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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A LEI 10.639/03: UMA EXPERIENCI-AÇÃO NO QUILOMBO E EM UMA
ESCOLA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE
Eliane Almeida de Souza
Porto Alegre
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação E Educação
A LEI 10.639/03: UMA EXPERIENCI-AÇÃO NO QUILOMBO E EM UMA
ESCOLA PÚBLICA DE PORTO ALEGRE.
Dissertão de Mestrado apresentada como
requisito parcial no Programa de Pós-Graduação em
Educação na Linha de Pesquisa Trabalho, Movimentos
Sociais e Educação e ao TRAMSE Núcleo de Estudos,
pesquisas e experiências em Trabalho, Movimentos
Sociais e Educação.
ORIENTADORA: Pro. Drª Carmen Lucia Bezerra Machado
Eliane Almeida de Souza
Porto Alegre
2009
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AGRADECIMENTOS
Após dois anos de caminhada acadêmica e um pouco mais de tempo na
condição de filha, mãe, mulher negra e ativista social, agradeço a força e energia
emanada pelos meus ancestrais, a vigilância permanente de todos os orixás, e os
seres de luz materializados nas pessoas que nos momentos certos somam em meu
dia-a-dia.
Agradeço aquela que me deu a vida, Yalorixá Cenira de Xangô, sempre
presente em todos os momentos, assim como seu apoio para meus firmes passos
na direção do humano, e seus filhos da família religiosa.
Ao meu filho Jean Pierre, por sua força e determinação de estar sempre ao
meu lado, mesmo quando impossibilitada de estar ao seu, fiel companheiro de longa
estrada.
Aos Yalorixás, babalorixás, ou seja, os guardiões dos Orixás (seres de luz)
nos terreiros de minha religiosidade, onde o axé é a força que nos identifica.
A minha orientadora, professora Drª Carmen Machado, pela acolhida,
paciência, dedicação, rigor científico, mas acima de tudo ela total identificação com
meu tema de pesquisa, sempre amiga e companheira, nestas causas e também as
de minha vida pessoal.
Ao meu co-orientador voluntário, professor Dr.Helvécio, pelo auxílio e
dedicação de seu precioso tempo na socializão de seu notório saber e constante
preocupação para comigo antes e durante esta caminhada, assim como para nossas
questões negras.
A contribuição das aulas do professor Dr. Augusto Trivños, que muito tem
me feito estudar a fim de melhor entender a maravilhosa dialética da vida, e todos os
demais professores de minha caminhada escolar.
Ao meu pai Humberto, irmão Humberto, sobrinho João, , tia Juraci, tia
Graciana, Joeni, Anderson, primos e todos os demais familiares.
Ao Primo Éverton pelo auxílio necessário neste trabalho, e toda a família
Sastre.
Ao Professor Paulo que ajudou na leitura das imagens e tamm na
orientação deste.
Ao companheiro Luis César, pela atenção e pacncia, e incentivo, iniciado
nesta vida, estendendo-se certamente além desta, numa caminhada infinita de apoio
e sensibilidades.
Ao atual Senador da Reblica, Paulo Renato Paim, por sua atuante luta e
identificação para com os discriminados, pela carta encaminhada à defesa do
Projeto, assim como sua constante dedicação às bandeiras sociais, e aos políticos
identificados com estas questões.
A todos os quilombolas, em nome da Presidenta do Quilombo Manoel
Barbosa, Denise Ireno, na qual muito me ensinou sobre memória, história e
ancestralidade, assim como humildade, discriminação e vida. A querida amiga e
irmã, Roseli Pereira pela parceria iniciada antes do curso e indo certamente além
deste
As mulheres indígenas, que aqui primeiro chegaram para compartilharem
saberes até hoje discriminados na sociedade, seus apoios em nossas conquistas
pelas cotas na UFRGS, e em nome do Cacique Zaqueu (Kaigangs), à todos os mais
de 180 povos que ainda lutam pela sobrevivência de sua cultura, e origem e
pertencimento étnico, assumindo-nos como “irmãos”.
A Giancarla Bruneto pela luta, confiança e dedicação constante na Liga dos
Direitos Humanos da FACED.
A todos os colegas de caminhada no curso, em especial a: Walter,
Marion,Ana, Damiana, Laurençe, Marner, Nelba, Nivea, Jane, Sonia, Elen, Ana
Lúcia, Direcenara, Mara, Niva,Raquel, Jane, Ingrid, Jaira, João, Simone, Áureo,
Márcio, Cláudio, Eurico, Stela, Evelize e todos os demais.
Aos professores da Banca deste trabalho - Jaime , Eliasabete, Paulo e Ruth
por se dedicaram às leituras e suas excelentes contribuições, assim como o apoio e
identificação para com o tema pesquisado.
A todos os amigos, professores e funcionários que encontrei no universo da
FACED, que com suas contribuições e sorrisos, somaram na continuidade desta
caminhada acadêmica.
Aos dindos Gilson, Sirlei e família, Antonia e família, sua companheira de
vida Sirlei e seus filhos, mostrando sempre entusiasmo para com nossa luta negra.
Aos amigos “Antonios” do MNU e CODENE, agradeço a todas as
organizões do movimento negro- militantes, ativistas e pessoas identificadas para
com as questões de discriminação social e racial.
Ao amigo Edson Felix pela dedicação à formatação final desta obra
Ao professor Paulo Albuquerque por me fazer ver e entender que nada es
pronto e a qualquer momento tudo pode ser modificado.
Ao povo de Tapes e todos os amigos de que sempre somam em nossas
vidas.São muitos: Josete, Valdir, Anita, Vilmar, Miro, Pretinha, Sadi e família, Paulo e
Ceni, Sandra e Gisa, Sandra e Dora, Juliana, Mariana, Baiano, Vera e Hélio, Eroni,
Rossânia, Dani, Xavier, Antônia, Geneci, América, Cantilho, Pedro, Dulce, Zeli, Luis,
Gabriela, Felipe, Léo, Clovis, Ana e Trindade, Iracema, Vera Triumpho, Eliana, Lia,
Julio, Eneli,Patrícia Noronha, Léo Kriger, Luciane, Magali, Lana, Elza, Giliardi,
Magali, Lana, Claudia, Karen, Marisa, Tânia, Gessy, Icio, Marta Fernandes,
Samuel, Carmen Victória, ...
Ao artista Ney Ortiz, amigo, profissional e companheiro das lutas sociais,
pelas imagens e exposição de seus trabalhos cedidos na defesa blica do projeto e
na capa e abertura de cada capítulo do mesmo.
A Escola investigada para esta pesquisa, que muito contribuiu na
identificação dos mitos e suas correlações com as discriminações, especialmente a
sua equipe diretiva, professores, pais, alunos, entrevistados e amigos que abriram
as portas e seus corações para juntos somarmos em sua práxis.
A amiga Margarete Fetter de Bona e família por suas contribuições neste
trabalho.
Aos homossexuais, às mulheres, às sbicas, aos bissexuais, aos
deficientes, aos idosos, às crianças, aos adolescentes e todos demais segmentos -
MST, MTD.., aliados, contra os preconceitos e discriminações.
A todos os moradores de minha comunidade, da Lomba do Pinheiro, que
sempre torcem e acreditam em mim, assim como eu acredito em suas possibilidades
de avanço educacional e social.
Ao povo da economia solidária, em especial aos da Usina do Gasômetro, e
também a todos que compareceram no dia 29 de junho de 2007, na conquista da
política de “Cotas”, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
In memoriam de Oliveira Silveira e Maria Helena Vargas da Silveira,
falecidos no início deste ano que nos deixaram um legado de coisas a resolvermos e
avançarmos nas bandeiras do movimento negro nacional e internacional.
Enfim, a todos que me conhecem, apóiam e entendem minha identificação
para com as questões negras e sociais.
RESUMO
A presente dissertação de mestrado aborda a importância de
trabalharmos em escolas, em especial no espaço de formação de professores,
a Lei 10.639/03 que altera a LDB 9394/96, inserindo no currículo escolar a
hisria e a luta dos negros oriundos da diáspora africana. Problematiza: “O
que fazer para que professores e gestores educacionais abordem questões
referentes à negritude em sala de aula, com a categoria de pertencimento
étnico-racial?” A metodologia utilizada busca dar conta das complexidades
étnicas da sociedade brasileira, para que após navegarmos num passado não
muito longe, e em conjunto com a comunidade escolar, tornando possível
estabelecer correlações com ões transformadoras da comunidade negra em
terras brasileiras, a partir da educação, promovam-se ões. Elas foram
realizadas por meio de oficinas, dinâmicas, desenhos, escritas e leituras, nas
quais construímos novos caminhos. No diálogo com o movimento negro, suas
principais bandeiras (Vinte de Novembro e o Estatuto da Igualdade Racial)
objetivam dar visibilidade às lutas, nas políticas públicas, na desconstituição do
mito da democracia racial, no espaço educativo. Muitas mãos se somaram
numa prática pedagógica na quais os professores permitiram a inclusão
temática e expressão de desejos de uma transformão social. Da África para
o Brasil recontamos um pouco da história apresentada no currículo
educacional. Trabalhamos dialogando permanentemente para a
desmistificação de rótulos, tabus e preconceitos, para que coletivamente
possamos avançar na implementação de políticas de ações afirmativas para
toda sociedade brasileira. Foi no espaço de formão de professores, que
identificamos as necessidades de criação de condições para a implementação
da Lei 10.639/03 e da Lei 11.645/08 para a nação brasileira, em suas
correlações no currículo escolar, promovendo pertencimentos nos diversos
espaços sociais frente às negões, situando questões de gênero, examinando
contradições entre teorias e práticas, e as etnias.
Palavras-Chave: Educação, formação de professores, políticas de
ações afirmativas, pertencimento étnico-racial e negritude.
ABSTRACT
This present work regards qualitatively the importance of working in the
Brazilian schools, specially inside the area of the teacher’s skills building, the
law 10.639/03 which alters the LDB 9394/96, adding to the scholar curriculum
the history and the struggle of the black people descending from the African
scatter. The given problem: “What is supposed to be done in order to make the
teachers and the educational managers regard the matters related to the black
people consciousness in the classroom, in the category of ethnic-racial
subject?” The methodology applied seeks to consider the ethnical complexities
of the Brazilian society, so after navigating not too much far in the past, and
together with the school community, making it possible to establish correlations
with transformational actions of the black people community in the Brazilian
land, and through the education itself, actions can be promoted. These were
made through workshops, assessment centers, art works, writings and lectures,
in which we built new ways. In the dialogue with the black people movement,
and analyzing their main stands (The 20
th
of November and the Statute of
Racial Equalty), our goal is to give visibility to their struggles, in the public
policies, in the deconstruction of the myth of the racial democracy, in the
educational environment. Many hands were summed in a pedagogical practice
in which the teachers permitted a thematic inclusion and an expression of
wishes of a social transformation. From Africa to Brazil we retell a little of the
history presented in the educational curriculum. We work dialoging permanently
in order to demystify labels, taboos and prejudices, so we can collectively
advance in the implementation of affirmative action’s policies to the whole
Brazilian society. It was in the area of the teacher’s skills building that we
identified the needs for creating the conditions to implement the Law 10.639/03
and the Law 11.645/08 to the Brazilian nation, in their correlations inside the
scholar curriculum, promoting the people’s feelings of belonging to the various
social environments in front of their negative aspects, regarding matters of
gender, examining contradictions between theories and practices, and the
ethnics.
Keywords: Education, teacher’s skills building, affirmative action’s
policies, ethnic-racial belonging and black people consciousness.
APRESENTAÇÃO
Hoje ao apresentar esta dissertação percebo que ela não esta
descolada da minha caminhada no movimento negro. Identifico nela minhas
inquietudes que, não são de agora, mas iniciaram na condição de aluna,
especialmente, nos primeiros anos de escola.
Rememoro como foi necessário sobressair-me nos estudos, estudar
mais do que o necessário, apresentar as melhores notas, entregar o menor
trabalho possível aos professores. Precisava provar que, "apesar da condição
de negra", não era inferior aos demais.
Neste processo - negação e contradição foram partes do meu
cotidiano escolar principalmente nas aulas de história. Aqui, não culpo os
professores; muito pelo contrário, nas suas práticas percebi os indicativos
que permitiram problematizar um projeto de pesquisa pois nelas identifiquei
que seu constrangimento em abordarem a temática negra nas aulas resultava
do desconhecimento de fatos e questões históricas.
Naquelas práticas educativas foi possível perceber as inseguranças de
seus pertencimentos raciais o povo negro não era apresentado de forma
positiva senão como - coitado, escravo, preguiçoso e outros rótulos.
Penso que talvez tenha sido estas necessidades que me levaram a
iniciar minha caminhada na condição de professora, militante e atuante nas
questões raciais estabelecendo, sempre que possível ações e parcerias com
outros sujeitos identificados com esta temática. Pessoas especiais que hoje
fazem parte desta pesquisa acadêmica.
Não só das inquietudes individuais a presente dissertação se
construiu. Ela resulta também é da continuidade de um trabalho coletivo
desencadeado a partir do projeto da pesquisa "A lei 10.639/03 na formação de
professores e uma experienci-ação
1
no Quilombo Manoel Barbosa” no
Programa de Pós-Graduação em Educação, no Curso de Mestrado na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 18 de dezembro de 2007.
O documento que apresentamos é resultado de nossa inquietude
frente às práticas discriminatórias presentes nos espaços escolares das
escolas públicas e das dificuldades que a maioria dos professores tem para
trabalharem com a lei nº. 10.639, promulgada em 09 de janeiro de 2003 que
tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira em todos os
estabelecimentos de ensino da educaçãosica.
Esta pesquisa buscou objetivar estas inquietudes colocando em
evidencia algumas categorias analíticas, em especial negação, contradição e
pertencimento étnico-racial. Para tanto se buscou construir um diálogo,
possível e necessário entre a teoria e práxis; entre ação educativa e
Movimento Negro Brasileiro.
Tal exercício teve por propósito confirmar que a importância das
políticas de políticas públicas enquanto lugar de ações afirmativas para o negro
brasileiro necessita ter um lócus de operacionalizão que vá além da simples
articulação currículo e o projeto político pedagógico.
Principalmente porque a Lei 10639/03 chega ao Estado Brasileiro é
apenas mais um elemento para somar com o trabalho pedagógico das escolas
e na desconstituição do mito da democracia racial que permeia a sociedade
brasileira.
O trabalho busca evidenciar que a práxis da maioria dos envolvidos no
processo da educação escolar resulta de compreensões particulares sobre a
negritude, fator causal da dificuldade dos negros se auto-identificarem
etnicamente.
Tal iniciativa conformou a proposta metodológica que teve como
parâmetro suleador ou objetivo geral dialogar com os educadores em sala de
aula, ou em outros espaços, assuntos correlacionados com a negritude, tendo
como principal instrumento, a Lei 10.639/03.
Para o desenvolvimento metodológico, fizemos três movimentos
analíticos: primeiro, fizemos o estado da arte, especialmente aqueles autores
que vêm se dedicando às questões discriminatórias. Para tanto o retrospecto
hisrico do passado diaspórico africano se fez necessário para entendermos a
maioria das negações étnicas. Segundo realizamos diversas visitas ao
Quilombo para observarmos como vive a comunidade a partir de um
instrumental (Kit do Programa a Cor da Cultura). O terceiro deu-se dentro de
uma escola pública de Porto Alegre neste espaço, observamos e
acompanhamos as reuniões pedagógicas, registramos dúvidas, realizamos
entrevistas, aplicamos questionários e inserimos a referida lei.
Estes três movimentos serviram para focar o problema da pesquisa:
Saber até que ponto a Lei 10.639/ 03 permite na escola trocas
significativas e simbólicas de paradigmas constituídos pelo senso comum sobre
a negritude, no imaginário da maioria de sua comunidade a partir de situações
concretas em sala de aula e até que ponto o projeto político pedagógico
permite a quebra de paradigmas, e realiza diálogos com os demais setores
sociais.
Desde o primeiro momento percebemos que na escola se situava a
ão problematizadora; nela vislumbramos possibilidades concretas da quebra
ou não de paradigmas constituídos pelo senso comum, no imaginário da
maioria dos professores.
Para melhor compreensão do caminho lógico percorrido apresentamos
na primeira parte como se deu o processo diasrico africano e suas
correlações simbólicas e a forma como se apresentam ou não, no currículo
educacional brasileiro.
Nossa entrada epistemológica se deu através da categoria de
"pertencimento étnico-racial" que nem sempre é considerada quando se
trabalha a questão da negritude.
Na segunda parte, trabalhamos a contribuição do segmento social
denominado movimento negro brasileiro e suas complexidades, apresentando
principais bandeiras de luta, com vistas a dialogarmos com os espaços sociais
e educativos, na qual a Lei 10.639/03 não decorre por acaso, e sim da luta
específica e histórica deste segmento.
Neste processo analítico realizamos os seguintes movimentos:
apresentarmos a LDB 9394/96 com a supressão de alguns artigos da Lei
10.639/03 e a forma de construção da Lei 11.645/08 e suas contradições, como
políticas públicas discriminatórias dentro de um processo histórico, cultural e
social, por isso identificamos a necessidade de elucidarmos os caminhos
percorridos do Quilombo para chegarmos às escolas e vice-versa.
Na terceira e última parte, analisamos detalhadamente os recursos
utilizados no Quilombo e, em especial, da escola envolvida. Estes materiais se
constituíram peças fundamentais para conhecermos a presença do mito da
democracia nesta escola pública de Porto Alegre - com suas contradições e
negações do PPP entre sua teoria e práxis Identificada a necessidade de
implementação das referidas leis contribuintes na elevação da auto-estima da
criança negra dentro e fora do mundo educativo onde muitas vezes refizemos o
caminho da diáspora africana e sua contribuição significativa para nossa
retomada ao projeto de dissertação para darmos continuidade ao nosso
problema enunciado.
Por fim, nas considerações finais, apresentamos os resultados
derivados das analises, apêndices e anexos, bem como das ações
estabelecidas na Escola e o Quilombo pertinentes ao segmento social
movimento negro e sua dialética com a sociedade, mediante a pergunta
problema: O que fazer para que professores e gestores educacionais abordem
questões referentes à negritude em sala de aula, com a categoria de
pertencimento étnico-racial?
Para trabalharmos nestes caminhos os sujeitos da pesquisa foram:
quilombolas, pais, professores e alunos, somando um contingente de
aproximadamente oitenta pessoas entrevistadas por - questionário, desenhos,
relatos e entrevistas direcionadas da escola e mais seis quilombolas. No
Quilombo realizamos conversas, ações de dinâmicas e os resultados se
apresentaram através das falas e interações destes com as escolas. Na escola,
foram questionários para todos os professores e funcionários, duas turmas de
alunos, e oito pra o publico direcionado, ou seja, quatro pessoas de origem
negra e quatro de origem branca- 2 PROFESSORES, 2 ALUNOS, 2
FUNCIONÁRIOS E 2 PAIS DE CADA SEGMENTO.
Por fim, é importante destacar que nossa tentativa foi a de captar o
movimento da chegada das políticas afirmativas no Estado e especial a referida
lei, como algo transbordante de possibilidades, que atinjamos mais corações e
mentes para a transformão social que precisamos fazer na educação a partir
das práxis dos professores, articuladas com os demais segmentos da
sociedade brasileira e africana. Portanto, a luta pela eliminação e erradicação
das desigualdades sociais e raciais, deve ser tarefa de todos e em todos os
lugares, na qual dedicamos este trabalho à estes, sujeitos comprometidos com
estas questões e os envolvidos na vida acadêmica que somaram para sua
concretude porque acreditam numa práxis transformadora.
INTRODUÇÃO
Entre idas e vindas uma temática se consolida. Nós não nascemos
negros no Brasil. Nascemos brancos, moreninhos, pardos, pessoas de cor,
mulatinhos, cor de cuia, enfim, qualquer constituição, menos sujeitos negros. E
Isto é lamentável, pois muitas pessoas morrem com estes tulos constituindo-
se enquanto sujeitos não negros.
Em minha infância passei por esse processo de conflito, o sabendo
como me identificar perante uma sociedade que ainda faz a leitura do valor
sujeito pela tonalidade de pele e num universo de conflitos raciais vivi uma
infância de negação referente ao meu pertencimento por parte de pai - pois ele
é filho de negro com alemão onde este também apresenta seu pertencimento
étnico-racial negado, assumindo-se até os dias somente de origem branca, e a
partir de suas contradições pessoais me registrou com a tonalidade de pele -
cor parda.
Conflitos, negações e pertencimentos que caminharam comigo por
muitos anos. Mas foi nos bancos escolares que tais práticas raciais se
materializaram. Além de não saber como deveria me auto-identificar
etnicamente perante os demais colegas e à sociedade vivi na pele em uma
escola pública de Porto Alegre os olhares e ações discriminatórias quando: -
não carregava a bandeira da escola, não era a primeira da fila mesmo sendo a
mais baixa, não recebia a mão de outros colegas na hora da educação física,
não participava das invernadas tradicionalistas e as brincadeiras sempre
tinham um alvo: minha negritude.
Nesta época, eu não associava tais ações às discriminações raciais,
até que um dia, um professor branco ao ver que uma colega não quis me dar a
mão na hora da formão da fila disse à outra professora a seguinte frase: "
Quem tem que acessar e contar a história linda dos negros, são eles e não eu.
Pois se eles soubessem da contribuição do valor de seus antepassados teriam
orgulho e não vergonha de se assumirem negros! (CBEESP).
Esta foi uma das chaves que me ajudou a expandir minha consciência
para a busca de minhas raízes negras. Pois se existiam, teria que as encontrar
em algum lugar para enegrecer... Mas onde e como? Nesta caminhada parti
levando na mala dúvidas de onde encontraria esta história na qual o professor
se referira se na escola ainda se apresentara.
Devido a estas e outras inquietudes, foi no final de minha
adolescência iniciei um movimento dentro do segmento social negro. Mundo
este, que desenvolveremos detalhadamente mais adiante correlacionado-o, na
maioria das vezes, com o mito da democracia racial e a categoria de
pertencimento. Hoje acumulo dentro deste espaço social uma atuação de mais
de duascadas.
1. DA ÁFRICA PARA O BRASIL: QUE PROCESSO É ESSE?
O processo de negação e as contradições presentes na historicidade
brasileira referentes à chegada dos povos africanos no Brasil encontram-se
num lento desenvolvimento e grande invisibilidade e resistências,
principalmente, nas escolas brasileiras. Como fora desenvolvido no projeto
de dissertação, urge retomarmos este processo que estava direcionado para o
Quilombo e redirecioná-lo, agora, para o universo educativo
Para tanto é preciso ter presente como isso aconteceu na África e no
Brasil. A sessão que segue apresenta este movimento.
1.1 Na África: a diáspora
“A palavra 'diáspora' foi originalmente usada para
designar o estabelecimento de judeus fora de sua
pátria, à qual se achavam vinculados por fortes laços
históricos, culturais e religiosos. Este conceito é
também usado por extensão, para designar os negros
de origem africana deportados para outros continentes
e seus descendentes - os filhos de escravos na
América”. (MUNANGA, 1999, p.82)
Ao acessarmos dados da História, observamos que vários foram os
grupos étnicos trazidos para o Brasil dos diferentes países da África, e neste
processo, cinco países colonizados diretamente pelos portugueses, chegando
a ficar naquela época, quase desertos. Os de origem portuguesa são: Angola,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. De acordo
com Gilberto Cotrim (1996), no continente americano a chegada dos primeiros
negros africanos escravizados, data de 1502 em São Domingos, nas Antilhas.
Para este autor, a captura dos primeiros negros oriundos da África para o
Brasil, data de meados de 1320. Ele explica que a vinda dos negros para o
Brasil foi devido aos lucros decorrentes do seu trafico e também pela
necessidade de explorar sua força de trabalho.
Cotrim (1996) nos apresenta uma trajetória do ciclo da cana-de-açúcar
nos séculos XV a XVII, ao ciclo do café nos séculos XIX e XX contribuindo
para colocar em evidência a categoria de pertencimento étnico-racial, pois é
uma das categorias que estamos desenvolvendo neste trabalho. O referido
autor confirma que “o negro foi o braço sustentador da economia brasileira,
estando presente em todas as atividades econômicas fundamentais do país”.
Tal afirmação contradiz o senso comum que nega a importância histórica do
negro na sociedade brasileira.
Mergulhamos um pouco mais nestas áreas, identificando também a
contribuição deste povo nos seguintes eixos sociais: na agroindústria
ucareira do nordeste; na atividade mineradora nos séculos XVII e XVIII,
assim como em Minas Gerais e na região Centro Oeste; na lavoura algodoeira
nos séculos XVII e XVIII e tamm no Maranhão com a cultura cafeeira no
século XIX na região Sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e
São Paulo) e nas atividades industriais. (COTRIM, 1996)
Para termos uma idéia da importância da mão-de-obra escrava para a
economia brasileira, basta dizer que entre 1820 e 1860, o Brasil recebeu
1.200.000 negros escravizados, isto é, mais do que o dobro da quantidade
recebida por toda a América espanhola no mesmo período. Para Cotrim e
outros autores deste tempo, a cifra mais aceita pelos estudiosos é de 4
milhões.
Neste período, para retratarmos a área de origem, entre vários, dois
grupos se destacaram: os sudaneses e os bantos. Os Sudaneses são
provenientes de regiões próximas ao Golfo da Guiné (África Ocidental) que
corresponde atualmente a países como: Guiné, Costa do Marfim, Burkina,
Gana, Togo, Benin e Nigéria e dividem-se em dois grupos religiosos: os
islamizados – hauçás, mandingas e fulas e os não islamizados - iorubás,
nagôs, jêjes e fanti-achantis.
Os Bantos são provenientes de Angola, Congo e Moçambique e
desembarcaram principalmente nos portos de Recife, São Luis e Rio de
Janeiro. Os sudaneses desembarcaram principalmente em Salvador, sendo
que posteriormente muitos foram levados para trabalhar na extração do ouro
em Minas Gerais. (COTRIM, 1996).
No início do século XIX, em 1890, dois anos após a Abolição da
Escravatura
1
, os negros estavam reduzidos a menos de 15% da população
total do país. Se durante este período a proporção de negros na população
total do país diminuiu de forma assustadora a discriminação contra os negros
pouco se modificou.
Hoje, no século XXI são notórios os problemas enfrentados por esta
comunidade negra em todas as esferas sociais. Estes problemas estão
correlacionados diretamente com a negação de sua historicidade, pois não
sabem e tão poucos conhecem a contribuição de seus antepassados na
formação de uma sociedade que hoje se apresenta com um desenho
excludente para a população negra e indígena. Por isso, um dos entraves que
mais tem marcado presença, é o mito da democracia racial. Para exemplificá-
lo apresentamos uma das frases que mais temos escutado dentro e fora das
escolas:
“Hoje não existe mais isso não, pois todos são tratados de formar
iguais.” (EEEFSP)
Segue-se, portanto, um panorama nacional que não comporta todos os
sujeitos, assim como não oportuniza o exercício de seus direitos. Surge a
necessidade de políticas públicas e de ações reparatórias para dizer ao mundo
o quanto a sociedade brasileira apresenta padrões discriminatórios, embalados
em um berço de democracia racial. Santos refere-se ao lugar ocupado pelo
negro na sociedade brasileira, da seguinte forma:
“Como primeira observação lembrou que a cidadania
se segundo diversos níveis. Sobretudo neste país,
todos não são igualmente cidadãos, havendo os que
1 Abolição da Escravatura - Termo designado para retratar o “13 de maio de 1888", mais conhecida como Lei Áurea. Lei de número 3353,
onde podemos denominar também Lei da Libertação dos Escravos.
nem são cidadãos e havendo os que querem ser
cidadãos, aqueles que buscam privilégios e não direitos
(...). Não esqueçamos esta verdade cristalina: o valor
de um homem depende do lugar onde está (...). o
conceito de lugar deve ser considerado comum
conjunto de objetos e ao mesmo tempo, receptáculo de
um feixe de determinações, não apenas de algumas
como na economia (determinações econômicas); ou na
sociologia (determinações sociais); ou na antropologia
(determinações culturais); mas de todas as
determinações”. (SANTOS, 1996, p. 8).
No cotidiano, podemos ver que na maioria das vezes o sujeito negro
ocupa espaços subalternos e é pela sociedade avaliado de acordo com o lugar
ocupado economicamente. Cabe neste momento falarmos sobre a negação de
direitos históricos, cujos sujeitos vêm se observando apenas como sujeitos
sociais. Por isso, vale reforçar o pensamento de Santos (1996) de que o sujeito
é um ser constituído histórico e socialmente. Devido a estes fatores, é
necessário implementar ões de políticas afirmativas para que a comunidade
negra, acesse as demais áreas para entender um pouco mais de suas
constituições oriundas da diáspora negra.
Complexidades destas constituições étnicas correlacionadas com o
passado, em nossos dias, têm sido muito difíceis de serem trabalhadas, pois
seria um re-acessar da contribuição cultural, dos antepassados, junto com
estes, uma memória longínqua, pois na maioria dos casos, sujeitos oriundos da
diáspora africana, trazem em sua matriz algumas seqüelas da ruptura sofrida
por essa população, cujo plano mais atingido foi o psicológico.
Apresentamos tal afirmão com amparo num tempo, onde na era do
cristianismo, a evangelização prestou um desserviço a essa comunidade.
Assim permanecem em relação à colonização, preconceitos manifestados no
cotidiano. Nestes preconceitos, Munanga
2
:
“A ignorância em relação à história antiga dos negros,
as difereas culturais, os preconceitos étnicos entre
duas raças que se confrontam pela primeira vez, tudo
isso mais as necessidades econômicas de exploração
2 MUNANGA Kabengele. Nascido no Zaire, doutorou-se em Antropologia na USP, onde leciona. Tem trabalhos na área de culturas africanas, com
a crítica da antropologia colonial e com a questão da negritude.
predispuseram o espírito do europeu a desfigurar
completamente a personalidade moral do negro e suas
aptidões intelectuais”. (MUNANGA, 1986, p.9)
Por estas negações e desfigurações do negro na historicidade
brasileira, os diaspóricos africanos vêm até os dias de hoje vivendo um
processo de constante resistência e invisibilidade. Para sobreviverem neste
desenho de sociedade, criaram formas estratégicas de resistências tais como o
sincretismo religioso
3
, rebeliões e outras.
1.2 No Mundo: as resistências
As resistências sociais também são oriundas de um processo histórico.
Neste processo histórico, o europeu aparece como o de maior responsável
pelo início do tráfico de escravos oriundos da dspora. Devido a esta ão do
homem europeu, desencadeou-se uma situação de ruptura social que
permanece até os dias de hoje. Além do processo de negação e
desconhecimento da rota da escravidão, as negações e contradições
manifestam-se através de muitas expressões.
Observamos um recorte de uma fala realizada na escola pesquisada,
concedida por uma mãe não negra
4
, casada com um homem negro, que
durante a entrevista quando sobre o que ela achava da História do negro,
disse-me:
“Eu acho a hisria dos negros muito mais bonita. Eu achava muito
mais interessante do que a dos brancos que roubavam e matavam.”
(E3EEEFAW).
3 Sincretismo religioso- Práticas religiosas foram impostas aos africanos quando chegaram no Brasil. Para se comunicarem com os orixás,
escondiam seus ocutás (pedras) embaixo do altar que continha imagens de santos católicos e reportavam-se a estes, enquanto divindades
africanas ou seja, orixás.
4
Não negros, brancos, loiros, ruivos, nórdicos, caucasianos servem são utilizados para nos referirmos as pessoas brancas, independente de suas
origens.
Nisso, seu bebê chora, e ela o busca para me apresentar. Elogio-a e
pergunto de onde vêm os lindos traços de seu nariz? (chato) e como resposta,
escuto a seguinte afirmação, quer dizer, negação:
Há! Os traços é fatal né? Puxou o pai. (E3EEEFAW)
E ao ser perguntada sobre o pertencimento étnico de seu
companheiro, escuto a seguinte reposta:
Não, ele é moreno. (EF1 EEEFAW)
5
A nosso ver este recorte, ilustra as subjetividades ainda escondidas e,
muitas vezes, escamoteadas. Para a entrevistada, a idéia da palavra “negro”
parece apresentar ressentimentos de negações e contradições. Viver em uma
sociedade que na maioria das vezes tem realizado leituras de acordo com as
tonalidades de pele, traços e outros fatores genéticos, tem levado o sujeito
constituído em sua essência negra, a uma constante negação de seu
pertencimento étnico.
Para dialogarmos com estas negações e resistências é preciso trazer
à tona, uma das frases mais utilizadas quando nos propomos a abordar
assuntos referentes ao preconceito e discriminação racial:
“Afinal, como saber quem é negro num país tão miscigenado
6
? (EP4
EEEFAW)
Particularmente venho trabalhando para que as pessoas despertem de
ilusões de que nas práticas de nossas vidas não somos "todos iguais”, porque
nem as pessoas, nem a legislação brasileira tratam a todos de forma igualitária.
Para este trabalho contamos sempre com a sensibilização e comprometimento
dos professores e demais segmentos sociais e, em especial, do movimento
negro. Estas são algumas das ações que somam nos objetivos desta análise
numa práxis, coletiva. Esta práxis busca a desconstituição de rótulos, de tabus,
de mitos e de qualquer tipo de preconceito, levando em conta a interferência
5 Todas as falas retiradas das entrevistas realizadas para esta pesquisa serão apresentadas nesta dissertação em letras formato itálicas, sempre
que possível, a integra das respostas a perguntas formuladas e seguidas de letras e números utilizados para preservar o sigilo da identidade das
entrevistadas, segundo código que os agrega considerando se são profissionais, familiares ou alunos e as escolas a que estão vinculados.
6 Miscigenação. Usamos este termo, para melhor dialogar com pessoas que percebem casamentos ou relações de amizades entre brancos e
negros. Para mim, particularmente a maioria dos os miscigenados são lidos pelas esferas sociais, enquanto cidadãos negros, porém avaliados de
acordo com a tonalidade de sua pele e também de seus traços genéticos. Assim, os de tonalidades mais claras muitas vezes vêm se declarando
enquanto sujeitos brancos.
hisrica do “mito da democracia racial” em nossas vidas, assim como os
cuidados com as formas camaleônicas de exclusão.
As formas camaleônicas de exclusão são in-visíveis e aparecem no
momento em que as pessoas desconhecem o seu pertencimento étnico-racial.
Esta idéia está constituída no imaginário social, podendo ser constatada no
mercado de trabalho; no sistema de saúde pública; nas altas taxas de
reprovação, evasão e repetência em escolas públicas; e até nas diferentes
formas de abordagens dos policiais nas ruas... - sabem sim da cor
7
do sujeito
de que estamos falando.
Antes de realizarem a travessia, os africanos sofreram a brutalidade da
cristianização, ou melhor, rituais de batismos para não chegarem pagãos à
nova terra. Ao aportarem em solo brasileiro os africanos receberam nomes
portugueses numa tentativa de tirar-lhes a identidade africana e também a
negação de suas práticas religiosas, língua, família, pois na troca ou na venda
da mercadoria (homem), separavam-se as famílias e misturavam-se as etnias,
para que, falando línguas diferentes, jamais pudessem se articular ou
comunicarem para algum atentado aos seus donos
8
”.
Neta época, de acordo com os historiadores, dados afirmam que
somente os oriundos da nação Banto e falavam aproximadamente 182 dialetos.
E separados, muito se dificultava as possibilidades de se comunicarem ou de
se rebelarem contra seus senhores.
A era do escravismo sofrido pela maioria dos antepassados que hoje
vivem no Brasil, deixou seqüelas físicas e emocionais no povo negro, devido ao
corte sofrido bruscamente na história de uma hora para outra, na qual os que
aqui chegaram, não foram convidados, não sabiam a que vinham, e nem
sequer tiveram o direito de escolher ficar em seus países de origem. Como
vimos a escravidão não teve início no Brasil. Na era da resistência, uma vez
capturados, os negros tentavam a fuga ou buscavam a liberdade através do
7 Cor do sujeito: Quando abordamos estes assuntos, referimo-nos ao sujeito negro, de cor preta. Alguns abordam “homem de cor” para dizer a
palavra: negro”. No fundo, trabalhamos com três etnias: negra, branca e indígena, ou seja: branco, negro e amarelo. E para referirmos aos
sujeitos oriundos dos imigrantes e outras etnias, utilizamos o termo branco ou o negros.
8 Seus donos- usamos este termo para nos referirmos aos compradores de escravos, ou seja, aos que se apropriaram das terras e depois faziam
uso deles enquanto mercadoria de troca e outras utilidades.
suicídio. Os navios negreiros o verdadeiras tumbas, devido ao alto índice de
mortalidade durante as viagens, pois naquela época, uma viagem chegava a
ocupar três meses de navio, e neste muitos também se jogavam em alto mar
para não realizarem a travessia. Existiam as doenças que se propagavam com
muita rapidez, assim como foi assustador os que morreram de Banzo.
9
.
Dialogamos com este processo de resistência, e as formas de
tratamento da sociedade brasileira dispensada hoje aos negros diaspórico,
mais um pensamento de Munanga:
“Negro torna-se, então, sinônimo de ser primitivo,
inferior, dotado de uma mentalidade pré-lógica. E,
como o ser humano toma sempre o cuidado de
justificar sua conduta, a condição social do negro no
mundo moderno criará uma literatura descritiva dos
seus pretendidos caracteres menores. O espírito de
muitas gerações européias foi progressivamente
alterado. A opinião ocidental cristalizara-se e admitia de
antemão a verdade revelada: negro = humanidade
inferior. À colonização apresentada como um dever,
invocando a missão civilizadora do Ocidente, competia
à responsabilidade de elevar o africano ao nível dos
outros homens”. (MUNANGA, 1986, p.9)
Neste processo, a origem do comércio de escravos é obra do encontro
com os costumes e interesses mercantilistas dos conquistadores europeus
onde, até o presente momento, a história de colonização territorial e construção
da nacionalidade brasileira, são contadas pela lente de uma etnia não
representativa da nacionalidade, numa sociedade onde os negros foram e,
para muitos, ainda em pleno século XXI, devem continuar sendo os não
merecedores do acesso a uma educação representativa e de qualidade,
impossibilitados assim de condições efetivas para maior inserção nos espaços
sociais.
A história da composição dos grupos populacionais que formam a
parte ocidental da África é de importante reconhecimento para a valorização
9 Banzo: palavra de dialeto africano para expressar sentimento relacionado à saudade no Brasil.
das comunidades afro-brasileiras. Conhecermos um pouco da história dos
reinados africanos é fundamental para que entendamos a origem, a força e o
processo de organização de um povo, como já citamos i mais da metade de
nós brasileiros descendemos.
Nestas resistências, é impossível negarmos além das fugas e
rebeliões, o assassinato de senhores e de feitores. Pois desde os primeiros
anos da escravidão, ate 1888, noticias de formão de quilombos
10
. O mais
conhecido, pela duração e resistência, é o Quilombo de Zumbi dos Palmares,
que foi liderado pelo estrategista e estoicista Zumbi dos Palmares
11
.
O movimento negro gaúcho retoma esta bandeira, trocando a
comemoração nas escolas do dia 13 de maio
12
para o dia 20 de novembro
13
,
para lembrar o dia da morte de um homem que sozinho organizou os
quilombos, lutou e resistiu por muito tempo contra um exército de mais de mais
de vinte mil homens.
Muitas escolas ainda m comemorando a data do dia treze, como
algo benéfico para a etnia negra. Os educadores
14
ao acessarem dados
hisricos, conseguem ver com mais crítica esta data, que colocou milhares
de negros na marginalidade, tendo hoje como resultado desta ação política, um
processo histórico de perdas sociais para o povo negro enquanto sua realidade
questiona o que se libertou a partir desta data, se a maioria encontra-se (foi
colocada) na marginalidade, onde mais adiante, estaremos reapresentando o
vinte de novembro como significativa bandeira do movimento negro, com
objetivo de contribuirmos na práxis dos professores.
Navegarmos neste passado tão pximo significa rebuscar a arte,
mitos, ritos, línguas, características geográficas, econômicas e principalmente
10 Quilombos- espaços, ou redutos onde se concentra a comunidade negra, originária de antepassados africanos na qual possuem sobrenomes
e famílias do mesmo.
11 Zumbi dos Palmares - Líder do quilombo mais conhecido pelos historiadores em Alagoas, na Serra da Barriga. Hoje Zumbi é apresentado à
história (quando o é), como herói negro nacional, que liderou um exército criando estratégias e lutas com mais de vinte mil adversários.
12 13 de maio de 1888- Dia oficial da Assinatura da Abolição da Escravatura pela Princesa Isabel.
13 20 de novembro. No momento em que escrevemos este trabalho, ficamos sabendo da morte de Oliveira Silveira, ocorrida no dia 01 de janeiro
de 2009. Para nós ativistas e militantes, além da perda irreparável, imediatamente surgiram propostas de que 20 de novembro seja feriado em todo
o país, em sua homenagem, post-mortem.
14 Educadores, profissionais da educação, gestores são utilizadas por nós, para referirmos a idéia de professor.
educacionais de uma população, que a muito, vêm almejando sua valorizão
étnica em uma nação que insiste em não lhe reconhecer enquanto escravos e
descendentes de um povo cheio de bravura, assim como sujeitos fundamentais
como citados por Cotrim ao nos referir sobre a construção da nacionalidade
brasileira.
O continente brasileiro não se encontra nem um pouco distante da
África quando abordamos práticas educacionais e trabalhistas, em relação às
questões de direitos entre negros e não-negros. Observamos um pouco da luta
e história de Nelson Mandela
15
·, nascido em 1918, foi presidente da África do
Sul e líder da resistência ao Apartheid"
16
, passou quase 28 anos na prisão,
sendo libertado em fevereiro de 1990. Motivo? Após o massacre de 67 negros
em 1960, o Congresso Nacional Africano (CNA), liderado por ele, foi declarado
ilegal. Em 1964 foi condenado à prisão perpétua e tornou-se o preso político
mais conhecido do mundo. Neste tempo, escreveu um discurso, na qual
tomamos para comparar alguns aspectos da educação do negro africano com
a educação brasileira disponibilizada para os negros em nosso tempo presente:
“O governo sempre procurou dificultar aos africanos a
sua busca pela educação. Existe educação
compulsória para todas as crianças brancas a um custo
praticamente nulo para seus pais, sejam eles ricos ou
pobres. Tais facilidades não estão disponíveis às
crianças africanas. De 1960 a 1961, o gasto per capta
do governo para com estudantes africanos em escolas
subsidiadas pelo Estado, era aproximadamente
R$12,46. No mesmo ano, o gasto per capta com
crianças brancas na província do Cabo (e estes eram
os únicos dados que me foram disponibilizados) era de
R$ 144,57. O atual Primeiro-Ministro disse durante o
debate sobre o Decreto da Educação Banto em 1953:
'Quando eu tiver controle sobre a educação dos
nativos, farei com que eles sejam ensinados desde a
infância que igualdade aos europeus não é para eles.
Pessoas que acreditam na igualdade não são
15 Nelson Rolihlahla Mandela, em 04 de julho de 1993 Nelson Rolihlahla Mandela (nascido a 18 de julho de 1918, em Umtata, Tanskei, África do
Sul). Líder político africano. Foi presidente da África do Sul de 1994 a 1999, depois de atuar como principal representante do movimento anti-
apartheid, como ativista, sabotador e guerrilheiro.
16 Apartheid - Política de segregação racial mantida pelo governo da África do Sul de 1948 a 1994, com vantagem para a minoria branca
dominante, extinta com a eleição de Nelson Mandela para a Presidência da República- Dicionário Escolar Afro-Brasileiro. Nei Lopes, 206 p.21.
professores desejáveis aos nativos (...)”. (MANDELA,
1996)
17
Parte desta analogia pode religar a questão do lugar com as condições
de distribuição de verbas no Brasil, pois até nossos dias, muitas pessoas
continuam afirmando a idéia da igualdade, sem a mínima referência às
questões de oportunidades. Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE) a
previsão de despesas para a Educação Fundamental entre 2003 e 2011,
quanto ao custo/aluno frente ao PIB, deverá oscilar entre o 11,83 e 19,22%. Tal
estimativa se assemelha ao valor encontrado no Rio Grande do Sul (WINKLER,
1996) que de 1990 e 1994 oscilou entre 14, 23 e 16,10%, no Ensino
Fundamental. Assim, o baixo custo médio por aluno não é muito diferente dos
valores aplicados na África do Sul na década de 60 do século XX.
No Brasil não localizamos até este momento dados sobre o custo
aluno e variação por raça/etnia e sabemos que a média sempre escamoteia as
discrepâncias e desigualdades sociais que distribuem a miséria e concentram a
riqueza. Estes discursos têm escamoteado ações discriminatórias em todas as
esferas. E para falarmos de tons de pele, lugares e ressentimentos presentes
para com a comunidade negra, reforçamos a contribuição de Mandela:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua
pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as
pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a
odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega
mais naturalmente ao coração humano do que o seu
oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser
oculta, jamais extinta".
18
Concordamos ainda com Mandela ao afirmar que a educação é a arma
mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo, pois como
escrevemos anteriormente, é no universo escolar que as discriminões são
17 Mandela passou quase 28 anos na prisão sendo libertado em fevereiro de 1990. Este discurso foi proferido logo que ele deixou a prisão
18 www.pensador.info/autor/Nelson_Mandela/acessado em 22 de dezembro de 2008
.
referendadas ou reforçadas. Portanto, é neste mesmo lugar que elas devem
ser trabalhadas, desconstituídas e até mesmo ressignificadas.
O recorte da fala da entrevistada abaixo apresenta o entendimento de
que uma pessoa é inferior à outra”: e novamente o lugar que nos fala Milton
Santos:
Ent.:-: Quando você disse que discriminação é a pessoa não se aceitar
como é e dê um exemplo, recebi a seguinte resposta:
O negro pela cor as pessoas não aceitam ele porque é negro,
assim o desprezam, humilham.
Ent. Solicitei-lhe um exemplo.
É. Aqui no Zaffari, por exemplo, é um lugar onde existe a
discriminação. Se a gente for ver, não tem nenhum negro, nem pra faxina.
(E7EEEFAW)
Estas falas trazem à tona, a significativa contribuição de Mandela
referente às feridas presentes na consciência humana. Mais, idéias de
inferioridade e superioridade, “assim como o lugar que naturalmente” deveria
ocupar o sujeito negro na sociedade brasileira, associada à historicidade,
apresentado anteriormente por Milton Santos. Assim, para Mandela, o conceito
de racismo aproxima-se des:
"Racismo é a ferida da consciência humana. A idéia de
que uma pessoa é inferior a outra, a ponto daqueles
que se consideram superiores definirem e tratarem o
resto como subumanos, nega a humanidade mesmo
daqueles que querem se elevar ao status de deuses."
(MANDELA, 1996)
Veja onde encontramos na fala de Mandela, o conceito de lugar
referente aos direitos fundamentais:
"Também não devem as nossas vozes ser caladas se
enxergarmos, em qualquer outro lugar do mundo,
vítimas da tirania racial (...) nossa segunda pedra
fundamental é o estabelecimento do sistema
democrático, que assegura a todos os indivíduos o
direito igual e a possibilidade de determinar o seu
futuro. Ele proíbe a opção pela ditadura e garante os
direitos humanos fundamentais de todas as pessoas"
(MANDELA, 1996)
Nos trechos extraídos do discurso de Nelson Mandela em Londres, em
junho de 1996, acima, nos reporta ao continente brasileiro para dialogarmos
com o escamoteamento de diversas formas de discriminação em nome do mito
da democracia racial. Os direitos garantidos na legislação não asseguram a
todos os indivíduos, direitos iguais, cujo futuro da comunidade negra, encontra-
se diluído em várias políticas públicas que ainda não conseguem garantir
acesso e permanência desta comunidade. Não podemos deixar passar, as
resistências correlacionadas às perdas históricas.
Contudo, as questões negras brasileiras se apresentam em muitos
casos, como uma estigmatizarão de total inferioridade do sujeito pertencente a
este grupo, frente aos países desenvolvidos, pois o silêncio que envolve essa
temática em todas as instituições, que muito têm favorecido para que as
diferenças sejam entendidas como desigualdades. Desigualdades estas que
contêm aspectos de discriminação e preconceitos raciais e também sociais,
pois nela a etnia negra vem sendo apresentada, como uma raça" igual
biologicamente às outras. Na prática, essa “raça" tem enfrentado situações
excludentes em quase todas as esferas sociais, na qual tais contradições e
negações explicitam-se através de muitas lentes. Vejamos a frase que ouvi de
uma professora: “Olha, não existe mais essa história de raças". “Existe
somente uma, a raça humana. Assim, negros, brancos, amarelos, todos são
iguais” (E5EEFAW)
Esta é mais uma afirmação que esconde as dificuldades de
trabalharmos uma prática enriquecida de etnias, na qual, tratar os diferentes de
formas iguais, pode estabelecer um modelo desejável e aceitável, sem precisar
falar sobre as diferenças, e foi no pensamento de Freire (1984, p. 13-14), que
encontramos a significativa contribuição histórica para a comunidade negra e
não negra explicitada em seu livro Cartas à Guiné- Bissau. Por ser este autor o
que mais contribuiu nas referências pedagógicas no Brasil, principalmente
quando trabalhamos em espaços da formação de professores, chegamos ao
entendimento de que devemos falar da História brasileira, sem falarmos de
África:
“Meu primeiro contato com África não se deu, porém,
com a Guiné-Bissau, mas com a Tanzânia, com a qual
me sinto, por vários motivos, estreitamente ligado. Fo
esta referência para sublinhar quão importante foi, para
mim, pisar pela primeira vez em chão africano e sentir-
me nele como quem voltava e não como quem
chegava”. (FREIRE, 1984, p. 13-14)
A partir de sua contribuição, arriscamos anteriormente comparar sua
chegada à África com a minha chegada ao Quilombo, desejando retratar-me ao
sentimento de ancestralidade, história, memória e pertencimento étnico-racial,
e o pensamento de Milton Santos ao referir-se ao lugar ocupado pelo homem
em sociedade, associando-o à sua história, ou a de nossos antepassados
negros. Freire (1984, p. 13-14) continua seu percurso:
“Na verdade, na medida em que, deixando o aeroporto
de Dar es Salaam, há cinco anos passados, em direção
ao campus" da universidade, atravessava a cidade, ela
ia se desdobrando ante mim como algo que eu revia e
em que me reencontrava”. Particularmente, para o meu
olhar, o Quilombo passou a ser um espaço energético,
na qual revia e me reencontrava”.
Foram vários os momentos em que estive comparando familiares
meus aos que encontrara dentro do Quilombo. Minha família na cidade urbana
viveu e vive momentos de discriminação nas quais muitos passaram a acreditar
que o negro deve possuir lugar específico na sociedade brasileira. Encontros e
reencontros. Falam a mim e de mim.
“Daquele momento em diante, as mais mínimas coisas
- velhas conhecidas - começaram a falar a mim, de
mim. A cor do céu, o verde azul do mar, os coqueiros,
as mangueiras, os cajueiros, o perfume de suas flores,
o cheiro da terra; as bananas, entre elas a minha bem
amada banana-maçã; o peixe ao leite de coco; os
gafanhotos pulando na grama rasteira; o gingar do
corpo das gentes andando nas ruas, seu sorriso
disponível à vida; os tambores soando no fundo das
noites; os corpos bailando e, ao fazê-lo," desenhando o
mundo", a presença, entre as massas populares, da
expreso de sua cultura que os colonizadores não
conseguiram matar, por mais que se esforçassem para
fazê-lo, tudo isso me tomou todo e me fez perceber que
eu era mais africano do que pensava”. (FREIRE, 1984,
p. 13-14).
Nos encontros e reencontros no Quilombo, mas especificamente
durante as aulas, é que nos permitimos juntos apreendermos, naquele espaço,
trocarmos idéias, conhecimentos e sensações, aonde várias vezes, chegamos
ao entendimento de pertencermos à uma mesma família, tendo por exceção o
sobrenome
19
. Encontramos uma comunidade que vive isolada dos grandes
centros, com características próprias na qual convivemos por muito tempo com
um grupo que ainda habitua-se um processo de resistência cultural ao sistema
capitalista, imposto em todas as esferas sociais. Realizamos estas
observações com base nas receitas sobre colheitas, saúdes, crenças e
crendices dos antepassados que anos m dando certo para esta
comunidade. Tivemos o privilégio de conhecer outra quilombola com mais de
oitenta anos, lúcida e acima de tudo, referência para os mais novos. Os outros
a têm como a pessoa mais importante para o Quilombo. Idéias de consumo
estão presentes neste espaço, porém de maneira mais devagar.
Se todos os remanescentes desejassem, é da terra e dos animais que
poderiam com certeza sobreviverem. Os quilombolas mais novos não possuem
ideais de irem morar em outras cidades ou na Capital, e muitos que saem
daquele local para irem ao centro, relataram que se sentem como estranhos
fora do ninho. Freire encerra este pensamento:
“Naturalmente, não foram apenas estes aspectos, para
alguns puramente sentimentalistas, na verdade,
contudo, muito mais do que isto, que me afetaram
naquele encontro que era um reencontro comigo
mesmo”. (FREIRE, 1984, p. 13-14).
19 Mesma família- Para se constituírem sujeitos quilombolas, devem todos ser partícipes da mesma família, e também com o mesmo sobrenome.
Assim, para se constituir quilombolas, não basta apenas semelhanças físicas e sim sobrenome, resistência, cultura específica de seus
antepassados.
Estas significativas sensações de pertencimento nos afetaram assim
como Freire na África. No Quilombo, todos se conhecem e se tratam pelos
referidos nomes. Uma família cuida e acolhe as crianças, jovens e também os
idosos de outras famílias. Exemplo: quando faleceu o pai da der quilombola,
sem que ninguém pedisse, imediatamente a neta foi morar com sua avó que
ficara viúva. Essas sensações somaram-se aos aspectos sentimentalistas
presentes nas famílias brasileiras, mas especialmente nas famílias negras, cuja
maioria das vezes os netos são criados por seus avós.
Entre as diferentes e importantes obras de Freire, foi nesta que
encontramos a mais significativa contribuição metodológica para ilustrar o
desenho (assim como nos desenhos das crianças da escola pública que
estive), a retirada de antepassados negros brasileiros dos países africanos.
Nos navios vieram e tomaram espaços em solo brasileiro, a língua, cultura e
principalmente sensações de pertencimento étnico racial, independente dos
países originários. Freire fora invadido de fantásticas sensações e tomado por
inteiro em suas emões ao pisar pela primeira vez em solo africano.
Com Freire, realizamos uma fantástica viagem à África, e neste
momento, socializamos o referido livro como mais um significativo
instrumento pedagógico para que educadores acessem como principal
refencia ao trabalharem o processo de extração dos africanos para as terras
brasileiras, e as ricas experiências educativas que eso lá.
Sabe-se que apoucos anos atrás, a comunidade negra não possuía
direito algum a voto, voz, portanto, o negro neste processo, foi coisificado"
passando a ter valor de uso e troca, sendo avaliado através de sua dentição,
finura das canelas, sobretudo enquanto escravo, um homem nulo de suas
qualidades humanas.
Sobre estes, a opinião de uma aluna branca da escola ao ser
perguntada sobre o que conhecia da história africana:
Ent.: - “Quando você me respondeu sobre a África, afirmastes que ela
é um país de negros, onde antigamente os brancos buscavam escravos, agora,
fale-me um pouco mais sobre isso”?
“O que eu sei, é que os brancos iam lá na África, buscavam os negros,
escravizavam. Eles não ganhavam nada, e ainda por cima, apanhavam”. (EF1
EEEFAW)
Um pouco mais de seu pensamento referente à negação e
distanciamento destes pses, ao ser perguntada sobre o que sabia de seus
antepassados:
“Meu pai é moreno claro, sarará, minha avó era italiana. Ai casou com
meu avô que era moreno claro e meu pai saiu igual a ele, moreno claro.Já por
parte de mãe, são todos gringos. Mas lembro que meu avô tinha e pele um
pouco mais morena, mas não era negro”. ( EF1 EEEFAW)
Afinal, como negar um passado bem próximo de suas raízes? Vejamos
como ela se refere a mim, (mulher negra), em mais um momento da entrevista:
“Me desculpe professora, mas você não e negra. Negro pra mim são
as pessoas bem pretas, mas aquelas bem pretas, quase carvão. O resto é uma
mistura braba.”!
Fiz uma pausa, pois havia ouvira muitas pessoas me
desconstituírem enquanto etnia negra, associando-me a diversas tonalidades
possíveis e impossíveis, mas uma mistura braba foi a primeira vez. Sua idéia
reforça um pensamento eurocêntrico ainda presente na subjetividade das
pessoas, que ficam com medo de agredir ou ofender aos outros se os
chamarem de negros”. A entrevistada tem para si este conceito como algo
ruim, negativo e muitas vezes maléfico. Para estes diálogos, outro pensamento
de Munanga:
“A ocupação colonial efetiva da África pelo ocidente
tentou desmantelar as suas antigas instituições
políticas. A ignorância em relação à história antiga dos
negros, as diferenças culturais, os preconceitos étnicos
entre duas raças se confrontavam pela primeira vez,
tudo isso mais as necessidades econômicas de
exploração predispuseram o espírito do europeu a
desfigurar completamente a personalidade moral do
negro e suas aptidões intelectuais". (1996. p. 79)
Como vimos até o presente momento, o racismo es
indissoluvelmente ligado a fatores sócio-econômicos e apresenta-se na
sociedade brasileira como uma ferramenta para ganhar, manter e propagar o
poder das classes dominantes em detrimento de outras. Uma significativa
causa (e efeito) do racismo no mundo, que presenciamos diariamente, origina-
se no colonialismo e na escravidão. Daí o resultado: a freqüente quase total
exploração, despojamento e deslocamento de certos grupos de pessoas (ou de
povos); apropriação indébita de suas terras e recursos e negação de sua
condição humana mais básica.
A connua herança do colonialismo e da escravidão é evidenciada em
muitos lugares, e também através de muitas maneiras, porém, algumas mais
óbvias que outras. Como os discursos pseudojustificativos se apresentam
quando nos propomos a abordar os assuntos referentes à discriminação racial.
Foi necessário estudarmos também alguns pensadores iluministas do século
XVIII, pois é neste tempo em que se elabora também o conceito de
perfectibilidade" humana.
Se por muito tempo, no olhar de diversos autores, os seres humanos
o considerados seres perfeitos tamm vêm sendo apresentados à
sociedade, enquanto pessoas iguais. Assim, para muitos, torna-se
desconsiderada a importância de falarmos das diferenças. Contudo,
necessitamos abordar um pouco mais do processo histórico que perpassam as
etnias constituintes da nação. Veja-se o diálogo de Munanga com alguns
destes pensadores iluministas:
“Para Buffon, as raças são resultado de mutações no
interior da espécie humana. O determinismo do clima é
importante. No mais temperado, vivem os homens
bonitos e bem-feitos; é nele que se toma o modelo na
qual se devem referir todas as nuances de cor e
beleza. Todo o povo civilizado, por ser superior, é
responsável pelo futuro do mundo.". (MUNANGA, 1986
p. 17).
Para Buffon, traços como os de rosto, os cabelos, o odor do corpo, os
costumes constituem os outros detalhes que fazem o caráter distintivo da raça
negra na sua totalidade mais do que uma diferença de cor. Esse mesmo autor
fala da existência miserável de qualquer negro, generalizando suas precárias
situações em relação aos móveis, casas, alimentação. Estabelece os homens
como preguiçosos e as mulheres como debochadas estabelecendo padrões de
seres rudes, supersticiosos e estúpidos.
Mais um recorte referente de uma das entrevistas, sobre este olhar
subentendido no pensamento da mesma e muitas outras pessoas, ao ser
perguntada sobre a sua resposta no questionário na qual identificava a
comunidade negra como uns “recalcados
“Eu tenho muitas amigas de cor. Elas mesmas puxam o racismo.
Também com elas. Elas dizem que não gostam da sua cor, se pudessem,
fariam algo para mudar de cor, assim se sentiriam menos discriminadas.Elas
não gostam dos cabelos delas. Dizem que são pixaim” (rancor). Eu acho que
isso que elas fazem. É não aceitar a sua cor, e fazem com que as pessoas se
irritem. (EF7 EEEFAW)
Acreditamos que ninguém é capaz de criar ou reproduzir pensamentos
de discriminação, sem jamais ter escutado tais afirmões de outras pessoas.
Outro iluminista que a nosso ver, pouco contribuiu para corrigir a imagem
negativa do negro, pelo contrário, consolidavam em seu tempo, a depreciação
destes:
"Helvétius acha que, nascido sem idéia, cio ou
virtude, tudo no homem é aquisição, até a própria
humanidade. (...) A natureza deu ao homem apenas
sua sensibilidade física, o resto é produto de sua vida
social; seus vícios, suas virtudes e paixões fictícias,
seus talentos e preconceitos, até o sentimento do
amor-próprio, tudo nele é aquisição".
20
Munanga ressalta que para Helvétius, a inferioridade real dos
selvagens não é resultado de uma falha de constituição. Ela é de ordem
puramente histórica. Mais um renomado iluminista Voltaire:
20 MUNANGA Kabengele, Op., cit., p. 17.
"Poligenista
21
·. Voltaire não acredita na teoria do clima
sobre as diferenças raciais. Segundo ele, os negros
não são brancos escurecidos pelo clima porque,
transportados a um país frio, continuam a produzir
animais da mesma espécie. Ele acredita na
superioridade do branco em relação ao negro como na
do negro frente ao macaco, e assim por diante. A
grosseria, a miséria, a superstição, o medo, essa pré-
história do espírito humano foi à mesma por toda a
parte".
“O francês iluminista considera que assim como os
selvagens assemelham-se entre si, os primeiros
iroqueses encontrados na América do Norte também, e
ambos oferecem para todos os povos a imagem de
como foram, os homens no estado dito depura
natureza", o que só podia se rum animal inferior”.
Para Munanga, Voltaire reencontra Buffon no seu menosprezo:
“Seus rostos são selvagens como seus costumes, aos
tártaros grosseiros, estúpidos e brutos, aos negros quase selvagens e
feios como os macacos e aos selvagens do Novo Mundo ainda
mergulhados na sua animalidade. Alguns desses selvagens não valia
nem a pena conhecer, porque não prestaram nenhum serviço do
gênero humano". (BUFFON apud MUNANGA, op. cit., p.16-7).
No século XXI, observamos com pesar as contribuições anteriores,
que, pessoalmente, na condição de mulher, pesquisadora, militante, negra, e
acima de tudo identificada e preocupada com a causa da negritude, o quanto é
doloroso ler e apresentar as idéias desses autores. Mas o fizemos de forma
consciente para referendarmos que o reforço de estereótipos, tabus e
preconceitos, nascem numa época histórica, com os pensadores, sendo
capazes de se propagam por séculos e séculos. De posse destas idéias,
chegamos ao entendimento de que existem alternativas e novas
possibilidades, de contestação e desconstituição destes.
21 0 Poligenismo, s.m. Doutrina antropológica segundo a qual as raças humanas derivariam de alguns tipos primitivos com valor de espécies
distintas. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. FAE: Fundação de Assistência ao Estudante. Francisco da Silva Bueno. Rio de Janeiro, 11ª
edição, 1992.
Tais olhares nos possibilitam ampliar nossas lentes para melhor
entendermos as falas e ões dos entrevistados como algo o construído
somente por eles em particular, mas principalmente por que os antecederam.
Vimos que a fala apresentada em especial por esta entrevistada nos
faz entender que suas intenções não são as piores. No decorrer da entrevista,
identificamos tamm sua negação étnica por ser loira e discriminada, assim
como seu rancor pessoal relacionado ao seu cunhado negro, pois relatou que o
mesmo todo o final de semana, a visita levando recortes de jornais com piadas
de “loira burra”. Devido a estes sofrimentos, se viu obrigada a pintar seu cabelo
de ruiva. O resultado desta ação foi que o preconceito não desapareceu,
apenas ficou escamoteado. Prova disso, é que no momento em que
conversamos sobre estas questões, entra no espaço o seu sogro (negro) e faz
a seguinte pergunta propositalmente:
“Já esquentou o café pra mim? Loira burra!”. (F8EEEFAW) Vi seu olhar
o fulminar de raiva, ódio ou algo parecido”. Ela me disse:
“Ta vendo porque pintei meu cabelo? Quem não me conhece, não me
chama assim. È pois isso que este meu cunhado me deixa possessa. Sua
mulher é branca, mas não é loira. Assim, me sinto injustiçada sempre. Foi por
isso também que eu escrevi o questionário que uma lei para os negros, e
não há uma para os brancos ofendidos.”. (EF1 EEEFAW)
Tais considerações acima, nos levaram a entender que apesar das
dificuldades, os autores referidos anteriormente, viveram no tempo em que
também se constituíram enquanto referências para o sistema e modo de
produção escravista, que ao atravessarem para o modo capitalista, ainda não
trocaram suas posições. Pois estes conceitos que permanecem ahoje,são
responsáveis pela propagação do mito da democracia racial" na sociedade
brasileira.
Lembro-me que ao rmino desta entrevista, senti dificuldades para
explicar a ela, que entendesse que nenhuma etnia é mais do que a outra,
porém a perda histórica que vem sofrendo a população negra é sim maior do
que a da etnia branca.
Para falarmos da criação do mito assim como sua influência na
sociedade e como vem se sustentando, é necessário entender que estes
iluministas não reconheciam os negros como pessoas, ou cidadãos, assim
como não faziam questões de sua aceitação social, a não ser como uma
mercadoria de utilidade pessoal. Como exemplo estas questões retrato aqui
parte de uma cena vivida por uma mãe negra, mais de quatro décadas,
sofreu muito com a pedagogia da reguada
22
”, desistindo de estudar, e foi fazer
o que muitas mulheres negras repetem até hoje: trabalhar como empregadas
domésticas.
Relatou-nos que nesta casa, um dia o patrão partiu pra cima dela com
uma mangueira para lhe dar uma surra. O motivo pelo qual fizera isso, não se
apresentava como preconceito e sim porque ela havia se recusado em abrir o
portão pra ele porque segurava a criança que cuidava, no colo. Ela lembra que
largou a criança chorando no chão, e foi para trás de uma pilha de tijolos, na
qual ameaçou atirá-lo, caso ele se aproximasse um pouco mais. E como
resultado desta defesa, sofreu mais uma entre muitas sofridas demises.
Disse-me com muito pesar a frase jamais esquecida quatro décadas: Sua
negra suja e indolente, quem você pensa que é para me ameaçar desta forma?
Você pra mim não trabalha mais. Pegue suas roupas imundas e sumas
daqui”!(PCPA)
Poderíamos ficar dias e dias escrevendo sobre as diversas formas e
materializações referentes à discriminações sociais que sofrem: mulheres,
jovens, crianças, velhos, homossexuais, deficientes enfim, e que a população
negra sofreu e que hoje ainda hoje vêm sofrendo devido às pticas raciais
explícitas e implícitas na sociedade brasileira. Trouxemos esta, para
chamarmos a atenção mais uma vez sobre a necessidade de se recontar
dentro e fora da sala de aula, que este caminho forçado na qual vem trilhando
a etnia negra não nasceu hoje e sim há séculos, nas quais o currículo ao inserir
tais questões pode contribuir na superação de muitas dores, assim como na
elevação da auto-estima do aluno negro e principalmente na busca do respeito
dos não negros em todos os espaços da nacionalidade.
Assim como o “racismo" não nasce por acaso, vimos que ele se
encontra presente todas as esferas e a sociedade permeada por atitudes e
22 Pedagogia da Reguada- termo utilizado por mim, para retratar que antes, as professoras batiam fortemente com a régua nos dedos dos
alunos que não conseguiam aprender, assim como aplicavam outros castigos de acordo com a permissão dos pais
.
ões preconceituosas nas quais o sistema mudou, mas a escravidão ainda
não foi erradicada; quer em sua tradicional forma, quer em formas mais
contemporâneas. Tais informações podem ser confirmadas nas vidas de
muitos sujeitos, assim como nas exceções de denúncias feitas pela mídia, ao
se referir ao trabalho escravo. Na contemporaneidade, apresento uma cena
que retrata esta época, e algumas analogias referentes aos diálogos nas
escolas.
No ano de 2002, visitei um lugar de plantio e corte da cana na cidade
de Campos dos Goytacazes
23
no Rio Janeiro. Naquele lugar, vi o difícil
processo destas sobrevivências humanas. Era impossível identificar a idade
daquelas pessoas, assim como suas etnias. O sol forte que queimavam suas
peles acelerava também suas vidas. Cumpriam uma carga horária muito
extensa e tinham braços, pernas, pulmões queimados pelo carvão que exalava
da queimada da cana. Suas expressões eram de permanente sofrimento,
assim como seus olhares que pareciam mirar o infinito, totalmente
desconectados com tudo que se passava ao seu redor. Em silêncio, limitavam-
se apenas ao cumprimento de suas tarefas, mantendo sempre suas cabeças
baixas e seus olhos voltados para o centro da terra. Associada a este trabalho
braçal, também fiquei sabendo que muitas daquelas pessoas apresentavam
problemas de saúde, cujos casos eram gravíssimos devido ao ar que
respiravam na hora da queimada da cana.
Tentando entender um pouco mais das correlões históricas com a
sociedade brasileira e suas complexidades no mundo da educação, estas
comparações elencam as dificuldades de falarmos das dores do processo da
escravidão, ou seja, de um passado muito próximo e suas resistências, pois
tais questões adentram o mundo, e o universo educativo. Vejamos a opinião de
uma professora negra quando perguntada sobre significado da palavra
discriminação:
23 Campos dos Goytacazes - uma cidade do Rio de Janeiro, localizada ao norte fluminense. Campos foi colonizado por índios e negros.
Atualmente, a cidade ainda concentra uma populão de ascendência negra, e ao conversar com muitas delas, denominam-semoreninhas,
multas". A palavra negro ainda é de difícil acesso a esta comunidade, que a meu ver, ainda apresenta forte negação no que diz respeito ao seu
pertencimento étnico-racial
.
“Quando falo de injusto, refiro-me também as questões de
desemprego. Exemplo, numa seleção. Tu dá o emprego para o branco. Assim
como mulher e negra, é muita mais difícil de conseguir a vaga, mesmo que
vocês esteja numa empresa, gerência, diretoria, vo o consegue ascender,
pegar uma coordenação”” (E5EEEFAW).
Estas falas nos desafiam a comparar o trabalho braçal desenvolvido
pelos cortadores de cana, ao pedagógico, realizado diariamente pelos
professores que muitas vezes sentem-se neste espaço, como se estivessem
fora dele. Desse modo, a ascensão profissional desta educadora, es
intimamente ligada ao pensamento de Milton Santos, sobre o lugar do homem
na sociedade, ao tempo do escravismo e as formas como vêm se propagando
o mito da democracia racial onde a maioria das mulheres negras sofrem dupla
ou tripla ou mais formas de discriminações.
Foram vários os momentos em que conversamos sobre as dificuldades
pedagógicas desta professora negra na sala de aula, e no espaço da formação
dos professores. Mas em momento algum em nossas conversas ela associou
tais ações a discriminação racial. Preferiu sempre manter um distanciamento
étnico e tamm uma práxis pedagógica de acordo com a maioria dos
professores não negros da escola. Constatão particular que ousei fazer a
partir da respostas recebidas no questionário e também sobre a sua
percepção da história do negro na escola e em geral:
“Essa historia não está lá. Eles não enfatizam muito. Sei por que tenho
filhos que estuda, estudaram e acompanhei. Eu sabia das coisas porque ia
na escola. Aqui os pais não vêm”. ( EP1 EEEFAW )
Contudo, se esta professora encontra-se na escola, e a história do
negro não está lá, como podemos ver, transfere com naturalidade também o
que poderia ser seu, ou seja, a responsabilidade de inserir tais assuntos no
currículo Apresenta total desconhecimento, distanciamento, alienação destes, e
também a não identificação com o lugar que ocupa na vida e em sua profissão.
Negações? Novamente Munanga:
A valorização e a alienação do negro estende-se a tudo
que toca a ele: o continente, os países, as instituições,
o corpo, a mente, a língua, a música, a arte... Seu
continente é quente demais, de clima viciado,
malcheiroso, de geografia tão desesperada que o
condena a pobreza e à eterna depenncia. O ser
negro é uma degeneração devida à temperatura
excessivamente quente(op. cit., p. 21)
Ao trabalharmos a situação do sujeito negro e suas situações de
resistências, negações e contradições sociais históricas e cultuais fizemos uso
de maneira alongada do pensamento de Munanga
24
. Além de antropólogo
crítico, para nós é o que melhor se aproxima da dialética para retratar questões
de colonialismo e negritude, assim como sua significativa contribuição de forma
sistemática em áreas de interesses para além da educação tais como:
antropologia, história, literatura, sociologia e política. Suas idéias expressam o
olhar de um sujeito protagonista das relações entre Brasil e África. Munanga é
oriundo da diáspora africana, que muito vive no Brasil. Portanto, ele muito
tem contribuído sistematicamente com metodologias e diálogos para o
movimento negro, assim como sua articulação em outros setores da sociedade
brasileira.
No século XXI, no continente brasileiro, apresenta em sua pauta,
Políticas de Ações Afirmativas, articuladas com o movimento negro e demais
segmentos sociais. E neste bojo, trás à tona, a necessidade de incluir nesta
proposta nacional, ações de reparações históricas e culturais, principalmente
as correlacionadas com a comunidade negra.
Sabemos que o capitalismo ocupa todos os espaços, e no que tange a
estas questões, vimos como seu aliado o citado, o mito. Assim, sempre que
sempre que o movimento negro levanta suas bandeiras de reivindicões
imediatamente surgem outras rígidas e fechadas num processo de resistência,
negando as necessidades de tais políticas. Dividem as opiniões das pessoas,
reafirmando que a excluo do povo negro no Brasil é uma questão social,
24 Kabengele Munanga nasceu na República Democrática do Congo, antigo Zaire, no dia 19 de Novembro de 1942. Foi o primeiro antropólogo do
seu país, tendo saído pela primeira vez para fazer mestrado na Bélgica. Chegou ao Brasil por convite de um colega, terminado o seu doutorado,
retornou ao Congo. Em 1980 veio para o Brasil, para assumir a cadeira de Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte. Depois de um
ano muda-se definitivamente para São Paulo, tomando como sua casa a Universidade de São Paulo. Tem cinco filhos, dois belgas, dois do congo
e um brasileiro.
jamais racial. Será? Ainda neste tempo, continuamos afirmando que o as
duas.
Para dialogarmos com os professores e seus caminhos pedagógicos
na desconstituição do mito, assim como a fundamental importância de inserir
no currículo as questões negras e suas especificidades, um pouco mais do
pensamento de Freire: O educador deve ser um inventor e um re-inventor
constante desses meios e desses caminhos com os quais facilite mais e mais a
problematizarão do objeto a ser desvelado e finalmente apreendido pelos
educandos". (FREIRE, 1984, p. 17).
Isto significa ter presente que processo é este. Este processo implica
ter identificão das práticas discriminatórias, as contradições e as negações
étnico-raciais que não nascem hoje, estão presentes nas escolas há muito e
podem ser desconstituídas através de um trabalho coletivo e um despertar da
consciência dos sujeitos comprometidos e envolvidos educacional e
socialmente, na qual juntos objetivem a transformação social de sua práxis.
Para continuarmos a análise deste processo o mito da democracia
racial necessita ser compreendido no seu desenrolar histórico, principalmente
no histórico do movimento negro e suas principais bandeiras que ainda
persistem.
Até este momento, a contribuição dos autores acessados, nos levaram
a dialogar com o nosso problema de pesquisa, diretamente com nossos
objetivos, através dos recortes das entrevistas nas quais evidenciaram
conceitos internalizados em suas falas. Na sociedade e educação brasileira,
sabemos que - as práticas discriminatórias, as contradições, as negações e o
pertencimento étnico-racial não nascem hoje, estão presentes há muito
podendo ser desconstituídos no coletivo de um despertar de conscncias dos
sujeitos envolvidos educacional e socialmente que objetivam a transformão
social de sua práxis.
Para continuarmos dialogando um pouco mais com educadores, sobre
as complexidades étnicas e a presença do mito no espaço escolar,
navegaremos na carona da história e dos autores que sobre ela se debruçaram
para entendermos como o mito surgiu no Brasil.
O mito da democracia racial necessita ser conhecido no seu
desenrolar hisrico, principalmente no movimento negro e suas principais
bandeiras.
1.3 Breve histórico do movimento negro brasileiro e principais no
século XXI
Entendemos por movimento negro pessoas simpatizantes, ativistas e
partícipes do movimento social envolvidos permanentemente com todas e
quaisquer ões que digam respeito às questões de discriminação histórica e
social da população negra. Pessoas identificadas diretamente com a
resistência que os africanos e seus descendentes imprimiram em sua práxis,
desde sua chegada em nosso ps, totalizando até os dias de hoje, cerca de
quinhentos e três anos de história de colonização das terras indígenas, cujo
segmento social e Assim, este segmento social em sua dialética com os
demais, aos poucos se constitui enquanto categoria, como uma construção
analítica e não como um fenômeno empírico observável.
A partir das lutas do movimento negro e do movimento de mulheres
negras à negação frontal do racismo é paulatinamente substituída por solenes
declarações que reconhecem o problema, maso indagam o papel dos
indivíduos, das instituições e do Estado na sua superação.
Ao longo dos anos, os militantes ganham existência e tornam-se
sujeitos ativos de seus direitos, pois na medida em que se constituem enquanto
partícipes de uma entidade ou grupo, ao mesmo tempo estarão sendo
constituídos como sujeitos coletivos, cujos processos são dinamizados e
processados socialmente. Analisemos este movimento dos militantes para as
entidades e grupos, e vice-versa, tendo presente que um não se esgota no
outro, mas ao contrário, a ação individual e o processo de ações coletivas se
dão pela imbricação, interação, movimentos de ambos, onde os ativistas e
militantes constituem-se, adquirem identidade nas entidades que participam ou
também dentro dos grupos.
Definimos como entidades, pessoas e grupos que constituem o
movimento negro gaúcho-brasileiro, aquelas que articulam e propagam a
cultura negra, estando ou não, inseridas em fóruns locais, estaduais ou
nacionais reconhecidas também por outras entidades ou instituições, em sua
prática organizativa e política articuladora. Enquanto partícipe do movimento
social negro e demais esferas sociais.
As comunidades e instituições vêm nesta caminhada organizando-se
em grupos, associações, entidades, para elaboração de políticas especificas de
inclusão e representatividade da população afro-brasileira. Temas polêmicos e
difíceis de serem abordados, trabalhados e ressignificados, em função de que
o senso comum de que reforça diariamente uma igualdade de sujeitos, mas
não de direitos, numa prática que afirmamos não sermos seres iguais
etnicamente, e muito menos de direitos igualitários enquanto sujeitos negros.
Por isso a necessidade de políticas específicas para grupos e questões
específicas, tais como a Lei 10.639/03.
Reforçamos os estudos de que no Sul, estimam-se mais de uma
centena de organizações, divididas em grupos e instituições, sociedades que
trabalham com as questões negras. Algumas de cunho social, político,
educacional e cultural. Num processo de reivindicações, estas entidades têm
participado frente às mobilizações, passeatas e atos, contribuindo direto na
elaboração, acompanhamento e assessoria de algumas ões, principalmente
o objeto desta pesquisa, Lei 10.639/03; tamm- o Estatuto da Igualdade
Racial, o Vinte de Novembro e a Política de Cotas nas Universidades blicas.
O Movimento Negro é apoiado e enaltecido nos trabalhos
desenvolvidos por grupos de capoeira, dança e expressões que realizam
belíssimas ações relacionadas com a busca cultural, apresentação em eventos
e outras ações, nas quais o colocamos enquanto sujeitos propagadores dessas
questões, apresentando paralelamente uma capacidade organizativa de
intervenção social e contribuindo com o eixo educativo onde este tem se
constituído como uma das preocupações centrais nesta análise. Com estes
grupos e entidades, estabelecemos correlões diretas com o movimento
negro gaúcho e brasileiro.
A tônica do movimento negro encontra-se na inserção curricular das
demandas referentes às políticas públicas e o acompanhamento das práticas
que abordem o processo diaspórico como um legado deixado pelos ancestrais
africanos e suas correlações com a categoria de pertencimento étnico-racial
(para que sujeitos se constituam enquanto pertencentes à etnia negra), ou seja,
para a continuidade da luta pela erradicação do preconceito racial, e formas
correlatas de discriminações.
A contribuição deste segmento em prol da liberdade dos africanos e
seus descendentes no Novo Mundo
25
desencadearam a necessidade de
análise das perdas históricas e sociais, trazidas e mostradas no cotidiano pelas
insncias organizativas da sociedade e seus estatutos e regimentos. Por
insncias organizativas estamos entendendo os seguintes espaços: família,
igrejas, escolas, quilombos, associações de moradores, grupos, ONGs,
sindicatos, clubes de mães, associações de pais e mestres e sociedades
recreativas.
A materialização destas demandas, após muitas reuniões e trocas de
informações por parte desta sociedade organizada foram analisadas pelas
insncias de poder do Estado, referendadas através de - decretos, portarias,
regimentos, estatutos, projetos de leis e leis como estratégias de oferecer
maior visibilidade às políticas especificas da população negra. O conceito que
desejamos apresentar e reforçar sobre “Política de Ação Afirmativa
encontramos no dicionário Escolar Afro-Brasileiro:
"Política pública voltada à promão da mobilidade
ascendente de membros de um grupo social
historicamente discriminado. Em relação aos afro-
descendentes, especificamente, se expressa, por
exemplo, na de cotas em universidades ou empresas,
bem como bolsas de estudo, como compensação pelas
dificuldades encontradas em um contexto social
notoriamente adverso. Também chamada de Ação
compensatória. Na Índia, esta prática assegura, por
25 Novo Mundo- Entendemos por Novo Mundo, Novo Continente, o país denominado Brasil.
meio da Constituição, vagas no Parlamento e nas
casas legislativas estaduais, assim como no serviço
público, para as castas e tribos em desvantagem
histórica. Nos Estados Unidos, seus princípios
passaram a ser implementados em 1964". (LOPES,
2006, p. 12-3).
Sabemos que os Estados Unidos ao adotarem estas políticas públicas,
as mantiveram em sua pauta nacional por um tempo de aproximadamente
cinqüenta anos. Chegaram à concluo de que as ações afirmativas não
resolveriam todos os problemas de discriminação racial, porém, inseriram o
sujeito negro em um cenário de melhores condições sociais, econômicas e
culturais. Os EUA não eliminou o problema da discriminação racial, mas
significativamente sensibilizou a sociedade para a aplicabilidade legislativa,
elevando a auto-estima dos negros, assim como o respeito dos não negros
para esta populão.
Analisamos como mais uma conquista histórica dos EUA, os concretos
resultados associados a esta caminhada, na qual materializa-se hoje: a eleição
do primeiro presidente negro chamado Barack Obama
26
. Paralelamente a este
resultado histórico (pois nunca em um país de primeiro mundo havia se
efetivado tal possibilidade), entram em cena, mecanismos sutis de
discriminações trabalhados pela mídia. Pois esta também tem reforçado
diariamente que Obama foi eleito porque possui "méritos"," capacidade" e não
pela tonalidade de sua pele. E neste movimento, nos perguntamos Como
fragmentar um sujeito que em sua totalidade apresenta como resultado em seu
fenótipo a negritude”? (EAS)
Sobre mecanismos de discriminação e suas fragmentações, Kosik
amplia um pouco mais nossos olhares:
“Se a realidade é um todo dialético e
estruturado, o conhecimento concreto da realidade não
26 Barack Hussein Obama- Nasceu em 4 de agosto de 1961, é um político dos USA, eleito o 44° presidente de seu país. Obama foi o primeiro
presidente negro estadunidense, empossado no dia vinte de janeiro de 2009. WWW. Wikipédia.org/wiki em 30 de dezembro de 2008.
consiste em um acrescentamento sistemático de fatos
a outros fatos, de noções a outras noções. É um
processo de concretização que procede do todo para
as partes e das partes para o todo, dos fenômenos
para a essência e da essência para os fenômenos, da
totalidade para as contradições e das contradições
para a totalidade; e justamente neste processo de
correlações em espiral no qual todos os conceitos
entram em movimento recíproco e se elucidam
mutuamente, atinge a concreticidade (KOSIK, 2002, p.
50)
Nesta espiral, os Estados Unidos vive hoje uma história real. Um
presidente negro eleito pela maioria da população o negra, em um país que
séculos apresenta o desenho de um modelo de desenvolvimento padrão
para o mundo tendo em seu núcleo o lucro. Sobre estas possibilidades e
realidades, novamente recorremos à Kosik:
“A história real da consciência humana,
história de como os homens tomaram
consciência da contemporaneidade e das
ações que ocorreram, ou é história de como as
ações efetivamente ocorrem e de como
deveriam ter-se refletido na consciência
humana” (op.cit, p. 50)
Neste entendimento, uma significativa contribuição que nos chega do
movimento negro vai ao encontro de nossos pensamentos em relação a este
todo - Obama foi eleito porque acessou sua história, sua memória, apresentou
uma plataforma de programas e ações coerentes com sua práxis social. Assim,
ele não resolverá o problema da discriminação, mas amenizará muitas dores,
trazendo com elas o respeito à ancestralidade, à África, contribuindo
diretamente na elevação da auto-estima do povo negro de todos os
continentes. Para atentarmos às armadilhas do senso comum escondida atrás
do mito da democracia racial, novamente KosiK:
“Surge aqui um duplo perigo: descrever os
fatos históricos tal qual como deveriam ter
ocorrido e, portanto, racionalizar e tornar lógica
a história, ou então narrar acriticamente os
acontecimentos sem avaliá-los, o que, porém,
equivale a desprezar o caráter fundamental do
trabalho científico que consiste em distinguir o
essencial do acessório, assim como o sentido
objetivo dos fatos”. (KOSIK, 2002, p. 55)
Na carona da idéia de Kosik - o movimento negro, ativistas, militantes
e simpatizantes da causa negra, acompanharam o episódio inédito ocorrido no
dia 20 de Janeiro de 2009, dia da posse o referido Presidente. Ele é o primeiro
homem negro eleito para dirigir uma das maiores potências mundiais - os
Estados Unidos. Paralelo a esse movimento, no Brasil temos a presidência de
um homem de origem nordestina que também passou por discriminações para
assumir a pasta presidencial
27
, e não temos certeza de estas se esgotaram.
Estes motivos aumentam nossas inquietudes na condição de pesquisadores, e
também de ativistas do movimento negro sobre a vigília constante das leituras
de mundo que os professores realizam dentro e fora da sala de aula.
Acessando um pouco mais o pensamento de Kosik, entendemos que
mais uma tarefa dos educadores, aponta sugestões de que eles não podem
continuar como meros narradores dos fatos que ocorreram no mundo sem
avaliá-los, rebuscando a contribuição de todas as etnias e suas historicidades
que somaram na construção das nões.
Ainda neste assunto, ao observar uma aula na escola da pesquisa ouvi
uma comparação realizada por uma professora que ao falar, dirigiu-se
especialmente os seus alunos negros:
27 Presidente Luis Inácio Lula da Silva- atual Presidente do Brasil.
“Vejam, se ele conseguiu qualquer um de vocês agora também
podem!” (EP4 EEEFAW)
E neste mesmo tempo que ouvimos de um limpador de carros de
origem pobre, porémo negro:
“Eu to feliz, vou pedir a minha parte agora, pois se aquele negro ta
,tem obrigação que dividir comigo esse poder! ”(LCRPOA)
Contudo, estas comparações realizadas apresentam-se de forma
desarticulada da luta pelos direitos à cidadania e suas articulações das com os
demais setores da sociedade que não torna os alunos ou as demais pessoas
civis, sujeitos de poder e oportunidades. Por isso a correlação do movimento
negro com os demais segmentos sociais e a historicidade de outros países no
currículo pode ser mais uma das ações da Lei 10.639/03, assim como a
Política de Cotas que desenvolvemos detalhadamente no projeto de
dissertação - Vinte de Novembro - o Estatuto da Igualdade Racial e outras
conquistas destas políticas no Brasil.
Lembramos que o “Vinte de Novembro” foi colocado em pauta nacional
pelo poeta e escritor Oliveira Silveira mais de duas décadas em parceira
com o movimento negro, elaborou esta proposta para reconstruir o resultado da
abolição da escravatura. Esta a ação efetiva-se na troca dia “13 de maio”, para
o dia 20 de novembro, em alusão à morte de Zumbi dos Palmares um dos
maiores símbolos da consciência negra brasileira.
Outra bandeira construída com o acumulo da historicidade brasileira
para chamar a atenção da sociedade para as práticas discriminatórias objetivas
e subjetivas é o “Estatuto da Igualdade Racial”. Após parcerias com o
movimento já referido, o Senhor Senador da República Brasileira Paulo Renato
Paim, o institui publicamente no
28
Primeiro Seminário da Igualdade Racial, em
maio de 2002.
Sabemos até o momento desta pesquisa, que o mesmo encontra-se
no Senado Federal aguardando para ser votado (em anexo).algumas
informações atuais. Este projeto, dentre tantas reivindicações trás em seu bojo
duas questões primordiais que emperram a votação - reparações para os
28 I Seminário da Igualdade Racial. Proposta de apresentação pública do Estatuto, realizado em 03 de maio de 2002 na Assembléia Legislativa
de Porto Alegre.
descendentes de africanos no Brasil e o respeito ao culto e expressão das
religiosidades de matriz africana. .Ao nosso ver, além da Lei 10.639/03, - o
Estatuto é um dos documentos mais completos que soma efetivamente com o
cenário nacional no que se refere às perdas históricas e reparações
emergenciais para amenizações de discriminações futuras.
Abrimos um parêntese aqui para referirmos a perda do poeta Oliveira
Silveira, criador da proposta do Vinte de novembro que nos deixou no primeiro
dia do ano de 2009.
Repetindo, estas duas políticas são as que mais se aproximam e
dialogam com a Lei 10.639/03 no sentido teórico. Porém as práticas que
Sempre que chega novembro, as escolas procuram pessoas ligadas ao
movimento negro, para em parcerias realizarem trabalhos de visibilidade da
cultura negra, pois a troca do treze de maio pelo vinte de novembro soma-se
na desconstituição de muitos mitos que presentes nas escolas, onde
questionamos se educam ou deseducam esta comunidade/sociedade.
1.4 O movimento negro: os mitos e a (des) educação
O mito da democracia racial" no Brasil apresenta-se de forma tão
perversa quanto às lutas raciais norte-americanas ou o “apartheid" na África do
Sul. De acordo com Henriques
29
:
“... ' Um pacto populista', ou 'pacto
desenvolvimentista', que vigeu sobre os olhares dos
cientistas políticos de 1930 a 1964, na qual os negros
brasileiros foram inteiramente integrados à não
brasileira, em termos simbólicos, através da adoção de
uma cultura nacional mestiça ou sincrética, e em
termos materiais, pelo menos parcialmente, através
regulamentação do mercado de trabalho e da
29 HENRIQUES, Ricardo. Raça e gênero no sistema de ensino: os limites das políticas universalistas na educação. Brasília, UNESCO 2002.
seguridade social urbanos, revertendo o quadro da
exclusão de descompromisso patrocinado pela
Primeira República. (HENRIQUES, 2002, p. 166)
Sabe-se que no início da década de 60, o Brasil precisava posicionar-
se em relação aos movimentos de libertação das colônias portuguesas na
África. De acordo com Guimarães:
“O movimento negro brasileiro influenciado pelo
movimento negro internacional, principalmente a
negritude, enfatizava suas raízes africanas, o que
gerava reação de intelectuais como Gilberto Freyre
(1961, 1962), em sua cruzada pelos valores da
mestiçagem do luso-tropicalismo”. (GUIMARÃES,
2006, p. 166)
Reconhecemos e respeitamos o trabalho realizado por Gilberto Freyre.
Ele foi um homem que viveu em seu tempo desejo de denunciar diferenças
sociais, porém reforçava relações de igualdade entre brancos e negros, que até
nossos dias são formas impossíveis de se efetivarem. Portanto, como resultado
para o segmento social negro, foi o autor que mais contribuiu na propagação
do mito da democracia racial. Vejamos sob a ótica de Guimarães:
“(...) a discussão sobre o caráter da democracia
racial" no Brasil - ou seja, se tratava de realidade
cultural (como queriam Freyre e o establishment
conservador) ou de ideal político (como queriam os
progressistas e o movimento negro) - acaba levando a
radicalização das duas posições”. (GUIMARÃES, 2006,
p. 166)
Até nossos dias, a maioria das pessoas continua afirmando
convictamente o conceito de igualdade, numa sociedade com “tamanha
desigualdade.
É uma pessoa como eu. Tudo que ele pode fazer, eu também posso
e vice-versa. Se ele acreditasse mais nele, as pessoas passariam a ver as
coisas de outra forma. Que ele é igual ao branco, não é diferente, e não é a cor
que vai fazer a diferença. (EF1 EEEFAW)
Para Guimarães:
A acusação de que: democracia racial"
brasileira não passava de desmistificação”, logro"
emito" toma conta do movimento, à medida que a
participação política se torna cada vez mais restrita,
excluindo a esquerda e os dissidentes culturais. A partir
de 1968, os principais líderes negros brasileiros vão
para o exílio.” (GUIMARÃES, 2006, p. 166)
Para que possamos colocar em evidência e denunciarmos as maneiras
de como o mito da democracia racial vem perdendo espaço na sociedade, na
medida em que é debatido pela militância negra, mais um pouco do
pensamento deste mesmo autor:
Em meados dos 1960, 'democracia racial' é
apresentada a sociedade como o significado freyreano
de mestiçagem e mistura étnico-cultural, tout court
tornou-se, assim para a milincia negra e alguns
intelectuais como Florestan Fernandes, a senha do
racismo à brasileira, um mito racial.” (GUIMARÃES,
2006 p.168).
Nota-se que Guimarães amplia alguns dados estatísticos, baseados em
elementos estereotipados, socialmente aceitos", numa tabela na qual retrata
os registros sobre as queixas prestadas de discriminação. Através de dados
coletados entre primeiro de maio de 1997 até trinta de abril de 1998, na
Delegacia de Crimes Raciais de São Paulo, mais de 80% das queixas e
insultos, apresentaram-se seguidas de insultos na área de trabalho, vizinhança
e consumo de ataques à honra pessoal.
Várias são as bandeiras, grupos e entidades do movimento negro que
se organizam para colocar em evidência a desconstituição do mito em todos os
espaços sociais.No projeto desenvolvemos um pouco e suas implementações,
aqui desenvolvemos duas e afunilamos suas articulações com a Lei 10.639/03
e algumas instituições. Uma delas, o MNU
30
(Movimento Negro Unificado). Este
foi o primeiro a retomar o conceito de negro, dando a ele um sentido político e
também a chamar a atenção para a luta contra o mito da “democracia racial",
denunciando o processo hisrico de negação e contradição aos
pertencimentos étnicos vividos pelos negros no Brasil.
Neste movimento em que os grupos e autores dialogam, analisamos
algumas situações da sociedade brasileira, consideradas pontuais e atuais. O
Brasil, em especial o Rio de Janeiro, divulga a imagem no exterior como a terra
do carnaval e do futebol. No Carnaval é vendido o estereótipo da “mulher
brasileira”, a mulata seminua: produto exótico tipo exportação”. A maior parte
dos jogadores de futebol são negros ou descendentes deles. São as formas
mais comuns apregoadas pela dia em geral de ascendência econômica e
social para pobres no Brasil, em especial - negros e miscigenados - homens ou
mulheres que dentro desta realidade poucos são os que se destacam.
O Carnaval, uma das maiores expressões de resistência da cultura
negra, torna-se, na maioria das vezes, uma mercadoria de exportação direta,
onde a criatividade e a imagem da hisria da cultura de origem africana são
substituídas por gestores com posicionamentos autoritários, estabelecendo
critérios de julgamentos seletivos e excludentes. Por exemplo, para desfilarem
como “destaques" em carros alegóricos, as mulheres precisam ter poder
aquisitivo alto, na prática vêm sendo representadas na maioria das vezes pelas
30 MNU- Movimento Negro Unificado. Uma das mais atuantes organizações do movimento Negro Nacional, criado nacada de setenta, para
denunciar ações de discriminação racial, assim como realizar formações políticas de seus integrantes no Brasil.
mulheres não negras, quase sempre atrizes ou modelos reconhecidas nacional
e internacionalmente.
O senso comum da invisibilidade racial não relaciona a expropriação
da população negra à estas questões. Quando há denúncias por alguns
segmentos sociais sobre a hipocrisia que encobre a real situação deste extrato
da população, esteso acusados de provocarem como já vimos o “racismo às
avessas". Assim, esta ação confirma a existência da discriminação racial e
pressue-se que existe um “racismo direito", confirmando assim um “racismo
legítimo”.
Trago à tona, mais um caso particular acompanhado na condição de
ativista e militante do movimento negro em 1999, para ilustrar uma
manifestação de racismo às avessas: um adolescente negro que residia na
grande Porto Alegre ganhou de seu pai uma bicicleta e junto, um alerta: “Filho,
sempre que você sair, leve a nota da bicicleta no bolso certo? Pois como você
sabe, somos negros e alguém pode pensar que vo roubou esta bicicleta”
(P18EEC).
Passado poucos dias este menino foi atropelado pelo filho de um
grande empresário daquela cidade. Ao ati-lo no chão sem prestar-lhe socorro
no local, dispensou um tempo dizendo às pessoas que passavam: Não
ajudem este negro, ele tentou me assaltar.” (ECLC)
Outras pessoas prestaram socorro. Levando o garoto para o hospital.
O homem que atropelou correu até o hospital e entrou na sala dos médicos
dizendo aos plantonistas que não precisariam se importar", pois seria menos
um marginal na sociedade, porque ele, na condição de filho de um renomado
empresário havia sofrido uma tentativa de assalto e estava profundamente
abalado!
Resumindo este absurdo: o menino deu entrada com vida no hospital e
devido à negligencia médica veio a falecer. O caso foi publicado em revistas e
jornais. Lastimável, pois o mesmo sujeito que atropelou o menino tratou de
comprar imediatamente quase todos os jornais e revistas de todas as bancas
daquela cidade.
Neste tempo, na condição de militante, ficamos sabendo do caso e nos
articulamos no dia da audiência para realizarmos um protesto, onde
denunciamos e divulgamos na cidade este caso impedido de repercussão
midiática.
No momento de seu julgamento, esperamos em frente ao Fórum,
distribuindo uma moção de repúdio à todos que passavam pelo local. Assim, o
cidadão que atropelou o adolescente passou sem que o conhecêssemos,
sozinho, pegou um informativo sem ser identificado. Na audiência, solicitou ao
juiz que processasse o pai do menor que fora atropelado e morto, por incitação
ao racismo, fazendo uso, como prova da carta/denúncia.
Sabemos até o presente momento que este caso encontra-se em
segredo de justiça aguardando o julgamento do empresário contra o pai do
menino. “Esta ação judicial, tamm pode ser classificada como mais um entre
muitos casos que se encontra à espera de julgamento um caso de “racismo
às avessas”. Trouxemos este, para evidenciarmos que o racismo es
indissoluvelmente ligado a fatores sócio-econômicos e também à tonalidades
de peles, ou seja, à etnia raça e questões econômicas. Dito de outra forma,
ainda conforme Henriques, a pobreza, no Brasil, tem cor:
“Dados estatísticos demonstram que, em 1999,
o contingente brasileiro de 53 milhões de pobres e 22
milhões de indigentes não está democraticamente"
distribuído. Isto é, neste ano em questão, os negros
representam 45% da população brasileira, porém
correspondendo a 64% da população pobre e 69% da
população indigente. Enquanto que os brancos
representam 54% da população total, mas somente
36% são pobres e 31% são indigentes. Se no Brasil
esta é a cor da pobreza, na Região Sul, a
discriminação segue o tom nacional onde das
pequenas populações pardas e pretas 46% e 41% são
pobres e 16% e 18% são indigentes, respectivamente
(HENRIQUES, 2002 p. 9-12).
Mais um dos motivos que leva à negação do sujeito negro identificar-
se enquanto tal em nossos dias e este ao fazer, ainda tem provocado imenso
mal estar nas pessoas, ou seja, nas mais diferentes instâncias sociais.
Inconscientemente, ou não, entramos numa história de perdas e dores, que até
o presente insiste em ser afirmada de forma distorcida e contada pela lente dos
que têm facilidades de se identificarem como.“vencedores". No Brasil cabem
todas as etnias e todas as cores. Por isso reafirmamos que a discriminação é
social e racial.
Outras formas camaleônicas de identificarmos o mito da democracia
racial construído no imaginário de muitas pessoas e a (de) educação histórica
que desemboca na escola relacionado às heranças africanas: Olha, eu não
discrimino essas pessoas de cor, pois meu avô também veio dela, assim
também tenho um ‘pezinho lá... na África”. (E1 EEEFMCC)
Para dialogarmos um pouco mais sobre a presença do referido mito,
recorte da entrevista da professora negra que ao ser perguntada por que se
considerava negra” respondeu:
“Porque minha a materna era negra, meu pai, descendente de
italianos, e meu avô paterno também negro. Assim, minhas raízes me dizem
que sou negra. Veja, meu avô era branco e não gostava de negro e casou com
minha avó que era bem pretinha. minha avó era mais clara e meu pai
branco. Conheci minha bisavó que era bem pretinha, mas meu avô dizia: - tu
não és negra, é descascadinha!...Hoje, tenho três filhos e são todos
misturados: Um negro, um bem negão e uma alemã. E meu filho é tão alto
quanto seu avô. em casa dizemos a ele: - Você é assim negão e alto,
porque veio no navio negreiro junto com teu avô, sim porque meu avô foi
escravo e veio no navio negreiro”. (EP1 EEEFAW)
As falas evidenciam a dificuldades e negações de seu pertencimento
étnico-racial, contradições e complexidades do mito na qual como antídoto para
a retomada da fidedigna educação - movimento negro. Sua intervenção pode
contribuir com estas questões e o papel da escola em dialogar com os demais
segmentos na busca de dados históricos e personagens que gravaram no
mundo avanços politicos. Como vimos, o Brasil é o segundo país em
população negra superado apenas pela Nigéria, entretanto, é sintomática a
ausência de negros ou seus descendentes em posições de presgio e
melhores remunerações, tanto no setor público, como no privado, assim como
nos espaços das escolas particulares.
Por estes motivos, sabemos que algumas pessoas que por um motivo
ou outro ascenderam economicamente são dadas como referência de
possibilidades e igualdades na sociedade brasileira, onde infinitamente não
representam a maioria populacional. Nos espaços de poder, mais uma
situação: um ex-governador de nosso estado, negro falou de forma tranqüila ao
repórter negro que o entrevistava na RBS-TV em 1995: “ vai dar um jeito neste
teu cabelo rapaz. Quando eu era pobre, meu cabelo era assim igual ao teu”.
(GERGSAC)
São estes os espelhos de momentos nos quais observamos através da
mídia, sentimos e afirmações que evidenciam de forma natural a presença do
mito, assim como as diversas frases que escutamos nos espaços da escola
nos momentos da formação: Se eu estudei e trabalhei e ele não, foi porque
não quis, pois as chances são iguais para todos!" (P3EEEFAW)
Ativistas e educadores vêm trabalhando com a hipótese de que
exceções representam o todo, ou seja, todos têm as mesmas condições de
conseguir ascender socialmente. Ainda não percebem que existe um grande
contingente de pessoas negras que não estão paradas esperando por uma
vaga, e sim lutando por uma oportunidade de mostrar suas capacidades, sem
serem rotuladas pela cor de sua pele. Falam como se o processo de exclusão
jamais estivesse presente na estrutura social, portanto, urgência da
obrigatoriedade do debate e da inserção no currículo escolar do significado do
negro na cultura e de ressignificado de seu processo histórico, assim a
efetivação da Lei 10.639/03.
Os mitos da democracia racial, não estão desconectados da
sociedade. Os tabus direcionados à - religiosidade, saúde, segurança e outros
setores ainda associam suas práticas às simbologias de cor. Para estes,
Munanga contribui:
“De acordo com a simbologia de cor, alguns
missionários, decepcionados na sua missão de
evangelização, pensaram que a recusa dos negros em
se converterem ao cristianismo refletia, de fato, sua
profunda corrupção e sua natureza pecaminosa. A
única possibilidade de salvar este povo tão corrupto era
a escravidão. Muitos se utilizaram de tal argumento
para defender e justificar essa instituição. Desse modo
não haverá nenhum problema moral entre os europeus
dos culos XVI e XVII, porque na doutrina cris o
homem não deve temer a escravidão do homem pelo
homem, e sim sua submissão às forças do mal. Por
isso, foram instaladas capelas nos navios negreiros
para que se batizassem os escravos antes da
travessia.” (MUNANGA, op. cit, p. 15)
Nestas (des)educações sociais, na vida de muitas pessoas a maioria
das práticas de discriminação se dão em um tempo presente justificadas
através de ações passadas. No momento em que escrevia esta parte do
trabalho, passava na televisão, uma entrevista no programa fantástico, onde
um gerente amarrou um funcionário a uma mesa, por não cumprir uma meta
em sua empresa. O escolhido para realizar o comentário sobre é a mesma
pessoa que vem semanalmente neste programa contribuindo com as maneiras
de como as pessoas devem se apresentar ao mercado, para conseguirem uma
vaga. Observamos seu comentário em relação a este assunto:
“No século XIX, isso podia ser admitido. Hoje, no século XXI, não
podemos admitir uma coisa dessas”.
31
(RBS)
É necessário observarmos e atentarmos sobre o que se passa no
pensamento de muitos a referência às diversas formas sutis de
discriminação. Assim, perguntamos: Qual era o sistema vigente neste século?
Quem podia ser castigado? Lemos sua expressão associadas ao tempo do
escravismo, constituído em sua mente como algo “natural”.
Por isso, a necessidade de em todos os momentos trabalharmos as
questões de pertencimento étnico-racial, correlacionado com a desconstituição
do mito referido - na escola, no quilombo e todos os espaços sociais.
31 Programa Fantástico. Rede Globo de Televisão, 27 de julho de 2008
Sobre as leituras dele e seus movimentos nas subjetividades agregadas
de valores pré-estabelecidos buscamos um pedaço maior da entrevista da mãe
branca, que mais contribuiu para trazer à tona tais negações e contradições e
pertencimentos, ao ser perguntado o que sabia de seus antepassados:
“Meu pai é moreno claro, assim, sarará", minha aera italiana. Aí,
casou com meu pai que era moreno claro e meu pai saiu igual a ele, moreno
claro. Já por parte de minha mãe, são todos gringos. Mas lembro que meu avô
tinha a pele um pouco mais morena, mas não era negro”. (EF1 EEEFAW)
No questionário anterior, ela havia respondido que discriminação é a
pessoa o se aceitar como é. Assim, ao solicitar-lhe um exemplo, ouvi o que
foi analisado na parte que fala do lugar:
O negro só pela cor as pessoas não aceitam ele porque é negro,
assim o desprezam, humilham” (EF1 EEEFAW)
Ent. “Dê um exemplo”:
É. Aqui no Zaffari, por exemplo, é um lugar onde existe a
discriminação. Se a gente for ver, não tem nenhum negro, nem pra faxina”.
Ent.:- Como você vê a discriminação e os assuntos de negritude?
Normalmente, quando a gente discute, debate sobre este assunto. E
quando a gente vai nestes lugares a gente enxerga. No BIG, vejo mais
morenos. Hoje em dia, nós temos bastante pessoas morenas porque somos
todos iguais”. (EF1 EEEFAW)
Suas palavras retratam ainda um distanciamento da imagem do negro,
assim como a influência do mito da democracia racial. No decorrer da
entrevista, a mesma vê o negro sempre fora de seu ambiente familiar, embora
conviva diariamente com um homem negro e estas negações e contradições
estão em muitas casas da sociedade brasileira. É importante aproveitamos
para reforçar a necessidade de atentarmos às estas questões, para
contribuirmos um pouco mais na desconstituição desses preconceitos.
Contudo, sem exageros, precisamos ampliar nossas leituras correlacionando-
as com o processo histórico. Novamente a contribuição de Guimarães
32
·:
32 GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: FAUSP; Editora 34, 2002 (1ª reimpressão - 2006).
"O que continua em jogo, portanto, é à
distância discursos e práticas das relações raciais no
Brasil, tal como Florestan e Bastide colocavam nos idos
anos de 1950. Ainda que certamente para as ciências
sociais, o mito não possa ser pensado de maneira
maniqueísta como Freyre e pensaram, transpondo-o
para a política, permanecem os fatos das
desigualdades entre brancos e negros no Brasil, apesar
do modo como se classifiquem as pessoas”.
(GUIMARÃES, 2006, p.165).
Reafirmaremos todas as vezes que necessário for: - o mito da
democracia racial não está solto e nem disposto em um único lugar na
sociedade, e foi por muito tempo referendado por vários autores que em suas
contribuições num sistema de sociedade ajudaram a manter e fortalecer as
classes dominantes assim como as desconstituições e acomodações das
classes populares onde a cada dia os negros percebem seus direitos
específicos, diluídos nos direitos universais. Para Guimarães:
"O fato de que tais preconceitos e
desigualdades persistem no interior de uma mesma
classe é o modo lógico mais claro de demonstrar a
atuação de componente tipicamente racial" na geração
dessas desigualdades. Ou seja, a constante criação de
raças, gêneros e etnias continua sendo um dos meios
mais eficientes de gerar exploração econômica e falta
tecnologia" longe de ser suplantada no capitalismo
tardio, tem sido constantemente reatualizada".
(GUIMARÃES, op. cit. p.10).
Os direitos específico diluídos nos universais, manifestam-se no dia-a-
dia, a partir da seguinte lógica:
“Hoje em dia, não e só o negro que é discriminado o. Temos o
deficiente, o índio, o velho, a criança o aidético, o homossexual, a lésbica,
enfim, todos sofrem discriminação!” (EEEFMCC).
Concordamos que existem inúmeros tipos de discriminações
ampliando um leque para outros segmentos, tais como: gênero, sexualidade,
deficiência e outros. Aqui vale reforçarmos - historicamente ainda existem duas
etnias que vêm perdendo por não serem apresentadas fidedignamente no
currículo e nas práticas dos educadores: a negra e indígena.
Mais uma frase que apresenta e reforça a força do mito e a negão
étnico-racial: “O negro é o que mais discrimina. Ele não gosta nem dele, tem
vergonha de ser o que é, assim, como é que vai gostar do outro?”. (EEEFAW)
Um pouco mais da entrevista da mãe não negra, cujo pai de seu
segundo filho é negro, que ao ser perguntada porque escrevera sua opinião
afirmando que os que os negros são uns recalcados:
“Eu tenho muitas amigas de cor e elas mesmas puxam o racismo.
Também fazem com que as pessoas se irritem com elas. Elas dizem que não
gostam de sua cor e se pudessem, fariam algo para mudar de cor, assim se
sentiriam menos discriminadas. Elas não gostam dos cabelos delas. Dizem que
eles são pixaim" (rancor). Eu acho que isso que elas fazem, é não aceitar a sua
cor”.
Ent.- E que cor você acha que elaso?
Elas são negras, bem escuras. Tenho uma amiga que não faz nada
disso, ela se aceita e diz: tenho que me aceitar como eu sou". Neste momento,
trás a tona seu exemplo particular: Minha filha é loirinha. Ela queria ser da cor
do avô dela, morena". Aqui em casa, eu digo sempre para ela: Viu, a maninha
nasceu da cor do avô, (meu pai) e vai ser bem moreninha”.
Ent.- E o que ela faz?
Ela vai pro sol para se queimar, só pra ficar morena.
Ent.: - O que você pensa disso?
“Eu acho que as pessoas têm que se aceitarem como são. Olha o
Pelé, ela se acha branco. Ele se casou com uma loira, ele não se aceita negão.
Ele é um recalcado. Por isso, escrevi essa palavra, pois é o que eu acho.
Michael Jackson é outro. Veja o que ele faz com a pele dele? Não podia ter
ficado como ele era?”(EF1 EEEFAW).
Devido a estas e outras contradições já trabalhadas, o Brasil tem
alcançado recordes de discriminação, principalmente no que tange às questões
raciais. O mito referido, trás em sua bagagem rancores, mágoas e
indignações, dividindo a sociedade e opiniões dos que não entendem este
processo como algo histórico, tornando-os resistentes e contrários às cotas
raciais, assim como outras políticas reparatórias. Em suas não contribuições,
continuam afirmando que no Brasil não há mais discriminação porque, afinal,
somos todos iguais? Será? Para estas subjetividades vejamos a contribuição
de Milton Santos:
"Há uma relação entre a corporeidade,
individualidade e socialidade. Essa relação vai também
definir a cidadania. Neste país, por exemplo, a
cidadania dos negros afetada pela corporeidade. O fato
de ser visto como negro é suficiente para infernizar o
portador desse corpo". (SANTOS, 1996, p. 10).
Santos também nos ajuda no entendimento de expressões carregadas
de distanciamento étnico-racial desta mãe, o correlacionado à corporeidade
quando se refere aos sujeitos negros. Para nós, a entrevistada apresenta Pelé
e Michael Jackson como possibilidades de distanciamento étinico-racial que faz
uso neste momento para não correlacio-lo com o desconhecimento que
possui da historicidade de vida de seu companheiro negro.
Neste despertar individual, destacamos a importância do movimento
negro para desmistificação destes e outros mitos e a necessidades de diálogos
destas questões no mundo educativo.
2.CONSTRUINDO A NEGRITUDE: UMA DIFÍCIL TAREFA
2.1 Os elementos da confusão... negro ser ou não ser?
Desde o seu nascimento, parece-nos que o brasileiro traz consigo a
responsabilidade de uma expectativa de contribuir no clareamento da pele de
seus descendentes. o muitos os casos justificados pelo discurso da
negação, que apresentamos de uma mãe negra moradora da minha
comunidade
33
:
“Casei com um homem mais claro do que eu, para que minha filha não
sofra ao pentear seus cabelos! - Precisamos apurar a raça, negra já basta a
minha!” (JSSLP).
Estas confusões encontram-se internalizadas no imaginário de muitas
pessoas. Foi na pesquisa de Jorge Adão (2002), que acessamos dados e
contribuições para melhor entendermos que no universo negro, atualmente,
somam-se mais de mil e trezentas entidades e grupos que se dizem
pertencentes e constituintes do movimento negro brasileiro. No universo destes
grupos e em seus espaços, as terminologias negras e suas ações têm nos
apresentado uma prática um tanto desconectada com a realidade dos dados
referentes às informões das situações dos diaspóricos no Brasil.
33 Comunidade da Lomba do Pinheiro- Vila São Pedro- Localizada na zona leste de Porto Alegre, há cerca de 18 quilômetros do centro de Porto
Alegre.
Um dos aspectos da negação étnica, apresenta-se a
través das dificuldades do termo “auto-declarados”., e
nesta carona, a contradição aparece com várias
tonalidades menos negro. Assim, Jorge Adão acessou
o pensamento de diversos autores para realizar sua
análise, entre eles: Hofbauer:é famosa a pesquisa
do PNAD de 1976, que levantou 136 cores como auto
denominações tais como: turvo, verde, azul, queimado
da praia, ..., em outra momento: Marvin Haris levantou
492racial termos”. (ADÂO, 2002 p.65).
Neste mar de denominações, fica difícil sabermos os números de
negros que compõem o universo brasileiro com exatidão, pois entre os pardos
estão os que ainda possuem dificuldades de se auto declararem negros. Essas
confusões justificam algumas das frases que ouvimos quando nos propomos a
trabalhar estas questões nos espaços da formação de professores: “aqueles
negros o se valorizam! ”(E9EEEFAW), ou: “se os negros o se gostam,
quem é que vai gostar deles?”(E8EEEFAW) e também: não entendo essa
briga, o negro parece que es sempre dividido. Eles não conseguem se
entender !"(EEEFMCC)
O distanciamento da sociedade em relação ao pertencimento étnico,
na maioria das vezes é visto como algo natural, ou seja, sujeitos constituídos
biologicamente enquanto negros e que referem-se às outras pessoas negras
como se elas não fossem, pois ainda não se vêem oriundos de uma árvore
genealógica de raízes negra, muito menos africana. “Utilizam termos tais
como:- “aquele negro”, “ os negrosou até “estes negros”. Como vimos, usa-se
muitas terminologias que confundem e envernizam o termo negro.
Por estas e muitas outras conflitos muitas pessoas ainda não sabem
como reportarem-se aos sujeitos negros, pois, possuem convicções que não
deveriam pronunciar a palavra sim termos vistos no início deste trabalho tais
como - moreninho, mulatinho, cor de cuia, e outros, na qual estas confusões
para dirigirem-se à estes, assim como as terminologias, afro-brasileiro ou afro-
descendente. Para estas, acessamos alguns dados estatísticos na internet:
"A partir de estudos genéticos, 45% ou 77 milhões de
brasileiros possuem 90% ou mais de genes africanos
subsaarianos. Mais de 75% dos brancos do norte,
nordeste ou sudeste apresentam ancestralidade
africana superior a 10%. Mesmo no Sul com este
marcante histórico de imigração euroia, este valor é
na ordem de 49%. Em comparação, nos Estados
Unidos apenas 11% dos brancos apresentam acima de
10% de genes africanos. Conclui-se que 86% dos
brasileiros, ou 146 milhões de pessoas, possuem mais
de 10% de africano"
34
. (HTTP wikipédia10.07.2008)
Nei em seu dicionário resume o termo afro-descendente da seguinte
forma: “Termo moderadamente usado no Brasil para designar o indivíduo
descendente de africanos, em qualquer grau de mestiçagem”. (LOPES, 2006,
p. 15).
o termo afro-brasileiro, elegido também por nós e pelo movimento
negro, o autor apresenta o seguinte: “Qualitativo do indivíduo brasileiro de
origem africana e de tudo que lhe diga respeito. Relativo, ao mesmo tempo, a
África e ao Brasil, como indivíduo brasileiro de ascendência africana”. (LOPES,
2006, p. 19).
Dados e terminologias quando não bem esclarecidos colocam em
evidência o processo de contradição e negação étnico-racial que descende a
maioria da população brasileira, onde ao não se trabalhar a essência do
racismo nas suas origens e suas formas correlatas de discriminação, torna-se
natural e tranqüilo não questionarmos tais expressões:
“Acho que tenho um pezinho lá na África, pois minha mãe disse que
muito tempo, meu bisavô gostava muito de uma escrava...” (EP2 EEEFMCC)
Ou...
Você sabe, em outras vidas, devo ter nascido numa família de
negros, pois adoro o toque dos tambores. (JCEEEFAW)
Como se sentimento e alma fossem atribuídos de tonalidades, ouvimos:
o sei porque acham que sou racista, pois minha alma é branca...”
(TMSEEEFAW)
Existe, de maneira rara, pesquisas e fontes sobre negros diaspóricos,
exceções o as que trazem o processo de descendência africana acima de
cinqüenta por cento em suas análises. Sabemos que o movimento negro tem
se posicionado mais a favor do termo afro-brasileiro, afirmando que os não
34 http://pt.wikipedia.org/wiki/Afro-brasileiro, acesso em 10 de julho de 2008.
negros deveriam auto declararem-se- afro-descendentes por terem parentes
negros na segunda, terceira, quarta ou mais gerações.
O movimento negro tem destacado que os negros oriundos do
processo diaspórico podem e devem auto-declararem afro-brasileiros; ou seja,
todos os que se identificam enquanto sujeitos negros, mesmo que tenham
antepassados brancos em quaisquer instância, se auto-classificam mais
facilmente sujeitos afro-brasileiros, por terem seu retrato, ou traços africanos
lidos pela sociedade como um sujeito negro.
Na condição de pesquisadores e ativistas, concordamos com o
posicionamento do Movimento Negro, porém acreditamos que devem ser
trabalhados os termos afro descendente, afro-brasileiro, negro, raça, referindo-
se ao sujeito negro e até miscigenado
35
em contraposição aos termos -
moreninho, mulatinho, pessoa de cor, preto, quase preto, tição, crioulo
negão
36
...
Declarar-se negro num país que trás consigo a constante presença do
mito da democracia étnico-racial, que diariamente afirma e reafirma que somos
todos iguais- o tem sido uma tarefa fácil em nossos dias. Acreditamos no
respeito e riqueza de todas as etnias presentes. Porque é na diversidade que
está a riqueza cultural de cada povo. E estas trocas devem aparecer em sala
de aula enquanto um espaço de comunicação que valoriza e eleva a auto-
estima dos sujeitos que podem se apropriar de seu pertencimento, sem o negá-
lo. Para afirmar que este processo constrói-se a partir das diferenças, Philippe
Poutignat:
A identidade étnica (a crea na vida em comum
étnica) constrói-se a partir da diferença. A atração entre
aqueles que se sentem como de uma mesma espécie é
indissociável da repulsa diante daqueles que o
percebidos como estrangeiros. Esta idéia implica que
não é o isolamento que cria a consciência de pertença,
mas, ao contrário, a comunicação das diferenças das
quais os indivíduos se apropriam para estabelecer
fronteiras étnicas. (POUTIGNAT, 1997 P.40)
35 Miscigenação, miscigenado- Fizemos uso deste termo, para melhor dialogarmos com pessoas que percebem casamentos ou relações de
amizades entre brancos e negros. Para nós, particularmente, todos os miscigenados são lidos pela sociedade enquanto cidadãos negros.
36 Crioulo, negão..são termos pejorativos que colocam a auto-estima do negro em processo de perda social. Pois se sentem profundamente
agredidos ao serem menosprezados por sujeitos que se consideram superiores etnicamente.
Os conflitos somam-se quando necessidade de identificação étnica
em muitos espaços exigida legalmente como nos hospitais e escola. A maioria
concorda que esta pode diminuir ou coisificar o negro, gerando mais
discriminação. Por estes motivos, a luta do Movimento Negro tem sido árdua,
pois dentro destes grupos, muitas divergências. Alguns pensam que
identificar na ficha escolar a etnia do aluno pode ser um motivo de refoo ou
início da discriminação.
Sobre estas confusões terminológicas e a auto-identificação, um dia ao
realizar um palestra em outra escola e na a da pesquisa, para um grupo de
professores, escutei da diretora desta a seguinte frase:
Quando as fichas chegaram da Secretaria de Educação pedindo que
identificássemos nossos alunos, achei aquilo um absurdo. Sabe o que eu fiz?
Rasguei todas as fichas e coloquei no lata do lixo!” (DEEEFSP).
Conversamos um pouco mais sobre estas confusões, e consegui
explicar ao grupo, que se a escola consegue entender e acessar em seu
universo o número de alunos negros, indígenas, contribui na implementação de
políticas públicas, ou seja, políticas específicas para populações específica. Ela
informa o Estado, ou seja, à sociedade esta demanda. Os diálogos avançaram
um pouco mais, e no final fiz a seguinte pergunta? Bem, se não há negros ou
índios no universo da educação, então porque a necessidade de Leis como a
10.639/03 ou outras que são obrigatórias para trabalharmos sobre estas
questões?” (EAS) Acredito que o despertar coletivo daquele grupo veio quando
a diretora olhou para os demais professores e disse:
Não dá pra gente chamar o caminhão que levou nossas fichas de
volta?” (DEEEFSP)
Temos a compreensão que nesta escola ficou entendido a
necessidade da implementação da Lei 10.639/03. Mas é necessário os
diálogos com todos os segmentos sociais - segurança, habitação, economia,
saúde...Onde para não se discutir as necessidades destes grupos, mascara-se
através da frase mais escutada: raças não existe. existe somente uma raça,
ou seja, a raça humana”.
Estas confusas terminologias quando mal entendidas diluem-se dentro
das negações e contradições dificultando na maioria das vezes, não admitindo
que no Brasil, preconceito racial. Por isso, acreditamos que etnia, raça e
outros termos já citados podem representar com propriedade uma nação negra
que está ainda fora das escolas, empresas, e outros espaços da sociedade.
Vejamos este conceito no olhar do pesquisado Jorge Adão
37
:
No presente trabalho, emprego o conceito de “raça"
como uma construção social, pois entendo que, no
convívio social, esta noção é construída, mesmo que,
em nosso contexto brasileiro, nós a chamemos de cor.
Esta percepção de cor nada mais é do que falar de
raça", classificar racialmente. Isto é, só podemos falar
de cor e ser classificado num grupo de cor, embasados
numa ideologia em que a cor das pessoas adquire
significado: as pessoas possuem cor no interior das
ideologias raciais.
Conceituo “raça" como um grupo de pessoas que,
numa determinada sociedade, é definido como
diferente de outros grupos em razão de certas
diferenças físicas, onde os fetipos funcionam como
uma espécie de matéria-prima física, que estão
calcadas socialmente por meio de crenças valores e
atitudes” (ADÃO, 2002, p.47).
Chamamos a atenção para que estas terminologias e a auto-
identificação étnica ao serem trabalhadas nas esferas contribua no combate ao
preconceito racial e social, lembramos que o movimento negro tem refutado o
conceito de raça", colocando em evidência o termo etnia, como um termo
ainda em construção para abordar pessoas de diferentes origens. Examinamos
um pouco mais a idéia de Adão:
“ Com as teorias biológicas sobre as raças, que surgem
no início do século XIX, o conceito começa a ser usado
como tipo, designando diferentes escies de seres
humanos tanto em nível físico quanto em nível de
capacidade mental. No contexto de uma visão pré-
darwiniana da natureza, acreditava-se que os tipos
eram permanentes. Um tipo era entendido como uma
37 ADÂO, Jorge Manoel. O negro e a educação: movimento e política no estado do Rio Grande do Sul: 1987-2001. Porto Alegre, 2002.
Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Educação, UFRGS, 2002.Em 2008, graduou-se doutor em Educação pela UFRGS.
forma primitiva ou original que independia de
diferenças climáticas ou de ordem física. Como
subespécie, é o sinônimo do termo raça mais usado
pela biologia, referindo-se a uma variedade de
espécies que desenvolveram características comuns
através do isolamento, mas que não perderam a
capacidade de procriar e produzir híbridos rteis com
outras subespécies da mesma espécie, os
antropólogos físicos costumavam falar em raças
humanas, onde o esquema mais comum era a tríplice
divisão da espécie humana em negróides, mongolóides
e caucasóides. O uso do termo raça como sinônimo de
espécie geralmente é feito em contraposição à raça
como subespécie, como na expressão raça humana",
que põe em relevo a
unidade da espécie humana.” (ADÃO, 2002, p.48)
Estes e muitos elementos da confusão ainda dividem opiniões e
controlam para a negação da palavra “negro”. Usam: “aquela (e) meio
escurinha (o)”; “aquele (a) um pouco mais escurinha (o) do que eu" ou até
“aquele (a) que é quase negro (a), mas não é preto (a), é quase preto (a)"...
Não desejamos uma escola igual para todos mas acreditamos que seja
possível a construção de uma escola que legitime que os alunos diferentes de
acordo com sua cultura diversa e que repense seu currículo, a partir da
realidade existente dentro da lógica de igualdade de direitos e oportunidades.
2.2 Na escola: memórias, narrativas e práticas educativas se confundem.
Ao longo dos anos o aluno negro é o que mais têm apresentado índices
de evasão e repetência escolar. Tais discriminações encontram-se justificadas
por diferentes discursos. Contudo, a educação afirma e reafirma que não
representa a classe trabalhadora e também a as parcelas menos favorecidas
da sociedade.
Na prática, a inversão do eixo educacional
38
evidencia esse assunto: o
aluno desprovido economicamente e, na maioria das vezes, de ascendência
38 Inversão do eixo educacional- referimo-nos a este conceito, na qual o aluno pobre estuda em escolas públicas no primeiro e segundo grau, e
depois não acessa o ensino público na universidade.
negra estuda em escolas públicas e os que chegam a uma universidade, não
ocupam proporcional parcela nos espaços públicos. Tal fato decorre da
necessidade de trabalhar e aos horários rígidos. Outro fato que justifica tal
análise parte do pressuposto de que o ensino público de má qualidade não os
preparou para uma disputar uma vaga em universidade pública. Tal fato
confirma a contradição social: alunos negros advindos de escola pública
concorrem e são aprovados nas universidades privadas. E alunos com
condições economicamente favoráveis vêm de escola privada e são aprovados
em universidades públicas.
Algumas pesquisas, no que tange às questões de educação
apresentam os negros na maioria como analfabetos; assim como o alto índice
de evasão escolar, onde apenas 1,4% chegam às universidades públicas.
Nestas, observamos que em todos os níveis educacionais a participação do
segmento branco é nitidamente superior a do segmento negro. Portanto, a
escola é um dos aparelhos ideológicos que reforça e contribui para a não
mudança dessas situações. Particularmente, numa das as aulas assistidas do
professor Helvécio, no Curso de Pós-Graduação, uma de suas frases mais
utilizada foi: “ Como excluir
39
quem ainda não foi incldo?”
Para pensarmos sobre o pertencimento étnico-racial e alguns
paradigmas de exclusão recorremos ao olhar da professora Marlene Ribeiro
que nos apresenta duas idéias: Exclusão na e da escola. Na exclusão da
escola, o não acesso à escola contribui para a evasão. A exclusão na escola
existe e surge por que dentro deste espaço existem mecanismos de
reprovação e repetência, como uma ão conjugada que gera este processo
dentro da escola. Observamos, assim, o que nos afirma Ribeiro (1994), em
relação às práticas de exclusão na escola:
“(...) Ele é transparente (conceito). Mas é nessa
transparência que reside a sua fragilidade, porque,
corresponde exatamente a realidade empírica cuja
39 Não estamos trabalhando com o conceito de exclusão e sim com fatores de discriminação racial presentes na sociedade, que precisam ser
acessados historicamente
.
superfície mostra, no entanto não consegue ir além
desta, ou seja, não explica as razões que colocam
algumas pessoas do lado de fora e outras do lado de
dentro; não identifica os espaços e os tempos nos
quais acontece, não nomeia os sujeitos que decidem
quem será incluído, ou excluído, muito menos suas
justificativa” (RIBEIRO, 1994 p. 159)
Nestas ações identificamos que as metodologias e os conteúdos
utilizados pelos professores não abrangem a temática da diversidade étnica no
ambiente escolar - tornando muitas vezes o sujeito negro um indivíduo excluído
na escola e tamm da escola.
Para ampliarmos a temática sobre exclusão na escola identificamos
que se dá associada à falta de informações e da falta ao acesso ao
conhecimento específico da etnia negra. Na pxis, os professores ao
trabalharem a Historia do Brasil deixam escapar a falta de dados históricos
importantes, para que possam abordar de maneira fidedigna a importância da
contribuição de uma etnia que tem consigo uma herança de matriz africana.
Nestas contradições e negações apresentamos a frase de mais uma
professora das séries iniciais em outra escola pública, que na década de
oitenta apresentava a chegada dos imigrantes ao Brasil da seguinte forma:
"Hoje nós vamos conhecer a história do Brasil. Nela, o negro foi trazido para
para ser mão-de-obra barata!" (EMSP)
Por estar freqüentando as aulas do ensino fundamental, lembro-me
nitidamente que naquele momento desejei ter nascido branca. Um dos motivos
era para fugir dos olhares de recriminações apresentados pelos colegas; o
outro era por o aceitar-me e entender-me (neste tempo), enquanto
pertencente a etnia negra. Jamais esqueço o calor que invadira meu corpo,
fazendo minha face ferver. Ainda não sabia o significado da palavra “negro”,
mas sabia que não gostava de ouvi-la, muito menos que alguém falasse a
pronunciasse. Soara-me como algo negativo, triste e que deveria ser negado,
escondido, abafado, pois me sentia culpada por carregar tamanha carga.
Estas sensações de culpa, de negação da cor negro foram adquirindo
novas conotações e em muito corroborou neste repensar, a partir de minha
entrada e atuação de forma efetiva no movimento negro. Por isso a
necessidade deste diálogo com as escolas. Pois tais conteúdos ainda
apresentam-se tímidos ou resistentes. E as alguns anos de militância
escrevi:
“Nós negros não nascemos negros, nascemos moreninhos,
mulatinhos, cor de cuia, qualquer coisa, menos sujeitos negros. Quando bebês,
muitos vão nos visitar dizendo: - Vamos ver a quem puxou: Se é clarinho como
o pai, ou escurinho como a mãe”. (EAS)
No Brasil, desde o início de vida uterina, parece-nos implícito a
negação do sujeito de traços de descendência negra. poucos dias escutei
de uma mãe negra, casada com um homem branco, ao elogiar os cabelos
crespos de sua filha de quatro anos: - Eu tentei que puxasse os cabelos lisos
do pai, mas não consegui. Até um aninho, era lisinho, lisinho, mas depois..que
coisa, começou a enroscar e não teve mais volta. Aí, ficou crespo
mesmo!”.(CMSS)
Se esta criança de pequena idade, tem em casa o reforço de ser vista
pela sociedade como não pertencente à etnia negra com tamanha negação,
como se que se sairá nos bancos escolares, em uma ou mais aulas por
exemplo, onde uma educadora da escola observada, ao ser perguntada como
vinha desenvolvendo os conteúdos de História, referente ao descobrimento do
Brasil disse:
“Estou desenvolvendo como crescimento comercial e urbano, o
intenso desenvolvimento comercial ocorrido na Europa, a partir do século XI, e
o crescimento da produção agrícola que resultou no aumento populacional e na
expansão das cidades. A crise das instituições feudais. Na nova visão do
mundo surgiu uma nova forma de pensar, essa mudança estava ligada às
mesmas transformações que, no período, permitiam o desenvolvimento das
cidades e da burguesia”. (TRMSEFAW)
Em nosso entendimento nestes registros contatamos que a professora
apresenta um trabalho totalmente eurocêntrico, com uma visão tradicional e
branca. Suas contribuições nos levaram a constatar que a história ainda
continua sendo apresentada de forma distorcida, e pela lente dos que se
afirmam enquanto “vitoriosos” neste processo histórico e social.
De posse da contribuição do dialogo estabelecido nos pagrafos
anteriores, referente às formas de abordagens dos professores sobre questões
hisricas de negritude, chamamos mais uma vez a atenção para a
necessidade do trabalho pedagógico voltado para a desconstrução de mitos
presentes na História e Cultura Afro-brasileira. Para contribuir, Munanga:
“A desvalorização do negro colonizado não se limitará
apenas a esse racismo doutrinal, transparente,
congelado em idéias, à primeira vista quase sem
paixão. Além da teoria existe a prática, pois o
colonialista é um homem de ação que tira partido da
experiência. Vive-se o preconceito cotidianamente.
Conjunto de condutas, de reflexos adquiridos desde a
primeira inncia, valorizado pela educação,
incorporou-se o racismo colonial o naturalmente aos
gestos, às palavras, mesmo as sólidas estruturas da
personalidade colonialista”. (Munanga, 1986 p. 21).
muitos anos que os especialistas em educação m alertando para
livros didáticos com conteúdos onde o alunado negro possa se observar com
exemplos positivos, não somente em modelos que trazem à tona o difícil
processo vivido no período da escravatura. Os livros didáticos freqüentemente
relacionam a imagem negra às funções de - empregada doméstica, guardiã de
confiança da casa dos patrões, babá dos filhos de pessoas com maior poder
aquisitivo, o mecânico eficiente, motorista da família, o mais gordinho, a
cozinheira de confiança, a benzedeira de fé, a yalorixá
40
negra e quase sempre
gorda, de nariz chato....
Estas leituras de mundo não encontram-se somente nas escolas e na
sociedade brasileira. Depois de realizar uma Conferencia sobre Direitos
40 Yalorixá - nome de origem africana designado às mães-de-santo, que agora em nossos dias, se auto-declaram enquanto "zeladoras de
Orixás", com objetivos a desconstruir santos oriundos de origem católica como divindades africanas tais como: Xangô, Ogum, Iansã, Oxum,
Iemanjá, etc.
Humanos e Políticas blicas na Universidade de Buenos Aires
41
sàs ruas
para conhecer e visitar espaços de referências turísticas e também acessar um
pouco mais sobre a dizimão do povo negro na guerra do Paraguai.
Depois de muito conversar com as pessoas e ver como se reportavam
à nossa população negra como algo quase que inexistente, melhor compreendi
que eles associam a comunidade indígena com a nossa comunidade negra no
Brasil. Ou seja, lá, os descendentes indígenas pegam ônibus, cumprem uma
carga horária de trabalho semanal e também vivem discriminações, assim
como sua maioria está fora das esferas de poder. Os poucos negros que
identifiquei por (pouquíssimos), são em sua maioria africanos que
comercializam mercadorias nas grandes ruas e avenidas de Buenos Aires.
Neste e em outros espaços sociais e geopolíticos poesias de autores
gravadas nas portas dos bares e ruas, que viveram em seu tempo, assim como
enormes bonecos que encontram-se por toda a parte representando suas
refencias históricas, tais como: o jogador Maradona, Eva Perón, Carlos
Gardel, e muitos outros.
Não resisti aos registros fotográficos quando me deparei com o boneco
gigante da imagem estereotipada de uma mulher negra que ocupava e cumpria
uma função social naquele país. Estava embaixo de uma escada e tinha ao seu
redor, produtos de limpeza originais como se estivesse mesmo lavando algo.
Os turistas utilizavam esta escada de acesso às demais lojas
42
. Ao retratarmos
estereótipos, em momento algum estabelecemos parâmetros com objetivo de
desvalorizarmos a importância destas pessoas e as funções profissionais.
Buscamos contribuir para a construção da reflexão crítica que devemos sobre
estes olhares presentes em todos os espaços. Isto afirma que tanto lá fora
como aqui no Brasil os sujeitos negros o retratados na maioria das vezes de
forma estereotipada.
De acordo com este retrato, devemos atentar para os materiais
pedagógicos que m chegado às escolas onde na maioria das vezes
apresentam padrões e modelos não condizentes com a realidade dos alunos e
41 Conferência sobre Direitos Humanos Políticas Públicas e a Lei 10.639/03 na qual estive na UBA, a convite de sua coordenação para
apresentar parte deste trabalho (projeto de pesquisa Em 15 de dezembro de 2008.
42 Anexo – foto da mulher negra – boneco que registrei na Argentina, comparando o lugar trabalhado por Milton Santos neste trabalho.
sujeitos negros brasileiros. Tais inquietudes nos levam ao seguinte
questionamento: Qual a crea que possuem os acadêmicos que escrevem e
ilustram os livros didáticos?” (EAS)
Em relação aos materiais pedagógicos relataremos um caso ocorrido
três anos numa cidade em Brasília - Um garoto negro, com dez anos de
idade, avisou em casa que não iria mais para escola porque o livro
43
estudado
na sala de aula mostrava que seus antepassados eram traidores e macacos. O
menino ficou impressionado com as informões contidas no livro de que “os
negrosperdiam a condição humana assim que eram aprisionados na África,
para se tornarem simples mercadoria a disposição dos brancos e que
aprisionar os negros não era tarefa difícil, principalmente depois que os
traficantes passaram a contar com auxilio de negros traidores (E2CGS)
Neste caso, o pai do aluno denunciou ao Senador da República, Paulo
Renato Paim
44
, que em contato com o governador do Distrito, solicitou o
recolhimento dos exemplares, recomendando também as escolas não utilizem
mais este livro. O governador informou ao Senado Federal que a obra não
constava na lista dos livros didáticos indicados pelo MEC, sequer pela
Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Sob a ótica do Senador Paim: "trata-se de um livro preconceituoso,
racista e que fere a auto-estima da comunidade negra, no momento em que
uma cruzada nacional, com repercussão em nível internacional contra o
preconceito e contra o racismo" (PAIM, 2003.)
Neste período encontrava-se como representante do Ministério da
Educação, o senhor Cristóvan Buarque. Ao ser procurado pelo Senador
mostrou-se chocado com o livro dizendo o seguinte: “o texto não é grande
coisa, mas não incomoda. O que chama a atenção são as gravuras, que põem
os negros como macacos". ( Paim, 2003)
43 Livro- Banzo Tronco e Senzala, de Elzito Melo e Elzi Nascimento, elaborado em 1999, pela Editora Harbra, em Brasília.
44 Paulo Renato Paim- Atual Senador da República (único senador negro eleito pelo partido dos trabalhadores), que tem lutado contra questões
de discriminação racial, assim como trabalhadores, mulheres, deficientes. Paim foi eleito com mais de dois milhões de votos. É o relator do
Estatuto da Igualdade Racial que até o presente momento, encontra-se no Senado. No sistema de Cotas da UFRGS, também realizou audiência
com o Reitor da universidade, marcando presença na votação do CONSUN em 29 de junho de 2007.
Entendemos com dificuldades estas associações do Ministro Cristóvan
Buarque, pois observamos que ele o toma as crianças como leitoras, que
podem estar absorvendo não só as gravuras mas também as mensagens do
texto. A discriminação é sentida, ouvida e observada, pois ma maioria dos
casos das escolas brasileiras um aluno negro ou miscigenado chega à quarta
série com sua identidade comprometida,. Além da sociedade e da escola,
em seus lares também são percebidos e tratados por seus pais e familiares
como: moreninho, mulatinho, pardinho, negrinho...
Em sala de aula os alunos de ascenncia negra, muitas vezes,
tentam entender como se deu o processo de colonização, sua história e a luta
diária de um povo do qual descendem e vêm resistindo nesta sociedade.
Possuem curiosidades de saber como seus familiares chegaram aqui, pois são
apresentados como algo natural, negativo e/ou equivocado.
Lamentamos que estes escritores e desenhistas não tenham o
entendimento da dimensão da violência psíquica que provocam nos alunos
negros, que se vêem nos estereótipos de macacos, assim como outras
associações que a mídia insiste em apresentar, como a imagem da mulher
negra "Sogenalda"
45
nos livros, próximas da foto que registrei na Argentina.
Lendas e histórias infantis trazem personagens históricos imposveis de serem
desconstituídos, mas quiçá ressignificados, tais como: o Saci-Pererê, a mula-
sem-cabeça, o boi da cara preta, o patinho feio, a bruxa da história da branca
de neve e por aí vai.
A escola de posse destes e outros materiais correlacionam
diretamente os personagens que aparecem aos alunos negros, transferindo a
estes a responsabilidade de se apresentarem como tais e ainda carregados
dos seguintes adjetivos: burro, lerdo, preguiçoso....Exageros? Pensamos que
tais expressões são muitas vezes responsáveis por apresentar e reforçarem
modelos universais agressivos à imagem desta população dentro e fora da
escola.
Este, não é o único ou último caso de discriminação existente neste
mundo onde os gestores da educação ainda não despertaram para importância
45 Sogenalda- Empresa de farináceos, na qual trás em seu logo, a imagem de uma mulher negra, gorda e com um turbante na cabeça. Não que
isso seja ruim, mas nossas mulheres na maioria, não estão mais representando este único estereótipo que continua sendo reforçado pela mídia.
de uma profunda e necessária análise de suas práticas no espaço escolar.
Confirmamos a continuidade destas ações, quando relatamos que também a
entidade IAFRA
46
(Instituto África-América), alguns anos recebeu a
denúncia de uma menina negra de seis anos que derramou tinta em seus olhos
porque desejara pintar-se de branco porque em sua pré-escola, todos riam
dela.
Ainda no caso anterior, o Senador Paim apresentou imediatamente um
projeto de lei exigindo que os livros didáticos passem por um exame de
qualidade, uma espécie de Inmetro da educação. Vejamos:
" Se a carne tem selo de qualidade e até hotéis tem
estrelas, como é que o livro, o coração da nossa
formação, ou da deformação, não tem nenhum
controle? A educação é o coração da vida de um povo.
Os livros vão dar a formação daqueles que irão dirigir
este país". (PAIM,2003 )
Fica nítida a responsabilidade social da escola ao utilizar livro didático
como um dos recursos de aprendizagem. É preciso que a instituição escola
tenha presente a complexidade e identidade dos sujeitos. Primeiro: este livro
fere diretamente a estima da etnia negra, que vem ao longo de anos tentando
ser reconhecida em nossa sociedade como sujeitos da história e não objetos
de uma hisria mal contada. Segundo-não podemos mais aceitar essas
informações que significam um retrocesso em relação às políticas públicas,
ferindo profundamente a auto-estima da criança negra ou miscigenada.
Pois são em momentos com estes que o mito da falsa democracia
alimenta-se e distorce situações numa tentativa de jogar a culpa na criança
negra. Vejamos o que aconteceu, quando o ilustrador do livro foi acusado de
desenhar os negros com traços de macacos: Nunca fui acusado de ser “mau
desenhista”.(...) sei desenhar negros e sei desenhar macacos e se o senador
46 IAFRA- Instituto África-américa - ONG do movimento negro, que vem atuando com desfiles, palestras, culinária e ações de visibilidade para a
comunidade negra- Localiza-se na Lomba do Pinheiro/POA.
quiser, eu mostro a ele. Jamais faria um trabalho que pudesse ofender negros,
judeus (...) Estão procurando pêlo em ovo”. (DLCGS)
Situações como esta evidenciam que o senso comum da invisibilidade
racial o relaciona a expropriação da população negra com esta questão,
muito ao contrário, baseia-se em fundamentações teóricas que reforçam
opiniões e posicionamentos distorcidos da realidade que vem sofrendo a
comunidade negra. Tais olhares ressaltam a não atividade física ou verbal nas
relações interpessoais, e dissimulam o debate sobre o preconceito e todas as
formas correlatas de discriminações contidas no pensamento intelectual
brasileiro.
As temáticas desenvolvidas nos livros didáticos são mais um dos
motivos pelas quais as entidades e representantes do movimento negro devem
estar atentos e comprometidos em denunciar, não esquecendo a necessidade
de acompanhar os casos publicados, pois é notório que o corpo docente do
ensino público brasileiro é composta quase que exclusivamente por
professores de classe média, onde na maioria das vezes já existe a pré-
disposição, o pré-conceito em relação aos alunos pobres, no sentido de não
esperarem muito no índice aproveitamento dos alunos negros.
Escrevemos tais afirmões com base no comentário que escutei em
uma das reuniões pedagógicas da escola, onde a professora apontava com
uma caneta alguns nomes de seus alunos para sua colega no caderno dizendo
o seguinte: - "Este tem problemas, mas este é malandragem mesmo".
(P3EEEFAW)
Pare estes diálogos, novamente Guimarães:
As estatísticas demonstram que não apenas o ponto de partida dos
negros é desvantajoso (a herança do passado) mas que, em cada estágio da
competição social, na educação e no mercado de trabalho, somam-se novas
discriminações que aumentam tal desvantagem. Ou seja, as estasticas
demonstram que as desvantagens dos negros não é apenas decorrente do
passado, mas é ampliada no tempo presente, através de discriminações".
(2006 p. 67).
E neste tempo presente na qual se refere o autor acima, no espaço da
educação notamos que o aluno vive memórias correlacionadas com
perspectivas futuras. É premente que se importância ao estudo de fatos
hisricos e positivos do passado, como ponto de partida e não de chegada
conforme nos disse Paulo Freire. Porque na maioria das escolas públicas
brasileiras estão os livros permeados de preconceitos das mais diversas
naturezas - sexo, classe, religião, e principalmente o étnico-racial.
Portanto, o professor precisa entender o aluno como um sujeito
constituído ontologicamente respeitando seu contexto e sua historicidade.
Devido à estas e muitas outras questões, mais uma vez refoamos
nossa posição favorável à implementação da política de cotas nas
universidades
47
e quiçá, em todos os níveis de ensino enquanto necessidade
coletiva para trabalharmos as políticas afirmativas nos espaços da formação de
professores. Nestes diálogos torna-se possível ampliamos nosso conhecimento
assim como as estratégias de desmistificação dos muitos tabus e preconceitos
correlacionados com a diversidade étnico-racial.
Entendemos a escola como universo político articulado com sua
comunidade assim como outros segmentos sociais tais como: os indígenas, os
gays, as lésbicas, os bissexuais, as mulheres e outros, cujas práticas ainda nos
têm apresentado caminhos distantes e diferentes dos que almejamos., e o
professor ao não abordar as temáticas negras em sua aula e a identificação de
práticas discriminatórias contribui para a prática de um racismo velado e
prejudicial à sociedade brasileira.
Nos dias de hoje vivermos no Brasil sem olharmos com atenção para o
passado, significa estarmos presos em um processo de total alienação e a falta
de verdadeiras perspectivas para a construção de um futuro melhor. No auxílio
para a desconstituição de alguns mitos assim e desigualdades, Guimarães:
O fato de que tais preconceitos e desigualdades persistam no interior
de uma mesma classe é o modo lógico mais cil de demonstrar a atuação de
componente tipicamente "racial" na geração dessas desigualdades. Ou seja, a
constante recriação de raças, gêneros e etnias continua sendo um dos meios
47 O projeto de Cotas raciais e sociais foi aprovado na UFRGS pelo CONSUN (Conselho Universitário) em 29 de julho de 2007.
Assim, a partir de 2008 a UFRGS passou a ter garantido em sue currículo, a parcela de 15% para alunos auto declarados negros, 15% para alunos
oriundos de escolas públicas e dez vagas extras para as comunidades indígenas. Porém, as cotas ainda não chegaram ao ensino básico e médio.
mais eficazes de gerar exploração econômica e tal "tecnologia" longe de ser
suplementada no capitalismo tardio, tem sido constantemente reatualizada".
(Guimarães, 2006 p. 10)
Para trabalharmos melhor estas questões e suas correlações com a
educação, precisamos ampliar nossas lentes para a necessidade de
englobarmos uma dimensão sócio-política e não apenas étnico-cultural. Torna-
se necessário, melhor entendermos as terminologias presentes nos caminhos
da legislação e a dialética com as práticas educativas.
Com o passar dos anos observamos que os mecanismos de
dominação e exclusão dos grupos sociais se refinam e se perpetuam a cada
momento, principalmente com relação às questões da negritude no universo
educativo. No decorrer da pesquisa fica nítida a constatação da violência
psicológica que vêm enfrentando os alunos negros, principalmente os oriundos
de escolas públicas.
Estas ações de discriminação se repetem diariamente, sob novas
formas que parecem dizer ao aluno negro que seu lugar não é escola. A
escola, um dos locais mais importantes de socialização do conhecimento para
qualquer sujeito, ainda se mantém rígida, com resistência a mudanças e
posicionada enquanto um espaço de poder. Urge na coletividade identificarmos
os rótulos de exclusão que este sistema tem perpetuado, assim como o
anúncio e a denúncia de ações discriminatórias e raciais. Para isso,
precisamos primeiro identificar falas e ações, rótulos, tabus para primeiro
analisá-los e depois desconstituí-los.
Mais um caso de preconceito ocorrido há mais de uma década numa
outra escola da rede pública de Porto Alegre, conforme o relato desta mãe:
“Quando meu filho estava na quarta rie com dez anos, chegou em
casa com marcas e hematomas, dizendo que tinha apanhado na sala de aula
de seus colegas quando a professora havia saído um pouquinho da sala de
aula. Perguntei-lhe o motivo e ele disse: "Eu não fiz nada pra eles. Não sei por
que é que eu apanhei. Mamãe, eles me bateram e me chamaram de negro”.
(EF5 EEEEFSP)
Atualmente, tais práticas encontram-se fortemente nas escolas,
restando principalmente aos alunos negros o abandono ou o enfrentamento de
suas dificuldades para avançarem de ano. Na maioria dos casos, os alunos
negros ainda se deparam com uma didática não correspondente com sua
realidade, em função de uma metodologia o condizente com seus contexto
hisrico de forma positiva no currículo escolar. A cada momento, alunos e
professores entram em choque, travando um embate social e, nesta luta, a
escola apresenta-se cada vez mais estratégica em seus objetivos de colocar
em evincia no seu discurso a ordem, a disciplina e a obediência ao que já
está constituído socialmente lembrando sua expressão todos somos iguais,
portanto todos temos as mesmas condições de aprendizagem. Será?
Diante de tais demandas o Movimento Negro não consegue, na maioria
dos casos, intervir com mais evidência sobre as questões de discriminação na
escola, porque as denúncias referentes às violências chegam até as delegacias
como: assaltos, roubos, brigas de grupos rivais, enfim, qualquer coisa, menos
discriminação racial. No que tange à algumas práticas pedagógicas
constatamos que a maioria dos professores acumulam dificuldades em
abordarem questões de negritude, pertencimento étnico-racial, história e
ancestralidade dentro de suas salas de aulas.
De uma cada pra cá, ações pontuais referentes à Lei 10.639/03 vêm
sendo construídas para auxiliar o docente em sua práxis. Podemos contar com
o investimento de recursos públicos na produção de recursos áudio visuais,
como referências para contribuir na inserção das questões negras nas escolas
em parceria com os demais segmentos. Destacamos aqui, significativas
contribuições dos setores: MEC (Ministério da Educação); SECAD (Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetizão e Diversidade); e SEPPIR (Secretaria
Especial de Políticas Para a Inclusão Racial) juntamente com as instâncias
estaduais, municipais, grupos e ONGs.
São evidentes alguns tulos da exclusão nas falas dos professores.
Vejamos o que ouviu a mãe deste aluno, ao ir falar com a professora de seu
filho em relação à violência sofrida em sala de aula por seus colegas não
negros:
“Ele é bem inquieto e displicente. Fica o tempo inteiro batucando na
aula, e depois ainda quer passar. Eu e que o vou contribuir para isso!”
(P3EMSP)
Como resultado, o aluno é reprovado e o poder de professora é
reforçado em nome da disciplina e da obediência, sendo deixado de lado o
processo de conhecimento construído pela aluno. Após mais de uma década
desta ação discriminatória e mesmo com a aprovação da Lei 10.639/03,
retornamos às salas de aula como pesquisadores e constatamos que pouco ou
quase nada tem sido feito pelos gestores da educação na sensibilização dos
professores para aprofundarem conhecimentos para que a mudança curricular
aconteça.
O preconceito sofrido por alunos de classe popular seja do Quilombo ou
advindos de escola pública constituem um dos mais importantes motivos que
me levaram a uma dedicação exclusiva para construir a sensibilização da Lei
10.639/03, ampliando meus estudos e direcionando ações de formão.
Sabemos que a LDB é a lei maior da educação e que dela partem todas
as demais leis voltadas para as reformas educacionais. Quantas e quantas leis
o criadas e nunca conhecidas pela sociedade ou colocadas em prática.
Como conteúdo, raramente qualquer lei quase é discutida em sala de aula.
Precisamos tocar corações e mentes porque senão as legislações poderão
permanecer no papel por muitos e muitos anos, não deixando alternativas ao
aluno que qualquer tipo de discriminação: ou ele de contrata um advogado ou
simplesmente aceita e/ou transfere-se de escola ou abandona, evade.
É notório o processo de negação e resistência à implementação da
política de cotas nas universidades públicas. A mãe entrevistada, ao ser
perguntada sobre a Lei 10.639/03, que não conhecia, associou a pergunta às
cotas e imediatamente questionou porque não havia cotas para brancos. Em
sua casa, após esclarecer um pouco mais sobre a lei e perguntar sua opinião
sobre a sua necessidade, disse o seguinte:
“Não, havia entendido errado. Mas eu acho que a escola tem sim uma
diferenciação em relação ao aluno branco e aluno negro. Existem famílias
racistas. Os próprios professores passam isso para os alunos. Existe professor
que não gosta tanto do "negrinho", como dos outros. Eu aqui de casa noto essa
diferença. Acho que a criança aprende muito é dentro de casa. A escola
influencia muito a levar a cometer as situações de discriminações. (EF1
EEEFAW)
Estes são os bastidores de uma entre tantas escolas que nos chegam
através de algumas memórias e narrativas de práxis, que nos subsidiam na
ampliação de oportunidades de diálogos para com a comunidade escolar. Os
gestores da educação não podem mais ficar inertes, deixar de colaborar e
participar de forma efetiva deste processo de mudança urgente de
transformação na prática pedagógica em relação Hisria e Cultura Afro-
Brasileira.
3. NEGRITUDE E PROTOCOLOS LEGAIS E A PRÁXIS NA ESCOLA
3.1 Um olhar quilombola...
Lembramos que a primeira parte desta pesquisa foi realizada dentro de
uma comunidade Quilombola, está mantenedora da essência África.Se faz
necessário retomá-la aqui com suas especificidade, ancestralidades,
memórias, negações e contradições, para dizermos que a Lei 10.639/03 não
nasce somente da legislação e sim da luta de grupos e povos que se sentiram
e sentem fora de um processo de construção da sociedade. Lembramos
também que a referida lei e o estatuto da Igualdade Racial retomam a luta e a
visibilidade das comunidades quilombolas brasileiras somando-se a suas
demarcações e manutenções de terras.
Assim o Quilombo a que nos referimos, localiza-se na região
metropolitana de Porto Alegre, relembramos com carinho o tempo
compartilhado com este povo, assim como nossas trocas culturais. Sempre me
reportarei aquele espaço e sua comunidade, enquanto um núcleo sagrado,
fechado em seus costumes, mantenedor de sua própria cultura história e
ancestralidade de essência africana., pois é inesquecível a simplicidade, a
relação daquelas pessoas com a terra, o respeito e as preocupações com
educação, emprego, segurança e saúde, onde alguns adolescentes centram
seus desejos em expectativas de vida urbana. Então, o que há de diferente?
Observando a grandiosa extensão territorial do Quilombo, pensávamos
que o que menos se precisa brigar neste espaço, seria por propriedade e que
estes, ao passarem pelo processo de demarcação territorial, teriam para
sempre garantidos suas terras porque as instâncias jurídicas representavam
para nós algo irrevogável, imexível, portanto, irremediável.
Porém, esta não foi a realidade que presenciamos no Quilombo. Além
da briga pelo espaço, existem até o momento desta pesquisa, há as
divergências com os vizinhos brancos que insistem em passar para o outro
lado da rua, invadindo a propriedade do Quilombo, onde os desafiavam,
colocando seus animais para pastarem. Tais ações desembocaram em
denúncias, obrigando os remanescentes a lutarem na Defensoria Pública por
aquilo que já fora por eles conquistado.
Naquele local, encontra-se presente a coletiva desocupação para com
as terras por parte da maioria dos quilombolas, assim como a preocupação da
comunidade não negra que se instalou há tempos por lá, e a qualquer
momento deverão estar deixando estes espaços através de decisões judiciais.
Um dia, observamos que a representante recebeu uma visita nada
amistosa de um destes vizinhos que lhe fez uma ameaça referente à sua não
desocupação das terras:
“Daqui só saio quando morto!.
Para nós, neste momento ficou notório que a luta, destes quilombolas
pela garantia de suas terras. Aquelas pessoas após passarem pelo processo
de demarcação territorial, onde lutam permanentemente em vias judiciais para
permanecerem lá. Ao presenciarmos estes momentos, particularmente, lembrei
da política de "cotas"
48
adotada pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, e de muitas universidades blicas brasileira, onde estas até o momento,
garantem na legislação o acesso, mas fundamental é a permanência.
Percebemos que os quilombolas em suas terras em constantemente ameaças
pelos vizinhos, familiares e até mesmo pessoas que não eram quilombolas e
insistem em ficar dentro deste território.
Em sua totalidade, a comunidade possui mais de uma centena de
pessoas, sendo a maioria composta por idosos, pois o carinho e respeito
dispensado a eles são extremamente significativos, assim como a sua
valorizão enquanto sujeitos detentores de conhecimento, usos e costumes. A
ancestralidade presente por lá, muitas vezes nos reportaram às especificidades
de conhecermos um pouco mais sobre a vida e histórias de nossos avós,
bisavós e até nossos tataravós.
As crianças valorizam, escutam cuidam e aprendem diversas lições com
estas pessoas, pois neste lugar, os quilombolas permanecem dentro de um
terririo demarcado e garantido nacionalmente por uma legislação; não
podendo em hipótese alguma vender ou repassarem suas terras a outras
pessoas; o que é mais importante: todos os que descendem daquela mesma
família possuem direitos de ocuparem os espaços, lavrados em acordos
internos dos que lá estão.
Vivenciando questões culturais e educacionais, entendemos que os
alunos quilombolas sofrem igual ou maior discriminação por freqüentarem
escolas tradicionais, porém o associam essas ações à discriminação, e sim
como algo "natural", ou seja: se o aluno quilombola roda de ano, sua mãe e
familiares colocam toda a culpa nele, pois não associam tais dificuldades ao
tipo de educação oferecida no currículo educacional. Pois neste universo ainda
dificuldades de aproximação para com o aluno negro quilombola, como um
sujeito oriundo da diáspora africana. Algumas frases que ouvi durante as aulas
que ministrava no quilombo, no papel de docente daquele município:
48 Programa de Cotas na UFRGS - O CONSUN (Conselho Universitário) aprovou em 29 de junho de 2007 uma reserva de vagas de
30% sendo que destes, 50% são para a comunidade auto declarada negra e a outra metade para a comunidade oriunda de escola pública. Assim
como mais dez vagas extras para a comunidade indígena. Na UFRGS, este projeto entrou em ação no primeiro semestre de 2008.
“O meu filho, tá muito mal no colégio, não sabe quase nada. Eu mesma
pedi à professora que rode ele de ano para aprender. Assim, no ano que vem
ele toma jeito!"(EAS)
Esta mãe, afirma com dificuldades, seu distanciamento sobre estas
questões, como se a culpa do fracasso escolar fosse provocado por seu filho.
Lembro-me que um dia, ao caminhar pelas imediações do quilombo, conversei
com um adolescente quilombola que saiu (fora expulso) da escola. Vejamos
agora, a fala de outra mãe quilombola:
“Ele não queria nada com nada, assim, na escola não é o lugar dele,
pois não aprende nada de jeito nenhum e todos ainda ficam rindo dele. Ele já ta
muito velho pára estudar com os pequenininhos. (Q3)
Atualmente, sabemos que este menino encontra-se nas imediações do
quilombo, sem fazer nada. Como percebemos, o mito da democracia racial
penetra em todos os espaços sociais: escolas, fábricas, associações, famílias,
quilombos, etc.
Nos assuntos de ancestralidade, vimos que os mais antigos, ou os mais
velhos, possuem prioridade quando são chamados para contribuírem em algum
problema, ou em momentos de votação, suas opiniões tem mais peso e valor,
do que as opiniões dos jovens; Neste movimento, chamamos a atenção para a
realidade da metrópole,onde no centro da Capital, observamos que a
comunidade idosa encontra-se por horas sentado nos bancos das praças, ou
jogando dominó, xadrez , canastra ou então em suas residências são
acometidos por algum tipo de discriminação e até mesmo violências
49
, na
maioria das vezes, por parte de seus familiares.
Durante as aulas que ministrei no quilombo, por várias vezes observei
que a líder sentava-se sozinha ou buscava um espaço de superação do que
estava sendo passado, para não deixar transparecer algumas dificuldades em
seu processo de aprendizagem, pois fizera até a quinta série, e muitas vezes,
expressou desejos de continuar seus estudos dizendo:
"Isso que eu não estudei, se tivesse estudado mais, ninguém iria me
agüentar. Sabes por que desisti de estudar professora? Por discriminação. Na
escola, a professora branca me chamou de negra suja. Subi em cima da mesa
49 Violências. Podem ser físicas ou psicológicas, nas quais os filhos ou familiares sem paciência agridem também os idosos.
xinguei bastante ela, virei as costas e nunca mais coloquei meus pés naquela
escola". (Q1)
A escola na qual a líder se refere, é hoje, a mesma onde seus filhos e
também de alguns quilombolas estudam. Nos diálogos, percebi que as práticas
de discriminação racial não se apresentam desta forma, mas sutilmente dizem
ao aluno quilombola onde ele deve permanecer. A força e determinação desta
líder é algo extraordinário, pois com toda uma carga social de discriminação,
em momento algum deixara de ajudar as pessoas que dela necessitam, tendo
um carinho especial para a educação.
Em relão à religiosidade, as dificuldades para trabalharmos os
assuntos de negritude correlacionados com as estas questões, foi algo notório
e difícil. Alguns alunos (pouquíssimos) pertenciam à religião de matriz africana,
outros a Assembléia de Deus. Quando falávamos sobre a importância de todas
as religiões e o respeito às religiosidades de matriz africana por ser detentora
de essência africana, as contradições e negações se manifestavam
imediatamente, pois os que cultuavam a religião de matriz africana, pouco ou
quase nada sabiam sobre a história, lenda ou divindades africanas
denominadas "orixás".
Outros quilombolas, expressavam resistências porque iam ao culto da
Assembléia de Deus, portanto, não aceitavam conversar sobre “outras
religiões”, e em vários momentos, mostraram-se céticos em seus dogmas,
referindo-se às demais religiões que não fosse à da assembléia de Deus,
(principalmente a de matriz africana), como algo do "demônio" ou do "mal", não
permitindo estabelecermos diálogo algum frente aos seus argumentos.
Em terras quilombolas, conseguimos ver o salto qualitativo deste povo,
como mais um ganho para este trabalho. Acompanhamos o processo do
despertar de muitos para não continuarem sendo "objetos de pesquisa ou
investigação". Hoje, avaliamos esta tomada de decisões como algo importante
para socializarmos enquanto a necessidade hisrica da manutenção de uma
cultura específica, que deve ser respeitada em seu tempo, assim como em
suas particularidades.
Antes de estarmos inseridos no núcleo desta comunidade quilombola,
tínhamos poucas idéias de alguns autores da década de 80, na qual as
comunidades quilombolas deveriam permanecer longe do desenho de um
modelo de sistema capitalista, que suas principais relações ainda se davam
através de um sistema de trocas, na qual muitos quilombolas da mesma família
podem se casar com os da mesma família. Neste isolamento territorial,
recorremos ao pensamento de Nascimento:
“Nosso Brasil é tão vasto, ainda não tão
desconhecido e despovoado que podemos supor,
sem margem de erro, que ainda existem muitas
comunidades negras vivendo isoladas, sem
ligação ostensiva com as pequenas cidades e
vilas do interior do país. Serão diminutas
localidades rurais, desligadas do fluxo principal da
vida do país, e mantendo estilos e hábitos da vida
africana, ou quase, sobre um regime de agricultura
coletiva de subsistência ou sobrevivência”
(NASCIMENTO, 1980, p.258).
E foi vivendo muito tempo por , que hoje melhor compreendemos que
este quadro não cabe mais como modelo para o século XXI, cujos resultados
estão correlacionados com o avanço histórico, tecnológico e social, devido às
influencias do sistema capitalista que na atualidade, para a maioria da
população brasileira, tornou-se indispensável, e dentro deste modelo de
sistema, os quilombos não seriam exceções.
As vivências estabeleceram significativas relações metodológicas, na
qual chegamos à dedução de que a Lei 10.639/03 nasce de uma demanda do
movimento social, rebusca fatos e dados históricos inserindo na legislação
brasileira, a necessidade de se recontar a hisria da comunidade negra. Para
trabalharmos esta dialética com os professores, foi necesrio partirmos das
experiências de vidas e observações de como estão vivendo os remanescentes
quilombolas no século XXI na sociedade brasileira.
Para melhor entendermos estas correlações, estivemos em dois
espaços: um quilombo rural e um urbano. Vimos que além da influência direta
do sistema vigente, permanece como principal dificuldade, de se reconhecerem
enquanto sujeitos negros diaspóricos africanos
50
. Em raros casos, apresentam-
50 Diaspóricos africanos. Referimo-nos a esse termo,com base no processo vivido pelos negros brasileiros na diáspora africana, na
qual já trabalhamos anteriormente..
se como quilombolas, o que dificulta o diálogo com a categoria de
pertencimento étnico-racial. Em minha particularidade, não sei se somaria
muito questões de terminologia, pois penso que o mais importante é o acesso
que eles devem ter a sua ancestralidade, memória e historicidade, onde eles
de posse de tais informões, melhor constituiriam um pensamento crítico,
referente ao modelo excludente que se encontram, e na busca de novas
formas de relações.
O que desejamos dizer, é que não adianta este povo se constituir
somente enquanto sujeitos negros, ou quilombolas se não tiverem acesso a
suas histórias, na qual ao falarmos sobre a historicidade de seu povo,
perceberiam que estão nas mesmas condições do sujeito negro brasileiro onde
até o momento, poucos acessaram seu passado. Vimos que a falta de mais
informações sobre suas referencias, não os constituem enquanto sujeitos
negros de direitos, pois na maioria dos casos, sem perceberem, reforçam o
mito da democracia racial em seu cotidiano. Vejamos o que uma quilombola
adolescente expressou num momento de brabeza, quando nos dizia que na
escola havia m menino negro interessado em namorar com ela:
“Eu odeio aquele nego tição, ele é horrível!” (Q2)
Lembro que fiquei atônita olhando para ela. Não se reconhecia em
momento algum enquanto negra, trazendo à tona mais uma vez seu
distanciamento e desconhecimento histórico, naturalmente sentia-se no direito
de agredir o outro, tomando como foco central a cor de sua pele. Observemos
que ela o foi a única na qual escutamos tais expressões naquela
comunidade.
Nas aulas, quando conversávamos sobre a memória do Quilombo,
muitos apresentavam o entendimento de que estão lá porque suas terras
chegaram aeles através de uma herança de seu antepassado. Diziam que
um homem negro havia trabalhado muito nelas, por isso ganhou de "presente"
de seus patrões. Até onde conseguimos examinar detalhadamente a história do
nome do Quilombo, o homem Manoel Barbosa foi um ex-escravo, que
convocado para a guerra, deixou sua família e foi para o Paraguai. Lutou e
sofreu muito, saindo dela como mais um dos vencedores, por isso, tinha muito
dinheiro.
E ele ao retornar para a cidade de Gravataí, procurou os donos destas
terras, comprou uma grande extensão, nas quais as registrou em cartório.
Depois de alguns anos, cuidando e vivendo nas mesmas, foi picado por uma
cobra venenosa e veio a falecer.
Quando a coordenadora do Quilombo nos apresentou o laudo destas
terras, e uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul em parceria com outros óros federais, tinha tanto zero, que não
conseguíamos sequer imaginar o tamanho deste espaço territorial. Nem
durante as longas horas que caminhamos por lá, tirando fotos e conversando
sobre a comunidade, onde muitas vezes tínhamos que parar, além do cansaço
pela distância, por mais que desejassem, nossos olhos alcançaram os limites
de sua totalidade.
Como trabalhamos, os quilombolas que se encontram naquela
territorialidade, não podem vender ou repassarem um milímetro de suas terras;
e o que é mais importante: todos os que descendem da família Manuel
Barbosa, possuem direitos de ocuparem os espaços, lavrados em cartório e
também devem estar de acordo com as normas internas estabelecidas em
conjunto com os que estão lá se encontram.
Desconstituirmos tais mitos na prática, dentro de um espaço educacional
ou social, não tem sido uma tarefa tranqüila. Para trabalharmos estas e outras
questões, fizemos uso de recursos áudios-visuais alternativos, adquiridos
durante nossa caminhada de atuação mais de duas décadas no segmento
movimento negro. Contudo, apropriados destes e outros materiais como
cursos de formão, seminários, palestras e conferências. Através destas
ões, posso tranquilamente auxiliar quilombolas, professores, grupos,
funcionários, e outros que assim o desejarem, diretamente na desconstituição
ou desmistificação de rótulos, tabus e preconceitos, ainda presente na
sociedade, principalmente assuntos relacionados com a comunidade negra
51
.
Ainda no Quilombo, no que diz respeito às questões culturais além dos
mais antigos, ou seja, os mais velhos, eles possuem direitos e prioridades ao
serem chamados a contribuir com questões ou problemas. Caso se necessitem
51 Sempre que nos referimos a: comunidade negra, povo negro, também nos referimos às pessoas miscigenadas, ou seja: as de
ascendência negra ou que tenham duas ou mais etnias em sua constituição.
de votação, as opiniões dos idosos têm mais peso do que as dos jovens.
Considerando um pouco o descaso para com o idoso no Brasil, senti-me
agraciada, pois sempre pensei que os detentores de sabedorias milenares
precisam em algum espaço social serem respeitados e reconhecidos por seus
acúmulos históricos.
Voltamos a uma das maiores dificuldades que tive por lá, foi ao abordar
rapidamente questões de religiosidade, pois nas aulas, ao falarmos das
religiões de matriz africana e sua origem juntos com o processo escravista,
falamos em sincretismo religioso e a importância do respeito aos seus ritos.
Poucos alunos apresentaram-se pertencentes à religião de matriz
africana, um pouco mais, referiram-se participantes da Assembléia de Deus e
quase ninguém se assumiu enquanto católico. Ao trabalharmos sobre algumas
lendas dos orixás, e sua importância destas divindades na sociedade, e suas
resistências, imediatamente apresentavam-se as negações e contradições. Os
que cultuavam a religiosidade de matriz africana, pouco ou quase nada
conheciam dos orixás, e menos ainda sentiam-se à vontade para
conversarmos sobre estas referências. Porém, os pertencentes a Assembléia
de Deus, o conseguiam explicar porque participavam, assim como não
aceitavam conversar sobre outras religiões. Seus posicionamentos eram
fechados em dogmas, denunciando as outras religiões como algo do "demônio"
ou do mal, sem argumentos concretos para dialogarem.
Ao apresentarmos as lendas e desconstituirmos tais mitos, fizemos uso
do livro de Pierre Fatumbi Verger
52
, Lendas Africanas dos Orixás,
apresentando o desenho, a hisria e importância de cada um deles,
independente das práticas religiosas presentes no Quilombo, convidando os de
outras a apresentarem também sobre as suas. No final da atividade, falamos
sobre o respeito a todos as formas de religiosidade e reforçamos o
entendimento dos de matrizes africanas como herança dos antepassados
negros, oriundos da dspora africana numa constante busca de respeito e
visibilidade.
52 Pierre Fatumbi Verger – Viveu durante dezessete anos, em sucessivas viagens desde 1948, pelas bandas ocidentais da África, em
terras Iorubas.
Ao apresentar o conceito de “Orixás”, trabalhamos as palavras de
Verger, apresentadas na seguinte poesia:
“Um babalaô me contou: Antigamente, os orixás eram homens.
Homens que se tornaram orixás por causa de seus poderes.
Homens que se tornaram orixás por causa de sua sabedoria.
Eles eram respeitados por causa de sua força
Eles eram venerados por causa de suas virtudes.
Nós adoramos sua memórias e os altos feitos que realizaram.
Foi assim que estes homens se tornaram orixás.
Os homens eram numerosos sobre a terá.
Antigamente, como hoje,
Muitos deles não eram valentes nem sábios.
A memória destes não se perpetuou.
Eles foram completamente esquecidos.
Não se tornaram orixás.
Em cada vila um culto se estabeleceu
Sobre as lembranças de um ancestral de prestígio e lendas forma
transmitidas de geração em geração.
Para render-lhes homenagem” VERGER, 1985).
Contudo, se a maioria das leis no Brasil surge de algo que não vai bem,
ou até mesmo oriunda de um fato político e social, os quilombos são hoje,
provas de resistências históricas culturais de uma era de escravidão,
norteadores da inclusão de suas especificidades dentro da Lei 10.639/03 e
outras políticas de ações afirmativas.
Assim, se o mito da democracia racial apresenta a proposta de afirmar
que não existisse no Brasil ou amesmo discriminação racial, então para que
leis que exigem o respeito às diferenças étnicas?
Como dissemos nada nasce por acaso e essolto no universo, um
de nossos desejos é de que a escola entenda e perceba que se
obrigatoriedade de implementação no currículo de uma pauta específica sobre
negritude, é porque ainda não chegaram nas escolas brasileiras as
informações deste povo, sua cultura e os diálogos que vêm estabelecendo com
o do movimento negro e seu processo de exclusão- histórico,político e social
3.2 Da legislação nacional às Leias 10.639/03 e 11.645/08
A Lei 9.394 (LDB) foi sancionada pelo presidente da República no dia 20
de dezembro de 1996. Esta estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, e providências do processo curricular organizativo de como
manter e desenvolver ações curriculares articulada com a União, o distrito
Federal e os municípios. Estabelece que os sistemas de ensino tenham
liberdade organizativa de acordo com os termos desta Lei.
No dia 09 de janeiro de 2003, o Presidente da Repúplica sanciona a Lei
10.639/03 que altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da
Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-
Brasileira", e outras providências. Vimos que o artigo 26 da nova LDB
encontra-se suprimido nos seus três parágrafos, porém logo abaixo, em
destaque, o primeiro e segundo, reaparecem com as alterações tendo em
destaque, a redação da Lei 10639/03:
Art. 1
o
A Lei n.° 9.394 9, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida
dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigario o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1
o
O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o
estudo da Hisria da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2
o
Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3
o
(VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’."
Agora mergulhamos um pouco mais nesta dialética para apresentarmos
a Lei 10.639/03 como parte desse trabalho e da sociedade, referendada numa
conquista histórica, de ativistas e militantes, que muito vêm trabalhando
para efetivação destas políticas afirmativas. Demanda esta, que após sua
legalização, apresenta-se como política obrigatória para todas as escolas da
rede escolar brasileira.
Para a surpresa de muitos, e principalmente para o movimento negro,
entra em cena uma nova Lei, a 11.645/08. Esta por sua vez, não fora
construída com os movimentos sociais, apresenta-se como contra-posição à
10.639/03. Coloca como protagonista num processo construído
anteriormente pelo segmento social negro, agora a comunidade indígena.
Analisando os passos desta nova lei, estudamos que seus elaboradores
tomaram por base teórica, Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das relações étnico-raciais e ensino da História e cultura afro-
brasileira e africana, elaborado pelo MEC (Ministério da Educação). E em 10 de
março de 2008, é sancionada pelo Presidente da República, a Lei 11.645/08.
Apresentamos a mesma na íntegra:
Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena".
Art. 1º O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa
a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura
afro-brasileira e indígena.
§ O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá
diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da
população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da
hisria da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no
Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos
povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo
escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras." (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Estudando profundamente o Parecer das Diretrizes Curriculares do MEC
m relação à Lei 11.645/08 torna-se indispensável a alteração da Lei 10.639/03,
pois esta apresentava-se incompleta por que havia a necessidade de inclusão
dos povos indígenas, evidenciando a preocupação com uma etnia que além de
sua dizimação vem sofrendo tamm um processo histórico de invisibilidade
social.
Para a conquista de política de Cotas na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, a comunidade indígena conquistou dez vagas específicas.
Assim, ela não concorre com as vagas universais, sendo obrigatoriedade dos
caciques indicarem seus representantes para concorrem aos cursos de acordo
com suas necessidades.
No de 2008, a comunidade indígena se reuniu novamente na UFRGS,
no prédio da Faculdade de Educação (FACED) para solicitar mais vagas nos
próximos vestibulares e em momento algum se referiram à aplicabilidade das
leis 11.645/08 ou 10.639/03. Durante o evento, ao perguntar a um
representante da comunidade indígena, como ele via a importância desta lei,
ele me olhou, franziu a testa e disse que nunca ouvira falar dela. Estavam ali
porque sabiam que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul aprovara as
cotas para os índios, devido ao acompanhamento de alguns caciques no dia da
votação. Assim, as complexidades referentes ao desconhecimento das duas
citadas legislações ainda tem dificultado a articulação e luta do movimento
negro e indígena, assim como a implementação das mesmas legislações.
Na aldeia, em contato com o Cacique dos índios Kaigangs, o mesmo
informou que atualmente existem 180 povos indígenas. Portanto, a prática de
indicação de nomes não foi possível. Desse modo, dez vagas não contemplam
este universo. Informou que na UFRGS os candidatos prestaram as provas
para o próximo ano e o resultado fora o seguinte: dos três ônibus que vieram
do interior, na prova do vestibular passou apenas um de cada ônibus. E os que
vivem em Porto Alegre tiveram aprovação apenas para três vagas e as outras
quatro vagas foram para outras comunidades indígenas. Tamm apresentou
algumas dificuldades da aldeia, dentre elas o processo de discriminação e as
condições precárias que vivem aquela e outras comunidades.
Da aldeia para as escolas identificamos que muitas possuem as
diretrizes curriculares em suas bibliotecas, mas não as acessam e justificando
o o cumprimento destas em seu currículo, devido tamm ao grande
acúmulo de suas atividades. Algumas dificuldades pedagógicas chegam até
nós, nos espaços de formação de professores, na carona do mito da
democracia racial e também na falta de comprometimento para com a causa
negra. Mais uma frase de outra professora da escola em agosto de 2008:
“Veja professora, se a gente mal conhece uma, e já vem outra lei? Assim
não dá, além do dia do trabalho, do dia dos pais, da criança, do índio, ainda
temos que trabalhar mais a situação do negro? E ele fazendo o que pra se
ajudar?" ( EEEFAW)
Nesta frase rios conceitos internalizados, as dificuldades e
propagões do mito, para chamarmos a atenção sobre alguns vetos da Lei
10.639/03, principalmente na parte de grande valia correspondente formação
de professores. A nosso ver, essa atitude prova o abismo existente entre
professores, alunos, funcionários e os pais, assim como as contradições e
negações, para dizer que a sociedade brasileira, que ainda encontra-se
resistente e fechada para os diálogos sobre negritude. Constatamos através da
pergunta realizada para uma funcionária não negra da escola: Quando você
disse que tomou contato com a Lei 10.639/03 na escola, através de palestra e
vídeo assim como alguma reportagem na televisão, fale-me mais sobre essa
ão?”
“Aqui na escola, na palestra que você veio realizar para s no ano
passado. Mas tenho a impressão que vi. Também acho que os professores
teriam que abordar mais estas questões na escola”. (EP2 EEEFAW)
Evidenciamos aqui, seu total desconhecimento sobre a referida lei,
principalmente quando se expressa que "tenho a impressão que vi;
repassando a responsabilidade de trabalho e abordagem para os professores
da escola. Porque o distanciamento, pois a mesma também se encontra
inserida dentro deste espaço? Para isso, acreditamos que políticas públicas
o necessárias para serem colocadas em práticas, por todos os sujeitos
sociais e não cada um fazendo a sua parte.
Para confirmarmos que a Lei 11.645/03 não foi apresentada, discutida
ou até mesmo construída com os demais setores da sociedade civil,
apresentamos uma entre as diversas chamadas, que circulou na rede da
internet
53
, durante o mês de sua aprovação, como preocupação dos
representantes e simpatizantes do movimento negro, assim como as várias
reuniões ocorridas tendo como pauta, a preocupação com os rumos desta nova
diretriz. Aqui um pouco, e em anexo a íntegra desta chamada:
“Atenção gente,
Ocorrerá nesta segunda-feira, 22.09.08, a partir das 14h, no
(...) Acredito que temos a obrigação de participarmos e contribuirmos
com nossa proposta nesta resolução. Acho até que devemos solicitar
mais tempo para implementão desta resolução, até porque ficamos
a saber sobre tal assunto pela força de nossos orixás.Alguns de nós,
com certeza nem poderemos estar lá, pelo pouco espaço de tempo
para nos organizarmos. Também segue em anexo cópia de uma
norma técnica da SECAD/MEC sobre a lei 11.645, que diferente do
que muitos (as) leigos (as) e outros (as) sabidos (as) dizem, O
REVOGOU A LEI 10.639/03. Boa leitura e façam o possível para
53 Grupo Marcha Zumbi 10- Este grupo integra ativistas, militantes e simpatizantes do movimento negro, nas quais divulgas suas
atividades, denúncias e ações direcionadas para a negritude.
estarem lá e/ou mandarem outros e outras para este encontro. Asé
33.”
A partir desta carta fica evidente o caminho e rumos que tomaram essa
lei, onde há o destaque em letras garrafais da seguinte forma: NÂO REVOGOU
A LEI 10.639/03. Na prática educativa, os professores que possuíam
dificuldades de entendimentos sobre a primeira, muitos por negações e
desconhecimentos, fizeram uso da segunda como uma tarefa comprometida
em anular as duas.
Por mais estas confusões, negações e contradições, nentencemos mais
do que necessário a apresentação, aplicação e principalmente a sensibilizão
das referidas lei neste momento, onde o convite vindo dos professores nos
possibilitou uma experienci-ação coletiva de concretas possibilidades de
quebras de paradigmas e a desconstituição de algumas terminologias
carregadas de juízo de valores no universo da escola observada.
3.3 O momento da formação e suas correlações com as práxis nas escolas
Mais esta ação nos levou após o convite, a nos prepararmos para
aplicabilidade da Lei 10.639/03 na escola, e tamm da 11.645/08, no espaço
da formão onde o público alvo foram os professores e funcionários desta,
cuja dinâmica foi realizada num dia de semana, nos períodos da manha e da
tarde, com objetivos encontrarmos caminhos e possibilidades da
operacionalização da referida lei, na qual apresentamos neste momento, em
sua íntegra.
Quando os professores estão chegando, cada um é convidado a percorrer antes
novo caminho. Assim, escolhe um objeto, uma palavra e novamente senta-se em
qualquer cadeira. Após avaliar o objeto, apresenta-se para o grupo com a palavra que
escolheu aleatoriamente, pois este é o seu nome no grupo, a partir deste momento.
Após, ampliarmos um levantamento sobre olhares em relação às diferenças que
permeiam o espaço de atuação dos professores, e como trabalham questões e assuntos
de discriminações que se apresentam em sala de aula.
Essa riqueza de dados, apresentada por eles, também poderia ser, em algum
momento, devolvidas de forma a contribuir em algumas desconstituições de ações e
principalmente pensamentos relacionados com o mito da democracia racial e com as
questões de discriminão, e com base nas respostas de algumas entrevistas, pensamos
em apresentar a referida lei, para todos os integrantes da escola. Percebemos que poucos
sabem do que se trata, e muitos não possuem desejos, nem vontade de trabalharem com
essa temática. Assim, teríamos que construirmos algo dinâmico para que se
expressassem, sem medo de estarem sendo avaliados.
Socializando o momento da formação e estabelecendo correlações com a práxis
da escola tomamos a posse dos materiais necessários, na qual mais uma vez rumei para
a escola. Ao chegar, fui recebida pela diretora que me ajudou a organizar a sala,
juntamente com os recursos solicitados tais como: papel pardo, retro projetor, canetas
piloto, fita autocolante...
As professoras começaram a chegar para a atividade. Mostravam-se pouco
motivadas, porém mais curiosas. Ao entrarem na porta, estavam dentro de uma estada
simbolizada através de um caminho, com vários objetos dispostos sobre ele. Assim,
adentraram a sala com o cuidado de o pisarem nos diferentes objetos.
A diretora abriu a atividade, falou da necessidade da "formação guela abaixo",
com objetivo de completar a carga horária, assim como o convite ao novo que
estaríamos aprendendo. Apresentei-me novamente, pois percebi que alguns professores
ainda não me conheciam, apesar de já ter marcado presença várias vezes na escola. Falei
do lugar de onde vinha, da primeira parte da pesquisa e da necessidade de continuar a
mesma no núcleo de formação e suas correlações com a práxis educativa. Também falei
dos porquês de ter escolhido aquela escola para continuar meu trabalho.
Após, convidei cada um a observar o caminho, escolher um objeto percorrendo a
estrada e depois com o objeto escolhido em os, que sentasse novamente em seus
lugares. Solicitei a cada um (a) que observasse a matéria prima, o tempo dispensado a
confecção do objeto, sua utilidade. Assim, cada um tinha que se apresentar dizendo o
lugar de onde vinha, e fazer uma associação com o objeto escolhido e a seguinte frase
exposta no cartaz que estava colado no quadro: A diversidade Étnico-Racial está na
alma deste país. E também na sala de aula”. O mesmo continha a foto de uma mulher
negra sorrindo, com tranças estilo afro e as cores da bandeira da África do Sul: verde,
vermelho, preto e amarelo.
Enquanto cada um voluntariamente se apresentava e realizava as associações,
anotei em meu caderno e também com caneta piloto no papel pardo, palavras que eles
apresentavam de forma que todos as visualizassem. Assim, aos poucos a estrada foi
ficando cheia de palavras que estavam relacionadas à Lei 10.639/03, a categoria de
pertencimento étnico-racial e ao mito da democracia racial.
A primeira professora, escolheu um mini-orixá
54
, dizendo o seguinte:
"Pedra, natureza, plástico. Se eu fosse usar na sala de aula, minhas colocações
seriam sobre o seguinte: pode ser um orixá". Perguntei a ela, o que era um orixá, e ela
54
Orixás - divindades africanas cultuadas em centros de religiosidade
afro-brasileira.
disse: "entidades que fazem parte da religião ou do sincretismo afro, isto é, eles fazem
em homenagem aos orixás deles"
55
. (P1EEEFAW)
O segundo foi um funcionário que escolheu um isqueiro e falou o seguinte:
"Plástico, chama. Em relação à diversidade étnico-racial, podemos trabalhar que
cada pessoa, independente de sua cor, maneira de pensar, tem uma luz que irradia
positivo ou negativo. Essa luz faz com que você trabalhe, passe. Eu, não gosto de meu
trabalho. Faço porque tenho que fazer, mas não gosto".Esse funcionário, trabalha na
limpeza da escola, participou somente no primeiro momento da formação, e logo pediu
licença retirando-se da sala.
A próxima professora que escolheu um mini-agê
56
dizendo o seguinte: Peguei
um instrumento que se usa bastante na religiosidade, negritude, não sabia que existia
deste tamanho, só conhecia os grandes. (P3EEEFAW)
Outra professora pegou um vidrinho bem pequenino com uma essência e disse:
“Essência, harmonia. Muitos de nossos alunos não tem uma família estruturada"
(P4EEEFAW)
Então, perguntei a ela o que significa uma família estruturada: "Amor entre pais
e filhos, que os pais saibam respeitar os filhos, aqui na nossa escola temos muitos casos
de agressão dos pais..." (P4EEEFAW)
A próxima com a tesoura em os falou:
“Corte, rompimento/separação. O objetivo é sempre o mesmo. Que bom seria
que a gente pudesse romper com tudo aquilo. (referindo-se às discriminações). A tesoura
rompendo todas as dificuldades". (P5EEEFAW)
Perguntei a ela se existia discriminação na sociedade e na escola. Ela afirmou
que sim, nos dois espaços.
A professora que estava com a caneta foi objetiva dizendo:
55
Frase retirada do cartaz da SECADI de Brasília, que realizou a
formão por vários estados referente a aplicabilidade da Lei 10.639/03 no ano
de 2005.
56
Agê é instrumento feito com miçangas e corda, utilizado em festas e
encontros de religiosidade de matriz africana.
"Para mim, a caneta representa a diversidade. Tem caneta de todos os tipos e de
todas as cores". (P6EEEFAW)
O professor de inglês pegou um prendedor de roupas falando o seguinte:
“Madeira, metal, natureza. Nós não nos preocupamos quem esteve antes de nós,
nem com quem vem depois”. (P8EEEFAW)
Quando perguntei a ele o que o prendedor tinha a ver com a discriminação, ele
disse:
Vejo a diversidade como uma luta. Parabenizo a ação da negritude. Tem pele
ariana que está nas mesmas ou iguais condições do que o projeto da negritude.
Deveriam envolver todas as cores" (P8EEEFAW).
No decorrer da formação, este mesmo professor disse que deveria também
haver leis para defender os brancos.Mais uma, que apresenta o pente da seguinte forma:
“Modelar e ter liberdade, mas como peguei a pílula e não o pente vejo esta como
uma liberdade de optar pelo corpo. Diversidade como direito de escolha. Agora, tem
muitas adolescentes que não conseguem optar pelo direito de serem mães, estão
engravidando cada vez mais cedo e tendo que morar em condições precárias
(P9EEEFAW)
A professora que tinha um origami com a bandeirinha do Brasil, diz:
“Celulose, natureza, grandeza, amplitude. Aponta para todos os lados, assim
como a diversidade étnico-racial. Em todo o ps uma discussão em torno desse
tema. Assuntos que são muito importantes e que deveríamos tratar em sala de aula.
(P10EEEFAW)
A professora da tarde, intervém a fala de sua colega, contribuindo em relação à
sensibilidade e delicadeza:
“Ás vezes, a gente não é delicada com os alunos, colegas, e outras pessoas”.
(P6EEEFAW)
Uma professora da tarde pegou uma "bonequinha", dizendo:
"Eu acho que representa Iemanjá". (P11EEEFAW)
Perguntei a ela quem é Iemanjá?
"Uma entidade conhecida com vários nomes. Assim, mostra como nosso país
chega a uma conclusão: em sala de aula, também temos que trabalhar essas questões".
P12EEEFAW)
A professora que trabalha na biblioteca, refere-se ao objeto que pegou, uma
tampa da garrafa PET:
"Serve para fechar. Eu posso manter as coisas fechadas ou abertas, depende de
minha sensibilidade, como por exemplo na biblioteca posso mudar, transformar e fazer
algo diferente. Quanto à questão étnico-racial, precisamos nos abrir. Sou de origem
alemã e sempre ouvi: alemão batata, come queijo com barata! Ou quatro
olhos!Precisamos ter a hegemonia, onde um não se sinta agredido pelo outro por
questões discriminatórias". (P13EEEFAW)
Pedi para que explicasse ao grupo, se desejasse o significado da palavra
hegemonia.
"Igualdade na sala de aula, que nenhum se sinta inferior em relação ao outro".
(P13EEEFAW)
A única professora negra,pegou um marcador de texto com uma cara negra diz o
seguinte:
"É um delimitador. Na vida da gente, às vezes a gente tem que dar uma parada.
Dentro da sala de aula, a gente tem que retomar muito". (P14EEEFAW)
Perguntei: Que cor tem essa boneca aí no marcador?
"Há sim,ela é negra!". (P14EEEFAW)
O funcionário que pegou um ímã de geladeira, disse:
"Metal. Ele tem o poder de atrair ou repelir. Assim é também a discriminação".
No decorrer do dia, conversando com ele, fiquei sabendo de sua posição
contrário ao sistema de "cotas", assim como mostrou-se um dos mais resistentes à
desconstituição de mitos, tabus e preconceitos, na reunião, questionando
permanentemente, e muitas vezes, sem se dar por conta e referendando o mito da
democracia racial. Disse:
Não vejo assim, acho que todos são iguais, todos tem os mesmos direitos".
(P15EEEFAW)
A diretora de posse do pente diz:
“Os negros usam para desembaraçar os cabelos. Para mim, cada vão também
significa um caminho. Todos têm o mesmo objetivo: expandir. Na política, também
temos a operação "pente fino". Hoje, li uma notinha no jornal, que o Rio Grande do Sul,
não está investindo o mínimo do que deveria em educação (referindo-se às verbas
federais e estaduais). Assim, este pente tem a função de desembaraçar, lutar, abrir
caminhos, descobrir o que acontece". (DEEFAW)
Uma professora que pegou um esmalte apresenta o seguinte:
"Vaidade, harmonia, paz. Observo dois parâmetros: primeiro quando você
coloca, o cheiro é ruim, segundo, você quando usa, acha lindo. Assim, são as trocas de
idéias: vida, diversidade, interatividade". D16EEEFAW)
A última professora a falar, pegou uma pilha, na qual expressou enorme
dificuldade em estabelecer relação com a discriminão.
"Como fazer essa relação? Acho que a pilha representa energia para trabalhar
toda essa diversidade. Cadeirantes, acessibilidade..." (P6EEEFAW)
Entramos no assunto também referente à exclusão dos deficientes. Uns acham
que a escola deve ser espaço de acolhida para alunos com síndromes, assim como outros
pensam que a escola não está pronta para acolher. Até que uma professora cita a
seguinte frase:
"Deixar essa criança numa escola específica, isso não é discriminar. Esse aluno
precisa de uma atenção especial". (P8EEEFAW)
Neste momento, devolvo o questionamento ao grupo indagando concordâncias e
discordâncias referentes a este assunto. Até que uma professora diz:
“O problema é que nós enquanto professores, não estamos preparados. A
escola acolhe, mas a sociedade não está preparada”. (P9EEEFAW)
Entra então, o olhar da direção:
"Todas as escolas poderiam fazer isso, mas a questão é que nós (enquanto
educadores) não queremos, nós não estamos preparados". (P5EEEFAW)
Busquei estabelecer uma relão destes casos para com o caso dos alunos
negros. Assim, o leque de discriminação e exclusão escolar aos poucos, ampliou-se para
trabalharmos questões referentes aos índios, negros, pobres, deficientes, ....
Neste diálogo, a professora intervém:
"Vai da nossa sensibilidade. A criança negra, o índio, a criança que é
emocionalmente agressiva, a gente tem que ter o mínimo de sensibilidade" (DEEEFAW)
que estabeleci melhor diálogo para a apresentação das Leis 10.639/03 e 11.645/08
Durante a apresentação das referidas leis em retroprojetor, abriu espaços para
questionamentos, dúvidas, sugestões. Até que outra professora chama a atenção:
"Olha Eliane, se esse assunto agora é lei, está no papel, por que os livros
didáticos ainda não foram modificados?" (VDEEEFAW)
Devolvi a pergunta ao grupo, e surgiram outras opiniões:
"A lei está só no papel, ainda não chegou à prática"; (P5EEEFAW)
"Como é que colocamos essas questões nos livros?"; (EAS)
"Onde estão os escritores negros?" (EAS)
Depois, apresentei as charges de Maurício Pestana
57
que coloca em quadrinhos e
desenhos, imagens de negros e brancos, assim como estereótipos do sujeito negro na
sociedade em vários espaços: trabalho, educação, gênero, saúde, violência, mídia ....
Após muitas conversas, e buscas de desconstituição de mitos e rias trocas
correlacionadas com a discriminação racial, fiz a seguinte pergunta:
Após nossas conversas, e queses sobre o que vimos até o presente momento,
aqui, alguém possui vidas de que....Alguém m vidas de que no Brasil existe
discriminação para com a comunidade negra e indígena?"
Fez-se um longo silêncio, e as falas foram se apresentando uma a uma,
totalizando com a concordância de que existe discriminação racial no Brasil.
De posse destas respostas, partimos para um diálogo sobre mitos, tabus,
preconceitos e estereótipos presentes no universo educativo. Os mal estares não foram
poucos. Porém penso eu em grupo, conseguimos tocar alguns corações e mentes.
Durante o almoço, uma professora muito preocupada, Fez-me a seguinte pergunta, que
até hoje, questiono-me se ela estava falando sério ou não:
"Eliane, em casa, tenho uma cachorrinha preta, que fica com cachorro
branco. Será que ela é racista?". (P4EEEFAW)
Respondi a ela que estas atitudes, geralmente não ocorrem com os animais e sim
com os seres humanos. Que os animais não disputam poder, espaço, belezas, e portanto,
os animais não possuem preocupões como partilha de bens, cotas e reparações.
A formação continuou também no período da tarde. No segundo momento,
observei que muitos se apresentavam um pouco mais tranqüilos, mas a garantia de suas
práxis, iriam se materializarem, caso desejassem, decorrer de suas aulas. Em algum
momento questionei: Será que ainda estavam esperando algo como uma "receita de
bolo?" Bem, nosso desafio estava em construir algo com muitas mãos.
57
Augusto Pestana - Chargista negro, de São Paulo. Possui muitos livros publicados.
A fonte utilizada é do livro: Manual de Sobrevivência no Brasil. São Paulo, 1986.
Chegamos ao entendimento que a maioria das leis que existem no Brasil, foram
criadas a partir do nascimento ou materialização de problemas, acidentes, e impactos
pessoais e sociais; e as que se referem à discriminação racial, foram construídas a partir
do olhar do segmento social movimento negro e suas correlações como outros
segmentos, para amenizar preconceitos hisricos sofridos por este povo, assim como
necessidade de visibilidade positiva destes no mundo escola,onde as denúncias de
práticas racistas se apresentarem na sociedade brasileira, caminhos judiciais a serem
tomados, garantidos na Constituição Brasileira que ocorrerão ou não pela organização
da sociedade civil..
Como ainda sentimos a necessidade de melhor entendermos a
dialética entre teoria e prática dos professores, na escola, utilizamos em outro
dia, a aplicabilidade do instrumento pedagógico (fitas de vídeo ) das história
infantis para uma turma de terceira série na qual fizemos uso das leituras de
imagens e tamm o mesmo material foi apresentado para uma turma da
oitava série que recolhemos os registros dos alunos com algumas respostas,
onde a descoberta da categoria gênero somou as demais trabalhadas até o
momento em sua prática. Vejamos um pouco destes movimentos no próximo
parágrafo.
3.4 A experienci-ação da Lei 10.639/03 na escola publica
Socializando o momento da formação e estabelecendo correlações com
a práxis da escola tomamos a posse dos materiais necessários, na qual mais
uma vez rumei para a escola. Ao chegar, fui recebida pela diretora que me
ajudou a organizar a sala, juntamente com os recursos solicitados tais como:
papel pardo, retro projetor, canetas piloto, fita autocolante...
As professoras e os funcionários também comaram a chegar para a
atividade. Mostravam-se pouco motivados, porém mais curiosas. Ao entrarem
na porta, estavam dentro de uma estada simbolizada através de um caminho,
com vários objetos dispostos sobre ele. Assim, adentraram a sala com o
cuidado de não pisarem nos diferentes objetos.
A diretora abriu a atividade, falou da necessidade da "formação guela
abaixo", com objetivo de completar a carga horária, assim como o convite ao
novo que estaríamos aprendendo. Apresentei-me novamente, pois percebi que
alguns professores não me conheciam. apesar de já ter marcado presença
várias vezes na escola. Falei do lugar de onde vinha, da primeira parte da
pesquisa e da necessidade de continuar a mesma no cleo de formão e
suas correlações com a práxis educativa. Tamm falei dos porquês de ter
escolhido aquela escola para continuar meu trabalho.
Após, convidei cada um a observar o caminho, escolher um objeto
percorrendo a estrada e depois com o objeto escolhido em mãos, que sentasse
novamente em seus lugares. Solicitei a cada um (a) que observasse a matéria
prima, o tempo dispensado a confecção do objeto, sua utilidade. Assim, cada
um tinha que se apresentar dizendo o lugar de onde vinha, e fazer uma
associação com o objeto escolhido e a seguinte frase exposta no cartaz que
estava colado no quadro: “A diversidade Étnico-Racial está na alma deste país.
E também na sala de aula”. O mesmo continha a foto de uma mulher negra
sorrindo, com tranças estilo afro e as cores da bandeira da África do Sul: verde,
vermelho, preto e amarelo.
Enquanto cada um voluntariamente se apresentava e realizava as
associações, anotei em meu caderno e também com caneta piloto no papel
pardo, palavras que eles apresentavam de forma que todos as visualizassem.
Assim, aos poucos a estrada foi ficando cheia de palavras que estavam
relacionadas à Lei 10.639/03, a categoria de pertencimento étnico-racial e ao
mito da democracia racial.
A primeira professora, escolheu um mini-orixá
58
, dizendo o seguinte:
“Pedra, natureza, plástico. Se eu fosse usar na sala de aula, minhas
colocações seriam sobre o seguinte: pode ser um orixá". Perguntei a ela, o que
era um orixá, e ela disse: "entidades que fazem parte da religião ou do
58 Orixás - divindades africanas cultuadas em centros de religiosidade afro-brasileira.
sincretismo afro, isto é, eles fazem em homenagem aos orixás deles
59
.
(P1EEEFAW)
O segundo foi um funcionário que escolheu um isqueiro e falou o
seguinte:
“Plástico, chama. Em relação à diversidade étnico-racial, podemos
trabalhar que cada pessoa, independente de sua cor, maneira de pensar, tem
uma luz que irradia positivo ou negativo. Essa luz faz com que você trabalhe,
passe. Eu, não gosto de meu trabalho. Faço porque tenho que fazer, mas não
gosto".Esse funcionário, trabalha na limpeza da escola, participou somente no
primeiro momento da formação, e logo pediu licença retirando-se da sala.”
A próxima professora que escolheu um mini-a
60
dizendo o seguinte:
“Peguei um instrumento que se usa bastante na religiosidade, negritude,
não sabia que existia deste tamanho, só conhecia os grandes”. (P3EEEFAW)
Outra professora pegou um vidrinho bem pequenino com uma essência
e disse:
“Essência, harmonia.Muitos de nossos alunos não tem uma família
estruturada” (P4EEEFAW)
Então, perguntei a ela o que significa uma família estruturada:
"Amor entre pais e filhos, que os pais saibam respeitar os filhos, aqui na
nossa escola temos muitos casos de agressão dos pais..." (P4EEEFAW)
A próxima com a tesoura em mãos falou:
“Corte, rompimento/separação. O objetivo é sempre o mesmo. Que bom
seria que a gente pudesse romper com tudo aquilo. (referindo-se às
discriminações). A tesoura rompendo todas as dificuldades”. (P5EEEFAW)
Perguntei a ela se existia discriminação na sociedade e na escola. Ela
afirmou que sim, nos dois espaços.
A professora que estava com a caneta foi objetiva dizendo:
“Para mim, a caneta representa a diversidade. Tem caneta de todos os
tipos e de todas as cores". (P6EEEFAW)
59 Frase retirada do cartaz da SECADI de Brasília, que realizou a formação por vários estados referente a aplicabilidade da Lei
10.639/03 no ano de 2005.
60 Age- Instrumento feito com miçangas e corda, utilizado em festas e encontros de religiosidade de matriz africana.
O professor de ings, pegou um prendedor de roupas falando o
seguinte:
“Madeira, metal, natureza. Nóso nos preocupamos quem esteve
antes de nós, nem com quem vem depois. (P8EEEFAW)
Quando perguntei a ele o que o prendedor tinha a ver com a
discriminação, ele disse:
“Vejo a diversidade como uma luta. Parabenizo a ão da negritude.
Tem pele ariana que está nas mesmas ou iguais condições do que o projeto da
negritude. Deveriam envolver todas as cores" (P8EEEFAW).
No decorrer da formação, este mesmo professor disse que deveria
também haver leis para defender os brancos. Mais uma, que apresenta o pente
da seguinte forma:
“Modelar e ter liberdade, mas como peguei a pílula e não o pente vejo
esta como uma liberdade de optar pelo corpo. Diversidade como direito de
escolha. Agora, tem muitas adolescentes que não conseguem optar pelo direito
de serem mães, estão engravidando cada vez mais cedo e tendo que morar
em condições precárias” (P9EEEFAW)
A professora que tinha um origami com a bandeirinha do Brasil, diz:
“Celulose, natureza, grandeza, amplitude. Aponta para todos os lados,
assim como a diversidade étnico-racial. Em todo o país uma discussão em
torno desse tema. Assuntos que são muito importantes e que deveríamos tratar
em sala de aula”. (P10EEEFAW)
A professora da tarde, intervém a fala de sua colega, contribuindo em
relação à sensibilidade e delicadeza:
“Ás vezes, a gente não é delicada com os alunos, colegas, e outras
pessoas.” (P6EEEFAW)
Uma professora da tarde pegou uma "bonequinha", dizendo:
“Eu acho que representa Iemanjá” (P11EEEFAW)
Perguntei a ela quem é Iemanjá?
“Uma entidade conhecida com vários nomes. Assim, mostra como nosso
país chega a uma conclusão: em sala de aula, também temos que trabalhar
essas questões”. P12EEEFAW)
A professora que trabalha na biblioteca, refere-se ao objeto que pegou,
uma tampa da garrafa PET:
“Serve para fechar. Eu posso manter as coisas fechadas ou abertas,
depende de minha sensibilidade, como por exemplo na biblioteca posso mudar,
transformar e fazer algo diferente. Quanto à questão étnico-racial, precisamos
nos abrir. Sou de origem alemã e sempre ouvi: alemão batata, come queijo
com barata! Ou quatro olhos!Precisamos ter a hegemonia, onde um não se
sinta agredido pelo outro por questões discriminatórias.” (P13EEEFAW)
Pedi para que explicasse ao grupo, se desejasse o significado da
palavra hegemonia.
“Igualdade na sala de aula, que nenhum se sinta inferior em relação ao
outro”. (P13EEEFAW)
A única professora negra, pegou um marcador de texto com uma cara
negra diz o seguinte:
“É um delimitador. Na vida da gente, às vezes a gente tem que dar uma
parada. Dentro da sala de aula, a gente tem que retomar muito”.
(P14EEEFAW)
Perguntei: Que cor tem essa boneca aí no marcador?
“Há sim,ela é negra!”. (P14EEEFAW)
O funciorio que pegou um ímã de geladeira, disse:
“Metal. Ele tem o poder de atrair ou repelir. Assim é tamm a
discriminação”.
No decorrer do dia, conversando com ele, fiquei sabendo de sua posição
contrário ao sistema de "cotas", assim como mostrou-se um dos mais
resistentes à desconstituição de mitos, tabus e preconceitos, na reunião,
questionando permanentemente, e muitas vezes, sem se dar por conta e
referendando o mito da democracia racial. Disse:
“Não vejo assim, acho que todos são iguais, todos tem os mesmos
direitos". (P15EEEFAW)
A diretora de posse do pente diz:
“Os negros usam para desembaraçar os cabelos. Para mim, cada vão
também significa um caminho. Todos têm o mesmo objetivo: expandir. Na
política, também temos a operação "pente fino". Hoje, li uma notinha no jornal,
que o Rio Grande do Sul, o está investindo o mínimo do que deveria em
educação (referindo-se às verbas federais e estaduais). Assim, este pente tem
a função de desembaraçar, lutar, abrir caminhos, descobrir o que acontece".
(DEEFAW)
Uma professora que pegou um esmalte apresenta o seguinte:
“Vaidade, harmonia, paz. Observo dois parâmetros: primeiro quando
você coloca, o cheiro é ruim, segundo, voquando usa, acha lindo. Assim,
o as trocas de idéias: vida, diversidade, interatividade”.( D16EEEFAW)
A última professora a falar, pegou uma pilha, na qual expressou enorme
dificuldade em estabelecer relação com a discriminão.
“Como fazer essa relação? Acho que a pilha representa energia para
trabalhar toda essa diversidade. Cadeirantes, acessibilidade...” (P6EEEFAW)
Entramos no assunto também referente à exclusão dos deficientes. Uns
acham que a escola deve ser espaço de acolhida para alunos com síndromes,
assim como outros pensam que a escola não está pronta para acolher. Até que
uma professora cita a seguinte frase:
“Deixar essa criança numa escola específica, isso não é discriminar.
Esse aluno precisa de uma atenção especial.” (P8EEEFAW)
Neste momento, devolvo o questionamento ao grupo indagando
concordâncias e discordâncias referentes a este assunto. Até que uma
professora diz:
“O problema é que nós enquanto professores, não estamos preparados.
A escola acolhe, mas a sociedade não está preparada.” (P9EEEFAW)
Entra então, o olhar da direção:
“Todas as escolas poderiam fazer isso, mas a questão é que nós
(enquanto educadores) não queremos, nós o estamos preparados.”
(P5EEEFAW)
Busquei estabelecer uma relação destes casos para com o caso dos
alunos negros. Assim, o leque de discriminão e exclusão escolar aos poucos,
ampliou-se para trabalharmos questões referentes aos índios, negros, pobres,
deficientes, ....
Neste diálogo, a professora intervém:
“Vai da nossa sensibilidade. A criança negra, o índio, a criança que é
emocionalmente agressiva, a gente tem que ter o mínimo de
sensibilidade”(DEEEFAW) que estabeleci melhor diálogo para a apresentação
das Leis 10.639/03 e 11.645/08
Durante a apresentação das referidas leis em retroprojetor, abriu
espaços para questionamentos, dúvidas, sugestões. Até que outra professora
chama a atenção:
"Olha Eliane, se esse assunto agora é lei, esno papel, por que os
livros didáticos ainda não foram modificados?" (VDEEEFAW)
Devolvi a pergunta ao grupo, e surgiram outras opiniões:
"A lei está no papel, ainda não chegou à prática"; (P5EEEFAW)
"Como é que colocamos essas questões nos livros?"; (EAS)
"Onde estão os escritores negros?"(EAS)
Depois, apresentei as charges de Maurício Pestana
61
que coloca em
quadrinhos e desenhos, imagens de negros e brancos, assim como
estereótipos do sujeito negro na sociedade em vários espaços: trabalho,
educação, gênero, saúde, violência, mídia, ....
Após muitas conversas, e buscas de desconstituição de mitos e várias
trocas correlacionadas com a discriminação racial, fiz a seguinte pergunta:
Após nossas conversas, e questões sobre o que vimos ao presente
momento, aqui, alguém possui dúvidas de que ....Alguém têm dúvidas de que
no Brasil existe discriminação para com a comunidade negra e indígena?"
Fez-se um longo silêncio, e as falas foram se apresentando uma a uma,
totalizando com a concordância de que existe discriminação racial no Brasil.
De posse destas respostas, partimos para um diálogo sobre mitos,
tabus, preconceitos e estereótipos presentes no universo educativo. Os mal
estares não foram poucos. Porém penso eu em grupo, conseguimos tocar
alguns corações e mentes. Durante o almo, uma professora muito
preocupada, Fez-me a seguinte pergunta, que até hoje, questiono-me se ela
estava falando sério ou não:
61 Augusto Pestana - Chargista negro, de São Paulo. Possui muitos livros publicados. A fonte utilizada é do livro: Manual de
Sobrevivência no Brasil. São Paulo, 1986.
"Eliane, lá em casa, tenho uma cachorrinha preta, que só fica com
cachorro branco. Será que ela é racista?". (P4EEEFAW)
Respondi a ela que estas atitudes, geralmente o ocorrem com os
animais e sim com os seres humanos. Que os animais não disputam poder,
espaço, belezas, e portanto, os animais não possuem preocupações como
partilha de bens, cotas e reparações.
A formão continuou também no período da tarde. No segundo
momento, observei que muitos se apresentavam um pouco mais tranqüilos,
mas a garantia de suas práxis, só iriam se materializarem, caso desejassem,
decorrer de suas aulas. Em algum momento questionei: Será que ainda
estavam esperando uma "receita de bolo?" Bem, nosso desafio estava em
construir algo com muitas mãos.
Socializei neste espaço, que a maioria das leis que existem no Brasil,
foram criadas a partir do nascimento ou materialização de problemas,
acidentes, e impactos pessoais e sociais; e as que se referem à discriminação
racial, foram construídas a partir do olhar do segmento social movimento negro
e suas correlações como outros segmentos, para amenizar preconceitos
hisricos sofridos por este povo, assim como necessidade de visibilidade
positiva destes no mundo escolar. Assim através de identificação e de
denúncias de práticas racistas na sociedade brasileira, caminhos judiciais a
serem tomados, garantidos na Constituição.
Por isso, a necessidade de apresentarmos na íntegra esta dinâmica
ocorrida na formão dos professores da escola, por entendermos estes
momentos, como significativos para a materialização da práxis pedagógica da
comunidade escolar, permeada por contradições, negações, mitos, tabus e
preconceitos correlacionados com o pertencimento étnico-racial, vivenciados
diariamente nas relações professor/aluno neste universo. Portando a
necessidade de chegarmos pximo dos alunos para vermos como estava a Lei
10.639/03 por lá.
3.5 A Lei 10.639/03 e alguns olhares dos alunos...
O recurso utilizado foi um DVD do Programa A Cor da Cultura, que
citamos antes, com as histórias da "Menina Bonita do Laço de Fita" e do
"Menino Nito". Após apresentação, solicitei a eles os registros através de
desenhos e frases.
Os resultados nos chegaram através dos desenhos e da escrita, foram
surpreendentes. Pois além das categorias trabalhadas, surgiu tamm a
categoria de gênero. Então, eu e a professora Carmen solicitamos ajuda a dois
especialistas para melhor análise sobre o que desejávamos saber.
Foi recomendado o auxílio da professora Analice Dutra Pillar
62
, na qual
acessamos alguns textos, e na prática, recorremos a assessoria do professor
Paulo Albuquerque
63
.
De posse destas análises, constatamos além do distanciamento da
práxis dos professores, algumas dificuldades pedagógicas e suas
complexidades que permeiam o currículo nesta escola. As análises foram
realizadas de acordo com o texto da professora Analice,:
Entende-se por desenho o trabalho gráfico da criança que não é
resultado de uma cópia, mas da construção e da interpretação do objeto pelo
sujeito (...) A respeito da construção desses equivalentes, Goodnow diz que "as
crianças investem um grande tempo e esforço observando o mundo que as
rodeia e (...) 'desenhando' conclusões. Tais conclusões se referem a princípios
que as crianças constroem e aplicam a seus trabalhos’ "(DUTRA, 1992 p.04)
A partir destes olhares, o professor Paulo Albuquerque nos ajuda nas
leituras de imagens, correlacionadas com as categorias de pertencimento
étnico-racial, contradições e negações, aponta uma nova categoria em suas
leituras, chamando a atenção para as questões de gênero. Também nos ajuda
na avaliação das mesmas, correlacionando-as com as seguintes necessidades:
62 Doutora Analice Dutra Pillar - Professora da UFRGS, especialista em leituras de imagem. Foi indicada a mim, pela professora
Carmen Machado. Estabelecemos contato via e-mail, na qual me indicou alguns textos para leitura das imagens dos alunos.
53 Paulo Albuquerque - Professor do programa, que também vem acompanhando nosso trabalho de perto, especialmente a
militância. Assim, nos assessorou nas leituras de imagens feitas pelos alunos em dezembro de 2008.
Professor, doutor da UFRGS, na qual tem nos ajudado nas leituras de imagens, ou seja, nos desenhos dos alunos.
a) Forma (materialidade)
b) Fundo (relação entre sujeitos)
c) Objeto de conhecimento (razão da história).
Dentro da categoria de gênero, em relação à forma num contingente de
dezoito alunos femininos e masculinos, quinze acentuaram o sexo masculino;
dois não identificaram gênero e umo acentuou sexo algum.
Referente ao contexto das histórias apresentadas, doze apresentaram
um contexto minimalista fragmentado, três apresentaram um contexto macro
social e três não conseguiram apresentar a hisria em contexto algum.
Ainda dentro da categoria de gênero quando se referiram ao fundo,
quinze apresentaram uma relação entre os sujeitos da história fragmentada e
três, dentro de um contexto articulado.
Portanto, no que diz respeito ao objeto de conhecimento, dez
compreenderam as histórias, quatro não conseguiram representar e quatro não
conseguiram expressar nenhuma relação com o objeto.
Visando apresentarmos olhares referentes à categoria étnica, nove
negaram o quesito cor através das pinturas e traços e nove as negaram.Ao
realizarmos estas leituras, chegamos ao entendimento que o grupo identifica
gênero, expressa a hisria de uma forma minimalista e fragmentada,
conseguindo estabelecer uma relação étnica em apenas cinqüenta por cento
do grupo.
A pouca representatividade do reconhecimento étnico sinaliza a
despreocupação do programa das disciplinas e da práxis pedagógica, no
sentido de apontar caminhos para o diálogo referente à diversidade cultural
presente na escola. Evidenciamos tais fatos, a partir das imagens selecionadas
que mostraremos abaixo:
A protagonista na história apresentada, era a menina
negra. Este desenho foi feito por uma aluna branca.
Assim, identificamos também a não aceitação de
modelos negros nas referencias históricas; assim
como a dificuldade de uma criança de terceira série,
apresentar consigo referencias de impossibilidades de
mudança sobre o foco histórico. A menina Loira
Outro desenho escolhido foi o de um aluno negro, que elegeu como
protagonista da história, o coelho e o pintou de negro (pois na hisria ele era
branco). A nosso ver, este também trás consigo um processo de negão em
relação a categoria de gênero feminino. Veja:
O coelho preto
Na oitava série, foi utilizado o mesmo material, e dado o mesmo tempo
dado aos da terceira série, para que pudessem elaborar registros. De acordo
com o professor Paulo Albuquerque, utilizamos para análise, o mesmo
esquema e o foi nada diferente do que ocorrera antes: Assim, a negação da
categoria de gênero e etnia, ficou evidenciada através das seguintes frases:
Essa história não tem nada a ver comigo, pois não sou menina” e
também : “ Essa história não tem nada a ver comigo, pois nunca choro."
Estes olhares nos mostram que a história tem demonstrado que as
mudanças não se fazem por decretos. Acreditamos que a legitimão desta
proposta de mudanças, só poderá concretizar-se através de um envolvimento e
engajamento de todas as pessoas envolvidas, isto é, professores, servidores,
estudantes e pais. Entendermos eno, que estes alunos levarão para sua
caminhada educativa, as negações e contradões não trabalhadas em sala de
aula pelos professores, onde mais adiante, esta lacuna o trabalhada poderá
contribuir para os índices de evasão e repetência, onde estes ao pararem,
migrarão para os cursinhos pré-vestibulares.
E sobre estes assuntos, alguns pesquisadores vêm realizando seus
trabalhos. Vejamos a contribuição de Dircenara que acompanhou em sua
pesquisa, a radiografia dos cursos pré-vestibulares para negros em Porto
Alegre:
“Aqui destaco outro aspecto importante que o
curso tem para estes alunos: preencher um
espaço que ficou vazio na formação daqueles que
fizeram um ensino médio profissionalizante. São
disciplinas que não o vistas durante o curso
técnico e que, mais tarde, irão fazer falta para o
aluno que desejar avançar em seus estudos (...)
restará ao aluno procurar um ensino que lhe
possibilite compensar ou obter o conhecimento
que lhe faltou no passado”. ( SANGER, 2003 p.
156)
Por estas contribuições, entendemos que políticas de ações afirmativas,
devem caminhar junto com a Lei 10.639/03, porque os alunos que saem das
escolas blicas de Porto Alegre, em sua maioria são os que acessam os
cursos pré-vestibulares na busca de uma vaga nas universidades públicas.
- Um dia vou poder estudar na UFRGS professora?(E9EEEFAW).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na sociedade brasileira, podemos notar que ao longo dos anos, a
História o se faz por decretos, mas a força legal dos protocolos jurídicos
podem afetar a vida das pessoas principalmente daqueles que vêm sofrendo
processos de discriminação e negão de seus direitos históricos na sociedade
brasileira.
Como sabemos, os protocolos jurídicos promulgados dizem que as Leis
10.639/03 e 11.645/08 inserem no currículo nacional brasileiro, a História,
cultura, memória e pertencimentos das comunidades negras e africanas.
Porém, é notório que na prática isto não ainda não aconteça na maioria das
escolas públicas brasileiras, salvo- exceções ou ações pontuais realizadas
especialmente nos meses de novembro.
Os dois anos de investigação desta pesquisa nos foram permitidos
várias idas e vindas ao Quilombola e a escola envolvida. E nestes movimentos
realizamos uma analogia com ações pedagógicas e as práticas discriminatórias
presentes no mundo educativo e suas correlações como o movimento negro
que trabalha sistematicamente com a temática racial, na qual o tempo desta
pesquisa somou-se aos tempos de nossas vidas....
Nosso trabalho foi desenvolvido dentro de uma rede de parcerias- a
universidade, o movimento negro, o Quilombo e a escola investigada, na qual
todos os caminhos que percorremos nos foi necessários um retorno teórico aos
países africanos. Assim refizemos esta travessia na carona do pensamento de
Paulo Freire, Munanga, Guimarães e outros autores acessados.
Com eles, entendemos que a África ainda permanece com uma lacuna
de expropriação de sua população cuja parcela está aqui no Brasil, assim como
o distanciamento e negação étnica da maioria dos diaspóricos africanos.
As ricas parcerias realizadas com o movimento negro serviram para
chamar a atenção da luta permanente que deve ser feita em todas as esferas
sociais pela erradicação do racismo e suas formas correlatas de descriminação
– sociais e raciais e o seu acompanhamento na elaboração, efetivação e
acompanhamento das políticas públicas brasileiras.
Acessamos algumas bandeiras de luta deste segmento e constatamos
que a Lei 10.639/03 realizou o seguinte movimento: Foi construída a partir das
necessidades deste segmento, institucionalizou-se juridicamente pelo embate
travado pelo mesmo e hoje ela é implementada e acompanha também por ele
nas - nas escolas, Quilombos e nos demais setores sociais.
Colocamos em cena, algumas de suas ações que acompanhamos
durante o tempo desta investigação:
a) o processo de implementação do sistema de “cotas” na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul;
b) Manifestações culturais realizadas pela Secretaria de Direitos
Humanos de Porto Alegre - Escambo
64
I, II, III e IV.
c) Primeira e segunda Marcha Zumbi dos Palmares
65
.
d) Acolhida dos alunos cotistas na UFRGS.
d) I e II Semana de Consciência Negra
66
na UFRGS
d) I e II Feira de Exposição: “Diversidade na Universidade”
e) I “Marcha da religiosidade de matrizes africanas
67
f) Seminário da Liga de Direitos Humanos da FACED/UFRGS
68
, e a
g) promulgação da lei 11.645/03.
69
64
Escambo. Palavra de origem africana que significa trocas. Projeto idealizado pela
Secretaria de Direitos Humanos, coordenado por Letícia Almeida. Os eventos contaram com
exposições, denúncias, shows e outros no Largo Zumbi dos Palmares em POA.
65
Organizada pelos grupos e entidades do movimento negro.
66
Ações sugeridas pelo GT (grupo de Trabalho) de Ações Afirmativas da
Universidade,onde a primeira foi coordenada pelo professor Helvécio Aguiar e a segunda, pela
professora Ruth Sabat (2007/8).
67
Organizada pelo Babalorixá Baba Diba e outros representantes da religiosidade de
matriz africana. Este, também acompanhou o processo de aprovação do projeto de Cotas na
UFRGS em 2007.
68
Organizado pela Liga de DH da FACED/Faculdade de Educação, sob a Coordenação
geral de Giancarla Brunetto.
Estas são algumas das conquistas idealizadas e articuladas com o
movimento negro onde as parcerias foram significativas para entendermos
suas correlações com a práxis educativa e a sociedade brasileira.
Nas ações desenvolvidas dentro da escola e do Quilombo, ao
trabalharmos com a Lei 10.639/03, sentimos o desejo dos - alunos, pais
professores funcionários e da comunidade quilombola em conhecerem um
pouco mais sobre seus antepassados, referências e ões desenvolvidas
coletivamente sobre a temática negra, nas quais através dos diálogos,
desconstituímos paradigmas e estereótipos sobre a imagem do povo negro na
sociedade e em especial no mundo da educação.
Lembramos que no primeiro ano desta análise no Quilombo, nos foi
necessário ampliar nossas lentes para atuarmos junto a esta comunidade que
ainda tem em sua essência - as lendas africanas, mitos, tabus, assim como o
desconhecimento de seu pertencimento étnico-racial.
As resistências deste povo no sistema capitalista afirmam-se pela
manutenção de sua essência africana, manifestadas a partir das lutas pela
manutenção e permanência em suas terras. A energia emanada neste
terririo, que denominamos axé, está intimamente ligada ao respeito aos seus
antepassados enquanto um povo cheio de bravura, que nos dias de hoje
reportam-se aos ensinamentos dos mais velhos que se encontram como
mantenedores de suas histórias, merias e ancestralidade.
Entre passado e presente, várias vezes refizemos os caminhos da
pesquisa, colocando em cena, o desejo da escola, manifestados por seus
professores e a necessidade de conhecimento das Leis 10.639/03, e da
11.645/03.
Para esta operacionalizão utilizamos materiais pedagógicos,
dinâmicas e instrumentos investigativos - questionários e entrevistas para
análises de muitas ões sobre as práticas desenvolvidas em sala de aula
pelos professores, e buscamos estabelecer diálogos e correlações como o seu
projeto político pedagógico. Aqui, nos permitimos mergulhar um pouco mais
neste assunto, para apresentarmos com propriedade as observações
constatadas em sua práxis.
69
Desenvolvida anteriormente no corpo deste trabalho.
As significativas análises que nos chegaram, são necessárias para
espelharmos a parcela de um universo permeado de contradições que vêm
colocando no anonimato e fora desta, muitos alunos negros. A escola pública
observada localiza-se numa periferia de Porto Alegre e tem em seu universo
aproximadamente quatrocentos alunos. Estes, distribuídos em treze turmas na
qual são atendidos nos turnos manhã e tarde, por aproximadamente 30
70
professores.
Nossas inquietudes nasceram ao lermos o projeto e não vermos
contemplados na escola, um cimento entre a teoria e prática em especial ao
termo "todas as pessoas". Por isto fomos ver mais de perto como estavam às
relações as diretrizes da escola em conjunto com sua comunidade. De posse
das respostas do primeiro questionário, e a análise de alguns dados,
ampliamos as entrevistas para sabermos dos olhares frente às práticas
pedagógicas.
Avaliamos a atuação dos funcionários, (serventes, segurança e
secretaria), como cumpridores de tarefas, portanto, em muitos momentos
sentem-se desobrigados a inserirem-se em outros assuntos. Eles
desempenham papéis pontuais, onde as relações com os demais segmentos
da escola dão-se como dificuldades. Realizamos tal informação, de acordo com
a entrevista da funcionária que trabalha na secretaria da escola, ao ser
perguntada sobre o que conhecia da Lei 10.639/03, respondeu o seguinte:
“Não. Além de ser uma lei nova e ter pouco conhecimento sobre ela,
meu trabalho se restringe somente a parte administrativa da escola".
(CMEEEFAW)
Avaliamos seu distanciamento de forma desarticulada com o todo da
escola. Se a legislação é o principio norteador desta, como poderia a referida
lei passar despercebida pelo setor da secretaria. Portanto se esta funcionária
trabalha diretamente com estatísticas referentes à evasão e repetência é uma
lástima que ao momento o tenha se dado por conta de que sua ão não
está desconectada com as demais.
Aqui tamm cabe a contribuição de Cláudio:
70
Lembrando que tambémo confirmamos aqui daos estatísticos da escola, e nem
seu PPP para preservamos seus integrantes.
“A maioria dos professores e das autoridades de ensino não procuram
saber se a escola poderia se organizar de outra maneira, levando em conta a
pobreza e trabalhando no sentido de diminuir e compensar seus efeitos. Não
se procura adaptar a escola às necessidades dos pobres, o que seria
perfeitamente possível, mas, ao contrário, pede-se aos pobres que se adaptem
a uma escola que o foi feita para eles, o que é praticamente impossível. E,
como eles não conseguem fazer esse milagre, vão sendo pouco a pouco
eliminado, o que faz - desaparecer - o problema”. (CECCON, 1982, p. 49).
O PPP da escola diz:
necessário afirmar, ainda que este projeto pretende ser aberto. Isto
significa que está sujeito à revisão e aperfeiçoamento na medida das
necessidades". (PPP) A partir dessas informões, chegamos a algumas
questões práticas, não correlacionadas com o projeto pedagico da escola.
Algumas delas:
Sobre estas questões, constatamos que a escola possui dificuldades de
trabalhar com especificidades relacionadas às questões de diversidade,
multiculturalismo, e outras questões como ecologia, sexualidade, violência,
direitos, etc.
Em seu marco situacional, um desejo que a realidade escolar vá ao
encontro da comunidade em geral, especialmente quando tem gravado em seu
Projeto Político Pedagógico, sendo o seguinte:
"Vivemos uma realidade de carência, conflito, falta, onde a escola ainda
representa a busca do resgate de valores. O desequilíbrio dos fatores sociais,
econômicos, políticos e culturais que interferem na ação educadora, colocam a
escola numa posição praticamente isolada, ultrapassada e enfraquecida.
Frente a esta realidade, o ensino-aprendizagem tem sofrido grandes perdas
quanto à sua metodologia, avaliação, recursos humanos, físicos e materiais,
postura, remuneração, participação efetiva da família e a valorização da
educação pela comunidade e governantes". (PPPEEEFAW)
Chegamos ao entendimento, que esta escola encontra-se numa dura
realidade na qual hoje a maioria das escolas públicas se encontra,
principalmente nas questões de conflito político, pois sua dirigente passou e
passa por sérios processos legislativos, chegando a sofrer ameaças, desde a
anulação de seu calendário escolar até ameaças pessoais. Portanto seu
ambiente e a realidade que todos vivem naquele universo encontra-se em
desconexo com o PPP da escola.
Nestes críticos momentos que a escola passou durante todo o ano da
pesquisa, nos levaram a entender que a realidade no espaço das reuniões dos
professores e suas desmotivões também estavam ligados as estas
dificuldades políticas. Portanto, quando a iniciativa de trabalharmos e
apresentarmos as Leis 10.639/03 e 11.645/08, partiu dos professores, sentimo-
nos na obrigação de planejarmos o melhor para sua implementação. Por isso,
trabalhamos permanentemente para colocarmos uma "cunha
71
" nos espaços
avançados dos educadores e demais entrevistados, para que eles chegassem
a compreensão de que é possível a desconstituição de estereótipos, rótulos,
tabus e preconceitos que permeiam nossa sociedade.
Analisamos como importantíssimo e notório o trabalho realizado pela
equipe diretiva desta escola. Pois desde o primeiro momento, entendeu,
aceitou e valorizou o trabalho dos sujeitos da pesquisa na escola, nos
proporcionado valorizão, aceitação e segurança para com a nossa presença
constante, mesmo sem saber os resultados destas, entendendo nossa não
identificação da mesma e o uso deste trabalho como divulgação pública das
dificuldades pedagógicas que ainda estão l e que ainda muito por fazermos
sobre estas questões, em conjunto com a sociedade, e para contribuir com a
função do professor mais uma vez Freire nos ajuda:
“O educador deve ser um inventor e um re-inventor constante desses
meios e desses caminhos com os quais facilite mais e mais a problematizarão
do objeto a ser desvelado e finalmente apreendido pelos educandos (...) na
verdade, nas relações entre o educador e os educandos, midiatizados pelo
objeto a ser desvelado, o importante é o exercício da atitude crítica em face ao
objeto e não o discurso do educador em torno do objeto”. (FREIRE, 1984, p.
17).
71
Cunha: palavra utilizada em aula pelo professor Helvécio, para explicar que quando a
escola abre espaços, coloca-se uma cunha, para que ele não mais se feche.
Neste outro caminho do Marco Metodológico existe a necessidade de
desenvolver o comprometimento do estudante com a construção do raciocínio
e conhecimento, buscando a participação de pais e órgãos de apoio.
Nesta situação, vimos que a presença dos pais no espaço escolar -se
principalmente pela convocação dos professores para resolverem ou
conversarem sobre assuntos referentes ao desempenho e participação do
aluno em sala de aula. Um dia quando estava na escola, chegaram até a
direção, três pessoas, representando ali gerações: avó, mãe e filha. A mãe-
aluna da escola tinha apenas treze anos e procurou a escola juntamente com
sua mãe para pedir à diretora, que não suspendesse a sua desistência da
escola, casso isso ocorresse, também perderiam a contribuição do Programa
Federal "Bolsa Família"
72
. Assim, suas necessidades e situação de
miserabilidade se agravariam ainda mais.
O marco filosófico e alguns resultados do questionário e entrevistas dos
alunos apresentam-se de acordo como o retrato da participação dos
professores nas reuniões pedagógicas e nos espaços de formação onde no
final do ano ouvi da diretora na qual onde algumas provas haviam
desaparecido de dentro do caderno de chamada da professora da turma de
oitava rie, o seguinte: "Eles são o retrato da desmotivação e falta de
valorizão de seu serviço. Assim, os alunos refletem em muitos casos,
algumas atitudes dos professores" (DN EEEAW)
Nos princípios norteadores (suleadores
73
), abrimos destaque para o item
referente às diversidades culturais, étnicas, de gênero e opção sexual, religiosa
e política. Esses assuntos e tamm se identificavam em relação ao seu
72
Bolsa Família - é um programa de bem-estar social desenvolvido pelo governo
federal brasileiro em 2003 para integrar o Fome Zero, e é tecnicamente chamado de
mecanismo condicional de transferência de recursos [1]. Consiste-se na ajuda financeira às
famílias pobres e indigentes do país, com a condição de que estas mantenham seus filhos na
escola e vacinados. O programa visa reduzir a pobreza a curto e em longo prazo através de
transferências condicionadas de capital, o que, por sua vez, visa acabar com a transmissão da
miséria de geração a geração. Wikpédia em 30 de dezembro de 2008.
73
Suleadores, no sentido de referendarmos as questões sulinas.
pertencimento étnico. Estes nos levaram a acreditarmos em possíveis ações do
caminho que fizemos associndo-os a uma práxis coletiva na desconstituição de
rótulos, mitos, tabus e estereótipos presentes em sala de aula.
Estes momentos mergulhados no núcleo de formação foram
fundamentais. Não esquecendo a importante correlação estabelecidas com o
Quilombo Manoel Barbosa. A cada momento o grupo da pesquisa dialogava
sobre a imagem dos alunos negros e quilombolas, junto com suas dificuldades
pedagógicas pessoais e coletivas, que não estava nem um pouco distante das
que observara neste outro espaço denominado escola pública.
A temporalidade investida ao quilombo e a escola observada, fez
emergir a partir de seus bastidores, negações, contradições e dificuldades de
pertencimento étnico-raciais que nos levaram a dividir com eles dores e
sentimentos de uma sociedade que ainda vem avaliando o valor e o lugar das
pessoas pela tonalidade de suas peles.
Para teorizarmos esta prática da pesquisa além dos significativos
autores acessamos o pensamento de alguns iluministas para entendermos um
pouco mais as expressões carregadas de senso comum nas falas dos
entrevistados. E ao identificarmos a presença do mito da democracia racial
utilizamos como antídoto, a força da Lei 10.639/03.
Neste movimento, vieram à tona, as dores e sabores de novas
possibilidades, de olharmos de novo para as diversidades étnicas presentes
nas escolas. Ampliamos os diálogos com o movimento negro e nossa citadas
acima, assim como nossa participação no processo de implementação de
“cotas” na UFRGS. Na condição de pesquisadores não precisamos ser neutros
em momento algum. Prova destas possibilidades práticas foram as ações
desenvolvidas no Quilombo e na escola observada.
Muitas foram nossas descobertas com este trabalho e elas eso
fundamentalmente centradas na necessidade de mudança e transformação
educacional, política e social:
a) da percepção do sujeito negro não no sentido de ter presente a
discriminação, mas de ter presente outro registro perceptivo de si mesmo e,
isto tem a ver com a consciência de pertencimento étnico-racial.
b) do mito da democracia racial dentro e fora do espaço educativo, visto
que a maneira como a questão da negritude é tratada nos currículos e
processos da formação de professores tenta amenizar as relações étnico-
raciais.
c) dos processos epistêmicos e na forma como se constrói a história; as
informações sobre as raízes negras nem sempre são tratadas na sua
especificidade e na sua singularidade porque são apresentadas na perspectiva
branca;
d) dos processos metodológicos de formão dos professores que não
tem presente outra maneira de constituir a história, a partir da desconstrução
do discurso hegemônico.
e) de entender os espaços quilombolas, isto é, o Quilombo é uma
parcela constitutiva do social e precisa ser entendida como um espaço de
refencia territorial mantenedor de uma cultura própria, específica e sagrada;
f) da ênfase nos conceitos geográficos de cus e\ou topos, pois quando
se fala e discute negritude é preciso que no espaço escolar se entenda que o
terririo quilombola por constituir-se como um território fechado às
interferências externas se apresenta como resultado de um processo que na
sua historicidade é: cultura, lugar de identidade e de Direitos.
g) de uma pedagogia tradicional que não desperta o coletivo
estabelecendo correlações diretas com os países africanos, com as questões
de gênero, pertencimentos, sexualidades e identidades de uma sociedade
complexa como é a contemporânea.
Neste movimento gico analítico chegamos ao entendimento que
somente com a interveão aberta e consensuada entre comunidade escolar
no trabalho pedagógico será possível plantarmos sementes de novas práticas
que façam com que os protocoles legais (Lei 10.639-03 e 11.645\08)
efetivamente sejam instrumentos de transformação social.
Para concluir, entendemos com esta pesquisa, que a Lei 10.639/03 e
outras políticas públicas específicas para a comunidade negra precisam chegar
rapidamente à todas as escolas brasileiras com objetivos de se diminuir os
dados estatísticos negativos referentes à evasão, repetência, discriminação
racial e social.
Salientamos que a riqueza de materiais acessadas na pesquisa tais
como livros, documentos oficiais do Quilombo e da escola, fotos, artigos,
revistas, textos digitados, revistas, jornais, desenhos dos alunos, relatos, fitas,
documentários, artigos disponíveis na internet ainda não publicados, e as
cartas que recebemos do grupo de professores e de uma aluna da escola
observada, nos levaram a compreensão de que ainda muito por fazermos
neste campo, é o que no momento nos instiga a seqüência de novos estudos e
leituras e tamm a continuidade de nossas ações junto aos movimentos
sociais que pertencemos.
Pois o tempo da pesquisa nos possibilitou percebermos que é possível
a mudança das consciências e das legislações. Entretanto para que tais ações
ocorram se faz necessário que este movimento seja realizado em diferentes
insncias nas que navegamos -escolas, Quilombo e sociedade civil, assim
como as demais par que a temática negra se legitime como uma dimeno da
vida brasileira e que no protagonismo dos processos de resistências africanas
se perceba que no Brasil , ainda hoje, temos muito que aprender.
Axé!
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ANEXO
ANÁLISES DAS ENTREVISTAS INDIVIDUAIS DIRECIONADAS PARA OITOS
PESSOAS DA ESCOLA OBSERVADA NA PESQUISA QUE INTITULAMOS:
NEGAÇÕES, CONTRADIÇÕES E PERTENCIMENTOS....
.Na primeira pergunta referente à como cada um se auto-declara
eticamente perante a sociedade. Os entrevistados negros, com exceção da
funcionária, se declararam “negros”. Para nós, esta exceção, é o assunto que
desejamos desenvolver, pois retrata diretamente a negação de sua pessoa
associado ao seu pertencimento étnico-racial.
Todos os não negros ao serem perguntados de seu pertencimento
étnico, apresentaram a seguinte resposta: "brancos".
Novamente nos reportamos a dificuldade de auto-declarar negro no
Brasil, ao pensamento de Milton Santos que já trabalhamos anteriormente em
ralação ao lugar. Pois a funcionária da cozinha (na qual observei ser a única,
assim como a professora negra), quando a diretora a convocou para esta
entrevista, disse a ela: - Minha nêga, sobrou você para responder este
questionário, pois estão pedindo aqui, uma funcionária negra! Tem alternativa?
Não tem”. (DEEEFAW)
Analisamos que ao fechar sua solicitação, a diretora incube a mesma de
mais uma tarefa a ser cumprida. Mesmo após explicar a ela os motivos do
questionário e da entrevista, mesmo assim, notei que ela concedeu a entrevista
com pouca vontade. Associamos estes fatores também a sua negação étnica.
No dia em que estive na escola para aplicação do primeiro questionário durante
minha fala, notei que esta funcionária cochilava.
Recorremos ao diciorio brasileiro “Aurélio”, para apresentarmos as
diferenças negro e branco. Negro: “Diz-se do indivíduo de raça negra; sujo,
encardido. Maldito, perverso. Escravo” (FERREIRA, 1986. p.282) Branco:
Indivíduo da raça branca. Sem mácula, inocente, inocente, puro, cândido,
ingênuo: alma branca” (op.cit.:1187)
Esta polaridade relacional de uma etnia com a outra em sala de aula,
transcende o espaço da sala de aula, assim como o tempo. Tempo este na
qual o sujeito pode levar muitos anos para construir seu pertencimento que fora
abalado na infância. Por isso, uma das mais árduas tarefas de ativistas e
militantes, é atuar diretamente na destituição destes termos.
As respostas sobre o continente africano apresentam olhares ainda mais
negativos do que positivos. Os entrevistados negros referem-se a este país
como: sofrimento, cheia de doenças, muita pobreza, sem muitas expectativas
de vida, bastante miséria.
Os entrevistados brancos referem-se á África enquanto: um espaço
onde a maiorias dos habitantes são negros, muita miséria, um país de negros
onde antigamente os brancos buscavam escravos.
Além destes olhares, a falta de conhecimento e distanciamento
evidencia-se tamm através da fala desta funcionária:
Sei o que vejo em reportagens na tevê, jornais, livros e revistas. É um
lugar de contrastes, onde alguns lugares apresentam riquezas como na África
do Sul e outros sofrem com a pobreza, doenças e falta de saneamento básico.
É também lugar de clima quente, animais exóticos e algumas ilhas, falando o
idioma Português".
Mesmo sem apresentarem maiores conhecimentos sobre a África,
deslocamos de para o currículo, e ao serem perguntados sobre a
importância da História da África no espaço escolar, os entrevistados negros
com exceção da mesma funcionária que não respondeu, os olhares foram:
“A escola oportuniza através de livros, vídeos, seminários um pouco da
hisria da negritude”(E1EEFAW); à negação desta ação:
“Na verdade a escola não fala muito sobre a África, mas na verdade a
hisria não tem grandes importância perante os alunos” (E2EEFAW);
Até o pensamento de uma mãe negra que transferes um pouco de sua
contribuição para a escola:. “Acho que deve ser trabalhado na escola para que
as crianças saibam de onde vieram seus ancestrais".(E3EEFAW)
Ainda sobre esta questão, as respostas da comunidade branca deram-
se desde uma abordagem contraditória da professora: “...) ...não trabalho muito
este continente. Fala-se sobre África, quando o tema é Abolição da
Escravatura";(E5EEFAW) á curiosidade da aluna: "Em minha opinião, é sim
muito importante saber como é a vida dessas "pessoas" que moram na África
vivem. Se guerras ou não, se vivem na miséria ...(E6EEFAW); ao reforço
do mito da democracia racial referente ao sofrimento presente na funcionaria
negra: “É muito importante a história da África na escola, para os alunos
saberem a origem dos negros, a história sofrida que eles tem desde os tempos
dos escravos"(E7EEFAW), a o reconhecimento desta funcionária da
contribuição étnica e cultural: "É muito importante falar sobre sua hisria, pois
os negros escravizados pelos portugueses vieram de e ajudaram a formar o
povo e a cultura brasileira".(E8EEFAW)
Entendemos um pouco mais a declaração de cada um referente ao
seu pertencimento étnico-racial, realizado na primeira pergunta, buscamos
neste momento as várias composições étnicas de seus familiares. Assim, os
entrevistados negros em momento algum identificaram seus pais descendentes
somente da etnia negra, apresentando tamm além da etnia branca, a
indígena.
Os não negros, ampliaram as etnias, na qual a negra e parda
aparecem somente uma vez entre as demais: branca, argentina, indígena,
italiana, portuguesa, espanhola. Assim, estas constatações somam-se ao
pensamento de Francisca M. N. Souza, ao afirmar:
Há ainda uma espécie de pacto de convivência, afinal, ser reconhecido
ou reconhecer alguém como negro soa, muitas vezes, como coisa negativa ou
insulto, por ser associado à condição inferior. Ao passo que terminologias
consideradas amenas como moreno, pardo, bronzeado ou algo semelhante
conferem, no imaginário social, uma posição mais aceitável para o sujeito”.
(SOUZA, 2005, p. 109)
Os pensamentos dos entrevistados se sabiam o que significa
discriminação, todos afirmaram saber, e com exceção da mesma funcionária
que não respondeu a comunidade negra ainda apresenta um distanciamento
pessoal destas questões: Sim. Discriminação é tratar de modo injusto, fazer
diferença por razões étnicas, religiosas".(E5EEAW); ou: Sim. Eu presenciei
na minha família por parte de meu avô contra minha irmã. É tratar outra pessoa
mal, só pela sua cor, vel social; até o olhar da mãe negra: " Eu entendo que
é o que as pessoas acham diferente e não gostam, sem conhecer ao fundo da
questão". (E6EEFAW)
Sobre a mesma questão, os não negros responderam apresentaram
subjetividades que o desde o descaso, a o reforço da cor. Vejamos: Sim.
É sentir que o outro não fala com você (não dirige a palavra...), ou se fala é de
forma desrespeitosa, (com descaso)" (E5EEFWA), também: Para mim,
discriminação é quando uma pessoa "exclui" outras por serem diferentes na
raça, na cor, na aparência, ...."(E6EEFAW), ou: " sim, já ouvi muito.
Discriminação é você não aceitar a pessoa como ela é. Por exemplo, o negro
pela cor. As pessoas não aceitam porque é negro. Desprezam, humilham
aquela pessoa"(E7EEFAW). Até a opinião da seguinte: Sim, desde a minha
infância sempre ouvi falar sobre esse assunto que, infelizmente, ainda existe
em pleno culo XXI. Entendo que é uma forma absurda que alguns criaram
para se sentirem superiores a outras raças".(E8EEFAW)
Agora, aos serem questionados se haviam passado por algum tipo
de discriminação, a negação e distanciamento tornam-se evidentes, assim
como as respostas fechadas ao diálogo: Não"(E1EEAW); Eu nunca passei por
este tipo de discriminação. Espero que nunca aconteça"(E2EEA) até: Já. Fui
ver um serviço e a dona da loja falou que havia preenchida a vaga. Isso foi
em um loja de linhas e lãs. Me revoltei mas não fiz nada".
Funcionária negra. (E3EEAW). Mais um : "Não".(E4EEAW)
Sobre este assunto, os brancos responderam que sofreram
discriminações, associadas às questões de classe, ou seja, condição social e
não étnica: Sim. Por ser de origem humilde. Na minha terra (Ba) que eu amo
demais sempre percebi colegas da escola e professoras me discriminarem com
palavras e atitudes. Sempre estudei em colégio de "freiras" ou seja, de
"meninas ricas" como eu era pobre....(E5EEAW); " passei mas não foi nada
grave. Apenas algumas colegas me chamaram de "branquela metida". Não fiz
nada, nem dei bola".(E6EEAW) e também: " Não, não passei por nenhuma
discriminação racial, mas já desconfiei de ter sofrido discriminação sócio-
econômica muito tempo atrás quando era adolescente e entrei de tênis e
calça jeans (como qualquer jovem da época) numa joalheria para saber o preço
de um óculos de sombra de marca famosa e percebi que as atendentes riam e
falavam baixo (ao do ouvido) como quem diz: Quem ela pensa que é para
ter condições de comprar um óculos deste valor?”
E para ver como a escola vinha trabalhando assuntos de negritude
aparecem algumas ões pontuais desenvolvidas na escola, assim como a
necessidade de inserção destas questões. Os entrevistados negros disseram o
seguinte:
“Algumas disciplinas (história, geografia e filosofia) trabalham mais. A
escola fez concurso do negro e negra da escola".(E1EEFAW). Depois
constatamos que a escola não oferece a disciplina de filosofia no primeiro grau.
Ou: trabalhou mais. Agora não está trabalhando tanto. Mas quando fala,
não deixa nada a desejar”(E2EEFAW); O desejo da mãe: “Acredito que
estejam trabalhando com, palestras, vídeos, feiras, ...."(E3EEFAW).A
Funcioria negra: Sim, nas festas.(E4EEAW)
Nesta questão, a comunidade o negra, com exceção da professora,
todos afirmaram que a escola trabalha assuntos de negritude: Muito pouco.
Como professora falo pouco, ou nas datas comemorativas ou quando percebo
algum aluno discriminar o colega por causa da cor. Então, páro a aula e
converso muito”.(E5EEFAW), ou: Sim, em novembro fazem desfile do negro
(a) mais belo da escola e em aula trabalhou sobre discriminação racial e o
contexto histórico”.(E6EEFAW); Sim fazendo em trabalho em sala de aula
sobre os negros, a comida, a cultura, ....(E7EEAW); e mais ações pontuais:
Sim, dentro das disciplinas ministradas e durante os eventos pedagógicos e
sociais como: palestras, festa das etnias e concurso de beleza"(E8EEFAW).
Para observarmos os mitos no interior da escola, perguntamos como
percebiam a situação da comunidade negra no Brasil, com exceção da
funcionária negra, foram: "Muito discriminada, devido a baixa escolaridade. A
escola é trocada pelo trabalho, gerando um índice alto de evasão(E1EEFAW);
Está crescendo cada vez mais. Mas tem muitas comunidades que precisam de
auxílio para crescer".(E2EEFAW) ou: " Acho que está melhorando, pois hoje
sabemos nos impor e batalhar pelo que queremos e pelos nossos
espaços".(E3EEFAW)
Os não negros, associaram as amenizações com medo de algumas
represálias, até as possibilidades de jogarem para esta comunidade a
responsabilidades de não se aceitarem, assim como chamá-los de
“recalcados”: "Acho que es menos discriminada. Talvez porque as pessoas
estão mais conscientes ou porque tem medo de serem
processadas".(E5EEFAW) " Acho que não muito bem, pois pelo que vejo
muita discriminação com os negros" (E6EEFAW); " Acho a comunidade negra
do Brasil uns recalcados. Eles mesmos se discriminam, o aceitam a própria
cor".(E7EEFAW) e: " Acredito que estão ganhando espaço em todas as áreas,
porque tenho tido notícias sobre diversos movimentos sociais e culturais e
também sobre aspectos jurídicos"(E8EEFAW)
Para dialogarmos com as questões de lugar trabalhado por Milton
Santos e outros autores referentes aos mitos, perguntado a eles sobre o que
fariam pelo povo negro, caso fossem o Presidente da República. A comunidade
negra chegou ao entendimento de: “Escolas com tempo integral que
oferecessem cursos profissionalizantes, também complexos esportivos e
geração de empregos"(E1EEFAW).ou: " Implantaria postos de ajuda moral nas
comunidades. Abriria mais cotas para negros em faculdades: medicina,
advocacia, juiz. Mais centros de atividades culturais. Tudo por um futuro sem
racismo e discriminação"(E2EEFAW); até: " Daria empregos iguais aos que os
brancos têm. Mais cursos, inclusive em faculdades. Pois acredito que se você
tem emprego, consegue buscar o resto".(E3EEAW) " Não faria só pelo negro,
mas sim pelo povo brasileiro".(E4EEFAW)
Sobre estas situações, os brancos responderam desde as resistências,
até às contradições: " De prático não sei dizer no momento. Não quero colocar
alguma coisa aqui, só porque tenho que preencher este questionário. Eu acho
que teria que haver um estudo profundo primeiro para conscientizar as pessoas
que ninguém é melhor do que ninguém. É apenas uma questão de pele, de "
melanina". Depois baixar leis??? Não sei. Acho que neste caso o podemos
obrigar ninguém através da lei, a aceitar o outro... Então, seria conscientizar
mesmo. Penso que não deve ser fácil que a discriminação ( em qualquer
situação) é cultural e se perpetua através dos tempos".(E5EEFA) : " Se um dia
eu fosse Presidente, faria mais projetos que envolvesse a cultura para que não
houvesse tanta discriminação".(E6EEFAW) : "Daria mais cultura para que ele
não renegassem a própria cor".(E7EEFAW) : " Realizaria projetos de inclusão
social, trabalharia os aspectos da Lei 10.639/03 ampliando efeitos para
diversas áreas alem da educação".(E8EEFAW)
Mais algumas contradições entre teorias e práticas educativas
apresentaram-se quando perguntados sobre como ficaram sabendo da
existência da Lei 10.639/03: professora negra: Algumas coisas pelos jornais e
na escola, nos cursos de formão, aluno negro: Nenhum contato, na verdade,
não sabia que existia essa lei
E a mãe negra: Ouvi falar através de alguns amigos, alguns grupos de
conversa, mas não estou a par"; funcionária negra: " Não".
Para esta pergunta, os não negros responderam: professora: " Pouco.
Na escola quando Eliane esteve aqui fazendo trabalho conosco".aluna: " Na
escola numa palestra, mas não tenho muito conhecimento".mãe: " Ouvi falar na
lei. Sou contra ela. Eu não posso chamar um negro de negro que sou
processada. Mas se o negro me chama de branquela, é normal".funcionária: "
Sim, aqui na escola através de palestra e vídeo sobre o assunto e em algum
programam de reportagem na televisão".
Assim, ao serem perguntados sobre os aspectos positivos da
implementação da Lei 10.639/03, com exceção da funcionária negra que disse
não estarem a par do assunto, os demais se apresentaram favoráveis sob os
seguintes argumentos: “Oportunizar aos alunos um conhecimento de suas
raízes, seus direitos e deveres.”(E1EEFAW); Que nas escolas poderá
acontecer de haver menor discriminação e o principal diminuiria o
racismo.(E2EEFAW); Espero que seja bom para todos.(E3EEFAW)
Os não negros responderam: “Precisaria ler bem a lei, entendê-la,
discutir para então poder destacar os aspectos solicitados” (E5EEFAW): Que
pode melhorar a cultura da negritude".(E6EEFAW); As pessoas vão medir as
palavras quando se referirem aos negros".(E7EEFAW): Divulgação maior e real
da cultura negra no Brasil, sua importância para nossa história.(E8EEFAW)
No que diz respeito aos aspectos negativos da Lei e suas perspectivas
de efetividade, observamos que alguns não souberam responder, outros ainda
estão na expectativa e uma entrevistada questiona sobre o direito dos brancos
também. Vejamos: "Como qualquer outra lei, poderá ser cumprida ou não.
Muitas vezes é uma lei de " faz de conta".(E1EEFAW) : " Nem sempre o que
está escrito é cumprido".(E3EEFAW).
Os componentes da comunidade não negra responderam que não
sabem, assim como uma questionou: " uma lei para os negros ofendidos. E
os brancos ofendidos por eles, ficam como?".(E7EEFAW)
A partir das contribuições dos entrevistados, destacamos as questões
mais relevantes, nas quais apresentam contradições, negações relacionados
com o pertencimento étnico-racial, e suas desconexões com o currículo da
escola, na qual ainda não consegue inserir em sua práxis, a história dos negros
e dos africanos no Brasil, que ainda são apresentadas aos alunos, um mundo
cheio de estereótipos, mitos e tabus e preconceitos, denunciando neste
universo a não aplicabilidade da Lei 10.639/03.
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