, foi possível verificar um clima de consenso na aprovação desta
nova política; ou, de acordo com um dos entrevistados, uma “conivência”, uma vez
que naquele espaço quase nada foi pactuado.
Se na época da elaboração da LOAS, o resultado desse processo foi uma
“convergência conflituosa” (Boschetti, 2006), com relação à formulação da
PNAS/SUAS, tratou-se mais de convergência do que conflito, uma vez que no
158
primeiro caso houve de fato uma resistência contra a LOAS, diferentemente do
SUAS, que no momento de sua elaboração, não encontrou a mesma situação de
resistência.
A este consenso sinalizado na discussão do SUAS, atribui-se dois fatores.
Um primeiro fator com relação a uma grande necessidade política de reformular a
política de assistência social tendo em vista seu retrocesso durante o governo FHC,
o que ela aponta como uma terra arrasada”. É o que um dos entrevistados chamou
tamm de um processo de “desbotamento” da política. Esta necessidade foi posta
não somente por aqueles que ocuparam o Ministério quanto pelos municípios e
Estados que sentiram os impactos, as conseqüências das medidas adotadas no
governo anterior. Essa situação foi um solo fértil para a criação deste consenso,
tanto no âmbito do governo federal, quanto na sua relação com as entidades da
sociedade civil e na relação com os Estados e municípios.
O segundo fator diz respeito ao reconhecimento político e teórico no Serviço
Social do grupo que elaborou a PNAS, tanto pela sua vinculação ao movimento de
esquerda no PT quanto ao domínio e produção do ponto de vista da assistência
social. Ou seja, um grupo que tinha muita legitimidade na discussão teórica desta
política, comrias produções e debates a respeito do tema:
Então, quando eles assumem o Ministério e se dispõem a estruturar
alguma coisa, eles fazem isso com reconhecimento político, militante, de
uma história de militância de construção do PT, de luta pela
redemocratização do país, de luta pela criação dos direitos, que atribui
legitimidade a esse grupo. E também porque era um grupo que, naquele
momento, tinha mais domínio e produção do ponto de vista da assistência
social. [...] Então, conjugando esses dois fatores, assegurou a este grupo
muita legitimidade para apresentar a proposta e para conseguir construir
esse consenso. Consenso tanto na relação entre governo federal, estados
e municípios, quanto do governo com a sociedade civil no âmbito do
CNAS. [...] Foi adesão de A à Z. (entrevistado 6).
Desta forma, a conjuntura atual tornou-se favorável para o processo de
aprovação da PNAS/SUAS, por este conjunto de fatores que dizem respeito à
159
necessidade de implementação da política de assistência social enquanto direito tal
como preconizado na LOAS, uma vez que este processo ficou “paralisado” na época
do Comunidade Solidária e que encontrou, nos governos Lula, um grupo, legitimado
por fazer parte da luta no campo da assistência, disponível a reformular a PNAS de
acordo com suas concepções, ao ocupar cargos governamentais nesta gestão.
Com relação a uma avaliação sobre a PNAS e o SUAS, posicionamentos
diferentes. Podemos notar, nas entrevistas, que parte dos entrevistados não m
dúvidas de que o SUAS se constitui como avanço para a política de assistência
social, diferentemente do posicionamento de outros que, sem desconsiderar os
avanços trazidos pelo SUAS, tem muitas ressalvas à respeito. Este último declara
que a trajetória da política de assistência se constitui em avanço no sentido de um
arcabouço legal, de um processo de construção, amadurecimento e discussão da
política, porém não acredita que este avanço signifique a expressão daquilo que a
assistência social deva ser no Brasil. Sinaliza tamm que não compartilha com a
concepção de vigilância da exclusão, de vulnerabilidade e de integração social, mas
com uma lógica que trabalhe com uma estruturação local com foco central na
mobilização popular.
As diferentes perspectivas e concepções teóricas a respeito da política de
assistência sempre existiram, mas como se refere um dos entrevistados, as mesmas
foram muito minimizadas em nome da construção da LOAS na época que sofreu
grande resistência de setores conservadores. Porém, de acordo com as entrevistas,
tamm foi possível observar que a equipe que assumiu o MDS e o CNAS de 2004
em diante tinha uma compreensão da assistência social diferente da compreensão
do grupo que tinha apresentado o relatório LOAS+10 durante o primeiro governo
Lula. Por isso, houve um afastamento deste último grupo no âmbito do executivo e
160
do conselho nacional, uma vez que a equipe que assumiu posteriormente tornou-se
mais resistente a concepções divergentes.
O governo também é muito refratário a ouvir crítica, porque o pessoas
que foram nossos companheiros e companheiras de luta no campo da
assistência, da Seguridade, então se sentem muito ameaçados quando a
gente faz crítica” (entrevistado 5).
“Há também uma diminuição do nível crítico e uma dificuldade de
distanciamento para esta análise quando se entra para o governo
(entrevistado 1).
Assim, esta concepção de assistência trazida por este grupo pós-2004,
dominou o debate durante a aprovação da PNAS/SUAS, aliada a uma conjuntura
tamm favorável pela necessidade muito grande de fazer com que a política de
assistência ganhasse um status de direito na prática, o que não ocorreu após
estabelecer esse status legalmente. Porém, talvez este seja o momento para travar
este debate.
É preciso que fique claro que todos lutavam pela assistência social enquanto
política pública no campo dos direitos. Porém existem diferentes concepções e
formas de organizar e administrar a assistência social por parte de profissionais e
pesquisadores da área que precisam ser explicitadas.
Se no âmbito do CNAS e das Conferências Municipais, Estaduais e Nacional
não houve uma crítica ao aporte teórico da PNAS/SUAS, no âmbito da academia
existe este debate que deve ser incorporado nas discussões destes espaços para
fazer avançar a política. Uma tentativa de explicitar este debate em âmbito nacional
foi a realização do Seminário Nacional sobre o trabalho do assistente social no
SUAS, em abril de 2009, organizado pelo CFESS, em conjunto com o CRESS
região e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde tornou-se possível
demonstrar publica e coletivamente as diferentes perspectivas e concepções
teóricas a respeito da política de assistência social e da sua configuração com o
161
SUAS e com seu tratamento no governo Lula. Porém ainda falta uma análise mais
explícita do conteúdo teórico-político trazido pela PNAS, uma vez que, apesar da
existência de um grande consenso em torno do mesmo, há tamm diferentes
posicionamentos e leituras sobre tal conteúdo. Esta é uma discussão pertinente na
medida em que esta nova política e sua proposta de gestão norteiam a prática dos
assistentes sociais, bem como de outros profissionais envolvidos com esta política.
É oportuno destacar que apesar de tratarmos de uma análise crítica ao texto
normativo do PNAS e a nova configuração da assistência social o nos falta o
reconhecimento de alguns avanços constituídos neste período, am do respeito
àqueles que estão engajados nesta luta e que fizeram com que esta nova política
fosse concretizada.
Como aponta Behring (2008), o SUAS é realmente uma inovação. E foi
concebido por conta de um contexto histórico diferenciado daquele em que houve a
promulagação da LOAS, em 1993, que se deu em pleno momento de contra-reforma
do Estado.
De fato, desde a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
em 1993, até 2004, não houve, à frente desta política social que compõe o
tripé da seguridade social brasileira, uma direção política com
compromissos estratégicos com os princípios e direitos ali preconizados.
Muitas das mudanças e inovações que estamos observando devem-se a
presença de militantes históricos da cauda da assistência social como
política pública de seguridade no Brasil, que vêm buscando caminhos para
concretizar a LOAS, que permaneceu nesses treze anos de sua
implementação tencionada pela contra-reforma neoliberal [...] (Behring,
2008, p. 161).
É inegável que a instituição do SUAS trouxe a possibilidade de superar a
histórica cultura assistencialista e a ideologia da caridade e do primeiro-damismo.
Também um grande esforço para que o SUAS se configure como política de
Estado e não mais de governo. Os principais avanços do SUAS residem na sua
maior capacidade operacional: a alteração do modo de financiamento federal para
162
os Estados e Municípios com transferência de recursos realizada fundo a fundo e na
forma de piso; a tecnologia de informação para a política de assistência social
nominada Rede SUAS; a implementação dos Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(CREAS) como equipamentos estatais na oferta de serviços públicos, como porta de
entrada da assistência frente à hegemonia dos serviços prestados pelas entidades
assistenciais no campo da assistência social e como espaços potenciais de
mobilização e organização política dos usuários e diferentes sujeitos, movimentos,
etc.
Porém, a continuação da prestação de serviços por parte das entidades de
assistência não implica na estatização da assistência, uma vez que continua a
reproduzir a lógica da “colaboração vigiada” a que se referiu Boschetti (2001),
buscando ampliar a presença do Estado, mas, ao mesmo tempo, reforçando a
parceria entre as instâncias governamentais e não-governamentais, dentro do viés
da co-responsabilização e co-gestão entre as mesmas.
Entendemos que os intelectuais, militantes e trabalhadores que colaboraram
na formulação da PNAS/SUAS e que acompanharam à luta pela política de
assistência social enquanto política blica, principalmente os que vivenciaram a
época do Programa Comunidade Solidária (totalmente contrário às expectativas do
novo patamar de direito instituído na Constituição), buscaram nas gestões do
presidente Lula, uma oportunidade para formular e implementar uma nova política
de assistência social. E isso foi um grande salto no marco regulatório atual.
Sem sombra de dúvida, esta foi uma oportunidade ímpar para a assistência
social diante de seus enfrentamentos desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988. Por isso, é importante, mais uma vez, destacar o respeito aos sujeitos
163
envolvidos neste processo de luta e dizer que a análise crítica ao conteúdo da nova
PNAS, bem como às concepções trazidas por este grupo dizem respeito apenas a
preocupação em mobilizar um debate com base na “garantia do pluralismo, através
do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões
teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual”, de acordo com
o Código de Ética Profissional (CRESS, 2002, p. 16).
Mas é importante lembrar que, mesmo como resultado de um debate coletivo
e de uma correlação de forças, a nova PNAS também expressa a “hegemoniade
uma opção teórica e uma escolha ídeo-política específicas; portanto, torná-la
inquestionável e inatingível por qualquer reflexão crítica, seria despolitizá-la e fazer
dela um único caminho possível.
164
CONCLUSÃO
Pensar a formulação de políticas públicas e a correlação de forças durante
este processo, em especial da política de assistência social como objeto de
pesquisa deste trabalho, é pensar o lugar que estas políticas ocupam frente ao
contexto histórico internacional e nacional, sobre as incidências de um determinado
modelo econômico, de uma determinada formação econômica, política e cultural,
aliada a atual conjuntura política, além da pressão da luta de classes e das
correlações de forças que estão envolvidas neste processo e nos espaços onde se
propiciam o debate para pensar e refletir sobre estas políticas.
O capitalismo, ao entrar no estágio de dominação dos monopólios, conhecido
como imperialismo, tem se constituído como um sistema econômico mundial,
mantendo e acentuando contradições elementares do modo de produção capitalista
que passa a introduzir novas tensões na dinâmica econômica.
Na fase dos “anos dourados”, a economia do imperialismo registrou
mudanças importantes: a exportação de capitais com maior fluxo dos capitais
imperialistas em torno dos próprios países imperialistas. Mudança também quanto à
organização do trabalho industrial: o chamado taylorismo-fordismo como padrão
para toda a produção industrial.
A intervenção do Estado se resumiu em cumprir o papel de restabelecer o
equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos nos
períodos de depressão e garantir um programa fundado no pleno emprego e maior
igualdade social com o incremento das políticas sociais. A constituição de um
Estado, no imediato pós-guerra, conjugou a universalização do taylorismo-fordismo,
165
legitimado pelas idéias keynesianas, e que ainda intervenha de forma direta e
contínua na dinâmica econômica para assegurar os superlucros dos monopólios.
Observa-se, então, neste processo, um pacto entre o keynesianismo e este
novo padrão de produção, que se configura em mais do que uma mudança técnica,
mas numa forma de regulação das relações sociais.
Na passagem dos anos sessenta aos setenta do culo XX, o capitalismo
entrou em crise. Com o avanço do processo de uma revolução tecnológica
permanente, houve um aumento do desemprego estrutural e sem retorno,
revertendo as conquistas sociais alcançadas no segundo pós-guerra.
Tem início a terceira fase do estágio capitalista, o capitalismo contemporâneo.
O período inicial desta fase é marcado por um forte desenvolvimento das forças
produtivas em contradição cada vez mais intensa com as relações de produção que
colocam novas condições para a política econômica e para as políticas sociais. A
partir dos anos setenta, começa um período de recessão gerado pelo processo de
internacionalização do capital que se colocou como um limitador da eficácia das
medidas anticíclicas.
Associado às ordenações espaço-temporais”, o capital monopolista formulou
e implementou uma estratégia articulada sobre um tri composto pela
reestruturação produtiva, a financeirização e a ideologia neoliberal que não
alteraram o perfil da onda longa recessiva, mas que permitiu que as taxas de lucro
fossem restauradas.
A lógica do “pleno emprego” foi substituída por formas precárias de emprego
sem quaisquer garantias sociais: emprego em tempo parcial, informal e terceirizado,
com redução salarial. As novas transformações implementadas pelo capital
poderiam recair sobre os trabalhadores.
166
Para legitimar a estratégia do grande capital, fomentou-se e patrocinou-se a
divulgação maciça do conjunto ideológico que se difundiu sob a designação de
neoliberalismo.
Assim, mediante a construção de uma cultura política da crise, a intervenção
social do Estado, sob a direção da burguesia internacional, é realizada com a
mediação de mecanismos políticos, que colocam como uma das exigências, a
supressão de alguns direitos sociais.
Assim, advoga-se o Estado mínimo, alegando-se que somente desta forma a
igualdade de oportunidade e a liberdade dos indivíduos poderão ser protegidas,
reservando a participação do Estado apenas na salvaguarda da propriedade e das
“liberdades” e reduzindo o seu papel interventor, principalmente frente às políticas
sociais.
As mudanças no mundo do trabalho e as mudanças na intervenção do Estado
são macrodeterminações dos processos sociais que geraram um novo quadro para
a seguridade social.
O corte dos gastos sociais, a privatização, a centralização dos gastos sociais
públicos em programas de amenização da pobreza e a desconcentração são as
estratégias concretas da implantação da política social de orientação neoliberal.
Com o objetivo de diminuir a responsabilidade do Estado na provisão de bens
e serviços afiançadores dos direitos sociais, o capitalismo monopolista avançou, por
exemplo, no sentido de reduzir, mutilar e privatizar os sistemas de seguridade social.
Sob o influxo das idéias neoliberais, a tendência que se concretiza é a de privatizar a
previdência e ampliar a participação do privado na educação e na saúde, além dos
programas assistenciais.
167
Este novo padrão contribui com o processo de “assistencialização” da
proteção social, uma vez que os programas assistenciais passam a adquirir uma
importância financeira e política sem precedente, enquanto as políticas de proteção
social de caráter permanente experimentam estratégias diversas de privatização,
redução, seletividade, desresponsabilidade e desoneração pública na execução
direta.
O Brasil seguiu com o ideário neoliberal caracterizado principalmente pela
Contra-Reforma realizada durante o governo FHC.
Com Lula não foi diferente. A política macroeconômica seguiu o mesmo
objetivo de controlar a inflação, aumentar os juros e elevar o superávit primário, a
custa do contingenciamento dos recursos públicos. E a idéia de que o crescimento
econômico é a solução para a “dívida social” também foi incorporada por este
governo. Nada se fez para que houvesse de fato uma política de desconcentração
da propriedade para que se tornasse viável uma política de redistribuição de renda.
Lula alçou o combate da pobreza e da desigualdade ao primeiro plano da
política, no entanto, o resultado após anos de governo, mesmo com menores índices
de pobreza absoluta, foi a funcionalização da pobreza, ao transformá-la em
problema; mostra que a mesma pode ser combatida no capitalismo contemporâneo
como uma melhor administração e uso dos “escassos” recursos, levando assim a
reforçar o processo de despolitização.
Mesmo com ênfase em um discurso de compromisso constante com os
pobres e com a dimensão “social” do governo, a assistência social continuou com
seu caráter marcadamente assistencialista, através de políticas compensatórias,
apenas garantindo às famílias mais pobres uma renda de sobrevivência. Os limites
estruturais no âmbito das políticas sociais permanecem os mesmos.
168
Não dúvidas que o PBF trouxe impactos no aumento do consumo e no
acesso aos mínimos sociais de subsistência para a população pobre, como todo
programa de transferência de renda, porém fazer disso o principal instrumento de
enfrentamento da crescente pauperização relativa é algo que deve ser questionado.
Isto revela a principal estratégia de enfrentamento da “questão social” para esconder
a impossibilidade do governo em garantir o direito ao trabalho, dadas as condições
que ele assume contemporaneamente.
A centralidade que assistência social ocupou no conjunto da Seguridade
Social no atual governo vem sendo demonstrado por diferentes especialistas..
Assim, os usuários desta política, ao usufruírem dos serviços sociais oferecidos e da
renda destinada pelos programas de transferência de renda, colaboram para a
manutenção do status quo e tem suas necessidades atendidas nas vitrines do
mercado via Assistência Social e não mediante os seus salários.
O tratamento da política de assistência social no governo atual, em
consonância com a ofensiva neoliberal, ao ganhar centralidade no âmbito da
proteção social, é colocada como uma saída (ou até mesmo solução) frente às
seqüelas da “questão social”.
Esta centralidade na Assistência Social neste governo tamm oportunizou a
convocação de uma conferência extraordinária, a IV Conferência Nacional de
Assistência Social que teve um simbolismo muito grande para a política de
assistência social, uma vez que possibilitou a discussão para aprovação de uma
nova política nacional e uma nova proposta de gestão, o SUAS.
A nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), aprovados em setembro de 2004, constituem um marco
regulatório significativo no campo da assistência social brasileira.
169
A assistência esteve sempre marcada pelo seu passado que a vinculava à
caridade e à filantropia mesmo após a intervenção estatal neste campo na Era
Vargas. Com a Constituição de 1988, a assistência social torna-se direito e é
regulamentada cinco anos depois com a Lei Orgância de Assistência Social de 1993
(LOAS).
Mesmo assim, no Governo FHC, a assistência é refilantropizada com a
criação do programa Comunidade Solidária que subvencionou jurídica e
financeiramente as organizações não-governamentais, repassando recursos para
que essas entidades prestassem serviços assistenciais à população focalizada.
Assim, o que temos é uma reintrodução do princípio de filantropia como organizador
da ação social, legitimando o Estado mínimo.
A nova PNAS e o SUAS oportunizou o resgate do que foi estabelecido na
Constituição de 88 e na LOAS, com objetivo de fortalecer o paradigma da
assistência social enquanto uma política de direito e dever do Estado.
Porém, ao analisar criticamente o conteúdo teórico-metodológico e ídeo-
político da PNAS, destacamos alguns elementos para uma nova configuração da
política de assistência social, em consonância com a racionalidade burguesa, com o
seu tratamento no governo atual, com o modelo neoliberal e com uma lógica de
auto-sutentabilidade dos indivíduos e de “familiarização” das políticas sociais. Além
disso, desconsidera a incidência do modelo econômico vigente e,
conseqüentemente as desigualdades entre classes.
Enfim, a partir de uma breve discussão dos princípios, diretrizes, eixos
estruturantes, concepções e conceitos trazidos pela PNAS/SUAS, afirma-se a
hipótese que este texto normativo busca abordagens que refletem um conteúdo
conservador, de caráter individualista, que oferecem subsídios à hegemonia
170
neoliberal, devidamente de acordo com a ordem burguesa, responsabilizando o
indivíduo ou seu grupo familiar pelas suas condições materiais e subjetivas vigentes.
Assim, temos a configuração de uma política que pode nascer das raízes de
uma visão pragmática centrada na natureza da ação humana e da prática, de uma
noção restrita de que o conhecimento advém da experiência. Neste sentido, se
esquece da busca da essência numa perspectiva de totalidade. Nesta ótica, a
resposta deve ser suficientemente objetiva, útil e imediata, muitas vezes intrínseca
ao processo contínuo de autocorreção.
A PNAS/SUAS ao priorizar a formulação de uma nova gestão para a política
de assistência, em detrimento da mudança de lógica da mesma, coloca como
solução para o avanço desta política a mudança da sua natureza técnica.
Neste sentido, se constitui uma política contida apenas de uma razão formal-
abstrata: formal porque se atém à forma, fica na aparência e não vai na sua
essência; abstrata porque das noções apresentadas (desigualdade social,
vulnerabilidade, dentre outras) foram abstraídas o seu conteúdo concreto (a relação
capital-trabalho), ao mesmo tempo retiradas das relações sociais que as
engendraram.
Temos um sistema que não se preocupa com o método do conhecimento da
realidade pautado em categorias ontológicas e analíticas que permitam captar as
particularidades para apreender as possíveis mediações a partir da superação do
imediato. Mediações estas que possibilitam uma intervenção no campo operacional
de acordo com uma apreensão do real que chega ao nível da razão.
Neste contexto de mudanças, alguns profissionais, ligados ao PT, que
estavam engajados na luta desta política e envolvidos inclusive com os debates
teóricos e acadêmicos em torno da mesma ocuparam cargos governamentais e se
171
fizeram presentes nos espaços propícios para pensar em uma nova formulação da
política de assistência social.
Abriu-se a possibilidade de parte deste grupo, legitimado pela categoria pela
sua trajetória de discussão e luta nesta política, ocupar estes cargos como gestores,
elaborar a nova Política Nacional de Assistência Social e construir uma nova gestão
através de um Sistema Único.
Configura-se um quadro em que os sujeitos políticos que lutavam pela política
de assistência social enquanto política pública de seguridade social e que tinham
como horizonte uma sociedade sem classes, iludidos com a possibilidade do
ativismo propiciado pela ocupação de cargos governamentais para elaboração e
execução da política de assistência, transformam-se em militantes conformistas.
Assim, trata-se de pensar tamm esta política como fruto da incidência do
assistente social na sua formulação e gestão, levado pelo possibilismo e pela nova
roupagem das orientações governamentais.
Recentemente, assistentes sociais, ao encontrarem neste possibilismo a
venda para seus olhos, festejam a PNAS/ SUAS como resultado de uma grande
avanço para a assistência social no país sem que se coloque tamm em debate a
sua limitação estrutural.
O CNAS também se concretizou em espaço relevante no processo de
formulação da PNAS, com destaque para a relação entre o Estado e a sociedade
civil no âmbito da política de assistência social, uma vez que é a correlação de
forças estabelecida por esta relação que irá, muitas vezes, determinar as mediações
e as futuras formulações da mesma.
É preciso que se coloque em questão a existência das entidades na
prestação de serviços no campo da política de assistência social e no espaço do
172
CNAS. Sem desconsiderar algumas entidades que têm um trabalho comprometido
com a defesa da assistência social como política blica, o que tem se visto é uma
total despolitização da assistência por parte destas entidades, que possuem um
interesse explícito e particular no recebimento do CEBAS, em detrimento do
comprometimento com o fortalecimento da política como direito.
Em todas as entrevistas realizadas foi possível constatar que as entidades
representantes da sociedade civil não viram naquele momento de aprovação da
política, uma ameaça aos seus interesses privados, ou seja, não vislumbraram no
projeto do SUAS nada que ferisse o seu funcionamento; ou nada que impedisse a
receber o CEBAS.
Com as entrevistas e as análises realizadas sobre as atas do CNAS,
constatou-se essa idéia da existência de um certo consenso em torno da PNAS
como um grande avanço e como um conteúdo inquestionável teoricamente no
momento da sua formulação e aprovação no âmbito do CNAS frente à legitimidade
do grupo que colaborou com o texto inicial (pela sua histórica luta no campo desta
política e pelas pesquisas e produções acerca do tema), bem como frente ao
posicionamento da sociedade civil que não viu, naquele momento, algum tipo de
ameaça aos seus interesses.
De fato, existem avanços trazidos pela PNAS que se referem as
potencialidades da proposta de organização e operacionalização que não podem ser
negados. Porém é preciso atentar para o fato de que os assistentes sociais e outros
sujeitos políticos da área se limitam a problematizar aspectos operacionais de forma
desvinculada da lógica desta política, do lugar que ela ocupa no capitalismo
contemporâneo e de sua vinculação com as demais políticas e com uma sociedade
de classes.
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